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O mecanismo da substituição tributária no ICMS e seus aspectos jurídicos, econômicos e constitucionais
O presente trabalho possui como escopo avaliar o mecanismo do instituto de Direito Tributário denominado de Substituição Tributária Progressiva no ICMS, principalmente em relação aos seus aspectos constitucionais, seus aspectos jurídicos e seus aspectos econômicos. Desta forma, avaliar-se-á a conjuntura histórica na qual esta sistemática foi incluída no ordenamento jurídico brasileiro, bem como os papéis que fazem deste mecanismo um tema indubitavelmente polêmico e controverso no mundo tributário. Serão, então, tecidas algumas considerações que pretendem definir o atual posicionamento doutrinário e as tendências acerca da Substituição Tributária Progressiva no ICMS junto ao Supremo Tribunal Federal, além de seus reflexos no mundo da economia e dos consumidores quando de sua aplicação junto à sociedade. Discute-se, então, a soma da teoria dogmática como posicionamento jurisprudencial e doutrinário e com a prática do mecanismo, sempre a fim de se definir que esta sistemática foi um instituto trazido ao Direito Tributário em prol do aprimoramento do Sistema Tributário Brasileiro, com o intuito de torná-lo menos oneroso aos contribuintes e igualitário e equitativo para a sociedade brasileira. Por fim, cumpre salientar que a presente pesquisa foi desenvolvida com embasamento doutrinário e jurisprudencial e que tal matéria está situada nas esferas do Direito Constitucional, do Direito Tributário, do Direito Financeiro e Econômico e do Direito do Consumidor.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, mais conhecido como ICMS, certamente é considerado um dos tributos mais importantes do ordenamento jurídico brasileiro, afora que é a maior fonte de recursos dos Estados da Federação. Neste passo, cediço que o ente público possui várias sistemáticas administrativas utilizadas com a finalidade arrecadatória do aludido imposto, sendo a substituição tributária uma delas. Tal mecanismo, o qual antecipa o recolhimento do tributo antes mesmo que se concretize a operação, representa esse incitamento arrecadatório, o qual é considerado, por inúmeros doutrinadores, inconstitucional. O mecanismo da substituição tributária foi criado e incorporado no ordenamento jurídico brasileiro, primeiramente, a fim de impedir a sonegação, facilitando, assim, que fosse realizado um controle e uma fiscalização mais eficaz pelos respectivos órgãos competentes, além de, num segundo momento, propiciar maior arrecadação. O Código Tributário Nacional – CTN, em seu texto original, mais precisamente seu artigo 58, § 2º, II, foi quem instituiu a sistemática da Substituição Tributária. Todavia, foi revogado em 1968. Mas, no ano de 1983, voltou a viger no ordenamento juridico brasileiro, ganhando no ano de 1993 status constitucional, através da edição da Emenda Constitucional nº. 03/93. No entanto, só foi possivel viabilizar a aplicabilidade deste mecanismo com a edição da Lei Complementar nº. 87/96. Nesta conjuntura, a constitucionalidade do mecanismo da substituição tributária foi abundantemente discutida, arguindo-se, sobretudo, a presunção do fato jurídico futuro sob o escudo dos princípios da tipicidade tributária e da capacidade contributiva tributária e, no que tange ao ICMS, sob a égide do princípio da não cumulatividade. Um dos principais pontos de inconsonância foi introduzido pela reforma de 1993 da Constituição Federal, em seu artigo 150, § 7º. Parte da doutrina alega a inobservância da faticidade do pressuposto na hipótese de incidência quando da aplicação da substituição. Neste passo, o ilustre doutrinador Marco Aurélio Greco leciona em sua obra Substituição Tributária[1] que “tal regime se legitima a partir da observação dos requisitos da necessidade, da adequação e da proporcionalidade” (sob o âmbito da relação entre o fato jurídico presumido e o fato real). Outrossim, Marciano Seabra Godói e Gilberto Ayres Moreira (2001, p. 81-87) dispõem que: “A proporcionalidade estaria vinculada à proibição de excessos de forma que o arbitramento da base de cálculo abstrata e o valor real obtido se aproximem ao máximo”. Desta forma, conforme a magnitude em que o Estado, fulcrando-se no fato gerador presumido, verifica responsabilidade em relação a serviços, mercadorias ou bens aos sujeitos da relação, convenciona-se a base de cálculo da incidência precipitada, sendo que essa base de cálculo pautar-se-á na soma do valor da operação ou da prestação efetivada pelo substituto, sendo acrescidos a ela o valor do transporte das mercadorias e o valor referente à margem de valor agregado, adsorvendo-se parâmetros para compor a aludida base de cálculo. Neste diapasão, o mecanismo da Substituição Tributária no ICMS, mesmo sendo uma forma diferenciada de arrecadação tributária, não se distingue dos diversos tributos existentes no ordenamento jurídico quanto a sua incidência e quanto à aplicação da regra matriz de incidência. Assim, com a ocorrência do fato imponível[2] na hipótese incidente legal[3], nasce a obrigação do particular que praticou tal fato para com o Fisco. Adverte-se, contudo, no que tange ao ICMS, a aplicação do princípio da não cumulatividade, competindo ao contribuinte, na ocasião de adimplir com a obrigação tributária, descontar a quantia devida dos valores de ICMS pagos na etapa anterior. Nas esferas econômica e consumerista, verifica-se que a predileção do elemento presumido necessita ocorrer dentro do ciclo econômico da mercadoria, em etapa antecedente e expressivamente reducente do número de contribuintes a serem fiscalizados. Assim, a base de cálculo presumida deve obedecer a critérios específicos de dedução, aproximando-se, o mais possível, do valor da futura venda ao consumidor. O Pretório Excelso, no âmbito do direito tributário, oferece um raciocínio no sentido de conferir a máxima eficácia aos valores da isonomia, do combate à sonegação e da praticidade, conservando a finalidade desejada pelo legislador ao instituir a sistemática da substituição tributária no ordenamento jurídico. Tem-se, destarte, um posicionamento respaldado em valores jurídicos, coesos com a hodierna linha interpretativa do Tribunal, além de compatibilizar com o esboço dogmático do mecanismo e com os princípios tributários. Portanto, verifica-se comprovado que as questões levantadas em relação à sistemática da substituição tributária a partir da óptica constitucional, jurídica e econômica devem ser tratadas de uma maneira crítica, fática e analítica, com a finalidade de extinguir quaisquer dúvidas que se engendrem em relação a sua aplicabilidade e suas consequências, seja pela relação formada entre os sujeitos do regime, seja pela reação econômica e aos consumidores finais dos produtos sob o amparo deste sistema. 2 DO BREVE RELATO HISTÓRICO 2.1 Do surgimento e da importância da substituição tributária no Direito Tributário Brasileiro A substituição tributária foi instituída no ordenamento jurídico brasileiro com um único objetivo: evitar a sonegação por meio da facilitação do controle e da fiscalização através dos órgãos competentes. Consequentemente, atingindo-se o objetivo, seria propiciada maior arrecadação do aludido imposto ao ente competente para tanto. Com feito, a fim de facilitar o controle da arrecadação e fiscalização do tributo, os Estados, na década de 70, imediatamente nos primeiros anos de vigência do antigo ICM, passaram a refletir na substituição tributária como forma de facilitar a operacionalização do imposto. Todavia, grande debate nasceu com a retenção do ICMS na fonte, em que o fabricante, ao vender para o comerciante, já deveria reter o ICMS que incidiria em venda futura, destarte, antes da ocorrência do fato gerador[4]. Assim, foi no texto original do Código Tributário Nacional – CTN – mais precisamente em seu inciso II, § 2º, artigo 58, que brotou o instituto da substituição tributária, o qual assim dispunha: “Art. 58. Contribuinte do imposto é o comerciante, industrial ou produtor que promova a saída da mercadoria. (…) §2º A lei pode atribuir a condição de responsável: (…) II – ao industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido por comerciante varejista, mediante acréscimo, ao preço da mercadoria a ele remetida, de percentagem nao excedente a 30% (trinta por cento) que a lei estadual fixar.” No entanto, no ano de 1968, referido instituto foi revogado através do Decreto lei nº. 406, voltando a viger, tão somente em 1983, através da edição da Lei Complementar nº. 44. Com a edição da Emenda Constitucional nº.03/1993, a substituição tributária ganhou status constitucional, assim determinando em seu artigo 150, §7º: “Art. 150. … § 7º. A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.” Mesmo com status constitucional, a sistemática da substituição tributária ainda não possuía a devida aplicabilidade, o que passou a ocorrer somente em 1996, quando foi editada a Lei Complementar nº. 87, a qual conferiu à substituição tributária viabilidade aplicativa, pois passou a incorporar em seu próprio texto a autorização para tal procedimento. Já a substituiçao tributária “para frente”, em que o ICMS é retido na fonte, foi instituída no ordenamento jurídico brasileiro na década de 70, também como meio facilitador de controle das operações e dificultador de sonegações. Ato contínuo, no ano de 1983 houve a edição da Lei Complementar nº. 44, inserida através do Decreto Lei nº. 406/68, a qual previa a possibilidade de subistituição tributária das operações subsequentes. Ainda após a edição da referida Lei Complementar, porém,  as decisões judiciais permaneceram divergentes, pois ora eram favoráveis ao Fisco, ora aos contribuintes. Mas, no ano de 1994, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da uniformização jurisprudencial, pacificou o entendimento no sentido de legitimar esta modalidade de substituição. Portanto, o mundo jurídico muito discutiu acerca da constitucionalidade desse mecanismo, questionando, principalmente, a possibilidade de se presumir fato jurídico futuro sob a égide dos princípios da tipicidade e capacidade contributiva tributária e, no que tange ao ICMS, o princípio da não cumulatividade. Neste passo, no alcance em que o Estado, fulcrando-se no fato gerador presumido, atribui responsabilidade em relação a mercadorias, bens ou serviços aos sujeitos da relação, estipula-se a base de cálculo da incidência antecipada, pautando-se na soma do valor da operação ou da prestação realizada pelo substituto, acrescida pelo valor do transporte das mercadorias e pela margem de valor agregado, fixando-se parâmetros para compô-la. Acerca da importância do mecanismo no universo jurídico tributário e na sociedade como um todo, a substituição tributária evidencia ser, indubitavelmente, um meio eficaz de combate à sonegação, garantindo que todos os contribuintes arquem com o ônus tributário que lhes é cabível. Ademais e de suma importância, trata-se referido mecanismo de uma técnica indispensável à promoção da justiça fiscal, zelando para que os cidadãos percebam a efetividade prática e isonômica das normas tributárias pertencentes ao Estado Democrático de Direito, que tem vultosos gastos sociais a cumprir e escolhe as imposições fiscais como fonte ordinária de receitas.[5] De tal modo, cristalino é o valor deste mecanismo na atual sociedade brasileira, posto que alcança setores economicamente acentuados e de complicada fiscalização, correspondendo a significativa parte da arrecadação dos estados. 2.2 Da evolução legal da substituição tributária no Brasil Heleno Torres (2001, p. 87-108), inteligentemente, definiu a substituição tributária como o mecanismo de arrecadação no qual um terceiro sujeito se insere na relação jurídica entre o fisco e o contribuinte de modo a antecipar o pagamento devido por este, cabendo o ressarcimento decorrente do regime plurifásico. Portanto, conclui-se que a obrigação tributária se extingue com a ocorrência do fato gerador previsto para o contribuinte. Desta maneira, a Emenda Constitucional nº. 3, de 17 de março de 1993, em seu artigo 150, § 7º, determinou que: “A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.” Da leitura deste texto e extraindo-se as principais características do instituto ora analisado, tem-se que: num primeiro momento, a técnica da substituição tributária implica uma pessoa substituta e outra substituída, sendo que a substituta é a responsável, enquanto a substituída é a verdadeira contribuinte, conforme ensina Aires F. Barreto (2002, p. 7-32). E mais, observa-se que, sob este regime de arrecadação tributária, a terceira legalmente responsável é quem efetua o recolhimento antecipado da exação que incidiria em operação futura, substituindo o contribuinte desta obrigação tributária presumida, repassando-se o encargo tributário adiantado. A Lei Complementar nº. 87/96, através de seu artigo 6º, autoriza a aplicação da sistemática de substituição tributária ao ICMS, restando aos Estados a atribuição de responsabilidade em relação às mercadorias, bens ou serviços. Desta maneira, embasando-se em fato gerador presumido, estabelece-se a base de cálculo da incidência antecipada como a soma do valor da operação ou prestação realizada pelo substituto tributário, do montante dos valores relativos ao transporte de mercadorias e da margem de valor agregado, incluindo-se o lucro das operações ou prestações subsequentes. Neste diapasão, o legislador estipulou parâmetros para determinar valores abstratos aproximados, estabelecendo-se, assim, a margem de valor agregado: “(…) com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei.” É desta maneira acima citado que dispõe o §4º do artigo 8º da Lei Complementar nº. 87/96. Outrossim, no Estado de São Paulo, a lei contempla uma ampla interpretação ao dispositivo constitucional quanto à obrigação da restituição do valor pago a maior. Ora, a redação do artigo 66 da Lei Estadual nº 6.374/95, alterada pela Lei 9.176/95, certifica a restituição do imposto pago antecipadamente, não apenas no caso em que não se efetive o fato gerador presumido na sujeição passiva (artigo 66–B, inciso I, da Lei Estadual nº. 6374), mas ainda quando se comprove que na operação final com mercadoria ou serviço restou configurada obrigação tributária de valor inferior à presumida (alteração da Lei Complementar nº. 87/96, em seu artigo 19). A incidência e o emprego da regra matriz do ICMS são semelhantes aos demais tributos. Não obstante, nesse há a particularidade do cumprimento ao princípio da não cumulatividade, ou seja, o contribuinte abaterá do montante devido os valores referentes aos ICMS já pagos na etapa anterior do momento que adimplir sua obrigação. Conforme ensinamento de Geraldo Ataliba (1989, p.730-96), o direito de abater é expressão fática do princípio da não cumulatividade do ICMS. Por derradeiro, o artigo 20 da Lei Complementar nº. 87/96 não adotou o método do tax on tax (dedução do imposto) para efeitos da substituição tributária no ICMS. De acordo com aludido artigo, o sujeito passivo pode abater o imposto anteriormente cobrado, para a compensação, em “operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente.” 3 DO CONCEITO DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA 3.1 Do conceito de substituição tributária Conforme afirmado em capítulo anterior, o mecanismo da substituição tributária foi positivado com o objetivo de evitar a sonegação por meio da facilitação do controle e da fiscalização através dos órgãos competentes, bem como propiciar uma maior arrecadação do aludido imposto ao ente competente para tanto, além de condensar a cobrança de tributos plurifásicos em um singular pagamento. Pois bem, foi com esse objetivo que houve a inserção da substituição tributária junto ao ordenamento juridico brasileiro. Cumpre, agora, conceituá-la. O Doutrinador Heleno Torres (2001, p. 87-108) define a substituição tributária como: “[…] o mecanismo de arrecadação no qual um terceiro sujeito se insere na relação jurídica entre o fisco e o contribuinte de modo a antecipar o pagamento devido por este, cabendo o ressarcimento decorrente do regime plurifásico.” Para José Eduardo Soares de Melo (1997, p. 179), a substituição tributária é definida da seguinte maneira: “Trata-se a substituição de imputação de responsabilidade por obrigação tributária de terceiro que não praticou o fato gerador, mas que tem vinculação indireta com o real contribuinte. O substituto tem decorrer naturalmente do fato imponível, da materialidade descrita (hipoteticamente) na norma jurídica, não podendo ser configurado por mera ficção do legislador.” 3.2 Das modalidades de substituição tributária Quanto às modalidades, quando se fala em substituição tributária, é comum associá-la à cobrança antecipada em relação a um fato gerador futuro. Todavia, é necessário observar que ela também pode ocorrer relativamente a operações e prestações antecedentes, concomitantes ou subsequentes. O presente trabalho aborda a substituição tributária das operações subsequentes, ou seja, a retenção do ICMS na fonte, que ocorre quando determinado produto tem poucos fabricantes ou importadores, e inúmeros comerciantes que o revendem, sendo de grande valia para o Estado exigir daqueles que, ao vender para o comerciante, calculem, à parte, o valor presumido da venda futura do comerciante e já cobre na nota fiscal, em separado, o valor do ICMS retido por substituição tributária em relação às operações subsequentes (ROSA, 2009, p. 10). 3.3 Das teorias de substituição tributária no ICMS Diversas são as linhas argumentativas que analisam o instituto da substituição tributária na esfera do ICMS, sendo que algumas delas merecem um destaque especial. Há a tese da inconstitucionalidade do instituto, que será detalhadamente exposta neste trabalho em momento oportuno, e que consiste, basicamente, na afirmação de que tal instituto viola diversos princípios constitucionalmente garantidos. Trata-se de opinião já superada, inclusive pela posição jurisprudencial. Outra tese bastante discutida é a da presunção relativa, supostamente criada por lei, a ser confirmada no momento da ocorrência do fato no mundo real, o que cria a necessidade de eventual devolução nos casos em que o valor presumido não corresponder ao valor real da venda[6]. Nesse modelo, o futuro fato material presumido teria o condão de confirmar ou não a presunção, ou seja, em havendo diferenças entre a base de cálculo presumida e o preço final de venda: “[…] a alternativa que entendemos viável, reproduz-se pela recomposição da conta corrente do ICMS, o que implica reformulação do sistema de apuração originário que se faz por confronto entre débito e crédito por mercadoria em cada operação, para fazê-lo por período. Porém, nessa circunstância analisada, para saber quais os débitos das operações realizadas pelos varejistas, torna-se imperioso o fracionamento do valor agregado, em partes iguais, quando não houver outra forma no caso concreto”. (LIMA NETO, 2000, p. 78) Há, ainda, a tese defendida por renomados juristas como Marco Aurélio Greco, em que o cerne da norma descrita no § 7º do artigo 150 da Constituição Federal não seria a substituição tributária em si, mas sim a antecipação da exigência do tributo, visto ser esta norma aplicável não somente ao ICMS, mas a impostos e contribuições também. Nas palavras de Marco Aurélio Greco: “[…] o § 7º do art. 150 da CF de 1988 está prevendo a figura da “antecipação”, pois contempla hipótese de atribuição de responsabilidade tributária em função de um evento futuro; ou seja,figura em que o tributo é exigido de um contribuinte numa etapa do ciclo econômico, em contemplação de um fato gerador a ocorrer em etapa posterior, em geral tendo a mesma mercadoria por objeto”. (GRECO, 2001, p.14). Ainda segundo essa tese, se a antecipação for com substituição, deve atender a três cláusulas: vinculação, atribuição e vedação de excesso ou restituição. A vinculação estaria atrelada ao pressuposto de fato (e não ao fato gerador): “[…] ao invés da legislação atrelar a exigência de recolhimento do dinheiro aos cofres públicos ao momento em que estiver concluída a ocorrência do fenômeno (econômico ou jurídico) qualificado pelo ordenamento, ela conecta a exigência a uma fase preliminar, como que antecipando as consequências que, no modelo tradicional, só seriam deflagradas depois da ocorrência do próprio fenômeno. Sublinhe-se que o fato qualificado para fins de deflagrar o recolhimento deve ser fase preliminar do fenômeno, econômico ou jurídico, que compõe a materialidade da competência tributária constitucional prevista, e não necessariamente do fato gerador do tributo.” (GRECO, 2001, p.30). Em relação às cláusulas de atribuição e de vedação de excesso ou de restituição, tem-se que a primeira diz respeito à necessidade de vínculo entre a terceira pessoa responsável pelo recolhimento do tributo com o respectivo pressuposto de fato sendo, no caso do ICMS, o ciclo econômico da mercadoria e a segunda implica uma “vedação a se cobrar mais do que resultaria caso fosse aplicado o modelo clássico do fato gerador da obrigação tributária, impondo-se a devolução sempre que o fato real não acontecer ou, acontecendo, não se der na dimensão originalmente prevista, pois havendo excesso este tem natureza de cobrança indevida”. (GRECO, 2001, p.25). Ainda, outra tese pertinente de se ressaltar é a que considera a substituição progressiva uma técnica legal situada no plano normativo, em que não há alteração no plano de incidência tributária, ou seja, não se modificam sujeitos, base de cálculo ou elemento material da hipótese de incidência. O § 7º do artigo 150 da CF apenas autorizaria o legislador a escolher uma nova técnica de arrecadação, por meio de novas hipóteses de incidência vinculadas às materialidades previstas na Constituição Federal (SANTI, 2005, p. 535-552). É cediço destacar que o artigo 150, parágrafo 7º, da CF é daqueles dispositivos que contêm mais de uma norma, ou seja, diferentes suportes fáticos. Assim, todas essas teorias apresentam interpretações singulares do mecanismo da substituição tributária e objetivam desmembrá-lo a fim de obter a maneira mais adequada de sua aplicação conforme seus interesses jurídicos e econômicos. As normas extraídas do referido artigo tanto autorizam ao legislador infraconstitucional tributar uma parcela da realidade, econômica ou jurídica, por meio da presunção – e daí uma das grandes polêmicas da doutrina tributária brasileira – quanto dispões sobre a obrigação de o Estado devolver o pagamento caso o elemento presumido não ocorra no universo fático. Alfredo Augusto Becker é um dos pioneiros na discussão sobre a presunção dos fatos no universo tributário. Considerando a observância ao princípio da legalidade, a incidência do tributo deve corresponder à realidade, uma espécie de verdade real deve guiar o tributarista. O renomado jurista chama atenção para o fato de que o sistema da avaliação direta da base econômica de incidência é um processo “[…] arcaico, bárbaro e frequentemente menos seguro para a descoberta da verdade, cabendo ao legislador escolher não apenas a finalidade de determinada regra jurídica, como também os meios para alcançar aquele fim, com a maior possível aproximação”. (BECKER, 1998, p. 504). Destaca, ainda, que, frequentemente, o legislador elege como presunção de capacidade contributiva determinado fato jurídico de mais fácil e segura identificação e captação que o fato econômico esquivo que normalmente corresponde àquele fato jurídico.  Ora, para atingir seus fins, o Estado precisa captar recursos, e os obtém através dos tributos, exigindo do cidadão uma parcela de sua renda ou capital, tributando, isonomicamente, aqueles que têm disponibilidade econômica para tal. Nas palavras de Becker: “Uma das funções do direito positivo, qual seja a de conferir certeza à incerteza das relações sociais, certeza esta ausente nas ciências físicas e sociais, onde mesmo a mais precisa das leis científicas naturais nunca será mais do que uma extrema possibilidade, o que, ainda assim, não lhe rouba a utilização prática.” (BECKER, 1998, p. 506). Assim, torna-se claro que as presunções no direito tributário podem ocorrer, o que não pode é haver critérios absolutos e incontroláveis na elaboração dessas presunções, que devem ater-se aos métodos científicos em curso e serem passíveis de controle. Ainda nas palavras de Becker: “Em síntese, ante o problema prático, o legislador valorizou os interesses em conflitos e o critério de preferência que inspirou a solução legislativa (fato jurídico como hipótese de incidência da regra jurídica tributária) foi o de perder em justiça absoluta aquilo que ganhava em certeza e praticabilidade do Direito Tributário; verbi gratia: certeza e praticabilidade do lançamento tributário. Ora, as valorações dos interesses em conflito num problema prático e o critério de preferência que inspirou a solução legislativa, participam da objetividade da regra jurídica e não podem ser reexaminados pelo seu intérprete sob o pretexto de melhor adequação à realidade econômica, no momento da incidência da regra jurídica. O intérprete da lei tributária deverá investigar sua incidência exclusivamente sobre o fato jurídico (e desde que revestido daquela espécie jurídica preestabelecida pelo legislador) e não sobre a realidade econômica que lhe corresponde ou corresponderia”. (BECKER, 1998, p. 507 e ss.). A substituição progressiva objetiva combater a sonegação fiscal, propiciando a justiça fiscal, pois torna certas e praticáveis relações jurídicas em que é difícil a fiscalização. O instituto deixa de buscar a verdade real, mas para possibilitar a praticabilidade, a certeza jurídica e a operabilidade sistemática, tornando-se, assim, meio eficaz para se atingir os fins previstos pelas normas de tributação: captar recursos dos contribuintes que têm disponibilidade econômica, manifestada em determinados fatos objetivos, dela indicativos. Ou seja, “ao fixar os objetivos visados por certa regra jurídica tributária em processo de formação, o legislador observa obstáculo prático, o que tornaria impraticável, ou muito difícil, a sua aplicação; diante disso, resolve abandonar a realidade que normalmente lhe serviria de base, seja para constar no polo passivo, seja para constar como elemento material da hipótese de incidência, e substituí-la por uma falsidade”. (BECKER, 1998, p. 523 e ss). 4 TEORIAS ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DO MECANISMO DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA 4.1 Dos princípios constitucionais aplicáveis ao mecanismo da substituição tributária progressiva Através da Emenda Constitucional nº. 03/93 a sistemática da substituição tributária incorporou caráter legal, aniquilando rumores de inconstitucionalidade do instituto. Com o surgimento do aludido mecanismo, passou-se a analisar quais eram os princípios constitucionais a ele aplicáveis, a fim de adequá-los da mais justa e eficaz maneira à realidade jurídico econômica brasileira. Neste sentido, o ilustre Doutrinador Marco Aurélio Greco[7] esclarece que o regime da substituição se legitima a partir da observação dos requisitos da necessidade, da adequação e da proporcionalidade. Já sob o ponto de vista da jurisprudência, entende-se por necessidade e adequação a relação entre o fato presumido e o fato real, sob o qual incidiu o tributo antecipadamente. No que tange à proporcionalidade, estaria tal princípio vinculado à proibição de excessos de modo que a base de cálculo abstrata e o valor real obtido se aproximem ao máximo (GODOI, 2001, p. 81-87) Todavia, de maneira diametralmente oposta, há ainda quem sustente, apesar de o instituto já dispor de viés constitucional, acerca da inconstitucionalidade da substituição progressiva (CARRAZZA, 2000, p. 182 e ss, 2004, p. 405 e ss; MACHADO, 1999, p. 118; MELO, 2000, p. 151 e ss.), sustentação esta fulcrada na tese de que referido mecanismo viola princípios como os da legalidade e da segurança jurídica. Contudo, tais posicionamentos encontram-se deveras superados, visto ser a questão da constitucionalidade do instituto entendimento já pacificado tanto pelo próprio ordenamento jurídico constitucional, quanto pela posição firmada dos Tribunais Superiores, tal qual o que se observa no julgamento do Recurso Extraordinário n° 213.396/SP, do Ministro Ilmar Galvão, publicado no DJU de 01.12.2000, em que se reconheceu que a responsabilidade como substituto fora imposta por lei, como medida de política fiscal autorizada pela Constituição Federal, não havendo sentido falar-se em exigência tributária despida de fato gerador. Relativamente ao princípio da legalidade estrita, também conhecida como legalidade formal e tipicidade, justaposto à substituição, conspícuos doutrinadores como Roque Antônio Carrazza (2000, p. 195-197), Hugo de Brito Machado (1999, p. 118 e ss.) e José Eduardo Soares de Melo (2000, p. 148 e ss.) não permitem o uso de presunções, mas, única e tão somente, de fatos reais, sem o que se estaria tributando por analogia com a realidade, quando a tipicidade demanda semelhança de rigorosa identificação entre elemento legal e fato real. Contudo, com a nova predisposição de relativização da ideia de estrita tipicidade tributária, típico do progresso hermenêutico ocorrido desde a escola da exegese até os dias de hoje, pautada na projeção do moderno pós positivismo centralizador de atenções nos princípios, tem-se provado a disposição de as leis tributárias empregarem cláusulas gerais ou conceitos abertos, fortalecendo a supremacia da Constituição e, portanto, permitindo uma maior atuação pelos seus aplicadores, notadamente os administradores e os juízes. Segundo pontifica Ricardo Lobo Torres (2004,p.105): “A legalidade não é um princípio absoluto e fechado, posto que a lei tributária opera também através de cláusulas gerais, princípios indeterminados e tipos, tornando-se aberta à interpretação e à complementação judicial.” Marco Aurélio Greco (1998, p.68), da mesma maneira, conserva uma revisão deste conceito de legalidade tributária, questionando onde está escrita a tipicidade fechada na Constituição Federal Brasileira. Desta maneira, por ser constituída por elementos taxativos, determinados e exclusivos, faz-se impraticável acobertar uma tipicidade fechada diante dos princípios constitucionais tributários, sendo mister que esta noção seja atualizada por uma legalidade o mais determinada possível, em que os elementos do suporte fático da lei tributária sejam enumerados, no entanto, sem ignorar a invencível margem de indeterminação dos signos a serem objetivados numa atividade hermenêutica declaratória, mas não rígida, que considere a variabilidade do sentido no compasso da variabilidade dos fatos e a possibilidade de graduação em cada um desses elementos, identificáveis com o fato real até o limite mais extremo, sem perder o núcleo significativo mínimo. Neste passo, verifica-se que a presunção é tida como uma graduação quanto a algum dos elementos do suporte fático, qual seja, do elemento material. Assim, a captação do pressuposto do fato constitucionalmente autorizado tanto pode ser feita por um fato real quanto por uma presunção, desde que esta continue vinculada ao pressuposto de fato e seja devidamente justificada. É essa graduação, à vista da nova legalidade tributária, que permite a captação da riqueza através de elementos que vão do real ao presumido, mas que não podem ser desvinculados do pressuposto de fato constitucionalmente autorizado. Outro aspecto importante que merece destaque é o fato de a legalidade não ser um fim em si mesmo, ou seja, está diretamente vinculada à concretização da segurança jurídica, “princípio que orienta a interpretação de outros princípios, dada a sua grande carga axiomático-valorativa”, conforme pontifica o nobre jurista Paulo de Barros Carvalho (2004, p. 29-60). Cumpre salientar, ainda, que o princípio da segurança jurídica sempre foi atrelado à previsibilidade, à certeza do direito, vetor interpretativo à legalidade, e segurança jurídica sempre foi atrelada à previsibilidade, à certeza do direito, vetor interpretativo à legalidade, garantindo aos contribuintes encontrarem na lei formal todos os elementos que lhes permitam quantificar o quantum debeatur da obrigação tributária. A partir dessa premissa, percebe-se claramente que o mecanismo da substituição tributária progressiva preza pela segurança ao permitir que o contribuinte saiba, antecipadamente, qual será o valor do ICMS que irá incidir nas operações a serem realizadas, podendo utilizá-lo como custo do produto para fins de cálculo de sua margem de lucro. Uma obrigação por natureza bastante fluida no mundo real é tornada certa, reforçando a segurança jurídica na complexa sociedade de massas. Na esfera dos direitos fundamentais, o princípio da igualdade tributária apresenta importante aplicação à sistemática em pauta. Ora, a substituição tributária em si não consiste num direito fundamental, mas em um mecanismo que possui a finalidade de combater a sonegação, em busca da igual tributação para todos, impedindo àqueles que devem contribuir de escapar da carga tributária a ser repartida em prol de toda a sociedade. No terreno da isonomia, a legislação discerne entre grupos de comerciantes, os que se sujeitarão à substituição tributária, objetivando-se a necessidade da substituição progressiva em face das mercadorias negociadas, não havendo violação nenhuma a este princípio. Meramente, o que ocorre é que algumas mercadorias, devido a alíquotas maiores, ao pequeno número de produtores e grande de revendedores, à maior margem de valor agregado, dentre outros fatores, são mais propensas à sonegação, sendo deveras difícil a fiscalização, o que enseja a aplicação da substituição. Nesse sentido, a posição de Manoel Cavalcante de Lima Neto (2000, p.121): “[…] a substituição não ofende o princípio da isonomia, na medida em que a discriminação é feita para todos que comercializam ou industrializam produtos expressamente determinados na norma de tributação. Assim, atinge-se todo o universo de contribuintes que estão relacionados com o produto eleito. Nesse sentido atende o princípio da isonomia.” Vale observar que compete ao Estado produzir provas acerca da existência das razões que explicam a discriminação, e não ao contribuinte provar que elas não existem. É o que bem observa o jurista Humberto Ávila (2004, p.352): “O princípio da igualdade, tal como posto na Constituição Federal, exige igualdade na lei e perante a lei, só podendo o Estado afastar-se desse dever preliminar se houver um motivo para isso. Nesse sentido, é o Estado que deve justificar e fundamentar a diferenciação e, não havendo motivo, não pode ela prosperar”. Por derradeiro e, acentuadamente, impende observar tanto o princípio da não cumulatividade e do não confisco no mecanismo da substituição tributária. Na linha de pensamento de Sacha Calmon Navarro Coelho, em seu Manual de Direito Tributário (2000, p.33), a interpretação restritiva do § 7º do artigo 150 da Constituição Federal ofenderia o princípio da não cumulatividade quando houvesse excesso da alíquota máxima do ICMS no último ciclo de circulação de mercadoria, de modo que a antecipação com substituição acarretaria o pagamento de imposto maior do que o devido se não houvesse o mecanismo, ou seja, o excesso deveria ser devolvido, sob pena de se cobrar mais do que o constitucionalmente permitido. O que se verifica, no entanto, é a repúdio dessas justificativas pelos Egrégios Tribunais Brasileiros, conforme se verifica no julgamento do Recurso Especial nº. 213.396/SP, pelo voto do Ilustre Ministro Relator Ilmar Galvão, conforme segue: “Por igual se mostra descabida a alegação de ofensa ao princípio da não cumulatividade, se no preço do produto passado do industrial para o varejista não se embute mais do que se embutiria na hipótese de tratar-se de operações regulares, ou seja, o tributo devido pela saída do bem do estabelecimento do industrial, mais a parcela incidente sobre o valor acrescido até sua entrega ao consumidor final. Quanto ao confisco, não é difícil demonstrar a impossibilidade de sua ocorrência, tendo em vista o reembolso, pelo substituto, do imposto pago, quando do recebimento do preço das mãos do substituído; reembolsando-se esse, de sua vez, ao receber o preço final das mãos do consumidor”. O atendimento aos princípios da não cumulatividade e da vedação ao confisco concentram-se no momento da fixação do valor presumido, alterando-se a sua observância multifásica, tal qual ocorre no modelo “normal”, sem substituição. A não cumulatividade evita o bis in idem no ICMS substituição tributária. Cada contribuinte abate a totalidade do valor do ICMS substituição, apenas o valor da última operação (a venda do varejista ao consumidor final) é captada por meio de presunção, no início da cadeia produtiva. O imposto obedece a não cumulatividade, cuidando-se para que a base de cálculo presumida seja proporcional ao preço final de mercado. Já o princípio do não confisco se incorpora através da proporcionalidade na formação da base de cálculo presumida, mantendo-se a isonomia sem comprometer-se a livre-iniciativa. 4.2 Da constitucionalidade da restituição do valor pago quando não ocorrer o fato gerador A constitucionalidade acerca do mecanismo da substituição tributária talvez seja uma das maiores questões já suscitadas ao seu próprio respeito. Teorias dessemelhantes contrastam operadores do direito, no rastreio de argumentos que sustentem ou deturpem a legalidade da substituição tributária. Pela ciência constitucional, a quantia paga caso não se verifique a realização do fato gerador presumido deve ser imediata e preferencialmente garantida. Desta forma, a ocorrência do fato jurídico tributário por operação realizada pelo substituído será condição suspensiva para a substituição tributária. Conforme amestra Heleno Torres (2001, p.87-108), desde que realizado o fato jurídico tributário e reconhecido em ato de lançamento próprio, extingue-se o crédito tributário. Portanto, a restituição, quando da não ocorrência do fato gerador presumido – base de cálculo do imposto – será elemento legitimador da substituição tributária. Na seara jurisprudencial, quando a referência for a análise constitucional do mecanismo, tem-se, majoritariamente, que se trata “[..] de regime a que, na prática, somente são submetidos produtos com preço de revenda final previamente fixado pelo fabricante ou importador, como é o caso dos veículos, cigarros; ou tabelados pelo Governo, como acontecia até recentemente com os combustíveis; e como acontece com a energia elétrica etc., razão pela qual só eventualmente poderão ocorrer excessos de tributação, de resto, facilmente reembolsáveis, por via de simples lançamento de credito.”[8] Desta forma, verifica-se aqui uma nítida tendência a não considerar a presunção do fato gerador como empeço à exigência antecipada do tributo. O artigo 10º da Lei Complementar nº. 87/1996, que regulamenta o tema, salienta: “Art. 10. É assegurado ao contribuinte substituído o direito à restituição do valor do imposto pago por força da substituição tributária, correspondente ao fato gerador presumido que não se realizar. §1º. Formulado o pedido de restituição e não havendo deliberação no prazo de noventa dias, o contribuinte substituído poderá se creditar, em sua escrita fiscal, do valor objeto do pedido, devidamente atualizado segundo os mesmos critérios aplicáveis ao tributo. §2º Na hipótese do parágrafo anterior, sobrevindo decisão contrária irrecorrível, o contribuinte substituído, no prazo de quinze dias da respectiva notificação, procederá ao entorno dos créditos lançados, também devidamente atualizados, com o pagamento dos acréscimos legais cabíveis.” Para a compensação, pode o sujeito passivo abater o imposto anteriormente cobrado em “operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente.” (caput do artigo 20 da LC 87/96), não subsistindo incertezas acerca da constitucionalidade e aplicabilidade prática deste dispositivo denominado de substituição tributária. Com efeito, a lei complementar gera um mínimo a favor do contribuinte, com prazo máximo, possibilidade de uso do crédito na própria escrita fiscal, entre outros, o que proporcionaliza sistemas ainda mais benéficos, rápidos e desburocratizantes, inexistindo, conforme alude Marco Aurélio Greco (2001, p.32-36): antecipação do fato gerador, inconstitucionalidade nessa sistemática. Explorando-se pormenorizadamente a natureza das eventuais quantias a serem devolvidas em face do implemento da condição legal resolutiva de eficácia, analisa-se resultarem em um indébito tributário, em um valor não prontamente exato, mas necessitado de quantificação. Além das questões de legitimidade de quem está apto a demandar a respectiva devolução, para se depurar o objeto da prestação e identificar o credor, é mister um processo administrativo, ou seja, não se prediz, aqui, um direito de crédito a ser unilateralmente apurado e disponibilizado de forma automática e em dinheiro por quem quer que o alegue, mas sim, um indébito tributário constitucionalmente garantido quanto à devolução, de maneira mais rápida e fácil do que aquele previsto para as devoluções administrativas em geral. Cria-se, portanto, uma devolução por meio de um processo especial, mais rápido que o normal, sendo o prazo de 90 (noventa) dias razoável para um processo administrativo tributário. Ademais, “preferencial” não é sinônimo de “em dinheiro”, visto que o Estado possui mais de uma sistemática de devolução de quantias indevidas, como é o caso dos precatórios, por exemplo. E, nos casos de indébito tributário, o sistema de compensação com débitos do mesmo contribuinte consiste em modalidade usualmente praticada de extinção das obrigações, sendo que o “preferencial” apenas significa mais facilitado do que o “não preferencial”, ou normal. Desta maneira, insofismável verificar, ao contrário do que afirma Roque Antônio Carrazza (2000, p. 189-194), que a Constituição não prevê uma devolução automática e nem que deve ser “em dinheiro”. De tal modo, a expressão “devolução imediata e preferencial” não possui um conteúdo semântico mínimo, incongruente com o sistema de créditos a serem lançados na escrita fiscal e somente compensados quando houver débitos de ICMS. 4.3 Da constitucionalidade da restituição do valor pago a maior na substituição progressiva A polêmica da restituição do valor pago a maior na substituição tributária progressiva é também um dos pontos mais delicados e polêmicos dentro deste universo jurídico tributário. Quando o comerciante vende a mercadoria por preço menor do que aquele que serviu de base para a retenção do imposto, os Estados não devolvem o valor retido a maior, sendo que o STF corroborou tal assertiva em Ação Direta de Inconstitucionalidade no ano de 2001. Todavia, o Estado de São Paulo possibilitava o ressarcimento nesses casos e, até o ano de 2008, tal dispositivo continuou válido no Estado, devendo o contribuinte provar detalhadamente os valores de entrada e saída de cada mercadoria, para fazer jus ao ressarcimento, nos termos da previsão da Portaria CAT – 17/99. Adequado examinar que o próprio Estado de São Paulo pleiteou judicialmente, através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, ainda pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal, solicitando que o Tribunal declare inconstitucional um dispositivo da própria lei paulistana – o que permite o ressarcimento na venda final por valor menor. Dando continuidade à incoerência, em 23 de dezembro de 2008, sem aguardar o final da ação no STF, São Paulo publicou a Lei Estadual 13.291/08 que, na prática, extinguiu a hipótese de ressarcimento em seu território. Esta lei inseriu o § 3º ao artigo 66-B da Lei 6.374/89, prevendo que tal ressarcimento, nos casos de venda final por valor menor, aplica-se somente na hipótese de a base de cálculo da substituição tributária ter sido o preço fixado ou autorizado por autoridade competente (artigo 28, caput, da Lei 6374/89). Importante observar que, atualmente, esta hipótese em relação aos produtos sujeitos à substituição tributária, de preço fixado pelo governo ou por órgão que tenha delegação para tal, não existe, tornando impraticável o ressarcimento em virtude de o comerciante substituído vender por um valor menor do que aquele utilizado pelo substituto para reter o ICMS. Assim sendo, observa-se que a legislação paulista acompanha o procedimento dos demais estados, sendo consentânea com o decidido pelo STF na ADIn de 2001. Aroldo Gomes de Matos defende, em seu artigo: “Restituição de ICMS pago a Maior no Regime de Substituição Tributária e as Decisões da Suprema Corte” (2001, p. 17-24) que a interpretação restritiva da norma que fixa a condição legal resolutiva na substituição tributária progressiva (art. 150, § 7º, in fine, da CF) ofende o princípio da não cumulatividade, que proíbe ao ICMS exceder, no último ciclo de circulação da mercadoria, a sua alíquota máxima, sendo que, se houver antecipação com substituição, ocorre ofensa ao princípio toda vez que o imposto pago na operação final for maior do que o devido se não houver a aplicação do mecanismo. Ou seja, haveria necessidade de devolver o respectivo excesso, sob pena de se cobrar mais do que o permitido pela Constituição Federal. De modo semelhante, Sacha Calmon Navarro Coelho (2000,p.33) argumenta que a tese da condição legal resolutória de eficácia ofende o princípio do não confisco, já que toda vez que a base de cálculo presumida ocorrer em dimensão menor do que a suposta pelo Fisco, haverá tributação em ofensa à Constituição. Essas linhas de raciocínio se mostraram equivocadas, conforme se percebe no voto do relator Ministro Ilmar Galvão ao julgar o Recurso Especial nº 213396/SP[9]: “Por igual se mostra descabida a alegação de ofensa ao princípio da não cumulatividade, se no preço do produto passado do industrial para o varejista não se embute mais do que se embutiria na hipótese de tratar-se de operações regulares, seja, o tributo devido pela saída do estabelecimento do industrial, mais a parcela incidente sobre o valor acrescido até sua entrega ao consumidor final. Quanto ao confisco, não é difícil demonstrar a impossibilidade de sua ocorrência, tendo em vista o reembolso, pelo substituto, do imposto pago, quando do recebimento do preço das mãos do substituído; reembolsando-se esse, de sua vez, ao receber o preço final do consumidor.” Também em seu voto na ADIn nº. 2777/SP, o Ministro Nelson Jobim enfrentou com bastante clareza o tema, concluindo que, no mecanismo da substituição tributária para frente, o valor do ICMS torna-se fixo e previamente conhecido de todos os contribuintes, tanto substituídos, quanto substitutos, e que eventuais variações no correr da cadeia de circulação da mercadoria não afetam o montante do tributo, mas a margem operacional dos empresários, que, portanto, não tomam por base prejuízos tributários, e sim situações concorrenciais e econômicas normais num mercado equilibrado. Além de que defender que diferenças entre o preço presumido e preço real ofenderiam a não cumulatividade e implicariam confisco, resultaria no Fisco atribuir aos comerciantes, notadamente aos substituídos varejistas, um enorme poder de interferência mercantil, com riscos de causar desequilíbrios, pois já cientes do valor do tributo pago, cada comerciante poderia reduzir o seu preço de venda e tentar compensar a diferença junto ao Estado, comprometendo gravemente o sistema. 5 da regra matriz de incidência tributária NO ICMS e suas observações de ordem jurídica 5.1 Da regra matriz de incidência tributária no ICMS e as alterações provocadas pela substituição tributária De acordo com as instruções do ilustre doutrinador Alfredo Augusto Becker, em sua obra Teoria Geral do Direito Tributário (1998), determinados fatos, bens ou situações são valorados pelo constituinte como sendo fatos signos presuntivos de riqueza e formarão a zona material na qual o legislador ordinário editará leis, criando espécies tributárias, já que estas têm de obedecer aos limites constitucionalmente autorizados, de modo que se torna inconstitucional a lei que tributar fatos que não tenham sido objeto da previsão constitucional ou que usurpar a competência de outro ente federativo. Roque Antônio Carrazza (2000, p.32 e ss.) preleciona acerca das zonas materiais de incidência do ICMS do seguinte modo: “A sigla ICMS alberga pelo menos cinco impostos diferentes; a saber: a) o imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias); b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e, e) o imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais. Dizemos diferentes, porque estes tributos têm hipóteses de incidência e bases de cálculos diferentes.” Em meio aos aspectos materiais de incidência acima descritos, o ICMS incidente sobre “operações mercantis” é o de maior magnitude econômica. Este tipo de operação contém conteúdo de negócio jurídico; circulação, por sua vez, mostra-se como ideia de transferência de propriedade e mercadoria, de bem móvel destinado à revenda visando lucro. Assim sendo, a materialidade do ICMS amoldura-se na somatória do negócio jurídico – operação referentes à circulação de mercadorias – bens móveis destinados à revenda lucrativa, configurando-se a incidência no momento da saída da mercadoria do estabelecimento. Dessarte e considerando os limites constitucionais, o legislador estadual constitui um elemento para figurar na hipótese de incidência do ICMS, construindo uma norma que prevê a classe dos fatos (elemento material) em seu suporte fático, ocorridos no momento da saída da mercadoria do estabelecimento comercial (elemento temporal), em consonância com os limites territoriais do ente federativo (elemento espacial), incidindo, assim, a norma e, consequentemente, formando a relação jurídica – vínculo abstrato – entre o sujeito ativo (Estado ou Distrito Federal) e o sujeito passivo (contribuinte) e tendo por objeto uma prestação pecuniária, obtida pela aplicação de uma alíquota sobre a base de cálculo. Nada obstante, a substituição tributária conduz algumas modificações nesta sistemática do ICMS. Aqui, o parágrafo 7º do artigo 150 da CF autoriza o legislador ordinário a agregar em algumas mercadorias específicas a presunção definitiva ao suporte fático de que tal mercadoria vendida pelo substituto seguirá sua “cadeia” normal até chegar ao consumidor final, ou seja, ao elemento material presumido, dando-se a ocorrência da presunção no mesmo instante da saída da mercadoria do estabelecimento do substituto e dentro do mesmo limite territorial, ocasionando em um vínculo jurídico abstrato, com o Estado ou DF como sujeito ativo e o substituto como sujeito passivo, tanto pela operação própria, quanto pelas presumidas, e por objeto uma prestação pecuniária, dimensionadora dessas operações. Ou por outra, em relação aos aspectos especiais, sujeitos ativos e alíquotas da regra matriz de incidência tributária do ICMS, vale evidenciar que tanto o ICMS sem substituição tributária, quanto o com substituição tributária ostentam os mesmos elementos. De todos os elementos da regra matriz de incidência tributária, a diferença entre ambos são quatro dos elementos da norma tributária, quais sejam: o elemento material e o elemento temporal do suporte fático, o sujeito passivo e a base de cálculo, os quais serão analisados na sequência. 5.2 Da sujeição tributária passiva Quem determina os fatos que indicam riqueza que serão passíveis de serem tributados é a Constituição Federal, a qual reparte a competência para tributar esses fatos entre os entes federativos. Referidos entes, por sua vez, criam leis que indicam como elementos materiais das hipóteses de incidência fatos que estejam dentro do ciclo econômico constitucionalmente prenunciado. De tal modo, sempre que ocorrer o fato previsto em lei, ter-se-á a incidência da norma, criando um vínculo jurídico entre o sujeito ativo (credor, Estado ou outra pessoa jurídica) e o sujeito passivo e, tendo por objeto, a prestação tributária. Neste passo, nas palavras de Ferreiro Lapatza (2000, v.2, p.55, tradução nossa): “A obrigação tributária é uma relação jurídica constituída em virtude de certos fatos entre duas ou mais pessoas pelas quais uma, denominada credora (Estado ou outro ente público), pode exigir de outra, devedora, a entrega de uma quantia em dinheiro a título de tributo.” O renomado doutrinador Lourival Vilanova, em sua magnífica obra Causalidade e Relação no Direito (2000, p. 121), adverte que toda relação jurídica tem caráter interpessoal, ou seja, todos os direitos, faculdades, autorizações, poderes e pretensões conferidos a um sujeito de direito, ativo, estão em relação necessária e contraposta com condutas de outros sujeitos de direito, passivo, qualificadas como deveres jurídicos em sentido amplo. E nas relações jurídicas tributárias, o polo passivo é obrigado a pagar o tributo, ou seja, é o sujeito passivo, contribuinte ou responsável, nos termos do artigo 121 do CTN[10]. Novamente nos dizeres de Ferreiro Lapatza (2000, v.2, p.55, tradução nossa): “[…] o sujeito passivo da obrigação tributária é aquela pessoa sobre a qual pesa o dever de realizá-la. Dito de outra forma, como é óbvio, toda pessoa obrigada a cumprir a obrigação tributária é sujeito passivo da citada obrigação”.  Neste contexto, busca-se distinguir contribuintes de responsáveis tributários, o que repercute na dificuldade em se enquadrar o substituto tributário. O texto legal é impregnado de interpretação econômica do direito tributário, contribuindo, então, para a confusão do tratamento jurídico que deve ser dispensado ao tema. No direito espanhol, extensível ao dispositivo discutido, Ferreiro Lapatza (2000, v.2, p.52) assevera que o contribuinte é a pessoa, natural ou jurídica, a quem a lei impõe a carga tributária derivada do fato imponível. Assim, é possível deduzir que quando a regra matriz de incidência escolhe alguém que faz parte do ciclo econômico de um determinado fato signo presuntivo de riqueza constitucionalmente autorizado como sujeito passivo da respectiva relação jurídica tributária, essa pessoa colocada no polo passivo da relação, em caráter originário, denomina-se contribuinte, individual ou solidário. Cumpre vislumbrar, ainda, que entre os contribuintes individuais existe outra subdivisão, a qual está relacionada com a presença ou não de substituição tributária na regra matriz de incidência. Logo, os contribuintes individuais podem ser relacionados como normais ou como substitutos, sendo estes sujeitos passivos escolhidos por lei, integrantes do respectivo ciclo econômico, porém, diversos do contribuinte normal. A diferença entre os aludidos subtipos localiza-se em momento pré-jurídico, quando da feitura da lei. Neste sentido, pontifica o ilustre Alfredo Augusto Becker  (1998, p.553): “O sujeito passivo da relação jurídica tributária, normalmente, deveria ser aquela determinada pessoa de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é um fato signo presuntivo. Entretanto, frequentemente, colocar esta pessoa no polo negativo da relação jurídica tributária é impraticável ou simplesmente criará maiores ou menores dificuldades para nascimento, vida e extinção destas relações. Por isso, nestas oportunidades, o legislador como solução emprega uma outra pessoa em lugar daquela e, toda vez que utiliza esta outra pessoa, cria o substituto legal tributário.” Neste diapasão, verifica-se que quando a regra matriz de incidência tributária nomeia como sujeito passivo contribuinte individual, em razão de esse praticar fato próprio, tem-se a caracterização do contribuinte individual normal ou sem substituição. Antagonicamente, quando o sujeito passivo tem o dever de pagar a dívida tributária oriunda da operação por ele praticada, somada à dívida referente às operações presumidas, ou pretéritas, tem-se o contribuinte individual substituto. Em relação à diferença entre o contribuinte substituto e responsável, quando a alteração do sujeito passivo normal é operada pelo legislador antes da incidência e escolhendo pessoa vinculada ao pressuposto de fato, tem-se o contribuinte substituto; quando a alteração ocorre posteriormente à incidência, está-se diante de simples mutação subjetiva no polo passivo da relação jurídica tributária, estando-se diante da responsabilidade tributária. Portanto, o divisor de águas das categorias jurídicas de contribuinte e responsável tributário consiste na observância da norma jurídica e do momento em que o respectivo sujeito passivo aparece: se em caráter primário da regra matriz de incidência, tem-se um contribuinte; se posteriormente à incidência da regra matriz, ou seja, em caráter secundário, seja substitutivo, subsidiário ou solidário, e por força do preceito de norma diversa, secundária ou administrativa, tem-se o responsável tributário. 6 DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA “PRA FRENTE” E SEUS ASPECTOS ECONÔMICOS 6.1 Do uso da sistemática da substituição tributária “pra frente” na economia brasileira Conforme já discorrido na presente monografia, o direito tributário opera, comumente, através de presunções de disponibilidade econômica das pessoas, por meio de elementos objetivos indicativos dessa manifestação de riqueza, os fatos signos presuntivos de riqueza. Essa presunção pode ser antecipada para o momento anterior à realização do fato presumido sendo, contudo, passível de controle. Não apenas na substituição tributária, mas também em vários outros casos, é possível observar o fenômeno da antecipação tributária, comprovando a sua relevante importância no universo das relações jurídico econômicas. O imposto de transmissão inter vivos, ITBI, por exemplo, apresenta antecipação quando da lavratura do contrato de compra e venda de bem imóvel; do mesmo modo, o imposto de exportação, em que o pagamento é realizado antes da saída do produto ou, ainda, na utilização do lucro presumido no imposto de renda quando se apura a renda das pessoas jurídicas mediante uma presunção e não pela apuração do lucro real. Enfim, vários são os exemplos de incidência de mecanismos como o da substituição tributária na esfera jurídico econômica, demonstrando o seu significativo papel no desempenho e na efetivação das normas jurídicas em prol da economia brasileira. Do conjunto de mercadorias sujeitas à tributação pelo ICMS, algumas se submetem a essa técnica, conforme o ciclo econômico que a envolva, justificando a aplicação do mecanismo. É o que ocorre, por exemplo, com as mercadorias propensas à forte sonegação, cabendo à lei ordinária estadual essa seleção, através da indicação das mercadorias que se sujeitarão à substituição. Na substituição tributária do ICMS, cada contribuinte abate a totalidade do valor do ICMS substituição, diferindo apenas no valor da última operação – a venda realizada pelo varejista ao consumidor final – que é captado por meio de uma presunção, e no início da cadeia produtiva. A captação do referido fato signo indicativo de riqueza é feita presumidamente, e o imposto observa a não cumulatividade, cuidando-se da proporção entre a base de cálculo presumida e o preço final de mercado. O entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca do valor do ICMS na substituição tributária apresenta reflexos diretos na economia do país. Em seu voto na ADIn 2777, o Ministro Nelson Jobim abordou com bastante clareza o tema, concluindo que na substituição tributária para frente o valor do ICMS torna-se fixo e previamente conhecido de todos os contribuintes – substituídos e substitutos  –  , e eventuais alterações no correr da cadeia de circulação da mercadoria não afetam o montante do tributo. Afetam, na verdade, a margem operacional dos empresários, que, para tal, não tomam por base prejuízos tributários, mas situações econômicas e concorrenciais normais num mercado equilibrado. Eventuais variações do preço de venda real são consequências de oscilações comuns do mercado, que, por sua vez, atingem a margem operacional do comerciante e não o valor do tributo – que é fixo. A sistemática do Fisco evita desequilíbrios e interferência excessiva de comerciantes no mercado, notadamente de substituídos – varejistas, pois, já sabendo o valor do tributo pago, cada comerciante poderia reduzir o seu preço de venda e tentar compensar a diferença junto ao Estado. Além do que, haveria a enorme dificuldade de se compatibilizar com um sistema em que atacadistas reduziriam a sua margem operacional livremente e por qualquer razão e alegariam sofrer prejuízos tributários, que poderiam ser reivindicados cumulativamente por outros substituídos, outros atacadistas e varejistas, tornando o sistema caótico. Além disso, uma vez assegurado um preço presumido verdadeiramente correspondente à realidade de mercado, é nítido que ao bom contribuinte é mais viável suportar, num determinado mês, uma pequena diferença de preço, que pode ser suprida tranquilamente nos meses subsequentes, em que o Estado não poderá cobrar complementação caso o preço real seja maior do que o preço presumido, do que suportar a concorrência desleal dos que se utilizam de meios fraudulentos de difícil combate, ou seja, a sonegação. Claro parece, então, que o mecanismo jurídico da substituição tributária é possível e economicamente vantajoso, permitindo ao Direito conviver com margens em que não haja verdade absoluta, pois, como bem explicita Alfredo Augusto Becker (1998, p.511): “Necessitaria tomar conhecimento de todas estas mutações. E não sendo isso possível, a lei tomou conhecimento daquilo que se verifica no maior número dos casos e, sobre a hipótese que se verifique em todos os casos, fundamenta a norma jurídica. Deste modo, a norma jurídica tem o caráter de generalidade, e se pode com linguagem matemática dizer que representa uma “quantidade média”, um “valor de aproximação”. Tudo isto aparece manifesto nas presunções da lei. As quais são outras tantas hipóteses que correspondem provavelmente, isto é, no maior número dos casos, à verdade”. 6.2 Dos setores da economia brasileira que utilizam o mecanismo da substituição tributária “pra frente” Na substituição progressiva, o contribuinte substituto é quem recolhe o tributo devido, ficando os demais partícipes daquele ciclo econômico (os substituídos), em regra, desobrigados quanto à obrigação tributária principal, respondendo somente subsidiariamente por ela.  A legislação, porém, não determina que o substituto assuma o encargo financeiro decorrente do pagamento, permitindo o reembolso da quantia antecipada a título de imposto por aqueles que dela adquirem a mercadoria. Assim, é possível ao substituto reter, ao vender a mercadoria para o substituído, a quantia paga a título de tributo por força da presunção de realização das operações subsequentes. Desse modo, o substituto, normalmente o fabricante ou o importador, ao efetuar a venda da mercadoria para um revendedor, irá providenciar a retenção do imposto. E a base de cálculo para o imposto retido será o preço-varejo, o preço final da mercadoria, que chegará ao consumidor. O Estado de São Paulo alterou sua política tributária em relação à forma de utilização da cobrança antecipada do ICMS, passando, a partir de 2008, a incluir inúmeras mercadorias na sistemática da substituição tributária progressiva. Até janeiro de 2008, o estado incluía na substituição mercadorias de venda porta a porta, o chamado marketing direto, mercadorias para revenda em bancas de jornal, fumo ou seus sucedâneos manufaturados, refrigerante, cerveja, água mineral e chope, cimento, frutas, automóveis e motos, combustíveis e lubrificantes, tintas e vernizes, pneus e câmaras-de-ar. A partir de fevereiro de 2008, diversos outros produtos foram incluídos, de forma gradual, à sistemática, notadamente: medicamentos, produtos de perfumaria e higiene pessoal, papel, produtos alimentícios, autopeças, ferramentas, materiais de construção, dentre outros. Além desses, recentemente, também foram sujeitos ao mecanismo da substituição tributária os produtos eletrônicos, eletroeletrônicos e eletrodomésticos (ROSA, 2009, p. 78). Como se nota, a substituição tributária abrange diversos e importantes setores da economia brasileira, sendo sua aplicação de extrema relevância ao equilibro do mercado. Uma observação importante é a de que somente existirá retenção quando houver operação subsequente, o que é da própria natureza do instituto. Assim, se o destinatário não revenderá a mercadoria, mas a consumirá ou utilizará como insumo de outro produto diferente, o remetente fará a operação normal, sem aplicar o mecanismo. Sempre observando a pré-condição de existência de operação subsequente com a mercadoria, tem-se, a título ilustrativo, a aplicação da substituição tributária quando uma indústria de cosméticos vende para salão de beleza que também possui setor de revenda de tais produtos, ou quando uma indústria de refrigerantes vende tais mercadorias para fabricante de cachaça que irá revendê-los conjuntamente com seu produto (ROSA, 2009, p.83). 6.3 Do consumidor como contribuinte de fato Ao abordar o papel do consumidor no mecanismo, deve-se, primeiramente, esclarecer a função e a influência da base de cálculo no corpo da sistemática. A operação mercantil que delineia a base de cálculo presumida é a varejista-consumidor final; o preço que influi na definição da base de cálculo presumida é o preço de venda ao consumidor final. Senão vejamos: “O conceito de margem que se extrai da lei complementar é um conceito mais amplo, consistente na diferença entre o valor da operação do substituto (e verbas enumeradas na lei) e a realizada na ponta do consumo. Este conceito é compatível com a figura, pois o interesse arrecadatório do Fisco é o de receber o ICMS sobre o ciclo econômico inteiro – portanto, sobre o preço de ponta, na última operação realizada com aquela mercadoria, ao consumidor final. É este o preço que vai definir o interesse arrecadatório do Estado”. (GRECCO, 2001,p.111). A base de cálculo na substituição progressiva busca se aproximar o máximo possível do preço de venda do varejista. Quando o preço é fixado pelo Estado, ou onde houver preço sugerido pelo fabricante, o mecanismo fica mais claro, inexistindo grandes controvérsias. Todavia, quando isso não é possível, soma-se aos encargos passíveis de aferição de uma forma objetiva a margem de valor agregado inserida na mercadoria (quando da venda a consumidor final), através de consultas com o auxílio de entidades representativas da categoria econômica objeto da substituição, chegando-se ao resultado pela média ponderada dos preços pesquisados, conforme instrui a Lei Complementar 87/96, em seu artigo 8. É importante ressaltar que o consumidor não é o sujeito passivo das obrigações tributárias, não devendo ser a sua capacidade contributiva observada, mas sim a do produtor, industrial, importador ou comerciante. Isto porque, obviamente, o ICMS não é imposto sobre consumo, mas sobre a circulação de mercadorias. Para o produtor, o ICMS possui preço considerável no lucro operacional da empresa, sendo o imposto indireto que significa o maior custo para a produção. Em consulta ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – o CADE – ficou claro que, conforme o setor produtivo, a carga tributária do ICMS representa uma exoneração de até 59% do preço do produto. De modo semelhante, as alterações das alíquotas e as diferenças de benefícios concedidos entre os Estados podem significar uma variação de 128% no lucro operacional da empresa.[11] O regime dos tributos atua diretamente sobre os incentivos dos agentes econômicos, influenciando decisões de investimento, consumo e produção, e, assim, determinando o desempenho da economia e o bem-estar da sociedade enquanto influente mecanismo de redistribuição de renda. A partir do momento em que se reconhece o fator indutor da norma tributária no desempenho dos mercados, as categorias econômicas e os efeitos sobre a economia podem ser utilizados como instrumentos para extrair o máximo de utilidade do sistema jurídico, de modo a melhor satisfazer os valores democraticamente estabelecidos em sociedade e que justificam a sua produção. Na seara da substituição progressiva, o contribuinte consegue saber, com antecedência, o valor do ICMS a incidir na operação que irá realizar. A possibilidade de apurar o valor referente a todas as operações futuras, bem como os valores dessas operações presumidas, possibilita aos substituídos, quando do repasse, utilizá-los como custo do produto para fins de cálculo da margem de lucro. Assim, o mecanismo reforça a segurança jurídica, permitindo o repasse dos valores do ICMS ao consumidor final, o que permite, inclusive, que os substituídos tenham melhor condições de calcular a margem de lucro que irão utilizar. Torna-se certa uma obrigação de natureza demasiadamente fluida no mundo real, evitando a sonegação, e reforçando a segurança do sistema. O ICMS mensura a capacidade contributiva do consumidor final, sem atingir o comerciante. A tributação, através da seletividade, busca atingir a disponibilidade econômica de quem compra mercadorias e se utiliza das alíquotas diferenciadas conforme a necessidade dos produtos, se básica ou mais supérflua. Nesse sentido, Marco Aurélio Greco (2001, p.83 e ss.) ressalta: “O ICMS não é um imposto sobre o consumo enquanto tal, posto que não visa captar globalmente o perfil de consumo de cada indivíduo; ele é, na verdade, um imposto tendencialmente sobre o consumo, com ensina Gian Antonio Micheli. ‘tendencialmente’ porque tem por pressuposto de fato da sua incidência o ciclo econômico e porque vai, em última análise, onerar o consumidor final daquela determinada mercadoria.” Depreende-se, então, que se a capacidade contributiva aponta o consumidor, os comerciantes participantes do ciclo econômico de determinada mercadoria (industrial, distribuidor, varejista) apenas antecipam o ônus financeiro a ser suportado por aquele. Observa-se aqui que o mecanismo da substituição tributária observa os princípios da igualdade e da capacidade contributiva. O posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto a esta questão é claro. Ao julgar o leading case acerca da constitucionalidade do regime de substituição progressiva no Recurso Extraordinário número 213.396/SP, o Ministro Relator Ilmar Galvão deixou assentado que: “Não há falar-se, portanto, em violação da capacidade contributiva, visto que nos impostos indiretos, como o ICMS, como é por demais sabido, conquanto o contribuinte de direito seja aquele obrigado, por lei, a recolher o tributo, é o adquirente ou consumidor final o contribuinte de fato. Esse é que vai ser atingido pelo ônus do imposto, haja, ou não, substituição tributária. A capacidade contributiva do consumidor é que é considerada.” Portanto, a crítica de que a capacidade contributiva ofenderia o princípio da capacidade contributiva não procede. Sem dúvidas, o referido princípio é obrigatório para o ICMS, mas visa atingir a capacidade potencial – indicativa em face da mercadoria – do consumidor. Assim, a substituição progressiva apenas atinge a capacidade do consumidor, de modo semelhante ao ICMS sem substituição, provando ser incabível a crítica de inconstitucionalidade da sistemática por não atingir a capacidade pessoal do contribuinte. 7 DO POSICIONAMENTO DO STF ACERCA DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA E DAS TENDÊNCIAS SOBRE O MECANISMO A análise do posicionamento dos tribunais se faz essencial a fim de identificar tendência e linhas de raciocínio, na busca da construção de modelos jurídicos cada vez mais compassados e eficazes. Dito isso, cabe observar que discussões acerca da substituição tributária não são novas, havendo grande acervo de pesquisa em todas as instâncias de julgamento. O Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre a matéria, o que ensejará a análise das decisões tomadas por este tribunal após a EC 03/93, que acrescentou o artigo 150, parágrafo 7, da Constituição Federal. Nesse sentido, há dois precedentes judiciais substanciais apresentados pela Suprema Corte brasileira. O primeiro deles, Recurso Extraordinário 213.396/SP, julgado em sessão plenária dia 02.08.1999, o relator Ministro Ilmar Galvão trata da constitucionalidade da substituição tributária progressiva, ao cotejar o texto constitucional com dispositivos da Lei Paulista número 6.374/89 (artigo 8, XIII e parágrafo 4) que previam esse novo mecanismo para o comércio de veículos novos, reconhecendo-se que a responsabilidade, como substituto, fora imposta por lei, como medida de política fiscal autorizada pela Constituição, não havendo sentido se falar em exigência tributária despida de fato gerador. No julgado, o voto condutor analisou o confronto do instituto com diversos princípios constitucionais, considerando ser a substituição perfeitamente compatível com o sistema jurídico. Para tanto, o STF considerou por base a teoria de Marco Aurélio Greco, considerando que a Constituição autoriza modelos de arrecadação, ao estabelecer competência tributária, desde que estes estejam vinculados aos limites constitucionalmente previstos: “Com efeito, trata-se de fato econômico que constitui verdadeira etapa preliminar do fato tributável (a venda de veículo ao consumidor), que o tem por pressuposto necessário; o qual, por sua vez, é possível prever, com quase absoluta margem de segurança, uma vez que nenhum outro destino, a rigor, pode estar reservado aos veículos que saem dos pátios das montadoras, senão a revenda aos adquirentes finais; sendo, por fim, perfeitamente previsível, porque objeto de tabela fornecida pelo fabricante, o preço a ser exigido na operação final, circunstância que praticamente elimina a hipótese de excessos tributários”. Porém, solucionado o precedente da constitucionalidade do instituto, iniciou-se a discussão sobre a possibilidade de se devolver eventuais diferenças entre o preço presumido e o preço da venda real ao consumidor. A questão foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade que tinha por objeto o Convênio CONFAZ ICMS número 13/97 e dispositivos da legislação do Estado de Alagoas, promovida pela Confederação Nacional do Comércio (número 1851-4/AL), tendo como relator o Ministro Ilmar Galvão. Nessa Ação foi deferida medida liminar suspendendo a eficácia do Convênio ICMS n. 13/97, em julgamento do Plenário do STF realizado em 03.09.1998, DJ 23.10.1998: “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ICMS. REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. CLÁUSULA SEGUNDA DO CONVÊNIO ICMS N. 13/97, DE 21.03.97, E PARÁGRAFOS 6 E 7 DO ARTIGO 498 DO DECRETO N. 35.245/91, COM A REDAÇÃO DO ARTIGO 1 DO DECRETO N. 37.406/98, DO ESTADO DE ALAGOAS. PRETENDIDA AFRONTA AO PARÁGRAFO 7 DO ARTIGO 150 DA CONSTITUIÇÃO. REGULAMENTO ESTADUAL QUE ESTARIA, AINDA, EM CHOQUE COM OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DE PETIÇÃO E DO LIVRE ACESSO AO JUDICIÁRIO. Plausibilidade da alegação de ofensa, pelo primeiro dispositivo impugnado, à norma do parágrafo 7 do art.150 da Constituição Federal, o mesmo efeito não se verificando relativamente aos dispositivos do Regulamento alagoano, que se limitaram a instituir benefício fiscal condicionado, que o STF não pode transformar em incondicionado, como pretendido pelo Autor, sob pena de agir indevidamente como legislador positivo. Cautelar deferida apenas em parte.” Como se observa, na própria medida liminar foi abordada a inconstitucionalidade da legislação do Estado de Alagoas, que estabeleceu benefício fiscal – redução da base de cálculo – condicionado à renúncia a toda e qualquer pretensão à restituição dos valores decorrentes de diferenças entre o preço presumido e o preço real de venda, tendo entendido o Tribunal, em posição mantida no julgamento de mérito, não haver nenhuma inconstitucionalidade em se condicionar a fruição de benefícios fiscais, visto que tais benefícios estavam amparados por Convênio autorizativo, conforme a exigência do artigo 155, parágrafo 2, XII,g, da CF e LC 24/75, e caso o Poder Judiciário declarasse a inconstitucionalidade, estaria agindo como legislador positivo, situação descabida pela jurisprudência da referida Corte. Posteriormente, houve uma mudança no entendimento do STF, ao julgar o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 266523/MG, da 2 Turma, relator Ministro Maurício Corrêa, julgado em 08.08.2000, em que passou-se a entender em sentido contrário ao fixado no julgamento da ADIn n. 1851/AL: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. LEGITIMIDADE. BASE DE CÁLCULO PRESUMIDA E VALOR REAL DA OPERAÇÃO. APURADAS. RESTITUIÇÃO. 1.É responsável tributário, por substituição, o industrial, o comerciante ou o prestador de serviço, relativamente ao imposto devido pelas anteriores ou subsequentes saídas de mercadorias ou, ainda, por serviços prestados por qualquer outra categoria de contribuinte. Legitimidade do regime de substituição tributária. 2.Base de cálculo presumida e valor real da operação. Diferenças apuradas. Restituição. Impossibilidade, dada a ressalva contida na parte final do artigo 150, parágrafo 7, da Constituição Federal, que apenas assegura a imediata e preferencial restituição da quantia paga somente na hipótese em que o fato gerador presumido não se realize. 3.Agravo regimental não provido.” Esse julgado demonstra a primeira oportunidade em que a Suprema Corte se manifestou no sentido do mérito da questão, acolhendo, por unanimidade, a tese da impossibilidade de restituição, além de receber uma imediata e forte crítica de importantes doutrinadores tais quais Hugo de Brito Machado, Marciano Seabra de Godói e Gilberto Ayres Moreira, dentre outros, que pleiteavam a reforma do entendimento da segunda Turma, voltando a determinar a possibilidade da restituição de valores nos casos de diferenças entre o preço presumido e o real.[12] Finalmente, a questão foi pacificada pelo STF, ao julgar o mérito da ADIn n. 1851-4/AL, em 08.05.2002, em julgado de eficácia erga omnes e efeito vinculante. O Tribunal entendeu, por maioria, ser impossível cobrar ou devolver diferenças entre o preço presumido e o preço da venda real a consumidor final, uma vez que o fato gerador presumido é definitivo, sendo cabível a devolução somente em caso da não ocorrência absoluta. É o que se abstrai da interpretação do referido acórdão: “TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. CLÁUSULA SEGUNDA DO CONVÊNIO 13/97 E §§ 6.º E 7.º DO ART. 498 DO DEC. N.º 35.245/91 (REDAÇÃO DO ART. 1.º DO DEC. N.º 37.406/98), DO ESTADO DE ALAGOAS. ALEGADA OFENSA AO § 7.º DO ART. 150 DA CF (REDAÇÃO DA EC 3/93) E AO DIREITO DE PETIÇÃO E DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. Convênio que objetivou prevenir guerra fiscal resultante de eventual concessão do benefício tributário representado pela restituição do ICMS cobrado a maior quando a operação final for de valor inferior ao do fato gerador presumido. Irrelevante que não tenha sido subscrito por todos os Estados, se não se cuida de concessão de benefício (LC 24/75, art. 2.º, INC. 2.º). Impossibilidade de exame, nesta ação, do decreto, que tem natureza regulamentar. A EC n.º 03/93, ao introduzir no art. 150 da CF/88 o § 7.º, aperfeiçoou o instituto, já previsto em nosso sistema jurídico tributário, ao delinear a figura do fato gerador presumido e ao estabelecer a garantia de reembolso preferencial e imediato do tributo pago quando não verificado o mesmo fato a final. A circunstância de ser presumido o fato gerador não constitui óbice à exigência antecipada do tributo, dado tratar-se de sistema instituído pela própria Constituição, encontrando-se regulamentado por lei complementar que, para definir-lhe a base de cálculo, se valeu de critério de estimativa que a aproxima o mais possível da realidade. A lei complementar, por igual, definiu o aspecto temporal do fato gerador presumido como sendo a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto, não deixando margem para cogitar-se de momento diverso, no futuro, na conformidade, aliás, do previsto no art. 114 do CTN, que tem o fato gerador da obrigação principal como a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não realização final. Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação. Ação conhecida apenas em parte e, nessa parte, julgada improcedente.” Observa-se, da análise, do referido julgado, que a Corte não demonstrou uma preocupação descritiva direta do tema, mas, no corpo do julgado, verificam-se referências à possibilidade do uso de presunções absolutas, e consequentes base de cálculo presumida, conforme depreende-se no voto do Ministro Ilmar Galvão: “Ao autorizar a atribuição a outrem de condição de responsável pelo pagamento de tributo cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido, na verdade, antecipou, o novo dispositivo, o momento do surgimento da obrigação e, consequentemente,da verificação do fato gerador que, por isso mesmo, definiu como presumido. […] O fato gerador do ICMS e a respectiva base de cálculo, em regime de substituição tributária, de outra parte, conquanto presumidos, não se revestem de caráter de provisoriedade, sendo de ser considerados definitivos, salvo se, eventualmente, não vier a realizar-se o fato gerador presumido. Assim, não há falar em tributo pago a maior, ou a menor, em face do preço pago pelo consumidor final do produto ou do serviço, para fim de compensação ou ressarcimento, quer de parte do Fisco, que de parte do contribuinte substituído. Se a base de cálculo é previamente definida em lei, não resta nenhum interesse jurídico em apurar se correspondeu ela à realidade”.[13] O STF decidiu que os valores almejados pelo artigo 150, parágrafo 7, da CF, da isonomia, segurança, praticidade, eficiência da administração, celeridade, certeza, mereciam ser prestigiados. É evidente, assim, que a decisão baseia-se em valores jurídicos, encontra descrição dogmática e, notadamente, preservou de maneira fiel a finalidade do instituto, conforme bem observou o Ministro Sepúlveda Pertence[14] – ao afirmar ter invertido sua inclinação inicial manifestada no julgamento da liminar após a leitura do memorial apresentado pelo Estado de Alagoas –, desde que a presunção não seja arbitrária, não há de advogar-se pela sua provisoriedade, uma vez que o princípio da máxima efetividade dos dispositivos constitucionais assim o exige, uma vez que a EC 03/93, de que resulto o parágrafo 7 do artigo 150, surgiu para dar ao fisco um mecanismo eficaz para determinado tipo de circulação econômica e fez a ressalva. Agora, se esta ressalva é interpretada de modo a inviabilizar o instrumento fiscal que se autorizou, o que se está é negando a efetividade no sentido principal. Essa é a linha de pensamento indicativa da direção adotada pelos Tribunais em âmbito tributário, evidenciando-se a linha hermenêutica que interpreta os valores isonomia, combate à sonegação, praticidade, de modo a propiciar-lhes a máxima eficácia, preservando o fim almejado pelo legislador ao instituir tais normas. Assim sendo, é certo afirmar que a posição do STF no que tange à substituição tributária “para frente” foi respaldada em valores jurídicos, em consonância com a linha interpretativa do Tribunal na atualidade, além de acordar com a descrição dogmática do instituto e com os princípios tributários. Por fim, é pertinente observar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade número 2777/SP e número 2675/PE. Os estados de São Paulo e Pernambuco não haviam aderido ao Convênio ICMS n. 13/97 e suas legislações previam a devolução/complementação dos valores decorrentes das diferenças entre preço presumido e preço real de venda[15]. Assim, ambos os estados impugnaram a constitucionalidade de suas respectivas leis estaduais acerca do assunto. A Ação de São Paulo alegava ofensa à alínea “g” do inciso XII do parágrafo 2 do artigo 155 da CF, argumentando que a devolução constituiria benefício fiscal concedido sem constar de convênio autorizado, nem lei específica. Na de Pernambuco, negava-se a existência de benefício fiscal, mas discutia-se a inconstitucionalidade da legislação estadual à tese de que esta estaria ultrapassando os limites da autorização constitucional pelo parágrafo 7 do artigo 150 da CF, pois o STF teria, ao julgar a ADIn n. 1851/AL, fixado a única possibilidade interpretativa possível para o mencionado dispositivo, além do que a devolução de valores inviabilizaria o mecanismo estadual, acarretando enormes prejuízos financeiros. Estas ações estão sendo julgadas em conjunto, apesar das diferentes causas de pedir. Até o presente momento, não se sabe qual a posição que será acolhida pela Suprema Corte. Contudo, é nítida a inaplicabilidade da ADIn n. 1851-4/AL aos casos debatidos nas Ações de São Paulo e Pernambuco, seja pelo fato de estas impugnarem leis estaduais que não foram objeto de análise da Ação de Alagoas, seja porque a legislação estadual que prevê a complementação do ICMS caso a operação final seja por valor superior ao preço presumido nitidamente estabelece um regime que não objetiva finalizar a fiscalização em todas as etapas do processo de circulação de mercadorias, ou seja, configurar-se-ia um modelo de substituição tributária que não visa, primordialmente, combater a sonegação, mas meramente antecipar o valor final. Ao cobrar a diferença, estar-se-ia escalonando a cobrança do imposto, de modo a recolher a maior parte no início da cadeia de circulação e deixando eventuais diferenças para a última fase, não dando benefício fiscal nenhum. Os prejuízos da antecipação certamente seriam maiores do que as vantagens de antecipar a receita. Com efeito, o parágrafo 7 do artigo 150 da Constituição Federal cria mais de um modelo arrecadatório para as legislações estaduais, seja antecipação sem substituição, seja substituição tributária fiscalizatória, seja antecipatória. Os Tribunais já esclareceram a constitucionalidade dos dois primeiros modelos, não havendo posicionamento firmado quanto ao terceiro, justamente o tratados nas ADIn em questão. Assim, ao que parece, o fato de ter se fixado a constitucionalidade do modelo de substituição tributária fiscalizatória, perante a análise de leis que claramente negam qualquer devolução ou complementação de diferenças entre preço presumido e preço de venda a consumidor final, bem como da incidência de princípios diretamente vinculados, como isonomia, à justiça fiscal, não afasta, isoladamente, a possibilidade de analisar a constitucionalidade de outro modelo baseado em legislação que cobra ou devolve valores referentes a diferenças entre preço presumido e preço real, e cujo objetivo principal não é o combate à sonegação, visto que não visa reduzir o número de contribuintes a serem fiscalizados, mas apenas antecipar receita, por motivos diversos, a serem ponderados e pacificados pelos Tribunais. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Partindo de uma explicação conceitual sobre a substituição tributária, e, especificamente, sobre o mecanismo da substituição tributária progressiva no ICMS, evidencia-se a dificuldade da doutrina e da jurisprudência em uniformar a interpretaçãoe a aplicação deste instituto na sociedade econômica brasileira. O estudo do sistema jurídico pátrio, no que tange a esta sistemática, não pode se limitar ao exame de seu regime jurídico, ou mesmo exclusivamente à relação jurídica entre o fisco e o contribuinte, de fato ou de direito. A análise minuciosa da fundamentação jurídica, em busca da equidade e da constitucionalidade dos instrumentos jurídicos de que lança mão o Estado em sua função arrecadadora, não estaria completa sem a consciência de que tais institutos não são apenas um meio de financiamento de despesas estatais, mas também um instrumento de interferência na vida social. O ICMS possui peso considerável no lucro operacial de uma empresa, sendo o imposto indireto que representa o maior custo para a produção. A partir do momento em que se reconhece que a norma tributária pode ser um fator indutor do desempenho dos mercados, as categorias econômicas, assim como os efeitos na economia, podem ser utilizados como instrumentos para extrair o máximo de utilidade do sistema jurídico. O que, certamente, aprimora os valores democraticamente estabelecidos em sociedade, e que justificam a sua produção. E é nesse contexto que a substituição tributária surge, como técnica arrecadatória que visa o combate à sonegação, a prevenção da concorrência desleal e, consequentemente, o equilíbrio mercadológico. E com isso concordam até mesmo os críticos dessa sistemática, como pode ser observado nas conclusões de Hugo de Brito Machado (1999, p.116) ao narrar um caso concreto, ocorrido no Ceará, na época da Constituição de 1946, em que empresários da indústria de panificação e do comércio de bebidas propuseram a cobrança antecipada do então ICM, por motivos de concorrência desleal, ao argumento de que esta cobrança traria benefícios a todos, a exceção dos sonegadores (MELO, 2008, p. 69). A crítica de que a substituição tributária progressiva ofenderia o princípio da capacidade contributiva não procede. A sistemática atinge apenas a capacidade do consumidor, de modo semelhante ao ICMS sem substituição, tornando, portanto, insustentável o argumento de inconstitucionalidade por não atingir a capacidade pessoal do contribuinte. Além disso, é consenso que o mecanismo realiza a praticidade e igualdade tributárias, sendo válido destacar que ao assim fazer alcança a efetividade máxima do parágrafo sétimo do artigo 150 da Constituição Federal. Imperioso ressaltar também que as alegações de ofensa aos princípios da não cumulatividade e da vedação ao confisco, possíveis ocasionadoras de enriquecimento ilícito do Estado, só se justificam quando observadas sob a óptica da falsa premissa de que o ICMS só pode ter por elemento material a realidade absoluta, e nunca presumida, e por base de cálculo o preço real, e nunca presumido. Na substituição tributária deve-se utilizar raciocínio diverso do usado para o ICMS sem substituição, de modo que apenas uma base de cálculo presumida pode confirmar o elemento material presumido, uma vez que uma base de cálculo real não permitiria a quantificação do débito no momento da incidência, mas apenas no futuro, em momento ulterior ao próprio pagamento, pelo que infirmaria o elemento material. O atual sistema tributário brasileiro é demasiadamente injusto e oneroso, todavia as fórmulas para o seu aperfeiçoamento não devem ser buscadas com o sacrifício dos mecanismos mais eficientes no combate à sonegação, a exemplo da substituição tributária progressiva (MELO, 2008, p. 247). Baseando-se nessa ideologia que o instituto da substituição tributária adentrou o universo jurídico tributário, como mecanismo eficiente de arrecadação de tributos, é cediço afirmar que se trata de técnica indispensável à justiça fiscal na moderna sociedade de massas, zelando para que os cidadãos percebam a efetividade prática e isonômica das normas tributárias, pré-requisitos do Estado Democrático de Direito. Afinal: “Um sistema tributário racional estimula as decisões de investimento. Ao mesmo tempo em que a sustentabilidade das finanças públicas é condição para viabilizar o crescimento sustentável, o aumento da produtividade, a difusão de novas tecnologias, os investimentos em infraestrutura e o incentivo ao empreendedorismo propiciam um longo ciclo de crescimento econômico. Nesse sentido, os instrumentos tributários devem ser orientados para a melhoria da qualidade dos tributos, em termos de eficiência e equidade, com redução dos tributos sobre bens de capital e sobre a poupança de longo prazo, o fim da cumulatividade que provoca distorções nos preços relativos e reduz os incentivos à alocação ineficiente dos fatores de produção, permitindo um aumento da produtividade.”[16]
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/o-mecanismo-da-substituicao-tributaria-no-icms-e-seus-aspectos-juridicos-economicos-e-constitucionais/
Processo administrativo tributário: da possibilidade de questionamento judicial das decisões contrárias à Fazenda Pública
Trata o presente trabalho de uma análise relativa aos efeitos da decisão definitiva proferida no processo administrativo tributário federal, especificamente sobre a possibilidade de revisão judicial, por iniciativa do Fisco, quando a mesma lhe for adversa. Utilizou-se o método de pesquisa hipotético-dedutivo, através do exame e interpretação de referenciais normativos, doutrinários e jurisprudenciais. Procurou-se balizar o estudo no conjunto de princípios norteadores do processo administrativo fiscal, insculpidos na Constituição e em legislação infraconstitucional, tendo relevo a contraposição suscitada pelas correntes doutrinárias antagônicas, as quais invocam, especialmente, os princípios da unidade da jurisdição e da isonomia, favoravelmente ao Erário, face os princípios da segurança jurídica e moralidade administrativa, contrariamente aos interesses fazendários. Para uma ampla compreensão do assunto, optou-se por detalhar o funcionamento do contencioso administrativo da União com as peculiaridades de cada instância. Também é explicitado o contexto em que foi emitido o Parecer PGFN/CRJ nº 1.087/2004 e a Portaria PGFN nº 820/2004, os quais reacenderam a discussão sobre o tema por normatizarem a possibilidade jurídica de anulação de decisão de mérito proferida pelo antigo Conselho de Contribuintes, atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. A proposta de conclusão é pela impossibilidade de a própria Fazenda Pública, por meio da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, pleitear revisão judicial de decisão terminativa proferida pelos seus órgãos julgadores, ressalvando-se, porém, a faculdade de utilização do recurso hierárquico, pela Administração, como instrumento de controle interno no exercício do seu poder de autotutela, restrito aos aspectos legais do ato, assegurado o devido contraditório ao contribuinte[1].
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A atual Constituição brasileira consagra, em seu artigo 5º, o processo administrativo tributário como uma garantia fundamental do administrado, na medida em que lhe assegura o direito de petição aos Poderes Públicos contra a ilegalidade ou abuso de poder, o devido processo legal, o direito à ampla defesa e ao contraditório. É cediço que o processo administrativo fiscal é um instrumento importante para solução de conflitos, de forma mais célere e menos dispendiosa, tanto para o contribuinte como para o próprio Fisco, tendo por objetivo o autocontrole do ato administrativo do lançamento e o acertamento do crédito tributário, visando, em última análise, a efetiva justiça fiscal. No âmbito federal, o contencioso tributário é desenvolvido por órgãos integrantes do próprio Ministério da Fazenda, quais sejam as Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (primeira instância); o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (segunda instância); e a Câmara Superior de Recursos Fiscais (instância especial). Destaque-se que o sujeito passivo, inconformado com ato praticado pelo Fisco e optando por discutir administrativamente a imposição tributária pode, a qualquer momento, recorrer ao Judiciário. Entrementes, tem suscitado relevante e atual discussão no âmbito acadêmico e doutrinário saber se o direito de recorrer ao Judiciário, no contexto peculiar do processo administrativo tributário federal, é exclusivo do administrado ou pode ser estendido à Fazenda. O presente estudo propõe-se a analisar, sob a égide dos princípios, normas, doutrina e jurisprudência, os aspectos e as decorrências das decisões contrárias ao Erário no processo administrativo tributário federal. Especificamente, objetiva-se investigar a possibilidade de a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional ajuizar ação para tentar reverter decisão administrativa em caráter definitivo, julgada de forma favorável ao contribuinte. Esta monografia inicia-se abordando aspectos funcionais do processo administrativo fiscal e com uma breve diferenciação deste para com o processo judicial. Na sequência explanam-se os princípios dirigentes do contencioso administrativo tributário, notadamente os de natureza constitucional, administrativa e específica. Prosseguindo, já no terceiro capítulo, aclara-se o funcionamento do contencioso administrativo da União, perpassando a legislação infraconstitucional regente e dissecando a estrutura atinente a cada instância julgadora. A temática central é explorada no capítulo quarto. Nele é estudada a definitividade das decisões administrativas nas lides tributárias, analisados os atos normativos que disciplinam a matéria em apreço no âmbito da Fazenda Nacional, explicitados os argumentos doutrinários favoráveis e contrários, e referenciado o posicionamento predominante nos tribunais. Por fim, no desfecho do trabalho, é emitido posicionamento do autor acerca do questionamento judicial, pela Fazenda Pública, de decisões dos seus órgãos julgadores, irreformáveis administrativamente. Propõe-se, ainda, uma superação para o impasse com conciliação do interesse público e do particular. 1 ASPECTOS GERAIS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTARIO 1.1 Relevância e utilidade A Constituição Federal de 1988 trouxe o processo para o rol das garantias fundamentais do cidadão, por meio dos incisos LIV e LV do artigo 5°: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”; (BRASIL, 1988) Garantiu-se aos litigantes o direito constitucional de discutir, em processo administrativo ou judicial, o seu direito violado. Tal comando constitucional abrange a Administração Tributária, devendo os fiscos federal, estadual e municipal manterem órgãos especializados no julgamento do contencioso administrativo tributário. Nesse liame, Machado conceitua: “A expressão processo administrativo fiscal pode ser usada em sentido amplo e em sentido restrito. Em sentido amplo, tal expressão designa o conjunto de atos administrativos tendentes ao reconhecimento, pela autoridade competente, de uma situação jurídica pertinente à relação fisco-contribuinte. Em sentido estrito, a expressão processo administrativo fiscal designa a espécie do processo administrativo destinado à administração e exigência do crédito tributário”. (MACHADO, 2008, p. 445) Hodiernamente o processo administrativo tributário vem se consubstanciando em um meio útil na busca da pacificação e do equilíbrio da relação jurídica tributária, firmada entre o Estado (sujeito ativo) e contribuinte (sujeito passivo). Embora o processo administrativo fiscal não tenha poder jurisdicional, a sua existência se justifica e se faz necessária por oferecer, dentre outras, as seguintes vantagens: – dispensa formalidades excessivas e complexos ritos processuais. O contribuinte não será obrigado a se fazer representar por intermédio de advogado, como ocorre no processo judicial; – possibilita à Administração a oportunidade de rever o ato de lançamento praticado pelos seus agentes , em conformidade com as Súmulas nº 346 e nº 473, editadas pelo Supremo Tribunal Federal – STF, em observância ao  poder de autotutela administrativa; – é gratuito; – suspende a exigibilidade do crédito tributário enquanto a matéria estiver pendente de apreciação nos órgãos julgadores, em virtude de impugnação ou recurso administrativo; – permite a verificação dos requisitos de liquidez e de certeza inerentes ao crédito tributário, nos termos dos artigos 201 a 204, da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional – CTN) e da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 (Lei de Execução Fiscal); – enseja uma decisão mais precisa e especializada, dado o grau de conhecimento técnico dos julgadores tributários administrativos. Dessa forma, verifica-se que o contencioso administrativo tributário serve tanto ao Fisco, à medida que possibilita a revisão interna do ato administrativo, principalmente o do lançamento, quanto ao contribuinte, já que é colocado à sua disposição um instrumento eficaz e ágil para análise da exigência a ele imposta. Presta-se, ainda, ao próprio Poder Judiciário, pois evita a interposição de demandas judiciais desnecessárias. 1.2 Processo e procedimento administrativo fiscal Com a evolução da doutrina processual, tornou-se necessário diferenciar processo de procedimento. Di Pietro (1999) define procedimento como formalidades que devem ser observadas para a prática de certos atos administrativos, equivalendo a rito, a forma de proceder, sendo normalmente desenvolvido dentro de um processo administrativo. Meirelles, ao seu turno, ressalta: “O processo, portanto, pode realizar-se por diferentes procedimentos, consoante a natureza da questão a decidir e os objetivos da decisão. Observamos, ainda, que não há processo sem procedimento, mas há procedimentos administrativos que não constituem processo, como, por exemplo, os de licitações e concursos. O que caracteriza o processo é o ordenamento de atos para a solução de uma controvérsia; o que tipifica o procedimento de um processo é o modo específico do ordenamento desses atos.” (MEIRELLES, 2004, p. 658) Sinteticamente, pode-se aduzir que o procedimento é a forma de desenvolvimento dos atos processuais, enquanto o processo reúne os atos harmônicos e coordenados, praticados pelos sujeitos processuais de acordo com regras e princípios previstos em lei, visando assegurar a unidade do conjunto para a solução da lide. Nessa esteira, Marins (2002) destaca que o procedimento fiscal tem caráter fiscalizatório ou apuratório, tendo a finalidade de preparar o ato de lançamento (etapa intermediária entre o procedimento e o processo), ao passo que o processo administrativo tributário refere-se ao conjunto de normas que disciplina o regime jurídico para a solução das lides fiscais formalizadas perante a Fazenda Pública. Assim, na opinião de Marins (2002), ocorrem no âmbito administrativo fiscal três momentos distintos: 1. procedimento preparatório do ato de lançamento tributário; 2. ato de lançamento; 3. processo de julgamento da lide fiscal. Na ação fiscal de determinação e exigência de crédito tributário, o procedimento vai desde a fiscalização até a formalização do ato administrativo de lançamento ou de aplicação de penalidade. O lançamento aparece como etapa intermediária entre o procedimento e o processo. O procedimento é a fase de fiscalização e apuração, com o objetivo de alcançar o lançamento. Entretanto, nem sempre o lançamento será precedido de procedimento. Há casos em que a Administração utiliza-se de dados pré-fixados para o lançamento do tributo. Nesta etapa fiscalizatória, a priori, não há que se falar em contraditório ou ampla defesa, já que inexiste qualquer pretensão fiscal exigida. Com a realização do lançamento, através de Auto de Infração ou Notificação de Lançamento, ganha exigibilidade o crédito tributário, o que confere ao contribuinte as opções de pagar ou de impugnar a pretensão fiscal. Se o contribuinte optar pelo pagamento, extingue-se o crédito tributário e com ele a relação jurídica tributária. Neste caso, não há que se falar em processo. Entretanto, se houver a entrega de uma impugnação dentro do prazo estabelecido em lei, instaurar-se-á a fase litigiosa, passando a assistirem ao contribuinte as garantias constitucionais e legais do devido processo legal. Marins defende a ocorrência de uma transformação do procedimento para processo administrativo tributário, antes da fase judicial: “[…] a etapa contenciosa (processual) caracteriza-se pelo aparecimento formalizado do conflito de interesses, isto é, transmuda-se a atividade administrativa de procedimento para processo no momento em que o contribuinte registra seu inconformismo com o ato praticado pela administração, seja ato de lançamento de tributo ou qualquer outro ato que, no seu entender, lhe cause gravame, como a aplicação de multa por suposto incumprimento de dever instrumental”. (MARINS, 2002, p. 164) Conclui-se que na atividade administrativa fiscal é visível a distinção entre processo e procedimento. Em geral, o procedimento precede o processo. 1.3 Distinções entre o processo administrativo tributário e o processo judicial tributário Em geral, o processo tributário é constituído por um conjunto de atos administrativos ou judiciais tendentes à apuração de obrigação tributária ou do descumprimento desta, com o objetivo de resolver controvérsias entre o Fisco e o contribuinte. Quanto ao processo administrativo fiscal, Cais assevera: “Em senda administrativa, o contencioso tributário constitui uma continuação, ou a antecipação, ou, ainda, a reabertura do processo de lançamento, no sentido de que essa discussão é dotada da mesma natureza do processo de lançamento, que fica suspenso até a sua decisão final, a qual constituirá o lançamento definitivo. […]” (CAIS, 2007, p. 250) Balizando-se no ensinamento da doutrina pátria, extraem-se as seguintes características inerentes ao processo administrativo fiscal: – controle interno da legalidade do lançamento: a Administração controla a legalidade de seus próprios atos, podendo até anulá-los face ao seu poder de autotutela; – inexistência de uma relação triangular: a Fazenda Pública é, ao mesmo tempo, parte e julgador; – limitação da eficácia das decisões: os órgãos administrativos julgadores não possuem jurisdição e também não detém competência para reconhecer a ilegalidade ou a inconstitucionalidade das normas tributárias. As decisões administrativas, mesmo que proferidas em última instância, são passíveis de revisão pelo Poder Judiciário; – não possui caráter expropriatório: mesmo que a procedência do crédito tributário seja decidida em caráter definitivo, no âmbito administrativo, a administração só poderá executar o patrimônio do sujeito passivo pela via judicial, através de uma ação de execução fiscal; – a estrutura da administração julgadora é montada dentro do próprio Poder Executivo. Não há total independência para julgar; – cada pessoa política, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, tem capacidade para estabelecer normas acerca de seus respectivos processos administrativos fiscais; – é regido pelo Princípio do Informalismo: a principal característica do informalismo é a não exigência de formas rígidas para sua instauração, instrução e decisão, a não ser quando a lei assim o exigir; – obedece ao Princípio da Verdade Material: diferentemente do processo judicial em que vigora o princípio da verdade formal resultante das provas e dos fatos incluídos pelas partes nos autos, o que se busca no processo administrativo é a verdade real. Serão consideradas todas as provas e fatos novos, ainda que desfavoráveis à Fazenda Pública. Há de se registrar, contudo, que em decorrência do preceito insculpido no artigo 5º, XXXV, do Diploma Constitucional, a matéria objeto do processo administrativo pode, a qualquer tempo, ser submetida à apreciação do Poder Judiciário, não sendo necessária a formulação prévia do pleito na esfera administrativa. A título ilustrativo, as ações judiciais mais utilizadas nas discussões travadas em torno da relação jurídica tributária são: ação de execução fiscal (tem por objeto a cobrança de créditos fiscais atribuídos à União, aos Estados, Distrito Federal e aos Municípios e às respectivas autarquias); ação declaratória (é promovida em face do ente público com a finalidade de se reconhecer a existência ou inexistência de dada relação jurídica tributária); ação de repetição de indébito (visa a obter o reconhecimento de direito à devolução de tributo pago indevidamente); ação anulatória (possui o escopo de obter a nulidade do ato que constituiu o crédito tributário); mandado de segurança (utilizado para afastar qualquer ato de autoridade pública que afronte direito líquido e certo); e a ação popular (dirigida a anular os atos lesivos ao patrimônio público). Cabe aqui elencar peculiaridades do processo judicial tributário, levantadas por vários doutrinadores, que o distingue do contencioso administrativo fiscal: – controle externo da legalidade: o Poder Judiciário controla os atos praticados pela Administração; – relação triangular: estão presentes os três elementos subjetivos que lhe são típicos: o autor, o réu e o julgador; – formalismo: é revestido de aspectos e regras determinados por dispositivos legais; – obedece ao Princípio da Verdade Formal: o juiz deve ater-se às provas indicadas, no devido tempo, pelas partes, obedecendo ao brocado "o que não está nos autos, não está no mundo"; – definitividade dos julgados: das decisões judiciais em última instância não se pode mais interpor recurso. – poder expropriatório: a ação de execução fiscal pode resultar na perda, por parte do sujeito passivo, de parte de seu patrimônio, com o objetivo de cumprir a decisão que lhe tenha sido desfavorável. – a lei de regência é de competência privativa da União, que legisla sobre direito processual, conforme o art. 22 da CF; – privilégios processuais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: possuem prazo em quádruplo para contestar, prazo em dobro para recorrer, direito a execução por precatórios e a duplo grau obrigatório em caso de decisões a eles contrárias. Ademais, o processo judicial, diferentemente do processo administrativo, somente tem a suspensão da exigibilidade do crédito tributário se for oferecida garantia ou concedida antecipação de tutela ou liminar ao autor. O que, muitas das vezes, representa um óbice ao contribuinte para questionar a cobrança ilegal de tributos, principalmente àqueles de poucos recursos financeiros. Cumpre ressaltar que, caso haja propositura de ação judicial pelo contribuinte, o processo administrativo terá o seu curso cessado, em face da reserva jurisdicional contemplada no sistema brasileiro, consoante o parágrafo único do art. 38 da Lei nº 6.830/1980. Esta renúncia às instâncias administrativas diz respeito, apenas, à matéria comum aos dois processos e está fundamentada no fato de as decisões judiciais serem autônomas e definitivas. Questão de grande relevo é a análise da decadência face à interposição de ação judicial pelo sujeito passivo, situação em que o contribuinte se antecipa à autoridade lançadora e obtém judicialmente a suspensão do crédito tributário antes mesmo de sua constituição. Na visão de Machado Segundo (2009), a realização do lançamento nos casos em que o contribuinte esteja protegido por medida judicial, não implica violação de direito individual e sim, resguardo do crédito tributário em relação à decadência. Caso não se efetue o lançamento no curso do prazo decadencial e a ação judicial não seja decidida em definitivo nesse prazo, a Fazenda Nacional não mais poderá exercer o seu direito. Tal entendimento, ainda de acordo com Machado Segundo (2009), advém do fato de que o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário mediante lançamento é, reconhecidamente, um direito potestativo, o qual pode ser exercitado unilateralmente, independente de qualquer condição ou da colaboração de terceiros. Destarte, a suspensão da exigibilidade prevista no CTN refere-se ao crédito tributário regularmente constituído e não à possibilidade de a autoridade administrativa efetuar o lançamento. Assim, o que se impede é a cobrança do crédito tributário quando esse se encontra com exigibilidade suspensa. Portanto, a Fazenda Pública não está impedida de proceder ao ato administrativo de lançamento, tendo expressa autorização legal, qual seja o art. 63 da Lei n° 9.430, de 27 de dezembro de 1996. 2 PRINCÍPIOS NORTEADORES O sistema jurídico pátrio apresenta rigidez em sua hierarquia normativa, de forma que as normas jurídicas inferiores encontram fundamento de validade nas normas jurídicas superiores até que se alcance o Texto Constitucional, de maneira que a unidade do ordenamento deriva da relação de interdependência e irradiação de efeitos decorrentes das aludidas normas jurídicas. Nesse liame, Mello norteia: “Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”. (MELLO, 2009, p. 53) Os princípios têm grande importância no sistema jurídico e, igualmente, no subsistema processual tributário, posto que aqui também informam rumos a serem seguidos para que as decisões proferidas no âmbito do processo administrativo tributário alcancem seu fim maior, qual seja, o da efetiva justiça fiscal. Os princípios aplicáveis ao processo administrativo tributário, inicialmente deduzidos na doutrina, são encontrados na Constituição Federal, em regras de direito objetivo que condicionam o funcionamento global do sistema e em atos específicos que os regulam. 2.1 Princípios de natureza constitucional 2.1.1 Legalidade O artigo 5º, inciso II, do Texto Constitucional de 1988, determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, impondo a reserva formal da lei pela autoridade competente. Meirelles, a respeito, adverte que: “A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. É o que diz o inc. I do parágrafo único do art. 2º da Lei n. 9.784/99. Com isso, fica evidente que, além da atuação conforme à lei, a legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos”. (MEIRELLES, 2004, p. 87) Trata-se, aqui, do princípio capital para a configuração do regime jurídico administrativo. É fruto da submissão do Estado à lei, que consagra a idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da norma legal, encontrando amparo no artigo 37 da Constituição Federal. Na verdade, esse princípio é tão importante na aplicação do Direito Tributário, que o CTN, em seu artigo 142, determinou que todos os atos praticados no interesse da atividade administrativa de cobrança de tributos sejam estritamente vinculados. Significa que o procedimento administrativo tributário deve seguir rigorosamente as determinações legais, ou seja, a legalidade deve abranger o desenvolvimento dos, objetivando enquadrá-los nos estritos e precisos termos normativos. A Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999, estabeleceu expressamente em seu art. 2º o atendimento do princípio da legalidade no processo administrativo como dever da Administração. 2.1.2 Contraditório Previsto na Constituição Federal (art. 5°, inc. LV), trata-se de manifestação do princípio do devido processo legal, e decorrente do brocardo latino audiatur et altera pars, exprimindo a possibilidade, conferida aos contendores no processo, de praticar todos os atos tendentes a influir no convencimento do juiz. Tem estreita ligação com o princípio da igualdade das partes e se traduz na necessidade de se dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, bem como na possibilidade de estas reagirem aos atos que lhes forem desfavoráveis. A esse propósito, Xavier pontifica: “[…] o princípio do contraditório reporta-se ao modo do seu exercício. Esse modo de exercício, por sua vez, caracteriza-se por dois traços distintos: a paridade das posições jurídicas das partes no procedimento ou no processo, de tal modo que ambas tenham a possibilidade de influir, por igual, na decisão (“princípio da igualdade de armas”); e o caráter dialético dos métodos de investigação e de tomada de decisão, de tal modo que a cada uma das partes seja dada a oportunidade de contradizer os fatos alegados e as provas apresentadas pela outra”. (XAVIER, 2005, p. 10) Os litigantes têm, portanto, direito de deduzirem pretensões e defesas, apresentarem provas para demonstrar a existência de seus direitos e serem ouvidos paritariamente. (NERY JR., 2004) O contraditório traduz-se na faculdade da parte de manifestar sua posição sobre fatos ou documentos, trazidos ao processo, pela outra parte. 2.1.3 Ampla defesa O princípio da ampla defesa, previsto no artigo 5º, inciso LV, da Carta Magna, decorre igualmente do princípio do devido processo legal (due process of law) inerente à Constituição dos Estados Unidos da América, por meio do qual impera a idéia de que as partes litigantes transcorram um processo de forma justa (fair procedure). Como elucida Xavier (2005), o direito de defesa e o contraditório são manifestações do Princípio do Devido Processo Legal. Apesar de ser possível separá-los por uma abstração, pode-se dizer que estão intimamente relacionados. Não há ampla defesa se o contraditório inexistir. O princípio do contraditório, na realidade, encontra-se relacionado com a ampla defesa por um vínculo instrumental. Ele representa o modo de exercício de um direito, afirmado pela ampla defesa. A observância do princípio da ampla defesa garante aos contribuintes o exercício do direito da defesa de seus interesses de forma incondicional e irrestrita, não sendo admitidas quaisquer limitações. Na concepção de Medauar: “A Constituição Federal de 1988 alude, não ao simples direito de defesa, mas, sim, à ampla defesa . Nesse sentido, tem-se a expressão final do inciso LV: “com os meios e recursos a ela inerentes”, englobados na garantia, refletindo todos os seus desdobramentos, sem interpretação restritiva.” (MEDAUAR, 1993, p. 111) Assim, admitir-se-á a produção de provas e a dedução das razões da pretensão que se quer ver atendida, a fim de demonstrar cabalmente o direito que foi violado. Consiste, portanto, na efetiva participação das partes no processo, prestando os esclarecimentos e juntando as provas necessárias à obtenção de justo julgamento. 2.1.4 Devido Processo Legal Esse princípio tem origem na cláusula due process of law do Direito inglês e norte-americano, conforme registra a doutrina e já referenciado anteriormente. Consiste em assegurar ao contribuinte o direito de não ser privado de seu patrimônio sem a garantia de um processo desenvolvido na forma estabelecida pela lei. Na Carta Política encontra-se expresso no ordenamento constitucional, artigo 5º, LIV, que dispôs: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e, mais especificamente direcionado aos processos judicial e administrativo, no inciso LV, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa”. Assim, verifica-se que é por meio do contraditório e da ampla defesa que esse princípio se manifesta. Representa garantia inerente ao Estado Democrático de Direito de que ninguém será condenado sem que lhe seja assegurada a plenitude da defesa. Genericamente, caracteriza-se pela tutela do trinômio vida-liberdade-propriedade em seu sentido mais amplo e genérico. Em sentido processual, a expressão tem significado mais restrito e compreende a garantia de ampla defesa, o contraditório, a prévia determinação de competência (juiz natural) e o direito a uma decisão fundamentada e que ponha fim ao processo. Nesse caminho, Silva esclarece: “O princípio do devido processo legal entra agora no Direito Constitucional positivo com um enunciado que vem da Carta Magna inglesa: ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’ (art. 5º, LIV). Combinado com o direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e o contraditório e a plenitude de defesa (art. 5º, LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo, e quando se fala em “processo”, e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica.” (SILVA, 2002, p. 430) O princípio do devido processo legal é fundamental, por ser a base sobre a qual se assentam todos os demais princípios. A inobservância aos princípios informadores do processo administrativo tributário (constitucionais, administrativos e processuais específicos), portanto, em última análise, acaba por desrespeitar o princípio do devido processo legal. 2.1.5 Duplo grau de jurisdição Neder e López (2002) lembram que, não apenas a Constituição (art. 5º, LV), mas, também, o Código Tributário Nacional (art. 151, III) e a legislação ordinária são plenos de referências que prestigiam a dupla instância no âmbito do processo administrativo fiscal. A propósito, Melo assevera: “Na medida em que a CF (art. 5º, inciso LV) outorga aos litigantes em processo judicial ou administrativo, o direito à ampla defesa com os recursos a ela inerentes, está pressuposto a instância recursal para que as decisões singulares (normalmente mantendo as exigências tributárias), sejam revistas em caráter devolutivo e suspensivo. Tendo em vista que os julgadores singulares usualmente homologam as exigências tributárias, é necessária a previsão de recursos, para que os órgãos de segunda instância administrativa (normalmente de composição paritárias), possam reexaminar toda a matéria posta na lide”. (MELO, 2006, p. 88) A Lei n° 9.784/1999, por seu turno, estabeleceu que os apelos dos administrados fossem apreciados em, pelo menos, duas instâncias independentes. O artigo 56, parágrafo único, prescreve que o "recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior". Destarte, poderá a parte insatisfeita com a decisão prolatada no processo administrativo ou judicial recorrer a um segundo órgão julgador, com igual poder e amplitude de conhecimento do órgão recorrido, possibilitando-se, assim, a eventual reforma da decisão. 2.1.6 Segurança Jurídica Trata-se de princípio geral do direito que informa a manutenção dos atos administrativos geradores de direito.  Esse princípio encontra-se positivado no preâmbulo do texto constitucional e tem como corolários o princípio da irretroatividade da lei e o respeito ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito, bem como os institutos da prescrição e da decadência. Discorrendo sobre o tema, Xavier comenta: “[…] as leis tributárias devem ser elaboradas de tal modo que garantam ao cidadão a confiança de que lhe facultam um quadro completo de quais as suas ações ou condutas originadoras de encargos fiscais. […] o princípio da confiança na lei fiscal, como imposição do princípio da segurança jurídica, traduz-se praticamente na possibilidade dada ao contribuinte de conhecer e computar os seus encargos tributários com base direta e exclusivamente na lei.” (XAVIER, 1978, p. 46) Nesse sentido, a Lei n° 9.784/1999 impõe, de modo expresso, o princípio da segurança como critério a ser obedecido pela administração pública federal. O preceito constante do parágrafo único, inciso XIII, do art. 2° da referida lei, prevê a "interpretação da norma administrativa que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação". O próprio Código Tributário Nacional segue essa orientação, pois estabelece limites para a ação revisora da Administração nos seus artigos 146 e 149. Em outras situações, em razão da segurança jurídica, o direito estabelece limites temporais ao exercício da invalidação dos atos administrativos. É o caso do artigo 54 da Lei n° 9.784/1999, que prescreve o prazo de cinco anos para a Administração invalidar os atos administrativos, viciados de efeitos jurídicos, favoráveis aos contribuintes por mecanismos internos. Introduz, portanto, nova regra de decadência, pois a Administração Pública não precisa recorrer às vias judiciais para invalidar o ato administrativo. 2.1.7 Direito de Petição O direito de petição é um direito político, que pode ser exercido por qualquer um, pessoa física ou jurídica, sem forma rígida de procedimento para fazer-se valer, caracterizando-se pela informalidade. Basta a identificação do peticionário e o conteúdo sumário do que se pretende do órgão público destinatário do pedido. Pode vir exteriorizado por intermédio de petição, no sentido estrito do termo, representação, queixa ou reclamação. Para legitimar-se ao direito de petição, não é necessário que tenha sofrido gravame pessoal ou lesão de direito, porque se caracteriza como direito de participação política, onde está presente o interesse geral no cumprimento da ordem jurídica. (NERY JR., 2004) Direito de petição e direito de ação não se confundem. Enquanto este é público, subjetivo, pessoal e reclama a necessidade de preenchimento da condição da ação, aquele é político e impessoal, prescindindo-se da perquirição do interesse pessoal, bastando estar presente o interesse geral no cumprimento da ordem jurídica. O acesso ao processo administrativo está assegurado no artigo 5°, inciso XXXIV, alínea a, da Lei Maior. A garantia do direito de petição também pode ser entendida como o direito de obter do poder público a manifestação fundamentada a respeito da providência que lhe seja solicitada, ainda que seja para negá-la. 2.2 Princípios de natureza administrativa 2.2.1 Interesse Público O interesse público, ao contrário do particular, é o que se assenta em fato ou direito de proveito coletivo ou geral. Está, pois, ligado a todos os fatos ou coisas que se entendam de benefício comum ou para proveito geral, ou que se imponham por uma necessidade de ordem coletiva. No que tange ao princípio em referência, Meirelles elucida: “O princípio do interesse público está intimamente ligado ao da finalidade. A primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral. Em razão dessa inerência, deve ser observado mesmo quando as atividades ou serviços públicos forem delegados aos particulares. Dele decorre o princípio da indisponibilidade do interesse público, segundo o qual a Administração Pública não pode dispor desse interesse geral nem renunciar a poderes que a lei lhe deu para tal tutela, mesmo porque ela não é titular do interesse público, cujo titular é o Estado, que, por isso, mediante lei poderá autorizar a disponibilidade ou a renúncia.” (MEIRELLES, 2004, p. 101) Nas relações processuais instauradas entre Fisco e contribuinte não se pode confundir o interesse público com o interesse da Administração Pública, sendo vedada a prática de ato administrativo valorado por interesses pessoais, arbitrários e confiscatórios que persigam, a qualquer custo, exigências indevidas ou injustas do contribuinte. 2.2.2 Impessoalidade A impessoalidade decorre do princípio constitucional da isonomia (CF/88, art. 5º, caput) e pode ser entendida pela impossibilidade de agir, o gestor da coisa pública, com vistas a beneficiar ou prejudicar determinados grupos ou pessoas, tendo em vista que compete ao poder público atuar pelo interesse da coletividade. Acerca do princípio da impessoalidade, Di Pietro analisa: “[…] Exigir impessoalidade da Administração tanto pode significar que esse atributo deve ser observado em relação aos administrados como à própria Administração. No primeiro sentido, o princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento […]. No segundo sentido, o princípio significa, segundo José Afonso da Silva (1989:562), baseado na lição de Gordillo que “os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa da Administração Pública, de sorte que ele é o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente manifesta a vontade estatal”. (DI PIETRO, 1999, p. 64) Em decorrência do princípio da impessoalidade prega-se o completo desligamento entre a figura do administrador e a Administração Pública, vedando-se a promoção pessoal. Almeja-se uma atuação administrativa neutra e objetiva. 2.2.3 Moralidade A conduta do administrador público, além de guiar-se por critérios de conveniência, oportunidade e justiça de suas decisões, deve pautar-se pela obediência aos valores morais definidos em função de comportamento ético, aceitos pela opinião pública. Previsto, expressamente, no caput do art. 2° da Lei n° 9.784/1999, o princípio da moralidade tem sua aplicação, no processo administrativo, orientada pelo critério contido no inciso IV deste artigo, o qual dispõe: "atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé". A respeito da questão vertente, Meirelles revela: “O certo é que a moralidade do ato administrativo juntamente com a sua legalidade e finalidade, além de sua adequação aos demais princípios, constituem pressupostos de validade sem os quais toda atividade pública será ilegítima”. (MEIRELLES, 2004, p. 89) Resta evidenciado que ao agir o agente administrativo não pode desprezar o elemento ético de sua conduta, devendo sempre pautar o seu comportamento funcional de acordo com valores republicanos, sobretudo a lealdade e a boa-fé. 2.2.4 Proporcionalidade e razoabilidade O princípio da razoabilidade tem por objetivo verificar a compatibilidade entre os meios empregados e as finalidades almejadas na prática de determinado ato administrativo, no intuito de evitar restrições inadequadas, desnecessárias, arbitrárias ou abusivas aos administrados por parte do Poder Público. Por sua vez, o princípio da proporcionalidade é concebido, assentando-se nos ensinamentos doutrinários, sob três enfoques: a) da adequação: a medida adotada deve ser eficiente para alcançar seu objetivo, isto é, o meio adotado na atuação deve ser compatível com o fim colimado; b) exigibilidade ou necessidade: a medida deve ser a menos gravosa possível, ou seja, a conduta deve ter-se por necessária, não havendo outro meio menos gravoso ou oneroso para alcançar o fim público; c) proporcionalidade estrita: o benefício obtido com a medida deve compensar o sacrifício imposto (relação custo/benefício). Nesse diapasão, Meirelles discorre: “Sem dúvida, pode ser chamado de princípio da proibição de excesso, que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais. Como se percebe, parece-nos que a razoabilidade envolve a proporcionalidade, e vice-versa. Registre-se, ainda, que a razoabilidade não pode ser lançada como instrumento de substituição da vontade da lei pela vontade do julgador ou do intérprete, mesmo porque “cada norma tem uma razão de ser”. (MEIRELLES, 2004, p.92) Vale destacar que esse princípio está implícito no Texto Constitucional e previsto claramente no art. 2º, parágrafo único, inciso VI, da Lei n. 9.784/1999, como critério de atuação da administração nos processos administrativos, “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”. 2.2.5 Publicidade O princípio deriva da necessidade de transparência e visibilidade da atuação administrativa, reivindicação das sociedades democráticas. Em decorrência do princípio, os atos administrativos, e os processuais inclusive, hão de ser públicos. Já os particulares, mesmo aqueles que não são parte interessada em determinado processo, terão meios para cientificar-se das ocorrências na Administração. A publicidade dos atos do processo administrativo fiscal deve ser analisada tanto de acordo com a norma constitucional para os atos processuais (art. 5°, inc. LX) quanto com o princípio da publicidade dos atos praticados pela Administração (art. 37, caput). Hoffmann (2000) entende, com base nos fundamentos do Estado Democrático de Direito, que a publicidade deve ser a regra no que tange aos processos e aos dados administrativos fiscais, sobretudo porque o princípio consiste numa das formas de controle da moralidade administrativa. A autora, no entanto, distingue a publicidade dos atos ocorridos no processo administrativo (decisões, votos, pedidos de diligências) da publicidade do processo administrativo em si. Segundo a mesma, o acesso às informações do primeiro grupo não feriria a garantia constitucional de sigilo. Ao contrário, a Administração teria o dever de publicar atos e decisões concernentes aos processos para viabilizar o controle de sua atuação. No segundo caso, todavia, há de se restringir o acesso de pessoas aos autos, sob pena de expor dados sigilosos dos contribuintes. O princípio da publicidade, portanto, comporta exceções derivadas da necessidade de preservar a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, bens declarados invioláveis pela Constituição (art. 5°, inc. X). 2.2.6 Eficiência A eficiência é um objetivo que está presente desde a Reforma do Estado, insculpida no Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, submetendo toda atividade pública ao controle de resultado (arts. 13 e 25, V), fortalecendo o sistema de mérito (art. 25, VII), sujeitando a Administração indireta a supervisão ministerial quanto à eficiência administrativa (art. 26, III) e recomendando a demissão ou dispensa do servidor comprovadamente ineficiente ou desidioso (art. 100). A Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, inseriu o princípio da eficiência entre os princípios constitucionais da Administração Pública, previstos no artigo 37, caput. No entender de Medauar o princípio em comento: “[…] determina que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população. Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a omissão.” (MEDAUAR, 2002, p. 157) A aplicação do princípio da eficiência faz com que o processo seja instrumento, não se podendo exigir um dispêndio exagerado com relação aos bens que estão em disputa. Como consequência, não se anulam atos processuais imperfeitos quando não prejudicarem as partes e não influírem na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa. Cumpre observar, no entanto, que a busca pela obtenção de resultados de forma satisfatória e eficiente, somente pode ser concebida dentro dos parâmetros estabelecidos pelos princípios da legalidade e moralidade. 2.2.7 Finalidade Quer este princípio que a atuação do agente estatal vincule-se ao interesse público, bem como à finalidade específica que anima a lei que esteja sendo aplicada. Nessa trilha, Mello (2009) salienta que o princípio da finalidade é uma inerência do princípio da legalidade, estando nele contido, correspondendo à aplicação da lei consoante o objetivo pelo qual foi editada. Depreende-se que a norma administrativa deve ser interpretada e aplicada da forma que melhor garanta a realização do fim público a que se dirige. O administrador público, quando da consecução de seu mister, deve levar em conta não apenas a letra da lei, sob o pálio de estar cumprindo a legalidade exigida em sua atuação. Deve observar também a razão de ser da norma, o objetivo que gerou sua criação, buscando o resultado prático e eficiente, autorizado pela mesma. No que tange ao processo administrativo fiscal, este possui finalidades próprias, nelas incluídas o resguardo das demandas dos contribuintes e a revisão interna do ato de lançamento. 2.2.8 Motivação Decorrência lógica do princípio da ampla defesa, exige que os atos processuais de conteúdo decisório sejam motivados, isto é, devem se fazer acompanhar, expressamente, dos seus fundamentos, de forma a dar conhecimento ao seu destinatário das razões que levaram a autoridade a decidir de determinada forma, possibilitando, com isso, o pleno exercício do direito de defesa. Ao definir referida espécie, Meirelles assim dispõe: “Pela motivação o administrador público justifica sua ação administrativa, indicando os fatos (pressupostos de fato) que ensejam o ato e os preceitos jurídicos (pressupostos de direito) que autorizam sua prática […]. A motivação, portanto, deve apontar a causa e os elementos determinantes da prática do ato administrativo, bem como o dispositivo legal em que se funda”. (MEIRELLES, 2004, p. 99) No que diz respeito ao processo administrativo federal, a Lei n° 9.784/1999 positivou o princípio em seu artigo 50. A administração tem o dever de emitir, expressamente, decisão nos processos administrativos e sobre solicitações e reclamações, em matéria de sua competência. Especificamente em relação ao processo administrativo fiscal, a obrigatoriedade de o julgador se pronunciar sobre todas as razões de defesa suscitadas pelo impugnante, bem como especificar os fatos e fundamentos legais da decisão está explicitada no artigo 31 do Decreto n° 70.235/1972. A jurisprudência administrativa entende que a omissão desses requisitos enseja a nulidade da decisão. 2.2.9 Hierarquia A hierarquia consiste na relação de subordinação decorrente da distribuição de funções, competências e níveis de autoridade existente nos órgãos do Poder Executivo. “Do poder hierárquico decorrem faculdades implícitas para o superior, tais como a de dar ordens e fiscalizar o seu cumprimento, a de delegar e avocar atribuições e a de rever os atos dos inferiores”. (MEIRELLES, 2004, p. 120). Segundo o princípio em análise, os órgãos julgadores estão adstritos ao poder hierárquico dos seus dirigentes máximos somente no que diz respeito às suas funções administrativas típicas (execução orçamentária, horário de funcionamento, nomeação de servidores), mas não no que se refere ao mérito de suas decisões. Desta feita, tem-se que o poder hierárquico é aplicável somente aos meros procedimentos, tendo em vista não existir subordinação hierárquica no que concerne aos órgãos julgadores e à sua atividade judicante. 2.3 Princípios setoriais do processo administrativo tributário federal 2.3.1 Verdade Material Esse princípio se efetiva por intermédio do exame pormenorizado e da valoração das provas carreadas aos autos pelas partes (tanto pelas autoridades fazendárias quanto pelos contribuintes). Eis a visão de Mello: “Deveras, se a Administração tem por finalidade alcançar verdadeiramente o interesse público fixado na lei, é óbvio que só poderá fazê-lo buscando a verdade material, ao invés de satisfazer-se com a verdade formal, já que esta, por definição, prescinde do ajuste substancial com aquilo que efetivamente é, razão por que seria insuficiente para proporcionar o encontro com o interesse público substantivo”. (MELLO, 2009, p.502) No tocante às provas, a Administração detém liberdade plena de produzi-las desde que obtidas por meios lícitos. A investigação dos fatos deve trazer aos autos o que realmente ocorreu, ou seja, a realidade, ao contrário do processo em que vigora a verdade formal, onde o julgador deve apreender os fatos que contiverem os autos. No contencioso administrativo tributário a regra é que as provas devem ser apresentadas juntamente com a impugnação ou com a manifestação de inconformidade, no devido prazo legal, conforme artigo 15 do Decreto n° 70.235/1972. No parágrafo 4° do artigo 16, a disposição foi repetida, mitigando a regra preclusiva nas circunstâncias elencadas nas alíneas de "a" a "c", quais sejam: i) demonstração da impossibilidade de sua apresentação oportuna, por motivo de força maior; ii) refira-se a fato ou a direito superveniente; iii) destine-se a contrapor fatos ou razões posteriormente trazidas aos autos. Determina ainda o mesmo diploma legal retromencionado, nos parágrafos 5º e 6º do artigo 16, que a juntada de documentos após a impugnação deverá ser requerida à autoridade julgadora, mediante petição em que se demonstre, com fundamentos, a ocorrência de uma das condições acima destacadas. No caso de já ter sido proferida decisão, os documentos apresentados permanecerão nos autos para, em se interpondo recurso, serem apreciados pela autoridade julgadora de segunda instância. A despeito dessa norma restritiva, em busca da verdade material, a atual tendência do CARF tem sido no sentido de abrandar o rigor da regra, admitindo o exame de provas a qualquer tempo. 2.3.2 Formalismo moderado Desse princípio decorre o desapego às formalidades excessivas e aos complexos ritos processuais. O processo administrativo deve ser simples e informal, sem que isso signifique, obviamente, a inobservância da "forma e de requisitos mínimos indispensáveis à regular constituição e segurança jurídica dos atos que compõem o processo" (BONILHA apud NEDER e LOPEZ, 2002, p.65). Deve-se sempre ter em conta que o Estado não possui interesse subjetivo nas questões controvertidas no processo, senão para certificar-se da validade jurídica dos atos praticados por seus agentes. Portanto, ressalvadas as situações em que a lei exija, expressamente, certa formalidade, devem ser relevadas pequenas incorreções de forma, corrigida a instância quando a petição for dirigida à autoridade diversa da competente para proferir o despacho ou a decisão, de maneira a tornar simples o acesso do administrado ao processo, desde que não prejudique a sistematização necessária à sua tramitação. E é esta a orientação do artigo 2º, inciso IX da Lei 9.784/1999, o qual preconiza a “adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado graus de certeza e respeito aos direitos dos administrados". Ainda que não se desprezem algumas formalidades, a regra não é a predeterminação de forma para regularidade do ato processual. A exemplo do estabelecido no artigo 154 do Código de Processo Civil, os atos e termos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente o exigir. Ainda assim, reputam-se válidos os atos que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial. 2.3.3 Oficialidade Para Maia (1999), o princípio da oficialidade (impulso oficial) resume-se na obrigatoriedade da própria Administração, sob pena de responsabilização dos seus agentes, de ter que executar de ofício todos os atos que estejam dentro de sua competência, independentemente de provocação do sujeito passivo ou de qualquer ato ou ordem superior. Contrapõe-se ao princípio da inércia, aplicável ao processo civil e que procura preservar a neutralidade do julgador que age apenas quando provocado pelas partes e no limite dos seus pedidos. Nesse caso, a falta de iniciativa das partes enseja o encerramento do processo. A Lei 9.784/1999, artigo 2°, inciso XII, determina a impulsão de ofício do processo administrativo, sem prejuízo da iniciativa dos interessados. O Decreto n° 70.235/1972, a seu turno, prescreve, no artigo 18, que a autoridade julgadora pode determinar ex officio a realização de diligências ou perícias que entender necessárias. 2.3.4 Gratuidade Mello (2009) expõe que os procedimentos administrativos fiscais devem ser gratuitos porque são realizados no atendimento do interesse do Estado em promover sua autotutela, através dele pretende-se garantir que o procedimento administrativo não seja causa de ônus econômicos ao administrado. No âmbito do processo administrativo federal, o princípio em referência fora consagrado no inciso XI, do parágrafo único, do artigo 2º, da Lei nº 9.784/1999, ao estabelecer a proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei. Destarte, o princípio da gratuidade resulta na impossibilidade de cobrança de quaisquer despesas processuais, no âmbito do contencioso administrativo tributário, de forma que não sejam impostos obstáculos ao acesso dos administrados à instância administrativa. 2.3.5 Objetividade da ação fiscal O princípio da objetividade não permite que se invoque, no curso do processo administrativo fiscal, outras situações ou tributos não especificados no escopo original do procedimento. Emerenciano citado por Janczeski explica: “[…] O fiscalizado, para poder realizar eficaz defesa, necessita possuir elementos para poder insurgir-se contra os atos que afetem a órbita de seus direitos públicos subjetivos. Conhecer as razões constitui-se em garantia mínima para um adequado exercício de eventual direito de defesa e acesso ao judiciário para impedir eventuais violações”. (JANCZESKI, 2006, p.93)  A Suprema Corte Brasileira homenageou o princípio da objetividade da ação fiscal em sua Súmula 439, a qual preceitua que “estão sujeitos à fiscalização tributária ou previdenciária quaisquer livros comerciais, limitado o exame aos pontos objeto da investigação”. No âmbito da Receita Federal do Brasil o procedimento de fiscalização é instaurado por meio de instrumento específico denominado Mandado de Procedimento Fiscal, o qual, previamente, define os limites da ação fiscal a que estará submetido o sujeito passivo, coibindo incidentes arbitrários por parte do agente fiscalizador e conferindo maior transparência à relação Fisco-contribuinte. 3 SITUAÇÃO ATUAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO NO ÂMBITO FEDERAL 3.1 Base legislativa infraconstitucional O Poder Executivo editou o Decreto n° 70.235 em 06 de março de 1972 objetivando a unificação da legislação processual tributária. Além disso, estabeleceu regras de estrutura dos órgãos de julgamento do Ministério da Fazenda e reorganizou os Conselhos de Contribuintes, responsáveis, em segunda instância, pela revisibilidade das decisões de primeira instância. A partir daí iniciou-se uma discussão doutrinária sobre a posição hierárquica do Decreto n° 70.235/1972. O antigo Tribunal Federal de Recursos, através do AMS nº 106.747-DF, lhe outorgou status de lei e, dessa forma, foi recepcionado pela atual Constituição. Posteriormente, suas alterações se realizaram através de lei ordinária. Com o advento da Constituição Federal de 1988, que trouxe no rol dos direitos fundamentais o direito de petição aos órgãos públicos e o direito ao contraditório e à ampla defesa em processos judiciais e administrativos, iniciou-se a busca por regras gerais ao contencioso administrativo. Esta busca culminou na edição da Lei n° 9.784/1999, a qual passou a regular o processo administrativo na esfera federal. Desta feita, a lei geral do processo administrativo federal veio dar contornos de processualidade à atividade administrativa, trazendo requisitos materiais, formais e principiológicos, com o objetivo de assegurar a proteção dos direitos do administrado e melhorar a execução dos fins da Administração Pública Federal, direta e indireta. Passou a influenciar, de forma subsidiária, vários procedimentos regulados por leis específicas, inclusive o processo administrativo tributário. Oportuno lembrar que a partir de 01/04/2008, com o advento da Lei 11.457/2007 (consolidou a fusão entre a Secretaria da Receita Federal e a Secretaria da Receita Previdenciária, fazendo surgir a Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB), os procedimentos fiscais e os processos administrativos referentes às contribuições previdenciárias e às devidas a outras entidades ou fundos, também passaram a ser regidos pelo Decreto nº 70.235/1972. Em suma, pode-se dizer que o Decreto nº 70.235/72 é a lei básica que regula os procedimentos realizados no âmbito do processo administrativo tributário federal e a Lei 9.784/99 é a base de sustentação, de forma subsidiária, que positivou vários princípios aplicáveis aos processos administrativos. 3.2 Julgamento em primeira instância 3.2.1 Competência De acordo com o Decreto nº 70.235/1972, em seu artigo 25, I, compete às Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento – DRJ o julgamento em primeira instância de processos de exigência de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. São órgãos de deliberação interna e natureza colegiada. O Regimento Interno da RFB (Portaria MF nº 125, de 04/03/2009), em seu artigo 212, estabelece que as DRJ possuem jurisdição nacional, com competência para julgar em primeira instância os seguintes processos: 1. de determinação e exigência de créditos tributários, inclusive devidos a outras entidades e fundos, e de penalidades; 2.  relativos a exigência de direitos antidumping, compensatórios e de salvaguardas comerciais; 3. de manifestação de inconformidade do sujeito passivo contra apreciações das autoridades competentes relativas à restituição, compensação, ressarcimento, reembolso, imunidade, suspensão, isenção e à redução alíquotas de tributos e contribuições. A Portaria RFB nº 1.916, de 13 de outubro de 2010, disciplina a competência territorial e por matéria das DRJ, relacionando, também, as matérias de julgamento por Turma. Conforme o Regimento Interno da RFB são dezoito DRJ distribuídas pelas cidades de Belém/PA, Belo Horizonte/MG, Brasília/DF, Campinas/SP, Campo Grande/MS, Curitiba/PR, Florianópolis/SC, Fortaleza/CE, Juiz de Fora/MG, Porto Alegre/RS, Recife/PE, Ribeirão Preto/SP, Rio de Janeiro/RJ, Salvador/BA e São Paulo/SP. Impende registrar que os critérios definidores da jurisdição das DRJ são distintos da regra geral que estabelece a unidade administrativa onde deve tramitar e haver o preparo do processo. Isto porque é o domicílio tributário do contribuinte que define a unidade onde vai tramitar e ser preparado o processo, independentemente, portanto, do local da unidade em que foi formalizado o lançamento. Já o julgamento é feito, em geral, justamente pela DRJ que jurisdiciona a unidade onde foi formalizado o lançamento. Para os casos de manifestação de inconformidade contra o indeferimento de pedido de restituição, ressarcimento ou reembolso, ou contra a não-homologação de compensação, o julgamento é realizado pela DRJ competente para o julgamento de litígios que envolvam o tributo ou a contribuição ao qual o crédito se refere. Como as DRJ possuem jurisdição nacional, o Secretário da RFB pode, ainda, transferir a competência para julgamento de processos entre esses órgãos, relacionando-os em portaria específica neste caso. Esse procedimento leva em conta os estoques de processos prioritários e as horas disponíveis para julgamento em cada DRJ, visando ao cumprimento de metas estabelecidas em nível nacional e atendendo ao princípio da celeridade processual (art. 5º, LXXVIII, da Constituição). 3.2.2 Estrutura funcional O funcionamento das Delegacias de Julgamento está disciplinado na Portaria MF nº 58/2006, conforme a seguir: – as DRJ são constituídas por turmas de julgamento, cada uma delas integrada por cinco julgadores e dirigida por um presidente nomeado dentre os seus integrantes; – o Delegado da DRJ também atua como julgador e, obrigatoriamente, preside a Turma a qual integra; – excepcionalmente, as turmas de julgamento podem funcionar com até sete julgadores, titulares ou pro tempore; – o julgador pro tempore tem mandato limitado ao prazo máximo do mandato de titular, admitida a recondução, ou, na hipótese de afastamento legal do titular, à duração da ausência; – o julgador titular é aquele designado para mandato de até dois anos, com término no dia 31 de dezembro do ano subseqüente ao da designação, admitida a recondução; – para garantir o quórum mínimo de julgadores para a realização de sessão de julgamento, o Delegado da DRJ pode, ainda, designar julgador ad hoc escolhido dentre aqueles que compõem outras turmas; – o julgador ad hoc participa da sessão sem relatar processos. A designação dos julgadores e a nomeação do Presidente de Turma são de competência do Secretário da RFB, mediante indicação do Delegado da DRJ. O julgador deve ser ocupante do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (AFRFB), ou aposentado nesse cargo, preferencialmente, em ambos os casos, com experiência na área de tributação e julgamento ou habilitado em concurso público nessa área de especialização. O AFRFB aposentado pode ser designado julgador desde que exerça a função de Presidente de Turma. Os julgadores estão impedidos de participar do julgamento de processos em que tenham participado da ação fiscal ou que sejam interessados no litígio cônjuge ou parentes, consangüíneos ou afins, até o terceiro grau, inclusive. 3.2.3 Julgamento O artigo 9º da Portaria MF nº 58/2006 atribui ao Delegado da DRJ o estabelecimento dos critérios para distribuição dos processos, observadas as prioridades e preferências estabelecidas na legislação, além da semelhança e conexão de matérias. Isto possibilita aos Presidentes de Turma a distribuição simultânea, a um mesmo julgador, de vários processos cuja exigência fiscal verse sobre a mesma matéria ou tenha a mesma fundamentação legal, agilizando o julgamento. Somente pode haver deliberação quando presente a maioria dos membros da turma, sendo essa tomada por maioria simples, cabendo ao Presidente, além do voto ordinário, o de qualidade. Assim, numa turma composta por sete julgadores, em caso de empate de votos em sessão realizada com o quorum mínimo de quatro julgadores, prevalece o entendimento esposado pelo Presidente. Segundo o artigo 29 do Decreto nº 70.235/1972, na apreciação da prova o julgador formará livremente sua convicção, podendo determinar as diligências que entender necessárias. Cabe-lhe a valoração das provas, não havendo qualquer disposição na legislação processual que o vincule a critérios predeterminados de hierarquia de provas, bem como a decisão de quais delas têm maior ou menor peso para o julgamento do litígio, devendo constar da decisão as razões que motivaram seu convencimento, a fim de possibilitar o pleno exercício do direito de defesa. Em relação ao direito aplicável aos fatos, a liberdade de convencimento do julgador é limitada em razão de alguns aspectos, tais como: – o artigo 7º da Portaria MF nº 58/2006 determina a observância às normas legais e regulamentares e ao entendimento da RFB expresso em atos normativos; – os pareceres da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN, quando aprovados pelo Ministro da Fazenda, são de aplicação obrigatória por todos os órgãos integrantes do Ministério da Fazenda, uma vez que a Procuradoria é o órgão competente para desempenhar as funções de consultoria e assessoramento jurídicos desse Ministério, nos termos da Lei Complementar nº 73/1993, art. 13; – os pareceres do Advogado-Geral da União, aprovados e publicados juntamente com o despacho do Presidente da República, vinculam a Administração Federal (Lei Complementar nº 73/1993, art. 40); – é incabível a apreciação de inconstitucionalidade argüida na esfera administrativa. Ademais, o artigo 30 do Decreto nº 70.235/1972 estabelece uma presunção relativa de veracidade dos laudos ou pareceres técnicos emitidos por órgãos da Administração Federal. Assim sendo, quanto aos aspectos técnicos, cabe ao órgão julgador demonstrar a improcedência dos laudos ou pareceres, podendo, inclusive, solicitar outros de quaisquer dos órgãos referidos no caput do artigo 30. Nesse sentido, a Lei nº 9.784/1999, em seu artigo 50, inciso VII, determina que os atos administrativos que discrepem de pareceres e laudos oficiais sejam motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos. No que tange ao prazo para que seja proferida a decisão, impende informar que a Lei 11.457/2007 estabeleceu o limite de trezentos e sessenta dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte. Como é cediço, essa celeridade não tem sido alcançada na grande maioria dos processos julgados, por motivos de variadas ordens. 3.2.4 Recursos Tem-se que a decisão proferida em primeira instância pode ser contestada tanto pelo sujeito passivo (recurso voluntário), como pela a própria Fazenda Pública (recurso de ofício), por intermédio da PGFN. Após a ciência do acórdão, ao contribuinte é conferido o direito de apresentar novamente suas razões de defesa dentro de trinta dias contados da ciência. Caso o lançamento tenha sido mantido no todo ou em parte, ele tem o direito de apresentar um recurso voluntário total ou parcial, conforme artigo 33 do Decreto nº 70.235/1972, o qual será submetido a um novo julgamento. Mesmo que o recurso voluntário tenha sido apresentado após o prazo legal, compete ao órgão de segunda instância examinar a sua perempção (artigo 35 do Decreto nº 70.235/72). O recurso voluntário tem efeito suspensivo e, em conseqüência, a eficácia do acórdão de primeira instância fica sobrestada até que se decida este recurso. No que concerne ao recurso de ofício, é obrigatória a sua interposição sempre que a autoridade julgadora de primeira instância exonerar o sujeito passivo do pagamento de tributo e encargos de multa de valor total (lançamento principal e decorrentes) superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). O valor da exoneração é verificado por processo e o recurso de ofício interposto pelo Presidente da Turma, mediante declaração na própria decisão, conforme artigo 34, inciso I e § 1º, do Decreto nº 70.235/1972 c/c a Portaria MF n° 3, de 03 de janeiro de 2008. O recurso de ofício deve ser interposto também nos casos em que a decisão de primeira instância deixe de aplicar a pena de perda de mercadorias ou outros bens cominada à infração denunciada na formalização da exigência (art. 34, II, Decreto nº 70.235/1972). Ocorrendo recurso de ofício em processo onde o lançamento original não foi totalmente extinto, continua o direito do contribuinte de apresentar recurso voluntário da parte mantida pelo julgamento de primeira instância, o que, se acontecer, fará o processo ter dois recursos simultâneos. 3.3 Julgamento em segunda instância 3.3.1 Competência O julgamento em segunda instância também é feito por um órgão colegiado, denominado Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, composto por julgadores mandatários da Fazenda Nacional e por representantes dos contribuintes. É órgão paritário e figura no organograma do Ministério da Fazenda.  O CARF foi criado pelo artigo 23 da Medida Provisória n° 449, de 03 de dezembro de 2008, convertido no artigo 25 da Lei n° 11.941, de 27 de maio de 2009, que transformou os antigos Conselhos de Contribuintes nesse novo órgão colegiado uno. Resultou, portanto, da unificação das estruturas administrativas do Primeiro, Segundo e Terceiro Conselho de Contribuintes em um único órgão, mantendo a mesma natureza e finalidade dos Conselhos, de órgão colegiado, paritário, integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, com a finalidade de julgar recursos de ofício e voluntário de decisão de primeira instância, bem como os recursos de natureza especial, que versem sobre a aplicação da legislação referente a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. É composto por três Seções (especializadas por matéria) e pela Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF. O artigo 49 da Lei n° 11.941/2009, especialmente em seu § 1º, manteve na atribuição do titular do Ministério da Fazenda dispor quanto às competências do CARF para julgamento em razão da matéria, o que foi estabelecido através da Portaria MF n° 256, de 22 de junho de 2009, a qual estabeleceu o regimento do novo Conselho, prevendo detalhadamente as competências de julgamento de cada Seção, resumidas como segue: Primeira Seção: Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) com seus reflexos, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), e a exclusão, inclusão e exigência de tributos decorrentes da aplicação da legislação referente ao SIMPLES e ao SIMPLES-Nacional; Segunda Seção: Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF), Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), Imposto Territorial Rural (ITR) e Contribuições Previdenciárias, inclusive as instituídas a título de substituição e as devidas a terceiros; Terceira Seção: Contribuição para o PIS/PASEP, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Contribuição para o Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro e sobre Operações relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF), Imposto sobre a Importação (II) e sobre a Exportação (IE) e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE). Incluem-se ainda na competência das Seções os recursos interpostos em processos de compensação, ressarcimento, restituição e reembolso, bem como os de reconhecimento de isenção ou de imunidade tributária. A competência para o julgamento de compensação é definida pelo crédito alegado, mesmo se houver lançamento de crédito tributário de matéria que se inclua na especialização de outra Câmara ou Seção. Por proposta do Presidente do CARF, o Pleno da CSRF poderá, temporariamente, estender a especialização estabelecida originalmente para outra Seção de julgamento, visando à adequação do acervo e à celeridade de sua tramitação, exclusivamente, porém, em relação aos processos ainda não distribuídos às Câmaras. 3.3.2 Estrutura funcional De acordo com o Regimento Interno do CARF (Portaria MF nº 256/2009), as Seções são compostas por quatro Câmaras, cada uma delas integrada por turmas ordinárias e especiais, estando as turmas ordinárias distribuídas pelas Câmaras de acordo com a necessidade de julgamento decorrente da quantidade e complexidade dos processos existentes em estoque. Observe-se que as turmas especiais possuem caráter temporário, sendo criadas ou extintas por ato do Ministro de Estado da Fazenda. Cada turma ordinária ou especial é formada por seis conselheiros titulares, metade constituída de representantes da Fazenda Nacional, e outra metade por representantes dos contribuintes. A escolha de conselheiros recairá dentre nomes constantes de lista tríplice, sendo que os representantes da Fazenda Nacional serão indicados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e os representantes dos contribuintes pelas confederações representativas de categorias econômicas de nível nacional e pelas centrais sindicais. O Ministro da Fazenda designará os presidentes das turmas, escolhidos dentre os conselheiros representantes da Fazenda Nacional, e seus vice-presidentes, escolhidos dentre os conselheiros representantes dos contribuintes, bem como os presidentes e vice-presidentes das Câmaras, escolhidos respectivamente dentre os presidentes e vice-presidentes das turmas a elas vinculadas. A autoridade máxima fazendária nomeará ainda os presidentes e vice-presidentes das Seções, da mesma forma escolhidos respectivamente dentre os presidentes e vice-presidentes das suas Câmaras. A presidência do CARF será exercida por conselheiro representante da Fazenda Nacional, nomeado pelo Ministro da Fazenda, implicando na sua designação como conselheiro de turma ordinária de Câmara da Seção, independentemente da existência de vaga. Por fim, atuarão junto ao CARF, em defesa dos interesses da Fazenda Nacional, Procuradores designados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Mister ressaltar que o Procurador não integra a Câmara, nem toma parte nas decisões. Incumbe-lhe, basicamente, zelar pela fiel observância das leis e demais normas, podendo para isto ter vista dos autos fora da secretaria da Seção ou da Câmara. 3.3.3 Julgamento Os processos serão distribuídos às Seções e Câmaras por meio de sorteio em sessão pública, observada a competência por matéria, inclusive do processo principal nos casos de exigências de tributos em processos separados, relativos a um mesmo recorrente, quando a comprovação da infração decorrer de um mesmo procedimento de fiscalização ou que dependam dos mesmos elementos de prova, e posteriormente aos conselheiros também mediante sorteio. Reza o regimento interno do CARF que havendo multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, cuja solução já tenha jurisprudência firmada na CSRF, poderá o presidente da Câmara escolher dentre aqueles um processo para sorteio e julgamento. Decidido este processo, o presidente do colegiado submeterá a julgamento, na sessão seguinte, os demais recursos de mesma matéria que estejam em pauta, aplicando-se-lhes o resultado do caso padrão. Em geral os processos devem obedecer à ordem cronológica de ingresso, contudo alguns possuem tramitação prioritária, sobretudo os que: – contenham circunstâncias indicativas de crime contra a ordem tributária, objeto de representação fiscal para fins penais; – tratem de exigência de crédito tributário de valor igual ou superior ao determinado pelo Ministro de Estado da Fazenda, inclusive na hipótese de recurso de ofício; – sejam de interesse de idosos, nos termos do artigo 71 do Estatuto do Idoso, mediante requerimento do interessado, ou; – atendam a outros requisitos estabelecidos pelo Ministro da Fazenda ou cuja preferência tenha sido requerida pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional. Quando houver mais de duas soluções distintas para o litígio, as quais impeçam a formação de maioria, a decisão será adotada mediante votações sucessivas, das quais serão obrigados a participar todos os conselheiros presentes. Imperioso registrar que, no julgamento de recursos, é vedado aos membros das turmas de julgamento afastar a aplicação de tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade, exceto se já tiver sido declarado inconstitucional por decisão plenária definitiva do Supremo Tribunal Federal ou se o crédito tributário apreciado já tenha sido dispensado de constituição pela PGFN ou pela Advocacia-Geral da União. As decisões reiteradas e uniformes do Conselho serão consubstanciadas em súmula, de aplicação obrigatória pelos seus membros, que será publicada no Diário Oficial da União. Será negado seguimento pelos presidentes de Câmara, de ofício ou por proposta do relator, ao recurso que contrarie enunciado de súmula ou de resolução do Pleno da CSRF, em vigor, bem como de parecer da Advocacia Geral da União, na forma do § 1º do artigo 40 combinado com o artigo 41, da Lei Complementar nº 73/1993, quando não houver outra matéria objeto do recurso. É de bom alvitre frisar que a qualquer momento o sujeito passivo poderá desistir de seu recurso junto ao CARF, por meio de petição que será juntada ao processo, implicando em desistência o pedido de parcelamento, a confissão irretratável ou a extinção sem ressalva do total do débito discutido no processo, e a propositura, pelo contribuinte contra a Fazenda Nacional, de ação judicial com o mesmo objeto do processo administrativo. 3.3.4 Recursos Contra os acórdãos proferidos pelos colegiados do CARF são cabíveis dois tipos de recursos, quais sejam os embargos de declaração e o recurso especial contra decisão divergente. Os embargos de declaração podem ser apresentados quando existir no acórdão obscuridade, omissão ou contradição entre a decisão e seus fundamentos, ou for omitido ponto sobre o qual deveria pronunciar-se a turma. A petição fundamentada, dirigida ao presidente da Câmara, pode ser apresentada no prazo de cinco dias contados da ciência do acórdão, por conselheiro da turma, pelo Procurador da Fazenda Nacional, pelos Delegados de Julgamento, pelo titular da Unidade da Administração Tributária encarregada da execução do acórdão, ou pelo recorrente. Quando opostos tempestivamente, os embargos interrompem o prazo para interposição do recurso especial e serão apreciados pelo presidente da Câmara, que poderá declará-los improcedentes por meio de despacho definitivo. Caso sejam aceitos, serão encaminhados ao conselheiro relator ou outro para isto designado, que os analisará e submeterá à apreciação da turma. De outro lado, quando houver decisão que der à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra Câmara, turma de Câmara ou da própria Câmara Superior de Recursos Fiscais, bem como das antigas Câmaras do Conselho de Contribuintes, pode ser apresentado um recurso especial tanto pelo Procurador da Fazenda Nacional como pelo sujeito passivo. Antes das alterações efetuadas pela Medida Provisória n° 449/2008, convertida na Lei n° 11.941/2009, quando houvesse decisão não-unânime na segunda instância, contrária à lei ou à evidência da prova, também podia ser apresentado um recurso especial, porém só por Procurador da Fazenda Nacional, hipótese hoje extinta. A interposição do recurso especial de divergência, de competência do Procurador da Fazenda Nacional, não é obrigatória, situando-se no campo da conveniência e oportunidade. Já o parágrafo 3º do artigo 67 da Portaria MF nº 256/2009 condiciona o seguimento do recurso especial interposto pelo contribuinte ao pré-questionamento da matéria e à demonstração da divergência apontada, com precisa indicação, nas peças processuais. O recurso deverá demonstrar a divergência arguida citando até duas decisões divergentes por matéria, com a indicação dos pontos nos paradigmas colacionados que divirjam de pontos específicos no acórdão recorrido. O recurso especial deverá ser apresentado, no decurso de quinze dias a contar da ciência da decisão, em petição dirigida ao presidente da Câmara à qual esteja vinculada a turma que houver prolatado a decisão recorrida que, em despacho fundamentado, poderá admiti-lo ou não, conforme se verifiquem ou não os pressupostos de sua admissibilidade. Admitido o recurso, o processo será encaminhado à outra parte, que igualmente terá prazo de quinze dias para apresentação de suas contrarrazões. Registre-se que, anteriormente às modificações introduzidas pela Medida Provisória n° 449/2008, convertida na Lei n° 11.941/2009, após o julgamento dos recursos de ofício pelos antigos Conselhos de Contribuintes, era admissível a interposição de recurso à Câmara Superior de Recursos Fiscais, sendo ele considerado um recurso especial, quando a decisão negava provimento ao recurso de ofício, ou um recurso voluntário, quando a decisão de segunda instância lhe desse provimento. Atualmente, consoante o parágrafo 11 do artigo 67 do Regimento interno do CARF, contra decisão que der ou negar provimento a recurso de ofício apenas é cabível recurso especial de divergência. Por último, é oportuno registrar que em sendo constatadas no acórdão inexatidões materiais devidas a lapso manifesto e erros de escrita ou de cálculo, pode ser apresentado um requerimento para sua correção, dirigido ao presidente de turma, a qualquer tempo, o qual poderá rejeitá-lo por meio de despacho irrecorrível, quando não demonstrar com precisão a inexatidão ou erro, ou encaminhá-lo ao conselheiro relator ou outro para isto designado, que o analisará e poderá propor que a matéria seja submetida à deliberação da turma. 3.4 Julgamento em instância especial 3.4.1 Competência Após o julgamento em segunda instância nas turmas das Seções do CARF, há a previsão legal de mais um julgamento do processo, em alguns casos, por um órgão colegiado paritário integrante da estrutura judicante do próprio CARF, denominado Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF, criada por meio do Decreto nº 83.304, de 28 de março de 1979, atualmente disciplinada pela Lei nº 11.941/2009. A Câmara Superior de Recursos Fiscais possui três turmas, cujas composições decorrem da matéria tributária que está sendo analisada, resultando nas seguintes competências, previstas na Portaria MF nº 256/2009: Primeira turma: Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) com seus reflexos, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), e a exclusão, inclusão e exigência de tributos decorrentes da aplicação da legislação referente ao SIMPLES e ao SIMPLES-Nacional; Segunda turma: Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF), Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), Imposto Territorial Rural (ITR) e Contribuições Previdenciárias, inclusive as instituídas a título de substituição e as devidas a terceiros; Terceira turma: Contribuição para o PIS/PASEP, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Contribuição para o Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro e sobre Operações relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF), Imposto sobre a Importação (II) e sobre a Exportação (IE) e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE). Importante lembrar que os processos de restituição, compensação, ressarcimento e reconhecimento de isenção ou imunidade tributária são julgados na instância especial de acordo com a competência para julgar o tributo objeto destes pedidos. Além de apreciar os recursos interpostos contra os acórdãos de segunda instância, cada turma pode também aprovar súmula de jurisprudência sobre as matérias de sua competência de julgamento. 3.4.2 Estrutura funcional A CSRF está dividida em três turmas, todas com dez conselheiros, sendo sempre metade dos conselheiros representantes da Fazenda Nacional (presidente do CARF e presidentes de Câmaras) e a outra metade representantes dos contribuintes (vice-presidente do CARF e vice-presidentes de Câmaras). De acordo com o artigo 15 da Portaria MF nº 256/2009, a presidência da CSRF, das respectivas turmas e do Pleno será exercida pelo Presidente do CARF, enquanto que a vice-presidência da CSRF, das turmas e do Pleno será exercida pelo vice-presidente do CARF. O Pleno da CSRF é composto pelo presidente e vice-presidente do CARF e pelos demais membros das turmas da CSRF. Sua principal atribuição é a uniformização de decisões divergentes, em tese, das turmas da CSRF, por meio de resolução. Cabe-lhe, ainda, por proposta do Presidente, dirimir controvérsias sobre interpretação e alcance de normas processuais aplicáveis no âmbito do CARF. Igualmente ao que sucede em segunda instância, atuarão junto à Câmara Superior, em defesa dos interesses da Fazenda Nacional, Procuradores credenciados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, sem integrá-la nem   tomar parte nas decisões. 3.4.3 Julgamento Os processos serão distribuídos às turmas de acordo com a matéria a ser julgada e aos conselheiros mediante sorteio, observando-se às mesmas prioridades determinadas para as instâncias inferiores. Cada turma realizará uma reunião quando convocada pelo seu presidente, para apreciação dos processos previamente selecionados e colocados em pauta pelos julgadores. A turma só deliberará quando presentes a maioria de seus membros, e suas deliberações serão tomadas por maioria simples, cabendo ao presidente, além do voto ordinário, o de qualidade. Iniciado o julgamento de cada recurso, em sessão pública (exceto casos de matéria sigilosa), o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao conselheiro relator, para ler o relatório, ao recorrente para fazer defesa oral de seu processo e à parte adversa, que pode ser o Procurador da Fazenda Nacional ou o sujeito passivo, diretamente ou por meio de procurador, para, igualmente, produzir sustentação oral. Finalmente, após o debate entre os demais conselheiros, será feita a votação de matéria preliminar, se houver, a qual, após superada, permitirá a votação do mérito, ou, se com ele for incompatível, impedirá que ele seja apreciado. À luz do Regimento Interno do CARF, as decisões unânimes, reiteradas e uniformes da Câmara Superior de Recursos Fiscais serão consubstanciadas em súmula, de aplicação obrigatória pelas suas turmas e pelos respectivos membros, a qual será publicada no Diário Oficial da União. Compete ao Pleno da CSRF a edição de enunciado de súmula quando se tratar de matéria que, por sua natureza, for submetida a duas ou mais turmas da CSRF. Já as turmas da CSRF poderão aprovar enunciado de súmula que trate de matéria concernente à sua atribuição. Por proposta do Presidente do CARF, do Secretário da Receita Federal do Brasil ou do Procurador-Geral da Fazenda Nacional ou de presidente de confederação representativa de categoria econômica de nível nacional, habilitadas à indicação de conselheiros, o Ministro da Fazenda poderá atribuir à súmula do CARF efeito vinculante em relação à administração tributária federal. Tal vinculação dar-se-á a partir da publicação do ato do Ministro da Fazenda no Diário Oficial da União. Recentemente, com a edição da Portaria MF nº 383, de 12 de julho de 2010, o Ministro da Fazenda atribuiu a 14 (catorze) súmulas do CARF efeito vinculante. 3.4.4 Recursos Antes da criação do CARF era possível interpor junto ao Pleno recurso extraordinário de decisão de Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais que desse à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra Turma ou o próprio Pleno, hipótese presentemente abolida. Modernamente, contra os acórdãos proferidos pela CSRF, é cabível embargos de declaração, nas mesmas circunstâncias já delineadas nos recursos de segunda instância. Esses embargos serão apreciados pelo presidente da turma, que poderá declará-los improcedentes por meio de despacho definitivo. Se aceitos pelo presidente, serão encaminhados ao conselheiro relator ou outro para isto designado, que os analisará e submeterá à deliberação da turma. 4 DEFINITIVIDADE DAS Decisões no âmbito administrativo tributário e a possibilidade de revisão 4.1 Decisões definitivas e seus efeitos A definitividade da decisão significa que esta não mais poderá ser objeto de alteração pelos meios e recursos próprios previstos na esfera administrativa. O artigo 42 do Decreto 70.235/72 relaciona as situações em que a decisão administrativa torna-se definitiva. Em primeira instância, tornam-se definitivas as decisões proferidas pelas Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento sem que tenha sido interposto recurso voluntário no prazo estabelecido (trinta dias). Também são definitivas as decisões pronunciadas pelas DRJ na parte que não for objeto de recurso voluntário, ou seja, quando o impugnante concorde parcialmente com o acórdão. Nesse caso, deve o processo ser apartado para cobrança do crédito tributário mantido nesta circunstância. Outrossim, a decisão que cancelar crédito tributário em valor inferior ao limite de alçada previsto para recurso de ofício, será da mesma forma definitiva, nos termos da Portaria MF nº 3/2008. Quanto a não apresentação de recurso voluntário é importante notar que, ocorrendo a sua interposição extemporânea, o processo ainda assim deve ser remetido ao CARF para o julgamento da perempção, nos termos do artigo 35 do Decreto 70.235/1972. No que concerne à segunda instância, são definitivas as decisões das quais não caiba recurso especial ou, se cabível, quando decorrido o prazo de quinze dias sem sua interposição. Frise-se que não cabe recurso especial de decisão de Câmaras do CARF que aplicarem súmula de jurisprudência do próprio Conselho ou da Câmara Superior, bem como do acórdão que decidir por anular a decisão de primeira instância. Por último, são definitivas, na esfera administrativa, as decisões de instância especial proferidas pelas turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais de que não sejam cabíveis ou não sejam interpostos embargos de declaração. Os efeitos da definitividade da decisão são opostos aos produzidos pela impugnação. De fato, a exigibilidade do crédito tributário, ora suspensa, volta a vigorar, possibilitando a sua cobrança e o prazo prescricional para propositura da ação de execução, por parte da Fazenda Pública, passa a fluir, pois o crédito tributário encontra-se definitivo, nos termos do artigo 174 do CTN. A decisão definitiva contrária ao sujeito passivo será cumprida no prazo estipulado para cobrança amigável (trinta dias). Se descumprida, o crédito tributário respectivo deve ser encaminhado à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional para inscrição em Dívida Ativa e cobrança judicial.  Tendo sido depositado o montante integral para suspender a exigibilidade do crédito tributário, o depósito efetuado deve ser convertido em renda da União, salvo se for comprovada a propositura de ação judicial, conforme reza o § 1º do artigo 43 do Decreto 70.235/72. De outra parte, as decisões irreformáveis favoráveis ao sujeito passivo extinguem o crédito tributário, caso não possam mais ser objeto de ação anulatória, consoante o inciso IX, do artigo 156, do CTN. Em decorrência, cumpre à autoridade preparadora exonerá-lo dos encargos decorrentes do contencioso. Isso deve ser feito, como determina a norma, de ofício, sem necessidade de qualquer requerimento do sujeito passivo, remetendo-se o processo ao arquivo, nos termos do artigo 45 do Decreto 70.235/1972. 4.2 O contexto e o teor do Parecer/PGFN/CRJ nº 1.087/2004 e da Portaria PGFN nº 820/2004 Finalizado o contencioso fiscal na esfera administrativa e tendo sido mantido o crédito tributário, é pacífico o entendimento de que, amparado no princípio constitucional do amplo acesso à Justiça, o sujeito passivo pode dele se socorrer irrestritamente. Questão polêmica reside na possibilidade de a outra parte contendedora, isto é, o Fisco, ter o mesmo direito de recorrer ao Poder Judiciário visando anular decisão administrativa que lhe foi contrária. O Parecer/PGFN/CRJ nº 1.087, de 19 de julho de 2004, concluindo favoravelmente a essa alternativa, reacendeu a discussão sobre o tema. A emissão do precitado ato motivou-se pela preclusão administrativa, para a Fazenda Pública, de recorrer de decisão proferida pelo Conselho de Contribuintes, atual CARF, em processo de vultosa importância, envolvendo Fundo de Previdência Privada (entidade fechada e sem fins lucrativos). A instituição obteve sentença favorável proferida em mandado de segurança impetrado para afastar a incidência de imposto de renda retido na fonte sobre os rendimentos de suas aplicações financeiras, sob o argumento que estava amparada pela imunidade prevista na alínea “c” do inciso III do artigo 19 da Constituição da República de 1967, com a redação da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Assim, o estabelecimento bancário no qual eram feitas as aplicações financeiras ficou impedido de efetuar, na qualidade de responsável tributário, a retenção na fonte do imposto devido. Com o advento da nova ordem constitucional (CF/1988) a Secretaria da Receita Federal lavrou Auto de Infração contra o mencionado Fundo, referente ao imposto de renda do período de janeiro de 1995 a dezembro de 1997, considerando que a atual Constituição concedeu imunidade tributária apenas às instituições de assistência social, não englobando às de previdência privada complementar. Ademais, no entender do Fisco, a segurança anteriormente concedida impedia a retenção do imposto pelo responsável tributário, contudo não obstaculizava a cobrança direta do contribuinte, sujeito passivo da obrigação tributária. A autuação foi impugnada e após confirmação do lançamento em primeira instância, o recurso foi julgado pelo Primeiro Conselho de Contribuintes (Acórdão 104-18.373, de 16 de outubro de 2001), ocasião em que foi acolhida a preliminar suscitada pelo relator de que quando a lei elege substituto tributário, o contribuinte originário perde a condição de sujeito passivo. A exigência tributária foi cancelada por ilegitimidade passiva e, conforme entendimento da Procuradoria, em face da unanimidade de votos, essa decisão não comportava recurso para a Câmara Superior de Recursos Fiscais, restando definitiva na esfera administrativa. Por envolver crédito tributário de elevada monta a PGFN, de forma inovadora e com fulcro nos artigos 19 e 20 do Decreto-lei nº 200/1967, interpôs Recurso Hierárquico junto ao Ministro da Fazenda requerendo a supervisão ministerial dos atos administrativos, o qual foi admitido e determinado seu processamento. Desta feita, o impugnante ingressou em Juízo com Mandado de Segurança, junto ao Superior Tribunal de Justiça, requerendo o trancamento do recurso hierárquico por ausência de previsão legal, bem como preclusão para questionamento da decisão do Conselho de Contribuintes. O STJ concedeu a segurança, entendendo que o controle externo dos atos administrativos, judicial ou ministerial, só pode ser realizado em casos de flagrante ilegalidade ou nulidade da decisão, tendo assim decidindo: “EMENTA: ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONSELHO DE CONTRIBUINTES – DECISÃO IRRECORRIDA – RECURSO HIERÁRQUICO – CONTROLE MINISTERIAL – ERRO DE HERMENÊUTICA. I – A competência ministerial para controlar os atos da administração pressupõe a existência de algo descontrolado, não incide nas hipóteses em que o órgão controlado se conteve no âmbito de sua competência e do devido processo legal. II – O controle do Ministro da Fazenda (Arts. 19 e 20 do DL 200/67) sobre os acórdãos dos conselhos de contribuintes tem como escopo e limite o reparo de nulidades. Não é lícito ao Ministro cassar tais decisões, sob o argumento de que o colegiado errou na interpretação da Lei. III – As decisões do conselho de contribuintes, quando não recorridas, tornam-se definitivas, cumprindo à Administração, de ofício, “exonerar o sujeito passivo “dos gravames decorrentes do litígio” (Dec. 70.235/72, Art. 45). IV – Ao dar curso a apelo contra decisão definitiva de conselho de contribuintes, o Ministro da Fazenda põe em risco direito líquido e certo o beneficiário da decisão recorrida.” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Mandado de Segurança n. 8.810-DF, 2003) Contra o veredicto acórdão a Fazenda Pública opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados, e posteriormente interpôs Recurso Extraordinário – RE ao Supremo Tribunal Federal, o qual não foi admitido pelo tribunal a quo. Ante essa inadmissão, foi interposto agravo de instrumento, tendo sido distribuído ao Ministro Carlos Britto que lhe deu provimento e o converteu no RE nº 535.077, sendo que este recurso aguarda julgamento desde 16 de novembro de 2006. No intuito de tentar contornar essa situação desfavorável ao Fisco foi que o indigitado parecer exsurgiu, com o escopo de legitimar a propositura de ação judicial para anular a decisão administrativa irrecorrível. Através de despacho do Ministro de Estado da Fazenda o Parecer/PGFN/CRJ nº 1.087/2004 foi aprovado, tendo concluído: “VI CONCLUSÃO 40. Assim posta a questão, em síntese, respondendo de modo objetivo, os itens 1, 2 e 3, respectivamente, da consulta, pode-se concluir que: 1) existe, sim, a possibilidade jurídica de as decisões do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, que lesarem o patrimônio público, serem submetidas ao crivo do Poder Judiciário, pela Administração Pública, quanto à sua legalidade, juridicidade, ou diante de erro de fato. 2) podem ser intentadas: ação de conhecimento, mandado de segurança, ação civil pública ou ação popular. 3) a ação de rito ordinário e o mandado de segurança podem ser propostos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, por meio de sua Unidade do foro da ação; a ação civil pública pode ser proposta pelo órgão competente; já a ação popular somente pode ser proposta por cidadão, nos termos da Constituição Federal”. (grifo nosso) (BRASIL, 2004) Devido às críticas dirigidas ao assinalado parecer, a PGFN resolveu editar a Portaria nº 820, de 25 de outubro de 2004, disciplinando a submissão de decisões dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais à apreciação do Poder Judiciário, da qual se transcreve o artigo 2º: “Art. 2º As decisões dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais podem ser submetidas à apreciação do Poder Judiciário desde que expressa ou implicitamente afastem a aplicabilidade de leis ou decretos e, cumulativa ou alternativamente: I – versem sobre valores superiores a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais); II – cuidem de matéria cuja relevância temática recomende a sua apreciação na esfera judicial; e III – possam causar grave lesão ao patrimônio público. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente a decisões proferidas dentro do prazo de cinco anos, contados da data da respectiva publicação no Diário Oficial da União.” (grifo nosso) (BRASIL, 2004) Como se observa, alguns critérios adotados, tais como “relevância temática” e “grave lesão ao patrimônio público” estão permeados de subjetividade e dão azo a variadas interpretações em sede doutrinária e jurisprudencial. Em que pese existir regulamentação na seara administrativa no sentido de que a Fazenda Nacional pode ingressar com ações judiciais para obter do Poder Judiciário a declaração de que um determinado crédito de natureza tributária é exigível, não obstante decisão final do contencioso tributário administrativo em direção oposta, não se tem notícia da utilização desse instrumento por seus Procuradores. Hodiernamente, com RE nº 535.077 aguardando apreciação no STF, em especial quanto à aplicação do recurso hierárquico sobre o aspecto do mérito do ato administrativo, a Administração Fazendária suspendeu, até que sobrevenha decisão final, os efeitos do Parecer PGFN nº 1.087/2004 e da Portaria PGFN nº 820/2004, por intermédio da Nota PGFN/PGA nº 74, de 06 de fevereiro de 2007. 4.3 Posição doutrinária 4.3.1 Argumentos da corrente doutrinária favorável Compõem o pensamento doutrinário favorável à revisão judicial de decisão administrativamente irretratável, dentre outros, Antonio Jose da Costa, Yoshiaki Ichihara, Edvaldo Brito, Francisco de Assis Alves, Helenilson Cunha Pontes, José Augusto Delgado, Moisés Akselrad, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho, Rubens Gomes de Sousa, e Aurélio Pitanga Seixas Filho. Na visão de Costa (2002) compartilhada por Ichihara (2002), pelo fato de o Estado se submeter às próprias normas que edita e às decisões judiciais, tem direito à jurisdição, desde que presentes os pressupostos de lesão ou ameaça a direito, nos termos do artigo 5º, inciso XXXV, da Carta da República de 1988. Acrescentam que, em atenção ao princípio da segurança jurídica, faz-se necessário observar determinados requisitos especificados em lei, a exemplo das hipóteses em que é permitida a revisão do lançamento tributário preconizadas no artigo 149 do CTN, in verbis: “Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I – quando a lei assim o determine; II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.” (BRASIL, 1966) Para Edvaldo Brito (1999), negar à Administração acesso ao Judiciário para questionar decisões tomadas por seus órgãos coletivos resulta em ofensa ao princípio da isonomia, uma vez que o sujeito passivo não comparece ao contencioso administrativo tributário como um subordinado, mas como uma parte contendedora que também possui prerrogativas. Ressalta, ainda, que os órgãos julgadores administrativos não emitem atos jurisdicionais, tendo em vista o sistema de jurisdição adotado em nosso país: “A jurisdição única implica em que toda e qualquer lesão ou ameaça de direito somente pode ser reparada com a apreciação do Poder Judiciário que para essa função não pode ser excluído, nem por lei. […] o acesso ao Judiciário, como direito público subjetivo de ação, também, não poderia ser impedido à administração, apesar de ser tentadora a interpretação no sentido de que o disposto no inciso XXXV do art. 5° da Constituição seria um direito fundamental do administrado e não da administração. Contudo, se prevalecesse essa interpretação, ela estaria em desacordo com o próprio sistema constitucional implantado entre nós que privilegia um princípio, o da isonomia, que se põe acima de todos os outros […]” (BRITO, 1999, p. 114-115) Alves (2002) assevera que uma decisão só se torna definitiva se proferida pelo Poder Judiciário, sendo esta condição basilar do Estado de Direito. Ademais, invoca o princípio da igualdade para garantir também ao Fisco as garantias constitucionais de acesso ao Judiciário, ampla defesa e do devido processo legal. Em suas palavras, enfatiza: “Isto significa que toda decisão definitiva sobre uma controvérsia só pode ser exercida pelo Poder Judiciário. Esse princípio está consagrado na Constituição federal que, enfaticamente, determina que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV). Com a impugnação da exigência tributária instaura-se a fase litigiosa, bilateral, do processo administrativo fiscal. Assim sendo, no nosso entender, se a decisão administrativa for contrária à Fazenda Pública, será perfeitamente admissível a esta socorrer-se do Judiciário para, desse Poder, obter a palavra final sobre o caso decidido em via administrativa. Assim permite a Lei Maior”. (ALVES, 2002, p. 463) Pontes (2002) pondera que a matéria a ser objeto de questionamento judicial já deve ter sido amplamente discutida e estar pacificada, a ponto de fazer jurisprudência no âmbito do STJ ou do STF. Acrescenta ser igualmente plausível requerer judicialmente a anulação de decisão com vício de dolo, má-fé ou fraude. Nesse ínterim, dessume o autor: “Contudo, o interesse de agir à propositura de tal ação judicial somente surge com a definição da interpretação judicial sobre a matéria discutida. Antes de tal momento, não possui a Administração Pública o interesse jurídico a discutir no Poder Judiciário a validade de uma manifestação dela mesma emanada. Outra hipótese que entendemos conferir à Administração Pública o interesse a pleitear judicialmente a anulação de decisão administrativa a ela contrária, pode ocorrer nas situações em que haja evidência de que tal decisão tenha sido proferida com dolo, má-fé ou fraude pelo agente que a proferiu. Enfim, a Administração poderá pleitear a anulação de decisão administrativa a ela contrária quando conseguir demonstrar vícios na formulação da mesma”. (PONTES, 2002, p. 615) Na ótica de Delgado (2002) somente a sentença judicial transitada em julgado é imutável. Ele partilha da idéia que é possível a retratação em Juízo quando a decisão está eivada de ilegalidade ou viciada por dolo, fraude, erro, simulação ou coação. Além disso, considera que os agentes públicos atuam em nome do Estado, mas não se confundem com o ente público, de maneira que este não pode ficar refém de decisões quando tomadas com abuso de poder, desvios de finalidade ou até mesmo imotivadas. Akselrad (2002) explica que os princípios da isonomia, ampla defesa e o contraditório, somados ao princípio do livre acesso ao Judiciário permitem a proposição de anulação da decisão final administrativa pelo Poder Público. Contudo, em atenção ao princípio da moralidade administrativa, esse direito deve ficar circunscrito às situações que ensejem ilegitimidade, nulidade ou inconstitucionalidade do acórdão. Chama a atenção, por fim, para o fato de que o crédito tributário questionado não deve estar prescrito. Saraiva Filho (2002) acredita que se houver total independência e desvinculação entre os órgãos julgadores administrativos e as chefias dos órgãos políticos, com a impossibilidade ou falta de previsão legal de recurso hierárquico ou avocação, é admissível que a Fazenda Nacional ingressasse em Juízo contra decisão que extinguiu o crédito tributário. Essa autonomia do tribunal administrativo em relação às autoridades do Poder Executivo, no caso Presidente da República ou Ministro de Estado, propiciaria maior isenção à decisão, a qual restaria desprovida de subordinação de vontades. Entendendo que as decisões administrativas não poderiam fazer coisa julgada, Rubens Gomes de Sousa citado por Seixas Filho (1998) propôs que o Estado pudesse requerer em Juízo a anulação de pronunciamento da autoridade administrativa, quando este fosse revogatório ou modificativo do lançamento tributário, em prejuízo do Erário. Objetivava eliminar a possibilidade de recurso hierárquico ao Ministro da Fazenda, pois esse instrumento abalava a confiança do contribuinte. Segundo o seu pensamento, se a finalidade do processo é fazer prevalecer a lei, quer se trate de processo administrativo ou judicial, o órgão que deve pronunciar-se em última instância é o Poder Judiciário. Portanto, dizia ser incompatível com o sistema brasileiro atribuir um efeito de coisa julgada substancial à decisão administrativa. Analisando a questão sob outro prisma, Seixas Filho (1998) aponta que a decisão proferida pelo tribunal administrativo não representa a vontade da Administração Pública, a qual denomina de Administração Ativa. Embora admita ser, a priori, um contra-senso, a Administração ajuizar uma ação para anular uma decisão administrativa, entende admissível esta ação porque a Administração Ativa não é titular da decisão final proferida no procedimento administrativo fiscal litigioso, a qual incumbe à Administração Judicante. Esta, por sua vez, tendo composição paritária, na qual metade dos julgadores não são servidores públicos, não pode representar a Administração Pública. Frise-se que o citado autor é contrário a existência dessa Administração Judicante, pois considera que a definição e utilização de regras processuais levam à obtenção de uma verdade formal, afastando a autoridade administrativa o seu objetivo maior, vale dizer, a prevalência da verdade material. O precitado professor conclui pela possibilidade de a Administração Ativa utilizar os instrumentos jurisdicionais cabíveis para corrigir erro de manifestação da Administração Judicante. Em suma, o arcabouço teórico adepto à prerrogativa de a Administração Pública propor em Juízo anulação de decisão final, irrecorrível na esfera administrativa, funda-se nos seguintes enunciados: – o ente público também é titular de Direitos Fundamentais insculpidos no Texto Maior, tais como isonomia, amplo acesso ao Judiciário, devido processo legal, ampla defesa e contraditório; – pelo princípio da igualdade das partes, o particular comparece ao contencioso administrativo tributário como litigante e não como subordinado, dispondo de instrumentos processuais para influir no convencimento do colegiado; – o Estado Democrático de Direito pressupõe o controle judicial dos atos administrativos, sem que isso implique em ofensa ao princípio da separação dos Poderes; – as decisões definitivas na esfera administrativa não produzem efeito de coisa julgada, haja vista o sistema de jurisdição única adotado em nosso país, segundo o qual toda e qualquer ameaça ou lesão ao Direito pode ser apreciada pelo Poder Judiciário; – o Estado, se existente ameaça ou lesão a direito, dispõe da faculdade da prestação jurisdicional, pelo fato de, assim como os administrados, se submeter às leis e às decisões judiciais; – os agentes públicos, conquanto assumam compromissos legais para atuar em nome do Estado, não se confundem com este. Portando, o Poder Público não está obrigado a aceitar decisões proferidas com desvio de finalidade, abuso de poder ou imotivadas, podendo corrigi-las, quando possível, por ação própria, senão via Judiciário; – os órgãos julgadores administrativos (Administração Judicante) têm composição paritária, vale dizer, são integrados por representantes do Fisco e dos contribuintes, impossibilitando que a decisão deles emanada seja representativa da vontade do Poder Público (Administração Ativa); 4.3.2 Argumentos da corrente doutrinária contrária A corrente atualmente prevalecente defende posição no sentido de que a decisão administrativa final em matéria tributária é definitiva para a Administração Pública, quando oposta aos interesses do Fisco, considerando incabível postulação ao Poder Judiciário visando a desconstituí-las. Integram esse grupo Fábio Fanucchi, Hugo de Brito Machado, Ives Gandra da Silva Martins, José Eduardo Soares de Melo, Kiyoshi Hadara, Marco Aurélio Greco, Maria Beatriz Martinez, Maria Teresa de Carcomo Lobo, Marilene Talarico Martins Rodrigues, Plínio José Marafon, Ricardo Lobo Torres, Sacha Calmon Navarro Coêlho, Schubert de Farias Machado, Vittorio Cassone e Ricardo Mariz de Oliveira, dentre outros. Fanucchi (1975) infere que, sob pena de se negar validade à existência do contencioso administrativo, tem efeito definitivo a decisão final quando desfavoreça a Fazenda, inexistindo condição de apelo desta ao Judiciário. Ressalva, todavia, que o efeito dessa decisão é apenas entre partes, podendo, por providências de terceiro, em defesa da coletividade, serem anuladas decisões errôneas contrárias aos interesses do Erário e às determinações legais. Machado (2002) firma sua compreensão em três premissas: 1ª) a finalidade essencial do Direito e o direito à jurisdição; 2ª) unicidade da Administração Pública; 3ª) a prática do Direito. Na primeira proposição adverte que as garantias constitucionais, dente elas o direito à jurisdição, existem para proteger o particular contra o arbítrio de quem exerce o Poder estatal, o qual é institucional e infinitamente maior que o poder do cidadão. No segundo ponto considera que os órgãos julgadores administrativos não exercerem função jurisdicional e, ao emitirem suas decisões, manifestam a vontade do próprio Estado. Por último, enfatiza que é papel do Direto buscar o equilíbrio na relação dos indivíduos com o Estado, implicando em prejuízo para a coletividade admitir que as decisões dos órgãos de julgamento contra a Fazenda não a obrigue definitivamente, dada a inutilidade que revestiria tais órgãos. Martins (2002) alerta para a insegurança jurídica que se instauraria caso os processos julgados pelos órgãos colegiados fazendários pudessem ser contestados judicialmente, independentemente da parte vencedora, fato tal que geraria discussões intermináveis. O doutrinador também revela que a Fazenda faz papel de parte e juiz no contencioso tributário administrativo, notadamente em primeira instância, significando dependência da atividade julgadora. Por fim, justifica a impossibilidade de reconstituição judicial do crédito tributário, quando o mesmo já fora desconstituído administrativamente, como também de sua revisão pelo juiz, invocando para tanto os artigos 142 e 145 do CTN: “Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. […] Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de: I – impugnação do sujeito passivo; II – recurso de ofício; III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149.” (BRASIL, 1966) Melo (2002) relativiza o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, na medida em que não podem ser dadas prerrogativas à Administração que tenham fins meramente arrecadatórios e ocasionem desrespeito aos administrados. Além disso, enxerga na propositura de ação judicial pelo Poder Público para desconstituir decisão administrativa tributária irreformável, violação ao princípio da moralidade e deslealdade para com o contribuinte, com a implicação subsequente: “A ação judicial representaria a falência do processo administrativo, que passaria a constituir uma mera fantasia de garantia constitucional do contribuinte, na medida em que, por razões de mera conveniência financeira, a Fazenda viria a ignorá-lo se e quando entendesse oportuno.” (MELO, 2002, p. 308) A esse propósito, Hadara (2002) aduz que atenta contra a moralidade administrativa a não submissão, por parte da Fazenda Pública, às decisões tomadas por seus órgãos julgadores, nos quais atua como parte e juiz concomitantemente. Igualmente constata a desnecessidade de se manter uma estrutura de contencioso tributário, se todas as decisões pudessem ser levadas à apreciação do Poder Judiciário, não se justificando o considerável emprego de tempo e recursos. Advoga a existência da coisa julgada administrativa, a qual obriga à Administração aos seus termos, ressalvando a faculdade que ela possui de anular seus próprios atos, nos casos de vícios do processo, no exercício de seu controle interno. Greco (2002) destaca a impossibilidade processual de a mesma pessoa jurídica configurar como autora e ré na ação judicial. Sobre a Administração anular seus próprios atos, faz a mesma reserva já esposada anteriormente, caso a decisão contenha vício de ilegalidade, amparado na Súmula 473 do STF: “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. (BRASIL, 1969)  Outro aspecto importante, levantado por Martinez (2005), refere-se ao controle do ato administrativo. Para a estudiosa, o controle exercido pelo Poder Judiciário restringe-se aos aspectos da legalidade e legitimidade, sendo-lhe defeso avançar sobre a questão do mérito, sob pena de incorrer em afronta ao princípio da independência entre os Poderes. A autora demonstra, ainda, preocupação com a insegurança jurídica que se instauraria caso fosse possível contestar judicialmente decisão de mérito proferida pelos Conselhos de Contribuintes, pois, no seu entender, o sujeito passivo estaria amparado pelo direito adquirido quando tal deliberação o desonerasse do pagamento de tributos. Essa situação de instabilidade seria agravada diante dos conflitos de teses tributárias existentes entre o Poder Judiciário e os órgãos de julgamento da Administração Fazendária, especialmente quando são favoráveis aos contribuintes no âmbito administrativo e apresentam entendimento divergente no âmbito judicial. Sobre constituir ou não em coisa julgada a decisão definitiva da esfera administrativa, Lobo (2002) posiciona-se: “A decisão definitiva da Administração judicante, se não constitui coisa julgada material, dada a possibilidade de sua revisão judicial, garantia constitucional conferida ao contribuinte, configura, todavia, coisa julgada formal, no sentido da sua imutabilidade para a Administração dado o caráter vinculante da decisão administrativa”. (LOBO, 2002, p. 252) Assim, a doutrinadora em destaque afirma que a insuscetibilidade de revisão judicial decorre da obrigação funcional para a Administração em respeitar e executar resoluções definitivas oriundas de sua própria estrutura.  Rodrigues (2002) afasta a possibilidade de anulação judicial de decisão administrativa contrária à Fazenda, a seu pedido, baseando-se no princípio constitucional da segurança jurídica, direito pleno a ser preservado em um Estado Democrático. Fundamenta-se, para tanto, no caput do artigo 5º da Magna Carta, o qual garante aos brasileiros e estrangeiros aqui residentes direito à segurança, devendo esta ser concebida com amplitude, ou seja, estabilidade das relações jurídicas, econômicas, políticas e sociais. A especialista relembra que a atividade de lançamento é vinculada e obrigatória, conferindo à relação Fisco – sujeito passivo caráter de imposição tributária. Destarte, o acórdão que torna sem efeito a exigência do tributo representaria ato de reconhecimento da autoridade de que houve alguma imperfeição no lançamento, gerando direito subjetivo para o contribuinte. Este benefício, concernente a fatos geradores já ocorridos, seria irrevogável, encontrando resguardo no artigo 146 do CTN: “Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”. (BRASIL, 1966) Marafon (2002, p. 282) reputa que o processo administrativo tributário brasileiro é “desigual, parcial e sujeito ponderáveis influências contra o contribuinte”, porquanto é controlado e submetido ao Poder Executivo. Adiciona à sua argumentação a impossibilidade de se atribuir ao Poder Judiciário a atividade de lançar tributo (pois nisso é que resultaria se ocorresse anulação judicial de decisão administrativa que extinguiu o crédito tributário), dada que essa competência é privativa da autoridade administrativa (artigo 142, CTN). Destacam-se da lição de Torres (2002), dentre outros motivos que relaciona para demonstrar a inviabilidade de a Fazenda Pública ir a Juízo pedir anulação de decisão administrativa a ela adversa, as alegações de ausência de expressa previsão legal para interposição desse tipo de ação e de prejuízo ao princípio constitucional do duplo grau de jurisdição. Para o especialista, a ação de invalidade de atos administrativos a ser proposta pela Fazenda não está compreendida no direito genérico de ação, tornando-se imprescindível, nesse particular, a positivação da necessidade de se recorrer ao Judiciário, pois se trata de exceção ao princípio da autotutela administrativa. Por outro lado, a ação anulatória seria impetrada pelo Poder Público diretamente junto a um Tribunal, o que suprimiria o julgamento em primeira instância judicial, momento em que são colhidas as provas processuais, considerado por ele um dos pontos fracos do processo administrativo fiscal. De forma sucinta, Coêlho (2002) defende que não existe no Direito brasileiro ação anulatória de ato formalmente válido praticado pela Administração, por falta de interesse de agir, em outras palavras, o poder Público não poderia ir a Juízo contra ato próprio. Machado (2001) rebate a tese de que a deliberação emitida pelo colegiado administrativo não representa a vontade da Administração, comprovando com as razões expostas abaixo: “Primeiro, a lei não divide a Administração em Ativa e Judicante. A Administração é una. O Conselho de Contribuintes integra organicamente a Administração. A decisão desse colegiado é, sobretudo, uma decisão da Administração. Segundo, os membros do Conselho de Contribuintes são regularmente nomeados e empossados no cargo e ficam sujeitos ao regime jurídico do funcionalismo público, inclusive para fins penais. Nada os distingue entre si. Terceiro, existe uma falsa paridade na formação dos Conselhos. Além da metade dos membros desses colegiados, a Administração detém a presidência dos mesmos, a quem cabe o voto de desempate. Quarto, a participação de pessoas indicadas pelos contribuintes não retira a legitimidade desses colegiados decidirem pela Administração. Aqui invocamos nosso testemunho pessoal. Muitas vezes presenciamos os representantes dos contribuintes votando pela integral manutenção das exigências fiscais, em sentido contrário ao voto dos representantes da Fazenda, que decidiam pela extinção do crédito tributário. Essa realidade pode ser facilmente constatada por qualquer um que freqüentemente as seções de julgamento do Conselho de Contribuintes. (sic) Quinto, a pluralidade de vontades está presente em toda a Administração, sendo comum até mesmo a discordância pública entre Ministros de Estado. É exatamente por isso que a lei fixa a competência para a prática dos atos administrativos. No caso em exame, a competência para decidir sobre a legalidade do lançamento tributário está legalmente reservada ao Conselho de Contribuintes e não ao Ministro da Fazenda”. (MACHADO, 2001, p. 17) Cassone (2002) confia que a lesão ou ameaça a direito inscritas no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição são suportadas somente pelos contribuintes, tendo em vista a sistemática da imposição tributária, não sendo cabível ao Estado (impositor) procurar o Judiciário para anular decisão que beneficie o impugnante. Outra questão importante nessa matéria refere-se à propositura de ação civil pública, espécie mencionada no Parecer/PGFN/CRJ nº 1.087/2004 para o questionamento das decisões dos Conselhos de Contribuintes. Oliveira (2002) pugna pela impossibilidade do seu manejo, haja vista que no processo administrativo os interesses são determinados e pertencentes a partes individualizadas, enquanto que o requisito para intentar esta espécie de ação é a proteção de interesses difusos e coletivos, como prevê o inciso III, do artigo 129, da CF/1988. Ademais, o professor não visualiza, mesmo que o Ministério Público discorde da decisão de mérito proferida, configuração de ato ilícito, visto que o livre convencimento do julgador é princípio inerente ao processo administrativo tributário. Por fim, afirma que a noção de patrimônio público e social não é formada apenas por valores pecuniários e materiais, estando o abrigo da segurança jurídica inserto neste conceito.  Em linhas gerais, pode-se sintetizar a teorização da corrente adversa ao manejo de ação, por parte da Fazenda Pública, para nulificar decisão final de seus órgãos julgadores, contrária aos interesses do Erário, nos seguintes argumentos: – a proteção contra lesão ou ameaça a direito insculpida no inciso XXXV, artigo 5º, CF/1988 é direito fundamental assegurado somente aos cidadãos contra possíveis arbítrios cometidos pelo Poder Estatal, e não o reverso, porquanto o Estado prescinde dessa garantia para praticar seus atos; – a Administração tem a seu dispor o poder da autotutela, segundo o qual pode revisar (anulando ou revogando) seus próprios atos, sendo o processo administrativo fiscal instrumento para que se exerça esse controle interno; – decisão proferida em ultima instância administrativa consiste no ato final de acertamento do crédito tributário, tendo efeito de coisa julgada para a Administração, vinculando-a em todos os seus termos; – a decisão final administrativa favorável ao contribuinte gera para o mesmo direito adquirido. Revê-la causaria grave dano a um dos princípios medulares do Estado Democrático de Direito, qual seja, a segurança jurídica, responsável por garantir a estabilidade necessária à evolução da sociedade; – pelo princípio da separação dos Poderes, o controle dos atos administrativos pelo Judiciário deve se ater aos aspectos da legalidade e legitimidade, não comportando juízo sobre o mérito (conveniência e oportunidade); – significa uma violação ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que retira a legitimidade do processo administrativo tributário, desprestigia os órgãos julgadores da Administração Fazendária, tornando injustificável o gasto elevado para manutenção dos mesmos, os quais estariam fadados a inutilidade; – o Código Tributário Nacional (art. 156, IX) elenca a decisão administrativa irreformável na órbita administrativa como uma das formas de extinção do crédito tributário, razão pela qual uma possível ação judicial não subsistiria por inexistência do objeto; – o Poder Judiciário, ao decidir pelo restabelecimento de exigência anteriormente extinta no campo administrativo, estaria realizando o lançamento do crédito tributário, atividade privativa de autoridade administrativa (art. 142, CTN), para a qual não possui competência; – é um contra-senso a Administração ajuizar ação contra decisão administrativa que ela mesma proferiu, já que resultou de sua própria manifestação de vontade, configurando-se falta de interesse de agir. Ademais, é juridicamente impossível a mesma parte apresentar-se como autora e ré na ação judicial; – ausência de previsão legal expressa. Tal ação anulatória não está compreendida no direito genérico de ação, garantido a qualquer titular de bem jurídico, uma vez que se trata de excepcionalidade ao princípio da autotutela conferida à Administração. 4.4 A jurisprudência Da pesquisa por julgados favoráveis ao questionamento, pela Fazenda Pública, de decisões finais administrativas contrárias aos seus interesses, nota-se a dificuldade em se encontrar precedentes nesse caminho, permitindo inferir que essa tese é minoritária na magistratura pátria. A título ilustrativo transcreve-se ementa de acórdão onde o magistrado recorreu ao princípio da jurisdição única para justificar o direito de ação anulatória pela Fazenda Nacional: “EMENTA: PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL – CONFISSÃO DA DÍVIDA – MULTA ANISTIADA, NA ESFERA ADMINISTRATIVA – INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO, NA VIA JUDICIAL – PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO – POSSIBILIDADE JURÍDICA E PROCEDÊNCIA NA RECONVENÇÃO 1. Se a autora reconhece o débito que buscou anular, na ação principal, extingue-se o processo com julgamento do mérito, em seu desfavor. 2. Na força do princípio da inafastabilidade da jurisdição, afigura-se juridicamente possível ação reconvencional, proposta pela União Federal, (Fazenda Nacional) visando desconstituir decisão administrativa de Conselho de Contribuintes, que concedeu anistia, indevidamente, à multa aplicada à empresa demandante. 3. Apelação e remessa oficial (como se interposta fosse) desprovidas. Sentença confirmada, por seus próprios fundamentos. (grifo nosso) (BRASIL, Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Apelação cível n. 95.01.05547-7/PA, 1995) Na direção antagônica, tem-se um maior número de precedentes jurisprudenciais acolhendo a tese da coisa julgada administrativa, resultante de efeito vinculante para a Administração Pública de suas decisões finais. Na órbita do contencioso administrativo tributário, os Conselhos de Contribuintes (atual CARF) e a Câmara Superior de Recursos Fiscais assim se manifestaram: “EMENTA: NORMAS PROCESSUAIS- MATÉRIA TORNADA NÃO LITIGIOSA NO CURSO DA DISCUSSÃO – PRECLUSÃO – COISA JULGADA ADMINISTRATIVA – Precluem e, portanto, não podem ser objeto de reapreciação as matérias que no curso da discussão administrativa deixam de ser litigiosas em face do acolhimento definitivo de razões de impugnação, assim acarretando a chamada coisa julgada administrativa. […]” (Brasil, Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda, Acórdão n. 01-03.074, 2000) “EMENTA: COISA JULGADA ADMINISTRATIVA. É defeso à autoridade julgadora reapreciar questão já decidida definitivamente em seara administrativa. Recurso voluntário a que se nega provimento. Publicado no D.O.U. nº 230 de 30/11/2007….Decisão: Por unanimidade de votos, REJEITAR a preliminar de nulidade do auto de infração e, no mérito, NEGAR provimento ao recurso.” (grifo nosso) (Brasil, Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, Acórdão n. 103-23082, 2004) “EMENTA: IRPJ – DEFERIMENTO DE COMPENSAÇÃO EM OUTRO PROCESSO – RESPEITO À COISA JULGADA ADMINISTRATIVA – Uma vez decidida em outro processo administrativo a compensação de um tributo devido, não é possível, sem o devido processo legal, que se promova lançamento para exigir multa isolada do tributo cuja compensação foi reconhecida por autoridade administrativa competente.” (Brasil, Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, Acórdão n. 108-08606, 2005) Na esfera judicial, colacionam-se dos Tribunais Regionais Federais: “EMENTA: Tributário. Reapreciação de matéria deduzida em Processo Administrativo. Impossibilidade Face à Coisa Julgada Administrativa. Certidão Negativa de Débito. Direito Líquido e Certo. 1. Dos Documentos acostados aos autos, consta-se a reapreciação da matéria em processo administrativo, o que é vedado na via administrativa em prol da estabilidade das relações entre as partes, e em respeito à "coisa julgada administrativa". 2. Tendo a certidão negativa de débito sido negada em razão da conclusão obtida em processo administrativo reaberto, e diante de sua imodificabilidade na via administrativa, indiscutível resta o direito líquido e certo á referida certidão negativa de débito. 3. Remessa oficial improvida.” (grifo nosso) (BRASIL, Tribunal Regional Federal da 5ª Região, REOMS n. 53787-97/CE, 1998) “EMENTA: Tributário e Administrativo. Conselho de Contribuintes. Coisa Julgada Administrativa. 1. Não pode a Administração cobrar crédito tributário cujo lançamento foi considerado nulo pelo Conselho de Contribuintes, sob pena de ofensa à coisa julgada administrativa. 2. Apelação e remessa oficial improvidas”. (grifo nosso) (BRASIL, Tribunal Regional Federal da 4ª Região, AC/MS n. 96.04.1590-4/PR, 1999) “EMENTA: TRIBUTÁRIO. REVISÃO DE LANÇAMENTO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. COISA JULGADA. PRECLUSÃO. ERRO DE DIREITO. – Transitada em julgado a decisão que, em processo administrativo, acatou a defesa do contribuinte e declarou a inexistência da obrigação, extingue-se o crédito (pretenso) tributário, nos termos do art. 156, IX do CTN; – Somente em casos de erro de fato é possível a revisão do lançamento, nos termos do art. 149 do CTN, mediante a lavratura de outro lançamento, dando início a novo processo administrativo, sempre que não haja se consumada a decadência. – Impossibilidade de aproveitamento do processo administrativo anterior já findo, com decisão transitada em julgado. – Apelo provido” (grifo nosso) (BRASIL, Tribunal Regional Federal da 5ª Região, AMS n. 73.262/CE, 2002) Outrossim, a tendência dos Tribunais Superiores segue na esteira da existência de vinculação das decisões administrativas em relação ao Fisco, à semelhança da coisa julgada em matéria processual, bem como da limitação imposta pela preclusão administrativa. “EMENTA: Coisa julgada fiscal e direito subjetivo. A decisão proferida pela autoridade fiscal, embora de instância administrativa, tem, em relação ao Fisco, fôrça vinculatória, equivalente à da coisa julgada, principalmente quando gerou aquela decisão direito subjetivo para o contribuinte. Recurso extraordinário conhecido e provido”. (sic) (grifo nosso) (Brasil, Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 68.253-PR, 1969) “EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ATO ADMINISTRATIVO. PRECLUSÃO ADMINISTRATIVA. I – O ato administrativo conta com a retratabilidade que poderá ser exercida enquanto dito ato não gerar direitos a outrem. Ocorrendo a existência de direitos, tais atos serão atingidos pela preclusão administrativa, tornando-se irretratáveis por parte da própria Administração. II – É que, exercitando-se o poder de revisão de seus atos, a Administração tem que se ater aos limites assinalados na lei, sob pena de ferir direitos líquidos e certos do particular, o que configura ilegalidade e/ou abuso de poder. III – Segurança concedida.(grifo nosso) (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, MS n. 009/DF, 1989) “EMENTA: ADMINISTRATIVO – PRECLUSÃO – REGISTRO DE POSTO DE ABASTECIMENTO. O ato administrativo não pode ser modificado, ocorrida a preclusão, mesmo por autoridade hierarquicamente superior, quer por via recursal, quer por avocação. A modificação configura ilegalidade e dá surgimento a direito líquido e certo. Segurança concedida.” (grifo nosso) (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, MS n. 223/DF, 1990) “EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – RECURSO HIERÁRQUICO – SECRETÁRIO DE ESTADO DA FAZENDA DO ESTADO – EXPRESSA PREVISÃO LEGAL – LEGALIDADE – PRECEDENTES. A previsão de recurso hierárquico para o Secretário de Estado da Fazenda quando a decisão do Conselho de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro for prejudicial ao ente público não fere os princípios constitucionais da isonomia processual, da ampla defesa e do devido processo legal, porque é estabelecida por lei e, ao possibilitar a revisão de decisão desfavorável à Fazenda, consagra a supremacia do interesse público, mantido o contraditório. Nesse sentido, assevera Hely Lopes Meirelles que os recursos hierárquicos impróprios "são perfeitamente admissíveis, desde que estabelecidos em lei ou no regulamento da instituição, uma vez que tramitam sempre no âmbito do Executivo que cria e controla essa atividades. O que não se permite é o recurso de um Poder a outro, porque isto confundiria as funções e comprometeria a independência que a Constituição da República quer preservar". Além disso, o contribuinte vencido na esfera administrativa sempre poderá recorrer ao Poder Judiciário para que seja reexaminada a decisão administrativa. Já a Fazenda Pública não poderá se insurgir caso seu recurso hierárquico não prospere, uma vez que não é possível a Administração propor ação contra ato de um de seus órgãos. Recurso não provido.” (grifo nosso) (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 12.386-RJ, 2004) “EMENTA: TRIBUTÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. REVISÃO. PRECLUSÃO. SEGURANÇA JURÍDICA. 1. Em observância ao princípio da segurança jurídica, o administrado não pode ficar à mercê de posterior revisão de decisão definitiva em processo administrativo regulamente prolatada. 2. Recurso especial improvido.” (grifo nosso) (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp n. 572358/CE, 2006) CONCLUSÃO O presente trabalho focou-se em perquirir se é legítima a alternativa de a própria Administração, representada nesse particular pela Fazenda Nacional, ingressar em juízo no intuito de desconstituir ato seu, vale dizer, a decisão definitiva emanada do contencioso tributário administrativo. Para uma melhor compreensão, faz-se necessário ter em mente que o controle dos atos administrativos pode se dar de dois modos, a saber: interno, desempenhado pela própria Administração Pública; ou externo, exercido pelo Poder Judiciário. É predominante o entendimento de que a Administração Pública, dotada do poder de autotutela, pode anular seus próprios atos quando ilegais ou revogá-los por considerações de mérito, enquanto o Judiciário se restringe ao exame da legalidade. De pronto repele-se a suposta faculdade de o Judiciário revisar aspectos relativos ao mérito da decisão administrativa, uma vez que configuraria explícita interferência de um Poder sobre a independência de outro. No que tange à apreciação judicial especificamente quanto ao aspecto da legalidade de acórdão tributário inapelável administrativamente, esta unicamente poderia ser aceita em sede de ação civil pública ou de ação popular, ou seja, o Judiciário seria provocado por terceiro estranho à estrutura do Fisco e apenas nos casos de grave lesão ao patrimônio público. Saliente-se que essa análise não busca alterar a interpretação da legislação tributária que embasou a decisão administrativa, mas sim constatar a conformidade do ato com a norma regente e com os princípios básicos da Administração Pública. Há de se admitir que as decisões de mérito de cunho terminativo proferidas no âmbito do processo administrativo fiscal, favoráveis aos contribuintes e quando obedecidos os requisitos de validade, vinculam a Administração. Possui, portanto, efeito preclusivo semelhante à coisa julgada do processo judicial, o que é reconhecido por alguns operadores do Direito como coisa julgada formal. Ante o caráter impositivo da relação tributária, na qual não é dado ao sujeito passivo escolher entre pagar ou não tributos, a ele é que se permite socorrer-se do Judiciário para se proteger de eventuais arbitrariedades cometidas pelos agentes arrecadadores. Nesse diapasão, revela-se crucial para o êxito do relacionamento Fisco-contribuinte o estabelecimento da confiança, exaltada pelo princípio da segurança jurídica. Este princípio constitui-se em um dos pilares do Estado Democrático de Direito, garantindo a estabilidade necessária ao desenvolvimento das relações negociais e jurídicas. A interpelação judicial, pela Fazenda, de deliberações tomadas pelos seus colegiados, fatalmente levaria a discussões intermináveis sobre a certeza e liquidez do crédito tributário, interferindo negativamente no regular funcionamento das atividades empresariais, as quais necessitam de situações jurídicas solidificadas para elaborarem seus planejamentos. Sob outra dimensão, atenta contra a moralidade administrativa o fato de a própria Administração questionar o mérito das decisões de seu contencioso tributário, acabando por desprestigiá-lo e trazendo á tona dúvida sobre a razão de sua manutenção. Acrescente-se, nessa situação peculiar, o ultraje ao princípio da eficiência pública, já que elevadas somas de recursos são empregadas no custeio do aparelho judicante da Fazenda Nacional. Outro fator que depõe contra a interposição da ação anulatória, por parte da PGFN, contra acórdão proferido pelas DRJ ou CARF é de ordem processual. A teor do artigo 267, inciso X, do  Código de Processo Civil, é causa de extinção do processo a confusão entre autor e réu, porquanto a decisão administrativa é ato da Fazenda Nacional, não pode ela mesma impugná-la em juízo. Descartada a hipótese de a Fazenda recorrer ao Judiciário para desconstituir acórdão desfavorável ao Erário, resta analisar de que forma a Administração Fazendária pode exercer seu poder de autotutela sobre as decisões terminativas pronunciadas por seus órgãos judicantes. Considerando que essas decisões integram o lançamento, consistindo no acertamento definitivo do crédito tributário, a atuação do agente público resta vinculada, eliminando-se qualquer juízo de conveniência ou oportunidade. Em outros termos, o componente de mérito do acórdão não é suscetível de reconsideração. Nesse particular, em discordando da medida tomada pelo órgão julgador, ao Fisco é facultado efetuar novo lançamento tributário, observado o prazo decadencial determinado pelo CTN. Há de se ponderar, contudo, o exercício do controle interno da legalidade do ato praticado, ou seja, da conformação deste com o ordenamento jurídico. Estando a decisão administrativa contrária à Fazenda viciada por erro, dolo, fraude, simulação, coação, abuso ou desvio de poder, vale dizer, contaminada por vícios que flagrantemente invalidem o ato administrativo, entende-se por cabível o pleito de anulação por intermédio do recurso hierárquico ao Ministro da Fazenda, respeitado o prazo prescricional de cinco anos previsto na Lei n° 9.784/1999. Isso porque, como explanado anteriormente, os órgãos julgadores administrativos, embora de composição paritária, integram normalmente a estrutura da Administração Pública. Essa vinculação pode ser notada tanto a nível organizacional, pela hierarquia do organograma, como na própria atividade julgadora, na medida em que tais órgãos não podem afastar a aplicação da norma sob o fundamento de inconstitucionalidade e são obrigados a observarem, em primeira instância, normas regulamentares expedidas pela RFB e, em todas as alçadas, os pareceres emitidos pela PGFN e Advocacia Geral da União. Dessa forma, a apreciação pela autoridade ministerial seria o instrumento pelo qual a Administração Fazendária desempenharia seu controle interno, uma vez que a decisão proferida, apesar de enquadrar-se como ato simples, não comporta anulação de ofício, pelo próprio agente, haja vista que o presidente do colegiado não usufrui desse condão. Em todo caso, vedar-se-ia a supervisão ministerial por meio de avocação, por ser prática de viés autoritário, e preservar-se-ia o direito de defesa do administrado, facultando-lhe a apresentação de contrarrazões ao Ministro de Estado. Em complemento, para assegurar a excepcionalidade desse dispositivo, é salutar a implementação de obstáculos, como a exigência de que a decisão a ser revista pela via hierárquica fosse não unânime. Há de se deixar patente que o recurso hierárquico não comportaria análise sobre o mérito da decisão tributária. Ao revés, deve cingir-se aos elementos vinculados do ato administrativo e que comprometam sua validade, tais como competência, finalidade, forma. Sopesando o sistema de princípios basilares da Constituição da República de 1988 em conjunto com os princípios norteadores da Administração Pública e do processo administrativo, somados aos argumentos doutrinários e ao entendimento jurisprudencial sobre o tema, conclui-se como mais acertada a tese que propugna pela impossibilidade de a Fazenda Pública buscar em juízo a reversão do acórdão irreformável em favor do contribuinte, ressalvando-se, contudo, o instituto da supervisão ministerial, restrita aos componentes vinculados da decisão terminativa, como forma de preservar o controle interno que a Administração deve exercer sobre seus atos.
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A progressividade do IPTU e os direitos fundamentais
O direito passa por uma relevante mudança de paradigma, com a crescente aceitação da linha filosofia denominada pós-positivismo. Tal mudança é especialmente relevante para o direito tributário, uma vez que é ramo do direito que regula a relação entre Estado e cidadão no seu aspecto patrimonial. Como o direito de tributar age como exceção que atinge o direito da propriedade privada, deve ser profundamente regulado, não somente por regras (que podem ser mais facilmente "contornadas"), mas também por princípios que protejam o contribuinte de toda forma de arbítrio estatal. Os princípios, porém, não são conceitos estanques. Há pontos de conflito em casos concretos, que devem ser objeto de criteriosa ponderação. No presente trabalho, pretendemos analisar essa questão, com enfoque em algumas questões levantadas pela instituição do IPTU progressivo.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O direito tributário brasileiro encontra seu fundamento e paradigmas na Constituição Federal. Lá são fixadas as regras que compõem o Sistema Tributário Nacional. Assim, encontram-se definidas em âmbito constitucional as modalidades de tributos, as competências dos entes tributantes, limites ao poder de tributar, etc., bem como a repartição dos valores arrecadados entre as pessoas jurídicas de direito público. Porém, acima de todas essas regras, encontram-se os princípios constitucionais, em especial aqueles que versam sobre direitos fundamentais, também chamados de direitos humanos. É crescente o enfoque doutrinário e jurisprudencial acerca dos princípios e seu peso no ordenamento jurídico pátrio. Isso é decorrência de uma mudança de paradigma no pensamento jurídico brasileiro. Outrora dominado pelo positivismo, é sentido a crescente influência do pensamento pós-positivista, também chamado de jushumanista. Tal enfoque cresce na medida em que ganha aceitação a linha filosófica dos direitos humanos. Hoje nota-se maior inclinação do Judiciário em decidir com base, às vezes unicamente, em princípios. Trata-se de algo que seria impensável sob a égide do positivismo, e que nos conduz a novos paradigmas. Dentre estes, a forma de resolução de conflitos entre princípios e regras será objeto de breve análise. Tal mudança de paradigma é especialmente relevante para o direito tributário, uma vez que é ramo do direito que regula a relação entre Estado e cidadão no seu aspecto patrimonial. Como o direito de tributar age como exceção que atinge o direito da propriedade privada, deve ser profundamente regulado, não somente por regras (que podem ser mais facilmente "contornadas"), mas também por princípios que protejam o contribuinte de toda forma de arbítrio estatal. Esse, afinal, é o principal objetivo do direito tributário moderno, que se coloca como fonte de garantias dos direitos fundamentais, viabilizando uma tributação justa, regulada e com manutenção de equilíbrio entre sujeito passivo e ativo da obrigação. Não se deve esquecer que tais institutos do direito tributário são fruto de conquista histórica. Os princípios, porém, não são conceitos estanques. Há pontos de conflito em casos concretos, que devem ser objeto de criteriosa ponderação. No presente trabalho, pretendemos analisar essa questão, com enfoque em algumas questões levantadas pela instituição do IPTU progressivo. Assim, após a devida contextualização, trataremos do aparente conflito entre o citado instituto e alguns princípios e direitos fundamentais, na extensão que nos permite esse breve apanhado. CAPÍTULO I – OS DIREITOS HUMANOS 1.1.SURGIMENTO DO PÓS-POSITIVISMO Parece desnecessário repisar acerca do peso da linha filosófica do positivismo na cultura jurídica brasileira. Isso, pois esse pensamento também foi dominante em boa parte do mundo ocidental, especialmente na primeira metade do século XX. Tal visão jurídica se firma definitivamente com a Revolução Francesa, visando resolver o problema de insegurança jurídica que então se instalara. A sociedade se tornara mais complexa e o direito natural parecia não mais fornecer a necessária segurança jurídica. Ocorre que o positivismo também veio para reforçar o mando dos novos detentores do poder. Nos dizeres de Tércio Sampaio Ferraz Jr: "O positivismo jurídico, na verdade, não foi apenas uma tendência específica, mas também esteve ligado, inegavelmente, à necessidade de segurança da sociedade burguesa. O período anterior à Revolução Francesa caracterizara-se pelo enfraquecimento da justiça, mediante o arbítrio inconstante do poder da força, provocando a insegurança das decisões judiciárias."[2] Atualmente é crescente o entendimento de que o positivismo iniciou uma fase empobrecedora do direito. Lembramos o maior expoente do positivismo no Brasil, Hans Kelsen, com a afirmação que reduz direito à norma jurídica[3]. João Maurício Adeodato deixa clara a crítica, ao lembrar que “a objeção mais comum ao positivismo é que ele considera o direito auto-referente”.[4] Em verdade, se trazer segurança jurídica foi o intento, o positivismo falhou miseravelmente. Sob essa visão, o legislador poderia inserir livremente normas no ordenamento jurídico, de forma a resolver conflitos unicamente pelo peso da legalidade. Ocorre que nunca seria possível prever todos os tipos de situações. Pior ainda. Sob o positivismo, as normas jurídicas tendem a se multiplicar, a ponto de gerar todo tipo de conflito normativo. Conflitos esses cujas soluções não tinham o esperado grau de previsibilidade. O direito se tornara incerto pelo excesso de diplomas legais. Como o positivismo também considera a lei moralmente incontrastável, buscou excluir a moral do direito. Isso levou a uma dissociação entre o legal e o moral, dissociando o direito do senso comum social. Nos dizeres de Tácito: Corruptissima in republica plurimae leges (As leis abundam nos Estados mais corruptos).[5] Com o fim da Segunda Guerra Mundial é sentido o declínio do positivismo jurídico. Vale lembrar que as atrocidades do comunismo e do nazi-fascismo foram cometidas sob a égide da mais absoluta legalidade. Não que o positivismo não se prestasse anteriormente – e ainda se presta – a legitimar toda sorte de injustiças. Ocorre que as ideologias que culminaram na Segunda Grande Guerra deixaram isso por demais evidente. Nos dizeres de Luis Roberto Barroso: “Em busca de objetividade científica, o positivismo equiparou o direito à lei, afastou-o da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça e dominou o pensamento jurídico da primeira metade do século XX. Sua decadência é emblematicamente associada à derrocada do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da 2ª. Guerra, a ética e os valores começaram a retornar ao direito.”[6] Encerrado o conflito em 1945, foi feita uma revisão das leis promulgadas no período do III Reich. Com isso, foi justamente o Tribunal Constitucional Alemão o grande responsável por reinserir no direito a questão dos direitos humanos e seus princípios. Assim, a revisão se deu com base em princípios como o da justiça, o da razoabilidade e o da dignidade humana, e não no mero silogismo positivista. Essa mudança radical passaria a influenciar o direito alemão a partir de então, com reflexos pelo mundo. Era o chamado pós-positivismo (ou jushumanismo). O resumo dessa nova linha pode ser visto no trecho do julgado abaixo transcrito, do Tribunal Constitucional Alemão:  “o direito e a justiça não estão à disposição do legislador. A ideia de que um legislador constitucional tudo pode ordenar a seu bel-prazer significaria um retrocesso à mentalidade de um positivismo legal desprovido de valoração, há muito superado na ciência e na prática jurídica. Foi justamente a época do regime nacional-socialista na Alemanha que ensinou que e legislador também pode estabelecer a injustiça (…). Por conseguinte, o Tribunal Constitucional Federal afirmou a possibilidade de negar aos dispositivos ‘jurídicos’ nacional-socialistas sua validade como direito, uma vez que eles contrariam os princípios fundamentais da justiça de maneira tão evidente que o juiz que pretendesse aplicá-los ou reconhecer seus efeitos jurídicos estaria pronunciando a injustiça, e não direito (…).”[7] O direito retorna assim, ainda que em parte, à sua raiz jusnaturalista. Na verdade, pode-se entender que ocorre releitura do direito natural, pois há enfoque do direito no Homem, e não na norma. Ainda sim, essa corrente não rompe com o positivismo. Na complexa sociedade moderna não haveria como alijar a lei de sua força normativa ou sua eficácia. A lei é aceita a priori, podendo ser contrastada pelos princípios, notadamente aqueles que constituem os direitos fundamentais. Da mesma força, é aceito o realismo "moderado". Não aquele que substitui o poder supremo do legislador pelo do juiz, mas aquele que permite ao juiz maior assertividade na sua conduta de manutenção das regras do direito em consonância com seus princípios fundamentais. Outrossim, não cremos que o pós-positivismo significa um retorno completo dos princípios de direito natural. Notamos forte influência do pensamento progressista nos valores e princípios mais caros ao jushumanismo. Algo de certa forma inevitável, haja vista a força dominante desse pensamento nas altas esferas jurídicas na atualidade. Nesse aspecto nos parece relevante que se dê maior ênfase ao conceito naturalista de Justiça, que não confere em muitos pontos com o conceito progressista de justiça social. 1.2.        RELAÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS Passemos a analisar a questão dos princípios, sua valoração e eficácia normativa. Quando o tema versa sobre princípios, dificilmente encontraremos unanimidade na doutrina. Segundo a visão tradicional, em resumo, regras teriam efetividade, ao contrário dos princípios. Regras seriam mandamentos objetivos, enquanto princípios somente apontariam um caminho ideal a ser seguido (nem sempre possível). ALEXY os denomina como “mandamentos de otimização”.[8] Há grande mudança de paradigma quando se trata de conflitos entre princípios e regras. Quando duas regras se contradizem, uma será necessariamente invalidada. Nesse sentido dispõe a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro[9]. Já o conflito entre princípios resulta em ponderação, conforme a visão de Humberto Ávila, que muito nos agrada nesse ponto. Nenhum dos princípios será extirpado do ordenamento. Certamente haverá valoração, com sobreposição de um em detrimento do outro no caso específico. Não há hierarquia a priori entre princípios fundamentais. O mesmo não se dá no conflito entre princípios e regras. É conhecido o conceito Kelnesiano de que o ordenamento jurídico é um "sistema hierárquico de normas". Ocorre que o autor positivista contemplava um ordenamento formado somente por regras positivadas. A linha dos direitos humanos rompe com essa conceituação, apresentando um modelo completamente diferente. Humberto Ávila propõe a abolição do conceito de normas superiores servindo como base para normas inferiores, advogando o conceito de que ambas se inter relacionam. Assim, as normas superiores (princípios) ainda condicionariam as inferiores (regras), mas estas últimas também contribuem para determinar elementos das superiores. Uma relação “circular”, como ele a denomina, e não a conhecida relação “vertical”. Ao abolir o conceito de hierarquia nessa questão em tela, o autor propõe o postulado da coerência, da razoabilidade. 1.3. A EFICÁCIA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS Há de se notar que as modernas constituições ocidentais contemplam abertamente princípios. Paulo Bonavides define essa axiologia dos princípios enquanto “pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais”, de forma que “a teoria dos princípios hoje é o coração das Constituições”.[10] Já Luis Roberto Barroso, discorrendo sobre a eficácia dos princípios constitucionais, esclarece: “A Constituição, uma vez posta em vigência, é um documento jurídico, é um sistema de normas. As normas constitucionais, como espécie do gênero normas jurídicas, conservam os atributos essenciais destas, dentre os quais a imperatividade. De regra, como qualquer outra norma, elas contêm um mandamento, uma prescrição, uma ordem, com força jurídica e não apenas moral. Logo, a sua inobservância há de deflagrar um mecanismo próprio de coação, de cumprimento forçado, apto a garantir-lhe a imperatividade, inclusive pelo estabelecimento das conseqüências de insubmissão ao seu comando. As disposições constitucionais são não apenas normas jurídicas, como têm um caráter hierarquicamente superior, não obstante a paradoxal equivocidade que longamente campeou nesta matéria, considerando-as prescrições desprovidas de sanção, mero ideário não-jurídico”. [11] Assim, não faria sentido interpretar o ordenamento de modo a conferir eficácia a uma norma infra-constitucional específica e não a um princípio constitucional. Seria uma inversão de valores. Expoente dessa visão, Humberto Ávila parece romper com a dogmática clássica e defende, de forma que nos parece acertada, a eficácia normativa dos princípios. Nada mais distante da visão jurídica positivista, que induz a pensarmos exclusivamente em termos de subsunção, hipótese e conseqüência. Claro que o conceito de subsunção é necessário dentro da hermenêutica jurídica, mas deve ser encarado como aplicável somente às regras. Não se aplica a princípios, que são a base da ciência jurídica, justamente por traduzir seus valores fundamentais. Na realidade, tanto uns quanto outros devem constituir sistema harmônico. Sem normas não haveria um mínimo de segurança jurídica e sem princípios não haveria fundamento válido para as normas. O Estado de Direito seria sujeito ao arbítrio legislativo, como já vimos ocorrer, especialmente na primeira parte do século XX. Feitas essas considerações, só nos resta demonstrar que os princípios vêm sendo utilizados de forma cada vez mais freqüente pelos tribunais para fundamentar suas decisões. Podemos começar pelo Supremo Tribunal Federal, maior expoente dessa postura, quando decidiu por extinguir o instituto da prisão civil nos contratos de alienação fiduciária em garantia. Tal decisão teve por fundamento violação ao princípio da proporcionalidade, bem como disposições do Pacto de Jan Jose da Costa Rica, que é carta repleta de princípios humanistas.[12] O STF se pautou na mesma linha ao decidir o HC 82.424/RS[13], que tratava da publicação de material anti-semita, dando ao direito à honra maior "peso", no caso, do que ao direito de livre expressão. Podemos citar também o julgamento do HC 71.373/RS[14], que versava sobre o direito de uma criança de determinar sua paternidade, em face do direito do suposto pai de não submeter-se à colheita forçada de sangue para exame de DNA. Ao final, por maioria, decidiu-se pela inconstitucionalidade da colheita forçada, com fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana, da intimidade e da intangibilidade do corpo humano. São bons exemplos do uso de princípios na Justiça, e também demonstram a dificuldade envolvida na ponderação entre eles. Feitas essas considerações, é chegado o momento de adentrarmos na questão específica do IPTU. Capítulo II – A PROGRESSIVIDADE DO IPTU 2.1.ORIGEM DO IPTU Antes de seguirmos na análise do IPTU em seu formato atual, achamos conveniente passarmos brevemente pelo histórico desse imposto. Desde a proclamação da República até a década de 1930, a principal receita tributária era advinda das operações de importação. Havia outros tributos, certamente, mas sem tamanho impacto nas receitas públicas. Com a Constituição de 1946 começa haver uma definição da forma de divisão de competências tributárias até hoje existentes, consolidada na década de 1960. De sua parte, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana tem sua origem na chamada "décima urbana" incidente sobre os imóveis edificados das cidades à beira mar. Tal tributo foi criado com a chegada da corte de D. João VI ao Rio de Janeiro, em 1808, com o intuito de suprir os gastos da aristocracia que o acompanhava. Porém, há referência a esse imposto já em 1799, em carta da Rainha D. Maria endereçada ao Governador da Bahia, datada em 19 de maio daquele ano.[15] O incipiente imposto demandou a numeração e demarcação dos imóveis urbanos, o que não havia na época, mesmo nas grandes cidades. A fiscalização era exercida por uma Junta, composta de "dois homens bons, um nobre e outro do povo, dois carpinteiros, um pedreiro e um fiscal, que será advogado".[16] Havia um superintendente para solução de dúvidas, sendo que cabia recurso de suas decisões ao Conselho da Fazenda, que se subordinava ao Erário Régio. Já em 1811 foram criadas as primeiras isenções, destinadas aos proprietários que cumprissem as determinações da legislação nas suas edificações. No regime da Constituição de 1891, havia previsão do imposto predial e do territorial urbano como dois impostos distintos. O primeiro incidia sobre edificações e o segundo sobre imóveis não edificados, sendo que eram de competência dos Estados. A partir da Constituição de 1934, a atribuição passa aos Municípios, com quem permaneceu desde então. Foi somente na Constituição de 1946 que ocorreu a unificação dos impostos predial e territorial em um só. 2.2. A PROGRESSIVIDADE 2.2.1. CONCEITO A progressividade é o aumento das alíquotas de um determinado imposto em função de um parâmetro definido. Para o clássico De Plácido e Silva, a progressividade “caracteriza-se pelo aumento crescente da tarifa ou dos elementos, que servem de base à verificação do imposto, em razão do aumento da quota ou da riqueza, em que vai incidir.”[17] Rubens Gomes de Sousa assevera: “Progressivos são os impostos cuja alíquota é fixada na lei em porcentagem variável conforme o valor da matéria tributável. O imposto progressivo é, na realidade, um imposto proporcional, cuja proporção aumenta à medida que aumenta o valor da matéria tributada.”[18] Para a Profa. Regina Helena Costa, "um imposto é progressivo quando a alíquota se eleva à medida que aumenta a quantidade gravada".[19] 2.2.2. HISTÓRICO E CRÍTICA Temos notícia da cobrança de impostos progressivos já na República Florentina dos séculos XV e XVI, bem como outra referência de sua instituição na Basiléia, no ano de 1429. Sua aplicação foi debatida no período da Revolução Francesa, tendo Montesquieu como ardoroso defensor. [20] Pouco após, em 1848, o membro do parlamento e filósofo anarquista Pierre-Joseph Proudhon[21] apresentou projeto de lei na Assembléia Nacional Francesa, visando implantar esse princípio na legislação. O projeto foi amplamente rejeitado, ficando consignado na ordem do dia dos anais do parlamento que “o imposto progressivo era imoral e subversivo da ordem divina e humana.”[22] É sabido que a doutrina pátria e de outros países é maciçamente favorável à progressividade tributária. Ainda sim, esse princípio é alvo de severas e bem fundamentadas críticas. João de Adhemar Barros nota que a progressividade tributária penaliza os mais eficientes e desestimulando o esforço. Afinal de contas, os mais bem sucedidos são mais penalizados, independentemente dos belos argumentos de "solidariedade" ou "justiça social", que geralmente são trazidos ao debate. Em suas palavras: "Todo imposto representa um ato de espoliação. A progressividade do imposto permite a uma maioria de cidadãos espoliar mais particularmente, por intermédio de seus representantes, uma minoria da população, sob o pretexto de Justiça Social.”[23] Roberto Campos, que atuou na Constituinte de 1988, também criticou a progressividade, da forma ácida que lhe é característica: "A progressividade é uma coisa charmosa, principalmente quando ela é aplicada à custa do bolso alheio. No fundo, entretanto, a progressividade é uma iniqüidade. Significa não só obrigar os que ganham mais a pagar mais, mas também punir mais que proporcionalmente os ousados e criadores. O charme da progressividade advém de duas falsas premissas. Uma é que quanto mais bem sucedido o contribuinte mais deve ser punido. Outra é que o governo gasta melhor que o particular. Presume-se que o governo gastaria para prestar serviços; na realidade, gasta para pagar funcionários. Essa é a verdade, não só dos impostos, mas também das tarifas.” Concordam os autores, acerca da progressividade, especialmente os que a defendem, que a sua principal função é a redistribuição da riqueza. Não foi à toa que tal ponto foi tão defendido pelos autores marxistas, como já mencionamos anteriormente. Com o tributo progressivo, o que tem mais paga não apenas proporcionalmente mais, porém mais do que isto, paga progressivamente mais. Ives Gandra da Silva Martins parece bem expressar o ponto que queremos demonstrar: que a progressividade tributária tem "caráter mais ideológico do que econômico ou social".[24] Sousa Franco, tratando da origem da progressividade, termina por nos ajudar a esclarecer a questão ainda melhor, ainda que involuntariamente: "Esta forma de tributação apareceu ligada a intenções sociais de maior igualdade é, apesar de se encontrar hoje perfeitamente enquadrada em sistemas econômicos capitalistas, convirá recordar a ênfase que lhe é dada no 'Manifesto do Partido Comunista' de Karl Marx e Friedrich Engels.[25]" Em outras palavras, temos que economia de livre mercado e socialismo são pólos opostos, conceitos extremos, separados por uma escala que contém inúmeros graus. Não são opções distintas, mutuamente excludentes, como se um país adotasse somente uma ou outra. Isso reflete, a nosso ver, "cacoete mental" muito comum, fruto da mentalidade da "Guerra Fria". Nossa Constituição tem a "livre iniciativa" como princípio basilar da ordem econômica (art. 170), verdadeiro direito fundamental, porém também contempla princípios redistributivistas, que terminam por tolhê-la. Pode-se defender ou criticar a progressividade, mas nos parece claro que ela representa um grau da escala a que nos referimos anteriormente. Nesse ponto podemos ver a influência mútua entre princípios e regras, conforme já mencionado, a chamada "relação circular". O resultado parece refletir o grau escolhido pelos constituintes na escala que separa o máximo da liberdade econômica e o máximo do redistributivismo. Isso, porém, não impede que se exerça a crítica saudável, como mecanismo que permita a devida ponderação entre os princípios conflitantes que apontamos. 2.2.3.     IPTU E PROGRESSIVIDADE A despeito de tudo isso, a questão da progressividade é amplamente aceita hoje, definitivamente integrada em nosso ordenamento por meio da Constituição de 1988. Uma vez prevista, era de aplicação obrigatória para o Imposto sobre as Rendas e Proventos de Qualquer Natureza (art. 156, § 2º), e facultativa para o IPTU (art. 156, § 2º e art. 182, § 4º – II). Ainda sim, durante algum tempo discutiu-se acerca da aplicabilidade da progressividade para impostos reais. Era aceito que o art. 182 § 4º e respectivos incisos tratava de progressividade extrafiscal, com caráter sancionatório. Já quanto à interpretação do § 1º do artigo 156, havia divergência quanto ao seu caráter fiscal ou extrafiscal. Esse debate atingiu seu ápice com o julgamento no STF do Recurso Extraordinário 153.771-0, relatado pelo Min. Moreira Alves. Constou no seu voto vencedor: “Naturalmente, não queremos dizer – nem o podemos – que todos os impostos devem ser indistintamente progressivos, porque sabemos como isso seria impossível ou cientificamente errado: porque bem sabemos que a progressão não condiz com os impostos reais e pode encontrar só inadequada e indireta aplicação nos impostos sobre consumos e nos impostos indiretos em geral.” Assim, com essa decisão, o STF efetivamente proibiu a legislação de municípios de instituir IPTU progressivo em função de valor venal ou do tempo (nesse caso, por falta de lei complementar que regulamentasse o assunto). Após essa decisão, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional n. 29 de 2000, e todo o entendimento foi superado[26]. Nessa Emenda, ficou expresso que a progressividade do IPTU poderia ser tanto extrafiscal como fiscal, e que o § 1º do artigo 156 estava disciplinando a progressividade em seu caráter fiscal. Feita essa breve contextualização, que será abordada com mais detalhes mais adiante, vamos analisar agora a natureza jurídica do IPTU, em rápida pontuação relacionada à sua regra-matriz. 2.3. REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA O Imposto Predial e Territorial Urbano ­ IPTU ­ é um imposto direto que incide sobre a propriedade imobiliária.  Segundo a Constituição Federal ele é de competência privativa do município e deve observar os princípios constitucionais da legalidade, da capacidade contributiva, da igualdade, da proporcionalidade e o da proibição de confisco. Adentremos agora na análise desse imposto com base nos ensinamentos do Prof. Paulo de Barros Carvalho. Segundo sua doutrina, a regra-matriz de incidência tributária é formada pela hipótese e pelo seu conseqüente. No “enunciado hipotético”, termo utilizado por Paulo de Barros, encontramos os critérios material, espacial e temporal para a identificação do fato jurídico-tributário. No “consequente” encontramos o critério pessoal – sujeitos ativo e passivo, e critério quantitativo – base de cálculo e alíquota, que identifica a relação jurídica a ser formada quando da ocorrência de um evento no mundo real que contenha as características da hipótese de incidência prevista. Assim, quanto à hipótese, temos seu critério material, abstratamente isolado das coordenadas de tempo e espaço, consistente num fato lícito, genérico e abstrato: ser proprietário de um imóvel. O critério temporal, aqui entendido como o momento em que surgirá a obrigação tributária, será estipulado pelo legislador municipal, definindo a data que deverá nascer a relação jurídico-tributária. Para o Professor Paulo de Barros Carvalho: "O critério temporal de hipótese tributária é o grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária.[27]" O critério espacial indica os possíveis locais de ocorrência do fato jurídico-tributário. Nesse sentido, o artigo 32 do Código Tributário Nacional – CTN, delimita o aspecto espacial da regra-matriz do IPTU: “Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. § 1º. Para efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos dois dos incisos seguintes: I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II – abastecimento de água; III – sistema de esgotos sanitários; IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado. § 2º. A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior”. Analisemos agora a questão do “consequente”, em seus diversos aspectos. O critério pessoal serve para indicação de sujeitos da relação jurídico tributária. Temos ainda o sujeito ativo, ou credor da obrigação tributária. No caso o Município da situação do imóvel, se a lei municipal nada dispuser em sentido contrário. O sujeito passivo, ou devedor da obrigação tributária, é o realizador do fato imponível. No presente caso, será o proprietário do imóvel no dia primeiro de cada ano. Quanto ao critério quantitativo, “nele reside a chave para a determinação do objeto prestacional, isto é o valor que o sujeito ativo pode exigir e que o sujeito passivo deve pagar”.[28] A base de cálculo tem a função de dimensionar a materialidade da hipótese de incidência tributária, apurar o montante devido, constatar a observância dos princípios da capacidade contributiva e da reserva de competências impositivas e confirmar, afirmar ou infirmar a espécie tributária. No caso do IPTU, conforme dispõe o art. 33 do CTN: "A Base de cálculo do imposto é o valor venal do imóvel." A alíquota tem a função de graduar o montante devido, proporcionalmente à capacidade contributiva do sujeito passivo da obrigação tributária. Para o IPTU, ela representa uma fração do valor venal. 2.4. NATUREZA JURÍDICA Geraldo Ataliba ressaltava a importância da classificação dos tributos. Para o eminente Professor, isso decorre da minucia e extensão do texto constitucional, o que serve para limitar e muito a liberdade legislativa.[29] Antes de mais nada, é imperioso classificar o IPTU como imposto pessoal ou real. Aparentemente, "esta classificação de impostos deve ser a mais antiga conhecida, posto que já vem dos jurisconsultos romanos (Digesto, 50, 4, 1)"[30] Cabe diferenciá-los. Conforme a doutrina, são pessoais os impostos que, no processo de determinação do alcance da hipótese de incidência, tomam como relevantes aspectos relativos à pessoa do contribuinte. Para Villegas “são impostos pessoais os que levem em conta a especial situação do contribuinte, valorando todos os elementos que integram o conceito de sua capacidade contributiva.”[31] Já os impostos reais seriam aqueles "que são decretados sob a consideração única da matéria tributável, com abstração das condições personalíssimas do contribuinte."[32] Assim, irrelevante quem seja a pessoa física ou jurídica de seu proprietário, qual seu patrimônio ou qualquer outro item a ele atinente. Os impostos reais focam no objeto a ser tributado, somente. Interessante, contudo, notar a definição proposta para os impostos reais, que é baseada não mais na prevalência do princípio da capacidade contributiva para fins de sua imposição, mas antes no caráter assumido pelo imposto enquanto uma forma de ônus real. Anote-se, no entanto, que é mensagem positivada em nosso sistema (art. 130 do CTN), a propósito dos impostos "cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis", que os créditos tributários dessas relações advindas "subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes." Assim, parece que, para o legislador, a referida categoria de impostos deveria ser classificada como real, pois se verifica uma relação especial entre a obrigação tributária e o bem. Por fim, o próprio STF[33] já determinou que o IPTU é "inequivocamente" um imposto real. Tal posição não é unânime na doutrina, vale dizer. Há autores que defendem que propriedade é sinal objetivo de riqueza do contribuinte. Logo, IPTU seria imposto pessoal. Nessa linha, diversos autores defendem a aplicabilidade da capacidade contributiva ao IPTU, com argumentos dos mais diversos. Dentre eles, constam nomes de peso, como Roque Antonio Carrazza[34] e Elizabeth Nazar Carrazza[35] e Hugo de Brito Machado. Nesse sentido, leciona esse último: "Primeiro, note-se que o § 1º do art. 145 não veda de modo nenhum a realização do princípio da capacidade contributiva relativamente aos impostos reais. É certo que preconiza, tenham os impostos, sempre que possível, caráter pessoal e sejam graduados em função da capacidade econômica do contribuinte. Isto, porém, não quer dizer que só os impostos de caráter pessoal sejam instrumentos de realização do princípio da capacidade econômica, ou contributiva." [36] Na mesma linha da aplicabilidade do citado princípio ao IPTU, Geraldo Ataliba entende que o fato de se caracterizar um imposto como real denota tão somente uma prevalência na hipótese de incidência do aspecto material sobre o pessoal, não significando que este segundo não exista, porém que “é indiferente à estrutura do aspecto material ou do próprio imposto”.[37] 3.1.1. A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA Cumpre esclarecer o real significado do princípio da capacidade contributiva, até porque, pontifica Alfredo Augusto Becker: “Esta expressão, por si mesma, é recipiente vazio que pode ser preenchido pelos mais diversos conteúdos; trata-se de locução ambígua que se presta às mais variadas interpretações."[38] Orientemo-nos então pelas lições da Profa. Regina Helena Costa: “capacidade contributiva relativa ou subjetiva, por seu turno, opera, inicialmente, como critério de graduação dos impostos."[39] É certo que o conceito não é de fácil apreensão, mas, por contingências práticas, podemos entendê-lo como a aptidão que o contribuinte tem de contribuir para as despesas do Estado, na medida de suas possibilidades. 3.1.2.     ISONOMIA A isonomia, como o direito ao tratamento igualitário, reflete direito fundamental, logo, previsto na Constituição. Não pretendemos adentrar na questão em toda sua complexidade, mas apenas determinar se se trata de igualdade material ou formal. Em outras palavras, nossa Constituição busca somente conferir a todos igual tratamento perante a lei, não interferindo na seara econômica, ou justamente o oposto, efetivamente buscando reduzir as desigualdades naturais dos seres humanos, tratando-os desigualmente justamente por conta disso? Sem procurarmos retomar debate anterior, entendemos que se trata da igualdade material. Isso fica claro por conta de a "erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais" serem objetivos fundamentais da República. Se a Constituição buscasse conferir igualdade de todos perante a lei, bastaria afirmá-lo, sem adentrar em aspectos extra-jurídicos, como os acima mencionados, que são conseqüência de aspectos sociais e econômicos, acima de tudo. Críticas à parte (e elas são bem cabíveis), fica claro que esse foi o "desejo" do constituinte. Dessa forma, tomando por base estas características de nosso ordenamento, concluímos que a isonomia, para direito tributário, demanda a utilização do filtro da capacidade contributiva, pois se busca dar tratamento desigual aos desiguais. 3.2. PROGRESSIVIDADE E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA – RELAÇÕES Seguindo a linha de raciocínio, qual a relação entre o princípio da capacidade contributiva e a progressividade? Mizabel Derzi e Sacha Calmon Navarro Coelho entendem que a progressividade não é incompatível com o princípio da igualdade e da proporcionalidade.[40] Américo Lourenço Masset Lacombe[41] entende que a progressividade é decorrência lógica do princípio da capacidade contributiva. Na mesma linha segue Elizabeth Nazar Carrazza. Para Misabel Abreu Machado Derzi: "graduar ‘segundo a capacidade econômica do contribuinte’ é dito que, aliado aos arts. 1º a 3º da Constituição, autoriza a progressividade nos impostos incidentes sobre a sucessão e o patrimônio. O conceito de igualdade não se vincula, na atualidade constitucional, à manutenção do status quo, mas ganha um  conteúdo concreto que obriga o legislador a medidas mais socializantes"[42]. É possível afirmar, com base em nessa linha de raciocínio, que a progressividade é a medida utilizada para se atender ao princípio da capacidade contributiva, de forma a permitir que se atinja a isonomia desejada pela Constituição. 3.3. PONDERAÇÕES ENTRE OS PRINCÍPIOS ENVOLVIDOS – A BUSCA POR CRITÉRIOS Em face dessa última conceituação (certamente simplificada), fica ainda o desejo de se atingir algo mais objetivo. Afinal, na ponderação entre esses princípios, onde reside a Justiça? Uma forma de situar-nos seria mediante a utilização do conceito Aristotélico de que a Justiça se encontra no meio-termo entre duas noções extremas (sofrer e cometer uma injustiça). Ou seja, a virtude está no meio-termo. Nessa linha, se já entendemos que a Constituição privilegia o conceito da igualdade material, não seria a capacidade contributiva o meio-termo entre a propriedade privada absoluta e a coletivização? A isonomia exige tratamento desigual para aqueles que se encontrem em situações desiguais (igualdade material). Daí ser imprescindível a adoção de um critério de comparação entre indivíduos e situações, para que se possa avaliar a equiparação ou não destes. Essa posição é defendida por Misabel Derzi.[43] A questão da igualdade nos remete ao problema comum dos valores jurídicos: Qual o critério a ser levado em conta? Ou, em outras palavras: que diferenças devem ser desprezadas? Que características são relevantes para agrupar os objetos em consideração? O princípio da capacidade contributiva nos parece ser o mais adequado para o reconhecimento jurídico de diferenças entre sujeitos e situações, com a conseqüente diversidade de tratamento. "É que a capacidade contributiva é princípio que serve de critério ou de instrumento à concretização dos direitos fundamentais individuais, quais sejam, a igualdade e o direito de Propriedade ou vedação do confisco." [44] Dessa forma, entendemos que o princípio da capacidade contributiva no Brasil deve ser interpretado à luz da concepção do nosso Estado Democrático de Direito, como prescrito no art. 1º da Constituição Federal, e tendo em conta os objetivos fundamentais da nossa República, expressos no art. 3º. São esses objetivos, o de construir uma sociedade "livre, justa e solidária." Notem o paralelo com tese, síntese e antítese nesses três vocábulos, nessa ordem. Deve-se, ainda, ter em conta os direitos e garantias fundamentais, tal como o direito de propriedade e os direitos sociais. Resolve-se assim uma colidência de princípios pela ponderação, feita à luz da Constituição. 3.4. PROGRESSIVIDADE FISCAL X PROGRESSIVIDADE EXTRAFISCAL Tradicionalmente, os tributaristas dividem a progressividade em fiscal e extrafiscal. A fiscal é fixada em função da base de cálculo do imposto. No caso do IPTU, o valor venal do imóvel. Sua natureza é arrecadatória. A progressividade extrafiscal é determinada em função de um parâmetro externo ao direito tributário, com a finalidade de atingir algum objetivo social ou econômico. É a chamada progressividade no tempo do IPTU e é uma penalização imposta ao proprietário do imóvel urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, quando este se negar a dar um adequado aproveitamento a seu imóvel, de acordo com o estabelecido no plano diretor. Tal penalidade é aplicada por lei, após a imposição da penalidade de parcelamento ou edificação compulsória. Conforme ensina Paulo de Barros Carvalho, “a essa forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios, dá-se o nome de extrafiscalidade[45]” Kiyoshi Harada nos ajuda a diferenciar a progressividade fiscal e a extrafiscal: "A progressividade fiscal, decretada no interesse único da arrecadação tributária tem seu fundamento no preceito programático representado pelo § 1.º do art. 145 da CF, segundo o qual sempre que possível, o imposto será graduado conforme a capacidade econômica do contribuinte". “Já a progressividade extrafiscal tem seu fundamento no poder de polícia…. Assim, a progressividade extrafiscal, tanto aquela prevista no § 1.º do art. 156 da CF ( progressividade genérica) como aquela prevista no § 4.º, II do art. 182 da CF (progressividade específica), tem objetivo ordinatório. O fim visado não é o aumento da arrecadação tributária."[46] Como já dito, antes da Emenda Constitucional nº 29 de 2000, a Constituição somente previa para o IPTU uma progressividade extrafiscal, consistente no aumento, de ano para ano, da alíquota para o imóvel que deixasse de cumprir sua função social (art. 182 da CF). Entendia-se que, para instituir o IPTU progressivo no tempo, o município deveria prever a hipótese no plano diretor e editar lei específica municipal, nos termos de lei federal. Essa lei federal somente foi publicada em 2001 e foi chamada de "Estatuto da Cidade" (Lei nº 10.257, de 2001). Prevê o art. 182, § 4.º da CF: "É facultado ao Poder Público Municipal, mediante lei específica para a área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I parcelamento ou edificações compulsórios; II Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III Desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.” Todavia, o IPTU progressivo extrafiscal, previsto no art. 182, § 4º, II da Constituição não pode ser exigido sem que antes a municipalidade conclua o parcelamento ou edificações compulsórios, previstos no inciso I, uma vez que este artigo refere-se à sucessibilidade das condições. Assim, somente após o parcelamento ou edificações compulsórios, previstos no inciso I, é que poderá ser instituído o imposto IPTU progressivo no tempo, previsto no inciso II. Os municípios, portanto, não podiam instituir a progressividade extrafiscal, por falta da lei federal, e não havia permissão expressa na Constituição para instituir a progressividade fiscal. Ocorre que, à época, vários municípios instituíram a progressividade fiscal, com fundamento na opinião de vários tributaristas que a admitiam. Como foi mencionado anteriormente, a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal, que, considerando a progressividade fiscal somente admissível para impostos pessoais, declarou a inconstitucionalidade de várias leis municipais que estatuíam alíquotas progressivas para o IPTU. Então o Congresso Nacional, seguindo a orientação de que a progressividade fiscal é medida de justiça, aprovou a acima mencionada Emenda Constitucional nº 29, de 2000, que, expressamente, não só permitiu a progressividade fiscal (aumento de alíquotas em função do valor venal do imóvel urbano), como também criou a possibilidade de instituição de alíquotas seletivas, em função da localização e do uso do imóvel (art. 156, § 1º, I e II). Com a EC 29/2000, o art. 156, § 1.º da CF passou a ter a seguinte redação: “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I  propriedade predial e territorial urbana; II  transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. § 1.º- Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4.º, inciso II, o imposto previsto no inciso I, poderá: I ser progressivo, em razão do valor venal do imóvel e II ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e do uso do imóvel. “ Dessa forma passa a ser permitida constitucionalmente a progressividade em razão do valor venal do imóvel, bem como, a diferenciação de alíquotas, em função da localização e do uso do imóvel, consagrando a constitucionalidade em função da base de cálculo. Assim, a progressividade do IPTU estendeu-se também à sua função fiscal, pois a extrafiscal já era prevista pelo art. 182, § 4.º, II. Dessa forma, podemos afirmar que, atualmente, temos quatro hipóteses constitucionais previstas em que a progressividade das alíquotas do IPTU é possível: 1. Progressividade como instrumento de política urbana no tocante ao solo urbano não edificado ou não utilizado; 2. Progressividade de acordo com o valor do imóvel; 3. Progressividade de acordo com a localização do imóvel; 4. Progressividade de acordo com o uso do imóvel. Importante salientar que o Estatuto da Cidade regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição. O art. 182 refere-se à progressividade extrafiscal temporal já analisada. Dessa forma, o Estatuto da Cidade não oferece impedimento algum à instituição do IPTU progressivo em função do valor venal do imóvel, nem ao IPTU de alíquotas seletivas, em função da localização e do uso do imóvel (art. 156). Para Roque Antonio Carrazza: "A Constituição quer que, além de obedecer ao princípio da capacidade contributiva, o IPTU tenha alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade (nos termos do plano diretor). Em outras palavras, além de obedecer a uma progressividade fiscal (exigida pelo § 1.º do art. 145, c.c. o inc. I do § 1.º do art. 156, ambos da CF), o IPTU deverá submeter-se a uma progressividade extrafiscal (determinada no inc. II do § 1.º do art.156 da CF)."[47] Conclui-se, assim, que a instituição de alíquotas progressivas e seletivas, apesar de permitida, deve obedecer aos princípios constitucionais da isonomia e da vedação ao confisco e não pode adotar critérios arbitrários na fixação das alíquotas, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade. O debate deve seguir no campo do quantum, e passará pela ponderação entre os princípios envolvidos, conforme tratamos no decorrer desse estudo.
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O princípio da celeridade processual à luz do jushumanismo e do direito processual moderno
É crescente o enfoque doutrinário e jurisprudencial acerca dos princípios e seu peso no ordenamento jurídico pátrio. Outrora dominado pelo positivismo, o pensamento jurídico brasileiro tem manifestado crescente influência do pensamento pós-positivista. Tal enfoque cresce à medida em que ganha aceitação a linha filosófica dos direitos humanos. Hoje nota-se maior inclinação do Judiciário em decidir com base, às vezes unicamente, em princípios. Trata-se de algo que seria impensável sob a égide do positivismo, e que nos conduz a novos paradigmas. Feitas essas considerações, trataremos do princípio da celeridade processual, analisando sua influência na jurisprudência as implicações práticas de ele ter sido alçado ao nível constitucional, indicando soluções possíveis para o problema da morosidade processual no Brasil.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO É crescente o enfoque doutrinário e jurisprudencial acerca dos princípios e seu peso no ordenamento jurídico pátrio. Outrora dominado pelo positivismo, o pensamento jurídico brasileiro tem manifestado crescente influência do pensamento pós-positivista. Tal enfoque cresce à medida em que ganha aceitação a linha filosófica dos direitos humanos. Hoje nota-se maior inclinação do Judiciário em decidir com base, às vezes unicamente, em princípios. Trata-se de algo que seria impensável sob a égide do positivismo, e que nos conduz a novos paradigmas. Apesar de já estar previsto em pactos internacionais, foi com a emenda constitucional n. 45/04 que o princípio da celeridade processual ganhou previsão expressa na Lei Maior, na forma de garantia aos litigantes. Outrora, tal previsão, programática e genérica, poderia ter se tornado letra morta, tal como tantos outros princípios constitucionais, não gerando qualquer resultado prático. Não que a jurisprudência negue validade a esse princípio. Muito pelo contrário, corteja-o em diversas decisões. Ocorre que nada disso tem sido sentido no mundo real. Os processos seguem demorando além do esperado, em todas as esferas e instâncias, com as raras exceções que confirmam a regra. CAPÍTULO I – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO “El que quiera hacer Derecho sin Historia, no es um jurista, ni siquiera un utopista; no traera a la vida espiritu de ordenación social conciente, sino mero desorden y destrucción.” (Teodoro Sternberg, 1930, p. 29) Com a vida em sociedade surge o direito. Essa afirmação contém a gênese da evolução histórica do direito. Dizemos isso pois daí não podemos avançar sem adentrar nas suas correntes filosóficas[2], que nascem com sua evolução histórica. Da comunidade tribal às modernas megalópoles, a organização social do ser humano tem se sofisticado, e o direito necessariamente seguiu-se nesse esforço evolutivo. Qualquer análise histórica fatalmente nos remete ao conceito do chamado movimento histórico pendular (ou, melhor ainda, helicoidal), em que conceitos são criados, sendo posteriormente contrapostos e por fim alcança-se o sincretismo dessas visões opostas, em uma terceira que contenha alguns de seus elementos. Seria o conceito dialético de Tese, Antítese e Síntese em uma visão histórica. Com o direito não foi diferente. Aceito originalmente como construção social, obra de equidade, fruto da razão ou de emanação divina, foi contraposto como manifestação pura e incontrastável do poder estatal, tendo sido substituído no momento em que ficara aquém das expectativas sociais em seus respectivos momentos históricos. Depois, em outro período, procurou-se amainar a rigidez do direito posto, da norma fria, em favor do arbítrio judicial, no qual também não se obteve sucesso completo em satisfazer os anseios sociais. Por fim, cremos ter alcançado novo equilíbrio com a teoria dos direitos humanos, que insere a pessoa como foco do direito, adotando as normas positivas, porém sem abrir mão de valorá-las de acordo com princípios superiores. Ou seja, sem abrir mão de afastá-las caso não se encontrem de acordo com os objetivos maiores do direito, expressos em seus princípios gerais. Passemos então à uma breve análise das principais correntes filosóficas do direito, de modo a alcançarmos historicamente a corrente filosófica que fundamenta o presente trabalho. 1.1 A CRISE DO DIREITO NATURAL E A ASCENSÃO DO DIREITO POSITIVO A escola clássica do direito natural pugna pela prevalência de um conjunto de normas que antecede a criação do Estado. Seriam leis não escritas, nascidas no seio social e atemporais, que nos remetem ao conceito de equidade, um sentido maior de Justiça.  Bobbio relata que, na Idade Antiga, o direito natural e o positivo tinham uma relação de especialidade, e não superioridade. Assim, o direito natural era tido como geral, enquanto o positivo era tido como específico de determinada localidade, prevalecendo o último quando contrapostos.[3] Nisso é confirmado pela conhecida Fala de Antígona, relatada na obra Antígona de Sófocles, quando a cidadã grega em questão insurge-se contra determinação do governante, que pretendeu impedir o sepultamento de um de seus irmãos. Desse esclarecedor diálogo, prevalece moralmente a razão e a força do direito natural sobre a determinação do tirano (apesar de que na prática prevaleceu a força do governante). No período Romano ainda prevalecia o direito enquanto formação social, convalidado nos julgamentos dos pretores, apesar de que isso mudou acentuadamente com o tempo. “No desenvolvimento histórico sucessivo, considera-se o direito romano como um direito imposto pelo Estado (ou mais precisamente, pelo Imperador Justiniano)”.[4] Relata ainda Bobbio que a relação de especialidade entre direito natural e positivo se inverte na Idade Média, quando o direito natural ganha chancela de direito divino pela Igreja Católica, sendo considerado superior ao direito posto. Mesmo então, porém, ambos eram tidos como direito, em acepção válida do termo. Com o fim da sociedade medieval, pluralista e descentralizada, isso começa a mudar. A criação da figura do Estado-Nação soberano impõe-se com a criação de normas incontrastáveis, contra as quais o direito natural não poderia prevalecer, nem ao menos pretender questionar. Iniciou-se a decadência do direito natural. O surgimento dos Estados, porém, não pode ser responsabilizado como o único causador da crise do direito natural. O fato é que, não sendo necessariamente escrito, podendo ser justificado em diversas linhas (como a divina, a racional e a valorativa), e tendo suas fontes na própria sociedade (que não possui somente valores universais), o direito natural gerava grande insegurança jurídica. Esse fator ficou ainda mais marcante com o desenvolvimento das sociedades, que demandavam respostas mais prontas e rápidas, menos valorativas, às suas demandas e lides. Tal argumento foi usado pelos governantes para não só diminuir sua relevância como para simplesmente excluí-lo do debate jurídico. Inicia-se então o período dominado pelo positivismo. Bobbio define o termo como “aquela doutrina segundo a qual não existe outro direito senão o positivo.”[5] É aceito que o positivismo jurídico teria se firmado definitivamente com a Revolução Francesa, visando resolver o problema de insegurança jurídica que então se instalara, mas também reforçar o mando dos novos detentores do poder. Nos dizeres de Tércio Sampaio Ferraz Jr: “o positivismo jurídico, na verdade, não foi apenas uma tendência específica, mas também esteve ligado, inegavelmente, à necessidade de segurança da sociedade burguesa. O período anterior à Revolução Francesa caracterizara-se pelo enfraquecimento da justiça, mediante o arbítrio inconstante do poder da força, provocando a insegurança das decisões judiciárias.”[6] Do ponto de vista filosófico cremos que o positivismo iniciou uma fase empobrecedora do direito. Lembramos o maior expoente do positivismo no Brasil, Hans Kelsen, com a afirmação que reduz direito à norma jurídica[7]. João Maurício Adeodato critica bem isso, ao lembrar que “a objeção mais comum ao positivismo é que ele considera o direito auto-referente”.[8] Em verdade, se trazer segurança jurídica foi a intenção, o positivismo falhou miseravelmente. Uma vez entendido que o conceito primordial era inserir normas no ordenamento jurídico, de forma a resolver questões jurídicas unicamente pelo peso da legalidade, essas começaram a se multiplicar a ponto de gerar todo tipo de conflitos normativos. Conflitos esses cujas soluções não tinham o esperado grau de previsibilidade. O direito se tornara incerto pela excesso de diplomas legais positivados, e a moral decaiu pois a lei era moralmente incontrastável. Nos dizeres de Tácito: Corruptissima in republica plurimae leges (As leis abundam nos Estados mais corruptos).[9] 1.2 – O REALISMO JURÍDICO Mais recentemente, entre os séculos XIX e XX, surge uma nova corrente filosófica do direito. Tudo indica que se tratou de reação aos excessos lógico-formais do positivismo, que limitavam o juiz a aplicar a lei fria, mesmo em situações em que isso se mostrava aberrante. O realismo jurídico surgiu enquanto doutrina e alcançou maior peso nos Estados Unidos da América, país que já contava com forte influência judicial em seu sistema jurídico, por conta da adesão à common law, mas também nos países escandinavos, onde adquiriu contornos mais radicais. Inicia-se assim uma visão do direito fortemente influenciada pela sociologia. Seus defensores encaram o direito como fato social, a ser devidamente analisado pelo Poder Judiciário, sendo lá que devem ser buscadas as fontes do direito. A jurisprudência ganharia contornos de fonte primordial do direito. Ao analisar os escritos de alguns dos principais realistas, como Oliver Holmes, John Gray, Jerome Frank e Alf Ross, nota-se forte inclinação empirista. Subvertendo a exegese tradicional do direito, os defensores dessa escola defendem que o juiz não encontra limitado à obediência normativa, mas que essa seria apenas umas das opções do qual dispõe ao julgar.[10] Para eles, o direito é o que é decido nos tribunais, independentemente das fundamentações invocadas. Uma crítica que tem recebido a Escola Realista foi por conta da aparente falta de foco de seus membros, que pretenderam substituir a ditadura normativa, pela judicial. Pretenderam substituir as más leis pela jurisprudência, sem se dar conta de que estas também podem não ser boas. Por essas e outras o realismo jurídico pode ser classificado como variante do positivismo.[11] A despeito de seus próprios excessos, como o ora relatado, o realismo jurídico serviu a um propósito construtivo: o de mudança de paradigma. Permitiu que os intérpretes do direito mudassem o foco da norma para a causa, para a realidade sendo julgada. Isso permitiu que se ajustasse esse foco posteriormente, da causa para a pessoa em questão, sua titular. Abre-se espaço, assim, para o jushumanismo. 1.2 – OS DIREITOS HUMANOS Diversos autores evocam o III Reich como prova cabal da inadequação do positivismo. Isso pois as atrocidades do nazi-fascismo foram cometidas sob a égide da mais absoluta legalidade. Não que o positivismo não se prestasse anteriormente – e ainda se presta – a legitimar toda sorte de injustiças. Ocorre que as ideologias que culminaram na Segunda Guerra Mundial deixaram isso por demais evidente. Nos dizeres de Luis Roberto Barroso: “Em busca de objetividade científica, o positivismo equiparou o direito à lei, afastou-o da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça e dominou o pensamento jurídico da primeira metade do século XX. Sua decadência é emblematicamente associada à derrocada do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da 2ª. Guerra, a ética e os valores começaram a retornar ao direito.”[12] Encerrado o conflito em 1945, e após os Julgamentos de Nuremberg, é curiosamente o Tribunal Constitucional Alemão que deu o tom do jushumanismo em seus julgamentos. Foi feita a triagem das leis editadas no período do Reich, ocasião em que foram revistas com base em princípios como sua justiça, e não sua mera adequação ao ordenamento vigente. Esse novo paradigma não ficou restrito à década de 50, tendo influenciado o direito alemão fortemente. Em interessante julgado do Tribunal Constitucional Alemão, proferido em 1968, temos a síntese que se segue:  “o direito e a justiça não estão à disposição do legislador. A ideia de que um legislador constitucional tudo pode ordenar a seu bel-prazer significaria um retrocesso à mentalidade de um positivismo legal desprovido de valoração, há muito superado na ciência e na prática jurídica. Foi justamente a época do regime nacional-socialista na Alemanha que ensinou que e legislador também pode estabelecer a injustiça (…). Por conseguinte, o Tribunal Constitucional Federal afirmou a possibilidade de negar aos dispositivos ‘jurídicos’ nacional-socialistas sua validade como direito, uma vez que eles contrariam os princípios fundamentais da justiça de maneira tão evidente que o juiz que pretendesse aplicá-los ou reconhecer seus efeitos jurídicos estaria pronunciando a injustiça, e não direito (…).”[13] O direito retorna assim à sua raiz valorativa. Em patente releitura do direito natural valorativo, o jushumanismo insere o Homem em seu núcleo e se concetra nele, e não na norma. Não é correto, porém, entendermos que essa corrente rompe com o positivismo. A lei não perde sua força normativa ou sua eficácia. Na complexa sociedade moderna não haveria como fazê-lo. Da mesma força, é aceito o realismo moderado. Não aquele que autoriza ao juiz fazer o que bem entender, mas aquele que, dentro do objetivo maior de proteger o cidadão, lhe dá a possibilidade invalidar leis que atentem contra os princípios maiores da nação. O jushumanismo, na verdade, aceita traços de todas as linhas filosóficas vistas até então, realizando um interessante sincretismo. Numa curta digressão pessoal, cremos somente que essa linha deva afasta-se da ideologia. Notamos forte influência do pensamento progressista nos valores e princípios mais caros ao jushumanismo. Algo de certa forma inevitável, haja vista a força dominante desse pensamento nas altas esferas jurídicas na atualidade. Nesse aspecto nos parece relevante que se dê maior ênfase ao conceito naturalista de Justiça, que não confere em muitos pontos com o conceito progressista de justiça social. Da mesma forma, registramos nosso receio de que o jushumanismo nos afaste ainda mais do postulado da segurança jurídica, por conta do que Lenio Luiz Streck chama de “panpricipiologismo”. Nas palavras do autor: “uma espécie de patologia especialmente ligada às práticas jurídicas brasileiras e que leva a um uso desmedido de standards argumentativos que, no mais das vezes, são articulados para driblar aquilo que ficou regrado pela produção democrática do direito, no âmbito da legislação.”[14] 1. 2.1. PRINCÍPIOS E REGRAS – SUAS RELAÇÕES Não há como entendermos concretamente a proposta da teoria dos direitos humanos sem adentrarmos, ainda que brevemente, na questão dos princípios, sua valoração e eficácia normativa. Para Celso Antônio Bandeira de Mello: “princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome de sistema jurídico positivo”.[15] [16] Diversos autores se debruçam sobre o tema dos princípios, especialmente visando distingui-los das regras. Assim, segundo a visão tradicional, dentre outras distinções, regras teriam efetividade, ao contrário dos princípios. Regras seriam mandamentos objetivos, enquanto princípios somente apontariam um caminho ideal a ser seguido, esse nem sempre possível. Seriam os chamados “mandamentos de otimização”, nos dizeres de Alexy.[17] Distintas seriam, ainda, as formas de resolução de conflitos entre princípios e regras. Quando dois mandamentos legais se contradizem, um será declarado inválido, ou será introduzida uma cláusula de exceção. Assim, temos a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro[18], que trata das formas de resolução de conflitos normativos. Já o embate entre princípios resulta em ponderação, como lecionado por Humberto Ávila. Nenhum deles precisa “sumir” do ordenamento por conta do conflito. Certamente haverá valoração e um acabará por se sobrepor ao outro, sem, no entanto, anulá-lo. Tratemos da relação entre normas e princípios então. Segundo Kelsen, o ordenamento jurídico pode ser conceituado enquanto sistema hierárquico de normas. Já Ávila rompe com essa conceituação, apresentando um modelo completamente distinto. Os motivos que o levam a tanto são justamente uma falta de clareza nas relações entre regras e princípios. Para o autor, essa falta de clareza seria insolúvel, gerando “perguntas sem resposta”. Na verdade Ávila responde tais perguntas, por meio de uma nova formulação que ele mesmo cria. Assim, a própria hierarquia das leis é atacada. Hierarquia essa que era vista num conceito de sistematização linear, e passaria a ser entendida no plano de um sistema circular. Ou seja, propõe a abolição do conceito de normas superiores fundamentando normas inferiores, em prol do entendimento de que ambas se inter relacionam. Assim, as superiores ainda condicionariam as inferiores, mas estas últimas também contribuem para determinar elementos das superiores. Uma relação “circular”, por assim dizer, no lugar de uma relação “vertical”. No lugar do que se entendia por hierarquia o autor propõe o postulado da coerência. Assim, derruba qualquer ideia de hierarquia pronta de princípios constitucionais. 1.2.2. – A EFICÁCIA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS Acerca da principiologia constitucional, Paulo Bonavides define a axiologia dos princípios enquanto “pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais”, de forma que “a teoria dos princípios hoje é o coração das Constituições”.[19] Já Luis Roberto Barroso, discorrendo sobre a eficácia dos princípios constitucionais, esclarece: “A Constituição, uma vez posta em vigência, é um documento jurídico, é um sistema de normas. As normas constitucionais, como espécie do gênero normas jurídicas, conservam os atributos essenciais destas, dentre os quais a imperatividade. De regra, como qualquer outra norma, elas contêm um mandamento, uma prescrição, uma ordem, com força jurídica e não apenas moral. Logo, a sua inobservância há de deflagrar um mecanismo próprio de coação, de cumprimento forçado, apto a garantir-lhe a imperatividade, inclusive pelo estabelecimento das conseqüências de insubmissão ao seu comando. As disposições constitucionais são não apenas normas jurídicas, como têm um caráter hierarquicamente superior, não obstante a paradoxal equivocidade que longamente campeou nesta matéria, considerando-as prescrições desprovidas de sanção, mero ideário não-jurídico”. [20] Assim, não faria sentido interpretar o ordenamento de modo a conferir eficácia a uma norma infra-constitucional específica e não a um princípio constitucional. Seria a própria inversão de valores. Expoente dessa visão, Humberto Ávila parece romper com a dogmática clássica e defende de forma eloquente a eficácia normativa dos princípios. Defende ainda o autor que normas não se reduzem aos textos onde foram escritas (visão limitadora seguida por tantos), mas que seriam “os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos”.[21] Nesse sentido, vai de encontro à posição de Paulo de Barros Carvalho, que distingue norma dos seus meros veículos normativos.[22] Nada mais distante da visão jurídica avalorativa por excelência, a positivista, que induz a pensarmos exclusivamente em termos de subsunção, hipótese e consequência. Nesse sentido teríamos a norma, tida como a lei escrita, para resolver todos os problemas do mundo jurídico. Como visto anteriormente, a moderna visão pós-positivista procurou se afastar dessa linha, apesar de não abandoná-la por completo, o que foi salutar. Claro que o conceito de subsunção é válido e tem seu motivo de ser, mas deve ser encarado como aplicável somente às normas. Não se aplica a princípios, que são parte integrante, e das mais relevantes, da ciência jurídica, justamente por expressar o que há de mais essencial nela: seus valores fundamentais. Na realidade, tanto uns quanto outros devem constituir sistema harmônico. Sem normas não haveria um mínimo de segurança jurídica e sem princípios – agora isso é claro – não haveria fundamento válido para as normas, restando somente o arbítrio legislativo. Feitas essas considerações, resta demonstrar que, apesar de ainda criticado por diversos expoentes doutrinários, princípios vêm sendo utilizados de forma cada vez mais recorrente pelos tribunais para fundamentar suas decisões. Tomemos o exemplo do Supremo Tribunal Federal, maior expoente dessa postura, ao decidir que “a prisão civil do devedor fiduciante, no âmbito do contrato de alienação fiduciária em garantia, viola o princípio da proporcionalidade…”[23], além de invocar o Pacto de Jan Jose da Costa Rica. Da mesma forma, o STF se pautou pela valoração de princípios ao decidir no HC 82.424/RS[24], que tratava da publicação de material antissemita, em prol do direito à honra, e em detrimento do direito de livre expressão. Outro bom exemplo é o acórdão em HC 71.373/RS[25], onde foi contraposto o direito de uma criança de determinar sua paternidade e o do suposto pai em não submeter-se à colheita forçada de sangue para exame de DNA. Ao final, por cinco votos contra quatro, decidiu-se pela inconstitucionalidade da colheita forçada, com fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana, da intimidade e da intangibilidade do corpo humano. São claros exemplos práticos do confronto entre princípios constitucionais, analisados sob a ótica do caso concreto, de forma que um ou mais prevaleceram, sem em nada diminuir a força dos outros.[26] Trata-se também de claro exemplo da dificuldade envolvida na ponderação entre princípios. 1.3 – SÍNTESE DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PROCESSUAL O direito processual enquanto ciência pode ter sua evolução dividida em três fases: a imanentista, a autonomista e a instrumentalista. Na primeira o direito processual era tido como mero apêndice do material. Daí o termo outrora usado, de direito adjetivo. Até então, não era sentida a necessidade de um processo verdadeiramente complexo, com normas muito particulares. O processo era, na verdade, relegado a segundo plano, sob o prisma jurídico-doutrinário, enquanto o direito material recebia toda atenção. Na segunda fase, a autonomista, o direito processual foi ganhando características de ciência e tornou-se autônomo. Nos dizeres de Ada Pellegrini Grinover: “Até meados do século passado, o processo era considerado simples meio de exercício dos direitos (…). A ação era entendida como sendo o próprio direito subjetivo material que, uma vez lesado, adquiria forças para obter em juízo a reparação da lesão sofrida. Não se tinha consciência da autonomia da relação jurídica processual em face da relação jurídica de natureza substancial eventualmente ligando os sujeitos do processo. Nem se tinha noção do próprio direito processual como ramo autônomo do direito e, muito menos, elementos para a sua autonomia científica”.[27] Ocorre que só o desenvolvimento científico do direito processual, com suas garantias aos litigantes, não serviu para torná-lo efetivo em tantos casos. Na terceira e atual fase do direito processual (no característico movimento histórico, como mencionamos anteriormente), temos a busca que visa conciliar as garantias processuais com a efetividade do direito material buscado. “A fase instrumentalista, ora em curso, é eminentemente crítica. O processualista moderno sabe que, pelo aspecto técnico-dogmático, a sua ciência já atingiu níveis muito expressivos de desenvolvimento, mas o sistema continua falho na sua missão de produzir justiça entre os membros da sociedade. É preciso agora deslocar o ponto-de-vista e passar a ver o processo a partir de um ângulo externo, isto é, examiná-lo nos seus resultados práticos. Como tem sido dito, já não basta encarar o sistema do ponto-de-vista dos produtores do serviço processual (juízes, advogados, promotores de justiça): é preciso levar em conta o modo como os seus resultados chegam aos consumidores desse serviço, ou seja, à população destinatária.”[28] Nessas breves linhas já fica clara a conexão entre a evolução processual ora vista e a evolução filosófica do próprio direito, tratada anteriormente. Em ambas o foco é deslocado de considerações técnico-normativas para o destinatário final, o Homem, a quem o direito e o processo se referem. É chegado o momento de se dar efetividade as garantias constitucionais. Não basta que estejam previstas em lei. Elas devem ser sentidas no mundo real. CAPÍTULO II – DO PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL 2.1 – A QUESTÃO DA CELERIDADE PROCESSUAL NO DIREITO POSITIVO “A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta.” (Rui Barbosa) Feitas as considerações acima, cremos que é chegado o momento de finalmente tratarmos do princípio da celeridade processual. Trata-se de princípio com ampla previsão legal, a começar pelo próprio Código de Processo Civil (Lei n. 5.869/73), que, desde sua promulgação conta com a previsão do art. 125, II, no sentido de competir ao magistrado perseguir a "rápida solução do litígio". Não obstante, o Código de Processo Civil vem sendo alterado sucessivamente de forma a contemplar uma prestação jurisdicional mais rápida e efetiva. Tomemos as “reformas” instituídas pelas leis n. 10.173/01, 10.352/01, 10.358/01, 10.444/02, 11.187/05, 11.232/05, 11.276/06, 11.277/06, 11.280/06 e 11.341/06, cujas alterações foram tantas que seria necessário outro trabalho para adentrar no tema, mas que, em suma, procuraram atender a questão da celeridade processual, alterando diversos disposições que pareciam anacrônicas e instituindo novidades, como o processo eletrônico, por exemplo. Como se não bastasse, já se contava com o princípio da instrumentalidade das formas, aplicável em matéria recursal, que atende e contribui ainda mais para o princípio em estudo. Não que o direito processual brasileiro já não contemplasse instrumentos e medidas de natureza célere e simplificada. Exemplos são o regramento da antecipação de tutela (art. 273 CPC), bem como as ações de cunho mandamental (Mandado de Segurança e Habeas Corpus), ações cautelares e os próprios Juizados Especiais (Leis 9.099/95 e 10.259/01). A bem da verdade, não poderíamos deixar de mencionar o discutível caso da Lei de Execuções Fiscais (Lei n. 6.830/80), que buscou acelerar ao máximo a recuperação do crédito fiscal, privilegiando a celeridade processual, ainda que somente em favor do Estado. Atualmente, conta-se ainda com a Súmula Vinculante (art. 103-A da Constituição da República), a Repercussão Geral (Lei n. 11.418/06) e a Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672/08) para impedir recursos protelatórios às Cortes Superiores[29] [30]. Está claro que normas que se atentam a essa questão não faltam.[31] No plano internacional, o Brasil ratificou em 1992 o Pacto Internacional dos Direito Civis e Políticos, adotado pela Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966. Referido instrumento preconiza o princípio em exame em seu art. 14, parágrafo 3º: “Art. 14 – 1.(…). 3. Toda pessoa acusada de algum delito terá direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:(…) c) ser julgada sem dilações indevidas.” Como se não bastasse, temos também a Convenção Americana dos Direitos e dos Deveres do Homem, mais conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, ratificada pelo Brasil também em 1992 por meio do Decreto 678. Tal convenção estabelece, em seu art. 8º, as garantias a serem observadas pelos Estados-Parte: “Art. 8º. – Garantias Judiciais Toda pessoa terá direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.” (negrito nosso) Em 2004, a questão da celeridade processual foi formalmente inserida na Constituição pela emenda n. 45, com a seguinte redação: “Art 5º. (…) LXXVIII – A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” [32] Agora, inserido no rol de direitos e garantias individuais, esse princípio está classificado como cláusula pétrea pelo art. 60, § 4º, inciso IV, da Constituição da República de 1988. 2.2 – O PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL NA DOUTRINA E NA JURISPRUDÊNCIA Alfredo Buzaid, na exposição de motivos ao Código de Processo Civil, já tratava das duas exigências que concorrem para aperfeiçoamento do processo: a rapidez e a Justiça. De fato não é fácil determinar de antemão o que seria uma “duração razoável” para um processo. A maioria dos autores simplesmente reafirma o Princípio da Celeridade Processual, sem maiores considerações de ordem prática. Seguindo a diretriz adotada pela Corte Europeia de Direitos do Homem[33], porém, José Rogério Cruz e Tucci aponta três variáveis a serem levadas em consideração: a) a complexidade do assunto; b) o comportamento dos litigantes e, c) a atuação do órgão jurisdicional.[34] Nesse sentido, cremos somente que faltou inserir uma quarta variável na definição acima, de ordem prática, ligada à “urgência” de tutela jurisdicional para as partes em litígio. Conforme bem lembrado por Edilberto Barbosa Clementino: “O princípio da celeridade dita que o processo para ser útil deve ser concluído em um lapso temporal razoável suficiente para o fim almejado e rápido o bastante para que atinja eficazmente os seus objetivos”[35] Assim como há extensa previsão legal, o Judiciário vem decidindo de forma reiterada, reafirmando a importância desse princípio, como podemos ver em inúmeros julgados em todo País.[36] Em geral, notamos que os julgados pesquisados tendem a reafirmar o principio com enfoque processualístico puro, relevando alguma formalidade processual (principio da instrumentalidade das formas) ou rejeitando produção de prova de natureza manifestamente protelatória, por exemplo. Assim, vemos que o principio da celeridade processual, na maior parte das vezes, é utilizado com relação a atos processuais isolados. São decisões que, quando muito, impactam na duração processual dos próprios litígios onde foram dadas. Afetam os litigantes envolvidos. E mais ninguém. Não se viu julgados que reafirmassem o direito a uma prestação jurisdicional rápida e efetiva, com enfoque em seus efeitos práticos. Elaboraremos esse ponto mais adiante.   Resumindo, notamos que: 1) há previsão constitucional e legal extensa reafirmando o princípio da celeridade processual; 2) que a doutrina é unânime a respeito de sua validade; 3) que a jurisprudência reconhece claramente o princípio; 4) há mecanismos processuais dos mais diversos que se prestam a conferir a prestação jurisdicional rápida e efetiva. 2.3 – OBSTÁCULOS À PRESTACAO JURISDICIONAL CÉLERE Em virtude do que vimos, tudo levaria a crer que o processo judicial e administrativo no Brasil seria extremamente ágil e rápido, mas não é isso que se nota. Muito pelo contrário. Trata-se de algo, à primeira vista, paradoxal. É nesse ponto que queríamos chegar. Se todos os fatores confluem para a célere prestação jurisdicional, porque isso não se verifica na prática? Queremos crer na seguinte resposta. Pois as providências tomadas para acelerar o andamento processual são todas de ordem legislativa. Trata-se de claro resquício do pensamento positivista, tão arraigado ainda na cultura jurídica nacional, que nos faz crer que tudo se resolve com a edição de uma nova lei. Buscou-se acelerar a tramitação dos processos eliminando etapas, suprimindo instâncias, simplificando ritos. Não se nega que muitas dessas medidas tenham tido efeito salutar, no que as aplaudimos, mas passaram longe de resolver a questão central da lentidão processual, que é o problema de excesso de processos por julgador e falta de investimento adequado. Hoje dispõe-se de dados para fundamentar o que sempre foi intuído pelos profissionais que militam no foro: falta investimento compatível com a missão do Poder Judiciário. Partindo-se de dados compilados pela Conselho Nacional de Justiça – CNJ [37], ressaltamos as seguintes médias do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em 2010, que são particularmente emblemáticas: despesa total do Tribunal em relação ao PIB do Estado (0,42%), o valor gasto com o Judiciário, dividido por habitante do Estado (R$ 121,57), percentual da receita do Tribunal gasto com pessoal (91,3%), o número de juízes por cem mil habitantes (6), casos novos por cem mil habitantes (12.343) e número de processos por ano, por desembargador (3.010). Em face desses dados fica difícil concluir em sentido diverso. O investimento no Judiciário é proporcionalmente baixo, gasta-se quase tudo com o pagamento de folha de salários, o que inviabiliza investimentos de ordem estrutural,  a litigiosidade é alta e o número de juízes é insuficiente, o que resulta em lentidão processual. Não dispomos de dados, mas é crível supormos que o mesmo se aplica aos departamentos de processos administrativos das Fazendas Públicas e às Procuradorias das Fazendas, que não dispõem de condições minimamente adequadas para fazer frente às suas respectivas cargas de trabalho, de modo a cumprir o que a lei já determina. Em face desse estado de coisas, que não é recente, criou-se o famigerado conceito de “prazo impróprio”, que são aqueles que, apesar de legalmente previstos e destinados aos juízes e aos servidores do Poder Judiciário, não se sujeitam ao fenômeno da preclusão. Vale dizer, são validos mesmo quando praticados fora do prazo que lhes foi prescrito.[38] Assim, o juiz teria prazo de dois dias para despachos de expediente e dez dias para decisões. Ao serventuário incumbiria remeter os autos conclusos no prazo de 24 horas e executar os atos processuais no prazo de 48 horas (arts. 189 e 190 do CPC). Trata-se de algo que não se pode mais admitir, à luz do que foi exposto. A mera existência de norma jurídica sem sanção no direito é aberrante. Considerar que há prazos processuais cujo não atendimento tempestivo gera prejuízos de monta à parte implicada, enquanto os prazos aplicáveis ao magistrado e às Fazendas Públicas seriam mera orientação é inaceitável. Afronta direta ao princípio da isonomia. Afronta essa à que nos acostumamos, e que não causa mais a espécie que merece. Afinal, o que seria o atendimento efetivo do principio da celeridade processual? Qual seria a duração razoável do processo senão aquela em que se sigam os prazos previstos nas normas processuais? Teríamos a perfeita harmonização entre o direito positivado e a sua finalidade humanística. Afinal, não seria exagerado crer que, se todos os prazos previstos nos diplomas processuais fossem rigorosamente cumpridos por todas as partes, haveria uma tramitação processual célere. Tomamos como paradigma as decisões cada vez mais numerosas do Poder Judiciário no sentido de orientar e interferir nas políticas públicas, no caso da garantia do direito à saúde. Assim, no caso de manifesta inércia estatal que resulte em negação dos princípios constitucionais, no caso, o direito à saúde (arts. 196 a 200 da Constituição), tem-se admitido a tomada de posição mais enérgica, com relação a atos que até então eram tidos como dependentes exclusivamente da “possibilidade” do Executivo. Nesse sentido o STF segue com importantes precedentes[39], como o Pedido de Suspensão de Tutela Antecipada n. 175, de 17 de março de 2010, onde foi rechaçada a pretensa ofensa ao princípio da separação de poderes, e o Judiciário ordenou ao Executivo que fornecesse medicamentos e tratamentos necessários para sobrevida de um paciente, mesmo sendo considerados de alto custo. É desse tipo de posicionamento que se precisa para garantia dos princípios constitucionais. Só assim podemos adequar a realidade jurídica à fática. Havendo impossibilidade, que a realidade jurídica seja adequada, via processo democrático, tal como foi instituída, mas que não se negue validade aos princípios da Lei Maior da nação. CONCLUSÃO Iniciamos o presente estudo com o intuito de analisar um principio. Um principio cuja inobservância traz serias conseqüências aos litigantes em todo pais. Desde o momento em que o Estado avoca para si a competência de resolver os litígios da nação, fica incumbido de fazê-lo a contento. Infelizmente não é isso que temos visto, não só no Brasil, mas especialmente nos países de tradição jurídica romana. Pelo menos não no que tange à duração dos litígios administrados pelo Estado. O fato é que o pensamento do direito evoluiu. O mundo tornou-se mais complexo e o direito, outrora fruto exclusivo de construção social, foi paulatinamente substituído pelo direito enquanto ato de poderio estatal. A evolução social seguiu-se e novamente ficou clara a inadequação de uma filosofia jurídica puramente avalorativa. Era chegada a hora de trazer o Homem ao núcleo do direito, sem desprezar os pontos de interesse das demais filosofias do direito. É justamente sob uma ótima pós-positivista, dita jushumanista, que se constrói o presente trabalho. Sob a ótica humanista, volta-se a enfocar os princípios do direito, reiterando sua força normativa. Trata-se de novo paradigma, e para tanto passamos brevemente pela temática de resolução de conflitos entre princípios. À luz dessa evolução, mostramos como ela é condizente com a evolução do próprio direito processual, que deixou sua fase autonomista, formalista ao extremo, para melhor relacionar-se com os próprios objetivos do processo. É o processo tido como instrumento para consecução de um direito material, em que se busca sua efetividade, mas sem abrir das garantias aos litigantes. Um direito processual mais principiológico e menos formalista. Outrora mencionado somente nas doutrinas processuais, o princípio da celeridade processual foi alçado ao nível constitucional por força da emenda n. 45/04, bem como por meio da ratificação de acordos internacionais. Mesmo antes, mas especialmente após a referida emenda, nota-se intensa atividade legislativa, visando reformar de diversos modos o processo civil, procurando traduzir em atos a nova visão do direito processual que ora tratamos. Quando possível, simplificou-se o processo, sempre visando aumentar sua efetividade e celeridade. Passados alguns anos, nota-se inegável avanço quanto a esses objetivos, mas o fato é que os dados compilados pelo CNJ demonstram que ainda estamos longe de alcançar a garantia constitucional da celeridade. Os Tribunais seguem “congestionados” e os investimentos não são compatíveis com sua elevada missão. Procuramos demonstrar como isso é resquício do pensamento positivista, tão arraigado em nossa cultura jurídica. Cremos que problemas são resolvidos pela edição de novas leis, quando na verdade bastaria a aplicação das já existentes. Ou seja, bastaria cumprir os prazos prescritos nos diplomas processuais para termos a tão almejada celeridade processual. Não se critica o Poder Judiciário e os demais órgãos públicos envolvidos no contencioso por uma suposta letargia. Sabe-se que a carga de trabalho é incompatível com suas estruturas. Clamamos maior investimento estatal de forma a possibilitar que cumpram suas respectivas missões, na forma e tempo fixados em lei. Hoje o Judiciário tem se manifestado de forma mais enérgica no sentido até de orientar e interferir em políticas públicas, de forma a viabilizar os direitos constitucionalmente assegurados. Exemplificamos o que vem sendo decidido em casos ligados ao direito à saúde. Quando alcançarmos esse ideal dessa forma, poderemos estar seguros de tê-lo feito conciliando o princípio da celeridade processual sem agredir o princípio da segurança jurídica, o que pode eventualmente estar ocorrendo.[40]
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/o-principio-da-celeridade-processual-a-luz-do-jushumanismo-e-do-direito-processual-moderno/
Conceito constitucional de renda e compensação de prejuízos
Resumo. O presente trabalho vai examinar as normas que disciplinam a compensação de prejuízos nas apurações das bases de cálculo do imposto sobre a renda da pessoa jurídica e da contribuição social sobre o lucro. O ponto de partida será a delimitação e o alcance do conceito constitucional de renda. Na sequência será abordado o histórico legislativo das normas que disciplinam o direito das empresas à compensação dos prejuízos fiscais no Brasil. Posteriormente, será feita uma análise das leis que regem a compensação dos prejuízos fiscais na atualidade para se verificar se estas estão de acordo com o conceito constitucional de renda. Por fim, será feita uma análise da atual jurisprudência administrativa e judicial sobre do tema em discussão.
Direito Tributário
Introdução O presente trabalho pretende analisar as normas que dizem respeito à compensação de prejuízos nas apurações das bases de cálculo do imposto sobre a renda da pessoa jurídica e da contribuição social sobre o lucro à luz do conceito constitucional de renda. Mais especificamente, será feita um exame das normas que limitam em trinta por cento a compensação de prejuízo fiscal na apuração da base de cálculo do IRPJ e a base de cálculo negativa da CSLL. Como o fundamento básico para o estudo do direito à compensação dos prejuízos fiscais é imperioso definir o alcance dos termos do conceito de renda, sob pena de se afastar dos conteúdos semânticos traçados pela Constituição Federal. A partir dessas noções constitucionais de renda é que se poderá buscar o efetivo aumento patrimonial, para fins de incidência do imposto sobre a renda. O presente trabalho percorrerá o histórico legislativo das normas que disciplinam o direito das empresas à compensação dos prejuízos fiscais, desde a edição da Lei 154/47 até as Leis 8.541/92 e 9.065/95. A partir daí, será feita uma análise das leis que regem à compensação dos prejuízos fiscais no Brasil para se verificar se estas estão de acordo com o conceito constitucional de renda. Também será objeto deste estudo a análise da atual jurisprudência administrativa e judicial sobre do tema em discussão. À propósito, o Tribunal Pleno do STF, por ocasião do julgamento do RE 344.994/PR, já decidiu pela constitucionalidade dos arts. 42 e 58 da Lei 8.541/92, com base nos arts. 150, III, a e b e 5º, XXXVI. Entretanto, este assunto será novamente analisado pelo STF no RE 591.340/SP, no qual já foi reconhecida a repercussão geral do tema e foi alegada ofensa aos arts. 145, § 1º, 148, 150, IV, 153, III e 195, I, da Constituição Federal. Ficará claro que este trabalho tomará por base as lições/teorias de Paulo de Barros Carvalho. O ilustre professor faz uma distinção bem nítida entre o sistema do direito positivo e o sistema da Ciência do Direito. Segundo ele, o sistema do direito positivo é composto pelo: “plexo de normas jurídicas válidas [que] está posto num corpo de linguagem prescritiva, que fala do comportamento do homem na comunidade social”[1]. O sistema da Ciência do Direito, por sua vez, emprega uma linguagem eminentemente descritiva para discorrer acerca de seu objeto – o direito positivo. É exatamente por este motivo, que o professor Paulo de Barros Carvalho afirma que a Ciência do Direito é uma sobrelinguagem ou linguagem de sobrenível[2]. Como embasamento teórico, serão utilizadas algumas das premissas que informam as diferenças entre o direito positivo e a Ciência do Direito, que foram bem sistematizadas pela professora Aurora Tomazini de Carvalho, em seu Curso de Teoria Geral do Direito[3], a partir de critérios linguísticos: A partir das premissas fixadas neste trabalho, se perquirirá a constitucionalidade das leis que limitam a compensação de prejuízos fiscais na apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, considerando a definição e os conteúdos semânticos dos termos ‘renda’ e ‘lucro’ trazidos pela Constituição Federal. 1. Considerações sobre os termos ‘renda’ e ‘lucro’ na constituição 1.1. Competência tributária Como é cediço, a Constituição Federal outorgou aos entes políticos internos competência para criarem, por meio de lei, normas jurídicas tributárias. Ao discriminar as competências tributarias, a Constituição Federal conferiu às pessoas políticas a possibilidade de instituírem as regras-matrizes de incidência[4] de cada tributo, estabelecendo um verdadeiro molde para a atuação dos entes políticos. Neste contexto, as “pessoas políticas só podem criar in abstracto tributos se permanecerem dentro das faixas exclusivas que a Constituição lhes outorgou”[5]. Por oportuno, vale destacar o conceito de RMIT de Paulo de Barros Carvalho: “A regra-matriz de incidência tributária é, por excelência, u`a norma de conduta, vertida imediatamente para disciplinar a relação do Estado com seus súditos, tendo em vista contribuições pecuniárias. Concretizando-se os fatos descritos na hipótese, deve-ser a consequência, e esta, por sua vez, prescreve uma obrigação patrimonial. Nela, encontraremos uma pessoa (sujeito passivo) obrigada a cumprir uma prestação em dinheiro. Eis o dever-ser modalizado”[6]. Em razão do princípio da legalidade (arts. 5º, II e 150, I da CF), o exercício da competência tributária se dá por meio de lei (em sentido amplo). Tácio Lacerda Gama, analisando a fenomenologia da criação das normas de competência tributária, assevera que: “a norma de competência tributária em sentido estrito requer a reunião das proposições construídas a partir da leitura do direito positivo numa estrutura lógico-condicional. No antecedente dessa norma, descreve-se um fato – o processo de enunciação necessário à criação dos tributos -, imputa-se a esse fato uma relação jurídica, cujo objeto consiste na faculdade de criar tributos. De forma análoga ao que se dá com as demais normas jurídicas, sem que se construa essa norma em sentido estrito, a análise da competência estará incompleta”[7]. Ressalte-se que a competência tributária não se confunde com a capacidade tributária ativa, que é questão a ser considerada quando o legislador, ao criar a regra-matriz de incidência, elege determinada pessoa para integrar a relação jurídica obrigacional. 1.2. Conceito constitucional de renda O art. 153, III, da CF confere à União Federal competência para instituir o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, dentro dos limites em que determina. Entretanto, o dispositivo em questão não deu ao legislador ampla liberdade para criar um imposto sobre tudo o que considerar renda e proventos de qualquer natureza[8]. Ao repartir as competências impositivas, a CF relacionou, minuciosamente, os fatos econômicos que pretendia tributar, exatamente para que não houvesse conflito entre os entes políticos. O termo ‘renda’ é mencionado por diversas vezes na Constituição Federal, porém, a Carta magna não revela expressamente os conceitos de renda e de proventos de qualquer natureza, sendo que apenas por meio de uma análise sistemática do texto constitucional é que se pode delimitar os conteúdos semânticos do termo ‘renda’. Assim, no exercício de sua competência constitucional, a União deverá respeitar os conteúdos semânticos da expressão ‘renda’ apresentados pela Constituição Federal. Discorrendo sobre a noção de ‘renda’, José Luiz Bulhões Pedreira já alertava que: “A noção de renda que nos interessa não é a utilizada pela ciência econômica nem a que teoricamente seja a mais perfeita para as finanças públicas, mas a que se ajusta ao sistema tributário nacional definido na Constituição Federal em vigor. Esse é o conceito que permitirá conhecer os limites de competência da União ao definir a base imponível do imposto sobre a ‘renda e proventos de qualquer natureza’”[9]. Infere-se, desde logo, que a materialidade deste imposto não pode, de maneira alguma, ser confundida com a materialidade dos demais impostos descritos na CF, como por exemplo, a circulação de mercadoria, a industrialização de produtos, a importação de bens. A questão acerca da existência (ou não) de um conceito constitucional de renda e de proventos de qualquer natureza sempre gerou grandes discussões doutrinárias. Inúmeros autores se propuseram a conceituar renda e proventos de qualquer natureza, senão veja-se. Para Roque Antônio Carraza, renda e proventos de qualquer natureza: “são os ganhos econômicos do contribuinte gerados por seu capital, por seu trabalho ou pela combinação de ambos e apurados após o confronto das entradas e saídas verificadas em seu patrimônio, nem certo lapso de tempo”[10]. No mesmo sentido, comentário de Misabel Abreu Macho Derzi: “por meio de lei ordinária e a título de imposto de renda, somente se legitimará a tributação de renda e proventos de qualquer natureza, assim entendido como o acréscimo de riqueza, o ganho ou o aumento advindo do trabalho ou do capital”[11]. A expressão renda e proventos de qualquer natureza, para Paulo Ayres Barreto, “é de ser interpretada, nos estritos termos em que constitucionalmente plasmada, como acréscimo a um dado conjunto de bens e direitos (patrimônio), pertencente a uma pessoa (física ou jurídica), observado um lapso temporal necessário para que se realize o cotejo entre determinados ingressos, de um lado, e certos desembolsos, de outro”[12]. Luís Cesar Souza de Queiroz, por sua vez, afirma que o conceito de rendas e proventos de qualquer natureza: “está contido em normas constitucionais relativas ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e que designa o acréscimo de valor patrimonial, representativo da obtenção de produto ou de simples aumento no valor do patrimônio, apurado, em certo período de tempo, a partir da combinação de todos os fatos que contribuem para o acréscimo de valor do patrimônio (fatos-acréscimos) com certos fatos que, estando relacionados ao atendimento das necessidades vitais básicas ou à preservação da existência, com dignidade, tanto da própria pessoa quanto de sua família, contribuem para o decréscimo de valor do patrimônio (fatos-decréscimos)”[13]. Paulo de Barros Carvalho, sob outro enfoque, admite que a definição do conceito de renda esteja expressa no CTN (arts. 43 e 44[14]), com fundamento nos pressupostos do art. 153, III, da CF. Afirma, ainda, que, no direito brasileiro, prevalece a teoria do acréscimo patrimonial, segundo a qual: “o que interessa é o aumento do patrimônio líquido, sendo considerado como lucro tributável exatamente o acréscimo líquido verificado no patrimônio da empresa, durante período determinado, independentemente da origem das diferentes parcelas”[15]. O conceito de renda previsto no art. 43 do Código Tributário Nacional tende a distinguir os conceitos renda e de proventos de qualquer natureza. Na verdade, o CTN pretendeu consagrar a teoria do acréscimo patrimonial, como explicou o professor Paulo de Barros de Carvalho, para conceituar o fato gerador do imposto de renda. Assim, pode-se afirmar que o fato gerador do imposto de renda e proventos de qualquer natureza é a aquisição de riqueza nova, decorrentes do confronto de entradas e saídas, em um determinado período de tempo, como previu a CF. A par das discussões doutrinárias acerca da existência (ou não) de um conceito constitucional de renda e de proventos de qualquer natureza, é certo que a Constituição Federal estabeleceu conteúdos semânticos para hipótese de incidência do IR. A partir de uma análise sistemática da CF, pode-se afirmar que a hipótese de incidência deste imposto somente pode alcançar os acréscimos patrimoniais auferidos por pessoa física ou jurídica, durante determinado lapso temporal. Saliente-se que a fixação deste lapso temporal (inicial e final), para fins de comparação do patrimônio da pessoa física ou jurídica, é indissociável da noção de renda, de forma que a incidência do IR alcance o efetivo acréscimo patrimonial. Nesse sentido, Humberto Ávila lembra que: “justamente porque o conceito de renda é dinâmico que não se pode sequer concebê-lo sem a noção de período. Esse período será delimitado pelo legislador, como imposição de ordem prática, para que se possa exigir o tributo e garantir a arrecadação”.[16] José Artur Lima Gonçalvez, em aprofundado ensaio sobre o tema, concluí que, qualquer que seja o conceito de renda adotado, sempre estarão presentes as noções de: “ganho patrimonial resultante de (ii) confronto entre elementos (ingressos e saídas) verificados (iii) ao longo de certo período”[17]. Muito embora a Constituição Federal não tenha conceituado expressamente renda e proventos de qualquer natureza, quaisquer valores que não representem efetivo acréscimo patrimonial estariam fora do campo de abrangência da regra-matriz de incidência do imposto de renda. A tributação apenas pode alcançar o resultado positivo apurado pela pessoa física ou jurídica, deduzidos as despesas indispensáveis à sua manutenção. No caso de pessoas jurídicas, por exemplo, o IRPJ não pode incidir sobre meros ingressos no caixa, sobre os financiamentos contratados, sobre o patrimônio[18]. Sob o ponto de vista dos princípios constitucionais, Roque Antônio Carraza faz uma análise do conceito de acréscimo patrimonial, asseverando que este: “só pode ser levado à tributação quando atende aos princípios da isonomia, da capacidade contributiva e da não-confiscatoriedade”[19]. Assim, segundo o professor, “renda e proventos deixam de ser meros resultados da atividade econômica, para assumirem a conotação de acréscimo patrimoniais, excluídos os valores necessários à manutenção da personalidade digna e dos próprios mecanismos de produção de renda”[20]. Pelo que já foi exposto, resta claro que a construção do conceito constitucional de renda não deve se restringir à análise do art. 153, III, da Constituição Federal. O próprio art. 153 da CF estabelece em seu § 2º, inciso I, que o imposto sobre a renda deve ser informado pelos critérios da generalidade, universalidade e progressividade, nos termos da lei. Além disso, há de se considerar, como bem lembrado pelo professor Roque Antônio Carraza, os princípios da isonomia (art. 150, II, da CF), da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, da CF) e do não-confiscatoriedade (art. 150, IV, da CF). Como se vê, a análise sistemática da Constituição Federal é imprescindível para se delimitar a hipótese de incidência do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Somente com a construção de um conceito constitucional de renda é que se permitirá conhecer os limites de competência da União para legislar sobre IR. 1.3. O termo ‘lucro’ na Constituição A Constituição Federal trata, em seu art. 195, I, c, da contribuição social sobre o lucro: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: c) o lucro” Contudo, é a Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) que define o conceito de lucro: “Art. 191. Lucro líquido do exercício é o resultado do exercício que remanescer depois de deduzidas as participações de que trata o artigo 190”. “Art. 190. As participações estatutárias de empregados, administradores e partes beneficiárias serão determinadas, sucessivamente e nessa ordem, com base nos lucros que remanescerem depois de deduzida a participação anteriormente calculada”. “Art. 189. Do resultado do exercício serão deduzidos, antes de qualquer participação, os prejuízos acumulados e a provisão para o Imposto sobre a Renda. Parágrafo único. O prejuízo do exercício será obrigatoriamente absorvido pelos lucros acumulados, pelas reservas de lucros e pela reserva legal, nessa ordem”. Com base nestes dispositivos, infere-se que lucro tributável é aquele que configura um resultado final positivo, deduzidos as despesas descritas pela lei como necessárias à sua obtenção. O art. 2º da Lei 7.689/88, por seu turno, estabelece que: ”A base de cálculo da contribuição é o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda”. Roque Antônio Carraza entende que a frase contida neste dispositivo legal: “há de ser entendida como sinônima de ‘lucro’, até porque é justamente sobre ele que a Constituição autoriza a criação do tributo em tela. (…) Como é apodíctico, a contribuição social sobre o lucro só poderá ser exigido das empresas que o obtiverem”[21]. A base de cálculo da CSLL, portanto, é o lucro líquido antes da provisão do imposto de renda, apurado contabilmente segundo o art. 189 da Lei 6.404/76. A partir dele (lucro líquido) é que serão ajustadas as adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação fiscal. Neste contexto, assim como no caso do IRPJ, o lucro tributável pela CSLL deve sempre representar um resultado positivo, razão pela qual é inafastável dos limites semânticos traçados pela Constituição Federal. Como se vê, tal contribuição social tem a mesma base de cálculo do IRPJ, qual seja, o lucro da pessoa jurídica. O traço distintivo entre a CSLL e o IR, segundo Ricardo Mariz de Oliveira, é a destinação. Muito embora tenha hipóteses de incidência coincidentes, a CSLL é destinada a custear os investimentos e as despesas gerais da União[22]. Em suma, a CSLL incide sobre o lucro obtido pela pessoa jurídica, depois de ajustadas as adições, exclusões ou compensações autorizadas pela lei. Registre-se, desde logo, que os prejuízos acumulados em períodos anteriores devem ser integralmente deduzidos da base de cálculo deste tributo, sob pena de se tributar aquilo que não é lucro. Por fim, ressalte-se que o art. 57 da Lei 8.981/95[23] determina a aplicação à CSLL das mesmas normas de apuração e pagamento estabelecidas para o IRPJ, mantidas a base de cálculo e as alíquotas de cada tributo. Tal dispositivo legal repetiu a previsão do art. 44 da Lei 8.383/91, que já autorizava a empresa a compensar em períodos posteriores a base de cálculo negativa da CSLL[24]. 2. Histórico legislativo 2.1. Os regimes jurídicos de compensação de prejuízo fiscal Ao longo de décadas, a legislação do imposto sobre a renda adotou vários regimes de compensação de prejuízos fiscais. A compensação de prejuízos fiscais teve sua primeira regulamentação na Lei 154/47. O seu art. 10 admitia a compensação de prejuízos verificados nos três exercícios anteriores[25], desde que não houvesse fundos de reserva ou lucros acumulados. O Decreto 1.493/76 aumentou este prazo de compensação para quatro exercícios para àqueles fatos ocorridos a partir de 1977. Com o advento do Decreto – Lei 1.598/77, permaneceu a limitação temporal de quatro anos para que o prejuízo fiscal apurado no exercício anterior fosse compensado em exercícios posteriores. Além disso, o referido decreto passou a permitir à empresa resultante de fusão, à que incorporar outra, às resultantes de cisão ou à que incorporar parcela do patrimônio de empresa cindida compensar os prejuízos das empresas extintas. Entretanto, este dispositivo foi revogado dois anos depois pelo Decreto- Lei 1.730/79. O Decreto 2.341/ 87 trouxe duas hipóteses de vedação à compensação de prejuízos fiscais: (i) nos casos de modificação do controle societário e do ramo de atividade (art. 32); e (ii) nos casos de sucessão por incorporação, fusão ou cisão, a empresa sucessora não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida (art. 33). No caso de cisão parcial, este decreto também previu a possibilidade de a empresa cindida compensar os seus próprios prejuízos, proporcionalmente à parcela remanescente do patrimônio líquido. A Lei 7.450/85 adotou a compensação pelo sistema de períodos-base semestrais, que foi revogado pelo Decreto- Lei 2.354/87. A Lei 8.383/91 incluiu no ordenamento jurídico o sistema de períodos-base mensais e previu a possibilidade de compensação independentemente do prazo, a partir de 1992. Nesta época, coexistiram, temporariamente, dois sistemas: aquele do Decreto–Lei 1.598/77, para os períodos encerrados até 1991; e aquele sem prazo instituído pela Lei 8.383, a partir de 1992. A Lei 8.541/92 reinstituiu o prazo de quatro anos, mas o delimitou expressamente para os fatos geradores ocorridos após 1993. Diante deste dispositivo legal, passou a coexistirem três sistemas de apuração de compensação de prejuízos fiscais. 2.2. A atual sistemática de compensação de prejuízo fiscal Os arts. 42 da Lei 8.981/95 e 15 da Lei 9.065/95 introduziram um limite de trinta por cento para a compensação[26], na base de cálculo do IRPJ, dos prejuízos fiscais acumulados, a partir de 1995: “Art. 42. A partir de 1º de janeiro de 1995, para efeito de determinar o lucro real, o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas ou autorizadas pela legislação do Imposto de Renda, poderá ser reduzido em, no máximo, trinta por cento. Parágrafo único. A parcela dos prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1994, não compensada em razão do disposto no caput deste artigo poderá ser utilizada nos anos-calendário subsequentes”. “Art. 15. O prejuízo fiscal apurado a partir do encerramento do ano-calendário de 1995, poderá ser compensado, cumulativamente com os prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1994, com o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação do imposto de renda, observado o limite máximo, para a compensação, de trinta por cento do referido lucro líquido ajustado. Parágrafo único. O disposto neste artigo somente se aplica às pessoas jurídicas que mantiverem os livros e documentos, exigidos pela legislação fiscal, comprobatórios do montante do prejuízo fiscal utilizado para a compensação”. Estas limitações também são aplicadas às bases negativas da CSLL por meio dos arts. 58 da Lei 8.981/95 e 16 da Lei 9.065/95: “Art. 58. Para efeito de determinação da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro, o lucro líquido ajustado poderá ser reduzido por compensação da base de cálculo negativa, apurada em períodos-base anteriores em, no máximo, trinta por cento”. “Art. 16. A base de cálculo da contribuição social sobre o lucro, quando negativa, apurada a partir do encerramento do ano-calendário de 1995, poderá ser compensada, cumulativamente com a base de cálculo negativa apurada até 31 de dezembro de 1994, com o resultado do período de apuração ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação da referida contribuição social, determinado em anos-calendário subsequentes, observado o limite máximo de redução de trinta por cento, previsto no art. 58 da Lei nº 8.981, de 1995. Parágrafo único. O disposto neste artigo somente se aplica às pessoas jurídicas que mantiverem os livros e documentos, exigidos pela legislação fiscal, comprobatórios da base de cálculo negativa utilizada para a compensação”. Registre-se, desde logo, que as normas que regem atualmente a compensação de prejuízos fiscais não delimitaram um prazo para a compensação e geração dos prejuízos fiscais, como fizeram as legislações anteriores. Como se vê, as Leis 8.981/95 e 9.065/95 alteraram significativamente o modo de apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Cabe, agora, analisar se estas modificações estão de acordo com os conceitos de renda e de lucro e se efetivamente tributam o aumento patrimonial, para fins de incidência do imposto sobre a renda e da contribuição social sobre o lucro, ou se acabam por tributar o mero patrimônio da empresas. 3. Compensação de prejuízos fiscais 3.1.  Limitação de 30% à compensação de prejuízos fiscais na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL Como amplamente demonstrado no capítulo1, o IRPJ e a CSLL somente podem alcançar os acréscimos patrimoniais auferidos pela pessoa jurídica, durante determinado lapso temporal. É por este motivo que todas as conclusões que forem feitas acerca dos prejuízos fiscais do IRPJ deverão ser aplicadas às base negativas da CSLL. Para que fique claro, prejuízos “nada mais são que despesas e custos anteriores que não produziram – ou não produziram ainda – resultados positivos”[27]. O prejuízo fiscal, por diversas vezes mencionado, pode ser conceituado como “o lucro real negativo apurado ao final de qualquer período-base da pessoa jurídica, o qual, segundo a lei, pode ser compensado com os lucros tributáveis dos períodos-base subsequentes”[28]. Com efeito, as Leis 8.981/95 e 9.065/95 instituíram uma norma limitadora do direito à compensação de prejuízos fiscais das empresas que estão sujeitas à tributação pelo lucro real, com a finalidade de reduzir o lucro do período mediante o aproveitamento dos prejuízos fiscais acumulados nos exercícios anteriores. Como a seguir será demonstrado, tal inovação alterou as hipóteses de incidência do IRPJ e da CSLL, em desacordo com os conteúdos semânticos dos termos ‘renda’ e ‘lucro’ traçados pela Constituição Federal. A determinação do efetivo acréscimo patrimonial pressupõe a compensação integral dos prejuízos fiscais incorridos nos períodos de apuração anteriores, sob pena de tributação do patrimônio da empresa. Nesse sentido, Roque Antônio Carraza é firme ao asseverar que: “limitar a compensação dos prejuízos a 30% do lucro auferido no período significa, em última análise, tributar parte (70%) da recomposição do patrimônio, e não simplesmente a renda, como autoriza o art. 153, III, da Carta Magna”[29]. É válido esclarecer que o referido limite de trinta por cento disposto nos arts. 42 e 58 da Lei 8.981/95 e os arts. 15 e 16 da Lei 9.065/95 é aplicável ao lucro líquido ajustado de cada período-base em que se vai proceder a compensação e não sobre os trinta por cento do valor do prejuízo fiscal experimentado. Foi exposto no capítulo1, que os limites semânticos do termo ‘renda’ excluem do campo de incidência do IRPJ todas as verbas que não representem efetivo acréscimo patrimonial. Disto decorre que os prejuízos fiscais não podem ser limitados ou minimizados, sob pena de se fazer incidir o IRPJ sobre o patrimônio da empresa, ou seja, sobre uma riqueza nova que, na verdade, não existiu. Ora, se do encontro entre os prejuízos anteriores e o produto obtido pela empresa naquele exercício decorrer um resultado positivo, haverá acréscimo patrimonial – fato gerador do IRPJ. Por outro lado, se do encontro dessas contas resultar um saldo negativo, não haverá base tributável, em razão da ausência do acréscimo patrimonial. A restrição à compensação, nesse sentido, equivaleria à tributação de uma renda que ainda não foi auferida, em verdadeira presunção da ocorrência do fato gerador destes tributos. Com fundamento na RMIT, o fato jurídico tributário[30] e a relação obrigacional correspondente não poderão ser constituídos, pois não ocorreu a perfeita subsunção do fato à norma. Em outras palavras, a norma individual e concreta não poderá ser constituída, na medida em que não foi atendido o critério material da RMIT. No mais, o art. 43 do CTN reforça a ideia de que o IR somente pode incidir sobre as aquisições de disponibilidade econômica ou jurídica, ou seja, sobre a riqueza nova. Não é demais ressaltar que a riqueza nova demanda valores líquidos, excluídas todas aquelas despesas necessárias à sua manutenção, bem com os prejuízos fiscais dos exercícios anteriores. Frise-se: somente é possível falar em acréscimo patrimonial quando do resultado positivo obtido do confronto das entradas e saídas (inclua-se, nesse contexto, os prejuízos acumulados dos períodos anteriores). É exatamente por este motivo que Eurico Marcos Diniz de Santi assegura que: “Aplicar a Regra-matriz de Incidência do IRPJ e da CSLL significa constituir um enredo normativo formando um sistema de regra. Ou seja, a Regra-matriz de Incidência do IRPJ e da CSLL é um feixe normativo formado (i) pela regras de apuração do IRPJ e da CSLL (regras de reconhecimento de receitas e despesas, adições e exclusões); (ii) pela regra de compensação de prejuízos fiscais (que integra o feixe da regras de apuração e estabelece a relação entre a regra de apuração do exercício atual e os prejuízos fiscais de exercícios anteriores); (iii) pela regra de ajuste anual (que consolida a relação entre apuração do lucro real e as estimativas e retenções na fonte desse mesmo ano-base) e eventuais regras outras não pertinentes para essa análise”[31]. Assim, os resultados apurados para determinação da base de cálculo do IRPJ não podem ser considerados num único exercício financeiro. Tais resultados devem levar em conta a data do início das atividades da empresa, para que não se tribute o patrimônio da empresa. Disto decorre a necessidade da compensação integral dos prejuízos fiscais experimentados pela empresa ao final do período-base. Roque Antônio Carraza esclarece o assunto, ao tecer as seguintes considerações: “Sujeitar à tributação apenas os lucros obtidos num exercício financeiro, isto é, com desconsideração dos eventos econômicos relevantes, verificados nos anos anteriores, significa, em última análise, admitir o absurdo da hipótese de a pessoa jurídica ser obrigada a pagar imposto (que – tornamos a repetir – incide sobre a renda) ainda que se encontre, considerando-se o termo inicial de suas atividades (e não apenas o período de apuração), em situação de prejuízo”[32]. À mesma conclusão chegou Humberto Ávila: “a comunicação entre os períodos de apuração e a compensação de prejuízos fiscais anteriores em anos-calendário subsequentes são consequências normativas necessárias do conceito de renda como acréscimo patrimonial líquido configurado com base no critério da progressividade. Em outras palavras, nem a incomunicabilidade entre os períodos é imposição constitucional, nem a compensação de prejuízos fiscais é cortesia legal. Ao contrário, a comunicabilidade de períodos e o direito de compensação de prejuízos físicas é que são implicações normativas inafastáveis da ordem constitucional”[33] Sob outra perspectiva, pode-se afirmar que a compensação de prejuízos fiscais configura recomposição do patrimônio da empresa. Dessa forma, somente se poderia falar em acréscimo patrimonial depois de restabelecida a situação patrimonial originária da pessoa jurídica[34]. Nesse sentido, a expressão ‘cumulativamente’ prevista nos art. 15 e 16 da Lei 9.065/95 reforçaria o entendimento de que, na fixação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, a compensação dos prejuízos fiscais poderá ser apurada nos períodos anteriores a 1994. Por tudo que já foi exposto, infere-se que os arts. 42 e 58 da Lei 8.981/95 e os arts. 15 e 16 da Lei 9.065/95, ao limitarem em 30% o direito à compensação de prejuízos fiscais, acabaram por instituir a cobrança do IRPJ e da CSLL sobre o patrimônio da pessoa jurídica, em dissonância com os conteúdos semânticos dos termos ‘renda’ e ‘lucro’ trazidos pela Constituição Federal e em afronta ao art. 43 do CTN. Este também é o entendimento de Paulo Cesar Conrado: “inibir a compensação integral dos prejuízos, além de engendrar um desvirtuamento do conceito de ‘renda’ / ‘lucro’ inscrito no art. 189 da Lei 6.404/76 (malferindo-se, pois, o artigo 110 do Código Tributário Nacional), implica, também (e o que é mais grave), num artificial ‘alavancamento’ do resultado da pessoa jurídica, impondo-lhe, à guisa de IRPJ e CSL, um tributo que não incide sobre a ‘renda’ ou ‘lucros’ verdadeiros, mas sim sobre algo que o legislador quis que fosse considerado como tal”[35]. Contudo, não se pode deixar de registrar os argumentos a favor das normas que limitam o direito à compensação dos prejuízos fiscais acumulados em períodos anteriores. Nessa linha de pensamento, Ricardo Mariz de Oliveira afirma que: “todo empreendimento econômico tem que ser segmentado em seu desenvolvimento temporal, para inúmeros efeitos empresariais e jurídicos, sob pena de que, somente no encerramento definitivo da própria atividade jurídica que se pretende desenvolver através da pessoa jurídica, seria possível determinar com segurança e em definitivo a existência e o montante do incremento patrimonial produzido por tal atividade”.[36] Não obstante as opiniões diversas, somente se poderia falar em acréscimo patrimonial depois de restabelecida a situação patrimonial originária da pessoa jurídica. Ao limitar a dedutibilidade da base de cálculo do IRPJ e da CSLL em trinta por cento do lucro líquido do período-base, os referidos dispositivos infraconstitucionais desconsideram a materialidade destes tributos – o acréscimo patrimonial – e passam a tributar o patrimônio da empresa. Se não houve incremento patrimonial, ou seja, renda tributável, não há que se falar em incidência do IRPJ e da CSLL. Entendemos que é possível determinar o montante do incremento patrimonial no final do exercício com o simples encontro de contas entre o patrimônio originário e o patrimônio final da empresa naquele exercício. Havendo resultado negativo, este deverá ser considerado integralmente nos períodos de apuração subsequentes para fins de compensação, independentemente do lucro apurado no período-base. Ressalte-se, por fim, que a limitação de 30% em comento não é aplicável à compensação de prejuízos fiscais apurados pelas pessoas jurídicas titulares de Programas Especiais de Exportação, aprovados até 3 de junho de 1993 pela Comissão para Concessão de Benefícios Fiscais a Programas Especiais de Exportação –  Befiex (art. 95 da Lei 8.981).   3.2. Prazo para o exercício do direito à compensação de prejuízos fiscais As Leis 8.981/95 e 9.065/95 não delimitaram um prazo para a compensação e geração dos prejuízos fiscais, ao contrário do que fizeram as legislações anteriores. Saliente-se que não há consenso na doutrina acerca da existência ou não de um prazo prescricional ou decadencial para o exercício do direito à compensação. De um lado, Roque Antônio Carraza observa que: “a legislação, corretamente, já não fixa termo ad quem algum para a compensação de prejuízos fiscais, que podem, portanto, ficar pendentes por muitos anos, até virem a ser utilizados”[37]. Ricardo Mariz de Oliveira, por seu turno, admite a aplicação do Decreto 20.910/32 (art. 1º [38]), que dispõe sobre as normas de prescrição e decadência de direitos e ações contrárias às Fazendas Públicas. Para este autor, a limitação temporal prevista no Decreto 20.910/32 é aplicável ao exercício do direito à compensação após a aquisição do mesmo, ou seja, a partir do momento em que a empresa obtenha lucro maior de que o prejuízo fiscal, considerando o limite legal de trinta por cento. Assim, segundo o autor: “a partir do encerramento do período-base que apresente lucro real, e estritamente quanto aos valores de prejuízos fiscais que nele poderiam ser compensados, mas que não o tenham sido, começa a correr o prazo geral de cinco anos para o exercício de direitos contra a Fazenda Pública”[39]. Parece compartilhar do mesmo entendimento Henry Tilbery: “na realidade, não há motivação lógica convincente para impor limite de tempo qualquer para compensação de prejuízos, que deveria ser admitida indefinitivamente (…), apenas com a ressalva de uma possível ligação entre o prazo prescricional e o limite de tempo para compensar prejuízos”[40]. A rigor, por não estabelecer um prazo como fizeram as legislações anteriores e por outorgar uma faculdade ao contribuinte, entendemos não ser aplicável o prazo decadencial de cinco anos disposto no Decreto 20.910/32. 3.3. Jurisprudência No âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), a questão da limitação de 30% na compensação de prejuízos fiscais foi objeto da Súmula 3 editada pelo Conselho de Contribuintes: “Súmula 1ºCC nº 3: Para a determinação da base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e da Contribuição Social sobre o Lucro, a partir do ano-calendário de 1995, o lucro líquido ajustado poderá ser reduzido em, no máximo, trinta por cento, tanto em razão da compensação de prejuízo, como em razão da compensação da base de cálculo negativa”. No âmbito do STJ, a jurisprudência também não é favorável aos contribuintes, como se observa nos seguintes julgados: “PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535, DO CPC. CSLL. BASE DE CÁLCULO NEGATIVA. IMPOSTO DE RENDA. PREJUÍZOS FISCAIS. LIMITES DA COMPENSAÇÃO. ARTS. 42 E 58, DA LEI N. 8.981/95.(…) 2. A limitação da compensação em 30% (trinta por cento) dos prejuízos fiscais acumulados em exercício anteriores, para fins de determinação da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL) e do Imposto de Renda, não se encontra eivada de ilegalidade. Precedentes: EREsp Nº 429.730 – RJ, Primeira Seção, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 9.3.2005; AgRg no Ag 935.250/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 09/09/2008; AgRg no REsp 1027320/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 21/08/2008, DJe 23/09/2008. 3. Recurso especial não provido”[41].      “PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. IMPOSTO DE RENDA E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO. PREJUÍZOS FISCAIS. DEDUÇÃO. LIMITES À COMPENSAÇÃO. LEI 8.981/95. LEGALIDADE. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. INCIDÊNCIA. EXAME DE VIOLAÇÃO À INSTRUÇÃO NORMATIVA. INCABÍVEL EM SEDE DE APELO ESPECIAL.(…) 3. A posição firmada pelo julgado de origem encontra-se alinhada à jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido da legalidade da limitação de 30% imposta pela Lei 8.981/95 na compensação dos prejuízos fiscais acumulados, apurados em exercícios anteriores, para fins de determinação da base de cálculo da CSSL e do IR. 4. Precedentes: REsp 969.061/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJe 04/06/2009, EDcl no AgRg no REsp 925.920/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 21/08/2009; AgRg no REsp 944.427/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJe 25/05/2009; AgRg no REsp 989.015/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO,  DJe 01/12/2008. 5. Agravo regimental não provido”[42]. Confirmando as orientações do CARF e do STJ, o STF julgou constitucional a limitação de 30% na compensação de prejuízos fiscais: “EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS. LIMITAÇÕES. ARTIGOS 42 E 58 DA LEI N. 8.981/95. CONSTITUCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 150, INCISO III, ALÍNEAS "A" E "B", E 5º, XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O direito ao abatimento dos prejuízos fiscais acumulados em exercícios anteriores é expressivo de benefício fiscal em favor do contribuinte. Instrumento de política tributária que pode ser revista pelo Estado. Ausência de direito adquirido 2. A Lei n. 8.981/95 não incide sobre fatos geradores ocorridos antes do início de sua vigência. Prejuízos ocorridos em exercícios anteriores não afetam fato gerador nenhum. Recurso extraordinário a que se nega provimento”[43]. Conforme se observa, o STF, por seu Tribunal Pleno, julgou constitucionais as limitações previstas nos arts. 42 e 58 da Lei 8.981/95 e reconheceu se tratar de um benefício fiscal[44]. Além disso, o STF considerou que o limite de quatro anos para a compensação de prejuízos fiscais dos períodos anteriores não mais persistiria no ordenamento jurídico. À respeito de se encarar a compensação de prejuízos fiscais como um benefício fiscal, Fábio Junqueira de Carvalho e Maria Inês Murgel, se posicionaram no sentido de que: “a compensação de prejuízos não ser encarada como um benefício ou um favor do legislador ordinário ao contribuinte. Ora, se um contribuinte tem perda de 100 em um determinado exercício e no exercício seguinte apura lucro de 50, permanece ele com um déficit de 50, sem ter auferido qualquer acréscimo em seu patrimônio. É imperativo constitucional e de justiça que se promova a compensação integral desse prejuízo, haja vista quem caso isso não ocorra, estar-se-á tributando perda patrimonial. A admissão de compensação não cuida de favor legislativo, mas sim de obediência a conceitos e princípios expressos na nossa Constituição”[45]. Apesar da decisão desfavorável aos contribuintes proferida pelo Tribunal Pleno do STF, é importante destacar que esta decisão: (i) somente tem efeito entre as partes envolvidas no processo; e (ii) não foi analisada à luz do art. 145, § 1º, da CF (princípio da capacidade contributiva). De todo o modo, cumpre enfatizar o voto vencido do Ministro Relator Marco Aurélio, que entendeu pela inconstitucionalidade do art. 42 da Lei 8.981/95: “Vê-se que o teor do citado artigo consagra o recolhimento do imposto de renda, sem que, ante a dinâmica da vida da pessoa jurídica, haja lucro real. Seguramente, a mitigação do instituto viabilizador da redução do lucro líquido dos prejuízos, a compor o nosso cenário jurídico desde 1947 – Lei nº 154 -, acaba por incluir verdadeira ficção no dia-a-dia dos contribuintes que se mostra contrária até mesmo a nomenclatura reveladora do objeto, da base de incidência do próprio tributo – a renda e proventos de qualquer natureza. Vale dizer: se, no balizamento temporal considerado, é encontrada renda que, em vista dos prejuízos acumulados, é absorvida, não se conta com o indispensável fato gerador de tributo, faltando, por isso mesmo, a base de cálculo. A colocação dos prejuízos em simples estado latente, em mera reserva, abstraindo-os no cálculo da renda a ser tributada, implica em última análise, antecipação do tributo, e não cobrança, dado o ano-base a ser perquirido. A atuação do fisco em tal sentido ganha contornos próprios a empréstimo compulsório, sem a existência de lei complementar e dos objetivos que estão previstos de forma exaustiva no artigo 148 da Constituição Federal. Além de suportar o resultado negativo, o contribuinte vê-se forçado a recolher tributo que não corresponde, em si, à renda. O imposto sobre a renda, conforme proclamado nos Recursos Extraordinários nºs 172.058 e 117.887, pressupõe acréscimo patrimonial disponível”[46]. Embora a jurisprudência dominante caminhe no sentido de assegurar a constitucionalidade das normas limitadoras do direito à compensação de prejuízos fiscais, em nenhum momento cogitou-se a hipótese de o contribuinte perder seu direito à compensação dos prejuízos fiscais acumulados, pelo contrário, muitos destes julgados buscam como fundamento de validade a manutenção desse direito à compensação. Por oportuno, cabe destacar que este assunto será novamente analisado pelo Tribunal Pleno do STF no RE 591.340/SP, no qual já foi reconhecida a repercussão geral do tema e foi alegada ofensa aos arts. 145, § 1º, 148, 150, IV, 153, III e 195, I, da Constituição Federal. Esta nova fundamentação poderá, sem dúvida, fazer o STF rever o seu posicionamento anterior, levando em consideração toda a amplitude da discussão constitucional que envolve o tema. Apenas a título ilustrativo, Humberto Ávila cita decisões sobre a limitação de prejuízos fiscais nos tribunais estrangeiros: “o Tribunal Constitucional alemão decidiu que a limitação definitiva da compensação é inconstitucional, por violar o princípio da capacidade contributiva concretizado pelo princípio da tributação da renda líquida disponível. No mesmo sentido, o Tribunal Financeiro de Munique decidiu pela inconstitucionalidade da limitação definitiva quando, em razão da incorporação empresarial, a empresa sucedida não puder aproveitar todo o prejuízo fiscal de exercícios anteriores por causa da restrição percentual à compensação e, por isso, terminar sendo tributada excessivamente”[47]. Não obstante o julgamento do RE 591.340/SP, duas outras questões ainda deverão ser colocada na pauta dos tribunais judiciais. A primeira é o prazo para o exercício do direito à compensação dos prejuízos fiscais, como exposto no capítulo 3.2. A segunda é a não-aplicação das normas limitadoras do direito à compensação por ocasião do encerramento das atividades da pessoa jurídica, como a seguir será exposto. 4. Não-limitação à compensação de prejuízos fiscais na extinção da pessoa jurídica 4.1.  Inaplicabilidade da limitação à compensação de prejuízos fiscais na extinção da pessoa jurídica Apesar da jurisprudência administrativa e judicial ser contrária aos argumentos até agora expostos acerca da inconstitucionalidade e da ilegalidade das normas que limitam em trinta por cento o direito à compensação de prejuízos fiscais, constata-se que esta limitação não deve prevalecer por ocasião do encerramento das atividades da pessoa jurídica[48]. De fato, as Leis 8.981/95 e 9.065/95 não prescrevem expressamente que limitação à compensação dos prejuízos fiscais acumulados é aplicável aos casos de extinção da pessoa jurídica. Tais normas também não prescrevem que a limitação de 30% não se aplica aos casos de extinção da pessoa jurídica. Num primeiro momento, poder-se-ia pensar que se tratar de lacuna da lei. Entretanto, convencido do contrário, Eurico Marco Diniz de Santi, afirma que: “a compensação integral de prejuízos fiscais nos casos de extinção da pessoa jurídica não é caso de lacuna normativa, pois há norma jurídica válida Nd, derivada de normas constitucionais Nx (art. 153, III) e Ny (art. 145, parágrafo 1º). Nem é caso de lacuna axiológica que supõe a existência de uma propriedade relevante em determinado caso concreto (critério axiológico denominado hipótese de relevância) e que foi ignorada pelo sistema jurídico tão somente porque o legislador, quando elaborou a regra, não previu tal propriedade e, se a tivesse previsto, haveria dado uma solução diferente da que o sistema oferece: em vez de solucionar o caso de forma genérica, haveria dado uma solução específica. Ao contrário da lacuna axiológica, a existência normativa válida da norma derivada Nd (compensação plena de prejuízos fiscais no caso de extinção da pessoa jurídica) não se tornou norma expressa no sistema brasileiro justamente porque o legislador tributário, quando elaborou a regra do art. 15 da Lei 9.065, de junho de 1995, em decorrência dos critérios constitucionais impostos pelo conceito de renda e da capacidade contributiva, entendeu desnecessário e redundante regular expressamente que no caso da extinção da pessoa jurídica, o direito à compensação de prejuízos é pleno”[49]. Da análise do histórico legislativo, verifica-se que nunca houve restrição à plena compensação de prejuízos fiscais nos casos de extinção da pessoa jurídica[50]. E não poderia ser diferente. Por ocasião do encerramento das atividades da empresa, não haveria meios dos prejuízos fiscais serem utilizados nos anos posteriores, como determina a legislação. Dessa forma, a interpretação sistemática do termo ‘renda’ e do princípio da capacidade contributiva, assim como entendeu Eurico Marco Diniz de Santi, leva a conclusão de que a limitação prevista nas Leis 8.981/95 e 9.065/95 não é aplicável aos casos de extinção da pessoa jurídica. A mesma posição é defendida por Pedro Anan Júnior[51] e Igor Mauler Santiago[52], Como se vê, o critério continuidade da pessoa jurídica é de suma importância para a aplicação ou não da norma que restringe a compensação de prejuízos fiscais. Apesar de não haver tratamento expresso na legislação atual, este critério pode servir como premissa para fundamentar as decisões judiciais e administrativas sobre o tema. 4.2. Vedação à compensação de prejuízos fiscais nos casos de incorporação, fusão ou cisão Outro argumento que reforça a conclusão de que as normas limitadoras do direito à compensação de prejuízos fiscais não devem ser aplicadas por ocasião do encerramento das atividades da empresa é que o art. 33 do Decreto 2.341/ 87 veda a possibilidade da pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão compensar os prejuízos fiscais da pessoa jurídica sucedida. Tal determinação foi repetida no art. 514 do RIR/99: “Art. 514.  A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida (Decreto-Lei nº 2.341, de 1987, art. 33). Parágrafo único.  No caso de cisão parcial, a pessoa jurídica cindida poderá compensar os seus próprios prejuízos, proporcionalmente à parcela remanescente do patrimônio líquido (Decreto-Lei nº 2.341, de 1987, art. 33, parágrafo único)”. Se a lei proíbe a empresa sucessora por incorporação, fusão ou cisão compensar o montante dos prejuízos fiscais acumulados da empresa sucedida, qualquer restrição à compensação pela pessoa jurídica extinta configuraria tributação do patrimônio e não propriamente da renda. Convém salientar que a vedação prevista no art. 33 do Decreto 2.341/ 87 somente pode ser aplicada às bases negativas CSLL a partir da entrada em vigor da MP 1.858-6/99, que passou a prever, em seu art. 20, a aplicação “à base de cálculo negativa da CSLL o disposto nos arts. 32 e 33 do Decreto-Lei nº 2.341, de 29 de junho de 1987”. Disto decorre que, até o advento da referida medida provisória, não havia impedimento legal para que a empresa sucessora por incorporação, fusão ou cisão pudesse compensar a base de cálculo negativa da CSLL, razão pela qual a compensação era permitida[53]. A questão referente à legalidade do art. 33 do decreto 2.341/ 87 não será objeto do presente estudo. Contudo, vale destacar que este tema já foi objeto da jurisprudência da Segunda Turma do STJ: “TRIBUTÁRIO – COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS – SUCESSÃO DE PESSOAS JURÍDICAS – INCORPORAÇÃO E FUSÃO – VEDAÇÃO – ART. 33 DO DECRETO-LEI 2.341/87 – VALIDADE – ACÓRDÃO – OMISSÃO: NÃO-OCORRÊNCIA. (…) 2. Esta Corte firmou jurisprudência no sentido da legalidade das limitações à compensação de prejuízos fiscais, pois a referida faculdade configura benefício fiscal, livremente suprimível pelo titular da competência tributária.  3. A limitação à compensação na sucessão de pessoas jurídicas visa evitar a elisão tributária e configura regular exercício da competência tributária quando realizado por norma jurídica pertinente (REsp 1107518 / SC. Rel Ministra Eliana Calmon. data do julgamento 06.08.09. DJE 25.08.09)”. Apesar do entendimento da Segunda Turma do STJ acima citado, entendemos que qualquer restrição à compensação pela pessoa jurídica não se coaduna com os conceitos de renda e lucro. Até mesmo os autores mais legalistas admitem que a lei não poderia vedar a compensação de prejuízos nos casos de incorporação: “no caso de incorporação, a legislação fiscal deveria permitir a incorporadora compensar os prejuízos fiscais da incorporada, proporcionalmente à sua participação societária desde que tenha o controle do capital há mais de cinco anos. Ninguém irá fazer um empreendimento com vista a obtenção de prejuízo. O prejuízo é uma fatalidade”[54]. De todo o modo, passa-se a análise da jurisprudência acerca da limitação do direito à compensação de prejuízos fiscais nos casos de extinção da empresa. 4.3. Jurisprudência No âmbito CARF, a limitação de 30% à compensação dos prejuízos fiscais acumulados nos casos de extinção da pessoa jurídica parece não estar pacificada. No julgamento do processo 13807.003133/2004-36, a 5ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes entendeu que a limitação de 30% na compensação de prejuízos fiscais deveria ser aplicada em qualquer hipótese, inclusive nos casos de extinção da pessoa jurídica: “INCORPORAÇÃO – DECLARAÇÃO FINAL – Inexiste amparo para, a luz da legislação que rege a matéria, se proceder, em virtude do desaparecimento da empresa em decorrência de reorganização societária, a compensação dos prejuízos fiscais sem observância do limite de 30% a que se reporta o artigo 15 da Lei nº 9.065, de 1995. No contexto do ordenamento jurídico-tributário, em homenagem ao princípio da legalidade, o silêncio da lei não pode ser preenchido pelo seu intérprete, mormente na situação em que tal interpretação objetiva assegurar direito não contemplado, nem mesmo pela via de exceção, nos diplomas legais que regem a matéria. Recurso negado”. (Quinta Câmara/Primeiro Conselho de Contribuintes. Ac. 105-15.908 Data da sessão 16.08.06). Contudo, a jurisprudência majoritária deste órgão administrativo caminha no sentido de que a limitação não pode ser imposta aos casos de extinção da pessoa jurídica, mas tão-somente aos casos em que a empresa permanece com suas atividades regulares: “IRPJ CSLL COMPESAÇÃO DE PREJUÍZO FISCAIS E BASES DE CÁLCULO NEGATIVAS APURADAS EM PERÍODOS ANTERIORES. CISÃO. INAPLICABILIDADE DA LIMITAÇÃO. Constitui pressuposto da aplicação da limitação à compensação de prejuízos fiscais e bases negativas acumuladas a continuidade das atividades do contribuinte e a paulatina apropriação dos prejuízos. Nas hipóteses de cisão, fusão e incorporação, com a consequente extinção da personalidade jurídica da sucedida, não se faz possível a aplicação do limitador, dês que tal determinaria o fenecimento do direito do contribuinte. Precedentes deste Conselho” (Sétima Câmara/Primeiro Conselho de Contribuintes. Ac.107-09447. Data da sessão13.08.08). “COMPENSAÇÃO DE DÉBITOS DE TERCEIROS. Não são de terceiros os débitos de uma mesma pessoa jurídica apenas com estabelecimentos diversos conforme separação determinada no regulamento do IPI. IRPJ – COMPENSAÇÃO DE PREJUIZO FISCAL – LIMITE DE 30% – EMPRESA INCORPORADA. A lei não traz qualquer exceção a regra que limita a compensação dos prejuízos fiscais à 30% do lucro líquido ajustado. Entretanto, havendo o encerramento das atividades da pessoa jurídica em razão de incorporação, não haverá meios dos prejuízos serem utilizados em anos subsequentes, como determina a legislação. Neste caso, tem-se como legítima a compensação da totalidade do prejuízo fiscal, sem a limitação de 30%. Recurso voluntário provido” (Primeira Câmara/Primeiro Conselho de Contribuintes. Ac. 101-95872. Data da sessão 09.11.06). "INCORPORAÇÃO – DECLARAÇÃO FINAL DA INCORPORADA – LIMITAÇÃO DE 30% NA COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS – INAPLICABILIDADE – No caso de compensação de prejuízos fiscais na última declaração de rendimentos da incorporada, não se aplica a norma de limitação a 30% do lucro líquido ajustado. Recurso provido." (Segunda Turma/Segunda Câmara. Ac. 108-06682. Data da sessão 20.09.01). Recentemente, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF proferiu uma polêmica decisão, segundo a qual: “não há previsão legal que permita a compensação de prejuízos fiscais acima deste limite, ainda que seja no encerramento das atividades da empresa”[55]. Contudo, este entendimento é equivocado porque a limitação à compensação dos prejuízos fiscais somente pode alcançar as empresas que se encontram em funcionamento normal. Aplicar a norma que limita em 30% a compensação dos prejuízos fiscais acumulados nos casos de extinção da pessoa jurídica afronta nitidamente o conceito constitucional de renda e os princípios da capacidade contributiva e da vedação ao confisco. Não obstante as decisões conflitantes no âmbito do CARF, esta discussão ainda não chegou ao Poder Judiciário. Se o STF, no âmbito de sua competência, seguir a jurisprudência majoritária do CARF, deverá garantir às empresas extintas a inaplicabilidade da limitação de trinta por cento na compensação de prejuízo fiscal em sua última declaração, em homenagem aos princípios constitucionais tributários e o conceito constitucional de renda. Ainda que o Tribunal Pleno do STF, no julgamento do RE 591.340/SP, entenda pela constitucionalidade das normas que limitam em 30% o direito das empresas à compensação de prejuízos fiscais, cremos que estas normas deverão continuar inaplicáveis nos casos de encerramento das atividades da pessoa jurídica. Conclusão A competência constitucional conferida à União Federal para instituir o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza deu liberdade ao legislador infraconstitucional para criar a RMIT deste imposto de acordo com os conteúdos semânticos do termo ‘renda’ traçados pela própria Constituição Federal. Muito embora não exista um conceito de renda e de proventos de qualquer natureza expresso na Constituição Federal, pode-se afirmar que os limites semânticos do termo ‘renda’ pressupõem um acréscimo patrimonial e um lapso temporal para a comparação do patrimônio inicial e final da pessoa física ou jurídica. A partir dessas premissas, pode-se construir um conceito constitucional de renda para, então, se delimitar a hipótese de incidência do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Com efeito, as Leis 8.981/95 e 9.065/95 instituíram uma norma limitadora do direito à compensação de prejuízos fiscais das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL das empresas que estão sujeitas à tributação pelo lucro real.  Como se viu, a legislação do imposto sobre a renda, ao longo de décadas, adotou vários regimes de compensação de prejuízos fiscais. Contudo, as modificações no regime de compensação de prejuízos fiscais introduzidas pelas Leis 8.981/95 e 9.065/95 estão em desacordo com o conceito constitucional de renda e acabaram por tributar valores que não representam efetivo acréscimo patrimonial. Demonstrou-se que a compensação de prejuízos fiscais configura recomposição do patrimônio da empresa. Sendo assim, somente se poderia falar em acréscimo patrimonial depois de restabelecida a situação patrimonial originária da pessoa jurídica. Não há, de fato, um prazo para o exercício do direito à compensação de prejuízos fiscais expresso nas Leis 8.981/95 e 9.065/95, como fizeram as legislações anteriores. Por outorgar uma faculdade ao contribuinte, concluiu-se pela não aplicação do prazo decadencial previsto do Decreto 20.910/32. Apesar de o Tribunal Pleno do STF ter decidido no RE 344.994/PR que a limitação à compensação de prejuízos fiscais prevista na Lei 8.981/95 é constitucional, destacou-se que a decisão somente tem efeito entre as partes envolvidas no processo e que ela não foi analisada à luz do art. 145, § 1º, da CF. Não obstante a decisão acima referida, o Tribunal Pleno do STF poderá rever seu posicionamento no julgamento do RE 591.340/SP. Como serão analisados novos fundamentos, há grande probabilidade de o STF julgar inconstitucionais os art. 42 e 58 da Lei 8.981/95 e arts. 15 e 16 da Lei 9.065/95 Por outro lado, as normas que limitam em trinta por cento o direito à compensação de prejuízos fiscais não devem ser aplicadas por ocasião do encerramento das atividades da pessoa jurídica. Isso porque não haveria meios desses prejuízos fiscais serem compensados nos anos posteriores pela empresa extinta e a legislação proíbe expressamente a utilização desses prejuízos fiscais pela empresa sucessora. Nesse caso, a jurisprudência do CARF parece caminhar a favor dos contribuintes. É de suma importância lembrar que em nenhum momento as normas que dispõem sobre a compensação de prejuízos fiscais cogitaram a hipótese de vedar este direito do contribuinte. Em última análise, independentemente do conteúdo das normas restritivas do direito à compensação de prejuízos fiscais, é certo que o contribuinte poderá pleitear na via judicial a restituição do tributo pago indevidamente.
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A desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal
As recentes decisões dos Tribunais mostram que é constante a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal inicialmente proposta somente contra a pessoa jurídica. A doutrina não concorda com tal prática jurisprudencial, alegando que a utilização da teoria na execução fiscal em curso prejudica o devido processo legal. Apesar da freqüente aplicação, os Tribunais não se preocupam em especificar as razões do uso da teoria, nem abordar seu procedimento, com objetivo de rebater as críticas doutrinárias. O presente texto propõe-se a tais explicações da correta interpretação da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da execução fiscal, com a correta interpretação da lei.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O assunto da desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal é objeto de muita controvérsia. As discussões começam no campo doutrinário e ganham efetividade nos tribunais, que em sua maioria, aplicam as considerações doutrinárias de maneira diversa, sem, contudo, interpretá-las ou justificá-las. Esta foi, pois, a razão principal da escolha do tema: analisar os aspectos gerais bem como a divergência de entendimentos entre doutrina e jurisprudência. Os Tribunais aplicam a desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal como se fosse um tema pacificado, não se importando com as críticas doutrinárias, e nem fundamentando o seu posicionamento de forma a ilidir com as críticas propostas. Antes de adentrarmos ao tema proposto, necessário se faz uma rápida conceituação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, partindo do conceito de pessoa jurídica e seus princípios, natureza jurídica, histórico, bem como a desconsideração em outros institutos legais, objetivando o não acobertamento de fraudes e abusos de direito, com a observância do devido processo legal. 1 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 1.1 Histórico Segundo o doutrinador César Fiuza (2009) “O estudo das pessoas jurídicas começa pelo Direito Romano, embora a noção nele havida de pessoa jurídica seja bastante embrionária”. (p. 142). Segundo ainda esse referido autor, a idéia de pessoa jurídica começou a se desenvolver com a expansão territorial romana, o que, mais ou menos, coincide com o início da época clássica e do chamado Direito Clássico. Isso ocorre por volta do século II a.C e se estende até, mais ou menos, 300 d.C. Quando Roma iniciou a conquista das cidades italianas, passou a lhes outorgar estatutos e certa autonomia. De outra parte, porém, retirava-lhes toda a soberania, anulando sua existência política, na medida em que passavam a integrar o Estado Romano. Com a perda da soberania, do imperium, a cidade passava a receber o mesmo tratamento dispensado aos cidadãos, em relação aos atos que praticava. Sendo assim, para que alguém detivesse capacidade jurídica e, portanto, em termos de hoje, o status de pessoa, era necessário que tivesse patrimônio próprio e que pudesse agir em juízo, ainda que representado por actor ou syndicus. Finalmente, o próprio Estado Romano adquire esta capacidade, começando também a receber tratamento igual ao que dispensaria aos cidadãos, em suas relações patrimoniais. Esse processo de dar tratamento igual ao dispensado aos cidadãos, nas relações patrimoniais dos municípios, das corporações e, finalmente, do Estado, ocorreu paulatinamente, por etapas, primeiro em algumas relações patrimoniais, depois em outras, até se chegar à totalidade. O termo pessoa jurídica, contudo, não foi empregado no Direito Romano. Nem mesmo o termo pessoa, para designar as pessoas jurídicas. Os textos da época, que utilizam a palavra persona, para designar colégios e as corporações, são nitidamente interpolações, isto é, foram reescritos em época posterior, com interferências de que os reescreveu. Saliente-se que a própria ideia pessoa, no Direito Romano, ainda não estava bem desenvolvida, mesmo em relação às pessoas físicas. A palavra persona era destinada, mesmo em relação às pessoas físicas. A palavra persona era destinada a designar qualquer ser humano, livre ou escravo, enquanto relacionado a uma função, fosse de cidadão, a de pater-família, a de falius-familiae etc. Vê-se, pois, que a palavra pessoa não se referia ao individuo em si. Ademais, a noção de pessoa estava ligada à de capacidade. Segundo alguns, somente no período pós-clássico, que se estendeu de, mais ou menos, 300 d.C. até 565, é que o termo pessoa adquiriu um significado mais semelhante ao moderno, mas, de todo modo, restrito ao ser humano livre. Finalizando, deve ser dito que a expressão mesma, pessoa jurídica, só veio a ser utilizada no início do século XIX, pelo alemão Heise, em substituição a outras, tais como pessoa moral, pessoa mística etc. Ganhou popularidade pela obra de Savigny. Apesar disso, alguns ordenamentos continuam a não empregar o termo pessoa jurídica. Neste rol, podemos citar Portugal e França. 1.2 Natureza Jurídica Existem muitas teorias para explicar a natureza das pessoas jurídicas. Para entendermos melhor o tema, será preciso verificar as teorias que tratam a respeito disso. Primeiramente, podemos discorrer sobre as terias negativistas, negando a existência da pessoa jurídica, enquanto sujeito de direitos. O eminente doutrinador César Fiúza, descreve pormenorizadamente as teorias no qual não podemos deixar de mencioná-las, para demonstrar a divergência da correta classificação da natureza jurídica da pessoa jurídica. Vejamos: 1° – Teria da ficção – É a teoria clássica, originada no Direito Canônico, com base no direito romano. Segundo ela, pessoa jurídica é mero fruto da imaginação, expediente técnico, sujeito aparente, sem qualquer realidade. As pessoas jurídicas não passam de projeção de nossa mente, de pura abstratação. 2° – Teoria da equiparação – Para esta corrente, pessoa jurídica é, na verdade, não pessoa, mas patrimônio equiparado às pessoas naturais para facilitar o tráfego dos negócios jurídicos. 3° – Teoria da propriedade coletiva ou ficção doutrinária – As pessoas jurídicas não passam de simples forma, por meio do qual a pessoa de seus membros manifesta suas relações com o mundo externo. Na verdade, os direitos constitutivos do pratrimônio da pessoa jurídica têm como titulares seus próprios membros componentes. 4° – Teoria de Duguit – Duguit nega a existência dos direitos subjetivos. Por via de consequência, caem por terra todas as idéias que lhe são conexas. Para ele, os fundamentos do que se chama pessoa jurídica se acham vinculados à necessidade de se proteger situações em que determinada riqueza se vincule a objeto lícito. 5° – Teoria de Kelsen – Como Duguit, tampouco Kelsen admite a idéia de Direito Subjetivo. De acordo com sua concepção, inexistem pessoas, tanto naturais, quanto jurídicas. O que há são centros de deveres e faculdades jurídicas, expressas pelo Direito Objetivo. A estes centros, costuma-se denominar pessoas, o que é recurso artificial e auxiliar, do que se pode prescindir. Já um segundo grupo de teorias, denominadas organicistas ou realistas, pretende provar a existência da pessoa jurídica, como realidade. 1° – Teoria da realidade objetiva – A pessoa jurídica é tão pessoa quanto as pessoas naturais, do ponto de vista objetivo. No mundo há organismos vivos e organismos sociais. Os organismos sociais teriam vontade própria, expressão da vontade de seus membros. Essa vontade deve ser protegida pelo Direito, que regula, assim, as pessoas jurídicas, enquanto sujeitos dotados de vontade. O Direito não as criou. Apenas declarou e regulou sua existência. Elas têm vontade própria e existência autônoma. 2° – Teoria ligada ao conceito de sujeito de direito ou teoria do interesse – Sustentada por Michoud, dentre outros, nega a teoria voluntarista, afirmando que não é a vontade o elemento protegido pelo Direito, mas seu conteúdo, ou seja, o interesse representado pela vontade. Assim, o Direito protegeria os interesses do indivíduos, unificados na pessoa natural, e os interesses de grupos de indivíduos, unificados na pessoa jurídico. 3° – Teoria da realidade das instituições jurídicas ou da realidade jurídica – Esta teoria, também chamada de teoria da realidade jurídica ou técnica, é a mais aceita hoje em dia, pois são consideradas pessoas jurídicas as realmente assim criadas pelo Direito, ou melhor, só somos pessoas porque o Direito assim o quer, pois se não o quisesse, não seríamos pessoas. (FIUZA, 2009). Nota-se a divergência de teorias, bem como os acertos e erros de cada uma, sendo que, a, mas plausível é a teoria da realidade das instituições jurídicas por tratar a personalidade jurídica pelo fato de o Direito atribuir esse fenômeno na própria lei. 1.3 Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica Necessário foi a criação de um mecanismo jurídico para coibir o uso da autonomia patrimonial para fim de prejudicar credores e terceiros. Surgiu então a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que considerou que as pessoas jurídicas, inobstante apresentarem gestão autônoma, apresentam sua vontade subordinada aos sócios que as controlam, ou seja, a vontade da pessoa jurídica nada mais é que o reflexo da vontade de seus sócios. Assevera César Fiuza: “A inteligência humana criadora e produtiva também tem seu reverso. Logo se apercebeu que a segurança atribuída pela personalidade jurídica, no que tange à separação patrimonial e à limitação da responsabilidade de seus membros poderia ser utilizada para fins diversos dos sociais. A partir daí, surge uma teoria que visa considerar ineficaz a estrutura da pessoa jurídica quando utilizada desvirtuada mente.” (FIUZA, 2009, p. 153). A teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi introduzida no Brasil por Rubens Requião, que no início da década de 1970, apresentou o primeiro estudo sobre o tema, defendendo a aplicação da teoria originária do direito anglo-saxão às particularidades do direito brasileiro. Nas palavras do autor, “como ponto de partida para conceituar a doutrina do disregard ou da penetração, é necessário convir que as pessoas jurídicas, sobretudo no que concerne ao direito brasileiro, constituem uma criação da lei. A personalidade jurídica trata-se de uma invenção jurídica que exige que se desenvolvam e apliquem regras adequadas para seu uso. Essas regras, porém, não devem converter-se em imperativos. Não se deve permitir que seu emprego destrua valores a que o direito reserva hierarquia superior. Dessa forma, é que desconsideração da personalidade jurídica ganhou efetividade no direito pátrio, primeiro na jurisprudência e depois em diversos diplomas legais, tais como o artigo 28 da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), artigo 18 da Lei 8.884/1994 (Lei Antitruste) e artigo 4° da Lei 9.605/1998 (Lei do Meio Ambiente). Mais recentemente, a teoria da desconsideração da personificação jurídica foi admitida de maneira geral pelo artigo 50 do Código Civil de 2002, que trouxe mais segurança para que o aplicador do direito possa se utilizar da teoria nos casos concretos em que ela for cabível. Os pressupostos para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica são, basicamente, dois: a consideração da pessoa jurídica e a fraude ou abuso de direito. Só pode ser desconsiderada a pessoa jurídica que, regularmente adquiriu personalidade por concessão da lei. A fraude e o abuso de direito que levam à desconsideração são aqueles não permitidos nem tolerados pelo direito e pela comunidade. Deve haver excessiva ofensa aos princípios jurídicos. É preciso a prova do desvio da função da pessoa jurídica. O sócio é atingido porque a atuação fraudulenta ou abusiva foi dele e não da pessoa jurídica – seus interesses eram distintos, sendo que a sociedade funcionou como simples anteparo para alcance da sua vontade. No direito brasileiro coexistem duas teorias sobre a desconsideração: a Menor e a Maior, originalmente apresentadas por Fábio Ulhoa Coelho. A teoria Menor tem como pressuposto simplesmente o descumprimento do crédito pela pessoa jurídica, por insolvência ou falência. O seu raciocínio é simplista e não se preocupa em distinguir a utilização correta da fraudulenta, nem a existência ou não do abuso da forma da pessoa jurídica. Já a Teoria Maior é mais condizente com o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, buscando preservar ao máximo o princípio da autonomia patrimonial, limitando seu afastamento às hipóteses abusivas ou fraudulentas. Assim, na grande maioria dos casos de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, há a exigência da prova do abuso ou fraude, com a limitação da responsabilidade aos sócios gerentes e administradores, eis que eles controlam a pessoa jurídica e podem manipular fraudulentamente sua atividade. 1.4 Aspectos Processuais da Desconsideração da Personalidade Jurídica A efetivação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica no processo precisa obedecer aos dois princípios constitucionais do direito processual: o contraditório, abrangendo a ampla defesa e o devido processo legal. O contraditório está previsto no art. 5°, LV, da CF/88 e o devido processo legal, no art. 5°, LIV, da CF/88. A exigência do contraditório, para obedecer ao devido processo legal está em que a desconsideração da personalidade jurídica é uma sanção aplicada ao sócio por ato ilícito por ele cometido. A desconsideração pode ser aplicada em várias fases do processo, sendo que o contraditório será exercido de diferentes maneiras, dependendo da fase. De acordo com Marcio Souza Guimarães quatro são as formas de efetivação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito: a) desconsideração direta; b) desconsideração incidental; c) desconsideração “ inversa” e d) desconsideração indireta. A desconsideração direita acontece quando a responsabilidade do sócio é auferida de plano e o seu nome já é incluído no pólo passivo da demanda logo com a sua propositura. A desconsideração inversa ocorre quando em vez de o sócio se utilizar da sociedade como escudo protetivo, passa a agir ostensivamente, escondendo seus bens na sociedade, ou seja, o sócio não mais se esconde, mas sim a sociedade é por ele ocultada. A desconsideração indireta visa impedir a fraude através do agrupamento de pessoas jurídicas. A desconsideração incidental é a mais comum e também a que mais questionamentos traz. Na grande maioria das vezes, não será possível perceber a atuação irregular do sócio inicialmente, de maneira que, a demanda será proposta somente em face da pessoa jurídica. A discussão se dá sobre como será efetivada essa desconsideração: haverá necessidade de demanda autônoma para apurar a responsabilidade do sócio ou poderá ser decretada a penetração no patrimônio pessoal do sócio no mesmo processo, de maneira incidental? Prepondera a inclusão do sócio de maneira incidental, devendo ser instaurado incidente cognitivo no processo de execução, para que se apure, em contraditório, o preenchimento dos pressupostos legais que autorizam a aplicação da teoria, não se olvidando da garantia da ampla defesa. 2. A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Execução Fiscal 2.1 Conceito de Execução Fiscal A execução fiscal é procedimento especial para a cobrança do crédito da Fazenda Pública. Está regulada pela Lei 6.830/80 – Lei de Execuções Fiscais (LEF). Apesar da especialidade procedimental, é possível inserir a execução fiscal como subespécie de execução singular forçada por quantia certa, com base em título executivo extrajudicial, possuindo, portanto, as mesmas bases estruturais traçadas pelo Código de Processo Civil (CPC).  A pretensão da Fazenda Pública, de cobrar seu crédito através de uma ação própria tem como base legal o art. 5.º, XXXV, da CF/1988, o art. 3.º do CPC e o art. 1.º da LEF. Os parâmetros da legalidade devem sempre ser obedecidos. Assim, dispondo a Fazenda de um crédito não satisfeito espontaneamente pelo obrigado, surge o direito abstrato de provocar a tutela jurisdicional executiva para promover a atuação da norma que satisfará o direito material violado, obedecendo às regras gerais do devido processo legal. A execução fiscal tem como objeto o crédito fazendário regularmente inscrito como dívida ativa. Essa dívida ativa pode ser tributária ou não-tributária. A dívida ativa tributária compreende impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios, contribuições sociais, multas tributárias e juros, que se acrescem ao principal. A dívida ativa não-tributária compreende os créditos resultantes de obrigações vencidas, desde que previstas em lei, regulamento ou contrato. A diferença entre a dívida ativa tributária e a não-tributária não é o foco dessa análise; importa-nos somente que a pretensão da Fazenda Pública seja oriunda de inscrição legal da certidão de dívida ativa. Segundo Humberto Theodoro Júnior, o procedimento da LEF não é de acertamento e condenação, mas de pura execução forçada, somente sendo admitido seu uso pela Fazenda Pública depois da adequada apuração administrativa de seu crédito, seguida de inscrição em dívida ativa. (HUMBERTO, 2006). A inscrição é o ato que transforma o débito em dívida ativa. É ato unilateral da Administração Pública, através do qual há a autoconstituição de seu título de crédito. Deve nascer a partir de um crédito da Fazenda Pública, vencido e não pago, devidamente individualizado e examinado pelo órgão competente. À individualização e exame dá-se o nome de lançamento. O lançamento nada mais é do que o “procedimento administrativo destinado a tornar líquida a obrigação nascida com a ocorrência do fato gerador”. Importa mencionar que o “procedimento” para verificação da legalidade da inscrição em dívida ativa não envolve matéria de direito processual civil, dando-se apenas no campo do direito administrativo. Entende-se assim porque o “procedimento” cuida apenas de ato, ou conjunto de atos, até a inscrição da dívida e remessa das certidões ao órgão competente para propositura da ação de execução em juízo. A certidão de dívida ativa (CDA) é o documento autorizador do ajuizamento, pela Fazenda Pública, da cobrança judicial através do rito especial da LEF. Deve obedecer aos requisitos previstos no art. 2.º, § 5.º, da LEF. Conforme Carlos Henrique Abrão: “A determinação legal visa dar à CDA a transparência inerente a todos os títulos de crédito, complementando o termo de inscrição da dívida ativa e garantindo a exigibilidade do quantum apurado”. Sendo regularmente inscrita, a dívida ativa – e consequentemente a CDA – goza da presunção de certeza e liquidez. Tal presunção ocorre devido à unilateralidade da formação do título executivo, o que ocorre sem a declaração do reconhecimento do débito, e que obedece aos parâmetros da legalidade. Presume-se que o ato pelo qual a Administração Pública cria seu título executivo é digno de fé. No entanto, esta presunção pode ser afastada, cabendo ao sujeito passivo da relação processual ou a terceiro interessado desfazê-la, através de prova inequívoca produzida em embargos à execução ou em embargos de terceiro. 2.2 Críticas Doutrinárias à Aplicabilidade da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica na Execução Fiscal Agora serão apresentadas as críticas doutrinárias feitas à jurisprudência dominante. Para a doutrina, a possibilidade do uso da desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal começa com a admissibilidade da aplicação da teoria ao direito material fiscal, contido nas regras tributárias, especialmente as do CTN. A desconsideração da pessoa jurídica é vista como sanção imposta ao sócio controlador da sociedade, eis que ele teve conduta ilícita, dolosa ou culposa, e quis o resultado ilícito perpetrado através do excesso de poderes, infração à lei, contrato social ou estatuto, ou dissolução da sociedade de maneira irregular. Havendo confusão patrimonial ou simulação causadora de prejuízo a terceiro, autorizada está a invocação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. A desconsideração da personalidade jurídica é, assim, uma sanção instrumental, que visa alcançar diretamente os sócios, com responsabilização de seu patrimônio pessoal. As objeções à aplicabilidade da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do direito tributário são bem resumidas pela doutrina. No direito tributário brasileiro, reinam os princípios da estrita legalidade e da tipicidade. Impossível, pois, seria a formulação jurisprudencial de uma teoria da desconsideração da personalidade jurídica, baseada na eqüidade e na justiça. A aplicação da teoria no direito tributário esbarraria na franca incompatibilidade com a legalidade exigida. A maior celeuma doutrina-jurisprudência se dá em face do disposto no art. 135, III, do CTN, já anteriormente elucidado e pormenorizado na aplicação prática dada a ele pelos Tribunais. Diante disso, as considerações feitas a seguir restringem-se à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal, autorizada pelo direito material tributário no dispositivo em questão – conforme entendimento dos Tribunais, duramente criticado pela doutrina. Como doutrinador contrário a aceitar que a desconsideração da personalidade jurídica está autorizada pelo art. 135, III, do CTN merece destaque Heleno Taveira Tôrres. O autor até aceita a aplicabilidade da teoria da desconsideração ao direito tributário, mas se nega a admitir que ela ocorra no referido dispositivo. Nas palavras do autor: “[..]o art. 135 não resguarda qualquer equivalência com controle sobre simulação, interposição fictícia de pessoas ou de fraude à lei, […]. Nestes termos, o art. 135, do CTN, ao não se prestar como mecanismo de superação do modelo de separação patrimonial adotado pela legislação mercantil, não pode ser alegado para tais fins”. (TORRES, 2005, p. 120). A doutrina diz que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica trata-se de exceção justificada, e o Poder Judiciário brasileiro não precisa adotar a exceção quando já existem regras que regulam situações nas quais se poderiam recorrer à teoria. Como uma dessas regras, pode ser lembrada a contida no art. 135 do CTN. Para a doutrina, portanto, o art. 135, III, do CTN está sempre a autorizar a co-responsabilidade tributária, quando o sócio assumirá a dívida contraída por ato ilícito seu juntamente com a pessoa jurídica, não se tratando de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. No entanto, como já anteriormente apontado, a jurisprudência admite o art. 135, III, do CTN como dispositivo expressamente autorizador da desconsideração da personalidade jurídica em matéria fiscal-tributária, quando os atos descritos no caput do artigo são praticados de modo a impedir a satisfação da execução fiscal originalmente proposta contra a pessoa jurídica. Mesmo na falta de título executivo extrajudicial específico em nome do sócio administrador, a jurisprudência admite o redirecionamento, e não considera, com isso, ofendidos os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois garante ao sócio um meio de debater a matéria – os embargos do executado. Dessa forma, acreditamos que o artigo 135 do Código Tributário Nacional deixa explícito que a responsabilidade pessoal dos sócios – gerentes e diretores não são simplesmente objetiva, pois, exige o ato doloso ou culposo para que lhe possam ser validamente imputados o dever de saldar, com bens particulares, divida fiscal da sociedade. Sendo assim, o sócio-gerente é responsável, por substituição, não por ser sócio, mas por, na condição de gestor de bens alheios, acabar praticando atos com excesso de poderes ou infração à lei ou, ainda, estranhos ao contrato social ou estatuto. Nesse passo, se o gerente abandona a sociedade sem quitar os débitos, o fato ilícito que o torna responsável por substituição não é a simples inadimplência de obrigações, mais sim, a dissolução irregular da pessoa jurídica. Salienta Hugo de Brito Machado: “a simples condição de sócio não implica responsabilidade tributária. O que gera a responsabilidade, nos termos do art. 135, III, do CTN, é a condição de administrador de bens alheios. Por isto a lei fala em diretores, gerentes ou  representantes. Não em sócios. Assim, se o sócio não é diretor, nem gerente, isto é, se não pratica atos de administração da sociedade, responsabilidade não tem pelos débitos tributários.” (MACHADO, 2000, p. 125-126). Não basta ser diretor, ou gerente, ou representante. Faz-se necessário que o débito tributário em questão resulte de ato praticado com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos. Assim, não se pode deduzir do artigo 135, III, do CTN que este encerre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pois apenas cuida da responsabilidade pessoal daqueles que representam a pessoa jurídica quando agem com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. (PAULSEN, 2009). Nesse passo, não é suficiente, para tipificar a responsabilidade do sócio-gerente, o inadimplemento da sociedade, porque este pode decorrer do risco natural dos negócios, risco esse, pressuposto na própria natureza da sociedade por cotas de responsabilidade limitada. É preciso que comprove a conduta dolosa ou fraudulenta de seu sócio-gerente ou diretor. Aí esta a razão pela qual entendemos que há um grande equívoco de todos aqueles que enquadram a simples mora como elemento representativo da infração à lei a que se refere o artigo 135 do CTN. Assim, o simples inadimplemento da obrigação tributária não pode merecer a amplitude descaracterizada, de forma a “ encaixar” nos termos do art. 135 do CTN que, ao invés de  incorporar a natureza jurídica de uma atribuição de responsabilidade solidária, reflete a clara e fiel imagem de uma subjetividade excepcional, calcada na responsabilidade  subjetiva, em que os sócios-gerentes ou diretores somente terão seus bens pessoais em caso de dolo ou fraude comprovada. CONCLUSÃO A grande discussão sobre a responsabilização dos sócios mediante o instituto da desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal originalmente proposta contra a pessoa jurídica se dá em torno da estrita legalidade e da tipicidade, características do direito tributário. Admitir a desconsideração da personalidade jurídica nos moldes como foi originalmente concebida – com utilização da eqüidade – seria afrontar as bases do direito tributário, fonte criadora dos créditos da Fazenda Pública, executados através da execução fiscal. A maioria da doutrina não admite que haja no ordenamento jurídico tributário a expressa previsão da possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica no curso da execução fiscal, quando os bens da sociedade não forem suficientes à satisfação da dívida. Apesar de a jurisprudência manifestar no sentido contrário da doutrina majoritária. Sendo assim, conforme já exposto, aplica-se a responsabilização (e não desconsideração) do sócio-gerente ou diretor, somente nos casos de dolo ou fraude comprovada, pois se entender o contrário, estar-se-ia desvirtuando o verdadeiro sentido da norma.
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Execução fiscal: administrativa ou judicial?
