[["Psicopatologia Geral"], ["Psicologia Compreensiva, Explicativa e Fenomenol\u00f3gica"], ["Karl Jaspers"], ["PREF\u00c1CIO"], ["\u00c0 2\u00aa EDI\u00c7\u00c3O BRASILEIRA", "\u00c9 com satisfa\u00e7\u00e3o que a LIVRARIA ATHENEU leva ao seu p\u00fablico leitor", "a 2.a edi\u00e7\u00e3o brasileira da grandiosa obra do professor Karl Jaspers: PSI- COPATOLOGIA GERAL. O livro foi traduzido com fidelidade da 9.a edi\u00e7\u00e3o alem\u00e3, pelo Dr. Samuel Penna Reis.", "Trata-se de obra eminentemente cl\u00e1ssica cujos conhecimentos postos \u00e0 prova dos tempos (sua 1\u00aa edi\u00e7\u00e3o data de 1911) cada vez mais se valori- zam. Seja pela forma original; abrangente e profunda que imprime aos conceitos psicopatol\u00f3gicos; seja pelo rigor e sistematiza\u00e7\u00e3o de seu arca- bou\u00e7o fenomenol\u00f3gico, seja finalmente, pela metodologia adequada, de que se vale para instrumentar os conhecimentos e a delimita\u00e7\u00e3o de seu objeto.", "\u00c9, pois, livro insuper\u00e1vel no seu g\u00eanero; trabalho de f\u00f4lego, pouco co- mum ao nosso tempo em que a tecnologia e a memoriza\u00e7\u00e3o prevalecem em detrimento da criatividade e da arte."], ["Estamos certos que sua leitura orientar\u00e1 a toda uma gera\u00e7\u00e3o de estu-", "dantes, esclarecendo-a sobre a melhor maneira de se relacionar com o universo fenomenol\u00f3gico, ao questionar sobre sua g\u00eanese e influencia\u00e7\u00f5es. A ensinar a sistematiza\u00e7\u00e3o como atividade intelectual consciente; fruto da pesquisa por analogias e dissemelhan\u00e7as. \u00c0 grupar segundo sistema de racioc\u00ednio l\u00f3gico, inteligente. E como ep\u00edlogo, a expressar o conhecimento em conceitos claros e terminologicamente precisos.", "N\u00e3o obstante sua metodologia, seus aspectos psicopatol\u00f3gicos e os da psicologia compreensiva, o livro do professor Jaspers traz em seu bojo te- souro maior \u2014 li\u00e7\u00e3o n\u00e3o muito atual, que o ato de pensar \u00e9 o ve\u00edculo co- mum ao progresso da investiga\u00e7\u00e3o, do conhecimento e do ensino."], ["Rio de Janeiro, janeiro de 1979"], ["Dr. Paulo da Costa Rzezinski"], ["\u00c0 1\u00aa EDI\u00c7\u00c3O BRASILEIRA"], ["Pode parecer estranho traduzir um livro m\u00e9dico quase sessenta anos", "ap\u00f3s a sua publica\u00e7\u00e3o. Casos an\u00e1logos t\u00eam sucedido. A obra de Eugen Bleuler \u201cDem\u00eancia precoce ou o grupo das esquizofrenias\u201d s\u00f3 alcan\u00e7ou o p\u00fablico de l\u00edngua inglesa quarenta anos depois de seu aparecimento em"], ["1911; e o de fala castelhana, com mais de sessenta anos de intervalo.", "O presente volume \u00e9 a tradu\u00e7\u00e3o da oitava edi\u00e7\u00e3o alem\u00e3, aparecida em", "1965, como reimpress\u00e3o da s\u00e9tima edi\u00e7\u00e3o, \u00faltima feita em vida de Jas- pers, quando vivia asilado em Basil\u00e9ia.", "O livro \u00e9, certamente, atual. Com a sua grande lucidez, Jasper lhe per-", "mitiria ampliar ou refazer a obra, de modo a dar-lhe nova vitalidade.", "Nos anos da segunda guerra, em Heidelberg, pudera consultar a biblio-", "teca de Cl\u00ednica Universit\u00e1ria e, assim, completar muitos aspectos, resul- tantes do enriquecimento da psiquiatria. \u00c9 esse o molde que a tradu\u00e7\u00e3o espanhola (ali\u00e1s pouco cuidada) divulgou entre as novas gera\u00e7\u00f5es psiqui\u00e1- tricas do Hemisf\u00e9rio.", "No entanto, a aplica\u00e7\u00e3o do m\u00e9todo fenomenol\u00f3gico e da psicologia com-", "preensiva permanecem o n\u00facleo denso e definitivo da obra, escrita em 1913, fruto da passagem, quase