O presente trabalho monográfico visa abordar a Execução Fiscal, no âmbito administrativo e judicial, tomando por referencial o Projeto de Lei n.5.080/2009 em tramite no Congresso Nacional e a Lei n.6.830, de 22 de setembro de 1980. Inicialmente, apresentará uma análise das atividades essenciais do Estado, bem como um sucinto histórico sobre a execução fiscal no Brasil. Ato contínuo, explicará sobre o procedimento de execução fiscal, na esfera administrativa e judicial, e ainda discorrerá sobre a execução fiscal no direito comparado. Por fim, discorrerá sobre as modificações propostas pelo Projeto de Lei 5.080/2009 com apuração dos possíveis efeitos dessa nova disposição em face da legislação vigente.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A motivação da pesquisa sobre o tema a ser desenvolvido neste trabalho provém da experiência obtida durante estagio na Procuradoria Geral do Estado de Rondônia, mais precisamente no núcleo de execuções fiscais, onde se observou que a cobrança de crédito da Fazenda Pública nem sempre se dá satisfatoriamente, mas, ao revés, muitas vezes é ineficiente. Os projetos de lei n. 5080/2009, 5081/2009, 5082/2009 e projeto de lei complementar 469/2009, trazem inovações relativas às cobranças do crédito tributário e não tributário, gerando debates sobre as matérias abordadas por esses embriões legislativos em fase de aprovação. No que diz respeito a sua relevância, pretende-se incentivar a discussão da matéria, que por ser inovadora, poderá provocar debates sobre o tema, que ainda é considerado incipiente, mas que refletirá na sociedade, razão da importância da conscientização dos contribuintes quanto aos pontos favoráveis e desfavoráveis de cada uma das formas executivas previstas no diploma legal vigente e no projeto de lei n. 5.080/2009. Os objetivos do presente estudo são a compreensão das modalidades de cobrança do crédito da Fazenda Pública, bem como a questão procedimental atinente a sua satisfação por meio de exame da proposta trazida pelo projeto de lei 5.080/2009 relativamente à ampliação do procedimento administrativo durante a execução fiscal e constitucionalidade do projeto de lei de execução fiscal administrativa da PGFN. Quanto à metodologia utilizada, o trabalho foi elaborado através de pesquisa exploratória, qualitativa, bibliográfica, descritiva e documental na área dos Direitos Constitucional, Administrativo e Tributário, e o método utilizado na fase da investigação foi o dedutivo, informando que foram consultados livros, revistas, artigos publicados, teses, dissertações e publicações disponibilizadas em sítios eletrônicos. O tema abordado no projeto de lei em estudo é pertinente e atual na medida em que reflete diretamente nas relações tributárias, entre o Estado e contribuinte, assim como as não tributárias, possuindo abrangência social de extrema relevância, se incorporando no cotidiano de pessoas físicas e jurídicas permeado pela prática de fatos geradores que desembocam na cobrança de tributos por parte do Estado, que poderá inscrever cada um desses entes na dívida ativa, com consequente execução judicial. O modelo de execução fiscal atual é aquele disciplinado pela Lei n.6.830/1980, realizado por meio de um procedimento judicial, criticado em decorrência de sua eficácia questionável. Na abordagem do primeiro capítulo relativo às atividades essenciais do Estado, enfatiza-se a arrecadação e a cobrança, como meios de satisfação do crédito estatal discorrendo sobre o tributo e a dívida ativa. O segundo capítulo apresenta um breve histórico da dívida ativa no Brasil, pontuando os principais diplomas que regulamentaram a matéria. Na sequencia, o terceiro capítulo versa sobre o procedimento executivo fiscal, na esfera administrativa e judicial, e suas respectivas especificidades. Adiante, o quarto capitulo enfoca modelos comparativos no que concerne a cobrança e satisfação do crédito fiscal pelo Estado, analisando procedimentos alienígenas a fim de viabilizar as possibilidades de redução dos custos com vistas à implementação de um sistema eficiente. Por fim, o quinto capitulo analisa as principais inovações relativas ao Projeto de Lei n. 5.080/2009 assim como os entendimentos doutrinários quanto tais perspectivas e os pontos controvertidos contidos na aludida proposta. Dessa preocupação surge o desejo de aprofundamento do estudo sobre os mecanismos de cobrança para satisfação do crédito em favor da Fazenda Pública de maneira eficiente e eficaz em observância à Constituição Federal e seus princípios para evitar futura alegação de violação. 1 ATIVIDADES ESSENCIAIS DO ESTADO 1.1 Arrecadação e cobrança O provimento do bem comum pelo Estado por meio da tutela das necessidades públicas depende da obtenção de recursos, que devem ser geridos e aplicados segundo planejamento elaborado em conformidade com as decisões políticas, objetivando primordialmente atender os direitos fundamentais previstos na Carta Magna. O direito é usado como instrumento dos políticos, no atendimento as necessidades financeiras do poder público visando o abastecimento do Estado pelo dinheiro. “Antigamente, quando não se podia falar em Estado de direito, o político usava do poder para obrigar arbitrariamente os súditos a concorrerem com seus recursos para o Estado (por isso Albert Hensel sublinha que só se pode falar em “direito” tributário onde haja Constituição e Estado de Direito. Fora disso, é arbítrio, o despotismo, v. Diritto Tributario, Giuffrè, 1956, Milão, p. 5, tradução de Dino Jarach). Hoje, o Estado exerce este poder segundo o direito constitucional e obedece, em todas suas manifestações, ao estabelecido na lei”.[2] Segundo os ensinamentos de Aliomar Baleeiro o custeio das despesas estatais provém de cinco fontes: a) extorsões a outros povos ou doações voluntárias; b) rendimentos produzidos pelos bens públicos ou pelas empresas estatais; c) tributos ou penalidades exigidas coercitivamente; d) empréstimos de particulares ou de outras entidades publicas; e ) emissão de moeda.[3] 1.2 O Tributo A divisão da receita pública feita pela doutrina e jurisprudência contemporânea, acompanhou a classificação alemã, dividindo-a entre originária e derivada, que, respectivamente, são a decorrente da exploração dos próprios bens do Estado por ele mesmo e aquela proveniente da constrição do patrimônio do particular. [4] Dentre as fontes anteriormente enfocadas, a maior forma de custeio pelo Estado é o recebimento dos tributos. Para Amaro, pode ser assim definido: "Tributo é a prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não-estatais de fins de interesse publico".[5] Aliomar Baleeiro, por sua vez, define aludido instituto sob o ponto de vista histórico, atribuindo-o conotação filosófica: “O tributo é vetusta e fiel sombra do poder político ha mais de 20 séculos. Onde se ergue o governante, ela se projeta sobre o solo de sua dominação. Inúmeros testemunhos, desde a antiguidade ate hoje, excluem qualquer duvida”.[6] Na evolução do imposto do Estado, não há como prescindir os regimes comunistas contemporâneos, razão pela qual o imposto deve ser aperfeiçoado moralmente, adaptando-se a fragilidade das formas políticas, refletindo sobre a economia ou sobre os reflexos por ela emanados, filtrando os princípios e regras jurídicas e utilizando diferentes técnicas para execução prática. Sendo o tributo considerado um dos fundamentos das finanças públicas, deve ser entendido como prestação pecuniária  arrecadada pelo Estado, ente capaz de exigir a obrigação, revestida pela indisponibilidade, decorrente do princípio que resguarda o interesse público, proibindo-o de dispensar o pagamento do tributo ou deixar de cobrá-lo. A atividade estatal não encerra apenas a cobrança fiscal, mas todos os procedimentos e etapas inerentes a ela, as quais devem ser realizadas em conformidade com as normas constitucionais vigentes, observando, igualmente, as autorizações expressas no ordenamento jurídico pátrio. Em suma, trata-se, essencialmente, do respeito ao princípio da legalidade, que veda o arbítrio dos governantes.[7] “El concepto de “rule of law” (principio de legalidad) – según Kelsen – indica que las funciones administrativas y judiciales del Estado tendrían que ser determinadas en lo posible por normas generales de rango legal establecidas previamente, dejando de este modo el menor poder discrecional posible a los órganos administrativos y judiciales. De tal manera – concluía Kelsen – está garantizada la libertad porqué se evita el gobierno arbitrario”.[8] 1.3 A Dívida Ativa Como discorrido alhures, os recursos financeiros que ingressam nos cofres públicos se denominam genericamente de receitas, possuindo algumas fontes que podem se revestir ou não de natureza tributária. Logo, deve ser considerado que as receitas tributárias derivam das normas constitucionais e das leis especiais que regulamentam a tributação e o orçamento. Relevante também destacar que o tributo é exigido compulsoriamente, decorrendo de obrigação legal e sua incidência não depende da vontade do devedor. Em observância ao princípio da legalidade, a criação e exigência do tributo advêm do império da lei, significando que sua incidência deve ser expressamente prevista em ordenamento legal. Isto por que, é a previsão na legislação tributária que descreve genérica ou abstratamente um fato. Assim, a obrigação tributária nasce da produção legal de fato imponível, concreto, que se enquadre integralmente às características abstratas e hipotéticas da lei.[9] “O nascimento da obrigação tributária independe de manifestação de vontade do sujeito passivo dirigida à sua criação. Vale dizer, não se requer que o sujeito passivo queira obrigar-se; o vínculo obrigacional tributário abstrai a vontade e até o conhecimento do obrigado: ainda que o devedor ignore ter nascido a obrigação tributária, esta o vincula e o submete ao cumprimento da prestação que corresponda ao seu objeto. Por isso, a obrigação tributária diz-se ex lege. Do mesmo modo, a obrigação de votar, de servir às Forças Armadas, de servir como jurado, entre outras, são obrigações ex lege, que dispensam, para seu aperfeiçoamento, o concurso da vontade do obrigado”.[10] Entretanto, não só o surgimento da obrigação tributária é suficiente para o Estado exigir a prestação pecuniária concernente ao tributo; isto por que prescinde da aplicação concreta da lei ao fato tipificado como irregular que deve ser declarado por meio de ato administrativo formal denominado lançamento, a partir do qual a obrigação torna-se exigível. Portanto, a obrigação tributária nasce com a ocorrência do fato gerador. Doutrinariamente a conceituação de Dívida Ativa destaca que se trata de um crédito exigível a partir dos requisitos legais que o definem, sempre acompanhado de decurso de prazo para pagamento, que não realizado, acarretará inscrição na dívida ativa no órgão administrativo respectivo, após o que se transformará na dívida ativa propriamente dita.[11] O ato de inscrição destina-se ao controle de legalidade inerente a Administração Pública, atribuindo exigibilidade, certeza e liquidez ao crédito. Contudo, algumas correntes doutrinárias, defendem a dispensa da inscrição para constituição da Dívida Ativa, aludindo que basta apenas o não pagamento do crédito em tempo e momento oportunos para sua caracterização, entendendo que o ato de lançamento tributário já se respalda na vinculação legal. Adiante, discorremos acerca do temor na adoção dessa posição. 1.4 Fazenda Pública No estudo das atividades essenciais de Estado imperioso conceituar a expressão Fazenda Pública, posto que nas lições de Cândido Rangel Dinamarco, o termo Fazenda Pública representa a personificação do Estado, abrangendo as pessoas de direito público. [12] Entretanto, para a legislação processual civil o termo fazenda pública refere-se à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal e as suas respectivas fundações, conforme dicção legal dos artigos 20, §4º; 27; 188; 277, caput, parte final; 988, IX, 999: 1002 e 1007 do Código de Processo Civil é possível verificar o uso desse termo, sendo que nos artigos 475, 511, §1º; 943 e 1143 o Código discrimina as modalidades fazendárias, posicionamento que se adota nesse trabalho. [13] 2 BREVE HISTÓRICO DA EXECUÇÃO FISCAL NO BRASIL 2.1 O Estado e o exercício do poder Após o período absolutista, o Estado passou a ser denominado de Estado de Policia ou Estado de Poder, sendo que o detentor desse poder possuía ampla e irrestrita liberdade, inexistindo submissão, defendendo o interesse privado camuflado de público.[14] Contrapondo-se a esse exercício de poder, apareceu o Estado de Direito, concebendo a submissão de todos à lei, sem distinguir governante e governado, os quais deveriam pautar suas condutas conforme os ditames legais com vistas a consecução do bem comum.[15] Posteriormente, as estruturas de poder se desenvolveram criando limites ao seu exercício. O Estado de Direito com limitação prevista em lei se sobrepôs ao arbítrio do Estado de Poder. Todavia, nessa sistemática ocorreu a transferência do absolutismo, que passou a ser detido pelo poder legiferante, pelo qual era delimitado o alcance e o modo de agir de governante e governados.[16] Entretanto, antepondo-se a demasiada liberdade do Poder Legislativo no Estado de Direito, surgiu o Estado Constitucional, confirmando a necessidade de edificação de uma lei maior, destinada a restringir a justaposição dos Poderes.[17] Referindo-se a criação do Estado Constitucionalista Roque Antonio Carrazza ressalta: “Diferentemente, nos Estados Constitucionais, a Constituição, Lei das Leis, é o fundamento de validade de toda a ordem jurídica nacional, disciplinando a atuação não só dos Poderes Executivo e Judiciário, senão, também, do Poder Legislativo. Por outra retórica, no Estado Constitucional a Constituição regula a situação do indivíduo diante do Poder Público, criando-lhe um campo privativo, que o coloca a salvo das investidas não só do Executivo e do Judiciário, como, principalmente, do Legislativo. ”[18] Apesar da evolução no seio organizacional do Estado, com a preocupação em manter a estruturação nos moldes do Constitucionalismo observando suas consequências jurídicas, tal não ocorreu com a legislação, posto que grande parte do arcabouço normativo foi irregularmente recepcionado em razão do descompasso com os novos princípios que sustentavam a Constituição então vigorante, fato esse pouco ou raramente contestado no campo doutrinário e jurisprudencial.[19] 2.2 O Decreto-lei n. 960/38 Ao final da década de 30 foi editado referido diploma normativo, objetivando unificar o procedimento executivo praticado no país, respaldado pela competência prevista na Carta Magna de 1934, a qual, a exemplo da atual, conferia competência privativa à União. Segundo os ensinamentos de Cláudia Rodrigues[20], o aludido Decreto-lei antecedeu o procedimento técnico a ser tratado pelo Código de Processo Civil de 1939, relativamente à cobrança dos títulos executivos extrajudiciais, estabelecendo como meio de defesa do executado, a utilização dos Embargos, que possibilita defesa de amplitude irrestrita. Nada obstante, a Fazenda Pública insatisfeita com o processo de cobrança especial, se contrapôs a concepção originária,buscando junto ao Congresso Nacional, por meio de propostas de alteração legislativa modificar o procedimento executivo fiscal de 1938, objetivo conseguido por diversas vezes, sendo seus argumentos fundamentados na desobstrução do Poder Judiciário então sobrecarregado pelas inúmeras ações fiscais executivas em andamento, que, em verdade, buscavam a cobrança dos créditos de forma mais célere e eficaz. 2.3 O Código de Processo Civil de 1973 O procedimento executivo fazendário e entre particulares foi unificado com o advento da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, tendo o novo Diploma Legal possibilitado a todos que tivessem para cobrança quantia determinada contra devedor solvente, pudessem fazê-lo por meio de rito próprio denominado de execução por  quantia certa contra  devedor solvente. Para o sábio professor Clito Fornaciari Junior[21], a vigência do novo Código de Processo Civil revogou totalmente o Decreto-Lei n. 960/38, já que o conteúdo de direito material fora revogado pelo Código Tributário Nacional de 1966, tendo o diploma processual de 1973 em vigor revogado as normas adjetivas dispostas no Decreto-Lei de 1938. 2.4 A Lei n. 6.830 de 1980  Posteriormente, os governantes insatisfeitos com o rito de cobrança da dívida pela Fazenda Pública, elaboraram um projeto prevendo um procedimento autônomo, ao tempo em que destacavam a cobrança especial do Estado em detrimento do particular. O legislador consciente da qualidade normativa do estatuto processual editado em 1973, inspirado na legislação italiana, incluiu, no caput do art. 1º, a aplicação subsidiária deste no procedimento executório especial. Entre as várias opções de alteração que os relatores dos projetos dispunham, optaram por aquela que preservava as linhas gerais do Código, para que este servisse de suporte à Lei 6830/80.[22] 3 O PROCEDIMENTO EXECUTIVO FISCAL 3.1 O Procedimento administrativo tributário O Processo Administrativo Tributário, conhecido como PAF, surge de um conflito de interesses entre o contribuinte-administrado e o Estado-fisco, sempre que uma obrigação tributaria, independentemente de ser principal ou acessória, não for completamente satisfeita pela pessoa determinada pelo ordenamento jurídico, competindo ao Estado exigir o pagamento do tributo ou a penalidade pecuniária correspondente, nos termos do art. 5º, LV da Constituição Federal, no Código Tributário Nacional e na legislação específica de cada ente. [23] Por conseguinte, o órgão competente para iniciar o procedimento necessário para constituição do credito tributário, denominado lançamento, o qual poderá dar ensejo à eventual divergência de interesses e consequentemente a instauração de um processo no âmbito administrativo.[24]  O lançamento, segundo definição do próprio Código Tributário Nacional, artigo 142, é procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor, a aplicação da penalidade cabível. [25] Em se tratando de procedimento, Rui Barbosa Nogueira afirma que na fase do lançamento, não há que se falar em processo administrativo, mas sim em procedimento: “(…) é a forma administrativa de exame e apuração das possíveis obrigações e, como elas, igualmente regulado por lei e, por isso mesmo, a própria forma de proceder constitui um direito assegurado às partes. É o ‘devido processo legal’. Para que a solução não venha a ser errônea ou resulte em injustiça, a lei prevê um método, uma carta ordem. O procedimento fiscal é, pois, um ordenamento do modo de proceder para que tanto a imposição, como a arrecadação e a fiscalização sejam feitas na medida e na forma previstas na lei”.[26] Assim, se o contribuinte concordar com o lançamento e efetuar o pagamento no prazo fixado, extingue-se a obrigação. Contudo, caso não aceite a imposição poderá socorre-se do processo administrativo contencioso. [27] Sobre o tema, merece destaque as lições do ilustre jurista James Marins: “(…) a etapa contenciosa (processual) caracteriza-se pelo aparecimento formalizado do conflito de interesses, isto é, transmuda-se a atividade administrativa de procedimento para processo no momento em que o contribuinte registra seu inconformismo com o ato praticado pela administração, seja ato de lançamento de tributo ou qualquer outro ato que, no seu entender, lhe cause gravame, como a aplicação de multa por suposto incumprimento de dever instrumental. A mera bilateralidade do procedimento não é suficiente para caracterizá-lo como processo. Pode haver participação do contribuinte na atividade formalizadora do tributo e isso se dá, por exemplo, quando este junta documentos contábeis que lhe foram solicitados ou quando comparece ao procedimento para esclarecer esta ou aquela conduta ou procedimento fiscal que tenha adotado na sua atividade privada. Até esse ponto não se fala em litigiosidade ou em conflito de interesse, até porque o Estado ainda não formalizou sua pretensão tributária. Há mero procedimento que apenas se encaminha para a formalização de determinada obrigação tributária (ato de lançamento). Após essa etapa, que se pode mostrar mais ou menos complexa, praticado o ato de lançamento e portanto, formalizada a pretensão fiscal do Estado, abre-se ao contribuinte a oportunidade de insurgência, momento em que, no prazo legalmente fixado, pode manifestar seu inconformismo com o ato exacional oferecendo sua impugnação, que é o ato formal do contribuinte em que este resiste administrativamente à pretensão tributária do fisco. A partir daí instaura-se verdadeiro processo informado por seus peculiares princípios (que são desdobramentos do due process of law) e delimita-se o instante, o momento em que se dá a alomorfia procedimento processo modificando a natureza jurídica do atuar administrativo. (…) o processo administrativo tributário contempla o conjunto de normas que disciplinam o regime jurídico processual aplicável às lides tributárias deduzidas perante a administração pública (pretensões tributárias e punitivas do Estado impugnadas administrativamente pelo contribuinte). Integra, ao lado do Processo Judicial Tributário, o Direito Processual Tributário.”[28] Há um conjunto de normas que integra o ordenamento jurídico tributário brasileiro, ao qual chamamos de sistema tributário, que rege o processo administrativo. No que tange a sua finalidade, observa-se que se destina a assegurar ao contribuinte todo o direito de tentar desconstituir a exação, mediante a utilização do processo administrativo tributário, que é regido por uma legislação específica.[29] Quanto a sua competência, a princípio, houve divergência sobre a aplicação dos artigos 22, I e 24 da Constituição Federal, já que pela inteligência do primeiro tem-se a convicção de que a expressão "direito processual" está relacionada ao direito processual judicial e não a todo e qualquer processo. [30] Entretanto, a Carta Magna assegurou no segundo dispositivo que em caso de inexistência da lei de sua competência, como ocorre com o processo administrativo tributário, essa será concorrente e suplementar.[31] James Marins, com a autoridade que dispõe para tratar da questão, a quem rendemos homenagem, mas ousamos discordar, afirma, textualmente, que: “Compete, portanto, à União a disciplina do Sistema processual tributário nacional, estabelecendo por via de lei ordinária as garantias de processo que assistem ao cidadão contribuinte – em toda a federação – quando da solução administrativa de sua relação tributária litigiosa com o ente da tributante; deve ainda a União criar normas gerais de procedimento em matéria de processo, com o fito de uniformizar em toda a federação o modo de exercício (procedimento) das garantias constitucionais do processo;” [32] Conclui-se, portanto, que cada ente tem competência para editar Lei sobre o seu processo administrativo tributário, aplicando-se o art. 22, I, da Constituição Federal apenas ao processo judicial. 3.2 O Processo judicial de execução fiscal O processo judicial de execução fiscal tem inicio quando concluído o procedimento administrativo fiscal o débito permanece inadimplido, após a devida apuração do crédito pelo competente órgão fazendário acerca da liquidez e certeza do titulo cuja exigibilidade se pretende a fim de promover a inscrição na divida ativa. Consigne-se que tão somente após a inscrição é que será providenciada a certidão que materializa a obrigação existente entre as partes, conforme prescrito em lei, configurando título executivo. Referido documento deverá atender aos requisitos constantes no art.202 do Código Tributário Nacional, assim como aqueles elencados no art.2º, §5º da Lei n.6.830/80. Ao abordar o tema, Aliomar Baleeiro afirma que “a inscrição e a extração da certidão de divida ativa hão de ser feitas com o severo rigor formal”.[33] Por conseguinte, Herta Rani Teles ensina que “extraída a certidão da dívida ativa, tem-se inicio o processo de execução judicial, o qual devera seguir o rito da Lei n.6.830/80 e, subsidiariamente, o do Código de Processo Civil.” [34] Sobre essa aplicação subsidiaria da norma infraconstitucional, o ilustre processualista Alexandre Câmara leciona: “(…) regulada pelo CPC quando de sua entrada em vigor, esta modalidade de execução originaria passaria, depois, a ser regida por diploma especifico, a Lei n.6.830/80, até hoje em vigor. O Código de Processo Civil, portanto, aqui atua como fonte subsidiaria, permitindo a integração das lacunas encontradas na legislação especial”. [35] Destarte, verifica-se que a integração das normas jurídicas não só é permitida pelo ordenamento jurídico como vem sendo ratificada por iterativa jurisprudência. Alem disso, a execução fiscal também se enquadra na modalidade de execução por quantia certa contra devedor solvente, no caso contribuinte inadimplente, por meio do qual se busca o cumprimento forçado de uma obrigação de pagar em dinheiro. Nesse contexto, merecem destaque as lições de Alexandre Câmara ao distinguir o objetivo da execução do instrumento utilizado: “Como todos os demais procedimentos executivos, esse rito se divide em três fases: postulatória, instrutória e satisfativa. A primeira fase é formada pelo ajuizamento da demanda e pela citação, ato de angularização da relação processual (sendo possível que, nesta fase, se realize um arresto). A segunda, pela penhora e demais atos preparatórios para o pagamento. A fase satisfativa é formada pelo pagamento ao demandante, que pode se dar de várias formas”.[36] Inconteste, portanto, que a finalidade precípua da execução é a satisfação do crédito exequendo, sendo que a fase satisfativa apresenta os instrumentos de expropriação dos bens que compõem o patrimônio do executado disponibilizado ao credor em caso de manifesta e continua inadimplência do devedor para liquidação da dívida. Em se tratando de execução forçada, impõe-se dizer que os princípios que regulamentam o procedimento são os mesmos do processo cognitivo, porém a doutrina costuma realçar aqueles que possuem peculiaridades procedimento executório, tais como: princípio da máxima utilidade da execução; princípio do menor sacrifício do executado; princípio do respeito à dignidade humana; princípio da disponibilidade da execução; princípio da realidade; princípio da satisfatividade; princípio da economia da execução; princípio da especificidade da execução; princípio da livre iniciativa; princípio do contraditório.[37] 3.3 Ritos do processo de execução fiscal 3.3.1 Procedimento Inicial O procedimento de instauração da execução fiscal ocorre com o ajuizamento da petição inicial acompanhada do título executivo: a certidão da dívida ativa. [38] Atendidos os requisitos formais, a petição inicial será recebida e o feito regularmente processado, devendo o magistrado condutor do feito exarar despacho determinando a citação do executado e penhora ou arresto de bens, se a dívida não for paga nem garantido o juízo, com a devida avaliação e respectivo registro, além da fixação dos honorários advocatícios.[39] Por conseguinte, o executado será citado, para no prazo de 05 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros de mora, encargos indicados na Certidão da Dívida Ativa, acrescida das custas judiciais; ou garantir a execução (art.9º, da Lei n.6.830/80). [40] Se optar pela segunda alternativa, deverá fazê-lo por meio da oposição de embargos, que serão processados como procedimento cognitivo autônomo, porém não necessitam ser distribuídos por dependência aos autos da execução fiscal, contrariando o disposto no parágrafo único, do art. 736, do CPC, como bem observado no voto da lavra do insigne Des. Silas Vieira da Corte Mineira: “EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – EMBARGOS – APENSAMENTO DAS AÇÕES – DESNECESSIDADE – ART. 736, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. – A necessidade de apensamento entre os embargos e a execução restou superada pela inclusão do parágrafo único ao artigo 736, do CPC, através da Lei n. 11.382/06 e, ainda, pela alteração conferida pela Lei nº 12.322/10. (…) A controvérsia reside na possibilidade (ou não) de determinar o apensamento dos embargos aos autos da execução fiscal. Pois bem. O Código de Processo Civil – legislação subsidiária à Lei n. 6.830, de 1980 – ao tratar da distribuição dos "embargos do devedor" quando das alterações conferidas pela Lei n. 11.382/06 e pela Lei nº 12.322/10, assim dispôs: Art. 736. (…) Parágrafo único. Os embargos à execução serão distribuídos por dependência, autuados em apartado e instruídos com cópias das peças processuais relevantes, que poderão ser declaradas autênticas pelo advogado, sob sua responsabilidade pessoal. (Redação dada pela Lei nº 12.322, de 2010). A redação original do dispositivo previa que os embargos seriam autuados em apenso aos autos do processo principal. Portanto, a necessidade de apensamento entre os embargos e a execução restou superada pela atual redação. A meu ver, a reforma introduzida pela Lei n. 11.382/06 veio prestigiar a celeridade processual, principalmente considerando que o art. 739-A do CPC determina que "Os embargos do executado não terão efeito suspensivo." e, ainda, que o embargante deve instruir a inicial com cópias das peças processuais relevantes, o que reforça a tese de que não haverá prejuízos à defesa do embargado”.[41] Não ocorrendo à satisfação da obrigação ou garantia do juízo no prazo assinalado, passa-se a fase seguinte do procedimento: a penhora. 3.3.2 A Penhora O art. 653 do Código de Processo Civil estabelece o instrumento do arresto provisório, caso o devedor não seja localizado em seu domicilio habitual. Para tanto possibilita a constrição de bens (para futura conversão em penhora) do devedor não achado pelo Oficial de Justiça.[42] Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, a penhora é “o procedimento de segregação dos bens que efetivamente se sujeitarão à execução, respondendo pela dívida inadimplida.” [43] Contudo, observa-se que a penhora não retira do titular a propriedade do bem, mas torna inoperante o poder de disposição sobre ele, impedindo que o devedor se desfaça do bem constrito ou oculte-o. [44] Não ocorrendo o pagamento, nem a garantia da execução, será procedida a penhora ou arresto dos bens do executado, tantos quanto bastem para garantia da execução na forma dos arts. 10 e 11 da Lei n.6.830/80, devendo ser nomeado depositário e cientificado o executado.[45] Recaindo a penhora sobre bens imóveis (se casado for o executado), intimar-se-á o cônjuge, ou bens móveis ou em ações, debêntures ou quota ou qualquer título, crédito ou direito societário nominativo, procedera-se ao registro, mediante o consignado no art.7º, IV e art.14 e respectivos incisos da Lei n.6.830/80.[46] O art.11 do referido diploma processual apresenta a ordem de preferência a ser seguida, ratificada pela nova redação dada ao art. 655-A do CPC possibilitou ao credor a constrição de valores por meio do sistema eletrônico, o que denominamos penhora on-line.[47] Segundo as lições de Herta Rani Teles, “a lei concede ao dinheiro status prioritário para a penhora e a via eletrônica passa a ser o meio mais propicio para constrição desses ativos financeiros”. [48] Sobre o tema, Araken de Assis aduz haver distinções procedimentais: “Embora designe a lei de ‘arresto’ à constrição, a oportuna providência semelha antes à penhora antecipada ou pré-penhora, regulada no direito alemão, essencialmente idênticas, ressalva feita a algumas diferenças procedimentais. (…). Como a pré-penhora pressupõe a ausência do executado, parcela considerável da doutrina brasileira conferiu natureza cautelar à medida contemplada no art. 653. Ora, a pré-penhora outorga ao credor o direito de preferência (art. 612) no instante mesmo em que se efetiva o ato. Esta eficácia ínsita à afetação dos bens do executado e, no caso, antecipada à própria conversão em penhora, operada nos termos do art. 654, é elemento satisfativo estranho ao verdadeiro arresto (art.813). O autêntico arresto cautelar não se transmuda automaticamente em penhora, conforme resulta do art. 818, ao contrário da pré-penhora. (…) Em realidade, o art. 653 prevê a consumação de ato de natureza executiva, caracterizado pela inversão da ordem natural subsumida no art. 652, porque coloca antes da citação do devedor a apreensão de seus bens.”.[49] Filiam-se ao mesmo entendimento o Des. Alexandre Freitas Câmara[50], o Ministro Jorge Scartezinni[51] e a Des. Maria do Socorro Luz Santa Rita[52]. Logo, verifica-se que a penhora possui função conservativa e não de custodia. 4 BREVES CONSIDERAÇOES DA EXECUCAO FISCAL NO DIREITO COMPARADO A Lei n. 6.830, de 1980, regula o processo de execução fiscal no Brasil, todavia a sistemática introduzida por esse ordenamento legal, tem se revelado moroso, caro e ineficiente.[53]  Diante dessa realidade, atendendo determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Instituto de Pesquisa Econômica (IPEA), pôs em prática, entre os meses de novembro de 2009 e fevereiro de 2011, o projeto de pesquisa denominado Custo Unitário do Processo de Execução Fiscal, objetivando mensurar qual o tempo e o custo de tramitação das ações de execução fiscal na Justiça Federal, informações disponibilizadas ao usuário em comunicado do IPEA.[54] Buscando o aperfeiçoamento do sistema brasileiro, foi imperioso estudar os modelos comparados, para viabilizar as possibilidades de redução dos custos com vistas à implementação de um sistema eficiente. 4.1 Argentina Na Argentina o processo de execução fiscal foi dividido em duas fases: administrativa e judicial, prevalecendo, na prática, os atos administrativos, âmbito no qual se verifica a existência de um Tribunal Fiscal, atuando na apreciação de matérias tributárias, inclusive a nível recursal.[55] Na fase administrativa é facultado aos agentes fiscais realizarem penhora, e citação, podendo adotar medidas cautelares, assim como requerer ordem de busca e apreensão ao poder judiciário, na hipótese de comprovação de presunção de dívida de valores cobrados pelo fisco.[56] 4.2 Bolívia O modelo do processo de execução fiscal adotado pela Bolívia é essencialmente administrativo, mesmo na existência de sentença judicial, haja vista que a administração é competente para apreciar todos os incidentes processuais. Seguindo essa linha, o contencioso administrativo não afasta o princípio da unidade jurisdicional, previsto no texto constitucional. [57] O ato do leilão pode ser realizado pela administração ou terceirizado, havendo possibilidade de interposição de embargos de terceiro. Entretanto, é proibido o concurso de leilão, assim como os procedimentos de liquidação em outros processos, caso típico das concordatas. Veda-se, igualmente, aos funcionários públicos arrematação dos bens leiloados, mesmo que o façam por meio de terceiros. O leilão de mercadorias apreendidas possui regras específicas, decorrentes do descumprimento da legislação aduaneira.[58] 4.3 Chile A execução fiscal no Chile se dá em duas fases bem distintas: uma administrativa, outra fiscal. No âmbito administrativo é o agente fiscal que comanda o processo de execução, sendo-lhe facultado realizar penhora. Na fase judicial, a matéria compete a advogado público, conhecido como advogado provincial. [59] A articulação do conjunto de ações e diligências administrativas de interesse do fisco compete ao Tesorero General de La República, autoridade a quem a lei confere discricionariedade para não prolongar débitos de valor irrisório, hipótese em que ocorre a suspensão do crédito tributário.[60] A execução e a penhora no Chile são primordialmente encaminhadas por agente fiscal local, que possui atuação de juiz, presidindo o feito. O ato da penhora é de grande amplitude, fase em que poderá ocorrer autorização de constrição de salários do executado, garantindo-se a esse o mínimo para sua sobrevivência, observado os limites legais. Nesse procedimento, também podem ser penhorados créditos do executado, com expedição de comunicação aos responsáveis. [61] Na fase de execução fiscal, mesmo no âmbito administrativo, o agente condutor do processo possui a faculdade de requerer força policial. O bem imóvel executado pelo poderá ser objeto de penhora no curso do processo executivo, a qual poderá ser reforçada, em caso de insuficiência para quitação da dívida fiscal.[62] 4.4 Espanha O processo de execução fiscal na Espanha é realizado em duas fases, no curso das quais pode ocorrer o pagamento dos créditos tributários, que são reconhecidos em um primeiro momento e, posteriormente, cobrados em fase executiva. A administração fiscal espanhola é formada por um conjunto amplo de prerrogativas, que autorizam inclusive a implementação de medidas cautelares na fase administrativa. [63] Os documentos relacionados com a investigação poderão ser livremente acessados pela autoridade fiscal. Todavia, a investigação de alguns casos prescinde de autorização judicial, considerando-se a proteção constitucional, o âmbito ou natureza onde recaia o processo investigativo fiscal.[64] 4.5 Estados Unidos Nos Estados Unidos da América do Norte, existe a possibilidade de processo executivo fiscal administrativo e judicial. Entretanto, na prática, adota-se os modelo administrativo. [65] A cobrança nesse âmbito contencioso é alvo de elogios da literatura especializada, por conta da celeridade, agilidade e eficiência do processo. O objetivo primordial do procedimento administrativo é cobrar dívidas passíveis de recebimento, dentro da margem de discricionariedade, visando atingir o equilíbrio entre o custo e o benefício. Nos Estados Unidos existe previsão de penas severas pelo não recolhimento dos tributos, o que leva a legislação penal a incentivar a prática administrativa na cobrança dos créditos fiscais.[66] O conceito de Voluntary Compliance é adotado nos EUA, como forma de conscientizar o cidadão do seu dever fundamental do recolhimento do tributo. O modelo norte-americano parte da premissa do comprometimento do contribuinte com a obrigatoriedade do pagamento do tributo, resultado perceptível pelas raras discussões judiciais acerca do lançamento tributário realizado.[67] O inicio da execução fiscal administrativa norte-americana é a inscrição do débito (assessment of tax), seguida por preenchimento do documento pelo agente público (form 23-C, assessment certificate), com identificação do contribuinte e natureza da dívida inscrita. Posteriormente a inscrição do débito no rol de devedores, começa a fluir o prazo de 60 dias para o fisco notificar o contribuinte quanto ao pagamento, após esse prazo da notificação, a lei faculta até 10 anos para cobrança do débito na esfera administrativa ou judicial.[68] 4.6França O modelo francês se caracteriza por ser essencialmente administrativo, tendo a Administração competência para adotar as providências que antecedem as medidas coercitivas passíveis de aplicação, como meio de preservar a validade do ato. Para tanto, emite avisos de cobrança, envia notificação de inscrição, confecciona e encaminha cartas de lembrança, notifica o contribuinte inadimplente, avisando-o, ainda, da iminência da penhora.[69] 4.7México A previsão legal mexicana possibilita a realização de penhora administrativa provisória sobre os bens do devedor, exigindo em sua confecção ata circunstanciada do fato. [70] Aludido procedimento é necessariamente precedido pelo lançamento, estando à autoridade fiscal autorizada a declarar administrativamente a indisponibilidade dos bens do devedor. Entre as possibilidades de decretação de indisponibilidade dos bens do devedor, está o desaparecimento do credor, ou da recusa reiterada do devedor. [71] De igual modo, a irregularidade do contribuinte, em circunstâncias atípicas a execução fiscal administrativa, qualifica e justifica a indisponibilidade administrativa do contribuinte inadimplente.[72] 4.8 Peru O processo executivo fiscal peruano segue o modelo administrativo, podendo o executado recorrer ao Poder Judiciário, quando esgotadas as instâncias contenciosas. A propositura da execução fiscal é feita por um agente denominado de ejecutor administrativo, com título de bacharel em Direito, que não só representa a fazenda pública, atuando também como julgador, dispondo de auxiliares chamados de auxiliares coativos. [73] O procedimento de cobrança administrativo, por sua vez, deve ser instruído com os documentos indicadores do débito. Nesse modelo inexiste certidão de dívida ativa, como acontece no Brasil. Aqui, uma decisão administrativa impondo o recolhimento da dívida executada ou a emissão de documento registrando a inadimplência de parcelamento, por exemplo, pode instruir o procedimento administrativo.[74] 4.9 Portugal No país luso a execução fiscal é conhecida como cobrança coercitiva, com previsão na legislação específica, indicando a competência do representante da Fazenda Pública na condução da execução nos órgãos periféricos e regionais. [75] O Ministério Público, por seu turno, possui a atribuição de conduzir referido processo nos tribunais tributários. Também existe a possibilidade do redirecionamento do feito, caso em que se denomina de chamamento a execução dos responsáveis subsidiários.[76] 5 EXECUÇÃO ADMINISTRATIVA FISCAL – PROJETO DE LEI N.5.080/2009 Atualmente o processo de execução fiscal está disciplinado na lei n.6.830/80, tem por escopo a satisfação do crédito da Fazenda Pública com agilidade e eficácia. Entretanto, a fase executória não tem atendido a finalidade precípua esperada pelo legislador, em face da morosidade dos procedimentos e onerosidade dos cofres públicos, prejudicando o processo fiscal judicial, contribuindo grandemente para a sobrecarga do Poder Judiciário. Diante desses pontos negativos apontados no modelo de cobrança do crédito público brasileiro, a proposta do Projeto de Lei n. 5.080/2009 elaborado em conjunto pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e pelo Conselho da Justiça Federal, pretende modificar a Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980, instituindo um sistema de cobrança híbrido, possibilitando a fase de cobrança administrativa, que antecederia a fase judicial. Contudo, a matéria não é pacífica, ensejando estudo e enfoque acerca dos pontos doravante aduzidos. A justificativa da exposição de motivos para a substancial alteração proposta seria transferência do atual processo conduzido por Juiz em processo administrativo, a ser dirigido por procuradores federais, estaduais e municipais, como meio de evitar a morosidade administrativa, conforme EM Interministerial n.186/2008- MF/AGU, §§ 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 12, 13, 14 e 29.[77] Todavia, a alegada morosidade do processo judicial, ocorre por inúmeros motivos, como a precária estrutura cartorária, estrutura física, recursos humanos, falta de capacitação de magistrados, de funcionários, entre outros. Portanto, não é mérito apenas do processo executivo fiscal. Nada obstante as razões apresentadas, a referida proposta recebeu parecer contrário da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional São Paulo (OAB/SP), ao argumento de que violaria o principio da presunção de inocência e a garantia do devido processo legal em conflitos envolvendo a cobrança de valores tributários por parte do Poder Público.[78] Atualmente, o projeto em comento encontra-se apensado ao projeto de lei n. 2412/2007, o qual dispõe sobre a execução administrativa da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de suas respectivas autarquias e fundações públicas, e dá outras providências, e desde 03/05/2010 está aguardando Parecer do Relator Dep. Sandro Mabel (PR-GO) na Comissão Especial de Constituição e Justiça e de Cidadania com previsão de julgamento para 16/03/2011, a ser submetido à aprovação no plenário.[79] 5.1 Legitimidade ativa – Fundações de direito público O preâmbulo do projeto em estudo ao definir a regência da lei, também concede legitimidade às fundações de direito público para propositura de execuções fiscais, prerrogativa até então limitada à esfera de competência dos Estados federados e suas autarquias.[80] Registre-se, que a dilatação da abrangência na aplicabilidade da lei, especialmente quanto às fundações, já foi pacificada pelos tribunais superiores, vindo a alteração somente por termo a discussão, já ultrapassada na prática, vejamos:[81] “FUNDAÇÃO – APELAÇÃO – EXECUÇÃO FISCAL – LEGITIMIDADE DAS FUNDAÇÕES PARA PROPOR EXECUÇÃO NOS MOLDES DA LEI Nº 6.830/80 – Os serviços educacionais prestados por autarquias ou fundações são vinculados ao Município, pois ambas compõem a Administração Indireta, consoante dispõe o art. 37 da CF e, como tal, realizam atividades atreladas à obrigação do Poder Público, não havendo óbice à cobrança por meio de CDA. Recurso Provido.[82] PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZOS FEDERAIS DA 11A. E DA 7A. VARA DA SJ/PE. EXECUÇÃO FISCAL PROPOSTA PELA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL EM FACE DE FUNDAÇÃO ESTATAL. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICAL. CDA. ALTERAÇÃO DE REGIME PROCEDIMENTAL NA EXECUÇÃO. IRRELEVÂNCIA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DAS EXECUÇÕES FISCAIS. 1.A determinação da competência da Vara Privativa da Fazenda Pública é delineada pela natureza da dívida, independentemente do pólo passivo da demanda, configurando-se inapropriada a transmudação de sua competência pela incidência de regime procedimental diverso do previsto na Lei 6.830/80. 3.Tratando-se de Execução Fiscal instrumentalizada por Certidão de Dívida Ativa (CDA) e visando à obtenção do adimplemento de crédito tributário da Ordem dos Músicos do Brasil, autarquia federal constituída sob a forma de pessoa jurídica de direito público, devidamente constituído, vencido, exigível e não pago por ente público estatal, competente para o seu julgamento é a Vara Privativa da Fazenda Pública. Precedente desta colenda Corte Regional: CC 1.553-PE, Rel. Des. Federal LÁZARO GUIMARÃES, DJU 18.09.2007. 4.Conflito de Competência que se conhece e se declara como competente o Juízo Suscitado, qual seja, o da 11ª Vara Federal da SJ/PE”.[83] 5.2 Notificação administrativa obrigatória A proposta do projeto em estudo inova na disposição contida no art. 4º, tornando obrigatória a notificação do teor da Certidão da Dívida Ativa ao devedor, ainda na esfera administrativa, após encerramento do procedimento de apuração da certeza e liquidez do título.[84] Para os defensores do projeto, em caso de aprovação da redação desse dispositivo, o Poder Judiciário seria desobstruído dos inúmeros processos de execução fiscal, onde muitas vezes o devedor sequer é localizado, existindo grande possibilidade do processo se encerrar na esfera dos entes fazendários, pelo pagamento da dívida no prazo de 05 (cinco) assinalado na notificação encaminhada ao endereço do devedor, com aviso de recebimento, contado a partir dessa data, após a qual o contribuinte inadimplente se submeterá ao pagamento de juros, multa e demais encargos descritos na Certidão da Dívida Ativa (CDA).[85] Não sendo localizado o devedor, a notificação será realizada por edital publicado em órgão da imprensa oficial local.[86] Ressalte-se, por relevante, a disposição expressa no parágrafo 3º do artigo 4º, quanto ao efeito interruptivo da prescrição, que seria a partir do ato de notificação administrativa e não mais da data do despacho judicial que determine a citação para pagamento, ou indicação de bens a penhora, retroagindo à data da propositura da ação no Poder Judiciário. [87] Aludida alteração proposta no projeto, obrigaria a Fazenda Pública a promover a ação executiva judicial somente após o esgotamento das possibilidades de recebimento da dívida fiscal na esfera administrativa.[88] O espírito da norma proposta no dispositivo em referência é uma tentativa da comissão em desobrigar o fisco de ajuizar ações executivas fiscais, com finalidade exclusiva de obstruir a consumação da prescrição, como ocorre no modelo atual. [89] Uma vez interrompida a prescrição pela notificação administrativa, os entes fazendários seriam munidos do tempo necessário à localização de patrimônio do devedor passível de penhora, viabilizando, conforme o caso a execução forçada.[90]. Todavia, não se pode olvidar, que por força do artigo 146, II, alínea “b”, da Constituição Federal, a prescrição dos créditos tributários é  atributo das normas gerais, reservada à alçada de lei complementar, razão pela qual o projeto de lei também propõe alteração do  parágrafo único, do artigo 174 do Código Tributário Nacional, para incluir entre as causas de interrupção da prescrição, a notificação ao devedor da inscrição do débito em dívida ativa.[91] Na prática, já se realiza a notificação administrativa para pagamento da dívida, contudo, até então, essa conduta não tem demonstrado a efetividade esperada, vez que não compele o devedor ao pagamento da dívida fiscal.[92] 5.3 Prescrição ex officio Outra modificação proposta pelo projeto está disposta no art. 15, que traz a previsão de decretação da prescrição ex officio pela autoridade judiciária. Entretanto, talvez o dispositivo em comento não encerre grande eficácia, na medida em que o parágrafo do 5º do art. 219 do Código de Processo Civil continuará sendo utilizado subsidiariamente à LEF, já prevendo desde a alteração trazida pela Lei n.11.280/2006, a decretação da prescrição de ofício pelo juiz, matéria já pacificada pela jurisprudência.[93] Destaque-se, por relevante, a Prescrição e o poder público, assim como a Execução Fiscal e a Prescrição.[94] No primeiro caso, a Prescrição e Poder Público, conforme disposto na regra proposta transforma a matéria em questão de ordem pública, obrigando a autoridade judicial a proclamar a prescrição em todas as suas manifestações, mesmo contrárias a União, Estados, Municípios, Distrito Federal, autarquias, empresas públicas fundações públicas e sociedades de economia mista federais, estaduais, distritais e municipais. [95] No segundo caso, na Execução Fiscal e a Prescrição, não se admite a decretação de ofício da prescrição da ação executiva fiscal, que segundo o art. 219 do CPC, recai sobre direitos patrimoniais, conforme entendimento do STJ-RT 706/184, o qual restou superado com a edição da Lei n. 11.280/2006, que dando nova redação ao parágrafo 5º do art. 219 do Diploma Processual, determinou ao juiz o conhecimento desse instituto, a ser tomada de forma geral.[96] Nesse contexto, poder-se-ia dizer que a proposta do dispositivo em alusão não encerra grandes inovações; todavia, deve-se ter em mente que o projeto foi elabora no ano de 2005, quando ainda não vigorava o dispositivo processual citado.[97] Com o mesmo espírito inovador os autores da proposta em estudo previram que a decretação da prescrição deverá ser precedida pela oitiva do órgão fazendário exequente, o qual poderá, eventualmente, se opor as causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional, desconhecidas do juiz. 5.4 A constrição preparatória do projeto de lei 5.080/2009 A doutrina de José Carneiro da Cunha ensina que o ato de penhora consiste na apreensão e depósito de bens de propriedade do devedor, conforme preconizado pelo art. 591 do CPC, ou de propriedade de terceiros, como disposto no art. 592, do mesmo Diploma Legal, patrimônio utilizado na satisfação do débito executado.[98] Vasta é a discussão quanto à natureza jurídica da penhora, tendo a corrente predominante adotada por Enrico Túllio Liebman, Ovídio Batista da Silva, Humberto Theodoro Júnior, Araken de Assis, Alexandre Freitas Câmara, Bruno Garcia Redondo, Mário Vitor Sares, entre outros, entendido que é um ato “essencialmente executivo”, por meio do qual ocorre a apreensão dos bens do devedor, mesmo que insuficiente para o cumprimento da obrigação contraída junto ao credor.[99] O ilustre Leon Frejda Szklarowky, respeitável subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado e um dos co-autores do projeto originário da Lei de Execução Fiscal, entende que “a penhora administrativa não figura atividade jurisdicional e, portanto, não necessita realizar-se sob as vistas do juiz, como ressalva enfaticamente o Min. Carlos Velloso”.[100] Nos termos da LEF, a prática desse ato é prerrogativa do Poder Judiciário, entretanto, consoante proposto no art. 3º do projeto de lei, os atos constritivos passariam a ser executados pela Fazenda Pública credora, ficando o Poder judiciário responsável apenas por seu controle. A proposta do dispositivo em discussão, conforme relatado no EM Interministerial n. 186/2008 – MF/AGU incorporou sugestões do projeto de Lei da Penhora Administrativa, apresentado pelo ex-senador Lúcio Alcântara em 1996 e 1999, e reapresentado pelo Senador Pedro Simon, em 2005.[101] O renomado mestre Kyoshi Harada, comunga o entendimento do nobre Leon Fredja Szklarowsky, quanto a não atribuição do juiz na busca do executado e seus bens, imputando a Fazenda exequente à culpa pela morosidade, nos seguintes termos: "A penhora administrativa, portanto, é a medida que se impõe até mesmo para forçar a Administração a reaparelhar as Procuradorias, tanto para localização dos contribuintes devedores, como também para encontrar os bens penhoráveis. Não é, nem deve ser função do juiz ficar investigando o paradeiro do devedor. Sabe-se que a maior responsável pela paralisação dos autos em cartório é a espera de providências da exeqüente para localização do executado ou para indicar os bens penhoráveis. Em última análise, a morosidade, nestes casos, não é do Judiciário, mas da Fazenda exeqüente." [102] O não menos notável Humberto Gomes de Barros, advoga que a cobrança dos créditos públicos seja tarefa da própria Administração, e não do Poder Judiciário, afirmando: "A modernização do Poder Judiciário, acredito, dará um passo decisivo quando a cobrança dos créditos estatais deixar de ser um encargo do Poder Judiciário, deslocando-se para a Administração, onde ganhará agilidade e rendimento econômico. Quando isso ocorrer – estou certo -, o Poder Judiciário respirará aliviado. Em paralelo, será reduzido o número de devedores contumazes." [103] Para Szklarowsky, a criação da modalidade de penhora administrativa visa à desobstrução da via judicial, extraído do Poder Judiciário a realização de atos eminentemente administrativos, imprimindo celeridade na tramitação da cobrança da dívida ativa. 5.5 Foro da execução fiscal O projeto traz inovação relativamente à competência de ajuizamento da execução fiscal, determinado seja concentrada somente na Justiça Federal, não mais se aplicando a disposição do inciso I, do art. 15, da Lei n. 5010/66, delegando competência para a Justiça Estadual, tendo em vista a interiorização da Justiça Federal.[104] Atualmente, a maioria dos processos executivos fiscais contra devedores residentes no interior dos estados, onde não existe a Justiça Federal, são propostos na Justiça Estadual, em virtude dos juízes federais declinarem de sua competência.[105] Segundo entendimento dos autores do projeto a situação deverá se alterar com a nova lei, posto que não concebem  prejuízo para os devedores domiciliados ou que possuam bens em comarcas sem atuação da Justiça Federal, sendo que, nesses casos, poderão ser alcançados mediante execução por carta.[106] Todavia, merece reflexão, a situação prática das cartas precatórias que inevitavelmente imprimem morosidade ao procedimento. Nesse particular, o projeto estaria agilizando somente a parte executiva, prevalecendo a comodidade da Fazenda Pública que concentraria as causas em varas federais determinadas. Nesse sentido, posiciona-se o advogado Bruno Mattos:  “A perda da competência da Justiça Estadual para o processamento das execuções movidas por entidades federais é o pior aspecto do projeto original. Parte de um pressuposto errado: a existência de "interiorização" da Justiça Federal. Embora já exista um grande número de varas federais no interior do Brasil, a esmagadora maioria das cidades do Brasil não conta ainda com varas federais nem as terão no curto ou médio espaço de tempo”.[107] Outra alteração que o projeto pretende introduzir diz respeito ao parágrafo único do artigo 6º, determinando a prevenção do juízo que apreciou a primeira execução fiscal, para todas as subseqüentes, tendo o presente dispositivo o objetivo de tornar conexas as ações executivas entre as mesmas partes, na mesma comarca ou subseção judiciária, evitando despesas desnecessárias nas diligências cartorárias. 5.6 Defesa do executado Relativamente à defesa do executado, o projeto não traz novidades, não tendo os autores se afastado do regime proposto na execução fiscal comum de título extrajudicial, onde é possível opor embargos independentemente de não garantir o juízo, sem que haja suspensão da execução. A intenção do projeto, nesse particular, é a garantia do princípio da ampla defesa, que poderá ser utilizado também pelo executado sem bens passíveis de penhora judicial, facultando sua defesa contra eventuais excessos da Fazenda Pública.[108] Com essa medida, o projeto pretende alterar o sistema atual que apóia em larga escala a oposição de embargos meramente protelatórios, retardando sem justificativa a satisfação do crédito, sem, contudo, suspender obrigatoriamente a execução.[109] Esse posicionamento proposto se amolda a alteração recente introduzida na execução civil, pelo art. 736 do Código de Processo Civil, alterado pela Lei n. 11.382/06, pelo qual o executado poderá opor embargos à execução, independente de realização de penhora.[110] Destaque-se, que para os mentores do projeto, a concessão de efeito suspensivo aos embargos e demais ações autônomas ajuizadas pelo devedor, relativas ao débito constante na CDA, somente se dará, após observância de alguns requisitos, quais sejam: relevância dos fundamentos, perigo de dano de difícil ou incerta reparação e outorga de garantia do juízo, representada por depósito em dinheiro, fiança bancária ou caução real.[111] A inovação visível na proposta, diz respeito à possibilidade do executado em se opor à dívida executada por meio de ação autônoma, a ser distribuída ao juiz da execução em curso ou àquele competente.[112] 5.7 informatização da execução fiscal Considerando a evolução dos meios eletrônicos e a real possibilidade prática de comunicação dos atos processuais, o projeto prevê a utilização de recursos tecnológicos no processo executivo fiscal, visando imprimir celeridade e economia processual.[113] Em verdade, a redação do § 1º do artigo 4º não traz inovação, entretanto, possibilita que a execução fiscal seja processada em modelo virtual, o que em caso de aprovação, deverá forçar a informatização dos Tribunais para essa modalidade processual, já praticada em outras áreas processuais. Consigne-se, nesse particular, a importância da utilização do sistema Bacen-Jud, mais conhecido como penhora on-line, instrumento desenvolvido pelo Banco Central do Brasil que possibilita aos magistrados solicitar informações  acerca da movimentação dos clientes das instituições financeiras, assim como determinar o bloqueio de contas-correntes ou qualquer conta de investimento.[114] Em se tratando de informatização, impõe-se analisar a discussão quanto à possibilidade dessa modalidade de penhora ser levada a efeito de forma prioritária ou se é necessário o prévio esgotamento de bens do devedor.[115] A jurisprudência do Egrégio STJ já adotou a tese, no sentido de que a Lei 11.382/06 é o marco que separa a possibilidade de utilização do Bacen-Jud como forma prioritária de penhora, porque tem por objeto a constrição de dinheiro[116]. Nesse sentido: “EXECUÇÃO FISCAL. ESGOTAMENTO DOS MEIOS PARA LOCALIZAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS. PRESCINDIBILIDADE. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. SISTEMA BACEN JUD. PENHORA DE DINHEIRO. ORDEM LEGAL DE PREFERÊNCIA. LEI 6.830/1980.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/execucao-fiscal-administrativa-ou-judicial/
Consulta fiscal: possibilidade e consequências da alteração do critério jurídico da resposta
A “consulta fiscal” é relevante e profícuo instituto do Direito Tributário brasileiro, em que predomina a animosidade e a incerteza nas relações jurídicas tributárias, como instrumento de colaboração entre o Fisco e o contribuinte, orientado à garantia da segurança jurídica na tributação e à melhora no trato entre os seus sujeitos, no intuito de aumentar a eficácia social das normas tributárias e a melhor distribuição dos ônus tributários dentre os indivíduos. Para que a consulta se torne um instrumento atraente, a conduta do Estado perante o consulente deve ser a mais leal e coerente possível. O estudo a seguir analisa as balizas desta lealdade e coerência visando elucidar se o Fisco estaria permanentemente vinculado ao critério jurídico informado ao consulente na resposta ou se, podendo alterá-lo, seja revogando a resposta anterior, seja quando do lançamento, quais consequências são geradas. A questão merece ser desenvolvida porque, se estabelecido que a boa-fé da Administração perante o consulente é basilar à consulta fiscal, parece injusto que ela possa alterar livremente o entendimento sobre a norma tributária, fornecido através da resposta, e aplicar a nova interpretação retroativamente constituindo o crédito tributário e autuando o contribuinte, frustrando a sua legítima expectativa. Entretanto, não se pode olvidar que vigora em nosso sistema o princípio da legalidade e que o lançamento tributário é ato vinculado e obrigatório, assim, mesmo que um sopesamento dos princípios confluentes in casu apontasse o impedimento da retroação do novo critério jurídico como a solução mais justa, a Administração estaria em tese obrigada à mera aplicação automática do prévio sopesamento contido nas normas. A pesquisa então apresenta a legislação regula esta situação para depois discorrer sobre a possibilidade de o administrador proceder a um sopesamento entre a legalidade e os princípios correlatos à boa-fé objetiva, podendo afastar a aplicação do disposto na norma positivada e optar por solução mais protetiva da boa-fé do contribuinte, mesmo que contra legem. Por fim analisa-se o recurso ao Judiciário pelo contribuinte que se julgue injustiçado pela mudança da resposta, sendo abordada a sua diferente leitura do ordenamento em relação à Administração e a possibilidade de o administrado pleitear indenização por eventuais danos que tenha sofrido em virtude de sua adesão voluntária à resposta modificada supervenientemente.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A tributação é fenômeno tão necessário quanto rejeitado na vida sob o manto do Estado Democrático de Direito. Em que pese a doutrina apresentar justificativas tão diversas quanto bem fundamentadas para o exercício do poder tributário pelo Estado, nenhuma delas foi capaz de convencer os contribuintes a pagar os tributos de forma complacente, certos de que assim garantem o exercício de sua liberdade e o usufruto de direitos fundamentais garantidos pelo Estado. A inerente aversão à tributação parece decorrer do fato de que com o fim de garantir os direitos fundamentais, ela acaba por interferir em dois deles, dos mais caros ao indivíduo na sociedade capitalista, a liberdade e a propriedade privada. Esta resistência às normas tributárias é uma realidade que não pode ser ignorada, porquanto a tributação é atividade instrumental do Estado, utilizada para o atingimento dos fins constitucionais que justificam e orientam a sua existência, tais como a garantia dos direitos fundamentais e a promoção do bem-comum. Destarte, a resistência fiscal, que tem  por consequência a baixa eficácia social das normas tributárias, representa uma ameaça à capacidade do Estado em atender às demandas de seus cidadãos, prejudicando a harmonia e o bem-estar cuja proteção é sua obrigação institucional, o que resulta em perda de sua legitimidade. À natural resistência ao exercício do poder tributário agregam-se outros elementos exaltadores da conflituosidade na relação Fisco-contribuinte nociva à eficiência da atividade tributária, sendo um dos principais a complexidade da legislação, que gera óbice à clara compreensão pelo contribuinte de sua situação jurídica perante o Fisco, impossibilitando-o de planejar seguramente sua vida fiscal e deixando-o constantemente temeroso de que efetuou irregularidades no cumprimento de seus deveres fiscais e que darão ensejo a penalidades prejudiciais ao exercício de sua atividade econômica. Neste contexto cresce a importância de canais de comunicação através dos quais a autoridade tributária presta assistência ao cidadão fornecendo-lhe as informações necessárias à exata compreensão de sua situação jurídica, visando o cumprimento adequado da norma e fomentando a adesão voluntária aos mandamentos do ordenamento jurídico-tributário. Dentre estes canais de comunicação destaca-se a “consulta fiscal”, objeto do presente trabalho, que é um processo administrativo regido pelo Decreto-lei n. 70.235/72 através do qual o sujeito passivo efetivo ou potencial de relação jurídica tributária ou entidade que o represente indaga formalmente à autoridade competente sobre a aplicação da legislação tributária a fato determinado. A “consulta fiscal” é instrumento relevante e profícuo no contexto brasileiro, em que predomina a animosidade e a incerteza nas relações jurídicas tributárias, como instrumento de colaboração entre o Fisco e o contribuinte, orientado à garantia da segurança jurídica na tributação e à melhora no trato entre os sujeitos da relação jurídica tributária, visando a maior eficácia social das normas tributárias e a melhor distribuição dos ônus tributários dentre os indivíduos. Estabelece-se a premissa de que a conduta do Estado perante o consulente deve ser a mais leal e coerente possível para que a consulta se torne um instrumento atraente, promovendo a generalização de sua utilização, o que traria benefícios tanto para o Estado – o maior interessado na eficácia do sistema tributário – quanto para os contribuintes, que através dela obtém a segurança necessária para planejarem sua atividade econômica. O estudo a seguir visa analisar as balizas desta lealdade e coerência visando elucidar se a autoridade tributária estaria permanentemente vinculada ao critério jurídico informado ao consulente na resposta ou se, podendo alterá-lo, seja revogando a resposta anterior, seja quando do lançamento, quais consequências são geradas. O trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro, o fenômeno da tributação é apresentado como imprescindível à existência do Estado Democrático de Direito, mas, ao mesmo tempo gerador de grande rejeição social. O intuito é demonstrar que, portanto, incumbe ao ente estatal o constante desafio de aprimorar a sua relação com os contribuintes, para que a eficiência da atividade tributária seja a maior possível e assim ele possa cumprir melhor os deveres constitucionais que lhe incumbem, preservando a sua legitimidade. A análise prossegue com a demonstração de outro elemento que somado ao natural asco do cidadão aos tributos contribui sensivelmente para a ineficácia das normas tributárias em nosso país: a complexidade da legislação tributária. São debatidos aspectos problemáticos de nosso ordenamento e suas causas. Após, discorre-se sobre as dificuldades que a nebulosidade da legislação representa tanto para o Fisco, que enfrenta entraves à arrecadação como a má captação da capacidade contributiva, a sonegação, a corrupção e longos debates judiciais, que afetam diretamente a eficiência arrecadatória, quanto para o contribuinte, que vê os custos de transação de sua atividade econômica aumentados, pois enfrenta problemas no planejamento tributário, eventualmente recolhendo valor a maior ou a menor do que deveria, ou até deixando de recolhê-lo, sofrendo com penalizações. Associa-se a dificuldade de compreensão das normas à quebra da isonomia entre os contribuintes, dado que aqueles capazes de acessar a informação jurídica fiscal – contratando consultores fiscais, advogados tributaristas, etc. – encontram-se em plena vantagem perante aqueles que por ignorância e/ou falta de recursos materiais para bancar consultores, está condenada a arcar com a crescente carga fiscal, sem a possibilidade de contestá-la (Dummensteuereffekt). Faz-se a ressalva de que a complexidade da legislação tributária não é necessariamente ruim, dado que a crescente complexidade das relações econômicas e sociais requer um sistema tributário igualmente complexo, para que possam ser captadas todas as suas sutilezas e melhor repartir os ônus tributários pelos diversos setores da sociedade. Também se aponta que a dificuldade de interpretação da legislação é de certa forma decorrência da ínsita plurivocidade da linguagem jurídica e dos termos técnicos utilizados pelo Direito Tributário especificamente. Tendo em consideração a multiplicidade de interpretações a que estão sujeitas as normas tributárias, ressalta-se a relevância e a utilidade da consulta fiscal por ser instrumento através do qual se obtém a interpretação adotada pelo Fisco, o autêntico hermeneuta da norma tributária e, destarte, a mais apta a fornecer segurança jurídica ao contribuinte. Chega-se então ao tópico mais importante do primeiro capítulo, em que se apresenta a conduta ética da Administração perante o consulente como condição de efetividade da consulta fiscal. Aponta-se o respeito à moralidade administrativa como pressuposto à eficácia social da consulta, pois, somente caso o Fisco se porte de maneira leal perante aqueles que dela se valham, ela se tornará atraente para os cidadãos, incentivando-os a utilizá-la cada vez mais, fortalecendo-a como instrumento de preservação da segurança jurídica e melhora do relacionamento entre as partes envolvidas nas relações tributárias, colaborando assim, para a mudança do atual cenário da tributação no Brasil. É o tópico que se reveste de maior relevância, porque lança as bases para o debate a ser desenvolvido no último capítulo: a possibilidade e as consequências da alteração pela autoridade tributária do critério jurídico emitido na resposta, seja revogando a anterior, seja quando do lançamento. A parte final do primeiro capítulo se refere à doutrina da Justiça Fiscal (Steuergerechtigkeit) desenvolvida inicialmente por Tipke e busca demonstrar como a consulta fiscal pode ser utilizada como instrumento de sua promoção. O segundo capítulo é dedicado à análise pormenorizada de todos os elementos da consulta fiscal. Inicialmente trata-se dos fundamentos jurídicos da consulta fiscal, sendo apresentados os debates doutrinários sobre qual seria o embasamento constitucional do instituto (direito à informação, direito de petição ou direito à segurança jurídica). Parte-se então à análise dos sujeitos da consulta – quem pode formular consulta e quem deve respondê-la – sendo revelada uma crítica da doutrina à faculdade de consultar concedida pelo legislador a órgãos da própria Administração Pública. Em seguida, delimita-se o que pode ser objeto de consulta, sendo defendida a interpretação ampla das matérias consultáveis, já que sua limitação é prejudicial tanto para o contribuinte, quanto para o Fisco, já que o esclarecimento do sentido das normas legais favorece a eficácia social da norma e é dele o maior interesse na efetividade do ordenamento tributário. Ao final do capítulo, onde são apresentados os efeitos da proposição da proposição da consulta e de sua resposta, todos protetivos do consulente, busca-se demonstrar a atenção que o legislador nacional deu à necessidade de amparo do contribuinte que, por espontaneidade e boa-fé, se dirige ao Fisco em busca de adequar sua conduta à inteligência estatal. Proteção esta essencial à efetividade da consulta fiscal, nos termos do raciocínio desenvolvido no penúltimo tópico do primeiro capítulo. No terceiro e derradeiro capítulo se parte ao enfrentamento da questão central do presente trabalho: a possibilidade e as consequências de a Administração modificar o critério jurídico informado ao contribuinte através do ato de resposta. O tema se reveste de grande relevância na hipótese em que, entre a data da resposta dada a uma consulta feita antes da prática do fato gerador e a de sua revisão ou do lançamento, o contribuinte tenha incorrido no fato descrito em sua consulta e procedido conforme a orientação fornecida, ou caso tenha tomado decisões econômicas que não se justificariam caso a resposta não fosse aquela primeira. Desta maneira, além de frustrar a expectativa do contribuinte que de boa-fé depositou confiança na orientação dada pelo Fisco, a adoção de critério jurídico diverso quando do lançamento também poderia motivar a autuação do contribuinte. A questão é problemática e merece ser desenvolvida porque, se estabelecido que a boa-fé da Administração perante o consulente é basilar à consulta fiscal, parece injusto que o Fisco possa alterar livremente o entendimento sobre a norma tributária, fornecido através da resposta, e aplicá-lo retroativamente constituindo o crédito tributário e autuando o contribuinte, frustrando a legítima expectativa do administrado sobre a interpretação da lei. Entretanto, não se pode olvidar que vigora em nosso sistema o princípio da legalidade e que o lançamento tributário é ato vinculado e obrigatório, assim, mesmo que um sopesamento dos princípios confluentes in casu – legalidade e boa-fé objetiva – apontasse o impedimento da retroação do novo critério jurídico como a solução mais justa, a Administração estaria em tese obrigada à mera aplicação automática do prévio sopesamento condensado nos mandamentos positivados. É por isso que, para respondermos a estas questões, devemos primeiramente compreender como o ordenamento jurídico brasileiro regula a possibilidade de o Fisco alterar seu entendimento e se o novo critério pode operar retroativamente sendo constituído o crédito tributário sobre os fatos praticados sob a vigência do critério anterior. Após a revelação da regulação legal dos efeitos da modificação do critério jurídico da resposta, dado que a contradição entre a orientação fornecida pelo Fisco em resposta e o critério que adote quando do lançamento certamente contraria a confiança que o contribuinte nela deposita, a pesquisa se direciona a descobrir se a invocação dos princípios da boa-fé objetiva, da segurança jurídica e da proteção à confiança, informadores da consulta fiscal, seria capaz de mitigar a adstrição da Administração à estrita legalidade, impedindo-a de alterar o critério jurídico interpretativo informado na resposta ou limitando o seu efeito retroativo e dispensando o contribuinte do pagamento do tributo. Na tentativa de buscar uma resposta expõe-se inicialmente qual é o conteúdo dos referidos princípios e como se dá a sua aplicação no Direito Público, em especial no Direito Tributário. Exposto o seu conteúdo, discute-se se é lícito ao administrador, diante da situação ora referida, proceder a um sopesamento entre a legalidade e os princípios correlatos à boa-fé objetiva, podendo afastar a aplicação do disposto na norma positivada e optar por solução mais protetiva da boa-fé do contribuinte, mesmo que contra legem. Neste passo, é analisado o recurso ao Judiciário pelo contribuinte que se julgue injustiçado pela mudança da resposta. A abordagem desta matéria coloca foco a diferente leitura do ordenamento jurídico a que está obrigado o Poder Judiciário na determinação da solução jurídica das questões sub judice. Isto em função do seu comprometimento institucional com a regulação individual de casos isolados, que lhe obriga a esgotar a potencialidade da norma legal que aplica, buscando por meio do sopesamento principiológico e fundamentação, a extração de normas densificadas, aptas a reger o direito em um caso concreto de modo a se conseguir o mais alto grau possível de justiça material e não meramente operar a subsunção mecânica dos fatos à norma. Por fim, discorre-se sobre a possibilidade de o administrado pleitear indenização por eventuais danos que tenha sofrido em virtude de sua adesão voluntária à resposta modificada supervenientemente e sobre a inclusão do agente público diretamente responsável pela primeira resposta no polo passivo da ação indenizatória. 1. A CONSULTA FISCAL E SUA FUNÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO 1.1. Pagar tributos: imprescindível e rejeitado dever As únicas coisas certas na vida são a morte e os tributos[2]. Esta célebre máxima, deveras fatalista e sardônica, inspira-se na real inevitabilidade da morte para destacar a dificuldade em se evitar a carga tributária. Tributos são uma constante durante toda a vida do indivíduo sob a égide do Estado Democrático de Direito. O nascimento é o marco inicial de um longo relacionamento que travaremos com o Fisco. Desde crianças, mesmo que ignoremos a existência dos tributos, já somos relevantes para efeitos de tributação, pois a maioria dos sistemas tributários, como o brasileiro, permite que nossos pais nos reportem como dedução na declaração de imposto de renda. Quando crescemos e iniciamos o exercício de uma atividade econômica, passamos então à posição de pagadores ativos de tributos, e nos defrontamos com uma série sucessiva de obrigações perante o Estado, que perdura até nossos últimos dias. E mesmo abandonando a vida, não somos abandonados pelos tributos, já que estes incindirão sobre nossas conquistas materiais quando transmitidas à próxima geração[3]. E como a morte, apesar de certa e inevitável, a tributação não deixa de nos causar ojeriza e perplexidade. É difícil imaginar qualquer outro fenômeno jurídico que se apresente tão repulsivo e complexo[4] ao cidadão quanto a tributação. Por isso, justificar o exercício desta prerrogativa estatal, promovendo a efetividade da norma tributária sempre representou grande desafio para o Estado. Várias são as contribuições doutrinárias que buscam justificar o exercício do poder tributário. José Casalta Nabais e Hugo de Brito Machado defendem que pagar tributos é um dever fundamental dos cidadãos, correlato aos direitos que o Estado está obrigado a lhes proporcionar; é o preço que preço que se paga por uma comunidade organizada sob a égide dos direitos fundamentais[5]. Ricardo Lobo Torres, no mesmo sentido, considera a cobrança de tributos como correspectiva à liberdade e aos direitos fundamentais, sendo por eles limitada e, ao mesmo tempo, servindo-lhes de garantia[6]. Para Tipke, os tributos são a garantia da propriedade privada e da liberdade econômica[7]·. Em comum, esses posicionamentos afirmam que a competência tributária é uma prerrogativa estatal atrelada a uma finalidade. O Estado somente a exerce pelo fato de ser o ente responsável pela garantia dos direitos e liberdades fundamentais, e a cobrança de tributos ser ferramenta imprescindível para que ele suceda nesta tarefa[8]. Apesar de repugnante ao indivíduo, a tributação é, dentre as alternativas que o Estado poderia dispor para obter a indispensável colaboração do particular na consecução de seus fins[9], a mais justa, a mais eficiente e a que menos constringe direitos fundamentais, pois distancia o homem do Estado, permitindo-lhe desenvolver livremente as suas potencialidades no espaço público, sem necessidade de entregar qualquer prestação permanente de serviço ao Estado[10]. Todavia, por mais que esta fundamentação logre êxito em legitimar a tributação sob o aspecto formal, certamente não é suficiente para convencer os cidadãos a pagar os tributos com voluntariedade e prazer, certos de que, assim, estão garantindo o exercício de seus direitos fundamentais. O natural asco do cidadão aos tributos parece advir do fato de que, com o fim de garanti-los, a tributação acaba por interferir em dois dos direitos mais caros ao indivíduo na sociedade capitalista: a liberdade e a propriedade privada[11]. A sensibilidade dessa interferência é tão latente que leva Ives Gandra Martins a categorizar o tributo como norma de “rejeição social” [12]. A resistência às normas tributárias é uma realidade que não pode ser ignorada, pois a norma sem eficácia social tem prejudicada, no tempo, sua própria existência como norma. Se é certo que o nascimento da obrigação tributária dispensa a anuência do contribuinte, por outro lado, levando em consideração que atualmente a maioria dos tributos estão sujeitos a lançamento por homologação, a sua colaboração é essencial à revelação da prática do fato gerador ao Fisco para que a relação jurídica possa se formalizar e o crédito se tornar exigível. Da mesma forma, a aceitação do indivíduo da imposição do ônus tributário é importante para que o tributo seja pago e a obrigação se extinga, porquanto mesmo o Estado podendo dispor da força para buscar o seu cumprimento, o contribuinte sempre poderá dispor de inúmeros artifícios para protelar a cobrança. Quanto mais resistência os contribuintes oferecerem à tributação menos eficiente será a atividade tributária e menos eficazes serão os tributos como instrumentos do Estado para a consecução dos fins constitucionais que fundamentam a sua existência. Por isso é indispensável ao Estado Democrático de Direito a constante busca por maior aceitação do exercício do poder tributário, concretizando a paz, o bem-estar coletivo e a justiça social. A legitimação da tributação exige atenção à sua instrumentalidade. Representando restrição de direitos, os tributos somente se justificam enquanto ferramentas para o atendimento das demandas sociais. O exercício do poder tributário não pode ser arbitrário, orientado pela idiossincrasia do legislador, há de ser comprometido com a Justiça e o cumprimento de forma legal e moral[13] dos fins determinados pela Constituição, sempre no intuito de consolidar do modelo de Estado adotado[14]. As autoridades tributárias têm o dever de cobrar e arrecadar os impostos com igualdade e em conformidade com as leis e a moralidade pública. Em particular, devem garantir que todos paguem os tributos, não permitindo que sejam objeto de elusão ou que se apliquem de modo contrário ao Direito. A cobrança generalizada e equânime de tributos não visa atender ao interesse econômico do Fisco, mas sim ao direito que tem o contribuinte de que todos os demais também paguem os impostos[15] . Assim, não cabe ao funcionário da Administração buscar o máximo de arrecadação, mas sim aplicar o direito material com Justiça[16]. Outrossim, em decorrência do princípio da moralidade a defesa do Erário há de sempre orientada pela ética, sendo dever dos agentes fiscais inicialmente orientar o contribuinte sobre suas obrigações tributárias e ofertar oportunidades de correção sempre que estes se depararem diante de leis dúbias, restando as punições somente para aqueles que agirem de má-fé [17]. Em cumprimento à função ética da tributação, é que são abertos canais comunicativos entre Fisco e contribuinte, como forma de auxílio àquele que, de boa-fé, quer ver eliminada a sua incerteza quanto aos seus deveres fiscais para cumpri-los conforme a intenção do Estado e evitar penalizações. São canais através dos quais a autoridade tributária presta assistência ao cidadão, sujeito passivo real ou potencial de relação tributária, fornecendo-lhe as informações necessárias à exata compreensão de sua situação jurídica[18], visando o cumprimento adequado da norma e a diminuição de sua rejeição. Canais estes que tanto serão mais produtivos, quanto maior a confiança que o indivíduo deposite no Estado[19]. É justamente neste contexto que se encaixa o objeto deste trabalho, o processo administrativo de consulta fiscal. 1.2. Panorama de incerteza do ordenamento jurídico tributário brasileiro A consulta fiscal é processo administrativo[20] regido pelo Decreto-lei n. 70.235/72 através do qual o sujeito passivo, efetivo ou potencial (porquanto a condição de sujeito passivo pode ser exatamente o objeto da consulta), ou entidade que o represente, indaga formalmente (em contraposição às “consultas informais”, feitas verbalmente perante os “plantões fiscais”) à autoridade tributária competente sobre a aplicação da legislação tributária a fato determinado[21]. A faculdade de consultar se presta a dar ao cidadão – no contexto de séria preocupação com a garantia dos direitos e a estabilidade das relações jurídicas – a segurança necessária para o planejamento de sua atividade econômica[22]. Dela se vale o interessado para buscar a certeza do direito aplicável à determinada situação para esclarecer a sua situação jurídica perante as autoridades tributárias[23]. A intenção do legislador com o instituto é prevenir dissídios ex post facto entre Fisco e contribuinte e, por isso, vem dar ao último a chance de expor e sanar as dúvidas que lhe suscitem a legislação tributária antes mesmo de qualquer fiscalização ou autuação. O que permite ao contribuinte, orientar de forma antecipada a sua conduta em consonância com a interpretação estatal sobre a aplicação da norma, evitando assim equívocos e as sanções dele decorrentes[24]. É expressão do provérbio mieux vaut prévenir que guérir. A consulta fiscal apresenta nítido caráter instrutivo e se insere no contexto da atuação estatal na esfera tributária como manifestação da função ética orientadora[25]. O esclarecimento do sentido das normas legais através da consulta favorece principalmente o Fisco, pois é dele o maior interesse na efetividade do ordenamento tributário[26]. O instituto representa uma oportunidade de educar e se tornar mais próximo do contribuinte, reduzindo as práticas elusivas e sonegatórias e tomando conhecimento antecipado de novas formas de comportamento dos agentes econômicos, podendo eventualmente promover a sua regulação jurídica, preenchendo lacunas deixadas pela lei ou promover as correspondentes modificações legais[27]. É importante instrumento de aprimoramento da relação do Fisco com o contribuinte, pois promove a transparência da atuação fiscal do Estado, o que resulta em um aumento da confiança entre as partes, e, consequentemente em maior eficácia social das normas tributárias[28]. Contemporaneamente, a importância do instituto se agiganta ao passo que a legislação tributária se torna mais abrangente, complexa intricada, e, não raro, conflitante e repleta de contradições e obscuridades, como se o próprio legislador se tivesse perdido no emaranhado de normas por ele mesmo criado. A dificuldade enfrentada pelos cidadãos para compreender seus deveres fiscais é notória, sendo ressaltada por diversos doutrinadores. Becker, ácido crítico do ordenamento jurídico tributário brasileiro, afirma que qualquer jurista é capaz de reconhecer que vivemos em um manicômio tributário[29]. Conforme o autor, nossas leis tributárias são tão defeituosas que o contribuinte nunca está seguro das obrigações a cumprir, necessitando manter uma dispendiosa equipe de técnicos especializados, para simplesmente saber quais as exigências do Fisco[30]. No mesmo tom, Balera afirma que a legislação tributária, “que deveria ser das mais inteligíveis ao cidadão comum, apresenta-se como das mais herméticas” sendo necessária formação jurídica completa para que um cidadão possa compreender todo o conjunto de disposições normativas que lhe cumpre observar em matéria tributária[31]. Mais pessimista, Ives Gandra Martins, acredita que nem mesmo os especialistas estão a salvo do caos tributário. Para o autor aquele que afirmar conhecer perfeitamente a legislação tributária brasileira, podendo assegurar, com precisão, a interpretação do direito vigente, ou é um gênio ou um mentiroso[32]. Aliás, pode-se dizer com segurança que a dificuldade na interpretação da legislação tributária não é sequer exclusividade do administrado, já que o parágrafo único art. 46 do Decreto n. 70.235/72 faculta a formulação de consulta aos órgãos da própria Administração Pública. A nebulosidade de nossa legislação é prejudicial ao Fisco, que enfrenta entraves à arrecadação como a má captação da capacidade contributiva, a sonegação, a corrupção e longos debates judiciais[33], o que afeta diretamente a eficiência arrecadatória. Não é menos prejudicial ao contribuinte, que vê os custos de transação de sua atividade econômica aumentados, pois enfrenta problemas no planejamento tributário[34] (exercício da liberdade fiscal[35]), eventualmente recolhendo valor a maior ou a menor do que deveria, ou até deixando de recolhê-lo, sofrendo com penalizações, já que vigora o brocardo “ignorantia legis nenimem excusat”[36] aliado ao princípio de responsabilidade objetiva por infrações tributárias consagrado no art. 136 do Código Tributário Nacional[37]. As graves dificuldades do sujeito passivo na elaboração do sentido do comando estatal é um dos fatores que contribui para que o sistema tributário brasileiro seja um dos mais injustos e economicamente menos eficiente do mundo[38]. Por ignorância e/ou falta de recursos materiais para bancar consultores, grande parte dos contribuintes está condenada a arcar com a crescente carga fiscal, sem a possibilidade de contestá-la. Diante desta situação é que o economista e financista Gerd Rose, referindo-se ao sistema tributário alemão, criou a expressão “imposto dos bobos” (Dummensteuer), ou seja, somente os que não têm condições de conhecer, com clareza, o alcance e a extensão de suas obrigações fiscais pagam o imposto[39]. Quem não puder pagar um “consultor fiscal” (Steuerberater) para ajudar na compreensão de uma legislação tributária caótica (Steuerchaos), e encontrar possibilidades de reduzir a carga fiscal, “é feito de bobo”, ocorre o chamado Dummensteuereffekt[40]. A mesma situação se constata em nosso país, o que levou o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto a afirmar que “no Brasil, só paga imposto quem não tiver um bom contador ou um bom advogado”[41]. É fato que a atual e crescente complexidade das relações econômicas e sociais requer um sistema tributário igualmente complexo, para que possam ser captadas todas as suas sutilezas[42]. A tendência à complexidade que a legislação tributária apresenta não é per se ruim, especialmente quando promovida em prol da Justiça Fiscal ou para a ampliação da base tributária que resulte em melhor repartição dos ônus tributários pelos diversos setores da sociedade[43]. Mas isto não exclui o dever do Estado de buscar legislar de forma clara e coesa. A transparência fiscal é um princípio constitucional que impõe que a atividade financeira e tributária do Estado, incluindo a produção de normas infraconstitucionais, se desenvolva segundo os ditames da clareza, abertura e simplicidade[44]. O tributo a que cada indivíduo está obrigado a pagar deve ser certo: o tempo, a forma e o quantum do pagamento devem ser claros tanto para o contribuinte como para qualquer outra pessoa. A certeza do direito, é segundo Shoup, citado por Lapatza, um dos aspectos mais importantes do Direito Tributário, chegando a ter maior importância do que qualquer característica econômica do sistema em questão, pois, tanto a arrecadação quanto a produção de riquezas tributáveis se veem extraordinariamente estimulados quando existe um sistema fiscal que permite conhecer com exatidão e antecipação as consequências que um ato privado qualquer possa produzir[45]. Adam Smith chega a afirmar que a certeza é, em matéria tributária, de tamanha relevância que se poderia dizer que um alto grau de desigualdade não é tão perigoso como um pequeníssimo grau de incerteza[46]. Quanto maior a complexidade das normas, maior a possibilidade de que sejam dotadas de pouca clareza, confusas, dando margem a diferentes interpretações aumentando a incerteza do sistema tributário e restringindo a possibilidade, daqueles que não contam com o auxílio de consultores, exercerem a liberdade fiscal[47]. O legislador deve atuar com minúcia, pois a norma tributária por sua própria natureza apresenta peculiaridades que contribuem para deixar as regras ainda mais suscetíveis a dúvidas de intepretação, como a abordagem de diversos termos técnicos, de temas contábeis, a frequente utilização pelo legislador dos chamados conceitos jurídicos indeterminados[48]; e, ainda, a frenética sucessão de leis e atos normativos em matéria tributária[49], que torna maior a chance de surgirem contradições e obscuridades na sua interação sistêmica[50]. Vale lembrar, que mesmo que a atividade legiferante estivesse firmemente comprometida com a inteligibilidade de sua linguagem, nunca estaria livre de fazer surgir dúvidas para os contribuintes, alguma medida de insegurança jurídica no ordenamento é inevitável[51]. Diversas são as razões[52], primeiro, a legislação tributária por referir-se diretamente à atividade econômica é, como afirmado, recheada de tecnicismos e temas relativos a contabilidade, nem sempre de significado aberto a qualquer hermeneuta. Ademais, é característica dos enunciados normativos a generalização, não fugindo a legislação tributária à regra, o que é capaz de gerar grande incerteza quanto à inclusão de determinado fato concreto no espectro abstrato de significado emitido pela da norma. Além disso, por melhor que seja a técnica legislativa e a vontade do legislador em permear a norma jurídica tributária com elementos claros e precisos, a atividade humana por vezes cria variações não previstas originalmente pelo legislador[53]. É justamente por isso que a consulta fiscal se reveste de tamanha importância, pois através dela o consulente pode submeter dúvida quanto à aplicação de uma norma diretamente ao seu legítimo aplicador, que deverá, através do ato de resposta, fundamentadamente eliminar a incerteza garantindo a segurança jurídica até então prejudicada pela opacidade do espectro semântico da norma posta em questão. 1.3. Garantia da segurança jurídica pelo intérprete oficial da norma Uma das expressões mais elementares da segurança jurídica é a exigência de que as normas jurídicas sejam formuladas, sob perspectiva formal, de modo claro. A norma pouco clara faz surgir dúvida que causa instabilidade nas expectativas de regulação de conduta; gera, em outras palavras, insegurança jurídica. diante do estado de incerteza objetiva em que se encontra o destinatário de comando legal dúbio, o ideal seria a expedição de ato normativo geral capaz de clarificar seu conteúdo. Na sua ausência, resta o direito de peticionar o esclarecimento perante o Poder Público, a quem caberá expedir norma singular e concreta apta a lhe conferir segurança sobre a conduta a seguir[54]. Ao mesmo tempo em que o Estado, em razão de sua soberania, tem o direito de exigir o tributo que previamente estabeleceu em lei, tem a obrigação correlata de, quando solicitado, instruir o cidadão, esclarecendo e conferindo segurança sobre quando e como deve pagar o mesmo tributo, ou como cumprir determinada obrigação legal ou regulamentar[55]–[56]. O que legitima a faculdade de consultar é, portanto, o direito à segurança jurídica nas relações entre Fisco e contribuinte[57], que se instrumentaliza através de outro direito garantido constitucionalmente, o direito de petição[58]. A conjugação de ambos garante ao sujeito passivo – efetivo ou potencial – de relação jurídica tributária, o direcionamento de sua dúvida à autoridade competente, ao mesmo tempo em que impõe a esta o dever de lhe prestar informações para dirimir dúvida a respeito de fato ou hipótese, em prol do desaparecimento do estado de incerteza jurídica em que ele se encontra. A manifestação do Poder Público, emissor dos comandos normativos, se revela essencial à clarificação do sentido das normas, pois, porquanto vertido em linguagem, o Direito é a tentativa de tradução em signos exteriores de um pensamento móvel e espiritualmente rico, portanto de difícil univocidade[59]. Há correntes doutrinárias que negam a possibilidade de significados plurais a um mesmo signo jurídico, pois defendem que cada um é portador de um sentido próprio e único. Um significado natural, revelado inequivocamente pelo legislador, ou que possa ser “descoberto” pelo intérprete. Porém, o acerto parece estar no contrário, os enunciados se revestem de uma ampla área de incertezas, o que ressalta a atuação do intérprete enquanto sujeito do conhecimento, que é quem vincula o objeto a um significado[60]. O Direito Positivo é composto por uma série de signos vertidos em linguagem prescritiva (de lógica deôntica) que emanam ordens – dos órgãos emissores aos sujeitos a eles subordinados – buscando direcionar a sua conduta, nas relações de intersubjetividade, aos valores neles consubstanciados[61]. O texto legal (o signo) é a tentativa de expressão física do comando desejado pelo legislador. Ao captarmos o signo através dos sentidos, produz-se em nossa mente um ato de associação da mensagem vinda do exterior a ideias e noções previamente estabelecidas em nosso interior para formar um juízo, que se exprimirá verbalmente como proposição[62]. A norma jurídica é exatamente este juízo formulado internamente quando nos deparamos com os comandos expressos nos textos legais[63]. Tratando-se de operação interna à consciência do hermeneuta, o ato interpretativo está sujeito às mais diversas variáveis, pois as ideias e noções prévias do sujeito cognoscente são formadas pelas infinitas possíveis experiências que ele teve antes de seu contato com o texto legal, de modo que passível de conduzir aos mais diversos resultados. Como diz Schlensiger “il lettore cerca di scavarne i riposti supporti, ma lo fa avvalendosi dela sua personale esperienza e dele sue soggesttive convinzione e mentalità, com un doppio pericolo di distorsione e tradimenti”[64].   Assim, está claro que o mesmo signo linguístico é capaz de gerar as mais diversas significações na mente de cada sujeito cognoscente nem todas elas coincidentes com o que almeja o sujeito emissor[65]. A plurissignificação dos enunciados normativos se revelará problemática, causando incerteza e insegurança jurídica em seus destinatários, no momento em que o ordenamento jurídico estático interage com o meio social dinâmico visando a regulação de condutas; quando se busca verificar a incidência da norma sobre determinado fato. Analisado em momento estático, em qualquer ordenamento que apresente o mínimo de racionalidade nas interações sintáticas e semânticas entre suas proposições, é possível se afirmar a presença de certeza jurídica e, por conseguinte, a ostentação do princípio da segurança jurídica. O Direito, como dito, é um sistema linguístico orientado por uma lógica deôntica, e a certeza é ínsita ao “dever ser”. A aceitação de um juízo de probabilidade nas soluções que o plano jurídico pretende apresentar ao plano fático faria o sistema perder a sua coerência. Seria absurdo, por exemplo, que, em sentença, o magistrado que visasse pacificar controvérsia apresentada, decidisse que A deve provavelmente indenizar B. Não haveria qualquer caráter mandamental no ato jurídico, tornando-se inócua a atividade jurisdicional, assim como qualquer pretensão de regulação das condutas intersubjetivas através do Direito[66]. Todavia, quando se analisa a interação entre o ordenamento e o meio social, percebe-se a existência de outra acepção no campo de irradiação semântica da locução “certeza jurídica” e, consequentemente, outro significado do termo segurança jurídica, que é a possibilidade de previsão pelos destinatários da mensagem normativa do modo como se dará a regulação da conduta[67]–[68]. O momento da aplicação da norma, que se localiza logicamente na dimensão pragmática da linguagem do direito, caracterizada por forte oscilação de tendências e intensa variação de expectativas, responsável direta por mutações semânticas e sintáticas no conjunto dos signos[69]. Das normas extrai-se a conclusão de que “quando A, então B”, mas apesar da certeza da inevitabilidade desta relação de causa-consequência, não se sabe, contudo a completa dimensão semântica do vocábulo “A” tipificador de fato cuja ocorrência será gatilho do mecanismo lógico previsto normativamente a ponto de se verificar infalivelmente a incidência da norma no caso concreto[70]. Por exemplo, sabe-se que o disposto no art. 15, §1º, inciso III, alínea a da Lei 9.249/95, que altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, representa claro benefício fiscal à “prestação de serviços hospitalares”[71]. Mas, daí a saber, dentre as infinitas interações existentes no meio social, quais serão interpretadas pelo ente tributante como “serviço hospitalar” há grande distância[72]. Nestes casos, somente o ato de interpretação pelo agente competente diante do fato concreto e, além disso, a congruência na sequência de atos de interpretação, é capaz de dar indícios da dimensão do espectro de significado do signo linguístico desejada pelo legislador, permitindo ao destinatário da norma adequar com segurança a sua conduta ao nela proposto, garantindo ao Direito o cumprimento de seu fim específico que é o de regulação do comportamento humano nas suas relações de intersubjetividade visando promover a consecução dos valores que a sociedade almeja. Quer dizer, a verdadeira certeza jurídica garantidora da segurança jurídica, somente se obtém com atos de interpretação do hermeneuta oficial do Direito. Sendo função primordial do Direito o controle social, buscando atingir o maior número possível de situações hipotéticas, ele é versado em uma linguagem generalizada, a qual, em certos casos, gera um excesso de simplificação, que deve ser corrigido nos casos concretos[73]. A textura aberta da linguagem normativa significa que há, na verdade, áreas de conduta em que muitos aspectos devem ser deixados para serem explicitadas pelos órgãos interpretadores, os quais determinam a configuração in casu do mandamento legal. A atuação dos órgãos de interpretadores é essencial à própria funcionalidade do Direito, pois sendo linguagem destinada à orientação de condutas, o Direito só é útil quando o destinatário tem ciência da existência da mensagem e que esta o atinja com o menor ruído possível, quer dizer o mais próximo à pretensão do emissor. A preservação da funcionalidade do comando normativo se relaciona com a legalidade, a legitimidade, e a eficiência da atuação estatal. Assumindo o Direito caráter essencialmente instrumental para Estado Democrático de Direito[74], que em decorrência do princípio da legalidade, o tem como único meio legítimo de controle social, a falta de clareza dos enunciados jurídicos é extremamente prejudicial. A regra que o individuo desconhece ou que não entende não tem eficácia social e, portanto, inútil para o Estado[75]. Resulta ainda em perda da legitimidade de seus atos, pois o desconhecimento da norma ou de seu real sentido priva o cidadão da possibilidade de controlar a legalidade da conduta estatal. No que se refere à tributação, o estado mental de incerteza do particular lhe tolhe garantias fundamentais como a liberdade fiscal, impedindo o seu planejamento tributário, já que fica sem saber se suas ações cumprem com as expectativas do ordenamento jurídico ao qual está submetido, correndo sempre o risco de ser surpreendido por anulação dos negócios que tenha praticado, ou por uma ação punitiva do Fisco. Quanto à eficiência, a transmissão clara do mandado do legislador ao contribuinte resulta no melhor cumprimento das normas tributárias, representando maior efetividade das normas indutoras e maior arrecadação[76]. Mais recursos, por sua vez, representam maior possibilidade para o Estado cumprir os fins que a Constituição lhe determina garantindo mais bem estar à sociedade e conferindo legitimidade à sua atuação. 1.4. Moralidade administrativa como pressuposto da efetividade da consulta fiscal A diferenciação entre os conceitos de Moral e Direito proposta por Kant foi definitivamente inserida patrimônio jurídico ocidental pela obra de Kelsen que promoveu a sistematização da separação entre Direito, Moral e Justiça, demonstrando que para a validade da norma jurídica é desnecessário qualquer paradigma qualificativo, estranho ao sistema em que ela esteja inserida, sendo considerada pertinente somente a norma fundamental[77]. Direito seria sinônimo de sistema normativo (ordenamento jurídico positivo); Justiça, de adequação sintática da norma (legalidade/validade); e legitimidade, de vigência normativa.  No final do século XIX houve uma nova leitura da obra kantiana que provou uma reaproximação entre Moral e Direito consagrada pela obra do pensador alemão Otfried Höffe como “virada kantiana” (kantische Wende)[78]. Tal reaproximação veio a ser tornar fundamento do Estado Democrático de Direito, reintroduzindo as dimensões éticas perdidas da licitude e da legitimidade. O Estado Democrático de Direito deixa de se limitar a aspectos meramente formais. Não basta mais que as autoridades meramente procedam conforme a lei, ou que haja Tribunais que se atentem ao cumprimento delas. O Estado de Direito (Rechtsstaat) precisa ser também Estado do Direito (Staat des Rechts) e acolher a ideia de Justiça[79]. Nasce o conceito de direitos fundamentais, que passa a pairar acima dos ordenamentos jurídicos e dos Estados os inspirando e informando, reestabelecendo o primado da sociedade sobre o Estado e do homem sobre a sociedade. Consoante estas ideias foi elaborada a Constituição Federal de 1988, que dedica capítulo específico a direitos e garantias fundamentais e positiva a moralidade, a ela submetendo toda a atividade da Administração[80]: A moralidade administrativa interdita comportamentos estatais que apesar de formalmente legítimos, em decorrência da flexibilidade da norma jurídica, contrariem os padrões éticos vigentes na sociedade[81]. A exigência constitucional de moralidade configura verdadeiro pressuposto da validade de todo ato da Administração Pública, impondo que o agente público, ao atuar não despreze o elemento ético da atuação estatal, não podendo decidir meramente entre o legal e o ilegal, o conveniente e o conveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Honestidade esta, que se orienta pelas exigências da instituição a quem o agente sirva e a finalidade de sua ação: o bem-comum[82]. Esclareça-se que a moralidade dos atos da Administração não se localiza na intenção do agente ao praticá-los, mas decorre de seu próprio objeto. Imoral é o ato cujo conteúdo contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições[83]. A conduta ética[84] da Administração, exigível em qualquer área da atuação estatal, adquire especial relevância em matéria tributária. Isto, pois, como já afirmado, a tributação é atividade estatal que enfrenta grande rejeição social. A tensão na relação Fisco-contribuinte obsta a eficiência arrecadatória, provoca alto índice do sonegação[85] e embaraça o Judiciário[86] impondo graves obstáculos ao Estado na consecução de seus fins. Neste cenário, atividade administrativa que despreza liames morais não só faz aumentar resistência aos tributos e não contribui para a minimização da evasão fiscal, como pelo contrário, é utilizada pelos contribuintes como uma pseudo-justificação para as suas ações ilícitas. A consulta fiscal é, como afirmado, relevante ferramenta de diminuição da resistência fiscal e, como qualquer atividade administrativas, deve ser orientada por ditames legais e morais, que envolvem proteção à confiança do contribuinte que por espontaneidade e boa-fé se dirige ao Fisco em busca de adequar sua conduta à inteligência estatal o que significa, respeito ao direito do contribuinte de obter a resposta, lealdade e a promoção da Justiça. A moralidade administrativa representa um pressuposto à efetividade da consulta, pois somente a atuação ética da Administração com relação àqueles que dela se valem, é capaz de torná-la atraente, incentivando os contribuintes a cada vez mais utilizá-la, tornando-a eficaz instrumento de preservação da segurança jurídica e melhora do relacionamento entre as partes envolvidas nas relações tributárias. Contribuindo, assim, para a transformação do atual cenário da tributação no Brasil, injusto, conflituoso e desagregador, para outro, em que os vínculos entre Estado e a sociedade sejam de mútua colaboração, e o dever de pagar imposto seja compreendido como um dever de cidadania, guiando a atividade tributária à efetiva realização da Justiça Fiscal[87]. O dever de moralidade imposto ao Fisco deve ser visto como contrapartida à boa-fé que se requer do consulente, assim deve o órgão proceder de forma leal e impessoal, não se valendo da exposição que o consulente faz de suas operações em seu desfavor, transformando a consulta em armadilha para o contribuinte[88]. Há mais de seis décadas, Francisco de Souza Mattos alertava sobre a necessidade de uma consciência amadurecida e de um posicionamento certo e definido da doutrina sobre o instituto, que permitisse que o contribuinte tomasse “coragem” e se habituasse a esse vantajoso processo preventivo. Afirmava que os contribuintes à época pouco dela utilizavam, uns por ignorarem suas vantagens, outros por a verem como uma espécie de autodenúncia, receosos de “dar o pescoço à forca fiscal”. Por outro lado não eram raros os casos em que os órgãos administrativos desprezavam a importância do instituto e equiparavam o contribuinte que, preocupado em cumprir fielmente seus deveres fiscais propunha consulta, àquele que, por desídia ou má-fé, desrespeitava dispositivos legais ou regulamentares[89]. De lá para cá, a legislação vem evoluindo no sentido da proteção ao consulente. Neste sentido veio o art. 100 do CTN excluir a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo ao contribuinte que confiasse na resposta dada pelo fisco à sua consulta. Posteriormente, com a criação do Decreto n. 70.235/72, a proposição de consulta passou a impossibilitar a instauração de qualquer procedimento fiscal contra o sujeito passivo, relativo à espécie consultada até o 30º dia subsequente à decisão final (art. 48). Não seria moralmente aceitável que o cidadão que, de boa-fé, se dirige ao Fisco visando eliminar legítima dúvida e adequar sua conduta aos anseios do Estado fosse punido ou tivesse de qualquer modo sua situação agravada, da mesma forma como não se poderia deixar de suspender quaisquer ações fiscais contra o consulente[90]. Também execrável seria que o contribuinte, que consultasse a Administração antes da prática do fato gerador e pautasse sua conduta de acordo com a orientação fornecida, não tivesse sua boa-fé protegida de nenhuma forma, podendo ser surpreendido no momento do lançamento por uma eventual alteração desta orientação[91]. Da mesma forma, seria inadmissível que a autoridade tributária fornecesse respostas diferentes a consulentes em igual situação, conforme sua conveniência. Estaria em evidente prejuízo aquele que obedecesse a instruções eventualmente desfavoráveis do Fisco enquanto outros, na mesma situação, obtivessem pronunciamentos mais favoráveis[92]. Ciente da necessidade de proteger o consulente contra respostas divergentes, o legislador aprovou a Lei n. 9.430/96 que trouxe alterações para a disciplina jurídica da consulta fiscal tais como: (i) a possibilidade de interposição de recurso especial para o órgão central da Receita Federal pelo destinatário de solução divergente, quando houver diferença de conclusões entre soluções de consultas relativas a uma mesma matéria, fundada em idêntica norma jurídica; (ii) determinação no sentido de que o servidor da Administração Tributária deverá, a qualquer tempo, formular representação ao órgão que houver proferido a decisão encaminhando as soluções divergentes sobre a mesma matéria de que tenha conhecimento; (iii) cabimento de recurso especial ao órgão central da Receita Federal pelo sujeito passivo que tiver conhecimento de solução divergente daquela que estiver observando em decorrência de resposta a consulta anteriormente formulada, sobre idêntica matéria; (iv) previsão de que a solução da divergência acarretará, em qualquer hipótese, na edição de ato específico, uniformizando o entendimento, com imediata ciência ao destinatário da solução reformada, aplicando-se seus efeitos a partir da data de ciência. Ricardo Lobo Torres observa que, neste caso, juridicizou-se a imoralidade do comportamento do fisco, transformando-a em ilegalidade[93]–[94]. 1.5. Consulta fiscal como instrumento de promoção da Justiça Fiscal A consulta fiscal, como processo administrativo de instrução dos cidadãos sobre seus direitos é deveres, é ferramenta de promoção da Justiça Fiscal e consolidação do Estado Democrático de Direito[95]. O Estado Democrático de Direito deve buscar sempre atuar de forma justa[96]. A Justiça é garantida primordialmente mediante a igualdade perante a lei, o que no Direito Tributário significa a equitativa divisão dos encargos financeiros da tributação[97]. A Justiça Fiscal (Steuergerechtigkeit) se realiza, conforme Tipke, da conjugação de dois elementos: a moral tributária do Estado (Besteurungsmoral des Staates) e a moral dos contribuintes (Moral der Steuerzähler): ao Estado cabe atentar à justa distribuição dos ônus tributários, visando sempre o bem-comum[98] e não a mera arrecadação de recursos; já os contribuintes devem entender o pagamento de tributos como um dever de cidadania (staatsbürgeliche Pflicht)[99], não se desincumbindo de pagar tributos aquém de sua capacidade contributiva. Um sistema tributário complexo como o brasileiro, que acarreta graves entraves aos contribuintes na elaboração do sentido do comando estatal, coloca-os em uma situação de desigualdade. Isto pois, neste caos tributário, como já nos referimos, aqueles que têm recursos para pagarem bons advogados e bons contabilistas levam grande vantagem, porquanto o conhecimento da legislação tributária é fundamental ao exercício do direito ao planejamento tributário[100]. Uma tributação desigual tem o condão de afetar direitos fundamentais como o do livre desenvolvimento da personalidade e o primado da dignidade da pessoa humana. É iníquo, como ressalta Cezaroti, que os demais integrantes do tecido social, desprovidos de um bom aconselhamento, paguem tributos e um só membro deste grupo, com capacidade contributiva, deixe de contribuir[101]. Da mesma forma, sendo certo que qualquer medida impositiva de natureza tributária interfere na capacidade competitiva das empresas, a disparidade no acesso à informação é capaz de acarretar distorções na concorrência entres as empresas. Nesta conjuntura, tendo em vista que o interesse do Fisco no Estado Democrático de Direito é a consecução de Justiça e não a arrecadação, o ideal seria que ele próprio oferecesse a cada contribuinte individualmente a melhor alternativa de planejamento. Somente assim o princípio da capacidade contributiva seria realizado em sua plenitude. É óbvio que isto seria uma solução impraticável, pois pressuporia que o Estado dispendesse uma enorme quantidade de recursos para manter milhões de servidores dedicando-se exclusivamente à tal tarefa. É por isso que o princípio da capacidade contributiva não pode ser considerado absoluto, admitindo-se exceções frente à impossibilidade prática de um tratamento minuciosamente isonômico[102]. Restam à correção da desigualdade no acesso à informação, os canais de comunicação do contribuinte com o Fisco, tais como a consulta fiscal. A informação obtida diretamente com a autoridade tributária, legítima aplicadora da norma, é muito mais apta a clarificar aos contribuintes os ônus tributários a que estão sujeitos enquanto agentes econômicos, oferecendo-lhes segurança para o planejamento fiscal, do que o trabalho de qualquer tributarista ou contabilista. A valorização do instituto da consulta fiscal, visando que os cidadãos cada vez mais dela se valham, divulgando a sua existência, buscando excelência no oferecimento das respostas e protegendo o contribuinte que, de boa-fé, dela se valha é, portanto, um dever do Estado Democrático de Direito conexo à consecução de Justiça Fiscal, porquanto a consulta dela é instrumento.  2 – ANÁLISE DOS ELEMENTOS DA CONSULTA 2.1.Fundamento jurídico e natureza jurídica do procedimento de consulta Valdir de Oliveira Rocha, um dos mais consagrados autores que já escreveram sobre o tema, considera o direito constitucional de petição (art. 5º, inciso XXXIV, alínea a da Constituição Federal) como o fundamento jurídico da consulta[103]. Faleiro, por sua vez, discorda que a consulta fiscal se funde no direito de petição, afirmando que, o que o consulente busca ao dirigir seu questionamento à Administração é a “informação” sobre a sua interpretação acerca de determinado dispositivo legal, sendo portanto o direito constitucional à informação (art. 5º XXXIII) que autoriza o contribuinte em dúvida a requerer o pronunciamento do Fisco[104]. Pedimos venia aos ilustres juristas para discordar. O objetivo da consulta fiscal é eliminar o estado de incerteza objetiva prejudicial à função orientadora de condutas do Direito. Não há dúvida que, para obter a segurança almejada, o contribuinte deva pedi-la e, para tanto, necessita do reconhecimento de seu direito de pedir um esclarecimento à Administração que solucione o problema hermenêutico enfrentado[105]. Mas isto não significa que o “direito de petição” configure autonomamente o fundamento jurídico da consulta. Esta premissa levaria à conclusão de que o direito de petição seria o fundamento de qualquer pedido direcionado ao Poder Público[106]. O direito de petição legitima e instrumentaliza a proposição do questionamento do consulente perante a Administração, reconhecendo o seu direito de pedir e obrigando-a a analisá-lo e respondê-lo em prazo razoável, contudo, não fundamenta o objeto da manifestação. Conforme Adame Martínez, o direito de petição se trata de um “derecho a pedir, pero no de un derecho a obtener lo que se pide”. E o que se pede, é a informação sobre o sentido da norma tributária, apta a eliminar a dúvida do consulente, reestabelecendo a certeza jurídica. Não se nega desta forma, que o conteúdo da resposta à consulta configure uma “informação”, porém, em decorrência de sua função para o Direito Tributário, a informação que se visa obter através da consulta fiscal apresenta conteúdo, pressupostos de legitimidade à sua obtenção e efeitos jurídicos que são demasiadamente específicos para que se enquadre o instituto no vago “direito à informação”[107]. Diferentemente do que ocorreria se este fosse o seu fundamento, o consulente não pode livremente formular consulta sobre qualquer questão teórica, fundada em sua mera curiosidade[108]. De acordo com a legislação pertinente, não será eficaz a consulta formulada (i) por pessoa física ou jurídica não competente para formular consulta, tal como estabelecimento filial; ou sobre tributos não administrados pela Receita Federal do Brasil (por ex.: ISS); (ii) sobre questão teórica, com referência a fato genérico, ou, ainda, que não identifique o dispositivo da legislação tributária sobre cuja aplicação haja dúvida[109]; (iii) por quem estiver intimado a cumprir obrigação relativa ao fato objeto da consulta; (iv) sobre fato objeto de litígio de que o consulente faça parte, pendente de decisão definitiva nas esferas administrativa ou judicial; (v) por quem estiver sob procedimento fiscal, iniciado antes de sua proposição, para apurar os fatos que se relacionem com a matéria consultada; (vi) quando o fato houver sido objeto de solução anterior proferida em consulta ou litígio em que tenha sido parte o consulente, e cujo entendimento por parte da Administração não tenha sido alterado por ato superveniente; (vii) quando o fato estiver disciplinado em ato normativo, publicado na imprensa oficial antes de sua apresentação; (viii) quando versar sobre constitucionalidade ou legalidade da legislação tributária; (ix) quando o fato estiver definido ou declarado em disposição literal de lei; (x) quando o fato estiver definido como crime ou contravenção penal; (xi) quando não descrever, completa e exatamente, a hipótese a que se referir, ou não contiver os elementos necessários à sua solução, salvo se a inexatidão ou omissão for escusável, a critério da autoridade julgadora[110]. Com relação aos efeitos da resposta, fundamentá-la juridicamente no direito à informação traria o risco de confusão da consulta fiscal com tantas outras consultas que ocorrem no âmbito interno da Administração e que se identifiquem como conselho ou mero pedido de opinião sem efeito vinculante. Como assinala Valdir de Oliveira Rocha, a consulta fiscal sendo direito do administrado exige resposta em defesa de direitos e, portanto, deve ser descarta-se qualquer significação que a atrele com mero pedido de conselho ou opinião[111]. Por fim, no tocante ao seu conteúdo, a informação obtida através da resposta à consulta não é e nem poderia ser genérica. Ao formular consulta, como ressalta Balera, o consulente relacionado de alguma forma ao tributo, busca segurança jurídica para planejar sua vida fiscal[112]. Assim, somente a resposta que contenha informação completa e adequada ao esclarecimento do sentido da norma, e que seja vinculante será apta a fornecer a segurança almejada. Por estas razões concordamos com as palavras de José Souto Maior Borges, de que o que fundamenta juridicamente a consulta é a necessidade de preservação da segurança jurídica (“direito à segurança jurídica”), sendo proclamado no questionamento o direito subjetivo à certeza nas relações entre Fisco e contribuinte, que se manifesta através do direito de petição[113]. 2.2. Sujeito ativo e sujeito passivo da consulta Sujeito ativo da consulta é quem a formula, o consulente. A legislação confere genericamente a legitimidade para proposição de consulta aos sujeitos passivos da obrigação principal ou acessória, à entidade representativa de categoria econômica ou profissional e a órgão da Administração Pública (art. 46 do Decreto n. 70.235/72). Em que pese a referência expressa a sujeito passivo, há de se ter também por legítimo consulente aquele que questiona justamente se é o sujeito passivo da obrigação tributária, bem como aquele que questiona previamente a autoridade sobre fato gerador futuro, e cuja decisão, de praticá-lo ou não poderá depender justamente do conteúdo da resposta que o Fisco lhe oferecer[114]. Portanto, o consulente pode ocasionalmente ser ou vir a ser sujeito passivo da obrigação exacional objeto de consulta. A existência de relação jurídica material é irrelevante. Relevante é que, ao formular a consulta, demonstre interesse, quanto à situação de fato descrita em seu objeto[115], que demonstre, em termos processuais, a sua legitimatio ad causam[116]. Ou seja, que revele interesse juridicamente qualificado em sua solução[117]. Ainda que o interesse na resposta à consulta seja coletivo ou difuso, atingindo um grupo indeterminado de pessoas, é possível provocar o pronunciamento da autoridade tributária, pois a lei admite expressamente a consulta formulada por ente representativo de categoria profissional ou econômica (parágrafo único do art. 46 do Decreto n. 70.235/72). Autorizando a lei alguém a agir processualmente em nome próprio na defesa de direito alheio, tratar-se-á de hipótese de legitimação extraordinária[118]. No caso, a entidade representativa atuará como substituto processual de seus representados pleiteando em nome próprio a pretensão alheia à segurança jurídica[119]. A disposição deve ser interpretada considerando-se o artigo 5º, XXI da Constituição Federal, o que leva à conclusão de que entidades representativas devem estar devidamente autorizadas a formular a consulta em nome de seus representados. A autorização não precisa ser expressa, bastando a autorização genérica presente em seus estatutos[120]. Schoueri afirma que a legitimação coletiva à consulta, tal como prevista no ordenamento jurídico brasileiro, não encontra paralelo no direito comparado. Na Alemanha, por exemplo, embora se admita a consulta formulada por associações, a resposta não cria qualquer vinculação para o Fisco[121]. Balera afirma que há doutrinadores que se posicionam contrariamente a esta faculdade concedida pelo legislador aos entes representativos, alegando que a representação pode acarretar em excessiva diluição dos fatos submetidos à interpretação da autoridade fiscal, pois existem circunstâncias peculiares a cada um dos sujeitos envolvidos, cuja possibilidade de completa e minuciosa exposição em uma consulta, que englobe grande número de envolvidos, é escassa[122]. A legislação tributária também possibilita que os órgãos da Administração Pública formulem consulta (primeira parte do parágrafo único do art. 46 do Decreto n. 70.235/72)[123]–[124], tendo em vista que, naturalmente, os funcionários ou autoridades de seu cumprimento não estão livres de dúvidas na interpretação da lei. Apesar da aparente boa intenção do legislador, tal faculdade é questionada por alguns doutrinadores. Não se põe em xeque o legítimo fim a que se presta o esclarecimento das dúvidas de tais órgãos, mas sim se a consulta fiscal é o instrumento adequado para tanto. Balera e Faleiro, defendem que no caso de dúvidas quanto à aplicação da norma tributária, os servidores deveriam recorrer aos órgãos de assessoria jurídica da própria Administração Pública, cuja tarefa consiste, precisamente, em dar solução aos problemas legais enfrentados pelo ente em que atuem, como é o caso, no âmbito federal, da Advocacia-Geral da União[125]. Quanto à legitimidade para responder à consulta fiscal (legitimidade passiva), esta não é dada a quem edita a norma geral e abstrata que motiva a consulta, mas sim a quem irá aplicá-la, ou seja, a Administração Pública direta ou indireta[126]. Na Administração direta, destacam-se como órgãos competentes a responder consultas, a Secretaria da Receita Federal e as Secretarias da Fazenda e Finança e na Administração indireta, o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). 2.3. Objeto Por objeto da consulta tem-se sua “matéria”, isto é, o assunto sobre o qual versa a dúvida contida no questionamento formulado pelo consulente[127]. A função do instituto é dissolver a incerteza do consulente sobre a aplicação de determinada norma jurídica a fato determinado. Portanto, a dúvida que será objeto de consulta, somente poderá ser de ordem jurídica, afastando-se questão de qualquer outra ordem[128]. A dissolução da dúvida é um direito do administrado, pois a existência de incerteza quanto ao sentido de norma não configura razão jurídica para o seu descumprimento, ficando, sem o devido esclarecimento, à mercê de penalidades[129]. A incerteza diz sempre respeito à interpretação da norma pelo órgão aplicador, não tendo relevância que o destinatário da norma esteja certo de como deve observá-la, porquanto sempre lhe restará a dúvida de como o Fisco a aplicaria[130]. Todo assunto exacional pode ser objeto de consulta fiscal, sem barreiras. Portanto, são inaceitáveis decisões que restrinjam a amplitude dos assuntos consultáveis[131]. Toda a legislação pode ser objeto de consulta fiscal, pois, afinal, de qualquer dispositivo pode surgir dúvida. Nada obsta, inclusive, que o consulente formule consulta sobre dispositivo infralegal, porquanto tais enunciados, cujo objetivo é viabilizar a fiel execução da lei também são passíveis de gerar dúvidas[132]. A limitação das matérias consultáveis também é prejudicial tanto para o contribuinte, quanto para Administração, pois, como já afirmado, o esclarecimento do sentido das normas legais através da consulta favorece principalmente o Fisco, pois é dele o maior interesse na efetividade do ordenamento tributário. Claro é, contudo, que sendo objetivo da consulta prover segurança jurídica ao consulente, o seu objeto deve sempre a ele se referir e sempre se relacionar a alguma norma tributária que lhe seja aplicada ou que lhe possa vir a ser aplicada[133]. Afinal, norma que não o afete de maneira alguma, e nem afete quem quer que ele represente, não tem o condão de gerar qualquer sensação de insegurança que deva ser eliminada[134]. Como já dissemos, não é cabível consulta sobre questão meramente teórica, fundada simplesmente na sede de saber do consulente, pois o fundamento constitucional da consulta não é o direito à informação, mas sim o direito à manutenção da segurança jurídica. Em comparação com a consulta individual, não há no Decreto n. 70.235/72 qualquer limitação ao objeto da consulta coletiva, ou ao alcance dos efeitos de sua resposta[135]. O objeto da consulta coletiva não é, contudo, ilimitado. A entidade associativa somente pode consultar a respeito de fatos em que seus afiliados se enquadram ou poderiam se enquadrar como sujeitos passivos de obrigação principal ou acessória[136]. No mesmo sentido, justamente por representar uma coletividade, as entidades representativas não poderão oferecer consulta sobre fato determinado afeito a apenas um de seus filiados, sob pena de desvirtuação de sua legitimação extraordinária[137]. Como se verá, a proposição de consulta produz efeitos protetivos do consulente, dependentes da verificação de sua boa-fé com relação ao objeto da consulta[138]. A boa-fé de quem formula consulta fiscal é uma presunção relativa que se baseia em circunstâncias objetivas arroladas no art. 52 do Decreto n. 70.235/72. São elas: (i) a inexistência de procedimento fiscal sobre o objeto da consulta; (ii) a ausência de disposição literal de lei dispondo sobre a matéria objeto da consulta; (iii) a ausência de ato normativo definindo a matéria consultada; (iv) a inexistência de lançamento sobre o fato objeto de consulta e a ausência de consulta anterior sobre a mesma matéria formulada pelo mesmo consulente. Somente nestas hipóteses se desconstituirá a presunção de boa-fé do consulente, desautorizando a consulta. Quaisquer outras circunstâncias não poderão ser opostas para desautorizar o oferecimento de consulta fiscal[139]. Não há óbice a que o fato descrito no objeto da consulta se refira a uma situação já ocorrida, ou de ocorrência certa ou possível. Basta que seja uma situação determinada, isto é, descrita de maneira a permitir sua identificação[140]. Não se exige do particular que, para obter a resposta, relate os fatos exaustivamente, expondo indefectivelmente a sua situação, mas sim que a descreva o suficiente para tonar possível sua subsunção à norma questionada[141]. A correta determinação dos fatos é importante, pois, a consulta produz efeitos que se referem especificamente a eles. Sua identificação é, portanto, fundamental à delimitação dos efeitos da proposição e da resposta à consulta. Vale discorrer sobre o cabimento de consulta sobre matéria meramente de fato, quer dizer, se poderia o consulente propor questionamento ao Fisco sobre quais normas são aplicáveis a uma situação concreta. Dada a dificuldade reconhecida pela Teoria Geral do Direito em se distinguir quaestio facti de quaestio juri, Juan Zorzona Pérez, referindo-se ao direito espanhol, crê inadmissível qualquer restrição neste sentido, até mesmo porque os questionamentos sobre matéria de fato envolvem, na grande maioria dos casos, valorações jurídicas[142]. No Brasil, no caso de consulta formulada após a ocorrência do fato gerador, nenhum impedimento haveria porquanto, neste caso, a consulta se caracterizaria justamente pela verificação da subsunção do fato descrito à norma questionada[143]. Já no caso de consulta prévia à ocorrência do fato gerador, a questão merece maior reflexão, pois, conforme o art. 46 do Decreto n. 70.235/72, o escopo da consulta se limita a “dispositivos da legislação tributária a fato determinado”. A exigência de fato determinado, poderia levar ao entendimento de que somente seria cabível consulta sobre matéria de direito. Todavia, como esclarece Schoueri, a noção de fato determinado, não se confunde com a de fato concreto. Determinado é o fato descrito de forma a não suscitar na autoridade julgadora questionamentos sobre os aspectos relevantes para o caso[144]. A interpretação do autor se revela adequada quando se tem em conta a faculdade garantida a entidades representativas de categorias econômicas ou profissionais de formular consultas em nome de seus representados. Ao propor consulta, tais entidades submetem ao Fisco, não o relato de fato concreto de interesse de contribuinte individualizado, mas sim fato genérico aplicável a seus associados. Fato este que fará jus a resposta quando determinado, ou seja, quando nos termos do art. 52, VIII do Decreto n. 70.235/72, descrever completa ou exatamente a hipótese a que se referir, contendo todos os elementos fáticos necessários à análise de sua subsunção à norma questionada. Salvo a hipótese em que a inexatidão ou omissão for escusável, a critério da autoridade julgadora[145]. Outra discussão quanto ao objeto da consulta resta em saber se a consulta fiscal seria instrumento legítimo ao questionamento da legalidade ou constitucionalidade de norma tributária. Posicionando-se contrariamente a esta faculdade Faleiro afirma somente ser possível o exame da constitucionalidade e legalidade da lei tributária por órgãos administrativos investidos na função jurisdicional, o que não seria o caso do órgão julgador da consulta, que estaria investido na função regulamentar de expedir regra para viabilizar a aplicação da legislação tributária, não cabendo negar aplicação à lei que fundamenta sua própria atividade[146]. A autora vê uma incongruência lógica na hipótese, pois acredita que se a Administração está limitada a dizer como determinada regra se aplica, é porque antes de tudo essa regra deve ser aplicada. Se o consulente se insurge contra a constitucionalidade ou legalidade de uma regra tributária, é porque sabe de antemão como ela será aplicada e sua certeza retira a sua legitimidade para consultar[147]. Discordamos da autora. Se considerarmos que somente cabe questionamento das leis que “devam ser aplicadas”, não seria possível considerar cabíveis questionamentos sobre a vigência de lei tributária. Considerando que a legislação tributária é “aquela que envelhece mais rápido”[148] é de se esperar que os contribuintes se deparem constantemente com dúvidas desta estirpe. Desta maneira, não admitir questionamentos relativos à vigência da norma tributária, esvaziaria sensivelmente a utilidade do instituto para a preservação da segurança jurídica. Ademais, como já afirmamos, a convicção do autor sobre o sentido da norma não retira a legitimidade de sua dúvida, pois lhe restará a dúvida sobre a interpretação do Fisco. Por isso, concordamos com Valdir de Oliveira Rocha quando afirma que o órgão encarregado de oferecer resposta, pode e deve conhecer de consulta que aponte dúvida sobre a inconstitucionalidade ou ilegalidade, relativamente ao fato individual que lhe é apresentado[149]. 2.4. Efeitos da proposição de consulta A apresentação de consulta fiscal produz efeitos próprios típicos da sua característica de instrumento de leal cooperação entre Administração e administrado, que são essenciais à sua efetividade prática[150]. É por isso que se atribui certas vantagens àquele que consulta o Fisco em busca de orientação para cumprir devidamente o comando da norma[151]. É que sendo paradigma orientador da consulta, a espontaneidade e a boa-fé do consulente, que a utiliza para tratar de assunto sobre o qual tem legítima dúvida, não se poderia, evidentemente, penalizá-lo, ou agravar-lhe de qualquer modo, a situação quando se decide pela tributação, como também não se poderia deixar de suspender quaisquer ações fiscais contra o consulente. Em todos os efeitos decorrentes da proposição de consulta se refletem os princípios da moralidade, lealdade, impessoalidade e boa-fé, aos quais está adstrita a Administração Pública no exercício de suas funções[152]. Como já afirmado, o dever de moralidade imposto ao Fisco deve ser visto como contrapartida à boa-fé do consulente, assim cabe ao órgão consultado proceder leal, pessoal e honestamente, não se valendo da exposição que o consulente faz de suas operações em seu desfavor, transformando o instituto em uma armadilha[153].  Antes mesmo da edição do Código Tributário Nacional, Francisco de Souza Mattos cogitou da divisão dos efeitos da consulta em duas categorias, a dos efeitos imediatos e a dos efeitos mediatos. Dentre os primeiros estariam o efeito instrutivo (ou informativo) e o preventivo, que se verificariam quando da proposição da consulta, já os efeitos mediatos seriam o efeito normativo, decorrente da decisão de última instância sobre o ato de resposta, bem como a criação de situação jurídica para o contribuinte[154]. Observe-se que somente a consulta formulada em consonância aos ditames legais será apta a gerar efeitos. O artigo 52 do Decreto n. 70.235/72 define pela negativa as exigências para que a consulta seja considerada eficaz. Conforme o dispositivo não produz efeito a consulta formulada: (ii) por quem tiver sido intimado a cumprir obrigação relativa ao fato objeto da consulta; (iii) por quem estiver sob procedimento fiscal iniciado para apurar fatos que se relacionem com a matéria consultada; (iv) quando o fato já houver sido objeto de decisão anterior, ainda não modificada, proferida em consulta ou litígio em que tenha sido parte o consulente; (v) quando o fato estiver disciplinado em ato normativo, publicado antes de sua apresentação; (vi) quando o fato estiver definido ou declarado em disposição literal de lei; (vii) quando o fato for definido como crime ou contravenção penal. A declaração de eficácia da consulta é feita pela autoridade consultada, de forma expressa ou tácita[155], e não tem natureza de resposta, porquanto não resolve a dúvida apresentada[156]. Desta decisão não é cabível pedido de reconsideração (art. 58 do mesmo decreto), restando ao contribuinte inconformado, valer-se do remédio constitucional do mandado de segurança[157]. Os efeitos preventivos da proposição da consulta (efeitos imediatos preventivos) são previstos no art. 48 do Decreto n. 70.235/72 e art. 161, §2º do Código Tributário Nacional. Eles passam a valer, a partir do ato de proposição do consulente, que gera para a Administração obrigação de não fazer[158]. São efeitos que se cogitam quando da prática do fato gerador do tributo objeto de questionamento, assim, aplicam-se somente às consultas feitas após a ocorrência do fato gerador ou a fatos ocorridos na pendência de decisão sobre consulta prévia. Não faria sentido falar em falar nos efeitos imediatos preventivos, caso a hipótese descrita na consulta não tivesse se concretizado[159]. O art. 48 do Decreto n. 70.235/72 impede a instauração de procedimento fiscal relativo à espécie consultada até o trigésimo dia subsequente à ciência do consulente sobre a decisão final da consulta. O lapso temporal visa justamente permitir que ele se adeque à orientação apontada pela resposta[160] A despeito da falta de previsão legal expressa, Faleiro defende que, o óbice imposto pela norma ao procedimento de formalização do crédito tributário, suspende o seu prazo decadencial, pois este supõe inércia do ente estatal e, no caso, ele deixa de atuar, não por desídia, mas por impedimento legal[161]. O efeito não representa nenhum favor ao consulente, é natural que a proposição de consulta deve livrar o consulente de autuações, afinal o ele, de boa-fé, se antecipou à ação do Fisco justamente para evitar incorrer em alguma infração e como “contraprestação” à sua boa-fé, expondo a realidade suas operações com o objetivo de adequar sua conduta ao esperado pela autoridade, cabe a ela proceder com lealdade e não utilizar tais informações para a instauração de procedimento fiscal. Admitir que o consulente fosse autuado enquanto espera decisão, representaria grave violação dos princípios da lealdade, boa-fé e moralidade[162]. O art. 51 do Decreto n. 70.235/72 limita os efeitos previstos em seu art. 48 na hipótese de consulta formulada por entidades representativas de categoria econômica ou profissional, que só alcançariam os seus associados ou filiados depois de cientificado o consulente da decisão. Faleiro, Balera e Schoueri consideram que tal dispositivo não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, pois constituinte foi claro ao conferir entre os direitos e garantias individuais o da representação coletiva, não podendo o legislador ordinário limitá-lo[163]. O art. 49 do mesmo diploma legal traz exceção à este efeito dispondo que a consulta não suspende o prazo para recolhimento de tributo, retido na fonte ou autolançado antes ou depois de sua apresentação, nem o prazo para apresentação de declaração de rendimentos. A exceção se coaduna com a presunção de boa-fé do consulente pois busca evitar que o contribuinte de direito, obrigado ao recolhimento de tributo que já descontou ou obteve como reembolso, venha a locupletar-se financeira e indevidamente, por meio do instituto da consulta, ainda que, diante de dúvida fundada e razoável[164]. Ao se valer do termo tributo autolançado, o legislador não se refere a todos os tributos cuja modalidade de lançamento seja a homologação, mas somente aos tributos cuja conformação jurídica comporta transferência do encargo financeiro a terceiros, como o IPI. Isto porque, estender tal regra à universalidade de tributos, sendo que atualmente a grande maioria deles se subsume a esta modalidade de lançamento, esvaziaria sensivelmente a utilidade do instituto da consulta fiscal[165]. Interpretando extensivamente o termo procedimento fiscal presente no art. 48 do Decreto n. 70.235/72, Faleiro e Gabriel Lacerda Troianelli sustentam que a proposição de consulta formulada antes do início de qualquer procedimento fiscal contra o consulente configura hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário[166]. A suspensão da exigibilidade pressupõe que este já tenha sido constituído formalmente, o que o torna exigível. Como a consulta formulada acerca de hipótese sobre a qual já exista crédito formalizado não é dotada de eficácia, somente poder-se-ia cogitar deste efeito caso a formalização tenha sido promovida pelo próprio consulente (lançamento por homologação)[167]. O CTN não prevê a consulta como fundamento para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário[168]. Todavia, conforme os autores, a suspensão da exigibilidade decorreria diretamente do impedimento à instauração de qualquer procedimento fiscal (lato sensu) contra o consulente na pendência de consulta[169]. Estando suspensa a instauração de qualquer procedimento fiscal não poderia a Administração movimentar a máquina administrativa contra o consulente no sentido de satisfazer qualquer pretensão tributária relativa à matéria consultada. O art. 161,§2º do CTN prevê como efeito preventivo que, na pendência de consulta formulada após a constituição do crédito tributário, mas antes de seu vencimento, é indevida a cobrança de juros de mora e a imposição de penalidades. A hipótese típica de que trata o dispositivo é a dos créditos cujo recolhimento independe de prévio lançamento pela autoridade fiscal, como o dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, em que a obrigação de pagar antecede a atividade administrativa[170]. Para Faleiro, decorrência lógica é que o tributo propriamente dito também não se tornará exigível, ficando suspenso o prazo para seu pagamento, pois não haveria sentido em isentar o consulente do pagamento de juros e multas caso o prazo de vencimento não tenha sido suspenso, porquanto tais acréscimos só seriam devidos com o vencimento do crédito[171]. O efeito busca salvaguardar o contribuinte que, diante da nebulosidade do espectro semântico da norma, optou naturalmente pela conduta que lhe é menos onerosa. Daí, caso lhe sobrevenha da resposta interpretação mais onerosa, deverá pagar o tributo não pago na pendência da consulta, mas desacompanhado dos juros de mora e penalidades. De fato, não seria justo que o consulente já penalizado com a sensação de insegurança gerada pela norma pouco clara fosse novamente prejudicado, sendo obrigado a pagar de forma mais onerosa prestação cuja existência era até então era duvidosa[172]. A regra não concede nenhuma benesse ao consulente, apenas reconhece o fato de que, se ele pagou menos tributo em função de dúvida legítima causada pela falta de clareza da norma tributária, ele simplesmente não está em mora[173]. Se houver mora, será do legislador ou da Administração Tributária enquanto não sanar por meio de norma geral a obscuridade da norma[174]. Ou mora na apresentação da resposta, caso a legislação estabeleça prazo[175]–[176]. O efeito se coaduna com o princípio da moralidade, na medida em que (i) impede que a Administração possa autuar contribuinte que buscou a correta aplicação da lei e (ii) permite ao contribuinte, quando em dúvida quanto à interpretação de determinada regra, optar pela que lhe é mais favorável, sem receio de sofrer qualquer penalidade. Pensar de outra forma seria privilegiar o contribuinte que permanecesse silente na sua dúvida até a eventual fiscalização, em detrimento daquele que, espontaneamente e de boa-fé, buscou a correta orientação fiscal perante a autoridade tributária[177]. A consulta formulada após o vencimento do crédito tributário, antes, contudo, do início de qualquer procedimento fiscal para a cobrança do crédito equivaleria para Faleiro, por analogia, à denúncia espontânea prevista pelo caput do art. 138 do CTN[178]. Seu entendimento é de que o contribuinte, ao fornecer os dados sobre suas operações à Administração, procede a uma espécie de auto-denúncia. Desta maneira, caso a resposta caracterize a conduta até então adotada pelo consulente como infração, tem ele o direito de pagar o crédito tributário eventualmente devido, dentro do prazo estabelecido na resposta, acrescido dos juros moratórios, na proporção que couberem, com a exclusão da penalidade[179]. Evidente que não se trata de denúncia de infração, pois até a resposta, o contribuinte não tem ciência se o fato relatado efetivamente configura uma infração[180]. 2.5. Ato de resposta à consulta 2.5.1. Natureza jurídica do ato de resposta à consulta A resposta à consulta é o ato através do qual a Administração expõe o seu entendimento sobre a matéria questionada, provocando modificação na esfera jurídica do consulente e da autoridade tributária. Responder à consulta fiscal é dever da Administração correspondente ao direito do administrado de formulá-la[181]. A definição de sua natureza jurídica é fundamental para a delimitação de seus efeitos e requisitos de validade. De forma pacífica, a doutrina nacional define a natureza jurídica do ato de resposta à consulta como ato administrativo[182]. Ato administrativo é toda declaração do Estado ou de quem o represente, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos ou impor obrigações aos administrados ou a si própria, com a observância da lei, sob regime de Direito Público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário[183]. Dado que a resposta à consulta introduz um mandamento de justaposição revelador do conteúdo do enunciado consultado, permitindo ao consulente a compreensão da norma tributária, bem como orientando o órgão aplicador quando do lançamento, podemos classificar a resposta à consulta como um ato normativo regulamentar expedido por autoridade administrativa, que introduz norma complementar à legislação tributária (art. 100, I do CTN)[184]. Sendo ato administrativo, para ser válida a resposta deve necessariamente atender a requisitos de competência, finalidade, forma, motivo e objeto e também aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência aos quais está sujeita a Administração Pública no exercício de qualquer atividade (art. 36 caput da Constituição Federal)[185]. A resposta à consulta atenderá ao requisito de competência quando for emitida pelo ente administrativo legitimado à aplicação da norma debatida; atenderá ao de finalidade quando eliminar a incerteza jurídica oriunda da opacidade do espectro semântico da norma; o seu motivo é a existência de dúvida legítima a respeito de norma tributária com a qual o consulente demonstre interesse juridicamente qualificado e o seu objeto é a fundada dúvida sobre a aplicação da norma a ser respondida; a sua forma deve ser a escrita[186]. A validade da resposta depende ainda de sua publicação para a ciência de todos os contribuintes[187], que assim podem se valer dela, caso se encontrem em situação equivalente à do consulente, ou a impugnem, na hipótese de terem recebido resposta diversa para o mesmo questionamento. Deve também ser oferecida em tempo razoável para atender ao requisito de eficiência e seu conteúdo ser baseado estritamente na lei, livre da idiossincrasia do agente público responsável pela resposta. Também imprescindível a sua motivação, que permitirá o seu o seu controle pelo administrado, porquanto demonstrará o atendimento da legalidade, impessoalidade e moralidade administrativa com a qual a Administração deve proceder[188]. Na motivação, por não se tratar de procedimento litigioso, a Administração não necessitará comprovar que levou em consideração a eventual opinião fornecida pelo contribuinte para proferir decisão[189]. 2.5.2.     Efeitos do ato de resposta à consulta O conteúdo da resposta vincula o órgão emissor. É seu “efeito mediato normativo”[190], que não é disciplinado de forma expressa pelo Decreto n. 70.235/72[191]. Os requisitos de legitimidade e procedimento da consulta fiscal, somados a seu efeito vinculante a diferenciam de tantas outras consultas formuladas à Administração em que se obtém mera opinião[192]. A vinculação se restringe somente ao Fisco[193], pois ao consulente sempre restará a via judicial para contestá-la, assim como poderá ignorar a orientação conferida e impugná-la administrativamente no momento em que for autuado[194]. Para Schoueri, a correta definição do “efeito normativo” depende da identificação do exato momento em que a consulta foi formulada pelo consulente: antes ou depois da prática do fato gerador. Na hipótese de consulta formulada após a prática do fato gerador, o Fisco não se manifestaria sobre fato a ocorrer, prometendo decidir no futuro de determinada maneira, mas sim decidiria no presente. Haveria apuração do crédito tributário através da subsunção de fatos concretos à norma tributária, o que equivaleria, a um “lançamento parcial”, dada a congruência da atividade aos termos do art. 142 do CTN[195]. Desta maneira, o efeito normativo decorreria da aplicação à espécie do art. 146 do CTN, protegendo-se o fato gerador praticado, que já fora objeto de “lançamento”, de eventual mudança nos critérios jurídicos adotados pela autoridade por ocasião da resposta à consulta. Da mesma forma, seria também aplicável à espécie o art. 149 do mesmo CTN, autorizando a mudança do critério jurídico da resposta, na hipótese de fraude ou falta funcional da autoridade que ofereceu a resposta[196]. O mesmo regime se aplicaria para consulta formulada antes da prática do fato gerador, mas cuja resposta advenha somente após a sua prática[197]. Na hipótese de consulta formulada antes da ocorrência do fato gerador, a chamada “consulta prévia”[198], há dissenso na doutrina quanto à extensão do “efeito normativo”. Rubens Gomes de Souza, Francisco de Souza Mattos, e Gilberto de Ulhôa Canto em obras anteriores à elaboração do Código Tributário Nacional, além de Valdir de Oliveira Rocha, Grau, Faleiro, Misabel de Abreu Derzi, Flávio Rubinstein, Facal Villareal e Cruz e Creuz, Luciano Amaro e Souto Maior Borges, em obras mais atuais, defendem que a emanação de um critério jurídico pelo Fisco no processo administrativo de resposta, impede-no de adotar critério jurídico diverso quando do lançamento referente aos mesmos fatos e o mesmo sujeito passivo[199]. Em síntese, os autores citados sustentam que a adesão ativa do consulente ao conteúdo da resposta, renunciando à sua liberdade de apreciação e aceitando a resposta do Fisco como vinculante, lhe cria o direito subjetivo de não ser exigido comportamento diverso, sob pena de afronta à segurança jurídica e à boa-fé do contribuinte nos atos do Fisco. À espécie seria, portanto, analogicamente aplicável o art. 146 do CTN que, em respeito à garantia de irretroatividade das normas e à boa-fé do consulente, exige a inalterabilidade dos critérios jurídicos com relação aos fatos ocorridos anteriormente à introdução de nova interpretação do Fisco. Ou seja, as informações prestadas oficialmente pela Fazenda Pública, ainda que errôneas, podem afastar a cobrança do tributo devido em um caso concreto[200]. O que não quer dizer que o critério jurídico emitido através do ato de resposta não possa jamais ser revogado representando, o “efeito normativo”, um impedimento ao exercício da prerrogativa de autotutela da Administração sobre seus próprios atos, mas sim que eventual critério jurídico diverso somente será aplicável a fatos geradores futuros. Já Schoueri, Antônio da Silva Cabral, e Hugo de Brito Machado, defendem restrições ao “efeito mediato normativo” da “consulta prévia”[201]. De acordo com estes doutrinadores o “efeito normativo” se resumiria à vinculação à dos órgãos subordinados hierarquicamente à autoridade que respondeu à consulta, o que não impediria a adoção de um novo critério jurídico quando do lançamento e cobrado o tributo[202], vedada a aplicação de penalidades e encargos, por força do disposto no parágrafo único do art. 100 do CTN[203]. Além do “efeito normativo”, o ato de resposta à consulta apresenta ainda um “efeito preventivo” decorrente do art. 50 do Decreto 70. 235/72 que exclui a exigibilidade do tributo, além dos encargos, do contribuinte que houver seguido a orientação da decisão de primeira instância na hipótese de a resposta ser alterada judicialmente ou através de recurso de ofício. Tal dispositivo, segundo Schoueri, decorre de críticas feitas por Ruy Barbosa Nogueira, que alertava sobre injustiça que poderia ocorrer, nas hipóteses de impostos indiretos, em que seguindo a orientação do Fisco, o sujeito passivo deixasse de repassar o encargo financeiro do tributo ao contribuinte[204]. A doutrina também discute os efeitos da resposta perante terceiros não participantes do processo de consulta (excetuadas as hipóteses de representação). Francisco de Souza Mattos acredita que a resposta vincula o Fisco frente a terceiros que estejam em situação idêntica à do consulente, somente podendo a Administração adotar critério diverso em casos futuros[205].  Já Faleiro, Hugo Brito Machado, Valdir de Oliveira Rocha, e Gilberto de Ulhôa Canto afirmam que ao terceiro não se estende o efeito vinculatório da consulta, cabendo o seu aproveitamento como mera informação ou jurisprudência[206]. 3 – POSSIBILIDADE E CONSEQUÊNCIAS DA MODIFICAÇÃO DO CRITÉRIO JURÍDICO DA RESPOSTA 3.1. Regulação legal do efeito retroativo da modificação do critério jurídico da resposta A consulta fiscal consiste em um procedimento de lhana cooperação entre Fisco e contribuinte que visa preservar a certeza jurídica do sistema tributário que, quando bem utilizado, ainda contribui para a melhora das per se conflituosas relações jurídicas tributárias. Para que a consulta seja eficaz como instrumento de promoção da cidadania fiscal, impulsionando os contribuintes a cumprirem diligentemente os seus deveres tributários, é necessário que a atuação do Fisco perante o consulente seja dotada de lealdade e coerência[207]. Por esta razão a consulta gera diversos efeitos protetivos daquele que se dirige à autoridade tributária expondo suas operações em busca de cumprir devidamente o comando da norma. Em todos estes efeitos refletem os princípios da moralidade, lealdade, impessoalidade e boa-fé aos quais está sujeita a Administração Pública no exercício de suas funções. Os deveres morais impostos ao Fisco na consulta que devem ser interpretados como contraprestação à boa-fé demonstrada pelo contribuinte, que se adianta à sua atuação, buscando segurança para o planejamento e correição de sua vida fiscal. O seu descumprimento cria o risco de a consulta fiscal se tornar, na expressão de Ferreira Sobrinho, um verdadeiro “presente de grego” para o cidadão tornando-a apenas mais uma frustrada tentativa de melhorar a comunicação e o relacionamento entre Fisco e contribuinte[208]. Destarte, parece inegável, como ressalta José Souto Maior Borges que o Fisco não agiria de boa-fé quando, contrariando decisão proferida em consulta, surpreendesse o contribuinte que depositou confiança em sua orientação, alterando o seu entendimento anterior sobre a matéria consultada, com referência ao mesmo contribuinte e com eficácia retroativa[209]. Não se prega que a Administração esteja ad aeternum adstrita a uma orientação emitida em resposta. O Direito é por sua natureza é mutável, sendo inclusive saudável que a interpretação das normas se altere, em especial quando orientada à consecução de um maior grau de justiça material. Ademais, a manutenção da aplicação de um critério jurídico para aquele que formulasse consulta, quando este já não mais representasse o entendimento do Fisco, poderia colocar tal contribuinte em situação de vantagem em relação aos demais submetidos à nova orientação, o que representaria séria afronta aos princípios da isonomia e capacidade contributiva[210], em contrariedade à Justiça Fiscal que se busca promover através do instituto[211]. Por outro lado, como alerta Ferreira Sobrinho admitir-se a tese da volatilidade da resposta, seria o mesmo que admitir que o Estado pudesse, à seu gosto emitir qualquer resposta, alternando-a conforme sua conveniência e simplesmente alegando que a evolução da hermenêutica forçou uma mudança de posicionamento, sem prestar cuidado algum ao contribuinte afetado[212]. Neste sentido, parece mais justo que novo critério jurídico do Fisco, que contrarie aquele emitido em resposta a consulta prévia, não seja aplicado de forma retroativa. Ocorre que devido à submissão da Administração ao princípio da legalidade deve-se questionar, em primeiro lugar, como o ordenamento regula a eficácia retroativa da mudança de posicionamento da Administração. Uma grande parte da doutrina afirma que, ao consulente que adere voluntariamente à orientação fornecida pela Administração em consulta prévia, aceitando-a como vinculante, é criado o direito subjetivo de não ser exigido comportamento diverso, de modo que, a mudança de critério jurídico somente poderia ser aplicada fatos econômicos futuros, excluindo a possibilidade de constituição do crédito tributário relativo aos fatos geradores praticados na vigência da resposta. Incidiria na espécie, por analogia, o disposto no art. 146 do CTN que, garantindo a segurança jurídica do consulente, impediria o Fisco a pretexto da alteração no critério jurídico de interpretação, proceder a nova fiscalização de fatos ocorridos em período já fiscalizado sob a égide do critério anterior[213]. Já para Schoueri, o disposto no art. 146 do CTN somente seria aplicável à resposta à consulta formulada após a ocorrência do fato gerador. Hipótese em que, a atividade administrativa de resposta equivaleria a um autêntico lançamento na acepção do art. 142 do CTN. No caso de caso de consulta formulada antes da prática do fato gerador (“consulta prévia”), dada a não ocorrência do fato gerador seria descabida a aplicação do regime legal do lançamento para o ato de resposta, restando caracterizá-la como “norma complementar” em matéria tributária, submetendo-se a resposta ao disposto no parágrafo único do art. 100 do CTN, que veda, ao contribuinte que observa a orientação do Fisco, a aplicação de penalidades, bem como a cobrança de juros de mora e atualização monetária da base de cálculo do tributo, contudo, não exclui o pagamento do mesmo[214]. Exceção seriam os casos em que o Fisco tenha agido de má-fé, induzindo o consulente em erro, para depois exigir-lhe tributo que já sabia devido ou em que houvesse emitido respostas variadas a consulentes em situação análoga, conforme a sua conveniência[215]. Na verdade, a resposta à consulta antecipa o motivo legal do ato administrativo de lançamento que possa decorrer da realização do fato, mas com este não se confunde. Ao informar o critério jurídico aplicável a determinado fato, a decisão que responde à consulta delimita o motivo legal do lançamento que dele resulte, condicionando e para isso, é irrelevante que a consulta tenha sido sobre fato ocorrido ou por ocorrer[216]. Ainda que relativa a situação pretérita, a Administração não procede na consulta à constituição do crédito tributário eventualmente exigível em face do entendimento firmado. Para tanto, seria necessário um conjunto de elementos nem sempre fornecidos pelo consulente como a base de cálculo, alíquota, a materialidade e outras tantas circunstâncias juridicamente pertinentes à constituição do crédito. O questionamento feito através da consulta versa sobre um aspecto específico da norma tributária em relação ao qual se tem dúvida, de modo que a resposta limitar-se á a dizer sobre um critério da norma, não sendo suficiente para (re)produzi-la em sua inteireza[217]. Quer dizer, a consulta conserva o seu caráter hipotético-abstrato, mesmo tratando de fato ocorrido, uma vez que a descrição feita na petição de consulta não é o suporte linguístico hábil para constituir o crédito tributário. Não há no ato de resposta subsunção do fato exposto à norma. A resposta à consulta sobre fato ocorrido não obriga o consulente a adimplir a obrigação que ela identifique. Da mesma forma não afasta o dever da administração de proceder ao lançamento caso o fato gerador tenha sido praticado. A resposta a consulta, situa-se na escala de concreção do direito, entre a lei geral e abstrata e o ato de aplicação individual e concreto, independentemente de versar sobre fato ocorrido ou a ocorrer[218]. Trata-se de mandamento de concreção do dispositivo normativo posto em questão, verdadeiro ato normativo regulamentar[219]., que introduz “norma complementar” à legislação tributária (art. 100, I do CTN). Portanto, a regulação legal da retroação da alteração do critério jurídico emitido na resposta se dá pelo art. 100 do CTN que prevê a proteção daquele que confia e segue a orientação dada pelo Fisco excluindo a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo, mas não afasta a constituição do crédito tributário referente ao respectivo fato gerador praticado. Havendo regulação legal expressa sobre a situação, não é possível a pretendida analogia com o art. 146 do CTN, mesmo que mais protetiva da boa-fé do contribuinte. Caberia questionar se a invocação dos princípios da boa-fé objetiva, da segurança jurídica e da proteção à confiança, seria capaz de mitigar a adstrição da Administração à estrita legalidade motivando a limitação o efeito retroativo da alteração do critério jurídico interpretativo e permitir ao Fisco dispensar in casu o contribuinte do pagamento do tributo. Para respondermos a esta questão é adequado expormos inicialmente qual é o conteúdo dos referidos princípios e como se dá a sua aplicação no Direito Público. 3.2. O conteúdo dos princípios da boa-fé objetiva, segurança jurídica e proteção à confiança É comum autores contemporâneos de Direito Público se referirem aos termos boa-fé objetiva, segurança jurídica e proteção à confiança como se fossem conceitos intercambiáveis ou expressões sinônimas. Todavia, apesar de todos estes conceitos pertencerem a uma mesma constelação de valores, com o passar do tempo, construções doutrinárias e jurisprudenciais lhes deram caracteres que permite a diferenciação de cada um deles, sem que se distanciem completamente[220]. A boa-fé objetiva se relaciona com a lealdade, a honestidade e a probidade que o indivíduo deve manter em suas interações com outros sujeitos de direito. É conceito tradicionalmente considerado como de pertinência exclusiva ao Direito Civil[221], cuja origem se encontra no Direito Romano[222], que impõe uma espécie de guia moral a ser seguida na conclusão e execução de negócios jurídicos[223]. O instituto começou a se desenvolver de forma plena e a influenciar as demais codificações modernas a partir da entrada em vigor do Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch – BGB) em 1900, que fazia distinção entre a boa-fé subjetiva (guter Glauben) e a boa-fé objetiva (Treu und Glauben)[224] . A boa-fé subjetiva se reflete no estado psicológico da pessoa, consistente na consciência da justiça e licitude de seus atos ou na ignorância escusável de sua antijuridicidade, o que é extremamente importante nas questões possessórias e na construção da teoria da aparência[225]. De outro lado, a boa-fé objetiva constitui um princípio geral que produz nova delimitação do conteúdo objetivo do negócio jurídico, por meio da inserção de normas de conduta a serem seguidas pelos contratantes, ou produzindo a restrição do exercício de direitos subjetivos, ou, ainda, como método hermenêutico para interpretar a declaração da vontade a fim de ajustar a relação jurídica à função econômico-social de cada caso concreto[226]. O traço diferenciador entre a boa-fé subjetiva e a boa-fé objetiva é que nesta o elemento vontade cede espaço à comparação entre a atitude tomada pelos contratantes e aquela que se poderia esperar de um homem médio. Daí afirmar-se que é objetiva, pois não se funda na vontade dos contratantes, sendo, por conseguinte, exterior aos sujeitos[227]. Ao ser positivada a boa-fé deixa de constituir um imperativo ético abstrato e se torna norma condicionante e legitimadora de toda a experiência jurídica, desde a interpretação das leis e cláusulas contratuais, até as suas últimas consequências[228]. Além de permitir flexibilidade e mobilidade à interpretação do sistema de Direito Privado, autorizando o juiz a libertar-se dos grilhões da letra fria da lei e fazer justiça, de forma particular, em cada caso concreto[229]. O marco legislativo alemão influenciou diversas codificações de países seguidores do modelo jurídico romano-germânico tais como o Código Civil italiano (1942), o Código Civil português (1966) e o Código Civil espanhol (1974), adotaram expressamente a boa-fé objetiva. No Brasil a primeira manifestação da boa-fé objetiva encontra-se no art. 131 do Código Comercial de 1850, que a ela se referia como marco interpretativo dos contratos comerciais. Mas a doutrina entendeu que a boa-fé nele aludida era subjetiva e não desenvolveu a regra contida no artigo, tendo permanecido praticamente sem aplicação pelos tribunais[230]. O Código Civil de 1916 não a previa, mas isto não impediu que alguma doutrina e jurisprudência iniciasse um processo de construção, no direito brasileiro, com destaque para Clóvis do Couto e Silva. Em 1990, o Código de Defesa do Consumidor, finalmente consagrou positivamente a boa-fé objetiva no Brasil, sendo confirmada como princípio geral do direito, linha teleológica para a interpretação das normas de defesa do consumidor (artigo 4º, III, do CDC), cláusula geral para a definição do abuso contratual (artigo 51, IV do CDC), instrumento legal para a realização da harmonia e equidade das relações entre consumidores e fornecedores (artigo 4º, I e II, do CDC) e paradigma objetivo limitador da livre iniciativa e da autonomia da vontade (artigo 4º, III, do CDC combinado com artigo 5º, XXXII, e artigo 170, caput e inc. V, da Constituição Federal). Mas somente com o advento Código Civil de 2002 a boa-fé objetiva alcançou seu apogeu no ordenamento jurídico pátrio, passando a figurar como fonte de deveres autônomos sobre todos os contratos, sejam eles civis ou empresariais, não ficando mais restrita às relações contratuais consumeristas[231]. Embora sua presença seja mais marcante no Direito Privado a sua influência também se estende ao Direito Público, o que já era reconhecido até mesmo pelo Direito Romano[232]. A aplicabilidade do princípio da boa-fé objetiva ao Direito Público apresenta, todavia, certa complexidade[233]. Primeiro, a ideia de expectativas geradas pelo comportamento alheio seria mais concebível no âmbito de relações paritárias, como aquelas entre entes privados, fundadas na liberdade e igualdade. Já nas relações publicísticas, em que imperam as noções de competência e soberania, as expectativas do particular não teriam muito espaço, porquanto a ação administrativa é guiada pelo imperativo do interesse público, ao qual as expectativas de interesse do particular tende a ceder. Há ainda de ser considerado o estrito vínculo do agir administrativo à legalidade, que dificulta o surgimento de comportamentos e situações que, mesmo mais compatíveis com a boa-fé não estejam previstas em lei[234]. Por estas razões, por muito tempo a doutrina administrativista tradicional negou a aplicação do princípio da boa-fé objetiva às relações que a Administração trava sob regime de Direito Público. Para esta escola doutrinária, a boa-fé representaria, ademais, uma inútil duplicação do conceito de interesse público, dado que agir segundo os ditames da honestidade e lealdade, estaria implícito na obrigação de perseguir o interesse prefigurado pelo ordenamento[235]. Para Grasso, a opinião que exclui a relevância do princípio da boa-fé em âmbitos alheios ao Direito Privado é fruto de um conceito ultrapassado, autoritário e auto-referencial do Poder Público e de seu agir, ao qual corresponde um conceito puramente formalista da lei, que coloca o seu imprescindível respeito à frente da função primária do Estado de buscar promover justiça material, incongruente com a ordem democrática atual, em que o governo da coisa pública se faz sempre em atenção ao interesse dos cidadãos[236].. Opinião análoga é a de Almiro do Couto e Silva, que ressalta, que a moderna noção de Estado de Direito, pressupõe a necessidade de defesa dos particulares em certas circunstâncias da fria e mecânica aplicação da lei[237]. E a de Mattern, que anota que administrar conforme a lei é, antes de tudo administrar conforme o Direito razão pela qual a boa-fé é um componente indivisível da legalidade, do Estado de Direito e da Justiça[238]; De fato, já há décadas a aplicabilidade da boa-fé objetiva ao Direito Público encontra previsão no ordenamento jurídico de vários países que adotaram o sistema jurídico romano-germânico. Dentre eles Itália, Espanha, Alemanha, e Uruguai[239]. No Brasil alguns doutrinadores o princípio da boa-fé objetiva encontra-se implícito no princípio da moralidade a que está submetida a Administração Pública conforme dita o caput do art. 36 da Constituição Federal[240]. Ele também é previsto expressamente no inciso IV do art. 2º da Lei 9.783/99, que dispõe sobre a necessidade de observância da boa-fé nos processos administrativos de âmbito federal[241] e na Lei do Estado de São Paulo nº 10.177/98, que regula o procedimento administrativo no âmbito estadual. A influência do princípio se estende notadamente no Direito Administrativo, em especial nos contratos administrativos e na responsabilidade pré-negocial do Estado[242]·. Na seara do Direito Tributário a aplicabilidade do princípio da boa-fé objetiva encontra guarida no art. 108 do CTN, cujo inciso III prevê expressamente o recurso aos princípios gerais do Direito Público para a interpretação e a integração da legislação tributária[243]. Essa mesma concepção proposta pelo princípio da boa-fé objetiva de que, nas relações jurídicas, as partes envolvidas devam proceder com correção, lealdade e lisura, e em conformidade à palavra empenhada dá, em última análise, conteúdo ao princípio da segurança jurídica, porquanto este também visa dotar de certeza e previsibilidade determinadas situações jurídicas, evitando surpresas causadas por mudanças que atinjam estas situações[244]. Contemporaneamente a ciência jurídica divide este princípio em seu aspecto objetivo e subjetivo. O primeiro diz respeito à garantia de estabilidade das relações jurídicas, envolvendo a proteção contra a retroatividade das leis e o respeito ao direito adquirido, à coisa julgada e ao jurídico perfeito. Já o segundo diz respeito à proteção à confiança do cidadão na retidão dos procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos da sua atuação[245]. Apesar de estreitamente associados a ponto de alguns autores de direito comparado considerarem o princípio da proteção à confiança como um subprincípio da segurança jurídica, a doutrina mais atual de direito comparado prefere insistir existência de dois princípios distintos[246]. Deste modo, fazem referência ao princípio da segurança jurídica (Rechtssicherheit) quando designam o que prestigia o aspecto objetivo da estabilidade das relações jurídicas, e mencionam o princípio da proteção à confiança (Vertrauenschutz), também chamado de princípio da confiança legítima (principio di legittimo affidamento), quando se atenta para o aspecto subjetivo. O princípio da proteção à confiança, por sua vez, leva em conta a boa-fé do administrado, que tem expectativa de licitude e legitimidade dos atos da Administração, impondo limitações, ou atribuindo consequências patrimoniais, à prerrogativa estatal de alterar sua conduta e de modificar atos administrativos que conferiram vantagens ao administrado e que, mesmo eivados de ilegalidade, consolidaram pelo decurso do tempo o sentimento de que seriam mantidos[247]. No Direito Tributário, reconhece-se a sua aplicação primordialmente nos casos de benefícios fiscais concedidos inicialmente de forma irregular, mas que em virtude do longo tempo em que estiveram vigentes, cobrar o tributo devido em obediência à legalidade seria menos justo do que ignorar a ocorrência do fato gerador 3.3. Regulação principiológica do efeito retroativo da modificação do critério jurídico da resposta Em que pese ser reconhecida a aplicação do princípio da boa-fé objetiva e seus correlatos ao Direito Tributário e que a contradição entre o critério de interpretação da norma tributária fornecido pelo Fisco na resposta à consulta e o adotado do lançamento viola os liames por eles estabelecidos por trair a legítima expectativa do contribuinte que o teve por paradigma orientador de sua conduta, não se pode olvidar que o lançamento do tributo é um ato vinculado e obrigatório, não podendo a autoridade administrativa abster-se de realizá-lo quando verificada a ocorrência do fato gerador de obrigação tributária, sob pena de responsabilidade funcional (parágrafo único do art. 142 do CTN). O que quer dizer que não compete ao Fisco operar um sopesamento principiológico da situação e decidir sobre a conveniência ou Justiça do lançamento, resumindo-se a sua atividade à verificação da ocorrência do fato gerador e a projeção sobre ele dos valores previamente sopesados e condensados na norma jurídica constituindo o crédito tributário. A principal razão dessa acentuada “praticidade”[248] na aplicação da norma reside no fato de que o Direito Tributário enseja aplicação em massa de suas normas,  a cargo da Administração, ex officio, e de forma contínua ou a fiscalização em massa da aplicação dessas normas (nas hipóteses de tributos lançados  por homologação)[249]. Desta maneira o administrador não poderia, na falta de previsão legal, deixar de cobrar o tributo por mais que sua abstenção seja produto de uma interpretação holística do ordenamento que atenda melhor aos ditames da boa-fé. Não se pode dizer, entretanto, que o ordenamento jurídico brasileiro tenha desprestigiado a boa-fé do contribuinte. Afinal, o art. 100 do CTN exclui a aplicação de penalidades, juros de mora e a correção monetária da base de cálculo do tributo, àquele que tenha orientado sua conduta de acordo com as informações prestadas pelo Fisco. Destaque-se que para gozar destes efeitos o contribuinte sequer necessita comprovar a sua boa-fé, sendo que, conforme afirma Humberto Ávila baseando-se na lição de Kreibich, o recurso à doutrina da boa-fé objetiva no intuito de proteger o contribuinte contra atos contraditórios da Administração somente é possível caso verificada a concorrência dos seguintes requisitos: (i) que a relação entre o Fisco e o contribuinte seja baseada em ato administrativo cuja validade seja presumida; (ii) relação concreta envolvendo uma repetição de comportamentos, de forma continuada, uniforme e racional por uma pluralidade de agentes fiscais que executam o ato como se válido fosse; (iii) relação de confiança envolvendo as partes e terceiros; (iv) relação de causalidade entre a confiança e os atos praticados pelo Poder Público; (v) situação de conflito entre o comportamento anterior e o atual por parte do Poder Público; (vi) continuidade da relação por período inversamente proporcional à importância do ato administrativo[250]. Ademais, ao contribuinte que se se sinta injustiçado pela cobrança do tributo de forma contrária à exposta na resposta, resta a impugnação do lançamento pela via judicial. O Judiciário, por sua vez, não poderia se socorrer da referida “praticidade” para determinar a solução jurídica do caso, efetuando a mesma execução simplificadora da lei facultada ao administrador[251]. Isto em função do seu comprometimento institucional com a proteção individual, a sua missão constitucional de encontrar a justiça para o caso isolado, que lhe veda o uso de tipificações e o obriga a esgotar a potencialidade da norma legal que aplica, buscando por meio do aquilatamento dos princípios confluentes in casu e fundamentação, a extração de uma norma profundamente densificada, que haverá de reger o direito em um caso concreto visando a concreção do mais alto grau possível de justiça material[252]. Quanto à questão colocada em juízo, esta parece suscitar um inconciliável conflito entre o princípio da legalidade e o da boa-fé objetiva (como vetor da proteção à confiança e da segurança jurídica). Celso Antônio Bandeira de Mello, afirma que, na verdade, o conflito entre a boa-fé objetiva e o princípio da legalidade é meramente aparente, pois o Estado se vincula em cada ato de aplicação de normas ao ordenamento jurídico como um todo. Se este privilegia a boa-fé como cânone hermenêutico, então esta deve integrar o feixe de considerações necessário à interpretação da qualquer norma jurídica. Assim, valorizando a boa-fé na aplicação da norma, o Estado atende ao próprio sistema jurídico[253]. No mesmo sentido Gilmar Mendes, mencionando o magistério de Hans-Uwe Erichsen, professor da saudosa Universidade de Münster, assevera que o princípio da legalidade da Administração é apenas um dentre os vários elementos do Estado de Direito, disso resultando que uma solução adequada para o caso concreto depende de um juízo de ponderação que leve em conta todas as circunstâncias que caracterizam a situação singular[254]. A ponderação[255] se faz imperativa, porque a preferência à estrita observância da forma (ao princípio da legalidade), em detrimento da observância de retidão nas relações jurídicas e a manutenção das expectativas legítimas das partes destas relações, pode instalar a arbitrariedade, acarretando soluções, como afirma Almiro do Couto e Silva, com base na lição de Bernard Schwartz, com “toda a beleza da lógica e toda a hediondez da iniquidade” [256]. O sopesamento entre o princípio da legalidade e o princípio boa-fé permitiria que o último corrigisse os defeitos e preenchesse as lacunas das previsões genéricas contidas nas normas, de modo a ajustá-las ao critério de justiça que subjaz da boa-fé.[257]. Isto, pois a ênfase excessiva ao princípio da legalidade da Administração Pública nos casos em que o interesse público demande a proteção da boa-fé dos cidadãos representaria a retirada de um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito, qual seja, o da segurança jurídica, negando-se a própria justiça[258]. Deve-se, assim reconhecer, que o princípio da legalidade, longe de ser dogma para a orientação da administração pública no exercício de suas funções, pode encontrar, em certos casos, limites na proteção da confiança que os administrados depositam nos atos do Poder Público[259]. Sendo lícito concluir, neste passo, que em determinados casos cabe ao Judiciário afastar a incidência retroativa do novo critério jurídico, conforme pressupõe a boa-fé objetiva[260]. Resta discorrer sobre a possibilidade de o administrado pleitear ao Judiciário, além da anulação do lançamento, indenização por eventuais danos que tenha sofrido em virtude de ter orientado a sua conduta pela resposta posteriormente modificada. 3.4. Responsabilidade estatal e funcional por danos causados em virtude da modificação de resposta à consulta      Outra questão relevante acerca da abrangência da proteção conferida ao consulente que segue a orientação veiculada através do ato de resposta diz respeito à possibilidade de ele pleitear indenização por danos causados em função dela, seja na hipótese de esta ter sido modificada em seu prejuízo, seja na de ele ter recebido uma orientação diversa da de outros contribuintes em situação análoga, que o coloque em desvantagem. A responsabilidade do Estado por atos violadores de direito praticados por seus agentes e que acarretem prejuízo para os administrados foi por longo tempo recusada pela doutrina administrativista. Prevalecia, então, o preceito da irresponsabilidade da administração, que ditava que os particulares teriam que suportar os prejuízos que os servidores públicos eventualmente lhes causavam, quando no exercício regular de suas funções[261]. Atualmente a teoria da irresponsabilidade do Estado encontra-se totalmente superada, tendo sido banida dos ordenamentos jurídicos da maioria dos Estados[262]. No Brasil, ao longo da história a responsabilidade do Estado sempre teve guarida constitucional, sendo prevista na Constituição do Império (art. 24), Constituição de 1891 (art. 89), Constituição de 1934 (art. 171), Constituição de 1937 (art. 158), Constituição de 1946 (art. 194), Constituição de 1967 (art. 105) e Constituição de 1969 (art. 107). Na atual Constituição Federal de 1988 tal entendimento foi cristalizado pelo legislador no art. 37, §6[263] que, segundo Hely Lopes Meirelles, estabelece para todas as entidades do Estado, bem como seus desmembramentos administrativos, a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão[264]. Firmou, em outras palavras, a responsabilidade objetiva da Administração pela atuação lesiva dos seus agentes e delegados, sem prejuízo da competente ação de regresso, em seu favor, contra o servidor que tenha agido com dolo ou culpa. Desta maneira, para que se caracterize o dever de indenizar basta que se constate a simples existência de nexo causal, ou, mais tecnicamente, a “causalidade adequada”, entre a ação do Poder Público e o dano produzido no particular, para determinar a responsabilidade do Estado[265]. A responsabilização do Estado por danos advindos da adesão do contribuinte à quando esta for modificada em seu prejuízo é razoável. Já dissemos que não há óbice a que o Fisco modifique o seu posicionamento, porquanto o particular não tem qualquer direito subjetivo a que se mantenha infinitamente uma orientação e tampouco tem direito a uma tributação dita “favorável. Entretanto, em certas ocasiões a modificação representa de tal forma uma quebra da “promessa” firmemente feita pelo Poder Público, que não reconhecer o direito à reparação pela quebra da confiança do administrado importaria em grave injustiça[266], correndo-se o risco de a consulta se tornar mais uma experiência frustrada nas tentativas de melhorar a comunicação e o relacionamento entre fisco e contribuinte[267]. Ao mesmo tempo, a responsabilização do Estado impede que se empreste à decisão que responde à consulta um caráter plenamente volátil, que seria o mesmo que admitir a Administração pudesse emitir a resposta que mais lhe agradasse e a alterasse livremente conforme sua conveniência, simplesmente alegando que a evolução da hermenêutica forçou uma mudança de posicionamento, sem prestar cuidado algum ao contribuinte afetado[268]. Da mesma forma seria aceitável que o Estado fosse responsabilizado pelos prejuízos sofridos pelo contribuinte orientado de divergente de outros em situação análoga, já que  patente a ofensa tanto à sua confiança nos atos estatais quanto aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Deve-se reforçar, entretanto, que a responsabilidade do Estado é objetiva no caso, o que não quer dizer integral. Destarte, é imprescindível para a sua geração que se demonstre o dano sofrido[269], assim como não se cogita do “dever de reparação” sem a comprovação do nexo de causalidade entre resposta e prejuízo, sob pena, como alerta José Wilson Ferreira Sobrinho, de se iniciar uma verdadeira histeria da responsabilidade estatal[270]. Faleiro acredita que o Estado somente poderia ser responsabilizado nas hipóteses em que o entendimento conferido não fosse efetivamente o entendimento da Administração no momento do questionamento, por exemplo, quando divergisse de respostas reiteradas dadas a outros consulentes, como no caso julgado pelo STF, o que caracterizaria ato ilícito, expedido em razão de erro funcional[271]. A verdade é que com a objetivação da responsabilidade do Estado na modalidade do risco administrativo, não mais havendo necessidade de prova da ilicitude ou culpabilidade para que se verifique a responsabilização do Estado, a distinção entre atos lícitos e ilícitos perde sua relevância imediata para que se caracterize o dever de indenizar[272]. Tendo em vista a reciprocidade inerente à boa-fé objetiva também do contribuinte se exige conduta adequada para que tenha direito à indenização. Desta forma, como afirma a doutrina alemã, caberia ao contribuinte comprovar que, baseado na resposta à consulta, tenha tomado medidas com efeito econômico que não teriam sentido caso a orientação fornecida pelo Fisco fosse outra. Assim, não poderia pleitear indenização por negócios que tenha efetuado ou fatos econômicos em que tenha incorrido enquanto não revelada a opinião da Administração[273]. Flávio Rubinstein afirma que, também o contribuinte que tenha plena consciência de que a reposta é errada não poderia pleitear indenização por segui-la[274]. Circunstância esta que soa paradoxal, já que se o contribuinte tivesse certeza sobre a interpretação que o Fisco normalmente adota sobre a norma, a ponto de notar que a autoridade se equivocou ao responder à sua consulta, sequer estaria legitimado a propô-la[275]. A indenização deve abranger que a vítima efetivamente perdeu, o que despendeu e o que deixou de ganhar em consequência direta e imediata do ato lesivo da Administração. Em outras palavras, deve abranger o dano emergente, os lucros cessantes, bem como honorários advocatícios, correção monetária e juros de mora se houver atraso no pagamento[276]. Assim, caberia ao Estado indenizar o consulente não somente pelo excesso de tributos pagos em função de resposta errada ou modificada supervenientemente, mas também indenizá-lo por negócios que realizou (ou deixou de realizar) ou fatos econômicos em que incorreu, os quais não se justificariam caso a resposta do Fisco não fosse aquela[277]. A liquidação dos prejuízos será feita de acordo com o procedimento previsto pelo art.. 100 da Constituição Federal e arts. 730 e 731 do Código de Processo Civil, seguindo-se a requisição do pagamento devido pela Fazenda Pública[278]. Também a indenização por dano moral é cabível, apesar das dificuldades que sua quantificação apresenta[279]. A ação indenizatória é intentada pelas vítimas contra as pessoas jurídicas de Direito Público que lhe causaram o dano, podendo os agentes públicos atuar na lide, facultativamente, como terceiros interessados, já que devem sofrer a ação de regresso. É o que defende Hely Lopes Meirelles, quando afirma que o causador direto do dano não poderia ser obrigado a integrar a ação que a vítima intenta contra a Administração, mas pode, voluntariamente, intervir como assistente da Administração[280]. Todavia, na opinião de Hugo de Brito Machado, a indenização pode ser cobrada diretamente do agente público causador do dano, em ação promovida contra ele e contra o ente público, com pedido de condenação dos dois por serem solidariamente responsáveis, e com pedido subsidiário de condenação do ente público[281]. O autor sustenta que a ação contra o agente público teria o mérito de fazer valer o efeito punitivo da indenização, contribuindo à prevenção de práticas abusivas contra o contribuinte. Ademais, a execução da sentença condenatória não dependeria de precatório, sendo provável, inclusive, que o réu pagasse o valor determinado em sentença para evitar o constrangimento da execução[282]. Apesar de louvável a tese não parece cumprir os requisitos de legitimidade ad causam que autorizariam a presença do agente público no polo passivo da ação indenizatória. Isto porque, em decorrência do princípio da impessoalidade, a personalidade do agente se dissolve dentro do ente estatal em que atua, de modo que o prejudicado deve promover a ação contra a Fazenda Pública respectiva e não contra o agente causador. Como doutrina José Afonso da Silva “a culpa ou dolo do agente é culpa problema das relações funcionais que escapa à indagação do prejudicado”[283]. Da mesma forma pronunciou-se o STF, que em julgamento de relatoria do Ministro Carlos Britto, reconheceu que a norma do §6º do art. 37 da CF consagra dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que amplia consideravelmente a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido; outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular[284]. A este respeito Hely Lopes Meirelles afirma incisivamente que o legislador constituinte bem segregou as responsabilidades: O Estado indeniza a vítima; o agente indeniza o Estado regressivamente[285]. Na jurisprudência do STF encontra-se um caso paradigmático de responsabilização estatal em virtude de prejuízos causados por uma consulta fiscal. Nele a corte constitucional reconheceu à empresa que formulou consulta fiscal perante a Administração Estadual Paulista o direito à indenização por danos provocados em virtude da observância da resposta. Uma destilaria havia apresentado questionamento à Secretaria da Fazenda do Estado sobre o exato momento da ocorrência do fato gerador do ICMS nas saídas para entregas futuras, se no momento da emissão da nota ou na efetiva saída dos produtos, tendo obtido como resposta que a ocorrência se daria no momento da emissão da nota para entrega futura. Tomando a empresa posteriormente o conhecimento de que concorrentes adotavam postura diversa e que a mesma autoridade havia proferido respostas em sentido divergente, tornou a formular consulta. Desta vez a resposta veio no sentido de que a norma geradora da obrigação principal incidiria no momento da saída dos produtos. Dado que à época os índices inflacionários eram galopantes, o pagamento antecipado do tributo fez a empresa suportar ônus financeiros indevido. Para ser ressarcida dos danos relativos à corrosão inflacionária do valor pago antecipadamente a título de imposto, a empresa ingressou com ação ordinária de ressarcimento de danos contra a Fazenda do Estado de São Paulo[286]. Em primeira instância a ação foi julgada improcedente, sob a motivação de que o consulente não era obrigado a seguir a orientação fiscal oferecida pela Administração em consulta. Daí que, não sendo imperativa, não seria a causa única do equívoco pagamento antecipado do tributo, o que descaracterizaria o nexo causal. Afirmou-se também que o dano não havia sido efetivamente comprovado, tendo os cálculos apresentados se baseado em meras hipóteses.[287]. Em parecer proferido quando o caso ainda se encontrava na segunda instância, Eros Grau defendeu a responsabilização do Estado. Afirmou que a orientação dada pelo Fisco era, sem prejuízo do recurso ao Judiciário, vinculante para o consulente, dado que seu desacatamento é passível de gerar autuações e penalizações e que autor a hipótese não era de “modificação superveniente de orientação”, mas sim de “erro da Consultoria Tributária”, de modo que tendo a Administração orientado equivocadamente a consulente, infringiu o princípio da boa-fé, rompeu o seu dever de correção e comprometeu o valor ético da confiança, portanto, comprovado o prejuízo causado ao consulente deveria ser responsabilizada pela sua recomposição[288]. A questão foi decidida de forma análoga pelo tribunal ao acolher o voto lavrado pelo Min. Marco Aurélio, cujo entendimento foi de que houve equívoco por parte da Administração na resposta à consulta, que implicou em prejuízo para o consulente, era passível de indenização. O ministro sustentou que a responsabilização do Estado era imperativa, pois ao propor seu questionamento assumiu a consulente “postura de absoluta boa-fé” e demonstrou “inegável confiança no Fisco” ao seguir a orientação proposta, o que não poderia ser ignorado. Disse ainda que era o caso de a Corte assumir postura que estimulasse os contribuintes a se valerem do instituto da consulta, ao mesmo tempo em que se atribuísse uma maior responsabilidade ao Estado ao respondê-la, não se concebendo que o equívoco, que implicou em inegável vantagem para a Administração, deixasse de ser indenizado. Ferreira Sobrinho afirma que a tese vencedora do julgamento, que impôs ao Estado o dever de responsabilização por danos causados em função da modificação da resposta não era nova, mas tida por muitos autores como heresia jurídica. De acordo com o autor, os defensores deste posicionamento se baseavam em uma visão irrestrita da discricionariedade da ação estatal na qual, em prol do “interesse público” os maiores absurdos jurídicos poderiam ser perpetuados, sem acarretar qualquer responsabilidade ao ente causador[289]. SÍNTESE CONCLUSIVA 1. A tributação se presta a instrumentalizar a consecução dos fins do Estado declarados constitucionalmente, sendo das opções de que ele poderia dispor para obter a indispensável colaboração dos indivíduos na consecução de suas finalidades, a que menos grava direitos fundamentais. O exercício desta prerrogativa enfrenta, contudo grande rejeição social, dado o o fato de que, com o fim de garanti-los, a tributação acaba por interferir em dois dos direitos fundamentais mais caros ao indivíduo na sociedade capitalista: a liberdade e a propriedade privada. 2. Ao Estado cabe buscar constantemente maior legitimidade para o exercício da atividade tributária, aumentando a sua aceitação pela sociedade. Pois quanto maior a eficácia social da norma tributária, maior a eficiência do instrumento para a consecução dos fins estatais constitucionais. 3. O exercício do poder tributário só é legítimo enquanto instrumental, de modo que  no Estado Democrático de Direito não pode ser arbitrário e deve ser sempre atrelado às exigências constitucionais de moralidade e legalidade e ser orientado ao cumprimento dos fins do Estado nos termos da Constituição. 4. A cobrança e a arrecadação dos tributos deve ser feita em consonância com a igualdade e a legalidade. As autoridades devem garantir que os impostos não sejam objeto de elusão ou que se apliquem de modo contrário ao Direito, não em função do interesse do Fisco em arrecadar, mas sim em respeito ao direito que tem o contribuinte de que todos os demais também paguem os impostos. Não cabe ao funcionário da Administração buscar o máximo de arrecadação, mas sim aplicar o direito material com Justiça. O exercício da função pública pelo agente fiscal deve ser guiada pela ética, cabendo a ele orientar e oferecer oportunidades de correção aos contribuintes de boa-fé se deparem com incerteza diante de leis dúbias, sendo reservadas as punições para os contribuintes de má-fé. 5. Com o fim de se orientar o contribuinte no cumprimento de seus deveres fiscais são abertos canais de comunicação entre a Administração e o administrado. Meios de comunicação estes que tanto serão mais produtivos quanto maior a confiança que o indivíduo deposite no Estado. É neste contexto que se encaixa o processo administrativo de consulta fiscal. 6. A consulta fiscal é processo administrativo através do qual, o sujeito passivo, efetivo ou potencial de relação jurídica tributária, ou entidade que o represente, indaga formalmente à autoridade tributária competente sobre a aplicação da legislação tributária a fato determinado. Ela vem dar ao cidadão a oportunidade de sanar dúvidas ocasionadas em decorrência da complexidade da legislação tributária, bem como a sua praxe e, assim, poder , dirimi-las antes mesmo da fiscalização ou da autuação do Fisco, permitindo agir em consonância com a legislação, evitando equívocos e sanções. Para o Fisco é chance de educar o contribuinte, reduzindo das práticas elusivas e sonegatórias. 7. Contemporaneamente a importância do instituto se avulta na medida em que a legislação tributária se torna mais vasta, complexa, intricada, e, não raro, conflitante, contraditória e obscura, como se o próprio legislador se tivesse perdido no emaranhado de diplomas que criou. A dificuldade enfrentada pelos cidadãos para compreender seus deveres fiscais é notória e ressaltada por diversos doutrinadores. 8. A complexidade das normas tributárias não é necessariamente ruim, ela acompanha a complexização das relações econômicas e busca captar as suas sutilezas para distribuir de forma mais equânime os encargos financeiros dentre os cidadãos. 9. Também da própria natureza abstrata e plurissignificativa da linguagem jurídica decorrem algumas dificuldades na sua interpretação e aplicação aos casos concretos, sendo fundamental neste sentido a coerência e a previsibilidade dos atos hermenêuticos estatais. 10. A ínsita plurivocidade da linguagem jurídica não exclui o dever do Estado de buscar legislar de forma clara e coesa, sendo uma das expressões mais elementares da segurança jurídica a exigência de que as normas sejam formuladas de modo claro sob a perspectiva formal. A norma pouco clara faz surgir dúvida, consequentemente gerando insegurança jurídica. 11. Sendo linguagem, o Direito só é funcional quando o destinatário do mandamento legal tem ciência da existência da mensagem e quando esta atinge o destinatário com o menor ruído possível, quer dizer, o mais próximo da pretensão do emissor. 12. O esclarecimento do sentido das normas proporcionado pela consulta fiscal preserva a funcionalidade do comando normativo e se relaciona com a legalidade, a legitimidade, e a eficiência da atuação estatal. 13. No que se refere à tributação, o estado mental de incerteza do particular lhe tolhe garantias fundamentais como a liberdade fiscal. Impede o seu planejamento tributário, já que fica sem saber se suas ações cumprem com as expectativas do ordenamento jurídico ao qual está submetido, correndo sempre o risco de ser surpreendido por anulação dos negócios que tenha praticado, ou por uma ação punitiva do Fisco. A incerteza é também prejudicial ao Fisco que enfrenta entraves à arrecadação como a sonegação e a corrupção e longos debates judiciais relativos ao pagamento de tributos, o que afeta diretamente a eficiência arrecadatória. 14. A consulta fiscal, como atividade estatal de eliminação da incerteza quanto à interpretação da norma, pode ser considerada instrumento de consecução de Justiça Fiscal, pois, como canal de comunicação entre Administração e administrado apto a orientá-lo sobre seus direitos e deveres, pode corrigir a desigualdade no acesso à informação jurídica fiscal, que faz com que os contribuintes com recursos para pagar por uma consultoria fiscal possam pagar menos tributos do que aqueles com menos recursos (Dummensteuereffekt). 15. A resposta que o Fisco oferece, por ser o legítimo intérprete da norma é capaz de clarificar melhor do que qualquer tributarista ou contabilista os ônus tributários a que estão sujeitos os particulares lhes possibilitando o adequado planejamento da sua vida fiscal. 16. O fundamento jurídico-constitucional da consulta fiscal não é o direito à informação e e nem o direito de petição, mas sim o direito à preservação da segurança jurídica, que se instrumentaliza através do direito de petição. O conteúdo da resposta à consulta configura uma “informação”, porém, em decorrência de sua função para o Direito Tributário, a informação que se visa obter através da consulta fiscal apresenta conteúdo, pressupostos de legitimidade à sua obtenção e efeitos jurídicos que são demasiadamente específicos para que se enquadre o instituto no vago “direito à informação”. O consulente busca, ao expor sua dúvida, ato oficial de interpretação que lhe traga a certeza necessária ao planejamento seguro de sua vida fiscal, sem medo de ser surpreendido por autuações, ou seja, busca informação apta a lhe trazer segurança jurídica. 17. Responder adequadamente à consulta é dever do Estado, pois, se este em razão de sua soberania tem o direito de exigir o imposto que previamente estabeleceu em lei, por outro, tem a obrigação, quando solicitado, de instruir o contribuinte, esclarecendo, com segurança, quando e como deve pagar o mesmo tributo. ou como cumprir determinada obrigação legal ou regulamentar  18. Ao responder às consultas e garantir a segurança jurídica ao administrado, eliminando sua dúvida quanto à interpretação de uma norma, a Administração acaba por tutelar o seu próprio interesse. Isto, pois ao oferecer o entendimento oficial quanto ao sentido da norma, o órgão emissor do comando normativo estabiliza o seu espectro semântico no caso concreto, garantindo a sua correta compreensão pelo destinatário e permitindo a adesão voluntária à norma, a sua efetividade ou eficácia social atendendo aos anseios do legislador. 19. Quanto aos sujeitos da consulta, legítimo consulente é todo aquele todo aquele que demonstre interesse pessoal relacionado com o fato determinado que pode gerar a tributação. Tal interesse pessoal que figura como condição de legitimidade não diz respeito apenas àquele que está diretamente relacionado com a hipótese de incidência descrita pela norma, como também o responsável ou o representante de categoria econômica ou profissional. 20. A legitimidade para responder à consulta fiscal (legitimidade passiva) não é dada a quem edita a norma geral e abstrata que motiva a consulta, mas sim a quem irá aplica-la, ou seja, a Administração Pública direta ou indireta. 21. Todo assunto exacional pode ser objeto de consulta fiscal, sem barreiras. São portanto inaceitáveis decisões que restrinjam a amplitude dos assuntos consultáveis-, o que é inclusive prejudicial à própria Administração, dadas as vantagens que a resposta à consulta lhe agrega 22. Em função da garantia constitucional de representação o legislador ordinário não pode impor óbice à consulta coletiva em relação à consulta individual. 23. Quanto ao fato descrito, não há impedimento que seja uma situação já ocorrida, ou de ocorrência certa ou possível; basta que seja determinada, isto é, descrita de maneira a permitir sua individualização. A identificação dos fatos necessita ser o mais precisa e completa possível, pois é fundamental para a delimitação dos efeitos do ato de resposta à consulta 24. Em que pese o posicionamento contrário da Receita Federal, a consulta é instrumento apto ao questionamento da legalidade/constitucionalidade das normas tributárias. 25. A convicção íntima do consulente sobre o sentido da norma não retira a legitimidade de sua dúvida, pois lhe restará a dúvida sobre a interpretação do Fisco. 26. A apresentação de consulta fiscal produz efeitos próprios típicos da sua característica de instrumento de leal cooperação entre Administração e administrado, essenciais à sua efetividade prática. É por isso que se atribui certas vantagens àquele que consulta o Fisco em busca de orientação para cumprir devidamente o comando da norma. Em todos os efeitos decorrentes da proposição de consulta refletem os princípios da moralidade, lealdade, impessoalidade e boa-fé aos quais está sujeita a Administração Pública no exercício de suas funções. 27. A moralidade com a qual deve se portar o Fisco é contrapartida à boa-fé que se requer do consulente, assim deve o órgão proceder de forma leal e impessoal, não se valendo da exposição que o consulente faz de suas operações em seu desfavor, transformando a consultaem armadilha para o consulente. 28. Sendo traços predominantes da consulta a espontaneidade e a boa-fé, e devendo tratar de assunto sobre o qual existe fundadas dúvidas, é evidente que não se poderia aplicar penalidade ao contribuinte, ou agravar-lhe, de qualquer modo, a situação quando se decide pela tributação, como também não se poderia deixar de suspender quaisquer ações fiscais contra o consulente. 29. Somente a consulta formulada em consonância aos ditames legais será apta a gerar efeitos. A declaração de eficácia da consulta é feita pela autoridade consultada em de forma expressa ou tácita e não tem natureza de resposta, já que não resolve a dúvida apresentada. Desta decisão não é cabível pedido de reconsideração (art. 58 do mesmo Decreto), restando ao contribuinte inconformado valer-se do remédio constitucional do mandado de segurança. 30. Os efeitos preventivos da proposição da consulta (efeitos imediatos preventivos) são previstos no art. 48 do Decreto n. 70.235/72 e art. 161, §2º do CTN e passam a valer a partir do ato de proposição do consulente, que gera para a Administração obrigação de não fazer 31. A resposta à consulta é o ato através do qual a Administração expõe o seu entendimento sobre a matéria questionada provocando modificação na esfera jurídica do contribuinte e da Administração e configura o dever correspondente da Administração ao direito que tem o administrado de apresentar consulta fiscal. 32. Dado que a resposta à consulta introduz um mandamento de justaposição revelador do conteúdo do enunciado consultado, permitindo ao consulente a compreensão da norma tributária, bem como orientando o órgão aplicador quando do lançamento, podemos classificar a resposta à consulta como um ato normativo regulamentar expedido por autoridade administrativa, que introduz norma complementar à legislação tributária (art. 100, I do CTN). 33. Como ato administrativo, para ser válida a resposta deve  atender a requisitos de competência, finalidade, forma, motivo e objeto e também aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência aos quais está sujeita a Administração Pública no exercício de qualquer atividade (art. 36 caput da CF). Deve ser publicada, para que contribuintes em situação equivalente dela possam se valer ou impugná-la na hipótese de terem recebido resposta diversa para o mesmo questionamento. 34. Ela deve também ser motivada, para permitir o seu controle pelo administrado. A motivação demonstrará o atendimento da legalidade, impessoalidade e moralidade administrativa. Contudo, por não se tratar de procedimento litigioso, a Administração não necessitará comprovar que levou em consideração a eventual opinião fornecida pelo contribuinte para proferir decisão. 35. A resposta à consulta introduz um mandamento de justaposição revelador do conteúdo do enunciado consultado, permitindo ao consulente a compreensão da norma tributária, bem como orientando o órgão aplicador quando do lançamento, podemos classificar a resposta à consulta como um ato normativo regulamentar expedido por autoridade administrativa, que introduz norma complementar à legislação tributária (art. 100, I do CTN). 36. O conteúdo da resposta vincula o órgão emissor, é seu “efeito mediato normativo”, que não é disciplinado de forma expressa pelo Decreto n. 70.235/72. 37. A vinculação se restringe somente ao Fisco, pois ao consulente sempre restará a via judicial para contestá-la, assim como poderá ignorar a orientação conferida e impugná-la administrativamente no momento em que for autuado. 38. O Fisco não agiria de boa-fé quando, contrariando decisão proferida em consulta, surpreendesse o contribuinte que depositou confiança em sua orientação, alterando o seu entendimento anterior sobre a matéria consultada, com referência ao mesmo contribuinte e com eficácia retroativa. Não se prega que a Administração esteja ad aeternum adstrita a uma orientação emitida em resposta, o Direito é por sua natureza é mutável, sendo inclusive saudável que a interpretação das normas se altere, em especial quando orientada à consecução de um maior grau de justiça material. Ademais, a manutenção da aplicação de um critério jurídico para aquele que formulasse consulta, quando este já não mais representasse o entendimento do Fisco, poderia colocar tal contribuinte em situação de vantagem em relação aos demais submetidos à nova orientação, o que representaria séria afronta aos princípios da isonomia e capacidade contributiva, em contrariedade à Justiça Fiscal que se busca promover através do instituto. Por outro lado, admitir-se a tese da volatilidade da resposta, seria o mesmo que admitir que o Estado pudesse, à seu gosto emitir qualquer resposta, alternando-a conforme sua conveniência e simplesmente alegando que a evolução da hermenêutica forçou uma mudança de posicionamento, sem prestar cuidado algum ao contribuinte afetado. 39. Seria mais justo que novo critério jurídico do Fisco, que contrarie aquele emitido em resposta a consulta prévia, não seja aplicado de forma retroativa, mas devido à submissão da Administração à legalidade deve-se questionar, em primeiro lugar, como o ordenamento regula a eficácia retroativa da mudança de posicionamento da Administração. 40. A decisão que responde à consulta antecipa o motivo legal do ato de lançamento que possa decorrer da realização do fato, mas com este não se confunde. A decisão da consulta, ao informar o critério jurídico aplicável a determinado fato, delimita o motivo legal do lançamento que dele resulte, condicionando a Administração a adotálo em face de sua ocorrência. Trata-se de mandamento de concreção do dispositivo normativo posto em questão, verdadeiro ato normativo regulamentar., que introduz “norma complementar” à legislação tributária (art. 100, I do CTN). 41. A regulação legal da retroação da alteração do critério jurídico emitido na resposta se dá pelo art. 100 do CTN que prevê a proteção daquele que confia e segue a orientação dada pelo Fisco excluindo a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo, mas não afasta a constituição do crédito tributário referente ao respectivo fato gerador praticado. 42. Em que pese ser reconhecida a aplicação do princípio da boa-fé objetiva e seus correlatos ao Direito Tributário e que a contradição entre a orientação fornecida pelo Fisco em resposta e o critério que adote quando do lançamento contrariem os liames que eles estabelecem, não se pode olvidar que o lançamento é um ato vinculado e obrigatório, não podendo a autoridade administrativa, quando da ocorrência de fato gerador da obrigação correspondente, abster-se de realizar tal procedimento, sob pena de responsabilidade funcional (parágrafo único do art. 142 do CTN). O que quer dizer que não compete ao Fisco operar um sopesamento principiológico da situação e decidir sobre a conveniência ou Justiça do lançamento, resumindo-se a sua atividade à verificação da ocorrência do fato e a projeção sobre ele dos valores previamente sopesados e condensados na norma jurídica. 43. A principal razão dessa acentuada expressão da praticidade reside no fato de que o Direito Tributário enseja aplicação em massa de suas normas,  a cargo da Administração, ex officio, e de forma contínua ou fiscalização em massa da aplicação dessas normas (nas hipóteses de tributos lançados  por homologação). 44. Desta maneira o administrador não poderia na falta de previsão legal deixar de cobrar o tributo por mais que sua abstenção atenda melhor aos ditames da boa-fé. 45. Entretanto, não se pode dizer que o ordenamento jurídico tenha desprestigiado a boa-fé do contribuinte. Afinal, o art. 100 do CTN exclui a aplicação de penalidades, juros de mora e a correção monetária da base de cálculo do tributo, àquele que tenha orientado sua conduta de acordo com as informações prestadas pelo Fisco. Destaque-se que para gozar destes efeitos o contribuinte sequer necessita comprovar a sua boa-fé. Ademais, ao contribuinte que se sinta injustiçado pela cobrança do tributo de forma contrária à exposta na resposta, resta a impugnação do lançamento pela via judicial. 46. Em função do seu comprometimento institucional com a proteção individual, a sua missão constitucional de encontrar a justiça para o caso isolado, o Judiciário não pode se valer de tipificações ou simplificações para resolver o caso que lhe é submetido. Ele está obrigado a esgotar a potencialidade da norma legal que aplica, buscando por meio do sopesamento principiológico e fundamentação a extração de uma norma profundamente densificada, que haverá de reger o direito em um caso concreto visando a concreção do mais alto grau possível de justiça matéria.. 47. O conflito na questão sub judice entre o princípio da legalidade e o da boa-fé objetiva (como vetor da proteção à confiança e da segurança jurídica).é apenas aparentemente inconciliável. 48. A ênfase excessiva no princípio da legalidade nos casos em que o interesse público demande a proteção da boa-fé dos cidadãos representaria a retirada de um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito, qual seja, o da segurança jurídica, negando-se a própria Justiça. O princípio da legalidade encontra em  certos casos, limites na proteção da confiança que os administrados depositam nos atos do Poder Público. O sopesamento entre o princípio da legalidade e o princípio boa-fé permite que o último corrija os defeitos e preencha as lacunas das previsões genéricas contidas nas normas, de modo a ajustá-las ao critério de justiça que subjaz da boa-fé. Destarte é lícito ao Judiciário, caso a situação fática autorize, afastar in casu  a incidência retroativa do novo critério jurídico, impedindo a cobrança do tributo.   49. O consulente lesado em função da mudança de critério jurídico do Fisco pode requerer reparação em ação judicial própria com base na responsabilidade objetiva da Administração por lesão a direitos dos administrados. 50. Cabe ao consulente comprovar o dano e o seu nexo de causalidade com a resposta. Demonstrando que, em função dela, promoveu negócio e incorreu em fatos econômicos que não se justificariam caso fosse diversa. 51. O servidor público responsável direto pela elaboração da resposta à consulta carece de legitimidade para figurar no polo passivo de ação indenizatória pleiteada pelo consulente, somente respondendo à ação regressiva proposta pela Administração quando incorreu em dolo ou culpa.
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A responsabilidade tributária de grupo econômico em decorrência de lançamento por arbitramento fundado em omissão de receita constatada por movimentação bancária
O presente estudo analisa a responsabilidade tributária das empresas formadoras do Grupo Econômico por força de lançamento promovido por arbitramento ante a omissão de receita procedida por uma das empresas do Grupo. Em um primeiro momento analisa-se o conceito de Grupo Econômico e traça-se um panorama da Teoria Geral da Empresa, conceituando este como uma atividade economicamente organizada, nos termos do artigo 966 do Código Civil e aquele como Grupo Econômico um conjunto de empresas que atuam, sob controle e direção centralizados, de modo sincronizado e coordenado, para lograr êxito em seus objetos sociais que, em regra, mas não necessariamente, são intimamente relacionados; após caracteriza-se a personalidade jurídica como um vetor de responsabilidade, sendo, portanto, a regra a sua independência patrimonial, tanto frente aos seus sócios, quanto aos demais membros de Grupo Econômico. Após a regra, traça-se dois modelos de exceção existentes no Direito Tributário: o primeiro decorrente de construção doutrinário e jurisprudencial, denominado Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, e o segundo, específico do Direito Tributário, trata-se de hipótese de imputação legal de responsabilidade prevista no Código Tributário Nacional em seu artigo 124. Cada qual traz consigo suas peculiaridade que são analisadas. Por fim, após breve narrativa quanto à Lei Complementar 105/2001 e o Lançamento por Arbitramento, conclui-se que, no caso de omissão de receita, a mera movimentação financeira sem justificativa implica na responsabilidade solidária das empresas formadoras de Grupo Econômico, pois, além de configurar confusão patrimonial, trata-se de fraude à lei, tendo em vista que torna-se impossível ao Fisco determinar de qual das empresas nasceu aquele faturamento, aquele lucro ou aquela renda.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O cenário empresarial pátrio, após experimentar os efeitos de diversas crises internacionais e o acirramento da concorrência globalizada vem abrindo espaço ao fenômeno da formação de conglomerados empresariais. Os chamados Grupos Econômicos são um conjunto de empresas que atua, sob controle e direção centralizado, de modo sincronizado para lograr êxito em seus objetos sociais que, em regra, mas não necessariamente, são intimamente relacionados. Estes Grupos Econômicos, em que pese previstos na Lei 6.404/76, denominada como das Sociedades Anônimas, em seus capítulos XX e XXI, caracterizam-se no caso brasileiro como essencialmente conglomerados de fato, sendo pouquíssimos aqueles formalizados segundo as diretrizes legais, não ultrapassando o número de trinta, os registros perante o Departamento Nacional de Registro do Comércio[1]. Tal fato torna letra morta os citados comandos legais. O crescente número de Grupos Econômicos, especialmente aqueles sem um ato de constituição formalizado, traz consigo diversas implicações no que toca à incidência do direito em suas mais diversas especialidades, chamando atenção dos cientistas do direito das mais diversas áreas. No âmbito do Direito Tributário, tais conglomerados empresariais chamam uma atenção especial pelo fato da utilização de diversas empresas em uma mesma atividade caracterizar prática comum, tanto em estratégias de planejamento tributário, quanto nos casos de blindagem patrimonial, que se diferenciam pelo fato do segundo valer-se da simulação, conluio, fraude ou outros ilícitos com o intuito específico de não pagar tributo, enquanto o planejamento o faz de modo lícito, estruturando a atividade de modo a pagar menos tributo. A linha tênue que separa o lícito do ilícito em relação à legalidade da estruturação dos Grupos Econômicos ganha contornos ainda mais dramáticos quando põe-se em pauta a questão da responsabilidade tributária. A questão da solidariedade apresenta-se como problemática. Ao nos deparamos, por exemplo, com o previsto no artigo 124 do Código Tributário Nacional em seus incisos primeiro e segundo, é possível compreendermos o tratamento legislativo dado ao tema: “Art. 124 – São solidariamente obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal. II – as pessoas expressamente designadas por lei.” A comprovação do interesse comum no fato imponível, portanto, torna-se o ponto crucial na constatação da solidariedade das empresas formadoras do Grupo Econômico, afinal, a regra da independência da personalidade jurídica deve prevalecer. Quanto ao inciso segundo, deve-se considerar que, embora o legislador tenha uma ampla discricionariedade para determinar o sujeito passivo, decorre da Constituição a necessidade de que este tenha uma mínima relação com o fato gerador, especialmente, tratando-se de responsabilidade solidária. No mesmo sentido, mas caminhando por rota diferente, vem possibilidade de responsabilização do Grupo Econômico pela dívida tributária de uma das empresas formadoras pela incidência da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica (Disregard Doctrine), adotada pelo Direito Civil brasileiro em sua modalidade Maior que exige para a sua aplicação a comprovação de fraude à lei ou confusão patrimonial. Esta via, ao nosso entender, este contida em cláusula de jurisdição, não sendo possível à autoridade administrativa, por sua parcialidade, aplicar tal Teoria que, diga-se, traz em sua essência, o iuris dictio. Constatadas as duas veredas que possibilitam a responsabilização do Grupo Econômico, será feito um estudo sobre o arcabouço probatório necessário à concretização de cada uma delas. De tal análise, concluí-se que, enquanto na aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, a prova deverá recair sobre a confusão patrimonial entre as empresas do Grupo, na imputação de responsabilidade do artigo 124, I, a questão restringe-se a demonstração de interesse comum no fato imponível, não do ponto de vista econômico, mas do ponto de vista jurídico, ou seja, a prática conjunta do fato gerador. Da construção de tais modelos, parte-se para a análise do caso de lançamento gerado por omissão de receita por parte de contribuinte, membro de Grupo Econômico. A Lei Complementar 105/2001, neste ponto não há fuga quanto à polêmica sobre sua constitucionalidade, possibilitou às autoridades fiscais da União requisitar dados protegidos por sigilo bancário às instituições financeiras, sendo possível também fazê-lo pela via judicial. Tais dados são capazes de demonstrar a existência de movimentação financeira não condizente com os valores declarados pelas empresas, gerando Autos de Infrações Arbitrados e a aplicação de multas qualificadas. Eis a questão que se busca responder com este trabalho: a omissão de receita ou a movimentação financeira de montante não declarado é capaz de satisfazer, por si só, a necessidade probatória do modelo da imputação de Responsabilidade do Artigo 124, I? E da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica? Sem fugir das premissas, busquemos a conclusão. 1. GRUPO ECONÔMICO: CONCEITO, LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA. Uma característica marcante, dentro do cenário econômico mundial e, nas últimas décadas, também do caso brasileiro, é a formação de conglomerados empresariais, também denominados de Grupos Econômicos. Tais agrupamentos empresariais justificam-se pela busca incessante pela maximização dos lucros, decorrente da redução de custos e aumento da produtividade. No caso brasileiro, na própria exposição de motivos da Lei 6.404/76, ficou declarada a intenção de constituição de Grupos Empresariais e de empresas de grande porte. Em que pese o modelo criado por tal lei tenha se tornado obsoleto, a diretriz deixou alguns resultados, com grupos constituídos de fato, à margem do disposto na citada lei. (MUTCHNIK, 2009. p. 6) Neste mesmo sentido, afirma Nabor Batista de Araújo Neto que estes Grupos Econômicos, em que pese previstos na Lei 6.404/76, em seus capítulos XX e XXI, caracterizam-se no caso brasileiro como essencialmente conglomerados de fato, sendo pouquíssimos aqueles formalizados segundo as diretrizes legais, não ultrapassando o número de trinta, os registros perante o Departamento Nacional de Registro do Comércio. (2010, p. 1) Por fim, afirma Calixto Salomão Filho que: “Não é exagerado dizer que o direito grupal brasileiro enfrenta momento de séria crise. Do modelo original praticamente nada resta. As principais regras conformadoras do direito grupal como originalmente idealizado encontram-se hoje sepultadas pela prática ou pelo legislador. Os grupos de direito no Brasil são letra absolutamente morta na realidade empresarial brasileira” (SALOMÃO FILHO, 1998. p. 169 apud PRADO, 2005. p. 006). Desta feita, constata-se que a definição de Grupo Econômico dentro do direito positivo ainda é bastante ineficaz, portanto, em que pese tenhamos referências legislativas, em especial em ramos do direito com forte viés de proteção (trabalhista, consumerista e ambiental), cite-se: o artigo 2º, §2º da Consolidação das Leis Trabalhistas, artigo 3º da Lei 5.889/73, artigo 28 da Lei 8.0708/90, artigo 17 da Lei 8.884/94 e até mesmo a, já citada, previsão legal na Lei 6.404/76, caberá à Doutrina construir um conceito no qual enquadre-se o conjunto coordenado de empresas e até que ponto tal agrupamento está sujeito à tributação interdependente. (JORGE, 2007. p. 22) Neste sentido, para definir o Grupo Econômico faz-se mister considerar: a existência de diversas pessoas jurídicas, unicidade de controle ou direção do grupo, sendo este o norte aglutinador das empresas e a atuação coordenadas com o fito de maximizar os lucros do grupo. Buscando trazer estes critérios classificatórios à baila, tem-se por Grupo Econômico um conjunto de empresas que atuam, sob controle e direção centralizados, de modo sincronizado e coordenado, para lograr êxito em seus objetos sociais que, em regra, mas não necessariamente, são intimamente relacionados. 1.1. DA AUTONOMIA DA PERSONALIDADE JURÍDICA: A EMPRESA COMO VÉRTICE DE RESPONSABILIDADE. Até pouco tempo atrás, os conceitos do Direito Comercial tinham difícil delimitação que despendiam dos pressupostos teóricos adotados por aquele que se propunha a estudá-los. Neste cenário de conceitos imprecisos, especificamente em 1942, o professor italiano Alberto Asquini elaborou a afamada Teoria Poliédrica da Empresa que defendia que a empresa poderia ser conceituada dependendo do ângulo sob o qual o jurista a apreciava. Com base nesta premissa, quatro foram os perfis da empresa apresentados pelo Jurista Italiano: o subjetivo, como sujeito de direito, o objetivo, como um conjunto de bens, o funcional, como atividade econômica, e o corporativo, como um organismo hierarquizado. Este último aspecto é comumente ligado aos traços fascistas instituídos nas leis italianas daquela época que, insistentemente, remetiam a regulação de diversos assuntos às corporações, tal aspecto não encontra espaço, ao menos significativo, no direito brasileiro. Em que pese o fato de tal teoria estar superada, o raciocínio do citado professor é de grande valia para identificarmos o conceito de empresa no Direito Brasileiro, afinal, como qualquer outro objeto, existem diversos prismas sobre o qual ele poderá ser estudado.  No Brasil, o Código Civil (lei 10.406 de 2002) promoveu uma revolução no direito comercial pátrio, pois, além de promover a unificação do direito privado (ao menos em sua principal lei), delimitou o conceito de empresa a um só dos aspectos apontados pelo jurista italiano. Portanto, no Brasil, a empresa não mais poderá ser considerada como um conjunto de bens, afinal, o artigo 1.142 foi preciso ao definir o aspecto objetivo da empresa como “estabelecimento” e tampouco a empresa pode ser confundida com o sujeito de direito (aspecto subjetivo), pois, o artigo 966 atribui nome específico para tal, a saber: “empresário”. Desta feita, o único aspecto restante aceitável dentro do que estabelece o direito pátrio é o aspecto funcional da empresa, ou seja, no Brasil, tem-se por empresa, nos termos decorrentes do próprio art. 966 do Código Civil, “a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”, sendo o empresário aquele que a exerce. A Professora Maria Rita Ferragut, que travou raciocínio semelhante, salienta que não é o fato de registrar-se como empresária, nos termos do artigo 967 do Código Civil, que a caracteriza como tal, sendo necessário o exercício da atividade empresarial para tanto. (FERRAGUT, 2009, p. 3) Desta forma, tratando-se a empresa como atividade econômica organizada, ela será exercida por uma pessoa ou conjunto de pessoas ao qual a lei atribui responsabilidades pelas obrigações decorrentes da sua própria atividade ou, como preferiu denominar Tarsis Nametala Sarlo Jorge, como “vértice captador da responsabilidade”. (JORGE, 2007. p. 21) Tais entidades, formadas pelos empresários, recebem o nommen juris de “sociedades empresariais” e, por lei, têm a capacidade que lhes permite ser sujeito de direitos e obrigação de “personalidade jurídica”. Dentro do universo das sociedades, as denominadas empresariais dividem espaço com as sociedades simples, funcionando esta última como um conceito negativo que abarca todas as sociedades que não exerçam atividade empresarial. Dentro da classe das sociedades empresariais existem os seguintes tipos societários, cada qual com o seu regramento específico: nome coletivo, comandita simples, limitada, anônima, comandita por ações, sociedades cooperativas e as coligadas. O fato de atrair a responsabilidade é a origem e sempre foi o motor das sociedades empresariais, uma pessoa jurídica responsável pelos débitos decorrentes da sua própria atividade, garantindo, ao empreendedor, a possibilidade de segurar a si e ao capitalista investidor, ou seja, a capacidade de capitalizar um negócio e limitar as perdas. Como decorrência, no direito brasileiro: a regra, salientando que a sociedade limitada é a modalidade que responde pela maioria das sociedades empresariais brasileiras em números absolutos (GAINO, 2009. p. 5), é a de que, uma vez integralizado o capital social, o sócio não tem qualquer responsabilidade pelas obrigações ou dívidas contraídas pela sociedade. Portanto, a sociedade limitada adota a limitação de responsabilidade dos sócios, nos dizeres de Fábio Ulhoa Coelho: “a personalização da sociedade limitada implica a separação patrimonial entre pessoa jurídica e seus membros. Sócio e sociedade são sujeitos distintos, com seus próprios direitos e deveres. As obrigações de um, portanto, não se podem imputar ao outro. Desse modo, a regra é a da irresponsabilidade dos sócios da sociedade pelas dívidas sociais. Isto é, os sócios respondem apenas pelo valor das quotas com que se comprometem no contrato social. É esse o limite de sua responsabilidade”. (COELHO, 2003. p 4) Esta visão da sociedade empresarial como estrutura celular vem perdendo espaço para a empresa como parte de um sistema que, crescendo, acabam fulminando aquelas que se afastam ou se isolam. Nos termos de Sophia Mutchnik, “a empresa passou de uma estrutura atomista para uma de estrutura molecular” (2009, p. 1) e com isso, no caso do Direito brasileiro exige uma nova construção teórica e jurisprudencial, uma vez constatada o vácuo legislativo. No mesmo sentido, não há como fugir da regra geral da responsabilidade dos Grupos Econômicos, já que, possuidores de personalidade jurídica própria, cada sociedade empresarial será, em regra, responsável tão só pelos seus débitos, sendo a responsabilização do grupo uma exceção à regra que exigirá a criação de um modelo consistente de aplicação. 1.2. DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Conforme visto, o Ordenamento Jurídico confere personalidade própria a cada pessoa jurídica, diferenciando o seu patrimônio dos seus sócios e de outras pessoas jurídicas, mesmo que submetidas ao mesmo controle. Tal separação possibilitou, além do legítimo fim de desenvolver a atividade comercial, a utilização da personalidade jurídica de forma abusiva, embora formalmente perfeita, motivando reação na jurisprudência inglesa e norte-americana e na academia, em especial na Alemanha onde, em 1953, foi desenvolvida pela primeira vez a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica pelo Prof. Rolf Serick da Universidade de Tübingen. (GAINO, 2009. p. 127) A citada Teoria tem por escopo permitir ao Juiz – ou a autoridade legitimada para tanto – coibir a prática de atos abusivos à forma por meio da utilização de pessoa jurídica. Embora tenha tido origem para responsabilizar o patrimônio dos sócios por dívidas da pessoa jurídica, tal Teoria foi se desenvolvendo e ganhando novos contornos, por exemplo, a Teoria da Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica, na qual a pessoa física é utilizada para proteger o patrimônio da Jurídica e a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica de Grupo Econômico, na qual desconstitui-se esquemas de abuso de personalidade em casos de blindagem patrimonial, formalmente lícita. André Santa Cruz Ramos ensina que nos casos de aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica não se está diante de nenhum ato ilícito propriamente dito, mas em situações em que a personalidade jurídica é utilizada como instrumento para artimanhas com aparência de legalidade. (2009. p. 329) Por tanto, no caso de atos ilícitos, a própria regra o taxa como tal cumulada com os incisos I e II do artigo 124 do Código Tributário Nacional nos parece suficiente para eventual redirecionamento, neste sentido a jurisprudência pátria, embora, sempre se referindo à Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. No Brasil, adotou-se, no âmbito do direito privado, que a desconsideração da personalidade jurídica exige a comprovação dos requisitos impostos pelo art. 50 do Código Civil, a saber: confusão patrimonial ou desvio de finalidade. Trata-se da afamada Teoria Maior da Desconsideração, sendo insuficiente a mera inadimplência para a quebra da autonomia da personalidade jurídica. No que toca ao âmbito do Direito Tributário, a citada Teoria é perfeitamente aplicável, devendo prevalecer sempre que a estrutura formal utilizada não reflita a realidade (simulação, abuso de forma, ausência do propósito negocial, etc.) e provoque prejuízo ao Credor Fiscal. Neste ramo do Direito, cientificamente, tendo em vista efeitos práticos semelhantes, a atenção deve estar em não confundir a aplicação da citada Teoria com casos de imputação específica de responsabilidade a outras pessoas que não a devedora originária do Tributo, por exemplo, o caso do artigo 135, III e do 124, I e II do Código Tributário Nacional. A principal diferença estará na produção probatória necessária para respaldar o pedido. 1.3. QUESTÃO PROBATÓRIA Assim, considerando que no Brasil prevalece a Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica, o modelo apresentado pela Disreagard Doctrine exige a comprovação, pelo interessado, da prática de ato praticado com abuso à lei ou o contrato social ou da confusão patrimonial entre os sócios e a pessoa jurídica, entre pessoas jurídicas, etc. Neste caso específico, não vislumbramos a possibilidade da Autoridade Fiscal proceder a desconsideração da personalidade de ofício, como órgão parcial que é, devendo respeitar cláusula jurisdicional, produzindo nova norma específica para aquele caso concreto. Então, comprovadas tais condição, o Magistrado deverá declarar não o fim da personalidade jurídica de tal empresa, mas a ineficácia da personalidade jurídica para determinado efeito, possibilitando adentrar no patrimônio de outra pessoa, no caso do Direito Tributário, com o escopo de satisfazer o crédito fiscal. 2. A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA As linhas anteriores foram dedicadas à Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica como uma exceção à regra geral da autonomia do patrimônio de cada pessoa. Em que pese tais anotações sirvam como linhas gerais ao Direito Tributário, uma vez que inteiramente aplicável, faz-se mister salientar os detalhes relacionados à responsabilidade neste ramo do direito que, por influência do Princípio da Supremacia do Interesse Público, tem um tratamento específico, contando com diversas normas que, por si só, responsabilizam pessoas que não são as autoras propriamente ditas do fato imputável. Responsabilidade é termo que se origina do latim respondere que significa a obrigação de responder por obrigação própria ou dos outros, ou o estado do que é responsável por certos atos e a sofrer-lhes as consequências. (FERRAGUT, 2009. p. 31) Maria Rita Ferragut traz à baila o fato de, dentro do universo jurídico, o termo responsabilidade normalmente vir associado à noção de ato ilícito, conforme é possível perceber na redação dos artigos 186 e 187 do Código Civil, ou de risco, conforme se extrai da redação do artigo 927 daquele mesmo diploma legal. No Direito Tributário, entretanto, tal regra não se aplica integralmente, uma vez que, em diversos casos – inclusive este aqui é a regra geral – a responsabilidade decorrerá também da prática de atos lícitos como, por exemplo, da morte do contribuinte, conforme dita o artigo 131, III do Código Tributário Nacional. (2009. p. 31-33) Uma repercussão desta constatação está no não pagamento de tributos, embora não haja dúvida de que há o descumprimento de um dever ser, este não constituí ilícito capaz de promover a responsabilização do sócio com fulcro no artigo 135, III, anote-se a posição pacificada do Superior Tribunal de Justiça. “AgRg no REsp 1040576 / ES AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2008/0059194-2 Ministro HERMAN BENJAMIN PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CARÁTER PROTELATÓRIO. MULTA. REDIRECIONAMENTO PARA O SÓCIO-GERENTE. MERA INADIMPLÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE.1. É cabível a aplicação da multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, quando a parte opõe, mais de uma vez, Embargos de Declaração, sempre questionando a primeira decisão, que não incorreu nos vícios de obscuridade, contradição ou omissão.2. É pacífica a orientação desta Corte no sentido de que o redirecionamento da Ação de Execução Fiscal não se justifica pela mera inadimplência do crédito tributário.3. Agravo Regimental não provido.” (Grifo nosso) É fato que não há limite constitucional explícito para que o legislador defina a sujeição passiva de um tributo, embora, por óbvio, constate-se a posição de Roque Carrazza quando a necessidade de respeitar-se sempre a Constituição, inclusive, em limites implícitos, afinal, quando o constituinte traça uma materialidade, esta, por si só, apresenta-se como um limite, afinal como taxar o lucro de quem não o aufere? Assim, respeitando tais limites, tanto poderá ele colocar nesta posição um sujeito participante da materialidade do fato gerador, um contribuinte, como um terceiro que não tenha relação, grife-se, direta alguma com àquele fato, um responsável.  Portanto, dentro do Direito Tributário, a responsabilidade pelo pagamento de um tributo pode ser outorgada pela lei a duas classes de sujeitos: os contribuintes e os responsáveis, estando ambos abarcados pela responsabilidade tributária. Renato Lopes Becho, após trazer à colação a posição de diversos juristas renomados, demonstrando posições completamente divergentes sobre a natureza do responsável tributário, termina por defendê-lo como uma espécie de garantidor fiduciário do crédito tributário e, portanto, sem uma participação direta com a relação jurídico-tributária em si. O nobre jurista acaba identificando a responsabilidade tributária com o sentido amplo definido na Teoria Dualista (Obrigação x Responsabilidade), deixando para a obrigação, especificamente, a esfera mais restrita, inclusive, estando contida na esfera da responsabilidade. Em suma: todos que contém a dívida são responsáveis, mas nem todos os responsáveis são os titulares (obrigados) da dívida. (BECHO, 2000. p. 152)   O artigo 128 do Código Tributário Nacional traça bem a diferença entre contribuintes e responsáveis, sendo aqueles os que têm contato direto com o fato gerador, e esses, todos os outros abarcados pela responsabilidade decorrente da lei. Desta forma, nos parece acertada a teoria exposta por Renato Lopes Becho, pois, enquanto o contribuinte seria aquele ocupante do pólo passivo da relação obrigacional em seu sentido mais estrito, o responsável é aquele que, embora detentor de um dever, não está diretamente relacionado à obrigação. A responsabilidade tributária, aqui já no sentido mais amplo, poderá ser por substituição ou por transferência. No caso de substituição a sujeição passiva recai, desde o nascimento da obrigação, sobre uma pessoa diferente daquela que possui relação direta com o fato gerador. Na responsabilidade por transferência, por sua vez, há a substituição do devedor originário por um terceiro devido a um fato previsto em lei. (ALEXANDRE, 2009. p. 299-301) As responsabilidades previstas no artigo 135 do Código Tributário Nacional são nitidamente da modalidade “por substituição” uma vez que os indicados no citado artigo passam a ser responsáveis ao invés de contribuintes, não havendo transferência da sujeição passiva, mas sua cumulação. Feita as anotações supra, a questão que se apresenta está na amplitude dos termos utilizados pelo legislador para definir os destinatários da norma contida no artigo 124, I do Código Tributário Nacional, a saber: aqueles que tenham interesse comum no fato, afinal, estariam os integrantes de Grupo Econômico sujeitos à solidariedade tributária pela mera comprovação do interesse comum no fato gerador? Ou o interesse econômico bastaria?  2.1. DA RESPONSABILIZAÇÃO DO ARTIGO 124, I DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. Quanto à Responsabilidade Solidária prevista no artigo 124, I do Código Tributário Nacional Kiyoshi Harada aponta que três posicionamentos encontram-se bem sedimentados na Jurisprudência Pátria. (HARADA, 2007.) O primeiro deles refere-se a casos de fraude ou conluio, nestes, comprovada a fraude ou conluio, todas as empresas formadoras do Grupo Econômico passam a ser responsáveis pelo crédito de uma delas. Nestes casos, seria a hipótese de aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, conforme já debatido, afinal, caracteriza-se como atos aparentemente lícitos, entretanto, simulados, abusivos. “REsp 767021 / RJ RECURSO ESPECIAL 2005/0117118-7(…) 4. “Pertencendo a falida a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, é legítima a desconsideração da personalidade jurídica da falida para que os efeitos do decreto falencial alcancem as demais sociedades do grupo. Impedir a desconsideração da personalidade jurídica nesta hipótese implicaria prestigiar a fraude à lei ou contra credores. A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja terceiros envolvidos, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros” (RMS nº 12872/SP, Relª Minª Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ de 16/12/2002). No segundo caso, considerando que uma da empresas tenha mero interesse econômico no fato gerador, mesmo estando sob o mesmo controle e a mesma direção, não há responsabilização das demais formadoras do Grupo Econômico. Anote-se o posicionamento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça quanto a este ponto. “AgRg no REsp 1102894 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2008/0274439-8PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ. EMPRESA DE MESMO GRUPO ECONÔMICO. SOLIDARIEDADE PASSIVA.1. No que concerne aos arts. 150, 202 e 203, do CTN e ao art. 2º, § 8º, da Lei nº 6.830/80, a Corte de origem valeu-se de detida análise do acervo fático-probatório dos autos para atingir as conclusões de que não houve a demonstração de fraude, que a CDA continha profundos vícios e que o recorrente não logrou proceder a sua emenda, sendo certo que a alteração desse entendimento esbarraria no óbice inscrito na Súmula 07/STJ.2. A jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que inexiste solidariedade passiva em execução fiscal apenas por pertencerem as empresas ao mesmo grupo econômico, já que tal fato, por si só, não justifica a presença do "interesse comum" previsto no artigo 124 do Código Tributário Nacional. 3. Agravo regimental não provido.” (grifo nosso) “AgRg no Ag 1392703 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2011/0040251-7 PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ISS. EXECUÇÃO FISCAL. PESSOAS JURÍDICAS QUE PERTENCEM AO MESMO GRUPO ECONÔMICO. CIRCUNSTÂNCIA QUE, POR SI SÓ, NÃO ENSEJA SOLIDARIEDADE PASSIVA.1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que inadmitiu recurso especial interposto em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que decidiu pela incidência do ISS no arrendamento mercantil e pela ilegitimidade do Banco Mercantil do Brasil S/A para figurar no pólo passivo da demanda.2. A Primeira Seção/STJ pacificou entendimento no sentido de que o fato de haver pessoas jurídicas que pertençam ao mesmo grupo econômico, por si só, não enseja a responsabilidade solidária, na forma prevista no art. 124 do CTN. Precedentes: EREsp 859616/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/02/2011, DJe 18/02/2011; EREsp 834044/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/09/2010, DJe 29/09/2010).3. O que a recorrente pretende com a tese de ofensa ao art. 124 do CTN – legitimidade do Banco para integrar a lide -, é, na verdade, rever a premissa fixada pelo Tribunal de origem, soberano na avaliação do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que é vedado ao Superior Tribunal de Justiça por sua Súmula 7/STJ.4. Agravo regimental não provido.” Por fim, no terceiro caso, onde o que existe é o interesse jurídico, ou seja, as pessoas participam entre si, em conjunto, na mesma situação que pode ser subsumida à Hipótese de Incidência. Quando há condomínio em imóvel, por exemplo, neste caso há a solidariedade e todas poderão ocupar o pólo passivo da relação tributária sem qualquer benefício de ordem. Desta feita, pode-se concluir que para a decretação da solidariedade de Grupo Econômico ocorrer é necessário, das duas uma, ou comprovar a fraude ou conluio, ou a participação de cada uma delas no fato gerador em si, não apenas se restringindo ao interesse econômico, mas a real participação da pessoa jurídica naquele fato. 2.2. QUESTÃO PROBATÓRIA Conforme observado, existem dois modelos que poderão ser aplicados para a responsabilização das demais empresas formadoras do Grupo Econômico no Direito Pátrio. O primeiro modelo de responsabilização está fundado ou na prática de atos aparentemente lícitos, porém abusivos à forma, ou na comprovação de confusão patrimonial, casos em que deve ser aplicado o Modelo da Desconsideração da Personalidade Jurídica. O segundo modelo, fundado na prática de atos ilícitos propriamente ditos, deverá seguir o modelo aqui proposto, qual seja, com a comprovação da ilegalidade, pois, com tal arcabouço probatório, o interesse comum restará fundado na própria ilegalidade, no próprio comando legal desobedecido. Quanto à questão probatória, portanto, para que o presente modelo seja aplicado, faz-se mister a comprovação do ilícito propriamente dito, demonstrando especificamente, por óbvio, o comando legal que foi desobedecido. Desta feita, os efeitos práticos tanto da aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica quanto da imputação de responsabilidade solidária previstas no artigo 124 do Código Tributário Nacional são idênticos, tendo em vista que nos dois casos as empresas formadoras do Grupo Econômico serão responsáveis pela exação tributária, a diferença estará no esforço probatório que deverá ser efetuado pelo Fisco para que ocorra a citada corresponsabilização. 3. LANÇAMENTO POR ARBITRAMENTO FUNDADO EM OMISSÃO DE RECEITA. Cientes dos modelos existentes na Legislação Brasileira para fins de Responsabilização de Grupos Econômicos e das exigências probatórias de cada um deles, chega a hora de enfrentarmos o caso do lançamento tributário oriundo da omissão de receita. A Lei Complementar 105/2001 trouxe consigo um polêmico comando, questionado judicialmente tanto na forma difusa como na concentrada, esta última ainda pendente de julgamento, que autoriza ao Fisco Federal requisitar dados, outrora protegidos por Sigilo Bancário, sem a intermediação judicial. Os argumentos em prol da constitucionalidade da lei estão na ausência de ameaça à intimidade, pois os dados continuaram protegidos, mas agora pelo sigilo fiscal, os argumentos contrários repousam no fato de que o fato do Fisco ter acesso ao dado, por si só, fere o direito à privacidade e, portanto, só por intermédio do Judiciário. Tal prerrogativa fez surgir uma série de lançamentos, realizados, em regra, pela técnica do arbitramento, em decorrência de movimentação financeira não justificada pelo contribuinte, sendo mais comumente aplicados aos tributos: Imposto sobre a Renda, COFINS, PIS e a CSLL. A polêmica quanto à constitucionalidade de tal lei está sob a apreciação do Supremo Tribunal Federal, tanto em sede de Recurso Extraordinário como em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Pelo controle difuso, há notícias de pelo menos um julgado que definiu pela constitucionalidade e outro posterior que, motivado pela ausência de dois ministros e a troca de posição do Min. Gilmar Mendes, alterou o entendimento da Corte que passou a posicionar-se pela inconstitucionalidade. Quanto ao Arbitramento, consiste em técnica de lançamento utilizada pelo Fisco quando este não possui os elementos necessários à fiel liquidação do Crédito Tributário, não se refere a uma outra espécie de lançamento (homologação, misto ou de ofício), sendo técnica utilizada em Lançamentos de Ofício, como dito, que careçam de elementos. 3.1. MODELO APLICÁVEL Independente do citado julgamento da Lei Complementar 105/2001, uma vez que não alterará a conclusão do presente estudo se o acesso aos dados protegidos pelo sigilo bancário decorreu de decisão judicial ou de decisão administrativa, o interessante nestes casos ocorre quando uma empresa que promoveu a movimentação faz parte de Grupo Econômico, pois, além do tributo em si (o cálculo) ter origem em movimentação financeira injustificada, o responsável pela movimentação financeira é o mesmo controlador das diversas outras pessoas jurídicas do Grupo Econômico, ou seja, formalmente o responsável pela movimentação bancária. Esta responsabilização implica no fato de que a ausência de comprovação da movimentação financeira por parte do contribuinte resultará, por si só, em confusão patrimonial explícita, uma vez que comprovada a existência de montante financeiro nas mãos dos administradores do Grupo, sem encontra-se uma justificativa naquela empresa específica quanto à sua posse, sendo, portanto, motivo capaz de possibilitar a responsabilização das demais empresas sob o controle concentrado do Grupo de forma solidária. Ademais, a movimentação financeira sem lastro em nome de uma das empresas de um Grupo Econômico também constitui prova contundente de abuso de personalidade jurídica, tendo em vista que se naquela empresa não existe lastro do dinheiro movimentado, a ausência de comprovação implicará a responsabilização de todo o Grupo, afinal, os mesmos controladores foram o responsável pela movimentação bancária injustificada. Por fim, no momento em que o lançamento tributário nasce respaldado na movimentação de uma quantia em dinheiro sem que seja comprovada a sua origem, sem que haja justificação, não há mais que se discutir interesse econômico no fato gerador, o interesse passa a ser nítido, tendo em vista que, em verdade, todas as pessoas jurídicas – que se manifestam por meio dos seus representantes – tem interesse em uma movimentação bancária sem justificativa mesmo que em pessoa jurídica distinta. Portanto, o lançamento realizado com fulcro em omissão de receita gera responsabilidade solidária para todas as empresas do Grupo Econômico, independente, do momento do crédito e do modelo de responsabilização utilizado. As diversas empresas poderão ser incluídas no próprio Lançamento pelo Fisco, quando aplicar-se-á o modelo embasado no artigo 124, I do Código Tributário Nacional, bem como pelo Poder Judiciário, atendendo à provocação da Fazenda Pública, com base na Disregard Doctrine. CONCLUSÃO ·  Tem-se por Grupo Econômico um conjunto de empresas que atuam, sob controle e direção centralizados, de modo sincronizado e coordenado, para lograr êxito em seus objetos sociais que, em regra, mas não necessariamente, são intimamente relacionados. · No Brasil, não há uma legislação especifica conceituando ou regulando os Grupos Econômicos, embora constituam uma realidade de fato, cabendo, portanto, à Doutrina e à Jurisprudência a integração do sistema, respectivamente, pela conceituação e criação de modelo e pela positivação do mesmo aos casos específicos. · A principal característica das pessoas jurídicas está no seu papel de vértice de captador de responsabilidade, tendo um patrimônio, em regra, diferenciado dos seus sócios e das demais pessoas jurídicas com quem atua em conjunto. · Em que pese a regra geral posicionar-se pela responsabilidade própria da pessoa jurídica, o abuso desta personalidade pelos seus sócios ou terceiros (ex. administradores) poderá ensejar a sua desconsideração, sendo necessário, para tanto, a comprovação de confusão patrimonial ou abuso à lei. · No caso tributário, além das possibilidades de desconsideração da personalidade jurídica, existem também hipóteses de imputação específica de responsabilidade, sendo neste caso necessária a comprovação do ilícito cometido, comprovando-o serão os envolvidos solidariamente responsáveis pelos débitos tributários nos termos do artigo 124 do Código Tributário Nacional. · A Lei Complementar 4105/2001 autorizou a União a quebra de sigilo bancário sem o intermédio do Poder Judiciário, entretanto, tal lei está sob a análise do Supremo Tribunal Federal quanto à sua constitucionalidade. A possibilidade de quebra por decisão do Judiciário não pode ser questionada. · Da análise dos dados bancários, surge um fenômeno bastante comum o Lançamento por Arbitramento (IR, COFINS, CSLL, PIS, entre outros) com fulcro na ausência de justificativa na movimentação, também denominada omissão de receita. · No cenário de um Grupo Econômico, a omissão de receita, por si só, implica em prova de confusão patrimonial e de fraude à lei, sendo portanto aplicável ao caso, tanto à Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, como a imputação tributária específica. A primeira para todos os débitos do Grupo Econômico, restrita à via Judicial, e a segunda para aquele débito específico, podendo a autoridade administrativa procedê-lo de ofício.
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Alcance da isenção do IRPF para os portadores de doença grave que permanecem trabalhando. Recente paradigma do TRF1
O presente estudo busca demonstrar um breve panorama da atual jurisprudência existente sobre o alcance (rendimentos da atividade) da isenção do Imposto de Renda Pessoa Física – IRPF em razão do contribuinte estar acometido por doença grave, destacando o recente paradigma forjado na Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da Primeira Região – TRF1.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A tributação é, sem dúvida alguma, uma das atividades estatais mais questionadas nos tribunais brasileiros. Os motivos para esta infinidade de ações são vários, indo desde a situação esquizofrênica da legislação tributária (perdulária em leis, decretos, instruções normativas, regulamentos, portarias etc) até a postura instável exibida pelo próprio Poder Judiciário ao formar uma jurisprudência conhecida como “zigue-zague”[1], isto é, hoje, o entendimento está num sentido, amanhã, noutro e, logo depois, pode retomar ao primeiro. Pois bem. As isenções tributárias, por óbvio, são também objeto de inúmeras demandas judiciais, das quais nem sempre se extrai uma norma concreta de razoável intelecção. Cita-se, por exemplo, o emblemático caso em que o Superior Tribunal de Justiça – STJ julgou, em sede de representativo de controvérsia (art. 543 – C, do Código de Processo Civil – CPC), a questão[2] da incidência ou não de IRPF sobre os valores recebidos a título de juros de mora[3]. Neste caso, o número de recursos interpostos contra o julgamento proferido demonstra, para ser comedido, a dificuldade de resignação ou mesmo compreensão da parte recorrente em relação ao desfecho do caso, que, lembre-se, foi pinçado pelo Tribunal com a finalidade de ser um julgado uniformizador. Com efeito, a isenção fiscal em razão do acometimento de doença grave merece destaque, porquanto visa desonerar o contribuinte num momento extremamente conturbado da vida, qual seja, quando acometido por uma séria enfermidade, que, por si só, é capaz de causa danos. Destarte, a identificação da real abrangência da mencionada isenção ganha, no mesmo passo da multiplicação das demandas tributárias, relevância, mormente quando um Órgão uniformizador de uma Corte Regional Federal, cuja jurisdição abrange quatorze unidades da federação, julga demanda num sentido diferente (ampliativo ou não?) do plasmado pelo STJ, guardião da legislação infraconstitucional. 1 ISENÇÃO DO IRPF EM CASO DE DOENÇA GRAVE 1.1 Relevância Social Apesar de se cuidar de norma expressa, trata-se de direito pouco exercitado pelos contribuintes[4] para os quais a norma está endereçada. Realmente, além de outros motivos que podem justificar o não exercício deste direito, há o fato de que a vida destas pessoas é fortemente alterada após o diagnóstico de uma doença grave. O dado “grave” numa consulta já impõe a busca de tratamento imediato, da informação sobre as chances de cura (índice prognóstico). O cotidiano passa a ser uma massacrante de ansiedade, medo ou até mesmo um princípio de depressão. Por isso, é admissível que alguns contribuintes deixem de buscar a benesse legal, ou nem chegam a tomar consciência da existência dela, pois a letalidade da doença pode ser muito célere. A desoneração dos rendimentos do portador de doença grave (isenção ratione personae) é, portanto, de suma importância para amenizar a mencionada situação, objetivamente grave, que traz consigo despesas extras, como remédios, consultas, internações, procedimentos cirúrgicos investigativos, curativos e estéticos (a doença pode deixar marcas). Há tratamentos relativos à reprodução humana (v.g. guarda de material genético para possibilitar eventual desejo de ter uma descendência) que são indicados (v.g. aos portadores de neoplasia maligna, onde a medicação pode causar a esterilidade). 1.2 Base Normativa Trata-se de benesse contemporânea à Constituição Federal de 1988. Sua instituição se deu com a Lei n. 7.713, de 22 de dezembro, que, entre outras providências, instituiu a isenção do IRPF aos contribuintes portadores de doença grave (art. 6º, inciso XIV). Referida norma teve o condão de restringir o alcance da hipótese de incidência[5] do IRPF. Por relevante, segue colacionado o aludido dispositivo de lei: “Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte [sic] rendimentos percebidos por pessoas físicas: XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;”[6] (Redação dada pela Lei nº 11.052, de 2004) Aliás, não se deve olvidar que a norma isentiva em comento busca fundamento de validade e legitimação no Sistema Tributário Nacional (Constituição Federal de 1988), em especial nos princípios da capacidade contributiva, universalidade do IRPF etc. Porém, há correlação com outras normas do texto constitucional, como as que dispõem sobre o direito à vida, à saúde, à dignidade da pessoa humana. A hermenêutica a ser empregada deve evitar analisar a Constituição Federal em tiras. 2 DO ENTENDIMENTO JURISPUDENCIAL 2.1 No Superior Tribunal de Justiça Digno de nota, apesar de aparentemente tangenciar a discussão objeto desta análise, é o entendimento consolidado pelo STJ, em sede de representativo de controvérsia, no sentido de que o rol de enfermidades trazido pelo inciso XIV, do art. 6º, da Lei n. 7.713/88 é taxativo, sendo vedada a interpretação extensiva, forte no que dispõe o art. 111, do Código Tributário Nacional – CTN. Por relevante, seguem excertos da ementa do aludido precedente[7]: “TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE. ART. 6º DA LEI 7.713/88 COM ALTERAÇÕES POSTERIORES.  ROL TAXATIVO. ART. 111 DO CTN. VEDAÇÃO À INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. 1. A concessão de isenções reclama a edição de lei formal, no afã de verificar-se o cumprimento de todos os requisitos estabelecidos para o gozo do favor fiscal. 2. O conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, com as alterações promovidas pela Lei 11.052/2004, é explícito em conceder o benefício fiscal em favor dos aposentados portadores das seguintes moléstias graves: […]. Por conseguinte, o rol contido no referido dispositivo legal é taxativo (numerus clausus), vale dizer, restringe a concessão de isenção às situações nele enumeradas. 3. Consectariamente, revela-se interditada a interpretação das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado entendimento no sentido de ser incabível interpretação extensiva do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN.  […] 4. In casu, a recorrida é portadora de distonia cervical (patologia neurológica incurável, de causa desconhecida, que se caracteriza por dores e contrações musculares involuntárias – fls. 178/179), sendo certo tratar-se de moléstia não encartada no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88. […]” (grifo do autor) Além disso, é pacífico no STJ que a isenção alcança tão somente os proventos de aposentadoria (v.g. REsp 1.254.371/RJ, relator Min. Mauro Campbell, Segunda Turma, j. 02/08/2011, DJe 09/08/2011 e REsp 1.221.275/SC, relator Min. Teori Zavascki, Primeira Turma, j. 08/02/2011, DJe 16/02/2011), justamente por ser aplicável o mencionado art. 111, do CTN, que impõe uma interpretação literal. 2.2 No Tribunal Regional Federal da Primeira Região – TRF1 O recentíssimo julgamento, em 30/01/2013, envolvendo o tema do presente estudo chama atenção pela verticalização da análise sobre o alcance da isenção tributária instituída pela Lei n. 7.713/88 (art. 6º, inciso XIV), ao tratar da benesse, que, apesar de mais de duas décadas de existência, não teria sido, conforme registrou o Relator, devidamente enfrentada no Poder Judiciário. Este destaque retrata uma constatação que também se perdura por longo período, tendo em vista que o saudoso professor Aliomar Baleeiro registrou tal fato em uma de suas obras pelos idos de 1970[8]. Vale frisar que a Quarta Seção do TRF1, ao apreciar o feito em comento proferiu acórdão, unânime, em embargos de divergência, nos termos do voto do Des. Federal Luciano Tolentino, que foi acompanhado pela Des. Federal Maria do Carmo Cardoso, pelo Des. Federal Novély  Vilanova,  pelo Juiz Federal  convocado  Clodomir Reis, pelo  Juiz  Federal  convocado  Naíber   Almeida e pelo Des. Federal Catão Alves. Resta, assim, demonstrado que se trata de um julgamento onde houve a participação de experientes magistrados (Desembargadores Federais) e também de magistrados federais convocados, forjando, desse modo, uma unanimidade com evidente incremento de pluralidade, sadio no processo democrático. Segue o excerto da ementa do aludido paradigma regional[9]: “TRIBUTÁRIO – AÇÃO ORDINÁRIA – IRPF – MOLÉSTIA GRAVE (ART. 6º, XIV, DA LEI Nº 7.713/88) – ISENÇÃO: "RENDIMENTOS" DA ATIVIDADE, NÃO APENAS "RENDIMENTOS" DA INATIVIDADE (PROVENTOS DE APOSENTADORIA/REFORMA) – EMBARGOS INFRINGENTES NÃO PROVIDOS. 1- A isenção, vicejando só em prol dos "inativos portadores de moléstias graves", está descompromissada com a realidade sócio-fático-jurídica; a finalidade (sistemática) da isenção, na evolução temporal desde sua edição em 1988; os princípios da isonomia e da dignidade humana e, ainda, com o vetor da manutenção do mínimo vital. 2- A contextualização fático-jurídica, em olhar conectado com o hoje, da isenção (salvo conduto tributário), que propende a ser vitalícia, é do tipo "geral" e "ex vi legis", a toda situação em que caracterizadas as patologias. Eventual e continuada ampliação do rol das doenças não considera eventuais cura, agravamento, recidivas ou remissão de sintomas. 3- Da institucionalização da isenção (1988) até hoje transcorreram 25 anos. Àquele tempo, a transposição para a inatividade, imperativa e com afastamento obrigatório das atividades, era a conseqüência para os males. Mantida a densidade de significado ("ratio legis") para justificar a isenção, que sempre foi o "fato objetivo da moléstia grave em si" e a idéia genérica do incremento de custos para continuidade da vida (perda/redução da capacidade contributiva), abrem-se novas situações: contribuintes conseguem manter-se, em certos casos, em pleno potencial profissional, auferindo proventos de aposentados (rendimentos da inatividade) e, até, valores decorrentes de vínculos ulteriores (rendimentos da atividade). 4- Inimaginável um contribuinte "sadio para fins de rendimentos ativos" e, simultaneamente, "doente quanto a proventos". Inconcebível tal dicotomia, que atenta contra a própria gênese do conceito holístico (saúde integral). Normas jurídicas não nascem para causar estupor. 5- O só conviver com a patologia, à constante sombra da morte ou da má qualidade de vida, alça novos vínculos empregatícios ao grau de terapêutica afeto-social (de higiene mental) e reforço do sentido de existir: tributação seria desestímulo sem justa razão. 6- Cabe ao interprete da norma legal extrair da sua objetividade normativa o seu alcance social, não significando, tal, ampliação dos seus destinatários e/ou os casos de sua incidência.[…]” (grifos do autor) Ademais, consigne-se que a tese do paradigma da Quarta Seção, onde a isenção alcançou os proventos da atividade, não é uma novidade no TRF1, haja vista outros arestos da Corte Regional terem encampado também essa exegese. A título de exemplo, confira-se a ementa de um deles: “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. DOENÇA GRAVE. LEUCEMIA. ROL DO INCISO XIV DO ART. 6º DA LEI 7.713/1988. TERMO INICIAL. DATA EM QUE RECONHECIDA A MOLÉSTIA POR LAUDO OFICIAL. 1. Estando comprovado ser a parte autora portadora de moléstia grave, nos termos indicados no inciso XIV, artigo 6º, da Lei 7.713/1988, com a alteração trazida pela Lei 11.052/2004, o benefício da isenção de imposto de renda deve ser observado em relação aos rendimentos percebidos a partir da data em que a doença foi diagnosticada, por meio de laudo médico oficial – mesmo que o contribuinte ainda esteja em atividade. 2. "Em se tratando de benefício fiscal destinado a propiciar ao contribuinte aposentado ou reformado, em virtude de acidente em serviço, bem assim àquele portador de doença grave, maior capacidade financeira para suportar o custo elevado do tratamento permanente enquanto padecer da moléstia, a sua concessão é devida, tanto na atividade como na inatividade, tendo em vista que, em ambas as hipóteses, o sacrifício é o mesmo, prestigiando-se, assim, os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, na defesa do postulado maior da proteção e da valorização da vida, na dimensão de respeito ao valor da saúde, como garantia fundamental prevista em nossa Carta Magna (CF, arts. 1º, III, 5º, caput, 196 e 170, caput)." (AC 0006591-17.2008.4.01.3400/DF, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, Oitava Turma,e-DJF1 p.518 de 14/11/2011) 3. Apelação provida.”[10]  (grifos do autor) Importante pinçar, nessa senda, que o critério da universalidade (art. 153, §2º, inciso I, da CF), que rege a incidência do imposto de renda, impõe, segundo Leandro Paulsen, “considerar a totalidade das rendas do contribuinte como uma unidade, sem estabelecer distinções entre os tipos de rendas para efeito de tributação diferenciada”[11]. Essa é a linha interpretativa, combinada com outros fundamentos, que se vê consagrada nos arestos regionais aqui mencionados. CONCLUSÃO O tema em comento é denso, bem como controvertido jurisprudencialmente, porém num ponto não resta dúvida. O paradigma regional cotejado neste artigo traz análise epistemológica da tributação do contribuinte acometido de doença grave elencada em lei, percorrendo desde a base de cálculo do IRPF até os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, igualdade e capacidade contributiva. Com efeito, a novel tese que vêm se firmando no TRF1 pode ou não prevalecer. Será ou não considerada a mais coerente com a estrutura da norma tributária infraconstitucional. Porém, a questão reclama por uma análise detida dos julgadores, com cotejo de todo o universo normativo vigente, incluída, é claro, a Constituição da República Federativa do Brasil.
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IOF e Cessão de Crédito em Contratos de Mútuo
O presente artigo tem como objetivo analisar a possibilidade de incidência de IOF sobre negócios jurídicos que envolvem cessão de créditos decorrentes de contratos de mútuo. Nossa análise partirá do seguinte pressuposto fático: uma empresa celebra contrato de mútuo com outra empresa e, em um segundo momento, a empresa mutuante celebra cessão de crédito com uma terceira empresa. Dessa forma, a questão que pretendemos responder é a seguinte: incide IOF na segunda operação, isso é, na cessão de crédito da empresa mutuante para um terceiro?
Direito Tributário
Introdução Para atender aos propósitos do presente trabalho, faremos uma breve análise da regra-matriz de incidência do IOF, partindo da norma de competência estabelecida pela Constituição Federal. Nosso foco será o IOF incidente sobre operações de crédito, especialmente nos contratos de mútuo. Já em um segundo momento, passaremos à análise do conceito de cessão de crédito, a partir da interpretação das normas de direito privado, fundamentada no que a doutrina civilista diz sobre o assunto. Feitas essas considerações, passaremos a demonstrar que a cessão de crédito não compreende nenhuma das hipóteses de incidência do IOF, sendo inaplicável ao caso o enunciado prescritivo do art. 7º, §7º, do Decreto 6.306/2007[1]. 1.    Aspectos Gerais da Hipótese de Incidência do IOF O IOF é um imposto federal, previsto no art. 150, V, da CF/88: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:(…) V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;” Sendo assim, a partir da leitura do dispositivo acima, nota-se que a sigla IOF comporta pelo menos quatro espécies de imposto, cujas materialidades são as seguintes: (i) operações de crédito, (ii) câmbio; (iii) seguro, e (iv) títulos ou valores mobiliários[2]. Cabe também destacar que o Código Tributário Nacional tratou do referido imposto, dispondo sobre cada uma dessas quatro materialidades possíveis, conforme se verifica em seu art. 63: “Art. 63. O imposto, de competência da União, sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários tem como fato gerador: I – quanto às operações de crédito, a sua efetivação pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado; II – quanto às operações de câmbio, a sua efetivação pela entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este; III – quanto às operações de seguro, a sua efetivação pela emissão da apólice ou do documento equivalente, ou recebimento do prêmio, na forma da lei aplicável; IV – quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários, a emissão, transmissão, pagamento ou resgate destes, na forma da lei aplicável.” Todavia, no presente trabalho consideraremos apenas os aspectos relativos à materialidade prevista no inciso I do art. 63 do CTN, ou seja, as operações de crédito, uma vez que contratos de mútuo somente podem ser enquadrados nessa hipótese. 2. Incidência de IOF sobre contratos de mútuo Desde já podemos firmar a premissa que os contratos de mútuo se enquadram no conceito de operação de crédito e, consequentemente, são passíveis de incidência de IOF. Tal conclusão se dá porque os contratos de mútuo consistem em empréstimo de coisas fungíveis em que o mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade, nos termos do art. 586 do Código Civil[3]. Assim, temos que o mutuário recebe valor em dinheiro e se obriga a restituir o mesmo valor ao mutuante, também em dinheiro. Como dinheiro configura um bem fungível, resta claro que contratos de mútuo se tratam de operações de crédito. Diante disso, o art. 13 da Lei 9.779/99 instituiu como hipótese de incidência do IOF as operações de crédito correspondente a contratos de mútuos firmados entre pessoas jurídicas ou entre pessoas jurídicas e pessoas físicas: “Art. 13.  As operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física sujeitam-se à incidência do IOF segundo as mesmas normas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimos praticadas pelas instituições financeiras.” Em relação ao dispositivo acima citado, o primeiro ponto que destacamos é que somente incide IOF quando o mutuante é pessoa jurídica. Ou seja, trata-se de nítida delimitação do aspecto pessoal da regra-matriz de incidência tributária, restringindo a sujeição passiva do imposto apenas às pessoas jurídicas, e excluindo a possibilidade de contribuintes pessoas físicas. Cabe aqui ressalvar que o presente estudo não tem como finalidade discutir a legalidade ou constitucionalidade de incidência de IOF sobre operações realizadas por pessoas jurídicas que não são instituições financeiras. Para análise de incidência de IOF sobre cessão de crédito decorrente de contratos de mútuo partiremos da premissa que o contribuinte do imposto pode ser qualquer pessoa jurídica, independentemente de suas atividades empresariais[4]. A seguir passaremos a analisar a definição e natureza jurídica da cessão de crédito, para após verificarmos se a ocorrência desse fato pode ser enquadrada na hipótese de incidência de IOF sobre contratos de mútuo. 3. Natureza Jurídica da Cessão de Crédito A cessão de crédito é figura prevista nos arts. 286 e seguintes do Código Civil, que compõe o Título II de sua Parte Especial, e trata da Transmissão das Obrigações. A partir de tais enunciados prescritivos, podemos definir a cessão de crédito como um negócio jurídico pelo qual ocorre a transferência de posição contratual de uma das partes contratantes (cedente) para um terceiro (cessionário), estranho à relação contratual primitiva, com o consentimento da parte remanescente do contrato-base (cedido), conforme previsto no art. 286 do Código Civil[5]. Feitas essas considerações, importante destacar que o efeito precípuo da cessão de crédito é a substituição de uma das partes do contrato primitivo sem que haja, no entanto, a extinção do mesmo. Ao ocorrer a transferência da posição, o contrato será executado da mesma forma que foi pactuado expressamente no contrato-base, porém, frente a um novo detentor do direito. Dessa forma, a cessão de crédito se trata de um contrato que implica na alteração do polo ativo de outro contrato: o contrato de mútuo. Logo, não há extinção do contrato de mútuo. Conforme dito antes, trata-se apenas de uma transferência de posição contratual, com a substituição de uma das partes, qual seja o mutuante. Inclusive, conforme já adiantado acima, tal conclusão é respaldada pela percepção da forma como o instituto está disposto no Código Civil. A figura da cessão de crédito está prevista no Título II da Parte Especial, que trata da Transmissão das Obrigações, e não no Título III, que trata do Adimplemento e Extinção das Obrigações. Logo, a cessão de crédito é uma forma de transmissão da obrigação, e não de adimplemento ou extinção. 4. Não Incidência de IOF na Cessão de Crédito Nesse tópico cabe analisarmos se a cessão de crédito proveniente de contrato de mútuo configura ocorrência de hipótese de incidência do IOF. Em outras palavras, a substituição do polo ativo de um contrato de mutuo implica na incidência de um novo IOF? Para tanto, cabe destacar que o Regulamento do IOF (Decreto 6.306/2007), dispõe o seguinte, no seu art. 7º, §7º: “§ 7º Na prorrogação, renovação, novação, composição, consolidação, confissão de dívida e negócios assemelhados, de operação de crédito em que não haja substituição de devedor, a base de cálculo do IOF será o valor não liquidado da operação anteriormente tributada, sendo essa tributação considerada complementar à anteriormente feita, aplicando-se a alíquota em vigor à época da operação inicial.” (grifamos) Vê-se, portanto, que o legislador federal dispõe que na ocorrência de algumas situações ocorre um novo fato jurídico tributário, com uma nova base de cálculo. Tais casos se tratam de institutos típicos de direito das obrigações, como os que destacamos no dispositivo citado acima. São eles: (i) a prorrogação, (ii) a renovação e (iii) a novação. Pontue-se, ainda, que o dispositivo também traz uma cláusula ampliativa, colocando como critério material dessa nova incidência na ocorrência de “negócios assemelhados”. Informamos também que excluímos de nossa análise as figuras da “composição”, “consolidação” e da “confissão de dívidas”, também previstas no dispositivo supracitado. Tal exclusão se dá pelo fato desses conceitos serem muito distantes do nosso elemento de comparação, qual seja a cessão de crédito em contratos de mútuo. Assim a análise que faremos se delimita em observar se: (i) prorrogação; (ii) renovação, e (iii) novação, podem ser considerados como equivalentes à cessão de crédito ou, ainda, se a essa pode ser considerada um “negócio assemelhado” para fins de incidência de um novo IOF. Desde já consignamos nosso entendimento que os conceitos (i), (ii) e (iii) não se confundem com a cessão de crédito. Para isso, analisaremos cada um deles separadamente, sempre os comparando com este instituto. A partir dessa análise, ficarão visíveis as diferenças, o que demonstra a impossibilidade de incidência de IOF sobre uma segunda operação, que não extingue o contrato de mútuo (i.e., cessão de crédito). Porém, antes de fazer essa análise comparativa, é imprescindível lembrar que a legislação tributária deve respeitar os conceitos dos institutos de direito privado, nos termos do art. 110 do CTN: “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.” Assim, passemos à comparação da prorrogação, renovação e novação com a cessão de crédito. 4.1. Prorrogação x Cessão de Crédito Em primeiro lugar, não é possível equiparar a figura da cessão de crédito com a prorrogação do contrato de mútuo. A prorrogação implica apenas na dilação do prazo, ou seja, mantém-se o contrato da forma como foi firmado, alterando-se tão somente a data para seu adimplemento. Inclusive, essa noção de prorrogação de relação obrigacional fica bem clara na definição do verbete contido no Dicionário Jurídico de MARIA HELENA DINIZ: “PRORROGAÇÃO: 1. Dilação. 2. Adiamento. 3. Ato de tornar um prazo estabelecido mais longo; aumento de tempo. 4. Extensão de um cargo. 5. Ampliação de uma atribuição. 6. Ato de ampliar uma relação jurídica que já devia ter expirado”[6]. Portanto, a prorrogação altera apenas o aspecto temporal para adimplemento do contrato entre as mesmas partes, e a nada se assemelha à cessão de crédito, que altera apenas o aspecto subjetivo ativo da relação jurídica no contrato de mútuo. 4.2. Renovação x Cessão de Crédito Em segundo lugar, também não é o caso de se falar em “renovação” do contrato de mútuo, tendo em vista que tal noção implica necessariamente na manutenção das mesmas partes contratuais. Por isso, não é possível renovar um contrato com um terceiro. Nesse caso teríamos a celebração de outro contrato, e não a renovação de um contrato pré-existente. Além disso, a “renovação” pressupõe uma obrigação adimplida, e o surgimento de uma nova obrigação entre as mesmas partes, com um novo prazo. Logo, isso em nada se assemelha à cessão de crédito, mesmo porque é impossível falar em cessão de uma obrigação já adimplida. É pressuposto lógico para a transferência da obrigação que ela não esteja extinta. 4.3. Novação x Cessão de Crédito Ainda, também não é o caso de falar-se em novação, tendo em vista que esta se trata de uma forma de extinção da obrigação, enquanto a cessão de crédito é uma forma de transmissão da obrigação. Na verdade, pelo entendimento de que ocorreria a extinção e o surgimento de um novo contrato, teríamos uma novação subjetiva ativa, o que também não é o caso, uma vez que ao firmar uma cessão de crédito o contrato de mútuo não se extingue, apenas se mantém com um novo mutuante. Logo, não se deve confundir a cessão de crédito com a novação subjetiva ativa, pois a primeira se trata de transmissão e a segunda de extinção da obrigação. Nas palavras de SILVIO DE SALVO VENOSA: “A novação é a operação jurídica por meio da qual uma obrigação nova substitui a obrigação originária. O credor e o devedor, ou apenas o credor, dão por extinta a obrigação e criam outra. A existência dessa nova obrigação é condição de extinção da anterior”[7]. Atentando-se para essa diferença entre os institutos, o mesmo autor conclui que atualmente a novação subjetiva ativa tem pouca utilidade, uma vez que a cessão de crédito a substitui com vantagem: “Do lado ativo, pode haver mudança do credor. É o que dispõe o art. 360, III (….). Um novo credor substitui o antigo; exclui-se o credor primitivo, mediante acordo, com animus de extinguir a primeira obrigação contraída. (…). Sua utilidade é de pouco alcance uma vez que a cessão de crédito a substitui com vantagem. Nesta, no entanto, é a mesma obrigação que persiste”[8]. Assim, conforme o entendimento acima exposto, a vantagem da cessão de crédito se consubstancia justamente na observação de que não há a extinção da obrigação, mas apenas sua transmissão. Temos, portanto, que as figuras dispostas no art. 7º, §7º do Decreto 6.306/2007 em nada se assemelham com o contrato de cessão de crédito, pois nessa a obrigação é mantida na mesma forma e prazos anteriormente estabelecidos. 4.4. Inaplicabilidade da cláusula ampliativa de “negócios assemelhados” A partir das definições acima ficou claramente demonstrada dessemelhanças entre prorrogação, renovação e novação e a cessão de crédito. Segue abaixo quadro comparativo que sintetiza as diferenças apontadas: Dessa forma, verifica-se que a cessão de crédito em nada se assemelha com qualquer uma das figuras previstas no art. 7º, §7º, do Decreto 6.306/2007. Aliás, a única semelhança entre a cessão de crédito e as demais figuras é que todas se referem ao tema dos direitos das obrigações. Fora isso, em nada mais se assemelham. A cessão de crédito é modalidade de transmissão de obrigações, enquanto as outras se referem à extinção ou alteração de cláusulas contratuais não relacionadas com o polo ativo do contrato. Portanto, também deve ser afastada a cláusula ampliativa de “negócios assemelhados”, tendo em vista que a cessão de crédito não possui elementos suficientes de aproximação com os institutos enumerados no art. 7º, §7º do Decreto 6.306/2007. Além disso, o caráter ampliativo da expressão “negócios assemelhados” é de constitucionalidade duvidosa, tendo em vista que viola os princípios da legalidade e tipicidade fechada, fundamentais no Sistema Tributário Brasileiro. Retomando o tema, cabe atentar que a jurisprudência administrativa possui entendimento que o contrato de cessão de crédito não se sujeita à incidência de IOF. Apesar de tratar de cessões de export notes, e não de cessão de créditos decorrente de mútuo, o antigo Conselho de Contribuintes já se manifestou pela não incidência: “IOF – IMPOSTO RELATIVO A TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS – As operações de cessão de créditos decorrentes de "export notes" não se sujeitam à incidência do IOF relativo a créditos. O IOF só recairá sobre operações de créditos, quando o devedor e o credor contratarem empréstimos em dinheiro. Recurso voluntário provido.” (2º Conselho de Contribuintes / 1a. Câmara / ACÓRDÃO 201-74103  em 08.11.2000 / Publicado no DOU em: 26.03.2001 / Relator: LUIZA HELENA GALANTE DE MORAES / Recorrente: BANCO FIBRA S.A. /  Recorrida:  DRJ-SÃO PAULO/SP) Deve-se destacar que o entendimento acima exposto faz todo o sentido quando se compreende a real hipótese de incidência do IOF: a concessão de crédito. Conforme já exposto acima, o art. 153, V, da Constituição Federal, prevê como possível materialidade da competência da União Federal, a instituição de IOF sobre “operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários”. Nesse sentido, o art. 63, I do CTN dispõe da seguinte forma sobre o fator gerador do IOF: “Art. 63. O imposto, de competência da União, sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários tem como fato gerador: I – quanto às operações de crédito, a sua efetivação pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado;” Logo, a conclusão que se chega é que a hipótese de incidência é a concessão do crédito. Por conta disso não se pode falar em incidência de IOF na cessão de crédito, uma vez que essa implica a já ocorrência de uma concessão prévia, que foi o fato imponível do imposto. A partir dessa compreensão é que se percebe o motivo de o art. 7º, §7º, do Decreto 6.306/2007 prever uma nova incidência nos casos de renovação ou prorrogação do crédito. Isso porque, na ocorrência de prorrogação, renovação ou novação, ocorreria uma nova concessão de crédito, ou seja, um novo fato imponível, que dará ensejo a uma nova cobrança. Contudo, quando há uma troca de credores no contrato do mútuo, por meio de uma cessão de crédito, não há uma nova incidência do IOF. Nesse caso não há concessão de crédito, pois o crédito já foi anteriormente concedido. Em outras palavras, a celebração de um contrato de mútuo configura a concessão do crédito. Já a troca de credores desse mesmo contrato configura a cessão de crédito. Apesar de serem expressões parecidas, tais conceitos não se confundem. Na concessão surge um novo crédito, na cessão há a transmissão do crédito anteriormente concedido. Conclusões Feitas as considerações acima, podemos concluir que entre as hipóteses de incidência possíveis para o IOF sobre operações de crédito estão os contratos de mútuo, que consiste em empréstimo de bens fungíveis. Ao celebrar contrato de mútuo o mutuante concede um crédito ao mutuário. Já a cessão de crédito se trata de uma modalidade de transmissão de obrigações em que um sujeito substitui o outro no polo ativo de um contrato de mútuo, por exemplo. Como a cessão de crédito não se assemelha à prorrogação, renovação ou novação do contrato de mútuo, não é aplicável o art. 7º, §7º, do Decreto 6.306/2007 e, consequentemente, não há uma nova incidência do IOF, já que isso não caracteriza um fato jurídico que subsome à hipótese de incidência prevista no art. 13 da Lei 9.779/99.
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A imunidade das instituições de educação
Resumo. Análise das normas constitucionais e infraconstitucionais, da jurisprudência e da doutrina que versam sobre as imunidades tributárias das instituições de educação. O principal caminho para atingir objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil está na educação. A educação é um dever do Estado e da família, que deve ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. A colaboração da iniciativa privada na prestação da educação e no desenvolvimento do país justifica a concessão de imunidade tributária às instituições de educação. A imunidade, nesse sentido, visa à consagração dos valores éticos e culturais encontrados na Constituição Federal de 1988, mantendo-se a educação livre da tributação.
Direito Tributário
Introdução O presente trabalho tem por escopo a análise das normas constitucionais e infraconstitucionais, da jurisprudência e da doutrina que tratam das imunidades tributárias das instituições de educação. A educação é um direito social de todos e um dever do Estado e da família, que deve ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Já pressupondo sua ineficiência, o Estado recorre à sociedade para que esta o auxilie na prestação da educação. Neste contexto, a concessão de imunidade de impostos sobre o patrimônio, a renda e serviços das instituições de educação sem fins lucrativos (art. 150, IV, c da CF/88) pode ser visto como uma forma de atrair a atenção do setor privado para esta função do Estado. Ives Gandra Martins expõe de forma muito clara a razão pela qual as instituições de educação e de assistência social gozam de imunidade tributária: “As imunidades relativas a entidades de educação e assistência social objetivam atrair cidadãos a suprir as ineficiências do Poder Público, decorrentes na maior parte das vezes, da incompetência administrativa, dos desperdícios, da corrupção e da luta sem ética pelo poder. No Brasil, mais do que nunca, a triste constatação de Lord Acton é presente, pois o Poder corrompe, e o Poder Absoluto corrompe absolutamente. Por esta razão, sabiamente, o constituinte, conhecendo a natureza humana dos detentores do poder, na história brasileira, estimula o cidadão, através das imunidades tributárias, a que façam o que o Estado deveria fazer e não faz, como ocorre na áreas da Educação e da Saúde, em que o sistema privado é incomensuravelmente superior ao público, principalmente no ensino de primeiro e segundo graus ou nos hospitais particulares”[1]. Inicialmente, serão abordadas questões pontuais relacionadas com as imunidades tributárias, tais como fundamento, conceito, natureza jurídica, classificações, distinções de outros institutos. Logo em seguida, serão analisadas as circunstâncias e os requisitos que a Constituição Federal de 1988 impôs para o gozo da imunidade prevista em seu art. 150, IV, c. Nesse contexto, serão estudados os requisitos estabelecidos pelo Código Tributário Nacional, como exigência do próprio texto constitucional, e outros fixados por lei ordinária. Por fim, buscará se demonstrar que a destinação dos recursos às finalidades essenciais das instituições de educação é um requisito essencial para a extensão da imunidade a outros tributos, além daqueles mencionados no art., 150, IV, c da CF/88. 1. Proteção Constitucional da Educação 1.1. O Direito à Educação na Constituição de 1988 1.1.1. Considerações Iniciais Os principais objetivos da República Federativa do Brasil são a construção de uma sociedade justa, a promoção do bem de todos e o desenvolvimento nacional (art. 3º da CF/88). Para atingir tais objetivos, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu determinados parâmetros que deverão ser seguidos por todas as esferas do federalismo brasileiro. É indiscutível que o principal caminho para atingir estes objetivos fundamentais está na educação e foi exatamente por este motivo que a Constituição Federal de 1988 atribuiu um valor jurídico supremo ao ensino, delineando passo a passo o desenvolvimento do país por meio da educação. Consoante os ensinamentos de José Afonso da Silva, a Constituição Federal de 1988 impôs: “Em primeiro lugar, que o Estado tem que aparelhar-se para fornecer, a todos, os serviços educacionais, isto é, oferecer ensino, de acordo com os princípios estatuídos na Constituição (art. 206); que ele tem que ampliar cada vez mais as possibilidades de que todos venham a exercer igualmente esse direito; e, em segundo lugar, que todas as normas da Constituição, sobre educação e ensino, hão de ser interpretadas em função daquela declaração e no sentido de sua plena e efetiva realização”[2]. Importante destacar os esclarecimentos de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins sobre a educação: “A educação, antes de mais nada, significa o cultivo do ser humano e o desenvolvimento de suas potencialidades. Ela envolve uma concepção global do homem, que deve ser desenvolvido em todos os seus diversos aspectos, sejam eles físicos, emocionais, sociais, intelectuais, morais ou motores, no sentido de integrá-lo mais adequadamente à cultura à qual pertence”[3]. 1.1.2. A Educação na Constituição de 1988: Objetivos e Princípios O direito à educação encontrava previsão desde a Constituição de 1824, que cuidou do tema no artigo 179, incisos XXXII e XXXIII. Posteriormente, o direito à educação foi mencionado na Constituição de 1891 (arts. 35 e 72), na Constituição de 1934 (arts. 149 a 158), na Constituição de 1937 (arts. 128 a 133), na Constituição de 1946 (art. 166), na Constituição de 1967 (art. 168) e na Emenda Constitucional 1 de 1969 (art. 176)[4]. Na Constituição Federal de 1988, o direito à educação foi tratado de forma extremamente ampla. De fato, foram positivadas inúmeras normas no texto constitucional que poderiam estar regulamentadas em leis ordinárias ou complementares. Tal demonstra o prestígio que a educação recebeu na Constituição Federal de 1988. A educação é um direito social (art. 6º da CF/88) que mereceu proteção especial na Seção I (Da Educação) do Capítulo III da Constituição Federal de 1988 (Da Educação, da Cultura e do Desporto). Para salvaguardar este direito, foram dedicados especificamente os arts. 205 a 214 da Constituição Federal de 1988. Consoante o art. 205 da CF/88, a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família, que deve ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Os principais objetivos da educação são o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Segundo José Afonso da Silva, a consecução destes objetivos somente será alcançada: “num sistema educacional democrático, em que a organização da educação formal (via escola) concretize o direito ao ensino, informado por princípios com eles coerentes, que, realmente, foram acolhidos pela Constituição”[5]. Os princípios a que o autor se refere são aqueles elencados no art. 206 da CF/88: “Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade. VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.” Com efeito, a educação no Brasil é dividida entre o ensino público e a iniciativa privada e deve visar aos objetivos estabelecidos no art. 205 da CF/88 e observar os princípios expressos no art. 206 da CF/88. 1.2. O Papel do Estado na Promoção da Educação O art. 208 da CF/88 dispõe que educação é obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, sendo assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria. O § 1º do referido dispositivo garantiu status de direito público subjetivo o acesso ao ensino obrigatório e gratuito, sendo que o não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou ainda sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente (§ 2º do art. 208 da CF/88). Isso significa que o cidadão é titular da prerrogativa de exigir do Estado o efetivo cumprimento desse direito público subjetivo. Este ponto será abordado no item 1.4 deste trabalho. O Poder Público também foi incumbido do fornecimento de atendimento educacional especializado para alunos portadores de algum tipo de deficiência (art. 208, III da CF/88) e de educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças de até 5 anos de idade (art. 208, IV da CF/88). A Constituição Federal de 1988 foi pioneira ao impor a aplicação de verba mínima na educação: ao menos 18% da arrecadação federal e 25% das arrecadações estadual, distrital e municipal da receita de impostos (art. 212, caput da CF/88) devem ser destinadas à educação. Ressalte-se que a inobservância da destinação mínima da arrecadação dos impostos à educação é causa de intervenção federal e  intervenção estadual[6]. Outra inovação na Constituição Federal de 1988 foi a autorização para a destinação de recursos públicos às escolas comunitárias confessionais ou filantrópicas desde que comprovada a finalidade não lucrativa, a aplicação de seus excedentes financeiros em educação e a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades (art. 213 da CF/88). 1.3. Repartição da Competência O art. 22, XXIV da CF/88 atribui competência privativa da União legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional. Atualmente, a Lei nº. 9.394/96 estabelece tais diretrizes e bases da educação nacional e disciplina a educação escolar no Brasil. Em função do interesse público existente, o art. 23, V da CF/88 dispõe que é competência comum da União, Estados, Município e Distrito Federal proporcionar os meios de acesso à educação. Em complemento a este dispositivo, o art. 211 da CF/88 organiza os sistemas de ensino no Brasil, segundo o qual: a) a União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; b) os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio; c) os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. Como se observa, o art. 211 da CF/88 afirma existirem três formas de ensino no Brasil: federal, estadual e municipal. Os arts. 16 a 18 da Lei nº. 9.394/96, por sua vez, regulamentam tais sistemas de ensino: “Art. 16. O sistema federal de ensino compreende: I – as instituições de ensino mantidas pela União; II – as instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa privada; III – os órgãos federais de educação. Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal compreendem: I – as instituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal; II – as instituições de educação superior mantidas pelo Poder Público municipal; III – as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada; IV – os órgãos de educação estaduais e do Distrito Federal, respectivamente. Parágrafo único. No Distrito Federal, as instituições de educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada, integram seu sistema de ensino. Art. 18. Os sistemas municipais de ensino compreendem: I – as instituições do ensino fundamental, médio e de educação infantil mantidas pelo Poder Público municipal; II – as instituições de educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada; III – os órgãos municipais de educação.” 1.4. Educação como Direito Subjetivo e Serviço Público A norma jurídica que cuidou do direito à educação enquadra-se como um direito social (art. 6º da CF/88) e de fornecimento obrigatório pelo Estado (art. 205 e 206 da CF/88), não podendo ser afastada por meio do argumento da reserva do possível[7], posto que integra o mínimo existencial que deve ser oferecido ao ser humano para a manutenção de uma vida digna. Como visto anteriormente, o § 1º do art. 208 da CF garantiu status de direito público subjetivo o acesso ao ensino obrigatório, o que implica na possibilidade de exigência deste direito por qualquer cidadão. Este também é o entendimento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que considera os direitos sociais como direitos subjetivos, cujo cumprimento pode e deve ser exigido pelo seu titular[8]. Não obstante, a educação também pode ser considerada como um serviço público, cuja prestação não é exclusiva do Estado. Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, serviço público é: “(…) toda atividade de oferecimento e utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo”[9]. O serviço público pode classificar-se em exclusivo, quando apenas o Estado o presta, ou não-exclusivo, como no caso da educação, que também pode ser prestado por entidades privadas. Este último é o que se aplica à atividade educacional, que pode ser desenvolvida pela iniciativa privada, mas fica subordinada às normas constitucionais, à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e à fiscalização do Poder Público. Apesar de sujeitar-se às condições impostas pelo Poder Público, a iniciativa privada é uma grande aliada do Estado na consecução dos objetivos e princípios estabelecidos na Constituição Federal de 1988. É indispensável a contribuição da sociedade na prestação da educação e no desenvolvimento do país, o que justifica a concessão de imunidade tributária às instituições de educação. 2. Considerações sobre Imunidade Tributária 2.1. Competência Tributária A Constituição Federal outorgou aos entes políticos internos competência para criarem, por meio de lei, normas jurídicas tributárias. Ao discriminar as competências tributárias, a Constituição Federal conferiu às pessoas políticas a possibilidade de instituírem as regras-matrizes de incidência[10] de cada tributo, estabelecendo verdadeiros contornos para a atuação dos entes políticos. Neste contexto, as “pessoas políticas só podem criar in abstracto tributos se permanecerem dentro das faixas exclusivas que a Constituição lhes outorgou”[11]. Por oportuno, vale destacar o conceito de regra-matriz de incidência de Paulo de Barros Carvalho: “A regra-matriz de incidência tributária é, por excelência, u`a norma de conduta, vertida imediatamente para disciplinar a relação do Estado com seus súditos, tendo em vista contribuições pecuniárias. Concretizando-se os fatos descritos na hipótese, deve-ser a consequência, e esta, por sua vez, prescreve uma obrigação patrimonial. Nela, encontraremos uma pessoa (sujeito passivo) obrigada a cumprir uma prestação em dinheiro. Eis o dever-ser modalizado”[12]. Para fins deste estudo, convém salientar a distinção entre lei (enunciado prescritivo) e norma jurídica feita por Paulo de Barros Carvalho: “uma coisa são os enunciados prescritivos, isto é, usados na função pragmática de prescrever condutas; outra, as normas jurídicas, como significações construídas a partir dos textos positivadas e estruturados consoante a forma lógica dos juízos condicionais, compostos pela associação de duas ou mais proposições prescritivas”[13]. Em razão do princípio da legalidade (arts. 5º, II e 150, I da CF), o exercício da competência tributária se dá por meio de lei (em sentido amplo). Tácio Lacerda Gama, analisando a fenomenologia da criação das normas de competência tributária, assevera que: “a norma de competência tributária em sentido estrito requer a reunião das proposições construídas a partir da leitura do direito positivo numa estrutura lógico-condicional. No antecedente dessa norma, descreve-se um fato – o processo de enunciação necessário à criação dos tributos -, imputa-se a esse fato uma relação jurídica, cujo objeto consiste na faculdade de criar tributos. De forma análoga ao que se dá com as demais normas jurídicas, sem que se construa essa norma em sentido estrito, a análise da competência estará incompleta”[14]. Roque Antonio Carrazza ensina que o exercício da competência tributária é uma faculdade que os entes políticos possuem para criar tributos em todos os seus aspectos[15]. Nos dizeres de Amílcar Araújo Falcão, essa faculdade de criar tributo já apresenta uma limitação constitucional, além de outras expostas no próprio texto constitucional, tais como as normas gerais de Direito Tributário, os princípios constitucionais, as vedações constitucionais[16]. 2.2. Fundamentos das Imunidades Tributárias As imunidades tributárias encontram seu primeiro fundamento na própria característica da rigidez da Constituição Federal de 1988. Uma Constituição pode ser considerada rígida quando impõe um processo mais complexo para a revisão de seu texto, se comparado ao processo de elaboração de uma norma infraconstitucional. Nesse sentido, Regina Helena Costa afirma que: “no caso da Constituição Brasileira, no que tange às imunidades, a rigidez constitucional atinge seu grau máximo. Isto porque as normas imunizantes são cláusulas pétreas, autênticas limitações materiais ao exercício do Poder Constituinte Derivado”[17]. Outro fundamento das imunidades tributárias está relacionado à ideia de valoração das normas jurídicas que o Estado deseja ver preservado. Neste caso, a Constituição Federal de 1988 prestigia, protege e consagra determinados valores considerados relevantes para a sociedade, tais como o equilíbrio da Federação, igualdade, liberdade política, de associação, religiosa, de pensamento, da cultura, educação, etc. É exatamente por este motivo que Edgar Neves da Silva assevera que: “não se deve considerar a imunidade como um benefício, um favor fiscal, uma renúncia à competência tributária, mas sim uma forma de resguardar e garantir os valores da comunidade e do indivíduo”[18]. Quando voltada aos impostos, a doutrina ainda destacada a ausência de capacidade contributiva como fundamento para a imunidade tributária. Nesse contexto, a ideia de imunidade encontra-se relacionada à não sujeição ao múnus público. Segundo Luís Eduardo Schoueri, tal implica uma exceção à regra de que os gastos gerais devem ser suportados por toda coletividade[19]. Notadamente, esta “exceção” mencionada por Schoueri, que culmina na criação de normas de imunidades tributárias, encontra fundamento falta de capacidade contributiva manifestada em determinadas situações. Nesse sentido, Regina Helena Costa reconhece que a falta de capacidade contributiva não implica necessariamente na falta de capacidade econômica, pois é “exatamente por reconhecer a presença de capacidade econômica de determinada pessoa que a Constituição quer mantê-la intangível, para que a mesma possa bem atingir suas finalidades, que coincidem com as do Estado”[20]. 2.3. Natureza Jurídica e Definição do Conceito de Imunidade Tributária A noção mais corrente de imunidade tributária conceitua este instituto como uma limitação constitucional à própria competência tributária. Nesse sentido, Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto afirmam que: “as imunidades tributárias são, portanto, matéria pertencente à disciplina constitucional da competência. Configuram as mais importantes ´limitações constitucionais ao poder de tributar´, como indelevelmente batizadas por Aliomar Baleeiro”[21]. Em aprofundado estudo sobre o tema, Paulo de Barros Carvalho demonstrou que a aplicação deste conceito não procede, na medida em que inexistira cronologia que justificasse a outorga de competência tributária pelo legislador constitucional que, em momento subsequente, seria mutilada ou limitada pelo instituto da imunidade. Segundo este autor, imunidade tributária pode ser conceituada como a: “classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas”[22]. Para fins deste trabalho, imunidade tributária será tratada como norma jurídica que fixa a incompetência das pessoas políticas para instituírem tributos sobre determinadas pessoas, fatos, bens ou situações. 2.4. Classificação das Imunidades Sem a pretensão de exaurir as diversas classificações que a doutrina faz das normas de imunidade tributária, a seguir serão indicadas duas classificações para melhor compreensão do tema em análise. 2.4.1. Imunidades Subjetivas, Objetivas e Mistas As imunidades podem ser classificadas em subjetivas, objetivas e mistas, conforme estejam relacionadas a pessoa, coisas ou ambas. Cabe, desde logo, mencionar os ensinamentos de Roque Antonio Carrazza, para quem, em termos técnicos, a imunidade é sempre subjetiva, já que invariavelmente beneficia pessoas, quer por sua natureza jurídica, quer pela relação que guardam com determinados fatos, bens ou situações[23]. A imunidade das instituições de educação e de assistência social prevista no art. 150, VI, c da CF é um exemplo de imunidade subjetiva porque, em razão de sua natureza, alcança diretamente as pessoas jurídicas ali mencionadas. As imunidades objetivas são aquelas conferidas em razão de determinado fato, bem ou situação e não pelas características ou atividades da pessoa que será, indiretamente, beneficiada com a imunidade. A imunidade dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão (art. 150, VI, d da CF) é um exemplo de imunidade objetiva. As imunidades mistas, por sua vez, revestem tanto o caráter objetivo, porque conferidas em função de determinado fato, bem ou situação e em razão do caráter subjetivo, posto que alcançam determinadas pessoas por sua natureza jurídica. Serve de exemplo a imunidade de produtos industrializados destinados ao exterior (art. 153, § 4º da CF). 2.4.2. Imunidades Incondicionadas e Condicionáveis[24] Tal classificação leva em consideração a possibilidade de a norma de imunidade tributária sofrer algum tipo de restrição no que diz respeito à sua eficácia e aplicabilidade. Antes de analisar as diferenças entre imunidades incondicionadas e condicionáveis, impede invocar a tradicional classificação das normas constitucionais de José Afonso da Silva. Segundo o autor, as normas de eficácia plena são aquelas que possuem aplicabilidade direta, imediata e integral, estando aptas para a produção de todos os efeitos para os quais foram criadas. As normas de eficácia contida também apresentam aplicabilidade direta e imediata, mas não integral. Nas palavras de José Afonso da Silva, as normas de eficácia contida são “aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos dos conceitos gerais nelas enunciados”[25]. Por fim, as normas de eficácia limitada são aquelas que não estão aptas a produzir todos os seus efeitos no momento da promulgação da Constituição, dependendo de complementação normativa para terem eficácia jurídica completa, tendo em vista que a edição de uma nova norma constitucional ao menos resulta na revogação de normas conflitantes com ela[26]. Tais normas apresentam aplicabilidade mediata e reduzida. Seguindo a classificação feita por José Afonso da Silva, Regina Helena Costa conclui que as normas de imunidade tributária são qualificadas como normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata ou de eficácia contida e aplicabilidade imediata. Dentre as normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata estariam as imunidades incondicionadas, uma vez que não dependeriam de outra providência normativa para sua aplicação. Serve de exemplo a imunidade recíproca (art. 150, IV, a da CF). As normas de eficácia contida e aplicabilidade imediata, por outro lado, englobariam as imunidades condicionáveis, já que seriam passíveis de sofrer algum tipo de restrição no âmbito de sua eficácia e aplicabilidade. É o caso, por exemplo, das imunidades das instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos que, para usufruírem desta imunidade, devem atender aos requisitos da lei complementar (art. 150, IV, c da CF). 2.5. Distinção entre Imunidade e Isenção O paralelo comumente traçado pela doutrina entre imunidade e isenção não se justifica considerando o conceito de imunidade adotado para fins deste trabalho. Se por um lado as imunidades tributárias são normas constitucionais que exercem função demarcatória da competência tributária, as isenções tributárias são normas infraconstitucionais que atuam no plano da fenomenologia da incidência[27]. Não obstante, Regina Helena Costa aponta algumas similitudes entre os dois institutos: “1) ambas são regras de estrutura, que estabelecem a incompetência para tributar; 2) são, em consequência, regras parciais, de exceção, que só fazem sentido em combinação com a norma atributiva de competência tributária – na caso da imunidade – e da hipótese de incidência tributária – no caso da isenção; 3) podem ter por objeto quaisquer espécies tributárias; 4) são justificadas pela perseguição de fins constitucionais”[28]. 3. Imunidade Tributária das Instituições de Educação 3.1. Imunidade Tributária das Instituições de Educação na Constituição Federal de 1988 O art. 150, IV, c e o § 4º da CF/88 preceituam que: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(…) VI – instituir impostos sobre:(…) c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;(…) § 4º – As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.” Dentro da classificação feita no capítulo anterior deste trabalho, a imunidade tributária das instituições de educação é subjetiva, posto que vinculada à natureza jurídica da pessoa jurídica, e condicionável, já que está sujeita à lei restritiva de sua eficácia a aplicabilidade. Com efeito, a própria Constituição Federal de 1988 estabeleceu determinadas circunstâncias e requisitos para as instituições de educação gozar da imunidade. A seguir será demonstrada cada uma delas. 3.2. Instituição de Educação A primeira constatação que deve ser levada em conta é o que são “instituições de educação” e qual é sua natureza jurídica. De fato, o termo “instituições” é um tanto vago e somente pode ser analisado com seu predicado “educação”. A professora Elisabeth Nazar Carrazza, com muita percepção, já apregoava que: “A palavra ‘instituições’ foi usada em sentido corrente de entidade que atua secundando a atividade do Estado, na busca, sem finalidade lucrativa, do atendimento do interesse público primário. Logo, desde que a entidade atue no campo da educação, sem finalidade de lucro, o decantado requisito da gratuidade na prestação de serviços é dispensável”[29]. Em razão disto, a entidade que presta atividade educacional poderá ter natureza jurídica de associações, sociedades (simples e empresárias), fundações[30]. Nesse sentido, Misabel Abreu Machado Derzi afirma que: “Quer se trate de uma sociedade, uma associação ou uma fundação, a instituição – não importa a forma jurídica específica – deve colimar a prestação de serviços educacionais ou de assistência social, sem intuito de lucro e com o cumprimento integral dos requisitos arrolados no art. 14 do Código Tributário Nacional”[31]. Não obstante, conforme visto no Capítulo 1 deste trabalho, a própria Constituição Federal de 1988 impõe sejam observado os objetivos e os princípios elencados nos art. 205 e 206. 3.3. Alcance da Expressão “sem fins lucrativos” O art. 150, IV, c da CF/88 condiciona a imunidade das instituições de educação à ausência de fins lucrativos. A definição de instituição sem fim lucrativo foi bem definida por Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto: “É instituição sem fins lucrativos toda entidade que não tenha por objetivo distribuir os seus resultados, nem o de fazer retornar seu patrimônio às pessoas que a instituíram”[32]. Na mesma linha de raciocínio, Regina Helena esclarece que: “Portanto, não é a ausência de lucro que caracteriza uma entidade sem fins lucrativos, porquanto o lucro é relevante e mesmo necessário para que a mesma possa continuar desenvolvendo suas atividades. O que está se vedando é a utilização da entidade como instrumento de auferimento de lucro por seus dirigentes, já que esse intento é buscado por outro tipo de entidade – qual seja, a empresa”[33]. Convém salientar que para fruir da imunidade prevista no art. 150, IV, c e § 4º da CF/88 a entidade educacional não pode ter sido criada visando ao lucro. Nada impede, por outro lado, que a entidade aufira resultados positivos (superávit) e aplique tais valores na consecução de seus objetivos[34]. Luís Eduardo Schoueri faz uma observação interessante e fala que a imunidade não pode servir de instrumento para a destruição do mercado, em detrimento do Princípio da Livre Concorrência. Segundo o autor: “Não é porque uma entidade educacional, por sua condição de imune, cobra mensalidades escolares mais em conta, que se terá, de imediato, afastada a imunidade. Pesará a seu favor o fato de que a cobrança de mensalidades reduzidas abre a maior camada da população o acesso à educação, o que sem dúvida implica atender o desiderato constitucional. Se, entretanto, a cobrança de tais mensalidades força as instituições de educação com fins lucrativos a reduzir igualmente suas mensalidades, não obstante estejam elas sujeitas a imposto, então prevalece adequado trazer o argumento da Livre Concorrência”[35]. 3.4. Generalidade e Gratuidade na Prestação de Serviços de Educação No que concerne à generalidade da prestação de serviços de educação, Ricardo Lobo Torres entende que se trata de requisito intrínseco da pessoa imune[36]. Roque Antonio Carrazza, por outro lado, leciona que a generalidade deve ser entendida em termos. Para ele, não é necessário que a instituição de educação esteja aberta a toda coletividade, mas que ela não faça discriminações arbitrárias, restringindo excessivamente seus cursos[37]. A questão referente à gratuidade na prestação de serviços de educação não pode ser considerada como uma condição para que a entidade usufrua da imunidade. Em linhas atrás, afirmamos que a obtenção de resultados positivos não é vedada. O que é proibido, na verdade, é a distribuição dos resultados ou o retorno do patrimônio às pessoas que o instruíram. O fato de uma instituição de educação privada cobrar mensalidade de seus alunos não resultaria na perda da imunidade prevista no art. 150, IV, c e § 4º da CF/88. O produto da arrecadação serve exatamente para cobrir os gastos da prestação do ensino, com o pagamento de professores e funcionários, investimento em materiais e equipamentos, etc. Caso a gratuidade fosse requisito para o gozo da imunidade das instituições de ensino privado, praticamente não haveria sentido imunidade do art. 150, IV, c e § 4º da CF/88, já que as instituições de ensino públicas são alcançadas pela imunidade recíproca (art. 150, IV, a e § 4º da CF/88). A questão referente à gratuidade no ensino para o gozo de imunidade foi objeto do RE 58.691/SP no STF. Confira-se a ementa do acórdão: “Imposto. Para gozar da imunidade prevista no art. 31, v, letra b, da Constituição, não é necessário que a sociedade de objetivo educacional ministre o ensino gratuito totalmente. Recurso extraordinário conhecido e provido” (1º Turma, Rel. Min. Evandro Lins, julgado em 9.5.66).  Tal entendimento foi posteriormente ratificado no RE 93.463/RJ, ocasião em que o STF afirmou que remuneração pelo serviço não descaracteriza a imunidade das instituições de educação: “Imunidade tributária dos estabelecimentos de educação. Não a perdem as instituições de ensino pela remuneração de seus serviços, desde que observem os pressupostos dos incisos I, II e III do art. 14 do CTN. Na expressão "instituições de educação" se incluem os estabelecimentos de ensino, que não proporcionem percentagens, participação em lucros ou comissões a diretores e administradores. RE não conhecido” (2º Turma, Rel. Min. Cordeiro Guerra, julgado em 16.4.82). 3.5. Alcance da Expressão “atendidos os requisitos de lei” A imunidade conferida pelo art. 150, IV, c da CF/88 às instituições de educação sem fim lucrativo foi também condicionada ao preenchimento de requisitos previsto em lei. A lei que se refere a Constituição Federal de 1988 é a lei complementar[38]. Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho é enfático quando afirma que: “Em que pese ao entendimento contrário de alguns autores, parece-nos de cristalina evidência que a lei a que se reporta o comando constitucional é a complementar, mais precisamente aquela prevista no art. 146, II, da Constituição Federal”[39]. Em torno da função da lei complementar em matéria tributária, a doutrina é divergente e se divide na chamada corrente tricotômica e dicotômica. Em linhas gerais, para a corrente tricotômica a lei complementar pode dispor sobre normas gerais de Direito Tributário, conflitos de competência e regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. Para corrente dicotômica a lei complementar veicula normas gerais de Direito Tributário, que versam sobre conflitos de competência ou regulam as limitações constitucionais ao poder de tributar. A par das discussões doutrinárias, uma coisa é certa: as duas correntes reconhecem que a regulação das limitações constitucionais ao poder de tributar é uma das funções da lei complementar. No caso do art. 150, IV, c da CF/88, a lei complementar que vai regulamentar a imunidade das instituições de educação é o Código Tributário Nacional, mais especificamente aqueles previstos no art. 14 deste diploma. 3.5.1. Requisitos do Art. 14 do CTN Atualmente, os requisitos para o gozo da imunidade do art. 150, IV, c da CF/88 estão previstos no art. 14 do CTN, que dispõe: “Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (Redação dada pela Lcp nº 104, de 10.1.2001); II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.” O requisito contido no inciso I do art. 14 do CTN pressupõe que a entidade educacional não distribua parcela de seu patrimônio ou rendas. Tal requisito respeita os limites impostos pela Constituição Federal de 1988. Como visto no item anterior deste trabalho, a ausência de finalidade lucrativa implica necessariamente a não-distribuição dos lucros (superávits) e a não reversão do patrimônio aos criadores da instituição. Percebe-se claramente, neste ponto, o efetivo papel da lei complementar (CTN) de regular as limitações ao poder de tributar (art. 146, II da CF/88), que apenas vai explicitar o conteúdo semântico do requisito da ausência de finalidade lucrativa previsto no art. 150, IV, c da CF/88. Sobre este requisito, Roque Antonio Carrazza ensina que: “a remuneração dos funcionários e administradores não afasta a imunidade, desde que seja equivalente aos serviços por eles prestados. O que afasta a imunidade é a remuneração exorbitante, que mal consegue esconder a distribuição do patrimônio ou das rendas da entidade”[40]. Na verdade, o que a lei veda é a distribuição de lucros ou participação nos resultados ou no patrimônio e não a remuneração dos dirigentes que de fato prestam serviços às instituições educacionais. Nesse sentido, confira-se o entendimento da 7ª Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes: “o pagamento regular de salários e outras rubricas trabalhistas, em retribuição de serviços prestados ao estabelecimento mantido, não caracteriza, por si só, desobediência ao comando legal, exceto quando a fiscalização provar que a situação assim apresentada configura distribuição simulada de resultados, o que não foi sequer aventado nos autos”[41]. O requisito apresentado no inciso II do art. 14 do CTN de aplicação integral no País dos recursos para a manutenção dos objetivos institucionais viabiliza e elucida outro requisito previsto na Constituição Federal, qual seja, aquele previsto no § 4º do art. 150 da CF/88[42]. Segundo Luís Eduardo Schoueri, o que se espera é que ‘tais entidades apliquem os recursos no interesse do País, i.e., que seus dispêndios, mesmo que ocorridos no exterior, sejam voltados a atende uma necessidade do País”[43]. Disto decorre, por exemplo, que não perde o direito à imunidade, a instituição de educação que concede a seus funcionários “(…) bolsas de estudos para o exterior. Conquanto o dinheiro não seja gasto no País, este acabará beneficiado com o retorno de um funcionário profissionalmente mais qualificado”[44]. O requisito da escrituração das receitas em livros próprios previsto no inciso III do art. 14 do CTN refere-se aos chamados deveres instrumentais ou obrigações acessórias[45], que devem ser observados para o gozo da imunidade prevista no art. 150, IV, c da CF/88 pelas instituições de educação. É certo, pois, que tais obrigações acessórias de escrituração das receitas em livros próprios servem como instrumento para o cumprimento dos demais requisitos previstos no art. 14 do CTN. Sobre este caráter acessório, Tércio Sampaio Ferraz Júnior esclarece que: “Sua acessoriedade não tem, como à primeira vista poderia parecer, o sentido de ligação de a uma específica obrigação principal, da qual dependa. Na verdade, ela subsiste ainda quando a principal (à qual se liga ou parece ligar-se) seja inexistente em face de alguma imunidade ou não incidência. A marca de sua acessoriedade está, antes, na instrumentalidade para controle de cumprimento, sendo, pois, uma imposição de fazer ou não fazer de caráter finalístico. E, em face desse caráter, sujeita-se à relação meio/fim, o que é nuclear, isto sim, para o exame da sua consistência jurídica”[46]. Em suma, as instituições de educação alcançadas pela imunidade prevista no art. 150, IV, c da CF/88 são aquelas que preenchem os requisitos dos incisos do art. 14 do CTN. Apenas o não-cumprimento destes requisitos é que ocasionam a perda ou a suspensão da imunidade. A rigor, a falta de retenção de Imposto de Renda na fonte devido por pagamentos efetuados a terceiros (§ 1º do art. 9º do CTN) não é causa de suspensão ou perda da imunidade, por não se referir a um dos requisitos previstos nos incisos do art. 14 do CTN. Tal imposição denota um dever instrumental (obrigação acessória) que não guarda nenhuma relação com a instituição educacional sem finalidade lucrativa. Em razão disto, o descumprimento da norma prevista no § 1º do art. 9º do CTN não pode ter como consequência a perda da imunidade da entidade educacional. Nos dizeres de Roque Antônio Carrazza, “o seu descumprimento gera responsabilidade de cunho administrativo, que não interfere nas características intrínsecas da pessoa imune”[47]. Ressalte-se, por fim, que o art. 32 da Lei 9.430/96 regular o procedimento de suspensão da imunidade da entidade que descumprir os requisitos constitucionais e aqueles previstos no Código Tributário Nacional. 3.5.2. Disposições da Lei 9.532/97 A pretexto de regular a imunidade tributária prevista no art. 150, IV, c da Constituição Federal de 1988, a Lei 9.532/97 introduziu uma série de requisitos para o gozo da imunidade pelas instituições de educação. Confira-se: “Art. 12. Para efeito do disposto no art. 150, inciso VI, alínea "c", da Constituição, considera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que preste os serviços para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição da população em geral, em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos. § 1º Não estão abrangidos pela imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável. § 2º Para o gozo da imunidade, as instituições a que se refere este artigo, estão obrigadas a atender aos seguintes requisitos: a) não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados; b) aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais; c) manter escrituração completa de suas receitas e despesas em livros revestidos das formalidades que assegurem a respectiva exatidão; d) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a efetivação de suas despesas, bem assim a realização de quaisquer outros atos ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial; e) apresentar, anualmente, Declaração de Rendimentos, em conformidade com o disposto em ato da Secretaria da Receita Federal; f) recolher os tributos retidos sobre os rendimentos por elas pagos ou creditados e a contribuição para a seguridade social relativa aos empregados, bem assim cumprir as obrigações acessórias daí decorrentes; g) assegurar a destinação de seu patrimônio a outra instituição que atenda às condições para gozo da imunidade, no caso de incorporação, fusão, cisão ou de encerramento de suas atividades, ou a órgão público; h) outros requisitos, estabelecidos em lei específica, relacionados com o funcionamento das entidades a que se refere este artigo. § 3° Considera-se entidade sem fins lucrativos a que não apresente superávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado, integralmente, à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.” Regina Helena Costa afirma que a Lei 9.532/97, “a par de outros vícios, de ordem, material, padece de inconstitucionalidade formal, por não se constituir em lei complementar, como exige o art. 146, II, da Constituição da República”[48]. Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto compartilham do mesmo entendimento. Para estes autores, “a lei ordinária não pode inovar o campo conferido, com exclusividade, à lei complementar. (…) É vedado, porém, à lei ordinária estabelecer outros requisitos para o reconhecimento de imunidade”[49]. Ao analisar a constitucionalidade do art. 12 da Lei 9.532/97, o STF, em decisão cautelar, suspendeu a vigência do § 1º e do § 2º, alínea f desse dispositivo. Em relação aos demais requisitos contidos no art. 12 da Lei 9.532/97, estes permanecem válidos até a decisão final pelo Tribunal Pleno do STF. Confira-se a ementa da decisão: “EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: Confederação Nacional de Saúde: qualificação reconhecida, uma vez adaptados os seus estatutos ao molde legal das confederações sindicais; pertinência temática concorrente no caso, uma vez que a categoria econômica representada pela autora abrange entidades de fins não lucrativos, pois sua característica não é a ausência de atividade econômica, mas o fato de não destinarem os seus resultados positivos à distribuição de lucros. II. Imunidade tributária (CF, art. 150, VI, c, e 146, II): "instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei": delimitação dos âmbitos da matéria reservada, no ponto, à intermediação da lei complementar e da lei ordinária: análise, a partir daí, dos preceitos impugnados (L. 9.532/97, arts. 12 a 14): cautelar parcialmente deferida. 1. Conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoz, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que a Constituição remete à lei ordinária, no tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar. 2. À luz desse critério distintivo, parece ficarem incólumes à eiva da inconstitucionalidade formal argüida os arts. 12 e §§ 2º (salvo a alínea f) e 3º, assim como o parág. único do art. 13; ao contrário, é densa a plausibilidade da alegação de invalidez dos arts. 12, § 2º, f; 13, caput, e 14 e, finalmente, se afigura chapada a inconstitucionalidade não só formal mas também material do § 1º do art. 12, da lei questionada. 3. Reserva à decisão definitiva de controvérsias acerca do conceito da entidade de assistência social, para o fim da declaração da imunidade discutida – como as relativas à exigência ou não da gratuidade dos serviços prestados ou à compreensão ou não das instituições beneficentes de clientelas restritas e das organizações de previdência privada: matérias que, embora não suscitadas pela requerente, dizem com a validade do art. 12, caput, da L. 9.532/97 e, por isso, devem ser consideradas na decisão definitiva, mas cuja delibação não é necessária à decisão cautelar da ação direta. Decisão : O Tribunal, por unanimidade, deferiu, em parte, o pedido de medida cautelar, para suspender, até a decisão final da ação, a vigência do § 1º e a alínea f do § 2º, ambos do art. 12, do art. 13, caput e do art. 14, todos da Lei nº 9.532, de 10/12/1997, e indeferindo-o com relação aos demais. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Marco Aurélio, Sydney Sanches e Celso de Mello, Presidente. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Carlos Velloso, Vice-Presidente. Plenário, 27.8.98”. (ADI 1802. Rel. Min. Sepúlveda Pertence (atual Dias Toffoli), cautelar julgada em 27.8.98). Concordamos com a posição do STF, exceto em relação à alínea a do § 2º do art. 12 da Lei 9.532/97, que veda a possibilidade de remuneração de seus dirigentes pelos serviços prestados. Conforme exposto no item anterior deste trabalho, a Constituição Federal de 1988 e o Código Tributário Nacional vedam a distribuição de lucros ou participação nos resultados ou no patrimônio e não a remuneração dos dirigentes que efetivamente prestam serviços para as instituições educacionais. Portanto, com exceção ao § 1º e § 2º, alíneas a e f do art. 12 da Lei 9.532/97, os demais requisitos previstos neste dispositivo fixam normas que dispõe sobre o funcionamento da entidade educacional. Só que o descumprimento destes requisitos importa tão somente em sanções de cunho administrativo, não podendo gerar a perda ou a suspensão da imunidade prevista no art. 150, IV, c da CF/88. 3.6. Alcance da Expressão “relacionadas com as finalidades essenciais” O § 4º do art. 150 da CF/88 dispõe que a imunidade das instituições de educação prevista no art. 150, IV, c da CF/88 compreende somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais da entidade. A questão que se coloca aqui refere-se à possibilidade de a instituição de educação gozar da imunidade tributária em relação aos demais impostos não diretamente relacionados com o patrimônio, renda e serviços, desde que observados objetivos institucionais da entidade educacional. No julgamento do RE 93.729/SP, o STF reconheceu o direito à imunidade prevista no art. 150, IV, c da CF/88 à instituição de educação em relação ao Imposto sobre Produtos Industrializados e ao Imposto de Importação sobre os bens adquiridos no exterior para uso próprio. Confira-se: “Instituição educacional de fins filantrópicos. Importação de bens destinados a objetivos institucionais. Imunidade tributaria (C.F., Art-19, III, C). Recurso Extraordinário conhecido e provido” (Primeira Turma, Rel. Min. Oscar Correa, julgado em 26.10.82). Posteriormente, no julgamento do RE 203.755/ES, o STF estendeu a imunidade prevista no art. 150, IV, c da CF/88 ao ICMS: “EMENTA: – CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. C.F., art. 150, VI, "c". I. – Não há invocar, para o fim de ser restringida a aplicação da imunidade, critérios de classificação dos impostos adotados por normas infraconstitucionais, mesmo porque não é adequado distinguir entre bens e patrimônio, dado que este se constitui do conjunto daqueles. O que cumpre perquirir, portanto, é se o bem adquirido, no mercado interno ou externo, integra o patrimônio da entidade abrangida pela imunidade. II. – Precedentes do STF. III. – R.E. não conhecido” (Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 17.9.96). A Súmula 724 do STF cristalizou o entendimento de que a imunidade prevista no art. 150, IV, c da CF/88 é aplicável às hipóteses em que a entidade aluga bens imóveis e utiliza a receita decorrente dos aluguéis em suas atividades institucionais: “Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades”. Seguindo a linha do STF, Regina Helena Costa faz uma importante observação: “(…) não há que se falar, outrossim, na possibilidade de que atividades desenvolvidas pelo ente imune, especialmente a prestação de serviços ou a comercialização de produtos de sua fabricação, constitua ofensa ao princípio constitucional da livre concorrência (art. 170, IV) ou, mesmo, que caracterizem abuso de poder econômico que ‘vise a dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento dos lucros’ (art. 173, § 4º)”[50] Segundo esta autora, a extensão imunidade prevista no art. 150, IV, c da CF/88 à outras hipóteses não diretamente relacionadas com patrimônio, renda e serviços não encontraria limite nem mesmo no princípio constitucional da livre concorrência. Não obstante a tendência do STF e da doutrina para alcançar com a imunidade prevista no art. 150, IV, c da CF/88 a outras atividades, como meio de financiamento da finalidade essencial da instituição de educação, deve se sempre ter em mente os objetivos e os princípios sistematizados na Constituição Federal. Conclusão A partir da pesquisa realizada, podem ser apresentadas algumas conclusões sobre a imunidade tributária das instituições de educação na Constituição Federal de 1988. O principal caminho para atingir objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º da CF/88) está na educação. A educação está entre as funções primordiais do Estado e é considerada como um direito subjetivo público de todos. Com efeito, a educação é um dever do Estado e da família, que deve ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205 da CF/88), observados os princípios expressos no art. 206 da CF/88. A colaboração da iniciativa privada na prestação da educação e no desenvolvimento do país justifica a concessão de imunidade tributária às instituições de educação. A imunidade, nesse sentido, visa à consagração dos valores éticos e culturais encontrados na Constituição Federal de 1988, mantendo-se a educação livre da tributação. A imunidade tributária das instituições de educação encontra alguns requisitos no próprio texto constitucional. A ausência de finalidade lucrativa é um deles e implica necessariamente a não-distribuição dos lucros (superávits) e a não reversão do patrimônio aos fundadores da instituição. A generalidade da prestação de serviços de educação é um requisito intrínseco da imunidade prevista no art. 150, IV, c da CF/88, ao passo que a gratuidade na prestação de serviços educacionais não é uma condição para o gozo desta imunidade tributária. A Constituição Federal de 1988 confere à lei complementar o papel de regulamentar a imunidade tributária das instituições de educação. Atualmente, os requisitos estão previstos no art. 14 do Código Tributário Nacional. Nesse sentido, são inconstitucionais o § 1º e § 2º, alíneas a e f do art. 12 da Lei 9.532/97, que a pretexto de regular a imunidade tributária prevista no art. 150, IV, c da CF/88, criaram novos requisitos para o gozo da imunidade pelas instituições de educação. A interpretação do § 4º do art. 150 da CF/88 dada pelo STF demonstra uma tendência deste Tribunal a estender a imunidade do art. 150, IV, c da CF/88 aos demais impostos não diretamente relacionados patrimônio, a renda e os serviços, desde que estejam relacionados com objetivos institucionais da entidade educacional. Um possível limite para esta interpretação está no princípio constitucional da livre concorrência (art. 170 da CF/88).
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IPTU progressivo no tempo: sanção administrativa
O presente trabalho versa sobre o Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo, abordando inicialmente o contexto das cidades brasileiras,  posteriormente é discutida a natureza jurídica da modalidade do imposto em comento, asseverando que o mesmo tem caráter sancionatório, como punição ao cometimento de ilícito, possuindo um caráter tributário secundário, residual. Analisando o IPTU progressivo previsto no Estatuto das cidades, atribuindo a este natureza axiológica de sanção, e demonstrando que sua aplicabilidade decorre do descumprimento de um imperativo legal e constitucional.
Direito Tributário
Introdução. A ocupação desordenada das cidades, fruto da inercia do poder do público, e da crescente migração de pessoas das zonas rurais para as zonas urbanas, a retenção especulativa de terrenos urbanos e o processo de “expulsão” dos grupos hipossuficientes para zonas periféricas dos centros urbanos, por contribuírem de forma decisiva para o aumento da demanda e principalmente dos custos dos serviços urbanos, são processos que devem ser regulamentados, e ordenados pelo Poder Público, merecendo atenção especial, pois interferem diretamente na efetivação das funções basilares deste. A legislação pátria possui diversos dispositivos que versam sobre as questões fundiárias, merecendo inclusive, atenção Constitucional, diante da importância da temática, posto que sem moradia, que depende da posse ou propriedade de um imóvel, a dignidade da pessoa humana, cláusula pétrea, direito fundamental que deve ser garantido a todos não pode ter efetividade. Diante da crescente e irreversível expansão das zonas urbanas, urge uma disciplina, em prol do bem da coletividade e dos próprios proprietários, ou mesmo é imperioso que seja atribuída efetividade e eficiência as normas já vigentes, pois ter a norma e não aplica-la é tão pernicioso quanto não a tê-la. Respeitar a função social da propriedade é, nos dias de hoje, uma demonstração de cidadania, além de ser um saudável exemplo para todos, pois se foi o tempo em que o direito de propriedade era absoluto, sendo hoje, na atual conjuntura sócio-política de máxima efetivação dos direitos coletivos e sociais, algo bastante relativo devendo ser mitigado quando não atendida os princípios fundamentais que regem o Estado Democrático de Direito. O crescimento acentuado e acelerado da ocupação dos espaços urbanos, coloca a sociedade em confronto, em especial aqueles que fazem uso irregular e ilegal da propriedade afrontando  as premissas legais que ordenam a utilização real desses espaços, diante desse contexto tais premissas legais adquirem maior relevância, sendo preponderante o respeito às mesmas como forma de ordenar e melhor aproveitar os poucos espaços urbanos existente, no intuito de construir cidade cada vez mais sustentáveis, ordenadas, e que promovam uma qualidade de vida condizente com o necessário para cada grupo humano. Assim sendo é imperioso que os gestores públicos utilizem os recursos sancionatórios previsto em lei para a função social da propriedade seja efetivada. Portanto a utilização efetiva do IPTU progressivo como sanção para obrigar o proprietário de imóveis urbanos subutilizados a dar uma finalidade real, e útil ao imóvel é uma obrigação dos poder público municipal, não podendo este, furta-se do uso de tal mecanismo. Portanto a forma e o processo de desenvolvimento das cidades brasileiras, além do contexto e ranço cultural compõem um cenário propicio à especulação imobiliária, bem como ao mal uso da propriedade, e os direitos inerentes a essa, tal assertiva encontra respaldo na lição de Milton Santos, verbis: “As cidades são grandes porque há especulação e vice-versa; há especulação porque há espaços vazios e vice-versa; porque há vazios as cidades são grandes. O modelo rodoviário urbano é fator de crescimento disperso e do espraiamento da cidade. Havendo especulação, há criação mercantil da escassez e o problema do acesso à terra e à habitação se acentua. Mas o défict de residências também leva à especulação e os dois juntos conduzem à periferização da população mais pobre e, de novo, ao aumento do tamanho urbano. As carências em serviços alimentam a especulação, pela valorização diferencial das diversas frações do território urbano.” É de suma importância ressaltar que a Constituição Federal brasileira traz expressamente regras de política urbana, dentre as quais trazendo três sanções para aquele que insiste em descumprir princípio tão importante: a obrigação de parcelar, utilizar ou edificar, o IPTU progressivo no tempo e a desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública. No entanto existem divergências doutrinárias quanto à natureza jurídica do IPTU progressivo, se fiscal, extrafiscal ou mesmo sanção. O presente artigo analisará o IPTU progressivo previsto no Estatuto das cidades, atribuindo a este natureza axiológica de sanção, e demonstrando que sua aplicabilidade decorre do descumprimento de um imperativo constitucional e infraconstitucional. IPTU PROGRESSIVO O IPTU progressivo no tempo é regulamento no ordenamento jurídico pátrio quando da promulgação da lei 10.721 de 2010, sendo que havia previsão expressa da sua utilização nos artigos 156 §1°, 182 §4° inciso II da Constituição Federal. Na lei  denominada Estatuto das Cidades, dada a importância deste instrumento, ele está previsto numa seção própria, que específica os critérios que devem ser respeitados para sua aplicação , in verbis: “Seção III Do IPTU progressivo no tempo Art. 7o Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5o desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5o desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos. § 1o O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5o desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento. § 2o Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8o. § 3o É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo.” Analisando o artigo alhures fica evidente que para que haja a aplicação do IPTU progressivo, que é gênero do IPTU, que é o imposto predial territorial urbano, que tem caráter fiscal, sendo a competência para cobrança do município como preceitua a Constituição Federal no artigo 156, verbis: “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I – propriedade predial e territorial urbana; II – transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.  § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.” Pela inteligência do artigo supramencionado, em especial do §1°, infere-se que a  possível imposição do Imposto progressivo só ocorrerá se o imóvel, sobre o qual ele incidir, não estiver atendendo a função social da propriedade, que é prevista no artigo 5°, inciso XXIII, da Constituição Federal, pela posição topográfica de tal premissa legal e por está ter caráter geral, sendo uma imposição que visa o benefício coletivo, de toda à sociedade, frente a um direito que é individual e por vezes mal utilizado gerando prejuízos, ou seja, estar inserida no título da carta Magna que versa sobre os direitos e garantias fundamentais, compreende-se que ela tem caráter pétreo, e portanto tem maior relevância sobre outros dispostos legais infraconstitucionais, ou mesmo constitucionais como o direito à propriedade, posto que o sopesamento de tais princípios levaram indubitavelmente a conclusão que a função social da propriedade “regula” e limita  o direito de propriedade, tanto que possui atribuição  mitigadora do direito do proprietário gozar, usar e dispor do seu bem imóvel como bem prouver, pois para que o proprietário possa ter pleno direito sobre sua propriedade deve atender a função social, dando ao seu imóvel além da utilidade privada, uma utilidade social que venha a contribuir para a coletividade. Assim sendo a função social é limitadora do uso dado aos imóveis, sendo impositiva a sua atenção. Ademais pelo exposto no atirgo 7° do Estatuto da Cidade fica evidente que o poder público municipal só pode lançar mão do IPTU progressivo quando não forem atendidos os prazos e ditames do artigo 5° do próprio estatuto, evidenciando o caráter sancionatório do gênero ora comentado. Evidente que o fato gerador da cobrança do IPTU, que é ter a propriedade do imóvel em território urbano, não é o mesmo fato gerador da cobrança do IPTU progressivo, a simples propriedade, e até mesmo a posse e  domínio útil do imóvel, no caso do locatário, gera a obrigação de pagar o referido imposto, contudo a não  utilização do mesmo em acordo com o que preceitua a função social da propriedade  é que possibilita, ou melhor, pode vir a obrigar o município a instituir a cobrança do IPTU na modalidade progressiva no tempo, portanto é evidente o caráter sancionatório do imposto cobrado da forma que está instituído no Estatuto das Cidades, visto que para sua cobrança possa ser realizada existe a necessidade primordial de descumprimento da função social da propriedade, ou seja, o proprietário do imóvel, na sua utilização, está cometendo um ilícito, desrespeitando um mandamento constitucional, o que por si impõem que o poder público adote medidas para sanar e punir. Alguns doutrinadores afirmam que não se pode conceber o IPTU progressivo no tempo como sanção, justificando  que de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, tal fato não é possível, pela leitura do artigo 3º do Código Tributário Nacional. Diz a regra do referido artigo que tributo é prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, portanto é evidente a vedação cobrança de tributo tendo como fato gerador um ato ilícito, contudo da leitura do Estatuto da cidade, corroborada com o estudo da temática, fica evidente a que para cobrança do IPTU progressivo é necessário que o proprietário do imóvel não atenda a função social da propriedade, assim sendo é mister a não atenção a um preceito constitucional para que a sanção seja aplicada. A sanção por excelência, pelo menos no âmbito do direito administrativo tributário, é a multa, que geralmente traz uma penalidade de cunho patrimonial. O ilícito administrativo tributário, é o comportamento que resulta da inobservância de uma norma tributária, de seu inadimplemento, na situação do IPTU progressivo, não existe um ilícito tributário, mas sim um ilícito administrativo, decorrente da não observância de um ditame constitucional, regulamentado por legislação infraconstitucional, essencialmente a modalidade progressiva no tempo do IPTU não decorre do não pagamento do tributo, pois nesse caso é aplicada multa e juros, por isso é inegável o viés punitivo do instituto em comento. A sanção é imposta mediante a não atribuição de função social ao imóvel urbano, situação essa contrária ao que propugna a Constituição pátria. Portanto dado o fato temporal, que é ser proprietário de um imóvel (hipótese de incidência), deve ser a prestação (pagamento do imposto), se o contribuinte inadimplir a obrigação de pagá-lo, sua sanção será a multa, e isso tudo nada tem a ver com o cumprimento ou não da função social da propriedade. Como sabemos, a propriedade obriga seu dominus a cumprir sua função social, e sua inobservância é também ato ilícito, mas não ensejará uma multa tributária como à vista acima, mas sim a aplicação de sanções administrativas com caráter punitivo, com o intuito de fazer com que o proprietário do imóvel adimpla com suas obrigações sociais, decorrente da relação de domínio sobre o bem. Como esboçado em linhas anteriores, o caráter essencial do IPTU progressivo no tempo é punitivo, sendo que este só pode ser aplicado quando as medidas anteriores, legalmente previstas, não surtirem o efeito almejado, qual seja a efetivação da função social da propriedade do imóvel urbano, portanto é evidente a natureza sancionatória do instituto em comento. Examinando com afinco e de maneira ampla, correlacionando diferentes ramos do direito, que possam contribuir para elucidar qual a natureza jurídica do IPTU progressivo no tempo, temos que o ilícito de não cumprir com a função social da propriedade urbana está completamente fora da hipótese de incidência norma jurídico-tributária, pois para a cobrança de do IPTU a hipótese de incidência configura-se quando o cidadão é proprietário de imóvel no território urbano durante o período de um exercício fiscal. Assim reside afastada a possibilidade de enquadramento do IPTU progressivo no tempo na categoria de tributo, mesmo que considerando que quando dá sua aplicação na modalidade em comento tenha função de tributo extrafiscal,  dada que sua hipótese de incidência ser o descumprimento à um dispositivo legal que propugna que toda propriedade deve atender a função social, caso não o faça devem ser implementadas as medidas previstas em lei para impor ao proprietário que utilize a sua propriedade segundo a conceituação da função social atribuída a ela, buscando a sua efetivação na sociedade. É mister salientar que a previsão normativa abstrata não pode contemplar uma conduta ilícita, pois o que se tributa é a conduta lícita de ser proprietário de bem; a ilicitude está no fato jurídico constitucional administrativo de não cumprimento da função social da propriedade, e este sim, pode estar eivado de toda sorte de ilicitudes, como qualquer outro ato ilícito tem que ser combativo com um medida saneadora,  que neste caso é o IPTU progressivo  A hipótese de incidência do IPTU já está realizada, pouco importando que no mundo físico haja a ilicitude de descumprir a função social da propriedade. Neste primeiro momento, a alíquota do IPTU está normal, com sua função fiscal; num momento posterior, seu aumento progressivo no tempo tem caráter sancionatório, mas não o imposto em si, portanto o imposto em si não é sanção, mas sua modalidade progressiva é. CONSIDERAÇÕES FINAIS O aumento progressivo no tempo da alíquota funciona como uma intervenção indireta por parte do Estado no direito de propriedade. O imposto ganha ares de sanção, mas a ilicitude não está na sua hipótese de incidência, e sim no fato jurídico tributário. O que acontece é que no IPTU, a alíquota do imposto é majorada como sanção a ato ilícito com fundamento em um dos princípios constitucionais. A propósito, o precioso escólio de José Afonso da Silva: “Essas observações não retiram a importância do texto constitucional sobre a matéria, mesmo porque ele não é excludente de uma política nacional de desenvolvimento urbano nos moldes suscitados. Releva ainda sua importância o ter previsto um instrumento básico da execução, pelos Municípios, da política de desenvolvimento urbano com os objetivos fixados no art. 182.” Não há criação de um novo tributo sancionatório, até porque este seria ilegal, padecendo de vicio na sua origem. Trata-se de situação de aplicação de um modalidade do imposto, que essência não tem natureza jurídica de tributo, como um instrumento sancionatório a disposição da administração municipal para que está possa buscar o cumprimento da função social da propriedade por parto do munícipes proprietários de imóveis urbanos.  O poder público municipal poderá aplicar as sanções previstas pelo estatuto das cidades que é uma norma regulamentadora de um dispositivo constitucional para a conduta omissiva de não dar à propriedade função social. O fato de o ilícito ser relevante para majorar a alíquota de um imposto sobre o patrimônio mostra como a propriedade e sua função social são importantes na ordem constitucional brasileira, quer como direitos fundamentais, quer como bases da nossa ordem econômica e social, e de forma reflexa como promotora da dignidade da pessoal humano, preceito basilar do direito pátrio. Por fim é de bom alvitre que as nossas cidades, através de seus administradores e de uma politica pública efetiva e planejada, adotem os princípios constitucionais como norteadores da sua atuação, dando efetividade aos mesmo, e percebendo que a sua não atenção pode gerar danos não só espaciais, mas principalmente sociais. A observância dos dispositivos constitucionais que versam sobre a temática do ordenamento do uso dos espaços urbanos tem por objetivo torna os lugares mais aprazíveis para a vida em sociedade.
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Industrialização por encomenda: hipótese de incidência tributária de ISS, ICMS ou IPI
O presente trabalho foi elaborado tendo como fundamento o nosso sistema tributário constitucional, uma vez que, acreditamos que a compreensão acerca desse termo é ponto primordial e de fundamental relevância para o trato das questões jurídicas, em especial as questões de natureza tributária. No caso em especial versaremos sobre a adequada hipótese de incidência tributária da operação da industrialização por encomenda. Neste sentido, foi abordado a possível incidência do ISS, ICMS e do IPI. Analisando o assunto verificamos que considerável parte das decisões doutrinárias e jurisprudenciais adotam critério não jurídicos para suas fundamentações, o que leva a adoção de diferentes hipóteses de incidência tendendo pela aplicabilidade dos tributos no âmbito Municipal, Estadual e Federal.
Direito Tributário
1.1 Conceito – Definição do Termo Comumente se observa o emprego de forma indiscriminado dos termos “conceito’’ e “definição”, cabe salientar que as referidas palavras possuem conteúdo distintos. Essa distinção é relevante para o presente trabalho, isso porque, a problemática da “industrialização por encomenda” é um conceito de uma definição que precisa ser melhor detalhada. Nesse sentido, a definição corresponde a um procedimento lógico responsável por isolar um conceito de outro. A definição se opera sobre o conceito que o separa dos demais. É justamente esse o intuito dessa análise, observar as características pertinentes ao conceito de industrialização por encomenda para posteriormente fazer o cotejo com as possíveis hipóteses de incidência tributárias.  Nestes termos, explorando uma definição de industrialização por encomenda, nas palavras do professor Aliomar Baleeiro[5], esta situação nada mais é do que operações de acabamento, de uma "atividade meio" para obtenção de nova mercadoria ou para aperfeiçoamento de produto destinados a posterior etapa de industrialização ou comercialização, constatando-se principalmente esta prática no ramo da construção civil. Desta forma, se teria uma definição desta operação tributável, ou seja, uma atividade meio realizada em um objeto, que posteriormente será negociado, industrializado. Em mais palavras, a industrialização sob encomenda é a operação pela qual um estabelecimento encomendante remete insumos para industrialização por outro estabelecimento denominado industrializador, que realiza a industrialização por conta e ordem do encomendante. Neste cerne, vemos que cada ente federativo procura exercer de forma plena as suas competências delimitadas pela Constituição Federal, veremos que existem um grande choque entre eles por procurar um entendimento e interpretação mais satisfatória para os seus interesses. 1.2 Postura dos Entes Federativos – Finalidade Arrecadatória A problemática da industrialização por encomenda gira em torno da competência tributária constitucionalmente atribuída para União[6], Estados, Distrito Federal[7] e Municípios[8]. Diante destas atribuições, o problema acontece no exercício destas competências. Os municípios lastreados na definição do professor Aires F. Barreto, exercem o seu poder de instituição tributária com fulcro na definição de serviço como o esforço de pessoas desenvolvido em favor de outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, em caráter negocial, tendente a produzir uma utilidade material ou imaterial. Por procurarem o seu ímpeto arrecadatório, os municípios entendem que o objeto essencial do negócio da industrialização é fazer algo, desempenhar a tarefa de exercer o serviço encomendado, mesmo com ou sem emprego de materiais para a realização desta tarefa, por estes fatores as situações enquadradas na industrialização por encomenda devem ser tributadas pelo Imposto sobre serviços, o ISS. Por outro lado os Estados e o Distrito Federal embasados na definição de circulação de mercadorias, a qual classificamos como passagem de bens destinados à venda, de uma pessoa para outra, sob o manto de um título jurídico, com a consequente mudança de patrimônio, até mesmo se baseiam que o objeto do negócio jurídico é a entrega da mercadoria com alteração de sua titularidade. Conforme no intuito da industrialização por encomenda no qual o industrializador transfere para o requerente a encomenda já alterada, devem ser tributados pelo imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, o ICMS. Conferindo um relevo de maior complexidade a problemática apresentada, a União adotando sua competência constitucional, entende que a industrialização por encomenda confirma a base de cálculo do IPI, baseando-se para tanto, no Art. 46 do CTN parágrafo único: “Art. 46 do CTN, § único: “considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo”. Diante destes grandes imbróglios, cabe a seguinte reflexão: a quem cabe exercer a competência tributária conferida pela Constituição Federal e ter o direito de cobrar o tributo nos casos de industrialização por encomenda? Ou em outras palavras, o critério material referente a industrialização por encomenda é pertinente a que espécie de imposto? 2 Posição Jurisprudencial O cerne da questão se passa na problemática da encomenda personalizada. Portanto, poderia se caracterizar uma encomenda de serviço, ou a simples entrega do produto que ocorre na saída da mercadoria, um dos critérios materiais do ICMS. A dimensão de relevância da problemática ganha maiores contornos com a súmula 156 do Superior Tribunal de Justiça entendendo que: “prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, ainda que envolva fornecimento de mercadorias, está sujeita, apenas, ao ISS”. Confirmando entendimento o Ministro Teori Zavascki apoia pela incidência do ISS nesta problemática: “(…) incide o ISSQN sempre que o serviço estiver compreendido na lista de que trata a LC 116/03 e incide o ICMS sempre que o serviço agregado não estiver na referida lista”. (REsp 1092206-SP, Re. Min. Teori Zavascki, j. 11/03/09 – Recurso Repetitivo – examinando o item 13.05 da lista – composição gráfica) Diante deste posicionamento estaríamos perto de uma segurança jurídica no que diz respeito à industrialização por encomenda. Mas para complicar um pouco, o Supremo Tribunal Federal não foi de acordo com o entendimento do STF, fica registrado o voto do ministro Joaquim Barbosa: “(…) o ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subseqüente de industrialização ou de circulação de mercadoria. Presentes os requisitos constitucionais e legais, incidirá o ICMS.” (ADI 4389 MC – Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, 13/04/2011)” Analisando a legislação infraconstitucional supracitada nas duas decisões proferidas pelos principais tribunais pátrios, criamos uma insegurança por conta de qual critério material deve ser utilizado nesta cerne de discussão da industrialização por encomenda. 3 A atividade de industrialização por encomenda como fato subsumível à hipótese de incidência do ISSQN. O Art. 156, III da Constituição Federal, trata da competência instituída aos municípios para instituir impostos sobre prestação de serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. Se considerarmos a rígida e clara delimitação das competências tributárias exploráveis pelos entes públicos, à luz dos Arts. 153, 155 e 156 da Carta Magna, pode-se afirmar que o critério material da regra matriz de incidência tributária do ISSQN não se confunde com a materialidade do IPI e ICMS. Disso resulta que a Lei Maior já destaca toda a competência residual e individualizada dos serviços tributáveis pelo ISSQN, não somente pela listagem contemplada da Lei Complementar 116/2003, mas por imposições aos parâmetros constitucionais. Seguindo este entendimento, não devemos dar uma extensão interpretativa às premissas Constitucionais sobre prestação de serviços, o que é individualizado pela Constituição Federal na distribuição de competências para os entes tributantes, não pode ir adiante ao querer atribuir competências, e consequentemente realizar uma imposição tributária, ao passo que está invadindo a esfera de outro ente tributante. Ou seja, os municípios não podem avançar a sua esfera de competência realizando imposição tributária de uma hipótese de incidência a qual não está circunscrita à sua competência, invadindo a esfera tributária de outros entes federativos. Caso que se enquadra perfeitamente ao assunto deste trabalho é a falta de razoabilidade e coerência do enquadramento da atividade de industrialização por encomenda como um fazer subsumível ao conceito de serviço tributável pelo ISSQN. 4 A atividade de industrialização por encomenda como fato subsumível à hipótese de incidência do ICMS e do IPI. Como o caso trabalhado, podemos conferir que a industrialização por encomenda tem uma peculiaridade em que se coaduna com o critério material do ICMS, não podemos analisar a incidência do ICMS e do IPI sem levar em conta o ciclo de produção/circulação do produto por tratar-se de característica essencial dessas exações. Uma vez definida a incidência desses impostos, fica automaticamente afastada a incidência do ISS, a circulação de mercadoria para remessa destinada à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização neste caso discutido é o que mais se qualifica nestas situações. Este fato gerador foi confirmado pelo STF mais especificamente no julgado da ADI MC com relatoria do Ministro Joaquim Barbosa: “(…) o ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria. Presentes os requisitos constitucionais e legais, incidirá o ICMS.” (ADI 4389 MC – Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, 13/04/2011)” Podemos analisar como principal referência do voto do ministro Joaquim Barbosa é que o tributo municipal e sua hipótese de incidência interfeririam no processo produtivo da cadeia de industrialização, se ocorrer a incidência ISS, imposto sobre serviços de qualquer natureza, a despesa com o recolhimento deste tributa acarretaria como custo para a indústria nacional, esse custo automaticamente seria refletido para o consumidor desta cadeia produtiva. Fazemos especial referência ao voto da ministra Ellen Gracie, que reforçou a tese já defendida com o argumento de que, caso fosse permitida a incidência do ISS, estar-se-ia inserindo um tributo cumulativo entre atividades realizadas no âmbito da produção ou comercialização: “Conforme bem esclarecido por Marco Aurélio Greco … a fabricação das embalagens é “evento que se encontra no meio do ciclo de fabricação do produto final a ser colocado no mercado”, sendo que a sua caracterização como simples prestação de serviços gráficos, além de equivocada, implicaria o estorno dos créditos anteriormente apropriados pelas indústrias gráficas e impediria o creditamento pelas empresas adquirentes (voto Min. Elen Grace); “Ademais, geraria ´uma distorção na não cumulatividade do ICMS; a rigor, frustra o objetivo constitucional desse mecanismo (diluir a exigência do ICMS por todo o ciclo econômico de circulação de mercadorias), pois introduz um imposto cumulativo (ISS) no ciclo econômico de mercadorias sujeitas a um imposto não-cumulativo (ICMS). Rompe-se a sequência da não-cumulatividade e oneram-se os custos de ambos (fabricantes e adquirentes de embalagens)´” Diante de importante posicionamento, o que acarretaria o estorno dos créditos anteriormente apropriados e impediria o respectivo creditamento pelas empresas adquirentes. Frustrando, assim, um dos principais objetivos do sistema tributário constitucional brasileiro, que é justamente o de evitar os malefícios econômicos causados pela cumulatividade de incidências na cadeia produtiva. 5 Conclusão Por todas as considerações supramencionadas, podemos enunciar as seguintes conclusões: – O caso em tela não vislumbra a possibilidade de aplicação nas 3 hipóteses de incidência tributárias anteriormente mencionadas. Isso porque nosso sistema Constitucional tributário atua de forma a delimitar em âmbito de incidências diferenciados os referidos tributos. Dessa forma não há como considerar concomitância da existência do ICMS e do ISS em um mesmo fato gerador, nesse contexto o imposto municipal, só pode versar sobre serviços não contemplados na competência do tributo estadual. – Cabe observar que o trabalho trata da definição da operação de industrialização por encomenda, neste sentido o verbo do critério material da hipótese de incidência tributária está nitidamente expresso no próprio conceito, ou seja, industrializar. Em outras palavras o legislador constitucional optou por atribuir a União a competência para tributar serviços de industrialização não cabendo portanto a município legislar no mesmo sentido. – Podemos ver que o tributo municipal e sua hipótese de incidência interfeririam no processo produtivo da cadeia de industrialização, se ocorrer a incidência ISS, imposto sobre serviços de qualquer natureza, a despesa com o recolhimento deste tributo acarretaria como custo para a indústria nacional, esse custo automaticamente seria refletido para o consumidor desta cadeia produtiva.  -Portanto, o nosso entendimento é pela incidência do ICMS conjuntamente com o IPI sobre a industrialização sob encomenda, com o intuito de tornar plena a predominância do princípio da não cumulatividade e não prejudicar a cadeia produtiva da indústria com a incidência de mais um imposto.
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Validade e direitos antidumping
A proposta do presente estudo é aplicar os conceitos de validade de normas jurídicas às regras que veiculam a exigência de direitos antidumping. Partindo da natureza relacional do conceito de validade, o objetivo é analisar especificamente as condicionantes sistêmicas que conformam o ato de gênese das unidades normativas (critérios de reconhecimento de norma válida no sistema), ou seja, identificar a relevância/qualificação/pertinencialidade jurídica do fato referido pelo antecedente da norma que introduz enunciados inaugurais no sistema. Se tal fato jurídico merecer a pecha da invalidade, os enunciados introduzidos não poderão servir de fundamento à produção de normas ulteriores, visto que o sistema regula a introdução, permanência e expulsão de seus elementos constitutivos. Ademais, ganha relevo a natureza comunicacional do sistema jurídico (e os decorrentes elementos de todo ato comunicacional) que evidencia o inter-relacionamento das unidades normativas, bem como a relevância da competência material do sujeito e a necessidade de publicação dos enunciados como condição de validade para poder se falar em norma jurídica. Isto tudo sem que se olvide que o reconhecimento sistêmico da invalidade da unidade normativa demanda novo ato de fala (igualmente regrado pelo sistema) que terá como antecedente o fato de tal mácula e no consequente a aplicação das medidas de reação referidas pelo ordenamento.
Direito Tributário
1 VALIDADE JURÍDICA E PREMISSAS 1.1 Caráter relacional da definição Lê-se com frequência nos textos produzidos pela doutrina que validade é conceito fundante para o estudo do Direito. Justifica-se tal assertiva tendo em conta as relevantes conseqüências que derivam a partir da definição do conceito de validade. Com efeito, identificar norma válida (a partir dos critérios fornecidos pelo respectivo conceito) implica em apontar os fatos que ostentam relevância jurídica, importa em delimitar o objeto de estudo da Ciência do Direito, circunscrevendo sua zona de interesse (com a conseqüente adoção das adequadas ferramentas que potencializem seu estudo), além de tratar-se de assunto com íntima relação com outros temas relevantes, a exemplo de teoria das provas, competência, fontes do Direito, fato jurídico, etc. Reconhecer que o sistema jurídico opera através de normas que apontam em seu antecedente a ocorrência de um fato que, ao ser qualificado como jurídico, autoriza a constituição de relação jurídica que visa disciplinar as condutas intersubjetivas (objetivo último do sistema) torna evidente a importância do tema. Nas normas gerais e abstratas temos os critérios conotativos de identificação de um fato de futura ocorrência, ao passo em que nas normas individuais e concretas o antecedente projeta-se para o passado, denotando os critérios da norma geral e abstrata, constituindo o fato jurídico (que passa a integrar o sistema) e realizando a incidência por intermédio das operações lógicas de subsunção e implicação. Neste contexto, importa reconhecer que validade é critério essencialmente relacional: só pode ser definida mediante a consideração de um determinado sistema, pelo que inexistiria um conceito absoluto (atributo da norma isoladamente considerada). A norma só é jurídica (assim como o fato só ostenta idêntica qualificação), quando contrastada com um determinado sistema (que lhe reconhece como tal, mediante mecanismos próprios). Se sua produção é conforme as condicionantes de um específico sistema, conclui-se pela validade do produto. Daí a doutrina de Amadeo Conte, citado por Tárek Moysés Moussallem (2005, p. 136-137): “A validade é o específico modo de existir de uma norma; mas o especifico modo de existir de uma norma é a existência específica em um ordenamento (é a existência em um ordenamento, é a pertinência a um ordenamento); é o existir por um ordenamento, onde a preposição “por” significa seja ‘em relação a’, seja ‘em virtude de’.” No mesmo sentido, as lições de Paulo de Barros Carvalho (2006, p. 57): “A validade não deve ser tida como predicado monádico, como propriedade ou como atributo que qualifica a norma jurídica. Tem status de relação: é o vínculo que se estabelece entre a proposição normativa, considerada na sua inteireza lógico-sintática e o sistema de direito posto, de tal sorte que ao dizermos que u’a norma ‘n’ é válida, estaremos expressando que ela pertence ao sistema ‘S’. Ser norma é pertencer ao sistema, o ‘existir jurídico específico’ a que alude Kelsen. […] Seja como for, ingressando no ordenamento pela satisfação dos requisitos que se fizerem necessários, identificamos a validade da norma jurídica, que assim se manterá até que deixe de pertencer ao sistema.” 1.2Condicionantes sistêmicas Na hipótese particular que será objeto de análise mais adiante, importa identificar os critérios de reconhecimento de norma válida no sistema. É dizer: identificar a relevância/qualificação/pertinencialidade jurídica do fato referido pelo antecedente da norma que introduz enunciados inaugurais no sistema. Se tal fato jurídico merecer a pecha da invalidade, não se poderá falar em efeitos válidos, pelo que os enunciados introduzidos não poderão servir de fundamento à produção de normas ulteriores. É a mácula do processo contaminando o produto e as construções de significação nele fundadas, conforme adverte Tárek Moysés Moussallem (2005, p. 136), referindo-se aos subsistemas idealizados por Paulo de Barros Carvalho: “A validade do enunciado prescritivo é condição suficiente e necessária para a validade das proposições isoladas e das normas jurídicas. Pode haver validade do enunciado sem que haja validade das proposições isoladas e das normas jurídicas, mas não pode haver validade destas duas últimas sem a validade do primeiro.” Neste contexto, importa fixar algumas premissas que emprestarão sustento às conclusões vindouras. A primeira delas é a de que o sistema do direito positivo regula sua própria dinâmica, estabelecendo normas que ditam o ingresso, permanência e expulsão de seus elementos. Assim, analisar o conceito de validade importa em investigar o processo de gênese das unidades normativas (sejam elas gerais e abstratas ou individuais e concretas). Se a produção normativa se deu conforme as condicionantes do sistema, o produto pode ostentar a adjetivação de válido. Vê-se, pois, que eficácia (seja ela jurídica ou social), não é critério para se aferir validade. Em verdade, a análise da eficácia tem por premissa a existência de norma válida. Norma inválida (uma vez reconhecida adequadamente pelo sistema) não gera efeitos. 1.3 Natureza comunicacional do sistema: atos de fala e programação da gênese normativa Importa reconhecer, ademais, a natureza comunicacional do sistema de direito positivo (na forma preconizada pelo Prof. Gregorio Robles Morchón). Com efeito, admitir que o sistema opera mediante comandos/ordens/mensagens relacionados de forma escalonada/hierarquizada abre porta para uma análise hermenêutica e analítica das mensagens legisladas, mediante as ferramentas de investigação dos atos de fala. Com efeito, as mensagens legisladas não se encontram estanques/autônomas/independentes. Muito pelo contrário: se relacionam intimamente e a natureza da relação que mantém com as outras unidades do sistema (subordinação/derivação/coordenação) é de extrema relevância para sua admissão, prevalência, alteração ou expulsão. Tal qual ocorre nos jogos, no sistema jurídico nem todos podem dizer tudo a qualquer sujeito, em qualquer momento e em qualquer lugar. Existem regras que ditam este tipo de comunicação específica, cuja inobservância acarreta a irrelevância da comunicação realizada defeituosamente. Daí se falar que sem norma prévia não há fato e sem fato não há a relação jurídica (a ele imputada pelo ato de poder em que se expressa a causalidade jurídica). De tais regras, avulta a relevância de três delas: 1) as regras são formuladas pelos próprios participantes do jogo, através da eleição de representantes democraticamente eleitos, pelo que contam com a concordância deles; 2) portanto, não se pode alegar ignorância/desconhecimento dos enunciado que cumpriram com as condicionantes de ingresso no sistema; 3) como forma de impor o cumprimento de tais regras, o sistema prevê/garante que as normas terminais válidas (após serem submetidas ao processo de depuração igualmente regrado) serão coercitivamente cumpridas mediantes aparatos próprios (tal garantia afasta a tendência à infinitude do processo de atribuição de conteúdos de significação à mensagem legislada, mediante a atribuição de competência a órgão específico, encarregado de dar a última palavra acerca da matéria, encerrando o processo de depuração antes referido). Ademais, além de identificar os elementos de todo ato comunicacional em geral (emissor, destinatário, mensagem, canal, código e contato), importa reconhecer que o sistema é mais que revestimento lingüístico: é uso de uma específica linguagem competente rigidamente condicionada. Se os fatos exteriores não forem traduzidos de acordo com as imposições do sistema, não terão eles qualquer relevância interna, dada a clausura operacional e a abertura cognitiva que operam mediante código próprio de filtragem/tradução das informações extra-sistêmicas. Por isso, se diz que as mensagens legisladas encontram-se vinculadas através de específicas programações que ditam a produção das unidades normativas: sujeito específico, conteúdo específico, destinatário específico, local e tempo específicos. Neste diapasão, as lições de Tácio Lacerda Gama (2012, p. 53), que assim especifica os elementos da norma de competência que dita a gênese dos enunciados normativos: “[…] i) qualificação do sujeito que pode criar normas; ii) indicação do processo de criação das normas, sugerindo todos os atos que devem ser preordenados para o alcance desse fim; iii) indicação das coordenadas de espaço em que a ação de criar normas deve se  realizar; iv) indicação das condições de tempo em que esta ação deve ser desempenhada; v) estabelecimento do vínculo que existe entre quem cria a norma e quem deve se sujeitar à sua prescrição, segundo as condições estabelecidas pelo próprio direito; vi) modalização da conduta de criar outra norma se obrigatória, permitida ou proibida; e vii) estabelecimento da programação material da norma inferior que é feita segundo quatro variáveis – sujeito, espaço, tempo e comportamento.” Na mesma toada, o Professor Gregorio Robles Morchón, que, embora adotando como premissa uma concepção heterogênea que identifica espécies diversas de normas integrantes do sistema (em aberta discordância com a concepção Kelseniana que admite apenas a existência de regras deônticas veiculadoras de deveres), assim conclui: “As regras ônticas estabelecem os elementos necessários do âmbito de caráter estático, isto é, o espaço, o tempo, os sujeitos e as competências. As regras técnico-convencionais criam a ação pertencente ao âmbito, isto é, o procedimento genérico que constitui a ação. Por último, as deônticas são aquelas que constituem os deveres. […] Estas, por sua vez, são válidas porque resultam de decisões intra-sistemáticas válidas, as quais têm a qualidade de validade porque foram adotadas de acordo com as regras ônticas e  técnico-convencionais correspondentes, tal como se expôs.” (MORCHÓN, 2005, p. 102, 108, grifamos). Trata-se de considerar o sistema em movimentos contínuos de expansão e retração, analisando sua dinâmica, em oposição a uma visão estática. 1.4 Presunção de validade e as formas de reação Ademais, não se ignora que o sistema convive harmonicamente com a presunção de validade dos atos que introduzem novos enunciados. Isto se dá, porque o controle da validade do processo ocorre após a introdução do enunciado (produto) no ordenamento: é, portanto, controle que se realiza a posteriori, mediante o cotejo da produção normativa com as normas que fundamentam sua validade. Com efeito, as condicionantes de validade do sistema não têm o poder de interromper a produção normativa no curso de sua gênese, impedindo, de forma preventiva, a introdução de enunciados decorrentes de processo desconforme com o sistema. Produzido o enunciado, ficam nele registradas referências que permitem a reconstrução do seu processo de gênese: a exemplo da autoridade que levou a cabo o processo de produção normativa, o local e momento em que se deu a gênese do enunciado, bem como os destinatários da mensagem legislada. São tais referências que servirão de amparo para o cotejo de tal atividade com as ditas regras de estrutura, que disciplinam conduta específica: a produção normativa. Se tal cotejo implicar em conformidade entre a norma de produção normativa e o produto de tal atividade, o sistema reconhece (mediante novo ato de fala próprio) o enunciado como validamente introduzido. Caso contrário, prevê meios de reação à atividade desconforme, aplicando conseqüências sancionatórias ao produto ilegítimo. Nesta linha de intelecção, assim conclui Tácio Lacerda Gama (2012, p. 334) acerca das conseqüências da norma que tem por pressuposto o defeito de produção que macula a norma inválida: “[…] a aplicação dessa norma sancionatória pode ensejar reconhecimento da invalidade e com ela a suspensão da vigência e, ainda, da eficácia, quando a decisão for geral, de forma plena (ex tunc) ou parcial (ex nunc).” Enquanto não reconhecida tal desconformidade (mediante nova mensagem produzida de acordo com as condicionantes do sistema), o produto ilegítimo opera efeitos, ancorado na presunção de validade antes referida. Neste sentido, o escólio do Professor Lourival Vilanova (2001, p. 307-308): “O processo de geração de normas é sempre este: norma geratriz incidindo na subjetividade de um ato, cujo sentido objetivo (em virtude de norma incidente) é outra norma válida. Se ocorrer defeituosidade no percurso procedimental, a norma gerada não nasce nula, na espécie do inexistente. É anulável, o que requer outro procedimento, normativamente estruturado, para desconstituir a norma impugnável. […] Substancialmente, o mesmo ocorre com a norma inconstitucional que violar o processo de produção (o Eurzeuguns-prozess) de normas. A norma inconstitucional é válida, enquanto não desconstituída pelo órgão de competência para tal.” (grifamos). No mesmo sentido, conclui Tárek Moysés Moussallem (2005, p. 142), analisando, também, a hipótese de contradição entre normas válidas: “Por isso, é falsa a afirmação de que a norma N1 seja inválida antes que ela seja retirada do sistema do direito positivo por outra norma N2. […] Antes, pelo contrário, no caso de duas normas contraditórias, tem-se a validade simultânea de ambas as normas oriundas de respectivas enunciações felizes. É o sistema do direito positivo, por meio das regras constitutivas, que vai decidir pela permanência de uma das duas normas conflitantes. Enquanto não decidir; ambas permanecem no sistema normativo.” (grifamos). 1.5 A relevância da publicidade Por fim, tais considerações levam a uma última premissa que interessa mais especialmente ao presente estudo: operando o sistema mediante atos de fala específicos, evidente a relevância do ato de comunicação de tal mensagem ao destinatário do enunciado. Sem que tal transmissão da mensagem legislada ocorra (mediante ato igualmente revestido de formalidade) não se pode reputar como implementada a dinâmica comunicacional do sistema. Portanto, o ato de publicação encarta-se no ponto terminal da produção normativa, mas nem por isso deixa de apresentar relevância, visto que seu descumprimento macula a validade do processo e do respectivo produto. Acerca de tal matéria, assim leciona Eurico Marcos Diniz de Santi, que, embora se reportando especificamente ao ato-norma do lançamento tributário, tece considerações aplicáveis a todo e qualquer procedimento de gênese normativa: “A publicidade é, pois, requisito ontológico do ato-norma administrativo. Ela é o último e mais importante pressuposto da série procedimental. Sem a publicidade o enunciado do ato-norma não ganha juridicidade para elevar-se à categoria de norma jurídica. Sem publicidade, não há norma jurídica. Destarte, não abraçamos a tese de que a publicidade é “conteúdo” de ato-norma administrativo autônomo. Ao contrário, entendemos que integra a série procedimental como o último ato-fato, delineador de fato jurídico integrante do correspectivo suporte fáctico do fato jurídico suficiente para produção do ato-norma administrativo. Portanto a publicidade confere validade, e não “mera” eficácia ao ato-norma administrativo como aventa respeitável parcela da doutrina.” (SANTI, 2001, p. 107-108). 2APLICAÇÃO DAS PREMISSSAS NA ANÁLISE DOS DIREITOS ANTIDUMPING 2.1Direitos antidumping e a competência para instituição Munidos das premissas antes referidas, passemos à análise do objeto específico. A exigência em questão (de vigência necessariamente provisória) tem por objetivo eliminar ou neutralizar as práticas de dumping e a concessão de subsídios que estejam causando dano à economia nacional. Em apertada síntese, verificada a ocorrência de dumping (caracterizado quando os preços dos produtos estrangeiros são inferiores ao preço normal, assim entendido como o preço efetivamente praticado para o produto similar nas operações mercantis normais, que o destinem a consumo interno no país exportador), exige-se do importador brasileiro montante em dinheiro, igual ou inferior à margem de dumping apurada em processo administrativo específico, com o fim exclusivo de neutralizar os efeitos danosos das importações objeto de dumping, calculado mediante a aplicação de alíquotas ad valorem ou específicas, ou pela conjugação de ambas. Acerca da matéria em relevo, somente pode legislar a União Federal, conforme preceito constante do artigo 22, VIII da CF/88. Arrimada em tal competência, foi editada a Lei n.º 9.019/95, que, em seu artigo 6º, assim preceitua: “Art. 6o Compete à CAMEX fixar os direitos provisórios ou definitivos, bem como decidir sobre a suspensão da exigibilidade dos direitos provisórios, a que se refere o art. 3o desta Lei.” (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001) (grifamos) Por sua vez, a Lei n.º 9.649/98 assim dispôs: “Art. 20-B.. É criada a CAMEX – Câmara de Comércio Exterior, com a competência para deliberar sobre matéria relativa a comércio exterior. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001) § 1o O Poder Executivo disporá sobre as competências, a organização e o funcionamento da CAMEX.” (Incluído pela Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001) (grifamos) Por fim, a Lei 10.683/2003 assim ratifica a dita atribuição de competência: “Art. 29. Integram a estrutura básica: (…) § 5o A Câmara de Comércio Exterior, de que trata o art. 20B. da Lei no 9.649, de 27 de maio de 1998, com a redação dada pela Medida Provisória no 2.216-37, de 31 de outubro de 2001, terá sua vinculação definida por ato do Poder Executivo.” Valendo-se de tal prerrogativa, o Decreto 4.732/2003 estruturou a CAMEX, merecendo destaque as seguintes disposições: “Art. 2o Compete à CAMEX, dentre outros atos necessários à consecução dos objetivos da política de comércio exterior: […] XV – fixar direitos antidumping e compensatórios, provisórios ou definitivos, e salvaguardas; […] Art. 4o A CAMEX terá como órgão de deliberação superior e final um Conselho de Ministros composto pelos seguintes Ministros de Estado: […] § 2o O Conselho de Ministros deliberará mediante resoluções, com a presença de todos os seus membros ou, excepcionalmente, com indicação formal de representante, cabendo ao Presidente o voto de qualidade. […] Art. 5o Integrarão a CAMEX, o Comitê Executivo de Gestão – GECEX, a Secretaria-Executiva, o Conselho Consultivo do Setor Privado – CONEX e o Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações – COFIG. (Redação dada pelo Decreto nº 4.993, de 2004) […] § 3o O Presidente do Conselho de Ministros da CAMEX poderá praticar os atos previstos nos arts. 2o e 3o, ad referendum do Conselho de Ministros, consultados previamente os membros do Comitê Executivo de Gestão.” (grifamos) Por derradeiro, o Regimento Interno do órgão – Resolução n. 11/2005 – ratifica as atribuições de competência acima listadas em seus artigos 5º, XV (competência do Conselho de Ministros para impor direitos antidumping) e 7º, V (competência precária do Presidente do Conselho de Ministros). Deliberada acerca da instituição da exigência, efetiva-se a publicação de Resolução Camex, conforme artigos 39 e 40 do referido Regimento Interno. 2.2Vício de competência Da leitura dos referidos dispositivos verifica-se que a competência para instituição da exação em testilha é conferida exclusivamente a órgão colegiado, sendo precária (visto que necessariamente objeto de ratificação posterior), a atribuição de Poder deferida ao presidente do Conselho de Ministros. Note-se que a norma antes transcrita não delega – de forma irrestrita – competência ao Presidente do Conselho de Ministros, mas, preservando a competência no âmbito do órgão colegiado, exige a apreciação/ratificação posterior como condição para validade da novel exigência. Assim, embora o Presidente do órgão possa atuar precariamente (autorizando efeitos imediatos), exige-se a ratificação do ato pelo órgão colegiado para permanência da exigência no sistema. Dito de outra forma: exigência pautada exclusivamente em ato do Presidente do Conselho de Ministros não atende à programação de competência fixada pela regra de produção normativa. Portanto, decorrido prazo sem que a exigência dos direitos antidumping seja regularmente submetida ao crivo do Conselho de Ministros (órgão colegiado), justifica-se o reconhecimento da invalidade da norma fundante da exação, uma vez que desconforme com condicionantes do sistema. O cotejo entre as regras de produção normativa e o procedimento de gênese do enunciado veiculador do direito antidumping (cuja reconstrução pode ser feita a partir das referências constantes do documento legal – a exemplo da autoridade responsável pela criação da regra) autoriza a conclusão antes formulada. Portanto, uma vez reconhecida a invalidade da norma inaugural não pode ela arrimar a produção subseqüente de normas individuais e concretas dentro do processo de positivação/concreção do ordenamento. Conforme dito linhas atrás, no sistema jurídico nem todos podem dizer tudo a qualquer sujeito, em qualquer momento e em qualquer lugar. Existem regras que ditam este tipo de comunicação específica, cuja inobservância acarreta a irrelevância da comunicação realizada defeituosamente. Portanto, o sistema não reconhece como relevante juridicamente a gênese normativa realizada em desconformidade com suas programações de competência. Desrespeitadas tais condicionantes, as ocorrências permanecem fora do sistema, visto que não corroboradas pelos filtros que impõe uma tradução lingüística específica. 2.3 Vício de publicidade Ademais, admitindo-se tenha ocorrido a ratificação do ato do Presidente pelo Conselho de Ministros, a publicidade de tal ato do órgão colegiado (via publicação da ata da reunião ou nova Resolução CAMEX) é requisito indispensável para que se possa falar em instituição válida de direitos antidumping. Com efeito, em um sistema de natureza comunicacional, impensável a exigência de novas obrigações, sem que o comando (regularmente introduzido) seja levado ao conhecimento do destinatário. Atenta contra a natureza do sistema jurídico a instituição de deveres arrimados em atos secretos. É condição inarredável de ingresso da norma no sistema (que a reconhece como tal) sua publicidade. Relembre-se o escólio de Eurico de Santi (2001, p. 107-108): “A publicidade é, pois, requisito ontológico do ato-norma administrativo […]. Sem a publicidade o enunciado do ato-norma não ganha juridicidade para elevar-se à categoria de norma jurídica. Sem publicidade, não há norma jurídica. […] Portanto a publicidade confere validade, e não “mera” eficácia ao ato-norma administrativo […]” Enquanto não publicada a ratificação validamente exercida pelo órgão colegiado (Conselho de Ministros), permanece a mácula competencial referida no item precedente. 2.4Impossibilidade de convalidação Por derradeiro, note-se que diante de vício que fulmina elemento estruturante do enunciado introduzido (qual seja, sua publicidade), trata-se de hipótese de nulidade do ato, que não admite convalidação posterior, conforme ensina, mais uma vez, Eurico de Santi (2001, p. 113, 116): “Os atos anuláveis e nulos são atos administrativos válidos passíveis de invalidação em sentido estrito. […] Cinge-se, entretanto, o legislador a limites ontológicos do próprio direito, às regras deontológicas que regram sua estrutura normativa: não se pode convalidar ato-norma administrativo em que se verifique falta de qualquer dos elementos de sua estrutura. […] Convalidação é o suprimento da invalidade de um ato com efeitos retroativos. Infere-se disto a impossibilidade de convalidação dos atos que apresentem vício em sua estrutura. Como vimos, a alteração de qualquer dos elementos do ato resulta na modificação de sua identidade, o que equivale à produção de um novo ato; barreira esta, incontornável à legitimação da irradiação de efeitos pretéritos do ato convalidador.” (grifamos). Assim sendo publicação tardia do ato de ratificação do Conselho de Ministros não tem o condão de operar retroativamente, apagando a pecha que maculou as exigências de direitos antidumping em período pretérito. Dito de outra forma: publicada a norma regularmente produzida pelo órgão competente após decorrido prazo razoável em que a exigência esteve amparada exclusivamente em norma produzida por órgão destituído de competência plena, sua eficácia será “ex nunc”, visto que não tem ela o poder de afastar o vício originário antes apontado. Embora a norma que defere competência precária ao Presidente de Conselho de Ministros não aponte prazo a ser observado para ratificação do ato pelo órgão colegiado, a periodicidade mensal das reuniões ordinárias do Conselho de Ministros (prevista no artigo 4, parágrafo 4 do Decreto 4.732/2003), aliada a relevância e premência de se deliberar acerca de atos praticados precariamente, deve ser usada como critério para aferir a tempestividade da dita ratificação. CONCLUSÃO Ante tais considerações, notadamente levando em conta as condicionantes sistêmicas que conformam o ato de gênese das unidades normativas (critérios de reconhecimento de norma válida no sistema, dentre as quais ganham relevo a competência do sujeito e publicidade do enunciado produzido), conclui-se pela invalidade de norma que obrigue o pagamento de direitos antidumping produzida exclusivamente pelo Presidente do Conselho de Ministros, sem que a mesma tenha sido submetida à apreciação/ratificação do órgão colegiado em sessão ordinária imediatamente posterior. Portanto, não publicado o ato ratificador produzido neste interregno, a mácula que contamina o ato singular não pode ser afastada por ratificação intempestiva, operando efeitos meramente prospectivos.
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Positivação e segurança jurídica
Baseando-se nas premissas adotadas pelo constructivismo lógico-semântico, notadamente as ferramentas analíticas de estudo da semiótica, da lógica e da filosofia da linguagem, bem como levando em conta a  homogeneidade sintática do objeto de estudo da Ciência do Direito, e a abertura cognitiva do sistema (e sua correlata heterogeneidade semântica),  o presente estudo objetiva aplicar tais idéias ao processo de positivação realizado pelo Poder Judiciário (na perspectiva de órgão competentes para expedir normas individuais e concretas), cotejando-o com a dimensão do princípio da segurança jurídica e seus desdobramentos. Assim, à luz de tal instrumental teórico, serão analisados os contornos propostos ao referido princípio, a partir de tal perspectiva, evidenciando-se os métodos de legitimação do sentido construído pelos órgãos competentes do sistema (e sua conseqüente aceitação pelos destinatários das unidades normativas assim erigidas).
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O reconhecimento do Direito Positivo como corpo de linguagem prescritiva descortinou a possibilidade de estudo do referido objeto pelas perspectivas da filosofia da linguagem, da lógica e da semiótica, sem que tal aproximação do objeto implicasse na desconsideração das categorias solidamente construídas pela Teoria Geral do Direito. Tais ferramentas propiciam uma fecunda abordagem analítica do sistema normativo, permitindo extrair relevantes conclusões de aplicação prática. Como forma de atestar tais assertivas, o presente estudo aproxima tais ferramentas da práxis jurisprudencial, validada pelo constructivismo lógico-semântico. 1.PREMISSAS EPISTEMOLÓGICAS 1.1. O Constructivismo Lógico Semântico Firme nas premissas metodológicas preconizadas pelo constructivismo lógico-semântico (referencial teórico adotado no presente estudo), a principal inquietação que motiva a presente reflexão diz respeito à aparente infinitude e liberdade desmedida que, em um primeiro momento, tal teoria parece imprimir às construções de sentido das normas jurídicas. Com efeito, reconhecendo na linguagem a matéria-prima do intérprete, justificável uma primeira falsa impressão de que vetores como segurança e certeza restariam fatalmente abalados, visto que desprovidos de arrimos que lhe emprestassem firme sustento. Ao lado disso, os tempos atuais, em que se experimentam fortes e repentinas mudanças de entendimento jurisprudencial acerca de temas que pareciam exaustivamente debatidos e delineados (dando margem a substanciosa doutrina que passou a ocupar-se do tema: segurança jurídica e mudança de entendimento jurisprudencial), parece apontar para um clima de total insegurança. Todavia, a aplicação de tal instrumental teórico na produção normativa (dentro do ciclo de positivação/concreção que se almeja do sistema jurídico) revela, em verdade, mudanças de perspectivas quanto ao próprio entendimento do que vem a ser segurança jurídica. Com efeito, adotando a inegável dicotomia texto/norma, o constructivismo autoriza a construção de sentido/alcance da norma individual e concreta como decorrência das relações e condicionantes sistêmicas/contextuais que emprestarão legitimação e prevalência à significação assim construída (seja no que tange à conotação escolhida para a norma geral e abstrata, seja no que diz respeito ao fato referido pelo antecedente da norma individual e concreta). Assim, embora inegável o papel construtivo do intérprete credenciado para tanto, seu entendimento estará sujeito a rigorosos e subseqüentes testes de resistência/refutação (igualmente previstos pelo ordenamento) para que, ao final , possa ser reputado como a “versão fática” ou “tradução” acatada pelo sistema, que passará a velar pela sua observância intersubjetiva. É o reconhecimento da forma de interação entre os sistemas sociais que preserva o campo próprio da facticidade jurídica, garantindo sua autoregulação e clausura operacional. Com efeito, elementos externos ao sistema não são por ele reconhecidos e legitimados sem que tenham sido submetidos a prévio processo de “tradução jurídica”. É dizer: o fato capaz de gerar repercussão jurídica dentro do sistema é aquele que foi construído linguisticamente de acordo com suas imposições (fora disto nada mais são que ocorrências sem relevância jurídica). Nesta ordem de idéias, a precisa lição de Clarice Von Oertzen de Araújo: “Toda a captação dos fatos sociais é filtrada pelos ordenamentos jurídicos mediante a instituição de procedimentos que condicionam a validade da produção de outras normas no fluxo contínuo da concreção normativa. Os procedimentos estabelecidos para expansão da malha normativa constituem uma clausura operacional, na medida em que implicam uma seleção e posterior “tradução” dos fatos sociais para o interior do ordenamento jurídico de forma organizada. Não é a totalidade do contexto social que será traduzida para o interior da ordem jurídica, mas apenas os aspectos selecionados pelos conceitos normativos. (…) Reconhecer a clausura operacional dos ordenamentos jurídicos não acarreta afirmar que este sistema – na condição de um dos subsistemas sociais, em paridade com os (sub) sistemas formados pela economia, política, cultura, moral e ética – não se relacione com os demais. O fechamento funcional, portanto, não implica em que o sistema jurídico esteja inacessível às mudanças ocorridas nos outros subsistemas que constituam o seu entorno ou o contexto. Identificar a clausura e a abertura significa dizer que embora o sistema se relaciona com (ou seja aberto aos demais sistemas integrantes do sistema social global), a forma de relacionamento é própria. O fechamento opera como lente de uma máquina fotográfica: o sistema jurídico, ao se relacionar com o contexto social, em sua multiplicidade, seleciona e representa (“fotografa”) os aspectos que demandam a regulação jurídica.” (Incidência Jurídica. Teoria e Crítica. Noeses, 2011, p. 53 e 58) Se assim é (se a norma construída para regular a situação individual e concreta é produto de intenso dialogismo com todas as partes integrantes do grande sistema comunicacional através do qual se expressa o ordenamento), inegável que o intérprete/aplicador não terá sua significação reconhecida/legitimada pelo sistema, se desprovida de fundamentação que lhe confira resistência a refutação. Portanto, o lugar da segurança não está nos textos (supostamente dotados de sentido uníssono), mas na regulação e garantia de um amplo processo de construção de sentido dentro das balizas do sistema, bem como na certeza de que o entendimento fruto de tal dialogismo, será coercitivamente exigido das partes envolvidas, encerrando uma semiose tendente ao infinito. Nesse sentido, vê-se que tais ponderações vem sendo acatadas (ainda que não expressamente), a partir da análise de casos concretos. 2. A NORMA INDIVIDUAL E CONCRETA CONSTRUÍDA PELO PODER JUDICIÁRIO 2.1) Aplicação das premissas e métodos de validação da norma posta pelo Poder Judiciário Aqui chegados e instrumentados com as premissas linhas atrás delineadas, podemos elaborar algumas assertivas que se afiguram fundamentais. Dentre elas encontra-se o reconhecimento dos comandos sentenciais como simples normas individuais e concretas que apresentam a mesma identidade estrutural comum a todos os elementos do sistema: antecedente e conseqüente normativo. Assim como em todas as unidades normativas, o comando sentencial qualifica o fato jurídico causa, situando-o a partir de coordenadas de espaço e tempo e subsumindo-o aos conceitos conotativos presentes nas normas gerais e abstratas que lhe emprestam sustento de validade. Assim, no relatório e na fundamentação (para utilizar designações mais comuns no âmbito processual) a autoridade dotada da competência atribuída pelo sistema, constitui linguisticamente o fato jurídico e exibe denotativamente as razões que orientaram sua subsunção. Ao final, na dita parte dispositiva, imputa a correlata relação jurídica (que deve guardar pertinência com os critérios estabelecidos na norma geral e abstrata que fundamentou a subsunção fática), atribuindo direito subjetivo a um das partes da contenda e dever jurídico à parte adversa, encerrando, assim, o conflito de interesses submetido ao seu crivo. Por sua vez, não se pode perder de vista que o conflito de interesses levado ao Judiciário foi fruto de pretérita divergência entre os conteúdos de significação adjudicados pelas partes envolvidas na demanda, exigindo, assim, a intervenção de um órgão qualificado pelo sistema, para estabelecer o critério julgado como mais adequado. Tratando-se, todavia, de um comando sentencial monocrático, o sistema prevê subseqüentes análises de tal norma individual e concreta, por órgãos colegiados, podendo a mesma sofrer significativas alterações em seu conteúdo material (seja em razão de inadequada construção lingüística do fato tributário, seja em razão de vícios presentes em indevida aplicação dos critérios conotativos da norma geral e abstrata). Portanto, assemelha-se o processo acima descrito àquele a que se submete toda nova norma posta no sistema: será ela objeto de processo interpretativo que busca fixar seu conteúdo de significação e contrastá-lo com as demais unidades normativas do sistema, notadamente aquelas que lhe emprestam fundamento de validade. Assim, embora não se possa falar em simples operação de dedução lógica (que importaria em simples e mecânica extração do conteúdo de uma norma a partir de outra), a norma individual posta pelo comando sentencial insere-se no sistema comunicativo do direito positivo, sujeitando-se ao mesmo. Nesta concepção, a fundamentação dos comandos sentenciais (muitas vezes relegada a segundo plano, em razão do prestígio conferido à parte dispositiva), desempenha papel de fundamental importância na construção da dita norma individual e concreta. Com efeito, é a partir da fundamentação (dado objetivo), que se poderá reconstruir o processo de enunciação da norma: qual a sua fundamentação lógico-semântica? Quais os valores ali objetivados quando cotejados com a situação fática analisada? Quais os contornos do fato jurídico que serve de arrimo para a imputação da relação jurídica constante da parte dispositiva? Tais questionamentos só podem ser formulados e respondidos quando se assume uma perspectiva normativa do comando sentencial, levando em conta, ainda, as significações construídas a partir dos seus enunciados textuais. Tratando-se, pois, de uma norma posta no sistema, não se pode olvidar a influência exercida pela subjetividade do aplicador (forma pessoal de relacionar significante/texto e significado), bem como a relevância do contexto comunicativo (social, cultural, valorativo) como justificativa para construção de suas significações. Nesta ordem de idéias, o sentido expresso na norma individual e concreta deve guardar estreita relação com sua forma de legitimação (prevista pelo próprio sistema), que determina sua prevalência e aceitação sobre as demais, na medida em que aponta os diálogos mantidos entre as normas jurídicas hierarquicamente organizadas durante o processo de positivação/densificação. Assim, as significações atribuídas pelos comandos sentenciais devem guardar coerência interna com o sistema e com outras interpretações por ele suscitadas, tendo como resultado um discurso prescritivo dotado de coerência e coercitividade. Em outros termos: o uso competente da linguagem hermenêutica que empresta esteio à norma individual e concreta implica em demonstrar/legitimar o trabalho interpretativo através dos critérios de correção hierárquica (respaldo em outras normas), produzindo um acréscimo à função motivadora da língua normativa. Em outros termos: a legitimação do comando sentencial decorre da referência à conversação com outras unidades normativas, utilizada como base para a construção do sentido consignado na dita norma individual e concreta. Daí a relevância do antecedente (fundamentação) da norma jurisprudencial, pois é ele que permite o contraste/cotejo em que se arrima a legitimação. Em paralelo, não se pode perder de vista que o mesmo sistema prevê outra garantia: a existência de um órgão que, com foros de definitividade, estabiliza os conteúdos de significação das normas a serem aplicadas a fatos jurídicos de idêntica natureza. Daí a relevância da fundamentação dos comandos jurisprudenciais, pois é nela que residem os contornos do fato jurídico-causa e das denotações da norma individual e concreta (as duas sínteses a que faz referência o Professor Paulo de Barros Carvalho: (i) do fenômeno social ao fenômeno abstrato jurídico e (ii) do fenômeno abstrato jurídico ao fenômeno concreto jurídico) A existência do referido órgão e o exercício competente de suas atribuições, cessam (ainda que em termos ideais), a inesgotabilidade que marca o processo de interpretação de qualquer mensagem. Admitir a infinitude de tal processo (permitindo que todos os partícipes do processo de concretização do significado da norma pudessem impor suas conclusões particulares) equivaleria a negar a estabilização das relações intersubjetivas (almejada pelo ordenamento). Importante pontuar, contudo, que não se nega aqui a possibilidade de alterações de entendimento jurisprudencial (ante a alternância de valores ditada pela instável experiência social). Sua constatação prática é de evidência tal, que dispensa demonstração. Contudo, embora admissíveis, tais modificações interpretativas, ditadas pela alternância de critérios, devem submeter-se à eficácia prospectiva do novel entendimento (conforme adiante se verá). 2.2. A segurança Jurídica e sua nova perspectiva Diante das asserções até aqui formuladas, conclui-se que a atribuição de sentido não é extraída dos textos do sistema, mas construída a partir das balizas por ele mesmo impostas: autoridade competente e procedimento a ser seguido. Assim, o procedimento de aplicação do direito e os órgãos credenciados para tanto estão previstos no direito positivo, o que implica em afirmar que o direito positivo prescreve como dever ser interpretado e aplicado. Nessa perspectiva, a almejada segurança jurídica ganha novo sentido: não decorre ela de uma pseudo garantia de interpretação uníssona ou de uma aceitação intersubjetiva largamente aferida, mas da referência a um órgão legitimado pelo próprio sistema a atribuir, de forma definitiva, o sentido e alcance das normas integrantes do ordenamento. Desloca-se, pois, a origem da segurança: do texto positivado para a garantia de que existe um órgão competente para por fim à discussão acerca do sentido das normas. Tal garantia é que deve ser a responsável pela disseminação do sentimento de segurança entre os destinatários da mensagem legislada (fazendo cessar uma cadeia de significações que tende ao infinito). Com efeito, se admitimos que a construção do sentido depende das escolhas valorativas do destinatário da mensagem legislada, um sistema que admita a permanência, em caráter definitivo, de interpretações dissonantes, equivale a um sistema despido da garantia da segurança. Exemplificativamente: o sentido de uma norma atribuído pelo STF deve prevalecer entre a comunidade jurídica não porque seja o melhor ou mais aceito intersubjetivamente, mas porque emanado do órgão ao qual o sistema atribui tal incumbência/prerrogativa. Reside, pois, na pragmática sistêmica (e não em uma dimensão limitada da semântica dos textos legais) a origem e definição das estimativas/expectativa normativas, bem como sua estabilidade/perenidade. Em última análise, a mudança de entendimento acerca da segurança jurídica migra do prestígio conferido à função certeza/previsibilidade (baseada em uma compreensão do Direito materialmente sistematizada e intervencionista) para a função isonomia (sistematização formal/liberal), na precisa lição do Professor Tércio Sampaio Ferraz Jr.: “Quando se enfatiza a certeza, a segurança se torna tributária de um poder centralizador que garante a uniformidade dos conteúdos do vértice para a base do sistema. Quando se enfatiza a isonomia, a segurança será tributária de uma maior liberdade de conteúdos (…) Para a primeira, se o Estado não estabelece, de modo uniforme, os conteúdos, o cidadão não terá certeza e, PIS, estará inseguro. Para a segunda, se o cidadão não for tratado com isonomia pela autoridade competente, cujo limite de ação esteja claramente  discriminado, estar-se-á gerando insegurança social.” (“Segurança Jurídica – normas gerais tributária” in Revista de Direito Tributário 17-18, p. 52) CONCLUSÃO Vê-se, portanto mudança significativa de paradigma (em consonância com o constructivismo lógico-semântico que harmoniza ferramentas fornecidas pela lógica, semiótica e filosofia da linguagem, sem perder de vista as categorias de Teoria Geral do Direito): de um ordenamento hermético, em que a “lei” deixava nenhum ou pouco espaço para ser preenchido pelo intérprete/aplicador, para um ordenamento em que, o legislador, ciente da impossibilidade de prever com exatidão todas as complexidades das relações sociais, permite expressamente que o intérprete/aplicador crie a melhor solução para cada caso concreto. Afasta-se, deste modo, a concepção de que ao juiz não é dado criar direito algum (cabendo ao Judiciário apenas julgar conforme e sob as condições da lei), impondo-se o reconhecimento da insuficiência das previsões legislativas e necessário prestígio da margem subjetiva de apreciação do próprio fato e do direito. Migra-se, portanto, de uma atitude conhecimento (de silogismo passivo), para uma atividade conscientemente valorativa e criadora (atitude ativa que funda a dicotomia entre texto e norma). Nessa perspectiva fundem-se as operações de interpretação e aplicação, visto que a norma passa a ser o texto da lei interpretado e aplicado à luz dos fatos concretos. De outro lado, embora se reconheça a homogênea composição estrutural/formal das unidades do sistema normativo, imperioso considerar que as unidades de significação experimentam interações sistêmicas que servem de balizas para a construção do sentido da norma, aferição de sua produção válida e condições de legitimação/prevalência perante o sistema. Tal ordem de idéias exerce significativo impacto na concepção de segurança jurídica, que passa a residir na pragmática sistêmica (e não em uma dimensão limitada da semântica dos textos legais), bem como na garantia de existência de órgão competente para estabilizar as estimativas/expectativa normativas. Não se trata, todavia, de legitimar interpretações aleatórias, arbitrárias e subjetivas, mas de reconhecer que a abundante utilização de princípios, conceitos elásticos, etc… (dentro da perspectiva da dita constitucionalização do Direito), exige postura metodológica distinta para interpretação e aplicação da norma pela autoridade judicial. Neste contexto é que se insere o processo de legitimação das normas individuais e concretas introduzidas pelo Poder Judiciário, cuja prevalência assenta-se na referência aos valores referidos e colhidos pelo ordenamento jurídico. Com efeito, a percepção do fato e do direito envolve sempre escolhas valorativas, revelando a relação (antes refutada) entre ideologia, interpretação e aplicação da norma jurídica. Não se ignora que a recente experiência jurisprudencial evidencia diversos exemplos de um mesmo texto que sofreu significativas alterações de atribuição de sentido de acordo com o momento histórico/social, em razão da mudança das escolhas valorativas a serem usadas como norte para a construção de sentido (interna no próprio sistema). Cambiantes, portanto, não apenas a hierarquização de valores, como as próprias escolhas que servirão de base para a construção da norma jurídica (em sentido estrito). Assim, em arremate, deve-se atentar para o fato de que a concepção de norma jurídica como conteúdo de significação (que, em última análise, é delineado pelo órgão competente), tem relevantes conseqüências não apenas no que diz respeito ao campo de abrangência da segurança jurídica, como também na aplicação da garantia da irretroatividade quando se trata de alteração de entendimento consolidado pelos tribunais superiores. Nesta linha de intelecção, as manifestações de Roque Carrazza e Tércio Sampaio Ferraz, respectivamente: “A segurança jurídica, um dos pilares do nosso Direito, exige que as leis, os atos administrativos em geral e a jurisprudência tenham o timbre da irretroatividade. Daí falarmos em irretroatividade do Direito e não, apenas, das leis.(…) Assim, quando uma linha jurisprudencial nova reverte por completo as expectativas dos jurisdicionados, construídas com apoio em reiteradas e firmes decisões anteriores do mesmo Tribunal, haverão de ser aplicados os ditames do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, para que não reste sacrificado o princípio da segurança jurídica e, com ele a boa-fé das pessoas, que praticaram atos, certas de que procediam sob o amparo do direito objetivo.” (“Segurança Jurídica e eficácia temporal das alterações jurisprudenciais” in NERY, Jr,, Nelson. CARRAZZA, Roque Antonio. FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. São Paulo: Manole, 2007) “Em nome do direito à segurança, que exige certeza e confiança, não se pode, pois, restringir o princípio da irretroatividade à lei como mero enunciado, devendo compreender a lei como sua inteligência em determinado momento. (…) A irretroatividade é, assim, do Direito e alcança, portanto, a irretroatividade da inteligência da lei aplicada a certo caso concreto.” (“Irretroatividade e jurisprudência judicial” in NERY, Jr,, Nelson. CARRAZZA, Roque Antonio. FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. São Paulo: Manole, 2007)
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As garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo tributário
O contraditório e a ampla defesa como garantias constitucionais serão tratados no presente artigo, e a sua aplicação no processo administrativo tributário federal brasileiro, sob a ótica do Decreto 70.235, de 1972, que regula os referidos procedimentos, como mecanismo de atendimento aos preceitos constitucionais garantidores do acesso do cidadão contribuinte aos instrumentos contestatórios à atividade estatal. Neste sentido, serão apresentadas características gerais do modelo adotado, suas limitações e ritos processuais correspondentes.
Direito Tributário
1. Introdução A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, consagrou ao longo do seu texto, e expressamente no artigo 5o, LV, a garantia aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, com natureza de cláusula pétrea, o exercício do contraditório e da ampla defesa não apenas no sentido de possibilitar as partes a manifestação em processos judiciais e administrativos, mas, principalmente como uma pretensão à tutela jurídica, nas palavras de Gilmar Mendes[1]. Convergindo a este entendimento, segue o ensinamento de José Afonso da Silva[2], quando baseia o processo legal, outra garantia constitucional, em três outros princípios: o acesso a justiça, o contraditório e a plenitude de defesa (ou ampla defesa). Assim, a todo o ordenamento jurídico pátrio, por mandamento constitucional, obriga-se o respeito a tais garantias, nos diversos cenários que envolvam relações entre entidades físicas ou jurídicas, envolvam ou não o Estado como parte litigante. No Direito Tributário esta premissa não poderia ser negligenciada, dada a necessidade, ademais, que o agente público tem de respeitar demais princípios do Direito Administrativo como: da legalidade objetiva, da busca pela verdade material, do devido processo legal, da motivação dos atos administrativos, da segurança jurídica, entre tantos outros. Desta forma, o exercício do contraditório e da ampla defesa é garantia constitucional e pode ser invocada basicamente em duas searas, a judicial e administrativa. Pelo interesse presente, trataremos especificamente desta garantia no âmbito do contencioso administrativo tributário, ao qual é dado genericamente o nome de Processo Administrativo Fiscal, regulado sobretudo pelo Decreto 70.235, de 6 de março de 1972. Esta é a ferramenta administrativa posta a disposição do contribuinte para que seja avaliado se os pressupostos substantivos e formais que determinam a relação jurídico-tributária foram respeitados na atividade de administração tributária, observados os limites de atuação que caracterizam a atividade julgadora administrativa tendo em vista que o Brasil adota o modelo unificado de jurisdição, reservando ao Poder Judiciário, competências exclusivas na solução definitiva de lides jurídicas. O que não significa que os conflitos de interesses não possam ser dirimidos através de instância administrativa. Não se retira da Administração o poder de decidir, configurando coisa julgada administrativa a decisão que não pode mais ser revista neste âmbito de julgamento, servindo, assim, como mais uma etapa para o exercício do contraditório e da ampla defesa.  2.O contraditório e a ampla defesa na Constituição de 1988 O princípio do contraditório e da ampla defesa encontra sua guarida máxima na Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 5o , inciso LV, e é também identificado pela expressão latina audiatur et altera pars , que significa “ouça-se também a outra parte”.  Trata-se de corolário do principio do devido processo legal, segundo qual o ato praticado por autoridade, para ser considerado válido, eficaz e completo, deve seguir todas as etapas previstas em lei[3], sendo caracterizado pela possibilidade de resposta e a utilização de todos os meios em Direito Admitidos. A Constituição da República teve a preocupação, destaque-se, de expressar tal garantia como válida não apenas aos processos sob a jurisdição judicial, mas também aqueles tramitados em esferas administrativas. Isto porque o processo administrativo é um instituto próprio e essencial ao estado democrático de direito e a sua aplicabilidade deve sempre decorrer de com respeito aos preceitos inseridos na Constituição da República, que estabelece os meios e princípios com os quais devem corresponder todas as suas etapas. O intuito primordial do contraditório em procedimentos administrativos é o de permitir que ocorra participação plena do cidadão, administrado, servidor ou contribuinte, e que se construa um controle de abusos, apresentação de fatos, provas e pertinente julgamento. No meio processual, o princípio em comento se manifesta na possibilidade que os litigantes têm de requerer a produção de provas e de participarem da sua realização, assim como também de se pronunciarem a respeito de seu resultado, seja em processos ou procedimentos judiciais, extrajudiciais, administrativo, de vínculo laboral, associativo ou comercial, garantido a qualquer parte afetada por decisão de órgão superior. Apesar de possuírem relação semântica interdependente, doutrinadores costumam individualizar as definições de cada um dos termos, se referindo ao contraditório como “a garantia constitucional que assegura a ampla defesa ao acusado, proporcionando a este o exercício pleno de seu direito de defesa, conforme ensina J. Canuto Mendes de Almeida[4], que grifamos:  "A verdade atingida pela justiça pública não pode e não deve valer em juízo sem que haja oportunidade de defesa do indiciado. é preciso que seja o julgamento precedido de atos inequívocos de comunicação ao réu: de que vai acusado; dos termos precisos dessa acusação; e de seus fundamentos de fato (provas) e de direito. Necessário também é que essa comunicação seja feita a tempo de possibilitar a contrariedade: nisso está o prazo para conhecimento exato dos fundamentos probatórios e legais da imputação e para oposição da contrariedade e seus fundamentos de fato (provas) e de direito." A ampla defesa, por sua vez, é a possibilidade que o acusado tem, já gozando do direito ao contraditório, de lançar mão a todas as possibilidades de exercício pleno do seu direito de defesa, possibilitando-o trazer ao processo os elementos que julgar necessários ao esclarecimento da verdade. É da lavra de Vicente Greco Filho[5] a afirmação de que a ampla defesa é constituída a partir de cinco fundamentos: "a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função é essencial á Administração da Justiça (art. 133 [CF/88]); e e) poder recorrer da decisão desfavorável". Em resumo então, pode-se concluir que enquanto o contraditório é a oportunidade garantida ao acusado de defender-se contra o que lhe é imputado, a ampla defesa é, propriamente dito, o usufruto desta garantia, através das ferramentas permitidas em direito. Uma sem a outra perderia o sentido, vez que ao passo que o contraditório é requisito para ampla defesa, aquele não faria sentido se a esta não fosse ofertadas as prerrogativas necessárias a melhor prestação do serviço jurisdicional, lato senso, uma vez que neste artigo ao nos referirmos a estas garantias constitucionais, sempre o faremos, quando genericamente, aos conflitos julgados tanto no âmbito do processo administrativo quanto no judiciário. 3.O contraditório e a ampla defesa no Processo Administrativo Fiscal 3.1 Dos órgãos julgadores Atualmente a Administração Pública aplica o Direito Tributário em consonância com as regras estabelecidas pelo Processo Administrativo Fiscal, regulado pelo Decreto 70.235/72, estatuído a partir do Decreto-Lei 822/69, que delegou competência ao Poder Executivo de legislar sobre processo fiscal. Subsidiariamente aplica-se também o que está determinado pela norma geral do Processo Administrativo, a Lei nº 9.784/99. O Decreto 70.235/72 surge assim, com a finalidade de regular o processo administrativo relativo à determinação e à exigência de créditos tributários federais, de empréstimos compulsórios e de consulta. Em decorrência da mencionada delegação de competência, atualmente a jurisprudência brasileira tem conferido a este Decreto o status de lei. Um dos seu grandes méritos foi o de unificar a legislação processual tributária, uma vez que cada tributo trazia regras processuais específicas para sua cobrança, o que dificultava o sistema de administração tributária, com variedade de formas, prazos e procedimentos específicos, gerando uma série de legislações processuais específicas de complicada assimilação. Ainda assim, deixou vários procedimentos típicos da atividade tributária a margem da regulação, como os procedimentos relativos à penalidade, repetição de indébito, perdimento de mercadoria, entre outros, restando, para muitos, insuficiente para atingir o fim a que se propunha. Não obstante as carências destacadas, reservou atenção a respeito do contraditório e da ampla defesa, ao estabelecer os caminhos postos a disposição do contribuinte para o exercício das citadas garantias constitucionais. Constituído o crédito tributário ou aperfeiçoado o ato administrativo que produz efeitos jurídicos, pode o contribuinte comportar-se de uma entre as três formas possíveis: inconformar-se e manifestar impugnação (ou manifestação de inconformidade, de acordo com a decisão reclamada) tempestiva da exigência; conformar-se e efetuar a extinção da exigência através de uma das formas previstas no Código Tributário Nacional – CTN ou se omitir, o que caracteriza a revelia, quando não há nem a extinção e nem a realização de qualquer ato que importe na suspensão da exigibilidade do crédito. Ao inconformar-se e apresentar impugnação, o contribuinte estará, no âmbito administrativo, lançando mão do seu direito ao contraditório e a ampla defesa. A propósito, é entendimento pacífico que, tais garantias só podem ser invocadas neste momento, ou seja, no momento em que configura-se a instauração do contencioso. Antes de aperfeiçoado o lançamento, verifica-se a ocorrência da etapa inquisitiva, na qual o fisco levanta as informações necessárias para a imputação de uma obrigação tributária inadimplida. Ao contribuinte não é garantido o direito de, neste momento, efetivar qualquer medida no intuito de impedir a ação fiscalizatória ou seu resultado, haja vista o disposto pelo art. 14 do Decreto 70.235/72, determinando que a “impugnação da exigência instaura a fase litigiosa do procedimento”. Em relação ao tema, traz-se ementa produzida a partir de decisão administrativa exarada pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento –  DRJ de Campo Grande/MS, com grifo nosso, onde discutia-se a necessidade de intimação ao contribuinte para prestação de esclarecimentos, no decurso do procedimento de fiscalização e antes do seu desfecho. A tese vencedora, convencida pelo citado art. 14 do Decreto 70.235/72, foi a de que não é garantido ao contribuinte o exercício do contraditório e da ampla defesa antes de instaurado o litígio e que tais garantias foram respeitadas a partir da oportunidade de apresentação e apreciação da impugnação interposta, junto a qual o contribuinte pôde ofertar as provas que considerasse necessárias. Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF OMISSÃO DE RENDIMENTOS. DEPENDENTES. Os rendimentos tributáveis recebidos pelos dependentes devem ser somados aos rendimentos do contribuinte para efeitos de tributação na declaração. PROCEDIMENTO FISCAL. PARTICIPAÇÃO DO AUTUADO. O procedimento fiscal possui natureza inquisitiva, sendo prescindível a participação do autuado nessa fase, mormente quando a autoridade fiscal já dispõe de informações necessárias para a caracterização da infração tributária. DIRPF. RETIFICAÇÃO. ESPONTANEIDADE. PROCEDIMENTO FISCAL. IMPOSSIBILIDADE. Após o início do procedimento fiscal, o autuado perde a espontaneidade para retificar a declaração de ajuste anual. As DRJ, a propósito, constituem-se na primeira instância do contencioso administrativo federal, atualmente regidas pela Portaria MF 341/2011, são formadas por Turmas Ordinárias e Especiais de julgamento, cada uma delas integrada por 5 (cinco) julgadores, podendo funcionar com até 7 (sete) julgadores, titulares ou pro tempore. Todos necessariamente ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e designados para mandatos com duração de até 36 (trinta e seis) meses, admitidas reconduções. As unidades das Delegacias da Receita Federal de Julgamento são compostas por turmas e a cada uma confere-se competências especificas de julgamento, conforme ato do Ministro da Fazenda. Apresentada a impugnação ou a manifestação de inconformidade pelo contribuinte interessado em discutir um direito, cabe a estas o julgamento e primeira instância da peça de contestação. Esta impugnação não poderá resultar em um agravamento da exigência original, ou seja, trata-se de um impedimento ao reformatio in pejus. O julgador, tanto o de primeira quanto o de segunda instância, em respeito ao princípio da oficialidade, tem o poder de comando do processo, podendo determinar de ofício a realização de diligências ou perícias, quando as entender necessárias (art. 18 do Decreto nº 70.235/1972) a formação de sua convicção. A determinação para realização de diligência ou perícia deve estar devidamente motivada (inciso VII, do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784/99), descrevendo a razão do pedido para que o resultado seja eficaz. O art. 16 do Decreto 70.235/72 lista os tópicos que não podem deixar de constar na peça contestatória, para que o contribuinte possa exercer seu direito de ampla defesa, como as provas que já possua e que possa comprovar o que afirma, bem como prevê que o mesmo poderá requerer a realização de diligências e perícias com a finalidade de produzi-las. Há previsão, inclusive, que tais provas sejam apresentadas em momento posterior à apresentação da impugnação, desde que tenham caráter superveniente. Concluso o julgamento em primeira instância, o órgão cientifica o interessado do acórdão proferido. Caso o lançamento tenha sido mantido total ou parcialmente, o contribuinte poderá apresentar, no prazo de trinta dias da ciência, recurso voluntário total ou parcial, que será submetido à segunda instância administrativa (artigo 33 do Decreto n.º 70.235/72). O julgamento em segunda instância é feito pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, órgão colegiado e paritário, composto por conselheiros representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes. O CARF é composto por três Seções e pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF). As Seções são especializadas por matéria e constituídas por quatro Câmaras; e tais Câmaras poderão ser divididas em Turmas, nas quais são realizados os julgamentos em segunda instância. A CSRF será objeto de estudo no próximo módulo. Mesmo se o recurso voluntário for apresentado após o prazo legal, compete ao CARF o seu exame. Portanto este recurso, mesmo protocolado a intempestivamente, será encaminhado ao órgão de segunda instância, que julgará a perempção (artigo 35 do Decreto nº 70.235/72). Compete aos presidentes de câmara negar, de oficio ou por proposta do relator, seguimento ao recurso apresentado intempestivamente, quando não houver o prequestionamento em relação ao prazo de sua interposição. O recurso voluntário tem efeito suspensivo e, em conseqüência, a eficácia do acórdão de primeira instância fica sobrestada até que se decida este recurso, ou seja, durante o transcurso destas etapas permanece suspensa a exigibilidade do crédito tributário discutido. A garantia do duplo grau, no entanto, tem exceções. Não cabe recurso, por exemplo, da decisão que cancelar a isenção com fundamento nos incisos I, II e III do artigo 206 do Regulamento da Previdência Social, que trata das pessoas jurídicas de direito privado beneficentes de assistência social (artigo 21, § 3º, da Portaria RFB n° 10.875, de 16 de agosto de 2007), bem como da decisão que denegar incentivos de redução do imposto sobre a renda da pessoa jurídica incidentes sobre o lucro da exploração (artigo 3º, § 4º, do Decreto n.º 4.213, de 26 de abril de 2002). Contra os acórdãos proferidos pelos colegiados do CARF é cabível o recurso especial contra decisão divergente, cujas normas estão reguladas no Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Anexo II da Portaria MF no 256/2009, arts. 67 a 71), cabe contra as decisões que tenham dado à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra Câmara, turma de Câmara, turma especial ou a própria Câmara Superior de Recursos Fiscais. O recurso especial poderá ser interposto tanto pelo sujeito passivo quanto pelo Procurador da Fazenda Nacional. Deverá ser apresentado por escrito, em petição destinada ao Presidente da Câmara à qual esteja vinculada a Turma que houver exarado a decisão recorrida que poderá admiti-lo ou não, conforme se verifiquem os pressupostos de sua admissibilidade. O despacho que rejeitar, total ou parcialmente, a admissibilidade do recurso especial será submetido à apreciação do Presidente da CSRF. Não cabe recurso especial de decisão que aplique súmula de jurisprudência dos Conselhos de Contribuintes, da Câmara Superior de Recursos Fiscais ou do CARF, ou que, na apreciação de matéria preliminar, decida pela anulação da decisão de primeira instância. Admitido o recurso, o processo será encaminhado à outra parte, que terá prazo de quinze dias para apresentação de suas contrarrazões. O despacho que rejeitar, total ou parcialmente, a admissibilidade do recurso especial será submetido à apreciação do Presidente da CSRF, que poderá designar conselheiro da CSRF para se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso especial interposto. Na hipótese de o Presidente da CSRF entender presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso especial irá retomar seu curso, sendo então encaminhado à outra parte, que terá prazo de quinze dias para apresentação de suas contrarrazões. Será definitivo o despacho do Presidente da CSRF que negar ou der seguimento ao recurso especial. Em resumo: o contribuinte inconformado com ato da administração poderá interpor impugnação ao colegiado de primeira instância (DRJ), recorrer voluntariamente das decisões desta em segunda instância (CARF) e, atendidos os requisitos de admissibilidade, contra as decisões deste, interpor recurso especial à Câmara Superior de Recursos Fiscais. O ingresso na via administrativa é gratuito, dispensa a intervenção de advogado e suspende de imediato a exigibilidade do crédito tributário, conforme CTN, art. 151, III, ao passo que a reclamação no âmbito judicial somente tem este condão nos casos em que haja decisão liminar (CTN, art. 151, IV). 3.2 Da impossibilidade de discussão simultânea nas esferas administrativas e judiciais A prevalência das decisões judiciais, dado o caráter uno da jurisdição brasileira, determina que o ingresso em contencioso judicial importa, necessariamente a renúncia às instâncias administrativas.   Tal entendimento está expresso no Decreto nº 7.574, de 29 de setembro de 2011, que determina em seu art. 87 que: “Art.87.A existência ou propositura, pelo sujeito passivo, de ação judicial com o mesmo objeto do lançamento importa em renúncia ou em desistência ao litígio nas instâncias administrativas (Lei no 6.830, de 1980, art. 38, parágrafo único).” Antes da edição da norma citada, no entanto, já existia súmula publicada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais no tocante ao tema: “Importa renúncia às instâncias administrativas a propositura pelo sujeito passivo de ação judicial por qualquer modalidade processual, antes ou depois do lançamento de ofício, com o mesmo objeto do processo administrativo, sendo cabível apenas a apreciação, pelo órgão de julgamento administrativo, de matéria distinta da constante do processo judicial.” A vedação não pode ser considerada cerceamento de defesa, posto que renúncia somente refere-se aos objetos e argumentos absolutamente idênticos quando em ambas as esferas. Havendo disparidade de objeto ou de argumento, a renúncia poderá ser parcial ou, inclusive, não se configurar. Esta compreensão decorre, como dito, do fato de prevalecer em definitivo o entendimento exarado pelo judiciário, não fazendo sentido permitir que progrida uma discussão administrativa que poderá ser contrariada eventualmente por decisão que a ela prevalecerá. Importando observar que o esgotamento da lide administrativa não impede o contribuinte de pleitear seu direito na esfera judicial. 3.3 Da apreciação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo Matéria que recorrentemente é tema de debates e questionamentos acerca de possíveis limitações ao exercício do contraditório e da ampla defesa refere-se a possibilidade da discussão administrativa da inconstitucionalidade de normas aplicadas ao direito tributário. Contudo é vedado aos membros das turmas de julgamento tanto do CARF quanto das DRJ afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade. Existem exceções, conforme se apreende da leitura do art. 26-A do Decreto 70.235/72, transcrito a seguir: “Decreto 70.235/72, Art. 26-A.  No âmbito do processo administrativo fiscal, fica vedado aos órgãos de julgamento afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade. § 6o  O disposto no caput deste artigo não se aplica aos casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo: (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) I – que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão definitiva plenária do Supremo Tribunal Federal; (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) II – que fundamente crédito tributário objeto de: a) dispensa legal de constituição ou de ato declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, na forma dos arts. 18 e 19 da Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002; (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) b) súmula da Advocacia-Geral da União, na forma do art. 43 da Lei Complementar no 73, de 10 de fevereiro de 1993; ou (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) c) pareceres do Advogado-Geral da União aprovados pelo Presidente da República, na forma do art. 40 da Lei Complementar no 73, de 10 de fevereiro de 1993.” (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009). Ainda assim, pode-se observar que tais exceções pressupõem uma determinação anterior emanada por outros órgãos concernentes ao tema. Sobre o assunto, manifesta-se Marcos Vinicius Neder e Maria Tereza Martinez Lopez[6]: “Observamos ser a questão que envolve interpretações sobre a ilegalidade ou inconstitucionalidade de determinado ato, pelos órgãos administrativos, um dos temas centrais das discussões doutrinárias e jurisprudenciais, sendo disputa travada tanto nas instâncias administrativas quanto nas judiciárias. O acúmulo de processos que versam sobre matéria tributária no Supremo Tribunal Federal tem gerado reflexões, pois se relacionam a questão de massa. Na verdade, as questões tributárias, somadas às previdenciárias, representam a maioria dos casos a serem resolvidos pela Corte Constitucional. O Ministro Gilmar Ferreira Mendes defendeu em diversas oportunidades a importância da criação de mecanismos de prevenção que antecipem a solução dos litígios de massa e evitem a chegada dessas questões a Suprema Corte. Isso tornaria a prestação da tutela do Estado mais célere e eficaz.” Apesar das discussões, o momento atual ainda é de limitação à possibilidade de afastamento da incidência de normas sob argumento de inconstitucionalidade, conforme sumulado pelo CARF: “Súmula CARF nº 2: O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária.” A titulo de ilustração, menciona-se decisão proferida no julgamento do processo administrativo fiscal federal de número 18192.000193/2007-39, no qual o contribuinte protestou contra o valor, a seu ver, exacerbado da multa moratória imposta no lançamento discutido, a qual contrariava os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade, questionamento que teve como resposta a compreensão de que não caberia ao CARF manifestar-se sobre o tema, conforme informa a ementa transcrita: “Assunto: Processo Administrativo Fiscal Período de apuração: 01/07/2005 a 31/12/2005 INCLUSÃO DOS DÉBITOS EM PARCELAMENTO – DISCUSSÃO JUDICIAL. – JUROS E MULTA – RENÚNCIA A INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA – NÃO CONHECIMENTO. Importa renúncia às instâncias administrativas a propositura pelo sujeito passivo de ação judicial por qualquer modalidade processual, antes ou depois do lançamento de ofício, com o mesmo objeto do processo administrativo. O recorrente na ação declaratória questiona a possibilidade de parcelar, inclusive juros e multa. INCONSTITUCIONALIDADE – ILEGALIDADE DE LEI E CONTRIBUIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA A verificação de inconstitucionalidade de ato normativo é inerente ao Poder Judiciário, não podendo ser apreciada pelo órgão do Poder Executivo. O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária. Recurso Voluntário Negado”[7]. Conclusão O contraditório e a ampla defesa, como garantias constitucionais, encontram correspondência com diversos aspectos da Administração Tributária. Ao longo deste artigo abordamos algumas delas, com foco na apresentação dos órgãos e ritos que compõem o contencioso administrativo tributário federal.  Tais garantias, no entanto, podem ser associadas aos mecanismos de acesso a informação postos a disposição do cidadão, como os existentes em ambiente virtual ou com o atendimento presencial em Centros de Atendimento ao Contribuinte. Uma vez que a disponibilidade da informação e a tempestividade da sua ciência são necessários e atuam para a proteção das garantias discutidas. A evolução dos procedimentos e a automatização da emissão dos atos administrativos, como os de lançamento, demandam sobremaneira o aperfeiçoamento dos mecanismos de julgamento e revisão, a fim de evitar-se que demais princípios da Administração Pública sejam menosprezados pela ânsia de eficácia e celeridade. Este é o contraponto que devemos fazer ao elaborar um sistema de contencioso, seus ritos e limitações. É importante que este sistema seja capaz, no mínimo, de resolver satisfatoriamente as distorções causadas pelo próprio aparelho de Administração Tributária, para que o contribuinte não reste prejudicado em direitos fundamentais, como os relacionados à dignidade da pessoa humana e a livre propriedade. Assim, caminha-se para uma Administração Tributária que atue para cumprir, em sua plenitude, os objetivos estratégicos aos quais se impôs, com destaque para a construção da justiça fiscal e a manutenção da função social de arrecadação de tributos, dentro dos limites da legalidade, da isonomia e da segurança jurídica.
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A resolução do Senado Federal nº 13/2012 e os valores constitucionalmente instituídos no sistema jurídico do direito positivo
O artigo ora apresentado objetiva analisar, ante o panorama jurídico atual, a interpretação e aplicação da Resolução nº 13/2012, e atos dela derivados, instituída na tentativa de pôr fim à chamada “guerra dos portos” no âmbito do ICMS, instituindo a alíquota de 4%, mas que atribuiu aos sujeitos passivos que promoverem a saída de mercadorias importadas em operações interestaduais, ou que apresentarem quociente equivalente ao conteúdo de importação acima de 40% (quarenta por cento) nessas saídas, deveres instrumentais violadores da livre iniciativa e da livre concorrência, bem como do dever de sigilo às informações afetas às atividades exploradas.
Direito Tributário
Introdução A “guerra dos portos” há muito vivenciada pelos sujeitos passivos situados nos Estados-Membros de destino das mercadorias por ele adquiridas por importação com desembaraço em outros Estados trouxe à realidade jurídico-tributária debates, deliberações, decisões conflitantes, disputas administrativas e judiciais por todo o país. A concessão de incentivos, benefícios fiscais e isenções pelos Estados-Membros portuários no âmbito do Imposto incidente sobre Operações realtivas à Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), em prol do desenvolvimento da região, mas alheia às prescrições da Lei Complementar n° 24, de 7 de janeiro de 1975[1], teve como consequências lavraturas de autos de infração nos quais são exigidos valores consideráveis a título de ICMS em razão da glosa de créditos do adquirente situado no Estado de destino. A terminologia “guerra fiscal” torna flagrante a característica do conflito jurídico e econômico entre os Estados-Membros que compõe a República Federativa do Brasil e, portanto, do próprio princípio federativo. O tema é objeto de importantes reflexões como se observa no artigo recentemente publicado de José Eduardo Soares de Melo ICMS – Guerra Fiscal – Advocacia e STF (súmula vinculante e modulação de efeitos)[2]. Na tentativa de atenuar os efeitos causados pela “guerra fiscal do ICMS” e em busca de uniformizar o recolhimento de tal tributo, foi aprovada a Resolução n° 13/2012, mas que, como se demonstrará, ultrapassa os limites a ela outorgados pela Constituição Federal e por lei vigente no sistema jurídico brasileiro. 1. A Resolução nº 13/2012 e o Ajuste SINIEF 19/2012 Em 26 de abril do ano de 2012, foi publicada no Diário Oficial da União, a Resolução do Senado Federal nº 13 a fim de estabelecer alíquota única de 4% para o cálculo do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte e de comunicação da espécie “operações interestaduais com bens e mercadorias importadas do exterior” que: i) não tenham sido submetidos ao processo de industrialização; ii) ainda que tenham sido submetidos ao processo de industrialização, em razão das etapas de beneficiamento, transformação, montagem, acondicionamento, reacondicionamento, renovação ou recondicionamento, apresentem “conteúdo de importação” superior a 40%. Para tanto, o próprio enunciado da Resolução outorgou sentido à expressão “conteúdo de importação”, o que passou a ser entendido como o “percentual” correspondente ao quociente (resultado da divisão) entre o valor da parcela importada do exterior e o valor total da operação de saída interestadual da mercadoria ou bem. Por certo, o valor atribuível a essa norma jurídica, dentro do contexto brasileiro da “guerra fiscal” com destaque à denominação “guerra dos portos”, visa ao desestímulo às importações, na tentativa de fomentar a produção interna pela indústria brasileira. Ainda que se trate de nobre intento que se visa implementar na cultura produtiva brasileira, de modo intervencionista, forçoso deixar consignado que qualquer intervenção por regulação do Estado nas atividades produtivas, merece ações conjugadas às demais áreas que causam impactos consideráveis na realidade brasileira, tais como encargos trabalhistas e fiscais (tributação com efeitos cumulativos no caso do ICMS, do PIS e da COFINS). Essa norma introdutora veiculou enunciado outorgando ao CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária) a permissão para praticar enunciações que disciplinem os critérios e os procedimentos a serem observados no processo denominado “Certificação de Conteúdo de Importação” (CCI). Disso, adveio o ajuste SINIEF 19, publicado no Diário Oficial da União em 09 de novembro de 2012, dispondo sobre procedimentos a serem observados para a aplicação da tributação de que trata a Resolução nº 13/2012. Referido ajuste elucida o sentido atribuível ao “valor da parcela importada do exterior” mencionada na Resolução nº 13/2012 como sendo o valor da importação regulado pela Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, ou seja, o valor da base de cálculo do ICMS incidente sobre a operação de importação, que é a soma dos seguintes valores: i) da mercadoria constante do documento de importação; ii) do valor do imposto incidente sobre a importação; iii) do valor do imposto incidente sobre produtos industrializados; iv) do imposto incidente sobre operações de câmbio; v) demais impostos, taxas e despesas aduaneiras incidentes na operação de importação: “Cláusula quarta Conteúdo de Importação é o percentual correspondente ao quociente entre o valor da parcela importada do exterior e o valor total da operação de saída interestadual da mercadoria ou bem submetido a processo de industrialização. § 1º O Conteúdo de Importação deverá ser recalculado sempre que, após sua última aferição, a mercadoria ou bem objeto de operação interestadual tenha sido submetido a novo processo de industrialização. § 2º Considera-se: I – valor da parcela importada do exterior, o valor da importação que corresponde ao valor da base de cálculo do ICMS incidente na operação de importação conforme descrito no art. 13, inciso V, da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996; II – valor total da operação de saída interestadual, o valor total do bem ou da mercadoria incluídos os tributos incidentes na operação própria do remetente”. (destaquei) Igualmente ocorre com o “valor total da operação de saída interestadual” entendido como o valor total do bem ou da mercadoria incluídos os tributos incidentes na operação do remetente, ainda que, quanto a essa “definição” não se tenha mencionado qualquer diploma complementar, norma introdutória eleita pelo art. 146, inciso III, a, da CF/88[3] para estabelecer normas gerais sobre base de cálculo dos tributos. E, ainda, em verdadeira mácula de inconstitucionalidade a ser declarada pelo órgão credenciado pelo Sistema Jurídico, o ajuste SINIEF nº 19/2012 estabelece como dever instrumental a obrigação de informação na Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) do valor da parcela importada do exterior, o número da ficha de conteúdo de importação, o conteúdo de importação expresso percentualmente quando se tratar de mercadorias ou bens importados e que sejam submetidos à industrialização no estabelecimento emitente e que supere 40% e do valor da importação, para as mercadorias importadas que não tenham sofrido o processo de industrialização no estabelecimento emitente e que não sejam atingidas pela não incidência da norma (bens sem similares nacionais elencados por ato do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior – Resolução Camex nº 79/2.012 -, bens e mercadorias sujeitos aos processos produtivos básicos na Zona Franca de Manaus e gás natural importado do exterior): “Cláusula sétima Deverá ser informado em campo próprio da Nota Fiscal Eletrônica – NF-e: I – o valor da parcela importada do exterior, o número da FCI e o Conteúdo de Importação expresso percentualmente, calculado nos termos da cláusula quarta, no caso de bens ou mercadorias importados que tenham sido submetidos a processo de industrialização no estabelecimento do emitente; II – o valor da importação, no caso de bens ou mercadorias importados que não tenham sido submetidos a processo de industrialização no estabelecimento do emitente”.(destaquei) A crítica tecida no presente artigo à Resolução nº 13/2012 e aos ajustes SINIEF nela fundamentados, não se limita à análise pragmática do produto da enunciação em relação às normas jurídicas de competência, mas também semântica, no que se refere aos deveres instrumentais instituídos, e sintática, quanto à hierarquia normativa a ser respeitada nas relações entre normas jurídicas vigentes. 2. Deveres Instrumentais, Princípios Constitucionais e Enunciado Legal A Constituição Federal de 1988 elegeu a Resolução como veículo introdutor de enunciados dirigidos à fixação de alíquotas aplicáveis às operações e prestações interestaduais, nos moldes do §2º, inciso IV, art. 155[4], nada a mais, nada a menos. Desse modo, os enunciados veiculados por Resolução que ultrapassem os limites de permissão constitucionais podem e devem ser levados ao Judiciário para que advenham decisões legitimamente credenciadas pelo Sistema Jurídico.  Já sob a análise semântica, é cediço que o tema das obrigações tributárias vincula-se à análise das relações jurídicas estabelecidas entre sujeito ativo e sujeito passivo. No conceito de relação jurídica tributária duas espécies são relevantes: a relação jurídica tributária de natureza patrimonial, conhecida como “obrigação tributária” do art. 3º do CTN e a relação jurídica tributária decorrente dos deveres instrumentais conhecidos como “obrigação acessória”. Os deveres instrumentais prescrevem comportamentos que visam um fazer ou não-fazer, tendo como função possibilitar a apuração de valores afetos à obrigação tributária. Outras não são as lições de Paulo de Barros Carvalho, para quem[5]: “É preciso assinalar que os deveres instrumentais cumprem papel relevante na implementação do tributo porque de sua observância depende a documentação em linguagem de tudo que diz respeito à pretensão impositiva. Por outros torneios, o plexo de providências que as leis tributárias impõem aos sujeitos passivos, e que nominamos de ´deveres instrumentais´ ou ´deveres formais´, tem como objetivo precípuo relatar em linguagem os eventos do mundo social sobre os quais o direito atua, no sentido de alterar as condutas inter-humanas para atingir seus propósitos ordinatórios. Tais deveres assumem, por isso mesmo, uma importância decisiva para o aparecimento dos fatos tributários, que, sem eles, muitas vezes não poderão ser constituídos na forma jurídica própria. É extremamente significativa a participação dos deveres instrumentais na composição da plataforma de dados que oferecem condições à constituição do fato jurídico tributário, pois a prestação atinente aos deveres formais é a base sobre a qual a formação do fato vai sustentar-se.” A partir das diferenças conceituais entre obrigação tributária e deveres instrumentais, concordamos com a significativa participação desses últimos na plataforma de dados que compõe a constituição do fato jurídico tributário como acima transcrito. No entanto, tais deveres instrumentais não podem violar princípios constitucionais que regulam o próprio exercício da atividade econômica, já que consistem em valores que devem nortear a interpretação e aplicação das normas jurídicas vigentes no sistema jurídico, inclusive das normas jurídicas tributárias. O fato jurídico do ICMS-importação, por certo, não seria afetado na hipótese de revogação do dever instrumental veiculado no ajuste SINIEF nº 19/2012, tampouco o fato jurídico oriundo da saída de mercadoria em operações interestaduais, ainda que se tratem de mercadorias provenientes de operações de importação, o que afasta a própria finalidade do dever instrumental. Além disso, forçoso concluir serem inconfundíveis as operações de circulação de mercadoria e serviços interestaduais e as operações de importação, merecendo a referida finalidade instrumental respeitar os conceitos de cada fato jurídico tributário. E, ainda, a determinação da inclusão do valor da parcela importada na Nota Fiscal Eletrônica na saída de mercadorias/serviços em operações interestaduais que envolvam mercadorias importadas com ou sem processo de industrialização (na primeira com conteúdo de importação superior a 40%), afronta o próprio principio da livre concorrência, que se fundamenta, dentre os elementos que a compõem, na prática de preços regulados pelo próprio mercado, a partir do exercício da livre iniciativa e da livre concorrência na busca da denominada “clientela”. Tais princípios constitucionais são implementados pelo art. 170 como valores a serem perseguidos pela ordem jurídica, em que se insere o Direito Tributário, ramo não autônomo: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (….) IV – livre concorrência; Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. (destaquei) Eros Roberto Grau, em considerações sobre a livre iniciativa, a partir do critério classificatório da liberdade, identifica o âmbito de condutas do comércio e indústria e da concorrência, sendo que, segundo o autor, constata-se que: “a) liberdade de comércio e indústria (não ingerência do Estado no domínio econômico): a.1) faculdade de criar e explorar uma atividade econômica a título privado – liberdade pública; a.2) não sujeição a qualquer restrição estatal senão em virtude de lei – liberdade pública; b) liberdade de concorrência: b.1) faculdade de conquistar a clientela, desde que não através da concorrência desleal – liberdade pública; b.2) proibição de formas de atuação que deteriam a concorrência – liberdade privada; b.3) neutralidade do Estado diante do fenômeno concorrencial, em igualdade de condições dos concorrentes – liberdade pública” [6]. A partir da análise das lições acima, constata-se que vocábulo “liberdade” é utilizado como “permissão”, a que acrescemos a ideia de que o “dever ser” destinado à conduta estatal é oposta à dos particulares. Assim, tudo o que não é proibido aos particulares está permitido, enquanto ao Estado só é permitido o que está previsto no ordenamento jurídico, estando o que não é permitido, expressamente, proibido. Diante disso, a atuação estatal intervencionista somente é cabível nas hipóteses rigorosamente prescritas, dentre o que se a concorrência desleal e a ofensa aos direitos e garantias do consumidor. Por sua vez, a liberdade de concorrência, derivando da livre iniciativa, seria o “livre jogo das forças de mercado, na disputa da clientela”, supondo desigualdade competitiva, a partir de um quadro social igualitário jurídico[7]. Diante dessas premissas, entendemos que os elementos que componham o preço da mercadoria ou bem na operação interestadual de venda e compra mercantil oriundo em operação preliminar de importação são inerentes ao próprio exercício da “livre iniciativa” e da “livre concorrência”, inexistindo a condição suficiente para que haja intervenção estatal, de que são exemplos, a concorrência desleal e a ofensa ao direito do consumidor. Ora, a imputação do dever instrumental que regule a conduta intersubjetiva de modo a obrigá-la a explicitar elementos inerentes ao exercício da livre iniciativa e da livre concorrência implica na violação do próprio dever público de permitir a implementação de tais valores, além de violar a norma jurídica que estabelece o sigilo de informações pelo fisco. Os valores, dentre suas características, são dotados de bipolaridade[8]. A violação de um valor traz a tona a aplicação de um desvalor, que desvirtua o próprio fim do Direito: regular condutas intersubjetivas para a implementação dos valores estabelecidos por normas jurídicas de hierarquia constitucional. Não bastasse, é vigente norma jurídica veiculada pelo Código Tributário Nacional, de caráter nacional, que veda a divulgação de informações afetas à atividade do sujeito passivo pelo fisco, excetuando somente hipóteses de interesse à justiça, por meio de requisição judicial, ou por solicitação de autoridade administrativa, desde que instaurado processo administrativo próprio. Nesse sentido são os dispositivos 198 e 199, do Código Tributário Nacional: “Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. (Redação dada pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) § 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: (Redação dada pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) § 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) § 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a: (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) I – representações fiscais para fins penais; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) III – parcelamento ou moratória. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.” Ora, não se está a defender a indisponibilidade de informações ao fisco competente Estadual, mas entende-se que imputar deveres instrumentais ao sujeito passivo que dele exija a exposição de um dos elementos que viabiliza a prática da livre concorrência, por meio da Nota Fiscal Eletrônica e da Ficha de Conteúdo de Importação, viola tanto os princípios constitucionais, como o Código Tributário Nacional. E, ainda, a Resolução nº 13/2012 encontra-se vigente desde 1º de janeiro de 2013, produzindo todos os seus potenciais efeitos, inclusive quanto à obrigatoriedade de informar nas Notas Fiscais Eletrônicas o valor da parcela importada e o conteúdo de importação objeto da presente crítica, sob pena da aplicação de penalidades disciplinadas pelas legislações estaduais. O ajuste SINIEF Nº 27/2012 adiou somente a aplicação do preenchimento e da entrega da ficha de conteúdo de importação até 1º de maio de 2013. Assim, os sujeitos passivos já obrigados a adimplirem tais enunciados possuem até 1º de maio de 2013 para iniciar a entrega da Ficha de Conteúdo de Importação (FCI) e a inclusão do número respectivo nas notas fiscais eletrônicas, restando vigentes todos os demais dispositivos referentes aos demais deveres, o que, porém, não retira a possibilidade de discussão da coatividade dos direitos líquidos e certos ante a ilegalidade e a inconstitucionalidade a serem apreciados pelo Judiciário. 3. Conclusões A instituição de deveres instrumentais por Resolução, sob a análise pragmática, ultrapassa a permissão outorgada pela Constituição Federal no art. 155, §2º, inciso IV, que se limita à permissão para a fixação de alíquota. O enunciado-enunciado veiculado pela Resolução nº 13, publicada em 26 de abril de 2012 e vigente desde 1º de janeiro de 2013, institui dever instrumental que obriga o sujeito passivo do ICMS, nas operações interestaduais com mercadorias importadas ou com quociente de conteúdo de importação superior a 40% que não estejam nas hipóteses de não aplicação previstas nesse enunciado, a explicitar o preço de custo, ou valor da parcela de importação na nota fiscal eletrônica violando os princípios instituídos pela Constituição Federal de 1988 da livre iniciativa e da livre concorrência. Essa violação atinge valores instituindo um desvalor. O mesmo enunciado-enunciado acima mencionado viola o dever de sigilo do fisco e a própria finalidade do dever instrumental, já que o fato jurídico do ICMS não seria prejudicado na ausência da referida imputação. Tais discussões potencializam ainda mais a autocriação da linguagem do Direito Positivo que, mediante a manifestação do Judiciário, merece análise conjugada entre as normas jurídicas vigentes a serem norteadas pelos valores constitucionalmente instituídos.
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Tributação ambiental como pressuposto de tributação ética
Devido às diversas modificações no cenário ambiental, em relação ao aumento constante da degradação, estudos referentes ao tema têm sido cada vez mais relevante uma que afeta diretamente na qualidade de vida da população. Sendo garantia Constitucional, um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Este trabalho visa uma melhor compreensão do tema, analisando as formas tributação ambiental principalmente o repasse do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) Ecológico. A metodologia empregada no trabalho consiste na pesquisa bibliográfica em diversos títulos já publicados que elucida as questões referentes a temática. A conclusão chegada é que os maiores estudos sobre a tributação ambiental e a utilização de instrumentos tributários para obter receitas necessárias para a realização de políticas públicas ambientalmente tem sido cada vez mais relevantes.
Direito Tributário
1.INTRODUÇÃO No mundo desenvolvido de hoje, não é raro a falta de preocupação com a exploração indiscriminada dos recursos naturais renováveis, ocorrendo frequentemente à socialização do prejuízo ambiental e a monopolização do lucro da exploração, onerando os contribuintes, consumidores e membros da coletividade. É inegável a necessidade de se equacionar demandas socioeconômicas, tais quais: geração de emprego, renda, moradia, transportes, energia, etc., com a preservação dos ecossistemas. O melhor resultado possível é o denominado “desenvolvimento sustentável”, composto pelos fatores social, econômico e ambiental. O sistema jurídico brasileiro, através da Constituição Federal assegura a todos, em seu artigo 225, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se a ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo. Agir de forma ambientalmente responsável é uma obrigação da sociedade. Desta forma, a implantação da denominada tributação verde, serve como um mecanismo que promove a defesa do meio ambiente. Aqueles que utilizam fontes de energia renováveis, reciclagem, detentores de área de preservação, devem ter uma contraprestação da sociedade. Neste intuito a preservação do meio ambiente, houve o emprego da função extrafiscal do ICMS, a criação do ICMS ecológico, pioneiramente no Estado do Paraná, em 1991, foi adotado também em outras unidades federativas do Brasil. Não se trata de novo tributo ou de isenção fiscal, o estado efetua o repasse de parcela obrigatória da verba arrecadada com esse imposto aos municípios que adotem posturas ou que atendam a condições objetivas, previstas em lei, inerentes às melhores práticas socioambientais. Trata-se da utilização de uma possibilidade aberta no artigo 158 inciso II da Constituição Federal que permite aos Estados, legislar sobre até ¼ do percentual a que os municípios têm direito de receber do ICMS, regulamentado pela Lei Federal Complementar nº 63, de 11 de janeiro de 1990. Neste caso a denominação ICMS ecológico faz jus na utilização de critérios que versam sobre temas ambientais. Este trabalho visa elucidar questões referentes à tributação Ambiental em específico o Imposto sobre circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) ecológico a aplicação e retorno do tributo aos entes arrecadadores. 2.TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL Tributação ambiental pode ser entendida como o emprego de instrumentos tributários com finalidade de gerar recursos que são utilizados para o custeio de serviços públicos de natureza ambiental em conjunto com a orientação do comportamento dos contribuintes para evitar a sua degradação. O Sistema Tributário Nacional limita, em seus artigos, as ações de ordem econômica. Entre os tributos existentes, nenhum faz previsão, a qualquer forma expressiva de tributação sobre atividades que degradam o meio ambiente. Pode-se constatar que alguns tributos têm incidências aleatórias sobre situações que ensejam no desenvolvimento de atividades econômicas geradores efeitos no âmbito ambiental. Neste contexto a seletividade de alíquota nos tributos sobre circulação, produção e consumo, deveria ser não somente em função de sua essencialidade, mas em conformidade com os artigos da Constituição Federal, como exemplo artigo 170 inciso VI e artigo 225. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) prevista no artigo 177, § 4º, da Constituição Federal, pode ser apontada como o primeiro tributo ambiental (tributo verde) instituído no Brasil. O referido § 4º dispõe: “§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I – a alíquota da contribuição poderá ser: a) diferenciada por produto ou uso; b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, b; II – os recursos arrecadados serão destinados: a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo; b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; c) ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes.” Portanto, prevê a Constituição a instituição de um tributo ambiental, materializada através de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), incidente sobre setor da economia que causa os mais graves danos ao meio ambiente, qual seja, o dos combustíveis. As contribuições referentes ao sistema tributário aplicam as normas gerais de direito tributário, bem como os Princípios da Legalidade e Anterioridade, ressalvando, quanto a este último, a regra especial atinente às contribuições de seguridade social, como dispõe o artigo 149 do CTN que: “Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.” A CIDE é, portanto uma espécie tributária indicada para a elaboração de um tributo ambiental, pois é uma contribuição que tem por objetivo a intervenção do Estado no domínio econômico, através da promoção de indução negativa da atividade econômica em sentido estrito. Uma vez que possui tal finalidade específica, por força do disposto no artigo 149 da Constituição, a CIDE pode ser individualizada, incidindo somente sobre determinados setores, e tendo suas alíquotas graduadas conforme o dano ambiental. A adoção de medidas intervencionistas do Estado serve para implementação de políticas ambientais seja, pela imposição de tributos ou pela concessão de subsídios, não apenas como forma de arrecadação de tributos e geração de receitas, mas como instrumento para promover condutas adequadas ambientalmente. Essas políticas devem encontrar um equilíbrio entre os custos da poluição e os custos de seu controle. 3. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERRVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÃO (ICMS) O ICMS é o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação é o imposto que pode ser cobrado por cada Estado e pelo Distrito Federal sobre a movimentação de mercadorias e serviços de um Estado para outro, entre municípios ou ainda sobre a importação de mercadorias e prestação de serviços no exterior. O imposto também incide sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal, de comunicações, de energia elétrica, de entrada de mercadorias importadas e aqueles serviços prestados no exterior. O ICMS é regulamentado pela Lei Complementar 87/1996, a chamada "Lei Kandir" que contém suas normas gerais, e pelas leis complementares 92/1997, 99/1999 e 102/2000. A aplicação do ICMS também pode depender da legislação tributária de cada Estado que pode determinar, por exemplo, como os recursos do ICMS podem ser aplicados além de determinar quais as alíquotas aplicáveis para cada mercadoria/serviço que devem obedecer ao chamado “critério de essencialidade” segundo o qual mercadorias/serviços considerados essenciais (arroz, feijão, etc.) devem ter uma tributação menor que outros considerados supérfluos (cigarro, perfumes, etc.). No entanto, vale ressaltar que serviços como o de energia elétrica, combustíveis e telefonia, embora sejam necessários para a boa qualidade de vida dos indivíduos, possuem altas alíquotas de ICMS. Na maioria dos casos, as empresas repassam esse imposto ao consumidor, embutindo nos preços dos produtos. O ICMS não é um imposto acumulativo, ele incide sobre cada etapa da circulação de mercadorias separadamente. Em cada uma dessas etapas, deve haver a emissão de nota ou cupom fiscal. Isso é necessário devido ao fato de que esses documentos serão escriturados e serão através deles que o imposto será calculado e arrecadado pelo governo. Entretanto, a Constituição Federal em seu artigo 158 inciso IV dispõe que 25% do ICMS arrecadado pelo Estado sejam repassados aos municípios. Em seu parágrafo único determina que desses 25%, ¾, no mínimo devem ser distribuídos aos municípios na proporção do valor adicionado fiscal (VAF) [1] e os outros ¼ de acordo com o que dispuser a lei estadual. Tal faculdade permite interferência da administração estadual no processo de desenvolvimento municipal, tendo em vista que os critérios de repasse de verbas influenciam diretamente sobre as políticas públicas adotadas e estimula a práticas de conduta relevantes na preservação ambiental o chamando ICMS ecológico. 4. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS) ECOLÓGICO Os municípios têm a possibilidade de utilizar recursos financeiros arrecadados pelos Estados através do ICMS, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços a partir de definição, em leis estatuais que versam sobre critérios ambientais para a partilha de parte da “quota-parte” que os municípios têm direito de receber como transferências constitucionais. O ICMS ecológico aproveita oportunidade aberta, pelo disposto no inciso II, do artigo 158 da Constituição Federal, que define poder os Estados legislar sobre até 25% do percentual a que os municípios têm direito de receber do ICMS. Os critérios para determinação de qual o valor que deverá ser repassado aos municípios podem variar de acordo com o Estado em questão, todos levam em conta a existência de Unidades de Conservação e/ou áreas protegidas. As unidades de conservação são um espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção[2]. O ICMS ecológico veio como uma forma de compensar os municípios pela restrição de uso do solo em locais protegidos (unidades de conservação e outras áreas de preservação específicas), uma vez que algumas atividades econômicas são restritas ou mesmo proibidas em determinados locais a fim de garantir sua preservação, se mostrando como ótimo meio de incentivar os municípios a criar ou defender a criação de mais áreas de preservação e a melhorar a qualidade das áreas já protegidas com o intuito de aumentar a arrecadação. A adoção do ICMS ecológico instala o critério ambiental na redistribuição do imposto. A partir desse mecanismo cria-se uma oportunidade para o Estado influir no processo de desenvolvimento dos municípios, premiando algumas atividades e coibindo outras. Com duas funções principais, o ICMS ecológico, estimula os municípios a adotarem práticas de iniciativas para a conservação ambiental e desenvolvimento sustentável, e pela criação de unidades de conservação ou pela manutenção de áreas já criadas, seja pela incorporação de propostas que promovam o equilíbrio ecológico, a equidade social e o desenvolvimento econômico e recompensar os municípios que possuam áreas protegidas em seu território. Vale ressaltar que o intuito inicialmente compensatório conferido ao instituto logo se viu substituído por uma forma incrementadora, tendo em vista que um número crescente de municípios passou a implementar políticas públicas ambientais, almejando receber uma parte dos valores distribuídos segundo os critérios ambientais adotados nos Estados. A política obteve muito sucesso porque redimensiona e valoriza todos os aspectos fundamentais para um meio ambiente saudável, incentivando os municípios a investirem na qualidade de vida de sua população.  A Assembleia Legislativa do Paraná, pioneiramente, aprovou a primeira lei do ICMS Ecológico no Brasil em 1991, onde de acordo com o tipo e o tamanho das áreas protegidas de cada município parte do recurso seria destinado com a propósito de conservação destas unidades, desta forma, objetivou-se um aumento das unidades de conservação, que deixaram de ser um entrave ao desenvolvimento econômico do município, uma área inutilizada, para ser um incentivo para angariar novos recursos para os mesmo. Através da regulamentação lei Complementar nº 59, em 1991, o Paraná, baseou-se a sua proposta em dois critérios ambientais, a conservação da biodiversidade e dos mananciais de abastecimento para municípios vizinhos. O Estado foi o primeiro a experimentar os resultados extremamente positivos da adoção do ICMS Ecológico. O número de municípios beneficiados eleva-se a cada ano. Em 1992, foram 112; em 1998, o número já havia aumentado para 192 municípios[3]. Consequentemente, os dados da preservação ambiental no Estado mantém-se em constante crescimento. Estima-se que, desde a aprovação da Lei do ICMS Ecológico, em 1991, as áreas protegidas no Paraná aumentaram 950%[4], e que nos cinco anos de efetivo desenvolvimento do projeto. O segundo Estado a adotar a política do ICMS Ecológico foi São Paulo, com uma Lei Complementar promulgada no fim de 1993[5]. Desde lá, muitas áreas já foram beneficiadas, como a região do Vale da Ribeira, onde as possibilidades de desenvolvimento produtivo se mostravam, a princípio, bastante limitadas em função das proibições de pesca e extrativismo. Com o ICMS Ecológico os municípios localizados nesta área de Mata Atlântica já se sentem mais recompensados, buscando alternativas para o seu desenvolvimento aplicando vultuosos recursos em projetos de ecoturismo. Através da Lei Complementar Estadual n.o 12.040/95 conhecida como “Lei Robin Hood", Minas Gerais foi o terceiro Estado a colocar esse dispositivo em prática. A proposta mineira aprimora em relação ao paranaense, além da conservação dos mananciais de abastecimento inclui como tratamento de lixo, de esgoto, patrimônio cultural, educação, áreas cultivadas, número de habitantes por município, 50 municípios mais populosos, receita própria. Outra inovação ao grau da implementação, onde os percentuais aumentam ano a ano, causando menos impactos aos municípios, que antes tinham sua receita potencialmente proveniente do valor adicionado fiscal. 5-O ICMS ECOLÓGICO NA EXPERIÊNCIA DE ALGUNS ESTADOS BRASILEIROS O Estado do Mato Grosso do Sul aprovou o ICMS ecológico no ano de 1994, ficando esta Lei latente até o ano 2000, quando foi regulamentada pela Lei Complementar Estadual n.o 2.193/00. O Estado estabelece condições a que os índices ambientais possam vir a ser modificados durante o exercício civil. Em Pernambuco o ICMS Ecológico é denominado de "ICMS Sócio-Ambiental", foi aprovado pela Lei Estadual n° 11.899, de 21 de dezembro de 2000, e destina 12% (doze por cento) a partir do ano 2003 considerando aspectos sócio-ambientais. Destes aspectos, 1% (um por cento) destina-se para os municípios que possuem unidades de conservação e 5% (cinco por cento) devem ser distribuídos de forma igualitária aos municípios que possuam unidade de compostagem ou aterro sanitário controlado.  O Rio de Janeiro aprovou sua legislação através da lei n.º 5.100 em 2007, regulamentado através do Decreto nº 41.101/07. A regulamentação do ICMS Verde no Rio de Janeiro ficou limitada, o que poderá dificultar o processo de apoio aos proprietários de RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural). O Estado deverá seguir os outros Estados onde já foi implementado o ICMS ecológico. No Estado do Ceará aprovação do ICMS ecológico através da Lei Estadual n.º 14.023, de 17 de dezembro de 2007, regulamentado pelo Decreto Estadual nº 29.306, de 05 de junho de 2008. O Estado do Ceará incorporou a metodologia utilizada pelo Programa Selo Município Verde no ICMS Ecológico. Aprovação do ICMS Ecológico, no Estado do Amapá, através da Lei Estadual 322, de 23 de dezembro de 1996, no contexto de uma reforma nos critérios de repasse. Em relação às unidades de conservação segue o modelo de cálculo dos índices realizados no Paraná.  Alguns Estado Brasileiros o ICMS ecológico está em fase de implementação onde alguns projetos depende de tramitação interna como é o caso do Amazonas, Espírito Santo. Em Santa Catarina, Bahia a proposta do ICMS ecológico está à disposição para ser debatida e encaminhada Assembleia Legislativa.   O quadro 1 ilustra os Estados que adotaram o ICMS Ecológico, a legislação estadual específica, os critérios utilizados e os percentuais de aplicação de cada um: 6-CONSIDERAÇÕES FINAIS Não se pode duvidar da concretude que o uso do direito tributário tem na obtenção do desenvolvimento sustentável, no esteio de que o mesmo cumpre um novo papel, diverso do tradicional, de instrumento de estabilidade social. Além disso, ele deve ser utilizado como ferramenta para consecução dos fins objetivados pelo Estado. Nessa perspectiva, acredita-se que o direito tributário desempenha um novo papel, além do tradicional, que é a manutenção da máquina estatal, ele também serve como ferramenta de consecução de políticas públicas que promovem a preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado como ingrediente dignidade da pessoa humana. Assim, recentemente foi introduzida a denominação "tributação verde" para designar a importância da relação entre política tributária e preservação do meio ambiente. A tributação ambiental utiliza de instrumentos tributários para obter receitas necessárias para a realização de políticas públicas ambientalmente relevantes, além de promoção de ações de conscientização da população sobre a importância da preservação ambiental em consonância ao artigo 225 da Carta Magna. A utilização do ICMS ecológico faz com que a preservação ambiental esteja em primeiro plano estimulando os municípios a adotarem posturas que atendam a condições objetivas, previstas em lei, inerentes às melhores práticas socioambientais evitando assim a degradação ambiental. O ICMS Ecológico tem representado um avanço na busca de um modelo de gestão ambiental compartilhada entre os Estados e municípios no Brasil, com reflexos objetivos em vários temas, em especial a conservação da biodiversidade, através da busca da conservação materializada pelas unidades de conservação e outros espaços especialmente protegidos.
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A inconstitucionalidade do cálculo por dentro do ICMS
O ICMS é um dos mais importantes tributos que nosso ordenamento jurídico comporta.  Isto significa que dentre os tributos existentes, é um dos que mais geram receitas aos cofres públicos. Assim, a sua correta instituição e cobrança são pressupostos dos quais o legislador não pode se afastar. No entanto, fato estranho ao Direito ocorre quando se utiliza a chamada base de cálculo “por dentro”, dado que neste tipo de operação embuti-se, na base de cálculo do tributo, o próprio tributo, desvirtuando-se, assim, por completo, o seu fato gerador. Dessa forma, veremos que a chamada base de cálculo “por dentro” não se sustenta, em hipótese nenhuma, devido à sua clara inconstitucionalidade.
Direito Tributário
1. Definição de norma jurídica Definir norma jurídica é, de todo, uma tarefa árdua, dado que não há um consenso entre os mais renomados doutrinadores. Isso porque o estudo da norma jurídica é tema que se controverte entre alguns escritores no que pertine ao seu próprio conceito. De fato, foram vários os doutrinadores que se aventuraram a discorrer sobre a norma jurídica, e ainda assim não houve um consenso entre a mais ilustre doutrina, mas alguns doutrinadores percorrem o mesmo caminho, como passaremos a ver. Para Aurora Tomazini de Carvalho (2009, p. 195) a norma jurídica “é um juízo construído pelo intérprete a partir dos enunciados prescritivos, por isso, sempre implícita”. Já Tácio Lacerda Gama (2009, p.53) compara norma jurídica em sentido amplo com proposição normativa, e diz que “A simples indicação de uma alíquota, a qualificação de um sujeito passivo ou ativo, a prescrição de uma imunidade, de um princípio são, todos, exemplos de proposições ou normas jurídicas em sentido amplo”. Por fim, nas lições de Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 24), o professor define norma jurídica “como significações construídas a partir dos textos positivados e estruturadas consoante a forma lógica dos juízos condicionais, compostos pela associação de duas ou mais proposições prescritivas”. Portanto, temos a norma jurídica como o resultado de um percurso interpretativo, onde ao final o intérprete se depara com a ideia que fora construída pela meditação sobre o texto. Em outras palavras, norma jurídica é o resultado da interpretação feita pelo exegeta da leitura de um texto dito jurídico. Para se obter a norma jurídica, o estudioso terá que passar por diversos terrenos de interpretação para, ao final, extrair dali a norma jurídica. Assim, como o resultado depende de uma interpretação, pode se dizer que a norma jurídica é criada por cada pessoa, e às vezes pode haver divergência de opiniões, o que é aceitável, dado o caráter subjetivo da interpretação. 2. Princípios tributários na Constituição Federal Podemos dizer que o princípio é uma norma, explícita ou implícita, que norteia e impõe limites, dotada de forte axioma. O princípio pode ser visto como um valor ou como um limite objetivo. Como valor significa dizer que se vê, no princípio, algo subjetivo, que depende de uma interpretação levando-se em consideração outros valores. Ou seja, o princípio como valor não é expresso de forma explícita, mas sim interpretativa. Já como limite objetivo, significa dizer que se vê, no princípio, algo muito mais objetivo, expresso no enunciado da norma, de forma que não depende de uma interpretação mais aprofundada, onde sua violação seja de fácil constatação. São princípios vistos como valor: capacidade contributiva, não-confisco, segurança jurídica e isonomia. E isso é assim porque tais princípios não são de fácil interpretação, requerendo do interprete uma análise mais completa sobre os valores destes princípios, análise esta que deve levar em conta a aplicação de outros princípios. Por outro lado, são princípios vistos como limite objetivo: legalidade, anterioridade, irretroatividade das leis tributárias, tipologia tributária e indelegabilidade da competência tributária. E isso é assim porque estes princípios, para serem enxergados, não precisam de uma interpretação mais acirrada, bastando uma análise perfunctória do caso concreto para se saber se estes princípios foram ou não violados. Exemplo disso é a instituição de um tributo sem lei, que violaria o principio da legalidade, sendo que para se chegar a esta conclusão bastaria procurar no ordenamento jurídico se houve ou não a edição de uma norma que tenha criado a exação.    Ou seja, são princípios onde se exige pouco trabalho interpretativo para se saber se estão sendo aplicados ou não. Vejamos, detalhadamente, os princípios tributários mais importantes. 2.1. Princípio da estrita legalidade É o princípio que determina que as pessoas políticas competentes só podem instituir ou aumentar tributos mediante a expedição do veículo normativo lei em seu sentido lato (artigo 150, inciso I, CF/88), inclusive medida provisória desde que respeitada a exigência prevista no artigo 62, § 2º, da CF/88, devendo ainda observar-se os casos em que é exigida lei complementar. Decorre também deste princípio a necessidade de que a lei descreva a RMIT (elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional), nascendo desta exigência o denominado princípio da tipicidade fechada ou tipologia tributária. Para Luciano Amaro (2007, p. 111) este princípio “é informado pelos ideais de justiça e de segurança jurídica, valores que poderiam ser solapados se à administração pública fosse permitido, livremente, decidir quando, como e de quem cobrar tributos”. Alerte-se por final, que alguns tributos estão dispensados constitucionalmente para sua alteração do uso do veículo introdutor lei para este fim (artigo 153, § 1º, CF/88), podendo ser alterados por mero Decreto do Poder Executivo, este editado dentro de balizas previamente estabelecidas pelo legislador. 2.2.Princípio da isonomia tributária       É o princípio que determina ao legislador a necessidade de ao construir a norma tributária, conformar a sua aplicação para considerar que os sujeitos passivos destinatários da norma que se encontrem na mesma situação, tenham o mesmo tratamento pela norma impositiva (artigo 150, inciso II, CF/88), ou seja, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. 2.3. Princípio da irretroatividade da lei tributária Este princípio determina que a lei que institua ou aumente tributos, não pode retroagir para atingir fatos passados, em homenagem ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, possibilitando segurança jurídica no sistema (artigo 150, inciso III, alínea ‘a’, CF/88). Anote-se que no caso de penalidades por descumprimento de norma tributária, que a lei só poderá retroagir (princípio da retroatividade benigna – artigo 106 do CTN) se for para beneficiar o sujeito passivo. 2.4. Princípio da anterioridade Já este princípio determina que a lei que institua ou que aumente tributos só possa ter vigência no ano seguinte ao de sua publicação, visando, desta forma dar previsibilidade aos possíveis sujeitos passivos atingidos pela norma (artigo 150, inciso III, ‘b’, CF/88). O professor Roque Antonio Carrazza (2011, p. 202) explica o acima transcrito, ao escrever que “O contribuinte, com isso, pode programar, ano a ano, suas atividades econômicas, já que, durante o exercício financeiro, não será colhido de surpresa com novas incidências fiscais”. Visando dar maior efetividade ao princípio, o legislador constituinte derivado, através da aprovação da EC nº 42/2.003, agregou-lhe também a necessidade da denominada “noventena” (artigo 150, inciso III, alínea ‘c’, CF/88), ou seja, de que o tributo só possa ser exigido no primeiro dia do ano calendário seguinte, se a lei que o instituiu ou aumentou for publicada com pelo menos 90 (noventa) dias antes do encerramento do referido exercício, sem o qual ficará prorrogada a sua vigência para que tal prazo seja respeitado. Tal princípio da anterioridade, seja o comum, seja aquele relacionado com a noventena, encontra alguns temperamentos no sistema constitucional tributário quanto a sua aplicabilidade aos tributos nela explicitados, ora prescindindo da aplicação das 02 (duas) regras objetivas (artigo 195, § 6º, da CF/88), ora prescindindo de uma ou de outra (artigo 150, § 1º, da CF/88). 2.5 Princípio da proibição de tributo com efeito de confisco É o princípio que determina ao Estado a vedação da exigência de tributos que importem em apossamento dos bens do sujeito passivo, comunicando a existência de limites para a carga tributária incidente sobre os fatos econômicos escolhidos pelo legislador constituinte e objeto da competência tributária (artigo 150, inciso IV, da CF/88). Na legislação pátria não há limite matemático para a definição de confisco, cabendo ao Poder Judiciário a verificação do caso concreto. Tal princípio é de suma importância, pois, como nos ensina Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 301), “Considerando que a tributação interfere no patrimônio dos cidadãos, subtraindo parcelas deste, é inadmissível a imposição de ônus insuportáveis (…)”. Assim, caso um tributo viole este princípio, será taxado de inconstitucional. 2.6. Princípio da uniformidade geográfica Segundo este princípio, todos os tributos instituídos ou aumentados pela União devem ser uniformes em todo o território nacional (artigo 151, inciso I, da CF/88), confirmando assim o postulado federativo e a autonomia dos Municípios. 2.7. Princípio da não-cumulatividade Por fim, temos o princípio da não-cumulatividade, que impõe uma técnica de apuração a determinadas exações, segundo a qual o valor do tributo devido em cada operação será compensado com a quantia incidente nas operações anteriores, possibilitando o respeito à capacidade contributiva e o afastamento de tributos regressivos. Foi adotado inicialmente no texto constitucional para o IPI (artigo 153, § 3º, II, CF/88), e para o ICMS (artigo 155, § 2º, I, CF/88), mas hodiernamente após a EC nº 42/2003 o princípio pôde abarcar outros tributos, como, por exemplo, as contribuições para a seguridade social (artigo 195, § 12, CF/88).           3. A regra-matriz de incidência tributária Antes de se estudar a inconstitucionalidade do “cálculo por dentro do ICMS”, importante adentrarmos na estrutura normativa da regra matriz de incidência, dado que, conforme veremos, a inconstitucionalidade do referido emenda está intimamente ligada aos critérios materiais e quantitativo na norma de incidência. Assim, passaremos a seguir a estudar a estrutura da norma primária, com seus componentes, sujeitos e objeto. Começaremos falando do antecedente da norma, onde se situa a hipótese de incidência, que é descritiva de evento de possível ocorrência. 3.1. O critério material Hipótese de incidência tributária – ou critério material – é a suposição que se dá a um determinado acontecimento que, ocorrendo, pode gerar obrigação tributária. A sua função na composição da RMIT é justamente a de prever hipóteses nas quais poderá surgir uma relação jurídica tributária, prevendo qual o fato que gerará o tributo (critério material), onde será gerado (critério espacial) e quando será gerado este tributo (critério temporal). Alfredo Augusto Becker (2010, p. 281), salienta que “A hipótese de incidência da regra jurídica tributária pode ser qualquer fato (ato, fato ou estado de fato), desde que seja lícito. Caso contrário, se for ilícito, o objeto da prestação não será tributo, mas sanção”. Muito se discute, também, sobre a necessidade de um critério pessoal compor a hipótese da RMIT.  Mas entendemos que não há esta necessidade, uma vez que dentro do critério material, que é sempre composto por um verbo e por um complemento (por exemplo, circular mercadorias), este referido verbo será sempre um verbo pessoal, importando, portanto, em uma ação humana. Sobre este aspecto, Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 149) ensina que “O critério material é o núcleo do conceito mencionado na hipótese normativa. Nele há referência a um comportamento de pessoas físicas ou jurídicas, condicionado por circunstâncias de espaço e tempo (…)”. Assim, importa concluir que, indiretamente, dentro da hipótese da RMIT, já há um critério pessoal, mas é geral, pois não especifica diretamente quem são os sujeitos, não havendo necessidade, portanto, de um critério pessoal nesta parte da RMIT. 3.2. O critério espacial O critério espacial da hipótese tributária, por sua vez, está relacionado com o local onde o fato gerador se dará (por exemplo, em uma alfândega, em uma zona de um município, ou em um Estado). Importante observar que a vigência territorial da lei está relacionada com o alcance territorial em que a lei incide, ou seja, qual a delimitação do espaço onde a lei vige. Assim, o critério espacial pode coincidir ou não com a vigência temporal, devendo ser analisado o caso concreto. Uma lei pode valer para todo território nacional, como, por exemplo, a lei que instituiu o imposto de importação, e, no entanto, ter o seu critério espacial delimitado em uma zona alfandegária. Por outro lado, uma lei pode valer para um determinado Estado, como, por exemplo, a lei que instituiu o ICMS, e ter o seu critério espacial em todo o Estado, coincidindo, portanto, os dois institutos. 3.3. O critério temporal Já quanto ao critério temporal, Paulo de Barros Carvalho (200, p. 295) leciona que “Compreendemos o critério temporal da hipótese tributária como o grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária”. Dessa forma, o critério temporal está relacionado com a data em que o fato gerador se deu (ou deva se dar). Já quanto à vigência da lei no tempo, esta se relaciona com o período em que a lei poderá ser aplicada. Passaremos, agora, a discorrer sobre o consequente da norma, que abrange os seus sujeitos (passivo e ativo), bem como a base de cálculo e respectiva alíquota. A função do consequente é a de confirmar o antecedente, mensurando o valor do tributo, indicando os sujeitos da obrigação tributária e, principalmente, identificando/confirmando a espécie de exação. Para o professor Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 316), “o consequente normativo desenha a previsão de uma relação jurídica”. Ou seja, se A, então deve ser B. No consequente estão os sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária. 3.4. O critério pessoal – sujeito ativo O sujeito ativo é a pessoa, física ou jurídica, que tem o direito de exigir, do sujeito passivo, o cumprimento da obrigação tributária. Comumente o sujeito ativo se perfaz na pessoa de um ente público (União, Estados ou Municípios), mas nada há que impeça que o sujeito ativo possa ser um particular. Assim, o sujeito ativo é quem exigirá o cumprimento da obrigação assumida pelo sujeito passivo. 3.5. O critério pessoal – sujeito passivo Sujeito passivo é a pessoa indicada na RMIT para estar no pólo passivo da relação tributaria. É ele quem deverá arcar com o ônus de pagar o tributo. O sujeito passivo pode ser o contribuinte, que é quem pratica o fato gerador, como pode ser o responsável que, embora não tenha praticado o fato gerador, a lei lhe atribui a responsabilidade pelo pagamento do tributo, com recursos próprios. 3.6. O critério quantitativo – a base de cálculo Assim como os sujeitos passivo e ativo a base de cálculo é encontrada no consequente da RMIT, especificamente no critério quantitativo, e pode ser definida como o alicerce que dará suporte à aplicação da alíquota. Ou seja, é no exato momento em que a alíquota é aplicada sobre a base de cálculo que se extrairá da RMIT o quantum debeatur. Daí sua singular importância. Pelos ensinamentos do professor Paulo de Barros Carvalho são três as suas funções, a saber: (i) função mensuradora, que consiste em medir as proporções reais do fato; (ii) função objetiva, que permite compor a específica determinação da dívida; e (iii) função comparativa, pois permite confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente da norma. Quanto à primeira das funções, esta consiste em mensurar o conteúdo econômico do dever do sujeito passivo, em relação ao fato ocorrido. Ou seja, esta função permite que o legislador escolha um ou mais critérios para medir o conteúdo econômico do fato que vier a ser um “fato tributário”. Já a segunda função é a de identificar o valor devido, e para isso se utiliza da alíquota, sabendo-se, assim, o quanto de tributo deverá ser recolhido aos cofres públicos. Por derradeiro, a terceira função da base de cálculo é a de confirmar o critério material, ou seja, a hipótese de incidência, não permitindo que surjam tributos mascarados como, por exemplo, cobrar uma taxa quando na verdade se está cobrando um imposto. Esta função é de extrema importância, pois permite até declarar a inconstitucionalidade de certos tributos. 3.7. O critério quantitativo – a alíquota Por fim, temos a alíquota, que será aplicada sobre a base de cálculo, podendo ser fixa ou variável. Será fixa quando o montante de tributo a ser pago for determinado, ou seja, quando o valor cobrado for fixo, independentemente do montante expressado na base de cálculo. E será variável sempre que for aplicada em percentual sobre a base de cálculo. 4. O ICMS na Constituição Federal e nos Estados membros O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços está disposto no inciso II do artigo 155 da Constituição Federal, onde diz que este imposto é de competência dos Estados e do Distrito Federal. Porém, ali apenas está disposta a competência tributária destes entes para criar a exação. Ou seja, é na Constituição Federal que os Estados e o Distrito Federal buscarão fundamentação para a criação do ICMS. Assim, por ser imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal, o ICMS estará legalmente previsto nas respectivas legislações estaduais e distrital. Porém, não podemos nos esquecer que, em que pese cada Estado possuir sua competência para a instituição do ICMS, existe em nosso ordenamento jurídico a Lei Complementar de nº. 87/96, denominada Lei Kandir, onde regula, de uma forma geral, como os Estados e o Distrito Federal devem legislar sobre o ICMS. E isso não viola e nem ofende a competência destes entes, dado que a LC 87/96 apenas estabelece normas gerais a serem adotadas no que pertine ao ICMS. Por fim, importante registrar que, em que pese a competência para a instituição do ICMS seja dos Estados e do Distrito Federal, há ainda a chamada competência da União Federal para instituir impostos extraordinários, como prevê o inciso II do art. 154 da CF e, assim, dado alguma situação específica (eminência ou caso de guerra externa), a União Federal poderá, também, instituir o ICMS, ainda que provisoriamente. 5. Os cinco impostos que a sigla ICMS comporta O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS – é imposto de competência dos Estados, de acordo com o que dispõe o artigo 155, II, da CF. Aplica-se ao ICMS o disposto na LC 87/96, tendo esta Lei Complementar um importante campo de atuação. Cabe, porém, a cada Estado, estabelecer sua legislação específica para o ICMS. Porém, fato é que o ICMS comporta vários fatos-geradores e, assim, podemos falar em diversas Regras-Matrizes para esta exação. Segundo o professor Paulo de Barros Carvalho, no ICMS existem três regras-matrizes. Por outro lado, para Roque Antonio Carraza, são cinco as regras-matrizes do ICMS. Assim ensina o professor Roque Antonio Carrazza (2009, p. 36 e 37), sustentando que “A sigla ICMS alberga pelos menos cinco impostos diferentes, a saber: a) imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que, de algum modo, compreende o que nasce da entrada de mercadorias importadas do exterior; b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e e) o imposto sobre a extração, circulação, extração ou consumo de minerais”. (grifo do autor).  Eis, portanto, os cinco impostos que a sigla ICMS comporta. 6. O ICMS e os princípios da não-cumulatividade e da seletividade O ICMS, a princípio, se sujeita a todos os princípios constitucionais tributários. A exceção está no inciso IV do § 4º do artigo 155, onde reza que as alíquotas serão definidas por deliberação dos Estados e do DF. Assim, neste caso temos uma exceção ao princípio da legalidade, bem como ao princípio da anterioridade do exercício financeiro. Dentre os princípios informadores, porém, dois se destacam: o princípio da seletividade e o princípio da não-cumulatividade. Pelo princípio da seletividade, o imposto terá alíquotas variáveis de acordo com a essencialidade do produto. Ou seja, respeita o mesmo parâmetro utilizado em relação ao IPI.  Assim, quanto mais essencial for o produto, menor será sua alíquota. O que diferencia do IPI é que para o ICMS a seletividade é facultativa, e não obrigatória, o que faz com que, na prática, este seletividade não seja aplicada. Porém, esta não é a visão do professor Roque Antonio Carrazza (2009, p. 458), que, com razão, afirma que o princípio da seletividade deve ser seguido, obrigatoriamente, também no caso do ICMS. Vejamos mais uma vez suas preciosas lições, onde diz que “Antes de avançarmos em nosso raciocínio, vamos logo consignando que este singelo poderá equivale juridicamente a um peremptório deverá. Não se está, aqui, diante de mera faculdade do legislador, mas de norma cogente – de observância, pois, obrigatória. Além disso, quando a Constituição confere a uma pessoa política um poder, ela, ipso facto, está lhe impondo um dever. É por isso que se costuma falar que as pessoas políticas têm poderes-deveres (ou, como mais apropriadamente proclama Celso Antônio Bandeira de Mello, deveres-poderes). No mesmo sentido, Rui Barbosa Pontifica: ‘Claro está que em todo o poder se encerra um dever: o dever de não exercitar o poder, senão dadas as condições, que legitimem o seu uso, mas não deixar de o exercer, nas condições que o exijam’. Portanto, a seletividade no ICMS, tanto quanto no IPI, é obrigatória. Melhor elucidando, o ICMS deverá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. (destaques do autor). Portanto, vê-se que o princípio da seletividade deve, sim, obrigatoriamente, ser aplicado ao ICMS. Por fim, o princípio da não-cumulatividade visa deixar a tributação tão intensa. Este princípio dita que o ICMS calculado e aplicado a uma determinada operação será descontado da operação antecedente. 7. A base de cálculo “por dentro” e a sua inconstitucionalidade Podemos medir a potencialidade de um tributo levando-se em consideração a sua base de cálculo, conjugada com a sua respectiva alíquota. Assim, quanto mais intensa for essa combinação, mais intenso serão os efeitos que o tributo implicará, onerando o contribuinte de forma mais ou menos severa, conforme o caso. Também é por meio da base de cálculo, em confronto com a hipótese de incidência, que podemos saber qual a espécie de tributo estamos tratando. A base de cálculo é encontrada no consequente da RMIT, especificamente no critério quantitativo, e pode ser definida como o alicerce que dará suporte à aplicação da alíquota. Ou seja, é no exato momento em que a alíquota é aplicada sobre a base de cálculo que se extrairá da RMIT o quantum debeatur. Daí sua singular importância. Pelos ensinamentos do professor Paulo de Barros Carvalho são três as suas funções, a saber: (i) função mensuradora, que consiste em medir as proporções reais do fato; (ii) função objetiva, que permite compor a específica determinação da dívida; e (iii) função comparativa, pois permite confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente da norma. Quanto à primeira das funções, esta consiste em mensurar o conteúdo econômico do dever do sujeito passivo, em relação ao fato ocorrido. Ou seja, esta função permite que o legislador escolha um ou mais critérios para medir o conteúdo econômico do fato que vier a ser um “fato tributário”. Já a segunda função é a de identificar o valor devido, e para isso se utiliza da alíquota, sabendo-se, assim, o quanto de tributo deverá ser recolhido aos cofres públicos. Por derradeiro, a terceira função da base de cálculo é a de confirmar o critério material, ou seja, a hipótese de incidência, não permitindo que surjam tributos mascarados como, por exemplo, cobrar uma taxa quando na verdade se está cobrando um imposto. Esta função é de extrema importância, pois permite até declarar a inconstitucionalidade de certos tributos. Portanto, a base de cálculo de um determinado tributo é algo que exige uma atenção bastante especial, pois qualquer desvirtuamento de suas funções implicará em nítido confronto com diversos princípios, em especial o da estrita legalidade tributária. Assim, se não houver congruência entre base de cálculo e hipótese de incidência o tributo não poderá ser exigido, pois, conforme Roque Antonio Carrazza (2009, p. 309), “descaracterizada a base de cálculo, descaracterizado também estará o tributo”. No caso do ICMS a base de cálculo deve sempre corresponder a uma operação mercantil ou prestação de serviço. Como novamente nos ensina Roque Antonio Carrazza (2009, p. 309 e 310), “a base de cálculo do ICMS deve necessariamente ser uma medida ou da operação mercantil, ou da prestação do serviço de transporte transmunicipal, ou, ainda, da prestação de serviço de comunicação”. Porém, fato que nos chama a atenção, em relação ao ICMS, é a chamada base de cálculo “por dentro”, por fugir aos padrões de bases de cálculos de outras exações. E isso porque, de acordo com esta sistemática, o cálculo “por dentro” engloba, também, a sua própria receita. Ou seja, utiliza-se o próprio tributo para compor a sua base de cálculo. Mais uma vez, atentemo-nos às lições do professor Roque Antonio Carrazza (2009, p. 325), para quem este tipo de cálculo é, de todo, inconstitucional, dado que, segundo o citado professor, “Com efeito, a inclusão do ICMS em sua própria base de cálculo desvirtua o modelo constitucional deste tributo, que deixa de ser sobre “operações mercantis” para transformar-se num “imposto sobre o imposto”, figura híbrida e teratológica, que, inclusive, viola o princípio da reserva das competências tributárias”. (destaques do autor). Ora, o montante do ICMS não pode compor sua própria base de cálculo, pois isso seria o mesmo que cobrar imposto sobre imposto. Vejamos o que diz a LC 87/96, em seu artigo 13, § 1º, I: “§ 1º. Integra a base de cálculo do imposto: I – o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle;” Fato é, porém, que a Lei Complementar tem natureza declaratória e, portanto, não pode inovar, devendo sempre respeitar os parâmetros impostos pela Constituição Federal. Fácil notar, portanto, a inconstitucionalidade do supracitado dispositivo, dado que inovou ao dizer que comporá a base de cálculo do ICMS o montante do próprio imposto. E isso inclusive fere direito subjetivo do contribuinte, uma vez que se vê diante da cobrança de nova exação, não prevista pela CF. Portanto, concluímos com o citado professor que o cálculo “por dentro” do ICMS é figura inconstitucional, e deve ser repelida de nosso ordenamento jurídico. Conclusão Determinar o valor a ser pago em um determinado tributo é tarefa minuciosa, e que, portanto, exige muita atenção. A Constituição Federal, no intuito de evitar que abusos ocorram, determina normas gerais e que devem sempre ser seguidas pelos entes tributantes. Determina também que Lei Complementar deve impor normas a fim de regulamentar a tributação. Porém, não é o que se vê na LC 87/96, em seu artigo 13, § 1º, I, pois, ao determinar a inclusão do próprio imposto em sua base de cálculo, viola, explicitamente, direitos subjetivos dos contribuintes. Ainda, afronta a própria Constituição Federal, uma vez que Lei Complementar não pode inovar em legislação tributária, mas tão apenas declarar, ou seja, esclarecer os parâmetros definidos na CF. Assim, uma vez que referido dispositivo impõe a inclusão, em sua base de cálculo, do próprio montante do imposto, tem-se nítida inconstitucionalidade, com a qual nosso ordenamento jurídico não pode, em hipótese nenhuma, convalidar.
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Aproveitamento de crédito do ICMS no processo produtivo da mineração. Lubrificantes, pneus e câmaras de ar
O presente artigo trata a respeito do aproveitamento de crédito do ICMS incidente na aquisição de bens intermediários essenciais que são utilizados no processo produtivo, em especial na atividade de mineração. Questiona-se a respeito do alcance e da eficácia do princípio da não-cumulatividade atinente ao ICMS, bem como é feito uma apurada análise das legislações pertinentes e do entendimento jurisprudencial a respeito do tema. O escopo do estudo é realizar uma análise crítica a respeito da legalidade das práticas adotadas por algumas empresas que atuam no ramo da mineração, servindo como orientação prévia e em último caso como sustentáculo argumentativo para aquelas que tiverem sido autuadas.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O presente artigo trata a respeito da polêmica questão do aproveitamento de crédito do ICMS incidente na aquisição de bens intermediários essenciais que são utilizados no processo produtivo, em especial no ramo da mineração. O fundamento legal que norteia o presente estudo fica por conta do princípio da não-cumulatividade insculpido no artigo 155, parágrafo 2º, I da Constituição Federal. Questiona-se a respeito do alcance e da eficácia do princípio da não-cumulatividade atinente ao ICMS. Haveria necessidade de mediação legislativa de modo que o exercício do direito de crédito dele decorrente careceria da legislação complementar ou regimental? Este direito de crédito poderia se dar de forma irrestrita e a qualquer tempo por decorrer das normas constitucionais? A mineração brasileira, como toda e qualquer atividade industrial no Brasil, está sujeita a diversos impostos, taxas, contribuições de melhoria etc, seja no âmbito federal, estadual e/ou municipal. Inúmeras empresas que atuam na atividade minerária aproveitam crédito do ICMS sobre a aquisição de peças e demais materiais utilizados na reforma e manutenção dos veículos que fazem parte de seu processo produtivo, dentre eles lubrificantes, pneus e câmaras de ar. Essa prática vem sido observada há algum tempo, sendo que inúmeras outras empresas que atuam no mesmo ramo desejam adotá-la, mas, por cautela, acabam não agindo de igual modo. É que o direito ao referido crédito não se encontra de maneira clara nas disposições constantes no Regulamento do ICMS do Estado de Minas Gerais, sujeitando as empresas do segmento a eventual fiscalização por parte das autoridades fazendárias, havendo nítido risco de serem autuadas, comprometendo o planejamento tributário traçado pela companhia, além de terem que arcar, é claro, com o pagamento do tributo e as respectivas penalidades. Não obstante, pretende o autor investigar a existência de argumentos que sejam capazes de sustentar a apropriação de crédito do ICMS em face de tais bens, procedendo, para isso, a uma apurada análise das legislações pertinentes e das jurisprudências administrativas e judiciais que enfrentam o tema. Deste modo, a presente monografia tem por escopo realizar uma análise crítica a respeito da legalidade das práticas adotadas por algumas empresas que atuam no ramo da mineração, servindo como orientação prévia e em último caso como sustentáculo argumentativo para aquelas que tiverem sido autuadas. 2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA A noção de tributo consentido está ligada ao surgimento do Estado Moderno de Direito que sucedeu ao feudalismo medieval, na qual, todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. A história nos revela que o princípio da legalidade tributária tem como antecedente a Carta Magna Inglesa de 1215, do Rei João Sem Terra, que exigia o prévio consentimento dos súditos para a cobrança dos tributos, política esta conhecida como no taxatation without representation. Anteriormente, a política tributária adotada pelo Monarca era extorsiva e arbitrária.[1] Uma das funções primordiais do princípio da legalidade tributária é limitar o poder do Estado, uma vez que tem como corolário o verbete nullum tributum sine lege. Hugo de Brito Machado[2] aduz que: “no Brasil, como, em geral, nos países que consagram a divisão dos Poderes do Estado, o princípio da legalidade constitui o mais importante limite aos governantes na atividade de tributação”. O princípio da legalidade, em seu aspecto geral, encontra-se previsto no art. 5º, inciso II, da CR/88, in verbis: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;” O aspecto específico da legalidade, isto é, sua aplicação voltada à legislação tributária, por sua vez, encontra-se previsto no art. 150 da Carta Magna, a seguir[3]: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;” Assim, a criação-extinção e o aumento-redução, devem obediência ao princípio da legalidade, não podendo ocorrer, senão mediante lei que o estabeleça. Como todo e qualquer princípio, o princípio da legalidade tributária não é absoluto, sendo que o Constituinte originário previu algumas atenuações, conforme se depreende do disposto no art. 153, § 1º da Constituição Federal. Deste modo, quatro impostos podem ter suas alíquotas majoradas ou reduzidas por ato próprio do Poder Executivo Federal. São eles: 1. Imposto sobre a importação (II); 2. Imposto sobre a Exportação (IE); 3. Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); 4. Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros (IOF).  É que tais tributos são frutos da política tributária e econômica adotada pelo Estado, sendo conveniente e oportuno a alteração de suas alíquotas (e não base de cálculo) por meio de ato próprio do Poder Executivo Federal.  Salienta-se que a Emenda Constitucional n. 33/2001 trouxe ainda outras atenuações ao princípio da legalidade tributária, são elas: CIDE-Combustível e ICMS-Combustível. Ao lado da legalidade tributária temos a tipicidade que para alguns doutrinadores, trata-se de um princípio autônomo e para outros, trata-se de decorrência do próprio princípio da legalidade tributária. Vejamos a doutrina de Luciano Amaro[4]: “Isso leva a uma outra expressão da legalidade dos tributos, que é o princípio da tipicidade tributária, dirigido ao legislador e ao aplicador da lei. Deve o legislador, ao formular a lei, definir, de modo taxativo, (numerus clausus) e completo, as situações (tipos) tributáveis, cuja ocorrência será necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, bem como os critérios de quantificação (medida) do tributo. Por outro lado, ao aplicador da lei veda-se a interpretação extensiva e a analogia, incompatíveis com a taxatividade e determinação dos tipos tributários.” O art. 97 do CTN trata dos elementos da tipicidade tributária, quais sejam: alíquota, base de cálculo, sujeito passivo, multa e fato gerador. A tipicidade tributária é fechada, ou seja, exige-se que os conceitos descritos sejam determinados, completos, de modo que o tipo deva conter toda informação necessária e suficiente para sua aplicação, servindo como um escudo contra os atos da administração pública e a sede arrecadatória do Estado, tendo em vista que a cobrança do tributo é uma atividade administrativa plenamente vinculada e os excessos são comuns às ganâncias do homem[5]. Nos dizeres de Sacha Calmon Navarro Coelho[6]: “a tipicidade tributária é cerrada para evitar que o administrador ou o juiz, mais aquele do que este, interfiram na sua modelação, pela via interpretativa ou integrativa”. Desse modo, afigura-se o princípio da legalidade tributária como importante instrumento de proteção do contribuinte frente ao poder arrecadatório do Estado, devendo a lei tributária indicar com clareza todos os aspectos relevantes da fisiologia do tributo[7]. 3 O PAPEL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DAS LEIS COMPLEMENTARES E DAS LEIS ORDINÁRIAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO A Constituição é a Carta Política da Nação, responsável por estruturar as bases do Estado, seus princípios e objetivos[8]. José Afonso da Silva[9] conceitua a Constituição da seguinte forma: “A Constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua ação.” A Constituição da República Federativa do Brasil é uma importante fonte do Direito Tributário, responsável por estruturar sistematicamente as normas básicas e nucleares pertinentes aos tributos. Em matéria tributária, a Constituição Federal estabelece as limitações constitucionais ao poder de tributar e delimita a repartição das receitas tributárias[10]. A carta magna outorga a competência tributária às pessoas jurídicas de direito público interno, no tocante à instituição de tributos, cujo exercício deve ser efetivado por meio de lei[11]. De se notar que a Constituição não institui tributos, mas apenas estabelece as competências, a uma ou mais pessoas jurídicas de direito público, para que os gravames sejam criados[12]. Por sua vez, a Carta Magna reservou às leis complementares em matéria tributária papel de extrema importância. O art. 146 do texto constitucional outorgou às leis complementares a tríplice função de: dispor sobre conflitos de competência; regular as limitações constitucionais ao poder de tributar e estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária[13]. Podemos explicitar, ainda, um quarto papel, qual seja, o uso específico em algumas matérias que não se enquadram nas funções do art. 146 da Carta Magna. A lei ordinária é o instrumento por excelência da imposição tributária[14], sendo, em regra, o veículo legislativo responsável por criar o tributo, veiculando o princípio da legalidade em matéria tributária (art. 150, I da CR/88 e art. 97 do CTN). Segundo Luciano Amaro[15], “A lei ordinária é, pois, o instrumento formal de que se vale o Estado para exercitar a competência tributária em observância aos mandamentos contidos na Constituição e nas normas infraconstitucionais que, com apoio naquela, disciplina, limitam ou condicionam o exercício do poder de tributar”[16]. Destaca-se que a lei ordinária (da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios), portanto, é que concretiza, em regra, o princípio da legalidade tributária. O mesmo autor[17] nos ensina que, “A Constituição não cria tributos; define competências. A lei complementar também, em regra, não cria tributos; ela complementa a Constituição; em alguns casos, ela se presta à criação de tributos, afastando a atuação da lei ordinária. A regra, portanto, é a lei ordinária exercer a tarefa de criar, in abstracto, o tributo, que, in concreto, nascerá com a ocorrência do fato gerador nela previsto.” Deste modo, a lei ordinária se apresenta como um importantíssimo instrumento de imposição tributária, concretizando o princípio da legalidade. A lei complementar, por sua vez, em regra, possui a tarefa de complementar a Constituição, sendo que em alguns casos é responsável pela criação de tributos em substituição à lei ordinária[18]. 4 OS LIMITES IMPOSTOS AO PODER REGULAMENTAR Cabe-nos agora tecer considerações a respeito do Poder Regulamentar que está indissolúvel e intimamente ligado ao estudo do princípio da legalidade. Abaixo das leis ordinárias e atos equivalentes (medidas provisórias e leis delegadas), estão os decretos regulamentares[19], sendo, pois, o instrumento formal de exteriorização do exercício do poder regulamentar. O poder regulamentar é um dos poderes da Administração Pública e privativo do Chefe do Poder Executivo, sendo uma das formas pelas quais este Poder expressa sua função normativa. Mencionado poder não é absoluto, devendo obediência aos mandamentos legais, uma vez que se trata de ato inferior à lei, não podendo o Poder Executivo contrariar, nem restringir ou ampliar suas disposições, mas apenas explicitar a lei, dentro de seus limites ou mesmo completá-la[20]. É o que nos ensina, em grande maestria, o ilustre jurista Hely Lopes Meirelles[21]: “O poder regulamentar é a faculdade de que dispõem os Chefes de Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) de explicar a lei para sua correta execução, ou de expedir decretos autônomos sobre matéria de sua competência ainda não disciplinada por lei. É um poder inerente e privativo do Chefe do Executivo (CF, art. 84, IV), e, por isso mesmo, indelegável a qualquer subordinado. No poder de chefiar a Administração está implícito o de regulamentar a lei e suprir, com normas próprias, as omissões do Legislativo que estiverem na alçada do Executivo. Os vazios da lei e a imprevisibilidade de certos fatos e circunstâncias que surgem, a reclamar providências imediatas da Administração, impõem se reconheça ao Chefe do Executivo o poder de regulamentar, através de decreto, as normas legislativas incompletas, ou de prover situações não previstas pelo legislador, mas ocorrentes na prática administrativa. O essencial é que o Executivo, ao expedir regulamento – autônomo ou de execução da lei -, não invada as chamadas “reservas da lei”, ou seja, aquelas matérias só disciplináveis por lei, e tais são, em princípio, as que afetam as garantias e os direitos individuais assegurados pela Constituição (art. 5º). A faculdade normativa, embora caiba predominantemente ao Legislativo, nele não se exaure, remanescendo boa parte para o Executivo, que expede regulamentos e outros atos de caráter geral e efeitos externos. Assim, o regulamento é um complemente da lei naquilo que não é privativo da lei. Entretanto, não se pode confundir lei e regulamento. Regulamento é ato administrativo geral e normativo, expedido privativamente Chefe do Executivo (federal, estadual ou municipal), através de decreto, com o fim de explicar o modo e forma de execução da lei (regulamento de execução) ou prover situações não disciplinadas em lei (regulamento autônomo ou independente). O regulamento não é lei, embora a ela se assemelhe no conteúdo e poder normativo. Nem toda lei depende de regulamento para ser executada, mas toda e qualquer lei pode ser regulamentada se o Executivo julgar conveniente fazê-lo. Sendo o regulamento, na hierarquia das normas, ato inferior à lei, não a pode contrariar, nem restringir ou ampliar suas disposições. Só lhe cabe explicitar a lei, dentro dos limites por ela traçados, ou completá-la, fixando critérios técnicos e procedimentos necessários para sua aplicação. Na omissão da lei, o regulamento supre a lacuna, até que o legislador complete os claros da legislação. Enquanto não o fizer, vige o regulamento, desde que não invada matéria reservada à lei”. [grifo nosso] O mesmo autor[22], tratando dos atos administrativos em espécie, conceitua as instruções normativas da seguinte forma: “As instruções normativas ou regulamentares são atos administrativos expedidos pelos Ministros de Estado para a execução das leis, decretos e regulamentos (CF, art. 87, parágrafo único, II), mas são também utilizadas por outros órgãos superiores para o mesmo fim.” A nosso ver, portanto, mostra-se desnecessária a previsão legal contida no art. 99 do Código Tributário Nacional que apenas explicita o óbvio, vejamos: “Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com a observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei”. Para Luiz Felipe Silveira Difini[23]: “A norma decorre do próprio sistema jurídico. É basilar ao direito tributário o princípio da legalidade. E decreto, ato do Poder Executivo, não é lei, que é ato do Poder Legislativo. Assim, o decreto jamais poderá: a) dispor contrariamente à lei ou além das previsões da lei que está a regulamentar; ou b) pretender dispor sobre matéria reservada à lei (por exemplo, aquela prevista no art. 97 do CTN: instituir tributos, majorá-los – aqui há exceções, previstas no art. 153, §1º, da CF -, definir fato gerador, fixar alíquotas, bases de cálculo etc.). No primeiro caso (a), se o fizer, incidirá em invalidade, por contrariar norma de maior hierarquia, o que sujeita a controle judicial, inclusive sem necessidade de declarar inconstitucionalidade do decreto (o que, ao menos nos tribunais, demanda procedimento especial – CPC, arts. 480 a 482); o juiz aplicará a lei, norma de maior hierarquia, e consequentemente deixará de aplicar o decreto no que a contrariar. No segundo caso (b), incidirá em inconstitucionalidade por dispor por decreto de matéria constitucionalmente reservada à lei.” Geraldo Ataliba[24], com a maestria que lhe é peculiar, citado na obra de Ricardo de Barros Leonel[25], trouxe extenso rol com as seguintes características do poder regulamentar: a) o regulamento é veiculado por decreto; b) tem natureza de ato administrativo infra-legal; c) não pode ser autônomo; d) é nulo se ultra e extra legem; e) é preciso que haja previamente a lei regulamentada; e) leis auto-executáveis não são regulamentáveis; f) o regulamento não inova na ordem jurídica; g) não pode o Executivo fraudar a lei, protelando sua regulamentação; h) a lei não pode atribuir a outros órgãos que não ao Presidente o poder regulamentar; i) as balizas do poder regulamentar estão na Constituição, mas a lei pode fixar prazo para seu exercício; j) o regulamento que interpreta a lei só é vinculante para a própria administração e seus servidores; k) o Presidente não pode regulamentar lei que não lhe caiba executar; l) só matéria administrativa comporta regulamentação, ficando excluídas leis processuais, civis, penais; m) o regulamento não pode dispor sobre relações entre particulares; n) o Presidente só pode regulamentar leis da esfera da União, e nesta que sejam de âmbito do Executivo, em matéria administrativa; o) pelo regulamento o Presidente exerce seu poder hierárquico, regulando relações secundárias e formais entre os funcionários e os administrados, ou seja entre a administração e os administrados, para a prática de atos de obediência às leis. Neste sentido, confiram-se os seguintes precedentes que ilustram de forma clara que um ato normativo infralegal, tal como a instrução normativa, não tem o condão de limitar o alcance de um texto de lei. “RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA. DESCREDENCIAMENTO. MÉDICO RESIDENTE TRANSFERIDO A OUTRA INSTITUIÇÃO. PAGAMENTO DE BOLSA PELA DESCREDENCIADA. INSTITUIÇÃO POR MEIO DE RESOLUÇÃO. OBRIGAÇÃO NÃO PREVISTA EM LEI. INEXIGIBILIDADE. 1. A resolução é espécie de ato administrativo normativo que complementa e explicita a norma legal, expressando o mandamento abstrato da lei, sem poder contrariá-la, restringi-la, ampliá-la ou inová-la, pois o ordenamento pátrio não permite que atos normativos infralegais inovem originalmente o sistema jurídico. 2. Se a lei regulamentada não trata da matéria, a resolução não pode criar, para a instituição descredenciada do programa de residência médica, o encargo de remunerar quem não mais lhe presta serviços e que já se encontra vinculado a outra instituição. 3. A decisão judicial baseada em resolução que extrapola seus limites é passível de ataque por meio do mandado de segurança. 4. Recurso ordinário em mandado de segurança provido." (RMS 26889/DF, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 20/04/2010, DJe 03/05/2010” – (grifo nosso). “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. IPI. CRÉDITO PRESUMIDO PARA RESSARCIMENTO DO VALOR DO PIS/PASEP E DA COFINS. EMPRESAS PRODUTORAS E EXPORTADORAS DE MERCADORIAS NACIONAIS. LEI 9.363/96. INSTRUÇÃO NORMATIVA SRF 23/97. CONDICIONAMENTO DO INCENTIVO FISCAL AOS INSUMOS ADQUIRIDOS DE FORNECEDORES SUJEITOS À TRIBUTAÇÃO PELO PIS E PELA COFINS. EXORBITÂNCIA DOS LIMITES IMPOSTOS PELA LEI ORDINÁRIA. SÚMULA VINCULANTE 10/STF. OBSERVÂNCIA. INSTRUÇÃO NORMATIVA (ATO NORMATIVO SECUNDÁRIO). CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA. EXERCÍCIO DO DIREITO DE CRÉDITO POSTERGADO PELO FISCO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE CRÉDITO ESCRITURAL. TAXA SELIC. APLICAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535, DO CPC. INOCORRÊNCIA. 1. O crédito presumido de IPI, instituído pela Lei 9.363/96, não poderia ter sua aplicação restringida por força da Instrução Normativa SRF 23/97, ato normativo secundário, que não pode inovar no ordenamento jurídico, subordinando-se aos limites do texto legal. (…) 7. Como de sabença, a validade das instruções normativas (atos normativos secundários) pressupõe a estrita observância dos limites impostos pelos atos normativos primários a que se subordinam (leis, tratados, convenções internacionais, etc.), sendo certo que, se vierem a positivar em seu texto uma exegese que possa irromper a hierarquia normativa sobrejacente, viciar-se-ão de ilegalidade e não de inconstitucionalidade (Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ADI 531 AgR, Rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 11.12.1991, DJ 03.04.1992; e ADI 365 AgR, Rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 07.11.1990, DJ 15.03.1991). 8. Conseqüentemente, sobressai a 'ilegalidade' da instrução normativa que extrapolou os limites impostos pela Lei 9.363/96, ao excluir, da base de cálculo do benefício do crédito presumido do IPI, as aquisições (relativamente aos produtos oriundos de atividade rural) de matéria-prima e de insumos de fornecedores não sujeito à tributação pelo PIS/PASEP e pela COFINS (Precedentes das Turmas de Direito Público: REsp 849287/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19.08.2010, DJe 28.09.2010; AgRg no REsp 913433/ES, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 04.06.2009, DJe 25.06.2009; REsp 1109034/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 16.04.2009, DJe 06.05.2009; REsp 1008021/CE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 01.04.2008, DJe 11.04.2008; REsp 767.617/CE, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 12.12.2006, DJ 15.02.2007; REsp 617733/CE, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 03.08.2006, DJ 24.08.2006; e REsp 586392/RN, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.10.2004, DJ 06.12.2004). (…) 15. Recurso especial da empresa provido para reconhecer a incidência de correção monetária e a aplicação da Taxa Selic. 16. Recurso especial da Fazenda Nacional desprovido. 17. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.” (REsp 993164/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 17/12/2010) (grifo nosso). “TRIBUTÁRIO – CRÉDITO PRESUMIDO DE IPI – RESSARCIMENTO DE PIS/COFINS – INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO NO JULGADO A QUO – ART. 1º DA LEI N. 9.363/96 – RESTRIÇÃO PELA IN 23/97 DA SECRETARA DA RECEITA FEDERAL – ILEGALIDADE. 1. A controvérsia restringe-se à limitação da incidência do art. 1º da Lei n. 9.363/96, imposta pelo art. 2º, § 2º da IN 23/97, da Secretaria da Receita Federal, que determina que o benefício do crédito presumido do IPI, para ressarcimento de PIS/PASEP e COFINS, somente será cabível em relação às aquisições de pessoa jurídicas. 2. Inexistente a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, conforme se depreende da análise do julgado a quo. 3. Ora, uma norma subalterna, qual seja, instrução normativa, não tem a faculdade de limitar o alcance de um texto de lei. A jurisprudência do STJ posiciona-se no sentido da ilegalidade do art. 2º, § 2º da IN 23/97. Recurso especial improvido.” (REsp 719433/CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/08/2007, DJ 12/09/2007, p. 183) (grifo nosso). “TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. BASE DE CÁLCULO DO CRÉDITO PRESUMIDO DE IPI. LEI N. 9.363/1996. AQUISIÇÃO DE INSUMOS DE PESSOAS FÍSICAS E/OU COOPERATIVAS. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA HIERARQUIA NORMATIVA. INTERPRETAÇÃO LITERAL DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. ART. 111 DO CTN. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STJ. (…) 3. Com efeito, Instruções Normativas constituem espécies jurídicas de caráter secundário, cuja validade e eficácia resultam, imediatamente, de sua estrita observância dos limites impostos pelas leis. De consequencia, à luz dos art. 97 e 99 do Código Tributário Nacional, Instruções Normativas não podem modificar Lei a pretexto de estarem regulando o aproveitamento do crédito presumido do IPI. 4. O acórdão recorrido está em perfeita sintonia com a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, que tem entre suas atribuições constitucionais a de uniformizar a jurisprudência infraconstitucional. 5. Recurso especial não provido.” (REsp 1109034/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 06/05/2009) (grifo nosso). “TRIBUTÁRIO – CRÉDITO PRESUMIDO DE IPI – RESSARCIMENTO DE PIS/COFINS – ART 1º DA LEI N. 9.363/96 – RESTRIÇÃO PELA INSTRUÇÃO NORMATIVA 23/97 – ILEGALIDADE. 1. Impossibilidade de limitação da incidência do art. 1º da Lei n. 9.363/96, imposta pelo art. 2º, § 2º, da Instrução Normativa n. 23/97, que determina o benefício do crédito presumido do IPI, para ressarcimento de PIS/PASEP e COFINS, somente será cabível em relação às aquisições de pessoa jurídica. 2. A instrução normativa, por ser uma norma subalterna, não tem a faculdade de restringir o alcance de um texto de lei. Ofende-se, dessarte, o princípio da legalidade, inserto no art. 150, inciso I, da CF/88. Precedentes. Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 995285/PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/09/2008, DJe 21/10/2008) (grifo nosso). Assim, fácil concluir que os atos normativos infralegais, tais como as instruções normativas, não podem inovar no ordenamento jurídico, impondo restrições que a lei não previu ou autorizou, devendo manter-se subordinadas ao texto legal. 5 DA INCONSTITUCIONALIDADE DAS LIMITAÇÕES TEMPORAIS IMPOSTAS AO APROVEITAMENTO DE CRÉDITO DO ICMS POR MEIO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 87/96 À LUZ DO ART. 155, PARÁGRAFO 2º, I DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 5.1 A não-cumulatividade e o regime de crédito físico e financeiro O art. 155, §2º, I da Constituição Federal consagrou o princípio da não-cumulatividade do ICMS (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação), nos seguintes termos: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores (…).” Sacha Calmon e Misabel Derzi[26] nos ensinam que: “A não-cumulatividade, delineada pela Constituição, baseia-se no método da diferença ou subtração, ou seja, na técnica da base financeira (ou indireta, não real) segundo o qual o valor adicionado corresponderá à diferença entre o débito do imposto gerado pela promoção da operação de circulação de mercadorias-vendas e o crédito fiscal oriundo do imposto incidente nas aquisições-compras no mesmo período.” Salienta-se que inicialmente, houve intensa discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito de qual regime de crédito do ICMS o Constituinte teria adotado, ou seja, o sistema constitucional pátrio teria adotado o regime de crédito físico ou o regime de crédito financeiro? André Mendes[27], em brilhante artigo cujo título é “a não-cumulatividade tributária no Brasil e no mundo, origens, conceitos e pressupostos”, citando a obra de Aliomar Baleeiro[28], esclarece que “a doutrina convencionou distinguir o direito de abatimento dos créditos nos impostos não-cumulativos em crédito financeiro e crédito físico”. O primeiro, segundo o ilustre autor, consiste “na ampla dedução dos investimentos em ativo imobilizado, insumos e, ainda, em bens de uso e consumo”, sendo que em relação ao segundo, “somente se reconhece o crédito das matérias primas e dos intitulados bens intermediários que são aqueles que se consomem no processo produtivo, mesmo não se agregando fisicamente ao produto final”. Verifica-se que a Carta Magna, ao consagrar o princípio da não-cumulatividade em consonância com a essência do ICMS que deve incidir sobre o consumo, objetivou eliminar, assim, a pesada carga de tributação decorrente da incidência em cascata em todas as operações mercantis[29]. Nesse sentido, o consumidor final – que dispõe da capacidade contributiva gravada pelo ICMS – sofre o ônus apenas da multiplicação da alíquota do imposto sobre o preço final de venda. Para o vendedor (contribuinte de direito da exação), por sua vez, garante-se a neutralidade em relação ao imposto, pois, em tese, sua atividade não será onerada com o ICMS que deverá ser integralmente repassado ao consumidor final[30]. Segundo Valter Lobato[31], professor da Faculdade de Direito Milton Campos e sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados, é possível entender, nesse contexto, que se o tributo deve incidir sobre o consumo, não há sentido na adoção do crédito físico; somente o crédito financeiro pode atingir os fins a que tais tributos se destinam: desonerar a produção (neutralidade) e onerar apenas os consumidores finais. Reproduzimos algumas lições doutrinárias sobre o tema: “Os impostos indiretos sobre o valor agregado, máxime o ICMS, estão sujeitos à repercussão legal obrigatória. Sendo tributos cobrados pela técnica da subtração, em que se deduz na etapa seguinte o imposto pago anteriormente ao mesmo ou a outro Estado-membro (tax on tax), procura a legislação preservar a repercussão sobre as sucessivas prestações tributadas, fazendo com que incidam sobre o valor acrescido em cada operação de circulação, de modo que a incidência global seja idêntica à multiplicação da alíquota pela base de cálculo final e corresponda à soma das incidências fraccionadas. Outro princípio importantíssimo que informa os impostos sobre o valor acrescido é o da neutralidade econômica. Significa, do ponto de vista da organização empresarial, que não favorece a integração vertical, com criar mecanismos que tornam desaconselháveis a união de empresas dedicadas a fases diferentes do processo de circulação e produção. Significa, também, do ponto de vista do processo de circulação da riqueza, que não distorce a formação dos preços, pois, independentemente do número de operações, o imposto final será igual à multiplicação da alíquota pelo preço da última saída”[32]. “A Constituição de 1988 como se percebe pela singela leitura dos arts. 153, §3o. e 155, §2o., I, não autoriza que o ICMS onere o contribuinte de iure. Ao contrário, por meio do princípio da não cumulatividade, garante-se que o contribuinte, nas operações de venda que promova, transfira ao adquirente o ônus do imposto que adiantará ao Estado e, ao mesmo tempo, possa ele creditar-se do imposto que suportou nas operações anteriores. A Lei Fundamental somente se concilia com um só entendimento: o ICMS na deve ser suportado pelo contribuinte (comerciante, industrial ou produtor). Se o consumidor é o único que não tem direito de crédito, correspondente ao imposto suportado em suas aquisições, então a ordem jurídica supõe que sofra a repercussão (jurídica) do tributo”[33]. O ilustre professor[34] ainda nos informa que apesar do posicionamento acima, a Suprema Corte parece ter caminhado em sentido diverso. No RE 200.168 (DJ 22.11.96), Relator Ministro Ilmar Galvão, na qual o contribuinte pleiteava o direito ao creditamento do ICMS incidente sobre a aquisição de energia elétrica consumida em seu estabelecimento comercial, a 1ª Turma do STF entendeu que o legislador complementar somente teria a obrigação de garantir o crédito de ICMS nas aquisições de energia elétrica para o processo industrial, onde a mesma poderia ser considerada como “insumo”. Disse o Supremo Tribunal Federal que o Texto Constitucional estaria a garantir apenas o crédito físico (matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem). Outros julgados podem ser citados no mesmo sentido (RE 195.894 DJ 16.02.2001). Este posicionamento foi corroborado pelo Plenário da Corte Suprema (possibilidade de adoção do crédito físico pela legislação infraconstitucional – ADIN 2325-0), o que segundo Valter Lobato[35], trata-se de um retrocesso na busca de um sistema tributário eficaz. 5.2 Da inconstitucionalidade das limitações temporais impostas pela Lei Complementar nº 87/96 ao aproveitamento de crédito do ICMS Pela leitura do art. 155, §2º, I da Constituição Federal, depreende-se que as limitações impostas ao princípio da não-cumulatividade são basicamente apenas duas, quais sejam, a isenção ou não-incidência que, “salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores”[36]. Em harmonia com o preceito constitucional, o artigo 20 da Lei Complementar 87/96 dispôs a respeito da apropriação de crédito do ICMS, na forma descrita a seguir: “Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação”. Ocorre que a própria Lei Kandir consagrou inúmeras regras que acabaram por relativizar o princípio constitucional da não-cumulatividade, a saber: “Art. 33. Na aplicação do art. 20 observar-se-á o seguinte: I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1o de janeiro de 2020; (Redação dada pela Lcp nº 138, de 2010) II – somente dará direito a crédito a entrada de energia elétrica no estabelecimento: (Redação dada pela LCP nº 102, de 11.7.2000) a) quando for objeto de operação de saída de energia elétrica; (Incluída pela LCP nº 102, de 11.7.2000) b) quando consumida no processo de industrialização; (Incluída pela LCP nº 102, de 11.7.2000) c) quando seu consumo resultar em operação de saída ou prestação para o exterior, na proporção destas sobre as saídas ou prestações totais; e (Incluída pela LCP nº 102, de 11.7.2000) d) a partir de 1o de janeiro de 2020 nas demais hipóteses; (Redação dada pela Lcp nº 138, de 2010) III – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao ativo permanente do estabelecimento, nele entradas a partir da data da entrada desta Lei Complementar em vigor. IV – somente dará direito a crédito o recebimento de serviços de comunicação utilizados pelo estabelecimento: (Incluído pela LCP nº 102, de 11.7.2000) a) ao qual tenham sido prestados na execução de serviços da mesma natureza; (Incluída pela LCP nº 102, de 11.7.2000) b) quando sua utilização resultar em operação de saída ou prestação para o exterior, na proporção desta sobre as saídas ou prestações totais; e (Incluída pela LCP nº 102, de 11.7.2000) c) a partir de 1o de janeiro de 2020 nas demais hipóteses.” (Redação dada pela Lcp nº 138, de 2010) Questão a se indagar é a respeito da constitucionalidade dos mandamentos contidos no art. 33 da mencionada lei complementar, tendo em vista que impõe limitações ao exercício de direito previsto na Constituição Federal. Apesar de se mostrar de forma bastante clara o dispositivo constitucional, há inúmeras controvérsias e distorções quanto ao alcance da norma. Há doutrina e jurisprudência que amesquinham o princípio da não-cumulatividade em favor da sede arrecadatória do Estado, afirmando que o legislador passou a adotar o sistema de crédito físico, limitado e restritivo, o que acaba por onerar a produção e, a nosso ver, viola os ditames constitucionais[37]. Sacha Calmon e Misabel Derzi[38], por sua vez, afirmam que a norma da não-cumulatividade contida no art. 155, § 2º, I, CF/88 seria autoaplicável, sendo que nem mesmo lei complementar seria capaz de reduzir o modelo do “crédito físico”. É que pela regra constitucional anterior (art. 23, II da E.C 1/69), a não-cumulatividade dependia de mediação legislativa, vejamos: “Art. 23. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sôbre: II – operações relativas à circulação de mercadorias realizadas por produtores, industriais e comerciantes, imposto que não será cumulativo e do qual se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. A isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito de imposto para abatimento daquele incidente nas operações seguintes.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1983) [grifo nosso] A Constituição Federal de 1988, no entanto, ao determinar em seu art. 155[39], §2º, XII, c que cabe à Lei Complementar disciplinar o regime de compensação do imposto, não eliminou o princípio da não-cumulatividade do ICMS, sendo a norma constitucional de aplicabilidade imediata[40]. Disciplinar é regulamentar algo que já existe, estabelecendo regras de cumprimento e não limitar ou eliminar direito outorgado pela Constituição[41]. Portanto, nem mesmo a lei complementar poderá criar obstáculos ou inovar na regulação deste direito outorgado pela Carta Magna, devendo apenas operacionalizar esta sistemática[42].  Nesta senda, nem a lei complementar, nem a lei ordinária, muito menos convênio ou ato administrativo podem dispor livremente sobre o instituto da não-cumulatividade, intervindo no conteúdo ou no alcance da regra, nem impor limites temporais ao seu desfrute, mas apenas fixar o mecanismo, o método ou a forma com que se implementa (CR/88, artigo 155, parágrafo 2º, XII, c)[43]. A lei, deste modo, não pode diminuir, reduzir, retardar, anular ou limitar o direito ao creditamento, por ser direito público subjetivo assegurado pela Carta Magna a quem exerce operação de mercancia[44]. Nesse sentido, segue o entendimento da ilustre tributarista Misabel Derzi[45], defensora do direito incondicional ao abatimento do crédito de ICMS, vejamos: “É incondicional o direito de abatimento do crédito. A Constituição Federal não admite restrições na matéria, que amesquinhem o princípio da não-cumulatividade, como, por exemplo, a ‘idoneidade’ na documentação emitida pelo promotor da operação na etapa anterior ou escrituração feita sob certa condição ou prazo (…). É que o imposto que deve incidir na etapa anterior, ensejando o direito à compensação, não decorre do cumprimento de formalidade, do acerto na emissão de documentos ou do erro de escrituração. O direito à compensação é mandamento constitucional que nasce com a ocorrência dos pressupostos legais do tributo, exigível na operação anterior.” Esse também é o posicionamento de diversos estudiosos do direito, tais como Roque Carrazza[46], Aires F. Barreto[47], Marilene Talarico Martins Rodrigues[48] e José Eduardo Soares de Melo[49]. Em suma, os argumentos trazidos pelos ilustres autores são os seguintes: 1. O direito ao crédito de ICMS não decorre da lei, mas sim da Constituição; 2. O Poder Executivo deve limitar-se a cumprir as leis e nem mesmo a Lei Complementar prevista no art. 155, §2º, XII, “c”, da CR/88 poderia alterar o alcance da norma; 3. O Texto Constitucional não estabelece qualquer termo ou condição para os créditos. André Ricardo Passos de Souza e Ralph Melles Sticca[50] em excelente artigo intitulado “Créditos de ICMS sobre bens destinados ao uso e consumo do estabelecimento: considerações acerca da Lei Complementar nº 122/06”, recordam que o Supremo Tribunal Federal, analisando a questão sob a égide do Convênio ICM nº 66/88, entendeu ser constitucional as restrições impostas pela legislação, admitindo que o direito ao crédito do ICMS decorre da Lei Complementar 87/96 e não da Constituição, vejamos: “EMENTA: 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que, sob a égide do Convênio ICMS nº 66/88, antes, portanto, da entrada em vigor da Lei Complementar 87/96, não havia ao contribuinte direito de crédito de ICMS recolhido quando pago em razão de operações de consumo de energia elétrica, ou de utilização de serviços de comunicação ou, ainda, de aquisição de bens destinados ao ativo fixo e de materiais de uso e consumo. 2. Agravo regimental improvido” (STF, AI-AgR 456013/RSm Min. Ellen Gracie, DJ 03-02-2006 PP-00039 EMENT VOL-02219-10 PP-02057) Ocorre que mesmo após o Convênio ICM nº 66/88, no âmbito do Supremo Tribunal Federal[51] vem prevalecendo a tese de que a modificação do sistema de créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS por meio de lei complementar não ofende o princípio da não-cumulatividade[52], de modo que é possível que Lei Complementar possa prever condição intertemporal para a utilização dos créditos decorrentes da entrada, no estabelecimento, de bens móveis destinados ao uso, consumo ou ativo fixo, bem como de energia elétrica e serviços de comunicação necessários à atividade da empresa, vejamos: “ADI/2325 – MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Decisão : O Tribunal, apreciando a questão do princípio da anterioridade, emprestou interpretação conforme à Constituição e sem redução de texto, no sentido de afastar a eficácia do artigo 7º da Lei Complementar nº 102, de 11 de julho de 2000, no tocante à inserção do § 5º do artigo 20 da Lei Complementar nº 87/96, e às inovações introduzidas no artigo 33, II, da referida lei, bem como à inserção do inciso IV. Observar-se-á, em relação a esses dispositivos, a vigência consentânea com o dispositivo constitucional da anterioridade, vale dizer, terão eficácia a partir de 1º de janeiro de 2001. Votou o Presidente. Em seguida, após o voto do Senhor Ministro-Relator, relativamente ao princípio da não-cumulatividade, deferindo a medida cautelar, pediu vista o Senhor Ministro Ilmar Galvão. Falou pela requerente o Dr. Leonardo Greco. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Nelson Jobim. Plenário, 29.11.2000. Decisão: Após o voto do Senhor Ministro Ilmar Galvão, indeferindo a liminar, pediu vista o Senhor Ministro Carlos Velloso. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Nelson Jobim. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário, 11.10.2001. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, apreciando a questão do princípio da anterioridade, deferiu, em parte, a cautelar para, mediante interpretação conforme à Constituição e sem redução de texto, afastar a eficácia do artigo 7º da Lei Complementar nº 102, de 11 de julho de 2000, no tocante à inserção do § 5º do artigo 20 da Lei Complementar nº 87/96 e às inovações introduzidas no artigo 33, II, da referida lei, bem como à inserção do inciso IV. Observar-se-á, em relação a esses dispositivos, a vigência consentânea com o dispositivo constitucional da anterioridade, vale dizer, terão eficácia a partir de 1º de janeiro de 2001. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator), indeferiu a cautelar no que toca ao mais. Votou o Presidente. Não votou o Senhor Ministro Carlos Britto por suceder ao Senhor Ministro Ilmar Galvão que já proferira voto. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Senhores Ministros Gilmar Mendes e Nelson Jobim, Presidente. Presidiu o julgamento a Senhora Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente. Plenário, 23.09.2004.” “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ICMS. LC 122/06. BENEFÍCIO FISCAL. POLÍTICA TRIBUTÁRIA. DESNECESSIDADE DE OBSERVAÇAO DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL. PRECEDENTE. OPERAÇÕES DE AQUISIÇAO DE BENS DESTINADOS AO USO E CONSUMO. UTILIZAÇAO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇAO. IMPOSSIBLIDADE DE COMPENSAÇAO DE CRÉDITOS FISCAIS DE ICMS. I A Corte firmou entendimento segundo o qual a revisão ou extinção de um benefício fiscal, que por se tratar de política econômica que pode ser revista a qualquer momento pelo Estado, não está restrita à observância dos princípios constitucionais da anterioridade e da irretroatividade. Precedente. II – A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que não enseja ofensa ao princípio da não cumulatividade a situação de inexistência de direito a crédito de ICMS pago em razão de operações de consumo de energia elétrica, de utilização de serviços de comunicação ou de aquisição de bens destinados ao ativo fixo e de materiais de uso e consumo. Precedentes. III Agravo regimental improvido.” (AgRg no AI 783.509/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 16.11.2010) “DECISÃO ICMS – PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE – CRÉDITO – PERÍODO POSTERIOR À LEI COMPLEMENTAR Nº 87/96 – LEI COMPLEMENTAR Nº 102/2000 – PRECEDENTE – AGRAVO DESPROVIDO. 1. Afasto o sobrestamento anteriormente determinado. Na espécie, a Corte de origem concluiu pela possibilidade de a Lei Complementar nº 102/2000 poder prever condição intertemporal para a utilização dos créditos decorrentes da entrada, no estabelecimento, de bens móveis destinados ao uso, consumo ou ativo fixo, bem como de energia elétrica e serviços de comunicação necessários à atividade da empresa. Em 23 de setembro de 2004, o Pleno concluiu o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.325-0/DF, que versa sobre matéria idêntica. Como relator, proferi voto no sentido da inviabilidade de o princípio da não-cumulatividade – de estatura constitucional – poder ser mitigado por lei complementar, ante o disposto no artigo 155, § 2º, inciso I, da Constituição Federal. Consignei que o aproveitamento fracionado do crédito, sem atualização da moeda, implicaria verdadeiro empréstimo compulsório, fora das hipóteses do artigo 148 da Carta da República. Todavia, fui voz isolada, tendo sido designado redator para o acórdão o ministro Carlos Velloso. A tese alfim prevalecente foi a de que a modificação do sistema de créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS por meio de lei complementar não ofende o princípio da não-cumulatividade, ressalvado o direito adquirido à apropriação dos créditos em face da legislação anterior. Assentou ainda o Tribunal que referida alteração no sistema de compensação dos créditos, quer consubstancie a redução de um benefício fiscal, quer a majoração do tributo, configura uma carga para o contribuinte, devendo, portanto, sujeitar-se ao princípio da anterioridade. Protrai-se o início da eficácia das inovações introduzidas pela Lei Complementar nº 102/2000 para 1º de janeiro de 2001. 2. Curvando-me ao entendimento da sempre douta maioria, conheço deste agravo, mas o desprovejo. 3. Publique-se.” (STF AI 502292/RS, Relator Min. Marco Aurélio, 25/02/2005, DJ 14/03/2005 PP-00048). Cabível reforçar que no âmbito do Supremo Tribunal Federal não há consenso unânime a respeito da temática debatida[53]. É que o Exmo. Min. Marco Aurélio[54], colhendo os comentários de Sacha Calmon[55] a respeito da Lei Complementar nº 102, de 11 de julho de 2000, na Revista da Associação Brasileira de Direito Tributário, defendeu a tese de que o princípio da não-cumulatividade insculpido na CR/88 não é passível de ser restringido pelo legislador complementar, de modo que as limitações temporais impostas pela Lei Kandir são inconstitucionais, vejamos: “Dá-se que entre nós, contra a Constituição é dócil ao querer de governantes ignorantes e ávidos por recursos para gastá-los em fins nem sempre dignos ou desejáveis, o legislador infraconstitucional afronta a Lei Maior e desfigura, dia após dia, o princípio da não-cumulatividade, com anuência da maior parte do empresariado e o beneplácito acomodatício do Poder Judiciário enquanto guarda da Constituição. Nestas circunstâncias, cabe à consciência jurídica nacional repudiar a amortização delonga dos créditos do ICMS escriturados quando da aquisição de bens do ativo fixo e a limitação do aproveitamento do crédito de certos imputs indiretos, a tão-somente àqueles diretamente ligados ao “produto” e não ao “processo” de produção e circulação de bens e serviços, como disposto na Lei Complementar 102, numa volta irracional do superado conceito de “crédito físico” comum às mentes incultas, sobre favorecer exclusivamente os interesses fiscalistas voltados a obter receitas, porém nem sempre atentos à satisfação das necessidades básicas do sofrido povo brasileiro” (Artigo do Prof. Sacha Calmon publicado, sob o título “Denunciamos. Lei complementar 102/2000, Belo Horizonte, Editora Del Rey, páginas 267/268). André Ricardo Passos de Souza e Ralph Melles Sticca[56] acreditam ser possível, ainda, cogitar no regresso das discussões em torno da matéria, tendo em vista a publicação da LC nº. 138, de 29 de dezembro de 2010 que adiou para 1º de janeiro de 2020 o direito de o contribuinte creditar-se do imposto anteriormente cobrado na aquisição de mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento e também nas demais hipóteses não contempladas expressamente pelo art. 33 da Lei Complementar nº 87/96. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem seguindo na mesma linha do Supremo Tribunal Federal, decidindo que não há ilegalidade nas restrições qualitativas e temporais estabelecidas pela Lei Complementar nº 87/96, senão vejamos: “TRIBUTÁRIO ICMS CREDITAMENTO LIMITAÇÕES LEGALIDADE PRECEDENTES. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que as limitações temporais de creditamento do ICMS, previstas na Lei Complementar n. 87/96, são legais. 2. Precedentes: AgRg no Ag 974.348/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22.9.2009, DJe 30.9.2009; AgRg no Ag 626.413/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 15.5.2008, DJe 28.5.2008. Agravo regimental improvido”. (AgRg no REsp 1.146.914/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 2.3.2010) “PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO ORDINÁRIO. TEORIA DA CAUSA MADURA. POSSIBILIDADE. AQUISIÇAO DE BENS DESTINADOS AO ATIVO FIXO. LIMITAÇÕES LEGAIS AO CREDITAMENTO DE ICMS. CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE. 1. Na ação mandamental, a impetrante pretende ser autorizada a compensar crédito de ICMS oriundo da aquisição de bens destinados ao ativo permanente, uso e consumo da impetrante, bem como quanto à aquisição de energia elétrica e serviços de comunicação, sem a incidência das restrições qualitativas e temporais impostas pela Leis Complementares nºs 99/1999, 102/2000. 2. Desnecessária a remessa dos autos ao Tribunal a quo , pois há que ser aplicado o princípio da causa madura, por envolver matéria exclusivamente de direito, nos termos do art. 515, 3º, do CPC. 3. É possível o creditamento de ICMS na aquisição de bens destinados ao ativo fixo após a vigência da Lei Complementar 87/96. Entretanto, não há ilegalidade ou inconstitucionalidade nas restrições qualitativas e temporais estabelecidas por Leis Complementares posteriores (92/97, 99/99 e 102/2000). 4. Recurso ordinário em mandado se segurança não provido.” (RMS 19.658/CE, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 27.11.2009) Vale ressaltar, por sua vez, que há algumas decisões isoladas no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que conferiram ganho de causa aos contribuintes, cujos acórdãos merecem ser transcritos: “EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA – CREDITAMENTO DE ICMS – BENS DESTINADOS AO ATIVO FIXO E USO E CONSUMO – APROVEITAMENTO INTEGRAL – POSSIBILIDADE – APLICAÇÃO DO ART. 155, §2º, I, DA CF/88 – CORREÇÃO MONETÁRIA DE CRÉDITOS EXTEMPORÂNEOS – CABIMENTO. O PRINCÍPIO da não-CUMULATIVIDADE insculpido na Constituição da República, art. 155,§ 2º, I, é amplo e irrestrito, não comportando limitações além das previstas expressamente no texto supremo. Conforme venho me posicionando em casos análogos, a meu sentir, as restrições ao crédito de ICMS impostas pela LC nº 87/96 e posteriores alterações, revelam-se manifestamente inconstitucionais, na medida em que afrontam PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL amplo, qual seja o da não-CUMULATIVIDADE do ICMS, tal como disposto na Carta Magna, art. 155,§ 2º, I, in verbis: "§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal."(grifei). As únicas exceções ao PRINCÍPIO da não- CUMULATIVIDADE previstas na Constituição, conforme dispõe o inciso II, do ARTIGO supra, são as hipóteses de não-incidência ou isenção, cabendo à lei complementar, tão-somente, disciplinar e, não, alterar o regime de compensação do imposto. Outrossim, sabido que a realização do PRINCÍPIO da não-CUMULATIVIDADE pode se dar mediante dois regimes ou técnicas de compensação diversas, quais sejam, regime jurídico do crédito financeiro ou regime de crédito físico, onde, no primeiro, todo custo suportado pela empresa decorrente de qualquer bem ou serviço adquirido pelo estabelecimento, independentemente da sua destinação, implicará em crédito de ICMS. Ou, conforme a segunda hipótese, segundo a qual o CREDITAMENTO do aludido imposto é limitado às entradas de BENS que se destinem a sair do estabelecimento, da maneira como entraram, ou integrarem fisicamente, como insumo, o produto fabricado, inexistindo óbice à utilização conjunta desses dois regimes. Todavia, a meu sentir, o regime jurídico de compensação compatível com o PRINCÍPIO da não-CUMULATIVIDADE, tal como disposto na Constituição, mormente com a aplicação do âmbito de incidência do ICMS, contemplando as hipóteses de comercialização de energia elétrica e os serviços de transporte e comunicação, corresponde ao regime de crédito financeiro. Sobre o tema Eduardo Soares de Melo tece algumas relevantes considerações: "Inexiste substância jurídica na afirmativa de que, somente a partir da edição da Lei Complementar 87/96 é que os ‘créditos financeiros'(impostos pertinentes a BENS que não se integram em mercadorias, produtos e serviços) passaram a ser considerados na temática da ‘não-CUMULATIVIDADE.'Com efeito, além da Lei Complementar não ser instrumento competente para conceder ou excluir créditos – mas exclusivamente a Constituição Federal – de há muito tempo quaisquer espécies de BENS incorpóreos já se contém no âmbito do crédito. É irrelevante a circunstância de tais BENS serem utilizados genericamente nas atividades do contribuinte, ou integrarem BENS produzidos (tributados ou não-tributados). A ‘não- CUMULATIVIDADE'só pode compreender o confronto de créditos de ICMS versus débitos de ICMS, alcançando todo o universo de suas atividades (operacionais e não operacioanais)."(ICMS Teoria e Prática, 5ª ed., p.237). Ora, a Constituição diz claramente, sem necessitar de explicitação, que o que for devido se compensará com o montante cobrado nas operações anteriores, assim, não há dúvida de que a regra insculpida no texto supremo é o CREDITAMENTO amplo, devendo as exceções previstas na Carta Magna, ser interpretadas restritivamente. Ademais, determina a Constituição, quanto aos períodos de apuração do ICMS, que o direito é de compensação, em cada operação, do tributo devido com o cobrado nas anteriores, não admitindo, destarte, postergação desse direito.” (1.0000.00.332640-2/000(1) Númeração Única: 3326402-60.2000.8.13.0000). TJMG. “DIREITO TRIBUTÁRIO. ICMS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO- CUMULATIVIDADE. RESTRIÇÕES INFRACONSTITUCIONAIS À COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS. IMPOSSIBILIDADE. CRÉDITOS ESCRITURAIS. CORREÇAO MONETÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL da não-CUMULATIVIDADE é amplo e não comporta restrições, que não as elencadas no ARTIGO 155, § 2º, II, da Constituição Federal, quais sejam, as hipóteses de isenção ou de não incidência na operação anterior. Cabe à lei complementar somente dispor sobre o regime de compensação de créditos tributários concernentes ao ICMS, nos termos do ARTIGO 155, § 2º, XII, alínea c, da Constituição Federal, não podendo impor limitações ao PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL da não-CUMULATIVIDADE. Devido a natureza de técnica contábil do crédito escritural, não incide correção monetária sobre os créditos escriturais. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal Federal. Hipótese pacífica de atribuição de responsabilidade tributária concerne à dissolução irregular da pessoa jurídica de direito privado. Neste caso, verificando-se que a pessoa jurídica devedora tributária encerrou suas atividades de modo irregular, os sócios podem ser incluídos como coobrigados pelo débito tributário da empresa. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 1.0000.00.319786-0/000(1) Númeração Única: 3197860-24.2000.8.13.0000. TJMG.” “EMENTA: EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CRÉDITOS DE ICMS. APROVEITAMENTO. AQUISIÇÃO DE MATERIAIS DE USO E CONSUMO. VEDAÇÕES IMPOSTAS POR LEI COMPLEMENTAR. ART. 33, DA LEI COMPLEMENTAR 87/96, COM SUAS ALTERAÇÕES. AVILTAMENTO DO PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE DO IMPOSTO. INCONSTITUCIONALIDADE. PROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS. APELAÇÃO IMPROVIDA. Com efeito, o art. 155, parágrafo 2º da CF, disciplina, de forma inequívoca, o aproveitamento posterior dos créditos de ICMS, colocando em patamar de salvaguarda, o PRINCÍPIO da não-CUMULATIVIDADE. Mizabel Machado Derzi e Sacha Calmon Navarro Coelho exprimiram com axiomático vigor jurídico, a prevalência do texto CONSTITUCIONAL sobre eventuais contra-posiçõesdo legislador da norma inferior, sobre o temário: "A constituição brasileira de 1988 não contém nenhuma exceção ao PRINCÍPIO da não-CUMULATIVIDADE, salvo aquela já referida, concernente à isenção e não incidência. Poderá legislação infraconstitucional, ao disciplinar o PRINCÍPIO da não-CUMULATIVIDADE amesquinhá-lo, restringí-lo ou reduzí-lo? Doutrina cada vez mais sólida responde negativamente, delineando-se entre nós, o consenso de que as limitações impostas em leis complementares, convênios e regulamentos são absolutamente inconstitucionais" ( in Direito Tributário Aplicado, Del Rey, 1997, p. 25 ) Nessa seara, tenho de absoluta propriedade a menção sentencial no sentido de que a lei complementar há de ter função integrativa do PRINCÍPIO da não-CUMULATIVIDADE do imposto, face ao comando do art. 155, parágrafo 2º, inciso I, da CF, não podendo ampliá-lo ou restringí-lo, sob pena de absoluta INCONSTITUCIONALIDADE, efeito esse, atribuível sim, às vedações de CREDITAMENTO, previstos no art. 33 da Lei Complementar nº 87/96, com suas alterações, de perfil incontroversamente limitativo, mormente, quanto ao tempo para fazê-lo. Por tais razões, que reputo de supremacia à sobrevivência da própria ordem tributário-CONSTITUCIONAL, tenho que as disposições contidas na LC 99/99 e 102/2000, quanto ao adiamento dos créditos de ICMS maculam o próprio PRINCÍPIO da não-CUMULATIVIDADE do imposto. Nesse mesmo sentido, o posicionamento desta Egrégia Corte de Justiça: "EMENTA: Direito Tributário. ICMS. PRINCÍPIO da não-CUMULATIVIDADE. Créditos. Compensação. INCONSTITUCIONALIDADE do art. 33, incisos II, letra "d" e IV, letra "c" da Lei Complementar n.º 102/2000. A Constituição da República não distingue a origem do crédito de ICMS, para efeito de compensação prevista no art. 155, §§ 2ºº, inciso II. A disposição infraconstitucional que restringe a possibilidade de compensação de débitos e créditos de ICMS fere o PRINCÍPIO da não-CUMULATIVIDADE e não está adequada ao texto da Constituição, porque limita o direito público subjetivo de compensação, de nível CONSTITUCIONAL, oponível ao Estado pelo contribuinte do imposto estadual. É inadmissível que norma hierarquicamente inferior subordine o âmbito de eficácia da norma CONSTITUCIONAL, que é, por sua natureza, primária, fundamental e hierarquicamente superior às demais. Dá-se provimento ao recurso." (Apelação nº 10000.00.308872-1/000(1), Rel. Des.Almeida Melo, DJ 19.09.2003 ) Assim concebido, tenho que em terreno de prejudicialidade as demais questões versadas no apelo produzido, sobremaneira, no tocante a correção monetária dos créditos extemporâneos. A concluir, pela integral prevalência da respeitável sentença prima, estou negando provimento ao recurso. 1.0479.00.016103-0/001(1) Númeração Única: 0161030-31.2000.8.13.0479. TJMG.” André Ricardo Passos de Souza e Ralph Melles Sticca[57] também reforçam que: “O próprio Min. Marco Aurélio defende, que os materiais considerados como “intermediários”, que se desgastam, em contato direto ou não, na fabricação do produto final podem ser passíveis de creditamento do ICMS na entrada, mesmo anteriormente da previsão expressa do artigo 20 da LC nº. 87/96, por integrarem à mercadoria cuja circulação posteriormente implicaria fato gerador do ICMS.” Conforme se verifica a seguir: “DECISÃO IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – BASE DE CÁLCULO – INSUMOS – DIREITO AO CRÉDITO – OFENSA AO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE – AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. 1. O tema em discussão no recurso extraordinário diz respeito ao direito do contribuinte de utilizar-se de crédito de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços com relação a bens adquiridos para uso e consumo e bens para o ativo permanente, em período anterior à vigência da Lei Complementar nº 87/96. 2. Na espécie, no que tange ao direito ao crédito em relação a bens integrados ao ativo fixo e insumos, cumpre perquirir o elo entre a mercadoria adquirida e a atividade, em si, na produção da própria empresa. Assim, a aquisição de equipamentos que irão integrar o ativo fixo da empresa não gera o direito ao crédito, tendo em conta que a adquirente mostra-se, na realidade, como consumidora final. Esse enquadramento harmoniza-se com a premissa segundo a qual, vindo a vender tais bens, sobre o negócio jurídico não se dará a incidência do ICMS. Hipótese diversa se verifica quando se trata de aquisição de energia elétrica, gastos com comunicação, ou gastos com matéria-prima adquirida e que venha a ser consumida ou integrada ao produto final, na condição de elemento indispensável à respectiva composição que, em última análise, afiguram-se como verdadeiros insumos. 3. Diante do exposto, conheço do agravo e o desprovejo. 4. Publiquem.” (STF AI 585138/DF, Relator(a) MIN. MARCO AURÉLIO, 22/05/2006, DJ 06/06/2006 PP-00024) Curiosamente, em recente julgado ocorrido no dia 07 de dezembro de 2011, a 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em brilhante voto proferido pelo relator Ilmo. Des. Genaro José Baroni Borges, acompanhado do entendimento do Ilmo. Des. Francisco José Moesch, adotou entendimento favorável aos contribuintes, acolhendo a tese de que: “O princípio da não-cumulatividade independe de mediação e o exercício do direito de crédito dele decorrente pode se dar irrestritamente e a qualquer tempo desde a vigência das normas constitucionais tributárias e não da legislação complementar ou regimental.”[58] Esse precedente acaba por ressuscitar esta debatida questão que até então se encontrava adormecida, vejamos: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. ICMS. DIREITO AO CREDITAMENTO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CUMULATIVIDADE DO IMPOSTO. Cuida-se da tão conhecida quanto debatida questão do aproveitamento de créditos de ICMS cobrados na aquisição de  bens intermediários essenciais,  utilizados no processo de fabricação, embora  nesse não sejam consumidos e nem  integrem o produto final,  que tem como razão de ser  o princípio da não-cumulatividade contido no artigo 155, parágrafo 2º, I do Constituição Federal. Pela regra constitucional anterior (art. 23, II da E.C. 1/69), certo, a não-cumulatividade dependia de intermediação legislativa. Já a Constituição de 88, por seu artigo 155, parágrafo 2º, inciso I, não delegou ao legislador ordinário traçar seu perfil. Por isso, nem a lei complementar, nem a lei ordinária, tampouco convênio ou ato administrativo podem dispor livremente sobre este instituto, intervindo no conteúdo ou no alcance da regra da não -cumulatividade, nem impor limites temporais ao seu desfrute, se não que  apenas fixar o mecanismo, o método ou a forma com que se implementa (CF, artigo 155, parágrafo 2º, XII, c). O direito ao creditamento, portanto, surge com a entrada em vigor do atual sistema tributário constitucional, isto é, em 05 de março de 1989 (ADCT – art. 34). A lei, assim sendo, não pode diminuir, reduzir, retardar, anular ou limitar o direito ao creditamento, por ser direito público subjetivo constitucionalmente assegurado a quem pratica operação mercantil. O abatimento do imposto pago na operação anterior é obrigatório, e o contribuinte tem o direito de solver por compensação, no todo ou em parte, o débito tributário decorrente da operação seguinte; também quando não há operação posterior, nem se trate de mercadoria, na hipótese do imposto pago na aquisição de bens destinados ao ativo fixo, ao uso ou ao consumo, como é o caso. Assim, o direito ao creditamento, que decorre do princípio geral da não-cumulatividade, se impõe a todos, salvo as hipóteses de isenção e de não incidência, exceções constitucionais (CF. art. 155, parágrafo 2º, II, a) que por isso devem ser interpretadas restritivamente. O princípio da não-cumulatividade independe de mediação e o exercício do direito de crédito dele decorrente pode se dar irrestritamente e a qualquer tempo desde a vigência das normas constitucionais tributárias e não da legislação complementar ou regimental. Embora o tema posto gire fundamentalmente em torno do princípio constitucional da não-cumulatividade, é de ser levada em conta a bem elaborada perícia a constatar que determinados bens constantes da  Planilha de Bens Intermediários Classificados, mesmo não integrem o produto final, com e para ele concorrem direta e necessariamente, posto utilizados e consumidos no processo de industrialização. Apelo não provido, por maioria. Apelação Cível nº 70041682725, Comarca de Porto Alegre. TJRS.” É possível concluir, portanto, que a doutrina majoritária defende ser cabível o direito ao creditamento do ICMS na entrada de mercadorias de uso e consumo, como, especialmente no caso dos bens que venham a serem consumidos ou integrados ao produto final, na condição de elementos indispensáveis à respectiva composição, não admitindo as restrições qualitativas e temporais estabelecidas pela Lei Complementar nº 87/96[59]. A título de exemplo, podemos incluir os seguintes renomados estudiosos do direito: Misabel Derzi, Roque Carrazza, Aires F. Barreto, Marilene Talarico Martins Rodrigues e José Eduardo Soares de Melo. Todavia, este parece não ser o entendimento que predomina nos tribunais superiores que, por sua vez, ainda não pacificaram seu entendimento, tendo o Min. Marco Aurélio posicionado favoravelmente aos contribuintes, o que torna possível o resgate das discussões em torno da temática posta, por força da publicação da LC nº. 138, de 29 de dezembro de 2010. 6 O APROVEITAMENTO DE CRÉDITO DO ICMS NO PROCESSO PRODUTIVO DA MINERAÇÃO À LUZ DO RICMS/MG E DAS INSTRUÇÕES NORMATIVAS ST Nº 01/1986 E 01/2001 6.1 O aproveitamento de crédito do ICMS à luz do RICMS/MG Inúmeras empresas que atuam na atividade minerária, há alguns anos, aproveitam ou desejam aproveitar o crédito do ICMS sobre a aquisição de peças e demais materiais utilizados na reforma e manutenção dos veículos que fazem parte de seu processo produtivo, dentre eles lubrificantes, pneus e câmaras de ar. Interessante questão, a saber, é a respeito do alcance da jurisprudência dos Tribunais Superiores e do Supremo Tribunal Federal, ora transcritas, no que se refere ao aproveitamento de crédito do ICMS de tais bens ora utilizados no processo produtivo da mineração. É que a jurisprudência ao admitir que a Lei Complementar 87/1996 é fonte geradora do direito ao crédito relativo à entrada de bens destinados ao consumo no estabelecimento, de sorte a entender ser constitucional a postergação ao acesso a este benefício determinada pela Lei Complementar[60], estaria aniquilando qualquer amparo jurídico capaz de revestir as práticas dessas empresas da devida legalidade? Estaria o contribuinte impossibilitado de apropriar crédito do ICMS em relação aos bens em questão ora utilizados no processo produtivo da mineração? Parece-nos que não. Apesar de entendermos pela inconstitucionalidade do art. 33 da Lei Kandir, tendo em vista que o princípio da não-cumulatividade insculpido na CR/88 não pode ser restringido pelo legislador complementar que acabou criando condições e requisitos não previstos no art. 155, §2º, I, da Carta Magna para a fruição do direito de crédito do ICMS, o presente estudo demonstrará que os montantes deste tributo relativos a lubrificantes, pneus e câmaras de ar utilizados e integralmente consumidos no processo produtivo da mineração, também geram créditos de ICMS[61]. Isso porque as decisões no âmbito dos Tribunais Superiores e do Supremo Tribunal Federal tratam basicamente da apropriação do crédito relativo à entrada de bens utilizados ou consumidos no estabelecimento e não do bem utilizado como insumo, necessário e essencial ao processo produtivo[62]. Salientamos que não estamos forçando ou adaptando nosso entendimento ao art. 33, II, “b”, da Lei Complementar 87/1996, mas, simplesmente, interpretando-o em atenção ao princípio constitucional da não-cumulatividade do ICMS[63]. Vejamos que o art. 66 do RICMS/MG trata, em nível estadual, a respeito do princípio da não-cumulatividade, sendo que os incisos I a X abarcam os bens que ensejam o aproveitamento de crédito: “Art. 66.  Observadas as demais disposições deste Título, será abatido, sob a forma de crédito, do imposto incidente nas operações ou nas prestações realizadas no período, desde que a elas vinculado, o valor do ICMS correspondente: I – ao serviço de transporte ou de comunicação prestado ao tomador, observado o disposto no § 2º deste artigo; II – à entrada de bem destinado ao ativo imobilizado do estabelecimento, observado o disposto nos §§ 3º, 5º, 6º e 12 a 16 deste artigo; III – à entrada de energia elétrica usada ou consumida no estabelecimento, observado o disposto no § 4º deste artigo; IV – às mercadorias, inclusive material de embalagem, adquiridas ou recebidas no período para comercialização; V – a matéria-prima, produto intermediário ou material de embalagem, adquiridos ou recebidos no período, para emprego diretamente no processo de produção, extração, industrialização, geração ou comunicação, observando-se que: a) incluem-se na embalagem todos os elementos que a componham, a protejam ou lhe assegurem a resistência; b) são compreendidos entre as matérias-primas e os produtos intermediários aqueles que sejam consumidos ou integrem o produto final na condição de elemento indispensável à sua composição; VIII – a combustível, lubrificante, pneus, câmaras-de-ar de reposição ou de material de limpeza, adquiridos por prestadora de serviços de transporte e estritamente necessários à prestação do serviço, limitado ao mesmo percentual correspondente, no faturamento da empresa, ao valor das prestações alcançadas pelo imposto e restrito às mercadorias empregadas ou utilizadas exclusivamente em veículos próprios; IX – a defensivo agrícola, adquirido por produtor rural, para uso na agricultura; X – à entrada de bem destinado a uso ou consumo do estabelecimento, ocorrida a partir de 1º de janeiro de 2020.” O inciso V confere direito ao aproveitamento de crédito do ICMS aos produtos intermediários, considerados como sendo àqueles que sejam consumidos ou integrem o produto final na condição de elemento indispensável à sua composição. O inciso X, por sua vez, aduz que o direito ao abatimento sob a forma de crédito do ICMS à entrada de bem destinado a uso ou consumo do estabelecimento, apenas ocorrerá a partir de 1º de janeiro de 2020. Questão de suma relevância é a respeito do correto enquadramento dos bens objeto do presente estudo (lubrificantes, pneus e câmaras de ar), se considerados como bens destinados ao uso ou consumo do estabelecimento ou como produtos intermediários, a fim de se verificar a legitimidade do aproveitamento de crédito do ICMS, em atenção à sistemática da legislação estadual. Para tanto, passaremos a analisar as Instruções Normativas ST nº 01/1986 e 01/2001. 6.2 Análise da Instrução Normativa ST Nº 01/1986 A Instrução Normativa SLT nº 01, de 20 de fevereiro de 1986[64], trata do conceito de produto intermediário para efeito do direito ao crédito do ICM, compreendido como sendo: “àquele empregado diretamente no processo de industrialização, integrar-se ao novo produto”. Por extensão, considera-se produto intermediário também o que, “embora não se integrando ao novo produto, é consumido, imediata e integralmente, no curso da industrialização”. Por consumo imediato, à luz da instrução normativa, entende-se: “O consumo direto, de produto individualizado, no processo de industrialização; assim, considera-se consumido diretamente no processo de industrialização o produto individualizado, quando sua participação se der num ponto qualquer da linha de produção, mas nunca marginalmente ou em linhas independentes, e na qual o produto tiver o caráter de indiscutível essencialidade na obtenção do novo produto.” Por consumo integral, por sua vez, entende-se: “O exaurimento de um produto individualizado na finalidade que lhe é própria, sem implicar, necessariamente, o seu desaparecimento físico total; neste passo, considera-se consumido integralmente no processo de industrialização o produto individualizado que, desde o início de sua utilização na linha de industrialização, vai-se consumindo ou desgastando, contínua, gradativa e progressivamente, até resultar acabado, esgotado, inutilizado, por força do cumprimento de sua finalidade específica no processo industrial, sem comportar recuperação ou restauração de seu todo ou de seus elementos.” Verifica-se que a identificação de um bem como produto intermediário exige do intérprete a análise de diversos conceitos que se entrelaçam entre si. São eles: produto intermediário, produto intermediário por extensão, consumo imediato no processo de industrialização, consumo direto e por fim consumo integral. Seriam, pois, lubrificantes, pneus e câmaras de ar, produtos intermediários utilizados e consumidos integralmente no processo de industrialização do minério de ferro ou seriam bens destinados ao uso ou consumo do estabelecimento, ensejando o aproveitamento de crédito do ICMS apenas a partir de 1º de janeiro de 2020, conforme disposto pela Lei Kandir? Para chegarmos a uma conclusão devemos nos valer de alguns quesitos, são eles: i. Lubrificantes, pneus e câmaras de ar são empregados diretamente no processo de industrialização e integram o novo produto? ii. Lubrificantes, pneus e câmaras de ar, embora se admita que não se integrem ao novo produto, são consumidos, imediata e integralmente, no curso da industrialização? iii. Lubrificantes, pneus e câmaras de ar são empregados em algum ponto qualquer da linha de produção, mas nunca marginalmente ou em linhas independentes? Possuem caráter de indiscutível essencialidade na obtenção do novo produto? iv. Lubrificantes, pneus e câmaras de ar são produtos individualizados que desde o início de sua utilização na linha de industrialização vão se consumindo ou desgastando gradativa e progressivamente, até resultarem acabados, esgotados, inutilizados por força do cumprimento de suas finalidades específicas no processo industrial, sem comportar recuperação ou restauração de seu todo ou de seus elementos? Ao que passamos a respondê-los. i. Lubrificantes, pneus e câmaras de ar são empregados diretamente no processo de industrialização do minério de ferro, mas não se integram fisicamente ao novo produto. ii. Lubrificantes, pneus e câmaras de ar apesar de não integrarem fisicamente ao novo produto e não serem produtos individualizados, a nosso entender, são consumidos de forma imediata e integral no curso da industrialização, mas não no sentido de imediatidade exigido pela Instrução Normativa. É que o referido ato normativo exige que se trate de produto individualizado para que se considere determinado bem como consumido diretamente no processo de industrialização. Assim, há que se ressalvar aqui o alcance da expressão “produto individualizado” e a legalidade dessa exigência. iii. Lubrificantes, pneus e câmaras de ar são empregados em diversos pontos que fazem parte da linha de produção e são essenciais na obtenção do novo produto, sem os quais, não é possível sequer a extração do minério de ferro. iv. Lubrificantes, pneus e câmaras de ar se consomem ou desgastam gradativamente, até resultarem acabados, esgotados, inutilizados por força do cumprimento de suas finalidades específicas no processo industrial. No entanto, não se constituem em “produtos individualizados, com identidade própria, mas sim componentes de uma estrutura estável e duradoura, cuja manutenção pode importar na substituição das mesmas”. Além do mais, pneus e câmaras de ar comportam recuperação ou restruturação de seu todo ou de seus elementos, por meio do procedimento da recauchutagem. O inciso V da Instrução Normativa SLT nº01/86, por sua vez, confere o direito ao aproveitamento de crédito do ICMS as partes e peças que: “Apesar de não se constituírem em produtos individualizados ou mesmo comportarem recuperação/restauração no seu todo ou em parte, são mais que meros componentes de máquina, aparelho ou equipamento, desenvolvendo atuação particularizada, essencial e específica, dentro da linha de produção, em contato físico com o produto que se industrializa, o qual importa na perda de suas dimensões ou características originais, exigindo, por conseguinte, a sua substituição periódica em razão de sua inutilização ou exaurimento, embora preservada a estrutura que as implementa ou as contém.” Assim é que lubrificantes, pneus e câmaras de ar apesar de não se constituírem em produtos individualizados ou mesmo comportarem recuperação/restauração no seu todo ou em parte (pneus e câmaras de ar), desenvolvem atuação essencial e específica, dentro da linha de produção, sem os quais não é possível sequer a locomoção dos veículos que realizam o transporte e/ou extração do minério de ferro. No entanto, a nosso entender, apenas os pneus e câmaras de ar entram em contato físico com o minério de ferro. Ante o exposto, consoante análise do RICMS/MG e da Instrução Normativa SLT nº 01/86, resta-nos improvável o direito ao aproveitamento de crédito do ICMS na aquisição de lubrificantes, pneus e câmaras de ar utilizados diretamente no processo produtivo de mineração, apesar de serem produtos essenciais e consumidos nos veículos que se destinam à movimentação, transporte e extração do minério de ferro. No entanto, a nosso ver, a Instrução Normativa SLT nº 01/1986 não pode ser utilizada para analisar o conceito de produto intermediário do ICMS, por ser editada à época em que vigorava o ICM, sendo que pela regra constitucional anterior (art. 23, II da E.C 1/69), a não-cumulatividade dependia de intermediação legislativa. Na nova sistemática atual, o princípio da não-cumulatividade insculpido no art. 155, §2º, I, da Constituição Federal, possui aplicabilidade imediata, não se admitindo que o referido princípio sofra limitações, conforme se posiciona a melhor doutrina.        Ainda que se admita a legalidade da Instrução Normativa SLT nº 01, de 20 de fevereiro de 1986, pressupondo a constitucionalidade da Lei Complementar 87/96 que impõe limitações ao princípio da não-cumulatividade insculpido na carta magna, certo é que a referida instrução normativa não pode restringir o que a lei não restringe. Os artigos 20 e 33 da Lei Kandir que tratam das hipóteses em que se admite o aproveitamento de crédito do ICMS, não podem ser restringidos por ato normativo outro que não a própria lei. Parece-nos que a Instrução Normativa SLT nº 01 é mais uma manobra do Estado para fulminar o direito do contribuinte ao aproveitamento de crédito do ICMS no que se refere à aquisição de produtos intermediários. Há aqui uma verdadeira distorção do alcance da expressão “produto intermediário” que, conforme disposto no art. 66, V, b do RICMS/MG, são compreendidos como sendo “aqueles que sejam consumidos ou integrem o produto final na condição de elemento indispensável à sua composição”. Assim, entendemos e passaremos a demonstrar que não é legítima a exigência, por exemplo, de que o bem “desenvolva atuação particularizada, essencial e específica dentro da linha central de produção como propulsor de máquinas e equipamentos em contato físico direto com o produto a ser obtido no final do processo”, a fim de que seja possível seu enquadramento como produto intermediário. 6.3 Análise da Instrução Normativa ST Nº 01/2001 A Instrução Normativa SLT nº 01/2001[65], por sua vez, trata do processo produtivo desempenhado por empresas mineradoras e do conceito de produto intermediário na atividade de mineração. Consoante o art. 1º da referida Instrução Normativa, entende-se por processo produtivo desempenhado por empresas mineradoras, “aquele compreendido entre a fase de desmonte da rocha ou remoção de estéril até a fase de estocagem, inclusive a movimentação do minério do local de extração até o beneficiamento ou estocagem”. Por sua vez, o art. 2º dispõe a respeito do conceito de produto intermediário na atividade de mineração, sendo considerado, “observado o disposto na Instrução Normativa SLT nº 01, de 20 de fevereiro de 1986, todo material consumido nas fases do processo desenvolvido pelas empresas mineradoras”, trazendo, ainda, um rol exemplificativo de bens, a saber: “broca, haste, manto (correia transportadora), chapa de desgaste, óleo diesel, tela de peneira, filtro, bola de moinho, amido, amina/soda cáustica, dentre outros, consumidos na lavra, na movimentação do material e no beneficiamento”. Trata-se, como mencionado, de rol exemplificativo, não exaurindo todos os produtos que admitem o aproveitamento de crédito do ICMS. A nosso ver, revela-se, pois, um contrassenso admitir que produtos como óleo diesel, chapa de desgaste, correia transportadora etc, possam gerar direito ao aproveitamento de crédito do ICMS, negando, contudo em relação a produtos tais como lubrificantes, pneus e câmaras de ar. 6.4 O Entendimento do Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais Apesar de insistirmos que as Instruções Normativas ST nº 01/1986 e 01/2001, por serem atos normativos secundários (aqueles que retiram sua força da lei), acabaram indo além de sua função ao ultrapassar seu viés interpretativo, restringindo direito que a própria lei não o fez, diverso, porém, é o entendimento do Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais que ainda não apreciou a matéria sob este prisma, a saber: “CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO ESTADO DE MINAS GERAIS. ACÓRDÃO: 19.057/11/2ª. Não há dúvida que alguns materiais de uso e consumo são essenciais e indispensáveis ao processo produtivo. Entretanto, lembramos que estes produtos não foram classificados como intermediários por não preencherem os demais requisitos previstos na legislação tributária. Um exemplo típico é o óleo lubrificante que, embora seja material de uso e consumo, sem dúvida alguma é essencial e indispensável para o funcionamento de determinada máquina, mas não entra (e nem pode entrar) em contato com o minério que se industrializa.” “CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO ESTADO DE MINAS GERAIS. ACÓRDÃO: 19.057/11/2ª. Pode-se mais uma vez citar o mesmo exemplo do óleo lubrificante cuja função é diminuir o atrito entre peças de determinada máquina, evitando o aquecimento e o desgaste. Neste caso, o óleo lubrificante, que é um material de uso e consumo, não está enquadrado em nenhuma etapa de utilização na linha de produção. A máquina, como um conjunto de peças e componentes é que poderá ser considerada como utilizada no processo produtivo (se for o caso).” “CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO ESTADO DE MINAS GERAIS. ACÓRDÃO: 19.481/10/3ª. Não obstante a necessidade de manutenção periódica dos equipamentos, tais produtos não se enquadram na conceituação de produtos intermediários, mas sim de material de uso/consumo, sendo vedado o lançamento de créditos a eles relativos, nos termos do inciso III do art. 70 do RICMS/02.” “CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO ESTADO DE MINAS GERAIS. ACÓRDÃO: 3.615/10/CE. Não se consideram consumidos imediata e integralmente os produtos, tais como partes e peças de máquina, aparelho ou equipamento, pelo fato de não se constituírem em produto individualizado, mas apenas componentes de uma estrutura estável e duradoura, cuja manutenção naturalmente pode importar na substituição das mesmas. Excepcionam-se as partes e peças que, mais que meros componentes de máquina, aparelho ou equipamento, desenvolvem atuação particularizada, essencial e específica, dentro da linha de produção, em contato físico com o produto que se industrializa, a qual importa na perda de suas dimensões ou características originais, exigindo, por conseguinte, a sua substituição periódica em razão de sua inutilização ou exaurimento, embora preservada a estrutura que as complementa ou as contém. No caso dos autos, o fato do óleo lubrificante ser aplicado na perfuratriz, que é utilizada no processo de produção, não autoriza a conclusão de que ele possa ser classificado como produto intermediário. Com efeito, não se discute a essencialidade do óleo e da graxa enquanto agentes de proteção, manutenção e de funcionamento dos equipamentos, mas o que a legislação admite como produto intermediário é a essencialidade na composição do produto em elaboração, in casu, o minério de ferro. Nesse sentido, os materiais considerados pelo Fisco não se enquadram no conceito de produto intermediário definido pela Instrução Normativa SLT n° 01/86, uma vez que é fato incontroverso que os mesmos não se integram ao novo produto e/ou não se consomem imediata e integralmente no curso da industrialização.” “CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO ESTADO DE MINAS GERAIS. ACÓRDÃO: 19.945/11/3ª. Em outra linha, os “pneus fora de estrada” não podem ser considerados produtos intermediários, pois, embora sejam consumidos na linha de extração, não entram em contato com o minério, no sentido anteriormente posto, ou seja, não exercem um papel direto na produção ou extração. No tocante aos produtos “óleo e graxa lubrificante”, é insuficiente o paralelo feito entre tais itens e o óleo diesel, já que este último somente é tido como produto intermediário se atender às exigências da referida IN SLT 01/86, especialmente a de ser consumido imediata e diretamente no processo produtivo, circunstância que não ocorre com os itens mencionados. Não se pode negar a necessidade dos óleos e graxas na manutenção dos equipamentos do estabelecimento, mas isto não é condição suficiente para caracterizá-los como produto intermediário. Com efeito, tais produtos geram crédito apenas para as empresas transportadoras, nos termos do RICMS/02.” No entanto, é de se reconhecer que há votos isolados, apesar de vencidos, conferindo ao contribuinte o direito ao aproveitamento de créditos de ICMS na aquisição de lubrificantes e pneus fora de estrada por se enquadrarem no conceito de produto intermediário definido pela Instrução Normativa SLT n° 01/86 combinada com a Instrução Normativa n.º 01/01. Entendeu o julgador que “é fato incontroverso que os mesmos, apesar de não se integrarem o novo produto, são consumidos integralmente no curso da industrialização”[66]. Estes votos isolados demonstram que a matéria não é pacífica, demandando alargamento das discussões jurídicas que envolvem a temática ora debatida, senão vejamos: “CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO ESTADO DE MINAS GERAIS. ACÓRDÃO: 3.306/07/CE. Assim, temos que para as empresas industriais não exportadoras, o creditamento se restringe à aquisição de matéria-prima, produtos intermediários e material de embalagem. Por outro lado, em se tratando de exportação, permite-se apropriação de créditos inerentes aos produtos de uso e consumo utilizados no processo industrial, antecipando a vigência do dispositivo geral que abriga o material de uso/consumo. Existindo a diferença no seio do Regulamento, é razoável o entendimento de que o material de uso/consumo mencionado não é produto intermediário, caracterizando-se exatamente por aquele que não atende aos ditames da Instrução Normativa 01/86, mas que está vinculado ao processo produtivo. Neste caso, há de se conceder crédito do imposto em relação às partes e peças (exceto acessórios de veículos), graxas e lubrificantes utilizados em máquinas, equipamentos e veículos – desde que de propriedade da Autuada – vinculados ao processo de produção, por efetivamente serem consumidos na etapa de industrialização.” “CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO ESTADO DE MINAS GERAIS. ACÓRDÃO: 3.615/10/CE. O processo produtivo da Impugnante, que é uma mineradora, conforme definido na Instrução Normativa n.º 01/01, inicia-se “com a fase de desmonte arriamento do minério ou do estéril de sua posição rochosa inicial, de maneira a se obter um amontoado de minério ou de estéril totalmente desagregado de suas rochas naturais) e termina com a fase de estocagem”. Não seria possível admitir-se outro conceito para o processo produtivo, ainda no caso do imposto estadual. Assim, no caso dos autos, o fato do óleo lubrificante ser aplicado na perfuratriz, que é utilizada no processo de produção, autoriza a conclusão de que ele possa ser classificado como produto intermediário, uma vez que a este equipamento está inserido no processo industrial da Recorrente sendo essencial para a fase de desmonte, conforme definido na Instrução Normativa n.º 01/01. Na mesma linha, é essencial a graxa enquanto agente de proteção, manutenção e de funcionamento dos equipamentos. Também não se pode desprezar a questão relativa aos “pneus fora de estrada”. Não se tratam estes de pneus de qualquer espécie ou que possam ser utilizados em veículos comuns. Estes pneus só podem ser utilizados em caminhões cuja única função é o transporte do minério. Veja-se aqui que o transporte do minério é textualmente citado na Instrução Normativa n.º 01/01. Nesse sentido, óleo e a graxa lubrificante, o pneu fora de estrada e os rolo graxa e impacto cujo crédito foi desconsiderado pelo Fisco se enquadram no conceito de produto intermediário definido pela Instrução Normativa SLT n° 01/86 combinada com a Instrução Normativa n.º 01/01, uma vez que é fato incontroverso que os mesmos, apesar de não se integrarem o novo produto, são consumidos integralmente no curso da industrialização. Nesta condição estes produtos, embora não se integrem ao novo produto, são consumidos imediata e integralmente no curso de sua industrialização, sendo, assim, passível de creditamento pela Impugnante em sua escrita fiscal. (voto vencido).” O Conselho de Contribuintes do Estado da Bahia, utilizando o viés interpretativo trazido pelas Instruções Normativas editadas pelo Estado de Minas Gerais (Estado em que há maior concentração de atividade minerária no país), conferiu ao contribuinte o direito ao aproveitamento de crédito a lubrificantes, ora considerados como insumos consumidos no processo produtivo da mineração, senão vejamos: “CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO ESTADO DA BAHIA. ACÓRDÃO: FAZ/BA – 0308-03/03 – 18/08/2003 ICMS. 1. CRÉDITO FISCAL. UTILIZAÇAO INDEVIDA. MATERIAL DE USO E CONSUMO. Refeitos os cálculos, excluindo-se da autuação os créditos fiscais relativos a lubrificantes e explosivos, que são insumos, cujo crédito fiscal é legítimo. 2. DIFERENÇA DE ALIQUOTAS. AQUISIÇOES INTERESTADUAIS DE MATERIAL DE CONSUMO. Infração caracterizada pois tratam-se de peças de reposição de máquinas e de manutenção de tratores e caminhões. Auto de Infração PROCEDENTE EM PARTE. Decisão unânime. Da análise e da orientação contida no Parecer Normativo nº 01/81 da antiga PROFI, verifica-se que, para que uma mercadoria seja definida como insumo ou produto intermediário, gerando o direito ao crédito fiscal, exige-se que, ou integre o produto final como elemento indispensável à sua composição ou, não havendo a integração, seja consumida, inutilizada, gasta ou destruída a cada processo produtivo, de forma que seja necessária a sua renovação, não de tempos em tempos, mas em cada novo processo produtivo. No caso em tela, verifica-se, consoante o posicionamento feito pelo diligente, que os materiais constantes no demonstrativo elaborado pelo autuante, são utilizados pela empresa como peças de reposição para trator pá carregadeira, peças de reposição para britador, peças para caminhão fora de estrada e peças para perfuratrizes pneumáticas de rochas. Tais mercadorias, a meu ver, constituem materiais de uso e consumo do estabelecimento que não estão diretamente afeitos nem se desgastam no processo produtivo e, por este motivo, não podem gerar o direito à utilização, como crédito fiscal, do ICMS destacado nas notas fiscais de aquisição. Entretanto, os explosivos e lubrificantes foram excluídos do levantamento fiscal, pelo autuante no momento em que prestou a informação fiscal, o que considero correto, pois tratam-se, de fato, de insumos, e nesses casos o crédito fiscal é legítimo, o que resultou na redução do valor do ICMS, da exigência fiscal para R$45.935,58, ficando o demonstrativo de débito, da infração 01, com a seguinte configuração (…).” Todavia, continuamos a insistir que a Instrução Normativa SLT nº 01, de 20 de fevereiro de 1986 que dispõe a respeito do conceito de produto intermediário, para efeito de direito ao crédito do ICM, foi além de sua competência, restringido ainda mais o direito do contribuinte de se valer do aproveitamento do crédito em relação a determinados bens. É que as exigências trazidas pela Instrução Normativa SLT nº 01, de 20 de fevereiro de 1986, são descabidas e violam frontalmente direito garantido pela Constituição Federal e pelo RICMS/MG, corroborando os dizeres de Celso Agrícola Barbi[67], no sentido de que “longo e penoso é o caminho percorrido até hoje pelos indivíduos na luta contra os excessos do Poder Público”.  Lado outro, o art. 66 do RICMS/MG dispõe que “são compreendidos entre as matérias-primas e os produtos intermediários aqueles que sejam consumidos ou integrem o produto final na condição de elemento indispensável à sua composição”. Assim, a lei estadual, conforme mencionado, impôs apenas duas condições alternativas para que determinado produto possa ser considerado como intermediário ou matéria-prima, são elas: (i). que seja consumido no processo produtivo ou (ii) integre o produto na condição de elemento indispensável à sua composição. Lubrificantes, pneus e câmaras de ar não seriam consumidos no processo produtivo da mineração? A nosso ver, poderiam ser classificados como produtos intermediários, sendo, desta forma, insumos, pois embora não se integram ao novo produto, são consumidos no curso da industrialização do minério de ferro. Contrariamente ao que dispõe o ordenamento jurídico pátrio, foram editadas as já debatidas Instruções Normativas SLT nºs 01/86 e 01/01, restringindo ainda mais o alcance do princípio da não-cumulatividade, que, a nosso entender, possui alcance amplo, não podendo ser amesquinhado em face da sede arrecadatória dos Estados. É cediço que as Instruções Normativas, como atos normativos secundários que são, apenas devem explicitar o que a lei dispõe, e não inovar ou exceder as determinações legais, o que de fato ocorreu, quando das edições das Instruções Normativas SLT nºs 01/86 e 01/01, que impuseram exigências absurdas ao direito subjetivo público do contribuinte do aproveitamento de crédito de determinados produtos, garantido pela Lei Kandir, pelo próprio RICMS/MG e pela Constituição Federal de 1988 que abarca o princípio da não-cumulatividade de forma ampla. Tais instruções normativas reduziram ainda mais o alcance do princípio da não-cumulatividade ao exigir, por exemplo, o necessário contato físico direto entre o minério e o produto individualizado que, por sua vez, não pode comportar recuperação ou restauração de seu todo ou de seus elementos. Assim é que entendemos ser possível o aproveitamento de créditos de ICMS na aquisição de lubrificantes, pneus e câmaras de ar, por não se admitir que Lei Complementar restrinja direito de crédito assegurado amplamente pela Constituição Federal, seja porque, no caso em apreço, tais bens são utilizados integralmente no processo produtivo da mineração como insumos, não estando alcançado pela limitação imposta pelo art. 33, I da Lei Kandir que se refere unicamente a mercadorias destinadas ao uso e consumo do estabelecimento e, ainda, por não se admitir que atos normativos secundários (aqueles que retiram sua força da lei), possam ir além, ultrapassando seu viés interpretativo, restringindo direito que a própria lei não o fez. 7 CONCLUSÃO         O princípio da legalidade tributária é um importante instrumento de proteção do contribuinte frente ao poder arrecadatório do Estado, responsável por limitar e frear os excessos da atuação estatal. A lei ordinária é, em regra, o veículo legislativo da imposição tributária, capaz de concretizar o princípio da legalidade. A lei complementar, por sua vez, possui a tarefa de complementar a Constituição e excepcionalmente instituir tributos como, por exemplo, os empréstimos compulsórios (art. 148 da CR/88). Os atos normativos infralegais, tais como as instruções normativas, não podem inovar no ordenamento jurídico, impondo restrições que a lei não previu ou autorizou, devendo manter-se subordinadas ao texto legal. Em atenção à sistemática do ICMS, que é um tributo que grava o consumo, faz-se plausível adotar o entendimento de que não há sentido na adoção do crédito físico; somente o crédito financeiro pode atingir os fins a que tais tributos se destinam: desonerar a produção (neutralidade) e onerar apenas os consumidores finais. No entanto, percebe-se que o Plenário da Corte Suprema (possibilidade de adoção do crédito físico pela legislação infraconstitucional – ADIN 2325-0) afastou este posicionamento.  Lado outro, temos que a doutrina majoritária defende ser cabível o direito ao creditamento do ICMS na entrada de mercadorias de uso e consumo, não admitindo as restrições qualitativas e temporais estabelecidas pela Lei Complementar nº 87/96. Todavia, este parece não ser o entendimento que predomina nos tribunais superiores, sendo possível o resgate das discussões em torno da temática posta, por força da publicação da LC nº. 138, de 29 de dezembro de 2010. Conforme ressaltado, as Instruções Normativas, por serem atos normativos secundários, apenas devem explicitar o que a lei dispõe, e não inovar ou exceder as determinações legais, o que de fato ocorreu, quando das edições das Instruções Normativas SLT nºs 01/86 e 01/01, que impuseram exigências absurdas ao direito subjetivo público do contribuinte do aproveitamento de crédito de determinados produtos, garantido pela Lei Kandir, pelo próprio RICMS/MG e pela Constituição Federal de 1988 que abarca o princípio da não-cumulatividade de forma ampla. Tais instruções normativas reduziram ainda mais o alcance do princípio da não-cumulatividade ao exigir, por exemplo, o necessário contato físico direto entre o minério e o produto individualizado que, por sua vez, não pode comportar recuperação ou restauração de seu todo ou de seus elementos. Nesse contexto, entendemos, portanto, ser possível o aproveitamento de créditos de ICMS na aquisição de lubrificantes, pneus e câmaras de ar, por não admitirmos que Lei Complementar restrinja direito de crédito assegurado amplamente pela Constituição Federal, seja porque os referidos bens são utilizados integralmente no processo produtivo da mineração como insumos, não estando alcançado pela limitação imposta pelo art. 33, I da Lei Kandir que se refere unicamente a mercadorias destinadas ao uso e consumo do estabelecimento. Ocorre que o contribuinte deverá se valer da via judicial, tendo em vista que a jurisprudência unânime do Conselho de Contribuintes tem-se manifestado de forma não favorável. Todavia, parece-nos que as chances de vitória no poder judiciário não são boas, uma vez que nos Tribunais Superiores não há um consenso sobre a matéria que ainda demanda um amadurecimento em suas discussões. Deve o contribuinte, portanto, ficar atento aos riscos que existem ao decidir apropriar crédito do ICMS em face de tais bens, quais sejam, a cobrança do ICMS não pago, glosa dos créditos, e aplicação das multas de revalidação e isolada, capituladas, respectivamente, nos arts. 56, inciso II, e 55, inciso XXVI, todos da Lei nº 6.763/75.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/aproveitamento-de-credito-do-icms-no-processo-produtivo-da-mineracao-lubrificantes-pneus-e-camaras-de-ar/
Efeitos Práticos da Resolução 13/2012 do Senado no dia-a-dia das empresas
Questões polêmicas e exemplos dos efeitos da Resolução 13/2012 no dia-a-dia das empresas.
Direito Tributário
1. Introdução A famigerada Resolução 13, do Senado Federal, publicada em 26 de abril de 2012, trouxe às empresas brasileiras grande incerteza ao atual e complexo quadro tributário nacional, em especial para as empresas que comercializam produtos importados ou de origem estrangeira. Pois bem. A Resolução 13/2012, estabeleceu novas alíquotas interestaduais para operações produtos importados, conforme destacamos abaixo: “Art. 1º A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior, será de 4% (quatro por cento).” Numa leitura inicial do artigo 1º da resolução, a alteração nos parece bem simples, onde foi alterada apenas a alíquota nas operações interestaduais com mercadorias importadas do exterior para 4%. Enganam-se os tributaristas e atuantes na seara fiscal e tributária (como eu) que pensaram desta forma, pois com a edição e vigência da Resolução 13, serão necessárias diversas mudanças nas operações comerciais realizadas por estas empresas com alterações significativas para praticamente todas às áreas das empresas afetadas, compras, suprimentos, fiscal, contabilidade e setor comercial. Debruçando um pouco mais sobre a aplicabilidade e consequencias da Resolução 13, nos vêm à baila diversos questionamentos que não foram totalmente esclarecidos por esta norma: – A alíquota de 4% será aplicada somente na primeira operação interestadual após a importação, ou em todas as operações seguintes da cadeia de comercialização deste produto? – Haverá aumento ou redução do preço do produto em razão da alteração da alíquota? – Como ficará o cálculo do ICMS/ST para produtos sujeitos a esta sistemática de tributação? – A alíquota de 4% se aplicará somente nas operações interestaduais para clientes Contribuintes do ICMS ou também para clientes Não Contribuintes? Diante destas questões que certamente foram levantadas pela maioria das empresas, tentaremos em breves comentários e exemplos trazer um pouco da aplicabilidade prática desta resolução, sem o intuito de formar conceitos ou definições sobre o tema, até porque vários destes questionamentos estão ainda em discussão embrionária dentre os mais renomados juristas sobre o tema. Também não teceremos comentários acerca da constitucionalidade ou não desta Resolução, apesar de alguns entenderem que tal norma tem o vício insanável da inconstitucionalidade. 2. Aplicação da alíquota interestadual de 4% na cadeia de comercialização Foi amplamente divulgado pela mídia especializada, o objetivo do governo (Senado) na edição da Resolução 13 que alterou a alíquota interestadual para importados, visa primordialmente acabar com a guerra dos portos, de modo a reduzir o efeito dos benefícios fiscais concedidos por Estados da Federação para atração de empresas e maior volume de negócios em seu território. Esta “exposição de motivos” para a edição desta Resolução traz inicialmente o entendimento de que esta alíquota seria aplicada somente na primeira operação com produtos importados do exterior, até porque após a sua comercialização inicial pelo importador o produto considera-se nacionalizado. Assim, a Resolução 13/2012 definiu em poucas palavras que a alíquota interestadual seria de 4% “nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior”. Todavia, surgiu a dúvida se esta alíquota interestadual será aplicada apenas na primeira etapa da cadeia de circulação da mercadoria (primeira comercialização/saída após sua importação) ou se esta tributação ocorrerá em todas as etapas em que estas mercadorias forem comercializadas em operações interestaduais. Como a letra fria da resolução dar margem para os dois entendimentos, “bens e mercadorias importados do exterior”, a nosso ver o Ajuste Sinief 20/2012[1] veio reforçar o entendimento de que a alíquota de 4% incidirá em todas as etapas de circulação comercial destas mercadorias, atingindo assim, esta alteração, não só as empresas importadoras e distribuidoras, como também quaisquer outras empresas que comercializam mercadorias que não foram produzidas no Brasil, sendo esta empresa importadora, distribuidora, atacadista ou varejista. O Ajuste Sinief 20/2012, criou novas origens de mercadorias (primeiro número do CST), trazendo agora novos códigos que indicam se é uma mercadoria importada diretamente por quem a esta comercializando (1), se é uma mercadoria estrangeira, mas adquirida no mercado interno (2), se é uma mercadoria estrangeira, sem similar nacional, mas adquirida no mercado interno (7), dentre as outras origens descritas neste ajuste. Desta forma, através destes novos códigos de origens vigentes a partir de 01/01/2013, os contribuintes saberão quando adquirirem mercadorias qual a sua origem e classificação, podendo assim parametrizar o seu sistema de acordo com a origem da mercadoria, o que não ocorria antes deste ajuste. Por isto, o entendimento majoritário é o que de este ajuste veio a viabilizar a tributação de 4% para determinados produtos importados (exceto listagem da Camex) para todas as etapas de circulação destas mercadorias, sendo que, antes deste ajuste, o contribuinte que adquiria mercadorias no mercado brasileiro, não tinha conhecimento se a mercadoria tinha origem importada ou nacional, o que agora terá com esta nova codificação. Do mesmo modo, este ajuste não teria significado prático se não fosse por este entendimento, pois não haveria sentido em segregar estas mercadorias em códigos diferenciados se a tributação fosse à mesma para todos os códigos. Feitas estas considerações, apesar de não haver nenhuma norma suplementar que esclareça o tema de forma clara, nos parece o mais provável e lógico que a alíquota de 4% para operações interestaduais deva incidir em todas as etapas da circulação da mercadoria importada ou de origem estrangeira e não somente na primeira operação de saída após uma importação. 2. Possibilidade de aumento ou redução no preço da mercadoria importada Também como uma questão ainda não muito discutida está à possibilidade de aumento ou redução no preço da mercadoria que se sujeita à nova sistemática de tributação nas operações interestaduais. Para clarear a questão, demonstramos abaixo exemplo de uma operação de venda de produto sujeito a ICMS (não sujeito à substituição tributária), comercializado de São Paulo para Minas Gerais: A partir da Resolução 13/2012, o cálculo será o seguinte: Neste caso teremos com a mesma margem aplicada em todas as operações, redução no preço de venda da mercadoria de 1,34%. Pelo exemplo acima verificamos que o custo da mercadoria tributação a 4% nas operações interestaduais, terá uma redução final do custo de 1,34% em relação à tributação com alíquota de 12% no exemplo acima. Importante verificar ainda neste exemplo que, para o Distribuidor em Minas Gerais, haverá um crédito de 4% na aquisição da mercadoria (anteriormente o crédito era de 12%) e um débito de 12% na revenda do bem em Minas gerais (exemplo com alíquota reduzida), porém, o custo do fabricante na venda para este distribuidor se reduziu em razão da tributação nesta operação, que antes era de 12% (alíquota interestadual) e agora será de 4% para estas mercadorias importadas, nacionalizadas ou com conteúdo de importação superior a 40%. No caso de operações de venda com mercadorias sujeitas ao ICMS/ST, o reflexo é maior ainda, pois com a “criação” do MVA[2] ajustado, quanto menor a alíquota interestadual, maior é o percentual atingido pelo MVA para o cálculo do ICMS por substituição tributária. Vejamos abaixo um exemplo com uma autopeça, com MVA original em Minas gerais de 59,60% e MVA ajustado de 86,85%. Pelo exemplo acima, verificamos que, não havendo alteração do valor do produto pelo fornecedor da mercadoria, o custo final para o comerciante ou distribuidor em Minas Gerais aumentará em 11,06%, elevando assim o custo final de venda. Assim, o que poucos artigos e juristas e colegas da área tributária tem discutido é que, a partir desta resolução os fornecedores, importadores e fabricantes, que comercializam as mercadorias sujeitas a esta nova alíquota interestadual, terão que reduzir estes preços de venda, pois na composição total do custo da mercadoria, ao invés de incluir o ICMS de 7% ou 12%, terá agora que recolher somente o ICMS de 4%, sendo uma redução do ICMS neste exemplo de 8%. Sem esta redução, o custo final da mercadoria ao consumidor ficará mais cara e, consequentemente, o fabricante ou importador aumentará seu lucro bruto, pois terá o aumento de sua margem bruta com a diminuição do ICMS Próprio a pagar sem o respectivo repasse desta redução a estes clientes (distribuidores/comerciantes). 3. Aplicação de alíquota de 4% nas operações com clientes Não Contribuintes Outra questão que gera dúvidas às empresas pela vigência da Resolução 13/2012 se dá em relação à abrangência da alíquota de 4% nas operações de venda para destinatários (Clientes) Não Contribuintes do ICMS em operações interestaduais. Vejamos novamente o texto do art. 1º da Resolução 13: “Art. 1º A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior, será de 4% (quatro por cento).” A resolução em redação generalista a nosso ver, estabelece que a nova alíquota de 4% será aplicada nas operações interestaduais com bens e mercadorias importadas. A legislação não esclarece a condição do cliente na realização da operação interestadual, gerando, portanto, margem ao entendimento de que em uma operação hipotética de venda de Minas Gerais para um cliente Não Contribuinte sediado no Rio de Janeiro, de um produto importado, a tributação será também de 4%. Seria muito mais simples e esclarecedor que a legislação tivesse inserido em sua parte final “…nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior, será de 4% (quatro por cento).”, NAS OPERAÇÕES REALIZADAS ENTRE CONTRIBUINTES DO ICMS., porém, assim não foi feito gerando esta dúvida. Alguns entendem que esta é uma questão simples e até óbvia, invocando o art. 155, §2º, inciso VII, alínea “a”, da Constituição Federal, descrito a seguir: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…) II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (…) 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (…) VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á: a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;”  Pela redação da alínea “a”, do inciso VII, do § 2º, do art. 155, da Constituição, vários juristas entendem como similar às expressões operação interestadual e alíquota interestadual, sendo que, esta última expressão só ocorre nas operações entre contribuintes do ICMS, como diz o texto constitucional. Assim, por este entendimento, houve o entendimento de que a redução do art. 1º, da Resolução 13/2012 é destina exclusivamente a operações interestaduais entre Contribuintes do ICMS. A nosso ver este entendimento está correto, pois se fosse considerada a alíquota de 4% nas operações interestaduais para clientes contribuintes do ICMS, haveria apenas uma redução da carga tributária e não a transferência da arrecadação do tributo estadual para o destino da mercadoria, fundamento este divulgado para esta alteração, visando extinguir efeitos tributários oriundos de benefícios fiscais concedidos pelos Estados de origem da mercadoria. Ainda neste entendimento, o objetivo da alteração foi que o Estado destinatário da mercadoria tivesse maior parcela do ICMS arrecadada, mercadoria esta que por vezes foi importada em outro Estado apenas pelos benefícios tributários concedidos unilateralmente e não aprovados no âmbito do Confaz, todavia, caso seja aplicada esta alíquota para clientes não contribuintes o Estado destinatário não receberá nada a mais, pois este cliente não recolhe ICMS em seu Estado por não ser Contribuinte do imposto.  Feitas estas considerações, em que pese o entendimento de majoritário de a alteração da alíquota interestadual provocada pela Resolução 13/2012 só abrange operações entre Contribuintes do ICMS, dois Estados que já temos conhecimento manifestaram e editaram legislação em sentido contrário, atribuindo também a nova alíquota de 4% nas operações interestaduais com produtos importados tendo como destinatários Pessoas Físicas ou Jurídicas Não Contribuintes do ICMS, senão vejamos: RICMS/MT: "Artigo 49 .(…)  I – 17% (dezessete por cento), ressalvadas as hipóteses expressamente previstas nos incisos seguintes: (…)  b) nas operações interestaduais que destinem mercadorias a consumidor final não contribuinte do imposto, ressalvado o disposto na alínea b do inciso VIII deste artigo; (cf. alínea b do inciso I do caput do art. 14 da Lei nº 7.098/98, combinado com a Resolução nº 13, de 2012, do Senado Federal – efeitos a partir de 1º de janeiro de 2013) (…) VIII – 4% (quatro por cento): (cf. inciso VIII do caput do art. 14 da Lei nº 7.098/98, redação dada pela Lei nº 9.856/2012 – efeitos a partir de 1º de janeiro de 2013) (…) b) nas operações interestaduais com bens e mercadorias importadas do exterior, respeitado o disposto nos §§ 8º a 13 deste artigo; (cf. alínea b do inciso VIII do caput do art. 14 da Lei nº 7.098/98, acrescentado pela Lei nº 7.867/2002 – efeitos a partir de 1º de janeiro de 2013) RICMS/MS: Art. 41. As alíquotas do ICMS são de (Art. 41 da Lei n. 1.810/97): (…) VII – quatro por cento, nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior que, após seu desembaraço aduaneiro (…) § 4º Nas operações e nas prestações interestaduais que destinem mercadoria ou serviço a consumidores ou a usuários finais não contribuintes do imposto, são aplicáveis as alíquotas incidentes nas operações e nas prestações internas, ressalvadas as operações com bens e mercadorias importados do exterior sujeitas à alíquota prevista no inciso VII do caput." Neste diapasão, apesar do entendimento da maioria dos Estados Federativos entenderem que a nova alíquota imposta pela Resolução 13/2012 incidirá apenas nas operações entre contribuintes do ICMS, há alguns Estados entendendo no sentido mais abrangente da norma, não limitando esta incidência às operações entre contribuintes, cabendo todo o cuidado e estudo das empresas a fim de evitar exposição fiscal futura por conta deste entendimento. Feitas estas considerações cabe agora às empresas à adequação prática sobre estas alterações, entendendo os efeitos práticos e financeiros sobre o seu negócio de modo à miniminar os efeitos negativos de mais esta alteração na legislação tributária. As alterações nos ERP’s de grandes empresas afetadas por esta legislação são extremamente complexas e envolvem na maioria dos casos alterações na regra básica de tributação do sistema para cumprir as alterações da legislação. Outro grande dificultador desta mudança são as listas divulgadas pela Camex de mercadorias sem similar nacional e os ex-tarifários, que trazem centenas de NCM’s que serão exceção à esta regra, trazendo esta mudança efeitos para praticamente todos os setores das empresas e principalmente para as indústrias que utilizam materiais e matérias-primas importadas para a fabricação de seus produtos e também para os importadores. Por fim, cabe também agora grande discussão entre fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes sobre a precificação dos produtos incluídos nestas alterações, como verificamos nos exemplos acima citados, haverá redução do ICMS em determinadas operações de venda dos fabricantes que, se não repassadas aos distribuidores, acarretará no aumento de preço destas mercadorias. Este texto não tem a pretensão de definir conceitos ou regras, sendo apenas o entendimento particular de seu redator.
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Prescrição do crédito tributário e a questão do jus puniendi nos casos de crimes contra a ordem tributária tipificados no art. 1º, da Lei 8.137/90
Este artigo busca analisar a questão da prescrição penal dos crimes tipificados no artigo 1º, da L. 8.137/90 naqueles casos em que se dá a extinção do crédito tributário pela ocorrência da prescrição ou decadência, consoante previsto no art.156, V, do Código Tributário Nacional.
Direito Tributário
I. Introdução O ponto que se quer investigar neste artigo é saber se atingido o crédito tributário por uma das formas de extinção capituladas no já referido art. 156, V, do CTN o Estado poderá perseguir a sanção penal aplicável. Para tanto, analisar-se-á os dispositivos legais de regência, os caracteres do crime previstos no art. 1º, da Lei 8.137/90, e especialmente, o verbete da Súmula Vinculante n° 24. II. Das condutas caracterizadoras dos crimes previstos no artigo 1º, da Lei 8.137, do bem jurídico tutelado e da indispensabilidade do crédito tributário definitivamente constituído para sua ocorrência As condutas ensejadoras dos crimes que constituem objeto deste trabalho são as seguintes: “Art. 1º. Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I- omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II- fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III- falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV- elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V- negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação; Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.” Ressai, da redação do caput do dispositivo ora transcrito, que o crime em questão é daqueles classificados como material, isto é, exige que o resultado da ação criminosa seja alcançado, na espécie faz-se indispensável que haja a efetiva supressão ou redução do tributo ou contribuição social[1]. É dizer, sem a ocorrência de um desses resultados não se poderá falar na consumação de nenhuma das condutas delitivas descritas. A análise de qualquer crime impõe ao intérprete a identificação de qual o bem jurídico tutelado, para tanto, no caso in analise, veja-se o disposto no art. 83, da Lei n° 9.430/96, verbis: “Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º, da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstas nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. §1º. Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação penal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento. §2º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado referentes aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal. §4º. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão do parcelamento. §6º. As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.” (grifos nossos) Por seu turno, dispõe o art. 34 da Lei n° 9.249/95: “Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei n. 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.” (grifo nosso) De logo cumpre referir que a análise dos tipos penais em estudo nos permite aferir que busca o Estado, através do uso do direito penal, coagir os contribuintes a pagar em dia os tributos de que são devedores, em nítido uso indevido desse ramo do direito. O direito penal, sabemos, somente pode ser invocado quando outros meios de sanção não são suficientes a proteger determinado bem jurídico, daí falar-se em ultima ratio. Portanto, não se é de admitir a utilização do direito penal como fonte subsidiária de cobrança de créditos tributários, como ocorre nos casos previstos no artigo 1º, incisos, da L. 8.137. Nada obstante, passamos às considerações que se seguem. As disposições contidas nos dispositivos legais supratranscritos não deixam dúvidas quanto ao bem jurídico tutelado pela criminalização das condutas descritas no art. 1º, da Lei 8.137: o dinheiro a que tem direito o Estado quando ocorridos as hipóteses de incidência de determinado tributo. Outra não pode ser a conclusão, especialmente frente a previsão de extinção da punibilidade nos casos em que o contribuinte recolhe integralmente o tributo, seja em pagamento único ou mediante parcelamento. O mesmo se deflui na hipótese de suspensão da pretensão punitiva do Estado quando os débitos fiscais relacionados ao crime forem parcelados. Em todos os casos, o Estado dá por desnecessária a persecução penal já que os recursos financeiros foram transferidos à sua titularidade, não havendo mais inadimplemento por parte do contribuinte. Noutro giro, o art. 83, da L. 9.430, ao dispor que  “ a representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º, da Lei n. 8.137, … será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente” torna induvidosa a necessidade da constituição definitiva do crédito tributário para que, se for o caso, seja oferecida a denúncia pelo Ministério Público – registre-se que a nosso ver o crédito tributário só estará constituído em definitivo após não mais ser cabível impugnação ou recurso na esfera administrativa e quando não haja mais decisões pendentes no curso do processo administrativo fiscal[2]. No entanto, mesmo com dispositivo legal tão claro, o Ministério Público insistia em oferecer denúncias pela suposta prática dos crimes objeto de nosso estudo mesmo sem a constituição definitiva do crédito tributário, o que, permissa venia, constituía conduta exagerada do Parquet. Diante dessa inaceitável situação, o STF editou a Súmula Vinculante n° 24, cujo teor é o  seguinte, verbis: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.” Após a edição da transcrita Súmula Vinculante, dúvidas não podem subsistir em relação à exigência de lançamento definitivo como condição para o oferecimento da denúncia pelo MP.[3] III. Do pagamento do tributo após o recebimento da denúncia Questão das mais importantes no tema sob enfoque é a possibilidade de o pagamento feito após o oferecimento da denúncia ser ou não apto a extinguir a punibilidade dos delitos em tela. Para nós o deslinde do tema está necessariamente relacionado ao bem jurídico que se quer preservar com a criminalização das condutas ora estudadas. Dessarte, se o que se busca proteger é a arrecadação de tributos ao erário, nada impede que, em havendo o pagamento dos tributos devidos mesmo após o recebimento da denúncia seja extinta a punibilidade dos tipos penais descritos nos incisos I a V, do art. 1º, da L. n° 8.137/90. Nesse sentido, há precedente do STF, conforme se vê do aresto que se segue, verbis: “EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal nº 10.684/03, cc. art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário”. (HC 81929/RJ; Relator: Min. Sepúlveda Pertence; Relator para acórdão: Min. Cezar Peluso; Órgão Julgador: Primeira Turma; DJ de 27/02/2004) (grifo nosso) Portanto, pago integralmente o tributo, mesmo que após o recebimento da denúncia, deve ser considerada extinta a punibilidade, tudo com base no art. 61, do Código de Processo Penal. IV. Da extinção da punibilidade nos casos em que o crédito tributário for extinto pela ocorrência da decadência ou da prescrição O pagamento, assim como a prescrição e a decadência constitui-se numa das formas de extinção do crédito tributário, cf. art. 156, V, do CTN: “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: I- o pagamento; V- a prescrição e a decadência”; Vê-se, portanto, que uma vez verificada a ocorrência da prescrição ou da decadência, ter-se-á o mesmo efeito que o pagamento em relação ao crédito tributário, in casu, sua extinção. É dizer, tanto havendo o pagamento ou restando configurada hipótese de prescrição ou decadência estará o tributo lançado fulminado, de modo há não mais haver tributo. É que, conforme nos ensina Leandro Paulsen, em matéria tributária, tanto a prescrição quanto a decadência “extingue o próprio crédito tributário”, conforme se extrai do seguinte trecho, litteris: “O artigo 156, V, do CTN, é inequívoco ao dispor no sentido de que a prescrição, assim como a decadência, extingue o próprio crédito tributário. Com isso, passamos a ter uma peculiaridade relevante no trato da prescrição em matéria tributária. Na medida em que a prescrição deixa de fulminar apenas a ação para extinguir o próprio direito,assemelha-se à decadência quanto aos seus efeitos. Com isso, decorrido o prazo prescricional, não há mais que se falar em crédito tributário. Daí o entendimento de que sempre foi possível, em matéria tributária, o reconhecimento de ofício da prescrição. Aliás, tornando-se insubsistente o crédito tributário, a execução perde o seu próprio objeto”.[4] Ora, se não há mais tributo, do mesmo modo não subsiste o crime, que, para sua tipificação exige lançamento definitivo. Dessarte, se se busca proteger o dinheiro do Estado que não chegou a ser transferido do patrimônio do contribuinte para o erário, valores estes devidos em face do não cumprimento de obrigação tributária, e se o crédito tributário fora fulminado seja pelo pagamento seja pela prescrição ou decadência, não pode o Estado prosseguir com sua pretensão punitiva, haja vista faltar-lhe o substrato essencial para tanto. O precedente a seguir confirma nossa linha no sentido de qual o bem que se busca resguardar – ainda que com o indevido uso do direito penal, nos crimes em estudo. Tanto que o Supremo Tribunal Federal admite o prosseguimento de processo penal em relação a crimes conexos, mesmo reconhecendo a extinção da punibilidade do crime tributário, tornando evidente a diferença entre os valores tutelados: “EMENTA: INQUÉRITO POLICIAL. Investigação sobre prática de delito de falsificação de documento público e de crime contra a ordem tributária. Arts. 297 do CP e 2º, I, da Lei nº 8.137/90. Sociedade comercial. Alteração fraudulenta do contrato social. Absorção docrime de falso pelo delito tributário, cuja punibilidade foi extinta com o pagamento do tributo. Inadmissibilidade. Potencialidade lesiva da alteração contratual, como meio da prática eventual doutros crimes, tributários ou não. HC denegado. O delito de falsificação de contrato social não é, em tese, absorvido por crime contra a ordem tributária, ainda que tenha servido de meio para sua prática”. (HC 91542; Relator: Min. Cezar Peluso; Órgão Julgador: Segunda Turma; Publicado em 15/02/2008) O julgado acima torna ainda mais nítido que a criminalização das condutas descritas no art. 1º, da L. 8.137/90 constitui desarrazoado uso do direito penal para a cobrança de tributos, pois, bem se vê que em relação ao crime de falso o pagamento do tributo não gerou qualquer efeito, estando este delito desvinculado de qualquer relação que envolva recursos financeiros, pois se busca a proteção da fé pública. V. Conclusão Assim, concluímos que, em sendo o crédito tributário extinto pela prescrição ou decadência, o MP não poderá oferecer denúncia por ausência de crédito tributário e, na hipótese de haver processo criminal em curso, o magistrado deverá invocar o art. 61, do CPP, para declarar extinta a punibilidade do delito, o mesmo ocorrendo naquelas hipóteses em que o pagamento do tributo é feito após o recebimento da denúncia.
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Análise da dignidade humana e justiça social na tributação pátria
Devido à evolução das garantias aos direitos fundamentais, bem como pela importância que os mesmos vem ganhando, o presente trabalho visa analisar se o principio da dignidade humana e a justiça social são observados na tributação pátria, especialmente no tocante aos direitos do contribuinte, questionando-se as políticas públicas de arrecadação de tributos, bem como a existência de uma efetiva redistribuição de renda e contraprestação ao montante arrecadado. Analisa-se a possibilidade de aliar uma tributação razoável, com uma repartição justa da carga tributária entre os contribuintes, à garantia do mínimo existencial ao indivíduo, para que uns não sejam sacrificados em detrimento de outros para custear o funcionamento do Estado.
Direito Tributário
1. DIREITO FUNDAMENTAL À DIGNIDADE HUMANA O princípio da dignidade humana tem valor fundamental e deve estar presente em Estados Democráticos de Direito, pois ele incita a valorização da liberdade, igualdade, respeito ao próximo, justiça, desestimulando condutas violentas, intolerantes, que excluam ou segreguem outros indivíduos socialmente. O direito à dignidade humana, dada sua importância, ganhou caráter universalista quando foi consagrado internacionalmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual dispõe que: “Artigo 1.º – Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. Artigo 2.º – Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania. 1. O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade. 2. No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática. 3. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente aos fins e aos princípios das Nações Unidas.”[1] Destarte, independente de credo, religião, raça ou qualquer outra distinção, os indivíduos são iguais em dignidade e direitos, devendo agir fraternalmente uns com os outros, respeitando os direitos e liberdades individuais e coletivas, bem como adimplindo com seus deveres perante a sociedade; dentre tais deveres pode ser citado o dever de recolher tributos para satisfazer as necessidades do Estado e dos próprios indivíduos, com vistas à consecução do bem comum, devendo o princípio da dignidade humana servir de diretriz para o ordenamento jurídico pátrio, conforme lição de Luis Roberto Barroso: “Não tem sido singelo, todavia, o esforço para permitir que o princípio transite de uma dimensão ética e abstrata para as motivações racionais e fundamentadas das decisões judiciais. […]. A percepção da centralidade do princípio chegou à jurisprudência dos tribunais superiores, onde já se assentou que “a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado democrático de direito, ilumina a interpretação da lei ordinária”. De fato, tem ela servido de fundamento para decisões de alcance diverso, como o fornecimento compulsório de medicamentos pelo Poder Público, a nulidade da cláusula contratual limitadora do tempo de internação hospitalar, a rejeição da prisão por dívida motivada pelo não pagamento de juros absurdos, o levantamento do FGTS para tratamento de familiar portador do vírus HIV, dentre muitas outras.”[2] O conceito de dignidade humana foi construído paulatinamente pelo advento de diversas circunstâncias histórico-sociais, constituindo-se no principal direito para a espécie humana. Sua constitucionalização foi importantíssima para o nosso ordenamento jurídico, como bem observou Luis Roberto Barroso: “A partir de 1988, e mais notadamente nos últimos cinco ou dez anos, a Constituição passou a desfrutar já não apenas da supremacia formal que sempre teve, mas também de uma supremacia material, axiológica, potencializada pela abertura do sistema jurídico e pela normatividade de seus princípios. Com grande ímpeto, exibindo força normativa sem precedente, a Constituição ingressou na paisagem jurídica do país e no discurso dos operadores jurídicos.”[3] Mas, afinal, o que seria o direito da pessoa à dignidade? O que seria considerado uma vida digna? Para Barroso: “O princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação, independentemente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência. […] os princípios, a despeito de sua indeterminação a partir de um certo ponto, possuem um núcleo no qual operam como regras, tem-se sustentado que no tocante ao princípio da dignidade da pessoa humana esse núcleo é representado pelo mínimo existencial. Embora existam visões mais ambiciosas do alcance elementar do princípio, há razoável consenso de que ele inclui pelo menos os direitos à renda mínima, saúde básica, educação fundamental e acesso à justiça.”[4] Como supramencionado por Barroso o núcleo do principio da dignidade da pessoa humana seria o mínimo existencial, logo, para a compreensão da dignidade humana é necessário conceituar tal mínimo necessário para que os indivíduos possuam uma vida digna. Todavia, tal conceito é de difícil delimitação, pois relativo e mutável ao longo do tempo, estritamente ligado à conjuntura social, econômica e política contemporânea, já que as necessidades consideradas vitais hoje não são as da década passada, nem tão pouco do século passado. Entretanto, apesar de tormentosa tarefa de delimitação de tal conceito, competindo ao legislador delinear os parâmetros para a fixação das necessidades básicas do indivíduo, pode-se dizer que o mínimo existencial compreende um conjunto de direitos sociais fundamentais, tais como direito a um sistema de saúde de qualidade, alimentação, educação, moradia, assistência social, segurança, bem como o pleno acesso à justiça, direitos indispensáveis a uma vida com dignidade. Nesta esteira, veja-se o entendimento judicial abaixo transcrito: “[…] A noção de "mínimo existencial", que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). […]. (STF – AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO: ARE 639337 SP , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125)”. Grifo nossos Destarte, para o presente artigo considerar-se-á o princípio da dignidade humana como um conjunto de condições mínimas necessárias à existência do indivíduo, podendo ser de ordem moral, espiritual, física ou biológica, tais quais alimentação, saúde, educação, lazer, acesso à justiça, segurança, moradia, liberdade de culto, de expressão, dentro outros direitos básicos, que devem ser garantidos através de prestações positivas do Estado, cujo qual deve zelar para que os indivíduos não venham a sofrer tratamentos desumanos ou degradantes e punir quando desrespeitados os preceitos constitucionais e direitos fundamentais. Em todos os ramos do Direito nota-se em maior ou menor intensidade a importância dada à dignidade da pessoa humana, a necessidade de resguardá-la. Nesta esteira, vejam-se os ensinamentos de Ferreira dos Santos: “[…] a dignidade da pessoa humana não é uma criação do legislador constituinte, que apenas reconhece a sua existência e sua eminência, pois ela, como a própria pessoa humana, é um conceito a priori. Porém, ao colocá-la como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, transformou-a "num valor supremo da ordem jurídica", ou seja, "não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural", que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais.” (SANTOS, 1999, p. 79) Torna-se, então, imprescindível o reconhecimento da existência e eficácia de um sistema em que os direitos fundamentais voltem-se ao ser humano, com o escopo do ordenamento tornar-se uno e justo, tendo por pressuposto que tais direitos sejam elementos de interpretação e integração do sistema, com vistas à consecução de uma justiça efetiva e impeditiva de tratamentos degradantes, desumanos, violadores do mínimo existencial dos indivíduos. 2. JUSTIÇA SOCIAL Dispõe o art. 3º da Constituição Federal que são objetivos fundamentais do nosso país: construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; garantir o desenvolvimento nacional; bem como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ademais, a Magna Carta, visando consolidar a necessidade da busca de uma sociedade livre, justa e solidária, estabeleceu em seu art. 170 que a ordem econômica tem por finalidade garantir a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando princípios como a redução das desigualdades regionais e sociais. Deste modo, urge trazer a lume o que seria uma sociedade justa e o conceito de justiça social.  Segundo Kolm[5], a justiça deve ser a razão da sociedade, por isso afirma serem os homens livres e iguais em direitos, a partir disto, entende o mesmo que apenas observando-se esta igualdade entre os homens é que será possível existir uma distribuição igualitária e justa. No que tange à justiça social, ela refere-se à possibilidade de ser garantido a todos o mínimo para que satisfaçam às suas necessidades essenciais, sejam elas morais, espirituais ou artísticas. Destarte, ela consiste na busca, através da redistribuição de rendas, de uma vida mais justa e digna a todos, onde se garanta uma vida com o mínimo existencial ao ser humano. Logo, a justiça social está intrinsecamente atrelada à garantia constitucional do mínimo existencial, o qual emana diretamente do postulado do direito fundamental à dignidade humana.  Assim, respeitando-se a dignidade de cada indivíduo e a intangibilidade do mínimo existencial, será feita a justiça social. Neste contexto insere-se o Direito Tributário, já que lhe compete a arrecadação dos valores que custeiam o funcionamento do Estado, como pedra angular neste processo de redistribuição de renda e concretização de uma sociedade justa. Desta forma, pode-se afirmar que conforme previsto na Constituição Federal desde 1988, o Estado deve pautar suas ações de acordo com os ditames da justiça social com o escopo de que todos possam usufruir de um mínimo existencial, para, assim, tornarem-se efetivamente iguais em dignidade e direitos. Todavia, como é cediço, em uma mesma sociedade formada por indivíduos orgânica e fisiologicamente iguais, existem diferenças, quanto as suas personalidades, desejos, sonhos e acima de tudo esforços e oportunidades para atingirem o que almejam. Consoante tal entendimento segue abaixo as lições do Kolm: “As afirmações universais simplistas e reducionistas configuram um dogmatismo injustificado e impossível. Às vezes o trabalho, outras vezes a necessidade, determina o que cada pessoa deve receber (no caso do trabalho, a razão é às vezes moral e não somente tem em vista o incentivo). A igualdade ideal às vezes é de liberdade de troca, outras vezes de rendas satisfatórias, outras, ainda de satisfação. A justiça, portanto, é necessariamente poliarquia moral e racional circunscrita. Somente o método de justiça como justeza e justificação é universal”. (KOLM, 2000, p. 12) Desta forma, alcançar a justiça social não é tratar indivíduos que estejam em situações diferentes de forma igual, como bem explana Sabbag: “É óbvio que, no Estado de Direito, a igualdade jurídica não pode se restringir a uma igualdade meramente formal, vocacionada ao vago plano da abstração, sem interagir com as circunstâncias concretas da realidade social, que lhe permitem, de fato, voltar-se para a efetiva correção das desigualdades, que subjazem ao plano fenomênico do contexto social em que estamos inseridos”. (SABBAG, 2010, p. 133) Logo, é necessário utilizar-se da equidade, tratando-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, para que assim consigamos verdadeiramente atingir a justiça social. 3. ANÁLISE DA TRIBUTAÇÃO PÁTRIA NO TOCANTE AO RESPEITO DA DIGNIDADE HUMANA E JUSTIÇA SOCIAL Nos últimos anos houve uma maior preocupação com a interpretação do Direito Tributário, em virtude do progresso que tem ocorrido no tocante às garantias aos direitos dos contribuintes resguardados pela Constituição Federal e legislação ordinária, bem como pela valorização e respeito da dignidade humana. Em todos os ramos do Direito é dever do intérprete analisar sistematicamente as normas, em consonância com os preceitos da Lei Maior, de forma a harmonizar o texto da legislação ordinária com aquela, adequando-a a realidade e buscando uma maior efetividade dos direitos e garantias fundamentais. No Direito Tributário não seria diferente, por isso este deve ser interpretado de forma a adequá-lo aos anseios e realidade contemporâneos, além de garantir que todos possam ter uma vida digna e seja feita a justiça social, sendo de competência do intérprete tributário a harmonização das normas deste ramo do Direito com as diretrizes traçadas pela Magna Carta. Logo, esse necessita compreender o universo jurídico de forma tridimensional, no tocante às normas, às realidades sociais descritas e que integram tais normas, bem como à justiça realizada pela norma no contexto da realidade social contemporânea. De fato, após o advento da Constituição Federal de 1988 houve uma releitura nos institutos do Direito Tributário, de forma a interpretá-los sob a égide de princípios e preceitos da Lei Maior, como bem descreve Luis Roberto Barroso: “Este fenômeno, identificado por alguns autores como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. Como antes já assinalado, a constitucionalização do direito infraconstitucional não tem como sua principal marca a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma ótica constitucional.[6]” Segundo, João Eloi Olenike[7], presidente do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), a carga tributária no Brasil vem aumentando a cada ano, mas, não há uma contraprestação que justifique o montante arrecadado. Além do mais entre trinta países constatou-se que as mais elevadas cargas tributárias são as do Brasil, em 2012 o brasileiro teve de trabalhar cento e cinquenta dias para pagar os tributos, sendo tal número inferior apenas à Suécia, já que eles precisaram trabalhar cento e oitenta e cinco dias para arcar com seus tributos deste ano. Entretanto, justifica-se o montante arrecadado na Suécia pela efetiva contraprestação dada à população, eles possuem um sistema de saúde eficiente, sendo investidos 9,4 % do PIB (Produto Interno Bruto) neste setor[8], contam ainda com uma alta expectativa de vida além de uma das mais elevadas rendas médias mundiais. Por isso, a realidade social vivida em nosso país, com uma das maiores cargas tributárias, um dos piores índices de desenvolvimento humano e de redistribuição de renda, exige que sejam tomadas medidas visando proteger as necessidades vitais dos indivíduos para que sejam tratados como seres humanos e não apenas como contribuintes, a fim de atender aos dispositivos constitucionais. Mas, será que há observância do princípio da dignidade humana e busca da justiça social na tributação pátria? A tributação é uma forma de controle da liberdade individual, suas normas tem caráter cogente, tal coação visa garantir o bem comum e indiretamente tenta incentivar a solidariedade entre a sociedade, é um instrumento de estímulo ou desestímulo de condutas. Deste modo, o Direito tributário é uma expressão da soberania estatal. Completando tal entendimento, veja-se a lição de Sabbag: “Cria-se, desse modo, o cenário afeto à invasão patrimonial, caracterizadora do mister tributacional, em que o Estado avança em direção ao patrimônio do súdito, de maneira compulsória, a fim de que logre retirar uma quantia, em dinheiro, que se intitula tributo, carreando-o para os seus cofres. Tal invasão é inexorável, não havendo como dela se furtar, exceto se o tributo apresentar-se ilegítimo, i.e., fora dos parâmetros impostos pela norma tributária, mostrando-se constitucional ou não, o que poderá ensejar a provocação do Poder Judiciário, no intuito de que se proceda à correção da situação antijurídica.” (SABBAG, 2010, p. 38) Tal compulsoriedade na cobrança dos tributos está expressamente prevista no art. 3º do Código Tributário Nacional, o qual descreve o conceito de tributo, transcrito ipsis litteris: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. É cediço que o Estado para manter-se precisa da captação de receitas para desta forma poder oferecer serviços para satisfazer as necessidades da coletividade, tendo como principal fonte de custeio desta estrutura o montante resultante da arrecadação de tributos. Destarte, a tributação é necessária para que o Estado consiga atingir seus objetivos, por isso, pode-se considerar que ela tem fins éticos, quais sejam: manter o funcionamento do Estado e buscar o bem comum, tendo por pressuposto a repartição dos encargos financeiros do Estado entre os cidadãos. Nesta esteira, veja-se Ricardo Lobo Torres apud Roberto Wagner Lima Nogueira: “ […] ela vai buscar fora de si, na ética e na filosofia, os seus fundamentos e a definição básica dos valores. Temas como o da justiça fiscal, da redistribuição de rendas, do federalismo financeiro, da moralidade nos gastos públicos voltam a ser examinados sob a perspectiva da Ética, da Filosofia Política e da Teoria da Justiça, que recuperam o seu prestígio nos últimos anos.”[9] Mas, em um Estado Democrático de Direito esta tributação deve ser justa, buscando-se sempre melhorar a distribuição da carga tributária, devendo ser esta proporcional à capacidade contributiva dos indivíduos, de modo a garantir um mínimo existencial a todos. Ademais, acima de tudo o contribuinte é um indivíduo que merece ter uma vida digna e seus direitos resguardados. Outrossim, é de fundamental importância observar que tanto quanto em outros ramos do Direito é necessário que o contribuinte seja tratado com equidade, tratando-se os iguais igualmente e os desiguais desigualmente na medida de suas desigualdades. Por isso, os Poderes Públicos ao criar as leis e exigir os tributos e o intérprete tributário ao subsumir o fato à norma devem respeitar princípios como a legalidade, capacidade contributiva, vedação do confisco, proporcionalidade, moralidade, razoabilidade, dentre outros para que se atendam necessidades vitais como saúde, segurança pública, educação, lazer, acesso à justiça. Insta salientar que o poder de tributar do Estado não é ilimitado, existindo limitações na própria Constituição Federal que regulam o referido poder. Na Magna Carta há mecanismos que visam aferir a capacidade do indivíduo para mensurar quanto deve pagar relativamente a cada tributo, ademais, tenta-se com estes mecanismos onerar de forma proporcional os contribuintes e assim permitir que eles tenham uma vida minimamente digna, isto é, que lhes restem recursos financeiros suficientes para empregar na alimentação, saúde, educação, moradia, lazer, segurança, direitos sociais mínimos que deveriam ser garantidos a todos. Acerca da aferição desta capacidade econômica do contribuinte, denominado princípio da capacidade contributiva, dispõe o § 1º do art. 145 da CF, ipsis litteris: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” O principio da capacidade contributiva, considerado um meio de se instrumentalizar o princípio da isonomia, trata-se de um critério justo de distribuição da carga tributária, em que é aferida a capacidade econômica do contribuinte, o qual é tributado em valor proporcional a suas rendas, com o escopo de alcançar a justiça social, devendo ser aplicado pelos operadores do direito. Um bom exemplo dessa aferição ocorre com o IR (Imposto de renda), em que o Estado estabelece uma faixa de isenção para aqueles que recebem até determinado valor. Tendo como característica ser um tributo progressivo, isto é, quanto maior a renda auferida, maior é a alíquota do imposto, tendo este tributo cinco faixas de tributação, incluindo a faixa de isenção. Apesar do art. 145 da Magna Carta referir-se apenas aos impostos, deve-se dar ao referido dispositivo interpretação extensiva[10] aos demais tributos, quais sejam: taxas, contribuição de melhoria, contribuições e empréstimo compulsório. Neste sentido, veja-se o entendimento de Sabbag, segundo o qual “[…], estamos que o princípio da capacidade contributiva deve, evidentemente, ser observado, também, por outros tributos, obedecendo, todavia, às peculiaridades de cada espécie” (SABBAG, 2010, p. 156). A partir deste princípio não pode o Estado, sob pena de transgredir também o princípio do não confisco, previsto no art. art. 150, inciso IV, da Constituição Federal, impor uma carga tributária superior à capacidade do indivíduo e o impeça de exercer seu direito de propriedade. Logo, a cobrança de tributos não pode ser feita em detrimento de outros direitos fundamentais como a dignidade humana. Entretanto, a mensuração da capacidade contributiva encontra alguns óbices, principalmente no tocante aos tributos indiretos. Consideram-se indiretos aqueles tributos em que há a possibilidade de transferência do encargo financeiro a outrem, geralmente, o consumidor final, que adquire o bem. Já os tributos diretos não admitem essa transferência, o encargo do tributo recai sobre um único contribuinte. Destarte, como nos tributos indiretos há esta possibilidade de transferência do ônus tributário, a capacidade econômica não irá ser aferida quanto à pessoa do contribuinte, mas sim quanto à utilidade social do bem, através da técnica da seletividade. A seletividade é uma técnica informadora principalmente do ICMS (Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) e do IPI (Imposto sobre produtos industrializados), que visa adequar a incidência das alíquotas conforme a essencialidade do bem. Desta forma, bens como alimentos e vestuário tem uma alíquota menor do que cigarros, bebidas alcoólicas e lanchas, tendo em vista a nocividade e superfluidade dos referidos bens. Além desta limitação ao poder de tributar quanto à mensuração da capacidade do contribuinte, existem outras, como impossibilidade do confisco, a preservação do mínimo existencial, atendimento ao princípio da justiça tributária, isonomia, anterioridade da lei tributária, distribuição equitativa da carga tributária, os quais impossibilitam que a tributação onere excessivamente o indivíduo. Outrossim, deve haver o respeito irrestrito aos direitos fundamentais e garantias constitucionais. É o que se vislumbra na Lei 7.713/88, a qual prevê que os rendimentos recebidos por pessoa física serão isentos do Imposto de Renda, caso o indivíduo seja portador de neoplasia maligna, hanseníase, esclerose múltipla, cardiopatia grave, dentre outras doenças, tendo em vista à necessidade de se preservar a dignidade humana do indivíduo, que nesses casos despendem muito dinheiro em seu tratamento. Nesta esteira, veja-se a atualizada jurisprudência pátria: “Mandado de Segurança. Isenção de imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria. Neoplasia maligna. Art. 6o, XIV, da Lei 7.713/88. Desnecessidade de demonstração da atualidade da moléstia. Sacrifícios e tormentos que se prolongam no tempo. Necessidade de atender ao princípio da dignidade da pessoa humana no patamar mínimo existencial. Segurança concedida. (MS 933722320118260000 SP 0093372-23.2011.8.26.0000, TJSP, Relator: Caetano Lagrasta. Data de Julgamento: 15/02/2012, Órgão Especial, Data de Publicação: 02/03/2012)”. Grifos nossos. Como supramencionado, o tributo tem uma finalidade fiscal de captação de recursos, mas possui também uma finalidade extrafiscal, qual seja: buscar o desenvolvimento socioeconômico, a redistribuição de riquezas, regular a economia, através de instrumentos tributários capazes para estimular e desestimular comportamentos. Contudo, cumpre salientar que a extrafiscalidade dos tributos tem caráter de exceção, destinada a atender as necessidades da sociedade, tendo em vista que a regra para a tributação é a captação de recursos para financiamento do Estado. É mister reconhecer que a captação de recursos por parte do Estado não vem sendo utilizadas como deveriam, para bem satisfazer os indivíduos. Apesar da elevada carga tributária, nosso Estado não conta com uma ampla rede de saúde em plenas condições de funcionamento, o saneamento básico é precário, não há uma correspondente contraprestação aos valores captados sob o título de tributos. Ademais, no Brasil há proporcionalmente uma maior carga tributária sobre as pessoas que ganham menos e uma evidente omissão legislativa quanto a um imposto previsto na Constituição Federal no art. 153, inciso VII, o imposto de competência da União sobre as grandes fortunas, que deveria ter sido regulado por lei complementar, mas até hoje não o foi, apesar de existir projeto de lei tramitando com a tentativa de regulamentá-lo. Note-se o entendimento de Sabbag: “O Brasil possui uma carga tributária elevada e em ascensão, e sua distribuição pela sociedade beneficia quem ganha mais, e, de modo perverso, sacrifica quem ganha menos” (SABBAG, 2010, p. 176). Entretanto, não se deve generalizar, pois quando os recursos captados mediante a cobrança de tributos são aplicados para a assistência social, a fim de promover o combate à fome, à miséria, amparar crianças e adolescentes carentes, bem como garantir um salário mínimo às pessoas portadoras de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios suficientes para garantir sua subsistência, há uma efetiva redistribuição de renda. Logo, é feita a justiça social, garantindo àqueles que não dispõem das mínimas condições existenciais possam ter um alimento para comer, uma roupa para vestir, é uma tentativa de promoção da inclusão social. Ressalte-se que as medidas consideradas assistencialistas, como programas sociais tais qual o Bolsa Família, defendidas ferrenhamente por uns e atacadas por outros, por vezes tem sido a válvula de escape para as diversas falhas do sistema político. Apesar de tais medidas não resolverem efetivamente os problemas da sociedade, mas garantem que de certa forma, seja feita justiça social, pois às famílias necessitadas é garantido um mínimo de condições de sobrevivência, significando, às vezes, que tenham pelo menos um alimento para oferecer aos seus filhos. CONSIDERAÇÕES FINAIS À luz do supraexposto, vislumbrou-se que a tributação ocorre não apenas para custear o funcionamento do Estado, mas sim para satisfazer as necessidades da coletividade e, assim, atingir o tão almejado bem comum. Todavia, apesar dos instrumentos constantes na Constituição para garantir a dignidade humana do contribuinte e, consequentemente, a justiça social, não há uma efetiva contraprestação do Estado que justifique a carga tributária suportada atualmente pelos brasileiros. Embora seja a finalidade da ordem econômica realizar a justiça social e um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, prevista na Lei Maior, a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como redução das desigualdades sociais e regionais, pouco tem sido feito para efetivamente diminuir as disparidades existentes no país. De fato, é necessária uma reforma tributária para que se desonere a parte menos favorecida da população, que proporcionalmente é quem suporta uma maior carga tributária, bem como de uma reforma política, para que os recursos captados com a tributação sejam utilizados para bem satisfazer as necessidades coletivas. Destarte, constata-se que a justiça é resultante das preferências econômicas e determinações da estrutura política do Estado. Logo, é mister reconhecer que o jurídico é condicionado pela conjuntura política, econômica e social.
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A não incidência do imposto de renda sobre os juros moratórios
O presente trabalho tem como escopo elucidar as vertentes doutrinárias acerca do tema da (in)tributabilidade dos juros moratórios via Imposto sobre a Renda e com base em cada uma delas explanar os argumentos prós e contra. Os defensores da inserção dos juros moratórios na base de cálculo do Imposto sobre a Renda sustentam que os juros moratórios são bens acessórios e como tal devem seguir a sorte do principal. Defendem-se os autores contrários a tributação dos juros moratórios trazendo os seguintes argumentos: que os juros moratórios possuem natureza jurídica indenizatória; outra razão que se pauta a doutrina contrária é o fato dos juros moratórios não tipificarem “renda” tributáveis via Imposto de Renda, sendo que tais valores tem por finalidade a recomposição do patrimônio. E também, a flagrante afronta aos princípios da capacidade contributiva, não confisco e da isonomia tributária.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Há tempos direcionam-se os holofotes do Direito sobre a inserção ou não dos juros na base de cálculo do Imposto sobre a Renda – IR. O cerne da questão gira em torno dos valores recebidos pelos contribuintes, oriundos das mais diversas ações judiciais, cujo escopo é recompor o patrimônio em virtude de um inadimplemento obrigacional. O entrave paira, portanto, sobre a natureza jurídica dos juros e se estes constituem “renda” para fins de tributação via imposto de renda. Ou seja, se os juros devem compor a base de cálculo do imposto de renda, sob o prisma do sistema constitucional tributário. Obrigatoriamente, para o deslinde do assunto e correto enquadramento jurídico, deve-se ter em mente que os juros têm duas características, quais sejam: compensatório, cuja finalidade é recompensar determinada pessoa (física ou jurídica) pela utilização temporária e consentida do seu capital; e moratório, que corresponde à indenização do dano causado por aquele que não paga divida no vencimento ou até mesmo não restituí no instante oportuno o dinheiro de que tenha posse. Assim, definir com exatidão a “materialidade” do imposto de renda e a natureza jurídica dos juros, neste caso os moratórios, é de extrema relevância, pois a inserção indevida destes valores na base de cálculo do imposto de renda absorve parcela excedente da “renda” dos contribuintes, logo, traz repercussões de grande impacto no mundo jurídico. De tal modo que, buscar-se-á no presente trabalho sopesar, sob a óptica do Sistema Constitucional Tributário e a posteriori dos princípios constitucionais tributários, se há fundamento de validade para a inserção dos juros moratórios na base de cálculo do imposto sobre a renda. Ou seja, se a inclusão desse valor na base de cálculo do imposto de renda não extrapola a regra-matriz de incidência tributária – RMIT. No capítulo seguinte, elucidar-se-á os preceitos constitucionais que norteiam a definição de “renda”, a fim de identificar o fato gerador tributário do imposto sobre a renda. No capitulo subseqüente, definir-se-á a natureza jurídica dos juros moratórios à luz da doutrina e das normas infra-legais. Por fim, indicar-se-á as divergências doutrinárias e jurisprudenciais que gravitam em torno da incidência do imposto de renda sobre os juros moratórios, apontando como a matéria vem sendo atualmente interpretada e decidida pela jurisprudência pátria. 1.SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88 é a norma fundamental do sistema jurídico, devendo as demais normas buscar respaldo constitucional para serem válidas. Isso significa que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ocupa, na estrutura hierárquica do sistema jurídico nacional, patamar mais elevado, sendo aquela que proporciona o fundamento de validade às outras normas jurídicas, ou seja, é a Lei das leis. Hans Kelsen[1] explica que: “[…] uma norma somente é válida porque e na medida em que foi produzida por uma determinada maneira, isto é, pela maneira determinada por uma outra norma, esta outra norma representa o fundamento imediato de validade daquela. A relação entre a norma que regula a produção de uma outra e a norma assim regulamente produzida pode ser figurada pela imagem espacial da supra-infra-ordenação. A norma que regula a produção é a norma superior, a norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior.” Nesse sentido, Roque Antônio Carrazza adverte que para terem validade, as normas devem ser harmônicas, ou seja, para que produzam efeitos, devem estar em consonância com a Carta Magna. Assim, afirma o Autor[2] que: “As norma subordinadas devem harmonizar-se com as superiores, sob pena de deixarem de ter validade, no ordenamento jurídico. Exemplificando: o decreto deve buscar fundamento jurídico de validade na lei, e esta, na Constituição. Se, eventualmente, o decreto contrariar a lei, estará fora da pirâmide, a ninguém podendo obrigar. O mesmo podemos dizer da lei, se em descompasso com a Constituição.” Convém esclarecer que na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 existem diferente tipos de normas. Umas mais importantes e outras menos importantes, ou seja, algumas dessas normas veiculam simples regras, ao passo que outras, verdadeiros princípios. Para Geraldo Ataliba, o conjunto de normas constitucionais de cada país se designa Constituição. Ainda, explica o Autor[3]: “Ensina a ciência do direito que as constituições nacionais formam sistemas, ou seja, conjunto ordenado e sistemático de normas, construído em torno de princípios coerentes e harmônicos, em função de objetivos socialmente consagrados.” Assim, ao analisar-se uma norma tributária sob o prisma de sua constitucionalidade-validade, deve se levar em consideração os princípios que regem a matéria tributária e a hierarquia das normas no ordenamento jurídico. Logo, os princípios são considerados o início, o começo, o ponto de partida. Assim, é da junção de princípios e normas que surgem as constituições. Explica Roque Antônio Carrazza[4], que os princípios são: “As diretrizes, isto é, os nortes, do ordenamento jurídico. Não é sem razão que Prosper Weil afirma que “algumas normas constitucionais são mais diretrizes; outras, menos”. A Constituição é, pois um conjunto de normas e princípios jurídicos, atuais e vinculantes. Os princípios possuem acentuado grau de abstração, traçando, destarte, as diretrizes do ordenamento jurídico. Enunciam uma razão para decidir em determinado sentido.” Dessa forma, pode-se conceituar de forma leiga, que o termo princípio é o ponto de partida e o fundamento de um processo qualquer. O mesmo autor afirma que etimologicamente, o termo “princípio” (do latim principium, principii) encerra a idéia de começo, origem, base.[5] Ainda, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello discorre que os “princípios são como os alicerces de um sistema jurídico, por sobre os quais, e somente com base neles, ergue-se toda e qualquer construção normativa possível e imaginável”.[6] Seguindo o mesmo raciocínio, Celso Antônio Bandeira de Mello[7] explica: “Princípio […] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critérios para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.” Assim, o estudo de qualquer instituto, no Direito Tributário, deve necessariamente se iniciar pela Constituição Federal, sendo essa, o conjunto de normas que estabelece as diretrizes para o ordenamento jurídico brasileiro. Frise-se imperioso, portanto, para a análise da incidência do Imposto de Renda sobre os juros moratórios, verificar os fundamentos constitucionais, sendo estes que indicaram a “materialidade” da hipótese de incidência tributária – HIT do imposto sobre a renda. 1.1. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E DA VEDAÇÃO AO CONFISCO Como anteriormente exposto, no Sistema Constitucional Tributário brasileiro, cabe à lei em sentido estrito estabelecer as hipóteses de incidência dos tributos, sem descuidas da regra-matriz pré-determinada na Carta Magna. Todavia, a tributação deve observar a efetiva manifestação de riqueza dos particulares, ou seja, atender a idéia de que a carga tributária não pode ser excessiva a ponto de se tornar confiscatória. Depara-se, portanto, com o princípio da capacidade contributiva, insculpido no artigo 145, §1°, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[8], in verbis, “Artigo 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: […] §1°. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade contributiva econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” Ao analisar o dispositivo supracitado, inicialmente adverte-se ao termo “sempre que possível” utilizado pelo Legislador Constituinte. Tal expressão pode induzir o intérprete a extrair um significado diverso daquele almejado pelo Legislador. Assim, explica Roque Antônio Carrazza[9] que: “a expressão ‘sempre que possível’, utilizada no início do mencionado dispositivo, pode levar o intérprete ao entendimento segundo o qual o princípio da capacidade contributiva somente será observado quando possível. Não nos parece, porém, seja essa a melhor interpretação, porque sempre é possível a observância do referido princípio. Ao nosso ver, o sempre que possível, do parágrafo. 1 do artigo 145, diz respeito apenas ao caráter pessoal dos tributos, pois na verdade nem sempre é tecnicamente um tributo com caráter pessoal.” Percebe-se que o uso da expressão “sempre que possível” não está relacionado com a possibilidade da aplicação do princípio da capacidade contributiva, mas com o fato do tributo, sempre que possível ter caráter pessoal. Logo, almeja-se com a exteriorização do princípio da capacidade contributiva, evitar que a tributação seja excessiva, a ponto de impossibilitar ao contribuinte uma sobrevivência digna. Assim sendo, leciona Paulo Barros de Carvalho[10] que “a capacidade contributiva do sujeito passivo sempre foi o padrão de referência básica para auferir o impacto da carga tributária e o critério comum dos juízos de valores sobre o cabimento e a proporção do expediente impositivo”. Ainda, segundo Roque Antônio Carrazza[11], “a lei deve tratar de modo igual os fatos econômicos que exprimem igual capacidade contributiva e por oposição, de modo diferenciado os que exteriorizam capacidade contributiva diversa”. O postulado da capacidade contributiva, portanto, aproxima-se do princípio da igualdade, porém, não se esgota nele próprio, como lecionado Luciano Amaro[12]: “O postulado em exame avizinha-se do principio da igualdade, na medida em que, ao adequar-se o tributo à capacidade contributiva dos contribuintes, deve-se buscar um modelo de incidência que ignore as diferenças (de riqueza) evidenciadas nas diversas situações eleitas como suporte de imposição. E isso corresponde a um dos aspectos da igualdade, que é o tratamento desigual para os desiguais.”  Desse modo, o critério de igualdade, que será analisando no item subseqüente, tem seu enfoque na riqueza, busca localizar os que têm riqueza, para que sejam tratados de forma igualitária, ou seja, tributá-los de maneira idêntica na medida em que possuírem a mesma riqueza.  Contudo, o grande obstáculo a ser vencido está na dificuldade de se estabelecer o quantum o contribuinte deverá pagar aos cofres públicos. Nessa toada, Paulo de Barros Carvalho explica que “o grande desafio, é mensurar a possibilidade econômica de contribuir para o erário com o pagamento de tributo”.[13] Para Sacha Calmon Navarro Coelho[14], a capacidade contributiva apresenta duas almas éticas que estão no cerne do Estado de Direito: “a) em primeiro lugar, afirma a supremacia do ser humano e de suas organizações em face do poder de tributar do Estado; b) em segundo lugar, obriga os Poderes do Estado, mormente o Legislativo e o Judiciário, sob a égide da Constituição, a realizarem o valor justiça através da realização do valor igualdade, que no campo tributário só pode efetivar-se pela prática do princípio da capacidade contributiva e de suas técnicas.” Em virtude disso, para que se possa mensurar o peso do ônus tributário, faz-se necessário atentar ao fato de que outros princípios estão intimamente ligados, como os princípios da seletividade, proporcionalidade, igualdade, dentre outros. Seguindo essa linha de raciocínio, para se determinar a eficácia e o alcance do princípio da capacidade contributiva é preciso analisar três constrições. A primeira está relacionada com a capacidade contributiva global. Assim, explica Alfredo Augusto Becker[15] que capacidade contributiva global “é o montante da riqueza (renda e capital) de um determinado indivíduo em relação à totalidade do sistema jurídico tributário; isto é, a proporção entre a riqueza deste indivíduo e todos os tributos que ele deverá pagar […]”. Isso porque o princípio da capacidade contributiva está relacionando com a riqueza auferida pelo indivíduo e a carga tributária por ele suportada, sendo esta relação feita sempre e exclusivamente para cada tributo tomado isoladamente dos demais. A segunda refere-se à determinação da riqueza do contribuinte, tendo em vista que não se trata da totalidade da riqueza, mas unicamente um fato-signo presuntivo de sua renda ou de capital. Assim, expõe Alfredo Augusto Becker que “não se situa a totalidade da riqueza do contribuinte, mas exclusivamente um fato-signo presuntivo de sua renda ou capital”.[16] A terceira e última, diz respeito à presunção da renda ou capital, ou seja, deve ser acima do mínimo indispensável. Verifica-se que o princípio da capacidade contributiva deve incidir observando o mínimo indispensável à sobrevivência, sob pena de ferir a dignidade da pessoa humana. Nessa esteira, Mary Elbe Queiroz[17] explica: “[…] o sentido que mais se ajusta ao preceito constitucional, entretanto, assume varias vertentes, tanto como o mínimo necessário é indispensável à sobrevivência, para que seja mantida a dignidade do individuo e da sua família, como exige que se associem ao Estado e sociedade para garantirem o direito de todos a esse mínimo existencial. Tal imposição é um dever social a ser cumprido pelo Estado, inclusive, com vista a que esse mínimo necessário seja protegido e não seja atingido ou reduzido, até mesmo, pelo ônus da assunção da carga tributária. […] No tocante ao mínimo existencial […] em prestigio ao princípio da capacidade contributiva, constata-se que a respectiva tributação não poderá incidir sobre um quantum mínimo obrigatório e necessário a suprir as necessidades essenciais do indivíduo e da sua família, tendo em vista que até esse mínimo valor não se manifesta a condição ou capacidade de contribuir.” Portanto, o legislador ordinário, ao instituir o tributo, deve cuidar para não ofender ao princípio da dignidade da pessoa humana, escolhendo fatos que sejam presuntivos de uma espécie de renda ou de capital acima do mínimo indispensável.[18] Deve-se, ainda, ter em mente que o fato do sujeito ser capaz economicamente, ao possuir renda ou patrimônio, não significa que ele tenha capacidade contributiva. Destarte, há uma linha tênue que separa a capacidade contributiva, da capacidade econômica. No que concerne à distinção entre a capacidade contributiva da capacidade econômica, ensina Francesco Moschetti[19] que “não existe capacidade contributiva na ausência de capacidade econômica, também é verdade que pode existir capacidade econômica que não demonstre aptidão para contribuir”. Nessa linha de raciocínio, conclui-se que o simples fato de possuir renda ou patrimônio, não permite a tributação, tendo em vista que o princípio da capacidade contributiva deve preservar um mínimo vital para a sobrevivência do contribuinte. Dessa forma, também o princípio da capacidade contributiva atua de maneira decisiva no campo do Direito Tributário, tornando indevido todo o recolhimento a título de tributo que não atenda adequadamente a capacidade contributiva, efetivamente externada pelo contribuinte. 1.2.PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA Resultado do desdobramento do princípio da capacidade contributiva, e não menos importante, o princípio da isonomia tributária insculpido no artigo 150, II da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, preconiza que “é defeso instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação de eqüipolência […]”. Nas palavras do ilustre professor Eduardo Sabbag[20], isso significa dizer que: “o legislador infraconstitucional, ao pretender realizar o principio da isonomia tributária […] deverá levar em consideração as condições concretas de todos aqueles envolvidos (cidadão e grupos econômicos), evitando que incida a mesma carga tributária sobre aqueles economicamente diferenciados, sob pena de sacrificar as camadas pobres e médias, que passam a contribuir para além do que podem enquanto os ocupantes das classes abastadas são chamadas a suportar carga tributária aquém do que devem.” Constata-se, nitidamente, que o legislador constituinte buscou vetar tratamentos diferenciados entre contribuintes em situações idênticas, bem como o tratamento isonômico às pessoas que se encontram sob pressupostos fáticos diferentes. Adiante, o insigne Professor leciona que “… tal diretriz impacta intensamente no âmbito tributário, porquanto o legislador e o aplicador da lei hão de atentar às diferenças entre os sujeitos, procedendo às necessárias discriminações na modulação das exigências fiscais”.[21] Igualmente, Regina Helena Costa[22] discorre que o princípio da isonomia “autoriza o estabelecimento de discriminação, por meio das quais se viabiliza seu entendimento, em busca da realização da justiça”. Ainda, em relação ao princípio da isonomia, afirma o autor Ricardo Lobo Torres[23] que: “o principio da igualdade é vazio, pois recebe o conteúdo de outros valores, como a justiça, a utilidade e a liberdade. Assim sendo, só será proibida a desigualdade na apreciação da capacidade contributiva do cidadão ou da necessidade do desenvolvimento econômico se não tiver fundamento na justiça ou na utilidade social, hipótese em que estará ferida a liberdade alheia. Em outras palavras, as desigualdades só serão inconstitucionais se não conduzirem ao crescimento do País e à redistribuição da renda nacional ou se discriminarem em razão de raça, cor, religião, ocupação profissional, função etc., entre pessoas com igual capacidade contributiva, tudo o que implicará em ofensa à igual liberdade de outrem.” Além disso, discorre Autor que o princípio da isonomia, ou proibição de desigualdade, pode ser exteriorizado de duas formas: a) proibição de privilégios[24] odiosos; b) proibição de discriminação fiscal. As proibições de privilégios odiosos proíbem qualquer diminuição ou exclusão do ônus tributário, e que signifique desigualdade entre contribuintes, independentemente da forma ou denominação jurídica.[25] Já as proibições de discriminações fiscais, o Autor[26] conceitua como sendo: “desigualdades infundadas que prejudicam a liberdade do contribuinte. Qualquer discrime desarrazoado, que signifique excluir alguém da regra tributária geral ou de um privilégio não odioso, constituirá ofensa aos direitos humanos do contribuinte, posto que desrespeitará a igualdade […]” Portanto, deve-se atentar ao fato de que somente a discriminação infundada ou desarrazoada é odiosa, isto porque, em direito tributário, deve-se introduzir distinções entre contribuintes, com base na capacidade econômica de cada qual.[27] Dessa forma, concluí-se que o princípio da igualdade em sua essência não impede que o Estado discrimine para fins de tributação, razão pela qual necessário analisar a definição de “renda”, para então determinar se há exceções ou privilégios que excluam a favor de um aquilo que é exigido a outros em idênticas circunstâncias. 2. DEFINIÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DE “RENDA”, PARA FINS DE TRIBUTAÇÃO PELA VIA DO IMPOSTO SOBRE A RENDA – IR Diante da peculiar estrutura do Sistema Tributário Nacional vigente, não há como iniciar a análise da definição legal de “renda” sem que o ponto de partida da investigação recaia nas normas que se extraem do Texto Constitucional. Isto porque a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 demarca a “competência tributária”[28] de forma rígida e exaustiva. Ou seja, o Legislador Constituinte outorgou a competência tributária a cada um dos entes tributantes (União, Estado, Distrito Federal e Municípios), mediante expressa referência à “materialidade” (quais possíveis fatos poderão ser gravados por meio de impostos instituídos por cada ente tributante) dos tributos a tais entes cometidos.[29] A repartição da competência para instituição de impostos é definida por meio da seleção, contida na própria Constituição, das situações (fatos) que podem ser objeto desse tipo de tributo. Ou melhor, por meio da indicação das possíveis hipóteses de incidência (fatos geradores) dos impostos que poderão ser instituídos por União, por Estados e Distrito Federal e por Municípios (ficando a União, ainda, com a competência residual). Deste modo, podemos notar que na partilha das matérias dotadas de conteúdo econômico, passíveis de serem alcançadas por meios dos impostos, coube à União a competência para buscar recursos financeiros na parcela de riqueza extraída da realidade, identificada como “renda” e “proventos de qualquer natureza”. Assim, uma vez prescrito no art. 153, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[30] ser a União competente para a instituição de “imposto sobre a renda”, duas afirmações já podem ser feitas: (a) somente a União poderá instituir imposto cuja hipótese de incidência e base de cálculo se refiram a fatos que se insiram no conceito (idéia) de obtenção de “renda” e (b) a União, ao instituir o imposto sobre a renda, não poderá estabelecer que esse imposto incida sobre fato que não se caracterize como obtenção de “renda”. Há, portanto, no Texto Constitucional “conteúdos semânticos mínimos” – noções genéricas – quer de “renda”, quer de “proventos de qualquer natureza”, a serem obrigatoriamente levados em conta na criação in abstracto do imposto em tela.[31] A doutrina define o conceito de “renda” [32] e “proventos de qualquer natureza” fazendo alusão à idéia de “acréscimo patrimonial”. Assim, “renda” e “proventos de qualquer natureza” segundo Roque Antonio Carrazza[33] “são os ganhos econômicos do contribuinte gerados por seu capital, por seu trabalho ou pela combinação de ambos e apurados após o confronto das entradas e saídas verificadas em seu patrimônio, num certo lapso de tempo”. A caracterização de “renda” e “proventos de qualquer natureza” se dá, portanto, com o efetivo “acréscimo patrimonial” que, por sua vez, se confirma a partir da análise de dois momentos distintos e a identificação de saldo positivo entre as entradas e saídas no período. Configura-se, nesse caso, a “disponibilidade de riqueza nova”. Essa noção, aliás, é confirmada pelo Código Tributário Nacional (Art. 43 CTN)[34], cumprindo a função de norma geral de direito tributário. A Constituição, portanto, não define a hipótese tributária (hipótese de incidência ou fato gerador abstrato) do imposto sobre a renda, mas impõe que só será validamente exigível o imposto sobre a “renda” se a hipótese de incidência (fato-signo presuntivo de riqueza) definida pela legislação complementar corresponder ao conceito constitucional de renda. Assim, essa concepção de renda, como “acréscimo patrimonial” de riqueza, já estava sedimentada no ordenamento e veio confirmada pelo artigo 43 do Código Tributário Nacional no plano da legislação complementar, a quem a Magna Carta, em seu artigo 146[35], atribui o papel de estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: definição dos tributos e suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Segundo Humberto Ávila[36]: “o Código Tributário Nacional, em seu artigo 43, concretizou esses limites apresentados pela Constituição, prescrevendo a renda como “produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos” e os proventos de qualquer natureza como “os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior'.  Indo avante, o Ilustre doutrinador afirma que o conceito de “renda” pressupõe uma fonte produtiva. Ou seja, somente uma atividade organizada para o ganho é que pode perceber “renda”. Enquanto que o conceito de “provento de qualquer natureza” compreende todos os acréscimos patrimoniais não incluídos na noção de renda. Tudo aquilo que for acrescido ao conjunto de direitos e obrigações de um sujeito considera-se acréscimo patrimonial.[37] Nessa linha de raciocínio, enfatiza-se o ensinamento do insigne professor Roque Antônio Carrazza[38]: “[…] o IR só pode alcançar a aquisição de disponibilidade de riqueza nova, vale dizer, o acréscimo patrimonial experimentado durante certo período de tempo. Tudo o que não se tipificar ganhos durante um período de tempo, mas simples transformação de riqueza, não se enquadra na área de incidência traçada pelo art. 153, III da CF e explicitada pelo art. 43 do CTN.” Em suma, sem “acréscimo patrimonial” não há que se falar em tributação por meio do imposto de renda. De modo ser imprescindível identificar se os valores recebidos a título de recomposição patrimonial – juros moratórios – amoldam-se ao fato gerador tributário do imposto de renda. 3. A NATUREZA JURÍDICA DOS JUROS MORATÓRIOS – CARÁTER INDENIZATÓRIO Como visto anteriormente, o imposto de renda poderá ser exigido no momento em que se configure o efetivo “acréscimo patrimonial” do contribuinte e na ausência deste, não há que se falar em tributação via imposto de renda. Faz-se, portanto, imperioso definir a natureza jurídica dos juros moratórios, para então, determinar se tal fato subsume a norma in abstrato tipificado na regra-matriz de incidência do imposto de renda. Contudo, para se definir a natureza jurídica dos juros moratórios recorre-se aos conceitos do Código Civil Brasileiro de 2002 – CCB/02 (norma geral), cujo parágrafo único, do artigo 404, estabelece que “provado que os juros de mora não cobrem o prejuízo, e não havendo multa convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar”. Ante tal previsão, se concluí indubitavelmente que os juros moratórios têm por escopo compensar os prejuízos, possuindo natureza indenizatória. Corroborando com a linha de pensamento acima esposada, Silvio Rodrigues[39] afirma que “quando compensatórios, os juros são frutos do capital do emprego e nesse sentido é que melhor assenta o conceito acima formulado. Quando moratórios constituem indenização pelo prejuízo restante do retardamento culposo”. Cumpre destacar, ainda, que o Egrégio Supremo Tribunal Federal – STF há muito compartilha deste entendimento, conforme se depreende no trecho abaixo destacado da decisão da presidência nos autos de ACO 369 execução/SP, in verbis: “No tocante à retenção do Imposto de Renda, é de se rechaçar a inclusão, na conta elaborada, desse tributo relativamente aos juros de mora e honorário advocatícios, porquanto ambos se mostram de naturezas indenizatórias. É que os juros da mora correspondem à reparação pelo retardamento na observância de certo direito […].”[40] Observa-se pequeno trecho do voto do Ministro Marco Aurélio que a parcela referente aos juros moratórios incidente sobre o valor principal, em razão do pagamento a destempo, visa única e exclusivamente reparar o dano sofrido pelo Contribuinte, restabelecendo o status quo ante do lesado, por meio da restituição in natura do prejuízo por Ele experimentado. Nesse sentido, observem-se os ensinamentos de Roque Antônio Carrazza[41], in verbis: “A indenização não traz à sirga aumento da riqueza econômica do contemplado. É substituição da perda sofrida por seu correspondente valor econômico. Nela há compensação; jamais elevação patrimonial. Portanto, as indenizações não são fontes de enriquecimento, já que não proporcionam, a quem as recebe, vantagens pecuniárias. Nelas não há geração de acréscimo patrimonial, de riquezas novas disponíveis.” Especificamente sobre os juros de mora, leciona o Ilustre Professor[42] que: “… estamos, por igual modo, convencidos de que não incide o IR sobre os juros de mora que a empresa foi condenada a pagar aos reclamantes. É que neste caso também se configura, com nitidez, o caráter indenizatório de tais verbas, que visam reparar prejuízos sofridos.” Ou seja, se tais verbas tivessem sido recebidas no modo e no tempo devido, o Contribuinte aproveitaria integralmente os rendimentos auferidos. Porém, com o atraso, considera-se que a parte dos valores pagos já não tipificam “renda”, mas indenização, pelos gravames causados pela demora. Denota-se que o raciocínio lógico de tal afirmação é simples, eis que resta evidente que na indenização inexiste “riqueza nova” (acréscimo patrimonial) e, sem riqueza nova não poderá haver incidência de imposto de renda, até por ausência de indício de “capacidade contributiva”. Assim, tendo em vista que os juros moratórios têm natureza jurídica indenizatória, pois sua finalidade é ressarcirem perdas sofridas, não revelam “capacidade contributiva” da parte de quem às percebe. E sem capacidade contributiva – princípio informador dos impostos – não há falar em tributação por meio de imposto, aí compreendido o incidente sobre a “renda”.[43] Os indicativos doutrinários e jurisprudenciais não deixam dúvidas a respeito da natureza jurídica dos juros moratórios, resta apenas definir se estes devem compor a base de cálculo do imposto de renda. 3. A NÃO INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE OS JUROS MORATÓRIOS Transparece das considerações acima que os juros moratórios em razão de sua essência indenizatória, não se enquadram na definição legal de “renda” desenhada pelo art. 153, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e explicitada pelo art. 43, do Código Tributário Nacional. Nesse passo, a inserção daqueles na base de cálculo do imposto de renda afrontam diretamente o principio da “capacidade contributiva” e da “isonomia tributária”, eis que absorve parcela excedente da “renda” e confere tratamento desigual entre os contribuintes em situações idênticas. Contudo, debate-se ainda sobre o tema, eis que há entendimento isolado por parte do Fisco e corroborado em ínfimas decisões dos nossos Tribunais Superiores em sentido contrário ao ora exposto. O Fisco defende a tese de que os juros de mora se consubstanciam em aquisição de renda independentemente da natureza do valor principal, posto que ao invés de repor ou ressarcirem o patrimônio do contribuinte como se fosse espécie de indenização, os juros de mora corresponderiam a uma nova exação ao devedor omisso em favor do credor. Nesse sentido, insistem que para determinado valor ser entendido como fora da incidência da tributação do imposto de renda, não basta que contenha o nome de “indenização” ou possua uma relação acessória com verbas consideradas indenizatórias. De modo a elucidar, veja-se posicionamento do Eminente Relator Ministro Francisco Falcão[44] do Superior Tribunal de Justiça – STJ: “IMPOSTO DE RENDA. JUROS DE MORA SOBRE VERBAS TRABALHISTAS RECEBIDAS A TITULO DE DIFERENÇAS SALARIAIS. CARÁTER REMUNERATÓRIO. NATUREZA ACESSÓRIA. ART. 43 DO CTN. INCIDENCIA. I – Os juros de mora possuem caráter acessório e seguem a mesma sorte da importância principal, de forma que, se o valor principal é situado na hipótese da não incidência do tributo, caracterizada estará a natureza igualmente indenizatória dos juros. II – As verbas recebidas pelo empregado em ação trabalhista a título de reposição de diferenças salariais possuem evidente natureza remuneratória, e não indenizatória, configurando-se como aquisição de disponibilidade econômica e jurídica, o que se faz incidir o imposto de renda, a teor do arti. 43 do CTN […]. III – Na hipótese dos autos, o montante sobre o qual incidiram os juros moratórios não é isento do imposto de renda, razão pela qual o acessório deve seguir a sorte do principal. Logo, os referidos juros também estão sujeitos à incidência tributária.” Apesar de a jurisprudência ter sido complacente posicionando-se favorável a incidência do imposto de renda sobre os juros moratórios sob o supérfluo e superado entendimento de que estes não possuem natureza jurídica própria e, portanto, devem seguir a sorte do principal, tal argumento não é adotado pela melhor doutrina e pela jurisprudencial atual. Isto porque, consoante se elucidou anteriormente, a base de cálculo do Imposto sobre a Renda não pode ser manipulada de modo a anular os preceitos constitucionais, permitindo-se que o imposto incida sobre fatos que não exibam conteúdo econômico e nem gravem de “riqueza nova” o contribuinte, restando, assim, economicamente vazios. Evidentemente o imposto de renda só pode incidir sobre o efetivo “acréscimo patrimonial”, e, à medida que os juros moratórios se prestam a recompor o patrimônio do lesado, não podem integrar a base de cálculo deste tributo. Vale dizer que graças ao princípio da “capacidade contributiva”, só devem ser considerados na composição da base de cálculo do imposto de renda às disponibilidades de riqueza nova, reveladas, num certo período de tempo, por uma pessoa, física ou jurídica.[45] Isto traz conseqüências importantíssimas, já que nos moldes da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 “renda” caracteriza-se pelo “acréscimo patrimonial”, sendo assim a inclusão dos juros moratórios na base de cálculo do imposto de renda, cuja natureza jurídica é indenizatória, soterra o princípio da capacidade contributiva e fulmina por usurpar o patrimônio do contribuinte (princípio do não-confisco).  Noutros termos, não pode o contribuinte ser compelido a colaborar além da monta com os gastos públicos. A propósito, como bem observa o ilustre doutrinador Roque Antônio Carrazza[46], somente quem “aufere” rendimentos poderá ser compelido a figurar no pólo passivo da obrigação tributária correspondente. Afirma ainda que: “Se for levados em conta elementos que extrapolam a renda líquida (v. g. a renda bruta ou parte dela), ou que não constituam renda líquida (v. g. adiantamento para reembolso comprováveis), ocorrerá, por sem dúvida, desnaturação do perfil constitucional do tributo. Em função da norma que impede que tributos sejam utilizados com efeitos de confisco, nenhuma pessoa física ou jurídica, pode ser tributada por fatos que estão fora da regra-matriz constitucional do tributo que está sendo exigido, porque isto faz perigar o direito de propriedade”. É esse também o posicionamento atual do Superior Tribunal de Justiça, o qual foi externado pela Ministra Eliana Calmon e confirmado pelos demais membros da 2ª Turma ao julgarem o Resp. n 1.037.452, que foi assim conduzido: “Entretanto, neste processo o enfrentamento passa pela nova visão dos juros moratórios a partir do atual Código Civil que, no parágrafo único do art. 404, deu aos juros moratórios a conotação de indenização, como pode ser visto na transcrição seguinte: Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional. Parágrafo único. Provado que os juros de mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credos indenização suplementar. Segundo decidiu o Tribunal de Apelação: 1) a indenização representada pelo juros moratórios corresponde aos danos emergentes, ou seja aquilo que o credor perdeu em virtude da mora do devedor Houve a concreta diminuição do patrimônio do autor, por ter sido privado de perceber o salário de forma integral, no tempo em que deveria ter sido adimplido. Os juros moratórios, nesse sentido, correspondem a uma estimativa prefixada do dano emergente, nos termos do arts. 395 do Código Civil vigente e 1.061 do Código Civil de 1916. 2) Não há falar, aqui, em interpretação ampliativa da hipótese de isenção prevista na legislação de regência, porque não se trata, no caso, de isenção, mas, sim, de não incidência. Detive-me na tese de fundo e a conclusão a que chego, diante dos claros termos do parágrafo único do novo Código Civil, e a de que os juros de mora tem natureza indenizatória e, como tal, não sofrem a incidência da tributação […] A questão e simples e esta ligada a natureza jurídica dos juros moratórios, que a partir do novo Código Civil não mais deixou espaço para especulações, na medida em que esta expressa à natureza jurídica indenizatória dos juros de mora. Estou consciente de que o entendimento alterara profundamente a disciplina dos juros moratórios, como estabelecidos há anos e que proclamava a sua natureza acessória, de tal forma que se amolda a caracterização da obrigação a que se refere, como um apêndice. Se assim e, certa esta a tese constante do julgamento do Tribunal de São Paulo, a partir do entendimento sedimentado no direito pretoriano desta Corte, uniformizado na Primeira Seção e que pode ser assim resumido: a) as parcelas salariais são consideradas como remuneração, ou seja, rendimento, incidindo pois o imposto de renda; b) em se tratando de indenização, não há rendimento algum e, como tal, não incide o imposto de renda.” Reafirmando o que fora anteriormente exposto, doutrina e jurisprudência não deixam dúvidas que os juros incidentes sobre os valore recebidos pelos contribuintes tem por escopo indenizar a mora e não se confundem com juros de natureza compensatória ou remuneratória de aplicações financeiras. Aquele corresponde a uma indenização pelos danos emergentes, ou seja, o que o contribuinte perdeu ou deixou de ganhar em razão do inadimplemento da obrigação. Noutro tocante, cabe ressaltar que a não tributação dos juros moratórios, em razão de seu caráter indenizatório, também está expressamente prevista no art. 718, §1o, inciso I, do Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 – Regulamento do Imposto de Renda de 1999.[47] O professor Roque Antônio Carrazza[48], ao analisar o art. 718, § 1º, inciso I, do Regulamento do Imposto de Renda 1999, enfatiza a não tributação do imposto de renda sobre os juros de mora recebidos em ação judicial, veja-se: “Registre-se, ademais, que o art. 718, §1º, I do Regulamento do Imposto de Renda (RIR), veiculado pelo Decreto 3.000, de 26.3.1999 (republicado em 17.6.1999) tornou a “isentar” de IR os “juros e indenizações por lucro cessantes”. Com isso, reafirmou a não-incidência de IR sobre tais valores e, ao mesmo tempo, declarou, às abertas e publicadas, que a Administração Fazendária não pode submeter à tributação em tela.” Assim, em que pese existir por parte da doutrina especializada e jurisprudência atual, argumentos sólidos no que se refere a não inserção na base de cálculo do imposto de renda os juros moratórios em razão da natureza jurídica indenizatória, o posicionamento desfavorável trazido, aceito e adotado por alguns juristas, não pode ser desprezado totalmente. Apontados, portanto, todos os argumentos favoráveis e contrários a tributabilidade dos juros de mora via imposto de renda, previsto no atual regime jurídico, resta claro, diante da doutrina e jurisprudência apresentada, que o tema ainda aflora acaloradas discussões e merece um maior aprofundamento, para que o Direito e seu conjunto de normas que regem a sociedade, acompanhe a dinâmica da sua evolução. CONCLUSÃO Buscou-se no presente trabalho, apresentar as divergências doutrinárias e jurisprudenciais ainda existentes sobre a inclusão ou não dos juros denominados moratórios na base de cálculo do imposto sobre a renda. O cerne da discussão encontra-se pautado na real e concreta possibilidade dos contribuintes terem parte de seus patrimônios absorvidos indevidamente pelo Fisco. Para tanto, traçou-se uma perspectiva constitucional, visando analisar a validade e eficácia das normas que regulamentam e que servem de base para definir-se a materialidade do imposto do Imposto sobre a Renda. Verificou-se, ainda, que o ordenamento jurídico brasileiro é sistemático e, composto por um conjunto de normas ¾ regras e princípio ¾ que dão origem à Constituição da República Federativa do Brasil. Nesse sentido, viu-se que a Constituição da República Federativa do Brasil é formada por normas e princípio e eles são os responsáveis por ditar as diretrizes do ordenamento jurídico. Ainda, a inobservância aos princípios constitucionais fulminam por extrair das normas o fundamento de validade. Assim, constatou-se que o princípio da capacidade contributiva tem como objetivo auferir o impacto da carga tributária, não podendo impossibilitar o contribuinte de manter suas necessidades essências e de sua família (mínimo vital; existencial), sob pena de ferir o princípio da dignidade humana. De modo que a inclusão dos juros moratórios torna a carga excessiva a ponto de caracterizar o confisco, haja vista que o contribuinte não manifesta “riqueza nova” e nem “acréscimo patrimonial”. Do mesmo modo, observou-se que o principio da isonomia tributaria busca tratar igualitariamente os contribuintes, de forma a identificar aqueles que possuem a mesma riqueza e se encontram em idêntica situação fática. Frisou-se que compete a União instituir imposto sobre a renda devendo observar, contudo, a “materialidade” estabelecida pela Constituição Federal. Visto que “renda” caracteriza-se pelo “acréscimo patrimonial”, gerado pelo capital, trabalho ou combinação de ambos. Ou seja, há necessidade de se configurar “disponibilidade de riqueza nova”, sendo insuficiente para preencher o vocábulo “renda” a mera transformação de riqueza. Ainda, notou-se que com o advento do Novo Código Civil de 2002, a polêmica a respeito da natureza jurídica dos juros moratórios ganhou força, predominando o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência no que se refere ao seu caráter indenizatório. Assim, mostrou-se que a inserção dos juros moratórios na base de cálculo do imposto de renda não mais encontra guarida sob o manto Constitucional. Esse posicionamento vem conquistando adeptos e sendo defendido com veemência pelos nossos tribunais. Contudo, viu-se que mesmo após o advento do Novo Código Civil há posicionamentos favoráveis a incidência do imposto de renda sobre os juros moratórios sob o entendimento de que estes não possuem natureza jurídica própria e, portanto, devem seguir a sorte do principal. Entendo, no entanto, que se apresenta mais consentânea, o posicionamento que defende a ilegalidade da inclusão dos juros moratórios na base de cálculo do imposto sobre a renda, devido sua afronta aos princípios constitucionais e à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Dessa forma, concluo que a inserção dos juros moratórios na base de cálculo do imposto sobre a renda, viola e torna ineficazes os princípios constitucionais, devendo ser excluídas do cômputo, evitando assim extrair do patrimônio dos contribuintes parcela indevidas a titulo de imposto.
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Tributação ambiental como pressuposto de tributação ética
Devido às diversas modificações no cenário ambiental, em relação ao aumento constante da degradação, estudos referentes ao tema têm sido cada vez mais relevante uma que afeta diretamente na qualidade de vida da população. Sendo garantia Constitucional, um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Este trabalho visa uma melhor compreensão do tema, analisando as formas tributação ambiental principalmente o repasse do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) Ecológico. A metodologia empregada no trabalho consiste na pesquisa bibliográfica em diversos títulos já publicados que elucida as questões referentes a temática. A conclusão chegada é que os maiores estudos sobre a tributação ambiental e a utilização de instrumentos tributários para obter receitas necessárias para a realização de políticas públicas ambientalmente tem sido cada vez mais relevantes.
Direito Tributário
1.INTRODUÇÃO No mundo desenvolvido de hoje, não é raro a falta de preocupação com a exploração indiscriminada dos recursos naturais renováveis, ocorrendo frequentemente à socialização do prejuízo ambiental e a monopolização do lucro da exploração, onerando os contribuintes, consumidores e membros da coletividade. É inegável a necessidade de se equacionar demandas socioeconômicas, tais quais: geração de emprego, renda, moradia, transportes, energia, etc., com a preservação dos ecossistemas. O melhor resultado possível é o denominado “desenvolvimento sustentável”, composto pelos fatores social, econômico e ambiental. O sistema jurídico brasileiro, através da Constituição Federal assegura a todos, em seu artigo 225, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se a ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo. Agir de forma ambientalmente responsável é uma obrigação da sociedade. Desta forma, a implantação da denominada tributação verde, serve como um mecanismo que promove a defesa do meio ambiente. Aqueles que utilizam fontes de energia renováveis, reciclagem, detentores de área de preservação, devem ter uma contraprestação da sociedade. Neste intuito a preservação do meio ambiente, houve o emprego da função extrafiscal do ICMS, a criação do ICMS ecológico, pioneiramente no Estado do Paraná, em 1991, foi adotado também em outras unidades federativas do Brasil. Não se trata de novo tributo ou de isenção fiscal, o estado efetua o repasse de parcela obrigatória da verba arrecadada com esse imposto aos municípios que adotem posturas ou que atendam a condições objetivas, previstas em lei, inerentes às melhores práticas socioambientais. Trata-se da utilização de uma possibilidade aberta no artigo 158 inciso II da Constituição Federal que permite aos Estados, legislar sobre até ¼ do percentual a que os municípios têm direito de receber do ICMS, regulamentado pela Lei Federal Complementar nº 63, de 11 de janeiro de 1990. Neste caso a denominação ICMS ecológico faz jus na utilização de critérios que versam sobre temas ambientais. Este trabalho visa elucidar questões referentes à tributação Ambiental em específico o Imposto sobre circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) ecológico a aplicação e retorno do tributo aos entes arrecadadores. 2.TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL Tributação ambiental pode ser entendida como o emprego de instrumentos tributários com finalidade de gerar recursos que são utilizados para o custeio de serviços públicos de natureza ambiental em conjunto com a orientação do comportamento dos contribuintes para evitar a sua degradação. O Sistema Tributário Nacional limita, em seus artigos, as ações de ordem econômica. Entre os tributos existentes, nenhum faz previsão, a qualquer forma expressiva de tributação sobre atividades que degradam o meio ambiente. Pode-se constatar que alguns tributos têm incidências aleatórias sobre situações que ensejam no desenvolvimento de atividades econômicas geradores efeitos no âmbito ambiental. Neste contexto a seletividade de alíquota nos tributos sobre circulação, produção e consumo, deveria ser não somente em função de sua essencialidade, mas em conformidade com os artigos da Constituição Federal, como exemplo artigo 170 inciso VI e artigo 225. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) prevista no artigo 177, § 4º, da Constituição Federal, pode ser apontada como o primeiro tributo ambiental (tributo verde) instituído no Brasil. O referido § 4º dispõe: “§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I – a alíquota da contribuição poderá ser: a) diferenciada por produto ou uso; b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, b; II – os recursos arrecadados serão destinados: a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo; b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; c) ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes.” Portanto, prevê a Constituição a instituição de um tributo ambiental, materializada através de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), incidente sobre setor da economia que causa os mais graves danos ao meio ambiente, qual seja, o dos combustíveis. As contribuições referentes ao sistema tributário aplicam as normas gerais de direito tributário, bem como os Princípios da Legalidade e Anterioridade, ressalvando, quanto a este último, a regra especial atinente às contribuições de seguridade social, como dispõe o artigo 149 do CTN que: “Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.” A CIDE é, portanto uma espécie tributária indicada para a elaboração de um tributo ambiental, pois é uma contribuição que tem por objetivo a intervenção do Estado no domínio econômico, através da promoção de indução negativa da atividade econômica em sentido estrito. Uma vez que possui tal finalidade específica, por força do disposto no artigo 149 da Constituição, a CIDE pode ser individualizada, incidindo somente sobre determinados setores, e tendo suas alíquotas graduadas conforme o dano ambiental. A adoção de medidas intervencionistas do Estado serve para implementação de políticas ambientais seja, pela imposição de tributos ou pela concessão de subsídios, não apenas como forma de arrecadação de tributos e geração de receitas, mas como instrumento para promover condutas adequadas ambientalmente. Essas políticas devem encontrar um equilíbrio entre os custos da poluição e os custos de seu controle. 3. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERRVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÃO (ICMS) O ICMS é o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação é o imposto que pode ser cobrado por cada Estado e pelo Distrito Federal sobre a movimentação de mercadorias e serviços de um Estado para outro, entre municípios ou ainda sobre a importação de mercadorias e prestação de serviços no exterior. O imposto também incide sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal, de comunicações, de energia elétrica, de entrada de mercadorias importadas e aqueles serviços prestados no exterior. O ICMS é regulamentado pela Lei Complementar 87/1996, a chamada "Lei Kandir" que contém suas normas gerais, e pelas leis complementares 92/1997, 99/1999 e 102/2000. A aplicação do ICMS também pode depender da legislação tributária de cada Estado que pode determinar, por exemplo, como os recursos do ICMS podem ser aplicados além de determinar quais as alíquotas aplicáveis para cada mercadoria/serviço que devem obedecer ao chamado “critério de essencialidade” segundo o qual mercadorias/serviços considerados essenciais (arroz, feijão, etc.) devem ter uma tributação menor que outros considerados supérfluos (cigarro, perfumes, etc.). No entanto, vale ressaltar que serviços como o de energia elétrica, combustíveis e telefonia, embora sejam necessários para a boa qualidade de vida dos indivíduos, possuem altas alíquotas de ICMS. Na maioria dos casos, as empresas repassam esse imposto ao consumidor, embutindo nos preços dos produtos. O ICMS não é um imposto acumulativo, ele incide sobre cada etapa da circulação de mercadorias separadamente. Em cada uma dessas etapas, deve haver a emissão de nota ou cupom fiscal. Isso é necessário devido ao fato de que esses documentos serão escriturados e serão através deles que o imposto será calculado e arrecadado pelo governo. Entretanto, a Constituição Federal em seu artigo 158 inciso IV dispõe que 25% do ICMS arrecadado pelo Estado sejam repassados aos municípios. Em seu parágrafo único determina que desses 25%, ¾, no mínimo devem ser distribuídos aos municípios na proporção do valor adicionado fiscal (VAF) [1] e os outros ¼ de acordo com o que dispuser a lei estadual. Tal faculdade permite interferência da administração estadual no processo de desenvolvimento municipal, tendo em vista que os critérios de repasse de verbas influenciam diretamente sobre as políticas públicas adotadas e estimula a práticas de conduta relevantes na preservação ambiental o chamando ICMS ecológico. 4. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS) ECOLÓGICO Os municípios têm a possibilidade de utilizar recursos financeiros arrecadados pelos Estados através do ICMS, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços a partir de definição, em leis estatuais que versam sobre critérios ambientais para a partilha de parte da “quota-parte” que os municípios têm direito de receber como transferências constitucionais. O ICMS ecológico aproveita oportunidade aberta, pelo disposto no inciso II, do artigo 158 da Constituição Federal, que define poder os Estados legislar sobre até 25% do percentual a que os municípios têm direito de receber do ICMS. Os critérios para determinação de qual o valor que deverá ser repassado aos municípios podem variar de acordo com o Estado em questão, todos levam em conta a existência de Unidades de Conservação e/ou áreas protegidas. As unidades de conservação são um espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção[2]. O ICMS ecológico veio como uma forma de compensar os municípios pela restrição de uso do solo em locais protegidos (unidades de conservação e outras áreas de preservação específicas), uma vez que algumas atividades econômicas são restritas ou mesmo proibidas em determinados locais a fim de garantir sua preservação, se mostrando como ótimo meio de incentivar os municípios a criar ou defender a criação de mais áreas de preservação e a melhorar a qualidade das áreas já protegidas com o intuito de aumentar a arrecadação. A adoção do ICMS ecológico instala o critério ambiental na redistribuição do imposto. A partir desse mecanismo cria-se uma oportunidade para o Estado influir no processo de desenvolvimento dos municípios, premiando algumas atividades e coibindo outras. Com duas funções principais, o ICMS ecológico, estimula os municípios a adotarem práticas de iniciativas para a conservação ambiental e desenvolvimento sustentável, e pela criação de unidades de conservação ou pela manutenção de áreas já criadas, seja pela incorporação de propostas que promovam o equilíbrio ecológico, a equidade social e o desenvolvimento econômico e recompensar os municípios que possuam áreas protegidas em seu território. Vale ressaltar que o intuito inicialmente compensatório conferido ao instituto logo se viu substituído por uma forma incrementadora, tendo em vista que um número crescente de municípios passou a implementar políticas públicas ambientais, almejando receber uma parte dos valores distribuídos segundo os critérios ambientais adotados nos Estados. A política obteve muito sucesso porque redimensiona e valoriza todos os aspectos fundamentais para um meio ambiente saudável, incentivando os municípios a investirem na qualidade de vida de sua população.  A Assembleia Legislativa do Paraná, pioneiramente, aprovou a primeira lei do ICMS Ecológico no Brasil em 1991, onde de acordo com o tipo e o tamanho das áreas protegidas de cada município parte do recurso seria destinado com a propósito de conservação destas unidades, desta forma, objetivou-se um aumento das unidades de conservação, que deixaram de ser um entrave ao desenvolvimento econômico do município, uma área inutilizada, para ser um incentivo para angariar novos recursos para os mesmo. Através da regulamentação lei Complementar nº 59, em 1991, o Paraná, baseou-se a sua proposta em dois critérios ambientais, a conservação da biodiversidade e dos mananciais de abastecimento para municípios vizinhos. O Estado foi o primeiro a experimentar os resultados extremamente positivos da adoção do ICMS Ecológico. O número de municípios beneficiados eleva-se a cada ano. Em 1992, foram 112; em 1998, o número já havia aumentado para 192 municípios[3]. Consequentemente, os dados da preservação ambiental no Estado mantém-se em constante crescimento. Estima-se que, desde a aprovação da Lei do ICMS Ecológico, em 1991, as áreas protegidas no Paraná aumentaram 950%[4], e que nos cinco anos de efetivo desenvolvimento do projeto. O segundo Estado a adotar a política do ICMS Ecológico foi São Paulo, com uma Lei Complementar promulgada no fim de 1993[5]. Desde lá, muitas áreas já foram beneficiadas, como a região do Vale da Ribeira, onde as possibilidades de desenvolvimento produtivo se mostravam, a princípio, bastante limitadas em função das proibições de pesca e extrativismo. Com o ICMS Ecológico os municípios localizados nesta área de Mata Atlântica já se sentem mais recompensados, buscando alternativas para o seu desenvolvimento aplicando vultuosos recursos em projetos de ecoturismo. Através da Lei Complementar Estadual n.o 12.040/95 conhecida como “Lei Robin Hood", Minas Gerais foi o terceiro Estado a colocar esse dispositivo em prática. A proposta mineira aprimora em relação ao paranaense, além da conservação dos mananciais de abastecimento inclui como tratamento de lixo, de esgoto, patrimônio cultural, educação, áreas cultivadas, número de habitantes por município, 50 municípios mais populosos, receita própria. Outra inovação ao grau da implementação, onde os percentuais aumentam ano a ano, causando menos impactos aos municípios, que antes tinham sua receita potencialmente proveniente do valor adicionado fiscal. 5-O ICMS ECOLÓGICO NA EXPERIÊNCIA DE ALGUNS ESTADOS BRASILEIROS O Estado do Mato Grosso do Sul aprovou o ICMS ecológico no ano de 1994, ficando esta Lei latente até o ano 2000, quando foi regulamentada pela Lei Complementar Estadual n.o 2.193/00. O Estado estabelece condições a que os índices ambientais possam vir a ser modificados durante o exercício civil. Em Pernambuco o ICMS Ecológico é denominado de "ICMS Sócio-Ambiental", foi aprovado pela Lei Estadual n° 11.899, de 21 de dezembro de 2000, e destina 12% (doze por cento) a partir do ano 2003 considerando aspectos sócio-ambientais. Destes aspectos, 1% (um por cento) destina-se para os municípios que possuem unidades de conservação e 5% (cinco por cento) devem ser distribuídos de forma igualitária aos municípios que possuam unidade de compostagem ou aterro sanitário controlado.  O Rio de Janeiro aprovou sua legislação através da lei n.º 5.100 em 2007, regulamentado através do Decreto nº 41.101/07. A regulamentação do ICMS Verde no Rio de Janeiro ficou limitada, o que poderá dificultar o processo de apoio aos proprietários de RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural). O Estado deverá seguir os outros Estados onde já foi implementado o ICMS ecológico. No Estado do Ceará aprovação do ICMS ecológico através da Lei Estadual n.º 14.023, de 17 de dezembro de 2007, regulamentado pelo Decreto Estadual nº 29.306, de 05 de junho de 2008. O Estado do Ceará incorporou a metodologia utilizada pelo Programa Selo Município Verde no ICMS Ecológico. Aprovação do ICMS Ecológico, no Estado do Amapá, através da Lei Estadual 322, de 23 de dezembro de 1996, no contexto de uma reforma nos critérios de repasse. Em relação às unidades de conservação segue o modelo de cálculo dos índices realizados no Paraná.  Alguns Estado Brasileiros o ICMS ecológico está em fase de implementação onde alguns projetos depende de tramitação interna como é o caso do Amazonas, Espírito Santo. Em Santa Catarina, Bahia a proposta do ICMS ecológico está à disposição para ser debatida e encaminhada Assembleia Legislativa.   O quadro 1 ilustra os Estados que adotaram o ICMS Ecológico, a legislação estadual específica, os critérios utilizados e os percentuais de aplicação de cada um: 6-CONSIDERAÇÕES FINAIS Não se pode duvidar da concretude que o uso do direito tributário tem na obtenção do desenvolvimento sustentável, no esteio de que o mesmo cumpre um novo papel, diverso do tradicional, de instrumento de estabilidade social. Além disso, ele deve ser utilizado como ferramenta para consecução dos fins objetivados pelo Estado. Nessa perspectiva, acredita-se que o direito tributário desempenha um novo papel, além do tradicional, que é a manutenção da máquina estatal, ele também serve como ferramenta de consecução de políticas públicas que promovem a preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado como ingrediente dignidade da pessoa humana. Assim, recentemente foi introduzida a denominação "tributação verde" para designar a importância da relação entre política tributária e preservação do meio ambiente. A tributação ambiental utiliza de instrumentos tributários para obter receitas necessárias para a realização de políticas públicas ambientalmente relevantes, além de promoção de ações de conscientização da população sobre a importância da preservação ambiental em consonância ao artigo 225 da Carta Magna. A utilização do ICMS ecológico faz com que a preservação ambiental esteja em primeiro plano estimulando os municípios a adotarem posturas que atendam a condições objetivas, previstas em lei, inerentes às melhores práticas socioambientais evitando assim a degradação ambiental. O ICMS Ecológico tem representado um avanço na busca de um modelo de gestão ambiental compartilhada entre os Estados e municípios no Brasil, com reflexos objetivos em vários temas, em especial a conservação da biodiversidade, através da busca da conservação materializada pelas unidades de conservação e outros espaços especialmente protegidos.
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Atividade tributária e o direito à moradia
Este artigo tem por fundamento analisar o papel da legislação tributária perante os institutos do ordenamento jurídico brasileiro correlacionados com o direito fundamental de moradia.
Direito Tributário
Introdução O atual estágio do Estado Democrático de Direito brasileiro defende ao exercício dos direitos individuais e a promoção dos direitos sociais, inclusive positivando tal dever na Constituição. Um dos direitos sociais com o qual o Governo brasileiro assumiu compromisso expresso de efetivar foi o direito à moradia. Este artigo tem por fundamento analisar o papel que a legislação tributária pode assumir perante os institutos do ordenamento jurídico brasileiro correlacionados com o direito fundamental de moradia, demonstrando-se que, de acordo com o plano de governo adotado pelo Estado, a atividade tributária em muito pode influenciar a concretização de direitos sociais. 1. O Estado e o Direito de Moradia O direito à moradia demonstra-se como uma faceta das várias faces que englobam o princípio da dignidade da pessoa humana, postulado que representa a base do ordenamento jurídico brasileiro e de vários outros do mundo. A moradia foi reconhecida como direito humano em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos quando esta afirma que todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. Dessa forma, o direito de morada é um direito humano universal, aceito e defendido em todas as partes do mundo. O Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIDESC) reconhece o direito de moradia ao afirmar que toda pessoa tem direito a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida e que os Estados-partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito. A Constituição Federal de 1988 também quis, seja direta ou indiretamente, garantir o direito à moradia. O artigo 1º, por exemplo, traz como fundamento da República Federativa do Brasil e expressão do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana. O artigo 3º diz constituir objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. O artigo 6º diz que são direitos sociais, entre outros, a moradia. Além disso, o artigo 23, IX, diz ser de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, reiterando, pois, a importância do acesso à moradia já que o constituinte deu a todos os entes a obrigação de garantir este direito social. O Estado se vê obrigado, pois, a regular os conflitos privados sobre propriedade, reconhecer, conforme limites da lei, o direito à moradia em bens públicos, além de promover políticas públicas visando garantir tal direito social. Neste trabalho será destacado a usucapião especial de imóvel urbano, a concessão de uso especial para fins de moradia e algumas políticas públicas realizadas com o fim de garantir o acesso à moradia. 2. Instrumentos Jurídicos e Políticas Públicas para a Garantia do Direito de Moradia 2.1. Usucapião Especial de Imóvel Urbano O direito à moradia é direito inerente à dignidade da pessoa humana e nosso ordenamento jurídico, reconhecendo tal fato, cria uma variante da usucapião com a finalidade de enaltecer tal direito social. É nesse contexto que surge a usucapião especial de imóvel urbano, onde haverá uma relativização dos requisitos usuais da usucapião quando o imóvel for utilizado para moradia de pessoa ou de família. Esta modalidade de usucapião possui um cunho social muito forte já que tem por escopo o aproveitamento de um imóvel que, por sua vez, não era valorizado pelo proprietário. Tal instituto, além de ser uma materialização do direito de moradia, representa uma das formas que o ordenamento jurídico brasileiro encontrou para realizar o postulado da função social da propriedade. Assim, além de incidir sobre a esfera individual do usucapiente, incide também sobre a sociedade, diminuindo as diferenças sociais e facilitando a atividade do Estado, já que mais uma pessoa ou família não necessitará da assistência da Administração para ter seu direito de moradia resguardado. A própria Constituição traz esse instituto quando dispõe sobre política urbana, no art. 183: “aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (…) § 2º – Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez”. A Lei 10.257/01- Estatuto das Cidades -, repete o texto constitucional ao determinar, em seu art. 9º que “aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (…) § 2º – Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez”. Para ficar clara a intenção do constituinte de garantir o direito de moradia como expressão da dignidade da pessoa humana, destacam-se dois requisitos legais deste instituto: o limite legal de metragem da propriedade e a proibição de concessão de tal direito mais de uma vez ao mesmo possuidor. Percebe-se, pois, que o legislador não quis tratar do instituto como mero direito real com um fundo patrimonial, mas sim como direito fundamental à pessoa humana com um fundo social. Com este mesmo ideal, o legislador foi além e criou o instituto previsto no art. 10º da Laei 10.257: “As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. (…) § 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas. § 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio”. Este instrumento foi destinado, principalmente, ao que é popularmente conhecido como favela e a outras invasões em geral e tem por fim a regularização do direito de moradia de comunidades inteiras, validando as ocupações perante à sociedade, possibilitando que o Estado alcance essas áreas e leve os serviços públicos para aquela parcela da população. Sobre o instituto, bem explica Fernanda Lousada Cardoso: “O juiz, ao reconhecer a usucapião, criará um condomínio entre os ocupantes da área. O estabelecimento de frações ideais permite, além da regularização fundiária do local, a intervenção municipal necessária à urbanização da região. A indivisibilidade do condomínio decorre da natureza da ocupação, que não autoriza a identificação da posse exercida por casa um. Sua extinção só será possível após a urbanização, quando destacável cada propriedade (…)” (2011, p.108) Por fim, o Código Civil também traz outro caso onde a utilização do bem imóvel para fins de moradia representa uma facilitação à procedência da ação de usucapião ordinária: “Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo”. 2.2. Concessão de Uso para Fins de Moradia A concessão de uso especial surge para suprir lacuna do ordenamento jurídico que não permite a usucapião de bens públicos (art. 183, §3º, CF e art. 102, CC) buscando solucionar a situação daqueles que exercem posse sobre bem público. A concessão especial, assim como a propriedade, é direito real e está prevista no rol enumerado no art. 1.225, CC e está regulamentada na MP nº 2.220/01. Tal direito real tem como finalidade específica a garantia do direito de moradia, direito fundamental social. O artigo 1º da MP determina que “aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural”. O art. 2º traz uma espécie de concessão coletiva: “Nos imóveis de que trata o art. 1o, com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, que, até 30 de junho de 2001, estavam ocupados por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por possuidor, a concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma coletiva, desde que os possuidores não sejam proprietários ou concessionários, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. (…) § 2o Na concessão de uso especial de que trata este artigo, será atribuída igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os ocupantes, estabelecendo frações ideais diferenciadas. § 3o A fração ideal atribuída a cada possuidor não poderá ser superior a duzentos e cinqüenta metros quadrados”. O art. 3º, também na tentativa de respeitar os direitos da maior quantidade de pessoas: “Será garantida a opção de exercer os direitos de que tratam os arts. 1º e 2º também aos ocupantes, regularmente inscritos, de imóveis públicos, com até duzentos e cinqüenta metros quadrados, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que estejam situados em área urbana, na forma do regulamento”. Os requisitos, como visto, são similares ao da usucapião, com a ressalva de que os imóveis objetos desse instituto são imóveis públicos, portanto impossíveis de serem usucapidos. A concessão consistirá em outorga gratuita do uso do bem, pode ser objeto de hipoteca (art. 1473, CC) e transferível a terceiros por ato inter vivos ou causa mortis (art. 7º, MP nº 2.220), sendo que o novo adquirente também deve manter a destinação de moradia do bem. 2.3. Políticas Públicas O Estado, além do reconhecimento do direito de usucapião, realizado pelo Poder Judiciário, e da concessão de uso para fins de moradia, tem o dever de promover políticas públicas visando garantir o direito à morada àqueles que, diante de suas situação econômica precária ou limitada, não possuem habitação alguma ou moradia adequada. Tais ações podem se dar de formas diversas, tais como a doação de unidades habitacionais, a construção e venda por valor acessível de bens imóveis, a facilitação da compra de casas construídas pelo governo ou por financiamento realizado pelo Estado. Atualmente, por exemplo, pode-se citar o maior programa de habitação em aplicação no país, o “Minha Casa, Minha Vida”, um programa complexo do Governo Federal em parceria com Estados, Municípios, empresas e entidades sem fins lucrativos. O programa tem, como um dos fins, criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos, para famílias de baixa renda, através, por exemplo, da concessão de subvenção econômica ao beneficiário pessoa física no ato da contratação de financiamento habitacional, participação no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), mediante integralização de cotas e transferirá recursos ao Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) e participação no Fundo Garantidor da Habitação Popular – FGHab. Além disso, há a possibilidade de serem oferecidas algumas facilidades, como, por exemplo, descontos, subsídios e redução do valor de seguros habitacionais. 3. Tributos Relacionados a Bens Imóveis e à Moradia Em um clássico conceito de tributos, o art. 3º, CTN diz que “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. O STF já firmou o entendimento de que existem cinco espécies de tributos (corrente quinquipartida ou pentapartida) no nosso ordenamento, quais sejam: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais. Neste trabalho será relevante apenas tratar sobre os tributos que possuem relação com os bens imóveis e a moradia, que são: IPTU, ITBI, ITCMD, taxas e as contribuições de melhoria. Importante ressaltar, entretanto, que outros tributos podem ter relações indiretas com a habitação, tais como o ISS e ICMS incidentes sobre os serviços e materiais adquiridos e agregados à obra e à construção. O IPTU – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – é imposto de competência dos Municípios e DF, estando previsto no art. 156, I, CF e nos arts. 32 a 34, CTN. Tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. A base do cálculo do imposto é o valor venal do imóvel. O contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título. O ITBI – imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis – é imposto de competência dos Municípios e DF, estando previsto no art. 156, II, CF, além da previsão de algumas disposições no CTN (art. 35 a 42). Tem como fato gerador a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia e as servidões, bem como a cessão de direitos à aquisição de bens imóveis. O Município competente para instituição do imposto é aquele onde o bem se encontra e os contribuintes serão quaisquer sas partes na operação, conforme determine a lei (art. 42, CTN). A base de cálculo é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos (art. 38, CTN), representado pelo valor da transação imobiliária. O ITCMD – imposto causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos – é imposto de competência dos Estados e DF e está previsto no art. 155, I, CF, além da previsão de algumas disposições no CTN (art. 35 a 42). Tem como fato gerador a transmissão gratuita ou transmissão por sucessão causa mortis de bens, incluído nesse rol os bens imóveis. As taxas são tributos cobrados em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. Estão previstas no art. 145, II, CF e arts. 77 a 80, CTN. As taxas poderão ser instituídas e cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, conforme os serviços oferecidos por estes. As contribuições de melhoria são tributos previstos no inciso III, artigo 145 da Constituição e estão regulamentadas pelos artigos 81 e 82 do CTN. Segundo o CTN a contribuição de melhoria é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária e tem como sujeito ativo o ente que realizou a obra. 6. A Função Social dos Impostos, das Limitações do Poder de Tributar e dos Benefícios Fiscais 6.1. IPTU O IPTU, como dito, é o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana e tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel localizado na zona urbana do Município. A base do cálculo do imposto é o valor venal do imóvel e é proibido ao Município adotar critérios referentes ao status econômico do proprietário para o cálculo do tributo, pois o fato de possuir o imóvel e o valor deste já fazem referência à capacidade econômica do contribuinte. Neste sentido, o Eg STF decidiu que o IPTU é "inequivocamente um imposto real, porquanto ele tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel localizado na zona urbana do município, sem levar em consideração a pessoa do proprietário, do titular do domínio útil ou do possuidor" (RE 204.827-5, de 12.12.1996) Nesse mesmo sentido, o STJ: “TRIBUTARIO – IPTU – BASE DE CALCULO – SUPERFICIE DO IMOVEL -SITUAÇÃO ECONOMICA DO PROPRIETARIO – (CTN, ART. 33) – LEI MUNICIPAL N. 3999/72 DE SANTO ANDRE. É defeso ao municipio adotar como base de calculo do IPTU a superfície do imóvel ou o status econômico de seu proprietário”. (REsp 4379/SP – Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS. T1 – PRIMEIRA TURMA.26/04/1993). Essa tese hoje é relativizada (e em alguns casos ultrapassada) nos limites constitucionais já que, com a EC 29, foi permitido ao IPTU: “I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel”. A progressividade é técnica consistente em alteração da carga tributária pela modificação da alíquota aplicável de acordo com o valor da base de cálculo e “progressivo é o imposto cuja alíquota cresce em função do crescimento de sua base de cálculo. Essa a progressividade ordinária, que atende ao princípio da capacidade contributiva”. (MACHADO, 2006, p. 402). Assim, as alíquotas poderão ser maiores quanto maior o valor da base de cálculo e menores quanto menor o valor da base de cálculo. No caso do IPTU, as alíquotas poderão, de acordo com a referida EC, ser variáveis de acordo com o valor venal do imóvel. Geraldo Ataliba ensina: “A progressividade é constitucionalmente postulada, tanto a de caráter fiscal (inerente ao próprio tributo) como a extrafiscal (promoção de uma igualação social – eliminação de desigualdade), o favorecimento dos desvalidos, a criação de empregos, o desenvolvimento econômico, a melhoria das condições de vida, a proteção do meio ambiente etc., são valores que mereceram do contribuinte especial encômio”. (1991, p.49) Alexandrino e Paula, sobre a possibilidade da progressividade de alíquotas do IPTU: “Trata-se de consagração, em texto constitucional, da aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva a pelo menos um imposto real”. Continuam: “deve-se observar que o princípio da capacidade contributiva é princípio geral de direito, constante, inclusive, da 'Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão', de 1789, na França. Irradia-se portanto, em diversas normas e princípios espalhados pelo texto constitucional. É considerado forma de instrumentalizar-se o princípio da isonomia, pois permite tratar-se de forma desigual, na medida de suas desigualdades, contribuintes que não se encontrem em situações equivalentes”. (2001, p.22) As alíquotas, de acordo com a Constituição, poderão também variar de acordo com a localização do imóvel e da destinação que lhe é dada. Mas permanece o entendimento do STF de não ser possível a progressividade de alíquotas do IPTU com base no número de imóveis do contribuinte. Esse entendimento está pacificado através da súmula 589 que diz ser inconstitucional a fixação de adicional progressivo do imposto predial e territorial urbano em função do número de imóveis do contribuinte. Além dessas técnicas de tributação, é possível ao Município, através de lei, conceder benefícios fiscais, tais como a isenção. Paulo de Barros Carvalho aponta algumas razões da criação da isenção, e de acordo com o autor, a exclusão do tributo se deve “a reclamos de ordem ética, social, econômica, política, financeira, etc”, sendo que, através da isenção “a autoridade legislativa desonera o sujeito passivo da obrigação tributária de cumprir o dever jurídico de recolher o gravame, mediante dispositivo expresso de lei”. (1999, p. 442) É nesse contexto que podem ser criadas dispensas de pagamentos de créditos referentes ao IPTU para imóveis pequenos ou para certa parcela da população reconhecidas como pobres. Exemplo disso é o Código Tributário Municipal de João Pessoa que diz ser isento do Imposto Predial e Territorial Urbano “IV – os imóveis classificados como habitação popular, observado o disposto no § 1º, desde que o contribuinte comprove: a) não possuir outro imóvel no seu nome, no do outro cônjuge ou companheiro; b) utilizar o imóvel apenas para fins residências; V – as edificações construídas por programas habitacionais para população de baixa renda, pelas companhias de habitação, instituto de previdência e agentes financeiros em todos os níveis de governo; VI – os imóveis edificados quando localizados nas comunidades carentes, conforme delimitação efetuada em regulamento; (…) § 1º Ficam estabelecidos os seguintes critérios para definição de Habitação Popular, de que trata o item IV: a) o imóvel deve ter área de construção igual ou inferior a 60m2 (sessenta metros quadrados); b) o valor venal não deverá ultrapassar a 500 (quinhentos) unidades do Valor Padrão do Município; c) a testada do terreno deverá ser igual ou inferior a exigida para Loteamento na zona em que estiver situado; d) não deverá haver suíte, o acabamento deverá ser de baixo padrão tipicamente popular ”. Pode-se citar também como exemplo a isenção concedida pelo Município de São Paulo aos “imóveis pertencentes ao patrimônio da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), destinados ou utilizados para implementação de empreendimentos habitacionais voltados a moradias populares, até o lançamento individualizado do imposto referente às respectivas unidades autônomas”. Percebe-se, pois, que é possível que o IPTU seja cobrado ou deixe de ser cobrado de forma a beneficiar pessoas com menor capacidade econômica e de forma a procurar garantir e incentivar o direito de moradia. 6.2. ITBI O ITBI, como dito, tem por fato gerador a transmissão inter vivos, por ato oneroso de bens imóveis e de direitos reais sobre bens imóveis e a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis. A configuração do fato gerador se dar por qualquer manifestação dessa transmissão ou cessão, ou seja, a qualquer título. Assim, está observada quando há, por exemplo, uma compra e venda, uso e usufruto. Vê-se, pois, que, hipoteticamente há a incidência do ITBI quando o Governo, vende unidades habitacionais e concede o uso de bens públicos para fins de moradia. Por outro lado, não incide o referido imposto quando há usucapião, pois apesar de haver uma mudança na propriedade do bem, não resta configurado o requisito da onerosidade, que é essencial para a observância do fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis. Dessa forma, não há cobrança do imposto no caso de reconhecimento do direito de usucapião especial urbana. Quanto a possibilidade de progressividade da alíquota, esta não é possível pois a Constituição nada fala nesse sentido. O STF já se manifestou diversas vezes sobre o assunto, editando, inclusive uma súmula, a súmula 656: “É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis – ITBI – com base no valor venal do imóvel”. A manifestação do princípio da capacidade contributiva, em relação a este imposto, já se dá pelo próprio objeto da transação, já que o valor do imposto será menor na proporção que a base de cálculo for menor. Assim, apesar de não ser possível a técnica da progressividade, está presente a proporcionalidade. Tais fatos não significam que os Municípios não possam aplicar o princípio da capacidade contributiva através da concessão de isenção ou outra espécie de benefício fiscal como forma de incentivar políticas públicas habitacionais de outros entes ou da própria iniciativa privada enquanto promovente de ação social sem fins lucrativos, quando contribuintes ou do cidadão legalmente reconhecido como contribuinte quando este é beneficiado de algum programa habitacional. Para isso é óbvio que deve haver critérios legais objetivos de reconhecimento da transação imobiliária como forma de garantir o direito social à moradia. Tais benefícios, sempre que possível, devem ser instituídos pois a constituição de crédito tributário não deve ser obstáculo do direito constitucional à moradia. Exemplo de tal benefício pode ser encontrado no Código Tributário Municipal de João Pessoa: “Art. 71. Fica isenta do imposto a primeira transmissão da habitação popular destinada à moradia do adquirente, desde que outra não possua no seu nome, no do outro cônjuge ou companheiro. Parágrafo Único. Para fins do disposto no caput, considera-se habitação popular, o imóvel que atenda, aos seguintes requisitos: I – ter área construída total não superior a 60m²; II – ter padrão construtivo baixo ou sub-normal; III – na dissolução da sociedade conjugal após concluso processo judicial, quando o único imóvel do casal, couber a qualquer dos cônjuges, destinado à moradia e guarda dos filhos e cuja avaliação não seja superior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), reajustado anualmente pelo Índice de Preço ao Consumidor Amplo – IPCA/IBGE ou outro índice que seja o seu sucedâneo”. No mesmo município, foi expedida a Portaria nº026/SEREM onde, considerando a necessidade de definir os programas habitacionais que podem ser contemplados com as isenções de IPTU e de ITBI, foram considerados como aptos para concessão de isenção de ITBI e de IPTU os imóveis vinculados aos programas habitacionais voltados para a população de baixa renda, edificados com recursos do Programa Minha Casa Minha Vida do Governo Federal e operacionalizados pela Secretaria Municipal de Habitação Social – SEMHAB. Da mesma forma, o Município de São Paulo concede isenção nas seguintes transmissões de bens ou direitos: “A primeira aquisição de unidade habitacional financiada pelo Fundo Municipal de Habitação (Lei 11.632/1994); Transmissões de bens e de direitos a eles relativos para imóveis de uso exclusivamente residencial, cujo valor total seja igual ou inferior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) na data do fato gerador, quando o contribuinte for pessoa física; Transmissões de bens ou de direitos relativos a imóveis adquiridos pela Caixa Econômica Federal por meio do Fundo de Arrendamento Residencial para o Programa de Arrendamento Residencial”. Importante ressaltar que tais benefícios devem ser instituídos pelos respectivos Municípios ou por lei de caráter nacional já que, por ser de competência dos Municípios a instituição do referido imposto, só estes possuem competência para criar isenções e benefícios. A mesma ressalva deve ser feita em relação ao IPTU. 6.3. ITCMD O ITCMD, como dito, pode ter por fato gerador a transmissão gratuita de bens imóveis, assim, restará configurado hipótese de incidência do referido imposto o caso de doação de bem imóvel. A doação, conforme Código Civil (art. 538) é “contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”. No caso de doação de bens imóveis, que é o caso que importa a este trabalho, o ente competente para a instituição do ITCMD é o Estado onde o bem está localizado (art. 155, §1º, I, CF). O contribuinte do ITCMD é aquele que a lei apontar, mas, via de regra, no caso de transmissão gratuita, o donatário é o contribuinte, ou seja, aquele que se beneficia da doação, como é o caso da legislação da Paraíba e da de São Paulo. A base de cálculo, assim como a do ITBI, é o valor venal do bem. Não há previsão constitucional de possibilidade de progressividade da alíquota do ITCMD, mas, apesar de não haver possibilidade de progressividade de alíquotas, a presença da proporcionalidade é aplicável, já que quanto menor for o valor do imóvel, menor será a quantia devida à Fazenda. Por outro lado, é possível, assim como no caso exposto do ITBI, a previsão de benefícios fiscais, como a isenção, anistia, moratória, etc., em alguns casos específicos. Há Estados que, procurando proporcionar aos cidadãos a possibilidade de acesso à moradia, estabelecem a isenção do imposto para casos de doação de imóveis provenientes de programas habitacionais. Nesse sentido, a legislação de São Paulo (art. 6º, II, Lei 10.705/00) afirma ser isento do ITCMD, em caso de transmissão por doação, o bem imóvel para construção de moradia vinculada a programa de habitação popular. No mesmo sentido, a legislação do Rio de Janeiro (art. 3º, X e XI, Lei 1.427/89, com redação dada pela Lei 5.440/09) prevê isenção do ITCMD a transmissão, por doação, de imóvel destinado à construção de habitações de interesse social e, quando ocupados por comunidades de baixa renda, seja objeto de regularização fundiária e urbanística e a doação, pelo Poder Público a particular, de bem imóvel inserido no âmbito de programa habitacional destinado a pessoas de baixa renda ou em decorrência de calamidade pública. Dessa forma vê-se que aos Estados é dado a possibilidade de maximizar os meios de promoção do direito à moradia através da isenção do ITCMD quando há a doação de imóveis para populações de baixa renda que tem o acesso à moradia garantido por programas habitacionais. Importante ressaltar que não incide ITCMD na usucapião pois não está previsto o animus donandi, assim, no caso de restar configurada a usucapião especial urbana, o usucapiente não estará sujeito à cobrança deste imposto. 6.4. Taxas  As taxas, como já explanado, são tributos cobrados em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. A taxa em razão do exercício do poder de polícia poderá ser exigida por atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos (CTN, art. 77). Será possível a cobrança da taxa quando os serviços públicos forem I – utilizados pelo contribuinte: a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título; b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento; II – específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de unidade, ou de necessidades públicas; III – divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários (CTN, art. 79). Gerado Ataliba, sobre as taxas, esclarece que “como a base imponível de uma taxa imponível é uma dimensão do aspecto material da hipótese de incidência, pode-se identificar a taxa pela base imponível adotada pela lei”. (2008, p. 155) Isso porque, segundo Ataliba: “… alíquota não é conceito igualmente aplicável a todos os tributos. Base imponível todos os impostos e algumas contribuições e taxas a têm, enquanto em inúmeros casos, não há cálculo a ser feito (contribuições e taxas fixas). As taxas nem sempre têm alíquotas. Na verdade, não se trata de 'atribuição ao estado pela lei, de parcela de riqueza alguma'. Esta explicação não é aplicável às taxas, cujo princípio informativo é totalmente diverso: decorre da Constituição (art. 145, II) que o princípio regente da taxa é a remuneração. Assim, o custo de um serviço público não geral (específico) deve ser repartido entre seus usuários, na medida em que cada administrado o utiliza”. (2008, p.117) Ante tal característica inerente às taxas, fica impossível aplicar o princípio da capacidade contribuinte, através de técnicas como a progressividade para as taxas que não possuem alíquotas e que já possuem valor expresso em lei. Apesar de, em regra, o princípio da capacidade contributiva ser incompatível com as taxas, o STF já considerou esse princípio ao analisar constitucionalidade de valores variados de taxas instituídas pela CVM. Por outro lado, a Constituição isenta do pagamento de taxas decorrentes da expedição de certidões para os reconhecidamente pobres ou concedem o benefício da justiça gratuita para àqueles que coprovarem insuficiência de recursos. Dessa forma, pode haver discriminação nos valores das taxas para certos grupos de pessoas e em certas ocasiões específicas, desde que essa discriminação tenha por fim o alcance à igualdade e esteja intimamente interligado à justiça. Por exemplo, os serviços ou o poder de polícia que podem estar ligados à moradia tais como as taxas cobradas pelo serviço de limpeza domiciliar, a taxa de combate a incêndios e algumas taxas cartorárias. Por conseguinte, estas taxas podem estar relacionados com o direito constitucional ao acesso à moradia, que não se esgota em obter habitação, mas também em mantê-la e com dignidade. Em razão deste fato o Estado pode criar isenções ou outros benefícios fiscais como forma de incentivo à execução de obras destinadas à moradia ou pode criar taxas variáveis conforme o objeto de fiscalização ou do serviço. Exemplo disso é o ato do Município de Caçador/SC que concedeu isenção de taxas municipais incidentes sobre as obras inerentes ao programa minha casa minha vida em Caçador, em parceria com o Governo Federal e a Caixa Econômica Federal – CEF: “A título de incentivo no Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, destinado exclusivamente a famílias com renda de até 3 (três) salários mínimos, conceder-se-á I – isenção da taxa de licença para a execução de unidade habitacional, arruamento e loteamento necessários à construção dos empreendimentos vinculados ao Programa; (…) VI – isenção das taxas de: a) alvará de construção; b) alvará e/ou habite-se sanitário; c) habite-se (…)” O mesmo se deu com o Município de Itapeva/SP que concedeu isenção da Taxa de Licença para a Execução de Arruamento, Loteamentos, Condomínios e Obras para otimizar a participação do Município de Itapeva no Programa Minha Casa, Minha Vida, objetivando amenizar o problema habitacional da população de baixa renda e a diminuição do déficit habitacional. 6.5. Contribuições de Melhoria A contribuição de melhoria é tributo devido em razão da realização de obra pública da qual advém valorização imobiliária para o particular, tendo, pois, natureza contraprestacional. Tem fundamento no princípio da igualdade, já que o Estado não pode beneficiar alguns cidadãos sem fazer o mesmo pelos outros. Da mesma forma, tem por fundamento a vedação ao enriquecimento sem causa, conforme ensina Ricardo Alexandre: “a existência do tributo tem por fundamento ético-jurídico no princípio da vedação ao enriquecimento sem causa. Seria injusto o Estado cobrar impostos de toda a coletividade e utilizar o produto da arrecadação para a realização de obras que trouxessem como resultado um aumento patrimonial de um grupo limitado de pessoas, sem que esse enriquecimento seja produto do trabalho ou do capital pertencente aos beneficiários”. (2010, p. 74) A contribuição de melhoria tem como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado. A contribuição de melhoria é o tributo menos instituído e exigido no Brasil, mesmo assim, o Governo ao resolver cobrar tal tributo deve ponderar a repercussão que tal cobrança pode ter sobre contribuintes de baixa renda, já que estes possuem capacidade econômica limitada. Em razão disso, analisando a situação específica, é aconselhável ao Estado se abster da exigência de tal tributo quando a valorização imobiliária for infíma e se der sobre imóveis de valor baixo ou em relação aos reconhecidamente pobres. É o caso, por exemplo da lei paraibana nº 5.124, de 27 de janeiro de 1989, que diz serem “isentos da Contribuição de Melhoria: c) os imóveis cujo valor venal não ultrapasse a 100 (cem) vezes o salário mínimo regional, ao tempo do seu lançamento.” Conclusão: O Papel do Governo Enquanto Realiza Atividade Tributária e o Direito à Moradia A promoção do direito de morada é dever do Estado, possuindo o governo a obrigação de proporcionar a seus cidadãos uma vida digna e justa. Dessa forma, não pode o Governo assumir uma posição omissiva no sentido de aguardar o êxito pessoal de seus administrados para obtenção dos direitos sociais. O Estado, principalmente a partir dos ideais socialista e da política do bem estar social, tem como função inerente a sua existência o dever de agir buscando materializar aquilo apontado, tanto pelos tratados internacionais como pela Constituição Federal, como direito intríseco à dignidade humana. Em relação ao direito à morada, o Governo pode fazê-lo por meio de políticas públicas ou por meio de instrumentos jurídicos aqui citados: usucapião especial urbano e concessão de uso para fins de moradia. Ocorre que o Estado pode ir além. O Estado, por ser formado por uma rede complexa de entes, órgãos e funções, pode possibilitar o acesso à moradia também através da atividade financeira-tributária. E o fará por meio do reconhecimento imunidades ou de concessão de benefícios fiscais. Os programas habitacionais do Governo e os institutos jurídicos habitacionais têm a finalidade social de garantir dignidade dos cidadãos e efetivar direitos sociais e tudo que estiver ao alcance da Administração para atingir essa dignidade deve ser realizado.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/atividade-tributaria-e-o-direito-a-moradia/
O princípio da transparência como um dos alicerces da Lei de Responsabilidade Fiscal
Resumo: O presente estudo tem por escopo tecer algumas considerações acerca do princípio da transparência como informador do Direito Administrativo hodierno em especial quando trata dos gastos públicos sendo expresso pela Lei Complementar n 101/2000 ou seja a Lei de Responsabilidade Fiscal
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO O presente estudo tem por escopo tecer algumas considerações acerca do princípio da transparência como informador do Direito Administrativo hodierno, em especial quando trata dos gastos públicos, sendo expresso pela Lei Complementar nº 101/2000, ou seja, a Lei de Responsabilidade Fiscal. A referida norma é a regulamentação do art. 163 da Constituição Federal, ao dispor sobre os princípios e normas de finanças públicas e estabelecer um “regime de gestão fiscal responsável”. A supracitada lei faz parte de um projeto maior de reforma do Estado brasileiro, que inclui, entre suas diretrizes, introduzir um regime fiscal sustentável a médio e longo prazos, isto é, insere-se no plano maior de uma ampla reforma tributária. Nesse contexto, a LRF concretiza diretamente a transparência administrativa, pois estabelece os meios através dos quais se pode assegurar a transparência da gestão fiscal, tais como o incentivo à participação popular e realização de audiência públicas durante os processos de elaboração e discussão dos planos, leis de diretrizes orçamentárias e orçamentos (parágrafo único do art. 48). Assim, pode-se dizer que o controle do cidadão sobre os gastos públicos deriva do próprio Direito Natural. Ressalte-se que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, art. 15, definiu que a sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público de sua administração. E como forma de externar essa vontade popular, a LRF surge preceituando que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio nas contas públicas. A transparência passa, pois, a ser um dos princípios fundamentais da Lei fiscal para o controle das despesas e do déficit público, já que adota medidas de transparência das contas públicas na aplicação e divulgação dos resultados alcançados. 2. OS ALICERCES DA LEI DE REPOSABILIDADE FISCAL (LRF) Antes de adentrar no estudo mais aprofundado do princípio da transparência, impende proceder a uma investigação acerca dos sustentáculos da Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual se sobre quatro pilares, dos quais depende o alcance de seus objetivos. São eles: o planejamento, a transparência, o controle e a responsabilidade. A rigor, esses pontos são recorrentes na doutrina sobre requisitos da boa administração pública. Na atualidade, parecem tomar revigorado impulso, dado o alto grau de endividamento dos entes da federação e também devido à democratização e desejo de maior participação e controle da sociedade, extenuada por suportar elevada carga tributária, sem a correspondente contrapartida em termos de prestação de serviços, como saúde, segurança, educação, saneamento, transporte público, e similares. O planejamento dará suporte técnico à gestão fiscal, através de mecanismos operacionais, como o Plano Plurianual – PPA (embora vetado o artigo 3º da Lei, o PPA é exigência constitucional), a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Lei Orçamentária – LOA. Por meio desses instrumentos, haverá condições objetivas de programar a execução orçamentária e atuar no sentido do alcance de objetivos e metas prioritárias. Os sistemas de controle deverão ser capazes de tornar efetivo e factível o comando legal, fiscalizando a direção da atividade administrativa para que ocorra em conformidade com as novas normas, como ressalta Fernandes (In: Castro, 2000, p. 22). A fiscalização, que há de ser rigorosa e contínua, exigirá atenção redobrada de seus executores, principalmente dos tribunais de contas. Por seu turno, a responsabilidade é importantíssimo, pois ele impõe ao gestor público o cumprimento da lei, sob pena de responder por seus atos e sofrer as sanções inseridas na própria Lei Complementar 101/2000 e em outros diplomas legais, como disposto no artigo 73 da lei antes mencionada. O último alicerce e objeto do presente trabalho, refere-se à transparência, por meio da qual se colocará à disposição da sociedade diversos mecanismos de cunho democrático, entre os quais merecem relevo: a participação em audiências públicas e a ampla divulgação das informações gerenciais, através do Relatório Resumido da Execução Orçamentária, do Relatório de Gestão Fiscal, bem como dos Anexos de Metas e Riscos Fiscais. Nesse ínterim, de maneira coerente com o disposto no art. 37 da Constituição da República, que dá suporte ao princípio da publicidade, a seção I do capítulo IX da LRF trata da transparência. Nesse caso, publicidade é definida como a divulgação oficial do ato, para conhecimento público e início de seus efeitos externos, constituindo, sem dúvida, requisito de eficácia e controle da moralidade dos atos administrativos, especialmente, no tocante ao aspecto financeiro. Segundo o art. 48 da LRF, a transparência é assegurada através da divulgação ampla, inclusive pela internet, de planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; relatórios de prestações de contas e respectivos pareceres prévios; relatórios resumidos da execução orçamentária e gestão fiscal, bem como das versões simplificadas de tais documentos. 3. A TRANSPARÊNCIA COMO PRINCÍPIO DA LEI DE DESPONSABILIDADE FISCAL A transparência administrativa constitui uma mutação fundamental no direito da Administração Pública, cujo princípio se impõe como um dos princípios gerais do direito, ao inverso da tradição do segredo administrativo. Nesse contexto, na Constituição Federal de 1988 foi inscrita uma série de princípios e regras tendentes a assegurar os direitos fundamentais dos cidadãos e os deveres de transparência do Estado, que, em última instância, decorrem da própria noção do que seja “Estado Democrático de Direito”. Daí o princípio da transparência estar, inicialmente, concretizado na Carta Maior, através do art. 5º, incisos XXXIII, XXXIV e LXXII, que assegura, por exemplo, a todos o direito de dos órgãos públicos informações (dados) de interesse particular ou de interesse coletivo ou geral. No tocante á inserção do princípio em análise no texto da LRF, podemos expor a lição de Maren Guimarães Taborda, para quem: “(…) a Lei Complementar nº 101/00, que dispõe sobre a Responsabilidade Fiscal, também realiza, direta ou indiretamente, o princípio da transparência administrativa, porquanto obriga os administradores públicos não só a emitirem declarações de responsabilidade como também a permitirem o acesso público a essas informações.”[1] O capítulo IX da Lei de Responsabilidade Fiscal refere-se à transparência, controle e fiscalização e estabelece regras e procedimentos para a confecção e divulgação de relatórios e demonstrativos de finanças públicas, a fiscalização e o controle, visando permitir ao cidadão avaliar através da informação disponibilizada em relatórios, o grau de sucesso obtido pela administração das finanças públicas, particularmente a luz das normas previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal. A transparência na Lei de Responsabilidade Fiscal está assegurada pelo incentivo à participação da população e pela realização de audiências públicas no processo de elaboração como no curso da execução dos planos, da lei de diretrizes orçamentárias e dos orçamentos. Um bom exemplo é o orçamento participativo, que significa a abertura do processo orçamentário à participação da população com base no preceito contido no inciso XII, do art. 29, da Constituição Federal, que estabelece a cooperação das associações representativas no planejamento municipal. Resumindo, os cidadãos são convidados a tomarem as decisões sobre a melhor forma de aplicar os recurso públicos. Além disso, conforme acima mencionado a Lei de Responsabilidade Fiscal, no seu art. 48, determina a divulgação ampla em veículos de comunicação, inclusive via internet, dos relatórios com informações que tratam das receitas e das despesas, possibilitando verificar sua procedência e a autenticidade das informações prestadas. Para efeito da Lei de Responsabilidade Fiscal, consideram-se instrumentos de transparência os planos, orçamentos e a Lei de diretrizes orçamentárias, as prestações de contas e o respectivo parecer prévio dos órgãos de controle externo, os relatórios de gestão fiscal e sua versão simplificada e os relatórios resumidos da execução orçamentária e sua versão simplificada. O Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO) é exigido pela Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, que estabelece em seu art. 165, parágrafo 3º, que o Poder Executivo o publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre. A União já o divulga, há vários anos mensalmente. O objetivo dessa periodicidade é permitir que, cada vez mais, a sociedade, por meio dos diversos órgãos de controle, conheça, acompanhe e analise o desempenho da execução orçamentária dos governos. A Lei de Responsabilidade Fiscal especifica os parâmetros necessários à elaboração do Relatório Resumido da Execução Orçamentária. Sua elaboração e publicação é de responsabilidade do Poder Executivo. As informações deverão ser elaboradas a partir da consolidação de todas as unidades gestoras, no âmbito da administração direta, autarquias, fundações, fundos especial, empresas públicas e sociedade de economia mista. Assim, o Relatório Resumido da Execução Orçamentária abrangerá os órgãos da administração direta, dos Poderes e entidades da administração indireta, constituídas pelas autarquias, fundações, fundos especiais, empresas públicas e sociedades de economia mista que recebem recursos dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, inclusive sob a forma de subvenção para pagamento de pessoal e de custeio, ou de auxílio para pagamento de despesas de capital, excluídas, neste caso, aquelas empresas lucrativas que recebem recursos para o aumento de capital. O Relatório Resumido da Execução Orçamentária é composto de duas peças básicas e de alguns demonstrativos de suporte. As peças básicas são o balanço orçamentário, cuja função é especificar, por categoria econômica, as receitas e as despesas e o demonstrativo de execução das receitas e das despesas. A Lei estabelece ainda que ao final de cada quadrimestre, será emitido o Relatório de Gestão Fiscal pelos titulares dos Poderes Executivo, Legislativo (incluído o Tribunal de Contas), Judiciário e Ministério Público, prestando constas sobre a situação de tudo que está sujeito a limites e condições como, despesas com pessoal, dívida, operações de crédito, ARO, e as medidas corretivas implementadas se os limites forem ultrapassados. Caso não seja observado os prazos para divulgação do Relatório Resumido de Execução Orçamentária e do Relatório de Gestão Fiscal, o órgão público ficará impedido de receber transferências voluntárias e contratar operações de crédito. A interação que norteou a inclusão desses documentos é a de permitir maior transparência na gestão dos recursos públicos. Os instrumentos postos à disposição do Legislativo, do Tribunal de Contas e, especialmente, dos cidadãos e dos contribuintes possibilitam o conhecimento do que ocorre com as contas do Município e a responsabilização dos responsáveis. Em suma, os planos, os orçamentos e a lei de diretrizes orçamentárias, as prestações de contas e o respectivo parecer prévio exarado pelo Tribunal de Contas respectivo, os Anexos de metas Fiscais e de Riscos Fiscais e os Relatórios da Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, acrescidos de suas versões simplificadas, devem estar disponíveis para consulta e exame, inclusive por meio eletrônico. Obrigatoriamente, a cada quatro meses, deverá ser realizada, no legislativo, audiência pública sobre o cumprimento das metas fiscais, conforme previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. É de fundamental importância que a população participe das audiências, inclusive com a presença de representantes de órgãos técnicos em condições de discutir o conteúdo das informações apresentadas nos relatórios. É através destas informações que a população poderá controlar a aplicação dos recursos públicos e a transparência das ações dos administradores. Nessa esteira, com certa particularidade, explicita a já citada Maren Guimarães Taborda, ao tratar do aspecto prático da transparência, quando da sua aplicação em termos de gestão dos recursos públicos: “Em última instância, só através da transparência – apresentação de dados consistentes e compreensíveis, oportunos e atualizados – que se expressa através da obrigação de as autoridades públicas, em cada nível de Governo, emitirem declarações mensais, trimestrais e anuais de responsabilidade fiscal, atendendo aos limites previstos nas metas e objetivos ou justificando seus desvios temporários e, ainda, permitirem o acesso público a essas informações, é que os objetivos da Lei podem ser alcançados. Por outro lado, a efetividade da Lei Fiscal será assegurada por mecanismos de compensação e de correção dos desvios, e com transparência, a fim de punir a má gestão mediante a disciplina do processo político.”[2] Desse modo, os cidadãos, por sua vez, terão à sua disposição as contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo durante todo o exercício, no âmbito tanto do respectivo Poder Legislativo, como do órgão técnico responsável por sua elaboração. 4. CONCLUSÕES Ante o exposto, é possível afirmar que a intenção da Lei de Responsabilidade Fiscal é justamente aumentar a transparência na gestão do gasto público, permitindo que os mecanismos de marcado e o processo político sirvam como instrumento de controle e punição dos governantes que não agirem de maneira correta. No tocante ao princípio em comento, necessário se faz esclarecer que a transparência buscada pela LRF tem por objetivo permitir à sociedade conhecer e compreender as contas públicas. Logo, não basta a simples divulgação de dados. Essa transparência buscada pela lei não deve ser confundida com mera divulgação de informações. É preciso que essas informações sejam compreendidas pela sociedade e, portanto, devem ser dadas em linguagem clara, objetiva, sem maiores dificuldades. Dessa feita, a transparência buscada pela lei tem por objetivo permitir um controle social mais efetivo, partindo do pressuposto de que, conhecendo a situação das contas públicas, o cidadão terá muito mais condições de cobrar, exigir, fiscalizar. Assim, imperioso demonstrar que a participação popular e a realização de audiências públicas não podem ficar apenas figurar como “letra morta”, devendo ser incentivadas, de modo a atingir os fins almejados pelo legislador pátrio. Acredita-se, enfim, que a transparência na gestão fiscal, caso se torne efetiva, será veículo capaz de revolucionar a administração pública brasileira, produzindo efeitos na melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro. Por fim e como forma de sintetizar o disposto no decorrer do presente ensaio, é importante colacionar e encontrar respaldo nas sábias palavras de Machado & Figueiredo, quando, discutindo conflitos oriundos da aplicação da LRF, ressaltam:  “O Executivo e o Legislativo têm o dever constitucional de discutir seriamente o Orçamento e as incongruências da Lei de Responsabilidade Fiscal. (…) No Estado de Direito, nada pode ser mais odioso do que a denegação da justiça. Não há indenização que repare a injustiça de um direito sonegado, suprimido. (…) Não há responsabilidade fiscal que justifique a intolerância e a irrazoabilidade e o temor reverencial ao positivismo cego dos valores da cidadania.”[3]
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Aspectos gerais dos Princípios da Territorialidade e Universalidade no ordenamento jurídico
Enquanto categoria de análise os conceitos relacionados aos princípios da territorialidade e universalidade apresentam-se como instrumentos que norteiam as relações nos mbitos interestatais no que se refere ao alcance das leis tributárias. Nesse sentido busca-se identificar e analisar as variações sob as quais ambos os princípios da foram submetidos no ordenamento.
Direito Tributário
1. Introdução Enquanto categoria de análise, os conceitos relacionados aos princípios da territorialidade e universalidade apresentam-se como instrumentos que norteiam as relações nos âmbitos interestatais. Nesse sentido, busca-se identificar e analisar as variações sob as quais ambos os princípios foram submetidos no ordenamento. Para tanto, conduzir-se-á a análise do princípio da territorialidade em sua concepção clássica, conforme os sentidos estabelecidos pela doutrina: positivo, negativo, pessoal, real, material ou formal. Desse modo, traçados os limites espaciais decorrentes do princípio da territorialidade, surge para o trabalho a necessidade de se articular os limites do âmbito das leis – elemento de conexão. A partir disso, o trabalho passa a ser estudado sob esses elementos, que desdobrar-se-ão na análise dos princípios da fonte e da residência. Inicialmente, propõe-se uma abordagem sobre as principais características que norteiam o princípio da territorialidade, partindo-se da caracterização do elemento conexão, bem como a definição de fonte e residência. Aborda-se, também, a crítica a concepção clássica do princípio da territorialidade. Na segunda parte do trabalho serão analisados os princípio da territorialidade e da universalidade sob a ótica e conceito da literatura pertinente, outrossim, estendendo-se ao conteúdo da obrigação tributária. Logo depois, o paradigma existente entre o princípio da universalidade e as pessoas físicas. Ato contínuo, no capítulo seguinte, acrescenta-se à análise os aspectos históricos do direito brasileiro sobre a renda das pessoas jurídicas em relação aos princípios da territorialidade e universalidade. Em seguida, realiza-se o contraponto entre o princípio da universalidade e os preceitos normativos a que se relaciona (Instrução Normativa nº 38/96 Leis nº 9.249/95 e nº 9.532/97). Por fim, verificar-se-ão as implicações do tema, por uma revisão geral do trabalho em considerações finais. 2. Princípio da Territorialidade O princípio da territorialidade é o pressuposto que conduz o alcance geográfico das leis tributárias sobre as relações tributárias pertencentes a um dado ordenamento jurídico. Há entre o Estado e o seu território uma limitação para aplicação de suas próprias normas[1]. Este princípio é o fundamento sobre o qual reside o alcance das leis tributárias de um ordenamento sobre os eventos descritos nas leis pertencentes a este mesmo Estado. a. A Concepção Clássica do Princípio da Territorialidade O entendimento deste princípio em sentido clássico apresenta-se por meio da aplicabilidade das normas tributárias no território do ordenamento jurídico em que ocorreram, não considerando os critérios de nacionalidade, residência fiscal e domicílio do sujeito passivo da relação tributária. “Para a determinação e análise do princípio da territorialidade, como descreve Alberto Xavier[2], pressupõe a diferenciação de três fatores, sendo estes fundamentos basilares para a formulação do referido princípio, tais como: (i) territorialidade em sentido positivo e em sentido negativo; (ii) territorialidade e em sentido real e em sentido pessoal; (iii) territorialidade em sentido material e em sentido formal.” i. Territorialidade em Sentido Positivo e em Sentido Negativo De maneira geral, em sentido positivo, o princípio da territorialidade consiste na aplicabilidade das leis fiscais internas a todos os indivíduos localizados no território nacional, incluindo- se os estrangeiros. Nesse diapasão, cumpri mencionar que o sentido positivo deste princípio encontra a sua finalidade na exclusão da nacionalidade, para que não seja permitida que esta constitua elemento hábil a afastar ou motivar a tributação. Em sentido negativo, o princípio da territorialidade denota que leis tributárias estrangeiras não possuem aplicabilidade em outro Estado, tendo em vista que os ordenamentos jurídicos de cada Estado e a aplicabilidade de suas leis produzem efeitos em seu próprio Estado, não sendo permitido, no entanto, o desencadeamento ou produção de efeitos nas normas tributárias estrangeiras. Isso, a propósito, no que tange ao sentido negativo, vale ressaltar que em determinadas situações há a possibilidade da regra estrangeira integrar as hipóteses de aplicação da lei interna, tal como ocorre nas questões relativas à residência, nacionalidade e a condição de diplomata. ii. Territorialidade em Sentido Pessoal e em Sentido Real Nos primórdios, o entendimento e conceituação da territorialidade eram relacionados aos elementos objetivos dos fatos tributários, como o local dos bens, o local da fonte de produção ou o local do estabelecimento permanente. Ocorreu, no entanto, a fragmentação destes elementos, relacionado a tendência marcada para a personalização dos tributos, ou seja, não mais objetivos, mas sim, com aspectos subjetivos dos impostos. Nessa mesma linha de idéias, o princípio da territorialidade diretamente conexa pelos elementos objetivos e subjetivos, também pode ser identificada pelo critério da territorialidade real [critério europeu e latino-americano] e pelo critério da pessoalidade [critério anglo-saxônico]. iii. Territorialidade em Sentido Material e em Sentido Formal A partir da distinção entre territorialidade em sentido material e territorialidade em sentido formal, permite-se verificar a noção de soberania do Estado. Isto porque, o princípio material mantém relações com as normas internas do Estado, permitindo a aplicabilidade destas leis internas com as situações fiscais internacionais. Nesse sentido, Heleno Taveira Tôrres[3] comenta: “O conceito de territorialidade é imprescindível para o tratamento de qualquer elemento do direito Internacional. Nenhum conceito pode ter maior interesse no direito tributário internacional do que este, pois serve como fundamento para todos os demais contornos dos regimes jurídicos aplicáveis, e em particular pelos vínculos que mantém com a noção de soberania, em face do poder de tributar dos Estados”. Traçada a designação material do princípio da territorialidade, no que se refere ao sentido formal Alberto Xavier[4] o classifica como um princípio que exatamente por estar em um “[…] sentido formal significa que as leis tributárias só são suscetíveis de execução coerciva no território da ordem jurídica em que se integram”. Por fim, verifica-se que em ambos os sentidos, o princípio da territorialidade está ligado ao efeito da norma jurídica tributária, no que diz respeito à sua validade no espaço[5]. b. Crítica a Concepção Clássica ao Princípio da Territorialidade O princípio da Territorialidade apresenta-se, atualmente, no entendimento de Alberto Xavier (2010), como um princípio restrito para a construção e limitação das competências tributárias internacionais, tendo em vista que, em seu sentido estrito, pode funcionar em Estados pouco desenvolvidos, sem estruturas concretas relacionadas aos impostos reais ou alfandegários. Nessa mesma linha de ideias, XAVIER[6] comenta: “De um modo geral, as hipóteses de incidência dos tributos fundiários, dos impostos de consumo, dos impostos aduaneiros, isto é, a existência de um prédio, o consumo de bens, a passagem pela linha de fronteira, não só oferecem dificuldades de localização, como se verifica no território de um só Estado. E, sendo assim, o princípio da territorialidade fundamenta a delimitação da competência tributária dos Estados”. O aprimoramento de relações tributárias mais complexas, apontam, maiores incidências sobre a renda global, ocasionando, no entanto, maiores dificuldades, pois os fundamentos se perdem, tendo em vista que a prerrogativa de materialização e conexão com um determinado território, nem sempre se apresenta de forma clara, gerando possíveis conflitos de caráter material. Ainda nessa mesma obra, o autor também denota que o princípio da territorialidade, no contexto atual, não é um instrumento capaz de inferir um fato tributário a um determinado território, isto porque, não se verifica em cada fato uma conexão relevante e hábil para determinação da conexão perante a dogmática do Direito Tributário Internacional. Em suma, a crítica de Alberto Xavier a concepção clássica ao princípio da territorialidade refere-se, exclusivamente, ao sentido de que este princípio é limitado à ocorrência de qualquer conexão com o território, seja ela pessoal ou real. Ou seja, o referido princípio encontra a sua finalidade em impedir o arbítrio das relações tributárias de um outro Estado nas situações em que não possui qualquer conexão, bem como afastar a nacionalidade como elemento de conexão. Feitas estas distinções das diversas concepções do princípio da territorialidade, é preciso abordar o elemento nuclear em torno do qual se articula os limites do âmbito de eficácia das leis – o elemento de conexão – o que será abordado a seguir. 3. Elemento de Conexão O elemento de conexão é uma das principais ferramentas para a construção da estrutura de conflitos.  Tal elemento é capaz de identificar determinada situação tributária, determinando-a aplicação das leis tributárias do ordenamento jurídico a que faça parte. Nesse sentido, os elementos de conexão podem ser subdivididos em duas relações: subjetiva ou objetiva. A relação subjetiva refere-se às pessoas, tal como a residência ou nacionalidade. A relação objetiva, no entanto, tem relação direta às coisas e aos fatos, assim como o pagamento da renda, o local da situação dos bens, o local da celebração contratual, o lugar do estabelecimento (fonte de produção). Uma vez estabelecidas as relações do elemento de conexão, cumpre destacar que a lei e os tratados não tratam em seus preceitos normativos de um único elemento de conexão, sendo, porém, verificado uma diversidade de conexões. Considera-se, portanto, o sentido de conexão complexa ou múltipla, este último desdobra-se em três conceitos: subsidiária, alternativa e cumulativa. A conexão subsidiária estipula duas conexões ou mais, sendo que uma delas somente será aplicada caso não seja aplicado o primeiro elemento de conexão, ou seja, na inaplicabilidade da conexão primária aplica-se a secundária.  A partir desta definição, é possível exemplificar por meio do artigo 4º da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico[7] (OCDE), o qual dispõe que no caso de conflito de residências, a pessoa deve ser considerada residente no Estado em que tenha habitação com caráter permanente [conexão primária]. Além estipulação deste elemento, o artigo revela que se a habitação do indivíduo ocorrer em dois Estados ou não possuir habitação considerar-se à residente no Estado onde tenha interesses vitais e, subsidiariamente, no Estado em que for nacional ou permanecer habitualmente. Já para a conexão alternativa a regra prevê duas conexões hábeis para produção de efeito idêntico. É o que ocorre, por exemplo, na norma portuguesa que preceitua que serão considerados residentes fiscais as sociedades que possuam em Portugal a sua direção efetiva ou sua sede estatutária. Por fim, a conexão cumulativa, a norma prevê a ocorrência plúrima de elementos de conexão, para tanto, verifica-se a necessidade de que estes elementos sejam simultâneos. Tal como exemplifica Alberto Xavier[8]: “[…] a norma convencional que estabelece que a convenção apenas se aplica-se o beneficiário dos juros tiver num certo Estado simultaneamente a sua residência e o seu estabelecimento permanente, de tal modo que não se aplica aos juros pagos aos estabelecimentos permanentes que as empresas residentes no primeiro Estado tenham em terceiros Estados”. Ainda no que tange aos elementos de conexão, outros critérios de classificação são conhecidos no Direito Tributário Internacional: elementos de conexão variáveis e elementos de conexão invariáveis. Os elementos de conexão variáveis são passíveis de modificação no decorrer no tempo (residência, nacionalidade), já os elementos de conexão invariáveis prostram-se no tempo, sem alterações (lugar da situação do imóvel). A doutrina internacional estabelece também elementos de conexão por meio de critério da presunção, tal ferramenta é usualmente conhecida no direito alienígena, mas não no ordenamento brasileiro. A referida técnica legitima a presunção de um determinado fato para o apregoamento do elemento de conexão. A técnica de presunção ocorre, por exemplo, quando considera um tripulante de uma aeronave residente no território em que se localiza a direção efetiva da empresa que o explora. O conceito de conexão no exemplo suscitado, não foi constituído pelo lugar da prestação dos serviços ou pela residência do titular, a definição que norteou a presunção referia-se à direção efetiva da empresa. Em razão da multiplicidade de elementos de conexão, faz-se necessário realizar um breve cotejo entre os elementos de conexão nos impostos sobre a renda e o capital, o que passa a ser feito por ora. a. Princípios da Residência e da Fonte A variedade de elementos de conexão adotados pelas leis tributárias dos Estados, muitas vezes, podem resultar em conflitos sobre a relação tributária. Esse conflito é conhecido como dupla tributação internacional. Este fenômeno pode ocorrer quando dois Estados adotam elementos de conexão distintos, tributando o mesmo rendimento de um determinado sujeito concomitantemente. Nesse sentido, urge mencionar dois princípios conflituosos que merecem destaque, o princípio da residência e o princípio da fonte.  A contenda sobre estes princípios ocorreu em um período em que a regra das leis tributárias eram elaboradas sob ótica de que o Estado menos desenvolvido, era o local da fonte e o Estado considerado mais desenvolvido, [onde localizavam-se as grandes fábricas e indústrias], era o país da residência. A partir desta dogmática, as relações internacionais ficam situadas em dois patamares, do país da fonte, Estado ou local onde a renda é obtida e do país da residência, Estado em que o sujeito aufere a renda. Acerca da acepção mais estrita do critério da territorialidade – territorialidade real – já abordado neste trabalho, Alberto Xavier[9] pondera, coerentemente, a seguinte hipótese: “[…] se a territorialidade em sentido real fosse universalmente respeitado, conduziria á atribuição exclusiva do direito de tributar ao país da fonte e obrigaria o país da residência a isentar (ou declarar fora do âmbito de incidência dos seus tributos) os rendimentos produzidos fora do seu território, ainda que nele auferidos pelos seus residentes: a dupla tributação internacional, se não completa eliminada, seria com certeza um fenômeno de muito mais reduzidas proporções”. Outrossim, o que se depara atualmente é o inquestionável direito do país da fonte tributar a renda nele produzida, no entanto, essa premissa é mitigada, visto que muitos Estados tributam os rendimentos auferidos pelos residentes fiscais, valendo-se de cinco premissas. A primeira premissa tem como alicerce nítido o princípio da igualdade, isto porque, assentam-se a prerrogativa da tributação sobre os rendimentos globais do sujeito, sem a consignação dos critérios de fronteira ou origem. Ainda nesta seara, observa-se a adoção da alíquota progressiva sobre a renda global líquida das pessoas física, já que se o Estado não tributar a renda auferida de fonte alienígena, este violaria o princípio da igualdade, em razão da discriminação de seus residentes, ou seja, o Estado não pode tributar apenas na fonte interna. A segunda premissa decorre da anterior, estabelecendo a noção de que o país da fonte produtora de capitais tem autoridade suficiente para tributar os rendimentos auferidos em seu território, bem como para o país da residência, incluindo-se, no entanto, a prerrogativa da imposição de créditos globais, tanto para as pessoas físicas como para as pessoas jurídicas. A terceira argumentação refere-se à necessidade de tributação pelo país da residência, com o argumento de evitar a evasão fiscal, tendo em vista que outros Estados possuem atrativos fiscais. As últimas, quarta e quinta, propõem a ideia de defesa de interesses relacionados à política econômica, pois a tributação sobre os rendimentos de fonte estrangeira representam uma fonte rendosa ao país da residência. Em consonância com a concepção de Alberto Xavier[10], pode-se inferir que atualmente a residência fiscal e a fonte do rendimento são critérios de conexão que legitimam um determinado país/Estado a tributar. “Nessa perspectiva, abre-se, portanto, o questionamento relacionado ao alcance do poder de tributar pelo Estado. Posta esta problemática, faz-se necessário analisar os princípios da universalidade e da territorialidade da obrigação tributária, as quais serão objeto deste estudo nos capítulos seguintes.” b. Princípios da Universalidade e da Territorialidade da Obrigação Tributária Conforme já abordados, os princípios da fonte e da residência são de suma importância para identificação do elemento conexão do poder de tributar de um dado país. Ocorre, no entanto, que estes princípios não identificam a extensão do poder tributário do Estado. Os ordenamentos contemporâneos quando adotam uma obrigação tributária ilimitada – tributação sobre os rendimentos das fontes internas ou externas – tanto para as pessoas jurídicas como para as pessoas físicas, revelam com muita clareza, a aplicação do princípio da universalidade ou world wide income taxation. Em relação aos países que adotam a obrigação limitada aos não residentes fiscais, estes assumem a posição de apenas tributar os rendimentos de fontes do seu próprio território. Hodiernamente é certo que o princípio da residência não está associado ao da universalidade, visto que o Estado pode estipular que os residentes sejam tributados em razão dos rendimentos de fonte interna, excluindo-se, portanto, os rendimentos de origem externa e constituindo uma obrigação limitada para com os seus residentes. Feita a análise do limite espacial, é preciso abordar as questões relacionadas aos rendimentos das pessoas físicas e jurídicas, bem como os princípios que os norteiam, o que passa a ser feito a seguir. 4. O Princípio da Universalidade das Pessoas Físicas No Direito Tributário brasileiro, a tributação das pessoas físicas é regida pelo princípio da universalidade ou do world wide income taxation. Este princípio encontra as suas origens na lei prussiana de 24 de julho de 1891 e no direito brasileiro por meio do Regulamento do Imposto de Renda de 1980 (RIR/80), em seu artigo 21, o qual dispunha que os rendimentos recebidos no exterior compunham o rendimento bruto. Nesse diapasão, o princípio da universalidade foi mantido, por meio da Lei nº 7.713 de 22 de dezembro de 1988, materializado no artigo 38 do RIR[11], estabelecendo novos parâmetros e dispondo o seguinte: “Art. 38.  A tributação independe da denominação dos rendimentos, títulos ou direitos, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem dos bens produtores da renda e da forma de percepção das rendas ou proventos, bastando, para a incidência do imposto, o benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer .título”. (grifos meus) Depreende-se do texto legal a consolidação do princípio da universalidade, principalmente, quando menciona que a tributação independe do local, da nacionalidade ou da fonte do rendimento. Diante dessas prerrogativas, faz-se mister realizar algumas distinções. Além da localização da fonte, o dispositivo acima mencionado considera irrelevante a condição jurídica e a nacionalidade da fonte. No que tange à condição jurídica, deve-se compreender como a natureza jurídica da fonte pagadora, podendo ser pessoa jurídica ou pessoa física. No que concerne à forma de pagamento, o dispositivo abarca os rendimentos auferidos e ganhos no exterior, no entanto, estes rendimentos podem ser transferidos, creditados ou pagos no Brasil, excluindo-se, para esta última situação a isenção de tributos, é o dispõe o caput do artigo 6º da Instrução Normativa SRF nº 208/02 (INSRF)[12]: “Art. 16. Os demais rendimentos recebidos de fontes situadas no exterior por residente no Brasil, transferidos ou não para o País, estão sujeitos à tributação […]”. Ocorre também, que para as pessoas físicas que receberem de fontes estrangeiras, sejam rendimentos ou ganho de capital que não foram tributados na fonte pelo país de origem, estará sujeita ao regime de tributação definitiva quanto aos seus rendimentos, devendo, no entanto, compensar o imposto pago no exterior na apuração do valor mensal a recolher, é o que prerrogam os artigos 8º e 25 da Lei 7.7713/1998 e os artigos 14, 15 e 16 da INSRF nº 208/02. Além desta forma de tributação, urge mencionar que o disposto no artigo 103 da RIR revela uma certa mitigação ao princípio da universalidade, visto que estabelece a outorga unilateral ao crédito do imposto, desde que haja reciprocidade entre os Estados. Assim dispondo: “Art. 103.  As pessoas físicas que declararem rendimentos provenientes de fontes situadas no exterior poderão deduzir, do imposto apurado na forma do art. 86, o cobrado pela nação de origem daqueles rendimentos, desde que: I – em conformidade com o previsto em acordo ou convenção internacional firmado com o país de origem dos rendimentos, quando não houver sido restituído ou compensado naquele país; ou II – haja reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no Brasil. § 1º  A dedução não poderá exceder a diferença entre o imposto calculado com a inclusão daqueles rendimentos e o imposto devido sem a inclusão dos mesmos rendimentos”. Nesse mesmo raciocínio, pode-se constatar que o artigo mencionado estipula que o imposto apurado não poderá ser restituído ou compensado no país de origem, bem como não poderá exceder a diferença entre o imposto calculado com a inclusão daqueles rendimentos. 5. Princípios da Universalidade e da Territorialidade e o Imposto Sobre a Renda a. Escorço Histórico no Direito Pátrio da Tributação sobre a Renda das Pessoas Jurídicas e os Princípios da Territorialidade e Universalidade O ordenamento jurídico pátrio adotava o princípio da territorialidade em relação ao imposto de renda das pessoas jurídicas, tributando exclusivamente as rendas produzidas em seu próprio território. Nesse sentido, cabe destacar que a origem histórica do princípio da territorialidade foi ilustrada de forma suficiente por Bulhões Pereira[13], o qual ponderou o seguinte: “O imposto de renda brasileiro, desde a sua implantação, em 1924, adotou o critério territorial para definir os sujeitos passivos do imposto, que são apenas as pessoas físicas e jurídicas residentes ou domiciliadas no país. Quanto à definição de renda sujeita ao imposto, a legislação também adotou o critério territorial na tributação das pessoas jurídicas domiciliadas no País e das pessoas físicas e jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior; apenas para as pessoas físicas residentes no País passou – a partir de 1939 – a adotar o critério político. As primeiras Leis sobre o imposto (nº 4.625, de 1922, e 4.783, de 1923) e RIR de 1924 adotavam o critério de territorialidade para todas as hipóteses de incidência, definindo como tributáveis apenas os rendimentos produzidos no País”. Em 22 de dezembro de 1987, por meio do Decreto-Lei  nº 2.397, houve a tentativa da implementação do princípio da universalidade, prevendo em seu artigo 7º que “serão computados no lucro real das pessoas jurídicas de direito privado domiciliadas no País os resultados os resultados obtidos no exterior”. Ocorre, no entanto, que o princípio da universalidade não durou por muito tempo, visto que em 15 de abril de 1988, por meio do Decreto-Lei nº 2.429, revogou este princípio restabelecendo o princípio da territorialidade[14]. O princípio da territorialidade foi amplamente consolidado até o ano de 1995, quando então, entrou em vigor a Lei nº 9.249/95, instituindo o princípio da universalidade sobre o imposto de renda das pessoas jurídicas. b. O Princípio da Universalidade e a Lei nº 9.249/95 Conforme abordado anteriormente, no direito pátrio tinha-se como principal característica a adoção do princípio da territorialidade, o qual estipulava que nenhuma fonte produção advinda do exterior poderia recair no âmbito do imposto de renda das pessoas jurídicas, sejam elas filiais, sucursais ou relacionadas à atividade jurídica no exercício de direitos, tais como: royalties, juros e dividendos. Em 26 de dezembro de 1995 por meio da Lei nº 9.249, foi instituído o princípio da universalidade ou world wide taxation em substituição ao princípio da territorialidade, retomando assim a isonomia tributária dos residentes que auferem renda no exterior com aqueles que auferem no próprio País. O artigo 25 da referida Lei[15] passou a estabelecer: “Art. 25. Os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior serão computados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro de cada ano.  […]  § 2º Os lucros auferidos por filiais, sucursais ou controladas, no exterior, de pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil serão computados na apuração do lucro real com observância do seguinte:  I – as filiais, sucursais e controladas deverão demonstrar a apuração dos lucros que auferirem em cada um de seus exercícios fiscais, segundo as normas da legislação brasileira;  II – os lucros a que se refere o inciso I serão adicionados ao lucro líquido da matriz ou controladora, na proporção de sua participação acionária, para apuração do lucro real”. O artigo em sobejo contempla a tributação universal, tendo em vista que toda a renda externa da pessoa jurídica domiciliada no Brasil estará submetida à tributação, seja esta renda obtida por filiais, sucursais ou controladas. Ocorre, no entanto, que a tributação sobre a renda das pessoas jurídicas não foi estendida para a apuração da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), mantendo-se sob a égide do princípio da territorialidade. Ainda, no que tange ao artigo 25, observa-se que os lucros auferidos pela matriz ou controladora, foram incluídos na a apuração do lucro real correspondente ao balanço levantado no dia 31 de dezembro de cada ano[16]. Tal regra, no entanto, foi modificada pela instrução normativa nº 38/96, o que adiante se analisará. c. A Instrução Normativa nº 38/96 e a Lei nº 9.532/97 Conforme já fora dito, a Lei nº 9.249/95 suprimiu o princípio da territorialidade e adotou o princípio da universalidade no que tange ao imposto de renda das pessoas jurídicas. Logo após esta inovação, o Secretário da Receita Federal (SRF) estipulou, por meio da Instrução Normativa nº 38 de 27 de julho de 1996[17], o seguinte: “Art. 2º Os lucros auferidos no exterior, por intermédio de filiais, sucursais, controladas ou coligadas serão adicionados ao lucro líquido do período-base, para efeito de determinação do lucro real correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro do ano-calendário em que tiverem sido disponibilizados. § 1º Consideram-se disponibilizados os lucros pagos ou creditados à matriz, controladora ou coligada, no Brasil, pela filial, sucursal, controlada ou coligada no exterior. § 2º Para efeito do disposto no parágrafo anterior, considera-se: I – creditado o lucro, quando ocorrer a transferência do registro de seu valor para qualquer conta representativa de passivo exigível da filial, sucursal, controlada ou coligada, domiciliada no exterior; II – pago o lucro, quando ocorrer: a) o crédito do valor em conta bancária em favor da matriz, controladora ou coligada, domiciliada no Brasil; b) a entrega, a qualquer título, a representante da beneficiária; c) a remessa, em favor da beneficiária, para o Brasil ou para qualquer outra praça; d) o emprego do valor, em favor da beneficiária, em qualquer praça, inclusive no aumento de capital da filial, sucursal, controlada ou coligada, domiciliada no exterior.[…] § 9º Na hipótese de alienação do patrimônio da filial ou sucursal, ou da participação societária em controlada ou coligada, no exterior, os lucros ainda não tributados no Brasil deverão ser adicionados ao lucro líquido, para determinação do lucro real da alienante no Brasil”. Pode-se depreender que a Instrução Normativa, inovando os preceitos normativos, estipulou que os lucros auferidos no exterior somente seriam adicionados na determinação do lucro real, caso estes tenham sidos disponibilizados pela pessoa jurídica residente no Brasil. A Instrução Normativa nº 38/96 também regrou a possibilidade das empresas controladas ou coligadas no exterior, postergarem a tributação de seus lucros, valendo-se da regra de disponibilização. Levando-se em conta esse paradigma, a Lei nº 9.253 de 1997[18] fez, certamente, ao ajustar o momento da disponibilização com o momento da apuração, assinalando que: “Art. 1º Os lucros auferidos no exterior, por intermédio de filiais, sucursais, controladas ou coligadas serão adicionados ao lucro líquido, para determinação do lucro real correspondente ao balanço levantado no dia 31 de dezembro do ano-calendário em que tiverem sido disponibilizados para a pessoa jurídica domiciliada no Brasil. § 1º Para efeito do disposto neste artigo, os lucros serão considerados disponibilizados para a empresa no Brasil: a) no caso de filial ou sucursal, na data do balanço no qual tiverem sido apurados; b) no caso de controlada ou coligada, na data do pagamento ou do crédito em conta representativa de obrigação da empresa no exterior. c) na hipótese de contratação de operações de mútuo, se a mutuante, coligada ou controlada, possuir lucros ou reservas de lucros; d) na hipótese de adiantamento de recursos, efetuado pela coligada ou controlada, por conta de venda futura, cuja liquidação, pela remessa do bem ou serviço vendido, ocorra em prazo superior ao ciclo de produção do bem ou serviço. § 2º Para efeito do disposto na alínea "b" do parágrafo anterior, considera-se: a) creditado o lucro, quando ocorrer a transferência do registro de seu valor para qualquer conta representativa de passivo exigível da controlada ou coligada domiciliada no exterior; b) pago o lucro, quando ocorrer: 1. o crédito do valor em conta bancária, em favor da controladora ou coligada no Brasil; 2. a entrega, a qualquer título, a representante da beneficiária; 3. a remessa, em favor da beneficiária, para o Brasil ou para qualquer outra praça; 4. o emprego do valor, em favor da beneficiária, em qualquer praça, inclusive no aumento de capital da controlada ou coligada, domiciliada no exterior”. Os artigos retromencionados consideraram os lucros disponibilizados na data do balanço no qual foram tiverem sido apurados, combinando o momento da apuração com o momento da disponibilização. Dessa forma verifica-se que a Lei confere limites à esta Instrução Normativa, principalmente, aos fatos geradores que identificam a disponibilização do lucro pela empresa no exterior. Logo após, com o advento da Medida Provisória 2.158-35/2001, estipulou-se que o lucro auferido pela coligada ou controlada seria considerado como disponibilizado no Brasil na data do balanço no qual tivesse sido apurado, resultando, no entanto, segundo Taciana Alves[19] como: “extrapolação ao próprio conceito de universalidade, na medida em que, enquanto os rendimentos não forem disponibilizados para a sociedade brasileira, o Estado nacional acaba tributando renda de titularidade de empresas independentes (que não possuem conexão pessoal com o ordenamento nacional), não havendo, nessa hipótese, sequer a existência de uma conexão material da fonte (ainda não disponibilizada) com o ordenamento pátrio. Por fim, urge mencionar que o princípio da universalidade enquanto fundamento do ornamento jurídico brasileiro, é o princípio capaz de gerar tributação aos fatos ocorridos no exterior, revelando-se, portanto, como ferramenta de efetivação do princípio da renda mundial. 6. Conclusão O princípio da territorialidade anteriormente vigente no Brasil, o qual dispunha que nenhuma renda advinda de fonte do exterior incidiria sobre o imposto de renda das pessoas jurídicas, foi substituído por outro no sentido oposto, segundo o qual dispõe que toda a renda externa da pessoa jurídica deve ser tributada no país de domicílio. Assim, partindo-se dos diversos enfoques dados ao princípio da territorialidade, é possível estipular os limites e alcance das leis tributárias no espaço. É sob esta perspectiva, não apenas de um único conceito de territorialidade, mas dos diversos posicionamentos relacionados a ele, revela que sua dogmática na doutrina hodierna passou a ter valia mitigada, visto que o próprio Direito Tributário Internacional adotou novas diretrizes, no entanto, verifica-se que o princípio da territorialidade ainda oferece elementos valiosos para o estudo desta disciplina. Sob esta ótica, verifica-se que Estado brasileiro passou adotar o princípio da universalidade a partir do advento da Lei nº 9.249/95, incluindo a tributação das rendas externas. Nessa mesma linha de ideias, o trabalho traçou um panorama entre o princípio da universalidade e a tributação das pessoas físicas. O estudo cingiu a sua análise a partir dos fatos históricos até a descrição analítica dos principais fundamentos normativos atinentes. Nesse sentido, os princípios da territorialidade e universalidade sobre a renda das pessoas jurídicas revelam-se paradigmáticos para o Direito Tributário Internacional, cujas relações no ornamento jurídico brasileiro trazem a seguinte relação: a territorialidade fundamenta-se na conexão material da fonte de produção de renda com o ordenamento em que se situa, já a universalidade atribui o alcance extraterritorial às leis tributárias internas, em razão da sua conexão pessoal do sujeito que produz a renda com o ordenamento jurídico.
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O leasing financeiro e sua tributação
O presente artigo tem por objetivo demonstrar a preponderância do fator financeiro existente no contrato de leasing, como forma de elidir a incidência do ISS sobre tais operações, em razão de que o imposto passível de incidência é o IOF. Para tanto, serão expostas orientações doutrinárias, jurisprudenciais e legais capazes de comprovar a tese proposta.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente artigo abordará o contrato de leasing financeiro, especialmente no que concerne a sua tributação. O estudo proposto demonstra-se relevante, mormente em razão de que representa o delineamento de um novo rumo (teórico e jurídico) acerca da matéria, a qual parece já estar sedimentada em nossos Tribunais. Através de uma abordagem crítica, busca-se demonstrar a preponderância do caráter de financiamento que o leasing financeiro possui e, em consequência disso, o tributo aplicável à espécie será o IOF em detrimento do ISS. Assim, ante a possibilidade da existência de um novo fôlego, capaz de dar ao menos sobrevida à discussão travada, é que o presente trabalho procura traçar as semelhanças que o arrendamento mercantil financeiro possui com operações de financiamento para que, dessa forma, seja possível enquadrar tal modalidade contratual como uma operação de crédito, afastando, portanto, a possibilidade de incidência do ISS. 1) O LEASING FINANCEIRO E A PREPONDERÂNCIA DO FINANCIAMENTO Afora as demais modalidades de leasing, o mais conhecido pelo consumidor brasileiro é o denominado arrendamento mercantil financeiro, também conhecido por leasing financeiro ou leasing bancário. O leasing financeiro é uma operação em que o proprietário (arrendador, empresa de arrendamento mercantil) de um bem móvel ou imóvel cede à terceiro (arrendatário, cliente, comprador) o uso desse bem por prazo determinado, recebendo em troca uma contraprestação. Esta operação se assemelha a um financiamento que utiliza o bem como garantia e que pode ser amortizado em um determinado número de prestações periódicas (denominada de contraprestação), acrescidos do valor residual garantido e do valor devido pela opção de compra, sendo este último, no caso, inexpressivo ou sequer existente. André Luiz Santa Cruz Ramos traz a seguinte definição:  “O leasing financeiro é a modalidade típica de arrendamento mercantil, em que o bem arrendado não pertence à arrendadora, mas é indicado pelo arrendatário. Ela então deverá adquirir o bem indicado para depois aluga-lo ao arrendatário. Veja-se que nessa espécie de leasing, como a arrendadora tem um alto custo inicial, em razão da necessidade de adquirir o bem indicado pelo arrendatário, as prestações referentes ao aluguel devem ser suficientes para a recuperação desse custo. Por isso, caso seja feita a opção final de compra pelo arrendatário, o valor residual será de pequena monta.”[1] Elencados tais conceitos, nota-se, além disso, que o aludido contrato é o que se apresenta de forma mais usual para o consumidor e caracteriza-se como uma relação jurídica complexa, uma vez que se ampara numa simbiose das operações de locação, venda e financiamento. Na linha do acima expendido, especialmente no que diz respeito às figuras jurídicas que integram o arrendamento mercantil financeiro e a incidência tributária, José Eduardo Soares de Melo destaca: “O STJ firmara diretriz de que “o ISS incide na operação de arrendamento mercantil” (Súmula n. 138), tendo a LC 87/96 gravado parcialmente o leasing com o ICMS (LC 87/96, art. 3º, VIII) relativamente à venda do bem arrendado ao arrendatário. A pretendida segregação de atividade no leasing constitui deformação jurídica, por se tratar de negócio em que não se pode cogitar de desmembramento das figuras que o integram (locação, mercantil e financeira), o que repeliria a exigência do ISS e do ICMS.”[2] (grifo nosso) Destaca-se, no ponto, que a ideia acima transcrita se encaixa perfeitamente quando o assunto é ISS e IOF, ou seja, dividir o leasing conforme as características (indissociáveis) que o compõe, como forma de em determinados momentos haver a incidência de um ou outro tributo, configura-se como inaceitável. Ultrapassada essa questão, sem se olvidar que a figura jurídica aqui estudada é uma relação jurídica complexa, evidencia-se que no leasing financeiro, de fato, há a preponderância do caráter de financiamento, posto que, segundo Itamar Dutra, “a empresa de leasing não tem outro interesse a não ser reaver o valor investido na aquisição do bem, acrescido da competente remuneração financeira do empreendimento.”[3] (grifo nosso) No mesmo rumo, pode-se citar as palavras de Arnaldo Rizzardo, o qual também entende que o leasing financeiro “Tem como característica identificadora e mais saliente o financiamento que faz o locador. Ou seja, o fabricante ou importador não figuram como locadores. Há uma empresa que desempenha este papel, a cuja finalidade ela se dedica. Ocorre a aquisição do equipamento pela empresa de leasing, que contrata o arrendamento com o interessado.(…) No leasing financeiro domina o sentido do financiamento.”[4] (grifo nosso) O mencionado autor destaca, ainda, que “O caráter financeiro é, assim, percebido na atividade pela qual o empresário ou vendedor consegue junto a uma instituição financeira o numerário para adquirir a coisa para o uso do financiado. Se consegue o numerário para uma finalidade na qual se encerra não só uma pretensão à compra, mas uma efetiva compra, e, depois, constituindo as prestações a amortização do valor emprestado para a compra, a operação é, realmente, um financiamento.”[5] (grifo nosso) De igual forma, Rodolfo de Camargo Mancuso entende que o leasing financeiro é “aquele em que se registra decisiva influência do aporte financeiro na operação, atuando como instrumento para a viabilização do negócio.”[6] Para Fábio Ulhoa Coelho, “No tocante à discussão sobre a sua natureza bancária, é inequívoco que o exercício da opção de compra pelo arrendatário importa na caracterização do pagamento dos aluguéis como verdadeiro financiamento.”[7] Além de tudo o que acima foi dito, não se pode esquecer que no julgamento do RE 592.905-1/SC, o já aposentado Ministro Eros Grau, relator do voto condutor, afirma, cabalmente, que há a preponderância do caráter de financiamento nas operações de leasing financeiro. Abaixo se transcreve parte de seu voto: “O leasing financeiro é a modalidade clássica ou pura de leasing e, na prática, certamente a mais utilizada. Dessa espécie é a operação referida no recurso que cuidamos. Nessa modalidade, a arrendadora adquire bens de um fabricante ou fornecedor e entrega seu uso e gozo ao arrendatário, mediante pagamento de uma contraprestação periódica, ao final da locação abrindo-se a este a possibilidade de devolver o bem à arrendadora, renovar a locação ou adquiri-lo pelo preço residual combinado no contrato. No leasing financeiro prepondera o caráter de financiamento e nele a arrendadora, que desempenha a função de locadora, surge como intermediária entre o fornecedor e o arrendatário.”[8] (grifo nosso) Importante destacar que no referido julgamento, embora tenha se reconhecido a preponderância do caráter financeiro do leasing, assentou-se, de forma no mínimo curiosa, que “financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir”. Com a devida vênia, configura-se equivocada a aludida afirmação, haja vista que financiamento não é serviço, é operação financeira, espécie do gênero operação de crédito a qual é passível de incidência do IOF. Nesse sentido cita-se o seguinte precedente: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. "LEASING". CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. FRAUDE EM CONTRATO DE ''LEASING''. ARTIGO 19 DA LEI Nº 7.492/1986. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. O contrato de arrendamento mercantil ("leasing") é espécie do gênero financiamento e a fraude, nesse contrato, caracteriza o delito previsto no artigo 19 da Lei nº 7.492/1986. 2. Assim, a competência para processar e julgar a respectiva ação penal é da Justiça Federal, por atingir o Sistema Financeiro Nacional. 3. Conflito procedente, competente a Justiça Federal.”[9] Vale dizer, inclusive, que a conclusão externada pela Suprema Corte, com todo o respeito, incorre em erro de silogismo, ou seja, as premissas elencadas pelo ilustre Ministro, como acima demonstrado, não tem o condão de confirmar as ilações constantes no voto. Ressalvada a confusa conclusão externada pelo Supremo Tribunal Federal, o mesmo não ocorrendo com as premissas constantes no voto condutor da questão, Fábio Konder Comparato, citado por P. R. Tavares Paes, seguindo o desdobramento lógico dos pontos que se pretende demonstrar com o presente trabalho, diz que no leasing, “a causa do negócio é sempre o financiamento de investimentos produtivos.”[10] E para finalizar, P. R. Tavares Paes ainda menciona a opinião de Mauro Brandão Lopes, o qual defende a posição de que “Há negócio indireto quando as partes recorrem, em determinado caso concreto, a um contrato típico, nominado, para conseguir, por meio dele, não somente os seus efeitos normais, mas também fim diverso daquele que decorreria de sua estrutura peculiar. É exatamente o caso do leasing: os efeitos normais de todo contrato de arrendamento são desejados pelas partes e por meio dele, como fim indireto, querem também o financiamento, que é a razão de ser do negócio indireto.”[11] (grifo nosso) Vencida tal questão, impende observar que o caráter bancário (e financeiro) ostentado pelo contrato em comento também decorre do amplo controle regulador que o Conselho Monetário Nacional detém, através do Banco Central, sobre as operações de arrendamento mercantil financeiro. A título de exemplo cita-se os seguintes artigos (extraídos da Lei nº 6.099/1974): “Art 6º O Conselho Monetário Nacional poderá estabelecer índices máximos para a soma das contraprestações, acrescida do preço para exercício da opção da compra nas operações de arrendamento mercantil. Art 7º Todas as operações de arrendamento mercantil subordinam-se ao controle e fiscalização do Banco Central do Brasil, segundo normas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, a elas se aplicando, no que couber, as disposições da Lei número 4.595, de 31 de dezembro de 1964, e legislação posterior relativa ao Sistema Financeiro Nacional. Art. 8o  O Conselho Monetário Nacional poderá baixar resolução disciplinando as condições segundo as quais as instituições financeiras poderão financiar suas controladas, coligadas ou interdependentes que se especializarem em operações de arrendamento mercantil.(…) Art 23. Fica o Conselho Monetário Nacional autorizado a:(…) a) expedir normas que visem a estabelecer mecanismos reguladores das atividades previstas nesta Lei, inclusive excluir modalidades de operações do tratamento neIa previsto e limitar ou proibir sua prática por determinadas categorias de pessoas físicas ou jurídicas; b) enumerar restritivamente os bens que não poderão ser objeto de arrendamento mercantil, tendo em vista a política econômica-financeira do País.”[12] Nessa toada, não se pode olvidar do disposto no art. 4º da Resolução BACEN nº 2.309/1996, in verbis: “Art. 4º As sociedades de arrendamento mercantil devem adotar a forma jurídica de sociedades anônimas e a elas se aplicam, no que couber, as mesmas condições estabelecidas para o funcionamento de instituições financeiras na Lei nº 4.595, de 31.12.64, e legislação posterior relativa ao Sistema Financeiro Nacional, devendo constar obrigatoriamente de sua denominação social a expressão "Arrendamento Mercantil".”[13] (grifo nosso) Justamente pelo fato de o contrato de leasing envolver direta ou indiretamente uma operação de crédito, ele é controlado pelo Banco Central através da resolução acima citada, bem como segue normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional, aplicando, quando for o caso, a Lei n. 4.595/64 e a legislação posterior atinente ao sistema financeiro nacional. E é nesse sentido que Luiz Mélega, citado por Arnaldo Rizzardo, “sobreleva o caráter financeiro lembrando ser a entidade arrendadora uma sociedade financeira…”[14]. Assim, em face de tudo o que acima foi dito, é possível concluir, com cômoda segurança, que em se tratando da espécie contratual aqui estudada, é o IOF o imposto aplicável à espécie em detrimento do ISS, uma vez que é a característica de financiamento que prepondera no contrato de leasing financeiro, e, aliado a isso, tal característica se reforça em razão do efetivo e intenso controle que o Conselho Monetário Nacional possui sobre operações dessa natureza. 2) A QUESTÃO DO VALOR RESIDUAL GARANTIDO (VRG) Inicialmente, destaca-se, nas palavras de Rodolfo de Camargo Mancuso, “que o tema ora versado restringe-se ao leasing financeiro, já que no tocante ao operacional o inc. IV do art. 6º da Res. Bacen 2.309/96, redação da Res. 2.465/98, em harmonia com o art. 7º, inc. VII e alíneas daquela primeira Resolução, manda que naquela segunda modalidade “não haja previsão de pagamento de valor residual garantido.”[15] (grifo nosso) E a afirmação acima não é difícil de ser entendida, pois sendo o leasing financeiro um contrato onde o arrendatário, na maioria esmagadora dos casos, tem a intenção em adquirir o bem objeto da avença, é natural que a empresa arrendante receba a totalidade do valor do equipamento arrendado através da contraprestação (parcela referente à utilização do bem) e do Valor Residual Garantido (que é diluído nas prestações mensais e representa o retorno do investimento feito, acrescido do lucro pretendido). Já no leasing operacional, a arrendatária não tem, ao menos em tese, a intenção de adquirir o bem ao final do contrato. Assim, após a utilização do bem pelo prazo contratual, a arrendatária poderá exercer a opção de compra pelo valor de mercado, que é chamado de Valor Residual, o qual não se confunde com Valor Residual Garantido, posto que este somente existe no leasing financeiro em razão da antecipação de seu pagamento, funcionando como uma espécie de garantia do pagamento do valor residual. No mesmo rumo, Fábio Ulhoa Coelho, ao traçar distinções entre o leasing financeiro e o operacional, esclarece que “A principal diferença diz respeito ao valor do resíduo a ser pago pelo arrendatário ao término do contrato, caso opte pela aquisição do bem: expressivo no operacional e inexpressivo no financeiro.”[16] Resumidamente, pode-se dizer que o leasing financeiro, objeto do estudo aqui proposto, é aquele em que inexiste Valor Residual Garantido expressivo, ou seja, para exercitar a opção de compra o arrendatário desembolsa quantia geralmente de pequeno valor. Nesse contexto, percebe-se que a inexpressividade do Valor Residual Garantido, que é pago ao final, decorre de sua diluição ao longo da avença e tal peculiaridade, sobremaneira, aproxima o arrendamento mercantil, na modalidade financeira, de um financiamento bancário. Dito isso, faz-se referência à Portaria MF nº 564, de 3 de novembro e 1978, do Ministério da Fazenda, a qual conceitua o Valor Residual Garantido como o "preço contratualmente estipulado para o exercício da opção de compra, ou valor contratualmente garantido pela arrendatária como mínimo que será recebido pela arrendadora na venda a terceiros do bem arrendado, na hipótese de não ser exercida a opção de compra.”[17] (grifo nosso) Por sua vez, Itamar Dutra entende que o Valor Residual Garantido é “um saldo residual previamente fixado no contrato, para que haja o completo ressarcimento à arrendadora do valor investido acrescido das despesas e do lucro que pretendeu auferir com a operação.”[18] (grifo nosso) Fixado tal conceito, é importante mencionar que a Resolução BACEN nº 2.309/1996, em seu art. 7º, inciso VII, alínea “a” permite que o Valor Residual Garantido possa ser pago em qualquer momento durante a vigência do contrato. Nessa linha, infere-se que esta parcela pode ser paga de forma: a) antecipada, b) diluída, c) final ou d) mista. Revela ainda que, independente da forma escolhida, o pagamento do Valor Residual Garantido não caracteriza o exercício da opção de compra. No ponto, destaca-se que a questão, afeta à antecipação do Valor Residual Garantido como forma de descaracterização do contrato de leasing, foi muito debatida nos tribunais vindo a ser pacificada através do julgamento do EREsp 213.828/RS[19], o qual deu origem à súmula 293, que assim dispõe: “A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.”[20] O que se deduz da conclusão acima é o fato de que o pagamento antecipado do Valor Residual Garantido não se confunde com a opção de compra, contudo, seu pagamento se revela como condição para o exercício da referida opção, situação esta que revela a preponderância da característica financeira do arrendamento mercantil. E condição, nas palavras de Flávio Tartuce, “é o elemento acidental do negócio jurídico, que faz o mesmo depender de um evento futuro e incerto.”[21] Cézar Fiuza, por seu turno, destaca que “São condicionais os atos jurídicos cujos efeitos, ou seja, a criação modificação ou extinção de direitos e deveres, estiverem subordinados ao implemento de condição. Em outras palavras, o ato só produzirá efeitos dependendo de evento futuro e incerto, que poderá ou não ocorrer.”[22] (grifo nosso) Nessa senda, havendo o implemento da condição desde o seu princípio, resta fatalmente evidenciado que a opção de compra foi feita de forma determinante logo de início. Significa dizer que ninguém, em plena faculdade mental, cumpre uma condição sem querer fazer uso dos benefícios dela advindos. Nesse mesmo sentido é o entendimento externado por André Luiz Santa Cruz Ramos, o qual entende que o Valor Residual Garantido cobrado de forma antecipada e diluída nas prestações representa a antecipação da opção de compra, ou seja, “é como se a opção de compra fosse feita no início do contrato, e não ao seu término, como deveria ser, em tese.”[23] Além do que acima foi dito, igualmente é possível afirmar que o Valor Residual Garantido, além de não se confundir com a opção de compra, sendo, na verdade, condição para tal exercício, constitui-se na garantia do arrendador de que os custos incorridos com a operação serão recuperados ao fim do contrato, acrescidos da margem normal de lucro, ou seja, é a garantia de retorno do investimento realizado, caso não exercida a opção de compra. E esse é também o entendimento trazido por Jorge R. G. Cardoso, citado por Rodolfo de Camargo Mancuso, o qual entende que “é característica do ‘leasing financeiro’, denominado entre nós de ‘arrendamento mercantil’, a recuperação pelo arrendador da totalidade do capital empregado na aquisição do bem arrendado, ocorrendo tal recuperação pelo recebimento não só das contraprestações como também pelo recebimento quer do preço da opção quer do valor de venda a terceiros que, se for o caso, será complementado pelo arrendatário para atingir o mínimo estipulado contratualmente.”[24] (grifo nosso) Sendo certo que a antecipação do Valor Residual Garantido não descaracteriza o contrato de leasing, quer no âmbito entre os particulares como perante o Fisco, e que o Valor Residual Garantido não se confunde com opção de compra, revelando-se como uma condição implementada de forma antecipada e garantidora do retorno do investimento realizado, conclui-se que o leasing financeiro, através da análise feita acerca do Valor Residual Garantido, também revela o seu fator preponderante, que é o seu caráter financeiro. Ademais, é necessário mencionar, inclusive, conforme se verifica empiricamente, que a intenção das partes (na esmagadora maioria dos contratos de leasing financeiro) é no sentido de utilizar essa espécie contratual para a aquisição de determinado bem, ou seja, como verdadeiro financiamento. E, em sendo assim, vale mencionar conhecido dispositivo regulador dos negócios jurídicos entre particulares: “Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.”[25] (grifo nosso) Neste diapasão, diferente não pode ser o entendimento acerca da preponderância do caráter financeiro existente na modalidade contratual em comento, pois, quer sob o aspecto destacado no item anterior, quer sob a análise da questão atinente ao Valor Residual Garantido, é firme a conclusão de que se trata de uma operação financeira passível de incidência do IOF. 3) A LEI COMPLEMENTAR Nº 101/2000 E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 449/2008 Consubstanciado nas considerações feitas nos tópicos anteriores e partindo da premissa de que a interpretação sistemática do direito recomenda que as definições utilizadas por determinados ramos do direito sejam utilizadas com o mesmo sentido pelos demais ramos, como meio de evitarem-se incoerências ao sistema, tem-se a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, que em seu art. 29 assim dispõe: “Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições:(…) III – operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros;[26] (grifo nosso)(…)” A conclusão que se pode tirar do acima exposto ruma no sentido de que a Lei de Responsabilidade Fiscal considerou a operação de arredamento mercantil como uma espécie de financiamento, a qual é pertencente ao gênero operação de crédito. Somado a isso, destaca-se, ainda, que, justamente por tais operações estarem inseridas dentro do que se define como operações de crédito, conforme acima exposto, não existe a possibilidade de que o ISS incida, uma vez que o inciso III do artigo 2º da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 excepciona a situação em tela, in verbis: “Art. 2o O imposto não incide sobre:(…) III – o valor intermediado no mercado de títulos e valores mobiliários, o valor dos depósitos bancários, o principal, juros e acréscimos moratórios relativos a operações de crédito realizadas por instituições financeiras.[27] (grifo nosso)(…)” E não se diga que as empresas arrendadoras não se configurariam, em tese, como uma instituição financeira, pois conforme o já mencionado art. 4º da Resolução BACEN nº 2.309, de 28 de agosto de 1996, (…) “As sociedades de arrendamento mercantil devem adotar a forma jurídica de sociedades anônimas e a elas se aplicam, no que couber, as mesmas condições estabelecidas para o funcionamento de instituições financeiras na Lei nº 4.595, de 31.12.64, e legislação posterior relativa ao Sistema Financeiro Nacional” (…)[28] (grifo nosso) Considera-se relevante mencionar, também, sob o ponto de vista hermenêutico e levando em consideração a preponderância do caráter financeiro já destacado em tópico anterior, o art. 110 do Código Tributário Nacional, o qual dispõe o seguinte: “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”[29] (grifo nosso) A importância do referido artigo reside justamente na seara interpretativa em razão da preponderância do aspecto financeiro do contrato de leasing, isto é, se a característica mais saliente do aludido contrato é a financeira (“conceitos e formas de direito privado”), não pode a lei tributária (v.g. LC 116/2003) deturpar, ou até mesmo contrariar, o mencionado atributo a fim de fazer incidir exação diversa daquela constitucionalmente prevista. Prestados os esclarecimentos acima e seguindo a linha de desdobramento lógico do presente trabalho, cita-se a Medida Provisória 449, de 3 dezembro de 2008, a qual, dentre outras providências, trouxe em seu bojo importantes alterações que se relacionam a tributação das operações de leasing financeiro. São elas: “Art. 40.  A Lei no 6.099, de 12 de setembro de 1974, passa a vigorar acrescida do art. 1º-A: (Vigência) Art. 1º-A.  Considera-se operação de crédito, independentemente da nomenclatura que lhes for atribuída, as operações de arrendamento cujo somatório das contraprestações perfaz mais de setenta e cinco por cento do custo do bem. Parágrafo único.  No porcentual do caput inclui-se o valor residual garantido que tenha sido antecipado. (NR) Art. 41.  O inciso I do art. 2º da Lei no 8.894, de 21 de junho de 1994, passa a vigorar com a seguinte redação: (Vigência) “I – nas operações de crédito: a) o valor total das contraprestações registrado pela pessoa jurídica arrendadora, na data da contratação, acrescido do valor residual garantido; b) o valor do principal que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado, nas demais operações;” (NR) Art. 42.  O inciso I do art. 3º do Decreto-Lei no 1.783, de 18 de abril de 1980, passa a vigorar com a seguinte redação: (Vigência) “I – nas operações de crédito, as instituições financeiras ou as pessoas jurídicas arrendadoras;” (NR)(…) Art. 66.  Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação, exceto quanto ao disposto nos arts. 40 a 42, que passam a vigorar a partir da publicação do regulamento a ser editado pelo Poder Executivo.”[30] (grifo nosso) Em relação à medida provisória acima transcrita, o Ministério da Fazenda, através de nota à imprensa, expos suas justificativas no tocante à novel tributação incidente sobre as operações de leasing financeiro, vejamos: “05/12/2008 NOTA À IMPRENSA – Medida Provisória nº. 449 Em relação aos artigos 40, 41 e 42 da Medida Provisória nº 449, de 4 de dezembro de 2008, que tratam da incidência de Imposto sobre Operações Financeiras – IOF, o Ministério da Fazenda esclarece:  1. A inserção do art. 1º A na Lei nº 6.099, de 1974, foi efetuada visando corrigir uma distorção no mercado, que utiliza o instituto de leasing para, na verdade, efetuar operações de crédito direto ao consumidor. 2. O leasing financeiro é de fato uma operação de crédito e, portanto, precisa ser submetido à regulação inclusive do ponto de vista tributário. 3. Tratando-se de ajuste que visa aperfeiçoamento do sistema, não decorre disto o aumento automático e imediato da incidência do IOF, já que os efeitos das alterações dependem de regulamentação pelo Poder Executivo, nos termos do art. 66 da MP nº 449. 4. Assim, os referidos artigos não tem eficácia imediata, não gerando quaisquer efeitos enquanto não regulamentados. A regulamentação por parte do Poder Executivo só ocorrerá no momento em que as condições macroeconômicas a exigirem. Fonte: Assessoria de Comunicação Social – GMF”[31] (grifo nosso) Logo após a edição de tal medida, embora necessitasse ela de regulamento do Poder Executivo para haver sua completa eficácia (denotando uma natureza extrafiscal, “pois além de servir para a arrecadação tributária federal, serve de instrumento para o controle e intervenção de setores da economia nacional”[32]), houve quem dissesse que está uma reles medida provisória desrespeitando uma lei complementar (a LC 116/2003). Todavia, tais afirmações são deveras equivocadas, em razão de que, na verdade, caso de fato houvesse alguma espécie de desrespeito legal, seria a LC 116/2003 que teria desrespeitado a LC 101/2000, ou seja, mesmo havendo uma conceituação, especial e anterior, do que na verdade consistiria uma operação de arrendamento mercantil, vem uma lei, posterior e inespecífica, tributar determinada situação de forma indevida. Fala-se em suposto desrespeito legal, conforme acima citado, posto que a Lei Complementar nº 101/2000 não conflita, em princípio, com a Lei Complementar 116/2003 (antinomia). Antes disso, elas se complementam no ponto em que expressamente excepcionam as operações de crédito do âmbito de incidência do ISS. A primeira conceitua o que possa ser considerada uma operação de crédito. A segunda dispõe de forma explícita acerca da não incidência do imposto sobre referidas operações. Há, por certo, uma contradição interna, no próprio corpo da Lei Complementar nº 116/2003, no ponto em que veio unicamente arrolar o contrato de leasing como fato gerador do ISS. Todavia, a fraqueza do enunciado reside justamente na impossibilidade de sua compreensão, dado que o legislador não expõe quais seriam os efeitos assemelhados entre o contrato de leasing e a atividade de prestação de serviços. Presume-se que o legislador tenha adotado como parâmetro o contrato de locação de bens móveis, contudo, a possibilidade de incidência do ISS nesta situação já foi rechaçada pela Suprema Corte[33] [34]. No ponto, enfatiza-se o fato de que na LC 116/2003 não há, em todo o seu regramento, qualquer justificativa para a inclusão das operações de leasing (em especial o financeiro) como passíveis de tributação. Apenas há, de forma totalmente aleatória e desarrazoada, a inclusão do contrato aqui estudado em uma lista anexa a lei em comento. Seguindo essa tônica, pontuais são as palavras de Rogério de Miranda Tubino: “No entanto, a mera existência de previsão legal de que o leasing sujeita-se ao ISS não é suficiente para legitimar referida cobrança, já que para fazer jus a tal tributação, deve haver necessariamente um serviço, conforme o conceito constitucionalmente construído.”[35] (grifo nosso) Acredita-se que a ausência de justificativa plausível se deve à total impossibilidade jurídica de enquadramento do leasing financeiro no conceito de prestação de serviço, posto que, segundo José Eduardo Soares de Melo, “O cerne da materialidade do ISS não se restringe a “serviço”, mas a uma prestação de serviço, compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de “fazer”, de conformidade com as diretrizes de direito privado”.[36] (grifo nosso) O mencionado autor continua, dizendo o seguinte: “A exclusividade do ISS sobre a prestação de serviço deve apartar-se da incidência de outros tributos (como é o caso do ICMS ou do IOF), concernentes a específicas atividades, ainda que simultâneas ou complementares.(…) Entretanto, esta regra não deve ser aplicada no caso de o serviço ser considerado como atividade-meio (etapa de operação mercantil ou financeira), sem autonomia da obrigação principal. É a hipótese das entidades bancárias que tem finalidade a concessão de crédito (operação afeta ao IOF); situação em que a abertura de conta-corrente pertinente ao financiamento representa elemento integrante do mencionado negócio, não constituindo serviço distinto que possa sujeitar-se ao ISS.” Outra questão que poderia causar polêmica seria o fato de que a incidência de IOF estaria sendo instituída por medida provisória, situação que, em tese, afrontaria o princípio da legalidade. No entanto, nos dizeres de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, argumentos dessa natureza se configuram questão superada. “Embora muitos doutrinadores hajam defendido que as medidas provisórias não seriam instrumento válido para instituir ou majorar tributos, essa não foi a orientação trilhada pelo STF, que firmou posição no sentido de que “medida provisória, tendo força de lei, é instrumento idôneo para instituir e modificar tributos e contribuição sociais” (RE 138.284; AGRAG 236.976).”[37] (grifo nosso) Todavia, é cediço que a medida provisória em tela, quando de sua conversão na Lei 11.941, de 27 de maio de 2009, não carregou em seu texto os artigos 40, 41, 42 e 66 acima mencionados. Cumpre mencionar, inclusive, que não há justificativa legal, expressada na mensagem de veto constante na referida lei, capaz de explicar as razões de sua não inclusão no texto legal final. A partir de tais dados, é possível inferir que pelo mesmo motivo que as operações de arrendamento mercantil ainda não são devidamente tributadas pela União, é que os artigos em questão foram, estrategicamente, retirados durante o trâmite legislativo, ou seja, por conveniência política, fiscal e econômica, as operações de arrendamento mercantil, na modalidade financeira, também não sofrem a incidência do IOF. No ponto, reputa-se relevante esclarecer que a “não-incidência” “é a não-ocorrência de fato gerador, porque, ou não há lei, ou se há, então a lei não prevê a hipótese de incidência específica e precisa (lacuna) para o evento verificado.”[38] (grifo nosso) E esta é a situação que se observa nas operações de arrendamento mercantil financeiro, ou seja, a Lei nº 6.099/74 (que dispõe sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil, especial, portanto) nada dispõe acerca da incidência do IOF ou ISS. A premissa acima se confirma justamente pelo fato de que um dos objetivos da Medida Provisória 449/2008 era o de caracterizar precisamente a hipótese de incidência do IOF sobre as operações de arrendamento mercantil, incluindo definições exatas e claras na legislação específica atinente ao leasing e ao IOF. E além de tudo o que já foi dito, conforme já mencionado alhures, por ser o leasing um negócio jurídico complexo (locação, venda e financiamento, sendo este último o preponderante) não se pode tencionar seu fracionamento a fim de fazer incidir diversas espécies tributárias, uma vez que eventual segregação, na verdade, repeliria a exigência de tributos diversos, no caso, o ISS e o IOF. O correto é a verificação do caráter preponderante constante nas operações de arrendamento mercantil financeiro, a fim de que se torne possível aferir qual é a exação que deve incidir no caso em questão. Nesse sentido, sendo certo que a característica de financiamento é a que mais se destaca nas operações de leasing financeiro, conclui-se que se o IOF não é atualmente aplicável em tais operações, isso ocorre por questões de política fiscal e econômica, razão pela qual não pode o ente municipal, aproveitando-se dessa proposital lacuna, fazer incidir o ISS, sob pena de, assim o fazendo, acabar imiscuindo-se em competência tributária alheia, situação vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, conforme preceitua o art. 8º do Código Tributário Nacional (“O não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído.”[39]). CONCLUSÃO O propósito pretendido pelo presente trabalho foi o de demonstrar que o leasing financeiro não possui características passíveis e possíveis de fazer incidir a exação denominada ISS. Para satisfazer este objetivo, optou-se por uma análise legal, doutrinária e jurisprudencial capaz de confirmar a tese proposta, a qual busca caracterizar o arrendamento mercantil financeiro como espécie de operação de crédito em razão de suas muitas semelhanças com as operações financeiras denominadas de financiamentos. Nessa vereda, resta cabalmente demonstrado que, a partir do correto enquadramento do contrato estudado, especialmente no tocante ao seu aspecto tributário, o leasing financeiro caracteriza-se como efetiva operação financeira e o tributo incidente no caso é o IOF. Tal conclusão, apesar de não se configurar como uma verdade absoluta, acaba por contribuir no sentido de que a discussão travada, tida por praticamente encerrada, possa prosseguir sob uma nova ótica.
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Opção, direcionamento e a aplicação de parcela do IRPJ nos fundos de investimento regional
O presente artigo busca analisar e se posicionar quanto à divergência de entendimentos jurídicos relacionados à aplicação das opções referidas no art. 9 da lei n 8.167/91 em projetos beneficiários dos fundos de investimento regional mais especificamente em relação à configuração do momento em que se dá a opção o direcionamento e a aplicação dos recursos dos fundos.
Direito Tributário
1. Introdução O presente artigo busca analisar e se posicionar quanto à divergência de entendimentos jurídicos relacionados à aplicação das opções referidas no art. 9º da lei nº 8.167/91 em projetos beneficiários dos fundos de investimento regional, mais especificamente em relação à configuração do momento em que se dá a opção, o direcionamento e a aplicação dos recursos dos fundos. 2. As políticas públicas de desenvolvimento regional As políticas públicas de desenvolvimento regional tomam como premissa o entendimento de que o processo econômico que move a civilização gera naturalmente efeitos acumulativos e acentua disparidades no desenvolvimento das economias de países e regiões. Em outras palavras, tem-se que fatos históricos fortuitos proporcionam a criação de centros econômicos, cujo poder de atração fomenta o desenvolvimento econômico da comunidade localizada no seu território, em detrimento de outros espaços locais, que sofrem colateralmente com a estagnação ou a recessão econômica[1]. De maneira não distinta, o território brasileiro foi o palco de um crescimento econômico geograficamente desequilibrado ao longo dos séculos. O reconhecimento dos efeitos adversos deste processo é o que orienta, desde a primeira metade do século passado, a atuação progressiva e orquestrada do Estado brasileiro no sentido promover intervenções nas economias deprimidas ou inativas de determinados espaços territoriais. Nesta linha, denominamos de políticas públicas de desenvolvimento regional as ações governamentais que se articulam no intuito de reduzir as desigualdades regionais e de ativar os potenciais de desenvolvimento das regiões brasileiras, em atendimento ao mandamento constitucional previsto no art. 3º, III, da Constituição da República[2]. 3. A opção, o direcionamento e a aplicação dos recursos dos fundos de investimento regional 3.1. A opção pela aplicação de parcela do imposto de renda na lei nº. 8.167/91 Inseridos na política pública de desenvolvimento regional, os fundos fiscais de investimento (ou fundos de investimento regional) constituíam inicialmente uma das apostas do II Plano Nacional de Desenvolvimento, lançado no governo do presidente Ernesto Geisel. Após algumas tentativas de pouco retorno para alavancar o desenvolvimento das regiões Norte e Nordeste, o planejamento governamental apostou, naquele momento, na conjugação de investimentos públicos diretos para a infraestrutura e incentivos fiscais para a industrialização. Nesta direção, o decreto-lei n°. 1.376/74 instituiu o Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor) e o Fundo de Investimentos da Amazônia (Finam) na expectativa de operacionalizar as deduções fiscais no imposto de renda fora das regras gerais do orçamento. No plano regional, o Finor e o Finam traziam implicitamente a ideia de promover a desconcentração industrial por meio da instalação de polos ou complexos industriais, fazendo com que o governo federal assumisse de vez um planejamento que visava atrair grandes empresas para investir nas regiões menos desenvolvidas do país[3]. Além do Finam e do Finor, de maior conhecimento do público em geral, há ainda o Fundo de Recuperação Econômica do Estado do Espírito Santo (Funres), um fundo de investimento regional instituído pelo decreto-lei nº 880/1969, com alterações posteriores promovidas pelo decreto-lei 1.376/1974 e pela lei nº 8.167/1991. Após algumas modificações em seus marcos normativos, a legislação da matéria encontrou certa acomodação na década de 1990, após a instabilidade inicial ocasionada pela chegada ao poder do Presidente Fernando Collor. No início daquele novo governo, nota-se uma evidente guinada nas políticas públicas de desenvolvimento regional. Neste sentido, sob a alegação de ineficiência, a reforma administrativa implementada por Collor extinguiu algumas estruturas burocráticas relacionadas à questão regional, tais como a Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), a Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul (Sudesul) e o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), que encerraram suas atividades com o advento da lei n°. 8.029/90. Em relação aos fundos de investimento regional, foi publicada a lei n° 8.034/90, que suspendeu por tempo indeterminado a faculdade de a pessoa jurídica optar pela aplicação de parcela do imposto de renda devido no Finam, Finor e Funres. Esta possibilidade somente tornou a ser reestabelecida no ano seguinte, quando a lei nº 8.167/91 voltou a permitir a prática das deduções, mas agora de forma mais restritiva. Àquela altura, diversos projetos industriais já haviam sido paralisados, ocasionando danos à política de desenvolvimento regional. Como novo marco normativo, o art. 1º, I, da lei nº. 8.167/91 previu que a partir do exercício financeiro de 1991, correspondente ao período-base de 1990, ficaria restabelecida a faculdade de a pessoa jurídica optar pela aplicação de parcelas do imposto de renda devido nos fundos de investimento regional. Em termos práticos, segundo a sistemática da lei nº. 8.167/91, pode-se dizer que os recursos que ingressam nos fundos de investimento regional derivam da parcela do imposto de renda devido por determinadas pessoas jurídicas[4]. Esta parcela recebe a denominação de opção de incentivos fiscais, a qual será analisada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil[5], em um segundo momento, a fim de se constatar sua regularidade. Nesta hipótese, a opção torna-se “acatada”, de sorte que os recursos passam a estar aptos à aplicação pelos fundos de investimento regional nos projetos beneficiários. 3.2. As aplicações diante das alterações promovidas pela medida provisória nº. 2.156-5/01 Após mais uma década, a matriz legal dos fundos de investimento regional acabou sendo alterada pela medida provisória nº 2.156-5/01, que extinguiu a possibilidade da opção prevista no inciso I do art. 1º da Lei nº 8.167/91. Não obstante, manteve-se, para as pessoas que já tivessem exercido a opção prevista no art. 9º da lei nº 8.167/91[6] e estivessem em situação de regularidade com o fundo, o direito a continuar realizando depósitos nos fundos de investimento até o final do prazo previsto para implantação de seus projetos. Nesta senda, vale notar que os recursos recebidos nos fundos de investimento regional, de acordo com a sistemática da lei nº. 8.167/91, podem ser aplicados em projetos beneficiários por meio das sistemáticas descritas nos arts. 5º e 9º daquele diploma normativo. Pela regra do art. 5º da lei nº. 8.167/91, as aplicações são efetivadas através da emissão de Debêntures Conversíveis (DC's) e Debêntures Inconversíveis (DI's), subscritas e integralizadas pelo fundo de desenvolvimento regional. Nesta modalidade, as empresas beneficiárias pelos recursos aplicados nos fundos, lançam debêntures conversíveis em ações ordinárias ou preferenciais como contrapartida ao investimento recebido: “Art. 5º.  Os Fundos de Investimentos aplicarão os seus recursos, a partir de 24 de agosto de 2000, sob a forma de subscrição de debêntures conversíveis em ações, de emissão das empresas beneficiárias, observando-se que a conversão somente ocorrerá: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.199-14, de 2001) I – após o projeto ter iniciado a sua fase de operação atestada pela Superintendência de Desenvolvimento Regional respectiva; II – em ações preferenciais sem direito a voto, observada a legislação das sociedades por ações. II – em ações ordinárias ou preferenciais, observada a legislação das sociedades por ações”. (Redação dada pela Lei nº 9.808, de 20.7.1999) Por sua vez, as aplicações realizadas de acordo com o art. 9º da lei nº. 8.167/91, em apertada síntese, são efetivadas por intermédio da emissão de ações subscritas e integralizadas pelo fundo de desenvolvimento regional, correspondendo a setenta por cento do valor das opções das pessoas jurídicas investidoras dos projetos[7]. 3.3. A detenção de percentual mínimo de participação no capital votante da empresa beneficiária nas aplicações em ações Uma das maiores polêmicas envolvendo a sistemática de aplicação dos recursos dos fundos de investimento regional repousa na palavra “detenham”, contida no caput do art. 9º da lei nº. 8.167/91, cuja redação garante às “pessoas jurídicas ou grupos de empresas coligadas que, isolada ou conjuntamente, detenham pelo menos cinqüenta e um por cento do capital votante de sociedade titular de empreendimento de setor da economia considerado, pelo Poder Executivo, prioritário para o desenvolvimento regional, a aplicação, nesse empreendimento, de recursos equivalentes a setenta por cento do valor das opções”. A questão seria: em que momento a pessoa jurídica ou a empresa coligada optante pela sistemática do art. 9º haveria de deter o percentual mínimo de participação no capital votante da empresa beneficiária para direcionar a aplicação do valor das opções[8]? Durante bastante tempo, a Administração Pública Federal adotou o entendimento de que já no momento em que o optante fizesse suas opções ele haveria de deter dito percentual mínimo de participação no capital votante. Contudo, o processamento das opções não é tão simples que possa ser considerado fruto de uma manifestação singular do optante para se considerar pronta e acabada juridicamente. Ao revés, a sua conformação no plano operativo se perfaz mediante um encontro de manifestações: algo à semelhança daquilo que se entende por ato complexo no direito administrativo. Isso porque, para se aperfeiçoarem juridicamente, as opções carecem do assentimento do órgão fazendário. Vejamos. Para efeitos de esmiuçar este ponto, vale relembrar que o art. 3º da lei nº. 8.167/91 prevê que a pessoa jurídica que optar pela dedução em favor do fundo de investimento regional recolherá nas agências bancárias arrecadadoras de tributos federais, mediante Darf específico, o valor correspondente a cada parcela ou ao total do desconto. Neste sentido, incumbe à Secretaria do Tesouro Nacional autorizar a transferência dos recursos ao banco operador no prazo de quinze dias de seu recolhimento, para crédito ao fundo correspondente, à ordem do Ministério da Integração Nacional. Conforme se observa, a operação de validação das opções envolve Receita Federal do Brasil, que avalia as opções promovendo ou não o que se chama de confirmação ou acatamento das opções. Esse processo foi bem descrito no relatório do Min. Raimundo Carreiro que culminou no Acórdão nº. 846/2008 do Plenário do Tribunal de Contas da União: “2.24 A pessoa jurídica indica o código de receita relativo ao fundo pelo qual houver optado, diferentemente da opção efetuada na DIPJ, na qual o contribuinte preenche ficha específica para os incentivos fiscais, discriminando os valores a serem destinados aos fundos. O sistema gerenciador das informações na RFB calcula esse montante, mas o pagamento é realizado com o código do Imposto de Renda Pessoa Jurídica – IRPJ normal. […] 2.26 Em primeiro lugar, cabe destacar que a opção empreendida pelo contribuinte para os fundos de investimento pode ser realizada em dois momentos importantes: quando da elaboração da DIPJ ou no curso do ano-calendário, nas datas de pagamento do imposto com base no lucro estimado, apurado mensalmente, ou no lucro real, apurado trimestralmente, por meio de DARF específico. 2.27 Quando essa opção não é acatada pela Receita Federal, o contribuinte, em respeito ao princípio da ampla defesa, poderá impetrar Pedido de Revisão de Ordem de Emissão de Incentivos Fiscais – PERC. 2.28 De acordo com informações da RFB, após passagem por uma malha cadastro, o Programa de Incentivos Fiscais confere os valores da base de cálculo extraída da ficha preenchida na DIPJ, o percentual de pagamento e informações relacionadas à regularidade do contribuinte. A RFB, por meio desse sistema, recalcula o valor do IRPJ devido e da opção aos fundos, apresentando o valor normalizado nos sistemas IRPJCONS, no qual podem ser realizadas consultas, e IRPJOEIF, responsável pelo controle dos PERCs e pela emissão de Ordens de Emissão Adicional.” Daí questionar, já neste momento em que a pessoa jurídica recolhe o Darf específico haveria esta de deter o percentual mínimo de participação no capital votante da empresa beneficiária para direcionar a aplicação do valor das opções? Com todas as vênias dos respeitáveis entendimentos contrários, entende-se que não necessariamente. A uma porque o dispositivo legal não é expresso neste sentido, a duas porque o ato jurídico concernente à opção não se completa até que haja o assentimento da RFB, a três por razões de ordem prática que iremos esmiuçar a seguir. Em primeiro lugar, quando o art. 9º da lei nº. 8.167/91 assegura ao optante a aplicação dos setenta por cento dos valores das “opções de que trata o art. 1º, inciso I” em empreendimentos nos quais detenha pelo menos cinqüenta e um por cento do capital votante, o dispositivo não expressa que os optantes já haveriam de possuir tal percentual de participação no momento do recolhimento o valor correspondente a cada parcela ou ao total do desconto. Se assim o fosse, por razões de técnica legislativa, semelhante dispositivo haveria de estar inserido no átrio daqueles que tratam de pontos relativos à opção (arts. 1º a 3º) – e não daqueles que regem a aplicação dos recursos decorrentes daquela opção, de que é exemplo o art. 9º. Por coerência, haveria de se restringir o rol de habilitados à opção para se restringir o campo de aplicabilidade dos recursos, isto é, restringir a entrada para estreitar a saída, haja vista que, embora opção e aplicação não se confundam, o segundo ato depende da concretização do primeiro. 3.4. Interpretação extensiva de norma que outorga isenção tributária? De outra parte, há de se registrar que no caso em questão não se está a interpretar uma norma de isenção tributária de maneira extensiva, já que o entendimento ora defendido não libera uma “amarra” que a lei determinou, nem mesmo implicitamente. Ao revés, o entendimento diverso é que, a nosso ver, cria uma restrição que a lei não expressou. Ademais, vale ressaltar a lição do tributarista Luciano Amaro, que, em seu celebrado “Direito Tributário Brasileiro”, ressalta o fato de que “não obstante se preceitue a interpretação literal nas matérias assinaladas [no art. 111 do CTN], não pode o intérprete abandonar a preocupação com a exegese lógica, teleológica e sistêmica dos preceitos legais que versem as matérias em causa”[9]. Na mesma linha, a lição de Carlos Rocha Guimarães destaca que “quando o art. 111 do C.T.N. fala em interpretação literal, não quer realmente negar que se adote, na interpretação das leis concessivas de isenção, o processo normal de apuração compreensiva do sentido da norma, mas simplesmente que se estenda a exoneração fiscal a casos semelhantes”[10]. A esse propósito, é preciso observar que o CTN fala em interpretação literal para os casos de “outorga da isenção” (art. 111, II). Ocorre que o dispositivo ora interpretado sequer diz respeito à isenção em si – o que, se de fato ocorresse, haveria de repercutir na capacidade de optar – mas à aplicação dos recursos decorrentes da isenção, em um momento claramente posterior! Com efeito, com a interpretação esposada no momento, não se está a estender uma exoneração fiscal a quem não tem direito, nem dispensando o cumprimento de condição imposta para o percebimento do repasse dos recursos. Na verdade, no momento em que optante vai direcionar os recursos das opções feitas, ele haverá de já ter cumprido os requisitos para obter a isenção. 3.5. O longo caminho entre a opção e a liberação de recursos A exegese ora defendida é a que mais se coaduna com a lógica e com a sistemática bastante complexa e demorada que vai desde o recolhimento de Darf específico até a aplicação dos valores dos fundos em projetos, para completar o ciclo delineado pelo art. 9º da lei nº. 8.167/91. Conforme já se disse, a pessoa jurídica que optar pela dedução em favor dos fundos de investimento regional recolherá nas agências bancárias arrecadadoras de tributos federais, mediante Darf específico, o valor correspondente a cada parcela ou ao total do desconto. Por sua vez, até 31 de dezembro de cada ano, as empresas beneficiárias devem encaminhar ao Ministério da Integração Nacional a indicação de opções de incentivos fiscais direcionadas aos Fundos. Por sua vez, após o tratamento dos dados, a Secretaria da Receita Federal do Brasil emite extratos das aplicações em incentivos fiscais para os respectivos contribuintes e para os bancos operadores, informando o acatamento ou não das referidas opções. Por seu turno, estes agentes operadores informam ao Ministério da Integração Nacional qual foi o montante das opções acatadas. Já com vistas à aplicação dos recursos, vale salientar que compete ao Ministério da Integração fiscalizar continuamente as bases físicas dos projetos beneficiários dos fundos de investimento regional, a fim de mensurar concretamente qual o montante de recursos passível de recomendação de repasse pelos fundos. A partir da quantificação deste “saldo de recomendação”, é que se faz o pleito de liberação de valores, o qual estará sujeito à apreciação pelo Ministro de Estado. Finalmente, somente com o deferimento deste pedido de liberação de recursos é que o banco operador será informado sobre quais são as empresas optantes e qual o montante de opções acatadas que será direcionado a um determinado projeto incentivado. Com efeito, percebe-se que o ato de opção e o ato de aplicação dos recursos não se confundem. Eles não se misturam, sendo, pois, atos jurídicos distintos. Nessa esteira, o relatório do Min. Raimundo Carreiro que culminou no Acórdão nº. 846/2008 do Plenário do Tribunal de Contas da União bem detalha o procedimento a que se aludiu nos parágrafos anteriores, deixando clara a separação de momentos entre opção e aplicação de recursos, bem como a característica complexa do ato de opção, o qual depende do acatamento pela Receita Federal do Brasil para se aperfeiçoar: “2.39 Após a chegada dos recursos ao Tesouro Nacional, em tese, esse órgão teria o prazo de 15 dias para envio dos valores aos fundos, conforme o § 1º do art. 3º da Lei nº 8.167/91. O descumprimento desse prazo ensejava no texto original da lei correção pela variação do Bônus do Tesouro Nacional. Esse indexador não existe mais e a situação está descoberta pela lei. 2.40 Na chegada dos valores, os fundos contabilizam o montante recebido a débito na conta Disponibilidades do Ativo e a crédito na conta Recursos de Incentivos Fiscais, do Patrimônio Líquido. Cabe destacar que a conta Recursos não permite ainda a identificação do investidor que futuramente receberá as quotas do fundo de investimentos ou ações relativas ao projeto escolhido. 2.41 Com a autorização do banco para pagamentos à beneficiária e antes da subscrição das ações, é registrado crédito na conta Depósitos Vinculados à Subscrição, do Ativo, com débito em Disponibilidades. 2.42 É uma espécie de reserva dos valores de liberação. Com a liberação efetiva e subscrição das ações pela empresa, essa conta é creditada para registrar a entrada dos títulos no patrimônio dos fundos. Essa operação é de débito na conta do Ativo Títulos e Valores Mobiliários. 2.43 Mas é no passivo que ocorrem as maiores diferenças na contabilização entre os fundos, especialmente no FINOR e no FINAM. A identificação dos investidores relacionados à conta Recursos de Incentivos Fiscais somente é possível com informações da Receita Federal. 2.44 Tendo em vista que as opções efetuadas atualmente remetem-se ao art. 9º da Lei nº 8.167/91, o ideal seria a identificação do investidor no momento do acatamento das opções pela RFB. 2.45 Conforme o referido dispositivo, o contribuinte só pode direcionar para o projeto próprio montante equivalente a 70% das opções. Os 30% restantes ficam livres para aplicação em qualquer projeto aprovado. 2.46 A identificação dos investidores gera a entrega dos Certificados de Investimentos com contabilização a débito da conta Recursos e crédito no Patrimônio Líquido, conta Cotistas, no que tange aos recursos livres. Em relação aos 70%, há reserva em conta de obrigações, posto que o fundo de investimentos apenas vai custodiar as ações subscritas pelo investidor até que haja confirmação da opção.” Como é possível notar o caminho entre a opção e a liberação de recursos pelo Poder Público é bastante complexo e depende do pronunciamento de órgãos públicos diversos. A esse respeito, contudo, cabe registrar um importante dado negativo da realidade: a morosidade da Receita Federal do Brasil para confirmar as opções efetuadas pelos contribuintes. Neste sentido, o mesmo relatório do Acórdão nº. 846/2008, do Plenário do Tribunal de Contas da União, dá notícias de que há Pedidos de Revisão de Ordem de Emissão de Incentivos Fiscais (PERC) –, efetuados quando não atendida a opção efetuada pelo contribuinte, que demoram mais de uma década para sua resolução. Diante disso, ao se adotar uma interpretação jurídica diversa da ora esposada, parece óbvio o vislumbre de um quadro de verdadeiro solapamento da finalidade da sistemática dos fundos de investimento. Imaginar uma situação em que uma PERC finde após dez anos de tramitação, para somente então o contribuinte direcionar os valores para um projeto cuja sociedade titular já contasse com a sua participação há mais de uma década, parece-nos um verdadeiro alheamento à dinâmica empresarial inerente a um mercado competitivo e globalizado. Em um mundo em que as sucessões empresariais e as reorganizações societárias ocorrem a todo o momento, para a própria sobrevivência das empresas, limitar o campo de possibilidades em anos representa um anacronismo que se contrapõe à finalidade do instituto. 3.6. Uma última contestação A par do afastamento de toda a argumentação contrária ao posicionamento esposado no presente artigo, ainda poderia causar dúvidas o disposto no §6º do art. 11 do decreto nº. 101/91: “Art. 11. As Agências de Desenvolvimento Regional e os Bancos Operadores assegurarão às pessoas jurídicas ou grupos de empresas coligadas que, isolada ou conjuntamente, detenham, pelo menos, 51% do capital votante de sociedade titular de projeto beneficiário do incentivo, e aplicação, nesse projeto, de recursos equivalentes a 70% do valor das opções de que trata o art. 1º, inciso I. […] § 6º Os investidores que se enquadrarem na hipótese deste artigo deverão comprovar essa situação antecipadamente à aprovação do projeto.” O dispositivo em comento é cópia da redação originária da lei nº. 8.167/91, cuja redação foi alterada primeiramente pela lei nº. 9.808/99 e posteriormente pela medida provisória 2.199-14/2001. Atualmente, a norma correspondente é o §8º do art. 9º da lei nº. 8.167/91, com a redação dada pela mesma medida provisória, in verbis: “§ 8º  Os investidores que se enquadrarem na hipótese deste artigo deverão comprovar capacidade de aportar os recursos necessários à implantação do projeto, descontadas as participações em outros projetos na área de atuação das extintas SUDENE e SUDAM, cujos pleitos de transferência do controle acionário serão submetidos ao Ministério da Integração Nacional, salvo nos casos de participação conjunta minoritária, quando observada qualquer das condições previstas no § 9º.” Acerca destas disposições, também não se vê empecilhos em relação à interpretação defendida no presente artigo, haja vista que as normas visam assegurar apenas que, no momento da aprovação de projetos incentivados por parte da Administração, os investidores comprovassem que em seu quadro de acionistas figuravam pessoas jurídicas ou grupos de empresas coligadas com capacidade de geração de incentivos por meio da opção de dedução do imposto de renda em face do fundo de investimento regional. À evidência, não se extrai da norma um intento de garantir a implantação do projeto apenas com os recursos provenientes daquelas empresas que já detinham participação na beneficiária ao tempo da sua aprovação pelo Poder Público. Não por acaso, o § 10 do art. 9º da lei nº. 8.167/91 autoriza o ingresso de novos acionistas durante a implantação do projeto nos seguintes termos: “Art. 10 O Ministério da Integração Nacional poderá, excepcionalmente, autorizar o ingresso de novo acionista com a participação mínima exigida nos §§ 2º, 4º e 6º, deduzidos os compromissos assumidos em outros projetos já aprovados pelas extintas SUDENE e SUDAM, com o objetivo de aplicação do incentivo na forma estabelecida neste artigo, desde que a nova participação acionária minoritária venha a garantir os recursos de incentivos anteriormente previstos, em substituição às deduções de pessoa jurídica ou grupo de empresas coligadas que:  (Incluído pela Medida Provisória nº 2.199-14, de 2001) I – esteja em processo de concordata, falência ou liquidação; ou II – não tenha apresentado, nas declarações de imposto sobre a renda dos dois últimos exercícios, capacidade de geração de incentivo compatível com os compromissos assumidos por ocasião da aprovação do projeto, com base em parecer técnico da Secretaria-Executiva da respectiva Superintendência de Desenvolvimento Regional extinta.” 4. Conclusão A interpretação normativa da sistemática dos fundos de investimento deve se pautar pelos fins sociais a que eles se dirigem e às exigências do bem comum, como apregoado no art. 5º da Lei de Introdução ao Direito (decreto-lei nº 4.657/42). Neste sentido, o vetor axiológico e normativo que ampara a lei nº. 8.167/91 é exatamente o art. 3º, III, da Constituição Federal, cujo dispositivo prescreve como objetivo da República reduzir as desigualdades sociais e regionais, de sorte que toda interpretação jurídica há de ter em mente àquela premissa. Conforme se observa, a interpretação jurídica que enuncia que, já no momento em que o optante fizesse suas opções, ele haveria de deter o percentual mínimo de participação no capital votante da sociedade titular do empreendimento não é a melhor, mormente porque não leva em consideração o vetor interpretativo do sistema (art. 3º, III, da Constituição Federal), desconsiderando-se ainda que os momentos de opção e aplicação não se confundem, bem como se firma em premissa legal inadequada (art. 111 do CTN). Como dito alhures, a interpretação antes adotada cria uma exigência que a lei não expressa em sua literalidade, subtraindo a vontade constitucional. Ao revés, a interpretação jurídica da aplicação de recursos que segue o rito do art 9º da lei nº. 8.167/91 deve ser sistemática e teleológica, o que não era feito pelo Poder Público até a emissão da Nota Técnica nº. 03/2011 do Departamento Financeiro e de Recuperação de Projetos do Ministério da Integração Nacional e do Parecer nº. 881/2011/CONJUR-MIN/CGU/AGU, que reverteram o entendimento estatal com lastro em boa parte da argumentação exposta no presente artigo.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/opcao-direcionamento-e-a-aplicacao-de-parcela-do-irpj-nos-fundos-de-investimento-regional/
A responsabilidade tributária dos sócios-administradores na condução de uma sociedade empresária limitada
No contexto empresarial, hoje, verificamos que cada tipo societário tem sua importância dentro dos setores da economia brasileira. Tais sociedades recebem dentro da sua função econômica uma gama de tributos em decorrência das atividades realizadas. O presente estudo pretende avaliar a sociedade limitada e as consequências jurídicas de seus sócios na condução da mesma dentro desta gama de tributos. O não pagamento destes tributos traz consigo uma obrigação tributária da qual nasce o crédito tributário, segundo ditames do código tributário nacional, tal responsabilidade poderá ser transportada aos seus administradores conforme determina a referida norma legal, desde cumprida as determinações do Supremo Tribunal Federal, podendo inclusive a sociedade ter sua personalidade jurídica desconsiderada para tanto[1].
Direito Tributário
1-INTRODUÇÃO O Direito Tributário pode ser entendido como o ramo do direito público interno que regula as relações entre o poder tributante e o sujeito passivo da obrigação tributária. Este poder de tributar é irrenunciável e indelegável, porém não absoluto, pois a própria Constituição define o modo de exercício do mesmo, através de comandos que garantem a harmonia e o equilíbrio na relação jurídico-tributária (poder-dever). Sua finalidade consiste na regulamentação das relações de natureza tributária entre o sujeito ativo (titular da capacidade) e passivo (contribuinte e responsável tributário). Donde se apresenta a configuração do sistema financeiro-tributário que é parte essencial do pacto federativo, onde há repartição de receitas arrecadas. Um desses aspectos é a soberania tributária ou soberania fiscal, essencial para a existência do Estado. Há de ser reconhecido o direito de participação das regiões dentro do Poder Central, em decorrência de sua autonomia, através de seus representantes, como acontece no Brasil, no Senado Federal. O caráter federalista manifesta-se especialmente pela união de órgãos dos Estados federados para formar órgão colegiado do Estado Federal. Atrelados a isso, a proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais, a qual está associada à compreensão que usualmente se tem com respeito a tal categoria dogmática. O dever de proteção a este núcleo representa uma obrigação de não fazer em face dos efeitos de direitos a não-afetações, direitos a não-impedimentos e direitos a não-eliminação de posições jurídicas, tipicamente produzidas por tais direitos. A Constituição Federal não cria tributos, apenas outorga competência para que os entes políticos o façam por meio de leis próprias. Estes são distribuídos e definidos por critérios que se relacionam diretamente com os objetivos a serem alcançados, em decorrência da organização do Estado e de sua forma federativa. Exige-se lei complementar: fato gerador, base de cálculo e contribuinte (CF, art. 146, III, a), não sendo outra a visão do STF, quanto a sua instituição: STF – RE 191.703 – AgR/SP: É aplicável ao exercício da competência tributária a regra que a União ao deixar de editar normas gerais, os Estados podem exercê-las plenamente (CF, art. 24, § 3, CF). Tal competência[2] (é política e se refere à possibilidade de editar leis instituindo o tributo) difere da capacidade tributária[3], assim, podendo este ser delegada a outra pessoa jurídica de direito público ou nos casos que a lei ou decisão judicial[4] permitir tal delegação a pessoa jurídica de direito privado. Hugo de Brito Machado ao citar Regina Helena Costa sobre a presente distinção menciona que “… o dispositivo [art. 7º do CTN] que remete a preceito da Constituição Federal de 1946, deixa clara a distinção entre os conceitos de competência tributária e capacidade tributária ativa. A competência tributária, consistindo espécie de competência legislativa, é um ‘plus’ em relação à capacidade tributária ativa, assim entendida como a aptidão para a arrecadação e fiscalização dos tributos. Enquanto a competência tributária, dentre outras características, é indelegável, por assim o ser a competência de natureza legislativa, a capacidade tributária ativa, de natureza administrativa, pode ser transferida a outrem, mediante lei.”[5] Sua repartição poderá se dada da seguinte forma: competência tributária privativa (art. 153, CF/88), competência tributária comum (tributos vinculados: taxas e contribuição de melhoria) e competência tributária cumulativa (art. 147, da CF/88). Sacha Calmon Navarro Coêlho[6] menciona que o dever de pagar de tributos, igualmente, surge porque a lei elege determinados eventos como geradores de obrigações tributárias se e quando ocorrerem no mundo (…), tudo conforme o princípio de imputação, que vem a se atribuir dadas conseqüências a certos fatos e atos a priori previstos. Esta sanção traz consigo o dever de responsabilização, a qual pode apresentar-se de forma objetiva e subjetiva. Já, a responsabilidade por infrações nesta esfera do Direito, apresenta-se relativamente ao descumprimento de obrigações tributárias principais e acessórias[7], sendo, em princípio, de cunho objetiva, uma vez que não seria necessário pesquisar a eventual presença do elemento subjetivo (culpa e dolo), além de, desconsideram-se as circunstâncias que excluam ou atenuem a punibilidade. Com isso, facilita-se a aplicação de penalidades, já que independe de intenção do agente. Esta é pessoal do agente quando do cometimento de infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, bem como quanto às infrações que decorrem direta e exclusivamente de dolo específico[8]. Em regra é dever dos sócios administradores, recolherem os impostos provenientes de sua atividade empresarial, de forma a cumprir suas obrigações perante o fisco. No entanto, muitas vezes, os recolhimentos dos mesmos não são feitos em sua integralidade, passível de ação de execução.   O STJ tem avaliado a aplicação da responsabilidade objetiva e reconhecido sua utilização em termos, onde se avalia, no cometimento da infração, a ausência de prejuízo ao FISCO e a não comprovação da má-fé do contribuinte[9] para retirar a punição do mesmo. A denúncia espontânea, acompanha de seu pagamento, se for o caso, também ilide a referida responsabilidade. Ressalta-se que, não se deve confundir responsabilidade objetiva por infrações à legislação com a não utilização dos princípios constitucionais do direito ao contraditório e da ampla defesa, pois estes são assegurados a todos os contribuintes. Assim, haverá necessidade da fundamentação dos fatos e do direito vilipendiados por parte do FISCO para que haja a defesa dos interessados e não apenas a punição dos mesmos sem este exercício.  Assim, perfaz-se a necessidade deste estudo e aplicação da responsabilidade tributária in causu, com finalidade apreciar a aplicação da mesma dentro de uma sociedade empresária limitada. 2- TRIBUTO E A RELAÇÃO JURÍDICA-TRIBUTÁRIA 2.1 – TRIBUTO O conceito de tributo no Brasil é um dos mais perfeitos do mundo, sendo o objeto de seu estudo, o direito tributário positivo ou objetivo. Sua natureza jurídica é definida por seu fato gerador, ou seja, o fato praticado é que gera a obrigação de pagamento. Este fato gera uma relação jurídico-tributária, diferenciando-se da multa porque esta, embora prevista em lei em favor do Estado, decorre de um fato ilícito. Segundo Sacha Calmon Navarro Coêlho[10] tributo é toda prestação pecuniária em favor do Estado ou de pessoa por ele indicada, tendo por causa um fato lícito, previsto em lei. O referido mestre[11] reflete tal conceito e sintetiza sua essência, ao mencionar que mesma é ser a prestação pecuniária compulsória em favor do Estado ou da pessoa por este indicada (parafiscalidade), que não constitua sanção de ilícito (não seja multa), instituída por lei (não decorrente de contrato). Paulo de Barros Carvalho menciona que a norma jurídico-tributária divide-se em duas partes: hipótese endonormativa e conseqüência endonormativa[12]. Na primeira, inclui os seguintes critérios: o material (o fato em si); o temporal (determinando as circunstâncias de tempo que envolve o fato jurígeno já materialmente descrito); o espacial (indicativo das condições de lugar em que o fato ocorrer) e, na conseqüência, enxerga-se dois critérios, a saber: o pessoal e o quantitativo. Esta obrigação tributária nasce da referida relação jurídica, entre o sujeito ativo (entre político – competente) e o sujeito passivo (agente particular), onde o segundo deve uma obrigação para o primeiro. Sendo divida em principal e acessória, onde a primeira, é o dever de realizar o pagamento e, a segunda, de fazer ou deixar de fazer algo dentro do mundo jurídico com reflexo dentro do campo tributário. A doutrina nacional registra quanto às espécies tributárias quatro correntes, como menciona Ricardo Alexandre[13].  O CTN, em seu art. 5º, utiliza-se da teoria da tripartição e, o STF tem adotado a teoria da pentapartição. Podemos relacionar duas correntes em relação à vinculação de tais espécies tributárias, as vinculadas, onde sua base de cálculo está ligada ao valor da atividade anteriormente exercida pelo Estado, sendo a mensuração econômica desta atividade e, as não vinculadas, onde a base de cálculo é a grandeza econômica desvinculada de qualquer atividade estala[14]. 2.2- PARTICIPES DA RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA: O SUJEITO ATIVO E O SUJEITO PASSIVO 2.2.1 – SUJEITO ATIVO O sujeito ativo, credor, é o titular do direito de cobrar do sujeito passivo da relação jurídica tributária, a obrigação tributária, em questão. Conforme preceitua o artigo 119 do CTN, “Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento”. Sacha Calmon Navarro Coêlho, ao avaliar o art. 119 do CTN, discorre que o mesmo ignora a diferença entre a competência para legislar sobre relações jurídico-tributárias para emissão de comandos e a capacidade para lançar e receber tributos na qualidade de sujeito ativo da obrigação tributária. Não há, necessariamente, identidade entre ambas, pois pode a lei autorizar uma pessoa jurídica de Direito Privado (SESI, SENAC, SENAI, entre outros) e até pessoas naturais (tabeliões, por exemplo) como sujeito ativo da referida obrigação[15]. Segue Eduardo Marcial Ferreira Jardim, o mesmo entendimento, quando sintetiza que o sujeito ativo “é a pessoa incumbida do direito subjetivo de promover a cobrança do tributo. Embora no mais das vezes o sujeito ativo seja a própria pessoa constitucional titular da competência tributária, nem sempre esta ocupa o pólo ativo da obrigação”[16]. Paulo de Barros Carvalho reforça dizendo que “O sujeito ativo é o titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária e, no direito brasileiro, pode ser uma pessoa jurídica, pública ou privada, se bem que não vejamos empecilho técnico de que seja uma pessoa física.[17]” Caso esta sujeição acontecer em decorrência do desmembramento territorial de outra, ou outras pessoas políticas, a legislação a ser aplicada será a de que deu origem ao novo ente político até que entre em vigor sua própria legislação. 2.2.2 – SUJEITO PASSIVO O sujeito passivo terá dois tipos de obrigação, na área tributária, a principal (obrigação de dar) e a secundária (obrigação de fazer ou não fazer), onde a primeira é tão somente de caráter pecuniário, ou seja, de pagar o tributo. Sacha Calmon Navarro Côelho menciona que o sujeito passivo é denominado pelo CTN de contribuinte quando realiza, ele próprio, o fato gerador da obrigação, e de responsável quando, não realizando o fato gerador da obrigação, a lei imputa o dever de satisfazer o crédito tributário em prol do sujeito ativo. Pelo sistema do Código, o responsável assume esta condição por dois modos: a) substituindo aquele que deveria ser naturalmente o contribuinte, por vários motivos previstos em lei. Esta surge contemporaneamente à ocorrência do fato gerador; b) recebendo por transferência o dever de pagar o tributo antes atribuído ao contribuinte, o qual, por motivos diversos, não pode ou não deve satisfazer a prestação. Refere-se num momento posterior, em que a lei define a modificação da pessoa que ocupa o pólo passivo da obrigação, podendo ser por sucessão (arts. 129 a 133, CTN); de terceiros (arts. 134 e 135, CTN); e, por infração (arts. 136 a 138, CTN). Neste último modo de transferência de responsabilidade o que se transfere na opinião do eminente doutrinador citado, é o dever jurídico, que migra total ou parcialmente do contribuinte para o responsável; já, nos casos de substituição tributária a pessoa que pratica o fato gerador não chega a ser contribuinte, apenas, há substituição, instituindo um responsável (substituído legal tributário).[18] 2.3 – OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA O legislador brasileiro, instituidor do Código Tributário Nacional buscou no Código Civil a estrutura da obrigação tributária. Definindo-a como uma relação de cunho eminentemente obrigacional[19]. Geraldo Ataliba citado por Gilda Maria Giraldes Seabra[20] menciona que o objeto dos comandos jurídicos só pode ser o comportamento humano. Nenhum preceito se volta para outra coisa senão o comportamento. Não há norma jurídica dirigida às coisas. Só o comportamento livre do homem (e, por extensão, o das pessoas jurídicas) pode ser objeto dos mandamentos jurídicos. Podemos sintetizar o conceito de obrigação na lição de Maria Helena Diniz[21], a qual conceitua uma obrigação como sendo “correspondente ao vínculo que liga um sujeito ao cumprimento de dever imposto pelas normas morais, religiosas, sociais ou jurídicas”. Já, a obrigação tributária é entendida como o vínculo jurídico mantido diretamente entre o sujeito ativo e o passivo em torno do tributo. Não sendo outra a definição de Hugo Brito Machado, o qual afirma que tal obrigação é “… a relação jurídica em virtude da qual o particular (sujeito passivo) tem o dever de prestar dinheiro ao Estado (sujeito ativo), ou de fazer, não fazer ou tolerar algo no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos, e o Estado tem o direito de constituir contra o particular em crédito”. [22] Kiyoshi Harada[23] afirma que a autonomia entre a obrigação tributária e a obrigação civil tem como causa, invariavelmente, a lei e não a convergência de vontades, essencial na obrigação de natureza civil. A obrigação tributária é sempre 'ex lege'. Ocorrendo uma situação, nela prevista, como necessária e suficiente para concretização do seu fato gerador surgem para o Estado (credor) o direito de exigir de um sujeito passivo (devedor) o tributo (objeto da obrigação tributária), nos termos do artigo 113 do Código Tributário Nacional, sob pena de sanção. Esta será tida como principal. Gilda Maria G. Seabra utilizando o a doutrina de Caio Mario da Silva Pereira menciona que a obrigação principal, pelo direito civil, é uma obrigação autônoma e independente de qualquer outra. Por outro lado, a obrigação acessória segue a sorte da obrigação principal e dela depende total e absolutamente[24] e, decorre apenas da legislação tributária. A obrigação tributária principal ou patrimonial, de acordo com o §1º do art. 113 do CTN, é aquela que surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. É a obrigação de dar (pagar) ao sujeito ativo, ou seja, implica entrega de dinheiro ao Estado. Ricardo Lobo Torres, quanto ao objeto da obrigação tributária principal diz que o "tributo é o dever fundamental, consistente em prestação pecuniária, que é exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei"[25]. Caso o sujeito passivo deixar de satisfazer a prestação jurídica a que está obrigado, aflora a sua responsabilidade tributária permitindo, assim, que o credor – sujeito ativo – possa constrangê-lo ao cumprimento daquela prestação, tendo como garantia o seu patrimônio. A obrigação tributária acessória ou não-patrimonial, pelo descrito no §2º do mesmo art. 113, decorre da legislação tributária (e tem termo mais abrangente que o termo “lei”) por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. Pressupõe a realização de atos que auxiliem a Administração Tributária na fiscalização dos tributos, e, por conseguinte, não possuem “fato gerador”. 2.3.1 – FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO TRIBUTARIA A teoria do fato gerador[26] é o ponto central do estudo do direito tributário, tanto para o fisco, como para o contribuinte, já que da união deste (fato gerador) com a hipótese de incidência faz nascer à obrigação tributária, conforme menciona, Ricardo Alexandre[27] este – fato gerador – em concreto é um fato imponível, e, em abstrato gera a hipótese de incidência[28]. Não sendo outro entendimento de Kiyoshi Harada[29] diz que “costuma-se definir o fato gerador como uma situação abstrata, descrita na lei, a qual, uma vez ocorrida em concreto enseja o nascimento da obrigação tributária. Logo, essa expressão fato gerador pode ser entendida em dois planos: no plano abstrato da norma descritiva do ato ou do fato e no plano da concretização daquele ato ou fato descrito”. A duplicidade do emprego do termo fato gerador e da hipótese de incidência pelo Código Tributário Nacional torna-se claramente evidenciada quando da análise comparativa do artigo 116 e o inciso II, do artigo 104. Observa-se que ambas as expressões são mencionadas pelo Código, no entanto, reiteradamente são utilizadas como sinônimas. Como exemplos, o código Tributário Nacional anuncia os fatos geradores (hipóteses de incidência) de cada tributo[30]. O professor Hugo de Brito Machado[31], sobre esta questão terminológica, diz que “diversas têm sido as denominações utilizadas pela doutrina para designar o fato gerador. Entre outras: suporte fático, situação base de fato, fato imponível, fato tributável, hipótese de incidência. No Brasil tem dominado, porém, a expressão fato gerador, que se deve à influência do Direito francês, sobretudo pela divulgação, entre nós, do trabalho de Gaston Jèze, específico sobre o tema”. Conforme observa Amílcar Falcão[32] “para o nascimento da obrigação tributária necessário é que surja concretamente o fato ou pressuposto que o legislador indica como sendo capaz de servir de fundamento à ocorrência da relação jurídica tributária”. Dessa forma, o fato gerador deve ser descrito em lei, consoante lição do jurista Sacha Calmon Navarro Coêlho[33] “o fato gerador deve ser descrito em lei em razão do princípio da legalidade. Deve ser minuciosamente descrito para evitar ao aplicador da lei entendimentos dilargados a seu respeito, gerando insegurança ao contribuinte”. Quanto à relação do fato gerador e o nascimento da obrigação tributária, podemos mencionar a lição de Paulo de Barros Carvalho[34] “quando se diz que, ocorrido o fato, nasce a relação jurídica, estamos lidando com o acontecimento de dois fatos: do fato causa (fato jurídico) e do fato efeito (relação jurídica)”. Assim, o fato gerador do tributo definido, caracterizado e conceituado por lei é um do relevante aspecto do chamado princípio da legalidade ou da reserva da lei, em matéria tributária. Sem a previsão ou definição legal, não se configurará o fato gerador. Não será, pois, assinalado o momento em que se reputa instaurada a obrigação tributária. Assim, haverá um fato, da vida comum, relevante, talvez, para outros ramos do direito, mas, para o direito tributário, será ele um fato juridicamente irrelevante. Do não pagamento desta obrigação, nasce o crédito tributário, segundo o art. 139 do CTN. Este, por conseguinte, decorre da obrigação e tem a mesma natureza desta. Podendo, ser conceituado, como “o vinculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo) o tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional)”.[35] Após sua constituição pela autoridade administrativa, só poderá ser alterado, suspenso ou extinto, nos casos previstos em lei, não podendo a autoridade administrativa dispensar seu pagamento, nem suas garantias, sob pena de responsabilidade funcional[36]. Só esta pode realizar o lançamento, e, este pode ser conceituado, como: O procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identificar o seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do crédito tributário, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível.[37] A lei identifica três formas de lançamento, quais sejam: o lançamento de ofício[38], o lançamento por declaração[39] e o lançamento por homologação[40]. Este procedimento possui duas fases: a oficiosa[41] e a contenciosa[42]. Possui efeitos ex tunc (retroativos), pois o mesmo sempre se refere ao passado, retroagindo no tempo para constituir crédito decorrente de obrigação surgida no passado. Aplicando ao infrator a lei mais benéfica.  3- A SOCIEDADE EMPRESÁRIA LIMITADA E SUAS RESPONSABILIDADES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS 3.1 – A SOCIEDADE EMPRESARIAL E A SUA PERSONIFICAÇÃO O Código Civil de 2002, em seu artigo 1º, reza que "Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil". Diante disso, podemos mencionar que sujeito – jurídico – é aquele que exerce direitos e tem obrigações a cumprir. O atributo da personalidade é conferido pelo próprio ordenamento jurídico, tanto a pessoa natural, quanto a pessoa jurídica. A pessoa jurídica adquire personalidade jurídica quando devidamente inscrita no órgão competente. Este dependerá do tipo de sociedade, ou seja, se possui finalidade de lucro – sociedade empresarial – ou não – sociedade civil sem finalidade de lucro. A sociedade empresarial adquire esta personalidade jurídica própria, tendo autonomia processual e patrimonial, com a inscrição de seus atos – contrato social ou estatuto social – no Registro Público das Empresas Mercantis e Atividades Afins[43], pois tal inscrição define a separação de seu patrimônio e dos seus sócios, conforme reza o art. 985 do Código Civil de 2002. A principal finalidade do registro das empresas mercantis diz respeito à publicidade dos "atos e fatos do comércio neles registrados"[44].  Inscrito o contrato social da sociedade em tela, nas Juntas Comerciais do Estado onde irão atuar, define sua personificação e traz consigo quatro importantes efeitos, quais sejam: aquisição de patrimônio próprio, de nome próprio, de nacionalidade própria e domicílio próprio[45]. Francisco do Amaral menciona que a personificação possui diversos efeitos práticos, dentre os quais se destacam: “a) a pessoa jurídica é um ente autônomo em relação às pessoas naturais que o constituem; b) a pessoa jurídica constitui um novo foco de direitos e deveres, dotado de capacidade de direito e de fato, e de capacidade para postular em juízo; c) o destino econômico da pessoa jurídica é diferente do destino econômico dos seus membros participantes; d) a autonomia patrimonial da pessoa jurídica faz com que não se confundam o patrimônio desta com o de seus membros; e) as relações jurídicas da pessoa jurídica são independentes das de seus membros, existindo a possibilidade de se firmarem relações jurídicas entre a pessoa jurídica e um ou mais de seus membros; f) a responsabilidade civil da pessoa jurídica é independente da responsabilidade de seus membros”.[46] Como os atos praticados em nome da pessoa jurídica são necessariamente, efetivados pelas pessoas naturais que a constituem, é possível que não poucas vezes a personalidade jurídica possa ser usada como uma máscara para encobrir atos ilícitos ou abuso de direitos, havendo hipóteses em que o patrimônio dos sócios pode ser alcançado para saldar débitos civis ou tributários da pessoa jurídica[47]. 3.2 – A SOCIEDADE EMPRESARIAL LIMITADA: SUAS CARACTERÍSTICAS Inicialmente necessitamos de conceituar empresa, noção que retiramos de Celso Marcelo de Oliveira, que ao citar Carvalho de Mendonça menciona que ” é a organização técnico-econômica que se propõe a produzir mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob sua responsabilidade”. [48] O referido autor reporta-se também ao conceito de Fran Martins, para este a ”empresa é objeto de direito, e não sujeito de direito. Tem-se, portanto, que a empresa é a atividade desenvolvida pelo empresário, este sim o sujeito do direito”[49]. Esta sociedade empresária, que busca na realização do lucro, sua atividade principal, possui vários tipos. O presente trabalho estuda uma delas, a Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada e agora designada pelo Novo Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10.01.2002, de Sociedade Limitada, teve origem no direito alemão do final do século XIX, onde a lei de 1892 criou o tipo societário Gesellschaft mit Beschänkter haftung. No Brasil, este tipo societário foi instituído pelo Decreto nº 3.708 de 1919. Hoje, o novo Código Civil é o que trata deste tipo de sociedade, onde estabelece que todos os sócios respondem solidariamente pela exata estimação dos bens conferidos ao capital social até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade[50]. Facultando aos sócios instituir um Conselho Fiscal composto de três ou mais membros e respectivos suplentes eleitos em assembléia. Havendo o Conselho Fiscal os sócios minoritários que representam 20% (vinte por cento) do capital social, terão o direito de eleger um membro e respectivo suplente do Conselho[51]. Nas sociedades empresariais limitadas, a responsabilidade dos sócios é solidaria e restrita à integralização das cotas de todos os sócios ao capital social da empresa[52]. Podendo ser considerada como, um produto híbrido, que se situa entre as sociedades de pessoas e as de capital, tem servido como um modelo dúctil, capaz de albergar desde as simples sociedades entre marido e mulher até as holdings e que, portanto não mereceria em princípio alterações, até porque a doutrina e a jurisprudência têm sabido com galhardia enfrentar e resolver os problemas que apresenta[53]. O patrimônio dos sócios não pode ser comprometido para a satisfação de dívida da sociedade, enquanto não exaurido o patrimônio social[54]. Este é o limite de responsabilidade dos sócios não-administradores, pois os que exercem esta função na sociedade empresária, respondem por seus atos na gestão da mesma, quando infringirem a lei ou o contrato ou forem extintas sem os devidos trâmites legais. Jorge Luiz Braga menciona que existe uma exceção a regra citada, a qual está estampada no art. 1.080 do novo Código Civil[55]. A 2.ª Turma do E. STJ, em Recurso Especial nº 1.009.045[56], apontou a diferença entre o ato da pessoa jurídica, através de seus órgãos, e o ato da pessoa natural, fora dos poderes que lhe foram atribuídos, no que tange a responsabilidade tributária da sociedade e determinou a exclusão do sócio da empresa executada do pólo passivo da execução física, quando não há caracterização da infração na disposição legal.    Hugo de Brito Machado menciona que pelo exposto, a responsabilidade tributária de sócios e representantes de pessoas jurídicas de direito privado pode ser “a) nas sociedades cujos sócios respondem ilimitadamente, há responsabilidade subsidiária destes em caso de impossibilidade econômica da pessoa jurídica; e responsabilidade pessoal do sócio que agir com excesso de poderes, contra a lei ou o contrato social; b) nas sociedades cujos sócios respondem de forma limitada, há responsabilidade subsidiária de cada um, limitada nos termos da lei comercial, no caso de impossibilidade econômica da pessoa jurídica; e responsabilidade pessoal e ilimitada do gerente, diretor ou representante que agir com excesso de poderes, contra a lei ou o contrato social”[57].  Para o ilustre mestre, um adequado entendimento do artigo 135 do CTN, portanto, não é relevante saber se o não pagamento de um tributo é infração à lei. O importante é aferir quem praticou essa infração, se a pessoa jurídica através de seu órgão, ou se a pessoa natural que a corporifica. 4 – A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA NAS SOCIEDADE EMPRESARIAS LIMITADAS: SÓCIOS, EX-SÓCIOS, ADMINISTRADORES E EX-ADMINISTRADORES A pessoa jurídica deve ser preservada, como instituição, garantindo o crescimento de empreendedores para atuação no mercado, entretanto, a inadequada interpretação de normas levam, segundo Soraya Marina Barcelos[58], à indevida responsabilização de seus sócios na esfera tributária é nociva a mesma, visto que o transbordamento da responsabilidade tributária para terceiros diminui o interesse dos empresários em lançar-se ao mercado, abrindo oportunidades de trabalho e fomentando a economia. Assim, esta sanção, dentro do direito em análise, deve ser apurada de forma adequada, garantindo-se, nesta fase, às empresas e seus sócios, os princípios da ampla defesa e do contraditório atuando dentro da segurança jurídica e da legalidade. Norberto Bobbio define a sanção como “o expediente através do qual se busca, em um sistema normativo, salvaguardar a lei da erosão das ações contrárias”[59]. Paulo Roberto Coimbra Silva aduz que “no caso concreto, a sanção aplicada provê um castigo ou aflição como uma solução ordeira para aplacar o instintivo sentimento humano de demandar uma retribuição”[60]. A eficácia desta sanção para Michel Foucalt “é atribuída à sua fatalidade, não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro […]”[61]. Esta pode funcionar como meio retributivo ou como meio de proteger as diretrizes daquele mandamento legal. E quando este mandamento legal é desobedecido menciona Sacha Calmon Navarro Coelho pode haver dois sentidos: positivo e negativo[62]. Esta traz consigo o dever de responsabilização, a qual pode apresentar-se de forma objetiva e subjetiva. 4.1 – RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA DENTRO DO DIREITO TRIBUTÁRIO A responsabilidade objetiva[63] é justamente aquela que é imputada a determinadas pessoas, independentemente da análise da existência de dolo ou culpa na prática do respectivo ato. Em contrapartida, é subjetiva a responsabilidade cujo surgimento depende da presença de tais elementos. Quando um comportamento é punível, é porque o seu contrário é obrigatório. Se age quando o dever é uma omissão (por exemplo: não matar), a ação de matar é que é a hipótese de punição. Se não se age quando o dever é agir (por exemplo: pagar tributo), o comportamento consistente em não pagar – comportamento omissivo – é que é a hipótese de punição. Corrolaborando com esta idéia Hugo de Brito Machado, menciona que a diferença para ele é simples, “na responsabilidade objetiva não se pode questionar a respeito da intenção do agente. Já na responsabilidade por culpa presumida tem-se que a responsabilidade independe de intenção apenas no sentido de que não há necessidade de se demonstrar a presença de dolo ou culpa, mas o interessado pode excluir a responsabilidade fazendo prova de que, além de não ter a intenção de infringir a norma, teve intenção de obedecer a ela, o que não lhe foi possível fazer por causas superiores à sua vontade”[64]. A responsabilidade por infrações nesta esfera do Direito se apresenta relativamente ao descumprimento de obrigações tributárias principais e acessórias[65], sendo, em princípio, de cunho objetiva, uma vez que não seria necessário pesquisar a eventual presença do elemento subjetivo (culpa e dolo), além de, desconsideram-se as circunstâncias que excluam ou atenuem a punibilidade. Assim, no caso da pessoa jurídica cometer ilícito, a multa será aplicada contra a própria pessoa jurídica e não contra o agente (pessoa física) que tenha concretizado, efetivamente, a conduta ilícita. No entanto, no artigo 137 existem importantes exceções, determinando a punição pessoal, como afastamento do sujeito passivo da infração. Há uma personalização das penas tributárias, alcançando o agente, que deve se submeter à sanção imposta[66]. Com isso, facilita-se a aplicação de penalidades, já que independe de intenção do agente. Esta é pessoal do agente quando do cometimento de infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, bem como quanto às infrações que decorrem direta e exclusivamente de dolo específico.  Ricardo Alexandre[67] salienta que nos termos do art. 136 do CTN nada impede que o legislador decida por atribuir caráter subjetivo à responsabilidade por determinadas infrações, uma vez que o dispositivo é iniciado com a ressalva “salvo disposição em contrário”, desde que o faça expressamente. 4.2 – A DOUTRINA E A ANÁLISE DO TIPO DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS ADIMINISTRADORES DE SOCIEDADE EMPRESÁRIAS – ARTs. 134 E 135 DO CTN. 4.2.1 – OS TIPOS DE RESPONSABILIDADES: POR TRANSFERENCIA E POR SUBSTITUIÇÃO Zelmo Denari citado por Sacha Calmon Navarro Coêlho[68] menciona que, a sujeição passiva direta engloba a figura do contribuinte e a do substituído, enquanto a sujeição passiva indireta engloba o responsável, e o sucessor, intervivos ou causa mortis ou por sub-rogação a terceiros (responsáveis). A primeira, pode ocorrer em duas situações: o contribuinte que paga dívida tributária por fato gerador próprio ou quando o destinatário legal tributário, paga dívida tributária própria por fato gerador alheio (terceiro); e, a segunda, ocorre quando a lei determina, a partir de certos pressupostos, transferência a terceiros o dever de pagamento do tributo (sujeição passiva por transferência).. A responsabilidade por transferência ocorre quando a obrigação tributária depois de ter surgido contra uma determinada pessoa (que seria o sujeito passivo direto), entretanto, em virtude de um fato gerador possível, transfere-se para outra pessoa diferente[69]. Esta se divide em três: por sucessão; por solidariedade; e, por terceiros. O art. 128 do CTN[70] define tal momento. A responsabilidade por substituição ocorre quando o dever do contribuinte é imputado pela lei a uma pessoa não envolvida com o fato gerador, mas que mantém com o “substituído” nas relações que lhe permitem ressarcir-se da substituição, ou seja, ocorre quando uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica com o ato, o fato ou negócio tratado recebe a obrigação de quitar o tributo. Ricardo Alexandre menciona que existem dois casos de responsabilidade por substituição que merecem uma análise mais detida. São os casos de substituição tributária regressiva (“para trás”, antecedente) e da substituição tributaria progressiva (“para frente”, subseqüente)[71]. Esta substituição tributária não implica, em momento algum, a substituição dos sujeitos passivos, pois se prestigia o princípio da capacidade tributária[72]. É a própria lei que substitui o sujeito passivo direto pelo sujeito passivo indireto, haja vista, que há dissolução entre a pessoa que figura na hipótese da norma e que figure como conseqüência[73]. 4.2.2 – ANALISE DA RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-ADMINISTRADOR O Direito tributário brasileiro relaciona os diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica são responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN. A solidariedade do sócio pela dívida da sociedade só se manifesta, todavia, quando comprovado que, no exercício de sua administração, praticou os atos elencados na forma do caput, do referido diploma legal, conforme entendimento ministro José Delgado Relator dos Embargos de Divergência no Recurso Especial número 174.532/PR[74]. Carlos Henrique Araújo da Silva, procurador da Fazenda Nacional, menciona que com esta decisão, o simples inadimplemento não configuraria mais a hipótese de redirecionamento. A Fazenda Pública, caso desejasse redirecionar a cobrança do crédito público aos sócios da pessoa jurídica deveria, a partir do novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, comprovar que os sócios agiram com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, passando a responsabilidade, desde então, a ser subjetiva[75]. Este posicionamento da corte se firmou de tal maneira que foi sumulado em julgamento de 24 de março de 2010, Súmula 430, STJ[76]. Aliomar Baleeiro[77] e José Jayme de Macedo Oliveira[78] mencionam que a responsabilidade do sócio-administrador refere-se à responsabilidade pessoal, em virtude do texto literal do caput do art. 135 do CTN. Com o mesmo entendimento, Luciano Amaro defende que não se trata de responsabilidade subsidiária do terceiro e nem de responsabilidade solidária, pois somente o terceiro responde, pessoalmente[79]. Também não é responsabilidade por substituição, para esses autores, dado que o próprio texto legal condiciona a responsabilização do diretor, do gerente ou representante de pessoas jurídicas à prática de atos com violação do contrato ou da lei. Neste sentido, Manoel de Queiroz Pereira Calças acrescenta que a responsabilidade do administrador é direta e pessoal em face da conduta culposa ou dolosa[80]. Por sua vez, Marlon Tomazette ressalta que "não foi a pessoa jurídica que teve sua finalidade desvirtuada, foram as pessoas físicas que agiram de forma ilícita, e por isso tem responsabilidade pessoal"[81]. Ives Gandra da Silva Martins entende no mesmo sentido, pois sempre que os contratos são violados por quem estaria na obrigação de preservá-los, é evidente que a pessoa jurídica a que pertencem está, como o fisco, na posição de vítima e não pode de vítima ser transformada em autora, e, por isso, exclui-se a responsabilidade da pessoa jurídica. Mas o próprio autor, no entanto, admite que esta não é a opinião dominante[82]. Sacha Calmon Navarro Coêlho entende também neste sentido, mas ressalta que essa posição pode ser temerária, pois: O que não se pode admitir é que grandes empresas, até mesmo multinacionais, por pura matroca obriguem seus diretores contratados, com poucos bens ou sem eles, a ficarem responsáveis por atos deliberadamente praticados em proveito da empresas, com excesso de poder ou infração da lei ou contrato. A exclusão das empresas daria lugar a enormes injustiças e à indução de "planejamentos tributários" marotos. Além disso, tornaria as funções gerenciais um tipo de atividade de alto risco. Fraude, conluio, sonegação para elidir o cumprimento de obrigação igualmente aproposita a responsabilidade prevista no art. 135, mas somente na hipótese de a pessoa jurídica provar a sua inocência[83]. Pedro Decomain, por este motivo, entende que, “nesses casos, quando o ato, embora com essa mácula, seja praticado em benefício de terceiro (o filho, no caso da responsabilidade pelos pais, o espólio, no caso do inventariante, ou o administrador, no caso da empresa, por exemplo), também estes serão devedores do tributo, na condição de contribuintes. Surgirá, porém, concomitantemente, a responsabilidade solidária das pessoas indicadas nos incisos do art. 135”[84]. O Tribunal de Justiça do Rio grande do Sul, por sua vez, tem entendido que a responsabilidade a que se refere o art. 135 do CTN não é nem pessoal, nem por substituição, mas sim subsidiária[85]. Ricardo Lobo Torres entende diversamente do mencionado acima, para ele essa responsabilidade é solidária[86]. Seguindo este entendimento, para Hugo de Brito Machado essa responsabilidade é solidária porque o responsável se coloca junto ao contribuinte desde a ocorrência do fato gerador. As pessoas referidas nos incisos deste artigo não têm responsabilidade pessoal quando praticam atos com excesso de poderes ou infração de lei ou contrato social, nem tampouco são responsáveis por substituição, mas são, na verdade, solidariamente responsáveis, sofrendo uma "atribuição de responsabilidade, em razão de condutas ilícitas daqueles aos quais é feita essa atribuição" [87]. A presença daquele a quem é atribuída à responsabilidade tributária não exclui a presença do contribuinte, pois não há "como excluir os contribuintes da solidariedade, afinal de contas são eles que detêm relação pessoal e direta com a situação que constitui o fato gerador, ou seja, são elas que realizam o fato previsto na lei como tributável, ainda que por seus representantes" [88]. Para defender seu posicionamento, Hugo de Brito Machado ainda faz uma comparação em relação ao artigo 137 do CTN: A situação é diversa da prevista no art. 137 do Código, porque naquele dispositivo, embora esteja dito que a responsabilidade é pessoal do agente, cuida-se de responsabilidade por infrações. Quando se diz que a responsabilidade é pessoal ao agente, isto significa que a penalidade só a este pode ser aplicada. Mas é assim, não em virtude do elemento literal e sim porque a penalidade nasce da conduta infratora, que efetivamente deve ser ao agente imputada, e não ao contribuinte. Na mesma linha de pensamento Luiz Felipe Difini leciona que a responsabilidade só é pessoal ao agente nos casos previstos no art. 137 do CTN, o qual disciplina a responsabilidade por infrações e diz que a penalidade é pessoal e exclusiva ao agente, podendo só a este ser aplicada, em virtude da conduta infratora, e não ao contribuinte[89]. Não sendo outro o entendimento do STJ, como é visto no REsp nº 869.482/SP[90] Na verdade, esse artigo trata da responsabilidade dos administradores da sociedade limitada pelas dívidas tributárias. O sócio, que não tenha praticado atos de gerência, não responde com seu patrimônio particular[91]. Esse posicionamento foi alterado pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 1.104.900/ES[92] e, o qual determinou que o ônus de provar a sua inocência cabe ao próprio sócio, administrador ou gestor. Aplicou inclusive a sistemática do recurso repetitivo, valendo dizer que toda e qualquer discussão acerca do artigo 135 CTN terá que ter aquele acórdão como paradigma.  Anteriormente, cabia às Fazendas Públicas provar que o sócio agiu má-fé para ser responsabilizado pelo crédito tributário, ou seja, somente o sócio que praticar algum ato com excesso de poderes será responsabilizado por seus atos à luz do Art. 135, CTN. Caso o nome do sócio já constava do lançamento, tendo-lhe sido facultada a defesa em relação não só à existência da dívida, mas também em relação à sujeição passiva, pode-se admitir a presunção de liquidez e certeza do crédito em relação a ele, sem que haja violação do contraditório e da ampla defesa[93]. Ressalta o eminente Ricardo Alexandre que esta responsabilidade tributária atinge o diretor que pratica atos de gestão fora das atribuições estatutárias, onde responde pelo excesso e pelo respectivo tributo (art. 135, III do CTN); e, se o diretor pratica um ato ilícito no conteúdo, com o dolo específico de prejudicar a empresa que dirige, será responsável pela respectiva penalidade pecuniária (art., 137, III, c do CTN)[94]. 4.3 – A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS SOCIEDADES EMPRESARIAIS PARA ANÁLISE DAS RESPONSABILIDADES DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES DENTRO DO DIREITO TRIBUTÁRIO A união de pessoas em prol de uma atividade econômica e a formação da pessoa jurídica sempre foi importante para o Estado, como forma de proporcionar o desenvolvimento socioeconômico do local onde a mesma seria instalada, garantindo a esta formação as seguintes condições: “a) a não atribuição à pessoa dos sócios das condutas praticadas societariamente; b) a não atribuição à pessoa dos sócios dos direitos e poderes envolvidos na atividade societária; c) a não atribuição à pessoa dos sócios dos deveres envolvidos na atividade societária.”[95] Contudo, com o passar do tempo, foi se verificando que estes membros praticavam condutas fraudulentas e abusivas em nome desta pessoa jurídica. Com finalidade de que os membros desta sociedade respondessem por tais condutas e pelas obrigações sociais das referidas pessoas foi criada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, também chamada de disregard doctrine[96][97], defendida, inicialmente, no Brasil, por Rubens Requião. Há desconsideração e não anulação ou negação da personalidade jurídica. Celso Marcelo de Oliveira citando Simone Gomes Rodrigues menciona que esta teoria, a princípio recebeu a denominação de teoria da penetração, tinha por escopo a inserção no cerne da pessoa jurídica, para que, desconsiderando-a ou superando-a, vinculasse o sócio à responsabilidade contraída em nome da empresa[98]. Qualquer tipo de sociedade empresária por ser atingido por esta teoria, inclusive a sociedade limitada, alvo deste estudo, pois “mesmo após a integralização de todo o capital social, o patrimônio dos sócios pode ser responsabilizado por obrigações da sociedade, no caso de desconsideração da personalidade jurídica”.[99] O novo Código Civil Brasileiro[100], em seu art. 50 trata do tema, afirmando que pode o juiz desconsiderar a personalidade jurídica para atingir bens de sócios ou administradores quando ocorrer abuso da personalidade jurídica ou confusão patrimonial. Estudando o referido artigo e a doutrina sobre o assunto, podemos mencionar que tal desconsideração pode ocorrer por abuso da personalidade jurídica ou confusão patrimonial. Sendo que a primeira decorre do desvio de finalidade[101] e segunda na hipótese em que os sócios ou administradores utilizam em proveito próprio os bens e recursos da pessoa jurídica. Pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de determinadas obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores, associados ou sócios da pessoa jurídica. Podemos relacionar que tal teoria é prevista também no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), no art. 18 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, aplicável nas hipóteses de infrações contra a ordem econômica, e, no Direito do Trabalho, da mesma forma, a incidência da aludida teoria se verifica pelo disposto no artigo 2º, parágrafo 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O Tribunal de Justiça do Distrito Federal posicionou acerca da temática e, especialmente sobre bens dos sócios envolvidos nas hipóteses do art. 50 supramencionado: É impossível a penhora dos bens do sócio que jamais exerceu a gerência, a diretoria ou mesmo representasse a empresa executada”. Ou seja, ainda que desconsiderada a personalidade jurídica, não é possível alcançar os bens de todos os sócios ou associados, mas apenas dos bens daqueles envolvidos com o ato que motivou a desconsideração[102]. Ressalta-se que, somente se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, ainda assim, a desconsideração somente atingirá os bens dos administradores ou sócios que tenham praticado o ato reputado como irregular.[103] Outra questão refere-se à utilização desta teoria dentro do direito tributário. Marcos de Oliveira Pinto, Juiz de Direito da Comarca de Simão Dias, menciona que o tributo, tomado de forma ampla, representa o preço pago pelo indivíduo por sua liberdade dentro da comunidade, configurando-se numa imposição decorrente do pacto garantidor da existência da própria sociedade, na relação verificada entre o próprio indivíduo e o Estado.[104] Diante disso, os doutrinadores brasileiros debatem acerca da temática, para alguns a aplicabilidade desta teoria necessita de lei complementar âmbito tributário, e, outros defendem a utilização de tal instrumento em qualquer área do Direito, uma vez que visa impedir o abuso de direito. Assim entende Alexandre Alberto Teodoro da Silva, para quem o abuso de direito – gênero da espécie abuso da personalidade – é regra pertencente à Teoria Geral do Direito[105], bastando à prova da ocorrência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Nádia Arnaud Pereira Ferreira, especialista em direito tributário, menciona que, de modo diverso, estritos ao princípio da legalidade (do qual deriva o princípio da reserva de lei formal), autores como Luciano Amaro, Ives Gandra da Silva Martins, Mary Elbe Queiroz, Hugo de Brito Machado, entre outros, defendem a não aplicação da desconsideração da personalidade jurídica nas relações tributárias, por não haver previsão expressa em lei complementar ou, no caso de se aceitar o artigo 116, parágrafo único do CTN, como fundamento para aplicação da desconsideração, de lei ordinária, sendo esta a orientação de Ives Gandra da Silva Martins. Dessa forma, a responsabilidade do sócio por abuso de personalidade da pessoa jurídica deverá estar disciplinada em lei complementar, uma vez que se trata de matéria relativa à regra geral.[106] Tal debate leva em conta o princípio da legalidade estrita, determinando que o uso da teoria da desconsideração numa situação que não encontra sustentação legal. Privilegia-se, deste modo, a segurança que deve existir nas relações pertinentes a esse ramo do Direito, em benefício do próprio contribuinte. Neste sentido, afirma Marçal Justen Filho “o entendimento da liberação do aplicador do direito para avaliar o caso concreto e estender a previsão normativa foi frontalmente repudiada pela doutrina. Alberto Pinheiro Xavier, em brilhante tese de doutorado, enunciou definitivamente os critérios limitativos da liberdade do aplicador da norma tributária. Demonstrou cabalmente que o princípio da legalidade apresenta-se, no campo tributário, com uma peculiaridade atinente à tipicidade. A lei tributária é dotada de tipicidade na acepção de ser incompatível com cláusulas genéricas”. E acrescenta: “A tipicidade repele assim a tributação baseada num conceito geral ou cláusula geral de tributo, ainda que referido à idéia de capacidade econômica, da mesma forma que em Direito Criminal não é possível a incriminação com base num conceito ou cláusula geral de crime. Ao invés do que sucede, por exemplo, com o ilícito disciplinar, os crimes e os tributos devem constar de uma tipologia, ou seja, devem ser descritos em tipos ou modelos, que exprimam uma escolha ou seleção do legislador no mundo das realidades passíveis, respectivamente, de punição ou tributação.[107] Ressalta Nádia Arnaud Pereira Ferreira que há, ainda, nos estudos sobre a matéria, autores, como Heleno Taveira Tôrres, Flávio Couto Bernardes, entre outros, e, inclusive, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça[108], que afirmam ser possível o emprego da disregard of legal entity nas relações jurídico-tributárias, visto já existir respectivo dispositivo de lei complementar autorizativo.[109] Neste ponto, válidas são as assertivas de Marçal Justen Filho, quando afirma que: “no campo tributário, só se poderá cogitar de resultado danoso, decorrente da incidência do regime da pessoa jurídica, quando ocorrer frustração de incidência da norma tributária que haveria que incidir. O abuso da pessoa jurídica caracterizase com o sacrifício do interesse público (retratado na norma tributária) porque prevaleceria o interesse privado (consistente na existência de uma pessoa jurídica). Portanto, a desconsideração da personificação societária, no direito tributário, consistirá na suspensão da eficácia da distinção entre pessoas (decorrentes da existência da pessoa jurídica) para permitir a incidência de uma certa previsão tributária.[110] Ressalta-se o entendimento de Alexandre Alberto Teodoro da Silva, em relação à utilização do Art. 135 do CTN como fundamento da teoria em análise, para ele esta teoria foi formulada no intuito de coibir abuso da personalidade jurídica, ao passo que a responsabilidade dos administradores das pessoas jurídicas constante o Art. 135 do CTN emerge de maneira direta, constantes dos atos praticados por gestores na condução da pessoa jurídica. Aquele dispositivo legal não serve de embasamento jurídico para aplicação da teoria no campo tributário[111]. A responsabilidade deve ser considerada nos seguintes termos: responsabilidade do sócio por dívidas sociais, no limite do capital social subscrito e integralizado, salvo os casos de desconsideração da personalidade jurídica; responsabilidade do administrador perante a sociedade, por atos ilícitos e irregularidades cometidas com violação da lei, do contrato social ou do estatuto; e, responsabilidade do administrador por dívidas negociais e não-negociais, cabendo esta teoria dentro do direito tributário, desde respeitados os princípios aqui mencionados e o fundamento jurídico de tal atitude. Ultrapassado este ponto, deveremos verificar se há autorização da autoridade fiscal-tributária para a utilização desta teoria, durante o processo administrativo ou se há necessidade de determinação judicial para tanto. Entendemos que há necessidade do amparo judicial para tanto, mesmo que no processo administrativo, tenha-se garantido os princípios da ampla defesa e do contraditório. 5- CONCLUSÃO O Direito Tributário pode ser entendido como o ramo do direito público interno que regula as relações de natureza tributária entre o sujeito ativo (titular da capacidade) e passivo (contribuinte e responsável tributário). Esta relação é ex lege e nasce de um fato anterior previsto pelo legislador, desde que este fato ocorra no mundo fenomênico. A Constituição Federal não cria tributos, apenas outorga competência para que os entes políticos o façam por meio de leis próprias. Este ente poderá possuir competência e/ou capacidade tributária, assim, podendo para participar deste pólo da relação ou delegar tal tarefa a outra pessoa jurídica de direito público ou nos casos que a lei ou decisão judicial permitir (Súmula 396, do STJ) a pessoa jurídica de direito privado. O sujeito ativo, credor, é o titular do direito de cobrar do sujeito passivo da relação jurídica tributária, a obrigação tributária, em questão, enquanto que, o sujeito passivo terá dois tipos de obrigação, na área tributária, principal (obrigação de dar) e secundária (obrigação de fazer ou não fazer), onde a primeira é tão somente de caráter pecuniário, ou seja, de pagar o tributo. Este vinculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo) o tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional, chama-se crédito tributário, conforme reza o CTN. O Direito tributário brasileiro relaciona os diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica são responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN. A solidariedade do sócio pela dívida da sociedade só se manifesta, todavia, quando comprovado que, no exercício de sua administração, praticou os atos elencados na forma do caput, do referido diploma legal, Nas sociedades empresariais limitadas, a responsabilidade dos sócios é solidaria e restrita à integralização das cotas de todos os sócios ao capital social da empresa. O patrimônio dos sócios não pode ser comprometido para a satisfação de dívida da sociedade, enquanto não exaurido o patrimônio social. Esta pode ser de cunho objetiva ou subjetiva. A primeira, aquela imputada a determinadas pessoas, independente da análise da existência de dolo ou culpa na prática do respectivo ato; já, a segunda, depende da presença de tais elementos. Com o passar do tempo, foi se verificando que estes membros praticavam condutas fraudulentas e abusivas em nome desta pessoa jurídica. Assim, havendo a necessidade deste estudo e aplicação da responsabilidade tributária in causu, com finalidade apreciar a aplicação da mesma dentro de uma sociedade empresária limitada. Hoje, cabe ao próprio sócio, administrador ou gestor o ônus de provar sua inocência.  Com finalidade de que os membros desta sociedade respondessem por tais condutas e pelas obrigações sociais das referidas pessoas foi criada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, também chamada de disregard doctrine, defendida, inicialmente, no Brasil, por Rubens Requião. Há desconsideração e não anulação ou negação da personalidade jurídica.
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Análise da dignidade humana e justiça social na tributação pátria
Devido à evolução das garantias aos direitos fundamentais, bem como pela importância que os mesmos vem ganhando, o presente trabalho visa analisar se o principio da dignidade humana e a justiça social são observados na tributação pátria, especialmente no tocante aos direitos do contribuinte, questionando-se as políticas públicas de arrecadação de tributos, bem como a existência de uma efetiva redistribuição de renda e contraprestação ao montante arrecadado. Analisa-se a possibilidade de aliar uma tributação razoável, com uma repartição justa da carga tributária entre os contribuintes, à garantia do mínimo existencial ao indivíduo, para que uns não sejam sacrificados em detrimento de outros para custear o funcionamento do Estado.
Direito Tributário
1. DIREITO FUNDAMENTAL À DIGNIDADE HUMANA O princípio da dignidade humana tem valor fundamental e deve estar presente em Estados Democráticos de Direito, pois ele incita a valorização da liberdade, igualdade, respeito ao próximo, justiça, desestimulando condutas violentas, intolerantes, que excluam ou segreguem outros indivíduos socialmente. O direito à dignidade humana, dada sua importância, ganhou caráter universalista quando foi consagrado internacionalmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual dispõe que: “Artigo 1.º – Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. Artigo 2.º – Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania. 1. O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade. 2. No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática. 3. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente aos fins e aos princípios das Nações Unidas.”[1] Destarte, independente de credo, religião, raça ou qualquer outra distinção, os indivíduos são iguais em dignidade e direitos, devendo agir fraternalmente uns com os outros, respeitando os direitos e liberdades individuais e coletivas, bem como adimplindo com seus deveres perante a sociedade; dentre tais deveres pode ser citado o dever de recolher tributos para satisfazer as necessidades do Estado e dos próprios indivíduos, com vistas à consecução do bem comum, devendo o princípio da dignidade humana servir de diretriz para o ordenamento jurídico pátrio, conforme lição de Luis Roberto Barroso: “Não tem sido singelo, todavia, o esforço para permitir que o princípio transite de uma dimensão ética e abstrata para as motivações racionais e fundamentadas das decisões judiciais. […]. A percepção da centralidade do princípio chegou à jurisprudência dos tribunais superiores, onde já se assentou que “a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado democrático de direito, ilumina a interpretação da lei ordinária”. De fato, tem ela servido de fundamento para decisões de alcance diverso, como o fornecimento compulsório de medicamentos pelo Poder Público, a nulidade da cláusula contratual limitadora do tempo de internação hospitalar, a rejeição da prisão por dívida motivada pelo não pagamento de juros absurdos, o levantamento do FGTS para tratamento de familiar portador do vírus HIV, dentre muitas outras.”[2] O conceito de dignidade humana foi construído paulatinamente pelo advento de diversas circunstâncias histórico-sociais, constituindo-se no principal direito para a espécie humana. Sua constitucionalização foi importantíssima para o nosso ordenamento jurídico, como bem observou Luis Roberto Barroso: “A partir de 1988, e mais notadamente nos últimos cinco ou dez anos, a Constituição passou a desfrutar já não apenas da supremacia formal que sempre teve, mas também de uma supremacia material, axiológica, potencializada pela abertura do sistema jurídico e pela normatividade de seus princípios. Com grande ímpeto, exibindo força normativa sem precedente, a Constituição ingressou na paisagem jurídica do país e no discurso dos operadores jurídicos.”[3] Mas, afinal, o que seria o direito da pessoa à dignidade? O que seria considerado uma vida digna? Para Barroso: “O princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação, independentemente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência. […] os princípios, a despeito de sua indeterminação a partir de um certo ponto, possuem um núcleo no qual operam como regras, tem-se sustentado que no tocante ao princípio da dignidade da pessoa humana esse núcleo é representado pelo mínimo existencial. Embora existam visões mais ambiciosas do alcance elementar do princípio, há razoável consenso de que ele inclui pelo menos os direitos à renda mínima, saúde básica, educação fundamental e acesso à justiça.”[4] Como supramencionado por Barroso o núcleo do principio da dignidade da pessoa humana seria o mínimo existencial, logo, para a compreensão da dignidade humana é necessário conceituar tal mínimo necessário para que os indivíduos possuam uma vida digna. Todavia, tal conceito é de difícil delimitação, pois relativo e mutável ao longo do tempo, estritamente ligado à conjuntura social, econômica e política contemporânea, já que as necessidades consideradas vitais hoje não são as da década passada, nem tão pouco do século passado. Entretanto, apesar de tormentosa tarefa de delimitação de tal conceito, competindo ao legislador delinear os parâmetros para a fixação das necessidades básicas do indivíduo, pode-se dizer que o mínimo existencial compreende um conjunto de direitos sociais fundamentais, tais como direito a um sistema de saúde de qualidade, alimentação, educação, moradia, assistência social, segurança, bem como o pleno acesso à justiça, direitos indispensáveis a uma vida com dignidade. Nesta esteira, veja-se o entendimento judicial abaixo transcrito: “[…] A noção de "mínimo existencial", que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). […]. (STF – AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO: ARE 639337 SP , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125)”. Grifo nossos Destarte, para o presente artigo considerar-se-á o princípio da dignidade humana como um conjunto de condições mínimas necessárias à existência do indivíduo, podendo ser de ordem moral, espiritual, física ou biológica, tais quais alimentação, saúde, educação, lazer, acesso à justiça, segurança, moradia, liberdade de culto, de expressão, dentro outros direitos básicos, que devem ser garantidos através de prestações positivas do Estado, cujo qual deve zelar para que os indivíduos não venham a sofrer tratamentos desumanos ou degradantes e punir quando desrespeitados os preceitos constitucionais e direitos fundamentais. Em todos os ramos do Direito nota-se em maior ou menor intensidade a importância dada à dignidade da pessoa humana, a necessidade de resguardá-la. Nesta esteira, vejam-se os ensinamentos de Ferreira dos Santos: “[…] a dignidade da pessoa humana não é uma criação do legislador constituinte, que apenas reconhece a sua existência e sua eminência, pois ela, como a própria pessoa humana, é um conceito a priori. Porém, ao colocá-la como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, transformou-a "num valor supremo da ordem jurídica", ou seja, "não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural", que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais.” (SANTOS, 1999, p. 79) Torna-se, então, imprescindível o reconhecimento da existência e eficácia de um sistema em que os direitos fundamentais voltem-se ao ser humano, com o escopo do ordenamento tornar-se uno e justo, tendo por pressuposto que tais direitos sejam elementos de interpretação e integração do sistema, com vistas à consecução de uma justiça efetiva e impeditiva de tratamentos degradantes, desumanos, violadores do mínimo existencial dos indivíduos. 2. JUSTIÇA SOCIAL Dispõe o art. 3º da Constituição Federal que são objetivos fundamentais do nosso país: construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; garantir o desenvolvimento nacional; bem como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ademais, a Magna Carta, visando consolidar a necessidade da busca de uma sociedade livre, justa e solidária, estabeleceu em seu art. 170 que a ordem econômica tem por finalidade garantir a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando princípios como a redução das desigualdades regionais e sociais. Deste modo, urge trazer a lume o que seria uma sociedade justa e o conceito de justiça social.  Segundo Kolm[5], a justiça deve ser a razão da sociedade, por isso afirma serem os homens livres e iguais em direitos, a partir disto, entende o mesmo que apenas observando-se esta igualdade entre os homens é que será possível existir uma distribuição igualitária e justa. No que tange à justiça social, ela refere-se à possibilidade de ser garantido a todos o mínimo para que satisfaçam às suas necessidades essenciais, sejam elas morais, espirituais ou artísticas. Destarte, ela consiste na busca, através da redistribuição de rendas, de uma vida mais justa e digna a todos, onde se garanta uma vida com o mínimo existencial ao ser humano. Logo, a justiça social está intrinsecamente atrelada à garantia constitucional do mínimo existencial, o qual emana diretamente do postulado do direito fundamental à dignidade humana.  Assim, respeitando-se a dignidade de cada indivíduo e a intangibilidade do mínimo existencial, será feita a justiça social. Neste contexto insere-se o Direito Tributário, já que lhe compete a arrecadação dos valores que custeiam o funcionamento do Estado, como pedra angular neste processo de redistribuição de renda e concretização de uma sociedade justa. Desta forma, pode-se afirmar que conforme previsto na Constituição Federal desde 1988, o Estado deve pautar suas ações de acordo com os ditames da justiça social com o escopo de que todos possam usufruir de um mínimo existencial, para, assim, tornarem-se efetivamente iguais em dignidade e direitos. Todavia, como é cediço, em uma mesma sociedade formada por indivíduos orgânica e fisiologicamente iguais, existem diferenças, quanto as suas personalidades, desejos, sonhos e acima de tudo esforços e oportunidades para atingirem o que almejam. Consoante tal entendimento segue abaixo as lições do Kolm: “As afirmações universais simplistas e reducionistas configuram um dogmatismo injustificado e impossível. Às vezes o trabalho, outras vezes a necessidade, determina o que cada pessoa deve receber (no caso do trabalho, a razão é às vezes moral e não somente tem em vista o incentivo). A igualdade ideal às vezes é de liberdade de troca, outras vezes de rendas satisfatórias, outras, ainda de satisfação. A justiça, portanto, é necessariamente poliarquia moral e racional circunscrita. Somente o método de justiça como justeza e justificação é universal”. (KOLM, 2000, p. 12) Desta forma, alcançar a justiça social não é tratar indivíduos que estejam em situações diferentes de forma igual, como bem explana Sabbag: “É óbvio que, no Estado de Direito, a igualdade jurídica não pode se restringir a uma igualdade meramente formal, vocacionada ao vago plano da abstração, sem interagir com as circunstâncias concretas da realidade social, que lhe permitem, de fato, voltar-se para a efetiva correção das desigualdades, que subjazem ao plano fenomênico do contexto social em que estamos inseridos”. (SABBAG, 2010, p. 133) Logo, é necessário utilizar-se da equidade, tratando-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, para que assim consigamos verdadeiramente atingir a justiça social. 3. ANÁLISE DA TRIBUTAÇÃO PÁTRIA NO TOCANTE AO RESPEITO DA DIGNIDADE HUMANA E JUSTIÇA SOCIAL Nos últimos anos houve uma maior preocupação com a interpretação do Direito Tributário, em virtude do progresso que tem ocorrido no tocante às garantias aos direitos dos contribuintes resguardados pela Constituição Federal e legislação ordinária, bem como pela valorização e respeito da dignidade humana. Em todos os ramos do Direito é dever do intérprete analisar sistematicamente as normas, em consonância com os preceitos da Lei Maior, de forma a harmonizar o texto da legislação ordinária com aquela, adequando-a a realidade e buscando uma maior efetividade dos direitos e garantias fundamentais. No Direito Tributário não seria diferente, por isso este deve ser interpretado de forma a adequá-lo aos anseios e realidade contemporâneos, além de garantir que todos possam ter uma vida digna e seja feita a justiça social, sendo de competência do intérprete tributário a harmonização das normas deste ramo do Direito com as diretrizes traçadas pela Magna Carta. Logo, esse necessita compreender o universo jurídico de forma tridimensional, no tocante às normas, às realidades sociais descritas e que integram tais normas, bem como à justiça realizada pela norma no contexto da realidade social contemporânea. De fato, após o advento da Constituição Federal de 1988 houve uma releitura nos institutos do Direito Tributário, de forma a interpretá-los sob a égide de princípios e preceitos da Lei Maior, como bem descreve Luis Roberto Barroso: “Este fenômeno, identificado por alguns autores como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. Como antes já assinalado, a constitucionalização do direito infraconstitucional não tem como sua principal marca a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma ótica constitucional.[6]” Segundo, João Eloi Olenike[7], presidente do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), a carga tributária no Brasil vem aumentando a cada ano, mas, não há uma contraprestação que justifique o montante arrecadado. Além do mais entre trinta países constatou-se que as mais elevadas cargas tributárias são as do Brasil, em 2012 o brasileiro teve de trabalhar cento e cinquenta dias para pagar os tributos, sendo tal número inferior apenas à Suécia, já que eles precisaram trabalhar cento e oitenta e cinco dias para arcar com seus tributos deste ano. Entretanto, justifica-se o montante arrecadado na Suécia pela efetiva contraprestação dada à população, eles possuem um sistema de saúde eficiente, sendo investidos 9,4 % do PIB (Produto Interno Bruto) neste setor[8], contam ainda com uma alta expectativa de vida além de uma das mais elevadas rendas médias mundiais. Por isso, a realidade social vivida em nosso país, com uma das maiores cargas tributárias, um dos piores índices de desenvolvimento humano e de redistribuição de renda, exige que sejam tomadas medidas visando proteger as necessidades vitais dos indivíduos para que sejam tratados como seres humanos e não apenas como contribuintes, a fim de atender aos dispositivos constitucionais. Mas, será que há observância do princípio da dignidade humana e busca da justiça social na tributação pátria? A tributação é uma forma de controle da liberdade individual, suas normas tem caráter cogente, tal coação visa garantir o bem comum e indiretamente tenta incentivar a solidariedade entre a sociedade, é um instrumento de estímulo ou desestímulo de condutas. Deste modo, o Direito tributário é uma expressão da soberania estatal. Completando tal entendimento, veja-se a lição de Sabbag: “Cria-se, desse modo, o cenário afeto à invasão patrimonial, caracterizadora do mister tributacional, em que o Estado avança em direção ao patrimônio do súdito, de maneira compulsória, a fim de que logre retirar uma quantia, em dinheiro, que se intitula tributo, carreando-o para os seus cofres. Tal invasão é inexorável, não havendo como dela se furtar, exceto se o tributo apresentar-se ilegítimo, i.e., fora dos parâmetros impostos pela norma tributária, mostrando-se constitucional ou não, o que poderá ensejar a provocação do Poder Judiciário, no intuito de que se proceda à correção da situação antijurídica.” (SABBAG, 2010, p. 38) Tal compulsoriedade na cobrança dos tributos está expressamente prevista no art. 3º do Código Tributário Nacional, o qual descreve o conceito de tributo, transcrito ipsis litteris: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. É cediço que o Estado para manter-se precisa da captação de receitas para desta forma poder oferecer serviços para satisfazer as necessidades da coletividade, tendo como principal fonte de custeio desta estrutura o montante resultante da arrecadação de tributos. Destarte, a tributação é necessária para que o Estado consiga atingir seus objetivos, por isso, pode-se considerar que ela tem fins éticos, quais sejam: manter o funcionamento do Estado e buscar o bem comum, tendo por pressuposto a repartição dos encargos financeiros do Estado entre os cidadãos. Nesta esteira, veja-se Ricardo Lobo Torres apud Roberto Wagner Lima Nogueira: “ […] ela vai buscar fora de si, na ética e na filosofia, os seus fundamentos e a definição básica dos valores. Temas como o da justiça fiscal, da redistribuição de rendas, do federalismo financeiro, da moralidade nos gastos públicos voltam a ser examinados sob a perspectiva da Ética, da Filosofia Política e da Teoria da Justiça, que recuperam o seu prestígio nos últimos anos.”[9] Mas, em um Estado Democrático de Direito esta tributação deve ser justa, buscando-se sempre melhorar a distribuição da carga tributária, devendo ser esta proporcional à capacidade contributiva dos indivíduos, de modo a garantir um mínimo existencial a todos. Ademais, acima de tudo o contribuinte é um indivíduo que merece ter uma vida digna e seus direitos resguardados. Outrossim, é de fundamental importância observar que tanto quanto em outros ramos do Direito é necessário que o contribuinte seja tratado com equidade, tratando-se os iguais igualmente e os desiguais desigualmente na medida de suas desigualdades. Por isso, os Poderes Públicos ao criar as leis e exigir os tributos e o intérprete tributário ao subsumir o fato à norma devem respeitar princípios como a legalidade, capacidade contributiva, vedação do confisco, proporcionalidade, moralidade, razoabilidade, dentre outros para que se atendam necessidades vitais como saúde, segurança pública, educação, lazer, acesso à justiça. Insta salientar que o poder de tributar do Estado não é ilimitado, existindo limitações na própria Constituição Federal que regulam o referido poder. Na Magna Carta há mecanismos que visam aferir a capacidade do indivíduo para mensurar quanto deve pagar relativamente a cada tributo, ademais, tenta-se com estes mecanismos onerar de forma proporcional os contribuintes e assim permitir que eles tenham uma vida minimamente digna, isto é, que lhes restem recursos financeiros suficientes para empregar na alimentação, saúde, educação, moradia, lazer, segurança, direitos sociais mínimos que deveriam ser garantidos a todos. Acerca da aferição desta capacidade econômica do contribuinte, denominado princípio da capacidade contributiva, dispõe o § 1º do art. 145 da CF, ipsis litteris: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” O principio da capacidade contributiva, considerado um meio de se instrumentalizar o princípio da isonomia, trata-se de um critério justo de distribuição da carga tributária, em que é aferida a capacidade econômica do contribuinte, o qual é tributado em valor proporcional a suas rendas, com o escopo de alcançar a justiça social, devendo ser aplicado pelos operadores do direito. Um bom exemplo dessa aferição ocorre com o IR (Imposto de renda), em que o Estado estabelece uma faixa de isenção para aqueles que recebem até determinado valor. Tendo como característica ser um tributo progressivo, isto é, quanto maior a renda auferida, maior é a alíquota do imposto, tendo este tributo cinco faixas de tributação, incluindo a faixa de isenção. Apesar do art. 145 da Magna Carta referir-se apenas aos impostos, deve-se dar ao referido dispositivo interpretação extensiva[10] aos demais tributos, quais sejam: taxas, contribuição de melhoria, contribuições e empréstimo compulsório. Neste sentido, veja-se o entendimento de Sabbag, segundo o qual “[…], estamos que o princípio da capacidade contributiva deve, evidentemente, ser observado, também, por outros tributos, obedecendo, todavia, às peculiaridades de cada espécie” (SABBAG, 2010, p. 156). A partir deste princípio não pode o Estado, sob pena de transgredir também o princípio do não confisco, previsto no art. art. 150, inciso IV, da Constituição Federal, impor uma carga tributária superior à capacidade do indivíduo e o impeça de exercer seu direito de propriedade. Logo, a cobrança de tributos não pode ser feita em detrimento de outros direitos fundamentais como a dignidade humana. Entretanto, a mensuração da capacidade contributiva encontra alguns óbices, principalmente no tocante aos tributos indiretos. Consideram-se indiretos aqueles tributos em que há a possibilidade de transferência do encargo financeiro a outrem, geralmente, o consumidor final, que adquire o bem. Já os tributos diretos não admitem essa transferência, o encargo do tributo recai sobre um único contribuinte. Destarte, como nos tributos indiretos há esta possibilidade de transferência do ônus tributário, a capacidade econômica não irá ser aferida quanto à pessoa do contribuinte, mas sim quanto à utilidade social do bem, através da técnica da seletividade. A seletividade é uma técnica informadora principalmente do ICMS (Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) e do IPI (Imposto sobre produtos industrializados), que visa adequar a incidência das alíquotas conforme a essencialidade do bem. Desta forma, bens como alimentos e vestuário tem uma alíquota menor do que cigarros, bebidas alcoólicas e lanchas, tendo em vista a nocividade e superfluidade dos referidos bens. Além desta limitação ao poder de tributar quanto à mensuração da capacidade do contribuinte, existem outras, como impossibilidade do confisco, a preservação do mínimo existencial, atendimento ao princípio da justiça tributária, isonomia, anterioridade da lei tributária, distribuição equitativa da carga tributária, os quais impossibilitam que a tributação onere excessivamente o indivíduo. Outrossim, deve haver o respeito irrestrito aos direitos fundamentais e garantias constitucionais. É o que se vislumbra na Lei 7.713/88, a qual prevê que os rendimentos recebidos por pessoa física serão isentos do Imposto de Renda, caso o indivíduo seja portador de neoplasia maligna, hanseníase, esclerose múltipla, cardiopatia grave, dentre outras doenças, tendo em vista à necessidade de se preservar a dignidade humana do indivíduo, que nesses casos despendem muito dinheiro em seu tratamento. Nesta esteira, veja-se a atualizada jurisprudência pátria: “Mandado de Segurança. Isenção de imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria. Neoplasia maligna. Art. 6o, XIV, da Lei 7.713/88. Desnecessidade de demonstração da atualidade da moléstia. Sacrifícios e tormentos que se prolongam no tempo. Necessidade de atender ao princípio da dignidade da pessoa humana no patamar mínimo existencial. Segurança concedida. (MS 933722320118260000 SP 0093372-23.2011.8.26.0000, TJSP, Relator: Caetano Lagrasta. Data de Julgamento: 15/02/2012, Órgão Especial, Data de Publicação: 02/03/2012)”. Grifos nossos. Como supramencionado, o tributo tem uma finalidade fiscal de captação de recursos, mas possui também uma finalidade extrafiscal, qual seja: buscar o desenvolvimento socioeconômico, a redistribuição de riquezas, regular a economia, através de instrumentos tributários capazes para estimular e desestimular comportamentos. Contudo, cumpre salientar que a extrafiscalidade dos tributos tem caráter de exceção, destinada a atender as necessidades da sociedade, tendo em vista que a regra para a tributação é a captação de recursos para financiamento do Estado. É mister reconhecer que a captação de recursos por parte do Estado não vem sendo utilizadas como deveriam, para bem satisfazer os indivíduos. Apesar da elevada carga tributária, nosso Estado não conta com uma ampla rede de saúde em plenas condições de funcionamento, o saneamento básico é precário, não há uma correspondente contraprestação aos valores captados sob o título de tributos. Ademais, no Brasil há proporcionalmente uma maior carga tributária sobre as pessoas que ganham menos e uma evidente omissão legislativa quanto a um imposto previsto na Constituição Federal no art. 153, inciso VII, o imposto de competência da União sobre as grandes fortunas, que deveria ter sido regulado por lei complementar, mas até hoje não o foi, apesar de existir projeto de lei tramitando com a tentativa de regulamentá-lo. Note-se o entendimento de Sabbag: “O Brasil possui uma carga tributária elevada e em ascensão, e sua distribuição pela sociedade beneficia quem ganha mais, e, de modo perverso, sacrifica quem ganha menos” (SABBAG, 2010, p. 176). Entretanto, não se deve generalizar, pois quando os recursos captados mediante a cobrança de tributos são aplicados para a assistência social, a fim de promover o combate à fome, à miséria, amparar crianças e adolescentes carentes, bem como garantir um salário mínimo às pessoas portadoras de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios suficientes para garantir sua subsistência, há uma efetiva redistribuição de renda. Logo, é feita a justiça social, garantindo àqueles que não dispõem das mínimas condições existenciais possam ter um alimento para comer, uma roupa para vestir, é uma tentativa de promoção da inclusão social. Ressalte-se que as medidas consideradas assistencialistas, como programas sociais tais qual o Bolsa Família, defendidas ferrenhamente por uns e atacadas por outros, por vezes tem sido a válvula de escape para as diversas falhas do sistema político. Apesar de tais medidas não resolverem efetivamente os problemas da sociedade, mas garantem que de certa forma, seja feita justiça social, pois às famílias necessitadas é garantido um mínimo de condições de sobrevivência, significando, às vezes, que tenham pelo menos um alimento para oferecer aos seus filhos. CONSIDERAÇÕES FINAIS À luz do supraexposto, vislumbrou-se que a tributação ocorre não apenas para custear o funcionamento do Estado, mas sim para satisfazer as necessidades da coletividade e, assim, atingir o tão almejado bem comum. Todavia, apesar dos instrumentos constantes na Constituição para garantir a dignidade humana do contribuinte e, consequentemente, a justiça social, não há uma efetiva contraprestação do Estado que justifique a carga tributária suportada atualmente pelos brasileiros. Embora seja a finalidade da ordem econômica realizar a justiça social e um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, prevista na Lei Maior, a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como redução das desigualdades sociais e regionais, pouco tem sido feito para efetivamente diminuir as disparidades existentes no país. De fato, é necessária uma reforma tributária para que se desonere a parte menos favorecida da população, que proporcionalmente é quem suporta uma maior carga tributária, bem como de uma reforma política, para que os recursos captados com a tributação sejam utilizados para bem satisfazer as necessidades coletivas. Destarte, constata-se que a justiça é resultante das preferências econômicas e determinações da estrutura política do Estado. Logo, é mister reconhecer que o jurídico é condicionado pela conjuntura política, econômica e social.
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A nova contribuição sobre a receita bruta em substituição à contribuição patronal para as empresas de Tecnologia da Informação – TI e Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC
O presente estudo objetiva analisar a nova contribuição trazida pela Lei Federal nº 12.546/11, incidente sobre a receita bruta e substitutiva da patronal (20%) para as empresas de Tecnologia da Informação – TI e Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC. A partir de 1º de Dezembro de 2011, as empresas que prestam exclusivamente os serviços de Tecnologia da Informação – TI e Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC, deixaram de pagar a contribuição previdenciária prevista nos incisos I e II do art. 22 da Lei n.º 8.212/91, para contribuírem na forma da MP 540/2011 convertida na Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011 (2,5% sobre a receita bruta).  Logo depois, adveio a Medida Provisória nº 563, de 03 de abril de 2012, convertida na Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012, que trouxe mais inovações. Diante dessas medidas provisórias e leis que criaram a contribuição substitutiva da patronal é que teceremos nossas considerações, com destaque à regra de retenção que essas empresas estavam subordinadas e que restou, num primeiro momento, alterada com as inovações havidas.
Direito Tributário
Introdução O governo com intuito de implementar uma política de ajustes econômicos vem desonerando a folha de salários para determinados setores da economia, de modo que haja uma redução na carga tributária, com intuito de manter o desenvolvimento econômico e proporcionar a geração de empregos, amenizando os efeitos do atual estágio de dificuldades porque passam as empresas. Dentre os setores beneficiados com a desoneração da folha de salários estão as empresas de Tecnologia da Informação – TI e Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC. A Medida Provisória nº 540/2011, convertida na Lei 12.546 de 14 de dezembro de 2011, trouxe nova contribuição em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. O governo afastou a então contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento e estabeleceu uma nova contribuição sobre a receita bruta das referidas empresas. Assim, a partir de 1º de Dezembro de 2011, a empresas que prestam exclusivamente os serviços de Tecnologia da Informação – TI e Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC, não estão mais obrigadas a recolher a contribuição previdenciária prevista nos incisos I e III do art. 22 da Lei n.º 8.212/91. Em contrapartida, as respectivas empresas passaram a contribuir com a alíquota de 2,5% sobre o valor da receita bruta auferida, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos. A fim de implementar novas alterações, adveio a Medida Provisória nº 563, de 03 de abril de 2.012, que dentre outras mudanças, estabeleceu nova alíquota para aquela contribuição substitutiva da patronal no importe de 2% sobre a receita bruta. Continuando as modificações, na conversão da referida medida provisória, a Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012, trouxe mais inovações. A nova contribuição nada obstante os benefícios que trouxe aos setores econômicos atingidos, deparou-se com o confronto da manutenção ou não do regramento da retenção de 11%, estipulada pelo art. 31 da Lei n.º 8.212/91, que até então era aplicada para aqueles que prestavam serviços com cessão de mão de obra dos referidos setores. A Medida Provisória 540/2011 ao estabelecer a nova contribuição nada mencionou quanto à retenção, ficando sem qualquer disciplinamento até o advento da Lei nº 12.715 de 17 de setembro de 2012. Nesse contexto, analisaremos essa nova contribuição com suas sucessivas alterações legislativas, bem como a dúvida vivenciada pelas empresas até o advento da Lei nº 12.715/2012, quanto ao regramento da retenção que as empresas de Tecnologia da Informação – TI e Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC estavam submetidas. 1. Da legislação quanto à tributação sobre a folha de salários e a nova contribuição para as empresas de TI e TIC A Lei nº 8.212 de 24 de julho de 1991 traz em seu art. 22, a contribuição a cargo da empresa e destinada à Seguridade Social. Fixa a contribuição patronal incidente sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos (inciso I) e aos contribuintes individuais (inciso III), no importe de 20% (vinte por cento). Nessa sistemática de recolhimento da contribuição patronal, as empresas que desenvolvem os serviços de Tecnologia da informação – TI e da Tecnologia e Comunicação – TIC, sujeitavam-se à referida exação, inclusive sofria a retenção, por parte da sua contratante ou tomadora de serviços, da alíquota de 11% (onze por cento) incidente sobre o valor total da nota fiscal emitida ou fatura de serviços, por imposição do art. 31 da Lei 8.212/91. A Medida Provisória n.º 540 de 02 agosto de 2011 convertida na Lei 12.546 de 14 de dezembro de 2011, promoveu alterações na legislação tributária que atingiram as empresas de TI e TIC, desonerando a folha de salários, prevendo uma nova contribuição, com nova base de cálculo e alíquota, silenciando-se quanto ao regramento da retenção, vejamos: “Art. 7º – Até 31 de dezembro de 2012, a contribuição devida pelas empresas que prestam exclusivamente os serviços de tecnologia da informação – TI e tecnologia da informação e comunicação – TIC, referidos no § 4o do art. 14 da Lei no 11.774, de 2008, incidirá sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento).  Parágrafo único.  Durante a vigência deste artigo, as empresas abrangidas pelo caput não farão jus às reduções previstas no caput do art. 14 da Lei no 11.774, de 2008.” A partir de 1º de Dezembro de 2011, as empresas que prestam exclusivamente os serviços de TI e TIC, passaram então a não mais recolher a contribuição previdenciária prevista nos incisos I e III do art. 22 da lei n.º 8.212/91, mas sim, a contribuir com a alíquota de 2,5% sobre o valor da receita bruta auferida, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos. Pelo dispositivo citado, as empresas de TI e TIC efetivamente foram beneficiadas com a substituição da contribuição patronal pela incidente sobre a receita bruta. Na própria exposição de motivos[1] o governo claramente expôs o intuito de fomentar o crescimento dos referidos setores e incentivar a formação de relações de trabalho. A Medida Provisória nº 540/2011 convertida na Lei 12.546 de 14 de dezembro de 2011, ao delimitar seu âmbito de abrangência às empresas que prestam exclusivamente os serviços de TI e TIC, faz referência ao disposto no § 4o do art. 14 da Lei no 11.774, de 2008, que dispõe in verbis: “Art. 14: (…) § 4o  Para efeito do caput deste artigo, consideram-se serviços de TI e TIC: I – análise e desenvolvimento de sistemas; II – programação; III – processamento de dados e congêneres; IV – elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos; V – licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação; VI – assessoria e consultoria em informática; VII – suporte técnico em informática, inclusive instalação, configuração e manutenção de programas de computação e bancos de dados; e VIII – planejamento, confecção, manutenção e atualização de páginas eletrônicas”. O art. 7º estabelece que serão abrangidas pela substituição que menciona, as empresas que desenvolvam os serviços de Tecnologia da informação – TI e  Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC, cujas atividades desenvolvidas constam do § 4o do art. 14 da Lei no 11.774, de 2008. A Lei nº 12.546/2011 que converteu a MP 540/11, estendeu o prazo de vigência da contribuição substitutiva: “Art. 7º – Até 31 de dezembro de 2014, a contribuição devida pelas empresas que prestam exclusivamente os serviços de Tecnologia da Informação (TI) e de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), referidos no § 4o do art. 14 da Lei no 11.774, de 17 de setembro de 2008, incidirá sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento).” Posteriormente, nova medida provisória (Medida Provisória nº 563, de 03 de abril de 2.012), estabeleceu a contribuição substitutiva também ao setor hoteleiro: “Art. 45 – Os arts. 7º a 10 da Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, passam a vigorar com a seguinte redação:  "Art. 7º – Até 31 de dezembro de 2014, contribuirão sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de dois por cento, as empresas que prestam os serviços referidos nos §§ 4º e 5º do art. 14 da Lei nº 11.774, de 2008, e as empresas do setor hoteleiro enquadradas na subclasse 5510-8/01 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0).” E, por fim, a lei que converteu a MP 563/12 (Lei nº 12.715 de 17 setembro de 2012), estendeu a diversos outros setores a substituição do pagamento da contribuição patronal incidente sobre a folha de salários pela nova contribuição de 2,0% incidente sobre a receita bruta, além de trazer regramento sobre a retenção: “Art. 55 – A Lei no 12.546, de 14 de dezembro de 2011, passa a vigorar com as seguintes alterações: Vigência e produção de efeito” "Art. 7º – Até 31 de dezembro de 2014, contribuirão sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de 2% (dois por cento): I – as empresas que prestam os serviços referidos nos §§ 4o e 5o do art. 14 da Lei no 11.774, de 17 de setembro de 2008; II – as empresas do setor hoteleiro enquadradas na subclasse 5510-8/01 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE 2.0;  III – as empresas de transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal, intermunicipal em região metropolitana, intermunicipal, interestadual e internacional enquadradas nas classes 4921-3 e 4922-1 da CNAE 2.0. § 6º  No caso de contratação de empresas para a execução dos serviços referidos no caput, mediante cessão de mão de obra, na forma definida pelo art. 31 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, a empresa contratante deverá reter 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços." Veja-se que diferentemente das outras normas trazidas anteriormente sobre a nova contribuição, a Lei nº 12.715 de 17 setembro de 2012 inovando, trouxe uma regra de retenção para a nova contribuição. Assim, da MP 540 de 02 de agosto de 2011 até o advento da Lei nº 12.715 de 17 setembro de 2012, nada tinha sido disciplinado quanto à necessidade de retenção pelos contratantes ou tomadores de serviços, previsão que existia somente na Lei nº 8.212/91 (contribuição patronal). Vejamos como ocorria a retenção pelos tomadores de serviços. 2. Da retenção de 11% por parte dos tomadores de serviços – art. 31 da lei nº 8.212/91, a que se submetiam as empresas de TI e TIC Após estabelecer a contribuição patronal em seu art. 22, a Lei 8.212/91 prescreveu no art. 31, a obrigatoriedade da retenção da alíquota de 11% (onze por cento) por parte do contratante ou tomador de serviços, incidente sobre o valor total da nota fiscal emitida ou fatura de serviços, para todos os serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho temporário. As empresas que desenvolvem os serviços de TI e TIC, comumente o fazem mediante à cessão de mão-de-obra, sujeitando-se, portanto, à retenção da Lei nº 8212/91:   “Art. 31. A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter onze por cento do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher a importância retida até o dia dois do mês subseqüente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, em nome da empresa cedente da mão-de-obra, observado o disposto no § 5º do art. 33.”[2] Essa era a sistemática imposta até o advento da Medida Provisória nº 540/2011 convertida na Lei 12.546 de 14 de dezembro de 2011, impondo-se aos tomadores de serviços, por meio do regime de substituição tributária, que promovessem a retenção de 11% sobre o valor total da nota fiscal ou fatura de serviço, quando a prestação do serviço é efetivada mediante a cessão de mão de obra. Com a nova contribuição a que se submeteram as empresas de Tecnologia da Informação – TI e Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC, nada obstante os benefícios trazidos, deparou-se com o confronto da manutenção ou não da regra de retenção de 11%, do art. 31 da Lei nº 8212/91, que até então era aplicada para tais empresas. A contribuição social incidente sobre a folha de salários encontra supedâneo no art. 195, inciso I, da Constituição Federal.  Por sua vez, a Lei Federal nº 8.212/91, em seu art. 22, traz a contribuição a cargo das empresas no importe de vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título. A Lei Federal nº 8.212/91 em seu capítulo sobre a arrecadação e recolhimento das contribuições, inicialmente trouxe a responsabilidade solidária entre o contratante e o executor dos serviços. Posteriormente, houve a alteração do texto do art. 31 pela Lei nº 9.711/98, que com fundamento no art. 150, § 7º da CF/88, criou o pagamento antecipado da contribuição social devida pelas empresas prestadoras de serviço mediante cessão de mão-de-obra ou trabalho temporário, utilizando-se do regime de substituição tributária. Com a redação do art. 31 da Lei nº 8.212/91, as empresas tomadoras de serviço foram obrigadas a proceder a retenção de 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher, em nome da empresa cedente da mão de obra. A inovação, segundo o Poder Público, tinha por escopo evitar a evasão, pois empresas prestadoras de serviços não recolhiam a contribuição incidente sobre a remuneração dos segurados a seu serviço. Eis a justificativa da existência da antecipação do pagamento. A empresa contratante passou, então, a ser responsável tributária, nos moldes da responsabilidade por substituição prescrita no art. 128 do CTN, tendo o dever de reter, mediante destaque na nota fiscal ou fatura de serviço, o percentual de 11% sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e, posteriormente, repassar ao sujeito ativo da obrigação tributária. Nada obstante a retenção havida pelo tomador do serviço, o próprio art. 31 em seus §1º e §2º da Lei nº 8.212/91, permite que o contratado realize a compensação do valor retido com o valor devido pelo mesmo, quando do recolhimento mensal da contribuição social.  Após realizada a compensação mencionada, acaso a empresa cedente de mão de obra verificasse que havia saldo positivo em seu favor, crédito portanto, deveria proceder ao pedido administrativo de restituição. Podemos verificar que o legislador estabeleceu a substituição tributária para a contribuição social devida pela empresa (sobre a folha de salários), determinando a retenção de 11% sobre o valor total da prestação de serviço, mediante destaque na nota fiscal ou fatura de serviço, com posterior compensação entre o valor retido e aquele que será objeto de pagamento pelo mesmo tributo. Nesse cenário, tem-se uma sistemática de recolhimento antecipado da contribuição social por intermédio da substituição tributária para frente, já que a cobrança se dava de modo antecipado, ou seja, antes da ocorrência de sua hipótese de incidência, qual seja, o pagamento da folha de salários. Destarte, não havia qualquer substituição da tributação da contribuição social em si, mas apenas uma antecipação do pagamento com posterior ajuste com o que seria devido pela empresa a título de contribuição social a cargo da empresa (20% sobre a folha de salários). A par dessa não substituição da tributação, mas mera antecipação, frente à substituição da tributação sobre folha de salários trazida pela Medida Provisória 540/2011, temos que o dever de retenção pelo tomador de serviço, nos casos aludidos, não mais persistia após o advento da referida medida provisória e antes da Lei nº 12.715/2012. A Medida Provisória 540/2011, em seu art. 7º, instituiu uma contribuição substitutiva para aquela então incidente sobre a folha de salários: a contribuição devida pelas empresas que prestam exclusivamente os serviços de tecnologia da informação – TI e tecnologia da informação e comunicação – TIC, referidos no § 4o do art. 14 da Lei no 11.774, de 2008, incidirá sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento). Verifica-se que a contribuição terá como base de cálculo a receita bruta e a alíquota a incidir será de 2,5%. Essa contribuição, conforme expressamente estabelecido pela Medida Provisória, substituirá às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei no 8.212/91. A mencionada substituição significa que as empresas de TI e TIC não mais se sujeitarão ao recolhimento: “[…] vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.” (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999). Assim, embora houvesse a antecipação do pagamento da contribuição da folha sobre salários por meio do recolhimento/retenção de 11% sobre o valor total da nota fiscal ou fatura de serviço (base estimada), certo é que posteriormente havia o ajuste que se realizava sobre a folha de salários (base de cálculo da contribuição patronal). Diferentemente, estabeleceu a MP 540/2011, que tratou de expressamente consignar a substituição da base de cálculo para o recolhimento das contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991 (folha de salários), para passar a ser a receita bruta da empresa, trazendo nova contribuição e afastando a então vigente sobre a folha de salários. Temos, por conclusão, repita-se, que naquele período (após a MP 540/11 e antes da Lei 12.715/12), as empresas de TI e TIC não estavam sujeitas ao pagamento da contribuição previdenciária prevista nos incisos I e II do art. 22 da lei n.º 8.212/91, nos termos nela prescrita, sendo substituída pela sistemática da MP 540, sendo, portanto, indevida qualquer retenção quanto à referida contribuição previdenciária pelos tomadores de serviços. Em sede de decisão sobre pedido de tutela recursal, o desembargador Peixoto Junior da segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região assim se manifestou: “[…] presente também o requisito de lesão grave e de difícil reparação diante do desembolso de valores decorrente da retenção pelos contratantes de serviço de contribuição que nada por autoriza concluir seja devida, reputo preenchidos os requisitos do art. 558 do CPC e defiro o pedido de efeito suspensivo ao recurso”.[3] A fim de corroborar com o aludido entendimento, basta analisarmos o que ocorre com as Microempresas (ME) e as Empresas de Pequeno Porte (EPP) optantes pelo Simples Nacional que prestam serviços mediante cessão de mão de obra ou empreitada. Para essas, não há a retenção previdenciária dos 11% sobre o valor bruto da nota fiscal, da fatura ou do recibo de prestação de serviços. A dispensa se encontra justamente na falta de compatibilidade entre os modos de recolhimento dos tributos devidos pelas empresas. A retenção em questão é regra geral e aplicada desde que possa haver compatibilidade com a sistemática de arrecadação de casos específicos, bem como com as previsões normativas havidas. Vejamos a decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto: “TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇO OPTANTES PELO SIMPLES. RETENÇÃO DE 11% SOBRE FATURAS. ILEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA. PRECEDENTE DA 1a SEÇÃO (ERESP 511.001/MG). 1. A Lei 9.317/96 instituiu tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, simplificando o cumprimento de suas obrigações administrativas, tributárias e previdenciárias mediante opção pelo SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições. Por este regime de arrecadação, é efetuado um pagamento único relativo a vários tributos federais, cuja base de cálculo é o faturamento, sobre a qual incide uma alíquota única, ficando a empresa optante dispensada do pagamento das demais contribuições instituídas pela União (art. 3o, § 4o). 2. O sistema de arrecadação destinado aos optantes do SIMPLES não é compatível com o regime de substituição tributária imposto pelo art. 31 da Lei 8.212/91, que constitui "nova sistemática de recolhimento" daquela mesma contribuição destinada à Seguridade Social. A retenção, pelo tomador de serviços, de contribuição sobre o mesmo título e com a mesma finalidade, na forma imposta pelo art. 31 da Lei 8.212/91 e no percentual de 11%, implica supressão do benefício de pagamento unificado destinado às pequenas e microempresas. 3. Aplica-se, na espécie, o princípio da especialidade, visto que há incompatibilidade técnica entre a sistemática de arrecadação da contribuição previdenciária instituída pela Lei 9.711/98, que elegeu as empresas tomadoras de serviço como responsáveis tributários pela retenção de 11% sobre o valor bruto da nota fiscal, e o regime de unificação de tributos do SIMPLES, adotado pelas pequenas e microempresas (Lei 9.317/96). 4. Recurso especial desprovido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08.”[4] (grifo nosso) O ministro Teori Albino Zavascki citou em seu voto no Recurso Especial acima mencionado diversos julgados no mesmo sentido, que confirmam que a sistemática do Simples é diferente não se compatibilizando com a sistemática do recolhimento dos 11%: “Tal sistema de arrecadação é incompatível, consequentemente, com aquele outro regime de substituição tributária imposto pelo art. 31 da Lei 8.212/91, que, conforme esclarece o próprio INSS em sua contestação (fls.53/71), se constitui numa "nova sistemática de recolhimento" daquela mesma contribuição destinada à Seguridade Social. Daí porque a retenção, pelo tomador de serviços, de contribuição sobre o mesmo título e com a mesma finalidade, na forma imposta pelo art. 31 da Lei 8.212/91 e no percentual de 11%, além de implicar supressão do benefício de pagamento unificado destinado às pequenas e microempresas, importaria arrecadação do mesmo tributo.” Comparando o caso em tela ao do SIMPLES, percebe-se evidente similitude entre ambos, na medida em que, nas duas hipóteses, em lugar da retenção de 11%, passou-se a computar um determinado percentual sobre o faturamento e exigir o valor correspondente diretamente da empresa contribuinte/prestadora de serviços, ocorrendo, consoante os termos utilizados pelo próprio STJ, evidente “incompatibilidade técnica” entre a retenção ordinária e o recolhimento diferenciado de tributo incidente sobre o faturamento. A mencionada “incompatibilidade técnica” reside no fato de que, enquanto no regime ordinário de recolhimento (que inclui a retenção de 11%) é considerada uma mera estimativa da base de cálculo, no regime diferenciado estabelecido pela nova contribuição, a base de cálculo é verificável de plano. Isto é, no regime ordinário, é estimada uma proporção entre o valor da nota fiscal e a base de cálculo (de modo a determinar a retenção em percentual inferior à alíquota da contribuição ao INSS), enquanto que, no caso em tela (assim como no do SUPERSIMPLES) a base de cálculo (faturamento) não é estimada, mas sim real. É por tal motivo que se diz incompatível a aplicação da retenção em operações realizadas pelas empresas de TI e TIC, pois tal medida levaria em consideração apenas uma estimativa da base de cálculo, enquanto que, pela nova contribuição, esta é auferível de plano, não havendo que se falar em simples estimativa. Neste cenário, portanto, não há plausibilidade técnica e jurídica para se estabelecer retenção de valor meramente estimado, visto que o valor do tributo é verificável prima facie, motivo pelo qual a retenção não mais pode persistir. Deveras, pela antiga sistemática havia o recolhimento antecipado sobre o valor bruto das notas fiscais emitidas, compensando-se com o valor efetivamente recolhido pela empresa sobre a folha de salários. Com a nova sistemática, o recolhimento comporta uma única base de cálculo. Na mesma linha de raciocínio constante do acórdão citado, destacamos o princípio da especialidade, de modo que prevalece apenas a sistemática da MP 540/2011, que trouxe tratamento diferenciado e especial para empresas de TI e TCI, unificando o modo de recolhimento para não mais incidir sobre a folha de salários para incidir sobre a receita bruta. 2.1. Ausência de previsão legal determinando a retenção da nova contribuição pelos tomadores de serviços até o advento da Lei nº 12.715/2012 Em regra, a responsabilidade do recolhimento dos tributos recai sobre os seus sujeitos passivos, entretanto, esse regramento cede para os casos em que a lei estabelecer normas de substituição tributária, como é o caso da retenção ora abordada, em que pessoa diversa do contribuinte se responsabiliza pelo recolhimento do tributo. O art. 121 do CTN prescreve quando pessoas diversas do contribuinte podem ser consideradas sujeito passivo de obrigação tributária: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.” PAULSEN, citando MORAES, leciona que “Em relação ao responsável tributário, o vínculo surge da lei específica e não da lei que define o fato gerador da obrigação tributaria” [5]. O art. 128 do CTN também disciplina o tema, determinando que, para atribuir responsabilidade tributária a terceiros, se faz necessário que seja promulgada lei: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referia obrigação.” PAULSEN, citando MARTINS, comenta o dispositivo supra afirmando que a disposição legal para estender a responsabilidade tributária deve ser expressa e clara: “[…] esta escolha de um terceiro somente pode ser feita se clara, inequívoca e cristalinamente exposta na lei. Uma responsabilidade, entretanto, sugerida, indefinida, pretendidamente encontrada por esforço de interpretação nem sempre juridicamente fundamentado, não pode ser aceita, diante da nitidez do dispositivo, que exige deva a determinação ser apresentada ‘de forma expressa’.”[6] A Medida Provisória 540/2011 ao estabelecer a nova contribuição nada mencionou quanto à retenção pelos tomadores dos serviços, ficando sem qualquer disciplinamento até o advento da Lei nº 12.715 de 17 de setembro de 2012. Assim, conjugando ambas as premissas fixadas a partir dos dispositivos legais citados, i) a contribuição implementada pela Lei 12.546/11 é diversa da prevista na Lei 8.212/91, e esta veio a ser substituída; e ii) a obrigação de retenção deve ser expressamente prevista em Lei, conclui-se que, inexistindo norma alguma que obrigue os tomadores de serviço a realizar a retenção da nova contribuição sobre o faturamento, inexiste a possibilidade de se reconhecer a substituição tributária quanto à mencionada contribuição e, consequentemente, não há que se falar em retenção. A norma que determina a retenção das contribuições sobre a folha de pagamento, que incidia antes da nova contribuição não é aplicável a esse novo tributo, já que a mencionada substituição tributária não contempla a contribuição sobre a receita bruta, da qual empresas de TI e TIC são sujeitos passivos. O art. 31 da Lei 8.212/91, no capítulo que regulamenta a arrecadação e recolhimento das contribuições, determinou a retenção de 11% do valor das notas fiscais de prestação de serviços: “Art. 31. A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão de obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher, em nome da empresa cedente da mão de obra, a importância retida até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, ou até o dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele dia, observado o disposto no § 5o do art. 33 desta Lei.” Percebe-se, portanto, que a norma de retenção acima transcrita não é aplicável à contribuição objeto da Lei 12.546/11, incidente sobre o faturamento à alíquota de 2,5%, mas apenas à contribuição ordinária, prevista na Lei 8.212/91. Ao analisarmos o dispositivo acima com o §1º, verificamos claramente que esse associa a retenção de 11% à contribuição incidente sobre a folha de pagamentos – na medida em que inclusive admite a compensação entre ambos – percebe-se ainda mais claramente que a norma de retenção em comento diz respeito exclusivamente à contribuição estatuída pela Lei 8.212/91. Logo, inexiste norma que determine a retenção da contribuição incidente sobre a receita bruta: “§ 1º O valor retido de que trata o caput deste artigo, que deverá ser destacado na nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, poderá ser compensado por qualquer estabelecimento da empresa cedente da mão de obra, por ocasião do recolhimento das contribuições destinadas à Seguridade Social devidas sobre a folha de pagamento dos seus segurados.” E ainda sequer podemos cogitar na possibilidade de se entender que poderia haver simplesmente uma redução do valor da retenção. A situação seria um despautério, pois estar-se-ia diante da adoção de duas medidas que não se encontram previstas em Lei: além de realizar retenção se valendo de norma aplicável apenas a tributo diverso, o faria utilizando de percentual diverso do previsto na mencionada lei, não se podendo falar, portanto, em retenção nem mesmo no percentual de 2,5% ou 2%. Destarte, não se tinha a aplicação da regra de retenção, diante da evidente ausência de previsão legal para se obrigar a realização da retenção até o advento da Lei nº 12.715/2012. 2.2. Impossibilidade de retenção sobre pagamentos realizados referente a tributo do qual o sujeito não é mais contribuinte Vimos que a Lei 12.546/11 (conversão da MP 540/11), ao estabelecer a contribuição de 2,5% sobre a receita bruta das empresas de TI e TIC, afastou essas da sujeição passiva da contribuição prevista no art. 22 da Lei 8.212/91, na qual o art. 31 previa a retenção de 11%, pelo fato de que a nova contribuição veio em substituição da anterior. As empresas que atuam exclusivamente nos ramos de TI e TIC tornaram-se contribuintes da nova contribuição e, a partir da égide da nova Lei, deixaram de ser contribuintes da contribuição patronal. Igualmente não podem os pagamentos a si destinados sofrer retenção referente à antiga contribuição, tendo em vista que o substituído tributário, necessariamente, deve ser contribuinte do tributo objeto de substituição. O art. 128 do CTN determina que a substituição tributária sempre exclui a responsabilidade do contribuinte, ou lhe atribui responsabilidade em caráter meramente supletivo, de modo que as normas de substituição sempre devem afetar pessoas que são contribuintes do tributo em questão: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.” Ademais, o §1º do art. 31 da lei 8.212/91 autoriza compensar o valor retido (de 11% da nota fiscal) apenas com o valor devido a título de contribuição incidente sobre a folha, entretanto, como as empresas de TI e TCI não mais são contribuintes do aludido tributo, não tem como realizar a referida compensação, o que acarretaria prejuízos teratológicos: “§ 1º O valor retido de que trata o caput deste artigo, que deverá ser destacado na nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, poderá ser compensado por qualquer estabelecimento da empresa cedente da mão de obra, por ocasião do recolhimento das contribuições destinadas à Seguridade Social devidas sobre a folha de pagamento dos seus segurados.” O novo tributo, incidente sobre a receita bruta, é inconfundível com a contribuição sobre a folha de pagamento. A prescrição da retenção da Lei nº 8.212/91 refere-se a antecipação da contribuição sobre a folha de pagamento. Assim, não se pode simplesmente manter o dever de reter porque as empresas de TI e TIC já foram contribuintes de tal exigência ou porque a nova exigência seria provisória. Portanto, uma vez que não incide nas operações realizadas pelas empresas de TI e TIC a contribuição cuja retenção é regulamentada pela Lei 8.212/91, tal medida (de retenção) não pode ser adotada relativamente aos pagamentos realizados a elas, sob pena de se lhes atribuírem ônus desproporcional, consistente em constante descapitalização indevida à monta de 11% sobre o seu faturamento. 2.3. Impropriedade da retenção que ao final acaba onerando a empresa se afastando do benefício a que pretendeu a lei Outro aspecto que a toda evidência desnatura a ideia de manutenção da retenção no período mencionado (após a MP 540/11 até a Lei nº 12.715/12) é a oneração que se queria impor às empresas, afastando-se dos objetivos propostos pela lei de desonerar a folha de salários e, consequentemente, a carga tributária. Conforme já exposto, o art. 31 da Lei nº 8.212/91, em seus parágrafos primeiro e segundo, prescrevem, respectivamente, que o valor retido deverá ser compensado com o devido pela empresa cedente de mão-de-obra quando do recolhimento mensal da contribuição social e, que no caso de não se efetivar a compensação integral do valor retido antecipadamente, o saldo remanescente será objeto de restituição. A MP 540/2011 e nem a lei que trouxe sua conversão trouxe qualquer menção a regra de retenção e, consequentemente, de eventual compensação, o que reforça que as sistemáticas de recolhimento não se comunicam. Ocorre que, o entendimento adotado pelo Fisco até o advento da Lei nº 12.715/12, qual seja, de manutenção da retenção de 11%, agravou ao invés de beneficiar as empresas de TI e TIC. Ao final do período para apuração do montante correspondente aos 2,5% / 2,0% sobre o valor da receita bruta a que tem como obrigação as referidas empresas, e confrontando com as retenções havidas de 11% sobre os valores da notas fiscais emitidas se constatará três situações (i) valor retido superior ao valor devido sobre a receita bruta; (ii) valor retido menor que o valor devido sobre a receita bruta e (iii) valor retido que se iguala ao valor a ser recolhido. Em tais situações remanesceu prejudicial quando o valor retido foi superior àquele devido sobre a receita bruta (o que comumente estava ocorrendo nas empresas), já que a Lei nº 12.546/11 que estabeleceu a substituição da base de cálculo para o recolhimento das contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, fixou à alíquota de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento), e não fez previsão de compensação. Não havendo a possibilidade de fazer compensação e com o entendimento sobre a necessidade da retenção sobre os pagamentos realizados às empresas na alíquota de 11%, vamos verificar que o valor retido supera o quádruplo do valor que deveria ser recolhido a título do novo tributo, no equivalente a 8,5% de seu faturamento global, ou seja, tal medida leva à indisposição financeira afetando os recursos financeiros das empresas, o que consiste em evidente lesão aos primados da capacidade contributiva e da vedação à tributação com efeito de confisco. Nem se diga que o saldo retido a maior em confronto com o valor efetivamente devido poderá ser objeto de restituição, já que atualmente essa restituição não acontece nos termos preconizados pelo texto constitucional, ou seja, imediata e preferencial (art. 150, § 7º da CF). Verifica-se, portanto, que esse absurdo entendimento do Fisco de manter a retenção de 11% após o advento da MP 540/11 e antes da Lei nº 12.715/12, fere frontalmente as garantias do contribuinte e vai na contramão da direção das políticas governamentais de fomentar o crescimento dos referidos setores e incentivar a formação de relações de trabalho. 3. Da nova regra de retenção trazida pela lei nº 12.715/2012 Já vimos que o art. 31 da Lei nº 8.212/91 fixou a obrigação imposta aos tomadores de serviço de procederem a retenção de 11% (onze por cento) sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, devendo recolher o mesmo aos cofres públicos em nome da empresa cedente da mão de obra. A justificativa para privar o contribuinte do recebimento do valor integral com a antecipação do pagamento da contribuição patronal, era o de se evitar a evasão, pois empresas prestadoras de serviços não recolhiam a contribuição incidente sobre a remuneração dos segurados a seu serviço. Como a MP 540/11 desonerou a folha de salários, estabelecendo contribuição substitutiva à patronal e incidente sobre a receita bruta, tem-se, como já se expôs, que não tinha cabimento a regra de retenção. Nada obstante isso, e por certo cedendo às pressões de uma política cada vez mais intensa e direcionada ao pagamento antecipado do tributo, por comodidade  e facilidade para a fiscalização, mesmo para essa nova contribuição, a Lei nº 12.715/12 estabeleceu: “§ 6º  No caso de contratação de empresas para a execução dos serviços referidos no caput, mediante cessão de mão de obra, na forma definida pelo art. 31 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, a empresa contratante deverá reter 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços." Destarte, o advento da referida lei confirma que efetivamente antes de sua vigência e após a MP 540/11 que estabeleceu a nova contribuição incidente sobre a receita bruta em substituição à contribuição patronal, não havia que se falar em obrigação por parte dos tomadores de serviços em proceder a retenção como entendia o Fisco. Considerações finais A substituição da contribuição patronal prevista na Lei 8.212/91 (20% sobre folha de salários) pela nova contribuição contemplada pela MP 540/11 (2,0% sobre a receita bruta) para as empresas de Tecnologia da Informação – TI e Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC e, que, depois se estendeu para outros setores, teve por objetivo a implantação de políticas governamentais para fomentar o crescimento de determinados setores e incentivar a formação de relações de trabalho. Entretanto, as sucessivas edições de medidas provisórias e leis sobre o mesmo assunto, demonstram que o governo ao invés de colocar em prática uma política governamental planejada e consentânea com o sistema jurídico tributário vigente, assim não o fez, criando confusões na aplicabilidade da legislação aos contribuintes. Isso ocorreu, por exemplo, com a regra de retenção que era prevista pela Lei nº 8212/91 para a contribuição patronal. A Medida Provisória nº 540/2011, convertida na Lei 12.546 de 14 de dezembro de 2011, ao estabelecer nova contribuição em substituição à patronal nada mencionou quanto a necessidade de retenção, permanecendo o entendimento do Fisco pela manutenção, embora não se coadunasse com a nova sistemática de recolhimento. As empresas TI e TIC passaram a não mais ser sujeito passivo da contribuição patronal, de modo que os pagamentos a si destinados não podiam sofrer retenção referente a essa contribuição, tendo em vista que o substituído tributário, necessariamente, deve ser contribuinte do tributo objeto de substituição. Além do que, a hipótese de incidência do tributo e a regra da retenção se perfaziam em normas jurídicas distintas que, no caso, não podiam conviver. Embora houvesse a antecipação do pagamento da contribuição da folha sobre salários por meio do recolhimento/retenção de 11% sobre o valor total da nota fiscal ou fatura de serviço, quando a prestação do serviço era efetivada mediante a cessão de mão-de-obra, com posterior ajuste, a base do recolhimento ainda se perfazia sobre os 20% da folha de salários. Diferentemente, estabelecia a Lei 12.546/2011, que tratou de expressamente de consignar a substituição da base de cálculo para o recolhimento das contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) sobre a receita bruta. Deveras, pela antiga sistemática havia o recolhimento antecipado sobre o valor bruto das notas fiscais emitidas, compensando-se com o valor efetivamente recolhido pela empresa sobre a folha de salários. Com a nova contribuição, o recolhimento comportava uma única base de cálculo, qual seja, a receita bruta, com aplicação da alíquota de 2,5%, atualmente de 2,0%. No entendimento adotado pelo Fisco, a nova contribuição não teria o condão de recuperar as empresas de TI e TIC para que retomassem seu nível de atividade e crescimento. Acaso, fosse para manter a retenção e mais os 2,0% sobre a receita bruta, a carga tributária teria aumentado e não trazido benefício para o setor como consta na exposição de motivos da MP 540/11[7], já que o objetivo era desonerar e não agravar a situação do setor de TI e TIC. Ainda que fugindo do objetivo inicial de se ter criado a regra de retenção para a contribuição patronal (evasão) e impor uma privação ao contribuinte de pronto recebimento do valor total dos serviços, o legislador criou por meio da Lei nº 12.715/2012, uma regra de retenção para a nova contribuição incidente sobre a receita bruta e substitutiva da patronal. Tal fato, confirma que efetivamente antes de sua vigência e após a MP 540/11, não havia que se falar em obrigação por parte dos tomadores de serviços em proceder a retenção como entendia o Fisco, no importe de 11% sobre o valor bruto da nota fiscal, da fatura ou do recibo de prestação de serviços.
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Lançamento do IPTU em imóvel desapropriado
Resumo Este trabalho trata da situação do empregado e seus direitos trabalhistas em face da alienação da empresa- em casos de falências e recuperação judicial, colocando, pois, em cheque uma colisão aparente entre os princípios da preservação da empresa e o da continuidade das relações de trabalho, o que implica na impossibilidade de sucessão de créditos trabalhistas, tanto em seara de falência como em seara de recuperação judicial.
Direito Tributário
1. Noções Introdutórias.  A parte mais vulnerável da relação no instante da recuperação judicial de uma empresa, sem dúvida alguma, é o empregado. Em caso de alienação do fundo empresarial, independentemente do novo sucessor se responsabilizar contratualmente ou não, arca com todas as obrigações trabalhistas do sucedido em caso de falência, face ao princípio reitor das relações de trabalho, qual seja, o princípio da continuidade. Tal raciocínio é questionado no que toca a recuperação judicial.  Cumpre aos estudiosos analisar se com a criação da Nova Lei de Falências e Recuperação Judicial (11.101/05) houve, de forma efetiva, a diminuição da proteção ao empregado nos contratos firmados entre ele e o empregador.  O tema em epígrafe é objeto de intermináveis discussões, discussões essas travadas não somente em seara do Poder Judiciário; abarcando os demais Poderes (Poder Legislativo e Poder executivo) com o mesmo grau de profundidade. Assim, se faz necessária uma breve introdução para que o leitor possa vir a contextualizar o problema de forma clara. Em verdade, toda a problemática aqui apontada centra-se no parágrafo único do art. 60 da Lei 11.101/05 (Lei de falências). Tal artigo possui uma redação que deve ser examinada em cotejo ao inciso II do art. 141 da mesma lei em comento. Assim, prescreve o inciso II do art. 141 da Lei 11.101/05, em outras palavras, da alienação dos bens do devedor, em caso de falência. Em contrapartida, aponta o parágrafo único do artigo 60 da Lei de falências a alienação, esse agora feito no reduto da Recuperação Judicial: ambas, pois, alienações feitas em momentos e fases distintas. O objeto central da alienação em fase de falência está, pois, livre de qualquer ônus e não há que se falar em sucessão do arrematante nas obrigações afetas ao devedor; inclusive, as de natureza tributária, bem como as averbadas à legislação trabalhista e aquelas decorrentes de acidente de trabalho. Assim, no inciso II do artigo 141 da lei em epígrafe o nosso legislador infraconstitucional fez constar expressamente em diploma legal a exclusão de toda e qualquer sucessão (tributária, trabalhista, bem como as decorrentes de acidentes de trabalho). Base Legal: arts. 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho. Já o objeto central da alienação em fase de Recuperação Judicial está, pois, também isento de qualquer ônus e não se cogita em sucessão do arrematante nas obrigações portadas pelo devedor; inclusive aquelas oriundas de natureza tributária. Aqui, pois, houve um silêncio eloqüente do legislador no tocante as obrigações de natureza trabalhistas, bem como aquelas concernentes aos acidentes de trabalho; diverso do que ocorre em alienação da falência em que a isenção quanto a tais obrigações por parte do sucessor é feita de forma expressa; de moldo a não gerar qualquer dúvida a respeito do tema.   Resta, pois a análise de que se, com o objetivo de proteção à empresa e aplicação do seu principio da continuidade, a mesma teria extrapolado os seus limites de competência legislativa – face aos artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho – que, em outras palavras, assegura que em eventual mudança da estrutura empresarial o empregado ficaria a salvo; ou seja, se quem adquire os ativos da empresa responde ou não pelos débitos trabalhistas pretéritos, sob pena de mácula ao princípio do in dubio pro operario. No escólio do doutrinador José Augusto Rodrigues Pinto: “O princípio da continuidade diz respeito à empresa, singularmente considerada. Através da continuidade da empresa se visa á permanência da relação individual do trabalho”.[1] À primeira vista a falta de previsão legal no que tange a exclusão de toda e qualquer sucessão (tributária, trabalhista e aquelas decorrentes de acidente de trabalho) pode soar aos ouvidos dos leitores mais desavisados como um lapso, uma falha ou mesmo um esquecimento por parte do legislador; mas, ao aprofundarmos o estudo do tema em apreço verificamos que tal silêncio fora, pois, intencional. Tal ato constituiu objeto de uma emenda em que constavam expressamente as seguintes expressões: “derivadas da legislação do trabalho e as do acidente de trabalho”. Isso pelo fato de que o parágrafo único do art. 60 da Lei 11.101/05 tinha redação idêntica ao inciso II do art. 141 da lei ora versada. Todavia, por iniciativa de um membro do Poder legislativo encampado no Senado Federal, houve a apresentação de uma emenda no Senado Federal suprimindo as sucessões trabalhistas e de acidente do trabalho, ao argumento de que não haver sucessão em caso de alienação na falência se faz por razões lógicas já que se está alienando o objeto para o pagamento do próprio credor e, por conseqüência lógica, o próprio empregado, já que alienação é para saldar a dívida e não haveria sentido naquele que adquire o objeto continuar a devedor se a venda fora justamente para saldá-la. O mesmo raciocínio não se aplica a recuperação judicial. Isso porque na mesma o devedor persistirá com o seu patrimônio para lograr êxito em salvar a sua atividade.   Assim sendo, quem o adquire deve saber o que está adquirindo. Igualmente, a análise dogmática do contexto histórico vem mudando, pugnando pela irresponsabilidade do sucedido por débitos trabalhistas, anteriores a sucessão; ainda que à custa de calorosas discussões a respeito do tema. Mas o fato é que a lei, assim emendada, foi publicada e se desprendeu da vontade do legislador, passando a existir tão-somente a vontade da lei; com existência jurídica autônoma, o que permite aos hermeneutas a sua aplicação livre de amarras, o que vem sendo feito paulatinamente. 2 Alguns esclarecimentos necessários. Assim, para que o leitor possa bem compreender a questão de fundo se faz necessária a compreensão da natureza do crédito de natureza trabalhista. Nos moldes do art. 958 do Código Civil a preferência é um gênero e comporta, pois duas espécies; quais sejam: o privilégio e a garantia (real e quirografária). O privilégio decorre da lei. Já a garantia pode decorrer da lei ou do contrato. No privilégio, a ordem de pagamento é ditada pela lei. O privilégio nada mais é que a ordem de vocação dos credores na partilha da garantia comum que se subsume no patrimônio do devedor. Assim, quanto mais o credor executa o mesmo objeto haverá um privilégio no que toca aquela ordem de pagamento. Já a garantia traduz-se em fornecer ao credor como adimplemento da obrigação o patrimônio do devedor, como um todo – garantia quirografária; bem como ao credor, assegurando a adimplência da obrigação, um bem destacado do patrimônio não necessariamente do devedor – garantia real. A diferença que reside sob o âmbito do Direito Material entre o crédito fazendário, o crédito trabalhista, bem como o crédito quirografário é quanto à anterioridade (ordem de preferência) no recebimento de tais créditos, o que dá via processo. Em não havendo processo não que se vislumbrar diferença material quanto aos créditos e sim quanto ao objeto a que eles se vinculam. Em não havendo processo não se cogita na ordem de pagamento. Assim, a alienação é revestida de garantida real e não há que se confundir com o privilégio, já que este não decorre da vontade das partes. Trata-se de uma imposição legal! Dessas premissas surgiu uma discussão interessante acerca da natureza jurídica da preferência no crédito trabalhista. Originalmente, o crédito de natureza trabalhista apresentava a natureza jurídica de um crédito quirografário. Se o privilégio decorre de lei é dotado de excepcionalidade, logo, é norma de natureza restritiva. Nos primórdios, então, o Supremo Tribunal Federal firmou a sua jurisprudência, em um conflito de competência (Conflito de Competência – CC: 2488 e CC 2627), no sentido de que o crédito trabalhista ostentava o status de crédito quirografário. Há que se ressaltar que pelo Decreto _ lei 7661/45 (que regulamenta a falência em nosso ordenamento jurídico até o advento da lei 11.101/05) figurava entre nós o instituto da concordata. Pelo instituto da concordata o art. 147 do Decreto-Lei 7661/45 previa que a mesma só atingiria o passivo concordatário. Logo, surgiu a discussão, a saber, se os empregados se sujeitavam ou não a concordata. Na ótica esposada à época pelo Supremo Tribunal federal os empregados estavam a ela adstritos pelo fato de crédito trabalhista ostentar a natureza de quirografário. Era, pois, intocável.  Somente com a lei 3.726 de 11 de fevereiro de 1960 o crédito trabalhista recebe o status de crédito privilegiado alterando a lei de falências á época (decreto – lei 7661/45); ganhando, pois privilégio. O crédito trabalhista só ganhou privilégio porque a lei assim definiu os seus contornos. Após a alteração da lei de falência o Supremo Tribunal federal ostentou o entendimento de que o crédito trabalhista passou a ser privilegiado e, portanto, restou excluído do instituto da concordata, já que a mesma estava adstrita ao crédito quirografário, tão-somente; declarando formalmente o seu entendimento jurisprudencial no conflito de competência 2591. Em consonância com tal entendimento o Supremo Tribunal Federal esculpiu o verbete sumular de número 227, que em outras palavras resumia o seu entendimento no seguinte sentido: “a concordata do empregador não impede a execução do crédito e nem a reclamação do empregado na justiça do trabalho”. Isso porque até a lei 3.726/60 o crédito trabalhista era quirografário. A concordata foi extinta e atualmente lidamos com o instituto da recuperação judicial e, hoje, o amparo legal para o privilégio do crédito trabalhista continua não constando da Consolidação das Leis do Trabalho e também não constando na Constituição da República Federativa do Brasil, mas tão só no Código Tributário nacional (art. 186, do Código Tribunal Nacional) que prescreve, em outras palavras, que o crédito tributário prefere a qualquer outro, independentemente da data de sua constituição ou de sua natureza, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho e por acidente do trabalho. Assim, se o crédito tributário prefere a qualquer outro, com a exceção do crédito trabalhista e por acidente do trabalho estes possuem primazia sobre qualquer outro crédito, inclusive o crédito de natureza tributária. Eis aí, pois, a supremacia legal dos mesmos. 3 Os doutrinadores afetos ao Direito do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal.  Destarte, o Supremo até então resolveu a questão. Todavia, o Direito do Trabalho é regido por um princípio basilar; qual seja o princípio da norma mais favorável (também conhecido como princípio do in dúbio pro operário) que explicita que a dúvida que surgir deve ser solucionada de molde a não prejudicar o empregado.  É cediço que o Direito do Trabalho constitui um ramo do Direito que contém em seu bojo uma jurisprudência axiológica; tal ramo do direito só existe com vista à proteção do empregado. Assim, diante de tais premissas, a pirâmide valorativa do Direito do Trabalho distingue-se da pirâmide kelseniana (que preconiza a Constituição da República em seu ápice). No Direito do Trabalho estará no topo da interpretação aquela norma que se mostrar mais favorável ao empregado; favorável, pois, as suas condições de trabalho virão para o ápice da pirâmide, ainda que seja hierarquicamente uma norma periférica. A base legal para tal assertiva encontra-se no próprio art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho. Esse princípio da norma mais favorável exige do intérprete, no escólio da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, indagações: se a norma for a mais favorável será a mais favorável para o empregado ou será a mais favorável para os empregados (no plural)? Poderá a norma mais favorável beneficiar apenas um empregado, ainda que em detrimento dos demais? Ou será aquela norma mais favorável que irá beneficiar a classe dos empregados?   É cediço que em um processo concursal o que temos é uma execução coletiva (tanto de falência como de recuperação judicial). Teremos, pois, a classe dos empregados executando coletivamente o empregador; portanto, em verdade, o princípio da norma mais favorável deve ser compreendido como aquele que for mais favorável a classe dos empregados: empregados como um todo considerado! Do contrário o intérprete subverteria o fundo sob a forma. Nas preciosas lições do Marcelo Papaléo: “Não se parte do objetivo de liquidar para repartir, mas de conservar para salvar e ter melhores resultados para todos”.[2] No sentido acima esposado, vem o Supremo Tribunal Federal e aduz que em caso de falência a execução deve ser feita no juízo da falência e não no juízo trabalhista. Não compete ao juízo do trabalho a execução individual de cada empregado, sob pena de frustrar-se o processo concursal e, por conseqüência, a classe de empregados. E essa questão bem bater agora as portas do Supremo Tribunal Federal, sob uma nova perspectiva, qual seja: a Recuperação Judicial. O Egrégio Supremo Tribunal Federal (na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 3.934-2-DF), na lavra do seu Ministro Relator. Logo, o MIn. Relator Ricardo Lewandowski manifestou-se pela constitucionalidade dos artigos 60, parágrafo único, 141, inciso II, e 83, incisos I e IV, alínea “c”, da Lei nº 11.101/2005, que afasta a sucessão quando da alienação de ativos nos processos de falência e de recuperação judicial e apresenta limitação a 150 salários mínimos por credor para fins de preferência, na falência, dos créditos decorrentes da legislação do trabalho. Logo, os artigos 60, parágrafo único, e 141, inciso II, da Lei nº 11.101/2005 encontram-se constitucionalmente hígidos, quando afastam a sucessão nos créditos trabalhistas, aduzindo que o legislador ordinário, ao assim proceder, visou à concretização dos valores constitucionais da livre iniciativa e da função social da propriedade (empresa). 4 A Recuperação Judicial e as suas minúcias trabalhistas. Com o advento da Lei 11.101/05, por força do art. 54, os empregados passaram a ser incluídos como partes na Recuperação Judicial, ostentando, pois o status de sujeitos passivos no tange a mesma. Assim, no cenário jurídico despontaram dois pontos de vista acerca da sucessão trabalhista na recuperação judicial. Sob uma primeira perspectiva seria, mesmo em face da omissão legislativa, se mostraria perfeitamente possível a sucessão trabalhista na recuperação judicial, ao argumento de que a Consolidação das Leis do Trabalho traça diretrizes mais protecionistas ao empregado e é tida como lei especial que versa sobre assunto, ainda que a lei 11.101/05 verse em sentido contrário. Aqueles que argumentavam favoravelmente à sucessão trabalhista inserida na Recuperação Judicial apresentavam basicamente os seguintes argumentos: o primeiro argumento valeu-se de uma interpretação histórica, qual seja o estudo do projeto de lei que teve a sua modificação veiculada por uma emenda que propositalmente teria feito a supressão das obrigações trabalhistas e de acidente do trabalho da sucessão para que o julgador ficasse livre para incluí-las ou não em cada caso concreto. A outra argumentação residia em uma interpretação sistemática em que ao exame detalhado do instituto da Recuperação Judicial nos deparamos com o inciso II do art. 141, da Lei 11.101/05 que apregoa a exclusão da sucessão em caso de falência, mas não o fazendo no que tange ao instituto da Recuperação Judicial. Ainda sob essa mesma ótica citamos a interpretação lógico-sistemática: É cediço que a Consolidação das Leis do Trabalho, como o próprio nome já denota, constitui-se em uma consolidação; logo, lei geral trabalhista. Assim, os arts. 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho preceituam expressamente a sucessão trabalhista como um direito subjetivo do empregado, não se distinguindo se em caso de alienação ocorrida em recuperação judicial ou fora dela. Trata-se de uma garantia do empregado, no suor de seu lavor, da solvência da prestação trabalhista. Logo, transferido o patrimônio empresarial restará para o empregado o seu direito de seqüela. Assim, como a regra no Direito do Trabalho é a aplicação do principio in dubio pro operario e como a Lei 11.101/05 não excluiu a sucessão trabalhista na recuperação judicial (fazendo-a apenas no que tange a falência), como não foi proibida, assim, é permitida. Também a jurisprudência: “Sucessão Trabalhista. Configuração. Hipótese. O fato de o contrato de trabalho do reclamante ter findado antes da efetivação da sucessão não descaracteriza esta, pois, ao adquirir a unidade econômica jurídica, a empresa sucessora passou a ser responsável também pelos contratos laborais extintos. Dessa forma, responde o empreendimento, representado pelo sucessor, pelas dívidas trabalhistas oriundas dos contratos de trabalho findos ou vigentes à época da transferência da unidade produtiva. (TRT/MS – AP – 1111/2001 – 005-24-00-3- REL.: JUIZ NINCANOR DE ARAÚJO LIMA – DOE 31.10.2002. REVISTA SYNTHESIS 36/2003, P.222.). Em contrapartida, há um segundo ponto de vista (hoje dominante nos Tribunais Superiores: ADI 3934, STF.) acerca da impossibilidade da Sucessão Trabalhista na recuperação judicial. Comungamos de tal entendimento e vamos expor ao leitor os argumentos que corroboram essa segunda visão sobre a discussão ora versada. Essa questão bateu as portas do Supremo Tribunal federal que opinou favoravelmente pela respectiva impossibilidade: a já citada Ação Direta de Inconstitucionalidade, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski. A título ilustrativo vale citar o Recurso extraordinário (593855), com repercussão geral, também de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski. E o fundamento discorrido pelo Supremo Tribunal Federal cingiu-se aos seguintes argumentos: Quando o tema versar sobre recuperação judicial o artigo que a coroa é o art. 47 da Lei 11.101/05. Já quando o tema versar sobre falência o embasamento jurídico lastreia-se no art. 75 da lei em comento. Tais artigos, em outras palavras, prescrevem as formas que existem de sucessões em cada um dos respectivos institutos. Lei é norma de comportamento e, portanto, quando o legislador fixa as condutas ele tenciona regulamentar os comportamentos dos operadores do direito. É direcionar a nossa conduta hermenêutica. Isso porque na lei 11.101/05 muito mais que uma interpretação gramatical ou lógico-sistemática o é a consagração viva do método teleológico.  A aplicação da lei cinge-se a sua finalidade prescrita. O intérprete deve aplicar a lei, sem perder de vista a intenção do legislador. Diante de tais premissas é imperioso constatar-se que, ao vedar-se a sucessão trabalhista em seara falencial, à intenção do legislador foi a de tornar hígido o princípio da preservação da empresa. O objetivo maior da falência é promover a preservação da empresa. Já o artigo 47 da lei ora versada visa não somente a preservação da empresa, mas somada a ela a preservação do empresário. Atente-se o leitor que os termos empresário e empresa não se confundem. A empresa denota a atividade. O empresário é o sujeito que a desenvolve. E, aqui, há que se pontual que o intuito do legislador não foi à preservação do empresário na falência e sim a preservação da empresa/ atividade. Já a recuperação judicial em tempo algum afastará o empresário; pode até afastar os administradores da sociedade empresária, mas não a sociedade em si. A olhos nus, investidor algum compraria uma empresa em recuperação judicial com o risco de, ao adquiri-la, por ela pagar e ainda dispor financeiramente de um passivo, de um débito de natureza trabalhista; pois se tal ocorresse até haveria a preservação da empresa, mas jamais haveria a preservação do empresário, já que atolado em dívidas. Um paradoxo! Se há uma compra de um devedor em recuperação judicial correndo o risco de herdar as suas dívidas trabalhistas já adquire o bem insolvente para desenvolver a atividade. Logo, sem um bom desenvolvimento da atividade surgirá o desemprego em massa. E o raciocínio é muito simples: se não houver a aplicação de uma interpretação teleológica na sucessão não haverá investimentos (compra) e, se ninguém comprar haverá a falência e, por obra dela, as relações trabalhistas se diluirão. Ensina-nos Maximilianus Fuhrer, que: “a falência é um processo de execução coletiva, em que todos os bens do falido são arrecadados para uma venda judicial forçada, com a distribuição proporcional do ativo entre os credores. Do mesmo não se vale à Recuperação Judicial”.[3] Ainda se vale o Supremo Tribunal Federal para corroborar o seu entendimento de uma interpretação gramatical. Isso por que o parágrafo único do art. 60 da lei 11.101/05 prescreve nitidamente que não haverá sucessão; inclusive a de natureza tributária. E, aqui, o termo inclusive é utilizado exemplificativamente. Não há, pois que se falar em qualquer tipo de sucessão em se tratando de Recuperação Judicial. Assim, não se aplicará a sucessão trabalhista nem para a falência e tão pouco para a Recuperação Judicial. Todavia a questão não resta pacificada face ao ativismo judicial, em que cada juízo decide de acordo com a sua conveniência e oportunidade. Não há súmula vinculante sobre o tema e ora dão primazia a continuidade da empresa sem a sucessão, ora dá proteção ao empregado isoladamente. A questão bateu as portas do Superior Tribunal de Justiça via conflito de competência. O mesmo passou a não conhecer dos conflitos de competência (ainda que a falência já tenha sido decretada ou a recuperação judicial concedida), ao argumento de que tendo sido desconsiderada a personalidade jurídica do devedor falido ou em recuperação não haveria o conflito, pois quem estará sendo executado será somente o terceiro que não é tido por sujeito processual a ser objeto de julgamento em vara cível (falência) e sim sujeito processual na vara do trabalho. Em havendo, pois, conflito de competência entre juiz de trabalho e juiz de direito competente para dirimi-lo será o Superior Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 105 da Constituição da República federativa do Brasil. Dessa feita, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não guarda, pois, sintonia com a jurisprudência acolhida pelo Supremo Tribunal federal, que, em decisões monocráticas vem conhecendo do agravo interposto aos conflitos de competência no Superior tribunal de Justiça, na lavra do Ministro Celso de Melo e batendo o martelo, ou seja, dando a última palavra no sentido de que não compete ao juiz do trabalho decidir quanto ao cabimento ou não de sucessão trabalhista em seara de recuperação judicial. Em caráter ilustrativo cite-se o agravo de instrumento de número 796 844/ STF. Em palavras simples, o Supremo Tribunal Federal vem decidindo que em caso de falência ou de recuperação judicial se o juiz desconsidera a personalidade jurídica após a falência ou após a distribuição do pedido de recuperação judicial falecerá ao juiz do trabalho a competência para julgar o deslinde. Tal competência será exclusiva da vara de falências. Somente o juiz de falências deterá a competência para julgar o caso concreto. Tal entendimento da corte maior encontra consonância com o preceituado na lei 11.101, que em seu art. 82, prescreve em palavras simples que a responsabilidade dos sócios é limitada e será apurada no próprio juízo da falência, independentemente de habilitação do ativo. E como fica a decisão do Supremo Tribunal Federal face ao art. 114 da Constituição da República que prevê expressamente a competência da justiça do Trabalho para as causas trabalhistas? Não há que se cogitar em violação ao artigo 114 da Lei Maior. Isso porque tal artigo delimita tão-só a competência material da justiça do Trabalho (questões atinentes a férias não pagas, a FGTS) e deve ser interpretado em cotejo ao artigo 113 da Carta Magna que apregoa que a Lei disporá acerca de jurisdição e a competência do juízo do trabalho. Assim, para assegurar a execução não há necessidade de justiça especializada e lei material não se coaduna com ela. O tema do momento descortinou no caso Varig (Empresa de Aviação Aérea sujeita a Recuperação Judicial) – indagou-se a possibilidade de o princípio da continuidade das relações de trabalho constituir um obstáculo efetivo ao princípio da preservação da empresa. A Corte Superior opinou no sentido de que a preservação da empresa caminha de mãos dadas a continuidade das relações de trabalho. Ora, transferir uma sucessão trabalhista no bojo de uma recuperação judicial ensejaria instabilidade e total falta de segurança no emprego ao próprio empregado minando, por via transversa, o instituto da recuperação Judicial. 5 Conclusão A empresa dá o sustento ao empregado. O termo empresa aqui utilizado assume caráter funcional, prático, qual seja, o de enfatizar a despersonalização do empregador e insistir na relevância da vinculação do contrato empregatício ao empreendimento empresarial, independentemente do seu efetivo titular. E, em assim sendo, o princípio da conservação da empresa tem sido observado não mais como um simples meio de preservação dos interesses dos credores, mas sim e principalmente como uma forma de solução da crise econômica da empresa e preservação desta, bem como dos próprios empregos e, conseqüentemente, da dignidade do trabalhador.
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A responsabilidade tributária dos sócios-administradores na condução de uma sociedade empresária limitada
No contexto empresarial, hoje, verificamos que cada tipo societário tem sua importância dentro dos setores da economia brasileira. Tais sociedades recebem dentro da sua função econômica uma gama de tributos em decorrência das atividades realizadas. O presente estudo pretende avaliar a sociedade limitada e as consequências jurídicas de seus sócios na condução da mesma dentro desta gama de tributos. O não pagamento destes tributos traz consigo uma obrigação tributária da qual nasce o crédito tributário, segundo ditames do código tributário nacional, tal responsabilidade poderá ser transportada aos seus administradores conforme determina a referida norma legal, desde cumprida as determinações do Supremo Tribunal Federal, podendo inclusive a sociedade ter sua personalidade jurídica desconsiderada para tanto[1].
Direito Tributário
1-INTRODUÇÃO O Direito Tributário pode ser entendido como o ramo do direito público interno que regula as relações entre o poder tributante e o sujeito passivo da obrigação tributária. Este poder de tributar é irrenunciável e indelegável, porém não absoluto, pois a própria Constituição define o modo de exercício do mesmo, através de comandos que garantem a harmonia e o equilíbrio na relação jurídico-tributária (poder-dever). Sua finalidade consiste na regulamentação das relações de natureza tributária entre o sujeito ativo (titular da capacidade) e passivo (contribuinte e responsável tributário). Donde se apresenta a configuração do sistema financeiro-tributário que é parte essencial do pacto federativo, onde há repartição de receitas arrecadas. Um desses aspectos é a soberania tributária ou soberania fiscal, essencial para a existência do Estado. Há de ser reconhecido o direito de participação das regiões dentro do Poder Central, em decorrência de sua autonomia, através de seus representantes, como acontece no Brasil, no Senado Federal. O caráter federalista manifesta-se especialmente pela união de órgãos dos Estados federados para formar órgão colegiado do Estado Federal. Atrelados a isso, a proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais, a qual está associada à compreensão que usualmente se tem com respeito a tal categoria dogmática. O dever de proteção a este núcleo representa uma obrigação de não fazer em face dos efeitos de direitos a não-afetações, direitos a não-impedimentos e direitos a não-eliminação de posições jurídicas, tipicamente produzidas por tais direitos. A Constituição Federal não cria tributos, apenas outorga competência para que os entes políticos o façam por meio de leis próprias. Estes são distribuídos e definidos por critérios que se relacionam diretamente com os objetivos a serem alcançados, em decorrência da organização do Estado e de sua forma federativa. Exige-se lei complementar: fato gerador, base de cálculo e contribuinte (CF, art. 146, III, a), não sendo outra a visão do STF, quanto a sua instituição: STF – RE 191.703 – AgR/SP: É aplicável ao exercício da competência tributária a regra que a União ao deixar de editar normas gerais, os Estados podem exercê-las plenamente (CF, art. 24, § 3, CF). Tal competência[2] (é política e se refere à possibilidade de editar leis instituindo o tributo) difere da capacidade tributária[3], assim, podendo este ser delegada a outra pessoa jurídica de direito público ou nos casos que a lei ou decisão judicial[4] permitir tal delegação a pessoa jurídica de direito privado. Hugo de Brito Machado ao citar Regina Helena Costa sobre a presente distinção menciona que “… o dispositivo [art. 7º do CTN] que remete a preceito da Constituição Federal de 1946, deixa clara a distinção entre os conceitos de competência tributária e capacidade tributária ativa. A competência tributária, consistindo espécie de competência legislativa, é um ‘plus’ em relação à capacidade tributária ativa, assim entendida como a aptidão para a arrecadação e fiscalização dos tributos. Enquanto a competência tributária, dentre outras características, é indelegável, por assim o ser a competência de natureza legislativa, a capacidade tributária ativa, de natureza administrativa, pode ser transferida a outrem, mediante lei.”[5] Sua repartição poderá se dada da seguinte forma: competência tributária privativa (art. 153, CF/88), competência tributária comum (tributos vinculados: taxas e contribuição de melhoria) e competência tributária cumulativa (art. 147, da CF/88). Sacha Calmon Navarro Coêlho[6] menciona que o dever de pagar de tributos, igualmente, surge porque a lei elege determinados eventos como geradores de obrigações tributárias se e quando ocorrerem no mundo (…), tudo conforme o princípio de imputação, que vem a se atribuir dadas conseqüências a certos fatos e atos a priori previstos. Esta sanção traz consigo o dever de responsabilização, a qual pode apresentar-se de forma objetiva e subjetiva. Já, a responsabilidade por infrações nesta esfera do Direito, apresenta-se relativamente ao descumprimento de obrigações tributárias principais e acessórias[7], sendo, em princípio, de cunho objetiva, uma vez que não seria necessário pesquisar a eventual presença do elemento subjetivo (culpa e dolo), além de, desconsideram-se as circunstâncias que excluam ou atenuem a punibilidade. Com isso, facilita-se a aplicação de penalidades, já que independe de intenção do agente. Esta é pessoal do agente quando do cometimento de infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, bem como quanto às infrações que decorrem direta e exclusivamente de dolo específico[8]. Em regra é dever dos sócios administradores, recolherem os impostos provenientes de sua atividade empresarial, de forma a cumprir suas obrigações perante o fisco. No entanto, muitas vezes, os recolhimentos dos mesmos não são feitos em sua integralidade, passível de ação de execução.   O STJ tem avaliado a aplicação da responsabilidade objetiva e reconhecido sua utilização em termos, onde se avalia, no cometimento da infração, a ausência de prejuízo ao FISCO e a não comprovação da má-fé do contribuinte[9] para retirar a punição do mesmo. A denúncia espontânea, acompanha de seu pagamento, se for o caso, também ilide a referida responsabilidade. Ressalta-se que, não se deve confundir responsabilidade objetiva por infrações à legislação com a não utilização dos princípios constitucionais do direito ao contraditório e da ampla defesa, pois estes são assegurados a todos os contribuintes. Assim, haverá necessidade da fundamentação dos fatos e do direito vilipendiados por parte do FISCO para que haja a defesa dos interessados e não apenas a punição dos mesmos sem este exercício.  Assim, perfaz-se a necessidade deste estudo e aplicação da responsabilidade tributária in causu, com finalidade apreciar a aplicação da mesma dentro de uma sociedade empresária limitada. 2- TRIBUTO E A RELAÇÃO JURÍDICA-TRIBUTÁRIA 2.1 – TRIBUTO O conceito de tributo no Brasil é um dos mais perfeitos do mundo, sendo o objeto de seu estudo, o direito tributário positivo ou objetivo. Sua natureza jurídica é definida por seu fato gerador, ou seja, o fato praticado é que gera a obrigação de pagamento. Este fato gera uma relação jurídico-tributária, diferenciando-se da multa porque esta, embora prevista em lei em favor do Estado, decorre de um fato ilícito. Segundo Sacha Calmon Navarro Coêlho[10] tributo é toda prestação pecuniária em favor do Estado ou de pessoa por ele indicada, tendo por causa um fato lícito, previsto em lei. O referido mestre[11] reflete tal conceito e sintetiza sua essência, ao mencionar que mesma é ser a prestação pecuniária compulsória em favor do Estado ou da pessoa por este indicada (parafiscalidade), que não constitua sanção de ilícito (não seja multa), instituída por lei (não decorrente de contrato). Paulo de Barros Carvalho menciona que a norma jurídico-tributária divide-se em duas partes: hipótese endonormativa e conseqüência endonormativa[12]. Na primeira, inclui os seguintes critérios: o material (o fato em si); o temporal (determinando as circunstâncias de tempo que envolve o fato jurígeno já materialmente descrito); o espacial (indicativo das condições de lugar em que o fato ocorrer) e, na conseqüência, enxerga-se dois critérios, a saber: o pessoal e o quantitativo. Esta obrigação tributária nasce da referida relação jurídica, entre o sujeito ativo (entre político – competente) e o sujeito passivo (agente particular), onde o segundo deve uma obrigação para o primeiro. Sendo divida em principal e acessória, onde a primeira, é o dever de realizar o pagamento e, a segunda, de fazer ou deixar de fazer algo dentro do mundo jurídico com reflexo dentro do campo tributário. A doutrina nacional registra quanto às espécies tributárias quatro correntes, como menciona Ricardo Alexandre[13].  O CTN, em seu art. 5º, utiliza-se da teoria da tripartição e, o STF tem adotado a teoria da pentapartição. Podemos relacionar duas correntes em relação à vinculação de tais espécies tributárias, as vinculadas, onde sua base de cálculo está ligada ao valor da atividade anteriormente exercida pelo Estado, sendo a mensuração econômica desta atividade e, as não vinculadas, onde a base de cálculo é a grandeza econômica desvinculada de qualquer atividade estala[14]. 2.2- PARTICIPES DA RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA: O SUJEITO ATIVO E O SUJEITO PASSIVO 2.2.1 – SUJEITO ATIVO O sujeito ativo, credor, é o titular do direito de cobrar do sujeito passivo da relação jurídica tributária, a obrigação tributária, em questão. Conforme preceitua o artigo 119 do CTN, “Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento”. Sacha Calmon Navarro Coêlho, ao avaliar o art. 119 do CTN, discorre que o mesmo ignora a diferença entre a competência para legislar sobre relações jurídico-tributárias para emissão de comandos e a capacidade para lançar e receber tributos na qualidade de sujeito ativo da obrigação tributária. Não há, necessariamente, identidade entre ambas, pois pode a lei autorizar uma pessoa jurídica de Direito Privado (SESI, SENAC, SENAI, entre outros) e até pessoas naturais (tabeliões, por exemplo) como sujeito ativo da referida obrigação[15]. Segue Eduardo Marcial Ferreira Jardim, o mesmo entendimento, quando sintetiza que o sujeito ativo “é a pessoa incumbida do direito subjetivo de promover a cobrança do tributo. Embora no mais das vezes o sujeito ativo seja a própria pessoa constitucional titular da competência tributária, nem sempre esta ocupa o pólo ativo da obrigação”[16]. Paulo de Barros Carvalho reforça dizendo que “O sujeito ativo é o titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária e, no direito brasileiro, pode ser uma pessoa jurídica, pública ou privada, se bem que não vejamos empecilho técnico de que seja uma pessoa física.[17]” Caso esta sujeição acontecer em decorrência do desmembramento territorial de outra, ou outras pessoas políticas, a legislação a ser aplicada será a de que deu origem ao novo ente político até que entre em vigor sua própria legislação. 2.2.2 – SUJEITO PASSIVO O sujeito passivo terá dois tipos de obrigação, na área tributária, a principal (obrigação de dar) e a secundária (obrigação de fazer ou não fazer), onde a primeira é tão somente de caráter pecuniário, ou seja, de pagar o tributo. Sacha Calmon Navarro Côelho menciona que o sujeito passivo é denominado pelo CTN de contribuinte quando realiza, ele próprio, o fato gerador da obrigação, e de responsável quando, não realizando o fato gerador da obrigação, a lei imputa o dever de satisfazer o crédito tributário em prol do sujeito ativo. Pelo sistema do Código, o responsável assume esta condição por dois modos: a) substituindo aquele que deveria ser naturalmente o contribuinte, por vários motivos previstos em lei. Esta surge contemporaneamente à ocorrência do fato gerador; b) recebendo por transferência o dever de pagar o tributo antes atribuído ao contribuinte, o qual, por motivos diversos, não pode ou não deve satisfazer a prestação. Refere-se num momento posterior, em que a lei define a modificação da pessoa que ocupa o pólo passivo da obrigação, podendo ser por sucessão (arts. 129 a 133, CTN); de terceiros (arts. 134 e 135, CTN); e, por infração (arts. 136 a 138, CTN). Neste último modo de transferência de responsabilidade o que se transfere na opinião do eminente doutrinador citado, é o dever jurídico, que migra total ou parcialmente do contribuinte para o responsável; já, nos casos de substituição tributária a pessoa que pratica o fato gerador não chega a ser contribuinte, apenas, há substituição, instituindo um responsável (substituído legal tributário).[18] 2.3 – OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA O legislador brasileiro, instituidor do Código Tributário Nacional buscou no Código Civil a estrutura da obrigação tributária. Definindo-a como uma relação de cunho eminentemente obrigacional[19]. Geraldo Ataliba citado por Gilda Maria Giraldes Seabra[20] menciona que o objeto dos comandos jurídicos só pode ser o comportamento humano. Nenhum preceito se volta para outra coisa senão o comportamento. Não há norma jurídica dirigida às coisas. Só o comportamento livre do homem (e, por extensão, o das pessoas jurídicas) pode ser objeto dos mandamentos jurídicos. Podemos sintetizar o conceito de obrigação na lição de Maria Helena Diniz[21], a qual conceitua uma obrigação como sendo “correspondente ao vínculo que liga um sujeito ao cumprimento de dever imposto pelas normas morais, religiosas, sociais ou jurídicas”. Já, a obrigação tributária é entendida como o vínculo jurídico mantido diretamente entre o sujeito ativo e o passivo em torno do tributo. Não sendo outra a definição de Hugo Brito Machado, o qual afirma que tal obrigação é “… a relação jurídica em virtude da qual o particular (sujeito passivo) tem o dever de prestar dinheiro ao Estado (sujeito ativo), ou de fazer, não fazer ou tolerar algo no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos, e o Estado tem o direito de constituir contra o particular em crédito”. [22] Kiyoshi Harada[23] afirma que a autonomia entre a obrigação tributária e a obrigação civil tem como causa, invariavelmente, a lei e não a convergência de vontades, essencial na obrigação de natureza civil. A obrigação tributária é sempre 'ex lege'. Ocorrendo uma situação, nela prevista, como necessária e suficiente para concretização do seu fato gerador surgem para o Estado (credor) o direito de exigir de um sujeito passivo (devedor) o tributo (objeto da obrigação tributária), nos termos do artigo 113 do Código Tributário Nacional, sob pena de sanção. Esta será tida como principal. Gilda Maria G. Seabra utilizando o a doutrina de Caio Mario da Silva Pereira menciona que a obrigação principal, pelo direito civil, é uma obrigação autônoma e independente de qualquer outra. Por outro lado, a obrigação acessória segue a sorte da obrigação principal e dela depende total e absolutamente[24] e, decorre apenas da legislação tributária. A obrigação tributária principal ou patrimonial, de acordo com o §1º do art. 113 do CTN, é aquela que surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. É a obrigação de dar (pagar) ao sujeito ativo, ou seja, implica entrega de dinheiro ao Estado. Ricardo Lobo Torres, quanto ao objeto da obrigação tributária principal diz que o "tributo é o dever fundamental, consistente em prestação pecuniária, que é exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei"[25]. Caso o sujeito passivo deixar de satisfazer a prestação jurídica a que está obrigado, aflora a sua responsabilidade tributária permitindo, assim, que o credor – sujeito ativo – possa constrangê-lo ao cumprimento daquela prestação, tendo como garantia o seu patrimônio. A obrigação tributária acessória ou não-patrimonial, pelo descrito no §2º do mesmo art. 113, decorre da legislação tributária (e tem termo mais abrangente que o termo “lei”) por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. Pressupõe a realização de atos que auxiliem a Administração Tributária na fiscalização dos tributos, e, por conseguinte, não possuem “fato gerador”. 2.3.1 – FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO TRIBUTARIA A teoria do fato gerador[26] é o ponto central do estudo do direito tributário, tanto para o fisco, como para o contribuinte, já que da união deste (fato gerador) com a hipótese de incidência faz nascer à obrigação tributária, conforme menciona, Ricardo Alexandre[27] este – fato gerador – em concreto é um fato imponível, e, em abstrato gera a hipótese de incidência[28]. Não sendo outro entendimento de Kiyoshi Harada[29] diz que “costuma-se definir o fato gerador como uma situação abstrata, descrita na lei, a qual, uma vez ocorrida em concreto enseja o nascimento da obrigação tributária. Logo, essa expressão fato gerador pode ser entendida em dois planos: no plano abstrato da norma descritiva do ato ou do fato e no plano da concretização daquele ato ou fato descrito”. A duplicidade do emprego do termo fato gerador e da hipótese de incidência pelo Código Tributário Nacional torna-se claramente evidenciada quando da análise comparativa do artigo 116 e o inciso II, do artigo 104. Observa-se que ambas as expressões são mencionadas pelo Código, no entanto, reiteradamente são utilizadas como sinônimas. Como exemplos, o código Tributário Nacional anuncia os fatos geradores (hipóteses de incidência) de cada tributo[30]. O professor Hugo de Brito Machado[31], sobre esta questão terminológica, diz que “diversas têm sido as denominações utilizadas pela doutrina para designar o fato gerador. Entre outras: suporte fático, situação base de fato, fato imponível, fato tributável, hipótese de incidência. No Brasil tem dominado, porém, a expressão fato gerador, que se deve à influência do Direito francês, sobretudo pela divulgação, entre nós, do trabalho de Gaston Jèze, específico sobre o tema”. Conforme observa Amílcar Falcão[32] “para o nascimento da obrigação tributária necessário é que surja concretamente o fato ou pressuposto que o legislador indica como sendo capaz de servir de fundamento à ocorrência da relação jurídica tributária”. Dessa forma, o fato gerador deve ser descrito em lei, consoante lição do jurista Sacha Calmon Navarro Coêlho[33] “o fato gerador deve ser descrito em lei em razão do princípio da legalidade. Deve ser minuciosamente descrito para evitar ao aplicador da lei entendimentos dilargados a seu respeito, gerando insegurança ao contribuinte”. Quanto à relação do fato gerador e o nascimento da obrigação tributária, podemos mencionar a lição de Paulo de Barros Carvalho[34] “quando se diz que, ocorrido o fato, nasce a relação jurídica, estamos lidando com o acontecimento de dois fatos: do fato causa (fato jurídico) e do fato efeito (relação jurídica)”. Assim, o fato gerador do tributo definido, caracterizado e conceituado por lei é um do relevante aspecto do chamado princípio da legalidade ou da reserva da lei, em matéria tributária. Sem a previsão ou definição legal, não se configurará o fato gerador. Não será, pois, assinalado o momento em que se reputa instaurada a obrigação tributária. Assim, haverá um fato, da vida comum, relevante, talvez, para outros ramos do direito, mas, para o direito tributário, será ele um fato juridicamente irrelevante. Do não pagamento desta obrigação, nasce o crédito tributário, segundo o art. 139 do CTN. Este, por conseguinte, decorre da obrigação e tem a mesma natureza desta. Podendo, ser conceituado, como “o vinculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo) o tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional)”.[35] Após sua constituição pela autoridade administrativa, só poderá ser alterado, suspenso ou extinto, nos casos previstos em lei, não podendo a autoridade administrativa dispensar seu pagamento, nem suas garantias, sob pena de responsabilidade funcional[36]. Só esta pode realizar o lançamento, e, este pode ser conceituado, como: O procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identificar o seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do crédito tributário, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível.[37] A lei identifica três formas de lançamento, quais sejam: o lançamento de ofício[38], o lançamento por declaração[39] e o lançamento por homologação[40]. Este procedimento possui duas fases: a oficiosa[41] e a contenciosa[42]. Possui efeitos ex tunc (retroativos), pois o mesmo sempre se refere ao passado, retroagindo no tempo para constituir crédito decorrente de obrigação surgida no passado. Aplicando ao infrator a lei mais benéfica.  3- A SOCIEDADE EMPRESÁRIA LIMITADA E SUAS RESPONSABILIDADES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS 3.1 – A SOCIEDADE EMPRESARIAL E A SUA PERSONIFICAÇÃO O Código Civil de 2002, em seu artigo 1º, reza que "Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil". Diante disso, podemos mencionar que sujeito – jurídico – é aquele que exerce direitos e tem obrigações a cumprir. O atributo da personalidade é conferido pelo próprio ordenamento jurídico, tanto a pessoa natural, quanto a pessoa jurídica. A pessoa jurídica adquire personalidade jurídica quando devidamente inscrita no órgão competente. Este dependerá do tipo de sociedade, ou seja, se possui finalidade de lucro – sociedade empresarial – ou não – sociedade civil sem finalidade de lucro. A sociedade empresarial adquire esta personalidade jurídica própria, tendo autonomia processual e patrimonial, com a inscrição de seus atos – contrato social ou estatuto social – no Registro Público das Empresas Mercantis e Atividades Afins[43], pois tal inscrição define a separação de seu patrimônio e dos seus sócios, conforme reza o art. 985 do Código Civil de 2002. A principal finalidade do registro das empresas mercantis diz respeito à publicidade dos "atos e fatos do comércio neles registrados"[44].  Inscrito o contrato social da sociedade em tela, nas Juntas Comerciais do Estado onde irão atuar, define sua personificação e traz consigo quatro importantes efeitos, quais sejam: aquisição de patrimônio próprio, de nome próprio, de nacionalidade própria e domicílio próprio[45]. Francisco do Amaral menciona que a personificação possui diversos efeitos práticos, dentre os quais se destacam: “a) a pessoa jurídica é um ente autônomo em relação às pessoas naturais que o constituem; b) a pessoa jurídica constitui um novo foco de direitos e deveres, dotado de capacidade de direito e de fato, e de capacidade para postular em juízo; c) o destino econômico da pessoa jurídica é diferente do destino econômico dos seus membros participantes; d) a autonomia patrimonial da pessoa jurídica faz com que não se confundam o patrimônio desta com o de seus membros; e) as relações jurídicas da pessoa jurídica são independentes das de seus membros, existindo a possibilidade de se firmarem relações jurídicas entre a pessoa jurídica e um ou mais de seus membros; f) a responsabilidade civil da pessoa jurídica é independente da responsabilidade de seus membros”.[46] Como os atos praticados em nome da pessoa jurídica são necessariamente, efetivados pelas pessoas naturais que a constituem, é possível que não poucas vezes a personalidade jurídica possa ser usada como uma máscara para encobrir atos ilícitos ou abuso de direitos, havendo hipóteses em que o patrimônio dos sócios pode ser alcançado para saldar débitos civis ou tributários da pessoa jurídica[47]. 3.2 – A SOCIEDADE EMPRESARIAL LIMITADA: SUAS CARACTERÍSTICAS Inicialmente necessitamos de conceituar empresa, noção que retiramos de Celso Marcelo de Oliveira, que ao citar Carvalho de Mendonça menciona que ” é a organização técnico-econômica que se propõe a produzir mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob sua responsabilidade”. [48] O referido autor reporta-se também ao conceito de Fran Martins, para este a ”empresa é objeto de direito, e não sujeito de direito. Tem-se, portanto, que a empresa é a atividade desenvolvida pelo empresário, este sim o sujeito do direito”[49]. Esta sociedade empresária, que busca na realização do lucro, sua atividade principal, possui vários tipos. O presente trabalho estuda uma delas, a Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada e agora designada pelo Novo Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10.01.2002, de Sociedade Limitada, teve origem no direito alemão do final do século XIX, onde a lei de 1892 criou o tipo societário Gesellschaft mit Beschänkter haftung. No Brasil, este tipo societário foi instituído pelo Decreto nº 3.708 de 1919. Hoje, o novo Código Civil é o que trata deste tipo de sociedade, onde estabelece que todos os sócios respondem solidariamente pela exata estimação dos bens conferidos ao capital social até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade[50]. Facultando aos sócios instituir um Conselho Fiscal composto de três ou mais membros e respectivos suplentes eleitos em assembléia. Havendo o Conselho Fiscal os sócios minoritários que representam 20% (vinte por cento) do capital social, terão o direito de eleger um membro e respectivo suplente do Conselho[51]. Nas sociedades empresariais limitadas, a responsabilidade dos sócios é solidaria e restrita à integralização das cotas de todos os sócios ao capital social da empresa[52]. Podendo ser considerada como, um produto híbrido, que se situa entre as sociedades de pessoas e as de capital, tem servido como um modelo dúctil, capaz de albergar desde as simples sociedades entre marido e mulher até as holdings e que, portanto não mereceria em princípio alterações, até porque a doutrina e a jurisprudência têm sabido com galhardia enfrentar e resolver os problemas que apresenta[53]. O patrimônio dos sócios não pode ser comprometido para a satisfação de dívida da sociedade, enquanto não exaurido o patrimônio social[54]. Este é o limite de responsabilidade dos sócios não-administradores, pois os que exercem esta função na sociedade empresária, respondem por seus atos na gestão da mesma, quando infringirem a lei ou o contrato ou forem extintas sem os devidos trâmites legais. Jorge Luiz Braga menciona que existe uma exceção a regra citada, a qual está estampada no art. 1.080 do novo Código Civil[55]. A 2.ª Turma do E. STJ, em Recurso Especial nº 1.009.045[56], apontou a diferença entre o ato da pessoa jurídica, através de seus órgãos, e o ato da pessoa natural, fora dos poderes que lhe foram atribuídos, no que tange a responsabilidade tributária da sociedade e determinou a exclusão do sócio da empresa executada do pólo passivo da execução física, quando não há caracterização da infração na disposição legal.    Hugo de Brito Machado menciona que pelo exposto, a responsabilidade tributária de sócios e representantes de pessoas jurídicas de direito privado pode ser “a) nas sociedades cujos sócios respondem ilimitadamente, há responsabilidade subsidiária destes em caso de impossibilidade econômica da pessoa jurídica; e responsabilidade pessoal do sócio que agir com excesso de poderes, contra a lei ou o contrato social; b) nas sociedades cujos sócios respondem de forma limitada, há responsabilidade subsidiária de cada um, limitada nos termos da lei comercial, no caso de impossibilidade econômica da pessoa jurídica; e responsabilidade pessoal e ilimitada do gerente, diretor ou representante que agir com excesso de poderes, contra a lei ou o contrato social”[57].  Para o ilustre mestre, um adequado entendimento do artigo 135 do CTN, portanto, não é relevante saber se o não pagamento de um tributo é infração à lei. O importante é aferir quem praticou essa infração, se a pessoa jurídica através de seu órgão, ou se a pessoa natural que a corporifica. 4 – A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA NAS SOCIEDADE EMPRESARIAS LIMITADAS: SÓCIOS, EX-SÓCIOS, ADMINISTRADORES E EX-ADMINISTRADORES A pessoa jurídica deve ser preservada, como instituição, garantindo o crescimento de empreendedores para atuação no mercado, entretanto, a inadequada interpretação de normas levam, segundo Soraya Marina Barcelos[58], à indevida responsabilização de seus sócios na esfera tributária é nociva a mesma, visto que o transbordamento da responsabilidade tributária para terceiros diminui o interesse dos empresários em lançar-se ao mercado, abrindo oportunidades de trabalho e fomentando a economia. Assim, esta sanção, dentro do direito em análise, deve ser apurada de forma adequada, garantindo-se, nesta fase, às empresas e seus sócios, os princípios da ampla defesa e do contraditório atuando dentro da segurança jurídica e da legalidade. Norberto Bobbio define a sanção como “o expediente através do qual se busca, em um sistema normativo, salvaguardar a lei da erosão das ações contrárias”[59]. Paulo Roberto Coimbra Silva aduz que “no caso concreto, a sanção aplicada provê um castigo ou aflição como uma solução ordeira para aplacar o instintivo sentimento humano de demandar uma retribuição”[60]. A eficácia desta sanção para Michel Foucalt “é atribuída à sua fatalidade, não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro […]”[61]. Esta pode funcionar como meio retributivo ou como meio de proteger as diretrizes daquele mandamento legal. E quando este mandamento legal é desobedecido menciona Sacha Calmon Navarro Coelho pode haver dois sentidos: positivo e negativo[62]. Esta traz consigo o dever de responsabilização, a qual pode apresentar-se de forma objetiva e subjetiva. 4.1 – RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA DENTRO DO DIREITO TRIBUTÁRIO A responsabilidade objetiva[63] é justamente aquela que é imputada a determinadas pessoas, independentemente da análise da existência de dolo ou culpa na prática do respectivo ato. Em contrapartida, é subjetiva a responsabilidade cujo surgimento depende da presença de tais elementos. Quando um comportamento é punível, é porque o seu contrário é obrigatório. Se age quando o dever é uma omissão (por exemplo: não matar), a ação de matar é que é a hipótese de punição. Se não se age quando o dever é agir (por exemplo: pagar tributo), o comportamento consistente em não pagar – comportamento omissivo – é que é a hipótese de punição. Corrolaborando com esta idéia Hugo de Brito Machado, menciona que a diferença para ele é simples, “na responsabilidade objetiva não se pode questionar a respeito da intenção do agente. Já na responsabilidade por culpa presumida tem-se que a responsabilidade independe de intenção apenas no sentido de que não há necessidade de se demonstrar a presença de dolo ou culpa, mas o interessado pode excluir a responsabilidade fazendo prova de que, além de não ter a intenção de infringir a norma, teve intenção de obedecer a ela, o que não lhe foi possível fazer por causas superiores à sua vontade”[64]. A responsabilidade por infrações nesta esfera do Direito se apresenta relativamente ao descumprimento de obrigações tributárias principais e acessórias[65], sendo, em princípio, de cunho objetiva, uma vez que não seria necessário pesquisar a eventual presença do elemento subjetivo (culpa e dolo), além de, desconsideram-se as circunstâncias que excluam ou atenuem a punibilidade. Assim, no caso da pessoa jurídica cometer ilícito, a multa será aplicada contra a própria pessoa jurídica e não contra o agente (pessoa física) que tenha concretizado, efetivamente, a conduta ilícita. No entanto, no artigo 137 existem importantes exceções, determinando a punição pessoal, como afastamento do sujeito passivo da infração. Há uma personalização das penas tributárias, alcançando o agente, que deve se submeter à sanção imposta[66]. Com isso, facilita-se a aplicação de penalidades, já que independe de intenção do agente. Esta é pessoal do agente quando do cometimento de infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, bem como quanto às infrações que decorrem direta e exclusivamente de dolo específico.  Ricardo Alexandre[67] salienta que nos termos do art. 136 do CTN nada impede que o legislador decida por atribuir caráter subjetivo à responsabilidade por determinadas infrações, uma vez que o dispositivo é iniciado com a ressalva “salvo disposição em contrário”, desde que o faça expressamente. 4.2 – A DOUTRINA E A ANÁLISE DO TIPO DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS ADIMINISTRADORES DE SOCIEDADE EMPRESÁRIAS – ARTs. 134 E 135 DO CTN. 4.2.1 – OS TIPOS DE RESPONSABILIDADES: POR TRANSFERENCIA E POR SUBSTITUIÇÃO Zelmo Denari citado por Sacha Calmon Navarro Coêlho[68] menciona que, a sujeição passiva direta engloba a figura do contribuinte e a do substituído, enquanto a sujeição passiva indireta engloba o responsável, e o sucessor, intervivos ou causa mortis ou por sub-rogação a terceiros (responsáveis). A primeira, pode ocorrer em duas situações: o contribuinte que paga dívida tributária por fato gerador próprio ou quando o destinatário legal tributário, paga dívida tributária própria por fato gerador alheio (terceiro); e, a segunda, ocorre quando a lei determina, a partir de certos pressupostos, transferência a terceiros o dever de pagamento do tributo (sujeição passiva por transferência).. A responsabilidade por transferência ocorre quando a obrigação tributária depois de ter surgido contra uma determinada pessoa (que seria o sujeito passivo direto), entretanto, em virtude de um fato gerador possível, transfere-se para outra pessoa diferente[69]. Esta se divide em três: por sucessão; por solidariedade; e, por terceiros. O art. 128 do CTN[70] define tal momento. A responsabilidade por substituição ocorre quando o dever do contribuinte é imputado pela lei a uma pessoa não envolvida com o fato gerador, mas que mantém com o “substituído” nas relações que lhe permitem ressarcir-se da substituição, ou seja, ocorre quando uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica com o ato, o fato ou negócio tratado recebe a obrigação de quitar o tributo. Ricardo Alexandre menciona que existem dois casos de responsabilidade por substituição que merecem uma análise mais detida. São os casos de substituição tributária regressiva (“para trás”, antecedente) e da substituição tributaria progressiva (“para frente”, subseqüente)[71]. Esta substituição tributária não implica, em momento algum, a substituição dos sujeitos passivos, pois se prestigia o princípio da capacidade tributária[72]. É a própria lei que substitui o sujeito passivo direto pelo sujeito passivo indireto, haja vista, que há dissolução entre a pessoa que figura na hipótese da norma e que figure como conseqüência[73]. 4.2.2 – ANALISE DA RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-ADMINISTRADOR O Direito tributário brasileiro relaciona os diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica são responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN. A solidariedade do sócio pela dívida da sociedade só se manifesta, todavia, quando comprovado que, no exercício de sua administração, praticou os atos elencados na forma do caput, do referido diploma legal, conforme entendimento ministro José Delgado Relator dos Embargos de Divergência no Recurso Especial número 174.532/PR[74]. Carlos Henrique Araújo da Silva, procurador da Fazenda Nacional, menciona que com esta decisão, o simples inadimplemento não configuraria mais a hipótese de redirecionamento. A Fazenda Pública, caso desejasse redirecionar a cobrança do crédito público aos sócios da pessoa jurídica deveria, a partir do novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, comprovar que os sócios agiram com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, passando a responsabilidade, desde então, a ser subjetiva[75]. Este posicionamento da corte se firmou de tal maneira que foi sumulado em julgamento de 24 de março de 2010, Súmula 430, STJ[76]. Aliomar Baleeiro[77] e José Jayme de Macedo Oliveira[78] mencionam que a responsabilidade do sócio-administrador refere-se à responsabilidade pessoal, em virtude do texto literal do caput do art. 135 do CTN. Com o mesmo entendimento, Luciano Amaro defende que não se trata de responsabilidade subsidiária do terceiro e nem de responsabilidade solidária, pois somente o terceiro responde, pessoalmente[79]. Também não é responsabilidade por substituição, para esses autores, dado que o próprio texto legal condiciona a responsabilização do diretor, do gerente ou representante de pessoas jurídicas à prática de atos com violação do contrato ou da lei. Neste sentido, Manoel de Queiroz Pereira Calças acrescenta que a responsabilidade do administrador é direta e pessoal em face da conduta culposa ou dolosa[80]. Por sua vez, Marlon Tomazette ressalta que "não foi a pessoa jurídica que teve sua finalidade desvirtuada, foram as pessoas físicas que agiram de forma ilícita, e por isso tem responsabilidade pessoal"[81]. Ives Gandra da Silva Martins entende no mesmo sentido, pois sempre que os contratos são violados por quem estaria na obrigação de preservá-los, é evidente que a pessoa jurídica a que pertencem está, como o fisco, na posição de vítima e não pode de vítima ser transformada em autora, e, por isso, exclui-se a responsabilidade da pessoa jurídica. Mas o próprio autor, no entanto, admite que esta não é a opinião dominante[82]. Sacha Calmon Navarro Coêlho entende também neste sentido, mas ressalta que essa posição pode ser temerária, pois: O que não se pode admitir é que grandes empresas, até mesmo multinacionais, por pura matroca obriguem seus diretores contratados, com poucos bens ou sem eles, a ficarem responsáveis por atos deliberadamente praticados em proveito da empresas, com excesso de poder ou infração da lei ou contrato. A exclusão das empresas daria lugar a enormes injustiças e à indução de "planejamentos tributários" marotos. Além disso, tornaria as funções gerenciais um tipo de atividade de alto risco. Fraude, conluio, sonegação para elidir o cumprimento de obrigação igualmente aproposita a responsabilidade prevista no art. 135, mas somente na hipótese de a pessoa jurídica provar a sua inocência[83]. Pedro Decomain, por este motivo, entende que, “nesses casos, quando o ato, embora com essa mácula, seja praticado em benefício de terceiro (o filho, no caso da responsabilidade pelos pais, o espólio, no caso do inventariante, ou o administrador, no caso da empresa, por exemplo), também estes serão devedores do tributo, na condição de contribuintes. Surgirá, porém, concomitantemente, a responsabilidade solidária das pessoas indicadas nos incisos do art. 135”[84]. O Tribunal de Justiça do Rio grande do Sul, por sua vez, tem entendido que a responsabilidade a que se refere o art. 135 do CTN não é nem pessoal, nem por substituição, mas sim subsidiária[85]. Ricardo Lobo Torres entende diversamente do mencionado acima, para ele essa responsabilidade é solidária[86]. Seguindo este entendimento, para Hugo de Brito Machado essa responsabilidade é solidária porque o responsável se coloca junto ao contribuinte desde a ocorrência do fato gerador. As pessoas referidas nos incisos deste artigo não têm responsabilidade pessoal quando praticam atos com excesso de poderes ou infração de lei ou contrato social, nem tampouco são responsáveis por substituição, mas são, na verdade, solidariamente responsáveis, sofrendo uma "atribuição de responsabilidade, em razão de condutas ilícitas daqueles aos quais é feita essa atribuição" [87]. A presença daquele a quem é atribuída à responsabilidade tributária não exclui a presença do contribuinte, pois não há "como excluir os contribuintes da solidariedade, afinal de contas são eles que detêm relação pessoal e direta com a situação que constitui o fato gerador, ou seja, são elas que realizam o fato previsto na lei como tributável, ainda que por seus representantes" [88]. Para defender seu posicionamento, Hugo de Brito Machado ainda faz uma comparação em relação ao artigo 137 do CTN: A situação é diversa da prevista no art. 137 do Código, porque naquele dispositivo, embora esteja dito que a responsabilidade é pessoal do agente, cuida-se de responsabilidade por infrações. Quando se diz que a responsabilidade é pessoal ao agente, isto significa que a penalidade só a este pode ser aplicada. Mas é assim, não em virtude do elemento literal e sim porque a penalidade nasce da conduta infratora, que efetivamente deve ser ao agente imputada, e não ao contribuinte. Na mesma linha de pensamento Luiz Felipe Difini leciona que a responsabilidade só é pessoal ao agente nos casos previstos no art. 137 do CTN, o qual disciplina a responsabilidade por infrações e diz que a penalidade é pessoal e exclusiva ao agente, podendo só a este ser aplicada, em virtude da conduta infratora, e não ao contribuinte[89]. Não sendo outro o entendimento do STJ, como é visto no REsp nº 869.482/SP[90] Na verdade, esse artigo trata da responsabilidade dos administradores da sociedade limitada pelas dívidas tributárias. O sócio, que não tenha praticado atos de gerência, não responde com seu patrimônio particular[91]. Esse posicionamento foi alterado pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 1.104.900/ES[92] e, o qual determinou que o ônus de provar a sua inocência cabe ao próprio sócio, administrador ou gestor. Aplicou inclusive a sistemática do recurso repetitivo, valendo dizer que toda e qualquer discussão acerca do artigo 135 CTN terá que ter aquele acórdão como paradigma.  Anteriormente, cabia às Fazendas Públicas provar que o sócio agiu má-fé para ser responsabilizado pelo crédito tributário, ou seja, somente o sócio que praticar algum ato com excesso de poderes será responsabilizado por seus atos à luz do Art. 135, CTN. Caso o nome do sócio já constava do lançamento, tendo-lhe sido facultada a defesa em relação não só à existência da dívida, mas também em relação à sujeição passiva, pode-se admitir a presunção de liquidez e certeza do crédito em relação a ele, sem que haja violação do contraditório e da ampla defesa[93]. Ressalta o eminente Ricardo Alexandre que esta responsabilidade tributária atinge o diretor que pratica atos de gestão fora das atribuições estatutárias, onde responde pelo excesso e pelo respectivo tributo (art. 135, III do CTN); e, se o diretor pratica um ato ilícito no conteúdo, com o dolo específico de prejudicar a empresa que dirige, será responsável pela respectiva penalidade pecuniária (art., 137, III, c do CTN)[94]. 4.3 – A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS SOCIEDADES EMPRESARIAIS PARA ANÁLISE DAS RESPONSABILIDADES DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES DENTRO DO DIREITO TRIBUTÁRIO A união de pessoas em prol de uma atividade econômica e a formação da pessoa jurídica sempre foi importante para o Estado, como forma de proporcionar o desenvolvimento socioeconômico do local onde a mesma seria instalada, garantindo a esta formação as seguintes condições: “a) a não atribuição à pessoa dos sócios das condutas praticadas societariamente; b) a não atribuição à pessoa dos sócios dos direitos e poderes envolvidos na atividade societária; c) a não atribuição à pessoa dos sócios dos deveres envolvidos na atividade societária.”[95] Contudo, com o passar do tempo, foi se verificando que estes membros praticavam condutas fraudulentas e abusivas em nome desta pessoa jurídica. Com finalidade de que os membros desta sociedade respondessem por tais condutas e pelas obrigações sociais das referidas pessoas foi criada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, também chamada de disregard doctrine[96][97], defendida, inicialmente, no Brasil, por Rubens Requião. Há desconsideração e não anulação ou negação da personalidade jurídica. Celso Marcelo de Oliveira citando Simone Gomes Rodrigues menciona que esta teoria, a princípio recebeu a denominação de teoria da penetração, tinha por escopo a inserção no cerne da pessoa jurídica, para que, desconsiderando-a ou superando-a, vinculasse o sócio à responsabilidade contraída em nome da empresa[98]. Qualquer tipo de sociedade empresária por ser atingido por esta teoria, inclusive a sociedade limitada, alvo deste estudo, pois “mesmo após a integralização de todo o capital social, o patrimônio dos sócios pode ser responsabilizado por obrigações da sociedade, no caso de desconsideração da personalidade jurídica”.[99] O novo Código Civil Brasileiro[100], em seu art. 50 trata do tema, afirmando que pode o juiz desconsiderar a personalidade jurídica para atingir bens de sócios ou administradores quando ocorrer abuso da personalidade jurídica ou confusão patrimonial. Estudando o referido artigo e a doutrina sobre o assunto, podemos mencionar que tal desconsideração pode ocorrer por abuso da personalidade jurídica ou confusão patrimonial. Sendo que a primeira decorre do desvio de finalidade[101] e segunda na hipótese em que os sócios ou administradores utilizam em proveito próprio os bens e recursos da pessoa jurídica. Pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de determinadas obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores, associados ou sócios da pessoa jurídica. Podemos relacionar que tal teoria é prevista também no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), no art. 18 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, aplicável nas hipóteses de infrações contra a ordem econômica, e, no Direito do Trabalho, da mesma forma, a incidência da aludida teoria se verifica pelo disposto no artigo 2º, parágrafo 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O Tribunal de Justiça do Distrito Federal posicionou acerca da temática e, especialmente sobre bens dos sócios envolvidos nas hipóteses do art. 50 supramencionado: É impossível a penhora dos bens do sócio que jamais exerceu a gerência, a diretoria ou mesmo representasse a empresa executada”. Ou seja, ainda que desconsiderada a personalidade jurídica, não é possível alcançar os bens de todos os sócios ou associados, mas apenas dos bens daqueles envolvidos com o ato que motivou a desconsideração[102]. Ressalta-se que, somente se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, ainda assim, a desconsideração somente atingirá os bens dos administradores ou sócios que tenham praticado o ato reputado como irregular.[103] Outra questão refere-se à utilização desta teoria dentro do direito tributário. Marcos de Oliveira Pinto, Juiz de Direito da Comarca de Simão Dias, menciona que o tributo, tomado de forma ampla, representa o preço pago pelo indivíduo por sua liberdade dentro da comunidade, configurando-se numa imposição decorrente do pacto garantidor da existência da própria sociedade, na relação verificada entre o próprio indivíduo e o Estado.[104] Diante disso, os doutrinadores brasileiros debatem acerca da temática, para alguns a aplicabilidade desta teoria necessita de lei complementar âmbito tributário, e, outros defendem a utilização de tal instrumento em qualquer área do Direito, uma vez que visa impedir o abuso de direito. Assim entende Alexandre Alberto Teodoro da Silva, para quem o abuso de direito – gênero da espécie abuso da personalidade – é regra pertencente à Teoria Geral do Direito[105], bastando à prova da ocorrência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Nádia Arnaud Pereira Ferreira, especialista em direito tributário, menciona que, de modo diverso, estritos ao princípio da legalidade (do qual deriva o princípio da reserva de lei formal), autores como Luciano Amaro, Ives Gandra da Silva Martins, Mary Elbe Queiroz, Hugo de Brito Machado, entre outros, defendem a não aplicação da desconsideração da personalidade jurídica nas relações tributárias, por não haver previsão expressa em lei complementar ou, no caso de se aceitar o artigo 116, parágrafo único do CTN, como fundamento para aplicação da desconsideração, de lei ordinária, sendo esta a orientação de Ives Gandra da Silva Martins. Dessa forma, a responsabilidade do sócio por abuso de personalidade da pessoa jurídica deverá estar disciplinada em lei complementar, uma vez que se trata de matéria relativa à regra geral.[106] Tal debate leva em conta o princípio da legalidade estrita, determinando que o uso da teoria da desconsideração numa situação que não encontra sustentação legal. Privilegia-se, deste modo, a segurança que deve existir nas relações pertinentes a esse ramo do Direito, em benefício do próprio contribuinte. Neste sentido, afirma Marçal Justen Filho “o entendimento da liberação do aplicador do direito para avaliar o caso concreto e estender a previsão normativa foi frontalmente repudiada pela doutrina. Alberto Pinheiro Xavier, em brilhante tese de doutorado, enunciou definitivamente os critérios limitativos da liberdade do aplicador da norma tributária. Demonstrou cabalmente que o princípio da legalidade apresenta-se, no campo tributário, com uma peculiaridade atinente à tipicidade. A lei tributária é dotada de tipicidade na acepção de ser incompatível com cláusulas genéricas”. E acrescenta: “A tipicidade repele assim a tributação baseada num conceito geral ou cláusula geral de tributo, ainda que referido à idéia de capacidade econômica, da mesma forma que em Direito Criminal não é possível a incriminação com base num conceito ou cláusula geral de crime. Ao invés do que sucede, por exemplo, com o ilícito disciplinar, os crimes e os tributos devem constar de uma tipologia, ou seja, devem ser descritos em tipos ou modelos, que exprimam uma escolha ou seleção do legislador no mundo das realidades passíveis, respectivamente, de punição ou tributação.[107] Ressalta Nádia Arnaud Pereira Ferreira que há, ainda, nos estudos sobre a matéria, autores, como Heleno Taveira Tôrres, Flávio Couto Bernardes, entre outros, e, inclusive, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça[108], que afirmam ser possível o emprego da disregard of legal entity nas relações jurídico-tributárias, visto já existir respectivo dispositivo de lei complementar autorizativo.[109] Neste ponto, válidas são as assertivas de Marçal Justen Filho, quando afirma que: “no campo tributário, só se poderá cogitar de resultado danoso, decorrente da incidência do regime da pessoa jurídica, quando ocorrer frustração de incidência da norma tributária que haveria que incidir. O abuso da pessoa jurídica caracterizase com o sacrifício do interesse público (retratado na norma tributária) porque prevaleceria o interesse privado (consistente na existência de uma pessoa jurídica). Portanto, a desconsideração da personificação societária, no direito tributário, consistirá na suspensão da eficácia da distinção entre pessoas (decorrentes da existência da pessoa jurídica) para permitir a incidência de uma certa previsão tributária.[110] Ressalta-se o entendimento de Alexandre Alberto Teodoro da Silva, em relação à utilização do Art. 135 do CTN como fundamento da teoria em análise, para ele esta teoria foi formulada no intuito de coibir abuso da personalidade jurídica, ao passo que a responsabilidade dos administradores das pessoas jurídicas constante o Art. 135 do CTN emerge de maneira direta, constantes dos atos praticados por gestores na condução da pessoa jurídica. Aquele dispositivo legal não serve de embasamento jurídico para aplicação da teoria no campo tributário[111]. A responsabilidade deve ser considerada nos seguintes termos: responsabilidade do sócio por dívidas sociais, no limite do capital social subscrito e integralizado, salvo os casos de desconsideração da personalidade jurídica; responsabilidade do administrador perante a sociedade, por atos ilícitos e irregularidades cometidas com violação da lei, do contrato social ou do estatuto; e, responsabilidade do administrador por dívidas negociais e não-negociais, cabendo esta teoria dentro do direito tributário, desde respeitados os princípios aqui mencionados e o fundamento jurídico de tal atitude. Ultrapassado este ponto, deveremos verificar se há autorização da autoridade fiscal-tributária para a utilização desta teoria, durante o processo administrativo ou se há necessidade de determinação judicial para tanto. Entendemos que há necessidade do amparo judicial para tanto, mesmo que no processo administrativo, tenha-se garantido os princípios da ampla defesa e do contraditório. 5- CONCLUSÃO O Direito Tributário pode ser entendido como o ramo do direito público interno que regula as relações de natureza tributária entre o sujeito ativo (titular da capacidade) e passivo (contribuinte e responsável tributário). Esta relação é ex lege e nasce de um fato anterior previsto pelo legislador, desde que este fato ocorra no mundo fenomênico. A Constituição Federal não cria tributos, apenas outorga competência para que os entes políticos o façam por meio de leis próprias. Este ente poderá possuir competência e/ou capacidade tributária, assim, podendo para participar deste pólo da relação ou delegar tal tarefa a outra pessoa jurídica de direito público ou nos casos que a lei ou decisão judicial permitir (Súmula 396, do STJ) a pessoa jurídica de direito privado. O sujeito ativo, credor, é o titular do direito de cobrar do sujeito passivo da relação jurídica tributária, a obrigação tributária, em questão, enquanto que, o sujeito passivo terá dois tipos de obrigação, na área tributária, principal (obrigação de dar) e secundária (obrigação de fazer ou não fazer), onde a primeira é tão somente de caráter pecuniário, ou seja, de pagar o tributo. Este vinculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo) o tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional, chama-se crédito tributário, conforme reza o CTN. O Direito tributário brasileiro relaciona os diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica são responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN. A solidariedade do sócio pela dívida da sociedade só se manifesta, todavia, quando comprovado que, no exercício de sua administração, praticou os atos elencados na forma do caput, do referido diploma legal, Nas sociedades empresariais limitadas, a responsabilidade dos sócios é solidaria e restrita à integralização das cotas de todos os sócios ao capital social da empresa. O patrimônio dos sócios não pode ser comprometido para a satisfação de dívida da sociedade, enquanto não exaurido o patrimônio social. Esta pode ser de cunho objetiva ou subjetiva. A primeira, aquela imputada a determinadas pessoas, independente da análise da existência de dolo ou culpa na prática do respectivo ato; já, a segunda, depende da presença de tais elementos. Com o passar do tempo, foi se verificando que estes membros praticavam condutas fraudulentas e abusivas em nome desta pessoa jurídica. Assim, havendo a necessidade deste estudo e aplicação da responsabilidade tributária in causu, com finalidade apreciar a aplicação da mesma dentro de uma sociedade empresária limitada. Hoje, cabe ao próprio sócio, administrador ou gestor o ônus de provar sua inocência.  Com finalidade de que os membros desta sociedade respondessem por tais condutas e pelas obrigações sociais das referidas pessoas foi criada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, também chamada de disregard doctrine, defendida, inicialmente, no Brasil, por Rubens Requião. Há desconsideração e não anulação ou negação da personalidade jurídica.
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Direito tributário constitucional: análise da incidência do imposto de importação na baixa de programa de computador de prateleira de site internacional
O objetivo deste trabalho é avaliar a possível incidência do Imposto de Importação sobre a baixa de aplicativos realizada por meio de sítio internacional. Iremos inicialmente determinar o conteúdo do termo programa de computador pela avaliação da legislação correspondente e a partir disto, iremos avaliar a incidência tributária deste imposto.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Com o avanço da tecnologia, o ser humano fica mais e mais dependente para a realização das tarefas do dia a dia, das mais básicas até as mais complexas. Neste contexto, os programas de computador possuem grande valia para a redução de atividades manuais, eliminação de riscos por erros de imputação de informação, bem como agilidade na troca de informações entre pessoas, dentre as diversas possibilidades de utilização de programas para o bem estar de uma sociedade. Muito se avançou no século passado para automatizar as atividades, com o objetivo na redução dos custos empresariais, seja pela eliminação dos custos de trabalho, seja pela redução de erros no processamento de dados de forma manual. Neste evoluir e em função da criação de uma realidade virtual antes quase incipiente, deu-se também uma aceleração na troca de dados são que são feitos de forma instantânea, alterando o comportamento de toda uma população. Exemplo simples são os telefones celulares que conectam pessoas localizadas em quase qualquer lugar do mundo de forma instantânea, sem contar os inúmeros aplicativos que estes aparelhos têm, os quais facilitam a vida de seus usuários, tais como agenda eletrônica, calendário, acesso à internet, etc. Neste contexto também nascem novas situações onde o direito se materializa, em decorrência de novos tipos de relações jurídicas criadas nesse novo cenário. Os contratos que em sua grande maioria eram firmados entre pessoas e de forma física, passam a contar com praticidade das assinaturas eletrônicas. Informações que levavam dias a serem transmitidas, pois contavam somente como o meio físico passou a ser livremente transmitidas entre duas ou mais pessoas de forma instantânea. Destas novas relações que se instauram, novas obrigações também são criadas. Em certos casos são relações jurídicas comuns como, por exemplo, a importação de produtos onde as relações comerciais são fechadas de forma eletrônica. Com estes novos horizontes, novas situações são criadas as quais não possuem clara definição legal e conseqüentemente questões tributárias também são identificadas, e passam a ser discutidas pela doutrina e jurisprudência, com o objetivo de se tentar determinar qual a natureza jurídica de determinada relação e assim a determinação da incidência tributária. Dado esse cenário, nosso objetivo é o de avaliar a natureza jurídica do termo “programa de computador” que no nosso dia a dia chamamos de ‘software”. Em função desta determinação, estudarmos a carga tributária incidente sobre a baixa dos programas efetuados pela internet. DELIMITAÇÃO DO TERMO: PROGRAMA DE COMPUTADOR A delimitação do termo deve necessariamente passar pela utilização de ferramentas que possam ajudar o aplicador do direito a extrair corretamente de um dado signo, este entendido com unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana, signo é um ente que tem o status lógico da relação. Nele, um suporte físico se associa a um significado e a uma significação, para aplicarmos a teoria husserliana[1]. Por esta teoria, suporte físico é a coisa física que nossos sentidos registram. É a coisa em si, sua composição física. Já o significado é o nome que atribuímos a este objeto. Este nome é atribuído de forma arbitrária pelo ser humano que passa a creditar a determinado objeto um título qualquer, referência esta que é tomada por um universo da população que concorda em relacionar um determinado objeto físico com aquele nome, o que tratamos como significado. Dada esta identificação entre o nome atribuído à coisa, que é representada por uma palavra e a própria coisa física que se trata, nasce a significação. A significação é a identificação da coisa na mente do ser cognoscente.  Quando pensamos na coisa, temos a significação. Este curto intróito nos ajuda a pensar no que pode significar o verbete “programa de computador”. Significa uma relação de comandos elaborada em linguagem própria computacional, com o objetivo de ser processado por um computador e conseqüentemente a realização de tarefas. Esta delimitação é importante neste caminho que começamos a traçar as linhas que delimitam o objeto do estudo, dado que diversas significações serão importantes para a construção da regra matriz de incidência. Neste sentido, iremos investigar os seguintes significados: o de programa de computador, produto e mercadoria, Programa de computador então são ordens definidas de forma lógica e organizada para serem executadas por equipamento de informática. Estas ordens são determinadas com  de linguagem própria de programação computacional e tem como objetivo a realização de diversas atividades. A partir da década de 80 a computação teve seu acesso facilitado à grande maioria da população em função do barateamento dos equipamentos envolvidos neste seguimento econômico e, neste esteio, nosso sistema de direito positivo buscou definir com legislação própria a questão tratada. Na lei 7.609/87, foram inicialmente determinados os contornos do que o direito positivo resolveu por determinar como programa de computador. “Art. 1º São livres, no País, a produção e a comercialização de programas de computador, de origem estrangeira ou nacional, assegurada integral proteção aos titulares dos respectivos direitos, nas condições estabelecidas em lei. Parágrafo único. Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados. Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programas de computador é o disposto na Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973, com as modificações que esta lei estabelece para atender às peculiaridades inerentes aos programas de computador.” Esta lei foi alterada pela lei 9.609/98 que manteve na integridade o significado determinado no caput do artigo 1º. “Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.” Segue em mesma direção a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE): “Definition:  Computer software is an asset consisting of computer programs, program descriptions and supporting materials for both systems and applications software; included are purchased software and software developed on own account, if the expenditure is large.”[2] Notamos aqui que se trata primordialmente do produto intelectual que objetiva estabelecer um conjunto organizado de instruções em linguagem apropriada, de forma que a maquina possa interpretar os comandos e realizar uma ou mais tarefas determinadas. Esta definição posta na lei leva a primeira conclusão que os programas de computador são produtos intangíveis, fruto do exercício intelectual do ser. Desta forma, quando vemos a relação tríade da semiótica, vemos que o programa é onde estão armazenadas de forma lógica as ordens a serem cumpridas pelo equipamento de informática e a significação é a existência de uma seqüência de ordens para solução de um determinado problema existente. A lei 9.609/98 enfatiza esta conclusão quando em seu artigo 2º determina que programas de computação têm natureza de obras literárias gozando deste mesmo regime de proteção. “Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei”. Em certos momentos, este programa é encontrado residente em arquivos físicos portáteis como mídias, disquetes, pen drives, ou em outras circunstâncias é obtido por baixa diretamente de endereço eletrônico de provedor. Se tratarmos de propriedade intelectual, devemos então avaliar como o Instituto de Propriedade Intelectual define o que é um programa de computador. Este instituto determina que software é o que está disposto na lei 9464/98: “Definição: De acordo com o artigo 1° da Lei 9.609/98 (Lei de Software), Programa de Computador “é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.”[3] Tendo então estabelecida significação do termo programa de computador, cabe então ser estabelecida uma distinção entre os softwares preparados por encomenda e aqueles para distribuição em massa ou os chamados softwares de prateleira. DEFINIÇÃO DO OBJETO JURÍDICO: MERCADORIA OU CESSÃO DE  USO DISTINÇÃO ENTRE PROGRAMAS DE COMPUTADOR Os softwares por encomenda são aqueles onde o contratante do serviço define as premissas do aplicativo a ser desenvolvido para o contratado. Este por sua vez desenvolve as rotinas contratadas e entrega o resultado do seu trabalho integralmente, tendo o contratante direito sobre os arquivos fonte do programa de computador, o seja adquire a propriedade sobre aquela funcionalidade. Do sítio do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual – INPI, extraímos valiosas notas sobre a questão do direito do autor do programa de transferir a propriedade para terceiros, podendo em certas situações se opor a alterações que possam deformar, mutilar ou prejudicar a honra ou reputação do autor. Titularidade e Criador Somente a pessoa física ou um grupo delas pode criar um programa de computador. O titular é aquele que detém o direito de exploração da obra, podendo ser uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas. Se o titular do direito não for o criador, o pedido deverá ser instruído com documentos que comprovem a transferência de direitos, devendo ser apresentado um documento de cessão ou de comprovação de vínculo (empregatício ou prestação de serviços) com a empresa. No caso de apresentação de documento de cessão, este deverá ser claro e explícito na delimitação dos direitos, pois em se tratando de direito de autor, os negócios jurídicos são sempre interpretados de forma restritiva. Direitos Como a proteção dos programas de computador é afeta ao Direito Autoral, esta compreende direitos morais, que são inalienáveis e irrenunciáveis, e patrimoniais. Os direitos morais que se aplicam aos programas de computador são o direito do autor de reivindicar a paternidade do programa e o direito de se opor a alterações não-autorizadas, quando estas impliquem em deformação, mutilação ou que prejudiquem a sua honra ou reputação. Desta forma, se o titular não é o criador, é aconselhável obter do criador autorização para modificações futuras. Os direitos patrimoniais que se aplicam aos programas de computador são o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor de sua obra, incorrendo em ilícito quem, por qualquer meio, no todo ou em parte, reproduz, vende, expõe à venda, importa, adquire, oculta ou tem em depósito para fins de comércio, original ou cópia de programa de computador produzido com violação de direito autoral, ou seja, sem a autorização expressa do autor ou de quem o represente.[4] Neste caso, quanto há uma relação jurídica estabelecida entre partes independentes para a elaboração de rotinas de programação afeitas a confecção de um programa de computador cuja propriedade será transferida para o contratante, tem-se aqui uma prestação de serviços. Em breve síntese, prestação de serviço é a relação jurídica firmada entre partes onde não há subordinação de trabalho, há remuneração pela entrega da coisa, há a entrega da coisa para terceiros, são realizadas por pessoas sem vínculo de relação de emprego. Para Aires Barreto em palestra proferida no V Congresso de Direito Tributário, apresentou seu entendimento sobre a determinação dos elementos necessários da prestação de serviço. Diz o prestigioso parecerista: “Serviço é o resultado da prestação de esforço humano a terceiros, com conteúdo econômico, em caráter negocial, sob regime de direito privado, tendente à obtenção de um bem material ou imaterial” O que se transfere neste contrato é então o programa sem reservas, ou seja, o novo titular possui direito de alterá-lo desde que não resulte em afronta à honra ou reputação do autor. Temos então que nesta relação jurídica, o contratante passa a poder usar, gozar e dispor sobre o ativo, ou seja, passa a ter direito de propriedade sobre o software. PROPRIEDADE,POSSE E DIREITO DE USO O direito de usar (Jus utendi) corresponde a possibilidade poder extrair da coisa todos os serviços que se pode realizar, sem que haja alteração de seus elementos fundamentais. O direito de fruir (Jus fruendi) destaca-se pela possibilidade do recebimento dos frutos e na utilização dos produtos, podendo explorar a coisa para os fins a que se propõe este ativo. Já o direito de dispor (Jus abutendi ou disponendi) significa o poder que o titular possui de alienar, doar, gravar, alterar, mutilar a coisa. Nos termos do Código Civil de 2002, temos: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.” De outro lado, aqueles aplicativos que têm como fonte originária a idéia do próprio autor e se destina a utilização do mercado em geral, sem que estes tenham acesso ao programa fonte, ou seja, a pessoa tem acesso às funções do aplicativo de forma a resolver seus problemas, mas não pode alterar deformar ou mutilar suas funções. São os chamados softwares de prateleira. Estes programas são desenvolvidos de forma que possa ser útil a uma coletividade e que esta seja somente usuária do aplicativo, sem que seja possível alterar suas funções essenciais de controle nas rotinas do programa de computador. Neste grupo normalmente se incluem jogos eletrônicos, planilhas de cálculo, gerenciadores de bases de dados, etc. Questão interessante se abre neste tipo de situação é: qual o tipo de contrato que será firmado entre as partes, uma vez que o usuário poderá somente gozar e fruir do aplicativo sem que se possa dele dispor. Sem poder dispor, o usuário somente poderá fruir e gozar da coisa e seus frutos dado que nesta relação não há a transferência da propriedade, mas tão somente a posse. Nos termos do Código Civil: “Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.” Se a relação é de posse e não de propriedade, a relação contratual é caracterizada como uma relação onde o usuário pode somente gozar do bem, ocorrendo então uma concessão de licença de uso do programa de computador. QUESTÃO DO CONTRATO: LOCAÇÃO OU CESSÃO DO USO Cabe-nos então tentar elucidar qual o contrato que melhor enquadra a relação de cessão. Duas parecem ser as respostas. Ou estamos tratando de um contrato de locação ou falamos sobre a remuneração de royalties, os quais passaremos a definir abaixo dada a importância deste conceito na definição da hipótese de incidência do tributo. O contrato de locação pressupõe a relação jurídica onde o contratado tem obrigação de ceder num determinado período o direito de gozar e fruir de determinado ativo. Nas palavras de Sílvio Rodrigues, “A locação é o contrato pelo qual uma das partes, mediante remuneração que a outra paga, compromete-se a fornecer-lhe, durante certo lapso de tempo, ou o uso e gozo de uma coisa infungível (locação de coisas); ou a prestação de um serviço (locação de um serviço); ou a execução de algum trabalho determinado (empreitada). Trata-se de contrato bilateral, oneroso, consensual, comutativo e não solene. Bilateral, porque envolve prestações recíprocas de cada uma das partes. Oneroso, dado seu propósito especulativo. Consensual, porque independe da entrega da coisa para seu aperfeiçoamento, opondo-se, assim, aos contratos reais, em que a tradição é elemento constitutivo do contrato.Comutativo, porque cada uma das partes, desde o momento da feitura do ajuste, pode antever e avaliar a prestação que lhe será fornecida e que, pelo menos subjetivamente, é equivalente da prestação que se dispõe a dar. Não solene, porque a lei não impõe forma determinada para o seu aperfeiçoamento.” Nesta avaliação descartaremos a possibilidade de locação de serviços e a empreitada, uma vez que quando tratamos de serviço ou mesmo a empreitada entendemos que há a tradição da coisa por inteiro, isto é, o direito de dispor da coisa, transferindo-se então as fontes do programa o que já tratamos anteriormente. De outro lado, a lei 9.609/98 que tratou especificamente dos programas de computador, estabelece que estes devam ser tratados como direitos autorais. “Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei”. Ainda, em seu artigo 9º, está determinado que o uso do aplicativo será objeto de contrato de licença. “Art. 9º O uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença.” Da leitura do artigo 10 desta mesma lei, extraímos que haverá a remuneração do titular dos direitos do programa. “Art. 10. Os atos e contratos de licença de direitos de comercialização referentes a programas de computador de origem externa deverão fixar, quanto aos tributos e encargos exigíveis, a responsabilidade pelos respectivos pagamentos e estabelecerão a remuneração do titular dos direitos de programa de computador residente ou domiciliado no exterior”. (grifos nossos) A remuneração do autor em face da cessão de direitos autorais pela utilização de programa de computador é chamado de royalty. Em que pese a utilização de terminologia estrangeira, este foi o significado, utilizando a conceituação de Husserl, para designar a forma de pagamento sobre este tipo de remuneração. Reproduzimos abaixo através da Solução de Consulta Receita Federal Nº 86 de 08 de Julho de 2009 o conceito acima descrito. “ASSUNTO: Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE EMENTA: PROGRAMAS DE COMPUTADOR. LICENÇA DE USO. IMPORTAÇÃO DE SOFTWARE. Até 31 de dezembro de 2005, a empresa signatária de contratos de cessão de licença de uso de software, independentemente de estarem atrelados à transferência de tecnologia, era contribuinte da Cide, relativamente às remessas efetuadas ao exterior a título de royalties. A partir de 1º de janeiro de 2006, à vista do disposto nos arts. 20 e 21 da Lei nº 11.452, de 2007, apenas a remuneração pela licença de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador (software) que envolver a transferência da correspondente tecnologia estão sujeitas à incidência da Cide.” Quando confrontamos o contrato de aluguel com o contrato de cessão de licença de uso de software, percebemos que a lei determinou que fosse utilizada essa modalidade específica de relação e não um simples contrato de aluguel. Ademais, aplicativos não se deterioram, mas se desatualizam quando avaliamos o ativo pela ótica de utilização. Somente no caso de aluguel isto ocorre e é tutelado pelo Código Civil: “Art. 567. Se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava”. Concluindo, caso seja contratado programa de computador cujo aplicativo for transacionado sem reservas ou seja terá este direito de fruir, gozar e dispor do bem, trataremos de contrato de prestação de serviços. De outro modo, caso haja somente a possibilidade do usuário fruir e de gozar do ativo, então tratamos de contrato de cessão de licença de uso de software cuja remuneração será chamada de royalty. PROGRAMA DE COMPUTADOR: PRODUTO OU MERCADORIA? Outra questão que se abre é a possibilidade de demarcar o aplicativo de computador como produto ou mesmo mercadoria de forma a estar compreendido na matriz constitucional ou em leis inferiores que regulamentaram a regra matriz de incidência tributária. Analisando a questão, Paulo de Barros comenta da seguinte forma: “ Não se presta o vocábulo (mercadoria) para designar, nas províncias do direito, senão coisa móvel, corpórea, que está no comércio.” [5] Na obra Tributação na Internet, Hugo de Brito Machado traz à colação, inúmeros juristas para delimitar o aspecto físico de produto e mercadoria. Para Américo Lacombe, “Produto é, portanto um bem móvel e corpóreo, enquanto que mercadoria tem um conceito mais restrito, pois é um bem móvel, corpóreo destinado ao comércio.”[6] Continuando seus comentários sobre o tema, cita Sebastião de Oliveira Lima, nos seguintes termos: “Sabendo-se que produto é gênero do qual mercadoria é espécie e conceituados o primeiro como sendo um bem corpóreo, enquanto que o segundo é bem corpóreo e destinado ao comércio. (….)[7] Na mesma linha seguem José Eduardo Soares de Melo, Aliomar Baleeiro, Cleber Giardino, Carvalho de Mendonça, que atribuem a produto e mercadoria uma qualidade física, corpórea, de tangibilidade. As discussões sobre a natureza material da regra matriz de incidência do Imposto de Importação é de extrema relevância dado que a partir da definição de seu objeto (produto, mercadoria ou cessão de direitos) teremos o correto entendimento da incidência deste imposto na baixa de programas de computador. Tributação sobre a baixa de programas de computador Sistema Constitucional Brasileiro Antes de iniciarmos as análises da incidência propriamente dita pela composição da avaliação da regra matriz de incidência tributária, faremos breve digressão sobre o sistema Constitucional brasileiro com o objetivo de entendermos o processo de positivação do sistema tributária brasileiro. Tomando como aprendizado o ensinamento de Hans Kelsen, nosso sistema jurídico é baseado em um sistema legislativo positivo onde as normas primárias estão fincadas na Constituição Federal e as normas inferiores buscam fundamento de validade na norma superior. Este fundamento de validade da norma está residente na existência de uma norma fundamental pressuposta e insofismável. Neste sentido, para que a norma seja válida deve esta buscar seu fundamento de validade em norma superior. Determina a Constituição Federal em seu artigo 1º “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Nosso sistema republicano é baseado numa Federação onde a União, os Estados, Municípios e o Distrito Federal convivem harmonicamente em função da observação das regras de conduta determinadas no texto constitucional. O poder é transferido à República através da outorga destes entes com o objetivo de um bem maior a ser conquistado em conjunto. O texto constitucional é uma carta que define as linhas mestras de conduta entre as pessoas, sejam elas entre pessoas públicas e privadas, entre pessoas públicas e entre pessoas privadas. Nela estão estabelecidas as competências exclusivas e as que podem ser partilhadas entre os entes da federação bem como a forma de resolução de conflitos entre elas. Prescreve o artigo 18, da autonomia dos entes federativos. Esta autonomia é limitada às prescrições do texto constitucional. “Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”. É o ensinamento do ilustre Professor Roque Carrazza, “Os Estados-membros editam, também suas próprias leis, que devem harmonizar-se com a Constituição Federada e com os princípios sensíveis da Constituição do Estado Federal (não com as leis da União) Demais disto, num Estado Federal, ao Legislativo da União é interdito anular, mutilar ou, mesmo, usurpar as competências estaduais que, repitamos, estão perfeitamente desenhadas na Constituição da República.”[8] Legalidade não nos parece ser um princípio isolado, mas ao contrário, acredito estar diretamente conectado com a sensação de segurança que as pessoas querem ter, de forma com que possam planejar suas atividades sem percalços. Como já dizia Aristóteles: A lei é ordem; uma boa lei é uma boa ordem.[9] Algumas leis são melhores do que outras, isto ninguém duvida, seja pela facilidade de aplicação, seja pela percepção de harmonia quando trata de forma isonômica aqueles em mesmas condições mas, dado sua sujeição, deve ser seu comando obedecido exceto pela tutela dada pelo poder judiciário. Sócrates tomou cicuta por obediência à lei. Segurança é a própria Constituição Federal onde determina os direitos e deveres da Republica e aqueles a ela tutelados. Em seu preâmbulo, já informa a necessidade de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais da pessoa dentre outros de forma a resguardar esta garantia. [10] Sistema Constitucional Tributário Brasileiro A partir da leitura do texto constitucional, nos deparamos com uma vastidão de princípios e regras que tem como objetivo a determinação das competências dos entes federados. Quando tratamos da competência tributária, esta é concorrente quando tratamos de matéria tributária. “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I – direito tributário, financeiro.” A explicação para isto é que todos os entes federativos possuem capacidade para tributar naqueles tributos determinados no texto constitucional e a instituição, ou seja, o nascimento do tributo saem dos diplomas infra-constitucionais. Optou o legislador pátrio por gravar o sistema tributário na Constituição Federal. Neste sentido, qualquer regra tributária nova somente pode ser positivada quando observados todos os ditames do diploma constitucional brasileiro. Sejam estes ditames os princípios constitucionais plasmados nos direitos e garantias fundamentais bem como no capítulo do sistema tributário ou qualquer outro princípio implícito ou explícito trazido neste diploma. Roque Carrazza nos ensina que: “A Constituição, como já vimos, é a base de todo o nosso direito público, notadamente de nosso direito tributário. De fato, no Brasil, por força de uma série de peculiaridades, as normas tributárias são, por assim dizer, o corolário dos princípios fundamentais consagrados na Lei Maior.[11] Os princípios têm como principal característica nortear a pessoa quanto à a sua conduta. São como linhas mestras que esculpem uma obra, atribuindo ao ordenamento jurídico uma estrutura firme e concatenada de forma que a mais simples ordem seja facilmente executada com a ajuda dessas linhas mestras. No artigo 150 da Constituição Federal estão descritos diversos princípios gerais que trataremos neste trabalho. Trata-se dos princípios da legalidade, anterioridade, isonomia, anualidade, não confisco e princípio republicano. “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; III – cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) IV – utilizar tributo com efeito de confisco; V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público; VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.” O princípio da legalidade impõe ao poder legislativo que a instituição ou aumento de tributos somente poderá ser feito por lei. Esta determinação, também insculpida no artigo 5º inciso II do texto constitucional que impõe que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei, traz em seu altiplano a noção de segurança, pois para que haja incremento da carga tributária, deve haver um processo democrático previamente determinado com publicidade dos atos, com das discussões em comissões parlamentares, votação feita pelos representantes do povo e dos Estados, a chancela presidencial e a publicidade em mídia pública. Ao mesmo tempo, o respeito à lei é uma obrigação de todos, principalmente ao Estado que tem suas atribuições e obrigações vinculadas à lei. (Durum hoc est sed ita Lex scripta est) “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte (…)” O princípio da legalidade em matéria tributária excetua a alguns tributos específicos a obrigação de sua majoração ser feita por lei. São os tributos que possuem como natureza o controle da economia. Regulam os fluxos de capital, entrada, produção e saída de materiais e produtos. Esta exceção é descrita no § 1º do artigo 153. “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I – importação de produtos estrangeiros; II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; IV – produtos industrializados; V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; § 1º – É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.” A isonomia é princípio basilar de convivência harmônica entre pessoas. Por este caminho, restringe-se o tratamento desigual. É com muita normalidade que se confunde as bases valorativas deste princípio. Isonomia não significa tratar todos da mesma maneira, mas tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual. A Constituição Federal brasileira em diversos momentos afirma tal situação. Seja para aqueles proprietários de pequena propriedade rural (artigo 5º XXVI), sejam juros subsidiados e incentivos fiscais para empresas localizadas em zonas incentivadas (§ 2º do artigo 43) ou mesmo, dentre diversos outros exemplos, a emissão de certidões de forma gratuita para aqueles comprovadamente pobres (artigo 5º, inciso LXXVI). O que este princípio visa é evitar que pessoas que possuam mesma capacidade econômica sejam tratadas de forma diferente. Este tratar de forma igual os iguais e desigualmente os desiguais pressupõe uma igualdade relativa, dentre faixas relativamente flexíveis de riqueza. A progressividade no imposto de renda tem exatamente este papel. Quanto mais uma empresa aufere de renda, maior será a alíquota. É claro que os critérios são arbitrários até porque é impraticável critérios muito subjetivos para definir grupos. Para fins de imposto de renda da pessoa jurídica, estão sujeito ao adicional de 10% as empresas que auferirem lucro tributável maior que R$ 240.000,00. Critérios como este, desde que sujeitos a proporcionalidade e razoabilidade, fazem com que o princípio da isonomia seja plenamente aplicável. De outro lado, a concessão de benefícios para pessoas específicas e não para outras contidas no mesmo grupo fere frontalmente o princípio da isonomia. Exemplo claro são os incentivos fiscais dados a algumas empresas que possuem características similares. Duas indústrias que fabricam o mesmo produto sendo que apenas a uma foi concedido um benefício fiscal. É patente que neste caso uma das empresas sucumbirá rapidamente dado o efeito danoso do tributo em sua linha de produtos que não possui correspondência com este eventual concorrente. O objetivo do princípio da anterioridade é o de evitar surpresas dado que a lei não pode tributar fatos já ocorridos, pois, nos termos do inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal, a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Nem sempre é de fácil visualização a aplicação destes princípios nos casos do inciso XXXVI.  Tomemos como exemplo uma importação de produto. A lei determinou que o aspecto temporal para nascimento da obrigação de pagar o Imposto de Importação é a entrada do bem no País. Passados quatro meses após a operação mercantil contratada chegam os produtos no porto do destino do adquirente. Ocorre que a alíquota que era 5%, passou a ser 40%. Como fica esta situação? Em que pese a clara desobediência ao ato jurídico bem como insegurança jurídica, o Supremo Tribunal Federal no RE 224.285-9 decidiu que não haveria irretroatividade, pois o aspecto temporal é o registro da declaração de importação. Outro exemplo gritante são os chamados pacotes econômicos publicados no último dia do ano para que tenha sua vigência e eficácia para o próximo ano. Em suma, o que a lei deve trazer é segurança para que o contribuinte, possa fazer suas devidas programações financeiras mas nunca ter surpresas no fechamento do ano. Surpresas estas que impactarão de frente com sua estratégia negocial podendo gerar grandes prejuízos para as empresas. É de se perceber que tal procedimento adotado pelos entes federativos foi relativamente amenizada com a publicação da Emenda Constitucional nº 42, mas foram excluídos alguns tributos desta lista que são impactantes no resultado da empresa. Cito o caso do Imposto de Renda que representa 34% do lucro tributável de empresa ou, pela ótica da pessoa física, 27,5% também representativo. Regra Matriz de incidência – contornos da teoria Feitas estas breves digressões sobre estes princípios gerais, passaremos a comentar o conceito da estrutura da regra matriz, elaborada por Paulo de Barros Carvalho. Paulo de Barros Carvalho em sua obra Direito Tributário, Linguagem e Método, estabelece com maestria a conformação da regra matriz de incidência, tecendo os seguintes comentários: “As leis não trazem normas jurídicas organicamente agregadas, de tal modo que nos seja lícito desenhar com facilidade, a indigitada  regra matriz de incidência, que todo o tributo hospeda, como centro catalisador de seu plexo normativo. Pelo contrário, sem arranjo algum, os preceitos se dispersam pelo corpo do estatuto, compelindo o jurista a um penoso trabalho de composição. Visto por esse prisma, o labor científico aparece como árduo esforço de procura, isolamento de dados, montagem e construção final do arquétipo da norma jurídica.[12] O tema apresentado pelo nobre jurista fez revolução no meio acadêmico, pois desmistificou a chamada “escola de glorificação do fato gerador” onde tudo gravitava em torno desse signo.   O que fez foi segmentar a relação tributária entre a hipótese e a conseqüência, subdividindo cada um destes grupos em aspectos independentes que, quando integrados passam a formar os elementos necessários da relação tributária. Fazendo suas considerações sobre a regra-matriz de incidência, Raquel Novais faz preciso comentário, explicando que a enunciação da regra matriz de incidência: “É o resultado da identificação, seguida da reunião de vários enunciados, colhidos dos textos legislados e que culminam com a formulação do juízo hipotético condicional, que traz: (i) no seu antecedente ou hipótese, a descrição de um evento – indicando os elementos que permitam averiguar a sua ocorrência, pela descrição de um núcleo no qual se encontra a própria materialidade do evento, associado a condicionantes espaço-temporais; e (ii) no seu conseqüente implicado pela previsão da ocorrência do evento, a prescrição de uma relação, de cunho obrigacional, que coloca dois sujeitos em posição de credor e devedor quanto ao tributo, definido materialmente pela associação de dois elementos: a base de cálculo e alíquota.[13] Tomando-se como exemplo o ICMS. pela hipótese teremos então o aspecto material, formado por verbo mais seu complemento (Circular mercadoria); aspecto temporal, num determinado período de tempo (hoje) e um aspecto espacial (em São Paulo). Pelo lado da conseqüência, temos dois aspectos. O aspecto pessoal onde localizamos os sujeitos relacionados ao evento. Sujeito passivo é aquele que possui o liame obrigacional pela realização do aspecto material e o sujeito ativo aquele tem o direito-dever de receber o tributo. Quanto ao segundo, temos o aspecto quantitativo, formado pela base de cálculo e alíquota. Nestes aspectos o que temos, resumidamente. é a eleição de um signo presuntivo de riqueza para qualificar o tributo a ser cobrado. Mercadoria neste caso será o valor da operação com a mercadoria. A alíquota é o percentual que, aplicado à base de cálculo, resultará o quantum devido aos cofres públicos. Esta alíquota é importante, pois é baseado nisto que se abre a discussão para o não confisco. Quando se apropria por parte relevante do bem, isto poderá ser considerado confisco. Dada estas brevíssimas linhas sobre a regra matriz de incidência, trataremos de avaliar a incidência de tributos sobre a baixa eletrônica de arquivos magnéticos que é o objetivo final deste trabalho. Imposto de Importação: Breve histórico do tributo: O Imposto de importação é um dos mais antigos tributos instituídos no Brasil. No Brasil-Colônia, a tributação era concentrada nos tributos sobre a exportação  (pau Brasil, ouro) ou eventuais explorações de portos. A partir da abertura dos portos no País, nasce a oportunidade da exploração do comércio internacional e com isto a tributação sobre as importações de produtos estrangeiros. “Por outro lado, pertencia à receita provincial todas as importações, que não estivessem listadas no Art. 11, por serem da competência do Governo Central. Em termos gerais, contudo, pode-se dizer que a maior fonte de receita das províncias estava no imposto de importação”. [14] Nesta época, o imposto sobre as importações era extremamente relevante para os cofres do governo como mostra este estudo tendo hoje sua representação reduzida para 2.5% do total arrecadado.[15] Naquele momento, as receitas foram dividas entre os entes federativos da seguinte forma: a União ficava com o imposto de importação, consumo e selos e às Províncias, vindo a se tornarem Estados, foi atribuído o Imposto de Exportação, o que acabou por influenciar a distribuição de rendas, uma vez que a produção de café no sul era bem mais relevante do que no nordeste, podendo ser uma das causas das diferenças econômicas atuais entre estas duas regiões do País. Conformação da regra matriz de incidência tributária do Imposto de importação A competência tributária para a criação do imposto de Importação está depositada na Constituição Federal em seu artigo 153 nos seguintes termos: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I – importação de produtos estrangeiros;” Iniciamos logo informando que para a correta criação deste tributo, deverá o ente estatal competente, respeitar todos os princípios constitucionais atinentes a este tributo. Sejam estes os que regem o sistema republicano, sejam os que tratam das garantias individuais e coletivas bem como aqueles específicos determinados no Capítulo do Sistema Tributário Nacional. No caso deste específico tributo, informamos de plano que identificamos a implicação dos seguintes princípios: Segurança jurídica pela impossibilidade de retroagir a aplicação da norma; quanto à igualdade, ser aplicado em situações equivalentes e entre pessoas equivalentes e com referência à legalidade, ou seja, a criação ou majoração de tributos imposta por lei, no caso deste Imposto, há uma regra específica que outorga poderes ao Poder Executivo para alteração das alíquotas[16], Outra exceção aos princípios constitucionais tributários, situação sobremaneira importante, é que esse tributo não está subordinado ao princípio da anterioridade da lei nos termos do artigo 150, III b e c. Isto porque o Imposto de Importação tem como característica sua extrafiscalidade, do qual também fazem parte o Imposto de Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados e Imposto sobre Operações Financeiras de Câmbio e Valores Mobiliários. A extrafiscalidade consiste na utilização do tributo para controlar, incentivar ou mesmo inibir determinadas situações ao invés de simplesmente servir para arrecadar valores aos cofres públicos da União. Abaixo decisão do Ministro Carlos Veloso no RE 225602 onde disserta sobre a questão da extrafiscalidade. Identificamos também a aplicação do não confisco, princípio de difícil classificação dada a dificuldade de determinar o limite a qual o particular pode ter seu patrimônio expropriado de forma legal pelo Poder Público. Aspecto Material do Imposto de importação: O aspecto material busca determinar a materialidade do evento, ou seja, qual a atividade exercida por pessoa física ou jurídica que o legislador tomou de empréstimo, para indicar existência do liame obrigacional para o nascimento do Imposto de Importação. Este aspecto material é composto por um verbo de ação mais seu complemento de forma a dar correta percepção do átimo preciso na constituição do liame obrigacional. Discutimos sobre o imposto de importação, ou seja, o verbo importar mais seu complemento, o produto. Em outras palavras, trazer produto produzido no exterior para nosso País. Mas não é qualquer movimentação de produto que deve ser considerada como importação. Há situações onde a internalização de produtos não deve ser considerada como importação. São aquelas que têm natureza temporária, não ocorrendo desta forma, a entrada definitiva no País, como por exemplo, a consignação, devolução e afins[17]. Questão interessante aparece quando analisamos o signo produto. Já indicamos que a Constituição Federal elegeu o signo produto como o complemento do verbo importar. Produto significa o resultado de uma atividade, seja ela fabril ou intelectual, que é criado por de um sistema próprio e definido de forma a atender uma necessidade qualquer. Então teremos que a importação de uma coisa ou idéia, estará sujeita à incidência deste imposto. Veja que o termo produto aqui escrito não tem uma subclasse industrializado como é o caso do Imposto sobre produto industrializado (IPI). O termo é simplesmente produto. Como tal termo é amplo, é de se entender que a entrada de qualquer bem, corpóreo ou não se sujeitaria ao imposto de importação. A avaliação comporta análise histórica legislativa do referido imposto. Até a publicação da Emenda Constitucional no.  18 de 1965, a Constituição Federal discriminava a incidência do imposto de importação através do complemento mercadorias. Com a emenda no. 18, o texto constitucional foi alterado para importação de produtos industrializados, isto porque é termo de maior abrangência do que o signo mercadoria. Tanto produto como mercadoria, como muito já tratou a jurisprudência e a doutrina, e que foi explorado no início deste trabalho, é objeto físico, móvel e corpóreo, Podemos entender que dado o dinamismo da linguagem, produto do intelecto humano pode ser entendido como contido no complemento “produto”, mas quando nos deparamos com o verbo importar, este prevê permanência, perenidade. Essa perenidade somente se aplica ao software por encomenda dado que o importador adquire o produto com suas fontes de programação, direito a propriedade da coisa, ou seja, carrega esta característica de perpetuidade. Neste caso estaria sujeito o imposto de importação. Mais adiante, verificaremos que o poder legislativo optou por restringir mais ainda o complemento “produto” determinando o aspecto material como mercadoria, em lei ordinária que criou o tributo.  Com esta restrição, mais ainda se complica a possibilidade da incidência do imposto de importação sobre a baixa de aplicativos de sítio internacional. De outra forma, no caso dos softwares de prateleira não há esta relação de perenidade dado que a forma de negócio é praticada distintamente de uma contratação de serviços. Esta relação jurídica ocorre por contrato de cessão de uso do aplicativo, o qual não possui característica definitiva, sendo então excluída a possibilidade de ser tratada como importação. Interessante verificar que mesmo a Constituição Federal posterior a 1965 e o Código Tributário Nacional tenham sido publicados se utilizando o complemento “produto”, as legislações que instituíram o tributo posteriormente mantiveram o termo mercadoria. Extraímos do Código Tributário Nacional, a estrutura da regra matriz de incidência do tributo em tela: “Art. 19. O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional. Art. 20. A base de cálculo do imposto é: I – quando a alíquota seja específica, a unidade de medida adotada pela lei tributária; II – quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma venda em condições de livre concorrência, para entrega no porto ou lugar de entrada do produto no País; III – quando se trate de produto apreendido ou abandonado, levado a leilão, o preço da arrematação. Art. 21. O Poder Executivo pode, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas ou as bases de cálculo do imposto, a fim de ajustá-lo aos objetivos da política cambial e do comércio exterior. Art. 22. Contribuinte do imposto é: I – o importador ou quem a lei a ele equiparar; II – o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados.” Posteriormente, leis inferiores que regularam a matéria, mantiveram em seu texto legal o signo mercadoria, a despeito do que havia inovado a Constituição Federal a partir daquela emenda. Abaixo artigo 69 do Decreto 6.759 publicado em 2009 cujo objetivo é o de regulamentar a administração das atividades aduaneiras e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior: “Art. 69.  O imposto de importação incide sobre mercadoria estrangeira.” grifos nossos. Questão que se abre é se esta distinção poderia conviver, harmonicamente, no sistema jurídico tributário. Produto é o resultado do esforço humano, mecânico ou a combinação de ambos havendo a transformação de sua condição original. No caso de mercadoria, não há nenhuma alteração em sua forma original, mas tão somente é objeto de revenda. Produto e mercadoria possuem divergências em suas classificações, mas podem se inter-relacionar naquilo que não se conflitam. Neste sentido, quando confrontamos as noções impostas aos dois signos, poderemos perceber que à “mercadoria”, cabe toda a sorte de operações com produtos físicos ou tangíveis mas não cabe negociação de intangíveis. Mercadorias são aquelas destinadas ao comércio. Neste sentido, quando colocamos em perspectiva produto e mercadoria, verificamos que não caberia a incidência do imposto de importação sobre baixa de arquivo de programa pela impossibilidade jurídica da classificação deste ativo como mercadoria, objeto este móvel, corpóreo destinado ao comércio. Infelizmente não é bem esta a posição do Supremo Tribunal Federal que classifica os programas para revenda (softwares) como mercadorias. No RE 285.870 que abaixo reproduzimos, temos a incidência do ICMS dado que há um instrumento físico para manuseamento pelo comprador. Este meio físico, que é a base de incidência serve somente como veículo para o transporte das informações e não é o contrário. No caso de pagamento pela cessão de uso, o que alguns tratam de forma leiga como “compra de software”, o aplicativo é carregado em um computador que irá executar os comandos, em função deste software e muitas das vezes este meio físico é descartado.” Não se adquire esta mídia, mas tão somente se paga pelo direito de usar o aplicativo. Construir a norma de forma a entender que se adquire o meio físico atenta contra os princípios da lógica. Seria como entender que a caixa que transporta produto de limpeza deveria ser base para o ICMS. Trata-se de meio físico para transporte de mercadorias e não a mercadoria propriamente dita. Não há mercadoria, há a comercialização dos direitos de uso do bem.   Aspecto Temporal do Imposto de importação Tratando sobre a questão do aspecto temporal do tributo, este incide no momento da entrada no território nacional. Ocorre que dada a impossibilidade de se controlar esta entrada, uma vez que esta linha divisória marítima, aera ou terrestre é de difícil acompanhamento pelas autoridades fazendárias, optou-se pela atribuição de momento distinto ao da entrada para fins da determinação desta ocorrência. A lei estabeleceu o momento da ocorrência é o do desembaraço alfandegário, ou seja, no momento do registro da declaração de importação, ao invés da entrada no território nacional. Muito já se discutiu sobre o momento onde o tributo é devido, pois o registro da declaração de importação não coincide com o momento da compra. Diferentemente de uma compra onde as partes situam-se um uma mesma região, a importação resulta em partes localizadas em Países diferentes e normalmente com distâncias relevantes entre o comprador e o vendedor. Neste sentido, o prazo entre o pedido, produção e entrega dos produtos é maior que numa rotineira operação interna. Ocorre que, celebrada a operação interna, fica sujeita às regras tributárias estabelecidas naquele átimo de tempo, nos termos do artigo 116 do Código Tributário Nacional. “Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:… II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.” De forma diferente, a alíquota aplicável para o Imposto de Importação pode ser alterada a qualquer momento e este momento que determina a situação jurídica é o desembaraço aduaneiro. Se por exemplo, uma empresa importa sapatos da China, a alíquota do Imposto de Importação aplicável a esta operação não é aquela no momento da assinatura do contrato de importação, mas no momento do registro do contrato de câmbio que ocorre em período não maior que noventa dias da chegada da mercadoria no porto.[18] Tal situação gera insegurança dado que a alíquota pode ser diferente entre a data do fechamento do negócio e a data do registro do fechamento de câmbio, o que poderá gerar distorções no custo do produto que, como conseqüência, poderá inviabilizar a venda da mercadoria no mercado local. Caso de grande repercussão nacional foi o aumento de alíquotas do Imposto de Importação sobre veículos. Em breves linhas, na década de 90, houve grande demanda sobre veículos importados. Nesta batida, o Governo Federal resolveu aumentar a alíquota de imposto de forma a refrear este impulso de compras. Ocorre que diversos importadores possuíam pedidos em curso, muitos deles com mercadorias paradas nos portos, prontas para desembaraço e conseqüente registro das declarações de importação. Sendo o aspecto temporal o registro da declaração e o aumento da alíquota ocorreu entre a compra e o desembaraço, diversos importadores ajuizaram ação com o objetivo de que a alíquota do Imposto de Importação, válida nestas operações, fosse aquela vigente na data da aquisição e não na data do registro do contrato de câmbio, momento este que representa a internalização da mercadoria. Os tribunais rechaçaram a demanda baseada no entendimento que o aspecto temporal é o desembaraço e não a aquisição, conforme podemos verificar no RE 224.285-9. Aspecto Espacial do Imposto de importação Quanto ao aspecto espacial, maior ainda sua complexidade. Esse implica em demarcarmos o lugar físico onde se ultrapassa as fronteiras e se adentra no Estado Brasileiro. As fronteiras brasileiras foram estabelecidas pela Lei Nº 8.617, de 4 de janeiro de 1993 que dispõe sobre o mar espacial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiras. Em seu capítulo primeiro, determina os limites territoriais brasileiros. “Do Mar Espacial Art. 1º O mar espacial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil. Parágrafo único. Nos locais em que a costa apresente recorte profundos e reentrâncias ou em que exista uma franja de ilhas ao longo da costa na sua proximidade imediata, será adotado o método das linhas de base retas, ligando pontos apropriados, para o traçado da linha de base, a partir da qual será medida a extensão do mar espacial. Art. 2º A soberania do Brasil estende-se ao mar espacial, ao espaço aéreo sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo.” Neste sentido, uma vez dentro do espaço brasileiro determinado por lei, seria devido o imposto de importação. Imaginemos uma embarcação que carrega minério de ferro importado da Índia para o Brasil. Uma vez entrada a embarcação neste perímetro, seria devido aos cofres públicos o imposto de importação. São diversas as questões que se abrem quando a incidência é transferida para a entrada da mercadoria no território nacional. A primeira questão é sobre o responsável pelo recolhimento, pois atingindo a linha demarcatória brasileira, somente os tripulantes da embarcação poderiam recolher o tributo. Ocorre que o sujeito passivo descrito no conseqüente da norma é o importador, o que trataremos neste trabalho. Parece ser pouco provável que atingindo determinado ponto, fosse enviado nota ao importador para que este providenciasse o pagamento. Outra questão é a identificação das doze milhas náuticas. Em que pese o alto nível de sofisticação da tecnologia, pode ocorrer que os controles da embarcação não sejam tão confiáveis incorrendo em erro de identificação do dia preciso e com isto, a taxa da moeda de conversão pode não representar a realidade bem como a alíquota, gerando prejuízos para qualquer um dos sujeitos da relação tributária. Poderíamos listar outras questões sobre a fragilidade deste quesito, mas o que importa é que é de difícil controle e fiscalização haver a incidência neste lugar e tempo, uma vez que tanto o aspecto temporal quanto o espacial estão intimamente ligados. O mundo jurídico trabalha com ficções e presunções. Tais critérios são necessários para que se dê operatividade ao direito. A cerca da distinção entre presunção e ficção Alfredo Augusto Becker esclarece: “A distinção entre presunção e ficção existe apenas no plano pré-jurídico, enquanto serviam de elemento intelectual ao legislador que estava construindo a regra jurídica. Uma vez criada a regra jurídica, desaparece aquela diferenciação porque tanto a presunção, quanto a ficção, ao penetrarem no mundo jurídico por intermédio da regra jurídica, ambas entram como VERDADES (realidades jurídicas).” [19] Ou seja, a verdade é que o imposto de importação é devido no momento do desembaraço da mercadoria e não quando do atingimento do ponto divisório das milhas náuticas brasileiras. O aspecto espacial determinado pela lei é o desembaraço aduaneiro, nos termos do artigo 23 e 44 do Decreto Lei 37/66. “Art. 23 – Quando se tratar de mercadoria despachada para consumo, considera-se ocorrido o fato gerador na data do registro, na repartição aduaneira, da declaração a que se refere o artigo 44. Art.44 – Toda mercadoria procedente do exterior por qualquer via, destinada a consumo ou a outro regime, sujeita ou não ao pagamento do imposto, deverá ser submetida a despacho aduaneiro, que será processado com base em declaração apresentada à repartição aduaneira no prazo e na forma prescritos em regulamento.” (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988) São momentos diferentes ou há possibilidade de convívio destas normas objetivas no mesmo sistema jurídico? Acreditamos que a resposta se encontra na determinação do lugar relativo ao aspecto espacial e no momento da eleição do lançamento fiscal. Se o marco territorial para fins de validação da hipótese da incidência é a entrada no território brasileiro, isto ocorre a partir daquele lugar. Como o aspecto temporal caminha de mãos dadas com este elemento, então no momento do atingimento deste lugar, seria o momento do nascimento da obrigação tributária. Como já mencionamos, haveria uma grande dificuldade para o controle deste marco territorial dada a fragilidade deste limite. Quando tratamos de controles terrestres, realmente o controle é mais simples, mas neste caso a dualidade se encontra entre a determinação legal e a validação deste lugar. De outro lado, a constituição da obrigação tributária pode ocorrer e normalmente ocorre posteriormente ao nascimento do fato jurídico tributário que deu origem a obrigação, normalmente porque o instituto da substituição tributária tem sido entendido pelos tribunais superiores como definitiva, ocorrendo ou não o fato, nos termos praticados no elo anterior da cadeia. Isto é nítido nos tributos por auto-lançamento, onde a declaração é feita em momento posterior à ocorrência do fato. Tomamos como exemplo o Imposto Sobre Serviços (ISS). Imaginando uma empresa prestadora de serviços que realiza suas atividades normais com diversos clientes.  A cada serviço prestado, há o nascimento da obrigação tributária. De acordo com Paulo de Barros a incidência se dá de forma automática e infalível no momento da prestação do serviço. Ocorre que seu lançamento acontece em momento posterior por de declarações municipais determinadas em lei, ou seja, existe um descasamento entre as datas da ocorrência da hipótese e a declaração da obrigação. Há um terceiro momento que é o do pagamento. Este momento ocorre posteriormente ao momento da ocorrência da hipótese bem como da constituição da obrigação. É a partir deste momento que ocorre a liquidação da obrigação tributária. Ou seja, há três momentos distintos que devemos avaliar. A relação jurídica propriamente dita; o ato de declaração e constituição da obrigação tributária e o pagamento. São situações distintas que deveriam ser tratadas de forma diferente. Se o fato jurídico ocorreu na compra do bem, mais ainda certo deveria ser a incidência do imposto de importação ter sobrevindo neste momento. Este é o fundamento da segurança jurídica. É a previsibilidade dos resultados dos atos. Situação esdrúxula como esta seria o uma pessoa domiciliada e residente no Acre que adquire um veículo no Rio Grande do Sul, ficar sujeito à incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços no momento em que a mercadoria chegasse ao destino. Não tenho dúvida que o primeiro argumento que se usaria nesta questão é que o ICMS está sujeito ao princípio da anualidade e nonagesimalidade. Desta forma, qualquer alteração na alíquota somente seria possível por lei e válida no próximo ano e eventualmente decorrido noventa dias, caso a lei tenha sido publicada no último dia do ano. O que se busca é ter certeza de que o custo contratado é adequado aos possíveis preços a serem praticados na revenda destes produtos. Neste sentido, discordamos da decisão publicada pelo argumento aqui apresentado. A bem da verdade, a única forma de se compatibilizar segurança com a entrada do bem em território nacional é, no momento da disponibilidade jurídica da mercadoria, ou seja, no momento da compra. Já trabalhamos com os conceitos de posse e propriedade e percebemos que o direito de propriedade é bem mais amplo do que o de posse pelo direito do proprietário de dispor do bem. Neste sentido então, a operatividade da norma estaria condicionada à aquisição da mercadoria no exterior, o que facilitaria por demais o processo por diversos ângulos. Evitaria uma série de riscos cambiais dado que não haveria mudança na taxa de conversão da moeda, pois a referência para cálculo seria feita no próprio dia; Evitaria riscos com despachantes que atuam por conta do importador em uma grande maioria das vezes recebendo o dinheiro para liquidar a operação e mais importante que tudo, evitaria surpresas pela possibilidade da União aumentar a alíquota do tributo no curso da entrega da mercadoria no País. Aspecto pessoal do Imposto de importação Passemos então para a avaliação das conseqüências do nascimento de uma relação tributária. O nascimento da obrigação tributária manifesta-se pela existência do fato (aspecto material) em um determinado espaço de tempo (aspecto temporal) e num determinado lugar (aspecto espacial). Dada esta ocorrência, a conseqüência é determinada pela conexão entre duas pessoas sendo uma aquela que tem a obrigação de pagar e a outra o direito-dever de receber o tributo. Mas pagar e receber o quê? Como se calcula esta obrigação? Será a junção entre base de cálculo e alíquota. Nas palavras de Paulo de Barros, tratando a Regra Matriz de Incidência, comenta que: “Já na conseqüência, observaremos um critério pessoal (sujeito ativo e passivo) e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota). [20] Mais adiante o autor tece comentários interessantes sobre o assunto, onde menciona: “A faculdade de exigir o objeto dá a substância do direito subjetivo, de que é titular o sujeito ativo da relação e, ao passo que a conduta de prestá-lo define o dever jurídico a cargo do sujeito passivo.”[21] Neste sentido, a competência constitucional de instituir o Imposto sobre Importação é da União, nos termos do artigo 153, I da Constituição Federal. De outro lado da relação tributária temos o sujeito passivo. Este representa a pessoa que deve pagar o tributo. Poderíamos dividir este sujeito passivo em dois grupos. O contribuinte do imposto e terceira pessoa que a lei determinar, nos termos do Código Tributário Nacional: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.” Quando avaliamos a determinação legal sobre a responsabilidade de recolhimento do Imposto de Importação, ou seja, o sujeito passivo da relação tributária da importação, temos uma quantidade relativamente extensa de contribuintes. “Art.31 – É contribuinte do imposto: I – o importador, assim considerada qualquer pessoa que promova a entrada de mercadoria estrangeira no Território Nacional; II – o destinatário de remessa postal internacional indicado pelo respectivo remetente; III – o adquirente de mercadoria entrepostada. Art . 32. É responsável pelo imposto: I – o transportador, quando transportar mercadoria procedente do exterior ou sob controle aduaneiro, inclusive em percurso interno; II – o depositário, assim considerada qualquer pessoa incumbida da custódia de mercadoria sob controle aduaneiro. Parágrafo único.  É responsável solidário: I – o adquirente ou cessionário de mercadoria beneficiada com isenção ou redução do imposto; II – o representante, no País, do transportador estrangeiro; III – o adquirente de mercadoria de procedência estrangeira, no caso de importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora. c) o adquirente de mercadoria de procedência estrangeira, no caso de importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora d) o encomendante predeterminado que adquire mercadoria de procedência estrangeira de pessoa jurídica importadora.” Quando avaliamos a questão da baixa de programas de computador, analisando estritamente pela ótica do sujeito passivo, aplicar-se-ia o disposto no inciso I do artigo 31 deste Decreto Lei dado que será então aquele que promoverá a entrada da mercadoria no Território Nacional. Aspecto quantitativo do Imposto de importação Tendo este quadro delineado, passaremos a analisar a medida quantitativa da relação tributária tendo em vista a ocorrência do fato jurídico tributário. Quando falamos em medidas, nos referimos a mensuradores. É o objetivo destes mensuradores a determinação exata do valor devido. Em outros termos, tratamos de dívida calculada pela aplicação de uma determinada alíquota sobre uma base de cálculo determinada ou valores fixos ligados a medidas de peso, litros, metros, etc. Explorando o binômio base de cálculo e alíquota, percebemos que esta deve ter clara relação com o aspecto material da hipótese de incidência, dada a implicação lógica entre estes dois aspectos. A base de cálculo apresenta funções determinantes na obtenção do valor devido. Tem função de validar o aspecto material de incidência, dado que o fato jurídico tributário deve ter estreita relação com a sua base de cálculo. Neste sentido, a base de cálculo para fins de determinação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica somente poderia ser o lucro líquido ajustado, ou em outras palavras, o lucro real. Caso fosse determinado que a base de cálculo deste imposto fosse o faturamento, incorreríamos em uma incongruência lógica, pois a renda é o resultado das operações da companhia, diferentemente de faturamento que exprime o valor das vendas da empresa. São duas riquezas distintas que servem para funcionar como mensuradores de hipóteses de incidência também distintas. A base de cálculo deve combinar adequadamente com o aspecto material, de forma que a eleição da base de cálculo possa traduzir adequadamente o interesse do legislador em gravar como signo presuntivo de riqueza, um determinado fato jurídico. Neste sentido, quando tratamos do ICMS, a base de cálculo é o valor da operação da mercadoria. Há aqui correlação lógica dos aspectos, pois o valor da mercadoria é exatamente a base de cálculo do tributo. Quando avaliamos a base de cálculo do Imposto de Importação, nos deparamos com duas situações tipificadas no Decreto-Lei 37/66, as quais descreveremos abaixo: “Art.2º – A base de cálculo do imposto é: I – quando a alíquota for específica, a quantidade de mercadoria, expressa na unidade de medida indicada na tarifa; II – quando a alíquota for “ad valorem”, o valor aduaneiro apurado segundo as normas do art.7º do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio – GATT.” Em breves comentários, o acordo informado no inciso II trata das regras acordadas na Rodada Uruguai onde diversos Países fixaram regras gerais para prática do comércio internacional. Estas regras de convivência visam evitar a transferência de resultados entre Países que será fundamentada por critérios equitativos, uniformes e neutros. Estas regras foram incorporadas à legislação brasileira pelo Decreto Legislativo no. 30 de 15 de novembro de 1994 e diplomas infra-legais posteriores. Neste sentido, em se tratando de importação de mercadorias, ficam estas subordinadas às regras estabelecidas na Rodada Uruguai. Por último, trataremos da alíquota. Esta por sua vez representa o percentual que aplicado a um signo presuntivo de riqueza define o quanto será retirado do contribuinte para ser entregue ao poder público. Como vimos anteriormente, este imposto possui uma característica distinta da maioria dos tributos que estão sujeitos à publicação de lei para majoração de alíquota. A alíquota pode ser alterada a por ato normativo do poder executivo, nos termos do § 1º do artigo 150 da Constituição Federal, onde seus limites foram definidos nos termos da Lei 3.244 de 1957.[22] As alíquotas se encontram determinadas na TEC – Tarifa Externa Comum as quais foram incorporadas ao nosso sistema jurídico pelo Decreto Legislativo no. 350 de 1991 e ratificada pelo Decreto no. 1.343 de 1994 que foi revogado pelo Decreto no 2.376 de 1997. Conclusão: Programas de computador rotinas são produtos da criação humana onde ordens são transcritas de forma lógica de forma que o computador, quando em contato com estas ordens possa executá-la. O aspecto material do Imposto de Impostação é importar produto. Leis ordinárias que regulam a incidência do Imposto de Importação incorporaram ao sistema jurídico o complemento do verbo mercadoria em substituição a produto. Produto é termo amplo onde mercadoria está contida, desta forma ambos signos convivem harmonicamente nos textos legais. Mas mercadoria é coisa física com finalidade de comércio, o que não é o caso de softwares baixados uma vez que o se comercializa é a cessão de uso desta idéia. Não bastasse isto, o termo importar tem natureza permanente o que não corresponde a baixa de software para usuário objeto deste estudo dado que não há a transferência da propriedade do software mas somente a cessão dos direitos de uso. Neste sentido, entendemos que a atividade de baixar de programa de computador de site internacional não está sujeita ao imposto de importação.
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Medida provisória e anterioridade tributária nas contribuições previdenciárias
O presente artigo analisa a aplicabilidade da anterioridade nonagesimal nas contribuições previdenciárias instituídas ou modificadas por medidas provisórias e sua posterior conversão em lei.
Direito Tributário
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS Prevê o artigo 62, parágrafo 2º, CF/88, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº. 32/2001: “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (…) § 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.” É cediço que às contribuições previdenciárias é aplicada a chamada anterioridade nonagesimal ou mitigada, prevista no art. 195, parágrafo 6º, da CF/88. Somente podendo ser exigidas após o decurso do prazo de noventa dias, contados a partir da data da publicação da lei que as instituiu ou modificou. Vale ressaltar a importância da anterioridade nonagesimal que, ao lado da chamada anterioridade anual ou de exercício, busca garantir a segurança jurídica. Evitando, desta forma, a não surpresa do contribuinte. Nota-se também que o legislador constitucional afastou a aplicação da anterioridade anual, prevista no art. 150, III, “b”, da CF/88 à espécie tributária em questão. Para alguns tributaristas, o afastamento em comento não significaria uma exceção à anterioridade anual prevista no art.150, III, “b”, da CF/88, ao lado daquelas expressamente excepcionadas no parágrafo 1º, do mencionado artigo. Neste sentido, é o magistério de Eduardo Sabbag: “Em uma interpretação sistêmica, vê-se que o legislador, quando quis excepcionar o tributo deste princípio, fê-lo, de uma só vez, conjuntamente, no taxativo rol de “exceções” constantes do art. 150, parágrafo 1, da CF, prevendo-se duas listas de ressalvas, sem que fizesse constar em quaisquer delas à menção à contribuição social-previdenciária. Destarte, a exegese que nos parece mais acertada é a de que, no comando em tela, o legislador originário apenas quis demonstrar a existência de um prazo de anterioridade especial para um tributo específico – a contribuição social-previdenciária-, ao qual não se aplica o art. 150, III , “b”, CF.”[1] 2. APLICABILIDADE DA NOVENTENA NAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS CRIADAS POR MEDIDAS PROVISÓRIAS Pois bem. No que tange às contribuições previdenciárias instituídas ou modificadas por medida provisória, a jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal pacificou seu entendimento no sentido de que a noventena prevista constitucionalmente para esta espécie de contribuição social tem como termo a quo a data da edição da medida provisória, e não da sua final conversão em lei; salvo se houver relevante mudança quando da conversão da medida provisória em lei. Nesta hipótese, o prazo nonagesimal teria como termo inicial a data da publicação da lei de conversão.[1] Com o advento da EC 32/2001, a vigência das medidas provisórias passaram a ser de sessenta dias, prorrogáveis por mais sessenta. Por conseguinte, se a medida provisória for convertida em lei sem significativa alteração em seu texto, a cobrança instituída ou modificada originariamente prevista quando da edição da medida provisória continua. Porém, caso haja substancial alteração no corpo do texto da medida provisória editada, deve-se reiniciar a contagem da noventena da data da publicação da lei de conversão. E mais. Caso a medida provisória seja rejeitada ou perca sua eficácia pelo decurso do lapso temporal de 120 dias, a instituição ou a modificação do tributo deixa imediatamente de ser aplicada, nos termos do art. 62, parágrafos 3 e 11, da CF. Entendemos que a linha seguida pelo STF vai de encontro ao elemento axiológico do princípio da anterioridade tributária, eis que, se não há qualquer alteração significativa na lei de conversão da medida provisória, passível de causar algum gravame ao contribuinte, não haveria surpresa por parte do mesmo. Diferentemente do caso de haver relevante alteração na lei de conversão, quando será iniciada a contagem da noventena a partir da publicação desta lei de conversão. Respeitando, assim, o vetor axiológico do princípio da anterioridade tributária.
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Breve análise dos tipos de sujeição passiva tributária
O presente artigo tem como intuito elaborar uma análise sintética e breve acerca das responsabilidades tributárias elencadas pelo Código Tributário Nacional e mencionadas pela doutrina jurídica.
Direito Tributário
1. Introdução: contribuinte e responsável tributário A sujeição passiva da obrigação jurídica tributária pode recair sobre um contribuinte ou um responsável. Será contribuinte aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador. Por outro lado, será responsável pessoa diversa do contribuinte, ou seja, um terceiro que, de alguma forma, possua algum vínculo com o fato gerador da respectiva obrigação, na forma do artigo. 128 do Código Tributário Nacional. 2. Responsabilidade por substituição x responsabilidade por transferência A responsabilidade tributária pode ser dividida em responsabilidade por substituição e responsabilidade por transferência. Na primeira, o responsável tributário ocupa a sujeição passiva desde a ocorrência do fato gerador. Um típico exemplo desta responsabilidade é a fonte pagadora dos rendimentos de pessoa física. Esta ocupa o pólo passivo da obrigação tributária desde a ocorrência do fato gerador, possuindo o dever de reter e recolher o imposto devido ao Erário Público. Já na responsabilidade por transferência, há a alteração da sujeição passiva. No momento da ocorrência do fato gerador, o sujeito passivo consiste numa determinada pessoa. E, posteriormente, a sujeição passiva é transferida para uma outra pessoa, tendo em vista a ocorrência de um evento previsto em lei. Como exemplo, podemos citar os sujeitos passivos responsáveis pelo IPTU. Com a morte do proprietário, a responsabilidade recairá para o espólio. Depois, com a partilha dos bens, a responsabilidade novamente é transferida para os sucessores e cônjuge. 3. Uma subclassificação da responsabilidade por substituição Por sua vez, a responsabilidade por substituição pode ser “para trás” (regressiva ou antecedente) ou “para frente” (progressiva ou subseqüente). A primeira é aquela na qual, numa cadeia de produção e circulação, as pessoas ocupantes das posições anteriores são substituídas pelas ocupantes das posições posteriores, no dever de pagar o tributo. Já na substituição “para frente”, as pessoas que ocupam posições posteriores na cadeia de produção e circulação, são substituídas por aquelas que ocupam posições anteriores. Cabendo aos substitutos o dever de pagar o tributo. Há a antecipação do pagamento deste em relação ao momento da ocorrência do fato gerador, o que é objeto de fortes críticas por parte da doutrina, que sustenta haver afronta aos princípios da tipicidade, capacidade contributiva e do não confisco. Contudo, tanto o Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal sustentam a legalidade e constitucionalidade da substituição “para frente”.[1] 4. Responsabilidade solidária e responsabilidade subsidiária Importa destacar também a diferença entre a responsabilidade solidária e a responsabilidade subsidiária (ou supletiva). A primeira encontra-se prevista no artigo 124, do CTN, consistindo em devedores solidários aqueles que apresentam interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal ou aquelas pessoas designadas expressamente por lei. Cada um responde pela totalidade da dívida. Um claro exemplo é a hipótese de mais de um proprietário de um bem imóvel, na medida que serão solidariamente responsáveis pelo IPTU. A principal diferença deste tipo de responsabilidade com a responsabilidade subsidiária é que a solidariedade não comporta benefício de ordem. Este consiste no direito de que a cobrança da dívida seja feita com a observância de uma ordem. Na responsabilidade subsidiária, cabe o benefício de ordem. Primeiro cobra-se do contribuinte. Depois, não havendo êxito em tal cobrança, adentra-se no patrimônio do responsável tributário, de forma subsidiária. Como exemplo, podemos citar a responsabilidade subsidiária dos tutores e curadores por tributos devidos por seus tutelados ou curatelados, prevista no artigo 134, inciso II, do CTN. 5. Responsabilidade por sucessão e responsabilidade de terceiros Importa, ainda, diferenciar a responsabilidade por sucessão da responsabilidade de terceiros. Na primeira, ocorre a sucessão do contribuinte para o responsável como sujeito passivo da obrigação tributária. Como exemplo, podemos citar a transferência de propriedade de um bem imóvel, na medida em que há a mudança de sujeição passiva do antigo proprietário para o adquirente, passando este a ser o responsável pelo crédito tributário incidente sobre o imóvel. Por outro lado, a responsabilidade de terceiros ocorre quando, em determinadas circunstâncias, certas pessoas não cumpriram o dever legal de vigilância ou gestão do patrimônio do contribuinte. Um típico exemplo é a responsabilidade dos diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado quando praticam atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, na forma do artigo 135 do CTN [2].
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A nova contribuição sobre a receita bruta em substituição à contribuição patronal para as empresas de Tecnologia da Informação – TI e Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC
O presente estudo objetiva analisar a nova contribuição trazida pela Lei Federal nº 12.546/11, incidente sobre a receita bruta e substitutiva da patronal (20%) para as empresas de Tecnologia da Informação – TI e Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC. A partir de 1º de Dezembro de 2011, as empresas que prestam exclusivamente os serviços de Tecnologia da Informação – TI e Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC, deixaram de pagar a contribuição previdenciária prevista nos incisos I e II do art. 22 da Lei n.º 8.212/91, para contribuírem na forma da MP 540/2011 convertida na Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011 (2,5% sobre a receita bruta).  Logo depois, adveio a Medida Provisória nº 563, de 03 de abril de 2012, convertida na Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012, que trouxe mais inovações. Diante dessas medidas provisórias e leis que criaram a contribuição substitutiva da patronal é que teceremos nossas considerações, com destaque à regra de retenção que essas empresas estavam subordinadas e que restou, num primeiro momento, alterada com as inovações havidas.
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Introdução O governo com intuito de implementar uma política de ajustes econômicos vem desonerando a folha de salários para determinados setores da economia, de modo que haja uma redução na carga tributária, com intuito de manter o desenvolvimento econômico e proporcionar a geração de empregos, amenizando os efeitos do atual estágio de dificuldades porque passam as empresas. Dentre os setores beneficiados com a desoneração da folha de salários estão as empresas de Tecnologia da Informação – TI e Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC. A Medida Provisória nº 540/2011, convertida na Lei 12.546 de 14 de dezembro de 2011, trouxe nova contribuição em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. O governo afastou a então contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento e estabeleceu uma nova contribuição sobre a receita bruta das referidas empresas. Assim, a partir de 1º de Dezembro de 2011, a empresas que prestam exclusivamente os serviços de Tecnologia da Informação – TI e Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC, não estão mais obrigadas a recolher a contribuição previdenciária prevista nos incisos I e III do art. 22 da Lei n.º 8.212/91. Em contrapartida, as respectivas empresas passaram a contribuir com a alíquota de 2,5% sobre o valor da receita bruta auferida, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos. A fim de implementar novas alterações, adveio a Medida Provisória nº 563, de 03 de abril de 2.012, que dentre outras mudanças, estabeleceu nova alíquota para aquela contribuição substitutiva da patronal no importe de 2% sobre a receita bruta. Continuando as modificações, na conversão da referida medida provisória, a Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012, trouxe mais inovações. A nova contribuição nada obstante os benefícios que trouxe aos setores econômicos atingidos, deparou-se com o confronto da manutenção ou não do regramento da retenção de 11%, estipulada pelo art. 31 da Lei n.º 8.212/91, que até então era aplicada para aqueles que prestavam serviços com cessão de mão de obra dos referidos setores. A Medida Provisória 540/2011 ao estabelecer a nova contribuição nada mencionou quanto à retenção, ficando sem qualquer disciplinamento até o advento da Lei nº 12.715 de 17 de setembro de 2012. Nesse contexto, analisaremos essa nova contribuição com suas sucessivas alterações legislativas, bem como a dúvida vivenciada pelas empresas até o advento da Lei nº 12.715/2012, quanto ao regramento da retenção que as empresas de Tecnologia da Informação – TI e Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC estavam submetidas. 1. Da legislação quanto à tributação sobre a folha de salários e a nova contribuição para as empresas de TI e TIC A Lei nº 8.212 de 24 de julho de 1991 traz em seu art. 22, a contribuição a cargo da empresa e destinada à Seguridade Social. Fixa a contribuição patronal incidente sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos (inciso I) e aos contribuintes individuais (inciso III), no importe de 20% (vinte por cento). Nessa sistemática de recolhimento da contribuição patronal, as empresas que desenvolvem os serviços de Tecnologia da informação – TI e da Tecnologia e Comunicação – TIC, sujeitavam-se à referida exação, inclusive sofria a retenção, por parte da sua contratante ou tomadora de serviços, da alíquota de 11% (onze por cento) incidente sobre o valor total da nota fiscal emitida ou fatura de serviços, por imposição do art. 31 da Lei 8.212/91. A Medida Provisória n.º 540 de 02 agosto de 2011 convertida na Lei 12.546 de 14 de dezembro de 2011, promoveu alterações na legislação tributária que atingiram as empresas de TI e TIC, desonerando a folha de salários, prevendo uma nova contribuição, com nova base de cálculo e alíquota, silenciando-se quanto ao regramento da retenção, vejamos: “Art. 7º – Até 31 de dezembro de 2012, a contribuição devida pelas empresas que prestam exclusivamente os serviços de tecnologia da informação – TI e tecnologia da informação e comunicação – TIC, referidos no § 4o do art. 14 da Lei no 11.774, de 2008, incidirá sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento).  Parágrafo único.  Durante a vigência deste artigo, as empresas abrangidas pelo caput não farão jus às reduções previstas no caput do art. 14 da Lei no 11.774, de 2008.” A partir de 1º de Dezembro de 2011, as empresas que prestam exclusivamente os serviços de TI e TIC, passaram então a não mais recolher a contribuição previdenciária prevista nos incisos I e III do art. 22 da lei n.º 8.212/91, mas sim, a contribuir com a alíquota de 2,5% sobre o valor da receita bruta auferida, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos. Pelo dispositivo citado, as empresas de TI e TIC efetivamente foram beneficiadas com a substituição da contribuição patronal pela incidente sobre a receita bruta. Na própria exposição de motivos[1] o governo claramente expôs o intuito de fomentar o crescimento dos referidos setores e incentivar a formação de relações de trabalho. A Medida Provisória nº 540/2011 convertida na Lei 12.546 de 14 de dezembro de 2011, ao delimitar seu âmbito de abrangência às empresas que prestam exclusivamente os serviços de TI e TIC, faz referência ao disposto no § 4o do art. 14 da Lei no 11.774, de 2008, que dispõe in verbis: “Art. 14: (…) § 4o  Para efeito do caput deste artigo, consideram-se serviços de TI e TIC: I – análise e desenvolvimento de sistemas; II – programação; III – processamento de dados e congêneres; IV – elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos; V – licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação; VI – assessoria e consultoria em informática; VII – suporte técnico em informática, inclusive instalação, configuração e manutenção de programas de computação e bancos de dados; e VIII – planejamento, confecção, manutenção e atualização de páginas eletrônicas”. O art. 7º estabelece que serão abrangidas pela substituição que menciona, as empresas que desenvolvam os serviços de Tecnologia da informação – TI e  Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC, cujas atividades desenvolvidas constam do § 4o do art. 14 da Lei no 11.774, de 2008. A Lei nº 12.546/2011 que converteu a MP 540/11, estendeu o prazo de vigência da contribuição substitutiva: “Art. 7º – Até 31 de dezembro de 2014, a contribuição devida pelas empresas que prestam exclusivamente os serviços de Tecnologia da Informação (TI) e de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), referidos no § 4o do art. 14 da Lei no 11.774, de 17 de setembro de 2008, incidirá sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento).” Posteriormente, nova medida provisória (Medida Provisória nº 563, de 03 de abril de 2.012), estabeleceu a contribuição substitutiva também ao setor hoteleiro: “Art. 45 – Os arts. 7º a 10 da Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, passam a vigorar com a seguinte redação:  "Art. 7º – Até 31 de dezembro de 2014, contribuirão sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de dois por cento, as empresas que prestam os serviços referidos nos §§ 4º e 5º do art. 14 da Lei nº 11.774, de 2008, e as empresas do setor hoteleiro enquadradas na subclasse 5510-8/01 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0).” E, por fim, a lei que converteu a MP 563/12 (Lei nº 12.715 de 17 setembro de 2012), estendeu a diversos outros setores a substituição do pagamento da contribuição patronal incidente sobre a folha de salários pela nova contribuição de 2,0% incidente sobre a receita bruta, além de trazer regramento sobre a retenção: “Art. 55 – A Lei no 12.546, de 14 de dezembro de 2011, passa a vigorar com as seguintes alterações: Vigência e produção de efeito” "Art. 7º – Até 31 de dezembro de 2014, contribuirão sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de 2% (dois por cento): I – as empresas que prestam os serviços referidos nos §§ 4o e 5o do art. 14 da Lei no 11.774, de 17 de setembro de 2008; II – as empresas do setor hoteleiro enquadradas na subclasse 5510-8/01 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE 2.0;  III – as empresas de transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal, intermunicipal em região metropolitana, intermunicipal, interestadual e internacional enquadradas nas classes 4921-3 e 4922-1 da CNAE 2.0. § 6º  No caso de contratação de empresas para a execução dos serviços referidos no caput, mediante cessão de mão de obra, na forma definida pelo art. 31 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, a empresa contratante deverá reter 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços." Veja-se que diferentemente das outras normas trazidas anteriormente sobre a nova contribuição, a Lei nº 12.715 de 17 setembro de 2012 inovando, trouxe uma regra de retenção para a nova contribuição. Assim, da MP 540 de 02 de agosto de 2011 até o advento da Lei nº 12.715 de 17 setembro de 2012, nada tinha sido disciplinado quanto à necessidade de retenção pelos contratantes ou tomadores de serviços, previsão que existia somente na Lei nº 8.212/91 (contribuição patronal). Vejamos como ocorria a retenção pelos tomadores de serviços. 2. Da retenção de 11% por parte dos tomadores de serviços – art. 31 da lei nº 8.212/91, a que se submetiam as empresas de TI e TIC Após estabelecer a contribuição patronal em seu art. 22, a Lei 8.212/91 prescreveu no art. 31, a obrigatoriedade da retenção da alíquota de 11% (onze por cento) por parte do contratante ou tomador de serviços, incidente sobre o valor total da nota fiscal emitida ou fatura de serviços, para todos os serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho temporário. As empresas que desenvolvem os serviços de TI e TIC, comumente o fazem mediante à cessão de mão-de-obra, sujeitando-se, portanto, à retenção da Lei nº 8212/91:   “Art. 31. A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter onze por cento do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher a importância retida até o dia dois do mês subseqüente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, em nome da empresa cedente da mão-de-obra, observado o disposto no § 5º do art. 33.”[2] Essa era a sistemática imposta até o advento da Medida Provisória nº 540/2011 convertida na Lei 12.546 de 14 de dezembro de 2011, impondo-se aos tomadores de serviços, por meio do regime de substituição tributária, que promovessem a retenção de 11% sobre o valor total da nota fiscal ou fatura de serviço, quando a prestação do serviço é efetivada mediante a cessão de mão de obra. Com a nova contribuição a que se submeteram as empresas de Tecnologia da Informação – TI e Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC, nada obstante os benefícios trazidos, deparou-se com o confronto da manutenção ou não da regra de retenção de 11%, do art. 31 da Lei nº 8212/91, que até então era aplicada para tais empresas. A contribuição social incidente sobre a folha de salários encontra supedâneo no art. 195, inciso I, da Constituição Federal.  Por sua vez, a Lei Federal nº 8.212/91, em seu art. 22, traz a contribuição a cargo das empresas no importe de vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título. A Lei Federal nº 8.212/91 em seu capítulo sobre a arrecadação e recolhimento das contribuições, inicialmente trouxe a responsabilidade solidária entre o contratante e o executor dos serviços. Posteriormente, houve a alteração do texto do art. 31 pela Lei nº 9.711/98, que com fundamento no art. 150, § 7º da CF/88, criou o pagamento antecipado da contribuição social devida pelas empresas prestadoras de serviço mediante cessão de mão-de-obra ou trabalho temporário, utilizando-se do regime de substituição tributária. Com a redação do art. 31 da Lei nº 8.212/91, as empresas tomadoras de serviço foram obrigadas a proceder a retenção de 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher, em nome da empresa cedente da mão de obra. A inovação, segundo o Poder Público, tinha por escopo evitar a evasão, pois empresas prestadoras de serviços não recolhiam a contribuição incidente sobre a remuneração dos segurados a seu serviço. Eis a justificativa da existência da antecipação do pagamento. A empresa contratante passou, então, a ser responsável tributária, nos moldes da responsabilidade por substituição prescrita no art. 128 do CTN, tendo o dever de reter, mediante destaque na nota fiscal ou fatura de serviço, o percentual de 11% sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e, posteriormente, repassar ao sujeito ativo da obrigação tributária. Nada obstante a retenção havida pelo tomador do serviço, o próprio art. 31 em seus §1º e §2º da Lei nº 8.212/91, permite que o contratado realize a compensação do valor retido com o valor devido pelo mesmo, quando do recolhimento mensal da contribuição social.  Após realizada a compensação mencionada, acaso a empresa cedente de mão de obra verificasse que havia saldo positivo em seu favor, crédito portanto, deveria proceder ao pedido administrativo de restituição. Podemos verificar que o legislador estabeleceu a substituição tributária para a contribuição social devida pela empresa (sobre a folha de salários), determinando a retenção de 11% sobre o valor total da prestação de serviço, mediante destaque na nota fiscal ou fatura de serviço, com posterior compensação entre o valor retido e aquele que será objeto de pagamento pelo mesmo tributo. Nesse cenário, tem-se uma sistemática de recolhimento antecipado da contribuição social por intermédio da substituição tributária para frente, já que a cobrança se dava de modo antecipado, ou seja, antes da ocorrência de sua hipótese de incidência, qual seja, o pagamento da folha de salários. Destarte, não havia qualquer substituição da tributação da contribuição social em si, mas apenas uma antecipação do pagamento com posterior ajuste com o que seria devido pela empresa a título de contribuição social a cargo da empresa (20% sobre a folha de salários). A par dessa não substituição da tributação, mas mera antecipação, frente à substituição da tributação sobre folha de salários trazida pela Medida Provisória 540/2011, temos que o dever de retenção pelo tomador de serviço, nos casos aludidos, não mais persistia após o advento da referida medida provisória e antes da Lei nº 12.715/2012. A Medida Provisória 540/2011, em seu art. 7º, instituiu uma contribuição substitutiva para aquela então incidente sobre a folha de salários: a contribuição devida pelas empresas que prestam exclusivamente os serviços de tecnologia da informação – TI e tecnologia da informação e comunicação – TIC, referidos no § 4o do art. 14 da Lei no 11.774, de 2008, incidirá sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento). Verifica-se que a contribuição terá como base de cálculo a receita bruta e a alíquota a incidir será de 2,5%. Essa contribuição, conforme expressamente estabelecido pela Medida Provisória, substituirá às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei no 8.212/91. A mencionada substituição significa que as empresas de TI e TIC não mais se sujeitarão ao recolhimento: “[…] vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.” (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999). Assim, embora houvesse a antecipação do pagamento da contribuição da folha sobre salários por meio do recolhimento/retenção de 11% sobre o valor total da nota fiscal ou fatura de serviço (base estimada), certo é que posteriormente havia o ajuste que se realizava sobre a folha de salários (base de cálculo da contribuição patronal). Diferentemente, estabeleceu a MP 540/2011, que tratou de expressamente consignar a substituição da base de cálculo para o recolhimento das contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991 (folha de salários), para passar a ser a receita bruta da empresa, trazendo nova contribuição e afastando a então vigente sobre a folha de salários. Temos, por conclusão, repita-se, que naquele período (após a MP 540/11 e antes da Lei 12.715/12), as empresas de TI e TIC não estavam sujeitas ao pagamento da contribuição previdenciária prevista nos incisos I e II do art. 22 da lei n.º 8.212/91, nos termos nela prescrita, sendo substituída pela sistemática da MP 540, sendo, portanto, indevida qualquer retenção quanto à referida contribuição previdenciária pelos tomadores de serviços. Em sede de decisão sobre pedido de tutela recursal, o desembargador Peixoto Junior da segunda Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região assim se manifestou: “[…] presente também o requisito de lesão grave e de difícil reparação diante do desembolso de valores decorrente da retenção pelos contratantes de serviço de contribuição que nada por autoriza concluir seja devida, reputo preenchidos os requisitos do art. 558 do CPC e defiro o pedido de efeito suspensivo ao recurso”.[3] A fim de corroborar com o aludido entendimento, basta analisarmos o que ocorre com as Microempresas (ME) e as Empresas de Pequeno Porte (EPP) optantes pelo Simples Nacional que prestam serviços mediante cessão de mão de obra ou empreitada. Para essas, não há a retenção previdenciária dos 11% sobre o valor bruto da nota fiscal, da fatura ou do recibo de prestação de serviços. A dispensa se encontra justamente na falta de compatibilidade entre os modos de recolhimento dos tributos devidos pelas empresas. A retenção em questão é regra geral e aplicada desde que possa haver compatibilidade com a sistemática de arrecadação de casos específicos, bem como com as previsões normativas havidas. Vejamos a decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto: “TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇO OPTANTES PELO SIMPLES. RETENÇÃO DE 11% SOBRE FATURAS. ILEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA. PRECEDENTE DA 1a SEÇÃO (ERESP 511.001/MG). 1. A Lei 9.317/96 instituiu tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, simplificando o cumprimento de suas obrigações administrativas, tributárias e previdenciárias mediante opção pelo SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições. Por este regime de arrecadação, é efetuado um pagamento único relativo a vários tributos federais, cuja base de cálculo é o faturamento, sobre a qual incide uma alíquota única, ficando a empresa optante dispensada do pagamento das demais contribuições instituídas pela União (art. 3o, § 4o). 2. O sistema de arrecadação destinado aos optantes do SIMPLES não é compatível com o regime de substituição tributária imposto pelo art. 31 da Lei 8.212/91, que constitui "nova sistemática de recolhimento" daquela mesma contribuição destinada à Seguridade Social. A retenção, pelo tomador de serviços, de contribuição sobre o mesmo título e com a mesma finalidade, na forma imposta pelo art. 31 da Lei 8.212/91 e no percentual de 11%, implica supressão do benefício de pagamento unificado destinado às pequenas e microempresas. 3. Aplica-se, na espécie, o princípio da especialidade, visto que há incompatibilidade técnica entre a sistemática de arrecadação da contribuição previdenciária instituída pela Lei 9.711/98, que elegeu as empresas tomadoras de serviço como responsáveis tributários pela retenção de 11% sobre o valor bruto da nota fiscal, e o regime de unificação de tributos do SIMPLES, adotado pelas pequenas e microempresas (Lei 9.317/96). 4. Recurso especial desprovido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08.”[4] (grifo nosso) O ministro Teori Albino Zavascki citou em seu voto no Recurso Especial acima mencionado diversos julgados no mesmo sentido, que confirmam que a sistemática do Simples é diferente não se compatibilizando com a sistemática do recolhimento dos 11%: “Tal sistema de arrecadação é incompatível, consequentemente, com aquele outro regime de substituição tributária imposto pelo art. 31 da Lei 8.212/91, que, conforme esclarece o próprio INSS em sua contestação (fls.53/71), se constitui numa "nova sistemática de recolhimento" daquela mesma contribuição destinada à Seguridade Social. Daí porque a retenção, pelo tomador de serviços, de contribuição sobre o mesmo título e com a mesma finalidade, na forma imposta pelo art. 31 da Lei 8.212/91 e no percentual de 11%, além de implicar supressão do benefício de pagamento unificado destinado às pequenas e microempresas, importaria arrecadação do mesmo tributo.” Comparando o caso em tela ao do SIMPLES, percebe-se evidente similitude entre ambos, na medida em que, nas duas hipóteses, em lugar da retenção de 11%, passou-se a computar um determinado percentual sobre o faturamento e exigir o valor correspondente diretamente da empresa contribuinte/prestadora de serviços, ocorrendo, consoante os termos utilizados pelo próprio STJ, evidente “incompatibilidade técnica” entre a retenção ordinária e o recolhimento diferenciado de tributo incidente sobre o faturamento. A mencionada “incompatibilidade técnica” reside no fato de que, enquanto no regime ordinário de recolhimento (que inclui a retenção de 11%) é considerada uma mera estimativa da base de cálculo, no regime diferenciado estabelecido pela nova contribuição, a base de cálculo é verificável de plano. Isto é, no regime ordinário, é estimada uma proporção entre o valor da nota fiscal e a base de cálculo (de modo a determinar a retenção em percentual inferior à alíquota da contribuição ao INSS), enquanto que, no caso em tela (assim como no do SUPERSIMPLES) a base de cálculo (faturamento) não é estimada, mas sim real. É por tal motivo que se diz incompatível a aplicação da retenção em operações realizadas pelas empresas de TI e TIC, pois tal medida levaria em consideração apenas uma estimativa da base de cálculo, enquanto que, pela nova contribuição, esta é auferível de plano, não havendo que se falar em simples estimativa. Neste cenário, portanto, não há plausibilidade técnica e jurídica para se estabelecer retenção de valor meramente estimado, visto que o valor do tributo é verificável prima facie, motivo pelo qual a retenção não mais pode persistir. Deveras, pela antiga sistemática havia o recolhimento antecipado sobre o valor bruto das notas fiscais emitidas, compensando-se com o valor efetivamente recolhido pela empresa sobre a folha de salários. Com a nova sistemática, o recolhimento comporta uma única base de cálculo. Na mesma linha de raciocínio constante do acórdão citado, destacamos o princípio da especialidade, de modo que prevalece apenas a sistemática da MP 540/2011, que trouxe tratamento diferenciado e especial para empresas de TI e TCI, unificando o modo de recolhimento para não mais incidir sobre a folha de salários para incidir sobre a receita bruta. 2.1. Ausência de previsão legal determinando a retenção da nova contribuição pelos tomadores de serviços até o advento da Lei nº 12.715/2012 Em regra, a responsabilidade do recolhimento dos tributos recai sobre os seus sujeitos passivos, entretanto, esse regramento cede para os casos em que a lei estabelecer normas de substituição tributária, como é o caso da retenção ora abordada, em que pessoa diversa do contribuinte se responsabiliza pelo recolhimento do tributo. O art. 121 do CTN prescreve quando pessoas diversas do contribuinte podem ser consideradas sujeito passivo de obrigação tributária: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.” PAULSEN, citando MORAES, leciona que “Em relação ao responsável tributário, o vínculo surge da lei específica e não da lei que define o fato gerador da obrigação tributaria” [5]. O art. 128 do CTN também disciplina o tema, determinando que, para atribuir responsabilidade tributária a terceiros, se faz necessário que seja promulgada lei: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referia obrigação.” PAULSEN, citando MARTINS, comenta o dispositivo supra afirmando que a disposição legal para estender a responsabilidade tributária deve ser expressa e clara: “[…] esta escolha de um terceiro somente pode ser feita se clara, inequívoca e cristalinamente exposta na lei. Uma responsabilidade, entretanto, sugerida, indefinida, pretendidamente encontrada por esforço de interpretação nem sempre juridicamente fundamentado, não pode ser aceita, diante da nitidez do dispositivo, que exige deva a determinação ser apresentada ‘de forma expressa’.”[6] A Medida Provisória 540/2011 ao estabelecer a nova contribuição nada mencionou quanto à retenção pelos tomadores dos serviços, ficando sem qualquer disciplinamento até o advento da Lei nº 12.715 de 17 de setembro de 2012. Assim, conjugando ambas as premissas fixadas a partir dos dispositivos legais citados, i) a contribuição implementada pela Lei 12.546/11 é diversa da prevista na Lei 8.212/91, e esta veio a ser substituída; e ii) a obrigação de retenção deve ser expressamente prevista em Lei, conclui-se que, inexistindo norma alguma que obrigue os tomadores de serviço a realizar a retenção da nova contribuição sobre o faturamento, inexiste a possibilidade de se reconhecer a substituição tributária quanto à mencionada contribuição e, consequentemente, não há que se falar em retenção. A norma que determina a retenção das contribuições sobre a folha de pagamento, que incidia antes da nova contribuição não é aplicável a esse novo tributo, já que a mencionada substituição tributária não contempla a contribuição sobre a receita bruta, da qual empresas de TI e TIC são sujeitos passivos. O art. 31 da Lei 8.212/91, no capítulo que regulamenta a arrecadação e recolhimento das contribuições, determinou a retenção de 11% do valor das notas fiscais de prestação de serviços: “Art. 31. A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão de obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher, em nome da empresa cedente da mão de obra, a importância retida até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, ou até o dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele dia, observado o disposto no § 5o do art. 33 desta Lei.” Percebe-se, portanto, que a norma de retenção acima transcrita não é aplicável à contribuição objeto da Lei 12.546/11, incidente sobre o faturamento à alíquota de 2,5%, mas apenas à contribuição ordinária, prevista na Lei 8.212/91. Ao analisarmos o dispositivo acima com o §1º, verificamos claramente que esse associa a retenção de 11% à contribuição incidente sobre a folha de pagamentos – na medida em que inclusive admite a compensação entre ambos – percebe-se ainda mais claramente que a norma de retenção em comento diz respeito exclusivamente à contribuição estatuída pela Lei 8.212/91. Logo, inexiste norma que determine a retenção da contribuição incidente sobre a receita bruta: “§ 1º O valor retido de que trata o caput deste artigo, que deverá ser destacado na nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, poderá ser compensado por qualquer estabelecimento da empresa cedente da mão de obra, por ocasião do recolhimento das contribuições destinadas à Seguridade Social devidas sobre a folha de pagamento dos seus segurados.” E ainda sequer podemos cogitar na possibilidade de se entender que poderia haver simplesmente uma redução do valor da retenção. A situação seria um despautério, pois estar-se-ia diante da adoção de duas medidas que não se encontram previstas em Lei: além de realizar retenção se valendo de norma aplicável apenas a tributo diverso, o faria utilizando de percentual diverso do previsto na mencionada lei, não se podendo falar, portanto, em retenção nem mesmo no percentual de 2,5% ou 2%. Destarte, não se tinha a aplicação da regra de retenção, diante da evidente ausência de previsão legal para se obrigar a realização da retenção até o advento da Lei nº 12.715/2012. 2.2. Impossibilidade de retenção sobre pagamentos realizados referente a tributo do qual o sujeito não é mais contribuinte Vimos que a Lei 12.546/11 (conversão da MP 540/11), ao estabelecer a contribuição de 2,5% sobre a receita bruta das empresas de TI e TIC, afastou essas da sujeição passiva da contribuição prevista no art. 22 da Lei 8.212/91, na qual o art. 31 previa a retenção de 11%, pelo fato de que a nova contribuição veio em substituição da anterior. As empresas que atuam exclusivamente nos ramos de TI e TIC tornaram-se contribuintes da nova contribuição e, a partir da égide da nova Lei, deixaram de ser contribuintes da contribuição patronal. Igualmente não podem os pagamentos a si destinados sofrer retenção referente à antiga contribuição, tendo em vista que o substituído tributário, necessariamente, deve ser contribuinte do tributo objeto de substituição. O art. 128 do CTN determina que a substituição tributária sempre exclui a responsabilidade do contribuinte, ou lhe atribui responsabilidade em caráter meramente supletivo, de modo que as normas de substituição sempre devem afetar pessoas que são contribuintes do tributo em questão: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.” Ademais, o §1º do art. 31 da lei 8.212/91 autoriza compensar o valor retido (de 11% da nota fiscal) apenas com o valor devido a título de contribuição incidente sobre a folha, entretanto, como as empresas de TI e TCI não mais são contribuintes do aludido tributo, não tem como realizar a referida compensação, o que acarretaria prejuízos teratológicos: “§ 1º O valor retido de que trata o caput deste artigo, que deverá ser destacado na nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, poderá ser compensado por qualquer estabelecimento da empresa cedente da mão de obra, por ocasião do recolhimento das contribuições destinadas à Seguridade Social devidas sobre a folha de pagamento dos seus segurados.” O novo tributo, incidente sobre a receita bruta, é inconfundível com a contribuição sobre a folha de pagamento. A prescrição da retenção da Lei nº 8.212/91 refere-se a antecipação da contribuição sobre a folha de pagamento. Assim, não se pode simplesmente manter o dever de reter porque as empresas de TI e TIC já foram contribuintes de tal exigência ou porque a nova exigência seria provisória. Portanto, uma vez que não incide nas operações realizadas pelas empresas de TI e TIC a contribuição cuja retenção é regulamentada pela Lei 8.212/91, tal medida (de retenção) não pode ser adotada relativamente aos pagamentos realizados a elas, sob pena de se lhes atribuírem ônus desproporcional, consistente em constante descapitalização indevida à monta de 11% sobre o seu faturamento. 2.3. Impropriedade da retenção que ao final acaba onerando a empresa se afastando do benefício a que pretendeu a lei Outro aspecto que a toda evidência desnatura a ideia de manutenção da retenção no período mencionado (após a MP 540/11 até a Lei nº 12.715/12) é a oneração que se queria impor às empresas, afastando-se dos objetivos propostos pela lei de desonerar a folha de salários e, consequentemente, a carga tributária. Conforme já exposto, o art. 31 da Lei nº 8.212/91, em seus parágrafos primeiro e segundo, prescrevem, respectivamente, que o valor retido deverá ser compensado com o devido pela empresa cedente de mão-de-obra quando do recolhimento mensal da contribuição social e, que no caso de não se efetivar a compensação integral do valor retido antecipadamente, o saldo remanescente será objeto de restituição. A MP 540/2011 e nem a lei que trouxe sua conversão trouxe qualquer menção a regra de retenção e, consequentemente, de eventual compensação, o que reforça que as sistemáticas de recolhimento não se comunicam. Ocorre que, o entendimento adotado pelo Fisco até o advento da Lei nº 12.715/12, qual seja, de manutenção da retenção de 11%, agravou ao invés de beneficiar as empresas de TI e TIC. Ao final do período para apuração do montante correspondente aos 2,5% / 2,0% sobre o valor da receita bruta a que tem como obrigação as referidas empresas, e confrontando com as retenções havidas de 11% sobre os valores da notas fiscais emitidas se constatará três situações (i) valor retido superior ao valor devido sobre a receita bruta; (ii) valor retido menor que o valor devido sobre a receita bruta e (iii) valor retido que se iguala ao valor a ser recolhido. Em tais situações remanesceu prejudicial quando o valor retido foi superior àquele devido sobre a receita bruta (o que comumente estava ocorrendo nas empresas), já que a Lei nº 12.546/11 que estabeleceu a substituição da base de cálculo para o recolhimento das contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, fixou à alíquota de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento), e não fez previsão de compensação. Não havendo a possibilidade de fazer compensação e com o entendimento sobre a necessidade da retenção sobre os pagamentos realizados às empresas na alíquota de 11%, vamos verificar que o valor retido supera o quádruplo do valor que deveria ser recolhido a título do novo tributo, no equivalente a 8,5% de seu faturamento global, ou seja, tal medida leva à indisposição financeira afetando os recursos financeiros das empresas, o que consiste em evidente lesão aos primados da capacidade contributiva e da vedação à tributação com efeito de confisco. Nem se diga que o saldo retido a maior em confronto com o valor efetivamente devido poderá ser objeto de restituição, já que atualmente essa restituição não acontece nos termos preconizados pelo texto constitucional, ou seja, imediata e preferencial (art. 150, § 7º da CF). Verifica-se, portanto, que esse absurdo entendimento do Fisco de manter a retenção de 11% após o advento da MP 540/11 e antes da Lei nº 12.715/12, fere frontalmente as garantias do contribuinte e vai na contramão da direção das políticas governamentais de fomentar o crescimento dos referidos setores e incentivar a formação de relações de trabalho. 3. Da nova regra de retenção trazida pela lei nº 12.715/2012 Já vimos que o art. 31 da Lei nº 8.212/91 fixou a obrigação imposta aos tomadores de serviço de procederem a retenção de 11% (onze por cento) sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, devendo recolher o mesmo aos cofres públicos em nome da empresa cedente da mão de obra. A justificativa para privar o contribuinte do recebimento do valor integral com a antecipação do pagamento da contribuição patronal, era o de se evitar a evasão, pois empresas prestadoras de serviços não recolhiam a contribuição incidente sobre a remuneração dos segurados a seu serviço. Como a MP 540/11 desonerou a folha de salários, estabelecendo contribuição substitutiva à patronal e incidente sobre a receita bruta, tem-se, como já se expôs, que não tinha cabimento a regra de retenção. Nada obstante isso, e por certo cedendo às pressões de uma política cada vez mais intensa e direcionada ao pagamento antecipado do tributo, por comodidade  e facilidade para a fiscalização, mesmo para essa nova contribuição, a Lei nº 12.715/12 estabeleceu: “§ 6º  No caso de contratação de empresas para a execução dos serviços referidos no caput, mediante cessão de mão de obra, na forma definida pelo art. 31 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, a empresa contratante deverá reter 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços." Destarte, o advento da referida lei confirma que efetivamente antes de sua vigência e após a MP 540/11 que estabeleceu a nova contribuição incidente sobre a receita bruta em substituição à contribuição patronal, não havia que se falar em obrigação por parte dos tomadores de serviços em proceder a retenção como entendia o Fisco. Considerações finais A substituição da contribuição patronal prevista na Lei 8.212/91 (20% sobre folha de salários) pela nova contribuição contemplada pela MP 540/11 (2,0% sobre a receita bruta) para as empresas de Tecnologia da Informação – TI e Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC e, que, depois se estendeu para outros setores, teve por objetivo a implantação de políticas governamentais para fomentar o crescimento de determinados setores e incentivar a formação de relações de trabalho. Entretanto, as sucessivas edições de medidas provisórias e leis sobre o mesmo assunto, demonstram que o governo ao invés de colocar em prática uma política governamental planejada e consentânea com o sistema jurídico tributário vigente, assim não o fez, criando confusões na aplicabilidade da legislação aos contribuintes. Isso ocorreu, por exemplo, com a regra de retenção que era prevista pela Lei nº 8212/91 para a contribuição patronal. A Medida Provisória nº 540/2011, convertida na Lei 12.546 de 14 de dezembro de 2011, ao estabelecer nova contribuição em substituição à patronal nada mencionou quanto a necessidade de retenção, permanecendo o entendimento do Fisco pela manutenção, embora não se coadunasse com a nova sistemática de recolhimento. As empresas TI e TIC passaram a não mais ser sujeito passivo da contribuição patronal, de modo que os pagamentos a si destinados não podiam sofrer retenção referente a essa contribuição, tendo em vista que o substituído tributário, necessariamente, deve ser contribuinte do tributo objeto de substituição. Além do que, a hipótese de incidência do tributo e a regra da retenção se perfaziam em normas jurídicas distintas que, no caso, não podiam conviver. Embora houvesse a antecipação do pagamento da contribuição da folha sobre salários por meio do recolhimento/retenção de 11% sobre o valor total da nota fiscal ou fatura de serviço, quando a prestação do serviço era efetivada mediante a cessão de mão-de-obra, com posterior ajuste, a base do recolhimento ainda se perfazia sobre os 20% da folha de salários. Diferentemente, estabelecia a Lei 12.546/2011, que tratou de expressamente de consignar a substituição da base de cálculo para o recolhimento das contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) sobre a receita bruta. Deveras, pela antiga sistemática havia o recolhimento antecipado sobre o valor bruto das notas fiscais emitidas, compensando-se com o valor efetivamente recolhido pela empresa sobre a folha de salários. Com a nova contribuição, o recolhimento comportava uma única base de cálculo, qual seja, a receita bruta, com aplicação da alíquota de 2,5%, atualmente de 2,0%. No entendimento adotado pelo Fisco, a nova contribuição não teria o condão de recuperar as empresas de TI e TIC para que retomassem seu nível de atividade e crescimento. Acaso, fosse para manter a retenção e mais os 2,0% sobre a receita bruta, a carga tributária teria aumentado e não trazido benefício para o setor como consta na exposição de motivos da MP 540/11[7], já que o objetivo era desonerar e não agravar a situação do setor de TI e TIC. Ainda que fugindo do objetivo inicial de se ter criado a regra de retenção para a contribuição patronal (evasão) e impor uma privação ao contribuinte de pronto recebimento do valor total dos serviços, o legislador criou por meio da Lei nº 12.715/2012, uma regra de retenção para a nova contribuição incidente sobre a receita bruta e substitutiva da patronal. Tal fato, confirma que efetivamente antes de sua vigência e após a MP 540/11, não havia que se falar em obrigação por parte dos tomadores de serviços em proceder a retenção como entendia o Fisco, no importe de 11% sobre o valor bruto da nota fiscal, da fatura ou do recibo de prestação de serviços.
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Lançamento do IPTU em imóvel desapropriado
Resumo Este trabalho trata da situação do empregado e seus direitos trabalhistas em face da alienação da empresa- em casos de falências e recuperação judicial, colocando, pois, em cheque uma colisão aparente entre os princípios da preservação da empresa e o da continuidade das relações de trabalho, o que implica na impossibilidade de sucessão de créditos trabalhistas, tanto em seara de falência como em seara de recuperação judicial.
Direito Tributário
1. Noções Introdutórias.  A parte mais vulnerável da relação no instante da recuperação judicial de uma empresa, sem dúvida alguma, é o empregado. Em caso de alienação do fundo empresarial, independentemente do novo sucessor se responsabilizar contratualmente ou não, arca com todas as obrigações trabalhistas do sucedido em caso de falência, face ao princípio reitor das relações de trabalho, qual seja, o princípio da continuidade. Tal raciocínio é questionado no que toca a recuperação judicial.  Cumpre aos estudiosos analisar se com a criação da Nova Lei de Falências e Recuperação Judicial (11.101/05) houve, de forma efetiva, a diminuição da proteção ao empregado nos contratos firmados entre ele e o empregador.  O tema em epígrafe é objeto de intermináveis discussões, discussões essas travadas não somente em seara do Poder Judiciário; abarcando os demais Poderes (Poder Legislativo e Poder executivo) com o mesmo grau de profundidade. Assim, se faz necessária uma breve introdução para que o leitor possa vir a contextualizar o problema de forma clara. Em verdade, toda a problemática aqui apontada centra-se no parágrafo único do art. 60 da Lei 11.101/05 (Lei de falências). Tal artigo possui uma redação que deve ser examinada em cotejo ao inciso II do art. 141 da mesma lei em comento. Assim, prescreve o inciso II do art. 141 da Lei 11.101/05, em outras palavras, da alienação dos bens do devedor, em caso de falência. Em contrapartida, aponta o parágrafo único do artigo 60 da Lei de falências a alienação, esse agora feito no reduto da Recuperação Judicial: ambas, pois, alienações feitas em momentos e fases distintas. O objeto central da alienação em fase de falência está, pois, livre de qualquer ônus e não há que se falar em sucessão do arrematante nas obrigações afetas ao devedor; inclusive, as de natureza tributária, bem como as averbadas à legislação trabalhista e aquelas decorrentes de acidente de trabalho. Assim, no inciso II do artigo 141 da lei em epígrafe o nosso legislador infraconstitucional fez constar expressamente em diploma legal a exclusão de toda e qualquer sucessão (tributária, trabalhista, bem como as decorrentes de acidentes de trabalho). Base Legal: arts. 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho. Já o objeto central da alienação em fase de Recuperação Judicial está, pois, também isento de qualquer ônus e não se cogita em sucessão do arrematante nas obrigações portadas pelo devedor; inclusive aquelas oriundas de natureza tributária. Aqui, pois, houve um silêncio eloqüente do legislador no tocante as obrigações de natureza trabalhistas, bem como aquelas concernentes aos acidentes de trabalho; diverso do que ocorre em alienação da falência em que a isenção quanto a tais obrigações por parte do sucessor é feita de forma expressa; de moldo a não gerar qualquer dúvida a respeito do tema.   Resta, pois a análise de que se, com o objetivo de proteção à empresa e aplicação do seu principio da continuidade, a mesma teria extrapolado os seus limites de competência legislativa – face aos artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho – que, em outras palavras, assegura que em eventual mudança da estrutura empresarial o empregado ficaria a salvo; ou seja, se quem adquire os ativos da empresa responde ou não pelos débitos trabalhistas pretéritos, sob pena de mácula ao princípio do in dubio pro operario. No escólio do doutrinador José Augusto Rodrigues Pinto: “O princípio da continuidade diz respeito à empresa, singularmente considerada. Através da continuidade da empresa se visa á permanência da relação individual do trabalho”.[1] À primeira vista a falta de previsão legal no que tange a exclusão de toda e qualquer sucessão (tributária, trabalhista e aquelas decorrentes de acidente de trabalho) pode soar aos ouvidos dos leitores mais desavisados como um lapso, uma falha ou mesmo um esquecimento por parte do legislador; mas, ao aprofundarmos o estudo do tema em apreço verificamos que tal silêncio fora, pois, intencional. Tal ato constituiu objeto de uma emenda em que constavam expressamente as seguintes expressões: “derivadas da legislação do trabalho e as do acidente de trabalho”. Isso pelo fato de que o parágrafo único do art. 60 da Lei 11.101/05 tinha redação idêntica ao inciso II do art. 141 da lei ora versada. Todavia, por iniciativa de um membro do Poder legislativo encampado no Senado Federal, houve a apresentação de uma emenda no Senado Federal suprimindo as sucessões trabalhistas e de acidente do trabalho, ao argumento de que não haver sucessão em caso de alienação na falência se faz por razões lógicas já que se está alienando o objeto para o pagamento do próprio credor e, por conseqüência lógica, o próprio empregado, já que alienação é para saldar a dívida e não haveria sentido naquele que adquire o objeto continuar a devedor se a venda fora justamente para saldá-la. O mesmo raciocínio não se aplica a recuperação judicial. Isso porque na mesma o devedor persistirá com o seu patrimônio para lograr êxito em salvar a sua atividade.   Assim sendo, quem o adquire deve saber o que está adquirindo. Igualmente, a análise dogmática do contexto histórico vem mudando, pugnando pela irresponsabilidade do sucedido por débitos trabalhistas, anteriores a sucessão; ainda que à custa de calorosas discussões a respeito do tema. Mas o fato é que a lei, assim emendada, foi publicada e se desprendeu da vontade do legislador, passando a existir tão-somente a vontade da lei; com existência jurídica autônoma, o que permite aos hermeneutas a sua aplicação livre de amarras, o que vem sendo feito paulatinamente. 2 Alguns esclarecimentos necessários. Assim, para que o leitor possa bem compreender a questão de fundo se faz necessária a compreensão da natureza do crédito de natureza trabalhista. Nos moldes do art. 958 do Código Civil a preferência é um gênero e comporta, pois duas espécies; quais sejam: o privilégio e a garantia (real e quirografária). O privilégio decorre da lei. Já a garantia pode decorrer da lei ou do contrato. No privilégio, a ordem de pagamento é ditada pela lei. O privilégio nada mais é que a ordem de vocação dos credores na partilha da garantia comum que se subsume no patrimônio do devedor. Assim, quanto mais o credor executa o mesmo objeto haverá um privilégio no que toca aquela ordem de pagamento. Já a garantia traduz-se em fornecer ao credor como adimplemento da obrigação o patrimônio do devedor, como um todo – garantia quirografária; bem como ao credor, assegurando a adimplência da obrigação, um bem destacado do patrimônio não necessariamente do devedor – garantia real. A diferença que reside sob o âmbito do Direito Material entre o crédito fazendário, o crédito trabalhista, bem como o crédito quirografário é quanto à anterioridade (ordem de preferência) no recebimento de tais créditos, o que dá via processo. Em não havendo processo não que se vislumbrar diferença material quanto aos créditos e sim quanto ao objeto a que eles se vinculam. Em não havendo processo não se cogita na ordem de pagamento. Assim, a alienação é revestida de garantida real e não há que se confundir com o privilégio, já que este não decorre da vontade das partes. Trata-se de uma imposição legal! Dessas premissas surgiu uma discussão interessante acerca da natureza jurídica da preferência no crédito trabalhista. Originalmente, o crédito de natureza trabalhista apresentava a natureza jurídica de um crédito quirografário. Se o privilégio decorre de lei é dotado de excepcionalidade, logo, é norma de natureza restritiva. Nos primórdios, então, o Supremo Tribunal Federal firmou a sua jurisprudência, em um conflito de competência (Conflito de Competência – CC: 2488 e CC 2627), no sentido de que o crédito trabalhista ostentava o status de crédito quirografário. Há que se ressaltar que pelo Decreto _ lei 7661/45 (que regulamenta a falência em nosso ordenamento jurídico até o advento da lei 11.101/05) figurava entre nós o instituto da concordata. Pelo instituto da concordata o art. 147 do Decreto-Lei 7661/45 previa que a mesma só atingiria o passivo concordatário. Logo, surgiu a discussão, a saber, se os empregados se sujeitavam ou não a concordata. Na ótica esposada à época pelo Supremo Tribunal federal os empregados estavam a ela adstritos pelo fato de crédito trabalhista ostentar a natureza de quirografário. Era, pois, intocável.  Somente com a lei 3.726 de 11 de fevereiro de 1960 o crédito trabalhista recebe o status de crédito privilegiado alterando a lei de falências á época (decreto – lei 7661/45); ganhando, pois privilégio. O crédito trabalhista só ganhou privilégio porque a lei assim definiu os seus contornos. Após a alteração da lei de falência o Supremo Tribunal federal ostentou o entendimento de que o crédito trabalhista passou a ser privilegiado e, portanto, restou excluído do instituto da concordata, já que a mesma estava adstrita ao crédito quirografário, tão-somente; declarando formalmente o seu entendimento jurisprudencial no conflito de competência 2591. Em consonância com tal entendimento o Supremo Tribunal Federal esculpiu o verbete sumular de número 227, que em outras palavras resumia o seu entendimento no seguinte sentido: “a concordata do empregador não impede a execução do crédito e nem a reclamação do empregado na justiça do trabalho”. Isso porque até a lei 3.726/60 o crédito trabalhista era quirografário. A concordata foi extinta e atualmente lidamos com o instituto da recuperação judicial e, hoje, o amparo legal para o privilégio do crédito trabalhista continua não constando da Consolidação das Leis do Trabalho e também não constando na Constituição da República Federativa do Brasil, mas tão só no Código Tributário nacional (art. 186, do Código Tribunal Nacional) que prescreve, em outras palavras, que o crédito tributário prefere a qualquer outro, independentemente da data de sua constituição ou de sua natureza, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho e por acidente do trabalho. Assim, se o crédito tributário prefere a qualquer outro, com a exceção do crédito trabalhista e por acidente do trabalho estes possuem primazia sobre qualquer outro crédito, inclusive o crédito de natureza tributária. Eis aí, pois, a supremacia legal dos mesmos. 3 Os doutrinadores afetos ao Direito do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal.  Destarte, o Supremo até então resolveu a questão. Todavia, o Direito do Trabalho é regido por um princípio basilar; qual seja o princípio da norma mais favorável (também conhecido como princípio do in dúbio pro operário) que explicita que a dúvida que surgir deve ser solucionada de molde a não prejudicar o empregado.  É cediço que o Direito do Trabalho constitui um ramo do Direito que contém em seu bojo uma jurisprudência axiológica; tal ramo do direito só existe com vista à proteção do empregado. Assim, diante de tais premissas, a pirâmide valorativa do Direito do Trabalho distingue-se da pirâmide kelseniana (que preconiza a Constituição da República em seu ápice). No Direito do Trabalho estará no topo da interpretação aquela norma que se mostrar mais favorável ao empregado; favorável, pois, as suas condições de trabalho virão para o ápice da pirâmide, ainda que seja hierarquicamente uma norma periférica. A base legal para tal assertiva encontra-se no próprio art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho. Esse princípio da norma mais favorável exige do intérprete, no escólio da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, indagações: se a norma for a mais favorável será a mais favorável para o empregado ou será a mais favorável para os empregados (no plural)? Poderá a norma mais favorável beneficiar apenas um empregado, ainda que em detrimento dos demais? Ou será aquela norma mais favorável que irá beneficiar a classe dos empregados?   É cediço que em um processo concursal o que temos é uma execução coletiva (tanto de falência como de recuperação judicial). Teremos, pois, a classe dos empregados executando coletivamente o empregador; portanto, em verdade, o princípio da norma mais favorável deve ser compreendido como aquele que for mais favorável a classe dos empregados: empregados como um todo considerado! Do contrário o intérprete subverteria o fundo sob a forma. Nas preciosas lições do Marcelo Papaléo: “Não se parte do objetivo de liquidar para repartir, mas de conservar para salvar e ter melhores resultados para todos”.[2] No sentido acima esposado, vem o Supremo Tribunal Federal e aduz que em caso de falência a execução deve ser feita no juízo da falência e não no juízo trabalhista. Não compete ao juízo do trabalho a execução individual de cada empregado, sob pena de frustrar-se o processo concursal e, por conseqüência, a classe de empregados. E essa questão bem bater agora as portas do Supremo Tribunal Federal, sob uma nova perspectiva, qual seja: a Recuperação Judicial. O Egrégio Supremo Tribunal Federal (na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 3.934-2-DF), na lavra do seu Ministro Relator. Logo, o MIn. Relator Ricardo Lewandowski manifestou-se pela constitucionalidade dos artigos 60, parágrafo único, 141, inciso II, e 83, incisos I e IV, alínea “c”, da Lei nº 11.101/2005, que afasta a sucessão quando da alienação de ativos nos processos de falência e de recuperação judicial e apresenta limitação a 150 salários mínimos por credor para fins de preferência, na falência, dos créditos decorrentes da legislação do trabalho. Logo, os artigos 60, parágrafo único, e 141, inciso II, da Lei nº 11.101/2005 encontram-se constitucionalmente hígidos, quando afastam a sucessão nos créditos trabalhistas, aduzindo que o legislador ordinário, ao assim proceder, visou à concretização dos valores constitucionais da livre iniciativa e da função social da propriedade (empresa). 4 A Recuperação Judicial e as suas minúcias trabalhistas. Com o advento da Lei 11.101/05, por força do art. 54, os empregados passaram a ser incluídos como partes na Recuperação Judicial, ostentando, pois o status de sujeitos passivos no tange a mesma. Assim, no cenário jurídico despontaram dois pontos de vista acerca da sucessão trabalhista na recuperação judicial. Sob uma primeira perspectiva seria, mesmo em face da omissão legislativa, se mostraria perfeitamente possível a sucessão trabalhista na recuperação judicial, ao argumento de que a Consolidação das Leis do Trabalho traça diretrizes mais protecionistas ao empregado e é tida como lei especial que versa sobre assunto, ainda que a lei 11.101/05 verse em sentido contrário. Aqueles que argumentavam favoravelmente à sucessão trabalhista inserida na Recuperação Judicial apresentavam basicamente os seguintes argumentos: o primeiro argumento valeu-se de uma interpretação histórica, qual seja o estudo do projeto de lei que teve a sua modificação veiculada por uma emenda que propositalmente teria feito a supressão das obrigações trabalhistas e de acidente do trabalho da sucessão para que o julgador ficasse livre para incluí-las ou não em cada caso concreto. A outra argumentação residia em uma interpretação sistemática em que ao exame detalhado do instituto da Recuperação Judicial nos deparamos com o inciso II do art. 141, da Lei 11.101/05 que apregoa a exclusão da sucessão em caso de falência, mas não o fazendo no que tange ao instituto da Recuperação Judicial. Ainda sob essa mesma ótica citamos a interpretação lógico-sistemática: É cediço que a Consolidação das Leis do Trabalho, como o próprio nome já denota, constitui-se em uma consolidação; logo, lei geral trabalhista. Assim, os arts. 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho preceituam expressamente a sucessão trabalhista como um direito subjetivo do empregado, não se distinguindo se em caso de alienação ocorrida em recuperação judicial ou fora dela. Trata-se de uma garantia do empregado, no suor de seu lavor, da solvência da prestação trabalhista. Logo, transferido o patrimônio empresarial restará para o empregado o seu direito de seqüela. Assim, como a regra no Direito do Trabalho é a aplicação do principio in dubio pro operario e como a Lei 11.101/05 não excluiu a sucessão trabalhista na recuperação judicial (fazendo-a apenas no que tange a falência), como não foi proibida, assim, é permitida. Também a jurisprudência: “Sucessão Trabalhista. Configuração. Hipótese. O fato de o contrato de trabalho do reclamante ter findado antes da efetivação da sucessão não descaracteriza esta, pois, ao adquirir a unidade econômica jurídica, a empresa sucessora passou a ser responsável também pelos contratos laborais extintos. Dessa forma, responde o empreendimento, representado pelo sucessor, pelas dívidas trabalhistas oriundas dos contratos de trabalho findos ou vigentes à época da transferência da unidade produtiva. (TRT/MS – AP – 1111/2001 – 005-24-00-3- REL.: JUIZ NINCANOR DE ARAÚJO LIMA – DOE 31.10.2002. REVISTA SYNTHESIS 36/2003, P.222.). Em contrapartida, há um segundo ponto de vista (hoje dominante nos Tribunais Superiores: ADI 3934, STF.) acerca da impossibilidade da Sucessão Trabalhista na recuperação judicial. Comungamos de tal entendimento e vamos expor ao leitor os argumentos que corroboram essa segunda visão sobre a discussão ora versada. Essa questão bateu as portas do Supremo Tribunal federal que opinou favoravelmente pela respectiva impossibilidade: a já citada Ação Direta de Inconstitucionalidade, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski. A título ilustrativo vale citar o Recurso extraordinário (593855), com repercussão geral, também de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski. E o fundamento discorrido pelo Supremo Tribunal Federal cingiu-se aos seguintes argumentos: Quando o tema versar sobre recuperação judicial o artigo que a coroa é o art. 47 da Lei 11.101/05. Já quando o tema versar sobre falência o embasamento jurídico lastreia-se no art. 75 da lei em comento. Tais artigos, em outras palavras, prescrevem as formas que existem de sucessões em cada um dos respectivos institutos. Lei é norma de comportamento e, portanto, quando o legislador fixa as condutas ele tenciona regulamentar os comportamentos dos operadores do direito. É direcionar a nossa conduta hermenêutica. Isso porque na lei 11.101/05 muito mais que uma interpretação gramatical ou lógico-sistemática o é a consagração viva do método teleológico.  A aplicação da lei cinge-se a sua finalidade prescrita. O intérprete deve aplicar a lei, sem perder de vista a intenção do legislador. Diante de tais premissas é imperioso constatar-se que, ao vedar-se a sucessão trabalhista em seara falencial, à intenção do legislador foi a de tornar hígido o princípio da preservação da empresa. O objetivo maior da falência é promover a preservação da empresa. Já o artigo 47 da lei ora versada visa não somente a preservação da empresa, mas somada a ela a preservação do empresário. Atente-se o leitor que os termos empresário e empresa não se confundem. A empresa denota a atividade. O empresário é o sujeito que a desenvolve. E, aqui, há que se pontual que o intuito do legislador não foi à preservação do empresário na falência e sim a preservação da empresa/ atividade. Já a recuperação judicial em tempo algum afastará o empresário; pode até afastar os administradores da sociedade empresária, mas não a sociedade em si. A olhos nus, investidor algum compraria uma empresa em recuperação judicial com o risco de, ao adquiri-la, por ela pagar e ainda dispor financeiramente de um passivo, de um débito de natureza trabalhista; pois se tal ocorresse até haveria a preservação da empresa, mas jamais haveria a preservação do empresário, já que atolado em dívidas. Um paradoxo! Se há uma compra de um devedor em recuperação judicial correndo o risco de herdar as suas dívidas trabalhistas já adquire o bem insolvente para desenvolver a atividade. Logo, sem um bom desenvolvimento da atividade surgirá o desemprego em massa. E o raciocínio é muito simples: se não houver a aplicação de uma interpretação teleológica na sucessão não haverá investimentos (compra) e, se ninguém comprar haverá a falência e, por obra dela, as relações trabalhistas se diluirão. Ensina-nos Maximilianus Fuhrer, que: “a falência é um processo de execução coletiva, em que todos os bens do falido são arrecadados para uma venda judicial forçada, com a distribuição proporcional do ativo entre os credores. Do mesmo não se vale à Recuperação Judicial”.[3] Ainda se vale o Supremo Tribunal Federal para corroborar o seu entendimento de uma interpretação gramatical. Isso por que o parágrafo único do art. 60 da lei 11.101/05 prescreve nitidamente que não haverá sucessão; inclusive a de natureza tributária. E, aqui, o termo inclusive é utilizado exemplificativamente. Não há, pois que se falar em qualquer tipo de sucessão em se tratando de Recuperação Judicial. Assim, não se aplicará a sucessão trabalhista nem para a falência e tão pouco para a Recuperação Judicial. Todavia a questão não resta pacificada face ao ativismo judicial, em que cada juízo decide de acordo com a sua conveniência e oportunidade. Não há súmula vinculante sobre o tema e ora dão primazia a continuidade da empresa sem a sucessão, ora dá proteção ao empregado isoladamente. A questão bateu as portas do Superior Tribunal de Justiça via conflito de competência. O mesmo passou a não conhecer dos conflitos de competência (ainda que a falência já tenha sido decretada ou a recuperação judicial concedida), ao argumento de que tendo sido desconsiderada a personalidade jurídica do devedor falido ou em recuperação não haveria o conflito, pois quem estará sendo executado será somente o terceiro que não é tido por sujeito processual a ser objeto de julgamento em vara cível (falência) e sim sujeito processual na vara do trabalho. Em havendo, pois, conflito de competência entre juiz de trabalho e juiz de direito competente para dirimi-lo será o Superior Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 105 da Constituição da República federativa do Brasil. Dessa feita, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não guarda, pois, sintonia com a jurisprudência acolhida pelo Supremo Tribunal federal, que, em decisões monocráticas vem conhecendo do agravo interposto aos conflitos de competência no Superior tribunal de Justiça, na lavra do Ministro Celso de Melo e batendo o martelo, ou seja, dando a última palavra no sentido de que não compete ao juiz do trabalho decidir quanto ao cabimento ou não de sucessão trabalhista em seara de recuperação judicial. Em caráter ilustrativo cite-se o agravo de instrumento de número 796 844/ STF. Em palavras simples, o Supremo Tribunal Federal vem decidindo que em caso de falência ou de recuperação judicial se o juiz desconsidera a personalidade jurídica após a falência ou após a distribuição do pedido de recuperação judicial falecerá ao juiz do trabalho a competência para julgar o deslinde. Tal competência será exclusiva da vara de falências. Somente o juiz de falências deterá a competência para julgar o caso concreto. Tal entendimento da corte maior encontra consonância com o preceituado na lei 11.101, que em seu art. 82, prescreve em palavras simples que a responsabilidade dos sócios é limitada e será apurada no próprio juízo da falência, independentemente de habilitação do ativo. E como fica a decisão do Supremo Tribunal Federal face ao art. 114 da Constituição da República que prevê expressamente a competência da justiça do Trabalho para as causas trabalhistas? Não há que se cogitar em violação ao artigo 114 da Lei Maior. Isso porque tal artigo delimita tão-só a competência material da justiça do Trabalho (questões atinentes a férias não pagas, a FGTS) e deve ser interpretado em cotejo ao artigo 113 da Carta Magna que apregoa que a Lei disporá acerca de jurisdição e a competência do juízo do trabalho. Assim, para assegurar a execução não há necessidade de justiça especializada e lei material não se coaduna com ela. O tema do momento descortinou no caso Varig (Empresa de Aviação Aérea sujeita a Recuperação Judicial) – indagou-se a possibilidade de o princípio da continuidade das relações de trabalho constituir um obstáculo efetivo ao princípio da preservação da empresa. A Corte Superior opinou no sentido de que a preservação da empresa caminha de mãos dadas a continuidade das relações de trabalho. Ora, transferir uma sucessão trabalhista no bojo de uma recuperação judicial ensejaria instabilidade e total falta de segurança no emprego ao próprio empregado minando, por via transversa, o instituto da recuperação Judicial. 5 Conclusão A empresa dá o sustento ao empregado. O termo empresa aqui utilizado assume caráter funcional, prático, qual seja, o de enfatizar a despersonalização do empregador e insistir na relevância da vinculação do contrato empregatício ao empreendimento empresarial, independentemente do seu efetivo titular. E, em assim sendo, o princípio da conservação da empresa tem sido observado não mais como um simples meio de preservação dos interesses dos credores, mas sim e principalmente como uma forma de solução da crise econômica da empresa e preservação desta, bem como dos próprios empregos e, conseqüentemente, da dignidade do trabalhador.
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A responsabilidade tributária dos sócios-administradores na condução de uma sociedade empresária limitada
No contexto empresarial, hoje, verificamos que cada tipo societário tem sua importância dentro dos setores da economia brasileira. Tais sociedades recebem dentro da sua função econômica uma gama de tributos em decorrência das atividades realizadas. O presente estudo pretende avaliar a sociedade limitada e as consequências jurídicas de seus sócios na condução da mesma dentro desta gama de tributos. O não pagamento destes tributos traz consigo uma obrigação tributária da qual nasce o crédito tributário, segundo ditames do código tributário nacional, tal responsabilidade poderá ser transportada aos seus administradores conforme determina a referida norma legal, desde cumprida as determinações do Supremo Tribunal Federal, podendo inclusive a sociedade ter sua personalidade jurídica desconsiderada para tanto[1].
Direito Tributário
1-INTRODUÇÃO O Direito Tributário pode ser entendido como o ramo do direito público interno que regula as relações entre o poder tributante e o sujeito passivo da obrigação tributária. Este poder de tributar é irrenunciável e indelegável, porém não absoluto, pois a própria Constituição define o modo de exercício do mesmo, através de comandos que garantem a harmonia e o equilíbrio na relação jurídico-tributária (poder-dever). Sua finalidade consiste na regulamentação das relações de natureza tributária entre o sujeito ativo (titular da capacidade) e passivo (contribuinte e responsável tributário). Donde se apresenta a configuração do sistema financeiro-tributário que é parte essencial do pacto federativo, onde há repartição de receitas arrecadas. Um desses aspectos é a soberania tributária ou soberania fiscal, essencial para a existência do Estado. Há de ser reconhecido o direito de participação das regiões dentro do Poder Central, em decorrência de sua autonomia, através de seus representantes, como acontece no Brasil, no Senado Federal. O caráter federalista manifesta-se especialmente pela união de órgãos dos Estados federados para formar órgão colegiado do Estado Federal. Atrelados a isso, a proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais, a qual está associada à compreensão que usualmente se tem com respeito a tal categoria dogmática. O dever de proteção a este núcleo representa uma obrigação de não fazer em face dos efeitos de direitos a não-afetações, direitos a não-impedimentos e direitos a não-eliminação de posições jurídicas, tipicamente produzidas por tais direitos. A Constituição Federal não cria tributos, apenas outorga competência para que os entes políticos o façam por meio de leis próprias. Estes são distribuídos e definidos por critérios que se relacionam diretamente com os objetivos a serem alcançados, em decorrência da organização do Estado e de sua forma federativa. Exige-se lei complementar: fato gerador, base de cálculo e contribuinte (CF, art. 146, III, a), não sendo outra a visão do STF, quanto a sua instituição: STF – RE 191.703 – AgR/SP: É aplicável ao exercício da competência tributária a regra que a União ao deixar de editar normas gerais, os Estados podem exercê-las plenamente (CF, art. 24, § 3, CF). Tal competência[2] (é política e se refere à possibilidade de editar leis instituindo o tributo) difere da capacidade tributária[3], assim, podendo este ser delegada a outra pessoa jurídica de direito público ou nos casos que a lei ou decisão judicial[4] permitir tal delegação a pessoa jurídica de direito privado. Hugo de Brito Machado ao citar Regina Helena Costa sobre a presente distinção menciona que “… o dispositivo [art. 7º do CTN] que remete a preceito da Constituição Federal de 1946, deixa clara a distinção entre os conceitos de competência tributária e capacidade tributária ativa. A competência tributária, consistindo espécie de competência legislativa, é um ‘plus’ em relação à capacidade tributária ativa, assim entendida como a aptidão para a arrecadação e fiscalização dos tributos. Enquanto a competência tributária, dentre outras características, é indelegável, por assim o ser a competência de natureza legislativa, a capacidade tributária ativa, de natureza administrativa, pode ser transferida a outrem, mediante lei.”[5] Sua repartição poderá se dada da seguinte forma: competência tributária privativa (art. 153, CF/88), competência tributária comum (tributos vinculados: taxas e contribuição de melhoria) e competência tributária cumulativa (art. 147, da CF/88). Sacha Calmon Navarro Coêlho[6] menciona que o dever de pagar de tributos, igualmente, surge porque a lei elege determinados eventos como geradores de obrigações tributárias se e quando ocorrerem no mundo (…), tudo conforme o princípio de imputação, que vem a se atribuir dadas conseqüências a certos fatos e atos a priori previstos. Esta sanção traz consigo o dever de responsabilização, a qual pode apresentar-se de forma objetiva e subjetiva. Já, a responsabilidade por infrações nesta esfera do Direito, apresenta-se relativamente ao descumprimento de obrigações tributárias principais e acessórias[7], sendo, em princípio, de cunho objetiva, uma vez que não seria necessário pesquisar a eventual presença do elemento subjetivo (culpa e dolo), além de, desconsideram-se as circunstâncias que excluam ou atenuem a punibilidade. Com isso, facilita-se a aplicação de penalidades, já que independe de intenção do agente. Esta é pessoal do agente quando do cometimento de infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, bem como quanto às infrações que decorrem direta e exclusivamente de dolo específico[8]. Em regra é dever dos sócios administradores, recolherem os impostos provenientes de sua atividade empresarial, de forma a cumprir suas obrigações perante o fisco. No entanto, muitas vezes, os recolhimentos dos mesmos não são feitos em sua integralidade, passível de ação de execução.   O STJ tem avaliado a aplicação da responsabilidade objetiva e reconhecido sua utilização em termos, onde se avalia, no cometimento da infração, a ausência de prejuízo ao FISCO e a não comprovação da má-fé do contribuinte[9] para retirar a punição do mesmo. A denúncia espontânea, acompanha de seu pagamento, se for o caso, também ilide a referida responsabilidade. Ressalta-se que, não se deve confundir responsabilidade objetiva por infrações à legislação com a não utilização dos princípios constitucionais do direito ao contraditório e da ampla defesa, pois estes são assegurados a todos os contribuintes. Assim, haverá necessidade da fundamentação dos fatos e do direito vilipendiados por parte do FISCO para que haja a defesa dos interessados e não apenas a punição dos mesmos sem este exercício.  Assim, perfaz-se a necessidade deste estudo e aplicação da responsabilidade tributária in causu, com finalidade apreciar a aplicação da mesma dentro de uma sociedade empresária limitada. 2- TRIBUTO E A RELAÇÃO JURÍDICA-TRIBUTÁRIA 2.1 – TRIBUTO O conceito de tributo no Brasil é um dos mais perfeitos do mundo, sendo o objeto de seu estudo, o direito tributário positivo ou objetivo. Sua natureza jurídica é definida por seu fato gerador, ou seja, o fato praticado é que gera a obrigação de pagamento. Este fato gera uma relação jurídico-tributária, diferenciando-se da multa porque esta, embora prevista em lei em favor do Estado, decorre de um fato ilícito. Segundo Sacha Calmon Navarro Coêlho[10] tributo é toda prestação pecuniária em favor do Estado ou de pessoa por ele indicada, tendo por causa um fato lícito, previsto em lei. O referido mestre[11] reflete tal conceito e sintetiza sua essência, ao mencionar que mesma é ser a prestação pecuniária compulsória em favor do Estado ou da pessoa por este indicada (parafiscalidade), que não constitua sanção de ilícito (não seja multa), instituída por lei (não decorrente de contrato). Paulo de Barros Carvalho menciona que a norma jurídico-tributária divide-se em duas partes: hipótese endonormativa e conseqüência endonormativa[12]. Na primeira, inclui os seguintes critérios: o material (o fato em si); o temporal (determinando as circunstâncias de tempo que envolve o fato jurígeno já materialmente descrito); o espacial (indicativo das condições de lugar em que o fato ocorrer) e, na conseqüência, enxerga-se dois critérios, a saber: o pessoal e o quantitativo. Esta obrigação tributária nasce da referida relação jurídica, entre o sujeito ativo (entre político – competente) e o sujeito passivo (agente particular), onde o segundo deve uma obrigação para o primeiro. Sendo divida em principal e acessória, onde a primeira, é o dever de realizar o pagamento e, a segunda, de fazer ou deixar de fazer algo dentro do mundo jurídico com reflexo dentro do campo tributário. A doutrina nacional registra quanto às espécies tributárias quatro correntes, como menciona Ricardo Alexandre[13].  O CTN, em seu art. 5º, utiliza-se da teoria da tripartição e, o STF tem adotado a teoria da pentapartição. Podemos relacionar duas correntes em relação à vinculação de tais espécies tributárias, as vinculadas, onde sua base de cálculo está ligada ao valor da atividade anteriormente exercida pelo Estado, sendo a mensuração econômica desta atividade e, as não vinculadas, onde a base de cálculo é a grandeza econômica desvinculada de qualquer atividade estala[14]. 2.2- PARTICIPES DA RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA: O SUJEITO ATIVO E O SUJEITO PASSIVO 2.2.1 – SUJEITO ATIVO O sujeito ativo, credor, é o titular do direito de cobrar do sujeito passivo da relação jurídica tributária, a obrigação tributária, em questão. Conforme preceitua o artigo 119 do CTN, “Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento”. Sacha Calmon Navarro Coêlho, ao avaliar o art. 119 do CTN, discorre que o mesmo ignora a diferença entre a competência para legislar sobre relações jurídico-tributárias para emissão de comandos e a capacidade para lançar e receber tributos na qualidade de sujeito ativo da obrigação tributária. Não há, necessariamente, identidade entre ambas, pois pode a lei autorizar uma pessoa jurídica de Direito Privado (SESI, SENAC, SENAI, entre outros) e até pessoas naturais (tabeliões, por exemplo) como sujeito ativo da referida obrigação[15]. Segue Eduardo Marcial Ferreira Jardim, o mesmo entendimento, quando sintetiza que o sujeito ativo “é a pessoa incumbida do direito subjetivo de promover a cobrança do tributo. Embora no mais das vezes o sujeito ativo seja a própria pessoa constitucional titular da competência tributária, nem sempre esta ocupa o pólo ativo da obrigação”[16]. Paulo de Barros Carvalho reforça dizendo que “O sujeito ativo é o titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária e, no direito brasileiro, pode ser uma pessoa jurídica, pública ou privada, se bem que não vejamos empecilho técnico de que seja uma pessoa física.[17]” Caso esta sujeição acontecer em decorrência do desmembramento territorial de outra, ou outras pessoas políticas, a legislação a ser aplicada será a de que deu origem ao novo ente político até que entre em vigor sua própria legislação. 2.2.2 – SUJEITO PASSIVO O sujeito passivo terá dois tipos de obrigação, na área tributária, a principal (obrigação de dar) e a secundária (obrigação de fazer ou não fazer), onde a primeira é tão somente de caráter pecuniário, ou seja, de pagar o tributo. Sacha Calmon Navarro Côelho menciona que o sujeito passivo é denominado pelo CTN de contribuinte quando realiza, ele próprio, o fato gerador da obrigação, e de responsável quando, não realizando o fato gerador da obrigação, a lei imputa o dever de satisfazer o crédito tributário em prol do sujeito ativo. Pelo sistema do Código, o responsável assume esta condição por dois modos: a) substituindo aquele que deveria ser naturalmente o contribuinte, por vários motivos previstos em lei. Esta surge contemporaneamente à ocorrência do fato gerador; b) recebendo por transferência o dever de pagar o tributo antes atribuído ao contribuinte, o qual, por motivos diversos, não pode ou não deve satisfazer a prestação. Refere-se num momento posterior, em que a lei define a modificação da pessoa que ocupa o pólo passivo da obrigação, podendo ser por sucessão (arts. 129 a 133, CTN); de terceiros (arts. 134 e 135, CTN); e, por infração (arts. 136 a 138, CTN). Neste último modo de transferência de responsabilidade o que se transfere na opinião do eminente doutrinador citado, é o dever jurídico, que migra total ou parcialmente do contribuinte para o responsável; já, nos casos de substituição tributária a pessoa que pratica o fato gerador não chega a ser contribuinte, apenas, há substituição, instituindo um responsável (substituído legal tributário).[18] 2.3 – OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA O legislador brasileiro, instituidor do Código Tributário Nacional buscou no Código Civil a estrutura da obrigação tributária. Definindo-a como uma relação de cunho eminentemente obrigacional[19]. Geraldo Ataliba citado por Gilda Maria Giraldes Seabra[20] menciona que o objeto dos comandos jurídicos só pode ser o comportamento humano. Nenhum preceito se volta para outra coisa senão o comportamento. Não há norma jurídica dirigida às coisas. Só o comportamento livre do homem (e, por extensão, o das pessoas jurídicas) pode ser objeto dos mandamentos jurídicos. Podemos sintetizar o conceito de obrigação na lição de Maria Helena Diniz[21], a qual conceitua uma obrigação como sendo “correspondente ao vínculo que liga um sujeito ao cumprimento de dever imposto pelas normas morais, religiosas, sociais ou jurídicas”. Já, a obrigação tributária é entendida como o vínculo jurídico mantido diretamente entre o sujeito ativo e o passivo em torno do tributo. Não sendo outra a definição de Hugo Brito Machado, o qual afirma que tal obrigação é “… a relação jurídica em virtude da qual o particular (sujeito passivo) tem o dever de prestar dinheiro ao Estado (sujeito ativo), ou de fazer, não fazer ou tolerar algo no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos, e o Estado tem o direito de constituir contra o particular em crédito”. [22] Kiyoshi Harada[23] afirma que a autonomia entre a obrigação tributária e a obrigação civil tem como causa, invariavelmente, a lei e não a convergência de vontades, essencial na obrigação de natureza civil. A obrigação tributária é sempre 'ex lege'. Ocorrendo uma situação, nela prevista, como necessária e suficiente para concretização do seu fato gerador surgem para o Estado (credor) o direito de exigir de um sujeito passivo (devedor) o tributo (objeto da obrigação tributária), nos termos do artigo 113 do Código Tributário Nacional, sob pena de sanção. Esta será tida como principal. Gilda Maria G. Seabra utilizando o a doutrina de Caio Mario da Silva Pereira menciona que a obrigação principal, pelo direito civil, é uma obrigação autônoma e independente de qualquer outra. Por outro lado, a obrigação acessória segue a sorte da obrigação principal e dela depende total e absolutamente[24] e, decorre apenas da legislação tributária. A obrigação tributária principal ou patrimonial, de acordo com o §1º do art. 113 do CTN, é aquela que surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. É a obrigação de dar (pagar) ao sujeito ativo, ou seja, implica entrega de dinheiro ao Estado. Ricardo Lobo Torres, quanto ao objeto da obrigação tributária principal diz que o "tributo é o dever fundamental, consistente em prestação pecuniária, que é exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei"[25]. Caso o sujeito passivo deixar de satisfazer a prestação jurídica a que está obrigado, aflora a sua responsabilidade tributária permitindo, assim, que o credor – sujeito ativo – possa constrangê-lo ao cumprimento daquela prestação, tendo como garantia o seu patrimônio. A obrigação tributária acessória ou não-patrimonial, pelo descrito no §2º do mesmo art. 113, decorre da legislação tributária (e tem termo mais abrangente que o termo “lei”) por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. Pressupõe a realização de atos que auxiliem a Administração Tributária na fiscalização dos tributos, e, por conseguinte, não possuem “fato gerador”. 2.3.1 – FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO TRIBUTARIA A teoria do fato gerador[26] é o ponto central do estudo do direito tributário, tanto para o fisco, como para o contribuinte, já que da união deste (fato gerador) com a hipótese de incidência faz nascer à obrigação tributária, conforme menciona, Ricardo Alexandre[27] este – fato gerador – em concreto é um fato imponível, e, em abstrato gera a hipótese de incidência[28]. Não sendo outro entendimento de Kiyoshi Harada[29] diz que “costuma-se definir o fato gerador como uma situação abstrata, descrita na lei, a qual, uma vez ocorrida em concreto enseja o nascimento da obrigação tributária. Logo, essa expressão fato gerador pode ser entendida em dois planos: no plano abstrato da norma descritiva do ato ou do fato e no plano da concretização daquele ato ou fato descrito”. A duplicidade do emprego do termo fato gerador e da hipótese de incidência pelo Código Tributário Nacional torna-se claramente evidenciada quando da análise comparativa do artigo 116 e o inciso II, do artigo 104. Observa-se que ambas as expressões são mencionadas pelo Código, no entanto, reiteradamente são utilizadas como sinônimas. Como exemplos, o código Tributário Nacional anuncia os fatos geradores (hipóteses de incidência) de cada tributo[30]. O professor Hugo de Brito Machado[31], sobre esta questão terminológica, diz que “diversas têm sido as denominações utilizadas pela doutrina para designar o fato gerador. Entre outras: suporte fático, situação base de fato, fato imponível, fato tributável, hipótese de incidência. No Brasil tem dominado, porém, a expressão fato gerador, que se deve à influência do Direito francês, sobretudo pela divulgação, entre nós, do trabalho de Gaston Jèze, específico sobre o tema”. Conforme observa Amílcar Falcão[32] “para o nascimento da obrigação tributária necessário é que surja concretamente o fato ou pressuposto que o legislador indica como sendo capaz de servir de fundamento à ocorrência da relação jurídica tributária”. Dessa forma, o fato gerador deve ser descrito em lei, consoante lição do jurista Sacha Calmon Navarro Coêlho[33] “o fato gerador deve ser descrito em lei em razão do princípio da legalidade. Deve ser minuciosamente descrito para evitar ao aplicador da lei entendimentos dilargados a seu respeito, gerando insegurança ao contribuinte”. Quanto à relação do fato gerador e o nascimento da obrigação tributária, podemos mencionar a lição de Paulo de Barros Carvalho[34] “quando se diz que, ocorrido o fato, nasce a relação jurídica, estamos lidando com o acontecimento de dois fatos: do fato causa (fato jurídico) e do fato efeito (relação jurídica)”. Assim, o fato gerador do tributo definido, caracterizado e conceituado por lei é um do relevante aspecto do chamado princípio da legalidade ou da reserva da lei, em matéria tributária. Sem a previsão ou definição legal, não se configurará o fato gerador. Não será, pois, assinalado o momento em que se reputa instaurada a obrigação tributária. Assim, haverá um fato, da vida comum, relevante, talvez, para outros ramos do direito, mas, para o direito tributário, será ele um fato juridicamente irrelevante. Do não pagamento desta obrigação, nasce o crédito tributário, segundo o art. 139 do CTN. Este, por conseguinte, decorre da obrigação e tem a mesma natureza desta. Podendo, ser conceituado, como “o vinculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo) o tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional)”.[35] Após sua constituição pela autoridade administrativa, só poderá ser alterado, suspenso ou extinto, nos casos previstos em lei, não podendo a autoridade administrativa dispensar seu pagamento, nem suas garantias, sob pena de responsabilidade funcional[36]. Só esta pode realizar o lançamento, e, este pode ser conceituado, como: O procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identificar o seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do crédito tributário, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível.[37] A lei identifica três formas de lançamento, quais sejam: o lançamento de ofício[38], o lançamento por declaração[39] e o lançamento por homologação[40]. Este procedimento possui duas fases: a oficiosa[41] e a contenciosa[42]. Possui efeitos ex tunc (retroativos), pois o mesmo sempre se refere ao passado, retroagindo no tempo para constituir crédito decorrente de obrigação surgida no passado. Aplicando ao infrator a lei mais benéfica.  3- A SOCIEDADE EMPRESÁRIA LIMITADA E SUAS RESPONSABILIDADES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS 3.1 – A SOCIEDADE EMPRESARIAL E A SUA PERSONIFICAÇÃO O Código Civil de 2002, em seu artigo 1º, reza que "Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil". Diante disso, podemos mencionar que sujeito – jurídico – é aquele que exerce direitos e tem obrigações a cumprir. O atributo da personalidade é conferido pelo próprio ordenamento jurídico, tanto a pessoa natural, quanto a pessoa jurídica. A pessoa jurídica adquire personalidade jurídica quando devidamente inscrita no órgão competente. Este dependerá do tipo de sociedade, ou seja, se possui finalidade de lucro – sociedade empresarial – ou não – sociedade civil sem finalidade de lucro. A sociedade empresarial adquire esta personalidade jurídica própria, tendo autonomia processual e patrimonial, com a inscrição de seus atos – contrato social ou estatuto social – no Registro Público das Empresas Mercantis e Atividades Afins[43], pois tal inscrição define a separação de seu patrimônio e dos seus sócios, conforme reza o art. 985 do Código Civil de 2002. A principal finalidade do registro das empresas mercantis diz respeito à publicidade dos "atos e fatos do comércio neles registrados"[44].  Inscrito o contrato social da sociedade em tela, nas Juntas Comerciais do Estado onde irão atuar, define sua personificação e traz consigo quatro importantes efeitos, quais sejam: aquisição de patrimônio próprio, de nome próprio, de nacionalidade própria e domicílio próprio[45]. Francisco do Amaral menciona que a personificação possui diversos efeitos práticos, dentre os quais se destacam: “a) a pessoa jurídica é um ente autônomo em relação às pessoas naturais que o constituem; b) a pessoa jurídica constitui um novo foco de direitos e deveres, dotado de capacidade de direito e de fato, e de capacidade para postular em juízo; c) o destino econômico da pessoa jurídica é diferente do destino econômico dos seus membros participantes; d) a autonomia patrimonial da pessoa jurídica faz com que não se confundam o patrimônio desta com o de seus membros; e) as relações jurídicas da pessoa jurídica são independentes das de seus membros, existindo a possibilidade de se firmarem relações jurídicas entre a pessoa jurídica e um ou mais de seus membros; f) a responsabilidade civil da pessoa jurídica é independente da responsabilidade de seus membros”.[46] Como os atos praticados em nome da pessoa jurídica são necessariamente, efetivados pelas pessoas naturais que a constituem, é possível que não poucas vezes a personalidade jurídica possa ser usada como uma máscara para encobrir atos ilícitos ou abuso de direitos, havendo hipóteses em que o patrimônio dos sócios pode ser alcançado para saldar débitos civis ou tributários da pessoa jurídica[47]. 3.2 – A SOCIEDADE EMPRESARIAL LIMITADA: SUAS CARACTERÍSTICAS Inicialmente necessitamos de conceituar empresa, noção que retiramos de Celso Marcelo de Oliveira, que ao citar Carvalho de Mendonça menciona que ” é a organização técnico-econômica que se propõe a produzir mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob sua responsabilidade”. [48] O referido autor reporta-se também ao conceito de Fran Martins, para este a ”empresa é objeto de direito, e não sujeito de direito. Tem-se, portanto, que a empresa é a atividade desenvolvida pelo empresário, este sim o sujeito do direito”[49]. Esta sociedade empresária, que busca na realização do lucro, sua atividade principal, possui vários tipos. O presente trabalho estuda uma delas, a Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada e agora designada pelo Novo Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10.01.2002, de Sociedade Limitada, teve origem no direito alemão do final do século XIX, onde a lei de 1892 criou o tipo societário Gesellschaft mit Beschänkter haftung. No Brasil, este tipo societário foi instituído pelo Decreto nº 3.708 de 1919. Hoje, o novo Código Civil é o que trata deste tipo de sociedade, onde estabelece que todos os sócios respondem solidariamente pela exata estimação dos bens conferidos ao capital social até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade[50]. Facultando aos sócios instituir um Conselho Fiscal composto de três ou mais membros e respectivos suplentes eleitos em assembléia. Havendo o Conselho Fiscal os sócios minoritários que representam 20% (vinte por cento) do capital social, terão o direito de eleger um membro e respectivo suplente do Conselho[51]. Nas sociedades empresariais limitadas, a responsabilidade dos sócios é solidaria e restrita à integralização das cotas de todos os sócios ao capital social da empresa[52]. Podendo ser considerada como, um produto híbrido, que se situa entre as sociedades de pessoas e as de capital, tem servido como um modelo dúctil, capaz de albergar desde as simples sociedades entre marido e mulher até as holdings e que, portanto não mereceria em princípio alterações, até porque a doutrina e a jurisprudência têm sabido com galhardia enfrentar e resolver os problemas que apresenta[53]. O patrimônio dos sócios não pode ser comprometido para a satisfação de dívida da sociedade, enquanto não exaurido o patrimônio social[54]. Este é o limite de responsabilidade dos sócios não-administradores, pois os que exercem esta função na sociedade empresária, respondem por seus atos na gestão da mesma, quando infringirem a lei ou o contrato ou forem extintas sem os devidos trâmites legais. Jorge Luiz Braga menciona que existe uma exceção a regra citada, a qual está estampada no art. 1.080 do novo Código Civil[55]. A 2.ª Turma do E. STJ, em Recurso Especial nº 1.009.045[56], apontou a diferença entre o ato da pessoa jurídica, através de seus órgãos, e o ato da pessoa natural, fora dos poderes que lhe foram atribuídos, no que tange a responsabilidade tributária da sociedade e determinou a exclusão do sócio da empresa executada do pólo passivo da execução física, quando não há caracterização da infração na disposição legal.    Hugo de Brito Machado menciona que pelo exposto, a responsabilidade tributária de sócios e representantes de pessoas jurídicas de direito privado pode ser “a) nas sociedades cujos sócios respondem ilimitadamente, há responsabilidade subsidiária destes em caso de impossibilidade econômica da pessoa jurídica; e responsabilidade pessoal do sócio que agir com excesso de poderes, contra a lei ou o contrato social; b) nas sociedades cujos sócios respondem de forma limitada, há responsabilidade subsidiária de cada um, limitada nos termos da lei comercial, no caso de impossibilidade econômica da pessoa jurídica; e responsabilidade pessoal e ilimitada do gerente, diretor ou representante que agir com excesso de poderes, contra a lei ou o contrato social”[57].  Para o ilustre mestre, um adequado entendimento do artigo 135 do CTN, portanto, não é relevante saber se o não pagamento de um tributo é infração à lei. O importante é aferir quem praticou essa infração, se a pessoa jurídica através de seu órgão, ou se a pessoa natural que a corporifica. 4 – A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA NAS SOCIEDADE EMPRESARIAS LIMITADAS: SÓCIOS, EX-SÓCIOS, ADMINISTRADORES E EX-ADMINISTRADORES A pessoa jurídica deve ser preservada, como instituição, garantindo o crescimento de empreendedores para atuação no mercado, entretanto, a inadequada interpretação de normas levam, segundo Soraya Marina Barcelos[58], à indevida responsabilização de seus sócios na esfera tributária é nociva a mesma, visto que o transbordamento da responsabilidade tributária para terceiros diminui o interesse dos empresários em lançar-se ao mercado, abrindo oportunidades de trabalho e fomentando a economia. Assim, esta sanção, dentro do direito em análise, deve ser apurada de forma adequada, garantindo-se, nesta fase, às empresas e seus sócios, os princípios da ampla defesa e do contraditório atuando dentro da segurança jurídica e da legalidade. Norberto Bobbio define a sanção como “o expediente através do qual se busca, em um sistema normativo, salvaguardar a lei da erosão das ações contrárias”[59]. Paulo Roberto Coimbra Silva aduz que “no caso concreto, a sanção aplicada provê um castigo ou aflição como uma solução ordeira para aplacar o instintivo sentimento humano de demandar uma retribuição”[60]. A eficácia desta sanção para Michel Foucalt “é atribuída à sua fatalidade, não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro […]”[61]. Esta pode funcionar como meio retributivo ou como meio de proteger as diretrizes daquele mandamento legal. E quando este mandamento legal é desobedecido menciona Sacha Calmon Navarro Coelho pode haver dois sentidos: positivo e negativo[62]. Esta traz consigo o dever de responsabilização, a qual pode apresentar-se de forma objetiva e subjetiva. 4.1 – RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA DENTRO DO DIREITO TRIBUTÁRIO A responsabilidade objetiva[63] é justamente aquela que é imputada a determinadas pessoas, independentemente da análise da existência de dolo ou culpa na prática do respectivo ato. Em contrapartida, é subjetiva a responsabilidade cujo surgimento depende da presença de tais elementos. Quando um comportamento é punível, é porque o seu contrário é obrigatório. Se age quando o dever é uma omissão (por exemplo: não matar), a ação de matar é que é a hipótese de punição. Se não se age quando o dever é agir (por exemplo: pagar tributo), o comportamento consistente em não pagar – comportamento omissivo – é que é a hipótese de punição. Corrolaborando com esta idéia Hugo de Brito Machado, menciona que a diferença para ele é simples, “na responsabilidade objetiva não se pode questionar a respeito da intenção do agente. Já na responsabilidade por culpa presumida tem-se que a responsabilidade independe de intenção apenas no sentido de que não há necessidade de se demonstrar a presença de dolo ou culpa, mas o interessado pode excluir a responsabilidade fazendo prova de que, além de não ter a intenção de infringir a norma, teve intenção de obedecer a ela, o que não lhe foi possível fazer por causas superiores à sua vontade”[64]. A responsabilidade por infrações nesta esfera do Direito se apresenta relativamente ao descumprimento de obrigações tributárias principais e acessórias[65], sendo, em princípio, de cunho objetiva, uma vez que não seria necessário pesquisar a eventual presença do elemento subjetivo (culpa e dolo), além de, desconsideram-se as circunstâncias que excluam ou atenuem a punibilidade. Assim, no caso da pessoa jurídica cometer ilícito, a multa será aplicada contra a própria pessoa jurídica e não contra o agente (pessoa física) que tenha concretizado, efetivamente, a conduta ilícita. No entanto, no artigo 137 existem importantes exceções, determinando a punição pessoal, como afastamento do sujeito passivo da infração. Há uma personalização das penas tributárias, alcançando o agente, que deve se submeter à sanção imposta[66]. Com isso, facilita-se a aplicação de penalidades, já que independe de intenção do agente. Esta é pessoal do agente quando do cometimento de infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, bem como quanto às infrações que decorrem direta e exclusivamente de dolo específico.  Ricardo Alexandre[67] salienta que nos termos do art. 136 do CTN nada impede que o legislador decida por atribuir caráter subjetivo à responsabilidade por determinadas infrações, uma vez que o dispositivo é iniciado com a ressalva “salvo disposição em contrário”, desde que o faça expressamente. 4.2 – A DOUTRINA E A ANÁLISE DO TIPO DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS ADIMINISTRADORES DE SOCIEDADE EMPRESÁRIAS – ARTs. 134 E 135 DO CTN. 4.2.1 – OS TIPOS DE RESPONSABILIDADES: POR TRANSFERENCIA E POR SUBSTITUIÇÃO Zelmo Denari citado por Sacha Calmon Navarro Coêlho[68] menciona que, a sujeição passiva direta engloba a figura do contribuinte e a do substituído, enquanto a sujeição passiva indireta engloba o responsável, e o sucessor, intervivos ou causa mortis ou por sub-rogação a terceiros (responsáveis). A primeira, pode ocorrer em duas situações: o contribuinte que paga dívida tributária por fato gerador próprio ou quando o destinatário legal tributário, paga dívida tributária própria por fato gerador alheio (terceiro); e, a segunda, ocorre quando a lei determina, a partir de certos pressupostos, transferência a terceiros o dever de pagamento do tributo (sujeição passiva por transferência).. A responsabilidade por transferência ocorre quando a obrigação tributária depois de ter surgido contra uma determinada pessoa (que seria o sujeito passivo direto), entretanto, em virtude de um fato gerador possível, transfere-se para outra pessoa diferente[69]. Esta se divide em três: por sucessão; por solidariedade; e, por terceiros. O art. 128 do CTN[70] define tal momento. A responsabilidade por substituição ocorre quando o dever do contribuinte é imputado pela lei a uma pessoa não envolvida com o fato gerador, mas que mantém com o “substituído” nas relações que lhe permitem ressarcir-se da substituição, ou seja, ocorre quando uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica com o ato, o fato ou negócio tratado recebe a obrigação de quitar o tributo. Ricardo Alexandre menciona que existem dois casos de responsabilidade por substituição que merecem uma análise mais detida. São os casos de substituição tributária regressiva (“para trás”, antecedente) e da substituição tributaria progressiva (“para frente”, subseqüente)[71]. Esta substituição tributária não implica, em momento algum, a substituição dos sujeitos passivos, pois se prestigia o princípio da capacidade tributária[72]. É a própria lei que substitui o sujeito passivo direto pelo sujeito passivo indireto, haja vista, que há dissolução entre a pessoa que figura na hipótese da norma e que figure como conseqüência[73]. 4.2.2 – ANALISE DA RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-ADMINISTRADOR O Direito tributário brasileiro relaciona os diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica são responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN. A solidariedade do sócio pela dívida da sociedade só se manifesta, todavia, quando comprovado que, no exercício de sua administração, praticou os atos elencados na forma do caput, do referido diploma legal, conforme entendimento ministro José Delgado Relator dos Embargos de Divergência no Recurso Especial número 174.532/PR[74]. Carlos Henrique Araújo da Silva, procurador da Fazenda Nacional, menciona que com esta decisão, o simples inadimplemento não configuraria mais a hipótese de redirecionamento. A Fazenda Pública, caso desejasse redirecionar a cobrança do crédito público aos sócios da pessoa jurídica deveria, a partir do novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, comprovar que os sócios agiram com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, passando a responsabilidade, desde então, a ser subjetiva[75]. Este posicionamento da corte se firmou de tal maneira que foi sumulado em julgamento de 24 de março de 2010, Súmula 430, STJ[76]. Aliomar Baleeiro[77] e José Jayme de Macedo Oliveira[78] mencionam que a responsabilidade do sócio-administrador refere-se à responsabilidade pessoal, em virtude do texto literal do caput do art. 135 do CTN. Com o mesmo entendimento, Luciano Amaro defende que não se trata de responsabilidade subsidiária do terceiro e nem de responsabilidade solidária, pois somente o terceiro responde, pessoalmente[79]. Também não é responsabilidade por substituição, para esses autores, dado que o próprio texto legal condiciona a responsabilização do diretor, do gerente ou representante de pessoas jurídicas à prática de atos com violação do contrato ou da lei. Neste sentido, Manoel de Queiroz Pereira Calças acrescenta que a responsabilidade do administrador é direta e pessoal em face da conduta culposa ou dolosa[80]. Por sua vez, Marlon Tomazette ressalta que "não foi a pessoa jurídica que teve sua finalidade desvirtuada, foram as pessoas físicas que agiram de forma ilícita, e por isso tem responsabilidade pessoal"[81]. Ives Gandra da Silva Martins entende no mesmo sentido, pois sempre que os contratos são violados por quem estaria na obrigação de preservá-los, é evidente que a pessoa jurídica a que pertencem está, como o fisco, na posição de vítima e não pode de vítima ser transformada em autora, e, por isso, exclui-se a responsabilidade da pessoa jurídica. Mas o próprio autor, no entanto, admite que esta não é a opinião dominante[82]. Sacha Calmon Navarro Coêlho entende também neste sentido, mas ressalta que essa posição pode ser temerária, pois: O que não se pode admitir é que grandes empresas, até mesmo multinacionais, por pura matroca obriguem seus diretores contratados, com poucos bens ou sem eles, a ficarem responsáveis por atos deliberadamente praticados em proveito da empresas, com excesso de poder ou infração da lei ou contrato. A exclusão das empresas daria lugar a enormes injustiças e à indução de "planejamentos tributários" marotos. Além disso, tornaria as funções gerenciais um tipo de atividade de alto risco. Fraude, conluio, sonegação para elidir o cumprimento de obrigação igualmente aproposita a responsabilidade prevista no art. 135, mas somente na hipótese de a pessoa jurídica provar a sua inocência[83]. Pedro Decomain, por este motivo, entende que, “nesses casos, quando o ato, embora com essa mácula, seja praticado em benefício de terceiro (o filho, no caso da responsabilidade pelos pais, o espólio, no caso do inventariante, ou o administrador, no caso da empresa, por exemplo), também estes serão devedores do tributo, na condição de contribuintes. Surgirá, porém, concomitantemente, a responsabilidade solidária das pessoas indicadas nos incisos do art. 135”[84]. O Tribunal de Justiça do Rio grande do Sul, por sua vez, tem entendido que a responsabilidade a que se refere o art. 135 do CTN não é nem pessoal, nem por substituição, mas sim subsidiária[85]. Ricardo Lobo Torres entende diversamente do mencionado acima, para ele essa responsabilidade é solidária[86]. Seguindo este entendimento, para Hugo de Brito Machado essa responsabilidade é solidária porque o responsável se coloca junto ao contribuinte desde a ocorrência do fato gerador. As pessoas referidas nos incisos deste artigo não têm responsabilidade pessoal quando praticam atos com excesso de poderes ou infração de lei ou contrato social, nem tampouco são responsáveis por substituição, mas são, na verdade, solidariamente responsáveis, sofrendo uma "atribuição de responsabilidade, em razão de condutas ilícitas daqueles aos quais é feita essa atribuição" [87]. A presença daquele a quem é atribuída à responsabilidade tributária não exclui a presença do contribuinte, pois não há "como excluir os contribuintes da solidariedade, afinal de contas são eles que detêm relação pessoal e direta com a situação que constitui o fato gerador, ou seja, são elas que realizam o fato previsto na lei como tributável, ainda que por seus representantes" [88]. Para defender seu posicionamento, Hugo de Brito Machado ainda faz uma comparação em relação ao artigo 137 do CTN: A situação é diversa da prevista no art. 137 do Código, porque naquele dispositivo, embora esteja dito que a responsabilidade é pessoal do agente, cuida-se de responsabilidade por infrações. Quando se diz que a responsabilidade é pessoal ao agente, isto significa que a penalidade só a este pode ser aplicada. Mas é assim, não em virtude do elemento literal e sim porque a penalidade nasce da conduta infratora, que efetivamente deve ser ao agente imputada, e não ao contribuinte. Na mesma linha de pensamento Luiz Felipe Difini leciona que a responsabilidade só é pessoal ao agente nos casos previstos no art. 137 do CTN, o qual disciplina a responsabilidade por infrações e diz que a penalidade é pessoal e exclusiva ao agente, podendo só a este ser aplicada, em virtude da conduta infratora, e não ao contribuinte[89]. Não sendo outro o entendimento do STJ, como é visto no REsp nº 869.482/SP[90] Na verdade, esse artigo trata da responsabilidade dos administradores da sociedade limitada pelas dívidas tributárias. O sócio, que não tenha praticado atos de gerência, não responde com seu patrimônio particular[91]. Esse posicionamento foi alterado pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 1.104.900/ES[92] e, o qual determinou que o ônus de provar a sua inocência cabe ao próprio sócio, administrador ou gestor. Aplicou inclusive a sistemática do recurso repetitivo, valendo dizer que toda e qualquer discussão acerca do artigo 135 CTN terá que ter aquele acórdão como paradigma.  Anteriormente, cabia às Fazendas Públicas provar que o sócio agiu má-fé para ser responsabilizado pelo crédito tributário, ou seja, somente o sócio que praticar algum ato com excesso de poderes será responsabilizado por seus atos à luz do Art. 135, CTN. Caso o nome do sócio já constava do lançamento, tendo-lhe sido facultada a defesa em relação não só à existência da dívida, mas também em relação à sujeição passiva, pode-se admitir a presunção de liquidez e certeza do crédito em relação a ele, sem que haja violação do contraditório e da ampla defesa[93]. Ressalta o eminente Ricardo Alexandre que esta responsabilidade tributária atinge o diretor que pratica atos de gestão fora das atribuições estatutárias, onde responde pelo excesso e pelo respectivo tributo (art. 135, III do CTN); e, se o diretor pratica um ato ilícito no conteúdo, com o dolo específico de prejudicar a empresa que dirige, será responsável pela respectiva penalidade pecuniária (art., 137, III, c do CTN)[94]. 4.3 – A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS SOCIEDADES EMPRESARIAIS PARA ANÁLISE DAS RESPONSABILIDADES DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES DENTRO DO DIREITO TRIBUTÁRIO A união de pessoas em prol de uma atividade econômica e a formação da pessoa jurídica sempre foi importante para o Estado, como forma de proporcionar o desenvolvimento socioeconômico do local onde a mesma seria instalada, garantindo a esta formação as seguintes condições: “a) a não atribuição à pessoa dos sócios das condutas praticadas societariamente; b) a não atribuição à pessoa dos sócios dos direitos e poderes envolvidos na atividade societária; c) a não atribuição à pessoa dos sócios dos deveres envolvidos na atividade societária.”[95] Contudo, com o passar do tempo, foi se verificando que estes membros praticavam condutas fraudulentas e abusivas em nome desta pessoa jurídica. Com finalidade de que os membros desta sociedade respondessem por tais condutas e pelas obrigações sociais das referidas pessoas foi criada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, também chamada de disregard doctrine[96][97], defendida, inicialmente, no Brasil, por Rubens Requião. Há desconsideração e não anulação ou negação da personalidade jurídica. Celso Marcelo de Oliveira citando Simone Gomes Rodrigues menciona que esta teoria, a princípio recebeu a denominação de teoria da penetração, tinha por escopo a inserção no cerne da pessoa jurídica, para que, desconsiderando-a ou superando-a, vinculasse o sócio à responsabilidade contraída em nome da empresa[98]. Qualquer tipo de sociedade empresária por ser atingido por esta teoria, inclusive a sociedade limitada, alvo deste estudo, pois “mesmo após a integralização de todo o capital social, o patrimônio dos sócios pode ser responsabilizado por obrigações da sociedade, no caso de desconsideração da personalidade jurídica”.[99] O novo Código Civil Brasileiro[100], em seu art. 50 trata do tema, afirmando que pode o juiz desconsiderar a personalidade jurídica para atingir bens de sócios ou administradores quando ocorrer abuso da personalidade jurídica ou confusão patrimonial. Estudando o referido artigo e a doutrina sobre o assunto, podemos mencionar que tal desconsideração pode ocorrer por abuso da personalidade jurídica ou confusão patrimonial. Sendo que a primeira decorre do desvio de finalidade[101] e segunda na hipótese em que os sócios ou administradores utilizam em proveito próprio os bens e recursos da pessoa jurídica. Pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de determinadas obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores, associados ou sócios da pessoa jurídica. Podemos relacionar que tal teoria é prevista também no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), no art. 18 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, aplicável nas hipóteses de infrações contra a ordem econômica, e, no Direito do Trabalho, da mesma forma, a incidência da aludida teoria se verifica pelo disposto no artigo 2º, parágrafo 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O Tribunal de Justiça do Distrito Federal posicionou acerca da temática e, especialmente sobre bens dos sócios envolvidos nas hipóteses do art. 50 supramencionado: É impossível a penhora dos bens do sócio que jamais exerceu a gerência, a diretoria ou mesmo representasse a empresa executada”. Ou seja, ainda que desconsiderada a personalidade jurídica, não é possível alcançar os bens de todos os sócios ou associados, mas apenas dos bens daqueles envolvidos com o ato que motivou a desconsideração[102]. Ressalta-se que, somente se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, ainda assim, a desconsideração somente atingirá os bens dos administradores ou sócios que tenham praticado o ato reputado como irregular.[103] Outra questão refere-se à utilização desta teoria dentro do direito tributário. Marcos de Oliveira Pinto, Juiz de Direito da Comarca de Simão Dias, menciona que o tributo, tomado de forma ampla, representa o preço pago pelo indivíduo por sua liberdade dentro da comunidade, configurando-se numa imposição decorrente do pacto garantidor da existência da própria sociedade, na relação verificada entre o próprio indivíduo e o Estado.[104] Diante disso, os doutrinadores brasileiros debatem acerca da temática, para alguns a aplicabilidade desta teoria necessita de lei complementar âmbito tributário, e, outros defendem a utilização de tal instrumento em qualquer área do Direito, uma vez que visa impedir o abuso de direito. Assim entende Alexandre Alberto Teodoro da Silva, para quem o abuso de direito – gênero da espécie abuso da personalidade – é regra pertencente à Teoria Geral do Direito[105], bastando à prova da ocorrência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Nádia Arnaud Pereira Ferreira, especialista em direito tributário, menciona que, de modo diverso, estritos ao princípio da legalidade (do qual deriva o princípio da reserva de lei formal), autores como Luciano Amaro, Ives Gandra da Silva Martins, Mary Elbe Queiroz, Hugo de Brito Machado, entre outros, defendem a não aplicação da desconsideração da personalidade jurídica nas relações tributárias, por não haver previsão expressa em lei complementar ou, no caso de se aceitar o artigo 116, parágrafo único do CTN, como fundamento para aplicação da desconsideração, de lei ordinária, sendo esta a orientação de Ives Gandra da Silva Martins. Dessa forma, a responsabilidade do sócio por abuso de personalidade da pessoa jurídica deverá estar disciplinada em lei complementar, uma vez que se trata de matéria relativa à regra geral.[106] Tal debate leva em conta o princípio da legalidade estrita, determinando que o uso da teoria da desconsideração numa situação que não encontra sustentação legal. Privilegia-se, deste modo, a segurança que deve existir nas relações pertinentes a esse ramo do Direito, em benefício do próprio contribuinte. Neste sentido, afirma Marçal Justen Filho “o entendimento da liberação do aplicador do direito para avaliar o caso concreto e estender a previsão normativa foi frontalmente repudiada pela doutrina. Alberto Pinheiro Xavier, em brilhante tese de doutorado, enunciou definitivamente os critérios limitativos da liberdade do aplicador da norma tributária. Demonstrou cabalmente que o princípio da legalidade apresenta-se, no campo tributário, com uma peculiaridade atinente à tipicidade. A lei tributária é dotada de tipicidade na acepção de ser incompatível com cláusulas genéricas”. E acrescenta: “A tipicidade repele assim a tributação baseada num conceito geral ou cláusula geral de tributo, ainda que referido à idéia de capacidade econômica, da mesma forma que em Direito Criminal não é possível a incriminação com base num conceito ou cláusula geral de crime. Ao invés do que sucede, por exemplo, com o ilícito disciplinar, os crimes e os tributos devem constar de uma tipologia, ou seja, devem ser descritos em tipos ou modelos, que exprimam uma escolha ou seleção do legislador no mundo das realidades passíveis, respectivamente, de punição ou tributação.[107] Ressalta Nádia Arnaud Pereira Ferreira que há, ainda, nos estudos sobre a matéria, autores, como Heleno Taveira Tôrres, Flávio Couto Bernardes, entre outros, e, inclusive, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça[108], que afirmam ser possível o emprego da disregard of legal entity nas relações jurídico-tributárias, visto já existir respectivo dispositivo de lei complementar autorizativo.[109] Neste ponto, válidas são as assertivas de Marçal Justen Filho, quando afirma que: “no campo tributário, só se poderá cogitar de resultado danoso, decorrente da incidência do regime da pessoa jurídica, quando ocorrer frustração de incidência da norma tributária que haveria que incidir. O abuso da pessoa jurídica caracterizase com o sacrifício do interesse público (retratado na norma tributária) porque prevaleceria o interesse privado (consistente na existência de uma pessoa jurídica). Portanto, a desconsideração da personificação societária, no direito tributário, consistirá na suspensão da eficácia da distinção entre pessoas (decorrentes da existência da pessoa jurídica) para permitir a incidência de uma certa previsão tributária.[110] Ressalta-se o entendimento de Alexandre Alberto Teodoro da Silva, em relação à utilização do Art. 135 do CTN como fundamento da teoria em análise, para ele esta teoria foi formulada no intuito de coibir abuso da personalidade jurídica, ao passo que a responsabilidade dos administradores das pessoas jurídicas constante o Art. 135 do CTN emerge de maneira direta, constantes dos atos praticados por gestores na condução da pessoa jurídica. Aquele dispositivo legal não serve de embasamento jurídico para aplicação da teoria no campo tributário[111]. A responsabilidade deve ser considerada nos seguintes termos: responsabilidade do sócio por dívidas sociais, no limite do capital social subscrito e integralizado, salvo os casos de desconsideração da personalidade jurídica; responsabilidade do administrador perante a sociedade, por atos ilícitos e irregularidades cometidas com violação da lei, do contrato social ou do estatuto; e, responsabilidade do administrador por dívidas negociais e não-negociais, cabendo esta teoria dentro do direito tributário, desde respeitados os princípios aqui mencionados e o fundamento jurídico de tal atitude. Ultrapassado este ponto, deveremos verificar se há autorização da autoridade fiscal-tributária para a utilização desta teoria, durante o processo administrativo ou se há necessidade de determinação judicial para tanto. Entendemos que há necessidade do amparo judicial para tanto, mesmo que no processo administrativo, tenha-se garantido os princípios da ampla defesa e do contraditório. 5- CONCLUSÃO O Direito Tributário pode ser entendido como o ramo do direito público interno que regula as relações de natureza tributária entre o sujeito ativo (titular da capacidade) e passivo (contribuinte e responsável tributário). Esta relação é ex lege e nasce de um fato anterior previsto pelo legislador, desde que este fato ocorra no mundo fenomênico. A Constituição Federal não cria tributos, apenas outorga competência para que os entes políticos o façam por meio de leis próprias. Este ente poderá possuir competência e/ou capacidade tributária, assim, podendo para participar deste pólo da relação ou delegar tal tarefa a outra pessoa jurídica de direito público ou nos casos que a lei ou decisão judicial permitir (Súmula 396, do STJ) a pessoa jurídica de direito privado. O sujeito ativo, credor, é o titular do direito de cobrar do sujeito passivo da relação jurídica tributária, a obrigação tributária, em questão, enquanto que, o sujeito passivo terá dois tipos de obrigação, na área tributária, principal (obrigação de dar) e secundária (obrigação de fazer ou não fazer), onde a primeira é tão somente de caráter pecuniário, ou seja, de pagar o tributo. Este vinculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo) o tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional, chama-se crédito tributário, conforme reza o CTN. O Direito tributário brasileiro relaciona os diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica são responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN. A solidariedade do sócio pela dívida da sociedade só se manifesta, todavia, quando comprovado que, no exercício de sua administração, praticou os atos elencados na forma do caput, do referido diploma legal, Nas sociedades empresariais limitadas, a responsabilidade dos sócios é solidaria e restrita à integralização das cotas de todos os sócios ao capital social da empresa. O patrimônio dos sócios não pode ser comprometido para a satisfação de dívida da sociedade, enquanto não exaurido o patrimônio social. Esta pode ser de cunho objetiva ou subjetiva. A primeira, aquela imputada a determinadas pessoas, independente da análise da existência de dolo ou culpa na prática do respectivo ato; já, a segunda, depende da presença de tais elementos. Com o passar do tempo, foi se verificando que estes membros praticavam condutas fraudulentas e abusivas em nome desta pessoa jurídica. Assim, havendo a necessidade deste estudo e aplicação da responsabilidade tributária in causu, com finalidade apreciar a aplicação da mesma dentro de uma sociedade empresária limitada. Hoje, cabe ao próprio sócio, administrador ou gestor o ônus de provar sua inocência.  Com finalidade de que os membros desta sociedade respondessem por tais condutas e pelas obrigações sociais das referidas pessoas foi criada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, também chamada de disregard doctrine, defendida, inicialmente, no Brasil, por Rubens Requião. Há desconsideração e não anulação ou negação da personalidade jurídica.
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A majoração das anuidades dos conselhos de categorias profissionais
O presente estudo tem por objetivo apresentar ao leitor o que são os conselhos de categorias profissionais, como surgiram, e, além disso,  diferenciá-los de instituições que comumente se confundem: Sindicatos, Associações e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em relação à questão tributária, e foco central deste estudo, é apresentada a figura da contribuição devida aos conselhos profissionais, as anuidades, e principalmente a questão da majoração deste tributo, tema este discutido na jurisprudência, e decisões das mais altas cortes, e que nem sempre respeitou os limites impostos pela legislação brasileira.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A majoração das anuidades cobradas pelos diversos Conselhos de Categorias Profissionais tem gerado muitos questionamentos por parte dos membros inscritos e pelos próprios conselhos. Como tributos federais que são, as anuidades devem obedecer às regras legais relativas à sua espécie tributária. Contudo, durante muitos anos, dada a falta de dispositivo legal adequado a respeito dessa majoração tributária, tem-se utilizado, na maioria dos casos, uma lógica própria, consubstanciada na necessidade de sobrevivência financeira dos próprios conselhos. Isso tem elevado os valores das anuidades através de resoluções próprias, contrariando o princípio da reserva legal previsto no art. 150, I, da Constituição Federal do Brasil. Diante dessa problemática, este trabalho pretende apresentar aos leitores a dinâmica que vem ocorrendo em relação à majoração das anuidades dos conselhos e que instrumentos legais tem sido utilizados para validar essa prática. Para um melhor entendimento, se faz também necessário o estudo do surgimento dos conselhos, seu papel perante a sociedade e as diferenças entre conselhos, associações e sindicatos. 1 O SURGIMENTO DOS CONSELHOS PROFISSIONAIS Com o advento da intervenção estatal buscando a justiça social, o direito constitucional brasileiro também evoluiu, deixando de considerar livre o exercício de atividades e ofícios, como se vê no texto do inciso XIII do art. 5º, que trata dos direitos fundamentais na Constituição de 1988: “XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.“ O objetivo era reduzir as desigualdades sociais, mas ao mesmo tempo criava um grande abismo entre capitalistas e trabalhadores, surgindo assim a necessidade da criação de entes responsáveis pelo controle do exercício profissional. Os conselhos de fiscalização profissional começaram a surgir no direito brasileiro a partir da década de 30, quando em 18 de novembro de 1930 foi criada a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), primeira entidade formalmente organizada para controlar o exercício de uma atividade profissional. A criação da OAB para disciplinar o exercício das atividades dos advogados correspondia às aspirações populares e a uma tendência mundial no sentido de resguardar a sociedade dos maus profissionais. A partir de sua criação, outras instituições de fiscalização, sob a forma de autarquias, foram aparecendo no cenário jurídico, sendo as primeiras: os conselhos de contabilidade, de engenharia e arquitetura, de medicina, de odontologia e de economia. A doutrina acerca da regulamentação profissional é clara quando afirma que, para se regulamentar uma profissão, importa considerar a prevalência do interesse público sobre os de grupos ou de outros segmentos, criando, mais que direitos, deveres sociais de proteção à coletividade. Segundo o ilustre Professor Doutor CELSO RIBEIRO BASTOS (1989) ao comentar o dispositivo constitucional supra citado:  “Uma forma muito sutil pela qual o Estado por vezes acaba com a liberdade de opção profissional é a excessiva regulamentação. Regulamentar uma profissão significa exercer a competência fixada na parte final do dispositivo que diz: "observadas as qualificações que a lei exigir”. (BASTOS, 1989, p. 75). A maior parte das profissões exige um aprendizado semelhante ao estágio profissional, já que nelas, inicialmente, o conhecimento se dá pela transmissão informal na rotina de trabalho. A exigência de qualificação profissional para o desempenho de atividades consiste, portanto, em dois requisitos básicos: no fato de a atividade em pauta implicar conhecimentos técnicos e científicos avançados e na possibilidade de seu exercício trazer sério dano social, com riscos à segurança, à integridade física e à saúde. Por muitas vezes, o interesse na regulamentação de determinadas profissões está pautado em assegurar aos profissionais alguns direitos, sendo comumente confundida a regulamentação profissional com o reconhecimento da profissão e com a garantia de direitos.  Regulamentar significa impor limites, restringir o livre exercício da atividade profissional, já valorizada, reconhecida e assegurada constitucionalmente. De fato, é muito comum o interesse da regulamentação da profissão, visando mais propriamente à criação de conselhos profissionais, imaginando-se, talvez, ser esse o caminho para a valorização da atividade, para o fortalecimento da “corporação”. Porém, ao menos em tese, esses órgãos devem constituir-se em instrumentos de fiscalização do exercício  profissional (significa dizer que o interesse na criação de tais órgãos, no caso, é muito mais da sociedade em geral, que deve ser protegida contra os riscos gerados pela prática profissional indevida). Por isso, a regulamentação não pode prescindir de um órgão fiscalizador, com poder para exercer licitamente as atribuições normativas e fiscalizadoras do exercício profissional. Se o Estado entende que uma atividade profissional deva ser regulamentada, surge a necessidade da criação de Conselhos Federal e Regionais para fiscalizar esse exercício profissional. Esses órgãos fiscalizadores, os conselhos de fiscalização do exercício profissional, são pessoas jurídicas de direito público, do tipo autarquias, pertencentes à Administração Indireta, prestando serviços públicos voltados dentre outros à consumação dos direitos fundamentais e sociais dos cidadãos, com fundamento no inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal. Por sua natureza e funções relevantes que desempenham, essas entidades representam um sistema especificamente destinado a verificar as condições de capacidade para o exercício profissional tendo, inclusive, auto-excecutoriedade para aplicar sanções disciplinares e administrativas às Pessoas Físicas e Jurídicas que sejam consideradas faltosas aos zelosos deveres da atividade profissional, após conclusão de um processo específico. Aplicam multas, suspendem seus membros do exercício profissional, cancelam-lhes o registro, fixam-lhes contribuições etc. São dotados de autonomia financeira, com patrimônio próprio e fontes próprias de custeio, decorrentes principalmente das contribuições obrigatórias dos associados. Usufruem de privilégios como o ajuizamento da execução fiscal para cobrança de seus créditos e gozam de imunidade tributária. Estão sujeitos à tutela do Estado e, portanto, à prestação de contas junto ao Tribunal de Contas da União. O Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, estabeleceu o perfil organizacional da Administração Federal, dividindo-a em Administração Direta e Administração Indireta. A Administração Direta compreende os serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios (art. 4º, inciso I) e a Administração Indireta abrange as autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas, todas dotadas de personalidade jurídica própria (art. 4º, inciso II). Em outro dispositivo, o mesmo Decreto-Lei nº 200/67, conceituou a autarquia como o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada (art. 5º, inciso I). A atribuição legal da personalidade jurídica de direito público às autarquias foi feita pelo art. 2º do Decreto-Lei nº 6.016, de 22 de novembro de 1943. Essas autarquias profissionais, são caracterizadas legalmente como autarquias federais, possuindo personalidade jurídica de direito público. A Lei nº 6.316, de 17 de dezembro de 1975, por exemplo, que criou o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, prescreveu, em seu art. 1º, § 1º, o seguinte: "Art. 1º (…) § 1º Os Conselhos Federal e Regionais a que se refere este artigo constituem, em conjunto, uma autarquia federal vinculada ao Ministério do Trabalho." No julgamento da Apelação de Mandato de Segurança –  A.M.S. 96.04.39541-6/RS, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no voto do Juiz Relator Edgard Antônio Lippmann jr., acolheu a seguinte tese: “Os Conselhos dos diversos profissionais liberais nada mais são que autarquias criadas pela União, com a finalidade precípua de exercer o poder de polícia mediante a fiscalização das diversas profissões. Assim, as anuidades por eles arrecadadas em face do exercício profissional decorrem do regular exercício do poder de polícia, sendo inegável a sua natureza tributária, pois se subsumem perfeitamente no conceito de taxa, nos termos dos artigos 77 e 78 do C. T.N.” O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Adin 1.717, apreciando a constitucionalidade do art. 58 da Lei nº 9.649/98, assentou, definitivamente, a natureza jurídica dos conselhos profissionais como autarquias. Como autarquias, unidades integrantes da Administração Pública federal indireta, possuem várias prerrogativas processuais e tributárias especiais, não conferidas às pessoas jurídicas de direito privado. 2 DIFERENÇA ENTRE CONSELHOS PROFISSIONAIS, OAB, SINDICATOS E ASSOCIAÇÕES È necessário ficar atento às funções finalísticas desses órgãos para não confundi-las com as próprias de entidades sindicais e associativas. Os conselhos tem o papel de defender a classe como um todo, já a luta por conquistas trabalhistas compete aos próprios profissionais da área, organizados em associações ou sindicatos, de livre filiação. Nesse caso, não é o interesse da coletividade que predomina e sim o da própria categoria organizada coletivamente. Essa confusão de papéis tem levado muitos conselhos de fiscalização profissional a atuarem de forma corporativa, em defesa apenas dos seus filiados, com prejuízo aos interesses da sociedade. No julgamento da Representação nº 930 – Distrito Federal, ocorrido em 5 de maio de 1976, o Supremo Tribunal Federal, no longo voto do Ministro Rodrigues Alckmin, teve oportunidade de abordar as diferenças finalísticas entre as ordens profissionais e os sindicatos, fazendo menção ao livro de Minvielle, intitulado "Ordres et Syndicats" (páginas 49 a 51 do processo). A fiscalização, exercida pelos conselhos profissionais, objetiva transmitir confiança e tranquilidade à sociedade, em sua relação com os profissionais das mais diversas espécies. A confiança e tranquilidade resultam de um controle ético e técnico-profissional desempenhado pelos conselhos profissionais, que através de suas atividades finalísticas devem defender a sociedade contra a falta de ética profissional e contra pessoas inabilitadas para o exercício de determinada profissão. Luísa Hickel Gamba, em ensaio sobre conselhos de fiscalização profissional, faz as seguintes considerações: “Convém referir que a finalidade de vincular o exercício da profissão à inscrição ou ao registro no conselho profissional correspondente é sempre a proteção da coletividade, porquanto, como dito, é pela inscrição que se aferem as condições e a habilitação para o exercício da profissão e se sujeita o inscrito à fiscalização técnica e ética, dentro dos padrões da regulamentação da profissão firmados para a proteção daqueles valores supremos já referidos, ligados ao seu exercício.” (GAMBA, 2001, p.152) Poucos profissionais vinculados às profissões regulamentadas conhecem os motivos da obrigatoriedade de se manterem registrados nos conselhos de fiscalização, para que servem e porque pagam as anuidades. Até mesmo os legisladores, advogados, promotores e juízes, não têm muita clareza sobre tais aspectos destas instituições públicas denominadas conselhos de fiscalização profissional. Ao exercer atividades do Poder Público, decorrentes do poder de polícia, os conselhos profissionais o fazem em função do interesse da coletividade e não para defender interesses de seus integrantes, o que não corresponde ao papel institucional que lhes foi atribuído pelo Estado. Além dos sindicatos e associações, temos a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que é classificada pela doutrina brasileira como uma autarquia sui generis, especial, não comparável às outras espécies de autarquias. Por todos, leia-se o magistério de José dos Santos Carvalho Filho (2006): “Tem havido alguma controvérsia a respeito da natureza e dos elementos jurídicos relativos à OAB. À guisa de subsídio, vale informar que o STJ a considerou autarquia profissional de regime especial ou sui generis, que não pode ser confundida com as demais corporações similares, ainda que a Lei nº 8.906/94 não tenha sido clara a respeito, limitando-se a dizer que a OAB é "serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa" (art. 44)”.[2] Não são poucos os precedentes do STF atestando a natureza autárquica da OAB . Ocorre que, no julgamento da ADI 3026/DF, da relatoria do Ministro Eros Grau, tal entendimento foi posto em xeque e, ao que parece, revisto. Convém transcrever o acórdão respectivo: “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 1º DO ARTIGO 79 DA LEI N. 8.906, 2ª PARTE. "SERVIDORES" DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. PRECEITO QUE POSSIBILITA A OPÇÃO PELO REGIME CELESTISTA. COMPENSAÇÃO PELA ESCOLHA DO REGIME JURÍDICO NO MOMENTO DA APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO. IMPOSIÇÃO DOS DITAMES INERENTES À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). INEXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA A ADMISSÃO DOS CONTRATADOS PELA OAB. AUTARQUIAS ESPECIAIS E AGÊNCIAS. CARÁTER JURÍDICO DA OAB. ENTIDADE PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO INDEPENDENTE. CATEGORIA ÍMPAR NO ELENCO DAS PERSONALIDADES JURÍDICAS EXISTENTES NO DIREITO BRASILEIRO. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DA ENTIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A Lei n. 8.906, artigo 79, § 1º, possibilitou aos "servidores" da OAB, cujo regime outrora era estatutário, a opção pelo regime celetista. Compensação pela escolha: indenização a ser paga à época da aposentadoria. 2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta. 3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como "autarquias especiais" para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas "agências". 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária. 6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público. 7. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional. 8. Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente. 9. Improcede o pedido do requerente no sentido de que se dê interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição do Brasil ao caput do artigo 79 da Lei n. 8.906, que determina a aplicação do regime trabalhista aos servidores da OAB. 10. Incabível a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB. 11. Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade. 12. Julgo improcedente o pedido.”[3] 3 O PAPEL DOS CONSELHOS PROFISSIONAIS PERANTE A SOCIEDADE A missão dos Conselhos Profissionais não é clara e nem explicada com objetividade para a Sociedade, muito menos compreendida por muitos segmentos das próprias categorias profissionais. Como já observado, não são os Conselhos espécies de associações de classe, no sentido sindical, nem sociedades de caráter cultural ou recreativo. São, isto sim, entidades de Direito Público, com destinação específica de zelar pelo interesse social, fiscalizando o exercício profissional das categorias que lhe são vinculadas. A ação dos Conselhos dos Profissionais se desenvolve no sentido da valorização do Diploma, moralização profissional, proteção dos interesses sociais, da legalidade e, principalmente, no resguardo dos princípios éticos. O disciplinamento das atividades de fiscalização do exercício profissional, pelos conselhos profissionais, não abrange diretamente todos os aspectos do exercício dessas atividades, mas tão somente aquelas revestidas de conteúdo ético. Por exemplo, a fiscalização das condições sanitárias do exercício da enfermagem, assim como das demais profissões da área de saúde, é encargo cometido ao Ministério da Saúde, bem como as Secretarias Estaduais de Saúde, através das atividades denominadas de vigilância sanitária. As entidades de fiscalização profissional, no exercício do poder de polícia, devem zelar  tão somente pela preservação de dois aspectos essenciais, que são a ética e a habilitação técnica adequada para o exercício profissional. Ao contrário do interesse corporativo, as autarquias corporativas investidas do poder de fiscalizar o exercício profissional são dotadas do PODER DE POLÍCIA, para defender os interesses públicos e a coletividade e do cidadão que usa dos serviços dos profissionais submetidos à profissão regulamentada, e além do poder processante e punitivo dos infratores, detém a prerrogativa de só permitir o exercício da profissão pelo habilitado portador de registro no órgão. Quanto ao caráter público dos Conselhos Federais e Regionais de controle das atividades profissionais, há o exemplo da expedição das carteiras de identificação que, por força da Lei nº 6.206/75, possuem valor de documento de identidade em nosso país. 4 CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS AOS CONSELHOS PROFISSIONAIS O conceito de Tributo é pelo art. 3º do Código Tributário Nacional – CTN da seguinte maneira: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda, ou valor em que nela possa exprimir que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada por ato administrativo plenamente vinculado”. Tributos que são gerados em virtude da atuação estatal, como ocorre no caso das taxas, assim definidas no Código Tributário Nacional, verbis: “Art. 77 – As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.” Quem bem resume toda espécie tributária a imposto ou taxa é Alfredo Augusto Becker, citado por Coelho (2004: 483): “A doutrina tem demonstrado que as contribuições parafiscais não constituem uma natureza jurídica de tributo sui generis, nem tributo de natureza mista, porém, em determinados casos, são simples impostos com destinação determinada e, noutros, verdadeiras taxas. E a contribuição parafiscal possui a referida natureza jurídica porque a destinação do tributo, a sua maior ou menor proporção (em relação à base de cálculo) e a posição do sujeito passivo em relação à hipótese de incidência do tributo não exercem qualquer influência sobre a natureza jurídica do tributo”. As contribuições de interesse das categorias profissionais não se confundem com as contribuições sindicais, previstas no art. 8º, inciso IV, da Constituição Federal. São estabelecidas com respaldo no art. 149 da Constituição Federal e destinam-se ao custeio das atividades das entidades responsáveis pela fiscalização do regular exercício profissional e possuem natureza tributária, conforme entendimento do STF. Quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 138.284 – CE, em 1 de julho de 1992, o STF, em decisão unânime do seu Tribunal Pleno, ao examinar a natureza jurídica das contribuições sociais, concluiu pela caracterização das contribuições de interesses das categorias profissionais como contribuições parafiscais, que têm como fundamento o art. 149, caput, da Constituição e exigem leis para sua criação (art. 150, inciso I, da C. F.). Por sua natureza tributária, essas contribuições não prescindem de instituição pela via legislativa, sendo imprópria e inconstitucional sua estipulação por assembleia geral. Outras decisões judiciais demonstram a natureza tributária das contribuições dos conselhos profissionais: "CONSELHO REGIONAL DE CORRETORES DE IMÓVEIS – ANUIDADE: Instrumento para aplicação EMENTA: Mandado de Segurança – Fixação de anuidades – Conselhos. A regra inscrita no art. 149, CF/88, C/C art. 150, I, veda que a instituição de contribuições – anuidades – aos conselhos profissionais seja feita através de resoluções, devendo o ser através da via legislativa. Entendimento de que a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB), quanto à revogação da Lei nº 6.994, refere-se tão-só à categoria dos Advogados. (TRF – 4º R – 1ª T – A. MS nº 950442932-7-RS – Rel. Juiz Volkmer de Castilho – DJ 13.08.97 – pág. 62850)." Já a previsão constante do art. 8º, inciso IV, da Carta Política, que autoriza a assembleia geral a fixar contribuição, refere-se àquelas destinadas ao custeio do sistema confederativo de representação sindical, de natureza distinta da contribuição dos conselhos profissionais. Os recursos arrecadados através das contribuições de interesse das categorias profissionais são recursos públicos e devem ser empregados em benefício do interesse público, com objetivo de tornar mais eficiente a defesa da sociedade empreendida pelos conselhos profissionais. Além disso, os débitos oriundos do não pagamento das anuidades, dos serviços e das multas, quando transformadas em certidões passadas pelas Diretorias dos Conselhos Profissionais, valem como título executivo extrajudicial de Dívida Ativa. 5 A MAJORAÇÃO DAS ANUIDADES A cobrança das anuidades pelos Conselhos Profissionais era regulada pela Lei nº 6.994/82, que os autorizava a fixar multas e anuidades, observados os limites por ela determinados. Esta lei limitou o valor das anuidades cobradas pelos conselhos de fiscalização profissional em duas vezes o Maior Valor de Referência (MVR) para pessoa física. Entretanto, a referida Lei foi revogada pela Lei 9.649/1998, criando um vácuo legislativo. Diante disso, os Conselhos Profissionais tem defendido haver impossibilidade de fixar o valor da anuidade segundo os parâmetros definidos na Lei nº 6.994/82, exatamente sob o argumento de que a Lei nº 8.906/94, que trata do novo Estatuto da OAB, a houvera revogado, vindo a arbitrar valores acima do legal, mediante a edição de resoluções.  Em concordância com essa prerrogativa, encontra-se fundamentação exposta pelo Juiz Federal Substituto da 6ª Vara do Distrito Federal – Dr. ANTÔNIO OSWALDO SCARPA, em sentença proferida nos autos do Mandado de Segurança 1998.34.0007137-2, onde se lê: Seria inconstitucional essa outorga de competência aos próprios conselhos de fixarem as anuidades? Penso que não. Cada entidade de classe tem suas peculiaridades, bem assim variável é o nível; de renda dos diversos profissionais existentes no mercado, o que justifica e torna razoável a fixação dos valores em comento por cada conselho, sopesados os aspectos ora mencionados. Assim, quando o art. 149º, caput, da Constituição Federal, diz que as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas devem observar o princípio da legalidade de que cuida o art. 150º, I, isto não significa que o valor de tais contribuições deva, necessariamente, ser fixado em lei. Basta, a meu sentir, a existência de lei disciplinando o tema, em apreço… A jurisprudência, entretanto, tem determinado que o valor dessa contribuição não possa ser fixado por simples Resolução, em respeito ao princípio da reserva legal previsto no art. 150, I, da Constituição Federal. Apesar da jurisprudência, os Conselhos tem majorado as contribuições anualmente, através de resoluções. Contrariamente a esta ideia tem-se: "REGISTRO PROFISSIONAL – ANUIDADE – NATUREZA TRIBUTÁRIA – MAJORAÇÃO – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – OBSERVÂNCIA. 'Administrativo. Anuidade de entidade fiscalizadora do exercício das profissões liberais. Majoração. Princípio da legalidade. Lei nº 6.994/82. A anuidade devida às entidades que fiscalizam o exercício das profissões liberais tem natureza de contribuição social, sendo regida pelo princípio da legalidade estrita, só podendo ser majorada nos estritos limites fixados na lei. Apelação e remessa oficial improvidas.' (Ac. un da 1ª T do TRF da 4ª R – AMS 95.04.19400-1/PR – Rel. Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrère – j 10.12.96 – Apte.: Conselho Regional de Farmácia do Estado do Paraná – CRF/PR; Apda.: Oliveira Martins e Cia. Ltda. – DJU 2, 29.01.97, p. 3.509 – ementa oficial)." Mais tarde, quando da edição da Lei n° 11.000/2004, resultante do projeto de conversão da Medida Provisória nº 203/2004, o tema voltou a ser abordado, no concernente à outorga aos conselhos de profissões regulamentadas da prerrogativa da fixação dos valores das contribuições anuais, taxas e emolumentos, decorrentes de suas atribuições legais, todavia não foram estabelecidos quaisquer limites ou parâmetros de referência para a outorga concedida. Várias tentativas para se ter um instrumento legal que balizasse a fixação dos valores das contribuições devidas aos conselhos, foram interpostas , como  por exemplo através do Projeto de Lei n° 3.507 de 2008 de autoria do deputado Tarcísio Zimmermann, e Projeto de Lei n° 6.463 de 2009, de autoria do deputado Carlos Roberto Lupi. Com a edição da Medida Provisória n° 536 de 2011, que dispunha sobre as atividades do médico-residente e tratava das contribuições devidas aos conselhos profissionais em geral, os conselhos puderam contar com um dispositivo legal que lhes assegurava os valores fixados para suas anuidades, não podendo exceder o valor de R$500,00 (quinhentos reais) para pessoas físicas. Antes da edição da Medida Provisória n° 536 de 2011, mais tarde convertida na lei 12.514 de 2011, qualquer cobrança de anuidade dos Conselhos acima de duas vezes o Maior Valor de Referência, para pessoa física poderia ser questionada judicialmente, pelas razões e jurisprudência já expostas, sujeitando-se, ainda, à prescrição quinquenal prevista no Código Tributário Nacional – CTN. Em se tratando de tributo novo (majorado) definido pela Lei n° 12.514, a cobrança apenas poderá ser feita para fatos geradores (existência de inscrição) ocorridos no ano seguinte de sua publicação, e no mínimo a partir de 90 dias, ou seja, desde 30/01/2012, visto que as contribuições sujeitam-se tanto ao princípio da anterioridade do exercício seguinte como à anterioridade mínima de noventa dias, conforme previsto, respectivamente, nas alíneas “b” e “c” do inciso III do art. 150 da CF/88. Após a publicação da Lei n° 12.514, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4762) no Supremo Tribunal Federal (STF) na qual pede liminar para suspender os efeitos de dispositivos da lei, que dispõe sobre as atividades do médico-residente e trata das contribuições devidas aos conselhos profissionais em geral. O argumento é de que o Congresso Nacional valeu-se de uma Medida Provisória (MP 536/2011- que dispunha sobre as atividades dos médicos-residentes) – para introduzir no ordenamento jurídico brasileiro normas gerais relativas à matéria tributária (constituição de obrigação, lançamento e crédito tributário) por meio de lei ordinária, quando a Constituição exige que isso seja feito por meio de lei complementar. A Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) também apresentou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4697) contra a mesma lei. A CNPL pede que o STF declare inconstitucionais os artigos acrescentados pelo Congresso Nacional que trata das contribuições devidas aos conselhos. O argumento é que a norma viola o artigo 149, caput, da Constituição da República, que trata da competência exclusiva da União para instituir contribuições dessa natureza, e o artigo 146, inciso III, que remete à lei complementar a fixação de normas gerais em matéria tributária. Observa, ainda, que o artigo 62, parágrafo 1º, inciso III, veda a edição de medidas provisórias sobre matéria reservada a lei complementar. 6 CONCLUSÃO Os conselhos de categorias profissionais, no âmbito da esfera pública federal, considerados autarquias especiais, diferem das demais por não receberem repasses de verbas da União, e sobrevivem da arrecadação de contribuições oriundas de anuidades e taxas cobradas dos seus membros registrados. Antes da publicação da Lei 12.514 de 2011, essas entidades não possuíam um instrumento legal que justificasse a majoração de suas anuidades, que via de regra ocorria anualmente através de resoluções próprias. Essa “lacuna” legal fragilizou os instrumentos de cobrança e recobrança dos conselhos, aumentando o índice de inadimplência por parte de seus membros. Em muitas ocasiões de disputas na justiça, esta tem favorecido os membros inadimplentes, obrigando os conselhos a devolverem o que teoricamente teria sido pago a maior, além de duas MVRs, conforme Lei n° 6994 de 1982. A atual Lei n° 12.514 de 2011 está sendo questionada em relação aos artigos que se referem ao valor das contribuições dos conselhos profissionais, pois por se tratar de lei ordinária não poderia versar sobre tema reservado a lei complementar: Majoração tributária. Portanto, enquanto o STF não emitir seu posicionamento, fica valendo o que dita a Lei n° 12.514, garantindo aos conselhos segurança jurídica relacionada aos seus instrumentos de arrecadação: as anuidades e taxas.
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O parágrafo único do artigo 1º da Lei 8.137/90 à luz do princípio nemo tenetur se detegere
O presente trabalho tem por objetivo a análise do parágrafo único do artigo 1º da Lei 8.137/90, que trata dos crimes contra a ordem tributária. A abordagem se limitará na reflexão acerca da validade da mencionada norma sob a égide do ordenamento jurídico vigente, bem como as interpretações pretorianas e doutrinárias que a ela se tem dado.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO Preliminarmente, cumpre afastar qualquer estranheza acerca do tema escolhido para um trabalho de conclusão de especialização focada em direito empresarial. Com efeito, o título acima pode sugerir, em uma primeira análise, maior afinidade com os estudos da área penal. Todavia, por se tratar a lei 8.137/90 de norma especialmente elaborada para tipificar condutas contrárias à ordem tributária, há aspectos de particular interesse aos operadores do direito empresarial. Desta forma, ainda que o estudo por vezes careça socorrer-se de institutos próprios do direito penal, assim o fará com vistas à realidade das práticas empresariais, mais especificamente, ainda, no âmbito do direito tributário. Ademais, a luz que se pretende lançar sobre determinado ponto da Lei 8.137/90 tem sua matiz determinada mais pelo direito constitucional que os prismas apenas dos direito penal, administrativo, empresarial ou tributário. O caput do art. 1º da Lei 8.137/90, do qual derivam cinco incisos e, ao final, o parágrafo único em estudo, apresenta como condição para a consumação do crime tributário que haja supressão ou redução de tributo, contribuição social ou qualquer acessório. Assim, antes mesmo de se refletir se tal prática não afrontaria o princípio segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, é indispensável se demorar no estudo acerca do real alcance da norma. Dito de outro modo, bastaria a simples recusa em entregar eventuais documentos solicitados ou seria necessário que da recusa resultasse diretamente um prejuízo ao erário? Não há dúvida que o simples fato de o contribuinte: I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação não constitui, de per si, ilícito penal, se de quaisquer das ações acima não houver nenhum prejuízo ao erário. São todas hipóteses de crimes materiais, haja vista que a consumação somente se dá com o efetivo prejuízo ao Estado, na forma prevista no caput do artigo 1º. No entanto, o parágrafo único parece estar divorciado da condicionante do caput, uma vez que afirma que a falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V, ou seja, reclusão de dois a cinco anos. Não pode ser desprezada a dúvida do intérprete quanto a “exigência” do parágrafo único estar relacionada com a obrigação acessória de fornecer nota fiscal ou documento equivalente quando da venda de mercadoria ou prestação de serviço, conforme previsto no inciso V, do mesmo artigo. Outra hipótese seria atrelar o apontado parágrafo único ao caput do artigo 1º, de modo que a ocorrência de crime tributário somente se daria mediante a supressão ou redução de tributo. Também não se verá rara a interpretação segundo a qual o parágrafo único consiste em tipo autônomo e, mais que isso, um crime omissivo próprio, de modo que a consumação se daria única e exclusivamente com a inércia do agente em entregar os documentos solicitados, quer se trate ou não documentos que constituam obrigação tributária acessória e sem importar se dessa omissão resulte ou se busque suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social ou qualquer acessório. Embora outras teorias possam ser aventadas, cumpre apenas salientar que o debate revela o possível dilema ao qual o contribuinte ficará sujeito quando, hipoteticamente, tiver de decidir em entregar documento eventualmente comprobatório de um ilícito penal tributário ou recusar sua entrega e, por isso,  correr o risco de ser penalizado criminalmente. 2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA A tipificação criminal para a tentativa de burlar o fisco ou, até mesmo, a mera resistência em fazer os recolhimentos devidos aos cofres públicos não é recente e, nem tampouco, exclusividade de nosso direito. Embora a lei em estudo ainda esteja na iminência de completar duas décadas em vigor, os objetivos nela contidos já estão presentes nos ordenamentos jurídicos desde longa data, ora com mais ou menos severidade. Para se pontuar apenas como a questão tem sido tratada em terras brasileiras, há que se mencionar que as práticas hoje equivalentes ao contrabando poderiam resultar em penas que variavam do confisco e perdimento do bem até o degredo e a morte, tudo à luz das Ordenações do Reino, sob o Reinado de D. João VI, ainda na época do Brasil Colônia. Apesar de a pena capital acima mencionada soar escandalosa em nossos dias, revelava-se compatível com o ordenamento jurídico então vigente. E é exatamente esse o mote para a análise do parágrafo único do artigo 1º da Lei 8.137/90, ou seja, sua adequação às normas e princípios constitucionais hoje vigentes. Ao fazer um estudo comparado com legislação sobre o tema da Alemanha, Argentina, Bélgica, Bolívia, Chile, Costa Rica, Espanha, Estados Unidos da América, França, Holanda, Inglaterra, Itália, México, Paraguai, Peru, Portugal, Suécia, Suíça, Uruguai e Venezuela, Cinthia Rodrigues Menescal Palhares conclui que: “A maioria das legislações examinadas considera como delitos a defraudação e a sonegação fiscal e, algumas vezes, outros delitos correlatos, fiscais (selos, estampilhas e marcas), falsificação de inventários, entre outros e, num plano de menor gravidade, infrações formais ou relativas às determinações da autoridade fiscal.”[1] (grifamos) E de todos os países abordados, ainda segundo do estudo de Cinthia Palhares, apenas a Suíça apresenta hipótese de pena decorrente de “violações de determinações da autoridade”. Feita a introdução, vejamos a legislação brasileira. 3. LEGISLAÇÃO ATUAL Publicada no apagar das luzes do ano de 1990, aos 28 dias do mês de dezembro, a Lei 8.137/90 passou a integrar o ordenamento jurídico nacional, de modo a derrogar a Lei 4.729/65, a fim de “modernizar” a definição dos crimes contra a ordem tributária, econômica, bem como os crimes contra as relações de consumo. Apenas o que a lei diz a respeito dos crimes contra a ordem tributária será objeto de análise neste trabalho.  São os seguintes os artigos em foco: “Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.”[2] E, ainda mais especificamente, a atenção deste trabalho recairá sobre o parágrafo único do artigo 1º. Ainda cabe destacar que, não obstante relevantes, não serão tratados neste trabalho os aspectos relacionados à conveniência e utilidade da existência das leis tipificadoras de crimes tributários. Também não se pretende aferir se o tema foi abordado com a melhor técnica legislativa. O tema do trabalho, insista-se, limita-se a questionar a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 1º da Lei 8.137/90. E mistério não seja feito. O cerne é verificar se, à luz da ordem constitucional vigente, poderia ser o contribuinte obrigado a entregar documentos que lhes sejam desfavoráveis, sob pena de a simples recusa culminar em sua reclusão por até cinco anos. 4. O DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO Ponto elementar para o desenvolvimento deste estudo é identificar a extensão e aplicação do princípio nemo tenetur se detegere no direito brasileiro. Num primeiro momento é fácil identificar o princípio na Lei Maior, quando, por força do seu artigo 5º, inciso LXIII, é assegurado ao preso o direito de permanecer calado. A inclusão desse inciso no rol dos direitos e garantias individuais é indicativo óbvio de sua natureza de direito humano fundamental, ou seja, trata-se de positivação do princípio nemo tenetur se detegere. Com efeito, Alexandre de Moraes define os direitos fundamentais como: “O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano, que tem por finalidade básica o respeito à sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.”[3] Nem se alegue que o inciso acima mencionado protege apenas o direito ao silêncio do réu, não abarcando toda e qualquer forma de ação estatal que pudesse compelir o cidadão a produzir prova contra si próprio. Em razão do princípio da máxima efetividade das normas definidoras dos direitos e garantias individuais, a interpretação do inciso LXIII do art. 5º da Constituição Federal deve ser no sentido de que se trata de direito à não auto-incriminação em sentido amplo, e não apenas direito ao silêncio. Ademais, por força da Emenda Constitucional 45/04, que incluiu o parágrafo 3º no art. 5º, o direito de não produzir prova contra si mesmo foi mais uma vez positivado, dada a ratificação do Brasil ao chamado Pacto de São José da Costa Rica. No referido documento, que passou a integrar o direito positivo brasileiro com status de norma constitucional, à pessoa acusada é assegurado o “direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada” (art. 8º, parágrafo 2º, alínea “g”, da Convenção Americana sobre Direito Humanos). Uma vez demonstrada a plena aplicação do princípio nemo tenetur se detegere, cabe verificar sua compatibilidade com o parágrafo único do artigo 1 da Lei 8.137/90. Antes, porém, de indagar-se qual a leitura a doutrina e os tribunais vem dando à norma. 5. POSIÇÃO DOUTRINÁRIA Forçoso é reconhecer que a doutrina, de modo geral, não dispensa muita atenção ao tipo penal em estudo ou, quando o faz, não lhe dedica a merecida importância. O primeiro aspecto a chamar atenção do parágrafo único do artigo 1º em relação aos demais tipos do artigo primeiro é quanto à dúvida que pode surgir com relação à desnecessidade do primeiro depender de efetivo prejuízo ao erário ou se se trata de crime meramente formal Para Roberto dos Santos Ferreira trata-se de crime omisso próprio, pelo que a consumação se daria com o mero desatendimento à exigência da autoridade, formulada por escrito, após o decurso do prazo assinado.  No entanto, prossegue afirmando que: “Para a caracterização do tipo, além do dolo, vontade consciente de não atender às exigências feitas pela autoridade, exige-se que o agente tenha o objetivo de suprimir ou reduzir o tributo, contribuição social ou qualquer acessório. Inexistindo o especial fim de agir, expresso no caput do artigo 1º, a conduta subsumir-se-á ao tipo da desobediência, prevista no art. 330 do Código Penal.”[4] A interpretação, data venia, parece equivocada, senão contraditória. Embora não seja o escopo deste trabalho o aprofundamento dos aspectos essencialmente penais da norma em apreço, é sabido que a nota característica dos crimes omissivos próprios é que sua consumação prescinde de qualquer outro comportamento do agente, senão a omissão descrita no tipo penal. Assim, ao tomar o tipo descrito no parágrafo único do artigo 1º da Lei 8.137/90 como crime omissivo próprio, a exemplo do que também faz o Ministério Público Paulista, não se pode condicionar a consumação a qualquer outra vontade do agente para, por meio de sua omissão, pretender realizar alguma das ações descritas no caput do artigo 1º. A condição sugerida pelo citado autor acaba por desvirtuar o tipo em crime omissivo impróprio, ou seja, a depender de mais de uma conduta do agente. Já na interpretação de Alécio Adão Lovatto, trata-se de norma que busca: “Cercear a atividade omissiva de contribuinte que, intimado a entregar os livros ou documentos fiscais, não atende em razão de que, ao entregá-los, dá ciência ou possibilita ao agente fiscal descobrir ter ele reduzido ou suprimido tributo ou acessórios.”[5] E prossegue acrescentando que a norma não se contém, unicamente, no parágrafo, pois há que ser conjugada com o caput, ou seja, é necessário que tal conduta tenha por elemento subjetivo do injusto a vontade de reduzir ou suprimir tributo. A leitura que Lovatto faz do parágrafo único pode parecer a mesma dada por Ferreira. Todavia, ao associar o referido parágrafo ao caput o autor afasta o tipo da classificação daqueles tidos como omissivos próprios, uma vez que sua consumação não se aperfeiçoa com uma única e isolada conduta do agente, qual seja, a omissão. Dito de outro modo, a mera omissão, tomada por si só, não bastaria para subsumir a conduta ao tipo penal, segundo a interpretação de Lovatto. Ao abordar o tema, Hugo de Brito Machado o faz mais com olhos de tributarista e lastreado na Constituição, o que é natural, dada a especialidade do mestre, e até mais afinado com a linha deste artigo. Sem descer às minudências da ciência penal, mas com o rigor científico que lhe é peculiar, Machado afirma que: “As informações, cuja prestação constitui dever do contribuinte, e em alguns casos até de terceiros, e cuja omissão ou falsidade configuram crime, nos termos do dispositivo citado, são apenas as necessárias ao lançamento regular dos tributos. Não quaisquer outras informações necessárias ao exercício da fiscalização tributária. Tal compreensão concilia o dever de informar ao Fisco com o direito ao silêncio, assegurado constitucionalmente a todos os acusados. O dever de informar precede a configuração do crime contra a ordem tributária. Cometido este, seu autor não tem o dever de prestar informação alguma, útil para a comprovação desse cometimento, que configuraria auto-incriminação.”[6] Desse modo, o consagrado tributarista faz uma criativa interpretação segundo a qual o indigitado parágrafo único estaria ligado não ao caput do artigo 1º, mas ao inciso I e / ou V que lhe antecede. Ou seja, somente a exigência da autoridade que determinasse a apresentação de informações, ou, ainda, o fornecimento (quando obrigatório) de nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, poderia ensejar a incidência da norma penal em foco. E, ainda, desde que tais documentos e / ou informações não implicassem em prova de crime tributário. A solução, embora cativante, não parece resistir a apenas uma única observação quanto à sua lógica jurídica. Com efeito, não faria sentido criar um tipo penal em um parágrafo cujo resultado prático seria a mera repetição de incisos anteriores. Mutatis mutandis, seria como se, na hipótese do artigo 314 do Código Penal (extraviar livro oficial ou qualquer documento que tem a guarda em razão do cargo; sonegá-lo ou inutilizá-lo parcialmente) acrescentasse, o legislador, a esse artigo um parágrafo único, afirmando que “nas mesmas penas incorre aquele que, intimado por autoridade para apresentar tais livros, não o faça no prazo de 10 dias”. 6. A VISÃO DOS TRIBUNAIS Embora os Tribunais superiores do país já tenham experimentado a oportunidade de se manifestar acerca do tema, a questão parece ainda não estar pacificada. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o eminente Ministro Arnaldo Esteves Lima, por ocasião do julgamento do habeas corpus nº 113.603 – PR (2008/0181139-2), realizado em outubro de 2008, consignou que: “(…) 3. Na hipótese em exame, a conduta praticada pelo paciente amolda-se à figura descrita no parágrafo único do art. 1º da Lei 8.137/90, que visa obrigar o contribuinte a apresentar determinados documentos necessários à fiscalização tributária. Trata-se de crime omissivo próprio, que não exige para sua configuração outra circunstância senão a recusa do contribuinte em apresentar a documentação solicitada. 4. O delito previsto no referido parágrafo é autônomo e consuma-se com o desatendimento à exigência da autoridade fiscal, após transcorrido o prazo de 10 dias por ele fixado, não se exigindo para seu reconhecimento que haja a supressão ou redução de tributo. 5. A conduta descrita no parágrafo único é autônoma em relação caput do art. 1º da Lei 8.137/90, razão por que é prescindível o procedimento administrativo-fiscal para que ocorra a exigibilidade da obrigação fiscal.” (grifamos) Por outro giro, mais recentemente, o Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP) ao julgar o Recurso Especial Nº 1.113.460 – SP (2009/0060428-2) proferiu a decisão nos seguintes termos: “(…) filio-me à corrente doutrinária que entende ser o delito definido no parágrafo único, do art. 1º, da Lei nº 8.137/90, de natureza material (ou de resultado), necessário, portanto, para sua configuração, que haja a redução ou supressão de tributo, como definido no seu caput.” Embora mais recente, ainda não se pode afirmar ser essa a posição a prevalecer na referida Corte. Quanto ao STF, foi possível identificar apenas uma decisão monocrática, da lavra do Ministro Marco Aurélio de Melo, o qual adere à corrente segundo a qual a famigerada norma encerraria crime omissivo próprio. Por assim pensar, o eminente Ministro apresentou decisão praticamente idêntica à do Ministro Arnaldo Esteves Lima, do STJ: “a) a conduta em tese praticada pelo paciente amolda-se à figura descrita no parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, que objetiva obrigar o contribuinte a apresentar determinados documentos necessários à fiscalização tributária. Trata-se de crime omissivo próprio, que não exige, para configuração, outra circunstância senão a recusa do contribuinte em entregar a documentação solicitada.  b) o delito previsto no referido parágrafo revela-se autônomo e consuma-se com o desatendimento à exigência da autoridade fiscal, após transcorrido o prazo de dez dias fixado, não se exigindo, para o reconhecimento da infração, que tenha havido supressão ou redução de tributo. c) a conduta descrita no parágrafo único é autônoma em relação à cabeça do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, fazendo-se prescindível, então, o procedimento administrativo-fiscal.” Verifica-se, portanto, que, curiosamente, nem mesmo a Suprema Corte vislumbrou, ao menos até o momento, a violação da Constituição contida no parágrafo único do artigo 1º da Lei 8.137/90, consistente na afronta ao princípio nemo tenetur se detegere, positivado como cláusula pétrea e direito fundamental na Lei Maior. 7. CONCLUSÃO Por força de toda breve análise que até aqui se fez resta claro que se está diante de uma situação na qual o contribuinte é compelido a apresentar, ou seja, produzir prova contra si mesmo, pois se assim não o fizer, essa mera recusa é tipificada como crime com a mesma pena do suposto crime que se investiga. Note-se que não é a recusa do documento solicitado pela autoridade administrativa que resulta em prejuízo tributário ao estado, mas sim uma prática lesiva ao erário que pode ser comprovada pelo referido documento. A despeito do silêncio pretoriano sobre o tema, temos que o parágrafo único do artigo 1º da Lei 8.137/90, seja qual o significado e extensão que se pretenda dar a ela, padece de manifesta inconstitucionalidade por pretender impingir o contribuinte a produzir prova contra si mesmo, em afronta ao art. 5º, inciso LXIII da Constituição Federal, bem como ao art. 8º, parágrafo 2º, alínea “g”, da Convenção Americana sobre Direito Humanos, que – ratificada pelo Brasil em 1992 – foi incorporada ao ordenamento pátrio com status de norma constitucional. De tudo aquilo que se pode depreender do presente trabalho, a conclusão mais significativa é que, se a doutrina, ainda que timidamente, avançou no estudo da norma em apreço para, não apenas buscar seu melhor sentido, mas também para, uma vez extraído seu significado, aferir se tal significado é compatível com a ordem constitucional vigente, a jurisprudência ainda não chegou nesse ponto. Conforme visto, nas oportunidades que o STJ ou STF pronunciaram-se a respeito, ainda que por meio de decisões monocráticas de seus ministros, destaca-se não a oscilação dos entendimentos acerca do significado da norma, mas a completa ausência de qualquer discussão acerca da constitucionalidade do parágrafo único do artigo 1º da Lei 8137/90. Tratando-se de legislação em vigor há praticamente viente anos, é legítimo suspeitar que ainda se demorará para o amadurecimento do tema nos Tribunais. Isso menos pela relevância da discussão que por questões de política tributária, uma vez que – como é sabido – o pagamento do tributo, à parte de qualquer debate acerca da repercussão e natureza penal desse fato, indubitavelmente acarreta no desinteresse do Estado na condução de qualquer processo criminal com o mero intuito de aplicar uma sanção penal ao contribuinte, que já nada mais deve aos cofres públicos.
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O cerceamento do direito de defesa nos processos administrativos fiscais do Estado da Bahia
Pretende-se, através deste estudo, demonstrar que, no estado da Bahia, alguns elementos componentes do regime normativo que rege o processo administrativo fiscal ofendem, diretamente, o princípio da ampla defesa. Serão apontadas e analisadas, dentre as normas que regem o procedimento administrativo fiscal, aquelas que regulam o acesso aos autos do processo pelo sujeito passivo da suposta obrigação tributária descumprida; levando-se em conta, tanto as normas de natureza legal quanto as de natureza infra-legal, e demonstrando-se as antinomias existentes entre estas perante aquelas, bem como entre aquelas em relação aos preceitos das constituições estadual e federal, para que seja possível, por fim, tornar clara a sensível fragilidade jurídica sob a qual se sustentam as referidas ofensas ao princípio da ampla defesa.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO A ampla defesa é, sem dúvida, não só uma garantia que decorre do conceito de Estado Democrático de Direito; como, ao mesmo tempo, a nível teórico, um elemento caracterizador deste mesmo conceito e, a nível prático, um de seus sustentáculos fundamentais. Juridicamente, a ampla defesa é a garantia individual, forjada a partir dos princípios da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana; segundo o qual não serão imputadas obrigações, nem restringidos direitos de determinado indivíduo, sem que ao mesmo seja facultado se manifestar, previamente, de forma completa e sem qualquer tipo de restrição; e “positivada” pela Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LV. A garantia constitucional da ampla defesa se reveste de singular importância quando conjugada com as garantias do contraditório e do devido processo legal, tal conjugação impõe ao Estado que, quando pretenda, por iniciativa própria ou alheia, intervir na esfera particular de determinado indivíduo; o faça através de um método pré-estabelecido, a esse método dá-se o nome de “processo”. Humberto Theodoro Júnior, citando Calamandrei, define processo como: “A série de atos coordenados, regulados pelo direito processual, através dos quais se leva a cabo o exercício da jurisdição.”[1] Ocorre que tal método não é exclusividade da função jurisdicional. Através da conjugação dos já citados princípios com os da moralidade administrativa e da estrita legalidade no exercício da administração; desenvolveu-se a tese de que a Administração, ao intervir na esfera individual dos administrados para impor-lhes obrigações ou restringir-lhes direitos, deverá fazê-lo através de atos pré-ordenados, garantindo-lhes, sempre, o direito de manifestação, ou seja, o direito à ampla defesa. Consequentemente, fica a Administração subordinada ao método definido como “processo” como meio hábil de execução de determinadas de suas atividades, estando, por conseguinte, sujeita a todas as implicações lógicas e jurídicas decorrentes deste método. Em tal contexto se insere a chamada Administração Tributária, que, no exercício de sua atividade típica, deve observar os princípios em referência, sujeitando a constituição do crédito tributário à observância de todos os princípios e todas as limitações decorrentes das garantias da ampla defesa e do devido processo legal. Surge, assim, o chamado processo administrativo fiscal. Neste sentido, Hugo de Brito Machado: “Em sentido amplo, tal expressão designa o conjunto de atos administrativos tendentes ao reconhecimento, pela autoridade competente, de uma relação jurídica pertinente à relação fisco-contribuinte. Em sentido estrito, a expressão processo administrativo fiscal designa a espécie de processo administrativo destinada à determinação e exigência do crédito tributário.”  [2] Trataremos, apenas, do processo administrativo fiscal em seu sentido estrito. 2. DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL NO ESTADO DA BAHIA Apresentados os traços gerais dos chamados processos administrativos fiscais, passaremos a analisar, de forma mais específica, o regime jurídico dos processos administrativos fiscais da competência do estado da Bahia. O processo administrativo fiscal encontra-se previsto, em linhas gerais, no Título VIII do Código Tributário do Estado da Bahia (Lei estadual 3.956/1981), sendo regulamentado, de forma específica, pelo decreto 7.629/1999, o chamado Regulamento do Processo Administrativo Fiscal. Interessante destacar os três primeiros artigos do, já mencionado, Título VIII do Código Tributário da Bahia: “Art.122 – O processo administrativo fiscal será organizado à semelhança dos autos forenses, com folhas devidamente numeradas e rubricadas, observada a ordem de juntada. Art.123 – É assegurado ao sujeito passivo o direito de ampla defesa na esfera administrativa, aduzida por escrito e acompanhada de todas as provas que tiver desde que produzidas na forma e prazos legais. Parágrafo único – A inadmissibilidade pelo órgão julgador, de prova requerida, será feita em decisão fundamentada. Art.123-A – O órgão preparador dará vista do processo aos interessados e seus representantes legais, no recinto da repartição fazendária, durante a fluência dos prazos de impugnação ou recurso, mediante pedido escrito, podendo os solicitantes interessados extrair cópia de qualquer de suas peças. Parágrafo único – O fornecimento de cópias de peças processuais destinadas à instrução de defesa ou recurso do acusado será feito livre da incidência de taxa ou ônus de qualquer espécie.”(grifos nossos) A partir da análise destes dispositivos, percebe-se que o Código Tributário do Estado da Bahia impõe restrições de acesso aos autos de processos administrativos fiscais, estabelecendo que tal acesso ocorra, necessariamente, de duas formas: através de vista aos autos, dentro da repartição fazendária; através da obtenção de cópias extraídas dos autos, livres da incidência de taxas ou ônus de qualquer espécie. Analisemos, especificamente, cada uma destas “vias de acesso”. 2.1. DO PEDIDO DE VISTA AOS AUTOS O ponto central da primeira “via de acesso aos autos”, prevista no art. 123-A do Código Tributário da Bahia, não é, necessariamente, o que o dispositivo faculta, mas o que restringe. Quando o legislador estadual estabelece que “O órgão preparador dará vista do processo aos interessados e seus representantes legais, no recinto da repartição fazendária, durante a fluência dos prazos de impugnação ou recurso, mediante pedido escrito”; pretende, na verdade, não só afastar a possibilidade de carga dos autos, como restringir a vista dos mesmos a determinadas fases do procedimento. Há que se perguntar: pode a administração restringir a vista aos autos ao período de fluência dos prazos de impugnação ou recurso? Mais adequado seria perguntar: a restrição imposta pelo legislador ordinário está em conformidade com as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa? Para que se responda a tais questões é necessário analisar a situação a partir do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais. Leciona Dirley da Cunha Júnior: “O princípio da máxima efetividade, também denominado de princípio da interpretação efetiva, orienta o intérprete a atribuir às normas constitucionais o sentido que maior efetividade lhes dê, visando otimizar ou maximizar a norma para dela extrair todas as suas potencialidades. Embora seja um princípio aplicável à interpretação de todas as normas constitucionais, atualmente tem incidência maior no âmbito dos direitos fundamentais, onde é frequentemente invocado.”[3] Considerada a lição, conclui-se que, para que se dê a máxima efetividade ao direito fundamental da ampla defesa, as restrições de acesso devem ser exceções; não devendo, portanto, o legislador ordinário estabelecer os momentos em que o contribuinte poderá ter acesso aos autos; e sim, em casos de extrema relevância, motivadamente, os momentos em que o mesmo, ou seu procurador, não poderão ter acesso aos documentos do feito. Ressalte-se que tais situações devem ser, sempre que possível, evitadas; assim como, os momentos em que não for possível disponibilizar a vista aos autos, caso venham a existir, devem ser de extrema brevidade.   Em uma análise mais completa, chega-se à conclusão que não só a definição de momentos em que seria possível ter acesso aos autos é inconstitucional; visto que, igualmente ofensivas à máxima efetividade das garantias fundamentais de que se trata, são as imposições de vista, exclusivamente, na repartição fazendária e de solicitação prévia mediante pedido escrito. Isto porque, tais situações, na medida em que reduzem as possibilidades de acesso ao processo administrativo fiscal, representam restrições, impostas pelo legislador ordinário, às já mencionadas garantias fundamentais do devido processo legal e da ampla defesa; restrições estas, que o próprio legislador constituinte achou por bem não fazer. Vejamos o que estabelece a Constituição Federal, art 5º, incisos LIV e LV: “Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” Que seja trazida à baila a preciosa lição do Prof. Dirley da Cunha Júnior, tratando das garantias da ampla defesa, do contraditório e da relação indissociável destas com a garantia do devido processo legal: “Tais garantias(ampla defesa e contraditório) completam e dão sentido e conteúdo à garantia do devido processo legal, pois seria demasiado desatino garantir a regular instauração formal de processo e não se assegurar o contraditório e a ampla defesa àquele que poderá ter a sua liberdade ou o seu bem cerceado; ademais, também não haveria qualquer indício de razoabilidade e justiça numa decisão quando não se permitiu ao indivíduo às mesmas garantias e da ampla defesa. São, assim, garantias que se casam numa união indissolúvel.” [4] Extrai-se da lição que não há o que se falar em devido processo legal sem que haja sido garantido o direito à ampla defesa, sendo que, tal garantia, deve ser entendida em sua forma mais completa, ou seja, constante de todos os meios necessários à construção de uma defesa satisfatória; raciocínio este, construído a partir de uma interpretação da lei maior enquanto sistema. Igualmente, nota-se que o legislador constituinte foi enfático ao incluir, também os processos administrativos, no raio de eficácia das garantias fundamentais em referência, podendo-se dizer, inclusive, que grande parte dos princípios regentes do processo administrativo são decorrentes, diretamente, do princípio da ampla defesa, como leciona Celso Antônio Bandeira de Mello: “Os seis princípios enunciados(da audiência do interessado, da acessibilidade, da ampla instrução probatória, da motivação, da revisibilidade e do direito a ser  representado  e assistido) têm, no caso dos procedimentos restritivos ou ablativos de direito, o mesmo fundamento, isto é, o art. 5º, LV, da Constituição” [5] Tome-se, como o exemplo o referido princípio da acessibilidade aos elementos do expediente, também definido pelo nobre professor: “Princípio da acessibilidade aos elementos do expediente. Isto significa que à parte deve ser facultado o exame de toda a documentação constante nos autos, ou seja, na expressão dos autores hispânicos, de todos os “antecedentes” da questão a ser resolvida. É o que, entre nós, se designa como o “direito de vista”, e que há de ser vista completa, sem cerceios.”(grifos nossos)[6] Não só isso, interpretando, concomitantemente, os princípios da lealdade e boa fé nos processos administrativos e o princípio administrativo da moralidade superior da administração pública, vemos que a situação torna-se ainda mais grave, tendo em vista que os atos de que trata o presente artigo são emanados pelo poder público e materializados no âmbito de sua administração. Para uma definição mais completa do princípio da lealdade e boa fé administrativa, não nos afastemos da lição de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Princípio da lealdade e boa fé, de acordo com o qual a administração, em todo o transcurso do procedimento, está adstrita a agir de maneira lhana, sincera, ficando, evidente, interditos quaisquer comportamentos astuciosos, ardilosos, ou que, por vias transversas, concorram para entravar a exibição das razões dos direitos do administrado.”[7] Na prática, a vista dos autos no ambiente da repartição fazendária se revela como “via de acesso” aos autos absolutamente ineficaz, e até ridícula, visto que os autos de processo administrativos fiscais, normalmente, chegam a conter centenas de folhas distribuídas em vários volumes. Além disso, as informações contidas em tais documentos são de considerável complexidade, tanto em matéria jurídica, quanto em matéria contábil, tornando-se, praticamente, imprescindível a constituição de advogado, e até de contador, em certos casos, para representar, de forma satisfatória, os interesses do contribuinte, dada a tecnicidade da matéria e os elevados valores dos impostos de que trata o processo. Sendo assim, tal situação se materializaria em um trabalho quixotesco para o advogado, que deveria, por estes moldes: primeiro, solicitar previamente à autoridade que fosse disponibilizada a vista aos autos em momento posterior, tendo em vista que as autoridades públicas que atuam no processo podem fazer carga do mesmo; segundo, aberta a vista aos autos, fazer a análise dos mesmos no espaço físico da repartição pública que, geralmente, não possui espaço reservado a tal atividade, sendo que tal análise pode se estender por vários dias, obrigando, por conseguinte, o profissional a comparecer, diariamente, à repartição. Ressalte-se que, na analise hipotética ora analisada, o profissional estaria desprovido de seu material de pesquisa, da equipe que por ventura o ampare e do conforto de seu ambiente de trabalho, a menos que transferisse tudo isto, dia após dia, aos edifícios da fazenda pública. Não resta dúvida que tal procedimento representa, não só uma hipótese ridícula de acesso oferecida pelo Código Tributário da Bahia, mas também uma grave ofensa à profissão advocatícia, fundamental ao Estado democrático de Direito. Interessante lembrar o estatuto da advocacia(Lei 8906) que, em seu art.7º, declara serem direitos do advogado: “I – exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional; XV – ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais;” Vê-se, portanto, que é claramente ignorado o referido diploma legal que, enquanto lei ordinária federal que é, deveria irradiar efeitos sobre todo o território nacional. Não é o que ocorre na prática. Não há como negar que a carga de processos representa um método ultrapassado, que pode vir a somente atrasar o andamento do feito, sobretudo quando concorrem com suas inadequações naturais os comportamentos antiéticos de determinados profissionais. Outrossim, é possível identificar, dentre os recursos tecnológicos disponíveis na atualidade, métodos que podem substituir satisfatoriamente a carga de processos, disponibilizando à parte litigante, ou a seu procurador, pleno acesso à universalidade dos documentos constantes nos autos e reproduzindo fielmente a ordem cronológica em que tais documentos foram juntados ou geraram efeitos. Ocorre que, enquanto o Poder Judiciário e a Administração pública não desenvolverem, regulamentarem e adotarem um método que venha a substituir, sem perda, todas as vantagens da carga de processos à análise de autos e à confecção de peças de atuação processual, não podem os mesmos cercear este recurso, sob pena de ofensa às garantias fundamentais da ampla defesa e do devido processo legal. Não pode o Poder Publico ceifar métodos de acesso ao processo sem estabelecer, previamente, outros métodos que os substituam em todas as suas vantagens. Dessa forma, faz-se imperioso concluir que as restrições impostas pelo art. 123-A do Código Tributário da Bahia, no que se refere ao processo administrativo fiscal atacam frontalmente os preceitos constitucionais aqui transcritos, fazendo restrições onde o legislador constituinte foi enfático em não restringir. Não estão conformes, portanto, ao espírito da Constituição Federal, por afastarem do contribuinte os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal; sendo o referido artigo, por conseguinte, atingido pelo vício mais grave que um ato normativo pode carregar, o vício da inconstitucionalidade, sendo esta de natureza material. Neste sentido, Dirley da Cunha Júnior: “A supremacia da constituição conduz à exigência de toda norma jurídica seja produzida a partir dos parâmetros formais e materiais nela delineados. Isto significa, em ultima análise, que as normas jurídicas infraconstitucionais devem conformar-se com a Constituição, resultando daí a exigência de sua constitucionalidade.”[8] Finalizando este sub-tópico, é interessante mencionar que, e se tratando de direitos fundamentais, não há argumento que baste para afastar a aplicabilidade imediata das garantias da ampla defesa e do devido processo legal; tendo em vista a teoria da eficácia plena dos direitos fundamentais, positivada pelo constituinte no parágrafo 1º do art. 5º da lei maior, in verbis: “Art. 5º, §1º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata;” 2.2. DA OBTENÇÃO DE CÓPIAS DOS AUTOS Analisemos, neste momento, a segunda “via de acesso” aos autos de processo administrativo fiscal no estado da Bahia; que representa, sem dúvida, a mais flagrante, e mais vergonhosa, tentativa de afastamento do contribuinte do procedimento administrativo que poderá influir, sensivelmente, no seu patrimônio. Veremos, aqui, uma ofensa direta e gritante ao princípio da moralidade administrativa e, por via reflexa, a todo o ordenamento jurídico-constitucional e a harmonia da dinâmica social; sustentada por uma inadequação técnica que, de tal magnitude e visibilidade, se aproximaria do ridículo, caso sua mera existência não significasse uma ofensa tão vergonhosa ao contribuinte baiano. Trata-se da taxa cobrada, por parte do estado da Bahia, pela retirada de cópias dos documentos constantes nos autos dos processos administrativos fiscais. Ainda que pareça inacreditável, existe tal cobrança, e as surpresas não param por aí! A referida taxa, expressamente vedada pelo parágrafo único do artigo 123-A do Código Tributário da Bahia, o qual contém restrições de acesso aos autos que sustentamos serem inconstitucionais, quando estabelece que “O fornecimento de cópias de peças processuais destinadas à instrução de defesa ou recurso do acusado será feito livre da incidência de taxa ou ônus de qualquer espécie”; veio a ser estabelecida e ampliada através de decretos e do Governador do estado! Inicialmente, preceitua o decreto nº 7.629/1999, que vem a ser o Regulamento do Processo Administrativo Fiscal, em seu art. 11: “Art.11. O órgão preparador dará vista do processo aos interessados e seus representantes legais, no recinto da repartição fazendária, durante a fluência dos prazos de impugnação ou recurso, mediante pedido escrito, podendo os solicitantes interessados extrair cópia de qualquer de suas peças. Parágrafo único. O fornecimento de cópias de peças processuais destinadas à instrução de defesa ou recurso do acusado será feito livre da incidência de taxa ou ônus de qualquer espécie, a menos que se trate de cópias de livros e documentos que estejam na posse do requerente, caso em que o fornecimento de cópias estará sujeito ao pagamento de taxa de prestação de serviço, na forma prevista na legislação própria.” Percebe-se que o referido art. reproduz, literalmente o já referido art.123-A do Código Tributário da Bahia, introduzindo, contudo, a frase final “a menos que se trate de cópias de livros e documentos que estejam na posse do requerente, caso em que o fornecimento de cópias estará sujeito ao pagamento de taxa de prestação de serviço, na forma prevista na legislação própria”. Ou seja, inaugura uma ressalva à vedação legal, estabelecendo que apenas as cópias de documentos que não estejam em poder do contribuinte deveriam ser gratuitas. Desnecessário mencionar que regulamento executivo ultrapassou seus limites de disposição, visto que, o referido ato administrativo não é meio hábil, nem tampouco é o Governador autoridade competente, para inaugurar fato novo na ordem jurídica, muito menos para limitar o que a lei não limitou. Celso Antonio bandeira de Mello conceitua regulamento executivo como: “ato geral e(de regra) abstrato, de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução de lei cuja aplicação demande atuação da administração Pública.”[9] Mais à frente, citando Pontes de Miranda: “Onde se estabelecem, alteram ou extinguem direitos, não há regulamentos – há abuso de poder regulamentar, invasão de competência legislativa. O regulamento não é mais do que auxiliar que sói pretender, não raro, o lugar delas, mas sem que possa, com tal desenvoltura, justificar-se e lograr que o elevem à categoria de lei.”[10] A Constituição do Estado da Bahia adota tais teorias ao preconizar que: “Art. 150 – Compete privativamente ao Governador do Estado: V – sancionar, promulgar, vetar, fazer publicar as leis e, para sua fiel execução, expedir decretos e regulamentos;” Vê-se, portanto, que já a partir do decreto nº 7.629/1999(RPAF), verifica-se a existência de disposições inconstitucionais regulamentando o assunto de que se trata; bem como, conclui-se que tudo o quanto se afirmou e relação ao regulamento, aplica-se ao decreto executivo, por bom senso doutrinário e expressa determinação constitucional.         Mencione-se, ainda, que a autoridade do Poder Executivo foi ainda mais longe em sua incursão na competência alheia, tanto que veio a ampliar, através de um outro decreto executivo, o âmbito de incidência da referida taxa. Trata-se do decreto 10.190/2006, que atualiza o valor das taxas pelo exercício do poder de polícia e das taxas pela prestação de serviços na área do poder executivo. O referido decreto, em seu anexo único, não faz diferenciação da posse na qual se encontrem os documentos, determinando, em seu art. 1º, que o “o fornecimento de cópia dos autos de processo administrativo fiscal, por folha” condiciona-se ao pagamento de taxa de serviço, arbitrado em R$2,90(dois reais e noventa centavos); determinando, ainda, no art. 2º, que “Revogam-se as disposições e contrário”. Sendo assim, a partir do referido decreto, a taxa deve ser cobrada quando da obtenção da cópia de qualquer documento constante nos autos dos processos administrativos fiscais. É o que ocorre na prática. Antes de tecer argumentações sobre a taxa de que se trata, faz-se necessário apresentar alguns temperamentos. A lógica exige que, a despeito da vedação existente no parágrafo único do art. 123-A do Código Tributário da Bahia, consideremos aceitável a cobrança de taxas pela obtenção de cópias de documentos constantes nos autos quando a Administração Pública ache por bem e, unicamente, por motivos de segurança, monopolizar o serviço de cópias destes documentos. Repise-se, no entanto, que não deixamos de considerar inconstitucionais as já referidas restrições à vista e à carga dos autos de processos administrativos fiscais. O fato é que a obtenção de cópias de documentos constantes e autos de processos, juntamente com outras formas de acesso aos mesmos, como a carga, por exemplo, é algo salutar e benéfico, na medida em que colabora para a confecção da peças processuais destinadas à defesa dos interesses das partes envolvidas no litígio em questão. É perfeitamente lógico que, considerando que tal obtenção seja uma opção da parte, dentre outros meios de acesso disponibilizados, sua confecção seja custeada pela própria parte. Sendo assim, se é o Estado o responsável pelo serviço de retirada de cópias de documentos constantes nos autos de determinado processo, deve o mesmo receber a contraprestação de tal atividade, o que deve ser feito através de taxa. É lógico, no entanto, que tal taxa tem que ter previsão legal, não podendo ser inaugurada através de decreto, “por absoluta impropriedade do meio”, tendo em vista o princípio da estrita legalidade em matéria tributária, como bem leciona Hugo de Brito Machado: “Pelo princípio da legalidade tem-se a garantia de que nenhum tributo será instituído, nem aumentado, a não ser através de lei(CF, art.150, inc. I). A Constituição é explícita. Tanto a criação quanto o aumento dependem de lei.”[11] A nosso ver, é necessário, ainda, que sejam atendidos dois pré-requisitos para que se faça a cobrança: primeiro, que a obtenção, como foi dito, seja uma opção dentre outros meios de amplo acesso aos documentos constantes nos autos; segundo, que o valor desta taxa seja pautado pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade e esteja conforme aos ditames limitativos da atividade tributária. De pronto, percebe-se que não é o que ocorre no estado da Bahia, na medida em que a obtenção de cópias não é uma opção, e sim o único meio possível de acesso satisfatório aos autos e, sobretudo, porque o valor desta taxa é, até para os olhos menos instruídos e mais compreensivos, uma aberração aparente. A obtenção de cópia de qualquer documento dos autos está, necessariamente, condicionada ao pagamento de um valor que corresponde a aproximadamente 3000%(três mil por cento) do valor médio de uma cópia na cidade de Salvador, variando este entre R$0,08(oito centavos) e R$0,15(quinze centavos). Preconiza Hugo de Brito Machado, sintetizando os arts. 145, II, da Constituição Federal e 77 do Código Tributário Nacional, que “Taxa, em síntese, é espécie de tributo cujo fato de gerador é o exercício do regular poder de polícia, ou o serviço público, prestado ou posto à disposição do contribuinte.” [12] Temos, portanto, que a taxa, na qualidade de espécie do gênero tributo, deve ter o seu valor arbitrado sob a luz de uma série de princípios jurídicos, tanto de natureza geral, quanto de natureza específica de Direito Tributário, positivados através da Constituição Federal e de todo o ordenamento infraconstitucional. Sendo assim, conclui-se que também no arbitramento do valor das taxas deve ser verificada a incidência do princípio da razoabilidade, ficando tal fato evidente a partir da análise do princípio específico que proíbe a utilização do tributo com efeito de confisco, garantido pelo inciso IV do art. 150, da Constituição Federal. Através da análise do referido preceito nota-se que o legislador constituinte, ao proibir que determinado tributo fosse arbitrado em valor tal, que significasse a apropriação do bem sobre o qual se refere, positivou, também em relação aos tributos, a incidência do principio da razoabilidade. Dito isto, não seria nenhum absurdo afirmar que, considerado o sistema constitucional, o princípio da razoabilidade deva ser atendido também no que se refere ao valor das taxas de serviço, a partir de uma interpretação analógica do já referido art.150, IV da lei maior, ainda que estas não representem, necessariamente, a apropriação de determinado bem pelo Estado.   Ademais, a Constituição Federal determina, ainda, em seu art.145, § 2º, que “as taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos”, deixando claro que, na medida em que o fato gerador dos impostos é a vida do contribuinte, e o das taxas é a atividade estatal específica; o arbitramento destas não pode, em nenhuma hipótese, se aproximar do arbitramento daqueles. É possível depreender, ainda deste artigo, que era intenção do legislador constituinte que o valor das taxas fosse, ao menos, próximo ao valor de mercado da atividade pela qual se cobra.  Hugo de Brito Machado corrobora este entendimento ao lecionar que: “A ausência de critério para demonstrar, com exatidão, a correspondência entre o valor da maioria das taxas e o custo da atividade estatal que lhes constitui fato gerador não invalida o entendimento pelo qual o valor dessa espécie tributária há de ser determinado, ainda que por aproximação, e com uma certa margem de arbítrio, tendo-se em vista o custo da atividade estatal à qual se vincula. A não ser assim a taxa poderia terminar sendo verdadeiro imposto, na medida e que seu valor fosse muito superior a esse custo.” [13] Mais à frente, conclui que: “Nada justifica uma taxa cuja arrecadação total e determinado período ultrapasse significativamente o custo da atividade estatal que lhe permite existir”. [14] Desnecessário mencionar que o caso em tela não se enquadra na “certa margem de arbítrio” citada pelo mestre, muito menos se aproxima ao valor do custo da atividade, na medida em que, como foi dito, o valor de mercado de uma cópia chega a ser trinta vezes menor do que o valor consubstanciado na taxa da qual se trata, sendo que, naquele se incluem, ainda, custos de manutenção, impostos e lucro. Isto posto, há que se concluir que o valor referente à taxa de serviço de retirada de cópias nos autos de processos administrativos fiscais na Bahia, por ser absolutamente exorbitante e contrário à razoabilidade, afasta o contribuinte do acesso à sua defesa, na medida em que representa valor de monta estratosférica e, para muitos, completamente impagável. A título meramente ilustrativo, imagine-se que, em um processo administrativo fiscal, no qual os autos correspondam a dois volumes de duzentos e cinqüenta folhas cada, o valor a ser pago para obter cópia integral do processo seria igual a R$1.450,00(mil quatrocentos e cinqüenta reais).  A partir destes argumentos, não se chega a outra conclusão, senão a de que o valor da taxa sobre a qual se refere este artigo representa um elemento teratológico, uma aberração jurídica de proporções tais, que fere princípios norteadores do Direito Público. 3. DA NÃO CONFORMIDADE AO PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO PELA ADMINISTRAÇÃO Por mais desnecessário que seja tecer mais qualquer argumento acerca da impropriedade dos fatos de que trata o presente artigo, há que se tecer algumas considerações acerca do desencontro dos referidos fatos em relação ao princípio da indisponibilidade do interesse público pela administração. Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que: “A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público -, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa na tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis” [15] Mais adiante, afirma: “Outrossim, a noção de interesse público, tal como a expusemos, impede que se incida no equívoco muito grave de supor que o interesse público é exclusivamente um interesse do Estado, engano, este, que faz resvalar fácil e naturalmente para a concepção simplista e perigosa de identificá-lo como quaisquer interesses da entidade que representa o todo(isto é, o Estado e demais pessoas de Direito Público interno).” [16] A partir daí, passa a diferenciar os chamados interesses públicos primários e secundários, qualificando o primário como interesse público propriamente dito, isto é, o que deve ser atendido pelo Estado; e o secundário como interesse exclusivo do ente estatal, desqualificando-o, por fim, da natureza de interesse público. Não há como se olvidar de que as restrições de acesso ao processo administrativo fiscal, ora tratadas, sobretudo a que arbitra valor exorbitante para a taxa de serviço para obtenção de cópias dos autos, enquanto elementos comuns à administração pública; devem ser avaliadas sobre o prisma do princípio da indisponibilidade do interesse público pela administração. Ou seja, há que ser avaliado se o interesse embutido no ato é, de fato, interesse público primário, eu se trata-se de interesse puramente secundário. Não é necessário desenvolver argumentos sofisticados para demonstrar que, quando a lei estabelece restrições de acesso aos autos de processos administrativos fiscais, e quando o decreto executivo estabelece valor exorbitante para a taxa de obtenção de cópia, estamos diante de um flagrante interesse secundário do ente federativo em questão. Já demonstramos que, na prática, diante das restrições legais, o contribuinte é obrigado a obter cópias de documentos dos autos, caso deseje confeccionar uma defesa satisfatória; demonstramos, também, que o valor da taxa encontra-se completamente desconforme ao ordenamento jurídico nacional e ao bom senso. Cite-se, outrossim, que tal fato contribui, decisivamente, para o esvaziamento da eficácia do instituto jurídico do processo administrativo, extraindo do universo jurídico brasileiro um sofisticado instrumento de acesso à uma justiça célere, e de diminuição das abarrotadas pautas do Poder Judiciário. Diante de toda a argumentação até aqui escandida, não é possível chegar-se a outra conclusão que não a de que tais restrições não correspondem a um interesse público primário, na medida em que os direitos fundamentais da ampla defesa e do devido processo legal são, também, interesses da coletividade. Observando que tais garantias estão sendo cerceadas pela proibição de vistas fora da repartição pública e, mais ainda, pela cobrança de valores teratológicos para a obtenção de cópias de documentos constantes nos processos administrativos fiscais em referência; conclui-se que este processo afastou-se do objetivo de persecução do interesse público e, por conseguinte a administração afastou-se do princípio da indisponibilidade do interesse público pela administração, caracterizador do regime de Direito Administrativo. Tal afastamento gera, necessariamente, a nulidade do ato administrativo em questão, no caso o processo administrativo fiscal, em conformidade com o que leciona o exaustivamente citado Professor Celso Antonio Bandeira de Mello: “Ninguém duvida da importância da noção jurídica de interesse público. Se fosse necessário referir algo para encarecer-lhe o relevo, bastaria mencionar que, como acentuam os estudiosos, qualquer ato administrativo que dele se desencontre será necessariamente inválido.” [17] Considerando que, ainda que seja exorbitante o valor a taxa de serviço de obtenção de cópias, não é possível afirmar que o referido tributo chegue a ter efeito fiscal; impõe-se a conclusão de que o interesse secundário que irrompe da presente situação, decorre da sanha arrecadadora do Estado, que não reconhece a lei ou qualquer principio ético. Consubstanciando-se, tal interesse, através da tentativa flagrante de afastar a possibilidade de defesa do contribuinte na esfera administrativa de apuração do crédito tributário; com o objetivo único de que o Estado obtenha, no menor período de tempo possível, o tão esperado título executivo, e se valha de todas as vantagens proporcionadas pela lei de execuções fiscais. (Lei 6.830/1980) 4. DA POSSIBILIDADE DE CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE A partir, sobretudo, do cerceamento das garantias fundamentais já citadas, temos que o meio mais eficaz de ataque aos elementos geradores da problemática abordada, quais sejam, o art. 123-A do Código Tributário da Bahia e os decretos 7.629/1999 e 10.190/2006, já mencionados, é o controle de constitucionalidade destes, enquanto atos normativos que são. Tal controle pode ser dar tanto pela via difusa, quanto pela via concentrada. 4.1. DO CONROLE DIFUSO A partir do controle difuso de constitucionalidade, vislumbra-se a possibilidade da interposição de algumas ações, eminentemente constitucionais, nas quais deveriam ser suscitadas questões prejudiciais de constitucionalidade; desafiando, portanto, o controle, por parte do poder público, através da via incidental. Para tal intento, deveriam ser atacados os decretos em referência, e seriam adequadas: a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de segurança, devendo, qualquer uma destas, ser interposta perante o Tribunal de Justiça da Bahia, tendo em vista a prerrogativa de foro da Autoridade que emanou os atos normativos, no caso, o Governador do Estado. Qualquer uma destas ações deveria suscitar, como questão prejudicial, a inconstitucionalidade dos decretos 7.629/1999 e 10.190/2006, em face do art. 105, inciso V, da Constituição do Estado da Bahia, na medida em que os mesmos exorbitam a competência prevista pelo referido artigo ao inovarem a ordem jurídica estabelecendo taxa para a obtenção de cópias de documentos acostados aos autos de processos administrativos fiscais, quando a mesma não só não era prevista, como era vedada pelo Código Tributário do Estado da Bahia. A Ação Popular teria como objeto a defesa contra fato lesivo à moralidade administrativa e deveria ser proposta por qualquer cidadão, que atuará no processo como substituto da coletividade. Já em relação à Ação Civil Pública, temos que o objeto será a defesa do interesse difuso consubstanciado no acesso à justiça administrativa; tendo como questão prejudicial a mesma da Ação Popular já descrita. Diferenciando-se, desta, no entanto, em relação ao pólo ativo, no qual deverá figurar o Ministério Público, atuando através de sua prerrogativa de defensor da sociedade. A decisão que julgar qualquer uma das ações terá eficácia erga-omnes, tendo em vista que, ainda que se trate de ações subjetivas, o pólo ativo é, em verdade, a própria coletividade, pelo que se justifica tal efeito. Quanto ao Mandado de segurança, vislumbra-se a possibilidade de interposição por qualquer contribuinte ao qual seja negada a obtenção gratuita de cópias de processos administrativos fiscais em que figure como parte. Contudo, no mandado de segurança, a decisão que reconhecer a inconstitucionalidade restringirá os efeitos da decisão às partes integrantes da lide, quais sejam, contribuinte e questão e a Fazenda Pública Estadual. Ressalte-se que tal relação é meramente demonstrativa, não sendo excluída a possibilidade de controle difuso de constitucionalidade dos presentes decretos através de outros instrumentos processuais. 4.2. DO CONTROLE CONCENTRADO Quanto ao controle concentrado de constitucionalidade, este poderia ser provocado através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta por um de seus legitimados legais, na qual seria alegada a inconstitucionalidade dos decretos e relação aos já citados dispositivos da Constituição Federal. Tais ações objetivas seriam processadas perante o Supremo Tribunal Federal, considerado o fato de que a Constituição Baiana não absorveu em seu texto, ao menos explicitamente, as garantias fundamentais em tela(ampla defesa e contraditório); restando como parâmetro único de controle a Constituição Federal e afastando, por conseguinte, a competência do Tribunal de Justiça. 4. CONCLUSÃO Considerada a argumentação construída, bem como analisados os fundamentos legais e doutrinários trazidos à baila; conclui-se que a exigência de um procedimento ilegal e descabido, direcionado à vista dos autos de processos administrativos fiscais no estado da Bahia, bem como a cobrança de uma taxa de serviço de valor teratológico para a obtenção de cópias dos mesmos; representa um elemento de desestabilização da ordem jurídica, da dinâmica social e, conseqüentemente, do próprio Estado de Direito; devendo, portanto, serem expurgados da existência jurídica os elementos geradores de tal situação. A inadequação técnica dos dispositivos apresentados demonstra, de forma clara e inquestionável, que o respeito aos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, à idéia de estado democrático de direito e à própria lógica jurídica, foram, simplesmente, ignorados pelos agentes do poder que detiveram o controle do estado da Bahia nas ultimas décadas. Não houve, sequer, um mínimo esforço em esconder o flagrante interesse secundário e inconstitucional que anima os dispositivos sobre os quais se tratou.
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Mandado de segurança preventivo e mandado de segurança contra lei em tese
O Artigo em epígrafe trata da figura do mandado de segurança e demonstra além do conceito propriamente dito, os requisitos e características dessa modalidade constitucional. Refere-se, à impetração do mandado de segurança de forma preventiva, mais especificamente em matéria tributária, se destinado assim a evitar lesão ao direito, já existente ou em vias de surgimento. Aborda, também, o prazo decadencial dessa ação tributária por excelência, ilustrando o entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça com decisões. Por fim, suscita a impossibilidade de impetração de mandado de segurança contra lei em tese, haja vista a situação de fato não ter se configurado. Tal assertiva é comprovada com a doutrina majoritária, bem como com decisões dos nossos tribunais, estando a matéria, inclusive, sumula no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Tanto para se configurar que o lançamento, quanto para o contribuinte ter seu direito de questionar a respeito da exigência de um tributo na justiça, precisa-se passar ou por um processo administrativo, ou por um processo judicial tributário. Após, a elaboração do ato administrativo de lançamento, o contribuinte deve ser notificado para pagar o montante do crédito tributário apurado. Caso contrário, se o contribuinte considerar indevido, pode oferecer impugnação ao lançamento, produzindo provas, com a finalidade de obter julgamento por parte de uma autoridade da administração fazendária. Nesse ponto, verifica-se um processo administrativo, através do qual é realizado o controle da legalidade do lançamento. Não obstante o lançamento tenha sido discutido em fase administrativa, consoante se citou acima, muitas vezes, o sujeito passivo da obrigação tributária, inconformado com a imposição de certa penalidade ou com a exigência do tributo, recorre ao processo judicial com o fito de se operar o controle da legalidade dos atos da Administração Tributária pelo Poder Judiciário. No rol de ações judiciais que o contribuinte pode apresentar, está o mandado de segurança, que é uma garantia constitucional do cidadão contra o Poder Público. Está previsto no art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal e regulado pela Lei nº 1.533, de 31.12.1951. O mandado de segurança é tido por muitos como “ação tributária por excelência”, haja vista servir como instrumento de proteção dos particulares em face dos possíveis abusos praticados pelo Poder Público. Desta feita, a vocação constitucional deste writ, transforma-se no principal instrumento judicial de proteção aos cidadãos diante do exercício da função fiscal. O processo judicial tributário regula-se pelo Código de Processo Civil, salvo no que diz  respeito à execução e à cautelar fiscais. No que se refere ao processo de conhecimento, este é de autoria exclusiva do contribuinte, haja vista no processo administrativo ser sempre de autoria do fisco, não havendo, assim, motivo plausível para este recorrer ao judiciário. Pretende-se, em especial, esclarecer a impetração do mandado de segurança de forma preventiva – mais especificamente em matéria tributária – suas características, bem como deve ser feita uma discussão quanto à aplicabilidade ou não desse remédio constitucional contra a lei em tese, analisando, dessa forma, as repercussões processuais. O estudo do assunto acarretará conhecimentos referentes à doutrina atualizada e majoritária, de maneira a serem elucidados questionamentos oriundos da utilização do mandado de segurança. Assim, busca-se oferecer maiores explicações acerca da temática, corroborando com a tendência do direito pátrio o qual se preocupa em fornecer aos jurisdicionados a efetiva prestação jurisdicional, sem que tal acarrete ilegalidades ou inconstitucionalidades. Este trabalho fundamenta-se em doutrinas atualizadas e julgados de nossos tribunais relacionados ao tema, sendo instruído a partir de referências teóricas, explorando a literatura já publicada em suas mais diversas formas (livros, artigos, revistas), compreendendo, inclusive, material disponibilizado na rede mundial de computadores, eetratando, assim, uma pesquisa bibliográfica. Segundo essa abordagem, por refletir um caráter subjetivo, de opiniões, buscando uma ampliação do saber científico, em que se vislumbra uma maior compreensão das ações e relações humanas, dos fenômenos sociais, sem preocupação com números, médias e estatísticas, é uma pesquisa qualitativa. No que concerne à utilização dos resultados, é pura, pois tem por fim ampliar o saber. Quanto aos objetivos, o processo investigatório reflete um aperfeiçoamento de concepções, almejando adquirir mais instruções e dados relacionados ao tema, sendo, dessa forma, essencialmente exploratória, com alguns retoques do estilo descritivo. Esse artigo tem a finalidade de aprimorar e embasar melhor a aplicabilidade do mandado de segurança preventivo em matéria tributária, abordando as suas repercussões práticas em face da utilização pelos contribuintes. 1. MANDADO DE SEGURANÇA. REQUISITOS E CARACTERÍSTICAS Mandado é um termo originado do latim mandatum ou mandatus que significa uma ordem ou determinação, já o termo Segurança tem o sentido de estado em que se encontra o seu perigo, sem dano ou incerteza, proporcionando uma carência de transtorno ou remoção de suas causas. Portanto, Mandado de Segurança é uma ação utilizada adequadamente para corrigir as ilegalidades ou abusos cometidos pelos órgãos estatais ou àqueles em função do Poder Público. O mandado de segurança é uma das garantias que a Constituição Federal assegura aos indivíduos para proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade. Está previsto no artigo 5º, inciso LXIX, in verbis: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (omissis) LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;” Segundo Meirelles (2004, p. 21-22), mandado de segurança: “[…] é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.” As peculiaridades na estrutura dessa ação antiexaciona tributária também, favorecem seu manejo na órbita fiscal, uma vez que seus requisitos e seu trâmite se ajustam com precisão às necessidades da lide tributária que, freqüentemente, envolve proteção a direito líquido e certo, sob forma de proteção a legalidade e a outros princípios de raiz constitucional. (MRINS, 2003, p. 451) Machado (2002, p. 403), definiu direito liquido e certo como sendo aquele cuja demonstração independe de prova. Complementa dizendo que todo direito resulta da incidência de uma norma. Para que o direito seja líquido e certo basta que o fato do qual resulta seja incontroverso, ou seja, quando o exame de sua existência não suscita questões de fato e sim de direito.  Ressalte-se que a controvérsia quanto à norma não lhe retira a liquidez e certeza. Frise-se ainda, que direito líquido e certo não é o direito indiscutível ou incontestável. Aliás, não existe direito com tais qualidades, uma vez que as palavras contidas nas normas podem ter vários significados e interpretações diversas. James Marins (2003, p. 462), enquadra a norma relativa ao mandado de segurança (art. 5º, LXIX) como sendo de eficácia absoluta plena, por quatro razões, quais sejam: “(1) a norma veicula uma garantia individual, o que a torna insuscetível de alteração, quer por via de emenda ou reforma constitucional; (2) não contém em sua substância elemento de “vaguedad” (conceitos éticos ou terminologia imprecisa ou equívoca) que pudesse exigir norma infraconstitucional integrativa; (3) não remete expressamente sua regulamentação à lei ordinária complementar; (4) tem aplicabilidade imediata não só porque se trata de cláusula pétrea, mas também por força do §1º do art. 5º da Constituição Federal.” Constitui, também, requisito fundamental para o cabimento do mandado de segurança ser a lesão, ou ameaça de lesão a direito, fruto de ato de autoridade, haja vista ser o mandado de segurança uma garantia contra o Estado. Contudo como o tributo é cobrado por ato de autoridade, a análise deste pressuposto não se faz necessária. Por oportuno, é importante fazer a distinção entre ameaça e lesão a direito. A ameaça apenas gera o justo receio de lesão. Ela não é em si mesmo e desde logo uma lesão. E por esse motivo é que se fala em impetração preventiva, que só é possível em face do justo receio gerado pela ameaça, e tem por finalidade evitar a lesão ao direito do impetrante. Admitir-se que a impetração pode dar-se diante da ameaça, não quer dizer que esta seja o ato impugnado, ou ato coator, mas que a ameaça é geradora a partir do justo receio. Como assevera Lucia Valle Figueiredo (1996) basta que haja o justo receio de que o ato venha a acontecer para termos a possibilidade de impetração do mandado de segurança. No inciso LXIX do artigo 5º da CF, pode-se, desse modo, vislumbrar duas modalidades de mandado de segurança, seja ela preventiva, quando há uma ameaça de direito líquido e certo, como foi referido supra, ou repressiva, no caso de uma ilegalidade já cometida. O mandado de segurança repressivo dirige-se contra ato já praticado pela autoridade coatora e tem por finalidade evitar que seus efeitos atinjam irremediavelmente a esfera jurídica do particular. Em matéria tributária, a Administração pratica atos de diversas ordens que interferem no plano jurídico do contribuinte, especialmente o ato de lançamento e o ato de aplicação de penalidades (multas e juros moratórios) ou mesmo atos praticados no curso do procedimento de fiscalização tributária. Se houver prática de ato ilegal, de lançamento ou de aplicação de penalidade (auto de infração), e não mais havendo possibilidade de impugnação administrativa, pode o contribuinte lançar mão do mandado de segurança visando reprimir os efeitos do ato praticado, de modo a que não produza efeitos lesivos.( MARINS, 2003. p.468) Destaque-se que, em ambos os casos são necessárias a indicação do objeto e a comprovação da iminência da lesão a direito subjetivo do impetrante. Não basta a invocação genérica de uma remota possibilidade de ofensa a direito para autorizar a segurança preventiva; exigi-se prova da existência de atos ou situações atuais que evidenciam a ameaça temida. (MEIRLLES, 2004, p. 98) O § 1º do art. 1º da Lei 1.533/51, por sua vez, procura conceituar o termo “autoridade”: “Consideram-se autoridades, para efeitos desta lei, os representantes ou órgãos dos partidos políticos e os representantes ou administradores das entidades autárquicas e das pessoas naturais ou jurídicas com funções delegadas do poder público, somente no que entender com essas funções”. Ressalte-se que não pode ser autoridade coatora aquela que edita norma geral e abstrata, mas sim, a executa ou manda executar o ato concreto causador da insatisfação do impetrante, como já preceituou o Superior Tribunal de Justiça, em julgado de lavra do Ministro Hélio Mosimann: “Sendo o ato impugnado mero lançamento tributário, a autoridade que diretamente pratica aquele ato, considerando lesivo a direito do contribuinte, é que deve responder ao mandado de segurança. O Secretário que expediu resolução de caráter genérico e abstrato é a parte legítima.”(MARINS, 2003, p. 470) 2 MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO PREVENTIVA É o art. 1º da Lei 1.533/51 que literalmente dispõe sobre a possibilidade da impetração preventiva de um mandamus sempre que houver o “justo receio” da perpetração dos atos ilegais e abusivos por parte da autoridade, seja de qual categoria for, ou seja, quais forem as categorias que exerçam. Alvim (1998, p. 134) sustenta que: “[…] a ausência de previsão expressa constitucional, todavia, não significa que o mandado de segurança preventivo não contenha fundamento de validade na Carta Magma; ao contrário, salienta que, “o art. 5º, inc. XXXV, da CF, que garante o amplo acesso ao judiciário em caso de lesão ou ameaça de lesão, permite conferir ao mandado de segurança preventivo dignidade constitucional.” Em complemento, Machado (2004, p.73) discorreu sobre o assunto, afirmando: “[…] para ensejar a impetração preventiva, portanto, não é necessário que esteja consumada a situação de fato sobre a qual incide a lei questionada. Basta que tal situação esteja acontecendo, ou seja, tenha tido iniciada a sua formação. Ou pelo menos que esteja concretizados fatos dos quais logicamente decorre o fato gerador do direito cuja lesão é temida.” Ademais, o parágrafo único do artigo 142 do Código Tributário Nacional estabelece que “a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”.  Todavia, a autoridade administrativa tendo o conhecimento da ocorrência de um fato tributável, não pode deixar de fazer o lançamento. Assim, uma lei que cria ou majora um tributo, desde que ocorrida a situação de fato sobre a qual incide, ou seja, o fato gerador, possibilitando a sua cobrança, desde logo, a autoridade está obrigada a exigir o tributo, e a impor penalidades aos inadimplentes. Nesta linha de raciocínio o Superior Tribunal de Justiça rege que a lei instituidora de tributo que o contribuinte considere inexigível constitui ameaça suficiente para a impetração de mandado de segurança preventivo, na medida em que deve ser obrigatoriamente aplicada pela autoridade fazendária (CTN, artigo 142, parágrafo único). Já a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça invoca que editada uma lei mudando critérios de incidência de tributo em contribuição social, é de se presumir que os agentes arrecadadores irão executá-los. Em tal hipótese, cabe mandado de segurança preventivo contra o agente arrecadador – tanto mais, quando tal agente manifesta nas informações o propósito de efetuar a cobrança malsinada. A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça traz na mesma linha de entendimento, ficando decidido que a lei instituidora de tributo que o contribuinte considere inexigível constitui ameaça suficiente para a impetração do mandado de segurança preventivo, na medida em que deve ser obrigatoriamente aplicada pela autoridade fazendária. A edição de norma com a ausência de validade jurídica, na qual lei inconstitucional ou norma inferior, ilegal, que caiba à autoridade administrativa tributária aplicá-la, enquadra-se na ameaça de prática de ato abusivo.  Corroborando com os questionamentos ora esposado, os acórdãos do TRF da 3a Região, decidiram nos seguintes termos: “o mandado de segurança preventivo, junto com as cautelares, é o mais eficaz instrumento de distribuição de justiça, posto que prevenir é melhor que recompor. Nenhuma lesão é completamente reparada ou recomposta. É ilegal o provimento jurisdicional que extingue Mandado de Segurança Preventivo à míngua de ato coator, pois a decisão que poderia ser tomada dirigir-se-ia ao impedimento da efetivação de atos acoimados de ilegítimos, prestes a ocorrer. Caracterizado o periculum in mora, porquanto em não satisfazendo a imposição, a postulante se oferece como inadimplente, ficando sujeita às sanções daí decorrentes. Segurança concedida, para o fim de assegurar o regular procedimento do writ aforado em primeiro grau”. ( STJ, 2a Turma. RESP 105250 / CE. Rel. Ministro Ari Pargendler. Julgado em 16/03/1999. DJ 14.02.2000 p. 23). (grifos do autor) “APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – PROCESSUAL CIVIL – INDEFERIMENTO LIMINAR NA PETIÇÃO INICIAL – IMPETRAÇÃO DE CONTEÚDO NORMATIVO – INOCORRÊNCIA – CARÁTER PREVENTIVO – JUSTO RECEIO DE LANÇAMENTO DO TRIBUTO DISCUTIDO – 1 – A impetração apresenta nítido caráter preventivo. Não se trata de simples impugnação de ato normativo em tese, pois o que pretendia a parte com a impetração era que não fosse cobrado pela Receita Federal o crédito tributário relativo à contribuição ao PIS, incidente sobre o montante do faturamento, em virtude do seu alegado direito de afastar a incidência da legislação estadual do ICMS, que determina o recolhimento do imposto na fonte e conseqüentemente a sua inclusão no montante do faturamento da empresa. 2 – Estando presentes os requisitos que caracterizem o justo receio de ver aplicada a legislação em seu desfavor, é cabível a utilização do mandado de segurança, visando à preservação do direito do impetrante de não pagar uma exigência que entende eivada de ilegalidade. 3 – Inaplicável o indeferimento liminar da petição inicial por motivo de inexistência de ato ou ameaça concreta de ato ilegal ou abusivo, pois busca a impetrante evitar ato futuro da autoridade administrativa, consistente na atividade fiscal de lançamento, visto estar o contribuinte sujeito às exigências que impugna. 4 – Tendo em vista a sentença de extinção do feito sem a notificação da autoridade para prestar informações, não se aplica, ao caso, o disposto no § 3º do art. 515 do CPC, com a redação dada pela Lei nº 10.352/01, pois o presente writ não está em condições de imediato julgamento. 5 – Apelação a que se dá provimento. Sentença anulada”. (TRF 3ª R. – AMS 91.03.007727-6 – (41732) – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Lazarano Neto – DJU 23.09.2005 – p. 504) JCPC.515 JCPC.515.3 Em síntese e em geral, o mandado de segurança é preventivo quando, já existe ou em vias de surgimento a situação de fato que ensejaria a prática do ato considerado ilegal, tal ato ainda não tenha praticado, existindo apenas o justo receio que venha a ser praticado pela autoridade impetrada. É preventivo porque destinado a evitar a lesão ao direito, já existente ou em vias de surgimento, mas pressupõe a existência de situação concreta na qual o impetrante afirma resistir ou dela recorrer o seu direito cuja proteção, contra a ameaça de lesão, está a reclamar do judiciário.(MACHADO, 2002, p. 230-231) É importante destacar que nem sempre o entendimento foi esse, por oportuno defendido.  Por algum tempo, confundiu-se o mandado de segurança contra lei em tese com o mandado de segurança preventivo. Entendia-se que todo aquele que se considerasse ameaçado de futura aplicação de lei, poderia comparecer a juízo. A decisão que abaixo se transcreveu, ainda guarda o entendimento da possibilidade de impetração de mandando de segurança contra lei em tese, o que, sem sombra de dúvidas, é uma tese contrária a que, atualmente, é adotada:    “PROCESSUAL CIVIL – INTERESSE – ADVOGADO – DESTRUIÇÃO DE AUTOS – MANDADO DE SEGURANÇA – LEI TEM TESE. Existindo ato de execução, é cabível a impetração de mandado de segurança visando à sua impugnação. O advogado tem interesse justificador do ajuizamento de ação, objetivando a conservação de processos já findos. Recurso provido” (Resp 1998/0075417-2 – SP – 1ºT –  Rel. Min. Garcia Viera– DJU 12.02.2001 – p. 93. Embora essa tese inicialmente acolhida, a mesma foi combatida pela doutrina e, finalmente, superada e pacificada perante os Tribunais. 2.1 Prazo de 120 dias. Impetração Preventiva. Decadência e a Jurisprudência do STJ A Lei nº 1.533/51, em seu artigo 18, dispõe que: “O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos cento e vinte dias, contatos da ciência, pelo interessado, do ato impugnado”. Cumpre de logo fixar a idéia de que o prazo de 120 dias que se refere o artigo que se citou acima é decadencial, uma vez que se atinge mortalmente o próprio direito de se obter sumariamente o reconhecimento de direito líquido e certo ameaçado ou violado por autoridade pública ou agente que pratique ato por delegação do Poder Público. Sendo assim, a decisão que reconhece a decadência é de mérito, fazendo coisa julgada material, a impedir que o contribuinte desfrute do direito de obter tutela específica de não concretização do ato ilegal ou abuso de poder. Essa premissa é fundamental não somente para a compreensão da natureza jurídica do prazo de 120 dias, como sendo decadencial, mas para o desenvolvimento do raciocínio lógico no tocante à aplicabilidade ou não de referido prazo em cuidando de mandado de segurança preventivo.(CAVALCANTE, 2002, p. 80-86) Surge então, o questionamento seguinte: como o mandado de segurança preventivo encontra-se subordinado ao prazo decadencial de 120 dias? A resposta é simples, haja vista o mandado de segurança quando em sua modalidade preventiva funciona como sucedâneo de uma ação declaratória, inexistindo, assim, ato administrativo específico a suspender, uma vez que a impetração se antecede ao próprio lançamento fiscal. Em regra, não se há de falar em prazo, quer se entenda cabível a impetração preventiva, quer se entenda que se trata de norma com efeito concretos, a impetração é sempre cabível, independentemente de prazo. Surge desse modo, a peculiaridade do relevante papel desempenhado pela sentença proferida de uma ação manda mental tributária de cunho preventivo: a sentença cumprirá função meramente declaratória! Dessa forma, por não haver ato a ser impugnado, inexiste termo a quo de contagem de 120 dias em mandado de segurança preventivo. A referida conclusão, por mais óbvia que possa parecer, tem sua razão de ser, pois se o mandado é preventivo, é porque ainda não se confirmou a lesão a qual o contribuinte tem o “justo receio” que seja perpetrada. Se, porventura, foi consumada tal lesão, será o caso de impetração repressiva, e, logicamente, subordinada ao prazo de 120 dias, contados da ciência do ato impugnado. O “justo receio” do contribuinte reside no ato administrativo do lançamento, pois, diante do seu caráter vinculado e obrigatório, desde logo incidindo os efeitos de norma jurídico-tributária de incidência, esmaece a inflexão da denominada lei em tese (Súmula nº 266 do STF).(TAVARES, 2001, p. 180) Assim, enquanto não constituído o crédito tributário emergente de exação, prevista em lei, inquinada de inconstitucionalidade ou ilegal pelo contribuinte, a lesão temida encontrar-se-é sempre presente, em um renovar constante, cuja conseqüência lógica é o impedimento da marcha do prazo decadencial. Neste sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça, vide decisões abaixo: “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – ICMS – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA RECOLHIMENTO A MAIOR – MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO – CABIMENTO – DECADÊNCIA – AFASTAMENTO – VIOLAÇÃO DO ART. 1° DA LEI Nº 1.533/51 – SÚMULA Nº 7/STJ – 1. Cuidando-se de mandado de segurança preventivo, não há por que falar em decadência do direito pleiteado. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou-se no sentido de que a violação do art. 1° da Lei nº 1.533/51, referente aos pressupostos legais de liquidez e certeza do direito para a concessão da segurança, conduz ao exame de matéria fático-probatória, o que é inviável em sede de Recurso Especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. 3. "O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária" (Súmula nº 213/STJ). 4. Recurso Especial conhecido e improvido.” (STJ – RESP 199900595270 – (222034) – SP – 2ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJU 01.07.2005 – p. 00458) (grifos nossos) “PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO À COMPENSAÇÃO – CARÁTER PREVENTIVO – PRAZO DECADENCIAL – ART. 18, DA LEI 1533/51 – INAPLICABILIDADE – 1. O mandado de segurança que objetiva o reconhecimento do direito à compensação tributária, bem como evitar eventual atuação do fisco, revela feição eminentemente preventiva, posto que não se volta contra lesão de direito já concretizada, razão pela qual não se aplica o prazo decadencial de 120 dias previsto no art. 18, da Lei 1.533/51. 2. Precedentes jurisprudenciais desta Corte: ERESP 512.006/MG, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ de DJ 17.09.2004; AGA 575336/SP, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ de 07.06.2004; RESP 291.720/ES, Relatora Ministra Denise Arruda, DJ de 04.08.2004; AGA 491.591/TO, Relator Ministro José Delgado, DJU de 17.5.2004 e AGA 563.305/RJ, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 03.05.2004. 3. Recurso Especial desprovido, para manter o acórdão recorrido que anulou a sentença de 1º Grau, determinando o prosseguimento no julgamento do feito”. (STJ – RESP 200401014710 – (676144) – RJ – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – DJU 27.06.2005 – p. 00253) JLMS.18 (grifos nossos) Tavares (2004) discorreu ainda sobre o assunto afirmando que se é certo que o mandado de segurança preventivo é tipicamente aplicável aos casos dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, não menos verdadeiro é afirmar que, de modo geral, subsiste às custas de obrigação tributárias de trato sucessivo. Isto posto, estando o mandado de segurança preventivo relacionado à corrente de prestações de trato sucessivo, como geralmente ocorre com os tributos autoliquidáveis, o termo a quo da contagem do prazo decadencial do direito de se requerer, encontra-se intrinsecamente relacionado com exigência do pagamento de cada uma das prestações. Ou seja, a exigência de cada prestação configura uma nova ação e autônoma lesão ao patrimônio jurídico do contribuinte, reabrindo-se, consequentemente, uma nova contagem, a qual nunca alcançaria os 120 dias. O mandado de segurança preventivo não é impetrado contra lei em tese e sim contra os efeitos que a norma jurídica possa vir a produzir. Desse modo, enquanto houver possibilidade de existir tais efeitos, é manejável o instrumento preventivo. Noutro giro, um dos fundamentos mais freqüentes nas decisões denegatórias de mandando de segurança é o seu não-cabimento contra lei em tese, como se verá, por conseguinte. 3 MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA LEI EM TESE. NÃO CABIMENTO Um dos fundamentos que mais se observa nas decisões denegatórias de mandado de segurança, certamente é o seu não cabimento contra a lei em tese. Sobre o tema, discorreu Castro Nunes (1967, p. 205) que considera que contra o imposto apenas criado, antes de individualizado o contribuinte pelo lançamento ou por outras provas de expediente administrativo, não me parece cabível mandado de segurança, porque inadmissível contra lei em tese. Ressalte-se que a o não cabimento de mandado de segurança contra lei em tese é entendimento pacificado nos tribunais, estando a matéria inclusive sumulada perante o STF: “Súmula 266 – Não cabe mandado de segurança contra lei em tese” Contra lei em tese, a bem verdade, não cabe nenhum procedimento judicial, salvo apenas nas ações diretas perante o Supremo Tribunal Federal. Segundo decisões a seguir: “MANDADO DE SEGURANÇA – ICMS SOBRE HABILITAÇÃO – PRELIMINARES – ILEGITIMIDADE PASSIVA – IMPOSSIBILIDADE CONTRA LEI EM TESE – IMPOSSIBILIDADE DE PRODUZIR EFEITOS – AFASTAMENTO – AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DA AÇÃO – EXTINÇÃO 1SEM JULGAMENTO DO MÉRITO – Suscitadas as preliminares diversas com conteúdos que manifestamente se relacionam, devem ser analisadas e decididas em conjunto. O receio de ato tendente à cobrança de tributos decorrentes de Lei consubstancia situação que autoriza o manejo do mandado de segurança preventivo. Constatada que a pretensão é a declaração de inexistência de relação jurídico-tributária, o mandamus é via inadequada, impondo-se a extinção do feito sem julgamento do mérito em face da ausência de condição da ação”. (TJMS – MS 2004.010596-7/0000-00 – Capital – 1ª S.Cív. – Rel. Des. Paschoal Carmello Leandro – J. 01.08.2005) “MANDADO DE SEGURANÇA – MINISTRO DA DEFESA – ANISTIADOS – APLICAÇÃO DO REGIME – LEI EM TESE – SÚMULA 266/STF – DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO – Desenvolvem os impetrantes uma argumentação voltada contra Lei em tese, o que é inviável na seara mandamental – Súmula 266/STF. Direito líquido e certo não demonstrado. Impetração que não se conhece”. (STJ – MS 200401190180 – (9935 DF) – 3ª S. – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca – DJU 10.08.2005 – p. 00197) “PROCESSUAL CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA LEI EM TESE – AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE – IMPOSSIBILIDADE – UNÂNIME – Inexistindo na impetração qualquer referência à situação futura em que objetivamente possa vir a ser violado direito líquido e certo, não há como conceder mandado de segurança. Aplicação da Súmula nº 266 do STF, ainda mais quando o impetrante não juntou provas dos pressupostos indispensáveis à via estreita do mandamus. Improvimento do Apelo. Unânime”. (TJMA – AC 014017/2004 – (54043/2005) – São Luís – 3ª C.Cív. – Relª Desª Cleonice Silva Freire – J. 07.04.2005) É importante trazer a tona o que vem a ser “lei em tese”. Hugo de Brito Machado (2002, p.72) afirmou categoricamente que lei em tese só pode ser a lei que ainda não incidiu. Se a lei já incidiu, deu-se a sua concreção, já existem efeitos jurídicos dessa incidência e, portanto, cuida-se já de questionar o direito no caso concreto e não mais lei em tese. No mesmo sentido, diz-se que há impetração contra a lei em tese, se esta ocorre sem que esteja configurada a situação de fato em face da qual pode vir a ser praticado o ato tido como ilegal, contra a qual se pede a segurança. Diz-se ainda, que a impetração é dirigida contra lei em tese precisamente porque, inocorrente o suposto fático da lei questionada, esta ainda não incidiu, e por isso mesmo, não se pode falar em direito, no sentido de direito subjetivo, sabido que este resulta da incidência da lei. Contudo chama-se a atenção que pode ocorrer de uma norma ainda não haver incidido e, embora exista uma situação concreta que torna iminente a sua incidência, que virá a afetar um direito já em formação, ainda não foi aperfeiçoado. Faz-se necessário diferenciar a situação que inexiste qualquer fato capaz de formar, ou de iniciar a formação do direito, cuja lesão é temida pelo impetrante, ou seja, contra lei em tese, da situação na qual já ocorreu o suporte fático da norma, ou que já aconteceram fatos suficientes para indicar a formação daquele suporte. Ao dizer que não cabe mandado de segurança contra lei em tese, o que se busca é evitar impetrações que seriam apenas consultas ao Pode Judiciário, haja vista não estariam elas requerendo proteção para direitos subjetivos, mas orientação a respeito de um poder agir futuro. Como é do nosso conhecimento o Poder Judiciário não é um órgão de consulta jurídica, mas um órgão destinado a dirimir conflitos. Destaca-se, ainda, que quando for publicada uma lei inconstitucional e houver os encarregados de sua execução tomado providências para esse fim, todo aquele que tiver um direito “ameaçado por essas providências” poderá vir a juízo, através de mandado de segurança, impedir que se consume a lesão de seu direito.[1] A autoridade tida como coatora não será a que fez a lei, e sim a que tomou providências para que ela fosse executada, sendo essas providências tidas como ameaçadoras ao direito do impetrante. Entretanto, a lei deixa de ser em tese, no momento em que incide, ou seja, na situação em que ocorrem os fatos na mesma descritos, e, por isso, tem-se a possibilidade de sua aplicação. Então, não seria o ato de aplicar a lei, mas sim a ocorrência de seu suporte fático que viabiliza a lei a ser considerada no plano concreto. Portanto, há o mandado de segurança contra lei em tese quando não esteja configurada a situação de fato, não tendo caso concreto, em face do qual pode vir a ser praticado o ato tido como ilegal, contra o qual se pede a segurança para que não haja lesão de direito. Assim, não há que se falar em prestação jurisdicional contra lei que não incidiu, pelo fato de que a atividade judicande tem como característica o seu desenrolar em face de casos concretos.  CONCLUSÃO O mandado de segurança é uma das garantias previstas na Constituição Federal, a qual assegura aos indivíduos a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade. Portanto, quando há uma suposta cobrança de tributo indevido pode o contribuinte impetrar tal mecanismo. O mandado de segurança será preventivo para evitar a lesão de direito, tendo como pressuposto a existência da situação de fato que ensejaria a prática do ato tido como ilegal. Porém, esse ato ainda não foi praticado, por configurar o justo receio de que venha a ser efetivado pela autoridade administrativa tributária. Vale ressaltar, que no mandado de segurança preventivo não há prazo decadencial pelo fato de que não há ato impugnado, ou seja, não houve um direito lesionado, atingido. Presume-se que a autoridade da administração tributária realmente irá praticar o ato coator, aplicando a norma inválida, em virtude da natureza plenamente vinculada de sua atividade. Assim, o mandado de segurança vai garantir que a administração tributária aja de acordo com os lindes fixados pelo legislador, não acarretando em efeitos perversos da tributação, em decorrência de atos abusivos e ilegais. Destaca-se, por fim, que não cabe mandado de segurança contra lei em tese, uma vez que a situação de fato não se configurou, ou seja, não há caso concreto e, como dito, o Poder Judiciário é um órgão para dirimir conflitos e não de mera consulta.
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O ajuizamento da execução fiscal como marco interruptivo da prescrição
O presente artigo faz uma análise dos marcos interruptivos da prescrição tributária previstos no CTN, especificamente em seu artigo 174, aliando ao disposto no § 1º do artigo 219 do CPC, demonstrando que na realidade o próprio ajuizamento da execução fiscal já tem o condão de interromper a prescrição, colacionando ainda ementa de fundamentado acórdão relatado pelo Ministro Luiz Fux no julgamento do Resp 1.120.295/SP, submetido à sistemática dos recursos repetitivos prevista no art. 543-C do diploma processual civil, que analisa amplamente a questão.
Direito Tributário
1. Introdução A prescrição é um importante instituto que garante estabilidade às relações jurídicas, impedindo que uma determinada obrigação venha a ser exigida indefinidamente, fazendo com que o devedor não possa mais ser obrigado ao seu adimplemento, caso haja inércia por parte do credor por um determinado lapso de tempo. No campo do Direito Tributário este instituto ganha especial relevo, pois se apresenta como uma das hipóteses de extinção do crédito tributário previsto na seção IV, capítulo IV do Código Tributário Nacional. Assim, inobstante não estar expressamente previsto no art. 174 do CTN, o presente artigo visa demonstrar que o ajuizamento da execução fiscal tem o condão de interromper a prescrição, nos termos do que dispõe o art. 219, §1º do CPC, conforme veremos a seguir. 2. A prescrição no Direito Tributário A prescrição no Direito Civil é regulada pelos artigos 189 e seguintes do CC/02, tendo a característica de extinguir a pretensão, sobrevivendo, no entanto, a obrigação, que apesar de não poder mais ser exigida coercitivamente, poderá ser satisfeita espontaneamente pelo devedor. Já para o Direito Tributário a prescrição tem o condão de fulminar o próprio crédito, e não só a pretensão como no direito privado, eximindo o sujeito passivo da obrigação de pagar o tributo, o que possui consequências como a ressaltada pelo professor Hugo de Brito Machado[1]: “Se a prescrição atingisse apenas a ação para cobrança, mas não o próprio crédito tributário, a Fazenda Pública, embora sem ação para cobrar seus créditos depois de cinco anos de definitivamente constituídos, poderia recusar o fornecimento de certidões negativas aos respectivos sujeitos passivos. Mas como a prescrição extingue o crédito tributário, tal recusa obviamente não se justifica”. Assim, dada a importância que é atribuída ao instituto da prescrição no ramo do Direito Tributário, tendo o poder de extinguir o próprio crédito da Fazenda Pública, resta-nos analisar os seus marcos interruptivos, conforme veremos a seguir. 3. Marcos interruptivos da prescrição A prescrição começa a correr a partir da constituição definitiva do crédito tributário, o que se dá quando findo o procedimento administrativo de constituição, com julgamento de todas as impugnações e recursos, ou mesmo após a declaração do contribuinte, que tem o condão de constituir o crédito sem a necessidade de lançamento pela autoridade fiscal, sendo de cinco anos o prazo que a Fazenda Pública tem para cobrar o seu crédito. Tal prazo sofre a influência de determinados acontecimentos que tem o poder de suspender, ou mesmo interromper o curso do lapso prescricional, suspendendo a contagem no primeiro caso, ou recomeçando do zero no segundo. Valendo-nos das palavras de Leandro Paulsen[2] podemos distinguir suspensão de interrupção da seguinte forma: “Na suspensão, computa-se o prazo decorrido até o advento da causa suspensiva e, quando não mais persista, prossegue-se a contagem pelo que resta. Na interrupção, reinicia-se a contagem de todo o prazo, desprezando-se o período já decorrido”. Para o presente artigo nos ateremos aos marcos interruptivos da prescrição, aqueles que fazem com que o prazo prescricional recomece a ser contado do zero. O texto original do CTN elencava em seu art. 174 os marcos interruptivos da prescrição, eventos que uma vez verificados, faziam com que o lapso prescricional voltasse a correr por inteiro. Vejamos o texto primitivo: “Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe: I – pela citação pessoal feita ao devedor; II – pelo protesto judicial; III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.” Por ser o foco do nosso estudo, analisaremos a previsão do inciso I, que com o advento da Lei Complementar 118/2005 ganhou novo texto, permanecendo inalterados os demais, vejamos: “Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe: I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;” (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005) Assim, após a LC 118/2005, o despacho do juiz que ordena a citação em execução fiscal passou a ser o marco interruptivo da prescrição, não sendo mais necessária a efetiva citação pessoal do devedor. Mas ao analisarmos o texto acima, uma dúvida nos ocorre: se ajuizada a execução fiscal dentro do prazo prescricional, e o despacho determinando a citação do devedor vier a ser proferido depois de decorrido o lapso de tempo apto a ensejar a prescrição, esta realmente terá ocorrido? A resposta a este questionamento veremos no tópico seguinte. 3.1. O ajuizamento da execução fiscal como marco interruptivo da prescrição O instituto da prescrição no Direito Tributário, como visto, obriga a Fazenda Pública a promover a cobrança do seu crédito no prazo de cinco anos, contados da sua constituição definitiva, punindo eventual inércia do titular da ação com a extinção do seu direito creditório. Mas caso o Fisco venha a promover o ajuizamento da execução fiscal dentro do lustro prescricional, e o despacho que determina a citação seja proferido apenas depois de decorrido este prazo, isto não afetará o crédito tributário. Tal fato se deve à previsão do art. 1º da Lei de Execuções Fiscais – LEF (Lei 6.830/80) que estabelece a aplicação subsidiária do CPC ao seu procedimento. Por sua vez o diploma processual civil, em seu art. 219, §1º dispõe: “Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) § 1o A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.” (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) Nesse diapasão, o feito executivo ajuizado dentro do prazo prescricional tem o condão de interromper a prescrição já que a citação retroage à data da propositura da ação, nos termos do art. 219, §1º do CPC. Tal interrupção está condicionada à efetiva citação do devedor, mas já está consagrado na jurisprudência do STJ, por meio de sua súmula Nº 106, que a demora na citação por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição, o que representa dizer que se a exequente empreendeu todas as diligências para viabilizar a citação, mas esta demorou em virtude da morosidade do judiciário, ela não será prejudicada. Este entendimento é pacífico no âmbito do STJ, inclusive com julgamento em sede de recurso repetitivo, nos termos do art. 543-C do CPC, conforme ementa a seguir transcrita: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE O FISCO COBRAR JUDICIALMENTE O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO CONSTITUÍDO POR ATO DE FORMALIZAÇÃO PRATICADO PELO CONTRIBUINTE (IN CASU, DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS). PAGAMENTO DO TRIBUTO DECLARADO. INOCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA DECLARADA. PECULIARIDADE: DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS QUE NÃO PREVÊ DATA POSTERIOR DE VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL, UMA VEZ JÁ DECORRIDO O PRAZO PARA PAGAMENTO. CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL A PARTIR DA DATA DA ENTREGA DA DECLARAÇÃO. (…) 13. Outrossim, o exercício do direito de ação pelo Fisco, por intermédio de ajuizamento da execução fiscal, conjura a alegação de inação do credor, revelando-se incoerente a interpretação segundo a qual o fluxo do prazo prescricional continua a escoar-se, desde a constituição definitiva do crédito tributário, até a data em que se der o despacho ordenador da citação do devedor (ou até a data em que se der a citação válida do devedor, consoante a anterior redação do inciso I, do parágrafo único, do artigo 174, do CTN). 14. O Codex Processual, no § 1º, do artigo 219, estabelece que a interrupção da prescrição, pela citação, retroage à data da propositura da ação, o que, na seara tributária, após as alterações promovidas pela Lei Complementar 118/2005, conduz ao entendimento de que o marco interruptivo atinente à prolação do despacho que ordena a citação do executado retroage à data do ajuizamento do feito executivo, a qual deve ser empreendida no prazo prescricional. 15. A doutrina abalizada é no sentido de que: "Para CÂMARA LEAL, como a prescrição decorre do não exercício do direito de ação, o exercício da ação impõe a interrupção do prazo de prescrição e faz que a ação perca a 'possibilidade de reviver', pois não há sentido a priori em fazer reviver algo que já foi vivido (exercício da ação) e encontra-se em seu pleno exercício (processo). Ou seja, o exercício do direito de ação faz cessar a prescrição. Aliás, esse é também o diretivo do Código de Processo Civil: 'Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. § 1º A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.' Se a interrupção retroage à data da propositura da ação, isso significa que é a propositura, e não a citação, que interrompe a prescrição. Nada mais coerente, posto que a propositura da ação representa a efetivação do direito de ação, cujo prazo prescricional perde sentido em razão do seu exercício, que será expressamente reconhecido pelo juiz no ato da citação. Nesse caso, o que ocorre é que o fator conduta, que é a omissão do direito de ação é desqualificado pelo exercício  da ação, fixando-se, assim, seu termo consumativo. Quando isso ocorre, o fator tempo torna-se irrelevante, deixando de haver um termo temporal da prescrição." (Eurico Marcos Diniz de Santi, in "Decadência e Prescrição no Direito Tributário", 3ª ed., Ed. Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 232/233) 16. Destarte, a propositura da ação constitui o dies ad quem do prazo prescricional e, simultaneamente, o termo inicial para sua recontagem sujeita às causas interruptivas previstas no artigo 174, parágrafo único, do CTN. (…) 18. Consequentemente, tendo em vista que o exercício do direito de ação deu-se em 05.03.2002, antes de escoado o lapso quinquenal (30.04.2002), iniciado com a entrega da declaração de rendimentos (30.04.1997), não se revela prescrita a pretensão executiva fiscal, ainda que o despacho inicial e a citação do devedor tenham sobrevindo em junho de 2002. 19. Recurso especial provido, determinando-se o prosseguimento da execução fiscal. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.” (REsp 1120295/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/05/2010, DJe 21/05/2010) (grifo meu) Este entendimento já foi reiterado pela corte em outros julgados, conforme ementa abaixo: “TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO COM A CITAÇÃO DO DEVEDOR, QUE RETROAGE À DATA DE AJUIZAMENTO. 1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.120.295/SP, na sistemática do art. 543-C do CPC, firmou o entendimento de que a citação efetivada retroage à data da propositura da ação para efeitos de interrupção da prescrição, na forma do art. 219, § 1º, do CPC. 2. Recurso Especial não provido.” (REsp 1215801/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 04/02/2011) (grifo meu). Assim, percebemos que, na realidade, não seria apenas o despacho do juiz que determina a citação do devedor que teria o poder de interromper a prescrição, mas a simples propositura da ação de execução fiscal, com a posterior citação do executado, já produziria este efeito, tendo em vista a retroação de efeitos prevista no art. 219, §1º do CPC. 4. Considerações finais Por todo o exposto, podemos concluir que há um marco interruptivo da prescrição tributária que não está previsto no art. 174 do CTN, mas surge da interpretação conjunta deste dispositivo legal com a previsão do art. 219, §1º do CPC, fazendo com que o ajuizamento da execução fiscal seja hipótese de interrupção da prescrição.
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Aspectos controvertidos na Lei de Execução Fiscal e sua aplicação aos créditos de natureza não tributária da União
Na cobrança dos créditos de natureza tributária ou não tributária, a União utiliza o procedimento previsto na Lei de Execução Fiscal, lei nº. 6830/80. Entretanto, muitos artigos dessa Lei ainda suscitam dúvidas no que concerne a sua aplicação, tendo em vista o status de lei ordinária da mesma. Assim, colacionamos nesse estudo, as principais polêmicas da LEF e sua aplicação aos créditos não tributários da União.
Direito Tributário
Introdução Antes de iniciar neste estudo, cumpre informar ao leitor o que são créditos tributários e os com natureza não tributária. Vejamos o art. 39 da Lei n° 4.320 de 1964, que estatui normas gerias de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. In verbis: “Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados nas respectivas rubricas orçamentárias. § 1º – Os créditos de que trata este artigo, exigíveis pelo transcurso do prazo para pagamento, serão inscritos, na forma da legislação própria, como Dívida Ativa, em registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, e a respectiva receita será escriturada a esse título. § 2º – Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais” ( grifo nosso). O art. 139 do CTN informa que “O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta”. Nesse passo, o crédito tributário decorrerá de uma obrigação principal cujo objeto são os tributos (impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais) ou seus respectivos adicionais e multas. Ademais, os créditos não tributários são os decorrentes de uma relação jurídica que não tem fundo tributário. São exemplos: multas pelo exercício do poder de polícia, as multas de qualquer origem ou natureza, como as administrativas, trabalhistas, penais e eleitorais; créditos decorrentes da utilização do patrimônio, como os foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação; dos créditos decorrentes de sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia de contratos em geral ou de outras obrigações, como os créditos rurais; créditos de ressarcimento ao erário; créditos de FGTS, entre outros.[1] Por outro lado, os dois tipos de créditos, após, inscritos em dívida ativa, são cobrados por meio do procedimento específico da Lei de Execução Fiscal, de nº. 6.830/80, que dispõe sobre a Cobrança Judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública e dá outras providências.  Entretanto, cabe informar uma grande diferença entre ambos. A LEF (Lei de Execução Fiscal) é totalmente aplicável aos créditos não tributários, enquanto aos tributários, há dispositivos inaplicáveis. Vejamos por quê. 1. Lei complementar x Lei Ordinária A CF de 88 estabelece em seu artigo 146, III: “Art. 146. Cabe à lei complementar: […] III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: […] b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; […]” A Lei Complementar a que se refere o artigo supramencionado é o próprio CTN – Código Tributário Nacional (Lei n° 5.172/66), que surgiu inicialmente como lei ordinária. Após a Constituição de 1967, ela foi recepcionada com status de lei complementar, assim como, da mesma forma, após a CF/88. “Constituição de 1967/69: “Art. 18. Além dos impostos previstos nesta Constituição, compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir:[…] § 1º Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência nesta matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder de tributar.” Então, as normas gerais acerca da obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributária, devem ser veiculadas por meio da lei complementar. E esse mandamento também estava presente na Constituição pretérita de 1967/69.  “EMENTA: PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. MATÉRIAS RESERVADAS A LEI COMPLEMENTAR. DISCIPLINA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 45 E 46 DA LEI 8.212/91 E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º DO DECRETO-LEI 1.569/77. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. I. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada a lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1º, da CF de 1967/69) quanto sob a Constituição atual (art. 146, b, III, da CF de 1988). Interpretação que preserva a força normativa da Constituição, que prevê disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários. Permitir regulação distinta sobre esses temas, pelos diversos entes da federação, implicaria prejuízo à vedação de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente e à segurança jurídica. II. DISCIPLINA PREVISTA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. O Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), promulgado como lei ordinária e recebido como lei complementar pelas Constituições de 1967/69 e 1988, disciplina a prescrição e a decadência tributárias. III. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES. As contribuições, inclusive as previdenciárias, têm natureza tributária e se submetem ao regime jurídico-tributário previsto na Constituição. Interpretação do art. 149 da CF de 1988. Precedentes. IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. Inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, por violação do art. 146, III, b, da Constituição de 1988, e do parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei 1.569/77, em face do § 1º do art. 18 da Constituição de 1967/69. V. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. SEGURANÇA JURÍDICA. São legítimos os recolhimentos efetuados nos prazos previstos nos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 e não impugnados antes da data de conclusão deste julgamento. (RE 556664, GILMAR MENDES, STF)”.  (grifo meu). As decisões do STF que culminaram na edição da súmula vinculante nº 8 trazem excelentes explicações sobre este tema, por isso de vital importância a sua reprodução : “Prescrição e Decadência Tributárias: Lei Complementar – 2 Ao salientar, inicialmente, que o Código Tributário Nacional – CTN (Lei 5.172/66), promulgado como lei ordinária, foi recebido, como lei complementar, tanto pela CF/67 quanto pela CF/88, as quais exigiram o uso de lei complementar para as normas gerais de Direito Tributário, afastou-se a alegação de que somente caberia à lei complementar a função de traçar diretrizes gerais quanto à prescrição e à decadência tributárias e que a fixação dos prazos prescricionais e decadenciais dependeriam de lei da própria entidade tributante, já que seriam assuntos de peculiar interesse das pessoas políticas. Asseverou-se, no ponto, que a Constituição não definiu normas gerais de Direito Tributário, mas adotou expressão utilizada no próprio CTN, sendo razoável presumir que o constituinte acolheu a disciplina do CTN, inclusive referindo-se expressamente à prescrição e decadência. Assim, a restrição do alcance da norma constitucional expressa defendida pela Fazenda Nacional fragilizaria a própria força normativa e concretizadora da Constituição, que, de forma clara, pretendeu a disciplina homogênea e estável da prescrição, da decadência, da obrigação e do crédito tributário. RE 560626/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 11 e 12.6.2008. (RE-560626) RE 556664/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 11 e 12.6.2008. (RE-556664) RE 559882/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 11 e 12.6.2008. (RE-559882)”. “Prescrição e Decadência Tributárias: Lei Complementar – 5 Considerou-se, ademais, que, se o texto do § 1º do art. 18 da CF/67 ensejava questionamento acerca da função da lei complementar sobre normas gerais, a CF/88 teria eliminado qualquer possibilidade de se acolher a teoria dicotômica, ao elencar, em incisos diferentes, normas gerais, conflitos de competência e limitações ao poder de tributar, e ao esclarecer que, dentre as normas gerais, a lei complementar teria de tratar especialmente de obrigação, crédito tributário, prescrição e decadência. Assim, se a Constituição Federal reservou à lei complementar a regulação da prescrição e da decadência tributárias, julgando-as de forma expressa normas gerais de Direito Tributário, não haveria espaço para que a lei ordinária atuasse e disciplinasse a mesma matéria. Em razão disso, refutou-se a assertiva de que o CTN teria previsto a possibilidade de lei ordinária fixar prazo superior a 5 anos para a homologação, pelo fisco, do lançamento feito pelo contribuinte (CTN, art. 150, § 4º), pois, em razão de ser anterior à exigência de lei complementar para dispor sobre normas gerias de Direito Tributário, evidentemente não poderia estabelecer que uma lei complementar fosse necessária para definir prazo diverso à ação fiscal na constituição do crédito. Por isso, a interpretação que daí se seguiria é a de que a "lei" a que tal dispositivo legal se refere seria uma lei complementar. RE 560626/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 11 e 12.6.2008. (RE-560626); RE 556664/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 11 e 12.6.2008. (RE-556664) ; RE 559882/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 11 e 12.6.2008. (RE-559882)”. Já a Lei de Execução Fiscal, que trata dos aspectos processuais da cobrança do crédito público em atraso, surgiu como lei ordinária e assim permaneceu, visto que sua matéria não está entre as hipóteses de exigência da lei complementar. Contudo, na própria LEF, existem alguns artigos que tratam de matéria reservada à lei complementar e, por isso, tais afrontariam a Constituição pretérita, que já previa essa obrigatoriedade, assim como à atual. Alguns Tribunais decidem que não se trata de inconstitucionalidade do dispositivo da LEF, mas apenas, a sua inaplicabilidade à execução dos créditos tributários, na medida em que se podem aplicar esses artigos à execução dos créditos não tributários. Isso é possível porque o artigo 146, III, da Carta Magna, restringe a exigência da lei complementar àquelas matérias referentes aos créditos tributários, possibilitando a contrario sensu, a aplicação aos créditos não tributários de normas sobre as mesmas matérias que sejam veiculadas, p.ex., por lei ordinária. O STJ, em decisão recente, após a publicação da súmula vinculante nº 8, declarou a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto em relação aos créditos tributários, do § 2º do art. 8º da LEF (que cria hipótese de interrupção da prescrição), bem como do § 3º do art. 2º da mesma lei (no que se refere à hipótese de suspensão da prescrição), preservando, assim, sua validade e eficácia em relação a créditos não tributários. “INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL. PRESCRIÇÃO TRIBUTÁRIA. RESERVA. LC.  Trata-se de incidente de inconstitucionalidade dos arts. 2º, § 3º, e 8º, § 2º, da Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais – LEF) suscitado em decorrência de decisão do STF. A Fazenda Nacional, invocando a Súmula Vinculante n. 10-STF, interpôs recurso extraordinário (RE) contra acórdão deste Superior Tribunal, alegando, essencialmente, a negativa de aplicação do art. 8º, § 2º, da LEF sem declarar a sua inconstitucionalidade, o que constitui ofensa ao art. 97 da CF/1988. O STF deu provimento ao recurso da Fazenda para anular o acórdão e determinou, em consequência, que fosse apreciada a controvérsia constitucional suscitada na causa, fazendo-o, no entanto, com estrita observância do que dispõe o art. 97 da CF/1988. Portanto, coube definir, nesse julgamento, a questão da constitucionalidade formal do § 2º do art. 8º da LEF, bem como, dada a sua estreita relação com o tema, do § 3º do art. 2º da mesma lei, na parte que dispõe sobre matéria prescricional. Essa definição teve como pressuposto investigar se, na data em que foram editados os citados dispositivos (1980), a Constituição mantinha a matéria neles tratada (prescrição tributária) sob reserva de lei complementar (LC). Ressaltou, a priori, o Min. Relator que a recente alteração do art. 174 do CTN, promovida pela LC n. 118/2005, é inaplicável à hipótese dos autos, visto que o despacho que ordenou a citação do executado deu-se antes da entrada em vigor da modificação legislativa, incidindo ao fato o art. 174 do CTN na sua redação originária. Observou, também, ser jurisprudência pacífica deste Superior Tribunal que o art. 8º, § 2º, da LEF, por ser lei ordinária, não revogou o inciso I do parágrafo único do art. 174 do CTN, por ostentar esse dispositivo, já à época, natureza de LC. Assim, o citado art. 8º, § 2º, da LEF tem aplicação restrita às execuções de dívidas não tributárias. Explicou que a mesma orientação é adotada em relação ao art. 2º, § 3º, da LEF, o qual, pela mesma linha de argumentação, ou seja, de que lei ordinária não era apta a dispor sobre matéria de prescrição tributária, é aplicável apenas a inscrições de dívida ativa não tributária. Também apontou ser jurisprudência pacificada no STJ que tem respaldo em recentes precedentes do STF em casos análogos, segundo a qual, já no regime constitucional de 1967 (EC n. 1/1969), a prescrição e a decadência tributária eram matérias reservadas à lei complementar. Asseverou, ainda, que, justamente com base nesse entendimento, o STF julgou inconstitucional o parágrafo único do art. 5º do DL n. 1.569/1977, editado na vigência da referida EC, tratando de suspensão de prazo prescricional de créditos tributários (Súmula Vinculante n. 8-STF). Dessa forma, concluiu que as mesmas razões adotadas pelo STF para declarar a inconstitucionalidade do citado parágrafo único determinam a inconstitucionalidade, em relação aos créditos tributários, do § 2º do art. 8º da LEF (que cria hipótese de interrupção da prescrição), bem como do § 3º do art. 2º da mesma lei (no que se refere à hipótese de suspensão da prescrição). Ressaltou, por fim, que o reconhecimento da inconstitucionalidade deve ser parcial, sem redução de texto, visto que tais dispositivos preservam sua validade e eficácia em relação a créditos não tributários objeto de execução fiscal e, com isso, reafirmou a jurisprudência do STJ sobre a matéria. Ante o exposto, a Corte Especial, ao prosseguir o julgamento, acolheu, por maioria, o incidente para reconhecer a inconstitucionalidade parcial dos arts. 2º, § 3º, e 8º, § 2º, da Lei n. 6.830/1980, sem redução de texto. Os votos vencidos acolhiam o incidente de inconstitucionalidade em maior extensão. Precedentes citados do STF: RE 106.217-SP, DJ 12/9/1986; RE 556.664-RS, DJe 14/11/2008; RE 559.882-RS, DJe 14/11/2008; RE 560.626-RS, DJe 5/12/2008; do STJ: REsp 667.810-PR, DJ 5/10/2006; REsp 611.536-AL, DJ 14/7/2007; REsp 673.162-RJ, DJ 16/5/2005; AgRg no REsp 740.125-SP, DJ 29/8/2005; REsp 199.020-SP, DJ 16/5/2005; EREsp 36.855-SP, DJ 19/6/1995; REsp 721.467-SP, DJ 23/5/2005; EDcl no AgRg no REsp 250.723-RJ, DJ 21/3/2005; REsp 112.126-RS, DJ 4/4/2005, e AgRg nos EDcl no REsp 623.104-RJ, DJ 6/12/2004. AI no Ag 1.037.765-SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgada em 2/3/2011”. (grifo meu). Visto isso, verificaremos detalhadamente alguns aspectos importantes para a execução fiscal dos créditos não tributários. Senão vejamos. 2. Artigos específicos da Lei de Execução Fiscal (LEF) 2.1. Parágrafo 3° do art. 2° da LEF- Suspensão do prazo prescricional O parágrafo 3° do art. 2° da LEF, enuncia que: “§ 3°. A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 (cento e oitenta) dias ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo”. A suspensão da prescrição desde o ato da inscrição por 180 dias ou até a distribuição da execução fiscal só é aplicada aos créditos não tributários. A corroborar isso, manifesta-se o STJ, STF e outros Tribunais: “PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. ART. 2º, § 3º, DA LEI 6.830/80. SUSPENSÃO POR 180 DIAS. NORMA APLICÁVEL SOMENTE ÀS DÍVIDAS NÃO TRIBUTÁRIAS. FEITO EXECUTIVO AJUIZADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LC 118/2005. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO: CITAÇÃO. MORATÓRIA. SUSPENSÃO. LEIS MUNICIPAIS. SÚMULA 280/STF. 1. Não há como apreciar o mérito da controvérsia com base na dita malversação dos artigos 174, inciso IV, do CTN, e 40 da Lei nº 6.830/80 e nas teses a ele vinculadas, uma vez que não foram objeto de debate pela instância ordinária, o que inviabiliza o conhecimento do especial no ponto por ausência de prequestionamento. 2. A jurisprudência desta Corte é assente quanto à aplicabilidade do art. 2º, § 3º, da Lei n. 6.830/80 (suspensão da prescrição por 180 dias por ocasião da inscrição em dívida ativa) somente às dívidas de natureza não-tributária, devendo ser aplicado o art. 174 do CTN, para as de natureza tributária. No processo de execução fiscal, ajuizado anteriormente à Lei Complementar 118/2005, o despacho que ordena a citação não interrompe o prazo prescricional, pois somente a citação produz esse efeito, devendo prevalecer o disposto no artigo 174 do CTN sobre o artigo 8º, § 2º, da Lei 6.830/80. 3. Reafirmando a jurisprudência do STJ sobre a matéria, a Corte Especial, no julgamento da AI no Ag 1.037.765/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, ocorrido em 2.3.2001, acolheu por maioria o incidente para reconhecer a inconstitucionalidade, em relação aos créditos tributários, do § 2º do art. 8º da LEF (que cria hipótese de interrupção da prescrição), bem como do § 3º do art. 2º da mesma lei (no que se refere à hipótese de suspensão da prescrição), ressaltando que tal reconhecimento da inconstitucionalidade deve ser parcial, sem redução de texto, visto que tais dispositivos preservam sua validade e eficácia em relação a créditos não tributários objeto de execução fiscal (Informativo 465/STJ). 4. Confrontar as Leis Complementares Municipais nº. 225/1999, nº. 229/2000 e nº. 296/2002 com os artigos 151, inciso I, 152, incisos I e II, 153 e 154 do CTN , como pretende o recorrente, não é possível nesta Corte Superior, tendo em vista ser incabível rediscussão de matéria decidida com base em direito local, sendo devida a aplicação, por analogia, do enunciado n.º 280 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, in verbis: "Por ofensa a direito local, não cabe recurso extraordinário". 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 1192368/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/04/2011, DJe 15/04/2011).”(grifo meu) “RECURSO ESPECIAL. ALÍNEAS "A" E "C". EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. COBRANÇA DE MULTA DECORRENTE DE INFRAÇÃO ÀS NORMAS DA CLT. PRESCRIÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. APLICABILIDADE DAS DA LEI 6.830/80 E DO CTN. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS ACÓRDÃOS CONFRONTADOS. Dispõe o art. 4º, inciso V, da Lei nº 6.830/80 que "a execução fiscal poderá ser promovida contra o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado". Quanto aos débitos de natureza tipicamente tributária, a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, entende que deve ser obedecida a regra do artigo 174 do CTN no tocante à prescrição, em detrimento das disposições da LEF (cf. REsp 32.843-SP, DJU 26.10.1998, e REsp 190.092-SP, relatado por este Magistrado, DJU 1º.7.2002 No tocante às dívidas de natureza não-tributária, no entanto, de reconhecer que obedecem ao disposto na Lei nº 6.830/80, especialmente no tocante ao prazos de suspensão e interrupção da prescrição. A esse respeito, preleciona Manoel Álvares que "a suspensão prevista no § 3º, deste art 2º, assim como a interrupção do art. 8º, § 2º, todos da LEF, são ineficazes em relação às dívidas de natureza tributária, sujeitas às normas do art. 174 do CTN. Mas a suspensão e a interrupção têm eficácia em relação às dívidas de natureza não-tributária" (cf. "Código Tributário Nacional Comentado", Coordenador VladImir Passos de Freitas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 713). Recurso especial improvido. (RESP 200400534230, FRANCIULLI NETTO, STJ – SEGUNDA TURMA, 25/10/2004).” (grifo meu). Outrossim, o parágrafo único do art. 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 prevê a suspensão do curso do prazo prescricional, para os casos em que a Dívida deixe de ser cobrada quando não atinja o valor fixado por ato do Ministro da Fazenda, in verbis: “Art. 5º. Sem prejuízo da incidência da atualização monetária e dos juros de mora, bem como da exigência da prova de quitação para com a Fazenda Nacional, o Ministro da Fazenda poderá determinar a não inscrição como Dívida Ativa da União ou a sustação da cobrança judicial dos débitos de comprovada inexequibilidade e de reduzido valor. Parágrafo único – A aplicação do disposto neste artigo suspende a prescrição dos créditos a que se refere.” Nessa toada, imperioso registrar que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único desse artigo por meio da edição da Súmula Vinculante nº 08 a qual prevê também: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário.” Desse modo, interpretando a Súmula Vinculante nº 08, resta assente que a inconstitucionalidade foi reconhecida em relação aos créditos tributários, pois a Lei Fundamental de 1988 exige que a matéria seja regulada por lei complementar. Entretanto, em relação à dívida ativa não tributária não foi reconhecida a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 5º, do Decreto-Lei nº 1.569/1977, de modo que permanece a suspensão do curso do prazo prescricional. “Ementa: EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. NATUREZA. PRESCRIÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. É de 5 anos o prazo da prescrição aplicável aos processos de execução fiscal, que, inclusive, pode ser declarada de ofício, nos termos do Verbete n.º 24 do Tribunal Pleno deste Regional. Todavia, se o valor total dos créditos não alcançar o valor estipulado no art. 1º, II, da Portaria MF n.º 49/2004, haverá a suspensão da prescrição em relação a tais créditos, nos moldes do art. 5º do Decreto-Lei n.º 1.569/77. Processo: 00194-2011-018-10-00-8 AP (Acordão 1ª Turma). Origem: 18ª Vara do Trabalho de BRASÍLIA/DF. Juíz(a) da sentença: Silvia Mariózi dos Santos . Data de Publicação: 29/07/2011 Relator: Desembargadora Flávia Simões Falcão)”. (grifo meu). Ademais, nos termos do art. 103-A, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, o comando da súmula vinculante exige cumprimento de toda a Administração. Vejamos a transcrição do dispositivo constitucional: “Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.” Abaixo, segue jurisprudência aplicável ao caso: “Prescrição e Decadência Tributárias: Lei Complementar – 6 Da mesma forma, repeliu-se a alegação de que a norma que estabelece as situações de interrupção ou suspensão da prescrição na pendência do processo seria de natureza processual e que, por isso, não poderia ter sido reconhecida a prescrição, já que a matéria não estaria sob a reserva da lei complementar. No ponto, foi dito que normas que dispõem sobre prescrição ou decadência sempre são de direito substantivo, as quais – quando fixam prazos decadenciais e prescricionais, seus critérios de fluência -, alcançam o próprio direito material debatido, seja para definir situações de extinção ou casos de inexigibilidade, sendo certo que, em Direito Tributário, ambos os institutos implicam a extinção de direitos para a Fazenda Pública. Ao frisar que a suspensão do curso do prazo prescricional, ainda que expressamente contemplada em lei complementar, não poderia conduzir à imprescritibilidade do crédito fiscal, reputou-se improcedente o argumento da recorrente de que, por estar impedida de perseguir seu crédito, que se enquadra dentre os de pequeno valor, a prescrição não poderia correr durante o período de arquivamento. Esclareceu-se que o princípio da economicidade não abrigaria esse efeito, pois, se não oportuna nem conveniente a busca do crédito pela Fazenda Pública em juízo, pela sua mínima significância ante o custo da cobrança, disso não decorreria a suspensão da fluência do prazo prescricional, sob pena de se criar regra absolutamente contraditória frente aos créditos de maior valor. Essa situação sequer seria de suspensão da exigibilidade do crédito, porque não impediria que a Fazenda Nacional utilizasse outras formas, menos onerosas, para obtenção do respectivo pagamento. Assim, nada haveria de inconstitucional no arquivamento sem baixa dos autos, nesses casos, estando o vício no parágrafo que, invadindo o campo reservado à lei complementar, prevê hipótese de suspensão da prescrição e cria situação de imprescritibilidade, que também não possui fundamento constitucional. RE 560626/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 11 e 12.6.2008. (RE-560626) RE 556664/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 11 e 12.6.2008. (RE-556664) RE 559882/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 11 e 12.6.2008. (RE-559882).” Atualmente, a matéria está regulamentada pela Portaria MF nº 49/04, a qual prescreve em seu art. 1º, que os débitos abaixo de R$ 1.000,00 podem não ser inscritos em Dívida Ativa, sendo que os débitos abaixo de R$ 10.000,00 podem não ser ajuizados: “Art. 1º Autorizar: I – a não inscrição, como Dívida Ativa da União, de débitos com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$1.000,00 (mil reais); e II – o não ajuizamento das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).” 2.2.  Art. 4°, inciso VI, § 2° da LEF- Normas de responsabilidade tributária O art. 4°, inciso VI, § 2° enuncia que: “§ 2° – À Dívida Ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial.” O dispositivo em questão estende as normas de responsabilidade tributária previstas no CTN, na legislação civil e comercial aos créditos não tributários. E as principais normas de responsabilidade são as previstas no Código Civil e no CTN e na própria LEF. O artigo 50 do Código Civil assim prescreve: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”  Pela leitura do dispositivo em questão, conclui-se que é possível a responsabilização dos administradores na hipótese de ocorrer desvio de finalidade ou confusão patrimonial entre e a empresa e seus sócios. Por outro lado, dispõe o Código Tributário Nacional: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:[…] III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” Já o art.4º da LEF elenca quais os sujeitos que podem constar do polo passivo da ação de execução fiscal, in verbis: “Art.4º. A execução fiscal poderá ser promovida contra: I – o devedor; II – o fiador; III – o espólio; IV – a massa; V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direitos privado; e VI – os sucessores a qualquer título.” (Grifo meu) Assim, pela simples leitura do dispositivo estudado, as normas concernentes à responsabilidade previstas na legislação civil, comercial e tributária devem ser aplicados também na execução fiscal da dívida ativa referente a créditos não tributários.  Com sapiência, bem explica Leandro Paulsen[2] ao comentar o artigo supra: “O dispositivo em questão estende a aplicação dos dispositivos que dizem da responsabilidade por dívidas, seja na legislação tributária, civil ou comercial, a toda e qualquer dívida ativa, independentemente da sua natureza. Há muita discussão sobre a aplicação, por exemplo, do art.135 do CTN, que diz da responsabilidade dos sócios gerentes quando tenham atuado com excesso de poder, infringindo os estatutos ou à lei. Cuida-se de dispositivo sobre a responsabilidade tributária que, por força do parágrafo em questão, deve ser aplicado também à dívida não-tributária. Não é fundamento para a sua não aplicação, pois, dizer-se da natureza não-tributária do débito. A aplicação decorre da determinação expressa constante neste art.4º, § 2º, da LEF, e não do recurso à analogia ou à interpretação extensiva. Os precedentes que dizem da inaplicabilidade de dispositivos do CTN à execução de dívidas não tributárias não nos parecem fundamentados de modo adequado, pois não abordam este § 2º do art.4º da LEF” (Grifo meu) Em que pese a existência do dispositivo em tela, a jurisprudência do Eg. Superior Tribunal de Justiça é prevalente quanto à inaplicabilidade do Código Tributário Nacional aos créditos de natureza não tributária, v. g., as cobranças decorrentes de FGTS, infração à CLT ou demais multas impostas por outras infrações administrativas. O entendimento predominante nos Tribunais, portanto, é no sentido de que o redirecionamento da execução fiscal, previsto no art. 135, do Código Tributário Nacional, deve estar adstrito às execuções fiscais relativas às obrigações de natureza tributária, não se estendendo às obrigações de natureza administrativa. Entretanto, não existe uma explicação plausível para esse entendimento, e, nem as decisões dos Tribunais conseguem elucidar as razões para tal conclusão. Cabe transcrever os fundamentos lançados pelo Exmo. Min. Francisco Falcão (AgRg no Resp 1056496/SP) quanto à inaplicabilidade do art. 4º, § 2º, da Lei nº 6830/80 às execuções fiscais por multa administrativa: “No que tange à tese defendida pela agravante no sentido de que deve ser ‘reconhecida a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal, uma vez que o art. 4º, § 2º, da Lei nº 6.830/80, autoriza explicitamente a aplicação das disposições do Código Tributário Nacional no tocante à responsabilidade (art. 135) em relação à execução fiscal de débitos inscritos em Dívida Ativa, ainda que de natureza não tributária, como é o caso das contribuições para o FGTS’ (fl. 194), essa não merece prosperar, se não, vejamos. O caput do art. 135 do Código Tributário Nacional, ao dispor sobre a responsabilidade tributária, trata de créditos correspondentes a obrigações tributárias, não havendo qualquer menção acerca de obrigação não tributária, como é o caso das contribuições ao FGTS. Nesse sentido, não há que se falar no redirecionamento da execução com base no referido dispositivo, uma vez que, conforme expressamente consignado no dispositivo de lei, esse somente é aplicável nos casos de obrigações tributárias. Desse modo, tendo em vista que as contribuições ao FGTS não possuem natureza tributária, mas de direito de natureza trabalhista e social destinado à proteção dos trabalhadores, não há que falar na aplicação das disposições insertas no artigo 135 do CTN. (…)”(grifo meu). A corroborar isso várias decisões seguem o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:  “EXECUÇÃO FISCAL. MULTA POR INFRAÇÃO ÀS NORMAS DE METROLOGIA, NORMATIZAÇÃO E QUALIDADE INDUSTRIAL. NATUREZA ADMINISTRATIVA. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO. 1.É de natureza administrativa a multa por infração às normas de metrologia, normatização e qualidade industrial. 2.Inexiste previsão legal para que se responsabilize o sócio na espécie. 3.Agravo de instrumento improvido.” (TRF – 4ª Região; AG 2000.04.01.112063-0, Terceira Turma, dec. 07/12/2000; DJU 17/01/2001; pág. 413). “TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. MULTA ADMINISTRATIVA. INFRAÇÃO À CLT. IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO AO RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO. O redirecionamento ao sócio-gerente inserto no artigo 135 do Código Tributário Nacional restringe-se às obrigações de natureza tributária. Recurso especial improvido.”(STJ; RESP 408618, Segunda Turma, Rel Min. CASTRO MEIRE, julgado em 03/06/2004; unânime, DJU 16/08/2004; pág. 174) “PROCESSUAL CIVIL. COBRANÇA DE FGTS. NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. REDIRECIONAMENTO COM BASE NO ART. 135, DO CTN. IMPOSSIBILIDADE. DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. ANÁLISE INVIÁVEL NA VIA ESPECIAL. I – A jurisprudência desta Corte é assente no sentido da inaplicabilidade do Código Tributário Nacional aos débitos relacionados à contribuição do FGTS, uma vez que tais contribuições não possuem natureza tributária. Precedentes: REsp nº 981.934/SP, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ de 21.11.2007; REsp nº 898.274/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 01.10.2007 e AgRg no Ag nº 573.159/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 27.09.2004. II – A análise de suposta violação a dispositivo constitucional é de competência exclusiva do Pretório Excelso, conforme prevê o artigo 102, inciso III, da Carta Magna, pela via do recurso extraordinário, sendo defeso a esta colenda Corte fazê-lo, ainda que para fins de prequestionamento. III – Agravo regimental improvido.”(AgRg no REsp 1056496/SP, Primeira Truma, Rel. Ministro  FRANCISCO FALCÃO, julgado em 18/09/2008, unânime, DJe 06/10/2008) “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. FGTS.  REDIRECIONAMENTO. ART. 135 DO CTN. INAPLICABILIDADE. SÚMULA N. 353 DO STJ. NATUREZA JURÍDICA NÃO-TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES AO FGTS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do STJ, a respeito do tema, encontra-se pacificada na Súmula n. 353: "As disposições do Código Tributário Nacional não se aplicam às contribuições para o FGTS". Portanto, não há que se falar em aplicação do art. 135 do CTN, no caso em tela. 2. Entendimento perfilhado com base na definição de que as contribuições para o FGTS não têm natureza tributária, razão porque não se aplica o CTN às execuções fiscais destinadas à cobrança dessas contribuições, inclusive, no tocante ao redirecionamento ao sócio-gerente ou diretor da sociedade devedora. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AGRESP 200602386619, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:14/02/2011.) “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – SÓCIO-GERENTE – AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE PESSOAL – DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA (MULTA POR INFRAÇÃO À CLT) – INAPLICABILIDADE DO ART. 135, III DO CTN. 1. Segundo o art. 4º da Lei 6.830/80, a execução fiscal pode ser promovida contra o responsável, nos termos da lei, por dívidas tributárias ou não. 2. O art. 135, III do CTN responsabiliza pessoalmente os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado apenas pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias, não sendo aplicável, portanto, no caso de cobrança de multa por infração à CLT. 3. Recurso especial improvido.”(RESP 200200171118, ELIANA CALMON, STJ – SEGUNDA TURMA, DJ DATA:09/09/2002 PG:00219.) “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. DÉBITO NÃO TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. ART. 135 DO CTN. INAPLICABILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. 1. As regras previstas no CTN aplicam-se tão-somente aos créditos decorrentes de obrigações tributárias, por isso que multas administrativas não ensejam o pedido de redirecionamento fulcrado no art. 135 do CTN (Precedentes: AgRg no REsp n.º 735.745/MG, Rel. Min. Denise Arruda, DJU de 22.11.2007; AgRg no REsp n.º 800.192/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 30.10.2007; REsp n.º 408.618/PR, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 16.08.2004; e REsp n.º 638.580/MG, Rel. Min. Franciulli Netto, DJU 01.02.2005). 2. O aresto exarado em sede de embargos de declaração que enfrenta explicitamente a questão embargada não enseja recurso especial pela violação do art. 535, II, do CPC. 3. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 4. Agravo regimental desprovido.”(AGRESP 201001105449, LUIZ FUX, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:16/11/2010.) “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 15 DA LEI 8.036/90. NÃO PREQUESTIONADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ. EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DO FGTS. REDIRECIONAMENTO AO SÓCIO GERENTE. DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA. INAPLICABILIDADE DO ART. 135, III, DO CTN. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão que, ao negar seguimento ao recurso especial, aplicou jurisprudência do STJ no sentido de que é inaplicável as disposições do Código Tributário Nacional aos créditos de natureza não tributária, incluindo a hipótese de responsabilidade do sócio-gerente prevista no art. 135, III, do CTN. 2. Defende a agravante que é possível a aplicação das regras de responsabilidade prevista no CTN, art. 135, III, nas execuções de débitos ao FGTS (art. 4º, § 2º, da Lei 6.830/80 – LEF). 3. Quanto ao art. 15 da Lei 8.036/90, não houve prequestionamento, nem mesmo implícito, do citado dispositivo legal cuja ofensa se aduz. Incide, na espécie, a Súmula 211/STJ. 4. O STJ firmou entendimento de que é inaplicável as disposições do Código Tributário Nacional aos créditos de natureza não tributária, incluindo a hipótese de responsabilidade do sócio-gerente prevista no art. 135, III, do CTN. 5. "As disposições do Código Tributário Nacional não se aplicam às contribuições para o FGTS" (Súmula 353/STJ). 6. Não se justifica a suposta violação do princípio de reserva de plenário (artigo 97, CF/88), verbis: "Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público", porquanto inexistiu declaração de inconstitucionalidade de lei a ensejar a aplicação do referido dispositivo constitucional". Dentre outros precedentes: AgRg no REsp 1104269/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 17/3/2010. 7. No caso dos autos, aplicou-se tão somente o entendimento das Turmas integrantes da Primeira Seção no sentido de  não ser possível a inclusão dos sócios no polo passivo do feito, como pretende a agravante, na medida em que a execução fiscal tem por objeto a cobrança de valores de FGTS, contribuição de natureza trabalhista e social que não possui caráter tributário, sendo inaplicáveis, portanto, as disposições contidas no Código Tributário Nacional, entre as quais as hipóteses de responsabilidade pessoal previstas no  art. 135 do CTN. 8. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 1208897/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 22/02/2011) Poucas são as decisões nas quais há a aplicação do parágrafo 2º do artigo 4º da Lei 6.830/80, senão vejamos. “EXECUÇÃO FISCAL. CRÉDITO DECORRENTE DE MULTA ADMINISTRATIVA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA OS SÓCIOS DA PESSOA JURÍDICA. APLICAÇÃO DO ART. 135 DO CTN C/C ART. 4º, § 2º, DA LEI 6.830/80.135CTN4º§ 2º6.830Por força do disposto no artigo 4º, § 2º, da Lei 6.830/80 é plenamente aplicável na execução de dívida ativa advinda de multa administrativa por descumprimento de legislação trabalhista, a disposição contida no do artigo 135 do CTN, para que seja responsabilizado os sócios da pessoa jurídica executada. Agravo de Petição provido.4º§ 2º6.830135CTN’. (1718200500923010 MT 01718.2005.009.23.01-0, Relator: DESEMBARGADORA LEILA CALVO, Data de Julgamento: 15/12/2010, 2ª Turma, Data de Publicação: 27/01/2011, undefined) “Ementa: EXECUÇÃO FISCAL. CRÉDITO DECORRENTE DE MULTA ADMINISTRATIVA. NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA – APLICAÇÃO DO ARTIGO 135 DO CTN C/C ARTIGO 4º, §2º, DA LEI 6.830/80. Por força do disposto no artigo 4º, § 2º, da Lei 6.830/80 é plenamente aplicável na execução de dívida ativa a disposição contida no do artigo 135 do CTN, para que seja responsabilizado o sócio administrador de pessoa jurídica executada. Dou provimento.”(Processo: AP-01741.2005.009.23.00-2; Relator: DESEMBARGADORA LEILA CALVO; Revisor: DESEMBARGADORA BEATRIZ THEODORO; Órgão Judicante: 2ª Turma; Data de Julgamento: 27/01/2010; Data de Publicação: 01/02/2010)(grifo meu). Por uma questão formal (pré-questionamento), esse dispositivo legal não foi levado em conta por ocasião da edição da Súmula n.º 355, segundo a qual “não se aplicam as normas da legislação tributária nas ações de execução fiscal do FGTS”. Assim, como as decisões simplesmente deixam de aplicar o citado art. 4°, inciso VI, § 2° sem apreciar a sua constitucionalidade, cabe aguardamos alguma decisão dos Tribunais Superiores, na qual se decida pela constitucionalidade ou não deste dispositivo, a fim de dirimirmos essa celeuma. Nesse caso há típica incidência da súmula vinculante nº. 10 do STF: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.” Existe, inclusive, um Projeto de Lei[3] em trâmite na Câmara dos Deputados, de nº 5.080/09 que substituirá a atual Lei de Execução Fiscal, no qual há remissão expressa de aplicação do art.135 do CTN às dívidas de natureza não tributária: “Art. 2º Constitui dívida ativa da Fazenda Pública qualquer valor atribuído por lei ou contrato às entidades de que trata o art. 1o, de natureza tributária ou não-tributária, estando também nela abrangidos atualização monetária, juros moratórios, multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato. § 1º À dívida ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e empresarial. § 2º À dívida ativa da Fazenda Pública, de natureza não-tributária, é aplicável o disposto nos arts. 121 a 135 e 184 a 192 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.”(grifo meu). Não sabemos se o fato da menção expressa de aplicação do art.135 do CTN aos créditos não tributários terá o condão de mudar o entendimento da jurisprudência acerca do mesmo.
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Imposto sobre Produtos Industrializados e a aplicação do princípio da seletividade
O presente trabalho teve como objetivo analisar, detalhadamente a aplicação do princípio constitucional da seletividade na seara do imposto sobre produtos industrializados. Veremos características peculiares do referido tributo, deste o nascimento da obrigação tributária, considerando sua hipótese de incidência e o fato gerador, bem como os aspectos material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo; abordando inclusive os princípios constitucionais tributários. Nos valemos de doutrinadores consagrados na busca da melhor corrente, chegando à conclusão de se tratar o principio em destaque de garantia constitucional individual, sendo obrigatória sua aplicação.
Direito Tributário
1 – INTRODUÇÃO Impossível olvidar, data vênia, a relevante importância de que goza a arrecadação de tributos no Brasil, a qual é equipara aos países europeus por seu elevado valor. Não obstante, tal atividade Estatal interfere direta e indiretamente na vida de todos os brasileiros, seja na hora do efetivo pagamento de tributos, ou no controle de mecanismos econômicos que afetam a cadeia produtiva, a fim de proporcionar estabilidade ao mercado financeiro. Desta feita, se faz extremamente necessário o estudo pormenorizado de cada exação, desde a ocorrência do fato gerador até o surgimento da relação jurídico-tributária. Na mesma vertente, sob o impacto da globalização que torna o mercado cada vez mais competitivo, agravado pela atual crise mundial, imperioso a correta aplicação dos tributos, a fim de evitar o aumento da desigualdade social bem como a miséria em determinadas regiões, matéria que o legislador constituinte tratou com grande observância, determinando sua erradicação em todo o território nacional. Nesse passo, com grande autoridade se apresenta o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), quando nos referimos a arrecadação de impostos pela União, sendo de elevada utilidade o estudo de suas peculiaridades. Com efeito, o princípio da seletividade é um dos temas de maior importância no estudo do IPI, pois é através de seu aprimoramento que se dá o uso adequado do imposto em comento. 2 – Obrigação Tributária: Hipótese de Incidência e Fato Gerador 2.1 – Obrigação Tributária: A princípio, antes de nos atermos ao puro conceito de obrigação tributária, recorremos a lição de Washington de Barros Monteiro[1], a fim de emergir a exata noção de obrigação. Deste modo: “(…) obrigação é relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor, e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômico, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio.” Ainda sob este prisma do Ilustre Doutrinador, quanto aos elementos que constituem a obrigação, necessário se faz a presença de duplo sujeitos (credor e devedor), objeto da prestação e vínculo jurídico, sem os quais, nenhuma relação obrigacional pode sobrevir. Feita tais considerações, passamos para análise ao estrito conceito de obrigação na esfera do direito tributário, assim, conforme nos ensina Vittorio Cassone[2]: “(…) obrigação tributária é o vínculo que une duas pessoas, uma chamada sujeito ativo, fisco; e outra chamada sujeito passivo, contribuinte, que, em vista de esta última ter praticado um fato gerador tributário, deve pagar àquela certa quantia em dinheiro denominado tributo.” Esta prestação – tributo, corresponde ao dever de o sujeito passivo entregar determinada quantia em dinheiro ao fisco, relativo ao objeto daquilo que o Código Tributário Nacional denomina obrigação tributária principal. Com efeito, extraímos deste conceito as obrigações tributárias acessórias, sendo aquelas cujo objeto não é necessariamente acessória, mas sim a imposição de alguns deveres como: escriturar livros, imitir notas fiscais, permitir que o fisco examine as operações comerciais, etc. 2.2 – Hipótese de incidência. A luz da sapiência de Vittorio Cassone[3], hipótese de incidência: “(…) é a descrição que a lei faz de um fato tributário que, quando ocorrer, fará nascer a obrigação tributária – obrigação de o sujeito passivo ter de pagar ao sujeito ativo o tributo correspondente.” A lei descreve uma hipótese, ou seja, cria uma situação no mundo ficto, impondo um mandamento e determinando uma conseqüência. Ocorrida materialmente a hipótese descrita na lei, necessariamente na forma de um fato concreto, deverá ser observado a conseqüência que ela também prevê. A fim de facilitar e delimitar a aplicabilidade da hipótese de incidência, a doutrina criou os seguintes aspectos: pessoal; temporal; espacial; material e quantitativo; o que passo a explicar de forma detalhada, conforme ensinamento de Vittorio Cassone. 2.2.1 – Aspecto Material: É considerado por muitos uns dos mais importantes, pois é o aspecto mais abrangente, pois determina o tipo tributário, sendo limitado pelos demais. Consiste na descrição do verbo que a lei faz na hipótese de incidência. No caso do IPI, são as operações que operações com produtos industrializados, nos termos do Art. 153, IV da Constituição Federal. 2.2.2 – Aspecto Espacial: Para Vittorio[4], “indica o lugar em que terá que ocorrer o fato gerador, que deverá situar-se dentro dos limites territoriais a que a Pessoa Política tem a competência tributária”. Deste modo, tendo como exemplo a União, o critério espacial é todo o território nacional. Com efeito, o aspecto espacial surge como condicionante do aspecto material, pois limita a aplicabilidade da hipótese tributária em determinado espaço, em determinado território. Na mesma vertente, no que se refere ao IPI, terá aplicabilidade em todo o território nacional, pois trata-se de imposto de competência da União. 2.2.3 – Aspecto Temporal: Trata-se do momento em que será aplicada a lei tributária, ou ainda, o momento em que se instala a obrigação tributária. No caso do imposto em apreço, em três momentos poderá ser aplicado: (i) via de regra, na saída dos produtos dos estabelecimento industriais; (ii) quando se tratar de mercadoria importada, ocorre no desembaraço aduaneiro; (iii) e nos casos de produtos apreendidos  ou abandonados, ocorrerá no momento de arrematação em leilão. 2.2.4 – Aspecto pessoal: Refere-se ao elemento subjetivo da norma, nos diz quem são os sujeitos da relação tributária: ativo e passivo. Entrementes, cumpre salientar que: sujeito ativo é aquele é o credor, cuja obrigação deve ser paga, no caso da relação tributário é algum ente federativo que tem o dever de tributar, nos termos da competência dada pela Constituição Federal. Com efeito, sujeito passivo é o devedor da relação tributária, aquele que tem o dever de honrar a obrigação, identificado como contribuinte. Outrossim, nos termos do Art. 51 do Código Tributário Nacional[5], contribuinte é: “I – o importador ou quem a lei a ele equiparar; II – o industrial ou quem a lei a ele equiparar; III – o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior; IV – o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão”. Assim sendo, resta claro as pessoas que podem figurar no pólo passivo da relação jurídico-tributária. 2.2.5 – Aspecto Quantitativo: O critério quantitativo determina o quando devido, ou seja, especifica quanto o contribuinte poderá pagar o quando o sujeito ativo deverá exigir, é composto pela base de cálculo e alíquota. Base de cálculo é uma medida de grandeza da qual será efetivamente retira uma parcela para ser entregue ao sujeito ativo, trata-se de critério abstrato que mede os fatos tributários, e que, conjugado com a alíquota alcança o quando devido. Na mesma vertente, a base de cálculo serve de apoio para o cálculo do imposto, estando intimamente ligado a intensidade da contribuição. No Código Tributário Nacional estão previstas as seguintes bases de cálculo para o IPI: No caso de produtos com procedência estrangeira, será o preço normal, como definido no inciso II do artigo 20, acrescido do montante: (a) do imposto sobre a importação; (b) das taxas exigidas para entrada do produto no País; (c) dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele exigíveis; No caso do contribuinte autônomo – estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante, será: (a) o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria; (b) na falta deste, o preço corrente da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente; No caso de produto apreendido ou abandonado e levado a leilão, o preço da arrematação. Quanto a alíquota, é diretamente ligada a base de cálculo, pois trata-se de critério indicativo de uma parte, uma fração da própria base de cálculo, a qual o ente federativo tem o direito de exigir. Destarte, se a base de cálculo serve para medir a intensidade do fato tributário, a alíquota, incidindo sobre esta base, indica qual dessa parte cabe ao Estado. As alíquotas do IPI estão descritas em sua Tabela de Incidência, que classifica as mercadorias por diferentes sessões, capítulos e subdivisões. Insta salientar, data vênia, que é neste aspecto que o princípio da seletividade se aplica com grande destaque, visto que a alíquota incidirá de acordo com a essencialidade do produto industrializado. 2.3 – Fato Gerador Na lição de Vittorio Cassone[6] fato gerador “(…) é o fato que gera a obrigação tributária. Para gerar a obrigação tributária, o fato ocorrido deve enquadrar-se rigorosamente dentro dos termos da lei, fenômeno a que se dá o nome de subsunção. Se o fato se subsume à hipótese de incidência, estará ele dentro do campo da incidência tributária.” Para melhor vislumbrar a explicação podemos dizer que, para o fato gerar efeito no campo contributivo deve enquadrar-se nos aspectos: pessoal, temporal, espacial, material e quantitativo, que a lei tributária defina, ao passo que, subsunção significa o efetivo enquadramento do caso concreto no preceito legal abstrato a ele pertinente. Necessário salientar, contudo, que a expressão “fato gerador” possui duplo significado. inicialmente, é utilizada como a situação abstrata que a lei prevê (p. ex.: auferir renda), sendo sinônimo de hipótese de incidência, chamado, muitas vezes, de fato gerador em abstrato.  No mais, é também utilizado para denominar a efetiva ocorrência da hipótese de incidência, ou do fato gerador em abstrato (p. ex.: José recebeu salário – renda), também chamado de fato gerador concreto ou fato imponível e, ainda, de fato jurídico tributário. 3 – IPI – Imposto Sobre Produtos Industrializados 3.1 – Disposições gerais: De acordo com o disposto na Constituição Federal, Art. 153, IV, compete à União instituir impostos sobre produtos industrializados, e ainda, complementado pelo parágrafo terceiro[7] que diz: “O imposto previsto no inciso IV: I – será seletivo, em função da essencialidade do produto; II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; III – não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior; IV – terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei.” Desta forma constatamos que se trata de imposto de competência da união, que possui função extrafiscal, devendo ser seletivo, em função da essencialidade do produto. Seletivo, pois, traz comando ao legislador que deverá intensificar a carga tributária do IPI nos produtos supérfluos, e aplicar de maneira branda nos produtos essenciais. Deste modo, a tributação de um produto essencial, como alimento industrializado que compõe a “cesta básica”, deverá inferior à tributação de um produto não essencial, como um cigarro, por exemplo. Possui função de não-cumulatividade, que consiste na compensação do que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, assim entendendo as matérias-primas e produtos intermediários que, ao final, serão parte integrante de um único produto. Vale destacar que o Imposto sobre Produtos Industrializados não está sujeito ao princípio da anterioridade, podendo, portanto, ser instituído ou aumentado a partir da data da publicação da norma no Diário Oficial, no que se refere a alíquota. Não obstante, dada a importância da entrada de recursos financeiros internacionais, os produtos destinados ao exterior serão imunes ao IPI. Por derradeiro, a Constituição determina que o IPI terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital (maquinas, equipamentos, instalações) pelo contribuinte, na forma da lei. 3.2 – Aspectos do fato gerador do IPI Como já ventilado alhures, fato gerador ou fato imponível é o fato concreto praticado por pessoa, física ou jurídica, que, uma vez descrito em lei, gera a obrigação tributária. Com efeito, passamos a estudar os aspectos do fato gerador relativo ao Imposto sobre Produtos Industrializados. “Ab initio”, quanto ao aspecto material, nos termos do Art. 153, IV[8] da Constituição Federal, combinado com Art. 46 do Código Tributário Nacional[9], limita-se sobre as operações com produtos industrializados. No mais, quanto as aspecto espacial, muito embora a legislação tributária seja omissa em relação ao local de aplicabilidade do imposto em comento, por ser de competência da União, é pacifico o entendimento da aplicação em todo território nacional. Na mesma vertente, falamos agora do aspecto temporal, ou seja, o memento em que se instala o vinculo obrigacional. No caso do IPI, ocorre em três momentos: Desembaraça aduaneiro (i), que é, segundo Vinicíus Caldas da Gama e Abreu[10], a “autorizada a efetiva entrega da mercadoria ao importador”, assim sendo, com a chegando dos produtos do estrangeiro e desembaraço aduaneiro, será devido o IPI. Também deverá ser observado quando a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51 do CTN (ii), ou seja, qualquer estabelecimento industrial ou a ele equiparado. Por demais, no momento da sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão, nos moldes do art. 46, III do CTN. Seguindo com a matéria, sobre o aspecto pessoal, ou seja, os sujeito (ativo – ente da federação e passivo – contribuinte) da relação tributária. O sujeito ativo do imposto em destaque é a União, nos termos do Art. 153, IV da Constituição Federal, já citado de maneira exaustiva. No mais, quanto ao sujeito passivo, consideramos o Art. 51 do CTN como alicerce para resposta: “Art. 51. Contribuinte do imposto é: I – o importador ou quem a lei a ele equiparar; II – o industrial ou quem a lei a ele equiparar; III – o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior; IV – o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão. Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se contribuinte autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante.” Por derradeiro, quanto ao critério quantitativo, referindo-se de início, a base de calculo e na combinação do Art. 46 e 47 [11]do CTN: No caso de produtos com procedência estrangeira, será o preço normal, como definido no inciso II do artigo 20, acrescido do montante: (a) do imposto sobre a importação; (b) das taxas exigidas para entrada do produto no País; (c) dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele exigíveis.          No caso do contribuinte autônomo (estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante), será:  (a) o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria; (b) na falta deste, o preço corrente da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente; No caso de produto apreendido ou abandonado e levado a leilão, o preço da arrematação. Outrossim, de forma complementar ao aspecto quantitativo temos a alíquota, que no caso do IPI, será aplicada de acordo com a sua própria Tabela de Incidência. 3.3 – Aspectos da legislação ordinária: 3.3.1 – Espécies de Industrialização: O art. 4º do Decreto 4.544/02[12] dispõe que a industrialização é a operação que modifica a natureza, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto ou aperfeiçoamento para consumo, sob as seguintes formas, o que transcrevo na integra: “Art. 4º Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como (…)” (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, e Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 46, parágrafo único) Nesse sentido, podemos dizer que: Transformação: a que, exercida sobre matérias-primas ou produtos intermediários, importe na obtenção de espécie nova. Beneficiamento: a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto. Montagem: a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob a mesma classificação fiscal. Acondicionamento ou re-acondicionamento: a que importe em alterar a apresentação do produto, pela colocação da embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria. Renovação ou recondicionamento: a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização. Destarte, são irrelevantes, para caracterizar a operação como industrialização, o processo utilizado para obtenção do produto e a localização e condições das instalações ou equipamentos empregados. Todavia, importante destacar que a lei diz expressamente os casos em que não são considerados produtos industrializados, conforme definido no Art. 5º do mesmo Decreto: “I – o preparo de produtos alimentares, não acondicionados em embalagem de apresentação: a) na residência do preparador ou em restaurantes, bares, sorveterias, confeitarias, padarias, quitandas e semelhantes, desde que os produtos se destinem a venda direta a consumidor; ou b) em cozinhas industriais, quando destinados a venda direta a corporações, empresas e outras entidades, para consumo de seus funcionários, empregados ou dirigentes; II – o preparo de refrigerantes, à base de extrato concentrado, por meio de máquinas, automáticas ou não, em restaurantes, bares e estabelecimentos similares, para venda direta a consumidor (Decreto-Lei nº 1.686, de 26 de junho de 1979, art. 5º, § 2º); III – a confecção ou preparo de produto de artesanato, definido no art. 7º; IV – a confecção de vestuário, por encomenda direta do consumidor ou usuário, em oficina ou na residência do confeccionador; V – o preparo de produto, por encomenda direta do consumidor ou usuário, na residência do preparador ou em oficina, desde que, em qualquer caso, seja preponderante o trabalho profissional; VI – a manipulação em farmácia, para venda direta a consumidor, de medicamentos oficinais e magistrais, mediante receita médica (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, inciso III, e Decreto-Lei nº 1.199, de 27 de dezembro de 1971, art. 5º, alteração 2ª); VII – a moagem de café torrado, realizada por comerciante varejista como atividade acessória (Decreto-Lei nº 400, de 30 de dezembro de 1968, art. 8º); VIII – a operação efetuada fora do estabelecimento industrial, consistente na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte: a) edificação (casas, edifícios, pontes, hangares, galpões e semelhantes, e suas coberturas); b) instalação de oleodutos, usinas hidrelétricas, torres de refrigeração, estações e centrais telefônicas ou outros sistemas de telecomunicação e telefonia, estações, usinas e redes de distribuição de energia elétrica e semelhantes; ou c) fixação de unidades ou complexos industriais ao solo; IX – a montagem de óculos, mediante receita médica (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, inciso III, e Decreto-Lei nº 1.199, de 1971, art. 5º, alteração 2ª); X – o acondicionamento de produtos classificados nos Capítulos 16 a 22 da TIPI, adquiridos de terceiros, em embalagens confeccionadas sob a forma de cestas de natal e semelhantes (Decreto-Lei nº 400, de 1968, art. 9º); XI – o conserto, a restauração e o recondicionamento de produtos usados, nos casos em que se destinem ao uso da própria empresa executora ou quando essas operações sejam executadas por encomenda de terceiros não estabelecidos com o comércio de tais produtos, bem assim o preparo, pelo consertador, restaurador ou recondicionador, de partes ou peças empregadas exclusiva e especificamente naquelas operações (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, inciso I); XII – o reparo de produtos com defeito de fabricação, inclusive mediante substituição de partes e peças, quando a operação for executada gratuitamente, ainda que por concessionários ou representantes, em virtude de garantia dada pelo fabricante (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, inciso I); XIII – a restauração de sacos usados, executada por processo rudimentar, ainda que com emprego de máquinas de costura; e XIV – a mistura de tintas entre si, ou com concentrados de pigmentos, sob encomenda do consumidor ou usuário, realizada em estabelecimento varejista, efetuada por máquina automática ou manual, desde que fabricante e varejista não sejam empresas interdependentes, controladora, controlada ou coligadas (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, inciso IV, e Lei nº 9.493, de 1997, art. 18). Parágrafo único. O disposto no inciso VIII não exclui a incidência do imposto sobre os produtos, partes ou peças utilizados nas operações nele referidas.” 3.3.2 – Conceito de matéria-prima, produto intermediário, produto secundário, insumo e material de embalagem. Para melhor entender o conceito de industrialização, necessário se faz destacar sua essência, ou seja, a matéria que será submetida as espécies supracitadas, nos termos da Decisão Normativa nº 2, da Coordenação da Administração Tributária do Governo do Estado de São Paulo, emanada em 04 de junho de 1982 e publicada no Diário Oficial em 08 de junho de 1982[13]: “Matéria-prima é, em geral, toda a substância com que se fabrica alguma coisa e da qual é obrigatoriamente parte integrante. Exemplos: o minério de ferro, na siderurgia, integrante do ferro-gusa; o calcário, na industrialização do cimento, parte integrante do novo produto cimento; o bambu ou o eucalipto, na indústria da autora, integrantes do novo produto – papel, etc. Produto Intermediário (assim denominado porque proveniente de indústria intermediária própria ou não) é aquele que compõe ou integra a estrutura físico-química do novo produto, via de regra sem sofrer qualquer alteração em sua estrutura intrínseca. Exemplos: pneumáticos, na indústria automobilística e dobradiças, na marcenaria, compondo ambos os respectivos produtos novos (sem que sofram qualquer alteração em suas estruturas intrínsecas) – o automóvel e o mobiliário; a cola, ainda na marcenaria, que, muito embora alterada em sua estrutura intrínseca, vai integrar o novo produto – mobiliário. Produto Secundário – é aquele que, consumido no processo de industrialização, não se integra no novo produto. Exemplos: calcáreo – CaCO3 (que na indústria do cimento é matéria-prima), na siderurgia, é "produto secundário", porquanto somente usado para extração das impurezas do minério de ferro, com as quais se transforma em escória e consome-se no processo industrial sem integrar o novo produto: o ferro-gusa; o óleo de linhaça, usado na cerâmica (para o melhor desprendimento da argila na prensa), depois de consumido na queima, não vai integrar o novo produto-telha; qualquer material líquido, usado na indústria da autora, que consumido na operação de secagem, deixa de integrar o novo produto – papel.” “Grifos nossos” Nesta vertente, e considerando a ausência de disposições legais acerca do tema, nos atemos as Decisões Normativas da Coordenação da Administração Tributária do Governo do Estado de São Paulo[14], que define insumo como: “(…) empregada por alguns economistas para traduzir a expressão inglesa 'input', isto é, o conjunto dos fatores produtivos, como matérias-primas, energia, trabalho, amortização do capital, etc., empregados pelo empresário para produzir o 'output' ou o produto final”. (Decisão Normativa CAT 1, de 25-04-2001, publicada no DOE de 27-04-2001) Por derradeiro, quanto ao material de embalagens, diz Vittorio Cassone[15] que “quando a colocação de material de embalagem  – ainda que em substituição à embalagem original – importe em alterar a apresentação do produto, é considerada operação industrial denominada acondicionamento ou re-acondicionamento”, todavia, não se enquadra esta óptica a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria. 3.4 – Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados. A Tabela de incidência do IPI, mais conhecida como TIPI, foi aprovada através do Decreto Federal 6.006, de 28 de Dezembro de 2006, publicada no Diário Oficial da União na data de 08 de Janeiro de 2007[16]. A TIPI é dividida em XXI Seções, trazendo em seu bojo 99 capítulos, cada qual tratando de um produto específico dentro da seção e prescrevendo sua alíquota. Cada produto recebe uma codificação composta de oito dígitos, de acordo com a NCM – Nomenclatura Comum do Mercosul. 4 – Princípios Constitucionais Tributário Diante aos princípios constitucionais tributários, será visto neste capitulo que a constituição federal restringe o legislador a matéria fática em que poderá se valer para criação do tributo e ela o faz por meios dos princípios que serão aludidos a seguir. Todos os princípios estão resguardados pela constituição federal, principalmente no artigo 5º[17]; 145[18] e 150[19] da Carta Magna. 4.1 – Princípio da Legalidade O principio da legalidade se vale da máxima prevista no artigo 5º, II da CF em que “Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer se não em virtude da lei” o que remete “Se o tributo é obrigatório, logo, deverá ser previsto por lei”. A lei que obriga o pagamento do tributo deve também trazer em seu contexto a estrutura deste tributo, determinando o fato gerador, a base de cálculo, a alíquota, e o sujeito passivo da obrigação. Estes quatro elementos são fundamentais para criação do tributo, entendendo que não há o que se falar em pagar o tributo se o fato em que o gerou for desconhecido (fato gerador), assim como não saber quem vai pagar (sujeito passivo) e o “quantun” pagar (base de cálculo e alíquota) A base de cálculo e alíquota são elementos que se tornam imutáveis. Na lei que institui o tributo, assim que haja a majoração ou redução do tributo, será necessária a criação de uma nova lei para que possa modificar o texto da lei anterior, porém para está regra há uma exceção, exceção que ocorre na hipótese do poder executivo poder modificar a alíquota do tributo, prevista no artigo 153, parágrafo 1° da CF, está modificação possui o caráter de instrumento d controle econômico o q eu é incumbido ao poder executivo, mas ainda sim a própria constituição federal prevê e limita a modificação quantificativa a ser feita por decreto. Esta exceção se estende ao imposto de importação, imposto de exportação, imposto sobre operação financeira e imposto sobre produto industrializado. “A 1° turma do STF já decidiu (RE 225.655) que alteração da alíquota deve ser feita por decreto presidencial ou mesmo por portaria ministerial, dependendo do que dispuser a lei que regular o assunto”. O que se pode afirmar é que mesmo a exceção se prende a lei, ou seja, por mais que o poder executivo possua a prerrogativa de alterar a alíquota do tributo ela só poderá fazer se estiver prevista por uma norma. 4.2 – Princípio da Irretroatividade O princípio Tributário da Irretroatividade está protegido no artigo 5°, XXXVI, da CF no que diz que “A lei nova não pode vir a prejudicar direitos já adquiridos e atos jurídicos já aperfeiçoados” o que da o entendimento de que o “tempo rege o fato”, assim sendo, é vedada a  cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que houver instituído ou aumentado, ou seja, a lei vai disciplinar o fatos que ocorrerem ao seu tempo e o surgimento de uma nova lei não irá atingir aos fatos que ocorreram e se aperfeiçoaram anteriormente a sua promulgação. 4.3 – Princípio da Anterioridade O princípio da anterioridade ele é estrito a matéria do direito tributário, não sendo utilizado em nenhum outro ramo, ele encontra-se estampado nos artigos 150, III, “b” e “c”. “Art.150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. (…) III – cobrar tributos: (…) b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorrido noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que o s instituiu ou aumentou, observado o disposto na línea “b”.” A norma constitucional trás em seu enredo a regra geral de que é a lei que cria ou aumenta um tributo, toda via quando em vigor não atinge o plano da eficácia até que o atual exercício financeiro termine e comece um novo, para que desta forma a lei que aumentou ou reduziu o tributo possa atingir o plano da eficácia. Na opinião de Carraza[20]: “O princípio da Anterioridade veda a aplicação da lei instituidora ou majoradora do tributo sobre fatos ocorridos no mesmo exercício financeiro em que entrou em vigor. Neste sentido, tolhe agir não só da Administração Fazendária, como do próprio Poder Legislativo, já que o impede de estabelecer que leis com tais características colha fatos ocorridos”. Pelo entendimento à saber do texto, Carrazza[21] trás a nítida noção de que a Administração Fazendária e o Poder Legislativo, não podem projetar surpresas para o contribuinte, resguardando  a segurança jurídica,  porém mais a frente veremos que está regra não se aplica a todos os tributos. “O princípio da Anterioridade veicula a idéia de que deve ser suprimida a tributação de surpresa. Ele impede que, da noite para o dia, alguém seja acolhido por nova exigência fiscal. É ele, ainda, que exige que o contribuinte se depare com regras tributárias claras, estáveis e seguras. E, mais do que isso: que tenha conhecimento antecipado dos tributos que lhe serão exigidos ao longo do exercício financeiro, justamente para que possa planejar, tranqüilidade, sua vida econômica.” O artigo 150, III, línea “c”, trás a referência em que a lei que cria ou majora o tributo só poderá ter eficácia 90 (noventa) dias após da sua publicação observado a línea “b”. A regra é interpretada da seguinte forma[22]: “O legislador ainda na proposta da segurança jurídica, impede que uma lei que for promulgada no dia 31 (trinta e um) de dezembro, possa ter eficácia no dia subseqüente, desta forma a lei que cria ou majora o tributo, para que tenha eficácia a partir do dia 1º (primeiro) de janeiro ela deve ser promulgada noventa dias antes do termino do exercício financeiro.” O princípio da anterioridade não se aplica aos tributos, nos termos do artigo 148, I, da Constituição Federal[23]: Empréstimos Compulsórios, artigo 153, I, II, IV, V, Constituição; Imposto sobre importação de produto, Imposto sobre exportação de produto, Imposto sobre produto industrializado, Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos ou valores mobiliários;  artigo 154, II, da Constituição, Imposto extraordinário criados na iminência ou no caso de guerra externa. 4.4 – Princípio da Igualdade A norma constitucional em seu artigo 150, II, da CF. proibi o tratamento desigual entre contribuinte de situações equivalente. Atrelado a está norma está o princípio da isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a lei. Nesse sentido, diz Hugo[24]: “Não fere o princípio da igualdade, antes o realiza com absoluta adequação, o imposto progressivo. Realmente, aquele que tem maior capacidade contributiva deve pagar imposto maior, pois só assim estará sendo igualmente tributado. A igualdade consiste, no caso, na proporcionalidade da incidência à capacidade contributiva, em função da utilidade marginal da riqueza.” O princípio da igualdade se aplica no direito tributário, evitando onerosidade excessiva quanto a capacidade contributiva de cada sujeito e se exterioriza pelo princípio da progressividade, no qual permite que as alíquotas  sejam graduadas de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. 4.5 – Princípio da capacidade contributiva Este princípio está ligado a capacidade econômica do contribuinte. A constituição federal em seu artigo 145, parágrafo 1°, diz que  os tributos “serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. Na opinião de Paulo de Barros Carvalho[25]: “A capacidade contributiva do sujeito passivo sempre foi o padrão de referência básico para aferir-se o impacto da carga tributária e o critério comum dos juízos de valor sobre o cabimento e a proporção do expediente impositivo. Mensurar a possibilidade econômica de contribuir para o erário com o pagamento de tributos é o grande desafio de quantos lidam com esse delicado instrumento de satisfação dos interesses públicos e o modo como é avaliado o grau de refinamento dos vários sistemas de direito tributário.” Este comentário do professor Paulo de Barros, mostra de maneira clara que a tributação deve se limitar ao poder econômico do contribuinte. A capacidade contributiva é o norte a ser tomado para a composição do tributo. 4.6 – Princípio da competência Sobre o tema, diz Hugo Brito Machado[26]: “O principio da competência é aquele pelo qual a entidade tributante há de restringir sua atividade tributacional aquela matéria que lhe foi constitucionalmente destinada.” Este princípio é limitador as entidades tributantes, ou seja, somente confere a estas entidades tributarem sobre a matéria que a constituição definiu. Diferentemente de outros autores, o professor Hugo de Brito, destacou a importância deste princípio em seu livro “Curso de Direito Tributário”, pois a constituição  que define a matéria que pode ser tributada. 4.7 – Princípio da proporcionalidade razoável O princípio da proporcionalidade razoável ou também conhecido como princípio da vedação do confisco, está previsto na norma constitucional artigo 150, IV da CF. na qual impede que a União, Estados, Distrito Federal e aos Municípios de utilizar o tributo como confisco.  Diz  Ricardo Cunha[27] “O caráter confiscatório do tributo é analisado pelo judiciário no caso concreto e deve considerar a carga tributária decorrente da totalidade dos tributos.” O tributo como forma de confisco acarreta no impedimento do exercício da atividade do contribuinte, cabe ao judiciário definir quando que um tributo é confiscatório, competência está definida pela constituição. 4.8 – Princípio da liberdade de tráfego de pessoas ou Bens O princípio da liberdade de tráfego tem em seu cerne a não tributação da circulação no território nacional de pessoas ou bens, estampado no artigo 150, V da carta magna, tal princípio não permite que na criação do tributo em sua hipótese de incidência decorra da circulação de bens e pessoas, o que faz proteger o direito de ir e vir. Tal regra busca resguardar o direito de ir e vir, destarte não impede a cobrança do posto sobre operações interestaduais ou intermunicipais. 5 – Princípio da Seletividade. 5.1 – Considerações Gerais: Na lição de João Marcelo Rocha[28]: “(…) princípio da seletividade significa dosar a incidência do tributo com a essencialidade da mercadoria. Ou seja, aquelas mercadorias mais essenciais à subsistência da população são atingidas com uma alíquota menor do que aquela aplicável a mercadorias consideradas supérfluas.” Outrossim, insta salientar o liame existente entre o referido princípio e aquele que versa sobre a capacidade contributiva dos contribuintes, eis que o consumo de produtos supérfluos exige maior poder aquisitivo em relação àqueles essenciais para a mera sobrevivência do indivíduo. Não obstante, descreve o Art. 153, § 3º, inciso I da Constituição Federal, “in verbis”: Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: § 3º – O imposto previsto no inciso IV (produtos industrializados):I – será seletivo, em função da essencialidade do produto. A função social que recai sobre o imposto sobre produtos industrializados é inquestionável, ao nosso ver, nenhum outro imposto exerce tão veemente a função de extrafiscalidade. Conforme já citado, o imposto sobre produtos industrializados será seletivo em função da essencialidade do produto. Isto significa dizer que o legislador ordinário deverá, ao criar a lei tributária, observar qual a essencialidade que  determinado produto, cujo tributo irá incidir, exerce na sociedade, devendo onerá-lo, casa seja supérfluo, a exemplo do cigarro, ou reduzir a alíquota e até mesmo isentá-lo nos casos de produtos destinados às classes de baixa rende, necessários à sobrevivência. Contudo, para melhor compreensão do instituto, necessário se faz destacar as linhas iniciais de Henry Tilbery[29]: “O Direito de "essencialidade" não deve ser interpretado estritamente para cobrir apenas necessidade biológicas (alimentação, vestuário, moradia, tratamento médico), mas deve abranger também aquelas necessidades que sejam pressupostos de um padrão de vida mínimo decente, de acordo com o conceito vigente da maioria. Conseqüentemente, os fatores que entram na composição das necessidades essenciais variam de acordo com o espaço (conforme países e regiões) e o tempo (grau de civilização e tecnologia). Em um país, que se encontra em fase avançadíssima de desenvolvimento, como é o caso do Brasil, a imposição seletiva sobre o consumo de função da essencialidade é um instrumento para frenar o consumo de produtos indesejáveis ou ao menos necessários e liberar forças para investimentos merecedores de apoio, e ao mesmo tempo, constitui instrumentalidade para nivelar diferenças excessivas no consumo de diversas classes em diversificadas zonas e alcançar a meta de redistribuição de rendas e maior aproximação da Justiça Fiscal.” Neste diapasão, passamos a análise detalhada do instituto. 5.2 – Quanto a essencialidade do produto A essencialidade, no melhor definição de Michaelis[30], significa: 1. Relativo à essência; que constitui a essência. 2. Que constitui a parte necessária ou inerente de uma coisa; necessário, indispensável. 3. Característico; importante. O ponto mais importante. Todavia, na aplicação do presente princípio, não podemos fixar a definição de essencialidade no sentido estrito da acepção, como, por exemplo, ser somente  as necessidades alimentares. Não raras as vezes definem como essencial apenas os produtos que compõem a denominada cesta básico, unicamente. Aliomar Baleeiro[31] nos traduz em singelas palavras o teor da expressão: “A palavra (…) refere-se à adequação do produto à vida do maior número dos habitantes do país. As mercadorias essenciais à existência civilizada deles devem ser tratadas mais suavemente ao passo que as maiores alíquotas devem ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é, o supérfluo das classes de maior poder aquisitivo.” Neste viés, ao nosso ver, podemos utilizar como parâmetro, no que couber, o inciso IV do Art. 7º[32] da Lei Maior onde tem previsão o salário mínimo e suas especificações: “IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social (…)”;  ‘Grifos nossos” Assim, podemos também considerar essencial, além dos já tradicionalmente conhecidos, os produtos relativos a moradia, alimentação, educação, saúde, vestuário, higiene, transporte, por serem necessários a vida de todo ser humano, que não limita sua existência a simples alimentação. 5.3 – Quanto a Seletividade Segundo Michaelis[33] significa: 1. Seletivo, relativo a seleção. 2. Seleção, ato ou efeito de selecionar; escolha criteriosa e fundamentada. Desta forma, “seletivo” refere-se a seleção, que por sua vez, quer dizer ato ou efeito de selecionar, escolha fundamentada. A seletividade se apresenta como critério a ser adotado, de maneira impositiva no caso do IPI, pelo legislador brasileiro. E o critério que determina a classificação dos diversos fatos jurídicos sujeitos à mesma hipótese de incidência, é a essencialidade. Deve selecionar o que é essencial. Neste condão, diz o Professor Paulo de Barros Carvalho[34]: “aqui esta o valor (essencialidade) que a Constituição indica, por sua vez, oferecendo o processo (seletividade) para observá-lo”. Assim sendo, podemos concluir neste tópico que a seletividade é um meio, cujo objetivo é alcançar a essencialidade dos produtos. 5.4 – Aplicação do Princípio da Seletividade Aqui encontramos o objeto do presente trabalho, onde passaremos a discorrer sobre a controvérsia existente no ordenamento no que diz respeito a obrigatoriedade ou faculdade dos entes públicos na aplicação do princípio da seletividade.  Inicialmente, para melhor elucidar a questão, necessário se faz destacar, na lição de Ricardo Cunha Chimenti, seguindo a respeitável consideração de José Afonso da Silva, quanto a eficácia das normas constitucionais, com intuito de viabilizar os fundamentos da presente tese. Para o Professor Ricardo Cunha[35], as normas constitucionais classificavam-se em: “Plena: As normas constitucionais de eficácia plena são auto-aplicáveis e também costumam ser denominadas completas, auto-executáveis. São aquelas que não necessitam de qualquer outra disciplina legislativa para terem aplicabilidade, a exemplo da inviabilidade de domicílio prevista no art. 5º, XI da CF. Contida: tem sua eficácia limitada por lei, ou seja, são aquelas normas  que trazem em seu bojo previsão de que uma lei subalterna poderá compor seu significado. Limitada: São normas que não produzem efeitos de imediato, ficando na dependência da elaboração de lei infra-constitucional para seu integral cumprimento.” Não obstante, cumpre destacar que, para o Professor Ricardo Cunha[36]: “a eficácia da norma contida também pode ser restringida ou suspensa pela incidência de outras normas constitucionais, a exemplo da liberdade de reunião, que mesmo estando consagrada no Art. 5º, XVI, da Constituição Federal está sujeita a restrição  ou suspensão em períodos de estado de defesa ou de sítio (Arts. 136, §1º , I, a, e 139, IV, ambos da Constituição Federal).” A doutrina majoritária divide as normas de eficácia limitada em dois grupos: Normas constitucionais de princípio institutivo, sendo aquelas onde o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislados ordinário  os estruture em definitivo. E ainda, normas constitucionais de princípio programático, sendo aquelas normais pelas quais o constituinte, em vez de regular, direta e indiretamente determinados interesses, limitou-se a traçar os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos. São diretrizes a serem seguidas, onde o legislador constituinte idealizou como necessários a atividade-estatal. Desta feita, passamos a análise concreta das contradições a respeito da aplicação do princípio da seletividade, destacando, primeiramente, as considerações do Professor Aliomar Baleeiro[37]: “(…) discriminação ou sistema de alíquotas diferenciadas por espécies de mercadorias. Praticamente trata de dispositivo programático, endereçado ao legislador ordinário, recomendando-lhe que estabeleça as alíquotas em razão inversa da imprescindibilidade das mercadorias de consumo generalizado. Quanto mais sejam elas necessárias à alimentação, vestuário, à moradia, ao tratamento médico e higiênico das classes mais numerosos, tanto menores devem ser. O discricionarismo honesto do legislador, fiel ao espírito da Constituição, fará a seleção das mercadorias e a relatividade das alíquotas.” “Grifos nossos” Note-se que refere-se a norma como sendo de dispositivo programático, ou seja, segundo sua análise a norma constitucional que versa sobre o princípio da seletividade possui eficácia limita, sendo mera recomendação ao legislador ordinário sua aplicação. Entrementes, a postura de Misabel Derzi[38] é outra: “(…) ao contrário do que registra ALIOMAR BALEEIRO à luz de Cartas anteriores, a Constituição de 1988 obriga a seletividade do IPI, sendo muito restrita a discricionariedade do legislador. É que nunca tínhamos tido antes, ao mesmo tempo, o princípio da capacidade econômica a inspirar genericamente a modelagem de tosos impostos (Art. 145, §1º) e ainda o princípio da seletividade”. “Grifos nossos” Neste aspecto, é de se notar a discordância de Misabel quanto ao conceito de Aliomar; o primeiro autor (Misabel) diz que a aplicação do princípio será obrigatória ao legislador ordinário, não restando espaço para discricionariedade na elaboração de normas a respeito do IPI, diferenciando-se de Aliomar que dizia que o princípio trava de mera recomendação. Ao nosso ver, a  norma que constitui IPI possui eficácia plena, sendo auto-aplicáveis, ultrapassa as margens de mera recomendação ao legislador ordinário. O contrário não poderia ser, pois, a exemplo do ICMS previsto no inciso III do § 2º do Art. 155[39] da Constituição Federal, o legislador utilizou o termo “poderá ser seletivo”, o que acarretaria em maior discricionariedade aos entes públicos quanto a criação de normas e a aplicação do imposto. Desta Feita, fica expressamente vedado a criação de uma única alíquota para incidência do IPI, o legislador deverá observar a essencialidade do produto tal como se apresenta na TIPI, já estudada anteriormente. Por derradeiro, relevando a questão dos limites de intervenções do Poder Judiciário no efetivo controle da aplicação do princípio da Seletividade no IPI, que, segundo Eduardo Domingues Bottallo[40]: “o Poder Judiciário não está menos autorizado do que o Poder Legislativo a investigar qual o alcance da expressão em foco” Assim sendo, o princípio da seletividade no IPI transcende a simples faculdade na aplicação, devendo ser obedecido por todos os entes Públicos, não tão somente aquele responsável por crias as normas. 6 – CONCLUSÃO Restou patente ao longo do trabalho a importância de que goza o presente tributo, sendo certo sua eficácia e amplitude às diversas classes sociais.    Analisamos a distinção de hipótese de incidência e fato gerador, sendo a primeira a previsão legal de atividade que cria a obrigação de contribuir, e a segunda e efetiva realização do preceito legal. Com efeito, vimos também os aspectos subjetivos dos tributos, entendidos como aspectos: material, temporal, espacial, pessoal e quantitativo, de maneira a tornar único cada tributo. Ato contínuo, destrinchamos o imposto sobre produtos industrializados, objeto do trabalho, analisando suas características peculiares como a hipótese de incidência, fato gerador tabela (TIPI) e atividades que não são consideradas industrialização, muito embora pela sua natureza constituísse como tal. Por derradeiro, após verificarmos os princípios constitucionais tributários, passamos a analise do objeto principal da presente monografia, qual seja: o princípio da seletividade. Nesta seara, percebemos que sua aplicação ultrapassa as margens de ato administrativo discricionário, sendo certo que estamos diante de garantia constitucional individual, devendo ser sua aplicação compulsória.
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A função extrafiscal do IPI à luz da crise econômica de 2008 no Brasil
O  artigo versa sobre a questão da intervenção do Estado durante a crise econômica de 2008, analisando as medidas adotadas pelo governo brasileiro e suas consequências. O tema será abordado através de um estudo teórico sobre crise econômica, seu conceito e teorias; em seguida sobre a extrafiscalidade do Estado, quando pode ser utilizada e os impostos envolvidos; analisa-se as medidas adotadas pelo governo brasileiro e como isso afetou a economia; faz-se uma breve relação da extrafiscalidade e sua previsão constitucional; e, por fim, enfoca-se nas medidas adotadas através do IPI e seu impacto no orçamento.A partir do tema exposto, pretende-se estabelecer uma análise crítica acerca dos efeitos e implicações da extrafiscalidade com enfoque no IPI, durante o cenário de crise econômica surgido em 2008, utilizando-se, para isso, de levantamentos bibliográficos sobre temas relacionados ao presente problema, como noções de direito tributário, constitucional, orçamentário , econômico, e suas implicações em âmbito prático.[1]
Direito Tributário
Introdução: Após o advento da crise econômica de 2008, surgiu uma incógnita quanto aos limites de atuação do Estado frente a situações de emergência nas quais são necessárias ações rápidas e de grande efetividade na economia. No Brasil, a obediência à lei escrita é de suma importância, mas em casos de necessidade, pode o Estado agir sobrepondo as regras para diminuir impactos negativos no país? O  ordenamento jurídico brasileiro possui legitimidade Constitucional e Tributária para agir em situações desse tipo? Qual é esse limite de atuação? O Estado pode usar dessa prerrogativa para agir de forma arbitrária? Quais as consequências do uso desse poder na economia? E em que contexto poderá ocorrer essa intervenção? Diante do exposto e das dúvidas presentes, faz-se necessário o estudo deste tema como forma de esclarecer a função extrafiscal do Estado em momentos de crise econômica. O estudo sobre o tema foi realizado através de quatro grandes pilares: pilar  econômico no conceito, cenário, medidas governamentais e consequências econômicas; pilar da  Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) , sob a perspectiva de legitimidade social e jurídica;  tributário sob um enfoque jurídico específico e a jurídica financeira, observando os impactos sobre o orçamento estatal. Através deste estudo pretende-se esclarecer as dúvidas que surgem com o tema, por meio de uma análise crítica das políticas governamentais, para o combate aos reflexos da crise econômica mundial de 2008 no Brasil. 1. Crise financeira: efeito de um movimento cíclico da economia Antes de procurar esclarecer a legitimidade e a previsão legal da atuação estatal em momentos de crise, é de suma importância apresentar o conceito de crise, as causas e os momentos de ocorrência deste fenômeno. Tendo em vista o significado de crise econômica, ela é considerada inevitável e faz parte de um processo natural da economia. A economia de um estado, atualmente, pode ser interpretada de forma mais abrangente, principalmente no contexto da globalização. Passa-se por estágios em que se classifica como “boom”, em que aumenta as atividades econômicas; a depressão, onde caem os indicadores; a recessão; e a estagnação ou recuperação. Essas fases da crise econômica são explicadas por Paulo Sandroni: “O desenvolvimento econômico é entendido como um processo cíclico, dividido em várias fases, com pontos de mudanças nas partes inferior e superior do ciclo. A partir de um ponto abaixo de sua linha de equilíbrio, o processo de desenvolvimento econômico sairia de uma fase de recuperação para uma fase de expansão, com aumento da taxa de investimento, aumento relativo da soma de salários, acréscimo do consumo. Segue-se a fase de prosperidade (boom), na qual os fatores de produção estariam plenamente ocupados e, em consequência, não poderiam mais fazer crescer a renda nacional e o lucro. A partir desse ponto, haveria um aumento crescente dos preços, uma desorganização no mercado financeiro e de capitais, entrando a economia em processo de contração, pois os preços que se mantiveram relativamente estáveis durante a fase de prosperidade, apesar da excessiva taxa de juros para os investimentos, já não se revelam rentáveis. Essa contração é também chamada de recessão, pois a taxa de crescimento da renda nacional decresce em termos absolutos O agravamento da fase recessiva caracteriza a depressão, com aumento da taxa de desemprego, queda da capacidade produtiva, restrição dos investimentos e alta liquidez bancária.” (SANDRONI, 1999) O conceito de crise econômica está relacionado com a periodicidade de o mercado mudar constantemente através de etapas, sejam elas o crescimento ou a recessão. A economia é influenciada por fatores externos e internos, de modo mais abrangente – macroeconomia – ou em setores específicos – microeconomia – capazes de provocar uma alteração no quadro econômico e, algumas delas, agitam o mercado de forma tão brusca que levam a uma crise econômica, muitas vezes imprevisível de ser detectada. A crise econômica pode ser causada por esses fatores, como exposto acima, que originam em um período onde os índices caem por um tempo prolongado, conduzindo a recessão. Analisando a crise econômica de 2008, de acordo com Bresser-Pereira,em entrevista à PUC, ela está vinculada com a bolha financeira formada com o aumento de crédito e investimentos especulativos que motivaram diversas consequências para a economia, como foi abordado: “(…) existe uma dinâmica cíclica que vem sendo estudada desde o século XIX mostrando que as economias passam por um processo de expansão que faz com que entrem no que Kindleberguer chama de mania. O elemento fundamental dessa euforia é um processo de profecias autorrealizadas, em que o preço dos ativos, seja o preço das ações, seja dos imóveis, vai crescendo… E como se prevê que ele cresce, os preços se reatualizam e, então, se compra mais e assim por diante. Isso são profecias autorrealizáveis. Ou então, o que George Soros chama de reflexividade. Essa crise atual é também uma crise causada dessa forma. Ela implica um aumento muito grande do crédito e, portanto, o grande aumento do débito, ou seja, o endividamento das famílias, das empresas e dos bancos. Para se aumentar o débito, tem que aumentar o crédito, para se aumentar o crédito, tem que aumentar o débito. A quantidade de moeda em circulação aumenta fortemente, o que mostra o seu caráter endógeno. Até que, num certo momento inevitável e que ninguém sabe exatamente quando, alguma coisa não muito importante faz com que, de repente, os investidores que estão especulando com dinheiro emprestado sejam obrigados a parar de endividar. E quando o fazem, os credores que estavam emprestando a belos juros também percebem que estava ficando muito perigoso. De repente, inverte-se todo o processo e vem a crise.” (BRESSER-PEREIRA, 2009) A “bolha” financeira criada com o aumento de crédito e investimentos de alto risco fez com que o preço de ações, imóveis e outros bens aumentassem gradativamente. Com o crédito de fácil acesso, as famílias começaram a consumir de forma exacerbada, os investidores a especular a compra de mais ações, as empresas no aumento da produção e os bancos a aumentar os juros. Assim começou a se forma um “boom”, onde a atividade econômica atinge seu auge, mas que, através de um fator imprevisível, o processo se inverteu, levando a uma crise econômica. O que se percebe é que a ciência econômica de forma bastante racional e lógica pode prever as causas e o momentos mais propícios que ocorrerão estas crises financeiras, e proporcionar à política as informações necessárias para atuar de forma precisa e minimizar os reflexos negativos desses momentos. O Estado, utilizando destas informações age utilizando-se de meios normativos para efetivar a intervenção estatal. Os meios abrangem as resoluções, decretos, medidas provisórias, leis ordinárias dentre outras que só admitem legitimidade se estiverem de acordo com o sistema normativo vigente, principalmente a CRFB/1988. 2. Extrafiscalidade: intervenção estatal no sistema econômico Os impostos que não tem por função primordial a arrecadação de fundos para os cofres públicos são conhecidos como extrafiscais ou não-fiscais. Eles são utilizados com o objetivo de disciplinar, favorecer ou desestimular alguns setores da economia por serem considerados de interesse público ou mesmo por achar conveniente. “A extrafiscalidade, como define o doutor ROQUE ANTONIO CARRAZZA, consiste no uso de instrumentos do Direito Tributário – cuja finalidade principal é a arrecadação para os cofres públicos (a que se chama de finalidade fiscal) – com fins diversos, ou seja, com fins não-fiscais ou extrafiscais. No caso, o uso extrafiscal dos tributos tem por objetivo disciplinar, favorecer ou desestimular os contribuintes a realizar determinadas ações, por considerá-las convenientes ou nocivas ao interesse público”. (SOUZA; RÉA apud CARRAZZA, 2008) Quando a União aumenta ou diminui o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ela utiliza a função primária do tributo  que é manter o equilíbrio da economia, apesar que hoje já possua um certo caráter fiscal este imposto . A redução do IPI que ocorreu recentemente, durante a crise financeira de 2008, para a aquisição de carros, é um exemplo da intervenção estatal no sistema econômico através da extrafiscalidade. Por conta da crise, a produção caiu devido à retração do consumo. Para que as montadoras não decretassem falência ou demitissem funcionários em massa, o Governo resolveu estimular a venda de carros, intervindo em uma área específica da economia no setor privado e o fez reduzindo o  Imposto de Produtos Industrializados(IPI) . Tagie Asseenheimer Souza e  Ricardo Roginski Réa ainda citam outros exemplos da função extrafiscal do estado. “Esta intenção, de disciplinar condutas, se faz evidente no ITR, no IPI e no ICMS. A progressividade das alíquotas do ITR nas propriedades com baixo grau de utilização deixa clara a intenção do legislador de efetivar o princípio constitucional da função social da propriedade. De forma análoga, ao fixar alíquotas mais elevadas (ao menos em tese) do ICMS e do IPI para produtos nocivos a sociedade como bebidas alcoólicas e cigarros, se objetiva desestimular a produção e consumo destes produtos.”(SOUZA;RÉA,2008) O Estado atua com o objetivo de manter a sociedade em equilíbrio, respeitando os princípios positivados na Constituição Federal de 1988. A extrafiscalidade é um instrumento Tributário que auxilia o Estado a alcançar esse objetivo, intervindo na economia pelo bem do interesse público. 3. Os Efeitos da Crise de 2008 Sobre a Economia Brasileira Os efeitos da crise de 2008 sobre a economia brasileira podem ser divididos em três setores que foram fortemente responsáveis pela difusão da crise internacional para o Brasil. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) possui os dados que comprovam que esses setores tiveram forte influência no Brasil e explica de forma sucinta os efeitos que eles causaram no país. “O primeiro deles atuou sobre as contas externas. A desaceleração econômica mundial aliada à queda dos preços internacionais das commodities agrominerais incidiriam sobre a balança comercial, reduzindo preço e quantum exportados. A contração da liquidez internacional, por sua vez, levaria empresas e especuladores a repatriar seus lucros para as matrizes, deteriorando ainda mais o já combalido déficit da conta de serviços e rendas, por um lado, e provocando, por outro, fuga de capitais pela conta financeira. O resultado seria a desvalorização cambial, a qual traria previsíveis efeitos inflacionários.” (ARAÚJO; GENTIL, 2010) A emergente desaceleração econômica mundial ligada com a queda de preços internacionais das commodities agrominerais influenciou empresas e especuladores que entenderam ser mais seguro guardar os lucros em seus países e evitar ter prejuízos com a desvalorização cambial mundial do que continuar investindo em empreendimentos de alto risco. “O segundo canal de transmissão seria pelo sistema financeiro que, no caso brasileiro, atuaria de uma forma um tanto quanto distinta, se comparada aos países do centro capitalista. Enquanto nestes a crise adquire caráter sistêmico a partir das perdas dos bancos com as hipotecas subprime, contagiando as principais praças financeiras do mundo, transmitindo-se, enfim, ao setor real da economia (IPEA, 2009c, p. 47), no setor bancário brasileiro a crise manifesta-se de forma distinta. Se por um lado os grandes bancos não se envolveram com ativos de alto risco como os subprime, dada a existência de alternativa mais segura e rentável oferecida pelos títulos públicos (IPEA, 2009b, p. 89), por outro os bancos de menor porte, com menor estrutura de captação de recursos no mercado de varejo, adotavam estratégias mais arriscadas, captando recursos via emissão de Certificados de Depósito Bancário (CDBs) e vinculando-os a contratos de derivativos cambiais, o que incorreu em perdas expressivas após a desvalorização cambial (IEDI, 2009; FREITAS, 2009).” (ARAÚJO; GENTIL, 2010) Sub-prime pode ser entendido como títulos com baixa garantia de recebimento. Os bancos brasileiros normalmente não se envolvem em empreendimentos de alto risco, como é o caso do subprime, pois preferem alternativas mais seguras e rentáveis oferecidas por títulos públicos. Mas, os bancos de pequeno porte, que não possuíam uma forte estrutura de captação de recursos no mercado de varejo, para tentar aumentar os seus lucros, adotaram estratégias mais arriscadas, captando recursos via emissão de Certificados de Depósito Bancário (CDBs) e vinculando-os a contratos de derivativos cambiais, o que, mais tarde, com a desvalorização cambial, levou a prejuízos expressivos.   “O terceiro canal por meio do qual a crise financeira internacional manifestar-se-ia sobre a economia brasileira é o das expectativas, cuja deterioração tenderia a reforçar, por parte dos bancos, a aversão ao risco e a contração do crédito, e levaria empresas e famílias a adiar decisões de investimento e consumo, com previsíveis efeitos de desaceleração da atividade econômica.” (ARAÚJO; GENTIL, 2010) Os bancos receosos de perder mais dinheiro diminuíram os empréstimos e evitaram investimentos de alto risco, dessa forma as empresas e famílias que contavam com empréstimos bancários para investir ou mesmo consumir, tiveram que esperar a situação da crise econômica mudar para continuar com seus projetos, causando uma desaceleração da atividade econômica. 4. A Resposta do Governo Brasileiro à Crise Econômica Diante da crise, o Brasil teve que agir intervindo em determinados setores da economia. Ele utilizou de políticas monetárias e fiscais para diminuir os efeitos negativos dessa crise no país. O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) traz as principais medidas que o governo brasileiro utilizou para amenizar a crise: “A resposta do governo brasileiro seguiu, em linhas gerais, a tendência exibida por outras economias atingidas pela crise, qual seja, a implementação de políticas anticíclicas de corte keynesiano. Basicamente, as medidas podem ser agrupadas em: i) medidas para recuperação (ou “desempoçamento”) do nível de liquidez da economia; ii) medidas para garantir a solidez do setor bancário, reduzindo o “risco sistêmico”; iii) medidas para conter a crise cambial; e iv) medidas de estímulo fiscal.” (ARAÚJO; GENTIL, 2010) As medidas fiscais foram as que tiveram melhor resultado contra os efeitos da crise, utilizando de meios extrafiscais, o Estado interviu em alguns setores da economia como os setores automotivo, eletrodoméstico de linha branca, material de construção e moveleiro para conter a crise. “Finalmente, a resposta mais contundente do governo brasileiro à crise financeira está, seguramente, nas medidas fiscais. Entre as medidas de desonerações fiscais, a primeira foi anunciada ainda no ano de 2008, beneficiando o setor automotivo, seguido dos setores produtores de eletrodomésticos de linha branca, de material de construção e, no final de 2009, do setor moveleiro. Para viabilizar o pacote de desonerações fiscais sem que o governo devesse incorrer em um programa de corte de gastos públicos – o que seria um contrassenso – o governo brasileiro também anunciou a redução da meta de superávit primário de 4,3% para 2,5% do PIB para 2009.” (ARAÚJO; GENTIL, 2010) 5. A Função Extrafiscal do IPI e sua Previsão Constitucional Inicialmente, a principal função do tributo é recolher receita suficiente para fazer frente às despesas necessárias ao cumprimento do orçamento estatal. Essa função é chamada de função fiscal do tributo. No entanto, não raro o Estado utiliza-se do seu poder imperativo tributário, de forma sutil, para influenciar o sistema econômico. Como pontua Robinson Sakiyama Barreirinhas: “A função primária do tributo, portanto, é suprir o Estado com os recursos necessários a seu funcionamento. É a chamada função fiscal do tributo. Essa função se cumpre com a transferência de dinheiro dos súditos para os cofres do Estado, que é finalidade última da tributação. No entanto, não raro o tributo é utilizado como instrumento de intervenção estatal no mercado, e não como função arrecadatória. É o caso dos tributos aduaneiros, cuja função primordial é regular a disponibilidade e os preços dos bens no mercado interno, facilitando ou onerando suas exportações ou importações. Trata-se da função extrafiscal do tributo.” (BARREIRINHAS, 2006, pág.22) Através da Emenda Constitucional 42/2003 houve a positivação desta função estatal, acrescentando ao texto constitucional o art. 146-A, dando competência à União, por lei complementar, para estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência. Trata-se de competência normativa, ainda que geral, da função extrafiscal dos tributos para atingir o objetivo de intervir no ambiente concorrencial. O texto de lei segue com a seguinte redação: “Art. 146 – A Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União por lei, estabelecer normas de igual objetivo.” De acordo com Luiz Augusto da Cunha, em sua dissertação de mestrado orientado pelo Doutor Sacha Calmon, apud Hamilton Dias de Souza: “O objetivo da norma é o de deixar clara, ao legislador (quanto à União Federal, basta lei ordinária, enquanto se exige quórum complementar para aos demais entes públicos), a possibilidade de fixação de critérios especiais de tributação a determinados setores, como forma de manutenção do regime de livre concorrência, que se erige como princípio fundamental da ordem econômica.” (CUNHA,2011, pág. 72) O referido autor ainda traz as limitações do mencionado dispositivo, o qual, no caso concreto deve além atentar a sua finalidade, deve respeitar os objetivos fundamentais do estado brasileiro, os princípios do modelo econômico adotado pela Constituição, os limites previstos ao poder tributário: “O artigo 146-A é ponto de confluência entre dois subsistemas: o econômico e o jurídico tributário. Nesta ordem de ideias, o exercício da atividade legiferante e, posteriormente, a aplicação no caso concreto, além de atenderem ao conteúdo finalístico/teleológico do dispositivo de assento constitucional, devem, em função concomitante, respeitar os objetivos fundamentais do Estado brasileiro, os princípios do modelo econômico adotados pelo Constituinte de 1988, as limitações constitucionais ao poder de tributar, bem como os princípios sacramentados na Carta Política e que norteiam toda a base do arcabouço normativo: há que se fazer justiça (social), mas não a qualquer custo (isto é, evitando-se o sacrifício de outros relevantes valores de estirpe constitucional).” (CUNHA, 2011, pág. 76) Faz necessário, na aplicação do artigo dos princípios basilares do direito, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para permitir a intervenção estatal na exata medida do desequilíbrio e atuar pelo tempo necessário, não mais que isso, até a sua recuperação. Outro princípio importantíssimo é o princípio da neutralidade, o qual vem acompanhado de dois outros princípios, o princípio da não-cumulatividade, da uniformidade geográfica e da liberdade de tráfego. Os princípios acima referidos serão aplicados na intervenção econômica pelo Estado, como afirma Paulo Antônio Caliendo Velloso Silveira citado por Cunha, da seguinte maneira: “O princípio da não-cumulatividade será erigido como uma forma de preservar o ciclo econômico de distorções fiscais, especialmente do funesto efeito “cascata”, ou seja, do efeito tributação sobre fatos não econômicos (tributos). No caso da seletividade tenta a neutralidade fiscal servir como parâmetro de preservação da neutralidade econômica sobre a renda das classes mais baixas, ou seja, daquelas que possuem menor flexibilidade para os eventos da flutuação e crises do mercado de trabalho. O princípio da uniformidade geográfica tenta preservar a neutralidade fiscal de um mercado integrado, impedindo distorções geográficas sobre a locação de recursos com bases meramente fiscais. Igualmente, no princípio da liberdade de tráfego tenta-se preservar a integridade geográfica de um mercado nacional.” (CUNHA apud SILVEIRA, 2011 pág. 84-85,). De acordo com o dispositivo em destaque o comando normativo deve realizar-se por meio de lei complementar. Apesar da CRFB/88 prever a competência tributária de cada ente federativo, não deixa claro a qual ente cabe a competência para este dispositivo em específico. De acordo com o art. 24 da CRFB/1988, inciso I, haveria competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal. Cunha traça a aplicabilidade da concorrência de competência: “Por competência concorrente, resta claro, a partir da leitura dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, todos do art. 24 da CR/1988, que a União editará uma norma geral sobre a matéria, sendo reservada aos Estados a competência legislativa suplementar ou plena, neste último caso, na inexistência de norma geral editada pela União. Uma vez exercida a competência plena por parte dos Estados membros, na superveniência de lei federal, de caráter geral sobre a matéria, os dispositivos da lei estadual que lhe forem contrários terão a eficácia suspensa.Os incisos I e II do art. 30 da CR/1988, por sua vez, outorgam competência aos Municípios para legislarem sobre assuntos de interesse local e para suplementarem a legislação federal e estadual no que for pertinente.” (CUNHA,2011, pág. 98).  Por fim, Cunha traz a interpretação mais adequada do art. 146 – A, seguindo os ensinamentos do mestre José Luiz Ribeiro Brazuna. De acordo com Cunha, o Congresso Nacional poderá, mediante lei complementar, estabelecer parâmetros gerais para os demais entes federativos fixarem leis próprias e critérios especiais de tributação a fim de evitar o desequilíbrio econômico. Já a União poderá realizar tal intervenção através de lei ordinária, independentemente de lei complementar. “No nosso entender, pois, a melhor exegese do artigo 146-A pode ser encontrada na terceira leitura proposta por BRAZUNA, no sentido de que o Congresso Nacional poderá, mediante lei complementar, estabelecer parâmetros gerais para os Estados, Distrito Federal e Municípios fixarem por leis próprias os critérios especiais de tributação para prevenirem desequilíbrios da concorrência, respeitada a competência regulatória e tributária de cada ente, o que poderá ser feito pela União, para os tributos de sua competência, por meio de lei ordinária e independentemente da edição da lei complementar.” (CUNHA, 2011, pág. 107). 6. Enfoque na Redução do IPI durante a Crise Econômica de 2008 O Imposto sobre Produtos Industrializados é um imposto extrafiscal, ou seja, além de arrecadar tributos, é utilizado com o objetivo de disciplinar, favorecer ou desestimular alguns setores da economia por serem considerados de interesse público. No Código Tributário vigente, lei 5.172, está previsto em seu artigo 46 ao art. 51. O artigo 46 vem informar qual o fato gerador do IPI, os quais são: o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; a sua saída dos estabelecimentos importadores, industriais, comerciante ou arrematador; e a arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão. O artigo 47 informa a base de cálculo do imposto, e é nesse valor que a União possui poderes para manipular. De acordo com o artigo 153, IV, da CRFB/1988 a competência para instituir o Imposto sobre Produtos Industrializados é da União, que durante a crise econômica de 2008 reduziu as alíquotas desse imposto com o objetivo de esquentar a economia e reduzir os efeitos da crise em nosso país, como afirma Bruno Cardoso Bandeira de Mello: “Mas o fato é que, durante a vigência da redução do IPI as vendas dos produtos da linha branca e da indústria automobilística, foram alavancadas a níveis consideráveis, conforme dados apresentados pelos mais diversos institutos de pesquisa, dentre eles o R7, que considerou que a medida salvou a indústria de eletrodomésticos, fadada, anteriormente a resultados negativos, e por reportagem publicada no Jornal A Tarde do dia 02/04/2010, registrando recorde de vendas de veículos automotores no primeiro semestre do ano, destacando-se, ainda, a importância dos financiamentos neste resultado favorável. Desta forma, a despeito da crise, alguns ramos do segundo e terceiro setores obtiveram lucros maximizados, beneficiando-se, a despeito do panorama econômico de recessão global.” (MELLO, 2011) A partir disso foi possível observar os resultados positivos da redução do IPI nos produtos de linha branca e na indústria automobilística onde ocorreram vendas consideráveis nesses setores e suas consequências são apresentadas a seguir. “Ademais, conferindo alguns dos efeitos reflexos desta medida, constatamos que o estímulo ao consumo dos produtos industrializados foi responsável pela preservação de milhares de empregos na indústria automotiva. Segundo dados divulgados na Agência Brasil, 50 a 60 mil empregos direitos e indiretos foram preservados no 1º semestre de 2009. Aos moldes do governo brasileiro, diante da crise, aproveitando lições pretéritas, prevaleceu nos outros países a postura intervencionista para o combate à crise.” (MELLO, 2011)       7. Impacto da medida sobre o Orçamento Os parâmetros da formulação do Projeto da Lei Orçamentária Anual- PL 38 de 2008 previa um cenário otimista, o qual mostrou-se equivocado ao passo que os reflexos econômicos da crise atingiam o país. Necessitando assim de medidas que fizessem o orçamento condizer com a nova realidade do cenário econômico. A proposta foi submetida a modificações pelo Congresso Nacional e posteriormente sancionada pelo presidente da República tornando-se a Lei 11.897/2008. Ainda, como salienta Paula Ramalho Nobrega Santana, o executivo utilizando de instrumento previsto no artigo 71, § 4º da LDO/2008, fundamentado no artigo 52 da Lei de Responsabilidade Fiscal, enviou relatórios bimestrais apreciados pela Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) que gerou o decreto 6.867/2009, alterando o orçamento e as finanças públicas daquele período. Em entrevista à Paula Nobrega Santana, Maria Liz Roarelli, – consultora do CONORF, afirma: “Do ponto de vista do orçamento público federal brasileiro, teve a consequência imediata da queda das receitas, a queda da arrecadação. Isso não afetou o orçamento de 2008 porque já vinha com uma bolha de arrecadação muito alta, que acabou o ano cumprindo com sua meta de superávit e ainda sobrando dinheiro. Em 2009 é que foi mais afetado pela crise porque começou o ano com a receita já em queda. (…) Então teve um impacto imediato sobre arrecadação por causa da queda do PIB, além disso, o governo com as medidas de desoneração, as medidas provisórias. (…) Na verdade é uma estimativa de desoneração, não uma estimativa de queda de arrecadação, porque se você não estivesse desonerando, é possível que sua arrecadação caísse mais.” (SANTANA apud ROARELLI,2009, pág. 68.) É importante salientar a previsão da Lei de Responsabilidade Fiscal-Lei Complementar 101 de 04 de Maio de 2000, caput– em situações semelhantes, em que a previsão orçamentária deve ser revista, pontua em seu artigo 9°. “Art.9ª. Se verificada, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas em anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.” Em mesmo estudo, Santana informa o impacto da redução ou exoneração do IPI no orçamento federal: “A popular redução de alíquotas do IPI sobre veículos, que já havia sido prevista para 2009, significou diminuição de 83,7% na arrecadação em relação a 2008.”(SANTANA, 2009, pág. 70,) De acordo com dados do IPEA, a União deixou de arrecadar R$1.817 milhões com a redução e exoneração do IPI, no entanto, com a sua redução ou exoneração foi possível o governo federal arrecadar R$1.258 milhões, ou seja, o custo de desoneração do imposto gerou uma perda de 559 milhões aos cofres públicos. Com a medida foi possível manter somente no ramo automotivo entre 50.000 e 60.000 empregos diretos e indiretos na economia brasileira.  Conclusão Através de um diálogo interdisciplinar entre as matérias relacionadas ao tema, ora com enfoque jurídico, ora com enfoque econômico, foi possível estabelecer um elo entre as matérias e chegar as seguintes conclusões. Crise é um fenômeno cíclico e inevitável no cenário econômico de qualquer nação, no entanto, o estado através de um profundo estudo econômico deve prever sua incidência e minimizar os seus efeitos. Tais medidas em um Estado Democrático de Direito deve observar e respeitar o emaranhado jurídico, principalmente a CRFB/1988. A extrafiscalidade é um instrumento legal previsto em seu artigo 146-A , que como observado, deve atender a finalidade da causa, o regime econômico adotado pela própria , e os princípios da razoabilidade, proporcionalidade,neutralidade juntamente com a não-cumulatividade, a uniformidade geográfica e a liberdade de tráfego.  A principal função de um tributo extrafiscal não é a sua arrecadação à receita orçamentária, mas sim  a interferência estatal na economia. Tal dispositivo ainda afirma que cabe ao Congresso Nacional dispor  através de leis complementares aspectos gerais para os demais entes federativos, enquanto a   União poderá utilizar de tal instrumento através de lei ordinária independente de lei complementar. O tributo utilizado pelo governo para conter os efeitos da crise foi a redução da alíquota do IPI, Imposto sobre Produtos Industrializados, sobre produtos eletrodomésticos da linha branca e de automóveis. De acordo com estudo do IPEA, foi a medida mais significativa. Tal imposto é previsto no Código Tributário Nacional, e prevê à União a competência de arrecadação e cálculo da alíquota de incidência tributária. Com a redução da incidência tributaria nestes produtos, a receita da União cai de maneira considerável, no entanto quando se observa o impacto de tal medida no consumo, fabricação, índice de desemprego e de empresas salvas, percebe-se a necessidade de tal medida.
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O sigilo fiscal e a anulabilidade das informações prestadas pelas operadoras de cartões
Cada vez mais se torna corrente a quebra do sigilo fiscal para utilização dessas informações em posteriores autuações pelo Fisco. Em processo de levantamento de doutrina e jurisprudência verifica-se a necessidade de preenchimento de alguns requisitos essenciais que muitas vezes são deixados para trás pela Fazenda. Assim torna-se oportuno tal discussão.
Direito Tributário
Verifica-se que sem o prévio processo administrativo, os contribuintes autuados são usurpados de seu direito de defesa, ou seja, há pleno cerceamento de defesa. Evidente que as informações obtidas pelo Fisco conseguidas de forma ilegítima e a obtenção de tais informações sem autorização judicial prévia viola garantia constitucional de intimidade e de sigilo bancário. O Fisco pode sustentar a legalidade do ato na Portaria CAT-87, de 18 de outubro de 2006, porém autuou-se a contribuinte antes de instaurar um processo administrativo e cumprir o dispositivo do artigo 142, do Código Tributário Nacional, haja vista que o lançamento tributário do AIIM, ora impugnado, baseou-se em indícios e ficções jurídicas. O dever de instauração de processo administrativo antes de qualquer autuação está disciplinado na Lei do Sigilo Fiscal, Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, no artigo 6º, abaixo: “Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.”(g.n) Além disso, o artigo 197, II, do Código Tributário Nacional, Lei Geral Tributária, determina a intimação prévia e escrita da instituição operadora de cartões de crédito para prestar informações sobre a movimentação financeira de cada indivíduo, o que não ocorreu no caso em tela. Vê-se que a contribuinte, também, não autorizou qualquer disponibilização dos dados bancários, sendo de extrema necessidade que ocorresse, haja vista serem informações pessoais. O Tribunal de Impostos e Taxas decidiu veementemente: “ICMS – FALTA DE PAGAMENTO DO IMPOSTO – OPERAÇAO CARTAO VERMELHO – OMISSÃO DE RECEITAS – MOVIMENTO REAL TRIBUTÁVEL APURADO COM BASE EM INFORMAÇÕES OBTIDAS JUNTO A ADMINISTRADORAS DE CARTÃO DE CRÉDITO – APLICAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES DO ARTIGO 6° DA LEI COMPLEMENTAR N° 105/2001 – PRECEDENTES JUDICIAIS QUE CONDICIONAM A QUEBRA DO SIGILO FISCAL E BANCÁRIO À INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO – RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO PARA, EX OFFICIO, CANCELAR O AIIM EXORDIAL.”[1] Ademais, há situações as quais a operação realizada pelo Fisco não notifica os contribuintes da investigação em andamento, cerceando o contraditório e ampla defesa, bem como a possibilidade de apresentação dos livros registros. As informações unilaterais obtidas sem autorização judicial prévia ou sequer prova de que os informes tenham sido fornecidos de fato pelas operadoras de cartões de crédito caracteriza um possível abuso de poder. O Juiz Randolfo Ferraz de Campos esclareceu: “Ora, embora tenha acessado os dados fornecidos pelas empresas administradoras dos cartões na forma disciplinada na Portaria CAT-87, de 18 de outubro de 2006, a respeito de operações efetuadas nos anos de 2007 e 2008 cujo pagamento se deu através de cartões de crédito e de débito pertinentes à autora, o que teria fundamento legal (art. 5º da Lei Complementar n. 105/01), a ré deixou de instaurar em seguida processo administrativo ou mesmo procedimento fiscal, inclusive para nele evidenciar os imprescindíveis aspectos tratados no art. 144, caput, do C.T.N. (fato jurídico tributável para verificar sua ocorrência quanto aos aspectos materiais, temporais e espaciais, identificar o sujeito passivo, contribuintes e responsáveis além da natureza e extensão da responsabilidade, encontrar os valores inerentes à base de cálculo e a ela sobrepor a alíquota e apurar o montante do tributo a pagar, fixando os termos de exigibilidade, condições e formas de pagamento) mediante acesso aos documentos, livros e registros das operadoras dos cartões de crédito e débito, inclusive para associar aos documentos, livros e registros da própria autora (e também das instituições financeiras como bancos com os quais estivesse a operar) por meio de fiscalização direta sobre eles. Ou seja, agiu a ré com base apenas nos dados das administradoras de cartões de crédito.”[2] E concluiu explicitamente: “Agiu, pois, a ré com ofensa ao art. 6º, caput, da Lei Complementar Federal n. 105/01, c.c. art. 192 da Lei Magna Federal, pois, ainda que se reconheça não ser absoluto o sigilo dos dados da autora no campo das operações por ela realizadas através de cartões de crédito e de débito, o acesso a eles com fundamento no art. 5º da mesma lei não a eximia de buscar elementos outros para associá-los àqueles dados, agora por meio de devido processo (ou procedimento, se o caso) legal na forma preconizada por aquele primeiro comando legal.” [3] A imputação do AIIM que somente se baseia nas informações de uma única operadora de crédito é ato ilegítimo, uma vez que não há, como é sabido, confrontamento com outros dados existentes sobre a movimentação financeira. Leandro Paulsen dispõe de maneira objetiva sobre o sigilo bancário: "É fundamental que associe as informações financeiras a outros dados ou que, ao menos, demonstre certa regularidade nos ingressos, pagamentos e investimentos a demonstrarem padrão de receita superior ao declarado".[4] É evidente a conclusão de que é indispensabilidade da intervenção do Poder Judiciário no acesso aos dados financeiros de pessoas físicas e jurídicas. Ainda que se considere como não absoluto o sigilo bancário, o Fisco tem o dever de confrontar os dados, bem como preconiza o Supremo Tribunal Federal: “o sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é absoluto, pois deve ceder diante dos interesses público, social e da Justiça. Assim, deve ceder também na forma e com observância de procedimento legal e com respeito ao princípio da razoabilidade".[5] Cita-se outro precedente do Excelso, o qual: “se é certo que o sigilo bancário, que é espécie de direito à privacidade, que a Constituição protege art. 5º, X não é um direito absoluto, que deve ceder diante do interesse público, do interesse social e do interesse da Justiça, certo é, também, que ele há de ceder na forma e com observância de procedimento estabelecido em lei e com respeito ao princípio da razoabilidade”.[6] O Tribunal de Justiça de São Paulo é veemente em suas decisões: “O sigilo bancário é garantido pela Constituição Federal (art. 5o, incisos X e XII), e a sua quebra somente pode ser deferida em casos excepcionais”.[7] Ademais, há de se ressaltar o que preceitua o Tribunal de Impostos e Taxas sobre o assunto: “ICMS. FALTA DE PAGAMENTO DO IMPOSTO APURADO POR MEIO DE LEVANTAMENTO FISCAL COM BASE EM INFORMAÇÕES PRESTADAS PELAS ADMINISTRADORAS DE CARTÃO DE CRÉDITOIDÉBITO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO PRÉVIO À QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO PARA CANCELAR O AUTO DE INFRAÇÃO.”[8] Bem como procede tal decisão: “ICMS – LEVANTAMENTO FISCAL – OPERAÇÕES COM CARTÃO DE CRÉDITO – SIGILO FISCAL – IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES FINANCEIRAS SEM PRÉVIO PROCEDIMENTO INSTAURADO – Sem procedimento instaurado e sem deferimento da proposta de requisição de dados financeiros, não está o fisco autorizado a utilizar as informações, nem mesmo que estas constem de seus cadastros, pois que, por serem ir1formações financeiras, foram transferidas ao fisco nos termos do art. 50 da Lei Complementar 105/01, devendo ser mantidos em sigilo, conforme o § 5º do mesmo artigo. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO.”[9] O direito à privacidade deve prevalecer enquanto não haja outro interesse público envolvido de índole constitucional que não a mera arrecadação tributária. De modo sintético, afirma-se que o Decreto n° 4.489, de 2002, que regulamenta a Lei Complementar n° 105, de 10 de janeiro de 2001, somente autoriza a Fazenda a cruzar dados de administradoras de cartões com dados fiscais. Nesse sentido, cruzar informações e lavrar auto de infração e imposição de multa sem prévio processo administrativo possuem ampla diferença semântica. Portanto, torna-se evidente que a utilização dos dados bancários fornecidos pelas empresas de cartões de crédito sem prévia autorização judicial configura afronta aos ditames constitucionais de competência da administração e das garantias fundamentais.
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A posição do crédito tributário no procedimento falimentar à luz do CTN e da Lei 11.101/2005
O presente artigo traz uma abordagem da posição do crédito tributário na falência à luz do CTN e da Lei 11.101/2005, demonstrando o posicionamento do Poder Judiciário e da doutrina especializada no assunto sobre a subsunção de tais créditos públicos ao procedimento concursal, caso assim pareça ser mais conveniente para o ente público credor, bem como a destinação que será dada a eventuais valores apurados em execuções fiscais que tiveram tramitação autônoma, já que a satisfação do crédito tributário da fazenda pública em detrimento dos demais credores poderá representar burla à ordem de preferência descrita na lei. Com isto espera-se suprir uma lacuna na doutrina que não raro se furta ao enfrentamento do problema, se limitando a reproduzir o texto legal, indicando a não submissão do crédito tributário à falência.
Direito Tributário
1 Introdução O procedimento falimentar tem especial importância, já que representa uma forma de dissolução das sociedades empresárias que se encontram em dificuldades para honrar as suas obrigações com terceiros, promovendo um verdadeiro concurso de credores, partilhando o ativo entre eles, segundo a preferência estabelecida em lei para seus créditos. A quase totalidade das sociedades que se encontram nesta situação possuem débitos tributários, que diante da importância subjacente na arrecadação dos tributos, dos quais dependem a implementação de políticas públicas relevantes, mereceu especial atenção do legislador, que os colocou juntamente com os créditos trabalhistas e com garantia real como preferenciais. Acontece que o Código Tributário Nacional ao descrever as garantias e privilégios do crédito tributário acentuou que este não se submete a concurso de credores, ou seja, mesmo que haja processo falimentar em curso, as execuções fiscais contra o falido poderão continuar tramitando normalmente. Por se tratar de uma prerrogativa, não pode ser interpretada como uma obrigação, pois caso o credor entenda ser mais conveniente a habilitação do crédito tributário na falência, terá o direito de assim proceder, suspendendo-se a execução fiscal no aguardo da liquidação do ativo arrecadado, e pagamento do passivo, segundo a ordem de preferência prevista em lei. De outra feita, caso opte o credor pela continuidade da execução fiscal de forma independente do processo falimentar, como seria feita a destinação dos valores eventualmente arrecadados em uma hasta pública realizada nestes autos? No decorrer deste artigo veremos que a não submissão do crédito tributário ao procedimento falimentar não representa autorização para que a Fazenda Pública desobedeça a ordem de preferência instituída em lei, de forma que os valores assim apurados deverão compor a massa falida, pagando-se os credores na ordem de preferência dos seus créditos. Assim, o presente artigo visa demonstrar a posição do crédito tributário na falência, e as opções que a Fazenda Pública tem para perseguir o seu crédito, seja por meio de execução fiscal autônoma, seja habilitando seu crédito no processo falimentar, além das consequências advindas da adoção de qualquer uma das vias mencionadas. 2 Finalidade do processo falimentar O processo de falência visa atribuir tratamento isonômico aos credores, na medida da importância de seu crédito, seja do ponto de vista humanitário, quando se asseguram verbas alimentares aos trabalhadores, seja na ótica social, quando se privilegia a arrecadação tributária, que se converte em serviços públicos prestados à sociedade, ou ainda sob o prisma da segurança jurídica, quando se assegura o crédito com garantia real. A nova lei de falências privilegia o princípio da preservação da empresa, pois não se olvida a importância que a atividade empresarial tem no contexto de uma sociedade, seja garantindo o abastecimento da população com produtos e serviços essenciais, seja com a geração de milhões de empregos. Mas quando tal engrenagem se rompe geralmente os efeitos são nefastos, pois o cenário que se molda é a demissão de empregados, muitas vezes sem o pagamento de seus direitos trabalhistas, o descumprimento de contratos, principalmente com fornecedores e clientes, além de não promover a quitação dos débitos tributários. Pensando nisso, a lei criou um mecanismo que promove a arrecadação de todo o ativo do empresário, e a quitação do passivo de forma universal, relacionando todos os credores em um quadro geral, onde seus créditos serão classificados e pagos conforme as forças da massa, segundo a preferência estabelecida em lei. Assim, vislumbramos no procedimento falimentar um instrumento para a preservação dos interesses dos credores, instalando uma execução concursal, de forma que nenhum fique prejudicado pela execução individual dos bens do falido, promovendo a isonomia entre eles. Entendida a finalidade do processo falimentar, adentraremos agora à ordem de preferência dos créditos na falência, dando ênfase ao Crédito Tributário, tema central do presente artigo. 3 Garantias e privilégios do crédito tributário O crédito tributário possui especial importância, uma vez que a sua arrecadação viabiliza o funcionamento do próprio Estado, demonstrando o interesse social envolvido. Com o nítido escopo de demonstrar esta prioridade dada ao crédito tributário, viabilizando sua cobrança em situação de precedência em relação aos demais créditos, materializando o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, o Código Tributário Nacional, em seus artigos 183 a 193, elencou as garantias e privilégios aplicáveis a ele. O artigo 183[1] deixa claro que as garantias descritas neste capítulo são apenas exemplificativas, e não taxativas, de forma que outras poderão ser atribuídas ao crédito tributário, sem desnaturar-lhe a natureza jurídica. Já o art. 184[2] estabelece concretamente a posição de prioridade que o crédito tributário ocupa em relação ao patrimônio do sujeito passivo. Dessa forma, podemos afirmar que todos os bens e rendas do devedor respondem pelo crédito tributário, inclusive aqueles dados em garantia ou mesmo gravados com cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula. Assim, mesmo que o devedor tributário tenha dado um imóvel de sua propriedade em garantia por meio da constituição de hipoteca, este contrato privado não será oponível ao fisco, que terá prioridade no recebimento do seu crédito. Vejamos o posicionamento jurisprudencial acerca do tema, ilustrada pela ementa abaixo transcrita, da lavra do Ministro Teori Albino Zavascki, da primeira turma do STJ:
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A incidência do imposto sobre serviços nas operações bancárias
A tributação é o instrumento legal para arrecadação financeira do Estado em face dos contribuintes, servindo também para regular o exercício tributário e evitar a violação excessiva pela Administração Pública da propriedade privada foi criado o Sistema Tributário Nacional. Esse sistema, composto por enunciados prescritivos que veiculam princípios tributários, possui entre outras atribuições, a de distribuir a competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. No que se refere aos Municípios e ao Distrito Federal, foi concedido a esses entes políticos a instituição do imposto sobre serviços, imposto que atualmente é regulado pela Lei Complementar nº 116/2003, diploma esse que determina a regra matriz de incidência tributária, destacando, em sua lista anexa, as atividades que constituem fato gerador da obrigação tributária desse imposto municipal. Na referida lista consta a possibilidade de tributação de Operações Bancárias, sendo de grande relevância conceber o alcance da tributação dos serviços e operações bancárias, sobretudo no que concerne ao interpretativo da lista anexa a Lei Complementar.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO A tributação decorre, histórica e juridicamente, do dever dos cidadãos de contribuir para o custeio da atividade estatal. Referida obrigação possui raízes jurídicas no princípio da solidariedade social, o qual impulsiona a idéia de que todos os cidadãos devem contribuir com o Estado para a manutenção de sua estrutura, na medida de sua capacidade. A Constituição Federal de 1988, ao determinar, em seu artigo 156, a competência dos Municípios e, cumulativamente, do Distrito Federal para a instituição e cobrança do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, deu a esses entes políticos um dos impostos mais discutidos e controversos da seara tributária, tal pela complexidade decorrente do critério material previsto na regra matriz de incidência tributária, qual pelo critério adotado na concepção do conceito jurídico de serviços para a efetivação da cobrança do aludido tributo municipal. A Lei Complementar nº. 116, de 31 de julho de 2003, norma que nascera com o desiderato de apaziguar as discussões que cercavam (e cercam) esse tributo durante décadas, provocou ainda mais críticas, em virtude da sua lista anexa de serviços passíveis à cobrança desse tributo. As instituições financeiras é o foco central do ISSQ no presente trabalho, são contribuintes deste imposto, quando realizam, pelas diversas modalidades das operações acessórias, atividades secundárias e autônomas de prestar serviços. Assim, é essencial a compreensão de quais Serviços e Operações bancárias podem ser tributados, assim como o alcance da interpretação dos referidos. O cerne da discussão será essencialmente se a liste de serviços seria taxativa ou meramente exemplificativa, e ainda se a referida lista admitiria interpretação analógica ou extensiva. 2. PREMISSAS TRIBUTÁRIAS NORMATIVAS: O conceito de direito formulado por Kant funda-se na idéia de norma prescritiva. É na estrutura de Kant que encontramos a origem da distinção entre imperativo categórico e imperativo hipotético. O imperativo categórico impõe dever sem impor condições, figurando nitidamente como norma moral, enquanto que o hipotético a conduta a forma de se obter um determinado fim desejado (condição para a produção de determinado efeito). A norma jurídica como imperativo categórico é a imposição de um dever sem qualquer condição ou questionamento, tendo como pressuposto a necessidade, podendo por sua vez, ser vislumbrada também como norma moral e ainda norma de conduta. No que tange, a norma imperativa hipotética pressupõe a existência de um juízo condicional, cuja conduta imposta é o meio para a consecução de uma finalidade. A norma jurídica em sentido hipotético se estrutura através do dever ser, composta por um antecedente (A) e um consequente (C). O antecedente normativo descreve abstratamente um determinado fato jurídico, enquanto que o consequente prescreve uma relação jurídica. Oportuno ainda observar que a relação jurídica prescrita no consequente estabelecerá uma obrigação (O), uma permissão (P) e uma vedação (V). Imprescindível se faz trazer a lume o entendimento Professor Paulo de Barros Carvalho[2] sobre o que vem a ser a ligação deôntica entre o antecedente e consequente normativo. “As normas jurídicas são juízos hipotéticos, em que se enlaça determinada conseqüência à realização condicional de um fato. E, quanto a essa arquitetura lógica interior, nenhuma diferença há entre regras tributárias, comerciais, civis, administrativas, processuais, constitucionais etc. porque pertence à própria substancia formal do juízo normativo. O princípio que estabelece o elo de ligação entre antecedente e consequente das normas jurídicas é o dever ser; em contraponto às leis naturais , onde encontramos o princípio da causalidade. O enunciado da proposição normativa, em símbolos lógicos, é este: Se A então deve-ser B, ao passo que as regras de natureza se exprimem assim: se A então B.” Portanto, é possível concluir se titubear que o conceito prevalente da estrutura das normas jurídicas é aquele que leva em consideração que elas possuem um antecedente que implicará necessariamente em um consequente. Com base nestas considerações preliminares é de clareza meridiana que a norma jurídica tributária é a regra que institui o tributo e assim, a norma jurídica que cria o tributo possui a mesma estrutura lógica das demais normas jurídicas. O antecedente tributário descreve comportamentos possíveis de ocorrência, o qual é composto de três critérios: material, espacial e temporal e sendo que de certo modo possui imersão atrelada à conduta prescritiva do consequente normativo. O critério material descreve o comportamento, que é representado por um verbo pessoal e um complemento. O professor Paulo de Barros Carvalho[3] ensina: “O critério material da hipótese tributária pode bem ser chamado de núcleo pois é o dado central que o legislador passa a condicionar, quando faz menção aos demais critérios”. Quanto ao critério espacial é a descrição do local em que será considerado realizada a conduta descrita naquela hipótese tributária e quanto o critério temporal é responsável por descrever o momento da ocorrência do fato gerador do tributo. Como já visto, o consequente tributário prescreve uma relação jurídico tributária, composta de critérios que o compõem, que serão o pessoal e o quantitativo. O critério pessoal é formado pelos integrantes da obrigação tributária, que são o sujeito ativo e o sujeito passivo. O critério quantitativo por sua vez, é responsável por quantificar o montante, em dinheiro, a ser cobrado pelo sujeito ativo do sujeito passivo e é composto pela Base de Cálculo e pela alíquota. De acordo com as considerações anteriores é possível concluir que da análise da norma jurídica será encontrado o antecedente e o consequente normativo. Assim, ao sopesar a Norma Jurídica, a satisfação dos critérios normativos, torna-se essencial que seja avaliado também o substrato da Norma, para elevar a compreensão do seu alcance. 3. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA: A pretensão de analisar o alcance de uma norma dependerá significativamente da compreensão da interpretação do direito e neste condão é salutar iniciar com o estudo de Norberto Bobbio[4], no momento em que ele visualiza cada palavra como um signo: “Interpretar significa remontar do signo (signum) à coisa significada, (designatum) isto é, compreender o significado do signo individualizando a coisa por este indicada. Ora, a linguagem humana (falada ou escrita) é um complexo de signos, é uma species do genus signo (tanto é verdade que é substituível por outros signos, por exemplo os gestos de mão, embora seja mais perfeito porque mais rico e maleável). O interprete deverá, sobretudo, compreender o verdadeiro significado das expressões, palavras e conceitos trazidos pelo legislador, para que possa alcançar eficazmente a aplicação do direito. O estudioso Roberto Eros Grau[5] ainda acrescenta uma importante premissa, que contribui sensivelmente para a conclusão que esse trabalho pretende apresentar, quando afirma que a interpretação inicia-se no abstrato para o caso concreto[6]. “A interpretação consiste em mostrar algo: ela vai do abstrato ao concreto, da fórmula à respectiva aplicação, à sua ilustração ou à sua inserção na vida; na interpretação de fatos, ao contrário, vai-se do concreto ao abstrato, da experiência à linguagem. A interpretação, pois, consubstancia uma operação de mediação que consiste em transformar uma expressão em uma outra, visando a tornar mais compreensível o objeto ao qual a linguagem se aplica.A interpretação do direito consiste em concretar a lei em cada caso, isto é, na sua aplicação, o intérprete, ao interpretar a lei, desde um caso concreto, a aplica. Interpretação e aplicação não se realizam autonomamente. O intérprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de um determinado dado. Assim, existe uma equação entre interpretação e aplicação: não estamos, aqui, diante de dois momentos distintos, porém frente a uma só operação. Interpretação e aplicação se superpõem.” É oportuno, destacar que interpretação e hermenêutica não são sinônimos, ao passo que o primeiro significa em apertada síntese determinar o sentido e o alcance da norma jurídica, enquanto que a ultima é a teoria cientifica da interpretação. A hermenêutica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis à determinação do sentido e do alcance das normas jurídicas. É irretocável a assertiva de que a interpretação e a aplicação não se realizam autonomamente. Assim, é possível inferir que o hermeneuta procura compreender o sentido da norma[7], o que evidenciará a interação entre interpretação e aplicação. Para alcançar o objetivo da interpretação, imprescindível se faz identificar os elementos da interpretação, quais sejam: o sentido e o alcance da norma. Toda norma, como objeto cultural, possui uma significação, sentido ou finalidade. O intérprete do direito deve buscar revelar o significado dos termos lingüísticos contidos na norma e ainda, buscar revelar a finalidade para a qual foi criada, preservando seu sentido original. No que tange ao alcance, é de suma relevância que o intérprete compreenda o âmbito de incidência da norma jurídica. Portanto é importante que o interprete analise a norma para chegar a um dos resultados de interpretação declarativa, restritiva, analógica e extensiva. A Interpretação Declarativa é aquela que o legislador se vale das palavras com adequação aos significados que deseja imprimir na lei[8]. Em linhas gerais é a interpretação que se limita a declarar o sentido da lei, no qual é possível identificar primorosa correspondência entre o enunciado normativo, o sentido e o alcance da norma jurídica. No que tange a Interpretação Restritiva é possível concluir que esta forma de interpretação diminui o âmbito de incidência da norma jurídica. São hipóteses em que o legislador escreveu mais do que deveria[9], é facilmente identificável nos chamados rols taxativos. E por fim a Interpretação Extensiva, que é que nos interessa no estudo, é a interpretação no qual o intérprete ultrapassa o alcance da norma jurídica, tendo em vista que o legislador escreveu menos do que deveria[10]. São hipóteses em que o legislador disse menos do que deveria. É de fundamental importância enfatizar que a interpretação analógica em matéria tributária é vedado na hipótese do §1º do art. 108 CTN, ou seja, apenas nos casos em que a sua aplicação resulte na exigência de tributo não previsto em lei. Dentro desta perspectiva, o §1º do art. 108 significa que a integração do ordenamento resultante da aplicação da analogia não pode interferir na amplitude das hipóteses de incidência previstas em lei. Contudo, é comum o debate acerca da possibilidade de utilização da analogia quando a relação entre o tributo, já previsto em lei, e a amplitude e o alcance que deve ser dada aos conceitos, que foram     inseridos pelo legislador. Nesta senda, a Doutrina e os Tribunais tem buscado solucionar a celeuma do alcance da interpretação dos conceitos utilizados da legislação mediante uma tênue diferenciação entre o uso da interpretação analógica e da interpretação extensiva, como será visto. 4. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DO ISS: 4.1. CRITÉRIO MATERIAL DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS Feitas considerações preliminares, mister se faz aduzir que a ordem constitucional tributária emanada pela Constituição Federal determinou-se que a competência tributaria é atribuição da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. No que tange ao tema principal deste trabalho, temos a possibilidade de instituição dos tributos pelos municípios, emanada através do art. 156 da Constituição Federal, estabelecendo que: “Compete aos Municípios instituir impostos sobre: III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no Art. 155, II, definidos em lei complementar; (Alterado pela EC-000.003-1993) § 3º – Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: (Alterado pela EC-000.037-2002) I – fixar as suas alíquotas máximas e mínimas; (Alterado pela EC-000.037-2002) II – excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior. (Alterado pela EC-000.003-1993) III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.” O inciso III prevê a possibilidade de cobrança de imposto sobre serviços de qualquer natureza, desde que edite lei complementar fixando as hipóteses de incidência. Assim, é possível observar que a Constituição Federal traz em seu bojo uma norma de estrutura que fixa a competência dos municípios para instituírem o Imposto sobre Serviços. Ocorre que, a ordem tributaria da constituição de 1988 não é inaugural. Desde a constituição de 1967 que os serviços de qualquer natureza eram tributados. Anteriormente era chamado de imposto de industria e profissões. Tal tributo sempre foi a principal fonte de receitas dos municípios. Em 1968, com o advento do decreto lei 406/68 ficou definido os parâmetros para a incidência do Imposto sobre serviços, contando com uma lista de serviços que poderiam sofrer a incidência do imposto. O Decreto lei 406/68 foi posteriormente alterado pela Lei Complementar 56/87. E posteriormente alterada pela atual Lei Complementar 116/2003. Não cabe aos Municípios criar ou acrescentar serviços além daqueles exaustivamente previstos na lista anexa a lei. Devido ao disposto contido no art. 146, inciso III, alínea “a”, cabe à Lei complementar estabelecer normas gerais a respeito do fato gerador dos impostos. Pois bem, o critério material previsto na hipótese da regra matriz de incidência tributária do Imposto sobre Serviços encontra-se atualmente no artigo 1º da Lei complementar nº 116/2003: “Art. 1º. O imposto sobre serviços de qualquer natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes na lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.” Nos dizeres de Natália de Nardi Dácomo[11]: “O critério material do ISS é expresso pelo Verbo “prestar (verbo pessoal e de predicação incompleta) e seu complemento “serviço”; mas não é qualquer serviço que será tributado, apenas aqueles descritos pela Lei Complementar n. 116/2003. (…) É sobre o fato “relação jurídica de prestar serviço” que incidirá a norma geral e abstrata do Imposto Sobre Serviços; esta relação jurídica é introduzida no ordenamento por meio de uma norma individual e concreta”. Desta forma, em análise ao referido artigo, conclui-se que o critério material da regra matriz de incidência tributária do ISS é prestar serviços (relação jurídica). 4.2. CONCEITO JURÍDICO DE SERVIÇOS: Conforme já mencionado anteriormente, o art. 156, III da Constituição Federal é que trata da tributação do Imposto Sobre Serviços. Assim, é fato gerador do ISS os serviços de qualquer natureza não compreendidos na competência tributaria estadual. A lei complementar 116/2003 descreve como fato gerador do ISS a prestação de serviços constantes na lista anexa. O fato gerador do ISS é definido pela lei municipal, malgrado tenha que observar os limites traçados na lei complementar tendo em vista a disposição expressa do art. 146, inciso III, alínea “a” da CF, que determina que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais a respeito do fato gerador dos impostos. O CTN estabelece no art. 110 que: a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressamente ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. Neste sentido, torna-se imprescindível trazer ao estudo o art. 549 do Código Civil que preceitua: toda a espécie de serviço ou trabalho licito, material, ou imaterial, pode ser controlada mediante retribuição. Como é possível perceber, o referido artigo não chega a conceituar semanticamente o que vem ser “prestação de serviço”. Natália de Nardi Dácomo[12] ainda relata que “a relação de prestação de serviço pode ter como objeto tanto uma obrigação de dar (produto) como também uma obrigação de fazer (processo). O critério material engloba as prestações de serviços onerosas sendo fator essencial a mensuração econômica para determinar a cobrança de qualquer tributo, não sendo diferente com o imposto ora sob análise. Portanto, não é possível a prestação de serviços em auto-serviço ou a título gratuito. O elemento fundamental para determinar a incidência, ou não, do ISS é a identificação do objeto da obrigação. Na medida em que a contratação disser respeito a uma atividade fim, as atividades meios estarão abrangidas pelo pacto, mas não assumirão a condição de um objeto autônomo que leva a uma contratação autônoma. Assim, para ser possível a cobrança do imposto sobre serviços torna-se imprescindível não apenas a prestação de serviços, como também que a prestação seja realizada em benefício de terceiro, com a remuneração do prestador do serviço (contraprestação). 5. O SISTEMA FINANCEIRO E A INCIDENCIA DO ISS: 5.1. AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E OS SERVIÇOS BANCÁRIOS Nesse passo, torna-se imprescindível analisar, ainda que ampassã, a conceituação de serviços bancários. A lei federal 4.595/64 regulou as atividades bancarias e financeiras, estabelece o conceito de Instituição financeira no artigo 17, como: “Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.” Na lição de Jose Eduardo Soares de Melo[13]: “Os serviços bancários e financeiros são prestações (obrigações de fazer) realizadas por instituições financeiras a seus clientes no sentido de criar facilidades. Assim, o banco pode gerar um conjunto de comodidades para os seus clientes como novas formas de serviços, tais como atendimento ia internet ou personalizado, os quais agregam conforto ao contrato principal celebrado pelo cliente, mas que não se confundem com a operação realizada. “(…) digamos que o banco ofereça um conjunto de facilidades ao cliente (‘cesta de serviços ou produtos’, com respectivas tarifas), como exemplo, o fornecimento de uma segunda via de cartão de crédito, um cartão para dependente, e assim por diante. Nesse caso existirão atividades que se conformam em serviços novos posto à disposição do cliente, que irá aceitar ou não, havendo, nesse caso, a possibilidade incidência do ISSQN” No que tange às atividades desenvolvidas pelos Bancos, Francisco Ramos Mangieri[14] relata os tipos de atividades: “As instituições bancárias desenvolvem dois tipos de atividades: as principais, que consistem basicamente em operações de crédito e câmbio sujeitas ao IOF; e as secundárias ou acessórias, verdadeiras prestações de serviços alheias ao âmbito financeiro.” A intermediação financeira consiste na ligação entre os agentes que poupam e os que se encontram dispostos a despender além dos limites de sua renda, ou seja, é atividade tipicamente bancária, sendo a instituição financeira intermediária entre os que colocam o dinheiro aplicado no banco e aqueles que tomam-no como empréstimo bancário, oportunidade em que a instituição exerce profissionalmente a intermediação creditícia. 5.2. PRESTAÇÃO MEIO E PRESTAÇÃO FIM: A prestação de serviços, em alguns casos, poderá caracterizar-se numa atividade deveras complexa, reclamando, para a conclusão dessa prestação, a ocorrência de várias fases. Esta etapa de intermediação, necessária para chegar ao fim, é conhecida como prestação-meio, que consiste em todos os atos praticados pelo prestador para atingir o objeto do contrato ou da atividade bancário. Em contrapartida, tem-se como prestação-fim aquela atividade bancária objeto, configurando todos os pressupostos previstos no critério material da regra matriz de incidência tributária do imposto sobre serviços. Como já mencionado, o que interessa ao critério material da hipótese de incidência do imposto sobre serviços é a natureza jurídica da prestação-fim, devendo essa atividade ser classificada como obrigação de fazer, enquanto as prestações meio podem se configurar obrigações diversas, não interferindo para fins de tributação do imposto sobre serviços. As Instituições Financeiras costumam a defender que determinados serviços devem ser considerados como prestação meio ou complementares de uma determinada atividade ou serviço bancário, de modo que, não seriam tributáveis pelo ISS. Costuma-se a asseverar que os serviços considerados como atividade-meio pelas instituições financeiras são prestados a clientes e usuários da instituição mediante remuneração e as receitas destes serviços são consignadas em registros contábeis próprios e independentes[15]. Todavia, vale advertir: não se deve confundir a prestação-fim com o ato concreto que torna adimplido um serviço bancário celebrado entre as partes, já que, o ato concreto do serviço contratado, mesmo tratando-se de prestação de serviço poderá caracterizar-se numa obrigação de dar. Como por exemplo o Contrato de empréstimo, no qual temos o serviço de realização do empréstimo no sistema operacional da Instituição financeira como prestação meio, sendo que a prestação-fim caracterizar-se-ia através do ato concreto da prestação do serviço que seria a disponibilização do valor do empréstimo. Conclui-se, portanto, que a prestação de serviço sob a qual incide o ISS depende, exclusivamente da classificação do tipo de obrigação a que se refere a prestação-fim, esta caracterizada como a atividade central da relação contratual existente. É irrelevantes para efeito de tributação do imposto sobre serviços, porquanto não são economicamente apreciáveis, não constitui objeto do contrato e ainda são realizadas em benefício do próprio prestador, e não do contratante. 5.3. ESPECIFICIDADES DO ISS NAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS – PLANO COSIF: A lei 116/2003, traz a definição do que seria o estabelecimento prestador que se encontra no art. 4º, transcrito a seguir: “Art. 4º – Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quais quer outras que venham a ser utilizadas.” Este detalhamento na definição de estabelecimento prestador demonstra a intenção do legislador em não permitir que o Sujeito Passivo se valha de quaisquer denominações para o estabelecimento prestador como forma de escapar da tributação do ISS. A lei nº 4.595/64 que regula as atividades bancárias, como já mencionado, estabelece no art. 4 a competência do Conselho Monetário Nacional (CMN), no que tange a expedição de normas de contabilidade para as instituições financeiras. Veja-se: “Art. 4º – Compete privativamente ao Conselho Monetário Nacional: XII – expedir normas gerais de contabilidade e estatística a serem observadas pelas instituições financeiras.” O Conselho Monetário Nacional transferiu tal atribuição legal para o Banco Central, que, por meio da Circular nº 1273, de 29 de dezembro de 1987, instituiu o Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (COSIF), de uso obrigatório pelas instituições financeiras e equiparadas. O referido Plano Contábil possui normas com o objetivo de padronizar os registros contábeis dos atos e fatos administrativos praticados, além de estabelecer regras, critérios e procedimentos necessários à obtenção e divulgação de dados e também possibilitar o acompanhamento do sistema financeiro, bem como a análise e o controle das demonstrações. Como visto, a padronização dos registros contábeis facilitou de sobremaneira a cobrança do ISS por parte do Agente Publico, de forma que, a auditoria contábil é feita de forma uniforme, independente da Instituição financeira. No que tange ao local dos serviços prestados, importa relatar que muitas instituições financeiras apesar de disponibilizar e serem utilizados determinados serviços em determinadas agências. Porém, em muitas oportunidades o registro contábil é feito na matriz da instituição, numa tentativa de impedir a análise daquele registro pela fiscalização municipal onde está localizada a agência bancária e, consequentemente, impedir a tributação por aquele município no qual a agencia bancária fica localizada. A justificativa para essa contabilização ser realizada na Matriz da Instituição Financeira seria porque alguns serviços são apenas captados pela agência, mas os recursos para efetivação do serviço seriam disponibilizados pela matriz. A maioria dos serviços como os de recebimento e cobrança prestados a órgãos públicos federais e suas autarquias, intermediação de seguros, previdência e cartões de crédito, assim como tarifas pela prestação de serviços vinculados ao crédito imobiliário e à carteira de câmbio, bem como pagamentos são realizados pela própria agência bancária e não pela Matriz da Instituição Financeira. Frise-se que não existe qualquer etapa de disponibilização de recursos pela instituição financeira. Convém ainda mencionar que o STF por meio da Súmula nº 588 firmou o entendimento de que alguns serviços não serão tributados: “ISS – Incidência – Depósitos, Comissões e Taxas de Desconto Cobrados pelos Estabelecimentos Bancários: O imposto sobre serviços não incide sobre os depósitos, as comissões e taxas de desconto, cobrados pelos estabelecimentos bancários.” É no município onde está estabelecida a agência que se situa o elo indispensável à existência da relação jurídica referente ao ISSQN: o usuário dos serviços. Neste Sentido Paulo Caliendo[16] afirma: “No caso do serviço ser contratado com cliente em agência local, por exemplo Maceió, e fornecimento em outro município, por exemplo Barueri, entende-se que a atividade realizou-se por meio do “estabelecimento de contato” gerando aqui, e não lá, a incidência do ISS, salvo se a consumação ocorrer via Internet ou bankphone.” A agência bancária representa a localização do tomador de e do prestador serviços. O serviço é prestado pela agência refere-se ao município deste estabelecimento e a receita proveniente daquele local deve ser tributada, independentemente da forma de contabilização desta receita. Conclui-se dessa forma, que a caracterização do fato gerador da obrigação tributária não depende da denominação dada ao serviço prestado ou de sua escrituração centralizada. 6. INTERPRETAÇÃO DAS OPERAÇÕES BANCÁRIAS: 6.1 DA TAXATIVIDADE DA LISTA DE SERVIÇOS. DA PREVISÃO LEGAL. Durante grande período foi ponto de toque de grande celeuma se a lista de serviços para a ocorrência do fato gerador de ISS seria taxativa ou exemplificativa. Nessa perspectiva, é importante esclarecer tal questão com as palavras de Hugo de Brito Machado[17]: “A propósito da definição, pelo legislador do Município, da hipótese de incidência do ISS, séria polêmica surgiu entre os tributaristas mais eminentes, sustentando uns o caráter meramente exemplificativo da prefalada lista de serviços, enquanto outros asseveravam o seu Caráter taxativo.” Primeiramente, para chegar a uma conclusão, deve-se aferir qual a precisa e a verdadeira função da Lei Complementar no campo do imposto municipal sobre serviços. A esse propósito, disciplina o art. 146 da Constituição Federal: “Art. 146 – Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.” Por uma interpretação literal do texto constitucional, poder-se-ia chegar à simplista conclusão de que, na ausência de lei complementar definindo os serviços tributáveis, o tributo não poderia ser validamente instituído e cobrado através de lei ordinária municipal. Ocorre que, se feita uma interpretação sistemática da Constituição Federal, a conclusão é bem diversa, a teor do quanto fixado por Francisco Ramos Mangieri[18], nos seguintes termos: “Com a Constituição Federal de 1988, o município foi elevado à condição de pessoa jurídica de direito público, passando a possuir competência tributária privativa, ficando em posição de igualdade com as demais pessoas políticas. Como os demais entes de direito público, o município desfruta de ampla autonomia política, sendo ele o senhor de seus assuntos de interesse local, conforme se percebe pelo art. 30 da Carta Constitucional. Em vista disso, não é possível que no campo do ISS, devidamente delimitado pela Constituição, possa ter suas dimensões aumentadas, diminuídas ou, muito menos, anuladas por uma lei complementar (infraconstitucional), senão estaremos implicitamente aceitando que é o Congresso Nacional, por meio de lei complementar, que confere aos Municípios competências para que tributem os serviços de qualquer natureza. Dessa forma, somos de opinião de que a lei complementar que alude o art. 156, III, in fine, da CF só pode dispor sobre conflitos de competência entre o ISS e outros tributos federais, estaduais, municipais e distritais, e regular as limitações constitucionais ao exercício da competência para, por via de imposto, tributar os serviços de qualquer natureza. Sua atuação deve concentrar-se exclusivamente naquela zona cinzenta que se situa entre os fatos geradores do imposto municipal e outros fatos tributáveis pelas demais pessoas políticas. (…) A lei complementar, portanto, nada pode criar; ao contrário, pode e deve apenas explicitar os comandos constitucionais, visando, com isso, eliminar eventuais conflitos de competência e regular as limitações ao poder de tributar. Como consequência lógica disso, temos que a competência municipal para tributar serviços independe de edição de lei complementar que os defina.  Basta que seja serviço e esteja previsto na lei ordinária municipal, para que possa ser validamente exigido pelas Prefeituras”. Tal entendimento é compartilhado pelo eminente Mestre Roque Antonio Carrazza[19], o qual, assevera: “De fato, as pessoas políticas, enquanto tributam, buscam fundamento de validade para seus atos jurídicos (leis, decretos, portarias etc) exclusivamente na Constituição. Obedecem à lei complementar nacional circunstancialmente, vale dizer, apenas quando ela explicita comandos constitucionais. Ampliações ou restrições de competências tributárias, levadas a efeito por lei complementar nacionais, porque inconstitucionais, não vinculam nem a União, nem os Estados, nem o Distrito Federal, nem os Municípios. Estas considerações nos reconduzem à proposição de que a lei complementar nacional não pode criar, para fins de ISS, a figura do serviço por definição legal. Se o fizer, será inconstitucional, por dilatar competências tributárias municipais e, o que é pior, por atropelar direitos inalienáveis dos contribuintes”. Nessa linha, já que lei complementar não cria tributo, mas apenas explicita os mandamentos constitucionais que deverão ser obedecidos pelo legislador ordinário, para que o imposto municipal possa ser legitimamente exigido faz-se necessário que o serviço de qualquer natureza venha expressamente delineado na lista de serviços municipal, obedecendo os requisitos da lei complementar 116/2003. Ademais, é por todos sabido que a hipótese de incidência do ISS é a prática de um serviço tributável, constante de uma lista pré-estabelecida pelo legislador municipal. Logo o fato gerador do imposto é, efetivamente, a prestação de algum dos serviços elencados na referida lista. O tipo tributável está nos sub-itens da lista e a lista assume a feição de uma enumeração taxativa, embora com cláusulas abertas, mas que permanecem circunscritas à materialidade de cada sub-item. Observa o autor que a indicação do item não é inútil. Sua utilidade consiste em esclarecer o sentido dos sub-itens de modo a mostrar que eles indicam hipóteses que se encontram dentro da área apontada pelo item. A lista atual utiliza inúmeras vezes o termo “congêneres”, nítida cláusula geral que estende o âmbito de aplicação do tipo legalmente qualificado. O conteúdo semântico do termo “congênere” é definido pelo elemento comum às hipóteses da enumeração que o antecede. Por isso, seu significado muda conforme o contexto em que se encontre; não tem um conteúdo próprio. O rol de serviços elencados na lista editada pela Lei Complementar 116/2003 é taxativo, não podendo os Municípios ampliá-los sob pena de inconstitucionalidade. 6.2. O ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES: No que tange o alcance da interpretação das operações bancarias como fato gerador do ISS, é importante mais uma vez trazer a debate que na lista anexa da Lei complementar 116/2003, em inúmeros itens da lista, o legislador valeu-se da expressão “congêneres”. Partindo dessa perspectiva alguns doutrinadores defendem que a lista seria na verdade meramente exemplificativa. Como já realado anteriormente o entendimento que deve prevalecer é o que atribui a lista a taxatividade. Não é o outro o posicionamento reiterado da Jurisprudência do STF e do STJ quando assentou o entendimento de que a lista de serviços possui caráter taxativo, e neste ponto, a lei municipal por imperativo de norma constitucional, deve ser ater ao rol previsto na lei complementar. Pois bem, com o entendimento da taxatividade da Lista de Serviços da Lei Complementar 116/2003, a nomenclatura dos serviços bancários passou a sofrer constantes mudanças por iniciativa do prestador de serviço, cujo objetivo principal, senão o único, era o de escapar da tributação com a simples mudança da nomenclatura dos serviços. Ocorreu que, a partir da constatação dessa atitude pelos tribunais passaram a acrescentar nos seus julgados que na lista de serviços seria possível atentar para a interpretação analogia. Esses julgados tiveram grande repercussão tanto na doutrina quanto nos operadores de direito, que passaram a questionar tal permissivo dado pelos tribunais em cotejo com as normas tributarias que tratam da impossibilidade de tal conduta. Neste sentido, torna-se importante sopesar as palavras de Hugo de Brito ao mencionar o entendimento dos tribunais superiores. Vejamos: “O Supremo Tribunal Federal manifestou-se no sentido de que a lista é taxativa, mas, erroneamente, admitiu sua aplicação analógica. Tal como não se pode, por analogia, ampliar o alcance da norma definidora do fato gerador de tributos em geral, também não se pode ampliar o elenco de serviços constantes da questionada lista, que tem a mesma natureza de norma definidora do fato gerador do tributo. Não bastasse o princípio da legalidade, temos norma expressa no Código Tributário Nacional a dizer que “o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei. (art. 108, § 1). (…) A nosso ver, em face da norma acima transcrita, é induvidoso que a Constituição Federal atribuiu aos municípios competência para tributar somente os serviços de qualquer natureza que a lei complementar defina. Não se trata, portanto, de uma limitação imposta pela lei complementar. Na verdade a competência que a Constituição Federal atribui aos Municípios tem, desde logo o seu desenho a depender de lei complementar.” O entendimento dos tribunais superiores quando assumiram que a lista de serviços é taxativa foi totalmente acertado, sobretudo, porque se deu em convergência com o posicionamento da doutrina dominante. Ocorre que, como já explicitado, a analise minuciosa dos acórdãos proferidos que tratam do alcance da lista, incorreu em evidente equívoco quando admitiu a interpretação analógica[20]. E isto deve ser apontado! Em relação tal relato, ressaltam-se as palavras de Marco Aurélio Greco[21]: “(…) enquanto a taxatividade busca esgotar os possíveis fatos relevantes para a normatividade, o raciocínio analógico parte justamente da ausência de norma prévia para enquadrar aqueles fatos, valendo-se de uma outra norma que a eles não se aplicaria originalmente” Porém, a partir da LC 116/03, o legislador tentou afastar qualquer contingência de uso da analogia, como entendia os tribunais superiores. E dentro desta linha de raciocínio a lista criada em 2003 tentou-se prever todas as hipóteses de ocorrência, tentando alcançar um tratamento exaustivo e taxativo à designação dos serviços tributáveis. Porém, a expressão “congêneres” permaneceu. Assim, por mais detalhista que a lista seja, o objetivo da exaustão de prescrever todas as possibilidades de ocorrência de fato gerador do ISS, não é possível de ser alcançado, mesmo porque a realidade é dinâmica, bastando que o legislador conste os gêneros, que o interprete extrairia as espécies. E assim termos materializada essa ideia, vez que a lista possui um item genérico e vários subitens. Não é outro o entendimento do brilhante Adriano Soares da Costa quando aduz que: “por mais detalhista que o legislador possa ter sido, o intérprete terá que preencher a esfera de possibilidades semânticas dos signos legais, buscando construir as normas jurídicas que vinculem todos os prestadores de serviços”.[22] Ocorre que, mais uma vez, com o fito de alterar o alcance da interpretação dos serviços, os tribunais superiores passaram a compreender que na verdade a interpretação é extensiva no que concerne aos subitens da lista de serviços. A taxatividade se verifica apenas no plano vertical, sendo certo que no plano horizontal, quanto aos subitens, é possível a interpretação extensiva. Em apertada síntese é possível concluir que a listagem é restrita (interpretação restritiva) relativamente ao gênero e não no que tange as espécies (subitens), no qual a interpretação acertada é a extensiva. De igual maneira, é entendimento aplicado no que tange a denominação data pelos prestadores ao próprio serviço passa a ser irrelevante, pois o importante é a natureza real do que representa, ou seja, o serviço efetivamente prestado. Vejamos recentes julgados do STJ[23], assumindo a interpretação extensiva dos serviços bancários: “TRIBUTÁRIO. ISS. SERVIÇOS BANCÁRIOS. NÃO-INCIDÊNCIA. LISTA DE SERVIÇOS DO DL Nº 406/68, ALTERADO PELO DL Nº 834/69. TAXATIVIDADE. NÃO-CABIMENTO DE APLICAÇÃO ANALÓGICA. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STF. 1. Pacífico o entendimento nesta Corte Superior e no colendo STF no sentido de que a “lista de serviços” prevista no DL nº 406/68, alterado pelo DL nº 834/69, é taxativa e exaustiva e não exemplificativa, não se admitindo, em relação a ela, o recurso da analogia, visando a alcançar hipóteses de incidência distantes das ali elencadas, devendo a lista subordinar-se à lei municipal. Vastidão de precedentes. 2. Agravo conhecido com o provimento do recurso especial (art. 544, § 3º, do CPC). AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 901.463 – SP (2007/0120987-0) Relator – Ministro JOSÉ DELGADO. DJ: 03/08/2007. TRIBUTÁRIO. ISS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I E II, DO CPC. COMISSÕES E CORRETAGENS DE CÂMBIO. ATIVIDADES DE INTERMEDIAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LISTAGEM DA LEI COMPLEMENTAR N. 56/87. SERVIÇO DE EXPEDIENTE. 1. Se a Corte a quo, ao apreciar recurso de apelação de forma clara e expressa, examinou a controvérsia suscitada, qual seja, a tributação de serviços bancários, não há falar que o acórdão que regularmente rejeitou os embargos de declaração incorreu em ofensa ao art. 535, I e II, do CPC. 2. O ISS não incide sobre os serviços bancários de comissões e corretagens de câmbio, assim como em operações financeiras de intermediação nominadas de FIRCE 26, porquanto tais atividades não se encontram relacionadas nos itens 95 e 96 da Lei Complementar n. 56/87. 3. Os serviços de expediente inserem-se no procedimento ordinário das operações bancárias, sendo serviços auxiliares e acessórios, não revestidos, portanto, de autonomia necessária para configurar serviço individualizável e, por conseqüência, constituir-se fato gerador do ISS. 4. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. REsp 347046 / RJ RECURSO ESPECIAL2001/0119953-7 Relator(a) Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. DJ 03/05/2004. TRIBUTÁRIO – SERVIÇOS BANCÁRIOS – ISS – LISTA DE SERVIÇOS – TAXATIVIDADE – INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. 1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que é taxativa a Lista de Serviços anexa ao Decreto-lei 406/68, para efeito de incidência de ISS, admitindo-se, aos já existentes apresentados com outra nomenclatura, o emprego da interpretação extensiva para serviços congêneres. 2. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08.  RECURSO ESPECIAL Nº 1.111.234 – PR (2009/0015818-9) RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON. DJ: 08/10/2009.” Os recentes julgados dos Tribunais Superiores, tratando da referida matéria culminou edição da Súmula 424 pelo Superior Tribunal de Justiça, com o seguinte teor: “É legítima a incidência de ISS sobre os serviços bancários congêneres da lista anexa ao DL n. 406/1968 e à LC n. 56/1987. Rel. Min. Eliana Calmon, em 10/3/2010”. Nesta ceara, analisando o alcance da referida súmula é imprescindível pontuar o conteúdo semântico da palavra “congênere”. O dicionário[24] define congênere, como do mesmo gênero, similar, idêntico. Tendo como ponto de partida a analise literal do contexto da recém-editada Súmula, é possível concluir que se autoriza a cobrança do ISS sobre os serviços bancários cuja essência seja idêntica, do mesmo gênero daquele serviço descrito na lista anexa a lei. Em contrapartida, o que é visto na jurisprudência dominante, é que esta sendo autorizada a cobrança do ISS fazendo uma interpretação extensiva dos serviços enumerados na lista anexa. 7. CONCLUSÃO: A Lei Complementar 116/2003 em sua lista anexa, no item 15 apresenta um imenso rol de atividades que, a priori, estariam sujeitas à tributação pelo imposto sobre serviços. De acordo com, os serviços bancários ou financeiros são compreendidos pelas atividades relacionadas com as operações de coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros, realizados por instituições financeiras. À guisa de conclusão cabe enfatizar algumas considerações acerca da incidência desse imposto na prestação dos serviços bancárias, quais sejam: O ISS não poderá incidir em nenhum serviço que constitua fato gerador do Imposto sobre operações financeiras; As atividades meio na lista aclamada, não são passíveis de tributação, visto que, em grande parte, são tarefas meio indispensáveis ao exercício da atividade financeira, e, como dantes visto, a prestação-meio não constitui fato gerador da hipótese de incidência tributária do imposto sobre serviços. E ainda, não são passíveis de tributação pelo ISS as contratações financeiras ou bancárias (fiança, aval, mútuo, entre outros). Adotando o entendimento que a lista de serviços anexa à Lei Complementar nº. 116/2003 é taxativa, bem como partindo ainda da premissa de que o ISS é um imposto residual, o referido tributo poderá incidir sobre as prestações de serviços bancários por instituições financeiras que não sejam tributáveis pelo IOF. Importante por fim asseverar que a Súmula 424 pelo Superior Tribunal de Justiça admite a incidência do ISS sobre os serviços bancários congêneres, bem como a jurisprudência dominante autoriza a cobrança do ISS por meio de uma interpretação extensiva dos serviços enumerados na lista anexa.
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Planejamento tributário e o princípio constitucional da capacidade contributiva
Pretende-se com este artigo analisar o planejamento tributário fiscal – elisão fiscal, forma lícita colocada à disposição dos contribuintes para a obtenção de uma carga tributária menos onerosa, apresentando os limites legais e principiológicos  pelos quais a prática seria admitida em nosso ordenamento jurídico, contrapondo-a às práticas ilícitas e ilegítimas que, sob uma falsa aparência de licitude, almejam fraudar o Fisco. Sobre o tema, a doutrina não é unânime, sendo um assunto de relevante importância. A grande problemática em torno do planejamento tributário diz respeito a seus limites. Até quando seria lícito o planejamento das atividades almejando-se a diminuição do encargo tributário?  Poderia o contribuinte efetuar um planejamento que contradiga os princípios tributários, em especial, o da capacidade contributiva? Para responder o presente artigo baseado em leitura de artigos em revistas especializadas e doutrinas diversas, dentre outras coisas, apresentará as distinções existentes entre os institutos da elisão e o da evasão fiscal, a definição e características do planejamento tributário e os princípios constitucionais aplicáveis a tal planejamento, o que permitirá aferir se uma determinada conduta praticada pelo contribuinte, tendo por fim a submissão a uma carga tributária menos onerosa, se mostra lícita ou ilícita.    Palavras chave: Planejamento tributário. Elisão fiscal. Evasão Fiscal. Princípios Constitucionais. Princípio da Capacidade Contributiva.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente trabalho pretende analisar o planejamento tributário fiscal – elisão fiscal, forma lícita colocada à disposição dos contribuintes para a obtenção de uma carga tributária menos onerosa, apresentando os limites legais e principiológicos-dentre os quais destaca-se o princípio da capacidade contributiva – pelos quais a prática seria admitida em nosso ordenamento jurídico, contrapondo-a às práticas ilícitas e ilegítimas que, sob uma falsa aparência de licitude, almejam fraudar o Fisco. O planejamento tributário fiscal, no dizer de Marcelo Magalhães Peixoto (2004), consiste na técnica de organização preventiva de negócios jurídicos, visando a uma lícita economia de tributos. Nesse sentido, amparado pelo entendimento doutrinário e jurisprudencial, serão apresentados os limites da elisão fiscal, bem como seus pressupostos, em face do Poder Estatal de tributar. Para uma melhor compreensão do trabalho, é preciso ter em mente o conceito de tributo, disposto no artigo 3º do Código Tributário Nacional. O Tributo não é contribuição voluntária e sim compulsória, sua obrigatoriedade independe da vontade do contribuinte. Por outro lado, fazendo uso de uma política fiscal e de seu poder-dever, cabe ao Estado ofertar aos cidadãos diversos serviços públicos, considerados essenciais para que seja dado um efetivo cumprimento aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, constante no artigo 3º da Carta Republicana. Sacha Calmon leciona acerca do Estado e da atividade tributária: “O poder de tributar é exercido pelo Estado por delegação do povo. O Estado, ente constitucional, é produto da Assembleia Constituinte, expressão básica e fundamental da vontade coletiva. […] O poder de tributar, modernamente, é campo predileto de labor constituinte. A uma, porque o exercício da tributação é fundamental aos interesses do Estado, tanto para auferir as receitas necessárias à realização de seus fins, sempre crescentes, quanto pra utilizar o tributo como instrumento extrafiscal, técnica em que o Estado intervencionista é pródigo. A duas, porque tamanho poder há de ser disciplinado e contido em prol da segurança dos cidadãos. Assim, se por um lado o poder de tributar apresenta-se vital para o Estado, beneficiário da potestade, por outro a sua disciplinação e contenção são essenciais à sociedade civil ou, noutras palavras, à comunidade dos contribuintes.”. (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, 2009, p. 37) Nesse contexto, o Estado Democrático de Direito concede ao contribuinte o direito de planejar suas atividades e optar pelo encargo tributário que lhe seja menos oneroso. Onofre Alves Batista Júnior (2002), em obra dedicada ao planejamento tributário, explica bem essa mudança de mentalidade: “Se, durante anos, o tributo foi estruturado a partir de uma relação de autoridade, ou seja, era devido porque assim quis o rei, ou pior, para atender às necessidades da Corte, torna-se necessário, hoje, despir-nos dessa visão preconceituosa, e procurar traçar uma abordagem mais contemporânea ao modelo de Estado traçado para o Brasil pela Constituição Federal de 1988.”. (BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves, 2002, p. 18) O mesmo autor esclarece que, de acordo com o princípio da legalidade, insculpido na Carta Constitucional de 1988 (art. 5º, II), “ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Assim, tendo em vista que é da natureza humana a busca por uma situação que lhe seja mais favorável, o contribuinte é livre para escolher um procedimento tributário menos oneroso, quando a lei para isso lhe der margem. Por certo, o Planejamento Tributário é uma importante ferramenta para o desenvolvimento das atividades produtivas, entretanto, só deve ser aceito pelo Estado quando não representar fraudes ou atitudes ilícitas em face do Fisco. Marco Aurélio Greco (2008) também destaca que o planejamento tributário é de extrema relevância para o contribuinte. No entanto, aprofundando seu raciocínio, adverte que a prática de um planejamento tributário ilegítimo poderia onerar os demais contribuintes: “Limito-me a mencionar dois dados para mostrar que foram veiculados pela imprensa e que são suficientes para mostrar o significado do planejamento tributário. Um dado é brasileiro e outro estrangeiro. O dado brasileiro corresponde a uma consideração feita diversas vezes em 1999 pelo então Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, em seus pronunciamentos no sentido de que, das quinhentas maiores empresas do Brasil, cerca de metade não pagava imposto sobre a renda há vários anos e, apesar disso, não ia à insolvência. A partir deste dado objetivo, lançava-se uma perplexidade: como era possível uma pessoa jurídica não apresentar imposto de renda a pagar e continuar sólida, crescendo etc. A resposta é, obviamente, por que o fato de não apresentar imposto sobre a renda a pagar era o resultado de uma sequencia de planejamento de tributários feitos. Na edição de 19 de julho de 2.008 do The Economist, consta a notícia de que um relatório de um subcomitê do Congresso Americano aponta perdas do Tesouro de US$ 100 bilhões por ano em razão de “offshore tax abuses.[…] Porém, em termos de política tributária, do papel da tributação no contexto social e econômico, tendo em vista a função do tributo, temos uma alteração séria no rumo do direcionamento da carga tributária. Ou seja, mediante planejamento tributários, as empresas americanas deixaram de suportar uma carga tributária a que deveriam estar submetidas, o que fez com que se deslocasse tal carga para as pessoas físicas.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.14) O planejamento tributário deve ser efetuado respeitando-se a legislação em vigor e os princípios tributários, como o da capacidade contributiva. Caso tal planejamento represente um aumento da carga tributária imposto aos demais contribuintes, Marco Aurélio Greco apresenta os seguintes questionamentos: “Isto coloca algumas perguntas cruciais que devem ser feitas: o aumento da carga tributária imposta às pessoas físicas é a diretriz mais adequada a ser seguida?  Na medida em que, num país como Brasil, os dividendos não são tributados pelo imposto sobre a renda, que tipo de rendimento está suportando a diferença de carga tributária: seriam os rendimentos do trabalho? Etc. Etc.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.14) A grande problemática em torno do planejamento tributário diz respeito a seus limites. Até quando seria lícito o planejamento das atividades almejando-se a diminuição do encargo tributário?  Poderia o contribuinte efetuar um planejamento que contradiga os princípios tributários? Para responder a tais questionamentos, o presente artigo, no capítulo intitulado “Tributos”, apresentará a definição do termo, bem como a finalidade de sua instituição pelo Estado, que necessita obter receita para arcar com os gastos públicos e exercer controle sobre a economia. Na sequência, em “O Estado o poder de tributar e seus limites”, serão apresentadas as características e funções do Estado, indicando as razões pelas quais institui tributos e quais limites lhe seriam aplicáveis. Adentrando no cerne do artigo, nos demais capítulos, serão apresentadas as distinções existentes entre os institutos da elisão e o da evasão fiscal, a definição e características do planejamento tributário e, por fim, os princípios constitucionais aplicáveis a tal planejamento, o que permitirá aferir se a conduta praticada pelo contribuinte, tendo por fim a submissão a uma carga tributária menos onerosa, se mostra lícita ou ilícita.  1 TRIBUTOS Inicialmente, cumpre-nos ressaltar que os tributos servem como fonte de receita para os cofres públicos, bem como, para interferir na economia privada, estimulando atividades, setores econômicos ou regiões, desestimulando o consumo de certos bens e produzindo, finalmente, os efeitos mais diversos na economia. É o caso, por exemplo, da previdência social, do sistema financeiro da habitação, da organização sindical, do programa de integração social, dentre outros. Nessa esteira, afirma Hugo de Brito Machado (1992), que o Direito Tributário é o ramo do Direito que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie. Quanto ao objetivo dos tributos, leciona Hugo de Brito Machado: “Assim, quanto a seu objetivo, o tributo é: a) Fiscal, quando seu principal objetivo é a arrecadação de recursos financeiros para o Estado. b) Extrafiscal, quando seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros. c) Parafiscal, quando o seu objetivo é a arrecadação de recursos para o custeio de atividades que, em princípio, não integram funções próprias do Estado, mas este as desenvolve através de entidades específicas.”. (MACHADO, Hugo de Brito, 2004 p. 75), De acordo com Hugo Machado (2004), em se tratando de receitas de entidades de direito público, não há dúvida de que essas contribuições seriam consideradas tributos. Contudo, para ele, o problema residiria nas contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, na medida em que tais entidades são transformadas em pessoas jurídicas de direito privado, que, apenas por delegação, exercem atividade estatal. “O custeio dessas entidades se faz mediante contribuições fixadas pelos próprios integrantes da categoria respectiva, em assembleia geral. Neste caso não são tributos e, por isto mesmo, não se submetem ao princípio da legalidade.”. (MACHADO, Hugo de Brito, 2004, p.75). No entanto, Hugo Machado (2004) afirma que existiram, ainda, outros tipos de tributo, que não se enquadrariam nos conceitos já mencionados, como, por exemplo, o denominado tributo oculto ou disfarçado. “Chega-se a esse conceito por exclusão. A prestação pecuniária compulsória que não constitui sanção de ato ilícito e que é instituída e cobrada sem obediência aos padrões que o ordenamento jurídico estabelece para a instituição e cobrança dos tributos pode ser considerada um tributo oculto.”. (MACHADO, Hugo de Brito, 2004, p.75) Tributo disfarçado ou oculto, então, é aquela prestação pecuniária que, não obstante possuir todos os elementos essenciais do conceito de tributo na teoria geral do Direito é exigida pelo Estado sem obediência às normas e princípios que compõem o regime jurídico do tributo. “Para instituir e cobrar tributo oculto ou disfarçado o Estado se vale de sua soberania, impõe a prestação fazendo-a compulsória por via oblíqua.” (MACHADO, Hugo de Brito, 2004, p.75). 2 O ESTADO, O PODER DE TRIBUTAR E SEUS LIMITES De acordo como Luciano Amaro (2007), para que exista uma sociedade organizada é indispensável a existência da figura do Estado. O Estado surge como uma figura que busca o bem estar coletivo, por isso, é atribuído a ele o dever de administrar a receita arrecadada de acordo com o interesse social. Assim, o Estado retira recursos da esfera privada patrimonial e transfere para a esfera pública de forma compulsória, com o fim de investir a verba arrecada em serviços para a população. Várias são as concepções acerca do conceito de Estado. Em síntese, como ponto em comum, entendem que se refere à forma de organização de um povo, que pertence a um determinado território, sendo que esta organização se dá através da manifestação de um pode político e soberano. As funções do Estado irão depender da concepção adotada, que poderá ter um enfoque individualista, socialista, baseada no bem estar social ou neoliberal. Mas, independente da concepção e da função que o Estado adotar, desenvolverá ele uma atividade financeira, que servirá de instrumento para alcançar seus objetivos institucionais. Como o Estado necessita obter receitas para fazer frente às despesas públicas, mostra-se relevante a atividade tributária por ele desempenhada. Então, a atividade tributária, em um primeiro momento, se justifica pela soberania que confere poder ao Estado, autorizando-o a exigir dos cidadãos, de forma coercitiva, determinadas somas em dinheiro, que têm por objetivo custear os gastos públicos. Mas, essa soberania liga-se ao fato de o Estado zelar pelo interesse público, valendo lembrar que o parágrafo único do artigo 1º da Constituição assegura que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Ao lado do poder de tributar do Estado, encontra-se o poder do povo, que o fundamenta e o delimita. Em um Estado Democrático de Direito, em que prevalece o princípio da legalidade, tanto o Estado quanto o cidadão devem respeitar o ordenamento jurídico vigente. Ressalta daí o princípio da solidariedade social que, no âmbito tributário, informa que é dever de todos os cidadãos que compõem uma sociedade contribuírem para o financiamento das despesas públicas, de acordo com suas manifestações de capacidade econômica. Ao dissertar acerca da relação fisco-contribuinte, o Professor Sacha Calmon apresenta o objeto do Direito Tributário, bem como seus limites: “O de regular o relacionamento entre Estado e contribuinte, tendo em vista o pagamento e o recebimento do tributo.[…] Em verdade, o Direito Tributário regula e restringe o poder do Estado de exigir tributos e regula os deveres e direitos dos contribuintes, isonomicamente. Seu objeto é a relação jurídica travada entre o Estado e o contribuinte.”. (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, 2009, p.33) Dessarte, para cumprir suas funções, possui o Estado o poder de tributar, quer seja fundamentado na soberania política, quer seja no principio da solidariedade social. Contudo, esse não é um poder ilimitado. Diversas limitações estão previstas em nossa Constituição que, ao mesmo tempo em que concede o poder de tributar, o limita e o condiciona. Lecionando sobre tributos, Luciano Amaro (2007) afirma que tributar (de tributere, dividir por tribos, repartir, distribuir, atribuir) mantém ainda hoje o sentido designativo da ação estatal. O tributo (tributum) seria o resultado dessa ação estatal, indicando o ônus distribuído entre os súditos. Por sua vez, Kiyoshi Harada (2006) defende que o Direito Tributário é, por assim dizer, o direito que disciplina o processo de retirada compulsória, pelo Estado, da parcela de riqueza de seus súditos, mediante a observância dos princípios reveladores do Estado de Direito. De acordo com o art. 3º do Código Tributário Nacional, tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda, ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção por ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.  Luciano Amaro (2007) critica o conceito legal de tributo, alegando pleonasmo. Para ele, prestações pecuniárias sempre se expressariam em moeda e, portanto, o seu valor seria uma expressão monetária. Porém, a interpretação que tem prevalecido do artigo 3º do CTN afirma que o pagamento do tributo pode ser efetuado em moeda ou em bens cujo valor possa ser medido em unidades monetárias. Pela expressão “prestação compulsória”, entende-se que o nascimento da obrigação independe da vontade do devedor, desde que realizada uma determinada atividade.  Luciano Amaro (2007) conclui que tributo é toda prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse público. Amaro (2007) defende que não seria necessária a referência à compulsoriedade tributária, já que, ao se afirmar que a prestação tributária é instituída em lei, logicamente, não teria por base a vontade dos sujeitos da relação jurídica. Para ele, essa atividade (que se desdobraria no ato de lançamento e nas demais providências do sujeito ativo para tornar efetivo o recebimento do tributo) é acidental. Isso porque a grande maioria dos tributos (que são os que o CTN sujeitou ao chamado lançamento por homologação) é recolhida sem prévio exame do sujeito ativo e também sem posterior exame (que seria eventual). Por fim, Luciano Amaro (2007) pontifica que o Estado ou outras entidades não estatais, que persigam fins de interesse público, seriam os credores da obrigação tributária. Dentro desse contexto, em que, tendo por fim zelar pelo bem estar coletivo, possui o Estado o poder-dever de instituir e arrecadar tributos, paralelamente, se manifesta a liberdade individual do contribuinte, que almeja se submeter a uma carga tributária menos onerosa, o que somente se admitirá caso a norma jurídica lhe conceda margem de escolha. Ora, a busca por uma carga tributária menos onerosa não é recente na sociedade. A ideia de uso da liberdade individual como elemento suficiente para caracterizar o planejamento tributário apareceu tempos atrás. Marco Aurélio Greco faz o seguinte relato histórico: “Cabe aqui mencionar um caso interessante que está documentado por ter sido relatado por um glosador da idade média que é Bártolo de Sassoferrato, que viveu entre 1320 e 1360 aproximadamente. Note-se que estamos falando de algo que ocorreu há 650 anos.  Bártolo relata em seu consilium 135 que determinada Comuna (que, na Idade Média, era formada fundamentalmente pela praça do mercado e pelas casas à sua volta, passou a cobrar uma taxa de todos os mercadores que iam para o local negociar seus produtos. Algo como um tributo pelo uso do solo municipal; não se discutia naquela época se era taxa ou imposto, não existia este refinamento conceitual.  Então surgiu a seguinte situação concreta: uns caçadores que iam para o mercado vender peles de animais, quando chegavam na praça, ao invés de colocá-las no chão, carregavam-nas nos braços e diziam: “como não coloquei a pele no chão, não devo pagar a taxa, pois não usei o solo”. Em termos atuais seria algo como “não pratiquei o fato gerador, assim não tenho que pagar a taxa”. Trata-se de fato ocorrido no século XIV e que hoje seria visto como um nítido modelo de “planejamento tributário” na visão clássica da figura, porque é lícito carregar a pele nos braços ao invés de colocá-la no chão, conduta que é realizada antes do fato gerador (porque a pele não encostou no chão) e sem nenhum tipo de engano, fraude ou simulação.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.120/121) E conclui afirmando que o planejamento tributário como algo lícito, não simulado e antes do fato gerador existe há mais de seiscentos anos na história do mundo ocidental. Greco apresenta entendimentos divergentes realizados em face do mesmo fato, demonstrando o quão controvertido é o tema aqui tratado: “Para o formalista, se pele não encostou no chão, não há fato gerador; para o realista, se a finalidade da sua presença na praça era comercializar, então a taxa era devida. Esta tensão entre formalismo e realismo aparece em grande parte dos debates que envolver planejamento tributário. […] A pergunta crucial é: qual das perspectivas predomina? O caçador sustentava ser o uso porque não encostou no chão e a Comuna sustentava ser a finalidade porque ele estava ali para comercializar. Esta dualidade “fato gerador + finalidade” vai nos acompanhar o tempo todo. O desafio é fazer a ponderação: mais pra cá ou mais pra lá?”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.122) Para o autor (2008), existiria uma faixa de comportamentos que envolvem o exercício da liberdade individual, hábil a embasar uma redução da carga tributária. Porém, em razão de entendimentos divergentes acerca de um mesmo fato, almejando a paz social, ganha importância a função do Estado, que deve impedir práticas ilícitas em face do Fisco e, ao mesmo tempo, zelar para que procedimentos lícitos, amparados por princípios tributários, possam ser utilizados pelo contribuinte como uma forma legítima de diminuição do encargo tributário. Um desses princípios é o da capacidade contributiva. Em obra dedicada ao planejamento tributário, Marco Aurélio (2008) afirma que o princípio da capacidade contributiva teria se consagrado no Brasil pela Constituição de 1946 (artigo 202) e, na Itália, pela Constituição de 1947 (artigo 53). Apesar de se firmar nos dois países na mesma época, com embasamento teórico comum, seguiram caminhos diversos. Cita Greco que: “Até o início da década de 60, o tema não apresentava maiores repercussões no campo prático, tendo permanecido como objeto de estudos doutrinários, mas raras foram as manifestações jurisprudenciais a respeito, tanto aqui, como na Itália. A partir desse período, Brasil e Itália passaram a viver experiências distintas. No Brasil, ao ensejo da reforma introduzida ao sistema constitucional tributário e por força do artigo 25 da Emenda nº 18/65, o artigo 202 foi expressamente revogado, o que abriu espaço a vários debates a respeito da permanência, ou não, do princípio no novo sistema tributário; alguns sustentando que teria sido suprimida, outros afirmando que ela permanecia como desdobramento de isonomia. Depois de cerca de vinte anos de poucos debates a respeito da capacidade contributiva, o Brasil decidiu suprimir da Constituição o dispositivo, enquanto a Itália passou a buscar sua aplicabilidade.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.313) O princípio só foi reintroduzido no ordenamento jurídico brasileiro na Assembleia Constituinte que ensejou o Texto de 1988. Assevera Greco (2008) que, no ordenamento italiano, a capacidade contributiva não é um contraponto ao da proteção ao patrimônio. Sua função principal não seria, apenas, definir uma meta individual pela tributação, mas estar associada à participação política, efetiva, do cidadão na vida do Estado.  Já no Brasil não se construiu o conceito dessa forma. Aqui, a capacidade seria desdobramento do princípio da solidariedade social. Elemento essencial na busca de uma sociedade justa. Aliado à capacidade contributiva, para uma melhor compreensão do planejamento tributário, é preciso discorrer sobre a competência tributária. Isso porque, como o planejamento tributário é a técnica de organização preventiva de negócios jurídicos, visando a uma lícita economia de tributos e realizando-se mediante uma interpretação mais favorável ao contribuinte das hipóteses de incidência, dos sujeitos da obrigação, da base de cálculo ou da alíquota devida, para a devida compreensão do presente trabalho, impõe-se, ainda que de modo sintético, uma breve análise da competência tributária, que é o poder atribuído pela Constituição da República de instituir (definindo o fato gerador, a base de cálculo, alíquota, etc.), cobrar e fiscalizar tributos. “A pessoa política que detém a competência tributária para instituir o tributo também é competente, por meio de lei, para aumentar a carga tributária, diminuí-la ou mesmo conceder isenções, observados os limites constitucionais (p. ex., art. 155, §2º, XII, “g”, da CF, que, a fim de evitar a chamada “guerra fiscal”, exige deliberação conjunta dos Estados e do Distrito Federal para que sejam concedidos benefícios fiscais relacionados ao ICMS.”. (CHIMENTI, Ricardo Cunha, PIERRI, André de Toledo, 2005, p.01) Luciano Amaro, dissertando sobre o tema, afirma: “Numa Federação, especialmente na brasileira, em que mesmo os Municípios têm sua esfera própria de atribuições exercidas com autonomia, a Constituição preocupa-se com prover os vários entes políticos – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – a fim de que cada qual possa atender aos seus respectivos dispêndios.”. (AMARO, Luciano, 2007, p 93) Assim, o poder de criar tributos é repartido entre os vários entes políticos, de modo que cada um tenha competência para impor prestações tributárias, dentro da esfera de que lhe foi assinalada pela Constituição. Ao criar tributos, o Estado estabelece normas, que deverão ser obedecidas pelo contribuinte e também pelo próprio Estado, evitando a arbitrariedade e a ocorrência de insegurança jurídica. É nesse contexto que o planejamento tributário deverá ser efetuado, dentro dos limites legais e de acordo com os princípios que regem o direito tributário. Ao criar ou alterar tributos, o Estado permite um juízo de interpretação de suas normas por parte do contribuinte. Caso a norma jurídica permita ao contribuinte optar por um encargo tributário menos oneroso, o Estado não poderá se furtar isso, sob pena de contrariar o princípio da legalidade e gerar insegurança jurídica na sociedade. Por outro lado, se a norma veda uma determinada prática, não concedendo opções ao contribuinte, o planejamento tributário eventualmente realizado será tido como lícito. 3 DISTINÇÃO ENTRE OS INSTITUTOS DA ELISÃO E DA EVASÃO FISCAL A doutrina tradicional, inicialmente, elegeu dois critérios para classificar elisão e evasão fiscal: o critério temporal e o critério da licitude. Adotando-se o critério temporal, importará analisar se a ação ou omissão ocorreu antes ou depois do fato gerador. Se a conduta foi anterior, mas decorreu de uma opção do contribuinte, dentre as várias dispostas pela legislação, denomina-se elisão e seria, em uma análise preliminar, considerada lícita. No entanto, se a conduta tiver ocorrido após o fato gerador, de modo que o contribuinte, fazendo uso de astúcia e agindo de má-fé, tente se esquivar de sua obrigação tributária, tem-se a evasão fiscal, conduta vedada pelo ordenamento jurídico (parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional): “Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”. Adotando-se o critério da licitude, a atividade será chamada de elisão, se estiver de acordo com o sistema jurídico que rege a tributação, ou seja, quando a própria legislação conceder opções ao contribuinte. Por outro lado, quando a legislação não conceder opções ao contribuinte, a livre escolha por um encargo tributário menos oneroso será tida como ilícita, caracterizando o instituto da evasão fiscal. Todavia, o critério cronológico mostra-se deficiente porque nem toda ação ou omissão ocorrida antes do fato gerador, necessariamente, será considerada elisão, ou seja, uma prática lícita. Uma determinada atitude do contribuinte pode acontecer antes do fato gerador e ser irrelevante para o planejamento tributário, como, por exemplo, deixar de consumir cigarro que tem tributação alta, para consumir alimento que tem tributação menor. Neste caso, é apenas a abstinência do contribuinte que causa redução de tributo, não podemos considerá-la planejamento. Há casos também onde o contribuinte pratica uma determinada conduta antes do fato gerador, entretanto, com o fito de simular o fato gerador que efetivamente se concretizará. Sobre isso, temos como exemplo a atitude do contribuinte que, para evitar contabilização de determinada receita em seu patrimônio, a contabiliza como empréstimo, induzindo o fisco ao erro.  Atualmente, o critério da licitude tem se apresentado mais completo, uma vez que, se a conduta do contribuinte se amoldar à legislação em vigor (norma jurídica, princípios e análise fática), poderá estar caracterizada uma legítima elisão fiscal. Se, todavia, for contrária a ela (norma jurídica, princípios e análise fática), será classificada como evasão fiscal, sendo, assim, ilícita. O Professor Sacha Calmon Navarro, intitulado “Elisão e Evasão Fiscal”, André Mendes Moreira, esclarece: “Divergências conceituais à parte, existe certo consenso no sentido de que elisão fiscal corresponde à economia lícita de tributos, e evasão fiscal á sonegação ou simulação (que pode ser absoluta ou relativa, esta última denominada dissimulação).”. (MOREIRA, André Mendes, disponível em: :www.sachacalmon.com.br/admin/arq_publica/936824c0191953647ec609b4f49bc964.ppdf) E mais: “Assim, existem contornos básicos que diferenciam elisão de evasão. Conforme entendimento dominante, elisão fiscal corresponde à prática de atos lícitos, anteriores à incidência tributária, de modo a obter-se legítima economia de tributos, seja impedindo-se o acontecimento do fato gerador, seja excluindo-se o contribuinte do âmbito de abrangência da norma ou simplesmente reduzindo-se o montante de tributo a pagar. Já evasão fiscal constitui a prática, concomitante ou posterior à incidência tributária, na qual são utilizados meios ilícitos (fraude, sonegação, simulação) para escapar ao pagamento de tributos.”. (MOREIRA, André Mendes, disponível em: :www.sachacalmon.com.br/admin/arq_publica/936824c0191953647ec609b4f49bc964.ppdf) O planejamento tributário é lícito e legítimo, contudo, não pode ser uma forma de burla à tributação, isto é, não pode o contribuinte, sob a alegação de que está fazendo um legítimo planejamento tributário, praticar, na realidade, fraude, sonegação ou simulações, tendo por objetivo fugir à tributação. Acerca disso, tem se manifestado o Egrégio Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais, vale destacar: “O caso é clássico no mundo do planejamento tributário, mas a economia de tributos, aqui, não tem lugar. O imposto é devido em Minas Gerais e não em São Paulo. Exponho que o instituto da evasão fiscal se caracteriza pela prática da sonegação, fraude ou simulação. Enquanto a sonegação é a própria mora ou falta no pagamento de tributos e a fraude importa em falsificação de documentos, a simulação nada mais é senão a criação de uma realidade jurídica legal, com fins de esconder a real intenção tributária do agente. Na simulação – ou dissimulação – o agente pratica certo ato com fins de ocultar sua real vontade. No artigo "Fraude à lei, abuso do direito e abuso da personalidade jurídica em Direito Tributário – Denominações distintas para o instituto da evasão fiscal "SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO explana com propriedade: "Já evasão fiscal constitui a prática, concomitante ou posterior à incidência tributária, na qual são utilizados meios ilícitos (fraude, sonegação, simulação) para escapar ao pagamento de tributos. (…) Simulação: pode ser absoluta (finge-se o que não existe) ou relativa (dissimulação: sob o ato ou negócio praticado jaz outro negócio, oculto, que corresponde à real vontade das partes)." . Em Acórdão publicado em 25/06/2004, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, analisando a distinção entre elisão e evasão fiscal, assim manifestou-se: “EMENTA: ISSQN – COMPETÊNCIA – LOCAL DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS – NÃO COMPROVAÇÃO DE QUE OS SERVIÇOS FORAM PRESTADOS EM OUTRO MUNICÍPIO – AUTUAÇÃO DEVIDA. O ISSQN pertence ao Município, em cujo território se realizou o fato gerador. Embora a lei considere local da prestação de serviço, o do estabelecimento prestador (art. 12 do Decreto-lei nº 406/68), a pretensão é a de que o ISSQN pertença ao município em cujo território se realize o fato gerador. Não restando devidamente comprovado que os serviços foram prestados em outro Município, correta a autuação levada a efeito pelo Fisco Municipal.[…] Além disso, segundo Sérgio Pinto Martins, em Manual do ISS, 2ª edição, p.232 "O sujeito passivo terá direito, inclusive, de se estabelecer num certo local onde a alíquota do ISS seja mais baixa, de modo a pagar o menor imposto possível. Trata-se, portanto, de hipótese de elisão fiscal, de economia de imposto – e não de evasão fiscal, de sonegação, ou seja, de economia lícita de imposto, de planejamento tributário.". Da análise dos julgados e dos institutos da elisão e evasão fiscal, é possível perceber que a evasão se concretiza via três figuras ilícitas, previstas, inclusive, no Código Civil Brasileiro: simulação, fraude e abuso de direito. 3.1 Simulação Começaremos falando da simulação, prevista no artigo 167 do CC/02, ou seja, são simulados os negócios jurídicos que  aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. Simulação, conforme o Dicionário Silveira Bueno, é o mesmo que disfarce, fingimento ou falsidade. A doutrina tem entendido que simulação é a manifestação de um negócio jurídico a terceiros que não se coaduna com a verdadeira vontade das partes, com a real intenção dos sujeitos de produzirem determinados efeitos entre si. “Dentro da diversificada gama de comportamentos empregados para minimizar o encargo tributário (negócios fiscalmente menos onerosos), podemos destacar, em primeiro lugar, negócios celebrados com o fim de enganosamente promover a “fuga de tributos”. Nesse caso, estaremos diante da figura da simulação fiscal. […] Pelo menos no ordenamento jurídico brasileiro, na elisão, os meios são sempre lícitos; na simulação, por outro lado, esconde-se a ilicitude dos meios e o fato gerador ocorre efetivamente, mas vem desnaturado em sua exteriorização formal, através do artifício utilizado. A simulação fiscal, assim, é uma das subespécies da evasão comissiva ilícita e, portanto, exige, para além da simulação do ato ou contrato (relativa ou absoluta), que esta se dê em prejuízo do imposto.”. (BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves, 2002, p. 219) Se a vontade e o negócio jurídico convencionado for de apenas um dos sujeitos (desconhecendo-a a outra parte), ou seja, não houver a cooperação na criação do negócio jurídico aparente, o instituto não é o da simulação, mas sim o da reserva mental, como predominantemente sustentado pela doutrina. A conduta será ilícita e de interesse para o Direito Tributário quando o acordo simulatório for um meio convencionado pelas partes para obterem aquilo que se dissimulou, tendo por fim a fuga dos encargos tributários. A simulação prevista no artigo 167 do Código Civil prevê a presença de alguns requisitos, tais como a vontade real e a declaração de vontade. Por exemplo, o contrato de aluguel utilizado para dissimular um contrato de compra e venda é um ato contrário ao ordenamento jurídico e ao interesse público. As partes contratantes declaram para terceiros um negócio jurídico aparente, simulado, cujos efeitos não são realmente desejados, com a mera intenção de enganar o Fisco e a coletividade[1]. 3.2 Fraude Como assenta a doutrina, a fraude à lei se verifica quando se intenta amparar o resultado contrário a uma lei em outra disposição, dada, em verdade, com uma finalidade diferente. O negócio em fraude à lei consiste em utilizar um tipo de negócio ou um procedimento negocial com o intuito de evitar as normas ditadas pra regular outro negócio (aquele cuja regulação é a que corresponde ao resultado que se pretende conseguir fugir com a atividade posta em prática). A fraude à lei está prevista no artigo 166, VI, do Código Civil. Onofre Alves leciona que: “A fraude à lei tributária, assim, pressupõe a presença de duas normas: uma norma instrumento ou de cobertura, e uma norma fraudada. Supõe que um determinado resultado econômico, cuja consecução pelos meios jurídicos normais acarretaria a incidência tributária, consegue-se por outros meios jurídicos, que natural e primariamente têm por objetivo fins diversos, e que não estão gravados ou o estão de forma mais atenuada.”. (BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves, 2002, p. 221) A fraude à lei é a conduta, inicialmente, observa a literalidade da norma, mas almeja atingir fim ilícito. A fraude à lei usa de meios lícitos em si para alcançar o resultado vedado pela lei.  No que tange ao presente trabalho acadêmico, é preciso ter em mente que nem sempre os contribuintes buscam brechas na lei por motivos imorais.  Na verdade, eles o fazem porque isso é parte do planejamento tributário, é um modo de diminuir encargos e fortalecer a atividade empresarial. Daí a grande importância de se aferir corretamente se o contribuinte tenta elidir-se do tributo ou praticar evasão. 3.3 Abuso de Direito Embora seja legítimo que o contribuinte organize seus negócios para buscar a economia de tributos, amparado pelo princípio da autonomia da vontade e da liberdade de contratar, não lhe é dado abusar desse direito. Na obra intitulada Planejamento Tributário, Reinaldo Pizolio apresenta o seguinte questionamento, formulado por Marco Aurélio Greco: “Neste aspecto, a questão é formulada por Marco Aurélio Greco nos seguintes termos: “ […] creio que há um outro aspecto a ser ponderado, quando se examina o tema do planejamento tributário (ou da elisão fiscal), e que não se prende, propriamente, à existência do direito, mas sim ao seu uso, ao modo de seu exercício. A pergunta que se põe é: admitida a existência do direito de organizar sua vida, este direito pode ser utilizado pelo contribuinte sem quaisquer restrições? Ou seja, tal direito é ilimitado? Todo e qualquer “planejamento” é admissível?”. (PIZOLIO, Reinaldo, 2004, p. 167) O abuso de direito encontra-se previsto no artigo 187 do Código Civil: “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”. Para Pizolio (2004), ainda restaria saber até que ponto as normas jurídicas, as formas jurídicas, os dispositivos legais e, em última análise, o próprio ordenamento jurídico pode ser manipulado para se evitar a incidência da norma tributária ou minimizar seus efeitos. No entanto, o mesmo autor afirma que haveria limites à conduta dos contribuintes, já que todo direito subjetivo também os possui. Em especial, deverá ser aferida a boa-fé do contribuinte e sua eticidade. “A ideia de abuso de direito, por sua vez, nos leva à questão da eticidade no trato e na interpretação do ordenamento jurídico como pauta valorativa do intérprete, como acentua Miguel Reale por inúmeras vezes referindo-se ao novo Código, apontando-a como princípio fundamental da nova ordem civil. Neste sentido, acentua João José Sady que a “questão da eticidade está nitidamente imbricada na ideia de abuso de direito como causa de defeito do ato jurídico” e, invocando a voz de Caio Mário da Silva Pereira, aduz que “expurgada a teoria de todas as suas nuanças e sutilezas, resta o princípio em virtude do qual o sujeito que tem o poder de realizar o seu direito, deve ser contido dentro de uma limitação ética […]”. (PIZOLIO, Reinaldo, 2004, p. 168) Assim, atualmente tem se entendido que o exercício de qualquer direito deve obedecer a, pelo menos, um mínimo de conteúdo ético, não podendo o titular do direito dele fazer o uso sem que haja uma real e justificável finalidade. Não basta ao titular fazer um mero uso de um direito subjetivo existente, mas cumpre-lhe fazê-lo com responsabilidade e boa-fé, não só para com o contraente, mas para com toda a coletividade, que também é titular de direitos subjetivos. 4 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO No dizer de Marcelo Magalhães Peixoto (2004), planejamento tributário é a técnica de organização preventiva de negócios jurídicos, visando a uma lícita economia de tributos. Não há dúvidas de que a Constituição Federal tutela o direito ao exercício da autonomia privada, à propriedade e á liberdade contratual, porém, do mesmo modo a Carta Magna também prescreve o dever ético-jurídico ao pagamento do justo tributo. “Deste modo, é imperioso que os operadores do direito pensem o planejamento tributário dentro de um contexto ético mais amplo, para que a sociedade brasileira possa avançar nos debates tributários, com o fito de ver no tributo sua qualidade principal, qual seja, a de ser o instrumento financeiro indispensável à realização da justiça tributária e, por conseguinte, justiça social.”. (PEIXOTO, Marcelo Magalhães, 2004, p.29) E acrescenta: “Viver eticamente é viver conforme a justiça. Tributar e gastar de forma ética é tributar e gastar conforme a justiça tributária. Planejar os negócios jurídicos dos contribuintes de forma ética é planejamento segundo a justiça tributária.”. (PEIXOTO, Marcelo Magalhães, 2004, p.30) Onofre Alves Batista Júnior (2002) bem esclarece o contexto em que se realiza o planejamento tributário: “Inicialmente, antes de qualquer outra consideração, devemos assinalar que o Direito Brasileiro alberga o Princípio da Legalidade, que determina que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II, da CF/88). Portanto, podemos concluir que, em regra, o contribuinte não pode ser obrigado a adotar esta ou aquela conduta senão em virtude de lei. Sabendo-se que é da lógica comercial a minimização de despesas e maximização dos lucros, podemos também inferir que, em regra, o contribuinte só poderá ser compelido a adotar um procedimento que traga consequências tributárias mais gravosas, se assim determinar a lei.”. (BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves, 2002, p. 18) De modo esclarecedor, leciona: “Na elisão fiscal, o agente, visando certo resultado econômico, busca, por instrumentos sempre lícitos, fórmula negocial alternativa e menos onerosa, sob o ponto de vista fiscal, aproveitando-se de legislação não proibitiva ou não equiparadora de fórmulas ou formas de Direito Privado.”. (BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves, 2002, p. 26) O instituto do planejamento tributário, desenhado a partir da organização da vida em sociedade e com base na liberdade para diminuir a carga tributária imposta pelo Estado, é de inegável importância nos dias atuais. Em uma sociedade democrática, é dever do Estado ofertar aos mais carentes e necessitados os bens primários, indispensáveis à sobrevivência digna, sendo esse um dos motivos pelos quais o Estado institui tributos. Todavia, justamente por vivermos em uma democracia, devemos pautar nossas atitudes pela eticidade, sendo esse um dos princípios basilares do planejamento tributário. Respeitado esse princípio, o planejamento tributário é legitimado, pois possibilita a efetivação da tão almejada justiça tributária. Não se pode admitir que o Estado, enquanto instituidor e gestor dos tributos, seja incapaz de bem gerir os recursos públicos e permita praticas abusivas, que fraudam o fisco e o princípio da solidariedade tributária. De outro lado, é plenamente razoável que os contribuintes, tendo por fim, minimizar a carga tributária, efetuem um planejamento próprio, dentro dos limites legais e de acordo com os princípios tributários, de modo a escolherem, dente as opções que lhe são ofertadas pelo Estado, a menos onerosa. Roberto Wagner Lima Nogueira (2004) entende que planejamento tributário é a técnica de organização preventiva de negócios jurídicos, visando a uma lícita economia de tributos. “Deste modo, é imperioso que os operadores do direito pensem o planejamento tributário dentro de um contexto ético mais amplo, para que a sociedade brasileira possa avançar nos debates tributários, com o fito de ver no tributo sua qualidade principal, qual seja, a de ser o instrumento financeiro indispensável à realização da justiça tributária e, por conseguinte, justiça social.”. (NOGUEIRA, Roberto Wagner, 2004, p. 29) Como já ventilado, o planejamento tributário envolve estudo e implementação de opções lícitas a serem tomadas pelo sujeito passivo potencial da relação jurídica tributária, no que tange a evitar a ocorrência de evento que lhe coloque na posição do sujeito passivo (contribuinte ou responsável) ou, não sendo possível evitá-la, reduzir seu impacto econômico. Marco Aurélio Greco (2008) destaca que o planejamento tributário é imensamente relevante da perspectiva do Direito, em especial: “O primeiro tema é o da isonomia, pois ela é quebrada não apenas quando se cobra tributo de quem não deveria ser cobrado, por exemplo: cobrar de quem não tem capacidade contributiva, como também há violação à isonomia se não é cobrado tributo de quem deveria ser cobrado ou não se consegue alcançar quem deveria ser alcançado. […] O segundo tema é o da concorrência. A competição num regime de mercado não pode se dar através de variáveis que não digam respeito à própria aptidão, criatividade ou à qualidade do produto ou do serviço prestado. A variável tributária não deve ser instrumento de diferenciação entre concorrentes ou que interfira na competição. O ideal é que a tributação seja um piso único a partir do qual todos os concorrentes passem a agir. A variável tributária – salvo situações especiais como o uso extrafiscal do tributo – não deve ser elemento que diferencie os competidores no mercado, porque se isto ocorrer surgem distorções, pois começam a existir reflexos no market share, na  participação do mercado não pelas qualidades do produto ou serviço ou da competência do agente econômico, mas porque ele descobriu um meio de diminuir a carga tributária e, com isto, consegue apresentar um preço menor do que o concorrente.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.15/16) Nesse diapasão, Roberto Wagner Lima Nogueira (2004) afirma que viver eticamente é viver conforme a justiça. “Tributar e gastar de forma ética é tributar e gastar e conforme a justiça tributária. Planejar os negócios jurídicos dos contribuintes de forma ética é planejamento segundo a justiça tributária.” (NOGUEIRA, Roberto Wagner, 2004, p. 30) Segundo Roberto Wagner (2004), para falarmos em justiça tributária numa sociedade democrática, precisaríamos notar a presença de pelo menos duas características básicas: uma forte regulação na distribuição de bens na estrutura básica da sociedade e cidadãos-contribuintes que, em uma democracia constitucional, pagam tributos e mantêm um fundo comum público, destinado a garantir a oferta de bens e de serviços impossíveis de serem assegurados com equidade a todos os cidadãos, se entregues ao mercado. O cidadão-contribuinte, dentro desse contexto, tem o dever fundamental de pagar tributos, segundo, dentre outros princípios, o da capacidade contributiva. “Ao cidadão-contribuinte não é ético contribuir a menos para o montante da riqueza social, em proporção ao que suas faculdades lhe permitiam pagar, o que não deixa de ser uma exigência aristotélica na teoria da justiça tributária contemporânea.  Portanto, não pode o contribuinte valer-se do planejamento tributário para efetuar pagamento de tributo aquém de sua capacidade contributiva.”. (NOGUEIRA, Roberto Wagner, 2004, p. 32) Ao dissertar sobre a ética fiscal pública, Roberto Wagner (2004) destaca alguns valores a serem observados. Para ele, o Estado deve aceitar a liberdade do contribuinte em realizar uma determinada opção fiscal, desde que respeitada a sua capacidade contributiva. Porém, essa liberdade não seria absoluta, já que, no entendimento de Wagner (2004), via de regra, todos que estiverem sob uma mesma situação haverão de sofrer a mesma tributação. Portanto, interpretar os valores da liberdade e da igualdade de maneira harmonioso, nem sempre é tarefa das mais simples. Ademais, o Estado deve privar pela segurança jurídica, abstendo-se de tributar de surpresa ou de maneira irracional. Aliado a esses valores, deve o Estado, ainda, zelar pela solidariedade, ápice da efetivação da ética fiscal pública. Para o Autor (2004) fazer justiça tributária é, dentre várias coisas, ser solidário com os carentes, que têm direito subjetivo à solidariedade e à assistência estatal, garantir a igualdade formal entre os contribuintes que se encontrem sob uma mesma situação jurídica e, ao mesmo tempo, conceder-lhes o direito de, mediante seu próprio planejamento e dentro das opções ofertadas pelo Poder Público, minimizar seu encargo tributário. 5 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICADOS AO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO De antemão, é preciso esclarecer que a importância do presente tópico se deve às características de nosso ordenamento jurídico, alicerçado em diversos princípios jurídicos. A Constituição da República, como lei fundamental, nos apresenta uma série de princípios, que deverão ser observados tanto na elaboração de normas quanto no cumprimento das mesmas. Dessa forma, todos os artigos da Lei Maior só encontrariam sua real dimensão se conjugados com os princípios do sistema constitucional.  Carraza afima que: “Observamos, ainda, que nossa Constituição, no louvável propósito de transformar a República Brasileira num Estado Democrático de Direito, submeteu a ação tributária das pessoas políticas a um extenso rol de princípios (federativo, da legalidade, da igualdade, da anterioridade, da segurança jurídica, da reserva de competências etc.), que protegem, ao máximo, os contribuintes, contra eventuais abusos fazendários.”. (CARRAZZA, Roque Antônio, 2008, p.56) Como o planejamento tributário deve ser interpretado à luz da Constituição, sua devida aplicação deverá se conformar com os princípios que regem nosso ordenamento jurídico. Não se pode achar que o Poder de Tributar do Estado está ileso a qualquer tipo de limitação. É a Constituição Federal que traça tais limitações, a partir de mecanismos como a imposição de Competência Tributária, as Imunidades Tributárias e, principalmente, os Princípios Constitucionais Tributários, instrumentos que respeitados, trazem segurança para o contribuinte. O professor Sacha Calmon, comparando nosso ordenamento jurídico com o de outros países, ilustra bem a importância dos princípios em matéria tributária: “Os países europeus de tradição jurídica romano-germânica, a que pertencemos pela filiação lusa, trazem em suas Constituições alguns princípios tributários, sempre poucos. Os que são Estados Federais colocam nas Cartas Políticas outros tantos princípios relativos à repartição das competências, inclusive tributárias. A Inglaterra, matriz do Common Law, em seus documentos históricos, os quais em conjunto formam a Constituição inglesa, igualmente, mas de maneira esparsa, agasalha alguns princípios sobre o exercício do poder de tributar. Os EUA, que nos inspiram a República, o Presidencialismo, o sistema difuso de controle de constitucionalidade e a Federação (certo que imprimimos à Federação a nossa feição centralizante), tampouco são um país que se demora em cuidados justributários no corpo da Constituição. O Brasil, ao contrário, inundou a Constituição com princípios e regras atinentes ao Direito Tributário. Somos, indubitavelmente, o país cuja Constituição é a mais extensa e minuciosa em tema de tributação. Esta cariz, tão nosso, nos conduz a três importantes conclusões: Primus – os fundamentos do Direito Tributário brasileiro estão enraizados na Constituição, de onde se projetam sobre as ordens jurídicas parciais da União, dos Estados e dos Municípios; Secundus – o Direito Tributário posto na Constituição deve, antes de tudo, merecer as primícias dos juristas e dos operadores do Direito, porquanto é o texto fundante da ordem jurídico-tributária; Tertius – as doutrinas forâneas devem ser recebidas com cautela, tendo em vista as diversidades constitucionais.”. (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, 2009, p.45/46) Para o ilustre professor, a Constituição da República é bastante minuciosa e repleta de princípios, que deverão ser observados tanto na elaboração da norma quanto na sua aplicação, posto que justificam e fundamentam o poder de tributar. Perceba-se que essas limitações, sejam legais, seja principiológicas, estão intimamente vinculadas aos mecanismos que permitem o legítimo exercício do planejamento tributário. Dentre outros, destacam-se quatro princípios como mecanismo de autorização do planejamento tributário: capacidade contributiva, vedação do confisco, legalidade e anterioridade. A Constituição da República alicerça e dá validade ao ordenamento jurídico, fixando as diretrizes das normas infraconstitucionais, de forma direta e indireta. Entretanto, a aplicação de normas e regras deverá ter como base os princípios constitucionais, visto que os mesmos constituem seus limites de aplicação e de interpretação. “Os princípios constitucionais tributários e as imunidades (vedações ao poder de tributar) traduzem reafirmações, expansões e garantias dos direitos fundamentais e do regime federal. São, portanto, cláusulas constitucionais perenes, pétreas, insuprimíveis.”. (art. 60, § 4º, da CF) (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, 2009, p.164) Os princípios são dirigidos principalmente aos legisladores, mas devem ser observados pelos juízes, enquanto aplicadores da lei, quando se fizer necessário julgar se dado instrumento legislativo está condizente com o que determina o princípio, como também pelo Poder Executivo ao dar cumprimento ao que a lei determina, especialmente, no momento de exigir os tributos dos contribuintes. Como se sabe, o poder de tributar está repartido entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e, embora existam disposições expressas na Constituição da República quanto à tributação, as regras ali dispostas não devem ser interpretadas de maneira estanque, impondo ao legislador e ao intérprete a análise das regras em conjunto com os princípios que as fundamentam e as justificam, haja vista que tanto as regras quanto os princípios fazem parte do mesmo ordenamento jurídico, que deve ser aplicado de maneira harmoniosa. Vale lembrar que os princípios constitucionais informam todas as diretrizes básicas da Carta Magna e são dotados de normatividade e eficácia, impondo ao legislador ordinário sua observância e respeito quando da elaboração de normas. O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição Federal, tem competência para julgar a constitucionalidade de normas que violem não só regras, mas, também, princípios constitucionais. Isso porque, os princípios por se encontrarem acima das normas, exerceriam sobre estas força vinculante, sobretudo no momento da sua interpretação. Destarte, pode-se afirmar que a violação a um principio constitucional importa em ruptura da própria Constituição, representando uma inconstitucionalidade, devendo, portanto, a norma violadora ser retirada do ordenamento jurídico. A ruptura de um principio traduz em consequências mais graves do que a violação de uma simples norma, visto que ofende uma regra fundamental informadora  de todo um sistema jurídico. “A ação mediata dos princípios consiste, em primeiro lugar, em funcionarem como critérios de interpretação e integração, pois eles que dão a coerência geral do sistema. E, assim, o sentido exato dos preceitos constitucionais  tem de ser encontrado no conjugação com os princípios e a integração há de ser feita de tal sorte que se tornem explícitas ou explicitáveis as normas que o legislador constituinte não quis ou não pôde exprimir cabalmente.”. (MIRANDA, Jorge apud AMARO, Luciano, 2007, p.50) Por fim, podemos afirmar que os princípios funcionam como critérios de interpretação e integração, pois propiciam coerência geral ao sistema. Ademais, ao exercer sua potestade, deve o Estado zelar pelo respeito aos princípios constitucionais, seja na elaboração de normas, seja no cumprimento das mesmas. O planejamento tributário será legitimado quando não contrariar a legislação em vigor e os princípios jurídicos que regem as relações com o fisco. A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 3º, afirma que é objetivo da nação constituir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e promover o bem estar de todos. Por meio de uma interpretação ampla, o artigo 3º da Constituição da República também ampararia o planejamento tributário, na medida em que, ao se permitir técnicas de organização preventiva de negócios jurídicos, visando a uma lícita economia de tributos, de maneira indireta, estar-se-ia contribuindo para o desenvolvimento das atividades produtivas, o que está intimamente ligado ao número de vagas no mercado de trabalho e ao desenvolvimento da nação. Certo é que o Estado deve estar atento para impedir práticas ilícitas em face do Fisco e, ao mesmo tempo, zelar para que procedimentos lícitos, amparados por princípios tributários, possam ser utilizados pelo contribuinte como uma forma legítima de diminuição do encargo tributário, o que motivaria o desenvolvimento das atividades produtivas. A busca por uma sociedade livre, justa e solidária sob a ótica da tributação, intenta concretizar o princípio da liberdade fiscal e da capacidade contributiva, dentre outros, uma vez que a liberdade fiscal está ligada ao ideal da liberdade em sentido constitucional, enquanto a capacidade contributiva vincula-se á ideia de justiça e solidariedade. Não podemos esquecer que a dignidade da pessoa humana é um dos mais importantes princípios constitucionais e deve se agregar ao princípio da liberdade fiscal e ao princípio da capacidade contributiva, como elementos norteadores e condicionantes do planejamento tributário. 5.1 Princípio da liberdade fiscal Contrapondo-se à legalidade estrita e à atuação plenamente vinculada, Roberto Wagner Lima Nogueira (2004), defende a existência do princípio da liberdade fiscal, que estaria fundamentado em nossa Magna Carta no artigo 3º, I e artigo 5º caput. O autor advoga que tais dispositivos garantiriam ao contribuinte o direito de escolher, quando a lei para isto lhe der margem, a forma de encargo tributário que deseja suportar. Ao administrar suas atividades e almejando a “saúde” financeira de seus negócios, o contribuinte possuiria a liberdade de, via mecanismos lícitos, optar por encargos tributários menos onerosos. Entretanto, essa “liberdade” não seria absoluta, tendo como limites, v.g, os princípios da capacidade contributiva e da solidariedade. Para o autor (2004), seria um dever de todos concorrer para o financiamento das despesas públicas, tendo por parâmetro a capacidade contributiva individual. Dessa forma, em síntese, quem pode mais, pagaria mais; quem pode menos, pagaria menos. Daí, surge a importância de um outro princípio, o da proporcionalidade, a quem caberia a árdua tarefa de harmonizar o conflito entre a liberdade tributária e a capacidade contributiva. Ademais, de acordo com Wagner, o Estado deverá respeitar a não incidência fiscal sobre o mínimo necessário à existência digna. Roberto Wagner Lima Nogueira, (2004) citando Jonh Rawls, ensina que: “A base empírica deste princípio é encontrada tanto no artigo 3º inciso I, quanto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal. Para Rawls, liberdade é uma certa estrutura de instituições, um certo sistema de normas públicas que definem direitos e deveres. O princípio da liberdade fiscal possui dupla face: é ao mesmo tempo um direito fundamental e um dever fundamental. Explicando. Na vertente do dever fundamental, submete-se a uma ética fiscal privada, uma ética de conduta que norteia o cidadão-contribuinte em direção ao dever fundamental de pagar tributos segundo sua capacidade contributiva. Doutra banda, como direito fundamental, o princípio da liberdade fiscal subordina o Estado e uma ética fiscal pública, ou seja, o Estado é constitucionalmente obrigado a reconhecer o princípio da liberdade fiscal, aceitando mediante o devido processo legal, a opção fiscal (leia-se: planejamento tributário) adotada pelo contribuinte quando no limite de sua capacidade contributiva e negocial.”. (RAWLS, Jonh apud NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima, 2004, p.41) A liberdade negocial está vinculada ao princípio da liberdade fiscal, uma vez que, é possível escolher o fim negocial, a melhor forma, bem como, o melhor tipo contratual ou societário, quando esses não sejam definidos em lei. Marcelo Magalhães Peixoto destaca: “O tributo é o preço da liberdade, […], por servir para distanciar o homem do Estado, permitindo-lhe desenvolver as suas potencialidades no espaço público, sem necessidade de entregar qualquer prestação permanente de serviço ao Estado.”. (PEIXOTO, Marcelo Magalhães, 2004, p.29) Com isso, o princípio da liberdade subordina o Estado a uma ética fiscal pública, ou seja, o Estado é constitucionalmente obrigado a reconhecer o princípio da liberdade fiscal, aceitando, mediante o devido processo legal, a opção fiscal (planejamento tributário) adotada pelo contribuinte. Vale lembrar que os artigos 153 e 154 da lei 6.404/1976 descrevem os deveres e responsabilidades do administrador, outorgando-lhes o dever de buscar sempre o maior lucro e o menor custo, que segue: “Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligencia que todo homem ativo  e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. Art.154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.”. Entretanto, é preciso trazer à tona que o legislador pátrio incluiu em nossa Constituição uma norma geral antielisiva, constante no parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional. Destarte, a liberdade fiscal é um direito constitucional do administrador que deve ser exercido dentro dos limites legais. Fica claro que o contribuinte tem o direito de organizar os seus negócios com o objetivo de reduzir seus custos para com o Fisco, desde que obedecidos os limites legais e principiológicos.  5.2 Princípio Constitucional da Capacidade Contributiva O predomínio da liberdade individual perde força com a inserção do princípio da Capacidade Contributiva na Constituição de 1988, na medida em que a liberdade conferida ao contribuinte na escolha de uma determinada opção fiscal (ofertada pelo próprio Estado) deve respeitar sua capacidade contributiva. Não é dado ao contribuinte, sob a alegação de efetuar um planejamento tributário, se desincumbir de encargos tributários que sejam próprios à sua capacidade contributiva. Daí, tem-se que a liberdade não é absoluta, encontrando limites legais e principiológicos. Logicamente, a linha que separa a liberdade do contribuinte em optar por uma situação que lhe seja mais favorável e sua capacidade contributiva é extremamente tênue, sendo imperioso, para que o planejamento seja lícito e legítimo, a análise do caso concreto. Para uma situação ideal, deve-se temperar liberdade, igualdade, solidariedade social e capacidade contributiva.  Greco afirma que: “Mesmo que os atos praticados pelo contribuinte sejam lícitos, não padeçam de nenhuma patologia; mesmo que estejam absolutamente corretos em todos os seus aspectos (licitude, validade), nem assim o contribuinte pode agir da maneira que bem entender, pois sua ação deverá ser vista também da perspectiva da capacidade contributiva.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.307) Por se tratar de princípio constitucional, surge uma importante discussão acerca da identificação de seus destinatários, bem como de sua eficácia jurídica. Isto porque, na medida que o Estado assume a responsabilidade de proporcionar serviços básicos a população, assume também a responsabilidade de administrar a verba arrecadada com o fim de desenvolver suas atividades, sendo que cada um deve contribuir para o custeio do Estado, de acordo com sua capacidade. Muitas vezes a ideia de justiça se guia de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. “Juntamente com o princípio da liberdade fiscal, o princípio da capacidade contributiva é norteador do planejamento tributário. Aqueles que têm o dever de suportar o ônus financeiro do Estado, ou seja, a qualidade de destinatários do dever fundamental de pagar tributos, o têm na medida de sua respectiva capacidade contributiva, isto é, mediante o reconhecimento ético-tributário de que estamos frente a um Estado Fiscal suportável nos limites dos princípios constitucionais tributários.”. (NOGUEIRA, Roberto Wagner, 2004, p. 29) A capacidade contributiva, considerada princípio geral do sistema tributário, deixa de ser vista como confronto entre contribuinte e o fisco, para ser vista como instrumento de viabilização da solidariedade no custeio do próprio Estado. Assim como todo ordenamento jurídico, o sistema tributário deve ser visto a luz dos valores constitucionais. Deve o sistema tributário andar em sintonia com a Constituição Federal, de modo a existir uma composição de valores. Quanto a sua eficácia Greco cita Carlos Ayres Britto: “Por um desses fenômenos desconcertantes que timbram a trajetória humana, se as constituições padeciam de subeficácia pelo seu caráter principiológico, foi justamente pelo seu caráter principiológico em novas bases que elas passaram a se dotar de supereficácia normativa. E se aos princípios era recusado o status de verdadeiras normas, agora eles se elevam ao patamar de supernormas de Direito Positivo.”. (BRITTO, Carlos Ayres apud GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.311) Afirma, ainda, que a constituição não deve ser vista como topo, mas sim, centro que atrai todo ordenamento jurídico. Sob esta perspectiva é possível verificar a importância dos princípios constitucionais no campo tributário. Pertinente asseverar a importância do conceito e da definição do princípio constitucional da capacidade contributiva. Uma vez que, seria impossível conceituar ou definir a figura da capacidade contributiva, haja vista seu conceito corresponder a uma formulação mental de um objeto que depende de um caso concreto para sua aplicação. Ensina Marco Aurélio Greco que: “Em se tratando de capacidade contributiva, encontramos na doutrina colocações díspares; desde a afirmação de ALFREDO AUGUSTO BECKER, a propósito do artigo 202 da Constituição de 46, no sentido de que este conceito seria a “constitucionalização do equívoco” até outros autores que dizem ser a capacidade contributiva um elemento essencial que informa a tributação e serve de base e fundamento para todo sistema tributário.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.316,317) Predomina na doutrina italiana o entendimento de que a capacidade contributiva tem conceito subjetivo, só seria possível identificar o princípio dentro das circunstâncias de um evento. Quando falamos em capacidade contributiva, logo nos remetemos à ideia de que se trata da aptidão de cada um individuo contribuir para o financiamento do Estado. Greco sustenta que: “Ao falar em capacidade contributiva, é preciso estar atento para não instaurar uma discussão de caráter meramente subjetivo. Para alguns, isto seria inevitável, pois a figura é impossível de definir e, portanto, deveria haver uma avaliação de capacidade contributiva individual, o que tornaria o conceito totalmente não operativo. Outros sustentam ser um conceito vazio por ser impossível identificar o que seja capacidade contributiva em si, posto não ter substância própria. É fato que se pode identificar a capacidade financeira de alguém, no sentido de saber se possui recursos financeiros disponíveis em montante suficiente para pagar o imposto. Isto é possível identificar. Porém, sua aptidão para contribuir, antes de passar pelo crivo da aptidão financeira, não seria possível aferir. Por isso, alguns dizem ser um conceito vazio de impossível mensuração. Pode-se mensurar concretamente o patrimônio, a renda, mas não esta “capacidade” que, por isso, seria um conceito vazio.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.317) Para muitos autores, é difícil conceituar, bem como definir critérios e formas de aplicação do princípio. No entendimento de Marco Aurélio Greco (2008) de acordo com a experiência doutrinária brasileira, a capacidade contributiva permaneceria como uma preocupação constante, independentemente da existência de dispositivo constitucional específico nesse sentido. Insta salientar que há diversas correntes que identifiquem fatos para existência da capacidade contributiva, e, portanto onde deve ser buscada. Sinteticamente existem duas correntes contrapostas, que partem de pontos de vistas diferentes acerca do referido princípio.  Jorge Antônio Rachid, em artigo intitulado “Capacidade contributiva e administração tributária”, na Revista de Direito Internacional[2], afirma que a questão da capacidade contributiva deve ser focada pelo legislador e não pelo aplicador do direito, fundamentando seu raciocínio de acordo com a corrente da capacidade contributiva presumida pela lei. Marco Aurélio Greco (2008), por sua vez, adotando a corrente da capacidade contributiva e pressuposto de fato, defende a tese de que capacidade contributiva surge atrelada ao pressuposto de fato e existe na medida em que pressupostos de fato indiquem aptidão de as pessoa poderem contribuir. Com isso, o conceito de capacidade contributiva não deixa de ser um conceito indeterminado, mas isto não significa que se transforme em um conceito subjetivo. Mesmo a capacidade apresentando certa margem de indefinição a ser delineada na análise de cada situação e de cada tributo, mas, fundamentalmente, não é algo fora de todo controle, pois está vinculada a noção objetiva de pressuposto de fato. Observe-se que por pressuposto de fato entende-se um dado da realidade econômica ou jurídica, por exemplo o clico da produção, a renda, a propriedade e etc. “Desta ótica, não é um conceito meramente formal como o de capacidade presumida, em que alei prevê o que bem quiser. Capacidade contributiva resultará do que a lei disser e do que se extrair dos princípios e valores constitucionais. Assim é, pois, tendo a constituição adotado a postura no sentido de instituir um sistema tributário, este, por definição tem de possuir um mínimo de racionalidade, não existindo sistema senão houver um mínimo de ordem e coerência; não uma coerência absoluta nem uma racionalidade absoluta, mas o mínimo de coerência e um mínimo de racionalidade, sob pena de não se ter mais o Sistema acolhido pela constituição, mas algo totalmente diferente.”. (GRECO, Marco Aurélio, 2008, p.323) A CF/88 traz a capacidade contributiva como princípio informador do sistema tributário. É diretriz positiva que estrutura o ordenamento tributário, que deve ser observado sob pena da norma infraconstitucional ser considerada inconstitucional. Deve o ordenamento tributário estruturar-se com base no princípio da capacidade contributiva, pois, conforme lição de Roberto Wagner (2004), ninguém pode legitimamente ser obrigado a recolher um tributo superior à sua capacidade econômica. Diz o artigo 145, § 1º da Constituição Federal que sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. Capacidade contributiva absoluta refere-se ao pressuposto ou fundamento jurídico do imposto e serve como diretriz para a eleição dos fatos tributáveis. A lei somente pode escolher fatos passíveis de serem tributados, se esses denotarem uma manifestação de capacidade econômica, se forem fatos representativos de riqueza, caso contrario não há como viabilizar o fenômeno do ponto de vista econômico. Nesse momento o princípio da capacidade contributiva se confunde com o fundamento da tributação. Uma vez que só pode haver tributação se houver manifestação de riqueza. A capacidade contributiva subjetiva: refere-se aos critérios de graduação do imposto e impõe limites à tributação. Diz respeito ao dimensionamento da tributação relativa ao fato escolhido pela Constituição Federal. Uma vez escolhidos os fatos tributáveis (que são manifestações de capacidade contributiva) quando disciplinados por leis infraconstitucionais, tem que haver observância ao princípio da capacidade contributiva, que se concretiza através do princípios da igualdade e do não confisco. Dessa forma, o princípio da capacidade contributiva, como concretização dos princípios da igualdade e isonomia, leva em consideração a proteção do mínimo vital e a família na tributação. Assim, podemos constatar que o princípio da capacidade contributiva é estrutura básica do sistema tributário brasileiro. É dirigido, principalmente, ao legislador, mas também ao aplicador da lei. Pode-se constatar que o princípio da capacidade contributiva tem por objetivo impedir que sejam instituídas imposições excessivas, que tenham caráter confiscatório. Bem como impede a tributação das rendas mínimas, determinando que se observe uma graduação progressiva do sistema tributário. Relativamente ao presente trabalho, o princípio da capacidade contributiva deverá ser observado para a realização de um planejamento tributário lícito e legítimo, onde o contribuinte poderá optar entre meios menos onerosos de tributação, sem deixar de lado sua obrigação de contribuir com valores condizentes com sua situação econômica ou  com a natureza do negócio efetuado. O professor José Eduardo Soares de Melo (2005) leciona que: “O princípio da capacidade contributiva está relacionado com a distribuição equitativa e equilibrada entre os cidadãos do ônus do financiamento das despesas públicas. Para que esse equilíbrio ocorra e se tenha uma tributação justa, é mister  que os cidadãos contribuam de forma proporcional ás suas riquezas. É um imperativo da justiça fiscal que a contribuição de cada individuo para as despesas públicas deva ser de algum modo proporcional à sua situação econômica. Deve-se buscar um tratamento igualitário para aqueles contribuintes em uma mesma situação econômica, atribuindo-se um tratamento diferenciado para contribuintes sob situações econômicas distintas (critério de discrímen).”.(ANAN JÚNIOR, Pedro, 2005, p. 230) E Carraza assevera: “O princípio da capacidade contributiva tem por destinatário imediato o legislador ordinário das pessoas políticas. É ele que deve imprimir, aos impostos que cria in abstracto, um caráter pessoal, graduando-os conforme a capacidade econômica dos contribuintes. Com efeito, a hipótese de incidência dos impostos deve descrever fatos que façam presumir que quem os pratica, ou por eles é alcançado, possui capacidade econômica, ou seja, os meios financeiros capazes de absorver o impacto desse tipo de tributo. Assim, o legislador tem o dever, enquanto descreve a hipótese de incidência e a base de calculo dos impostos, de escolher fatos que exibam conteúdo econômico. Este conteúdo econômico, como bem observa Pasquale Russo, deve ser atual, vale dizer que não pode estar situado em época remota (que já não revela uma razoável presunção de que o contribuinte tem os recursos suficientes para adimplir a obrigação tributária), nem em futuro distante (que não dá um mínimo de certeza de que o contribuinte dispõe de meios financeiros para honrar, no presente, o tributo).”. (CARRAZZA, Roque Antônio, 2008, p.93/94) Portanto, o princípio da capacidade contributiva deve ser observado pelo legislador que, ao instituir tributos, indicará elementos essenciais (aspecto material, subjetivo e quantitativo) para que se possa aferir a capacidade econômica do contribuinte, evitando excesso de tributação do Estado ou atitudes ilícitas dos contribuintes, tendo por fim a evasão tributária. Em especial, no que pertine ao princípio da capacidade contributiva, não basta que o mesmo seja observado somente sob a ótica positivista, sendo imprescindível a análise do caso concreto, ponderando-os de modo a encontrar o ponto de equilíbrio que melhor atende as múltiplas variáveis e aos diversos valores constitucionalmente consagrados. CONCLUSÃO A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 3º, afirma que é objetivo da nação constituir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e promover o bem estar de todos. Para cumprir suas funções institucionais, possui o Estado o poder de tributar, quer seja fundamentado na soberania política, quer seja no principio da solidariedade social. Entretanto, esse poder não é ilimitado. Diversas limitações estão previstas em nossa Constituição que, ao mesmo tempo em que concede o poder de tributar, o limita e o condiciona. Nesse sentido, como o planejamento tributário é a técnica de organização preventiva de negócios jurídicos, visando a uma lícita economia de tributos, deve o Estado estar atento para impedir práticas ilícitas em face do Fisco e, ao mesmo tempo, zelar para que procedimentos lícitos, amparados por princípios tributários, possam ser utilizados pelo contribuinte como uma forma legítima de diminuição do encargo tributário. Isso porque, não há dúvidas de que a Constituição Federal tutela o direito ao exercício da autonomia privada, à propriedade e á liberdade contratual, porém, do mesmo modo, a Carta Magna também prescreve o dever ético-jurídico ao pagamento do justo tributo. Ademais, nos apresenta uma série de princípios, que deverão ser observados tanto na elaboração de normas quanto no cumprimento das mesmas. Dessa forma, todos os artigos da Lei Maior e infraconstitucional só encontrarão sua real dimensão se conjugados com os princípios do sistema constitucional. Dentre esses princípios, como citado no trabalho acadêmico, destaca-se o da capacidade contributiva, que deverá ser analisado com bastante cautela, vez que sua inobservância poderá levar a inconstitucionalidade da lei. Muitos doutrinadores entendem que a capacidade contributiva deve ser focada pelo legislador ao instituir tributos. Entretanto, não podemos nos escusar da realidade, onde a sociedade se encontra em constante evolução e que a aplicação da lei propriamente dita, muitas vezes, será insuficiente para analisar a licitude de um ato que vise diminuir o encargo tributário. Para uma correta aplicação do Direito, deve-se observar todo o conjunto, as normas jurídicas e o caso concreto. O contribuinte deve abster-se de praticar atos que tenham por intuito burla à tributação. Isto é, não pode o mesmo, ainda que sob o manto de uma regularidade meramente formal, praticar, na realidade, fraude, sonegação ou simulação contra o Fisco. No julgamento do Recurso Especial n.º 946707/RS [3], a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, tendo como Relator o Ministro Herman Benjamim, após detida análise dos fatos, rechaçou a “compensação de prejuízos fiscais” [4] em uma operação de incorporação de empresas, afirmando que, embora se verifique a regularidade formal do negócio jurídico, pela análise fática, teria se constatado a existência de simulação. Ademais, a denominada “incorporação às avessas” também tem sido rechaçada pelo Conselho de Contribuintes. Da leitura do acórdão, depreende-se que tanto o STJ quanto o Tribunal Regional Federal da 4ª Região entendem ser plenamente cabível a incorporação de uma empresa por outra, ressaltando-se que, no caso dos autos, haveria regularidade formal na operação: “O Tribunal de origem, por seu turno, não afasta a possibilidade, em tese, de uma empresa deficitária incorporar entidade financeiramente sólida. Apenas, ao apreciar as peculiaridades do caso concreto, entendeu que isso não ocorreu.[…] A regularidade formal da incorporação também é reconhecida pelo TRF.”. Todavia, para o TRF da 4ª Região, teria havido a prática de simulação, o que impossibilitaria à empresa sucessora compensar prejuízos fiscais da sucedida com espeque no artigo 33 do Decreto-Lei 2.341/1987. A intenção do legislador não teria sido respeitada naquela situação: “O Tribunal de origem entendeu que houve simulação, pois, em realidade, foi a Suprarroz que incorporou a Supremo. A distinção é relevante, pois, neste caso (incorporação da Supremo pela Suprarroz), seria impossível a compensação de prejuízos realizada, nos termos do art. 33 do DL 2.341/1987. 4. […].”. Assim, mantendo o posicionamento do Tribunal “a quo”, o STJ afirmou a necessidade de análise fática para que fosse verificada a legitimidade da operação, não bastando a mera regularidade formal, filiando-se à tese de que, no caso em apreço, teria ocorrido simulação: “A controvérsia é estritamente fática: a recorrente defende que houve, efetivamente, a incorporação da Suprarroz (empresa financeiramente sólida) pela Supremo (empresa deficitária); o TRF, entretanto, entendeu que houve simulação, pois, de fato, foi a Suprarroz que incorporou a Supremo. Para chegar à conclusão de que houve simulação, o Tribunal de origem apreciou cuidadosa e aprofundadamente os balanços e demonstrativos de Supremo e Suprarroz, a configuração societária superveniente, a composição do conselho de administração e as operações comerciais realizadas pela empresa resultante da incorporação. Concluiu, peremptoriamente, pela inviabilidade econômica da operação simulada.”. Raciocínio idêntico deverá ser adotado ao se analisar práticas de planejamento tributário, impondo que sejam interpretadas à luz da Constituição, que se conformem com os princípios que regem nosso ordenamento jurídico e coadunem com o contexto fático e lógico. Sobre o tema, em um julgamento histórico, o Supremo Tribunal Federal, nos Embargos de Declaração opostos no Recurso Extraordinário nº 40.518, assentou a seguinte ementa, que corrobora com a conclusão do presente trabalho acadêmico: “PRESIDENTE: BARROS BARRETO RELATOR: LUIZ GALOTTI EMB. DECL. RE Nº 40.518/BA EMBARGANTE: ALINE GORDILHO CORRÊA RIBEIRO EMBARGADA: UNIÃO FEDERAL EMENTA: IMPOSTO DE RENDA. SEGURO DE VIDA FEITO PELO CONTRIBUINTE PARA FURTAR-SE AO PAGAMENTO DO TRIBUTO. FRAUDE A LEI. Além da primeira categoria de fraude à lei, consistente em violar regras imperativas por meio de engenhosas combinações cuja legalidade se apoia em outros textos, existe uma segunda categoria de fraude no fato do astucioso que se abriga atrás da rigidez de um texto para fazê-lo produzir resultados contrários ao seu espírito. O problema da fraude a lei é imanente a todo ordenamento jurídico, que não pode ver, com indiferença, serem ilididas, pela malicia dos homens, as suas imposições e as suas proibições. Executivo fiscal julgado procedente.”. Como demonstrado neste trabalho, tanto a doutrina quanto a jurisprudência distinguem os institutos da elisão da evasão fiscal. A evasão advém de artifícios e ilicitudes do contribuinte, afrontando não só a legislação como também os princípios que regem o ordenamento jurídico e, em especial, o Direito Tributário. Por outro lado, a elisão fiscal consiste na opção do contribuinte, dentre as ofertadas pelo legislador, pelo mecanismo tributário que lhe seja menos oneroso, permitindo-lhe, inclusive, ampliar suas atividades e gerar empregos. Não há burla ou ilegalidade. Dentro desse contexto, resta patente que tanto o legislador quanto o aplicador da lei deverão estar atentos à observância do princípio da capacidade contributiva, assegurando aos contribuintes a prática de atos que diminuam o encargo tributário e, ao mesmo tempo, se coadunem com a legislação, os princípios tributários e não caracterizem atitudes ilícitas em face do Fisco.
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Acerca da busca da verdade real e da preclusão no processo administrativo fiscal
Breve exame sobre a compatibilidade do fenômeno endoprocessual da preclusão no âmbito do processo administrativo fiscal.
Direito Tributário
1. Introdução. Interessa saber acerca da busca da verdade real no processo administrativo fiscal, tomando como parâmetro aquele da esfera federal, e sua relação de compatibilidade com o estabelecimento de marcos preclusivos, na legislação de regência, para a apresentação dos recursos e para a produção probatória. 2. Desenvolvimento: a busca da verdade real no processo administrativo fiscal? Empreende-se a investigação teórica ora proposta com apoio nos pilares da Filosofia da Linguagem, compromissando-se com a ideia da inexistência da verdade por correspondência, ou da verdade por ontologia, advogando a crença da construção de sentido do mundo pela via da linguagem. Nessa premissa, não há que se falar em verdade real, pois, conforme adverte e ensina Paulo de Barros Carvalho: “Esta tese, quando aplicada aos domínios do direito e, especificamente, do direito tributário, proporciona coerência que repercute na própria noção de ‘verdade material’, porquanto haveria de ser buscada na linguagem competente, isto é, em manifestações de linguagem aceitas pelo sistema do direito positivo, na qualidade de ‘provas’. A linguagem jurídica é constitutiva de sua própria realidade. Eis justificado o fato de no direito admitir-se como verdades jurídicas as presunções e ficções, bem como seus correlatos produtos: fatos sobre base presumida e fatos sobre base mista.” (CARVALHO, 2009, p. 809). Assim, a verdade não merece ser qualificada como material ou formal e não prescinde de forma, seja ela qual for, como a necessária imposição de prazos para a instrução probatória e restrições quanto à ilegitimidade e ilicitude do acervo probatório. Nesse sentido, como bem vaticinou Fabiana Del Padre Tomé: “O que se obtém, em qualquer processo, seja administrativo ou judicial, é a verdade lógica, obtida em conformidade com as regras de cada sistema. Conquanto nos processos administrativos sejam dispensadas certas formalidades, isso não implica a possibilidade de serem apresentadas provas ou argumentos a qualquer instante, independentemente da espécie e forma. É imprescindível a observância do procedimento estabelecido em lei, ainda que esse rito dê certa margem de liberdade aos litigantes.” (TOMÉ, 2009, p. 557). 2.1. Preclusão: prazos recursais. Compreendida a noção reinante de obediência às imposições procedimentais como condição para a obtenção da verdade lógica no processo administrativo fiscal, abandona-se o dogma da necessidade de busca de uma suposta verdade real. Implica isto ter que admitir que o recurso administrativo protocolado intempestivamente não tem o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, isto porque, ainda que possa parecer fundamento simplório, o art. 151, III, do CTN, prescreve a suspensão da exigibilidade do crédito tributário pelo recurso administrativo “nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo”, as quais, por sua vez, delimitam prazos a serem observados. Nesse sentido, apenas para noticiar a respeito do processo administrativo tributário de âmbito federal, revela-se a existência de prazos no Decreto nº 70.235/72, bem como nos Regimentos Internos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF e da Câmara Superior de Recursos Fiscais (Anexos I e II da Portaria MF nº 55, de 16/03/1998), assim como na Lei nº 9.784/99, esta última regrando genericamente os demais processos administrativos federais. Também o Ato Declaratório Normativo nº 15, de 12/07/1996, da COSIT/RFB, segundo o qual a impugnação intempestiva e, de igual modo o recurso, não instaura a fase litigiosa do procedimento, não suspende a exigibilidade do crédito tributário nem é objeto de decisão, salvo se suscitada a tempestividade como preliminar. Isto quer dizer que, estando o recurso manifestado ao arrepio dos termos da lei do processo administrativo tributário, como, por exemplo, quando aviado intempestivamente, não perfaz a condição básica para produzir o efeito da suspensão da exigibilidade, pela singela circunstância de estar em desacordo com as imposições do devido processo legal administrativo. Ainda que exista, como de fato existe e alude Paulo de Barros Carvalho, o “princípio do informalismo em favor do interessado”, justificando que se tenha “tolerância quanto à denominação de recursos e peças impugnatórias; a consideração de medidas endereçadas a autoridades diversas, dentro do mesmo órgão, ou dentro de certos limites”, não se pode descurar que “a rapidez interessa a todos”. Bem por isso, ensina o Professor Paulo de Barros Carvalho: “O direito existe para ser cumprido e o retardamento na execução de atos ou nas manifestações de conteúdo volitivo hão de sugerir medidas coibitivas, tanto para a Fazenda como para o particular. Nesse domínio se situa a estipulação de prazos para a celebração de atos administrativos, bem como a interposição de peças e outros expedientes que interessem aos direitos do administrado. Não se compaginam com os ideais de segurança e garantia das relações jurídicas certas situações indefinidas, qualificadas pela inércia de agentes da Administração ou do titular de direitos subjetivos.”(CARVALHO, 2009, p. 792-793) No entanto, face à previsão contida no art. 35 do Decreto nº 70.235/72, Íris Vânia Santos Rosa sustenta que:  “pelo princípio do informalismo e da verdade real, a defesa intempestiva deve ser analisada”, por conseguinte, “enquanto não analisada a perempção, mantém-se suspensa a exigibilidade do crédito tributário ali discutido.”(ROSA, 2011, p.529-548) Prossegue Íris Vânia Santos Rosa abordando a necessidade de introdução no sistema, mediante versão em linguagem competente, de um ato específico que explicite a ausência da suspensão da exigibilidade do crédito tributário ante a intempestividade observada. Assim, não bastaria a verificação da simples chancela mecânica com a data da apresentação do recurso. Confira-se o seu magistério: “O simples protocolo intempestivo das impugnações e Recursos Administrativos não confere eficácia plena passível da imediata exigência do crédito tributário, ou seja, de revogação da suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Tal eficácia somente será alcançada quando a intempestividade for vertida em linguagem competente capaz de torná-la aplicável, no caso, por meio das decisões administrativas. Não existe Juízo de Admissibilidade na esfera administrativa, capaz de verter em linguagem competente a intempestividade das impugnações e dos recursos ali interpostos, cabendo, como bem determina o Decreto 70.235/72 seu julgamento pelo órgão de segunda instância.” (ROSA, 2011, p.529-548) 2.2. Preclusão: oportunidade probatória. O lançamento tributário é uma espécie de ato administrativo que dentre seus elementos tem a motivação, sendo esta compreendida como a descrição dos motivos de fato que ensejaram a produção do ato. Ante a legalidade e a tipicidade cerrada na estipulação do tributo, de um lado, e a sua cobrança mediante atividade administrativa plenamente vinculada, de outro, a motivação deve estar escorreita, isto é, consubstanciada em prova do Fisco quanto à verificação fenomênica da hipótese de incidência tributária. Irrompe-se, então, o fato jurídico tributário e, por conseguinte, resta constituído o crédito tributário. Como todo ato administrativo, porém, o lançamento goza de presunção apenas relativa de legitimidade. Logo, é passível de ser fulminado na contraposição administrativa que se lhe faça mediante contraprova apresentada pelo sujeito passivo. Nesse sentido, observa Fabiana Del Padre Tomé (2009, p. 562-563): “[…] releva destacar a presunção de legitimidade, caracterizando presunção juris tantum de validade, da qual decorre que o ato seja considerado regularmente praticado, até que outra linguagem jurídico-prescritiva determine o contrário, invalidando-o. Essa presunção, entretanto, não exime a Administração do dever de comprovar a ocorrência do fato jurídico, bem como das circunstâncias em que este se verificou.[…] É insustentável o lançamento ou ato de aplicação de penalidade que não tenha suporte em provas suficientes da ocorrência do evento… […] a Administração não detém o ônus da prova, mas o dever de provar.” Acerca do momento adequado para o sujeito passivo da exação juntar aos autos suas contraprovas documentais, o Decreto nº 70.235/72, salvo exceções que enumera, estipula-o como sendo o da oportunidade de impugnação do lançamento. James Marins (2010, p 242) lembra que: “No entanto, a jurisprudência administrativa dos Conselhos de Contribuintes (hoje CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), tem admitido a juntada de documentos essenciais para o julgamento da lide, antes do julgamento, aplicando, nesse caso, o art. 38 da Lei nº 9,784/99.” Mas, adiante, registra crítica pela aplicação da lei geral (Lei nº 9.784/99) em detrimento da especial (Decreto nº 70.235/72) e firma sua posição: “A flexibilização generalizada do regime de fases e de preclusões processuais fragiliza a segurança do processo e não pode ser admitida mesmo sob a invocação do princípio da formalidade moderada, por atingir axioma ínsito ao conceito ontológico do procedimento e do processo entendido cedere pro. É de se notar, ademais, que a Câmara de Recursos Fiscais já decidiu que configura cerceamento de defesa a juntada por parte do Fisco de documentos após a impugnação e antes da decisão.” (Loc. Cit.). Fabiana Del Padre Tomé (2009, p. 557), por sua vez, encarece a noção de que “em termos processuais, busca-se a verdade lógica, ou, se preferir, a verdade jurídica, posto que formada dentro do sistema do direito” e, “por isso, intervêm as regras do direito, colocando um ponto final no procedimento de busca da verdade, limitando-o mediante a imposição de prazos e limites à revisão das decisões proferidas”. Logo, no concernente às oportunidades de produção de provas, “tanto a autoridade administrativa como o contribuinte estão sujeitos a limitações procedimentais”. Portanto, é Andréa Medrado Darzé (2011, p. 78-79) que, por fim, com apoio na jurisprudência dos tribunais administrativos, traz a contribuição mais significativa e precisa à questão posta: “A regra de preclusão do direito de o impugnante produzir provas no processo administrativo tributário, prescrita no art. 16, § 4º, do Decreto nº 70.235/72, é cogente, de aplicação obrigatória, apenas podendo ser excepcionada nas hipóteses relacionadas neste mesmo dispositivo legal. Isso não significa, todavia, impossibilidade de a prova vir a ser apreciada pelo julgador, mesmo quando apresentada após a impugnação. A razão desta assertiva é singela, mas decisiva: a produção probatória no processo administrativo tributário compete concorrentemente às partes e ao Juiz. Assim, mesmo na hipótese de a prova ser trazida aos autos quando já precluso o direito de ao particular fazê-lo, o julgador pode e deve analisá-la, desde que se trate de prova necessária para a apreciação da matéria litigada. Afinal, diferentemente do que se verifica em relação ao impugnante, o legislador não estabeleceu limite temporal para a iniciativa probatória da autoridade julgadora.” 3. Conclusão. Vê-se, portanto, que o referencial teórico da busca da verdade real é apenas pseudo-dogma, sendo o paradigma da verdade lógica, admitida em conformidade com as regras processuais, a justificativa para a admissão de um sistema de preclusões, para fins recursais e de oportunidade probatória, no processo administrativo fiscal.
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COFINS – Base de Cálculo das Instituições Financeiras
O presente trabalho tem como objeto[1] a Equiparação[2] da Base de Cálculo da Contribuição da Seguridade Social – COFINS entre Instituições Financeiras e demais Empresas Privadas, buscando viabilizar o recolhimento da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS com base no lucro bruto para todas as empresas, tanto as instituições financeiras como as demais empresas privadas. Para tanto será feita uma análise da legislação que regulamenta referida contribuição, utlizando-se do Princípio da Igualdade para igualar as bases de cálculo.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) foi instituída pela Lei Complementar n.º 70, de 30 de dezembro de 1991, ao amparo do disposto no inciso I, do artigo 195 da Carta Constitucional de 1988. O legislador para tanto elegeu o faturamento mensal das pessoas jurídicas como o fato imponível ou fato gerador da norma tributária, sujeitando-o a incidência de alíquota de 2% (dois por cento). Posteriormente, a Lei nº 9.718/98 majorou em 1% (um por cento) a alíquota da COFINS e ampliou o conceito de faturamento, no qual as empresas em geral passaram a contribuir para a COFINS com base no faturamento correspondente à receita bruta da pessoa jurídica. Em se tratando de outras pessoas jurídicas, dentre elas as instituições financeiras, a Lei n.º 9.718/98 previu que, para o cálculo da COFINS, seriam permitidas as mesmas exclusões e deduções permitidas para o cálculo do PIS, nos moldes do § 5º, do art. 3º, sendo que essas deduções foram ampliadas com a Medida Provisória 1858, cuja reedição ocorreu em 27/06/2000, sob o n.º 2.037-19. Diante dos preceitos legais transcritos, e considerando as deduções previstas para estas empresas, com vistas a determinação da base de cálculo, verifica-se, de plano, que as instituições financeiras acabam por recolher a COFINS com base no lucro bruto – dedução das despesas operacionais da receita bruta, o que vem a diferir das demais pessoas jurídicas de Direito Privado que recolhem tais contribuições sobre o faturamento, considerando-se as suas receitas operacionais brutas. Portanto, tal privilégio, efetuado pelo legislador, ocasiona tratamento desigual entre contribuintes que se encontram em situação equivalente, realizando distinção, em razão da atividade exercida, em completa afronta ao princípio da isonomia e da igualdade tributária, insculpido na Constituição Federal de 1988. 1 – COFINS – DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA À SUA QUALIFICAÇÃO 1.1 SEGURIDADE SOCIAL: SAÚDE, PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL A Constituição Federal de 1988, em seu Título VII, denominado de "Da Ordem Social", traz em seu Capítulo II, disposições relativas à Seguridade Social. O art. 195 da Constituição Federal dispõe que “a Seguridade Social será financiada por toda a Sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, e mediante exigência de contribuições sociais. O financiamento direto deverá ser promovido pelas pessoas, direta (empregados) ou indiretamente (empregadores), vinculadas ao sistema de proteção. Isto é, pelas pessoas que obterão alguma vantagem especial (causa positiva) em função da existência do sistema protetivo; ou pelas pessoas que provocaram, mesmo que indiretamente, situações sociais que exigiram a criação do sistema protetivo, produzindo, assim, um especial custo para o Estado (causa negativa). A instrumentalização do financiamento direto ocorre através do pagamento de valores estabelecidos pela lei, em cumprimento do dever de satisfazer as contribuições sociais. O trabalhador e demais segurados da previdência social (art. 195, II, CF/88) contribuem para a seguridade social com base em sua remuneração. Já o empregador, a empresa ou a entidade a ela equiparada, contribui com base em sua folha de salários e rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício, sobre o faturamento, as demais receitas e o lucro. Isto porque estes foram os dados da realidade selecionados pelo constituinte para figurarem nas “regras-matrizes constitucionais” das contribuições destinadas à seguridade social. Quanto ao financiamento indireto, este é feito por intermédio de dotações orçamentárias da União Federal. Os recursos financeiros transferidos por tais dotações advêm da carga de impostos pagos pela Sociedade à União. Este é o conteúdo semântico da expressão financiamento indireto. O predicativo indireto tem por referência a Sociedade e não a União. O financiamento é indireto porque a União interpõe-se entre a Sociedade, propriamente, e o sistema de proteção social. Sempre que for necessário ao financiamento da Seguridade Social, a União deverá promover as dotações suficientes ao alcance deste mister. A diferença entre o financiamento direto e o indireto está em que o primeiro é promovido, em regra, por aquela parcela da Sociedade que obterá uma vantagem do sistema de proteção, por isso, deverá contribuir diretamente para o sistema protetivo. Enquanto que no segundo, a União interpõe-se entre a Sociedade e o referido sistema, recolhendo os recursos da Sociedade e transferindo uma parte deles para a seguridade. O conceito de Contribuição Social é mais amplo do que o de contribuição para o custeio da Seguridade Social. A diferença existente entre elas é muito importante, na medida em que, para a destinada à seguridade, a Constituição Federal de 1988 traçou um regime jurídico especial, enquanto para as demais Contribuições Sociais atribuiu o mesmo regime jurídico aplicável aos Tributos em geral, ou seja, princípio da anterioridade, da igualdade tributária, etc. As Contribuições Especiais podem ser divididas em Contribuições Sociais stricto sensu, Contribuições Sociais de interesse de categorias profissionais e econômicas, de intervenção no domínio econômico e Contribuições Sociais para a Seguridade Social. Todas têm como característica marcante a determinação legal de que o produto de sua arrecadação será afetado aos fins constitucionais para os quais são instituídas. As Contribuições Siciais Gerais são aquelas voltadas ao custeio dos direitos sociais e/ou da metas fixadas na Ordem Social. Bernardo Ribeiro[3] define como “tributos qualificados pela finalidade que busca alcançar”. As Contribuições de intervenção no domínio econômico são tributos que só atingem setores delimitados da atividade econômica, visando assegurar a lvire concorrência, a preservação do meio ambiente, a defesa do consumidor. Diz-se de categoria profissionla ou econômica, a contribuição voltada a subsidiar a organização de classes profissionais ou econômicas, fornecendo recursos financeiros indispensáveis à manutenção da entidade associativa. Finalmente, as Contribuições para Financiamento da Seguridade Social são as voltadas a custear o tripé da seguridade social: saúde, previdência e assistência social. Fátima Fernandes Rodrigues de Souza[4] define as espécies de Contribuições Especiais como: “Contribuições Sociais gerais são aquelas que decorrem da relação de trabalho, tal como resulta do art. 7º (por exemplo, às contribuições ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) ou estão voltadas a uma questão de educação em geral (art. 212, salário educação) enfim, aquelas que decorrem de algum tipo de padrão de convivência em sociedade. Contribuições Sociais de interesse de categorias profissionais e econômicas são as que se destinam a financiar a atividade de certas entidades não estatais, que exercem funções reputadas de interesse público, como os sindicatos e os conselhos profissionais. Contribuições Sociais de Seguridade Social são as destinadas à previdência, saúde e assistência social”. Observa-se que a exigência de uma Contribuição Social somente será válida se, além de obedecer a outras especificidades do seu regime jurídico, a destinação legal de seus recursos forem para fins autorizados pela Constituição Federal. As Contribuições Sociais para a Seguridade Social, objeto da análise em tela, são aquelas que visam garantir o financiamento da seguridade social, que, conforme o artigo 194 da Constituição Federal, destinam-se a assegurar os direitos sociais relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Sua instituição encontra-se regulamentada no artigo 195 da Carta Magna. De acordo com este, o financiamento da seguridade social pode ser feito de conformidade com dois modelos: o assistencial, por meio de orçamento fiscal, e o contributivo, por meio das referidas contribuições impostas aos agentes do processo produtivo e aos concursos de prognósticos Por Seguridade Social entende-se um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da Sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (Constituição Federal, art. 194). Pela definição constitucional já é possível notar que a Seguridade Social objetiva assegurar saúde, previdência e assistência. Pode-se então dizer que Seguridade Social é gênero, da qual são espécies a Saúde, a Previdência e a Assistência Social. Comumente costuma-se confundir os conceitos, principalmente de Previdência e Assistência Social. É necessário extremar que cada uma das áreas da Seguridade Social tem princípios próprios e diferentes objetivos. A Saúde vem garantida pela  Carta Magna como direito de todos e dever do Estado, que deve ser garantida mediante ações que visem reduzir os riscos de doença e seus agravamentos. O acesso aos programas de Saúde Pública necessariamente devem seguir os princípios da igualdade e universalidade do atendimento. Logo, neste campo, o acesso deve ser garantido a todos e de forma igual, sem qualquer tipo de contribuição, de forma que o atendimento público à saúde deve ser gratuito. A Assistência Social, por sua vez, tem como princípios informativos a gratuidade da prestação e basicamente a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice, bem como aos deficientes e a reintegração ao mercado de trabalho daqueles que necessitarem. Note-se que a diferença primordial entre as atividades da saúde e da assistência social, é que esta tem um espectro menor, ou seja, a saúde tem o caráter de universalidade mais amplo do que o previsto para a assistência social. Logo a assistência social visa garantir meios de subsistência às pessoas que não tenham condições de suprir o próprio sustento, dando especial atenção às crianças, idosos e deficientes, independentemente de Contribuição à Seguridade Social. A mais autêntica forma de assistência social é a prevista no art. 203, V da Constituição Federal, no qual fica garantido o valor de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não ter meios de prover a própria subsistência, ou tê-la provida por sua família. A Previdência Social, por sua vez, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, aposentadoria, idade avançada, tempo de serviço, desemprego involuntário, encargos de família e reclusão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente. Os princípios e diretrizes da Previdência Social são a universalidade de participação nos planos previdenciários, mediante contribuição; valor da renda mensal dos benefícios, substitutos do salário-de-contribuição ou do rendimento do trabalho do segurado, não inferior ao do salário mínimo; cálculo dos benefícios considerando-se os salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente; preservação do valor real dos benefícios e previdência complementar facultativa, custeada por contribuição adicional. Note-se então que o conceito de previdência social traz em si, ínsito, o caráter de contributividade, no sentido de que só aqueles que contribuírem terão acesso aos benefícios previdenciários. A Seguridade Social está disciplinada nos artigos 195 e seguintes da Constituição Federal de 1988, no qual determina que a Seguridade Social compreende as contribuições sociais destinadas ao seu custeio, à saúde, à previdência social. José Eduardo Soares de Melo[5] ensina que a titularidade da competência tributária, outorgada às pessoas políticas de direito público, considera a partilha das receitas estabelecidas constitucionalmente. A competência para legislar sobre a Seguridade Social é exclusiva da União Federal. Os Estados e o Distrito Federal possuem competência concorrente para legislar sobre a previdência social, proteção e defesa da saúde. 1.2 natureza jurídica Não há mais dúvidas de que as contribuições sociais possuem a natureza jurídica tributária, ou seja, é uma das espécies de Tributos, conforme já mencionado anteriormente. Os dispositivos constitucionais que conferem natureza tributária às contribuições sociais destinadas à seguridade social são especialmente os artigos 149, 195, 146, III e 154, I, da CF/88. Para melhor identificação do regime jurídico destas exações, será necessária, inicialmente, a análise de sua norma de competência, prescrita nos trechos abaixo: “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais…, como instrumento de sua atuação … Art. 195. A seguridade social será financiada …, de forma direta …, mediante recursos provenientes …das seguintes contribuições sociais”. Com a leitura do artigo 149 da Constituição Federal, já se percebe que as Contribuições em tela têm natureza nitidamente tributária, mesmo porque, com a expressa alusão aos “arts. 146, inciso III, e 150, incisos I e III”, ambos da Constituição Federal, fica óbvio que tais exações deverão obedecer ao regime jurídico tributário. Nesse sentido também não destoa a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como expresso pelo Ministro Moreira Alves, quando do julgamento do RE nº 146.733-9/SP, julgado pelo Pleno daquele Colegiado em 29.06.1992: “De feito, a par das três modalidades de Tributos (os Impostos, as taxas e as contribuições de melhoria), a que se refere o art. 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os arts. 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as Contribuições Sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico. No tocante às Contribuições Sociais – que dessas duas modalidades tributárias é a que interessa para esse julgamento-, não só as referidas no art. 149 -que se subordina ao capítulo concernente ao sistema tributário nacional – têm natureza tributária, como resulta igualmente, da observância que devam ao disposto nos artigos 146, III, e 150, I e III, mas também as relativas á Seguridade Social previstas no art. 195, em conformidade com o disposto no § 6º deste dispositivo, que, aliás, em seu § 4º, ao admitir a instituição de outras fontes destinadas a garantir a Seguridade Social, determina se obedeça ao disposto no art. 154, I, norma tributária, o que reforça o entendimento favorável à natureza tributária dessas Contribuições”. Marçal Justen Filho[6] ensina que: “A Contribuição Social se individualiza e se identifica não apenas pela natureza do ‘Fato Gerador’, mas pela vinculação entre a exação e o atendimento a um específico encargo estatal. O autor completa seu raciocínio ponderando: “A peculiaridade maior não está na simples vinculação. Reside em que a própria competência tributária é outorgada constitucionalmente mediante comando determinante da vinculação”. Relativamente a tais contribuições, a Mizabel Derzi[7] leciona:  “… a destinação, discriminada na Constituição é que define o conteúdo e a extensão da norma de competência federal. … Inexistindo o fundamento constitucional, legitimador do exercício da faculdade legislativa, o contribuinte pode opor-se à cobrança, pois, indevido o tributo que nasce de norma sem validade.” José Eduardo Soares de Melo[8] pontua: “… é da essência do regime jurídico específico da contribuição para a seguridade social a sua destinação constitucional. Não a destinação legal do produto da arrecadação, mas a destinação constitucional. Vale dizer, o vínculo estabelecido pela própria Constituição entre a contribuição e o sistema de seguridade social, como instrumento de seu financiamento direto pela sociedade, vale dizer, pelos contribuintes”. Em trabalho inédito elaborado, conjuntamente, por Mizabel Derzi, José Arthur Lima Gonçalves e Estevão Horvath[9], foi asseverado: “… a característica diferencial mais marcante das Contribuições em relação aos impostos e taxas reside na circunstância de ser ela – contribuição – necessariamente relacionada com uma despesa ou vantagem especial referida aos sujeitos passivos respectivos (contribuintes)”. Pelo pouco que foi exposto, percebe-se que as Contribuições Sociais previstas no art. 195 têm natureza jurídico-tributárias próprias, diferentes das dos Impostos, das contribuições de melhoria e das taxas, não aplicando o regime geral dos Impostos: anterioridade, capacidade contributiva, igualdade tributária, distribuição de receitas arrecadadas nos termos do art. 167, IV, repartição de competências, imunidades genéricas, etc. A estas Contribuições Sociais aplicar-se-á um outro regime constitucional: competência condicionada, anterioridade nonagesimal, princípio da eqüidade no custeio, princípio da contrapartida, orçamento próprio, imunidade especial, parafiscalidade necessária e sujeitos passivos específicos. Importante salientar que o sentido prático da identificação da natureza jurídica dos Tributos é a definição do seu regime jurídico, ou seja, definir quais são as normas jurídicas aplicáveis. As Contribuições para Financiamento da Seguridade Social possuem um regime jurídico próprio, com regras próprias. A sua função não é a de suprir o Tesouro Nacional de recursos financeiros. Elas possuem uma função nitidamente parafiscal, ou seja, destinam-se a suprir de recursos financeiros entidades do Poder Público com atribuições específicas, desvinculadas do Tesouro Nacional, no sentido de que possuem um orçamento próprio, qual seja, o orçamento da Seguridade Social, regulada no art. 165, § 3º da Constituição Federal vigente. Conforme já mencionado, o art. 195, incisos I, II e III, e seu § 6º, e ainda os arts. 165, § 5º, e 194, inciso VII, fornecem as bases do regime jurídico das contribuições sociais. “Art. 165, § 5º, III: “Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: … § 5º – A lei orçamentária anual compreenderá: … III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público”. Hugo de Brito Machado[10] ainda ensina que: “Esse orçamento não se confunde com o orçamento do Tesouro Nacional, e sua execução não constitui atribuição do Poder Executivo, uma vez que a Seguridade Social há de ser organizada com base em princípios constitucionalmente estabelecidos, entre os quais destaca-se o caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados”. O art. 195 da Constituição Federal determina que: “Art. 195: “A seguridade social será financiada por toda a sociedade, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados , do Distrito Federal e dos Municípios e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro;" II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;" III – sobre a receita de concursos de prognósticos. IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.” Pode-se verificar que na Constituição Federal encontram-se bases bem definidas para o regime jurídico das contribuições da seguridade social. Essas contribuições caracterizam-se, portanto, precisamente pelo fato de ingressarem diretamente no orçamento definido no art. 165, § 5º, inciso III, da Constituição Federal, não podendo integrar o orçamento do Tesouro Nacional, e sim, o da Seguridade Social. 1.3 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA X CAPACIDADE TRIBUTÁRIA Paulo de Barros Carvalho[11] ensina que “a competência legislativa é a aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir regras jurídicas, inovando o ordenamento positivo”. Acrescenta ainda que[12]: “No plexo das faculdades legislativas que o constituinte estabeleceu, figura a de editar normas que disciplinem a matéria tributária, desde a que contemple o próprio fenômeno da incidência até aquelas que dispõem a propósito de uma imensa gama de providências, circundando o núcleo da regra-matriz e que tornam possível a realização concreta dos direitos subjetivos de que é titular o sujeito ativo, bem como dos deveres cometidos ao sujeito passivo”. A atribuição de competência tributária faz parte da própria organização jurídica do Estado, e só pode ser atribuída a competência tributária às pessoas Jurídicas de Direito Público, dotadas de poder legislativo, posto que tal competência somente pode ser exercida através da lei. É o mesmo autor ainda que ensina[13]: “Não se confunde com a capacidade tributária ativa. Uma coisa é poder legislar, desenhando o perfil jurídico de um gravame ou regulando os expedientes necessários à sua funcionalidade; outra é reunir credenciais para integrar a relação jurídica, no tópico de sujeito ativo. O estudo da competência tributária é um momento anterior à existência mesma do tributo, situando-se no plano constitucional. Já a capacidade tributária ativa, que tem como contranota a capacidade tributária passiva, é tema a ser considerado no ensejo do desempenho das competências, quando o legislador elege as pessoas componentes do vínculo abstrato, que se instala no instante em que acontece, no mundo físico, o fato previsto na hipótese normativa”. As normas do Direito Tributário buscam atingir a realidade econômica das relações que disciplinam e evitar a fraude, motivo pelo qual não se perdem no formalismo dominante em outros ramos do Direito. Dessa maneira a capacidade tributária do sujeito passivo da obrigação tributária, sendo uma pessoa natural ou uma pessoa jurídica, independe da sua capacidade civil. Hugo de Brito Machado[14] ensina que: “Mesmo sendo juridicamente incapaz, nos termos do Direito Civil, em face do Direito Tributário tem ela plena capacidade jurídica (CTN, art. 126, inc. I). Também não afetam a capacidade jurídica do sujeito passivo da obrigação tributária as medidas que importem privação, ou limitação, do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios (CTN, art. 126, inc. II)”. Assim, quem exerce o comércio estando proibido de fazê-lo não é incapaz do ponto de vista tributário. O profissional liberal que, suspenso do exercício profissional pelo órgão fiscalizador respectivo, exerce, assim mesmo, sua profissão é plenamente capaz em face do Direito Tributário. Finalmente, qualquer restrição ou limitação à capacidade jurídica das pessoas é irrelevante no que diz respeito à sujeição tributária passiva. Da mesma forma, sendo o sujeito passivo da obrigação tributária uma pessoa jurídica, a capacidade desta independe de estar regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional (CTN, art. 126, inc. III). Assim, uma sociedade não personificada, desde que configure uma unidade econômica ou profissional, pode ser sujeito passivo. As razões práticas que justificam essas regras sobre a capacidade tributária passiva são evidentes. Não fosse assim, muita gente alegaria incapacidade jurídica, decorrente de menoridade, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, entre outros. Ou as pessoas jurídicas alegariam falta de arquivamento de seus atos constitutivos no Registro do Comércio, ou uma irregularidade qualquer, para fugirem às obrigações tributárias. Hugo de Brito Machado[15] ainda salienta que: “Também no plano da lógica jurídica justifica-se a regra do art. 126 do Código Tributário Nacional. É que a capacidade jurídica está ligada à questão da vontade como elemento formativo do vínculo jurídico obrigacional. Qualquer pessoa, para obrigar-se, há de ser juridicamente capaz. Ocorre que a vontade é irrelevante na formação do vínculo obrigacional tributário. Em sendo assim, não tem sentido a exigência da capacidade jurídica como condição para que alguém possa ser sujeito passivo desse tipo de obrigação”. Este autor acrescenta ainda que: “Não se deve confundir, porém, a capacidade para ser sujeito passivo da obrigação tributária, vale dizer, a capacidade para fazer nascer uma obrigação tributária, com a capacidade para o exercício de direitos nesse vínculo jurídico albergados. Mesmo em se tratando de direitos residentes na relação jurídica tributária, a capacidade de exercício é sempre necessária. Por isto é que a propositura de ação anulatória de lançamento tributário assim como a defesa na execução fiscal, exigem a capacidade jurídica”[16]. Pode-se concluir que a capacidade tributária não se confunde com a competência. A competência tributária é atribuída pela Constituição a um ente estatal dotado de poder legislativo. É exercida mediante a edição de lei. Já a capacidade tributária é atribuída pela Constituição, ou por uma lei, a ente estatal não necessariamente dotado de poder legislativo. É exercida mediante atos administrativos. O ente estatal dotado de competência legislativa poderá ter, também, capacidade tributária. Com a edição de lei exerce a competência, e com a prática de atos administrativos, a capacidade tributária. 1.4. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E CAPACIDADE TRIBUTÁRIA ATIVA EM RELAÇÃO À COFINS. Como já verificou-se a Constituição Federal determina que compete exclusivamente à União instituir Contribuições Especiais. O art. 149, § único permite que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituam Contribuições, a ser cobrada de seus servidores, para custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social. Dessa maneira, as Contribuições Interventivas e as Corporativas são privativas da União. Com relação às Contribuições de Seguridade Social serão exclusivas da União, salvo se for servidor do Estado-membro, do Distrito Federal ou do Município. Finalmente, as Contribuições de Seguridade Social são instituídas pela União Federal, mas só quem pode efetivar a arrecadação é a pessoa a quem caiba administrar a Seguridade Social, fenômeno esse denominado de parafiscalidade, que consiste na atribuição do poder fiscal, pelo Estado, a entidade de caráter autônomo investida de competência para o desempenho de alguns fins públicos, geralmente os de previdência social e origanização de interesse profissional em harmonia com o interesse público, ou seja,  a atribuição da capacidade ou titularidade de certos tributos a certas pessoas, que não são o próprio Estado, em benefício das próprias finalidades. Então, quando uma pessoa que não aquela que criou o tributo vem a arrecadá-lo para si própria, dizemos que está presente o fenômeno da parafiscalidade. Bernardo Ribeiro[17] ensina que: “Na prática, a contribuição parafiscal caracterizava-se essencialmente através dos seguintes elementos: a) caráter compulsório da exigência, à semelhana do imposto ou da taxa; b) não inclusão da respectiva receita no orçamento do Estado; c) destino do produto de sua arrecadação para o custeio de certas atividades estatais, voltadas para atender necessidades econômicas e sociais de certos grupos, setores ou categorias da coletividade. A contribuição, quanto á finalidade, apresenta-se com caráter social e especial; d) a administração da receita por entidades descentralizadas, até mesmo não estatais, delegatárias do Estado.” (grifo nosso) No caso em questão, sabe-se que a COFINS configura típica Contribuiçâo à Seguridade Social, cuja arrecadação e fiscalização encontra-se à mercê da Secretaria da Receita Federal, via subdelegação da capacidade tributária ativa. Somente esta tem capacidade para ser sujeito ativo da relação tributária. Hugo de Brito Machado[18] adverte que essa pessoa tem que ser pessoa distinta da União Federal (art. 194, § único da Constituição Federal). 1.5 ASPECTO MATERIAL, ESPACIAL, TEMPORAL, PESSOAL E QUANTITATIVO DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA 1.5.1 Estrutura Lógica da Regra-Matriz de Incidência Paulo de Barros Carvalho[19] ensina que: “A norma tributária em sentido estrito, é a que define a incidência fiscal. … Haverá uma hipótese, suposto ou antecedente, a que se conjuga um mandamento, uma conseqüência ou estatuição. A forma associativa é a cópula deôntica, o dever-ser que caracteriza a imputação jurídico-normativa. Assim, para obter-se o vulto abstrato da regra-matriz é mister isolar as proposições em si, como formas de estrutura sintática; suspender o vector semântico da norma para as situações objetivas (tecidas por fatos e por comportamentos do mundo); ao mesmo tempo em que se desconsidera os atos psicológicos de querer e de pensar a norma”. Conclui-se, portanto, que a norma é composta de uma hipótese que trará a previsão de um fato, e de uma conseqüência, que prescreverá a relação jurídica que se vai instaurar, onde e quando acontecer o evento cogitado no suposto, os efeitos jurídicos que o acontecimento irá propagar. Na hipótese deve constar o critério material, que é o comportamento de uma pessoa, condicionado no tempo e no espaço, que Paulo de Barros Carvalho[20] define como critério temporal e espacial respectivamente. Já na conseqüência deve estar descrito o critério pessoal, ou seja, quem são o sujeito ativo e passivo da relação tributária, e o critério quantitativo, ou seja a base de cálculo e a alíquota do tributo. Paulo de Barros Carvalho[21] ensina que: “a regra matriz de incidência tributária é, por excelência, uma regra de comportamento, preordenada que está a disciplinar a conduta do sujeito devedor da prestação fiscal, perante o sujeito pretensor, titular do direito de crédito”. Os elementos descritos na hipótese e na conseqüência são fundamentais, pois o Tributo só será devido quando o fato ocorrido for idêntico ao descrito no critério material (o fato se subsume à norma jurídica), e ocorrido no tempo e espaço estipulados na norma. 1.5.1.1 Critério Material O critério material faz referência a um comportamento de pessoas, físicas ou jurídicas, condicionado por circunstâncias de espaço (critério espacial) e de tempo (critério temporal). Paulo de Barros Carvalho[22] adverte que há distinção entre o critério material e a descrição objetiva do fato, sendo esse último obtido através da compostura integral da hipótese tributária, enquanto que o critério material é um dos seus componentes lógicos. Para tanto é necessário enxergar o critério material liberado das coordenadas de espaço e tempo. O critério material é resultante do encontro de expressões genéricas que descrevem um comportamento de pessoas, que pode ser um fazer, dar ou, simplesmente, ser (estado). Dessa maneira ele será sempre composto de um verbo mais um complemento, como vender mercadorias, auferir renda, ser proprietário de imóvel urbano. No caso em estudo o critério material está especificado na Constituição Federal, em seu art. 195: “Art. 195: A seguridade social será financiada por toda a sociedade, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados , do Distrito Federal e dos Municípios e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento;” Ou seja, o critério material da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS é faturar. 1.5.1.2 Critério Espacial As normas jurídicas devem trazer expresso os locais em que o fato deve ocorrer, a fim de que irradie os seus efeitos característicos. Porém pode ocorrer que algumas normas não especifiquem o local onde deve o fato ocorrer, mas, mesmo assim, haverá indicações que permite identificar o lugar preciso em que deve ocorrer aquela ação. Paulo de Barros Carvalho[23] acredita que: “… os elementos indicadores da condição de espaço, nos supostos das normas tributárias, hão de guardar uma das três formas compositivas, diretriz que nos conduz a classificar o gênero tributo na conformidade do grau de elaboração do critério espacial da respectiva hipótese tributária: a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para a ocorrência do fato típico; b) hipótese em que o critério espacial alude a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver geograficamente contido; c) hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares”. Dentro da classificação apontada pelo Paulo de Barros Carvalho, as Contribuições para Financiamento da Seguridade Social se enquadram na hipótese descrita no item “c”, ou seja, em qualquer local do território nacional que uma pessoa jurídica obtenha um faturamento, a COFINS irá incidir[24]. 1.5.1.3 Critério Temporal Critério temporal é um grupo de indicações que deve estar previsto no suposto da norma, que oferece elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir a obrigação tributária[25]. Paulo de Barros Carvalho[26] elucida que “o marco de tempo deve assinalar o surgimento de um direito subjetivo para o Estado (no sentido amplo) e de um dever jurídico para o sujeito passivo”. Adverte ainda que alguns legisladores tomaram como fato gerador de determinados impostos o critério temporal de sua Hipótese de Incidência, como por exemplo o art. 19 e 23 do Código Tributário Nacional, a seguir transcritos: “Art. 19 – O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional. Art. 23 – O imposto de competência da União, sobre a exportação, para o estrangeiro, de produtos nacionais ou nacionalizados tem como fato gerador a saída destes do território nacional.” Nos exemplos acima descritos pode-se verificar o equívoco do legislador, uma vez que o fato gerador do Imposto de importação é importar mercadorias, assim como o Fato Gerador do Imposto de exportação é exportar mercadorias. O que o legislador coloca como Fato Gerador é, na verdade, o critério temporal desses tributos. Imperioso observar que a eleição do momento adequado para a realização do fato jurídico tributário se faz no plano das elaborações legislativas. Para a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social, o critério temporal, ou o momento em que nasce a obrigação tributária é a data em que a pessoa jurídica obteve o faturamento, ou seja, na data da emissão da nota fiscal. Finalmente, com a reunião dos critérios material, espacial e temporal consegue-se identificar a Hipótese de Incidência do Tributo, ou seja, através da identificação desses critérios, torna-se possível individualizar fatos que, acontecidos no campo das realidades tangíveis, suscitam o nascimento das relações jurídico-tributárias. 1.5.1.4 Critério Pessoal O critério pessoal está descrito no conseqüente da norma, fornecendo critérios para a identificação do vínculo jurídico que nasce, facultando saber quem é o sujeito portador do direito subjetivo, assim como saber a quem foi cometido o dever jurídico de cumprir certa prestação, chamado de sujeito passivo. É identificar os sujeitos do vínculo, isto é, as pessoas que se acham atreladas uma à outra, com vistas ao objeto, que é a prestação. Aires Barreto[27] ensina que: “O aspecto pessoal é o atributo da Hipótese de Incidência que designa o sujeito ativo, expressa ou implicitamente, e estabelece genericamente os sujeitos passivos”. 1.5.1.4.1 Sujeito Ativo Sujeito ativo é, pois, o titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária. O art. 119 do Código Tributário Nacional prescreve que: “Art. 119 – “Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento”. Paulo de Barros Carvalho adverte que[28]: “O preceptivo suprime, descabidamente, gama enorme de possíveis sujeitos ativos, reduzindo o campo de eleição, única e tão-somente, às pessoas jurídicas de direito público, portadoras de personalidade política. Estamos diante de uma formulação legal que briga com o sistema. Há mandamentos constitucionais que permitem às pessoas titulares de competência tributária a transferência da capacidade ativa, nomeando outro ente, público ou privado, para figurar na relação, como sujeito ativo do vínculo. … Não é tarde para reconhecermos que o art. 119 do Código Tributário Nacional é letra morta no sistema do direito positivo brasileiro. Dele nada se aproveita, com exceção, naturalmente, de admitirmos a ponderação óbvia de que as pessoas jurídicas titulares de competência para instituir tributos também podem ser sujeitos ativos”. Acrescenta ainda que[29]: “… no direito brasileiro pode ser uma pessoa jurídica pública ou privada, mas não visualizamos óbices que impeçam venha a ser pessoa física. Entre as pessoas jurídicas de direito público, temos aquelas investidas de capacidade política – são as pessoas políticas de direito constitucional interno – dotadas de poder legislativo e habilitadas, por isso mesmo, a inovar a organização jurídica, editando normas. Há outras, sem competência tributária, mas credenciadas à titularidade de direitos subjetivos, como integrantes de relações jurídicas obrigacionais. Entre as pessoas de direito privado, sobressaem as entidades paraestatais que, guardando a personalidade jurídico-privada, exercitam funções de grande interesse para o desenvolvimento de finalidades públicas. Por derradeiro, …, há possibilidade jurídica de uma pessoa física vir a ser sujeito ativo de obrigação tributária. A hipótese traz como pressuposto que tal pessoa desempenhe, em determinado momento, atividade exclusiva e de real interesse público”. Dessa maneira, verifica-se, no caso das Contribuições de Seguridade Social, que são instituídas pela União Federal, mas só quem pode efetivar a arrecadação é a pessoa a quem caiba administrar a Seguridade Social. No caso em tela, quem possui a capacidade tributária ativa é a Delegacia da Receita Federal. Somente esta pessoa tem capacidade para ser sujeito ativo da relação tributária. Hugo de Brito Machado[30] adverte que essa pessoa tem que ser pessoa distinta da União Federal (art. 194, § único da Constituição Federal). 1.5.1.4.2 Sujeito Passivo Sujeito passivo da relação jurídica tributária é a pessoa física ou jurídica, privada ou pública, de quem se exige o cumprimento da prestação, ou seja, de quem se exige o pagamento do tributo. O art. 121, parágrafo único do Código Tributário Nacional prescreve que: “Art. 121 – Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei”. Com relação à COFINS, o art. 1º da Lei Complementar nº 70/91 prescreve: “Art. 1º – Sem prejuízo da cobrança das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), fica instituída Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal, devida pelas pessoas jurídicas inclusive as a elas equiparadas pela legislação do Imposto de renda, destinadas exclusivamente às despesas com atividades-fins das áreas de saúde, previdência e assistência social”. Pode-se observar, pelo disposto no preceito acima citado, que toda pessoa jurídica, inclusive aquelas equiparadas às pessoas jurídicas pela legislação do Imposto de renda, é sujeito passivo da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS. A mesma Lei Complementar 70/91 isenta determinadas pessoas jurídicas do pagamento da COFINS, quando dispõe: “Art. 6º – São isentas da Contribuição: I – as sociedades cooperativas que observarem ao disposto na legislação específica, quanto aos atos cooperativos próprios de suas finalidades;  II – as sociedades civis de que trata o art. 1° do Decreto-Lei n° 2.397, de 21 de dezembro de 1987; III – as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. Art. 7º São também isentas da Contribuição as receitas decorrentes: I – de vendas de mercadorias ou serviços para o exterior, realizadas diretamente pelo exportador; II – de exportações realizadas por intermédio de cooperativas, consórcios ou entidades semelhantes; III – de vendas realizadas pelo produtor-vendedor às empresas comerciais exportadoras, nos termos do Decreto-lei nº 1.248, de 29 de novembro de 1972, e alterações posteriores, desde que destinadas ao fim específico de exportação para o exterior; IV – de vendas, com fim específico de exportação para o exterior, a empresas exportadoras registradas na Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo; V – de fornecimentos de mercadorias ou serviços para uso ou consumo de bordo em embarcações ou aeronaves em tráfego internacional, quando o pagamento for efetuado em moeda conversível; VI – das demais vendas de mercadorias ou serviços para o exterior, nas condições estabelecidas pelo Poder Executivo.” Conforme já se observou, a capacidade tributária é a aptidão que as pessoas têm para serem sujeitos ativos e passivos de relações jurídicas de índole tributária. Dessa maneira pode-se afirmar que capacidade tributária passiva é a habilitação que a pessoa, titular de direitos fundamentais, tem para ocupar o papel de sujeito passivo de relações jurídicas de natureza fiscal. Essa capacidade passiva independe da capacidade civil das pessoas naturais, ou de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios; da mesma forma, no caso de pessoas jurídicas, a capacidade passiva independe de estar ela regularmente constituída[31], ou seja, para o ordenamento jurídico tributário não importa a condição civil que se encontre a pessoa física ou jurídica, o que importa é se a pessoa física ou jurídica praticou o fato determinado na lei como necessário e suficiente para o nascimento da obrigação tributária[32]. Paulo de Barros Carvalho[33] adverte que: “… ser capaz de realizar o fato jurídico tributário não quer demonstrar capacidade jurídica para se sujeito passivo de obrigações tributárias. Uma coisa é a aptidão para concretizar o êxito abstratamente descrito no texto normativo, outra é integrar o liame que se instaura no preciso instante em que adquire proporções concretas o fato previsto no suposto da regra tributária…. … distância abissal separa as duas circunstâncias, sumamente relevantes para a descrição do fenômeno jurídico das imposições tributárias: a possibilidade de um ente, ao qual o direito positivo não atribui personalidade jurídica, vir a concretizar situação estabelecida na lei fiscal, desencadeando efeitos tributários; e a aptidão para integrar a relação jurídico-tributária, nexo que surge, automática e infalivelmente, por força da ocorrência dos fatos descritos. A capacidade para promover os fatos tributário, ou deles participar, na consonância das previsões normativas, não é privilégio das pessoas físicas ou jurídicas, espécies de entidades personalizadas pelo direito privado. Para esse escopo, o legislador tributário desfruta de ampla liberdade, cerceada apenas pela consideração de dois fatores exógenos, quais sejam os limites da outorga constitucional de competência e o grau de relacionamento da entidade com o evento fático. Dentro dessa moldura, é quase infinita a legitimidade criativa do legislador fiscal, que pode atribuir personalidade tributária e capacidade para realizar o fato jurídico tributário a quem não as tenha por reconhecidas, no enredo das normas de direito civil. Cravada a premissa, será amplamente apropriada para a caracterização de um contrato de compra e venda de mercadorias, como ensejador de efeitos tributários, a circunstância de ambas as partes serem absolutamente incapazes; a contingência de uma sociedade de fato (sem constituição jurídica válida) ou sociedade irregular (cuja constituição foi reconhecida pelo direito, mas que, por razões diversas, deixou de manter a regularidade jurídica de sua existência) praticar operações tributáveis. … com exceção dos menores absoluta ou relativamente incapazes, e da sociedade irregular, pessoas dotadas de personalidade jurídica, os demais sujeitos acima referidos pertencem à numerosa família das entidades a que o direito privado não aceita como centro de imputação de direitos e deveres”. Conclui-se que o sujeito capaz de realizar o fato jurídico tributário, ou dele participar, pode não ter personalidade jurídica de direito privado. Outro ponto relevante quanto ao sujeito passivo refere-se à solidariedade. Este é um instituto jurídico eficaz para atender à comodidade administrativa do Estado, buscando satisfazer as suas necessidades. O art. 124 do Código Tributário Nacional determina: “Art. 124 – São solidariamente obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o Fato Gerador da obrigação principal; II – as pessoas expressamente designadas por lei. Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem. Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade: I – o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais; II – a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo; III – a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais”. Haverá, portanto, a solidariedade sempre que existir uma relação jurídica obrigacional, em que dois ou mais sujeitos de direito se encontrem compelidos a satisfazer a integridade da prestação. Finalmente, há ainda o instituto da responsabilidade tributária. O artigo 128 do Código Tributário Nacional prevê: “Art. 128 – Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”. O responsável tributário é qualquer pessoa desde que não tenha relação pessoal e direta com o fato jurídico tributário, pois essa é chamada de contribuinte. Na sujeição passiva direta figuram o contribuinte e o substituto tributário, os quais se encontram obrigados ao pagamento do tributo desde o momento da ocorrência de seu fato gerador, o que não se verifica na sujeição passiva indireta, na qual a obrigação de pagar compete originalmente ao sujeito passivo direto, mas a lei a transfere posteriormente para outra pessoa. Examinando o capítulo do CTN que trata da responsabilidade tributária (arts. 128/138) constata-se que a sujeição passiva indireta pode se dar por sucessão (causa mortis e inter vivos) ou por imputação legal, sendo desta natureza a responsabilidade prevista no inciso VI do art. 30 e no art. 31 da Lei 8.212/91. O Código Tributário Nacional, ao dispor sobre a responsabilidade de terceiros no art. 134, estabelece que as pessoas ali designadas, nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que foram responsáveis. Portanto, apesar de no art. 134 do Código Tributário Nacional se haver afirmado que as pessoas ali designadas “respondem solidariamente” com o contribuinte (devedor primário), é evidente que aquela responsabilidade é subsidiária, por isso que o responsável em sentido estrito (devedor secundário) só será chamado “nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte”, conforme se lê na parte inicial daquele preceito legal. Paulo de Barros Carvalho[34] entende que “as relações jurídicas integradas por sujeitos passivos alheios ao fato tributado apresentam a natureza de sanções administrativas”. Resumindo, pode-se afirmar que a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social possui como sujeito ativo a Delegacia da Receita Federal, e como sujeito passivo, qualquer pessoa jurídica de direito privado que obtenha um faturamento. 1.5.1.5 Critério Quantitativo Verificou-se que o sujeito ativo é titular de um direito subjetivo e que o sujeito passivo detém um dever jurídico de levar dinheiro aos cofres públicos. Para determinar a quantia devida a título de Tributo, necessita-se analisar o critério quantitativo do conseqüente das normas tributárias, que é composto pela conjugação de duas entidades: Base de Cálculo, que será estudada no próximo capítulo, e a alíquota. A alíquota consiste numa quota (fração) da Base de Cálculo. Nesse passo, observa-se a conceituação de alíquota para Geraldo ATaliba[35]:  “Deve receber a designação de alíquota só esse termo que se consubstancia na fixação de um critério indicativo de uma parte, fração – sob a forma percentual, ou outra – da base imponível.(…) Não basta para a fixação do quantum debeatur, a indicação legal da Base Imponível. Só a Base Imponível não é suficiente para a determinação in concreto do vulto do débito tributário, resultante de cada obrigação tributária. A lei deve estabelecer outro critério quantitativo que – combinado com a Base Imponível – permita a fixação do débito tributário, decorrente de cada Fato Imponível. Assim, cada obrigação tributária se caracteriza por ter certo valor, que só pode ser determinado mediante a combinação de dois critérios numéricos: a Base de Cálculo e a alíquota.” A alíquota, freqüentemente, se apresenta em forma de percentagem, porém nada impede que seja concebida em termos monetários. No caso em estudo, a alíquota foi majorada pela Lei 10.833/03 para 3%, para as empresas tributadas pelo lucro presumido e 7,6%, para as empresas tributadas pelo lucro real. 2 – COFINS – BASE DE CÁLCULO 2.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES Geraldo Ataliba[36] ensina que, para que seja possível uma correta aplicação da legislação tributária, necessita-se um domínio de uma técnica jurídica especial, elaborada pela ciência do direito, com o objetivo de assegurar ampla eficácia aos princípios constitucionais da legalidade e tipicidade da tributação, bem como às exigências relativas ao regime legal das espécies tributárias. O autor ainda acrescenta: “Pensamos que o princípio informador dos Impostos no Brasil – em virtude de postulado constitucional inarredável – é a capacidade contributiva, contida “nas dobras do princípio da isonomia”, como o diz Roque Carrazza. O princípío informador das taxas é, a nosso ver, nitidamente, o da retribuição, estritamente entendida. O princípio informador das Contribuições é o da proporcionalidade ao benefício especial recebido por um círculo de contribuintes, em razão de uma atividade pública (ou proporcionalidade à especial despesa, que em círculo determinado de pessoas, com sua atividade, induz o Estado a fazer).” Esses princípios estão determinados na Constituição de 1988, resultando uma obrigação do legislador distinguir as espécies tributárias, atribuindo-lhes o regime próprio. Em contrapartida, atribui aos contribuintes o direito a uma legislação que observe estritamente essas exisgências, direito esse chamado de direito subjetivo. O mesmo autor adverte que: “… só é possível ao legislador atender a tais postulados insuperáveis – porque constitucionais – manipulando com rigor técnico e plena adequação as bases tributáveis (…) e as alíquotas[37]”. Acrescenta ainda: “Pode a lei tributária estar correta no traçar todos os aspectos da Hipótese de Incidência (pessoal, temporal, espacial e material), sendo, não obstante, ineficaz (imperfeita) ou inconstitucional (infringente de requisitos impostergáveis)”. A falta de rigor do legislador compromete a própria validade e eficácia da lei, acarretando a inconstitucionalidade do tributo, e sua conseqüente inexigibilidade. 2.2 BASE DE CÁLCULO – CONCEITO OPERACIONAL A Base de Cálculo vem a ser a mensuração do aspecto material da Hipótese de Incidência. É o padrão ou unidade de referência determinada pelo legislador, que possibilita a quantificação da grandeza financeira do fato tributário. Aires Barreto[38] adverte que: “Envolvendo a própria consistência da Hipótese de Incidência, haveria de o aspecto material abrigar o caráter essencial dessa substância: a possibilidade de mensuração, de transformação em uma expressão numérica. É no aspecto material da Hipótese de Incidência que, por seus atributos, encontramos a suscetibilidade de apreciação e dimensionamento, com vista à estipulação do objeto da prestação. Aos atributos dimensíveis do aspecto material da Hipótese de Incidência designa-se Base de Cálculo. … Calha melhor, por isso, conceituar Base de Cálculo como o padrão, critério ou referência para medir um fato tributário.” Observa-se, portanto, que a Base de Cálculo consiste na descrição legal de um padrão ou unidade de referência que possibilite a quantificação da grandeza financeira do fato tributário. O autor continua[39], apontando que: “É por lei que se indica a Base de Cálculo in abstracto, mero conceito normativo. A lei – ao descrever a hipótese legal que, se e quando acontecida, dará nascimento à obrigação tributária – já terá erigido a Base de Cálculo. Na expressão Base de Cálculo, a partícula ‘de’ indica relações atributivas ‘de fim’, cujo emprego tornaria mais explícito o seu próprio objeto. Base de Cálculo quer dizer ‘fundamento para calcular’, ‘apoio para contar’, ‘estimar’ ou ‘avaliar’. Exprime o critério para a realização de uma operação ou de combinação destas, sobre números. Equivale a dizer: expressa o padrão para medir, por comparação, grandezas da mesma espécie…. Base de Cálculo é a definição legal da unidade de medida, constitutiva do padrão de referência a ser observado na quantificação financeira dos fatos tributários. Consiste em critério abstrato para medir fatos tributários que, conjugados à alíquota, permitem obter a dívida tributária. Observa-se a importância da Base de Cálculo para a determinação do quantum devido, sendo impossível a verificação de tal valor sem a exata determinação da mesma. 2.3 base de cálculo – contribuições Conforme verificou-se nos capítulos anteriores, um Tributo enquadra-se na categoria das Contribuições quando sua Hipótese de Incidência enfeixar atuação estatal obliquamente vinculada ao contribuinte. O número de Contribuições passíveis de criação pelo legislador ordinário é determinada pela Constituição de 1988. Aires Barreto[40] define a Contribuição como sendo “um Tributo cuja Hipótese de Incidência consiste em fato lícito referido ao obrigado”. Esse fato deve estar conectado, como causa ou conseqüência, à atuação estatal. Ives Gandra da Silva Martins[41] sustenta: … o legislador pátrio, a par da distinção conceitual exposta no direito positivo, diferenciando nitidamente as características jurídicas de uma e outra, preferiu vincular a primeira, pela sua maior semelhança jurídica, às taxas, colocando-as juntas nos dois textos (complementar e constitucional). Geraldo Ataliba[42] assevera que o núcleo da Hipótese de Incidência nas contribuições é a dimensão da circunstância intermediária. Essa circunstância é que ensejaria o critério dimensível da Hipótese de Incidência: a Base de Cálculo. A. D. Giannini[43] ensina que: “O fundamento jurídico desse Tributo especial consiste ou na particular vantagem de cada um ou na maior despesa do ente público; e uma vez que em algumas situações de fato os dois elementos concorrem para justificar a imposição, a lei pode referir o Tributo a um ou a outro ou estabelecer que para a sua determinação deva ter-se em conta ambos. … onde o Tributo especial se constitui numa figura de direito tributário distinta do Imposto, porque tem o seu fundamento jurídico, além da sujeição ao poder de império, também em uma particular vantagem do contribuinte ou em uma maior despesa do ente público por ele provocada, assim que o débito não surge se falta a vantagem ou a despesa não ocorre e a medida é proporcionada precisamente na vantagem ou na despesa”. Conclui-se, portanto, que a Hipótese de Incidência das contribuições é o somatório de atuação estatal e circunstância intermediária que é o dado de conexão com o obrigado, não existindo obrigação de pagar a Contribuição se faltar algum desses dois elementos. Finalmente, fácil observar que a função da Base de Cálculo é a de servir como elemento de mensuração do critério material do suposto normativo; permitir a determinação da base calculada, pela conjugação do critério dimensional (Base de Cálculo) com a alíquota; possibilitar a precisa investigação da natureza jurídica específica do Tributo criado; e, determinar a presença da capacidade contributiva. 2.4 base de cálculo – cofins Conforme verificou-se acima a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), foi instituída pela Lei Complementar n.º 70, de 30 de dezembro de 1991, ao amparo do disposto no Inciso I, do artigo 195 da Carta Constitucional de 1988: “Art. 1º – Sem prejuízo da cobrança das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), fica instituída contribuição social para financiamento da Seguridade Social, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal, devida pelas pessoas jurídicas inclusive as a elas equiparadas pela legislação do imposto de renda, destinadas exclusivamente às despesas com atividades-fins das áreas de saúde, previdência e assistência social.” Observa-se no preceito acima que a receita a ser arrecadada deve ser destinada exclusivamente para o atendimento das despesas havidas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com as atividades fins das áreas da saúde, previdência e assistência social. O legislador para tanto elegeu o faturamento mensal das pessoas jurídicas, assim considerado, como a receita das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza, como hipótese de incidência da norma tributária, sujeitando-o originariamente a incidência de alíquota de 2% (dois por cento), e como tal elevando à época a carga tributária das pessoas jurídicas, na medida em que o próprio texto legal diz que a cobrança da COFINS dar-se-á sem prejuízo das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), que foram instituídas pela Lei Complementar n.º 07/1970, e pelas quais as pessoas jurídicas já se encontravam sujeitas ao recolhimento: “Art. 2º – A contribuição de que trata o artigo anterior será de dois por cento e incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.” Posteriormente, a Lei nº 9.718/98 alargou os efeitos da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), estendendo-os para a Contribuição destinada ao Programa de Integração Social (PIS), e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), além de alterar os critérios da contribuição social incidente sobre o faturamento (COFINS) e da contribuição ao PIS, majorando em 1% (um por cento) a alíquota da COFINS e ampliando sobremaneira o conceito de faturamento para alcançar novos contribuintes, nos seguintes termos: “Art. 2º – As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devi-das pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta lei; Art. 3.º – O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica. § 1.º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas. § 2.º Para fins de determinação da base de cálculo das contribuições a que se refere o art. 2º, excluem-se da receita bruta: I – as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos, o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário; II – as reversões de provisões operacionais e recuperações de créditos baixados como perda, que não representem ingresso de novas receitas, o resultado positivo da avaliação de investimentos pelo valor do patrimônio líquido e os lucros e dividendos derivados de investimentos avaliados pelo curso de aquisição, que tenham sido computados como receita; III – os valores que, computados como receita, tenha sido transferidos para outra pessoa jurídica, observadas normas regulamentadoras expedidas pelo Poder Executivo. IV – a receita decorrente da venda de bens do ativo permanente. ” Dessa maneira, as empresas em geral passaram a contribuir para a COFINS com base no faturamento correspondente à receita bruta da pessoa jurídica, nos termos dos seus arts. 2º e 3º, § 1º, aplicando as deduções previstas no art. 3º, §2º, acima transcritos. 2.5 Faturamento O vigente artigo 195, I, b, da Constituição de 1988, prevê como uma das bases tributáveis das contribuições à seguridade social o “faturamento” dos empregadores. José Eduardo Soares de Mello[44] adverte que: “O vocábulo em tela, por si só, não pode jamais ser representativo de materialidade de Tributo, por ser, simplesmente, um elemento corpóreo (o papel “fatura”), ou significar conceitualmente a somatória de cobranças pelo empregador. É indispensável recorrer-se aos léxicos e à doutrina para se compreender esse fenômeno em toda sua extenção e seu enquadramento jurídico, notadamente sua projeção tributária”. Realizando uma busca nos dicionários[45] visando encontrar o significado da palavra fatura encontra-se: “Fatura é, em direito mercantil, o documento relativo à venda de mercadorias vendidas, pelo qual o vendedor faz conhecer ao comprador a lista das mercadorias vendidas, discriminando-as por quantidade, qualidade, espécie, tipo e outras características, o preço das mesmas e as condições de entrega e pagamento. A emissão de fatura nas vendas é obrigatória, nos termos da Lei nº 5474, de 18/06/1968… Fatura Comercial é apenas um dos nomes pelos quais é vulgarmente chamada a fatura extraída em razão de uma venda mercantil. Fatura de Venda é a denominação dada à fatura originária, da qual se extrai a duplicata mercantil. Fatura Fiscal é a expressão que constitui uma das denominações dadas à conta assinada ou duplicada mercantil. Fatura Geral é a fatura que abrange todas as vendas parciais efetuadas pelo comerciante em dias diversos a um freguês. É, também, no documentos comprobtório da entrega da mercadoria. No direito fiscal, é a fatura originária, da qual se extrai a duplicata discriminatória de todas as vendas e compras realizadas em determinado período. Faturar é o ato pelo qual se extrai a fatura das mercadorias vendidas. Exprime, também, o ato de organizar, relacionar ou incluir mercadorias numa fatura”. Geraldo Ataliba e Cléber Giardino[46] assinalaram que: “… a praxe consagrou a expressão ‘faturamento’ para indicar a soma de diversas faturas, por critério do cliente, ou prazo, ou tipo de mercadorias vendidas etc. Assim, é comum dizer-se: “O nosso faturamento para o cliente X é de 1.000 por mês … . … o termo faturamento é empregado – por outro lado – para identificar não apenas o ato de faturar mas, sobretudo, o somatório do produto de vendas  ou de atividades concluídas num dado período (ano, mês, dia). Representa, assim, o vulto das receitas decorrentes da atividade econômica geral da empresa. … esse fato consistente em emitir faturas não tem, em si mesmo, nenhuma relevância econômica. É a mera decorrência de outro acontecimento – este, sim,  economicamente importante -, correspondente à realização de operações ou atividades da qual esse faturamente decorre”. Mais uma vez utilizando os ensinamentos de José Eduardo Soares de Mello[47]: “As ‘operações’[48] constituem a pedra-de-toque, o elemento cardeal, para estabelecer o real significado de ‘faturamento’, porque a incidência tributária não recai sobre o documento (fatura) ou mero resultado quantitativo (faturamento), mas consubstancia e decorre de realização de negócios”. Para haver faturamento é  necessário a realização de operações mercantis, ou venda de produtos, ou a realização de operações similares. Sobre a ocorrência dessas operações é que recairá a incidência. Geraldo Ataliba e Cléber Giardino[49] ainda concluem que: “… o faturamento jamais poderá ser materialidade da Hipótese de Incidência de qualquer Tributo pela simples razão de que, nesse conceito, faturamento é uma espécie de valor, ou seja, é critério de cálculo, índice de mensuração de uma determinada situação economicamente avaliável. Não indica, necessariamente, determinada materialidade da Hipótese de Incidência, mas apenas a sua medida, ou seja, a sua Base de Cálculo”. Conclui-se, portanto, que o faturamento constitui elemento pertinente ao registro documental e à quantificação do negócio jurídico, a própria Base de Cálculo da contribuição, decorrente de operações com determinados tipos de bens materiais (“mercadorias” e “produtos”) e prestação de serviço. A Base de Cálculo constitui o aspecto fundamental da estrutura de qualquer tipo tributário, por conter a dimensão da obrigação pecuniária, tendo a virtude de quantificar o objeto da imposição fiscal, com seu elemento nuclear, o verdadeiro cerne da hipótese normativa. Geraldo Ataliba[50] define como: “… uma perspectiva dimensível do aspecto material da Hipótese de Incidência, que a lei qualifica, com a finalidade de fixar critério para a determinação, em cada obrigação tributária concreta, do quantum debeatur. … a importância da Base Imponível é nuclear, já que a obrigação tributária tem por objeto sempre o pagamento de uma soma de dinheiro, que somente pode ser fixada em referência a uma grandeza prevista em lei e ínsita no Fato Imponível ou dela decorrente ou com ela relacionada”. Aires Barreto[51] registra que: “… é o padrão, critério ou referência para medir um fato tributário, sendo, a definição legal da unidade constitutiva do padrão de referência a ser observado”. Ives Gandra da Silva Martins[52], a seu turno, determina: “… as receitas financeiras próprias do Banco não exteriorizam faturamento contra ninguém e as receitas financeiras decorrentes da circulação de dinheiro de terceiros não são cobradas mediante faturamento, de resto impossível nas operações bancárias”. Misabel Derzi[53] declara que: “O faturamento de uma empresa não pode incluir receitas financeiras e impostos incidentes sobre vendas que são meros repasses. Deve espelhar o preço real da coisa trocada ou do serviço prestado e não perda de capital. No conceito de receita bruta, incluem-se elementos estranhos à idéia de faturamento real …”. Conclui-se, dessa maneira, que as verbas que podem ser consideradas como receitas são os rendimentos brutos de aplicações financeiras, lucros e dividendos, juros e descontos, aluguéis, variações monetárias, prêmios de resgate de títulos. 2.6 tratamento dispensado às instituições financeiras Conforme verificou-se acima, com a edição da Lei nº 9.718/98, as empresas em geral passaram a contribuir para a COFINS com base no faturamento correspondente à receita bruta da pessoa jurídica, nos termos do art. 2º e 3º, anteriormente transcritos. Em se tratando de outras pessoas jurídicas, dentre elas as instituições financeiras, a Lei n.º 9.718/98 previu que, para o cálculo da COFINS, seriam permitidas as mesmas exclusões e deduções permitidas para o cálculo do PIS, nos moldes do § 5º, do seu art. 3º. “Art. 3º. – Omissis § 5.º – Na hipótese das pessoas jurídicas referidas no § 1º, do art. 22 da Lei n.º 8.212 de 24 de Julho de 1991, serão admitidas, para os efeitos da COFINS, as mesmas exclusões e deduções facultadas para fins da determinação da Base de Cálculo da contribuição para o PIS/PASEP”. Posteriormente, através da Medida Provisória 1858, cuja reedição ocorreu em 27/06/2000, sob o n.º 2.037-19, acrescentou-se os parágrafos 6º, 7º, 8º ao art. 3º da Lei n.º 9.718/98, alargando as exclusões e deduções possíveis, no caso apenas das instituições financeiras, para determinação da Base de Cálculo da COFINS: “§ 6.º – Na determinação da base de cálculo das Contribuições para o PIS/PASEP e COFINS, das pessoas jurídicas referidas no Parágrafo Primeiro do art. 22 da Lei n.º 8.212 de 1991, além das exclusões e deduções mencionadas no Parágrafo anterior, poderão excluir e deduzir: I – No caso de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedade de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidora de títulos e valores imobiliários, empresas de arrendamento mercantil e cooperativas de crédito: a) despesas incorridas nas operações de intermediação financeira; b) despesas de obrigações por empréstimos, para repasse, de recursos de instituições de Direito Privado; c) deságio na cobrança de títulos; d) perdas com títulos de renda fixa e variável; e) perdas com ativos financeiros e mercadorias, em operações de hedge; II – No caso de empresa de seguros privados, os rendimentos auferidos nas aplicações financeiras destinadas à garantia de provisões técnicas, durante o período de cobertura de risco; III- No caso de entidades de previdência privada, abertas, fechadas, os rendimentos auferidos nas aplicações financeiras destinadas ao pagamento de benefícios de aposentadoria, pensão, pecúlio e de resgates; IV- No caso de empresas de capitalização, os rendimentos auferidos nas aplicações financeiras destinadas ao pagamento de resgate de títulos; § 7.º – Omissis § 8.º – Na determinação da Base de Cálculo da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, poderão ser deduzidas despesas de captação de recursos incorridas pelas pessoas jurídicas que tenham por objeto a securitização de créditos: I – Imobiliário, nos termos da Lei n.º 9.514 de 20 de Novembro de 1997; II – Financeiros, observada a regulamentação editada pelo Congresso Nacional.” Diante dos preceitos legais acima transcritos, e, considerando as exclusões e deduções previstas paras estas empresas, com vistas a determinação da Base de Cálculo, verifica-se, de plano, que as instituições financeiras acabam por recolher a COFINS com base no lucro bruto – dedução das despesas operacionais da receita bruta, o que vem a diferir das demais pessoas jurídicas de Direito Privado que recolhem tais Contribuições sobre o faturamento, considerando-se as suas receitas operacionais brutas. Portanto, tal privilégio, efetuado pelo legislador, ocasiona tratamento desigual entre contribuintes que se encontram em situação equivalente, realizando distinção, em razão da atividade exercida, em completa afronta ao princípio da isonomia e da igualdade tributária, insculpido na Constituição de 1988. Importante salientar que o rol das deduções mencionadas referem-se às atividades praticadas exclusivamente pelas instituições financeiras, correspondendo às despesas operacionais das mesmas; ocorre que as demais empresas privadas não praticam tais atividades, porém possuem outras despesas operacionais características do ramo de atividade por elas praticadas, que também deveriam ser deduzidas da Base de Cálculo para a apuração do quantum devido, atendendo, assim, os princípios constitucionais da igualdade tributária e capacidade contributiva. 2.7  DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA E DA IGUALDADE TRIBUTÁRIA PERANTE A CONSTITUIÇÃO DE 1988. A Constituição de 1988, no caput do seu art. 5º, impõe, como meio de se obter a pretendida convivência harmoniosa, a necessidade de tratar todos de maneira igualitária, sem qualquer distinção, perante a Lei, desde que em posição de equivalência. Eis o texto legal. “Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza …”. Pois bem, conceder somente às instituições financeiras a possibilidade de reduzir a Base de Cálculo do Tributo, através de deduções e outros benefícios, sem estendê-los igualitariamente aos demais contribuintes, significa desrespeitar cabalmente a Constituição, afrontando o princípio da isonomia e da igualdade tributária. Vale lembrar que a Constituição de 1988, ao dispor sobre o Sistema Tributário Nacional, reitera a necessidade de se observar o postulado da igualdade (também chamado de princípio da isonomia), quando veda aos entes públicos da Federação a instituição de tratamento desigual entre os contribuintes que se encontram em posição de equivalência, nos seguintes termos: “Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I- Omissis. II- Instituir tratamento desigual entre contribuintes que se en-contrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou da função por eles exercida , independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. Evidentemente que aplicando as exclusões e deduções dos parágrafos 5º e 6º da Lei n.º 9.718/98, o legislador, na proteção de interesses econômicos fortíssimos, pois instituições financeiras desfrutam de excelente saúde monetária, “importante” para o atual sistema capitalista financeiro, lesionou, gravemente, o princípio da isonomia e da igualdade tributária, construindo, na contramão dos comandos constitucionais, uma distinção em razão de atividade exercida pelas empresas. Ocorre que, a rigor do postulado da isonomia fiscal, parece claro que de forma alguma as instituições financeiras poderiam experimentar um tratamento fiscal mais vantajoso do que o ofertado às demais empresas privadas, notadamente em razão da flagrante capacidade contributiva. Tal discriminação, hipoteticamente, se possível fosse, deveria vir amparada de significante justificativa do legislador, o que não foi feito! Hugo de Brito Machado[54] ao discorrer sobre o assunto, explicitou convicto entendimento de que os entes públicos têm a obrigação de tratar de forma igual aqueles que se encontram em condições uniformes: “O princípio da igualdade é a projeção, na área tributária, do princípio geral da isonomia jurídica, ou princípio de que todos são iguais perante a lei. Apresenta-se aqui como garantia de tratamento uniforme, pela entidade tributante, de quantos se encontrem em condições iguais. Como manifestação desse princípio temos, em nossa Constituição, a regra da uniformidade de tributos federais em todo o território nacional”. Três vezes aberrante a discriminação imposta pelo legislador. Primeiro porque feriu diretamente o princípio da isonomia, estampado no caput do art. 5º da Constituição de 1988l; segundo, pela agressão visível ao princípio da igualdade tributária, albergado pelo Texto Constitucional (art. 150, II); e, terceiro, pelo fato de não ter justificado, relevantemente, a razão que legitima uma série de deduções possíveis da Base de Cálculo da COFINS incidente sobre as atividades desempenhadas pelas instituições financeiras. Não é dado ao legislador, por impossibilidade não só léxica mas sobretudo legal, criar exceções ao tratamento igualitário reclamado pelo princípio da isonomia tributária, sob pena de se mutilar a Carta Magna, a ponto de torná-la inócua, isto é, sem força vinculante. Para Roque Antônio Carraza[55], a lei deve ser igual para todos aqueles que desfrutam da mesma situação jurídica, demonstrando com isso que o termo igual, invocado no texto legal, significa dizer que a norma deve atingir de forma uniforme todos os integrantes de uma mesma posição, visto que, de forma diversa, destoaria da realidade pretendida pelo legislador constituinte em promover, aos moldes da evolução jurídico-cultural, que teve como ponto crucial a Revolução Francesa, a igualdade. Em seu Curso de Direito Constitucional Tributário, o referido tributarista[56] assim se expressa acerca do assunto: “A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo tratamento tributário. Será inconstitucional – por burlar o princípio republicano e ao da isonomia – a lei tributária, que selecione pessoas, para submetê-las a regras peculiares que não alcançam outras, ocupantes de idênticas posições jurídicas”. Na mesma esteira de raciocínio, Kiyoshi Harada[57] leciona a respeito do princípio da igualdade tributária: “Este princípio tributário veda o tratamento jurídico diferenciado de pessoas sob os mesmos pressupostos de fato; impede discriminações tributárias, privilegiando ou favorecendo determinadas pessoas físicas ou jurídicas”. O procedimento, por simples exegese da norma, deve ser igual para todos, extraindo então que não pode haver diferenciação dentro do universo das pessoas jurídicas de direito privado. É que não se pode interpretar extensiva ou restritivamente o texto legal a fim de prejudicar o contribuinte, independente da posição e atividade que este exerce. Segundo, porque os princípios violados se apresentam no texto constitucional como cláusulas pétreas, não podendo, sob hipótese alguma, ser superada por lei hierarquicamente inferior. A Constituição de 1988, com o intuito de proteger os direitos e garantias individuais das pessoas, proíbe propostas de emendas tendentes a abolir direitos e garantias individuais, as quais  não devem sequer ser objeto de deliberação, como se infere do art. 60, § 4º,  in verbis: “Art. 60 – A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: … § 4.º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: … IV – Os direitos e garantias individuais”.  É pungente a discriminação, vez que existe palpável quebra do princípio da isonomia e séria ruptura dos parâmetros de igualdade, invocados pelo próprio organismo constitucional, além do que, não guarda qualquer razão lógica a adoção de tal método discriminatório, visto que não há elemento para justificá-lo, vez que os contribuintes são pessoas jurídicas de direito privado, de origem idêntica, portanto. Celso Antônio Bandeira de Mello[58], dissertando sobre a abrangência do princípio da isonomia, fornece importante e translúcida compreensão: “… o critério especificador escolhido pela lei a fim de circunscrever os atingidos por uma situação jurídica – a dizer: o fator de discriminação – pode ser qualquer elemento radicado neles, todavia, necessita, inarredavelmente guardar relação de pertinência lógica com a diferenciação que dele resulta. Em outras palavras: A discriminação não pode ser gratuita ou fortuita”. Completando o ensinamento acima, Antônio Roberto Sampaio Dória informa que a arbitrária discriminação, quando acontece concretamente, deve ser repelida pelo Judiciário, o qual deve buscar solução prática, plausível e mais benevolente para a pessoa ou atividade que se discriminou incorretamente. 2.8 APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA A Constituição Federal de 1988 restabeleceu a norma que expressamente consagrava, na Constituição de 1946, o princípio da capacidade contributiva. Com efeito, o parágrafo primeiro do Art. 145 da Constituição de 1988 assim preceitua: “Art. 145 … § 1º – Sempre que possível, os Impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os redimentos e as atividades econômicas do contribuinte. É certo que a expressão “sempre que possível”, utilizada no início do mencionado dispositivo, pode levar o intérprete ao entendimento segundo o qual o princípio da capacidade contributiva somente será observado quando possível. Porém essa não parece ser a melhor interpretação, porque sempre é possível a observância do referido princípio. Acredita-se que, o sempre que possível, do § 1º do art. 145, diz respeito apenas ao caráter pessoal dos Tributos, pois na verdade nem sempre é tecnicamente possível um Tributo com caráter pessoal. Hugo de Brito Machado[59] afirma que: “atualmente é universal a consciência do princípio da capacidade contributiva, como norma de Justiça. Aliás, pode-se mesmo entender que independentemente de previsão constitucional explícita, o princípio da capacidade contributiva deve ser visto como um princípio de justiça, e assm deve ser seguido pelo intérprete das normas tributárias em geral, até porque, o fim da norma tributária não é simplesmente a arrecadação, mas a arrecadação baseada na capacidade contributiva das pessoas chamadas a satisfazer os tributos”. Importante salientar que alguns autores, entre eles Aliomar Baleeiro, acreditam que tal princípio somente se aplica aos impostos sob o argumento de que, segundo reza tal princípio, fica facultado à administração tributária graduar os impostos (somente estes) segundo a capacidade econômica do contribuinte, o que permitiria um possível tratamento diferenciado, legitimando, com isso, uma eventual discriminação, mesmo dentre pessoas de uma mesma situação jurídica. Afirmam, ainda, que as autoridades fiscais, contudo, interpretam as normas do modo que mais lhe convém e, defendem que a aplicação do princípio acima se estende aos demais tributos. O que, para eles seria um equívoco. Ressaltam, ainda, que o dimensionamento das contribuições (PIS/COFINS), figura especial dentro da sistemática tributária, prende-se à necessidade das categorias sociais a que se destinam os benefícios, bem diferente portanto, dos impostos propriamente ditos, que levam em consideração, devido ao seu caráter pessoal, a capacidade contributiva dos contribuintes. É que as contribuições, ao contrário dos impostos, funcionam como sustentáculos dos encargos paralelos da administração pública direta, fazendo valer sua verdadeira função, que é nitidamente parafiscal. Portanto, não tendo como base as condições pessoais do contribuinte, tais como os impostos, as contribuições sociais não poderiam ser contempladas com o princípio da capacidade contributiva, visto que a dimensão dessa dependerá da necessidade da categoria social a que se destina, e não da análise pessoal do contribuinte. Aliomar Baleeiro[60] defende que: “A Constituição brasileira, não obstante, adotando a melhor técnica, restringe a obrigatoriedade do princípio aos impostos, conforme dispõe o art. 145, §1º. É que, enquanto a base de cálculo dos impostos deve mensurar um fato-signo, indício de capacidade econômica do próprio contribuinte, nos chamados tributos vnculados – relativos às taxas e contribuições – ela dimensiona  custo da atuação estatal ou a vantagem imobiliária auferida pelo contribuinte, advinda da obra pública. Tal constatação não impede que o legislado conceda a isenção em se tratando de certos serviços públicos. A Constituição Federal, poir isso mesmo, já garante, para o reconhecidamente pobres, a gratuidade da prestação jurisdicional, do registro civil de nascimento e da certidão de óbito”. Alexandre Macedo Tavares[61] adverte que: “Trata-se, claramente, de princípio informador dos Impostos, mas que não lhe é privativo, já que o mesmo deita raízes no magno postulado da isonomia, uma diretriz aplicável genericamente a qualquer espécie tributária e que rende homenagem ao ideal republicano de afastar, também no campo fiscal, privilégios sem a suficiente e necessária correlação lógica entre o fator escolhido como critério de discrímen e a conseqüente discriminação legal levada a termo em função dele. O princípio da capacidade contributiva encontra na progressividade a figura de um forte aliado na busca da tão desejada Justiça Fiscal. Diz-se isso, já que todos os impostos deveriam ser progressivos, pois somente assim é que se alcançaria uma efetividade ótima, no que se refere à observância do princípio da capacidade contributiva”.[62] Celso Antônio Bandeira de Mello[63] ensina que não é exagero afirmar que a violação de um princípio representa a trangressão do próprio sistema no qual ele se insere. Tal como acontece com a inobservância de qualquer outro princípio constitucional, também a inobservância, pelo legislador, do princípio da capacidade contributiva pode ser objeto de controle tanto por ação direta, promovida perante o Supremo Tribunal Federal, por uma das pessoas indicadas no art. 103 da vigente Constituição Federal, como em qualquer das ações nas quais ordinariamente são apreciadas as questões tributárias. Questão delicada consiste em saber se, havendo a Constituição consagrado expressamente o princípio da capacidade contributiva, ou, mais exatamente, o princípio da capacidade econômica, a lei que concede isenção de Tributo fere, ou não, tal princípio. Em se tratando de Imposto cujo Fato Gerador não seja necessariamente um indicador de capacidade contributiva do contribuinte, a lei que concede isenção certamente não será inconstitucional, posto que não fere o principio em estudo. Em se tratando, porém, de Imposto sobre o patrimônio, ou sobre a renda, cujo contribuinte é precisamente aquele que se revela possuidor de riqueza, ou de renda, aí parece que a isenção lesa o dispositivo constitucional que alberga o princípio em referência. Conclui-se portanto que, quando se afirma que o primado da capacidade contributiva é aplicável a todas as espécies tributárias, não se está com isso patrocinanado a exegese de discriminações injustificáveis ou casuísticas, ao revés, com isso procura-se ressaltar, a rigor do fato presuntivo de riqueza das instituições financeiras, qualquer benefício concedido às mesmas e igualmente não estendidos às demais empresas privadas, implica em dupla inconstitucionalidade, quer por violação ao primado da isonomia, quer por andar na contramão do princípio da capacidade contributiva. Em outros termos, por ser um princípio-reflexo da isonomia, entende-se que sempre que for dispensado um tratamento diferenciado (no sentido vantajoso) a uma pessoa em detrimento de outras que se encontrem em situação equivalente, independentemente da espécie que se está em jogo, a lei veiculadora do referido tratamento discriminatório incorrerá em dúplice violação principiológica: da isonomia e da capacidade contributiva. Considerações finais O presente trabalho teve como objetivo fazer uma análise da regra-matriz de incidência tributária da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS, demonstrando que, em consonância com a Lei brasileira, a carga tributária das instituições financeiras é menor, em relação à COFINS, em função de que a sua base de cálculo é o lucro bruto, ao passo que para as demais empresas privadas, a base de cálculo é o faturamento. Discutiu-se sobre a natureza jurídica da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS, descrevendo a regra-matriz de incidência. Estudou-se a composição da Seguridade Social, demonstrando que a Seguridade Social é financiada por toda a Sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e mediante exigência de contribuições sociais. Considerou-se que a capacidade tributária não se confunde com a competência. A competência tributária é atribuída pela Constituição a um ente estatal dotado de poder legislativo. É exercida mediante a edição de lei. Já a capacidade tributária é atribuída pela Constituição, ou por uma lei, a ente estatal não necessariamente dotado de poder legislativo. É exercida mediante atos administrativos. Analisou-se, ainda, toda a regra-matriz de incidência da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS, estudando os critérios que devem ser descritos na norma que criou o Tributo, tais seja, o critério pessoal, material, temporal, espacial e quantitativo. Finalmente analisou-se a Base de Cálculo, demonstrando que a função da Base de Cálculo é a de servir como elemento de mensuração do critério material do suposto normativo; permitir a determinação da base calculada, pela conjugação do critério dimensional (base de cálculo) com a alíquota; possibilitar a precisa investigação da natureza jurídica específica do tributo criado; e, determinar a presença da capacidade contributiva. Estudou-se, ainda, a Base de Cálculo descrita na norma que criou a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS, demonstrando a importância da mesma e apontando a diferenciação existente entre a Base de Cálculo da COFINS das empresas privadas, que é sobre o faturamento e a Base de Cálculo para as instituições financeiras, que é o lucro bruto. Teceu-se considerações a respeito do princípio da isonomia tributária, bem como do princípio da capacidade contributiva, demonstrando que, de acordo com esses dois princípios essa diferenciação de Base de Cálculo é totalmente inconstitucional. Por fim, conclui-se: a) restou demonstrado que, conforme largamente exposto, todas as empresas pagam a COFINS com base no faturamento; b) as instituições financeiras recolhem a COFINS com base no lucro bruto, pois descontam do seu faturamento as despesas operacionais; c) pelo Princípio da Isonomia Tributária, é inconstitucional a aplicação de bases de cálculo diferentes do mesmo tributo para pessoas jurídicas que encontram-se em situações iguais.
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A suspensão do processo criminal por sonegação fiscal, em razão do parcelamento dos débitos tributarios não federais
Questão tormentosa em nossa doutrina e jurisprudência diz respeito à suspensão dos processos criminais por sonegação, diante da opção do contribuinte por alguma forma de parcelamento do débito, popularmente indicado como REFIS, ou Refinanciamento Fiscal, que é uma forma de suspensão do credito tributário. Muito embora cada legislação concessiva do parcelamento disponha sobre tal vertente, a situação somente se materializa naquelas normas envolvendo a União, que detém competência legislativa constitucional sobre processo penal, restando, porém, dúvida se os parcelamentos outorgados pelos Estados e Municípios também teriam o mesmo efeito.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Inicialmente, de rigor destacar que existem decisões no STF e no STJ firmando a possibilidade da extinção da punibilidade nos crimes de “sonegação fiscal” com o parcelamento ou pagamento integral do débito fiscal, mesmo após o recebimento da denúncia. Quanto aos parcelamentos, em regra as leis editadas pela União, dispõe sobre o sobrestamento dos eventuais processos criminais em andamento. Nesse sentido, a Lei Federal nº 11.941, editada em 28 de maio de 2009 (conversão da MP 449/2008), instituiu um novo programa de parcelamento e de quitação de débitos tributários com remissão, redução de juros e anistia de multas, total ou parcialmente. Tal programa abrangeu os débitos com a Receita Federal do Brasil, Procuradoria Nacional e Instituto Nacional do Seguro Social- INSS. As principais características foram a possibilidade de os débitos vencidos até 30/11/2008 serem parcelados em até 180 (cento e oitenta) vezes ou sua quitação à vista, em ambos os casos com benefícios, e a remissão (perdão) de débitos de até R$ 10.000,00 vencidos até 31/12/2007. Citada norma trouxe, expressamente, em seu artigo 68[1], a consignação que os eventuais processos criminais cuja matriz hipotética guardasse relação com os débitos parcelados, estariam suspensos com o deferimento do pedido, ressaltando que o beneficio guardaria relação com os termos daquela norma, corrigindo, na verdade, uma omissão do artigo 9º da Lei 10.684/2003, que gerou grande controvérsia desde sua edição. Nesse ponto, nada de novo, eis que a União tem plena legitimidade para editar normas sobre direito processual penal. A questão que nos propomos a debater refere-se aos parcelamentos de débitos fiscais pelos Estados, Municípios e Distrito Federal, eis que tais entes federados não podem legislar sobre questões processuais, daí surgindo o seguinte questionamento: os processos criminais, por sonegação fiscal desses entes federados, poderiam ser suspensos? A nosso ver sim. Porém, a matéria está longe de ter uma posição pacifica em tal caminho. Nesse sentido, buscando-se uma contextualização do problema que propomos à reflexão; relembramos que, inicialmente, o crime de sonegação fiscal fora definido na Lei n.º 4.729, de 14.07.65. No entanto, a partir da promulgação da Lei n.º 8.137, de 27.12.90; diploma seguinte que tocou o tema em comento, todos aqueles comportamentos considerados crimes de sonegação fiscal passaram a receber a denominação de crimes contra a ordem tributária. Frisando-se, destarte, que os crimes contra a ordem tributária (outrora denominados crimes de sonegação fiscais) são tipificados na Lei n.º 8.137/90. De outra parte, o crime de apropriação indébita previdenciária fora definido, inicialmente, na Lei n.º 4.357, de 16.07.64. Posteriormente, a Lei n.º 8.212, de 24.07.91, que dispõe sobre o plano de custeio da seguridade social, definira o crime de apropriação indébita previdenciária. Entretanto, a partir da promulgação da Lei n.º 9.983, de 14.07.2000, o crime fora tipificado no artigo 168-A do Código Penal Brasileiro, mantendo-se, inobstante, sua denominação original. Atualmente, portanto, temos que o crime de sonegação fiscal, hoje denominado crime contra a ordem tributária, está definido na Lei n.º 8.137/90 e o crime de apropriação indébita previdenciária está previsto no artigo 168-A do Código Penal. Assim, nos artigos 1º e 2º da Lei n.º 8.137, de 27.12.90, encontramos o rol de condutas que podem constituir crime contra a ordem tributária (sonegação fiscal)[2]. Por sua vez, como já referido,o crime de apropriação indébita previdenciária, atualmente, é definido no artigo 168-A do Código Penal [3]. Tem-se, portanto, que a extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária (sonegação fiscal) era disciplinada pelo artigo 14 da Lei n.º 8.137/90, norma que estabelecia que o pagamento do débito tributário feito antes do recebimento da denúncia criminal era causa excludente da punibilidade. No entanto, tal dispositivo fora revogado pelo art. 98 da Lei n.º 8.383/91. O art. 34 da Lei n.º 9.249/95, contudo, voltou a admitir a mencionada extinção de punibilidade. Quanto à extinção da punibilidade do crime de apropriação indébita previdenciária, temos que o § 2º, do artigo 168-A do Código Penal[4] determina que a extinção de punibilidade ocorre nas hipótese em que o agente declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, valores, importância ou mesmo valores, de forma espontânea, assim como, presta as informações devidas às Previdência Social. Nesse diapasão, é importante observar que o autor de um crime contra a ordem tributária (sonegação fiscal) poderia ter extinta a sua punibilidade, desde que pagasse o débito tributário até o recebimento da denúncia. Por sua vez, quanto ao crime de apropriação indébita, o autor do crime só teria a extinção de sua punibilidade se efetuasse o pagamento do débito fiscal até o início da ação fiscal. Ocorre que a partir da promulgação da Lei n.º 10.684, de 30 de maio de 2003; a extinção da punibilidade, nos crimes de sonegação fiscal e apropriação indébita previdenciária, ganhou novo regramento. O dispositivo que veiculou essa inovação foi o artigo 9º [5] do referido diploma normativo. Assim, a referida norma, que dispôs sobre um dos REFIS editado pelo Governo Federal, determinou a suspensão dos processos criminais em andamento, mediante a adesão ao parcelamento. E por tal razão, diversos questionamentos surgiram, tais como, se o artigo 9º se aplicaria também a futuros parcelamentos, ou a parcelamentos já existentes. Vale frisar, aliás, que a discussão perdura até os dias atuais. Entretanto, o que importa saber é se teríamos algum amparo jurídico, de caráter geral, que sustente o sobrestamento dos processos criminais diante do parcelamento dos débitos fiscais de outros entes federados. DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTARIA Os crimes popularmente chamados de ‘sonegação fiscal”, atualmente, tem disciplina fixada pela lei 8.137/90, como já fora referido. Trata-se de figura penal diferenciada pela sua própria natureza jurídica. Por envolver tributo, não há como se analisar o tipo criminal sem lançarmos um olhar mais aprofundado sobre a estrutura jurídica dessa relação obrigacional. Assim, apesar de ter, como função principal, a geração de recursos financeiros para o Estado, o tributo também funciona no intuito de interferir no domínio econômico, a fim de promover estabilidade. Por tal razão, diz-se que o tributo tem função híbrida. Na primeira hipótese, temos a denominada função fiscal, ao passo que, na segunda, temos a chamada função extrafiscal. Ainda nesse passo, é importante lembrarmos que o tributo não se constitui em penalidade decorrente da prática de ato ilícito, uma vez que o fato descrito pela lei, o qual gera o direito de cobrar o tributo (hipótese de incidência), será sempre algo lícito [6]. E nessa toada, pela própria natureza do tributo, e ante a elevada carga tributária do Brasil, verifica-se, de um modo geral, a inexistência de uma reprovação social dos crimes tributários; ou, ao menos, uma reprovação social que se verifica nos crimes ordinários. Tal pormenor é apontado por Jefferson Aparecido Dias, o qual assevera que: “Imaginemos dois casos: no primeiro, uma pessoa desempregada e viciada em drogas abre a porta de um carro (que estava trancada) e subtrai o rádio do veículo, que pretende vender para sustentar o seu vício; no segundo caso, um grande empresário, durante anos, deixa de recolher à Previdência Social os valores das contribuições sociais que descontou de seus empregados. A partir desses dois exemplos, pergunta-se: Qual das duas condutas sofrerá maior reprovação social? Quem será considerado “criminoso”? Não é difícil concluir que, para a maioria das pessoas, apenas o autor do furto do rádio será considerado um criminoso e, nessa condição, merecedor da represália estatal por meio da aplicação do direito penal. Claro que alguns desaprovarão a conduta do empresário, mas bastará ele alegar que sua conduta foi provocada pela excessiva carga tributária brasileira e que o pagamento correto dos tributos levaria ao fechamento de sua empresa que restarão poucos a não concordarem com a sua postura. Esses exemplos, apesar de singelos, demonstram como não existe uma reprovação social à pratica dos crimes tributários e previdenciários que, para muitos, é uma reação legítima dos indivíduo contra o Estado brasileiro que, nos últimos anos, tem se especializado em majorar tributos.(…) Assim, deixar de pagar tributos é algo aceitável e até mesmo considerado correto para grande parte da sociedade, que reconhece tal conduta como a única reação possível contra um Estado que, ano a não, aumenta a carga tributária sobre os seus cidadãos”.[7] De outra parte, há que se asseverar, por sua vez, que as figuras penais descritas pela 8.137/90 pressupõem uma ação ou omissão ilícita e dolosa do agente, que vise reduzir ou anular o pagamento de tributo [8]. Diante dessas disposições normativas, poder-se-ia entender o porquê de Pedro Roberto Democain advogar a tese de que: findo o prazo para o pagamento do tributo, de cuja supressão ou redução se cogita, está consumado o crime descrito no artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/90. Portanto, a partir desse posicionamento doutrinário, o momento consumativo seria o instante em que se vence o prazo para pagamento do tributo[9]. Porém, a doutrina mais acertada acolhe, como momento consumativo, o fim do prazo para a denuncia espontânea do contribuinte, conforme determina o artigo 138 do Código Tributário Nacional[10]. Assim, o término do prazo para o pagamento do tributo tem apenas o efeito de emprestar à instauração da ação fiscal, a condição de marco definidor da consumação do crime, na medida em que afasta a espontaneidade da denúncia [11]. Desse modo, somente há consumação se se esgotaram as possibilidades de espontaneidade do contribuinte. A objetividade jurídica da norma penal é a fraude, não a mera inadimplência. Ocorre que como o legislador penal busca apenar o embuste, a falsidade, a mentira, o desaparecimento desse tipo de situação, retira a tipicidade criminal. Assim, tais figuras penais pressupõem a forma dolosa, acompanhada de qualquer espécie de falsidade. Aliás, oportuna a menção do parecer do ilustre Sub-Procurador Geral da Republica Eitel Santiago de Brito Pereira, onde: “a interpretação rigorosa dos preceitos da lei penal, perseguida pelo Recorrente, não concorre para melhorar as condições de vida da sociedade brasileira. O encarceramento de empresários, pela perpetração de crimes fiscais, deve ser reservado para situações excepcionalíssimas, pois pode provocar até o desaparecimento de algumas empresas, aumentando o intolerável nível de desemprego existente na atualidade. De que adiantaria mandar para as cadeias, já abarrotadas de delinqüentes violentos, pessoas que, mesmo cometendo ilícitos tributários, exercem atividades comerciais lícitas e produtivas, absorvendo mão de obra em suas empresas? Tal providência não se justifica, nem atende aos reclamos de uma política criminal construtiva. Notadamente, se os responsáveis pela infração procuram se compor com o Fisco, providenciando, ainda que de forma parcelada, a quitação das exações devidas.”[12] Portanto, é perfeitamente defensável a tese que propugna pela excepcionalidade da aplicação da lei penal nos crimes de natureza tributária. AS HIPOTESES DE SUSPENSÃO DO CREDITO TRIBUTÁRIO POSSIBILIDADE DE NOVAÇÃO DE DÍVIDA Como os crimes contra a ordem tributaria carregam as particularidades retro-expostas, não podemos esquecer de mencionar que o Código Tributário Nacional traz algumas situações de suspensão da exigibilidade do crédito tributário [13]. Desse modo, dentro de qualquer das hipóteses indicadas pelo artigo 151 do Código Tributário Nacional não há de se cogitar em exigibilidade do crédito tributário. Nesse raciocínio, se houve o parcelamento, o contribuinte eventualmente denunciado criminalmente, de forma espontânea, fulminou com o embuste, a fraude; pois trouxe, a autoridade fazendária, todos os elementos do reconhecimento do débito. Muito embora a suspensão do crédito tributário, não implique, a priori, na extinção da punibilidade. Entretanto, raciocínio oposto surge se entendermos a presença da novação de divida. Esse sempre foi o entendimento quase que pacifico no STJ.: “Quando o parcelamento ocorre antes do inicio da persecução penal: O acordo de parcelamento do débito tributário, efetivado antes do recebimento da denúncia, enseja a extinção de punibilidade prevista na Lei 9249/95, art. 34, porquanto a expressão "promover o pagamento" deve ser interpretada como qualquer manifestação concreta no sentido de pagar o tributo devido. 2. "Habeas Corpus" conhecido; pedido deferido.”[14]. Em outra decisão, cujo Acórdão é da lavra do Ministro GILSON DIPP, notamos o mesmo raciocínio: “Tenho entendido que a manifestação concreta no sentido de saldar a dívida – como no caso de parcelamento do débito junto ao Estado – em momento anterior ao recebimento da exordial acusatória, afasta a justa causa para a ação penal, ainda que restando eventual discussão extra-penal dos valores. Com efeito, o parcelamento do débito deve ser entendido como equivalente à promoção do pagamento. Destarte, o próprio art. 14 da Lei nº 8.137/90 não fazia distinção se o promover seria integral ou parcelado, razão pela qual se tem como suficiente o ato de saldar a dívida – o que sobressai do próprio parcelamento. De outro lado, o parcelamento cria nova obrigação, extinguindo a anterior, pois, na realidade, verifica-se uma novação da dívida – o que faz a equivalência ao art. 14 da Lei n.º 8.137/90, para o fim de extinguir a punibilidade do autor do crime. Desta maneira, o instituto envolve transação entre as partes credora e devedora, alterando a natureza da relação jurídica e retirando dela o conteúdo criminal para lhe atribuir caráter de ilícito civil lato sensu. Não obstante, o Estado credor dispõe de mecanismos próprios e rigorosos para satisfazer devidamente os seus créditos, pois a própria negociação realizada envolve previsões de sanção para a inadimplência. A questão de eventual inadimplência ainda poderá ser resolvida no Juízo apropriado, pois na esfera criminal só restará a declaração da extinção da punibilidade. Devido a tal conclusão, penso que se torna efetivamente irrelevante saber se foram pagas poucas ou muitas parcelas, pois o que interessa é que o acordo de parcelamento foi celebrado antes do recebimento da denúncia, possuindo efeito jurídico igual ao pagamento. Destarte, para efeitos penais, o parcelamento extingue a dívida, criando outra obrigação, razão pela qual se deve ter como efetuado o pagamento, para este fim.” [15] De outra parte, é necessário pontuar que existem vozes discordantes na doutrina, as quais postulam pela tese de que o parcelamento se constitui em mera causa de suspensão da exigibilidade do tributo. Nesse sentido José Paulo Baltazar Júnior: “Com a devida vênia, discordo dessa orientação, pois o parcelamento sob o nome de moratória é qualificado como mera causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (CTN, art. 151, I), e não de sua extinção, operada, por exemplo, pelo pagamento (CTN, art. 156). Assim é que, descumpridas as condições do parcelamento, será esse rescindido, remanescendo o crédito tributário, que estava suspenso, com todos os seus privilégios. Daí por que não se pode falar, no caso, em novação” (STF, Inq. 1028-6/RS, Moreira Alves, PI; Rosa: 251, Bello Filho: 491: 2; Lima 112-115)[16]. Inobstante, em se considerando o primeiro posicionamento expendido, tem-se que o STJ, à luz da redação anterior do artigo 14 da Lei 8.137/90, acolhendo o entendimento que parcelamento pode ser sinônimo de novação, porque não poderíamos estender o mesmo para aqueles casos em que o parcelamento ocorreu após a denúncia? Ora, seria um raciocínio lógico, pois o parcelamento é um reconhecimento de débito, onde o contribuinte renuncia a qualquer direito de questionamento, situação típica da novação. OS CASOS DE SUSPENSÃO DO PROCESSO CRIMINAL POR SONEGAÇÃO FISCAL Nos crimes contra a ordem tributária, a legislação brasileira em regra valoriza a função arrecadatória do Estado em detrimento da função repressiva. Assim, o pagamento do tributo ou contribuição social, ressalvando-se alguns poucos momentos históricos, sempre foi causa de extinção da punibilidade no ordenamento jurídico brasileiro. Do mesmo modo, no direito comparado, encontramos varias nações que também impõe a mesma função a seus diplomas penais. Entretanto, a questão do pagamento, como causa de extinção da punibilidade, frequentemente resvala em um ponto muito controverso quando se trata de parcelamento. Isso porque, sempre remanesce a pergunta: poderia o parcelamento ser equiparado ao pagamento? Nesse sentido, como já referido, a assertiva somente se justificaria se pensarmos no parcelamento como novação de divida a resposta pode ser positiva. Desse modo, outra questão vem à baila. Ou seja, o parcelamento antes de oferecida a denúncia tem o condão de extinguir o parcelamento? Nesse sentido, o STJ em 02 de Setembro de 2002, ao analisar o HC 11.598-SC, em Acórdão da lavra do Ministro Gilson Dipp, decidiu que, nos crimes de sonegação fiscal, o parcelamento da dívida antes do oferecimento da denúncia extingue a punibilidade. O Ministro Relator trouxe, em seu voto vencedor, vários pontos que justificavam a decisão, como v.g.: “O pagamento equivale ao parcelamento; O parcelamento cria nova obrigação e extingue a anterior; Há novação da dívida; A transação entre as partes altera a relação jurídica e retira seu conteúdo criminal; O Estado dispõe de mecanismos próprios e rigorosos para cobrar essa dívida; A negociação envolve sanções para o caso de descumprimento da obrigação; O inadimplemento das parcelas deve ser resolvido no juízo apropriado; O parcelamento extingue a dívida anterior, surgindo uma nova; O Direito penal não deve preocupar-se com atos que não sejam relevantemente anti-sociais. Ocorre que a partir da promulgação da Lei n.º 10.684, de 30 de maio de 2003; a extinção da punibilidade nos crimes de sonegação fiscal e apropriação indébita previdenciária ganhou novo regramento. A referida lei, em suma, prevê a suspensão da punibilidade quando do parcelamento do débito, ficando a extinção da punibilidade sujeita à quitação do débito. Dessa forma, o simples parcelamento da dívida fiscal acarretará a suspensão do processo criminal até o final pagamento. Comprovando o contribuinte que quitou sua dívida, outrora parcelada, com o fisco, poderá requerer a extinção do feito em decorrência da quitação da dívida. Ademais, a lei não faz qualquer menção ao recebimento da denúncia, silenciando, outrossim, quanto ao momento processual em que o pagamento integral do débito pode ser feito, com a conseqüência extinção da punibilidade. Inobstante tal raciocínio, pelo magistério de Hugo de Brito Machado, é possível, como se verá, a extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributaria, pelo parcelamento do débito, desde que se entenda cabível a suspensão do processo, e desde que cumpridas inteiramente pelo réu as condições dessa suspensão. A lei estabelece que nos crimes para os quais a pena mínima cominada não seja superior a um ano, estejam ou não tais crimes abrangidos pela competência dos denominados Juizados Especiais, o Ministério Publico, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizam a  suspensão condicional da pena. Assim, nos crimes previstos nos artigos 2º e 3º da Lei 8.137/90, desde que presentes os demais requisitos legais, é induvidoso o cabimento da suspensão do processo, porque as penas cominadas nesses dispositivos são de seis meses de detenção  e um ano de reclusão, respectivamente. Leva problema, então, saber se no crime previsto no art. 1º da Lei 8.137/90, é também cabível a suspensão do processo, posto que a pena mínima cominada, nesse caso, é de dois anos de reclusão. Se, o crédito tributário foi constituído por iniciativa do contribuinte, vale dizer, se este fez o que seria uma denúncia espontânea e apenas não efetuou o pagamento, o pedido de parcelamento do débito constituirá forma evidente de arrependimento posterior.”[17] Portanto, em que pese as opiniões em contrário, nos crimes de sonegação fiscal, o parcelamento da dívida antes do oferecimento da denúncia extingue a punibilidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS A teor dos apontamentos supra, podemos sugerir como resposta ao questionamento inicial, que nas imputações criminais da Lei 8.137/90, quanto aos tributos não federais, eis que nesses a União quando disciplina o parcelamento pode, exercendo sua competência legislativa processual penal dispor sobre a suspensão dos processos criminais, poderá haver também o sobrestamento penal face ao parcelamento do débito, desde que os delitos estejam na alçada dos Juizados Especiais Criminais (arts 2º e 3º da Lei 8.137/90), ou, em casos de tipificação pelo artigo 1º pode-se ainda acolher a tese que o artigo 9º da Lei n.º 10.684, de 30 de maio de 2003, continua a gerar efeitos, independente do parcelamento contido na norma que o criou, o que daria ao contribuinte o direito em sobrestar eventuais ações criminais. Por fim, na pior das hipóteses, com a adesão ao parcelamento podemos ainda acolher a tese de Luiz Flavio Gomes [18], segundo a qual ao aplicar-se a regra do artigo 16 do CP, que prescreve a redução da pena de um a dois terços da pena, onde teríamos por conseqüência a redução da pena mínima de dois anos para oito meses na imputação do artigo 1º da Lei 8.137/90, o que daria ao contribuinte o direito em sobrestar o feito pelas leis dos Juizados Especiais.
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A não incidência do IPI no desembaraço aduaneiro de importação por pessoa física
Este trabalho foi feito através de revisão de literatura, buscando encontrar o máximo de subsídio para a questão da não incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), em se tratando de importação feita por pessoa física. Foram utilizados livros e artigos científicos da base de dados SciElo e Google Acadêmico, reconhecidas para trabalhos acadêmicos. O objetivo da pesquisa teve o intuito de demonstrar que, de acordo com o princípio da não cumulatividade, não pode ser cobrado o imposto sobre IPI de produtos no ato do desembaraço aduaneiro, se os produtos forem importados por pessoas físicas, para consumo próprio. Considera-se importante a posição de alguns doutrinadores e aplicadores do direito, acerca da possibilidade aduzida, a fundamentação utilizada, a opinião da doutrina majoritária e a busca de doutrinadores que reconhecem a questão levantada. Assim, de forma clara e concisa, pretende-se apresentar a fundamentação legal.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) é uma das principais fontes de receita oriunda de tributos da União. Existem duas hipóteses de incidência para esse tributo, a saída do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial de produtos ou o desembaraço aduaneiro de produtos oriundos do exterior. Entretanto, o desembaraço aduaneiro de produtos importados por pessoa física para consumo pessoal não poderá ser tributado, vez que, de acordo com o princípio da não-cumulatividade, os valores pagos pelo contribuinte transformar-se-ão em créditos na próxima transação. Mas, como o importador pessoa física não fará nova transação, não poderá usufruir dos créditos gerados no pagamento do desembaraço aduaneiro. Nessa linha de pensamento, pretende esse trabalho analisar se existe base legal encontrada para a não incidência do IPI no desembaraço aduaneiro de importação por pessoa física e as jurisprudências pertinentes. Para a elaboração deste trabalho foi utilizada a revisão de literatura, de modo a conhecer o melhor possível a legislação sobre o assunto, bem como a opinião de juristas, em casos específicos de desembaraço aduaneiro de importação feita por pessoa física. Foram usadas as bases de dados SciElo e Google Acadêmico, sites reconhecidos, além de livros e artigos científicos. No primeiro capítulo, a abordagem recairá sobre as hipóteses de incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o fato gerador, a base de cálculo, a alíquota e a questão das imunidades e isenções. No segundo capítulo, serão mostrados os princípios constitucionais tributários, como o princípio da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade tributária, da interpretação objetiva do fato gerador e o princípio da não-cumulatividade. Sobre o assunto preceitua o texto constitucional, parágrafo 3º, inciso II do artigo 153, que o IPI é um imposto não cumulativo. O terceiro capítulo versará sobre a não incidência do IPI no desembaraço aduaneiro de importação por pessoa física e, para melhor esclarecimento, divide-se em desembaraço aduaneiro, condições para a não incidência, o procedimento judicial e algumas decisões judiciais pertinentes. A União mantém a cobrança nos portos no momento do desembaraço aduaneiro, com a alegação de que a não exigência do IPI na importação do automóvel, por exemplo, por pessoa física, para uso próprio, por ofensa à não cumulatividade, viola os princípios da isonomia tributária e da não-discriminação, insculpidos nos artigos 150, inciso II, e 152 da Constituição Federal de 1988. Destaca ainda que a pessoa física que importa veículo é obrigada ao pagamento do IPI, tendo em vista que o fato gerador do imposto é o desembaraço aduaneiro de produto industrializado estrangeiro, na esteira do Código Tributário Nacional, da Lei 45402/64 e do Decreto 4544/02. Entretanto, existem inúmeras jurisprudências que, alegando o princípio da não-cumulatividade, contemplam a não-incidência de tal imposto para pessoas físicas importadoras. É o objetivo deste trabalho esclarecer sobre os princípios que regem o Direito Tributário, para que o direito se faça presente em todas as esferas, não deixando margem para se ferir a Constituição e o cidadão. 1. O IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) já existia antes de receber esse nome, por meio da Emenda Constitucional nº 18, de 1965. Tratava-se do chamado Imposto sobre o Consumo, previsto no art. 15, inciso IV, da Constituição Federal de 1946. À época, o legislador preferiu o nome porque o imposto era, e ainda é suportado pelos consumidores, em razão do fenômeno da repercussão. [1] Segundo Afonso [2]a arrecadação do IPI é atualmente a segunda maior dos tributos federais em valores, perdendo apenas para a do Imposto de Renda. Embora a competência tributária seja da União, parte da arrecadação vai para os municípios e estados, a teor do art. 159, I e II, da Constituição Federal. A Lei que rege sua cobrança é a de nº 4.501, de 30.11.1964, regulamentada pelo Decreto nº 4.544, de 26.12.2002. [3] Para Torres [4] a importância do IPI decorre de suas características, dentre as quais pode-se destacar o seu caráter extra-fiscal e sua natureza seletiva. A extra-fiscalização do IPI consiste na utilização do imposto para fins regulatórios. Ou seja, o imposto serve de instrumento para a implementação de políticas monetárias, econômicas, de comércio exterior, de incentivo à produção, de determinados setores, entre outras. Mesmo que, no caso de produtos que o governo queira frear o consumo (por exemplo: cigarro, bebidas e produtos de luxo), o governo pode colocar alíquotas proibitivas. O IPI tem grande relevância no orçamento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, razão pela qual sua função fiscal prevalece sobre sua função extra-fiscal. [5] Explica essa mesma autora que, outra característica fundamental do IPI é a seletividade, que acaba tornando o imposto um instrumento de justiça social, na medida em que o legislador pode (e deve) ajustar o impacto tributário que cada classe social é capaz de suportar, protegendo, evidentemente, os menos favorecidos, os quais, em contraposição com as classes mais abastadas, não têm condições de suportar um ônus fiscal muito elevado. “No que diz respeito à essencialidade é inegável que o Poder Executivo, ao fixar as alíquotas do IPI para os produtos, leva em consideração a massa de contribuintes que irá consumi-lo. Há, sem sombra de dúvidas, uma avaliação da capacidade econômica desses contribuintes ao se julgar a essencialidade do produto, pois esse juízo não poderia ser feito sem que levasse em consideração tal circunstância.” [6] Este imposto reveste-se de uma série de peculiaridades jurídicas que o tornam adaptável às flutuações da política, das finanças, da conjuntura nacional e até, internacional. O aspecto material do IPI é a industrialização do produto. Mas, é necessário que haja negócio jurídico além dessa industrialização, porque a mera industrialização em si mesma não satisfaz o aspecto material do imposto. Havendo, portanto, industrialização do produto e negócio jurídico celebrado sobre ele, estará configurado o aspecto material do imposto. [7] Esse autor diz ainda que, considera-se industrializado o produto nos termos do Art. 46, parágrafo único do Código Tributário Nacional: “Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo. Haver negócio jurídico com o produto industrializado é fabricar o produto num local e leva-lo para outro para celebrar, sobre ele, um determinado negócio jurídico, a simples saída da matriz para a filial não configura negócio jurídico.” Para ser considerado produto industrializado torna-se imperativo a modificação da natureza ou a finalidade, ou até mesmo o aperfeiçoamento para o consumo, tais como a transformação, o beneficiamento, a montagem etc. Sabbag [8] entende transformação como sendo o processo exercido sobre matéria prima, ou produto intermediário, que lhe dá nova forma ou finalidade, surgindo assim, novo produto com forma, fins e conceitos diversos daquele anterior ao processo de transformação. Beneficiamento é o processo de modificação, aperfeiçoamento embelezamento ou alterações de funcionamento de um produto existente, por exemplo, colocação de puxadores em um armário. Por fim, para esse autor, montagem é a reunião de diversos produtos, em uma nova sistemática, resultando em novo produto com nova utilidade, por exemplo, montagem de veículos. Ressalta-se que a legislação, inconstitucionalmente, amplia o conceito de produtos industrializados, assim, incluindo atos como o simples acondicionamento, ou acomodação em nova embalagem, que vise a melhor apresentação do produto ao consumidor como industrialização, haja vista que a embalagem para fins de transporte não caracteriza industrialização. 1.2. Hipóteses de incidência O artigo nº 51 do Código Tributário Nacional (CTN)[9] determina que são contribuintes o importador ou quem a Lei a ele equiparar, o industrial ou quem a ele equiparar, o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso IV, e, por fim, o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão. Entretanto, em relação a esse último, a legislação instituidora (Lei 4.501/64) não concretizou o definido pelo CTN. “Em se tratando de tributo com fato gerador instantâneo, desnecessário seria o tratamento legal do aspecto temporal, considerando-se ocorrido o fato gerador no momento mesmo em que ocorresse a situação de fato definida em lei como geradora da obrigação tributária, qual seja, a saída do produto industrializado do estabelecimento industrial.” [10] Através do Regulamento do IPI (Decreto nº 4.544/2002)[11] , o artigo 35 mostra as situações em que ocorrerá o fato gerador, informando os aspectos temporais da hipótese de incidência do imposto. Esse decreto indica, ainda, as referências legais de cada um dos aspectos temporais, porque sabe-se que aquele tipo de norma não admite inovações na ordem jurídica, no sentido de criar obrigações não previstas nas leis que o originaram. Para Ataliba[12] “designa-se por aspecto espacial a indicação de circunstâncias de lugar contida explícita ou implicitamente na hipótese de incidência relevantes para a configuração do fato impossível”. De acordo com Aydos e Zandomeneco[13] embora a legislação não faça alusões a respeito do IPI, por se tratar de imposto federal, depreende-se que ele incidirá em qualquer parte do país, considerando-se, inclusive, o princípio da territorialidade. O Código Tributário Nacional[14]  preceitua, em seu artigo 46: “Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador: I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do art. 51; III – a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão. Parágrafo único: para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade ou o aperfeiçoe para o consumo.” O esclarecimento dado por esse parágrafo único do art. 46, vem ao encontro ao que afirma Machado[15] “é indispensável saber o que se deve entender por produto industrializado”. Segundo Bottallo[16] “ o IPI deve ter por hipótese de incidência o fato de alguém industrializar produto e levá-lo para além do estabelecimento produtor, por força de um negócio jurídico translativo de sua posse ou propriedade”. É preciso entender corretamente o significado da palavra, para se evitar erros capazes de violar o mandamento constitucional. “A legislação do IPI amplia o conceito de produtos industrializados, nele incluindo operações como o simples acondicionamento, ou embalagem, que na verdade não lhes modificam a natureza, nem a finalidade, nem aperfeiçoam para o consumo. Tal ampliação viola o art.46, parágrafo único do Código Tributário Nacional. Configura, outrossim, flagrante inconstitucionalidade, na medida em que o conceito de produto industrializado, utilizado pela Constituição para definir a competência tributária da União, não pode ser validamente ampliado pelo legislador ordinário.”[17] Derzi[18] afirma que o IPI tem seu viés na isonomia e equidade, do contrário correr-se-ia o risco de se tornar nocivo aos interesses nacionais colocar a indústria brasileira em posição desfavorável, já que ela arca com o ônus do imposto. Entretanto, o art. 2º da Lei 4502/64[19] é taxativo ao preceituar que “ o IPI é devido sejam quais forem as finalidades a que se destine o produto ou o título jurídico a que se faça a importação ou de que decorra a saída do estabelecimento produtor”. Botallo[20] esclarece que “a obrigação de pagar IPI se aperfeiçoa apenas quando a saída do produto industrializado seja causada por um negócio jurídico”. Esclarecendo melhor, se o produto industrializado, antes de chegar ao seu destino, for roubado ou furtado, ou no caso de produtos expostos em feiras, não se concretiza o negócio jurídico, portanto, não há incidência do imposto. 1.2. Fato Gerador Segundo Ataliba[21] o fato gerador é a aplicação da hipótese de incidência ao caso concreto, sendo, assim, a realização útil, concreta, da hipótese abstrata elencada no dispositivo normativo. Desta feita, o fato gerador é a perfeita adequação do fato concreto ao paradigma legal, nascendo assim a subsunção e a partir desta a obrigação tributária para o contribuinte. “Considera-se ocorrido o fato gerador: 1) na entrega ao comprador, quanto aos produtos vendidos por intermédio de ambulantes; 2) na saída de armazém geral ou outro depositário do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial depositante, quanto aos produtos entregues diretamente a outro estabelecimento; 3) na saída da repartição que promoveu o desembaraço aduaneiro, quanto aos produtos que, por ordem do importador, forem remetidos diretamente a terceiros; 4) na saída do estabelecimento industrial diretamente para estabelecimento da mesma firma ou de terceiro, por ordem do encomendante, quanto aos produtos mandados industrializar por encomenda; 5) na saída de bens de produção dos associados para as suas cooperativas, equiparadas, por opção, a estabelecimento industrial; 6) no quarto dia da data da emissão da respectiva nota fiscal, quanto aos produtos que até o dia anterior não tiverem deixado o estabelecimento do contribuinte; 7) no momento em que ficar concluída a operação industrial, quando a industrialização se der no próprio local de consumo ou de utilização do produto, fora do estabelecimento industrial; 8) no início do consumo ou da utilização do papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, em finalidade diferente da que lhe é prevista na imunidade, ou na saída do fabricante, do importador ou dos seus estabelecimentos distribuidores, por pessoas que não sejam empresas jornalísticas ou editoras; 9) na aquisição ou, se a venda tiver sido feita antes de concluída a operação industrial, na conclusão desta, quanto aos produtos que, antes de sair do estabelecimento que os tenha industrializado por encomenda, sejam por este adquiridos; 10) na data da emissão da nota fiscal pelo estabelecimento industrial, quando da ocorrência de qualquer das hipóteses enumeradas no R.I. P. I.; 11) no momento da sua venda, quanto aos produtos objeto de operação de venda que forem consumidos ou utilizados dentro do estabelecimento industrial; 12) na saída simbólica de álcool das usinas produtoras para as suas cooperativas, equiparadas, por opção, a estabelecimento industrial; 13) na data do vencimento do prazo de permanência da mercadoria no recinto alfandegário, antes de aplicada a pena de perdimento, quando as mercadorias importadas forem consideradas abandonadas pelo decurso do referido prazo.” [22] A mesma fonte informa que, na hipótese de venda, exposição à venda ou consumo no território nacional, de produtos destinados ao exterior, ou na hipótese de descumprimento das condições estabelecidas para a isenção ou a suspensão do imposto, considerar-se-á ocorrido o fato gerador na data da saída dos produtos do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial. 1.3. Base de cálculo Segundo Andrade[23] a base de cálculo representa o montante, a qualificação compreendida no negócio jurídico relativa a produtos industrializados, ou seja, o valor do bem negociado. Devem integrar a operação apenas os valores intrinsecamente vinculados ao negócio industrial. Não devem ser incluídos elementos estranhos ao preço, como seguros, fretes, juros e quaisquer outras importâncias recebidas ou debitadas a título de multas ou indenizações etc., pois tais verbas têm natureza jurídica diversas dos valores das operações, e também pela ausência de previsão legal da incidência do IPI sobre meras entradas de caixa de créditos. “O Código Tributário Nacional[24]  preceitua: Art. 47. A base de cálculo do imposto é: I – no caso do inciso I do artigo anterior, o preço normal, como definido no inciso II do art. 20, acrescido do montante: a) dos impostos sobre a importação; b) das taxas exigidas para a entrada do produto no País; c) dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele exigíveis; d) do imposto de importação. II – no caso do inciso II do artigo anterior: a) o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria; b) na falta do valor a que se refere a alínea anterior, o preço corrente da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente. III – no caso do inciso III do artigo anterior, o preço da arrematação. Art. 48. O imposto é seletivo em função da essencialidade dos produtos. Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a Lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados. Parágrafo único. O saldo verificado em determinado período, em favor do contribuinte, transfere-se para o período ou períodos seguintes. Art. 50. Os produtos sujeitos ao imposto, quando remetidos de um para outro Estado, ou para o Distrito Federal, serão acompanhados de nota fiscal de modelo especial, emitida em séries próprias e contendo, além dos elementos necessários ao controle fiscal, os dados indispensáveis à elaboração da estatística do comércio por cabotagem e demais vias internas. Art. 51. O contribuinte do imposto é: I – o importador ou quem a Lei a ele equiparar; II – o industrial ou a quem a Lei equiparar; III – o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior. Parágrafo único: Para os efeitos deste imposto considera-se contribuinte autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante.” A Constituição Federal [25], em seu artigo 46, preceitua que cabe à Lei Complementar definir não só os tributos, fatos geradores e contribuintes como as suas respectivas bases de cálculo. A respeito da inclusão de cobrança de frete, a matéria é disciplinada pelo RIPI/2002, conforme texto a seguir: “Art. 131. Salvo disposição em contrário deste Regulamento, constitui valor tributável: I – dos produtos de procedência estrangeira: a) o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo dos tributos aduaneiros, por ocasião do despacho de importação, acrescido do montante desses tributos e dos encargos cambiais efetivamente; b) pagos pelo importador ou dele exigíveis (Lei nº 4502, art. 14, inciso I, alínea b); c) o valor total da operação de que decorrer a saída do estabelecimento equiparado a industrial (Lei nº 4502, de 1964, art. 18). II – dos produtos nacionais, o valor total da operação de que decorrer a saída do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial (Lei nº 4502, de 1964, art.14, inciso II e Lei nº 7798 de 1989, art. 15). § 1º. O valor da operação referido no inciso I, alínea b e II, compreende o preço do produto, acrescido do valor do frete e das demais despesas acessórias, cobradas ou debitadas pelo contribuinte ao comprador ou destinatário (Lei nº 4502 de 1964, art. 14, § 1º, Decreto-Lei nº 1543 de 1977, art. 27, e Lei nº 7798, de 1989, art.15). § 2º. Será também considerado como cobrado ou debitado pelo contribuinte, ao comprador ou destinatário, para efeitos do disposto no § 1º.  O valor do frete, quando o transporte for realizado ou cobrado por firma coligada, controlada ou controladora ( Lei nº 6404, de 1974) ou interligada (Decreto-Lei nº 1950, de 1982) do estabelecimento contribuinte ou por firma com a qual este tenha relação de interdependência, mesmo quando o frete seja subcontratado (Lei nº 4502 de 1964, art.14, § 3º, e Lei nº 7798, de 1989, art. 15). § 3º. Não podem ser deduzidos do valor da operação os descontos, diferenças ou abatimentos concedidos a qualquer título, ainda que incondicionalmente (Lei nº 4502 de 1964, art. 14, § 2º, Decreto-Lei nº 1593 de 1977, art. 27 e Lei nº 7798 de 1989, art. 15).” Ou seja, interpretando o regulamento, tem-se que a incidência do IPI ocorre com a saída do produto do estabelecimento industrial ou assim equiparado. Sua base de cálculo corresponde ao valor em que foi comercializado na saída. Para Barreto [26] base de cálculo é a definição legal da unidade de medida, constitutiva do padrão de referência a ser observado na quantificação financeira dos fatos tributários. Consiste em critério abstrato para medir os fatos tributários que, conjugado à alíquota, permite obter a dívida tributária. 1.4. Alíquota De acordo com Andrade [27] a alíquota utilizada varia conforme o produto. Determinado produto tanto pode ter alíquota zero, enquanto outro ter alíquota de mais de 500% (caso dos cigarros). As alíquotas são dispostas na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), baseada na nomenclatura do Mercosul (NCM), aprovada pelo Decreto nº 6006 de 28/12/2006, retificado em 08/01/2007. A principal função do IPI é de arrecadação de tributos, mas também de regulação da economia, daí a possibilidade do Poder Executivo estimular determinado setor produtivo através da redução ou da isenção de suas alíquotas. No caso de produtos que o governo queira frear o consumo (caso dos cigarros e produtos de luxo, por exemplo), o governo pode colocar alíquotas mais elevadas, mas sem que isto importe numa forma disfarçada de confisco. Observa-se que a alíquota do IPI se manifesta de forma variável atendendo, em tese, aos princípios da seletividade, essencialidade e da não-cumulatividade, podendo, ainda, em determinados momentos de crise onerar ou desonerar determinado setor produtivo, com ganho ou perda significativa na arrecadação de receitas tributárias, agindo como um instrumento de política econômica seja para estimular o consumo, normalizar o crédito, conter a queda de produção e evitar demissões em determinados campos de atividade, visando a recuperação e o equilíbrio da economia. [28] “Nosso país, como qualquer outro em sua posição emergente, tenta constantemente ocupar seu espaço no mercado globalizado, tendo como guia o capitalismo, sendo este responsável por inúmeras mudanças na política econômica interna de nosso país, mediante a influência dos Tratados Internacionais, Decretos, Leis, Portarias e Medidas Provisórias.” [29] Explica ainda essa mesma autora, que a essência extrafiscal de determinados impostos, assim como os incentivos fiscais são feitos de uma tentativa interna de tornar as mercadorias e produtos mais competitivos no mercado interno e externo, minimizando os efeitos da carga tributária que vem agregada ao valor do produto, tornando-o inviável ao consumo dentro do território nacional e dificultando a exportação. Sendo o IPI um imposto de consumo indireto que varia de acordo com a situação político-econômica do momento, é importante também ressaltar a sua função dentro do contexto social. Sendo válido o registro de medidas recentemente adotadas pelo Governo Federal ante a situação de crise mundial que atingiu a economia do nosso país, assim como as medidas de incentivo à exportação, através da não incidência de IPI na exportação de produtos industrializados (art.153, § 3º, III) para manter sua competitividade nos mercados externos. [30] “Tanto na exportação direta quanto na indireta, feita através de empresa exportadora, o produto é isento do IPI, sendo permitida também a manutenção dos créditos fiscais incidentes sobre os insumos utilizados no processo produtivo. De igual modo, as exportações de produtos manufaturados, semi-elaborados, primeiros e de serviços estão isentas do pagamento do PIS e da COFINS, cujas alíquotas incidem internamente sobre o faturamento das empresas.” [31] Essa mesma autora afirma que o contribuinte do IPI pode utilizar ainda o mecanismo de drawback que tem por objetivo propiciar ao exportador a possibilidade de adquirir, a preços internacionais, e desonerados de impostos, os insumos (matérias-primas, partes, peças e componentes) incorporados ou utilizados na fabricação de produto exportável. 1.5. Imunidades e isenções Aydos e Zandomeneco [32] explicam que o Estado obtém os recursos de que necessita para a consecução de suas finalidades, de diversas maneiras, sendo a principal delas, na maioria dos Estados modernos, a arrecadação de tributos. Desta forma, pode-se afirmar que a finalidade precípua da tributação é a de angariar recursos financeiros para fazer frente às despesas estatais. Entretanto, há situações em que o Estado utiliza sua competência tributária não apenas para trazer recursos aos cofres públicos, mas, principalmente, para estimular ou desestimular condutas ou mesmo para garantir o desenvolvimento regional e mitigar desigualdades. É a chamada função extrafiscal dos tributos. Uma das maneiras de interferir nas decisões dos agentes econômicos é a isenção tributária, situação em que determinado contribuinte acaba sendo desonerado de gravame que, não fosse a isenção concedida, recairia sobre seus ombros.[33] Segundo Costa [34] existem hipóteses em que há entradas de insumos imunes, isentos, sujeitos à alíquota zero ou, até mesmo, não tributáveis no estabelecimento industrial cujo produto final é tributado pelo IPI.  Para compreender melhor tais hipóteses, é essencial distinguir de forma clara e precisa as diferenças entre as formas existentes de não tributação de uma operação. Estas formas de não tributação podem ser imunidade, isenção, não incidência e alíquota zero. “A imunidade foi a forma encontrada pelo constituinte de limitar o poder de tributar outorgado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Através da imunidade, o sujeito ativo da obrigação tributária fica impedido de exigir o tributo sobre o sujeito passivo no que concerne à operação imune.” [35] A natureza jurídica da imunidade é de limitação ao poder de tributar e, sua fonte formal, é a Constituição. Pode-se afirmar que toda imunidade é constitucional, ou seja, deve estar prevista na Constituição Federal. “A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária o que é imune. Seria uma limitação da competência tributária”.[36] A Constituição Federal em vigência elencou em seu texto, mais detidamente no artigo 150, inciso VI, arrola algumas das imunidades, tais como patrimônio e renda e/ou serviços uns dos outros, dos partidos políticos, das entidades sindicais e das instituições de educação ou assistência social, desde que sejam sem fins lucrativos, templos de qualquer culto e livros, jornais, periódicos ou o papel destinado à impressão destes. Outra hipótese de imunidade para o Imposto sobre Produtos Industrializados, está listada no artigo 153, § 3º, inciso III, para os produtos fabricados no Brasil que tem como destino final a exportação. O legislador constitucional criou esta hipótese de imunidade para que os produtos brasileiros possam romper as divisas pátrias a preços altamente competitivos. Esta imunidade esta escoimada no fato de que deve-se estimular as exportações, visando a busca de equilíbrio, ou até mesmo superávit, na balança comercial. Costa[37] ensina que isenção é a forma legal de não tributar uma operação em que há hipótese de incidência do imposto, porém, há o impedimento legal para o lançamento do crédito tributário. O conceito de isenção não é pacífico na doutrina, existindo duas correntes sobre o assunto. Uma corrente, que adota o conceito clássico, argumenta que no caso de isenção, o que ocorre é a dispensa de pagamento do tributo, por ser a isenção causa de exclusão do crédito tributário. Esta corrente é defendida por autores como Ataliba (1990), Carrazza (2006) e Rosa Jr (2010) entre outros. “Na isenção ocorre o fato gerador do tributo, há relação tributária entre o Fisco e o contribuinte e, existe obrigação tributária. O que não se constitui é o crédito tributário, por ser a isenção causa de exclusão do crédito tributário. Este conceito clássico de isenção é o modo adotado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).”[38] A outra corrente define isenção de uma forma diferente, argumentando que na relação tributária que ocorre isenção, o fato gerador da operação tributária está afastado por norma infraconstitucional, a lei. Machado[39] pertence a esta corrente doutrinária, defendendo que no instituto da isenção o fato gerador do tributo está excluído. Canto[40], co-autor do Código Tributário Nacional, defende que “a isenção afasta o fato gerador, impedindo que se configure a obrigação tributária, logo, não haverá lançamento tributário”. Existem diversas hipóteses de isenção que podem ser alteradas de forma muito mais célere do que as imunidades que somente são previstas constitucionalmente. A mais conhecida hipótese de isenção tributária, mais detidamente do IPI são os casos dos carros vendidos para portadores de deficiência. As pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, ainda que menores de dezoito anos, poderão adquirir, diretamente ou por intermédio de seu representante legal, com isenção do IPI, automóvel de passageiros ou veículo de uso misto, de fabricação nacional, classificado na posição 8703 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, aprovada pelo Decreto nº 4.070, de 28 de dezembro de 2001. O benefício poderá ser utilizado uma vez a cada 02(dois) anos, inclusive nas aquisições realizadas antes de 22 de novembro de 2005. A aquisição do veículo com o benefício fiscal por pessoa que não preencha as condições estabelecidas na Instrução Normativa SRF nº 607, de 05 de janeiro de 2006 (art.7º), assim como a utilização do veículo por pessoa que não seja o beneficiário portador de deficiência, salvo a pessoa por ele autorizada, conforme anexo VIII, sujeitará o adquirente ao pagamento do tributo dispensado, acrescido de juros e multa, nos termos da legislação vigente, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. A isenção do IPI para deficientes não se aplica às operações de arrendamento mercantil (leasing). O IPI incidirá normalmente sobre quaisquer acessórios opcionais que não constituam equipamentos originais do veículo adquirido. Para efeito de benefício de isenção de IPI a alienação fiduciária em garantia de veículo adquirido pelo beneficiário não se considera alienação. Em complemento, Costa[41] afirma que isenção e imunidade apresentam nítidas diferenças, quais sejam: na isenção ocorre a incidência tributária, instaurando-se a relação jurídica tributária, enquanto na imunidade não ocorre a incidência tributária, não ocorrendo relação jurídica tributária; na isenção o tributo é devido mas a lei dispensa seu pagamento (doutrina clássica) e na imunidade, o tributo não chega a ser devido; outra diferença nítida está na concessão da isenção, que é através de lei enquanto que a única forma de estabelecer imunidade é através da Constituição Federal. Segundo Torres[42] por força da imunidade ontológica ou intergovernamental recíproca, prevista no art. 150, VI, a, e § 2º, da Constituição Federal, a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, bem como as autarquias e as fundações instituídas e mantidas por estas pessoas, não podem ter seu patrimônio onerado pelo IPI, nas operações em que figurem como adquirentes (contribuintes de fato) de produtos industrializados. “A incidência da citada imunidade revela-se, de um lado, em razão de não serem, estas entidades, dotadas de capacidade contributiva e, de outro, porque o propósito econômico fundamental do tributo está voltado para a tutela do consumo de bens e não para sua produção ou comércio.” [43] Além disso, o não reconhecimento da referida imunidade, implica excluir o IPI do campo de aplicação da norma que a instituiu, caracterizando, com isso, a negativa de vigência do art. 150, VI, a, da Constituição Federal. A imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte do Imposto sobre Produtos Industrializados (Súmula 591, do STF). 1.5.1. Isenção e Alíquota zero Segundo Souza [44] enquanto a isenção contém regras próprias e está sujeita a condições e requisitos (art.176, CTN), a alíquota zero expressa uma alíquota, embora livre ou zero, surtindo os mesmos efeitos das demais alíquotas. No caso de isenção, não tem prevalecido a tese das correntes tributárias segundo as quais a isenção impede a incidência tributária e corta a regra matriz de incidência. Na verdade, a incidência tributária existe em tese, mas é excluída pela lei de isenção. Tanto assim é que, se a condição não for cumprida (art.176, CTN), persiste a obrigação tributária (crédito tributário do Fisco). Este é o entendimento do STF (RE 104.963) em relação a isenção, no sentido de que “a obrigação tributária nasce com o fato gerador, que é a entrada da matéria-prima, mas o crédito tributário é afastado pelo favor fiscal”. [45] Seixas Filho[46] salienta que a isenção não é a única forma de fomentar a atividade econômica, figurando dentre as diversas medidas possíveis e adequadas a esse fim, as reduções de base de cálculo para investimentos e créditos-prêmios de ICMS e IPI. “Como alternativa às isenções tributárias em sua função de incentivar determinada atividade econômica, pode o legislador optar pela restituição do imposto pago anteriormente. […] as reduções de bases de cálculo do imposto de renda, créditos prêmios de ICMS e IPI, etc., foram formas que o legislador criou para subvencionar ou subsidiar atividades como o programa de alimentação do trabalhador, formação educacional do trabalhador, fomentar as exportações, etc., sem precisar transferir diretamente do Erário Público recursos financeiros já arrecadados.” [47] Souza [48] afirma que, se uma empresa que adquire matéria-prima isenta tem o direito de crédito de IPI e outra que adquire matéria-prima com alíquota zero não tem o mesmo direito, trata-se de situações idênticas (não em sentido teórico e formal, mas de resultados iguais em matéria de real tributação) de forma desigual. “A alíquota-zero não é senão uma das formas de isenção, pois expressa claramente, em lei, e com as mesmas consequências jurídicas. Dizer o legislador que um produto é isento do IPI ou que tem alíquota zero é dizer, de forma clara e inequívoca, que por força de favor legal, o produto referido não sofre qualquer incidência tributária. Os termos se equivalem e, por conseqüência, o que for aplicado para as leis de exclusão da incidência tributária quanto à isenção deveria ser para alíquota zero.” [49] É de Souza[50] a afirmação que a Procuradoria da Fazenda Nacional, em seu Parecer 405/2003, insistiu na distinção entre alíquota zero e isenção, talvez com a estratégia de centrar o foco no assunto onde teria maior possibilidade de êxito, no Judiciário. Assim, o esforço na elaboração do parecer foi no sentido de mostrar que, pelas diferenças entre alíquota zero e isenção, o direito ao crédito presumido, que, em 2003 vinha sendo concedido a matérias isentas, não deveria se estender aos casos de alíquota zero e não tributada. Já os contribuintes do IPI vinham defendendo o oposto: que a aquisição de insumos à alíquota zero mereceria o mesmo tratamento dispensado à isenção. Para Rocha [51], a tese de acumulação de créditos de insumos isentos desde a Constituição de 1988, em verdade, tem por fim favorecer o contribuinte com aplicação retroativa de um benefício fiscal previsto em lei, além de acarretar locupletamento indevido. Outro ponto importante e que ajuda na distinção entre a isenção e a alíquota zero está no momento da revogação dessas benesses concedidas pelo Poder Público. De acordo com Montenegro [52] quando se fala em revogação de isenção trata-se sempre das isenções puras ou simples, já que as isenções condicionadas ou a termo não podem ser revogadas enquanto não houver a implementação do tempo ou enquanto observada a condição imposta. Entendendo que a isenção é mera dispensa do pagamento, ou seja, mero favor legal que dispensa o pagamento mesmo havendo a obrigação de pagar o tributo, pode-se cobrar o tributo isento no mesmo exercício financeiro da revogação, desobrigando-se do cumprimento do princípio da anualidade, sob a alegação que o contribuinte sabia da obrigação tributária imposta. No entanto, filiando-se a corrente de que a isenção é uma não incidência, nos termos da imunidade, a revogação da isenção implica na criação, ou nova cobrança, de novo tributo, portanto, devendo-se respeitar o princípio da anualidade. Sobre o tema o STF se manifestou adotando o defendido por Rubens Gomes de Sousa, permitindo a cobrança do tributo no mesmo exercício financeiro da revogação, pacificando o tema através da Súmula 615, “O princípio da anualidade não se aplica à revogação da isenção do ICM”. Já sobre a alíquota zero, como há a incidência do tributo, nada impede que no dia seguinte à revogação a alíquota seja aumentada, aos parâmetros anteriores à instituição da alíquota zero. 2.  PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Os princípios demonstram a preocupação do legislador constituinte originário, em proteger a sociedade brasileira da criação excessiva de tributos, embora não seja suficiente, pois o Brasil é um dos países de maior carga tributária mundial, o que resulta na estagnação do País, ante a limitação do poder de compra da maioria dos brasileiros, além de frear o desenvolvimento industrial e o investimento estrangeiro. [53] “A palavra princípio é equívoca. Aparece com sentidos diversos. Apresenta acepção de começo, de início. Norma de princípio (ou disposição de princípio), por exemplo, significa norma que contém o início ou esquema de um órgão, entidade ou de programa, como são as normas de princípio intuitivo e as de princípio programático. Não é nesse sentido que se acha a palavra princípio da extensão princípios fundamentais do Título I da Constituição. Princípio aí exprime a noção de “mandamento nuclear de um sistema”.”[54] O jurista Bandeira de Mello[55] define princípio como: “[…] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. […] violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.” Também há que se observar o conceito que Crisafuli apresenta para os princípios constitucionais tributários, em função de suas características normativas: “Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais) das quais determinam, e, portanto, resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.” [56] A Constituição Federal [57] elenca em seus princípios, os Princípios Constitucionais Tributários, que estabelecem os parâmetros ao poder de tributar. Ali estão expressos: Princípio da Legalidade, Princípio da Anterioridade, Princípio de Irretroatividade Tributária, Princípio da Interpretação Objetiva do Fato Gerador, Princípio da não cumulatividade, dentre outros. 2.1. Princípio da Legalidade O princípio da legalidade tributária é reflexo direto do Estado Democrático de Direito, tendo como função primordial limitar a possibilidade de que os tributos sejam exigidos ou aumentados somente através dos dispositivos legais. [58] Segundo Raymundo e Bezerra [59] o princípio da legalidade é, também aplicado aos direitos individuais e, de acordo com o preceituado na Constituição Federal, alcança todos os ramos do direito. “Art. 5º; Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” [60] Mais adiante, o caput do art. 150 da Carta Magna, na seção II – “Das limitações do poder de tributar” tem a seguinte redação: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedada à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.” O princípio da legalidade reforça, na área tributária, o comando contido no art. 5º, inciso II da Constituição. Entende-se, portanto, que, pelo princípio da legalidade, nenhum tributo pode ser criado ou aumentado, sem a criação de uma lei que o regulamente. Esse princípio pode ser visto pelo prisma da legalidade formal e da legalidade material. Explicam Raymundo e Bezerra [61] que a legalidade formal prevê a inserção da regra tributária no ordenamento jurídico e a legalidade material exige que a lei especifique os elementos que descrevem o fato jurídico e o conteúdo da relação obrigacional. “Os artigos 150, I e 5º. II, da Constituição Federal vigente, referem-se à legalidade como princípio necessário à instituição e majoração de tributos, tanto do ponto de vista formal – ato próprio, emanado do poder legislativo – como do ponto de vista material, determinação conceitual específica, dada pela lei aos aspectos substanciais dos tributos, como hipótese material, espacial e temporal, consequências obrigacionais, como sujeição passiva e quantificação do dever tributário, alíquotas e base de cálculo, além das sanções pecuniárias dos deveres acessórios, da suspensão, extinção e exclusão do crédito.” [62] Entretanto, segundo explica Klein [63], na própria Constituição constam exceções ao princípio da legalidade, podendo ser alteradas as alíquotas dos impostos sobre exportação, importação, produtos industrializados e sobre operações financeiras e contribuição de intervenção sobre o domínio econômico (CIDE – combustíveis), através de ato do Poder Executivo, comumente Decreto Executivo. “[..] é que tais impostos fazem parte da cadeia interventiva, necessitando o Executivo de instrumento ágil para aumentá-los ou reduzi-los para regular o comércio exterior (impostos de importação e exportação), a economia (IOF) ou a produção nacional (IPI).” [64] As exceções citadas pelo Desembargador Difini dizem respeito à União e só a ela é facultado alterar alíquotas, nos casos previstos na Constituição, mediante Decreto, não sendo permitido aos Estados e Municípios. Coelho [65] explica que existe discrepância na doutrina quanto à validade dos atuais instrumentos legislativos existentes que regulam a possibilidade de alteração de alíquotas. Alguns entendem que as autorizações existentes não se encontram recepcionadas pela Constituição e que a Lei Complementar seria o veículo legislativo de autorização adequado para fixar a forma de alteração das alíquotas. “A quebra da legalidade está mais restrita na Constituição Federal de 1988, uma vez que a faculdade concedida ao Poder Executivo não mais se estende às modificações de bases de cálculo, os quais somente por ato do poder legislativo podem ser alteradas. Acresce ainda que foram eliminadas as impropriedades técnicas existentes nos textos anteriores, como as “tarifas” aduaneiras e de transportes; reduziu-se o número de exceções à legalidade e à anterioridade; eliminou-se ainda a possibilidade, introduzida pela emenda constitucional nº 8 de 17.04.1977, de ampliação do rol exceptivo, mediante a edição de lei complementar.” [66] Segundo esse mesmo autor, as contribuições de toda natureza, de melhoria ou especiais (sociais, de intervenção no domínio econômico e instituídas no interesse de categorias profissionais e econômicas) conforme dispõe o art. 149 da Constituição,  submetem-se, rigorosamente, sem qualquer atenuação, à legalidade e à anterioridade. 2.2. Princípio da Anterioridade O Princípio da Anterioridade determina que todos os tributos devem ser instituídos ou aumentados no ano anterior à sua vigência, de acordo com o inciso II, alínea “b” do Art. 150 da Constituição Federal. É uma forma de proteger o contribuinte que poderá programar suas atividades econômicas para não ser surpreendido por criação ou aumento de impostos; entretanto, a diminuição da carga tributária pode acontecer dentro do mesmo ano de vigência. As exceções ao princípio da anterioridade estão elencadas no mesmo artigo, em seu parágrafo 1º: são os impostos federais de função regulatória (Imposto de importação e Imposto de Exportação, IOF e IPI), imposto extraordinário de guerra (art. 154, II, CF, empréstimo compulsório destinado a atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência (art. 148, I, CF). 2.3. Princípio da Anterioridade Nonagesimal A Emenda Constitucional 42/2003[67], acrescentou ao art. 150, inciso III da Constituição, a alínea “c”, que institui, para os tributos em geral, e exigência de aguardar-se um período de 90 (noventa) dias entre a publicação da lei que crie ou aumente tributos e a produção de seus efeitos. “Art. 150. … III- Cobrar tributos: b) No mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) Antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea “b”.” Desta forma, atualmente, com o objetivo de conferir maior efetividade ao princípio da não-surpresa, garantia individual do contribuinte, os tributos em geral, observadas as exceções estabelecidas pela própria Constituição Federal, estão sujeitos, cumulativamente, ao princípio da anualidade do exercício financeiro e à exigência da noventena entre a instituição ou aumento do tributo e sua cobrança. [68] Raymundo e Bezerra [69] explicam que a própria Constituição, no corpo de suas disposições, estabelece as exceções ao princípio da não-surpresa tributária, tornando possível a cobrança de tributos como os impostos extraordinários de guerra, os compulsórios por motivo de guerra ou em razão de calamidade pública, dada a urgência da situação a exigir imediatos recursos. “Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência.” [70] Está também preceituado pela Constituição Federal a concessão emitida ao Poder Executivo para alterar as alíquotas – dentro dos limites impostos pela lei – do Imposto de importação e exportação, Imposto sobre produtos industrializados, Imposto sobre operações de crédito, câmbio, seguros, títulos e valores mobiliários. “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I – importação de produtos estrangeiros; II – exportação para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III – renda e proventos de qualquer natureza; IV – produtos industrializados; V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI – propriedade territorial rural; Grandes fortunas, nos termos da lei complementar. § 1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.” [71] As contribuições de seguridade social estão sujeitas apenas ao princípio da noventena, não sendo exigido que a publicação da lei que as institua ou modifique se dê no ano anterior ao início de sua cobrança. 2.4. Princípio da Irretroatividade Tributária Quanto ao princípio da irretroatividade tributária, a Carta Magna dedica seu art. 150, inciso III, alínea “a”, in verbis: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, ao Estados, ao Distrito Federal e aos municípios: (…) III – cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.”[72] Esse princípio foi incluído no art. 5º, inciso 36 da Constituição: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, com o objetivo de estender seus efeitos a todo o ordenamento jurídico nacional, consequentemente tornando sem valia a sua inclusão pelo legislador, de forma específica, no capítulo destinado ao Sistema Tributário Nacional. Ao Imposto de Renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração. [73] Entretanto, explicam Raymundo e Bezerra [74] que, diante da disposição constitucional que veda a irretroatividade em matéria tributária, proibindo que a lei nova alcance fatos geradores passados, o conteúdo do citado verbete anula-se, tornando-se inaplicável perante a ordem constitucional brasileira, fato que vinha sendo acatado pela doutrina e boa parte da jurisprudência. Todavia, o Princípio da Irretroatividade não se assenta como postulado absoluto, incondicional e inderrogável, vista que o artigo 106, do CTN, elenca as exceções a este princípio. “Art. 106 – A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; II – tratando-se de ato não definitivamente julgado: a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.” Neste sentido, Sabbag [75] ensina que as hipóteses acima corroboram a regra da irretroatividade, pois é natural que se estipule, no plano da hermenêutica, hipóteses de retroação para uma lei interpretativa e para que a lei mais benéfica possa beneficiar os contribuintes. Com maior prudência é mais adequado no âmbito do Direito Tributário afirmar que não há incompatibilidade entre o Princípio da Irretroatividade e a existência de leis produtoras de efeitos jurídicos sobre atos pretéritos, como comprovam as exceções acima elencadas. 2.5. Princípio da não-cumulatividade Uma das características específicas do IPI é a sua dependência ao princípio da não-cumulatividade, expresso no art. 153, § 3º, inciso II da Constituição Federal: “Art. 153. (…) § 3º O imposto previsto no inciso IV:(…) II – será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.” [76] O princípio da não-cumulatividade consiste na dedução do valor do imposto correspondente à saída dos produtos do estabelecimento industrial com o valor do imposto que incidiu nas operações anteriores sobre os respectivos insumos. [77] A expressão “compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores” possibilita: “Ao contribuinte, um direito de abatimento que serve de freio à ação do Poder Público, no caso deste pretender agir de modo a contrariar a Lei maior, seja na instituição (ação legislativa), seja na cobrança (ação administrativa) do tributo em exame.” [78] O IPI é um imposto indireto e, portanto, gera repercussão econômica, ou seja, o custo é repassado para o próximo na cadeia surgindo as figuras do contribuinte de fato e de direito. “Ao instituir o princípio da não-cumulatividade, o constituinte teve em mira favorecer o contribuinte (de direito), deste tributo, aliviando a pressão sobre seus custos de produção, o que, em última análise, reverte em prol do consumidor final (contribuinte de fato) mediante a determinação de preços menos onerados pela carga fiscal.” [79] Segundo essa autora, o IPI possui algumas características: é neutro, devendo ser indiferente, tanto na competitividade e concorrência quanto na formação de preços no mercado; onera o consumo e nunca a produção ou o comércio, adaptando-se às necessidades de mercado; oferece maiores vantagens ao Fisco, pois sendo plurifásico, permite antecipar o imposto que será devido apenas no consumo (vantagens financeiras) e coloca ademais todos os agentes econômicos das diversificadas etapas de industrialização e circulação como responsável pela arrecadação (vantagens contra o risco de insolvência). O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp, 411,478-PR, 1ª Turma, tendo como relator o Ministro Luiz Fux , publicado no DJU em 28.10.2002, assim decidiu: “[…] O IPI é tributo de natureza indireta uma vez que o contribuinte de fato é o consumidor final da mercadoria objeto da operação, visto que a empresa, que repassa no preço da mercadoria o imposto devido, recolhendo posteriormente aos cofres públicos o imposto já pago pelo consumidor final e, em conseqüência, não assume a respectiva carga tributária. Opera-se, assim, no caso do IPI, a substituição legal no cumprimento da obrigação, do contribuinte de fato pelo contribuinte de direito, inadmitindo-se a repetição do indébito e a compensação do referido tributo, sem a exigência da prova da repercussão […]” Andrade [80] informa, ainda, que além do IPI, estão sujeitos à mesma sistemática da não-cumulatividade, o ICMS, os impostos de competência residual da União (art. 154: : “A União poderá instituir: I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição), as contribuições previdenciárias residuais da União, e as contribuições sociais previstas no art. 195 do mesmo texto constitucional. Por sua vez, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 49, estabelece: “Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença maior em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados. Parágrafo único. O saldo verificado, em determinado período, em favor do contribuinte, transfere-se para o período seguinte.” Independente de qual seja o critério material do IPI, todos deverão respeitar o princípio da não-cumulatividade previsto no art. 153, § 3º, II, da Constituição e no art. 49 do Código Tributário Nacional.  2.6. Subprincípio da Interpretação Objetiva do Fato Gerador O subprincípio da interpretação objetiva do fato gerador tem em si o comando de que sempre é imperioso interpretar o fato gerador objetivamente, sem preocupação com os aspectos relativos à pessoa destinatária da cobrança do tributo ou natureza da atividade.[81] Esse autor explica que, por esta razão, quem praticar um ato que preencha a hipótese de incidência deverá pagar o tributo, ao menos a priori. Não se vai avaliar a validade do ato jurídico, a capacidade civil do sujeito passivo ou mesmo a licitude do ato que gera a possibilidade de cobrança do tributo, sempre prevalecendo a análise do aspecto objetivo do fato gerador, em abono de equivalência necessária à sustentação do postulado da isonomia tributária.  3. A NÃO INCIDÊNCIA DO IPI NO DESEMBARAÇO ADUANEIRO DE IMPORTAÇÃO POR PESSOA FÍSICA. Existem controvérsias a respeito da não-incidência do IPI no desembaraço aduaneiro da importação por pessoa física. É importante conhecer pelo menos uma dessas opiniões, para que o posicionamento a respeito do assunto seja feito de maneira a não restar dúvidas quanto à constitucionalidade e legalidade do fato. Uma dessas opiniões controversas é de Silva [82], que afirma delinear-se no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal uma preocupante tendência que, se confirmada, acarretará sérios prejuízos à indústria nacional, além de causar grave ofensa ao Princípio da Isonomia insculpido no art. 150, inciso II, da Constituição Federal de 1988, ao tratar de forma desigual os consumidores de produtos industrializados no exterior e os consumidores de produtos industrializados no país. “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios: (…) II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.” [83] A referência desse autor é sobre os julgados recentes do STJ e do STF, desonerando do IPI a importação de bens industriais procedentes do exterior, efetuadas por pessoas físicas. Tais julgados estão escoimados na ofensa do Princípio da não-cumulatividade pela impossibilidade de se compensar o imposto devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores. Não sendo comerciante e como tal não estabelecida, a pessoa física não pratica atos que envolvam circulação de mercadorias. Contudo, esse autor se contrapõem a fundamentação destes julgados do STJ e STF alegando o ferimento ao Princípio da Isonomia, vez que em seu entendimento, tais julgados tratam de forma desigual as mercadorias produzidas no mercado interno, e que efetivamente incidem o IPI e as mercadorias produzidas no mercado exterior e importadas por pessoa física, as quais não deverá incidir o IPI. O sentido desses julgados está na interpretação da Constituição Federal, como segue: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I – importação de produtos estrangeiros; II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III – renda e proventos de qualquer natureza; IV – produtos industrializados; V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI – propriedade territorial rural; VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar.(…) § 3º – O imposto previsto no inciso IV: I – será seletivo, em função da essencialidade do produto; II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; III – não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior. IV – terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei.”[84] Como se sabe, a Receita Federal exige o IPI na importação de todo e qualquer bem industrializado, independente do importador ser ou não contribuinte do imposto. Ocorre, que o importador pessoa física, por óbvio não é contribuinte do imposto, pois sua exigência atenta contra  o princípio da não cumulatividade, uma vez que a pessoa física não pode usufruir os créditos gerados pela exação. O não aproveitamento do imposto para geração de créditos ocorre, pois como pessoa física, consumidor final do produto importado, não sofrerá o bem qualquer ato posterior de industrialização, sendo inviável a compensação do IPI recolhido como crédito de uma posterior. O princípio constitucional da não cumulatividade existe para evitar a superposição do mesmo imposto sobre a mesma mercadoria ou serviço, o que tornaria o valor final do produto ou serviço extremamente onerosa. Em face deste princípio o pagamento do imposto anterior sobre um serviço ou produto é lançado como crédito, utilizando este crédito na incidência do novo imposto na saída da mercadoria de seu estabelecimento. Neste sentido, o artigo 46, do Código Tributário Nacional, em seu inciso I, fere o princípio da não cumulatividade quando se tratar de importação tendo como destinatário do produto pessoa física, a qual não poderá utilizar-se do benefício da compensação do imposto pago. “Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador: I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51; III – a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.” [85] O presente artigo inclusive vai de encontro ao artigo 49, do mesmo diploma legal, o qual versa exatamente sobre o princípio da não cumulatividade. “Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados.”[86] Com esta fundamentação, está pacificado junto ao STF e cortes federais, o entendimento que não é cabível a cobrança de Imposto Sobre Produtos Industrializados , IPI, sobre o desembaraço aduaneiro, de produtos importados por pessoas físicas, para utilização particular, in verbis: “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IPI. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO PARA USO PRÓPRIO. NÃO INCIDÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I – Não incide o IPI em importação de veículo automotor, por pessoa física, para uso próprio. Aplicabilidade do principio da não cumulatividade. Precedentes. II – Agravo regimental improvido.” (RE 550170 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 07/06/2011, DJe-149 DIVULG 03-08-2011 PUBLIC 04-08-2011 EMENT VOL-02559-02 PP-00291) “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO POR PESSOA FÍSICA PARA USO PRÓPRIO. NÃO-INCIDÊNCIA. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. 1. Não incide o IPI sobre a importação, por pessoa física, de veículo automotor destinado ao uso próprio. Precedentes: REs 255.682-AgR, da relatoria do ministro Carlos Velloso; 412.045, da minha relatoria; e 501.773-AgR, da relaria do ministro Eros Grau. 2. Agravo regimental desprovido.” (RE 255090 AgR, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 24/08/2010, DJe-190 DIVULG 07-10-2010 PUBLIC 08-10-2010 EMENT VOL-02418-04 PP-00904) “TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – IPI SOBRE IMPORTAÇÃO – AUTOMÓVEL IMPORTADO POR PESSOA FÍSICA, NÃO COMERCIANTE OU EMPRESÁRIA, PARA USO PRÓPRIO – NÃO INCIDÊNCIA DO TRIBUTO – PRECEDENTES DO STJ E DO STF. 1.Não incide IPI sobre a importação de veículo por pessoa física não comerciante e não empresária. 2.Precedentes do STJ e do STF. 3.Apelação provida: segurança concedida. 4.Peças liberados pelo Relator, em 26/07/2011, para publicação do acórdão.” (AMS 0027164-69.2010.4.01.3800/MG, Rel. Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, Sétima Turma,e-DJF1 p.178 de 05/08/2011) Desta feita, ilegal se mostra a cobrança do referido imposto para o procedimento de desembaraço aduaneiro de produto importado por pessoa física, eis que, não sendo o importador/destinatário da mercadoria contribuinte do imposto, sendo este incapaz de aproveitar o crédito advindo da operação, o que fere brutalmente o princípio da não cumulatividade, conforme visto em diversos julgados, sobre esta matéria já pacificada pelo STF. 3.1. O desembaraço aduaneiro O despacho aduaneiro é um procedimento fiscal pelo qual toda mercadoria proveniente ou destinada ao exterior deve ser submetida para que o exportador receba a permissão definitiva para enviar sua mercadoria e o importador obtenha a autorização para receber suas mercadorias importadas. Tem por finalidade a verificação da precisão dos dados declarados pelo importador ou exportador em relação à mercadoria importada ou exportada, já que é com base nesta declaração que serão calculados os impostos porventura devidos. [87] O Decreto nº 4.543 de 26 de dezembro de 2002, que revogou o Decreto nº 91030/85, regulamenta o procedimento de despacho aduaneiro, estabelecendo quais os documentos necessários para seu processamento, seus prazos e formas. Ambas as modalidades de despacho aduaneiro, quer seja o despacho aduaneiro de exportação, quer seja o de importação, estão previstos e regulados pelo referido decreto. [88] 3.1.1. Despacho Aduaneiro de Importação Abreu [89] define o despacho aduaneiro de importação como sendo o procedimento fiscal através do qual é verificada a exatidão dos dados declarados pelo importador em relação à mercadoria importada, aos documentos apresentados e à legislação vigente, com o escopo de dar-se o seu desembaraço aduaneiro, ou seja, a autorização da entrega da mercadoria ao importador. A norma que disciplina o despacho aduaneiro de importação é recente. Trata-se do Decreto nº 4543/2002 e da Instrução Normativa SRF 206, também do ano de 2002. Esta instrução atribui três classificações ao despacho aduaneiro por importação: para consumo, quando se trata de mercadorias destinadas ao uso; para admissão, que têm um prazo determinado para permanecer no território aduaneiro; e para internação, especificamente dos produtos oriundos da Zona Franca de Manaus ou da Amazônia Ocidental ou outra área de livre comércio, com a finalidade de introdução no restante do território nacional. 3.1.1.1. A declaração de Importação Explica ainda Abreu [90] que o despacho aduaneiro de importação tem por base a declaração formulada pelo importador ou por seu representante legal, onde, obrigatoriamente, deverá constar as informações gerais, tais como a identificação do importador, qual o meio de transporte usado, o número identificador da carga, a forma de seu pagamento, e as informações específicas (adição), ou seja, qual é o seu fornecedor, o seu valor aduaneiro, os tributos devidos, o câmbio usado, dentre outras informações constantes do anexo I da INSRF nº 206/2002, de modo a possibilitar que a autoridade aduaneira conheça todos os detalhes sobre aquela operação de importação. A declaração de importação é formulada no Sistema Integrado do Comércio Exterior – SISCOMEX – um software usado em todo o território nacional que integra as atividades de registro, acompanhamento e controle das operações de comércio exterior, através de fluxo único, computadorizado, de informações. [91] 3.1.1.2. Seleção para conferência aduaneira Vale-se dos ensinamentos de Coelho e Trevisan [92] para conhecimento de como se processa a seleção para conferência aduaneira: uma vez registrada a declaração de importação e iniciado o procedimento de despacho aduaneiro, a Declaração de Importação (DI) é analisada pelo sistema e selecionada por um dos canais de conferência. Tal procedimento de seleção recebe o nome de parametrização ou seleção parametrizada. Com esse procedimento a DI é direcionada para um dos seguintes canais de conferência aduaneira: Verde:  o sistema registrará o desembaraço automático da mercadoria, dispensados o exame documental e sua verificação; Amarelo:  é realizado o exame documental e, não sendo constatada irregularidade, efetua-se o desembaraço aduaneiro; Vermelho: a mercadoria somente é desembaraçada após a realização do exame documental e de sua verificação; Cinza:  é realizado o exame documental, a verificação da mercadoria e a aplicação de procedimento especial de controle aduaneiro, para verificar elementos indicativos de fraude, inclusive no que se refere ao preço declarado da mercadoria. Esses autores informam ainda que, na constatação de início de fraude, independente do canal de conferência atribuído à DI, o servidor deve encaminhar os elementos verificados ao setor competente, para avaliação da necessidade de aplicação dos procedimentos especiais de controle. Os bens submetidos a despacho aduaneiro com base em Declaração Simplificada de Importação (DSI) podem ser desembaraços após seleção efetuada pelo supervisor lotado na unidade da RFB de despacho: sem conferência aduaneira, hipótese em que são dispensados o exame documental, a verificação da mercadoria e o exame de valor aduaneiro; ou com conferência aduaneira, hipótese em que a mercadoria somente é desembaraçada e entregue ao importador após a realização do exame documental e de sua verificação e, se for o caso, do exame de valor aduaneiro. [93] 3.1.1.3. Conferência aduaneira Coelho e Trevisan [94] explicam que a conferência aduaneira tem por finalidade identificar o importador, verificar a mercadoria e a correção das informações relativas a sua natureza, classificação fiscal, quantificação e valor, e confirmar o cumprimento de todas as obrigações, fiscais e outras exigíveis em razão da importação. [95] Explicam esses autores que a conferência aduaneira das declarações selecionadas pode ser realizada na zona primária ou na zona secundária e deve ser iniciada após a entrega do extrato de declaração e dos documentos que a instruem. Quando realizada na zona secundária, a conferência aduaneira pode ser feita em recintos alfandegários, no estabelecimento do importador ou, excepcionalmente, em outros locais, mediante prévia anuência da autoridade aduaneira. [96] 3.1.1.4. Exame Documental O exame documental destina-se a constatar: “A integridade dos documentos apresentados; A exatidão e correspondência das informações prestadas na declaração em relação àquelas constantes dos documentos que a instruem, inclusive no que se refere à origem e ao valor aduaneiro da mercadoria; O cumprimento dos requisitos de ordem legal ou regulamentar, correspondentes aos regimes aduaneiro e de tributação solicitados; O mérito do benefício fiscal pleiteado; e  A descrição da mercadoria na declaração, com vistas a verificar se estão presentes os elementos necessários à confirmação de sua correta classificação fiscal.” [97] Na hipótese de descrição incompleta da mercadoria na DI, que exija a verificação desta para sua perfeita identificação, a fim de confirmar a correção da classificação fiscal ou da origem declarada, o AFRFB pode condicionar a conclusão do exame documental à realização da verificação da mercadoria. [98] 3.1.1.5.Verificação da Mercadoria A verificação das mercadorias é o último item a ser observado, para que se proceda ao desembaraço aduaneiro. Destina-se a verificar e quantificar as mercadorias, obter elementos para confirmar sua classificação fiscal, origem e seu estado de novo ou usado, bem como para verificar sua adequação às normas técnicas aplicáveis. Será realizada mediante agendamento, em conformidade com as regras gerais estabelecidas pelo chefe do setor responsável pelo despacho aduaneiro. [99] A verificação de mercadoria, no curso da conferência aduaneiro ou em qualquer outra ocasião, é realizada por AFRFB, ou sob a sua supervisão por outro servidor integrante da carreira ARF, na presença do importador, ou de seu representante. Poderão ser adotados critérios de seleção e amostragem estabelecidos pela RFB. [100]   Esclarecem Coelho e Trevisan [101] que, quando a verificação da mercadoria for realizada por servidor que não o AFRFB responsável por essa etapa, ou quando for utilizado o critério de verificação por amostragem, deve ser lavrado o Relatório de Verificação Final (RVF). Na hipótese de mercadoria depositada em recinto alfandegário, a verificação pode ser realizada na presença do depositário ou de seus prepostos, dispensada a exigência da presença do importador. “Regra geral, a conferência da mercadoria é realizada em recinto alfandegário. No entanto, o chefe de ofício ou a requerimento do interessado, a verificação das mercadorias, total ou parcialmente, no estabelecimento do importador ou em outro local, quando: a) o recinto ou instalação aduaneira não dispuser de condições técnicas, de segurança ou de capacidade de armazenagem e manipulação adequadas para a realização da conferência; b) se tratar de bens de caráter cultural; ou c) se tratar de bem cuja identificação dependa de sua montagem (artigo 35 da INSRF nº 680/2006).” [102] Se a fiscalização aduaneira entender necessário, pode designar perito credenciado pela RFB para proceder à identificação e quantificação da mercadoria. Quando necessária a retirada de amostra para exame laboratorial ou de outra natureza, emite-se termo descrevendo a quantidade e a qualidade da mercadoria retirada. As despesas de perícia, assim como de assistência técnica do perito, são de responsabilidade do importador. [103] 3.1.2. O desembaraço aduaneiro propriamente dito O desembaraço aduaneiro é, de acordo com o art. 511 do Decreto 4542/2002, o ato pelo qual é registrada a conclusão da conferência aduaneira. É com o desembaraço aduaneiro que é autorizada a efetiva entrega da mercadoria ao importador e é ele o último ato do procedimento do despacho aduaneiro.[104] Abreu [105] ensina que o ato do desembaraço aduaneiro tem por termo inicial a conclusão da conferência aduaneira. Se, no processo de conferência não se constatar nenhuma irregularidade, é autorizado o desembaraço aduaneiro. Todavia, antes da entrega da mercadoria ao importador é necessário o registro, pela autoridade aduaneira, do desembaraço no SISCOMEX. Uma vez registrado o desembaraço aduaneiro no SISCOMEX será expedido e entregue ao importador o Comprovante de Importação, documento comprobatório da regularidade da mercadoria no país. E finalmente, mediante a apresentação do documento de conhecimento de carga, liberado pelo Departamento de Marinha Mercante e da comprovação do pagamento do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), salvo disposição em contrário, será definitivamente entregue a mercadoria ao importador, finalizando, assim, o procedimento de despacho aduaneiro. [106] O Ministério da Fazenda, através da Secretaria da Receita Federal [107], a respeito do desembaraço aduaneiro, ensina e orienta o seguinte: o despacho aduaneiro de mercadorias na importação é o procedimento mediante o qual é verificada a exatidão dos dados declarados pelo importador em relação às mercadorias importadas, aos documentos apresentados e à legislação específica, com vistas ao seu desembaraço aduaneiro. Toda mercadoria procedente do exterior, importada a título definitivo ou não, sujeita ou não ao pagamento do imposto de importação deve ser submetida a despacho de importação, que é realizado com base em declaração apresentada à unidade aduaneira sob cujo controle estiver a mercadoria. “Em geral, o despacho de importação é processado por meio de Declaração de Importação (DI), registrada no Sistema Integrado de Instrução Normativa SRF nº 6801/06. Entretanto, em algumas situações, o importador pode optar pelo despacho aduaneiro simplificado, que pode se dar por meio do SISCOMEX ou por formulários, conforme o caso. Antes de iniciar uma operação de importação, o interessado deve sempre verificar se a mercadoria a ser importada está sujeita a controle administrativo, pois em regra, este deve ser efetuado anteriormente ao embarque da mercadoria no exterior, sob pena de pagamento de multa.” [108] Explica ainda a Secretaria da Receita Federal que a operação de importação por conta e ordem de terceiro é aquela em que uma pessoa jurídica promove, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria adquirida por outra, em razão de contrato previamente firmado, que pode compreender, ainda, a prestação de outros serviços relacionados com a transição comercial, como a realização de cotação de preços e a intermediação comercial. O controle aduaneiro relativo à ativação de pessoa jurídica importadora que opere por conta e ordem de terceiros é exercido conforme o estabelecido na Instrução Normativa SRF nº 225/02; o registro da DI pelo contratado é condicionado à sua prévia habilitação no SISCOMEX para atuar como importador por conta e ordem do adquirente, pelo prazo previsto no contrato. Os tributos incidentes sobre uma determinada importação e os seus montantes dependem do tipo de mercadoria, seu valor, origem, natureza da operação, qualidade do importador, entre outros. O próprio SISCOMEX contém as alíquotas dos tributos aplicáveis e, com base nas informações fornecidas pelo importador, ele executa os cálculos necessários e debita os valores devidos diretamente na conta corrente informada no momento de registro da DI. [109] O ato que determina o início do despacho aduaneiro de importação é o registro da DI no SISCOMEX, salvo nos casos de Despacho Antecipado. É no momento desse registro que ocorre o pagamento de todos os tributos devidos na importação. Se o despacho de importação, em uma de suas modalidades, não for iniciado nos prazos estabelecidos na legislação, que variam entre 45 a 90 dias da chegada da mercadoria ao País, ela é considerada abandonada, o que acarretará a aplicação da pena de perdimento e a destinação da mercadoria para um dos fins previstos na legislação. O mesmo acontece com a mercadoria cujo despacho de importação tenha seu curso interrompido durante 60 dias, por ação ou por omissão do importador. [110] 3.2. Condições para a não incidência Segundo Quintanilha [111], com a globalização, o comércio entre as nações se desenvolveu em proporções nunca antes vistas. Atualmente, o indivíduo pode adquirir bens produzidos no exterior, sem que seja necessário sair de sua mesa de trabalho. Com a inclusão digital e desenvolvimento das compras on-line, o contribuinte passou a ter acesso a produtos estrangeiros de forma rápida e segura. No entanto, antes de efetuar uma aquisição de produto estrangeiro, o consumidor deve estar atento quanto à incidência de tributos. O ordenamento jurídico pátrio exonerou as exportações da carga tributária, porém, ela recai de forma pesada nas entradas de produtos estrangeiros no território nacional, ou seja, na importação. Com a finalidade de evitar o alto peso dos tributos, o contribuinte deve estar atento com o posicionamento dos Tribunais Superiores e atualmente resta pacífico o entendimento no sentido que a importação para uso próprio não gera imposto como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). [112] Tal limitação é clara tendo em vista que para a incidência do IPI, pressupõe-se a existência de uma mercadoria, ou seja, a busca pelo lucro com a circulação de um produto, o que de fato não ocorre quando se trata de importador pessoa física, o qual equipara-se ao consumidor final, se submetendo ao princípio da não-cumulatividade, na forma do art. 153, § 3º, II da Constituição Federal. O julgado do Supremo Tribunal de Justiça, assim determina: “Tributário. IPI. Desembaraço Aduaneiro. Veículo Automotor. Pessoa Física. Não incidência. Encerramento da matéria pelo Colendo Supremo Tribunal Federal. 1. Recurso especial interposto contra acórdão que determinou o recolhimento do IPI incidente sobre a importação de automóvel destinado ao uso pessoal do recorrente. 2. Entendimento deste relator, com base na Súmula nº 198/STJ, de que “a importação de veículo por pessoa física, destinado a uso próprio, incide o ICMS”. 3. No entanto, o Colendo Superior Tribunal Federal, em decisão proferida no RE nº 203075/DF. Rel. para acórdão Ministro Maurício Correa, dando nova interpretação ao art. 155, § 2º, IX, “a”, da CF/88, decidiu por maioria de votos, que a incidência do ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, não se aplica às operações de importação de bens realizadas por pessoa física para uso próprio. Com base nesse entendimento, o STF manteve decisão do Tribunal de origem que isentara o impetrante do pagamento de ICMS de veículo importado para uso próprio. Os senhores ministros Ilmar Galvão, Relator e Nelson Jobim, ficaram vencidos ao entenderem que o ICMS deve incidir inclusive nas operações realizadas por particular; 4. no que se refere especificamente ao IPI. Da mesma forma o Pretório Excelso também já se pronunciou a respeito: “Veículo importado por pessoa física que não é comerciante nem empresário, destinado ao uso próprio: não incidência do IPI: aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade:CF, art.153, § 3º, II. Precedentes do STF relativamente ao ICMS, anteriormente a EC 33/2001. RE 203075/DF. Ministro Maurício Correa, Plenário. DJ de 29.10.1999; RE de 20.11.1998; RE 298.630/SP. Ministro Moreira Alves, 1ª Turma de 09.11.2001”. (Ag.Reg. no RE nº 255682/RS. 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 10.02.2006). 5. Diante dessa interpretação do ICMS e do IPI à luz constitucional, proferida em sede derradeira pela mais alta Corte de Justiça do país, posta com o propósito de definir a incidência do tributo na importação de bem por pessoa física para uso próprio, torna-se incongruente e incompatível com o sistema jurídico pátrio qualquer pronunciamento em sentido contrário; 6. Recurso provido para afastar a exigência do IPI.” (Resp. 937.629/SP. Rel. Ministro José Delgado. Primeira Turma, julgado em 18.09.2007, DO 04.10.2007, p.203). Portanto, fica claro que o importador, pessoa física, que importe produtos estrangeiros para uso próprio, não deverá ser considerado contribuinte do IPI. 3.3. Decisões judiciais pertinentes A seguir, ilustra-se com alguns competentes julgados a respeito da não  incidência do imposto nas importações por pessoas físicas. “Direito Tributário. Importação de Bens para uso próprio por empresa prestadora de serviços médicos: não incidência do ICMS. Não se sujeita ao ICMS a importância de bens, para uso próprio por empresa prestadora de serviços médicos, não comerciante, inclusive a partir da Emenda Constitucional nº 33 de 11.12.2001. Aplicação dos arts. 135, II da Constituição Federal (que sujeita apenas a mercadoria ao ICMS, como tal entendido o bem móvel adquirido com o intuito de revenda habitual, mediante lucro) e do art. 110 do Código Tributário Nacional (que veda à lei instituidora do imposto alterar o sentido das palavras, institutos, conceitos, formas ou figuras do direito privado, utilizadas pela lei constitucional, para definir ou limitar competências tributárias). Apelo desprovido, por unanimidade. (Apelação e Reexame necessários nº 70011092616, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS. Relator: Roque Joaquim Volkweiss, Julgado em 13.04.2005). Por óbvio não deve incidir o ICMS, principalmente se levar em consideração que o consumidor final não é contribuinte do tributo, suportando somente o ônus financeiro. Por fim, resta claro que o IPI e o ICMS não devem incidir nas importações para uso próprio sob pena de violar o ordenamento jurídico pátrio. “ Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo do judiciário nacional. RC 550.170. AgR/ SP – São Paulo Julgamento: 07.06.2011. Órgão Julgador: Primeira Turma. Ementa: Agravo Regimental em Recurso Extraordinário. Tributário. IPI. Importação de Veículo para uso próprio. Não incidência. Agravo Improvido. I. Não incide o IPI em importação de veículo automotor, por pessoa física para uso próprio. Aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade. Precedentes. II. Agravo Regimental improvido. Nos Tribunais Regionais Federais não é diferente, o tema também já foi decidido de forma favorável ao importador. “ “T.R.F… 1. Brasília. DF. Processo: A MS 0027164-69.2010.4.01. 3800/MG; Apelação em mandado de segurança. Relator: Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral. Órgão Julgador: Sétima Turma. Publicação: eDJF1 p.178 de 06.08.2011. Data da Decisão: 26.07.2011. Decisão: A Turma deu Provimento à apelação para conceder a segurança por unanimidade. Ementa: Tributário. Mandado de Segurança. IPI sobre importação. Automóvel Importado por pessoa física, não comerciante ou empresária, para uso próprio. Não incidência do Tributo. Precedentes do STJ e do STF. 1. Não incide IPI sobre a importação de veículo por pessoa física não comerciante e não empresária; 2. Precedentes do /STJ e STF; 3. Apelação provida: segurança concedida. 4. Peças liberadas pelo Relator em 26.07.2011, para publicação do acórdão.” “TRF. 2. Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento 2011.02.01.011855-4 nº CNJ: 0011855.95.2011.4.2.0000. Relator: Desembargador Federal Salete Maccaliez. Agravante: União Federal/Fazenda Nacional. Agravado: Otto Siems Schuback. Advogado: Augusto Fauvel de Moraes e outro. Origem: 2ª Vala Federal Cível de Vitória, ES (2011 500 10084 260). Não incide o IPI em importação, por pessoa física, para uso próprio. Aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade. Precedentes. Rio de Janeiro, 13, setembro de 2011. Salete Maccaliez. Relatora.” “TRF – 5 – Recife Número do Processo: 20088 40000 26 XXX Data do julgamento: 08.09.2011. Tributário. IPI. Veículo Automotor. Importação. Pessoa Física. Não comerciante. Uso próprio. Não incidência. Princípio da não-cumulatividade. Art. 153. § 3º, II da CF. Precedentes do STF e do STJ. 1. Apelação contra sentença que julgou procedente o pedido, por entender ser indevida a exigência do recolhimento do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, na importação, por pessoa física e para uso próprio, de veículo automotor. 2. De acordo com o art. 153, II, § 3º da Carta Magna de 1988, o IPI “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”. 3. Impossibilidade de o importador, que não seja comerciante ou industrial, compensar o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, cabendo a eles o ônus total do tributo, o que tangencia o princípio da não-cumulatividade, ao contrário do importador, que é comerciante ou industrial, que pode, na operação seguinte, utilizar o crédito do tributo que pagou no ato do desembaraço aduaneiro da mercadoria. 4. O Supremo Tribunal Federal reconheceu que, no caso de o importador ser pessoa física, não comerciante ou empresário, que importa produtos para uso próprio, não é aplicável a incidência do IPI, em face do princípio da não-cumulatividade. 5. Apelação e remessa oficial não providas.” São alguns exemplos de jurisprudência que usaram o princípio da não-cumulatividade para a não incidência do imposto nas mercadorias importadas por pessoa física. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta revisão de literatura teve o intuito de conhecer a opinião de diversos juristas a respeito da não incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados na importação por pessoa física. De tudo o que foi exposto, conclui-se que há uma controvérsia entre autores. Arnauld da Silva, por exemplo, contrapõe o princípio da não-cumulatividade, com o princípio da isonomia, argumentando que, por esse último, a isenção do imposto sobre os produtos importados, deveria valer, também, para os produtos estrangeiros adquiridos no Brasil. Diz esse jurista que, quando se afirma ofensa ao princípio da não-cumulatividade os acórdãos passam um entendimento equivocado que pressupõe, necessariamente, a existência de uma operação posterior com o produto importador e que essa operação deverá ser tributada. Entretanto, embora existam pontos controversos, a obediência à Lei é incontestável. A legalidade é um princípio; constitui pressuposto constitucional para a instituição de direitos e deveres do contribuinte. O Princípio da Legalidade no sistema tributário nacional tem a função de limitar o poder de tributar da União e Estados Federados. Qualquer critério sobre o dever de se recolher ou como recolher determinado tributo, se este é ou não devido, deve estar discriminado em lei complementar onde o legislador tem o dever de legislar exaustivamente a definição dos mesmos, seus fatos geradores, bases de cálculo de contribuições. [113] Também são preceituados os aspectos do processo de instituição de tributos, levando-se em consideração: a) pessoal, que determina os sujeitos da obrigação tributária; b) temporal, pelo qual são estabelecidas as circunstâncias de tempo; c) espacial, que consiste na indicação das circunstâncias de lugar relevantes para a caracterização da obrigação; d) material, que corresponde à própria descrição dos aspectos substanciais do fato ou conjunto de fatos que servem de suporte à hipótese de incidência, inclusive aqueles atinentes à determinação da base imponível e alíquotas. Portanto, a Lei é o ponto de partida para a regulamentação do tributo, todos os atos devem estar submetidos ao Princípio da Legalidade e, no caso específico do IPI, somando-se o Princípio da não-cumulatividade, justifica-se sua não-incidência em importações de produtos industrializados feitas por pessoas físicas. Ao ilustrar a teoria encontrada a respeito do assunto, com algumas das inúmeras jurisprudências, chega-se ao objetivo do trabalho, qual seja, o de demonstrar a legitimidade da não-incidência do imposto sobre produtos industrializados nas importações feitas por pessoas físicas, para benefício próprio, sem qualquer característica de revenda/comercialização. Espera-se ter contribuído para maior clareza de tão polêmico assunto.
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A natureza jurídica das contribuições sociais
Os tributos apresentam-se como principal fonte de renda para o Estado. Caracterizam-se pelo caráter coercitivo, a partir do qual exige-se dos contribuintes o valor monetário apto a viabilizar as várias atividades públicas desenvolvidas pelo Estado. Nesse sentido, apesar dos tributos apresentarem características essenciais; alguns elementos destoam, delineando cinco espécies tributárias, quando se leva em consideração; além do fato gerador, aspectos relacionados à finalidade e promessa de restituição; fazendo emergir, cinco espécies tributárias; quais sejam: impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimos compulsórios. A partir do delineamento das contribuições especiais, emergem as contribuições sociais. Espécie tributária que por sua peculiar conformação, ante as finalidades específicas que pretende atingir, visto estarem adstritas ao financiamento das atividades desenvolvidas pelo Estado, na concreção dos direitos sociais; apresentam-se capituladas em várias teorias doutrinárias, que pretendem elucidar a sua natureza jurídica. Assim, o presente artigo pretende uma abordagem esclarecedora sobre a conceituação de tributo, apontando as características principais das espécies tributárias e, principalmente, examinando, de forma mais detida, a natureza jurídica das contribuições sociais e as várias vertentes doutrinárias que pretendem explicar a sua essência.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Os tributos representam a principal fonte de receita para o Estado. Sua caracterização está adstrita ao poder de império daquele, que, por meio de uma relação jurídica com o contribuinte, denominada de exação tributária, aufere os rendimentos necessários a viabilizar as políticas públicas tendentes a alcançar o bem comum. Assim, a coercitividade tributária é a característica principal das receitas públicas derivadas. Portanto, justifica-se o amplo delineamento normativo tendente ao disciplinamento da atividade fiscal. De outra parte, em que pese as características essencialmente comuns a todas os tributos, alguns elementos destoam, delineando as várias espécies tributárias. Assim, quando se leva em consideração, além do fato gerador, a sua finalidade e a promessa de sua restituição, vêm a lume cinco espécies tributárias. Portanto, chega-se à conclusão de que os tributos são compostos pelas seguintes espécies tributárias: impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimos compulsórios. Tal corrente doutrinária, com ampla aceitação jurisprudencial, capitaneada pelo entendimento do STF, é nominada de teoria Pentapartida. E nesse sentido, emerge, a partir da derivação das chamadas contribuições especiais, as contribuições sociais, as quais prestam-se a financiar as atividades Estatais vinculadas ao campo social; de modo a se alcançar os desideratos relacionados ao bem estar e à justiça social. Por sua peculiar conformação, ante as específicas finalidades que pretende atingir, as contribuições sociais prestam-se a várias acepções doutrinárias. Tais teorias, desde o surgimento, no cenário jurídico nacional, das contribuições buscam explicar a sua natureza jurídica, ora as considerando como parte do salário do obreiro, ora, enquadrando-a como uma espécie tributária, ou mesmo uma exação sui generis. Portanto, tal artigo busca apresentar alguns esclarecimentos sobre tais questões, lançando um pouco de luz sobre a conceituação de tributo, apontando as características principais das espécies tributárias e, principalmente, examinando, de forma mais detida, a natureza jurídica das contribuições sociais e as várias vertentes doutrinárias que pretendem explicar tal instituto jurídico. 1 DOS TRIBUTOS Como se tem claro, a atividade primordial do Estado é a realização do bem comum, que, apesar da dificuldade de conceituação, pode ser entendida como “um ideal que promove o bem-estar e conduz a um modelo de sociedade, que permite o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas, ao mesmo tempo em que estimula a compreensão e a prática de valores espirituais” (HARADA, 2010, p. 03). Para tanto, o Estado deve dispor do ingresso de dinheiro nos cofres públicos. Nesse desiderato, pode valer-se de duas alternativas. A primeira delas correspondente as receitas públicas originárias. Já a segunda alternativa, de que o Estado pode valer-se, corresponde às receitas públicas derivadas. Portanto, conforme explica Kiyoshi Harada (2010, p. 33), quanto às receitas originárias e derivadas, temos que: “A primeira é aquela que advém da exploração, pelo Estado, da atividade econômica. A segunda é caracterizada por constrangimento legal para sua arrecadação. São os tributos, as penas pecuniárias, o confisco e as reparações de guerra.” Assim, afigura-se certo que os tributos, correspondentes às receitas derivadas, constituem-se na principal fonte de financiamento para as políticas públicas objetivadas pelo Estado. Nesse sentido, segundo o art. 3º do Código Tributário Nacional, temos que: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” Por todo o exposto até o momento, afigura-se o papel primordial do tributo afeto ao sustento do Estado. No entanto, apesar de ter, como função principal, a geração de recursos financeiros para o Estado, o tributo também funciona no intuito de interferir no domínio econômico, a fim de promover estabilidade. Por tal razão, diz-se que o tributo tem função híbrida. Na primeira hipótese, temos a denominada função fiscal, ao passo que, na segunda, temos a chamada função extrafiscal. Ainda nesse passo, é importante lembrarmos que o tributo não se constitui em penalidade decorrente da prática de ato ilícito, uma vez que o fato descrito pela lei, o qual gera o direito de cobrar o tributo (hipótese de incidência), será sempre algo lícito [1]. Portanto, a atividade tributária é essencial ao Estado, de uma parte. No entanto, de outra parte, essencial o seu disciplinamento pelo fenômeno normativo. Tal razão justifica o amplo delineamento constitucional da atividade tributária do Estado Brasileiro. Desse modo, o exercício da competência tributária pelos entes tributantes faz-se de maneira demarcada e em observância às limitações ao poder tributar, capituladas no art. 150 da Constituição Federal. 2 DA TEORIA PENTAPARTIDA Apesar dos tributos apresentarem características comuns, e constituírem a mesma espécie de receita, como visto; os mesmo seguem regimes jurídicos diversos. Assim, o termo tributo deve ser tomado como gênero, esse composto por várias espécies. Desse modo, a partir da constatação da impossibilidade de determinação das espécies tributárias simplesmente pelo fato gerador, ante o estabelecido no art. 4º do Código Tributário Nacional, tendo-se a necessidade, também, de se levar em consideração a sua finalidade e a promessa de restituição; conclui-se que os tributos podem ser classificados em impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimos compulsórios (PAULSEN, 2008, pp. 39 e 40). Dessa forma, é necessário, para seu completo entendimento, cotejar os enunciados normativos correspondentes ao disposto na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional; de modo que, em uma primeira análise, considerando o teor do art. 145 da Constituição Federal, e, além disso, o teor do art. 5º do Código Tributário Nacional; possa-se chegar à conclusão de que existem, tão somente, três espécies tributárias: os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. Assim, tem-se que: “Art. 145 da CF. A União, os Estado, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – Imposto; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria decorrentes de obras públicas.” Ainda, ante o teor do art. 5º do Código Tributário Nacional, lê-se que: “Os tributos são impostos, taxas e contribuição de melhoria”. Assim, se em uma primeira análise, poder-se-ia concluir que o Direito Tributário Brasileiro teria adotado a Teoria Tripartida dos Tributos; perscrutando o tema chega-se a conclusão diversa. Portanto, não se pode desprezar a existência de outras exações no próprio texto constitucional. Desse modo, o art. 148 da Constituição Federal, por exemplo, autoriza claramente a União a instituir os empréstimos compulsórios. Por sua vez, o art. 149 (conjugado com o 195) refere-se à instituição de contribuições especiais, também de competência da União (ressalvados os casos do parágrafo 1º e do art. 149–A). Assim, temos que: “Art. 148 da CF. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I – para atender as despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública de guerra externa ou sua iminência; II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III”. Ainda: “Art. 149 da CF. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições que alude o dispositivo.” Prosseguindo: “Art. 195 da CF. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais.” Finalmente: “Art. 149-A da CF. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuições na forma das respectivas leis para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.” Nesse sentido, esmiuçando a temática adstrita às contribuições, Eduardo Sabbag (2011, p. 501) explica que: “As contribuições são tributos destinados ao financiamento de gastos específicos, sobrevindo o contexto de intervenção do Estado no campo social e econômico, sempre no cumprimento dos ditames da política de governo.” Desse modo, com base na doutrina e na jurisprudência, bem como o enunciado nos artigos acima expostos, há que se considerar que os tributos perfazem um total de cinco espécies. Assim, afigura-se claro que o Direito Tributário Brasileiro teria adotado a Teoria Pentapartida dos Tributos. Entendimento, esse, adotado pelo STF[2]. 3 DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS Conforme dispõe o art. 149 da Constituição Federal, já referendado anteriormente, as contribuições podem ser classificadas em três espécies: as sociais; as de intervenção no domínio econômico e as de interesse das categorias profissionais. Assim, como explica Paulo Ayres Barreto (2006, p. 104): “As contribuições sociais gerais destinam-se ao financiamento das demais áreas de atuação da União, no campo social, que, como dissemos tem grande abrangência. A ordem social é fundada no primado do trabalho e objetiva o bem estar e a justiça social. Engloba o direito à educação, cultura e habitação” Por seu turno, as contribuições de interesse das categorias profissionais têm sua aplicação adstrita ao financiamento das respectivas categorias profissionais ou econômicas; figurando como instrumento de atuação do Estado, nessas respectivas áreas. Finalmente, quanto as contribuições de intervenção no domínio econômico, como explica Paulo Ayres Barreto (2006, p. 114), “são tributos que se caracterizam por haver uma ingerência da União sobre a atividade privada, na sua condição de produtora de riqueza”. Nesse sentido, ainda, há que se mencionar o disposto no art. 149-A da Constituição Federal. Tal artigo dispõe sobre as contribuições para o custeio do serviço de iluminação pública. Trata-se de contribuição a ser instituída pelos Municípios, com vistas ao custeio do serviço de iluminação pública. Assim, de modo mais próximo, lançando luz sobre uma das espécies de contribuições acima mencionados, qual seja, as contribuições sociais, passamos a tecer considerações ao seu respeito, de modo mais específico. Em um primeiro aspecto, há que se mencionar que a natureza tributária das contribuições é aceita de forma prevalente, tanto na doutrina, como na jurisprudência. Nesse sentido, explica Paulo Ayres Barreto (2006, p. 72), tem-se que: “As contribuições devem ser vistas como espécies tributárias distintas dos impostos e taxas. Não se confundem com os impostos por terem (i) fundamento constitucional distinto, a ser submetido a contraste constitucional (necessidade e adequação de atuação) e (ii) destinação constitucional.” Explica-se, entretanto, que anteriormente à Constituição Federal de 1988, tal acepção em relação às contribuições sociais não era tão clara. Assim, com o advento da Lei nº 3.807/60 e o artigo 217 em seu inciso II do Código Tributário Nacional, eram atribuídos, às contribuições sociais, a natureza de quotas de previdência; onde também se podia identificar a denominação cotização. E nessa seara, com sua maior popularização; é que se passou a utilizar a denominação de contribuição social até hoje usada. A Constituição Federal de 1988 em alguns de seus dispositivos utiliza-se a expressão contribuição social, como por exemplo, em seu artigo 114, VIII e no artigo 195. Assim, tem-se, inicialmente, quanto ao sistema de custeio da Previdência Social, que: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;(Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) III – sobre a receita de concursos de prognósticos. IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)” Tais contribuições sociais referidas nos incisos, acima transcritos, deverão ser exclusivamente vertidas ao custeio do Regime Geral de Previdência Social. Desse modo, tem-se que: “Art. 167. São vedados[…] XI – a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, a, e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)” E por tudo isso, a análise da natureza jurídica das contribuições sociais mostra-se essencial para elucidar os seus diversos aspectos condizentes com a sua estrutura. Assim, sete teorias ou orientações se prestam a tal desiderato. São elas: teoria do prêmio de seguro; teoria do salário diferido; teoria do salário social; teoria do salário atual; teoria fiscal; teoria parafiscal e teoria da exação sui generis. 3.1 Da Teoria Do Prêmio De Seguro A primeira teoria a abordar a natureza jurídica das contribuições sociais, trata-se da teoria do prêmio de seguro. Tal teoria defende que a natureza jurídica das contribuições sociais se equivale a um prêmio de contrato de seguro privado. Tal contrato é tipificado pelo Código Civil Brasileiro, em seu artigo 757, o qual estabelece que: “Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados.” Neste sentido, ainda, discorre Sérgio Pinto Martins (2010, p.90), esclarecendo.que: “[…] poderia ser chamado de prêmio de seguro de direito público, em face da obrigatoriedade da contribuição que é efetuada em benefício dos segurados, atendendo ao regime jurídico de financiamento do sistema da seguridade social.” Assim, já pelos esclarecimentos prestados por Sérgio Pinto Martins, tem-se que tal teoria não se sustenta. Ocorre que a Seguridade Social apresenta um naipe de proteção mais abrangente que a proteção haurida das contratos oferecidos por uma companhia seguradora. Desse modo, a Seguridade Social se configura em uma filosofia de proteção que assegura proteção até mesmo aos que não são contribuintes, caso da Assistência Social. De outra parte, existem vários pontos negativos com relação a essa teoria, uma das mais fortes é que o sujeito ativo da relação é sempre o Estado, com contribuições compulsórias dos segurados; por sua vez, no contrato de seguro, trata-se de uma relação jurídica constituída por particulares, estando, as prestações sujeitas às composições entre os constituintes. 3.2 Teoria Do Salário Diferido Essa teoria entende que uma parte dos salários do trabalhador é revertida para a Seguridade Social, o qual visa formar um fundo que ele usará na ocorrência de um risco social (morte, invalidez, aposentadoria etc.). A ideia defendida por tal teoria é ter um salário diferido que atenda o segurado não imediatamente; mas, tão somente, no caso de um risco. Trata-se de uma proposta voltada à poupança do dinheiro advindo do salário do trabalhador, de modo a se viabilizar uma poupança futura. Entretanto, o ponto negativo dessa teoria reside na noção de que o pagamento dessa contribuição não dependeria de acordo no contrato de trabalho, pois é efetuado diretamente ao INSS e não ao empregado, por imposição legal. 3.3 Teoria Do Salário Social Essa teoria é muito parecida e se confunde com a do salário diferido, pois as duas citam a contribuição como uma espécie de poupança decorrente do salário devido pela sociedade ao trabalhador reflexo do contrato de trabalho. Assim, tal teoria preconiza o entendimento mediante o qual a contribuição previdenciária equipara-se a um salário social ou socializado que futuramente o empregado receberia devido à sociedade ao trabalhador. Nesse sentido, Jedial Galvão Miranda (2007, p. 36) ensina que: “O entendimento de que a contribuição seria salário social se baseia na concepção de que se trata de valor descontado do salário do trabalhador, vertido a um fundo, dele partilhando todos os segurados nas situações definidas em lei como socialmente justificáveis”. Entretanto, padece do mesmo mal que a teoria mencionada anteriormente, visto que a contribuição previdenciária não tem natureza de salário, pois não é o empregador que paga o benefício e sim o empregado. Portanto, a sua incidência não decorre de contrato de trabalho e sim de imposição de lei conforme art. 457 da CLT. 3.4 Teoria Do Salário Atual Essa teoria defende que a contribuição social se caracteriza por ser uma contraprestação do empregador ao empregado, em contraposição à teoria do salário diferido. Assim, a partir dessa concepção, a contribuição social se constitui em uma das prestações devidas pelo empregador ao empregado. Constitui-se em duas quotas: uma entregue diretamente ao empregado referente aos trabalhos prestados e outra entregue diretamente a seguridade social, visando satisfação de necessidades futuras que venham a prejudicar a renda do daquele. A crítica a essa teoria, entretanto, reside no fato que não há atualidade nos salários, nem é pago diretamente pelo empregador, não podendo ser exigido de imediato; e sim, apenas quando forem atendidos certos requisitos específicos em lei. De um modo geral; aliás, as três teorias até agora tratadas, chamadas de teoria do salário sofrem a crítica genérica de se basear em uma relação entre o empregador e o empregado. Assim, Jediael Galvão Miranda (2007, p. 37) explica que: “A teoria do salário, em qualquer de suas vertentes, sofre crítica por se basear em relação entre empregador e empregado, quando na realidade a relação jurídica é de direito público, desenvolvendo-se entre um ente público e o empregador, o empregado ou outro sujeito obrigado a recolher a contribuição. Além disso, o trabalhador não é credor das contribuições recolhidas, e sim das prestações previstas para atender a necessidades sociais acobertadas pela seguridade social, bem como se deve levar em consideração que há trabalhadores que não são assalariados, como os autônomos.” Por tais razões, portanto, tais teorias passaram a ser desconsideradas, vicejando em uma outra vertente doutrinária, baseando-se na natureza tributária da contribuição social. 3.5 Teoria Fiscal Trata-se da primeira teoria que abarca a natureza tributária das contribuições sociais. Para tal teoria, portando, as contribuições sociais se tratam de um tributo. Desse modo, considerando o teor do art. 3º do CTN, a contribuição social é caracterizada por ser uma obrigação compulsória, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Entretanto, existe uma crítica incidente sobre tal teoria que reside na impossibilidade de se caracterizar tão as contribuições sociais pela observância do princípio da legalidade e a coatividade da prestação; visto que tais características não privilégios exclusivos dos tributos. 3.6 Teoria Parafiscal Tal teoria, de forma singela, apresenta-se como complemente à teoria fiscal. Aborda a natureza tributária das contribuições, mas assevera que essas apresentam-se com uma destinação específica, ao contrario do imposto. Nesse sentido, Jediael Galvão Miranda explica (2007, p.37) que “[…] a contribuição social para a seguridade social seria uma exigência tributária destinada a acudir encargos que não são próprios ou típicos do Estado, sendo sujeito ativo de relação jurídica entidade da Administração pública indireta” A situação de figurar no polo ativo dessa relação tributária uma entidade parafiscal é a razão das críticas que são dirigidas a tal teoria; entretanto, tal argumentação não apresenta a força necessária para afastar a natureza tributária das contribuições sociais.. Nesse sentido, Sérgio Pinto Martins (2010, p. 73) explica que: “[…] essa teoria seria criticada sob o fundamento de que o fato de o sujeito ativo não ser a própria entidade estatal, mas outra pessoa especificada pela lei, que arrecada a contribuição, em nada iria alterar o regime tributário, sendo que a contribuição continuaria a ter natureza de tributo.” No entanto, como já referido, não existe uma diferenciação substancial entre a teoria fiscal, visto que em ambas o núcleo reside na consideração da natureza tributária da  contribuição social. 3.7 Teoria Da Exação Sui Generis Tal teoria se opõe à teoria fiscal e teoria parafiscal, visto que defende que a contribuição social não possui natureza tributária. Ao revés, postula pela natureza distinta de tal exigência. Nesse sentido, a doutrina defende essa tese como o próprio nome diz “sui generis”, “de seu próprio gênero”, ou “único em seu gênero”, previsto em lei, estipulada na Constituição Federal e legislação ordinária com peculiaridades especiais. CONCLUSÃO Os tributos apresentam-se como principal fonte de renda para o Estado. Portanto, são instrumentos essenciais para a realização das políticas públicas. Em que pese as várias correntes doutrinárias, prevalece na doutrina e na jurisprudência a sua divisão em cinco espécies tributárias. Desse modo, considerando a teoria Pentapartida, o Sistema Tributário Nacional abrange as seguintes espécies tributárias: impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimos compulsórios. Por seu turno, destacando-se das contribuições especiais, as contribuições sociais se sobrelevam, tendo por finalidade viabilizar financeiramente as atividades sociais do Estado, se prestando, portanto, a financiar a seguridade social. Desse modo, por sua natureza híbrida, as contribuições sociais foram explicadas a partir de diversos matizes doutrinários. Um primeiro grupo de teorias classificou as contribuições sociais como tendo natureza salarial. Inobstante, tais teorias, em suas várias vertentes, passaram a sofrer críticas, notadamente a partir da Constituição Federal de 1988, na medida em que, por se basear em uma relação jurídica entre empregado e empregador, as contribuições perdiam o seu caráter público. E, assim, deixando de considerar, em sua caracterização essencial, a presença do ente público, a explicação de sua natureza perdia-se em uma significação vazia de conteúdo. E mais; ao desconsiderar a natureza pública, constituída, de um lado, pelo ente público, e de outro, pelo contribuinte (empregado), as referidas teorias deixavam em aberto uma justificação razoável que fundamentasse o dever de carrear tais valores, de forma compulsória, ao erário público. De outra ponta, ainda, tais teorias não consideraram, em suas justificativas, a constatação de que o empregador não figurava como credor das contribuições recolhidas, e sim das prestações delineadas em lei, próprias a atender as necessidades sociais acobertadas pela seguridade social. E, finalmente, tais teorias não consideraram a situação excepcional do autônomo, o qual, por conta desses delineamentos doutrinários não poderia figurar como beneficiário da seguridade social. Assim, ante tais conclusões, vieram a lume um feixe de teorias que defendiam a natureza tributária das contribuições sociais. Desse modo, afastando-se a Teoria da Exação Sui Generis, tanto a Teoria Fiscal como a Teoria Parafiscal preconizaram, em suas nuances, a natureza fiscal das contribuições sociais. Tal acepção, delineando a natureza fiscal das contribuições sociais, parecer ser a conclusão mais acertada; notadamente, após a Constituição Federal de 1988. Justifica-se tal assertiva, na medida em que o texto constitucional dispensa uma tratamento seguro à matéria, ante a sua previsão no Sistema Tributário Nacional (PAULSEN, 2007, p. 30). De outra parte, as contribuições sociais enquadram-se na noção de tributo preconizada pela Constituição Federal, visto que são obrigações pecuniárias que não constituem sanção de ato ilícito, instituídas de forma compulsória pelos entes políticos, de modo a auferirem receita destinada ao cumprimento de seus misteres (PAULSEN, 2007, p. 30). E, ainda, as contribuições sociais, por imposição constitucional, estão adstritas à legalidade estrita (art. 151, I), à irretroatividade e a anterioridade (art. 150, III), à anterioridade nonagesimal, em se tratando especificamente das contribuições para a seguridade social (art. 195, § 6º); assim como, de um modo geral, às normas de direito tributário (art. 146, III); o que lhes impinge, portanto, de forma indelével, o caráter fiscal (PAULSEN, 2007, p. 31). Desse modo, as contribuições sociais, ante a sua submissão às regras que esculpem o Sistema Tributário Nacional, apresentam natureza tributária, de modo a dar um fechamento lógico à plêiade de tributos adstritos à conformação constitucional, voltada à concreção das finalidades do Estado.
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Direito tributário e meio ambiente: Importância dos incentivos fiscais na preservação do meio ambiente
O crescimento econômico dos últimos anos trouxe uma maior pressão sobre os recursos ambientais de tal forma que se essa exploração continuar na mesma velocidade ou de forma mais veloz esses recursos não estarão mais disponíveis no futuro. As comunidades mundiais preocupadas com essa questão têm utilizado o Direito para criar meios de diminuir a poluição e a escassez dos recursos. No âmbito nacional mais especificamente no ramo do Direito Tributário o Estado por meio de sua ingerência repressiva ou preventiva através da criação de tributos ou de incentivos fiscais estimula atitudes a favor do meio ambiente. No entanto observa-se que através da utilização do mecanismo preventivo se alcançam as soluções mais ajustadas à tutela dos bens ambientais. Para tanto esta monografia tem como objetivo geral estudar o Direito Tributário relacionado ao Meio Ambiente com enfoque na importância dos incentivos fiscais na preservação do meio ambiente e para chegar a esse objetivo foram abordados o s seguintes conteúdos: noções fundamentais sobre meio ambiente os dispositivos ambientais e suas competências na constituição de 88 princípios e fundamentos destinados à proteção ambiental papel do estado na implementação dos tributos ambientais e aplicabilidade dos incentivos fiscais no Brasil. A conclusão se encaminhará à atuação do Estado de forma preventiva utilizando-se dos incentivos fiscais para estimular a não degradação do ambiente e desonerar o contribuinte trazendo benefícios ambientais e econômicos.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Todos os seres vivos têm necessidade de se apropriar de recursos da natureza, para a manutenção da sua vida; no entanto, o crescimento da população, o acúmulo de recursos, o grande desenvolvimento da industrialização, dentre outros fatores, fizeram com que aumentasse consideravelmente a degradação do meio ambiente. O meio ambiente saudável é imprescindível para a utilização dos demais direitos humanos, pois a manutenção do meio ambiente equilibrado significa a manutenção da vida humana, animal e vegetal, e somente possuindo vida, as pessoas poderão exercitar os demais direitos que possuem. Com todos os problemas ambientais que andam ocorrendo, o Direito como instrumento de tutela das condições necessárias para a organização social, não poderia deixar de se importar com estes, e de intervir para que sejam solucionados. Assim a partir do sec. XX começaram a ser tratadas as questões ambientais de forma ampla e sistematizada, aflorando vários dispositivos nas legislações internacionais. Dois importantes marcos dessa externalização da preocupação com a degradação ambiental foram: a Conferência de Estocolmo em 1972 e a Conferência de 1992, a ECO-92 que aconteceu no Rio de Janeiro. Dessas Conferências surgiram importantes princípios de proteção ambiental que são utilizados até hoje como: o Princípio do Poluidor-Pagador, Princípio da Precaução, Princípio da Prevenção, entre outros. A primeira vista, pode-se pensar que o Direito Tributário nada tem haver com o meio ambiente, porém, a tributação mesmo tendo caráter basicamente arrecadatório (fiscalidade), também deve influenciar a conduta humana para o alcance de determinados fins (extrafiscalidade), de acordo com o caráter social do Estado Democrático de Direito respeitando os Princípios da Constituição. O Estado poderá intervir no caso concreto, agindo de forma repressora através da criação de novos tributos, aplicando multas e indenizações ou de forma preventiva por meio dos incentivos fiscais como subvenções, os créditos presumidos, os subsídios etc. O emprego de formas negativas de tributação é a melhor forma para incentivar os contribuintes a um comportamento adequado de proteção e recuperação do meio ambiente e proporcionar, a arrecadação de recursos financeiros para a realização de políticas ambientais pela Administração Pública. Por isso, a utilização de incentivos fiscais, já está em uso nos países estrangeiros como também no Brasil servindo como instrumento eficaz e imediato de diminuição e interrupção da degradação ambiental. Dessa forma, esse trabalho tem como objetivo geral estudar a relação entre o Direito Tributário e o Meio Ambiente, mais especificamente, a importância dos incentivos fiscais na preservação deste. E para estudar sobre este tema necessita-se mergulhar no âmbito do Direito Ambiental, e nos conceitos relevantes para o entendimento do que seja “meio ambiente”. Para isso, num primeiro momento é preciso tratar das noções fundamentais sobre meio ambiente, sua conceituação e a sua classificação didática, a fim de facilitar o estudo de seus diferentes enfoques e suas especificidades. Em um segundo momento, foi feito um breve histórico dos dispositivos legais de proteção ao meio ambiente tanto no âmbito internacional quanto na legislação brasileira, mostrando a competência ambiental na Constituição de 88. Como terceiro ângulo deste estudo, versou-se sobre os Princípios do Poluidor-Pagador, da Prevenção e da Precaução, pois são eles que demonstram a necessidade de coibir o comportamento degradativo ambiental e procedeu-se a uma abordagem sobre os fundamentos sociais e econômicos da proteção ao meio ambiente. Em seguida, mostrou-se o papel do Estado na implementação dos tributos ambientais, intervindo por meio da prática da extrafiscalidade ambiental, criação de políticas públicas ambientais e uso de medidas tributárias.  Por último, demonstrou-se a aplicabilidade dos incentivos fiscais no Brasil, a criação de incentivos fiscais como proposta mais viável e os exemplos já colocados em prática. Metodologicamente a investigação seguirá o caminho da pesquisa bibliográfica deduzindo, por inferência, soluções para afastar o comportamento degradativo ambiental. A conclusão se encaminhará ao uso preferencialmente da tributação negativa, por meio de incentivos fiscais, como forma de fomentar a diminuição da degradação ambiental, trazendo benefícios ambientais e desoneração do contribuinte, e também benefícios econômicos alcançando assim o desenvolvimento sustentável. 1. NOÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE MEIO AMBIENTE A questão da proteção do meio ambiente envolve uma série de conhecimentos relativos ao Direito Ambiental, esses conhecimentos podem ser denominados de noções fundamentais porque representam o suporte de todo o corpo jurídico sobre a questão do meio ambiente. 1.1 Conceito de Meio Ambiente Para conceituar o termo meio ambiente é necessário analisar o significado da própria locução “meio ambiente” no léxico. O Moderno Dicionário da Língua Portuguesa conceitua os dois termos como: meio (lat mediu) é o conjunto de fatores externos que podem influenciar a vida biológica, social ou cultural de uma pessoa ou grupo de pessoas; ambiente (lat ambiente) é o meio em que se vive, que cerca os corpos (WEISZFLOG, 2010). No âmbito do Direito conforme entende José Afonso (apud TUPIASSU, 2006), o meio ambiente deve ser definido de forma ampla, sendo a natureza original, artificial, cultural, mais precisamente, a relação entre seus elementos que permite a evolução equilibrada da vida em todas as suas formas. Ou seja, o meio ambiente não deve ser entendido apenas como habitat natural que cerca o homem, pois além dos recursos naturais, ele representa a interação entre as pessoas e o meio. Consequentemente, o ato de manter o ambiente saudável vai além da proteção da fauna e da flora, e sim à promoção da melhora da qualidade de vida da população que relaciona-se com o meio ambiente. De acordo com a legislação brasileira o conceito de meio ambiente encontra-se positivado no Art. 3° da Lei 6.938/81: “Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química ou biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.” No entender de Paulo Affonso Leme Machado (apud FARIAS, 2006) esta lei trouxe um conceito abrangente, que se propaga à natureza como um todo de um modo interativo e integrativo. Dessa forma cada recurso ambiental deve ser considerado parte de um todo indivisível, onde interage continuamente e do qual dependente diretamente. 1.2 Classificação do Meio Ambiente O meio ambiente pode ser classificado de forma didática em: patrimônio genético, meio ambiente cultural, meio ambiente artificial, meio ambiente do trabalho e meio ambiente natural. 1.2.1 Patrimônio Genético O patrimônio genético passou a ser regulamentado no plano constitucional em decorrência do que determina o Art. 225, §1°, II da Constituição Federal: “§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético”. A Medida Provisória n°. 2.186, de 23 de agosto de 2001 que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização, trouxe em seu Art. 7°, I, a definição do termo “patrimônio genético” como: “informação de origem genética, contida em amostras do todo ou de parte de espécime vegetal, fúngico, microbiano ou animal, […] desde que coletados em condições in situ no território nacional, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva”. Também são patrimônio a informação ou prática de comunidade indígena ou local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético (conhecimento tradicional associado); e, ainda, o acesso ao conhecimento tradicional associado para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção, visando sua aplicação industrial ou de outra natureza. Portanto, o patrimônio genético é considerado um bem ambiental pela possibilidade da utilização de gametas conservados em bancos para gerar seres vivos, possibilitando criar e desenvolver um ser vivo quando houver interesse. Devendo, por isso, ser protegido para evitar que cientistas utilizem o patrimônio genético nacional em favor de agentes estrangeiros ou de empresas multinacionais por motivos econômicos. 1.2.2 Meio Ambiente Cultural O art. 215 da CF dispõe que o Estado protegerá o direito de todos ao pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional e o art. 216 da CF traz a definição de patrimônio cultural brasileiro como o conjunto formado de “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, […]”. Tais dispositivos tutelam o meio ambiente cultural, protegendo os bens materiais e imateriais que representam a identidade dos diferentes grupos que formam a sociedade brasileira. Alguns desses bens estão no rol exemplificativo trazido nos incisos I ao V do art. 216 como: as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais e os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Para José Afonso da Silva (apud REBELLO FILHO, 1999) o fato do meio ambiente cultural ser integrado pelo patrimônio (histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico), que poderia ser encaixado no contexto de meio ambiente artificial por ser obra do homem, não se adequa a este por ter um diferencial no sentido de possuir um valor especial. 1.2.3. Meio Ambiente Artificial O meio ambiente artificial é composto pelos espaços urbanos, o que não significa tratar-se apenas das edificações das cidades, dos prédios, ruas, equipamentos, mas também da parte “rural” como as praças, parques, jardins, ou seja, abrange os espaços habitáveis como um todo. Está respaldado nos arts. 182 e seguintes, 225, 21, XX, 5° dentre outros da Constituição Federal. Marcelo Rodrigues (apud REBELLO FILHO, 1999, p.20) entende ser: “aquele constituído pelo espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e dos equipamentos público (espaço urbano aberto). No entanto para Celso Antônio (2009, p. 22) o meio ambiente artificial compreende “não somente o espaço urbano construído, mas também as complexas necessidades vinculadas a um conjunto de condições morais, psicológicas, culturais e mesmo materiais quem envolvem uma ou mais pessoas em determinado território”. O capítulo II localizado no Título VII da CF trata especificamente da Política urbana, nele são mostrados os dispositivos destinados a organizar as funções sociais da cidade e garantir o bem estar dos habitantes. Com isso, a cidade como bem ambiental, quando for lesada por ações feitas por infratores, estes estarão sujeitos a sanções penais e administrativas independente da obrigação de reparar os danos causados. 1.2.4. Meio Ambiente do Trabalho O meio ambiente do trabalho foi tutelado pela Constituição em seu Art. 200, VIII, senão vejamos: “Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”. O objeto jurídico tutelado é a saúde e a segurança do trabalhador. O Estado Democrático de Direito tem o dever de manter o meio ambiente do trabalho saudável reduzindo o risco de doenças e prevenindo lesões à saúde dos trabalhadores que estejam vinculadas às suas atividades laborais, bem como, o de garantir acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, levando-se em conta que todos têm direito à sadia qualidade de vida (FIORILLO, 2009; REBELLO FILHO, 1999). Assim, fixam- se regras de segurança em relação às máquinas para evitar acidentes aos trabalhadores; estabelecem- se critérios de contenção de ruídos, gases, calor, frio, radiação, pó e de limitação temporal e de exposição aos agentes agressivos. Obriga- se o empregador a fornecer equipamento de proteção coletiva e individual para trabalhadores, inclusive quanto à exposição a explosivos e inflamáveis, estabelecendo adicionais pecuniários que compensam, pelo menos em tese, o risco à saúde e a própria integridade. 1.2.5. Meio Ambiente Natural É formado por todos os elementos responsáveis pelo equilíbrio entre os seres vivos e o meio em que vivem: solo, água, ar atmosférico, flora, fauna. Encontra-se normatizado no art. 225, caput, §1°, I e VII da CF: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado […] § 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” Assim, os conceitos fundamentais sobre o meio ambiente são: sua natureza ampla e indivisível, que abrange a natureza artificial, cultural, laboral, natural e o patrimônio genético, a relação entre seus elementos, e entre estes e as pessoas numa interação contínua e interdependência direta. Consequentemente, proteger o meio ambiente, significa buscar a evolução equilibrada de todos esses elementos visando à melhora da qualidade de vida. 2. DISPOSITIVOS AMBIENTAIS E SUAS COMPETÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 No âmbito jurídico, durante muitos séculos a questão ambiental foi esquecida, apenas no século XX ganhou maior visibilidade e passou a ser tratada nas legislações. 2.1 Evolução das Normas de Proteção ao Meio Ambiente Antes desse período não havia grande preocupação com os recursos naturais, apenas quando estavam ligados a interesses particulares ou utilidades individuais como: direito de vizinhança, proteção econômica da propriedade. Não pensava-se na proteção do meio ambiente de forma sistematizada, apenas criando dispositivos legais para alguns elementos isolados, o que ocorreu na Convenção de 1883, firmada em Paris, para a proteção das focas de pele do Mar de Behring, na Convenção de Paris, de 1911 para a Proteção das Aves Úteis à Agricultura e na Convenção para a regulamentação da pesca da baleia, Washington, 1946 (MODÉ, 2009). Hannigan (apud MODÉ, 2009), ao analisar sociologicamente a questão ambiental, enumerou alguns fatores que aumentaram a preocupação com o meio ambiente na década de 70, dentre eles: guerra fria, envenenamento com pesticidas, sobrepopulação, aumento da poluição atmosférica e o conhecimentos dos futuros impactos destes. Em razão disso, em junho de 1972, em Estocolmo na Suécia, a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, abordou os riscos para o bem estar e a sobrevivência da humanidade devido à degradação ambiental e através de 23 princípios levou a UNESCO e o Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente (PNUMA) a criar, no ano de 1975, o Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA). Ao longo dos anos vários eventos foram promovidos no intuito de repensar a utilização do meio ambiente e a prevenção de atividades degradantes. A década de 80 foi marcada pelas questões ligadas aos problemas gerados pelos produtos químicos, resíduos, materiais radioativos e outras substâncias perigosas, como no ano de 1982 que ocorreu a publicação da Carta Mundial da Natureza, surgindo o termo sustentabilidade, a Convenção de Montego Bay, que tratava sobre o Direito do Mar. Em 1987 surgiu o Protocolo de Montreal, que tratava da camada de ozônio, e em 1989 a Convenção da Basiléia, que dispunha sobre a movimentação trans-fronteiriça de resíduos químicos (TAKEDA, 2010). O maior número de eventos ambientais ocorreu na década de 90. Em 1990 foi realizada a Convenção de Londres sobre poluição por hidrocarbonetos, em 1991 a Convenção de Salzburgo, protegendo os ecossistemas alpinos, em 1994 o Acordo Internacional sobre Madeiras Tropicais, a Carta Européia da Energia, a Convenção de Viena, sobre segurança nuclear e a Convenção das Nações Unidas, na luta contra a desertificação, em 1998, as Conferências de Rotterdam, sobre certos produtos químicos e pesticidas, entre outros (TAKEDA, 2010). Também nessa década realizou-se em 1992 no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que propiciou um debate e mobilização da comunidade internacional em torno da necessidade de uma urgente mudança de comportamento visando à preservação da vida na Terra. A Conferência ficou conhecida como “Cúpula da Terra” (Earth Summit), e contou com a presença de 172 países. No âmbito nacional, o Decreto n°. 73.030/73, foi o primeiro que tratou da política ambiental, instituindo a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), tendo como atribuição principal a formulação da política oficial para o meio ambiente procurando articular, um conjunto de leis existentes à época, que tratavam da proteção ao meio ambiente, ainda de forma não sistematizada (MODÉ, 2009). A Constituição Federal de 88 foi muito importante para a preservação do meio ambiente, pois trouxe em seu corpo, um capítulo específico sobre esta temática, o que foi inédito nas Constituições brasileiras. Além das disposições trazidas no art. 225, a CF de 1988 tratou direta ou indiretamente da matéria ambiental em vários outros dispositivos: art. 5°, incisos XXIII, LXXI, LXXIII; art. 7°, incisos I, II, III, IV, VI, VII, IX, X, XI e §§1° e 2°; art. 21, incisos XIX, XX, XXIII, XXV, alíneas a, b e c; art. 22, incisos IV, XII, XXVI; art. 23, incisos I, III, IV, VI, VII, IX, XI; art. 24, incisos VI, VII, VIII; art. 26, inciso I; art. 43, inciso IV, §§2°e 3°; art. 49, incisos XIV, XVI; art. 91, §1°, inciso III; art. 129, inciso III; art. 170, inciso VI; art. 174, §§3° e 4°; art. 176 e §§; art. 216, inciso V e §§ 1°, 3° e 4°; art. 225; art. 231; art. 232; e, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, os artigos 43, 44 e parágrafos. 2.2 Competências Ambientais na Constituição Federal de 88 A competência dos assuntos ambientais se apresenta na Constituição Federal de 7 formas diferentes: a) Competência material exclusiva- é aquela inerente à União, e trata de matérias ambientais gerais de interesse de toda nação. Ex: Art. 21 da CF, XIX – instituição do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definição de critérios de outorga de direitos de seu uso; XX – instituição de diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; XXIII – exploração dos serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercício do monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados. b) Competência material comum- é a que confere não só a União, mas também aos Estados, Distrito Federal e Município, a proteção do meio ambiente. Ex: Art. 23 da CF, VI – proteção do meio ambiente e combate a poluição em qualquer de suas formas; VII – preservação das florestas, a fauna e a flora; XI – registro, acompanhamento e fiscalização das concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; c) Competência legislativa privativa- é aquela em que a União legisla sobre a matéria ambiental. Ex: Art. Art. 22 da CF, IV – águas, energia […];XII – jazidas, minas, outros recursos minerais […]; XIV – populações indígenas; XXVI – atividades nucleares de qualquer natureza; d) Competência concorrente- da União, Estados e Distrito Federal. Ex: Art. 24 da CF, VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, […], a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; e) Competência suplementar- é aquela que deixa a exceção dos Estados legislarem sobre normas gerais quando a União não o fizer. Ex: Art. 24 da CF – § 2º – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. f) Competência residual- é aquela que tem os Estados nos casos não vedados pela Constituição. Ex: Art. 25 da CF- § 1º – São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição; § 2º – Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação. g) Competência legislativa dos Municípios- é aquela que permite os municípios legislarem sobre assuntos de interesse local. Ex: Art. 30 da CF- I – legislar sobre assuntos de interesse local; II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; X – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual (TRENNEPOHL, 2008). Portanto, os assuntos ambientais passaram por um longo processo evolutivo, primeiramente aparecendo na legislação de forma isolada, individual e como meio para um fim e utilidade pessoal, e apenas depois de muitas décadas foi visto em toda sua amplitude e sua importância para a existência humana com dignidade, fazendo surgir dispositivos legais para sua proteção. 3. PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DESTINADOS À PROTEÇÃO AMBIENTAL Os princípios ambientais e os fundamentos sociais e econômicos são essenciais na proteção do meio ambiente, pois são eles que demonstram a necessidade de coibir o comportamento degradativo ambiental. E é a partir do conhecimento dessa necessidade, que se busca criar meios, no caso, tributos ambientais, para alcançar o meio ambiente equilibrado. 3.1 Princípios de Direito Ambiental Diante de tantos problemas ambientais a comunidade internacional tomou diferentes iniciativas, dentre elas a criação de princípios gerais de direito ambiental, que devem ser implementados pelos Estados, através da sua positivação nas legislações domésticas, ou pela aplicação dos tribunais. Vários princípios surgiram a partir da Declaração de Estocolmo, porém os principais para o estudo desse trabalho são os princípios do poluidor-pagador, da precaução e da prevenção. 3.1.1 Princípio do Poluidor-Pagador A Declaração do Rio de Janeiro/1992, em seu Princípio 16, adotou o princípio do poluidor-pagador: “As autoridades nacionais devem assegurar a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando em conta o critério de que quem contamina deve, em princípio, arcar com os custos da contaminação, levando-se em conta o interesse público e sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais”. “Sendo constatada a prática de agressões ao meio ambiente – bem difuso comum do povo – deverá ser imposto ao agressor o inarredável dever de indenizar os danos extrapatrimoniais causados á sociedade” (PRÁTICA…, 2008, p. 27). Esse princípio foi criado, porque durante o processo produtivo são produzidas “externalidades negativas” quando um empresa cria custos para outras sem pagar por isso, como por exemplo uma indústria que polui um rio e impõe custos à atividade pesqueira (MODÉ, 2009). Por isso, fundamenta o uso de instrumentos de política ambiental pelo Estado, utilizados para internalizar os custos relativos externos de degradação ambiental à produção e comercialização de bens e serviços. Por esse princípio, Quanto maior for o investimento das empresas na proteção do meio ambiente, menor será a participação dos tributos na composição dos custos empresariais, ou seja, teriam incentivos fiscais para equiparar concorrência de produtos, “[…] readequando o custo marginal do bem ou serviço produzido dentro de parâmetros de preservação ambiental (os quais geralmente elevam seu valor), garantindo a competitividade de seus produtos no mercado, […]” (SOUZA, 2009, p. 117). Outra situação seria a internalização dos custos do Estado com: prestação de serviços públicos específicos e divisíveis de limpeza, e recuperação ambiental, fiscalização e licenciamento ambiental, nos preços dos bens e serviços, para que os valores recebidos sejam utilizados para prevenir e reparar as externalidades negativas. Nos impostos a inclusão desses custos ambientais pode ocorrer por meio da concessão de subsídios, isenções, reduções de base de cálculo, diferimento do pagamento e gradação de alíquotas, para os meios de produção, produtos e serviços que não degradem o meio ambiente, de modo a estimular condutas, produtos, processos produtivos e serviços ecologicamente sustentáveis. Quanto às taxas, a internalização do custo se dá em razão das despesas havidas pelo Estado na atuação preventiva como no licenciamento e fiscalização ambiental, e também na atuação reparadora, nos casos de limpeza e recuperação ambiental (SOUZA, 2009). A tributação ambiental serve para compensar o custo de degradação do meio ambiente e a sua recuperação, equiparando o preço dos produtos no mercado trazendo competitividade entre as empresas, incentivando às condutas de interesse ecológico, o desenvolvimento de tecnologias “limpas” e, consequentemente, garante justiça fiscal aliada à defesa do meio ambiente, como exige o artigo 170, inciso VI, da Constituição Federal ao tratar da ordem econômica (SOUZA, 2009). As consequências decorrentes do aumento ou redução da carga tributária são diferentes, enquanto o incentivo negativo aumenta os custos e assim internaliza as externalidades negativas; o incentivo positivo viabiliza ganhos suplementares aos agentes econômicos que adotam posturas ecológicas, computando, desse modo, as externalidades positivas (SOUZA, 2009). “[…] Em um país como o nosso, cuja economia ensaia passos rumo a um crescimento sustentável e condizente com suas dimensões continentais, e na qual a carga tributária alcança índices elevados, a implantação desse princípio deve primar pela desoneração da carga tributária das empresas que operam dentro de padrões de proteção ambiental, de modo a estimular condutas ecologicamente equilibradas” (SOUZA, 2009, p. 124). José Marcos Domingues de Oliveira (apud TUPIASSU, 2006) trata das duas facetas do Princípio do Poluidor-Pagador: a primeira seria um sentido impositivo no qual o princípio significaria o Estado cobrar do poluidor por suas atividades poluidoras e degradantes o valor para arcar com os custos públicos necessários à preservação e recuperação ambientais, já a segunda seria num sentido seletivo, no qual o principio determinaria que o Estado graduasse a tributação a incentivar atividades, processos produtivos ou consumos não-poluidores, e desestimular o emprego de tecnologias defasadas, a produção e o consumo de bens prejudiciais à preservação ambiental. 3.1.2 Princípio da Precaução O Princípio 15 da Conferência Rio 92 de 14 de junho de 1992 trouxe a definição do Princípio da Precaução: “[…] Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. Também consagrado na legislação brasileira no seu ordenamento jurídico, positivado no art. 54, §3° da Lei n°. 9.605/98, (Lei dos Crimes Ambientais), que prevê penas para quem não adotar as medidas de precaução nos casos de risco de dano ambiental grave ou irreversível. Silvana Brendler Colombo (apud TRENNEPOHL, 2008), dentre outros autores acreditam que o princípio da precaução está implicitamente na Constituição Federal no art. 225, §1°, IV: “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”. O princípio da precaução deve ser utilizado quando houver incerteza científica sobre a plausividade da ocorrência de danos ambientais gravosos que tenham impacto significativo, sendo o ônus da viabilidade ambiental de quem se beneficiar com a implantação da atividade que criou o risco. A finalidade desse princípio é restringir a atividade desde que exista a menor possibilidade de um dano futuro, consistindo em evitar que as medidas de proteção sejam adiadas por falta da certeza dos eventuais danos ambientais. Para Terence Trennepohl (2008) esse princípio inverte o ônus da prova, para que o interessado em empreendimentos com resultados incertos façam prova da impossibilidade de dano ambiental, ao contrário do que ocorre na maioria das vezes, quando os órgãos de proteção ao meio ambiente, apenas verificam os perigos e alterações ambientais das futuras mudanças. Quanto ao aspecto econômico, o impedimento da ocorrência do dano e a prática de atividades preventivas são muito menos onerosos do que a remediação dos prejuízos ambientais e os prejuízos potenciais superariam o benefício a ser obtido (TUPIASSU, 2006). Wagner Antonio (apud TRENNEPOHL, 2008) cita três exemplos da utilização deste princípio no Brasil: “a) Imposição da realização de Impacto Ambiental nos casos de instalação de equipamentos para utilização de ondas eletromagnéticas e transmissão de comunicações de sons e imagens. b)     Limitação da manipulação do patrimônio genético e ambiental. c) Limitação da manipulação dos alimentos transgênicos.” O princípio da precaução deve ser efetivado por meio de políticas públicas implementadas pelo Estado através do seu poder discricionário, intervindo nas decisões que incentivem o desenvolvimento sustentável. 3.1.3 Princípio da Prevenção  “A prevenção é a forma de antecipar-se aos processo  de degradação ambiental, mediante adoção de políticas de gerenciamento e de proteção dos recursos naturais” (SAMPAIO, 2003, p. 70). A Declaração de Estocolmo o reconhece expressamente em seu Princípio 6:  “O despejo de substâncias e de liberação de calor em quantidades ou concentrações que excedam a capacidade do meio ambiente de absorvê-las sem dano, deve ser interrompido com vistas a impedir prejuízo sério e irreversível aos ecossistemas”. É aquele em que se constata, previamente, a dificuldade ou a impossibilidade da reparação ambiental, ou seja, consumado o dano ambiental, sua reparação é sempre incerta ou excessivamente onerosa. A razão maior é a necessidade da cessação imediata de algumas atividades, potencialmente poluidoras dada a incerteza dos resultados do dano para o meio ambiente. A previsão do resultado é o que caracteriza o princípio da prevenção, pois nesta já existem elementos seguros para provar que a atividade é efetivamente perigosa. Assim procura-se evitar o risco de uma atividade sabidamente danosa e evitar efeitos nocivos ao meio ambiente. O Decreto n. 4.297 de 2002 que regulamenta o art. 9o, inciso II, da Lei n°. 6.938/81, estabelecendo critérios para o Zoneamento Ecológico-Econômico do Brasil – ZEE trouxe em seu art. 5° a observância aos princípios da prevenção, da precaução, do poluidor-pagador, dentre outros. 3.2 Fundamentos da Proteção ao Meio Ambiente Para entender o propósito da proteção ambiental, é necessário conhecer os fundamentos que levam a busca dessa preservação do meio ambiente. Os fundamentos que mais são levados em conta são: os fundamentos sociais e os fundamentos econômicos. 3.2.1 Fundamentos Sociais A manutenção da vida humana depende da utilização dos recursos naturais, a forma como os indivíduos se apropriam destes, determina as suas relações dentro da sociedade. “Assim, as diferentes formas de organização social que se dão numa comunidade incluem […] os modos em que estes indivíduos, grupos ou classes levam a cabo a apropriação de recursos da natureza (OLIVEIRA, 1996, p. 86)”. “[…] La naturaleza está al servicio del hombre por lo que no creo adecuado invertir estos roles, lo que no implica ejercer la mayor prudencia em su utilización para su resguardo a favor de las futuras generaciones. La utilización de la naturaleza es inherente a la persona como también lo es evitar su abuso todo lo cual implica respetar sus ritmos, equilíbrio y complejidad” (MARINS, 2009, p.17). Portanto, a sobrevivência humana depende da utilização dos recursos oferecidos pela natureza, porém se a apropriação for de forma indevida, faltarão recursos no futuro, assim é necessário que se regule essa extração para que o meio ambiente continue em equilíbrio. O art. 225 da Constituição Federal traz expressamente dentro do Título à Ordem Social, a importância do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações e este significa não apenas a preservação das áreas verdes mas, primordialmente a elevação da qualidade de vida da população que vive no ambiente e com ele interage. O direito ao meio ambiente saudável, é imprescindível para o bem estar da sociedade. E mais, para a utilização dos demais direitos humanos, pois a manutenção do meio ambiente equilibrado significa a manutenção da vida humana, animal, vegetal…, e somente possuindo vida, e com saúde e qualidade, as pessoas poderão exercitar os demais direitos que possuem. 3.2.2 Fundamentos Econômicos Como já mencionado no Princípio do Poluidor pagador, um dos problemas do sistema econômico são as externalidades, representadas pelos custos ou benefícios, de atividades que impõe a outrem ou à coletividade, sem que sejam incorporados às suas próprias unidades, ou seja, que alguns produtos circulam sem o respectivo reflexo em seus preços, referente às vantagens ou prejuízos suportados pela sociedade (TUPIASSU, 2006). As externalidades se dividem em duas: a externalidade positiva e a externalidade negativa: Na externalidade positiva uma atividade econômica trás benefícios para outras ou para sociedade em geral e não cobra nada em troca diretamente. Ex: obras de infra-estrutura feitas pelo Estado. Na externalidade negativa, a atividade pode ser até positiva pra quem a faz, mas trás prejuízos para outras atividades ou para população, e não os compensa por isso, ou seja, “é um preço suportado por terceiros em razão da atuação danosa gratuita do ente econômico em detrimento do meio ambiente.” (TUPIASSU, 2006, p. 69). Ex: fábrica que polui as casas vizinhas, navio que derrama combustível e prejudica o pescador. As teorias econômicas sugerem, que um valor monetário imposto ao meio ambiente ou à poluição nele despejada serviria para desistimular as atividades ecologicamente prejudiciais, obrigando à internalização de custos (TUPIASSU, 2006). Alguma dessas teorias são: a) Teoria de Pigou- que defende a imposição de uma taxa ao poluidor, na tentativa de reestabelecer o equilíbrio paretiano. Justifica-se, assim, a intervenção do Estado sobre o domínio econômico-ambiental, no sentido de obrigar a internalizacão dos custos sócio-ambientais através da cobrança de um preço estatal equivalente aos danos acarretados a terceiros. Crítica – Alega-se, que o eventual preço cobrado pelo poder público seria de um caráter injusto e prejudicial ao desenvolvimento. b) Teoria dos Custos de Transação defendida por Ronald Coase- ampliação do mercado e abstenção do Estado, imposição de um valor aos bens pela livre negociação entre as partes (estipulando-se quanto vale para o poluidor deixar de poluir e quanto vale para a vítima não sofrer a poluição despejada pelo primeiro Crítica – Sob a alegação de que a característica naturalmente difusa e transnacional dos danos ambientais torna impossível ou impraticável a utilização dos custos de transação, visto que seria impossível estipular um custo para a degradação ambiental (como, por exemplo, no que diz respeito aos danos causados com o buraco na camada de Ozônio), ou que tal custo, ainda que estipulável, seria impagável (TUPIASSU, 2006). Atualmente, é comum que o Estado se encarregue de pagar para a sociedade pelas externalidades negativas, mais tal política é ineficaz, pois não consegue evitar os prejuízos, apenas remediá-lo parcialmente. É imprescindível que haja uma intervenção pelo Estado, em parceria com os entes privados, para limitar essas externalidades. Para isso seria necessário a utilização “[…], dos próprios mecanismos disponíveis para a implementação de políticas públicas, dentre os quais se sobressaem a repartição de verbas orçamentárias e os tributos (TUPIASSU, 2006, p. 73). 4. PAPEL DO ESTADO NA IMPLEMENTAÇÃO DOS TRIBUTOS AMBIENTAIS O fato da Constituição de 88 trazer a importância do meio ambiente equilibrado exige uma intervenção do Estado para estimular à preservação ambiental e efetivar essa determinação. Para isso, o Poder Público se utiliza de diferentes meios como: a prática da extrafiscalidade ambiental, criação de políticas públicas ambientais e uso de medidas tributárias. 4.1. Prática da Extrafiscalidade Ambiental Primeiramente é necessário analisarmos as finalidades do tributo. Elas podem ser duas: arrecadatória (fiscalidade) ou ter por escopo influenciar a conduta humana para o alcance de determinados fins (extrafiscalidade). “O tributo possui finalidade fiscal quando visa precipuamente a arrecadar, carrear recursos para os cofres públicos […] e extrafiscal quando objetiva intervir numa situação social ou econômica” (ALEXANDRE, 2008, p. 86). Para Roque Carrazza (apud SOUZA, 2009, p. 101) a extrafiscalidade é “[…] quando o legislador, em nome do interesse coletivo, aumenta ou diminui as alíquotas e/ou as bases de cálculos dos tributos, com o objetivo principal de induzir os contribuintes a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Dois exemplos são: “[…] o ITR e o IPTU progressivos; o primeiro para desestimular o latifúndio, o ausentismo e a improdutividade rural, e o segundo para coibir a especulação imobiliária urbana e a disfunção social da propriedade […] (COÊLHO, 2005, p. 89). “Temos, portanto, que o Direito, como instrumento para alterar os comportamentos humanos com o escopo de alcançar determinados interesses sociais, poderá agir de duas formas: (i.) por intermédio de normas que estabelecem sanções civis, administrativas ou penais para os atos que repudia; ou (ii.) da gradação de tributos como forma de desestímulo ou incentivo às condutas desejadas, situação em que se verifica o caráter extrafiscal da exigência. Justamente por esta última razão, verifica-se a possibilidade dos chamados tributos ambientais serem utilizados para o atingimento do disposto nos artigos 170, VI, e 225 da Constituição Federal” (SOUZA, 2009, p. 101). Tradicionalmente, o tributo tem característica neutra desempenhando um papel de financiador da atividade estatal, promovendo a captação de recursos para a manutenção dos recursos necessários ao cumprimento das funções do Estado, tendo como objetivo principal abastecer os cofres públicos, no entanto este não é o único objetivo há também a atuação interventiva do Estado visando o seu próprio desenvolvimento. Tal intervenção, seja por meio de medidas repressivas ou preventivas, ou seja, “[…]através de uma carga tributária elevada ou de incentivos fiscais, pode vir a ser marca determinante na caracterização do Estado como poluidor ou como auto-sustentável.” (TRENNEPOHL, 2008, p. 99). “A utilização dos tributos não apenas em sua função arrecadatória, mas principalmente em seu caráter extrafiscal é de fundamental importância para o perfeito implemento das políticas ambientais[…]” (TUPIASSU, 2006, p. 109). “A utilização extrafiscal dos tributos tem sua origem relacionada ao crescimento da atividade intervencionista do Estado, pois, à medida que evoluem as funções sociais do Poder Publico, se pode demonstrar de forma mais clara a ampla eficácia dos tributos enquanto elementos de regulação do mercado e reestruturação social, adquirindo fundamental importância a noção de extrafiscalidade, despindo a figura tributaria de seu caráter puramente arrecadatório” (TUPIASSU, 2006, p. 119). A função extrafiscal, pode ser feita de forma direta ou indireta, a primeira por meio da criação de tributos cobrados pela emissão de poluentes, a segunda por meio da utilização de tributos já existentes com efeito arrecadatório mas que indiretamente tenha conseqüências extrafiscais na resolução de um problema ambiental (TUPIASSU, 2006). “No primeiro caso, trata-se de imposição do tributo de modo que o montante a ser pago é calculado em conformidade direta com a quantidade de poluição e degradação produzidas, incidindo imediatamente sobre a exploração dos recursos naturais ou quantidade de poluição produzida por determinada atividade. Trata-se de tributos cujos elementos estruturais formadores de sua regra-matriz pautam-se explicitamente e em sua integralidade, sobre aspectos relativos ao bem ambiental. Na segunda categoria encontram-se aqueles que têm como resultado a redução da poluição de uma forma indireta, já que o tributo não se assenta diretamente em qualquer critério ambiental, mas apenas sobre uma base que se supõe razoavelmente a eles vinculada. Neste caso, podem-se introduzir determinados elementos ambientais em qualquer dos aspectos que integram a estrutura do tributo, ou na sua forma de gestão, culminando por obter o efeito extrafiscal por seu intermédio; é o caso, por exemplo, dos impostos incidentes sobre produtos degradantes em alíquotas diferenciadas, sem qualquer relação direta com a medição da quantidade de contaminação efetivamente gerada” (TUPIASSU, 2006, p. 134). No âmbito nacional, vê-se amplamente o uso de espécies tributárias já existentes sendo utilizadas para fins ambientais, mas nenhuma criada especificamente com esse fim. Tupiassu (2006) tenta mostrar alguns pontos técnicos em relação à criação de um novo tributo baseado na emissão de poluentes, que baseariam essa dificuldade de implementação: a dificuldade de calcular a quantidade de poluição ou degradação que causada pelos sujeitos passivos os levariam a serem penalizados, o que seria imprescindível para a feitura de um tributo ambiental stricto sensu e o valor elevado para criar uma nova cobrança, sendo mais vantajoso economicamente a aplicação da extrafiscalidade em cobranças já existente. “Assim, a eventual introdução de uma política-fiscal ambiental deve vir no conjunto de uma ampla reformulação em todo o sistema tributário, pensada de um modo global, considerando as conseqüências internas e externas de cada uma das alterações efetuadas, adotando mecanismos que evitem a ocorrência de efeitos socioeconômicos indesejáveis” (TUPIASSU, 2006, p. 136 e 137). O uso da função extrafiscal dos tributos sempre foi aceito como forma de intervenção legítima do Estado. “Comparándolo com las regulaciones convencionales tendientes al control de la polución resulta que los mecanismos de mercado como las cargas tributarias, los impuestos y los permisos tienen básicamente três atractivos: (a) permiten a las compañías y a los indivíduos elegir entre reducir la polución cuando los costos de abatimiento son mas convenientes; (b) los instrumentos de mercado contemplam um contínuo incentivo para la reducción de los productos y procesos contaminantes, considerando que las regulaciones son solo mínimamente obedecidas; y (c) pueden elevar la recaudación facilitando otros cambios em La política ambiental y promoviendo sus reformas” (MARINS, 2009, p. 37). Aliomar Baleeiro (apud TRENNEPOHL, 2008, p.93) exemplifica alguns casos da intervenção estatal por meio de impostos extrafiscais: “a) tarifas aduaneiras, em Veneza, no século XVIII, visando proteger o mercado nacional; b) combate ao luxo, com impostos “suntuários”; c) amparo à saúde e à higiene, com impostos diferenciados em produtos com maior valor nutritivo; d) combate a latifúndios, com uso da progressividade; e) políticas demográficas de isenção tributária; f) incentivo ao consumo, com impostos sobre renda e herança; g) incentivos tributários a novas indústrias etc.” Os tributos aparecem com alta eficácia na esteira da preservação ambiental, pois proporcionam ao Estado diversas formas de agir, por meio da tributação ambiental, bem como estimulam condutas não poluidoras e ambientalmente desejáveis. 4.1.1 Extrafiscalidade nas Taxas As taxas podem ser cobradas em razão do poder de polícia ou da utilização de serviços públicos, para as finalidades ambientais no primeiro caso são utilizadas pelo Estado como contraprestação em decorrência da fiscalização e atividades que exijam licenciamento ambiental, no segundo, são cobradas pela colocação ou disposição de serviços públicos como coleta de lixo (TRENNEPOHL, 2008). No entendimento de Jorge Hernandez (apud, TUPIASSU, 2006, p. 139) “as taxas funcionam como perfeitos tributos ecológicos, tendo em vista que a qualidade do bem ambiental enquanto um bem público torna possível a exigência de tais tributos em função de sua utilização”. “Assim, na esteira das conclusões apresentadas em estudo do Ministério do Planejamento e Orçamento: […] reitera-se a firmação de que as taxas ambientais, que devem ser graduadas conforme o custo dos serviços públicos ambientais relacionados à carga poluidora gerada pelos contribuintes podem representar substanciais receitas públicas para custeio das correspondentes tarefas administrativas; isto sem prejuízo de também poderem produzir efeito indutor do poluidor (no caso, produtor de lixo) a buscar alternativas de comportamento menos poluidor visando a diminuir o montante da taxa que lhe cabe pagar” (apud, TUPIASSU, 2006, p. 141 e 142). 4.1.2 Extrafiscalidade nas Contribuições de Melhoria A contribuição de melhoria a princípio tem caráter estritamente arrecadatório, cobrada em razão de uma valorização imobiliária decorrente de obra pública, entretanto, essa obra pode ser de interesse ambiental, assim poderia ser aplicado o princípio do poluidor-pagador, visto que o Poder Público, pode se utilizar de tal tributo para impor o ressarcimento dos gastos realizados com a implementação de obras de despoluição (TUPIASSU, 2006). 4.1.3 Extrafiscalidade nos Impostos Os impostos são facilmente aplicados aos fins ambientais, pois, admitindo sua incidência sobre os mais diversos fatos econômicos, podem ser concebidos de modo a inviabilizar determinadas atividades pautadas na degradação ambiental, perfeitamente condizente com a aplicação do princípio da seletividade (TUPIASSU, 2006). Quanto ao princípio da seletividade expresso na CF, Jorge de Oliveira Vargas (apud TUPIASSU, 2006, p. 145) deixa claro que este, “[…] pode e deve ser utilizado em questões ambientais, pois nada pode ser considerado mais essencial do que a proteção do meio ambiente, através do qual se protege a saúde, o bem-estar e a própria vida”. “Nesta perspectiva, os impostos incidentes sobre mercadorias e consumo serviriam como tributação ambiental indireta, tendo suas alíquotas reelaboradas de modo a obstaculizar as atividades degradantes. Realizando uma releitura do princípio da seletividade diante dos preceitos ambientais, viabilizar-se-ía uma efetiva aplicação da essencialidade ambiental através da reclassificação dos produtos no que diz respeito à sua incidência sobre o meio ambiente, permitindo submeter a impostos mais elevados os bens e serviços nocivos e ele.” (TUPIASSU, 2006, p. 146). Assim, em razão desse princípio, deve-se combinar os dispositivos tributário, com as funções do Estado, incentivando o desenvolvimento sustentável ambiental, seja através da prestação de serviços vinculadas à proteção do meio ambiente (ISS), ou de doações para entidades com fins ambientais (ITCD), seja pela produção de veículos menos poluentes (IPVA) ou, enfim, pelo fomento à preservação de áreas verdes nas propriedades rurais (ITR), entre muitos outros. (TUPIASSU, 2006). Importante deixar claro que o termo “tributação negativa” não se restringe a redução de arrecadação, mas também às isenções, deduções, ajudas financeiras e subsídios utilizados com o objetivo de estimular as iniciativas ecológicas ou gratificar as que já existem (TUPIASSU, 2006). 4.2 Criação de Políticas Públicas Ambientais As políticas públicas são criadas e executadas pelo Poder Público, para intervir na regulação das atividades econômicas, que quase sempre, tem repercussão no meio ambiente, buscando estruturar um plano de ação para achar uma solução para o problema (TRENNEPOHL, 2008). “La política ambiental es definida como la suma de objetivos y medidas destinadas a regular la interacción de la sociedad com el médio ambiente como sistema natural y comprende aspectos de rehabilitación, conservación y ajuste estructural […]” (MARINS, 2009, p.34). No âmbito tributário a atuação do Estado dependerá do caso concreto, podendo se dar através de repressões tributárias, com a criação de novos tributos, ou por meio dos incentivos. “Em resúmen, uma política tributária vinculada com los compromisos ambientales tiene que: (i) considerar el deber del Estado como um partícipe necesario em la resolución de los problemas em virtud de que los particulares no siempre pueden – individualmente – consensuar las alternativas de solución; (ii) evaluar la gama de instrumentos econômicos a los cuales puede recurrir cuidando de no tornar inoperable a la actividad para lo cual deberá efectuar um profundo análisis de las consecuencias que podrían producirse em su implementación; (iii) incentivar más que penalizar; (iv) evaluar adecuadamente las implicâncias políticas de su utilización; (v) merituar los aspectos distributivos; y (vi) proyectar su eficácia y eficiencia” (MARINS, 2009, p. 39). 4.3. Uso de Medidas Tributárias Terence Dornelles afirma (2008, p. 79) que as medidas tributárias “[…] tem como principal finalidade orientar a atividade empresarial, que antes era somente caracterizada pelo binômio custo/benefício, e agora pretende evidenciar-se pelo trinômio custo/benefício/meio ambiente”. Podem-se mencionar três mecanismos de proteção ambiental utilizados pelo Estado: a) as sanções penais; b) as medidas administrativas; e c) os instrumentos econômicos. a) O primeiro baseado na aplicação de sanções se concretiza na legislação que pune os crimes ambientais, como a Lei dos Crimes Ambientais (Lei n°. 9.605/98), muito mais simbólica que efetiva, razão da infinidade de meios de defesa individual e do redirecionamento das penas para a figura da pessoa jurídica, desembocando, no mais das vezes, nas penalidades administrativas. b) O segundo deles, as medidas administrativas, são geralmente representadas pela repressão e pelas práticas de cunho ordenatório. c) O terceiro, os instrumentos econômicos influem na decisão econômica, mais especificamente nos preços de bens e serviços, tornando mais atraente a opção ecologicamente mais desejável (TRENNEPOHL, 2008). Esse trabalho se apóia na utilização dos incentivos fiscais, por serem mais eficazes já que envolvem prevenção, precaução, melhor fiscalização e facilidade de opção aos contribuintes, incrementando a política de subvenção e desoneração tributária. 5. APLICABILIDADE DOS INCENTIVOS FISCAIS NO BRASIL Os tributos ambientais servem como instrumentos para solução dos problemas ligados ao meio ambiente, mais especificamente os incentivos fiscais são uma nova forma e mais eficaz de estimular a preservação deste. Para comprovar essa afirmativa, este capítulo irá tratar dos motivos que mostram os incentivos fiscais como proposta mais viável e exemplificar os tributos ambientais e os incentivos fiscais já utilizados no Brasil. 5.1. Criação de incentivos fiscais como proposta mais viável Conforme ensina Roque Carraza (apud FIORILLO, 2009, p. 58) “A concessão dos incentivos fiscais tem a finalidade precípua de estimular nos contribuintes determinados comportamentos considerados interessantes pela pessoa política do tributante”. “No cenário dos incentivos, as condutas desejadas são mais facilmente atingidas em razão da (a) falibilidade da repressão, pela via costumeira da sanção negativa – pena e (b) pela vantagem na adoção da conduta que o Estado valoriza e reputa mais conveniente” (TRENNEPOHL, 2008, p. 100). Quanto à vantagem econômica dos incentivos fiscais, Silvio Alexandre Fazolli (apud TRENNEPOHL, 2008, p. 94) comenta: “Embora pareça a solução mais coerente aos olhos de boa parte da doutrina, a criação de novos tributos (green tax – “imposto verde”), que tenham por hipótese de incidência um ato potencialmente lesivo ao meio ambiente, só faria por agravar, ainda mais, os encargos existentes sobre o contribuinte brasileiro – que, diga-se, é um dos mais onerados do mundo – , sem que isso importe na espera da quebra de paradigma, reformulando a sistemática tributária nacional, há muito desiludida com promessas falaciosas de reforma.” É razoável a ponderação de que aqueles que empreguem esforços na utilização de tecnologias e produtos, bens ou serviços ecologicamente corretos haja uma contraprestação do Estado. “Debates surgem em função das consequências da tributação ambiental quanto aos efeitos concorrenciais do mercado, sobretudo internacional. De um lado, teme-se que as indústrias poluentes optem por se instalarem em outros países. Por outro lado, temem-se os impactos prejudiciais do aumento da carga tributário-ambiental sobre as empresas que exportam em larga escala, com uma estrutura naturalmente poluente[…]” (TUPIASSU, 2006, p.110). Entretando, não propõe-se a total proibição as atividades poluentes, mas sim, o seu ajuste aos índices compatíveis com a manutenção da qualidade de vida e do desenvolvimento, equilibrando todos os interesses envolvidos, buscando o melhor custo-benefício para toda coletividade. Carraza (apud FIORILLO, 2009, p. 58) chama atenção para a competência da concessão de incentivos fiscais, que “só pode ser feita pela pessoa política tributante competente constitucionalmente para criação do determinado tributo”. “Esses incentivos a que se aduz são representados pelas isenções, imunidades, alíquotas zero ou reduzidas, redução na base de cálculo, bonificações, reduções, subsídios, subvenções etc” (TRENNEPOHL, 2008, p. 100). “Porém, não somente pela abstencão da exigência de tributos que se verifica a diminuicão dos encargos tributários. Isso também pode ocorrer com o incremento de incentivos fiscais concedidos no momento da despesa, e não somente na receita, como comumente se vê” (TRENNEPOHL, 2008, p. 102). Dessa forma, dois momentos dividem a classificação dos incentivos fiscais: o da despesa e o da receita pública. a) Na Despesa pública têm-se as subvenções, os créditos presumidos e os subsídios. As subvenções são doações, auxílios financeiros, pecuniários, concedidos pelo Estado àqueles que prestam serviço de interesse público e as principais são destinadas ao custeio e ao investimento, ou mesmo implantação de novas atividades em regiões menos desenvolvidas, a exemplo de planos de governo, como o FINAM e o FINOR. O crédito presumido é uma técnica legislativa financeira, sendo, por vezes, um subsídio, uma subvenção ou uma redução da base de cálculo, opera-se principalmente, nos tributos não cumulativos, a exemplo do ICMS, do IPI, do PIS e da COFINS, como um valor adicional ao montante tributado. Os subsídios servem para promover uma atividade econômica, ou setores estratégicos da indústria, promovendo, por exemplo, no mercado nacional, o incentivo às exportações (TRENNEPOHL, 2008). A maior dificuldade para o implemento dos incentivos fiscais no âmbito da despesa pública reside na fiscalização do uso dos recursos públicos destinados aos fins a que se propõem. b) Na Receita Pública têm-se: a isenção, o diferimento, a remissão e a anistia. Souto Maior Borges (apud TRENNEPOHL, 2008, p. 104), caracteriza a isenção como “não-incidência qualificada, decorrente de lei ordinária, pois com ela sequer chega a nascer a relação jurídica tributária em razão da regra jurídica de neutralidade”, se dá por determinação legal, servindo como estímulo fiscal, a serviço de um política econômica e ambiental. No diferimento ocorre uma postergação do pagamento, pela ocorrência de um evento futuro, condicionado. A remissão e a anistia são enquadradas como incentivos fiscais, pois de alguma maneira afastam a norma jurídica da tributação e desoneram o contribuinte (TRENNEPOHL, 2008). A Lei Complementar n°. 101/200 (Lei de Responsabilidade Fiscal), em seu art. 14, prevê que a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício deverá demonstrar que não será afetada a receita e as metas de resultados fiscais, bem como que haverá medidas de compensação. Vinhas Catão (apud TRENNEPOHL, 2008, p. 105), esclarece que duas premissas devem ser firmadas quanto aos incentivos fiscais: “A primeira delas é de que todo incentivo tem de ter um fundamento e ser conveniente à coletividade e não a uma ou outra pessoa, atendendo aos princípios constitucionais; a segunda é de que produza os efeitos desejados, em outros termos, sejam atendidos os objetivos pretendidos com os incentivos.” Ou seja, na concessão dos incentivos fiscais é necessário observar a legislação e os objetivos a serem alcançados, pois à medida que diminuirá a carga tributária pra um, aumentará para o outro. Mas tal diminuição feita nos produtos de interesse ambiental pode aumentar a tributação dos produtos mais poluentes. Um exemplo que demonstra a situação acima tratada seria no caso de, “isentar, ou reduzir, a alíquota de ICMS dos produtos de álcool sólido para acendimento de lareiras, churrasqueiras, e aumentar a alíquota das taxas para extração de madeira, ou sobre serviços relativos a essa prática” (TRENNEPOHL, 2008, p. 106). 5.2 Tributos Ambientais e Incentivos Fiscais Utilizados no Brasil Os tributos ambientais e incentivos fiscais encontram-se em uso no Brasil servindo como instrumento eficaz e imediato de diminuição e interrupção da degradação ambiental. Estes protegem o meio ambiente em todas as suas modalidades: artificial, cultural, laboral, natural e patrimônio genético 5.2.1 Tributos que Protegem o Meio Ambiente Artificial O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é um tributo utilizado em benefício do meio ambiente artificial, qual seja, as cidades. Os municípios podem utilizá-lo, dada sua progressividade no tempo e seu uso de acordo com a função social da propriedade. O Estatuto da Cidade, Lei n°. 10.257/01, em seu art. 7°, fixou a progressividade como instrumento de política urbana. Em 1994 a Lei n°. 8.876/94 regulou a criação do Departamento Nacional de Produção Mineral, que trata dos direitos de exploração dos recursos minerais (Lei n°. 7.990/89) e recolhimento das respectivas contribuições, cujas receitas devem ser aplicadas em projetos, que direta ou indiretamente revertam em prol da comunidade local, na forma de melhoria da infra-estrutura, da qualidade ambiental, da saúde e educação. O Imposto Territorial Rural (ITR) é outro imposto direcionado à proteção do bem ambiental, que é a cidade. É de competência da União, mas pode ser fiscalizado e cobrado pelos Municípios, que optarem por lei própria, desde que não resulte em diminuição do imposto ou renúncia fiscal. Essa possibilidade foi trazida pela Lei n°. 11.250/05, que autorizou a União por meio da Secretaria de Receita Federal, celebrar convênios com o Distrito Federal e com os Municípios que optarem pela fiscalização e cobrança dos tributos, visando à possibilidade de delegação dessas atribuições. Este é um tributo que vem sendo amplamente utilizado. Assim é que a lei federal que o disciplina (Lei n°. 9.393/96, com alteração da MP n°. 2.166-67/2001), não inclui, no cômputo da base de cálculo do ITR, as áreas de preservação permanente, reserva legal, reserva particular do patrimônio natural, servidão florestal, áreas comprovadamente imprestáveis para a atividade rural, declaradas de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas mediante ato do órgão competente, federal ou estadual. “Assim é que o ITR configura claro tributo afetado à proteção de bens ambientais, seja em sua feição direcionada à tutela das cidades e mais especificamente ao cumprimento da chamada função social das cidades, seja, em sua feição direcionada à proteção e à preservação do chamado meio ambiente natural” (FIORILLO, 2009, p.102). 5.2.2 Tributos que Protegem o Meio Ambiente Cultural O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITBI) além de ter serventia relacionada aos imóveis considerados como produtivos ou de interesse ambiental, também inclui os patrimônios tidos como históricos ou culturais, sendo suas alíquotas ou base de cálculos variáveis conforme sua importância. A Lei n°. 8.313 estabeleceu a concessão de incentivos fiscais para os patrocinadores de projetos culturais aprovados previamente pelo Ministério da Cultura, também criou o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC) e a ratificação do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Em 1993 sobreveio a Lei n°. 8.685, conhecida como “Lei do Audiovisual”, que regulamenta investimentos em produções audiovisuais, concedendo um “desconto fiscal” para aqueles incentivadores que compram cotas de filmes de produções nacionais. No âmbito federal a Lei n°. 8.961/94 concede isenção do imposto de importação sobre objetos de artes e recebidos em doações por museus mantidos pelo Poder Público e outras entidades culturais reconhecidas por lei como de utilidade pública. No âmbito Estadual o imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, previsto no art. 155, II, da CF/88 abate o valor devido do incentivador que apoiar projetos voltados à preservação do patrimônio cultural daquela determinada região. Já no âmbito Municipal, o Imposto sobre Serviços (ISS) e o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) permitem às pessoas físicas ou jurídicas a utilização de determinada percentagem que haja sido utilizada para o estímulo das atividades culturais mencionadas na lei, para o abatimento do valor que o incentivador deve ao Município, a título dos tributos especificados pela lei. Exemplos já praticados: Em São Paulo a Lei n°.10.923/90, regulamentada posteriormente pelo Decreto n°. 41.940/02, trouxe uma diminuição de 20% do valor do IPTU e ISS para o contribuinte incentivador, que pela lei, é aquele que tenha transferido recursos para realização de projetos culturais, mediante doações, patrocínios ou incentivos. Em 2003 a prefeitura isentou os proprietários de imóveis classificados como integrante da Zona Especial de Preservação Cultural. O ISS, no município do Rio de Janeiro por meio da Lei n°. 1.940/92 concede aos contribuintes o abatimento de até 20% dos recursos que aplicarem em projetos culturais. Também a Lei n°. 1.954/92 estabelece os critérios para que os contribuintes incentivadores de atividades culturais sejam beneficiados com a concessão de incentivos fiscais com o objetivo de estimular a realização de projetos culturais de interesse do Estado. No Distrito Federal a Lei n°. 158/91, regulamentada pelo Decreto n°. 14.085/92, estabelece que as empresas lá localizadas podem descontar até 20% do valor devido a título de IPTU ou ISS ou até 5% do valor devido a título de ITBI, quando do investimento de valores estipulados na lei em projetos culturais no Município. No Rio Grande do Sul a Lei n°. 10.846/96 permite às empresas a compensação de até 75% do valor investido em projetos culturais a título de benefício fiscal, limitado a 3% do ICMS devido pelo incentivador, por período. Em Vitória a Lei n°. 3.730/91 oferece às empresas ali situadas abatimento no ISS ou no IPTU, até o limite de 20% do valor devido, relativamente aos investimentos realizados em projetos culturais. Em Pernambuco a Lei n°. 11.914/2000, dispõe sobre o chamado SIC – Sistema de Incentivo à Cultura, que já havia sido criado pela Lei n°. 11.005/93, mas necessitava ainda de lei disciplinadora para esclarecer suas finalidades e seus objetivos. Tal incentivo envolve um abatimento do valor devido pelo incentivador pessoa jurídica relativamente ao ICMS. No Acre a Lei n°. 1.000/91, da mesma forma, dispões sobre a concessão de incentivos fiscais com a finalidade de incentivar a implementação de projetos culturais e atividades desportivas no Estado. Em Londrina, no Paraná, a Lei n°. 5.305/92, com as alterações trazidas pelas Leis n°. 5.717/93 e 7.237/97, seguem no mesmo sentido e concedem incentivos fiscais para a realização de projetos culturais no Município. Na Bahia a Lei n°. 7.015/96 e no Ceará a n°. 12.464/95 acabam por disciplinar o fomento das atividades culturais nesses Estados, também por meio da concessão de incentivos fiscais. Da mesma forma os Estados do Mato Grosso (Lei n°. 5.894/91), da Paraíba (Lei n°. 5.555/92), do Rio Grande do Sul (Lei n°.10.846/96) e outros vários visam, por meio da concessão dos incentivos fiscais, que em sua maioria se traduzem como dedução de parcela do imposto devido pelo contribuinte incentivador, movimentar a população local no sentido de favorecer e estimular as diversas manifestações culturais relativas àquelas localidades. 5.2.3 Tributos que Protegem o Meio Ambiente do Trabalho A possibilidade de utilização do direito tributário em razão dos objetos protegidos pelo meio ambiente do trabalho, que são a saúde e segurança do trabalhador se dá por meio da redução de carga tributária para empregadores que cumprirem de forma adequada a legislação trabalhista, com o oferecimento do adequado material ao meio ambiente do trabalho. Na CF de 88, não há dispositivo que se relacione de forma direta ao meio ambiente do trabalho. Mas pelo fato do tributo estar sempre relacionado à pessoa humana e sendo a previdência social composta por ações vinculadas à saúde, previdência e assistência social, temos que de forma indireta a arrecadação tributária advinda dessa espécie de tributo, quando relacionada com ações voltadas à melhoria ou implementação de programas de saúde, acaba por guardar inegável relação com o objeto do meio ambiente do trabalho (FIORILLO, 2009). De modo geral, a única possibilidade que poderia verificar-se seria a criação de uma nova contribuição que seja destinada ao financiamento de ações de saúde voltadas à pessoa humana (FIORILLO, 2009). 5.2.4 Tributos que protegem o Patrimônio Genético Por patrimônio genético entende-se as possibilidades de reprodução de seres vivos, importando a possibilidade de utilização de gametas conservados em bancos genéticos para a construção de um ser vivo, sendo então dever do Poder Público a preservação do patrimônio genético para as presentes e futuras gerações, devendo fazer o policiamento de atividades que possam ser nocivas ou que não se relacionem com o interesse público. “Seria o caso de, por exemplo, aumentar o imposto de exportação de determinados componentes da fauna brasileira para impedir ou minimizar os efeitos nocivos e nefastos da chamada biopirataria, ou ainda, diminuir, o imposto de importação, estimulando a pesquisa e o desenvolvimento dos chamados alimentos transgênicos, quando é claro, a ciência necessitar de matéria-prima que não esteja disponível no amplo espectro de espécimes brasileiras” (FIORILLO, 2009, p.126). Outro exemplo é a Taxa de licença estabelecida pela Lei n°. 5.197/67, que dispões sobre a proteção à fauna, dentre outras peculiaridades. “A possibilidade ainda de isenção de impostos relacionados ao desenvolvimento de atividades de pesquisa vinculadas à agricultura, à alimentação (consumo) e inexoravelmente ao auxílio a pesquisas vinculadas à área da saúde, com o incentivo concedido por meio de todo o amplo espectro oferecido pelo direito tributário no sentido de viabilizar pesquisas direcionadas a ajudar na descoberta da cura de doenças como o mal de Alzheimer, o mal de Parkinson e assim por diante.” (FIORILLO, 2009, p. 126) 5.2.5 Tributos que protegem o Meio Ambiente Natural Várias são as possibilidades de defesa dos recursos naturais. Algumas delas são: 5.2.5.1 Impostos O Imposto de Renda (IR), por meio da Lei n°. 5.106/66, autorizou pessoas físicas a abater de suas declarações os rendimentos que empregassem em florestamento e reflorestamento e as pessoas jurídicas a descontarem 50% do valor do imposto naquilo que aplicassem nessas atividades. Também o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), regulado pelo Decreto Federal n°. 755/93 estabeleceu alíquotas diferenciadas para veículos movidos a gasolina e a álcool. Incentivando não só a produção de álcool objetivando à diminuição da importação de petróleo, como também causou a diminuição nos níveis de poluição atmosférica nas grandes cidades. Os impostos de Importação e Exportação (II e IE), principalmente em razão da possibilidade de variação das alíquotas, também servem como eficazes instrumentos de política ambiental, se observada a preferência por produtos ambientalmente recomendados nas transações comerciais. O Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), no Estado do Rio de Janeiro, por meio da Lei n°. 948/85, diferenciou os valores para carros a gasolina e a álcool, como àqueles destinados a coleta de lixo e limpeza urbana e mais recentemente, houve o desconto de 75% no imposto para os carros com equipamento de gás natural. 5.2.5.2 Contribuições A Lei n°. 10.336/01 criou a contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool etílico combustível (art. 1°, §1°, II), pois a EC n°. 33/2001 inseriu ao art. 177 da Constituição o §4°, que, em seu inciso II, determina que os recursos arrecadados com a CIDE, serão destinados ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás. “Insta mencionar ainda a Lei n°. 11.116/05, que regula, junto à Secretaria da Receita Federal, o registro do produtor ou importador de biodiesel e versa os diferentes coeficientes de redução de alíquotas das Contribuições para o PIS/PASEP e para a COFINS, em razão da matéria-prima, do produtor e da região de produção, bem como os créditos relativos aos pagamentos efetuados em razão da importação de biodiesel” (TRENNEPOHL, 2008, p. 88 e 89). A Lei n°. 9.433/97 dispõe sobre a política de recursos hídricos, e prevê uma contribuição de intervenção no domínio econômico para outorga de direitos de uso desses recursos. 5.2.5.3 Taxas A Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA), instituída pela Lei n°. 10.165/00, a Taxa de Preservação Ambiental (TPA), instituída pela Lei n°. 10.430/89 e modificada pela Lei n°. 11.305/95, do Estado de Pernambuco, para o arquipélago de Fernando de Noronha e a Taxa de Resíduos Sólidos Domiciliares (TRSD), instituída pela Lei Municipal n°. 13.478/02, do Município de São Paulo, também são exemplos de tributação ambiental positiva. Em Janeiro de 2000, pela Lei n°. 9.960 a União criou a Taxa de Fiscalização Ambiental (TFA) o fato imponível para a cobrança desse tributo era o exercício de atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos ambientais. Na verdade, no entanto a Confederação Nacional das Indústrias propôs ação direta de inconstitucionalidade, alegando que o fato gerador era a atividade exercida pelo contribuinte e não o serviço prestado ou posto à disposição deste no exercício do Poder de Polícia. Assim o STF suspendeu a eficácia dos dispositivos questionados. Em dezembro do mesmo ano criou-se a Lei n°. 10.165, que instituiu a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA) alegando que o fato gerador era o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadas de recursos naturais. Mas também contra esta foram proposta duas ADIs n°. 2.422 e 2.423 originadas respectivamente pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Confederação Nacional do Comércio (CNC) que estão em andamento perante o STF já com parecer (10-2-2006) pelo indeferimento do pedido de suspensão da Lei e considerando que a TFCA não afronta os dispositivos constitucionais como impugnados pela CNI e CNC, asseverando a plena validade jurídico-constitucional da referida exação tributária. Tal parecer apresentado pelo PGR, Antonio Fernando de Souza, deverá ser analisado pelo ministro Celso de Mello, relator das ADIs no STF. Assim verifica-se a dificuldade da instituição de taxa ambiental, pois sempre que for criada visando atender poder de polícia já exercido e remunerado por outro órgão será dupla tributação, sendo inconstitucional. “Em Fernando de Noronha desde 1989 vem sendo cobrada uma taxa de preservação ambiental após edição da Lei n. 10.430, com as alterações da Lei n. 11.305/95. A taxa se destina a assegurar a manutenção das condições ambientais e ecológicas, incidindo sobre o trânsito e a permanência de pessoas na área sob jurisdição do distrito estadual. Tem por fato gerador a utilização, efetiva ou potencial, por parte das pessoas visitantes, da infra-estrutura física implantada no arquipélago e do acesso e fruição do patrimônio natural e histórico. Os recursos provenientes da arrecadação da taxa são direcionados para a manutenção das condições gerais de acesso ao arquipélago, preservação dos locais turísticos e dos ecossistemas naturais lá existentes e ainda para a execução geral de obras e benfeitorias em benefícios da população local e dos visitantes” (FIORILLO, 2009, p.123). No âmbito estadual, nota-se a utilização, por alguns estados de “[…] tarifas sobre o esgoto industrial, adoção de programas de depósito-reembolso de embalagens, a concessão de vantagens fiscais de ICMS e principalmente, a repartição ecológica de receitas orçamentárias” (TUPIASSU, 2006, p. 182). Vários estados brasileiros instituem taxas florestais, vinculadas ao exercício do poder de polícia pelas autoridades ambientais, cobradas das empresas que exercem atividades de exploração e consumo de produtos e subprodutos de origem florestal. Essa receita serve, ao financiamento das políticas florestais estaduais ou projetos de reflorestamento (TUPIASSU, 2006). “No Estado do Rio de Janeiro por meio da Lei n. 3.187/99, passou a exigir-se dos proprietários rurais, possuidores a qualquer título de terras ou florestas, e das empresas cuja finalidade principal ou subsidiária seja a produção ou a extração de produto ou subproduto de origem florestal, taxa florestal a fim de viabilizar a política florestal, tendo como fato gerador, as atividades de extração das matérias-primas das quais resultem, ou sejam elas próprias, os produtos e subprodutos florestais, bem como as atividades de desmatamento e queimada não submetida à fiscalização federal, vistorias a serem realizadas e ainda, eventual elaboração de cadastros criados em razão da política florestal estadual” (FIORILLO, 2009, p.123). 5.3 ICMS Ecológico Um exemplo que demonstra total aplicabilidade dos instrumentos fiscais e o seu sucesso no equilíbrio entre preservação ambiental e desenvolvimento econômico é o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O ICMS vem sendo utilizado visando ao propósito ambiental, por alguns Estados, desde 1991. Foi positivado para o fim ambiental pela primeira vez em 1990, no art. 132 na Constituição Estadual do Paraná; depois foi regulado pela Lei Complementar n°. 59/91, conhecida como “Lei do ICMS Ecológico. O estado do Paraná foi o primeiro que instaurou um critério ambiental de redistribuição da parcela do imposto, gerando elevada conscientização de conservação nos Municípios deste Estado. “Os Municípios viam suas economias debilitadas pelas restrições de uso causadas pela necessidade de vigiar os mananciais de abastecimento para Municípios adjacentes e pela existência de unidades de conservação; por outro lado, o Poder Público estadual percebia cada vez mais a real necessidade de modernizar seus instrumentos de política pública nesse sentido” (FIORILLO, 2009, p.116). Assim, determinou-se que os Municípios que possuíssem unidades de conservação ambiental ou fossem diretamente influenciados por estas e mananciais de abastecimento públicos deveriam receber recursos do ICMS na forma do permissivo constitucional. Ocorre que uma parcela da distribuição de receitas do estado seria repassada para os municípios que cumprissem as normas legais de defesa ambiental, ou seja, do total de 5% repassado do Estado para os Municípios, 50% eram aos que possuíssem unidades de conservação e 50% àqueles com mananciais de abastecimento. Essa idéia começou a ser utilizada por outros estados, sendo adaptada aos recursos naturais da região e o interesse da população local, tais como a existência de unidades de conservação, os mananciais de abastecimento, a coleta seletiva de lixo, o saneamento ambiental, a preservação do patrimônio histórico local, as reservas indígenas e assim por diante. (FIORILLO, 2009) Alguns estados que adotaram o ICMS Ecológico foram: São Paulo em 1993, Minas Gerais em 1995, Rondônia em 1996, Amapá em 1996, Rio Grande do Sul em 1997, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul em 2001, Pernambuco em 2001, Tocantins em 2002, no Rio de Janeiro em 2007. Portanto, o objetivo do ICMS Ecológico é incentivar o aumento de zonas e áreas de conservação ambiental, compensando-se ainda os Municípios pela restrição no uso dessas áreas constitucional e legalmente protegidas. Ao analisar os fundamentos e exemplos do emprego de formas negativas de tributação, por meio dos incentivos fiscais, nota-se que é a melhor forma para estimular os contribuintes a um comportamento adequado de proteção e recuperação do meio ambiente. CONCLUSÃO A degradação do meio ambiente é tão antiga quando a existência humana, e até anterior a ela, visto que a utilização dos recursos naturais é imprescindível para subsistência de qualquer ser vivo. Entretanto, o crescimento populacional, a possibilidade de acúmulo desses recursos, o consumismo em excesso, dentre outros motivos aceleraram a destruição ambiental. No começo do Século XX percebeu-se nas legislações internacionais e nacionais a aparição de temas ligados ao meio ambiente, no entanto, o interesse em proteger os recursos naturais era reduzido e específico, àqueles que tinham utilidade individual. Com o passar dos anos o conhecimento científico acumulado trouxe à conscientização da importância do equilíbrio ecológico para a continuidade da humanidade e consequentemente a percepção quanto à necessidade de conservação do meio ambiente. Assim, a partir da década de 70 as comunidades internacionais passaram a olhar para meio ambiente de forma ampla, preocupando-se em protegê-lo em sua totalidade, visando o bem-estar coletivo, tendo como exemplo a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano de 1972, realizada em Estocolmo, Suécia. No Brasil os marcos foram a Declaração do Rio, em 1992, resultante da Conferencia das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e a inserção de um capítulo específico sobre a temática ambiental na Constituição de 88. Das várias conferências que ocorreram com o intuito de repensar a utilização do meio ambiente e a prevenção de atividades degradantes surgiram importantes princípios como: Princípio do Poluidor-Pagador, Princípio da Precaução, Princípio da Prevenção, entre outros. Tais princípios servem como base para ações políticas pró-ativas que desestimulam a ocorrência do evento danoso ao meio ambiente por meio da internalização dos custos ambientais decorrentes da utilização de um dado recurso natural em face de sua escassez. O direito tributário tem papel importante na manutenção do meio ambiente saudável, seja através da tributação positiva com a criação de tributos ou tributacão negativa pelos incentivos fiscais voltadas para a proteção do meio ambiente. A tributacão positiva nem sempre é a melhor solução para o benefício do meio ambiente pois, apenas proíbe o dano sem oferecer meios pra que este não aconteça ou trás uma sanção para punir o dano depois de ter ocorrido, assim dá-se prejuizos irreparáveis causados pela poluição e exaurimento dos recursos não renováveis, quando deveria ser feita a prevenção, evitando as atividades danosas. Em razão disso a possibilidade de premiar ou subsidiar as iniciativas despoluentes, a utilizaçao de tecnologias “limpas”ou de recursos naturais alternativos, formando uma consciência de conservação ambiental nos responsáveis pela produção e na própria população em geral, por meio da tributacão negativa, mostra-se mais ajustada à tutela dos bens ambientais. Sob o ponto de vista social o meio ambiente equilibrado ultrapassa os conceitos de fauna e flora, abarcando a população que com ele interage assim buscando a elevação da sua qualidade de vida. O meio ambiente é considerado elemento da própria dignidade do homem, pois sua conservação significa a manutenção da vida humana, e somente com esta, os demais direitos poderão ser exercidos, devendo assim servir como base na criação das políticas públicas econômico-fiscais. Sob o ponto de vista econômico, surge o confronto entre a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento econômico, exigindo uma conduta ponderada a fim de encontrar equilíbrio entre os dois. O que leva a internalização na produção e comercialização de bens e serviços, dos custos relativos à degradação ambiental. Além disso, vê-se que os gastos que o Estado tem para investir na redução da poluição, são menores do que os custos futuros de sua reparação. Esses incentivos a que se aduz são representados pelas isenções, imunidades, alíquotas zero ou reduzidas, redução na base de cálculo, bonificações, reduções, subsídios, subvenções etc, que não somente se dão pela abstenção da exigência de tributos, com a diminuição dos encargos tributários, como pode ocorrer com o incremento de incentivos fiscais concedidos no momento da despesa, e não somente na receita. No Brasil a tributação ambiental e os incentivos fiscais já estão sendo utilizados para proteger o meio ambiente em todas as suas formas, em âmbito federal estadual e municipal, por meio de todos os tipos de tributo. Contudo, nota-se ainda a preponderância do caráter arrecadatório e a incompatibilidade do sistema atual com os novos parâmetros de incentivo e precaução, sendo necessária a realização de reformas constitucionais e tributárias para o alcance de tal propósito. Ainda assim, traz-se como exemplo de compatibilidade prática de tais fundamentos com a realidade nacional a utilização do ICMS Ecológico, que representa uma renovação de valores, mostrando que, não apenas a implantação de indústrias poluentes traz ganhos financeiros para os municípios, mas também, a preservação de áreas verdes, a construção de redes de esgoto, escolas e hospitais, que além de melhorarem a qualidade de vida da população, aumentam a receita e o desenvolvimento. Dessa forma, esta monografia demonstrou que existe uma relação diretamente proporcional entre a proteção do meio ambiente e os incentivos fiscais, ou seja, quanto maior for os investimentos na proteção do meio ambiente, maior a quantidade de incentivos fiscais que a empresa pode obter. Várias vantagens na implementação da tributação ambiental preventiva como: a flexibilidade dos agentes poluidores buscarem, dentro de sua própria conveniência, a melhor forma de se adequarem aos padrões de controle ambiental; o estimulo contínuo aos agentes econômicos para superarem os índices mínimos estabelecidos; a aplicação do principio da prevenção, agindo antes da ocorrência do fato danoso ao meio ambiente, ou atuando de forma a reduzir os impactos ao meio ambiente etc. Assim, vê-se que a utilização da tributação negativa, por meio da redução de encargos, é a melhor solução para resolver dois grandes problemas do Estado atual: a degradação do meio ambiente e a elevada carga tributária.
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Tutela de urgência tributária
O presente artigo cuida das tutelas de urgência no âmbito processual tributário. É analisada tanto a vertente prática quanto teórica do instituto que é muito utilizado tanto pelo Fisco quanto pelo contribuinte. Consequentemente, o estudo foca na medida cautelar fiscal e nas tutelas de urgência em geral.
Direito Tributário
Introdução A sistemática processual atual elegeu como meta o chamado processo de resultados. Ocorre que, mesmo com o aprimoramento técnico alcançado pela ciência processual, sobrevive seu maior inimigo, o tempo. Como sabemos, o tempo traz riscos ao processo, riscos que se manifestam de formas variadas: desde o perecimento do bem da vida até a entrega tardia e sem efeito da prestação jurisdicional. Entendemos que tal constatação é realçada na lide tributária por conta das mais variadas peculiaridades e interesses envolvidos, inclusive por a doutrina pontuar que a relação do direito tributário com o processo civil é intensa[1]. De qualquer forma, o que merece ficar sedimentado neste primeiro momento é o efeito inexorável do tempo sobre o processo. Para driblar tal realidade é que surgem as medidas cautelares, como técnica adequada, para que o processo cumpra seu papel de forma efetiva. Conceder tardiamente, ou até mesmo se ver na impossibilidade de conceder em face da demora efetivada pode significar a falência de todo o sistema. Atento ao tema, o constituinte derivado promoveu uma mudança paradigmática no artigo 5º de nossa Constituição Federal, instituindo a duração razoável do processo por meio da emenda 45/04, nos seguintes termos: “LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Contudo, antes de adentrarmos o núcleo das questões que envolvem as cautelares dentro do ramo tributário buscaremos fazer uma análise da teoria geral da tutela de urgência.  1)Teoria geral das tutelas de urgência A tutela cautelar deve ser entendida como um tipo de processo judicial. Enquanto o processo cognitivo, de conhecimento, visa declarar, condenar ou constituir, e o processo executivo a satisfazer, a tutela cautelar surge como forma de garantir o resultado prático destes processos. Em outros termos, o objetivo da tutela cautelar é garantir o resultado final do processo de conhecimento ou processo executivo a fim de impedir que a delonga do processo possa gerar algum dano aos jurisdicionados. Exatamente por esta característica de apenas garantir o resultado do processo é que temos longos debates na doutrina a respeito da natureza satisfativa da medida cautelar. Como exemplo, podemos citar casos que visam apenas a retirada do nome do contribuinte do Serasa ou então a busca e apreensão de uma criança. Contudo, entendemos que sustentar a natureza satisfativa das cautelares é um posicionamento contraditório. Provavelmente esta natureza dita satisfativa remonta ao período que não existia a tutela antecipatória generalizada em nosso ordenamento, de forma que para conseguir liminarmente a concessão da tutela não havia alternativa, a não ser, por meio das cautelares. Justamente por conta desta característica não satisfativa é que citamos como características das tutelas de urgência sua natureza acessória e instrumental ao processo principal cuja utilidade e eficácia pretende preservar, podendo ser apresentada de maneira preparatória ou incidental na própria ação principal a qual será apensada. É sempre provisória e revogável por conta de sua concessão diante de uma cognição sumária. Os requisitos gerais das cautelares, que constituem o mérito da ação cautelar, são revelados no binômio fumaça do direito e perigo da demora. O primeiro é a possibilidade de existência do direito afirmado pelo autor – fumus boni juris, a demonstração prima facie da possibilidade de existência do direito do autor. O segundo é demonstrado pelo risco de ineficácia do provimento final ocasionado pelo decurso de tempo – periculum in mora. 1.1 Dois tipos de tutelas de urgência: cautelar e antecipatória A doutrina processualista faz diferenciação entre a tutela cautelar e a tutela antecipatória, que possui outros requisitos encontrados nos artigo 273 do CPC. Esta difere da cautelar, pois não busca assegurar o resultado prático do processo nem a viabilização do direito afirmado, mas sim conceder de forma antecipada o próprio provimento jurisdicional pleiteado ou então a antecipação de seus efeitos. Preceitua o artigo 273 do Código de Processo Civil: “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. § 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. § 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. § 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, § 4o e 5o, e 461-A. § 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. § 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. (Incluído pela Lei nº10.444, de 7.5.2002) § 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”. (Incluído pela Lei nº10.444, de 7.5.2002) Chamamos atenção para o §7º transcrito, que positivou a chamada fungibilidade de mão dupla entre as medidas. Significa que uma medida poderá ser entendida e recebida no lugar da outra se o magistrado entender mais adequada para o tratamento do caso concreto. Esta possibilidade se dá a partir do momento que constatamos que os traços de distinção entre as medidas cautelares e antecipatórias são muito tênues, o que pode levar a constantes equívocos na prática forense. Inclusive, por conta desta semelhança e fungibilidade entre as medidas é que a doutrina passou a sustentar o gênero medidas de urgência na propedêutica processual. 2)Ação Cautelar e Direito Tributário A doutrina[2] destaca que na década de 70 e 80 a ação cautelar inominada foi muito utilizada pelos contribuintes com a finalidade de obter providencia urgente em questão fiscal, principalmente para conseguir a suspensão da exigibilidade do crédito tributário através do depósito judicial. Contudo, posteriormente, com a possibilidade de depósito independentemente de cautelar ou de autorização judicial, tornou-se desnecessário o manejo da cautelar. Em alguns casos a medida cautelar mostrou-se mais vantajosa que o Mandado de Segurança vez que não precisa do requisito a respeito da prova pré-constituída. Contudo, sempre foi exaltada a “vantagem” do remédio constitucional pela ausência de condenação em verba de sucumbência, nos termos da Súmula 512 STF. De qualquer modo, a sedimentação e utilização da cautelar pelo contribuinte ocorreu com a modificação do artigo 151 CTN por meio da Lei Complementar nº 104 de 2001, ao inserir o inciso V dentre o rol de cláusulas responsáveis pela suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Nestes termos: Art. 151 – Suspendem a exigibilidade do credito tributário V- a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial. O que merece ser frisado neste ponto é a utilização das medidas cautelares tributárias em duas vertentes radicalmente distintas: a primeira hipótese, a ação cautelar fiscal utilizada pela Fazenda Pública para promover o arresto de bens do contribuinte, com fundamento na lei 8397/92; e em segundo lugar, com fundamento no CPC, a tutelas de urgência movidas pelo contribuinte face ao fisco com os mais diversos objetos. . Sob este aspecto que a doutrina[3] costuma efetuar uma classificação interessante a respeito das ações tributárias em função de dois elementos diferenciadores: primeiramente, em função da posição das partes na relação jurídico-processual, dividindo-as em exacionais, quando ostentam a Fazenda Pública no pólo ativo, e as chamadas antiexacionais, com a Fazenda no pólo passivo. Logo após temos o segundo critério diferenciador, o regramento autônomo ou não para determinada espécie de ação, quando temos a divisão em ações tributárias próprias ou impróprias. Tratemos primeiramente da ação utilizada pelo Fisco, a chamada medida cautelar fiscal. 3)Medida Cautelar Fiscal Conforme a classificação acima explanada, trata-se, tipicamente, de uma ação exacional própria, que ostenta no polo ativo as Fazendas Públicas da União, Estados, DF ou Municípios e suas autarquias, enquanto que o Pólo Passivo é ocupado pelo “potencial” sujeito passivo da obrigação tributária. Esta potencialidade ocorre por conta da possibilidade de ajuizamento desta ação cautelar mesmo antes da constituição do crédito tributário. Esta ação, fundamentada na Lei 8.937, tem por finalidade obter judicialmente a indisponibilidade de bens de devedores tributários ou não tributários. A doutrina[4] ressalta que o fundamento da cautelar fiscal é exatamente obter o resultado assegurado pelo artigo 591 do CPC que dispõe que o “devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”. Entendemos que esta assertiva pode ser resumida na consideração do Princípio da Realidade da Execução ou Princípio da Patrimonialidade: exatamente insculpido no artigo citado. Em outros termos, a execução recai precipuamente sobre o patrimônio do executado, e não sobre sua pessoa (com algumas exceções, tais como, a responsabilidade de terceiros como os sócios). Essa fórmula desdobra-se em duas proposições – todos os bens do devedor respondem por suas obrigações (inclusive os que ingressarem em seu patrimônio depois de contraída a dívida ou iniciada a execução); somente os bens do devedor respondem por suas obrigações. Porém vale ressaltar que há bens do devedor que não respondem por suas obrigações (ex: bem de família) e há bens de terceiros que por elas respondem (ex: bens do sócio, como já ventilado linhas acima). Entendemos que a análise a respeito da Cautelar Fiscal deve começar pelo estudo conjunto da Lei 8.937/92 combinada com o artigo 64 da Lei 9532/97. Reproduzimos na integra o mencionado artigo, com dois de seus parágrafos: “Art. 64. A autoridade fiscal competente procederá ao arrolamento de bens e direitos do sujeito passivo sempre que o valor dos créditos tributários de sua responsabilidade for superior a trinta por cento do seu patrimônio conhecido. § 3º A partir da data da notificação do ato de arrolamento, mediante entrega de cópia do respectivo termo, o proprietário dos bens e direitos arrolados, ao transferi-los, aliená-los ou onerá-los, deve comunicar o fato à unidade do órgão fazendário que jurisdiciona o domicílio tributário do sujeito passivo. § 4º A alienação, oneração ou transferência, a qualquer título, dos bens e direitos arrolados, sem o cumprimento da formalidade prevista no parágrafo anterior, autoriza o requerimento de medida cautelar fiscal contra o sujeito passivo.” Entendemos que esta medida administrativa é um mero inventário ou levantamento dos bens do contribuinte, uma providência burocrática que visa alimentar os bancos de dados do FISCO. Esta medida administrativa ou arrolamento administrativo não tem nada a ver com a ação cautelar de arrolamento prevista nos artigos 855 a 860 do Código de Processo Civil. Enquanto o arrolamento administrativo se dá obrigatoriamente com a condição dos 30% de comprometimento patrimonial tributário, o arrolamento judicial somente pode ser solicitado diante de condições verificáveis pelo juiz (direito aos bens e receio de extravio, ou seja. pela demonstração dos requisitos gerais abordados no item 1 deste trabalho: o periculum in mora e o fumus boni juris. Os objetivos também são diferentes porque o arrolamento administrativo é procedimento administrativo preparatório de uma futura e eventual medida cautelar fiscal, não surtindo efeitos autonomamente com relação aos bens arrolados que teoricamente podem ser alienados. Passando para análise da Lei da cautelar fiscal em si, temos a Lei 8.397/92 que com as alterações da citada lei 9532/97 acima, instituiu a medida cautelar fiscal. “Art. 1° O procedimento cautelar fiscal poderá ser instaurado após a constituição do crédito, inclusive no curso da execução judicial da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias. (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997) Parágrafo único. O requerimento da medida cautelar, na hipótese dos incisos V, alínea "b", e VII, do art. 2º, independe da prévia constituição do crédito tributário.(Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997) Art. 2º A medida cautelar fiscal poderá ser requerida contra o sujeito passivo de crédito tributário ou não tributário, quando o devedor: (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997) I – sem domicílio certo, intenta ausentar-se ou alienar bens que possui ou deixa de pagar a obrigação no prazo fixado; II – tendo domicílio certo, ausenta-se ou tenta se ausentar, visando a elidir o adimplemento da obrigação; III – caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens; (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997) IV – contrai ou tenta contrair dívidas que comprometam a liquidez do seu patrimônio; (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997) V – notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do crédito fiscal: (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997) a) deixa de pagá-lo no prazo legal, salvo se suspensa sua exigibilidade; (Incluída pela Lei nº 9.532, de 1997) b) põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros; (Incluída pela Lei nº 9.532, de 1997) VI – possui débitos, inscritos ou não em Dívida Ativa, que somados ultrapassem trinta por cento do seu patrimônio conhecido; (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997) VII – aliena bens ou direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando exigível em virtude de lei; (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997) VIII – tem sua inscrição no cadastro de contribuintes declarada inapta, pelo órgão fazendário;” (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997) O ponto delicado e que causa maior ebulição é a combinação dos §3 e §4 da Lei 9532 frente ao inciso VII da Lei 8397. A lei afirma que a alienação ou oneração de bens pelo contribuinte, sem a comunicação à unidade do órgão fazendário, já seria causa suficiente para o ajuizamento da cautelar fiscal. Contudo, entendemos que tal desiderato fere o direito de propriedade do contribuinte, assegurado no artigo 5ª, inciso XXII, nos seguintes termos: “XXII – é garantido o direito de propriedade.” Ora, se o contribuinte aliena bens, de forma lícita e legítima, isto não pode ensejar nenhuma sanção ou consequência jurídica enquanto não for demonstrada a conduta tipificadora de ato ilícito. O que ocorre é que o arrolamento administrativo acaba se tornando um facilitador para o bloqueio judicial de bens do sujeito passivo mediante mero requerimento judicial do ente publico[5]. A simples alienação de bens pelo sujeito passivo não pode constituir isoladamente em condição para que seja concedido o bloqueio judicial de bens. Temos aqui uma nítida e ilegal presunção de fraude, pois a alienação é ato legal e comum na esfera patrimonial de qualquer cidadão. Se o Fisco quer bloquear bens que demonstre, sem ferir o devido processo legal e o direito de propriedade, os indícios de ilicitude que justifiquem a medida de bloqueio. O desiderato é efetuar uma conexão automática entre o artigo 64 da lei 9532/97 e a medida cautelar fiscal para bloqueio de bens, obrigando ao sujeito passivo, em nítida, prejudicial e violadora inversão do onus probandi, demonstrar que o ato jurídico praticado não tinha finalidade fraudulenta. A gravidade fica por conta da constatação de que nosso sistema não admite a autotutela da Fazenda, naquilo que conhecemos como proibição da utilização de meio indiretos na cobrança de tributos. Sempre o Fisco precisa da intervenção judicial para promover a constrição de bens do executado, ou seja, não podemos abrir mão da tão importante conquista da processualização tributária. Ocorre que, de modo a burlar tal garantia, criou-se um procedimento automático de bloqueio, tornando o juiz mero chancelador judicial dos efeitos constritivos do arrolamento administrativo, já que os dispositivos amarram o juiz não lhe dando alternativas para decidir de modo diverso. No caso da cautelar fiscal, mesmo que o potencial sujeito passivo tenha domicilio certo, que não seja simulador, dissipador, insolvente, extraviador, fraudador, ou mesmo que a dívida ainda não tenha sido constituída, basta que lhe seja imputada carga tributária igual ou maior que 30% para que sofra a coerção estatal. Um contraponto interessante é oferecido pela doutrina de Cleide Previtalli que, apesar de visualizar alguns dispositivos com constitucionalidade duvidosa a respeito do modo como o arrolamento é utilizado pelo FISCO, afirma que o arrolamento não fere princípios ou direitos constitucionais porque o cidadão já seria obrigado a arrolar seus bens e direitos na declaração anual de IR. Neste mesmo diapasão afirma que a lei 8372/92 traz saudáveis disposições visando a tutela do patrimônio publico, e para tanto, chega a citar um velho dito popular: “Quem não deve não teme”[6], afirmando que a lei não gerará maiores problemas para o cidadão que não deve ao estado. Este posicionamento também reflete nos comentários ao artigo 7º da Lei, ao afirmar que a concessão liminar da medida decretando a indisponibilidade dos bens apontados, com dispensa de justificação prévia e caução, afina-se com os princípios constitucionais tratando desigualmente os desiguais. O afastamento da prestação de caução decorre do interesse publico envolvido, sendo que a Fazenda Publica presume-se solvente. Confira o artigo em comento: “Art. 7° O Juiz concederá liminarmente a medida cautelar fiscal, dispensada a Fazenda Pública de justificação prévia e de prestação de caução.” Contudo, pedimos vênia para discordar de tais posicionamentos. Entendemos justamento ao contrário. Primeiramente por conta da superestrutura que ostenta a Fazenda, com supercomputadores e acesso quase que ilimitado às informações dos contribuintes. Em segundo lugar, podemos trazer a baila o principio da eficiência administrativa. Existe uma imposição Constitucional exigindo eficiência dos órgãos públicos no trato de suas questões. Entendemos que a eficiência estaria sendo cumprida exatamente com a garantia ao contribuinte de que, caso a medida seja revertida, haverá a caução lhe resguardando. Finalmente, podemos lançar mão de argumentos como a dignidade humana do contribuinte, que pode ter seu patrimônio invadido de forma inconstitucional, e pior, muitas vezes por um ente público que não costuma honrar com suas obrigações – vide a fila dos precatórios.  Isto nos leva a crer que a concessão da medida deveria ser mais rígida quando envolve interesses fazendários. Somos adeptos de uma administração eficiente e responsável por seus atos, já que, caso se pleiteie a medida descabidamente, caberá danos morais conforme já julgado pelas instâncias superiores em caso de inclusão errônea de contribuinte em processo executivo (STJ RESP 1.139.492 de 2011) 4)A indisponibilidade de bens do artigo 185-A do CTN A introdução do artigo 185-A no CTN pode levar muitos intérpretes a relevar a utilidade e necessidade da cautelar fiscal em nosso sistema. Isto se dá pelo conteúdo do citado artigo que preceitua: “Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial. § 1 A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite. § 2 Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.” Uma breve análise do artigo nos leva a concluir que com o advento da Lei Complementar 118/2005, inserindo o artigo 185-A no CTN, a utilidade da cautelar fiscal, muito utilizada entre 1992 e 2005, diminuiu um pouco. Preceitua o artigo que a indisponibilidade pode ser determinada até de ofício pelo juiz. Analisando o tramite da questão temos que, citado o devedor, se não pagar nem nomear bens a penhora e não forem encontrados bens penhoráveis o juiz, de acordo com o artigo 185-A determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão a órgãos e entidades que promovem registros, sendo obrigação dos órgãos a devolução da relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido. Fredie Didier ressalta que a concessão da medida requer extrema cautela: “Consistindo tal indisponibilidade em medida de extrema violência, cumpre ao juiz aplicar, no caso, o postulado da proporcionalidade, somente determinando a indisponibilidade, se realmente não houver outro meio de garantir a execução. Deve, em suma, o juiz analisar as peculiaridades do caso concreto para, sob a égide máxima da proporcionalidade, verificar a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito da medida a ser imposta ao executado para viabilizar a satisfação do crédito. Desse modo, a decretação da indisponibilidade prevista no art. 185-A do CTN reclama prudência e ponderação, devendo o juiz determiná-la somente em casos extremos”[7]. Contudo, ainda resta uma hipótese importante onde a Cautelar Fiscal ainda pode encontrar sua utilidade, mesmo quando já tenha sido proposta a execução fiscal: sempre que o devedor não seja encontrado. Caso isto aconteça, o juiz não pode determinar a indisponibilidade de bens e direitos com fulcro no art. 185-A do CTN, pois um dos pressupostos para a aplicação da regra do Código Tributário é que o devedor seja devidamente citado. É aqui que entra em discussão o tema da prescrição intercorrente, prevista no artigo 40, §4º da lei 6830/80: “Art. 40. O juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição" § 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.” Neste sentido também é o enunciado da súmula nº 314 do Superior Tribunal de Justiça: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente”. Diante desta realidade, a cautelar fiscal surge como último instrumento para que a Fazenda Pública tente evitar a suspensão da execução fiscal, de forma que o ajuizamento da cautelar é imprescindível para evitar que a prescrição intercorrente seja decretada pelo juiz e o crédito tributário fique insatisfeito. 5)Tutelas de urgência e sua utilização pelo Contribuinte O CTN prevê situações que suspendem as medidas quanto a exigibilidade do crédito tributário. Tais casos estão previstos no artigo 151, compondo um rol a priori exaustivo[8] – isto significa que não existem outros meios para suspender a exigibilidade – inclusive, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, já que estamos diante de atividade “plenamente vinculada”, conforme preceitua o artigo 3º do mesmo diploma legal. Desta feita, podemos conceituar exigibilidade como a relação jurídica que surge no conseqüente da norma na qual o agente público estará obrigado a praticar ato de cobrança apropriado. É neste ponto que merece análise o já citado artigo 151 do CTN ao estabelecer: “Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I – moratória; II – o depósito do seu montante integral; III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança. V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; VI – o parcelamento. Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela consequentes.” (Grifo nosso). Ressaltamos a importância dos incisos IV e V exatamente pela questão do tempo processual. Sabemos que o processo tributário é extremamente contundente e pode causar inúmeros danos ao cidadão contribuinte. Caso o contribuinte visualize alguma irregularidade poderá combater a exigibilidade tributária ajuizando a respectiva medida cautelar ou tutela antecipatória face ao Fisco. Até o advento da Lei Complementar 104/01 o contribuinte era obrigado a socorrer-se das liminares em Mandado de Segurança como único remédio para “bloquear” eventual atuação prejudicial do Fisco. Contudo, com a inserção do inciso V no rol das causas suspensivas do artigo 151 a gama de opções foi aumentada, de modo que passaram a existir duas possibilidades de o Judiciário suspender a exigibilidade do crédito tributário. Indispensável desde já ressaltar que a falta de menção expressa às mediadas cautelares, vez que o mencionado artigo faz referência apenas às tutelas antecipatórias, não significa que estão excluídas do rol, ensejando outro meio válido de suspensão da exigibilidade do crédito, inclusive por conta da fungibilidade entre as medidas já comentada linhas acima. Desta feita, caso opte pelo ajuizamento de uma cautelar inominada, deverá atentar para as regras do CPC e ajuizar a competente ação anulatória do débito ou declaratória de inexistência, no prazo legal de 30 dias. Também existe a possibilidade de efetuar-se um pedido incidental no bojo destas duas ações. Com relação à tutela antecipatória, desde que preenchidos seus requisitos, é medida de extrema utilidade para o contribuinte, que se vê colocado no polo passivo de uma obrigação tributária. É neste sentido que a doutrina ressalta a importância da utilização da medida neste ramo dogmático, confira nas palavras de Eduardo Marcial Ferreira Jardim[9]: “No processo tributário, a tutela antecipada traduz uma relevante conquista em prol dos direitos e garantias do sujeito passivo, uma vez que permite, por exemplo, antecipar os efeitos do pedido sempre que houver, dentre outras hipóteses, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Dessarte, diante da exigibilidade de um tributo em total desarmonia com o figurino constitucional, depara-se pertinente a tutela antecipada, em face do evidente destempero da exigência, conjugada com a irreparabilidade, quer do pagamento, quer do não pagamento. Em havendo o recolhimento do gravame, mesmo inconstitucional, restaria ao sujeito passivo enfrentar o alentado caminho da repetição de indébito, um calvário por si mesmo, enquanto a eventual falta de pagamento exporia o sujeito passivo à lavratura de auto de infração, com multas onerosas, além dos efeitos adversos da inscrição de dívida, acréscimos decorrentes e outros efeitos restringentes de direitos. A tutela in casu afigura-se compatível com as ações anulatórias ou declaratórias de inexigibilidade de tributos, ou declaratórias asseguradoras de um dado direito, a teor do direito de compensar débitos com indébitos, dentre outras”. Interessante ressaltar posicionamento de Daniel Monteiro Peixoto ao afirmar que no momento que o CTN fala em causas de suspensão do crédito tributário, estabelece, na realidade, causas impeditivas do surgimento da exigibilidade (dependendo do momento diferentes exigibilidades estarão sendo impedidas: exigibilidade-autuação, exigibilidade-inscrição, exigibilidade-execução)[10]. Em outros termos, na opinião do autor, dependendo do momento, diferentes exigibilidades estarão sendo suspensas, uma vez que, a exigibilidade começa a surgir a partir do fato gerador e das consequentes modalidades de lançamento. Ou seja, exigibilidade de autuar, exigibilidade de homologar, etc. Assim, teria larga amplitude, pois nasce desde o fato gerador e vai até a extinção da obrigação. Não obstante o louvável posicionamento, não é este o entendimento que vem sendo adotado. Isto porque o Fisco não poderia estar impedido de constituir o crédito tributário, a não ser que lhe fosse vedado expressamente pelo Judiciário. Explicamos melhor: ao suspender-se a exigibilidade não ficaria suspensa a possibilidade de constituição do crédito, de modo que o Fisco poderia efetuar o lançamento, mas estaria impedido de efetuar a cobrança. É neste sentido que a doutrina pontua: “No Direito Tributário, as suspensões da exigibilidade do crédito normalmente ocorrem após o lançamento para impedir o ajuizamento da execução fiscal, como é o caso da moratória, do parcelamento, do deferimento de antecipação de tutela em sede de ação anulatória. Contudo, questão que consideramos interessante é a possibilidade de se pleitear a suspensão da exigibilidade antes do lançamento. Suponhamos então que a suspensão ocorra com o deferimento de antecipação da tutela em ação declaratória de inexistência de relação jurídica antes do lançamento. Nesse caso, considerando que a hipótese se enquadra no inciso V, do art. 151, do CTN, indaga-se se a Fazenda estaria impedida de efetuar o lançamento. A jurisprudência vem entendendo que a Fazenda não está impedida de efetuar o lançamento, de modo a evitar que ocorra a decadência, já que a mesma é um instituo jurídico que não se suspende nem se interrompe. Ademais o que se suspende é a exigibilidade do crédito e não a possibilidade de constituí-lo. Temos ainda, um fundamento próprio sobre o tema, que vem a corroborar a possibilidade do Fisco efetuar o lançamento qual seja o art. 63 da Lei 9430/96. Nesse sentido, temos que quando o juiz defere uma liminar ou uma antecipação de tutela, ele a concede com base em uma cognição sumária, pois analisa apenas a presença dos requisitos para a sua concessão, sem adentrar na análise de mérito. Posteriormente, com objetivo de julgar o mérito da causa, através de uma cognição exauriente o juiz entende que não assiste razão ao contribuinte e julga improcedente o pedido, revogando a medida liminar concedida. Nesse caso, entender que Fazenda estaria impedida de efetuar o lançamento, permitira que a decisão proferida em sede de cognição sumária, prevalecesse sobre a decisão exauriente, já que a ocorrência da decadência fulminaria o próprio crédito, não restando mais nenhuma alternativa de cobrança para Fazenda, pois a decadência extingue o crédito, na forma do art. 156, do CTN”.[11] Pensamos ser esta uma das únicas hipóteses onde poderíamos cogitar de certa limitação na amplitude e eficácia das medidas de urgência utilizadas pelo contribuinte. A doutrina enumera outros casos de limitação da amplitude da utilização das medidas de urgência e/ou liminares. Como exemplo, podemos citar a Lei nº 12.016/2009 que concedeu nova disciplina ao Mandado de Segurança e que em seu artigo 7º, § 2 preceitua: “Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:[…] § 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.” Entendemos que neste ponto o citado artigo é inconstitucional ao limitar o acesso e a gama de opções do contribuinte que se socorre do Judiciário. Inclusive porque o magistrado é a autoridade mais qualificada para determinar ou não a concessão da medida. Pela inconstitucionalidade da medida, as palavras pontuais de Fernando Lobo[12]: “Seja porque lei não poderia restringir o instituto da liminar, consubstancial ao writ constitucional, a ponto de tornar inócua e deformar a garantia constitucionalmente assegurada, seja porque a restrição legal não se justifica nem resiste aos requisitos mínimos de razoabilidade. O dispositivo legal em comento (art. 7º, §2º, da Lei n. 12.016, de 7—8-2009) incide em manifesta violação à cláusula do substantive due process of law, uma vez que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veicula prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos individuais, tal como tem proclamado a Suprema Corte”. Com estas considerações ressaltamos a importância da utilização das medidas de urgência pelo contribuinte, que em muitas ocasiões se vê coagido por um processo administrativo ou judicial tributário inconsistente ou irregular. 6)A jurisprudência sobre o tema James Marins adverte que temos poucos precedentes a respeito da Cautelar fiscal. Contudo, chama atenção para duas discussões travadas no STJ: RESP 279.209: trata a respeito da improcedência da cautelar fiscal contra o contribuinte quando presente causa de suspensão da exigibilidade do credito. RESP 689.472: a medida cautelar fiscal ensejadora de indisponibilidade do patrimônio do contribuinte pode ser intentada mesmo antes da constituição do crédito tributário nos termos do já analisado artigo 2º da lei.   Conclusão O presente artigo buscou realizar uma análise sistemática do processo civil e do direito tributário, analisando as medidas de urgência tanto em sua vertente teórica como pragmática. Se a medida cautelar fiscal é uma importante arma para o Fisco, a utilização das medidas de urgência pelo contribuinte são indispensáveis meios de defesa, garantidos constitucionalmente e que não podem sofrer limitações pelo legislador infraconstitucional.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/tutela-de-urgencia-tributaria/
Processo administrativo fiscal: alguns aspectos importantes
A presente pesquisa tem por escopo a análise de alguns aspectos do Processo Administrativo Fiscal no âmbito federal. Na consecução do presente trabalho, isento de qualquer pretensão de dissecar o assunto tratado, com supedâneo nos estudos, reflexões, debates nas aulas de seminário e críticas em relação às várias obras doutrinárias consultadas, bem como, fulcrado no respectivo entendimento jurisprudencial, sem, contudo, a ele se dobrar antes de uma coerente análise, será efetuada a abordagem, especificamente, de algumas questões relevantes, para os operadores do direito tributário alusivas ao Processo Administrativo Fiscal. Neste tema tão abrangente e rico, destaca-se a análise da competência do ônus da prova no Processo Administrativo Fiscal e o momento para apresentação de prova documental, bem como a disputa sem sentido entre verdade material e formal. Outra questão a ser tratada é a discussão quanto à possibilidade de os Tribunais Administrativos poderem afastar a aplicação de lei sob a alegação de sua incompatibilidade com a Constituição. Ademais, a análise quanto à probabilidade de revisão pelo Judiciário, de norma individual e concreta proferida no campo administrativo favorável ao contribuinte e a possibilidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ante a interposição intempestiva de recurso administrativo, também fazem parte do presente trabalho.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O processo administrativo fiscal tem por objeto a resolução de um conflito, em matéria tributária, cuja decisão é da competência de órgãos judicantes da Administração. Nesse mister, a Administração exerce a autotutela e controla internamente a legalidade de seus próprios atos. Por conseguinte, o Processo Administrativo Fiscal contempla o conjunto de normas que disciplina o regime jurídico processual administrativo aplicável às lides tributárias deduzidas perante a Administração Pública (pretensões tributárias e punitivas do Estado impugnadas administrativamente pelo contribuinte). Outrossim, o processo administrativo tributário é um mecanismo de revisão desencadeado por força de ação externa – ação dos particulares, detentores do direito de exigir que a Administração atue sempre na via do Direito; permite à Administração exercer controle sobre seus atos e se desenvolve quando existe uma reação do contribuinte contra o interesse público defendido pela Administração e do direito subjetivo atingido por essa atuação. A supremacia do interesse público, de acordo com a lei, obriga a Administração a realizar controle da legalidade de seus atos e se alinha como reforço da garantia dos contribuintes. Assim, o processo administrativo tributário é instrumento posto à disposição do contribuinte para obter resposta às suas pretensões, possibilitando a eliminação de conflito com o fisco[1]. Nesta senda, serão fixadas algumas premissas para o bom andamento da pesquisa no Capítulo I, algumas premissas serão fixadas, inclusive com a demarcação de nosso sistema de referência. No Capítulo II traçar-se-á um breve panorama sobre o Processo Administrativo Fiscal, com destaque para a legislação que o rege, princípios constitucionais aplicados ao processo administrativo fiscal e suas fases (impugnação, recursos etc.). A seguir o Capítulo III traz algumas discussões acerca da distinção sem sentido entre verdade material (real) e formal e da necessidade de prevalência da verdade lógica.  Já o Capítulo IV aborda tema relativo à competência do ônus da prova no mencionado processo e ainda até que momento o contribuinte pode proceder à apresentação de prova documental. Sequencialmente, a possibilidade de os Tribunais Administrativos poderem afastar a aplicação de lei sob a alegação de sua incompatibilidade com a Constituição Federal ou se tal procedimento é de competência exclusiva do Poder Judiciário, é ponto investigado no Capítulo V. No Capítulo VI será tratada a questão de cabimento ou não de revisão judicial por ação proposta pelo Fisco, de norma individual e concreta, definitiva, favorável ao contribuinte. Por fim, a possibilidade de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ante a interposição intempestiva de recurso administrativo, será aventada no Capítulo VII. Importa salientar, a intenção de sintetizar as idéias com o fito de produzir um texto conciso e objetivo, de modo a não nos perdermos em especificidades que de nenhuma forma iriam contribuir de maneira benéfica para a consecução do mister, sem deixar, contudo, de expressar nosso próprio entendimento, devidamente fundamentado, procurando manter a coerência, mesmo que, algumas vezes, ousemos discordar de argumentos de autoridade, sem, contudo, qualquer pretensão de esgotar o tema, mas, sim levar o leitor à reflexões acerca de questões pontuais.
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Prazos prescricionais dos créditos não tributários da União
Esse estudo traz ao leitor uma análise, legal e jurisprudencial, acerca dos prazos prescricionais aplicados aos diversos tipos de créditos de natureza não tributária da União.
Direito Tributário
Introdução: Antes de iniciar neste estudo, cumpre informar ao leitor o que são créditos tributários e os com natureza não tributária. Vejamos o art. 39 da Lei n° 4.320 de 1964, que estatui normas gerias de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. In verbis: “Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados nas respectivas rubricas orçamentárias. § 1º – Os créditos de que trata este artigo, exigíveis pelo transcurso do prazo para pagamento, serão inscritos, na forma da legislação própria, como Dívida Ativa, em registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, e a respectiva receita será escriturada a esse título. § 2º – Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais” ( grifo nosso). O art. 139 do CTN informa que “O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta”. Nesse passo, o crédito tributário decorrerá de uma obrigação principal cujo objeto são os tributos (impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais) ou seus respectivos adicionais e multas. Ademais, os créditos não tributários são os decorrentes de uma relação jurídica que não tem fundo tributário. São exemplos: multas pelo exercício do poder de polícia, as multas de qualquer origem ou natureza, como as administrativas, trabalhistas, penais e eleitorais; créditos decorrentes da utilização do patrimônio, como os foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação; dos créditos decorrentes de sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia de contratos em geral ou de outras obrigações, como os créditos rurais; créditos de ressarcimento ao erário; créditos de FGTS, entre outros.[1] Assim, introduzido este primeiro conceito, passemos à análise dos prazos prescricionais de alguns tipos de créditos não tributários da União. 1. Aspectos legais dos prazos prescricionais dos créditos não tributários da União. A Lei nº. 9.873, de 23 de novembro de 1999, que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, e que dá outras providências, teve alguns de seus artigos alterados pela Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009. Uma das principais alterações se deu com a inclusão do art 1º-A em sua composição, in verbis: “Art. 1o-A.  Constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do processo administrativo, prescreve em 5 (cinco) anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor.”(grifo meu). Em suma, a nova legislação positivou o prazo prescricional de cinco anos para a propositura da ação executória, contado da constituição definitiva do crédito não tributário, bem como passou a prever hipóteses de interrupção dessa prescrição. A Lei nº. 9.873/99 passou a ter a seguinte redação: “Art.1°: Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. § 1° : Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso. § 2° : Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.  Art. 1°-A : Constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do processo administrativo, prescreve em 5 (cinco) anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) (grifo meu)  Art. 2° : Interrompe-se a prescrição da ação punitiva: (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)  I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009) II – por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato; III – pela decisão condenatória recorrível. IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) Art. 2° A: Interrompe-se o prazo prescricional da ação executória:  (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)(grifo meu)  I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;  (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) II – pelo protesto judicial;  (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;  (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) IV – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor; (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) V – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) Art. 3° Suspende-se a prescrição durante a vigência: I – dos compromissos de cessação ou de desempenho, respectivamente, previstos nos arts. 53 e 58 da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994; II – do termo de compromisso de que trata o § 5o do art. 11 da Lei no 6.385, de 7 de dezembro de 1976, com a redação dada pela Lei no 9.457, de 5 de maio de 1997.  Art. 4° Ressalvadas as hipóteses de interrupção previstas no art. 2o, para as infrações ocorridas há mais de três anos, contados do dia 1o de julho de 1998, a prescrição operará em dois anos, a partir dessa data.  Art. 5° O disposto nesta Lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária.  Art. 6° Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória no 1.859-16, de 24 de setembro de 1999.  Art. 7° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.  Art. 8°  Ficam revogados o art. 33 da Lei no 6.385, de 1976, com a redação dada pela Lei no 9.457, de 1997, o art. 28 da Lei no 8.884, de 1994, e demais disposições em contrário, ainda que constantes de lei especial.” Assim, com a edição da Lei 11.941/09, não há mais discussão quanto à aplicabilidade da prescrição quinquenal para a propositura da execução. Por óbvio, a alteração promovida pela Lei 11.941/09 somente se aplicará aos créditos definitivamente constituídos a partir de sua vigência, que se deu com a publicação no Diário Oficial do dia 28/05/2009. Demais disso, quanto aos prazos prescricionais aplicados às multas em período anterior ao da supracitada Lei, a PGFN já se posicionou no sentido da aplicação o prazo quinquenal do art. 1º do Decreto nº 20.910/32, às multas administrativas, salvo quanto às multas eleitorais, penais e de FGTS. [2] 2. Prazos Prescricionais em espécie. Visão Jurisprudencial.   2.1 Multas eleitorais No caso das multas eleitorais, os tribunais (TRE's, TSE e STF) pacificaram o entendimento de que se aplica ao caso a prescrição ordinária das ações pessoais, nos termos da legislação civil, ou seja, o Código Civil. Contudo, a jurisprudência vacila entre os prazos dos artigos 205 do Código Civil de 2002: “Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.” E o prazo do art. 206, § 5: “Art. 206. Prescreve: § 5o  Em cinco anos: I – a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular; II – a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato; III – a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.” Como vimos acima, ao disciplinar a questão prescricional de algumas multas administrativas, fixando o prazo de cinco anos, a PGFN fez ressalva às multas eleitorais.  Por isso, aplicamos ainda o prazo prescricional de 10 anos vigente na orientação do E. Tribunal Superior Eleitoral, consubstanciado na Resolução n° 21.197, vejamos: “RESOLUÇÃO No 21.197  Processo Administrativo no 18.882 São Paulo – SP  Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo. Interessada: Corregedoria Regional Eleitoral de São Paulo. Multas eleitorais. Cobrança decorrente de ausência a eleições posteriores ao cancelamento da inscrição eleitoral. Cabimento. Prescrição. Termo inicial. O cancelamento de inscrição por ausência a três eleições consecutivas decorre de comando legal (arts. 7o, § 3o, e 71, V, Código Eleitoral) e constitui medida de depuração do cadastro eleitoral. Não se confunde com a imposição de penalidade de natureza pecuniária pelo não-comparecimento às eleições (art. 7o, caput, da mesma lei) a que, por essa razão, estará sujeito o infrator. A multa eleitoral constitui dívida ativa não tributária, para efeito de cobrança judicial, nos termos do que dispõe a legislação específica, incidente em matéria eleitoral, por força do disposto no art. 367, III e IV, do Código Eleitoral. À dívida ativa não tributária não se aplicam as regras atinentes à cobrança dos créditos fiscais, previstas no Código Tributário Nacional, ficando, portanto, sujeita à prescrição ordinária das ações pessoais, nos termos da legislação civil, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal. O termo inicial do prazo prescricional, observado o disposto no § 3o do art. 2o da Lei no 6.830/80, será o primeiro dia seguinte aos 30 (trinta) dias posteriores à realização da eleição a que tiver deixado de comparecer e de justificar a ausência. Vistos, etc.,Resolvem os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, responder à indagação, nos termos do voto do relator, que fica fazendo parte integrante desta decisão. Sala de Sessões do Tribunal Superior Eleitoral. Brasília, 3 de setembro de 2002. Ministro NELSON JOBIM, presidente – Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, relator. Publicada no DJ de 4.10.2002.”(grifo meu). Peço Vênia para transcrever parte do voto do ilustre Ministro Relator Sálvio de Figueiredo a respeito deste ponto: “Tratando-se, portanto, a multa eleitoral de espécie de dívida ativa não tributária estaria sujeita, ressalvado superior entendimento, ao prazo prescricional a ela imposto, na conformidade com o entendimento explicitado no referido precedente, qual seja, ao da prescrição ordinária das ações pessoais previsto na legislação civil em vigor, de vinte anos (Código Civil, art. 177). Lembro, por oportuno, que no texto do novo Código Civil (Lei no 10.406, de 10.1.2002, DOU de 11.1.2002), que somente entrará em vigor um ano após sua publicação, a prescrição ordinária passa a ser fixada em dez anos.” A jurisprudência dos Tribunais Eleitorais é neste sentido: “EMENTA: MULTA ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA. PRESCRIÇÃO. CÓDIGO CIVIL. 1. A execução de multa eleitoral é prevista no Código Eleitoral e disciplinada pela Resolução TSE nº 21.975/04 e pela Portaria TSE nº 288/05.2. As multas não satisfeitas no prazo de trinta dias do trânsito em julgado da decisão serão consideradas dívida líquida e certa, para efeito de cobrança, mediante executivo fiscal (Res. TSE nº 21.975/04, art. 3º e Portaria TSE nº 288/05, art. 4º), devendo os autos e o Termo de Inscrição de Multa Eleitoral serem encaminhados à Procuradoria da Fazenda Nacional.3. A dívida ativa tributária é aquela decorrente de impostos, taxas, contribuições, multas e encargos a estes relativos, exigíveis em virtude de lei tributária, após o regular procedimento administrativo de lançamento. Apenas para essa aplica-se o prazo prescricional previsto no art. 174 do CTN. 4. A multa decorrente de propaganda eleitoral irregular insere-se no conceito de dívida ativa não tributária (art. 39, § 2º, Lei 4.320/64). Inexistindo na legislação vigente prazo prescricional específico, aplica-se a prescrição decenal prevista no novo Código Civil brasileiro, porquanto caracterizada a regra de transição do art. 2028. O termo a quo da prescrição decenal é a data da vigência desse diploma, qual seja, 11/01/2003, o que resulta na não caracterização da prescrição.” TSE Res. nº 21.975/04, art. 3º e Portaria TSE Nº 288/05.(grifo meu). 2.2 Multas aplicadas por infrações administrativas decorrentes do exercício do poder de polícia Como vimos acima, a partir da vigência da Lei nº 11.941/09, o prazo prescricional das multas administrativas foi fixado expressamente em cinco anos. A dúvida, então, cinge-se ao período anterior ao da citada lei. Entretanto, isso também já foi dirimido diante da edição do Ato Declaratório nº 01/2020, fixando em cinco anos (previsão do art. 1º do Decreto nº 20.910/32)[3] como vimos acima.  Tal entendimento se deu, precipuamente, pelo fato de o STJ, vir decidindo reiteradas vezes, que, quando se trata de prescrição do direito de o ente público executar valor de multa administrativa, por esta estar revestida de natureza pública – pois é aplicada e exigida pela Administração Pública, diante da inexistência de regra própria e específica, deve-se aplicar o prazo quinquenal estabelecido no art. 1º do Dec. 20.910/32. Isso, inclusive, foi decidido em sede de recurso repetitivo: “ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. PRESCRIÇÃO. SUCESSÃO LEGISLATIVA. LEI 9.873/99. PRAZO DECADENCIAL. OBSERVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC E À RESOLUÇÃO STJ N.º 08/2008. 1. A Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental de São Paulo-CETESB aplicou multa à ora recorrente pelo fato de ter promovido a "queima da palha de cana-de-açúcar ao ar livre, no sítio São José, Município de Itapuí, em área localizada a menos de 1 Km do perímetro urbano, causando inconvenientes ao bem-estar público, por emissão de fumaça e fuligem" (fl. 28). 2. A jurisprudência desta Corte tem reconhecido que é de cinco anos o prazo para a cobrança da multa aplicada ante infração administrativa ao meio ambiente, nos termos do Decreto n.º 20.910/32, o qual que deve ser aplicado por isonomia, à falta de regra específica para regular esse prazo prescricional. 3. Não obstante seja aplicável a prescrição quinquenal, com base no Decreto 20.910/32, há um segundo ponto a ser examinado no recurso especial – termo inicial da prescrição – que torna correta a tese acolhida no acórdão recorrido. 4. A Corte de origem considerou como termo inicial do prazo a data do encerramento do processo administrativo que culminou com a aplicação da multa por infração à legislação do meio ambiente. A recorrente defende que o termo a quo é a data do ato infracional, ou seja, data da ocorrência da infração. 5. O termo inicial da prescrição coincide com o momento da ocorrência da lesão ao direito, consagração do princípio universal da actio nata. Nesses termos, em se tratando de multa administrativa, a prescrição da ação de cobrança somente tem início com o vencimento do crédito sem pagamento, quando se torna inadimplente o administrado infrator. Antes disso, e enquanto não se encerrar o processo administrativo de imposição da penalidade, não corre prazo prescricional, porque o crédito ainda não está definitivamente constituído e simplesmente não pode ser cobrado. 6. No caso, o procedimento administrativo encerrou-se apenas em 24 de março de 1999, nada obstante tenha ocorrido a infração em 08 de agosto de 1997. A execução fiscal foi proposta em 31 de julho de 2002, portanto, pouco mais de três anos a contar da constituição definitiva do crédito. 7. Nesses termos, embora esteja incorreto o acórdão recorrido quanto à aplicação do art. 205 do novo Código Civil para reger o prazo de prescrição de crédito de natureza pública, deve ser mantido por seu segundo fundamento, pois o termo inicial da prescrição quinquenal deve ser o dia imediato ao vencimento do crédito decorrente da multa aplicada e não a data da própria infração, quando ainda não era exigível a dívida. 8. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao art. 543-C do CPC e à Resolução STJ n.º 08/2008. (RESP 200900441413, CASTRO MEIRA, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:08/02/2010.)ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. PRESCRIÇÃO. SUCESSÃO LEGISLATIVA. LEI 9.873/99. PRAZO DECADENCIAL. OBSERVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC E À RESOLUÇÃO STJ N.º 08/2008. 1. A Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental de São Paulo-CETESB aplicou multa à ora recorrente pelo fato de ter promovido a "queima da palha de cana-de-açúcar ao ar livre, no sítio São José, Município de Itapuí, em área localizada a menos de 1 Km do perímetro urbano, causando inconvenientes ao bem-estar público, por emissão de fumaça e fuligem" (fl. 28). 2. A jurisprudência desta Corte tem reconhecido que é de cinco anos o prazo para a cobrança da multa aplicada ante infração administrativa ao meio ambiente, nos termos do Decreto n.º 20.910/32, o qual que deve ser aplicado por isonomia, à falta de regra específica para regular esse prazo prescricional. 3. Não obstante seja aplicável a prescrição quinquenal, com base no Decreto 20.910/32, há um segundo ponto a ser examinado no recurso especial – termo inicial da prescrição – que torna correta a tese acolhida no acórdão recorrido. 4. A Corte de origem considerou como termo inicial do prazo a data do encerramento do processo administrativo que culminou com a aplicação da multa por infração à legislação do meio ambiente. A recorrente defende que o termo a quo é a data do ato infracional, ou seja, data da ocorrência da infração. 5. O termo inicial da prescrição coincide com o momento da ocorrência da lesão ao direito, consagração do princípio universal da actio nata. Nesses termos, em se tratando de multa administrativa, a prescrição da ação de cobrança somente tem início com o vencimento do crédito sem pagamento, quando se torna inadimplente o administrado infrator. Antes disso, e enquanto não se encerrar o processo administrativo de imposição da penalidade, não corre prazo prescricional, porque o crédito ainda não está definitivamente constituído e simplesmente não pode ser cobrado. 6. No caso, o procedimento administrativo encerrou-se apenas em 24 de março de 1999, nada obstante tenha ocorrido a infração em 08 de agosto de 1997. A execução fiscal foi proposta em 31 de julho de 2002, portanto, pouco mais de três anos a contar da constituição definitiva do crédito. 7. Nesses termos, embora esteja incorreto o acórdão recorrido quanto à aplicação do art. 205 do novo Código Civil para reger o prazo de prescrição de crédito de natureza pública, deve ser mantido por seu segundo fundamento, pois o termo inicial da prescrição quinquenal deve ser o dia imediato ao vencimento do crédito decorrente da multa aplicada e não a data da própria infração, quando ainda não era exigível a dívida. 8. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao art. 543-C do CPC e à Resolução STJ n.º 08/2008.” (RESP 200900441413, CASTRO MEIRA, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:08/02/2010.) “PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. DECRETO N. 20.910/32. TEMA JÁ JULGADO PELO REGIME DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO N. 8/08 DO STJ, QUE TRATAM DOS RECURSOS REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A orientação desta Corte Superior firmou-se no sentido de que, em atenção ao princípio da isonomia, é de cinco anos o prazo para que a Administração Pública promova a execução de créditos decorrentes da aplicação de multa administrativa, se não houver previsão legal específica em sentido diverso, em face da aplicabilidade do Decreto n. 20.910/32. 2. Matéria decidida pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no REsp n. 1.112.577 – SP, de relatoria do Exmo. Min. Castro Meira, submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução n. 8/08 do STJ, que tratam dos recursos representativos da controvérsia, publicado no DJe de 8.2.2009. 3. No âmbito específico dos municípios, entendimento análogo ficou fixado no julgamento, em 9.12.2009, também pela Primeira Seção do STJ, do Resp. n. 1.105.442 – RJ, de relatoria do Exmo. Min. Hamilton Carvalhido, em regime de julgamento de recursos repetitivos. 4. Agravo regimental não provido.” (AGA 200801569714, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:19/05/2010.) 2.3 Multas por infrações à legislação trabalhista O prazo prescricional das multas trabalhistas sempre suscitou divergências, tendo em vista a inexistência de regra própria e específica acerca do mesmo. Sendo assim, aplicava-se o prazo prescricional de: vinte anos, regra geral, prevista no Código Civil de 1916, em seu art. 177, e de dez anos conforme o art. 205 do novo Código. Entretanto, o Tribunal Superior do Trabalho, vem, recentemente, uniformizando o entendimento de que “ante a inexistência de preceito legal especificamente destinado a reger a prescrição relativa à multa administrativa, inclinou-se a jurisprudência no sentido de recorrer à aplicação analógica do artigo 1º do Decreto nº 20.910/1932, de forma a igualar em cinco anos o prazo de cobrança das dívidas ativa e passiva da Fazenda Pública.” In verbis: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MULTA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 205 DO CC. NÃO CONFIGURAÇÃO. NÃO PROVIMENTO. Ante a inexistência de preceito legal especificamente destinado a reger a prescrição relativa à multa administrativa, inclinou-se a jurisprudência no sentido de recorrer à aplicação analógica do artigo 1º do Decreto nº 20.910/1932, de forma a igualar em cinco anos o prazo de cobrança das dívidas ativa e passiva da Fazenda Pública. Precedentes. Assim, sendo inaplicáveis, ainda que de forma subsidiária, as regras acerca de prescrição previstas no Código Civil, impossível vislumbrar-se a alegada violação do artigo 205 do CC. Agravo de instrumento a que se nega provimento.”- (TST-AIRR-2864/2005-036-23-40.8, Min. Guilherme Caputo Bastos, DJ 02/10/2009)(grifo meu). “AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA (ART. 114, VII, CF). PRAZO PRESCRICIONAL APLICÁVEL. NÃO-INCIDÊNCIA DAS RESTRIÇÕES PREVISTAS NA SÚMULA 266/TST E NO ART. 896, § 2º, DA CLT, QUANTO AO RECURSO DE REVISTA. Em se tratando de execução fiscal de dívida ativa regulada pela Lei 6.830/80 (nova competência da Justiça do Trabalho: art. 114, VII, CF, desde EC 45/2004), a análise do recurso de revista não está adstrita aos limites impostos pelo art. 896, § 2º, da CLT e da Súmula 266/TST, em face da necessária cognição mais ampla constitucionalmente franqueada ao jurisdicionado apenado, a par da necessidade institucional da uniformização da interpretação legal e constitucional na República e Federação. No mérito, é de cinco anos o prazo prescricional para a cobrança judicial de multa administrativa pela Fazenda Pública, nos termos dos arts. 1º do Decreto 20.910/32 e 1º da Lei 9.873/99. Precedentes do STJ e desta Corte. Agravo de Instrumento desprovido.” (AIRR – 179340-18.2008.5.06.0102, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, DEJT 11/12/2009). 2.4 Multas penais A Lei nº. 9.268/96 passou a determinar, no art. 51 do CP, que, "transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição". Como a Lei nº 6.830/80 não fixa prazo de prescrição específico para cobrança de dívida de valor, mas tão somente estabelece causas interruptivas e suspensivas, desarrazoado se afigura pretender a incidência do artigo 174 do CTN que fixa prazo de cinco anos para fins de prescrição. Isso porque a dívida perante o Estado não possui natureza tributária, embora submetida à cobrança pelo regime de execução fiscal. Nesse contexto, é mister atentar para a circunstância de que o prazo prescricional de cinco anos, previsto no artigo 174 do Código Tributário Nacional, diz respeito apenas à ação para cobrança de crédito tributário, categoria em que não se enquadra a multa penal. Nesse diapasão, face à inexistência de lei específica acerca do prazo prescricional dessas multas, alguns Tribunais aplicam o prazo genérico do artigo 205 do Novo Código Civil, que estabelece prescrição em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. Mas, recentemente, o STJ vem decidindo aplicar o prazo prescricional de cinco anos previsto no Decreto nº 20.910/32: “TRIBUTÁRIO E PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA CRIMINAL. CRÉDITO DE NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. RELAÇÃO DE SUBORDINAÇÃO. INAPLICABILIDADE DAS NORMAS DO CÓDIGO CIVIL. LEI N. 20.910/32. PRESCRIÇÃO CONSUMADA. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou-se no sentido de que o crédito decorrente de multa criminal arbitrada em sentença penal condenatória, por se tratar de dívida não tributária, não se submete à prescrição prevista no CTN, nem também àquela prevista no Código Civil, uma vez que se insere no âmbito do Direito Público, onde o Estado, no exercício do jus imperii, impõe ao réu a obrigação de pagar a multa decorrente de condenação penal. 2. Inexistindo regramento legal específico, a única solução capaz de resolver o impasse consiste em se aplicar a tal crédito o prazo prescricional estabelecido pelo art. 1º do Decreto nº. 20.910/32, adotando-se, como vetor jurisprudencial, o princípio da simetria. 3. Tendo sido ajuizada a execução fiscal após 5 anos da notificação do réu-executado do trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 51 do CPB), consumada restou a prescrição, nos termos do art. 1º do Decreto n. 20.910/32. 4. Apelação desprovida. Sentença mantida, ainda que por fundamento diverso.” (AC 200801990238650, JUIZ FEDERAL CLEBERSON JOSÉ ROCHA (CONV.), TRF1 – OITAVA TURMA, e-DJF1 DATA:06/05/2011 PAGINA:.) (grifei). 2.5 Receitas patrimoniais A Lei nº 9.636/98 fixa os seguintes prazos de prescrição e decadência para as receitas patrimoniais: “Art. 47. O crédito originado de receita patrimonial será submetido aos seguintes prazos: (Redação dada pela Lei nº 10.852, de 2004) I – decadencial de dez anos para sua constituição, mediante lançamento; e  (Incluído pela Lei nº 10.852, de 2004) II – prescricional de cinco anos para sua exigência, contados do lançamento. (Incluído pela Lei nº 10.852, de 2004).” Para os períodos anteriores a essa Lei, as receitas patrimoniais da União – em especial, a taxa de ocupação, o foro e o laudêmio, por terem natureza de direito pessoal, receitas não tributárias – estavam sujeitas, para a sua cobrança, na falta de disposição especial expressa, ao prazo prescricional geral de vinte anos, consoante previsto no art. 177 do Código Civil Brasileiro de 1916. A Jurisprudência corrobora deste entendimento: “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. TAXA DE OCUPAÇÃO DE TERRENO DA MARINHA. PRESCRIÇÃO. IRRETROATIVIDADE DA LEI 9.636/98. 1. São objetos da presente ação executiva valores não-recolhidos a título de taxa de ocupação referentes aos anos-base de 1991 a 2002. A notificação, ou seja, a constituição de todos esses créditos se deu em data de 28/02/2003. A ação foi ajuizada em 28/10/2003, sem notícia de que tenha sido efetivada a citação. 2. Sobre o cômputo do lapso prescricional relativo à matéria objeto da controvérsia, tem-se que: a) antes da vigência do art. 47 da Lei 9.636/98 (18/05/1998), em sua redação original, a cobrança da taxa de ocupação de terreno da marinha sujeitava-se, enquanto preço público, ao prazo prescricional vintenário estabelecido no Código Civil de 1916; b) em 18/05/1998, com a vigência da Lei 9.636/98, em seu art. 47, instituiu-se a prescrição qüinqüenal para a cobrança; c) em 1999 foi publicada a Lei 9.821/99, em vigor desde 24/08/1999, que novamente modificou o artigo 47 da Lei 9.636/98, de modo que a taxa de ocupação passou a sujeitar-se também ao prazo decadencial de cinco anos para a sua constituição, mediante lançamento, ficando mantido o prazo prescricional qüinqüenal para a exigência do crédito; d) adveio a Lei 10.852/2004, que alterou o art. 47 da Lei 9.636/98. Desde a sua vigência, o prazo decadencial foi majorado para dez anos, mantido o lapso prescricional de cinco anos a ser contado do lançamento. 3. Não há como dar aplicação retroativa a leis que fixam ou reduzem prazo prescricional ou decadencial (Resp 841.689/AL, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 29/03/2007, unânime, Primeira Turma).  4. Na esteira desse pronunciamento, considerando os elementos do caso concreto, podemos deduzir o seguinte: a) quanto aos valores referentes ao período compreendido entre 1991 e 1998, quando do início da vigência da Lei 9.636/98, que implementou o prazo prescricional de cinco anos para a cobrança dos créditos da Fazenda Nacional decorrentes de receitas patrimoniais, reduzindo-o, não transcorrera nem a metade do lapso temporal de vinte anos disciplinado pelo Código Civil de 1916, pelo que não estão de modo algum atingidos pela prescrição; b) o lustro prescricional previsto na Lei 9.636/98, independentemente de prazo decadencial, passou a ter incidência somente a partir 18/05/1998; c) anteriormente ao decurso do lapso previsto na redação originária da Lei 9.636/1998, que findaria em 18/05/2003, sobreveio inovação legislativa (Lei 9.821, em vigor desde 24/08/1999) que culminou na majoração do prazo total para a cobrança, pois o prazo temporal prescricional passou a ser contado da constituição do crédito mediante lançamento; d) assim, considerando a realização do lançamento em 28/02/2003, a pretensão executória só estaria prescrita em 28/02/2007. No presente caso, a ação foi ajuizada em 28/10/2003. 5. Recurso especial provido para afastar a prescrição decretada pelos juízos ordinários.” (STJ – PRIMEIRA TURMA; RESP 200703048919 RESP – RECURSO ESPECIAL – 1015297; JOSÉ DELGADO; DJE DATA:21/05/2008)(grifei). “ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. PRESCRIÇÃO. -No tocante à taxa de ocupação, trata-se de preço público e não tributo, sendo uma contra prestação que o particular deve pagar à União Federal em virtude da utilização de um terreno de marinha. – Considerando as dívidas discriminadas na Certidão de Dívida Ativa que instrui a execução, as taxas de ocupação ali referidas não se encontram prescritas, haja vista a incidência do prazo de 20 anos previsto pelo Código Civil de 1916. – Apelação conhecida e desprovida.”  (TRF 4.ª REGIÃO, 3.ª Turma, AC 200471010015691/RS, rel. DF CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, v.u. 26.09.2005, DJU 19.10.2005, p. 1000) [grifou-se] Entretanto, recentemente, o STJ fixou entendimento no sentido de que o prazo prescricional para a cobrança da taxa de ocupação de terrenos de marinha é de cinco anos, independentemente do período considerado. Isso se deve ao fato de que os débitos posteriores a 1998 se submetem ao prazo quinquenal, à luz do que dispõe a Lei 9.636/98, e os anteriores à citada lei, em face da ausência de previsão normativa específica, se subsume ao prazo encartado no art. 1º do Decreto-Lei 20.910/1932. Vejamos a decisão que foi tomada sob o rito do art. 543-C do CPC, in verbis: “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. TERRENOS DE MARINHA. COBRANÇA DA TAXA DE OCUPAÇÃO. PRESCRIÇÃO. DECRETO-LEI 20.910/32 E LEI Nº 9.636/98. DECADÊNCIA. LEI 9.821/99. PRAZO QUINQUENAL. LEI 10.852/2004. PRAZO DECENAL MARCO INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO. ART. 8º, § 2º, DA LEI 6.830/80. REFORMATIO IN PEJUS. NÃO CONFIGURADA. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, CPC. INOCORRÊNCIA. 1. O prazo prescricional, para a cobrança da taxa de ocupação de terrenos de marinha, é de cinco anos, independentemente do período considerado, uma vez que os débitos posteriores a 1998, se submetem ao prazo quinquenal, à luz do que dispõe a Lei 9.636/98, e os anteriores à citada lei, em face da ausência de previsão normativa específica, se subsumem ao prazo encartado no art. 1º do Decreto-Lei 20.910/1932. Precedentes do STJ: AgRg no REsp 944.126/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 22/02/2010; AgRg no REsp 1035822/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 18/02/2010; REsp 1044105/PE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 14/09/2009; REsp 1063274/PE, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe 04/08/2009; EREsp 961064/CE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Rel. p/ Acórdão Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 31/08/2009. 2. A relação de direito material que enseja o pagamento da taxa de ocupação de terrenos de marinha é regida pelo Direito Administrativo, por isso que inaplicável a prescrição delineada no Código Civil. 3. O art. 47 da Lei 9.636/98, na sua evolução legislativa, assim dispunha: Redação original: "Art. 47. Prescrevem em cinco anos os débitos para com a Fazenda Nacional decorrentes de receitas patrimoniais. Parágrafo único. Para efeito da caducidade de que trata o art. 101 do Decreto-Lei no 9.760, de 1946, serão considerados também os débitos alcançados pela prescrição." Redação conferida pela Lei 9.821/99: "Art. 47. Fica sujeita ao prazo de decadência de cinco anos a constituição, mediante lançamento, de créditos originados em receitas patrimoniais, que se submeterão ao prazo prescricional de cinco anos para a sua exigência. § 1º O prazo de decadência de que trata o caput conta-se do instante em que o respectivo crédito poderia ser constituído, a partir do conhecimento por iniciativa da União ou por solicitação do interessado das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da receita patrimonial, ficando limitada a cinco anos a cobrança de créditos relativos a período anterior ao conhecimento. § 2º Os débitos cujos créditos foram alcançados pela prescrição serão considerados apenas para o efeito da caracterização da ocorrência de caducidade de que trata o parágrafo único do art. 101 do Decreto-Lei no 9.760, de 1946, com a redação dada pelo art. 32 desta Lei." Redação conferida pela Lei 10.852/2004: "Art. 47. O crédito originado de receita patrimonial será submetido aos seguintes prazos: I – decadencial de dez anos para sua constituição, mediante lançamento; e II – prescricional de cinco anos para sua exigência, contados do lançamento. § 1º O prazo de decadência de que trata o caput conta-se do instante em que o respectivo crédito poderia ser constituído, a partir do conhecimento por iniciativa da União ou por solicitação do interessado das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da receita patrimonial, ficando limitada a cinco anos a cobrança de créditos relativos a período anterior ao conhecimento. § 2º Os débitos cujos créditos foram alcançados pela prescrição serão considerados apenas para o efeito da caracterização da ocorrência de caducidade de que trata o parágrafo único do art. 101 do Decreto-Lei no 9.760, de 1946, com a redação dada pelo art. 32 desta Lei." 4. Em síntese, a cobrança da taxa in foco, no que tange à decadência e à prescrição, encontra-se assim regulada: (a) o prazo prescricional, anteriormente à edição da Lei 9.363/98, era quinquenal, nos termos do art. 1º, do Decreto 20.910/32; (b) a Lei 9.636/98, em seu art. 47, institui a prescrição qüinqüenal para a cobrança do aludido crédito; (c) o referido preceito legal foi modificado pela Lei 9.821/99, que passou a vigorar a partir do dia 24 de agosto de 1999, instituindo prazo decadencial de cinco anos para constituição do crédito, mediante lançamento, mantendo-se, todavia, o prazo prescricional qüinqüenal para a sua exigência; (d) consectariamente, os créditos anteriores à edição da Lei nº 9.821/99 não estavam sujeitos à decadência, mas somente a prazo prescricional de cinco anos (art. 1º do Decreto nº 20.910/32 ou 47 da Lei nº 9.636/98); (e) com o advento da Lei 10.852/2004, publicada no DOU de 30 de março de 2004, houve nova alteração do art. 47 da Lei 9.636/98, ocasião em que foi estendido o prazo decadencial para dez anos, mantido o lapso prescricional de cinco anos, a ser contado do lançamento. 5. In casu, a exigência da taxa de ocupação de terrenos de marinha refere-se ao período compreendido entre 1991 a 2002, tendo sido o crédito constituído, mediante lançamento, em 05.11.2002 (fl. 13), e a execução proposta em 13.01.2004 (fl. 02) 6. As anuidades dos anos de 1990 a 1998 não se sujeitam à decadência, porquanto ainda não vigente a Lei 9.821/99, mas deveriam ser cobradas dentro do lapso temporal de cinco anos anteriores ao ajuizamento da demanda, razão pela qual encontram-se prescritas as parcelas anteriores a 20/10/1998. 7. As anuidades relativas ao período de 1999 a 2002 sujeitam-se a prazos decadencial e prescricional de cinco anos, razão pela qual os créditos referentes a esses quatro exercícios foram constituídos dentro do prazo legal de cinco anos (05.11.2002) e cobrados também no prazo de cinco anos a contar da constituição (13.01.2004), não se podendo falar em decadência ou prescrição do crédito em cobrança. 8. Contudo, em sede de Recurso Especial exclusivo da Fazenda Nacional, impõe-se o não reconhecimento da prescrição dos créditos anteriores a 20/10/1998, sob pena de incorrer-se em reformatio in pejus. 9. Os créditos objeto de execução fiscal que não ostentam natureza tributária, como sói ser a taxa de ocupação de terrenos de marinha, têm como marco interruptivo da prescrição o despacho do Juiz que determina a citação, a teor do que dispõe o art. 8º, § 2º, da Lei 6.830/1980, sendo certo que a Lei de Execuções Fiscais é lei especial em relação ao art. 219 do CPC. Precedentes do STJ: AgRg no Ag 1180627/SP, PRIMEIRA TURMA, DJe 07/05/2010; REsp 1148455/SP, SEGUNDA TURMA, DJe 23/10/2009; AgRg no AgRg no REsp 981.480/SP, SEGUNDA TURMA, Dje 13/03/2009; e AgRg no Ag 1041976/SP, SEGUNDA TURMA, DJe 07/11/2008. 10. É defeso ao julgador, em sede de remessa necessária, agravar a situação da Autarquia Federal, à luz da Sumula 45/STJ, mutatis mutandis, com mais razão erige-se o impedimento de fazê-lo, em sede de apelação interposta pela Fazenda Pública, por força do princípio da vedação da reformatio in pejus. Precedentes desta Corte em hipóteses análogas: RESP 644700/PR, DJ de 15.03.2006; REsp 704698/PR, DJ de 16.10.2006 e REsp 806828/SC, DJ de 16.10.2006. 11. No caso sub examine não se denota o agravamento da situação da Fazenda Nacional, consoante se infere do excerto voto condutor do acórdão recorrido: "(…) o primeiro ponto dos aclaratórios se baseia na reformatio in pejus. O acórdão proferido, ao negar provimento à apelação, mantém os termos da sentença, portanto, reforma não houve. O relator apenas utilizou outra fundamentação para manter a decisão proferida, o que não implica em modificação da sentença" (fl. 75) 12. Os Embargos de Declaração que enfrentam explicitamente a questão embargada não ensejam recurso especial pela violação do artigo 535, II, do CPC, tanto mais que, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 13. Recurso Especial provido, para afastar a decadência, determinando o retorno dos autos à instância ordinária para prosseguimento da execução. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.” (RESP 200901311091, LUIZ FUX, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:17/12/2010.) (grifo meu). Por derradeiro, deve ser este os prazos prescricionais que serão adotados no que concerne a essas receitas.  2.6 Crédito rural Muita discussão surgiu no que concerne ao prazo prescricional dos créditos rurais, tendo em vista a sua natureza jurídica subjacente contratual. Assim, havia quem aplicasse o prazo trienal da Lei Uniforme de Genebra, que não foi corroborado pela jurisprudência, visto sua aplicação se restringir apenas aos títulos cambiais enquanto eles conservarem essa característica. A propósito, o julgado abaixo: “CIVIL. PROCESSO CIVIL.TÍTULO DE CRÉDITO. CESSÃO DE CÉDULA RURAL. MP 2196-3/2001. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. AÇÃO CAMBIAL. LEI UNIFORME DE GENEBRA. NATUREZA JURÍDICA DA DÍVIDA. DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DO DECRETO Nº 20.901/32. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO. – O crédito oriundo de Cédula Rural cedido à União Federal por força da Medida Provisória nº 2.196-3/2001, uma vez inscrito em dívida ativa, será considerado dívida não tributária e deve ser cobrado por meio de execução fiscal e sua prescrição será regulada pelo prazo qüinqüenal do Decreto nº 20.910/32. – Nessa situação, não se aplica o prazo trienal da Lei Uniforme de Genebra, aplicável apenas aos títulos cambiais enquanto eles conservarem essa característica. – Agravo de Instrumento conhecido e provido. (AG 00041076220104050000, Desembargador Federal Frederico Pinto de Azevedo, TRF5 – Quarta Turma, 23/06/2010)CIVIL. PROCESSO CIVIL.TÍTULO DE CRÉDITO. CESSÃO DE CÉDULA RURAL. MP 2196-3/2001. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. AÇÃO CAMBIAL. LEI UNIFORME DE GENEBRA. NATUREZA JURÍDICA DA DÍVIDA. DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA. […] – NESSA SITUAÇÃO, NÃO SE APLICA O PRAZO TRIENAL DA LEI UNIFORME DE GENEBRA, APLICÁVEL APENAS AOS TÍTULOS CAMBIAIS ENQUANTO ELES CONSERVAREM ESSA CARACTERÍSTICA. – Agravo de Instrumento conhecido e provido.” (AG 00041076220104050000, Desembargador Federal Frederico Pinto de Azevedo, TRF5 – Quarta Turma, 23/06/2010) (grifo meu) Mas, a doutrina e jurisprudência se inclinaram para a aplicação dos prazos prescricionais das ações pessoais que eram: de vinte anos (art. 177 do CC de 1916) ou de dez anos (art. 205 do NCC), aplicando-se a regra de direito intertemporal do art. 2.028[4] do novo Código Civil Brasileiro, que entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003. Nesse sentido, é o julgado abaixo: “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – VALORES DEVIDOS A INSTITUIÇÃO BANCÁRIA OFICIAL – CONTRATO DE FINANCIAMENTO – SUB-ROGAÇÃO OCORRIDA NOS TERMOS DA LEI Nº 9.626/98 – AJUIZAMENTO DA COBRANÇA DURANTE A VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 – PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA – […] 3 – A DÍVIDA ALTERCADA É REFERENTE A NOTA DE CRÉDITO COMERCIAL (fls. 129/131), VINCULADA A FINANCIAMENTO CONCEDIDO PELO BANCO DE RORAIMA S.A., a título de Capital de Giro, à Firma Individual A. C. L. do Nascimento, garantida mediante FIANÇA prestada pela Excipiente, DALVA MARIA LAVOR DO NASCIMENTO, COM SUB-ROGAÇÃO OCORRIDA NOS TERMOS DA LEI Nº 9.626/98. 4 – "SERÃO OS DA LEI ANTERIOR OS PRAZOS, QUANDO REDUZIDOS POR ESTE CÓDIGO, E SE, NA DATA DE SUA ENTRADA EM VIGOR, JÁ HOUVER TRANSCORRIDO MAIS DA METADE DO TEMPO ESTABELECIDO NA LEI REVOGADA." (Novo Código Civil – Lei nº 10.406/2002 art. 2.028.) 5 – FORMALIZADO O CONTRATO DE FINANCIAMENTO EM 15/8/85, COM DATA DE VENCIMENTO PREVISTA PARA 15/8/87, A PRESCRIÇÃO ESTARIA CONSUMADA EM 16/8/2007, pois, efetivado o ajuizamento da cobrança em 09/8/2002, durante a vigência do ANTIGO CÓDIGO CIVIL, QUE, EM SEU ART. 177, dispunha ser de vinte anos o prazo de prescrição, e já transcorrido mais da metade desse tempo no início da vigência do novo Código Civil em 11/01/2003, não prevalece o novo prazo, de dez anos, estabelecido no ART. 205 DA LEI REVOGADORA. Logo, não há como se falar na espécie em decadência ou prescrição. 6 – "A Dívida Ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez" e "a presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite." (Lei nº 6.830/80, art. 3º, parágrafo único.) 7 – Cabendo à Excipiente o ônus da prova (Código de Processo Civil, art. 333, I), sem que dele se tenha desincumbido, limitando-se a meras alegações e não havendo qualquer manifestação sobre a falta de liquidez e certeza do título executivo, improcede sua postulação. 8 – Apelação e Remessa oficial providas. 9 – Sentença reformada.” (AC 200242000012644, DESEMBARGADOR FEDERAL CATÃO ALVES, TRF1 – SÉTIMA TURMA, 04/02/2011) (grifo meu). 2.7 FGTS O prazo prescricional para cobrança de multas relacionadas ao FGTS está previsto no art. 23, § 5º, da Lei nº 8.036/90,  in verbis: “Art. 23 § 5º O processo de fiscalização, de autuação e de imposição de multas reger-se-á pelo disposto no Título VII da CLT, respeitando o privilégio do FGTS à prescrição trintenária” (grifo meu). Observa-se, assim, que a cobrança da multa em tela, a despeito de regular-se pela Consolidação das Leis Trabalhistas, possui todas as especialidades concernentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), especialmente no que toca ao lapso prescricional. Nesse sentir, inclusive, a Súmula nº 210, do Superior Tribunal de Justiça e Enunciado nº 362 do TST: “Súmula 210 – A ação de cobrança das contribuições para o FGTS prescreve em 30 (trinta) anos” (grifo meu). “Enunciado 362- É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o não-recolhimento da contribuição para o FGTS, observado o prazo de 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho.” ( grifo meu). Cabe ressaltar que o STF iniciou debate sobre prazo de prescrição quanto ao FGTS, e o ministro Gilmar Mendes propôs hoje uma revisão desse entendimento. Segue abaixo o Informativo nº 634 do STF[5].  “INFORMATIVO Nº 634 TÍTULO :FGTS e prescrição trintenária – 3 PROCESSO:RE522897 ARTIGO Destacou, ademais, que o tema, quanto ao prazo prescricional, deveria ser revisto à luz do que dispõe a ordem constitucional vigente, com o exame das consequências da constitucionalização do instituto levado a efeito apenas com a promulgação da nova Carta. Nesse contexto, observou que o art. 7º, XXIX, da CF conteria determinação expressa acerca do prazo de prescrição referente à propositura de ações atinentes a “créditos resultantes das relações de trabalho”. Apontou que a aplicabilidade do que nele contido à cobrança judicial dos valores devidos ao FGTS fora, inclusive, reconhecida pelo TST, ao editar o Enunciado 362 [“É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o não recolhimento da contribuição para o FGTS, observado o prazo de 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho”]. Frisou que, no entanto, o entendimento da Corte trabalhista, de ser aplicável apenas parte do dispositivo constitucional, mostrar-se-ia, além de contraditório, em dissonância com o postulado hermenêutico da máxima eficácia das normas constitucionais. Sinalizou que o prazo deveria ser o de 5 anos, previsto no inciso XXIX do art. 7º da CF. Em seguida, ponderou que, por mais de 20 anos, tanto o Supremo quanto o TST, mantiveram posicionamento de que o prazo prescricional do FGTS seria de 30 anos. Aludiu à possibilidade de se modular efeitos em sede de controle incidental. Por fim, assinalou que, no caso, o princípio da segurança jurídica recomendaria fosse mitigado o princípio da nulidade da lei inconstitucional, com a consequente modulação de efeitos da decisão, de forma a resguardar as legítimas expectativas dos trabalhadores brasileiros, que se pautavam em manifestações, até então inequívocas, do tribunal competente para dizer a última palavra sobre a interpretação da Constituição e da Corte responsável pela uniformização da legislação trabalhista. Após o voto da Min. Ellen Gracie, que acompanhou o relator, pediu vista dos autos o Min. Ayres Britto. RE 522897/RN, rel. Min. Gilmar Mendes, 4.8.2011. (RE-522897) (grifo meu). Considerações Finais Como vimos os créditos de natureza não tributária da União, como as multas eleitorais, multas aplicadas pelas Polícias Rodoviária e Federal, créditos decorrentes da utilização dos bens públicos, entre tantos outros exemplos, devem ser cobrados dos contribuintes, em um determinado prazo estipulado pela lei. Assim como os tributos, que possuem um prazo prescricional específico, de cinco anos, que é o prazo que corre contra o ente público, os créditos de natureza não tributária possuem diversos prazos para a sua cobrança. E, em alguns tipos, a própria Jurisprudência oscila, constantemente, nos lapsos temporais de prescrição. O importante, é sempre termos ciência que, tanto para se cobrar os tributos, quantos para se cobrar outros tipos de créditos, a União deve obedecer ao prazo prescricional específico. Isso é um direito do cidadão frente ao Estado, uma verdadeira garantia individual.
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Os créditos de natureza não tributária da união e as receitas públicas
O Estado, para auferir dinheiro, a fim de custear as despesas públicas, que são cada vez mais crescentes, não se vale, apenas das “famosas” receitas geradas pelos tributos. Para sobreviver e manter os serviços públicos        para a população, a União, capta, e arrecada, também, as receitas advindas dos créditos com natureza não tributária. A relação entre os tipos de receitas e os créditos tributários ou não, é o que vamos estudar neste artigo.
Direito Tributário
Introdução O estudo dos créditos não tributários da União nos remete à origem da atividade fiscal e das receitas arrecadadas pelo Estado para a consecução das suas finalidades essenciais. Nas palavras do mestre Aliomar Baleeiro[1], “ para auferir dinheiro necessário à despesa pública, os governos, pelo tempo afora, socorrem-se de uns poucos meios universais: a) realizam extorsões sobre outros povos ou deles recebem doações voluntárias; b) recolhem as rendas produzidas pelos bens e empresas do Estado; c) exigem coativamente tributos ou penalidades; d) tomam ou forçam empréstimos; e) fabricam dinheiro metálico ou de papel”. Assim, toda entrada de dinheiro nos cofres públicos será denominada de “entrada” [2], que se subdivide em entradas provisórias e entradas definitivas. As entradas provisórias ingressam nos cofres públicos, podendo neles permanecer ou não. Destinam-se a ser devolvidas, e.g.: depósitos, cauções, fianças, empréstimos compulsórios, empréstimos públicos, indenizações, etc. Ao revés, se a entrada for destinada a permanecer em definitivo nos cofres públicos, denominar-se-á de receita. Eduardo Sabbag[3] exemplifica, com clareza solar, as subespécies de receita em: “a) Receitas extraordinárias: com entrada ocorrida em hipótese de anormalidade ou excepcionalidade, a receita extraordinária, longe de ser um ingresso permanente nos cofres estatais, possui caráter temporário, irregular e contingente. Assim, traduz-se em uma receita aprovada e arrecadada no curso do exercício do orçamento. Exemplos: a arrecadação de um imposto extraordinário de guerra (art. 154, II, CF) ou, mesmo, de um empréstimo compulsório para calamidade pública ou guerra externa (art. 148, I, CF); b) Receitas ordinárias: com entrada ocorrida com regularidade e periodicidade, a receita ordinária é haurida dentro do contexto de previsibilidade orçamentária e no desenvolvimento normal da atividade estatal. As receitas ordinárias podem ser subdivididas, essencialmente, em receitas derivadas e receitas originárias.” Regis Fernandes de Oliveira,[4]somou, ainda a essa classificação das receitas derivadas e receitas originárias, a receita transferida. Para o mestre: “A receita originária decorre da exploração, pelo Estado, de seus próprios bens ou quando pode exercer atividade sob o que se denomina de direito público disponível. (…). A receita derivada provém do constrangimento sobre o patrimônio do particular. É o tributo. (…) Há receitas que denominamos de transferidas, porque, embora provindas do patrimônio particular ( a título de tributo), não são arrecadadas pela entidade política que vai utilizá-las. (…) Veja-se o inciso II do art. 159 da CF, que prevê a repartição entre a União, Estados e Distrito Federal do produto da arrecadação do IPI. Os Estados-membros, de seu turno, repassarão aos Municípios parte do que receberam ( § 3º do mesmo artigo).” São exemplos de receitas derivadas: tributos, reparações de guerra, perdimento, multas pecuniárias e administrativas. Nessa esteira, José Eduardo Soares de Melo citado pelo professor Eduardo Sabbag comenta:[5] “A cobrança de tributos se mostra como a principal fonte das receitas públicas, voltadas ao atingimento dos objetivos fundamentais, insertos no art. 3º da Constituição Federal, tais como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, tendente à redução das desigualdades sociais e regionais bem como a promoção do bem-estar da coletividade.” Os outros tipos de receitas e a sua correlação com os créditos não tributários, objeto do nosso estudo, é o que vamos ver nesse estudo. 1. Correlação entre receitas públicas e créditos tributários Os tributos fazem parte das chamadas receitas derivadas que “agrupam, pois os rendimentos do setor público que procedem do setor privado da economia, por meio de prestações pecuniárias compulsórias – quase sempre, na forma de tributos, – devidas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que desenvolvem atividades econômicas” ³. Nessa toada, encontramos essa relação entre tributo e receita derivada na Lei n° 4.320 de 1964, que, estatui normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Tal lei foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 como complementar, numa decisão de medida cautelar na ADIN 1726, pelo STF, in verbis: “EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.061, DE 11.11.97 (LEI Nº 9.531, DE 10.12.97), QUE CRIA O FUNDO DE GARANTIA PARA PROMOÇÃO DA COMPETIVIDADE – FGPC. ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 62 E PAR. ÚNICO, 165, II, III, §§ 5º, I E III, E 9º, E 167, II E IX, DA CONSTITUIÇÃO. 1. A exigência de previa lei complementar estabelecendo condições gerais para a instituição de fundos, como exige o art. 165, § 9º, II, da Constituição, está suprida pela Lei nº 4.320, de 17.03.64, recepcionada pela Constituição com status de lei complementar; embora a Constituição não se refira aos fundos especiais, estão eles disciplinados nos arts. 71 a 74 desta Lei, que se aplica à espécie: a) o FGPC, criado pelo art. 1º da Lei nº 9.531/97, é fundo especial, que se ajusta à definição do art. 71 da Lei nº 4.320/63; b) as condições para a instituição e o funcionamento dos fundos especiais estão previstas nos arts. 72 a 74 da mesma Lei. 2. A exigência de prévia autorização legislativa para a criação de fundos, prevista no art. 167, IX, da Constituição, é suprida pela edição de medida provisória, que tem força de lei, nos termos do seu art. 62. O argumento de que medida provisória não se presta à criação de fundos fica combalido com a sua conversão em lei, pois, bem ou mal, o Congresso Nacional entendeu supridos os critérios da relevância e da urgência. 3. Não procede a alegação de que a Lei Orçamentária da União para o exercício de 1997 não previu o FGPC, porque o art. 165, § 5º, I, da Constituição, ao determinar que o orçamento deve prever os fundos, só pode referir-se aos fundos existentes, seja porque a Mensagem presidencial é precedida de dados concretos da Administração Pública, seja porque a criação legal de um fundo deve ocorrer antes da sua consignação no orçamento. O fundo criado num exercício tem natureza meramente contábil; não haveria como prever o FGPC numa Lei Orçamentária editada nove antes da sua criação. 4. Medida liminar indeferida em face da ausência dos requisitos para a sua concessão, não divisados dentro dos limites perfunctórios do juízo cautelar.” (ADI 1726 MC, Relator(a):  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1998, DJ 30-04-2004 PP-00027 EMENT VOL-02149-03 PP-00431 RTJ VOL-00191-03 PP-00822) O art. 9º da supracitada Lei assim assevera: “Tributo é a receita derivada instituída pelas entidades de direito público, compreendendo os impostos, as taxas e contribuições nos termos da Constituição e das Leis vigentes em matéria financeira, destinando-se o seu produto ao custeio de atividades gerais ou específicas exercidas por essas entidades.” Por outro lado, as receitas originárias, não decorrem da coerção e soberania estatais. São obtidas com a exploração do próprio patrimônio da administração pública, por meio da alienação de bens ou serviços. Tem natureza dominial, pois são arrecadadas com a exploração de uma atividade econômica pelo próprio Estado. Decorrem, principalmente, das rendas do patrimônio imobiliário, das tarifas de ingressos comerciais, de serviços e até mesmo venda de produtos industrializados. “A definição em epígrafe oferta claro horizonte por meio do qual se pode vislumbrar que, nas receitas originárias, a fonte é o contrato, e tais entradas referem-se, com exclusividade, a prestações não tributárias.” (Sabbag, 2011, p. 44) Como exemplo de receitas originárias temos: receitas de aluguéis pela locação de bens públicos, preços públicos obtidos pela venda ou serviços prestados por empresas públicas ou sociedades de economia mista, tarifas exigidas pelas entidades prestacionistas, multas contratuais, entre outros. A nossa jurisprudência é repleta de exemplos: “TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IPI. SELO DE CONTROLE. NATUREZA JURÍDICA. COBRANÇA INDEVIDA. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ART. 97 DO CTN. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA VIA PROCESSUAL ELEITA. INEXISTÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. RECURSO ESPECIAL NÃO-CONHECIDO. 1. Tratam os autos de mandado de segurança impetrado pela DISTRIBUIDORA DE BEBIDAS F. ANTÔNIO CHIAMULERA LTDA. contra ato do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL em Santa Cruz do Sul/RS objetivando afastar a cobrança para a obtenção de selos de controle do IPI. A sentença concedeu a segurança. Interposta apelação pela Fazenda Nacional, o TRF/4ª Região deu-lhe  provimento por entender que: a)  obrigatoriedade de aplicação dos selos de controle do IPI constitui obrigação acessória, conforme determina a Lei nº 4.502/64; b) a indenização recebida pelo fornecimento dos referidos selos não configura taxa nem preço público, constituindo receita originária, decorrente da utilização da capacidade industrial de empresa pública. Recurso especial da empresa apontando violação do art. 97 do CTN. Sustenta, em suma, que o art. 3º do DL 1.437/75 delega ao Ministro da Fazenda a competência para instituir e fixar o valor e a base de cálculo da exação em comento, ferindo as disposições constitucionais e legais relativas ao princípio da legalidade tributária, contidas no inc. I do art. 19 da EC nº 01/69, e nos incisos III e IV do art. 97 do CTN. Contra-razões defendendo que a matéria é constitucional e, no mérito, a manutenção do entendimento de segundo grau. 2. Impõe-se o óbice das Súmulas 282 e 356/STF porquanto a matéria deduzida no art. 97 do CTN não foi enfrentada pela Corte a quo. 3. Consistindo os fundamentos de direito deduzidos em recurso especial em pretendida ofensa a princípio constitucional (da legalidade), veda-se a utilização desta via processual, em razão da competência constitucionalmente reservada a este Superior Tribunal de Justiça. 4. Recurso especial não conhecido.” (RESP 803800/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/05/2006, DJ 08/06/2006, p. 143)(grifo meu) “MANDADO DE SEGURANÇA. ATO CONCRETO. CABIMENTO. EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO, XISTO BETUMINOSO E GÁS NATURAL. PARTICIPAÇÃO, EM SEU RESULTADO, DOS ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 20, § 1º. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PARA A FISCALIZAÇÃO DA APLICAÇÃO DOS RECURSOS ORIUNDOS DESTA EXPLORAÇÃO NO TERRITÓRIO FLUMINENSE. 1 – Não tendo sido atacada lei em tese, mas ato concreto do Tribunal de Contas da União que autoriza a realização de auditorias nos municípios e Estado do Rio de Janeiro, não tem aplicação a Súmula 266 do STF. 2 – Embora os recursos naturais da plataforma continental e os recursos minerais sejam bens da União (CF, art. 20, V e IX), a participação ou compensação aos Estados, Distrito Federal e Municípios no resultado da exploração de petróleo, xisto betuminoso e gás natural são receitas originárias destes últimos entes federativos (CF, art. 20, § 1º). 3 – É inaplicável, ao caso, o disposto no art. 71, VI da Carta Magna que se refere, especificamente, ao repasse efetuado pela União -– mediante convênio, acordo ou ajuste -– de recursos originariamente federais. 4 – Entendimento original da Relatora, em sentido contrário, abandonado para participar das razões prevalecentes. 5 – Segurança concedida e, ainda, declarada a inconstitucionalidade do arts. 1º, inc. XI e 198, inc. III, ambos do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, além do art. 25, parte final, do Decreto nº 1, de 11 de janeiro de 1991”. (MS 24312, ELLEN GRACIE, STF) (grifo meu) “ENCARGO DE CAPACIDADE EMERGENCIAL –- AÇÃO CAUTELAR –- MEDIDAS ANTI-APAGÃO, LEI Nº 10.438/2002 E ANTECEDENTE MP 14/2001 – AUSENTE DESEJADA NATUREZA TRIBUTÁRIA À RECEITA ORIGINÁRIA, ASSIM CONSAGRADA PELA C. SUPREMA CORTE –- IMPROCEDÊNCIA AO PEDIDO –- PROVIMENTO À APELAÇÃO 1. Sem objeto a afirmada ―"preliminar‖", pois a referida. sentença extinguiu sem mérito o correlato debate, como de seu teor. 2. Em essência de há muito com acerto pacificou a E. Suprema Corte deter, o Encargo de Capacidade Emergencial, instituído originariamente pela MP 14/2001, convertido na Lei nº 10.438/2002, natureza jurídica não-tributárianão tributária, esta a mais clássica das receitas públicas derivadas, art. 9º da Lei nº 4.320/64, mas sim reunir os contornos de preço público ou tarifa, aqui a mais consistente dentre as figuras representativas das Receitas Públicas Originárias. 3. Ali assentado ausente compulsoriedade, para remuneração do serviço prestado pelas entidades paras as quais transferido o poder atinente ao serviço energético no País, em busca de se ressarcir aos custos com manutenção, melhora e expansão, exatamente em prevenção a momentos de escassez, legitimada se revelou a cobrança de tal receita, a seu tempo, assim em sintonia com o inciso III do art. 175, da Lei Maior. 4. Passa, ao largo, da espécie combatida, o conjunto de considerações (equivocamente portanto) amiúde construído em torno do Sistema Tributários Nacional, desde sua linha mestra, o inciso I do art. 150, da Magna Carta. Precedentes. 5. De rigor a reforma (doravante) da r.eferida sentença, improcedente o pedido cautelar, para permitir a cobrança da tarifa pelo consumo de energia elétrica, invertida a sucumbência antes arbitrada, ora em favor dos originários réus, meio-por-meio em prol de cada qual. 6. Provimento à apelação.” (AC 200161000310602, JUIZ SILVA NETO, TRF3 – JUDICIÁRIO EM DIA – TURMA C, 229/04/2011 29/04/2011). (grifo meu) 1. 1. Correlação entre receitas públicas e créditos não tributários Nesse ponto, cabe registrar uma indagação. Os créditos não tributários, objeto do nosso estudo, deverão ser classificados como receitas derivadas ou originárias?[6] Para responder esta assertiva, cabe informar o que são créditos tributários e os com natureza não tributária. Vejamos o art. 39 da Lei n° 4.320 de 1964: “Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados nas respectivas rubricas orçamentárias. § 1º – Os créditos de que trata este artigo, exigíveis pelo transcurso do prazo para pagamento, serão inscritos, na forma da legislação própria, como Dívida Ativa, em registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, e a respectiva receita será escriturada a esse título. § 2º – Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais” Para a professora Maria Rita Ferragut:[7] “(…) crédito tributário é o direito subjetivo do sujeito ativo de exigir, do sujeito passivo, a prestação pecuniária a que faz jus. Contrapõe-se ao débito tributário, que consiste na obrigação do sujeito passivo de pagar a prestação pecuniária exigida pelo sujeito ativo. Esses dois elementos, somados ao objeto, compõem a relação jurídica, que por sua vez encontra-se no consequente da norma de lançamento tributário (…)”. O crédito tributário é a obrigação tributária líquida, certa e exigível. Se o mesmo não apresentar esses requisitos, há que se falar, apenas, em obrigação tributária e não em crédito. Eduardo Sabbag diz que “O crédito tributário representa o momento de exigibilidade da relação jurídico-tributária. Seu nascimento ocorre com o lançamento tributário (art. 142 do CTN), o que nos permite o definir como uma obrigação tributária ‘ lançada’ ou, com maior rigor terminológico, obrigação tributária em estado ativo.”[8] O art. 139 do CTN informa que “O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta”. Nesse passo, o crédito tributário decorrerá de uma obrigação principal cujo objeto são os tributos (impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais), ou, seus respectivos adicionais e multas. Nessa toada, vale informar a derrogação tácita da classificação constante no parágrafo 2º da Lei 4.320/64 na parte em que se referem como dívida ativa não tributária os empréstimos compulsórios e custas processuais, visto que esses são espécies tributárias, conforme consta na Constituição Federal de 1988 e na jurisprudência do STF. “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CUSTAS JUDICIAIS E EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS – NATUREZA TRIBUTÁRIA (TAXA) – DESTINAÇÃO PARCIAL DOS RECURSOS ORIUNDOS DA ARRECADAÇÃO DESSES VALORES A INSTITUIÇÕES PRIVADAS – INADMISSIBILIDADE – VINCULAÇÃO DESSES MESMOS RECURSOS AO CUSTEIO DE ATIVIDADES DIVERSAS DAQUELAS CUJO EXERCÍCIO JUSTIFICOU A INSTITUIÇÃO DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS EM REFERÊNCIA – DESCARACTERIZAÇÃO DA FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DA TAXA – RELEVÂNCIA JURÍDICA DO PEDIDO – MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. NATUREZA JURÍDICA DAS CUSTAS JUDICIAIS E DOS EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS. – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em consequência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade. Precedentes. Doutrina. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. – A atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público. A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada "em caráter privado, por delegação do poder público" (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa. – As serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas "a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos" (Lei n. 8.935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos. Doutrina e Jurisprudência. – DESTINAÇÃO DE CUSTAS E EMOLUMENTOS A FINALIDADES INCOMPATÍVEIS COM A SUA NATUREZA TRIBUTÁRIA. – Qualificando-se as custas judiciais e os emolumentos extrajudiciais como taxas (RTJ 141/430), nada pode justificar seja o produto de sua arrecadação afetado ao custeio de serviços públicos diversos daqueles a cuja remuneração tais valores se destinam especificamente (pois, nessa hipótese, a função constitucional da taxa – que é tributo vinculado – restaria descaracterizada) ou, então, à satisfação das necessidades financeiras ou à realização dos objetivos sociais de entidades meramente privadas. É que, em tal situação, subverter-se-ia a própria finalidade institucional do tributo, sem se mencionar o fato de que esse privilegiado (e inaceitável) tratamento dispensado a simples instituições particulares (Associação de Magistrados e Caixa de Assistência dos Advogados) importaria em evidente transgressão estatal ao postulado constitucional da igualdade. Precedentes.” (ADI 1378 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 30/11/1995, DJ 30-05-1997 PP-23175 EMENT VOL-01871-02 PP-00225).(grifo meu). Ademais, os créditos não tributários são os decorrentes de uma relação jurídica que não tem fundo tributário. São exemplos: multas pelo exercício do poder de polícia, as multas de qualquer origem ou natureza, como as administrativas, trabalhistas, penais e eleitorais; créditos decorrentes da utilização do patrimônio como os foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação; dos créditos decorrentes de sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia de contratos em geral ou de outras obrigações, como os créditos rurais; créditos de ressarcimento ao erário; créditos de FGTS, entre outros. Porém, no momento em que a Fazenda Pública quer cobrar esses dois tipos de créditos, ela, utiliza-se do mesmo procedimento, transformando-as em Dívida Ativa da Fazenda Pública, e rogando a soberania do ente público no exercício dessa cobrança. Por isso, a dúvida. Os créditos de natureza não tributária que, em sua maioria, não decorrem da coerção e soberania estatais, e são típicas receitas originárias, ao serem cobrados por esse procedimento acima explicitado, transformam-se em outro tipo de receita perdendo suas características originais? Bem, por essas definições acima explicitadas, é salutar que os créditos não tributários, em sua grande maioria, fazem parte das receitas originárias, e mesmo após, inscritos em Dívida Ativa, sujeitos à cobrança coercitiva e à soberania estatal, não perdem a natureza jurídica da relação que a gerou. Assim, ela permanecerá como crédito não tributário e sua receita como originária. “DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. CRÉDITO DE NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. ARTIGO 185-A DO CTN. INAPLICABILIDADE. 1. Inexiste negativa de prestação jurisdicional quando não há omissão, contrariedade ou obscuridade no acórdão recorrido. Prestação jurisdicional proferida de acordo com a pretensão deduzida em juízo. Violação ao artigo 535 do CPC não configurada. 2. Inadmissível conhecer das novas alegações trazidas pela recorrente por ocasião da sustentação oral (referentes à suposta natureza tributária do débito exigido, por decorrer de descumprimento da legislação aduaneira), seja em razão da falta de prequestionamento, seja por se caracterizarem clara inovação recursal. 3. Não se aplica o artigo 185-A do Código Tributário Nacional nas execuções fiscais que têm por objeto débitos de natureza não tributária. 4. A leitura do artigo 185-A do CTN evidencia que apenas pode ter a indisponibilidade de seus bens decretada o devedor tributário. 5. O fato de a Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/91) afirmar que os débitos de natureza não tributária compõem a dívida ativa da Fazenda Pública não faz com que tais débitos passem, apenas em razão de sua inscrição na dívida ativa, a ter natureza tributária. Isso, simplesmente, porque são oriundos de relações outras, diversas daquelas travadas entre o estado, na condição de arrecadador, e o contribuinte, na qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária. 6. Os débitos que não advêm do inadimplemento de tributos, como é o caso dos autos, não se submetem ao regime tributário previsto nas disposições do CTN, porquanto estas apenas se aplicam a dívidas tributárias, ou seja, que se enquadrem na definição de tributo constante no artigo 3º do CTN. Precedentes. 7. Recurso especial não provido”. (RESP 1073094/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/09/2009, DJE 23/09/2009) ( grifo meu). No RESP nº 1.126.491 – RS (2009/0042031-0), a ministra relatora Eliana Calmon em seu brilhantíssimo voto assim asseverou: “(…)No mérito, discute-se nesse processo se é possível a cobrança pela União via execução fiscal de crédito cedido por instituição privada. Se afirmativa a resposta, pergunta-se: o crédito assume a natureza fiscal com os consectários daí decorrentes ou mantém suas características originais? A cessão de crédito difere da novação da dívida por não implicar a extinção da obrigação cedida, mas apenas operar uma substituição subjetiva na obrigação. Por óbvio, nada se transforma nos seus elementos objetivos. (…).”(grifo meu). 1.2  Relação indireta entre o conceito de receita e os créditos não tributários Não obstante, cabe frisar a opinião do estudioso Fernando Gomes Favacho[9] em sua tese na qual aborda a “Definição do conceito de tributo”: “(…) O critério ‘ receita derivada’ não pode ser utilizado para a definição do conceito de tributo em âmbito tributário. Nem mesmo de receita, pois mesmo um movimento de caixa (caso os empréstimos compulsórios o sejam interpretados assim) poderia ser tributário. E a Constituição não pode ser limitada por uma regra infraconstitucional.” É por isso que não podemos relacionar de forma exata que todos os créditos não tributários são receitas originárias, e que as receitas derivadas apenas abarcam créditos tributários. Para a Prof. Tathiane Piscitelli[10]: “Receita originária ou “não tributária” = é aquela decorrente da exploração do patrimônio público (bem público). O Estado a obtém tendo em vista a sua atuação como agente do setor privado, ou seja, caracteriza-se por uma relação de COORDENAÇÃO com o particular. Nessa relação de coordenação há o exercício da autonomia da vontade do particular (por isso também é conhecida como relação horizontal). Ex : Tarifas e preço público. Receitas Derivadas = resultantes de um constrangimento que o Estado exerce em face do particular. Ou seja, existe aqui uma relação de SUBORDINAÇÃO (imposição) entre o Estado e o particular (não há autonomia de vontade do particular), por isso conhecida também como relação vertical. Exs.: Tributos e multas (penalidades tributárias ou não).”(grifo meu). Existem créditos não tributários, como a multa administrativa, eleitoral e penal, que fazem parte das receitas derivadas. Observa-se que a multa circula entre as duas naturezas de créditos, tributário e não tributário. Ela compõe a dívida ativa tributária quando se refere a algum tributo e, à dívida ativa não tributária, quando decorrente de infração administrativa, penal e eleitoral, ou seja,  associam-se a relações jurídicas não tributárias. Note o julgado: “(…) Quanto à impossibilidade de aplicação do art. 185-A do CTN in casu, tendo em vista se tratar de multa, cabe esclarecer que esta pode ter natureza tributária ou não tributária, conforme o art. 39, § 2º, da Lei 4.320/1964, in verbis: Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias. (Redação dada pelo Decreto Lei nº 1.735, de 20.12.1979)(…) § 2º – Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais. (Parágrafo incluído pelo Decreto Lei nº 1.735, de 20.12.1979). A doutrina reforça o entendimento de que a multa, a depender de sua origem, inclui-se no conceito de dívida ativa tributária. Nesse sentido os ensinamentos de Aliomar Baleeiro, na célebre obra atualizada por Mizabel Derzi: É Dívida Ativa tributária a que resulta de impostos, taxas contribuições de melhoria e parafiscais, assim como das penalidades pecuniárias delas derivadas, desde que regularmente inscrita na forma do art. 202 e esgotado o prazo para pagamento nas repartições ou agentes destas, como os Bancos.(…) A Lei nº 4.320/64, igualmente, inclui, no conceito de Dívida Ativa, os créditos em geral de que é titular a pessoa pública estatal. Dívida Ativa tributária configura aquela proveniente de créditos tributários (tributos e penalidades respectivas). (Baleeiro, Aliomar; Direito tributário brasileiro; 11ª ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi; Rio de Janeiro; Forense; 1999; págs. 1007-1008). (grifo meu) É esse o entendimento, também, de Américo Luis Martins da Silva: É dívida ativa tributária a que resulta de tributos, ou seja, de impostos (inciso I, art. 145, CF), taxas (inciso II, art. 145, CF), contribuições de melhoria (inciso III, art. 145, CF), contribuições parafiscais (art. 149, CF), contribuições sociais (art. 149, CF) e empréstimos compulsórios (art. 148, C.F.), assim como das  penalidades pecuniárias delas derivadas, tais como os respectivos adicionais e multa tributária. (Silva, Américo Luis Martins da; A execução da dívida ativa da Fazenda Pública; São Paulo; Ed. RT; 2001; págs. 32-33) (grifei). Em relação aos autos, constatou-se que a multa decorreu do não pagamento das importações relativas a determinadas Declarações de Importações. Assim, aplicável o art. 185-A do CTN in casu.” Confira-se: “PROCESSUAL CIVIL, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA POR IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE CIGARROS. DÍVIDA ATIVA TRIBUTÁRIA. INCIDÊNCIA DO ART. 185-A DO CTN. 1. O art. 39, § 2º, da Lei 4.320/1964 dispõe que a multa devida à Fazenda Pública poderá enquadrar-se no conceito de dívida ativa tributária ou não tributária, conforme a sua origem. 2. In casu, o Tribunal a quo, embora tenha constatado tratar-se de multa imposta pela Receita Federal por força de importação irregular de cigarro (visando ao não recolhimento do Imposto de Importação), concluiu que as multas não são tributo, razão pela qual se enquadram no conceito de dívida ativa não tributária. 3. Verifica-se que o equívoco no acórdão hostilizado consistiu na confusão dos conceitos de "tributo" e de "dívida ativa tributária". 4. A penalidade, por pressuposto lógico, não pode ser incluída no conceito de tributo (art. 3º do CTN), mas, conforme mencionado, será abrangida na definição de dívida ativa tributária ou não tributária, conforme sua procedência. 5. Tendo-se observado que, na espécie, a multa é de origem tributária, merece reforma o decisum que indeferiu o pedido de bloqueio universal dos bens (art. 185-A do CTN), sob a premissa de que este é inaplicável à dívida ativa não tributária. 6. Recurso Especial provido.” (REsp 1248719/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/05/2011, DJe 30/05/2011).” (grifo meu). Considerações Finais Diante do exposto, infere-se que os créditos de natureza não tributária da União são um tipo de receita pública, juntamente com os créditos tributários, mais conhecidos pela nossa sociedade. Os mesmos se relacionam mais diretamente com as receitas originárias; enquanto, que os tributos se relacionam com as receitas derivadas. Este estudo não tenta correlacionar diretamente os créditos não tributários da União com algum tipo de receita. Ao revés, se tenta explicar, conceituar, os mesmos, através do estudo das receitas públicas. O importante é conhecermos, mais a fundo, este tipo de receita. Sim, é um tipo de receita pública. E que deve ter como único fim a destinação dos mesmos a serviço da nossa sociedade.
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Morosidade nos processos tributários: breve análise da conjuntura atual e a utilização da via administrativa como alternativa a sobrecarga judicial em matéria tributária
Objetivou-se no presente trabalho perscrutar as causas da morosidade processual em matéria tributária e a consequente sobrecarga judicial no que tange aos processos abrangidos pela Meta 2 na Vara da Fazenda da Comarca de Montes Claros. Por objetivo, teve-se ainda, enfocar a via administrativa como alternativa à dilação temporal excessiva e ao acúmulo de processos tributários, com fins a erradicar a mora decorrente da inércia dos sujeitos envolvidos no processo. Por submissão ao princípio da celeridade processual preconizado constitucionalmente, há que ser suprimida a prática de atos processuais protelatórios para que a justiça ampla e efetiva não se ache comprometida. Dado o cenário de morosidade e de excessiva carga judicial, a via administrativa é apontada como alternativa na solução de lides tributárias, sendo fundamental coibir a duplicidade de instâncias. Utilizou-se o método indutivo na abordagem e os procedimentos hermenêutico e monográfico. Adotou-se como técnicas de pesquisa a documentação indireta, a pesquisa bibliográfica e a análise processual dos processos abrangidos pela Meta 2 na Vara da Fazenda da Comarca de Montes Claros.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO No escopo de se analisar a morosidade dos processos que versem sobre matérias de ordem tributária, o presente estudo procedeu com a crítica da conjuntura atual, apreciando os processos administrativos como importante mecanismo à sobrecarga do contencioso fiscal. A relevância do tema remonta ao advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, que, em resposta aos anseios pela justiça ampla e efetiva, consagrou a razoável duração do processo como preceito constitucional. A tal prerrogativa, correlacionam-se as metas de nivelamento traçadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sobretudo a Meta 2. Buscar-se a razoável duração do processo na seara fiscal é efetivar a justiça tributária. O liame é materializado por ser imprescindível à tributação a observância de princípios garantidores da justiça, abarcando a segurança jurídica, a legitimidade e a razoável duração do processo. Através de análises em torno dos intentos que circundam as causas da morosidade tributária e do acúmulo de processos fiscais, a instância administrativa mostrou-se apta ao auxílio em prol da maior celeridade das lides em questão. Fundamental é atentar, entretanto, que a admissão pelo sistema atual da possibilidade de rediscutir, na instância judicial, questões já apreciadas administrativamente, vai de encontro a tais constatações. Essencial, portanto, coibir tal sorte de erros, danosa à persecução da justiça. Utiliza-se o método indutivo na abordagem e os procedimentos hermenêutico e monográfico. Como técnicas de pesquisa, adotam-se a bibliográfica, a documentação indireta e a análise processual. 1. A RAZOABILIDADADE DA DILAÇÃO TEMPORAL DO PROCESSO 1.1 Da determinação constitucional quanto à razoável duração do processo. Inserida pela Emenda Constitucional n. 45/2004 como direito fundamental, a razoável duração do processo é prerrogativa constitucionalmente assegurada a todos, nos âmbitos judicial e administrativo indistintamente. É o que dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) em seu art. 5º, inciso LXXVIII, que também resguarda os meios que garantam a celeridade da tramitação do processo. Ao legislar sobre o tema, o constituinte buscou evitar o anacronismo da tutela jurisdicional. Nesse contexto, destaca-se a assertiva de Takoi, para quem a razoável duração do processo relaciona-se intimamente à dignidade humana. “A duração razoável do processo garante a dignidade da pessoa humana. Isto é obvio, pois não é preciso muita imaginação para saber o sofrimento que sente a parte que fica privada de seu bem jurídico, enquanto perdura o processo. Muitas vezes pode se passar anos e anos – até décadas – inclusive e infelizmente sucedendo o falecimento da parte, sem que tenha recebido pelo Estado (Judiciário) aquilo que era dele por direito.” (TAKOI, 2007, p. 23-24) Sobre a razoabilidade da dilação temporal dos trâmites processuais, Carvalho leciona que: “o caráter da razoável duração do processo, que deve ser aferido diante do caso concreto, envolve três critérios principais: a complexidade da questão de fato e de direito discutidas no processo, o comportamento das partes e de seus procuradores e a atuação dos órgãos jurisdicionais.” (CARVALHO, 2010, p. 885) O dispositivo constitucional, bem como os ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema, exteriorizam as diligências que permeiam o ordenamento jurídico brasileiro na persecução à celeridade e à efetividade da prestação jurisdicional. Em busca do mesmo objetivo estão as metas traçadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dentre as quais a Meta 2, abordada no presente trabalho. 1.2 Conselho Nacional de Justiça e Meta de nivelamento 2. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi instituído por obediência ao que determina a CRFB/88 em seu art. 103-B. Sua criação data de 31 de dezembro de 2004, enquanto a efetiva instalação se deu em 14 de junho de 2005. Trata-se de um órgão, ligado ao Judiciário cuja atuação se estende por todo o território nacional e que objetiva, primordialmente, aperfeiçoar a prestação da tutela jurisdicional, buscando ser “um instrumento efetivo de desenvolvimento do Poder Judiciário” (In: www.cnj.jus.br). Com fins a atingir à finalidade primeira para o qual fora criado, o CNJ se vale de planejamentos estratégicos dentre os quais estão as metas de nivelamento. Dentre os planos estabelecidos, merece destaque a “Meta 2” que, ao determinar a identificação e o julgamento dos processos judiciais considerados mais antigos, compreendendo os distribuídos até a data de 31 de dezembro de 2005, materializa os esforços da instituição no sentido de erradicar o congestionamento e a morosidade processual, promovendo efetividade à razoável duração do processo. Nesse sentido, afirma Mendes: “O certo é que, para além das atividades de fiscalização e controle, o CNJ destina-se ao planejamento estratégico, bem como à coordenação e supervisão administrativa do Poder Judiciário, com o objetivo precípuo de alcançar grau máximo de eficiência, de maneira a tornar verdadeiramente eficaz a prestação jurisdicional.” (MENDES, 2012) Pelo exposto, resta demonstrado tratar-se o CNJ de instituição cujos intentos gravitam em torno de promover melhorias do Poder Judiciário, combatendo fatos atentatórios ao desempenho do mesmo e à eficácia da prestação jurisdicional. Inclui-se nos fins visados, a erradicação da morosidade processual, tornando o Judiciário cumpridor das determinações constitucionais, sobretudo no que tange à razoável duração do processo. 1.3 Da razoável duração do processo na atual conjuntura do ordenamento jurídico. O intento de promover a razoável duração do processo, porém, não se acha concretizado no cenário jurídico atual. A morosidade da tutela jurisdicional já se tornou tema corriqueiro nas discussões dos juristas, cujas opiniões convergem no sentido de afirmar a ocorrência do fenômeno. Nesse sentido, afirmam Ferraz Júnior, Maranhão e Azevedo que “as estatísticas descritivas sobre o funcionamento do Judiciário brasileiro variam bastante, mas há ampla concordância a respeito da demora na solução judicial dos processos, que é apontada como principal problema”. (AZEVEDO; FERRAZ JUNIOR; MARANHÃO, 2009, p.10) O acúmulo de processos impede a consecução da razoável duração processual. Um dos índices utilizados pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), órgão que funciona junto ao CNJ, quando da análise de tal assunto considera a taxa de congestionamento, cujo objetivo “é mensurar se a Justiça consegue decidir com agilidade as demandas da sociedade, ou seja, se os casos novos e os pendentes do período anterior são finalizados ao longo do ano. […] a taxa de congestionamento da Justiça Federal foi de 68% no 2º Grau, ou seja, para cada cem processos em tramitação no 2º Grau no ano de 2010, 32 foram finalizados no período […] entre 2009 e 2010, aumento da taxa de congestionamento da Justiça da ordem de 2,6%. A Justiça Estadual foi a principal responsável por esse aumento, pois nesse ramo a taxa subiu de 68% para 72%.” (Justiça em números, CNJ, p. 175, 184) A morosidade processual é fenômeno que também permeia os processos que versam sobre matéria tributária. Isso posto que no Brasil são muitos os tributos existentes e as leis que os majoram, o que acarreta um grande índice de litígios entre contribuintes e Estado. É o que defende Robles ao afirmar que “Diante da complexidade da legislação, da grande quantidade de tributos existentes no Brasil, bem como da baixa credibilidade dos gestores públicos, surgem inúmeros conflitos de interesses em função da relação jurídica existente entre contribuintes e a Fazenda Pública – as lides tributárias. (ROBLES, 2008, p.6) Quantificando a morosidade processual em matéria tributária, estima-se que um único processo de cobrança tributária tramite por 16 anos, dilação temporal que, segundo Luís Inácio Lucena Adams, advogado-geral da União, decorre do fato de que no ordenamento jurídico brasileiro “há um excesso de formalismo no processo”. (In: www.noblle.com.br) A burocracia, enquanto fator determinante da morosidade do sistema processual, é rechaçada por 74% dos cidadãos entrevistados na pesquisa realizada pelo Departamento de Gestão Estratégica do CNJ, juntamente com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). (In: www.oabrj.org.br) Ainda em se tratando de estimativas da morosidade processual em matéria tributária, Adams afirma que “[…] se não entrasse mais nenhum processo e nós só trabalhássemos com o estoque que já temos levaria 100 anos” uma vez que “[…] cada um dos 600 procuradores dedicados à cobrança da dívida pública é responsável por mais de 5.000 processos judiciais de execução fiscal.” (In: www.noblle.com.br) A pesquisa realizada com os processos tributários abrangidos pela Meta 2 do CNJ em trâmite na comarca de Montes Claros aponta que, em 39% dos casos, foi o comportamento dos sujeitos – ativo e passivo –  que influenciou na demora da entrega da prestação jurisdicional, sendo que em 65% dos processos analisados não houve o cumprimento dos prazos pelas partes e respectivos advogados. O comportamento do órgão Judiciário – secretaria – representa 27% das causas de morosidade, enquanto a complexidade da causa conota 24%. Em paráfrase, retoma-se o ensinamento de Carvalho, segundo o qual a celeridade processual guarda íntima relação com o comportamento dos que figuram como partes na lide. Há que se ressaltar que o referido comportamento das partes abrange o Estado enquanto sujeito passivo em uma lide tributária. Aqui, destaca-se a lição de Azevedo, Ferraz Junior e Maranhão que afirmam que “Não é surpresa para nenhum estudioso ou operador da Justiça que o maior usuário das cortes seja o Estado […] mais de 80% da carga do Supremo Tribunal Federal é composta por processos relacionados ao poder executivo federal, estadual ou municipal.” (AZEVEDO; FERRAZ JUNIOR; MARANHÃO, 2009, p. 21) Resta demonstrada, portanto, a latente necessidade de se encontrar meios de erradicação dos fatores que representem óbice à efetivação da razoável duração do processo, enquanto direito constitucionalmente assegurado. 2. JUSTIÇA TRIBUTÁRIA 2.1 Das acepções acerca da justiça tributária Preconiza o artigo 6º da CRFB/88 que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” É através da atividade financeira que o Estado assegura os direitos sociais arrolados em tal dispositivo, viabilizando o atendimento das necessidades públicas. Na propagação da citada atividade financeira, posto saber-se que esta é de monopólio estatal, é que o conceito de justiça tributária sustenta sua maior relevância. Com a extensão da concepção de justiça para o âmbito das finanças públicas, resguardou-se a essencial necessidade de se manter a supracitada atividade estatal em consonância com os princípios existentes ao longo da Magna Carta, princípios estes que ora versam sobre segurança jurídica, ora estão situados no campo da própria equidade. Cumpre esclarecer que o conceito de justiça tributária detém duas acepções enérgicas. Por um lado, concebe-se a justiça tributária como a antítese da atual carga tributária suportada pela sociedade brasileira, maior ou uma das maiores do mundo, conforme o critério adotado, posto que a mesma não guarde coerência com o serviço público prestado a população – o pior entre os países desenvolvidos ou emergentes. (MARTINS, 2002, p. 53) Em acepção diversa, e de maior expressividade ao presente tema, a justiça tributária está diametralmente relacionada à manutenção de condicionantes e mecanismos que limitam o arbítrio do Estado enquanto sujeito ativo da relação tributária, ora contendo as tributações inconstitucionais, ora vedando qualquer cerceamento do direito de defesa do contribuinte inconformado (MARTINS, 2002, p.54). Nessa linha, James Marins para o Caderno de Direito Tributário: “Se o Estado requer junto a si, em seu quadro executivo, mecanismos que lhe ensejem apreciar este inconformismo do contribuinte, não pode afastar-se do dever de oferecer ao cidadão os meios necessários para que a solução da lide se dê de modo satisfatório sob o prisma do Direito, isto é, com a observância do devido processo legal.”(MARINS, 2006, p. 16) Está-se diante de prerrogativas que buscam manter o equilíbrio da relação que se instaura entre, de um lado, o contribuinte, e sua obrigação de pagar o tributo; de outro, o Estado, que além de credor desta obrigação, sustenta o dever de fiscalizar e punir, quando necessário, o contribuinte. 2.2 Da efetividade da justiça e a comedida duração das lides tributárias Ao passo que não se pode negar que é de justiça que toda coletividade colabore com a efetivação dos serviços públicos, prescinde-se que na arrecadação desses recursos haja obediência aos princípios garantidores da justiça, segurança jurídica, legitimidade e razoável duração do processo. Em um sistema com características tão peculiares quanto no Brasil, é de primeira necessidade que o contribuinte tenha acesso a um instrumento de redução da incerteza na aplicação da legislação, e que ao mesmo tempo, resguarde-se o critério da razoabilidade no tocante ao tempo de tramitação. O processo, por se propor a velar pela paz social decorrente da satisfação dos interesses das partes, deve se materializar de maneira tempestiva, do contrário não se realizará a justiça. Bem disse Gajardoni que “tutela jurisdicional a destempo, ineficaz, portanto, implica denegação da própria jurisdição, a qual constitui direito fundamental do homem, corolário do próprio Estado Democrático de Direito”. (GAJARDONI, 2003, p. 49) Ainda segundo jurista, depois de superadas as preocupações com o acesso à justiça aos menos favorecidos, bem como com a implementação de mecanismos para a proteção dos interesses metaindividuais, vive-se hodiernamente polêmicas questões em torno da efetividade da prestação jurisdicional. (GAJARDONI, 2003, p. 61) Não basta apenas o direito a um provimento jurisdicional; faz-se extremamente necessário que esta tutela prestada comporte um resultado útil, efetivo e capaz de atender as expectativas dos jurisdicionados, inclusive, e com certa preponderância, no que tange a duração razoável da resposta obtida pelo contribuinte ao movimentar a máquina judiciária. Posto isso, frise-se que o movimento atual no sentido de supervalorizar a via judiciária nos processos fiscais é elemento nocivo à efetivação da justiça tributária. Já dizia Geraldo Ataliba que: “Se todas as divergências forem submetidas ao Poder Judiciário, este submergirá sob o peso de um acúmulo insuportável de questões para julgar. Além disso – e também por isso – tardarão muito as soluções, em detrimento das partes envolvidas. Daí a razão pela qual, em quase todos os países, se criaram organismos e sistemas para reduzir o número de causas instauradas perante o Poder Judicial.” (ATALIBA, 1992, p.17) Buscar-se a justiça no âmbito do processo tributário é elemento que inevitavelmente aproxima e harmoniza as etapas administrativa e judicial, sem, contudo, descaracterizar as especificidades inerentes a cada uma dessas etapas. Conquanto os frequentes desacertos entre as duas esferas cognitivas, revelando a famigerada “superposição de jurisdições”, a utilização da esfera administrativa mantém sua eficácia no tocante ao volume excessivo dos processos judiciais em matéria tributária. 3. O PROCESSO ADMINISTRATIVO COMO ALTERNATIVA EFICAZ A SOBRECARGA DO CONTENCIOSO TRIBTÁRIO 3.1 Da efetivação dos processos administrativos atualmente no Brasil No âmbito da União, os processos administrativos fiscais são regulados pelo Decreto 70.235, de 1972. Conforme disposições do Decreto, a partir do momento em que o contribuinte é cientificado do lançamento, ele tem a possibilidade de impugnar administrativamente a exigência, obedecido o prazo de 30 dias. Apresentada a impugnação, inicia-se o processo de julgamento administrativo, o qual suspende a exigibilidade do lançamento durante o seu trâmite. Sobre a regular instauração do processo administrativo fiscal, diz o professor Cláudio Borba, para quem: “Embora não haja uma relação triangular (autor, réu e julgador), é conceitualmente exigida a imparcialidade do julgador, que neste caso é o próprio credor, já que mesmo na órbita administrativa, deve a administração se manter eqüidistante dos interesses das partes (Fazenda Pública e sujeito passivo), que são antagônicos.” (BORBA, 2009, p. 3,). O julgamento em primeira instância é feito pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ). As decisões favoráveis ao contribuinte são definitivas, salvo as de elevado valor, que são objeto de recurso de ofício para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Na circunstância de ocorrer decisões desfavoráveis, o contribuinte pode apresentar, ainda em 30 dias, recurso voluntário ao CARF. O CARF é órgão do Ministério da Fazenda, responsável pelo julgamento de 2ª instância. Os recursos podem ser voluntariamente apresentados pelo contribuinte, ou ainda podem ser um recurso de ofício, feito pela própria DRJ, nos casos em que sua decisão cancelou montante expressivo do lançamento. Suas decisões são definitivas na esfera administrativa, cabendo recursos apenas para a instância especial, interpostos ora pelo contribuinte, ora pela Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN). A Câmara Superior de Recursos Fiscais é responsável pelo julgamento em instância especial. É composta pelos presidentes e vice-presidentes do CARF. Caso o lançamento seja mantido parcial ou integralmente, o contribuinte é intimado pagar e a sua inadimplência faz com que, após o prazo de cobrança amigável, o débito seja encaminhado à PFN, onde será inscrito em dívida ativa e executado. Na hipótese de ser iniciada a execução, esta poderá, ainda, ser embargada, permitindo que o contribuinte repita toda a discussão no Judiciário. Ou seja, todo o procedimento supracitado poderá ser feito novamente, inclusive acrescentando novos argumentos e novas provas. Não há norma alguma que determine o aproveitamento de algum elemento do julgamento administrativo na via judicial. Através da perspectiva do contribuinte, a decisão proferida no processo administrativo, embora solucione a lide, não redunda em sua extinção. (BOTTALLO, 2006, p. 165) A essa possibilidade de repetir a apreciação, convencionou-se chamar de duplicação de esforços, duplicidade de instâncias, ou ainda superposição de jurisdições. 3.2 Do processo administrativo e a inafastabilidade da apreciação judicial Do que foi exposto, infere-se que não obstante as decisões proferidas em caráter administrativo sustentarem caráter definitivo, nada impede que haja a propositura de um novo debate sobre essas mesmas questões, porém na instância jurisdicional. Sem se esquecer dos demais óbices à duração razoável do processo na seara fiscal, o fato de ser normativamente permitido ao contribuinte, após ou concomitantemente a instância administrativa, ingressar judicialmente e perquirir as mesmas impugnações já diligenciadas administrativamente, evidencia que há grandes problemas na prestação jurisdicional brasileira. (LAVRATTI, 2011, p. 73) O atributo de vincular o contribuinte que, como visto, está ausente nos pronunciamentos administrativos, é expressão evidente da alta significação de que se reveste o sistema de controle pela jurisdição ordinária, consagrado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que aduz in verbis: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. (BOTTALLO, 2006, p. 172) Luiz Fux, no “Anteprojeto do Código de Processo Civil” indaga-se “como vencer o volume de ações e recursos gerado por uma litigiosidade desenfreada, máxime num país cujo ideário da nação abre as portas do Judiciário para a cidadania ao dispor-se a analisar toda lesão ou ameaça ao direito”. (BRASIL, 2010, p. 7) Ao trazer à tona tal indagação, o célebre jurista revela um entendimento uníssono na doutrina, o qual seria a constatação de que a duplicidade de instâncias gera perda de qualidade das decisões, além de ter um custo elevado para a sociedade em geral. O benefício incide apenas sobre os contribuintes litigantes que, não raro, buscam com tais possibilidades apenas a protelação de seus respectivos lançamentos. Nesse sentido, “O impacto econômico é enorme, pois o Estoque da Dívida Ativa da União representa cerca de metade de toda a Dívida Pública Federal. A arrecadação pelo atual sistema de execução fiscal é uma demonstração cabal de sua ineficiência e uma das principais causas da aposta crescente dos contribuintes na vantagem de não pagar os tributos no prazo.” (JÚNIOR, 2011, p.156) Rubens Gomes de Sousa, em sua obra “A Distribuição da Justiça em Matéria Fiscal”, já apontava para o fato de na legislação comparada, em matéria de contencioso tributário, a instância única ser a regra. (SOUSA, 1943, p. 95) A reapreciação judicial de todo e qualquer ato administrativo, no tocante à competência ou ainda no âmbito do mérito, faz com que o controle judicial brasileiro da administração vá muito mais longe do que o encontrado em outros sistemas jurídicos. (MIRANDA, 1971, p. 106) A primeira Constituição brasileira a infundir o princípio da inafastabilidade da jurisdição foi a Constituição de 1946. Acusa Pontes de Miranda que a consagração do princípio está umbilicalmente relacionada à reação à Ditadura do Estado Novo, revelando uma população temerosa quanto ao retorno de um regime de cerceamento dos direitos individuais. Sobre isso, o autor: “O art. 141, § 4º, da Constituição de 1946, em sua explicitude, que seria, politicamente, supérflua em 1891 e 1934 (a despeito de 1930-1934), pôs claro que acabara o regime de 1937 a 1946 e cortou qualquer tendência dos legisladores eleitos depois de 1945 para se substituírem aos legisladores encomendados de 1937- 1946.47” (MIRANDA, 1971, p. 108) Em razão de o citado princípio ter sua gênese atribuída ao clamor popular, em repúdio às práticas até então corriqueiras no modelo governamental que vigorara, o mesmo veio ser consagrado de uma maneira excessivamente ampla. É de se constatar, portanto, que o princípio ora analisado foi desvirtuado de sua primeira razão, diga-se, suprimir quaisquer disposições legislativas que visassem coibir a competência do Poder Judiciário para apreciar determinadas questões. A amplitude do preceito constitucional trouxe consequências graves e não presumíveis pelo constituinte originário, o que apenas corrobora que o Direito Tributário padece por questões meramente políticas, as quais ainda preponderam nas relações jurídicas advindas com o Estado de Direito. (JÚNIOR, 1995, p. 22) Em uma análise crítica, poder-se-ia dizer que a superposição de jurisdições limita-se a repetir, em outra instância, o procedimento que outrora fora devidamente instaurado na esfera administrativa. O não aproveitamento e a repetição das provas já produzidas administrativamente chancelam que não há nenhum ganho de produtividade no sistema adotado atualmente. 3.3 Dos processos administrativos enquanto alternativa à morosidade das lides tributárias É de primeira importância destacar que, embora os constantes movimentos no sentido de distanciar os atos administrativos dos atos emanados do Poder Judiciário, não há diferenças substanciais entre as duas instâncias. Os doutrinadores, em sua maioria, apontam que tal oposição firmou-se historicamente, o que redunda em distinções meramente formalistas. As atividades administrativa e jurisdicional compreendem a aplicação do direito, inevitavelmente atendendo aos preceitos de direito constitucional e legal. Não obstante tal constatação, é de se admirar que dados advindos do Ministério da Fazenda informam que o tempo médio de tramitação de processos administrativos fiscais é de quatro anos, enquanto no Poder Judiciário processos correlatos têm seu trâmite dilatado para um período de cerca de doze anos. (In: www.fazenda.gov.br) Os dados supracitados novamente ratificam que recorrer ao Judiciário após a apreciação da lide pela administração é ato comumente atribuído ao contribuinte que busca tão somente a procrastinação de seus prazos, mormente quando o poder jurisdicional brasileiro não está devidamente aparelhado para lidar com as questões mais complexas em matéria fiscal. Rubens Gomes de Sousa, citando Rafael Bielsa: “É evidente que o contencioso administrativo constitui um remédio contra os julgamentos deficientes dos tribunais judiciários, que profissionalmente são menos competentes que os administrativos, porque não estão familiarizados com a prática e os princípios da administração pública e porque, por sistema e por hábito, exercem a sua missão passivamente, como convém a questões de direito privado, mas não a questões de direito público.” (SOUSA, 1943, p.28) O resultado é a dependência da administração e a ausência de harmonia, de tempestividade e de adequação, em decorrência da falta de condições do judiciário tradicional de lidar com questões tipicamente fiscais, como a intervenção na economia, a distribuição de renda e as demandas de massa. (JÚNIOR, 2011, p. 31) A própria instrumentalidade e economia processual, tão citadas como ideais do processo moderno, seriam efetivadas ao não se permitir o prosseguimento de execuções claramente infundadas, ganhando prestígio a justiça ao se adotar processo mais célere. (MARINS, 2006, p. 81) Nesse sentido, de extrema valia é o relatório final elaborado pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Administração – CEPA, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, resultado de intensas pesquisas cujo objeto primordial fora as “Inter-relações entre o processo administrativo e o judicial (em matéria fiscal) a partir da identificação de contenciosos cuja solução deveria ser tentada previamente na esfera administrativa”. (In: www.cnj.jus.br) Dentre outros apontamentos de igual notoriedade, os estudos concluem que: “[…] o judiciário tradicional foi talhado para a aplicação das velhas ou novas regras jurídicas sistematizadas, não tendo, igualmente, capacidade para decidir com presteza causas de enorme complexidade extra-jurídica, pois “justiça retardada é justiça denegada”, mormente quando da demora decorre a perda de liquidez da dívida ativa, gerando uma aposta crescente na prescrição e na ineficiência da execução fiscal.” (JÚNIOR, 2011, p. 157) A pesquisa ainda demonstrou que, embora haja um temor quanto a simples revogação da duplicidade de instâncias, a grande maioria dos profissionais entrevistados acredita na eficiência da supressão da citada duplicidade, desde que seja adotado para os processos fiscais modelo análogo ao da Justiça Eleitoral, “pelo qual uma justiça fiscal especializada, da primeira à última instância, fosse a única competente para o lançamento e para a discussão das lides tributárias.” (JÚNIOR, 2011, p. 161) Por revestir-se da natureza de garantia fundamental do indivíduo e encontrar-se dentro dos parâmetros constitucionais, o processo administrativo tributário apresenta incontestável natureza de garantia constitucional do cidadão-contribuinte. Coibir o desvirtuamento dos processos administrativos advindos pela duplicidade de instâncias é medida que se faz fundamentalmente necessária, por um lado por advir de condutas cuja motivação vai de encontro aos preceitos de efetividade da justiça; por outro, por trazer um custo absolutamente escusado para a sociedade em geral, repetindo-se todos os meios de provas já produzidos e devidamente apreciados na instância administrativa. Posto não haver dúvidas que a maior celeridade na prestação jurisdicional é o maior dos desafios à efetivação da justiça na atualidade, a expressa extensão dos princípios constitucionais inerentes ao processo comum aos processos administrativos chancelam esta modalidade de solução de litígios, considerável e eficiente alternativa à excessiva morosidade dos processos fiscais. CONSIDERAÇÕES FINAIS As pontuações feitas ao longo do presente trabalho convergem no sentido de ser a morosidade fenômeno que afeta a tramitação de processos judiciais em matéria tributária, sendo expressa afronta à razoável duração do processo, enquanto direito fundamental constitucionalmente assegurado, e óbice à efetiva justiça tributária. O comportamento das partes e de seus representantes no que tange às providências que lhes cabem para o andamento do processo é o principal fator que determina o anacronismo da prestação jurisdicional quanto aos processos tributários, abrangidos pela Meta 2 do CNJ, que tramitam na Vara da Fazenda da Comarca de Montes Claros, conforme dados apontados ao longo do trabalho. No tocante à utilização da via administrativa como alternativa à sobrecarga judicial em matéria tributária, os apontamentos outrora feitos confluem para a necessidade de se coibir a duplicidade de instâncias na forma como hoje se apresenta. Isso posto que a superposição de jurisdições afeta, ou impede, o dinamismo sistemático ao possibilitar a repetição, na via judicial, dos procedimentos devidamente instaurados em instância administrativa. Considere-se aqui, também, o comportamento dos sujeitos, sobretudo os contribuintes, envolvidos na lide tributária, os quais, por vezes, optam por instaurar processo cujo objeto já fora apreciado em instância administrativa. Tal atitude é comumente tomada com o mero intuito procrastinatório, em expressa afronta à celeridade e à economia processual, o que influi na sobrecarga judicial no que tange aos processos tributários. Pelo exposto, resta demonstrado que, ao anacronismo da prestação jurisdicional, a via administrativa constitui alternativa viável e eficaz à sobrecarga judicial em matéria tributária. Frise-se a necessidade de que os processos administrativos guardem pertinência à economia e à celeridade processual, a fim de coibir a superposição de instâncias, fomentando a razoabilidade temporal da duração do processo de modo a promover efetividade à justiça tributária.
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Direito Penal Tributário
O presente artigo cuida da interferência do Direito Penal no Direito Tributário originando inúmeros aspectos polêmicos e posições heterogêneas. A tutela penal da atividade tributária constitui matéria complexa e de difícil compreensão dada a profusão de elementos normativos e de normas penais em branco, além da noção de bem jurídico pouco delineada. Trata-se de uma breve análise a respeito dos crimes e das infrações tributárias em nosso direito posto em conjunto com assuntos relevantes do modelo deôntico como tipicidade e hipótese de incidência. O tema revela-se apaixonante e ainda pouco analisado pela doutrina pátria.
Direito Tributário
Introdução Discute-se a existência de um Direito Penal Tributário e a de um Direito Tributário Penal como ramos autônomos. A fim de que pudessem, ao menos, ser considerados independentes do Direito Penal e do Direito Tributário, seria necessário a presença de princípios próprios que justificassem tais divisões metodológicas. Aliás, alguns autores entendem que o Direito Penal Tributário e o Direito Tributário Penal são expressões sinônimas, as quais identificam um mesmo ramo autônomo do Direito. Não vem sendo este, entretanto, o entendimento seguido pela maioria dos juristas pátrios, que fazem distinção entre as aludidas expressões. Para entender melhor cada uma destas esferas precisamos definir e demarcar a área de atuação de cada uma das disciplinas para então, diante de uma interpretação sistemática, construir a norma de direito penal tributário. Para isto, importantes conceitos devem ser analisados, desde o conceito de infrações e sanções, passando pelas espécies de tributo para fins penais, até aspectos relevantes da teoria geral do crime, na tentativa de buscarmos um ramo didático autônomo ou em vias de encontrar sua autonomia. 1) Infrações e sanções . O modo natural de extinção de uma obrigação é o seu cumprimento, geralmente com o pagamento de seu objeto, nos campos mais variados do direito – direito civil, administrativo ou tributário. Mas, como se dá com quaisquer normas de conduta, o destinatário do comando pode, por variadas razões, proceder de modo diferente do querido pela ordem jurídica, optando pelo simples desconhecimento do preceito normativo ou até a vontade consciente de adotar uma conduta contrária ao comando legal. Para ilustrar melhor, vejamos o direito privado: sempre que incumbir a alguém adotar determinada conduta comissiva ou omissiva, no sentido de respeitar o direito alheio (por exemplo, entregando coisa vendida, ou pagando o preço, ou abstendo-se de turbar a posse de outrem, ou prestando alimentos, ou suportando a servidão de passagem, etc), é possível um procedimento diverso do que é imposto pela lei. Surge então a noção de infração, composta por uma conduta (comissiva ou omissiva) contrária ao ordenamento jurídico. Sabemos que o eu diferencia a norma jurídica de outros “sistemas” de contenção social, tais como a religião, a moral e as regras de trato social, é a sanção institucionalizada. Isto porque estas outras “normas”, quando descumpridas, não acarretam qualquer imposição ao sujeito a não ser o seu puro arrependimento ou uma reprovação social. Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho[1]: “O traço característico do direito é a coatividade, que é exercida, em ultimo grau, pela execução forçada e pela restrição da liberdade. A ordem jurídica é o único sistema normativo que prevê, como consequência final do descumprimento de seus deveres, aquelas duas espécies de providências”. A infração jurídica enseja a aplicação de remédios legais em três níveis distintos, apesar da possibilidade de aplicação conjunta. Preventivamente pretendem intimidar o sujeito a cumprir a obrigação; uma vez descumprida pretendem obrigar o sujeito a repor a situação desejada pelo direito (execução coercitiva da obrigação descumprida); e finalmente a reparar o dano causado ao direito alheio por meio de prestação indenizatória ou então punindo o comportamento ilícito, infligindo um castigo ao infrator. Em nosso ramo didático, o direito tributário, sabemos que as obrigações podem ser de dois tipos. Uma obrigação dita “principal”, vinculante, da prestação de tributo, e outras vezes, uma obrigação “secundária”, de  prestação de deveres formais ou instrumentais. É o ensinamento da doutrina de Roque Antonio Carrazza[2]: “A relação jurídica tributária refere-se não só à obrigação tributária stricto sensu, como ao plexo de deveres instrumentais (positivos ou negativos) que gravitam em torno do tributo, colimando facilitar a aplicação exata da norma jurídica que o previu. É desses deveres, de índole administrativa que a doutrina tradicional.chama de obrigações acessórias.” Tanto uma quanta outra, uma vez desrespeitadas, dão surgimento às infrações tributárias e suas respectivas sanções. Ao implicar em falta de pagamento de tributo, o sujeito ativo (credor) geralmente tem, a par do direito de exigir coercitivamente o pagamento do valor devido, o direito de impor uma sanção (que há de ser prevista em lei, por força do princípio da legalidade). Tal sanção é geralmente traduzida num valor monetário proporcional ao montante do tributo que deixou de ser arrecadado. Por outro lado, havendo o descumprimento de obrigação acessória a consequência também é a aplicação de uma sanção ao infrator – em regra uma multa ou penalidade pecuniária, ou eventualmente, até mesmo um crime. Vale lembrar que apesar da maior gravidade da infração criminal, e, portanto, da sanção penal (geralmente restritiva da liberdade) – não obstante esta geralmente se fazer acompanhar de uma pena acessória, traduzida numa reprovação social, maior do que a decorrente da sanção administrativa -, há alguns princípios que são comuns aos dois ramos: o princípio da legalidade dos delitos e das penas, o princípio do in dubio pro reo, a retroatividade benigna, o princípio do devido processo legal, etc. Vale afirmar que as sanções teriam ainda uma função educativa no sentido de formar uma moral fiscal que contribuísse para evitar a infração da lei tributária auxiliando na arrecadação do Estado. 2)Responsabilidade nas Infrações Tributárias O CTN dedicou três artigos à responsabilidade por infrações tributárias (arts. 136 a 138), e mais alguns artigos fragmentados ao longo do Código. Na seção atinente às infrações, a palavra responsabilidade está em sentido amplo, ou seja, refere-se quer ao sujeito passivo “contribuinte”; quer ao sujeito passivo “responsável”, quer ainda a outras pessoas que, embora não sejam contribuintes nem responsáveis podem cometer infrações (ao descumprir obrigações acessórias) e “responder” por elas, arcando com as suas consequências. Desse modo o CTN acabou colocando no mesmo capítulo a responsabilidade stricto (designativo da sujeição passiva indireta) e lato sensu (sujeição de alguém às conseqüências de seus atos). Assim, no momento que o art. 136 fala em “agente ou responsável” abarca a figura do agente e do terceiro (administrado, representado, etc). Já no art. 137 a responsabilidade seria apenas do agente e não do responsável (administrado, preponente, empregador). Veja o que preceitua o art 136 do Diploma Legal em comento: “Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato”. No art. 136 vemos que o legislador optou pela responsabilidade objetiva já que independe da vontade do agente ou responsável. Confira a jurisprudência: “ICMS – Saída de café – Inexistência – Empresa Fictícia – Infração Tributária. 1.Suposta venda de café a empresa fictícia, através de documentação falsa, é pratica de fraude para acobertar a entrada do produto, não recolher imposto e beneficiar-se de créditos. 2. A responsabilidade por infração tributária não depende da intenção do agente. 3.Recurso improvido” (STJ, 1 Turma, Resp 51267-94/SP). É inversamente ao que ocorre no direito penal onde a imputabilidade está sempre a depender da subjetividade. Prescindindo-se da ideia de culpa responsabiliza-se quem quer que tenha praticado o ato ilícito e, por fim, desconsideram-se circunstâncias que excluam ou atenuam a punibilidade. A regra geral é considerar a infração fiscal de modo objetivo e não subjetivo – Princípio da Objetividade.  Portanto, nas situações do art. 136 – em que se põe a figura do responsável a par da do agente (executor material) – pode-se falar na culpa in vigilando ou culpa in eligendo: quem contrata um mau administrador, mandatário ou preposto responde pelos atos do representante eleito. Também não importa pesquisar se o ato contrário à lei gerou efeitos (por exemplo, implicou o recolhimento de tributo menor do que o devido), nem interessa saber qual a natureza do ato ou a extensão dos seus eventuais efeitos. Outro rumo toma o art 137 ao preceituar: “Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente: I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito; II – quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar; III – quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico: a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem; b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;  c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.” O art. 137 do Código arrola situações em que a responsabilidade por infrações é pessoal do agente, não, obviamente, em situação na qual ele atue em seu nome e por sua conta, mas em casos nos quais, agindo embora em nome e por conta de terceiro, a responsabilidade é imputada ao próprio agente ou executor material. Com efeito, nas situações reguladas, o contribuinte ou responsável também sofre, muitas vezes, danos em razão da ação de seu representante, motivo pelo qual fica exonerado do pagamento de multa. Renove-se que a exclusão diz respeito apenas ao pagamento de penalidades, respondendo o sujeito passivo pelo pagamento dos tributos porventura cabíveis. O autor responde pelas infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito. Na hipótese, pois, de ele se encontrar laborando regularmente ou cumprindo ordens, isto é, se ele estiver infringindo a lei por estar acatando as diretrizes traçadas pela empresa na qual trabalha, logicamente a responsabilidade (tributária, pois da penal ele não teria como se salvar) não lhe pode ser atribuída, mas sim à sociedade para a qual presta os seus serviços. Inexistindo tal "orientação", deve o infrator arcar pessoalmente com as reprimendas impostas. Havendo a necessidade de se apurar a vontade consciente do agente para se caracterizar a infração, cabe a ele igualmente arcar com as sanções aplicadas. O mesmo se diga quanto às faltas cometidas: a) pelas pessoas referidas no art. 134, prejudicando os sucedidos ali indicados; b) pelos mandatários, prepostos ou empregados, causando prejuízos aos mandantes, preponentes ou empregadores; c) pelos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, acarretando danos contra estas. Tal dispositivo preconiza uma exceção à responsabilidade objetiva – responsabilidade pessoal do agente infrator. Aqui, há a personalização das penas tributárias, prevalecendo a responsabilidade pessoal do agente, isto é, de quem comete a infração. Refere-se, pois, à aplicação das multas no Direito Tributário. Vamos ao aprofundamento do tema: O inciso I abrange os crimes (sonegação fiscal) e contravenções (recusa em receber o agente fiscal). Se uma empresa importadora comete infração à legislação aduaneira tipificada como crime (cumulação da infração administrativa e criminal), a responsabilidade é exclusiva da pessoa natural que tiver cometido a infração aduaneira que constitua crime. Ou seja, não é exclusiva da pessoa jurídica, nem mesmo é conjunta ou solidária da pessoa jurídica; nem subsidiária da pessoa física. O inciso II versa sobre "dolo específico” que se materializa na infração com intenção deliberada. Exemplo: com relação ao IRPF, se o contribuinte parar de pagar o tributo, vindo a falecer, em seguida, não pode o Fisco cobrar a multa relativa à prática fraudulenta (multa punitiva) do de cujus, mas apenas cobrar-lhe o tributo que era devido, mais multa moratória. O inciso III abrange os "ilícitos civis contra terceiros" – atos praticados por pessoas que agem em nome e por conta daqueles. O que pode ocorrer é que, ao atuar contra o interesse do terceiro, o agente acabe também ferindo interesse do fisco. 3) Direito Penal Tributário e Direito Tributário Penal O Direito Penal Tributário é considerado uma espécie de sub-ramo do Direito penal, que cuida das infrações penais cuja objetividade jurídica é a Ordem Tributária. Já o Direito Tributário Penal trata das infrações puramente tributárias. Admite-se, corretamente, que tal divisão tem cunho meramente didático, vale dizer, o Direito Penal Tributário não tem princípios próprios, diversos daqueles encontrados no Direito Penal comum. Apesar de que Sasha Calmon ressalta[3]: “Já em 1904, o italiano Giovanni Carano Dovito esboçava o lineamento de uma Teoria Geral do Direito Penal Tributário concluindo pela necessidade de emancipar a disciplina.” Não carece, porém, de utilidade essa classificação, visto que reforça a ideia de que, no estudo dos chamados delitos tributários, devem ser observados alguns preceitos de Direito Tributário. Assim, por exemplo, o art. l ° da Lei 8.137190 estipula ser crime contra a Ordem Tributária a supressão ou redução de tributo, mediante as condutas relacionadas nos incisos do mencionado dispositivo. Ora, para se interpretar corretamente a eventual subsunção de determinado fato a esta norma penal, imprescindível se torna o conhecimento da definição de tributo, a qual se encontra, expressa no art. 3° do Código Tributário Nacional.  A lei penal que descreve delitos de fundo tributário não pode ser aplicada sem apoio no Direito Tributário, exatamente porque os tipos penais nela descritos são complementados pelas normas tributárias. São as normas penais em branco, que buscam sua integração em outros diplomas de modal deôntico. Realmente, só é possível entender os delitos penais tributários (contrabando, descaminho, sonegação fiscal, apropriação indébita, etc) compreendendo corretamente os fenômenos que o Direito Tributário regula. Desta forma, concebe-se o Direito Penal Tributário como uma forma didática de se estudar as infrações penais que tenham por objetividade jurídica a Ordem Tributária, servindo como lembrança que, em certas ocasiões, não poderá ser olvidado o estudo de institutos do direito tributário Resumindo, a nomenclatura “direito penal tributario” é aplicada como ramo do direito penal que se refere ao tema dos tributos e respectivos delitos fiscais, o qual não se pode confundir com a parte sancionatória do direito tributário, o “direito tributário penal”, que abrange as sanções fiscais, administrativas e tributárias, como a apreensão de mercadoria transportada sem a respectiva documentação legal. 4) Tributo para fins penais e Espécies Tributárias O conceito não muda. O direito penal vai buscar em outras leis a definição de alguns dos bens jurídicos que visa a proteger. O direito penal tem caráter eminentemente sancionador e pouco criativo. Cria poucos bens jurídicos e protege muitos. Assim sendo, vamos buscar no próprio CTN o conceito de Tributo: “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” Dentro deste conceito destacam-se o caráter pecuniário (afasta-se do conceito de tributo tudo que não seja pecúnia, ou seja, não se pode pagar tributo com trabalho físico, por exemplo); o caráter compulsório (é um dever oriundo de lei – ex lege – e não da vontade dos sujeitos da relação jurídica); não sancionatório (tributo não serve para punir condutas ilícitas, ou seja, multa não é tributo); de origem legal (cabe à lei instituí-lo definindo o respectivo fato gerador, o devedor e os elementos necessários a quantificar a prestação – RMIT); e finalmente a natureza vinculada (tributo é bem indisponível cuja arrecadação é um dever da autoridade). Luciano Amaro[4], resgatando o conceito de tributo, afirma:”tributar (de tribuere, dividir por tribos, repartir, distribuir, atribuir) mantém ainda hoje o sentido designativo da ação estatal: o Estado tributa. O tributo (tributum) seria o resultado da ação estatal, indicando o ônus distribuído entre os súditos.” Excetuando todas as críticas que o conceito do CTN sofre, a doutrina passou a discutir as espécies tributárias com base no conceito apresentado. Parte da doutrina se baseia no artigo 145 da Constituição Federal que estabelece apenas três espécies tributárias: as taxas, os impostos e a contribuição de melhoria.  Outras correntes surgiram elevando o número para cinco ou seis espécies, com a adição do empréstimo compulsório, das contribuições especiais e da taxa de iluminação pública. Roque Antonio Carrazza afirma[5]: “o constituinte estabeleceu, de modo peremptório, alguns enunciados que necessariamente deverão compor as normas jurídicas instituidoras das várias exações. Eles formam o domínio mínimo necessário à tributação – ou seja, o ponto de partida inafastável do processo de gênese dos tributos”. Contudo não há consenso doutrinário. Na verdade o que realmente importa para a classificação são os critérios que serão levados em conta para se apurar o numero de espécies tributarias vigentes em nosso ordenamento positivo. Márcio Severo Marques[6] afirma existirem 5 espécies com base nos seguintes critérios: a)Vinculação entre a materialidade do antecedente normativo e uma atividade estatal referida; b)destinação específica para o produto arrecadado; c)restituição do montante arrecadado do contribuinte, ao cabo de determinado período. O interesse destas questões não é puramente acadêmico, já que a capitulação de tais figuras como espécies tributarias é que vai levar à aplicação ou não de certos princípios penais e/ou tributários. 5) Crime e Direito Penal como Ultima Ratio   O Direito Penal é o corpo de normas jurídicas voltado à fixação dos limites do poder punitivo estatal, instituindo infrações penais e sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação. Sem dúvida que o principal objeto de estudo do direito penal é o crime. Mas o que seria crime. Em verdade é a sociedade a criadora inaugural do crime, qualificativo que reserva às condutas ilícitas mais gravosas e merecedoras de maior rigor punitivo. Após, cabe ao legislador transformar esse intento em figura típica, criando a lei que permitirá a aplicação do anseio social aos casos concretos. A partir daí temos três prismas dispensados ao conceito de crime. O conceito material é a concepção da sociedade sobre o que pode e deve ser proibido, mediante a aplicação da sanção penal – é a conduta que ofende um bem jurídico tutelado, ameaçado de pena. Já o conceito formal exprime a concepção do direito acerca do delito – é a conduta proibida por lei sob ameaça de aplicação de pena, numa visão legislativa do fenômeno (modal deôntico). Finalmente temos o conceito analítico de crime que é a concepção da ciência do direito, que não difere, na essência do conceito formal (modal apofântico). É no conceito analítico que vamos encontrar as teorias definidoras do conceito e da estrutura do crime. Visões tripartites e bipartites estabelecendo crime ora como fato típico, antijurídico e culpável, ora apenas como fato típico e antijurídico – o injusto penal. Também é aqui que temos longos embates tratados na doutrina penal entre os causalistas e os finalistas, sendo que os primeiros estabelecem o dolo e a culpa dentro do conceito de culpabilidade enquanto os outros dentro do fato típico. Apenas para esclarecimento o dolo penal significa intenção enquanto a culpa significa a falta de um cuidado, de um dever objetivo nas modalidades de imperícia, imprudência e negligência. Mais uma vez ressaltamos que tais conceitos são importantíssimos para definir o que é crime e também se relacionam às condutas possíveis de um sujeito ativo quando do cometimento de uma infração tributária eleita como crime na esfera penal.  Uma vez abordados tais conceitos podemos refletir um pouco mais sobre alguns princípios que se aplicam ao Direito Penal e as suas implicações no ramo tributário. Sabemos que tanto o Direito Penal quanto o Direito Tributário influem e muito na vida dos cidadãos. Aplicam-se a alguns dos bens mais valiosos dos seres humanos: a liberdade e o patrimônio. Assim sendo, submetem-se a um regime mais vigoroso e diverso do ramo privado. Tanto é que princípios como anterioridade e legalidade tem aplicação contundente nestas duas esferas jurídicas. Contudo, um princípio que chama a atenção no Direito Penal e que tem íntima ligação com o Direito tributário é o principio da intervenção mínima ou da subsidiariedade do Direito Penal. Significa que o direito penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo, retirando-lhe autonomia e liberdade. Afinal, a lei penal não deve ser vista como a primeira opção (prima ratio) do legislador para compor conflitos existentes em sociedade e que, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da humanidade sempre estarão presentes. O direito penal é considerado a ultima ratio, isto é, a última cartada do sistema legislativo, quando se entende que outra solução não pode haver senão a criação de lei penal incriminadora, impondo sanção penal ao infrator. Podemos anotar que a vulgarização do direito penal, como norma solucionadora de qualquer conflito, pode levar ao seu descrédito. Muitas vezes podemos nos perguntar se realmente seria necessário o direito tributário socorrer-se do direito penal para solucionar conflitos surgidos em sua própria seara. Acredito que a solução encontra-se na aplicação módica e esporádica do direito penal para solucionar conflitos tributários. Ou seja, a tarefa do legislador em tipificar crimes tributários deveria ficar reservada para condutas realmente graves que lesem o patrimônio nacional ou então em que o engenho criminoso seja de tal monta que mereça reprovação. Até mesmo  propugnamos pela aplicação do princípio da insignificância para aquelas infrações tributárias que não representem uma vultuosa quantia em dinheiro. Direito penal deve ser a exceção e não a regra, ainda mais na esfera da tributação. Entendemos que o simples fato de o sujeito passivo não recolher tributo é inelegível como tipo delituoso. Assim, a criminalização de condutas que possam afetar o interesse da arrecadação, sujeitam-se a esse balizamento que em regra, tem levado o legislador ordinário (quando da definição de delitos tributários) a caracterizar a figura penal pelo meio empregado e não só pelo fato de o devedor inadimplir o dever de recolher o tributo. De qualquer forma, os crimes tributários, em regra, tem sua tônica no ardil ou artifício empregado pelo agente com vistas à obtenção do resultado (que é o não-recolhimento do tributo). Documentos falsos, omissão de registros, informações incorretas permeiam tais figuras delituosas. As figuras penais tributárias geralmente são integradas por uma ação dirigida ao resultado intencionalmente buscado de evadir tributo. O que sem dúvida não pode ser ilícito criminal é a mera conduta de não-pagamento de tributo, diante da vedação de prisão por dívida. 6) Sujeitos do Direito Penal Tributário O sujeito passivo geralmente vai ser o Estado, representado pela Fazenda Pública federal, estadual ou municipal, ofendida em seus interesses relacionados com a arrecadação dos tributos devidos. Quanto ao sujeito ativo do crime, na maioria das vezes, será o particular, vale dizer, a pessoa física contribuinte. Isso porque no direito penal temos uma questão delicada no que refere-se aos delitos da pessoa jurídica. Realmente a pessoa jurídica como sujeito ativo de crimes sofre profundos debates no direito penal. As principais objeções que se levantam são que a pessoa jurídica não tem vontade (dolosa ou culposa) para praticar crimes por si só, ou seja, ela é desprovida de culpabilidade. O segundo argumento é que a CF não autoriza expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica, reservando-se apenas às sanções civis e administrativas, mas nunca penais. O terceiro argumento fica por conta de que às pessoas jurídicas não podem ser impostas penas privativas de liberdade que constituem o cerne das punições do direito penal. O quarto argumento é de que as penas são personalíssimas de modo que a punição de uma pessoa jurídica certamente atingiria o sócio inocente, que não tomou parte na decisão provocadora do crime. A favor da responsabilidade surgem os seguintes contra-argumentos: as pessoas jurídicas tem sim uma vontade institucional ao lado das ações humanas individuais. E mesmo que não se reconhecesse tal vontade própria, existem sim certas situações de responsabilidade objetiva dentro do direito penal. Também se argumenta que as penas privativas de liberdade não são a única característica marcante do direito penal, tanto que temos penas alternativas dos mais variados tipos. A viabilidade de a pessoa jurídica responder por crimes no Brasil ganhou força com a edição da Lei 9605/98 que cuida dos crimes contra o meio ambiente. Nesse prisma nada impediria o legislador de eleger a pessoa jurídica como autora de crime em delitos contra a ordem tributária, econômica ou financeira por exemplo. Mas no campo do direito penal tributário a ideia ainda não sedimentou-se. Assim, as leis penais procuram identificar a pessoa física que agiu como representante da pessoa jurídica, para apená-la criminalmente, mas nem sempre é fácil apontar com precisão o indivíduo realmente culpado pela prática do ato delituoso na pessoa jurídica. Tanto é assim que mais uma vez pedimos vênia para colacionar o art. 137, inciso II, do CTN que afirma: “Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente: I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito.” Também podemos encontrar preceito similar no art. 11 da Lei 8137/90 que define os crimes contra a ordem tributária: “Art. 11. Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade.” 8) Aplicabilidade do erro de proibição no direito penal tributário Erro de proibição é o que incide sobre a ilicitude de um comportamento. O agente supõe, por erro, ser lícita a sua conduta. O objeto do erro não é, pois, nem a lei, nem o fato, mas a ilicitude, isto é, a contrariedade do fato em relação à lei. O agente supõe permitida uma conduta proibida, fazendo um juízo equivocado daquilo que lhe é permitido realizar em sociedade. O erro de proibição ocorre geralmente nos crimes dolosos, mas também pode ocorrer nos culposos. A doutrina exemplifica bem o erro de proibição no seguinte caso: o agente tem um depósito de substância entorpecente em sua casa supondo que o mesmo não é proibido. O erro de proibição quando inevitável exclui a culpabilidade, impedindo a punição a qualquer título; em razão de não haver crime sem culpabilidade. Já se o erro de proibição for evitável, a punição se impõe, porém, sempre por crime doloso (ou melhor, sem alterar a natureza do crime), mas com pena reduzida, pois a culpabilidade, reprovabilidade pessoal da conduta antijurídica, é sempre menor no erro de proibição evitável. Vale lembrar que o erro de proibição difere da ignoratio legis. A ignorância da lei é a desconhecimento dos dispositivos legislados, ao passo que a ignorância da antijuridicidade é o desconhecimento de que a ação é contrária ao Direito. Por ignorar a lei pode o autor desconhecer sua classificação jurídica, a quantidade de pena, ou as condições de sua aplicabilìdade, possuindo, contudo, representação da ilicitude do comportamento. Por ignorar a antijuridicidade, falta-lhe tal representação. Também vale lembrar que com a evolução do estudo da culpabilidade, não se exige mais a consciência da ilicitude, mas sim a potencial consciência. Não se admitem mais presunções irracionais, iníquas e absurdas. Não se trata de uma consciência técnico-jurídica, formal, mas a chamada consciência profana do injusto, constituída do conhecimento da anti-socialidade, da imoralidade ou da lesividade da conduta. Provém da cultura, dos princípios morais e éticos, enfim dos conhecimentos adquiridos pela vida em sociedade – conhecimentos que vem naturalmente. Assim surge a chamada potencial consciência da ilicitude. Em outros termos, não basta simplesmente não ter consciência do injusto para inocentar-se. É preciso indagar se houve possibilidade de adquirir tal consciência e, em havendo essa possibilidade, se ocorreu negligência em não adquirí-la ou a falta ao dever concreto de procurar esclarecer-se sobre a ilicitude da conduta praticada. Sendo a culpabilidade normativa, estará presente sempre um juízo de valor sobre a ação humana e, assim, o erro só será justificável, e portanto inevitável, se não decorrer de censurável desatenção ou falta de um dever cívico de informar-se. Assim, não aproveita ao agente a falta de consciência da ilicitude quando: a)teria sido fácil para ele obter tal consciência com algum esforço de inteligência e com os conhecimentos auridos da vida em comunidade; b)propositadamente recusa-se a instruir-se para não ter que evitar uma possível conduta proibida; c) não procura informar-se convenientemente mesmo sem má-intenção, para o exercício de atividades regulamentadas. A possibilidade do erro de proibição no direito penal tributário ocorre quando, por exemplo, o agente deixa de recolher por entender o tributo indevido ou então porque supõe sinceramente estar isento da tributação. No entanto, mesmo diante de nosso legislação tributária prolixa, trata-se de matéria de difícil comprovação que raramente levará a algum sucesso. Com aplicação um pouco mais modesta, o erro de tipo penal, também pode ser visualizado no direito penal tributário. Seria o caso de o sujeito deixar de declarar ou recolher tributo pensando sinceramente tratar-se de preço ou tarifa. Se tal erro for invencível, ou seja, qualquer pessoa “normal” o cometeria naquela mesma situação podemos excluir o dolo e a culpa. Se for vencível pode-se excluir o dolo, mas subsiste a figura culposa se prevista em lei. 9) Inexigibilidade de conduta diversa no direito penal tributário   A culpabilidade em sentido lato é um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e exigibilidade de atuar de outro modo. Se for inimputável, se não tiver tal consciência ou mesmo se não era exigível ou possível atuar-se de outro modo estará “quebrada” a culpabilidade e o agente não cometerá crime para a corrente tripartite. O Código Penal prevê expressamente as causas excludentes de culpabilidade, também chamadas de dirimentes por alguns doutrinadores. Cite-se: erro de proibição; coação moral irresistível; obediência hierárquica; inimputabilidade (doença mental, menoridade, embriaguez). Contudo, por mais previdente que seja o legislador, não pode antecipar todos os casos em que a inexigibilidade de outra conduta deve excluir a culpabilidade. Assim, é possível a existência de um fato, não previsto pelo legislador como causa de exclusão da culpabilidade, que apresente todos os requisitos do princípio da não-exigibilidade de comportamento lícito. A aplicação da teoria da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal encontra apoio na integração da lei penal. Sabemos que o direito penal possui lacunas. Havendo omissão legislativa no conjunto de normas penais não incriminadoras, e não havendo o obstáculo do princípio da reserva legal, a falha pode ser suprida pelos processos determinados pelo artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil: usando a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Se o caso é de inexigibilidade de conduta diversa e não encontrando o juiz norma a respeito no direito positivo, pode lançar mão da analogia para absolver o agente. A doutrina atenta ao tema preceitua[7]: “Depois que Frank, em 1907, enunciou a teoria complexa da culpabilidade, isto é, normativa (culpabilidade como reprovabilidade), mas com o dolo e a culpa também compondo o seu conteúdo, a exigibilidade, como sua característica básica, foi colocada cada vez mais em evidência. até que Freudenthal e seus seguidores inauguraram um posicionamento que tornava possível a concepção da inculpabilidade não limitada pelas causas de exculpação, contidas nos textos legais, mas também abarcando qualquer outra situação fática, em que não fosse possível exigir-se do sujeito a realização de outra conduta. Deste modo, a inexigibilidade de outra conduta passou a ser, praticamente, uma causa supralegal e independente da ausência de culpabilidade.” Há intensa polêmica na doutrina e na jurisprudência a respeito da aceitação da inexigibilidade de outra conduta como tese autônoma desvinculada das excludentes da coação moral irresistível e da obediência hierárquica. Isso porque o legislador não definiu culpabilidade, tarefa que restou à doutrina, reconhecendo-se, praticamente à unanimi­dade, que a exigibilidade e possibilidade de conduta conforme o direito é um dos seus elementos. Ora, nada impede que de dentro da culpabilidade se retire essa tese para, em caráter excepcional, servir para excluir a culpabilidade de agentes que te­nham praticado determinados injustos. Pode-se admitir, portanto, que em certas situações extremadas, quando não for possível aplicar outras excludentes de culpabilidade, a inexigibilidade de conduta diversa seja utilizada para evitar a punição injustificada do agente.  Convém mencionar, pela importância que o tema exige, o ensinamento de Assis Toledo[8]: “A inexigibilidade de outra conduta é, pois, a primeira e mais importante causa de exclusão da culpabilidade. E constitui verdadeiro princípio de direito penal. Quando aflora em preceitos legislados, é uma causa legal de exclusão. Se não, deve ser reputada causa supralegal, erigindo-se em princípio fundamental que está intimamente ligado com o problema da responsabilidade pessoal e que, portanto, dispensa a existência de normas expressas a respeito". A doutrina cita como exemplos o caso de uma mãe que se vê obrigada a levar entorpecentes para seu filho no presídio porque este se encontra ameaçado de morte; ou então o caso do indivíduo ameaçado pelo traficante  “dono do bairro” que não vê outra alternativa a não ser matá-lo pelas costas não em situação de legítima defesa. No direito penal tributário também podemos encontrar situações semelhantes onde a pressão seja tão elevada que não reste outra alternativa ao agente a não ser deixar de cumprir o mandamento legal. Imagine a situação de um empresário endividado que é obrigado a declarar e recolher uma determinada quantia tributária que será a sentença de morte para seu empreendimento. Ao visualizar a situação, a desgraça pessoal e de seus empregados resolve simular, omitir, falsear determinada declaração para recolher menos tributo e poder continuar na tentativa de salvar sua empresa. Será que seria razoável exigir-lhe outra conduta diante de uma situação destas. Ou será que a “maioria dos homens” também não agiria do mesmo modo quando tal desespero soasse em suas vidas. Obviamente que não defendemos a utilização da inexigibilidade de conduta diversa de maneira artificiosa. Se o agente fez investimentos de grande vulto em sua empresa ou se propositadamente veio dilapidando capital, obvio que não se aplicaria a tese acima abraçada. Por isso que, apesar de ser muito pouco utilizada, a inexigibilidade de conduta diversa é tese de defesa com ótima aplicação dentro do direito penal tributário. 10) Esferas tributária e administrativa – condição objetiva de punibilidade   Sabemos que a obrigação tributária nasce à vista de fato previamente descrito, cuja ocorrência tem aptidão, dada por lei, de gerar aquela obrigação – hipótese de incidência. Com o acontecimento concreto do fato previsto na norma, com a subsunção do fato à norma,  passamos ao chamado fato gerador. Este é a materialização da hipótese de incidência, representando o momento concreto de realização da hipótese, que se opõe à abstração do paradigma legal que a antecede. Com a ocorrência do fato gerador temos o nascimento da obrigação tributária. O normal de toda obrigação é o seu nascimento com o respectivo crédito. Contudo o CTN resolveu segregar a situação em dois planos distintos estabelecendo o nascimento da obrigação tributária com o fato gerador e o nascimento do crédito tributário com o lançamento (apesar de que o correto seria falar-se em três planos distintos já que posteriormente ainda teremos a necessidade de inscrição como dívida ativa tributária). Discute-se na doutrina se o lançamento teria natureza constitutiva ou declaratória. Seguimos o entendimento de que obrigação e crédito nascem no mesmo momento, tratando-se de natureza declaratória. Ou melhor, é ato jurídico administrativo que com a notificação acaba por declarar o crédito tributário. Confira a doutrina no mesmo sentido[9]: “O ato jurídico administrativo é ponente de uma norma individual e concreta no sistema do direito positivo, funcionando como veículo introdutor. O conteúdo do ato é a própria norma, que por sua vez, tem também seu conteúdo, consistente em indicar o fato jurídico tributário, cujas notas se subsumem aos critérios da regra-matriz de incidência, bem como instituir a obrigação tributária, tomada, neste passo, como equivalente nominal de relação jurídica de caráter patrimonial.” A discussão é importantíssima para o direito penal tributário vez que não poderemos estar falando em crime ou infração se o procedimento administrativo fiscal ainda não tiver sido concluído. Ou seja, não teremos a efetiva apuração da obrigação, pois ainda não terá nascido o credito tributário. Esse importante “detalhe” tributário ocasiona uma crucial tese de defesa no direito penal que é a falta de uma condição objetiva de punibilidade. A doutrina penal chegou ao conceito de condição objetiva de punibilidade, também chamada de anexo de tipo, a partir da observação de que, às vezes, o delito não é o único requisito para que se opere a penalidade, e, de que, em algumas ocasiões, não é uma causa pessoal que impede a sua atuação. Sob esta denominação, a doutrina trata os requisitos de perseguibilidade, ou, ao menos, de alguns deles já que também incluem nesse rótulo os elementos do tipo objetivo que não deviam ser alcançados pelo dolo e nem sequer causados pelo autor ou pela conduta. Nas palavras de Claus Roxin[10]: “Sólo si prescinde de los elementos, relativamente numerosos, que equivocadamente se ubican entre las condiciones objetivas de punibilidad o entre las causas de exclusíon o supresíon de la punibilidad, resalta com claridad lo característico de la cuarta categoria del delito más allá Del injusto y la culpabilidad: se trata de casos em que los que, em uma ponderacíon, lãs finalidades extrapenal tienen prioridad frente a la necessidad de penal.” Em verdade, é condição exterior à conduta delituosa, não abrangida pelo elemento subjetivo, que, via de regra, está fora do tipo penal tornando-se uma condição para punir. É causa extrínseca ao fato delituoso, não coberta pelo dolo do agente. Como exemplo, cita-se a sentença declaratória de falência em relação aos crimes falimentares. O mesmo se dá dentro da órbita do direito penal tributário, pois enquanto não estiver completamente concluído o procedimento e/ou o processo administrativo – lançamento – não se poderá falar em punição. Somente se pode concluir ser penalmente relevante uma obrigação tributária não cumprida, quando administrativamente, conclui-se que há débito. Do contrário poder-se-ia iniciar a ação penal, o que significa por si só, um constrangimento – para, depois na órbita administrativa, apurar-se que nada é devido aos cofres públicos. Esta é, há tempos, a posição majoritária de nossa doutrina e de nossa Corte Suprema. Confira recente julgado do STF: “HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGADA FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL, AO ARGUMENTO DE ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO INVESTIGATÓRIO PROCEDIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, AUSÊNCIA DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO E INÉPCIA DA DENÚNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Alegação de ilegalidade nas investigações realizadas diretamente pelo Ministério Público e inobservância de condição objetiva de punibilidade — no caso, a constituição definitiva do crédito tributário. Matérias discutidas no HC 84.965/MG. 2. Inépcia da denúncia. Ocorrência, em parte. 3. Prisão. Efeitos deletérios que o tempo impõe ao processo. Decisão que decreta a prisão de quem quer que seja deve demonstrar, ao tempo da constrição, sólidas evidências do real perigo que a liberdade do agente causaria à sociedade. Writ prejudicado nesta parte, sem prejuízo dos efeitos do alvará de soltura expedido em favor do paciente, bem como da extensão da liminar deferida pela Min. Ellen Gracie aos demais corréus, e de eventual reexame por parte do magistrado de primeiro grau de fatos novos que justifiquem a restrição à liberdade ou a adoção de medidas cautelares, nos termos do que disposto na Lei 12.403/2011. 4. Ordem parcialmente concedida para trancar a ação penal em relação ao paciente somente quanto às condutadas previstas no art. 1º, II, e art. 3º, IV, ambos da Lei 8.137/90, ressalvando a possibilidade de o Parquet, em ambos os delitos, se entender cabível, oferecer nova denúncia. HC 85000 13.03.2012.” (grifo nosso). Assim, com esse posicionamento, o STF entende não serem autônomas as esferas penal e administrativa. Isso ocasiona profundos reflexos para o Ministério Público detentor da ação penal, uma vez que enquanto estiver tramitando o procedimento e/ou processo administrativo só lhe restará algumas possibilidades investigatórias, estando impossibilitado de promover a ação penal. Mais uma vez, ressalto que se trata de primordial tese de defesa para os casos de agentes que são constrangidos pela promoção da ação penal enquanto aguardam a decisão administrativa para saber o que e o quanto devem. 11) A Ordem Tributária como objetividade jurídica do Direito Penal  O objeto do crime é o bem ou interesse jurídico que sofre as consequências da conduta criminosa. O objeto material é o bem jurídico de natureza corpórea ou incorpórea sobre o qual recai a conduta criminosa. Já objeto jurídico é o interesse protegido pela norma penal, como a vida, o patrimônio, a fé publica, entre outros. Assim, exemplificando, no caso do contrabando, o objeto material pode ser a mercadoria, o direito ou o tributo devido enquanto que o objeto jurídico é a administração pública, nos seus interesses patrimoniais e morais. Os crimes tributários tem como objetividade jurídica a Ordem Tributária. Esta vem reconhecida pela CF (arts 145 a 169), integrando a denominada Constituição Econômica como base jurídica para o tratamento da ordem e do processo tributário-fiscal. É o fundamento constitucional dos bens jurídicos tutelados pelo direito penal. A sociedade (teoria do contrato social), ao transferir seus poderes para o Estado, condiciona-os à busca da satisfação ampla e geral do bem-estar individual e coletivo, sendo o papel do Estado um só: ser um instrumento para o alcance desse objetivo, isto é, ele é um meio e não um fim em si mesmo. Assim que sistema tributário é o conjunto de regras constitucionais e infraconstitucionais de natureza jurídico-tributárias, harmonicamente coordenadas e subordinadas, fundadas em cânones ou proposições que garantem e legitimam a estrutura elaborada. O conceito difere do de sistema financeiro nacional que representa o conjunto de leis que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias, o mercado de capitais, o mercado de valores mobiliários e as sociedades por ações. Também difere do sistema econômico que é expressão mais ampla e pode ser analisada em duas acepções. Em uma, denota simplesmente o conjunto das atividades econômicas de uma dada comunidade, como um país ou uma região. Em outra, mais técnica, é vista como o conjunto orgânico de instituições através do qual a sociedade irá enfrentar ou equacionar seu problema econômico. Temos que a Constituição Federal de 1988 consagrou as principais diretrizes do Direito Tributário, estabelecendo regras básicas regentes da relação do Estado/fisco com o particular/contribuinte, e definindo as espécies de tributos, as limitações do poder de tributar, a distribuição de competências tributárias e a repartição das receitas tributárias; caracterizan­do-se, pois, pela rigidez e complexidade. Dessa forma, ao mesmo tempo em que o legislador constituinte restringiu a liberdade do Congresso Nacional em estabelecer a competência tributária de cada ente federativo (rigidez), descreveu com detalhes as limitações do poder de tributar e a repartição das receitas tributárias (complexidade). A Constituição Federal, em regra, não institui tributos, mas sim estabelece a repartição de competência entre os diversos entes federais e permite que os instituam com observância ao princípio da reserva legal. Regina Helena Costa[11] destaca: “No sistema vigente, as pessoas políticas, haurem suas competências tributárias diretamente da própria Constituição da República, que as reparte entre os entes da Federação. Competência Tributaria é a aptidão para criar tributos, mediante a edição do necessário veículo legislativo indicador de todos os aspectos de sua hipótese de incidência.” Novamente, vale ressaltar que o objeto jurídico dos crimes tributários é a ordem tributária, ou seja, a tutela do erário publico, preservando-o de manobras fraudulentas ou falsidades. Conclusão O direito penal e o direito tributário são ramos que se assemelham muito. Muitos de seus princípios e normas podem ser aplicados conjuntamente exigindo do intérprete um conhecimento ainda maior do direito posto. Enquanto um restringe a liberdade o outro restringe o patrimônio, enquanto no direito penal fala-se em tipo penal no direito tributário fala-se em hipótese de incidência; etc. A nomenclatura muda, mas a essência é quase a mesma. Lex certa, Lex Scripta e Lex Stricta. O direito penal tributário está em grande evidência não só no Brasil como no mundo. A mídia constantemente expõe casos de fraude, de sonegação, ao lado da atuação eficaz e contundente de nossa polícia, especialmente o Departamento de Polícia Federal. Só podemos esperar que o avanço na repressão ao crime acompanhe o ardil dos sonegadores e fraudulentos. Contudo, sustentamos que as investigações e punições devem respeito aos direitos e procedimentos previstos em nosso ordenamento.
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O programa de concessão de créditos para adquirentes de mercadorias ou bens e tomadores de serviços do Distrito Federal (Programa Nota Legal) e a preservação do sigilo fiscal das empresas contribuintes
O presente artigo objetiva a análise da possibilidade do programa “Nota Legal” do Distrito Federal, estar em dissonância com o princípio do sigilo fiscal, o que violaria, da mesma forma, o princípio da preservação à intimidade, constitucionalmente assegurado (Constituição da República, artigo 5º, inciso X) , no que tange a divulgação de informações, ao participante (consumidor) do programa, das empresas em débito com o fisco Estadual.
Direito Tributário
Introdução O presente artigo atende a demanda de análise mais aprofundada do denominado “Programa Nota Legal”, instituído pela Lei Distrital 4.159/08, posteriormente regulamentada pelo Decreto 29.396/08, e que objetiva incrementar a arrecadação tributária do Distrito Federal por meio de incentivo à solicitação de emissão de documentos fiscais, tendo como força motriz a concessão de créditos para adquirentes de mercadorias ou bens e tomadores de serviços no Distrito Federal. Quando da introdução do aludido programa, inúmeras dúvidas e queixas dos consumidores vieram à tona, notadamente no que diz respeito ao direito de receber créditos em dinheiro, não previsto inicialmente, e que foi objeto de lei posterior modificadora do Programa. Da mesma forma, dúvidas surgiram por conta do não recebimento dos créditos, mesmo tendo o consumidor fornecido seu CPF no momento da compra/consumo. Ainda neste sentido, pode-se questionar quanto a legalidade das informações, fornecidas pela Secretaria de Fazenda, e passadas aos consumidores que não receberam seus créditos do Programa, de que a empresa responsável por tal irregularidade, não estaria recolhendo os impostos devidos ao Fisco Distrital, sendo este último aspecto, abordado no presente estudo. 1. Aspectos estruturais do programa “Nota Legal” O Programa de concessão de créditos para adquirentes de mercadorias ou bens e tomadores de serviços do Distrito Federal, mais conhecido como Programa Nota Legal, foi instituído pela Lei Distrital 4.159/08 e regulamentado pelo Decreto 29.396/08. Estruturalmente o Nota Legal tem como fundamento o recebimento de créditos do Tesouro do Distrito Federal em benefício da pessoa física ou jurídica adquirente de mercadoria, bem ou serviço de transporte interestadual de contribuintes do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS ou tomadora de serviço de contribuintes do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. Claramente o objetivo primacial do programa é incrementar a arrecadação tributária do Distrito Federal por meio de incentivo à solicitação de emissão de documentos fiscais, em contrapartida ao recebimento de créditos para abatimento no Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor – IPVA, ou ainda através de recebimento de dinheiro em espécie. Nos termos da Portaria da Secretaria da Fazenda do Distrito Federal, de 04 de 04 de janeiro de 2012, são contribuintes para efeito da concessão de crédito de que trata o Decreto nº 29.396, de 2008, os estabele­cimentos inscritos no Cadastro Fiscal do Distrito Federal – CF/DF como contribuintes do ISSQN e (ou) do ICMS e exercer como atividade preponderante (CNAE principal), conforme indicado em seu CF/DF, uma das atividades relacionadas na legislação que dispõe sobre o cronograma de implantação do Nota Legal. Neste diapasão, o beneficiário do Programa, adquirente de bens ou tomador de serviços, faz jus ao valor de até 30% (trinta por cento) do ICMS ou do ESSQN efetivamente recolhido[1] pelo estabelecimento fornecedor ou prestador. Tendo a seu favor estes créditos, o contribuinte pode utilizá-los para obtenção de abatimento do débito do IPTU e do IPVA. Hodiernamente, após a entrada em vigor da Lei Distrital nº 4.886, de 13 de julho de 2012, faculta-se aos participantes do Programa Nota Legal o recebimento dos créditos por meio de depósito dos valores em conta corrente ou poupança mantida em instituição do Sistema Financeiro Nacional, indicada pelo beneficiário. Tal programa não é inédito no país, pois o Estado de São Paulo já estabeleceu, anteriormente ao Distrito Federal, sistema idêntico denominado “Nota Fiscal Paulista”[2], com as diferenças típicas existentes entre a competência tributária do Distrito Federal e de um Estado da Federação[3]. Tal programa de incentivo ao pedido de nota fiscal vem sendo replicado por diversos Municípios e Estados da Federação, “verbi gratia”, Alagoas e Pará. O Nota Legal, apesar de problemas iniciais, tornou-se popular entre os contribuintes do DF por devolver, sob a forma de descontos em tributos, até 30% do ICMS e do ISSQN efetivamente recolhido por estabelecimentos comerciais e prestadores de serviço a seus consumidores. Assim, há um estímulo à exigência do documento fiscal, tornando o consumidor um verdadeiro fiscal do Tesouro Distrital. Segundo a Secretaria de Fazenda do Distrito Federal (2012), Desde a sua entrada em vigor, aludido programa já deu descontos no pagamento de tributos a quase de 2,5 milhões de contribuintes[4], distribuindo, até março de 2012 créditos de R$ 272.874.140,68, contabilizados documentos fiscais da ordem 60.613.046[5]. Ao mesmo tempo em que se pretende recompensar o cidadão que exerce seus direitos, exigindo o documento fiscal, o Programa também busca reduzir o mercado informal e propiciar o incremento da arrecadação tributária, visando suprir o Distrito Federal de recursos financeiros necessários para o cumprimento de sua função social. A sociedade ganha também com a redução da concorrência desleal, coibindo a sonegação fiscal. Para obtenção do benefício, é necessário que o consumidor exija o registro do seu CPF ou CNPJ no documento fiscal emitido pelo contribuinte. Este contribuinte, por sua vez, para a concretização do benefício, deverá consignar mensalmente, no Livro Fiscal Eletrônico – LFE, os documentos fiscais emitidos com números de CPF/CNPJ e efetuar os respectivos pagamentos do imposto. O cadastramento dos beneficiários no Programa Nota Legal se dá de forma automática na data do primeiro registro de aquisição no LFE de empresa participante e com a indicação do CPF/CNPJ do consumidor. Contudo, para fins de consulta, acompanhamento, utilização de créditos e registro de reclamação, o beneficiário deverá incluir suas informações cadastrais por meio da internet, no link existente na página da Secretaria de Fazenda ou diretamente no portal do Programa: www.notalegal.df.gov.br. Para utilização dos créditos no abatimento do valor do IPTU e do IPVA, se consumidor pessoa física, não será exigido vínculo entre o detentor do crédito e os imóveis ou veículos. Contudo, não pode haver débito pendente de pagamento em nome do titular dos créditos, para os imóveis e os veículos indicados e seus proprietários/arrendatários. A empresa participante deve transmitir à Secretaria de Fazenda os dados da aquisição e do consumidor até o final do mês subsequente pelo LFE. Encerrado este prazo, caso o documento não conste em consulta no sítio do Programa, ou conste com divergência de dados, o consumidor poderá registrar reclamação no segundo mês subsequente, exclusivamente pelo sítio do Programa, retendo o original do documento para apresentação à Secretaria de Fazenda, no caso de ser notificado pela não regularização efetuada pelo contribuinte. 2. O mecanismo de funcionamento do programa e as reclamações referentes a não disponibilização dos créditos a favor do consumidor. Em substância, o Programa Nota Legal funciona da maneira exposta no item anterior. Importante notar que para obtenção do benefício (créditos), é necessário que o consumidor exija o registro do seu CPF ou CNPJ no documento fiscal emitido pelo contribuinte. Este contribuinte, por sua vez, para a concretização do benefício, deverá consignar mensalmente, no Livro Fiscal Eletrônico – LFE, os documentos fiscais emitidos com números de CPF/CNPJ e efetuar os respectivos pagamentos dos impostos[6]. Ocorre que em algumas circunstâncias, o crédito pode não ser lançado a favor do consumidor para obtenção do desconto, notadamente quando os impostos que dão gênese ao crédito (ICMS ou ESSQN) não são efetivamente recolhidos pelos contribuintes. Nesta hipótese, o consumidor, ao não vislumbrar seus créditos referentes a determinada operação, pode registrar reclamação, junto à Secretaria de Fazenda, no segundo mês subsequente, pelo sítio do Programa, guardando o original do documento para apresentação, no caso de ser notificado pela não regularização efetuada pelo contribuinte. Em tal situação, contribuintes que passam por dificuldades de caixa e que não tenham efetuado o regular recolhimento do ICMS/ISSQN, fatalmente não gerarão os créditos do Programa Nota Legal a seus clientes e consumidores cadastrados no Programa, e que requereram a nota fiscal com o CPF em seus estabelecimentos. Ato contínuo, o consumidor é informado pelo sítio do Programa que não houve a percepção dos créditos, pelo não recolhimento do imposto devido, sendo o contribuinte autuado por infração fiscal nos termos da lei. A própria regulamentação do Programa determina que a reclamação procedente ensejará a lavratura de auto de infração, que poderá ser disponibilizado na área restrita do sítio para fins de intimação do infrator, nos termos da Portaria da Secretaria de Fazenda No 4, de 04 de janeiro de 2012.[7].      Daí a indagação: ao informar aos consumidores o não recolhimento do imposto devido pelo contribuinte, não seria tal divulgação ilegal, pois tratar-se-ia de informações fiscais sigilosas das empresas cadastradas no Programa Nota Legal? Desta forma, diante das informações divulgadas, pode-se alegar que a Administração poderia ocasionar quebra do sigilo fiscal das pessoas jurídicas, além de transferir, de modo ilegítimo, o poder de polícia, que é de sua titularidade, para os participantes do Nota Legal. O fato, em tese, poderia violar o sigilo fiscal, além dos princípios da legalidade e da preservação à intimidade do contribuinte, diante da divulgação indevida de sua situação fiscal. 3. Sigilo Fiscal Constitucionalmente assegurado: Segundo a lição abalizada de CARVALHO[8], a ação fiscalizatória do Estado possui limites constitucionais, pois o preceito do art. 145, § 1º, segunda parte da Constituição Federal é claro ao autorizar a Administração tributária a identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades dos contribuintes. Neste sentido, o agente fiscal está autorizado a tomar conhecimento de dados sigilosos dos contribuintes, mas deve fazê-lo nos termos da lei e respeitando os direitos e as garantias individuais. Neste sentido, o sigilo fiscal é a proteção às informações prestadas pelos contribuintes ao Fisco, assegurado pelos direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, conforme dispõe a Constituição Federal de 1988, nos seguintes termos: “Art. 5º…. (…) X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;(…) XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (…).” Analisando os incisos acima citados verifica-se que a quebra de sigilo bancário e fiscal, com base em procedimento administrativo, implica em indevida intromissão na privacidade do cidadão, garantia esta assegurada pelo referido art. 5º, X e XII da CF. Assim, o art. 37, caput da Constituição da República, vincula a Administração Pública, incluindo-se os atos dos agentes da fiscalização tributária, aos princípios constitucionais, da legalidade, moralidade e eficiência. Segundo Moraes (2002)[9], a inviolabilidade do sigilo de dados (art. 5º XII) complementa a previsão ao direito à intimidade e vida privada (art. 5º, X), sendo ambas previsões de defesa da privacidade. Com relação a essa necessidade de proteção à privacidade humana, não se pode deixar de considerar que as informações fiscais e bancárias, sejam as constantes nas instituições financeiras, sejam as constantes na Receita Federal ou organismos congêneres do Poder Público, constituem parte da vida privada das pessoas física ou jurídica. Neste diapasão, não há dúvida, de que o desrespeito ao sigilo protegido acarretaria violação às diversas garantias constitucionais. Obviamente, porém, a inviolabilidade dos sigilos bancário e fiscal não á absoluta, podendo ser afastada quando eles estiverem sendo utilizados para ocultar a prática de atividades ilícitas e presentes os seguintes requisitos: – Autorização judicial ou determinação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CF, art. 58, parágrafo 3º). – Indispensabilidade dos dados constantes em determinada instituição financeira, Receita Federal ou Fazendas Públicas. – Individualização do investigado e do objeto da investigação. – Obrigatoriedade da manutenção do sigilo em relação às pessoas estranhas à causa. – Utilização dos dados obtidos somente para a investigação que lhe deu causa. Essa obrigação de não revelar encontra-se expressa no Código Tributário Nacional: “Art. 198.  Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, para qualquer fim, por parte da Fazenda Pública ou de seus funcionários, de qualquer informação, obtida em razão do ofício, sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza, e o estado dos seus negócios ou atividades. Parágrafo único. Excetuam-se do disposto neste artigo, unicamente, os casos previstos no artigo seguinte e os de requisição regular da autoridade judiciária no interesse da justiça." Como nos mostra a jurisprudência, o sigilo de dados que engloba tanto o sigilo fiscal quanto o sigilo bancário constitui-se uma garantia constitucional, por isso constitui uma afronta a esses princípios permitir a possibilidade da sua quebra, sem processo judicial instaurado e a requisição do juiz. Neste sentido: “MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILO BANCÁRIO. PRETENSÃO ADMINISTRATIVA FISCAL. RÍGIDAS EXIGÊNCIAS E PRECEDENTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEI 8.021/90 (ART. 5º, PARÁGRAFO ÚNICO). 1. O sigilo bancário não constitui direito absoluto, podendo ser desvendado diante de fundadas razões, ou da excepcionalidade do motivo, em medidas e procedimentos administrativos, com submissão a precedente autorização judicial. Constitui ilegalidade a sua quebra em processamento fiscal, deliberado ao alvitre de simples autorização administrativa. 2. Reservas existentes à auto-aplicação do art. 8º, parágrafo único, da Lei 8.021/90 (REsp. 22.824-8-CE – Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro). 3. Precedentes jurisprudenciais. 4. Recurso sem provimento. Resp 114741/ DF RECURSO ESPECIAL 1996/0075208-7 Relator(a) Ministro MILTON LUIZ PEREIRA (1097) Órgão Julgador T1 – PRIMEIRA TURMA 13/10/1998” Retornando à análise do problema em foco, ao revés, deve-se salientar que a mencionada Portaria nº 4, de 04 de janeiro de 2012, indica a preocupação da Administração Pública em preservar o sigilo fiscal das empresas, ao estabelecer que as informações referentes às reclamações efetuadas pelo consumidor serão disponibilizadas em área restrita da internet, acessíveis somente ao titular da nota fiscal objeto da reclamação e à empresa reclamada. Confira-se, nesse sentido, o teor do artigo 7º, parágrafo 5º, “in verbis”: “§ 5º Para fins do disposto no § 4º deste artigo, serão fornecidas ao adquirente por meio do en­dereço eletrônico www.notalegal.df.gov.br ou outro meio eletrônico, informações quanto à disponibilização da reclamação ao contribuinte do Nota Legal e quanto à regularização ou não das informações de que trata o art. 6º desta Portaria.” Assim, tendo como substrato o até agora exposto, o simples fato das informações referentes ao não recolhimento dos impostos que geram os créditos do Programa Nota Legal estarem sendo disponibilizados ao consumidor, não tangenciaria, nem de longe, o direito ao sigilo fiscal, pois é feito apenas em casos muito específicos e cercado de cuidados, pois apenas o consumidor prejudicado pela não creditação tem acesso a tais informações. Analisando caso semelhante ao ora debatido, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios decidiu que não há quebra do sigilo fiscal do contribuinte derivado do fornecimento das informações referentes ao não recolhimento dos impostos que dão suporte ao Programa Nota Legal. Neste sentido, decidiu o Egrégio Tribunal: “DIREITO CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PROGRAMA NOTA LEGAL. DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES SIGILOSAS. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA DENEGADA. O mandado de segurança é destinado a “proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça” (artigo 1º da Lei Federal nº 12.016/09). Por sua vez, deve o direito líquido e certo vir expresso na norma legal, trazendo em si todas as condições e possibilidades de aplicação imediata ao impetrante. Seu alcance e seu exercício exigem delimitação, repelindo-se, pois, dependência de situações e fatos, ainda, indeterminados. Em suma, o direito líquido e certo é aquele comprovado de plano. Essa é a razão por que, no mandado de segurança, veda-se a dilação probatória, que, se adotada, desvirtuaria a sua natureza e o seu escopo. Inexistindo nos autos prova que indique que a autoridade coatora tenha divulgado dados sigilosos referentes à situação fiscal dos impetrantes, não há de se falar em direito líquido e certo. Além disso, há de se ressaltar que é direito do consumidor participante do Programa Nota Legal ter acesso às informações lançadas em suas próprias notas fiscais, a fim de saber qual empresa não lançou seu crédito, e até mesmo para que possa exercitar seu direito de reclamação previsto no artigo 5º, da Portaria nº 113, de 31 de março de 2009.[10] Ao revés, deve-se salientar que a mencionada Portaria nº 113, de 31 de março de 2009, em especial em seu art. 5º-A, indica a preocupação da Administração Pública em preservar o sigilo fiscal das empresas, ao estabelecer que as informações referentes às reclamações efetuadas pelo consumidor serão disponibilizadas em área restrita da internet, acessíveis somente ao titular da nota fiscal objeto da reclamação e à empresa reclamada. [11] Segurança denegada.”[12] Conforme decidiu a Relatora, Desembargadora Ana Maria Duarte Amarante Brito “Com efeito, nada há nos autos que indique que a autoridade coatora tenha divulgado dados sigilosos referentes à situação fiscal dos impetrantes. “Além disso, há de se ressaltar que é direito do consumidor participante do Programa Nota Legal ter acesso às informações lançadas em suas próprias notas fiscais, a fim de saber qual empresa não lançou seu crédito, e até mesmo para que possa exercitar seu direito de reclamação previsto no artigo 5º, da Portaria nº 113, de 31 de março de 2009, in verbis: “O adquirente poderá, por meio da internet, no sítio da Nota Fiscal Legal, na rede mundial de computadores (www.notalegal.df.gov.br), consultar seus créditos e registrar, exclusivamente por este meio, reclamação no caso de ausência de registro de documento fiscal ou incorreção nas informações a ele referentes. §1º O período para reclamação será exclusivamente no segundo mês subsequente àquele em que tiver ocorrido a aquisição ou a prestação do serviço. §2º O adquirente deverá manter sob sua guarda os documentos fiscais relativos à reclamação prevista no caput deste artigo, até a apreciação final da mesma.” Portanto, inexiste qualquer prova pré-constituída de que a autoridade impetrada tenha praticado algum ato ilegal de divulgação de dados sigilosos das empresas. Ao revés, deve-se salientar que a mencionada Portaria nº 113, de 31 de março de 2009, indica a preocupação da Administração Pública em preservar o sigilo fiscal das empresas, ao estabelecer que as informações referentes às reclamações efetuadas pelo consumidor serão disponibilizadas em área restrita da internet, acessíveis somente ao titular da nota fiscal objeto da reclamação e à empresa reclamada. Confira-se, nesse sentido, o teor do artigo 5º-A: “Art. 5º-A A reclamação a que se refere o art. 5º será disponibilizada, em área restrita da Agencia@Net, ao contribuinte fornecedor ou prestador, que será dado por ciente no momento em que efetuar acesso sujeito a certificação digital.(…) §4º A reclamação procedente ensejará a lavratura de auto de infração, que poderá ser disponibilizado na área restrita do Agencia@Net para ciência ao infrator.” Dessa feita, inexiste direito líquido e certo a ser protegido por mandado de segurança.” Conclusão Verifica-se que as informações disponibilizadas ao consumidor pelo Programa Nota Legal ao consumidor, de nenhuma forma implicam na quebra do sigilo fiscal constitucionalmente assegurado, pois, na pior das hipóteses, a informação quanto ao não recolhimento do imposto é disponibilizada de forma individualizada e sigilosa ao consumidor, beneficiário do Programa Nota Legal, sem qualquer tipo de divulgação pública sobre tais dados. Ainda que exista a possibilidade de divulgação de tais informações pelo próprio consumidor, o contribuinte eventualmente prejudicado deve buscar eventual ressarcimento ou persecução judicial quanto a este último, presentes os pressupostos legais.
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Do termo prescricional a quo para o redirecionamento da execução fiscal nas hipóteses de responsabilidade tributária por transferência
O presente artigo tem como objetivo analisar um dos aspectos controvertidos que envolvem a responsabilidade tributária por transferência, especialmente no que diz respeito ao prazo prescricional de que dispõe a Fazenda Pública para efetivar o redirecionamento da ação de execução fiscal aos responsáveis devidamente estabelecidos na legislação pátria. Inicialmente, serão analisados os dispositivos legais que determinam a responsabilidade pelo crédito tributário a terceiras pessoas, que não o sujeito passivo da obrigação tributária, bem como o entendimento doutrinário majoritário, que classifica a responsabilidade por substituição ou por transferência e esta última em responsabilidade por sucessão, por solidariedade e de terceiros. Em seguida, serão estudados alguns aspectos gerais acerca do prazo prescrional em matéria tributária, dando-se ênfase à necessidade de configuração de inércia do Fisco para sua decretação. Por fim, será analisado o termo a quo do prazo prescricional para que a Fazenda realize o redirecionamento do feito executivo aos responsáveis pelo crédito tributário, levando-se em consideração os ditames do artigo 174, caput, e parágrafo único do Código Tributário Nacional.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente estudo destina-se à análise do termo inicial do prazo prescricional que a Fazenda Pública dispõe para efetivar o redirecionamento da ação de execução fiscal em face dos responsáveis legais pelo crédito tributário exigido judicialmente, nas hipóteses em que a responsabilidade tributária é atribuída a terceira pessoa por transferência. Trata-se de situação recorrente nas ações de execução de dívida fiscal, principalmente quando o redirecionamento se funda na responsabilização dos administradores em razão de condutas praticadas com excesso de poderes ou em descompasso com a lei, o contrato social ou o estatuto, conforme os ditames do artigo 135, inciso III do Código Tributário Nacional, bem como nos casos de responsabilidade por transferência em decorrência da sucesão empresarial, embasada nos artigos 132 e 133 do CTN. A despeito de o tema em análise ter suscitado diversos estudos e manifestações da doutrina e jurisprudência pátrias, ainda não houve consenso acerca do termo inicial de contagem do prazo quinquenal para que a Fazenda Pública leve a efeito o redirecionamento do ação executiva contra os responsáveis pelo crédito tributário. Inicialmente, portanto, serão traçadas linhas gerais acerca das hipóteses legais de responsabilização do crédito tributário, enfatizando-se as situações em que tal responsabilidade decorrer de transferência, circunstância onde o polo passivo é inicialmente ocupado pelo contribuinte, porém, com o advento de determinado ato ou fato jurídico definido em lei, este é substituído pelo responsável devidamente indicado na legislação de regência. Em seguida serão apresentados os conceitos doutrinários e disposições legais que disciplinam o fenonômeno da prescrição em âmbito tributário, registrando-se os efeitos da interrupção da contagem do lapso prescricional pelo despacho do juiz que ordenar a citação do executado; o surgimento da prescrição intercorrente em razão da inércia da parte credora; e o reinício da contagem do prazo quinquenal de prescrição. Serão, ainda, expostos os argumentos que embasam a corrente defendida no presente estudo, fundada no princípio da actio nata como regente do instituto da prescrição, o qual tem plena aplicabilidade em matéria tributária. Neste sentido, buscar-se-á demonstrar que estabelecer o termo a quo do prazo para redirecionamento do feito executivo em momento anterior à efetiva possibilidade da Fazenda Pública exercer a cobrança forçada do crédito tributário contra os responsáveis legalmente definidos na legislação tributária afronta de maneira cristalina o princípio da actio nata. Por fim, fazer-se-á uma análise crítica à jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça, a qual defende que o prazo quinquenal para o Fisco requerer o redirecionamento do feito executivo aos sócios com fundamento no artigo 135, inciso III do CTN, tem seu marco inicial com o despacho do juiz que determinar a citação da pessoa jurídica. Tendo em vista que se trata de uma pesquisa inicial acerca do tema, as questões enfocadas não serão exaustivamente abordadas, porém buscar-se-á apresentar argumentos que possibilitem o desenvolvimento dos questionamentos propostos. 1. Aspectos gerais da responsabilidade tributária. O Código Tributário Nacional em seu artigo 121 dispõe que o sujeito passivo da obrigação tributária pode ser um contribuinte, quando tiver relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador, ou um responsável, que, apesar de não revestir a condição de contribuinte, responde pela obrigação em razão de expressa disposição de lei. A terminologia adotada pelo artigo 121 do CTN pode fazer surgir a falsa ideia de que ao legislador é lícito apontar qualquer pessoa como responsável pelo pagamento de determinado tributo, no entanto, em decorrência dos ditames contidos no artigo 128 do CTN, a lei só poderá atribuir responsabilidade a terceira pessoa que esteja vinculada ao fato gerador da obrigação tributária. Acerca da necessidade de vinculação entre o responsável legal e o fato gerador do crédito tributário ou o contribuinte, leciona Leandro Paulsen “O legislador não pode atribuir responsabilidades tributárias de modo aleatório, a quem não se relacione com o fato gerador ou com o contribuinte. A causa da responsabilidade e seus efeitos tem de se justificar”[1]. A doutrina pátria, levando em consideração o momento em que emerge o vínculo jurídico entre o contribuinte originário e a pessoa designada em lei como responsável pelo crédito tributário, classifica a responsabilidade como por substituição ou por transferência. Dá-se a responsabilidade tributária por substituição quando a obrigação surge diretamente para o responsável, a quem compete recolher o tributo devido desde a ocorrência do fato gerador. Já a responsabilidade tributária por transferência, a obrigação tributária surge inicialmente em face do contribuinte, porém, a legislação prevê a mudança do polo passivo da obrigação em decorrência do advento de determinados atos ou fatos jurídicos. O professor Ricardo Alexandre sintetiza com propriedade as diferenças entre as responsabilidades por substituição e por transferência: “Na responsabilidade “por substituição”, a sujeição passiva do responsável surge contemporaneamente à ocorrência do fato gerador. Já na responsabilidade “por transferência”, no momento do surgimento da obrigação, determinada pessoa figura como sujeito passivo, contudo, num momento posterior, um evento definido em lei causa a modificação da pessoa que ocupa o pólo passivo da obrigação, surgindo, assim, a figura do responsável, conforme definida em lei.”[2] Levando em consideração o desiderato do presente estudo, iremos nos ater às hipóteses de responsabilidade por transferência, que abrangem os casos de responsabilidade por sucessão, por solidariedade e de terceiros. Nas hipóteses de responsabilidade por sucessão, a obrigação tributária nasce em relação ao contribuinte legalmente definido e, com o advento de determinado ato ou fato jurídico, a sujeição passiva é transferida ao sucessor expressamente designado em lei, no estado em que se encontrar quando do evento que motivou a sucessão. Assim, nos termos do artigo 129 do CTN, o sucessor será responsável pelos tributos devidos pelo contribuinte, cujos fatos geradores tenham ocorridos até a data da ocorrência do ato que enseje a responsabilidade por sucessão, ainda que o lançamento não tenha sido efetivado. São exemplos da modalidade de responsabilidade por sucessão: a) sucessão imobiliária (artigo 130 do CTN); b) sucessão inter vivos de bens adquiridos ou remidos (artigo 131, I do CTN); c) sucessão causa mortis (artigo 131, II e III do CTN); d) sucessão empresarial (artigos 132 e 133 do CTN); e e) sucessão falimentar (artigo 184 do CTN). Por força da inteligência do artigo 264 do Código Civil, há solidariedade no direito privado quando na mesma obrigação concorrer mais de um credor ou mais de um devedor, cada um com direito ou obrigado à totalidade da dívida. Dessa forma, na obrigação solidária ativa, qualquer um dos credores pode exigir a obrigação por inteiro, enquanto na obrigação solidária passiva, a dívida pode ser cobrada integralmente a qualquer um dos devedores. Nos termos do artigo 124 do CTN, são solidariamente responsáveis pelo crédito tributário as pessoas que tenham interesse comum à situação que constitua o fato gerador (solidariedade de fato) e as pessoas expressamente determinadas na lei instituidora do tributo (responsabilidade de direito). Em âmbito tributário, a solidariedade passiva, regra geral, decorre de expressa previsão legal, todavia, em determinadas situações, a obrigação tributária pode vir a ser exigida de devedor solidário convencional, como exemplifica Luciano Amaro: “É o que se dá nas situações em que o crédito do Fisco é garantido por fiança (em geral, de bancos). Embora o fiador seja, em geral, devedor solidário, (quando não, pelo menos, subsidiário), trata-se porém de instituto de direito privado (a fiança), cujo objeto (obrigação afiançada) é que é de natureza tributária”.[3] Cumpre, aqui, registrar que o parágrafo único do artigo 124 do CTN, fulminou o benefício de ordem nas obrigações tributárias, podendo a Fazenda Pública exigir de qualquer dos devedores solidários, de acordo com a sua conveniência, o cumprimento integral da dívida tributária em execução. A responsabilidade de terceiros, por sua vez, é disciplinada pelos artigos 134 (responsabilidade decorrente de atuação regular) e 135 (responsabilidade decorrente de atuação irregular) do CTN, sendo que, “em ambos os casos, os ‘terceiros’ responsabilizados são pessoas que, em determinadas circunstâncias, falharam no cumprimento de um dever legal de gestão ou vigilância do patrimônio do contribuinte”[4]. Nas situações descritas nos incisos do artigo 134 do CTN, os terceiros exaustivamente enumerados nas sete alíneas, somente poderão ser responsabilizados se restarem presentes os seguintes requisitos: impossibilidade de cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte e ação ou indevida omissão da pessoa designada como responsável. Destarte, se não restar claramente configurada a atuação ativa ou omissão indevida das pessoas indicadas no artigo 134 do CTN, não surgirá a responsabilidade de terceiro por sua atuação regular. O artigo 135 do CTN disciplina as situações de responsabilidade de terceiros em razão da atuação irregular, por violação à lei, ao contrato social ou o estatuto. Em tais casos, a responsabilidade do terceiro é pessoal, e não apenas solidária, conforme registra Sacha Calmon Navarro Coêlho: “Aqui a responsabilidade se transfere inteiramente para os terceiros, liberando os seus dependentes e representados. A responsabilidade passa a ser pessoal, plena e exclusiva desses terceiros. Isto ocorrerá quando eles procederem com manifesta malícia (mala fides) contra aqueles que representam, toda vez que for constatada a prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatuto. O regime agravado da responsabilidade tributária previsto no artigo estende-se, é óbvio, peremptoriamente àquelas duas categorias de responsáveis previstas no rol dos incisos II e III (mandatários, prepostos, empregados e os diretores, gerentes e representantes de pessoas jurídicas de Direito Privado.”[5] Cumpre salientar que parte da doutrina defende que quando a pessoa jurídica se beneficiar do ato praticado com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto, deverá responder solidariamente pelo débito com o responsável designado em lei, em razão da teleologia do artigo 124 do CTN. Neste sentido, eis a lição de Leandro Paulsen:  “Certo é que, se a pessoa jurídica se beneficiou do ato, ainda que praticado com infração à lei ou com excesso de poderes, sua responsabilidade decorrerá, ao menos, da incidência do art. 124 do CTN, que diz da responsabilidade por interesse comum.”[6] Feitas estas considerações introdutórias acerca da possibilidade de cobrança da dívida tributária dos responsáveis expressamente definidos em lei, passaremos a analisar a disciplina do instituto da prescrição no direito tributário, a fim de responder os questionamentos propostos no presente estudo. 2. Disciplina legal da prescrição dos créditos tributários. O tempo tem expressiva relevância nas relações jurídico-sociais, porquanto tem o condão de fazer surgir determinados direitos, como no usucapião, modificar situações jurídicas, a exemplo do que ocorre na teoria das capacidades, ou, ainda, fulminar de morte certos direitos ou as pretensões deles decorrentes, como é o caso da decadência e da prescrição.  A fim de preservar a estabilidade e garantir a segurança jurídica das relações sociais, o instituto jurídico da prescrição implica na extinção da pretensão de se exigir determinado direito em juízo, em face do seu não exercício por seu titular no lapso temporal fixado em lei. Assim, tanto em âmbito público, como no privado, a regra é que as relações jurídicas sejam prescritíveis, como forma de salvaguardar a estabilidade das relações jurídico-sociais. Impende registrar que, em razão do princípio da inafastabilidade do Poder Jurisdicional, a prescrição fulmina a pretensão de se exigir determinado resultado no mundo jurídico “e não o direito de ação em si, que sempre existirá, mesmo depois de decorrido o prazo prescricional estabelecido em lei”. [7] A realização de um direito não auto-executável, portanto, depende do ajuizamento da competente ação judicial, a qual deverá ser proposta no prazo expressamente determinado em lei, sob pena de prescrever o poder de exigir  o seu cumprimento de maneira coercitiva. Em âmbito tributário, a prescrição refere-se ao prazo que a Fazenda Pública dispõe para propor, perante o Judiciário, a competente ação de execução fiscal, com o objetivo de obter a satisfação coativa da dívida fiscal não paga espontaneamente pelo contribuinte ou responsável. Nos termos do artigo 174 do CTN, a ação de cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, sendo a data da constituição definitiva no crédito o termo a quo da sua contagem. Caso a Fazenda Pública não busque em juízo o cumprimento forçado da obrigação tributária no prazo estabelecido em lei, o crédito restará extinto, conforme dispõe o artigo 156, V do CTN. Nas hipóteses em que os tributos sã constituídos por meio de lançamento de ofício, considera-se definitivamente constituído o crédito tributário quando o processo administrativo fiscal instaurado em razão de impugnação do sujeito passivo restar concluído ou quando esgotado o prazo legal para pagamento do crédito sem que o mesmo tenha sido efetivado pelo devedor. Por outro lado, nos casos em que os tributos encontram-se sujeitos a lançamento por homologação, a constituição definitiva do crédito tributário opera-se na data em que o contribuinte apresenta ao Fisco as informações necessárias à cobrança da dívida, por exemplo, por meio de Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Socia – GFIP ou Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF. Sobre a constituição definitiva do crédito tributário como termo inicial do prazo prescricional, cumpre transcrever os ensinamentos de Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior: “Como se pode observar, não basta a efetivação do lançamento, mas há necessidade de regular notificação ao sujeito passivo e que decorra o prazo fixado em lei para pagamento ou impugnação ao lançamento, para que se considere o crédito tributário como definitivamente constituído. Se o sujeito passivo não se conformar com o lançamento, iniciando, portanto, o processo administrativo fiscal, o crédito tributário só estará definitivamente constituído após o decurso do prazo legal, a contar da notificação ao sujeito passivo dando ciência da decisão definitiva” (CTN, art. 201). [8] Em oposição ao instituto da decadência, o curso do prazo prescricional pode suspenso ou interrompido em razão da prática de determinados atos. Na hipótese de superveniência de causa suspensiva, o prazo prescricional restará paralisado enquanto durar a respectiva causa e, uma vez cessada esta, o prazo volta a fluir, descontando-se o tempo decorrido anteriormente. Em caso de ocorrência de uma das hipóteses interruptivas da prescrição, o prazo quinquenal é integralmente devolvido à pessoa eventualmente prejudicada com a sua consumação, desprezando-se o período já decorrido. As situações que interrompem o prazo prescricional em direito tributário encontram-se estritamente definidas no artigo 174, parágrafo único do CTN[9], as quais indicam “hipóteses em que o interessado age na busca da satisfação do seu direito, demonstrando não estar em situação de inércia”.[10] Nos termos artigo 174, parágrafo único, inciso I do CTN, com redação dada pela Lei Complementar nº 118/2004, o curso do prazo prescricional é interrompido quando proferido o despacho do juiz que ordenar a citação da parte executada nos autos do feito executivo. O referido dispositivo, além de se encontrar em estrita consonância com o artigo 8°, § 2°, da Lei de Execução Fiscal, evita a ocorrência de efeitos deletérios à Administração Tributária, que ajuizando de maneira efetiva a ação de execução fiscal, não localiza o executado em razão do seu ocultamento proposital ou é surpreendida com a demora na citação da parte ré, em razão de motivos inerentes aos mecanismos da Justiça. Desta feita, o despacho do juiz que ordena a citação do executado é considerado o marco inicial da interrupção do prazo prescricional, sendo que a sua contagem ficará impedida enquanto não verificado o requisito necessário para o seu curso, qual seja, a inércia da parte credora, conforme bem ensina Leandro Paulsen: “Assim, se efetuada a citação, o credor nada mais solicitar e a execução não tiver curso em razão da sua omissão, o prazo terá recomeçado. Entretanto, se, efetuada a citação, for promovido o prosseguimento da execução pelo credor, com a penhora de bens, realização de leilão etc, durante tal período não há que se falar em curso do prazo prescricional. Só terá ensejo o reinício da contagem quando quedar inerte o exequente”.[11] No mesmo sentido, eis a lição de Mauro Luis Rocha Lopes: “Ao determinar a formação da relação processual, o ato do julgador interrompe o curso da prescrição porque atesta implicitamente que a Fazenda Pública exerceu efetivamente o direito de exigir o seu crédito. Por essa razão, a partir do momento em que determinada a citação do executado, a prescrição fica praticamente superada, somente voltando a correr em casos excepcionais” (v. artigo 40 e prescrição intercorrente).[12] Se, no entanto, após a interrupção do prazo prescricional em razão do despacho do juiz que ordenar a citação da parte executada, a Fazenda Pública quedar-se inerte na promoção dos atos necessários à cobrança forçada do crédito tributário por mais de cinco anos, em razão da não localização do executado ou de bens penhoráveis, nos termos do artigo 40, §4º, da Lei de Execução Fiscal, ou do baixo valor do débito executado, conforme dispõe o artigo 20, da Lei nº 10.522/02, surgirá o fenômeno da prescrição intercorrente. O reconhecimento da prescrição intercorrente nas ações de execução exige a efetiva caracterização da inércia da parte exequente, como registra Arruda Alvim com precisão: “Não se deve admitir a ocorrência de prescrição se não houver inércia do credor; e, mais minudentemente, não deve ser havida como configurada prescrição intercorrente se não há inércia do autor ou do credor, em processo de conhecimento ou em execução.”[13] Desta feita, se durante a cobrança judicial do crédito tributário a Fazenda Pública não localizar bens do devedor passíveis de constrição, o feito deverá ser suspenso e, posteriormente, arquivado provisoriamente, momento em que o credor deverá valer-se das diligências necessárias à localização de bens que satisfaçam a dívida em cobro, sob pena de ser retomada a contagem do prazo prescricional de cinco anos. Diante da repercussão acerca da prescrição intercorrente nos feitos executivos, o Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula 314, determinando que, “em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual inicia-se o prazo da prescrição quinquenal intercorrente”. Percebe-se, assim, que só há que se falar na decretação da prescrição ou da prescrição intercorrente, em âmbito tributário, quando restar efetivamente caracterizada a inércia da parte credora na busca de meios efetivos à cobrança do débito. 3. Prazo prescricional para redirecionamento da execução fiscal aos responsáveis tributários por transferência.   É imperioso esclarecer, de início, que o presente estudo não busca analisar a situação em que os responsáveis legais pelo crédito tributário encontram-se devidamente relacionados na Certidão de Dívida Ativa – CDA, quando do ajuizamento da ação de execução fiscal.  Em tal hipótese, a análise da prescrição resta afastada de plano, porquanto os responsáveis integram o polo passivo do feito executivo desde o seu início, consoante bem defende Maria Rita Ferragut: “O redirecionamento da execução fiscal em face do administrador não se submete ao prazo prescricional, se seu nome estiver indicado na CDA. Nessa situação, o direito de ação foi exercido de forma plena, já que a faculdade de acessar a jurisdição exaure-se na distribuição da execução fiscal.”[14] No entanto, caso a Fazenda Pública não efetive os atos executivos em relação aos responsáveis tributários indicados na CDA que instruiu a petição inicial da execução fiscal, promovendo a citação de todos os executado e realizando diligências para localização de bens penhoráveis, surgirá a possibilidade de decretação da prescrição quinquenal intercorrente em razão da sua inércia. Será analisada, portanto, a hipótese em que a Fazenda Pública verifica, no curso da execução fiscal, um das hipóteses legais que autorize a responsabilização por transferência de terceira pessoa pelo crédito tributário – como a dissolução irregular da empresa executada ou a sucessão empresarial – e requeira a inclusão dos responsáveis no polo passivo do feito executivo. Assim, não restando configurada a responsabilidade tributária em momento anterior ao ajuizamento da competente ação de execução fiscal, a Fazenda Pública deve requerer o redirecionamento do feito executivo aos respectivos responsáveis legais, ainda que estes não tenham participado do processo administrativo de constituição do crédito fiscal. Tal providência processual encontra fundamento nos ditames do artigo 568, incisos I e V, do Código de Processo Civil, que, ao diferenciar as figuras do devedor e do responsável tributário, possibilita a inclusão no polo passivo da execução fiscal de terceira pessoa considerada como responsável pelo crédito tributário.  Para tanto, a Fazenda Pública deve se desincumbir do seu ônus probatório, demonstrando que o ato ou fato jurídico ensejador da consequente alteração do polo passivo da execução fiscal se configurou tão somente naquele momento processual, uma vez que “os fatos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos que as partes têm o ônus de afirmar nos momentos adequados não são somente aqueles que tenham tais eficácias perante o direito material, mas também processual”[15]. Neste sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça delineado no julgado abaixo transcrito: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. ÔNUS DA PROVA. DISTINÇÕES. 1. Na imputação de responsabilidade do sócio pelas dívidas tributárias da sociedade, cumpre distinguir a relação de direito material da relação processual. As hipóteses de responsabilidade do sócio são disciplinadas pelo direito material, sendo firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, sob esse aspecto, a dissolução irregular da sociedade acarreta essa responsabilidade, nos termos do art. 134, VII e 135 do CTN (v.g.: EResp 174.532, 1ª Seção, Min. José Delgado, DJ de 18.06.01; EResp 852.437, 1ª Seção, Min. Castro Meira, DJ de 03.11.08; EResp 716.412, 1ª Seção, Min. Herman Benjamin, DJ de 22.09.08). 2. Sob o aspecto processual, mesmo não constando o nome do responsável tributário na certidão de dívida ativa, é possível, mesmo assim, sua indicação como legitimado passivo na execução (CPC, art. 568, V), cabendo à Fazenda exeqüente, ao promover a ação ou ao requerer o seu redirecionamento, indicar a causa do pedido, que há de ser uma das hipóteses da responsabilidade subsidiária previstas no direito material. A prova definitiva dos fatos que configuram essa responsabilidade será promovida no âmbito dos embargos à execução (REsp 900.371, 1ª Turma, DJ 02.06.08; REsp 977.082, 2ª Turma, DJ de 30.05.08), observados os critérios próprios de distribuição do ônus probatório (EREsp 702.232, Min. Castro Meira, DJ de 26.09.05). 3. No que se refere especificamente à prova da dissolução irregular de  sociedade, a jurisprudência da Seção é no sentido de que "a não-localização da empresa no endereço fornecido como domicílio fiscal gera presunção iuris tantum de dissolução irregular (EREsp 716.412/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 22.09.08; EREsp 852.437, 1ª Seção, Min. Castro Meira, DJ de 03.11.08). 4. No caso, o acórdão recorrido atestou que a empresa não funciona no endereço indicado, estando com suas atividades paralisadas há mais de dois anos, período em que não registrou qualquer faturamento. 5. Recurso especial improvido.” (REsp 1096444/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/03/2009, DJe 30/03/2009) Seguindo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca da inclusão dos responsáveis tributários no feito executivo, defende Leandro Paulsen: “Não constando do título o nome dos sócios contra os quais é pretendido o redirecionamento, faz-se indispensável que o Exeqüente demonstre os fundamentos, de fato e de direito, para a execução pessoal do sócio, na medida em que este não estará sendo demandado com suporte exclusivo no título. Assim, nesse caso, em se tratando de redirecionamento com suporte na responsabilidade de que trata o art. 135, III do CTN, o Juiz deve exigir do Exequente que demonstre que o sócio exerceu a gerência na época da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, e que a obrigação decorre de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.”[16]  Não padecendo dúvida quanto a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal a terceira pessoa solidária, subsidária ou pessoalmente responsável pelo crédito tributário, impende analisar o marco inicial do prazo que dispõe a Fazenda Pública para efetivar tal cobrança. Em uma análise superficial, pode-se concluir que o prazo quinquenal para cobrança do crédito tributário do contribuinte e do responsável tem o mesmo marco exordial. No entanto, em se tratando de situação em o crédito tributário não foi constituído em relação ao responsável, a definição do termo a quo deve ser analisada pela interpretação sistemática do artigo 174, caput e parágrafo único do CTN. Neste contexto, consoante delineado linhas acima, a prescrição restará consumada caso decorra mais de cinco anos entre a constituição definitiva do crédito tributário e o despacho do juiz que ordenar nos autos da ação de execução fiscal a citação da parte executada. Caso tal iter procedimental seja efetivado antes do decurso do prazo quinquenal, o despacho do juiz que autorizar a citação do executado terá o condão de interromper o prazo prescricional. Por outro lado, o prazo prescricional para ajuizamento da competente ação de execução fiscal refere-se ao tempo que é efetivamente colocado à disposição do credor para viabilizar a cobrança forçada da dívida fiscal, o que inclui todos os atos processuais necessários ao seu adimplemento. Assim, se a hipótese legal que autoriza a responsabilização de terceira pessoa pelo crédito tributário, que não o contribuinte, surgiu apenas durante o curso do feito executivo, o prazo prescricional de que dispõe a Fazenda Pública para incluir os responsáveis tributários no polo passivo do feito tem início a partir dessa constatação, pois, até então o prazo prescricional encontrava-se interrompido desde o despacho do juiz que determinou a citação do executado. Sobre o tema, leciona Sara de França Lacerda: “Isto porque, apenas no momento em que se verificar a possibilidade de inclusão do sócio no polo passivo da demanda é que se pode exigir alguma ação positiva da exequente nesse sentido. Não se pode querer que alguém pratique ato processual sem que o implemento das condições que o permitam tenham ocorrido.”[17] Tal entendimento encontra seu fundamento no princípio da actio natia, preconizado no artigo 189 do Código Civil, e regente da contagem do prazo prescricional no direito brasileiro. Em conformidade com os ditames do mencionado princípio, apenas com a violação de determinado direito e o surgimento da respectiva pretensão é que se considera iniciado o transcurso do prazo prescricional em desfavor do titular da pretensão. Impende aqui transcrever os ensinamentos de Maria Helena Diniz sobre o termo inicial de contagem do prazo de prescrição: “A violação do direito subjetivo cria para o seu titular a pretensão, ou seja, o poder de fazer valer em juízo, por meio de uma ação (sentido material), a pretensão (positiva ou negativa) devida, o cumprimento da norma legal ou contratual infringida ou a reparação do mal causado, dentro de um prazo legal (arts. 205 e 206 do CC). O titular da pretensão jurídica terá prazo para propor a ação, que se inicia (dies a quo) no momento em que se der a violação do seu direito subjetivo. Se o titular deixar escoar tal lapso temporal, sua inércia dará origem a uma sanção adveniente, que é a prescrição.”[18] A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça segue o entendimento ora exposto, reconhecendo o princípio da actio nata como informador lapso temporal prescritivo, como bem registra o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: “De início, vale lembrar que o instituto da prescrição é regido pelo princípio da actio nata, ou seja, o curso do prazo prescricional tem início com a efetiva lesão ou ameaça do direito tutelado, momento em que nasce a pretensão a ser deduzida em juízo.”[19] Destarte, na hipótese de responsabilidade dos administradores pela dissolução irregular da sociedade executada, a contagem do prazo prescricional para efetivação do redirecionamento da execução fiscal tem seu início quando caracterizada, nos autos do feito executivo, a desconstituição, de modo irregular, da parte executada, como por exemplo por meio da não localização pelo Oficial de Justiça da empresa para citação nos endereços constantes das bases de dados dos órgãos oficiais. Considerar o marco inicial para redirecionamento do feito a partir da citação da empresa executada somente se justificaria caso se pudesse responsabilizar o administrador pelo mero inadimplemento da obrigação tributária, pois, neste caso, o fundamento fático-jurídico para viabilizar a pretensão executória em face dos co-responsáveis já restaria presente desde o ajuizamento do feito executivo. Acontece, no entanto, que a jurisprudência pátria é firme no entendimento de que a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, hipótese de responsabilização do sócio, com fundamento no artigo 135, III do CTN, conforme se depreende do julgado abaixo transcrito: “TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO AO SÓCIO-GERENTE. FALTA DE PAGAMENTO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. REsp 1.101.728/SP. SISTEMÁTICA DO ART. 543-C. RECURSOS REPETITIVOS. COMPROVAÇÃO DA DISSOLUÇÃO IRREGULAR. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA.SÚMULA 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO.1. A Primeira Seção deste Tribunal, no julgamento do REsp 1.101.728/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe 23/3/09, sob a sistemática do art. 543-C do CPC, decidiu que "a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no art. 135 do CTN" 2. A matéria atinente à comprovação da dissolução irregular da sociedade demanda, na hipótese, a reapreciação de aspectos fático-probatórios da lide, o que é inviável em sede de recurso especial, atraindo a aplicação da Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". 3. Agravo regimental não provido.” (AgRg no Ag 1356565/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/05/2011, DJe 26/05/2011) Definir, portanto, que a prescrição para inclusão dos administradores no polo passivo da execução fiscal se inicia em momento anterior à constatação da dissolução irregular da empresa executada, ou seja, antes mesmo de haver nascido a pretensão ao redirecionamento, atenta de maneira cristalina ao princípio da actio nata. Impende, aqui, registrar que nas hipóteses previstas no artigo 135 CTN, caso a sociedade se beneficie dos atos praticados com excesso de poder, infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto, tanto os diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica de direito privado quanto a pessoa jurídica responderão solidariamente pelo crédito tributário, em razão da aplicação do artigo 125, III do CTN. O mencionado artigo 125, III do CTN prevê expressamente que, em decorrência dos efeitos da solidariedade, a interrupção da prescrição a favor ou contra um dos obrigados favorece ou prejudica os demais. Destarte, a prescrição quinquenal, quando interrompida em desfavor da pessoa jurídica executada, por meio do despacho do juiz que determinar a sua citação, também será interrompida em relação os sócios ou administradores com poderes de gerência, responsáveis de maneira solidária pelo débito fiscal em razão dos atos que praticarem. Da mesma forma, nas hipóteses de responsabilidade por sucessão empresarial dispostas no artigo 132 do CTN – fusão, transformação ou incorporação de pessoas jurídicas, não há como se reputar como termo a quo para cobrança do crédito tributário do responsável legalmente designado, o despacho do que ordenar a citação da empresa originariamente indicada no polo passivo da ação de execução fiscal. Isto porque, caso a operação de sucessão ocorra após o ajuizamento do feito executivo contra o contribuinte, a Fazenda Pública deverá dispor integralmente do prazo de cinco para realizar a cobrança do responsável tributário, devendo tal prazo ter início quando do conhecimento da reorganização societária. Nesse sentido, leciona com propriedade Juliana Furtado Costa Araújo: “Não é este, porém, o entendimento que deve prevalecer. Isto porque o prazo quinquenal a que se refere o artigo 174 do CTN diz respeito ao tempo que é colocado à disposição do sujeito ativo para viabilizar a cobrança de seu crédito, o que inclui todos os atos processuais necessários ao seu adimplemento, anteriores e posteriores ao ajuizamento, por exemplo, a inscrição em dívida ativa, a citação do executado, a penhora e leilão de bens etc.”[20] Caso o Fisco seja formalmente comunicado da sucessão empresarial por ato da empresa executada ou dos responsáveis legais, o prazo prescricional, interrompido pelo despacho que determinou a citação do contribuinte, deverá retomar a sua contagem no momento em que a Fazenda Pública tomou conhecimento do ato sucessório. Por outro lado, caso a sucessão se dê sem qualquer comunicação aos órgãos oficiais, a recontagem do prazo prescricional só poderá ter início quando a parte exequente tiver o efetivo conhecimento do ato de sucessão empresarial, devendo esta se desincumbir do ônus da prova nos autos do feito executivo, carreando documentos que comprovem a sucessão. A Fazenda Pública, portanto, só poderá se insurgir contra o sucessor empresarial quando tiver efetivo conhecimento do ato sucessório que enseje, por força de expressa disposição legal, responsabilização de terceira pessoa pelo crédito tributário, motivo pelo qual, em razão do princípio da segurança jurídica, o prazo prescricional deve ter início apenas nesta data. Percebe-se, assim, que apenas após a ocorrência de ato ou fato jurídico que implique responsabilidade tributária de pessoa diversa do contribuinte, é que se inicia a fluência do prazo prescricional para que a Fazenda Pública exerça o seu direito de redirecionar o feito executivo. Antes disso, não há que se falar em perda da pretensão em razão da desídia do Fisco, uma vez que tal prazo sequer teve seu início diante da inexistência de autorização legal que justifique a inclusão de terceira pessoa no polo passivo da execução fiscal. Cumpre, aqui, salientar, que o Superior Tribunal de Justiça tem posicionamento majoritário diverso do delineado no presente estudo, defendendo que o prazo prescricional para redirecionamento da ação de execução fiscal contra os sócios administradores tem início com o despacho que determina a citação da pessoa jurídica. [21] A despeito disso, verificamos decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça na mesma linha ora defendida, as quais demonstram uma possível revisão do entendimento firmado pela mencionada Corte no que tange ao termo a quo para redirecionamento do feito executivo aos responsáveis legais pelo crédito tributário. Vejamos: “TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. SÓCIO-GERENTE. PRESCRIÇÃO. TEORIA DA "ACTIO NATA". RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS. MATÉRIA QUE EXIGE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 393/STJ. 1. O termo inicial da prescrição é o momento da ocorrência da lesão ao direito, consagrado no princípio universal da actio nata. 2. In casu, não ocorreu a prescrição, porquanto o redirecionamento só se tornou possível a partir da dissolução irregular da empresa executada. 3. A responsabilidade subsidiária dos sócios, em regra, não pode ser discutida em exceção de pré-executividade, por demandar dilação probatória, conforme decidido no Recurso Especial "repetitivo" 1.104.900/ES, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, julgado em 25.3.2009, DJe 1°.4.2009, nos termos do art. 543-C, do CPC. 4. Incidência da Súmula 393/STJ: "A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória". Agravo regimental provido.”(AgRg no REsp 1196377/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/10/2010, DJe 27/10/2010) “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. CITAÇÃO DA EMPRESA E DO SÓCIO-GERENTE. PRAZO SUPERIOR A CINCO ANOS. PRESCRIÇÃO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. 1. O Tribunal de origem reconheceu, in casu,  que a Fazenda Pública sempre promoveu regularmente o andamento do feito e que somente após seis anos da citação da empresa se consolidou a pretensão do redirecionamento, daí reiniciando o prazo prescricional. 2. A prescrição é medida que pune a negligência ou inércia do titular de pretensão não exercida, quando o poderia ser. 3. A citação do sócio-gerente foi realizada após o transcurso de prazo superior a cinco anos, contados da citação da empresa. Não houve prescrição, contudo, porque se trata de responsabilidade subsidiária, de modo que o redirecionamento só se tornou possível a partir do momento em que o juízo de origem se convenceu da inexistência de patrimônio da pessoa jurídica. Aplicação do princípio da actio nata. 4. Agravo Regimental provido.” (AgRg no REsp 1062571/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2008, DJe 24/03/2009) O novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça exposto nos julgados colacionados acima merecem prosperar, uma vez que não se pode falar em contagem do prazo prescricional quando o ato ou fato jurídico autorizador do redirecionamento do feito sequer ocorreu. Não se pode alegar a inércia da parte credora a partir da citação do executado originariamente indicado na CDA se a circunstância material para cobrança do crédito tributário de terceira pessoa ainda não se configurou. Percebe-se, assim, que o termo a quo do lapso prescricional para redirecionamento da execução fiscal deve seguir os ditames do princípio da actio nata, não havendo fundamento para qualquer argumento que implique na contagem do prazo quinquenal de prescrição em momento anterior à efetiva caracterização de ato ou fato jurídico que viabilize o redirecionamento do feito executivo aos responsáveis devidamente designados em lei. Apenas com o surgimento de uma das circunstâncias materiais que autorizem a inclusão de terceira pessoa no polo passivo da execução fiscal é que a desídia da Fazenda Pública poderá implicar na consequente perda do seu direito de exigir judicialmente o crédito tributário. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo do desenvolvimento do presente artigo, restou evidenciado que nas hipóteses de responsabilidade tributária por transferência a obrigação tributária emerge, de início, em face do contribuinte, no entanto, em razão do advento de determinado ato ou fato jurídico, o responsável tributário definido na legislação de regência é incluído no polo passivo da obrigação tributária. Por outro lado, buscou-se demonstrar que o estabelecimento do marco inicial do prazo de prescrição quinquenal para redirecionamento da execução fiscal depende da interpretação sistemática do artigo 174, caput e parágrafo único do Código Tributário Nacional. Destarte, se quando do ajuizamento do feito executivo não estiverem presentes os fundamentos legais para cobrança da dívida fiscal de terceira pessoa legalmente responsável pelo crédito tributário, a Fazenda Pública não poderá indicá-la como sujeito passivo na Certidão de Dívida Ativa que instrui a petição inicial da ação de execução fiscal. Porém, se no curso da ação de cobrança do débito fiscal restar configurada uma das hipóteses legais que autorizam a responsabilização de terceira pessoa pelo crédito tributário, a partir de então, a Fazenda Pública deverá dispor integralmente do prazo prescricional para efetivar o redirecionamento do feito aos responsáveis. Isto porque, em obediência aos ditames do artigo 174, do CTN, o prazo prescricional cinco anos, é interrompido pelo despacho do juiz que determinar a citação do executado inicialmente indicado na peça exordial do feito executivo. E, portanto, somente pode ter o seu cômputo reiniciado quando restarem presentes e devidamente comprovadas as circunstâncias fático-jurídicas que permitem a inclusão de uma terceira pessoa no polo passivo do feito executivo. A partir deste momento é que poderá ser decretada a desídia da exequente em razão da sua inércia na cobrança do crédito tributário e consequente perda do seu direito de cobrar o débito em juízo.
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Da prescrição em matéria tributária
O presente trabalho tem como objetivo estudar e compreender o instituto da prescrição no direito tributário, assunto este alvo de muitas polêmicas e divergências tanto doutrinárias como jurisprudenciais. Desenvolvido em dois capítulos por meio de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial com emprego de método dedutivo de abordagem, o estudo é realizado com a análise da legislação vigente a luz da Constituição Federal, Código Tributário Nacional, Lei de Execuções Fiscais e súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Particularidades da matéria prescricional tributária como seus marcos interruptivos, prazos para repetição do indébito, prescrição intercorrente no processo administrativo, prescrição intercorrente na execução fiscal entre outros, são abordados de forma a esclarecer o tema que por matéria complexa, profundamente técnica e extensa necessita de estudo especifico e aprofundado, com ênfases nas suas diversas interpretações existentes que originam uma grande variedade de divergências sobre o assunto.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente trabalho vem a tratar a matéria prescricional em direito tributário, tendo como objetivo estudar, elucidar e esclarecer este assunto que por matéria complexa, profundamente técnica e extensa necessita de estudo especifico e aprofundado, com ênfases nas suas diversas interpretações existentes, que originam uma grande variedade de divergências sobre o assunto. A prescrição sendo instituto extintivo do próprio credito tributário voltado á análise do fluxo temporal, possui importantíssima justificativa para sua existência na vida jurídica, servindo além de controle para eficiência do serviço publico também para evitar a perpetuação das lides no mundo jurídico. Consolidando a segurança jurídica sob a luz dos princípios constitucionais da razoável duração do processo e do devido processo legal, a inexistência de tal instituto seria inadmissível em um ordenamento pátrio moderno, consolidado e extremante rico em matéria de direitos sociais como o brasileiro. O presente trabalho foi desenvolvido em dois capítulos por meio de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, com emprego de método dedutivo de abordagem. Com enfoque á matéria prescricional a luz da Constituição Federal, Código Tributário Nacional, Lei de Execuções Fiscais e súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Buscando e elucidando suas características como seus marcos interruptivos, considerações devidas as formas de lançamentos dos créditos tributários, além de requisitos para sua consideração e ocorrência. Contudo almejando considerações e reflexões sobre o assunto, com bases fundadas na diversa doutrina e ampla jurisprudência, revelando os posicionamentos de diversos tribunais pátrios. Todavia é importante salientar que o presente trabalho não tem a intenção de dirimir todos os pontos polêmicos sobre o instituto da prescrição no âmbito tributário, e sim de sua demonstração no ambiente jurídico de maneira básica no intuito elucidar a matéria tão carecedora de maior estudo por sua própria justificativa existencial. 1. Da Prescrição em Matéria Tributária Neste capítulo será tratado do tema prescricional de ordem tributária, matéria de competência constitucional em uma abrangência geral, destacando premissas e elencando definições provindas da doutrina, assim como realizando a análise de suas formas de ocorrência com base em sua previsão legal, tendo em vista seus marcos interruptivos e particularidades. 1.1 Definição:  A prescrição no âmbito jurídico é uma das formas de extinção dos créditos tributários. No direito tributário pode ser definida como a extinção do direito ao crédito tributário ocorrida pela inércia do fisco ao deixar de promover as medidas necessárias para a garantia do direito. Portanto, tem sua importância pautada na necessidade da presença de institutos ligados a inércia processual presente ao decurso de tempo, se faz de grande importância ao ordenamento jurídico na busca da segurança jurídica: Ao tratar o tema, Luciano Amaro ( 2011) entende: “A certeza e a segurança do direito não se compadecem com a permanência, no tempo, das possibilidades de litígios instauráveis pelo suposto titular de um direito que tardiamente venha a reclama-lo. Dormientibus nom succurrit jus. O direito positivo não socorre a quem permanece inerte, durante largo espaço de tempo, sem exercitar seus direitos. Por isso, esgotando certo prazo, assinalado em lei, prestigiam-se a certeza e a segurança, e sacrifica-se o eventual direito daquele que se manteve inativo no que respeita a atuação ou defesa desse direito”[2]. Nesse sentido Sacha Calmon Navarro Coelho (2007): “Os atos jurídicos sujeitados a tempo certo, se não praticados, precluem. Os direitos, se não exercidos no prazo assinalado aos seus titulares pela lei, caducam ou decaem. As ações judiciais quando não propostas no espaço de tempo prefixado legalmente, prescrevem. Se um direito, para aperfeiçoar-se, depende de um ato jurídico que não é praticado (preclusão), acaba por perecer(caducidade ou decadência). Se um direito não auto executável precisa de uma ação judicial para efetivar-se, não proposta ou esta proposta a destempo, ocorre a prescrição, gerando oclusão do direito, já que desvestido da possibilidade de ação. E a cada direito corresponde uma ação…”[3] A prescrição ocorre quando o crédito tributário devidamente constituído (tempestivamente lançado), não é adimplido pelo devedor e não houve ingresso judicial por meio de ajuizamento de ação de execução fiscal ao tempo legalmente estipulado. Em outras palavras, a ação de cobrança por alguma falta não foi ajuizada em tempo hábil, então neste caso há prescrição. Note-se que o direito ao crédito neste caso já constituído estava, porém não foi exigido a tempo e apesar de se tratar de direito certo não será mais exigível. Neste sentido Luciano Amaro (2011): “… se esgota o prazo dentro do qual o sujeito ativo deve lançar, diz-se que decaiu de seu direito; este se extingue pela decadência ( ou caducidade). Se em tempo oportuno, o lançamento é feito, mas o sujeito ativo, á vista do inadimplemento do devedor, deixa transcorrer o lapso de tempo que tem para ajuizar a ação de cobrança, sem promovê-la, dá-se a prescrição da ação.”[4] A prescrição pode ser definida como a extinção da ação de cobrança do crédito, ocorrida pelo decurso do tempo, sem que se exerça o direito observado pela falta  impulsão ao processo. Pode ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de execução fiscal, a prescrição ocorrendo durante o período processual, diz-se prescrição intercorrente. Hugo de Brito Machado aduz (2006): “Na Teoria Geral do Direito a prescrição é a morte da ação que tutela o direito, pelo decurso do tempo previsto em lei para esse fim. O direito sobrevive, mas sem proteção. Distingue-se neste ponto, da decadência, que atinge o próprio direito”.[5] Ainda, como definição de Prescrição, Toniolo (2007): “O dogma da inércia do credor como única causa eficiente da prescrição encontra-se profundamente arraigado à errônea concepção do instituto como castigo, punição àqueles que dormem (dormientibus jus non sucurrit). A prescrição não corre para castigar o credor pela sua inércia, mas sim para realizar as garantias constitucionais da segurança e da estabilidade das relações jurídicas, bem como da dignidade da pessoa humana.”[6] 1.2 Reserva de Lei Complementar: A prescrição de ordem tributaria é matéria constitucional elencada no artigo 146,III,b da Constituição Federal de 1988. E assim sendo o legislador ordinário não pode dispor sobre a matéria, estabelecendo prazos, hipóteses de suspensão e de interrupção da prescrição sob pena de inconstitucionalidade. Desta forma, recepcionado como lei complementar, o Código Tributário Nacional é quem competência para reger o assunto.[7] “EMENTA: PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. MATÉRIAS RESERVADAS A LEI COMPLEMENTAR. DISCIPLINA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 45 E 46 DA LEI 8.212/91 E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5.º DO DECRETO-LEI 1.569/77. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. I. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada a lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1.º, da CF de 1967/69) quanto sob a Constituição atual (art. 146, b, III, da CF de 1988). Interpretação que preserva a força normativa da Constituição, que prevê disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários. Permitir regulação distinta sobre esses temas, pelos diversos entes da federação, implicaria prejuízo à vedação de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente e à segurança jurídica. II. DISCIPLINA PREVISTA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. O Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), promulgado como lei ordinária e recebido como lei complementar pelas Constituições de 1967/69 e 1988, disciplina a prescrição e a decadência tributárias. III. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES. As contribuições, inclusive as previdenciárias, têm natureza tributária e se submetem ao regime jurídico-tributário previsto na Constituição. Interpretação do art. 149 da CF de 1988. Precedentes. IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. Inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, por violação do art. 146, III, b, da Constituição de 1988, e do parágrafo ú nico do art. 5º. do Decreto-lei 1.569/77, em face do § 1.º do art. 18 da Constituição de 1967/69. V. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. SEGURANÇA JURÍDICA. São legítimos os recolhimentos efetuados nos prazos previstos nos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 e não impugnados antes da data de conclusão deste julgamento.” (RE 556664, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 12/06/2008, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-216 DIVULG 13-11-2008 PUBLIC 14-11-2008 EMENT VOL-02341-10 PP-01886[8] Conforme análise da ementa supracitada, verifica-se conforme o voto do desembargador que a prescrição deve ser tratada de forma homogênea no âmbito nacional, onde sua regulação de forma distinta entre os entes federativos acabaria por ferir o princípio da igualdade contributiva, abalando a segurança jurídica observado o respeito a hierarquia das normas. O instituto da prescrição tributária possui reserva de lei complementar, portanto conforme julgado acima em nome da segurança jurídica qualquer lei ordinária que tenha o condão de modificar, regular ou extinguir sua matéria deverá ser declarada assim inconstitucional. 1.3 – A Prescrição e a extinção de créditos tributários: O Código Tributário Nacional em seu artigo 156, V prevê a Prescrição  como uma das formas de extinção do credito tributário: “Art. 156 – Extinguem o crédito tributário: I- o pagamento; II- a compensação; III- a transação; IV- remissão; V- a prescrição e a decadência;”[9] Note-se que o artigo 156 do Código Tributário Nacional afirma  expressamente que a prescrição extingue o crédito tributário, dito isto extinta será a relação material e não somente a ação de cobrança do crédito tributário. De grande importância este fato, pois se não fosse assim a Fazenda Pública  mesmo sem ação para cobrar seus créditos ora prescritos, poderia recusar-se ao fornecimento de certidões negativas  aos seus sujeitos passivos.[10] Então como já dito, por força do art. 146-III-b da Constituição Federal, o instituto da prescrição está previsto no CTN, elencada em seu  artigo 174 onde é expresso que a constituição definitiva do crédito tributário é o marco inicial do prazo prescricional de 5 anos para a ação de cobrança do crédito tributário.   “A ação para cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data de sua constituição definitiva.” [11] O termo “constituição definitiva do credito tributário” apresenta algumas particularidades, sendo que seu entendimento deve ser no sentido de quando não for mais possível ao Fisco discutir administrativamente o crédito tributário. Dessa forma tendo ciência do marco definitivo, contar-se-á o prazo de cinco anos para a propositura em tempo, da execução fiscal.[12]  Atentemos para a definição do termo a quo da contagem do prazo prescricional que será a data da notificação do lançamento, caso não exista protocolização de impugnação administrativa do lançamento ou no caso de protocolização de impugnação, será a data da notificação da decisão administrativa final, observando seu conteúdo tocante ao credito tributário exigido. Nas palavras de Torres (2011), a data marcada para o pagamento no lançamento notificado ou do decurso do prazo de 30 dias contados da decisão definitiva. [13] 1.4  Tipos de Lançamentos Momento ideal é considerado este para analisarmos os tipos de lançamentos dos créditos tributários, explicitado pelo artigo 142 do CTN a sua competência privativa á autoridade administrativa que na verificação da ocorrência do fato gerador, identificando o sujeito passivo calcula o valor do tributo devido e efetuando assim o lançamento que podem ter modalidades de ofício, por declaração e lançamento por homologação.   1.4.1 Os lançamentos de Ofício: São aqueles em que o montante dos tributos são apurados exclusivamente pelo Fisco, sem direta colaboração do contribuinte ou lançamento efetuado por arbitramento,[14] a exemplo são o IPVA e IPTU entre outros, previsto pelo artigo 149 do código Tributário Nacional: “Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I – quando a lei assim o determine; II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.”[15] 1.4.2 Os Lançamentos  por declaração : Os lançamentos por declaração são explicitados pelo artigo 147 do CTN e também  chamados mistos, são aqueles cuja  participação do sujeito passivo restringe-se a declaração formal  da ocorrência de fatos geradores de tributos. Tomando por base essa declaração, o fisco calcula o montante devido realiza o lançamento.[16] “Art. 147. O lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação. § 1º A retificação da declaração por iniciativa do próprio declarante, quando vise a reduzir ou a excluir tributo, só é admissível mediante comprovação do erro em que se funde, e antes de notificado o lançamento. § 2º Os erros contidos na declaração e apuráveis pelo seu exame serão retificados de ofício pela autoridade administrativa a que competir a revisão daquela.”[17] 1.4.3  Os lançamentos por homologação: Os lançamentos por Homologação são dentre as espécies de lançamento tributário os que denegam maior atenção, pois nas palavras de Ricardo Alexandre (2007), o lançamento dos tributos por homologação é um dos temas mais debatidos entre tributaristas e objeto de muitas controvérsias doutrinarias e jurisprudênciais.[18]  O lançamento por homologação está elencado no artigo 150 do Código Tributário Nacional: “Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. § 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento. § 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito. § 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação. § 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.” O lançamento dos tributos por homologação no dizer de Eduardo Sabbag (2009), é aquele em que o contribuinte auxilia ostensivamente o fisco na atividade do lançamento, recolhendo o tributo antes de qualquer providencia da Administração. [19] Paulo de Barros Carvalho (1996), ao tratar do lançamento por homologação despende sua discordância: “A conhecida figura do lançamento por homologação é um ato juridico administrativo de natureza confirmatória, em que o agente público, verificado o exato implemento das prestações tributárias de determinado contribuinte, declara, de modo expresso, que obrigações houve, mas que se encontram devidamente quitadas até aquela data, na estrita consonância dos termos da lei. Não é preciso dispender muita energia mental para notar que a natureza do ato homologatório difere da do lançamento tributário. Enquanto aquele primeiro anuncia a extinção da obrigação, liberando o sujeito passivo, este outro declara o nascimento do vínculo, em virtude da ocorrência do fato jurídico. Um certifica a quitação, outro certifica a dívida. Transportando a dualidade para outro setor, no bojo de uma analogia, poderíamos dizer que o lançamento é a certidão de nascimento da obrigação tributária, ao passo que a homologação é a certidão de óbito.”[20] Observemos o texto de lei do parágrafo 4º do artigo 150 do Código Tributário Nacional supracitado, que esclarece que nos casos  em que não há previsão expressa por lei da data da homologação, esta se dará em cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador, trata-se de homologação  tácita. Porém Luciano Amaro (2011), aduz que cabe a autoridade ao constatar a  omissão ou inexatidão do sujeito passivo ao pagar um tributo sujeito a homologação, lançar de ofício recusando neste caso tal homologação.[21]O prazo para o lançamento de ofício nestes casos deve ser até antes do termino da homologação tácita, pois se esta já ocorrida estiver, não haverá mais possibilidade de discussão sobre o valor devido. Vejamos ainda o que decorre da forma dos pagamentos dos tributos que possuem  lançamentos por homologação:  – Havendo pagamento integral, extingue-se o crédito definitivamente conforme o § 4 do art 150 do CTN. – Não havendo pagamento algum, não há o que ser homologado, isso porque nas palavras de Luciano Amaro (2011), "a homologação não pode operar no vazio".[22]  – Havendo pagamento parcial, quanto a parte que faltou ser paga deverá ser lançada de ofício conforme artigo 149 CTN, caso a Fazenda não o faça ficando inerte, o código assim considera como homologação tácita perdendo a fazenda a oportunidade de fazer lançamentos suplementares. [23] Observemos a esclarecedora ementa sobre o tema em tela: “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.   TRIBUTÁRIO.PRESCRIÇÃO. TERMO A QUO. DATA DA ENTREGA DA DCTF SE POSTERIOR AO VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. MATÉRIA DECIDIDA SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC (RECURSOS REPETITIVOS). AGRAVO IMPROVIDO. IMPOSIÇÃO DA MULTA DO ART. 557, § 2º, DO CPC. I – A egrégia Primeira Seção desta Corte, no julgamento do REsp nº 1.120.295/SP, Relator Ministro LUIZ FUX, DJe de 21/05/2010, sob o regime do artigo 543-C do CPC (recursos repetitivos), firmou o entendimento de que, no caso de tributos sujeitos a lançamento por homologação declarados e não pagos, o Fisco dispõe de cinco anos para a cobrança do crédito, contados do dia seguinte ao vencimento da exação ou da entrega da declaração pelo contribuinte, o que for posterior. Só a partir desse momento, o crédito torna-se definitivamente constituído e exigível pela Fazenda pública. II – Em questão de ordem suscitada pela Ministra Eliana Calmon, nos autos do AgRg no REsp 1.025.220/RS, a Primeira Seção entendeu que deve ser aplicada a multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC nos casos em que a parte se insurge quanto ao mérito de questão decidida em julgado submetido à sistemática do art. 543-C do CPC. III – Agravo regimental improvido, com imposição da multa do art. 557, § 2º, do CPC, por impugnação de matéria já assentada em sede de recurso repetitivo, revelando-se infundado e inadmissível . Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, com aplicação de multa, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Napoleão Nunes Maia Filho (Presidente) e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator. Licenciado o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima.” (AgRg no AREsp 77971 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2011/0265859-0 Ministro FRANCISCO FALCÃO (1116) T1 – PRIMEIRA TURMA 20/03/2012 DJe 30/03/2012)[24] Da decisão acima exposta, revela-se a observação as regras dispostas para cada tipo de lançamento, sendo de importantíssima utilidade para computo do prazo prescricional. Conforme o voto unânime dos desembargadores para casos de tributo lançado por homologação declarado e não pago, o fisco possui cinco anos para constituir o credito tributário a contar da data do dia seguinte ao da entrega da declaração ou do vencimento do valor devido, o que for mais tardio. Então no dia em que constituído definitivamente for, (dies aquo) e portanto exigível, pode-se iniciar a contagem do prazo prescricional. Para Sacha Calmon (2010), a figura do lançamento em direito tributário, se insere como ponto de separação ( divorcium aquarium ) entre os prazos de decadência e os prazos de prescrição: “- Do fato gerador da obrigação até o ato jurídico do lançamento ou até o dia previsto para a homologação do pagamento, correm os prazos decadenciais. – Depois do lançamento e/ou durante todo o tempo de sua revisão (se houver) já não correm os prazos de decadência, nem podem correr os prazos de prescrição, que só há prescrição se inexistirem obstáculos ab extra. Pelo princípio da actio nata, ou seja, para que prescreva o direito de ação, é necessário que o autor possa exercê-lo livremente. A sua inércia e mais o fugir do tempo redundam na prescrição. O direito não socorre aos que dormem. – Isto posto, definitivo o lançamento, começam a correr os prazos da prescrição.”[25] 1.5 – A interrupção da Prescrição e suas particularidades: A interrupção da prescrição é prevista no parágrafo único do artigo 174 do CTN: “Art 174. (…)  “Parágrafo único – A prescrição se interrompe:  I – pela citação pessoal feita ao devedor;  I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005) II – pelo protesto judicial; III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em  reconhecimento do débito pelo devedor.”[26] De acordo com Torres (2011), interromper a prescrição significa apagar o prazo já decorrido, recomeçando seu curso a partir da data do ato que a interrompeu ou do ultimo ato praticado no processo. Já diferentemente, a suspensão tem o reinicio de sua contagem sem desprezar o prazo já decorrido até o momento de sua ocorrência.[27] Ao analisarmos a ocorrência das hipóteses de interrupção pela ordem descritas no parágrafo único do  artigo 174 do CTN temos: 1.5.1 – O despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal: O inciso I foi alterado pela Lei Complementar 118 de 2005, que passou a considerar como marco interruptivo não mais a citação do réu, mas o despacho do juiz que ordenar a sua citação. Esta modificação veio a ocorrer  objetivando coibir os “desaparecimentos” do sujeito passivo na busca da prescrição de suas ações de cobrança.. Tema de polêmica doutrinaria este é considerado, pois segundo Sabbag (2010), sem dúvida favorece em muito a Fazenda Publica em relação ao antigo texto da lei que fora revogado, já que com a mera ordem do juiz é produzido o efeito interruptivo, não importando quanto tempo levará para a citação ocorrer.[28]Renato Lopes Becho (2005), sobre o tema afirma que a interpretação gramatical que considera o despacho que ordena a citação momento de interrupção da prescrição sem nenhuma outra providência ou limite, fere a Constituição Federal pois descumpre os princípios do devido processo legal e contraditório.[29] Nesse sentido Hugo de Brito Machado (2006): “Cuida-se sem dúvida, de mais um privilégio da Fazenda Pública relativamente aos credores em geral, que, nos termos do Código de Processo Civil, continuam a ter como causa interruptiva da prescrição a citação valida do devedor (CPC, art 219)”[30] Eduardo Sabbag (2010),por sua vez enaltece sua inconformidade : “A crítica feita ao dispositivo alterado pauta-se na ideia de que o elemento deflagrador desta causa interruptiva não apresenta conexão com o comportamento do executado. Em outras palavras, não há nexo entre a descisão judicial interruptiva e a recalcitrância do executado no inadimplemento do debito. O Estado-credor interrompe a prescrição por exclusiva força da penada do Estado-Juiz, reforçando o crédito tributário a seu talante, em prol da fazenda, em nítida quebra da isonomia e de razoabilidade”.[31] Observa-se o tanto relevante é verificar a sua aplicabilidade aos casos onde o prazo prescricional já estava em curso quando da sua entrada em vigor e  nas situações em que as respectivas execuções já haviam sido ajuizadas. Então temos que, até o advento da Lei Complementar 118/05, o prazo de prescrição era interrompido na data da citação pessoal do devedor. Depois da entrada em vigor da aludida lei o fluxo prescricional passou a ser interrompido na data do despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal. Vejamos na decisão abaixo a confirmação do exposto: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃOFISCAL. IPTU. EXERCÍCIOS DE 1997/2000. PRESCRIÇÃO. CONFIGURAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE CAUSA SUSPENSIVA OU INTERRUPTIVA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO VÁLIDA. APLICAÇÃO DA ANTIGA REDAÇÃO DO ARTIGO 174, PARÁGRAFO ÚNICO, IDO CTN. INADMISSIBILDIADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DE LC 118/05. NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO RECURSO (CPC, ART. 557, CAPUT). (…) Observe-se, ainda, que a constituição definitiva do crédito ocorre sempre na data do vencimento da 1ª cota ou cota única do IPTU.In casu, constatou-se que a presente ação foi ajuizada em junho de 2004, quando já se encontrava prescrito o direito da Fazenda em proceder à cobrança dos exercícios de 1997/1999, como bem observou o Magistrado a quo.Todavia, em razão da não ocorrência da efetiva citação da executada, já que não logrou êxito o exeqüente em localizá-la, correto a sentença, já que não houve interrupção do lapso prescricional em relação aos outros créditos.Ademais, vale lembrar que no vertente caso é inaplicável a alteração realizada pela Lei Complementar n 118/05 ao parágrafo único, I do art. 174 do CTN, eis que a propositura da presente execução ocorreu antes de sua vigência.Vale lembrar que o consectário desse raciocínio é que a Lei Complementar suso mencionada, aplica-se, tão somente, aos fatos geradores pretéritos ainda não submetidos ao crivo judicial.Posto isso, conheço do recurso, decidindo por NEGAR-LHE SEGUIMENTO (CPC, art. 557, caput).Rio de Janeiro, 08 de junho de 2009. Desembargador MARIO GUIMARÃES NETO.Relator.TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.12ª CÂMARA CÍVEL.Desembargador Mario Guimarães Neto. APELAÇÃO CIVEL Nº 2009.001.13563 ORIGEM : 2ª VARA DA COMARCA DE BARRA DO PIRAÍ. APELANTE : MUNICÍPIO DE BARRA DO PIRAÍ. APELADO : VANDA DA SILVA ROCHA E IRMAS”[32] Da ementa acima conforme o voto do relator se extrai a observância da inadmissibilidade da aplicação retroativa da LC118/05, visto que por tratar-se de ação proposta antes de sua vigência somente a citação válida acarretaria a interrupção do lapso prescricional, confirmando que a aplicação da regra da interrupção da prescrição gerada pelo simples despacho do juiz, que se faz valer somente para casos em que o fato gerador tem data posterior a 10 de junho de 2005. Nesse sentido, Matheus Moraes Sacramento (2007): “A referida lei complementar só é aplicável nas execuções fiscais referentes a tributos cuja lesão ao direito creditório do Fisco tenha ocorrido após 10 de junho de 2005, data em que a LC 118/05 entrou em vigor, uma vez que somente as pretensões nascidas/adquiridas a partir desta data sujeitam-se à novel legislação”.[33] A respeito dos créditos tributários das pessoas jurídicas, temos também o marco interruptivo da prescrição no despacho do juiz que ordena a citação aos eventuais sócios-gerentes que tenham cometido infrações como apropriação indébita, no caso de redirecionamento da execução. O fato da ação do fisco ser inicialmente direcionada a empresa não impede o novo computo do prazo prescricional contra os sócios gerentes, pois se frustrada for a execução contra empresa o fisco terá mais cinco anos para obter o despacho que ordena a citação do sócio gerente em nome próprio.[34] 1.5.2  Interrupção por  protesto judicial: Regulamentado pelos artigos  867 até o 873 do Código de Processo Civil, o protesto judicial é uma das causas de interrupção da prescrição, elencado no inciso II do artigo 174 do Código Tributário Nacional. “Art. 867. Todo aquele que desejar prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalva de seus direitos ou manifestar qualquer intenção de modo formal, poderá fazer por escrito o seu protesto, em petição dirigida ao juiz e requerer que do mesmo se intime a quem de direito.”[35] Ives Gandra da Silva Martins (2007),defende que o protesto seja ajuizado enquanto existir o processo administrativo para evitar a consumação da prescrição. Pois este suspende a exigibilidade do crédito tributário (impedindo a  Fazenda de executá-lo), enquanto corre o  curso prescricional. E ainda que se a Fazenda tiver condições de promover a execução, o simples protesto não tem o condão de interromper a prescrição.[36] Eduardo Jardim Marcial Ferreira (2011), afirma que quando  refere-se aos créditos tributários, o protesto judicial é um instrumento que tem utilidade somente para interromper o fluxo da prescrição em hipótese em que a Fazenda encontra-se impossibilitada do ajuizamento de ação de execução fiscal. Além disso o credor deve solicitar expressamente o pedido de interrupção da prescrição, para que o protesto judicial produza este efeito. Vejamos em suas palavras: “Embora raramente utilizado pela Fazenda Pública, o protesto judicial representa um instrumento sobremodo eficaz para interromper o fluxo do prazo prescricional na hipótese de impossibilidade do ajuizamento da ação de execução fiscal dentro do período que antecede o perfazimento do prazo da prescrição.”[37] No mesmo sentido Octavio Campos Fischer (2007), afirma que durante o processo administrativo não é possível efetuar o protesto por ausência de legítimo interesse do Fisco na cobrança judicial do tributo (ainda não há certeza e liquidez). Complementa que com a alteração causada pela LC 118/05 no inciso I do parágrafo único do artigo 174, o protesto judicial perdeu a sua utilidade pois este era um meio utilizado na tentativa de encontrar bens quando frustrada a citação pessoal e o prazo prescricional estava em fluxo.[38] 2.5.3  Ato judicial que constitua o devedor em mora: De acordo com Jardim Eduardo Maciel (2011), a forma interruptiva da prescrição a que se refere o inciso III do artigo 174 do CTN, deve consubstanciar a intenção do sujeito ativo na vontade de exigir o crédito tributário, buscando a comprovação do conhecimento do fato pelo sujeito passivo e demonstrando a fluição da mora a partir do mesmo.[39]Assim como o inciso anterior este encontra-se  em desuso depois da possibilidade de interrupção da prescrição pelo despacho do juiz que ordena a citação na execução, trazido pela LC118/05. Complementando, Eduardo Sabbag (2010): “O inciso III, ao se referir a “qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor”, parece ter feito menção às interpelações, notificações ou intimações judiciais- atos que poderiam traduzir na intenção do credor em receber o pagamento do tributo. A bem da verdade, este inciso,por ser genérico, alcança o protesto judicial já citado no inciso precedente, Procure memorizar que o comando em análise faz menção a ato judicial e não a “ato extrajudicial”.[40] Margarete Barsani (2005),[41] cita como exemplos desta espécie de interrupção a notificação ou interpelação judicial. Leandro Paulsen (2008),[42]exemplifica este inciso com as confissões de débito pelo contribuinte e o oferecimento de caução em garantia através de ação cautelar. 1.5.4 – Qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor. Única situação de interrupção prescricional de forma extrajudicial ou pela esfera administrativa. A exemplo destas situações enquadra-se uma declaração escrita pelo devedor reconhecendo o débito e solicitando a compensação ou o parcelamento do débito. Em um caso prático temos que com a notificação de um debito tributário e 30 dias após, ocorrendo a constituição definitiva em uma data determinada, passando-se quatro anos sem o cumprimento obrigação de pagar o fisco então o devedor solicita o parcelamento da sua dívida. Deste parcelamento restará a interrupção do prazo prescricional, deste modo os quatro anos decorridos são desprezados. Inicia-se então a fluência de novo prazo prescricional de cinco anos a partir do momento que o acordo de parcelamento for inadimplido. Este é o entendimento do STF já a bastante tempo, com base na súmula nº 248 do extinto Tribunal Federal de Recursos.[43] No mesmo sentido, Eduardo Marcial Ferreira Jardim (2011): “Diferentemente das hipóteses precedentes, a presente formulação enlaça o ato interruptivo a um dado comportamento do sujeito passivo. Por conseguinte, o reconhecimento do débito por parte do devedor, seja de modo expresso ou tácito, seja de cunho judicial ou extrajudicial, assume a condição de interromper o prazo prescricional”.[44] Cabe colacionar entendimento do julgado sobre o tema: “TRIBUTÁRIO – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – PEDIDO DE PARCELAMEMTO.ART. 174, PARÁGRAFO ÚNICO, IV, DO CTN – INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO – NÃO OCORRÊNCIA – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. No caso houve inequívoco e expresso reconhecimento da obrigação tributária da parte Agravante, ao ensejo dos pedidos de parcelamento, como se vê dos documentos de fls. 19/21. E a interrupção da prescrição por ato de reconhecimento é punctual e instantânea; em virtude dela se perder no tempo transcorrido e novo prazo imediatamente se inicia, a ser contado por inteiro. Como visto, o último ato de reconhecimento data de 29/04/1998 enquanto a citação se deu em 14/02/2002, antes de decorrido 5 anos. Com razão, pois, a d. Magistrada; decididamente o crédito não está prescrito (fls. 95/98). 2. Os casos em que se interrompe o prazo prescricional para a ação de cobrança do crédito tributário estão previstos no art. 174 do CTN, entre os quais, no seu parágrafo único, inciso IV, o pedido de parcelamento, que consubstancia o reconhecimento do débito pelo devedor, ocorre no presente caso. Recurso especial improvido.” (STJ – RESP 929.862/RS – SEGUNDA TURMA – Rel. Min. HUMBERTO MARTINS – Data de Julgamento – 21/08/2007 – Data da Publicação/ Fonte: DJ 03.09.2007 p.159)[45] Da decisão nota-se conforme o voto do relator a hipótese do parcelamento de divida por ser considerado ato inequívoco que importe em reconhecimento de debito pelo devedor, enquadrar-se perfeitamente assim ao inciso 4 do artigo 174 do Código Tributário Nacional. Porém em muitos casos o Fisco aproveita-se do pedido de parcelamento, e no intuito do devedor do créditos tributário em ficar em dia com seus deveres para com Fazenda acaba por incluir na dívida a ser parcelada todos os débitos inclusive os prescritos. O fato é que no direito tributário, diferente do que ocorre no Direito Privado, tanto a decadência como a prescrição extinguem o próprio crédito tributário, desta feita os créditos extintos não existem e conseqüentemente não ensejam pagamento e do mesmo modo o parcelamento. Nesse sentido Hugo de Brito  Machado (2008): “O CTN, todavia, diz expressamente que a prescrição extingue o credito tributário ( art. 156, V). Assim, nos termos do código, a prescrição não atinge apenas a ação para cobrança do credito tributário, mas o próprio credito, vale dizer, a relação material tributária. Essa observação, que pode parecer meramente acadêmica, tem, pelo contrário, grande alcance prático. Se a prescrição atingisse apenas  a ação para a cobrança, mas não o próprio credito tributário, a Fazenda Pública, embora sem ação para cobrar seus créditos depois de cinco anos de definitivamente constituídos, poderia recusar o fornecimento  de certidões negativas aos respectivos sujeitos passivos. Mas como a prescrição extingue o crédito tributário, tal recusa obviamente não se justifica”.[46] Cabe colacionar a ementa  sobre o tema: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PARCELAMENTO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO PRESCRITO. IMPOSSIBILIDADE. CRÉDITO EXTINTO NA FORMA DO ART. 156, V, DO CTN. PRECEDENTES.1. O acórdão recorrido se manifestou de forma clara e fundamentada sobre as questões postas à sua apreciação, não havendo que se falar em violação do art. 535 do CPC, sobretudo porque o julgador não está obrigado a se manifestar sobre todos os argumentos deduzidos pelas partes, desde que seja respeitado o princípio da motivação das decisões judiciais previsto no art. 93, IX, da Constituição Federal.2. A prescrição civil pode ser renunciada, após sua consumação, visto que ela apenas extingue a pretensão para o exercício do direito de ação, nos termos dos arts. 189 e 191 do Código Civil de 2002, diferentemente do que ocorre na prescrição tributária, a qual, em razão do comando normativo do art. 156, V, do CTN, extingue o próprio crédito tributário, e não apenas a pretensão para a busca de tutela jurisdicional. 3. Em que pese o fato de que a confissão espontânea de dívida seguida do pedido de parcelamento representar um ato inequívoco de reconhecimento do débito, interrompendo, assim, o curso da prescrição tributária, nos termos do art. 174, IV, do CTN, tal interrupção somente ocorrerá se o lapso prescricional estiver em curso por ocasião do reconhecimento da dívida, não havendo que se falar em renascimento da obrigação já extinta ex lege pelo comando do art. 156, V, do CTN. 4. Recurso especial não provido.” (REsp 1210340/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/10/2010, DJe 10/11/2010)[47] Na decisão acima exposta o relator explicíta de forma clara a posição do Superior Tribunal de Justiça em relação ao parcelamento de créditos tributários prescritos, onde o Ministro relator do julgado em tela enuncia e explica a figura da renuncia á prescrição, figura esta aceita na prescrição civil pois neste âmbito a prescrição atinge somente a pretensão do direito de ação. Já quanto a matéria prescricional tributária o próprio credito tributário é extinto, e nesse viés não pode haver renuncia de algo que não existem mais. Atentemos também que em consideração foi levado a  figura do parcelamento como ato inequívoco de reconhecimento do debito, porém como já dito, como a prescrição ocorreu antes do parcelamento não há espaço para reconhecimento de debito inexistente ou propriamente dito extinto. 1.6 Restituição do indébito e o prazo prescricional Segundo Torres (2011), a repetição ou restituição do indébito esta fundamentada na idéia de equidade e de justiça, na busca da devolução da capacidade financeira do contribuinte que vem aquém do controle dos atos da administração publica.[48] Conforme o artigo 165 do Código Tributário Nacional o sujeito passivo quem arcou com as custas do credito tributário, tem direito a restituição pelos pagamentos indevidos ou maior que o devido, ocorridos por  erro tanto de calculo como de má formulação na ocorrência da analise de fatores utilizados para criação do credito tributário. E ainda conforme o inciso III, por decisão judicial que do crédito tributário em julgado reste inexistente ou de valor menor ao pago pelo contribuinte. “Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos: I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.”[49] Assunto que diverge na doutrina é quanto a natureza do prazo do artigo 168 do Código Tributário Nacional, como abaixo se expõe: “Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados: I – nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário; (Vide art 3 da LCp nº 118, de 2005) II – na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.”[50]  Cabe-nos a análise da ementa: “PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO DE TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO, APÓS SUA LIQUIDAÇÃO POR CÁLCULOS. PRESCRIÇÃO DA EXECUÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA EXEQUENDA. 1. Consoante proclamou a Primeira Turma desta Corte, ao julgar o REsp 1.092.775/RS (Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 19.3.2009), o STJ não entende ser decenal o prazo prescricional da ação de execução de sentença proferida em ação de repetição de indébito de tributo sujeito a lançamento por homologação. O entendimento que restou aqui sedimentado para as ações propostas até a vigência da LC 118/2005 é o de que o prazo prescricional das citadas ações repetitórias é de cinco anos, contudo, sua contagem se inicia com a homologação tácita do pagamento, pois tal termo é considerado como o que extingue o crédito tributário, caso não haja a homologação expressa pela autoridade competente, nos termos dos arts. 150, § 4º, e 168, I, ambos do CTN. A prescrição da execução, assim como a prescrição da própria ação de repetição do indébito tributário, é de cinco anos, não havendo falar em dez anos (cinco mais cinco). 2. Quanto ao termo inicial da contagem do prazo prescricional da ação de execução, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a liquidação por cálculos – como no caso em exame – não constitui processo autônomo, não se mostrando apta a interromper ou suspender o prazo prescricional da ação de execução. 3. Recurso especial não provido.” (REsp 1274495/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 03/05/2012)[51] Com a análise da decisão colacionada temos no voto do relator, a afirmação da tese que o prazo prescricional para ação de repetição de indébitos no caso de tributos sujeitos a homologação propostas após a vigência da Lei Complementar 118/2005 é de cinco anos, confirmando a letra da lei do artigo 168 do Código Tributário Nacional. Não havendo mais que se falar em tese dos “5+5” como antes da vigência da Lei Complementar. Para maiores esclarecimentos, convém a explicação de Leandro Paulsen (2008), sobre a tese dos “5+5” anos citada acima: “O prazo de cinco anos contados da extinção do credito, estampado no art. 168, I do CTN, vinha sendo aplicado tendo como marco inicial a extinção definitiva do crédito pela homologação tácita, o que só ocorria após cinco anos a contar do fato gerador , tendo em conta o art. 150, §4º, c/c o art. 156, VII. Com isso, tínhamos 10 anos de prazo ( 5+5=10). A  partir da LC118/05, considerando extinto o crédito quando do próprio pagamento, passou-se a contar de pronto o prazo do art. 168, I, do CTN, sem a intermediação de qualquer outro prazo. Temos, pois, apenas 5 anos para o contribuinte pleitear a repetição ou a compensação”.[52] Na leitura de lei do artigo 169 do Código Tributário Nacional, temos a previsão expressa de prazo prescricional para casos de ações de anulação de decisão administrativa que denegar a restituição, ou ainda de a compensação que foi efetuada pelo contribuinte estar expressamente não homologada. “Art. 169. Prescreve em dois anos a ação anulatória da decisão administrativa que denegar a restituição. Parágrafo único. O prazo de prescrição é interrompido pelo início da ação judicial, recomeçando o seu curso, por metade, a partir da data da intimação validamente feita ao representante judicial da Fazenda Pública interessada”.[53] Sacha Calmon (2010), discorre criticamente sobre o tema cabendo-nos apreciar: “O Parágrafo único do art. 169 é de uma desfaçatez sem tamanho. É modalidade de prescrição intercorrente, já não mais da ação, mas do processo, em inteiro descompasso com a realidade. Trata-se, em verdade, de absurdo privilégio processual em prol da Fazenda Pública, contra o princípio da isonomia. Correndo por metade a prescrição, mesmo após a intimação (rectius: citação) do representante judicial da Fazenda Pública, tem-se que prescreveria o direito do autor em um ano, na melhor das hipótese, após a citação, à falta de sentença”.[54] 2. Da prescrição intercorrente ‘Neste capítulo teremos a abordagem da matéria prescricional tributária voltada aos processos que estão em andamento. Primeiramente abordando o tema no âmbito administrativo fiscal e logo em seguida fazendo a análise do fluxo prescricional na ação de execução fiscal. Assunto este de grande relevância por ser alvo de grandes discussões doutrinárias, importando a análise de suas particularidades e súmulas do Superior Tribunal de Justiça dispondo sobre a matéria. 2.1 Definição A prescrição intercorrente consiste na perda do direito a cobrança do tributo durante o curso do processo devido a falta de prática dos atos aos quais levam o processo ao seu tramite, permitindo este que extrapole o tempo hábil definido por lei.  Nas palavras de Alvim (2005): “A chamada prescrição intercorrente é aquela relacionada com o desaparecimento da proteção ativa ao possível direito material postulado, quando tenha sido deduzida pretensão;quer dizer, é aquela que se verifica pela inércia continuada e ininterrupta no curso do processo por segmento temporal superior àquele em que se verifica a prescrição em dada hipótese. Verifica-se que com o andamento normal do processo não deve ocorrer prescrição, que terá sido interrompida com a citação inicial; e igualmente não é consumar-se decadência, cuja pretensão tenha sido tempestivamente exercida.”[55] Nesse sentido, Maria Helena Diniz (1998): “A prescrição intercorrente é admitida pela doutrina e pela jurisprudência, surgindo após a propositura da ação. Dá-se quando, suspensa ou interrompida a exigibilidade, o processo administrativo ou judicial fica paralisado por incúria da Fazenda Pública.”[56] Eduardo Jardim (2011), por sua vez complementa que a prescrição intercorrente é criação do trabalho dos estudiosos da ciência jurídica, explicando que esta modalidade de prescrição ocorre quando mesmo suspensa ou interrompida a exigibilidade do processo judicial ou administrativo tributário, este permanece paralisado em uma única instancia por inércia da Fazenda Pública.[57] 2.2 Prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal: Tema de controvérsias e discussões doutrinárias a possibilidade da ocorrência da prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal. Mesmo com aceitação pela doutrina majoritária este fragiliza-se na ausência de previsão em instrumento legal, para controle de prazo do processo administrativo fiscal. Somente com a promulgação da Lei nº 11.457 de 16 de março de 2007 a prescrição intercorrente veio a ser positivada em sede administrativa. Que em seu artigo 24 elenca; “É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.” [58] Porém trata-se de lei ordinária e a Legislação Tributária por se  tratar de lei Complementar, em obediência a competência em razão da materia, somente desta forma pode ser modificada. Para autores como Hugo de Brito Machado (2009), o problema da falta de previsão para prazo de conclusão dos processos administrativos pela Fazenda foi contemplado pela lei supracitada, visto que não haveria necessidade que tal prazo fosse elencado em matéria de lei complementar, por referir-se a norma procedimental administrativa. [59]  Fernando Facury Scaff (2008), aduz que o prazo de 360 dias não se trata do processo administrativo todo. Trata-se da exigência de que cada fase do processo administrativo seja decidida. Observemos abaixo em suas próprias palavras: “Observa-se que este prazo não é para a finalização do processo. A norma não se refere ao “encerramento” do processo no prazo de 360 dias, mas para que seja “proferida decisão administrativa”. Logo, é razoável entender que apresentada a Impugnação a um Auto de Infração, esta receba “decisão administrativa” dentro de 360 dias, incluídos todos os prazos intermediários; e, uma vez apresentado recurso Voluntário ao Conselho de Contribuintes, novo cômputo de 360 dias venha a ocorrer, até nova “decisão administrativa”, e assim por diante, dentro das diversas instâncias recursais. Trata-se do prazo máximo para ser proferida “decisão administrativa” para o cômputo da duração razoável do processo – pode-se até criticá-lo, mas é o prazo estabelecido em lei.”[60] 2.3 Da suspensão do prazo prescricional: A suspensão do prazo prescricional ocorre por força da própria suspensão da exigibilidade do crédito tributário nas hipóteses do art. 151 do Código Tributário Nacional (CTN): “Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I – moratória; II – o depósito do seu montante integral; III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança. V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)     VI – o parcelamento. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)   Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes.” Segundo Paulsen (2008), suspender a prescrição significa paralisar o curso do processo enquanto persistir a causa da suspensão. O prazo já percorrido permanece computado e após a solução da causa suspensiva continua do ponto onde parou. Já se houver a existência de uma causa suspensiva no momento da propositura da ação de execução, esta deve ser extinta por falta do pressuposto de exigibilidade.[61] Paulo de barros (2007), atenta que a suspensão no curso do prazo prescricional não é a mesma coisa que suspensão da exigibilidade do crédito tributário, pois para que se suspenda o curso de tempo que leva à prescrição o mesmo deve ter se iniciado. Um  exemplo disso ocorre quando o sujeito passivo é notificado do lançamento para recolher ou impugnar o debito em trinta dias. Se o sujeito passivo impugnar a exigência do debito em processo administrativo específico, a exigibilidade ficará suspensa porém o fluxo do prazo prescricional não terá sequer começado. [62] No mesmo sentido, Hugo de Brito Machado (2008), aduz: “Há quem entenda que o prazo prescricional se inicia desde o momento em que a Fazenda Pública notifica o sujeito passivo a fazer o pagamento do crédito tributário, mesmo que ainda seja cabível defesa ou recurso. É que o crédito tributário já estaria definitivamente constituído. Mas a interposição de defesa, ou recurso, suspenderia o curso da prescrição. Prevaleceu, tanto no Tribunal Federal de Recursos como no Supremo Tribunal Federal, o entendimento segundo o qual a prescrição só tem o seu início quando o crédito tributário esteja definitivamente constituído, vale dizer, quando a Fazenda Pública tenha ação para fazer a respectiva cobrança. E na verdade não se poderia cogitar de prescrição antes do nascimento da ação. Concluído o procedimento de lançamento e assim constituído o crédito tributário, o fisco intima o sujeito passivo a fazer o respectivo pagamento. Se este não é feito no prazo legal, o direito do fisco estará lesado, nascendo, então, para este, a ação destinada à proteção de seu direito creditório”.[63] Em caso de suspensão da exigibilidade por medida liminar ou antecipação de tutela (artigos 151, IV e V, do CTN), ficará suspenso o prazo prescricional e prosseguindo a contagem do ponto onde parou quando cessadas. Porém Leandro Paulsen (2008), adverte que quando obtido parcelamento, em decorrência do artigo 151, VI do CTN, também suspenso estará o prazo prescricional. É sabido que muitos parcelamentos somente são obtidos mediante confissão de debito formalizada e devidamente assinada pelo contribuinte, ocorrendo isto restará incluído como uma das causas interruptivas da prescrição objetivamente no artigo 174 parágrafo único IV do CTN. Suspensa estará a exigibilidade do credito enquanto do parcelamento ocorrer adimplência das parcelas, mas no caso de inadimplemento o prazo prescricional da ação de execução recomeçará por inteiro.[64] Observemos a inteligência do acórdão: “TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. PEDIDO ADMINISTRATIVO DE COMPENSAÇÃO. CAUSA DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL. MULTA APLICADA PELA CORTE DE ORIGEM COM BASE NO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. EXCLUSÃO. SÚMULA 98/STJ. 1. Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que, mantendo decisão monocrática do Relator, decidiu pelo suspensão da execução fiscal enquanto estivesse pendente de análise o pedido administrativo de compensação formulado pelo contribuinte. 2. Não viola o artigo 535 do CPC, tampouco nega prestação jurisdicional, acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia, conforme ocorreu no caso em exame. 3. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o pedido administrativo de compensação de tributos possui o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151, III, do CTN.  Dessa forma, a Fazenda tem o dever de analisar o pedido e intimar o contribuinte para tomar ciência da respectiva decisão. No entanto, antes de apreciar o competente recurso administrativo, é vedada a inscrição em dívida ativa do débito bem como o ajuizamento de execução fiscal em face do contribuinte. 4. Com a existência do pedido de compensação na esfera administrativa, não há o surgimento do próprio crédito tributário e, carecendo de certeza e exigibilidade o título executivo, é nula a execução. 5. Não havendo caráter protelatório em embargos de declaração, por meio dos quais são apontados os vícios previstos no art. 535 do CPC, não se revela adequada a aplicação da multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC. Ressalte-se que, nos termos da Súmula 98/STJ, "embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório". 6. Recurso especial parcialmente provido. Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento: "A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, sem destaque."Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.” (REsp1259763/PR RECURSO ESPECIAL 2011/0134275-4 Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141) T2 – SEGUNDA TURMA  20/09/2011 DJe 26/09/2011)[65] Da decisão acima exposta temos um exemplo de suspensão da exigibilidade do credito tributário, decorrendo disso a suspensão do prazo prescricional enquadrado nos termos do artigo 151, III, do Código Tributário Nacional acima já citado. Conforme o julgado o ministro relator entendeu que pendente de apreciação por via administrativa o pedido de compensação, é vedada inscrição de dívida ativa e ajuizamento de execução fiscal enquanto do pedido não for apreciado. 2.4 A Prescrição intercorrente na Execução Fiscal: No âmbito da Execução Fiscal há previsão expressa acerca da possibilidade de consumar-se a prescrição no curso de processo suspenso. Observemos o teor do artigo 40 da Lei 6.830/80, Lei de execuções Fiscais (LEF). “Art. 40. O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. §1º – Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública. §2º – Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos. §3º – Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução. §4º – Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)  § 5o  A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4o deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda.” (Incluído pela Lei nº 11.960, de 2009)[66] Note-se que neste caso para a prescrição ocorrer, a inércia do credor não é fator determinante e sim evitar a perpetuação da lide na esfera jurídica. Se o autor não fornecer novo endereço para localizar o devedor ou não existir bens para penhora, o processo continuará suspenso independente da existência de inércia do credor. Neste caso de acordo o § 2º do artigo 40 da LEF acima exposto, após um ano de suspenso o processo será arquivado e a data de decisão do arquivamento será o marco inicial da contagem prescricional da referida ação. Atentemos ainda ao parágrafo 4º, tema de muita relevância que possibilita o reconhecimento da prescrição intercorrente de oficio pelo juiz depois de ouvida fazenda publica. Inexistindo objeção de espécie alguma ou até mesmo se infundada pela Fazenda Publica, o juiz pronunciará de ofício a prescrição.[67] Nesse  sentido Pacheco ( 2009), aduz: “Com a introdução do § 4º ao art. 40 da Lei nº. 6.830/80, ocorrida por força do art. 6º da Lei nº. 11.051/04, ficou explícito que pode o juiz, após a audiência da Fazenda Pública, reconhecer, de ofício, a prescrição intercorrente e decretá-la, imediatamente, se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional de cinco anos”.[68] Neste momento, de proveito é a analise de algumas particularidades do reconhecimento da prescrição de ofício. 2.5 Reconhecimento prescricional de ofício: Com o advento da Lei 11.280 de 2006 incluindo o §5º ao artigo 219 do Código de Processo Civil, a prescrição pode ter reconhecimento oficio. Cabendo ao juiz pronunciá-la após analise do processo assim extinguindo a execução fiscal. Cabe-nos pautar neste momento que a prescrição de oficio elucidada, não se trata somente da mesma do §4 do artigo 40 da lei 6.830/80 (LEF), mas justifica-se o estudo neste tópico devido a ocorrência da mesma se dar por análise do magistrado em meio a execução fiscal. Como das palavras de Leandro Paulsen (2008), elucida-se: “A Lei 11.280/06, acrescendo o § 5º ao 219 do CPC; determina que o juiz pronuncie de ofício a prescrição em todo e qualquer processo, com o que afastou qualquer dúvida quanto a tal possibilidade. Pode ser alegada a prescrição assim, através de simples exceção de pré-executividade, ou seja, de petição nos autos da Execução apresentada pelo devedor apontando o impedimento ao prosseguimento da execução, acompanhada dos documentos necessários à sua análise. Também há dispositivo expresso de lei autorizando o juiz a reconhecer de oficio, a prescrição intercorrente: o art. 40, § 4º, da Lei 6.830/80 (LEF), com a redação da Lei 11.051/04”.[69] Com fulcro no parágrafo 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil acima citado, o Superior Tribunal de Justiça editou em 28/10/2009 a Súmula nº 409 com o seguinte conteúdo; “Em execução fiscal, a prescrição ocorrida antes da propositura da ação pode ser decretada de ofício”.  Note-se que o texto da súmula refere-se a análise do magistrado em sede de execução fiscal, sobre créditos tributários prescritos antes da interposição da ação de execução fiscal. Vejamos na ementa, a aplicação do acima exposto: “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO OCORRIDA ANTES DA PROPOSITURA DA AÇÃO. ART. 219 DO CPC. SÚMULA N. 409 DO STJ. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. 1. Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento a agravo de instrumento em razão do acórdão a quo está em conformidade com a jurisprudência do STJ e porque não constatada violação do art. 535 do CPC. 2. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, "em execução fiscal, a prescrição ocorrida antes da propositura da ação pode ser decretada de ofício, com base no art. 219, § 5º, do CPC (redação da Lei 11.051/04), independentemente da prévia ouvida da Fazenda Pública" (REsp 1.100.156/RJ, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJe 18/06/2009). Inteligência da Súmula n. 409 do STJ. Também é pacífica no sentido de que, "sendo omissa a Lei das Execuções Fiscais, nada obsta a aplicação da regra do CPC para que o juiz reconheça a prescrição do crédito tributário em razão do transcurso de cinco anos desde sua constituição definitiva sem que tenha ocorrido qualquer causa suspensiva ou interruptiva da prescrição" (REsp 1.035.434/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 25/09/2008). 3. Não há falar em violação do art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem julga a matéria, de forma clara, coerente e fundamentada, pronunciando-se, suficientemente, sobre os pontos que entendeu relevantes para a solução da controvérsia. 4. A verificação da responsabilidade pela demora na citação depende de reexame fático-probatório, o que não é adequado em sede de recurso especial, conforme preceitua a Súmula n. 7 do STJ. 5. Agravo regimental não provido. Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente,  ustificadamente, o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki.” (AgRg no Ag 1345306 / MT AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2010/0160116-9 Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142) T1 – PRIMEIRA TURMA 03/05/2011 DJe 13/05/2011)[70] Da decisão acima elencada através do voto do relator confirma-se a posição do Superior Tribunal de Justiça no sentido da aplicação da norma contida na súmula 409, na decretação de ofício pelo juiz da prescrição ocorrida antes do ajuizamento da execução fiscal, importando ressaltar a aplicação do Código de Processo Civil no caso de omissão do Código Tributário Nacional nos termos do artigo 219 § 5º do CPC. De relevância é a análise do parágrafo 4º do artigo 40 da aludida Lei de execução Fiscal acima exposta, este foi inserido com a publicação da lei 11.051 em 04.01.2005 onde o legislador positivou a aplicabilidade da prescrição intercorrente no processo de execução fiscal. Tema este alvo de divergências doutrinárias devido ao fato de tratar-se de lei de caráter ordinário, não possuindo assim capacidade de regular a matéria prescricional tributaria, pois desta resguarda-se reserva de ordem constitucional. Como lei complementar que é o Código Tributário Nacional sua matéria somente pode ser regulada da mesma forma.  Sobre o tema Daniel Monteiro Peixoto (2007), expõe: “Ista ressaltar que lei ordinária (é o caso da lei n. 11.051/2004), sob a égide da constituição de 1988, não é veículo apto a tratar do tema “prescrição” (nem na visão consolidada do STJ, nem mesmo sob o enfoque dos argumentos alinhavados no item 2.1, que afirmam a recepção dos dispositivos da Lei de Execuções Fiscais, publicada em 1980). Todavia, apenas da referida Lei não poder tratar de interrupção ( reinício da contagem) do prazo prescricional, haja vista ser tema restrito à lei complementar (cf. art 146,III, b da CF/88), é instrumento adequado para, em matéria processual, tratar da competência do juiz para reconhecer, de oficio, a fluência  de prazo prescricional.”[71] Em sentido contrário, Eduardo Sabbag (2010): “Daí se afastar a tese de que a mencionada lei seria inconstitucional, por cuidar de matéria afeta à lei complementar (art. 146, III, “b”, CF). Parece-nos que não é este o melhor modo de ver, pois a norma não tratou de prazo prescricional, alterando a sistemática de contagem ou o periodo qüinqüenal, por exemplo, mas se limitou a dispor sobre matéria de direito processual civil.”[72] Ainda de importância mencionar é a hipótese em que a Fazenda publica fica dispensada de manifestar-se. Texto positivado pelo parágrafo 5º do mesmo artigo supracitado, hipótese esta ocorrente nas ações de valores inferiores ao mínimo fixado pelo Ministro de Estado da Fazenda. Para estes casos ao juiz cabe na análise do processo fiscal, verificando a ocorrência da prescrição decretá-la de imediato sem manifestação prévia da Fazenda Publica. Pacheco (2009), em sua obra faz um esboço da sequência de fatos que devem ocorrer em uma execução fiscal para ocorrer a prescrição intercorrente: “a) ter havido execução fiscal com base em certidão de dívida ativa; b) não ter sido encontrado o devedor ou seus bens para penhora; c) suspensão do curso da execução enquanto não localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora; d) abertura de vista dos autos ao representante judicial da fazenda pública; e) decurso do prazo de um ano, sem que seja localizado o devedor ou seus bens penhoráveis, e, consequentemente,  arquivamento dos autos, por despacho do juiz; f) permanência do processo arquivado, sem ter sido encontrado o devedor nem bens penhoráveis, por mais de cinco anos, o que implica presunção de inércia do credor e consequente prescrição, que pode ser reconhecida e decretada ex oficio pelo juiz, após ouvida a fazenda pública, a fim de evitar o absurdo de tornar indefinido o prazo prescricional desse órgão”.[73] Cabe colacionar exemplificativa ementa abaixo: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DILIGÊNCIAS INFRUTÍFERAS. TRANSCURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL SEM A LOCALIZAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO.1. "Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente"(Súmula 314/STJ). Dessarte, o art. 40 da Lei de Execução Fiscal deve ser interpretado em harmonia com o disposto no art. 174 do Código Tributário Nacional. 2. O enunciado sumular busca assegurar a estabilização das relações pessoais e princípio da segurança jurídica. Desse modo, a norma do art. 40, caput, e parágrafos da Lei 6.830/80 conduz à prescrição se, ultrapassados cinco anos do arquivamento, não forem encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora. 3. Pretende-se, assim, evitar a prática, não rara, de pedidos de desarquivamento dos autos, próximos ao lustro fatal, para a realização de diligências que frequentemente resultam infrutíferas e seguem acompanhadas de novo pleito de suspensão do curso da execução, tudo com o intuito de afastar a contumácia do ente fazendário. 4. Outrossim, não há como deixar de pronunciar a prescrição intercorrente, nos casos em que não encontrados bens penhoráveis para a satisfação do crédito após o decurso do prazo quinquenal contado do arquivamento. 5. Outra não deve ser a inteligência da norma do art. 40, caput, e parágrafos, da Lei de Execução Fiscal, em obséquio de inarredável círculo vicioso em prol do Poder Público, o qual já ocupa condição de prestígio frente aos particulares nas relações jurídicas. 6. Dentro desse diapasão, mostra-se incensurável o acórdão atacado quando afirma: "a Fazenda Pública não diligenciou com eficiência no sentido de, dentro do prazo que a lei lhe faculta, promover o cumprimento efetivo do crédito tributário, motivo pelo qual o MM. Juiz a quo, visando a não perpetuação do processo e em respeito ao princípio da segurança jurídica, deparando-se com o transcurso de mais de 5 (cinco) anos a contar da data do primeiro arquivamento da execução, extinguiu o processo, nos termos do art. 40, § 4º, da Lei nº 6.830/80, com a redação dada pela Lei nº 11.051/04". 7. Recurso especial não provido.” (REsp 1245730/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/04/2012, DJe 23/04/2012)[74] Observemos o atual julgado confirmando a aplicação da norma contida do artigo 40 da Lei 6.830/80 em harmonia com o artigo 174 do Código Tributário Nacional, remetendo-nos ao cenário da atualidade onde o prumo prescricional grande parte das vezes ocorre por falta de bens penhoráveis para satisfação do crédito tributário na decorrência do prazo prescricional. Ademais o Ministro relator do julgado discorre criticamente sobre a prática da Fazenda Pública dos pedidos de desarquivamentos de processos próximos a prescrição, com solicitações de diligências que não obtém sucesso com intuito de suspender o fluxo do prazo prescricional. 2.6  A Súmula 314 do STJ: A edição da súmula 314 repetindo o texto da lei faz a confirmação jurisprudencial; ”Em execução fiscal não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente.”[75] Segundo Porto (2010), resta consolidado o entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça reconhecendo a prescrição intercorrente em sede de execuções fiscais através da edição da  súmula.[76] A análise da súmula 314 expõe que a prescrição intercorrente pode vir a ocorrer mesmo nos casos em que o credor não permitiu a inércia processual. Pois no caso do devedor não possuir bens ou seus bens não forem localizados o processo será suspenso, e ocorrido o prazo prescricional após um ano de suspensão incidirá a prescrição intercorrente. Theodoro Júnior (2009), aduz acerca do tema: “A Súmula nº. 314 do Superior Tribunal de Justiça retrata a jurisprudência atualizada em termos de prescrição intercorrente da execução fiscal: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual inicia-se o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente”. Uma observação se impõe: a suspensão de que cogita o art. 40 da Lei de Execução Fiscal não depende de decisão solene do juiz; basta que o feito seja  paralisado por falta de citação ou de penhora para tê-lo como suspenso, desde que a fazenda exeqüente nada tenha requerido para viabilizar a citação ou a constrição de bens e o andamento normal da execução. A novidade maior a acrescentar à Súmula nº. 314 é a autorização legal à decretação ex officio, pelo juiz, da prescrição intercorrente definida pelo art. 40, § 4º, da Lei de Execução Fiscal, a partir da Lei nº. 11.051/2004.”[77] Cabe colacionar o julgado: “PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ARQUIVAMENTO DO PROCESSO APÓS DECURSO DE UM ANO DA SUSPENSÃO  INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE.1. Não houve omissão quanto ao art. 40, §1º, da Lei n. 6.830/80. Éque a Corte de origem, ao analisar os embargos de declaração (fl.94/97), manifestou-se acerca de tal ponto, inexistindo, dessa forma,violação ao art. 535 do CPC. 2. É desnecessária a intimação da Fazenda Pública da suspensão da execução, bem como do ato de arquivamento, o qual decorre do transcurso do prazo de um ano de suspensão e é automático, conforme dispõe a Súmula 314 desta Corte: "Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente". Nessa linha, é prescindível, também, a intimação da Fazenda Pública da suspensão por ela mesma requerida. 3. Sendo desnecessária a intimação da Fazenda Pública do ato de arquivamento da Execução, que se opera automaticamente pelo decurso do prazo legal, resta prejudicada a análise do ponto suscitado pela recorrente no sentido de que não houve inércia da Fazenda Pública, uma vez que não ocorreu sua intimação pessoal acerca do arquivamento da execução. 4. Agravo regimental não provido. Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do SuperiorTribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas  taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento: "A Turma, por  unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, sem destaque." Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.” (AgRg no AREsp 57849 / MT AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2011/0167697-3Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141) T2 – SEGUNDA TURMA22/11/2011DJe 01/12/2011)[78] Com a ementa acima o relator do julgado vem a demonstrar a desnecessidade de intimação da Fazenda Publica sobre a suspensão da execução, assim como do ato de arquivamento pois na aplicação da súmula 314 do STJ  entende-se automático após um ano de suspensão o arquivamento e o decorrente inicio do computo do prazo prescricional. Desta forma descabendo a alegação no caso em questão da Fazenda Pública, de não ter havido inércia em relação a execução. 2.7 Lei de execuções fiscais (LEF) e Súmula 314 STJ X Prescrição em Matéria Tributária Diante do exposto, tema de grande controvérsia é a existência da divergência relativa ao marco inicial da contagem prescricional constantes no artigo 40 da lei 6.830/80 (LEF) e confirmado no texto editado á Súmula 314 STJ em relação a matéria prescricional regida pelo Código Tributário Nacional. Note-se que segundo o artigo 40 da LEF e súmula 314 do STJ temos um fluxo temporal de seis anos para a ocorrência da prescrição. Um ano de suspensão do processo somados em seguida aos cinco anos do prumo prescricional, contrariando a norma contida nos artigo 174 do CTN que é de cinco anos, ressalvando-se seus marcos interruptivos. Pois bem, como já mencionado anteriormente a prescrição em ordem tributária é matéria contida na Constituição Federal de 1988, onde em seu artigo 146, III, b restringe-se a regulamentação por Lei Complementar. Sendo assim o Código Tributário Nacional (Lei Complementar  nº 5.172/66) é que tem competência para normatizar sua aplicação e ocorrência. Em sentido contrário Toniolo (2008), ao tratar do tema entende não haver invasão de Lei ordinária à reserva de lei complementar. Entendendo que não se criou nenhuma novidade em relação a matéria prescricional e sim referente ao processo, reafirmando o que já estava implícito no ordenamento. Ainda atribui a tal dispositivo o favorecimento a segurança jurídica através de um processo execução adequado na observância do instituto da prescrição intercorrente. De proveito se torna neste momento, em suas próprias palavras: “Entendemos que o dispositivo é meramente interpretativo, não criando nova hipótese de suspensão ou de interrupção da prescrição. Isto quer dizer que, com a omissão do legislador acerca do momento em que a prescrição intercorrente iniciaria o seu curso, o prazo de um ano de suspensão do processo pela inexistência de bens penhoráveis serve muito bem à finalidade de marcar o momento a partir do qual se viabilizou a satisfação do crédito através da execução forçada. Não se trata de invasão de lei ordinária à reserva constitucional de lei complementar, pois o art. 40 da LEF nada cria de novo em matéria de prescrição intercorrente, limitando-se a revelar a norma que se encontrava implícita no ordenamento jurídico.  A suspensão pelo prazo de um ano, prevista no art. 40 da LEF, deve ser entendida como suspensão do processo, e não da prescrição, que não ocorrerá como decorrência indireta da suspensão daquele por tempo razoável, enquanto se aguarda a modificação da situação fática ou processual – como nos casos em que se localize bens cuja existência o executado vinha sonegando ao juízo ou cesse o seu estado de insolvência, viabilizando o prosseguimento dos atos executórios – . Trata-se de suspensão do processo por tempo razoável e em decorrência de fatos alheios à vontade do exequente, que, supostamente, vinha exercendo todos os ônus processuais, sem que se possa falar em inércia (a causa eficiente típica da prescrição intercorrente), nem, tampouco, em inviabilidade de entrega da prestação jurisdicional (execução forçada), já que o prazo de um ano apresenta-se razoável para a pesquisa de bens penhoráveis.  Saliente-se que o prazo de um ano é de suspensão da execução fiscal, e não do prazo prescricional. A prescrição intercorrente não ocorre em razão da inexistência de seus elementos (inexistência da causa eficiente e do dies a quo do prazo para a intercorrência, visto que o processo constitui forma de interrupção lineal descontinuada da prescrição), e não em decorrência de causa impeditivas, como a interrupção ou a suspensão do prazo. O que se encontra suspenso é o processo, e não o prazo da prescrição intercorrente, que sequer iniciou.  Já os casos de suspensão do processo pela inexistência de bens não se enquadram no conceito de inércia, apresentando-se razoável que, nessas hipóteses, nas execuções fiscais, a prescrição intercorrente encontre seu dies a quo no final do prazo de um ano de suspensão do processo determinado pelo art. 40 da LEF. Trata-se de solução harmoniosa, que assegura o equilíbrio entre o direito do credor à satisfação de seu crédito, através de uma execução efetiva, e a segurança e a estabilidade das relações jurídicas, preenchendo de forma adequada e equilibrada o conteúdo do instituto da prescrição intercorrente.”[79] Em sentido diverso o Tribunal Regional da Quarta Região (TRF4), em sede a argüição de inconstitucionalidade decidiu sem redução de texto, por limitar os efeitos do § 4º e caput do artigo 40 da Lei 6.830/80. Onde para as execuções de dívidas tributárias ter-se-á como marco inicial da prescrição intercorrente o despacho que determina a suspensão do artigo 40 caput.[80] Comprovemos com a análise da ementa: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. TERMO INICIAL. DESPACHO DE SUSPENSÃO. ART. 40, DA LEF. ART. 174, DO CTN. SÚMULA 314/STJ. PARCELAMENTO. 1. É pacífica a jurisprudência no sentido da possibilidade de reconhecimento de ofício da prescrição intercorrente em execução fiscal, tendo transcorrido o lustro prescricional sem impulso útil por parte da exequente (§ 4º do art. 40 da Lei 6.830/80). Tratando-se de dispositivo de natureza processual, aplica-se de imediato aos processos em curso. 2. A Corte Especial deste Tribunal, no julgamento da Argüição de Inconstitucionalidade do § 4º e caput do artigo 40 da Lei nº 6.830/80, adotou interpretação de acordo com a Constituição Federal, fixando como termo inicial do prazo de prescrição intercorrente o despacho que determina a suspensão (art.40, caput). (TRF4, Arguição de Inconstitucionalidade nº 00046714620034047200, 2ª Turma, Des. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch, D.E. 15/09/2010). 3. O art. 40 da LEF deve ser interpretado em consonância com o disposto no art. 174 do CTN, o qual limita o prazo de paralisação do processo em cinco anos, uma vez que a prescrição e a decadência tributárias são matérias reservadas à lei complementar (art.146, III, "b", da CF). 4. A Súmula 314 do STJ ( Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente), e a suspensão pelo prazo de um ano, prevista no art. 40 da Lei nº 6.830/80, aplicam-se às execuções fiscais de créditos de natureza não tributária. 5. O parcelamento interrompe o prazo prescricional (art. 174, IV, do CTN), que recomeça a fluir por inteiro logo após o inadimplemento das parcelas acordadas (Súmula nº 248 do extinto TFR)”. (TRF4, AC 5000617-53.2011.404.7108, Primeira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria de Fátima Freitas Labarrère, D.E. 29/03/2012)[81] Note-se que o julgado acima elencado confirma a aplicação do § 4º do artigo 40 da LEF no sentido do reconhecimento prescricional de ofício, porém segundo a relatora baseando-se no julgamento da Argüição de Inconstitucionalidade do mesmo para fim de computo do termo inicial do prazo de prescrição intercorrente será o despacho que determina a suspensão com fulcro no artigo 40 caput da LEF. Este interpretado em consonância com o CTN limita o prazo prescricional em cinco anos, explicando também que o prazo suspensivo de um ano previsto na sumula 314 do STJ e no próprio § 4º do art. 40 da LEF devem ser considerados apenas para execuções fiscais que não tratem de matéria tributária. 2.8 A  Súmula 106 do STJ Por encerrar a presente obra não haveria como deixar de contemplar tema de muitas controvérsias, a não aplicação da prescrição devido a demora aos atos de responsabilidade da justiça para o andamento do processo.  Nos casos em que a citação do devedor ocorrera de forma tardia, por exemplo em decorrência da excessiva morosidade do aparato judicial, o prazo não poderá ser computado para efeitos de prescrição. A matéria foi contemplada sendo objeto da Súmula nº 106 do STJ que assim dispõe: “Proposta a ação no prazo fixado para seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência”.[82]         Corroborando com o entendimento da súmula em tela, segundo Toniolo (2008), se a demora na prestação jurisdicional decorrer exclusivamente de erro ou da morosidade do Poder Judiciário não se pode falar em inércia do exeqüente no exercício de seus ônus processuais, pois o caso não se enquadra entre as causas suspensivas ou interruptivas do prazo de prescrição já que essas demandam previsão em lei complementar, e sim da inocorrência dessa, em razão do afastamento de sua causa eficiente.[83] O julgado abaixo elucida o tema: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. ART. 174 DO CTN ANTES DA ALTERAÇÃO PROMOVIDA PELA LC 118/2005. INTERPRETAÇÃO EM CONJUNTO COM O ART. 219, § 1º, DO CPC. RECURSO ESPECIAL 1.120.295-SP, REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SÚMULA 106/STJ. 1. A Primeira Seção, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.120.295-SP, representativo de controvérsia, de relatoria do Ministro Luiz Fux, consignou entendimento segundo o qual o art. 174 do CTN deve ser interpretado conjuntamente com o § 1º do art. 219 do CPC, de modo que, "se a interrupção retroage à data da propositura da ação, isso significa que é a propositura, e não a citação, que interrompe a prescrição", salvo se a demora na citação for imputável ao Fisco. 2. Na hipótese, conforme se depreende da leitura do acórdão recorrido, a Execução Fiscal foi ajuizada antes do termo final do prazo prescricional, e a demora da citação ocorreu por falha exclusiva do mecanismo judiciário. Assim, o efeito interruptivo da citação deve retroagir à data da propositura da ação. Inteligência da Súmula 106/STJ. Precedentes do STJ. 3. Ademais, o afastamento da Súmula 106-STJ requer inevitavelmente o revolvimento fático-probatório, procedimento vedado pela Súmula 7-STJ (REsp 1102431/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 9.12.2009, DJe 1.2.2010). 4. Aplica-se ao caso a multa do art. 557, § 2º, do CPC no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, por questionamento de matéria já decidida em recurso repetitivo. 5. Agravo Regimental não provido.” (AgRg no REsp 1271990/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 06/03/2012)[84] Note-se que o julgado acima descrito confirma a aplicação da súmula 106 STJ, e ainda nas palavras do relator nestes casos o efeito retroativo da citação deve retroagir à data da propositura da ação, já que a demora constatou-se por falha do mecanismo judiciário. Porém a súmula 106 do STJ é alvo de divergências interpretativas pois quando menciona “a demora inerente aos mecanismos da justiça”, o que deve ser levado em consideração são os termos em que cabe a parte ao promover a ação. De outra forma quando a paralisação do processo ocorre por motivos alheios à vontade do credor não será considerada a prescrição intercorrente.[85] Nesse sentido, cabe a lição de Renato Lopes Becho (2005): “Deve o autor dos processos judiciais zelar pelo seu andamento. Caso contrário transformaria o juiz em parte, que deve não atuar pelo equilíbrio delas, mas funcionar como tal. O impulso oficial que o juiz e os serventuários da justiça devem dar aos feitos refere-se aos ritos internos, não atingindo uma parcela considerável de atos, notadamente os externos de pesquisa e persecução do devedor e/ou de seus bens”.[86] Importante frisar que na época em que foi editada Súmula 106 do STJ, no dia 03 de junho de 1994, teve-se como referência legislativa os artigos 219 e 220 do Código de Processo Civil e conseqüentemente não possuía relação com a prescrição em sede tributária ocorrida em execução fiscal, e ainda que na época somente a citação válida era marco interruptivo da prescrição, pois o artigo 174 do CTN ainda não havia sido modificado pela Lei Complementar 118/05 que veio a redigir o seu  inciso I, onde passou a ser reconhecido como marco interruptivo o despacho que ordena a citação. Nesta seara a súmula em questão é muito criticada pelo fato de privilegiar demasiadamente o fisco, pois que o marco interruptivo que provinha da citação fora alcançado pelo despacho assim beneficiando demasiadamente a Fazenda Pública no sentido da não ocorrência prescricional da ação. CONCLUSÃO Pelo presente exposto temos na parte inicial, pela introdução a matéria prescricional de ordem tributária com a consideração que tal instituto é matéria reservada constitucionalmente á lei complementar, não podendo ser assim apreciada por leis ordinárias. O Código Tributário Nacional em seu artigo 156 V, prevê a prescrição como uma das formas de extinção do crédito tributário extinguindo assim a relação material e não somente a ação de cobrança. O artigo 174 também do CTN, prevê que o prazo prescricional de matéria tributária é de cinco anos contados da sua constituição definitiva. Ao presente termo “constituição definitiva” deve-se atentar para os diversos tipos lançamentos, sendo o lançamento por homologação maior carecedor de atenção por ser alvo de muitas divergências e polêmicas doutrinárias. Ainda no artigo 174 do CTN em seu parágrafo único temos elencados os motivos de interrupção do prazo prescricional, tendo em seu inciso primeiro o tema mais polêmico, incluído pela Lei Complementar 118/05 revogando disposição anterior, define que o simples despacho do juiz ao ordenar a citação já é por si só marco interruptivo prescricional, alvo de muitas críticas doutrinárias por privilegiar demasiadamente o Fisco. Do segundo capítulo, podemos observar que a prescrição intercorrente por definição, constitui-se na perda do direito á cobrança do tributo durante o curso do processo quando extrapolado o tempo hábil para o tramite processual definido por lei. A prescrição intercorrente na execução fiscal é o tema que deve mais absorver a atenção pois que repleto é de particularidades, gerando muitas divergências. Com lei própria que rege o assunto (Lei de Execuções Fiscais), tende por varias interpretações tocante ao seu artigo 40 caput e parágrafos 1º ao 5º, que baseou a edição da súmula 314 do STJ. A súmula em questão mesmo com intuito de uniformização dos dispostos sobre o tema não possui aplicação em todos os tribunais pátrios. Exemplificado no presente trabalho está o Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF4), que por observação a reserva de lei complementar constitucionalmente atribuída da matéria prescricional tributária, veda a aplicação do caput conjuntamente com parágrafo 4º do artigo 40 da LEF no tocante a suspensão do prazo prescricional em execuções fiscais tributárias, considerando tal aplicação somente para as execuções fiscais não tributarias. Apreciando o presente trabalho podemos observar o quanto merecedor de atenção, estudo aprofundado e dedicação o tema atrai para sua melhor compreensão e domínio. Por extremamente técnico e repleto de particularidades que se apresenta o ambiente jurídico no tocante a matéria prescricional de ordem tributária.
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A interpretação das operações bancárias como fato gerador do imposto sobre serviços
A tributação é o instrumento legal para arrecadação financeira do Estado em face dos contribuintes, e, para regular o exercício tributário e evitar a violação excessiva pela Administração Pública da propriedade privada foi criado o Sistema Tributário Nacional. Esse sistema, composto por enunciados prescritivos que veiculam princípios tributários, possui entre outras atribuições, a de distribuir a competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. No que se refere aos Municípios e ao Distrito Federal, foi concedido a esses entes políticos a instituição do imposto sobre serviços, imposto que atualmente é regulado pela Lei Complementar nº 116/2003, diploma esse que determina a regra matriz de incidência tributária, destacando, em sua lista anexa, as atividades que constituem fato gerador da obrigação tributária desse imposto municipal. Na referida lista consta a possibilidade de tributação de Operações Bancárias, sendo de grande relevância conceber o alcance da tributação dos serviços e operações bancárias, sobretudo qual o alcance interpretativo da lista anexa a Lei Complementar.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A tributação decorre, histórica e juridicamente, do dever dos cidadãos de contribuir para o custeio da atividade estatal. Referida obrigação possui raízes jurídicas no princípio da solidariedade social, o qual impulsiona a idéia de que todos os cidadãos devem contribuir com o Estado para a manutenção de sua estrutura, na medida de sua capacidade. A Constituição Federal de 1988, ao determinar, em seu artigo 156, a competência dos Municípios e, cumulativamente, do Distrito Federal para a instituição e cobrança do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, deu a esses entes políticos um dos impostos mais discutidos e controversos da seara tributária, tal pela complexidade decorrente do critério material previsto na regra matriz de incidência tributária, qual pelo critério adotado na concepção do conceito jurídico de serviços para a efetivação da cobrança do aludido tributo municipal. A Lei Complementar nº. 116, de 31 de julho de 2003, norma que nascera com o desiderato de apaziguar as discussões que cercavam (e cercam) esse tributo durante décadas, provocou ainda mais críticas, em virtude da sua lista anexa de serviços passíveis à cobrança desse tributo. As instituições financeiras é o foco central do ISSQ no presente trabalho, são contribuintes deste imposto, quando realizam, pelas diversas modalidades das operações acessórias, atividades secundárias e autônomas de prestar serviços. Assim, é essencial a compreensão de quais Serviços e Operações bancárias podem ser tributados, assim como o alcance da interpretação dos referidos. O cerne da discussão será essencialmente se a liste de serviços seria taxativa ou meramente exemplificativa, e ainda se a referida lista admitiria interpretação analógica ou extensiva. 1. PREMISSAS TRIBUTÁRIAS NORMATIVAS: O conceito de direito formulado por Kant funda-se na idéia de norma prescritiva. É na estrutura de Kant que encontramos a origem da distinção entre imperativo categórico e imperativo hipotético. O imperativo categórico impõe dever sem impor condições, figurando nitidamente como norma moral, enquanto que o hipotético a conduta a forma de se obter um determinado fim desejado (condição para a produção de determinado efeito). A norma jurídica como imperativo categórico é a imposição de um dever sem qualquer condição ou questionamento, tendo como pressuposto a necessidade, podendo por sua vez, ser vislumbrada também como norma moral e ainda norma de conduta. No que tange, a norma imperativa hipotética pressupõe a existência de um juízo condicional, cuja conduta imposta é o meio para a consecução de uma finalidade. A norma jurídica em sentido hipotético se estrutura através do dever ser, composta por um antecedente (A) e um consequente (C). O antecedente normativo descreve abstratamente um determinado fato jurídico, enquanto que o consequente prescreve uma relação jurídica. Oportuno ainda observar que a relação jurídica prescrita no consequente estabelecerá uma obrigação (O), uma permissão (P) e uma vedação (V). Imprescindível se faz trazer a lume o entendimento Professor Paulo de Barros Carvalho[2] sobre o que vem a ser a ligação deôntica entre o antecedente e consequente normativo. “As normas jurídicas são juízos hipotéticos, em que se enlaça determinada conseqüência à realização condicional de um fato. E, quanto a essa arquitetura lógica interior, nenhuma diferença há entre regras tributárias, comerciais, civis, administrativas, processuais, constitucionais etc. porque pertence à própria substancia formal do juízo normativo. O princípio que estabelece o elo de ligação entre antecedente e consequente das normas jurídicas é o dever ser; em contraponto às leis naturais , onde encontramos o princípio da causalidade. O enunciado da proposição normativa, em símbolos lógicos, é este: Se A então deve-ser B, ao passo que as regras de natureza se exprimem assim: se A então B.” Portanto, é possível concluir se titubear que o conceito prevalente da estrutura das normas jurídicas é aquele que leva em consideração que elas possuem um antecedente que implicará necessariamente em um consequente. Com base nestas considerações preliminares é de clareza meridiana que a norma jurídica tributária é a regra que institui o tributo e assim, a norma jurídica que cria o tributo possui a mesma estrutura lógica das demais normas jurídicas. O antecedente tributário descreve comportamentos possíveis de ocorrência, o qual é composto de três critérios: material, espacial e temporal e sendo que de certo modo possui imersão atrelada à conduta prescritiva do consequente normativo. O critério material descreve o comportamento, que é representado por um verbo pessoal e um complemento. O professor Paulo de Barros Carvalho[3] ensina: “O critério material da hipótese tributária pode bem ser chamado de núcleo pois é o dado central que o legislador passa a condicionar, quando faz menção aos demais critérios”. Quanto ao critério espacial é a descrição do local em que será considerado realizada a conduta descrita naquela hipótese tributária e quanto o critério temporal é responsável por descrever o momento da ocorrência do fato gerador do tributo. Como já visto, o consequente tributário prescreve uma relação jurídico tributária, composta de critérios que o compõem, que serão o pessoal e o quantitativo. O critério pessoal é formado pelos integrantes da obrigação tributária, que são o sujeito ativo e o sujeito passivo. O critério quantitativo por sua vez, é responsável por quantificar o montante, em dinheiro, a ser cobrado pelo sujeito ativo do sujeito passivo e é composto pela Base de Cálculo e pela alíquota. De acordo com as considerações anteriores é possível concluir que da análise da norma jurídica será encontrado o antecedente e o consequente normativo. Assim, ao sopesar a Norma Jurídica, a satisfação dos critérios normativos, torna-se essencial que seja avaliado também o substrato da Norma, para elevar a compreensão do seu alcance. 2. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA: A pretensão de analisar o alcance de uma norma dependerá significativamente da compreensão da interpretação do direito e neste condão é salutar iniciar com o estudo de Norberto Bobbio[4], no momento em que ele visualiza cada palavra como um signo: “Interpretar significa remontar do signo (signum) à coisa significada, (designatum) isto é, compreender o significado do signo individualizando a coisa por este indicada. Ora, a linguagem humana (falada ou escrita) é um complexo de signos, é uma species do genus signo (tanto é verdade que é substituível por outros signos, por exemplo os gestos de mão, embora seja mais perfeito porque mais rico e maleável). O interprete deverá, sobretudo, compreender o verdadeiro significado das expressões, palavras e conceitos trazidos pelo legislador, para que possa alcançar eficazmente a aplicação do direito. O estudioso Roberto Eros Grau[5] ainda acrescenta uma importante premissa, que contribui sensivelmente para a conclusão que esse trabalho pretende apresentar, quando afirma que a interpretação inicia-se no abstrato para o caso concreto[6]. “A interpretação consiste em mostrar algo: ela vai do abstrato ao concreto, da fórmula à respectiva aplicação, à sua ilustração ou à sua inserção na vida; na interpretação de fatos, ao contrário, vai-se do concreto ao abstrato, da experiência à linguagem. A interpretação, pois, consubstancia uma operação de mediação que consiste em transformar uma expressão em uma outra, visando a tornar mais compreensível o objeto ao qual a linguagem se aplica.A interpretação do direito consiste em concretar a lei em cada caso, isto é, na sua aplicação, o intérprete, ao interpretar a lei, desde um caso concreto, a aplica. Interpretação e aplicação não se realizam autonomamente. O intérprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de um determinado dado. Assim, existe uma equação entre interpretação e aplicação: não estamos, aqui, diante de dois momentos distintos, porém frente a uma só operação. Interpretação e aplicação se superpõem”. É oportuno, destacar que interpretação e hermenêutica não são sinônimos, ao passo que o primeiro significa em apertada síntese determinar o sentido e o alcance da norma jurídica, enquanto que a ultima é a teoria cientifica da interpretação. A hermenêutica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis à determinação do sentido e do alcance das normas jurídicas. É irretocável a assertiva de que a interpretação e a aplicação não se realizam autonomamente. Assim, é possível inferir que o hermeneuta procura compreender o sentido da norma[7], o que evidenciará a interação entre interpretação e aplicação. Para alcançar o objetivo da interpretação, imprescindível se faz identificar os elementos da interpretação, quais sejam: o sentido e o alcance da norma. Toda norma, como objeto cultural, possui uma significação, sentido ou finalidade. O intérprete do direito deve buscar revelar o significado dos termos lingüísticos contidos na norma e ainda, buscar revelar a finalidade para a qual foi criada, preservando seu sentido original. No que tange ao alcance, é de suma relevância que o intérprete compreenda o âmbito de incidência da norma jurídica. Portanto é importante que o interprete analise a norma para chegar a um dos resultados de interpretação declarativa, restritiva, analógica e extensiva. A Interpretação Declarativa é aquela que o legislador se vale das palavras com adequação aos significados que deseja imprimir na lei[8]. Em linhas gerais é a interpretação que se limita a declarar o sentido da lei, no qual é possível identificar primorosa correspondência entre o enunciado normativo, o sentido e o alcance da norma jurídica. No que tange a Interpretação Restritiva é possível concluir que esta forma de interpretação diminui o âmbito de incidência da norma jurídica. São hipóteses em que o legislador escreveu mais do que deveria[9], é facilmente identificável nos chamados rols taxativos. E por fim a Interpretação Extensiva, que é que nos interessa no estudo, é a interpretação no qual o intérprete ultrapassa o alcance da norma jurídica, tendo em vista que o legislador escreveu menos do que deveria[10]. São hipóteses em que o legislador disse menos do que deveria. É de fundamental importância enfatizar que a interpretação analógica em matéria tributária é vedado na hipótese do §1º do art. 108 CTN, ou seja, apenas nos casos em que a sua aplicação resulte na exigência de tributo não previsto em lei. Dentro desta perspectiva, o §1º do art. 108 significa que a integração do ordenamento resultante da aplicação da analogia não pode interferir na amplitude das hipóteses de incidência previstas em lei. Contudo, é comum o debate acerca da possibilidade de utilização da analogia quando a relação entre o tributo, já previsto em lei, e a amplitude e o alcance que deve ser dada aos conceitos, que foram     inseridos pelo legislador. Nesta senda, a Doutrina e os Tribunais tem buscado solucionar a celeuma do alcance da interpretação dos conceitos utilizados da legislação mediante uma tênue diferenciação entre o uso da interpretação analógica e da interpretação extensiva, como será visto. 3. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DO ISS: 3.1. CRITÉRIO MATERIAL DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS Feitas considerações preliminares, mister se faz aduzir que a ordem constitucional tributária emanada pela Constituição Federal determinou-se que a competência tributaria é atribuição da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. No que tange ao tema principal deste trabalho, temos a possibilidade de instituição dos tributos pelos municípios, emanada através do art. 156 da Constituição Federal, estabelecendo que: “Compete aos Municípios instituir impostos sobre: III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no Art. 155, II, definidos em lei complementar; (Alterado pela EC-000.003-1993) § 3º – Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: (Alterado pela EC-000.037-2002) I – fixar as suas alíquotas máximas e mínimas; (Alterado pela EC-000.037-2002) II – excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior. (Alterado pela EC-000.003-1993) III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.” O inciso III prevê a possibilidade de cobrança de imposto sobre serviços de qualquer natureza, desde que edite lei complementar fixando as hipóteses de incidência. Assim, é possível observar que a Constituição Federal traz em seu bojo uma norma de estrutura que fixa a competência dos municípios para instituírem o Imposto sobre Serviços. Ocorre que, a ordem tributaria da constituição de 1988 não é inaugural. Desde a constituição de 1967 que os serviços de qualquer natureza eram tributados. Anteriormente era chamado de imposto de industria e profissões. Tal tributo sempre foi a principal fonte de receitas dos municípios. Em 1968, com o advento do decreto lei 406/68 ficou definido os parâmetros para a incidência do Imposto sobre serviços, contando com uma lista de serviços que poderiam sofrer a incidência do imposto. O Decreto lei 406/68 foi posteriormente alterado pela Lei Complementar 56/87. E posteriormente alterada pela atual Lei Complementar 116/2003. Não cabe aos Municípios criar ou acrescentar serviços além daqueles exaustivamente previstos na lista anexa a lei. Devido ao disposto contido no art. 146, inciso III, alínea “a”, cabe à Lei complementar estabelecer normas gerais a respeito do fato gerador dos impostos. Pois bem, o critério material previsto na hipótese da regra matriz de incidência tributária do Imposto sobre Serviços encontra-se atualmente no artigo 1º da Lei complementar nº 116/2003: “Art. 1º. O imposto sobre serviços de qualquer natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes na lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.” Nos dizeres de Natália de Nardi Dácomo[11]: “O critério material do ISS é expresso pelo Verbo “prestar (verbo pessoal e de predicação incompleta) e seu complemento “serviço”; mas não é qualquer serviço que será tributado, apenas aqueles descritos pela Lei Complementar n. 116/2003. (…) É sobre o fato “relação jurídica de prestar serviço” que incidirá a norma geral e abstrata do Imposto Sobre Serviços; esta relação jurídica é introduzida no ordenamento por meio de uma norma individual e concreta”. Desta forma, em análise ao referido artigo, conclui-se que o critério material da regra matriz de incidência tributária do ISS é prestar serviços (relação jurídica). 3.2. CONCEITO JURÍDICO DE SERVIÇOS: Conforme já mencionado anteriormente, o art. 156, III da Constituição Federal é que trata da tributação do Imposto Sobre Serviços. Assim, é fato gerador do ISS os serviços de qualquer natureza não compreendidos na competência tributaria estadual. A lei complementar 116/2003 descreve como fato gerador do ISS a prestação de serviços constantes na lista anexa. O fato gerador do ISS é definido pela lei municipal, malgrado tenha que observar os limites traçados na lei complementar tendo em vista a disposição expressa do art. 146, inciso III, alínea “a” da CF, que determina que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais a respeito do fato gerador dos impostos. O CTN estabelece no art. 110 que: a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressamente ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. Neste sentido, torna-se imprescindível trazer ao estudo o art. 549 do Código Civil que preceitua: toda a espécie de serviço ou trabalho licito, material, ou imaterial, pode ser controlada mediante retribuição. Como é possível perceber, o referido artigo não chega a conceituar semanticamente o que vem ser “prestação de serviço”. Natália de Nardi Dácomo[12] ainda relata que “a relação de prestação de serviço pode ter como objeto tanto uma obrigação de dar (produto) como também uma obrigação de fazer (processo). O critério material engloba as prestações de serviços onerosas sendo fator essencial a mensuração econômica para determinar a cobrança de qualquer tributo, não sendo diferente com o imposto ora sob análise. Portanto, não é possível a prestação de serviços em auto-serviço ou a título gratuito. O elemento fundamental para determinar a incidência, ou não, do ISS é a identificação do objeto da obrigação. Na medida em que a contratação disser respeito a uma atividade fim, as atividades meios estarão abrangidas pelo pacto, mas não assumirão a condição de um objeto autônomo que leva a uma contratação autônoma. Assim, para ser possível a cobrança do imposto sobre serviços torna-se imprescindível não apenas a prestação de serviços, como também que a prestação seja realizada em benefício de terceiro, com a remuneração do prestador do serviço (contraprestação). 4. O SISTEMA FINANCEIRO E A INCIDENCIA DO ISS: 4.1. AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E OS SERVIÇOS BANCÁRIOS Nesse passo, torna-se imprescindível analisar, ainda que ampassã, a conceituação de serviços bancários. A lei federal 4.595/64 regulou as atividades bancarias e financeiras, estabelece o conceito de Instituição financeira no artigo 17, como: “Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.” Na lição de Jose Eduardo Soares de Melo[13]: “Os serviços bancários e financeiros são prestações (obrigações de fazer) realizadas por instituições financeiras a seus clientes no sentido de criar facilidades. Assim, o banco pode gerar um conjunto de comodidades para os seus clientes como novas formas de serviços, tais como atendimento ia internet ou personalizado, os quais agregam conforto ao contrato principal celebrado pelo cliente, mas que não se confundem com a operação realizada. “(…) digamos que o banco ofereça um conjunto de facilidades ao cliente (‘cesta de serviços ou produtos’, com respectivas tarifas), como exemplo, o fornecimento de uma segunda via de cartão de crédito, um cartão para dependente, e assim por diante. Nesse caso existirão atividades que se conformam em serviços novos posto à disposição do cliente, que irá aceitar ou não, havendo, nesse caso, a possibilidade incidência do ISSQN” No que tange às atividades desenvolvidas pelos Bancos, Francisco Ramos Mangieri[14] relata os tipos de atividades: “As instituições bancárias desenvolvem dois tipos de atividades: as principais, que consistem basicamente em operações de crédito e câmbio sujeitas ao IOF; e as secundárias ou acessórias, verdadeiras prestações de serviços alheias ao âmbito financeiro”. A intermediação financeira consiste na ligação entre os agentes que poupam e os que se encontram dispostos a despender além dos limites de sua renda, ou seja, é atividade tipicamente bancária, sendo a instituição financeira intermediária entre os que colocam o dinheiro aplicado no banco e aqueles que tomam-no como empréstimo bancário, oportunidade em que a instituição exerce profissionalmente a intermediação creditícia. 4.2. PRESTAÇÃO MEIO E PRESTAÇÃO FIM: A prestação de serviços, em alguns casos, poderá caracterizar-se numa atividade deveras complexa, reclamando, para a conclusão dessa prestação, a ocorrência de várias fases. Esta etapa de intermediação, necessária para chegar ao fim, é conhecida como prestação-meio, que consiste em todos os atos praticados pelo prestador para atingir o objeto do contrato ou da atividade bancário. Em contrapartida, tem-se como prestação-fim aquela atividade bancária objeto, configurando todos os pressupostos previstos no critério material da regra matriz de incidência tributária do imposto sobre serviços. Como já mencionado, o que interessa ao critério material da hipótese de incidência do imposto sobre serviços é a natureza jurídica da prestação-fim, devendo essa atividade ser classificada como obrigação de fazer, enquanto as prestações meio podem se configurar obrigações diversas, não interferindo para fins de tributação do imposto sobre serviços. As Instituições Financeiras costumam a defender que determinados serviços devem ser considerados como prestação meio ou complementares de uma determinada atividade ou serviço bancário, de modo que, não seriam tributáveis pelo ISS. Costuma-se a asseverar que os serviços considerados como atividade-meio pelas instituições financeiras são prestados a clientes e usuários da instituição mediante remuneração e as receitas destes serviços são consignadas em registros contábeis próprios e independentes[15]. Todavia, vale advertir: não se deve confundir a prestação-fim com o ato concreto que torna adimplido um serviço bancário celebrado entre as partes, já que, o ato concreto do serviço contratado, mesmo tratando-se de prestação de serviço poderá caracterizar-se numa obrigação de dar. Como por exemplo o Contrato de empréstimo, no qual temos o serviço de realização do empréstimo no sistema operacional da Instituição financeira como prestação meio, sendo que a prestação-fim caracterizar-se-ia através do ato concreto da prestação do serviço que seria a disponibilização do valor do empréstimo. Conclui-se, portanto, que a prestação de serviço sob a qual incide o ISS depende, exclusivamente da classificação do tipo de obrigação a que se refere a prestação-fim, esta caracterizada como a atividade central da relação contratual existente. É irrelevantes para efeito de tributação do imposto sobre serviços, porquanto não são economicamente apreciáveis, não constitui objeto do contrato e ainda são realizadas em benefício do próprio prestador, e não do contratante. 4.3. ESPECIFICIDADES DO ISS NAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS – PLANO COSIF: A lei 116/2003, traz a definição do que seria o estabelecimento prestador que se encontra no art. 4º, transcrito a seguir: “Art. 4º – Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quais quer outras que venham a ser utilizadas.” Este detalhamento na definição de estabelecimento prestador demonstra a intenção do legislador em não permitir que o Sujeito Passivo se valha de quaisquer denominações para o estabelecimento prestador como forma de escapar da tributação do ISS. A lei nº 4.595/64 que regula as atividades bancárias, como já mencionado, estabelece no art. 4 a competência do Conselho Monetário Nacional (CMN), no que tange a expedição de normas de contabilidade para as instituições financeiras. Veja-se: “Art. 4º – Compete privativamente ao Conselho Monetário Nacional: XII – expedir normas gerais de contabilidade e estatística a serem observadas pelas instituições financeiras.” O Conselho Monetário Nacional transferiu tal atribuição legal para o Banco Central, que, por meio da Circular nº 1273, de 29 de dezembro de 1987, instituiu o Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (COSIF), de uso obrigatório pelas instituições financeiras e equiparadas. O referido Plano Contábil possui normas com o objetivo de padronizar os registros contábeis dos atos e fatos administrativos praticados, além de estabelecer regras, critérios e procedimentos necessários à obtenção e divulgação de dados e também possibilitar o acompanhamento do sistema financeiro, bem como a análise e o controle das demonstrações. Como visto, a padronização dos registros contábeis facilitou de sobremaneira a cobrança do ISS por parte do Agente Publico, de forma que, a auditoria contábil é feita de forma uniforme, independente da Instituição financeira. No que tange ao local dos serviços prestados, importa relatar que muitas instituições financeiras apesar de disponibilizar e serem utilizados determinados serviços em determinadas agências. Porém, em muitas oportunidades o registro contábil é feito na matriz da instituição, numa tentativa de impedir a análise daquele registro pela fiscalização municipal onde está localizada a agência bancária e, consequentemente, impedir a tributação por aquele município no qual a agencia bancária fica localizada. A justificativa para essa contabilização ser realizada na Matriz da Instituição Financeira seria porque alguns serviços são apenas captados pela agência, mas os recursos para efetivação do serviço seriam disponibilizados pela matriz. A maioria dos serviços como os de recebimento e cobrança prestados a órgãos públicos federais e suas autarquias, intermediação de seguros, previdência e cartões de crédito, assim como tarifas pela prestação de serviços vinculados ao crédito imobiliário e à carteira de câmbio, bem como pagamentos são realizados pela própria agência bancária e não pela Matriz da Instituição Financeira. Frise-se que não existe qualquer etapa de disponibilização de recursos pela instituição financeira. Convém ainda mencionar que o STF por meio da Súmula nº 588 firmou o entendimento de que alguns serviços não serão tributados: “ISS – Incidência – Depósitos, Comissões e Taxas de Desconto Cobrados pelos Estabelecimentos Bancários: O imposto sobre serviços não incide sobre os depósitos, as comissões e taxas de desconto, cobrados pelos estabelecimentos bancários.” É no município onde está estabelecida a agência que se situa o elo indispensável à existência da relação jurídica referente ao ISSQN: o usuário dos serviços. Neste Sentido Paulo Caliendo[16] afirma: “No caso do serviço ser contratado com cliente em agência local, por exemplo Maceió, e fornecimento em outro município, por exemplo Barueri, entende-se que a atividade realizou-se por meio do “estabelecimento de contato” gerando aqui, e não lá, a incidência do ISS, salvo se a consumação ocorrer via Internet ou bankphone.” A agência bancária representa a localização do tomador de e do prestador serviços. O serviço é prestado pela agência refere-se ao município deste estabelecimento e a receita proveniente daquele local deve ser tributada, independentemente da forma de contabilização desta receita. Conclui-se dessa forma, que a caracterização do fato gerador da obrigação tributária não depende da denominação dada ao serviço prestado ou de sua escrituração centralizada. 5. INTERPRETAÇÃO DAS OPERAÇÕES BANCÁRIAS: 5.1 DA TAXATIVIDADE DA LISTA DE SERVIÇOS. DA PREVISÃO LEGAL. Durante grande período foi ponto de toque de grande celeuma se a lista de serviços para a ocorrência do fato gerador de ISS seria taxativa ou exemplificativa. Nessa perspectiva, é importante esclarecer tal questão com as palavras de Hugo de Brito Machado[17]: “A propósito da definição, pelo legislador do Município, da hipótese de incidência do ISS, séria polêmica surgiu entre os tributaristas mais eminentes, sustentando uns o caráter meramente exemplificativo da prefalada lista de serviços, enquanto outros asseveravam o seu Caráter taxativo.” Primeiramente, para chegar a uma conclusão, deve-se aferir qual a precisa e a verdadeira função da Lei Complementar no campo do imposto municipal sobre serviços. A esse propósito, disciplina o art. 146 da Constituição Federal:  “Art. 146 – Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239”. (Alterado pela EC-000.042-2003)”. Por uma interpretação literal do texto constitucional, poder-se-ia chegar à simplista conclusão de que, na ausência de lei complementar definindo os serviços tributáveis, o tributo não poderia ser validamente instituído e cobrado através de lei ordinária municipal. Ocorre que, se feita uma interpretação sistemática da Constituição Federal, a conclusão é bem diversa, a teor do quanto fixado por Francisco Ramos Mangieri[18], nos seguintes termos: “Com a Constituição Federal de 1988, o município foi elevado à condição de pessoa jurídica de direito público, passando a possuir competência tributária privativa, ficando em posição de igualdade com as demais pessoas políticas. Como os demais entes de direito público, o município desfruta de ampla autonomia política, sendo ele o senhor de seus assuntos de interesse local, conforme se percebe pelo art. 30 da Carta Constitucional. Em vista disso, não é possível que no campo do ISS, devidamente delimitado pela Constituição, possa ter suas dimensões aumentadas, diminuídas ou, muito menos, anuladas por uma lei complementar (infraconstitucional), senão estaremos implicitamente aceitando que é o Congresso Nacional, por meio de lei complementar, que confere aos Municípios competências para que tributem os serviços de qualquer natureza. Dessa forma, somos de opinião de que a lei complementar que alude o art. 156, III, in fine, da CF só pode dispor sobre conflitos de competência entre o ISS e outros tributos federais, estaduais, municipais e distritais, e regular as limitações constitucionais ao exercício da competência para, por via de imposto, tributar os serviços de qualquer natureza. Sua atuação deve concentrar-se exclusivamente naquela zona cinzenta que se situa entre os fatos geradores do imposto municipal e outros fatos tributáveis pelas demais pessoas políticas. (…) A lei complementar, portanto, nada pode criar; ao contrário, pode e deve apenas explicitar os comandos constitucionais, visando, com isso, eliminar eventuais conflitos de competência e regular as limitações ao poder de tributar. Como consequência lógica disso, temos que a competência municipal para tributar serviços independe de edição de lei complementar que os defina.  Basta que seja serviço e esteja previsto na lei ordinária municipal, para que possa ser validamente exigido pelas Prefeituras”. Tal entendimento é compartilhado pelo eminente Mestre Roque Antonio Carrazza[19], o qual, assevera: “De fato, as pessoas políticas, enquanto tributam, buscam fundamento de validade para seus atos jurídicos (leis, decretos, portarias etc) exclusivamente na Constituição. Obedecem à lei complementar nacional circunstancialmente, vale dizer, apenas quando ela explicita comandos constitucionais. Ampliações ou restrições de competências tributárias, levadas a efeito por lei complementar nacionais, porque inconstitucionais, não vinculam nem a União, nem os Estados, nem o Distrito Federal, nem os Municípios. Estas considerações nos reconduzem à proposição de que a lei complementar nacional não pode criar, para fins de ISS, a figura do serviço por definição legal. Se o fizer, será inconstitucional, por dilatar competências tributárias municipais e, o que é pior, por atropelar direitos inalienáveis dos contribuintes”. Nessa linha, já que lei complementar não cria tributo, mas apenas explicita os mandamentos constitucionais que deverão ser obedecidos pelo legislador ordinário, para que o imposto municipal possa ser legitimamente exigido faz-se necessário que o serviço de qualquer natureza venha expressamente delineado na lista de serviços municipal, obedecendo os requisitos da lei complementar 116/2003. Ademais, é por todos sabido que a hipótese de incidência do ISS é a prática de um serviço tributável, constante de uma lista pré-estabelecida pelo legislador municipal. Logo o fato gerador do imposto é, efetivamente, a prestação de algum dos serviços elencados na referida lista. O tipo tributável está nos sub-itens da lista e a lista assume a feição de uma enumeração taxativa, embora com cláusulas abertas, mas que permanecem circunscritas à materialidade de cada sub-item. Observa o autor que a indicação do item não é inútil. Sua utilidade consiste em esclarecer o sentido dos sub-itens de modo a mostrar que eles indicam hipóteses que se encontram dentro da área apontada pelo item. A lista atual utiliza inúmeras vezes o termo “congêneres”, nítida cláusula geral que estende o âmbito de aplicação do tipo legalmente qualificado. O conteúdo semântico do termo “congênere” é definido pelo elemento comum às hipóteses da enumeração que o antecede. Por isso, seu significado muda conforme o contexto em que se encontre; não tem um conteúdo próprio. O rol de serviços elencados na lista editada pela Lei Complementar 116/2003 é taxativo, não podendo os Municípios ampliá-los sob pena de inconstitucionalidade. 5.2. O ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES: No que tange o alcance da interpretação das operações bancarias como fato gerador do ISS, é importante mais uma vez trazer a debate que na lista anexa da Lei complementar 116/2003, em inúmeros itens da lista, o legislador valeu-se da expressão “congêneres”. Partindo dessa perspectiva alguns doutrinadores defendem que a lista seria na verdade meramente exemplificativa. Como já realado anteriormente o entendimento que deve prevalecer é o que atribui a lista a taxatividade. Não é o outro o posicionamento reiterado da Jurisprudência do STF e do STJ quando assentou o entendimento de que a lista de serviços possui caráter taxativo, e neste ponto, a lei municipal por imperativo de norma constitucional, deve ser ater ao rol previsto na lei complementar. Pois bem, com o entendimento da taxatividade da Lista de Serviços da Lei Complementar 116/2003, a nomenclatura dos serviços bancários passou a sofrer constantes mudanças por iniciativa do prestador de serviço, cujo o objetivo principal, senão o único, era o de escapar da tributação com a simples mudança da nomenclatura dos serviços. Ocorreu que, a partir da constatação dessa atitude pelos tribunais passaram a acrescentar nos seus julgados que na lista de serviços seria possível atentar para a interpretação analogia. Esses julgados tiveram grande repercussão tanto na doutrina quanto nos operadores de direito, que passaram a questionar tal permissivo dado pelos tribunais em cotejo com as normas tributarias que tratam da impossibilidade de tal conduta. Neste sentido, torna-se importante sopesar as palavras de Hugo de Brito ao mencionar o entendimento dos tribunais superiores. Vejamos: “O Supremo Tribunal Federal manifestou-se no sentido de que a lista é taxativa, mas, erroneamente, admitiu sua aplicação analógica. Tal como não se pode, por analogia, ampliar o alcance da norma definidora do fato gerador de tributos em geral, também não se pode ampliar o elenco de serviços constantes da questionada lista, que tem a mesma natureza de norma definidora do fato gerador do tributo. Não bastasse o princípio da legalidade, temos norma expressa no Código Tributário Nacional a dizer que “o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei. (art. 108, § 1). (…) A nosso ver, em face da norma acima transcrita, é induvidoso que a Constituição Federal atribuiu aos municípios competência para tributar somente os serviços de qualquer natureza que a lei complementar defina. Não se trata, portanto, de uma limitação imposta pela lei complementar. Na verdade a competência que a Constituição Federal atribui aos Municípios tem, desde logo o seu desenho a depender de lei complementar.” O entendimento dos tribunais superiores quando assumiram que a lista de serviços é taxativa foi totalmente acertado, sobretudo, porque se deu em convergência com o posicionamento da doutrina dominante. Ocorre que, como já explicitado, a analise minuciosa dos acórdãos proferidos que tratam do alcance da lista, incorreu em evidente equívoco quando admitiu a interpretação analógica[20]. E isto deve ser apontado! Em relação tal relato, ressaltam-se as palavras de Marco Aurélio Greco[21]: “(…) enquanto a taxatividade busca esgotar os possíveis fatos relevantes para a normatividade, o raciocínio analógico parte justamente da ausência de norma prévia para enquadrar aqueles fatos, valendo-se de uma outra norma que a eles não se aplicaria originalmente” Porém, a partir da LC 116/03, o legislador tentou afastar qualquer contingência de uso da analogia, como entendia os tribunais superiores. E dentro desta linha de raciocínio a lista criada em 2003 tentou-se prever todas as hipóteses de ocorrência, tentando alcançar um tratamento exaustivo e taxativo à designação dos serviços tributáveis. Porém, a expressão “congêneres” permaneceu. Assim, por mais detalhista que a lista seja, o objetivo da exaustão de prescrever todas as possibilidades de ocorrência de fato gerador do ISS, não é possível de ser alcançado, mesmo porque a realidade é dinâmica, bastando que o legislador conste os gêneros, que o interprete extrairia as espécies. E assim termos materializada essa ideia, vez que a lista possui um item genérico e vários subitens. Não é outro o entendimento do brilhante Adriano Soares da Costa quando aduz que: “por mais detalhista que o legislador possa ter sido, o intérprete terá que preencher a esfera de possibilidades semânticas dos signos legais, buscando construir as normas jurídicas que vinculem todos os prestadores de serviços”.[22] Ocorre que, mais uma vez, com o fito de alterar o alcance da interpretação dos serviços, os tribunais superiores passaram a compreender que na verdade a interpretação é extensiva no que concerne aos subitens da lista de serviços. A taxatividade se verifica apenas no plano vertical, sendo certo que no plano horizontal, quanto aos subitens, é possível a interpretação extensiva. Em apertada síntese é possível concluir que a listagem é restrita (interpretação restritiva) relativamente ao gênero e não no que tange as espécies (subitens), no qual a interpretação acertada é a extensiva. De igual maneira, é entendimento aplicado no que tange a denominação data pelos prestadores ao próprio serviço passa a ser irrelevante, pois o importante é a natureza real do que representa, ou seja, o serviço efetivamente prestado. Vejamos recentes julgados do STJ, assumindo a interpretação extensiva dos serviços bancários: “TRIBUTÁRIO. ISS. SERVIÇOS BANCÁRIOS. NÃO-INCIDÊNCIA. LISTA DE SERVIÇOS DO DL Nº 406/68, ALTERADO PELO DL Nº 834/69. TAXATIVIDADE. NÃO-CABIMENTO DE APLICAÇÃO ANALÓGICA. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STF. 1. Pacífico o entendimento nesta Corte Superior e no colendo STF no sentido de que a “lista de serviços” prevista no DL nº 406/68, alterado pelo DL nº 834/69, é taxativa e exaustiva e não exemplificativa, não se admitindo, em relação a ela, o recurso da analogia, visando a alcançar hipóteses de incidência distantes das ali elencadas, devendo a lista subordinar-se à lei municipal. Vastidão de precedentes.2. Agravo conhecido com o provimento do recurso especial (art. 544, § 3º, do CPC).” AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 901.463 – SP (2007/0120987-0) Relator – Ministro JOSÉ DELGADO. DJ: 03/08/2007. “TRIBUTÁRIO. ISS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I E II, DO CPC. COMISSÕES E CORRETAGENS DE CÂMBIO. ATIVIDADES DE INTERMEDIAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LISTAGEM DA LEI COMPLEMENTAR N. 56/87. SERVIÇO DE EXPEDIENTE. 1. Se a Corte a quo, ao apreciar recurso de apelação de forma clara e expressa, examinou a controvérsia suscitada, qual seja, a tributação de serviços bancários, não há falar que o acórdão que regularmente rejeitou os embargos de declaração incorreu em ofensa ao art. 535, I e II, do CPC. 2. O ISS não incide sobre os serviços bancários de comissões e corretagens de câmbio, assim como em operações financeiras de intermediação nominadas de FIRCE 26, porquanto tais atividades não se encontram relacionadas nos itens 95 e 96 da Lei Complementar n. 56/87. 3. Os serviços de expediente inserem-se no procedimento ordinário das operações bancárias, sendo serviços auxiliares e acessórios, não revestidos, portanto, de autonomia necessária para configurar serviço individualizável e, por conseqüência, constituir-se fato gerador do ISS. 4. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.  REsp 347046 / RJ RECURSO ESPECIAL2001/0119953-7 Relator(a) Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. DJ 03/05/2004. “TRIBUTÁRIO – SERVIÇOS BANCÁRIOS – ISS – LISTA DE SERVIÇOS – TAXATIVIDADE – INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. 1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que é taxativa a Lista de Serviços anexa ao Decreto-lei 406/68, para efeito de incidência de ISS, admitindo-se, aos já existentes apresentados com outra nomenclatura, o emprego da interpretação extensiva para serviços congêneres. 2. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08.” RECURSO ESPECIAL Nº 1.111.234 – PR (2009/0015818-9) RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON. DJ: 08/10/2009. Os recentes julgados dos Tribunais Superiores, tratando da referida matéria culminou edição da Súmula 424 pelo Superior Tribunal de Justiça, com o seguinte teor: “É legítima a incidência de ISS sobre os serviços bancários congêneres da lista anexa ao DL n. 406/1968 e à LC n. 56/1987. Rel. Min. Eliana Calmon, em 10/3/2010.” Nesta ceara, analisando o alcance da referida súmula é imprescindível pontuar o conteúdo semântico da palavra “congênere”. O dicionário[23] define congênere, como do mesmo gênero, similar, idêntico. Tendo como ponto de partida a analise literal do contexto da recém-editada Súmula, é possível concluir que se autoriza a cobrança do ISS sobre os serviços bancários cuja essência seja idêntica, do mesmo gênero daquele serviço descrito na lista anexa a lei. Em contrapartida, o que é visto na jurisprudência dominante, é que esta sendo autorizada a cobrança do ISS fazendo uma interpretação extensiva dos serviços enumerados na lista anexa. CONCLUSÃO: A Lei Complementar 116/2003 em sua lista anexa, no item 15 apresenta um imenso rol de atividades que, a priori, estariam sujeitas à tributação pelo imposto sobre serviços. De acordo com, os serviços bancários ou financeiros são compreendidos pelas atividades relacionadas com as operações de coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros, realizados por instituições financeiras A guisa de conclusão cabe enfatizar algumas considerações acerca da incidência desse imposto na prestação dos serviços bancárias, quais sejam: Não poderá incidir o ISS em nenhum serviço que constitua fato gerador do Imposto sobre operações financeiras;  As atividades meio na lista aclamada, não são passíveis de tributação, visto que, em grande parte, são tarefas meio indispensáveis ao exercício da atividade financeira, e, como dantes visto, a prestação-meio não constitui fato gerador da hipótese de incidência tributária do imposto sobre serviços. E ainda, não são passíveis de tributação pelo ISS as contratações financeiras ou bancárias (fiança, aval, mútuo, entre outros). Adotando o entendimento que a lista de serviços anexa à Lei Complementar nº. 116/2003 é taxativa, bem como partindo ainda da premissa de que o ISS é um imposto residual, o referido tributo poderá incidir sobre as prestações de serviços bancários por instituições financeiras que não sejam tributáveis pelo IOF. Importante por fim asseverar que a Súmula 424 pelo Superior Tribunal de Justiça admite a incidência do ISS sobre os serviços bancários congêneres, bem como a jurisprudência dominante autoriza a cobrança do ISS por meio de uma interpretação extensiva dos serviços enumerados na lista anexa.
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O efeito confiscatório da alíquota do IPVA destinada aos veículos automotores de carga
O presente artigo aborda de forma objetiva a ofensa aos princípios constitucionais tributários, destoando o efeito confiscatório utilizado na aplicação errônea do percentual das alíquotas do IPVA atinentes aos veículos automotores de carga.
Direito Tributário
1. Introdução Cumpre, a priori, salientar que, far-se-á estudo aprofundado sobre a evolução histórica da alíquota do IPVA direcionada aos veículos automotores de carga, haja vista a ofensa aos princípios constitucionais tributários. Acerca da metodologia de pesquisa empregada na execução deste mister,  objetivou-se pesquisa observatória, bibliográfica, consulta de acórdãos, decisões judiciais, e doutrinas. No presente trabalho, procurou-se explicitar informações concernentes ao tema, observando-se, sempre, a verossimilhança com sua respectiva presteza para o alcance do objetivo deste artigo acadêmico, contribuindo assim com o acervo jurídico pátrio. 2. Evolução histórica das alíquotas do IPVA Preliminarmente, antes de ingressar no estudo da evolução histórica das alíquotas do IPVA, faz-se inerente explicitar, sucintamente, a definição e o fito do tributo previsto no art. 16, do CTN, qual seja: imposto, consoante se examina abaixo. Aliomar Baleeiro, (2010, p. 197), expõe a definição do imposto[1], in versis: “A definição do art. 16 encerra conceito puramente jurídico, mas que coincide com a noção teórica. Por esta, a nosso ver, imposto é a prestação de dinheiro que, para fins de interesse coletivo, uma pessoa jurídica de Direito Público, por lei, exige coativamente de quantos lhe estão sujeitos e têm capacidade contributiva, sem que lhes assegure qualquer vantagem ou serviço específico em retribuição desse pagamento.” Tendo em vista a definição do imposto, depreende-se que os impostos são instituídos com o fito de ponderar a capacidade econômica do sujeito passivo, entendendo-se este como contribuinte e responsável, nos termos do art. 121, parágrafo único, do CTN. Tanto que não é contra prestado qualquer serviço ao sujeito passivo em virtude do pagamento do citado tributo, razão pela qual é vedada a vinculação da receita auferida pelo Ente Tributante[2], com amparo no art. 167, IV, da CRFB. Desta feita, o imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) encontra sua regra matriz de imposição tributária no artigo 155, III, da CRFB. Ressalta-se que, não se encontram no corpo do CTN normas versando sobre o IPVA, visto que o Codex Tributário fora criado em 1966 por meio da Lei n. 5.172, sendo este recepcionado como Lei Complementar em matéria tributária pela Carta Magna de 1988, todavia ante a inexistência de Lei Complementar dispondo sobre o IPVA os Estados detêm competência legislativa plena, nos exatos termos do art. 24, I, § 3º, 146, III, da CRFB; art. 18, § 1º, da CF/anterior; art. 34, § 3º, ADCT.  Seguindo o estudo pretendido, faz-se necessário aduzir acerca do surgimento histórico do IPVA em nosso ordenamento jurídico pátrio em 1985, por meio da EC n. 27, (à época da CF/67), substituindo a antiga TRU (Taxa Rodoviária Única), prevista no Decreto-Lei n. 999/1969, cobrada anualmente, tendo como aspecto temporal o licenciamento dos veículos automotores. No Estado de São Paulo, especificamente, o IPVA surgiu com o advento da Lei n. 4.955/1985, que em seus arts. 1º[3] e 3º[4], estabelecem o fato gerador, bem como a composição da base de cálculo. Insta mencionar que, a Lei n. 4.955/1985, vigeu por curto interstício, tendo em vista que fora ab-rogada em 1989, pela Lei n. 6.606, que trouxe em seu bojo o aperfeiçoamento do fato gerador do IPVA no artigo 1º[5], qual seja, apenas sobre veículos automotores. Aos 19.12.2003, surgiu a Emenda Constitucional n. 42 que acrescentou o § 6º ao artigo 155, da Carta Política, facultando aos Estados e DF que o IPVA tivesse alíquotas distintas em razão do tipo e uso do veículo automotor, todavia o Legislador Estadual sempre usou, tão-somente, o critério de definição do percentual da alíquota em função do tipo do veículo automotor, ferindo, assim, o Texto Maior, haja vista que toda a legislação pátria deve ser interpretada à luz da Carta Política. Tamanha é a veracidade do alegado que o inciso V, do art. 7º[6], da Lei n. 6.606/1989, dispôs alíquota de 1,5% para os veículos de carga. Frisasse que a Lei n. 6.606/1989 foi ab-rogada pela Lei n. 13.296/2008 que em seu art. 9º, I[7], manteve a alíquota no percentual de 1,5% para os veículos de carga, “tipo caminhão”.   Esta inobservância do art. 155, § 6º, II, da CRFB, enseja na inconstitucionalidade dos artigos acima mencionados, ante a ofensa de princípios constitucionais tributários, conforme se verificará avante. 3. Ofensa aos Princípios Constitucionais Tributários  Inicialmente, deve-se noticiar que a tributação deve ser efetuada de forma isonômica, (arts. 5º, caput c.c. 150, II, da CRFB) em atendimento ao princípio do Estado Social[8] (art. 3º, I, CRFB), que objetiva a observância da justiça fiscal, sob pena de ser instaurada uma desarmonia no Sistema Tributário Nacional. Salienta-se que o princípio da isonomia é decorrência do princípio republicano, conforme preleciona Antônio Roque Carrazza, (2004, p. 73-74), in versis: “[…] Assim, é fácil concluirmos que o princípio republicano leva ao princípio da generalidade da tributação, pelo qual a carga tributária, ponto de ser imposta sem qualquer critério, alcança a todos com isonomia e justiça. Por outro raio semântico, o sacrifício econômico que o contribuinte deve suportar precisa ser igual para todos os que se acham na mesma situação jurídica. […] Em suma, o princípio republicano exige que todos os que realizam o fato imponível tributário venham a ser tributados com igualdade. Do exposto, é intuitiva a interferência de que o princípio republicano leva à igualdade da tributação. Os dois princípios interligam-se e completam-se.” Nesta toada, há clara ofensa ao princípio da vedação de tributo com efeito de confisco previsto no art. 150, IV, da CRFB, visto que ao majorar a alíquota de 1% prevista na Lei n. 4.955/85 para 1,5% estabelecida na Lei n. 6.606/89, extrai-se aumento real de 50% da alíquota em relação a anterior, posto que o STF entende como majoração de alíquota limite o percentual de 20% à 30%[9], além disto a Corte Suprema Argentina entende como limite o percentual de 33%[10]. “Como a propriedade também serve ao bem da coletividade de outros modos além dos tributos, a carga tributária deveria ficar abaixo de 50%.” (TIPKE; YAMASHITA, 2002, p. 47) Desta feita, resta evidente a ofensa ao princípio da isonomia, vez que o efeito confiscatório da alíquota do IPVA expunge qualquer chance de se vislumbrar uma justiça fiscal por meio de tributação equânime. Salienta-se que, esta majoração exacerbada esbarra no princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade[11], denotando o intuito arrecadatório do Estado, haja vista que objetiva, tão-somente, auferir mais receita aos cofres públicos, vilipendiando os direitos fundamentais do contribuinte, pois cinge o mínimo vital. Klaus Tipke e Douglas Yamashita, (2002, p. 34), aduzem que o “[…] princípio da capacidade contributiva protege o mínimo existencial. Enquanto a renda não ultrapassar o mínimo existencial não há capacidade contributiva.” Ao majorar excessivamente a alíquota do IPVA houve ofensa ao princípio da capacidade contributiva[12], (art. 145, § 1º, CRFB), posto que com o interregno haverá a transferência fiscal do bem para o Estado, acometendo, dessarte, o mínimo vital do Contribuinte que é assegurado por meio dos princípios da dignidade da pessoa humana, livre iniciativa, justiça fiscal[13], solidariedade, prescritos nos arts. 1º, III, IV, 3º, I, 5º, XIII, XXII, XXIV, 170, caput, II, III, IV, todos da CRFB. “A melhor forma de mensurar a capacidade contributiva é com base nos rendimentos efetivos (lucros). A forma jurídica de uma empresa nada expressa sobre sua capacidade contributiva.”, (TIPKE; YAMASHITA, 2002, p. 35)  Urge transcrever jurisprudência do STF que segue esta linha, senão vejamos: "Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional. A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar ‘respeitados os direitos individuais e nos termos da lei’ (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia – que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários – restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado." (HC 82.788, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-4-2005, Segunda Turma, DJ de 2-6-2006.) Assim sendo, somente por meio da orientação dos princípios constitucionais-tributários haverá obtenção da justiça material, visto que com a redução da alíquota do IPVA para 1% estar-se-á mantida a harmonia do Sistema Tributário Nacional atingindo, por conseguinte, o telos do princípio do Estado Social de Direito, bem como sua justiça fiscal.   4. Conclusão Após exaustivo estudo sobre a majoração da alíquota do IPVA de 1% destinada aos veículos automotores de carga previsto na Lei n. 4.955/85, para 1,5% na Lei n. 6.606/89, percentual mantido na atual Lei n. 13.296/2008, percebeu-se que o aumento de 50% do percentual resultou numa desarmonia em todo o Sistema Tributário Nacional, haja vista a ofensa ao princípio do Estado Social de Direito, bem como a justiça fiscal tão almejada. A desarmonia latente é proveniente do efeito confiscatório que foi atribuída à alíquota, sendo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da Corte Suprema Argentina, entendem como limite de majoração o percentual entre 20% à 30% ou 33%. Todavia, permitindo-se a aplicabilidade deste percentual de alíquota estar-se-á vilipendiando os direitos fundamentais do contribuinte, tais como: o mínimo vital, o que desagua numa ofensa direta ao princípio do republicano, da isonomia, bem como da capacidade contributiva, posto que todos os sujeitos a imposição tributária devem sofrê-la de forma menos gravosa, em atenção ao fito do imposto, qual seja, apurar o tamanho da riqueza do contribuinte.  Assim sendo, torna-se imperiosa a redução da alíquota do IPVA para 1%, visto que ao inobservar a capacidade contributiva do sujeito passivo ofende, por consequência, o princípio da isonomia, pois todos devem ser tributados de acordo com o seu rendimento efetivo (lucros), observadas as igualdades e desigualdades correspectivas, como forma de atenção à justiça fiscal face uma tributação justa e adequada.
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O ICMS de mercadorias dadas em bonificação e o esvaziamento dos direitos dos contribuintes quanto a repetição de indébito: o risco tributário vislumbrado nessa operação sob uma visão crítica
O presente tema traz a tona um debate profícuo sobre como os Tribunais vem utilizando de artifícios para inviabilizar o direito dos contribuintes a repetição de indébito quando recolhido indevidamente o tributo de ICMS sobre as bonificações ou descontos incondicionais.
Direito Tributário
É verdade! Se está chegando ao ponto de que o direito é reconhecido mas a possibilidade de reaver tais valores é obstaculizada pelo próprio Judiciário, o qual utilizando-se da sua discricionariedade acaba evitando que as empresas possam reaver os valores indevidamente recolhidos. E infelizmente se tem percebido que muitos Magistrados apenas tem “copiado e colado” em suas sentenças decisões que apenas refletem posições dominantes sem analisar o caso concreto, tornando feitos tributários que mereceriam maiores análises em mera “justiça de massa”. É aquela velha história que como delimita Ortega Y Gasset quando salienta que “a massa faz sucumbir tudo o que é diferente, egrégio, individual, qualificado e especial.”[1] Essa massificação de julgados sem análises minuciosas tem ampliado ainda mais a incompreensão dos juristas quanto aos temas tributários, tornando um sistema normativo-tributário em algo mais complexo e inexorável de se trabalhar. Belas as palavras de Augusto Becker quando salienta que : “Esta contaminação prostitui a atitude mental jurídica, fazendo com que o Juiz, a autoridade pública, o jurista, o advogado e o contribuinte desenvolvam (sem disto se aperceberem) um raciocínio pseudojurídico. Deste raciocínio pseudojurídico resulta, fatalmente, a conclusão invertebrada e de borracha que se molda e adapta ao caso concreto segundo o critério pessoal (arbítrio) do intérprete do Direito Positivo (regra jurídica). Em síntese: aquele tipo de raciocínio introduz clandestinamente a incerteza e a contradição para dentro do mundo jurídico; incertezas e contradições que conduzem todos ao manicômio jurídico tributário e à terapêutica e à cirurgia do desespero”.[2] Pasmem que mesmo reconhecido o direito, como se aduz no leading case junto ao Superior Tribunal de Justiça, REsp n.º 1.111.156/SP, submetido ao regime do artigo 543 C do Código de Processo Civil, de relatoria do Ministro Humberto Martins, em 14 de outubro de 2009, publicado em 22 de outubro de 2009, em acórdão que restou assim ementado: “TRIBUTÁRIO – ICMS – MERCADORIAS DADAS EM BONIFICAÇÃO – ESPÉCIE DE DESCONTO INCONDICIONAL – INEXISTÊNCIA DE OPERAÇÃO MERCANTIL – ART. 13 DA LC 87/96 – NÃO-INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO. 1. A matéria controvertida, examinada sob o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, restringe-se tão-somente à incidência do ICMS nas operações que envolvem mercadorias dadas em bonificação ou com descontos incondicionais; não envolve incidência de IPI ou operação realizada pela sistemática da substituição tributária. 2. A bonificação é uma modalidade de desconto que consiste na entrega de uma maior quantidade de produto vendido em vez de conceder uma redução do valor da venda. Dessa forma, o provador das mercadorias é beneficiado com a redução do preço médio de cada produto, mas sem que isso implique redução do preço do negócio. 3. A literalidade do art. 13 da Lei Complementar n. 87/96 é suficiente para concluir que a base de cálculo do ICMS nas operações mercantis é aquela efetivamente realizada, não se incluindo os "descontos concedidos incondicionais". 4. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que o valor das mercadorias dadas a título de bonificação não integra a base de cálculo do ICMS. 5. Precedentes: AgRg no REsp 1.073.076/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 25.11.2008, DJe 17.12.2008; AgRg no AgRg nos EDcl no REsp 935.462/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 8.5.2008; REsp 975.373/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 15.5.2008, DJe 16.6.2008; EDcl no REsp 1.085.542/SP, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 24.3.2009, DJe 29.4.2009. Recurso especial provido para reconhecer a não-incidência do ICMS sobre as vendas realizadas em bonificação. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução 8/2008 do Superior Tribunal de Justiça”. (Grifou-se) Ampliando o debate, é preciso, a essa altura do estudo, diferir o que é venda com bonificação da simples bonificação. Carraza em seus estudos delimitou sabiamente a operação de venda com bonificação, quando salientou a venda de 12 mercadorias, sendo 10 literalmente vendidas e duas doadas. Expõe o autor que “pouco importa que dez unidades tenham sido ‘vendidas’ e que outras duas tenham sido ‘doadas’. Há, no caso, uma correlação necessária entre a ‘doação’ e a ‘venda’, pois sem esta última aquela não ocorreria. E desta correlação necessária decorre uma operação específica e bem determinada: a venda com bonificação”.[3] Já a bonificação pura, salvo melhor juízo, é aquela em que há apenas a operação de doação das mercadorias, fugindo a qualquer relação comercial direta em uma mesma operação. Essa ressalva se faz necessária haja vista que a venda com bonificação pode caracterizar sim uma venda na totalidade com descontos incondicionados, sendo uma espécie de evasão fiscal na operação tributária. Essa tese os Fiscos estaduais adoram, na maioria das vezes desconsiderando a operação e impondo as multas pela suposta infração! Mas no caso do presente estudo, se está lidando com a ideia de bonificação pura, ou seja, caracterizada pela entrega de pequenas quantidades de produtos a tal específico título. No mundo corporativo, principalmente quando se trata de empresas que atuam no ramo alimentício, a bonificação é praticamente uma regra para sobrevivência no mercado, haja vista a competitividade existente em tal ramo e as pressões sob as equipes de venda. Nesse sentido Filho ensina que “as bonificações em mercadoria não alteram o valor da operação, não são pagas pelos adquirentes, não são recebidas ou debitadas pelo vendedor e estão atreladas a um contrato de compra e venda, como condição necessária à sua celebração. Assim, em face da alta competitividade em que as empresas se encontram, há casos em que, se não existir a bonificação, não se celebra contrato algum, não há venda.”[4] Dessa forma, na existência de ramos industriais em que a bonificação é muito importante para as práticas de comércio, surge também o direito dos mesmos em reaverem os valores recolhidos indevidamente. Tal afirmação chega a ser contraditório perto da nefasta visão que será demonstrada de agora em diante. Inicialmente, sabe-se que é direito do contribuinte ter a devida compensação ou restituição de tributo pago indevido. Lição básica vislumbrada no art. 165 do CTN que assim salienta: “Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos: I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória. (Grifou-se) Para o exercício desse direito o contribuinte tem a obrigação de provar que houve o recolhimento indevido ou pagamento a maior. No caso, aplica-se o disposto no art. 333, I do CPC, afinal, a prova do direito é de quem alega. No presente estudo, a prova fica a cargo do contribuinte (indústria). Mas agora se chega ao ponto delicado da questão! Qual a prova para validar uma bonificação de mercadoria?! Em uma resposta jurídico-contábil não existiria erro em alegar que a prova é própria nota-fiscal, afinal, ela é o documento hábil para todos os Fiscos, haja vista sua formalidade e sua presunção de veracidade juris tantum. Mas infelizmente não é isso que ocorre na atualidade. A discricionariedade judicial chegou ao absurdo de negar a validade das notas-fiscais para comprovação do recolhimento de tributo, considerando-as inconsistentes para feitura de prova suficiente para repetição de indébito. Veja-se a posição da jurisprudência quanto ao tema, pelo menos no Rio Grande do Sul: “DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTOS. ICMS. AÇÃO DECLARATÓRIA. Sistema de bonificação em nota fiscal separada. Inviabilidade, no caso concreto. Embargos infringentes rejeitados, por maioria.” (Embargos Infringentes Nº 70041557380, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Luiz Rodrigues Bossle, Julgado em 08/04/2011) “AGRAVO. MANDADO DE SEGURANÇA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ICMS. VENDAS COM BONIFICAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. 1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, na operação de venda de mercadorias com bonificação, as mercadorias doadas não integram a base de cálculo do ICMS. REsp repetitivo n.º 1.111.156/SP. 2. A mera referência em nota fiscal de que a mercadoria transportada se constitui em bonificação não é suficiente para provar que se trata de venda anterior com bonificação. É que a venda de mercadorias com bonificação se constitui em operação única, que compreende todas as mercadorias, as vendidas e as doadas. Indispensável a demonstração da operação na sua integralidade, ou seja, a venda com a bonificação. Matéria que depende de prova e não pode ser apreciada em sede de mandado de segurança. 3. Não cabe, em mandado de segurança, buscar efeitos patrimoniais pretéritos. Súmula 269 do STF. Recurso desprovido”. (Agravo Nº 70042171991, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 28/04/2011) Ou seja, a nota-fiscal que tem validade jurídica para arrecadação tributária não tem para o contribuinte reaver valores pagos indevidamente. Parece gracejo mas não o é, pois, um documento fiscal hábil, com presunção de veracidade, sendo utilizado pelo contribuinte visando reaver tributos indevidamente recolhidos não tem “validade suficiente”, vem então a pergunta: “Qual é a prova da bonificação?” Se viermos com o discurso falacioso da ST (substituição tributária), o autor terá que chamar todos os seus clientes numa audiência para que os mesmos confirmem que receberam as mercadorias a tal título?! É um absurdo jurídico. Eles dizem: “Sim, os contribuintes tem o direito, o problema está na prova”! (SIC)!! Fantástico! Nota-se uma nova sistemática para garantir direitos positivos, haja vista tal regulamentação estar na lei complementar 87/96, mas conseguem esvaziá-los no mesmo ato! Fabuloso! Realmente brilhante! Só para constar, estou sendo sarcástico! Isso lembra a história da menina que a “tia malvada” entrega um doce, deixa que a criança coloque na boca, sinta o gosto, e depois o retira dizendo que a mesma não poderia se deliciar haja vista a possibilidade de cáries dentárias. Triste. Infelizmente os tributos já tem o caráter, como aduz o ilustre professor Ives Gandra Martins, de normas de rejeição social, mas quando o próprio Judiciário constrói barreiras para o exercício dos direitos dos contribuintes, chega-se a um ponto que a sociedade não terá mais o mínimo de segurança jurídica. Dessa forma, concluindo o presente ensaio, se pode afirmar, sem sombra de dúvidas, que o contribuinte DEVE RECOLHER ICMS nas bonificações realizadas, haja vista a não aceitação das provas documentais, o que, além de ser um absurdo jurídico, tende a se firmar como posição dominante nessa esteira ideológica pró estatal que estamos vivenciando nos atuais tempos. É aquela história que Martins bem elucidou quando salientou: “Quem domina, domina alguém. E quem domina precisa tirar deste alguém o seu sustento. O dominado trabalha para sustentar o dominante. O povo, através da história, sempre trabalhou para sustentar os governantes, cabendo aos governantes retirar da sociedade o que desejam e a sociedade produzir os recursos necessários para sustentá-los e a seus caprichos, guerras, desejos de grandeza. A felicidade do povo governado não está entre suas prioridades maiores.”[5] Daí a César ao que é de César e daí mais um pouco! É o que sobra da interpretação do Direito Tributário na atualidade, infelizmente!
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A Súmula 584 do Supremo Tribunal Federal e a aplicação do princípio da irretroatividade da lei tributária no imposto sobre a renda
A súmula 584 do Supremo Tribunal Federal e a aplicação do princípio da irretroatividade da lei tributária no imposto sobre a renda. Examina-se a compatibilidade da súmula 584 com o princípio da irretroatividade da lei tributária, através de pesquisa bibliográfica e análise de decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. Verifica-se o conteúdo do princípio da irretroatividade tributária, e analisa o critério temporal da hipótese tributária do imposto sobre a renda, concluindo-se que para o atendimento do referido princípio é mister que o contribuinte tenha prévio conhecimento da lei que regerá todos os eventos a serem praticados no decorrer do período-base fixado em lei.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O imposto sobre a renda é um tributo de natureza fiscal e que tem repercussão direta, devendo atingir, tanto quanto possível, o maio número de pessoas, em razão do princípio constitucional da universalidade, talhado no artigo 153, § 2°, inciso I da Constituição Federal. Na medida em que se apresentam como contribuintes deste imposto uma elevada parcela de brasileiros, é de suma importância que os critérios da hipótese tributária do imposto sobre a renda sejam suficientemente claros e incontroversos para que seja garantida a segurança jurídica consagrada pela Constituição Federal. Entretanto, em que pese à exigência de certeza quanto aos diversos elementos que rodeiam o imposto em questão, é facilmente perceptível que inúmeras controvérsias pairam quanto a sua incidência. E uma dessas controvérsias refere-se ao momento em que uma lei que aumenta o imposto sobre a renda deve ser aplicada, sem que venha a contrariar o princípio da irretroatividade tributária, consagrado no artigo 150, inciso III, alínea a, da Constituição Federal. Embora pareça ser de fácil compreensão o tema proposto, é de se considerar que a hipótese tributária do imposto sobre a renda não se aperfeiçoa de modo instantâneo, ou seja, num só ato, demandando a análise de diversos atos praticados no decorrer do período-base fixado em lei, que coincide com o exercício financeiro, para a apuração do quantum devido. Assim, questiona-se se uma lei que aumenta o tributo em análise pode ser aplicada aos atos já praticados durante o período-base, já que a hipótese tributária será concluída ao final do exercício financeiro? Neste intento, o presente trabalho faz uma análise do conteúdo do princípio da irretroatividade da lei, bem ainda do princípio da irretroatividade da lei tributária. Ademais, traz uma visão geral acerca dos critérios da hipótese tributária, em especial o critério temporal, que marca o momento em que a hipótese tributária considera-se ocorrida, especialmente no que toca ao imposto sobre a renda. Por derradeiro, são analisados os argumentos para a aplicação do verbete da Súmula 584 do Supremo Tribunal Federal que defende a incidência imediata da lei modificadora do imposto sobre a renda aos atos praticados durante todo o período-base, bem ainda é apresentado o contraponto do posicionamento da Suprema Corte. Assim, o trabalho visa examinar se a lei que altera as regras do imposto sobre a renda deve ser aplicada apenas para os atos praticados no “período-base” seguinte ao da sua publicação, ou se é constitucional a sua aplicação a atos praticados no “ano-base” da sua respectiva publicação. Ressalta-se que o desenvolvimento do trabalho se deu a partir de pesquisa bibliográfica, através da análise de livros e artigos jurídicos publicados, acerca do assunto. Ademais, analisa decisões em processos de controle abstrato de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, utilizando dados disponíveis nos sítios www.stf.jus.br e www.stj.jus.br e consultando o inteiro teor de decisões. 1. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO 1.1- Breves considerações acerca dos princípios constitucionais Embora não seja objeto específico do presente trabalho, verifica-se a necessidade de tecer algumas considerações gerais acerca do que seja um princípio, de modo a deixar claro o seu conceito, bem ainda sua classificação. Muito citado pelos doutrinadores brasileiros, é o conceito de princípio elaborado por Celso Antonio Bandeira de Melo “Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (…) Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do principio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais (…)” (MELLO, 1986, apud BARROSO, 2009, p. 157) Para Cunha Junior (2009, p. 183) “O princípio é o veículo dos valores mais fundamentais de uma sociedade. É o ponto de partida, o começo, a origem mesma dessa sociedade. Numa perspectiva jurídica, princípio é o mandamento nuclear de um sistema jurídico, a pedra angular, a norma normarum, o alicerce e fundamento mesmo desse sistema, que lhe imprime lógica, coerência e racionalidade. É a viga-mestra que suporta e ampara o sistema jurídico ou cada um dos subsistemas existentes.” Já Barroso (2009, p. 157), de forma mais específica, conceitua os princípios constitucionais como “(…) a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica. A Constituição, como já vimos, é um sistema de normas jurídicas. (…) Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos.”  De forma geral, vislumbra a partir dos conceitos apontados que os princípios são os pilares, as bases do sistema jurídico, traçando as diretrizes que norteiam ordenamento jurídico, devendo ser observados pelo legislador na criação de direito novo, bem ainda pelos interpretes e aplicadores do direito. Ademais, apontam para uma evidente imprescindibilidade de observância, na medida em que irradiam seus efeitos em todo sistema jurídico, contudo, podem apresentar peculiaridades quanto ao raio de sua projeção. Segundo Barroso (2009, p. 159-160) os princípios constitucionais dividem-se em fundamentais, gerais e setoriais ou especiais, distinguindo-os nos seguintes termos “Princípios fundamentais são aqueles que contêm as decisões políticas estruturais do Estado, no sentido que a elas empresta Carl Schimitt. (…) São tipicamente os fundamentos da organização política do Estado, correspondendo ao que referimos anteriormente como princípios constitucionais de organização. Neles se substancia a opção política entre Estado unitário e federação, república ou monarquia, presidencialismo ou parlamentarismo, regime democrático etc. (…) Os princípios constitucionais gerais, embora não integrem o núcleo da decisão política formadora do Estado, são, normalmente, importantes especificações dos princípios fundamentais. Tem eles menor grau de abstração e ensejam, em muitos casos, a tutela imediata das situações jurídicas que contemplam. São princípios que se irradiam por toda a ordem jurídica, como desdobramentos dos princípios fundamentais, e se aproximam daqueles que identificamos como princípios definidores de direitos. (…) E, por fim, os princípios setoriais ou especiais, que são aqueles que presidem um específico conjunto de normas afetas a determinado termo, capítulo ou título da Constituição. Eles irradiam limitadamente, mas no seu âmbito de atuação são supremos.” Considerando a divisão mencionada, no presente trabalho será abordado, embora de forma sucinta, um princípio constitucional geral, e de forma mais detalhada, um princípio setorial, a saber, o princípio da irretroatividade e o princípio da irretroatividade tributária respectivamente. Neste sentido é a lição de Pessoa (2003, p. 86-87) “Assim, o princípio da irretroatividade inserido no art. 5°, XXXVI, da CF, trata-se de um princípio geral de direito, pois aplica-se indistintamente a vários ramos do direito (penal, tributário, administrativo, comercial civil etc.). No entanto, a irretroatividade da norma tributária não seria exatamente um princípio geral do direito, assim como também não é o princípio da irretroatividade da lei penal, pois só pode considerar-se geral aquele princípio que tem aplicação em diversos ramos do direito, e tampouco possui a categoria de um princípio fundamental (v. g. legalidade), pois sua ausência não ameaça a existência do Estado Constitucional de Direito, tanto é assim que vários sistemas jurídicos subsistem apenas com a previsão do princípio geral do direito da irretroatividade das leis, situados exclusivamente no âmbito infraconstitucional sem vincular o legislador ordinário, mas apenas o juiz e do poder regulamentar.” 1.2 – O princípio da irretroatividade das leis Historicamente, o princípio da irretroatividade da lei foi veiculado em todas as Constituições brasileiras, desde 1824, com exceção da Constituição de 1937, de regime autoritário. Nas Constituições de 1824 e 1891 havia previsão explícita do princípio da irretroatividade (RIBEIRO, 2009, p. 93). Contudo, a partir da Constituição de 1934, ressalvada a Constituição de 1937, o princípio da irretroatividade da lei passou a ser declarado de forma implícita, através da garantia do direito adquirido (RIBEIRO, 2009, p. 93). A consagração do princípio da irretroatividade da lei na Constituição Federal de 1988, mesmo que de forma implícita, encontra-se no artigo 5°, inciso XXXVI, nos seguintes termos: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Sem dúvida o princípio da irretroatividade da lei esta ligado diretamente a outro princípio constitucional de enorme importância para o regime democrático, que é o princípio da segurança jurídica, esculpido no artigo 5°, caput da Constituição Federal. Nesta senda, explica Ribeiro (2008, p. 235) que “A segurança jurídica no plano do direito objetivo, que encontra seu mais intenso grau de efetividade no plano da legalidade, possui também uma dimensão temporal, representada pela necessidade do ordenamento jurídico oferecer previsibilidade para nortear a conduta do cidadão, cuja liberdade de ação esta relacionada com a capacidade de mensurar os efeitos jurídicos dos seus atos, a partir do conhecimento prévio das normas que o regulam.” Extrai-se que o princípio da segurança jurídica, sob o seu prisma temporal, exige que o sistema jurídico possua mecanismo que confira ao indivíduo um grau de certeza nas relações jurídicas e que possibilite antever os efeitos jurídicos de seus atos. Assim, como decorrência deste aspecto temporal do princípio da segurança jurídica, encontra-se na Constituição Federal o princípio da irretroatividade da lei, que afirma ter a lei efeitos prospectivos, no sentido de que a lei só deve atingir atos posteriores a sua edição. A lei é editada para reger atos futuros, não sendo correta a sua aplicação a atos que antecedem o seu ingresso no ordenamento jurídico, sob pena de instaurar uma instabilidade nas relações jurídicas. Entretanto, isto não quer dizer de modo absoluto, que não haja efeitos retroativos em determinadas leis. O Ministro Moreira Alves, em seu voto proferido na ADI 493/DF, destaca a lição de Mattos Peixoto acerca dos graus de retroatividade “Dá-se a retroatividade máxima (também chamada restitutória, porque em geral restitui as partes ao ‘status que ante’), quando a lei nova ataca a coisa julgada e os fatos consumados (transação, pagamento, prescrição). Tal é a decretal de Alexandre III que, em ódio à usura, mandou os credores restituírem os juros recebidos. À mesma categoria pertence a célebre lei francesa de 2 de novembro de 1793 (12 brumário do ano II), na parte em que anulou e mandou refazer as partilhas já julgadas, para os filhos naturais serem admitidos à herança dos pais, desde 14 de julho de 1789. A carta de 10 de novembro de 1937, artigo 95, parágrafo único, previa a aplicação da retroatividade máxima, porquanto dava ao Parlamento a atribuição de rever decisões judiciais, sem excetuar as passadas em julgado, que declarassem inconstitucional uma lei. A retroatividade é média quando a lei nova atinge os efeitos pendentes de ato jurídico verificados antes dela, exemplo: uma lei que limitasse a taxa de juros e fosse aplicada aos vencidos e não pagos. Enfim a retroatividade é mínima (também chamada de temperada ou mitigada), quando a lei nova atinge apenas os efeitos dos atos anteriores produzidos após a data em que ela entra em vigor. Tal é, no direito romano, a lei de Justiniano (C.4, 32, ‘de usuris’, 26, 2 e 27 pr.), que, corroborando disposições legislativas anteriores, reduziu a taxa de juros vencidos após a data da sua obrigatoriedade. Outro exemplo: o Decreto-Lei n. 22.626, de 7 de abril de 1933, que reduziu a taxa de juros e se aplicou, ‘a partir da sua data, aos contratos existentes, inclusive aos ajuizados (art. 3°)’.” No entanto, em que pese a irretroatividade da lei não ser absoluta, admitindo sua aplicação de forma retroativa em determinadas situações, a retroação não poderá atingir o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e coisa julgada. Sem entrar em detalhes acerca do conteúdo dos institutos jurídicos rotulados como direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, se mostra interessante apontar os conceitos trazidos pela Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro em seu artigo 6°: “Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.” Em suma, tendo o indivíduo consumado a prática do ato e incorporado um direito, não é aceitável que lei posterior venha aniquilar o próprio direito incorporado ou até mesmo reduzir seus efeitos, sob pena de não respeitar a segurança jurídica e consequentemente o princípio da irretroatividade das leis. 1.3 – O princípio da irretroatividade das leis tributárias Conforme já constatado, enquanto o princípio da irretroatividade das leis se enquadra como um princípio constitucional geral, o princípio da irretroatividade das leis tributárias é visto com um princípio constitucional setorial ou específico. Em que pese a explanação, ainda que superficial, acerca do princípio da irretroatividade das leis, necessário tecer ainda algumas explicações especificamente sobre o princípio da irretroatividade das leis tributárias, objeto do presente trabalho. O princípio da irretroatividade das leis tributárias está expressamente previsto na Constituição Federal, em seu artigo 150, inciso III, alínea a, nos seguintes termos “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] III – cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;” Trata-se de uma verdadeira limitação constitucional ao poder de tributar do Estado. Paulsen (2009, p. 209-210) pontua que “A limitação ao poder de tributar prevista no art. 150, inciso III, alínea a, da Carta Magna constitui garantia do contribuinte contra o arbítrio do Estado, assegurando-lhe o conhecimento prévio da carga tributária a que estará sujeito. A cláusula da irretroatividade está baseada no privilegiamento da segurança jurídica no seu conteúdo de certeza do direito, princípio que deve nortear a atuação do legislador e do aplicador da lei.” Tal como o princípio da irretroatividade da lei, a irretroatividade tributária também está ligada diretamente ao princípio da segurança jurídica, de modo que exige que a lei que cria ou que majora tributo deve ser previamente conhecida do contribuinte, a fim de que possa efetuar seu planejamento econômico com o intento de suportar o pagamento da exação. Abordando o tema da irretroatividade da lei tributária (artigo 150, inciso III, alínea a, CF), Amaro (2011, p. 141) leciona que “Esse dispositivo, a exemplo do contido no art. 5°, XXXVI, é dirigido não só ao aplicador da lei (que não a pode fazer incidir sobre fato pretérito), mas também ao próprio legislador, a quem fica vedado ditar regra para tributar fato passado ou para majorar o tributo que, segundo a lei da época, gravou esse fato.” No mesmo sentido Rocha (2010, p. 45) “A vedação da retroatividade das leis assume no Brasil dignidade constitucional. Tanto é assim que a nossa Carta Magna estatui de forma ampla a irretroatividade das leis em seu art. 5º, XXXVI, e, no mesmo artigo, nos incisos XXXIX e XL, veda de forma específica a retroatividade das normas penais mais gravosas. Não bastando isso, o legislador impediu expressamente a possibilidade da retroação in pejus das leis tributárias, consagrando, em seu art. 150, III, a, o chamado princípio da irretroatividade tributária, de forma a vedar a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado. Portanto, foi preocupação do constituinte atribuir segurança e certeza às relações jurídicas entre os cidadãos e, mesmo, entre estes e o próprio Estado, vedando-se que leis supervenientes fossem aplicadas a fatos ou atos pretéritos. Logo, não se tratando de lei mais benigna, esta deverá regular fatos futuros e nunca aqueles já ocorridos. Nem mesmo se pode admitir que lei nova mais gravosa altere os efeitos futuros de um fato jurídico realizado ao argumento de que um fato pode ser dissociado de seus efeitos, pois tal concepção daria ensejo à admissão da retroatividade mínima”. O conteúdo do princípio da irretroatividade da lei tributária parece bastante claro, no sentido de que a lei que cria ou aumenta tributo só deve incidir sobre fatos ocorridos após a sua entrada em vigor. Contudo, há determinados tributos, cuja hipótese tributária depende da ocorrência de fatos num determinado período de tempo, o que de certa forma traz dúvidas quanto à forma de aplicação do princípio ora analisado, especialmente se a lei que traz um aumento do tributo entra em vigor durante o período fixado para ocorrência dos fatos, como por exemplo, no imposto sobre a renda. 1.4 A estrutura da hipótese tributária Antes de adentrar no tema central do trabalho, serão analisados, de forma sucinta, os aspectos da hipótese tributária, de maneira a explicitar sua estrutura. No presente trabalho foram adotadas as terminologias utilizadas pelo autor Paulo de Barros Carvalho, que para a descrição normativa do fato, utiliza-se da expressão hipótese tributária, e para o acontecimento material do fato, denomina-se fato jurídico tributário. A hipótese tributária vai descrever, através da lei, o ato que gerará o nascimento da obrigação tributária, o valor desta, quais os sujeitos envolvidos, onde e em que momento surgirá e onde será realizada a prestação. Portanto, é na hipótese tributária que se encontram os critérios material, temporal, espacial, pessoal e quantitativo. Essa divisão é utilizada apenas para fins didáticos, tendo em vista ser impossível à subsunção do fato à norma, considerando separadamente os elementos da hipótese tributária. 1.4.1 Critério material Trata-se do núcleo da hipótese tributária, descrevendo uma ação ou situação que realizada dará nascimento à obrigação tributária. Ensina CARVALHO (2011, p. 326) “O comportamento de uma pessoa, consistência material lingüisticamente representada por um verbo e seu complemento, há de estar delimitado por condições espaciais e temporais, para que o perfil típico esteja perfeito e acabado, como descrição normativa de um fato”. Observa-se que a ação ou situação descrita pela hipótese tributária é representada por um verbo e seu complemento: importar mercadoria estrangeira, auferir renda, possuir propriedade rural, etc. Tome-se como exemplo o ITR (Imposto Territorial Rural), em que terá como critério ou aspecto material, o fato de ser o contribuinte possuidor de uma propriedade rural, emergindo a obrigação tributária. 1.4.2 Critério temporal Tem-se o critério temporal com a definição pela lei, do momento em que se considera ocorrida à hipótese tributária. Nas palavras de CARVALHO (2011, p. 331) tem-se “[…] o critério temporal da hipótese tributária como o grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária.” Assim, o critério temporal da hipótese tributária do ITR é o estabelecido pelo legislador na Lei 9.393/96 em seu artigo 1º, ou seja, em 1º de janeiro de cada ano. Esclarecendo, tem-se que, quem for possuidor de propriedade rural (critério material), em 1º de janeiro da cada ano, estará obrigado ao pagamento de imposto. 1.4.3 Critério espacial O critério espacial da hipótese tributária descreve o local em que o fato jurídico tributário deve ocorrer, ou põe em evidência o local do nascimento da obrigação tributária. Segundo Ataliba (1995, p, 93), o critério ou por ele chamado aspecto espacial designa “a indicação de circunstâncias de lugar – contidas explicita ou implicitamente na hipótese de incidência – relevantes para a configuração do fato imponível”. Os fatos imponíveis – como fatos concretos da vida real, inseridos no mundo fenomênico – acontecem num determinado lugar. Assim, para o exemplo já utilizado, ter-se-á o critério espacial da hipótese tributária do ITR descrito no artigo 29 do Código de Tributário Nacional, sendo todo o local fora da zona urbana do Município. Este critério espacial alude que somente ocorrerá a hipótese tributária dentro dos limites geograficamente delimitados. 1.4.4 Critério pessoal Diante da eclosão da hipótese tributária, observa-se, além do nascimento da obrigação tributária, um vínculo entre o particular e o Estado, que recebe o nome de relação jurídica tributária. Os sujeitos dessa relação jurídica tributária são apontados pelo critério pessoal ou subjetivo da hipótese tributária. Encontra-se nesta relação jurídica tributária, o sujeito ativo que é credor da obrigação, e o sujeito passivo que é devedor desta obrigação. No exemplo discutido, tem-se como sujeito ativo a União, diante de sua competência tributária para instituir imposto sobre propriedade territorial rural. E tem-se como sujeito passivo o proprietário ou possuidor do imóvel rural. Não se deve olvidar que será o sujeito passivo da obrigação quem for o proprietário ou possuidor no dia 1º de janeiro da cada ano, conforme estabelece o critério temporal da hipótese tributária. 1.4.5 Critério quantitativo Este critério contido na hipótese tributária tem o condão de externar o quantum da obrigação tributária. Ele encontra-se dividido em base de cálculo e alíquota. A base de cálculo da hipótese tributária considera no fato jurídico tributário o seu aspecto econômico, estabelecendo um parâmetro ou referência sobre o qual será cobrado o tributo. Segundo CARVALHO (2011, p. 400), a base de cálculo é “[…] a grandeza instituída na conseqüência da regra-matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária.” No exemplo da ITR (Imposto Territorial Rural), sua base de cálculo é estabelecida pelo Código Tributário Nacional, em seu artigo 30: “Art. 30. A base do cálculo do imposto é o valor fundiário.” A lei tributária estabelece como base de cálculo do ITR (Imposto Territorial Rural) o seu valor fundiário que equivale ao valor da terra nua, devendo ainda ser observado os aspectos trazidos pelo artigo 10 da Lei 9.393/96. A alíquota é o outro componente do critério quantitativo da hipótese tributária. Ela também será estabelecida pela lei, e determinará um percentual, o qual incidirá sobre a base de cálculo, apurando o valor real da obrigação tributária. No caso do ITR (Imposto Territorial Rural), a alíquota aplicável é diferenciada, obedecendo à área do imóvel, combinado com sua área produtiva, devendo ser observado os percentuais estabelecidos pela Lei 9.393/96. 1.5 A hipótese tributária do imposto sobre a renda O imposto sobre a renda, de competência da União, tem uma estrutura complexa, sendo disciplinada por diversas leis esparsas. Verifica-se que se trata do tributo que mais onera o contribuinte de forma direta, uma vez que ele tem caráter personalíssimo. Ademais, tal imposto, em tese, teria a estrutura mais adequada para o cumprimento do princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 145, § 1° da Constituição Federal, de maneira que pode promover uma tributação progressiva, de forma a atingir os sujeitos economicamente mais abastados com alíquotas maiores, e de maneira menos severa, com uma menor tributação, àqueles que possuem menor capacidade econômica.  Embora longe de ser o modelo ideal, verifica-se que ao imposto sobre a renda se mostra como um dos tributos que mais se aproxima da tão almejada justiça fiscal, bem ainda respeita o princípio da isonomia tributária, em seu aspecto material. Considerando os critérios estruturantes da hipótese tributária já verificados, será analisado o imposto sobre a renda, dando ênfase aos critérios material e temporal, diante do nexo com tema proposto. O imposto sobre a renda tem como critério ou aspecto material, o fato de ter o contribuinte acréscimo patrimonial, em razão da aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza (SABBAG, 2009, p. 1010). Machado (2005, p. 313) ensina que “Tendo em vista o disposto no art. 153, inciso III, da Constituição Federal, e no art. 43 do Código Tributário Nacional, podemos afirmar que o âmbito material de incidência do imposto de renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; e de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de renda.” Abstraindo as discussões jurisprudenciais e doutrinarias acerca do alcance da expressão renda, é possível verificar que o imposto em análise incide sobre as variações patrimoniais positivas. Relativamente ao critério temporal do imposto sobre a renda, pode-se verificar três modos de apuração no tempo da variação patrimonial, conforme lição de Martins (2005, p. 86) “Primeiramente, a lei ordinária poderá estipular que cada aumento de patrimônio (produto do capital, do trabalho, ou a combinação de ambos – CTN, art. 43) seja tributado independentemente dos demais, anteriores ou posteriores. Trata-se, por conseguinte, de considerar a variação patrimonial de modo dinâmico e individualizado, isto é, sem levar em conta outras eventuais majorações ou perdas. (…) Exemplo comum de tal sistema, ao menos no Direito brasileiro, é a incidência do IR sobre aplicações financeiras em geral, tributação considerada definitiva e independente das demais. (…) Em segundo lugar, e noutro sentido, é facultado ao legislador determinar que, somente após o termino de um período-base pré-definido (em geral entre 1° de janeiro e 31 de dezembro, mas não necessariamente), no qual certamente acontecem sucessivos aumentos e diminuições no patrimônio, seja considerada a variação ocorrida. Aqui, está-se diante de realidade estática, isto é, voltada a um período já encerrado. (…) Finalmente (e é o que ocorrer de ordinário), admite-se que a lei preceitue sejam os diversos aumentos patrimoniais desde já computados (modo dinâmico), ocorrendo, v.g., a imediata tributação dos ganhos e capital e a retenção de parcela dos salários etc., realizando-se, então, após o término do período-base considerado, um ajuste de contas.” Veja-se, que em que pese a consideração dos fatos de variação patrimonial positiva de forma isolada, o critério temporal da hipótese tributária do imposto sobre a renda é constatado ao final do período determinado pela lei, ou seja, verifica-se a variação patrimonial ao final do período-base (ano-base para o imposto sobre renda – pessoa física). Assim, vislumbra-se caracterizar o imposto sobre a renda como um tributo de incidência anual, ressaltando-se que em situações especificas a tributária ocorrerá tão logo se verifique a variação patrimonial, a exemplo da tributação sobre o ganho de capital. Machado (2005, p. 317) acerca do assunto, explica que “Em se tratando de imposto de incidência anual, pode-se afirmar que o seu fato gerador é da espécie dos fatos continuados. E em virtude de ser a renda, ou o lucro, um resultado de um conjunto de fatos que acontecem durante determinado período, é razoável dizer-se também que se trata de fato gerador complexo.” Ainda sobre o assunto, afirma Ribeiro (2009, p. 101-102) que “O fato imponível do imposto de renda é cons­tituído por uma série de eventos jurídicos relevantes, ocorridos ao longo do ano-base, findo o qual ocorrerá a constituição da relação jurídico-tributária. Ao final, portanto, do período correspondente ao ano-base, qual seja, entre 1º de janeiro a 31 de dezembro de cada ano-calendário, é que se terá o lapso de tempo relevante para a determinação da renda do contribuinte e, por conseguinte, o fato imponível do imposto.” Infere-se que durante o período-base o contribuinte praticará inúmeros fatos que exteriorizam disponibilidade jurídica ou econômica de renda, que deverão ser considerados para fins de apuração do imposto sobre a renda devido. Contudo, essa apuração, abstraindo as antecipações, só será viável com o fim do período-base, pois só então será possível apurar todos os atos de disponibilidade jurídica ou econômica de renda e proceder às deduções das despesas admitidas em lei, chegando assim a real base de cálculo do imposto sobre a renda. Observa-se que serão considerados todos os atos passíveis de tributação, praticados durante o período-base. Entretanto, a prática de cada ato isoladamente, em regra, não representa a hipótese tributária do imposto sobre a renda, dependendo, do fechamento do período-base para então concluir a hipótese tributária. Neste contexto, surge o chamado “fato gerador complexo”, criticado por alguns autores, entretanto amplamente adotado por outros. Desta forma, será analisado “fato gerador complexo” em tópico separado. 1.6 “O fato gerador complexo” Em que pese a adoção da terminologia hipótese tributária para designar o fato descrito na lei como suficiente para o surgimento da obrigação tributária, no presente tópico será utilizado a terminologia “fato gerador”, tendo em vista ser o rótulo utilizado na classificação que aqui será abordada. Assim, entre as classificações do “fato gerador”, merece destaque para o presente trabalho, a que os divide em periódicos e instantâneos.  O “fato gerador instantâneo” é aquele que ocorre e se exaure nele próprio, ou seja, o momento de sua ocorrência é o mesmo de sua extinção. Uma vez verificado no mundo fenomênico a ocorrência do evento, a obrigação de pagar o tributo surgirá simultaneamente. Já os “fatos geradores periódicos” são, nas palavras de Alexandre (2009, p.123) aqueles “que se prolongam no tempo, sendo considerados ocorridos nos instantes legalmente determinados, gerando, a cada período concluído, uma nova obrigação tributária”. Por seu turno, “fatos geradores periódicos” podem apresentar-se como periódicos simples e periódicos compostos (complexivos). Considerando essa classificação, Alexandre (2009, p.123) explica que “São periódicos simples aqueles que tomam por base um único evento, que se prolonga no tempo, como é o caso dos impostos sobre a propriedade. No IPTU, por exemplo, a propriedade de determinado imóvel é fato único, mas os seus efeitos se mantêm indefinidamente no tempo. São periódicos compostos (complexivos) os fatos geradores compostos de diversos eventos que devem ser considerados de maneira global, dentro de um determinado período de tempo legalmente definido. O fato gerador do imposto de renda, por exemplo, é periódico composto (complexivo), pois é formado por um conjunto de eventos (recebimentos mensais de renda, investimentos financeiros, alienações de bens com lucro etc.) que, globalmente considerados, implicam aumento patrimonial do contribuinte dentro de um determinado exercício financeiro.” Constata-se que o “fato gerador complexo” é aquele que abrange um conjunto de atos, fatos ou situações jurídicas, que atrelado ao critério temporal, apresenta-se demandando um período determinado para ocorrência dos referidos eventos. Como visto, o imposto sobre a renda apresenta “fato gerador” complexo e periódico, pois ele é apurado ao longo de um período fixado em lei (exercício financeiro para o imposto de renda – pessoa física), daí ser necessário o término do referido período para saber exatamente a base de cálculo ocorrida. Assim, considerando que a hipótese tributária do imposto sobre a renda (pessoa física) só se aperfeiçoa (conclui) com o término do período-base (exercício financeiro), contudo, não se olvidando que atos já foram praticados e que serão levados em consideração na apuração do tributo, é discutível o entendimento sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal através do verbete da Súmula 584, que afirma que a lei que altera o referido tributo durante o período-base será aplicado aos atos já praticados. Assim, é este entendimento que será adiante analisado, e se mostra como objeto do presente trabalho. 1.7 A Súmula 584 do Supremo Tribunal Federal e o princípio da irretroatividade no imposto sobre a renda Conforme já foi abordado, a Constituição Federal elenca como limitação ao poder de tributar do Estado a vedação da retroatividade da lei que crie ou aumente tributo. Ademais, foi verificado que o imposto sobre a renda apresenta “fato gerador” periódico e complexo, na medida em que sua verificação é realizada a partir de prática de inúmeros eventos ocorridos num determinado período-base fixado em lei, que coincide com o exercício financeiro. Considerando essas informações, é de se indagar se aplicação do entendimento extraído do verbete da Súmula 584 do Supremo Tribunal Federal não viola o princípio da irretroatividade tributária? Inicialmente destaca-se o disposto no verbete da Súmula 584 do Supremo Tribunal Federal “Súmula n.° 584 Ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração.” De acordo com o entendimento consagrado na Súmula do Supremo Tribunal Federal, se uma lei que aumenta a alíquota do imposto sobre a renda é publicada no final de um determinado ano, todos os fatos jurídicos tributários que aconteceram ao decorrer do referido período-base, mesmo antes de sua efetiva publicação, estão sujeitos ao aumento. A interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal através da Súmula 584, cuja edição é 1976, considera que a hipótese tributária do imposto sobre a renda ocorre no 1° momento do ano da declaração, ou seja, no 1° momento do ano em que ocorre a cobrança do tributo, abstraindo o período em que os eventos importantes para a tributação ocorreram. Neste mesmo sentido, Ribeiro (2009, p. 102) “De acordo com o entendimento consagrado na Súmula, a lei que introduzisse aumento na carga tri­butária do imposto sobre a renda entraria em vigor no ano da sua publicação e regeria o fato gerador do tributo em questão na sua integralidade, ficando para o exercício seguinte apenas a sua cobrança. Assim, a interpretação correta que se fazia do art. 153, § 29, da Constituição de 1967 era de que a lei haveria de pre­ceder ao exercício financeiro da cobrança do imposto, mas não da ocorrência do fato imponível tributário.” De forma a aclarar o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, tome-se como exemplo o imposto sobre a renda – pessoa física. A lei fixa como período-base o exercício financeiro (1° de janeiro a 31 de dezembro). Assim, todos os atos que evidenciem disponibilidade econômica ou jurídica de renda praticados no período-base serão levados a efeito para a apuração do imposto sobre a renda. Contudo, a declaração e consequentemente a cobrança deste imposto, abstraindo as retenções e tributação exclusiva, será efetuada apenas no exercício financeiro seguinte a prática dos atos. Desta forma, o Supremo Tribunal Federal entende que a hipótese tributária do imposto sobre a renda ocorre apenas no 1° dia do exercício financeiro seguinte ao do período-base onde se verifica a prática dos eventos que produzam variação patrimonial positiva. Assim, a lei publicada até o dia 31 de dezembro do período-base se mostraria anterior a hipótese tributária o imposto, e por conseguinte não apresentaria qualquer violação ao princípio da irretroatividade da lei tributária. Ademais, a aplicação do entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal é defendida a partir da leitura do artigo 105 do Código Tributário Nacional que dispõe “Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116.” Como a concretude da hipótese tributária do imposto sobre a renda só ocorrerá ao término do período-base fixado, entende-se que trata de “fato gerador pendente”. Segundo Sabbag (2009, p.173), “fato gerador pendente” “é aquele que indica o fato cuja conclusão ou consumação pressupõe uma sequência concatenada de atos, continuação essa que já se iniciou, mas ainda não se completou, no momento em que uma dada lei aparece, entrando em vigor.” Neste ponto, defende-se que como a hipótese tributária do imposto sobre renda se consuma com o término do período-base, e considera todos os eventos praticados durante este período, neste período a hipótese tributária encontrava-se pendente de conclusão, logo uma vez publicada uma lei modificadora no decorrer do período-base, a ele seria aplicada. Vislumbra-se que para os tributos de “fato gerador complexo”, o marco para aplicação de uma lei nova é a conclusão da hipótese tributária. Não concluída a hipótese tributária, os eventos a serem praticados durante o período fixado em lei estão sujeitos a alterações da lei. Em que pese às inúmeras críticas da doutrina quanto à aplicação do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula 584, que serão analisadas, a mesma continua sendo aplicada. É possível verificar através da ementa do julgamento do Recurso Extraordinário n. 194.612[1], de 24.3.1998, cuja relatoria coube ao Ministro Sydney Sanches, a aplicação do entendimento consolidado através da Súmula 584 do Supremo Tribunal Federal. Verifica-se que foi determinada a aplicação da alíquota majorada no final do ano-base aos atos ocorridos durante este período, ao argumento de que o fato gerador só se completa e se caracteriza ao final do período, ou seja, no dia 31 de dezembro do exercício financeiro. Ademais, no julgamento do Recurso Extraordinário 199.352/PR[2], de 6.2.2001, em que o relator, Ministro Marco Aurélio restou vencido, novamente foi aplicada o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal através da Súmula 584. Conforme dito, o entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal é muito criticado pela doutrina, mesmo antes da Constituição de 1988, visto que os doutrinadores apontam inúmeros argumentos para demonstrar que o entendimento consubstanciado na Súmula 584 ofende o princípio da irretroatividade. Martins (2005, p. 86) explica que “Iniciado um período-base legalmente traçado, criam-se no sujeito passivo legítimas expectativas acerca de sua manutenção e estabilidade, sob as fórmulas e regras inicialmente elencadas, possibilitando-lhe, destarte, da maneira menos onerosa possível, levar a efeito programação com gastos a serem ultimados com o IR.” Conforme já mencionado, o princípio da irretroatividade tributária tem o por imperativo que seja dado conhecimento ao contribuinte de forma clara e prévia acerca dos critérios estruturais da hipótese tributária. Segundo Amaro (2011, p.142) “A lei, para respeitar a irretroatividade, há de ser anterior à serie de “a+b-c”, vale dizer, a lei deve preceder todo o conjunto de fatos isolados que compõem o fato gerador do tributo. Para respeitar o princípio da irretroatividade, não basta que a lei seja prévia em relação ao último desses fatos, ou ao término do período durante a qual os fatos isoladamente ocorridos vão sendo registrados.” Na prática, a lei a ser aplicada aos eventos que serão praticados durante o período-base deve ser a que estiver em vigência antes do início do período-base, sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade. Difini (2006, p. 165) assevera que “Na verdade, não seria pseudo-retroatividade, mas retroatividade mesmo, hoje vedada por norma constitucional expressa (art. 150, III, a), que proíbe a exigência de tributos “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”. Logo, a lei tributária já não pode criar qualquer exigência com base em fatos que já ocorreram. O fato econômico tributável tem de ser posterior à lei: o mais, é aplicação retroativa da lei, constitucionalmente vedada. A Súmula 584, anterior à Constituição, já não prevalece, por incompatível com seu art. 150, III, a.” No mesmo sentido, Machado (2005, p.110) afirma que “Autorizados tributaristas tem sustentado que o imposto de renda deve ser regulado por lei em vigor antes do início do período-base respectivo. (…) O entendimento pelo qual o fato gerador do imposto de renda somente se completa no dia 31 de dezembro, e assim a lei publicada até tal data aplica-se a todo o período, vale dizer, ao lucro apurado no período de 1° de janeiro a 31 de dezembro, na verdade prejudica a segurança jurídica.” Sem sombra de dúvidas, a interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal parece ignorar a essência do princípio da irretroatividade tributária, que é proporcionar segurança jurídica ao contribuinte. Independente da conclusão da hipótese de incidência, não pode ser olvidado que inúmeros atos foram praticados durante o período-base, e que serão considerados para a apuração do imposto sobre renda. Assim, só haverá segurança jurídica para o contribuinte se ele conhecer e lhe for garantida a aplicação da lei em vigor desde o inicio do período-base até o seu final. Neste mesmo sentido, é o entendimento de Coelho (2008, p. 344) “Importa fundamentalmente que, antes de iniciar-se o fato jurígeno em 1° de janeiro, tenha o contribuinte certeza, segurança e previsão da lei prévia e escrita que o regerá ao longo do ano-base. Esta a verdadeira questão. A lei deve ser prévia ao dies a quo do fato jurígeno-tributário do IR a delongar-se ano adentro”. Ademais, embora se entenda já bastar os argumentos até aqui trazidos para demonstrar o equívoco do entendimento do Supremo Tribunal Federal consubstanciado através de sua Súmula 584, há que serem mencionadas as críticas levantadas quanto ao suposto amparo que o artigo 105 do Código Tributário Nacional daria ao referido entendimento. Verifica-se que o artigo 105 do Código Tributário Nacional indica a forma de aplicação da lei aos “fatos geradores pendentes e futuros”. Contudo, o referido dispositivo remete a regra ao disposto no artigo 116 que por conseqüência deve ser interpretado em conjunto com o artigo 117, todos do Código Tributário Nacional, que dispõem “Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável. Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados: I – sendo suspensiva a condição, desde o momento de seu implemento; II – sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio.” Assim, a aplicação imediata da lei deve ser para os atos ou negócios jurídicos sujeitos a condição, cuja hipótese tributária só será verificada com o seu implemento. Segundo Coelho (2008, p. 340) “A expressão fato gerador pendente leva a falsa idéia de um fato gerador “complexivo” dependente das determinações de “outros direitos”. Não é nada disso, porém. O fato gerador pendente, na dicção do CTN, é uma subespécie do fato gerador futuro, se e quando dito fato gerador se caracterizar como uma situação jurídica que, por sua vez, caracterizar um ato jurídico bilateral (negócio jurídico) sujeito a condição que seja suspensiva.” E continua o mesmo autor (2008, p.341) “As palavras do CTN, dessarte, são incorretas, porque fato gerador pendente não é o que teve inicio e ainda não teve fim, e, sim, o que sequer teve começo (pois o fato gerador ocorre ou não ocorrer). O que, certamente, teve início, foi o negócio jurídico condicional. Do contrário, o inadimplemento da condição no negócio tornaria o fato gerador pendente um fato gerador que teve início e jamais teria fim…”  No mesmo sentido é o ensinamento de Sabbag (2009, p. 175) “Do exposto, será possível verificar que pendente estará o negócio jurídico, e não o fato gerador. Este ocorrerá ou não. Essa é a razão pela qual, a nosso ver, a lei tributária só se aplica mesmo a fatos geradores futuros, pois o debatido “fato gerador pendente” nada mais é do que uma possibilidade jurídica. Se a condição jamais ocorrer, sua inexistência será inexorável.” Logo, verifica-se que “pendente” é o negócio jurídico e não a hipótese de tributária, não havendo que se falar em aplicação imediata aos eventos praticados no transcorrer do período-base, sob o argumento de que o artigo 105 do Código Tributário Nacional assim prevê. De arremate, ressalta-se que muito embora a matéria demonstra-se controvertida, o tema hoje está pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal, com o reconhecimento de repercussão geral da matéria. A repercussão geral foi reconhecida no Recurso Extraordinário n. 592.396/SP[3], cujo Relator é o Ministro Ricardo Lewandowski. Contudo, como a matéria já se encontrava pendente de julgamento no Plenário do Supremo Tribunal Federal através do Recurso Extraordinário n. 183.130/PR, será neste recurso que repousará a discussão quanto o entendimento externado através do verbete da Súmula 584.   Até a presente data, votaram pela aplicação do entendimento externado no verbete da Súmula 584 do Supremo Tribunal Federal, os Ministros Carlos Velloso, relator do Recurso Extraordinário n. 183.130/PR, Nelson Jobim e Joaquim Barbosa. Contudo, em voto-vista o Ministro Eros Grau votou pelo provimento do Recurso Extraordinário n. 183.130/PR, de modo a afastar o entendimento até então aplicado no Supremo Tribunal Federal, e reconhecendo a inaplicabilidade da lei que altera a alíquota do imposto sobre a renda aos atos praticados no exercício-base de sua publicação. O referido voto-vista foi acompanhado pelo Ministro Menezes Direito. Hoje o Recurso Extraordinário n. 183.130/PR encontra-se com vista ao Ministro Cézar Peluso, e é a esperança dos tributaristas para que seja verificado o teor da Sumula 584 do Supremo Tribunal Federal com maior profundidade e que se reverta o entendimento até então aplicado pela Suprema Corte, já que o tema exigirá uma analise mais detida, pois é objeto de repercussão geral. CONSIDERAÇÕES FINAIS De todo o exposto, verifica-se que a irretroatividade da lei é tão importante para o Direito Tributário que o constituinte consagrou expressamente o princípio da irretroatividade tributária, como imperativo de que o contribuinte tenha conhecimento prévio da lei que rege o tributo a ser exigido. Em que pese à clareza do princípio, ainda é possível verificar a aplicação do entendimento sedimentado na Súmula 584 do Supremo Tribunal Federal, que segundo opinião esmagadora dos doutrinadores brasileiros ofende o princípio da irretroatividade da lei tributária. Valendo-se da conclusão de que a hipótese tributária do imposto sobre a renda ocorre ao término do período-base fixado em lei, contudo, devendo ser considerado todos os eventos praticados neste período, é fácil verificar que a segurança jurídica, valor maior que visa assegurar o princípio da irretroatividade da lei tributária, só será satisfeita se o contribuinte conhecer previamente a lei que será aplicada no decorrer de todo o período-base. Sem dúvida, a aplicação de lei que majora o imposto sobre a renda aos eventos já ocorridos no mesmo ano-base de sua publicação, sob o entendimento de que a hipótese tributária do referido tributo só se verifica no final do período (31 de dezembro do exercício financeiro), conforme quer o entendimento do Supremo Tribunal Federal, representa uma retroação da lei. De certo modo, com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, a lei está a atingir atos praticados, cujo indivíduo tinha a expectativa de suportar os efeitos jurídicos nos termos da lei até então em vigor. Sobrevindo lei que majore o imposto sobre a renda, cuja aplicação deverá ocorrer sobre atos já praticados durante o período-base, sem dúvida fragiliza a segurança do contribuinte, pois deverá suportar a carga tributária até então não planejada. Ademais, a aplicação imediata da lei que altera os critérios da hipótese tributária deve ocorrer tão somente aos negócios jurídicos pendentes, que ainda não foram concluídos em razão de algum elemento acidental que ainda não foi implementado. Diferente da hipótese tributária do imposto sobre a renda, onde os atos encontram-se devidamente perfeitos, e que devem ser analisados em conjunto ao final do ano-base. Assim, infere-se que o entendimento firmado através da Súmula 584 do Supremo Tribunal Federal contraria o princípio da irretroatividade da lei tributária, tendo a Suprema Corte a oportunidade de rever seu posicionamento através do julgamento do Recurso Extraordinário 183.130/PR.
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Apontamentos sobre o preço de transferência no Brasil : método do preço de revenda menos lucro (PRL) e a importação de insumos
O presente artigo pretende tratar dos métodos preços de transferência segundo a Convenção Modelo da OCDE e a sua aplicação na legislação tributária portuguesa. Por fim, será analisado o sistema de preços de transferência no Brasil com ênfase ao método preço de revenda menos o lucro aplicado nas operações de importação de insumos.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Diuturnamente, os meios de comunicação tornam-se mais modernos e precisos, o que influencia diretamente diversos aspectos da sociedade pós-moderna, dentre os quais se destacam o grau de liberdade de locomoção de bens e pessoas, repercutindo no modo como é processado comércio interno e internacional. Essa articulista já teve a oportunidade de dissertar sobre a desconsideração da personalidade jurídica em seu trabalho de conclusão de curso de graduação, quando disse que, a princípio, o Direito evoluiu para a criação da figura da pessoa jurídica como instrumento legítimo para a consecução de interesses das mais diversas ordens, possibilitando a limitação da responsabilidade dos sócios, sem a qual dificilmente os particulares se animariam a empreender esforços e capitais em atividades de risco, extremamente necessárias ao progresso dos povos[1]. Dessa ideia, chegou-se, mais tarde, ao conceito de grupo de empresas, que nada mais é, grosso modo, que a coordenação e/ou subordinação de várias pessoas jurídicas entre si. Os avanços tecnológicos e a globalização acabaram por estreitar a relação entre diferentes nações, não importando mais a distância física entre elas. Os próprios países hoje se organizam em blocos, levando em consideração interesses econômicos, cujo maior exemplo é a própria UNIÃO EUROPEIA, podendo ser lembrados o NAFTA e o MERCOSUL, entre outros. Justifica-se, portanto, o enfrentamento do tema preço de transferência, fenômeno jurídico e contábil cada vez mais discutido, tendo em vista, de um lado, o interesse dos contribuintes em pagar menos impostos, através de técnicas de planejamento fiscal, contraposto ao dos Estados, de manter ou aumentar a arrecadação. O assunto fica ainda mais atual em tempos de crise financeira, como a que assola o mercado mundial. Considerando-se, todavia, sua amplitude, opta-se por delimitar o tema no que concerne, no regime brasileiro de preços de transferência, ao método do preço de revenda menos lucro (PRL), aplicável às operações de importação de insumos para a indústria, em vista de alteração na legislação tributária brasileira levada a cabo em 2002, mas que rende atualmente acaloradas demandas nas esferas administrativa e judicial. 1. PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA Preço de transferência é expressão que, derivada do inglês transfer price, designa o valor cobrado por uma empresa na venda ou transferência de bens, serviços ou propriedade intangível, à empresa a ela relacionada.[2] Por se tratar de preços que não são negociados em um mercado livre e aberto, podem eles se desviar daqueles que teriam sido acertados entre parceiros comerciais não relacionados, em transações comparáveis nas mesmas circunstâncias.[3] A grande questão, quando há transações comerciais entre empresas vinculadas, é que, não raramente, os preços de transferência são utilizados como instrumentos de alocação de lucros, através do superfaturamento das importações e/ou do subfaturamento das exportações, transferindo-se o lucro da parte domiciliada no país com a maior carga fiscal para a outra parte da operação.[4] Assim, há que se ter em mente que os preços de transferência podem constituir uma estratégia de planejamento fiscal objetivando, na maioria das vezes, concentrar a maior parte dos lucros de um grupo de empresas nas unidades localizadas nos territórios de mais baixo imposto. Geralmente isso é feito manipulando-se a política de preços que vigora nas relações internas do grupo, inflacionando-se os custos de aquisição e deflacionando-se os preços de alienação nos territórios de alta tributação ou, nos países de baixa fiscalidade, operando-se de forma inversa.[5] Pois bem. A conceituação de preços de transferência baseia-se nas linhas norteadoras do Modelo de Convenção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da qual o Brasil não faz parte, o que não o impede, em razão de sua soberania e dos princípios e regras de Direito Internacional, de firmar convenções utilizando-se dele. Portugal, por outro lado, faz parte do grupo de vinte países que, em 1961, aderiu à Criação da OCDE. De toda sorte, referido Modelo não é, em si, fonte de Direito Internacional Tributário, mas apenas um ponto de partida para que dois Estados ratifiquem convenções entre si, as quais, estas sim, são veículos de normas jurídicas válidas.[6] 2.  MODELO DE CONVENÇÃO DA OCDE Conforme noticia ALBERTO XAVIER, o Modelo da OCDE tem sua origem nos trabalhos desenvolvidos pelo Comitê Fiscal da Organização Europeia de Cooperação Econômica (OECE), que almejavam desenvolver um projeto de convenção destinada a eliminar as duplas tributações sobre rendimento e patrimônio.[7] A princípio, em 1961, criou-se a própria OCDE, que substituiu a OECE para, então, em 1963, ser divulgado o Projeto de Convenção (Draft Convention) juntamente com os respectivos comentários interpretativos. Em 1977, o Projeto de Convenção foi revisado, tendo sido objeto de recomendação pelo Conselho da OCDE, alçando a condição de Modelo de Convenção (Model Convention).[8] Em 1992, entretanto, o Comitê Fiscal da OCDE publicou um novo Modelo de Convenção acrescido dos devidos comentários (Model Tax Convention), com o propósito de receber revisões permanentes. Novamente o Modelo foi objeto de recomendação pelo Conselho da OCDE.[9] Aponta HELENO TÔRRES que, entre 1977 e 1992, as reformas praticadas no corpo do texto modelar foram relativamente poucas, mas que o grande contributo foram os acréscimos nos comentários interpretativos.[10] Para o presente trabalho, ressalta-se a importância da primeira parte do art. 9º, da Convenção Modelo da OCDE, que trata do princípio do arm’s length, o qual, dada a sua importância, merecerá maior atenção no item seguinte:[11] “Article 9 ASSOCIATED ENTERPRISES 1. Where a) an enterprise of a Contracting State participates directly or indirectly in the management, control or capital of an enterprise of the other Contracting State, or    b) the same persons participate directly or indirectly in the management, control or capital of an enterprise of a Contracting State and an enterprise of the other Contracting State, and in either case conditions are made or imposed between the two enterprises in their commercial or financial relations which differ from those which would be made between independent enterprises, then any profits which would, but for those conditions, have accrued to one of the enterprises, but, by reason of those conditions, have not so accrued, may be included in the profits of that enterprise and taxed accordingly. [..]” 3. PRINCÍPIO DO ARM’S LENGTH Como já sugerido, o disciplinamento do preço de transferência deve ser visto sob o enfoque do princípio do arm’s length, inserido no art. 9º, do Modelo de Convenção da OCDE, princípio este advindo da necessidade de se dotar as Administrações Tributárias dos diversos Estados de métodos e técnicas para reescrever a contabilidade das sociedades empresárias que mantêm um vínculo entre si, de tal forma que o preço por elas praticados em condições anômalas estejam o mais próximo possível daqueles observáveis em sociedades independentes. Pode-se, pois, dizer que o princípio do arm’s length é verdadeiramente uma variante do princípio da livre concorrência. Curiosamente, embora no Brasil opte-se pelo uso do termo em inglês, em Portugal, usa-se, com alguma frequência, a sua modalidade traduzida, qual seja princípio da plena concorrência. Anota ALEXANDRA MARINS, em sua tese de mestrado sobre o regime dos preços de transferência e o IVA, que a OCDE desenvolveu um conjunto de princípios e regras tendentes à determinação do preço de plena concorrência, estabelecidos em Relatórios, cuja revisão e atualização têm sido realizadas com certa periodicidade. Ressalta, ainda, que a comparação entre as operações de empresas vinculadas e as operações de empresas independentes, pressupõe a formulação de premissas de verificação, muitas vezes incertas, tal como a comparabilidade efetiva das transações.[12] No ordenamento jurídico brasileiro esse princípio é extraído do contido em dispositivos da Lei n. 9.430/96, mais especificamente do seu art. 18, sobre o qual se discorrerá mais à frente. Em Portugal, depois de sucessivas alterações legislativas, a previsão legal do referido princípio encontra-se no art. 63º, do CIRC, destacadamente nos itens 1 e 2:[13] “Artigo 63.º Preços de transferência 1 – Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis. 2 – O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco. […]” Do exposto, verifica-se que o princípio do arm’s length exige para a sua concretização a presença de requisitos objetivo e subjetivo. O requisito subjetivo é a exigência de que se esteja diante de pessoas jurídicas (ou físicas) vinculadas, residentes ou domiciliadas no país, com pessoas jurídicas (ou físicas), residentes ou domiciliadas no exterior. Já o requisito objetivo refere-se ao valor da operação, sendo majoritário o entendimento doutrinário de que o preço de transferência só prevalecerá em caso de o preço praticado pelo contribuinte estar em desacordo com o praticado pelo mercado[14]. 4.  TRANSFER PRICING GUIDELINES Pois bem. Como já adiantado no item anterior, não é tarefa fácil apurar-se os preços de transferência. Importa então destacar que a OCDE instituiu em 1992 um grupo de trabalho dentro do seu Comitê Fiscal (Committee of Fiscal Affairs) para atualizar relatórios anteriores sobre preços de transferência, dentre outros motivos, pela preocupação decorrente das normas sobre essa matéria adotadas pelos Estados Unidos da América.[15] Aprovados pelo Conselho da OCDE, os resultados desse trabalho foram publicados como diretrizes (guidelines), em 13/07/95. Referidas diretrizes vêm sendo atualizadas desde então, valendo destacar a revisão substancial aprovada em 22/07/10.[16] O Capítulo II do Transfer Pricing Guidelines (TPG) aponta cinco métodos de apuração dos preços de transferência, os quais são sugeridos para se verificar se as condições de transações entre grupos de empresas são condizentes com o princípio do arm’s length. São eles: o da comparação de preços não controlados (comparable uncontrolled price – CUP); o do preço de revenda minorado (resale price method); o do custo mais margem (cost-plus method); o do lucro transacional (transactional profit method) e o da margem de lucro transacional reduzida (transactonal profit split method).[17] Não é objetivo desse trabalho detalhar todos esses métodos, mas focar no do preço de revenda, que foi adotado pela legislação brasileira para aferição, caso seja necessário, dos preços de transferência nas importações de insumos para a industrialização entre empresas de um mesmo grupo, como já dito na introdução deste trabalho. De qualquer forma, algumas explicações podem ser úteis. O método de comparação de preços não controlados (comparable uncontrolled price – CUP) baseia-se na comparação dos preços praticados em transações análogas, sob circunstâncias similares, por partes independentes.[18] Pelo método do preço de revenda minorado (resale price method), para a determinação do preço de aquisição praticado por empresas vinculadas, subtrai-se do preço de revenda praticado com terceiros não relacionados uma margem determinada, considerada adequada. O lucro bruto é calculado a partir da análise das margens praticadas em transações comparáveis entre partes independentes e, em tese, deverá permitir a cobertura dos encargos incorridos e a realização de lucro.[19] Já pelo método do custo mais margem (cost-plus method), o preço arm's length é determinado partindo-se do custo de produção do bem e tendo em vista uma margem adequada. Quando possível, esta deve ser comparada com transações da mesma empresa com produtos iguais ou semelhantes, dentro da mesma categoria, feitas com terceiros. Na impossibilidade de fazer tal comparação, são aceitáveis as margens praticadas no âmbito da indústria.[20] Por fim, os métodos do lucro transacional (transactional profit method) e o da margem de lucro transacional reduzida (transactonal profit split method) são espécies do gênero método da comparação de lucros (comparable profits method – COM), de acordo com o qual, os lucros operacionais das transações feitas entre companhias relacionadas são comparados com os de outras companhias independentes realizando as mesmas transações. Pode ser feito pelo retorno sobre vendas, retorno sobre ativos ou outro índice. Os regulamentos determinam que o método se aplique para cada segmento da indústria, separadamente, não podendo ser feito o cálculo da média de vários segmentos.[21] Dessa breve explanação, comprova-se a relevância dos métodos de aferição dos preços de transferência, já que, uma vez identificada uma operação entre partes relacionadas que não respeite o princípio do arm’s length, isto é, verificada a divergência entre o preço praticado e aquele da livre concorrência, pode-se valer de um deles, geralmente incorporados pelos ordenamentos jurídicos dos países, destinados à manutenção e à aplicação do princípio, através do que se possibilita o exercício, pelas Administrações Tributárias, do controle sobre os preços praticados com objetivos fiscais e extrafiscais.[22] 5.  MÉTODO DO PREÇO DE REVENDA MENOS LUCRO (PRL) O Brasil, como já exposto, não é membro da OCDE, mas tem o desejo de sê-lo, tanto que editou a Lei n. 9.430/96, deixando consignado na Exposição de Motivos a influência das Diretrizes (Transfer Pricing Guidelines), já referidas:[23] “As normas contidas nos arts. 18 e 24 representam significativo avanço na legislação nacional face ao ingente processo de globalização, experimentado pelas economias contemporâneas. No caso específico, em conformidade com as regras adotadas nos países integrantes da OCDE, são propostas normas que possibilitam o controle dos denominados preços de transferências, de forma a evitar a prática, lesiva aos interesses  nacionais de transferência de resultados para o exterior, mediante a manipulação dos preços pactuados nas importações ou exportações de bens, serviços ou direitos, em operações com pessoas vinculadas, residentes ou domiciliadas no exterior.” Como já dito, no art. 18, da referida Lei n. 9.430/96, foi adotado o princípio arm’s length, além de terem sido explicitados os métodos de ajustamento dos preços de transferência (preço parâmetro), entre os quais o do preço de revenda menos lucro (PRL), no seu inciso II, cuja redação foi alterada pela Lei 9.959/00 e pela Medida Provisória n. 563/12 (esta ainda não convertida em lei):[24] “Art. 18. Os custos, despesas e encargos relativos a bens, serviços e direitos, constantes dos documentos de importação ou de aquisição, nas operações efetuadas com pessoa vinculada, somente serão dedutíveis na determinação do lucro real até o valor que não exceda ao preço determinado por um dos seguintes métodos: I – Método dos Preços Independentes Comparados – PIC: definido como a média aritmética dos preços de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, apurados no mercado brasileiro ou de outros países, em operações de compra e venda, em condições de pagamento semelhantes; (Vide Medida Provisória nº 563, de 2012) II – Método do Preço de Revenda menos Lucro – PRL: definido como a média aritmética dos preços de revenda dos bens ou direitos, diminuídos: (Vide Medida Provisória nº 563, de 2012) a) dos descontos incondicionais concedidos; (Vide Medida Provisória nº 563, de 2012) b) dos impostos e contribuições incidentes sobre as vendas; (Vide Medida Provisória nº 563, de 2012) c) das comissões e corretagens pagas; (Vide Medida Provisória nº 563, de 2012) d) da margem de lucro de: (Redação dada pela Lei nº 9.959, de 2000) (Vide Medida Provisória nº 563, de 2012) 1. sessenta por cento, calculada sobre o preço de revenda após deduzidos os valores referidos nas alíneas anteriores e do valor agregado no País, na hipótese de bens importados aplicados à produção; (Incluído pela Lei nº 9.959, de 2000) 2. vinte por cento, calculada sobre o preço de revenda, nas demais hipóteses. (Incluído pela Lei nº 9.959, de 2000) III – Método do Custo de Produção mais Lucro – CPL: definido como o custo médio de produção de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, no país onde tiverem sido originariamente produzidos, acrescido dos impostos e taxas cobrados pelo referido país na exportação e de margem de lucro de vinte por cento, calculada sobre o custo apurado. (Vide Medida Provisória nº 563, de 2012)” (Destaques nossos.) […] Com o advento da Lei n. 9.959/00, alterou-se a alínea “d” do inciso II do art. 18, da Lei n. 9.430/96, de forma que o método PRL passou a valer também para importações de bens utilizados na produção local, isto é, para os casos em que o importador compra o produto e o utiliza como insumo na sua produção antes de vendê-la. Como essa operação de produção agrega valor, a Lei 9.959/00 ampliou a margem de lucro utilizável no cálculo do PRL de 20% para 60%, o que deu margem para que o método, nesse caso, ficasse conhecido pela sigla PRL-60. Mas a grande controvérsia na utilização do método PRL-60 surgiu em 2002, com a publicação da Instrução Normativa n. 243/02, pela Secretaria da Receita Federal, que determinou a participação proporcional do insumo na composição do preço parâmetro, nos termos do seu art. 12.[25] Ocorre que, até então, as Instruções Normativas editadas para regulamentar a Lei n. 9.430/96, no que tange aos seus arts. 18 a 24, notadamente a de n. 32/01, prescreviam que a margem de lucro de 60% fosse calculada sobre a média aritimética dos preços de venda do bem produzido.[26] Não se levava em conta a participação proporcional do insumo importado no custo do bem produzido, o que acarretava seriíssimas distorções, de modo que era praticamente impossível que algum contribuinte tivesse que recolher imposto de renda ou contribuição social sobre o lucro líquido em razão da importação de insumos para sua produção, mesmo com a aplicação do método PRL-60. Essa distorção foi notada e a Administração Pública, exercendo sua função regulamentar e fazendo uma interpretação teleológica da Lei n. 9.430/96, cujo objetivo foi ressaltado na Exposição de Motivos já referida, editou então a Instrução Normativa n. 243/02. Passou-se assim a se considerar na sistemática do PRL-60 o valor de revenda do produto final acabado e a participação do insumo neste bem. Destarte, para se encontrar o custo máximo dedutível do insumo importado a partir do preço de revenda, após a edição da Instrução Normativa n. 243/02, parte-se da seguinte fórmula: (i) do valor de revenda do produto descontam-se as despesas prescritas no art. 18, II, alíneas “a” a “c”, da Lei n. 9.430/96, quais sejam, os descontos incondicionais, os impostos e contribuições incidentes sobre venda e as comissões e corretagens pagas, encontrando-se o valor líquido de revenda; (ii) considera-se no valor líquido de revenda apenas a parcela referente à participação do insumo no produto final, ou seja, faz-se uma proporcionalidade  e (iii) desconta-se a margem de lucro, que no caso, por definição legal, é de 60%, alcançando-se assim o preço final. Sobre o tema, SCHOUERI, autor de obra dedicada exclusivamente ao preço de transferência no Brasil, reconhece a razoabilidade da utilização proporcional do custo do insumo importado. Confira-se:[27] “7.6.5. Outra possibilidade de aplicação do método PRL com margem de 60% para produtos acabados com mais de um produto sujeito ao controle dá-se através da proporcionalização do preço de venda. Tal sistemática, muito mais razoável do que a anterior, é bastante semelhante ao cálculo da Instrução Normativa no. 243/02 (que será examinada a seguir), tendo o valor agregado como fato de diferença. 7.6.5.1. A referida sistemática tem como base o custo individual de cada produto que compõe o produto acabado, atribuindo-se, então, um percentual desse custo total do bem, criando, assim, várias revendas.” Por tudo quanto já foi exposto, é fácil perceber que o PRL é método de aferição indireta do valor do produto importado, visto que a aferição direta, feita pelo valor declarado de importação, nem sempre corresponde ao valor de mercado. Pode-se dizer que é um método dedutivo – que parte do todo para chegar à parte. Assim, só é possível encontrar o valor real da parte, levando-se em consideração quanto esta contribuiu para a formação do produto todo. O tema, como já adiantado alhures, começa agora a ser enfrentado pelos Tribunais, como ora se verifica: “TRIBUTÁRIO – TRANSAÇÕES INTERNACIONAIS ENTRE PESSOAS VINCULADAS – MÉTODO DO PREÇO DE REVENDA MENOS LUCRO-PRL-60 – APURAÇÃO DAS BASES DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL – EXERCÍCIO DE 2002 – LEIS NºS. 9.430/96 E 9.959/00 E INSTRUÇÕES NORMATIVAS/SRF NºS. 32/2001 E 243/2002 – PREÇO PARÂMETRO – MARGEM DE LUCRO – VALOR AGREGADO – LEGALIDADE – INOCORRÊNCIA DE OFENSA A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – DEPÓSITOS JUDICIAIS. 1. Constitui o preço de transferência o controle, pela autoridade fiscal, do preço praticado nas operações comerciais ou financeiras realizadas entre pessoas jurídicas vinculadas, sediadas em diferentes jurisdições tributárias, com vista a afastar a indevida manipulação dos preços praticados pelas empresas com o objetivo de diminuir sua carga tributária. 2. A apuração do lucro real, base de cálculo do IRPJ, e da base de cálculo da CSLL, segundo o Método do Preço de Revenda menos Lucro – PRL, era disciplinada pelo art. 18, II e suas alíneas, da Lei nº 9.430/96, com a redação dada pela Lei nº 9.959/00 e regulamentada pela IN/SRF nº 32/2001, sistemática pretendida pela contribuinte para o ajuste de suas contas, no exercício de 2002, afastando-se os critérios previstos pela IN/SRF nº 243/2002. 3. Contudo, ante à imprecisão metodológica de que padecia a IN/SRF nº 32/2001, ao dispor sobre o art. 18, II, da Lei nº 9.430/96, com a redação que lhe deu a Lei nº 9.959/00, a qual não espelhava com fidelidade a exegese do preceito legal por ela regulamentado, baixou a Secretaria da Receita Federal a IN/SRF nº 243/2002, com a finalidade de refletir a mens legis da regra-matriz, voltada para coibir a evasão fiscal nas transações comerciais com empresas vinculadas sediadas no exterior, envolvendo a aquisição de bens, serviços ou direitos importados aplicados na produção. 4. Destarte, a IN/SRF nº 243/2002, sem romper os contornos da regra-matriz, estabeleceu critérios e mecanismos que mais fielmente vieram traduzir o dizer da lei regulamentada. Deixou de referir-se ao preço liquido de venda, optando por utilizar o preço parâmetro daqueles bens, serviços ou direitos importados da coligada sediada no exterior, na composição do preço do bem aqui produzido. Tal sistemática passou a considerar a participação percentual do bem importado na composição inicial do custo do produto acabado. Quanto à margem de lucro, estabeleceu dever ser apurada com a aplicação do percentual de 60% sobre a participação dos bens importados no preço de venda do bem produzido, a ser utilizada na apuração do preço parâmetro. Assim, enquanto a IN/SRF nº 32/2001 considerava o preço líquido de venda do bem produzido, a IN/SRF nº 243/2002, considera o preço parâmetro, apurado segundo a metodologia prevista no seu art. 12, §§ 10, e 11 e seus incisos, consubstanciado na diferença entre o valor da participação do bem, serviço ou direito importado no preço de venda do bem produzido, e a margem de lucro de sessenta por cento. 5. O aperfeiçoamento fez-se necessário porque o preço final do produto aqui industrializado não se compõe somente da soma do preço individuado de cada bem, serviço ou direito importado. À parcela atinente ao lucro empresarial, são acrescidos, entre outros, os custos de produção, da mão de obra empregada no processo produtivo, os tributos, tudo passando a compor o valor agregado, o qual, juntamente com a margem de lucro de sessenta por cento, mandou a lei expungir. Daí, a necessidade da efetiva apuração do custo desses bens, serviços ou direitos importados da empresa vinculada, pena de a distorção, consubstanciada no aumento abusivo dos custos de produção, com a consequente redução artificial do lucro real, base de cálculo do IRPJ e da base de cálculo da CSLL a patamares inferiores aos que efetivamente seriam apurados, redundar em evasão fiscal. 6. Assim, contrariamente ao defendido pela contribuinte, a IN/SRF nº 243/2002, cuidou de aperfeiçoar os procedimentos para dar operacionalidade aos comandos emergentes da regra-matriz, com o fito de determinar-se, com maior exatidão, o preço parâmetro, pelo método PRL-60, na hipótese da importação de bens, serviços ou direitos de coligada sediada no exterior, destinados à produção e, a partir daí, comparando-se-o com preços de produtos idênticos ou similares praticados no mercado por empresas independentes (princípio arm's length), apurar-se o lucro real e as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. 7. Em que pese a incipiente jurisprudência nos Tribunais pátrios sobre a matéria, ainda relativamente recente em nosso meio, tem-na decidido o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, do Ministério da Fazenda, não avistando o Colegidado em seus julgados administrativos qualquer eiva na IN/SRF nº 243/2002. Confira-se a respeito o Recurso Voluntário nº 153.600 – processo nº 16327.000590/2004-60, julgado na sessão de 17/10/2007, pela 5ª Turma/DRJ em São Paulo, relator o conselheiro José Clovis Alves. No mesmo sentido, decidiu a r. Terceira Turma desta Corte Regional, no julgamento da apelação cível nº 0017381-30.2003.4.03.6100/SP, Relator o e. Juiz Federal Convocado RUBENS CALIXTO. 8. Outrossim, impõe-se destacar não ter a IN/SRF nº 243/2002, criado, instituido ou aumentado os tributos, apenas aperfeiçoou a sistemática de apuração do lucro real e das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, pelo Método PRL-60, nas transações comerciais efetuadas entre a contribuinte e sua coligada sediada no exterior, reproduzindo com maior exatidão, o alcance previsto pelo legislador, ao editar a Lei nº 9.430/96, com a redação dada pela Lei nº 9.959/2000, visando coibir a elisão fiscal. Referida Instrução Normativa encontra-se em perfeita consonância com os comandos emanados da regra-matriz, os quais já se prenunciavam na Medida Provisória nº 2158-35, de 24/08/2001, editada originalmente sob o nº 1.807, em 28/01/99, ao reportar-se ao método da equivalência patrimonial, e mesmo, anteriormente, na Lei nº 6.404/76, quando alude às demonstrações financeiras da sociedade, motivo pelo qual também não se há falar ter a mencionada IN/SRF nº 243/2002 ofendido a princípios constitucionais, entre eles, os da legalidade, da anterioridade e da irretroatividade. 9. As questões relativas a eventuais depósitos efetuados nestes autos deverão ser apreciadas pelo juízo de origem ao qual se encontram vinculados, após o trânsito em julgado da decisão definitiva. 10. Sentença recorrida reformada. Apelação e remessa oficial providas.” (TRF3, AMS – Apelação Cível n. 275.301, Processo n. 0006125-90.2003.4.03.6100, 6. T., j. em 25/0/11, Rel. Des. Fed. Mairan Maia. Disponível em: <http://www.trf3.jus.br/NXT/Gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=trf3e:trf3ve>. Acesso em: 3 maio 2012. Destaques nossos.) CONCLUSÃO Embora não faça parte da OCDE, como Portugal, o Brasil adota as diretrizes traçadas por ela no que diz ao princípio arm’s lenght e aos métodos para aferição de preços de transferência, quando se estiver diante de transações entre partes dependentes, domiciliadas aqui e em outro país, e os preços praticados entre elas for menor do que o de mercado. Isso é salutar e, longe de representar reserva ou fechamento de mercado, configura medida necessária, especialmente em tempos de globalização e de grave crise econômica internacional, para combater a remessa ilegal de lucros, através do superfaturamento das importações e/ou do subfaturamento das exportações, do Brasil para outro que tenha menor carga fiscal. Tem aqui especial importância a Lei n. 9.430/96, eis que é o primeiro diploma legal a prescrever regras sobre o tema, valendo destacar o “Método do Preço de Revenda menos Lucro”, mais especificamente a partir da alteração promovida no art. 18, daquela, pela Lei n. 9.959/00, que estendeu referido método para aferição do preço de transferência nas operações de importação de insumos para utilização na indústria, elevando a margem de lucro, em tais casos, para sessenta por cento. O tema no Brasil tem despertado acirrados debates, principalmente a partir da edição da Instrução Normativa n. 243/02, pela Secretaria da Receita Federal, que alterou a regulamentação da dita Lei, prescrevendo que o cálculo do preço-parâmetro do insumo seja feito levando-se em conta o peso que tal insumo tem na produção total do produto acabado. Os Tribunais brasileiros vêm assim sendo chamados a decidir demandas sobre tal Instrução, especificamente sobre se ela teria desbordado dos limites estabelecidos pela Lei n. 9.430/96. Embora sem jurisprudência ainda consolidada, dada a novidade do assunto, no âmbito deste trabalho, entende-se que o espírito da lei só é alcançado com a metodologia estatuída pela novel Instrução Normativa.
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Tributação e cidadania
O Estado, através dos tributos, retira parcela da riqueza privada transferindo-a para a coletividade. A partir daí, de um lado, tem-se a necessidade de todos contribuírem com os encargos tributários, pois onde todos pagam, todos pagam menos. O principal meio através do qual um povo desperta para suas carências é a educação. A cidadania fiscal, assim, visa apontar à necessidade de simplicidade e transparência na atividade financeira do Estado e a partir daí fazer surgir um cidadão que participe mais ativamente das coisas públicas.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O Estado existe para prover a boa qualidade de vida, não simplesmente a vida. Assim podemos conceituar o Estado como uma instituição que tem por objetivo organizar a vontade do povo politicamente constituído dentro de um território definido, tendo como uma de suas características o exercício do poder coercitivo sobre os membros da sociedade, objetivando o bem comum. Enquanto o Estado é permanente, o governo é transitório, pois os que ocupam cargos eletivos (presidente da República, governadores, prefeitos, senadores, deputados e vereadores) nas democracias são substituídos periodicamente de acordo com a vontade do povo. A finalidade do Estado é a realização do bem comum, como, por exemplo, a garantia dos “direitos sociais, da educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados”, de acordo com a Constituição Federal de 1988 no seu art. 6º. O Estado tem por finalidade a realização do bem comum por meio da administração pública, que executará as políticas públicas, planos de ação para que o Estado funcione tendo como referência a sociedade. Simultaneamente com as atividades políticas, sociais, econômicas, administrativas, educacionais, policiais, etc., que constituem a sua finalidade própria, o Estado exerce também uma atividade financeira, visando à obtenção, a administração e o emprego de meios patrimoniais que lhe possibilitem o desempenho daquelas outras atividades que se referem à realização dos seus fins. A União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, no âmbito de suas competências e no exercício de sua autonomia, exercem uma atividade financeira, traduzida na procura de meios que possam satisfazer as necessidades públicas, que são muitas: saúde, educação, segurança, justiça, saneamento, Reforma agrária, entre outras. Contudo, as atividades estatais não são auto-sustentáveis, assim o Estado passou a carecer de recursos além daqueles proporcionados pela exploração de seu próprio patrimônio, passando a interferir na Riqueza individual para obtenção dos recursos necessários a consecução de suas atribuições. O fenômeno da tributação mexe de forma direta na riqueza individual. O Estado, através dos tributos, retira parcela da riqueza privada transferindo-a para a coletividade. É claro que ao Estado são permitidas outras formas de interferência na riqueza privada, tais como a desapropiação e o confisco, estas sempre usadas como meios de exceção. Contudo apenas a tributação tem o condão de retirar sistematicamente parcela da riqueza individual dentro da estrita legalidade que o sistema normativo permite. Sendo assim, a tributação é fato jurídico-econômico-social que transcende a vontade individual. Toda a sociedade e entes privados são impelidos a contribuir para a manutenção do Estado, através do pagamento de tributos. Claro que a participação financeira individual com a manutenção do ente estatal deve se ater aos limites materiais, em respeito à capacidade econômica individual.  Então pode considerar o tributo como um encargo de todos para que o Estado possa cumprir a sua finalidade de realizar o bem comum. A partir daí, de um lado, tem-se a necessidade de todos contribuírem com os encargos tributários, pois onde todos pagam, todos pagam menos. E de outro, o respeito aos direitos e garantias fundamentais pelo poder tributante, que deve observar os princípios constitucionais limitadores do poder de tributar. Nisto a tributação tem, portanto, estreito vínculo com a cidadania. 2. O dever fundamental de pagar o tributo O Estado, para fazer frente a suas despesas, tais como, serviços à população, necessita de recursos.   Esses recursos são retirados da riqueza produzida pela população e entidades privadas na forma de tributos. Entretanto, nem sempre foi dessa forma, pois somente uma parcela da população pagava tributos. Essa situação é marcante na transição do Estado Feudal para o Estado Moderno. Conforme explica Torres (apud Godoi, 2005, pág.152): “À medida que iam se formando os Estados Modernos, os monarcas percebiam que as receitas espontâneas arrecadadas da nobreza e os recursos eventuais obtidos em pilhagens e assaltos já não se mostravam suficientes para o custeio da expansão territorial de seus domínios. Abria-se assim o caminho para a instituição de prestações constantes e obrigatórias a serem exigidas dos cidadãos.” Era o início da idéia de que todos, indistintamente, deveriam contribuir com a manutenção do Estado. No dizer de Godoi (2005, pág. 152), nesse período, “desenvolveu-se a noção de representatividade, de auto-imposição, de livre consentimento da tributação, que marcará desde então de maneira indelével a ordem constitucional das nações ocidentais”. Agora, o Estado tinha garantido recursos permanentes para custear suas despesas, recursos esses advindos da cobrança legal de tributos da população. É o que Godoi (2005) denominou de “Estado Fiscal”.  Nesse diapasão, como observa Sousa Franco (apud Godoi, 2005, pag 153) houve a “afirmação do tributo como dever fundamental de cidadania no contexto de uma nova dimensão do princípio da igualdade de todos perante a lei (fim dos privilégios odiosos das imunidades fiscais do patrimonialismo pretérito)”. Entretanto, se para o cidadão, agora, é um dever pagar seus tributos, para o estado nasceu à obrigação de aplicá-los de forma eficiente. O dever fundamental de pagar tributos possibilita, assim, o meio pelo qual o estado cumpre o seu objetivo, protegendo um bem coletivo, possibilitando a efetivação dos direitos sociais prestacionais. Portanto, o ideal de justiça tributária se traduz no fundamento de que a todos está designado um dever de pagar impostos na medida da capacidade contributiva individual. Nesse contexto, o Brasil se encaixa como um “Estado Fiscal”, possuindo uma Constituição na qual vem expresso todos os tributos que podem ser cobrados da população e das entidades privadas. Entretanto, essa cobrança não ocorre de forma desmedida, anualmente, o Poder Legislativo aprova o volume de recursos que devem ser retirados dos contribuintes na forma de tributos para fazer frente os gastos públicos. Mas, como garantir a participação da sociedade nesse processo complexo? Como despertar o interesse da população para as questões tributárias?  Quais mecanismos podem ser utilizados para mostrar ao povo que em média o Estado fica com aproximadamente 40% (quarenta por cento) do que se ganha como salário? Enfim, como mitigar esse estado de inatividade no qual estamos inseridos? Importante enfatizar que a Constituição de 1988, em seu art 150, § 5º, prevê que “Lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. Com a edição dessa lei, espera-se que haja mais  informações sobre a carga tributária incidente em casa produto adquirido. O principal meio através do qual um povo desperta para suas carências é a educação. Nesse sentido, uma educação onde são ensinadas questões relativas à cidadania cria condições para florescer esse sentimento, portanto, necessário se faz uma cidadania fiscal. 2. CIDADANIA FISCAL 2.1. Como as pessoas se relacionam com a cidadania A atual Constituição Federal é taxada de cidadã. Ela se constitui em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, estando inserida no art. 1º, inciso II, da nossa Carta Política. Segundo Carvalho (2011, pág. 7), “ A cidadania, literalmente, caiu na boca do povo. Mais ainda, ela substituiu o próprio povo na retórica política. Não se diz mais ‘o povo quer isto ou aquilo’, diz-se ‘a cidadania que’. Cidadania virou gente”. A participação do povo na vida política do país é elemento que influencia na decisão. Neste sentido, para Borja apud Jacobi (2000), “o objetivo principal da participação no plano conceitual é facilitar, tornar mais direto e mais cotidiano o contato entre os cidadãos e as diversas instituições do Estado e possibilitar que estas levem mais em conta os interesses e opiniões daqueles antes de tomar decisões ou de executá-las” O orçamento participativo, por exemplo, implantado pelo Partido dos Trabalhadores – PT, na prefeitura de Porto Alegre – RS, foi uma forma de, segundo Silveira (2002, pág. 44) “estimular a formação dos Conselhos populares nos bairros e vilas da cidade para que a população pudesse participar da decisão sobre como e onde deveriam ser aplicados os recursos públicos do município no atendimento das necessidades da cidade”. Apesar de desenvolver uma democracia participativa e representativa, o orçamento participativo não pode beneficiar todos, isto implica a dizer que, uma determinada coletividade irá se beneficiar em detrimento de outra. Assim, gera um clima de rivalidade. Por outro lado, o excesso de democracia esgota o indivíduo e gera uma apatia política. Neste sentido, pondera Pont apud Silveira (2000, pág. 45), “é coerente sustentar que a ação organizada da população tende a aumentar a cobrança por mais democracia e por mais eficiência administrativa”. O grande desafio, a programas como estes, que se busca o exercício da cidadania, é encarar o desconhecimento da população acerca dos aspectos do tributo. 2.2 Democracia e Estado Social É perceptível que a concepção de cidadania vem passando por mudanças que, não se limitam apenas a participação nas eleições, como aduz a Constituição Federal em seu artigo 3º. Assim, pondera Barcellona (2000, pág. 51) “O tema da cidadania vem proposto com força em toda a área da esquerda, do mundo católico, das forças que, de qualquer maneira, tentam individualizar uma discriminação própria, com referência à linha do puro lance do mercado, do individualismo, do consumismo” Por outro lado, pensar em cidadania é pensar numa estratégia para a inserção dos mais explorados e oprimidos, tendo em vista que, se a sociedade é dividida em classes, os interesses da maioria explorada não são o mesmo da minoria exploradora. Neste sentido, Barcellona (2000, pág. 51) “A figura da cidadania parece a única capaz de fornecer ainda uma imagem unificante, se superar a fragmentação corporativa dos interesses e de “representar” a unidade do indivíduo na diversidade de suas dimensões” Então a integração dos setores mais pobres da sociedade traz à tona a idéia de pertença; de estar na sociedade, por isso a cidadania deve ultrapassar as últimas conquistas obtidas no curso da história. Segundo Barcellona (2000, Pág. 51): “A cidadania torna-se o terreno sobre o qual parece possível não apenas testar uma linha defensiva, mas também construir uma formalização de expectativa” Assim, a cidadania não se restringe a sua transformação nas sociedades socialistas; à crise do Estado Social ou à falência dos países do Leste, pois a cidadania anseia por outras aspirações; novas formas de participação; exigências e necessidades. Conforme Barcellona (2000, Pág. 51): “A cidadania se dilata, torna-se um ponto de referência de necessidades e exigências novas; nela se mesclam de um lado as antigas aspirações a uma democracia completa, feita de participação consciente e de decisões; e, de outro, a relevância dos que são chamados os “novos bens” expressos pelos “novos movimentos”. O uso do território, a tutela do ambiente, a saúde, até a paz”. Portanto, a cidadania passa por mudanças de valores, assumindo expectativas de valores no seio da sociedade, de modo a tornar-se as determinações que vem assumindo em cada movimento. 2.3 A cidadania social tem um custo? Cidadania fiscal: o dispêndio na cidadania social. Para que o Estado garanta a seus membros direitos à saúde, à educação, à habitação, à segurança social, e etc., é necessário que o cidadão – contribuinte preste o dever solidário de pagar os impostos, pois o Estado não gera riquezas por si só, daí a idéia de solidariedade social. Neste sentido, afirma Nabais ( 2005, Pág. 115): “O Estado na sua configuração de Estado Social não pode deixar de garantir a cada um dos membros da sua comunidade um adequado nível de realização dos direitos à saúde, à educação, à habitação, à segurança social, etc”. A solidariedade pode ser entendida sob diferentes ângulos em que passa pela idéia de pertença na sociedade, de partilha, bem como a consciência de pertencer a tal sociedade. Segundo Nabais (2005, pág. 110) “A solidariedade social e em que é que se traduz ou em que é que consiste a cidadania, designadamente a cidadania que a solidariedade social tende a suportar”. Por outro lado, podemos dizer que a solidariedade é fator preponderante para que o Estado por exigência constitucional possa garantir aos entes coletivos, direitos sociais que não lhe são alcançados, já que a pobreza, enquanto problema social, e não individual, deve ser observado pelo Estado. Pondera Nabais (2005, pág. 115): “Podemos dizer que foi este tipo de solidariedade a que foi convocada para a resolução da chamada questão social, quando a pobreza deixou de ser um problema individual e se converteu num problema social a exigir intervenção política”. Podemos dizer que há uma relação entre a solidariedade social e a cidadania, ou mesmo cidadania solidária. A este respeito, Nabais (2005, pág. 124): “Na verdade, esta se apresentou, numa primeira etapa, correspondente ao Estado liberal, como cidadania passiva, traduzida numa “liberdade comum” orientada fundamentalmente para a proteção da vida, liberdade e propriedade na esfera privada e familiar, que encarava a comunidade política como algo externo ou alheio à vida comum e, por conseguinte, deixava a criação do direito e a sua execução administrativa ao cuidado de políticos profissionais. Depois numa segunda etapa, correspondente à afirmação do Estado democrático, consolidou-se a idéia da cidadania ativa ou participativa concretizada no sufrágio universal de caráter representativo ou direto, em que o cidadão participa com o seu voto na vida política da comunidade. Finalmente, num terceiro momento, vejo juntar-se a cidadania solidária ou a ‘cidadania responsavelmente solidária”, em que o cidadão assume um novo papel, tomando consciência de que o seu protagonismo ativo na vida pública já se não basta com o controle do exercício dos poderes” É bastante discutida esta forma de cidadania, já que solidariedade não pode ser imposta; reconhecida individualmente, exatamente porque a tributação nos obriga retirar parte de nossas riquezas. Pondera Nabais (2005, Pág. 125): “É certo que a esta forma de cidadania pode ser, e tem sido, objeto de algumas objeções. De um lado, argumenta-se dizendo que há uma incompatibilidade entre a solidariedade e a imposição, pelo que integrar as conseqüências jurídicas da solidariedade, impondo deveres exigíveis, em última instância, através de coação, seria pagar a própria idéia de solidariedade”. 2.4 A cidadania fiscal passa pela luta pelo reconhecimento dos valores como ser humano?  Segundo Tanaka apud Jacobi (2000) “a participação minimalista aponta para o fato de que existe um déficit de participação e de constituição de atores relevantes, o que se pode redundar em fator de crise de governalibidade e de legitimidade”. Assim, a participação se fortalece por intermédio do estímulo de práticas dialógicas permanentes para atender aos setores mais excluídos. No dizer de Jacobi (2000, pág. 12), “tanto no Brasil quanto do resto dos países da América Latina, marcados por tradições estatistas, centralizadoras, patrimonialistas e, logo, por relações clientelistas, meritocráticas e de interesses entre sociedade e Estado. Entretanto, esses condicionantes não têm sido necessariamente um fator impeditivo para o surgimento de diversas formas de participação dos setores populares, e embora muitas delas sem enquadrem no contexto das tradições anteriormente descritas, outras o contradizem abertamente. A descentralização do poder é um mecanismo essencial para a democratização do poder público e fortalecimento de uma cidadania ativa através do processo de democratização do Estado e de suas práticas institucionalizadora. Tanto que, para Merino apud Jacobi (2000) “ao indentificarmos a participação citadina como uma forma diferenciada da democracia representativa, a que passa por partidos políticos, eleições e integração formal dos governos, pensamos o tema a partir de sua dimensão cotidiana e de seu impacto societal”. O desafio do impacto das práticas participativas parte da manifestação do coletivo e as barreiras que precisam ser superadas. Segundo Bobbio apud Jacobi (2000, pág. 13): “a contraposição entre as duas dinâmicas “estatização da sociedade, mas também “socialização do Estado” os dois processos representam, segundo o autor, ‘as duas figuras do cidadão participante e do cidadão que através da participação ativa exige sempre maior proteção do Estado e através da exigência de proteção reforça aquele mesmo Estado do qual gostaria de se assenhorear e que, ao contrário, acaba por se tornar seu patrão”. Isto porque, quanto maior a cidadania participativa, maior será o sacrifício financeiro. Cumpre ressaltar que, quanto mais a esfera pública vai se dirigindo a sociedade, mais essa vai demandando. Cunill Grau apud Jacobi (2000, pág. 16), assim ressalta: “A ampliação da esfera pública pressiona a sociedade no sentido de obter maior influência sobre o Estado, bem como a limitação deste, considerando que a autonomia social pressupõe não só transcender as assimetrias na representação social, mas também modificar as relações sociais em favor de maior auto – organização social”. Após a década de 70, com a relevância dos movimentos sociais, criou-se uma nova estrutura de interação com o poder público. Estes movimentos ganharam autonomia e passaram a interferir na agenda política. No dizer de Jacobi (2000, pág. 19): “Os movimentos não só exercem pressão sobre a arena política, como também ampliam seu espaço de inserção, conseguindo às vezes influenciar a agenda de gestões progressistas, graças a expansão do seu potencial participativo em conselhos de gestão tripartite, comissões de planejamento e outras formas específicas de representação”. O atendimento das demandas sociais tem característica de inclusão; de pertencer a uma comunidade, reconhecendo, portanto, a luta pelo reconhecimento da cidadania fiscal. Pondera Barcellona (2000, Pág. 60), que: “É a de que o reconhecimento de certos direitos de segurança, de certas formas de garantia do lucro, seja o puro e simples resultado das relações de força que subsistem na sociedade entre os grupos que detêm o controle do processo produtivo e as organizações dos trabalhadores ou outras organizações aliadas. Em suma, a decisão que está na base da política governativa é o “resultado de uma luta” 2.5 Problema que a concepção da cidadania omite Segundo Nabais (2005, pág. 119) “a cidadania pode ser definida como a qualidade dos indivíduos que, enquanto membros ativos e passivos de um Estado – nação, são titulares ou destinatários de um determinado número de direitos e deveres universais e, por conseguinte, detentores de um específico nível de igualdade”. Na definição do Dicionário de Aurélio cidadania “é a qualidade ou estado do cidadão; o indivíduo no gozo ou no desempenho de seus deveres para com este”. A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu parágrafo único do art. 1º, assim expõe: “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Assim, na explicação de Dezen Jr. Apud Silveira (2002, pág. 37) “cidadão, no caso brasileiro, é a parcela do povo que é titular de capacidade eleitoral ativa, ou seja, do poder de votar e do poder de interferir nas decisões políticas e na vida institucional do Brasil, direta ou indiretamente, como prevê a Constituição”. Este conceito de cidadania é excludente, tendo em vista que, os menores de 16 anos e estrangeiros, por exemplo, seriam excluídos por não possuírem capacidade eleitoral ativa, mas é de suma importância ressaltar que o fator político é um dos elementos da cidadania, e não o único. A cidadania, segundo Marshall, é composta de três elementos: civil; social e político. Assim, Marshall apud Silveira (2002, pág. 38), traz a definição desses elementos, quais sejam: “O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. Este último difere dos outros porque é direito de defender e afirmar todos os direitos em termos de igualdade com os outros e pelo devido encaminhamento processual. Isto nos mostra que as instituições mais intimamente associados com os direitos civis são os tribunais de justiça. Por elemento político se deve entender o direito de participar do exercício do poder político, como um membro de um organismo investido de autoridade política ou como um eleitor dos integrantes de tal membros. As instituições correspondentes são o parlamento e Conselhos de Governo local. O elemento social se refere a tudo que vai desde o direito a um mínimo de bem estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas a ele são o sistema educacional e os serviços sociais. Enfim, o exercício da cidadania, no seio da sociedade, não pode ser apenas identificado pelo direito de votar e ser votado, como no caso brasileiro, pois, conforme pondera Silveira (2002, pág. 39) “ser cidadão é ser capaz de cumprir obrigações perante à sociedade da qual se faz parte, bem como exigir seus direitos”. Portanto, o que importa é o comportamento do indivíduo na sociedade. Considerações Finais É através dos tributos, previstos na Constituição Federal, que o Estado brasileiro arrecada os recursos para custear os bens, serviços e equipamentos prestados à população. Neste sentido, a sociedade tem um dever fundamental – o de manter financeiramente o Estado –, mas possui também o direito fundamental de ser destinatária dos recursos arrecadados pelo Estado, de controlar, em última instância, a aplicação dos recursos públicos dentro de um contexto que melhor represente o bem comum. Logo, são fundamentais as atividades de educação relativas ao cumprimento das obrigações tributárias, para que fomente a aceitação social do tributo, especialmente, quando os cidadãos vêem a melhora na qualidade dos serviços públicos prestados, exercendo, portanto, sua cidadania. A cidadania fiscal, por sua vez, requer uma compreensão dos tributos, bem como de sua aplicação na sociedade, pois vive-se uma alienação fiscal e a transparência no dispêndio dos recursos públicos é algo inacessível ao cidadão comum, tendo em vista que essas informações são necessárias para uma maior compreensão da atividade financeira do Estado, e portanto, da cidadania fiscal A cidadania fiscal, assim, visa apontar à necessidade de simplicidade e transparência na atividade financeira do Estado e a partir daí fazer surgir um cidadão que participe mais ativamente das coisas públicas. É neste contexto que emerge a educação fiscal destinada a induzir no cidadão o devido reconhecimento do seu sacrifício financeiro na manutenção do Estado, especialmente diante da pífia presença social do Estado.
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A relativização da coisa julgada em direito tributário nos esquemas de lavagem de dinheiro no Brasil e na Colômbia
A pesquisa em tela trata da relativização da coisa julgada através de uma abordagem bastante ampla, a saber, o Direito Comparado, revestido sob o tema da transnacionalidade. Como aparato para o seu desenvolvimento, utilizou-se a doutrina sobre o delito da lavagem de dinheiro em duas nacionalidades: Brasil e Colômbia. A partir disso, buscas nos julgados de ambos os países, mesmo que sucintamente, demonstraram o processamento desta matéria nos tribunais, revelando, desta forma, se há uniformização das decisões. Por meio disso, demonstram-se possíveis conflitos sociais entronizados na esfera deste crime, desde a sua origem até a fase judicial. Por fim, este estudo possui como característica denotar, brevemente, possíveis soluções adotadas pelos dois países e há êxito internacionalmente, já que o delito possui traços globais.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O crime de lavagem de bens é dotado de uma complexidade conceitual imensurável e está presente em escala transnacional, movimentando cerca de US$ 500 bilhões em transações ilegais. Além disso, estimula a ocorrência de outros crimes, como tráfico de drogas, terrorismo, extorsão, sequestro etc. Numa definição mais comum, a lavagem de dinheiro consiste num conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação, na economia de cada país, dos recursos, bens e serviços que se originam ou estão ligados a atos ilícitos (MORAIS, 2005, p. 2). Segundo o Professor Raúl Cervini, “lavagem de bens é a conversão de dinheiro ilegítimo em ativos monetários ou não, com aparência legal ou, dito de maneira mais simples: são mecanismos dirigidos para disfarçar, como lícitos, fundos derivados de uma atividade ilícita; estão, ainda, associados, desde o princípio, com variadas atividades de crime organizado, mas a expressão se aplica comumente para designar a conversão do produto econômico do narcotráfico” (CERVINI, 1998, p. 129). O tratamento dado a esse crime possui características peculiares em cada sistema jurídico, em especial o nacional e o colombiano, porém a problemática ultrapassa as fronteiras legais, tornando a busca de sua erradicação comum a todas as nações. Portanto, verificar-se-á, na pesquisa a ser desenvolvida, tratados internacionais de apoio ao combate ao ilícito estudado. No entanto, é perceptível a dificuldade de tornar a lei penal eficaz na maioria dos casos; primeiramente, por questões constitucionais, por levantamento de provas e até pelo tipo de cultura dominante na sociedade. Dados de pesquisa do Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena “apontam que aproximadamente 64% dos recursos judiciais acerca de crimes tributários não analisam o mérito da acusação – se o acusado é culpado ou inocente -, restringindo-se, o debate, às questões puramente formais” (FÜHRER, 2010, p. 40). Dito isso, o presente estudo tem por objetivo analisar o crime supracitado à luz do ordenamento jurídico brasileiro e, a posteriori, do ordenamento colombiano, buscando a origem, conceituação, classificação doutrinária, incidência legal e combate em cada país. A partir disso, traçar os pontos convergentes acerca dos casos julgados dos dois países, identificando o porquê dos possíveis aspectos divergentes, bem como, visualizar os mecanismos adotados para o combate a esse ilícito. Cumpre esclarecer que esta pesquisa não tem a pretensão de examinar rígida e completamente todos os casos julgados ocorrentes em ambos os países, mesmo porque não há a possibilidade de acesso às ferramentas materiais (autos) de pesquisa e nem mecanismos ao alcance para isso. 1 O INSTITUTO DA COISA JULGADA E SUA FLEXIBILIZAÇÃO NO ÂMBITO TRIBUTÁRIO Historicamente, o instituto da coisa julgada surgiu no direito romano, caracterizado, inicialmente, pela ineficácia do ato. Por meio deste atributo, caso fosse constatada alguma nulidade processual, seria possível declarar-se a inexistência da decisão através de instrumentos capacitados para tal, não importando, pois, o trânsito em julgado da sentença, visto que esta não poderia produzir efeitos paralelamente ao vício. Atualmente, é válida a conceituação de Enrico Tullio Liebman, no que se refere à coisa julgada: “(…) imutabilidade do comando emergente de uma sentença. Não se identifica ela simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade mais intensa e mais profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim, imutáveis, além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do próprio ato” (LIEBMAN, 1984, p. 54). Através desta ilustre definição, pode-se visualizar que a coisa julgada desdobra-se sob duas modalidades: a coisa julgada material e a coisa julgada formal. “Na primeira espécie, não mais se admite a discussão dos elementos da demanda no âmbito do processo encerrado, admitindo-se, contudo, a sua reapreciação nos autos de outra ação judicial” (MONTENEGRO FILHO, 2009, p. 262). Já a coisa julgada formal é gerada a partir da extinção do processo sem resolução do mérito. Não há mais a discussão do fundamento jurídico da pretensão no interior do processo encerrado, no entanto, é admissível a revisão em outra demanda judicial, mesmo que sejam apresentados elementos idênticos ao processo findo. Na seara Constitucional, a coisa julgada está protegida pelo artigo 5º, inciso XXXVI, estabelecendo que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (BRASIL, 1988). O instituto da coisa julgada tem sido tema alvo de debates recentes, sobretudo, quanto à possibilidade de se obter a sua relativização. O seu absolutismo é, por vezes, criticado e afastado por vários juristas. Defende-se um equilíbrio entre a segurança jurídica e os princípios constitucionais e garantidores da mais lídima justiça. A previsão da coisa julgada inconstitucional (relativização da coisa julgada) foi inserida no nosso ordenamento jurídico, diante de tantas manifestações injustas, por meio do acréscimo de um parágrafo único ao art. 741 do Código de Processo Civil, através da Medida Provisória nº 2.180-35/2001. É importante ressaltar que esta possibilidade de relativização do instituto não possui o condão de eliminá-lo, mesmo porque a sua existência é imprescindível para a garantia de decisões judiciais seguras, sem o risco da incerteza; busca-se o aperfeiçoamento da sistemática adotada e a sintonia entre segurança e justiça. O doutrinador José Delgado, numa visão mais drástica, defende a não supremacia da segurança jurídica em relação a outros valores, os quais seriam absolutos, sob sua ótica: “Os valores absolutos de legalidade, moralidade e justiça estão acima do valor segurança jurídica. Aqueles são pilares, entre outros, que sustentam o regime democrático, de natureza constitucional, enquanto esse é valor infraconstitucional oriunda de regramento processual” (DELGADO, 2003, p. 51). Ademais, no Direito Tributário, o conflito é aparente entre os contribuintes e o Estado. James Marins, ao enunciar o princípio da segurança jurídica, destaca: “Esta necessidade de segurança jurídica – se entre particulares se apresenta como tema capital – assume especial realce quando se postam em conflito Estado e cidadão, como se dá em matéria tributária, de onde eclodem lides que tocam os dois dos mais fundamentais valores do ser humano: a liberdade e a propriedade. Nosso sistema processual, porém, em detrimento da esperada segurança jurídica nas relações entre Estado e cidadão-contribuinte, não tem se mostrado suficientemente apto para tratar de modo adequado dos conflitos de interesse em matéria tributária, lides de natureza pública e não privada” (MARINS, 2001. p. 470). Além da ineficácia apontada pelo autor no nosso sistema processual, o fato que contribui para a não observância da isonomia na solução de conflitos entre contribuintes e Estado é o envolvimento de interesses políticos nesta esfera. Assim, decisões judiciais que agraciem preferências políticas, ferindo princípios constitucionais no âmbito tributário, não devem gozar dos efeitos inerentes à coisa julgada. “Na esfera tributária, onde repercutem os efeitos nocivos da globalização econômica, e os conflitos entre cidadãos e o Estado tendem a se arrefecer, a remodelação do instituto é primordial, a fim de que não se perpetuem decisões inconstitucionais, sob o albergue da coisa julgada. Os princípios constitucionais fundamentais, regentes das relações humanas na vigência da Constituição Federal de 1988, também o devem ser nas relações tributárias, sendo admissível que, sentenças judiciais agressivas a algum desses princípios, a eles cedam espaço, como forma de efetivação de segurança jurídica. Os juristas devem servir aos valores humanos: liberdade, pluralismo, humanismo, dignidade, igualdade, verdade e paz. Sua missão é introduzir nos sistemas jurídicos a missão do justo e do igual” (CAVALARI; RIBEIRO, 2004, p. 20). 2 LAVAGEM DE DINHEIRO: ORIGEM E CONCEITO A expressão “lavagem de dinheiro” surgiu no início do século XX, nos Estados Unidos, a partir de ações das organizações mafiosas norte-americanas que facilitavam a circulação de capital oriundo de atividades ilícitas, dando-lhe aparência de lícito, através de lavanderias. Se, por um lado, a expressão em questão remonta ao início do século XX, a prática que ela descreve – revestir de ilicitude o dinheiro adquirido ilicitamente – é bem mais antigo do que se possa imaginar, pois há referências a ela até no Novo Testamento, na história de Ananias e Safira (WEISS, 2001). O fato é que, nas últimas décadas, o delito desvinculou-se de suas origens, ultrapassando fronteiras nacionais e acarretando impacto incapaz de ser mensurado em escala local. Há inúmeras definições a respeito do que vem a ser a Lavagem de Dinheiro, no entanto, todas elas convergem entre si, o que nos faz conceitua-la, genericamente, como: tornar produtos originários de condutas repudiadas social e legalmente em aparentemente adquiridos por vias legais. Pela definição mais comum, a lavagem de dinheiro constitui um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país dos recursos, bens e serviços que se originam ou estão ligados a atos ilícitos (COAF, 1999, p. 08). Para o alcance do “perfeito” disfarce dos lucros obtidos ilicitamente sem comprometer os envolvidos, a lavagem de dinheiro utiliza-se de estratégias que lhe proporciona característica de delito dinâmico: inicialmente, há o desvinculamento dos fundos de sua real origem, evitando uma associação direta deles com o crime; posteriormente, o encobrimento de suas movimentações para afastar o rastreamento destes recursos e, por fim, a disponibilização do dinheiro para os criminosos depois de ter sido suficientemente movimentado no ciclo de lavagem e poder ser considerado "lavado”, legal. 3 NATUREZA JURÍDICA E ENQUADRAMENTO DOUTRINÁRIO DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO NO BRASIL Diante de muitas discussões a respeito da natureza jurídica da lavagem de dinheiro, chega-se ao entendimento de que consiste em delito contra a segurança e a ordem econômico-financeira do país. “Trata-se de um crime comum (que pode ser praticado por qualquer pessoa), doloso (o sujeito tem consciência da ilicitude do ato praticado), específico (a prática da ocultação ou dissimulação envolvidas tem uma finalidade específica – viabilizar o processo de lavagem de dinheiro), de conduta mista (pode ser praticado mediante ação ou omissão) e formal (não é exigida a obtenção do resultado, mas, apenas, a produção do comportamento ilícito)” (MINK, 2005, p.27). A Lei 9.613/1998 – que dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências –, em seu art. 1º, nos leva à conceituação legal da lavagem de dinheiro, a saber, é ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime (BRASIL, 1998). Desta forma, o patrimônio “sujo” não é aquele proveniente de qualquer meio, mas de um crime antecedente, previsto na mesma lei, a qual enumera taxativamente. Assim, a lei afirma: “Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003) III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; IV – de extorsão mediante sequestro; V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; VI – contra o sistema financeiro nacional; VII – praticado por organização criminosa. VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal). (Inciso incluído pela Lei nº 10.467, de 11.6.2002) Pena: reclusão de três a dez anos e multa.” O tipo penal da lavagem de capitais se divide em três situações: A primeira consiste em ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, dos crimes enumerados (conforme art. 1º, acima mencionado). O segundo desdobramento se refere a converter os bens em ativos lícitos, os adquirir, receber, trocar, negociar, dar ou receber em garantia, guardar, ter em depósito, movimentar ou transferir, importar ou exportar bens com valores não correspondentes aos verdadeiros, com a finalidade de ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes dos crimes supramencionados. A terceira situação identificadora do delito é utilizar, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes, participar de grupo, associação ou escritório, tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é direcionada à prática de crimes tipificados na Lei já referida. Há várias críticas doutrinárias à Lei, algumas se referem à lista taxativa de crimes antecedentes, outras à amplitude destes mesmos tipos penais, à ausência de previsão dos delitos tributários como antecedentes, além da adoção de um modelo de “legislação penal simbólica”, com aplicação restrita. 4 A APLICAÇÃO DA TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA NA LAVAGEM DE DINHEIRO Oriunda da jurisprudência norte-americana, onde se elaborou, durante o último século, o entendimento de que o agente se coloca voluntariamente diante de uma situação suspeita, procurando não se inteirar do conhecimento de circunstâncias objetivas, bem como ignora algumas peculiaridades do caso concreto e, assim, adequa-se ao tipo objetivo, atua dolosamente. A origem da expressão “cegueira deliberada” advém do ato do avestruz enterrar a cabeça na areia, inibindo a visão e a audição existente ao seu redor. Fez-se, então, uma analogia à situação do indivíduo fingir não saber que está praticando uma ilicitude. No Brasil, o princípio tem sido aplicado nos delitos de lavagem de dinheiro, pois é do entendimento dos juristas que, quando o indivíduo não se prontifica a conhecer, minuciosamente, a origem dos bens, direitos ou valores envolvidos numa operação desconfiável, será considerada subjetivamente típica a conduta realizada nessa situação de autocolocação em estado de alienação. Contudo, o TRF da 5ª já afirmou que a doutrina da cegueira deliberada é aplicável a todos os delitos que admitem o dolo eventual; e, como o ordenamento jurídico pátrio prevê a punição pela prática da lavagem de capitais, apenas, a título de dolo direto, suscita-se o questionamento acerca da possibilidade de aplicação da cegueira deliberada no delito abordado. Ou seja, age com dolo quem tem conhecimento da grande possibilidade de que os bens, direitos ou valores sejam oriundos de crimes, mas ignora o fato? A resposta mais adequada seria a de que, a depender do caso concreto, a inércia do agente nessas hipóteses implica, no mínimo, em dolo eventual, pois, no momento em que há omissão quanto à busca pelo conhecimento da origem dos valores, assume-se o risco de produzir o resultado. 5 ASPECTOS GERAIS DO DELITO NA COLÔMBIA Na Colômbia, o delito de lavagem de dinheiro está previsto no art. 323, inciso 1º do Capítulo V, da Lei 599/2000, norma esta que deu origem ao Código Penal do país. A referida lei imputa o delito a quem adquire, guarda, inverte, transporta, transforma, custodia ou administra bens que tenham sua origem mediata ou imediata em atividades de tráfico de migrantes e de pessoas, de extorsão, de enriquecimento ilícito, de extorsão mediante sequestro, de rebelião, de tráfico de armas, de crimes contra o sistema financeiro, contra a administração pública ou vinculados com o produto dos crimes de formação de quadrilha, relacionados com o tráfico de drogas tóxicas ou substâncias psicotrópicas; além disso, dê aos bens provenientes do crime aparência de legalidade ou esconda a sua verdadeira natureza, origem, local, destino, movimento ou direitos sobre tais bens ou, ainda, realize qualquer outro ato para ocultar ou encobrir sua origem ilícita, mesmo se cometidos total ou parcialmente no exterior. Incorre, quem assim agir, na pena de prisão de 8 (oito) a 22 (vinte e dois) anos e multa de 650 (seiscentos e cinquenta) a 50.000 (cinquenta mil) salários mínimos mensais (COLÔMBIA, 2000). Assim como no Brasil, a legislação colombiana prevê um rol de crimes que antecedem a conduta da lavagem de dinheiro. São países que adotam, conforme a doutrina, a legislação de segunda geração, ou seja, sistema que lista hipóteses de crimes originários e conexos ao delito analisado. O ilícito possui caráter autônomo no sistema jurídico colombiano, isto é, não se exige sentença condenatória para demonstrar a origem da ilicitude (delito antecedente) dos bens ou dinheiro objeto da lavagem. Portanto, pode haver concurso entre a lavagem de dinheiro e o crime antecedente. O Código Penal colombiano, diferentemente da legislação brasileira, imputa o crime ao empregado ou diretor de instituições financeiras que agir contrariamente à lei, prevendo, no seu art. 324, como agravante da pena, a conduta típica de pessoa jurídica, inclusive de seus chefes e administradores. Prevê-se, ainda, pena acessória que proíbe o exercício da profissão ou ofício por três a cinco anos, caso o crime seja praticado por empresário de qualquer indústria, administrador, empregado, operador financeiro de bolsa de valores ou seguradora, e à perda do cargo público em caso de servidor público. 6 PANORAMA ESTRATÉGICO PARA PREVENÇÃO DA LAVAGEM DE DINHEIRO NO BRASIL E NA COLÔMBIA Com a percepção de que o crime adquiriu proporções de ordem global, iniciou-se uma busca por soluções de combate a nível internacional e em conjunto. Estima-se que o volume de recursos movimentados pela lavagem de dinheiro ultrapassa US$ 500 bilhões de dólares por ano, quantia equivalente a 2% do PIB mundial. O marco inicial da luta contra o ilícito foi em 1988, em Viena, na conhecida Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, propiciando a cooperação entre os Estados no combate à lavagem de dinheiro, bem como ao tráfico de entorpecentes. O decreto que a promulgou, em seu art. 2º, inciso 1º, afirma: “O propósito desta Convenção é promover a cooperação entre as Partes a fim de que se possa fazer frente, com maior eficiência, aos diversos aspectos do tráfico ilícito de entorpecentes e de substâncias psicotrópicas que tenham dimensão internacional. No cumprimento das obrigações que tenham sido contraídas em virtude desta Convenção, as Partes adotarão as medidas necessárias, compreendidas as de ordem legislativa e administrativa, de acordo com as disposições fundamentais de seus respectivos ordenamentos jurídicos internos” (BRASIL, 1991). Um ano após, surgiu o GAFI – Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro –; criado pelos países componentes do G-7, hoje, é um dos principais órgãos do sistema internacional de combate à lavagem de dinheiro, possuindo 34 países membros, dentre os quais o Brasil está incluso. Em 1990, o GAFI elaborou um documento chamado de “as 40 recomendações” (existem mais nove recomendações especiais contra o financiamento do terrorismo), as quais objetivam estabelecer padrões internacionais a serem observados pelos países participantes, no que diz respeito à prevenção e repressão à lavagem de dinheiro. Outro grupo de combate ao crime elucidado é o GAFISUD – “Grupo de Accion Financiera de Sudamerica”. Constituído no ano de 2000, o GAFISUD consiste num grupo regional da América do Sul, tendo como componentes os países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, Costa Rica e Uruguai. Por meio do GAFISUD, busca-se a construção de um sistema de prevenção do delito entre os países vizinhos da América do Sul, já que estes possuem raízes culturais e linguísticas comuns, corroborando em similitudes, no que se refere ao desenvolvimento do crime principal e dos conexos nos países integrantes. Em nosso país, o início da normatização do crime de lavagem de dinheiro, assim com a sua prevenção, deu-se em junho de 1991, com a Aprovação do Texto da Convenção de Viena, pelo Decreto Legislativo n.º 162 e, posteriormente, através da promulgação da mesma Convenção, pelo Decreto n.º 154, no mesmo ano. A Lei 9.613/98, que tipifica o delito em questão, é responsável pela criação do COAF – Conselho de Atividades Financeiras –, tendo este o intuito de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar ocorrências suspeitas de atividade ilícitas relacionadas à lavagem de dinheiro. “Pode-se perceber que o Estatuto do COAF foi criado e moldado no sentido de proporcionar uma ligação entre este e os demais órgãos que mantém contato diário com os episódios de lavagem de dinheiro, levando todos estes a um intercâmbio de informações com base em sua ligação gerada com a formação do Plenário. Tem-se a oportunidade primeira de integração do território nacional e, posteriormente, a integração deste ao restante do mundo, visto que o COAF não trabalha sozinho, mas sim, reunido com todas as agências internacionais que compõe o Grupo de Egmont e o GAFI” (VIVIANI, 2004, p. 02). A política contra a lavagem de dinheiro na Colômbia, sob aspectos gerais, tem o foco no combate ao narcotráfico e contra o crime organizado. As propostas para prevenção, luta e repressão do delito se encontram delineadas, principalmente, na Política de Defesa e Segurança Democrática do Presidente e no Plano Nacional de Desenvolvimento (Lei 812/2003). Através destes, lança-se, como política do Estado, o fortalecimento do controle à lavagem de dinheiro, a ampliação de melhoras no sistema de informação (de acordo com os princípios do Grupo de Ação Financeira). “Em matéria de supervisão, em 27 de agosto de 2004, a Superintendência Bancária expediu a resolução externa 034/04, Modificação ao Capítulo Décimo Primeiro, Título I, da circular Básica Jurídica – regras relativas à prevenção e controle da lavagem de dinheiro. Em outra ordem, avança-se na modificação da Comissão de Coordenação Interinstitucional para o controle da lavagem de dinheiro. Com o projeto do decreto, operacionaliza-se a Comissão através da criação de três comitês técnicos nas áreas de cultura anti-lavagem, prevenção e detecção, investigação e julgamento. De igual forma, cria-se o Comitê Operativo para a Implementação do Sistema Centralizado de Consultas de Informação (SCCI)” (GAFISUD, 2011, tradução nossa). Atualmente, analisa-se a possibilidade de inclusão à consideração do Congresso da República o projeto de lei que incorpora ao ordenamento jurídico colombiano a Convenção de Estrasburgo, sobre branqueamento, retenção e confisco dos produtos de um delito. Além disso, almeja-se a elaboração de projeto de lei, por meio de qual se tipifica o financiamento do terrorismo. 7 ANÁLISE COMPARADA ENTRE CASOS JULGADOS ENVOLVENDO O DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO NA ESFERA PÁTRIA E COLOMBIANA Inicialmente, convém destacar o caso ocorrido no Brasil, precursor de grande operação realizada pela polícia judiciária, e que deteve notada repercussão no âmbito social, a saber, a operação Satiagraha. A Operação Satiagraha foi desencadeada pela Polícia Federal Brasileira com o intuito de desmascarar uma rede de desvio de verbas públicas, de corrupção e de lavagem de dinheiro, iniciada em 2004 e que apontou como participantes vários banqueiros, diretores de banco e investidores, em 08 de julho de 2008. A “equipe” formava uma verdadeira organização criminosa, interagia e convergia em negócios pontuais. O principal cabeça do grupo foi identificado como Daniel Dantas, sendo conveniente destacar que o mesmo foi preso e solto por duas vezes em 48 horas. Em uma das sessões da Suprema Corte acerca do caso, onde foi conhecido um habeas corpus em favor de Humberto Braz, acusado de ser acessor de Daniel Dantas e com ele ter participado das investiduras criminosas, o próprio ministro Joaquim Barbosa afirmou que a decisão havia sido contra o povo brasileiro; fato que demonstra a divergência entre a aplicação da justiça no Brasil e a manutenção da impunidade nos delitos de teor tributário, ou seja, os que envolvem grandes somas de ativos. À época, foram suscitados dados de um estudo da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), os quais revelavam que, desde 1988 até maio de 2007, nenhuma autoridade foi condenada nas 130 ações protocoladas na Corte Máxima. Ainda em 2008, a equipe da polícia federal, responsável pelas investigações da operação, foi desfeita. Seus investigadores mais importantes, que, em poucos meses, detiveram dados de inúmeros telefonemas e complexas operações financeiras que envolviam o banqueiro Daniel Dantas, o investidor Naji Nahas e executivos do grupo Opportunity, foram distribuídos para outras operações. Em decisão recente (junho de 2011), o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) concedeu o pedido do Habeas Corpus nº 149.250, apresentado pela defesa de Daniel Dantas, no qual é alegada a ilegalidade das provas obtidas no curso da Satiagraha. Assim, por 3 votos a 2, os ministros da 5.ª turma julgaram ilegal a participação de homens da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na missão desencadeada pela Polícia Federal, anulando as provas e, consequentemente, a ação penal desde o início, inclusive o inquérito policial. O Ministério Público Federal manifestou-se pela legalidade, podendo ingressar com recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal (STF) logo que o acórdão do STJ venha a ser publicado – até o desfecho da presente pesquisa, não houve publicação da referida decisão. No que se refere à Colômbia, analisou-se um caso, extraido de documento da Unidade de Inteligência Financeira, inserido no sito da Federação Latinoamericana de Bancos (FELABAN), onde são expostas 100 situações concretas de ocorrência do delito de branqueamento de capitais, sendo todas elas sanadas. Através de informações de um banco colombiano, notou-se que determinada conta corrente, inativa por vários anos, passou a apresentar movimentações financeiras em larga escala e com altos índices monetários. Originalmente, a conta bancária estava registrada em nome de una companhia sediada em território norte-americano. Três meses depois, o representante da conta depositou uma quantidade de dinheiro que ultrapassava os duzentos e cinquenta mil dólares na conta de uma companhia europeia. Imediatamente após ter efetuado o depósito, tentou-se transferir cem mil dólares para uma conta própria em outro banco, afirmando que o dinheiro era proveniente de fundos pessoais; além disso, entregou documentos comerciais que demonstravam a venda de ações da companhia europeia, que detinham um valor de cento e cinquenta mil dólares, a outra companhia também europeia, pelo valor de duzentos e cinquenta mil dólares, justificando, pois, o valor acima depositado. No entanto, atento ao grande percentual de diferença entre as duas transações, o banco prestou informação à Unidade de Inteligência Financeira (UIF). Com isso, checou-se todos os dados do suposto representante e, através de bases de dados financeiros e intercâmbio de registros com as autoridades européias, descobriu-seque este era o verdadeiro propietário das companhias estrangeiras e buscava ocultar fundos obtidos de forma ilícita dentro de suas atividades. A UIF notificou as autoridades judiciárias para que fosse julgado pelo cometimento de lavagem de dinheiro e, depois de intensa investigação policial, houve a condenação à prisão e o confisco de cem mil dólares. Tudo nos leva a crer que, em matéria de delitos tributários na órbita pátria e, sobretudo, nos que envolvem vultosas quantias de ativos, dificilmente, chega-se a uma decisão de mérito na qual se declara um culpado ou um inocente. Contrariamente, as decisões limitam-se a julgar aspectos puramente formais, como bem demonstrado na situação e em diversas outras não relatadas neste estudo –  insuficiência de provas e incapazes de aniquilar a presunção de inocência, uso indevido de algemas, processo nulo por alegação de utilização de provas ilícitas. Já na órbita colombiana, percebe-se uma cooperação internacional imposta por tratados assumidos pela nação, a exemplo do Grupo Egmont (GAFI XII, 2001, § 124), coordenador das UIFs cuja função é centralizar as informações coletadas em âmbito nacional e intercâmbiá-las com os demais países, sem intervenção do Poder Judiciário local. Assim como foi observado na narração do caso acima, as suspeitas relativas às transações bancárias foram compartilhadas espontaneamente entre os países envolvidos na operação supostamente, até um determinado momento, ilegal. Ainda, a pressão exercida pelos norte-americanos com o intuito de inibir as ações de lavagem e seus delitos correlacionados, especialmente o tráfico ilícito de entorpecentes, acarreta um aspecto positivo na luta pelo crime na Colômbia. É válido ressaltar que, no Brasil, a unidade de inteligência financeira consiste no COAF, como já apresentado em capítulo anterior, sendo este órgão responsável por comunicar as operações suspeitas ocorridas no sistema financeiro brasileiro. Portanto, há de se afirmar que os mecanismos de investigação, combate e punição do ilícito com caráter transnacional varia dentro de cada ordenamento jurídico; mesmo havendo tratados, órgãos de atuação internacional, cabe a cada Estado impô-los e fiscalizar o cumprimento de suas diretrizes. Quanto à apreciação judicial nos dois países, é notável a não aplicação do princípio da isonomia na esfera da lavagem de dinheiro, mesmo porque, como já foi bem explicitado, não há uma unificação de sua punição perante a sociedade internacional. O que se torna visível é a implementação de organismos mundiais cooperadores de informações relevantes para o marco inicial das investigações, mas notadamente descaracterizados do jus cogens, ou seja, uma vez atuantes só lhes resta o papel de denunciar e não o de julgar, tarefa individual do Estado soberano. CONCLUSÕES Por tudo exposto, chega-se às seguintes conclusões: A discussão que envolve a relativização da coisa julgada detém proporções imensuráveis, onde juristas, doutrinadores, economistas e a própria sociedade dela participam, com perspectivas de aplicabilidade da real da justiça, através de revisões das ações do sistema jurídico brasileiro. Dito isso, tem-se que princípio da segurança jurídica, conferido através da coisa julgada não é imutável. Deve-se observar, no entanto, que esta imutabilidade não pode ser tida de maneira descontrolada, desmedida, corroborando para o ferimento aos direitos subjetivos. Quando a justiça e a isonomia não forem atingidas mediante uma sentença judicial, torna-se imprescindível que se permita uma revisão capaz de afastar os efeitos nocivos perpetuados pela coisa julgada inconstitucional. Sob outro aspecto, o ambiente em que se desenvolve a atividade da lavagem de dinheiro é, sobretudo, o sistema financeiro internacional; trata-se de crime que, à semelhança de outros existentes na esfera penal, não incide numa conduta específica, recai sobre a ilicitude penal da atividade que deu origem ao capital utilizado para efetuar uma infinidade de tipos de operações financeiras. Nesse ambiente sem fronteiras, as estratégias de combate à lavagem de bens possuem dificuldades geradas pela junção de dois fatores: ausência de fronteiras à movimentação do capital e, em contraste, a existência de rígidas fronteiras nacionais de regulação jurídico-penal. Por isso, o tratamento dado ao crime varia entre o Brasil e a Colômbia – países vizinhos, com bases culturais semelhantes –, dificultando sua prevenção e repressão. Tornando-se necessária a implantação de um sistema claro e específico de colaboração entre autoridades locais e internacionais e que seja eficiente na prevenção e combate do ilícito, adequado a cada nação. Diante da diversidade de adoção de medidas para combater o ilícito, ou seja, da carência de um ordenamento articulado, uniformizado e harmonizado na esfera internacional, o princípio da isonomia deixa de ser aplicado, não há que se falar, pois, de um sistema igualitário de repressão ao branqueamento de capitais.
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Competência tributária, arrecadação efetiva e o Fundo de Participação dos Municípios
O artigo analisa o sistema de repartições de receitas por meio do Fundo de Participação dos Municípios.
Direito Tributário
1 – INTRODUÇÃO A Constituição da República Federativa do Brasil traz, em seu Título VI (Da Tributação e do Orçamento), Capítulo I (Do Sistema Tributário Nacional), Seção VI (Da Repartição das Receitas Tributárias), matéria de grande importância para o Federalismo Fiscal, tanto no âmbito acadêmico, quanto no prático. É o Fundo de Participação dos Municípios, que, por serem matéria ainda pouco estudada, tem levado aos Tribunais pátrios diversas querelas entre os Municípios e a União. Proliferam nas Varas de Fazenda Pública e em nossos Tribunais milhares de demandas em que diversos Municípios pleiteiam que os 23,5% referentes ao Fundo de Participação dos Municípios deva ser calculado e repassado a eles tendo como base de cálculo o valor arrecadado bruto com os Impostos sobre a renda e sobre Produtos Industrializados, sem a dedução de valores como as restituições de Imposto de Renda, os incentivos fiscais e as deduções ou exclusões determinadas constitucionalmente. Já a União tem encampado a sua defesa com o fundamento de que o valor a ser repassado deve ter como base de cálculo aquilo que foi efetivamente arrecadado, ou seja, após a subtração dos valores descritos, de maneira meramente exemplificativa, acima e a adição de valores como os juros de mora, por exemplo. E é exatamente a respeito desses conflitos, qual seja, o que deve ser entendido como arrecadação para a constituição do Fundo de Participação dos Municípios, que este trabalho pretende abordar. Mas antes de se discutir tal aspecto, deve-se esclarecer algumas questões prévias importantes para o completo entendimento do assunto. 2 – PRINCÍPIO FEDERATIVO O ideal federalista sempre existiu entre nós, desde a Independência do Brasil. Durante o Período Imperial diversas manifestações políticas a favor da descentralização do Poder, aonde convivessem mais de um governo compartilhando o poder político sobre o mesmo território, eclodiram. Todavia, apenas em 15 de Novembro de 1889, por meio do Decreto nº 01, que se proclamou entre nós uma República Federativa, com a transformação das antigas províncias em Estados Federados. Logo após, a Federação foi consagrada como Princípio Fundamental na Carta Magna de 1891. E assim continuou a ser, por todas as Constituições até a atual. O Princípio Federativo define a forma de Estado. É a união indissolúvel de organizações políticas autônomas, instituída por uma Constituição Rígida, com o fim de criar um novo Estado. Com esse escopo, sem a perda de suas personalidades jurídicas, tais organizações políticas cedem algumas de suas prerrogativas, em benefício do Estado Federal. A mais importante delas é a sua soberania. O Estado Federal é soberano para o Direito Internacional, ao passo que os Estados Federados são membros autônomos para o Direito Interno. Faz-se necessário, para definir o conceito de Federação, explicitar a noção de descentralização política. Michel Temer diz que: “Descentralizar implica a retirada de competências de um centro para transferi-las a outro, passando elas a ser próprias do novo centro. Se a referencia é a descentralização política, os novos centros terão capacidade política”.[1] Por isso mesmo, podemos dizer que, no Estado Federal, há um Governo Central e vários governos locais, todos exercendo, com igualdade e com fundamento retirado diretamente da Constituição, o poder político. Dessa forma, as entidades da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) desfrutam de autonomia deferida diretamente pela Constituição, correspondente a um quadro interno de competências, rigidamente demarcadas pela Carta Magna. A Federação Brasileira surgiu sob inspiração da Federação Norte Americana, porém a nossa se formou de modo oposto aquela, uma vez que se deu por formação centrífuga ou por desagregação, pois existiu uma força que descentralizou o poder e o dividiu entre as novas Unidades Federativas, convertendo o Estado Único em Federal. Certamente, por essa razão a Federação Brasileira foi, por muito tempo, sem equilíbrio e com enorme concentração de poder no ente central (União). Somente com o advento da Constituição Cidadã de 1988, o Brasil assumiu o verdadeiro status de Federação, pois esta adotou uma equilibrada partilha do poder político entre as unidades federadas, através de uma distribuição de competências equilibrada. Importante destacar que a Constituição de 1988 adotou, sem precedentes históricos, uma Federação Tricotômica, com a inclusão dos Municípios na organização federal, ao lado da União e dos Estados. 3 – FORMAS DE REPARTIÇÃO DE RECEITAS Exatamente para fortalecer e efetivar o Princípio Federativo, a Constituição da República, em sua Seção VI do Capítulo I, sob a denominação de “Repartição de Receitas Tributárias”, estabeleceu 03 (três) modalidades diferentes de participação dos Estados, Distrito Federal e Municípios na Receita Tributária da União, uma vez que a Carta Magna destinou a essa maior competência tributária e, por via de conseqüência, maior arrecadação. São elas: a) Participação direta no produto da arrecadação de imposto de competência impositiva da União: artigos 157, I e 158, I da CF. As parcelas de Imposto de Renda retido na fonte incorporam-se, desde logo, às respectivas receitas correntes; b) Participação no produto de imposto de receita partilhada: artigos 157, II, 158, II, III e IV e 159, III da CF. O imposto, ao ser criado, já pertence a mais de uma pessoa política, nos exatos limites constitucionais fixados. Nunca pertencem integralmente ao titular da competência impositiva, que institui, fiscaliza e arrecada o imposto, devendo devolver o quantum às entidades participantes, porque a elas pertence por expressa determinação constitucional. A titularidade da receita não pertence exclusivamente à entidade política tributante; c) Participação em fundos: É a percepção, pelas entidades políticas beneficiadas, de determinadas importâncias dos fundos formados por 47% (quarenta e sete por cento) dos produtos da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, conforme artigo 159 da Constituição Federal, in verbis: “Art. 159. A União entregará: I – do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento na seguinte forma: a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal; b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios; c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer; d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano; “ Ao creditar aos demais entes, a União compensa os valores já repassados, retidos na fonte (artigos 157, I e 158, I da CF). As 03 (três) modalidades são distintas e inconfundíveis. Nas duas primeiras, as receitas pertencem às entidades contempladas. A Constituição utiliza a expressão “pertencem aos”. Na terceira modalidade, participação por fundos, a entidade beneficiada tem uma expectativa de receber o quantum que lhe cabe, segundo os critérios aí estabelecidos. Tanto que o termo utilizado pela Constituição é “a União entregará”. 4 – CONCEITOS DE FUNDOS DE PARTICIPAÇÃO Os Fundos de Participação foram conceituados por alguns dos maiores juristas do Direito brasileiro e os ensinamentos destes colabora, em muito, com a melhor compreensão do instituto. Ensina Aliomar Baleeiro: “No Sistema Tributário Brasileiro, introduziu-se a participação de uma pessoa de Direito Público Interno no produto da arrecadação de imposto de competência de outra. Esta decreta e arrecada um imposto de distribui tantos por cento da receita respectiva entre as várias pessoas de Direito Público que a compõe”.[2] Roque Antonio Carrazza, em seu Curso de Direito Constitucional Tributário também conceitua tais fundos, veja-se: “Em rigor, o que a Constituição da República Federativa do Brasil faz é estipular que, na hipótese de ser criado o tributo, pela pessoa política competente, o produto de sua arrecadação será total ou parcialmente destinado a outra pessoa política. Evidentemente, se não houver o nascimento da Relação Jurídica tributária (‘prius’), não poderá surgir a relação jurídica financeira (‘posterius’)”.[3] Por fim, importante transcrever o conceito elaborado pelo Professor José Cretella Júnior, in verbis: “É a reserva, em dinheiro, ou o patrimônio público, constituído de dinheiro, bens ou ações, afetado pelo Estado a determinado fim. É o patrimônio público, sem personalidade jurídica, mas com competência postulacional, afetada a um fim público”.[4] Esse posicionamento do Professor José Cretella Júnior, de que o Fundo de Participação dos Municípios seria um patrimônio público afetado, é isolado na Doutrina pátria. O que tem prevalecido entre os doutrinadores tributários é o entendimento de que tais Fundos são, pura e simplesmente, uma forma de repartição das receitas tributárias, conforme já explicitado em capítulo anterior. 5 – FORMAÇÃO DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS Por força do art. 159, inciso I, alínea “b” da Constituição, os Municípios devem receber vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento do produto da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados. Além disso, a Constituição em seu art. 159, I, alínea “d” determinou que, do produto da arrecadação dos impostos supra citados, fosse destinado “um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano”. Nesse passo, observe-se que os tributos que compõem a formação dos fundos de participação dos Estados e dos Municípios são exações cuja competência para a instituição e arrecadação pertencem à União, conforme dispõe expressamente a Constituição Federal, nos incisos III e IV do art. 153[5]. Aqui se faz necessária uma explanação acerca de institutos e princípios de Direito sobre os quais a Constituição Federal resta baseada. 6 – COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E PARTILHA DA ARRECADAÇÃO. Seguindo a doutrina de Luciano Amaro, “(…) no que respeita às receitas (ou, mais genericamente, aos ingressos) de natureza tributária, optou a Constituição por um sistema misto composto por dois mecanismos o de competência constitucional e de partilha do produto da arrecadação (…)” (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro – 8. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 93, 94). Quanto ao primeiro elemento, a competência constitucional “é o poder de criar tributos repartido entre os vários entes políticos, de modo que cada um tem competência para impor prestações tributárias, dentro da esfera que lhes é assinalada pela Constituição” (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro – 8. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 94, 95). Tem-se assim a Competência Tributária – ou seja, a aptidão para criar tributos – da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Todos têm, dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir seu alcance, obedecidos os critérios de partilha de competência estabelecidos pela Constituição. A competência engloba, portanto, um amplo poder político no que respeita a decisões sobre a própria criação do tributo e sobre a amplitude da incidência. Quanto ao segundo mecanismo, partilha do produto da arrecadação, assevera Luciano Amaro que: “O produto da arrecadação de determinados tributos, instituídos por certo ente político, não é por este totalmente apropriado, mas partilhado com outros entes políticos. Desse modo, as decisões sobre o nível de incidência e arrecadação dependem do ente político titular da competência, mas a arrecadação resultante das leis que ele editar não lhe pertence integralmente, pois é partilhado”[6]. Afigura-se claro que a competência tributária e a definição do modo de incidência do tributo é resultado da decisão política tomada pelo titular dessa competência. Em outras palavras, cabe ao titular da competência as decisões sobre a forma de instituição, arrecadação e incidência do tributo sob seu comando, devendo observar, contudo, que este pode não lhe pertencer na totalidade. Nos dizeres de Roque Antonio Carrazza: “em suma, criar tributos é legislar; arrecadá-los, administrar” (CARRAZZA, ROQUE ANTONIO, Curso de Direito Constitucional Tributário, 26ª Edição, São Paulo, Editores Malheiros, 2010, p. 514). O autor paulista vai mais além: “O que queremos significar é que quem pode tributar pode, do mesmo modo, aumentar tributo, minorá-lo, parcelar o seu pagamento, isentá-lo, no todo ou em parte, remi-lo, anistiar as infrações fiscais ou até não tributar, observadas sempre, é claro, as diretrizes constitucionais. Tudo vai depender de uma decisão política, a ser tomada pelo própria entidade tributante[7]”. Nessa toada, não se perca de vista que o Sistema Tributário Nacional é um Sistema Rígido, haja vista que as competências tributárias são expressamente delineadas na Constituição, não alteráveis por normas infraconstitucionais (Sistema Flexível), tampouco por decisões judiciais, visto que assim resta estabelecido: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: Art.155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:” Ademais, temos de observar alguns dos atributos da competência tributária, que podem delinear bem os traços definidores do presente instituto jurídico, vejamos: 6.1 –  Privatividade Para Roque Antônio Carrazza, quando examina a expressão privatividade, o termo quer dizer o seguinte: “as competências impositivas impedem a invasão de um ente federativo sobre o outro. A privatividade é a exteriorização do federalismo fiscal, sob o aspecto da autonomia financeira. A privatividade é a consecução do sistema rígido” (CARRAZZA, ROQUE ANTONIO, Curso de Direito Constitucional Tributário, 26ª Edição, São Paulo, Editores Malheiros, 2010, p. 528). Pode-se afirmar, assim, que no Direito pátrio, cada ente federativo detêm exclusividade no que tange à criação de tributos, eles têm “faixas tributárias privativas[8]”, nas palavras de Carrazza. Assim, o espírito da privatividade é impedir a invasão de competência impositiva; impedir a flexibilização do sistema rígido e garantir a autonomia financeira, que não podem ser afastadas por meio de decisão judicial. 6.2 –  Indelegabilidade A indelegabilidade é fruto da privatividade, é um viés da privatividade. A indelegabilidade sustenta a rigidez do sistema tributário. A competência tributária é indelegável, enquanto a capacidade tributária é delegável (art. 7º do CTN)[9]. A figura da indelegabilidade resguarda, portanto, o federalismo fiscal. A inércia de um ente não pode levar à hiperfunção de outro. Essa cláusula é inegociável porque é causa da indelegabilidade e porque afeta o pacto federativo com sua flexibilização, o que afronta cláusula pétrea. Logo, competência tributária é poder constitucional para instituir tributo, arrecadar e fazer incidir. Portanto, percebe-se que o pedido dos diversos Municípios que demandam contra a União, para que a base de cálculo do Fundo de Participação dos Municípios seja o produto da arrecadação total do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, pretendem, de fato, alterar esse poder garantido pela Constituição Federal por meio de decisão judicial. 6.3 – Facultatividade Entende-se por facultatividade o fato do ente federativo competente ter autonomia para dizer se irá ou não instituir o tributo, bem como o montante de sua incidência, não podendo ser impelido à edição da exação, conforme se extrai dos ensinamento do Professor Roque Antônio Carrazza. Não se diga, por conseguinte, que o presente atributo restaria afastado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101 de 04 de Maio de 2.000), tendo em vista o disposto em seu art. 11[10], que prevê a necessária instituição e arrecadação de todos os tributos da competência constitucional disposta a cada ente, haja vista que este deve ser lido em conjunto com o art. 14[11] da mesma, que prevê formas de compensação quando, e.g., benefícios fiscais forem concedidos. Logo, o art. 11 não impede a faculdade de tributar; o art. 11 apenas condiciona a faculdade de não tributar aos requisitos elencados no art. 14. O fato é que o atributo da facultatividade não foi alijado, foi mitigado. Ademais, em caso de violação ao dispositivo legal, observe-se que a União não se submete à penalidade do parágrafo único do art. 11[12], porque a transferência voluntária não inclui a União, mas o ente federativo que não observar a sistemática da LRF, que não terá direito ao repasse voluntário. Diante do exposto, resta claro que a União tem competência constitucional (PODER) para instituir os tributos que irão compor o montante disposto para formar o Fundo de Participação dos Municípios, dos Estados e do percentual para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Na linha acima, a competência engloba, portanto, um amplo poder político no que respeita a decisões sobre a própria criação do tributo e sobre a amplitude da incidência. Inconcebível, assim, a restrição desse poder por meio de decisão judicial, como pretendem os Municípios que querelam contra a União. Por conseguinte, relembrando as lições dispostas por Luciano Amaro, citadas acima, embora o produto da arrecadação de determinados tributos, instituídos por certo ente político não seja por este totalmente apropriado, mas partilhado com outros entes políticos, as decisões sobre o nível de incidência e arrecadação dependem do ente político titular da competência. Destarte, só após a arrecadação é que o montante passará a observar as disposições das leis para a definição de sua partilha. Acerca do tema, vale a pena transcrever ementa de julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, com referências a decisões do Excelso Supremo Tribunal Federal, onde podemos vislumbrar a aplicação das razões expostas, in verbis: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FUNDO DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO. CRITÉRIOS ADOTADOS PELO ESTADO PARA DESCONTOS EM CONTAS DOS MUNICÍPIOS, PARA COMPOR O FUNDEF. CRITÉRIO MÍNIMO, EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 14/96 E LEI Nº 9.424/96. 1. Mandado de Segurança versando sobre eventual ilegalidade do desconto, no montante de 15%, previsto no art. 158, parágrafo único, I, da Constituição Federal, sobre as cotas de ICMS e IPI, para composição do FUNDEF (art. 60 do ADCT, com redação dada pela EC nº 14), na medida em tal desconto deverá limitar-se a regra contida no art. 158, parágrafo único, II, da Lei Maior. 2. Com efeito, a promulgação da EC 14/96 alterou a redação do artigo 60 do ADCT, estabelecendo que nos 10 (dez) primeiros anos da promulgação da referida Emenda, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão não menos de 60% (sessenta por cento) dos recursos descritos na Constituição Federal, em seu artigo 212, caput, à manutenção e ao desenvolvimento do ensino fundamental, assegurando-se a universalização da educação no país bem como a remuneração condigna do magistério. 3. O Fundo de que trata o art.  60, §1 °, do ADCT/CF/88 restou implantado com a edição da Lei 9424 de 24.12.1996, verbis: “Art. 1º É instituído, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, o qual terá natureza contábil e será implantado, automaticamente, a partir de 1º de janeiro de 1998. § 1º O Fundo referido neste artigo será composto por 15% (quinze por cento) dos recursos:(…) II – do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal – FPE e dos Municípios – FPM, previstos no art. 159, inciso I, alíneas a e b, da Constituição Federal, e no Sistema Tributário Nacional de que trata a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966; e III – da parcela do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI devida aos Estados e ao Distrito Federal, na forma do art. 159, inciso II, da Constituição Federal e da Lei Complementar nº 61, de 26 de dezembro de 1989.(…).” 4. Deveras, a legislação supracitada prevê o percentual de 15% (quinze por cento) que o Estado deve reter da receita dele próprio prevista no inciso II do art. 155 da CF/88 e também da receita dos Municípios, previstas nos arts. 158, IV e 159, II da CF/88, destinando tais recursos ao referido fundo. 5. Ademais, Sobreleva notar, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do art. 5º da EC 14/96 e da Lei n° 9.424/96, consoante se infere dos julgados litteris: ´AÇÃO CAUTELAR – LIMINAR – FUNDEF – REPASSE – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 14/96. Havendo decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 14, de 12 de dezembro de 1996, impõe-se a suspensão de liminar deferida com base em premissa contrária a esse entendimento. Precedente: Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.749-5/DF: Liminar indeferida, por insuficiência de relevo jurídico da assertiva de que, ao redistribuir receitas e encargos referentes ao ensino, estaria a promulgação da Emenda Constitucional nº 14-96 (nova redação do art. 60 do ADCT) a contrariar a autonomia municipal e, conseqüentemente, a forma federativa de Estado (art. 60, I, da Constituição).” (PET 2316 Agr/SP, Relator Ministro Marco Aurélio, publicado no DJ de 11.04.2003) “CONSTITUCIONAL. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 14/96 E LEI Nº 9.424/96. FUNDO DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO. ATRIBUIÇÃO DE NOVA FUNÇÃO À UNIÃO – REDISTRIBUTIVA E SUPLETIVA DA GARANTIA DE EQUALIZAÇÃO DE OPORTUNIDADES EDUCACIONAIS. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO. NÃO FERIMENTO À AUTONOMIA ESTADUAL. ‘CAUSA PETENDI’ ABERTA, QUE PERMITE EXAMINAR A QUESTÃO POR FUNDAMENTO DIVERSO DAQUELE ALEGADO PELO REQUERENTE. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONAL” (ADI 1749/DF, Relator Ministro Octávio Galotti, DJ de 15.04.2005)´ 6. Dessarte, as disposições legais atinentes à matéria e o reconhecimento da constitucionalidade do art. 5º da EC 14/96 e da Lei  n° 9.424/96 (ADI 1449/5/DF) revelam a insubsistência da alegação do Município sobre eventual inconstitucionalidade do desconto de 15% (quinze por cento) da parcela prevista no art. 158, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal, para repasse ao FUNDEF” (inicial, letra “c”). 7. Consectariamente, torna-se obrigatório ao Estado de Minas Gerais a observância da Lei nº 9424/96 e os mandamentos do artigo 60 do ADCT da Constituição Federal na forma de cálculo de suas contribuições. 8.. Recurso ordinário desprovido. (RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2003/0187168-9. Ministro LUIZ FUX. T1 – PRIMEIRA TURMA. DJ 27/03/2006 p. 153). (grifos aditados) Por todas essas razões, só após a arrecadação é que o montante passará a observar as disposições das leis para a definição de sua partilha, após a efetiva definição da receita. Este é o ponto que se passa a abordar. 7 – CONCEITO DE RECEITA TRIBUTÁRIA PARA REPARTIÇÃO. A matéria em debate, por produzir conseqüências tanto no orçamento da União, como no cálculo do repasse dos valores do Fundo de Participação dos Municípios devidos a todos os Municípios, impõe uma solução única, a ser adotada uniformemente para todos os entes federativos. O art. 159, I, “b” da CF/88 estabelece que 22,5% do produto da arrecadação do Imposto de Renda – IR e do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI serão entregues pela União ao Fundo de Participação dos Municípios, excluindo-se da parcela de arrecadação o valor do IR pertencente aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (§ 1º). Assim, como o FPM constitui um mecanismo de repartição de receitas tributárias, sua finalidade é a transferência de recursos que, conforme a competência tributária, pertencem à União e foram efetivamente arrecadados. Como posto acima, no que tange à partilha do produto da arrecadação, assevera Luciano Amaro que: “o produto da arrecadação de determinados tributos, instituídos por certo ente político, não é por este totalmente apropriado, mas partilhado com outros entes políticos. Desse modo, as decisões sobre o nível de incidência e arrecadação dependem do ente político titular da competência; mas a arrecadação resultante das leis que ele editar não lhe pertence integralmente, pois é partilhado[13]”. Deste modo, a transferência constitucional de receitas tributárias aos Municípios composta de 22,5% da arrecadação do IR e do IPI é feita com base no real produto da arrecadação. Ora, as restituições de IR, os incentivos fiscais e as deduções ou exclusões determinadas constitucionalmente, a exemplo da prevista no § 1º do art. 159 da CF/88, não compõem a base de cálculo do Funde de Participação dos Municípios porque tais valores não chegaram a ingressar no patrimônio da União, eles não são considerados receita, não sendo, portanto, classificada como valor arrecadado. O quantum destinado à repartição no Fundo de Participação dos Municípios, proveniente do IPI e do IR, deve resultar da aplicação do percentual de 22,5% sobre o produto da arrecadação, ai incluídos a correção monetária, os juros e as multas, abatidas: as restituições; os incentivos fiscais; as parcelas de que tratam os arts. 157, I e 158, I da CF/88 – e até 1999, art. 72, I e II do ADCT. Nesse sentido temos os seguintes precedentes: “CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS – FPM. PORTARIAS DA STN E BGU. PARCELAMENTOS DO IRPJ E DO PIS. REPASSE A DESTEMPO. CORREÇÃO E JUROS DE MORA. EXCLUSÃO DE VALORES DO PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO NACIONAL (PIN) E DO PROGRAMA DE REDISTRIBUIÇÃO DE TERRAS E ESTÍMULO À AGROINDÚSTRIA DO NORTE E NORDESTE (PROTERRA) NA BASE DE CÁLCULO DO FPM. 1. A divergência entre os valores divulgados nas Portarias mensais da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e no Balanço Geral da União (BGU), pertinentes à arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, não implica, por si só, a ocorrência de repasse a menor das quotas do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, posto que tais instrumentos levam em conta períodos de arrecadação e métodos de contabilização distintos. As portarias da STN reportam-se ao período compreendido entre 21 de dezembro e 20 de dezembro do ano seguinte, e seus valores são apurados sobre o regime de caixa. Já o BGU se refere ao período entre 1º de janeiro e 31 de dezembro do mesmo exercício, e se utiliza do regime de competência. 2. A aplicação da correção monetária sobre os valores do FPM repassados de forma extemporânea pela UNIÃO encontra guarida no entendimento segundo o qual já se encontra pacificada a utilização da taxa Selic como índice de correção monetária e de juros de mora, a partir da Lei nº 9.250/95, tanto nas operações ativas quanto passivas do fisco. 3. Correta a dedução, para efeito de formação da base de cálculo do FPM, dos valores destinados pelas empresas, na Declaração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, com Incentivos Fiscais PIN (Programa de Integração Nacional) e PROTERRA (Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste), eis que se trata de recursos não apropriados pela União, representativos de renúncia de receita. Precedente: TRF 1. Sétima Turma. AC nº 2001.34.00.027586-5/DF. Rel. Des. Federal ANTÔNIO EZEQUIEL DA SILVA. Julg. em 15/03/2005. Publ. DJ 19/05/2006, p. 89. 4. Apelações e remessa oficial improvidas” (grifo aditado). (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – QUINTA REGIÃO. Classe: APELREEX – Apelação / Reexame Necessário – 4380. Processo: 200783020016032 UF: PE  Órgão Julgador: Quarta Turma. Data da decisão: 24/03/2009  Documento: TRF500184244 Fonte DJ – Data::17/04/2009 – Página::471 – Nº::73 . Relator(a) Desembargadora Federal Margarida Cantarelli Decisão UNÂNIME) “TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. REPARTIÇÃO DE RECEITAS. INCIDÊNCIA SOBRE A RECEITA BRUTA SEM DEDUÇÕES. ART. 159 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. É infundada a pretensão dos Municípios autores a que se proceda a repartição de recursos do Fundo de Participação dos Municípios, com base na receita bruta da arrecadação das parcelas que integram a base de cálculo,sem deduções como incentivos fiscais, restituições e parcelas destinadas ao PIN, PROTERRA e FSE/FEF. 2. Na dicção do art. 159 da Constituição Federal, a transferência constitucional de receitas tributárias aos Municípios é feita com base no produto da arrecadação, e não na receita bruta, justamente porque a finalidade do FPM é transferir, àqueles entes estatais, valores que, originariamente, pelas regras de competência tributária, pertenceriam à União. Com efeito, não basta o mero trânsito contábil de determinada receita pelo patrimônio da União para que a mesma integre a base de cálculo do FPM. 3. Apelação dos autores improvida.” (grifo aditado) (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – QUARTA REGIÃO Classe: AC – APELAÇÃO CÍVEL Processo: 200072070033517 UF: SC Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Data da decisão: 18/06/2008 Documento: TRF400168507 Relator Desembargador Federal ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA.) “TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. REPARTIÇÃO DE RECEITAS. INCIDÊNCIA SOBRE A RECEITA BRUTA SEM DEDUÇÕES. ART. 159 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. É infundada a pretensão dos Municípios autores a que se proceda a repartição de recursos do Fundo de Participação dos Municípios, com base na receita bruta da arrecadação das parcelas que integram a base de cálculo, sem deduções como incentivos fiscais, restituições e parcelas destinadas ao PIN, PROTERRA e FSE/FEF. 2. Na dicção do art. 159 da Constituição Federal, a transferência constitucional de receitas tributárias aos Municípios é feita com base no produto da arrecadação, e não na receita bruta, justamente porque a finalidade do FPM é transferir, àqueles entes estatais, valores que, originariamente, pelas regras de competência tributária, pertenceriam à União. Com efeito, não basta o mero trânsito contábil de determinada receita pelo patrimônio da União para que a mesma integre a base de cálculo do FPM. 3. Apelação dos autores improvida e a remessa oficial”. (grifo aditado) ( TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – QUARTA REGIÃO. Classe: APELREEX – APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO.Processo: 00072030019108 UF: SC Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Data da decisão: 21/01/2009 Documento: TRF400175596 Relator Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS) Dessa forma, só pode ser objeto de repartição a verba tributária efetivamente arrecada, não sendo nela incluída a decorrente de incentivos fiscais, pois não se leva em consideração a expectativa da arrecadação, mas sim o que efetivamente ingressa nos cofres da União. É com base na receita efetiva de tributos, aí abatidos ou não considerados os valores decorrentes de incentivos fiscais, que se realiza a partilha, como se percebe no tópico seguinte. 8 – SISTEMA DE REPARTIÇÃO DE RECEITAS NA MODALIDADE INDIRETA A doutrina cuidou de classificar a partilha de recursos arrecadados de duas formas, a que se caracteriza pela participação direta e indireta. Considera-se a participação direta quando a relação entre os entes federativos se dá sem intermediários, enquanto considera indireta aquela participação intermediada por um fundo, cuja característica é a inexistência de relação direta entre os entes federativos, como explica o Professor Sacha Calmon Navarro Coelho: “Existem duas formas de participação de uma pessoa política no produto da arrecadação de outra: a direta e a indireta. A forma direta impõe uma relação simples. Exemplo: os municípios fazem jus a 25% (vinte e cinco por cento) do ICMS do estado arrecadado em seus territórios. A forma indireta põe uma relação complexa: são formados fundos aos quais afluem parcelas de receitas de dados impostos. Depois, são rateados entre os partícipes beneficiários segundo critérios legais preestabelecidos[14]”. A partilha de receitas de Imposto sobre a Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados realizada pela União não se enquadra na participação direta, pois não há essa relação de propriedade sobre a arrecadação como, e.g., a existente entre Municípios e Estados no caso do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. A parcela da arrecadação do IR e IPI apurada pela União é destinada a um fundo, caracterizando assim a participação de receitas indireta, na qual não há proprietários dos recursos depositados. Tanto que o termo utilizado pela Constituição é “a União entregará”. Assim, a União, na partilha de arrecadação do IR e IPI na modalidade de participação indireta, abre mão de parte da sua arrecadação e destina isso para o fundo de participação. Logo, parte dos valores arrecadados relativos aos Impostos de Renda e sobre Produtos industrializados serão entregues para a formação de um fundo que será distribuído entre Estados e Municípios, na forma estabelecida no multirreferido art. 159, I, da Constituição Federal de 1988: “Art. 159. A União entregará: I – do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento na seguinte forma: a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal; b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;” Portanto, a condição para que haja transferência de receitas é a efetiva arrecadação de IR e IPI, cuja administração tributária é exercida e controlada pela Receita Federal do Brasil, ou seja, é a receita definitiva de dinheiro[15] por força da imposição dos referidos tributos que gera o cálculo e os valores depositados no Fundo de Participação. Mas, para garantir o equilíbrio financeiro entre os Municípios na percepção do Fundo de Participação dos Municípios, o constituinte exigiu a elaboração de lei complementar específica, na qual foram estabelecidos critérios a serem utilizados pelo Tribunal de Contas da União, a fim de que ele estabelecesse o percentual de cada um, tudo de acordo com o art. 161 da Constituição Federal de 1988: “Art. 161. Cabe à lei complementar: I – definir valor adicionado para fins do disposto no art. 158, parágrafo único, I; II – estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e entre Municípios; III – dispor sobre o acompanhamento, pelos beneficiários, do cálculo das quotas e da liberação das participações previstas nos arts. 157, 158 e 159. Parágrafo único. O Tribunal de Contas da União efetuará o cálculo das quotas referentes aos fundos de participação a que alude o inciso II”. Ressalte-se, é inserido nesse arcabouço constitucional que a Lei Complementar nº 62 de 1.989 previu a base sobre a qual as transferências se realizariam. Veja-se o Parágrafo Único do art. 1º da LC 62/89: “Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, integrarão a base de cálculo das transferências, além do montante dos impostos nele referidos, inclusive os extintos por compensação ou dação, os respectivos adicionais, juros e multa moratória, cobrados administrativa ou judicialmente, com a correspondente atualização monetária paga.” Assim, de forma imprescindível, o valor a ser transferido toma por base informações da Receita Federal do Brasil, atendidos os prazos estabelecidos no art. 4° da Lei Complementar n° 62, de 28 de dezembro de 1989, a seguir, transcrito: “Art. 4° A União observará, a partir de março de 1990, os seguintes prazos máximos na entrega, através de créditos em contas individuais dos Estados e Municípios, dos recursos do Fundo de Participação: I – recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de cada mês: até o vigésimo dia; II – recursos arrecadados de décimo primeiro ao vigésimo dia de cada mês: até o trigésimo dia; III – recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao final de cada mês: até o décimo dia do mês subseqüente.” 9 – CONCLUSÃO Os Municípios tem buscado, com o provimento jurisdicional, subverter o próprio Sistema Tributário Nacional, uma vez que tem o intuito de modificar as competências tributárias expressamente delineadas pela Constituição da República Federativa do Brasil. Tal pleito não se coaduna com o Sistema Rígido adotado por nossa Constituição, em que o detentor da competência tributária, no caso a União, tem o poder de instituir o tributo, aumentá-lo, minorá-lo, parcelar o seu pagamento, realizar anistias das infrações fiscais, não tributar, entre outros atos. A decisão política é do ente federativo tributante, detentor da competência tributária outorgada a ele pela Carta Magna. Não há que se falar em modificar tal Sistema nem mesmo por intermédio de normas infraconstitucionais, e muito menos por meio de decisões judiciais. O que será repassado ao fundo de Participação dos Municípios, assim como para os demais fundos, é aquilo que for efetivamente arrecadado com os Imposto sobre a Renda e sobre Produtos Industrializados, aí já abatidos ou não considerados valores decorrentes de incentivos fiscais, deduções ou exclusões determinadas constitucionalmente, por exemplo, e adicionadas cifras como os juros de mora.
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Afinal, quem é contribuinte do IPI?
O artigo aborda de maneira completa, as diversas possibilidades das empresas serem consideradas contribuintes do IPI, em especial os casos de equiparação.
Direito Tributário
1 – INTRODUÇÃO Num primeiro momento parece fácil responder a essa indagação, principalmente para as pessoas jurídicas que já são contribuintes do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. No entanto, para aquelas que ainda não são cadastradas como tal perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil, julgamos necessária uma análise mais acurada da legislação tributária, pois o imposto em tela apresenta um alto nível de complexidade. Somente após esta análise poderemos responder com maior concretude. Assim, este artigo tem como objetivos não só resumir a legislação relacionada ao seu título, mas também alertar as pessoas jurídicas que não se consideram contribuintes do IPI para dois fatores financeira e tributariamente relevantes: 1º – para o risco de instauração de procedimento de fiscalização, que eventualmente poderia inseri-las na condição de contribuinte deste imposto, por exemplo, como equiparada obrigatoriamente a industrial; 2º – ou, em outro patamar, para a possibilidade de beneficiar-se como credora deste tributo e posteriormente poder compensar com débitos referentes a outros tributos federais. Há que se considerar, portanto, as peculiaridades operacionais de cada pessoa jurídica: no primeiro caso poderia ser cobrada inclusive retroativamente de débitos do imposto (com os devidos acréscimos legais); no segundo caso, poderia beneficiar-se de créditos do imposto, também retroativos. Iniciemos então o nosso raciocínio, lembrando que no mundo dos negócios existem basicamente quatro grandes grupos de atividade empresarial, a saber: a indústria, o comércio, a financeira e a prestação de serviços. As empresas podem até exercer mais de uma atividade ao mesmo tempo, mas geralmente haverá preponderância de uma delas, pela qual se tornam mais conhecidas. Quando falamos em Lojas Renner, por exemplo, logo nos vem à mente uma empresa preponderantemente comercial, e não industrial. No entanto, ela estará equiparada a industrial pela legislação do IPI e consequentemente será contribuinte deste tributo, se importar e posteriormente revender no mercado interno produtos que pela sua classificação fiscal têm incidência do mesmo. Ao realizar importações de mercadorias para revenda, na realidade ela está substituindo uma industrialização que, a princípio, poderia ser realizada no território brasileiro. Se não houvesse a tributação do IPI na importação, estaríamos privilegiando produtos estrangeiros em detrimento dos nacionais, criando uma concorrência desigual que ao mesmo tempo interferiria na arrecadação tributária, na execução do programa governamental de investimentos e na balança comercial. De janeiro a maio de 2011, o aumento do valor das importações contribuiu para aumentar em velocidade maior que a média a arrecadação dos tributos federais cobrados no desembaraço de mercadorias. Isso até pode ser bom do ponto de vista da arrecadação federal, mas não é bom para as indústrias brasileiras, que estão sentindo fortemente essa concorrência. Tanto é verdade que hoje muito se fala em desindustrialização, e por este motivo o executivo federal lançou no dia 2 de agosto de 2011 um pacote denominado “política industrial” (MP 540, 541 e alguns Decretos), prevendo incentivos de fortalecimento a determinados ramos da indústria nacional, no sentido de torná-las mais competitivas perante o mercado internacional. Em epítome, a avaliação de cada uma das atividades e operações executadas pelas empresas é que subsidiará a definição de quais tributos ela é contribuinte. E, para que essa definição seja feita com a suficiente segurança jurídica, é mister que o avaliador conheça profundamente a legislação de cada tributo, seus fatos geradores, contribuintes e responsáveis, bases de cálculo, alíquotas, obrigações acessórias, características do próprio produto e da operação, enfim, que tenha notável familiaridade com o sistema tributário nacional. Além disso, deve conjugar os princípios constitucionais tributários e as correspondentes doutrinas e/ou jurisprudências (administrativas e judiciais). É cediço que o IPI é um imposto de competência da União (art. 153, IV, da CF), regido precipuamente pelos princípios da seletividade e da não cumulatividade, e que se classifica como indireto: o contribuinte de direito (industrial ou equiparado a industrial) recolhe o tributo, mas repassa o respectivo encargo financeiro ao contribuinte de fato (destinatário final). O IPI é um imposto sujeito a lançamento por homologação. Cabe ao contribuinte a responsabilidade pela verificação da ocorrência do fato gerador, cálculo e recolhimento, independentemente de qualquer ato do fisco. Este só atuará quando o pagamento não for realizado ou for insuficiente, ensejando o lançamento de ofício. O período de apuração do IPI, para a grande maioria dos contribuintes, é mensal. O CTN inseriu o IPI no capítulo que cuida dos impostos sobre a produção e circulação (arts. 46/51). Outros diplomas legais importantes são a Lei nº 4.502/1964 e o Decreto nº 7.212/2010 (Regulamento do IPI). “Segundo o ensinamento de Pontes de Miranda, o produto é industrializado não porque a lei assim o determine, mas quando sofre um processo de transformação que lhe altere a natureza, de modo a perder a qualidade de produto agrícola, pecuário ou extrativo para adquirir a de produto manufaturado. A lei não pode dizer que é produto industrializado, produto que não é. Se o faz, viola a Constituição.” 2 – O IPI E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Os princípios representam o primeiro estágio de concretização dos valores jurídicos a que se vinculam. O IPI esta sujeito a princípios gerais, como o da legalidade e o da isonomia, e outros específicos, como o da seletividade e o da não-cumulatividade. Não vamos aqui explicar o que é cada um dos princípios, o que seria motivo de matéria específica, mas nos ateremos principalmente em correlacionar o IPI aos princípios específicos. Inicialmente cumpre lembrar que o IPI não está sujeito ao princípio da anterioridade, conforme preceitua o parágrafo 1º do artigo 150 da Constituição Federal. O motivo de tal exclusão é que o IPI também tem natureza extrafiscal, ou seja, quando se tornar necessário atingir os objetivos da política econômica governamental, mantida a seletividade em função da essencialidade do produto, ou ainda para corrigir distorções, o poder executivo poderá reduzir alíquotas do imposto até zero ou majorá-las até trinta unidades percentuais (art. 69 do RIPI). Exemplo disso foi recente redução a zero das alíquotas do IPI sobre os carros, que objetivou mitigar a crise na indústria automobilística. Por meio das alíquotas aplicáveis, o poder executivo exterioriza a parafiscalidade do tributo. No entanto, deverá ser observada a anterioridade nonagesimal mínima (ou noventena), prevista no art. 153, III, c, da Constituição Federal, pois o rol de exceções desta não contempla o IPI. Ou seja, o aumento da alíquota do IPI tem vigência somente após 90 dias da data da publicação da norma que a majorou. O princípio da seletividade, previsto no art. 153, §3°, inciso I, da Constituição Federal, diz que o IPI será seletivo em função da essencialidade do produto. Ser seletivo em função da essencialidade implica que terá alíquotas diferenciadas de acordo com o produto (considerado individualmente) ou do tipo de produto (se alimentício, de higiene, têxtil). Essa técnica de tributação atende também ao princípio da capacidade contributiva. Por exemplo, as alíquotas do IPI incidentes sobre cigarros (330%) e bebidas (60%), produtos estes considerados nocivos à saúde humana, são muito maiores do que as alíquotas aplicáveis a produtos considerados de primeira necessidade. Já o princípio da não cumulatividade do IPI, inscrito no art. 153, § 3º, inciso II da Constituição Federal, prevê o aproveitamento do montante do imposto cobrado na operação anterior, de modo a evitar a tributação em cascata. Constitui uma técnica de tributação que visa a impedir que as incidências sucessivas nas diversas operações da cadeia econômica de um produto impliquem um ônus tributário muito elevado, decorrente da múltipla tributação da mesma base econômica, ora como insumo, ora como integrante de outro insumo ou de um produto final. Ele é efetivado pelo sistema de crédito do imposto relativo a produtos entrados no estabelecimento do contribuinte, para ser abatido do que for devido pelos produtos dele saídos, num mesmo período de apuração (art. 225 do RIPI). 3 – COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA – SUJEITO ATIVO Vivemos numa sociedade politicamente organizada (Estado), onde existem regras de conduta de observância obrigatória pelas pessoas físicas e jurídicas às quais são destinadas. Neste sentido, a competência tributária nada mais é do que a aptidão para criar determinado tributo, por meio de lei e de forma abstrata que indique o rol dos elementos da hipótese de incidência, isto é, os aspectos pessoais (sujeito ativo e sujeito passivo), a materialidade, a base de cálculo, as alíquotas, o período de apuração, o prazo para seu recolhimento e outros elementos. Com efeito, a competência para instituir o IPI foi outorgada pela Constituição Federal à União, conforme se observa no seu artigo 153, inciso IV. Da mesma forma, somente a União pode alterar ou extinguir o referido tributo. 4 – CONTRIBUINTE – SUJEITO PASSIVO Antes de entrarmos diretamente neste tema, convém relembrar como o Código Tributário Nacional conceitua contribuinte de modo geral. Conforme preceitua o inciso I, do art. 121, “contribuinte” é o sujeito passivo da obrigação principal (pessoa física ou jurídica) que tem relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador do tributo. Assim, podemos citar os seguintes exemplos: a) o comerciante que vende a mercadoria é contribuinte do ICMS; b) o proprietário de imóvel rural, do ITR e; c) o titular de disponibilidade econômica (salário ou lucros) é contribuinte do Imposto sobre a Renda. Cabe lembrar ainda que quaisquer convenções particulares relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos não podem ser opostas à Fazenda Pública para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes, salvo disposição legal em contrário. Significa dizer que, sem previsão legal, nenhuma validade terá qualquer acordo efetuado entre dois contratantes que objetive transferir a responsabilidade pelo pagamento de determinado tributo. A Fazenda Pública cobrará o tributo do contribuinte de direito previsto na Lei ou do responsável (quando aplicável), independentemente de qualquer acordo particular que tenha havido. Sendo assim, de acordo com o regulamento do IPI – RIPI (art. 24 do RIPI – Decreto nº 7.212/2010) são obrigados ao pagamento do imposto, como contribuintes: I – o importador, em relação ao fato gerador decorrente do desembaraço aduaneiro de produto de procedência estrangeira (Lei nº 4.502/1964, art. 35, inciso I, alínea “b”); II – o industrial, em relação ao fato gerador decorrente da saída de produto que industrializar em seu estabelecimento, bem como quanto aos demais fatos geradores decorrentes de atos que praticar (Lei nº 4.502/1964, art. 35, inciso I, alínea “a”); III – o estabelecimento equiparado a industrial, quanto ao fato gerador relativo aos produtos que dele saírem, bem como quanto aos demais fatos geradores decorrentes de atos que praticar (Lei nº 4.502/1964, art. 35, inciso I, alínea “a”); e IV – os que consumirem ou utilizarem em outra finalidade, ou remeterem a pessoas que não sejam empresas jornalísticas ou editoras, o papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, quando alcançado pela imunidade prevista no inciso I do art. 18 (Lei nº 9.532/1997, art. 40). Esse mesmo artigo, em seu parágrafo único, cita ainda o contribuinte autônomo, definindo-o como qualquer estabelecimento de importador, industrial ou comerciante, em relação a cada fato gerador que decorra de ato que praticar. Como corolário, surge o sujeito passivo da obrigação acessória, ou seja, a pessoa obrigada às prestações ou informações que constituam o objeto do tributo. Um exemplo de obrigação acessória relativa ao IPI é a escrituração do Livro de Apuração do IPI. 5 – INCIDÊNCIA DO IPI O imposto incide sobre produtos industrializados, nacionais e estrangeiros, obedecidas as especificações constantes da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI (Decreto 6.006/06 e alterações posteriores). O Regulamento do IPI conceitua produto industrializado como sendo aquele resultante de qualquer operação definida como industrialização, mesmo quando incompleta, parcial ou intermediária (ver tabela abaixo). O campo de incidência abrange todos os produtos com alíquota, ainda que zero (por exemplo, biodiesel), relacionados na TIPI, observadas as disposições contidas nas respectivas notas complementares, excluídos somente aqueles a que corresponde a notação “NT” (não tributado). Aqui já se pode observar, então, que é na TIPI onde encontraremos a alíquota do IPI aplicável a cada produto, inclusive sobre os importados. É bom lembrar que a TIPI é originária de ato do poder executivo, que tem o poder de definir, aumentar ou reduzir as alíquotas dos produtos, obedecendo os princípios da seletividade (em função da sua essencialidade) e da anterioridade nonagesimal (no caso de aumento). 6 – FATO GERADOR DO IPI Fato gerador da obrigação principal, segundo o art. 114 do Código Tributário Nacional, é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. Ainda de acordo com o CTN (art. 46 combinado com o art. 51), o IPI tem como fato gerador a saída de produtos industrializados (transformados, beneficiados, montados, renovados ou recondicionados) do estabelecimento industrial ou a ele equiparado ou, ainda, do estabelecimento comercial que forneça produtos industrializados a estabelecimento industrial. Já conforme o Regulamento do IPI, há duas hipóteses de ocorrência do fato gerador do imposto (art. 35): a) o desembaraço  aduaneiro de produtos de procedência estrangeira; ou b) a saída de produto do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial. Neste momento cabe lembrar que um mesmo estabelecimento industrial pode fazer as duas coisas, isto é, importar e depois dar a saída deste produto. Existem algumas situações que segundo o RIPI não constituem fato gerador do imposto, que são (art. 38): “I – o desembaraço aduaneiro de produto nacional que retorne ao Brasil, nos seguintes casos: a) quando enviado em consignação para o exterior e não vendido nos prazos autorizados; b) por defeito técnico que exija sua devolução, para reparo ou substituição; c) em virtude de modificações na sistemática de importação do país importador; d) por motivo de guerra ou calamidade pública; e e) por quaisquer outros fatores alheios à vontade do exportador; II – as saídas de produtos subsequentes à primeira: a) nos casos de locação ou arrendamento, salvo se o produto tiver sido submetido a nova industrialização; ou b) quando se tratar de bens do ativo permanente, industrializados ou importados pelo próprio estabelecimento industrial ou equiparado a industrial, destinados à execução de serviços pela própria firma remetente; III – a saída de produtos incorporados ao ativo permanente, após cinco anos de sua incorporação, pelo estabelecimento industrial, ou equiparado a industrial, que os tenha industrializado ou importado; ou IV – a saída de produtos por motivo de mudança de endereço do estabelecimento.” 7 – ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL Estabelecimento industrial é aquele que exerce atividades de industrialização, isto é, que executa qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo e promova a operação de saída deste produto do seu estabelecimento. Para caracterização de estabelecimento industrial (contribuinte do IPI), é imprescindível que desta operação resulte produto tributado, mesmo com alíquota zero ou isento (conforme definido na TIPI). O art. 4º do RIPI prevê cinco modalidades de industrialização, conforme tabela abaixo:   Os artigos 5º, 6º e 7º do RIPI listam diversas atividades e/ou operações muito específicas, que são excluídas do conceito de industrialização para efeito de incidência do IPI, como, por exemplo, a confecção ou preparo de produtos de artesanato, o preparo de produtos alimentares não acondicionados em embalagem de apresentação, a confecção de vestuário por encomenda direta do usuário, a montagem de óculos mediante receita médica, a mistura de tintas entre si, dentre outros. Na dúvida vale conferir os demais itens excluídos. 8 – ESTABELECIMENTO EQUIPARADO A INDUSTRIAL Eis aqui um ponto que deve merecer muita atenção por parte das pessoas jurídicas que ainda não estejam cadastradas como contribuinte do IPI perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil e que se enquadrem em alguma das situações previstas nos subitens 8.1 ou 8.2. O legislador criou esta figura com o intuito de evitar elisão fiscal, e por meio dela estabelecimentos que não realizam qualquer operação de industrialização são vistos como se a tivessem realizado. O atual Regulamento do IPI (Decreto nº 7.212/2010) prevê dois tipos de equiparação a estabelecimento industrial: a obrigatória ou compulsória (casos previstos no art. 9º e 10º) e a equiparação por opção (art. 11º). Em qualquer dos casos, para que a equiparação esteja devidamente formalizada e surtindo seus efeitos jurídicos, o estabelecimento deve alterar seus dados cadastrais no CNPJ, assinalando-o como contribuinte do IPI. A partir deste momento, decorrente da subsunção às normas legais, o estabelecimento deverá cumprir todas as obrigações principais e acessórias correspondentes, estando sujeito às penalidades previstas em lei. Por outro lado, o estabelecimento equiparado a industrial poderá se creditar do IPI incluso no preço dos produtos existentes em seu estoque que sejam considerados como insumos de produção pela legislação de regência. Da mesma forma, se o contribuinte desistir justificadamente de sua opção, deverá formalizar esse fato também por meio de alteração do cadastro no CNPJ. No entanto, cumpre lembrar que a alteração cadastral é simplesmente uma consequência da realidade dos fatos, ou seja, da incidência ou não nas condições de equiparado a industrial. 8.1 – EQUIPARAÇÃO OBRIGATÓRIA O primeiro e mais comum caso de equiparação obrigatória (inciso I do art. 9º do RIPI c/c inciso II, do art. 4º da Lei nº 4.502/64), trata dos estabelecimentos que importam produtos tributados pelo IPI para posterior comercialização no mercado interno, substituindo uma industrialização que poderia ser realizada no território nacional, e independentemente da qualidade do eventual comprador. Este tipo de equiparação também tem o objetivo de aproximar o preço dos produtos importados aos produtos nacionais, evitando concorrências desleais e desequilíbrios no mercado nacional. Mesmo que o importador não efetue qualquer tipo de industrialização nos produtos estrangeiros, a legislação do IPI prevê, para este caso, dois momentos de incidência do imposto: o primeiro momento ocorre no desembaraço aduaneiro (IPI vinculado); e o segundo acontece quando o importador promove a saída do produto importado no mercado nacional (IPI interno), e é neste momento que o estabelecimento é equiparado à industrial, ou seja, quando promove a saída de produto industrializado importado (Perguntas e Respostas DIPJ – 2011, capítulo XX, pergunta nº 026). Em respeito ao princípio da não cumulatividade, o segundo momento gerará um débito que poderá ser abatido de crédito do imposto pago no primeiro momento, resultando muito provavelmente um saldo devedor, considerando-se a existência de valor agregado. A implicação da condição de equiparado é que nas saídas de produtos desses estabelecimentos haverá fato gerador do imposto. Analogamente aos estabelecimentos industriais, a caracterização como estabelecimento equiparado a industrial requer que os produtos manipulados estejam no campo de incidência do IPI, em observância ao princípio da seletividade e à TIPI. Por consequência, estes estabelecimentos deverão cumprir todas as obrigações principais e acessórias atribuídas a um industrial. A Secretaria da Receita Federal do Brasil já esclareceu em Soluções de Consulta que os estabelecimentos atacadistas ou varejistas que adquirirem produtos de procedência estrangeira, importados por sua conta e ordem, mesmo que por intermédio de pessoa jurídica importadora, também são equiparados a estabelecimento industrial. E complementou dizendo que estes estabelecimentos equiparados a industrial são contribuintes do IPI para todos os efeitos, submetendo-se ao cumprimento da obrigação principal e das obrigações acessórias previstas na legislação. Como exemplo de equiparação obrigatória a estabelecimento industrial, temos os importadores de vinho que promovam a revenda desse produto no mercado interno. É irrelevante se a quantidade importada foi pequena, mas o fato é que uma vez realizada a operação, ocorre o fato gerador do imposto, caracterizando o estabelecimento como contribuinte do IPI e consequentemente gerando obrigações, principais e acessórias. Dentre tais obrigações acessórias podemos citar: – escrituração do IPI no Livro de Entradas, – escrituração do IPI no Livro de Saídas, – escrituração do Livro de Apuração do IPI, – emissão de notas fiscais com as anotações correspondentes do IPI, – preenchimento da “Ficha da DIPJ, e – contabilização e controle dos débitos, créditos e saldo do IPI em contas específicas. No mesmo sentido, o Acórdão 202-03.290/90, da 2ª Câmara do 2º Conselho de Contribuintes assim decidiu: “IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS ESTRANGEIROS. Estabelecimento que importa produtos tributados de procedência estrangeira é contribuinte do IPI, sujeito à obrigação principal (pagamento do tributo) e às acessórias, tais como a emissão de notas fiscais, escrituração de livros, etc. Isto porque o importador é equiparado à industrial de forma ampla, para todos os efeitos legais (PN CST 367/71). Aplica-se a multa de 30% do valor comercial a todo aquele que receber, conservar, entregar a consumo ou consumir o produto sem registros nos livros ou fichas de controle quantitativo próprios, quando entrar no estabelecimento ou dele sair; ou que emitir Nota Fiscal sem qualquer dos requisitos legais ou regulamentares (art. 366, I e II, do RIPI/82). Ação fiscal procedente.” Cabe ainda alvitrar os Pareceres Normativos CST nºs. 421/70, 460/70, 479/70, 282/71, 253/70, 367/71, 452/71, 141/75, 83/77 e 48/77. Os demais casos de equiparação obrigatória previstos no artigo 9º do RIPI são os seguintes: “II – os estabelecimentos, ainda que varejistas, que receberem, para comercialização, diretamente da repartição que os liberou, produtos importados por outro estabelecimento da mesma firma; III – as filiais e demais estabelecimentos que exercerem o comércio de produtos importados, industrializados ou mandados industrializar por outro estabelecimento da mesma firma, salvo se aqueles operarem exclusivamente na venda a varejo e não estiverem enquadrados na hipótese do inciso II (Lei nº 4.502, de 1964, art. 4º, inciso II, e § 2º, Decreto-Lei nº 34, de 1966, art. 2º, alteração 1ª, e Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, art. 37, inciso I); IV – os estabelecimentos comerciais de produtos cuja industrialização tenha sido realizada por outro estabelecimento da mesma firma ou de terceiro, mediante a remessa, por eles efetuada, de matérias-primas, produtos intermediários, embalagens, recipientes, moldes, matrizes ou modelos (Lei nº 4.502, de 1964, art. 4º, inciso III, e Decreto-Lei nº 34, de 1966, art. 2º, alteração 33ª); V – os estabelecimentos comerciais de produtos do Capítulo 22 da TIPI, cuja industrialização tenha sido encomendada a estabelecimento industrial, sob marca ou nome de fantasia de propriedade do encomendante, de terceiro ou do próprio executor da encomenda (Decreto-Lei nº 1.593, de 21 de dezembro de 1977, art. 23); VI – os estabelecimentos comerciais atacadistas dos produtos classificados nas Posições 71.01 a 71.16 da TIPI (Lei nº 4.502, de 1964, Observações ao Capítulo 71 da Tabela); VII – os estabelecimentos atacadistas e cooperativas de produtores que derem saída a bebidas alcoólicas e demais produtos, de produção nacional, classificados nas Posições 22.04, 22.05, 22.06 e 22.08 da TIPI e acondicionados em recipientes de capacidade superior ao limite máximo permitido para venda a varejo, com destino aos seguintes estabelecimentos (Lei nº 9.493, de 1997, art. 3º): a) industriais que utilizarem os produtos mencionados como matéria-prima ou produto intermediário na fabricação de bebidas; b) atacadistas e cooperativas de produtores; ou c) engarrafadores dos mesmos produtos; VIII – os estabelecimentos comerciais atacadistas que adquirirem de estabelecimentos importadores produtos de procedência estrangeira, classificados nas Posições 33.03 a 33.07 da TIPI (Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, art. 39); IX – os estabelecimentos, atacadistas ou varejistas, que adquirirem produtos de procedência estrangeira, importados por encomenda ou por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora (Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001, art. 79, e Lei nº 11.281, de 2006, art. 13); X – os estabelecimentos atacadistas dos produtos da Posição 87.03 da TIPI (Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999, art. 12); XI – os estabelecimentos comerciais atacadistas dos produtos classificados nos Códigos e Posições 2106.90.10 Ex 02, 22.01, 22.02, exceto os Ex 01 e Ex 02 do Código 2202.90.00, e 22.03, da TIPI, de fabricação nacional, sujeitos ao imposto conforme regime geral de tributação de que trata o art. 222 (Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, arts. 58-A e 58-E, inciso I, e Lei nº 11.727, de 23 de junho de 2008, art. 32); XII – os estabelecimentos comerciais varejistas que adquirirem os produtos de que trata o inciso XI, diretamente de estabelecimento industrial, ou de encomendante equiparado na forma do inciso XIII (Lei nº 10.833, de 2003, arts. 58-A e 58-E, inciso II, e Lei nº 11.727, de 2008, art. 32); XIII – os estabelecimentos comerciais de produtos de que trata o inciso XI, cuja industrialização tenha sido por eles encomendada a estabelecimento industrial, sob marca ou nome de fantasia de propriedade do encomendante, de terceiro ou do próprio executor da encomenda (Lei nº 10.833, de 2003, arts. 58-A e 58-E, inciso III, e Lei nº 11.727, de 2008, art. 32); XIV – os estabelecimentos comerciais atacadistas dos produtos classificados nos Códigos e Posições 2106.90.10 Ex 02, 22.01, 22.02, exceto os Ex 01 e Ex 02 do Código 2202.90.00, e 22.03, da TIPI, de procedência estrangeira, sujeitos ao imposto conforme regime geral de tributação de que trata o art. 222 (Lei nº 10.833, de 2003, arts. 58-A e 58-E, inciso I, e Lei nº 11.727, de 2008, art. 32); e XV – os estabelecimentos comerciais varejistas que adquirirem os produtos de que trata o inciso XIV, diretamente de estabelecimento importador (Lei nº 10.833, de 2003, arts. 58-A e 58-E, inciso II, e Lei nº 11.727, de 2008, art. 32).” 8.2 – EQUIPARAÇÃO POR OPÇÃO Há ainda a equiparação a industrial por opção (arts. 11 a 13 do RIPI/2010). Enquadra-se nesta categoria o estabelecimento comercial que der saída a bens de produção para estabelecimentos industriais ou revendedores, exceto quando destinada a particulares e em quantidade que não exceda a normalmente destinada ao seu próprio uso. Equiparam-se ainda por opção, as cooperativas constituídas nos termos da Lei nº 5.764/71, que se dedicarem à venda em comum de bens de produção recebidos de seus associados para comercialização. A referida opção também deverá ser feita mediante alteração dos dados cadastrais do estabelecimento no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ, para formalizar sua inclusão como contribuinte do imposto. Ao formalizar a sua opção, o interessado deverá relacionar os produtos que possuía no dia imediatamente anterior àquele em que iniciar o regime de tributação, com suas respectivas classificações fiscais e valores, escriturando-os no livro Registro de Utilização de Documentos Fiscais e Termos de Ocorrência (modelo 6) ou em relação anexa ao mesmo. Neste caso poderá creditar-se, no Livro Registro de Apuração do IPI, do imposto constante da relação dos produtos que possuía. A partir deste momento o contribuinte por opção também estará sujeito às mesmas obrigações (principais e acessórias) do industrial ou do equiparado a industrial (art. 13 do RIPI/2010). Caso ocorra a desistência da condição de contribuinte do IPI por opção, esta também deverá ser formalizada mediante alteração dos dados cadastrais no CNPJ. 9 – A TIPI – TABELA DO IPI A TIPI pode ser vista como a bússola indispensável para se chegar à incidência correta do IPI sobre determinada mercadoria ou produto, precedida, é claro, de uma adequada classificação fiscal, lembrando desde já que a mais específica deve prevalecer em detrimento da mais genérica. A TIPI é que definirá a alíquota a ser aplicada a cada produto, se houver. Aliás, a classificação fiscal de mercadorias é uma das atividades mais importantes e delicadas deste processo, pois demanda o conhecimento e aplicação de técnicas específicas e não raras vezes necessita do auxílio de profissionais especializados das mais diferentes áreas para a conclusão de laudos de classificação. A atividade de classificação fiscal é tão importante e complexa que em muitas empresas justifica-se a realização de treinamentos específicos e constantes nesta área. Não é difícil imaginar, então, a importância que tem o “classificador fiscal de mercadorias” no mercado de trabalho. Nesta atividade tem sido muito utilizado, também, o “processo de consulta” à Receita Federal, como forma de dirimir dúvidas de interpretações divergentes entre clientes, fornecedores e o fisco, e de diminuir o risco de autuações. Vale lembrar que a TIPI a ser utilizada deve estar devidamente atualizada, uma vez que as alterações de alíquotas são altamente dinâmicas. Ao se fazer o enquadramento de uma mercadoria na TIPI, deparamo-nos com quatro possibilidades: ou o produto é imune (NT), ou é isento, ou tem alíquota zero, ou tem alíquota positiva. Enfim, no processo de classificação fiscal os contribuintes devem sempre trilhar pelos caminhos que os conduzam a maior segurança jurídica possível. 10 – DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA Na esteira das imunidades do IPI, o RIPI tão-somente reproduziu as previsões constitucionais. Assim, são imunes da incidência do imposto: “I – os livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão (Constituição Federal, art. 150, inciso VI, alínea “d”); II – os produtos industrializados destinados ao exterior (CF art. 153, § 3º, inciso III); III – o ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial (CF art. 153, § 5º); IV – a energia elétrica, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País (CF art. 155, § 3º).”      Para fins do disposto no item IV, entende-se como derivados do petróleo os produtos decorrentes da transformação do petróleo, por meio de conjunto de processos genericamente denominado refino ou refinação, classificados quimicamente como hidrocarbonetos (Lei nº 9.478/1997, art. 6º, incisos III e V). As imunidades aqui previstas estão relacionadas a produtos ou a operação de exportação, nunca a pessoas jurídicas. Embora apresente vício de constitucionalidade, cumpre alertar para a existência do Projeto de Lei Complementar – PLP nº 11/2011, que pretende alterar a Lei Complementar nº 87/1996, ao estabelecer a incidência de ICMS sobre operações de exportação de produtos primários não renováveis (exemplo: carvão mineral, combustíveis fósseis, gás natural). 11 – ANÁLISE DA SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 332 DE 29 DE NOVEMBRO DE 2004 Esta Solução de Consulta é um verdadeiro alerta às empresas de industrializam e comercializam produtos imunes de maneira geral, embora neste caso trate especificamente dos derivados de petróleo. Dada a sua importância e amplitude, achamos que ela merece uma análise mais aprofundada e partilhada. Em primeiro lugar, ela ratifica o que já sabemos, ou seja, que são imunes da incidência do IPI os derivados de petróleo. E esclarece que os produtos derivados de petróleo são aqueles decorrentes da sua transformação, por meio do conjunto de processos genericamente denominado refino ou refinação, e classificados quimicamente como hidrocarbonetos. Em segundo lugar, ela esclarece que os produtos derivados de petróleo considerados imunes do IPI são aqueles que se encontram relacionados na TIPI como não tributados, “NT”. Em terceiro lugar, ela diz que outros produtos compostos de petróleo que não atendam as definições acima não se beneficiam da imunidade e encontram-se relacionados na TIPI com alíquota positiva ou eventualmente zero, sujeitando-se à incidência do imposto, conforme a respectiva alíquota que lhes for atribuída. Este é o caso do coque de petróleo, do hexano e da parafina, por exemplo. Em quarto lugar, ela esclarece que o estabelecimento equiparado a industrial nos termos do art. 9º, inciso I, do Decreto nº 4.544, de 2002 (hoje Decreto nº 7.212/2010), poderá creditar-se do imposto pago no desembaraço aduaneiro dos produtos que importar e que posteriormente revender no mercado interno. A utilização desses créditos será feita na forma estabelecida no art. 195, caput e §§ 1º e 2º, do Decreto nº 4.544, de 2002. Como se vê, é importante avaliar cada produto comercializado, distintamente. 12 – CRÉDITOS DO IPI Eis aqui uma questão também muito importante, pois uma vez na condição de contribuinte do IPI, em respeito ao princípio da não-cumulatividade, será do interesse deste o aproveitamento de todos os créditos possíveis e permitidos pela legislação regente. Regra geral, os estabelecimentos industriais e os que lhes são equiparados poderão creditar-se: I – do imposto relativo à matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados, incluindo-se, entre as matérias-primas e os produtos intermediários, aqueles que, embora não se integrando ao novo produto, forem consumidos no processo de industrialização, salvo se compreendidos entre os bens do ativo permanente; II – do imposto relativo a matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, quando remetidos a terceiros para industrialização sob encomenda, sem transitar pelo estabelecimento adquirente; III – do imposto relativo a matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, recebidos de terceiros para industrialização de produtos por encomenda, quando estiver destacado ou indicado na nota fiscal; IV – do imposto destacado em nota fiscal relativa a produtos industrializados por encomenda, recebidos do estabelecimento que os industrializou, em operação que dê direito ao crédito; V – do imposto pago no desembaraço aduaneiro; VI – do imposto mencionado na nota fiscal que acompanhar produtos de procedência estrangeira, diretamente da repartição que os liberou, para estabelecimento, mesmo exclusivamente varejista, do próprio importador; VII – do imposto relativo a bens de produção recebidos por comerciantes equiparados a industrial; VIII – do imposto relativo aos produtos recebidos pelos estabelecimentos equiparados a industrial que, na saída destes, estejam sujeitos ao imposto, nos demais casos não compreendidos nos itens V a VII; IX – do imposto pago sobre produtos adquiridos com imunidade, isenção ou suspensão quando descumprida a condição, em operação que dê direito ao crédito; e X – do imposto destacado nas notas fiscais relativas a entregas ou transferências simbólicas do produto, permitidas neste Regulamento. Os contribuintes poderão também se creditar do imposto relativo a matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, adquiridos de comerciante atacadista não contribuinte, calculado pelo adquirente, mediante aplicação da alíquota a que estiver sujeito o produto, sobre cinquenta por cento do seu valor, constante da respectiva nota fiscal. Regra geral, os insumos que dão direito a crédito são as matérias primas e os produtos intermediários que integrem o novo produto, ou, sejam consumidos no processo de industrialização, bem como as embalagens. O controle dos créditos e dos débitos é feito por meio da escrituração do Livro Registro de Apuração do IPI, ou para os contribuintes sujeitos à Escrituração Fiscal Digital – EFD, no Registro E520 – Apuração do IPI. No entanto, em virtude da amplitude, complexidade e importância dos “créditos”, optei por abordar este assunto em artigo apartado que publicarei oportunamente. 13 – A DIPJ – Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica Se analisarmos as orientações iniciais de preenchimento da DIPJ, verificamos que a pessoa jurídica que tiver qualquer estabelecimento industrial ou equiparado a industrial sujeito a apuração do IPI deve assinalar o campo “Apuração e Informações de IPI no Período”, ainda que somente tenha dado saída a produto isento, tributado à alíquota zero ou com suspensão. O referido campo deve ser assinalado, ainda que haja somente informações relativas a saídas de produtos imunes ou não tributados. A “Pasta IPI” da DIPJ é composta pelas seguintes “Fichas”, que devem conter as informações relativas a cada estabelecimento contribuinte, diferenciados pelo final do CNPJ: Ficha 19 – Estabelecimentos Industriais ou Equiparados; Ficha 20 – Apuração do Saldo do IPI; Ficha 21 – Entradas e Créditos; Ficha 22 – Saídas e Débitos; Ficha 23 – Remetentes de Insumos/Mercadorias; Ficha 24 – Entradas de Insumos/Mercadorias; Ficha 25 – Destinatários de Produtos/Mercadorias/Insumos; Ficha 26 – Saídas de Produtos/Mercadorias/Insumos. 14 – CONCLUSÃO Considerando-se os pontos analisados acima, percebemos que, quando se fala em IPI, há que se separar e avaliar detidamente as operações executadas pela empresa, classificando adequadamente os produtos comercializados. E, mesmo que uma empresa comercialize preponderantemente produtos imunes ao tributo, deve-se avaliar a incidência ou não do IPI sobre os demais produtos comercializados. Além disso, deve-se certificar da ocorrência ou não de fato gerador que possa inseri-la na condição de equiparada a industrial e consequentemente de contribuinte do IPI. Uma vez inserida na categoria de contribuinte do IPI, independentemente do volume dessas operações, a empresa estará sujeita ao cumprimento das correspondentes obrigações acessórias, como, por exemplo, a escrituração dos livros fiscais correspondentes, bem como a transcrição dessas informações na “Pasta IPI” da DIPJ do respectivo exercício. Por fim, cabe lembrar que “Não se incide pouco ou muito no fato gerador do IPI, incide-se ou não”.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/afinal-quem-e-contribuinte-do-ipi/
Imunidades tributárias em relação ao IPTU para os centros de umbanda
O trabalho visará buscar os elementos necessários para estender as imunidades constitucionais enfatizando a força e legalidade da Umbanda como Religião originalmente brasileira, essa, que em pais como o nosso (Brasil) de onde vários povos migraram e trouxeram suas particularidades étnicas culturais e também já religiosas, é inevitável pensar que estas culturas iriam se misturar e gerar uma outra, mais ampla e diversificada no caso a criação da Umbanda. E sendo essa Religião Umbanda denominada assim por um Estado laico, visa também buscar todos os benefícios atribuídos as demais religiões registradas em nosso país.[1]
Direito Tributário
Sumário: Introdução. 1. O marco legal das imunidades tributárias aos centros religiosos no Brasil. 1.1. Imunidades e isenções no direito tributário brasileiro. 1.2. Direitos fundamentais e a liberdade de exercício de crença religiosa. 2. A umbanda como religião no Brasil. 2.1. O histórico da umbanda e suas características. 2.2. Dados estatísticos sobre o exercício da religião umbandista. 3. Os obstáculos para a garantia da imunidade aos centros de umbanda. 3.1. O pagamento dos trabalhos/serviços que são feios nas casas de religião de matriz africana. 3.2. A questão templo vs moradia e a jurisprudência. 4. Considerações finais. Referências. INTRODUÇÃO Nesse contexto histórico e social, relativamente novo, em vista de outras religiões já conhecidas e conceituadas por um período bem visto e conhecido de toda Historia da humanidade, é que se buscam afirmações que possam dar respaldo necessário à Religião da Umbanda e aos seus Centros de Umbanda, que queiram pleitear o direito de não mais pagar os tributos na forma do IPTU assim já firmado na Carta Magna (Constituição Federal de 1988) em seu artigo 150 VI  alínea b e §4º (templos de qualquer culto). Este estudo faz-se necessário, pois onde o reconhecimento das religiões de matriz africana (Candomblé, Umbanda e outras), tem dificuldades em ter um destaque maior na sociedade brasileira, e ainda tem muitas vezes seus ritos, cultos e liturgias, mal interpretados, imitados, zombados de forma errônea e ainda o que é pior, de maneira jocosa, pejorativa e preconceituosa inclinando-se às vezes até para uma opinião racista.Em todos os veículos de comunicação, principalmente os de grande massa, como revistas e jornais impressos, radio e TV onde diversas vezes são expressas sátiras, crônicas, comentários de Pais de santo ou Mães de Santo em situações geralmente duvidosas. Do modo como é tratado o assunto religião no Brasil, estabelecido como um país de Estado laico, tendo a liberdade religiosa fundamentada na legislação constitucional, esse trabalho visa demonstrar a existência e legitimidade das religiões de matriz africana em especial a Umbanda, bem como as dificuldades e obstáculos culturais de garantir a eficácia das normas constitucionais que beneficiam e promovem o exercício da crença religiosa, no caso, de ordem tributaria. Para tanto, no 1º capitulo será trabalhado; O marco legal das imunidades tributarias no ordenamento jurídico brasileiro, estendidos aos templos religiosos no Brasil.No segundo capitulo trabalharemos mostrando, A Umbanda como uma Religião genuinamente brasileira, criada no Brasil.O terceiro capítulo irá mostrar e discutir os obstáculos para a garantia da imunidade aos templos, nesse trabalho as Terreiras, Centros ou Casas de Umbanda. 1 O MARCO LEGAL DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS AOS CENTROS RELIGIOSOS NO BRASIL 1.1 IMUNIDADES E ISENÇÕES NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO O conceito de isenção e imunidade é muitas vezes confundido em nosso país, por isso é necessário ter noções gerais sobre a matéria constitucional que é o lugar onde devemos buscar nossos direitos e os fundamentos da matéria tributaria constante em nosso ordenamento jurídico. Conhecer as leis e as razões de sua elaboração é fundamental para o requerimento e exigência de um direito. O artigo 150 VI alínea b e § 4º da Constituição Federal de 1988[2] trata das Imunidades tributárias aos templos de qualquer culto. E como explana o Prof. Ivens Gandra da Silva Martins na obra em que coordena, junto de outros autores [por que algumas imunidades são tão importantes, a ponto de o constituinte, colocar um muro à imposição de forma insuperável, se não só por Emenda Constitucional?][3]. De uma maneira bem específica explica o Prof. Ives Gandra: “é que a imunidade, nas hipóteses constitucionais, constitui o instrumento que considerou fundamental para, de um lado manter a democracia, liberdade de expressão a ação dos cidadãos e, outro lado de atrair os cidadãos a contribuírem com o Estado, nas suas atividades essenciais, em que, muitas vezes o próprio Estado atua mal ou insuficientemente, como na educação, assistência social etc.” Conforme Ives Gandra a Imunidade é uma hipótese de não-incidência tributária constitucionalmente qualificada. Outro autor, Nascimento, questiona o que é e onde esta confirmada a imunidade tributaria, “poder-se-ia afirmar que a Imunidade é uma proteção a qual a Constituição Federal confere aos contribuintes” [4]? Responde, e ainda afirma, que a imunidade é: “É uma hipótese de não incidência tributária constitucionalmente qualificada. As imunidades previstas no artigo 150 da Constituição Federal só existem para impostos, mas não podemos esquecer que existem imunidades espalhadas na Constituição em relação às taxas e contribuições especiais.” Assim se faz necessário conhecer alguns institutos das imunidades[5]: A incidência se dá quando ocorrer o fato gerador do tributo. A não-incidência se dá quando ocorrer fatos não abordados na hipótese de incidência do tributo (fatos tributariamente irrelevantes) ou quando não ocorrerem fatos. Muitas vezes o legislador traz a não-incidência expressa, mas é apenas um reforço, pois já não haveria incidência tributária caso não estivesse explicitada. No tocante as imunidades existem também outras modalidades, que estão no texto constitucional. Imunidade recíproca[6] às pessoas políticas (art. 150, VI, a da CF), imunidade do patrimônio, renda e serviços das Autarquias e Fundações instituídas e mantidas pelo Estado (art. 150, §2º da CF), há também Imunidade do patrimônio, da renda e dos serviços dos templos de qualquer culto (art. 150, VI, alínea b e §4º da CF) e a imunidade dos jornais, livros, periódicos e o papel destinado a sua impressão (art. 150, VI, alínea d da CF). Há ainda Imunidade recíproca às pessoas políticas, que não podem tributar-se reciprocamente por meio de impostos, onde explica o autor[7]: “Sem prejuízo de outras garantias ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir imposto sobre patrimônio renda e serviços uns dos outros” (art. 150, VI, “a” da CF). Tal imunidade decorre do princípio da isonomia no âmbito político, o qual afirma que as pessoas políticas são iguais.  Imunidade subjetiva; refere-se à entidade e não a um determinado bem. Deve-se fazer uma interpretação extensiva abrangendo todos os impostos incididos sobre o patrimônio, renda e serviços para onde realmente é destinada sua utilização. Segundo o Prof. Gandra, esta imunidade possui uma dimensão[8]: “Imunidade subjetiva: refere-se à entidade e não a um determinado bem.  Patrimônio, renda e serviços vinculados às finalidades essenciais ou dela decorrentes: diferentemente das pessoas políticas, basta que o patrimônio, a renda e os serviços não estejam vinculados à finalidade para que não haja imunidade. Nas pessoas políticas a imunidade abrange qualquer patrimônio, renda e serviços.” Ao que refere aos templos de qualquer culto cuja expressão, é ampla, e que abrange não só as Igrejas, como também as lojas maçônicas, casa do pastor, convento, os centros de formação de Rabinos, seminários, casa paroquiais, imóveis que facilitam o culto, veículos utilizados para atividades pastorais, como o templo móvel e etc. Assim, os anexos dos templos também são abrangidos, desde que o patrimônio, renda e serviços sejam relacionados com as finalidades essenciais do templo, e tendo em vista que a imunidade tem limite, pode não alcançar atividades desvinculadas do culto como segue no artigo art. 150, §4º da CF, segue-se ainda aqui, no exemplo do Prof. Gandra, onde o “estacionamento da Igreja pode ser tributado por ISS, IPTU, IR, etc., entretanto, o que é comercializado dentro do templo esta a salvo da tributação, pois faz parte do culto”. Nesse caso, o exemplo apresentado antes já existe discussões nos tribunais, em relação à tributação ou não do estacionamento dos templos. As imunidades em nosso ordenamento jurídico brasileiro mostram vedação total ao poder de tributar nos limites traçados pela Constituição. Imunidade tributária é a limitação imposta pela Constituição à instituição de tributos sobre determinados objetos ou a serem suportados por determinados sujeitos. Pode a imunidade ser de dimensão subjetiva[9]. Um exemplo de imunidade objetiva é a do artigo 150, VI, alínea d da Constituição, que veda a instituição de impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Não se há de confundir imunidade com isenção. Apesar de ambas resultarem no não pagamento do tributo, a isenção é instituída pela Lei infraconstitucional, e a imunidade pela Constituição do Brasil de (1988). A imunidade, por sua vez, é garantida pela Constituição. Não pode o Estado, por exemplo, sob qualquer pretexto, efetivar tributos sobre os livros e jornais ou os templos de qualquer culto (Igrejas, Terreiras, Mesquitas etc.), as imunidades não podem ser revogadas, sequer por emenda à Constituição, pois constituem proteção absolta à direito fundamental, a liberdade de expressão, não podendo ser objeto de emendas (CF/88, art. 60, §4º, IV)[10]. São também exemplos de imunidades protetoras de direitos fundamentais as imunidades concedidas aos partidos políticos, por preservar a democracia, e a imunidade dos templos religiosos (sem distinção de orientação dogmática) por preservar a liberdade de consciência e de crença. Assim, somente diante de uma nova Constituição tais imunidades podem ser revogadas. É a proteção máxima que o Direito pode oferecer, pois somente através de uma reconstrução dele podem ser removidas. Existem, é certo, imunidades que não constituem forma de preservação de direitos fundamentais. Ainda assim, pelo fato de integrarem o texto constitucional, estas imunidades só por emenda à Constituição podem ser abolidas. Contudo ainda há outras diferenças, uma delas reside no modo de interpretar as normas que as concedem, e, conseqüentemente, no alcance de tais normas. As imunidades tributárias, segundo entendimento majoritário na doutrina, são previsões constitucionais que impedem e dão um limite para a competência tributária, assim no sentido de impedir que as normas de tributação incidam sobre os fatos imunizados. Sendo assim, à lei ordinária é defeso a inclusão, nas hipóteses de incidência de um determinado tributo, de fatos que são abrangidos pelas normas constitucionais de imunidade, pois tornar-se-iam absolutamente inconstitucionais. Os fatos definidos dentre as imunidades tributárias passariam a compor, então, o âmbito da não incidência. Neste sentido menciona Hugo de Brito Machado: “é possível dizer-se que a imunidade é uma forma qualificada de não incidência”. (Hugo de Brito Machado) [11]. A Isenção que esta prevista no (CTN) Código Tributário Nacional de 25 de outubro de 1966[12], elencada no rol dos artigos 176 á 179, para alguns autores é uma hipótese de não-incidência legalmente qualificada, pois é Lei infraconstitucional; para outros autores, se trata de uma exclusão do crédito tributário, pois, embora tenha acontecido o fato gerador do tributo (haja incidência), o ente tributante (FISCO) está impedido de constituir e cobrar o crédito tributário. A isenção pode ser concedida por lei, mas também por a mesma ou outra lei, pode ser revogada a qualquer tempo em não tendo sido concedida por prazo determinado e sob determinadas condições, pode ser retirada toda ou em parte a qualquer tempo, nada podendo fazer o contribuinte. No caso da isenção, não se impede que seja instituído o tributo sobre os fatos previstos na norma isentiva. Assim sendo, por expressa previsão legal, tem-se a ocorrência do fato gerador e, conseqüentemente, a formação da obrigação tributária e, posteriormente, o seu crédito, que, por sua vez, é então excluído. Nesse sentido a hipótese de incidência é obtida com a exclusão, dentre os fatos tributáveis, somente das hipóteses de imunidade, ficando a isenção, de início, dentre os fatos tributáveis. Para que desapareça uma imunidade, é preciso alterar a Constituição, já para que desapareça uma isenção, basta que a lei seja revogada, pois se trata de uma lei infraconstitucional, não necessitando do poder constituinte[13] originário das leis constitucionais. A isenção, por ser uma exceção à regra, que é a incidência do tributo, deve ser interpretada restritivamente. Já a imunidade, por ser concedida por norma Constitucional, deve ser interpretada de forma extensiva, observando-se outros princípios contidos na Constituição e a finalidade a que foram concedidas. Não se admite interpretação literal ou restritiva à regra que concede a imunidade, pois isto seria por a menor o princípio constitucional. Feitas as considerações sobre o marco legal e o conceito de imunidade tributária, cabe-nos justificar a hipótese prevista no §4º, alínea b, do inciso IV, do artigo 150 da Constituição Federal, que tem como fundamento, por um lado o direito à liberdade religiosa e do exercício de culto religioso e por outro o dever do Estado de não impedir o exercício deste direito, obstaculizando-o. 1.2. DIREITOS FUNDAMENTAIS E A LIBERDADE DE EXERCÍCIO DE CRENÇA RELIGIOSA. A liberdade de religião e de opinião é um direito humano fundamental reconhecido em muitos ordenamentos jurídicos. A liberdade religiosa inclui ainda, a liberdade de ter ou não ter, seguir ou não seguir qualquer religião, ou até mesmo de não ter opinião sobre a existência ou não de Deus (agnosticismo e ateísmo)[14]. A Declaração Universal dos Direitos Humanos[15] adotada pelos 58 estados membros conjunto das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, no Palais de Chaillot em Paris, (França) e ratificada pelo Brasil, nos dias atuais conta com mais de 192[16] paises espalhados entre os 5 continentes ja definia a liberdade de religião e de opinião em sua plenitude no artigo 18: “Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observâcia, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.” O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos[17] de 16 de dezembro de 1966, na terceira parte artigo 18, em que o Brasil aceitou e aderiu em 24 de abril de1992, por meio do Decreto nº592[18], também regula o direito a liberdade de expressão nas formas de religião[19]: “Toda pessoa terá direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino.” A religião, assim como a linguagem, pode endossar e subverter os sentidos, alienar pessoas e grupos sociais. Exemplo disso são algumas leituras de caráter religioso decorrentes de hermenêuticas que, utilizadas a favor dos interesses de alguns humanos, transitam e transcrevam sentidos e significados, movendo mundos por meio de interesses pessoais, pronúncias que, muitas vezes, destroem, mutilam, matam e sentenciam mundos e vidas.[20] Para se obter a legitimação de um culto religioso é necessário ter primeiro o entendimento do que se trata como sendo uma Religião[21]. “RELIGIÃO deriva do termo latino “Re-Ligare”, que significa “religação” com o divino. Essa definição engloba necessariamente qualquer forma de aspecto místico e religioso, abrangendo seitas, mitologias e quaisquer outras doutrinas ou formas de pensamento que tenham como característica fundamental um conteúdo Metafísico, ou seja, de além do mundo físico.” No presente trabalho pretende-se salientar importantes tópicos a respeito da evolução social e a participação constitucional como fonte disciplinadora e conciliadora da força do Estado e do poderio religioso para nossa sociedade contemporânea. O delineamento histórico dimensiona a constante e longínqua influência assumida pelas religiões no decorrer dos tempos e seu relacionamento estreito com as pessoas detentoras do poder político nas sociedades. Os núcleos de formação dos Estados democráticos inserem sempre a participação popular nesses governos, permitindo a expansão dos direitos fundamentais, e como conseqüência, a liberdade religiosa. Na recém criada republica brasileira o DECRETO Nº 119-A, DE 7 DE JANEIRO DE 1890[22], proibia a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa, consagrando o pleno exercício dos cultos extinguindo o padroado e estabelecendo outras providencias. O artigo 1º do decreto, em sua essência estabelece o principio da laicidade, a saber: “Art. 1º E’ proibido á autoridade federal, assim como á dos Estados federados, expedir leis, regulamentos, ou actos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e crear differenças entre os habitantes do paiz, ou nos serviços sustentados á custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões philosophicas ou religiosas.” O mesmo decreto garante também igualdade de tratamento a todas as religiões, respeitando as diferenças e diversidades de cada uma em seu artigo segundo[23]. A garantia da liberdade religiosa é disposta de forma ampla no artigo 3º o decreto, ao absorver não somente os indivíduos, mas também as diferentes formas de agremiação como: igrejas, associações, etc. Assim dispõe o artigo 3º do Decreto n.º 119-A, de 1890: “Art. 3º A liberdade aqui instituida abrange não só os individuos nos actos individuaes, sinão tabem as igrejas, associações e institutos em que se acharem agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituirem e viverem collectivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem intervenção do poder publico” Também a respeito da liberdade de associação religiosa dispõe a mesma lei em seu artigo 5º:  “Art. 5º A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade juridica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes á propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o dominio de seus haveres actuaes, bem como dos seus edificios de culto”. A Constituição Federal de 1988 no Titulo II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) – CAPITULO I (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos) consagra o direito à Liberdade religiosa em seu texto no artigo 5º inciso VI[24]: “é inviolável a liberdade de consciência e de crenças, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;  A Constituição Federal mantém essa postura, ao colocar o artigo 150 IV  alínea b e §4º na CF/88 mantendo o Estado laico e assim permitindo a livre manifestação das religiões. A concretização do modelo atual de liberdade de religião é resultado da base principio lógica, que sustenta a Constituição, centrada na Igualdade, na Tolerância e na diversidade de pensamentos políticos e filosófico-religiosos[25]. Em tal base encontra-se o principio da Laicidade[26]. Esses princípios abrigam a harmonia necessária para se manterem plenos os direitos individuais, conseguindo dimensionar e solucionar suas mais diversas diferenças. E em busca de tal equilíbrio conciliatório, eles (princípios) asseguram uma liberdade religiosa respeitada e não abusiva. É então esclarecido o papel dos principais componentes, em que cada princípio expressa uma parte específica do conjunto que mantém perene a liberdade religiosa. Alguns autores registram a Interdependência entre liberdade religiosa que se refere liberdade de crença e liberdade de culto, já que elas estão ligadas, mas ao mesmo tempo tem o sentido diferenciado. A livre crença ou liberdade de credo permite ao indivíduo optar por qualquer religião de sua vontade ou necessidade, já o livre culto[27] exterioriza a adoração da crença por meio de atos e liturgias solenes que daquela religião especifica que assim exigir. Nesse sentido, a livre organização protege as religiões, pela personalidade jurídica, podendo elas atuar na sociedade sem dependência nem vínculo algum com o Estado. O fato de existir uma liberdade tão expressiva como a religiosa, resguardada constitucionalmente, exige uma delimitação interpretativa em relação aos outros direitos fundamentais, pois sua interpretação é, então, realizada considerando-se a Lei Maior, como um sistema em que interage entre seus diversos artigos, não podendo haver a incidência de determinado princípio sem a devida harmonização com os demais. Assim, no “enfrentamento da liberdade religiosa com direitos tão relevantes, deve-se buscar a melhor forma de adequá-los harmoniosamente, sem permitir que haja hierarquia, preferência ou violações recíprocas” [28]. Encontrado o encaixe interpretativo constitucional da liberdade religiosa, parte-se para sua irradiação em diversos campos sociais protegidos constitucionalmente, como o ensino, a família e o trabalho, demonstrando as transformações que a religião trouxe em cada caso. 2. A Umbanda como Religião no Brasil. 2.1 O HISTÓRICO DA UMBANDA SUAS CARACTERÍSTICAS E LEGISLAÇÃO. As definições e conceitos aqui tratados podem diferir em alguns tópicos por se tratar de uma visão generalista e enciclopédica[29]. Por tratar-se de um conjunto religioso com várias ramificações, as informações aqui expostas busca dar informaçõa e conhecimentos da forma mais abrangente possível e sem discriminação ou preconceitos, pois todas as “umbandas[30]” têm suas razões para existir e de serem cultuadas. Umbanda é uma religião formada dentro da cultura religiosa brasileira que sincretiza vários elementos, inclusive de outras religiões como o catolicismo[31], o espiritismo e as religiões afro-brasileiras. A palavra umbanda deriva de m’banda, que em quimbundo[32] uma linguagem ainda usada em cantos ou pontos tem o significao “sacerdote ou curandeiro”. A história a Umbanda tem suas oringens difusas. Entretanto afirma Vagner Silva que esta religião foi criada em “1908 pelo Médium Zélio Fernandino de Moraes, sob a influência do Caboclo das Sete Encruzilhadas”[33]. Antes  de se ter o surgimento da Umbanda como uma nova religião, já havia, de fato, o trabalho de outras pessoas, que eram (guias,pretos-velhos, caboclos, crianças), assim como religiões ou simples manifestações religiosas espontâneas cujos rituais envolviam incorporações e o louvor aos orixás[34]. Entretanto, foi através de Zélio que organizou-se uma religião com rituais e contornos bem definidos à qual deu-se o nome de Umbanda, contudo, nesta época, não havia liberdade religiosa. Todas as religiões que apontavam semelhanças com rituais afros eram perseguidas, os terreiros destruídos e os praticantes presos. Em 1945, José Álvares Pessoa, dirigente de uma das sete casas de umbanda fundadas inicialmente pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, obteve junto ao Congresso Nacional a legalização da prática da Umbanda. A partir dai, muitas tendas cujos rituais não seguiam o recomendado pelo fundador da religião, passaram a dizer-se umbandistas, de forma a fugir da perseguição policial. Foi aí, conforme o Professor e escritor Rubens Saraceni que a ”religião começou a perder seus contornos bem definidos e a misturar-se com outros tipos de manifestações religiosas”. De tal forma que hoje a Umbanda genuína é praticada em pouquíssimas casas. Hoje, existem diversas ramificações onde podemos encontrar influências que utilizam a palavra umbanda, como as indígenas (Umbanda de Caboclo), as africanas (Umbandomblé, Umbanda traçada) e diversas outras de cunho esotérico (Umbanda Esotérica, Umbanda Iniciática). Existe também a “Umbanda Popular”, onde encontraremos um pouco de cada coisa ou um cadinho de cada ancestralidade, onde o sincretismo[35] (associação de santos católicos aos orixás africanos) é muito comum. Os fundamentos da umbanda variam conforme o local, região ou  vertente de quem a pratique, mesmo assim existem alguns conceitos básicos que são encontrados na maioria das casas e assim podem, com certa ressalva e cuidado, ser generalizados para todas as formas de umbanda. O primeiro delas é a existência de uma fonte criadora universal, um Deus supremo, chamado Olorum. Algumas das entidades, quando incorporadas, podem nomeá-lo de outra forma, como por exemplo Zambi para pretos-velho, Tupã[36] para caboclos, entre outros, mas são todos o mesmo Deus. O segundo conceito é a obediência aos ensinamentos básicos dos valores humanos, como: fraternidade, caridade e respeito ao prósximo, sendo a caridade uma máxima encontrada em todas as manifestações existentes. O terceiro conceito estruturador da religão é o culto aos orixás como manifestações divinas em que cada orixá controla e se confunde com um elemento da natureza do planeta ou da própria personalidade humana, em suas necessidades e construções de vida e sobrevivência. A exceção a incorporação deste conceito está no seguimento Umbandista denominado Umbanda Branca (alguns umbandistas cultuam a chamada umbanda branca, ésta no entanto não cultua os orixás, sendo unicamente voltada ao culto de caboclos, pretos velhos e crianças) que em um quarto conceito caracteriza a manifestação dos Guias para exercer o trabalho espiritual incorporado em seus médiuns ou “aparelhos ou cavalo-de-santo”[37]. O quinto conceito a ser destacado seria o Mediunismo, como uma forma de contato entre o mundo físico e o espiritual, manifestado de diferentes formas. Há uma doutrina, que regra, uma conduta moral e espiritual a ser seguida em cada casa, de forma variada e diferenciada. Por último podemos afirmar como conceito fundante e para nortear os trabalhos dos terreiros, a crença na imortalidade da alma, a crença na reencarnação e nas leis cármicas. Na Umbanda os orixás são manifestações do Grande Deus Olorum. Orisha é uma palavra yoruba[38] para designar um ser sobre-humano, ou um Deus. Todo o universo surge de Olorum através das radiações que ficam individualizadas em cada orixá. Essas radiações são personificadas de formas diferentes nos diversos terreiros – depende da influência histórica que cada um sofreu. A radiação (vibração da água) pode ser relacionada apenas a Iemanjá, mas pode ser subdividida em Oxum: água doce, Nanã: pântano e Iemanjá: mares. Ocorre semelhante com Ossain que é das matas e Oxóssi caçador das florestas. Muitos escritores da umbanda relacionam as Sete Linhas da Umbanda[39] aos Orixás, outros preferem relacionar as Sete Linhas da Umbanda com as vibrações e não diretamente a orixás, já que eles são mais de sete. Os orixás não são originários da umbanda, muito antes eles já eram reverenciados nas terras africanas por diversas tribos. Muitos deles não se tornaram conhecidos aqui no Brasil, e até mesmo nas tribos africanas, pois cada uma possuía seu orixás e desconhecia outros que eram cultuados em tribos diferentes. Quando começou o tráfico de escravos para o Brasil e outros cantos do mundo, muitos negros de tribos diferentes foram vendidos juntamente, assim diversas maneiras e caracteristicas de cultuar seus orixás de tribos distantes e diferentes, vieram parar em terras brasileiras e formaram o grande panteão do Candomblé. Notadamente a nação  (tribo de aldeia africana) que mais influenciou foi a Iorubá. Nesta visão ainda própria dos ritos tribais, o orixá era um ancestral que todos tinham em comum. No nascimento do Candomblé, considerado por estudiosos das religioes de matriz africana, como a  primeira Religião originalmente trazida pelos escravos para o Brasil, os homens passaram a ser filhos espirituais dos orixás, pois a relação de ancestralidade que existia na tribo não se confirmava mais tendo de adaptada na nova realidade da América. A partir da Umbanda,  configura-se uma nova visão o qual seria o Orixá Cósmico; o orixá, pela cosmogonia umbandista, nunca viveu na terra, ele é muito mais que o espírito desencarnado de um homem e toda criação é o resultado do trabalho harmônico dos orixás, espíritos elevadíssimos, pois são os verdadeiros arquitetos e mantenedores da criação. No  sincretismo, a umbanda se torna uma junção de elementos africanos (orixás e culto aos antepassados), indígenas (culto aos antepassados e elementos da natureza); do Catolicismo (o europeu, que trouxe o cristianismo e seus santos que foram sincretizados pelos Negros Africanos),e do Espiritismo (fundamentos espíritas, reencarnação, lei do carma, progresso espiritual etc). A umbanda prega a existência pacífica e o respeito ao ser humano, à natureza e a Deus. Respeitando todas as manifestações de fé, independentes da religião. Em decorrência de suas raízes, a umbanda tem um caráter eminentemente pluralista, compreende a diversidade e valoriza as diferenças. Não há dogmas ou liturgia universalmente adotadas entre os praticantes, o que permite uma ampla liberdade de manifestação da crença e diversas formas válidas de culto. A máxima dentro da umbanda é como afimou Zelio Fernadino “Dê de graça, o que de graça recebeste: com amor, humildade, caridade e fé”[40]. Assim, na umbanda o sincretismo religioso com o catolicismo e os seus santos, mesmo como no antigo Candomblé dos escravos, faz-se necessário como uma forma de tornar aceito o culto afro-brasileiro sem que fosse visto como algo estranho e desconhecido, e, portanto, perseguido e combatido. Em regiões diferenciadas do Brasil há discordância sobre as cores votivas de cada orixá conforme a tradição seguida por seus seguidores. Da mesma forma quanto ao Santo sincretizado a cada orixá. Alguns exemplos: Exu – Santo Antonio no Rio de Janeiro, chamado de Bará no Rio Grande do Sul; Oxumaré – São Bartolomeu no Brasil Ogum – São Jorge, principalmente no centro-sul do Brasil e Santo Antonio na Bahia; Oxossi – São Sebastião, principalmente no centro-sul do Brasil, São Jorge na Bahia; Xangô – São Jerônimo,São João Batista, São Miguel Arcanjo; Iemanjá – Nossa Senhora dos Navegantes; Oxum – Nossa Senhora da Conceição; Iansã – Santa Bárbara; Omulu – São Roque; Obá – Santa Rita de Cássia, Santa Joana d’Arc; Obaluaê – São Lázaro; Nanã – Sant’Anna; Ibeji – Cosme e Damião; Oxalá – Divino Jesus Cristo, o Ser Cristalino. Importante caracteristica para o tema deste estudo é o fato de que a Umbanda tem como lugar de culto o templo, terreiro ou Centro, que é o local onde os Umbandistas se encontram para realização do culto aos orixás e dos seus guias, que na umbanda se denominam giras. O chefe do culto no Centro é o Sacerdote ou Sacerdotisa (pode ser Babá, Zelador, Dirigiente, Diretor(a) de culto, Mestre(a), sempre dependendo da forma escolhida por cada casa). São os médiuns mais experientes e com maior conhecimento, normalmente fundadores do terreiro, que coordenam as sessões/giras e que irão incorporar o guia-chefe, este por sua vez comandará a espiritualidade e a materialidade durante os trabalhos. Como uma religião espiritualista, a ligação entre os encarnados e os desencarnados se faz por meio dos médiuns. Na Umbanda existem várias classes de médiuns, de acordo com o tipo de mediunidade. Normalmente há os médiuns de incorporação, que irão “emprestar” seus corpos para os guias e para os orixás. Há também os atabaqueiros[41], que transmitem a vibração da espiritualidade superior por via dos atabaques,tocando de cada forma para cada Orixá, criando um campo energético favorável à atração de determinados espíritos, sendo muitas vezes responsáveis pela harmonia da gira[42]. Há os Corimbas, que são os que comandam os cânticos e as cambonas que são encarregadas de atender as entidades, provisionando todo o material necessário para a realização dos trabalhos. Embora caiba ao sacerdote ou à sacerdotisa responsável o comando vibratório do rito, grande importância é dada à cooperação, ao trabalho coletivo de toda a corrente mediúnica. Segundo a Umbanda, as entidades que são incorporadas pelos médiuns podem ser pretos-velhos, caboclos, boiadeiros, mineiros, crianças, marinheiros, ciganos, baianos, orientais, xamãs e exus. O culto nos terreiros é dividido em sessões de desenvolvimento e de consulta, e essas, são subdivididas em giras. Nas sessões de consulta, onde comumente podemos encontrar Pretos-Velhos, Caboclos, Ciganos. As pessoas conversam com as entidades a fim de obter ajuda e conselhos para suas vidas, curas, descarregos, e para resolver problemas espirituais diversos. As ocorrências mais comuns nessas sessões são o passe[43] e o descarrego[44]. Ainda terreiros as entidades fazem com que as energias negativas sejam deslocadas para outro plano astral e caso essa energia negativa seja de um espirito obsessor, ele (a pessoa) é retirado e encaminhado para tratamento ou para um lugar mais adequado no astral inferior caso ele não aceite a luz que lhe é dada. Nesses casos pode ser necessária a presença de um ou mais Exus[45] (um gênero de espírito desencarnado) para auxiliar a desobsessão. Nos dias de consulta há o atendimento da assistência e nos dias de desenvolvimento há as giras médiunicas, que são fechadas à assistência, onde os sacerdotes educam e ensinam os mecanismos próprios da mediunidade. 2.2 DADOS ESTATÍSTICOS SOBRE O EXERCÍCIO DA RELIGIÃO UMBANDA NO BRASIL. No Brasil onde a população possui vários tipos de seguimentos religiosos e filosóficos diferentes, não poderia deixar ser diferente quanto ao numero de religiões existentes e seus praticantes, no ultimo censo demográfico por amostragem ocorrido pelo principal órgão governamental de pesquisa de campo o IBGE[46] no ano de 2000, onde alem o do questionamento étnico também veio à questão da religião seguida por cada um. Com as questões indagadas, as pessoas assim se declaram por sua cor ou raça: dos entrevistados habitantes no Brasil à época 170 milhões de brasileiros, 91 milhões se classificaram como sendo de etnia branca (53,7%), 10 milhões de pessoas como pretos (6,2%), 65 milhões como pardos (38,4%) e 734 mil como indígenas (0,4%), informações prestadas pela população brasileira em pesquisa realizada no Censo do ano 2000. O Brasil é um país de grande diversidade religiosa, porém de muita influência européia, e com isso, no Censo do ano 2000, a maioria da população entrevistada se declarou católica apostólica romana, seguida dos evangélicos, como segue a tabela abaixo: Distribuição percentual da população residente, por religião no Brasil 1991/2000:   A tabela demonstra uma parte da população urbana e rural, contudo, muito dos locais onde são praticadas as religiões afro-brasileiras, nesse caso, a religião umbandista não possui registro na AFROBRAS (Federação da Religião Afro-Brasileira) e assim as pessoas que freqüentam acabam por não integrar nem fazerem parte da pesquisa assim, por conseguinte dessa estatística. Dados coletados em pesquisa de campo na cidade de Porto Alegre, em um dos órgãos com maior número de afiliados registrados na AFROBRÁS, informam que nos registros oficiais desta entidade, no âmbito da cidade de Porto Alegre e região metropolitana existem 1729 (Mil setecentos e vinte e nove) templos registrados. Contudo, na entrega do documento informativo anexo ao presente estudo, o presidente informou extra-oficialmente[47] que estima-se haver mais de 10.000 (Dez mil) templos Afro-Umbandistas ativos.                     Embora a religiosidade de origem africana seja reconhecida como uma importante característica da identidade nacional, os praticantes da Religião Umbanda e Candomblé ainda são vítimas do preconceito no Brasil dos dias de hoje. Para alertar a sociedade para esse fato, o dia 21 de janeiro do ano de 2010, foi incluído no calendário cívico como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Neste dia, várias manifestações foram externadas em varias regiões do Brasil, como marchas, giras nos centros em aéreas urbanas de grande circulação populacional, como Porto Alegre. Nessa cidade a II Marcha Estadual pela Vida e Liberdade Religiosa[48] foi realizada no dia 25 de janeiro. O evento integrou a programação do Fórum Social Mundial. As religiões, portanto, fazem parte da cultura humana, presentes em todos os povos, em todas as épocas históricas. Nesse sentido, embora diferentes, todas têm algo em comum: a busca de uma relação com o mundo metafísico[49] A data é uma homenagem à memória de Mãe Gilda[50], Yalorixá (Mãe de santo) do Terreiro de Abassá de Ogum, um dos mais tradicionais terreiros da Bahia. Ela teve sua fotografia publicada em um jornal evangélico de grande circulação, associada ao charlatanismo. Depois de sofrer a invasão e a depredação de seu templo religioso, por parte de pessoas associadas a outros seguimentos religiosos, a mãe de santo apresentou problemas de saúde que culminaram com a sua morte, provocadas por um infarto, em 21 de janeiro de 2000. A partir desse fato a Umbanda e todas outras religiões de cunho afro-brasileiras, obtiveram mais força e também notoriedade para poder mostrar seus fundamentos e por suas vez trazer mais adeptos aos cultos. Assim sendo, mesmo demonstrando-se irrefutáveis argumentos e dados sobre a existência e à adesão a esta religião de matriz africana, por grande parte da população, sabemos que a hegemonia religiosa católica acaba por, de certa forma, marginalizar as expressões desta matriz, fomentando uma cultura de não diversidade religiosa e exclusão do acesso aos benefícios sócio-juridicos garantidos pela ordem constitucional. A seguir, na terceira parte deste estudo, analisaremos alguns obstáculos para a garantia da imunidade tributária aos centros religiosos de Umbanda. 3.  Os obstáculos para a garantia da imunidade TRIBUTÁRIA aos centros de Umbanda Tendo demonstrado que o marco regulatório nacional e internacional garante o reconhecimento da imunidade tributária dos templos religiosos de umbanda, resta-nos verificar se há obstáculos em nível de garantia pelo Poder Judiciário. Daí também a formulação de hipóteses para o não exercício deste direito estar vinculada muito mais à cultura do Direito, seja por incompreensão dos fundamentos religiosos desta religião, seja por preconceito em virtude de suas raízes étnicas e culturais. O que estamos afirmando é que os obstáculos para efetivação desta garantia podem estar situados para além da lei e de seu conteúdo normativo; ou seja, nas esferas do que denominamos estrutura e cultura do Direito. Isso porque, conforme FEIX[51] superando o pensamento positivista precisamos compreender as três dimensões do fenômeno jurídico: o conteúdo do Direito, a estrutura do Direito e a cultura do Direito[52]. O conteúdo diz respeito a toda a normatização, ao Direito Objetivo, às regras vigentes em determinado ordenamento. A estrutura diz das instituições, dos órgãos, dos mecanismos e procedimentos necessários à sua implementação; referindo-se diretamente às condições materiais, aos recursos financeiros e orçamentários necessários para garantir a implementação do que está dito na lei (seu conteúdo). Por último, a cultura do Direito nos fala das representações sociais, dos sentimentos, das percepções que temos sobre os direitos e quem são seus titulares, espaço onde se reproduzem os estereótipos, as falsas expectativas, os preconceitos e toda a sorte de discriminações a cerca de seus “verdadeiros destinatários” [53]. A compreensão do Direito como sistema, composto pelos três componentes acima referidos leva-nos a investigar a posição dos tribunais sobre duas hipóteses por nós formuladas. As hipóteses situadas na cultura do Direito, de que a garantia não é  efetivada pela estrutura do Direito (os tribunais) por confusão conceitual entre os requisitos para incidência da imunidade e algumas características da religião de umbanda, que formulamos da seguinte forma. A primeira, de que os serviços religiosos prestados nos terreiros são pagos afastaria a incidência da imunidade. A segunda, de que a garantia não seria efetivada porque os imóveis urbanos onde estão situados os templos religiosos de umbanda são ao mesmo tempo imóveis residenciais, confundindo-se com estes. Passamos, pois a apresentar nossa pesquisa, realizada entre o primeiro semestre do ano de2010 o segundo semestre do ano de 2011, nos tribunais, utilizando as seguintes palavras chaves: imunidade tributária; templos de qualquer culto; casas de religião e religiões de matriz africana. O resultado da pesquisa nos levou a analisar vários acórdãos, que serão classificados a partir da análise das duas hipóteses acima referidas. É preciso registrar que só encontramos decisão relacionada à segunda hipótese, conforme veremos a seguir. 3.1 A QUESTÃO DO pagamento dos trabalhos/serviços que são feitos nas casas de religião de matriz africana Os trabalhos ou serviços realizados no interior das terreiras, yles[54] ou nas matas, possuem todo um ritual que necessita de pessoas e elementos materiais adequadas para o seu desenvolvimento, por isso cada rito tem seu lugar para ser feito, pessoas especificas para fazer todo trabalho, o que demanda gastos e custos. As pessoas que procuram um lugar uma religião para postarem sua fé seja ela da maneira que for, tem o livre arbítrio e consciência limpa para acreditar naquilo em que estão se propondo a fazer e assim ter fé e esperança sempre no bem comum, contudo há correntes contrarias que buscam de outras formas às vezes não tão gentis, de tentar dissuadir essa idéia de melhoria das mais diversas formas, assim diz em sua publicação Edir Macedo[55]: “As pessoas, normalmente, agem como as águas, que procuram sempre o caminho mais fácil para o seu escoamento. Procuram também um caminho mais fácil, mais rápido e menos complicado para resolverem seus problemas e, por causa disso, muita gente esta atolada no mais profundo lamaçal.” Esse “lamaçal” do qual se refere o autor, seria o envolvimento de pessoas com as religiões de matriz africana Sendo este forte formador de opinião publica, por ter espaço considerável nos meios de comunicação e de mídia televisada, discrimina e obstaculiza muito mais a realização dos trabalhos cultos e ritos das religiões afro-brasileiras, ainda quando de maneira equivocada, interpreta o que é feito e pedido em razão do bem de outras pessoas, assim como fica demonstrado na citação a seguir: “Todos os trabalhos e despachos têm uma única finalidade: satisfazer o “santo” para conseguir favores, em curto prazo. É feito um negócio entre a pessoa e demônio. O exu promete um favor em troca de um despacho, num determinado lugar, com dia e hora marcados.” A intolerância se expressa diante das mias variadas formas: de gênero, de etnia, de geração, de orientação sexual, de padrão físico-estético, e também, de religião/religiosidade, até mesmo sócio econômico.  A intolerância religiosa pode causar espanto, mas muitos conflitos e guerras violentas foram, são e ainda serão travados, em nome de um determinado grupo ou de outro, por uma convicção, por uma crença religiosa de um ou de outro. Este é um problema extremamente complexo porque tais confrontos, costumeiramente, não carregam motivações exclusivamente religiosas, mas a estas se somam razões de ordem econômica, social, política, cultural, variáveis a cada experiência histórica. As religiões são seguidas para que as pessoas tenham fé, amizade, deseje saúde, paz, prosperidade umas para as outras, mas para haja essa harmonia entre os seres humanos é necessário se ter tolerância uns com os outros que é um dos fundamentos da fé cristã e umbandista, nesse sentido seguem os autores Victor Hellern, Henry Notaker e Jostein Gaader no livro O Livro das Religioes, explanam assim: “A tolerância não limita o direito de fazer propaganda, mas exige que esta seja feita com respeito pela opinião dos outros” [56]. Os sacrifícios e as oferendas podem ser realizadas por qualquer pessoa em qualquer lugar, desde que haja coerência na escolha do local adequado no horário a ser feito e pode ser entregue nas matas, nas ruas, em cemitérios, nas praias, ou até mesmo nos templos. Geralmente esses trabalhos/serviços são feitos por pessoas com uma mediunidade mais avançada e de mais tempo na religião, vem dai que Umbanda tem seus fundamentos na natureza e no povo das matas, faz-se ai também a relação dos autores com uma tribo[57], e nesse sentido dizem: “Fazer um sacrifício a um animal pode ser algo bastante simples. Um membro da tribo vai ate o tumulo de seu pai, por exemplo, oferece uma pequena quantidade de comida e bebida, e pede ajuda para resolver uma situação difícil… O chefe da tribo é responsável pelos sacrifícios do grupo mais extenso. Em nome de toda tribo, ele se dirige aos espíritos de antigos chefes e faz orações pedindo uma boa caça ou uma boa safra. Na época da colheita, os primeiros furtos são oferecidos aos espíritos dos chefes. E com o acompanhamento de orações, cantos e danças, as pessoas — em geral usando mascaras e outros adornos – expressam sua gratidão e oram para continuar tendo proteção. Os trabalhos/serviços, não possuem o cunho de enriquecimento através do exercício da religião. O fato de se exigir recursos ou pedido da compra dos materiais a serem utilizados, é mera condição para poder dar seguimento aos trabalhos e, assim manter o abastecimento necessário ao serviço prestado. Ao celebrar um casamento e outros rituais como crisma, batizado e também missas pelos que morreram ou estão adoentados em uma igreja católica, é pedido uma ajuda para que se possam manter as despesas do dia a dia do templo, como a compra de materiais utilizados nesses rituais; podendo estes ser: velas, papeis flores etc. Ainda sim existem algumas taxas específicas e fixas para cursos de batizado e casamento, ajudando na manutenção predial do lugar, com suas despesas, por exemplo: abastecimento de água e energia elétrica. Assim questiona Carlos Vender do Nascimento na obra Imunidades Tributárias, “Como interpretar a expressão “rendas relacionadas com as finalidades essenciais” enunciadas no §4º do art. 150 da Constituição federal?”, e explica respondendo[58]: “Não se diga que o produto da locação de um imóvel ou da alienação de qualquer bem da entidade caracterize-a como de natureza econômica. Por conseguinte, o fato não se constitui em nenhuma ameaça ao mercado das empresas que operam no mesmo ramo de renda derivada do próprio patrimônio da entidade, indispensável sem dúvida, ao seu processo de sobrevivência.” Assim da mesma forma, pode-se afirmar que, os trabalhos e os custos de serviços religiosos prestados e cobrados no âmbito da religião Umbanda, não se caracterizam como de natureza econômica, porque não visam remuneração do próprio serviço e não geram lucros aos proponentes, como os já exemplificados anteriormente, ocorridos e efetuados nas igrejas, terreiras ou templos religiosos de qualquer natureza, estando, portanto protegidos pela incidência tributaria da imunidade já prevista Constituição Federal. 3.2. A questão templo versus moradia A discussão com relação às imunidades tributárias, já tem sido pauta dos tribunais regionais e federais há algum tempo. Muitos pedidos, com relação ao não pagamento de específicos e determinados impostos, batem às portas do STF procurando garantir direitos estabelecidos na Constituição Federal. No que diz respeito imunidades, buscam o bem comum em toda sua amplitude no contexto dos direitos de Liberdade como garantia da vida em Sociedade. Como diz Edgar Neves da Silva[59]: “As imunidades foram criadas estribadas em considerações extrajurídicas, atendendo à orientação do poder constituinte em função das idéias políticas vigentes, preservando determinados valores políticos, religiosos, educacionais, sociais culturais e econômicos, todos eles fundamentais à sociedade brasileira. Dessa forma assegura-se, retirando das mãos do legislador infraconstitucional, a possibilidade de, por meio da exação imposta, atingi-los. Resguarda o equilíbrio federativo, a liberdade política, religiosa, de associação, do livre pensamento, e de expressão da cultura, o desenvolvimento econômico etc., e, assim, não deve considerar a imunidade como um beneficio, um favor fiscal, uma renúncia à competência tributária ou um privilégio, mas sim uma forma de resguardar e garantir os valores da comunidade e do individuo. Ocorre que a maioria dos templos religiosos possui um espaço reservado para a pessoa se estabelecer naquele local, nas igrejas existe a casa paroquial[60], onde ali reside o padre, sacerdote ou pastor, porem, como a maioria, ou quase a totalidade, dos locais usados como templos das religiões de matriz africana ex. Umbanda, Nação e o Candomblé, esse locais, são os mesmos utilizados para residência das pessoas e a pratica da religião, sendo assim, é necessário que se estenda sobre esses locais, o manto da imunidade constitucional para os templos de qualquer culto, e não se faça a confusão que é feita de templo VS moradia. Essa discussão já tomou decisão através Tribunal de Justiça do rio Grande do Sul, onde se segue: Nº70026416487[61] “APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. iptu. ação DECLARATÓRIA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. TEMPLOS DE QUALQUER CULTO. BENEFÍCIO QUE SE ESTENDE A TODO PATRIMÓNIO MÓVEL OU IMÓVEL, respeitadas as EXCEÇÕES. Salvo exceções, o que não é o caso em exame, todo o patrimônio móvel ou imóvel de qualquer religião está afetado, ainda que lucrativamente, ao culto, sua finalidade essencial. Por isso não há porque distinguir prédio ou terreno onde se exerce o culto (templo propriamente dito), e terreno ou prédio dado em locação ou utilizados para outra finalidade.”  Pode-se observar a mesma posição adotada em nova jurisprudência do tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com o voto do senhor Dr. Des. Genaro José Baroni Borges segue[62]: “O artigo 150, VI,  da Constituição Federal estabelece vedações absolutas ao poder de tributar, contemplando, no que importa para o caso, os “templos de qualquer culto” (alínea b). A disposição não é nova; passa por todas as constituições desde a de 1891 (art. 11, 2º) e prestigia o princípio da liberdade religiosa que compreende a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa (CF – art. 5º, VI). Acresce o disposto no parágrafo 4º daquele mesmo artigo: “as vedações expressas no inciso VI, alíneas “b” e “c”, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”.O “punctum dolens” está em precisar o significado constitucional da palavra “templo”. Pontes de Miranda, por exemplo, ao comentar o artigo 31,IV, b) da Constituição de 1946, de igual redação, emprestou-lhe sentido estrito: “ficaram imunes a impostos os templos de qualquer culto; não, porém, as casas de residência dos padres, pastores, rabinos, etc., salvo se dentro do próprio edifício do templo.).Salvo exceções, o que não é o caso em exame, todo o patrimônio móvel ou imóvel de qualquer religião está afetado, ainda que lucrativamente, ao culto, sua finalidade essencial. Por isso não há aqui porque distinguir, prédio ou terreno onde se exerce o culto (templo propriamente dito), e terreno ou prédio dado em locação ou utilizados para outra finalidade”. Outro e apenas mais um exemplo da corrente majoritária também se mostra em mais uma lide julgada nos Tribunais do Rio Grande do Sul, na Apelação e Reexame Necessário nº.70003042694, relator Des. Roque Joaquim Volkweiss[63]: “DIREITO TRIBUTÁRIO. IPTU. IMÓVEL LOCADO. ENTIDADE QUE SE DEDICA AO CULTO RELIGIOSO. IMUNIDADE. As entidades descritas no art. 150, VI, “b” da Constituição Federal são imunes ao pagamento de impostos. A destinação dada aos imóveis pelas entidades religiosas não autoriza o Município a cobrar o IPTU. O fato de estarem alugados não afasta a presunção que o produto arrecadado deste contrato esteja sendo aplicado nas atividades essenciais da entidade. À unanimidade, negaram provimento ao 1º apelo. Por maioria negaram provimento ao 2º e confirmaram a sentença em reexame necessário, vencido o Presidente que o proveu. “ Com a busca do entendimento e o mesmo posicionamento em ambas as esferas jurisdicionais, estadual, com os julgados do TJ/RS e nas decisões auferidas em âmbito federal, no caso o STF, tem se observado uma unificação em corrente majoritária em prol da obtenção de quem busca esse direito. Esta tendência em sendo firmada com inúmeras decisões favoráveis aos templos das mais diferentes religiões pela corte maior do nosso país, em varias seções do seu Pleno do Supremo Tribunal Federal, a exemplo no Recurso Extraordinário 325.822/SP[64]: “Recurso Extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, a renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, “b” e §4º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. Imunidade prevista no artigo 150, VI, “b”, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas também, o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. 5. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas “b” e “c”, do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário provido. (Relator: Ministro Ilmar Galvão, Relator para o acórdão o Min. Gilmar Mendes, julgado dia 18/12/2002, D.J.U. 14/05/2004, P. 33, in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 106, os. 178-187). Na mesma corrente, algumas decisões de tribunais de outros estados do Brasil denotam a busca pelo consentimento da liberdade religiosa com relação ás demandas que envolvem tributação aos templos religiosos, a exemplo da decisão favorável presente no julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no Agravo Interno no Agravo de Instrumento Nº002664-40.2011.8.19.0000, relatora a Em. Des.ª Claudia Telles[65]: “ AGRAVO INTERNO. DECISÃO DA RELATORA QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO ACOLHENDO A EXCEÇÃO DE PRÉ EXECUTIVIDADE E EXTINGUINDO O PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. ENTIDADE RELIGIOSA SEM FINS LUCRATIVOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 150,VI, B DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA QUE DEVE ABRANGER NÃO SOMENTE OS PRÉDIOS DESTINADOS AO CULTO, MAS TAMBÉM O PATRIMÔNIO, A RENDA E OS SERVIÇOS RELACIONADOS COM AS FINALIDADES ESSENCIAIS DAS ENTIDADES MENCIONADAS. CRÉDITO TRIBUTÁRIO QUE JÁ SE ENCONTRA PRESCRITO. RECURSO DESPROVIDO. O recurso não merece acolhimento. A decisão que rejeitou a exceção de pré-executividade parte do pressuposto de que a imunidade fiscal prevista no artigo 150, VI, b e §4º da Constituição Federal estaria limitada aos imóveis das igrejas onde são realizados os respectivos cultos. Não procede esta fundamentação, eis que a norma constitucional em tela não estabelece tal limitação, devendo a imunidade abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas também o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.” Contudo, esta não é uma posição pacífica em nossos tribunais. Nas religiões de matriz africana, onde não há ostentação material por parte da maioria de seus seguidores, em geral a maioria de seus sacerdotes, faz e segue a religião e não vive exclusivamente dela. Isso torna mais difícil para eles (sacerdotes), fazer a prova, de que realmente os templos onde são feitas as práticas religiosas, não são somente suas moradias, pois essas em sua grande maioria são templos apenas em seu interior e por fora uma residência normal. Por esta razão, acabam recebendo os encargos como tal, ocasionando também posições divergentes em relação aquela apresentada acima, conforme julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais a seguir. Apelação Cível nº1.0005.06.019194-6/001. Relator Dês. Brandão Teixeira [66]: “EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA E CONDENATÓRIA – TRIBUTÁRIO – IMUNIDADE – TEMPLOS DE QUALQUER CULTO – ARTIGO 150, VI, “b”, DA CF/88 – ÔNUS DA PROVA DO ENTE IMUNE – SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE – RECURSO DESPROVIDO. I – Para que a entidade religiosa possa ser considerada imune aos impostos sobre o patrimônio (IPTU) é necessária a prova de que seus imóveis desempenham atividades essenciais à consecução de seus objetivos institucionais. Caso contrário, não conseguindo provar referida vinculação, passa a se sujeitar à tributação como os demais contribuintes” (vide: Ricardo Alexandre. Direito Tributário esquematizado. São Paulo: Método, 2007. p. 157). O Relator na APELAÇÃO CÍVEL interposta pela DIOCESE DE ITABIRA contra a sentença nos autos de ação declaratória e condenatória pleiteando a imunidade tributária dos seus imóveis existentes no MUNICÍPIO DE BELO ORIENTE, julgou parcialmente procedente o pedido. Vejamos parte do voto do Relator: “A i. Magistrada julgou improcedente o pedido declaratório de imunidade tributária sobre os imóveis da Diocese nos termos formulados, por restringir a imunidade aos imóveis destinados a seus fins institucionais. Inconformada, insurge-se a DIOCESE DE ITABIRA contra a sentença, alegando que restou incontroverso o fato de que todos os bens de sua propriedade são utilizados em suas finalidades institucionais, tais como, centros pastorais ou de formação humana-religiosa, locais de reunião e administração, residências de padres e religiosos encarregados dos trabalhos da Igreja, sendo que alguns poucos imóveis que não estão diretamente ligados à realização dos cultos tem a renda revertida para a arrecadação de fundos com o fim de auxiliar na sustentação da sua missão institucional, razão pela qual a imunidade relativa ao IPTU deveria abranger todos os seus imóveis e não apenas os prédios destinados à celebração dos cultos religiosos.” Portanto, mesmo em se tratando de demanda da igreja Católica, a posição jurisprudencial é controversa. Este fato leva-nos ao questionamento, ainda não possível de resposta no âmbito desta pesquisa, mas que exige aprofundamento, sobre o alcance deste direito ao conjunto de religiões não hegemônicas, principalmente não originadas na tradição ocidental européia. CONSIDERAÇÕES FINAIS No primeiro capítulo trabalhou-se a informação e o esclarecimento a respeito da diferença entre isenções e imunidades tributárias, existentes em nosso ordenamento jurídico, buscando elucidar o leitor para um maior entendimento da matéria tributária exposta no trabalho, tendo como foco principal as imunidades relativas aos templos de qualquer culto elencados no artigo 150 VI alínea b da Constituição Federal de1988, essas, estendidas a todas as religiões, buscando abranger a todas, principalmente as de matriz africana, no que diz respeito a esse trabalho em especial a Religião Umbanda, assim, consubstanciando-se nos princípios constitucionais da liberdade do exercício de culto e de crença religiosa. Avançando em nosso trabalho, no segundo capítulo, para o conhecimento do leitor, são abertas e reveladas, as características dessa religião genuinamente brasileira, com um aprofundamento melhor no sentido de conhecer essa religião, seus fundamentos e algumas liturgias praticadas por seus sacerdotes, adeptos e seguidores, desde o inicio de sua criação, também inserindo dados que mostram o registro da sua existência, dentro um percentual da população brasileira. Ao final, no terceiro e último capítulo, foram trabalhadas as questões sociais e jurídicas envolvidas nas demandas propostas á serem elucidadas pelos tribunais, a cerca das atividades, dos imóveis e os serviços/trabalhos desenvolvidos nos templos, que envolvem destinação de verbas e pagamentos para o fomento e manutenção dos templos e sua religião e também a questão do templo como moradia, que no caso é maioria de seu templos nas religiões afro-brasileiras, são ao mesmo tempo residência e templo para estas pessoas, no caso o Cacique de Umbanda, (Babalorixá, Yalôrixa ,Babalaô)[67]. Foram os desafios desse estudo, que nos levou a não esgotar a matéria e nos remete a novos questionamentos e novas hipóteses, sobre o porquê do não exercício desse direito, em relação aos seguidores das religiões afro-brasileiras. Esses são os que deveriam buscar e usufruir de seus benefícios  estabelecidos nesse marco legal que  é o artigo 150 VI alínea b e §4º da Constituição Federal de 1988.
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IPTU Cidadão
As normas tributárias indutoras são verdadeiras normas tributárias que estimulam ou desestimulam comportamentos na sociedade. A Constituição de 1988, na esteia das anteriores, outorgou aos municípios competência para criar imposto sobre “propriedade predial e territorial urbana” (art. 156, inciso I). Assim, embora o IPTU tenha por objetivo primordial a obtenção de recursos financeiros para os Municípios, também pode ser utilizado com finalidade extrafiscal, o que significa que a tributação pode estar voltada para o alcance de outros fins sociais. O Programa “IPTU CIDADÃO”, da Prefeitura Municipal de João Pessoa – Paraíba, criado através da lei nº 8.277 de 16 de julho de 1997, mostra-se uma parceria entre a população e o município de João Pessoa, visando à execução ou recuperação da pavimentação dos logradouros, melhorando a qualidade de vida e a valorização do imóvel. Dentro deste contexto, o objetivo deste artigo foi analisar o programa IPTU-CIDADÃO como uma política pública extrafiscal indutora da cidadania.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO É inquestionável a afirmação de que constitui a tributação o pilar financeiro de grande parte dos Estados contemporâneos. Estado Fiscal, então, refere-se ao país que reserva à iniciativa privada o exercício das atividades econômicas, impondo sobre elas tributação para o financiamento das suas atividades. A intervenção estatal na economia constitui a realidade da estrutura das sociedades contemporâneas. Neste sentido, põe-se a seguinte questão: qual é a importância das normas indutoras na tributação? É sabido que existem normas de direção e de indução. A norma diretiva não impõe alternativa e o seu conseqüente desrespeito culmina em sanções. Então, o agente deve agir conforme o que prevê a norma. Já a norma indutora é diferente, pois o agente não fica vinculado ao comportamento previsto na norma, assim, não impõe uma única alternativa, como nas normas diretivas e consequentemente os agentes avaliam seus efeitos, para decidir, posteriormente, se aderem ou não ao comportamento previsto na norma. Portanto, as normas indutoras são verdadeiras normas tributárias que estimulam ou desestimulam comportamentos na sociedade e é facultada aos agentes a submissão a tais normas, já que são destinatários das mesmas. Destarte, conclui-se que, as normas indutoras são impostas na sociedade para beneficiar toda uma coletividade de forma eficiente. O objetivo geral desse artigo foi descrever o programa “IPTU cidadão” do município de João Pessoa como uma política pública extrafiscal indutora da cidadania. 1. REGULAÇÃO ECONÔMICA E TRIBUTAÇÃO 1.1. Estado regulador e regulação econômica Iniciado no Brasil na década de 90, o Estado regulador trouxe mudanças para a economia nacional, como privatizações de empresas públicas e o desenvolvimento das agências reguladoras. Aragão (apud OLIVEIRA, 2008), define a regulação estatal da economia como: “O conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionais, abstratas ou concretas pelas quais o Estado, de maneira restritiva da liberdade privada ou meramente indutiva, determina, controla, ou influencia o comportamento dos agentes econômicos.” 1.2. A competência para regular A Constituição Federal diz que a competência tributária é, em regra, concorrente, assim é competente para regular e legislar à União, aos Estados e ao Distrito Federal. Cite-se, como exemplo, o texto do art. 24 da CF, que assim dispõe: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; II – orçamento; III – juntas comerciais; IV – custas dos serviços forenses; V – produção e consumo; VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;[…] § 1º – No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º – A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.” Poder de legislar ou de regular é o poder de governar, ou seja, constitui o poder de restringir, proibir, proteger, encorajar, promover, tendo em vista qualquer objetivo público, desde que sem violação aos direitos individuais protegidos no plano da ordem jurídica. Portanto, há uma existência de competência de todos os entes federativos para promoverem a harmonização das relações econômicas e sociais. Todavia, algumas matérias são afetas apenas à esfera de competência da União (ELALI, 2007). 1.3 O dever fundamental de pagar o tributo Canotilho (apud ALTOÉ, 2009, p. 75), diz que, num Estado Democrático de Direito, os deveres fundamentais significam: “Em primeiro lugar, que eles colocam, tal como os direitos, problemas de articulação e de relação do indivíduo com a comunidade. Em segundo lugar, a fórmula constitucional não significa a simetria de direitos e deveres, mas estabelece um fundamento constitucional claro, isto é, uma base de legitimação, para os deveres fundamentais. O fundamento constitucional (…) é (…) radicar posições de direitos fundamentais ancorados na liberdade, na dignidade da pessoa humana, na igualdade no direito e através do direito.” A Constituição Federal delimita a competência à União, Estados e Municípios (arts. 153 a 156), bem como, especifica os tributos a serem criados (arts. 153 a 156), assim, a CF estabelece liberdades ao dever fundamental de pagar tributos. Torres (apud Altoé, 2009), parte da premissa que o dever de pagar tributo está intrinsecamente relacionado à liberdade, pois pelo Estado Fiscal de Direito, hoje vigente, o nascimento do tributo é decorrência do espaço aberto pela autolimitação da liberdade e constitui o preço da liberdade, tendo em vista que permite o desenvolvimento das atividades pelo cidadão sem a necessidade de entregar qualquer atividade prestacional pessoal, mas por ela se limita e pode chegar a oprimi-la, se não contiver a legalidade. Para que haja a implementação dos deveres fundamentais é necessário que os cidadãos arquem com os custos, dentre os quais, o custo financeiro, que se traduz no dever de pagar tributos. Assim, conclui-se que, o dever tributário deve ser abraçado a todos os cidadãos, como bem ressalta Nabais (apud Altoé, 2009), para quem “no actual Estado Fiscal, para o qual não se vislumbra qualquer alternativa viável, os impostos constituem um declinável dever de cidadania, cujo cumprimento a todos devem honrar”. Num estado de direito social, por exemplo, as necessidades caminham lado a lado com a retribuição por parte do Estado, haja vista que este deve suprir as necessidades decorrentes do abismo social. Sobre este Estado de direito social, diz Alexy (apud ALTOÉ, 2001, p. 83) “(…) existe quando o estado, por impostos ou outros tributos, proporciona-se o dinheiro que é necessário para cuidar do mínimo existencial dos carecidos. O dever de pagar impostos, porém, intervém em direitos fundamentais. Duvidoso é somente quais são eles: o direito de propriedade ou a liberdade de atuação geral.”  O dever fundamental de pagar tributos possibilita, assim, o meio pelo qual o Estado cumpre o seu objetivo, protegendo um bem coletivo, possibilitando a efetivação dos direitos sociais prestacionais. Portanto, o ideal de justiça tributária se traduz no fundamento de que a todos está designado um dever de pagar impostos na medida da capacidade contributiva individual. 2. OS INCENTIVOS FISCAIS Os incentivos fiscais, principalmente em países em desenvolvimento, é instrumento colocado à disposição do Estado com propósitos regulatórios das atividades extrafiscais. Seixas Filho (apud OLIVEIRA, 2008), destaca esse tipo de intervenção estatal como um estímulo de índole econômica ao exercício de atividades privadas. Diz o autor que “os incentivos fiscais são concedidos para exercerem uma função de desenvolver determinada atividade, considerada relevante para o legislador”. Os aspectos mais relevantes dos incentivos podem ser sintetizados na afirmação de Catão (apud MARTINS, 2007, p. 13) “Em uma primeira abordagem, ao menos para saciar o desejo de uma definição, vemos que “incentivos fiscais” são instrumentos de desoneração tributária, aprovados pelo próprio ente político autorizado à instituição do tributo, através de veículo legislativo específico, com o propósito de estimular o surgimento de relações jurídicas de cunho econômico.” A cada dia, portanto, tem aumentado no Brasil a força dos estímulos de natureza tributária para a busca do desenvolvimento econômico sustentável. Martins (apud ELALI, 2007), diz que a “utilização de política dos incentivos fiscais para a obtenção de determinados desideratos desejáveis aumentou consideravelmente a partir de 1964, acompanhando a formulação de novas teorias progressistas”. Assim, é nítida a importância da intervenção estatal por meio da tributação com objetivos regulatórios, estimulando determinadas atividades econômicas, e os incentivos fiscais servem de indução de benefícios para o desenvolvimento econômico. No dizer de Elali (2007, p. 254): “As normas tributárias indutoras são instrumentos hábeis para a concessão de incentivos fiscais, desde que se observem as rígidas divisões do exercício do poder político (competência tributária e reguladora). Assim sendo, podem os entes federativos, conceder incentivos por meio de normas tributárias indutoras, desde que não estejam regulando matérias alheias à sua esfera de poder”. Consequentemente, pela leitura do art. 24 da Constituição Federal, não podem os Municípios, instituir incentivos para proteger o meio ambiente ou o consumidor, por exemplo. Nada obsta que normas tributárias indutoras sejam editadas pelas municipalidades, na tentativa de amenizar as desigualdades regionais, desde que não viole o pacto federativo. 3. SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO Segundo Barroso (apud OLIVEIRA, 2008), cada norma constitucional estabelece uma relação de interdependência com as outras e deve ser interpretado com a preocupação de que sejam evitados contradições. Com efeito, as normas que compõem o sistema (constitucional) tributário são próprias e autônomas (quase todas elas, inclusive organizadas esquematicamente em seção própria na CF – arts. 145 a 162), disciplinam uma matéria dogmaticamente individualizável, e são reguladas por princípios específicos. Para Ávila (apud OLIVEIRA, 2008) Quanto a suas características essenciais, o sistema constitucional tributário brasileiro é aberto, tanto no sentido de ser capaz de permanente desenvolvimento, como no de que suas normas muitas vezes reenviam o intérprete a outras que não estão expressamente previstas nele e, às vezes até no próprio sistema constitucional geral brasileiro. O sistema constitucional tributário brasileiro também possui como característica sua rigidez. No dizer de Ataliba (apud OLIVEIRA, 2008), essas características decorrem do fato de que, de um lado, as regras de competência (incluindo a definição dos tributos e seus requisitos normativos específicos) e repartição de receitas tributárias são reguladas pormenorizadamente pela Constituição Federal. No que tange as limitações ao poder de tributar, as normas constitucionais aufere garantias aos contribuintes em contraposição ao dever solidário de pagamento dos impostos pela administração pública. 4. A EXTRAFISCALIDADE A doutrina consagra amplamente a classificação dos tributos como fiscais e extrafiscais. Pertencem aos tributos fiscais os tributos com objetivos meramente arrecadatórios, e aos tributos extrafiscais, os que alcançam outros fins sociais, que não a mera arrecadação. Os tributos designados como fiscais são, para Oliveira (2008) aqueles cuja configuração aponta para o objetivo único de abastecimento do erário, custeando o Estado e a administração pública, sem que outros interesses interfiram na atividade impositiva. A doutrina vê na extrafiscalidade à realização de valores que exceda a “mera” arrecadação de tributos. Nesta linha, Torres (2001, p. 167) sustenta: “A extrafiscalidade, como forma de intervenção estatal na economia, apresenta uma dupla configuração: de um lado, a extrafiscalidade se deixa absorver pela fiscalidade, constituindo a dimensão finalista do tributo; de outro, permanece como categoria autônoma de ingressos públicos, a gerar prestações não tributárias.” Por meio da extrafiscalidade e de diversos outros mecanismos, a tributação consegue de forma efetiva e eficaz indicar aos particulares qual é a conduta que mais tem consonância com os objetivos da sociedade e com os ditames constitucionais. As políticas públicas dizem respeito às variadas formas de atuação do Estado e de seus diferentes governos, de suas agências e funcionários, no trato de questões ligadas à vida econômica, social e política de seus cidadãos. Elas guiam à ação do Estado, estabelecendo regras e regulando áreas específicas. A possibilidade de, por meio da tributação, se implementarem políticas públicas dos cidadãos no sentido que melhor atenda às finalidades constitucionais demonstra que, se bem utilizada, a tributação pode sim, gerar uma situação mais justa e equânime entre todos os agentes sociais. A extrafiscalidade, assim, revela-se o meio pelo qual o Estado realiza uma intervenção indireta na sociedade, diga-se, na vida econômica e social. 5. A NEUTRALIDADE DA TRIBUTAÇÃO As normas tributárias indutoras devem conviver harmonicamente com a neutralidade da tributação. Barroso (apud OLIVEIRA, 2008) afirma que, neutralidade é um conceito complexo, que se dilui em muitos aspectos diferentes. Alguns deles, segundo o ilustre autor, são: a imparcialidade, que representa a ausência de interesse imediato nas questões; e a impessoalidade, que corresponde à atuação pelo bem comum, e não para o favorecimento de alguém. Como aduz Santos (apud OLIVEIRA, 2008), há dois tipos de “não-neutralidade” no campo da tributação: a positiva e a negativa, a primeira representando a facilitação da consecução dos objetivos econômicos, e a segunda, o inverso. Um efeito da neutralidade, portanto, pode ser justamente inverso aos objetivos da ordem econômica. O tributo, em muitos momentos, deve corrigir as distorções, tratando de forma desigual algumas atividades ou determinados grupos de agentes econômicos. No Brasil a neutralidade representa a regra geral, mas como há grandes problemas nacionais, torna-se necessária a utilização da tributação como instrumento de regulação da ordem econômica. Com isso, é fundamental que a tributação seja adaptada às realidades de cada região e de cada atividade econômica, através de incentivos e agravamentos para a correção das distorções nas relações econômicas. Nesse ponto, inexistiria neutralidade da tributação, porque as normas tributárias indutoras, ao incentivarem certos comportamentos “desejáveis”, estariam assumindo a função de alterar o status quo, aspecto que contradiz a idéia originária de neutralidade (OLIVEIRA, 2008). 6. O IPTU O imposto predial foi criado, no Brasil, pelo alvará de 27 de junho de 1808, sob a denominação de “décima urbana”. Sendo sua cobrança foi regulada pelo alvará de 13 de maio de 1809. A denominação “décima” manteve-se até o ano de 1873, quando deu lugar à de “imposto sobre prédios” e, mais adiante (1881), à de “imposto predial”. A Constituição de 1988 outorgou aos municípios competência para criar imposto sobre “propriedade predial e territorial urbana” (art. 156, inciso I). 6.1 Hipótese de incidência Para Barreto (2009) o núcleo da hipótese de incidência do IPTU é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil. Com o advento do novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002), esse núcleo foi ampliado com a inclusão do direito de superfície, assegurado, expressamente, pelo art. 1.369. No dizer de Ataliba (apud BARRETO, 2009) fixada uma data, reputa-se ocorrido o fato imponível (descrito na hipótese de incidência) apenas naquele momento, dando origem à obrigação tributária. As ocorrências, as alterações, físicas ou de titularidade, que se processem em relação ao imóvel, a partir daí, são irrelevantes. A lei não pode fixar uma data de ocorrência do fato que faz nascer a obrigação tributária antes da concretização desse mesmo fato. 6.2 Aspecto quantitativo O Código Tributário Nacional erege como base de cálculo do imposto o valor venal do imóvel. Segundo Nogueira (apud BARRETO, 2009), a fixação dessa estimativa carece, portanto, de avaliação de cada imóvel, não sendo possível, dessa forma, estabelecer, previamente, em lei, o quantum do imposto. A determinação numérica do valor venal só poderá ser realizada a posteriori. Para Barreto (2009) a alíquota, no imposto “predial e territorial”, é representativa do fator que, aplicado sobre a base calculada (base de cálculo transformada em cifra) conduzirá ao quantum devido a título de imposto. Este será o resultado do produto valor venal vezes alíquota. Carvalho (apud BARRETO, 2009), analisando as normas do CTN que cuidam do crédito tributário, adverte que sempre que o legislador do Código menciona constituir o crédito reporta-se ao ato jurídico do lançamento, em que o agente administrativo, aplicando a lei ao caso concreto, formaliza a obrigação tributária. O IPTU exige lançamento anual, por considerar a lei tributária que, a cada exercício, ocorre um novo “fato gerador“, dando origem ao surgimento da respectiva obrigação tributária. Para que o lançamento possa ter eficácia é preciso que seja cumprida etapa indispensável: a da notificação. O teor do art. 160 do CTN bem evidencia a relevância da notificação do lançamento. Dele se extrai, ainda, que o lançamento devidamente notificado é condição da exigibilidade do crédito tributário. 6.3 Aspecto pessoal Como regra, o titular do poder fiscal é o Município. Mas o IPTU não é imposto de exclusiva competência municipal, porque existem as exceções no art. 147 da Constituição: “competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais”. Para Barreto (2009) a par do proprietário, o CTN elege como sujeito passivo do IPTU o titular do domínio útil, dispondo apenas e tão-só sobre o instituto da enfiteuse, desdobramento do termo “propriedade”. 6.4 IPTU cidadão No Brasil, a Constituição delimitou a competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no que tange à cobrança de tributos. Mas, apesar de receber amparo constitucional para instituir tributos sobre determinadas situações, deve estar em harmonia com os princípios constitucionais, de forma que a sociedade não seja lesada com sua cobrança indevida pelo poder tributante. Com o advento da Constituição de 1934, a competência para instituir o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana passou a ser dos Municípios. A mudança proporcionou maior utilidade do referido imposto para as políticas urbanas, visto que a estes cabe também o exercício do poder de polícia relativo ao uso da propriedade imobiliária urbana. É que nos Municípios, as populações e as autoridades locais, reúnem melhores condições para bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade e identificar as soluções mais adequadas. Assim, embora o IPTU tenha por objetivo primordial a obtenção de recursos financeiros para os Municípios, também pode ser utilizado com finalidade extrafiscal, o que significa que a tributação pode estar voltada para o alcance de outros fins sociais. Há o Programa “IPTU cidadão”, da Prefeitura Municipal de João Pessoa – Paraíba, criado através da lei nº 8.277 de 16 de julho de 1997, mostrando-se uma parceria entre a população e o município de João Pessoa, visando à execução ou recuperação da pavimentação dos logradouros, melhorando a qualidade de vida e a valorização do imóvel. O Programa é implementado com recursos financeiros dos participantes e ressarcidos posteriormente em sua totalidade pela PMJP na forma de compensação do valor do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e da Taxa de Coleta de Resíduos (TCR), vencidos ou a vencer. Os proprietários (contribuintes) solicitam a EMLUR – Autarquia Especial Municipal de Limpeza Urbana, através de abaixo-assinado à inclusão no Programa “IPTU cidadão” do logradouro (rua) onde pretendem executar a obra. Uma vez constatada a viabilidade da obra, a EMLUR solicita a secretaria de infra-estrutura (SEINFRA), o projeto e orçamento do logradouro. Definido o projeto e o orçamento, a EMLUR solicita a secretaria de infra-estrutura (SEINFRA), o projeto e orçamento do logradouro. Definido o projeto e o orçamento, a EMLUR solicita a Secretaria das Finanças (SEFIN) à abertura de uma conta bancária específica para o logradouro e vinculada ao programa “IPTU cidadão” informado aos contribuintes o número da conta, a agência e a instituição financeira. Quando o valor total da obra estiver depositado na conta acima citada, a EMLUR formaliza o procedimento licitatório, encaminhando o processo à Secretária das Finanças (SEFIN) com o nome da empresa vencedora do certame. A secretaria de infra-estrutura (SEINFRA) expede a ordem de serviço para que seja dado início a obra, a mesma é responsável pela fiscalização e recebimento da obra. Cada participante encaminhará a EMLUR, o requerimento solicitando o ressarcimento do crédito em forma de compensação de tributos que adquiriu ao participar do Programa. Junto com o(s) comprovante(s) de depósito (original ou cópia autenticada), as guias de recolhimento dos tributos a serem compensados e cópia do CPF. A EMLUR elabora uma “CARTA DE CRÉDITO” que será enviada a secretaria das finanças (SEFIN), juntamente com a documentação acima citada para ser homologada pelo Secretário das Finanças após o reconhecimento da legitimidade do crédito do contribuinte pelo secretário de infra-estrutura para que proceda a compensação devida emitindo um extrato de compensação que será encaminhado ao participante. No que tange a compensação dos impostos, cada participante encaminhará a EMLUR, o requerimento solicitando o ressarcimento do crédito (em forma de compensação de tributos) que adquiriu ao participar do programa. Junto com o(s) comprovante(s) de depósito (original ou cópia autenticada), as guias de recolhimento dos tributos a serem compensadas e cópia do CPF. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Estado pelo poder de coerção pode editar normas de direção, entretanto, tais normas muitas vezes não condizem com a Constituição, sendo imprescindível o estímulo ou desestímulo de comportamentos econômicos no seio da sociedade e para tanto, abre-se espaço para outra norma designada de norma indutora. O resultado encontrado na atual pesquisa, que, tinha como objetivo geral analisar o programa IPTU-cidadão como uma política pública indutora da cidadania, mostrou que, embora o IPTU tenha por objetivo primordial a obtenção de recursos financeiros para os Municípios, também pode ser utilizado com finalidade extrafiscal, o que significa que a tributação pode é voltada para o alcance de outros fins sociais. O IPTU-cidadão, foi criado em 1997 na gestão do então senador Cícero Lucena. Havia uma grande inadimplência na arrecadação do IPTU, bem como a carência de infra-estrutura em vários pontos do município, assim, criou-se este programa a fim de amenizar a inadimplência e favorecer à população com os benefícios concedidos, uma parceria entre o poder público e a sociedade civil. Na época, houve uma grande divulgação na mídia; folders, e etc. Acontece que, infelizmente, tem-se uma cultura entre os gestores de não dar muito respaldo aos programas implantados pela gestão anterior. Então, com o advento dos novos gestores que sucederam o então senador Cícero Lucena, o programa continuou, mas não com a mesma intensidade e a desinformação acerca do programa se faz sentir na população, principalmente à de baixa renda. Por outro lado, o programa privilegia pessoas com um certo poder aquisitivo, à exemplo de Jardim Cidade Universitária e Jardim Oceania, por que? Porque os custos com a obra são caros, e, apesar de ser rateado entre os beneficiados, nem toda a população possui recursos para custear obras desse porte.  Assim, embora o IPTU atinja, no município de João Pessoa, outros fins sociais, que não a mera arrecadação, a exemplo do IPTU-CIDADÃO, infelizmente, este programa não abraça toda a população, pois os bairros carentes estão à mercê deste benefício, então, se as normas indutoras visam benefícios que tragam à coletividade, tais benefícios devem se moldar as várias realidades sociais.
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O princípio da legalidade no direito tributário e suas exceções
Os princípios para o ordenamento jurídico, asseguram um limite e uma segurança para a boa aplicabilidade da lei, ou seja, a  observância de tais implica numa acertada decisão, por outro lado a não observância implica no abuso da sentença ou na   inconstitucionalidade da sentença. Importante portanto, torna-se  entender os princípios que rejem o direito tributário, possibilitando ao contribuinte meios de se defender contra eventual abuso por parte do fisco. As reiteradas decisões dadas por juízes, que dizem respeito a observância dos princípios, transformaram estes numa espécie de norma material objetiva, adequando portanto a aplicabilidade destes no caso concreto. Busca-se então entender o princípio da legalidade no direito tributário brasileiro e suas exceções.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O princípio da legalidade no direito tributário, garante ao contribuinte a existência de uma lei para criar e cobrar o tributo, pois não será imputada uma obrigação tributária ao contribuinte, sem antes observar as disposições legais quanto a criação e cobrança de um tributo. Os limites postos ao poder de tributar devem ser observados sob pena de inconstitucionalidade, o princípio da legalidade visa impedir abusos por partes das autoridades e uma possível discricionariedade na cobrança dos tributos. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE O princípio da legalidade representa um dos pilares do estado democrático de direito, por consequência, tal princípio se estende a todos os ramos do direito. O artigo 5º, II da CF, conceitua-o: Ninguém será obrigado a fazer algo ou deixar de fazer senão em virtude da lei. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO Tomando como referência o conceito de legalidade para o direito, podemos dizer que no direito tributário, ninguém será obrigado a cumprir um dever instrumental tributário que não tenha sido criado por meio de lei, pela pessoa política competente. Ou seja por meio de ato do legislativo, cria-se a lei ( reserva formal ), e tal lei descreve o tipo tributário ( reserva material ), que segundo Carrazza este, há de ser um conceito fechado, seguro, exato, rígido e reforçador da segurança jurídica. Observando os elementos que permitem a identificação do fato imponível (hipótese de incidência, sujeito ativo e passivo), fica vedado o emprego de analogia ( pelo judiciário ), e da discricionariedade ( pela administração pública ). (Carrazza, 2005) Diante do exposto, pode-se dizer que a legalidade para o direito tributário, é a exigência de lei para criar ou majorar tributos, sendo ainda que a lei deve trazer o tipo tributário, a este a doutrina chama de legalidade estrita. “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados e aos Municípios: I – Exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.” Art 150 CF. Vale ainda ressaltar, que a cobrança dos tributos deve ser feito por atividade administrativa plenamente vinculada. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA A competência tributária privativa é atribuída a União, aos Estados, ao DF e municípios, portanto cabe a estes instituir tributos. Como a constituição federal atribui a cada uma dessas pessoas políticas de direito público interno, discriminadamente, a competência ( poder ) de instituir tributos que expressamente nomeia, diz-se que cada uma delas tem competência tributária privativa própria. Ou seja, um imposto atribuído pela constituição ao município, não poderá ser instituído pela União ou pelo Estado, mesmo que o município não o tenha criado. CRIAÇÃO E MAJORAÇÃO DOS TRIBUTOS O meio que a União, os Estados e Municípios se utilizarão para criar os tributos, será a lei ordinária, em regra cabe somente a ela, criar ou majorar tributos, porém tem-se a exceção da medida provisória e os casos em que a Constituição Federal expressamente excepciona. A respeito das Medidas Provisórias Renato Bernardi diz: “Não obstante a estrita legalidade, a Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, alterando a redação do artigo 62 da Constituição Federal, trouxe a possibilidade de instituição ou majoração de tributo por medida provisória, espécie normativa que não é lei, na acepção estrita do termo, uma vez que não resulta do trabalho do Poder Legislativo – que, em nosso País, tem a função típica de estabelecer regras de conduta gerais e abstratas – mas é editada pelo Presidente da República, irradiando efeitos tão logo seja publicada no órgão da Imprensa Oficial.” BERNARDI, Renato. O princípio da legalidade no Direito Tributário. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 45, 30/09/2007 [Internet]. Disponível em http||www.ambito-jurídico.com.br. link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3346. Acesso em 2292011.  Importante ressaltar que a medida provisória é medida excepcional e será utilizada somente nos casos de urgência e relevante valor social. A constituição nos arts 146, 148, e 154, traz exceções expressas em que caberá a lei complementar, instituir tributos em alguns casos ou dispor sobre matérias tributárias. EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE Se somente cabe a lei ordinária criar ou majorar tributos, com exceção da medida provisória, e dos casos previstos na constituição que é incumbido a lei complementar. Conclui-se, portanto que todos os tributos que fogem do processo acima descrito, serão consideradas exceções ao princípio da legalidade. Estas exceções mais costumeiramente ocorrem com os tributos relativos ao comércio II, IE, IPI, IOF, é assim dado a função que desempenham na economia. A Constituição nos traz algumas exceções, são elas: Primeira exceção: art 153 § 1, que faculta ao poder executivo alterar as alíquotas sobre o II, IE,IPI e o IOF ( denominados tributos regulatórios do comércio exterior). Foi dada a faculdade ao poder Executivo de alterar as alíquotas de tais impostos, pois estes protegem a indústria Nacional e excepcionalmente precisam de maior rapidez para o seu processo normativo, porém não significa que estes impostos não obedecem a legalidade, pois como nota-se no § 1 do art 153, só é possível a alteração, se o decreto obedecer as condições e limites estabelecidos em lei. O ato normativo é o decreto presidencial, ou portaria do ministro da fazenda. Segunda exceção: art 177 § 4º, I, b: está indiretamente posto no artigo, que possibilita ao executivo reduzir ou restabelecer a alíquota da contribuição de intervenção e domínio econômico ( CIDE ), relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás e seus derivados e álcool combustível. O ato normativo é o decreto presidencial. Estas duas primeiras exceções passaram a ter previsão no texto constitucional com a emenda nº 33 de 2001. Terceira exceção: art 155, IV, que permite aos estados e ao DF, definir as alíquotas do ICMS monofásico incidente sobre combustíveis, importante observar que a lei não diz alterar as alíquotas, mas definir, o que pressupõe  maior poder dos estados e do DF. O ato normativo é o convênio do CONFAZ. Quarta exceção: Esta exceção está disposta no art 97 § 2º, do CTN, que diz não constituir majoração de tributo a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo. Para entender esta exceção pode-se pensar na atualização da base de cálculo do IPTU. O valor de mercado obedece a uma tabela de valores disposta pelo município a indicar o valor da área construída em determinada região, porém esse valor com o passar do tempo sofre depreciação em razão da inflação, necessário então se faz a atualização monetária. A atualização monetária realizada pelo município, não representa um aumento real da base de cálculo, mas um aumento fictício, facultando ao município realiza- la por meio de decreto do prefeito. Contudo esta atualização deve ter limites de modo a não caracterizar um aumento na base de cálculo, revestido de atualização monetária. O Superior Tribunal de Justiça na súmula 160 se firmou para esclarecer quaisquer dúvidas:  É defeso ao município, atualizar o IPTU, mediante decreto em percentual superior ao índice oficial de correção monetária. A atualização se realiza por meio do decreto do prefeito. Para concluir, é importante ter presente que o instrumento legislativo utilizado para criar ou majorar tributo é sempre a lei, sendo as Medidas provisórias, a lei delegada e as emendas constitucionais, amparo a legislação tributária, mas que não podem ser consideradas como os principais meios legislativos de criação de tributos. CONSIDERAÇÕES FINAIS É importante a compreensão das limitações ao poder de tributar, ou seja, os princípios tributários devem se tornar de fácil entendimento. Como já colocado anteriormente os princípios são basilares para o nosso ordenamento, portanto entender bem um princípio e suas exceções é essencial para aplicar a lei de forma certa sem que cause injustiça ao contribuinte.
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Responsabilidade tributária dos administradores: aporias e alternativas exegéticas do art. 135, III, do CTN
o art. 135, III, do CTN apresenta inúmeras polêmicas. O objetivo do presente artigo é fixar as aporias e alternativas exegéticas no que tange a dois pontos: natureza dos atos provocadores da responsabilidade dos administradores e a própria natureza da responsabilidade dos administradores. Também serão analisados problemas periféricos, tais como a distinção sócio e sócio-gerente, encargo probatório, dissolução irregular da sociedade, dentro outros pontos. A pesquisa, assim, valer-se-á da mais moderna doutrina e de subsídios jurisprudenciais.
Direito Tributário
1 INCURSÃO NECESSÁRIA: ASPECTOS PONTUAIS SOBRE A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA EM SENTIDO ESTRITO 1.1 Conceito de responsabilidade tributária em sentido estrito Para se compreender adequadamente a extensão do conceito de responsabilidade tributária, mister é extremar responsabilidade e dever. Não obstante o senso comum indicar ambas as palavras como sinônimas, no universo jurídico tal vulgar recorrência não encontra amparo: o direito como ciência reclama a precisa lapidação de seus conceitos. Destarte, conforme explana Hugo de Brito Machado (2008, p. 150), a responsabilidade é um estado de sujeição marcado por uma sanção, não se encontrando semelhante contexto na seara do dever. Feita essa anotação vestibular, cumpre destacar o conceito legal de responsabilidade tributária, contido no art. 128 do CTN, abaixo transcrito: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação (BRASIL, 2011)”. Similar é a conceituação proposta por Hugo de Brito Machado, atentando-se para o fato de que a responsabilidade aqui tratada adquire contornos estritos: “Em sentido estrito, [responsabilidade tributária] é a submissão, em virtude de disposição legal expressa, de determinada pessoa que não é contribuinte, mas está vinculada ao fato gerador da obrigação tributária, ao direito do fisco de exigir a prestação respectiva (MACHADO, 2008, p. 150)”. Daí já se pode entrever uma distinção amplamente propalada nos meios jurídico-tributários, consistente na diferença entre contribuinte e responsável. Mencionada distinção foi, inclusive, adotada no plano legal: basta conferir o conteúdo do art. 121 do CTN (BRASIL, 2011), segundo o qual contribuinte é o que tem relação pessoal e direta com fato gerador e responsável é a pessoa que esteja obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária sem que se revista da condição de contribuinte, o que se dá em virtude de uma disposição legal expressa. “De fato, a responsabilidade tributária consiste no dever de o contribuinte, sujeito passivo natural, tornar efetiva a prestação de dar, consistente no pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (obrigação principal), ou a prestação de fazer ou não fazer, imposta pela legislação tributária no interesse da fiscalização ou da arrecadação tributária (obrigações acessórias). Porém, o Código Tributário Nacional, em seu art. 128 ss, refere-se à responsabilidade em seu sentido específico, ou seja, no sentido de atribuir legalmente, a uma pessoa que não realizou a situação descrita na norma impositiva, o dever de efetuar a prestação (HARADA, 2009, p. 475)”. Pelo o que foi exposto supra, pode-se perfazer, desde já, que a responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN, refere-se à responsabilidade tributária em sentido estrito, caracterizada pela imputação legal expressa, a pessoa distinta do contribuinte, de adimplir a obrigação tributária. Portanto, se o contribuinte é o sujeito passivo direto da obrigação tributária, o responsável é sujeito passivo indireto. Tal ilação é conduzida pela própria disposição topográfica do art. 135, III, dentro do CTN: o dispositivo legal objeto de atenção encontra-se inserido na Seção III – Responsabilidade de Terceiros – do Capítulo V – Da Responsabilidade Tributária. Portanto, excluídas de apreciação restarão a Responsabilidade dos Sucessores – Seção II – e a Responsabilidade por Infrações – Seção IV. 1.2 Espécies de responsabilidade tributária Não obstante a omissão do CTN em fazê-lo, é assente na doutrina a bifurcação da responsabilidade tributária em sentido estrito entre responsabilidade tributária por substituição e responsabilidade tributária por transferência. Esta, por seu turno, divide-se em subespécies, a saber, solidariedade, sucessão e subsidiária. Expliquemo-las. Responsabilidade tributária por substituição verifica-se quando a obrigação tributária nasce diretamente contra o substituto tributário, em lugar do contribuinte. Desde o início, quem deve praticar a prestação tributária albergada na norma tributária é o substituto, e não o contribuinte. Logo, como bem observa Harada (2009, p. 475, grifo nosso), “[…] na substituição, a sujeição passiva é definida antes da ocorrência do fato gerador”. Ou seja: não existe deslocamento da obrigação tributária de uma pessoa para outra. “É de se notar aqui que embora o sujeito passivo previsto pela norma não realize o fato gerador, a obrigação tributária surge diretamente para a pessoa que substitui o contribuinte. Nesses casos, por razões de praticidade e economicidade, prefere o legislador exigir o tributo de pessoa alheia à realização do fato gerador (SAPGNOL, 2004, p. 198)”. Por ser deveras ilustrativo, confira-se o exemplo fornecido por Sacha Calmon Navarro Coêlho (2004, p. 715): “I – ‘A’ pratica o fato gerador, e ‘B’, por isso, deve pagar o tributo; II – inexiste sub-rogação. A norma não é alterada. A lei prevê desde logo que, se ‘A’ pratica um fato jurígeno, ‘B’ deve pagar. Em termos jurídicos, não há transferência de dever entre sujeitos passivos”. A sua vez, responsabilidade tributária por transferência ocorre quando uma obrigação tributária, depois de surgida contra uma pessoa, passa, em razão de um fato excepcional e posterior, para outra pessoa. De início, há um sujeito passivo; ulteriormente, em virtude de um fato juridicamente qualificado, emerge outro sujeito passivo. “Na transferência, a sujeição passiva indireta é feita após a ocorrência do fato gerador […]” (HARADA, 2009, p. 475, grifo nosso). Neste caso específico, constata-se o deslocamento da obrigação tributária de uma pessoa para outra. “O fundamento da responsabilidade por transferência é o mesmo da responsabilidade por substituição, vale dizer, o Estado, para garantia de seu crédito, por praticidade, para evitar evasão, etc., tem interesse ou necessidade de cobrar tributo de pessoa diversa daquela que praticou o fato gerador (VAZ, 2003, p. 110)”. Outro exemplo de Sacha Calmon (2004, p. 714-715, grifos do autor) é capaz de explicitar o funcionamento da responsabilidade por transferência: “I – ‘A’ pratica o fato gerador e deve pagar o imposto; II – em virtude de fato posterior (morte, negócio jurídico, falência, inadimplemento ou insolvência etc.), a lei determina que a um terceiro seja transferido o dever de pagar. Este terceiro, que podemos chamar de ‘B’, torna-se ex lege responsável pelo tributo, originariamente devido por ‘A’. Dá-se uma alteração na conseqüência da norma jurídica no plano do sujeito passivo. O responsável sub-roga-se na obrigação”. Conforme já salientado, a responsabilidade por transferência comporta três subespécies. A primeira delas é a responsabilidade por sucessão. A responsabilidade por sucessão verifica-se quando uma pessoa sucede a outra no que tange a uma universalidade de bens e direitos. Por ser de diminuta importância para o presente estudo, a responsabilidade por sucessão não será dissecada em pormenor neste espaço. Empós, tem-se a responsabilidade subsidiária. Nesta, o tributo porventura devido e não adimplido primeiramente deve ser cobrado do contribuinte; quedando-se este inerte quanto ao adimplemento da obrigação tributária, posteriormente o Fisco deve voltar-se contra o patrimônio do responsável. “Quer isso dizer que a tentativa de recebimento do tributo apenas poderá vir a voltar-se contra o responsável se esse recebimento, junto ao contribuinte, mostrar-se impossível. Deve-se inicialmente tentar a cobrança do tributo junto ao contribuinte. Apenas quando esta se mostre impossível é que terá lugar a cobrança em relação aos diversos responsáveis elencados [na lei] (DECOMAIN, 2000, p. 499)”. Importa destacar que o sentido de subsidiariedade acima exposto é, segundo Anselmo Henrique Cordeiro Lopes (2008, p. 1), o sentido impróprio da responsabilidade subsidiária; perceptível, portanto, mostra-se a existência de um sentido próprio, atinente ao patrimônio disponível para o pagamento do tributo: se o contribuinte não cumpriu sua obrigação tributária, é o seu patrimônio que deve ser posto à disposição do Fisco em primeiro lugar, e não o do responsável. Em síntese: na responsabilidade subsidiária própria, havendo o débito do contribuinte, deve o Fisco verificar a solvabilidade primeiro do contribuinte e, se não constatada, volta-se para o responsável; na responsabilidade subsidiária imprópria, não pago um tributo em tempo oportuno pelo contribuinte, primeiramente o Fisco deve voltar-se contra o contribuinte; omitindo-se este em cumprir o dever tributário, deve o Fisco voltar-se, finalmente, contra o responsável. Enfim, o que caracteriza verdadeiramente a responsabilidade subsidiária é o benefício de ordem: primeiro o contribuinte; depois o responsável. Por fim, a responsabilidade solidária. A responsabilidade solidária tem por apanágio justamente a inexistência de benefício de ordem. Destarte, contribuinte e responsável são – ambos – sujeitos passivos da obrigação tributária; esta, então, é exigida concomitantemente dos dois. Caio Mário da Silva Pereira (2006, p. 92, grifos do autor), esboça as características genéricas da solidariedade, outrossim transferíveis para o campo tributário: “Pluralidade subjetiva e unidade objetiva: é da essência da solidariedade que numa obrigação em que concorram vários sujeitos ativos ou vários sujeitos passivos haja unidade de prestação, isto é, cada um dos credores tem o poder de receber a dívida inteira, e cada um dos devedores tem a obrigação de solvê-la integralmente”. No que tange especificamente à solidariedade passiva tributária, é imperioso distinguir três contextos completamente diferentes, como bem aventa Anselmo Henrique Cordeiro Lopes (2008, p. 1): “a) solidariedade entre contribuintes, em que uma pluralidade de pessoas são devedoras de uma obrigação tributária nascida em razão da prática de um fato gerador; b) solidariedade entre contribuinte e responsável, em que a obrigação tributária nasce originariamente em face do contribuinte; contudo, surge um fato posterior que acarreta a solidariedade entre o contribuinte e o responsável, inexistindo, destarte, um benefício de ordem entre eles; ambos estão igualmente sujeitos à obrigação tributária. Trata-se da solidariedade em sentido próprio; c) solidariedade entre responsáveis, que ocorre quando mais de uma pessoa são solidárias entre si ostentando todas elas a qualidade de responsáveis. Nesse caso, como evidente, não se trata de solidariedade em sentido próprio, vez que se presume a existência de um contribuinte, alvo principal de qualquer pretensão veiculada pelo Fisco.” Tudo esse percurso teórico justifica-se na medida em que oferece subsídios imprescindíveis para a compreensão das aporias e alternativas exegéticas que circundam o art. 135, III, do CTN, objetivo precípuo deste estudo. 2 O ART. 135, III, DO CTN: APORIAS, ALTERNATIVAS EXEGÉTICAS E TENTATIVAS DE SOLUÇÃO 2.1 O art. 135, III, do CTN Anteriormente a qualquer consideração a respeito do art. 135, III, do CTN, afigura-se de extrema relevância conhecê-lo, pois, como é evidente, o registrado enunciado normativo paramenta-se como objeto principal deste estudo. Então, vejamos: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:[…] III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado (BRASIL, 2011)”. Feita essa apresentação de indubitável importância, deve-se, agora, registrar todas as aporias e alternativas exegéticas que defluem do artigo acima colacionado. 2.2 Delimitação precisa das aporias e alternativas exegéticas referentes ao art. 135, III, do CTN Aporia é um substantivo feminino usado regularmente nos domínio da filosofia para indicar questões extremamente difíceis, de cunho eminentemente racional, que, pretensamente, não apresentam saída. A designação dos problemas aqui apresentados como aporias justifica-se precisamente pela multiplicidade de alternativas exegéticas atinentes àqueles problemas: se são abundantes as opções, o deslinde dos problemas tornam-se indiscutivelmente mais trabalhosos. Tal circunstância, todavia, não pode impedir tentativas de solução, fim perseguido por este estudo. O art.135, III, do CTN alberga duas aporias: (i) qual a natureza dos atos propiciadores da responsabilidade dos administradores? (ii) qual a natureza da responsabilidade dos administradores? Cada uma dessas aporias carrega consigo as mencionadas alternativas exegéticas. Relativamente à primeira aporia – natureza dos atos provocadores da responsabilidade dos administradores – surgem três alternativas exegéticas: “i) responsabilidade subjetiva simples do administrador; ii) responsabilidade subjetiva com culpa presumida do administrador; iii) responsabilidade objetiva do administrador” (LOPES, 2008, p. 1, grifos do autor). No que tange à segunda aporia – natureza da responsabilidade dos administradores – registra-se nada mais que cinco alternativas exegéticas: “i) responsabilidade por substituição, exclusiva do administrador que incidiu numa das hipóteses legais; ii) responsabilidade subsidiária, em sentido próprio, do administrador, e ‘responsabilidade’ principal da sociedade; iii) responsabilidade principal do administrador e subsidiária da sociedade; iv) responsabilidade subsidiária, em sentido impróprio, do administrador; v) responsabilidade solidária do administrador que responde com a sociedade igualmente e sem benefício de ordem (LOPES, 2008, p. 1)”. Pode parecer, à primeira vista, que se trata de firulas teóricas; entrementes, assim não o é, vez que, para cada aporia consignada, a adoção de uma ou outra alternativa exegética não é uma opção inócua, porquanto as conseqüências práticas daí advindas não podem ser menoscabadas. 2.3 Primeira aporia: natureza dos atos ensejadores da responsabilidade dos administradores É chegada a hora de enfrentar as aporias, principiando-se pela aporia relativa à natureza dos atos geradores da responsabilidade dos administradores, à qual se vinculam três alternativas exegéticas: responsabilidade subjetiva, responsabilidade subjetiva com culpa presumida e responsabilidade objetiva. Vejamo-las apartadamente. Pela tese da responsabilidade subjetiva, qualquer ato praticado pelo administrador, que importe em excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos é um ato ilícito, pessoalmente imputável ao próprio administrador. Já a alternativa referente à responsabilidade subjetiva com culpa presumida do administrador prega que a ausência de pagamento de um tributo denota, por si só, uma culpa do administrador, gerando uma presunção juris tantum – admite prova em contrário – de que agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, vez que é o administrador que possui poder de gerência. Por fim, a alternativa da responsabilidade objetiva advoga que administrador responde, de qualquer modo, pelo eventual inadimplemento tributário, porque a hipótese seria, desde já, infração à lei. Destarte, o inadimplemento, por si só, já é um ato ilícito. Interessante observar que boa parte da doutrina não se debruçou sobre o tema ora em análise – exceção é Sacha Calmon Navarro Coelho (2004, p.747), que textualmente afirma: “Dá-se que a infração a que se refere o art. 135 evidentemente não é objetiva, e sim subjetiva, ou seja, dolosa”. Nesse diapasão, coube à jurisprudência analisar a natureza do ato estimulador da responsabilidade dos administradores. Consoante noticia Anselmo Henrique Cordeiro Lopes (2008, p. 2), a evolução do entendimento jurisprudencial a respeito da natureza dos atos geradores da responsabilidade dos administradores, tendo-se no horizonte o art. 135, III, do CTN, deu-se no seguinte sentido: responsabilidade subjetiva por culpa presumida – responsabilidade objetiva – responsabilidade subjetiva. De intróito, a responsabilidade seria subjetiva por culpa presumida porquanto o administrador, uma vez acionado pelo Fisco, mesmo não tendo seu nome incluído na Certidão de Dívida Ativa (CDA), deveria defender-se por meio de embargos à execução: destarte, presumia-se, até a prova em contrário aviada por meio de embargos à execução, a responsabilidade do administrador. Cordeiro Lopes (2008, p. 2, grifos do autor) colaciona o seguinte acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF), no sentido acima explanado: Tributário. Penhora. Sociedade por cotas de sociedade limitada. Sócio-gerente: substituto tributário. Art. 135, III, do CTN. “É cabível citação do sócio-gerente de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, como substituto tributário desta, sem necessidade de constar o nome daquele na certidão de inscrição da dívida ativa, com base no art. 135, III, do CTN, e independentemente de processo judicial prévio para verificação das circunstâncias de fato previstas no ‘caput’ daquele mesmo art. 135, fazendo a discussão ampla a respeito em embargos de executado (art. 745, parte final, do CPC). Recurso extraordinário conhecido e provido, para citação do sócio-gerente e penhora de seus bens para garantia da execução, no caso de não pagamento do débito. (STF, RE 113.852-1/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ 18.9.87, p. 19.675)”. Em outro momento, adotou-se a tese da responsabilidade objetiva. Entendia-se que no caso de não pagamento do tributo pela pessoa jurídica, deveria o administrador responder, porquanto seu poder de gerência reclama o adimplemento das obrigações tributário em tempo devido. Ou seja: não era sequer necessário agir com excesso de poder, violação à lei, contrato social ou estatuto – bastava o não pagamento no prazo estipulado que se consubstanciava a responsabilidade do administrador, pela suposta violação à lei. Na jurisprudência do STJ: “Tributário. Responsabilidade do sócio por dívida da sociedade limitada. Requisitos necessários. Precedentes. – O sócio-gerente de uma sociedade limitada é responsável, por substituição, pelas obrigações fiscais da empresa a que pertencera, desde que essas obrigações tributárias tenham fato gerador contemporâneo ao seu gerenciamento, pois que age com violação à lei o sócio-gerente que não recolhe os tributos devidos. – Precedentes da Corte. – Recurso conhecido e provido. (STJ, REsp 33681/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 02.05.1994, p. 9968)”. E mais: “Tributário – Execução Fiscal – Penhora de bens – Responsabilidade do sócio-gerente – Viúva social quotista – art.135, caput e III, 136, CTN. 1. O sócio-gerente de uma sociedade limitada, por substituição, é objetivamente responsável pela dívida fiscal, contemporânea ao seu gerenciamento, constituindo violação à lei o não-recolhimento. Não exclui a sua responsabilidade o fato do seu nome não constar na certidão da dívida ativa. 2. Precedentes da jurisprudência. 3. Recurso improvido. (STJ, REsp 10547/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 05.09.1994, p. 23033, grifo nosso)”. Ulteriormente, o STJ passou a entender que a natureza do ato que impulsiona a responsabilidade do administrador não é objetiva ou subjetiva com culpa presumida, mas tão-somente subjetiva. Parte-se da distinção entre administrador e pessoa jurídica. O não-recolhimento de tributo no prazo devido é assunto de alçada da empresa, e não do administrador. A impontualidade, portanto, deve ser imputada à empresa, não ao administrador. O não-recolhimento do tributo somente encetará a responsabilidade do administrador quando este atuar com excesso de poderes, com violação à lei, ao contrato social ou ao estatuto. Atente-se para o seguinte acórdão: “Tributário e processual civil – ICMS – Execução fiscal – Redirecionamento – Sócios de sociedade por quotas – Responsabilidade societária – Art. 135, III, CTN. I – A responsabilidade tributária prevista no art. 135, III, do CTN, imposta ao sócio-gerente, ao administrador ou ao diretor de empresa comercial só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova a prática de atos de abuso de gestão ou de violação da lei ou do contrato. II – Os sócios da sociedade de responsabilidade por cotas não respondem objetivamente pela dívida fiscal apurada em período contemporâneo a sua gestão, pelo simples fato da sociedade não recolher a contento o tributo devido, visto que, o não cumprimento da obrigação principal, sem dolo ou fraude, apenas representa mora da empresa contribuinte e não ‘infração legal’ deflagradora da responsabilidade pessoal e direta do sócio da empresa. III – Não comprovado [sic] os pressupostos para a responsabilidade solidária do sócio da sociedade de responsabilidade limitada há que se primeiro verificar a capacidade societária para solver o débito fiscal, para só então, supletivamente, alcançar seus bens. IV – Recurso Especial a que se dá provimento. (STJ, REsp 121021/PR, Segunda Turma, Rela. Min. Nancy Andrighi, DJ 11.09.2000, p. 235, grifo nosso)”. Portanto, em desfecho, sustenta-se que, hodiernamente, no âmbito jurisprudencial, a natureza dos atos provocadores da responsabilidade dos administradores é subjetiva: para que se configure tal responsabilidade, mister é que o administrador tenha atuado com excesso de poderes, violação à lei, contrato social ou estatutos, não bastando, destarte, a impontualidade no recolhimento da obrigação tributária, vez que esta é de responsabilidade da pessoa jurídica, não do administrador. 2.4 Segunda aporia: natureza da responsabilidade dos administradores Chega-se, enfim, à segunda aporia, mais tormentosa, que é sobre a natureza da responsabilidade dos administradores prevista no art. 153, III, do CTN. Neste passo, surgem as seguintes alternativas exegéticas: responsabilidade por substituição, exclusiva do administrador; responsabilidade subsidiária, em sentido próprio, sendo a responsabilidade principal da empresa e secundária do administrador; responsabilidade principal do administrador e secundária da pessoa jurídica; responsabilidade subsidiária, em sentido impróprio, do administrador; e responsabilidade solidária entre administrador e pessoa jurídica, sem benefício de ordem. Todas serão examinadas separadamente abaixo; em seguida, externaremos nossa opinião. Registre-se, desde já, que dois proponentes consultados não enfrentaram a aporia aqui posta: Celso Ribeiro Bastos (1998) e Edilson Carlos Fernandes (2007). Pela responsabilidade por substituição, sendo o administrador o causador da ilicitude – por excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto – deve ele ser o único responsável, haja vista que a responsabilidade consagrada no caput do art. 135 é pessoal. Desonera-se a empresa, então, de qualquer responsabilidade. Essa é a linha adotada por Luciano Amaro (2001, p. 316-317, grifo do autor): “Em confronto com o artigo anterior [art. 134], verifica-se que esse dispositivo [art. 135] exclui o pólo passivo da obrigação a figura do contribuinte (que, em princípio, seria a pessoa em cujo nome e por cuja conta estaria agindo o terceiro), ao dispor no sentido de que o executor do ato responda pessoalmente. A responsabilidade pessoal deve ter aí o sentido (que já se adivinhava no art. 131) de que ela não é compartilhada com o devedor ‘original’ ou ‘natural’. Não se trata, portanto, de responsabilidade subsidiária do terceiro, nem de responsabilidade solidária. Somente o terceiro responde, ‘pessoalmente’”. Também Aliomar Baleeiro (1981, p. 492, grifo nosso) assume tal inteligência do art. 135, III, do CTN: “o caso, diferentemente do anterior, não é apenas de solidariedade, mas de responsabilidade por substituição. As pessoas indicadas no art. 135 passam a ser responsáveis, ao invés de contribuinte”. Na mesma linha, constata-se o escólio de Kiyoshi Harada (2009, p. 481, grifamos): “Nessas hipóteses [art. 135, III, do CTN], ocorre a responsabilidade por substituição e não apenas responsabilidade solidária estritamente no caso de impossibilidade de cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, como nos casos elencados no artigo antecedente”. Outro tributarista de escol, José Otávio de Vianna Vaz (2003, p. 120, grifo nosso) igualmente abona a tese da responsabilidade por substituição: “De fato, nos casos do art. 135, III, por exemplo, o fato gerador da obrigação tributária é realizado pela sociedade, por seus representantes. Entretanto, tendo em vista a atuação com excesso de poderes, a infração da lei, do contrato social ou dos estatutos (prévio ou concomitante ao surgimento da obrigação), a norma jurídica determina que fique no pólo passivo da obrigação o agente, vale dizer, a obrigação nunca surgiu contra a sociedade (que, na verdade, praticou o fato gerador), mas sim contra o agente. Nestes casos, a obrigação tributária já nasce contra aqueles que atuaram ‘com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos’, caracterizando a substituição. Assim, apesar da divergência doutrinária, entendemos tratar o art. 135 de responsabilidade por substituição”. Essa posição é bastante difundida no STJ, como abaixo se vê: “Tributário. Execução fiscal. Redirecionamento. Responsabilidade do sócio. Falência. Sociedade limitada. 1. Esta Corte fixou o entendimento que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração legal capaz de ensejar a responsabilidade prevista no art. 135, III, do Código Tributário Nacional. Ficou positivado ainda que os sócios (diretores, gerentes, ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes às obrigações tributárias quando há dissolução irregular da sociedade – art. 134, VII, do CTN. 2. A quebra da sociedade de quotas de responsabilidade limitada, ao contrário do que ocorre em outros tipos de sociedade, não importa em responsabilização automática dos sócios. 3. Ademais a autofalência não configura modo irregular da dissolução da sociedade, pois além de estar prevista legalmente, consiste numa faculdade estabelecida em favor do comerciante impossibilitado de honrar os compromissos assumidos. 4. Com a quebra da sociedade limitada, a massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento da falência, só estando autorizado o redirecionamento da execução fiscal caso fique demonstrada a prática pelo sócio de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração de lei, contrato social ou estatutos. 5. Recurso especial provido. (STJ, REsp 212033/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ, 26.11.2004, p. 220, grifo nosso). Civil e tributário. Execução contra a sociedade por quota de responsabilidade limitada. Sócio-gerente. Responsabilidade. Penhora dos bens. Atos contrários à lei. No sistema jurídico-tributário vigente o sócio-gerente é responsável – por substituição – pelas obrigações tributárias resultantes de atos praticados com infração a lei ou cláusulas do contrato social, podendo ter seus bens penhorados em processo de execução fiscal. Precedentes. Recurso a que se nega provimento, sem discrepância. (STJ, REsp 96693/GO, Primeira Turma, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ 18.11.1996, p. 44859, grifo nosso)”. Confira-se outro julgado: “Tributário e processual civil. Agravo regimental contra decisão que negou seguimento a embargos de divergência em recurso especial. Sociedade limitada. Dissolução. Sócio-gerente. Responsabilidade tributária. Limites. Precedentes.[…] 3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes, ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN.[…] 7. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no REsp 109639/RS, Primeira Seção, Rel. Min. José Delgado, DJ 28.02.2000, p. 32, grifo nosso)”. Como facilmente se percebe, a tese da substituição granjeou grandes adeptos – doutrinários e jurisprudenciais. A segunda alternativa exegética refere-se à responsabilidade subsidiária, em sentido próprio, do administrador e principal da pessoa jurídica. Como cediço, a maior característica da subsidiriedade é o benefício de ordem. Aqui, a pretensão do Fisco deve voltar-se primeiro contra a empresa; só depois é que o administrador será o alvo pretendido, mesmo que tenha atuado abusivamente ou com infração à lei. Essa posição não logrou adesões relevantes na doutrina e na jurisprudência. Em seguida, têm a responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica e principal do administrador. Tendo este atuado com excesso de poderes, ou infração de lei, contrato social, redundando, por exemplo, em inadimplemento tributário ou impontualidade, a responsabilidade – até então da pessoa jurídica – transfere-se para o administrador, tornando-se pessoal. É, pois, um caso de responsabilidade por transferência. Sacha Calmon Navarro Coelho (2004, p. 746, grifos nossos) adota essa posição: “Em suma, o art. 135 retira a ‘solidariedade’ e a ‘subsidiariedade’ do art. 134. Aqui [no art. 135], a responsabilidade se transfere inteiramente para os terceiros, liberando os seus dependentes e representados. A responsabilidade passa a ser pessoal, plena e exclusiva desses terceiros. Isso ocorrerá quando eles procederem com manifesta malícia (mala fides) contra aqueles que representam, toda vez que for constatada a prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatuto”. Também Werther Botelho Spagnol (2004, p. 203) e Gelson Amaro de Souza (2001, p. 83) assumem a inteligência acima explanada. O STJ tem julgado nesse sentido: “Tributário. Execução fiscal. Processual civil. Negativa de prestação jurisdicional. Não configurada. Ausência de prequestionamento. Súmula 211/STJ. Responsabilidade pessoal do sócio-gerente. Sistemática do art. 135 do CTN. Falta de pagamento de tributo. Não-configuração, por si só, nem em tese, de situação que acarreta a responsabilidade subsidiária dos sócios.[…] 3. Para que se viabilize a responsabilização patrimonial do sócio-gerente na execução fiscal, é indispensável que esteja presente uma das situações caracterizadoras da responsabilidade subsidiária do terceiro pela dívida do executado. 4. Segundo a jurisprudência do STJ, a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, situação que acarreta a responsabilidade subsidiária dos sócios (EREsp374139/RS, Primeira Seção, Min. Castro Meira, DJ de 28.02.2005). 5. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 833621/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 29.06.2006, grifos nossos)”. Outra opção posta à disposição do hermeneuta consiste na responsabilidade subsidiária, em sentido impróprio, do administrador. Nesta, a responsabilidade do administrador ficaria condicionada ao não-pagamento do tributo pela pessoa jurídica, mesmo que ele atuasse com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Nesse diapasão, se o administrador praticou quaisquer das condutas enunciados no art.135, III, do CTN, havendo um débito tributário, e sendo este adimplido pela empresa, então não resta, por parte do administrador, qualquer resquício de responsabilidade. Tal teoria, às escâncaras, não obteve substancioso espeque doutrinário ou jurisprudencial. Por fim, tem-se a tese da responsabilidade solidária, entre pessoa jurídica e administrador. No caso comentado, existem duas responsabilidades distintas, mas umbilicalmente ligadas: a responsabilidade da empresa e a responsabilidade do administrador. Ambas, em igualdade e sem benefício de ordem, são responsáveis pelo eventual débito. Não se olvide que, em nesta – em todas as outras – alternativas, para que se configure a responsabilidade do administrador, é necessário que ele tenha atuado com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. A tese da responsabilidade solidária conquistou a simpatia de Ricardo Lobo Torres (2000, p. 227-228, grifos nossos): “Outra coisa é a responsabilidade de que cuida o art. 135. Nela existe a solidariedade ab initio, e o responsável se coloca junto do contribuinte desde a ocorrência do fato gerador. Pouco importa, nesses casos, que o contribuinte tenha, ou não, patrimônio para responder pela obrigação tributária. A Fazenda credora pode dirigir a execução contra o contribuinte ou o responsável”. Tal opinião é compartilhada por Pedro Decomain (2000, p. 500). Parece ser esta também a posição de Hugo de Brito Machado (2004, p. 594, grifos nossos): “Dizer que são pessoalmente responsáveis as pessoas que indica não quer dizer que a pessoa jurídica fica desobrigada. A presença do responsável, daquele a quem é atribuída a responsabilidade tributária nos termos do art. 135 do Código Tributário Nacional, não exclui a presença do contribuinte”. Interessante é a posição de Anselmo Henrique Cordeiro Lopes (2008, p. 3). Para o referido proponente, partindo-se da jurisprudência do STJ, pode-se afirmar que a natureza da responsabilidade dos administradores, no caso do art. 135, III, do CTN, é solidária. Todavia, o citado autor dá um colorido diverso ao instituto da solidariedade, ao afirmar que não existe, in casu, obrigação solidária, mas obrigações solidárias: a pessoa jurídica tem uma responsabilidade e o administrador, outra. As obrigações são, assim, autônomas. A solidariedade, assim, seria imprópria, dando-se entre contribuinte e responsável. Deixando de lado o plano doutrinário, na jurisprudência do STJ constatam-se julgados abonadores da alternativa da solidariedade: “Processual civil e tributário. Recurso especial. Embargos à execução. Responsabilidade de sócio de sociedade limitada sem poderes de administração. Art. 135, III, do CTN. Inviabilidade. 1. A dissolução irregular da sociedade devedora caracteriza situação que acarreta a responsabilidade solidária dos terceiros, nomeadamente dos sócios-gerentes, pelos débitos tributários (art. 135 do CTN).[…] 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. (STJ, REsp 904722/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 21.06.2007, p. 298, grifo nosso)”. Registre-se que o não-recolhimento de débitos devidos pela sociedade à Seguridade Social, era, na remansosa jurisprudência do STJ, hipótese inequívoca de solidariedade, tendo-se por perspectiva o art. 135, III, do CTN e o art. 13 da Lei n. 8.620/1993 – este dispositivo assentava que o titular da empresa e os sócios das empresas por cotas são solidariamente responsáveis pelos débitos para com a Seguridade Social. Contudo, como é sabido, a responsabilidade tributária deve ser disciplinada por lei complementar (Constituição Federal, art. 146, III, b) e a Lei referida é, indiscutivelmente, lei ordinária. Para conferir o imbróglio, consultar o AgRg no AgRg no REsp 1153333/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 05.10.2010. 2.4.1 Nossa opinião Acreditamos tratar-se a hipótese de responsabilidade por transferência – principal do administrador e subsidiária da pessoa jurídica. Deveras, o crédito tributário nasce para a pessoa jurídica. É ela a devedora “natural” do débito. Contudo, agindo o administrador com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, migra-se a responsabilidade primária do crédito: da pessoa jurídica para o administrador que atuou de acordo com uma das posturas arroladas no art. 135, III, do CTN. Sua responsabilidade, nesse caso, será pessoal. Porém, a pessoa jurídica, outrora – e justamente por ter sido – devedora natural do crédito tributária, é remanejada para o posto de responsável subsidiária pelo referido crédito. Este nasce diretamente contra a empresa, e não contra o administrador: somente quando o administrador age com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, é que se modifica a responsabilidade. Logo, evidentemente, não se trata de responsabilidade por substituição. Hostilizamos, outrossim, a responsabilidade solidária porquanto a responsabilidade exigida no caput do art. 135 do CTN deve ser pessoal: não existe responsabilidade pessoal compartilhada por duas pessoas. Assim sendo, filiamo-nos ao entendimento veiculado por Sacha Calmon Navarro Coêlho (2004, p. 746). 2.5 Problemas periféricos atinentes ao art. 135, III, do CTN O presente espaço visa a detalhar alguns problemas, qualificados como periféricos, outrossim relativos ao art. 135, III, do CTN. São periféricos porque não se referem, substancialmente, às aporias e respectivas alternativas exegéticas discutidas no ponto pretérito. Pontualmente, tais problemas periféricos referem-se: (i) à distinção entre sócio e sócio-gerente; (ii) a questões relativas à dissolução irregular da sociedade; (iii) ao administrador de fato e a de direito; (iv) a obrigações tributárias acessórias e principais; (v) ao sentido das expressões “diretores”, “gerentes” e “representantes”, constantes no art. 135, III, do CTN; (vi) à intelecção das expressões “excesso de poderes” e “infração de lei, contrato social ou estatutos”, igualmente previstas no artigo em análise; (vii) ao dolo e/ou culpa; (viii) e à falência, no específico contexto da responsabilidade dos administradores; (ix) e sobre o encargo probatório. Cada uma destas questões será examinada nos itens arrolados abaixo. 2.5.1 Distinção impostergável: sócio e sócio-gerente Encontra-se plenamente pacificado, nas sedes doutrinária e jurisprudencial, que a responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN, somente pode ser desencadeada no caso de sócio-gerente, estando aquele investido tão-somente na condição de sócio livre da incidência do mencionado dispositivo legal. É que o artigo em questão reclama o exercício da gerência e, muitas vezes, o sócio pode não estar investido daquele exercício. “Destaque-se desde logo que a simples condição de sócio não implica responsabilidade tributária. O que gera a responsabilidade, nos termos do art. 135, III, do CTN, é a condição de administrador de bens alheios. Por isso a lei fala em diretores, gerentes ou representantes. Não em sócios. Assim, se o sócio não é diretor, nem gerente, isto é, se não pratica atos de administração da sociedade, responsabilidade não tem pelos débitos tributários (MACHADO, 2008, p. 159, grifos do autor)”. Na jurisprudência, confira-se: “Processual civil e tributário. Recurso especial. Embargos à execução. Responsabilidade do sócio de sociedade limitada sem poderes de administração. Art. 135, III, do CTN. Inviabilidade. 1. A dissolução irregular da sociedade caracteriza situação que acarreta a responsabilidade solidária dos terceiros, nomeadamente dos sócios-gerentes, pelos débitos tributários (art. 135 do CTN). 2. A solidariedade do sócio pela dívida da sociedade só se manifesta quando comprovado que, no exercício de sua administração, praticou os atos elencados na forma do art. 135, caput, do CTN. Não se pode, pois, atribuir tal responsabilidade substitutiva quando sequer estava investido das funções diretivas da sociedade. Precedentes: AGRAGA 506449/SP, 2a Turma, Min. João Otávio de Noronha, DJ 12/04/2004; AGA 422026/SC, 1a Turma, Min. Francisco Falcão, DJ 30/09/2002. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. (STJ, REsp 904722/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 21.06.2007, p. 298, grifo nosso)”. Enfim, a responsabilidade estabelecida no art. 135, III, do CTN só se aplica ao sócio-gerente, ou seja, àquele que exerce funções diretivas na empresa. 2.5.2 Dissolução irregular de sociedade Problema periférico relativo ao art. 135, III, do CTN, reside em saber se a dissolução irregular da sociedade firmada importa em produção normativa da responsabilidade dos administradores. Tal questão hoje se apresenta isenta de dúvidas: a dissolução irregular da sociedade acarreta a responsabilidade dos administradores prevista no art. 135, III, do CTN. A jurisprudência é uníssona no ponto: “Tributário – Processual civil – Devolução da carta citatória não cumprida – Indício insuficiente de dissolução irregular da sociedade – Art. 8º, III, Lei n. 6.830/80.[…] 3. Pelo art. 135 do CTN, a responsabilidade fiscal dos sócios restringe-se à prática de atos que configurem abuso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos da sociedade. A liquidação irregular da sociedade gera presunção da prática desses atos abusivos ou ilegais.[…] 5. […] Recurso especial improvido. (STJ, REsp 1017588/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 28.11.2008)”. O que se constata, destarte, é que a dissolução irregular da sociedade, por parte do administrador, pode, conforme o caso, se inserir na categoria “excesso de poderes” ou na categoria “infração de lei, contrato social ou estatutos”, de modo a ensejar a incidência do art.135, III, do CTN. 2.5.3 Dolo e culpa Assunto um pouco mais tormentoso é fixar se a conduta abusiva do administrador, paramentada em qualquer das formas arroladas no caput do art. 135 do CTN, exige daquele dolo ou culpa. Logo, o que emerge é a seguinte indagação: o preceptivo legal admite somente o dolo ou alberga também a culpa? Sacha Calmon Navarro Coêlho (2004, p. 747, grifo nosso) obtempera: “Dá-se que a infração a que se refere o art.135 evidentemente não é objetiva, e sim subjetiva, ou seja, dolosa. Para os casos de descumprimento de obrigações fiscais por mera culpa, nos atos em que intervierem e pelas omissões de que forem responsáveis, basta o art. 134, anterior, atribuindo aos terceiros dever tributário por fato gerador alheio. No art. 135 o dolo é elementar. Nem se olvide de que a responsabilidade aqui é pessoal (não há solidariedade); o dolo, a má-fé hão de ser cumpridamente provados”. Outra, contudo, é a posição esposada pelo STJ, conforme abaixo se colhe: “Recurso especial. Tributário. Sócio-gerente. Redirecionamento da execução fiscal. Não-recolhimento de tributo. Simples mora da sociedade devedora. Impossibilidade de redirecionamento da execução. Recurso provido. 1. A jurisprudência dessa Corte firmou-se no sentido de condicionar a responsabilidade pessoal do sócio-gerente à comprovação da atuação dolosa ou culposa na administração dos negócios, em decorrência de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. Assim, o não recolhimento do tributo configura simples mora da sociedade devedora, contribuinte, não ensejando o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios-gerentes. 2. Recurso especial provido. (STJ, REsp 650746/SP, Rela Min. Denise Arruda, DJ 03.05.2007, grifo nosso)”. Também José Otávio de Vianna Vaz (2003, p.130-131) compactua da corrente acima apresentada: “[…] o disposto no art. 135 não leva em consideração, para a imputação de responsabilidade, o elemento subjetivo do tipo, vale dizer, o dolo ou a culpa. Assim, os ilícitos ali apresentados podem ser cometidos culposa ou dolosamente, mas sempre em caráter ilícito, devendo-se, portanto, imputar a responsabilidade, em princípio ao agente”. Afiliamo-nos à corrente jurisprudencial. De fato, nada no art. 135 do CTN dá a entender que a conduta do administrador necessariamente deva ser dolosa; há, inequivocamente, espaço para que, mesmo atuando culposamente, o administrador sofra a incidência do dispositivo mencionado. Nesse diapasão, pode o administrador, imbuído de culpa, praticar atos com excesso de poderes ou com infração à lei, contrato social ou estatuto. É como bem diz Anselmo Henrique Cordeiro Lopes (2008, p. 2): “Em verdade, o Direito Tributário preocupa-se com a externalização de atos e fatos, não possuindo espaço para persecução do dolo; basta a culpa”. 2.5.4 Administrador de fato e administrador de direito É fora de dúvida que o administrador de direito está incluído no art. 153. Entretanto, na regra sob comento incluir-se-ia também o administrador de fato? A resposta, em dicção doutrinária, é clara: “[…] Ressalvamos que o art. 135, III, do CTN, pode ser aplicado para responsabilizar não só o administrador de direito, mas também o administrador de fato da empresa. Assim, ainda que o estatuto ou contrato social não confira poderes a um dos sócios para praticar atos de gerência, se este é o administrador de fato da pessoa jurídica, dever ser igualmente responsabilizado pela prática de atos ilícitos (LOPES, 2008, p. 3, grifo nosso)”. Deveras, outra solução não tem o condão de se impor. A se admitir que apenas o administrador de direito está na órbita de incidência do art. 135, III, do CTN, estimular-se-ia as mais gritantes fraudes, subtraindo-se, assim, o administrador de fato da responsabilidade de seus atos. O próprio art. 135, III, corrobora essa assertiva: afinal de contas, a responsabilidade é daquele que praticar atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatuto, vez que a responsabilidade é pessoal. 2.5.5 Sentido das expressões “diretores”, “gerentes” e “representantes” Para a melhor compreensão da norma do art. 135, III, do CTN, torna-se imperioso esclarecer os contornos conceitos dos sujeitos que podem sofrer as conseqüências consignadas no mencionado dispositivo, a saber, os diretores, gerentes e representantes. De início, vale registrar o lembrete de José Otávio de Vianna Vaz (2003, p. 34): “Como norma geral, ‘administrador’ é o gênero do qual ‘diretor’, ‘gerente’ e ‘representante’ são espécies. De fato, não importa o nome dado ao cargo, mas sim as atribuições e os poderes que lhe são conferidos pela lei ou pelo estatuto. Qualquer que seja o nome do cargo (presidente, superintendente, diretor-geral, etc.), são as atribuições a ele conferidas que definirão a sua natureza”. Feita a anotação vestibular, passa-se a definir as figuras mencionadas. Diretor, conforme averba Hugo de Brito Machado (2004, p. 598) é aquele que está em posição superior ao gerente e ao representante, porquanto é ele quem assume as decisões de sobranceira importância para a empresa; é pessoa incumbida de dirigir a empresa. Já gerente é pessoa cuja atribuição consiste na gestão de toda a empresa. Por assim dizer, se o diretor toma uma decisão de crucial importância para a empresa, cabe ao gerente concretizá-la, implementá-la, de modo a cumprir, com exatidão, a diretriz imposta pelo diretor. Representante, por seu turno, é a pessoa que detém poderes para atuar em nome de outra pessoa, física ou jurídica. Se puder agir em nome de outrem, pode praticar atos com excesso de poderes ou com infração à lei, contrato social ou estatuto, o que justifica, portanto, sua inclusão no rol do caput do art. 135 do CTN. “No essencial, para fins do art. 135 do Código Tributário Nacional, as palavras gerente, administrador e representante significam a mesma coisa, vale dizer, significam a pessoa que age em nome da pessoa jurídica, que corporifica a pessoa jurídica contribuinte.” (MACHADO, 2004, p. 598-599). 2.5.6 Intelecção das expressões “excesso de poderes” e “infração de lei, contrato social ou estatutos” Deve-se registrar que a causa primária da responsabilidade insculpida no art. 135, III, do CTN, é o fato de os administradores praticarem atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. É, no dizer de Hugo de Brito Machado (2004, p. 585), “a origem do crédito cuja responsabilidade é atribuída ao terceiro”. Logo, a correta compreensão do conteúdo dessas expressões afigura-se de destacado relevo. Excesso de poderes denota o exercício abusivo de poderes contratuais e estatutários já conferidos; o administrador, nesse caso, vai além da norma que lhe atribuiu prerrogativas. “O excesso de poderes somente é capaz de transferir a responsabilidade pela obrigação tributária já existente, porque o simples excesso não é capaz de gerar tal obrigação. Repete-se, mais uma vez, que não existe obrigação tributária oriunda, pura e simplesmente, de excesso de poderes na gerência ou na administração de bens alheios. Para que se dê o surgimento da obrigação tributária é necessária a concorrência de uma situação fática descrita em lei tributária capaz de gerar a base imponível, que é o fato gerador (SOUZA, 2001, p. 96-97)”. Já no caso de “infração de lei, contrato social ou estatuto”, a altercação foi extremamente laboriosa. Lavrou-se intensa disputa no que tange à configuração do não-recolhimento de tributo como infração à lei ou não. Hoje, no STJ, prevalece amplamente a tese de que o não-recolhimento de tributo não constitui infração à lei por parte do administrador, de modo que impossível, nesse caso, torna-se acionar a responsabilidade do administrador engendrada pelo art. 135, III, do CTN. Isso porque, conforme já explicado, a ausência de recolhimento de tributo de devido é infração da pessoa jurídica, não da pessoa física, o administrador. Pertinente, nesse ponto, o escólio de Gelson Amaro de Souza (2001, p. 99): “o art. 135 do CTN refere-se à infração de lei, isto é, de qualquer lei […]”. Já a infração de contrato social ou estatuto decorre de condutas que transgridem as normas veiculadas naqueles. Contrato social ou estatuto designam atos constitutivos das pessoas jurídicas de direito privado 2.5.7 Obrigações tributárias acessórias e obrigações tributárias principais Pela letra legal utilizada no art. 135, III, do CTN (BRASIL, 2011), os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado são pessoalmente responsáveis pelos créditos tributários atinentes a obrigações tributárias quando operarem com excesso de poderes ou violação de lei, contrato social ou estatuto. A questão que aqui se impõe é saber se as obrigações tributárias acessória também estão incluídas no dispositivo legal – as obrigações tributárias principais, evidentemente, não trazem maiores dificuldades. É de solar clareza que expressão obrigações tributárias detém um alcance propositadamente amplo, de modo a alcançar, outrossim, as de cunho acessório. Tal entendimento é perfilhado por Aliomar Baleeiro (1981, p. 492, grifo do autor): “O art. 135 não ressalva as penalidades de caráter não moratório nem limita sua eficácia, apenas à obrigação principal, como aconteceu no art. 134. A contrario sensu, abrange – parece-nos – quaisquer penalidades e obrigações acessórias”. Nesse diapasão, atuando o administrador com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, será pessoalmente responsável pelos créditos tributários correspondentes a obrigações tributárias principais ou acessórias, incluindo, outrossim, as penalidades de caráter moratório ou não. 2.5.8 Falência e responsabilidade dos administradores Já se demonstrou que a dissolução irregular da sociedade provoca a responsabilidade dos administradores. Nessa medida, urge definir se a falência é apta a gerar a responsabilidade dos administradores. A jurisprudência estabelece: “Tributário. Execução fiscal. Redirecionamento. Responsabilidade do sócio. Falência. Sociedade limitada. 1. Esta Corte fixou o entendimento que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração legal capaz de ensejar a responsabilidade prevista no art. 135, III, do Código Tributário Nacional. Ficou positivado ainda que os sócios (diretores, gerentes, ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes às obrigações tributárias quando há dissolução irregular da sociedade – art. 134, VII, do CTN. 2. A quebra da sociedade de quotas de responsabilidade limitada, ao contrário do que ocorre em outros tipos de sociedade, não importa em responsabilização automática dos sócios. 3. Ademais a autofalência não configura modo irregular da dissolução da sociedade, pois além de estar prevista legalmente, consiste numa faculdade estabelecida em favor do comerciante impossibilitado de honrar os compromissos assumidos. 4. Com a quebra da sociedade limitada, a massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento da falência, só estando autorizado o redirecionamento da execução fiscal caso fique demonstrada a prática pelo sócio de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração de lei, contrato social ou estatutos. 5. Recurso especial provido. (STJ, REsp 212033/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ, 26.11.2004, p. 220, grifo nosso)”. Assim sendo, por ser forma regular, legal, de dissolução da sociedade, a falência não enceta a responsabilidade dos administradores alberga no art. 135, III, do CTN. 2.5.9 Encargo probatório Por fim, calha fixar algumas linhas diretrizes sobre o ônus probatório. Sobre o encargo probatório, confira-se: “Afirma-se que, em um primeiro sentido, o ônus é uma regra de conduta dirigida às partes, que indica quais os fatos que a cada uma incumbe provar. […] em um segundo sentido, o ônus da prova é uma regra dirigida ao juiz (uma regra de julgamento, portanto), que indica como ele deverá julgar acaso não encontre a prova dos fatos; que indica qual das partes deverá suportar os riscos advindos do mau êxito na atividade probatória, amargando uma decisão desfavorável (BRAGA; DIDIER JR., OLIVEIRA, 2010, p. 75)”. O sentido importante, para fins deste estudo, é o primeiro, ou seja, interessa-nos os fatos que, a cada parte deve provar numa contenda. Transportando essa intelecção para o assunto aqui explorado: o presente compartimento visa a estabelecer o encargo probatório do Fisco e do administrador em eventual execução fiscal, onde se constata a atuação com excesso de poderes ou violação de lei, contrato social ou estatuto. O assunto já ensejou ardorosos debates. Atualmente, contudo, a distribuição do encargo probatório encontra-se plenamente regulada no âmbito da jurisprudência do STJ. Veja-se: “Processual civil. Recurso especial. Tributário. Execução fiscal. Responsabilidade do sócio-gerente. Execução fundada em CDA que indica o nome do sócio. Redirecionamento para o sócio-gerente. Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C, do CPC.[…] 4. A jurisprudência da Primeira Seção desta Corte ao concluir o julgamento do ERESP nº. 702.232/RS, da relatoria do e. Ministro Castro Meira, publicado no DJ de 26.09.2005, assentou que: a) se a execução fiscal foi ajuizada somente contra a pessoa jurídica e, após o ajuizamento, foi requerido o seu redirecionamento contra o sócio-gerente, incumbe ao Fisco a prova da ocorrência de alguns dos requisitos do art. 135, do CTN: a) quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa; b) constando o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário na CDA cabe a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135, do CTN, independentemente se a ação executiva foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio ou somente contra a empresa, tendo em vista que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c/c o art. 3º da Lei nº. 6.830/80. 5. Os fundamentos de referido aresto restaram sintetizados na seguinte ementa: ‘Tributário. Embargos de divergência. Art. 135 do CTN. Responsabilidade do sócio-gerente. Execução fundada em CDA que indica o nome do sócio. Redirecionamento. Distinção. 1. Iniciada a execução contra a pessoa jurídica e, posteriormente, redirecionada contra o sócio-gerente, que não constava da CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN. Se a Fazenda Pública, ao propor a ação, não visualizava qualquer fato capaz de estender a responsabilidade, pretende voltar-se também contra o seu patrimônio, deverá demonstrar infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos ou, ainda, dissolução irregular da sociedade. 2. Se a ação foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio-gerente, a este compete o ônus da prova, já que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c/c o art. 3º da Lei nº. 6.830/80. 3. Caso a execução tenha sido proposta somente contra a pessoa jurídica e havendo indicação do nome do sócio-gerente na CDA como co-responsável, não se trata de típico redirecionamento. Neste caso, o ônus da prova compete igualmente ao sócio, tendo em vista a presunção relativa de liquidez e certeza que milita em favor da Certidão de Dívida Ativa. […] 8. Agravo regimental conhecido para dar provimento ao recurso especial. (STJ, AgRg no AgRg no REsp 1153333/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 05.10.2010, grifo nosso)”. Em síntese: se o nome do administrador não consta da CDA, e o Fisco ajuíza execução contra ele, à Administração Tributária cabe o ônus da prova; arrolado o administrador na CDA, que goza de presunção relativa liquidez e certeza, o ônus da prova recai, então, sobre o administrador. Frise-se que o que se deve provar é o excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. 3 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO     FISCAL O redirecionamento fiscal consiste na volta da pretensão executória manifestada pelo Fisco contra sócios ou administradores da pessoa jurídica cujos nomes podem não constam da certidão de dívida ativa. Ou seja: encetada a execução contra a pessoa jurídica, averbada na CDA, volta-se, ulteriormente o Fisco contra os sócios e administradores, omissos na CDA. Nesse caso, destarte, medidas constritivas recaem sobre o patrimônio particular dos sócios ou administradores. É, pois, “[…] [um] processo de execução para alcançar bens de pessoas que não foram inicialmente indicadas como réus” (MACHADO, 2004, p. 606). O instituto é geralmente justificado na praticidade que produz: não se encontrando ou sendo insuficientes os bens da pessoa jurídica para adimplir o crédito tributário, volta-se ao patrimônio de sócios e administradores. Contudo, devem-se distinguir duas situações completamente distintas: (i) o nome do administrador consta da CDA, hipótese em que o redirecionamento é plenamente possível, vez que a certidão goza de presunção relativa de liquidez e certeza – nesse caso, deve o administrador provar que não agiu com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatutos, por meio de embargos à execução. Nesse sentido: “Execução fiscal. Agravo regimental no recurso especial. Encerramento do feito alimentar. Extinção. Possibilidade. Redirecionamento. Necessidade de comprovação de atuação dolosa ou culposa do sócio.[…] 2. Não há falar na aplicação do REsp 1.104.900/ES que, na sistemática do art. 543-C do CPC, firmou jurisprudência no sentido de que, se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN.[…] 4. ‘O redirecionamento da execução fiscal e seus consectários legais para o sócio-gerente da empresa somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa.’ (AgRg no Ag 1173644/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 14/12/2010). 5. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no REsp 1228460/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 25.03.2011, grifos nossos)”. Não constando o nome do sócio na CDA, o redirecionamento apenas afigurar-se-á possível se o Fisco provar que o administrador agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. Confira-se: “Agravo regimental. Recurso especial. Execução fiscal. Inclusão dos representantes da pessoa jurídica, cujos nomes constam da CDA, no pólo passivo da execução fiscal. Ônus da prova. Inadimplemento. Súmula 430/STJ. Súmula 211/STJ.[…] 2. Se o nome do sócio não consta da CDA e a execução fiscal somente foi proposta contra a pessoa jurídica, caberá ao Fisco, ao postular o redirecionamento, provar a ocorrência de infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos sociais.[…] 6. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no REsp 1131069/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe 10.02.2011, grifo nosso)”. Essa é parte que nos interessa para fins do presente estudo. Registre-se, contudo, que o redirecionamento da execução fiscal vem sendo submetido a um bombardeio por parte da doutrina, como abaixo se constata: “Essas decisões [que admitem o redirecionamento da execução fiscal], todavia, estão a merecer críticas, especialmente porque: (a) negam a tese adotada pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual a responsabilidade dos terceiros arrolados no art. 135 depende de apuração das circunstâncias das quais decorre; (b) admitir que essa apuração vai ocorrer no processo de embargos à execução é negar aos supostamente responsáveis o direito de defesa na via administrativa, onde o crédito há de ter sido apurado, defesa pertinente à própria existência do crédito, e também pertinente às circunstâncias geradoras de sua responsabilidade; (c) negar o direito de defesa, no caso, viola a própria lei ordinária; (d) viola também, e de modo flagrante, a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa; (e) o art. 568, inciso V, do Código de Processo Civil, invocado em algumas decisões, não tem nem pode ter o alcance que as mesmas lhe deram, porque deve ser interpretado no contexto das leis ordinárias e sem afronta aos princípios constitucionais (MACHADO, 2004, p. 608)”. Esta não é oportunidade adequada para enfrentar, em profundidade, as polêmicas que permeiam o instituto do redirecionamento da execução fiscal, atendendo as linhas bosquejadas acima o propósito acima definido – rascunhar breves comentários sobre o redirecionamento. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo do presente artigo foi perquirir a natureza dos atos provocadores da responsabilidade dos administradores e a própria natureza da responsabilidade dos administradores, consoante o art. 135, III, do CTN. Nesse diapasão, a pesquisa logrou as seguintes ilações, abaixo registradas. A natureza dos atos provocadores da responsabilidade dos administradores, prevista no art. 135, III, do CTN, é subjetiva, no sentido de que, para que se configure a responsabilidade pessoal do administrador, basta que este atue com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. No que tange à natureza da responsabilidade do administrador, sustentamos a responsabilidade principal do administrador e subsidiária da empresa, configurando, destarte, responsabilidade por transferência. Assim é porque o crédito tributário nasce, originariamente, para a pessoa jurídica; contudo, agindo o administrador com excesso de poderes ou violação de lei, contrato social ou estatuo, ocorre uma transferência da responsabilidade tributária – da pessoa jurídica para o administrador – sendo a responsabilidade do administrador, então, a teor do caput do art. 135 do CTN, pessoal. Mas a presente pesquisa não se fechou apenas à investigação consignada: tratou-se também de problemas periféricos, mas de indubitável importância. Nesta seara, constatou-se que, para que a responsabilidade tributária do art. 135, III, do CTN emirja é necessário o exercício de poderes de gerência: se o sócio não detém tais poderes, afastado fica da incidência do art. 135. Viu-se, igualmente, que a dissolução irregular da sociedade é apta a desencadear a responsabilidade ora comentada. Constatou-se que tanto o dolo quanto a culpa do administrador – desde que agindo com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatuto – estão albergados no art. 135. Apurou-se que o administrador de fato também está sujeito à responsabilidade tributária dos administradores. Registrou-se que os signos “gerentes”, “diretores” e “representantes” apresentam peculiaridades; estas, todavia, não são muito importantes, vez que o art. 135, III, do CTN, menciona as pessoas que agem em nome da pessoa jurídica, a saber, gerentes, diretores e representantes. “Excesso de poderes” e “infração de lei, contrato social ou estatutos” acabam por designar uma atuação além das regras – legais ou contratuais – a que o administrador deve obsequiar. Averbou-se, outrossim, que, verificada a responsabilidade tributária do administrador, esta alcançará, nos moldes do art. 135, III, do CTN, obrigações tributárias acessórias e principais. Verificou-se também que a falência não acarreta a responsabilidade dos administradores, por se tratar de dissolução regular da sociedade. Apontou-se que o encargo probatório, no que se refere ao comportamento abusivo do administrador, recai, na execução, sobre o próprio administrador – se seu nome constar na CDA – ou sobre o Fisco – se o seu nome não constar da CDA. O mesmo se aplica ao polêmico instituto do redirecionamento da execução fiscal, em que o Fisco volta sua pretensão executória não contra a pessoa jurídica, mas sim contra os sócios e administradores, em busca do adimplemento do crédito tributário. Por fim, deve-se registrar que a pesquisa aqui empreendida não buscou, de modo algum, esgotar o tema da responsabilidade tributária dos administradores prevista no art. 135, III, do CTN: seu propósito final, isto sim, foi contribuir para a construção do conhecimento a respeito de um tema tão importante na seara tributária.
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Isenção tributária: a interpretação literal das isenções subjetivas e o princípio da dignidade da pessoa humana
O presente trabalho tem por escopo discutir a aplicabilidade da regra do art.111 do CTN, segundo a qual as normas relativas a isenção devem ser interpretadas literalmente e, diante dessa previsão legal, muitas têm sido as situações em que o contribuinte tem ido ao poder judiciário questionar tal regra de hermenêuticas que, em alguns casos, notadamente nos casos de isenções subjetivas, têm gerado situações de flagrante inconstitucionalidade. O trabalho inicialmente aborda o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos para se afastar a aplicação literal do art 111, analisando o seu conceito, a sua abrangência e sua natureza jurídica de princípio-norma constitucional ao qual devem observância às demais normas infraconstitucionais, inclusive, as tributárias, para depois descer a análise do instituto da isenção com foco nas regras de interpretação tributárias previstas no Código Tributário Nacional. Através de pesquisa bibliográfica, analisou-se à luz da doutrina tributária, bem com da jurisprudência dos tribunais superiores, a aplicação do art.111, nos casos de isenção subjetiva para se admitir a possibilidade de interpretação extensiva das normas que concedem isenção subjetiva, como forma de se coadunar o referido dispositivo tributário à Constituição Federal de nosso país.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO   O presente artigo tem por objetivo aprofundar o estudo do tema isenção tributária, abordando o método de interpretação tributária previsto no CTN para esse tipo de causa de exclusão do crédito tributário.  O preceito contido no art. 111 do CTN apesar de parecer não comportar muitas discussões no âmbito da legislação tributária, se analisado à luz da Constituição Federal, notadamente dos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, poderá revelar algumas possibilidades de relativização, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. A interpretação conforme a Constituição se constitui, portanto, num mecanismo de controle, eis que sua principal função é assegurar um razoável grau de constitucionalidade das normas no exercício de interpretação das leis. E, nesse caso, tem-se a lei em sentido amplo, situação em que podemos encaixar a legislação tributária como um todo. O que se propõe discutir nesse trabalho é o grau de aplicabilidade do art.111 do CTN que determina que as isenções em matéria tributária devam ser interpretadas literalmente, ou seja, veda-se a possibilidade de concessão dessa causa de exclusão do crédito tributário por analogia ou interpretação extensiva. Durante muito tempo, os nossos tribunais aplicaram esta regra de forma absoluta, não acatando pleitos judiciais em que se buscavam a extensão de determinadas isenções a casos semelhantes ou ainda que inteiramente iguais, do ponto de vista ontológico e, por vezes, até científicos, notadamente, nos casos em que a isenção era concedida a determinadas pessoas ou indivíduos portadores de necessidades especiais ou de determinadas moléstias graves ou doenças incuráveis, em virtude das quais se concediam isenções tributárias para a aquisição de determinados bens e serviços, a exemplo do IPVA e do ICMS quando da aquisição de um veículo automotor, que se analisadas à luz do princípio da isonomia constitucional ou da dignidade da pessoa humana, estariam a autorizar a extensão dos efeitos daquela isenção a um caso semelhante ou análogo, relativizando-se, portanto, a regra insculpida no art.111 do CTN em comento. Entretanto, interpretar conforme a Constituição não significa alterar o conteúdo da lei. Até mesmo porque, se assim fosse, tratar-se-ia de uma intervenção extremamente drástica na esfera de competência do legislador – mais drástica do que a própria declaração de nulidade dessa mesma lei.  Assim sendo, como e quais seriam os balizamentos para, à luz do caso concreto, estender-se uma isenção tributária em casos como o acima narrado, não se aplicando o art.111 do CTN, sob pena de se ferir de morte o princípio da isonomia e da dignidade da pessoa humana, então aplicáveis a todo o ordenamento jurídico, inclusive o tributário. É a isso que se propõe, portanto, o presente artigo, que parte da análise do conteúdo histórico do princípio da dignidade da pessoa humana para se debruçar sobre o estudo da interpretação das isenções tributárias, tudo à luz da nossa Constituição Federal. 1. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: INDIVIDUALISMO, TRANSPERSONALISMO E PERSONALISMO. Assente é, na moderna doutrina constitucional, que a Constituição é uma norma jurídica e não uma norma qualquer, mas a primeira entre todas, lex superior, que, em virtude de sua supremacia, erige-se como parâmetro de validade e, por conseguinte, de eficácia, das demais normas jurídicas do sistema, inexistindo, portanto, como já asseverava Rui Barbosa, cláusulas ociosas, com mero valor de conselhos, avisos ou lições. A Constituição Federal, portanto, é, antes de mais nada, uma norma, e como tal vincula e obriga a todos que estão abaixo dela, inclusive todo o ordenamento jurídico que lhe subjaz. Nesse sentido, o princípio da dignidade humana, então previsto expressamente em nossa Constituição Federal, é por ela erigido a condição de princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art.1º, III, CF/88). Assim sendo, deve servir de base para a construção da sociedade brasileira e para a elaboração e interpretação das normas criadas para esse fim.  Utilizando-se da terminologia empregada por Miguel Reale, constatamos, historicamente, a existência de, basicamente, três concepções da dignidade da pessoa humana: individualismo, transpersonalismo e personalismo.  Caracteriza-se o individualismo pelo entendimento de que cada homem, cuidando dos seus interesses, protege e realiza, indiretamente, os interesses coletivos. Seu ponto de partida é, portanto, o indivíduo. Tal juízo da dignidade da pessoa humana, por demais limitado, característico do liberalismo ou do “individualismo-burguês, compreende um modo de entender-se os direitos fundamentais. Estes serão, antes de tudo, direitos inatos e anteriores ao Estado, e impostos como limites à atividade estatal, que deve, pois, se abster, o quanto possível, de se intrometer na vida social. São direitos contra o Estado. Denominam-se-lhes, por isso, direitos de autonomia e direitos de defesa. Redunda, ainda, como advertem Reale e Canotilho, num balizamento da compreensão e interpretação do Direito e, a fortiori, da Constituição. Assim, interpretar-se-á a lei com o fim de salvaguardar a autonomia do indivíduo, preservando-o das interferências do Poder Público. Ademais, num conflito indivíduo versus Estado, privilegia-se aquele.  Já com o transpersonalismo, temos o contrário: é realizando o bem coletivo, o bem do todo, que se salvaguardam os interesses individuais; inexistindo harmonia espontânea entre o bem do indivíduo e o bem do todo, devem preponderar, sempre, os valores coletivos. Nega-se, portanto, a pessoa humana como valor supremo. Enfim, a dignidade da pessoa humana realiza-se no coletivo.  Consectárias desta corrente serão as concepções socialista ou coletivista, do qual a mais representativa será, sem dúvida, a marxista. Com efeito, para Marx, os direitos do homem apregoados pelo liberalismo não ultrapassam “o egoísmo do homem, do homem como membro da sociedade burguesa, isto é, do indivíduo voltado para si mesmo, para seu interesse particular, em sua arbitrariedade privada e dissociado da comunidade”. Distinguindo os direitos dos homens dos direitos do cidadão, aqueles nada mais são que os direitos do homem separado do homem e da comunidade. Conseqüência lógica será uma tendência na interpretação do Direito que limita a liberdade em favor da igualdade, que tende a identificar os interesses individuais com os da sociedade, que privilegia estes em detrimento daqueles.  A terceira corrente, que ora se denomina personalismo, rejeita quer a concepção individualista, quer a coletivista; nega seja a existência da harmonia espontânea entre indivíduo e sociedade, resultando, como vimos, numa preponderância do indivíduo sobre a sociedade, seja a subordinação daquele aos interesses da coletividade. Marcante nesta teoria, em que se busca, principalmente, a compatibilização, a interrelação entre os valores individuais e valores coletivos, é a distinção entre indivíduo e a pessoa. Se ali, exalta-se o individualismo, o homem abstrato, típico do liberalismo-burguês, aqui, destaca-se que ele não é apenas uma parte. Como uma pedra-de-edifício no todo, ele é, não obstante, uma forma do mais alto gênero, uma pessoa, em sentido amplo – o que uma unidade coletiva jamais pode ser. Em conseqüência, não há que se falar, aprioristicamente, num predomínio do indivíduo ou no predomínio do todo. A solução há de ser buscada em cada caso, de acordo com as circunstâncias; solução que pode ser a compatibilização entre os mencionados valores, fruto de uma ponderação na qual se avaliará o que toca ao indivíduo e o que cabe ao todo, mas que pode, igualmente, ser a preeminência de um ou de outro valor. Porém, se se defende, como Lacambra, que “não há no mundo valor que supere ao da pessoa humana”, a primazia pelo valor coletivo não pode, nunca, sacrificar, ferir o valor da pessoa, seja no âmbito privatístico ou público, a exemplo do administrativo e do tributário. A pessoa é, assim, um minimun, ao qual o Estado, ou qualquer outra norma, valor ou instituição não pode ultrapassar. Neste sentido, defende-se que a pessoa humana, enquanto valor, e o princípio correspondente, de que aqui se trata, é absoluto, e há de prevalecer, sempre, sobre qualquer outro valor ou princípio. Parece evidente que esta última postura se revela tão perigosa quanto o transpersonalismo que sobrepõe o coletivo ao individual. Em verdade, não há coletivo sem individual e este individual deve ser respeitado pelas normas em vigor, tanto quanto o coletivo deve por estas mesmas normas ser protegido, porém, o grande balizamento para esse equilíbrio deverá ser a proporcionalidade e a ponderação dos interesses constitucionais. Mesmo tratando o Direito Tributário do que é coletivo, não se pode olvidar em alguns casos a prevalência do indivíduo, sobretudo, nos casos em que se onera sobremaneira o indivíduo para garantir arrecadação em casos em que a atividade exacionista se sobrepõe à razoabilidade da aplicação das normas, por se perder entre normas frias que precisam ser interpretadas à luz da Constituição Federal e dos valores, portanto, que ela apregoa, a exemplo da dignidade da pessoa humana. 1.1 A igualdade entre os homens A consagração da dignidade da pessoa humana, como visto, implica em considerar-se o homem, com exclusão dos demais seres, como o centro do universo jurídico. Esse reconhecimento, que não se dirige a determinados indivíduos, abrange todos os seres humanos e cada um destes individualmente considerados, de sorte que a projeção dos efeitos irradiados pela ordem jurídica não há de se manifestar, a princípio, de modo diverso ante a duas pessoas. Daí seguem-se duas importantes conseqüências. De logo, a de que a igualdade entre os homens representa obrigação imposta aos poderes públicos, tanto no que concerne à elaboração da regra de direito (igualdade na lei) quanto em relação à sua aplicação (igualdade perante a lei). Necessária, porém, a advertência de que o reclamo de tratamento isonômico não exclui a possibilidade de discriminação, mas sim a de que esta se processe de maneira injustificada e desarrazoada. Assim bem explanou CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, em excelente monografia[1] corroborado pelos ensinamentos de CARMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA[2]. Em segundo lugar, emerge a consideração da pessoa humana como um conceito dotado de universalidade. Inviável, portanto, qualquer distinção de direitos entre os nacionais e estrangeiros, salvo quanto àqueles vinculados ao exercício da cidadania. Assim é que deve ser entendido o caput do art. 5º da Lei Maior, de maneira que a titularidade dos direitos que enuncia se volte a todos aqueles que se encontrem vinculados à ordem jurídica brasileira, deles não se podendo privar o estrangeiro só pelo fato de não residir em solo pátrio. Seria, verbi gratia, inadmissível o não conhecimento pela jurisdição de habeas corpus, impetrado em favor de alienígena que esteja de passagem pelo território nacional, em virtude de neste não manter residência. Sem razão JOSÉ AFONSO DA SILVA[3] quando propõe que a limitação dos destinatários dos direitos individuais pelo Constituinte de 1988, a exemplo das cláusulas constantes nas constituições pretéritas, há de acarretar conseqüências normativas. Melhor se nos afigura a postura assumida por PONTES DE MIRANDA,[4] ainda quando vigente o art. 153, caput, da Constituição de 1969, e, nos dias atuais, por CELSO RIBEIRO BASTOS[5] e NAGIB SLAIBI FILHO[6]. Mas essa universalidade não deve ser entendida apenas no seu aspecto subjetivo, ou seja, no tocante ao alcance de todos os indivíduos pela simples condição de serem seres humanos, mas também numa dimensão objetiva no sentido de que possam ser opostos também universalmente aos institutos normativos que, eventualmente, possam ser criados ou interpretados em descompasso com a garantia do respeito à dignidade da pessoa humana, a exemplo, inclusive, de algumas normas e regras de interpretação da norma tributária, como a prevista no art.111 do CTN que preceitua a interpretação literal das normas de isenção, o que, à luz do caso concreto, sobretudo, em se tratando de uma isenção subjetiva, poderá revelar uma situação de tratamento não isonômico e, portanto, em descompasso com a dignidade da pessoa humana. Num privilégio excessivo da norma em face de um valor maior que é a própria pessoa, melhor dizendo, a sua dignidade enquanto pessoa humana. 1.2 A constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana No plano jurídico, a valorização da noção da dignidade humana está intimamente ligada aos movimentos constitucionalistas modernos, sobretudo, ao constitucionalismo francês e ao americano. Embora ao longo da história sejam encontradas algumas manifestações axiológico-constitucionais destinadas à finalidade de organização da estrutura do poder e algumas até de defesa da liberdade individual, o constitucionalismo somente se avulta significativamente com o advento das Cartas da segunda metade do século XVIII, sob influência das Revoluções Burguesas, do Contratualismo e do Iluminismo . A constituição moderna, de caráter nitidamente liberal, surgiu com a finalidade de declarar direitos, de fundamentar a organização do governo e de limitar o poder político, limitação essa que era o maior anseio dos mentores burgueses setecentistas. Parece evidente, nesse sentido, que na grande maioria dos países em que o movimento constitucionalista eclodiu como uma forma de proteção dos direitos e garantias fundamentais, o tema tributação sempre foi um dos motes mais fortes dentro das revoluções constituicionais. Nessa senda protetiva, o valor moral da dignidade da pessoa humana foi consagrado como valor constitucional na Declaração de Direitos de Virgínia, que precedeu a Constituição americana de 1787, e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que resultou da Revolução Francesa. Neste aspecto, ambos os documentos se fundamentavam nas doutrinas de LOCKE, MONTESQUIEU e ROUSSEAU influenciadas pela noção humanista de reserva da integridade e da potencialidade do indivíduo . Com o passar do tempo, a figura da Constituição, nas suas principais aparições, preservou o provimento à dignidade humana e englobou gradativamente outros valores e outros desideratos mais amplos do que aqueles iniciais, assumindo a função de garantia dos interesses sociais e de limitação do poder econômico até adquirir, nos tempos atuais, um caráter programático e democrático voltado para a concretização dos valores por ela enunciados. Apesar de ser possível sua dedução dos textos constitucionais mais antigos que tutelavam as liberdades fundamentais, a expressa positivação do ideal da dignidade da pessoa humana é bastante recente. Com algumas exceções, somente após sua consagração na Declaração Universal da ONU de 1948 é que o princípio foi expressamente reconhecido na maioria das Constituições . Ressalte-se que, embora inegável a importância do reconhecimento expresso do princípio para a afirmação do ideal, esse recente movimento de sua positivação na ordem constitucional não é pioneiro na criação da obrigatoriedade da proteção da dignidade, já que essa necessidade já era patente, mesmo que implicitamente, nos movimentos anteriores, notadamente a partir daquele constitucionalismo do século XVIII. No Brasil, país cuja trajetória constitucional foi bastante conturbada e cuja realidade política esteve sempre sob o jugo de períodos ditatoriais poucas vezes atenuados, o ideal de proteção da dignidade da pessoa humana somente foi reconhecido formalmente na ordem positiva com a promulgação da Constituição de 1988. O advento da nossa Constituição foi louvável tanto em razão de seus nobres objetivos quanto por sua natureza compromissória e sincrética de inspiração democrática. O texto constitucional consagrou o valor da dignidade da pessoa humana como princípio máximo e o elevou, de maneira inconteste, à uma categoria superlativa em nosso ordenamento, na qualidade de norma jurídica fundamental. 2. HERMENÊUTICA MODERNA E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS Em Robert Alexy (2007), a teoria dos princípios — e a distinção entre princípios e regras — constitui o marco de uma teoria normativa-material dos direitos fundamentais e, com ela, o ponto de partida para responder à pergunta acerca da possibilidade e dos limites da racionalidade no âmbito destes direitos. E será, por conseguinte, a base da fundamentação jusfundamental e a chave para a solução dos problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. Assim, sem uma perfeita compreensão desta distinção, própria da estrutura das normas de direito fundamental, é impossível formular-se uma teoria adequada dos limites dos direitos fundamentais, quanto à colisão entre estes e uma teoria suficiente acerta do papel que eles desempenham no sistema jurídico. Para Robert Alexy (op.cit; 2007) , o ponto decisivo para distinção entre regras e princípios é que estes são mandados de otimização, isto é, são normas que ordenam algo que deve ser realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento depende não somente das possibilidades reais mas também das jurídicas. Por sua vez, as regras são normas que somente podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então, há de fazer-se exatamente o que ela exige, nem mais, nem menos. Elas contêm, pois, determinações, no âmbito do fática e juridicamente possível. Isto significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa, e não apenas de grau. Onde, porém, a distinção entre regras e princípios se mostra mais claramente se dá nas colisões de princípios e no conflitos de regras. Embora apresentem um aspecto em comum — o fato de duas normas, aplicadas independentemente, conduzem a resultados incompatíveis — diferenciam-se, fundamentalmente, na forma como se soluciona o conflito. Assim, os conflitos de regras se resolvem na dimensão de validez. Ou seja, somente podem ser solucionados introduzindo-se uma regra de exceção, debilitando o seu caráter definitivo, ou declarando-se inválida, pelo menos, uma das regras. Com efeito, uma norma vale ou não vale juridicamente. E se ela vale e é aplicável a um caso, significa que vale também sua conseqüência jurídica. Daí que o conflito entre duas regras há de ser solucionado por outras regras, como “lex posterior derogat legi priori” e “lex specialis derogat legi generali”. De sua banda, a colisão de princípios se resolve na dimensão de peso, tal como o expressa Ronald Dworkin (2006). Quando dois princípios entram em colisão — por exemplo, se um diz que algo é proibido e outro, que é permitido —, um dos dois tem que ceder frente ao outro, porquanto um limita a possibilidade jurídica do outro. O que não implica que o princípio desprezado seja inválido, pois a colisão de princípios se dá apenas entre princípios válidos. Quanto à sua natureza, as normas jurídicas possuem as características de coercitividade e de imperatividade, características essas que as diferenciam das normas não-jurídicas (como as normas de ordem moral – meramente sugestivas). Os princípios de direito, e notadamente os princípios constitucionais, são equiparados a normas jurídicas no tocante a essas características de coercitividade e de imperatividade. Por isso, não são meros ditames de obediência contingente ou facultativa, mas sim normas jurídicas de aspecto principiológico e dotadas de poder vinculante. As normas constitucionais (regras e princípios) compartilham desse poder vinculante e dessa característica de imperatividade de que são dotadas as normas jurídicas “latu sensu” . E mais; em âmbito constitucional, essa coercitividade se expressa num grau ainda mais contundente do que nas outras normas jurídicas, já que as regras e os princípios constitucionais, mais que meras normas jurídicas, são normas jurídicas de hierarquia superlativa, submetendo todo o conjunto normativo inferior às suas disposições expressas e aos desígnios dos valores consagrados em seu bojo, mesmo que implícitos. Ademais, essa submissão perante às normas constitucionais, mesmo que programáticas, não vincula somente o ordenamento normativo enquanto sistema teórico, mas – mais que isso – vincula todos seus efeitos práticos , na medida do alcance dos efeitos do Direito na realidade, e como esse alcance deve ser máximo, os efeitos das normas constitucionais tornam-se, necessariamente, bastante amplos. Encontra-se aqui a base teórica para a construção do raciocínio de que mesmo as normas tributárias que estão relacionadas à coletividade, pela arrecadação tributária e sua reversão para as demandas públicas fundamentais de saúde, educação, segurança et alli, estão amplamente subordinadas aos consectários constitucionais fundamentais, a exemplo da dignidade da pessoa humana, não podendo uma norma tributária, sob o argumento de garantir a arrecadação, infringir tal preceito seja na sua criação ou na sua interpretação e conseguinte aplicação. Logo, a partir dessa constatação, é possível se verificar a necessária abrangência dos efeitos das regras e princípios constitucionais que se projetam em toda realidade, inclusive além dos âmbitos estritamente normativos ou jurídicos, como, por exemplo, na atividade econômica e na atividade política “latu sensu” (processo legislativo, atividades de governo, efetivação de políticas públicas etc). E é nos casos práticos que a afirmação do caráter dirigente da Constituição revela sua importância e seu significado mais salientes, na medida que todo o desenvolvimento da sociedade passa a ser submetido aos valores de ordem constitucional. Assim, uma das conseqüências práticas desse reconhecimento é que diretrizes como, por exemplo, a proteção da dignidade humana deixam de ser meras sugestões filosófico-axiológicas para se tornarem imperativos fáticos em toda amplitude do Direito projetado na sociedade. Se, no âmbito dos princípios os problemas de aparente incompatibilidade podem ser resolvidos pela razoabilidade, o que se pode dizer quando ocorrer um conflito entre uma norma e um princípio constitucional. Notadamente, entre uma norma-princípio criadora e norteadora doutras normas como o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e a legislação tributária, notadamente o CTN, o seu art.111, parece que a solução deverá ser de interpretar a referida legislação conforme a constituição adequando, no caso concreto, o rigor da norma tributária aos ditames constitucionais. 3. A HERMENÊUTICA TRIBUTÁRIA: OS CRITÉRIOS DO CTN O CTN consagra o Capítulo IV do Título I de seu Livro Segundo ao assunto “Interpretação e Integração da Legislação Tributária”. Seus dispositivos, todavia, não esgotam nem pretendem esgotar (o que seria impossível) o assunto. Em verdade, conquanto o art. 107 do Código afirme que “a legislação tributária será interpretada conforme o disposto neste Capítulo”, o CTN inteiro somente traz umas poucas regras específicas de interpretação, tratando de forma completa apenas da denominada “integração da legislação tributária”. A interpretação jurídica é um dos objetos da ciência conhecida como hermenêutica. Podemos definir hermenêutica jurídica como a ciência que tem por objeto o estudo da sistematização dos processos lógicos de interpretação, integração e aplicação do Direito. Busca, portanto, apurar o verdadeiro sentido e o alcance dos textos legais a fim de possibilitar sua correta aplicação. Todas as leis, sem exceção alguma, necessitam de interpretação. É considerada absolutamente ultrapassada a idéia medieval de que somente as normas jurídicas obscuras ou duvidosas poderiam ser objeto de interpretação. Consubstanciava-se essa tese no brocardo “in claris cessat interpretatio”, que pode ser traduzido como “disposições claras não comportam interpretação”, repita-se, há muito superada. Estamos no patamar da interpretação infraconstitucional. A diferença entre interpretação e integração, está em que na interpretação o intérprete visa estabelecer premissas para o processo de aplicação da norma com recursos na argumentação retórica dentro do sentido possível do texto. Na integração o operador do direito se vale de argumento de ordem lógica, como a analogia o argumento a contrário, bem como os previstos no art. 108 do CTN, sob uma perspectiva que está fora da possibilidade expressiva do texto da norma. Para Ricardo Lobo Torres( 2006) a própria afirmativa da existência de lacuna ou do espaço ajurídico e da possibilidade do emprego da analogia ou do argumento a contrário constitui um problema de interpretação. Para ele o CTN trouxe mais problemas do que soluções ao tentar distinguir a interpretação da integração. Nem toda ausência de disposição expressa justifica a aplicação dos métodos de integração previstos no art. 108, se a questão for irrelevante, a carência de regulamentação será mero espaço ajurídico, insuscetível de preenchimento, porém, se a lacuna caracterizar-se como uma incompletude insatisfatória do direito, uma vez que contrária a relevantes valores jurídicos, aí assim serão aplicados os métodos de integração previstos no art. 108 do CTN. A saber: Art. 108- I – ANALOGIA – Aplica-se ao caso emergente, para o qual não existe previsão legal, a norma estabelecida para hipótese semelhante. Art. 108, IV – EQÜIDADE – Aristóteles tratou da eqüidade como correção em sua Ética a Nicômaco. O eqüitativo e o justo têm a mesma natureza. A diferença está em que o eqüitativo é o justo que extrapola ao justo legal, visa a colmatação dos casos singulares não previstos em lei cuja falta ou ausência decorre da própria natureza das coisas. Para Ricardo Lobo Torres (2006) a remissão prevista no art. 172, IV do CTN deveria estar vinculada à integração por eqüidade prevista no inciso IV do art. 108 do CTN. Art. 108, § 1º – PROIBIÇÃO DE ANALOGIA GRAVOSA – A proibição da analogia gravosa é decorrência direta do princípio da legalidade tributária, art. 150, I da CF. Muito já se disse que esta proibição de analogia guarda similitude com o Direito Penal (nullum crimen sine lege), porém enquanto o Direito Penal procura inibir certas condutas, o Direito Tributário se interessa pela realização do fato gerador. Analogia e normas antielisivas – O exagero na investigação do abuso de forma jurídica e na declaração de ilicitude da elisão podem mascarar o raciocínio analógico. Ate mesmo a interpretação teleológica e a pesquisa do conteúdo econômico dos fatos podem escamotear o emprego de analogia. Ver. art. 116, parágrafo único CTN, que na verdade não consagra o uso de analogia, porquanto tem como referencial o fato gerador ocorrido e previsto em lei, não podendo ser aplicado por extensão analógica a outro fato não previsto em lei. Art. 108, § 2º – PROIBIÇÃO DE EQÜIDADE – O parágrafo em questão há que dialogar (revela uma antinomia) com o art. 172, IV que prevê a remissão de crédito tributário por consideração de eqüidade, caso típico segundo Ricardo Lobo Torres, de correção por eqüidade. Art. 109 CTN – A questão da autonomia do Direito Tributário é ponto decisivo dos debates em torno deste artigo. Porém, o direito é uno, nenhum ramo do direito é inteiramente autônomo, podendo apenas assumir certas peculiaridades próprias das relações jurídicas de cada ramo. Para Sacha Calmon Navarro Coêlho (2006) este artigo visa reprimir o abuso de formas, permitindo ao legislador (somente ao legislador!), por exemplo, equiparar a contrato de locação, para fins de imposto de renda (em que o aluguel é tributado), um contrato de comodato (cessão de uso gratuita), salvo se entre parentes. O artigo quer evitar os chamados “negócios jurídicos indiretos”, para que o particular não evite a tributação dizendo “comodato” onde existe na verdade uma locação. O legislador fiscal não deforma o conteúdo e o alcance dos institutos conceitos e formas de direito privado, apenas que lhes atribui efeitos fiscais. Sacha Calmon (2006) defende que mesmo nos dispositivos contra-elisivos (art. 116, parágrafo único) ou contra-evasivos (art. 149, VII e 150, § 4º), deve-se permitir ao contribuinte a defesa para que possa provar que os seus objetivos são legais e fidedignos. Ex: segundo ele não pode haver uma presunção de que o comodato é um contrato inoponível à receita federal pois que visa ocultar a percepção de alugueres (renda tributável). O direito tributário importa o instituto com a conformação que lhe dá o direito privado, sucessão causa mortis, compra e venda, locação, fusão de sociedades são conceitos postos no direito privado, porém, por exemplo no direito privado o contrato faz lei entre as partes e já no direito tributário as convenções particulares são inoponíveis ao fisco (art. 123 CTN), ou seja, os efeitos tributários do instituto de direito privado (contrato) são distintos de acordo com o ramo do direito a ser aplicado. Para Luciano Amaro, o silêncio da lei tributária significa que o instituto foi importado pelo direito tributário sem qualquer ressalva. Se o direito tributário quiser determinar alguma modificação nos efeitos tributários há que ser feita de modo expresso. Art. 110 CTN – Segundo Sacha Calmon Navarro Coêlho, o artigo veda que o legislador infraconstitucional possa alterar conceitos e institutos de direito privado, com o fito de expandir a sua competência tributária prevista no Texto Constitucional. O objetivo é preservar a rigidez do sistema na repartição das competências tributárias aos entes da federação. Segundo Luciano Amaro (2007) é preceito dirigido ao legislador e não ao intérprete jurídico. É matéria tipicamente de definição de competência tributária. Explicita que o legislador não pode expandir o campo de competência tributária que lhe foi atribuído, mediante o artifício de ampliar a definição, o conteúdo ou o alcance de institutos de direito privado. Art. 112 CTN – Para Sacha Calmon Navarro Coêlho (2006) este artigo possui uma redação de inspiração juspenalista porquanto consagra o in dubio pro contribuinte (interpretação benigna) na aplicação das matérias atinentes à infrações e penalidades. Ele defende a tese de que este artigo não é antinômico com o art. 136 que trata da objetividade do ilícito tributário, é que lá cuida-se da capitulação do ilícito, e aqui da sua interpretação no julgamento pelos órgãos administrativos e judiciais, onde fica patente a necessidade da pesquisa do elemento subjetivo. Eis o panorama da interpretação tributária no Brasil. 4. A ISENÇÃO TRIBUTÁRIA E O ART.111 DO CTN Com escopo de situar no tempo a temática da isenção e da imunidade tributárias, vamos identificar uma doutrina tradicional – que chamaremos de doutrina clássica –, a qual parece ter influenciado de maneira decisiva a feitura do Código Tributário Nacional – CTN (lei 5.172/66). Possivelmente, o seu maior nome é o saudoso professor Rubens Gomes de Souza. Definia o referido professor (2000; p.180) a incidência tributária como sendo “a situação em que o tributo é devido por ter ocorrido o fato gerador” . Noutro giro, entendia a não-incidência como justamente o oposto da incidência, vale dizer, ausência do surgimento da relação jurídico-tributária em face da não ocorrência do respectivo fato gerador. Para ele, isenção significa o favor fiscal, instituído em lei, consistente na dispensa do pagamento do tributo devido. Portanto, na sua percepção, a dinâmica do fenômeno isentivo seria: ocorrência do fato gerador, incidência tributária, nascimento da obrigação e dispensa do pagamento do tributo devido. Está-se a ver que, numa linha de pensamento dessa natureza, a isenção é tida como instituto totalmente diverso da não-incidência tributária. Assim é que aludido pensamento fez escola, a ponto de o legislador do CTN adotar como epígrafe do “capítulo V” a expressão “exclusão do crédito tributário” e proclamar no seu art. 175 que a isenção exclui, ao lado da anistia, o crédito tributário. Rubens Gomes de Souza (2000) divide as isenções em subjetivas (aquelas que levam em linha de conta a pessoa do sujeito passivo) e objetivas (deferidas em atenção à natureza do ato, fato ou negócio sujeito ao tributo). Sendo tal distinção de grande importância para a discussão do tema proposto, pois é com base nessa diferença que se estabelecerá um dos parâmetros para se fugir a gramática do art.111 do CTN que prevê a interpretação literal das normas sobre concessão de isenção tributária. Com a publicação do livro “Isenções Tributárias”, de autoria do Professor Souto Maior Borges que a teoria tradicional sofrerá o abalo definitivo. A primeira grande contribuição de Souto é a tentativa de conceituação correta da isenção e da imunidade. Afastando a idéia de que tais institutos consistem em limitação da competência tributária, esclarece que “a competência tributária consiste, pois, numa autorização e limitação constitucional para o exercício do poder tributário.”. “A imunidade é um princípio constitucional de exclusão da competência tributária” Segundo leciona, a isenção deve ser percebida na sua feição mais geral de não-incidência. Assim, busca evidenciar duas espécies de não-incidência: a pura e simples (“a que se refere a fatos inteiramente estranhos à regra jurídica de tributação, a circunstâncias que se colocam fora da competência do ente tributante” e a qualificada (“divida em duas subespécies: a) não-incidência por determinação constitucional ou imunidade tributária; b) não-incidência decorrente de lei ordinária – a regra jurídica de isenção” ). Partindo da constatação de que a ausência da menção de fatos ou conjuntos de fatos na tessitura da hipótese de incidência da regra tributária impede o nascimento da obrigação tributária, rechaça a tese tradicional da isenção como dispensa legal do pagamento do tributo devido. Noutro giro, também opõe sérias objeções a tal doutrina, afirmando que, a tese da dispensa legal do pagamento, supõe um a posteriori lógico e cronológico do incidir da norma isentiva, o que configura evidente contra-senso, pois se a norma exonerativa estivesse em contradição com a tributante, a solução plausível seria a exclusão de ambas do mundo jurídico, em virtude do princípio jurídico da contradição, vale dizer, normas conflitantes se excluem mutuamente. Por derradeiro, vejamos o pensamento de Sacha Calmon (2006) acerca do tema. De logo, avulta ressaltar que o douto professor acolhe as críticas que são desferidas contra a doutrina clássica. A distância que o separa das formulações de Souto Borges e Paulo de Barros Carvalho residente precisamente na circunstância de que o mesmo nega a existência de uma norma jurídica isencional. Sacha Calmon (op.cit.) observa, inicialmente, que, na composição da hipótese de incidência de qualquer norma jurídica, entram várias leis ou artigos de leis. Aduzindo, em seguida, que “a norma jurídica surge da proposição da ciência que descreve o direito, sob a forma de juízo hipotético (…) desvendando a lei que é a “fórmula legislativa literal” através da qual, por um ato de vontade, o direito é posto, vige e vale.” Fundado nesses pressupostos, conclui que os casos de isenção, tanto quanto os de imunidades, não constituem norma jurídica autônoma, mas tão-só integram o desenho da hipótese de incidência tributária, ou seja, delimitam o âmbito de incidência da norma, gizando os lindes dos fatos que sofrerão a incidência da norma tributante. Assim sendo, a competência tributária deve ser compreendida como o conjunto de faculdades legislativas e proibições atribuídas constitucionalmente ao ente tributante, donde constitui equívoco pretender que a imunidade erige-se em limitação daquela competência, é limitação do poder de tributar, não da competência tributária, esta é apenas parcela de poder tributante que o ente possui e que decorre das limitações introduzidas a nível constitucional. Haja vista que as isenções heterônomas são medidas excepcionais no sistema da Constituição vigente, a isenção, de regra, poderá ser concebida como autolimitação da competência tributária. A não-incidência pura e simples representa o conjunto de fatos que são, por natureza, totalmente incompatíveis com o fato gerador do tributo, enquanto as situações de não-incidência qualificada (imunidade e isenção) abarcam fatos que, não fosse previsão normativa expressa na Constituição ou na lei, conforme o caso, integrariam o suporte fático da norma tributante, vale dizer, a isenção e a imunidade colhem fatos que estariam naturalmente abrangido pela tributação, em face da compatibilidade que guardam com os fatos tributáveis. Sendo caso de não-incidência, a isenção obsta o surgimento do liame obrigacional, razão pela não se opera qualquer exclusão do crédito do crédito tributário, assim é de se catologar à conta de impropriedade vocabular do legislador o insculpido no art. 175 do CTN. Arremata, nesse sentido, o Prof. Leandro Paulsen (2007:1229) “A isenção exclui o crédito tributário, nos termos do art.175, caput. Ou seja, surge a obrigação, mas o respectivo crédito não será exigível; logo, o cumprimento da obrigação resta dispensado.” O notável professor Paulsen (2007:1130) complementa aduzindo que: “A isenção decorre, sempre, de lei que regule exclusivamente a matéria ou o correspondente tributo, conforme exigência expressa do art. 150, §6º, da Constituição Federal. A não-incidência, por sua vez, decorre da simples ausência de subsunção do fato em análise à norma tributária impositiva e, por isso, independe de previsão legal, o que, aliás, seria impertinente.” Entendemos, portanto, que a formulação mais completa é a do professor Sacha Calmon, pois a isenção e a imunidade entendem com a delimitação do campo de incidência da norma tributária. Demais, o sobredito mestre, fundamenta sua construção teórica em estrita consonância com as categorias colhidas ao nível da Teoria Geral do Direito. Aliás, tanto o modelo proposto por Souto Borges quanto por Paulo de Barros Carvalho têm por conseqüência limitar o âmbito de incidência da regra jurídica tributante. 4.1 A interpretação literal da isenção tributária Assim preceitua o art. 111 do CTN, abaixo transcrito: “Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:I – suspensão ou exclusão do crédito tributário;II – outorga de isenção;III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.” (grifos nossos)
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Da inconstitucuionalidade dos atos normativos oriundo do protocolo ICMS 21 e tendência jurisprudencial no STF
O presente artigo analisa os aspectos legais do Protocolo ICMS 21 que prevê alteração da base de cálculo do ICMS nas operações interestaduais quando se trate de consumidor final, bem como da evolução e tendência jurisprudencial sobre a temática.
Direito Tributário
Introdução O Protocolo ICMS 21, de 1º de abril de 2011, onde alguns Estados da Federação são signatários, envolvendo as regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, instituiu a cobrança do ICMS nas operações interestaduais em que o adquirente é o consumidor final, e adquire o bem de forma não presencial, isto é, por meio de internet, telemarketing, ou showroom. Dentre os considerandos do citado Protocolo estão: a sistemática atual do comércio mundial com a aquisição de mercadorias de forma remota; o aumento da modalidade do tipo de comércio não presencial, deslocamento das operações comerciais com consumidor final, não contribuinte de ICMS; imposto que envolve o consumo, cuja repartição tributária deve observar sua natureza, e; finalmente, destaca o aumento do comércio virtual, persistindo a tributação apenas na origem, não se coadunando com a essência principal do imposto estadual, não preservando a repartição do produto de arrecadação dessa operação entre as unidades federadas de origem e destino. A Constituição Federal, de forma um tanto detalhada, traz um verdadeiro arsenal de regras do ICMS, imposto atribuído aos Estados pela União, talvez por isso alvo de uma série de medidas judiciais tendentes ao menos a aliviar a famigerada guerra fiscal vez que patente a falta de regulamentação mais eficiente por parte da União. Os benefícios fiscais concedidos por isenção ou renúncia de ICMS buscam atrair o investimento de capital privado, mesmo que utilizada para fins politiqueiros pelo gestor responsável, sem um embasamento ou estudo acerca da consequência nas finanças do Estado. O Protocolo ICMS 21 é reflexo da postura cada vez mais crescente e, equivocada frise-se, da natureza extrafiscal do ICMS, ao tentar aplacar o déficit fiscal que assola os Estados mais pobres. Em virtude da autonomia financeira e tributária gozada pelos Estados, a adoção de políticas públicas embasadas em políticas de benefício fiscal necessitam atender à Lei Complementar nº 24/1975, segundo a qual a concessão de benefícios fiscais relativos ao ICMS dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados. O art. 155, parágrafo 2º, XII, g, preceitua: Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…) XII – cabe à lei complementar: (…) g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.     Assim, num comando tendente a combater a guerra fiscal, um Estado ou Distrito Federal, não pode, de forma unilateral, mesmo que por lei formalmente elaborada, conceder isenções, incentivos ou benefícios fiscais quaisquer que culminem com a desoneração do ICMS. No entanto, o Protocolo ICMS 21 não está a tratar de isenções ou incentivos, não se podendo alegar como em já decidido em inúmeros julgados do STF ofensa ao art. 155, parágrafo 2º, XII, g, da Carta Magna. O Protocolo alterou a forma de apuração e recolhimento do ICMS nas vendas para os Estados que passaram a exigir o pagamento do tributo de forma diferenciada. 2. Regra de comércio eletrônico anterior ao Protocolo ICMS 21 Operações que envolvam o comércio eletrônico entre Estados distintos onde o consumidor final, não contribuinte, o ICMS cabe integralmente ao Estado de origem da operação, que cobrará o imposto pela sua alíquota interna, em regra, maior que a interestadual (art. 155, parágrafo 2º, VI, da CF). Exemplificando: se um consumidor não contribuinte do ICMS residente em Fortaleza compra pela internet uma TV de uma empresa que armazena seus produtos em São Paulo, considera-se como uma venda direta ao consumidor, incidindo a alíquota interna de São Paulo, em regra 18%. O total apurado e arrecado ficaria com o Estado de São Paulo. 3. Regra de comércio eletrônico a partir da adoção do Protocolo ICMS 21 Nos termos do acordo assinado, os Estados signatários devem exigir a favor da unidade federada de destino da mercadoria ou bem, a parcela de ICMS devida na operação interestadual em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de internet, telemarketing ou showroom. Um dos problemas é que o imposto é exigível até dos Estados não signatários do acordo (Cláusula primeira, parágrafo único, do Protocolo ICMS 21).  A parcela do imposto devido à unidade federada destinatária será obtida pela aplicação de sua alíquota interna, sobre o valor da respectiva operação, deduzindo-se o valor equivalente aos percentuais previstos para cobrança do imposto devido na origem (alíquotas de 7% ou 12%), a depender do Estado. Vamos ao exemplo com a nova regra: se um consumidor não contribuinte residente no Distrito Federal resolve comprar via internet uma geladeira de uma empresa situada em Minas Gerais. O Distrito Federal recolherá (17%-7%=10%), ou seja, a diferença entre a alíquota interna do DF (17%) menos o índice previsto no Protocolo para mercadorias ou bens oriundos dos Estados do Sul e Sudeste (7%), com exceção do Espírito Santo. Minas Gerais cobrará sua alíquota interna normalmente (18%). Dessa forma, teremos uma carga tributária global de 28%, ao invés dos 18% previstos na regra original. 4. Problemáticas na adoção do Protocolo Sem adentrar no mérito da tormentosa guerra fiscal, me parece claro que a regra adotada tornará mais caótica a busca pela solução dos déficits financeiros estaduais, sem um delineamento efetivo por parte da União nas regras do imposto sob comento. A solução, sem sombra de dúvida, passa pela reforma tributária. Ademais, temos um caso clássico de bitributação. Cobrança do mesmo tributo, sobre o mesmo fato gerador, por dois entes tributantes diversos. Os Estados distribuidores não renunciarão à parcela que lhes cabe no imposto, em contrapartida os Estados da Federação menos abastados veem como uma salvação a possibilidade de arrecadar através de comércio que mais cresceu nos últimos anos. O efeito do arranjo tributário é catastrófico para o consumo, prejudicando todos os Estados da Federação. Outra inconstitucionalidade flagrante é a previsão do texto Constitucional acerca da adoção, com exclusividade, de alíquota interna quando o destinatário não for contribuinte do ICMS (art. 155, parágrafo 2º, VII, b, da CF), verbis: VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á: b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele; A alteração pretendida pelo Protocolo só poderia ter sido feita via Emenda Constitucional, fácil perceber a burla a regra clara transcrita acima. Encontra-se maculada a previsão do art. 150, V, da Constituição Federal verbis: “art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios ; V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público”,  a doutrina comumente denomina de princípio da liberdade de tráfego. Atente a definição do mestre Paulo de Barros Carvalho sobre o princípio: “Significa que as pessoas tributantes estão impedidas de graduar seus tributos, levando em conta a região de origem dos bens ou o local para onde se destinem. Em consonância com essa regra constitucional (art. 152), a procedência e o destino são índices inidôneos para efeito de manipulação das alíquotas e da base de cálculo pelos legisladores dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal”[1]. Ao menos em tese, a feitura de atos normativos que adotem a sistemática prevista no Protocolo ICMS 21 burlam os princípios citados acima, pois adotar-se-á alíquota diferenciada para bens ou mercadorias destinadas a consumidor final no Estado de destino, além da configuração da bitributação. O Protocolo ainda estabelece alíquotas diversas do produto a depender do Estado da Federação, 7% (Estados do Sul ou Sudeste) ou 12% (Norte, Nordeste e Centro-Oeste e Espírito Santo). Nota-se que existe uma sanha desmedida pelos produtos oriundos do Sul e Sudeste, pólo industrial mais forte no cenário nacional e de onde, obviamente, provém a maioria dos produtos e bens. 5. Panorama jurisprudencial atual Partidos Políticos e o Conselho Federal da OAB interpuseram Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra atos normativos oriundos do Protocolo ICMS 21 que visam alterar alíquotas em operações internas e externas. O primeiro caso submetido à Corte foi a Lei nº 6.041/2010 do Estado do Piauí (ADIMC 4.565/PI).  A norma visa justamente legalizar a tributação pelo ICMS dos bens adquiridos pelos consumidores residentes no Estado via comércio eletrônico, atente-se: “Art. 1º Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, de que trata a Lei nº 4.257, de 06 de janeiro de 1989, incidirá sobre as entradas neste Estado, de mercadorias ou bens oriundos de outras unidades da Federação destinados a pessoa física ou jurídica não inscrita no Cadastro de Contribuintes do Estado do Piauí – CAGEP, independentemente de quantidade, valor ou habitualidade que caracterize ato comercial. Parágrafo único. O valor do ICMS, a ser exigido na hipótese de que trata o caput, corresponderá a uma carga tributária líquida entre 4,5% (quatro e meio por cento) e 10% (dez por cento) aplicada sobre o valor da operação constante no respectivo documento fiscal, conforme disposto em regulamento”. A medida cautelar concedida pelo eminente Ministro Joaquim Barbosa baseia-se na plausibilidade da inconstitucionalidade por prever bitributação, caracterizar caso de guerra fiscal, configura desobediência ao pacto federativo, violar reserva do Senado para dispor das alíquotas (art. 155, parágrafo 2º, IV, da Constituição Federal) e desprestígio à regra da liberdade de tráfego (art. 150, V e 152, da CF). A Lei Estadual estaria prevendo como fato gerador do ICMS a mera entrada de mercadoria no território do Estado do Piauí, alargando o espectro previsto na Constituição. A decisão foi tomada de forma unânime pela Corte. Algumas suspensões de liminares e de segurança foram ajuizadas por Estados da Federação que se sentiram prejudicados com a concessão de liminares em mandados de segurança, por exemplo, alegando a disparidade de realidade econômica entre os entes que compõe a federação, que a revogação da norma ou declaração de inconstitucionalidade traria prejuízos incalculáveis às finanças públicas, grave risco e lesão ao interesse público. As medidas foram rejeitadas (SL 543/GO, SS 4402/AP, SS 4409/MA) em virtude de não haver qualquer prova ou demonstrativo do grave risco de lesão às finanças ou ao interesse público. Na medida cautelar concedida na (ADI 4565/PI) o Ministro bem ponderou tais questões, acompanhe trecho do voto[2]: “Os argumentos do estado-requerido tangentes à disparidade abissal entre as diversas regiões de nosso país de proporções continentais são relevantes, mas a alteração pretendida depende de verdadeira reforma tributária que não pode ser realizada individualmente por cada ente político da Federação, com posterior chancela de validade pelo Judiciário. (…) Ademais, a harmonia que deve reger as relações entre os entes federados depende da estrita observância dos devidos processos legal e político. “Inconstitucionalidades não se compensam”, conforme lição do eminente Ministro Sepúlveda Pertence”. Dessa forma, me parece que o entendimento prevalecerá em sede de julgamento definitivo de mérito vez as inconstitucionalidades apontadas em caráter liminar estão por demais evidentes. 5. Considerações finais A postura dos Estados é legítima, no entanto o meio utilizado no afã de aplacar déficit financeiro que assola notadamente os Estados do Norte e Nordeste necessitam de respaldo constitucional. A alteração das regras constitucionais fundamentadas em convênios desestabilizam as relações democráticas e põe em xeque a segurança jurídica das relações comerciais, além de violar uma série de princípios tributários. O prejuízo da desenfreada guerra fiscal penalizará em cheio os contribuintes, além de desestimular os investimentos privados face ao fator surpresa das medidas. Mudanças capitaneadas de forma mais ampla pela União (arts. 23, parágrafo único e 146, III, da CF) deveriam ser postas em prática, levando-se em conta as desigualdades regionais. Na orientação Calcioari: “…a responsabilidade pela guerra fiscal não pode ser imputada, de forma simplória, somente aos Estados ou Municípios. A sua principal causa é a falta de articulação da União ao estabelecer políticas cooperativas de desenvolvimento nacional”[3].  Assim, a reforma tributária aliada aos aspectos de cooperativismo federativo, orientados de forma mais ampla pela União fazem-se urgentes, a fim de ao menos amenizar os conflitos tão comuns no regime hoje existente.
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A figura jurídica do pedágio e o princípio da não limitação ao tráfego de pessoas e bens
O direito constitucional de ir e vir, positivado no artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal encontra relação com o princípio tributário da não limitação do tráfego de pessoas e bens. O objetivo geral deste estudo é o confronto do princípio tributário da não limitação ao tráfego de pessoas e bens e a questão da figura jurídica dos pedágios. Os procedimentos empregados nesta pesquisa são de cunho bibliográfico, doutrinário, na medida em que se procuram definições e aplicações da lei e dos princípios do ordenamento jurídico, bem como discussões acerca da natureza jurídica do pedágio e sua relação com o tema proposto. Verifica-se neste estudo a constitucionalidade do instituto denominado “pedágio”, porquanto ressalvado na própria Carta Magna. Todavia, a aplicabilidade dos princípios jurídicos mencionados vai além desta discussão, à procura de especificidade dessas tributações e sua real relação com os ditames constitucionais e tributários.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Inserto na seara do Direito Tributário, o princípio da não limitação ao tráfego de pessoas e bens é corolário à garantia individual prevista no artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal. Referido postulado tributário consiste em evitar que o Poder Público, na forma do Fisco, impeça a liberdade de locomoção de pessoas e bens com a atribuição de um fato gerador criador de tributo em situações de transposição de fronteiras. A Constituição faz uma ressalva, todavia, ao instituto do pedágio, figura jurídica ainda indefinida pelos juristas de todo o Brasil. Há uma busca para individualizar a natureza jurídica do pedágio, o que viabiliza a verificação da legalidade das atuações desses institutos em todos os estados do país. Sendo assim, o tema em questão foi escolhido para o fim de estudar, discutir e analisar o princípio tributário em pauta, o qual deriva de uma garantia constitucional, aferindo a natureza jurídica dos pedágios e a aplicação atual desse princípio, numa tentativa de resgatar, na prática, soluções jurídicas para evitar o abuso na cobrança dos preços nas rodovias. Tal estudo faz-se importante na medida em que esclarecerá dúvidas dos contribuintes em geral no tocante ao instituto dos pedágios cobrados nas rodovias brasileiras, sejam estaduais ou federais, concessionárias ou não de serviço público, tudo sob a órbita da Lei Maior: a Constituição Federal. O objetivo do presente estudo, portanto, é a análise da posição e da natureza jurídica dos pedágios e a relação com o princípio da não limitação do tráfego de pessoas e bens, além de procurar medidas para a garantia da aplicação dos postulados constitucionais tributários, na busca do bem comum e justiça. O PODER DE TRIBUTAR E SUAS LIMITAÇÕES O Brasil é uma Federação que, naturalmente, exerce atividade financeira. Para Machado (2010), para que o Estado conquiste os seus objetivos é necessário que disponha de recursos, devendo, para tanto, desenvolver atividades para obter, gerir e aplicar tais recursos, bem como interferir no campo econômico, no exercício da atividade financeira. Sendo assim, para a realização dos fins sociais, faz-se imprescindível a tributação estatal, instrumento este inclusive utilizado para impedir a estatização econômica. Sabbag (2011) afirma que o Estado deve disponibilizar ao cidadão, que é contribuinte, os serviços inerentes às necessidades coletivas, de modo que a cobrança de tributos visa garantir os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, como a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; redução das desigualdades sociais e regionais (artigo 3º da Constituição Federal). Segundo Machado (2010), o poder de tributar é uma parcela ou um aspecto da soberania estatal, concretizando-se na relação jurídica e não em uma relação de poder, simplesmente. Isto porque os contribuintes, insertos no ordenamento vigente, consentem com a tributação, na medida em que são guiados por seus representantes eleitos. Entretanto, o poder de tributar (também denominado ius imperium) alberga limitações, consubstanciadas na legislação tributária – precipuamente na Constituição Federal, além do Código Tributário Nacional. Desta feita, pode-se dizer que o Direito Tributário, ramo didaticamente autônomo e integrado pelo conjunto de normas que correlatam a instituição, arrecadação e fiscalização dos tributos, o qual regula a atividade financeira do Estado, encontra balizas de atuação, que visam proporcionar ao contribuinte e a toda a nação garantias protetoras da imposição deliberada do poder Estatal. Conforme o tributarista Sabbag (2011), há uma modulação do ius imperium, que se exterioriza nas normas de competência tributária e nos princípios constitucionais tributários. As normas jurídicas de competência tributária repartem o poder tributante do Estado de forma privativa às esferas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), conforme os artigos 153, 154, 155 e 156 da Constituição Federal. Nas palavras do jurista Moraes (2009), a Carta Marga consagrou o Sistema Tributário Nacional como diretriz do Direito Tributário, na medida em que estabeleceu constitucionalmente regras para as relações Estado/particular (contribuinte) e definiu os tributos, juntamente com as limitações ao poder de tributar, princípios, competências e repartições das receitas, tudo com complexidade e rigidez. Os princípios constitucionais tributários, integrantes do mundo complexo do Sistema Tributário Nacional, são comandos de garantia ao contribuinte, pautados nos valores prestigiados pela própria Carta Magna, insculpidos nos artigos 150, 151 e 152, considerados cláusulas pétreas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Sendo assim, as referidas disposições principiológicas não podem ser objeto de Emenda Constitucional e são insuscetíveis de supressão ou excepcionalização. As normas de competência e os princípios garantem ao contribuinte maior segurança jurídica, já que, de certa forma, delimitam o modus operandi dos entes políticos, bem como dos estes paraestatais que atuam na instituição, arrecadação e fiscalização dos tributos. Os princípios constitucionais tributários assim são denominados por estarem previstos na Constituição Federal/1988 e por constarem do elemento axiológico referente a esta, como por exemplo, o pacto federativo e a legalidade, dentre outros. O PRINCÍPIO TRIBUTÁRIO DA NÃO LIMITAÇÃO AO TRÁFEGO DE PESSOAS E BENS O princípio da não limitação ao tráfego de pessoas e bens, também denominado princípio da ilimitabilidade do tráfego, está positivado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 150, inciso V, o qual preceitua que “é vedado à união, aos Estados ao Distrito Federal e aos Municípios (…) estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos insterestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público”. Saliente-se que o princípio citado está em consonância com o princípio constitucional de liberdade de locomoção, presente no artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. Conforme Sabbag (2011), o princípio da não limitação não pode ter a interestadualidade e a intermunicipalidade como fatos geradores de tributos, sejam estes tributos de ordem federal, estadual ou municipal. Desta forma, o que o legislador pretendeu não era impedir a instituição de tributos sobre bens ou pessoas em situações de interestadualidade ou intermunicipalidade, mas sim atingir aos fatos geradores que se pautem na hipótese de incidência fundada na transposição de divisas/fronteiras. Tanto que há duas atenuantes ao princípio da não limitação ao tráfego de pessoas e bens: uma já prevista na disposição legal (a questão dos pedágios) e outra relativa ao ICMS exigido nas divisas. Em idêntico sentido afirma Sabbag (2011), ao dispor que a inteligência do postulado previsto na Carta Magna de 1988 não é impedir a exigência de impostos na circulação de pessoas ou bens, mas sim obstar tributo que se funde na interestadualidade ou municipalidade. Para Moraes (2009), o que pretende a Carta Magna é evitar que o Fisco, de forma reflexa, atinja a liberdade de deslocamento do indivíduo e dos bens. Gravar tributariamente esse tráfego seria uma forma de limitar a liberdade de locomoção, o que não estaria em conformidade com a Lei Maior. O princípio, portanto, em primeiro momento corrobora a liberdade de locomoção do artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal. O PEDÁGIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E SUA NATUREZA JURÍDICA A ressalva à cobrança de pedágio está expressa na Carta Magna. Sendo assim, o uso de vias conservadas pelo Poder Público está resguardado constitucionalmente, de forma a afastar a invocabilidade do princípio da não limitação do tráfego de pessoas e bens ou a garantia da liberdade de locomoção para impedir a cobrança do pedágio. Destaca MACHADO (2004) que o pedágio não pode ser “discriminatório” (apenas onde são as divisas ultrapassadas), o que seria barreira interestadual ou intermunicipal. Por estar previsto na própria Constituição Federal – ou seja, a redação é oriunda do Poder Constituinte Originário – não há o que se falar em inconstitucionalidade de norma constitucional. Desta forma, como assevera Machado (2010), mesmo entendendo que o pedágio tem natureza jurídica de tributo, não há como utilizar somente o referido princípio para a cessação ou diminuição da cobrança. A doutrina, a propósito, é divergente quando se trata da natureza jurídica dos pedágios. O tema até os dias atuais enseja controvérsias, na medida em que há aqueles que acreditam ser o pedágio uma modalidade de tributo (taxa), enquanto há aqueles que afirmam ser um preço público (tarifa). A definição da natureza jurídica dos pedágios é deveras importante, uma vez que, conforme Sabbag (2011), se assumir a forma de exação tributária (taxa), o pedágio naturalmente estará sujeito às normas jurídicas aplicáveis aos tributos, incluindo as limitações constitucionais ao poder de tributar, como por exemplo, o princípio da não limitação do tráfego de pessoas e bens e o princípio ainda não mencionado da “vedação ao confisco”. Todavia, ao contrário, se for considerado o pedágio uma exação não tributária (na espécie de tarifa), as limitações não lhe serão abrangentes, dando asas a tarifas corriqueiramente exorbitantes. Partindo da análise histórica e do direito comparado, é possível ter um clareamento da possível natureza jurídica do elemento em discussão. Na Constituição Federal Brasileira de 1946, o pedágio era entendido como tributo na modalidade taxa, uma vez que a própria redação do antigo artigo 27 assim o dizia. A Constituição seguinte, de 1967, no artigo 20, inciso II, apenas ratificou o dispositivo, confirmando mais uma vez a natureza tributária do pedágio, na espécie de taxa. Todavia, veio a Emenda Constitucional nº 1/1969, que trouxe novidade ao dispositivo em vigência. Tal emenda suprimiu a ressalva antes exposta, dando a entender que o pedágio não mais se tratava de taxa. Sobreveio, então, o Decreto-Lei nº 971/1969, o qual definiu o pedágio como sendo “preço público”, ou “tarifa”. Neste cenário, passaram os doutrinadores a questionar a real natureza jurídica do instituto. Veio por fim a Constituição Federal de 1988, no artigo 150, inciso V, ora vigente, com a seguinte redação: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (…)” V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. (grifei) Nota-se que a redação difere-se daquela da Constituição de 1967, embora semelhante. Aqui, o legislador empregou o termo “utilização”, enquanto que naquela foi empregado o termo no sentido de contraprestação pela “indenização às despesas de construção, conservação e melhoramento das estradas”. Ainda assim, a divergência doutrinária é justificável, embora haja feição de natureza jurídica tributária, na forma de taxa, sendo esta a solução da doutrina majoritária. Ademais, importante observar que o dispositivo constitucional está previsto em capítulo destinado aos tributos, o que sana, de certo modo, a dúvida da natureza jurídica do pedágio. Todavia, há doutrinadores, como Torres (2005), que acreditam ser o pedágio uma espécie de preço público, já que a ressalva constitucional seria de intuito didático. Cabe ressaltar que a incidência ou não da atividade estatal difere a taxa da tarifa. Se houver evidente vinculação e nexo do serviço com o desempenho da função eminentemente estatal, teremos a taxa. “De outra banda, se presenciarmos uma desvinculação deste serviço com a ação estatal, inexistindo óbice ao desempenho da atividade por particulares, vislumbrar-se-á a tarifa” (SABBAG, 2011, p. 441). Sendo assim, a taxa atrela-se à atividade pública e não às ações dos particulares. É uma contraprestações direta, em que o contribuinte aproveita a atividade estatal, sendo a competência para instituí-las comum entre os entes da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). O fato gerador da taxa pode ser o poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ou posto à disposição do contribuinte. Assim, pode-se afirmar que o pedágio é taxa de serviço – ou de utilização – na medida em que o contribuinte tem à sua disposição o serviço das estradas de rodagem. A previsão da taxa de serviço (ou taxa de utilização) se encontra no artigo 79 do Código Tributário Nacional. Não menos importante, outro critério que distingue a taxa da tarifa é a compulsoriedade do uso do serviço. Se houver a opção do usuário em usar ou não o serviço – no caso, do pedágio -, seria o caso de empregar a tarifa. Todavia, sendo o contribuinte obrigado a utilizar o serviço, aparece a figura da taxa. Conclui-se, frente à norma jurídica brasileira, levando em conta sua historicidade e a prática atual no que cerne aos pedágios, que estes podem ter natureza jurídica tributária ou não tributária, dependendo por quem for explorada a atividade: sendo o Estado, configura-se a taxa (tributo); sendo as concessionárias ou permissionárias, ter-se-á a tarifa (preço público). Na prática, os estados brasileiros cada vez mais adotam a figura do pedágio como contraprestação pela utilização das rodovias. Verifica-se que as concessionárias e permissionárias levam a frente no que diz respeito à exploração dessas vias de rodagem. A Lei nº 8.987/1995 regulamenta a concessão e permissão dos serviços públicos e prevê a utilização de tarifa, de forma expressa, dando o aval às concessionárias e permissionárias de serviços públicos para a cobrança das tarifas em face da rodagem de veículos pelas rodovias pedagiadas. Com efeito, no Estado do Paraná, por exemplo, em que a malha rodoviária é disposta de muitas praças de pedágio, todas são administradas por concessionárias de serviços públicos, as quase cobram, por sua vez, tarifa dos usuários. O Projeto de Lei de iniciativa popular que visa a regulamentação do pedágio faz previsão acerca da natureza jurídica do instituto no artigo 3º, disposto nos seguintes termos: “Art. 3º – A natureza jurídica do pedágio é de taxa, delegado pelo poder concedente (Estado) à concessão que se incumbirá de construir com recursos próprios a autovia, cujo projeto será amplamente discutido nas casas legislativas atinentes ao foro da rodovia, e em audiências públicas.” Nota-se que a redação do Projeto visa beneficiar mais uma vez o contribuinte, na medida em que a taxa é modalidade de tributo e, portanto, submete-se a todas as regras que orbitam o direito tributário. O PEDÁGIO E A EXIGÊNCIA DE VIA ALTERNATIVA Em 2005 o Ministério Público ingressou com uma ação civil pública em face da União e do DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem), do DER (Departamento de Estradas de rodagem) (órgãos paranaenses) e da VIAPAR (Rodovias Integradas do Paraná S.A.), com vistas a sustar a cobrança da tarifa de pedágio situada em Corbélia/PR, na BR 369, no trecho entre as cidades paranaenses de Cascavel e Ubiratã. Ainda, a ação visava a devolução dos valores já pagos pelos usuários, enquanto não fosse disponibilizada via alternativa de forma gratuita. Embora o Tribunal Regional Federal da 4ª Região tenha dado provimento à apelação do Ministério Público, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou pela improcedência do pedido, no sentido de que nem lei ordinária nem a Constituição Federal prevêem o requisito da via alternativa para a cobrança legal da tarifa do pedágio. Desta forma, haja vista a revisão constitucional da figura do pedágio e a permissão legal para a cobrança de taxa ou tarifa – conforme a maneira de ofertar o serviço – além da jurisprudência de Tribunal Superior, depreende-se que não há óbice à cobrança de pedágio, ainda que inexistente a via alternativa gratuita. Atualmente há um Projeto de Lei de iniciativa popular que prevê, em seu artigo 12, que a instituição de pedágio, qual seja a espécie, em qualquer estrada, estará condicionada à coexistência de rodovia paralela, pública e gratuita, que deverá atender sob responsabilidade da esfera estatal competente o usuário nas mesmas condições de pavimentação que a rodovia particular. Dessa forma, o Projeto de Lei, caso futuramente venha a ser aprovado, protegerá o usuário do pagamento – via de regra exorbitante na malha rodoviária paranaense – do pedágio, dando ao motorista a opção de utilizar via alternativa gratuita. Destaque-se que, conforme a redação do artigo, a via deverá ser pública e com as mesmas condições de tráfego daquela pedagiada. É discutível, todavia, a aplicabilidade e cumprimento da Lei, em caso de aprovação do respectivo Projeto. Sabe-se que, com a vasta malha rodoviária que possui o estado do Paraná, resta duvidosa a ação governamental no sentido de garantir ao usuário da rodovia passagem alternativa em boas condições. Todavia, o Projeto de Lei é o primeiro passo e se torna importante no processo evolutivo para o uso de boas estradas de rodagem sem que haja um elevado custo para aquele que contribui. PEDÁGIO PROPORCIONAL Numa análise sistemática, sob a ótica do Direito Comparado, verifica-se que em outros países há alternativas para atenuar os custos do pedágio.Na França, por exemplo, a cobrança é feita proporcionalmente à distância percorrida e ao porte dos veículos, sendo que a Itália e os Estados Unidos também utilizam sistema semelhante, embora não unificado e nem totalmente informatizado. Nesses sistemas, a distância percorrida é calculada mediante um ticket entregue na entrada da rodovia, que deve ser devolvido para a cobrança na última praça de pedágio utilizada, local em que o usuário irá pagar a quantia proporcional aos quilômetros rodados. Ademais do sistema de tickets, atualmente já se implantam chips de identificação do veículo, sendo que o valor correspondente ao uso da rodovia é automaticamente debitado na conta corrente do motorista, previamente cadastrada. Neste caso, não é necessário parar na cabine, pois a transação é feita automaticamente. Tais alternativas são positivas na medida em que permitem uma cobrança mais justa. No Estado do Paraná, a média de distância entre uma praça de pedágio e outra é de aproximadamente 80km (na BR 277). Saliente-se que as cidades são próximas umas das outras nesta rodovia federal, de forma que, no atual sistema de cobrança, em alguns locais a pessoa que utiliza 10km da rodovia e aquela que usufrui de 90km muitas vezes pagam o mesmo valor a título de pedágio. Em 1998 foi instituído no Estado de São Paulo o Programa de Concessões Rodoviárias, com o fim de suprir necessidades de investimentos na infra-estrutura de transportes. Atualmente, o Governo Paulista encontra-se em fase de adaptação da nominada “tarifa quilométrica”, que consiste na proporcionalidade do pagamento do pedágio aos quilômetros rodados, mediante chip instalado nos veículos, que serão monitorados por pontos de checagem (denominados “pórticos”). Embora haja uma crítica atual no sentido de que o monitoramento dos veículos configura invasão de privacidade, o armazenamento do banco de dados ficará restrito ao governo, meramente para efeitos fiscais. A tarifa quilométrica, desde que implantada de forma informatizada e nos ditames da lei, poderá conferir ao usuário maior equidade na utilização e pagamento das rodovias pedagiadas. Caso os resultados no Estado de São Paulo forem positivos, considerando que sempre há melhorias e adaptações do sistema, de forma gradual, a tarifa quilométrica seria excelente alternativa para minimizar os custos para os contribuintes paranaenses. Importante mencionar que a presença de várias praças de pedágio (pórticos) numa mesma rodovia – como é o caso da BR-277, no Paraná, não implicaria no aumento do valor, mas no fracionamento do valor total a ser pago, caso o usuário se beneficie de todo o trajeto. Ainda, o cálculo é diferenciado em se tratando de rodovias diferenciadas. No projeto a ser implantado no Estado de São Paulo, as rodovias são divididas em três categorias, considerando, por exemplo, a presença ou não de pista dupla, com canteiro central ou não. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em face das discussões acerca do instituto do pedágio, pode-se afirmar que a figura jurídica em comento não está em confronto com a Constituição Federal, no âmbito principiológico inclusive, na medida em que a referida cobrança, seja por taxa, seja por meio de exação não tributária, não fere o postulado da não limitação do tráfego de pessoas e bens, ou mesmo a garantia de liberdade de locomoção. Verificou-se a dificuldade da exigência de via alternativa em condições equivalentes àquelas da rodovia pedagiada, embora nesse sentido seja a redação do Projeto de Iniciativa Popular que dispõe sobre o pedágio, enfatizando a exigência de meios alternativos ao contribuinte, sem prejuízo da segurança e qualidade das rodovias. Por fim, mostra-se importante a inovação trazida pelo Estado de São Paulo que, embora ainda em estágio de implementação do novo sistema de tarifa quilométrica, é pioneiro na busca pela proporcionalidade nos pagamentos para utilização das estradas de rodagem, em consonância com a realidade de outros países do globo, como Estados Unidos, França e Itália. A análise deste estudo permitiu verificar que o cálculo das tarifas quilométricas parte de um valor fixo por quilômetro, multiplicado pelo trecho de cobertura da praça, tendo variação em razão dos diversos tipos de veículos e das categorias das rodovias (rodovias paralelas, ambas com pista dupla, canteiro ou barreira central; estradas de pista dupla, com canteiro central, barreira física ou visual e, por fim, estradas de pista simples, com apenas uma faixa por sentido). A quantidade de praças de pedágios (ou “pórticos”) em uma mesma rodovia não irá implicar no aumento do valor a ser pago e sim no fracionamento do valor total. Enfatiza-se que o intuito é implementar um sistema totalmente informatizado, utilizando, para tanto, chips a serem implementados nos veículos, que permitirão o monitoramento das passagens pelos postos de checagem. Ainda, conclui-se que esse monitoramento eletrônico dos veículos não fere a privacidade dos usuários das estradas de rodagem, tendo em vista que os dados são armazenados sob responsabilidade do Estado. Ademais, a doutrina esclarece que na atualidade, é raro o local em que inexistem câmeras de segurança, sendo uma aceitação da sociedade, vez que acaba por proteger o cidadão.
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O fenômeno extrafiscal no sistema tributário brasileiro
De maneira geral, os tributos que são pagos ao Estado são a fonte exclusiva de sua arrecadação econômica. Entretanto, algumas vezes e, dependendo da motivação que enseja sua criação, as exações podem ter uma finalidade extraordinária, como é o caso dos tributos que serão abordados neste estudo. Objetivando abordar de maneira prática os casos de extrafiscalidade, estudaremos exemplos de sua aplicação em diferentes tipos de tributos.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A arrecadação tributária é o meio pelo qual o Estado, ente soberano, faz frente às despesas decorrentes de sua atuação na sociedade. Essa é a maneira mais comum de intervenção estatal na vida de seus tutelados, pois impostos e taxas estão inseridos nos preços de produtos e serviços comumente utilizados, e o impacto de sua cobrança no bolso dos contribuintes é tema recorrente de debates na área econômica. Entretanto, há, ainda, uma finalidade extraordinária de interferência do Estado, que também enseja a cobrança de tributos e alterações de alíquotas, um pouco menos divulgada do que aquela tida como principal, mas tão importante quanto: a Extrafiscalidade. A cobrança pura e simples, como propósito básico da atividade tributária do Estado, divide cada vez mais seu espaço com o fenômeno aqui abordado, tendo em vista a urgência de uma intervenção estatal eficaz do ponto de vista político, econômico e social. Apesar disso, seu estudo ainda é tímido e seu potencial pouco explorado. Desse modo, e, considerando sua importância no sistema normativo do direito tributário brasileiro, torna-se irrefutável a necessidade de aprofundamento acerca do tema. Feitas as considerações iniciais, este artigo tem por finalidade analisar brevemente alguns aspectos teóricos e práticos do fenômeno extrafiscal, demonstrando sua ocorrência em diferentes espécies tributárias, mais precisamente nos Impostos, nas Taxas e nas Contribuições Especiais. 1 CONCEITO A maioria dos tributos é criada com uma finalidade específica: a arrecadação fiscal. É assim porque o Estado necessita de recursos financeiros para fazer frente às despesas oriundas de sua intervenção na sociedade. Logo, a fiscalidade, ou o caráter fiscal, nada mais é do que a finalidade arrecadatória que enseja a criação de grande parte das exações do sistema tributário brasileiro. Entretanto, quando a instituição de uma espécie tributária ocorre com um propósito que vai além do meramente arrecadatório, diz-se que tais espécies são dotadas, além da fiscalidade, de um viés extrafiscal. Raimundo Bezerra Falcão define claramente a diferença entre a fiscalidade e a extrafiscalidade: “Considerando a tributação como ato ou efeito de tributar, ou ainda, como o conjunto dos tributos, podemos afirmar que: a) a tributação se diz fiscal enquanto objetiva retirar do patrimônio dos particulares os recursos pecuniários – ou transformáveis em pecúnia – destinados às necessidades públicas do Estado; b) tributação extrafiscal é o conceito que decorre do de tributação fiscal, levando a que entendamos extrafiscalidade como atividade financeira que o Estado desenvolve sem o fim precípuo de obter recursos para seu erário, mas sim com vistas a ordenar a economia e as relações sociais, sendo, portanto, conceito que abarca, em sua amplitude, extensa gama de opções e que tem reflexos não somente econômicos e sociais, mas também políticos […]” (FALCÃO, 1981, p. 118) No mesmo sentido, ensina Ataliba: “Consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados. […] É lícito recorrer aos tributos com o intuito de atuar diretamente sobre os comportamentos sociais e econômicos dos contribuintes, seja fomentando posicionamento ou inibindo certos procedimentos. Dá-se tal fenômeno (extrafiscalidade) por intermédio de normas que, ao preverem uma tributação, possuem em seu bojo, uma técnica de intervenção ou conformação social por via fiscal. São os tributos extrafiscais, que podem ser traduzidos em agravamentos ou benefícios fiscais dirigidos ao implemento e estímulo de certas condutas.” (ATALIBA, 1990, p. 233.) Torna-se claro que a extrafiscalidade nada mais é que o objetivo excepcional de um tributo, que ultrapassa o setor puramente financeiro e reflete de diversas maneiras em diferentes âmbitos, tais como o político, o social e o econômico. Outro importante conceito que se insere neste contexto, é o de Parafiscalidade, que consiste na delegação da capacidade tributária ativa do Estado a um terceiro, integrante da relação tributária. Nesse caso, não é o Estado que arrecada o tributo, mas sim a pessoa que será beneficiada com ele, como ocorre com as contribuições sociais de categorias profissionais ou econômicas. É o que acontece, por exemplo, com os advogados que pagam contribuição à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), nessa relação, o sujeito ativo é a OAB, e não o Estado. Não se deve confundir Parafiscalidade com Extrafiscalidade; esta é o emprego dos tributos para fins não fiscais, enquanto aquela é a delegação da capacidade tributária ativa do Estado. Com o intuito de demonstrar a aplicação prática do caráter extrafical no direito tributário, serão analisados, a seguir, alguns casos em que tributos não possuem apenas finalidade arrecadatória. 2 IMPOSTOS Dentre todas as espécies tributárias passíveis de serem criadas, os impostos são aquelas em que o fenômeno extrafiscal é mais freqüente. Isso ocorre devido à desvinculação do uso das receitas oriundas de suas cobranças, o que deixa o estado livre para utilizá-las quando e como for mais conveniente ou necessário. O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), previsto no art. 153, IV da Constituição Federal, é de competência exclusiva da União e foi instituído pelo Decreto nº. 4544/02. Esse imposto tem suas alíquotas estabelecidas de acordo com a variação dos produtos (as alíquotas estão descritas na tabela TIPI, que é bastante extensa). O número de produtos sob os quais incide o IPI é grande porque a definição de “industrializados” é muito abrangente, como se vê no art. 4º do Decreto já referido: “Art. 4º: Industrialização é qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para o consumo, tal como: I – transformação; II – beneficiamento; III – montagem; IV – acondicionamento ou reacondicionamento (embalar ou dar nova embalagem); V – renovação ou recondicionamento (restauração do produto).” Aspecto importante a ser destacado é que todas as ações acima elencadas caracterizam industrialização, ainda que sejam incompletas, parciais ou intermediárias. O IPI tem dois fatos geradores: a) o desembaraço aduaneiro de produto de procedência estrangeira; e b) a saída do produto de estabelecimento industrial ou equiparado na forma da lei. Ademais, interessante ressaltar que os produtos industrializados destinados ao exterior são imunes ao IPI, ou seja, o imposto incide sobre os produtos importados pelo Brasil, mas não é cobrado sobre os produtos cuja finalidade é a exportação. Com uma gama de possibilidades tão grande, o IPI se mostra de função predominantemente extrafiscal e com grande potencial para ser instrumento de intervenções em diversos setores do país. Nessas condições, a exação pode ser usada, por exemplo, para estimular o crescimento da indústria nacional: basta o governo aumentar as alíquotas que incidem sobre os produtos importados, causando uma elevação nos preços para fomentar a venda de produtos nacionais. Por outro lado, se for observada, por parte de determinado setor da indústria, uma tendência à queda na qualidade de certos produtos do nosso país, o Estado pode diminuir as alíquotas que incidem sobre os importados, tornando o mercado mais competitivo, forçando a indústria brasileira a melhorar a qualidade de seus produtos, o que gera benefícios ao consumidor. Um exemplo muito recente da utilização do caráter extrafiscal desse imposto é a criação do Decreto n.º 7.567/2011, que diminuiu as alíquotas incidentes sobre veículos com no mínimo 65% (sessenta e cinco por cento) de conteúdo nacional e, consequentemente, majorou as alíquotas de IPI para carros importados, elevando de 13% para 43% o percentual aplicado a esses produtos. Essas alterações, além de engordar o tesouro nacional, contribuíram para o crescimento da indústria automobilística nacional, uma vez o aumento supracitado onerou muito os produtos da indústria internacional. Além disso, o IPI pode interferir diretamente na balança comercial do país, como comenta Flávio de Azambuja Berti: “[…] imagine-se que manter um saldo positivo na balança comercial é conveniente para o país, o que efetivamente é verdade. Ora, tal saldo só é passível de ocorrer se as indústrias brasileiras aumentarem seus volumes de vendas ao exterior. Este objetivo pode ser estimulado pelo fisco de algumas formas diferentes: a) mediante uma tributação menor sobre as exportações (observe-se que há imunidade do IPI para vendas ao exterior, conforme previsto no texto do art. 153 da CF/88); b) através de subsídios financeiros para empresas exportadoras; c) com a abertura de linhas especiais de financiamento para a exportação; d) através do uso de outros benefícios fiscais para os exportadores, por exemplo, créditos presumidos para o IPI sobre a parcela de bens não exportados e vendidos no país ou mesmo para serem usados na compensação de outros tributos federais no caso de a indústria exportar praticamente toda sua produção”. (BERTI, 2009, p. 73-74.) Assim como o IPI, o Imposto sobre Operações Financeiras, ou IOF (Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários), que também é de competência exclusiva da União e está previsto nos artigos 153, inciso V, da Constituição Federal, e 63 do CTN, pode ser utilizado igualmente para fins extrafiscais. Atualmente, o IOF está regulamentado pelo Decreto nº 6.306/07, que sofreu sua última alteração pelo Decreto nº. 7.011/09. O Dec. nº 6.306/07 nos traz os fatos geradores do IOF, in verbis: “Art. 2º O IOF incide sobre: I – operações de crédito realizadas: a) por instituições financeiras b) por empresas que exercem as atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring) c) entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física II – operações de câmbio; III – operações de seguro realizadas por seguradoras; IV – operações relativas a títulos ou valores mobiliários; V – operações com ouro, ativo financeiro, ou instrumento cambial.” As alíquotas, as bases de cálculo, as hipóteses de incidência, os contribuintes e os responsáveis tributários são definidos de acordo com a operação realizada, e estão descritos no mesmo diploma legal. Em que pese ter apenas uma sigla, o IOF constitui-se de cinco impostos diferentes, cada um com hipóteses de incidência e regras matrizes distintas. Além disso, as alíquotas, os contribuintes, as bases de cálculo e os responsáveis tributários, mudam de acordo com cada tipo de imposto. Para facilitar a questão, será feita a distinção entre os impostos que integram o IOF, a saber: (a) Imposto sobre operações de crédito; (b) Imposto sobre operações de câmbio; (c) Imposto sobre operações de Seguro; (d) Imposto sobre Operações Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários; e (e) Imposto sobre Operações com ouro quando definido em lei como Ativo Financeiro. Essa classificação encontra respaldo no artigo 4º, inciso I, do CTN, segundo o qual a natureza jurídica do tributo não é determinada pela sua denominação, mas sim por sua hipótese de incidência.[1] A extrafiscalidade mostra-se presente dentro de todos os impostos que compõem a sigla IOF; isto ocorre devido aos diferentes problemas existentes no mercado financeiro e à amplitude de incidência do imposto. Tanto é verdade que, devido a seu caráter extrafiscal, existe uma espécie de relativização da incidência de alguns princípios do direito tributário sobre o IOF. Nas palavras de Flávio de Azambuja Berti: “Quanto ao IOF, especificamente, cabe ressaltar, conforme será amplamente discutido a seguir, que, em razão mesmo de suas características e de seus objetivos extrafiscais que lhe conferem tais caracteres, há o que se convencionou chamar de uma “flexibilização” em relação ao princípio (ou regra, quem sabe) da legalidade na medida em que será possível ao Poder Executivo alterar para mais ou para menos as alíquotas do imposto, desde que não se reduzam aquém do limite legal mínimo nem superem o limite máximo previsto na legislação de regência. Já em relação à anterioridade e à anterioridade nonagesimal o IOF constitui efetivamente uma exceção, consoante o estabelecido no art. 150, § 1º da CF/88 na redação dada pela EC 42/03”. (BERTI, 2009, p. 92) Ainda sobre a extrafiscalidade, Hugo de Brito Machado, ao falar sobre a função do imposto sobre operações financeiras, diz o seguinte: “O imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos e valores mobiliários, ou, na forma resumida, como é mais conhecido, imposto sobre operações financeiras-IOF, tem função predominantemente extrafiscal. Efetivamente, o IOF é muito mais um instrumento de manipulação da política de crédito, câmbio e seguro, assim como de títulos e valores mobiliários, do que um simples meio de obtenção de receitas, embora seja bastante significativa sua função fiscal, porque enseja a arrecadação de somas consideráveis”. (MACHADO, 2009, p. 337) Nesse panorama, podemos citar como exemplo de uso extrafiscal do IOF o caso em que o governo, tentando evitar o aumento da procura por moeda estrangeira e consequente desvalorização da moeda nacional, eleva as alíquotas do imposto que incide sobre as operações de câmbio. Com a alta no preço, a procura por moeda estrangeira, teoricamente, é reduzida, o que tende a estabilizar o mercado cambial. Obviamente apenas essa medida, se adotada pelo governo, não acabaria com o problema citado. Além disso, o imposto sobre operações financeiras, dentre outras maneiras, pode ser usado para fomentar as operações realizadas no mercado de títulos e valores mobiliários. De igual forma, a alíquota que incide sobre as operações relativas a seguros pode ser diminuída para que mais pessoas, físicas ou jurídicas, contratem este tipo de serviço. Dentre os impostos que têm conseqüência direta na economia do país, temos, ainda, os impostos sobre importação e exportação (II e IE, respectivamente), que, assim como todos até aqui, são de competência exclusiva da União. O Imposto de Importação está previsto no artigo 153, inciso I da Constituição Federal e o Imposto de Exportação no artigo 153, inciso II, do mesmo Diploma. A competência é exclusiva da União, pois trata-se de impostos que implicam na relação do país com o exterior. Sendo assim, não poderiam ser de competência dos Estados-membros, por exemplo, pois a figura da Federação deve ser projetada como um todo e não como um ente fracionado. De acordo com o artigo 1º, do Decreto-lei nº 37/66, o fato gerador do imposto de importação é “a entrada de mercadoria estrangeira no território nacional” e suas alíquotas podem ser específicas ou ad valorem. A primeira é expressa através de uma quantia determinada que varia de acordo com a unidade de quantificação do bem importado; a segunda é indicada em uma porcentagem que é calculada sobre o valor do bem. A base de cálculo do imposto de importação e os contribuintes estão definidos pelo CTN nos artigos 20 e 22, respectivamente, a saber: “Art. 20. A base de cálculo do imposto é: I – quando a alíquota seja específica, a unidade de medida adotada pela lei tributária; II – quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma venda em condições de livre concorrência, para entrega no porto ou lugar de entrada do produto no País; III – quando se trate de produto apreendido ou abandonado, levado a leilão, o preço da arrematação. Art. 22. Contribuinte do imposto é: I – o importador ou quem a lei a ele equiparar; II – o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados”. Por outro lado, o imposto de exportação, conforme artigo 23 do CTN e artigo 1º do Decreto-lei nº 1.578/77, tem como fato gerador “a saída do território nacional, para o estrangeiro, de produto nacional ou nacionalizado” e as alíquotas podem ser especificas ou ad valorem, nos mesmos moldes explicitados acima. O contribuinte, nesse caso, é o exportador ou quem a ele a lei equiparar e sua base de cálculo está definida no artigo 24 do CTN: “Art. 24. A base de cálculo do imposto é: I – quando a alíquota seja específica, a unidade de medida adotada pela lei tributária; II – quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da exportação, em uma venda em condições de livre concorrência. Parágrafo único. Para os efeitos do inciso II, considera-se a entrega como efetuada no porto ou lugar da saída do produto, deduzidos os tributos diretamente incidentes sobre a operação de exportação e, nas vendas efetuadas a prazo superior aos correntes no mercado internacional o custo do financiamento.” Vale lembrar, por fim, que ambos os impostos não estão sujeitos ao princípio da anterioridade, por se tratar de impostos que agem diretamente sobre a economia, também chamados de impostos reguladores. Tanto o II como o IE são nitidamente dotados de função extrafiscal, considerando que incidem sobre a entrada e saída de produtos de qualquer espécie no país. Desse modo, não é difícil vislumbrar uma situação na qual o II, por exemplo, seja usado de maneira predominantemente extrafiscal: aumentando sua alíquota, a tendência será de aumento no preço dos produtos importados e consequente vantagem às indústrias nacionais, já que tendo preço menor, tornar-se-ão mais competitivas. Nesse sentido, leciona Hugo de Brito Machado: “Se não existisse o imposto de importação, a maioria dos produtos industrializados no Brasil não teria condições de competir no mercado com seus similares produzidos em países economicamente mais desenvolvidos, onde o custo industrial é reduzido graças ao processo de racionalização da produção e ao desenvolvimento tecnológico de um modo geral, além disto, vários países subsidiam as exportações de produtos industrializados, de sorte que os seus preços ficam consideravelmente reduzidos. Assim, o imposto de importação funciona como valioso instrumento de política econômica”. (MACHADO, 2009, p. 305) Do mesmo modo, o autor faz algumas considerações sobre o imposto de exportação: “O imposto de exportação tem função predominantemente extrafiscal. Presta-se mais como um instrumento de política econômica do que como fonte de recursos financeiros para o Estado. […] Em face de sua função intimamente ligada à política econômica relacionada com o comércio internacional, o CTN determinou que a receita líquida deste imposto destina-se à formação de reservas monetárias (art. 28). Essa determinação chegou a ser autorizada, aliás, pela própria Constituição anterior (art. 21, § 4º). Na Constituição de 1988 não foi reproduzida, mas isto não quer dizer que não permaneça em vigor o Decreto-lei nº. 1.578, de 11.10.1977, onde tal destinação está prevista expressamente. A Lei nº. 5.072/66 indica expressamente que o imposto de exportação “é de caráter exclusivamente monetário e cambial e tem por finalidade disciplinar os efeitos monetários decorrentes da variação de preços no exterior e preservar as receitas de exportação” (art. 1º)”. (MACHADO, 2009, p. 310-311). Saindo do âmbito de competências da União e entrando no dos Municípios, será analisado o IPTU (Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana). À primeira vista, esse imposto pode parecer somente mais um tributo que se destina a aumentar a receita pública. Mesmo assim, o IPTU revela seu potencial extrafiscal na medida em que recai sobre a propriedade e, portanto, torna-se instrumento para que um dos princípios constitucionais mais importantes seja respeitado: a função social da propriedade. O artigo 32 do CTN define o fato gerador deste imposto como sendo “a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.”. A base de cálculo é o valor venal do bem imóvel e as alíquotas são fixadas em lei específica por cada Município. A Constituição Federal, em seus artigos 156, § 1º e 182, § 4º trata do IPTU e da função social da propriedade, in verbis: “Art. 156 – Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I – propriedade predial e territorial urbana;[…] § 1º – Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o Art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. Art. 182 – A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.[…] § 4º –  É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I – parcelamento ou edificação compulsórios; II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”. [grifo nosso] Desse modo, ao criar esse tributo o legislador preocupou-se em formar mecanismos para assegurar que a propriedade seja utilizada de maneira correta, cumprindo sua função social. A própria CF, em seu artigo 182, § 2º, define os requisitos para que a propriedade cumpra sua função social ao dizer que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. Tais exigências são, em sua maioria, medidas que visam impedir que a propriedade urbana seja abandonada, ou que esta interfira de maneira negativa nas propriedades vizinhas. O caráter extrafiscal do IPTU está intimamente ligado ao atendimento da função social da propriedade, uma vez que o imposto poderá ter suas alíquotas aumentadas de acordo com a utilização do imóvel. Como exemplo, pode-se pensar na seguinte situação: um sujeito tem dois imóveis, mas reside em apenas um deles, o outro está abandonado, com lixo, muitas plantas, grama alta, etc.; o segundo terreno poderá atrair animais, que irão se espalhar pela vizinhança, ou, até mesmo, servir de esconderijo para um sujeito que pretenda cometer crimes naquele local. Nesse caso, observa-se a relação entre a aplicação extrafiscal do imposto e não observância da função social da propriedade. O imóvel abandonado do exemplo não está atendendo o princípio constitucional, pois interfere de maneira negativa na vizinhança, nesse caso, o IPTU poderá ter as alíquotas majoradas pelo município. Com a possibilidade de aumento da alíquota, o legislador pretendeu coibir a prática descrita acima, o que torna claro o caráter extrafiscal do tributo. Diante das considerações expostas, tornam-se claros os casos em que o Estado deixa de lado a finalidade exclusivamente arrecadatória dos impostos, utilizando-os como ferramentas de intervenção múltipla na sociedade. Vale reforçar que a flexibilização no uso dos impostos está diretamente ligada à natureza desta espécie tributária, uma vez que a receita arrecadada com sua cobrança não tem destino específico. 3 TAXAS Apesar de terem sua receita plenamente vinculada à atividade que ensejou sua criação, as taxas também experimentam o caráter extrafiscal dos tributos. É o que ocorre, por exemplo, com a Taxa de Preservação Ambiental (TPA). Cobrada pelo distrito estadual de Fernando de Noronha desde 1989, a TPA foi instituída em pela lei nº 10.430/89 e modificada pela Lei nº 11305 de 1995, tendo a finalidade e o fato gerador definidos nos artigos 83 e 84, respectivamente, da referida legislação: “Art. 83 Fica instituída a Taxa de Preservação Ambiental, destinada a assegurar a manutenção das condições ambientais e ecológicas do Arquipélago de Fernando de Noronha, incidente sobre o trânsito e permanência de pessoas na área sob jurisdição do Distrito Estadual. (Lei 11.305). Art. 84 A Taxa de Preservação Ambiental tem como fato gerador a utilização, efetiva ou potencial, por parte das pessoas visitantes, da infraestrutura física implantada no Distrito Estadual e do acesso e fruição ao patrimônio natural e histórico do Arquipélago de Fernando de Noronha.” Outro exemplo de uso extrafiscal das taxas é a polêmica Taxa de Controle de Fiscalização Ambiental, ou TCFA[2]. Instituída pela Lei nº 10.165/00, e segundo o artigo 17-B desta, a taxa tem como fato gerador “o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais”. Apesar de algumas controvérsias, atualmente a TCFA é cobrada. Não entraremos na questão da constitucionalidade ou não da exação, que é tão debatida pela doutrina. Controvérsias à parte, esta nos serviu apenas para ilustrar a aplicação da extrafiscalidade nestas espécies tributárias. Como se viu, as taxas podem cumprir seu papel extrafiscal de maneira satisfatória. Interessante salientar, por fim, que ambos os exemplos aqui utilizados cuidam de tributos com função extrafiscal que atendem ao ambiente. 4 CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS As contribuições especiais podem apresentar função extrafiscal ou parafiscal. Entretanto, o interessante para este estudo é a função extrafiscal observadas em algumas contribuições sociais. O caso mais conhecido de extrafiscalidade dentro das contribuições sociais aparece nas Contribuições Interventivas no Domínio Econômico (CIDE). O nome desta espécie tributária adianta sua função predominante: a intervenção na economia. Para de Hugo de Brito Machado, “a finalidade da intervenção no domínio econômico caracteriza essa espécie de contribuição social como tributo de função nitidamente extrafiscal” (MACHADO, 2009). Importante salientar que esse tipo de contribuição adota a extrafiscalidade em sua própria função direta, que é a de intervir no mercado econômico. Essa intervenção não é a comum, mas aquela extraordinária, cujas despesas são supridas pelo montante arrecadado com a contribuição. Como exemplo desta contribuição, cita-se a CIDE dos Combustíveis, instituída pela Lei nº 10.336/01, e que de acordo com o art. 1º da legislação referida, “incide sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível”. O parágrafo primeiro da lei que instituiu a CIDE dos combustíveis traz a seguinte destinação dos valores arrecadados: “§ 1º O produto da arrecadação da Cide será destinada, na forma da lei orçamentária, ao: I – pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, de gás natural e seus derivados e de derivados de petróleo; II – financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás;[3] e III – financiamento de programas de infraestrutura de transportes.” [grifo nosso] Além da CIDE dos combustíveis existem inúmeras outras contribuições de intervenção no domínio econômico, tais como: Contribuição ao Instituto de Açúcar e do Álcool, que tem função de intervir no setor canavieiro; Adicional ao Frete de Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), que financia a atuação da União nas atividades de desenvolvimento da marinha mercante e indústria de reparação naval; Adicional de Tarifa Portuária (ATP), cuja finalidade é a formação de recursos da Petrobras; e a CIDE royalties, paga pelas pessoas jurídicas que detêm licença de uso ou adquirem conhecimento tecnológico através de contratos entre sujeitos residentes ou domiciliados no exterior. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme demonstrado ao longo do estudo, a utilização de tributos com função extrafiscal mostra-se possível de diversas maneiras, inclusive em casos aparentemente improváveis. Para tanto, são necessárias ações de intervenção estatal, no sentido de alcançar os setores que são alvo da atuação tributária extraordinária. Através da extrafiscalidade o Estado tem utilizado muitos tributos como meio de intervenção em setores sociais, mostrando a diversificação das práticas estatais para interferência direta na sociedade. O exemplo mais atual é a redução de impostos para produtos como geladeiras e fogões, fomentando e facilitando a aquisição deste tipo de utilitários para a população; além da utilização de tributos para a preservação do meio ambiente. Dessa maneira, tem-se que a utilização prática da extrafiscalidade depende apenas da motivação do Estado (em um sentido amplo) e da política tributária por ele exercida.
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As isenções tributárias concedidas em tratados internacionais
O presente artigo trata da possibilidade de concessão de isenções de tributos estaduais e municipais pela União Federal ao celebrar tratados internacionais e se tal possibilidade esbarra na proibição de concessão de isenções heterônomas estabelecida no art. 151, inciso III, da Constituição Federal de 1988.
Direito Tributário
Introdução Em regra as isenções são concedidas pelo ente tributante. Assim, apenas pode isentar quem é competente para tributar. É o que os doutrinadores chamam de isenções autonômicas. Contudo, há casos, inclusive constitucionalmente expressos, de isenções heterônomas, ou seja isenções concedidas por ente estatal diverso da entidade tributante. A Constituição de 1967, em seu art. 19, § 2º, autorizava a União, mediante lei complementar e atendendo a relevante interesse social ou econômico nacional, a conceder isenções de impostos estaduais e municipais, o que obviamente ía de encontro ao princípio da autonomia dos entes federados. A Constituição de 1988, ao contrário, expressamente vedou à União a possibilidade de instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios (art. 151, III, CF/88). As duas únicas exceções à vedação de concessão de isenções heterônomas estão expressamente previstas na Constituição Federal de 1988 nos artigos 155, § 2º, XII, “e” e 156, § 3º, II. A primeira exceção (art. 155, § 2º, XII, CF/88) autoriza o Poder Legislativo da União, por meio de lei complementar, a excluir da incidência do ICMS (tributo da competência estadual e do Distrito Federal) serviços e outros produtos exportados para o exterior. A segunda exceção (art. 156, § 3º, II, CF/88) autoriza a União a editar lei complementar que exclua da incidência do ISS (imposto da competência dos Municípios e do Distrito Federal) as exportações de serviços para o exterior. E as isenções de tributos estaduais e municipais concedidas em tratados internacionais firmados pela República Federativa do Brasil? Tais isenções seriam consideradas constitucionais? Seriam isenções heterônomas? Sendo, por hipótese, isenções heterônomas, porque não estão expressamente autorizadas na Constituição Federal? A fim de responder esses questionamentos prosseguiremos este estudo abordando os principais aspectos das isenções tributárias concedidas em tratados internacionais. 1. Conceito de isenção tributária e distinções entre imunidade, não incidência, isenção e alíquota zero Antes de analisar o tema proposto, faz-se necessário conceituar o que é isenção tributária e diferenciá-la da não incidência, da imunidade e da alíquota zero. Hugo de Brito Machado diferencia imunidade, isenção e não incidência da seguinte forma: “Distingue-se a isenção da não incidência. Isenção é a exclusão, por lei, de parcela da hipótese de incidência, ou suporte fático da norma de tributação, sendo objeto da isenção a parcela que a lei retira dos fatos que realizam a hipótese de incidência da regra de tributação. A não-incidência, diversamente, configura-se em face da própria norma de tributação, sendo objeto da não incidência todos os fatos que não estão abrangidos pela própria definição legal da hipótese de incidência. (…) Pode ainda ocorrer que a lei de tributação esteja proibida, por dispositivo da Constituição, de incidir sobre certos fatos. Há, neste caso, imunidade. A regra constitucional impede a incidência da regra jurídica de tributação. Caracteriza-se, portanto, a imunidade pelo fato de decorrer de regra jurídica de categoria superior, vale dizer, de regra jurídica residente na Constituição, que impede a incidência da lei ordinária de tributação. O que distingue, em essência, a isenção da imunidade é a posição desta última em plano hierárquico superior.”[1] Ricardo Alexandre afirma que três institutos jurídicos podem excepcionar a regra, que é o pagamento do tributo. São eles: a não-incidência (que abrange as imunidades); a isenção e a fixação de alíquota zero:  “(…) a não incidência refere-se às situações em que um fato não é alcançado pela regra da tributação. Tal fenômeno pode ocorrer basicamente de três formas: a) o ente tributante, podendo fazê-lo, deixa de definir determinada situação como hipótese de incidência tributária. (…) b) o ente tributante não dispõe de competência para definir determinada situação como hipótese de incidência do tributo, uma vez que a atribuição constitucional de competência não abrange tal fato. (…) c) a própria Constituição delimita a competência do ente federativo impedindo-o de definir determinadas situações como hipóteses de incidência de tributos. Neste caso, o próprio desenho das competências tributárias fica redefinido de forma a obstar a própria atividade legislativa da pessoa tributante. Trata-se do instituto da imunidade.(…) A isenção consiste na dispensa legal do pagamento do tributo. Assim, o ente político tem competência para instituir o tributo e, ao fazê-lo, opta por dispensar o pagamento em determinadas situações.(…) Nos casos de alíquota zero, o ente tributante tem competência para criar o tributo – tanto que o faz -, e o fato gerador ocorre no mundo concreto, mas a “obrigação tributária” dele decorrente, por uma questão de cálculo é nula.(…) As imunidades são limitações constitucionais ao poder de tributar consistentes na delimitação da competência tributária constitucionalmente conferida aos entes políticos. (…) a isenção opera no âmbito do exercício da competência, enquanto a imunidade, como visto, opera no âmbito da própria delimitação de competência”. [2] Paulo de Barros Carvalho, por sua vez, diferencia imunidade tributária  de isenção da seguinte forma: “O preceito de imunidade exerce a função de colaborar, de uma forma especial, no desenho das competências impositivas. São normas constitucionais. Não cuidam da problemática da incidência, atuando em instante que antecede, na lógica do sistema, ao momento da percussão tributária. Já a isenção se dá no plano da legislação ordinária. Sua dinâmica pressupõe um encontro normativo, em que ela, regra de isenção opera como expediente redutor do campo de abrangência dos critérios da hipótese ou da consequência da regra-matriz do tributo (…).”[3] Para Luciano Amaro: “Se o ordenamento jurídico declara situação não tributável, em preceito constitucional, temos a hipótese de imunidade tributária. Se a lei exclui a situação, subtraindo-a da regra de incidência estabelecida sobre o universo de que ela faz parte, temos a isenção.”[4] Bem entendido o que é isenção e sua diferença em relação a institutos afins como a imunidade, a não incidência e a alíquota zero, passaremos à análise da possibilidade de concesão de isenção de tributos estaduais e municipais pela República Federativa do Brasil em Tratados internacionais. 2. A veiculação em tratados internacionais de isenções de tributos estaduais e municipais Os tratados internacionais, à exceção dos tratados de veiculem direitos humanos, que podem apresentar natureza constitucional ou de norma supralegal, uma vez firmados pela República Federativa do Brasil, ingressam no ordenamento jurídico como lei ordinária. Francisco Resek afirma que “tratado é o acordo formal, concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos[5].” Os tratados, portanto, são firmados por sujeitos de direito internacional público, ou seja por Estados e organismos internacionais. A União, quando firma um tratado internacional, não está se portando como pessoa jurídica de direito público interno, mas sim como pessoa política de direito internacional representante do Estado brasileiro soberano. Assim, o Estado brasileiro, representado pela União, estaria autorizado a instituir isenções, no âmbito do direito internacional, de tributos federais (obviamente), estaduais e municipais. O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 229.096/RS (16/08/07) em que se discutia se seria ou não compatível com a Constituição de 1988 a isenção de ICMS prevista no Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) para importação de mercadorias oriundas dos países signatários quando o similar nacional tem o mesmo benefício, decidiu que “o Estado Federal não deve ser confundido com a ordem parcial do que se denomina União”, já que “é o Estado Federal total (República Federativa) que mantém relações internacionais, e por isso pode estabelecer isenções de tributos não apenas federais mas também estaduais e municipais”, concluindo o STF que “é dado à União, compreendida como Estado Federal total, convencionar no plano internacional isenção de tributos locais”. Além disso, a possibilidade da União, representando o Estado brasileiro no plano internacional, isentar tributos estaduais e municipais não implica ofensa ao disposto no art. 151, III, da Constituição Federal de 1988, pois uma isenção tributária concedida em tratado internacional decorre de manifestação do Estado brasileiro globalmente considerado, no qual estão incluídos todos os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Assim, não se pode falar de ofensa à vedação de concessão de isenções heterônomas prevista no art. 151, III, da Constituição Federal de 1988. A ementa do RE 229.096/RS é expressa neste sentido: “No direito internacional apenas a República Federativa do Brasil tem competência para firmar tratados (art. 5º, § 2º, da Constituição da República), dela não dispondo a União, os Estados-membros ou os Municípios. O Presidente da República não subscreve tratados como Chefe de Governo, mas como Chefe de Estado, o que descaracteriza a existência de uma isenção heterônoma, vedada pelo art. 151, inc. III, da Constituição.  (destacado)” Assim, o art. 151, III, da Constituição Federal de 1988, ao vedar que a União institua isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal e Municípios, ou seja, ao impossibilitar as isenções heterônomas, refere-se ao âmbito das entidades federadas entre si, não tendo por objeto a União quando esta se apresenta na órbita internacional. Conclusões A União, ao atuar como representante da República Federativa do Brasil quando celebra tratados internacionais, pode conceder isenção relativa a tributos federais, estaduais e municipais, não se configurando hipótese de isenção heterônoma, vedada pelo art. 151, III, da Constituição Federal de 1988, pois se trata de manifestação do Estado brasileiro globalmente considerado.
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PEC 233/2008: Reforma Tributária, federalização do ICMS e sua (in)constitucionalidade
Desde o início de 2003, o Brasil vem se deparando com a insistência do Governo Federal em implantar uma reforma tributária. Nesse período se travaram muitos debates na sociedade, no Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), que é o órgão colegiado dos secretários de Fazenda e Finanças dos Estados, assim como, no Congresso Nacional, além de reuniões do presidente com os governadores de Estado. Porém, nos discursos e nas matérias discutidas sempre foi visada, na verdade, não uma reforma tributária que pudesse atender os anseios da população brasileira, mas sempre se debateu num ponto central que é a federalização do ICMS, usando-se, como desculpa, a guerra fiscal entre os Estados. O problema maior reside na perda do direito dos Estados legislarem, passando para o Congresso Nacional essa incumbência, principalmente num país como o nosso, permeado de desigualdades regionais, sociais, culturais e econômicas, enfim, um Brasil rico em desigualdades.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO Foi submetida ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República a PEC 233/2008, que altera o Sistema Tributário Nacional trazendo grandes mudanças no cenário político-tributário nacional. Segundo os autores da proposta, os objetivos principais da Proposta são: simplificar o sistema tributário nacional, avançar no processo de desoneração tributária e eliminar distorções que prejudicam o crescimento da economia brasileira e a competitividade das empresas, principalmente no que diz respeito à chamada “guerra fiscal” entre os Estados. Adicionalmente, a Proposta amplia o montante de recursos destinados à Política Nacional de Desenvolvimento Regional e introduz mudanças significativas nos instrumentos de execução dessa Política. Com estas mudanças, pretende-se instituir um modelo de desenvolvimento regional mais eficaz que a atração de investimentos através do recurso à “guerra fiscal”, que tem se tornado cada vez menos funcional, mesmo para os Estados menos desenvolvidos. Para alcançar esses objetivos, a Proposta de Emenda à Constituição introduz uma série de mudanças na estrutura de tributos da União e dos Estados. Mudanças essas que centralizam a discussão  acerca da retirada da autonomia dos Estados para legislar seus tributos. Contra-balanceando essa idéia, temos o debate sobre a Constitucionalidade dessa possível Emenda, caso venha a ser aprovada. O Inciso II, do Art. 155, da Lei Maior, dispõe, in verbis: “Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”.   A PEC 233 propõe a revogação do inc. II, do Art. 155 da CF/88  e a inclusão do Art. 155-A na Constituição.  A principal alteração no modelo é que o novo ICMS contempla uma competência conjunta para o imposto, sendo mitigada a competência individual de cada Estado para normatização do tributo. Assim, esse imposto passa a ser instituído por uma lei complementar, conformando uma lei única nacional, e não mais por 27 leis das unidades federadas. Resta discutirmos se essa supressão da autonomia legislativa dos estados pela união seria uma inconstitucionalidade flagrante dos termos da atual constituição ou se realmente resolveria a “guerra fiscal” entre os Estados, remetendo às mãos do governo federal a capacidade de legislar livremente a cerca dos tributos  das diversas entidades da federação e da arrecadação e repartição da receita tributária.  2 O PROJETO DE REFORMA A discussão sobre a reforma tributária está bem avivada no Brasil. A última mudança ampla do sistema tributário aconteceu através da promulgação da Constituição de 1988. Naquele momento, a reforma tributária ocorreu no sentido de ampliar os mecanismos de tributação. Passados menos de 20 anos, a profundidade das mudanças ocorridas na economia, na sociedade e na política exige uma reforma também de longo alcance, porém com objetivos distintos. Uma verdadeira reforma tributária deveria diminuir o peso dos tributos na economia. Um segundo objetivo seria simplificar o sistema, reduzindo custos de administração para o governo e para o contribuinte. Entretanto, as propostas em discussão indicam que estamos longe destes objetivos. A União, centralizou a reforma na federalização da principal receita dos Estados, o ICMS. No plano federal, a PEC 233/2008 propõe algumas mudanças no modelo de tributação, propondo uma grande simplificação, através da consolidação de tributos com incidências semelhantes. Neste sentido, propõe-se à unificação de um conjunto de tributos indiretos incidentes no processo de produção e comercialização de bens e serviços, a saber: a contribuição para o financiamento da seguridade social (Cofins), a contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e a contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível (CIDE-Combustível). Outra importante simplificação que está sendo proposta é a incorporação da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) ao imposto de renda das pessoas jurídicas (IRPJ), dois tributos que têm a mesma base: o lucro das empresas.  Propõe-se ainda, uma importante medida de desoneração da folha de pagamentos dos trabalhadores, mediante a substituição da contribuição social do salário-educação por uma destinação da arrecadação federal.  Na mesma linha da desoneração da folha de pagamento, no art. 11 da PEC, prevê que a lei estabelecerá reduções gradativas da contribuição patronal sobre a folha, nos anos subseqüentes ao da reforma, devendo o Poder Executivo encaminhar o respectivo projeto de lei no prazo de até 90 dias da promulgação da Emenda. No plano Estadual, a principal alteração no modelo é que o novo ICMS contempla uma competência conjunta para o imposto, sendo mitigada a competência individual de cada Estado para normatização do tributo. Assim, esse imposto passa a ser instituído por uma lei complementar, conformando uma lei única nacional, e não mais por 27 leis das unidades federadas. 3 DISCUSSÃO SOBRE A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA REFORMA TRIBUTÁRIA O Art. 60, § 4º, inciso I da Constituição Federal, proíbe proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado.  Mesmo assim, a PEC 233/2008 vem passando por todos os trâmites legais e está muito perto tornar uma Emenda. O último passo conquistado foi o voto do Deputado Leonardo Picciani, relator da CCJ, o qual transcrevemos sua conclusão logo abaixo: “A fim de contemplar todas as adequações previstas no presente voto, elaboramos um substitutivo, muito mais por questão de forma do que de conteúdo, haja vista a diversidade de emendas de relator que seriam necessárias ao ajuste do texto, de modo a se concluir pela admissibilidade da presente Proposta de Emenda à Constituição. Isso posto, somos pela admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional nº 233, de 2008, na forma do substitutivo em anexo.” Em Emenda à Proposta de Emenda à Constituição nº 233/2008, elaborada pelo Deputado Chico Lopes, assevera que: “Objetivamos, com esta emenda a manutenção do princípio do federalismo. Não existe federalismo, sem o federalismo fiscal, que se caracteriza, principalmente, pela capacidade que têm os entes federados de terem suas receitas originárias ou próprias e de terem sobre elas a autonomia em relação à competência tributária. A atual constituição federal tem o sistema rígido de competência tributária, definindo os impostos da União, dos Estados e Distrito Federal e dos Municípios, delimitando o já falado federalismo fiscal, que, a nosso entender, é uma cláusula pétrea. As cláusulas pétreas, por sua vez, só poderão ser objeto de alteração, mediante a realização de uma nova Assembléia Geral Constituinte, que não é o caso da presente reforma constitucional. Por isto a denominação cláusula pétrea (de pedra), inamovível, irrevogável, inalterável. A cláusula pétrea assim não pode ser mais ou menos pétrea, ou ela é ou não o é, sendo inadmissível uma relatividade. Ora, a) se o federalismo implica, necessariamente, em federalismo fiscal; b) se o federalismo fiscal caracteriza-se pela existência de receitas originárias, advindas da competência plena (jurídica e financeira) para que se possa, efetivamente, bem administrar os impostos de cada ente federado; c) se hoje isto faz parte do texto constitucional; qualquer alteração deste sistema rígido de tributação, à evidência, é tendente de abolir o federalismo. Com efeito, o §4º, do artigo 60, da Constituição Federal diz que “não será objeto de deliberação proposta de emenda TENDENTE a abolir a forma federativa a Estado”. (Grifo nosso) O termo tendente traduz-se como no sentido de, com possibilidade de. A Constituição não exige, portanto, uma intenção expressa e dirigida, ou seja, um texto claro e preciso asseverando que tal emenda queira, efetivamente, abolir o federalismo. Poder-se-ia, por outro lado, propor emendas pontuais, sob este aspecto. Inobstante, todo o sentido, toda a filosofia que se fez mister para a criação deste art. 155-A se fundamenta no ICMS centralizado, tornando-se, portanto, necessária própria exclusão ou supressão de todo o artigo. Com isto podemos afirmar que, nesse caso, a PEC-233/08, por modificar a estrutura rígida contidas no atual sistema tributário – tirando a autonomia fiscal dos Estados – apresenta dispositivos, com forte tendência a abolir a forma federativa de Estado.” Percebemos que alguns pontos da tão esperada Reforma Tributária, da maneira como está sendo conduzida, está tendendo para uma afronta ao federalismo. Muitos estudiosos do assunto, entendem que o projeto de Reforma Tributária, de autoria do governo federal, traz em seu bojo um pacote de alterações prejudiciais aos estados brasileiros. Coloca-se em cheque um dos mais caros princípios constitucionais: a forma federativa de Estado Brasileiro. (art. 60, § 4º, inciso I, CF). A reforma não é neutra, como vem afirmando o governo federal. Ao contrário, ela estabelece um fortalecimento do poder central, nunca experimentado no Estado brasileiro. Também não é neutra sob o ponto de vista da arrecadação de impostos, já que a criação do IVA-F mostra inequívocos sinais de que haverá substancial aumento da já robusta receita da união. A proposta enfraquece e subjuga os Estados e Municípios à União, transformando o pacto federativo em dispositivo constitucional, meramente decorativo.  Os incentivos que os Estados concedem são necessários para a atração de novas empresas, para a verticalização da produção, para a geração de emprego e renda, e acima de tudo, para a viabilização do Estado nas suas economias para que, ao longo dos anos possa diminuir suas desigualdades, tanto micro-regionais quanto sociais. As principais mudanças no carro chefe da arrecadação dos Estados, o ICMS, que se aprovada a emenda da Reforma Tributária, passará  a ser chamado de IVA-E, são: será instituído conjuntamente, por meio de lei complementar, ou seja, por norma aprovada pelo legislativo federal; ficará totalmente engessado, não sendo permitido aos legislativos estaduais terem qualquer ingerência sobre ele, já que ficará vedada a adoção de norma estadual para regrar imposto de competência estadual; todas as alíquotas serão estabelecidas pelo Senado Federal; caberá à lei complementar específica do ICMS, de iniciativa dos Estados, Senado Federal e do Presidente da República: a) disciplinar o processo administrativo fiscal, b) dispor sobre o processo administrativo penal, dispor sobre sanções aplicáveis aos Estados e Distrito Federal, d) dispor sobre a criação e competência de um SUPERCONFAZ que será presidido por representante da União, e terá atribuições e poderes exclusivos de editar regulamento único, fixar formas e prazos de recolhimento do imposto e autorizar transação, anistia, remissão e moratória. Analisando a PEC 233/2008 detalhadamente, podemos encontrar diversos dispositivos que são claramente contra os preceitos enumerados na atual Constituição Federal, levando a uma verdadeira falácia legal. Citamos, por exemplo: “155-A § 3º – Relativamente a operações e prestações interestaduais, nos termos de lei complementar: III – poderá ser estabelecida a exigência integral do imposto pelo Estado de origem, hipótese na qual: a) o Estado de origem ficará obrigado a transferir o montante equivalente ao valor do imposto de que trata o inciso I ao Estado de destino, por meio de uma câmara de compensação entre as unidades federadas; b) poderá ser estabelecida a destinação de um percentual da arrecadação total do imposto do Estado à câmara de compensação para liquidar as obrigações do Estado relativas a operações e prestações interestaduais.” Este artigo fere visivelmente a cláusula pétrea do federalismo, porque privilegia o Estado de origem, que reterá o imposto do Estado de destino, circulando – ali – a riqueza que é produzida no Estado de destino, mesmo que por certo lapso de tempo, sem cobrança de quaisquer juros ou encargos financeiros, e de como o Estado de destino terá sua receita, efetivamente, paga. Isto gera insegurança de como o Estado de destino terá sua receita, deixando-o em situação inferior ao Estado de origem. Outro dispositivo que fere o principio do federalismo, encontra-se no Art. 155, § 5º da PEC 233/2008, in verbis: “O imposto terá regulamentação única, sendo vedada a adoção de norma estadual, ressalvadas as hipóteses previstas neste artigo”.  Esse comando legal reduz acentuadamente a autonomia dos Estados, limitando-a a casos simples e especialíssimos, comprometendo o princípio do federalismo. Em outras palavras, esta vedação exclui dos Estados a competência para legislar sobre o ICMS, dando início à centralização do ICMS. Observe-se, ainda, que os Estados e o Distrito Federal não poderão, sequer, legislar sobre matéria não disciplinada na lei complementar. 4 A REFORMA TRIBUTÁRIA NA VISÃO GOVERNO FEDERAL Segundo o governo federal, a Reforma Tributária eliminará os obstáculos para uma produção mais eficiente e menos custosa, reduzirá a carga fiscal que incide sobre produtores e consumidores, estimulará a formalização e permitirá o desenvolvimento mais equilibrado de Estados e Municípios. O ponto principal da reforma tributária é a chamada “guerra fiscal” entre os Estados. Eles vêm concedendo benefícios fiscais mediante negociações caso a caso e sem qualquer coordenação, produzindo uma verdadeira anarquia tributária, gerando uma enorme insegurança para os investidores.  Leva ainda à ineficiência econômica e ao deslocamento improdutivo de mercadorias entre Estados. Em muitos casos – principalmente em modalidades predatórias como a guerra fiscal no comércio atacadista – o benefício depende apenas do trânsito da mercadoria pelo Estado que concede o incentivo, contribuindo para o congestionamento da malha de transportes. 4.1 SIMPLIFICAÇÃO DOS TRIBUTOS FEDERAIS A principal mudança proposta no âmbito dos tributos federais é a extinção, no segundo ano após a aprovação da Reforma, de cinco tributos e a criação de um novo imposto sobre o valor adicionado (IVA-F), mantendo neutra a arrecadação. Neste sentido, seriam extintas a Cofins, a Contribuição para o PIS, a CIDE-Combustíveis e a Contribuição sobre folha para o Salário Educação, cuja receita seria suprida pelo IVA-F. Adicionalmente, propõe-se a extinção da CSLL, que seria incorporada pelo imposto de renda das pessoas jurídicas. 4.2 SIMPLICAÇÃO DO ICMS A principal medida de simplificação proposta no projeto de Reforma Tributária é a unificação das 27 legislações estaduais do ICMS em uma única legislação. A mudança será feita com a extinção do atual ICMS e a criação de um “Novo ICMS”, que tem a mesma abrangência em termos de mercadorias e serviços do atual. No novo imposto, que continuará sendo cobrado pelos Estados, as alíquotas serão nacionalmente uniformes. 4.3 FIM DA GUERRA FISCAL Um dos principais objetivos da proposta de Reforma Tributária é acabar com a guerra fiscal entre os Estados, que hoje tem um impacto negativo sobre o crescimento. A forma mais segura de eliminar a guerra fiscal é modificando a cobrança do ICMS nas transações interestaduais, fazendo com que o imposto seja devido ao Estado de destino. A proposta é que no Novo ICMS seja mantida uma alíquota de 2% no Estado de origem nas transações interestaduais. A desoneração do novo ICMS ocorreria gradualmente, conforme tabela abaixo: 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Grandes debates têm acontecido em todo o Brasil acerca da temática “reforma tributária”. União, Estados e Municípios procuram um caminho onde possam trilhar em conjunto de forma a pacificar o tema. O governo federal  com o objetivo de acelerar ainda mais o crescimento econômico e  de reduzir as desigualdades sociais e regionais, tem negociado com os outros entes da federação a implantação da reforma. Para a União, a Reforma Tributária eliminará os obstáculos para uma produção mais eficiente e menos custosa, reduzirá a carga fiscal que incide sobre produtores e consumidores, estimulará a formalização e permitirá o desenvolvimento mais equilibrado de Estados e Municípios. Já para os Estados, a reforma traria um aumento da arrecadação, por conta da redução da sonegação e do fim da guerra fiscal e a adoção de mecanismos eficazes de desenvolvimento das regiões menos desenvolvidas do País, através do aprimoramento da política de desenvolvimento regional. Por outro lado, diversas entidades têm se reunido e discutido a questão, trazendo o argumento  de que alguns artigos da PEC 233/2008 estariam atentando contra o princípio do federalismo. Esses dispositivos retiram dos Estados e Municípios o direito de legislarem autonomamente acerca de seus tributos, constitucionalmente preceituados na atual Constituição Federal. Entendemos que a Reforma Tributária é uma boa proposta e deve ser realizada imediatamente, pois possuímos uma das maiores cargas tributária do mundo. Contudo, não podemos aceitar que em nome dessa desoneração tributária, sejamos levados a desrespeitar nossa Constituição que assegura aos Estados e Municípios ampla autonomia para legislar e fiscalizar os tributos de sua competência, nos termos da Lei maior. Uma Reforma Tributária nos moldes da que está sendo discutida é flagrantemente inconstitucional, pois retira dos Estados e dos Municípios o direito de poderem lidar com sua competência e capacidade tributária. Leva a uma centralização da arrecadação e da fiscalização pela União dos tributos dos outros entes da federação. Imaginarmos que a União será capaz de conhecer e combater as desigualdades regionais nas mais distantes localidades de nosso vasto país, não passa de uma ilusão. A “guerra fiscal” que o governo está tentando combater nos Estados, é a única forma que eles têm de tentar reduzir a grande discrepância entre os setores econômicos de nossa sociedade. São forçados, assim, a ter que fornecer benefícios para algumas empresas ou setores, em nome da oportunidade de gerar empregos e, assim, tornar a sociedade mais eqüitativa. Deve-se, assim, discutir mais profundamente o tema, observando os princípios de maior valor axiológico dispostos em nossa Constituição. É preciso rever alguns dispositivos da PEC 233/2008 para que possamos tornar nosso país mais avançado economicamente e principalmente, mais justo. Onde o valor dos tributos que somos obrigados a repassar ao Estado seja efetivamente aplicado e que possamos usufruir de educação, saúde, moradia, saneamento básico, segurança e todas as outras benesses de vivermos num país como o Brasil.
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Fato Gerador x Hipótese de Incidência e a tributação de atividades ilícitas
Embora o CTN algumas vezes trata fato gerador como sinônimo de hipótese de incidência o fato é que ambos são institutos diferentes. Outrossim, poderá haver tributação de atividades ilícitas e ilegais, nos termos do legislação tributária pátria.
Direito Tributário
Resumo: Embora o CTN algumas vezes trata fato gerador como sinônimo de hipótese de incidência o fato é que ambos são institutos diferentes. Outrossim, poderá haver tributação de atividades ilícitas e ilegais, nos termos do legislação tributária pátria. Fato gerador e hipótese de incidência são coisas distintas. O Código Tributário Nacional por vezes é impreciso na distinção quando trata como fato gerador tanto a abstração inserta na lei quanto a concretização observada no mundo, v. g., no artigo 114 do mencionado Código (Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência). Entretanto, não há como denominar de fato gerador uma situação abstrata, vez que o vocábulo “fato” é algo efetivamente realizado, concreto, daí o motivo da preferência em distinguir o “fato gerador” da “hipótese de incidência”. Fazer a distinção afasta a imprecisão e ajuda na compreensão didática do tema. Assim, fato gerador pode ser considerado como o fato efetivamente realizado, materializado. É a realização concreta de um comportamento descrito na norma, cuja observação faz nascer uma obrigação jurídica, bem como define juridicamente a natureza do tributo. O eminente professor Sabbag (2011, p. 672) aduz que “fato gerador ou ‘fato imponível’, nas palavras de Geraldo Ataliba, é a materialização da hipótese de incidência, representando o momento concreto de sua realização, que se opõe à abstração do paradigma legal que o antecede”. Não podemos olvidar que há exceções no tocante aos tributos finalísticos, uma vez que o fato gerador dos mesmos torna-se irrelevante, pois o que interessa é a finalidade para o qual foram instituídos, como por exemplo, os empréstimos compulsórios. Já a hipótese de incidência é a abstração legal de um fato, ou seja, é aquela situação descrita na lei cuja previsão é abstrata, tratando-se, pois, de uma “hipótese” que poderá vir a ocorrer no mundo dos fatos, e que, uma vez realizada, se concretiza como fato gerador. Sabbag (2011, p. 672), com a precisão didática que lhe é peculiar, afirma: “hipótese de incidência é a situação descrita em lei, recortada pelo legislador entre inúmeros fatos do mundo fenomênico, a qual, uma vez concretizada no fato gerador, enseja o surgimento da obrigação principal (…)”. Noutro prisma, impende destacar que a tributação deverá incidir sobre atividades lícitas, ilícitas ou imorais, porque para o direito tributário não importa se a situação concreta ou a natureza do objeto do ato que ensejou a ocorrência do fato gerador é proibido, permitido ou nulo. Uma vez ocorrida concretamente a situação e o verbo previstos na norma, o tributo é devido. Estamos diante do Princípio do pecunia non olet, donde podemos extrair que o Direito Tributário somente se preocupa com a relação econômica proveniente de um negócio jurídico, afastando a validade jurídica dos atos concretamente praticados. É o que diz o artigo 118 do CTN. Vejamos: “Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.” O clássico exemplo citado pela doutrina é o do traficante que aufere renda, mesmo proveniente da sua atividade criminosa, passando ele a ser devedor do imposto de renda, porque o dever de pagar o tributo surgiu com a ocorrência no mundo concreto de uma hipótese prevista abstratamente em lei, cujos ganhos obtidos resultam em aumento patrimonial, ou seja, há a ocorrência da disponibilidade econômica. É o que diz o artigo 43 e parágrafos do CTN. Vejamos: “Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:  I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. § 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. § 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo”. Comentando o assunto, Alexandre (2009, p. 255) exemplifica assentando o seguinte: “Assim, por exemplo, os requisitos para que se considere válido um negócio jurídico sob a ótica do direito civil (agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei – CC, art. 104) são irrelevantes para se interpretar a definição legal de fato gerador.” Como visto, se porventura inexistir capacidade civil na realização de um negócio jurídico, para o diploma civilista o negócio será inválido. Já para o direito tributário, a referida capacidade não é importante, bastando que ocorra na órbita dos fatos uma situação que a norma define como necessária para que nasça a obrigação tributária com a consequente cobrança do tributo. Vale dizer, à luz do que ensina o direito tributário e diante da observância do seu fato típico, aos atos nulos, ilícitos ou imorais, deve ser dada uma interpretação objetiva do fato gerador. Sobre o tema, o STJ tem assim se pronunciado: “TRIBUTÁRIO. APREENSÃO DE MERCADORIAS. IMPORTAÇÃO IRREGULAR. PENA DE PERDIMENTO. CONVERSÃO EM RENDA. 1. Nos termos do Decreto-lei nº 37/66, justifica-se a aplicação da pena de perdimento se o importador tenta ingressar no território nacional, sem declaração ao posto fiscal competente, com mercadorias que excedem, e muito, o conceito de bagagem, indicando nítida destinação comercial. 2. O art. 118 do CTN consagra o princípio do “non olet”, segundo o qual o produto da atividade ilícita deve ser tributado, desde que realizado, no mundo dos fatos, a hipótese de incidência da obrigação tributária. 3. (…)” (REsp 984.607/PR, relator Min. Castro Meira, 2ª Turma, julgado em 07.10.2008). E também o STF: “EMENTA: Sonegação fiscal de lucro advindo de atividade criminosa: “non olet”. Drogas: tráfico de drogas, envolvendo sociedades comerciais organizadas, com lucros vultosos subtraídos à contabilização regular das empresas e subtraídos à declaração de rendimentos: caracterização, em tese, de crime de sonegação fiscal, a acarretar a competência da Justiça Federal e atrair pela conexão, o tráfico de entorpecentes: irrelevância da origem ilícita, mesmo quando criminal, da renda subtraída à tributação. A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso – antes de ser corolário do princípio da moralidade – constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética.” (HC 77.530/RS,  relator Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, julgado em 25.08.1998). Diante das considerações acima despendidas, pode-se concluir que fato gerador e hipótese de incidência são institutos diferentes (embora em algumas passagens do CTN eles se confundem) onde o primeiro é o fato concretamente realizado conforme descrito na norma e o segundo é a abstração legal que descreve um fato relevante para o direito tributário. Outrossim, a realização de uma atividade ilícita pode perfeitamente ensejar a incidência tributária, prestigiando o princípio do pecunia non olet, cuja materialização da hipótese de incidência com a concretização de um fato que a mesma descreve já é suficiente para nascer a obrigação tributária e o dever de pagar tributos, seja por ato lícito, ilícito ou imoral, mormente quando o direito tributário se preocupa é com a relação econômica advinda do negócio jurídico. Posto isso, veja que a incidência do referido princípio deve ser aplicado em sua plenitude, pois prestigia a isonomia e a igualdade da tributação, bem como procura desestimular as práticas criminosas, já que não serão isentas de tributação as atividades ilícitas e ilegais, gerando assim, a redução dos lucros almejados pelos praticantes das atividades irregulares. Note-se, por fim, que não estamos a falar em normas tributárias que regulam hipóteses de incidência de comportamentos ilegais, o que seria, por óbvio, proibido. O que é permitido é que atividades ilícitas podem sofrer a incidência tributária quando praticados fatos que se subsumem à hipóteses de incidência previstas em normas lícitas, gerando o dever de tributar. Ora, não se pode criar uma lei prevendo a cobrança de tributos sobre a venda de drogas, mas pode-se perfeitamente haver incidência tributária sobre a atividade ilícita do comércio de entorpecentes no caso do agente obter renda com o comércio ilegal.   Referência bibliográfica SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3ª ed. atual. ampl. São Paulo: Método, 2009. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 07 de abril de 2011. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 07 de abril de 2011. Advogado. Pós-graduando lato sensu em direito público e pós-graduando em ciências penais.
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A denúncia espontânea à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
O presente trabalho intelectual tem por escopo dissecar o instituto da denúncia espontânea de tributos, abordando as principais decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema. Pretende-se apresentar à comunidade jurídica uma suma do entendimento da Corte, com vistas a facilitar a compreensão das razões que levaram à consolidação da jurisprudência e ofertar subsídios para aqueles que atuam nesse segmento do Direito Tributário.
Direito Tributário
1. Introdução A denúncia espontânea de infrações é instituto consagrado no Direito Tributário Brasileiro. Está descrito no artigo 138 do Código Tributário Nacional e caracteriza-se por ser uma espécie de benesse legal para aqueles que cometeram ilícitos tributários, mas temem que a Administração Tributária venha a descobrir e punir severamente tais atos. Trata-se da instauração de um verdadeiro conflito psicológico entre contribuinte e Fisco, de modo que, ante a possível imposição de sanção, vê-se o sujeito passivo impelido a confessar a prática das infrações e, com isso, ver-se livre das pesadas multas tributárias. A gênese do instituto está na constatação inequívoca de que o ser humano, diante de certas regras dotadas de menor legitimidade social, só as cumpre quando ameaçados pela sanção estatal. Assim ocorre com os tributos que, face à ineficiência estatal na aplicação dos recursos, são considerados pela sociedade como verdadeiro estorvo, que deve ser tolerado e, se possível, excluído. O presente trabalho abordará, inicialmente, o conceito e as principais características da denúncia espontânea e, em seguida, tratará das controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais que envolvem a aplicação de referido instituto, concentrando-se na análise de quatro situações que foram bastante discutidas pelos Tribunais brasileiros, quais sejam: a inaplicabilidade da denúncia espontânea no descumprimento de obrigações tributárias acessórias; a súmula 360 do STJ e os tributos declarados, mas pagos a destempo; o parcelamento e a denúncia espontânea; e a (in)aplicabilidade da denúncia espontânea às multas de mora. 2. Conceito e imprecisão terminológica O artigo 138 do Código Tributário Nacional estabelece a definição da denúncia espontânea: “Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.” Inicialmente, impende destacar mais uma das inúmeras imprecisões terminológicas do Código Tributário brasileiro. Como se vê, o caput do artigo 138 aduz que a responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea. No entanto, é o próprio sujeito passivo quem avisa à Administração Tributária que cometeu ilícito tributário, o que caracteriza não uma denúncia, mas sim uma confissão. Isso porque a denúncia ocorre quando alguém aponta fato de terceiro, enquanto a confissão caracteriza a assunção de ato próprio. Superada a questão terminológica, sem mais implicações práticas, cabe analisar amiúde o artigo 138 do CTN. Conforme se observa, o dispositivo fala em denúncia espontânea. O que significaria, portanto, essa espontaneidade? Socorrendo-se das lições do Direito Penal, quando trata da desistência voluntária e do arrependimento eficaz, é de ver-se que a espontaneidade é aquela iniciativa que parte do próprio agente, sem que seja induzido ou compelido à prática do ato. De outro lado, há a voluntariedade, que pode derivar de conselhos ou de avisos de terceiros. Novamente, poderia o Código ter tratado da voluntariedade em vez da espontaneidade, haja vista que o que se veda é que o contribuinte, sabendo que seus ilícitos foram descobertos, antecipe-se e os confesse. Não se proíbe, por outro lado, que o sujeito passivo seja aconselhado por alguém a declarar a prática dos ilícitos. Em outras palavras, a idéia de confessar a prática da infração não precisa brotar espontaneamente do sujeito passivo, dado que outros podem aconselhá-lo a tanto, desde que não seja determinada pela notícia de que o Fisco já descobriu o cometimento dos ilícitos por parte do contribuinte. Para aferir a espontaneidade, o CTN erigiu um critério legal de relativa precisão, constante no parágrafo único do artigo 138. Eis sua redação: “Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.” De acordo com o dispositivo em comento, somente cessará a espontaneidade no momento em que se inicie procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração. Dessume-se, portanto, que deve haver procedimento formal no âmbito da Administração Tributária, delimitando especificamente os tributos e os períodos de análise de sua regularidade. Essa interpretação garante que possa o contribuinte manter situação de espontaneidade quanto a outros tributos, a par do efetivamente investigado. Sobre o tópico, lembra Luciano Amaro: “Por outro lado, não basta o início de qualquer procedimento ou a existência de qualquer medida de fiscalização por parte da repartição fiscal competente para apurar a infração praticada. É necessário, além disso, que a atuação do Fisco esteja relacionada com a infração, no sentido de que o prosseguimento normal dos trabalhos tenha a possibilidade (não a certeza) de identificar a prática da infração. Se a medida de fiscalização diz respeito limitadamente ao exame de determinado assunto, e a infração se refere à matéria estranha àquela que esteja sendo objeto da investigação, a espontaneidade não estará afastada.”[1] Além da existência de procedimento formalmente instaurado, é necessária a efetiva ciência do sujeito passivo para fins de cessação da espontaneidade. Afinal, pode correr processo administrativo por longos anos sem que o contribuinte saiba ao menos de sua existência. Novamente, o mestre Luciano Amaro ensina que: “Não é, pois, qualquer possível motivação externa à vontade do infrator que exclui sua espontaneidade, para os efeitos do artigo em estudo: requer-se a existência de um procedimento fiscal ou medida de fiscalização que já tenha tido início; obviamente, não se pode tratar de procedimento ou medida interna corporis, que a fiscalização tenha implementado, mas de que ainda não tenha dado ciência ao infrator. A ciência deste é necessária para o efeito em análise.[2]“ No âmbito federal, o legislador regulou expressamente o parágrafo único do artigo 138, de modo que há um momento exato para a exclusão da espontaneidade. Interessante observar que os demais entes federativos adotam critérios semelhantes aos da União em seus respectivos territórios. Segue o teor do artigo 7º do Decreto 70.235/1972 e seu parágrafo 1º: “Art. 7º O procedimento fiscal tem início com: I – o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto; II – a apreensão de mercadorias, documentos ou livros; III – o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada. § 1° O início do procedimento exclui a espontaneidade do sujeito passivo em relação aos atos anteriores e, independentemente de intimação a dos demais envolvidos nas infrações verificadas.” Impende destacar que os atos que iniciam o procedimento, conforme o artigo 7º supra, são todos atos que, inequivocamente, geram a ciência do sujeito passivo. O parágrafo 1º reafirma, ainda, a exclusão de espontaneidade e aduz que ela se estende aos demais envolvidos nas infrações verificadas. Ora, nada mais justo, afinal não seria razoável imaginar-se que co-autor de infração tributária venha a desconhecer atividade do Fisco no sentido de investigar o cometimento de infração da qual foi protagonista. Eventual denúncia espontânea certamente estaria eivada da ciência do envolvido quanto ao conhecimento do Fisco, ressentindo-se, portanto, de verdadeira espontaneidade. 3. Inaplicabilidade da denúncia espontânea no tocante ao descumprimento de obrigações acessórias. Alguns autores de grande quilate defendem a tese de que a denúncia espontânea é aplicável, também, ao inadimplemento de obrigações tributárias formais ou acessórias. Tais autores fundam seu entendimento, essencialmente, na interpretação literal do artigo 138 do Código Tributário Nacional, que aduz que “a responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora”.  Segundo eles, a expressão “se for o caso” abre a possibilidade de denúncia espontânea em situações onde não há pagamento de tributo, o que corresponderia a obrigações formais. A interpretação desse dispositivo é dada por tais doutrinadores da seguinte forma: a responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso de obrigação tributária principal, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora. Nesse sentido, o legislador estaria abrindo oportunidade para, se for o caso de obrigação tributária formal, excluir-se, também a responsabilidade, ainda que sem pagamento do tributo devido e dos juros de mora, eis que não gerados pelo descumprimento da obrigação formal. Encampando referida tese, o mestre Hugo de Brito Machado ministra: “Como a lei diz que a denúncia há de ser acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido, resta induvidoso que a exclusão da responsabilidade tanto se refere a infrações das quais decorra o não pagamento do tributo como a infrações meramente formais, vale dizer, infrações das quais não decorra o não pagamento do tributo.[3]” Entretanto, data vênia, a inclusão da expressão “se for o caso”, pelo legislador, não necessariamente induz à compreensão de que se estendeu a benesse da denúncia espontânea às obrigações acessórias. Há casos em que a confissão do sujeito passivo quanto ao descumprimento de obrigação tributária principal não necessitará de pagamento do tributo devido e dos juros de mora. É o caso, por exemplo, do Imposto de Renda retido na fonte, onde a confissão posterior do sujeito passivo oportunizará apenas uma menor restituição de valores, não se exigindo nenhum pagamento posterior à denúncia espontânea. Parcela da doutrina entende, portanto, que a expressão “se for o caso” se refere a tais situações excepcionais, não autorizando a aplicação da denúncia espontânea à confissão de infração a obrigações tributárias formais. O Superior Tribunal de Justiça consolidou sua posição no sentido de que não exclui a multa moratória e não se aplica o benefício da denúncia espontânea às responsabilidades acessórias autônomas, sem qualquer vínculo direto com a existência do fato gerador do tributo. Das dezenas de julgados nesse sentido, pode-se destacar, por sua atualidade e clareza, o seguinte: “TRIBUTÁRIO. MULTA MORATÓRIA. ART. 138 DO CTN. ENTREGA EM ATRASO DA DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS. 1. A denúncia espontânea não tem o condão de afastar a multa decorrente do atraso na entrega da declaração de rendimentos, uma vez que os efeitos do artigo 138 do CTN não se estendem às obrigações acessórias autônomas. Precedentes. 2. Recurso especial não provido.” (STJ, Segunda Turma, RESP – RECURSO ESPECIAL – 1129202, Data da Publicação: 29/06/2010) Importante considerar que o Superior Tribunal de Justiça teve a preocupação em delimitar a exclusão do benefício do artigo 138 do CTN às obrigações acessórias autônomas. Obrigações acessórias autônomas são aquelas que estão desvinculadas da obrigação principal. É o caso, por exemplo, da obrigação de não fazer consistente na obrigação de não rasurar a escrituração fiscal. Tais obrigações não repercutem sobre o valor do tributo a ser cobrado. Por outro lado, há obrigações acessórias vinculadas, que são aquelas que interferem no valor do tributo. Exemplo dessas é a obrigação de declarar a ocorrência do fato gerador que, desrespeitada, redunda no desfalque do tributo devido. Impende destacar, também, que, prevalecendo a tese de que a denúncia espontânea exclui a responsabilidade pelo inadimplemento das obrigações formais, os prazos para cumprimento de obrigações acessórias não seriam respeitados. Sobre o assunto, Ricardo Alexandre ensina: “Perceba-se que, se fosse possível aplicar o benefício para tais espécies e obrigações, os prazos seriam desmoralizados, pois o contribuinte poderia deixar para entregar a declaração na semana seguinte ao termo final, visto que seria praticamente impossível ao Fisco formalizar o início de um procedimento contra todos os contribuintes em atraso.[4]“ De fato, o contribuinte não se preocuparia em cumprir suas obrigações no tempo adequado, causando efeitos nefastos à organização e ao desempenho das atividades de fiscalização e cobrança por parte da Administração Tributária. 4. A Súmula 360 do STJ e os tributos declarados, mas pagos a destempo. Na sistemática dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, o sujeito passivo identifica a matéria tributável, efetua declaração e antecipa o pagamento do tributo sem prévio exame da autoridade administrativa que, tomando conhecimento da atividade do sujeito passivo, procede à análise e expressamente a homologa. Nesses tributos, há declaração do contribuinte que, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, constitui por si só o crédito tributário. No plano fático, inúmeras são as situações onde o sujeito passivo efetua declaração, constituindo, portanto, o crédito tributário, mas não procede ao pagamento. Inobstante, requer a aplicação do instituto da denúncia espontânea, sob o argumento de que confessou a existência de obrigação tributária principal. No entanto, tal pleito tem sido reiteradamente rechaçado pelos Tribunais pátrios, fato que levou até mesmo à elaboração de enunciado sumular da lavra do STJ, cuja redação é a seguir expressa: “STJ 360: O benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo.” Impende ressaltar o acerto da decisão, como a seguir será demonstrado. Em primeiro lugar, foge à essência do instituto da denúncia espontânea atribuir a benesse em tais casos. Conforme visto, a denúncia espontânea se aplica naquelas situações em que o contribuinte, ciente de que cometeu infração tributária, teme ser descoberto e, em função desse temor, confessa a prática do ilícito. Em decorrência desse arrependimento, o Fisco premia o contribuinte, excluindo as multas aplicáveis ao caso. Na situação sob análise, a Administração Tributária já sabe de antemão da existência do fato gerador, posto que o próprio contribuinte declarou a sua existência. Assim, falta a principal peculiaridade da denúncia espontânea, qual seja, propiciar, o conhecimento pelo Fisco de fatos geradores antes desconhecidos. Além disso, não há aí a dinâmica fundamental da denúncia espontânea, que se caracteriza por ser um instrumento de pressão sobre o contribuinte que, temendo o pior, confessa que cometeu ilícitos. No caso, o fato gerador desde o início foi confessado. O contribuinte não se vê, portanto, pressionado a se autodenunciar, dado que o que seria objeto de denúncia já é de conhecimento do Fisco. Em segundo lugar, não pode o contribuinte pleitear que a Administração Tributária premie sua mora no adimplemento de suas obrigações tributárias simplesmente porque cumpriu com sua obrigação acessória de efetuar a declaração dos seus tributos. Isso somente ocorre nos casos de efetiva denúncia espontânea porque o Fisco ganha algo em troca: o conhecimento de fatos geradores que desconhecia. Nesse sentido é a jurisprudência consolidada do STJ:
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A antecipação de tutela contra a Fazenda Pública no processo tributário
O presente estudo tem por objetivo analisar o instituto da antecipação de tutela, apontando as principais características e requisitos para sua concessão, bem como a sua aplicabilidade no processo tributário, tendo em vista que o Código Tributário Nacional não dispõe acerca deste instituto. Neste sentido, importante ressaltar que a tutela antecipada foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro com base no princípio constitucional da efetividade, antecipando, de plano, ou no curso da ação, os efeitos da sentença de mérito. Tal instituto tem amparo legal nos artigos 273 e 461 §3º do Código de Processo Civil. É aplicável ao processo tributário, por força do art. 151, V, do Código Tributário Nacional. Assim, o presente estudo demonstrará ser possível a concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, não só pelos motivos acima elencados, mas também demonstrará que muitas das vedações impostas pela jurisprudência não prosperam, haja vista não haver amparo legal para tanto, exceto as vedações impostas pela Lei nº 9.494/97.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente trabalho aborda a temática da possibilidade de concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública no processo tributário. Com o advento da reforma processual de 1994, consagrada pela Lei nº 8.952, foi dada pelo legislador uma nova redação aos art. 273 e 461 do Código de Processo Civil. Nesta nova redação, o legislador permitiu que, desde que presentes os requisitos estabelecidos no referido artigo, em qualquer processo, há a possibilidade de antecipar os efeitos da sentença definitiva de mérito, seja ela de natureza condenatória, declaratória, constitutiva ou mandamental. Posteriormente, com a inovação trazida pela Lei nº 10.444/02, foi introduzida, através do art. 461-A do Código de Processo Civil, a tutela específica para as obrigações de entregar coisa certa, consagrando a última natureza de sentença – de acordo com a teoria adotada pela doutrina- a executiva lato sensu. A abordagem se voltará à possibilidade de concessão destas espécies de tutela antecipada, acima elencadas, contra a Fazenda Pública, tendo em vista que esta possui diversas prerrogativas processuais. Para tanto, a pesquisa se divide em dois capítulos. No primeiro, capitulo, a proposta é resgatar, brevemente, as principais características e etapas da evolução histórica do instituto da antecipação de tutela no processo civil brasileiro. Destaca-se a análise sistemática dos artigos 273 e 461 § 3º do Código de Processo Civil, apontando o surgimento destes institutos, qual o conceito de ambos, os requisitos para a concessão da tutela antecipada, os pressupostos, a decisão que julga tal medida, bem como o recurso cabível e sua execução. Também nesta primeira parte, avalia-se a introdução do instituto da antecipação de tutela à luz de princípios constitucionais. Seguindo o estudo, o segundo capítulo, faz uma abordagem acerca da Fazenda Pública, explicando o significado desta nomenclatura e as prerrogativas do Erário em juízo. São abordadas também as vedações à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, bem como o advento da Lei Complementar nº 104/01, que consagrou o instituto da antecipação da tutela no Código Tributário Nacional, através do artigo 151, V. Por fim, serão aventadas as causas em que é possível a utilização de tal medida no processo tributário. A metodologia utilizada para realização deste trabalho será a pesquisa científica, utilizando aporte doutrinário, jurisprudencial, legal e constitucional para o desenvolvimento do estudo. A idéia, nesta pesquisa, pois, é visar demonstrar claramente que é possível a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, mormente no processo tributário, haja vista que, além de haver previsão legal para tanto, muitas das vedações que são impostas para o indeferimento da medida não tem aporte legal, nem jurisprudencial, e, minoritariamente, doutrinário. 1. A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, PREVISTA NOS ARTIGOS 273 E 461 § 3º, CPC, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 1.1. A INSERÇÃO DO INSTITUTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA GENÉRICA (ARTIGO 273 DO CPC) NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Primeiramente, cumpre esclarecer que, segundo ZAVASKI, o instituto da antecipação de tutela passou a figurar no ordenamento jurídico brasileiro em razão de uma ampla discussão que foi travada acerca da extensão da eficácia das medidas cautelares, tendo em vista que diversos magistrados passaram a antecipar os efeitos da tutela pretendida sem ter o devido cuidado com a reversibilidade ocasionada pela sentença de mérito. Ou seja, as medidas cautelares passaram a ter interpretação extensiva, limitando, ou por vezes até mesmo extinguindo, a eficácia do provimento final.[2] Ao passo que surgia esse novo caráter atribuído as ações cautelares, MARINONI versa em sua obra, que uma nova nomenclatura também foi criada, denominada de ações cautelares satisfativas, o que era completamente errado, haja vista que acautelar, como já diz o próprio nome, é assegurar o direito até a decisão definitiva de mérito, conquanto, os magistrados, a usavam para satisfazer, mesmo que provisoriamente, a tutela pretendida. Em razão da confusão causada pela doutrina e a jurisprudência, sobreveio o precedente para que passassem a existir ações de cognição exauriente[3] com liminar. Ainda, passou a ser aceita a ação cautelar em substituição ao mandado de segurança, quando decorria o seu prazo decadencial, transformando o direito liquido e certo na fumaça do bom direito, tudo isto em razão de não haver a possibilidade de concessão de liminares nas ações de rito ordinário.[4] Desta forma, ZAVASKI diz que passaram a ser travadas intermináveis discussões acerca da antecipação dos efeitos da tutela, bem como o seu alcance e a sua reversibilidade e perecimento, e que o Estado também vinha sendo onerosamente prejudicado com tais decisões. Para conter este prejuízo, o legislador tentou resguardar os efeitos dos atos do Poder Público criando a Lei nº 8.437/92, a qual restringia a concessão de liminares contra a Administração Pública, fato este que só serviu para demonstrar que, ao impor tal restrição, o legislador passa a admitir, mesmo que remotamente, que é possível a concessão de liminares em qualquer processo cautelar.[5] Tais pedidos passaram a ser admitidos, segundo GONÇALVES, em razão de que, antes mesmo da reforma processual de 1994, em algumas ações como: embargos de terceiro, ação possessória, ação popular, ação civil pública, mandado de segurança, ação expropriatória, ação direta de inconstitucionalidade, ação locatícia, liminares nas ações de alimentos de rito especial e em algumas demandas com fundamento no Código de Defesa do Consumidor, já era possível a figura da antecipação da tutela. Ainda nos dias atuais, a doutrina ainda diverge quanto ao marco inicial da antecipação de tutela no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que, mesmo não tendo a nomenclatura atual, tais medidas com este escopo, segundo estes doutrinadores, já eram concedidas. Neste sentido, importante esclarecer que a tutela antecipada só era concedida em algumas ações com o rito especial, obviamente, desde que abrangessem os requisitos da previsão legal da época.[6] Ainda, segundo GONÇALVES, com abrigo nesta teoria, resta claro que, com a reforma processual, buscou-se generalizar a possibilidade da concessão da antecipação da tutela, passando esta a figurar em qualquer processo de conhecimento, deixando de ser um privilégio restrito apenas as ações de rito especial, nas quais houvesse a possibilidade de concessão de tutela antecipada específica.[7] Deste modo, e não tendo mais como conter o fenômeno de decisões provendo a concessão das medidas antecipatórias, e precisando regulá-las, foi instaurada uma reforma no Código Processual Civil para que tal lacuna fosse amplamente preenchida, com os devidos requisitos e limites para a concessão da tutela antecipada, fazendo que esta tivesse regramento próprio possibilitando a sua concessão dentro dos próprios autos do processo principal.[8]  Assim, ZAVASKI explica que, com o advento da reforma processual de 1994, consagrada pela Lei nº 8.952, foi dada pelo legislador uma nova redação ao artigo 273 do Código de Processo Civil[9]. Nesta nova redação, o legislador permitiu que, desde que presentes os requisitos estabelecidos no referido artigo, em qualquer processo, há a possibilidade de antecipar os efeitos da sentença definitiva de mérito.[10] Entretanto, segundo o mesmo autor, desta vez o legislador teve o cuidado de disciplinar de forma procedimental própria e diversa das medidas cautelares, a fim de que fossem dizimadas todas e quaisquer dúvidas ocasionadas pela anterior discussão acerca dos dois institutos, e, com efeito, quando proferida a sentença, passou a garantir a reversibilidade da decisão que antecipou os efeitos da tutela pretendida. Nesta senda, passaram a tornar-se claras as características principais, e que apontam a dicotomia entre os institutos da antecipação de tutela e das medidas cautelares, quais sejam: o caráter satisfativo da tutela na primeira, e o assecuratório do direito na segunda.[11] 1.2. CONCEITO Ao fazer uma breve análise da conceituação da antecipação de tutela, prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, MAUX chega à conclusão que este instituto define-se como a concessão de um provimento liminar, através de decisão interlocutória, que, em caráter provisório, visa permitir ao requerente a fruição ao bem da vida perquirido. Ou seja, entrega, total ou parcialmente, a pretensão deduzida em juízo ou seus efeitos. Por esta razão, se torna uma tutela satisfativa no plano dos fatos. É também, direito subjetivo da parte, tendo em vista não se tratar de simples faculdade ou parcela do poder discricionário do juiz, não podendo ser deferida de ofício pelo mesmo, devendo julgador limitar-se ao deferimento ou não apenas do conteúdo do pedido.[12] Assim, SILVA aduz que a conceituação de antecipação de tutela não pode limitar-se a afirmar que este instituto trata-se de decisão jurídica de natureza mandamental, portanto, que não faz coisa julgada material. Para a autora, as medidas antecipatórias tratam-se de decisões de mérito, com fundamento em novos conceitos de mérito e de jurisdição, alegando ainda que, com fulcro no art. 162, §1º c/c art. 269, I, do CPC, a decisão que antecipa os efeitos da tutela pretendida trata-se de sentença, tendo em vista que, ao analisarmos o conceito de sentença com fulcro no art. 162, bem como a definição do que é resolução de mérito, com fulcro no art. 269, I, chega-se à conclusão que o deferimento da antecipação de tutela, resolve um dos pedidos requeridos pelo autor, logo, parte do mérito da demanda.[13] 1.3. DOS PRESSUPOSTOS PARA A CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA 1.3.1. Da exigência legal de requerimento da parte e momento processual para tal requerimento. Segundo HAAG, para que a tutela antecipada seja concedida, o requisito preliminar, devidamente incluído no rol do art. 273, do Código de Processo Civil, é o requerimento da parte. Tal pedido deve ser formulado essencialmente pelo autor, pois o pólo passivo da demanda não deve pedir a tutela jurisdicional, somente resistir à pretensão do autor. Neste sentido, cumpre salientar que, nas ações de natureza dúplice, como a reconvenção, por exemplo, é permitida a concessão da antecipação de tutela, muito embora o requerente seja o réu da ação principal. Tal fato é permitido em razão de que, na reconvenção, ele tem a oportunidade de postulação, ou seja, é ele quem terá a sua pretensão resistida. [14] De outra banda, na visão de WAMBIER, podem propor a antecipação de tutela o assistente e o Ministério Público. No entanto, a antecipação dos efeitos da sentença atingirá somente as partes em lide, uma vez o assistente e o Ministério Público não são partes, e sim terceiros.[15] Sendo assim, finaliza o doutrinador afirmando que, muito embora haja a hipótese do requerimento da antecipação de tutela ser formulado pelo assistente técnico e o Ministério Público, cumpre ressaltar que o requerimento do autor se mostra um pressuposto primordial para a concessão da tutela antecipada, haja vista que sem a provocação do autor, que é quem formula a pretensão, quem traça os limites e determina os contornos da lide, não há que se falar em antecipação dos efeitos da sentença.[16] Já quanto ao momento processual em que deve ser feito o requerimento exigido pelo caput do art. 273 do Código de Processo Civil, ZAVASKI leciona que pode ser tanto através de pedido formulado na petição inicial ou no curso do processo (por simples petição). O pedido também pode ser requerido até mesmo na esfera recursal, “através de pedido de antecipação direcionado ao tribunal, a ser apreciado pelo órgão competente para o julgamento do recurso, ou ao relator, conforme dispuser o regimento interno”. Também restará o tribunal como responsável pelo julgamento do pedido de antecipação de tutela, nos casos em que a antecipação se fizer necessária após o julgamento da sentença, mas antes da remessa dos autos ao tribunal, conforme dispõe o art. 296 do Código de Processo Civil. [17] Nesta senda, BAPTISTA DA SILVA leciona que a antecipação de tutela pode ser requerida após ser proferida a sentença de mérito, mesmo sendo esta desafiada por recurso de apelação, senão vejamos: “sendo em regra recebida a apelação no duplo efeito, pode muito bem ser antecipada a execução provisória”.[18] Em casos excepcionais, como da execução de sentença e a execução de título extrajudicial, ZAVASKI entende que pode admitir-se a concessão da antecipação de tutela, tendo em vista que, em caso de oposição de embargos ou a apresentação de impugnação, os atos executórios ficarão suspensos, e pode surgir algum fato que venha a ensejar no pedido de antecipação de tutela, desde que preenchidos os requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil.[19] 1.3.2. Das formas de concessão da tutela antecipada SILVA aponta em sua obra, que a tutela antecipada poderá ser concedida de três formas, quando no curso do procedimento: “a) inaldita altera parte; b) mediante audiência de justificação prévia; c) mediante a ouvida da parte contrária”.[20] Desta forma, a mesma doutrinadora explica que a tutela antecipada inaldita altera parte é aquela concedida quando o réu sequer é ouvido, ou seja, antes da sua citação. Neste caso, o convencimento do juiz deverá levar em conta apenas os fatos alegados e a contundência das provas juntadas pelo autor, e que venham a convencer o juízo da veracidade de tais alegações, bem como quando houver risco de perecimento do direito, em razão da demora.[21] A respeito do princípio da efetividade, principal fundamento para a concessão de antecipação de tutela inaldita altera parte, segue a lição de BAPTISTA DA SILVA:[22] “Se supríssemos de um determinado ordenamento jurídico a tutela de aparência, impondo ao julgador o dever de julgar somente depois de ouvir ambas as partes, permitindo-lhes a produção de todas as provas que cada uma delas fosse capaz de trazer ao processo, certamente correríamos o risco de obter, no final da demanda, uma sentença primorosa no aspecto formal e assentada num juízo de veracidade do mais elevado grau, que, no entanto, poderia ser inútil, sob o ponto de vista da efetividade do direito reclamado pelo autor vitorioso”. De outra banda, SILVA aponta que, em caso de dúvida do julgador quanto à prova produzida pelo autor ou até mesmo a verossimilhança das alegações que venham a trazer o risco de dano, pode ser designada uma audiência de justificação prévia. Nela o autor, através de prova testemunhal, deverá convencer o julgador que o risco de dano é iminente, razão pela qual deve ser concedida a medida requerida. Nada impede que o réu, tendo ciência da demanda, participe do procedimento. Todavia, a doutrinadora entende que o réu poderá apenas inquirir as testemunhas do autor e contradita-las, não podendo este arrolar testemunhas, bem como ser tomado seu depoimento pessoal, tendo em vista que objeto da audiência é apenas o deferimento da medida requerida pelo autor, não a instrução do processo, que se dará posteriormente.[23] Por fim, ao lecionar sobre a ouvida da parte contrária, SILVA prossegue neste sentido:[24] “Esta terceira hipótese não apresenta maiores problemas em razão do contraditório que se apresenta. Entretanto, a mesma só será concedida deste modo, se for possível aguardar – ou seja, se o tempo não comprometer a eficácia da medida – e, a ouvida do réu não comprometer o resultado útil do processo”. 1.4. DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA 1.4.1. Da existência de prova inequívoca Conforme o entendimento de MAGADAN, antes do advento da Lei 8.952/94, que deu nova redação ao art. 273 do Código de Processo Civil, a antecipação de tutela era deferida de acordo com o regime estabelecido para as medidas cautelares, sendo que, o requisito eu podemos aplicar por analogia ao da prova inequívoca, era o da exposição sumária do direito ameaçado. Ainda, de acordo com o autor, antes da introdução da antecipação de tutela no ordenamento jurídico brasileiro, não havia exigência legal de alguma prova inequívoca para a concessão da medida cautelar, e, por óbvio, da tutela antecipada, quando ainda era regida pelo regramento das medidas cautelares. Sendo assim, uma vez preenchido o requisito da verossimilhança das alegações, dificilmente a medida era indeferida.[25] MAGADAN prossegue, afirmando, contudo, que de acordo com a legislação vigente, a prova inequívoca tornou-se um requisito essencial para a concessão da tutela antecipada, na medida em que, para que o juiz se convença das alegações do autor, a prova apresentada deve ser robusta, revestida de verossimilhança, sendo esta extremamente necessária para o convencimento do julgador no momento processual em que a medida for a julgamento[26]. THEODORO JR., acerca da matéria, versa o seguinte: “Por prova inequívoca deve entender-se a que, por sua clareza e precisão, autorizaria, desde logo, um julgamento de acolhida do pedido formulado pelo autor (mérito), se o litígio, hipoteticamente, devesse ser julgado naquele instante”[27] Todavia, para MANENTE, a prova inequívoca, como requisito para a concessão da antecipação de tutela, tem essa nomenclatura em razão do momento processual em que é apresentada, tendo em vista que após a instrução do processo a medida concedida pode ser revertida, inclusive com outras provas apresentadas pelo réu. Do contrário, se tal prova fosse suficiente para o julgamento da demanda, a decisão que anteciparia os efeitos da tutela pretendida seria um julgamento antecipado da lide.[28] Nesta esteira, leciona CALMON DE PASSOS:[29] “O que se deve entender por prova inequívoca? A prova, em si mesma, não tem qualificativos com conteúdo valorativo. Ela é a prova documental, testemunhal, pericial, etc. A força do convencimento nela existente é algo que menos nela se situa que no ‘pensar’ do magistrado a seu respeito, analisá-la. Assim, entendo que prova inequívoca é aquela que possibilita uma fundamentação convincente do magistrado. Ela é convincente, inequívoca, isto é, prova que não permite engano, quando a fundamentação que nela assenta é dessa natureza.” Por fim, MARINONI ressalta que, nos casos em que a tutela antecipada é concedida antes da instrução da demanda, nada obsta que a prova que, naquele momento processual, é revestida de provável verdade, venha a ser impugnada posteriormente pelo réu e até mesmo desconsiderada na sentença, tendo em vista que podem sobrevir provas constituídas pelo réu que tenham maior presunção de verdade que as provas juntadas pelo autor.[30] 1.4.2. Verossimilhança das alegações   Segundo MARINONI, o requisito da verossimilhança é uma autorização dada ao julgador para decidir a concessão da antecipação de tutela com fundamento numa convicção calcada em uma aparência de verdade. No entanto, esta verdade aparente não pode se confundir com a certeza absoluta aceita ao final do procedimento em alguns casos de direito material. [31] Neste sentido, o mesmo doutrinador entende o seguinte:[32] “(..) a convicção de verossimilhança não decorre das necessidades do direito material e do caso concreto, mas sim de uma regra processual que parte da premissa de que ao juiz basta, para conceder a tutela antecipatória, a convicção de verossimilhança. Diante do art. 273 do Código de Processo Civil, portanto, o juiz está autorizado a decidir com base na convicção de verossimilhança preponderante. Decidir com base na verossimilhança preponderante, quando da tutela antecipatória, significa sacrificar o improvável em benefício do provável. E nem poderia ser diferente, mesmo que não houvesse tal expressa autorização, pois não há racionalidade em negar tutela a um direito que corre o risco de ser lesado sob o argumento de que não há convicção de verdade.” Ainda, segue o mesmo autor:[33] “(…) considerando o perigo na demora, que legitima a própria tutela antecipada fundada no art. 273, seria impossível exigir do juiz uma convicção de verdade neste caso, pois a fase de instrução sequer começou, cabendo ao réu comprovar posteriormente que a veracidade dos fatos alegados não é absoluta, forçando que o juiz, ao julgar o mérito, busque a certeza.” Desta forma, entende-se que o legislador, no art. 273 do Código de Processo Civil, passou a autorizar o julgador a tutelar o direito tendo como um dos fundamentos para tal concessão, a verossimilhança, que nada mais é que uma verdade aparente no momento processual em que é definida a concessão da tutela antecipada. 1.4.3. Da possibilidade de reversão da medida concedida Primeiramente, cumpre salientar que, segundo ZAVASKI, no tocante à reversibilidade da decisão que antecipa os efeitos da tutela pretendida, assim reza o § 2º do art. 273: “Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”. Neste caso, se demonstra claramente o caráter provisório da tutela antecipada, na medida em que, uma vez sendo irreversível a decisão que antecipa os efeitos da tutela, esta decisão também acarretaria na procedência da ação antes mesmo da sentença, tendo em vista que o provimento final se tornaria inócuo, e ainda, não seria respeitado principio da salvaguarda do núcleo essencial[34], bem como o mérito da demanda seria julgado antecipadamente sem oportunizar o contraditório ao réu.[35] Com efeito, prossegue o autor afirmando que, muitas vezes, o conflito entre a segurança e a efetividade é grande. Neste caso, apenas um deles deve ser levado em consideração, tendo em vista que no caso de uma mercadoria perecível que está em um depósito alfandegário, por exemplo, a sua não-comercialização acarretaria em um enorme prejuízo ao autor. No entanto, uma vez comercializada, deixa de ser inspecionada. E mais, uma vez indeferida a antecipação de tutela neste caso, o perecimento do produto traria consigo a ineficácia do provimento final.[36] De outra banda, importante esclarecer que o réu pode ser prejudicado, haja vista que o deferimento de plano da antecipação de tutela sem que o réu ofereça o contraditório, é fundado somente na verossimilhança dos fatos alegados pelo autor e o seu receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Neste caso, posteriormente, BAPTISTA DA SILVA alerta que poderá ser constatado que a verossimilhança de ambas as partes venha a ser equivalente. Todavia, se uma das partes apresentarem alguma alegação que tenha maior relevância para o ordenamento jurídico, será este o fundamento necessário para concessão ou não da medida, estando autorizado o julgador a sacrificar o interesse menos relevante.[37] Repisando os argumentos supramencionados, LEITE se posiciona da seguinte maneira:[38] “(…)ao escolher o direito do autor em detrimento ao direito do réu, ele estará prejudicando irreversivelmente o réu, para garantir a proteção de um direito apenas provável do autor, dado que a cognição probatória do processo não fora exauriente. Por isso, reiteramos a necessidade do juiz proceder com extrema cautela nesse tipo de antecipação de tutela, uma escolha sem grande cuidado poderá prejudicar um direito que de acordo com o princípio da proporcionalidade deveria ser tido como o mais relevante em prejuízo de outro secundário.” Deste modo, MAGADAN conclui ao afirmar que: “ao juiz, é preferível evitar um prejuízo irreparável a um direito evidente do que proteger de um prejuízo irreparável a um direito que pareça improvável.” Ainda, importante esclarecer que a reversão versada aqui é apenas no plano dos fatos, não havendo que se falar na reversão da decisão mediante o recurso cabível. [39] 1.4.4. Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação Mais um dos requisitos para a concessão da antecipação de tutela, é a existência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Ao citar Humberto Theodoro Junior em sua obra, SILVA explica que:[40] “(…) simples inconvenientes da demora processual, dentro do sistema do contraditório e da ampla defesa, não podem, só por si, justificar a antecipação de tutela. É indispensável a ocorrência de risco de dano anormal, cuja consumação possa comprometer, substancialmente, a satisfação do direito subjetivo da parte”.  Neste sentido, MAGADAN assevera que o dano deve ser fundado no temor do autor em não ter a satisfação da tutela pretendida após o tempo em que esta levaria para se consumar com a demora do processo. Tal risco deve ser atual, iminente e objetivo, não restando espaço para eventual subjetividade do proponente ao demonstrar o dano que lhe foi causado.[41] O mesmo doutrinador, ao exemplificar as duas situações que podem resultar em dano irreparável ou de difícil reparação, as demonstra da seguinte forma:[42] “Na primeira, o prejuízo do credor não está no tempo que terá que aguardar para satisfazer seu crédito, mas na atitude do devedor em se desfazer dos bens que constituem a garantia, frustrando o futuro pagamento; na segunda, o perigo não está em eventual atitude do devedor em frustrar a satisfação futura do direito, mas na própria demora na satisfação do direito. No primeiro caso, o credor necessita de um instrumento que, sem antecipar a satisfação, garanta a satisfação futura; no segundo, o credor não necessita de um instrumento que garanta a satisfação, mas satisfaça imediatamente o direito. Desta forma, na primeira situação, o perigo vem de um fato objetivo, ou seja, o não cumprimento da fatura sentença de procedência; na segunda, o perigo decorre de uma situação subjetiva, isto é, a sentença irá se cumprir em algum momento, mas em determinada situação particular do requerente exige que o cumprimento seja antecipado.” GONÇALVES, ao versar sobre este leciona que “não basta um temor subjetivo da parte. É preciso que haja elementos subjetivos que levem ao conhecimento de que o dano ocorrerá ou se agravará. Se a tutela não for concedida.”.[43] Desta forma, não basta apenas que seja provada a verossimilhança da alegação, é necessário também que a demora na prestação jurisdicional venha a trazer um dano irreparável ao autor, com fundamento em elementos que tornem esse dano claro e iminente. 1.4.5. Abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Na hipótese do inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil, o juiz, convencendo-se da verossimilhança do direito do autor, ante a prova que o réu abusa do direito de defesa ou comporta-se com manifesto propósito protelatório, poderá antecipar os efeitos da tutela pretendida.[44] Partindo da definição supra, SILVA afirma que a demora do processo só vem a prejudicar o autor, tendo em vista que o longo inadimplemento só vem a beneficiar o réu, que utiliza de todos os meios de defesa em direito admitidos para protelar o cumprimento da obrigação que o comando sentencial venha a lhe determinar. Em razão disto, o legislador buscou resguardar o autor para que este não reste prejudicado pela eventual demora na prestação jurisdicional ocasionada por atos protelatórios do réu ou abuso do seu direito de defesa.[45] Assim, prossegue a autora, citando o inciso II, do art. 273 do Código de Processo Civil, e afirmando que tal dispositivo tem como escopo ser um instrumento que venha a corrigir eventual uso indevido do direito de postulação das partes. Todavia, o direito do réu ao contraditório não é tolido, tão somente são concedidos os efeitos da tutela pretendida ao autor em face da demora do processo ocasionada pelo réu. Neste caso, no entendimento do julgador, muito embora o réu apresente sua tese de defesa, tem uma menor probabilidade de êxito na demanda.[46] Já ALMEIDA, leciona o seguinte[47]: “Manifesto propósito protelatório do réu: embora esta modalidade de comportamento processual reprovável do demandado caracteriza, em geral, alguma forma de “abuso do direito de defesa”, o conceito de conduta protelatória é mais amplo, v.g., o advogado do réu, tendo produzido defesa pertinente, sem abusar do direito de defesa, posto que, defendendo-se legitimamente, evitou postular provas manifestamente desnecessárias ou inúteis, ou incidentes incabíveis, e, mesmo assim, procure reiteradamente evitar que as intimações se consumem ou retenha os autos em seu poder por tempo excessivamente prolongado. Nesta hipótese, não seria abuso do direito de defesa, mas, sim, propósito protelatório. Compondo-se os pressupostos do caput do artigo, estaria o juiz autorizado a antecipar os efeitos da tutela.” Um exemplo, segundo a lição de SOUZA, é quando o réu requer a produção de prova pericial. Se neste caso, devidamente intimado para o pagamento dos honorários periciais, o réu silenciar por meses, sem efetuar o pagamento, pode o autor ter o requerimento de antecipação dos efeitos da tutela deferido, pois o réu está claramente retardando o andamento do feito. Outro exemplo clássico é o contínuo pelo ajuizamento de incidentes despropositados, reconvenção, impugnações, dentre outros.[48] Com efeito, BAPTISTA DA SILVA leciona que o intuito do legislador ao incluir o inc. II, do artigo 273 do Código de Processo Civil, não foi punir a litigância temerária do réu, mas sim que o autor tem um grau de verossimilhança tão flagrante que se aproxima da certeza. Se o juiz já estava inclinado a atribuir certeza a essa verossimilhança do autor, a conduta protelatória ou abuso do direito de defesa do réu só virão a corroborar com o convencimento do julgador em assistir razão ao autor, tendo em vista que o réu não apresentou nenhuma contestação plausível. Assim, entende o autor que é daí que decorre a legitimidade da antecipação da tutela.[49] Com o intuito de sanear quaisquer dúvidas, ALVIM afirma que a finalidade do presente requisito é a prestação jurisdicional efetiva, que visa coibir o réu de utilizar meios procrastinatórios, ou que use indevidamente o contraditório para protelar o bem da vida requerido pelo autor da demanda.[50] 1.5. Tutela antecipada de pedido incontroverso Uma inovação ao procedimento da tutela antecipada trazido pela Lei nº 10.444/02, foi a antecipação de tutela de parcela incontroversa, prevista no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, in verbis: “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.”[51] ZAVASKI disserta brilhante sobre este tema ao afirmar que a esta antecipação de tutela dá-se nos casos que há, no curso da demanda, um pedido (ou uma parte) controverso e outro incontroverso é permitida a antecipação de tutela da parte incontroversa, não podendo a tutela antecipada ser controvertida pelas partes, verossímil para o magistrado, e não estando vinculado a qualquer questão prejudicial. Para o doutrinador, tal antecipação visa consagrar o princípio da efetividade[52], salvaguardado pela Carta Magna, considerando-se, em caso de cumulação de pedidos a antecipação dos efeitos somente daqueles, ou parcela destes, que restar incontroversa. Sendo o pedido alternativo, o devedor quem deverá escolher qual prestação será incontroversa, expressamente, ou tacitamente, quando não oferecer defesa. O que não acontece quando os pedidos são sucessivos, pois nestes serão antecipados apenas os efeitos do pedido principal, sendo este controverso, os do pedido acessório. Conclui o doutrinador, no que tange à efetivação da medida, que esta dar se á através da execução provisória (previstos nos artigos 461, 461-A e 475-O do Código de Processo Civil), não esquecendo que, por tratar-se de tutela antecipada de pedido incontroverso, a eventual reversibilidade da medida deve ser garantida através de caução idônea.[53] Quanto aos requisitos, MAGADAN afirma que a tutela antecipada de pedido incontroverso, ao contrário das demais – tutela antecipada por risco de dano irreparável ou difícil reparação e tutela antecipada por abuso de direito ou manifesto propósito protelatório do réu – não necessita, para sua concessão, do perigo de dano. A doutrinadora chega a este entendimento, pelo fato de que, se fosse este o caso, a tutela antecipada seria concedida com fulcro no art. 273, I, do Código de Processo Civil. Todavia, necessita de requerimento, decisão fundamentada e possui idêntico caráter provisório, a ser definitivo ou revogado através da sentença de mérito. Desta maneira, ela aponta como requisitos para a concessão da tutela antecipada fundada no § 6º do art. 273, “a verossimilhança, gerada pela prova inequívoca, e a reversibilidade da medida.”[54] 1.6. Da Decisão e recurso cabível Ao julgar o pedido de antecipação de tutela, ZAVASKI entende que o juiz estará (ou poderá estar) limitando o direito à segurança jurídica ou à efetividade da jurisdição. Prossegue ainda, aduzindo que tais motivos já seriam necessários para que o julgador, ao deferir a antecipação dos efeitos da tutela, deve demonstrar de modo claro e preciso, em decisão fundamentada, as razões do seu convencimento, com fulcro no § 1º do art. 273, do Código de Processo Civil. Contudo, alerta que os julgadores devem ter a mesma atenção quando indeferirem a concessão da medida, tendo em vista que a fundamentação da decisão é imperativo constitucional, com fulcro no art. 93, IX, da Constituição Federal.[55] Na maioria dos casos, WAMBIER aponta que a natureza da decisão que defere ou não os efeitos da tutela antecipada é a decisão interlocutória. Ou seja, é através de decisão no curso do processo, que é decidido o incidente em questão. Prossegue o doutrinador, afirmando que o recurso cabível para a reversão da decisão que antecipa ou não os efeitos da tutela pretendida é o agravo de instrumento, pois, mesmo a regra sendo o agravo na forma retida, o art. 522 do Código de Processo Civil tem como uma das hipóteses em que é permitida a interposição de agravo de instrumento, os casos em que houver lesão de grave ou difícil reparação. Outrossim, não há que se falar em agravo retido para a concessão de tutela antecipada indeferida pelo juízo a quo, na medida em que este não tem em seu bojo um dos elementos essenciais do pedido de antecipação de tutela, que é a urgência, em razão do recurso em questão aguardar, desde a sua interposição, o julgamento do recurso de apelação, na forma do art. 523, do Código de Processo Civil. [56] 1.7. DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA ESPECÍFICA, PREVISTA NO § 3º DO ARTIGO 461 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Segundo GUERRA, igualmente com o advento da Lei nº 8.952/94, assim como o art. 273, foi introduzido ao ordenamento jurídico o artigo 461 do Código de Processo Civil, que prevê a tutela específica nas obrigações de fazer e não fazer. Prossegue o doutrinador, lecionando que, com a inovação trazida pela Lei nº 10.444/02, foi introduzida também, através do art. 461-A do Código de Processo Civil, a tutela específica para as obrigações de entregar coisa certa.[57] Neste sentido, SPADONI, ao esclarecer a natureza jurídica do art. 461, assevera o seguinte:[58] “A tutela inibitória vem da necessidade de dar efetividade aos valores e direitos fundamentais elencados na Constituição Federal, em grande parte de cunho não patrimonial, relacionados à dignidade da pessoa humana, como por exemplo, os direitos da personalidade, o direito ao meio ambiente e o direito do consumidor, quase sempre vinculados a obrigações de fazer ou não fazer, e aos quais a sanção indenizatória é absolutamente impertinente.” Para ALVIM, com a edição da Lei nº 8.952/94, havia uma lacuna na disciplina do art. 461 do Código de Processo Civil e a disciplina da execução das obrigações de fazer ou não fazer, que por sua vez foi corrigida com a edição da Lei nº 10.444/02, através dos §§ 4º e 5º do referido artigo. A fim de elucidar mais ainda o procedimento executivo deste tipo de demanda, foi a Lei 11.232/05 que introduziu o art. 475-I do Código de Processo Civil, que dispõe que “o cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta lei”. [59] Para NERY JR. E NERY, das hipóteses previstas no art. 461 do Código de Processo Civil surge um provimento de eficácia executivo-mandamental[60], que abre a possibilidade de requerimento de antecipação de tutela, e, por conseqüência, também autoriza a expedição de mandado para execução específica e provisória da tutela de mérito ou um de seus efeitos.[61] Ainda, há de ressaltar que a tutela antecipada genérica, prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, contempla apenas três cargas eficaciais de sentença: condenatória, constitutiva e declaratória[62]. No entanto, de acordo com o entendimento vigente proposto há muito tempo através da teoria quinária de PONTES DE MIRANDA[63] aduz que há cinco cargas eficaciais de sentença. Portanto, restam à antecipação de tutela específica às ações mandamentais e executiva lato sensu[64]. Ainda, a tutela específica pode ser requerida através do rito sumário ou ordinário, posto que a natureza da sentença não se modifica em razão do rito adotado. Outro detalhe é que a tutela específica introduziu as medidas coercitivas previstas nos §§ 4º e 5º do art. 461. Ademais, tal ação sobreveio como uma exceção ao princípio da congruência ou adstração[65]. Assim, BAPTISTA DA SILVA leciona sobre esta outra espécie de antecipação de tutela no ordenamento jurídico brasileiro, a específica, prevista no § 3º do art. 461 do Código de Processo Civil. No entanto o doutrinador afirma que esta não é nenhuma novidade, tendo em vista que já havia previsão legal ipsis litteris no art. 84, §3º do Código de Defesa do Consumidor, dispositivo este que, por seu turno, era fundado nas demandas coletivas consumeristas. Há que se ressaltar ainda, que a tutela antecipada específica aplica-se tanto às obrigações de fazer ou de não fazer, quanto à obrigação de entregar coisa[66].[67] 1.7.1. Requisitos para a concessão da tutela antecipada específica e a subsidiariedade com os requisitos da tutela antecipada genérica Segundo SILVA, os requisitos para a concessão da tutela antecipada específica, prevista no § 3º do art. 461 do Código de Processo Civil são apenas dois: o risco de ineficácia do provimento final e o relevante fundamento da demanda.[68] Desta forma, leciona a doutrinadora supra da seguinte maneira acerca dos dois requisitos:[69] “A relevância dos fundamentos da demanda nada mais é do que a probabilidade do direito estar ao lado daquele que pretende o provimento antecipatório. Já o risco de ineficácia do provimento final está relacionado com o perigo da demora e não com o perigo de dano, pois, a tutela antecipada específica não é uma tutela destinada à prevenção de um dano, mas sim de um ilícito. Não é demasiado referir, que o termo prevenção pode ser utilizado com duas acepções: evitar que o ilícito ocorra ou cessar com o ilícito.” Nesta esteira, THEODORO JR. leciona que não há uma dicotomia tão grande entre as hipóteses de antecipação de tutela prevista nos arts. 461 §3º e 273 do Código de Processo Civil, na medida em que o art. 273 exige que o autor apresente prova inequívoca que leve o julgador a interpretar que haja verossimilhança nos fatos alegados, bem como comprove que há perigo de dano de difícil reparação, sendo tais efeitos antecipáveis plenamente reversíveis. Ao passo que o § 3º do art. 461, traz como requisitos para a concessão da tutela antecipada, a relevância do fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento final. Para o doutrinador falar em relevância do fundamento não é outra coisa que “exigir-se a verossimilhança de tudo o que arrola o autor para pretender a tutela jurisdicional. Não há, portanto, diferença profunda, no aspecto do fumus boni iuris, entre o art. 273 e o art. 461”. Quanto ao risco de dano grave e de difícil reparação, previsto no art. 273 é justamente o fundado temor de que o provimento final se torne ineficaz, caso a medida do §3º do art. 461 não seja antecipada.[70] Com efeito, SILVA busca em sua obra fazer alguns questionamentos acerca da aplicação subsidiária ao art. 273 aos artigos 461 e 461-A, bem como quais os requisitos seriam válidos para a antecipação de tutela – os do § 3º do artigo 461 ou os do art. 273 – caso todos os referidos artigos fossem aplicados subsidiariamente. Neste sentido, asseverou:[71] “Em sendo o artigo 461-A mais amplo, parece evidente aplicar subsidiariamente ao artigo 273 todo o artigo 461, nos pontos com ele compatíveis. Assim os requisitos específicos para a concessão da tutela antecipada (prova inequívoca, verossimilhança, perigo de dano irreparável, manifesto propósito protelatório do réu) devem ser observados, com a necessária flexibilização que a eles necessita se dar. Todavia, o magistrado dispõe de todas as medidas coercitivas previstas no § 5º deste dispositivo legal, podendo inclusive impor medida que implique no resultado prático equivalente ao pleiteado em juízo Também parece inequívoca a possibilidade, neste caso, da modificação da multa pecuniária fixada por dia de atraso (aplicação subsidiária do § 6º). Se o artigo 461 aplica-se subsidiariamente ao art. 273 é evidente que o legislador vislumbrou uma correlação muito grande entre os mesmos, que realmente existe, tendo em vista que ambos os dispositivos legais tratam de antecipação de tutela. Se todos os dispositivos tratam de antecipação de tutela, obviamente os requisitos para a sua concessão devem ser os mesmos, não devendo haver variação. Não há porque tratar-se diferenciadamente a antecipação de tutela para casos que são similares, até porque o art. 273 é norma de caráter genérico e os artigos 461 e 461-A são específicos. Logo deverão ser os últimos (461 e 461-A) que devem estar em consonância com o primeiro.” Ademais, importante destacar que a tutela antecipada específica detém a aplicação de medidas coercitivas para que se exija o cumprimento da obrigação[72]. ALVIM leciona que o escopo do legislador foi possibilitar a execução específica da obrigação de fazer e não fazer, bem como a de entregar coisa, razão pela qual autorizou a imposição de multa[73], bem como ainda a imposição de medidas sub-rogatórias[74], ambas de ofício se necessário, para que seja obtida a tutela antecipada específica deferida. Desta forma, tais provimentos levam o conhecimento e execução na mesma relação processual, o que por muitos doutrinadores é denominada de ação sincrética.[75] Por fim, imperioso salientar o entendimento de ZAVASKI, ao aduzir que, à antecipação de tutela de obrigação de fazer e não fazer, aplicam-se, subsidiariamente ao art. 461 do Código de Processo Civil, as normas que regulam a tutela antecipada genérica. E, por sua vez, ao regime do art. 461-A – “no que se refere aos amplos meios executivos postos à disposição do juiz para a efetivação da medida antecipatória e da sentença final” – submete-se a tutela específica de entregar coisa, prevista no art. 461-A, tendo em vista que possui natureza executiva lato sensu.[76] 1.8.DICOTOMIA ENTRE OS INSTITUTOS DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E DAS MEDIDAS CAUTELARES Ao analisar os institutos da antecipação de tutela e das medidas cautelares, ALVIM entende que é de suma importância ressaltar que, embora as tutelas de urgência tenham procedimentos distintos, tem o mesmo fundamento constitucional. Ou seja, além de ambas objetivarem uma garantia de prestação jurisdicional eficaz, são tutelas de urgência que tem como arrimo o risco de ineficácia do provimento final, e que visam a dar efetividade aos princípios constitucionais do acesso à justiça[77], e em contrapartida, o do devido processo legal[78].[79] Para ALVIM, a tutela cautelar e a antecipação de tutela, sempre que fundada no inciso I do art. 273, do Código de Processo Civil, são as denominadas tutelas de urgência. O que há de semelhante nos dois institutos é que o julgador, com fundamento na cognição sumária da lide, prolata uma decisão que tem o condão de buscar a efetividade da demanda, sendo que ambas tem como características principais, respectivamente, a provisoriedade e temporariedade[80]. Sendo assim, resta claro que as tutelas de urgência serão sempre fundadas em uma cognição não exauriente, tendo em vista que, ao adotar tal procedimento, o julgador visa impedir que a relativa demora na duração demanda venha a prejudicar a sua efetividade. Ou seja, em ambos os institutos, as decisões deverão observar a possibilidade de reversibilidade da medida concedida[81]. No entendimento de ZAVASKI, muito embora hajam similitudes entre ambos os institutos, especialmente quanto à sua forma e função constitucional, eles são distintos tecnicamente, pois o procedimento adotado pelo legislador faz com que não restem dúvidas quanto à finalidade de cada um.[82] ZAVASKI prossegue, afirmando que as situações de risco a prestação da tutela definitiva, no caso das medidas cautelares, se darão nos seguintes casos: “(…) há casos em que apenas a certificação do direito está em perigo, sem que sua satisfação seja urgente, ou que sua execução esteja sob risco; há casos em que o perigo ronda a execução do direito certificado, sem que sua certificação esteja ameaçada ou que sua satisfação seja urgente. Em qualquer de tais hipóteses, garante-se o direito sem satisfazê-lo.” No entanto, no caso da antecipação de tutela genérica, ZAVASKI aponta, com propriedade, que nem a certificação nem a execução estão em perigo, todavia, a demora do processo até o seu provimento final é o principal fundamento para a o deferimento da medida, uma vez que o perigo da demora se torna o elemento principal que dará legitimidade ao pedido.[83] Vistos os casos que desencadeiam no requerimento e que dão legitimidade ao pedido das tutelas de urgência, é pertinente que se faça uma distinção clara entre ambas, e que aponte a dicotomia trazida pela inovação proposta pela reforma processual, através da Lei 8.252/94, que modificou a redação do art. 273 do Código de Processo Civil, distinguindo a antecipação de tutela genérica, das já existentes medidas cautelares. Com efeito, a fim de elucidar esta diferença, SILVA, ao comparar as medidas cautelares com a tutela antecipada, aponta que, a primeira, possui as seguintes características:[84] “a) autonomia procedimental; b) assegura direitos sem jamais satisfazer; c) temporariedade; d) segurança da execução; e) risco de dano iminente. Já quanto à antecipação de tutela a doutrinadora aponta as seguintes características: a) não possui autonomia procedimental; b) antecipa os efeitos da sentença final; c) provisoriedade; d) execução para segurança e) perigo de dano irreparável.” Desta maneira, WAMBIER aponta que a distinção entre as tutelas de urgência, após a nova redação dada ao art. 273 do Código de Processo Civil, restou clara, pois esta dicotomia dá-se na medida em que as cautelares têm o condão de evitar, ou até mesmo minimizar, o risco de ineficácia do provimento final, e a medida cautelar é objeto de ação separada, que pode ser ajuizada antes da ação principal ou no seu curso. Ao passo que a tutela antecipada busca, desde logo, demonstrar, forçando decisão interlocutória dentro da ação principal, que o direito é flagrante, razão pela qual o mesmo deve ser concedido o quanto antes e tutelado de forma especial pelo sistema, e, não menos importante, com o objetivo de assegurar também a eficácia do provimento final.[85] Por fim, outro critério utilizado por WAMBIER para distinguir as tutelas de urgência é o da providência urgente. Através deste critério presume-se que, com a antecipação de tutela, há a antecipação total ou parcial da providência que seria tomada através do provimento final. Já na medida cautelar, é deferida a concessão de uma providência com o escopo de preservar uma determinada situação até que seja proferida a sentença, e a referida providência, não se confunde com aquela que será outorgada pelo provimento final. Daí decorre o entendimento que a medida cautelar será aquela na qual é concedida determinada providência necessária para assegurar a eficácia do processo principal ou da sentença deste processo. [86] 2 – DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO 2.1. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO INSTITUTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, PREVISTA NOS ARTIGOS 273 e 461 § 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AO PROCESSO TRIBUTÁRIO. Inicialmente, cumpre mencionar a lição de MACHADO, que assevera que “como não temos leis processuais específicas para a solução dos conflitos entre o fisco e o contribuinte, o processo judicial tributário regula-se pelo Código de Processo Civil, salvo no que diz respeito à execução fiscal e à cautelar fiscal”. [87] Quanto às ações tributárias em que é possível a antecipação de tutela, JUNIOR entende que a medida pode ser concedida nas ações em que se discuta “a nulidade da constituição do crédito tributário, o direito à compensação de valores antecipados no regime de substituição tributária progressiva (art. 150 § 7º da Carta Magna) e a declaração de inexistência de relações jurídico-tributárias.” [88] Sendo assim, JUNIOR entende que, desde que não haja nenhum impedimento previsto na Lei nº 9.949/97, é possível a concessão de antecipação de tutela prevista nos arts. 273 e 461 § 3º contra a Fazenda Pública, desde que presentes os requisitos para a sua concessão. Ou seja, desde que haja prova inequívoca ou que seja relevante o fundamento da demanda, que haja verossimilhança da alegação, fundado receio de dano ou risco de ineficácia do provimento final, atos procrastinatórios da Fazenda e não haja perigo de irreversibilidade da decisão, a antecipação de tutela pode ser deferida.[89] 2.2. DA FAZENDA PÚBLICA EM JUÍZO CUNHA aponta que Fazenda Publica é o conjunto de órgãos da Administração Pública destinados à arrecadação e à fiscalização de tributos, bem como à guarda dos recursos financeiros e títulos representativos de ativo e de direitos do Estado. É responsável também pela fixação e implementação de políticas econômicas. “Em outras palavras, Fazenda Pública é expressão que se relaciona com as finanças estatais, estando imbricada com o termo Erário, representando o aspecto financeiro do ente público”.[90] Prossegue o doutrinador conceituando a Fazenda Pública, quando tal nomenclatura for atribuída em juízo. Senão vejamos:[91] “O uso freqüente do termo Fazenda Pública fez com que se passasse a adotá-lo num sentido mais lato, traduzindo a atuação do Estado em juízo; em Direito Processual, a expressão Fazenda Pública contém o significado de Estado em juízo. Daí por que, quando se alude à Fazenda Pública em juízo, a expressão apresenta-se como sinônimo do Estado em juízo ou do ente público em juízo, ou, ainda, da pessoa jurídica de direito público em juízo. Na verdade, a expressão Fazenda Pública representa a personificação do Estado, abrangendo as pessoas jurídicas de direito público. No processo em que haja a presença de uma pessoa jurídica de direito público, esta pode ser designada, genericamente, de Fazenda Pública.(…) Quando a legislação processual utiliza-se do termo Fazenda Pública está a referir-se à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e a suas respectivas autarquias e fundações.” Conforme demonstra ALVIM, a Fazenda Pública desfruta de diversas prerrogativas processuais na legislação, dentre elas destacam-se:[92] “a) Art. 188 do Código de Processo Civil concede prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública; b) Art. 475 do Código de Processo Civil em cujo inciso I se dispõe que as sentenças proferidas contra a Fazenda Pública e autarquias respectivas, bem como as fundações de direito público, ficarão sujeitas ao reexame necessário;[93] c) Art. 730 do Código de Processo Civil que disciplina de forma específica e diferenciada a execução por quantia certa contra a Fazenda Pública. Este último preceito dá efetividade no plano infraconstitucional ao artigo 100 da Constituição Federal.”  Nesta senda, ZAVASKI ainda aponta ainda mais algumas prerrogativas, tais como: o arbitramento dos honorários sucumbenciais, que deverão ser calculados por critério próprio, fulcro no § 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil; o procedimento especial da ação de execução por quantia certa, na forma do art. 730 do Código de Processo Civil; o procedimento da ação de execução fiscal movida pelo erário para haver seus créditos, na forma da Lei nº 6.830/80, bem como na ação de arresto, quando estiverem no pólo ativo, podem mover medida liminar mesmo sem justificação prévia, com fundamento no art. 816, I, do Código de Processo Civil.[94] Muito se questionou acerca da constitucionalidade das normas supramencionadas, tendo em vista que haveria uma quebra ao princípio constitucional da isonomia, previsto no caput do artigo 5º da Carta Magna[95]. No entanto, MANENTE[96] discorda deste entendimento Senão vejamos: “No direito atual, prerrogativas e privilégios só podem admitir-se, por exceção, em razão da diversidade de posições subjetivas assumidas no ordenamento jurídico. Exceções que são ao regime comum, as prerrogativas e privilégios se distinguem, porquanto estes são instituídos visando à proteção de interesses pessoais, e aqueles decorrem do interesse público. Resulta daí a prerrogativa irrenunciável”. Ainda, MANENTE assevera que, atualmente, há uma grande insuficiência de procuradores públicos, aliada a falta de servidores, bem como a burocracia entre os meios de comunicações externos. Todos estes fatores acabam sendo preponderantes para que a Fazenda Pública, por vezes, leve dias para cumprir os seus prazos processuais. Por esta razão, decorre a necessidade dos prazos com decurso maior para a prática dos atos processuais em sua defesa, sem que, por seu turno, seja ferido o princípio da isonomia, tendo em vista que a isonomia é o real objetivo destas prerrogativas processuais. Imperioso ressaltar que o legislador deve observar que, esta igualdade material proposta, deve sempre respeitar os princípios da racionalidade e razoabilidade.[97] Por fim, MORAES entende que o fato da Fazenda Pública tutelar o interesse da coletividade, já é motivo suficiente para que ela ostente esta condição diferenciada das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. O doutrinador assevera ainda, que quando a Fazenda Pública está em juízo, ela está defendendo o erário, ou seja, é a contribuição de toda a sociedade que está sob responsabilidade da Fazenda Pública. Desta maneira, quando a Fazenda Pública é condenada, o que estará sendo protegido é o erário. É em razão disto, para proteger o montante arrecadado, é que advém o interesse da coletividade, razão pela qual é necessário o tratamento diferenciado à Fazenda Pública em nome do interesse de todos. Como muitos dizem, e é errado, não há que se falar em privilégios a Fazenda Pública e sim prerrogativas processuais conferidas aos entes públicos em razão da aplicação do princípio da isonomia.[98] 2.3. DAS VEDAÇÕES À CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA PREVISTAS NAS LEIS Nº 8.437/92 E 9.494/97. Uma vez que é possível a antecipação de tutela entre particulares, não haveria que se falar em óbice de tal medida em face da Fazenda Pública, dentre outros motivos, em razão dos direitos à efetividade e tempestividade da tutela jurisdicional. Nesta seara, segue o notável ensinamento de MARINONI:[99] “De qualquer forma, é oportuno voltar a ressaltar que o direito à efetividade e à tempestividade da tutela jurisdicional é constitucionalmente garantido. O direito de acesso à justiça, albergado no art. 5º, XXXV, Da Constituição Federal, não quer dizer apenas que todos têm o direito a recorrer ao Poder Judiciário, mas também quer significar todos têm direito à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva. Ora, se o legislador infraconstitucional está obrigado, em nome do direito à tutela jurisdicional efetiva, a prever tutelas que, atuando internamente no procedimento, permitam uma efetiva e tempestiva tutela jurisdicional, ele não pode decidir, em contradição ao próprio princípio da efetividade, que o cidadão somente tem direito à tutela efetiva e tempestiva contra o particular.” Entretanto, ALVIM leciona que, com a utilização das ditas cautelares satisfativas para a concessão de tutela antecipada, uma vez que na época tal medida não possuía regramento próprio, foi introduzida no ordenamento a Lei nº 8.437/92, a qual tinha o escopo de vedar a antecipação de tutela através das medidas cautelares. Todavia, com o advento da Lei nº 8.952/94, a norma de vedação imposta pela Lei nº 8.437/92 passou a não ter eficácia plena, haja vista que a antecipação de tutela passou a ter regramento próprio diverso das medidas cautelares.[100] Diante do acima exposto, e com o intuito de frear as concessões de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, MARINONI aponta que sobreveio a Lei nº 9.494/97, a qual estabeleceu em seu artigo 1º que “aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil, o disposto nos arts. 5º e seu § único e 7º da Lei 4.348/64[101], no art. 1º e seu § 4º da Lei 5.021/66[102], e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei 8.437/92[103]”.[104][105] Sendo assim, o artigo 1º da Lei nº 9.494/97 tornou-se o regramento que apontará as diretrizes e esclarecerá em quais situações será possível a concessão da tutela antecipada em face da Fazenda Pública. Neste sentido, em breves palavras, CUNHA – ao aponta claramente quais são as situações em que se faz valer o conteúdo restritivo do art. 1º da Lei nº 9.494/97, quais sejam:[106] “O exame dos diplomas legislativos mencionados no preceito em questão evidencia que o Judiciário, em tema de antecipação de tutela contra o Poder Público, somente não pode deferi-la nas hipóteses que importem em: (a) reclassificação ou equiparação de servidores públicos; (b) concessão de aumento ou extensão de vantagens pecuniárias; (c) outorga ou acréscimo de vencimentos; (d) pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público ou (e) esgotamento, total ou parcial, do objeto da ação, desde que tal ação diga respeito, exclusivamente, a qualquer das matérias acima referidas” Assim, CUNHA assevera – ao citar o voto do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, proferido na Reclamação n.º 1.514-9 – que, uma vez esclarecidos os casos em que é não é possível a concessão de tutela antecipada previstos na Lei nº 9.494/97, não há que se falar em óbice à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública no processo tributário por força da lei supramencionada, obviamente, desde que preenchidos os requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil.[107] 2.3.1. Suspensão dos efeitos executivos da tutela antecipada em face da Fazenda Pública, prevista no art. 4º da Lei nº 8.437/92. Conforme já mencionado nos tópicos anteriores, por força do artigo 1º da Lei nº 9.494/97, aplica-se a tutela antecipada o art. 4º da Lei nº 8.437/92. Tal artigo dispõe o seguinte: “Art. 4º Compete ao presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, poderá suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e a economia pública.” Da lição de ZAVASKI extrai-se o entendimento que, a exemplo das liminares proferidas em mandado de segurança e em ações cautelares contra o Poder Público, o pedido de suspensão não tem natureza recursal, uma vez que através dele não é requerida a reforma nem a anulação do ato judicial. Desta forma, o pedido é uma medida excepcional que terá apenas o condão de suspender a execução da tutela antecipada em matéria tributária, com fundamento em interesses superiores de altos valores albergados pela norma, devendo “ser aplicado com parcimônia e à base de interpretação estrita, dada essa sua peculiar natureza”.[108] JUNIOR, ratificando o entendimento supramencionado, prossegue, afirmando que o presidente do tribunal não deverá remeter-se a decisão que deferiu a antecipação de tutela, permanecendo esta inalterada, intacta. A exceção a esta regra pode dar-se quando houver uma flagrante ilegitimidade de ordem formal. O despacho acerca do pedido de suspensão da execução da medida deverá sempre ser fundamentado com o escopo de demonstrar o manifesto interesse público, bem como a probabilidade de grave lesão à economia pública. Esta decisão de suspensão terá eficácia até o trânsito em julgado da decisão de mérito da ação principal, conforme preconiza o § 9º do art. 4º da Lei nº 8.437/92.[109] Diante de tais fatos, MANENTE entende que: “Infelizmente, prevalecendo tal posicionamento, inclusive por força de lei, estamos diante de uma distorção de tal monta, que tem o condão de desvirtuar a tutela antecipada, tornando-a imprestável para atingir a efetividade que se pretende”.[110] 2.4. DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA E O REEXAME NECESSÁRIO, PREVISTO NO ARTIGO 475 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Um dos questionamentos quanto à possibilidade de concessão de tutela antecipada em face da Fazenda Pública se dá em razão de ser o reexame necessário uma das prerrogativas do erário em juízo. Entretanto, a previsão legal do reexame necessário[111], aponta que tal hipótese será aplicada apenas quando a decisão tratar-se de sentença de mérito. Por seu turno, WELSCH assevera que, em razão do regime da tutela antecipada permitir sua concessão no curso do processo, ou seja, através de decisão interlocutória, não há que se falar em indeferimento em razão da necessidade do duplo grau de jurisdição, tendo em vista que um dos requisitos da concessão da antecipação de tutela é a reversibilidade da decisão, podendo esta ser revogada a qualquer tempo, conforme previsão legal dos artigos 273 §§ 2º e 4º, e 461 § 3º do Código de Processo Civil. Ademais, imperioso salientar que o que está sujeita ao duplo grau de jurisdição é a sentença de mérito, não as decisões interlocutórias. Para a doutrinadora, os magistrados que entendem ser o reexame necessário um óbice à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, estão fazendo uma interpretação extensiva e equivocada do art. 475 do Código de Processo Civil, quando por eles deveria ser feita uma interpretação sistemática, com a devida observância ao princípio da efetividade.[112] Nesta esteira, leciona ALVIM:[113] “Por outras palavras, afigura-se-nos perfeitamente possível compatibilizar a idéia de reexame necessário com a efetivação imediata da antecipação de tutela via decisão interlocutória ou concedida na sentença. Deveras, seja no caso de antecipação de tutela concedida por decisão interlocutória e ulterior sentença de procedência, seja no caso de a antecipação dar-se na própria sentença, o certo é que a tutela poderá ser implementada, pois nem a apelação voluntária da Fazenda, tampouco a remessa necessária, terão o condão de impedir que isso ocorra”. Compartilhando deste entendimento, importante ressaltar a lição de CARNEIRO:[114] “Poder-se-á superar tal argumento pela consideração de que a imposição do duplo grau de jurisdição refere-se apenas às sentenças porque apenas estas possuem aptidão, exatamente pela prévia cognição exauriente, de adquirir o selo da imutabilidade pelo trânsito material em julgado (art. 467); destarte, constitui valiosa garantia para o erário que esta peculiar eficácia somente seja adquirida após a apreciação da causa não só no juízo monocrático, como também no juízo colegiado. (…) Já a antecipação de tutela, esta é concedida através de decisão interlocutória, de caráter provisório, modificável ou revogável pelo juiz que a proferiu, e cuja eficácia pode ser igualmente suspensa pelo presidente do tribunal, concorrendo com as circunstâncias previstas no art. 4º da Lei 8.437, de 30.06.1992 (cuja incidência foi tornada explícita pelo art. 1º da Lei 9.494, de 30.06.1997).” Nesta esteira, ALVIM cita um exemplo aplicável ao processo tributário. Senão vejamos:[115] “Figuremos, por exemplo, a hipótese de uma ação anulatória de débito fiscal. A conseqüência que emergirá da procedência da ação será a extinção do crédito tributário (CTN, art. 156, inc. X). Se o contribuinte, na pendência da ação, tiver pedido e obtido decisão antecipatória de tutela para o fim de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, inc. V), essa situação – suspensão da exigibilidade – perdura, em caso de procedência da ação, até o julgamento da apelação pelo tribunal ad quem. Vale dizer, enquanto pende a apelação (ou mesmo a simples remessa ex officio), não há falar-se em extinção, mas a exigibilidade permanece suspensa, obstando a deflagração de execução fiscal.” Desta feita, muito embora haja sentença de mérito confirmando a tutela antecipada, ou até mesmo haja deferimento de tal medida no bojo do comando sentencial, entende ALVIM que o reexame necessário não será um fato impeditivo, pois, uma vez que é permitida a concessão da tutela antecipada quando é atribuído efeito suspensivo à apelação, resta claro que o reexame necessário não seria entrave para a concessão da medida. Além disto, a decisão interlocutória não está prevista no art. 475 do Código de Processo Civil, portanto, não está sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório.[116] 2.5. DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA E O REGIME DOS PRECATÓRIOS, COM FULCRO NO ARTIGO 100, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Para ALVIM, não será cabível a antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, sempre que houver condenação em dinheiro. Tal impossibilidade, na visão do doutrinador, tem abrigo na exigência constitucional de que todos os pagamentos efetuados pelo Poder Público devem ser realizados mediante precatório[117], em ordem cronológica, com fulcro no art. 100 da Constituição Federal de 1988[118]. Prossegue ainda, afirmando que não será possível a concessão de antecipação de tutela na ação de repetição de indébito tributário, por exemplo.[119] No entanto, MANENTE, ao citar Marcelo Salles Annunziata, assevera que nas ações em que envolvam pagamento de valores por parte da Fazenda Pública, “nada impede que seja concedida a tutela antecipatória, e que já se inicie a execução provisória, com a correspondente expedição de precatório e depósito, à disposição do Juízo, do valor eventualmente devido pelo Poder Público.”[120] Todavia, o que extrai-se de ambos entendimentos é que o regime de precatórios é uma medida lenta e inadequada para a efetivação de tutela antecipada, tendo em vista que, sendo possível a concessão de tal medida, ela perde o escopo, em face da demora do Poder Público para efetuar o pagamento. Ainda, se possível a antecipação de tutela, tal deferimento burlaria a ordem de pagamento dos precatórios, o que de fato é inconstitucional, uma vez que a ordem de pagamento encontra-se positivada na Carta Magna. Para que seja efetivada a antecipação de tutela através de precatório, BARROS propõe que o precatório seja emitido tão logo seja concedida a medida antecipatória. Caso o precatório estiver disponível para pagamento antes do trânsito em julgado, o valor ficará à disposição do Juízo aguardando a decisão de mérito. Por seu turno, se a decisão já tiver transitado em julgado, o valor será imediatamente liberado.[121] Por fim, MANENTE conclui que a antecipação de tutela pode ser deferida nos casos de ação de repetição de indébito tributário, desde que estejam presentes os requisitos para a concessão da medida, deve ser analisado pelo julgador o bem da vida perquirido, bem como risco de lesão a ambas as partes sopesando com razoabilidade e proporcionalidade, visando aplicar a melhor solução ao caso concreto.[122] 2.6. DA POSSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADACONTRA A FAZENDA PÚBLICA PARA A SUSPENSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIONA FORMA DO ARTIGO 151, V, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL Inicialmente, MARINS afirma que, antes mesmo que houvesse norma permitindo a sua concessão, já era possível antecipar os efeitos da tutela pretendida. Isto porque, na visão do doutrinador, os magistrados concediam diversas tutelas antecipadas, seja em sede de mandado de segurança ou de ação cautelar (conforme explicado no item 1.1, com as cautelares satisfativas). Demonstra MARINS, como exemplo, hipóteses em que o mandado de segurança era impetrado com o escopo de suspender a exigibilidade de tributo aduzido como inconstitucional. Neste caso, urge a necessidade de que seja provido o pedido do autor, dada a aplicação de norma tributária maculada pela inconstitucionalidade.[123] ZAVASKI corrobora o entendimento supramencionado, afirmando que as liminares em mandado de segurança, têm semelhante natureza antecipatória àquela prevista no art. 273, I, do Código de Processo Civil, dado o conteúdo dos pressupostos para admissibilidade de ambos os procedimentos. Para o doutrinador, a relevância do fundamento da demanda e risco de ineficácia da medida se assemelham com a verossimilhança da alegação e receio de dano irreparável. Prossegue ainda, afirmando ser possível a concessão de liminar em mandado de segurança, nos casos do inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil, o que só demonstra, ainda mais, a semelhança entre ambos os institutos.[124] Diante de tal panorama, inúmeras foram as decisões que passaram a deferir a antecipação de tutela para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. O argumento utilizado para a concessão de tal medida, haja vista que não fazia parte do rol do art. 151 do Código Tributário Nacional, era que, por ter a mesma natureza jurídica das demais tutelas de urgência, e não havendo nenhum óbice para a sua concessão, é perfeitamente cabível a concessão de tutela antecipada com este escopo. Neste sentido, segue o julgamento do Recurso Especial nº 260085, da lavra da Ministra Eliana Calmon, senão vejamos:[125] “PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DE (ART.151 DO CTN) – TUTELA ANTECIPADA (ART. 273 DO CPC).1. A tutela antecipada pode ser aplicada contra o poder público, quando presentes os pressupostos para a sua outorga. 2. Se a tutela antecipada do art. 273 do CPC tem natureza jurídica idêntica a de liminares previstas em ações especiais, não se tem dificuldade em inseri-la, por extensão, ao elenco do art. 151 do CTN. 3. Interpretação sistemática compatível com a índole do direito público. 4. Recurso especial não conhecido.” (Recurso Especial nº 260085/RS, Recurso Especial, Superior Tribunal de Justiça, 2º Turma, Ministra Eliana Calmon, julgado em 08 abr 2002) Tendo em vista que o panorama doutrinário e jurisprudencial da época apontava para o sentido de que era cabível a antecipação de tutela para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o legislador, através da Lei Complementar nº 104/01, introduziu esta possibilidade ao Código Tributário Nacional, através do art. 151, V, in verbis:[126] “Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I – moratória; II – o depósito do seu montante integral; III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança. V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial. VI – o parcelamento. Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes.” Desta forma, em tese, não haveria que se falar em impossibilidade de concessão de antecipação de tutela para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. No entanto, com a introdução de tal medida no art. 151 do Código Tributário Nacional, diversos julgadores passaram a exigir o depósito do montante integral, previsto no inciso II, para a concessão da tutela antecipada, muito embora não haja nenhuma regulamentação específica neste sentido. Tal entendimento passou a ser freqüente nos tribunais, por entenderem os julgadores que sem o depósito do montante integral não há verossimilhança nas alegações. Neste sentido:[127] “Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. ARGUMENTOS QUE NÃO INFIRMAM OS FUNDAMENTOS DECISÓRIOS. Não tendo as razões de agravo infirmado os fundamentos decisórios merece mantida, na íntegra, a decisão agravada, sintetizada na ementa a seguir transcrita: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO DE ICMS. ARTIGO 151, II, III E V, CTN. PEDIDO PRINCIPAL VISANDO À COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO DO ESTADO COM PRECATÓRIO OBJETO DE CESSÃO DEVIDO PELO IPERGS. IMPOSSIBILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/09. DECRETO ESTADUAL Nº 47.063/10. DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL DO CRÉDITO. NECESSIDADE DE QUE SEJA EM DINHEIRO. PEDIDO ADMINISTRATIVO E DECISÃO DEFINITIVA. AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA. ARTIGO 273, CAPUT, CPC. É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, assim como deste Tribunal, quanto à inadmissibilidade da compensação de crédito do Estado com precatório objeto de cessão devido pelo IPERGS, quer pela inexistência de lei estadual que a tanto autorize, como exige o artigo 170, CTN, quer pela ausência de créditos e débitos recíprocos. Aliás, com a vigência da EC nº 62/09, tendo o Estado do Rio Grande do Sul adotado o regime do artigo 97, § 1º, I, ADCT, os precatórios somente terão poder liberatório se e quando deixar de ser procedido o respectivo depósito, a par de se definir a possibilidade de abatimento compensatório em relação à entidade devedora (art. 100, § 9º, CF/88). Quanto à suspensão da exigibilidade do crédito tributário, forte no artigo 151, II e III, CTN, o depósito do montante integral deve ser em dinheiro e o pedido administrativo deve estar pendente de julgamento, respectivamente, contexto diante do qual resta afastada a verossimilhança das alegações, inviabilizando, pois, a concessão da tutela antecipada pleiteada, assim como raciocínio em termos do disposto no artigo 151, V, CTN.” (Agravo Nº 70045137767, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 28/09/2011) Todavia, segundo CUNHA, este entendimento é inteiramente equivocado, pois os requisitos para suspensão da exigibilidade do crédito tributário não são concorrentes. Ademais, exigir verossimilhança através do depósito do montante integral é extremamente temeroso, na medida em que se o débito for de altíssimo valor e o contribuinte não dispor de tal quantia em dinheiro, terá que aguardar até o trânsito em julgado da ação para, pelo menos, deixar de ter seu nome inscrito em dívida ativa. Ou mais, caso tenha a quantia para que consiga ter seu pedido de antecipação de tutela deferido, tal valor despendido pode vir a comprometer o seu negócio, em se tratando de pessoa jurídica.[128] Obviamente, tais hipóteses presumem que o contribuinte, ao requerer a antecipação de tutela, formulou pedido fundamento nos devidos requisitos legais para a sua concessão. É baseado nestes casos, bem como os casos do parágrafo anterior é que o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento da seguinte maneira, in verbis:[129] “TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TUTELA ANTECIPADA. CABIMENTO. ART. 151, V, DO CTN. REDAÇÃO DADA PELA LC 104/2001. PRECEDENTES DO STJ. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que é possível o cabimento de liminar em ação cautelar para suspender a exigibilidade do crédito tributário independentemente da realização do depósito do montante integral do débito, circunstância esta que não importa em ofensa ao disposto no art. 151 do Código Tributário Nacional. 2. A Lei Complementar n. 104, de 10 de janeiro de 2001, ao acrescentar o inciso V ao artigo 151 do CTN, indicando como causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada em outras espécies de ação judicial, apenas ratificou o entendimento já adotado pela doutrina e pela jurisprudência pátrias. 3. “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quanto a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida” Súmula n. 83/STJ. 4. Recurso especial não-provido.” (Recurso Especial nº261902/RS, Recurso Especial, Superior Tribunal de Justiça, 2º Turma, Ministro João Otávio de Noronha, julgado em 06 dez 2005)    Pelas razões acima elencadas, fundadas na jurisprudência, bem como nos princípios da proporcionalidade (na medida em que se torna desproporcional a exigência do depósito do montante integral, em dinheiro, principalmente se for uma quantia elevada, para que seja suspensa a exigibilidade do débito fiscal, uma vez que existe a possibilidade de ser requerida a tutela antecipada, caso preenchidos os requisitos legais), nos princípios da efetividade e acesso à justiça, que são os basilares da antecipação de tutela, bem como no princípio da isonomia – tendo em vista que a Fazenda Pública, como parte legítima para figurar no pólo passivo do processo tributário, pode ter tutela antecipada em seu desfavor – é que CUNHA entende ser possível a concessão de antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, inclusive sem o depósito do montante integral.[130] 2.6.1. Da possibilidade de concessão de tutela antecipada específica contra a Fazenda Pública no Processo Tributário. Conforme já trabalhado no item 1.7 do presente trabalho, a tutela antecipada específica está prevista no art. 461 § 3º do Código de Processo Civil. Tal medida visa dar efetividade, forçando o cumprimento específico das obrigações de fazer e não fazer, e de entregar coisa, previstas, respectivamente nos artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil. Ademais, cumpre esclarecer que este instituto, quando utilizado contra a Fazenda Pública, submete-se as mesmas vedações impostas a tutela antecipada genérica prevista no art. 273 do Código de Processo Civil. Na seara do direito tributário, CAIS exemplifica que a tutela específica pode vir a ser utilizada pelo contribuinte para requerer a expedição de certidão negativa de débitos ou de certidão positiva com efeito de negativa na forma dos artigos 205 e 206 do Código Tributário Nacional[131], tendo em vista que tais certidões são de suma importância para a atividade empresarial de uma pessoa jurídica, desde que reste comprovado que o contribuinte não possui débito tributário, ou, caso o possua, que o débito não tenha vencido, esteja em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa, na forma do art. 206 do Código Tributário Nacional.[132] A fim de elucidar o que fora abordado no parágrafo anterior, MANENTE cria um questionamento acerca da responsabilidade do servidor público e da Fazenda Pública pelo pagamento das astreintes em caso de descumprimento da obrigação de fazer, quando o primeiro, por motivo injustificado, nega-se a fornecer a certidão negativa ao contribuinte. Ainda, assevera que, caso fosse a Fazenda Pública a responsabilizada por tal ato, o objetivo da medida coercitiva (multa por atraso) se tornaria inócuo, pois o objetivo de tal medida é inibir o inadimplente para que este cumpra a obrigação. No entanto, caso fosse responsabilizado o servidor público pelo pagamento das astreintes, poderia estar sendo cometida uma grande injustiça, devido ao fato que, muitas das vezes, o servidor tem que se limitar à legislação e a burocracia do Estado. Neste caso, prosperou o entendimento que “as astreintes podem ser fixadas pelo juiz, de ofício, mesmo sendo contra pessoa jurídica de direito público, que ficará obrigada a suportá-las caso não cumpra a obrigação de fazer no prazo estipulado”. No entanto, vale lembrar que, mesmo que a execução da antecipação de tutela específica siga o rito da execução provisória (475-O do Código de Processo Civil), o pagamento das astreintes deverá obedecer o regime dos precatórios, previsto no art. 100 da Constituição Federal[133] CONCLUSÃO Inicialmente, cumpre salientar a importância do instituto da antecipação de tutela. Tal instituto, muito embora exista há 17 anos, é extremamente inovador no atual panorama jurídico, pois alterou os rumos ideológicos do processo civil. Com o advento da tutela antecipada, cognição e execução puderam ser desenvolvidas juntas, tanto no âmbito do processo de conhecimento quanto na esfera recursal, bem como no curso da execução, embargos ou impugnação, com efeito suspensivo. Ademais, o seu escopo é genial, na medida em que não pode o autor aguardar o perecimento do bem da vida ao qual aguarda a tutela, em razão da ocorrência de fatores alheios à sua vontade. Todavia, se comprovado pelo réu que a tutela não deve ser antecipada ao autor, a medida é revogada imediatamente, o que dá mais credibilidade ainda para o instituto, pois visa satisfazer a urgência do autor, sem afrontar os princípios constitucionais da isonomia, da ampla defesa e contraditório, etc. Ainda há de ressaltar a tutela antecipada específica, que traz em sua previsão legal medidas coercitivas que coagem o devedor a cumprir a obrigação no prazo determinado pelo juiz, sem que tenha o autor ingressar desde logo com a ação de perdas e danos. Já quanto a Fazenda Pública, o estudo demonstrou que ela possui inúmeras prerrogativas, inclusive quanto à tutela antecipada. No entanto, tal prerrogativa não impede a concessão de tutela antecipada no processo tributário, mesmo que os legisladores tenham tentado inúmeras vezes vedar tal medida. Primeiramente, vedando as cautelares satisfativas através da Lei nº 8.437/92, e após, através da Lei nº 9.494/97, tentaram vedar a concessão de tutela antecipada. Quanto às demais vedações impostas pela jurisprudência, e parte minoritária da doutrina, através do presente estudo pode-se perceber que elas não prosperam, pois muito embora, principalmente a jurisprudência, tente aplicar uma interpretação extensiva a algumas normas, a antecipação de tutela é fundada em princípios constitucionais que dão guarida a sua concessão, na medida em que a situação de urgência sempre deve ser observada. Por fim, restou amplamente claro, por tudo o que foi estudado, que exceto o regime dos precatórios, salvo convencimento do juiz quanto à urgência da tutela do autor, as demais vedações propostas pela doutrina e a jurisprudência não podem limitar a concessão de tutela antecipada no âmbito do processo tributário, pois após a introdução da Lei Complementar nº 104/01, não há que se falar nessa impossibilidade, tendo em vista que o artigo 151, V, consagrou tal instituto no Código Tributário Nacional. Neste sentido, outro ponto importante trabalhado é a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, pois grande parte da jurisprudência vem condicionando a concessão da antecipação de tutela ao depósito do montante integral do débito fiscal. Aí mais uma vez, busca-se fazer uma interpretação extensiva de um preceito legal com o intuito de favorecer o Erário. No entanto, o que se percebe é que o rol do artigo 151 do CTN não é concorrente, isto quer dizer que qualquer uma das hipóteses previstas na norma supramencionada pode vir a suspender o a exigibilidade do débito tributário.
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Imunidade tributária das empresas juniores
Este trabalho auxiliará na compreensão dos pontos tocantes às definições de associações, bem como seus pressupostos e características, as quais lhes conferem existência, além de relacioná-las com as Empresas Juniores, que constituem associações civis sem fins lucrativos, possuindo uma finalidade educacional para alunos do ensino superior e de cursos técnicos. Será abordada, assim como os principais pontos caracterizadores, a importância da Empresa Júnior no cenário nacional, tanto economicamente quanto socialmente. Entretanto, o tema nuclear desse trabalho é tratar de como se aplica a imunidade tributária, que expressa garantia constitucional dada às associações sem fins lucrativos, justamente por gerarem um retorno à sociedade, no âmbito do empresário júnior. Dessa forma, há de se passar pelos conceitos de imunidade tributária e diferenciando-os de outra forma de desobrigação tributária chamada isenção, de forma a esclarecer, então, os pontos de convergência entre esses dois conceitos, bem como as características que lhes conferem particularidades entre si, diferenciando-os. Isso para que se possa entender melhor a dinâmica da aplicação das imunidades no âmbito das associações sem fins lucrativos e consequentemente das Empresas Juniores[1].
Direito Tributário
Introdução Uma Empresa Júnior é uma associação sem fins lucrativos e, devido a isso, pode possuir imunidade tributária concedida pelo governo. Além de não visar o lucro, a Empresa Júnior contém uma finalidade educacional, objetivando proporcionar conhecimento e experiência a seus membros, qualidades que a difere das demais empresas. Tendo em vista as características peculiares de uma entidade como esta e sua importância para a sociedade, a presente pesquisa busca analisar a imunidade tributária das Empresas Juniores e, para isso, necessita esclarecer o que é uma associação, bem como o que se entende por Empresa Júnior, para, a partir disso, compreender o conceito de imunidade tributária e posteriormente relacioná-la às Empresas Juniores, alcançando, então, o propósito desse projeto. 1. Associação Associação é uma entidade jurídica de direito privado composta pela união de pessoas físicas ou jurídicas que possuem um objetivo comum, que não visa lucro. De acordo com art. 53 do Código Civil: “Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins econômicos”. Sendo esta constituída na Assembleia Geral de Constituição, deve necessariamente conter um estatuto, associados (diretores, conselheiros, trainees, etc.), registro da entidade, uma sede provisória, onde deverão ser realizadas Assembleias com seus membros, definindo as linhas de ações e políticas e tudo o que for discutido, registrado em uma Ata.  Seus associados não possuem direitos e obrigações recíprocas, possuem seus objetivos com cunho artístico, beneficente, religioso, cultural, educativo, entre outros, ou seja, objetivos que não visam dividir os resultados para os associados e, além disso, possuem liberdade garantida pela Constituição Federal de associação para fins lícitos. Entende-se então que esta realiza negócios para aumentar ou manter seu patrimônio, gerando um retorno para a sociedade e não proporcionando ganhos para os membros. Seu patrimônio tem por base a contribuição dos sócios, doações, rendimento de suas aplicações, cobranças por alguns serviços prestados, mas nunca visando o lucro, possui apenas o objetivo de se manter. Em relação ao imposto de renda de pessoas jurídicas sem fins lucrativos, podem ser imunes (concedida pela Constituição Federal) ou isentas (concedida pelas leis ordinárias). O associado pode ser excluído apenas com justa causa, de acordo com o estabelecido no estatuto, com motivos graves e com a deliberação da maioria absoluta dos membros presentes na Assembleia que definirá esse fim, sendo que este tem direito ao contraditório e à ampla defesa. Em relação ao associado querer se retirar da entidade, este pode fazê-lo sem impedimentos, ao menos que esteja expresso no estatuto certas condições pra isso, como cumprir o que já foi assumido por ele. Ou seja, não se pode obrigar um membro a continuar filiado à associação. Se a entidade for dissociada, seus bens remanescentes serão transferidos para uma entidade estabelecida no estatuto, que também não possui fins econômicos, ou se não tiver estabelecido, para instituições municipais, estaduais ou federais escolhidas pelos membros, e que possuam fins semelhantes. 2. Empresa júnior Primeiramente é interessante destacar a história das Empresas Juniores e sua criação no mundo e no Brasil, para posteriormente passar às características específicas delas, com seus objetivos, composição, valores etc. Por fim será destacado o que se realiza em uma EJ, suas influências e responsabilidades. Existem relatos de que as primeiras Empresas Juniores surgiram no ano de 1967, em Paris, França. Os alunos criaram uma então inédita Empresa Júnior: associação que proporcionasse uma realidade empresarial e prestasse serviços de consultoria para empresas de mercado ali da região das proximidades de Paris. O conceito depois se espalhou pela França, em seguida pelas escolas superiores de tal país e posteriormente para universidades mundo afora. Em se tratando de Brasil, o conceito de Empresa Júnior chega ao país no fim da década de oitenta, como algo revolucionário, chegando a ter certa resistência para se efetivar. Surgem então por esses anos as primeiras Empresas Juniores no Brasil: em 1988, nasce a Empresa Júnior Fundação Getúlio Vargas, pioneira no país. Depois da pioneira, muitas outras Empresas Juniores foram criadas por diversas universidades brasileiras como a EJUR, da Unesp Franca, a primeira Empresa Júnior Jurídica do mundo.  Mas afinal o que é uma Empresa Júnior?Uma EJ nada mais é do que uma associação civil sem fins lucrativos e com objetivos educacionais, de alunos que estão no ensino superior ou em algum curso técnico. Uma das metas é possibilitar o aprimoramento técnico na área especializada através de trabalho e projetos de diversos cunhos (científicos, sociais, tecnológicos etc.), aumentando o crescimento pessoal e humano desses alunos através da resolução de problemas práticos, normalmente requisitados por empresas da região ou até de outras EJs. Além disso, as Empresas Juniores têm o papel de dar experiência de mercado aos seus membros, que assim, não só atingem seu objetivo ao entrar nessa associação, mas também contribuem para o desenvolvimento do empreendedorismo em sua região. É bom ressaltar que as EJs se encaixam no terceiro setor da economia e é por isso que possuem custos operacionais reduzidos e menor tributação (muitas vezes são isentas de impostos), podendo oferecer, assim, serviços de qualidade a um custo baixo para, principalmente, o mercado de micro e pequenas empresas, que normalmente não têm acesso à consultoria sênior e enfrentam certas dificuldades em suas gestões. Dessa forma, as EJs têm como objetivos proporcionar ao estudante aplicação prática de conhecimentos teóricos relativos à área de formação profissional específica da EJ; intensificar o relacionamento entre empresa e universidade ou curso técnico ; abrir portas para o mercado de trabalho e contribuir com a sociedade fornecendo serviços de qualidade a preços adequados. Mas afinal, o que é feito quando se entra em uma EJ? Normalmente ao se entrar numa Empresa Júnior o estudante adquire um cargo básico, que lhe dá oportunidades de fazer tarefas não muito complicadas, como no caso da citada ‘’EJUR’’ tal cargo é denominado ‘’trainee’’ e são feitos projetos como: minicursos, palestras, elaboração de estatutos, simpósios, revisão de regimentos, dentre outros…                      Muitos destes trabalhos geralmente são auxiliados professores de suas universidades. Em suma, em uma Empresa Júnior os alunos adquirem um conhecimento básico e prático voltado para a área de atuação da EJ . Por tudo isso as Empresas Juniores adquiriram um papel inovador no âmbito acadêmico, obtendo grande influência com quem interagem, tendo, portanto, uma correspondente responsabilidade profissional e social a serem seguidas. 3. Imunidade tributária Imunidade tributária é uma limitação imposta pela Constituição ao poder de tributar, a qual impede a ocorrência do fato gerador do tributo e consequentemente a relação obrigacional não se forma.[2] O art.150, inciso VI da Constituição Federal estabelece imunidade apenas quanto aos impostos, dispondo sobre as instituições que se beneficiam deste instituto: “a) patrimônio, renda ou serviços uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviço dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”. Enquanto que os parágrafos seguintes explicam e condicionam as declarações presentes no inciso ao qual nos referimos: “§ 2º. A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às leis decorrentes; § 3º – As vedações do inciso VI, (a), e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel; § 4º. As vedações expressas no inciso VI alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.”[3] O reconhecimento de imunidade tributária não precisa de ato por parte do governo, basta à adequação aos requisitos exigidos[4], os quais não podem ser regulados por lei ordinária ou inferior, pois só podem ser estabelecidos por lei complementar. A lei complementar que traz imposições às imunidades dessas entidades é o Código tributário nacional e qualquer restrição a respeito desse assunto que não for feita por lei complementar não é válida, pois é inconstitucional e nula.[5] Há determinadas condições nas quais não incide a tributação por imunidade, tendo em vista esta depende do preenchimento dos requisitos estabelecidos em lei complementar. Tais requisitos, como explicitado anteriormente, se encontram no artigo 14 do CTN, que estabelece para as referidas entidades: “I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão; § 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício; § 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.”[6] O governo concede a imunidade a essas entidades em razão destas realizarem atividades que atendem às demandas dos interesses coletivos, servindo assim como fornecedoras de equipamentos e serviços, promovendo o interesse da sociedade. Dessa forma, as entidades sem fins econômicos e de interesse coletivo, como associações e fundações, prestam serviços que a própria Constituição declara como direitos de todos e dever do próprio Estado, portanto seria contraditório impor tributação a elas, assim como não teria sentido cobrar impostos de pessoas jurídicas de direito privado que cuidam, sem objetivo econômico, de questões públicas relacionadas à saúde, meio ambiente, assistência social, entre outras que são deveres do Estado e deveriam ser supridos com o recurso proveniente dos impostos.[7] Uma entidade sem fins lucrativos é aquela que não apresenta superávit de contas, ou a que utiliza estes ganhos para seu próprio funcionamento e desenvolvimento, visando à realização de suas finalidades, as quais beneficiam a sociedade. A imunidade também abrange bens que não sejam usados diretamente pela organização, mas que se destinam para o cumprimento de seus objetivos, como por exemplo: aluguéis e resultados de aplicações financeiras. Mesmo que imune, a instituição deve apresentar declaração de imposto de renda e se não a fizer poderá ser penalizada com multa administrava e aparecer como inadimplente nos órgãos públicos federais. Contudo, uma entidade de direito privado sem fins econômicos pode ser passível de, sobre seus bens, serviços, rendas, sofrer tributação. A imunidade e a isenção não se aplicam a toda renda auferida por essas entidades, desse modo, estará fora da abrangência de tributação somente o que se relaciona com as finalidades essenciais das associações sem fins lucrativos; sendo assim, os rendimentos e os ganhos de capital arrecadados em aplicações financeiras, por exemplo, não estão abrangidos pela imunidade ou pela isenção. [8] 4. Isenção e imunidade tributária Para entender melhor essa questão, é necessário discutir sobre as definições de cada um desses termos e o modo como eles realmente se aplicam, a fim de compreender melhor os pontos comuns e divergentes entre eles. Imunidade tributária apresenta-se como uma vedação de cobrança de tributo, a qual possui garantia constitucional, dessa forma, apresenta um caráter permanente. Essa garantia é concedida às associações e fundações sem fins lucrativos, podendo extrair-se daí a justificativa para a aplicação dessa imunidade: considerando-se que essas associações e fundações prestam um serviço à comunidade, o qual teoricamente seria de atribuição do Estado, seria absurdo querer impor a elas qualquer tipo de tributação, visto que ajudam o próprio aparelho estatal a manter o bem-estar social, prestando um serviço que constitucionalmente seria dever do Estado. A renúncia, portanto, em cobrar um tributo não pode ser considerada um favor. É na verdade uma forma justa de compensar o particular por um serviço prestado à comunidade. De forma diferente apresenta-se a isenção, a qual se configura como uma desobrigação de pagar tributo, concedida pelo Estado a um particular, em certas situações especiais, mas que diferentemente da imunidade, é regulada e garantida por lei infraconstitucional, possuindo um caráter transitório. Dessa forma, a isenção caracteriza-se por um favor legal concedido, e abrangendo qualquer espécie de tributo. Entretanto, ao instituir-se uma isenção, esta deve observar alguns aspectos necessários para que tenha validade. São eles: – Deve ser estabelecida por meio de lei infraconstitucional, como já foi visto; – A lei que estabelece a isenção deve ser atribuída à mesma pessoa competente para instituir o tributo de cuja exoneração se trate; – É vedada pela constituição a isenção instituída por pessoa diferente da competente para estabelecer o tributo do qual se trata; – A isenção concedida deve ser fundada em razões de interesse público, sob o risco de violar-se o princípio da isonomia; – A lei de isenção deve identificar precisamente o tributo ao qual se refere e às condições necessárias a sua aplicação; As isenções possuem ainda algumas espécies, podendo ser subjetivas, objetivas, técnicas e políticas, mas não cabe nesse trabalho uma discussão mais aprofundada sobre essas classificações. 5. Pontos em comum e as principais diferença Após essas definições e a breve explicação sobre isenção e imunidade tributária, podemos traçar com maior facilidade as características comuns entre elas: – Ambas estabelecem a incompetência para tributar; – São exceções à regra, que só fazem sentido em combinação com a norma atributiva de competência tributária (no caso da imunidade) e da hipótese de incidência tributária (no caso da isenção); – Justificam-se como formas de garantia de fins constitucionais. Da mesma forma, é possível observar melhor as principais diferenças entre os dois conceitos: – A imunidade é garantida pela própria Constituição; já a isenção é garantida e regulada por meio de lei infraconstitucional, com ou sem suporte expresso em preceito constitucional; – A norma que concede a imunidade situa-se no plano da definição da competência tributária; a isenção, por outro lado, situa-se no plano do exercício da competência tributária; – A norma que concede a imunidade, por se tratar de cláusula pétrea, só poderá ser eliminada por meio do exercício de um poder constituinte originário; já a isenção, quando eliminada a lei que a institui, restabelece-se a eficácia da lei anterior que havia instituído o tributo, observando os princípios cabíveis; Por fim, na imunidade, não ocorre o fato jurídico tributário pelo fato de não existir a possibilidade de formulação da hipótese de incidência. Já na isenção não ocorre o fato imponível devido ao fato de que o legislador competente, mediante norma diversa, impediu a atuação da hipótese de incidência em relação a um ou alguns de seus aspectos. 6. Imunidade tributária das empresas juniores Como já foi exposto, a Empresa Júnior é uma associação civil sem fins lucrativos criada e administrada por um grupo de alunos da graduação, que visam objetivos em comum. Sendo que entre estes objetivos se encontram principalmente: a profissionalização em determinada área, da qual está relacionada a empresa e o crescimento pessoal dos membros. Relacionado ao fato de não possuir fins econômicos, a empresa utiliza da receita advinda de projetos para reinvestir dentro da mesma, não podendo dessa forma, distribuir o valor entre os integrantes. Além disso, possui custos acessíveis por serviços de qualidade, quando comparada a outras empresas de mesma função. É possível citar também a prestação de serviços de utilidade pública pela empresa, e tendo isto reconhecido e provado a empresa adquire inúmeros privilégios, entre eles, pode adquirir imunidade tributária. Para ser reconhecida como utilidade pública nas esferas Federal, Estadual e Municipal, a Empresa Júnior deve encaminhar uma petição requerendo a imunidade tributária. Porém, obter sua concessão possui certa dificuldade. O fenômeno da imunidade tributária difere do caráter usual da Constituição, que concede o direito de cobrar tributos a determinadas instituições definidas em lei. Nele, pode haver um impedimento do fato gerador do tributo, desvinculando, assim, a relação obrigacional. Ou seja, a empresa que conseguir adquirir a imunidade tributária é excluída de pagar qualquer tipo de tributo. Para consegui-la é necessário que a empresa se adeque aos requisitos estabelecidos em lei complementar, que se encontram no artigo 14 do CTN, já citado anteriormente. A imunidade a essas empresas pode então, estar vinculada ao fato de prestarem serviços que estão previstos como direitos dos indivíduos e que cabia ao Estado cumpri-los, como indica a Constituição Federal. Dessa forma, cobrar impostos às empresas juniores seria contraditório, já que estas trazem grandes retornos contributivos à sociedade. Conclusão As Empresas Juniores são muito importantes para a sociedade porquanto realizam atividades de interesses coletivos, baseados em sua área específica de atuação fornecendo equipamentos e serviços. Em razão disso, o governo concede imunidade tributária – desobrigação de pagar tributos permanentemente conforme disposições constitucionais – às Empresas Juniores em relação a alguns tributos, como uma forma de incentivar essas associações sem fins lucrativos e com finalidades educacionais a se perpetuarem. O reconhecimento da imunidade tributária não precisa de ato do governo, basta a instituição se enquadrar nos requisitos exigidos – caso das Empresas Juniores – e estes se encontram no artigo 14 do Código Tributário Nacional. Por fim, é importante ressaltar que a imunidade tributária não incide sobre toda a renda das EJs, mas somente ao que se relaciona às suas atividades essenciais.
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Humanização do direito tributário: Benefícios tributários e sociais aos portadores de doenças graves
Tem sido muito frequente nos últimos anos, em especial por parte da nova classe média brasileira, as frequentes reclamações em torno do montante de impostos pago anualmente por esta classe, sendo de longe, o contribuinte brasileiro, um dos que mais contribui através de tributos com o Estado. Todavia, em alguns momentos, esta capacidade contributiva se reduz em virtude de diversos fatores, dentre eles, o estado de saúde do contribuinte, que se encontra muitas vezes, impedido de exercer suas atividades laborais e/ou tenha seu orçamento mensal comprometido, pelos elevados gastos em função de seu tratamento médico.[1]
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO A origem do assistencialismo remonta do inicio do século XX, quando o mundo sentia os efeitos da quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929. O Estado de miséria social e o temor do avanço de ideologias radicais, como o comunismo, o nazismo e o fascismo, em solo americano, em virtude deste estado de miséria social, fez com que, surgisse a ideia do Welfare State (Estado de Bem-Estar Social), nos Estados Unidos da América, que vislumbrava assegurar um mínimo de condições dignas de vida à população, não podendo o Estado ficar indiferente diante da situação que grande parte de sua população vivia. Todavia, este Estado de Bem-Estar Social, evoluiria, principalmente no pós-II Guerra Mundial, para o Estado-Providência que, começaria a chegar ao Brasil, nos últimos anos da década de 1970, se consolidando somente, após a redemocratização, todavia, nunca veio a ser implantado em sua plenitude em terras brasileiras, como ocorreu na Europa, em virtude das condições econômicas que o país passou a enfrentar na primeira década após a redemocratização. Entretanto, ainda que o Estado de bem-estar social não tenha sido aplicado em sua plenitude no Brasil e já se discuta, no Brasil e no mundo, o Estado pós-assistencial, em virtude da insustentabilidade que este modelo tem enfrentado, em especial na Europa Ocidental, aonde este sistema chegou a sua plenitude, ainda no século XX, a Constituição Federal de 1988, com forte inspiração na Constituição Portuguesa de 1978 e nas Leis Fundamentais Alemãs de Weimar (1919) e na de Bonn (1949), a atual constituição federal trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro, um grande hall de Direitos e Garantias Sociais, além de uma relevante preocupação com nos Direitos Humanos e com a redução das desigualdades, mostrando-se esta constituição, em diversos momentos, como uma constituição que vislumbrava um Estado assistencialista em terras tupiniquins. Todavia, como já fora mencionado, o Estado assistencialista brasileiro, nunca fora implementado em sua plenitude, em virtude de barreiras internacionais e econômicas, como o Consenso de Washington, que obrigava o Brasil a privilegiar os interesses capitalistas em detrimento aos interesses sociais, desamparando a população, durante toda a década de 1990, não implementando as metas sociais que a constituição federal prometia com a redemocratização. Por ora, com o precoce fracasso da implementação plena do Estado assistencialista no Brasil, o único resquício comum do Estado assistencialista que ficara no Brasil, foram os tributos. A elevada carga tributária do Brasil, fomentada pelo crescimento de inúmeras contribuições sociais, no decorrer da década de 1990 e 2000, foi um dos resquícios, ainda que negativos, do Estado assistencialista no Brasil, sendo esta característica, algo típico dos Estados assistencialistas, marcados pela presença, de elevadas cargas tributárias destinadas à manutenção de todo o aparato assistencialista do Estado Providência. Todavia, muitas vezes esta elevada tributação vira-se contra ao contribuinte necessitado e incapaz, em virtude de razões momentâneas ou permanentes, de contribuir com os tributos estatais, ainda mais, no caso brasileiro, onde o Estado assistencialista fracassara e este, não conseguindo ser implementado em sua plenitude, não consegue, muitas vezes, assegurar a todos os cidadãos, condições para trata-se de sua enfermidade. Sendo assim, considerando a gravidade de sua enfermidade e esta deficiência do Estado em poder assegurar um tratamento eficaz e gratuito, o próprio Estado abre mão de tributar em alguns casos específicos, respeitando este estado de necessidade momentânea do individuo, “fazendo sua parte” de assistir o individuo, durante este momento, cumprindo de forma indireta, seu dever de prestar assistência aos necessitados, que ele se comprometera desde que fora promulgada a Constituição Federal de 1988. 2 A ASSISTÊNCIA ESTATAL INDIRETA Ciente desta sua deficiência, o Estado, numa forma de prestar solidariedade ao contribuinte enfermo, faz valer um dos princípios do Direito Previdenciário brasileiro, que é o da Solidariedade Social, que consiste que, toda a sociedade deve contribuir com a Seguridade Social, independente de se beneficiar ou não de todos os serviços disponibilizados. Neste caso, em especial, o contribuinte portador de uma enfermidade grave, pode deixar de contribuir temporariamente com todo este sistema, em virtude de ter tido diminuída sua capacidade contributiva, logo, a omissão do direito de tributar por parte do Estado, se constitui numa forma expressa de prestar assistência ao enfermo, tendo gastos com este, em virtude do fato de deixar de arrecadar daquele contribuinte, tributos que auxiliariam manter todo o sistema assistencial, gerando de certo modo, ônus ao sistema, de igual forma se o Estado tivesse contribuindo de forma direta para o tratamento do individuo. Tão logo, esta renúncia do Estado em seu direito de tributar, vem de acordo com o inciso VI, do Art. 194, da Constituição Federal de 1988, que prevê a diversidade da base de financiamento do sistema da seguridade social, que se constitui basicamente em, arrecadar fundos para o financiamento da seguridade social, na medida do poder contributivo do individuo, ou seja, no caso do portador de enfermidade grave, o Estado entende que, em virtude de tratamentos médicos e medicamentos, o poder contributivo fora reduzido, logo, é dever do Estado, abrir mão de arrecadar alguns tributos do enfermo, devendo ser solidário nos momentos difíceis de seu contribuinte, com respeito ao seu estado momentâneo, não podendo, conforme já fora mencionado, o Estado ser indiferente diante da condição social de seus cidadãos, conforme ocorria no século XIX, no auge do modelo liberal clássico, que pregava sobre tudo, a não intervenção estatal nas relações pessoais e econômicas. 3 HUMANIZAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO ATRAVÉS DE BENEFÍCIOS Conforme já fora mencionado anteriormente, o Princípio da Capacidade Contributiva é um dos princípios que regem o Direito Tributário Brasileiro e da grande maioria dos Estados Democráticos de Direito hoje existentes. Este princípio, basicamente se norteia no que já fora mencionado anteriormente, e se estende a outras competências tributárias, instituindo, a atual constituição federal, “sempre que possível”, tributos que levem em consideração a capacidade econômica do contribuinte. Este reflexo desde principio constitucional para a tributação torna-se evidente em diversos impostos, dentre eles, o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), cujo valor do imposto é proporcional ao valor do veículo, havendo uma série de isenções, dentre estas, a isenção aos portadores de deficiência física, considerando a precariedade e a falta de transporte coletivo aos deficientes físicos para sua locomoção, assim como, a isenção a veículos com bom tempo de uso, considerando que, os proprietários destes veículos, tenham capacidade contributiva inferior ao que detenha um veículo mais novo. E partido deste princípio, positivados no § 1º, do Art. 145, da Constituição Federal, que a legislação infraconstitucional da união, dos estados e dos municípios tem assegurado, ao contribuinte portador de necessidades especiais ou de moléstia grave que venha reduzir sua capacidade contributiva permanente ou momentaneamente, benefícios tributários variáveis conforme a esfera do poder administrativo do Estado. Tão logo, torna-se evidente que, com a personalização da capacidade tributária, o Direito Tributário trás para si um viés humanístico, que se reforça com a Seletividade Tributária. A seletividade tributária, introduzida pela Constituição Federal de 1988, constitui-se basicamente em tributar mais, os bens consumidos pelas camadas mais abastadas da sociedade e menos, ou até, isentar de tributação, os bens considerados essenciais para a sobrevivência do individuo, ou seja, basicamente, aqueles que figuram como bens que compõem a cesta básica de consumo do brasileiro, como bens não duráveis relacionados à alimentação, a higiene e etc. Com isso, o constituinte entendia que, diferente do que ocorria antes de 1988, tributar de igual forma os bens essenciais em relação aos supérfluos resultaria numa injustiça fomentada pelas então vigentes regras de Direito Tributário que vigoravam no país, não respeitando um dos principais princípios dos Direitos Humanos no Âmbito Nacional, como no Internacional, assim como no âmbito nacional, que é o de assegurar meios dignos de vida a todos os brasileiros. Sendo assim, a seletividade do direito tributário, introduzida pelo inciso III, do § 2º, do Art. 155, da Constituição Federal, assim como o inciso I, do § 3º, do Art. 153, desta carta, asseguram a redução ou a isenção do IPI e do ICMS aos bens considerados essenciais para a sobrevivência humana, estando esta iniciativa em pleno acordo com os direitos humanos, logo, é possível se falar, que, com a Constituição Federal de 1988, não fora introduzido somente os princípios do Estado assistencialista brasileiro, mais também a Humanização do Direito Tributário, que deixa de ser um direito “frio e imparcial”, para tornar-se um direito consciente das condições sociais de cada indivíduo e promotor da justiça social, através da personalização dos tributos, estando este fenômeno ligado ao fenômeno de socialização de todas as esferas de direito, que fora impulsionado graças a promulgação da Constituição Federal de 1988. 4 BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS AOS PORTADORES DE MOLÉSTIAS GRAVES  Uma vez que a constituição passa a tratar o contribuinte, sempre que possível, de forma individual, considerando suas condições pessoais, a concessão de benefícios não poderia ser diferente, havendo para tanto, inúmeras legislações infraconstitucionais, nas três esferas do poder administrativo da união, que concedem isenção de alguns tributos aos portadores de moléstias graves, de necessidades especiais ou membros da terceira idade. Atualmente, a norma que tem dado uma definição básica, do que vem ser, moléstia grave, para o ordenamento jurídico brasileiro, é o inciso XIV, do Art. 6º, da Lei nº. 7.713/88, que institui o conceito de moléstia grave para fins de isenção do pagamento do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). Para este inciso da lei que alterou as regras sobre o Imposto de Renda no Brasil, é considerado moléstia grave para o ordenamento jurídico brasileiro, as seguintes: tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna (câncer), cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Sendo assim, a lei concedeu, para estes indivíduos em especial, a isenção do pagamento do Imposto de Renda, seja qual for o montante de renda tributável que o indivíduo detenha. O beneficio de isenção do Imposto de Renda aos detentores de moléstia grave, se estende também aos valores recebidos a título de pensão em virtude de doenças citadas. Desta forma, mais uma vez, o legislador procurou não tributar a renda do enfermo, entendendo que seus gastos para tratamento e sobrevivência, já oneram bastante este individuo, devendo o estado, não exigir que este contribua com o Estado, devendo este até, deixar de tributar, sendo este ato, um meio de prestar assistência indireta ao indivíduo, evitando gerar novos ônus a este. Todavia, os benefícios tributários não se restringem apenas ao Imposto de Renda, se estendendo a outros benefícios, como por exemplo, o direito ao saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), em caso de neoplasia maligna do titular ou de seus dependentes, nos termos do inciso XI, do Art.20, da Lei nº. 8.036/90, que dispõe sobre o FGTS. Desta forma, o dinheiro do FGTS não faz apenas a função de amparar o trabalhador, mais sim de todos que estejam sob sua dependência econômica. Ao portador de deficiência física, mental, visual ou autista, é assegurada a isenção de outros tributos, todavia, estes ainda têm de pagar o Imposto de Renda, não isentando a lei, estes indivíduos da obrigação contributiva. Neste caso, os indivíduos portadores das deficiências citadas, possuem direito a isenção de alguns tributos, conforme assegurado pela legislação federal pertinente. Na prática, os portadores de deficiência mental têm, nos termos do inciso VI, do Art. 39, do Decreto nº. 3000/99, que assegura a isenção do Imposto de Renda sobre os valores recebidos pelos deficientes mentais a título de pensão, pecúlio, montepio e auxílios quando decorrentes da iniciativa privada ou da previdência social. Aos deficientes físicos por sua vez, as isenções costumam estar relacionadas mais com a aquisição de veículo automotor e sua manutenção. Desta forma, o portador de necessidades especiais, conta com isenção do IPI, IOF e ICMS, na aquisição de veículo automotor, desde que este seja adaptado às suas necessidades especiais, assim como a isenção do pagamento, na maioria dos estados, do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Na esfera municipal, assim como a legislação posterior das três esferas administrativas da união, poderão introduzir a qualquer momento, novas isenções tributárias, sendo estas somente, as principais isenções, atualmente asseguradas pelo ordenamento jurídico brasileiro, podendo tranquilamente, a esfera municipal assegurar isenções aos tributos que lhe compete a tributação, conforme ocorre em alguns municípios, como por exemplo, o município de Montes Claros, no estado de Minas Gerais, que prevê isenção do Imposto Predial Territorial Urbano, aos idosos com mais de 60 (sessenta) anos e aos deficientes em geral, que possuam imóvel, cujo valor não exceda a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) e tenham renda familiar igual ou inferior a dois salários mínimos e possuam propriedade sobre um único imóvel apenas, cujo beneficiário deva ser o titular deste. Benefício semelhante fora implantado no município de Sorriso, no estado de Mato Grosso, que estende o beneficio a pensionistas, porém, exige que os deficientes comprovem que não são aptos a exercer atividade remunerada e, os idosos beneficiados, são somente, os maiores de 65 (sessenta e cinco) anos. Para todos os casos, a renda máxima não poderá exceder a dois salários mínimos e meio. Em todos os casos de isenção, é importante ressaltar que o beneficiado deverá requerer junto ao poder administrativo, a isenção do tributo, apresentando a devida documentação comprobatória e as demais requeridas pelo agente concessor. 5 CONCLUSÃO O Direito Tributário Brasileiro encontra-se em uma nova fase, assim como todo o direito brasileiro, que é a fase da socialização. A Constituição Federal de 1988, também apelidada de “Constituição Cidadã”, preocupou-se drasticamente em romper com a frieza do ordenamento jurídico que vigorava até então, forçando o estado brasileiro a não ficar mais imparcial e inerte diante das condições de vida que boa parte da população levava. O constituinte de 1988 entendia que, era preciso romper com aquele cenário que o Brasil vivia, marcado pela intensa desigualdade social e o domínio total e irrestrito da elite dominante sobre as demais classes sociais e, vislumbrando este ideal, viu no Direito Tributário, um meio de combate a este poderio total e irrestrito da elite sobre as camadas populares. Como a nova carta teve, dentre suas principais aspirações, assegurar a fiel aplicação dos Direitos Humanos no Brasil, garantir a dignidade da pessoa humana seria algo simplesmente crucial, logo, a humanização do direito tributário, com o fim de tratar de forma individual cada individuo, vem inteiramente ao encontro desta nova fase humanística do direito brasileiro, que requer um operador do direito com boa visão humanística, pronto para aplicar este direito de viés mais humanista. Como o estado assistencialista brasileiro mostrou-se fracassado antes mesmo de sua total implementação, seus princípios permaneceram e com isto, a obrigação do Estado brasileiro em prestar assistência aos necessitados, ainda que esta assistência se de pela forma omissiva, ou seja, o estado se omitindo da obrigação de tributar, conforme fora exposto no decorrer deste artigo. Ou seja, diante da ineficácia do Estado brasileiro a prestar assistência a todos os casos, em virtude de sua gravidade ou prazo de duração, é muito mais vantajoso ao Estado, omitir-se desta assistência e, indiretamente, ajudar o indivíduo, fazendo justiça através dos tributos, sendo este o viés do Direito Tributário após a promulgação da atual constituição federal. Sendo assim, a personalização do Direito Tributário, não vem ao encontro do Estado poder “tributar mais e melhor”, mais também, aderir um viés humanista para este direito conhecido pela sua frieza e imparcialidade, tornando-o parcial, fazendo-o deixar de ser indiferente ante as condições socioeconômicas de seus contribuintes, fazendo o que já fora dito por Aristóteles sobre a igualdade, ainda na Antiguidade Clássica: “A verdadeira igualdade consiste em tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais a medida em que se desigualem”.
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O princípio da anterioridade tributária e a revogação de isenções incondicionadas
A presente pesquisa é oriunda da discussão acerca da observância do princípio da anterioridade tributária quando ocorre a revogação de lei concessiva de uma isenção incondicionada. Quando não há tal observância, o tributo é exigido de forma imediata. Serão averiguadas as abordagens constitucional, doutrinária e jurisprudencial sobre a questão. Ao final, será apresentada a interpretação conclusiva ao tema.
Direito Tributário
1. Notas introdutórias e exposição do problema Com a abusiva concessão de privilégios indiscriminados e odiosos, entre eles, as isenções tributárias, outrora concedidas principalmente durante a ditadura militar, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 surge com intuito de não mais admitir tais privilégios. Sob tal perspectiva, este artigo tem como finalidade analisar o questionamento acerca da obrigatoriedade na observância da anterioridade tributária quando da revogação de uma determinada isenção incondicionada.  Trata-se de um tema que vislumbra grande repercussão acadêmica, tanto na teoria e prática do mundo jurídico, como em âmbito social. O estudo da observância da anterioridade tributária, quando da revogação de uma isenção outrora concedida ao contribuinte, importa em analisar se os direitos fundamentais deste estão sendo devidamente observados. Além disso, há farta divergência doutrinária e jurisprudencial acerca do tema. Há considerável posição doutrinária favorável ao contribuinte e em prejuízo ao Fisco, bem como posição jurisprudencial contrária ao contribuinte de incontestável peso. Desta forma, urge averiguar perfunctoriamente o problema posto, no intuito de ser alcançado o melhor deslinde e a resposta da seguinte questão: A inobservância do princípio da anterioridade tributária quando da revogação de uma isenção incondicionada vai de encontro aos valores consagrados na Constituição Federal de 1988? 2. O Princípio da Anterioridade Tributária – Breve análise O Princípio da anterioridade tributária encontra-se delineado nos artigos 150, III, “b” e “c”, parágrafo 1º, e 195, parágrafo 6º, todos da CRFB/88. Portanto, é um princípio previsto em âmbito constitucional. Com isso, a Carta Magna estipula uma regra que, para a cobrança de um determinado tributo, a lei que o instituiu ou o majorou deve ser instituída no ano anterior ao ano em que o tributo pode ser cobrado, além de respeitados os 90 dias da data da publicação da lei (anterioridade nonagesimal – será analisada em seguida). Vale ressaltar que este princípio é considerado como um direito fundamental do contribuinte, portanto, cláusula pétrea. Desta forma, não pode ser suprimido por emenda constitucional. Para melhor doutrina, o princípio da anterioridade somente estará sendo obedecido se a lei que cria ou aumenta o tributo esteja em vigor no exercício anterior ao da ocorrência do fato gerador. Não basta que esteja em vigor no exercício financeiro anterior ao de sua cobrança. Neste sentido, é o magistério de Roque Antonio Carrazza: “Não basta, pois, que o ato administrativo de lançamento e arrecadação se dêem no exercício seguinte ao da instituição ou majoração do tributo para que se considere obedecido o princípio da anterioridade. Para que isto aconteça, é mister, ainda, que o tributo só nasça (ou só nasça majorado) no exercício seguinte ao de sua instituição (ou de seu aumento).” [1] É oportuno observar que o Supremo Tribunal Federal entende que mudança de prazo para pagamento de tributo, mesmo antecipando-o, não está sujeita à regra da anterioridade tributária. A Suprema Corte entende que antecipação de prazo pra recolhimento de tributo não se equipara à sua majoração. Este entendimento se encontra sumulado no Enunciado nº. 669: “Norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade”.[2] Neste mesmo sentido é a posição do STF no que tange à correção monetária do valor do tributo, sob o fundamento de que não há majoração nem alteração substancial que justifique a aplicação do princípio da anterioridade tributária. [3] 2.1 Elemento axiológico do princípio da anterioridade tributária O princípio da anterioridade tributária é corolário do princípio da segurança jurídica, visto que evita a surpresa do contribuinte com a instituição ou aumento de tributo no mesmo exercício financeiro da lei que o criou ou o majorou.  Além disso, visa que o contribuinte tenha prévio conhecimento dos tributos que lhe serão exigidos no exercício financeiro seguinte, para que possa se planejar economicamente com certeza e segurança. O que se mostra fundamental em um Estado Democrático de Direito. O elemento axiológico, o fundamento da criação deste princípio, que também é uma regra prevista constitucionalmente, é a segurança jurídica do contribuinte. Não pode o ente político criar ou majorar um tributo hoje e cobrá-lo no dia seguinte, ou em qualquer data, de forma discricionária. Neste sentido, doutrina Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino: “A garantia de não-surpresa do sujeito passivo é corolário do princípio Estado de Direito. Assegura-se aos contribuintes não só a criação e majoração de tributos dependentes de seu consentimento indireto (efetivada por seus representantes eleitos), conforme o princípio da legalidade. É exigência constitucional, também, que os sujeitos passivos de obrigação tributária tenham conhecimento, com uma certa antecedência, de quais tributos, e em que montante, serão deles exigidos em situações normais.” [4] Oportuno também é o magistério do professor Eduardo de Moraes Sabbag: “Enquanto o estudo da legalidade tributária leva o aplicador da norma a entender, na tributação, a extensão semântica do vocábulo “como”, a análise da anterioridade tributária permitirá ao intérprete captar, em idêntica seara, a dimensão vocabular do termo “quando”. Explicando: a legalidade tributária está para a “causa”, enquanto a anterioridade tributária se liga ao “efeito”; a primeira diz com a resposta à indagação “o que me imporá o pagamento?”, enquanto a segunda atrela-se à solução do questionamento “quando pagarei?”. “Em outras palavras, o princípio da anterioridade tributária avoca a análise da eficácia da lei tributária. O plano eficacial da norma possui particularidades temporais que transmitem ao destinatário do tributo “ondas” de segurança jurídica, por meio das quais se saberá o que o aguarda, no plano da tributabilidade, amplificando-lhe a confiança no Estado Fiscal.” [5] 2.2 Diferença entre o Princípio da anterioridade e o princípio da anualidade O princípio da anualidade, hoje não mais vigente no ordenamento jurídico pátrio, consistia que nenhum tributo poderia ser cobrado sem prévia autorização orçamentária anual do respectivo exercício financeiro. Para que um tributo fosse cobrado, era imprescindível que, a cada ano, a lei orçamentária autorizasse a cobrança. O princípio da anualidade tributária foi consagrado pela Constituição de 1946. Teve sua vigência suspensa pela Emenda Constitucional nº. 07 de 1964 e acabou pela Emenda Constitucional nº. 18 de 1965. Sendo reintroduzido no ordenamento jurídico pelo artigo 150, parágrafo 29, da CF de 1967, restou fulminado pelo princípio da anterioridade, conforme a Emenda Constitucional nº. 01 de 1969. Este último mantido até os dias atuais pela atual Constituição Federal. Portanto, de acordo com o sistema jurídico atual, as leis tributárias continuam produzindo seus efeitos ano a ano, independentemente de prévia autorização orçamentária. 2.3 Anterioridade anual e nonagesimal Também chamada anterioridade comum ou anterioridade de exercício, está prevista no artigo 150, inciso III, alínea “b” da Carta Magna. A Constituição veda a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou o majorou. Exercício financeiro coincide com o ano fiscal. No Brasil, representa o ano civil. Então, caso uma lei hoje crie ou aumente um determinado tributo, este só poderá ser cobrado a partir do dia 01 de janeiro do ano que vem. Contudo, há hipóteses que o constituinte facultou ao ente competente a cobrança de tributo a partir da entrada em vigor da lei que o criou ou o majorou, não sendo obrigado a aguardar o exercício financeiro seguinte. São as exceções ao princípio da anterioridade anual, previstas nos artigos 149, parágrafo 2º, inciso II c/c 177, parágrafo 4º, I, “b”, parte final; 150, parágrafo 1º; 155, parágrafo 4º, IV, “c”; e 195, parágrafo 6º, todos da CRFB/88 (imposto de importação, imposto de exportação, imposto sobre produtos industrializados, imposto sobre operações financeiras, impostos extraordinários de guerra, empréstimos compulsórios, contribuições para a seguridade social, CIDE-Combustível e ICMS-Combustível). Já a anterioridade nonagesimal foi acrescentada pela Emenda Constitucional nº. 42 de 2003, a tem previsão no artigo 150, inciso III, alínea “c”, da CRFB/88. Nesta, o Constituinte veda a cobrança de tributos antes de decorridos noventa dias da publicação da lei que o instituiu ou aumentou, sem prejuízo da anterioridade anual prevista na alínea “b” do mesmo artigo. Ou seja, em regra, essas duas anterioridades são cumulativas, salvo as exceções previstas no próprio texto constitucional. Há também hipóteses que o constituinte facultou ao ente competente a cobrança de tributo sem a obediência do prazo de 90 (noventa) dias São as exceções ao princípio da anterioridade nonagesimal, previstas no artigo 150, parágrafo 1º da CRFB/88 (imposto de importação, imposto de exportação, imposto de renda, imposto sobre operações financeiras, impostos extraordinários de guerra, empréstimos compulsórios, imposto sobre propriedade territorial urbana – alteração na base de cálculo e imposto sobre propriedade de veículos automotores – alteração na base de cálculo). 2.4 Anterioridade nas contribuições social-previdenciárias Também chamada de anterioridade especial, visto tratar-se de um tributo específico, esta anterioridade está prevista no artigo 195, parágrafo 6º, da CRFB/88. As contribuições sociais financiadoras da seguridade social poderão ser cobradas noventa dias após a entrada em vigor da lei que as criou ou as aumentou. Não levando em consideração, portanto, o exercício financeiro. Por este motivo a anterioridade nas chamadas contribuições social-previdenciárias é chamada de anterioridade especial. Também são denominadas de anterioridade nonagesimal, mitigada ou noventena. Importa ressaltar que as contribuições sociais, excepcionadas as da seguridade social, devem obediência ao princípio da anterioridade. (artigos 149 e 149-A da CRFB/88). Além disso, nas contribuições social-previdenciárias, não se aplica a anterioridade anual do artigo 150, III, “b”, da CRFB/88. 3. Isenção – Breve análise Baseada em valores constitucionais, como justiça fiscal, legalidade, capacidade contributiva, dentre outros, trata-se basicamente de renúncia de receita para a concessão de um privilégio.  Ela ocorre sempre que o legislador do ente federativo competente deixa de tributar algumas hipóteses dentre o universo que tributa. Isenção somente pode ser concedida pelo ente federativo, através de lei formal específica, em respeito ao princípio da legalidade, descrito no artigo 97, do Código Tributário Nacional e baseado no artigo 150, inciso I, da CRFB/88; salvo exceção prevista no artigo 155, parágrafo 2, inciso XII, “g”, dispondo sobre concessão de isenção de ICMS. No Código Tributário Nacional, a isenção está situada, juntamente com o instituto da anistia, no capítulo que trata da exclusão do crédito tributário. A doutrina tradicional, representada por Amílcar de Araújo Falcão e Rubens Gomes de Sousa, afirmam que a isenção é a dispensa legal do pagamento do tributo, sendo um favor legal. Para eles, há o surgimento da obrigação tributária, sendo apenas dispensado o pagamento do tributo pela lei isentiva.[6] A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sustenta-se nesta teoria clássica.[7] Contrariamente ao posicionamento clássico, para Alfredo Augusto Becker, isenção seria uma hipótese de não-incidência tributária legalmente qualificada, eis que não há incidência da norma jurídica tributária em razão da norma isentiva.[8] Uma terceira teoria sustenta a isenção como fato impeditivo, impedindo que determinadas situações objetivas ou subjetivas fossem abarcadas pela lei tributante. Esta teoria é defendida por Sacha Calmon Navarro Coelho, que, ao atacar a teoria clássica, sustenta que dispensa legal de pagamento de tributo seria exatamente uma remissão, que é uma hipótese de extinção do crédito tributário.[9] Para as teorias modernas, na isenção, não há a constituição do crédito tributário, pois a norma impositiva tributária restaria suspensa. Paulo de Barros Carvalho critica as teorias expostas, sustentando que o cerne da questão é saber se a norma de incidência vem antes ou após o fato concreto (teoria clássica). Caso venha após, a regra isentiva sustaria seus efeitos, na medida que quando da chegada da primeira, o fato já restaria isento (regra isentiva incide para que não possa incidir a regra da tributação). [10] O aludido autor traz uma terceira idéia para conceituar isenção. Para ele, “a regra de isenção investe contra um ou mais critérios da norma jurídica tributária, mutilando-os parcialmente“.[11] Carvalho faz uso das figuras de normas de comportamento e normas de estrutura para fundamentar seu entendimento. “Segundo o referido autor, ambas possuem a mesma estrutura: uma hipótese e uma conseqüência, sendo que, nas regras de conduta, a conseqüência é um comando voltado ao comportamento das pessoas. Já, nas regras de estrutura, o mandamento atinge outras normas e não, diretamente, a conduta. Assim, para o referido autor, a norma que cria uma isenção subtrai a norma de incidência em algum de seus critérios, reduzindo seu campo de abrangência. Trata-se, portanto, de uma norma de estrutura que pode interferir na norma de incidência por diversas formas: pela hipótese, atingindo o critério material, especial ou temporal; ou, pelo conseqüente, atingindo o critério pessoal ou quantitativo (DAUDT, s/d).” [12] 3.1 Diferenças entre isenção, imunidade, incidência e não-incidência A incidência tributária ocorre quando um determinado fato, previsto abstratamente em lei como tributável, materializa-se no plano concreto, irradiando efeito jurídico, surgindo a obrigação de pagar tributo. O campo da não-incidência tributária engloba, por exclusão, todos os outros fatos, inclusive as situações isentas e imunes, onde não há incidência tributária. Neste sentido, é o magistério de Luciano Amaro: “Quando se fala de incidência (ou melhor, de incidência de tributo), deve-se ter em conta, portanto, o campo ocupado pelos fatos que, por refletirem a hipótese de incidência do tributo legalmente definida, geram obrigações de recolher tributos. Fora desse campo, não se pode falar de incidência de tributo, mas apenas da incidência de normas de imunidade, da incidência de normas de isenção etc.”[13] A imunidade encontra-se prescrita em âmbito constitucional em sede de competência tributária. Ou seja, o Constituinte define as situações em que o ente federativo não possui competência para instituição do tributo. A isenção atua no campo da definição da incidência do tributo cuja competência tributária foi outorgada pela Carta Magna. Uma lei de um ente federativo com competência tributária para a instituição da isenção, exclui uma situação de incidência tributária, dentre as demais situações tributáveis. 3.2 Classificação das Isenções A doutrina contemporânea divide as isenções em incondicionadas ou condicionadas. Isenções incondicionadas ou gratuitas são aquelas concedidas sem qualquer ônus por parte do contribuinte, sendo concedidas em caráter geral. Não dependem de reconhecimento formal e expresso, sendo sua fruição imediata. Isenções condicionadas (onerosas, contraprestacionais ou contratuais) são as concedidas sob uma condição do contribuinte ou sob prazo determinado. Estão previstas no artigo 179, do CTN Também podem ser classificadas como objetivas ou subjetivas, conforme se refiram a situações materiais ou a condições pessoais do contribuinte. Podem ser, ainda, regionais, se atingirem apenas parte de um certo território; ou setoriais, se abarcarem dado setor da atividade econômica. Serão totais as isenções que retirarem todo o gravame do tributo de certa situação ou parciais, se apenas diminuírem a alíquota ou a base de cálculo. 4. Anterioridade e Revogação das Isenções 4.1 Resumo do problema Conforme o acima exposto, há no ordenamento jurídico pátrio isenções tributárias condicionadas e incondicionadas. As condicionadas, concedidas com prazo certo ou sob determinadas condições são irrevogáveis. O contribuinte tem o direito adquirido de fruir deste benefício pelo período concedido, sem que lei posterior o revogue. Neste caso, não há maiores questionamentos, eis que a jurisprudência do STF, bem como a doutrina é uníssona neste sentido, indo de encontro à legislação posta e à Constituição de 1988. Porém, no que tange as isenções incondicionadas ou sem prazo certo, as mesmas podem ser, a qualquer momento, revogadas por lei posterior, conforme o disposto no artigo 178 do CTN. E a conseqüência imediata é o retorno da exigibilidade do tributo, objeto da isenção. Fazendo com que a observância do princípio da anterioridade tributária seja questionada. Doutrina e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal divergem a respeito da questão. Além disso, o art. 104, inciso III, do Código Tributário Nacional estabelece que “entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda que extinguem ou reduzem isenções”. 4.2 Divergência Doutrinária A doutrina majoritária defende que revogação da norma concessiva de isenção incondicionada equivaleria a uma norma de incidência. Para Paulo de Barros Carvalho, a redução ou extinção de isenções deve produzir efeitos tão somente se observada o princípio da anterioridade anual, ou seja, somente no primeiro dia do exercício financeiro seguinte àquele em que foram publicados.[14] Ricardo Lobo Torres defende que a revogação de uma isenção implica no retorno da eficácia da norma impositiva, devendo-se, portanto, observar o princípio da anterioridade.[15] Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino entendem não haver qualquer incompatibilidade entre o artigo 104, inciso III, do CTN e a súmula 615 do STF, eis que o aludido inciso dispõe sobre uma regra de vigência apenas no que tange aos impostos sobre patrimônio e renda, não incluindo o ICMS; e o princípio da anterioridade dispõe sobre aplicação da lei instituidora ou que aumente o tributo.[16] Hugo de Brito Machado, basicamente na mesma posição, defende que revogação da lei concessiva de isenção equivale à criação de tributo, devendo, portanto, ser observado o princípio da anterioridade anual. [17] Luis Emygdio ressalta que, quando da ocorrência de uma isenção, não há o surgimento da obrigação tributária. A lei isentiva suspende a eficácia da norma impositiva tributante. Desta forma, com a revogação da lei isentiva, a lei de incidência tem a sua eficácia restaurada. [18] Segundo Roque Antonio Carrazza: “Outra postura colocaria o contribuinte sob a guarda da insegurança, ensejando a instalação do império da surpresa nas relações entre ele e o Estado. Ao grado de interesses passageiros seria possível afugentar a lealdade da ação estatal, contrariando o regime de direito público e o próprio princípio republicano, que a anterioridade reafirma.”[19] Para Luciano Amaro, se o tributo está sujeito ao princípio da anterioridade tributária, deve haver obediência ao aludido princípio quando da revogação de uma isenção, eis que haveria o mesmo efeito de uma regra de tributação. [20] 4.3 A posição do STF A Suprema Corte posiciona-se no sentido de que a revogação de uma isenção incondicionada não se equipara à criação ou à majoração de tributo, sendo apenas a dispensa legal do pagamento do tributo já existente. Com isso, quando da revogação deste tipo de isenção, o tributo volta a ser exigido de forma imediata, não sendo, portanto, necessária é a observância do princípio da anterioridade. A lei concessiva da isenção incondicionada, ao suspender a eficácia da norma impositiva, faria com que esta readquira imediatamente sua eficácia quando da sua revogação. A Corte Suprema segue a teoria clássica, posicionando-se no sentido de que a isenção seria dispensa legal do pagamento do tributo, não afastando a incidência e a obrigação tributária, mas sim, a constituição do crédito tributário. E, uma vez revogada a lei isentiva, nada obstaria a imediata cobrança do tributo outrora objeto de isenção, eis que o surgimento da obrigação tributária não restou impedido. Não se caracterizando, portanto, criação nem majoração do tributo. Importa destacar que, nos julgados pelos quais foi defendida a aludida posição do STF, tratava-se do antigo ICM cuja posição restou consolidada na Súmula 615 :”O princípio constitucional da anualidade (§ 29 do art. 153 da constituição federal) não se aplica à revogação de isenção do icm”). CONCLUSÃO Por todo o exposto, há de se concluir pela existência de entendimentos diversos sobre o tema posto. De um lado o STF, posicionando-se no sentido da desnecessidade da observância do princípio da anterioridade tributária quando da revogação de uma determinada isenção incondicionada. Entendimento este que restou sumulado no enunciado nº. 615. Alguns doutrinadores sustentam que tal entendimento refere-se ao imposto sobre circulação. Não sendo, portanto, incompatível com o artigo 104, inciso III, do CTN, que dispõe sobre impostos sobre patrimônio e renda. Outra parte da doutrina defende a aplicação do princípio da anterioridade tributária quando da revogação de uma isenção incondicionada para qualquer imposto. O cerne da questão é oriundo da teoria explicativa escolhida sobre a natureza da isenção. A teoria clássica defende ser a isenção uma dispensa legal do pagamento de tributo, surgindo a obrigação tributária e afastando a possibilidade de lançamento. Para a teoria contemporânea, a lei isentiva obsta a ocorrência do fato gerador. Desta forma, a revogação da lei concessiva de uma isenção incondicionada equivaleria a uma lei impositiva, ou seja, a criação ou majoração do tributo. Devendo, portanto, ser observado o princípio da anterioridade tributária. Em razão de ser considerado um direito fundamental do contribuinte, além de ir ao encontro ao vetor axiológico da segurança jurídica e da justiça fiscal, valores consagrados na Constituição Federal de 1988, conclui-se pela adoção da corrente contemporânea. Conclui-se, portanto, ser mais oportuno e adequado aos pilares de um Estado Democrático de Direito e aos valores previstos na atual Carta Magna o entendimento da observância da anterioridade tributária na revogação de isenções incondicionadas.
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A guerra fiscal interestadual do ICMS no comércio eletrônico
Este artigo analisa a aplicação do ICMS sobre os produtos vendidos no comércio eletrônico, procurando demonstrar a problemática da cobrança deste tributo nas operações interestaduais e a guerra fiscal entre os entes federativos do Brasil. O tema busca evidenciar o aumento das vendas no setor do e-commerce; os conflitos gerados na repartição das receitas  advindas da cobrança do aludido imposto, entre os Estados predominantemente produtores e os consumidores; além da pujante utilização dos convênios interestaduais como mecanismo de solução dos conflitos de interesse, bem como a constitucionalidade dos mesmos. Foram utilizados dados de pesquisas de campo, jurisprudência e doutrina jurídica sobre o tema. Demonstrada a importância de encontrar soluções jurídicas para solver o conflito prático quando em choque com princípios constitucionais, conclui ser essencial a intervenção da União na busca de um recolhimento equitativo do tributo, que não prejudique as empresas, geradoras da economia nacional, e de uma repartição justa do imposto entre os Estados-membros da federação brasileira.[1]
Direito Tributário
Introdução Com o desenvolvimento das tecnologias de informação e de transmissão de dados e a emergência da internet, iniciou-se uma nova fase do processo de globalização da economia. Nesse novo panorama, surge como grande novidade no mundo econômico, o comércio eletrônico, possibilitando a realização de transações comerciais sem a definição exata do local de origem e destino. Essas transformações do mundo econômico implicam, igualmente, grandes mudanças no mundo jurídico, sobretudo no que tange à área tributária. Conceitos fundamentais – como domicílio fiscal e estabelecimento permanente; competência e jurisdição tributária; e outros – sobre os quais se alicerçam os sistemas tributários de todo o mundo, veem-se abalados. Com o crescimento acelerado do comércio eletrônico no Brasil, estabeleceu-se uma guerra fiscal bilionária entre os Estados pelo recolhimento de impostos nessas vendas. Pela Constituição, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é recolhido no local onde o produto é despachado – no centro de distribuição da rede –, que não necessariamente é o Estado onde o bem foi adquirido. Em vista disso, os entes federativos tendem a estabelecer normas individuais de benefícios e isenções fiscais e até mesmo bi tributando as mercadorias vendidas no comercio eletrônico, em operações interestaduais. Por este motivo, a discussão e o debate a respeito do recolhimento do ICMS sobre os produtos vendidos no e-commerce são de fundamental importância para as Administrações Tributárias, que precisam, com urgência, desenvolver novos métodos e soluções, que garantam uma justa e eficaz cobrança do referido imposto. Uma boa solução, no entanto, pressupõe uma correta formulação e dimensionamento do assunto em análise. Assim, para um debate produtivo sobre a aplicação do aludido tributo, é necessário que delimitemos de forma mais precisa e objetiva a magnitude do problema e as suas implicações e desdobramentos. Nesse trabalho deixaremos de lado outros aspectos relacionados com a guerra fiscal interestadual – como questões sobre a política de incentivos e isenções fiscais – e enfatizaremos a repartição do recolhimento do ICMS sobre os produtos vendidos por meio eletrônico entre os Estados e a constitucionalidade das ações realizadas pelos mesmos, para resolver os conflitos gerados na questão. 1 O ICMS A sigla I.C.M.S. é um acrônimo do “Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre prestações de Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”. Para alcançar esta definição, o ICMS passou por sucessivas modificações desde a sua concepção até os dias atuais. No direito comparado, o tributo encontra-se abrangido no IVA (Imposto Sobre Valor Agregado), que engloba também o IPI federal e o ISS municipal. No Brasil, entretanto, o legislador constituinte, designou três tributos distintos, à União, aos Estados e Distrito Federal e aos Municípios. (ALEXANDRE, 2009) 1.1 Breve histórico do ICMS O primeiro imposto instituído sobre as operações mercantis fora criado no Brasil em 1922, com a promulgação da Lei Federal n° 4.625 de 31 de dezembro de 1922, com a denominação de Imposto sobre Vendas Mercantis (IVM), que incidia sobre as operações de vendas dos comerciantes da época. Naquele momento, a competência para sua arrecadação era da União. Com a promulgação da Constituição de 1934, a abrangência do imposto fora ampliada, passando a incidir também sobre as consignações, além disso, a sua competência fora modificada aos Estados-membros, que se tornaram responsáveis pela sua decretação. Por conseguinte, sua nomenclatura fora alterada para IVC – “Imposto sobre Vendas e Consignações”, que começou a vigorar em 1936, tendo um efeito negativo sobre a economia brasileira. Segundo Gleisson Fernando Ribeiro (2005): “Incidindo sobre estas operações, o IVC demonstrou-se um imposto prejudicial à economia, principalmente aos setores industriais com larga cadeia produtiva, pois sua sistemática resultava na incidência do tributo em cada etapa, criando o efeito “incidência em cascata”, encarecendo o produto final. Com isso, as indústrias viram-se obrigadas a realizar todas as etapas produtivas em seu próprio estabelecimento, desestimulando a abertura de novas empresas e impedindo a geração de empregos.”. Em 1964, através da Lei n° 4.502 de 30 de novembro de 1964, foi instituído o princípio da não-cumulatividade do imposto de consumo, barrando, assim, o efeito de incidência em cascata. Corroborando com a referida legislação, em 1967 o Brasil reforma a sua constituição incluindo também na carta magna, o princípio da não-cumulatividade sobre a tributação sobre o consumo, através da emenda n° 18. Substituía-se, assim, o IVC pelo “ICM – Imposto sobre Circulação de Mercadorias”, perdurando, este, até 1988. 1.2 O ICMS na Constituição Federal de 1988 Com o advento da promulgação da nova Constituição Federal em 1988, no art. 155, inciso I, fora criado o imposto sobre as operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, o ICMS. A nomenclatura do imposto fora modificada, adicionando-se o “S” ao já existente ICM, o qual diz respeito a nova abrangência do tributo: serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. (ALEXANDRE, 2009) Sob a competência dos Estados e Distrito Federal, o ICMS é disciplinado de forma genérica, na Carta Magna, que estabelecera somente seus princípios e principais funções e incumbira à Lei Complementar, em seu inciso XII do art.155, a prerrogativa de: “Art.155. §2° O imposto previsto no inciso II, atenderá ao seguinte: XII – cabe à lei complementar: a) definir seus contribuintes; b) dispor sobre substituição tributária; c) disciplinar o regime de compensação; d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas a circulação de mercadorias e das prestações de serviços; e) excluir da sua incidência, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos industrializado5, e semielaborados; f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias; g) regular a forma, como mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados; h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja sua finalidade; e i) fixar a base de cálculo de modo que o imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.” Este rol taxativo de incumbências limitou tanto a atual legislativa da União, na criação da Lei Complementar n° 86 de 1996, quanto a atual legislativa dos Estados, na concepção de suas respectivas leis estaduais, que regulamentem a operacionalização do tributo. 1.3 A seletividade e não cumulatividade do ICMS O ICMS, tributo de maior arrecadação no país[2], tem finalidade incontestavelmente fiscal, embora a Constituição Federal, em seu art. 155, §2°, III, permita a seletividade em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços. A utilização ou não do princípio da seletividade, deverá ser realizada pelo legislador estadual, no momento da criação da lei regulamentadora do imposto, em seu ente federativo. Ricardo Alexandre (2010, p. 565) dispõe que tal faculdade, se empregada, “proporcionaria notas de extrafiscalidade ao tributo, pois sua incidência seria mais elevada sobre mercadorias e serviços consumidos pelas pessoas de maior capacidade contributiva, de forma a redistribuir renda”. O objetivo de tal delegação da União, fora diminuir as desigualdades regionais, possibilitando aos Estados dispor sobre sua hipótese de incidência, arrecadação e utilização do imposto em benefício da população local, consubstanciado no artigo 3°, III, da Constituição Federal. Entretanto, tal solução acabou por tornar-se um equivoco legislativo, pois proporcionou aos Estados mais ricos, que concentram os principais centros de distribuição do país, a arrecadação de tributos sobre os produtos que, em sua maioria, irão para outros Estados, menores, e sem igual capacidade de produção. Hugo de Brito (2007, p. 344) assevera que: “Esta regra, todavia, não produz os efeitos práticos desejados em virtude da não cumulatividade do imposto, técnica da qual em muitos casos decorrem sérias distorções, com favorecimento dos Estados predominantemente produtores, em detrimento daqueles predominantemente consumidores.” Neste sentido, a Constituição Federal preceitua que o princípio da não cumulatividade deverá ser respeitado pelos legisladores dos Estados e Distrito Federal, na edição de suas respectivas leis, que regulem a arrecadação e disposição dos valores arrecadados através do ICMS, condição exigida no art. 155, §2°, I da Constituição Federal de 1988. A adequação de tal máxima jurídica ao ordenamento tributário brasileiro é matéria de ampla discussão doutrinária, o que não será objeto de estudo neste trabalho. Entretanto, faz-se necessário expor, que, apesar de opiniões doutrinárias contrárias, a doutrina majoritária entende que, a não cumulatividade do ICMS é instituto que gera a desoneração da cadeia produtiva e justa eficiência do tributo, permitindo que o imposto pago em uma etapa da cadeia produtiva gere crédito para as etapas seguintes. Desta forma, o principio da não cumulatividade atua compensando o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal, impedindo a tributação sob “efeito cascata”, o que ocorreria caso o imposto fosse cumulativo e a cada operação interestadual o contribuinte fosse obrigado a pagar novamente o tributo. Sobre este tema, o Supremo Tribunal dispôs da seguinte forma: “O sistema de créditos e débitos, por meio do qual se apura o ICMS devido, tem por base valores certos, correspondentes ao tributo incidente sobre as diversas operações mercantis, ativas e passivas, realizadas no período considerado, razão pela qual tais valores, justamente com vista à observância do princípio da não-cumulatividade, são insuscetíveis de alteração em face de quaisquer fatores econômicos ou financeiros.” (RE 195.902, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 20/11/98) 1.4 A incidência do ICMS Legitimada pela Constituição Federal de 1988, a Lei Complementar n° 87/96, regulou o âmbito de tributação do ICMS, definindo normas gerais, sob a qual deverá ser elaborada a lei estadual definidora do seu fato gerador, o qual independe da natureza jurídica da operação que o constitua, quais seja: I. “Operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares; II. Prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores; III. Prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza; IV. Fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios; V. Fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.” O ICMS incide também sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo permanente do estabelecimento, sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; e sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente. É possível constatar-se que, apesar da exigência da Constituição Federal, em seu artigo 146, inciso III, à criação da Lei Complementar n° 87/96 para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária – como a definição de tributos, seu lançamento, obrigação, crédito, prescrição e decadência, entre outros – a instituição do fato gerador do ICMS pertence a lei estadual. Deste modo, a lei complementar federaliza a “área do tributo”, todavia não descreve suas hipóteses de incidência. A observação dos princípios basilares do Direito Tributário, dispostos na Constituição Federal na regulamentação e arrecadação dos tributos é a base do sistema tributário brasileiro. Nenhum tributo poderá fugir às normas da Carta Magna, ainda que sua regulamentação deva ser realizada pelos entes federativos de forma independente. Sobre este assunto o STF já firmou posição afirmando que: “As normas constitucionais, que impõem disciplina nacional ao ICMS, são preceitos contra os quais não se pode opor a autonomia do Estado, na medida em que são explícitas limitações.” (ADI 2.377-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 22-2-2001, Plenário, DJ de 7-11-2003.) José Eduardo de Soares Melo (2003, p. 349) dispõe que as leis complementares que foram criadas para regular, em sentido mais estrito, o ICMS, “só possuem juridicidade na medida em que observem rigorosamente os pressupostos constitucionais do ICMS, sendo desprovidas de eficácia as regras que ampliem o quadro de materialidades e devedores tributários, ou restrinjam o princípio da não-cumulatividade.” Da mesma forma, os atos e normas reguladoras editadas pelo Poder Executivo, também estão sujeitas à estes princípios. Apesar de, não constituir lei em sentido formal, materialmente, assim é considerado, o convênio, inte­grando o conceito de legislação tributária (art. 100, IV, CTN), revestindo-se de caráter genérico e abstrato, ostenta normatividade e gera obrigação nos limites de sua eficácia. Por conseguinte, a competência estadual para dispor sobre as hipóteses de incidência do referido tributo, gerou a controvérsia subsequente das operações interestaduais. (ALEXANDRE, 2009) 1.5 O ICMS nas operações interestaduais As alíquotas do ICMS variam de acordo com a operação e Estado. A Constituição Federal estabeleceu que nas operações interestaduais que se destinem a bens e serviços à consumidor final, adotar-se-á a alíquota interestadual quando o destinatário for contribuinte do imposto, ou a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele. (CF/88, Art. 155, §2°, VII). O contribuinte do ICMS é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (Lei Complementar 87/1996, artigo 4°). Neste sentindo, Ricardo Alexandre (2009) afirma que, para que os bens sejam considerados mercadorias, e subsequentemente, o alienante seja considerado contribuinte, faz-se necessário que haja a existência de habitualidade e a realização de compras em volume que configure intuito comercial. Por conseguinte, nas operações interestaduais, o imposto deverá ser repartido entre o ente federativo de origem e o de destino. A este ultimo caberá a diferença entre a alíquota interna e a interestadual, também designado como “diferencial de alíquota”. Este instituto fora criado para diminuir a desigualdade regional, instituída pela Constituição Federal no momento da delegação do imposto de consumo aos Estados, como já demonstrado anteriormente. Corroborando com esta medida, o Senado Federal, consubstanciado no art. 155 §2°, IV da CF, estabeleceu em Resolução 22 de 1989, diferenciação entre as alíquotas dos Estados, favorecendo os menos desenvolvidos. “Art. 1º – A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas a Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transportes Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, nas operações e prestações interestaduais, será de doze por cento. Parágrafo único – Nas operações realizadas nas regiões Sul e Sudeste, destinadas às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, as alíquotas serão: I – em 1989, oito por cento; II – a partir de 1990, sete por cento.” É possível verificar que, sem a elaboração desta Resolução, a maior parte do valor recolhido através do ICMS, caberia aos Estados mais ricos e desenvolvidos, com maior capacidade de produção, o que acentuaria ainda mais as desigualdades sociais e regionais, explicitamente combatido como objetivo principal da República do Brasil. Assim, a venda de uma mercadoria que possua alíquota total para o consumidor de 17% da Região Nordeste para a Região Norte, 12% pertencerão ao local de produção (Nordeste) e 5% ao local de consumo (Norte). O mesmo resultado se aplica caso a venda fosse para um Estado do Sul ou Sudeste. Por outro lado, um produto vendido da Região Sul para o Espírito Santo, da alíquota total de 17%, 7% pertence ao Estado produtor (Sul) e 10% ao consumidor (Espirito Santo). A regra geral é que, saindo de uma região menos favorecida (Norte/Nordeste/Centro-Oeste e Espirito Santos), o produto paga sempre 12% na origem e 5% no destino. Quando ele sai de uma região mais favorecida (Sul, Sudeste “exceto Espirito Santo”), paga 7%  na origem e 10% no consumo se for destinado ao Norte, Nordeste, Centro Oeste e Espirito Santo, ou 12% na origem e 5% no consumo se for destinado ao Sul, Sudeste (exceto Espirito Santo). Para isto, o legislador constituinte estabeleceu ainda, que às alíquotas internas não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais (fixadas pelo Senado), salvo deliberação em Estados e Distrito Federal (CF, art. 155, §2°, VI). Desta forma, somente através de convênio celebrado no âmbito da CONFAZ, as alíquotas internas poderão ser maiores ou iguais às alíquotas interestaduais. 1.6 Dos convênios entre os Entes Federativos A Constituição Federal, em suas Disposições Transitórias, permitiu a utilização de convênios entre os Estados e o Distrito Federal, como forma de viabilizar a instituição do ICMS, se em sessenta dias, a contar de sua promulgação, não fosse editada a Lei Complementar para regular o imposto. (MACHADO, 2007) O que de fato, só veio a acontecer no ano de 2006. Isso criou o hábito entre os entes federativos, de utilizarem os convênios para resolver conflitos tributários interestaduais. Os convênios são criados no âmbito do CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária, órgão deliberativo, criado pela Lei Complementar 24/75, recepcionada pela Constituição Federal de 1988, que possui seu corpo de debate formado por um representante de cada Estado, do Distrito Federal e da União. Tais deliberações possuem a finalidade de promover a harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos participantes, as quais dependerão de decisão unânime dos Estados representados para a concessão de benefícios fiscais, ou da aprovação de quatro quintos dos representantes presentes, quando da sua revogação total ou parcial de um convênio. Não ocorrendo o quórum mínimo suscitado tanto para concessão quanto para revogação de beneficio, a deliberação será considerada rejeitada. Ricardo Alexandre (2009, p. 222) dispõe que “os convênios são acordos de vontade firmados entre pessoas políticas de direito público interno para a consecução de objetivos comuns.”. Portanto, a sua utilização, constitui-se em mecanismo eficaz para dirimir conflitos de interesses entre os entes federativos acerca da administração do ICMS, muito dos quais possuem previsão constitucional, não podendo ser classificados como atos meramente ‘complementares’. Da mesma forma, Hugo Machado (2007) corrobora com este entendimento, ao afirmar que a Constituição vigente em seu art. 155, §2°, inc. XII, alínea “g”, ao assegurar à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados, permitiu também o entendimento de que os Estados, mediante convênio, possam regular as questões pertinentes a isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS e também a suas alíquotas, nos termos do art. 155, § 2°, inciso VI, da Constituição Federal. Há também as hipóteses de formalização de convênios interestaduais para fixar as alíquotas aplicáveis aos combustíveis e lubrificantes definidos em lei complementar como sujeitos à incidência do ICMS em etapa única (CF, art. 155, §4°, IV) e fixar, entre outras, as regras destinadas à apuração e à destinação do ICMS incidente sobre esses mesmos combustíveis e lubrificantes (CF, art. 155, § 5°). Como visto, o convênio é parte fundamental na manutenção da justiça fiscal do país, sendo meio oportuno à busca de beneficiamento fiscal. Decisões unânimes do Supremo Tribunal Federal contribuem com este entendimento:  “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS. ICMS. BENEFÍCIOS FISCAIS. NECESSIDADE DE AMPARO EM CONVÊNIO INTERESTADUAL. ART. 155, XII, “G” DA CONSTITUIÇÃO. Nos termos da orientação consolidada por esta Corte, a concessão de benefícios fiscais do ICMS depende de prévia aprovação em convênio interestadual, como forma de evitar o que se convencionou chamar de guerra fiscal. Interpretação do art. 155, XII, g da Constituição. São inconstitucionais os arts. 6º, no que se refere a “benefícios fiscais” e “financeiros-fiscais”, 7º e 8º da Lei Complementar estadual 93/2001, por permitirem a concessão de incentivos e benefícios atrelados ao ICMS sem amparo em convênio interestadual. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente” (Supremo Tribunal Federal – ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade 3794/PR – Relator: Ministro Joaquim Barbosa, 1º/06/2011). É imprescindível, neste momento, fazer uma diferenciação de convênios e protocolos. O primeiro, como já explanado, é um acordo entre os Estados Membros e ocorre quando é homologado por todos, e a todos possui a mesma validade; Já o segundo é um acordo realizado entre apenas alguns Estados, desde que não interfiram na autonomia dos outros Estados não signatários do concerto. Tais protocolos por serem mais práticos e céleres do que uma modificação legislativa e possuírem em seu seio apenas alguns Estados da federação, possuem maior probabilidade de serem declarados inconstitucionais, dada a grande possibilidade de exaltar-se sobre a independência de ente federativo, não participante do acordo. Isto será analisado mais profundamente adiante, especificamente no tópico da guerra interestadual no comercio eletrônico. 2 Do comércio eletrônico O comércio eletrônico caracteriza-se no processo de compra, venda e troca de produtos, serviços e informação através da rede mundial de computadores – a Internet, podendo incluir ainda a prestação de serviços ao cliente, a colaboração entre parceiros de negócios e a condução de transações eletrônicas dentro da organização. As operações podem ser efetuadas entre empresas, ou B2B (business-to-business), ou entre empresas e consumidores, chamadas de B2C (business-to-consumer). (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2001) 2.1 Desenvolvimento do e-commerce no Brasil Com o progresso da tecnologia da informação, o processo de globalização do comércio tornou-se rápido e eficaz. A emergência da internet, possibilitou a criação e acelerado desenvolvimento do comércio eletrônico. O’Connell (2002) conceitua comércio eletrônico como sendo todas atividades de compra ou venda de bens, produtos, serviços ou informações eletronicamente. O e-commerce caracteriza-se, entre outros aspectos, pela redução de custos, disponibilidade ininterrupta de funcionamento e inexistência de limite territorial. Uma loja virtual funciona 24 horas por dia, inclusive aos domingos e feriados e seus produtos podem ficar disponíveis para o mundo inteiro. Além disso, há uma redução de custos significativa com aluguel, decoração, funcionários e outras despesas fixas de um estabelecimento tradicional. Segundo pesquisa do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2011), no decorrer das últimas décadas houve uma mudança significativa dos setores de comércio e serviços do país. Com a derrocada de grandes empresas do comércio varejista na década de noventa e o surgimento de novas tecnologias, o processo de compra e venda deste setor sofreu uma revolução, caracterizando e subsidiando a emergência do mercado eletrônico no Brasil: “A difusão do uso da internet contribuiu de forma decisiva para mudanças organizacionais das firmas brasileiras, especialmente no que se refere aos aspectos relativos às transações comerciais das empresas, que passaram a adotar de forma mais intensa o comércio eletrônico”, é o que conclui o Comunicado nº 95 do IPEA sobre vendas online no país. Entre 2003 e 2008, a quantidade de varejistas que vendiam pela internet passou de 1.305 para 4.818, um crescimento de mais de 365% em cinco anos, o que majorou a produtividade do varejo brasileiro. Segundo informações da TIC Domicílios, em 2009 havia 73 milhões de internautas no país que utilizavam os serviços de venda online, isso representa 14,1 milhões de compradores pela internet. A tabela 1 apresenta o percentual de compradores on-line, segmentados por regiões demográficas no país. Os resultados da tabela acima revelam que, os internautas da região Norte possuem maior probabilidade de serem consumidores on-line do que os da região Nordeste. As demais regiões apresentam coeficientes não significantes, logo que as regiões Sul e Sudeste possuem maior número de habitantes e consequentemente de internautas. A partir disto, podemos concluir que a o comércio eletrônico modifica a estrutura do ambiente de competição entre as empresas e o comportamento social, alterando os hábitos de consumo da sociedade. As regiões preponderantemente consumidoras são as que mais utilizam o sistema eletrônico, devido, não somente a escassez de produção da sua região, como também as facilidades oferecidas pelos grandes conglomerados varejistas, localizadas em sua maioria no Sul e Sudeste do país. Estas caracterizam-se por oferecer seus serviços na unidade federativa onde localiza-se a sua matriz e distribuir, através do comércio eletrônico, produtos para diversas regiões do Brasil. Segundo Kubota e Milani (2011) em pesquisa divulgada pelo IPEA, a maior parte do faturamento das empresas do setor de comércio no Brasil é obtida pelas unidades localizadas no estado de origem destas. Para ele, a localização geográfica das empresas no território nacional é fator importante para identificação dos mercados do comércio no Brasil. A tabela 2, abaixo disposta, apresenta a disposição geográfica das empresas que utilizam o comércio eletrônico no Brasil. Em termos regionais, o Sudeste é a região que concentra o maior número de empresas que adotam a prática de comércio eletrônico, totalizando 575.  Esse número representa 64,75% das  empresas atuantes  nesta  prática  no  país. Mesmo que o percentual regional seja pouco para o Sudeste, este ainda supera as demais regiões do país.  Ainda segundo Kubota e Milani (2011, p. 20),  “o maior número de empresas praticantes do comércio eletrônico nessa região pouco surpreende, haja vista que o principal contingente de empresas do setor de comércio está concentrado nessa região”. Na Pesquisa Ano do Comércio, realizada pelo IBGE em 2007, das 38.399 empresas entrevistadas, 21.288 encontram-se na região Sudeste, o que representa 55,52% de todas as empresas do país. (IBGE, 2009) As empresas da região Norte são aquelas que apresentam a menor participação nacional em termos do comércio eletrônico: de 2,36%, ao passo que, em relação ao total das ­empresas dessa região, o percentual de praticantes desse tipo de comércio é de 1,72%, superando o menor índice de participação regional que é o da região Nordeste. Analisando concomitantemente as duas tabelas, é possível verificar que, as regiões Norte e Nordeste são predominantemente consumidores dos produtos comercializados, em sua grande maioria, pelas empresas da região Sudeste e Sul, que concentra os maiores conglomerados varejistas do país. 2.2 A tributação no comércio eletrônico O aumento considerável das compras virtuais nas últimas décadas e o progresso das transações eletrônicas acrescentou novos problemas tributários aos Estados e ampliou os já existentes. Por ser a internet um ambiente de domínio mundial, as vendas realizadas em seu seio podem efetivar-se de um ponto do mundo para outro diverso. Essa globalização mercantil trouxe consigo umas das maiores dificuldades que advieram com o comércio eletrônico, a coleta de dados por parte das administrações tributárias, o que aumenta o número de casos de sonegação de impostos. (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2001) Outro assunto controverso, brotado do e-commerce, é o recolhimento de tributos sobre os produtos e serviços genuinamente virtuais (digitalizáveis), tema abrangente e que não será matéria de discussão neste trabalho. No Brasil, a inexistência de uma legislação específica para o comércio eletrônico e a não uniformidade das leis existentes geram incerteza quanto ao regime jurídico aplicável a estas operações, criando insegurança jurídica. Pode se observar, entretanto, que se a venda ocorre por meio do e-commerce e a entrega é física, os tributos de circulação de mercadoria e outros aplicáveis incidirão da mesma forma que os tributos sobre os produtos que não entregues por uma empresa não-virtual. Neste caso, em uma transação realizada através do comercio eletrônico, também será devido o recolhimento do ICMS. 2.2.1 O ICMS nas transações eletrônicas interestaduais As operações realizadas no e-commerce, que comportam a movimentação da mercadoria de um Estado para outro, trazem consigo um problema fiscal antigo às Administrações tributárias, o da origem e destino da mercadoria. Como já visto anteriormente, a tributação do ICMS pode ocorrer no destino ou na origem. O ICMS interestadual incide quando uma mercadoria é produzida (ou importada) por determinado estado e vendida a outro. Nestas operações uma parte do ICMS é devido ao Estado de origem da mercadoria e uma parte ao Estado de destino. Ocorre que, como a compra é realizada pela internet, o fato gerador do ICMS só ocorre na origem. Neste caso, o recolhimento do aludido tributo cabe integralmente aos Estados de origem da mercadoria, aplicando-se alíquota interna como disposto no art. 155, §2°, VII, “b” da CF, o que gera aos estados federativos que se caracterizam precipuamente por serem consumidores. É indispensável lembrar que, neste caso, embora haja o deslocamento interestadual da mercadoria, somente será considerado contribuinte do ICMS a pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial (ALEXANDRE, 2009). Deste modo, somente será possível a repartição de receitas entre os Estados, na hipótese em que a operação, realizada por meio eletrônico, possua finalidade mercantil, também denominada operação B2B (business-to-business). Neste caso, aplicar-se-á as alíquotas das operações interestaduais que serão compensadas pelas alíquotas internas de cada Estado, utilizando-se do mecanismo de débito e crédito, do princípio da não cumulatividade. Por conseguinte, as compras realizadas pela internet diretamente ao consumidor final (B2C), não conforma hipótese de contribuinte do imposto, motivo pelo qual deverá ser aplicada a alíquota interna. Segundo Alexandria e Carvalho (2011) estas vendas interestaduais diretas a consumidor final, geram em perda de renda significativa para os Estados consumidores: “A partir do ano de 2002 as vendas interestaduais a consumidor final, não contribuinte do ICMS, vêm crescendo e é uma tendência de não parar de crescer, isso faz com que os demais Estados consumidores transfiram renda para os Estados onde inicia a operação da mercadoria, fato esse que fomenta mais a desigualdade, no que se diz respeito à distribuição de riquezas, entre os Estados da Federação. A maioria dos Estados da Federação transferem riquezas para uma minoria nestas operações de comércio eletrônico.” Em 2000, um convênio realizado, no âmbito da CONFAZ, entre os Estados e Distrito Federal, solucionou o conflito gerado pelas fábricas de automóveis, que vendiam diretamente ao consumidor pela internet, dividindo a base de calculo do ICMS em 55% para o Estado de origem e 45% para o Estado de destino, quando da realização de vendas interestaduais diretas ao consumidor. (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2001) Entretanto, esta solução não é pacífica às outras mercadorias comercializadas no meio eletrônico, gerando uma guerra fiscal diversa da tradicional – que se baseia na politica de concessão de benefícios fiscais. A guerra fiscal do e-commerce está consubstanciada na luta do Estado de destino em receber, de qualquer forma, uma parte das receitas recolhidas pelo Estado de origem, como ocorre nas operações interestaduais habitual. 2.3 A guerra fiscal interestadual no comércio eletrônico Como já exposto, os Estados mais ricos concentram os principais centros de distribuição do País e, por consequência, a arrecadação do ICMS. Os demais Estados com capitalização menor reclamam da perda de arrecadação e do menor ritmo econômico local, com a transferência de vendas na região para o meio eletrônico. (FARIELLO, 2011) Nesse contexto, muito se tem debatido a respeito dos impactos do e-commerce sobre as receitas tributárias dos Estados da Federação, onde, na busca de adquirir uma parte dos proveitos do ICMS, estabelecem medidas unilaterais, de modo a não ter suas finanças prejudicadas. Este é o novo panorama que se revela na guerra fiscal entre os Estados-membros, um dos maiores males do sistema tributário nacional.  A guerra fiscal que, antes, era travada na atração de investimentos de empresas industriais com a concessão de benefícios fiscais, atualmente, é realizada nos setores atacadistas e com cunho especificamente arrecadatório. Juridicamente, toda controvérsia gira, inicialmente, em torno da possibilidade ou não da cobrança do tributo no Estado de destino nos produtos vendidos à consumidores finais. Um dos principais argumentos dos Estados, que entendem ser cabível a cobrança do imposto nestas operações, deriva do fato de a internet ser um meio de venda de âmbito global, e suas mercadorias poderem ser comercializadas do Sul para o Norte do país, deste modo, tal deslocamento da mercadoria oportuna hipótese de incidência do ICMS com alíquota interestadual. Alegam, ainda, que a sistemática atual das compras efetuadas pelo internet, telemarketing e showroom deslocou as operações comerciais com consumidor final, não contribuinte de ICMS, para situação diversa daquela que ocorria predominantemente quando da promulgação da Constituição de 1988. Dado que, o ICMS é o imposto devido, onde ocorre o consumo da mercadoria ou bem, a crescente mudança do comércio convencional para a forma não presencial, não se coaduna com a essência do ICMS, na medida em que não estaria sendo preservada a repartição do produto da arrecadação dessa operação entre as unidades federadas de origem e destino. Apesar da incessante corrida dos Estados em direção oposta, a doutrina majoritária entende ser incabível a cobrança do ICMS interestadual nas vendas de produtos e-commerce, baseando-se no paragrafo segundo, inciso sétimo, alíneas “a” e “b”, do artigo 155 da Constituição Federal de 1988, que dispõe: “Art. 155. § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á: a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto; b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;” Neste caso, Renato Oliveira (2011) mostra-se inconformado com a atuação dos Estados afirmando ser “manifesto que, em relação às operações internas ou interestaduais, o ciclo das operações que ensejam o pagamento do ICMS em favor do Estado de origem, encerra-se até que o destinatário seja consumidor final.” Defende ele ainda, que, a alíquota a ser utilizada para tributar mercadoria ou bem de forma não presencial, deve ser a interna, posto que o destinatário não é contribuinte dele, sendo manifesta a inconstitucionalidade da cobrança de alíquota interestadual nas vendas e-commerce. Corroborando com este entendimento, Guillermo Grau (2011) assevera que, a incidência do ICMS, tanto no Estado de origem, como no de destino da mercadoria, nas operações com não-contribuintes, como é o caso da venda e-commerce, configura-se claramente inconstitucional, gerando bitributação do referido imposto, uma vez que o consumidor paga o tributo para o estado de destino, além da tributação para o estado de origem. 2.3.1 O Protocolo ICMS 21/2011 e a bitributação no e-commerce Recentemente, em 01 de abril de 2011, dezoito estados brasileiros, assinaram o Protocolo ICMS 21/2011, celebrado no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que estabelece que os estados que aderiram a ele devem exigir a parcela do ICMS sobre “operações interestaduais em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de Internet, telemarketing ou showroom”, repartindo sua receita nestas operações. O protocolo, espécie do gênero dos Convênios, dispõe que, nas operações interestaduais entre as unidades federadas signatárias do acordo, o estabelecimento remetente, na condição de substituto tributário, será responsável pela retenção e recolhimento do ICMS, em favor da unidade federada de destino, relativo à parcela a esta cabível. Sendo exigível, a partir do momento do ingresso da mercadoria ou bem no território do Estado de destino, o pagamento do imposto relativo à parcela a este cabível, mesmo na hipótese de a operação ser procedente de unidade federada não signatária do Protocolo 21/11. Dessa maneira, na prática, ao contrário do que se esperava, o protocolo, não só não soluciona o problema da guerra fiscal no e-commerce, como a torna ainda mais acirrada, uma vez que a maioria dos centros de distribuição de mercadorias, vinculados aos estabelecimentos virtuais, estão localizados nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que não aderiram ao protocolo. Neste caso, por exemplo, uma empresa estabelecida em São Paulo, não signatária do acordo, vende mercadoria pela internet a um consumidor não contribuinte do ICMS, estabelecido no Distrito Federal, este exigirá 10% de ICMS (17% – 7%) e São Paulo cobrará sua alíquota interna normalmente, que é de 18%. Com isso, a carga tributária global, neste caso, será de 28%. Além disto, nestes casos, a empresa poderá ter sua mercadoria retida até o pagamento do ICMS correspondente a alíquota interna do Estado destinatário, com as deduções previstas no aludido protocolo. Tal medida é manifestamente injusta e ilegal, e resulta em bitributação, o que produz prejuízo ao consumidor, que mesmo de maneira indireta, acaba por ter que pagar a diferença no preço final do produto. Como dito anteriormente, os protocolos apesar de formalmente válidos na sua concepção (assinatura dos Estados, celebração no âmbito da CONFAZ), são propensos a erros e inconstitucionalidades, o que, se não avaliados e efetivados de forma racional gera grave insegurança jurídica. Com o sistema tributário atual, às operações envolvendo como destinatário o consumidor final, o ICMS continuará sendo devido ao estado de domicílio do emitente da nota fiscal, o que beneficia esses estados mais desenvolvidos e faz com que os Estados destinos, que se configuram por serem meramente consumidores, corram em busca de soluções que lhes garantam uma fatia da receita. A desembargadora e presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Telma de Brito, em julgamento de suspensão de tutela antecipada e liminar que cassava o Protocolo n° 21, afirmou:  “Tendo em vista que a proibição, ainda que temporária, de o Estado da Bahia exigir o ICMS sobre tais vendas implicará em redução significativa na receita estadual, em face da relevância da arrecadação de tal tributo para o respectivo orçamento. Isso posto, presentes os requisitos autorizantes do acolhimento do pleito, defere-se o pedido de suspensão dos efeitos da liminar concedida na Ação Declaratória com antecipação de tutela nº. 008370-67.2011.805.0001.” (Tribunal de Justiça da Bahia – Suspensão de Liminar em Procedimento Ordinário – Relator: Desembargadora Telma Britto, 1º/04/2011).   É visto que, nesta mesma decisão, a Excelentíssima assevera abster-se de julgar as questões relativas ao mérito da causa, pois é inadmissível a sua análise em sede de pedido de suspensão, esclarecendo apenas que, a execução dos efeitos da liminar causa grave lesão à ordem e à economia públicas, e por isto deve ser suspensa. Diversas Ações de Inconstitucionalidade tramitam no Supremo Tribunal Federal contra o Protocolo ICMS 21, entre elas, a ADI 4628, proposta pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. A CNC afirma que a ação discriminatória dos Estados, participantes do Protocolo ICMS 21/2011, viola o artigo 155, parágrafo 2º, da Constituição Federal, ao ensejar a perspectiva de bitributação diante do recolhimento do imposto também no estado de origem. Em sede de ADI 4628,[3] [3] assevera que: “Indiscutível que o Brasil e o mundo mudaram muito desde a promulgação da Constituição de 1988. Assim também ocorreu com as formas de se adquirir um produto ou serviço, sendo a internet um instrumento ainda relativamente novo e crescente que alterou em muito a forma ordinária de se fazer compras. Todavia, se este novo modo de se adquirir bens ou serviços aumenta eventuais desigualdades regionais por gerar impacto negativo na arrecadação de ICMS de alguns estados da Federação, que seja alterada a Constituição por seu instrumento apropriado (Emenda) e que não se tente alterá-la de forma inaceitável e flagrantemente inconstitucional”. Apesar de justa o pleito dos Estados consumidores contra o atual sistema tributário, os meios adotados até o momento são abusivas e eivadas de vícios. Não convém a utilização de uma injustiça para justificar outra, dessa vez contra o consumidor final. Considerações Finais e Soluções O comércio eletrônico é um mecanismo relativamente novo e de progresso acelerado, o que não é acompanhado pelo processo legislativo, motivo pelo qual ocorrem inúmeras subversões legais, principalmente no setor tributário. Apesar de justa a luta dos Estados destinatários das mercadorias vendidas no e-commerce, ela deve estar pautada não somente em fatos, mas em licitude. Fortalecer o comércio local, aumentar a competitividade entre as empresas, garantir a geração de emprego e renda e diminuir o prejuízo na arrecadação, estes são os objetivos dos Estados-membros, sendo-lhes lícito dispor do seu poder-dever de recolher em seu favor esta fonte de renda. Entretanto, isto não os legítima a promoverem reformas “políticas” tributárias à margem da Constituição Federal, sendo-lhes lícito fazer apenas aquilo que a lei autoriza. O CONFAZ mostrou-se apto a resolver conflitos de interesse, através da instituição de convênios, entre os entes federativos; hipótese já demonstrada na solução do litígio das vendas de automóveis direto aos consumidores. Esta pode ser uma das soluções a ser devassada para o caso do ICMS na compra eletrônica, qual seja, a celebração de um convênio em que todos os estados e o Distrito Federal concordem em abrir mão mutuamente da tributação de ICMS na origem para partilhar a arrecadação do imposto com os estados de destino. Entretanto, a instituição de convênio no Confaz, segundo a Constituição, só pode ser elaborada se houver consenso entre todas as 27 Unidades da Federação. Deste modo, os Estados mais ricos e maiores beneficiários do sistema atual, precisariam aceitar repartir o seu quinhão com os demais Estados, de forma voluntária. Esta solução é a mais prática e célere, todavia, pela experiência já demonstrada através dos acontecimentos recentes, resulta na mais distante das soluções, pois, enquanto a lei permitir a extração integral do imposto por parte dos Estados de origem da mercadoria, os mesmos recolherão todo o seu quinhão, sem se importar com o estabelecimento da justiça fática e sim com o que, política e economicamente, for mais benéfico aos seus entes federativos. Outra solução a ser esquadrinhada seria a de uma reforma Constitucional que objetive modificar o regime de tributação nas operações interestaduais decorrentes de vendas para o consumidor não contribuinte do ICMS, inclusive por meio eletrônico, estabelecendo que nas operações e prestações que destinem bens e serviços à consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual. Em 2008, fora proposta à Câmara dos Deputados tal emenda constitucional, por meio da PEC 227, que trata especificamente sobre este assunto. Ainda em 2008, a mesma fora apensada à PEC 31/2007 que altera o Sistema Tributário Nacional e unifica a legislação do ICMS. Esta solução, apesar de possuir amplo debate e duradouro processo, é o meio mais eficaz e de definitivo combate à guerra interestadual, pois garante a repartição do recolhimento do tributo entre o os Estado de origem e destino e possui maior probabilidade de ser aprovada, contando-se, para tanto, com a união dos Estados prejudicados pelo sistema atual. Entretanto, sua ultima ação legislativa foi em agosto de 2008. Pode-se dizer então, que o governo não esteja tão preocupado em solucionar o problema da cobrança do ICMS no comércio eletrônico, deixando nas mãos dos poderes Estaduais a discussão sobre o tema e um desfecho sobre o assunto.  Tratando-se de um assunto delicado fica difícil acreditar em um acordo pacífico e que não prejudique ninguém, inclusive o consumidor. Por fim, conclui-se que esta pesquisa não se exaure aqui. Enquanto houver inércia do legislativo e os Estados tiverem que buscar dirimir seus conflitos e encontrar um consenso que produza benefícios para todos, o judiciário continuará a ser meio de resolução das lides tributárias estaduais, havendo teorias e soluções jurídicas a se esquadrinhar.
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Principais controvérsias relativas aos impostos federais
O presente artigo científico tratará da análise das principais controvérsias no tema dos impostos federais. Pretende-se apresentar, de forma didática e sistemática, os principais focos de digressão doutrinária e jurisprudencial de cada um dos impostos federais, quais sejam, o Imposto de Importação, o Imposto de Exportação, o Imposto de Renda, o Imposto sobre Produtos Industrializados, o Imposto sobre Operações Financeiras, o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural e o Imposto sobre Grandes Fortunas. Pretende-se, assim, ofertar à comunidade jurídica uma produção de cunho científico que ajude na compreensão de temas atuais relativos a tais impostos.
Direito Tributário
1. Introdução O Sistema Tributário Nacional tem suas balizas determinadas na Constituição Federal, sendo que a competência para criar e instituir tributos foi delineada pormenorizadamente na Carta Magna. O artigo 153 da Constituição de 1988 determina que: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I – importação de produtos estrangeiros; II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III – renda e proventos de qualquer natureza; IV – produtos industrializados; V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI – propriedade territorial rural; VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar.(…)” Referido dispositivo constitucional disciplina a competência da União no tocante aos denominados impostos ordinários. Há, ainda, os impostos residuais e extraordinários, criados pela União mediante a obediência de requisitos constitucionais específicos aludidos no artigo 154 da CF. Senão vejamos: “Art. 154. A União poderá instituir: I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição; II – na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.” No presente trabalho, analisar-se-ão apenas as controvérsias relativas aos impostos derivados da denominada competência ordinária, em face da sua maior importância e aplicação prática. A exposição será feita tomando em consideração cada imposto individualmente, começando por uma abordagem genérica sobre o tributo e complementando com as principais discussões que envolvem o referido imposto. 2. Imposto de Importação O Imposto de Importação é um imposto de caráter extrafiscal que atua na regulação do comércio exterior. Com isso, quer-se dizer que a principal finalidade do aludido tributo não é carrear recursos para a manutenção e desenvolvimento do Estado. Pretende-se, por outro lado, engendrar a regulação do comércio exterior, notadamente a entrada de mercadorias no território nacional. Dado o seu importante caráter extrafiscal, não está sujeito aos princípios da legalidade, anterioridade e noventena. Daí se infere que a alteração de alíquotas do Imposto de Importação não precisa ser instrumentalizada por lei em sentido formal, podendo ser determinada pelo próprio Poder Executivo, através de Decreto ou Portaria do Ministro da Fazenda. Ainda, pode ser cobrado no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou majorou (150, III, b, CF) e antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou (150, III, c, CF). A base de cálculo do Imposto de Importação é dada pelo artigo 20 do Código Tributário Nacional, que aduz: “Art. 20. A base de cálculo do imposto é: I – quando a alíquota seja específica, a unidade de medida adotada pela lei tributária; II – quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma venda em condições de livre concorrência, para entrega no porto ou lugar de entrada do produto no País; III – quando se trate de produto apreendido ou abandonado, levado a leilão, o preço da arrematação.” Alíquota específica, a título de esclarecimento, é aquela que incide sobre uma base de cálculo não determinada em moeda, mas em outra unidade de medida. Assim, um exemplo de alíquota específica é a de 15 reais por arroba (R$/arroba), sendo a base de cálculo determinada em arrobas e não grandeza monetária. Já a alíquota ad valorem é a que ordinariamente é utilizada no campo do Direito Tributário, incidindo sobre base de cálculo expressa em dinheiro. No que diz respeito ao lançamento, impende destacar que o mesmo se aperfeiçoa por meio da sistemática da homologação, onde cabe ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, que, posteriormente, homologa a atividade do contribuinte. Excepcionalmente, no caso de bagagem acompanhada, que é aquela trazida, por exemplo, por turistas, é utilizado o lançamento por declaração, onde o sujeito passivo declara à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato relativa ao tributo, e essa efetua o lançamento tendo por base a declaração recebida. Os contribuintes do Imposto de Importação estão descritos no artigo 22 do Código Tributário Nacional, in verbis: “Art. 22. Contribuinte do imposto é: I – o importador ou quem a lei a ele equiparar; II – o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados.” Já o Decreto nº 6.759, de 05 de fevereiro de 2009, denominado Regulamento Aduaneiro, estabelece que: “Art. 104.  É contribuinte do imposto (Decreto-Lei no 37, de 1966, art. 31, com a redação dada pelo Decreto-Lei no 2.472, de 1988, art. 1o): I – o importador, assim considerada qualquer pessoa que promova a entrada de mercadoria estrangeira no território aduaneiro; II – o destinatário de remessa postal internacional indicado pelo respectivo remetente; e III – o adquirente de mercadoria entrepostada.” O fato gerador é o mais tormentoso dos elementos do Imposto de Importação, gerando controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais na sua aplicação, motivo pelo qual será tratado em tópico isolado. 2.1. O fato gerador do Imposto de Importação: momento da ocorrência e posição do STJ O artigo 19 do Código Tributário Nacional define como fato gerador do Imposto de Importação a entrada de produtos estrangeiros no território nacional. “Art. 19. O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional.” Já o artigo 23 do Decreto-lei 37/1966 e o artigo 73 do Decreto 6.759/2009 têm, respectivamente, as seguintes redações: “Art. 23 – Quando se tratar de mercadoria despachada para consumo, considera-se ocorrido o fato gerador na data do registro, na repartição aduaneira, da declaração a que se refere o artigo 44.” “Art. 73.  Para efeito de cálculo do imposto, considera-se ocorrido o fato gerador (Decreto-Lei no 37, de 1966, art. 23, caput e parágrafo único): I – na data do registro da declaração de importação de mercadoria submetida a despacho para consumo;(…)” É possível observar uma aparente antinomia entre as normas acima citadas. Senão vejamos. Uma coisa é o fato gerador ocorrer no momento da entrada do produto no território nacional; outra coisa bem diferente é ocorrer o fato gerador quando do registro da declaração de importação de mercadoria submetida a despacho para consumo. Ocorre que o território nacional é imenso, sendo extremamente difícil aferir, em cada caso, o momento específico de ingresso do produto no território nacional. A verificação do momento exato da transposição das fronteiras marítimas e aéreas e terrestres demandaria imenso volume de recursos humanos e materiais. Dessa forma, evidente é a necessidade de estabelecer um momento fixo e seguro para considerar caracterizado o fato gerador. O momento eleito pelo legislador foi o da data do registro da declaração de importação de mercadoria submetida a despacho para consumo. A fixação da data do registro da declaração de importação como momento de ocorrência do fato gerador do Imposto de Importação suscitou inúmeras discussões no Judiciário brasileiro. O contribuinte apontava desrespeito ao princípio da irretroatividade, eis que o registro da declaração de importação, ordinariamente, sucede o momento da entrada física do produto no território nacional. Assim, empresários que haviam celebrado negócios jurídicos e que aguardavam a chegada de mercadorias do exterior se viram surpreendidos pelo aumento abrupto de alíquotas aduaneiras, o que teria o condão de tornar economicamente inviável o negócio realizado. Apesar de vozes dissonantes na doutrina, o Superior Tribunal de Justiça consolidou seu entendimento no sentido da plena validade do registro da declaração de importação como momento de ocorrência do fato gerador. A propósito, colaciona-se importante julgado do STJ: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. MOMENTO DO FATO GERADOR. VARIAÇÃO DE ALÍQUOTA. AUSÊNCIA DE REGISTRO. SÚMULA 7 DO STJ. 1. O fato gerador, para o imposto de importação, consuma-se na data do registro da declaração de importação. 2. É cediço na jurisprudência da Corte que “No caso de importação de mercadoria despachada para consumo, o fato gerador, para o imposto de importação, consuma-se na data do registro da declaração de importação.” (RESP 313.117-PE, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJU 17.11.03). Precedentes: REsp. 670.658/RN, desta relatoria, DJU 14.09.06; REsp. 250.379/PE, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJU 09.09.02; EDcl no AgRg no REsp. 170163/SP, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJU 05.08.02; REsp. 205013/SP, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJU 25.06.01; REsp. 139658/PR, Rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA, DJU 28.05.01; REsp. 213909/PR, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJU 11.10.99. 2. Deveras, “o Supremo Tribunal Federal que, no julgamento da ADIN nº 1293-DF, manifestou-se, in verbis: ‘O imposto de importação tem como fato gerador a entrada de produtos estrangeiros no território (CTN-66, art. 19). Tratando-se de mercadoria despachada para consumo, considera-se ocorrido o fato gerador na data do registro, na repartição competente, da declaração apresentada pelo importador (DEL-37/66), art. 23 c/c art. 44), sendo irrelevante para esse efeito específico, a data da celebração do contrato de compra e venda ou a do embarque ou a do ingresso no país de mercadoria importada.’ E ainda, ‘IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. Fixou-se em Plenário RE 91.337-8/SP, em 6.2.80 a jurisprudência do Supremo Tribunal no sentido de que em se tratando de mercadoria despachada para consumo, o fato gerador ocorre na data do registro, na repartição competente, da declaração de importação. Ausência de incompatibilidade entre o artigo 19 do CTN e o artigo 23 do Decreto-lei nº 37/66. embargos conhecidos, porém rejeitados.’ (ERE 91.309-2/SP, Rel. Min. Cordeiro Guerra, STF T. Pleno, 12.3.80, DJ de 18.4.80, pág. 2.566). Seguindo essa mesma linha de orientação, o STJ assim tem se pronunciado: ‘- No caso de importação de mercadoria despachada para consumo, o fato gerador, para o imposto de importação, consuma-se na data do registro da declaração de importação. – Precedentes do STJ e STF’ (REsp 121617/HUMBERTO); ‘- O STF já proclamou inexistir incompatibilidade do art. 19 do CTN com os arts. 23 e 24 do D.L. 37/66. – Na importação de produtos do exterior, para consumo próprio, o fato gerador ocorre no momento do registro da declaração de importação na repartição aduaneira, aplicando-se a alíquota vigente na época’ (REsp 250379/PEÇANHA MARTINS, DJ de 09/09/2002); Jurisprudência pacífica do STJ, no sentido de que o fato gerador do imposto de importação ocorre com o registro da declaração de importação na repartição aduaneira, inexistindo incompatibilidade entre o art. 23 do Decreto-lei 27/66 e o art. 19 do CTN’ (EAREsp. 170163/ELIANA CALMON, DJ de 05/08/2002);e ‘Na importação de mercadorias para consumo, o fato gerador ocorre no momento do registro da declaração de importação na repartição aduaneira, sendo irrelevante o regime fiscal vigente na data da emissão da guia de importação, ou quando do desembarque da mercadoria. Inexiste incompatibilidade entre o art. 19 CTN e o D.L. 37/66, conforme orientação do Pretório Excelso sobre o tema (RE 225.602, Rel. Min. Carlos Velloso)” (REsp. 205.013/SP, Rel. Min. PEÇANHA MARTINS, DJU 25.06.01). 3. In casu, o Juízo Singular consignou que: “Em atendimento a determinação deste Juízo, a impetrante, às fls. 44/46, esclareceu que, à data da impetração, ainda não tinha ocorrido o registro da Declaração de Importação. (…) Como, no caso vertente, a Portaria MP 50/94, que instituiu o adicional, foi editada em momento anterior ao da data do registro da DI, não há que se falar em direito adquirido, regendo-se a hipótese pelo chamado ‘ius novum'”. (fls. 67-69) 4. Destarte, não obstante tenha o Tribunal a quo manifestado que a mercadoria fora submetida a despacho aduaneiro em data posterior à publicação da Portaria nº 50/94, restou consignado com maior precisão na instância inferior que à data da impetração do ‘mandamus’ ainda não havia ocorrido sequer o Registro da Declaração de Importação. 5. Recurso especial desprovido.[1]” De acordo com o entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, há duas espécies de fato gerador: fato gerador material ou espacial e fato gerador temporal. O fato gerador material ou espacial ocorre quando da efetiva entrada do produto estrangeiro no território nacional, enquanto que o fato gerador temporal ocorre no momento do registro da declaração de importação. O fato gerador temporal, segundo o Superior Tribunal de Justiça, serve para aperfeiçoar o fato gerador material anteriormente ocorrido, dada a necessidade de estipular um marco exato e definido de sua ocorrência. Eis um julgado onde o STJ elucida a questão: “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. MERCADORIA EM TRÂNSITO DESTINADA AO PARAGUAI. AVARIA OU EXTRAVIO. ISENÇÃO. IRRESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR. PRECEDENTES. 1. Não obstante o fato gerador do imposto de importação se dê com a entrada da mercadoria estrangeira em território nacional, torna-se necessária a fixação de um critério temporal a que se atribua a exatidão e certeza para se completar o inteiro desenho do fato gerador. Assim, embora o fato gerador do tributo se dê com a entrada da mercadoria em território nacional, ele apenas se aperfeiçoa com o registro da Declaração de Importação no caso de regime comum e, nos termos precisos do parágrafo único, do artigo 1º, do Decreto-Lei nº 37/66, “com a entrada no território nacional a mercadoria que contar como tendo sido importada e cuja a falta seja apurada pela autoridade aduaneira”. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que: a) “indevido o imposto de importação sobre mercadoria importada, com destino ao Paraguai, quando verificada sua falta em trânsito no território nacional.” (REsp nº 171621/SP, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS); b) “no caso de avaria ou falta de mercadoria importada ao abrigo de isenção do tributo, o transportador não pode ser responsabilizado.” (REsp nº 22735/RJ, Rel. Min. HÉLIO MOSIMANN); c) “no caso de extravio de mercadoria importada ao abrigo de isenção (ou redução) do tributo, não é responsável o transportador pelo valor deste. O artigo 60, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966, estabelece que havendo dano ou avaria ou extravio, caberá indenização à Fazenda Nacional pelo que deixar de recolher. Existindo isenção, não há o que indenizar. É ilegal o artigo 30, par. 3º, do Decreto nº 63.431, de 1968, que manda ignorar a isenção ou redução se se verificar avaria ou extravio (Código Tributário Nacional, artigos 94, par. 1º, e 99).” (REsp’s nºs 11428/RJ e 18945/RJ, Rel. Min. DEMÓCRITO REINALDO); d) “o transportador não pode ser responsabilizado por tributo, em caso de avaria ou falta de mercadorias, se toda ela foi importada sob o regime de isenção. É indevido o imposto de importação sobre mercadorias em trânsito pelo território brasileiro, destinadas ao Paraguai. Inaplicável, ao caso, o parágrafo único do art. 1º, do Decreto-Lei nº 37/66.” (REsp’s nºs 10901/RJ e 5536/RJ, Rel. Min. GARCIA VIEIRA) 3. Precedentes do STJ e do STF. 4. Recurso não conhecido.[2]” Registre-se, ainda, por oportuno, que há casos em que se permite o registro da declaração de importação antes mesmo da descarga dos produtos estrangeiros no território nacional. Tais casos estão disciplinados no artigo 17 da IN 680/2006 da Secretaria da Receita Federal. 3. Imposto de Exportação O Imposto de Exportação é a outra face do Imposto de Importação. Enquanto o Imposto de Importação se preocupa com a entrada de produtos estrangeiros no território nacional, o Imposto de Exportação se preocupa com a saída de produtos nacionais ou nacionalizados desse mesmo território. Em face dessa peculiaridade, o Imposto de Exportação guarda, praticamente, as mesmas características do Imposto de Importação, tais como: a extrafiscalidade; a insubmissão aos princípios da legalidade, anterioridade e noventena; a sujeição à sistemática do lançamento por homologação. Sua base de cálculo é determinada pelo artigo 24 do CTN, sendo, praticamente a mesma do Imposto de Importação: “Art. 24. A base de cálculo do imposto é: I – quando a alíquota seja específica, a unidade de medida adotada pela lei tributária; II – quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da exportação, em uma venda em condições de livre concorrência. Parágrafo único. Para os efeitos do inciso II, considera-se a entrega como efetuada no porto ou lugar da saída do produto, deduzidos os tributos diretamente incidentes sobre a operação de exportação e, nas vendas efetuadas a prazo superior aos correntes no mercado internacional o custo do financiamento.” No que toca aos contribuintes, o artigo 27 do Código Tributário Nacional aduz que: “Art. 27. Contribuinte do imposto é o exportador ou quem a lei a ele equiparar.” Regulamentando o dispositivo acima, o Decreto 6.759/2009, no seu artigo 217 determina que: “Art. 217.  É contribuinte do imposto o exportador, assim considerada qualquer pessoa que promova a saída de mercadoria do território aduaneiro.” Traçadas as generalidades no tocante ao Imposto de Exportação, cabe analisar o fato gerador do aludido tributo, elemento que causa divergência no âmbito jurisprudencial. 3.1.  O fato gerador do Imposto de Exportação e a posição do Supremo Tribunal Federal e a do Superior Tribunal de Justiça O fato gerador do Imposto de Exportação é determinado pelo artigo 23 do Código Tributário Nacional. Eis sua redação: “Art. 23. O imposto, de competência da União, sobre a exportação, para o estrangeiro, de produtos nacionais ou nacionalizados tem como fato gerador a saída destes do território nacional.” Assim como na importação, há uma grande dificuldade em determinar o momento de ocorrência do fato gerador no tocante à exportação. Como se vê, o fato gerador do imposto é a saída de produtos nacionais ou nacionalizados do território nacional. No entanto, a constatação inequívoca do exato momento em que tais produtos transpõem a fronteira nacional (terrestre, aérea, marítima) é impossível. Daí que, no tocante à exportação, também é necessário identificar um momento certo e seguro de ocorrência do fato gerador. A legislação tributária tratou de resolver o entrave ao estabelecer no artigo 213 do Decreto 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro), o momento em que se aperfeiçoa o fato gerador do Imposto de Exportação. Eis o dispositivo: “Art. 213.  O imposto de exportação tem como fato gerador a saída da mercadoria do território aduaneiro (Decreto-Lei no 1.578, de 1977, art. 1o, caput).  Parágrafo único.  Para efeito de cálculo do imposto, considera-se ocorrido o fato gerador na data de registro do registro de exportação no Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX)” (Decreto-Lei no 1.578, de 1977, art. 1o, § 1o). Portanto, o momento de ocorrência do fato gerador dá-se com o registro de exportação no Sistema Integrado de Comércio Exterior. Cabem aqui as mesmas considerações tecidas quando do Imposto de Importação, no tocante à divisão entre fato gerador espacial ou material e fato gerador temporal. Assim, o fato gerador espacial ou material continua sendo a saída de produtos nacionais e nacionalizados do território nacional, já o fato gerador temporal se dá com o registro de exportação no Sistema Integrado de Comércio Exterior. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre a matéria, confirmando a validade do registro de exportação como fato gerador do Imposto de Exportação, afastando a retroatividade da majoração de alíquotas posterior ao registro. Nesse sentido: “EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO. FATO GERADOR. SISTEMA INTEGRADO DE COMÉRCIO EXTERIOR – SISCOMEX. ERRO MATERIAL. INEXISTÊNCIA. Exportação. Registro no sistema integrado de comércio exterior – SISCOMEX. Fato gerador. Ocorrência antes da edição das Resoluções 2112/94 e 2136/94, que majoraram a alíquota do tributo. Impossível a retroatividade desses diplomas normativos para alcançar as operações de exportação já registradas. Precedentes. Controvérsia acerca da existência de distinção entre Registro de Venda e Registro de Exportação. Erro material. Inexistência. Embargos de declaração rejeitados.[3]” No mesmo sentido se posicionou o Superior Tribunal de Justiça: “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO. FATO GERADOR. OCORRÊNCIA. REGISTRO DE VENDAS NO SISCOMEX. ANTERIORIDADE. PUBLICAÇÃO. RESOLUÇÃO DO BACEN. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO A SER SANADA. IMPOSSIBILIDADE DE PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS NO ÂMBITO DO RECURSO ESPECIAL. I – “A jurisprudência da Primeira Turma desta Corte pacificou entendimento no sentido de que o fato gerador do imposto de exportação sobre o açúcar é contado do registro de vendas no SISCOMEX e, sendo este anterior à publicação da Resolução do BACEN nº 2.163/95, deve-se incidir a alíquota de 2% e não a de 40% prevista na referida norma“. Este o teor do acórdão embargado que não contém qualquer omissão a ser sanada, relativa a não solução da controvérsia com fundamento em norma constitucional, na medida em que responsável o recurso especial pela garantia do direito federal, apenas. II – E, por isso mesmo, consoante cediço, não é o especial meio próprio ao prequestionamento de dispositivos constitucionais. III – Embargos de declaração rejeitados.[4]” Assim, pode-se afirmar que tanto o STF quanto o STJ entendem pela viabilidade da fixação do registro da exportação no SISCOMEX como marco temporal de ocorrência do fato gerador. 4. Imposto de Renda O Imposto de Renda tem seu delineamento constitucional no inciso III do artigo 153, da CF/88 e no inciso I do § 2º, do mesmo artigo. Seguem as respectivas redações: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: III – renda e proventos de qualquer natureza;(…) § 2º – O imposto previsto no inciso III: I – será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei;” O objeto da tributação é, então, manifestação de riqueza consubstanciada em renda ou proventos de qualquer natureza. O artigo 43 do Código Tributário Nacional regulamenta o dispositivo constitucional e ajuda na sua compreensão: “Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.” Portanto, a teor da previsão legal, renda é o produto do capital, como o dinheiro investido em empresas; o produto do trabalho, como a contraprestação oferecida pelo exercício de emprego; o produto da combinação de ambos, cujo melhor exemplo é o pró-labore pago aos sócios que exerçam alguma função na empresa. Proventos, por outro lado, será tudo que não caracterize renda, sendo que seu conceito é obtido por exclusão. Outra diferenciação necessária é a entre disponibilidade econômica e disponibilidade jurídica. A disponibilidade econômica ocorre quando, além de auferir renda, o contribuinte a recebe de forma efetiva. De outro lado, a disponibilidade jurídica ocorre quando o sujeito passivo aufere renda, contudo não a percebe de fato. O mestre Hugo de Brito Machado leciona que: “Recorde-se que a disponibilidade econômica é adquirida com o efetivo recebimento da renda. É a disponibilidade de fato, efetiva. Já a disponibilidade jurídica ocorre com o crédito, à disposição do sócio, de sua parte no lucro da pessoa jurídica.[5]” No entanto, a doutrina moderna aponta como marco diferenciador entre as duas espécies o fato de a renda ou provento terem sido obtidos em conformidade com o direito ou não. Assim, a disponibilidade econômica deriva de ganhos indiferentes ao direito, como de jogos de azar e prostituição. Já a disponibilidade jurídica decorre de atividades compatíveis com o direito De acordo com o dispositivo constitucional, o Imposto de Renda será informado pelos princípios da generalidade, da universalidade e da progressividade. A par de alguma divergência doutrinária, pode-se afirmar que o princípio da generalidade introduz a idéia de que todas as pessoas devem estar sujeitos à tributação pelo Imposto de Renda. Já a universalidade diz respeito às rendas e proventos, sendo que nenhum deles pode escapar à referida incidência. A progressividade está intimamente relacionada com o princípio da capacidade contributiva e ordena que, quanto maior for a manifestação de riqueza do contribuinte, maiores devem ser as alíquotas. O lançamento do Imposto de Renda deve se dar sob a sistemática da homologação, onde o sujeito passivo antecipa o pagamento, independentemente de prévio exame da autoridade administrativa. O contribuinte do referido tributo está determinado no artigo 45 do Código Tributário Nacional: “Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis. Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam.” O sujeito passivo do tributo será, em regra, aquele que possui a disponibilidade econômica ou jurídica disposta no artigo 43 do Código Tributário Nacional. A base de cálculo do referido imposto é disciplinada pelo artigo 44 do Código Tributário Nacional, sendo o montante, real, arbitrado, ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis. Ao contrário dos impostos analisados nos tópicos anteriores, o Imposto de Renda tem caráter nitidamente fiscal, o que significa que sua principal função é a de carrear recursos para o orçamento público. Para cumprir esse mister, o IR atende ao princípio da legalidade e anterioridade, estando desobrigado do atendimento ao princípio da noventena. 4.1. O Imposto de Renda e as verbas de natureza indenizatória A principal controvérsia relativa ao Imposto de Renda diz respeito à sujeição ou não das verbas de natureza indenizatória ao referido tributo. Como consabido, o Imposto de Renda incide apenas sobre o acréscimo patrimonial, consubstanciado em renda ou proventos. A indenização, contudo, corresponde a uma reparação do dano sofrido, de forma que, ao menos em tese, não enseja acréscimo patrimonial e, portanto, incidência de Imposto de Renda. Aderindo a esse entendimento, os Tribunais brasileiros consolidaram jurisprudência no sentido de que o Imposto de Renda não incide sobre verbas de caráter indenizatório, afirmação tão constantemente repetida que se tornou verdadeiro lugar-comum no meio forense. No entanto, há que se ter cautela com referida assertiva. Na realidade, nem sempre as verbas de caráter indenizatório não induzem acréscimo patrimonial. Veja-se o caso, por exemplo, da indenização dos lucros cessantes. O artigo 402 do Código Civil indica que lucro cessante é aquilo que o lesado razoavelmente deixou de lucrar. Em outras palavras, lucro cessante é a projeção de acréscimo patrimonial futuro, que não foi auferido em virtude da interrupção do desdobramento causal causada pelo ato ilícito. Dessa forma, não há como negar a incidência do Imposto de Renda sobre tais verbas, dado que cumprem com o quanto exigido pelo artigo 43 do Código Tributário Nacional, consistindo em acréscimo patrimonial. O mesmo ocorre quanto às indenizações por danos morais. É certo que representam uma reparação de um dano, no entanto, o dano reparado é de natureza extrapatrimonial. O numerário destinado à indenização do dano, portanto, não irá devolver patrimônio ilicitamente retirado do lesado, mas sim caracterizar ingresso novo de patrimônio e acréscimo patrimonial é fato gerador de IR. Dessa forma, inegável, também, incidência de Imposto de Renda sobre indenizações por dano moral. Outro caso destacado pela doutrina é o da indenização por danos emergentes que excede o valor do dano causado. Nesses casos, é lídima a tributação do valor excedente, eis que representa acréscimo patrimonial. O Superior Tribunal de Justiça referendou a tese aqui esposada, conforme pode-se depreender do seguinte julgado: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. REGIME TRIBUTÁRIO DAS INDENIZAÇÕES. PAGAMENTO DE ADICIONAL DE 1/3 SOBRE FÉRIAS INDENIZADAS. PRESCRIÇÃO. PRAZO PARA REPETIÇÃO DO INDÉBITO. MATÉRIA PACIFICADA. IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO PELO CONTRIBUINTE DE QUE NÃO HOUVE DEDUÇÃO NOS RECOLHIMENTOS NAS DECLARAÇÕES ANUAIS DE AJUSTE. FATO EXTINTIVO DO DIREITO DO AUTOR. ÔNUS DA PROVA. ORIENTAÇÃO SEDIMENTADA EM AMBAS AS TURMAS DA 1ª SEÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ALEGAÇÃO DE CUMPRIMENTO PARCIAL DA OBRIGAÇÃO OBJETO DA SENTENÇA EXEQÜENDA. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO. PRECEDENTE. 1. O imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador, nos termos do art. 43 e seus parágrafos do CTN, os “acréscimos patrimoniais”, assim entendidos os acréscimos ao patrimônio material do contribuinte. 2. O pagamento de indenização pode ou não acarretar acréscimo patrimonial, dependendo da natureza do bem jurídico a que se refere. Quando se indeniza dano efetivamente verificado no patrimônio material (= dano emergente), o pagamento em dinheiro simplesmente reconstitui a perda patrimonial ocorrida em virtude da lesão, e, portanto, não acarreta qualquer aumento no patrimônio. Todavia, ocorre acréscimo patrimonial quando a indenização (a) ultrapassar o valor do dano material verificado (= dano emergente), ou (b) se destinar a compensar o ganho que deixou de ser auferido (= lucro cessante), ou (c) se referir a dano causado a bem do patrimônio imaterial (= dano que não importou redução do patrimônio material). 3. Precedentes: REsp 782.646/PR, Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 05.12.2005; AgRg no Ag 672.779/SP, Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 26.09.2005; REsp 671.583/SE, Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 21.11.2005; e REsp 706.817/RJ, Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ 28.11.2005. 4. O pagamento feito pelo empregador a seu empregado, a título de adicional de 1/3 sobre férias indenizadas está beneficiado por isenção. Com efeito, a lei isenta de imposto de renda “a indenização (…) por despedida ou rescisão de contrato de trabalho, até o limite garantido pela lei trabalhista ou por dissídio coletivo e convenções trabalhistas homologados pela Justiça do Trabalho” (art. 39, XX do RIR, aprovado pelo Decreto 3.000/99 e art. 6º, V, da Lei 7.713/88), o que sustenta o entendimento da Súmula 125/STJ, segundo a qual o pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço não esta sujeito a incidência do imposto de renda.(…)[6]” Impende destacar que a determinação pelo legislador do CTN da aquisição de disponibilidade de renda e proventos como fato gerador do IR, não confere ao legislador infraconstitucional e ao intérprete a possibilidade de dar a amplitude que bem entender ao conceito de renda, de modo a estender a outras situações que não a aquisição patrimonial. Nesse sentido, as palavras de Leandro Paulsen: “O conceito de renda não está à disposição do legislador infraconstitucional. A extensão dos termos “renda” e “proventos de qualquer natureza” dá o contorno do que pode ser tributado e do que não pode ser tributado a tal título. De fato, na instituição do imposto de renda e proventos de qualquer natureza, o legislador ordinário não pode extrapolar a amplitude de tais conceitos, sob pena de inconstitucionalidade.”[7] Superadas as considerações a respeito do Imposto de Renda, parte-se para a análise do Imposto sobre Produtos Industrializados. 5. Imposto sobre Produtos Industrializados O IPI, a despeito de certa divergência doutrinária, é classificado como imposto extrafiscal, ou seja, sua principal finalidade não é arrecadação tributária, mas sim de regulação, incentivando determinados setores da economia, ou estimulando ou desestimulando o consumo de produtos. Apesar da sua caracterização como imposto extrafiscal, o IPI é responsável pela segunda maior arrecadação no plano federal, estando atrás apenas do Imposto de Renda. O Imposto sobre Produtos Industrializados é uma exceção ao princípio da legalidade, dado que é possível alterar sua alíquota por meio de Decreto do Poder Executivo. Dado seu caráter extrafiscal, também não se sujeita ao princípio da anterioridade, podendo ser exigido no mesmo exercício financeiro de sua majoração ou criação. Por outro lado, desde a Emenda Constitucional nº 42/2003, referido imposto está sujeito ao princípio da noventena, não podendo ser exigido antes de decorrido noventa dias de sua criação ou majoração. Aliás, recentemente, o Supremo Tribunal suspendeu, em caráter liminar, decreto que aumentara o IPI para carros importados em trinta pontos percentuais. O fundamento da decisão foi, justamente, o desrespeito ao princípio da noventena. O fato gerador do imposto está delineado no artigo 46 do Código Tributário Nacional, cuja redação é a seguinte: “Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador: I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51; III – a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão. Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.” Já os contribuintes estão enumerados no artigo 51 do CTN. Eis o teor do dispositivo:  “Art. 51. Contribuinte do imposto é: I – o importador ou quem a lei a ele equiparar; II – o industrial ou quem a lei a ele equiparar; III – o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior; IV – o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão. Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se contribuinte autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante.” A base de cálculo é dada pelo artigo 47, que aduz: “Art. 47. A base de cálculo do imposto é: I – no caso do inciso I do artigo anterior, o preço normal, como definido no inciso II do artigo 20, acrescido do montante: a) do imposto sobre a importação; b) das taxas exigidas para entrada do produto no País; c) dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele exigíveis; II – no caso do inciso II do artigo anterior: a) o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria; b) na falta do valor a que se refere a alínea anterior, o preço corrente da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente; III – no caso do inciso III do artigo anterior, o preço da arrematação.” O lançamento do aludido tributo se dá por homologação, sendo que o contribuinte antecipa o pagamento, sob ulterior análise por parte da autoridade administrativa. O IPI é, ainda, seletivo, o que significa que a incidência tributária variará de acordo com a essencialidade do produto. Assim, produtos essenciais terão alíquotas menores ou nulas, enquanto produtos supérfluos terão pesadas alíquotas. Referida técnica tem por objetivo fazer com que a tributação esteja vinculada à capacidade contributiva do sujeito passivo. Por fim, está sujeito ao princípio da não-cumulatividade, gerador de profundas controvérsias no âmbito doutrinário e jurisprudencial. 5.1. O princípio da não-cumulatividade e as operações desoneradas O princípio da não-cumulatividade é aplicável ao IPI, ao ICMS, aos impostos residuais da União e a determinadas contribuições sociais, estando disciplinado constitucionalmente no inciso II, do § 3º do artigo 153. Caracteriza-se por ser uma técnica de tributação aplicada a impostos que atuam sobre cadeias de circulação e produção, fazendo com que o imposto incida apenas sobre o valor agregado nas sucessivas operações. Pretende-se, com isso, arrefecer o ônus tributário sobre o consumidor final, tornando palatável a incidência do imposto. Nas palavras de Luciano Amaro: “A não-cumulatividade obriga a que o tributo, plurifásico, incidente em sucessivas operações, seja apurado sobre o valor agregado em cada uma delas, ou (no sistema adotado em nossa legislação) seja compensado com o que tenha incidido nas operações anteriores.[8]” A não-cumulatividade opera através de uma sistemática de créditos e débitos. O adquirente, ao pagar o tributo na operação de entrada, credita-se do valor despendido. Quando da saída da mercadoria, que caracteriza o fato gerador do tributo de que é sujeito passivo, pode o alienante utilizar-se do crédito anteriormente adquirido para abater do valor a ser pago nesta segunda operação. A controvérsia instaurada no âmbito dos Tribunais diz respeito às operações desoneradas, tanto na entrada quanto na saída. 5.1.1 Entradas desoneradas A entrada desonerada acontece quando, na aquisição, ocorre isenção, não-incidência ou alíquota zero. A isenção ocorre naquelas situações onde há, normalmente, o fato gerador e a correspondente obrigação tributária, ou seja, a norma tributária incide regularmente. Ocorre que o legislador exclui o lançamento do crédito e sua posterior cobrança. É, portanto, uma dispensa de pagamento do imposto. A não-incidência, por sua vez, diz respeito aquelas situações de fato não abrangidas pela norma tributária impositiva, onde a norma não incide simplesmente porque não houve subsunção do fato à norma. A situação denominada alíquota zero ocorre quando o legislador atribui valor nulo à alíquota, gerando total inexpressividade econômica ao tributo. Em todos esses casos, intuitivamente, chega-se à conclusão de que não deveria haver direito de crédito, eis que o sujeito passivo não pagou nada de imposto na operação de entrada. Então, como poderia se creditar de algo que não pagou? Apesar da clareza do entendimento, é forçoso ressaltar que o Supremo Tribunal Federal entendeu durante certo tempo que deveria haver a manutenção do direito de crédito, sob o argumento de que sua exclusão inviabilizaria a repercussão na cadeia do incentivo dado pelo legislador. A idéia era a de que a isenção dada pelo governo seria absorvida pelos intermediários na cadeia, não alcançando o contribuinte de fato. No entanto, recentemente, o Supremo Tribunal Federal vem entendendo que a desoneração na entrada do produto não enseja o direito ao crédito do IPI, conforme demonstra o seguinte julgado: “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IPI. CREDITAMENTO. AQUISIÇÃO DE INSUMOS FAVORECIDOS PELA ALÍQUOTA-ZERO, NÃO-TRIBUTAÇÃO E ISENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não há direito à utilização de créditos do IPI na aquisição de insumos não-tributados, isentos ou sujeitos à alíquota zero. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.[9]” O raciocínio engendrado é no sentido de que o creditamento de valores não pagos ofende o princípio da não-cumulatividade, que demanda que o tributo seja pago nas operações anteriores para ser compensando com o a ser pago nas operações subseqüentes. Analisada a situação referente à entrada desonerada, cabe tratar, ainda, da hipótese de saída desonerada.  5.1.2. Saídas desoneradas As saídas desoneradas ocorrem quando a operação de alienação do produto é livre da incidência do imposto. Assim, o sujeito passivo adimple regularmente com a obrigação de pagar o IPI na aquisição do insumo, no entanto, é desonerado do dever de pagar o imposto na saída do produto. Dessa forma, cabe questionar quanto ao direto ao crédito decorrente do pagamento do imposto na operação de entrada do insumo. É possível a manutenção desse crédito? Novamente, o princípio da não-cumulatividade dá a resposta a esse questionamento. É intuitiva a necessidade de que haja pagamento de imposto na operação de entrada e também na de saída do produto, sendo que a desoneração em qualquer das operações torna impossível a sistemática de creditamento. É o que a doutrina e a jurisprudência denominam de tese da dupla incidência ou dupla oneração tributária. O Supremo Tribunal Federal encampou a tese aqui exposta de maneira integral, o que, aliás, vai ao encontro do que disposto constitucionalmente no tocante ao ICMS, imposto que guarda as mesmas peculiaridades do IPI (art. 155, § 2º, II, b, CF/88). Nesse sentido, julgado do STF: “EMENTA: IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI. INSUMOS OU MATÉRIAS PRIMAS TRIBUTADOS. SAÍDA ISENTA OU SUJEITA À ALÍQUOTA ZERO. ART. 153, § 3º, INC. II, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ART. 11 DA LEI N. 9.779/1999. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. DIREITO AO CREDITAMENTO: INEXISTÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 1. Direito ao creditamento do montante de Imposto sobre Produtos Industrializados pago na aquisição de insumos ou matérias primas tributados e utilizados na industrialização de produtos cuja saída do estabelecimento industrial é isenta ou sujeita à alíquota zero. 2. A compensação prevista na Constituição da República, para fins da não cumulatividade, depende do cotejo de valores apurados entre o que foi cobrado na entrada e o que foi devido na saída: o crédito do adquirente se dará em função do montante cobrado do vendedor do insumo e o débito do adquirente existirá quando o produto industrializado é vendido a terceiro, dentro da cadeia produtiva. 3. Embora a isenção e a alíquota zero tenham naturezas jurídicas diferentes, a consequência é a mesma, em razão da desoneração do tributo. 4. O regime constitucional do Imposto sobre Produtos Industrializados determina a compensação do que for devido em cada operação com o montante cobrado nas operações anteriores, esta a substância jurídica do princípio da não cumulatividade, não aperfeiçoada quando não houver produto onerado na saída, pois o ciclo não se completa. 5. Com o advento do art. 11 da Lei n. 9.779/1999 é que o regime jurídico do Imposto sobre Produtos Industrializados se completou, apenas a partir do início de sua vigência se tendo o direito ao crédito tributário decorrente da aquisição de insumos ou matérias primas tributadas e utilizadas na industrialização de produtos isentos ou submetidos à alíquota zero. 6. Recurso extraordinário provido.[10]” Portanto, a consequência, diante da impossibilidade de aplicação do princípio da não-cumulatividade, será o cancelamento do crédito relativo à operação de entrada. Impende destacar, como evidenciado no acórdão supra, que nada impede que a legislação venha a estabelecer expressamente a possibilidade de manutenção do crédito, como de fato ocorreu com o artigo 11 da Lei nº 9.779/1999. O que se impede é que o direito ao creditamento decorra de exegese dos dispositivos constitucionais já interpretados pelo STF, no sentido do cancelamento de eventuais créditos. A prerrogativa de não cancelamento dos créditos caracteriza um incentivo oferecido lidimamente pelo legislador, a par do regramento constitucional existente. A conclusão que se chega é a de que o direito ao crédito do IPI, de acordo com a Constituição Federal, ocorre apenas nos casos de entrada e saída oneradas, sendo que, fora desses casos, é necessário previsão expressa de lei conferindo referido incentivo. 6. Imposto sobre Operações Financeiras O Imposto sobre Operações Financeiras tem caráter nitidamente extrafiscal, posto que tem por finalidade precípua regular o mercado financeiro, por meio da diminuição de alíquotas, que enseja a aceleração da economia, ou por meio do recrudescimento de tais alíquotas, gerando diminuição da movimentação financeira. Em face de tal característica segue a mesma tendência dos demais impostos extrafiscais, como o Imposto de Importação e o Imposto de Exportação, na medida em que excepciona os princípios da legalidade, anterioridade e noventena. Tem por fato gerador a movimentação financeira em sentido amplo, que é delineada pelo artigo 63 do Código Tributário Nacional, cuja redação é a seguinte: “Art. 63. O imposto, de competência da União, sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários tem como fato gerador: I – quanto às operações de crédito, a sua efetivação pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado; II – quanto às operações de câmbio, a sua efetivação pela entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este; III – quanto às operações de seguro, a sua efetivação pela emissão da apólice ou do documento equivalente, ou recebimento do prêmio, na forma da lei aplicável; IV – quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários, a emissão, transmissão, pagamento ou resgate destes, na forma da lei aplicável. Parágrafo único. A incidência definida no inciso I exclui a definida no inciso IV, e reciprocamente, quanto à emissão, ao pagamento ou resgate do título representativo de uma mesma operação de crédito.” A base de cálculo do imposto é dada pelo artigo 64, que aduz: “Art. 64. A base de cálculo do imposto é: I – quanto às operações de crédito, o montante da obrigação, compreendendo o principal e os juros; II – quanto às operações de câmbio, o respectivo montante em moeda nacional, recebido, entregue ou posto à disposição; III – quanto às operações de seguro, o montante do prêmio; IV – quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários: a) na emissão, o valor nominal mais o ágio, se houver; b) na transmissão, o preço ou o valor nominal, ou o valor da cotação em Bolsa, como determinar a lei; c) no pagamento ou resgate, o preço.” Os contribuintes, a teor do artigo 66 do Código Tributário Nacional serão quaisquer das partes na operação sujeita à tributação. 6.1. O IOF e a Súmula 664 do STF Dispõe a Súmula 664 do STF que: “É inconstitucional o inciso V do art. 1º da Lei 8.033/1990, que instituiu a incidência do imposto nas operações de crédito, câmbio e seguros – IOF sobre saques efetuados em caderneta de poupança.” Referido entendimento sumular veio a pôr fim a uma profunda controvérsia no tocante à aplicação do inciso V do artigo 1º da Lei 8.033/1990, cuja redação permitia a incidência do IOF sobre saques efetuados em cadernetas de poupança. Recentemente, em 2007, o Senado Federal através da Resolução nº 28/2007 suspendeu a eficácia do referido dispositivo, usando da atribuição conferida pelo artigo 52, X, da CF/88. O fundamento para declaração de inconstitucionalidade por parte do STF consistiu, basicamente, na não subsunção do saque em caderneta de poupança às situações descritas no inciso V do artigo 153, da CF/88, e no artigo 63 do Código Tributário Nacional, caracterizando, portanto, o fenômeno da não-incidência. A não-incidência, como se viu, ocorre quando a situação de fato não se subsume à norma tributária impositiva. Das situações configuradoras do fato gerador do IOF, as únicas que poderiam se aproximar do saque em caderneta de poupança são as do inciso I e IV do artigo 63 do CTN, quais sejam, operações de crédito e operações relativas a títulos e valores mobiliários, a emissão, transmissão, pagamento ou resgate destes. Mesmo assim, as mesmas não se confundem como bem explica o Ministro Ilmar Galvão, relator do RE 232467: “O saque em conta de poupança, por não conter promessa de prestação futura e, ainda, por não se revestir de propriedade circulatória, nem, tampouco, configurando título destinado a assegurar a disponibilidade dos valores por ele representados, é fora de dúvida que não pode ser compreendido no conceito de operação de crédito nem no de operação relativa a títulos ou valores mobiliários, cuja emissão, transmissão, pagamento ou resgate possa configurar ato jurídico afeiçoado a qualquer das hipóteses de incidência do IOF.[11]” Sendo assim, a exigência de tributo sobre o saque em caderneta de poupança somente seria possível caso fosse criado imposto residual, de competência da União, desde que fosse não-cumulativo e não tivesse fato gerador ou base de cálculo próprios dos impostos discriminados na CF, a teor do artigo 154, I, da Constituição de 1988. Segue decisão do STF, reforçando a tese aqui exposta: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IOF. SAQUES EFETUADOS EM CADERNETAS DE POUPANÇA. Lei 8.033/90, art. 1º, V. TRANSMISSÃO DE AÇÕES DE COMPANHIAS ABERTAS E DAS CONSEQÜENTES BONIFICAÇÕES EMITIDAS: Lei 8.033/90, art. 1º, IV. I. – Inconstitucionalidade do inc. V do art. 1º da Lei 8.033/90, que instituiu a incidência do IOF nos saques efetuados em cadernetas de poupança: RE 232.467-SP, Galvão, Plenário, 29.9.99, “DJ” de 12.5.2000. II. – Incidência do IOF sobre a transmissão de ações de companhias abertas e das conseqüentes bonificações emitidas: Lei nº 8.033/90, art. 1º, IV. No ponto, omitiu-se o acórdão embargado, dado que o Supremo Tribunal Federal ainda não se pronunciou a respeito. Embargos de declaração acolhidos, nesta parte, a fim de ser o RE levado à apreciação do Plenário. III. – Embargos de declaração acolhidos, em parte.[12]”  Superada a análise do Imposto sobre Operações Financeiras, passa-se ao deslinde do Imposto Territorial Rural. 7. Imposto Territorial Rural O ITR é um imposto de função predominantemente extrafiscal. Tem por finalidade adequar a utilização da propriedade rural à sua função social. Bem por isso, tem como característica a progressividade, que levará em conta o tamanho da propriedade e seu grau de utilização. Sua base de cálculo, a teor do artigo 30 do CTN, é o valor fundiário. Valor fundiário é o valor da terra nua, ou seja, o valor do imóvel menos os valores relativos a construções, instalações e benfeitorias; culturas permanentes e temporárias; pastagens cultivadas e melhoradas; e florestas plantadas (I, §1º, art. 10 da Lei 9.393/1996). Isso contribui para a extrafiscalidade do imposto, eis que o incremento produzido na propriedade rural não aumentará a base de cálculo, não gerando o deletério efeito de aumentar o tributo para aqueles que trabalham a terra e garantem sua função social. Assim, o fato de alguém agregar riqueza à terra não interfere na base de cálculo do imposto, dado que apenas é considerado o valor da terra nua. O fato gerador do ITR é, segundo o artigo 20 do CTN, a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localizada fora da zona urbana do Município. Sobre a expressão “como definido na lei civil”, impende ressaltar que a maioria da doutrina entende que deve ser considerada a lei civil reguladora da matéria à época da edição do Código Tributário Nacional. Nesse sentido, a despeito da ausência de conceituação no atual Código Civil, não haveria prejuízo algum, posto que a lacuna restaria preenchida pelo Código Civil de 1916. De acordo com o art. 43 do CC/16, imóveis por natureza são “o solo com a sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo”. É forçoso concluir que a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóveis por acessão física, acessão intelectual e por determinação legal não constituem fato gerador do Imposto Territorial Rural. O lançamento dar-se-á, como na maioria dos tributos, por homologação, sendo o sujeito passivo responsável por antecipar o pagamento do tributo, sem prévio exame da autoridade administrativa. De grande importância é o fato de que, a despeito de ser imposto extrafiscal, o Imposto Territorial Rural não segue a sistemática adotada pelos impostos aduaneiros e pelo IPI, de forma que deve respeito integral aos princípios da legalidade, anterioridade e noventena. Cabe destacar, ainda, a novidade trazida pela Emenda Constitucional 42/03, que autoriza a delegação aos Municípios da prerrogativa de fiscalização e cobrança do ITR em seus territórios, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal. O contribuinte do ITR será, conforme aduz o artigo 31 do CTN, o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título. 7.1. O ITR e a Invasão de Imóveis Rurais pelo Movimento dos Sem Terra Fato recorrente no cenário agrário brasileiro é a invasão de propriedades rurais por movimentos de sem-terra. Consumada a invasão, remanesce a questão: é possível incidir ITR sobre a propriedade, a posse e o domínio útil de tais terras durante o prazo em que o imóvel permanecer invadido. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se consolidou no sentido da impossibilidade de cobrança de ITR, baseando-se, fundamentalmente, na assertiva de que a tomada da posse por parte dos sem-terra inviabiliza o exercício dos poderes relativos ao domínio, o que de certa forma, descaracterizaria até mesmo a propriedade, visto que a definição de propriedade é fundada justamente no exercício de tais prerrogativas. Com efeito, eis o artigo 1.228 do Código Civil: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.” Outro argumento em amparo à tese abraçada pelo STJ é o de que caracterizaria atentado à boa-fé e ao mandamento do venire contra factum proprium o fato de o Poder Público cruzar os braços ao ver o proprietário tendo esvaziado seu direito de propriedade e, inobstante, cobrar-lhe imposto sobre essa mesma propriedade. Pela sua clareza meridiana, colaciona-se acórdão do Superior Tribunal de Justiça que trata da matéria: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. ITR. IMÓVEL INVADIDO POR INTEGRANTES DE MOVIMENTO DE FAMÍLIAS SEM-TERRA. AÇÃO DECLARATÓRIA. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. FATO GERADOR DO ITR. PROPRIEDADE. MEDIDA LIMINAR DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE NÃO CUMPRIDA PELO ESTADO DO PARANÁ. INTERVENÇÃO FEDERAL ACOLHIDA PELO ÓRGÃO ESPECIAL DO TJPR. INEXISTÊNCIA DE HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. PERDA ANTECIPADA DA POSSE SEM O DEVIDO PROCESSO DE DESAPROPRIAÇÃO. ESVAZIAMENTO DOS ELEMENTOS DA PROPRIEDADE. DESAPARECIMENTO DA BASE MATERIAL DO FATO GERADOR. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA BOA-FÉ OBJETIVA. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacífico de que se aplica o prazo prescricional do Decreto 20.910/1932 para demanda declaratória que busca, na verdade, a desconstituição de lançamento tributário (caráter constitutivo negativo da demanda). 3. O Fato Gerador do ITR é a propriedade, o domínio útil, ou a posse, consoante disposição do art. 29 do Código Tributário Nacional. 4. Sem a presença dos elementos objetivos e subjetivos que a lei, expressa ou implicitamente, exige ao qualificar a hipótese de incidência, não se constitui a relação jurídico-tributária. 5. A questão jurídica de fundo cinge-se à legitimidade passiva do proprietário de imóvel rural, invadido por 80 famílias de sem-terra, para responder pelo ITR. 6. Com a invasão, sobre cuja legitimidade não se faz qualquer juízo de valor, o direito de propriedade ficou desprovido de praticamente todos os elementos a ele inerentes: não há mais posse, nem possibilidade de uso ou fruição do bem. 7. Direito de propriedade sem posse, uso, fruição e incapaz de gerar qualquer tipo de renda ao seu titular deixa de ser, na essência, direito de propriedade, pois não passa de uma casca vazia à procura de seu conteúdo e sentido, uma formalidade legal negada pela realidade dos fatos. 8. Por mais legítimas e humanitárias que sejam as razões do Poder Público para não cumprir, por 14 anos, decisão judicial que determinou a reintegração do imóvel ao legítimo proprietário, inclusive com pedido de Intervenção Federal deferido pelo TJPR, há de se convir que o mínimo que do Estado se espera é que reconheça que aquele que – diante da omissão estatal e da dramaticidade dos conflitos agrários deste Brasil de grandes desigualdades sociais – não tem mais direito algum não pode ser tributado por algo que só por ficção ainda é de seu domínio. 9. Ofende o Princípio da Razoabilidade, o Princípio da Boa-Fé Objetiva e o bom senso que o próprio Estado, omisso na salvaguarda de direito dos cidadãos, venha a utilizar a aparência desse mesmo direito, ou o resquício que dele restou, para cobrar tributos que pressupõem a sua incolumidade e existência nos planos jurídico (formal) e fático (material). 10. Irrelevante que a cobrança do tributo e a omissão estatal se encaixem em esferas diferentes da Administração Pública. União, Estados e Municípios, não obstante o perfil e personalidade próprios que lhes conferiu a Constituição de 1988, são parte de um todo maior, que é o Estado brasileiro. Ao final das contas, é este que responde pela garantia dos direitos individuais e sociais, bem como pela razoabilidade da conduta dos vários entes públicos em que se divide e organiza, aí se incluindo a autoridade tributária. 11. Na peculiar situação dos autos, considerando a privação antecipada da posse e o esvaziamento dos elementos da propriedade sem o devido processo de Desapropriação, é inexigível o ITR ante o desaparecimento da base material do fato gerador e a violação dos Princípios da Razoabilidade e da Boa-Fé Objetiva. 12. Recurso Especial parcialmente provido somente para reconhecer a aplicação da prescrição qüinqüenal.[13]”  Pelo exposto, conclui-se pela impossibilidade de cobrança de ITR sobre propriedades invadidas por movimentos de sem-terra. 8. Imposto sobre Grandes Fortunas O IGF tem seu fundamento constitucional no artigo 153, VII, da CF/88, que confere à União a competência para instituir imposto sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar. A despeito da previsão constitucional, referido tributo ainda não implementado, muito provavelmente por falta de vontade política, já que ele mexe com o bolso dos poderosos. Criticas à parte, a controvérsia que circunda esse imposto é justamente no tocante à sua criação. Ocorre que a menção, no dispositivo constitucional, à lei complementar suscita divergências. Uns entendem que a expressão “nos termos de lei complementar” é indicativa da necessidade de uma lei que preveja normas gerais sobre o tributo, sendo que sua criação efetiva ficaria por conta de uma lei ordinária. Outra parte da doutrina entende que a alusão à lei complementar seria inócua caso apenas determinasse que a lei complementar dispusesse sobre normas gerais, eis que isso ocorre com todos os outros impostos sem a necessidade de que um dispositivo constitucional determine a cada um deles, individualmente, essa obrigatoriedade. Assim, como a lei não contém palavras inúteis, essa menção à lei complementar indicaria que o tributo seria efetivamente criado por uma lei complementar. Diante da divergência doutrinária, é possível observar uma preponderância da segunda corrente. 9. Considerações Finais Não são poucas as incongruências encontradas no Sistema Tributário Nacional, mais especificamente no tema dos tributos federais. Por motivos didáticos, optou-se pela análise dos mais relevantes e correntes pontos de digressão da doutrina e jurisprudência nacionais, mas muitos outros problemas podem ser encontrados por aqueles que trabalham ou estudam a temática dos impostos federais. Tais imperfeições fazem com que os aplicadores do direito deixem de se concentrar na subsunção do fato à norma, para discutirem teses jurídicas intrincadas, na tentativa de conferir maior grau coerência e coesão ao sistema. Isso ocasiona multiplicação de processos e morosidade e, ainda, a possibilidade de decisões díspares sobre casos iguais, o que afronta a razoável duração do processo e a isonomia. Merece destaque, nesse sentido, o trabalho da doutrina e jurisprudência nacionais no sentido de colmatar lacunas e corrigir distorções, contribuindo para um sistema mais hígido e célere. Fica patente, também, a necessidade de empenho do Poder legiferante no sentido de uma produção legislativa mais técnica, bem como na reforma do Sistema Tributário Nacional, notoriamente defasado e ineficaz. Isso contribuiria para uma tributação mais eficaz para o Fisco e mais justa para o contribuinte.
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Apesar de amplo posicionamento contrário, farmácias de manipulação são contribuintes do ICMS
Trata-se da polêmica existente no Direito Tributário sobre qual imposto deve incindir sobre a atividade das farmácias de manipulação. Apesar da grande maioria entender ser cabível o ISS, mostraremos o posicionamento oposto, da incidência do ICMS
Direito Tributário
1. Introdução Uma das maiores polêmicas no Direito Tributário  atualmente, é a questão da tributação nas farmácias de manipulação. Existem posicionamentos a favor do ISS e do ICMS, alimentados pela complexidade desta atividade. A questão é das mais relevantes, haja vista que muitas farmácias tem sido vítimas de verdadeira extorsão praticada pelo ente incompetente para trituta-las (ao nosso ver, Municípios), que lança o tributo, executa, penhora e vai até as últimas consequencias para saciar o seu afã arrecadatório. Tal instabilidade tem gerado tantos transtornos ao ponto de, felizmente o STF já ter reconhecido a sua Repercussão Geral no RE 605.552/RS, aprovado por unanimidade pelo plenário virtual da Corte. Enquanto o Supremo não decidir o mérito da questão, o cenário de insegurança jurídica e da guerra entre Estados e Municípios só terá uma vítima: o contribuinte. 2. Análise da polêmica O terreno de extrema instabilidade gerado pelos Fiscos Estadual e Municipal está gerando um verdadeiro caos jurídico para as empresas atuantes nesta atividade.  O art. 156, III, a Constituição traz a seguinte regra: “Compete aos Municípios instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar” (grifamos). A alegação dos Municípios se deve ao argumento de que os consumidores, ao procurarem uma farmácia de manipulação buscam serviços de produção personalizada de medicamento ou cosmético, levando uma determinada fórmula e obtendo o resultado do serviço, sendo portanto uma obrigação de fazer, uma vez que o farmacêutico vai dedicar a sua atividade intelectual para produzir algo que até então não existia estado configurado o fato gerador do ISS. Outro argumento é a previsão “expressa” no lista anexa da Lei Complementar 116/2003, no subitem 4.07, que tem em sua redação “serviços farmacêuticos”, estando os serviços de farmácia de manipulação inseridos como serviços farmacêuticos. Quando trata do ICMS, a Constituição traz a seguinte regra no art. 155, II:  “compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre operações relatiavas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transportes interestadual, e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior” (grifamos). Os Estados, obviamente, tem um posicionamento diverso, alegando que, o que o consumidor busca, na verdade não é um serviço, pois para ele pouco importa como será fabricado o produto, tampouco se este já existia previamente ou não, sendo por isso mera circulação de mercadoria, configurando o fato gerador de ICMS. Diante deste “carnaval tributário”[1] ambos os entes cobram seus respectivos impostos da forma como bem entendem, e o contribuinte (sobretudo o microempresário) se vê diante inúmeras cobranças, é coagido pelas inúmeras multas que, sendo devidas ou não, são cobradas tendo este apenas duas opões a adotar: a) Trabalhar somente para pagar impostos, sob pena de sofrer toda a sorte de sanções, inclusive de por em risco a continuidade da própria empresa; ou b) “Escolher” o imposto que vai pagar, sendo devido ou não, e, consequentemente o imposto que vai deixar de pagar e “contar com a sorte”, literalmente. O STJ já teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema, e assim o fez no Resp 881038/RS e assim decidiu: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. DELIMITAÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA ENTRE ESTADOS E MUNICÍPIOS. ICMS E ISSQN. CRITÉRIOS. SERVIÇOS FARMACÊUTICOS. MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS. SERVIÇOS INCLUÍDOS NA LISTA ANEXA À LC 116/03. INCIDÊNCIA DE ISSQN. 1. Segundo decorre do sistema normativo específico (art. 155, II, § 2º, IX, b e 156, III da CF, art. 2º, IV da LC 87/96 e art. 1º, § 2º da LC 116/03), a delimitação dos campos de competência tributária entre Estados e Municípios, relativamente a incidência de ICMS e de ISSQN, está submetida aos seguintes critérios: (a) sobre operações de circulação de mercadoria e sobre serviços de transporte interestadual e internacional e de comunicações incide ICMS; (b) sobre operações de prestação de serviços compreendidos na lista de que trata a LC 116/03, incide ISSQN; e (c) sobre operações mistas, assim entendidas as que agregam mercadorias e serviços, incide o ISSQN sempre que o serviço agregado estiver compreendido na lista de que trata a LC 116/03 e incide ICMS sempre que o serviço agregado não estiver previsto na referida lista. Precedentes de ambas aTurmas do STF. 2. Os serviços farmacêuticos constam do item 4.07 da lista anexa à LC 116/03 como serviços sujeitos à incidência do ISSQN. Assim, a partir da vigência dessa Lei, o fornecimento de medicamentos manipulados por farmácias, por constituir operação mista que agrega necessária e substancialmente a prestação de um típico serviço farmacêutico, não está sujeita a ICMS, mas a ISSQN. 3. Recurso provido” (grifamos). Como pudemos observar, o STJ se posicionou pela incidência de ISS, com o argumento da “previsão” da lista anexa da LC 116/03. Data máxia vênia, o argumento de que há previsão de tributação de ISS sobre farmácia de manipulação é superficial, e de fato induz a erro, mas não resiste (com o máximo respeito a opiniões contrárias) a uma análise mais profunda e histórica da controvérsia. Felizmente, como adiantado anteriormente, o STF no RE 605.552/RS reconheceu a Repercussão Geral com o seguinte argumento para o reconhecimento: “Tributário. ISS. ICMS. Farmácias de manipulação. Fornecimento de medicamentos manipulados. Hipótese de incidência. Repercussão geral. 1. Os fatos geradores do ISS e do ICMS nas operações mistas de manipulação e fornecimento de medicamentos por farmácias de manipulação dão margem a inúmeros conflitos por sobreposição de âmbitos de incidência. Trata-se, portanto, de matéria de grande densidade constitucional. 2. Repercussão geral reconhecida (grifamos). Enquando o STF não julgar o mérito da questão, os empresários deste tipo de atividade permanecerão sob esta “neblina jurídica”, já que a comunidade jurídica em geral não dá sinais de proximidade de um consenso. 3. Da competência para regular serviços farmacêuticos Em 1960, foi editada a Lei 3820/60, que criou o Conselho Federal de Farmácia “destinados a zelar pela fiel observância dos princípios da ética e da disciplina da classe dos que exercem atividades profissionais farmacêuticas no País” (art. 1º) e com a atribuição de “expedir as resoluções que se tornarem necessárias para a fiel interpretação e execução da presente lei” (art. 6º, g). Posteriormente, com a EC 19/98, que incluiu no art. 37 caput da Constituição Federal de 1988 o Princípio da Eficiência, a administração pública de modo geral foi descentralizando diversas atividades e criando autarquias (na figura das Agências Reguladoras) para prover um serviço especializado de cada atividade. No âmbito das farmácias, é notório que estas estão sob a regulamentação, subordinação e supervisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, autarquia criada sob regime especial, criada pela Lei 9782/99, vinculado ao Ministério da Saúde (art. 3º), e é através da ANVISA e do próprio Ministério da Saúde que a União exerce sua competência (art. 2º, §1º, incisos I e II) e seu Poder Regulamentar[2]. Tendo a prerrogativa de ser autarquia sob regime especial, José Maria Pinheiro Madeira explica que esta possui as seguintes prerrogativas: “1º) poder normativo técnico; 2º) autonomia decisória; 3º) independência administrativa; e 4º)autonomia político-financeira[i] (grifamos). Sobre a primeira característica do regime especial, José dos Santos Carvalho Filho define como que o “poder normativo técnico indica que essas autarquias[3] recebem das respectivas leis delegação para editar normas técnicas (não as normas básicas de política legislativa) complementares de caráter geral, retratando poder regulamentar mais amplo, porquanto tais normas se introduzem no ordenamento jurídico como direito novo” (grifamos). A prerrogativa de poder normativo técnico está confirmada na própria Lei 9782/99, no art. 7º, incisos III, XVIII e XIX, sendo estes dois últimos na atuação das farmácias. Por isso, não há ninguém na Administração Pública mais habilitada legalmente que o Conselho Federal de Farmácia e a ANVISA para, como diz o próprio art. 7º, III, “estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária” (grifamos). O Conselho Federal de Farmácia, dispôs sobre os serviços farmacêuticos na Resolução nº 499, de 17 de dezembro de 2008. Na citada resolução, no art. 1º, § 1º, incisos I a X, o Conselho Federal de Farmácia – CFF estabelece o rol de atividades que são serviços farmacêuticos, estando fora deste rol, a atividade de farmácia de manipulação, não sendo esta, portando um serviço farmacêutico, e por isso mesmo fora da abrangência da LC 116/03, no item 4.07 da Lista de Serviços Anexa, como será melhor demonstrado a seguir. Conclui-se então que, se a competência para regular os serviços farmacêuticos é da ANVISA e do CFF, logo o ato adminsitrativo de lançamento de ISS por parte dos Municípios está contaminado com o vício de competência. Se quisesse o legislador tributar a manipulação de medicamentos, pelo respeito ao Princípio da Legalidade Estrita do Direito Tributário, deveria ter colocado expressamente no rol dos serviços presentes na Lista Anexa, e ainda assim seria passível de questionamento, já que tais atividades não são denominadas serviços, exposto a seguir. 4. Da incidência de ICMS na atividade de farmácia de manipulação Ainda na fase de discussão e votação do processo legislativo do projeto que, posteriormente veio a ser a Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003, quando este foi remetido para o Senado Federal, o item 4.07 da lista anexa ao Projeto estava com a seguinte redação[ii], in verbis: “4.07 – Serviços farmacêuticos, inclusive de manipulação” (grifamos). Entretanto, os Excelentíssimos Senadores, como representantes dos Estados que são (art. 46, caput da CF/88), entenderam que seria melhor REJEITAR expressão “inclusive de manipulação” do subitem 4.07, proposta esta aprovada no parecer do Relator, o Sr. Senador Romero Jucá, na Comissão de Assuntos Econômicos – CAE, em 03.06.2003, e assim deixar a atividade de farmácia de manipulação como fonte de receita dos Estados, portanto sendo tributada pelo ICMS, in verbis[iii]: “A Comissão aprovou, com abstenção do Senador Jonas Pinheiro, o parecer do relator, Senador Romero Jucá, favorável à aprovação parcial do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 161, de 1989 – Complementar, e pela rejeição dos seguintes dispositivos e trechos:(…) 17- expressão “inclusive de manipulação” do subitem 4.07 da lista anexa de serviços”(grifamos). Tal conduta dos Senadores parece bastante coerente, haja vista que conforme mandamento constitucional, 25% (vinte e cinco por cento) do produto da arrecadação do ICMS pertencem aos Municípios (art. 157, IV), não deixando assim, os Municípios desemparados. Como se sabe, o texto da lei foi aprovado e até hoje a redação do subitem 4.07 da lista anexa está com a redação apenas “serviços farmacêuticos”, sendo, portanto a solução encontrada pelos nossos Parlamentares, repita-se foi a de REJEITAR, e não ESQUECER de incluir esta expressão na referida norma, como alegam os Municípios, pretendendo estes assim, incluir os serviços de manipulação como abrangidos pelos serviços farmacêuticos, o que, como visto, não é verdade. Tal postura dos Municípios, como se sabe, tem gerado uma enorme insegurança jurídica, fazendo que com o setor seja “bombardeado” pelos impostos de ICMS e ISS concomitantemente, obrigando os proprietários deste seguimento empresarial, sendo excluídos do SIMPLES Nacional em muitos casos, fecharem as portas. O caos instalado pelos Municípios chegou à tamanha proporção que a Receita Federal se viu obrigada a publicar o Ato Declaratório interpretativo SRF nº 7, de 23 de junho de 2006, com a seguinte redação, in verbis: “Artigo único. O exercício da atividade de farmácia de manipulação não constitui impedimento a que a pessoa jurídica faça opção pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (Simples), uma vez que não se trata de prestação de serviços, mas sim de atividade comercial” (grifamos). O presente Ato Declaratório parece não ter gerado o efeito esperado, e, observando esta situação, o nosso Parlamento está discutindo o Projeto de Lei Complementar 592/10[iv] que isente do ISS as farmácias de manipulação, do Deputado Rodrigo Maia. Infelizmente, tem surgido algumas decisões judiciais, inclusive do STJ, no REsp 881035/RS defendendo exatamente o contrário. Com certeza, o abarrotamento de processos não tem permitido os Magistrados a analisar melhor o caso, até porque, ao analisarmos superficialmente a questão, de fato, chega-se a uma primeira conclusão, equivocada, de que o imposto devido é o ISS. Todavia, como sabemos, a função legislativa compete ao Congresso Nacional, e este decidiu deixar esta atividade sob a incidência de ICMS, conforme publicação do Diário do Senado Federal[v], in verbis:  “Com base no exposto, certos de que a nova lei viabilizará o fortalecimento das finanças públicas municipais, votamos pela aprovação parcial do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 161, de 1989 – Complementar, e pela rejeição dos seguintes dispositivos e trechos: (…) – expressão “inclusive de manipulação” do subitem 4.07 da lista anexa de serviços, pelo fato de poder tratar-se de operação mista, isto é que envolve o fornecimento conjunto de mercadorias e serviços, circunstância em que criar-se-ia um espaço para a elisão fiscal das mercadorias aí envolvidas de sua sujeição ao ICMS” (grifamos). Podemos concluir que se os Senadores afirmaram que criar-se-ia um espaço para a elisão fiscal das mercadorias (letra ‘M’ da sigla ICMS) envolvidas, de sua sujeição ao ICMS, logo os Parlamentares criaram a regra para ser devido o ICMS. Cabe ressalvar que o art. 110 do CTN proíbe a lei tributária de alterar a definição, o conteúdo ou alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, ou seja, a lei tributária não pode chamar de serviço o que é (e sempre foi) mercadoria. Quando o consumidor chega a prateleira de uma farmácia de manipulação, pouco importa para ele como é feito o medicamento, o que o consumidor necessida é do produto final. Em outras palavras,  o consumidor não contrata um serviço e suposta personalização de determinado produto, por si só, não caracterizaria um serviço. Se assim fosse, (a) um bolo de aniversário com a foto de uma criança, (b) uma aliança com as iniciais de um casal, (c) uma camiseta com os nomes de uma turma de formandos, todos estes seriam serviços, e estariam fora da incidência do ICMS. Outra questão é a diferença entre produto e serviço, é o criério de avaliação da qualidade que, enquanto o primeiro apresente defeito/problemas, o segundo é mal prestado. Quando o consumidor toma um medicamento manipulado e este não surte o efeito esperado, dizemos que o produto apresentou defeito, já que é impossível avaliar o serviço da fabricação do mesmo. Noutro sentido, quando alguém contrata um professor de inglês e não aprende o idioma, quando alguém contrata uma empresa de detetização, e no dia seguinta encontra baratas em casa, o serviço foi mal prestado, ou seja, não há qualquer tranferência da propriedade de uma mercadoria. 5. Conclusão Sendo assim, podemos afirmar categoricamente que o imposto devido para as operações de farmácia de manipulação são contribuintes do ICMS, pelos fatos de: a) Pela competência do Conselho Federal de Farmácia e da ANVISA regularem a matéria, sendo portando o ato de lançamento dos Municípios eivados do vício de competência; b) Não haver previsão na LC 116/2006; c) Ter sido REJEITADA a sua incidência no Processo Legislativo da LC 116/2006, que é a formalidade correta para a construção do ordenamento jurídico; d) Pela proibição expressa do CTN de que a lei tributária não pode alterar a definição, conteúdo ou alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, não podendo então, chamar de serviço o que é mercadoria. Conforme dissemos anteriormente, espera-se que o Supremo se dedique com afinco à matéria para que os empresários do setor possam recolher seus tributos corretamente, sem o receito de serem coegidos pelo fisco e assim produzirem com tranquilidade.
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O princípio da eficiência e a governança fiscal e tributária
O artigo apresenta reflexão voltada para a melhoria dos sistemas tributário e financeiro, abordando o princípio da eficiência na perspectiva da governança estatal. Investiga aspectos que prejudicam a atuação do Estado tributário e fiscal, indicando meios para ampliar a eficiência e a eficácia estatal.
Direito Tributário
Introdução. O direito tributário brasileiro já batizado de carnaval tributário, pois estava estruturado com base na forma e na cor das estampilhas[1]. Neste contexto, pretende-se investigar a realidade do modelo fiscal e tributário pátrios à luz do princípio da eficiência como elemento para definição de uma nova postura da administração pública. O trabalho se inicia com breve abordagem do princípio da eficiência no âmbito do direito administrativo. Após, é feita uma análise específica da utilização do princípio da eficiência no direito tributário diante da nova visão alcançada com o pós-positivismo e com o novo direito constitucional, seguindo-se com a noção dos conceitos de governanças corporativa, fiscal e tributária, finalizando com a indicação de alguns meios para modernizar o Estado e a administração fiscal e tributária. 1 – Princípio da eficiência[2] no direito administrativo A Emenda Constitucional 19/98 acrescentou no artigo 37 da Constituição a eficiência como princípio constitucional da administração pública. Tal providência permitiu exigir, não apenas no plano teórico-normativo, uma nova fase na administração pública, de inclusão na consciência dos servidores públicos em geral de que a prestação de atividades estatais deve-se dar de forma célere e com qualidade. Este é o propósito do princípio da eficiência, ou seja, que o Estado alcance o seu fim com presteza, perfeição, imparcialidade, neutralidade, transparência, participação e aproximação dos serviços públicos da população com eficácia e de forma desburocratizada.[3] Em última análise, o princípio da eficiência materializa uma faceta do princípio da “boa administração”.[4] O conteúdo do princípio da eficiência é amplo, podendo-se entendê-lo como: “[…] aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. Note-se que não se trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário o princípio da eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação dos serviços sociais essenciais à população, visando a adoção de todos os meios legais e morais possíveis para a satisfação do bem comum.”[5] Segundo Alexandre de Moraes: “O administrador público precisa ser eficiente, ou seja, deve ser aquele que produz o efeito desejado, que dá bom resultado, exercendo suas atividades sob o manto da igualdade de todos perante a lei, velando pela objetividade e imparcialidade.”[6] De outro lado, o Estado Constitucional Tributário e Fiscal passa por severa crise, talvez sem precedentes. A elevada carga tributária, a complexidade da legislação, o excesso de burocracia, a cultura da sonegação, a concorrência desleal e muitas vezes a ausência de uma administração preocupada com a otimização do trabalho e a maximização de resultados são problemas que podem ser solucionados ou pelo menos minorados com a adoção de uma visão mais ética pautada no princípio da eficiência. 2 – Princípio da eficiência no direito tributário e a influência do novo direito constitucional. Os ramos do direito e, em especial, a área tributária, sentem, na atual quadra, os influxos decorrentes da visão pós-moderna conferida ao sistema jurídico, especialmente com a superação do positivismo pelo pós-positivismo.[7] Para Luís Roberto Barroso a Ana Paula Barcelos: “O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspecto da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direito fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direto e Ética.”[8] Ainda, a noção de neoconstitucionalismo: “[…] identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito.”[9] As noções de pós-positivismo e de neoconstitucionalismo ensejam a revisitação dos ramos do direito brasileiro, exigindo transformações tendentes a incorporar no âmbito fiscal e tributário posturas alinhadas com a ética e com a eficiência. Segundo Roberto Wagner Lima Nogueira: “No direito tributário atual, o pós-positivismo percute fortemente, em especial na hermenêutica tributária e na aplicação dos princípios constitucionais tributários frente a uma resolução efetiva dos casos concretos. Princípios como do justo gasto do tributo afetado, da capacidade contributiva, transparência Fiscal, moralidade tributária, solidariedade fiscal, justiça tributária, intributabilidade do mínimo existencial, cidadania fiscal unilateral e bilateral, ética fiscal pública e privada, razoabilidade, proporcionalidade, são princípios cuja materialidade tributária ganha importância decisiva e de destaque, no limiar do Direito Tributário do século XXI.”[10] Nessa ordem de idéias e tendo como premissa o princípio da eficiência, torna-se imprescindível a adoção de práticas de governança fiscal e tributária, que permitam maior qualificação e transparência na gestão administrativa, além de conferir publicidade às formas de arrecadação e de gastos das verbas públicas. Nada obstante a abordagem do princípio da eficiência seja feito na área do direito administrativo, não se verifica óbice em tratá-lo na esfera tributária, até porque o aludido princípio está plasmado no capítulo da Constituição Federal que trata das disposições gerais da Administração Pública, e engloba, evidentemente, a administração tributária. 3 – Governanças corporativa, fiscal e tributária. O neoliberalismo e o sistema capitalista contemporâneo exigiram que as corporações mudassem a forma de gestão, relegando ao passado os procedimentos obscuros, sigilosos, com omissão de informações e ausência de prestação de contas, passando a criar e aplicar instrumentos de fiscalização dos gestores e das atividades das pessoas jurídicas. Nessa toada surgiu a governança corporativa, que consiste na adoção de práticas voltadas ao aprimoramento do padrão de gestão das empresas, assegurando aos sócios eqüidade, transparência, prestação de contas e responsabilidade pelos resultados.[11] A governança corporativa: “[…] pode ser entendida como a submissão da empresa e de seus órgãos sociais a um sistema de regras impositivas de conduta que abrange determinadas práticas de fundo ético e moral, criadas para esta finalidade ou preexistentes, que se refletem na sua administração; relacionamentos entre sócios, administradores e grupos de interesse social com os quais há interação, tais como, funcionários, prepostos, quotistas de qualquer natureza, fornecedores, clientes, além do relacionamento com o poder do Estado e o mercado em geral, de forma positiva para que se cumpra o objeto social e se atinja o fim social dentre de certos parâmetros tidos por razoáveis e corretos.”[12] Em resumo, a noção de governança corporativa preconiza introduzir melhores práticas empresarias e, em última análise, o aumento de resultados com adoção de postura ética, lícita e transparente. Com este mesmo pensamento e tendo como norteador o princípio da eficiência previsto no artigo 37 da Constituição é que os preceitos da governança corporativa devem ser transportados para o direito tributário. Assim, a administração e os servidores públicos em geral devem incorporar a idéia da necessidade de adoção das práticas de governança fiscal e tributária. Essa mudança de concepção implicaria no aperfeiçoamento da prestação de serviços, otimizando a atuação estatal, com a redução da carga burocrática que muitas vezes obstaculiza o desenvolvimento da atividade econômica nacional. É possível enumerar, sem a pretensão de esgotamento, alguns dos problemas enfrentados pelo contribuinte brasileiro e mencionar também eventuais conseqüências decorrentes da adoção da governança fiscal e tributária. É o que será exposto nos tópicos seguintes. 3.1 – Simplificação tributária. É dominante o pensamento de que o sistema tributário brasileiro é um dos mais complexos do mundo. Tal entendimento decorre principalmente da grande quantidade de tributos existentes no país. A Constituição Federal enumera a competência para instituição dos impostos (arts. 153, 155 e 156). Só da União são sete, incluindo o imposto sobre grandes fortunas, ainda não criado (os outros impostos são: importação de produtos estrangeiros; exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; renda e proventos de qualquer natureza; produtos industrializados; operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários e propriedade territorial rural). Aos Estados e ao Distrito Federal cabem três impostos: transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; propriedade de veículos automotores. Já os Municípios podem instituir os impostos sobre: propriedade predial e territorial urbana; transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; serviços de qualquer natureza. Além dos impostos mencionados (art. 145, I, da Constituição Federal – CF/88 e art. 16, Código Tributário Nacional – CTN) ainda há as taxas (art. 145, II e § 2º, CF/88 e arts. 77 a 80 do CTN), as contribuições de melhoria (art. 145 da CF/88), os empréstimos compulsórios (art. 148, CF/88) e, por fim, as contribuições especiais (arts. 149 e 149-A, CF/88), que englobam as sociais ou da Seguridade Social (art. 195, CF/88), de intervenção econômica (arts. 149 e 177, § 4º, CF/88, das categorias profissionais (art. 149, CF/88), as previdenciárias dos estados e municípios (art. 149, § 1º, CF/88), de iluminação pública (art. 149-A, CF) e as sociais gerais (arts. 149 e 195, § 4º, CF). É inegável que a enorme quantidade de tributos gera complexidade no sistema, pois cada exação possui características próprias, obrigações – principal e acessória – e legislação específica, exigindo esforço demasiado do contribuinte para cumprir todos os encargos correlatos.[13] Assim, a observância do princípio da eficiência e a adoção de posturas de governança fiscal e tributária certamente contribuiriam para a redução desta pletora de tributos. Para muitos setores da sociedade civil, o ideal seria a criação do imposto de valor agregado (IVA), porque implicaria no término da incidência múltipla de tributos sobre uma mesma operação, conhecido por efeito cascata.[14] 3.2 – Excesso de leis. Outro fator que contribui para a complexidade do sistema tributário é o cipoal legislativo. A Constituição Federal estabelece no art. 59 que o processo legislativo compreende a elaboração de: emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos e; resoluções. Além da esfera federal, estas espécies normativas também podem ser criadas ou adaptadas pelos Estados e Municípios, denotando que o atual modelo constitucional é causador dessa pletora legislativa. Em relação ao ICMS, por exemplo, há 27 legislações diferentes no país, correspondente a cada um dos Estados e ao Distrito Federal. Além das leis que instituem e regulamentam os tributos, há também aquelas que fixam as obrigações acessórias, tais como preenchimento de livros, guias, formulários, declarações, etc. Esse excesso legislativo é um dos causadores da insegurança jurídica, porquanto o contribuinte fica muitas vezes sem saber se está cumprindo adequadamente as determinações legais, principalmente ante a grande quantidade de normas incompatíveis entre si e até mesmo inconstitucionais. O Código Tributário Nacional – CTN é um exemplo de lei desatualizada (Lei 5.172 de 1966) e que precisa com urgência de nova formatação, já que grande parte dos seus mais de duzentos artigos não foi recepcionada pela Constituição Federal.[15] Adotar a governança fiscal e tributária implicaria não só reduzir a quantidade de leis, mas principalmente criar normas tributárias mais claras, objetivas e que não dependessem de uma decisão judicial para efetivo cumprimento.[16] Vale dizer, cabe ao legislador e ao executivo regulamentador da lei fixar obrigações – principal e acessória – com regras de fácil entendimento, a ponto de permitir que o contribuinte consiga compreender o significado e a finalidade da norma sem o auxílio de profissional de área técnica, contador ou advogado. Por outras palavras, a administração tributária deve ter a preocupação de facilitar o desempenho das atividades do contribuinte. 3.3 – Carga burocrática.[17] Recente pesquisa demonstrou que o contribuinte empresário despende em média 2.600 horas de trabalho por ano para cumprir suas obrigações tributárias e fiscais, especialmente para preencher documentos e pagar os tributos.[18] O estudo, feito em 140 países, demonstrou que “o Brasil é onde se leva mais tempo para uma empresa cumprir suas obrigações tributárias. São 2.600 horas por ano, contra a média de 322 horas, sendo que a Suíça dedica apenas 68 horas.”[19] A mesma pesquisa também relatou que a necessidade de apresentar informações ao fisco alçou as empresas a atingir um alto nível de tecnologia sem que houvesse melhora nos resultados e na produtividade da atividade-fim.[20] Em verdade, a burocracia e o excesso de formalismo são características historicamente impregnadas na mente do legislador e do administrador brasileiros e que foram fomentadas com o bacharelismo, fenômeno crescido a partir da inauguração das duas primeiras escolas de direito no Brasil em 1827 e que implicou na criação de idéias preocupadas em organizar burocraticamente a estrutura das instituições e do próprio Estado.[21] Por esta razão, a efetiva aplicação e observância do princípio da eficiência, tal como proposta na Constituição Federal (art. 37), preconiza afastar as dificuldades de prestação do serviço público. Conforme menciona Alexandre de Moraes: “[…] uma das características básicas do princípio da eficiência é evitar a burocratização da administração pública, no sentido apontado por Canotilho e Moreira, de ‘burocracia administrativa, considerada como entidade substancial, impessoal e hierarquizada, com interesses próprios, alheios à legitimação democrática, divorciados dos interesses da população, geradora dos vícios imanentes às estruturas burocráticas, como mentalidade de especialistas, rotina e demora na resolução dos assuntos dos cidadãos, compadrio na selecção de pessoal.”[22] Assim, há uma necessidade urgente de difundir na administração em geral a idéia de que os procedimentos rígidos devem ser simplificados, a fim de tornar o Estado eficaz e eficiente naquilo que faz. A adoção de boas práticas de governança fiscal e tributária certamente reduziria a chamada carga burocrática e imporia uma visão prática, acabando com fórmulas e procedimentos rígidos que dificultam e criam obstáculos à obtenção dos resultados. 4 – Meios de modernizar o Estado e a administração fiscal e tributária. É desnecessário dizer que o Estado brasileiro e a administração fiscal e tributária precisam de uma modernização. Dois fatores, basicamente, podem ser citados como principais motivos a ensejar essa mudança. O primeiro é de ordem fática, decorrente da comprovada ineficiência estatal, da complexidade fiscal e tributária e da excessiva carga burocrática. O segundo fator é de cunho jurídico e deriva da nova concepção trazida com o pós-positivismo e o novo direito constitucional, que preconizam uma nova hermenêutica tributária e a aplicação dos princípios constitucionais tributários, expressos ou implícitos, para a resolução dos problemas sociais e econômicos. Assim, além das posturas já citadas anteriormente, traça-se a seguir, resumidamente, uma relação de boas práticas que poderiam contribuir para a modernização do Estado fiscal: – qualificação dos servidores públicos. O tema relativo ao servidor público deve ser encarado de forma clara, objetiva e profissional, sem conotações políticas, de modo que deve ser respeitada a norma constitucional que determina a realização de concursos públicos para a contratação de servidores públicos, tornando muito excepcional a contratação direta, comissionada (art. 37 da CF/88).[23] Tal postura qualificaria a prestação do serviço público, especialmente porque o concurso público, além de conferir transparência, porque deve obedecer a procedimentos não secretos, também prestigia a meritocracia, pois pressupõe que somente os candidatos mais aptos é que lograrão êxito no certame. Após a contratação, os servidores também devem ser submetidos a constantes atualizações e treinamentos, a fim de acompanhar as mudanças ocorridas na sociedade e, em caso avaliação negativa de desempenho, devem ser afastados do cargo, conforme previsto no próprio art. 37 da CF/88. A profissionalização deve ser a tendência do serviço público, sob pena de violação ao princípio da eficiência e impossibilidade de adoção de práticas de boa governança. – comunicação eletrônica entre órgãos e entidades públicas. A administração pública deve otimizar seus procedimentos e a utilização da informática, seja por intermédio da rede mundial de computadores ou dos vários meios de comunicação eletrônica, constitui um instrumento ágil e que permite alcançar resultados mais rápidos e desejados pelo destinatário do serviço. Assim, deve-se evitar a expedição de ofícios ou documentos escritos que, além de ser providencia ambientalmente incorreta, torna mais morosa a troca de informações entre os entes e órgãos públicos, o que não acontece com a via informatizada, que permite respostas imediatas. No plano judicial, a lei complementar 118/05 incluiu o art. 185-a no CTN e recomendou a transmissão de dados preferencialmente por meio eletrônico.[24] – regulamentação do artigo 150, parágrafo 5º, da CF/88. Tal dispositivo estabelece que “A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.” Quase 20 anos após a promulgação da atual constituição federal ainda não houve a regulamentação do aludido preceito normativo. A criação da lei traria maior transparência ao consumidor e demonstraria a boa-fé estatal. – cessação da guerra fiscal. Especialmente nos estados, é muito comum a concessão irregular de incentivos fiscais, a fim de atrair investimentos e a instalação de indústrias. Tal fenômeno ocorre principalmente em relação ao ICMS, já que todos os estados e o Distrito Federal possuem legislação própria e diferenciada. Acontece que a concessão de incentivos fiscais exige a observância de algumas regras e a mais desrespeitada é aquela que os condiciona à prévia autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão que reúne secretários de Fazenda de todos os estados da federação e do Distrito Federal.[25] A não obediência a esta prévia autorização tem gerado a denominada guerra fiscal entre as unidades federativas, causando instabilidade e insegurança ao contribuinte, principalmente porque o Supremo Tribunal Federal, quando acionado, tem resguardado a ordem jurídica, reconhecendo a inconstitucionalidade dos incentivos concedidos sem observância das normas de regência. – criação do estatuto do contribuinte. Há proposta em tramitação no Congresso Nacional de criação do código ou estatuto do contribuinte. Abstraída a conotação política que se tem conferido conjunturalmente ao mencionado projeto de lei, é forçoso reconhecer que o Estado precisa tratar o contribuinte com mais transparência e mais seriedade, capacitando-o ao exercício da cadadania fiscal, permitindo ter a plena compreensão dos direitos e dos deveres fiscais. A adoção do estatuto do contribuinte implicaria, em verdade, na concretização da justiça tributária, com a fixação de alguns princípios fundamentais, tais como: “1. o direito a comportamentos de boa fé por parte da administração; 2. o direito à tutela por excesso de pressão legislativa e à certeza do direito; 3. o direito à informação sobre a interpretação das leis e sobre a conseqüência do seu próprio comportamento; 4. o direito de ser informado e ouvido; 5. o direito de não ser obrigado a deveres inúteis ou excessivamente dispendiosos com relação aos resultados; 6. o direito à rapidez e oportunidade de ação administrativa no campo fiscal; 7. o direito de não pagar mais do que está previsto em lei; 8. o controle sobre a aplicação da lei; 9. direito à transparência estatística e ao conhecimento dos agregados econômicos tributários; 10. o direito a ser posto no mesmo plano da administração no que se refere aos pagamentos, juros e reembolsos.”[26] É verdade que o pleno exercício da cidadania fiscal não está limitado aos direitos do contribuinte, que também deve ter consciência dos seus deveres. Vale dizer, que os direitos e os deveres são correlatos (jus et obligatio sunt correlata). Assim, não basta a edificação e a aplicação do estatuto do contribuinte sem que os deveres também sejam efetivamente cumpridos. Ambos estão imbricados, cabendo ao Estado fomentar a cidadania fiscal, conferindo direitos e fiscalizando e cobrando o cumprimento dos deveres. Para Ricardo Lobo Torres: “A positivação do estatuto do contribuinte, que vem ocorrendo nos últimos anos, pode levar ao melhor relacionamento entre a fazenda pública e o sujeito passivo, conduzindo não só a fortalecer os direitos do cidadão-contribuinte como também lhe aprimorar as virtudes cívicas e lhe inibir a síndrome da evasão. Por outro lado, serve para ‘desdramatizar’ os tributos, coarctando a violência do fisco, e para exigir das autoridades fiscais as condutas pautadas na moralidade administrativa.”[27] Nessa mesma ordem de idéias, para o efetivo exercício da cidadania fiscal, seria recomendável a criação de lista de bons pagadores, na qual figurassem contribuintes cumpridores pontuais das suas obrigações, outorgando-lhes benefícios e incentivos como forma de premiação pela tempestiva adimplência tributária, tal como o desconto nos valores dos tributos pagos sem parcelamento. Trata-se, em verdade, de medida urgente, para afastar a idéia, atualmente reinante, de que no Brasil somente o inadimplente e o sonegador é que são beneficiados com descontos de multas, anistias, etc. Deve-se procurar consolidar uma cultura tributária, para que o contribuinte tenha consciência do dever de pagar tributos, pois se trata de um dever fundamental “que se paga não porque seja prazeroso, mas por ser também obrigação moral e virtude do cidadão.”[28] De outro lado, o que não se pode admitir é a legitimação social da inadimplência e da sonegação fiscal.[29] Assim, é possível concluir que: “Dentro desta perspectiva, a virtude da Justiça Tributária é uma mediania ética entre o Direito Tributário e o Excesso Tributário. É certo que todos os princípios jurídicos acima citados buscam a implantação de virtudes em nossa vida social tributária, e.g, solidariedade, transparência fiscal, igualdade, justo gasto dos tributos afetados etc; mas o ápice de todos estes princípios, é o princípio da justiça tributária. A justiça não é uma virtude como as outras, já esclareceu André Comte-Sponville, ela é o horizonte de todas e a lei de sua coexistência, Virtude completa, dizia Aristóteles. Todo valor a supõe; toda a humanidade a requer. Não que ela faça as vezes da felicidade, mas, certamente, nenhuma felicidade a dispensa. Portanto, felizes aqueles que têm fome de justiça tributária, porque nunca serão saciados. Devemos como imperativo existencial, sentir mais fome de justiça tributária, porque só assim faremos justiça tributária, porquanto essa fome, cuja insaciabilidade nos é imanente, é a razão da estatuição de nossos deveres e direitos frente ao fisco brasileiro. Sem dúvida alguma, a justiça tributária absoluta sempre nos faltará, tal como a justiça como algo absoluto nos será inacessível; porém, é justamente esta falta que nos move a buscá-la, porque como já ensinou Miguel Reale, o homem é o único ser cujo ser é o seu dever-ser. A justiça tributária como elemento transformador, como sendo uma virtude ética de mediania é o que se almeja no limiar do século XXI.”[30] Há também outras mudanças que repercutiriam mais diretamente na área econômica, mas que também guardam vínculo com a boa governança fiscal e tributária, podendo-se citar: – melhora na defesa da concorrência. A Lei 8.884/94, de defesa da concorrência, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. Contudo, a lei deve ser aprimorada em razão dos problemas causados em relação à concentração de mercado e principalmente no toca às fusões e aquisições. É que atualmente somente depois de celebrado o negócio jurídico, ou seja, depois de fusionadas ou adquiridas as empresas é que há a participação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Neste aspecto, deveria ser alterado o procedimento e somente autorizada a fusão ou aquisição após prévia chancela da aludida autarquia da concorrência. – facilitação da criação e extinção de pessoas jurídicas. O Brasil é um dos países que mais dificulta a abertura de pessoas jurídicas, em razão da quantidade de exigências necessárias. A aplicação do princípio da eficiência e a adoção da governança fiscal e tributária, desburocratizando os procedimentos, permitiria facilitar a abertura e o fechamento de empresas. – redução da carga tributária. Além da carga burocrática, já comentada anteriormente, outra carga que também compromete as boas relações entre Estado e contribuinte é a tributária. Muito se discute e se debate na tentativa de reduzir a carga tributária, contudo, a única forma de atenuá-la é com a diminuição dos gastos públicos. Vale dizer, enquanto não houver o comprometimento do administrador público, na adoção de posturas rígidas e controladas nos gastos públicos, não será possível reduzir a carga tributária. Cabe, portanto, à sociedade cobrar economia, bom senso, seriedade e transparência na aplicação do dinheiro público. Considerações finais. As considerações acima mencionadas demonstram que o carnaval tributário aludido por Becker[31] ainda não foi totalmente superado no sistema jurídico pátrio. Neste contexto, o princípio da eficiência previsto no art. 37 da Constituição deve ser aplicado com o fim de conferir à administração pública tributária a prestação de serviço célere, com qualidade e, em especial, de forma desburocratizada. A perspectiva pós-positivista e neoconstitucional determinam a revisitação do direito tributário brasileiro, que deve passar por transformações tendentes a incorporar no âmbito fiscal e tributário posturas mais alinhadas com a ética e com a eficiência, tanto por parte dos agentes públicos, quanto dos contribuintes. Assim, a adoção de boas práticas de governança fiscal e tributária aperfeiçoaria a prestação de serviços, otimizando a atuação estatal, com a redução da carga burocrática e simplificando a legislação, a fim de criar uma Justiça tributária ao alcance dos cidadãos.
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A base de cálculo do IRPJ e da CSLL das revendedoras de veículos automotores no regime do lucro presumido
O artigo aborda a discussão acerca da determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL das revendedoras de veículos automotores, tal qual determinada na IN SRF nº. 390/04, discutindo a tese que defende a invalidade das normas do referido diploma infralegal.
Direito Tributário
1. Introdução O presente trabalho pretende discutir a tese segundo a qual sociedades especializadas na compra e venda de veículos automotores, tributadas pelo regime do lucro presumido, de que fazem jus à utilização dos coeficientes de 8% e 12% incidentes sobre a receita bruta, para determinação da base de cálculo do imposto de renda de pessoa jurídica – IRPJ e da contribuição social sobre o lucro líquido – CSLL. Referido entendimento funda-se em suposta ilegitimidade do art. 96, § 3º, da IN SRF nº. 390/04, por suposta inovação do ordenamento jurídico, ao determinar o coeficiente aplicável (32%) para apuração da base de cálculo estimada do IRPJ e da CSLL, o que não seria admissível. Costuma-se aduzir, ainda, que a equiparação efetuada pela Lei nº. 9.716/98, entre operações de compra e venda e operações de consignação, não teria o âmbito que lhe emprestara a Autoridade Fiscal, na redação do citado ato infralegal. Pensamos que referido entendimento não subsiste a uma análise cuidadosa da matéria. 2. Lucro presumido: breves notas Como se sabe, o imposto de renda das pessoas jurídicas possui dois regimes básicos de apuração: o do “lucro real” e o do “lucro presumido”. No caso de opção de tributação pelo “lucro presumido”, tem-se regime fiscal pelo qual é considerado “lucro” e, portanto, base de cálculo do IRPJ e da CSLL, um valor obtido por meio de aplicação de um percentual à receita auferida pela sociedade. Na feliz síntese de ROQUE ANTONIO CARRAZA: “[…] situações há em que, por opção do contribuinte que atende aos requisitos legais, a tributação em tela se perfaz sobre o montante presumido de sua renda, também chamado de lucro presumido. O quantum debeatur, no caso, é calculado aplicando-se, à receita bruta anual da empresa, coeficientes legalmente definidos, que variam conforme a natureza da atividade por ela realizada.” [1] Trata-se, portanto, de regime simplificado tributação, ao qual se submetem os contribuintes que, livremente, manifestarem opção de adesão. Numa simplificação grosseira, pode-se dizer que o regime do lucro presumido impõe duas operações matemáticas fundadas nos conceitos de base de cálculo/alíquota: primeiro toma-se a receita bruta (“base de cálculo”) e sobre ela aplica-se um percentual determinado em Lei (“alíquota”, aqui denominada coeficiente). O resultado é o “lucro presumido”, que será a base de cálculo (no sentido consagrado) do IRPJ e da CSLL, cujos valores serão obtidos pela aplicação das alíquotas previstas nas leis de regência. O cálculo dos tributos por este regime segue, portanto, neste modelo simplificado, três etapas: apuração da receita bruta, determinação do coeficiente aplicável para obtenção do “lucro presumido”, o que depende do tipo de atividade exercida pela pessoa jurídica, obtendo-se a base de cálculo, e multiplicação desta pela alíquota aplicável. A última etapa consiste basicamente num cálculo matemático, pelo que não oferece maiores dificuldades. A controvérsia surge do enquadramento determinado pela instrução normativa, relativo ao segundo passo, mas nos parece que tese dos contribuintes se esquece de sua íntima relação com o primeiro, como se demonstrará. 3. A legitimidade das instruções normativas da Receita Federal do Brasil De início, cumpre tecer breves comentários sobre o ato infralegal questionado. Não se pode dizer que a instrução normativa, aplicável à hipótese em comento, exorbitou de suas funções. A concepção de segurança jurídica formal, preconizada pela tipicidade fechada e amparada numa ultrapassada ideia de estrita legalidade, mostra-se irrealizável na prática, visto que a linguagem jamais poderá ser plenamente determinada, sempre havendo espaço para uma ou outra dissonância na caracterização da relação significante-significado. Adverte HUMBERTO ÁVILA que a ideia de segurança pela estruturação da norma jurídica em uma linguagem absolutamente precisa repousa na falsa identidade entre texto de lei e norma jurídica, e entre esta e o próprio fenômeno jurídico[2]. O texto legal, nessa ótica, seria em si mesmo uma norma jurídica. Um texto jamais poderá traduzir em si mesmo uma previsibilidade plena das relações jurídicas reguladas pela norma tributária, até porque esta implicaria a construção de uma linguagem absolutamente unívoca. O texto legal, por mais fechado que seja a sua tipicidade, jamais poderá abranger plenamente a norma. Alerta MISABEL DERZI que somente sob a influência do racionalismo, tanto a jusnaturalistas como a positivistas continuou a preocupar a ideia de sistema cerrado e perfeito, conhecimentos exatos e adequados[3]. Esse modelo de segurança jurídica formal não raro permite a sua manipulação como fator de legitimação de uma série de abusos, todos protegidos sob o manto da previsão no “texto expresso da lei”. A sociedade moderna de “riscos” impõe ajustes às ideias de segurança jurídica e fechamento da linguagem normativa, porque ao lado do valor segurança formal devem ser ponderados diversos outros de mesma importância para o corpo social. Deve-se reconhecer que há zonas de imprecisão nas leis e certo espaço não preenchido pelo próprio legislador que abrem ao Poder Executivo o poder-dever de complementar a regra. Além de se trabalhar com a possibilidade de considerações teleológicas, não há como subsistir a ideia de legalidade estrita como a obrigatoriedade de um legislador onisciente prever todas as situações possíveis dentro de um ordenamento sem lacunas. Adverte EROS GRAU[4] para o fetichismo da doutrina brasileira em torno do princípio da legalidade, como decorrência de uma recepção irrefletida da teoria da “separação” de poderes, aprisionada a arquétipos apriorísticos. Essa doutrina reforça a concepção da teoria como proposta de separação e não de equilíbrio entre os poderes, além de prestar culto exagerado e radical à ideologia liberal. Deve restar evidenciado, dessa sorte, não importar ofensa ao princípio da legalidade limitação do horizonte de sentido de um conceito inovador trazido pela lei, apenas complementado a disposição legal e permitindo sua aplicação com impessoalidade e isonomia, ou bem o desenvolvimento do conceito legal, permitindo sua aplicabilidade plena. 4. O coeficiente aplicável à hipótese Assentada a validade do instrumento normativo, passamos à interpretação das normas pertinentes. As revendedoras de veículos, nos termos do art. 5º da Lei nº. 9.716/98, se submetem a um regime fiscal específico em dois pontos: admite um conceito de receita bruta diferente do usual (parágrafo único do referido dispositivo legal) e determina o uso do coeficiente de apuração do lucro presumido relativo às prestadoras de serviços e intermediadoras de negócios, nos termos do caput. Veja-se: “Lei nº. 9.716/98. Art. 5º. As pessoas jurídicas que tenham como objeto social, declarado em seus atos constitutivos, a compra e venda de veículos automotores poderão equiparar, para efeitos tributários, como operação de consignação, as operações de venda de veículos usados, adquiridos para revenda, bem assim dos recebidos como parte do preço da venda de veículos novos ou usados. Parágrafo único.  Os veículos usados, referidos neste artigo, serão objeto de Nota Fiscal de Entrada e, quando da venda, de Nota Fiscal de Saída, sujeitando-se ao respectivo regime fiscal aplicável às operações de consignação.” Nota-se que se trata de um regime fiscal totalmente diferenciado, a que se submetem as revendedoras de veículos, de forma que não só o coeficiente aplicável para a determinação da base de cálculo é diferente do aplicável aos demais comércios, como também difere da regra comum o próprio método de cálculo da receita bruta. Permitimo-nos transcrever as normas definidoras da forma de tributação do lucro presumido, para maior clareza: “Lei nº. 9.249/95. Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de oito por cento sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto nos arts. 30 a 35 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995. § 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de:[…] III – trinta e dois por cento, para as atividades de: a) prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa; (Redação dada pela Lei nº 11.727, de 2008)” Regulamentando referidos dispositivos legais, além da já citada IN SRF 390/04, foi editada também a IN SRF nº. 152/98. Uma vez mais, pedimos vênia para transcrever o quanto relevante, destacando: “IN SRF nº. 152/98. Art. 1° A pessoa jurídica sujeita à tributação pelo imposto de renda com base no lucro real, presumido ou arbitrado, que tenha como objeto social, declarado em seus atos constitutivos, a compra e venda de veículos automotores, deverá observar, quanto à apuração da base de cálculo dos tributos e contribuições de competência da União, administrados pela Secretaria da Receita Federal – SRF, o disposto nesta Instrução Normativa. Art. 2° Nas operações de venda de veículos usados, adquiridos para revenda, inclusive quando recebidos como parte do pagamento do preço de venda de veículos novos ou usados, o valor a ser computado na determinação mensal das bases de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, pagos por estimativa, da contribuição para o PIS/PASEP e da contribuição para o financiamento da seguridade social – COFINS será apurado segundo o regime aplicável às operações de consignação. § 1° Na determinação das bases de cálculo de que trata este artigo será computada a diferença entre o valor pelo qual o veículo usado houver sido alienado, constante da nota fiscal de venda, e o seu custo de aquisição, constante da nota fiscal de entrada. § 2° O custo de aquisição de veículo usado, nas operações de que trata esta Instrução Normativa, é o preço ajustado entre as partes.” “IN SRF Nº. 390/04. Art. 96. As pessoas jurídicas que tenham como objeto social, declarado em seus atos constitutivos, a compra e venda de veículos automotores poderão equiparar, para efeitos tributários, como operação de consignação, as operações de venda de veículos usados, adquiridos para revenda, bem assim dos recebidos como parte do preço da venda de veículos novos ou usados. § 1º Os veículos usados, referidos neste artigo, serão objeto de Nota Fiscal de Entrada e, quando da venda, de Nota Fiscal de Saída, sujeitando-se ao respectivo regime fiscal aplicável às operações de consignação. § 2º Considera-se receita bruta, para efeito deste artigo, a diferença entre o valor pelo qual o veículo usado tiver sido alienado, constante da nota fiscal de venda, e o seu custo de aquisição, constante da nota fiscal de entrada. § 3º Na determinação da base de cálculo estimada e do resultado presumido ou arbitrado, aplicar-se-á o percentual de 12% (doze por cento) sobre a receita bruta, definida no § 2º, auferida nos períodos de apuração ocorridos até 30 de agosto de 2003, e o percentual de 32% (trinta e dois por cento) para os períodos ocorridos a partir de 1º de setembro de 2003. § 4º O custo de aquisição de veículo usado, nas operações de que trata esta Seção, é o preço ajustado entre as partes. § 5º A pessoa jurídica deverá manter em boa guarda, à disposição da SRF, o demonstrativo de apuração da base de cálculo a que se refere o § 2º. § 6º As disposições desta Seção aplicam-se exclusivamente para efeitos fiscais.” Pois bem, como visto, o art. 5º da Lei nº. 9.716/98 equipara a compra e venda de veículos à consignação (isto é, consignação por comissão). É precisamente isto que referido dispositivo legal faz. E o faz, diga-se desde logo, sem ferir qualquer norma de superior hierarquia, pois é sabido e ressabido que a lei tributária pode equiparar institutos diversos para lhes dar o mesmo tratamento tributário, desde que os conceitos equiparados não se prestem à delimitação de competência dos entes tributantes (art. 110 do CTN). E todos sabem que a compra e venda por consignação (consignação por comissão) encerra entre o consignante e o consignatário uma relação de prestação de serviços, nos termos do art. 703 do Código Civil. Tudo o que o art. 96, § 3º, da IN SRF nº. 390/04 faz, portanto, é esclarecer as conseqüências da equiparação efetuada diretamente pela própria Lei nº. 9.716/98. Havendo a equiparação das operações de compra e venda de veículos com as operações de consignação, tem-se uma equiparação do próprio conceito de receita, que servirá de amparo para a determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, mediante aplicação dos coeficientes definidos. Destarte, a aplicação dos coeficientes referentes à prestação de serviços se impõe, sob pena de adoção parcial de regime jurídico. Caso haja algum vício na IN 390, o vício inquina todo o ato normativo, não apenas o art. 96 §3º, pelo que o afastamento do § 2º, que permite a dedução dos custos de aquisição. Quer dizer, a partir do momento em que a receita bruta oriunda da venda de veículos automotores passa a ser calculada nos moldes em que calculada a receita bruta advinda das operações de consignação, a aplicação do coeficiente para cálculo do lucro presumido referente a estas operações é medida que se impõe, também por força da interpretação sistemática da legislação. Não se trata de uma equiparação arbitrária entre dois institutos para mera aplicação de coeficiente diverso, de forma a aumentar ilegitimamente a exação tributária. Longe disto. Tem-se, ao contrário a previsão de um “microrregime tributário” diferenciado. Repise-se, o art. 5º da Lei nº. 9.716/98 determina a equiparação das operações de compra e venda com as de consignação, para fins tributários, do que decorre não só uma forma específica de determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL para as pessoas jurídicas que exerçam a atividade de compra e venda de veículos, forma esta assemelhada àquela utilizada pelas pessoas jurídicas prestadoras de serviços em geral, mas também no reenquadramento da referida atividade para os fins de aplicação do coeficiente. A equiparação legal, como é efetuada entre as operações, exige tratamento especial para ambos os passos para a determinação do lucro presumido: o cálculo da receita e a aplicação do coeficiente, o que deve ser feito utilizando-se o modo previsto para a “atividade paradigma”. Desta forma, como há uma alteração no regime relativo à base de cálculo, há conseqüente alteração no regime da alíquota aplicável, a fim de resguardar o tratamento isonômico entre as pessoas jurídicas: como a receita bruta, por este regime, é significadamente diminuída, o coeficiente aplicável é aumentado, a fim de aproximar a tributação pelo lucro presumido da tributação que resultaria da opção pelo lucro real, visto que o primeiro, apesar de ser simplificado, deve procurar sempre obter fidelidade ao regime do segundo, mesmo por exigência constitucional e do art. 43 do CTN. Isso fica claro quando se percebe que a receita bruta, para as operações em análise, será apenas a diferença apurada entre as operações de compra e venda. No regime comum de apuração da receita, esta seria calculada pelo valor total auferido pela venda, e não pela diferença. Em resumo: não havendo a equiparação com o regime das prestadoras de serviço (adotando-se, sempre, regime jurídico integral: ou o da IN 390, ou a afastando por inteiro): receita bruta “comum”, coeficiente de 8% para o IRPJ e 12% para a CSLL; havendo equiparação: receita bruta reduzida, coeficiente de 32% para o IRPJ e para a CSLL. Neste caso, basta um simples cálculo matemático para demonstrar o equívoco. Tomemos um exemplo: A empresa A adquiriu, num dado período, dois veículos por R$ 45.000 cada um e os revendeu por R$ 50.000 cada. Desta forma, pela regra da IN, teríamos: 50.000 + 50.000 – (45.000 + 45.000) = 10.000 x 32% (coeficiente) = 3.200 (base de cálculo de CSLL e IRPJ). Aplicando-se as alíquotas (9% e 15%, respectivamente) tem-se o valor total gasto 288 + 480 = R$ 768. Caso se aplique a regra geral, teríamos: base de cálculo da CSLL: 12% de 100.000 = 12.000, e base de cálculo do IRPJ 8% de 100.000 = 8.000. Aplicando-se as mesmas alíquotas, teríamos 1.080 (9% de 12.000) + 1.200 (15% de 8.000) =  R$ 2.280. Daí que a adoção, integral, do regime da IN 390, pela empresa A, resultaria em economia de R$ 1.512. Apenas para esclarecer, caso a empresa A adotasse o regime híbrido, teríamos: Receita bruta reduzida: 10.000 (como previsto na IN) Coeficientes: 8% e 12% (sem aplicação da IN) Resultado: base de cálculo da CSLL: 1.200 e base de cálculo do IRPJ 800 => total devido 108 + 120 = R$ 228. Ou seja, tese firmada permitiria, sem qualquer amparo legal, economia de R$ 540 pela empresa A. Ora, fica fácil perceber que insurgir-se contra a interpretação oficial da Lei que a Administração deixou consubstanciada no § 3º do art. 96 da IN 390/04, mas, convenientemente, deixando intacto o §2º, que traz o conceito reduzido de receita bruta para a atividade de compra e venda de veículos cuja norma já se encontrava prevista na IN 152/98, é aplicar um regime jurídico “pela metade”, sem qualquer fundamento, e como se de benefício fiscal se tratasse. Conclusão Por todo o exposto, percebe-se a higidez do “microrregime” tributário previsto pelo art. 96 da IN SRF nº. 390/04, que deve ser interpretado seu conjunto. Não só o instrumento que veicula a regra é apto a fazê-lo, como também o conteúdo da norma nada tem de antijurídico. Não se pode admitir a paradoxal situação em que a apuração de uma base de cálculo reduzida com a aplicação de uma alíquota igualmente reduzida, o que cria benefício fiscal sem prévia permissão legal.
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A base de cálculo do IRPJ e da CSLL das revendedoras de veículos automotores no regime do lucro presumido
O artigo aborda a discussão acerca da determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL das revendedoras de veículos automotores, tal qual determinada na IN SRF nº. 390/04, discutindo a tese que defende a invalidade das normas do referido diploma infralegal.
Direito Tributário
1. Introdução O presente trabalho pretende discutir a tese segundo a qual sociedades especializadas na compra e venda de veículos automotores, tributadas pelo regime do lucro presumido, de que fazem jus à utilização dos coeficientes de 8% e 12% incidentes sobre a receita bruta, para determinação da base de cálculo do imposto de renda de pessoa jurídica – IRPJ e da contribuição social sobre o lucro líquido – CSLL. Referido entendimento funda-se em suposta ilegitimidade do art. 96, § 3º, da IN SRF nº. 390/04, por suposta inovação do ordenamento jurídico, ao determinar o coeficiente aplicável (32%) para apuração da base de cálculo estimada do IRPJ e da CSLL, o que não seria admissível. Costuma-se aduzir, ainda, que a equiparação efetuada pela Lei nº. 9.716/98, entre operações de compra e venda e operações de consignação, não teria o âmbito que lhe emprestara a Autoridade Fiscal, na redação do citado ato infralegal. Pensamos que referido entendimento não subsiste a uma análise cuidadosa da matéria. 2. Lucro presumido: breves notas Como se sabe, o imposto de renda das pessoas jurídicas possui dois regimes básicos de apuração: o do “lucro real” e o do “lucro presumido”. No caso de opção de tributação pelo “lucro presumido”, tem-se regime fiscal pelo qual é considerado “lucro” e, portanto, base de cálculo do IRPJ e da CSLL, um valor obtido por meio de aplicação de um percentual à receita auferida pela sociedade. Na feliz síntese de ROQUE ANTONIO CARRAZA: “[…] situações há em que, por opção do contribuinte que atende aos requisitos legais, a tributação em tela se perfaz sobre o montante presumido de sua renda, também chamado de lucro presumido. O quantum debeatur, no caso, é calculado aplicando-se, à receita bruta anual da empresa, coeficientes legalmente definidos, que variam conforme a natureza da atividade por ela realizada.” [1] Trata-se, portanto, de regime simplificado tributação, ao qual se submetem os contribuintes que, livremente, manifestarem opção de adesão. Numa simplificação grosseira, pode-se dizer que o regime do lucro presumido impõe duas operações matemáticas fundadas nos conceitos de base de cálculo/alíquota: primeiro toma-se a receita bruta (“base de cálculo”) e sobre ela aplica-se um percentual determinado em Lei (“alíquota”, aqui denominada coeficiente). O resultado é o “lucro presumido”, que será a base de cálculo (no sentido consagrado) do IRPJ e da CSLL, cujos valores serão obtidos pela aplicação das alíquotas previstas nas leis de regência. O cálculo dos tributos por este regime segue, portanto, neste modelo simplificado, três etapas: apuração da receita bruta, determinação do coeficiente aplicável para obtenção do “lucro presumido”, o que depende do tipo de atividade exercida pela pessoa jurídica, obtendo-se a base de cálculo, e multiplicação desta pela alíquota aplicável. A última etapa consiste basicamente num cálculo matemático, pelo que não oferece maiores dificuldades. A controvérsia surge do enquadramento determinado pela instrução normativa, relativo ao segundo passo, mas nos parece que tese dos contribuintes se esquece de sua íntima relação com o primeiro, como se demonstrará. 3. A legitimidade das instruções normativas da Receita Federal do Brasil De início, cumpre tecer breves comentários sobre o ato infralegal questionado. Não se pode dizer que a instrução normativa, aplicável à hipótese em comento, exorbitou de suas funções. A concepção de segurança jurídica formal, preconizada pela tipicidade fechada e amparada numa ultrapassada ideia de estrita legalidade, mostra-se irrealizável na prática, visto que a linguagem jamais poderá ser plenamente determinada, sempre havendo espaço para uma ou outra dissonância na caracterização da relação significante-significado. Adverte HUMBERTO ÁVILA que a ideia de segurança pela estruturação da norma jurídica em uma linguagem absolutamente precisa repousa na falsa identidade entre texto de lei e norma jurídica, e entre esta e o próprio fenômeno jurídico[2]. O texto legal, nessa ótica, seria em si mesmo uma norma jurídica. Um texto jamais poderá traduzir em si mesmo uma previsibilidade plena das relações jurídicas reguladas pela norma tributária, até porque esta implicaria a construção de uma linguagem absolutamente unívoca. O texto legal, por mais fechado que seja a sua tipicidade, jamais poderá abranger plenamente a norma. Alerta MISABEL DERZI que somente sob a influência do racionalismo, tanto a jusnaturalistas como a positivistas continuou a preocupar a ideia de sistema cerrado e perfeito, conhecimentos exatos e adequados[3]. Esse modelo de segurança jurídica formal não raro permite a sua manipulação como fator de legitimação de uma série de abusos, todos protegidos sob o manto da previsão no “texto expresso da lei”. A sociedade moderna de “riscos” impõe ajustes às ideias de segurança jurídica e fechamento da linguagem normativa, porque ao lado do valor segurança formal devem ser ponderados diversos outros de mesma importância para o corpo social. Deve-se reconhecer que há zonas de imprecisão nas leis e certo espaço não preenchido pelo próprio legislador que abrem ao Poder Executivo o poder-dever de complementar a regra. Além de se trabalhar com a possibilidade de considerações teleológicas, não há como subsistir a ideia de legalidade estrita como a obrigatoriedade de um legislador onisciente prever todas as situações possíveis dentro de um ordenamento sem lacunas. Adverte EROS GRAU[4] para o fetichismo da doutrina brasileira em torno do princípio da legalidade, como decorrência de uma recepção irrefletida da teoria da “separação” de poderes, aprisionada a arquétipos apriorísticos. Essa doutrina reforça a concepção da teoria como proposta de separação e não de equilíbrio entre os poderes, além de prestar culto exagerado e radical à ideologia liberal. Deve restar evidenciado, dessa sorte, não importar ofensa ao princípio da legalidade limitação do horizonte de sentido de um conceito inovador trazido pela lei, apenas complementado a disposição legal e permitindo sua aplicação com impessoalidade e isonomia, ou bem o desenvolvimento do conceito legal, permitindo sua aplicabilidade plena. 4. O coeficiente aplicável à hipótese Assentada a validade do instrumento normativo, passamos à interpretação das normas pertinentes. As revendedoras de veículos, nos termos do art. 5º da Lei nº. 9.716/98, se submetem a um regime fiscal específico em dois pontos: admite um conceito de receita bruta diferente do usual (parágrafo único do referido dispositivo legal) e determina o uso do coeficiente de apuração do lucro presumido relativo às prestadoras de serviços e intermediadoras de negócios, nos termos do caput. Veja-se: “Lei nº. 9.716/98. Art. 5º. As pessoas jurídicas que tenham como objeto social, declarado em seus atos constitutivos, a compra e venda de veículos automotores poderão equiparar, para efeitos tributários, como operação de consignação, as operações de venda de veículos usados, adquiridos para revenda, bem assim dos recebidos como parte do preço da venda de veículos novos ou usados. Parágrafo único.  Os veículos usados, referidos neste artigo, serão objeto de Nota Fiscal de Entrada e, quando da venda, de Nota Fiscal de Saída, sujeitando-se ao respectivo regime fiscal aplicável às operações de consignação.” Nota-se que se trata de um regime fiscal totalmente diferenciado, a que se submetem as revendedoras de veículos, de forma que não só o coeficiente aplicável para a determinação da base de cálculo é diferente do aplicável aos demais comércios, como também difere da regra comum o próprio método de cálculo da receita bruta. Permitimo-nos transcrever as normas definidoras da forma de tributação do lucro presumido, para maior clareza: “Lei nº. 9.249/95. Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de oito por cento sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto nos arts. 30 a 35 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995. § 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de:[…] III – trinta e dois por cento, para as atividades de: a) prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa; (Redação dada pela Lei nº 11.727, de 2008)” Regulamentando referidos dispositivos legais, além da já citada IN SRF 390/04, foi editada também a IN SRF nº. 152/98. Uma vez mais, pedimos vênia para transcrever o quanto relevante, destacando: “IN SRF nº. 152/98. Art. 1° A pessoa jurídica sujeita à tributação pelo imposto de renda com base no lucro real, presumido ou arbitrado, que tenha como objeto social, declarado em seus atos constitutivos, a compra e venda de veículos automotores, deverá observar, quanto à apuração da base de cálculo dos tributos e contribuições de competência da União, administrados pela Secretaria da Receita Federal – SRF, o disposto nesta Instrução Normativa. Art. 2° Nas operações de venda de veículos usados, adquiridos para revenda, inclusive quando recebidos como parte do pagamento do preço de venda de veículos novos ou usados, o valor a ser computado na determinação mensal das bases de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, pagos por estimativa, da contribuição para o PIS/PASEP e da contribuição para o financiamento da seguridade social – COFINS será apurado segundo o regime aplicável às operações de consignação. § 1° Na determinação das bases de cálculo de que trata este artigo será computada a diferença entre o valor pelo qual o veículo usado houver sido alienado, constante da nota fiscal de venda, e o seu custo de aquisição, constante da nota fiscal de entrada. § 2° O custo de aquisição de veículo usado, nas operações de que trata esta Instrução Normativa, é o preço ajustado entre as partes.” “IN SRF Nº. 390/04. Art. 96. As pessoas jurídicas que tenham como objeto social, declarado em seus atos constitutivos, a compra e venda de veículos automotores poderão equiparar, para efeitos tributários, como operação de consignação, as operações de venda de veículos usados, adquiridos para revenda, bem assim dos recebidos como parte do preço da venda de veículos novos ou usados. § 1º Os veículos usados, referidos neste artigo, serão objeto de Nota Fiscal de Entrada e, quando da venda, de Nota Fiscal de Saída, sujeitando-se ao respectivo regime fiscal aplicável às operações de consignação. § 2º Considera-se receita bruta, para efeito deste artigo, a diferença entre o valor pelo qual o veículo usado tiver sido alienado, constante da nota fiscal de venda, e o seu custo de aquisição, constante da nota fiscal de entrada. § 3º Na determinação da base de cálculo estimada e do resultado presumido ou arbitrado, aplicar-se-á o percentual de 12% (doze por cento) sobre a receita bruta, definida no § 2º, auferida nos períodos de apuração ocorridos até 30 de agosto de 2003, e o percentual de 32% (trinta e dois por cento) para os períodos ocorridos a partir de 1º de setembro de 2003. § 4º O custo de aquisição de veículo usado, nas operações de que trata esta Seção, é o preço ajustado entre as partes. § 5º A pessoa jurídica deverá manter em boa guarda, à disposição da SRF, o demonstrativo de apuração da base de cálculo a que se refere o § 2º. § 6º As disposições desta Seção aplicam-se exclusivamente para efeitos fiscais.” Pois bem, como visto, o art. 5º da Lei nº. 9.716/98 equipara a compra e venda de veículos à consignação (isto é, consignação por comissão). É precisamente isto que referido dispositivo legal faz. E o faz, diga-se desde logo, sem ferir qualquer norma de superior hierarquia, pois é sabido e ressabido que a lei tributária pode equiparar institutos diversos para lhes dar o mesmo tratamento tributário, desde que os conceitos equiparados não se prestem à delimitação de competência dos entes tributantes (art. 110 do CTN). E todos sabem que a compra e venda por consignação (consignação por comissão) encerra entre o consignante e o consignatário uma relação de prestação de serviços, nos termos do art. 703 do Código Civil. Tudo o que o art. 96, § 3º, da IN SRF nº. 390/04 faz, portanto, é esclarecer as conseqüências da equiparação efetuada diretamente pela própria Lei nº. 9.716/98. Havendo a equiparação das operações de compra e venda de veículos com as operações de consignação, tem-se uma equiparação do próprio conceito de receita, que servirá de amparo para a determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, mediante aplicação dos coeficientes definidos. Destarte, a aplicação dos coeficientes referentes à prestação de serviços se impõe, sob pena de adoção parcial de regime jurídico. Caso haja algum vício na IN 390, o vício inquina todo o ato normativo, não apenas o art. 96 §3º, pelo que o afastamento do § 2º, que permite a dedução dos custos de aquisição. Quer dizer, a partir do momento em que a receita bruta oriunda da venda de veículos automotores passa a ser calculada nos moldes em que calculada a receita bruta advinda das operações de consignação, a aplicação do coeficiente para cálculo do lucro presumido referente a estas operações é medida que se impõe, também por força da interpretação sistemática da legislação. Não se trata de uma equiparação arbitrária entre dois institutos para mera aplicação de coeficiente diverso, de forma a aumentar ilegitimamente a exação tributária. Longe disto. Tem-se, ao contrário a previsão de um “microrregime tributário” diferenciado. Repise-se, o art. 5º da Lei nº. 9.716/98 determina a equiparação das operações de compra e venda com as de consignação, para fins tributários, do que decorre não só uma forma específica de determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL para as pessoas jurídicas que exerçam a atividade de compra e venda de veículos, forma esta assemelhada àquela utilizada pelas pessoas jurídicas prestadoras de serviços em geral, mas também no reenquadramento da referida atividade para os fins de aplicação do coeficiente. A equiparação legal, como é efetuada entre as operações, exige tratamento especial para ambos os passos para a determinação do lucro presumido: o cálculo da receita e a aplicação do coeficiente, o que deve ser feito utilizando-se o modo previsto para a “atividade paradigma”. Desta forma, como há uma alteração no regime relativo à base de cálculo, há conseqüente alteração no regime da alíquota aplicável, a fim de resguardar o tratamento isonômico entre as pessoas jurídicas: como a receita bruta, por este regime, é significadamente diminuída, o coeficiente aplicável é aumentado, a fim de aproximar a tributação pelo lucro presumido da tributação que resultaria da opção pelo lucro real, visto que o primeiro, apesar de ser simplificado, deve procurar sempre obter fidelidade ao regime do segundo, mesmo por exigência constitucional e do art. 43 do CTN. Isso fica claro quando se percebe que a receita bruta, para as operações em análise, será apenas a diferença apurada entre as operações de compra e venda. No regime comum de apuração da receita, esta seria calculada pelo valor total auferido pela venda, e não pela diferença. Em resumo: não havendo a equiparação com o regime das prestadoras de serviço (adotando-se, sempre, regime jurídico integral: ou o da IN 390, ou a afastando por inteiro): receita bruta “comum”, coeficiente de 8% para o IRPJ e 12% para a CSLL; havendo equiparação: receita bruta reduzida, coeficiente de 32% para o IRPJ e para a CSLL. Neste caso, basta um simples cálculo matemático para demonstrar o equívoco. Tomemos um exemplo: A empresa A adquiriu, num dado período, dois veículos por R$ 45.000 cada um e os revendeu por R$ 50.000 cada. Desta forma, pela regra da IN, teríamos: 50.000 + 50.000 – (45.000 + 45.000) = 10.000 x 32% (coeficiente) = 3.200 (base de cálculo de CSLL e IRPJ). Aplicando-se as alíquotas (9% e 15%, respectivamente) tem-se o valor total gasto 288 + 480 = R$ 768. Caso se aplique a regra geral, teríamos: base de cálculo da CSLL: 12% de 100.000 = 12.000, e base de cálculo do IRPJ 8% de 100.000 = 8.000. Aplicando-se as mesmas alíquotas, teríamos 1.080 (9% de 12.000) + 1.200 (15% de 8.000) =  R$ 2.280. Daí que a adoção, integral, do regime da IN 390, pela empresa A, resultaria em economia de R$ 1.512. Apenas para esclarecer, caso a empresa A adotasse o regime híbrido, teríamos: Receita bruta reduzida: 10.000 (como previsto na IN) Coeficientes: 8% e 12% (sem aplicação da IN) Resultado: base de cálculo da CSLL: 1.200 e base de cálculo do IRPJ 800 => total devido 108 + 120 = R$ 228. Ou seja, tese firmada permitiria, sem qualquer amparo legal, economia de R$ 540 pela empresa A. Ora, fica fácil perceber que insurgir-se contra a interpretação oficial da Lei que a Administração deixou consubstanciada no § 3º do art. 96 da IN 390/04, mas, convenientemente, deixando intacto o §2º, que traz o conceito reduzido de receita bruta para a atividade de compra e venda de veículos cuja norma já se encontrava prevista na IN 152/98, é aplicar um regime jurídico “pela metade”, sem qualquer fundamento, e como se de benefício fiscal se tratasse. Conclusão Por todo o exposto, percebe-se a higidez do “microrregime” tributário previsto pelo art. 96 da IN SRF nº. 390/04, que deve ser interpretado seu conjunto. Não só o instrumento que veicula a regra é apto a fazê-lo, como também o conteúdo da norma nada tem de antijurídico. Não se pode admitir a paradoxal situação em que a apuração de uma base de cálculo reduzida com a aplicação de uma alíquota igualmente reduzida, o que cria benefício fiscal sem prévia permissão legal.
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