mete\u00f3rica, de um grande esp\u00edrito pela fa- mosa cl\u00ednica psiqui\u00e1trica de Heidelberg."], ["Que isso se tenha feito num local onde dominavam, no momento, a presen\u00e7a de Nissl e o prest\u00edgio da anatomia patol\u00f3gica nos faz pensar na extraordin\u00e1ria atmosfera espiritual da psiquiatria alem\u00e3, que permitiu a Karl Jaspers, nos anos de mocidade, escrever essa obra-prima, que a Li- vraria Atheneu traz, com a tradu\u00e7\u00e3o do Dr. Samuel Penna Aar\u00e3o Reis, ao estudo dos psiquiatras de l\u00edngua portuguesa.", "Estou certo de que a leitura da Psicopatologia Geral far\u00e1 um grande bem ensinar\u00e1 com corre\u00e7\u00e3o a import\u00e2ncia da perspectiva fenomenol\u00f3gica em Psiquiatria, colocar\u00e1 em seu lugar a compreens\u00e3o psicol\u00f3gica e prepa- rar\u00e1 o terreno para implantar os progressos vindos de outras \u00e1reas.", "Nessa certeza, sa\u00fado a iniciativa e espero venha a ter lugar obrigat\u00f3rio"], ["na biblioteca dos estudiosos da Psiquiatria, com P grande."], ["J. Leme Lopes"], ["\u00c0 S\u00c9TIMA EDI\u00c7\u00c3O", "O presente livro nasceu na Cl\u00ednica de Heidelberg. Sob a chefia de Nissl,", "Wilmanns, Gruhle, Wetzel, Homburger, Mayer-Gross e outros fundaram um c\u00edrculo de investiga\u00e7\u00f5es. No \u00e2mbito das investiga\u00e7\u00f5es de Nissl sobre o c\u00e9rebro, nasceram, ent\u00e3o, acompanhadas de violentas discuss\u00f5es, a feno- menologia e a psicologia compreensiva. Ambas eram ao mesmo tempo rea- lizadas e conscientizadas metodologicamente. A psicologia compreensiva se tornou hoje, alimentada por fontes em parte frut\u00edferas, em parte turvas,"], ["um setor indubit\u00e1vel da psiquiatria. Se, no entanto, o meu livro \u00e9 por ve- zes designado como representante da corrente fenomenol\u00f3gica ou da cor- rente de psicologia compreensiva, s\u00f3 em parte esta designa\u00e7\u00e3o \u00e9 correta, uma vez que o seu sentido \u00e9 mais compreensivo: a saber, o esclarecimento dos m\u00e9todos da psiquiatria em geral, de seus modos de concep\u00e7\u00e3o e de seus caminhos de investiga\u00e7\u00e3o. Pretende expor e analisar criticamente, por meio de uma reflex\u00e3o metodol\u00f3gica, todo o conhecimento das experi- \u00eancias feitas.", "S\u00f3 poderia realizar uma reelabora\u00e7\u00e3o do livro com base nos resultados"], ["da investiga\u00e7\u00e3o psiqui\u00e1trica dos \u00faltimos vinte anos, se vivesse, por um tempo como observador, numa cl\u00ednica a fim de refrescar e ampliar minha pr\u00f3pria concep\u00e7\u00e3o. Mesmo se alguma cl\u00ednica me facultasse, j\u00e1 n\u00e3o teria hoje for\u00e7as para faz\u00ea-lo. N\u00e3o obstante, o livro, em constante sa\u00edda, n\u00e3o foi naturalmente superado. S\u00e3o necess\u00e1rias sens\u00edveis amplia\u00e7\u00f5es da mat\u00e9ria, sobretudo no tocante \u00e0s investiga\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas e cerebrais. Todavia, os princ\u00edpios metodol\u00f3gicos de organiza\u00e7\u00e3o continuam largamente inaltera- dos com o aumento da mat\u00e9ria. Hoje, seria de certo poss\u00edvel escrever um livro melhor, mesmo sob o aspecto metodol\u00f3gico. Ser\u00e1 tarefa para um jo- vem pesquisador. Ele o conseguir\u00e1 se chegar a assimilar, ampliar e talvez transferir criticamente para um novo espa\u00e7o a consci\u00eancia metodol\u00f3gica aqui alcan\u00e7ada. Receberia com alegria um livro assim. At\u00e9 que apare\u00e7a, este velho livro continuar\u00e1 capacitado a ajudar o m\u00e9dico que desejar aprender a \u201cpensar\u201d psicopatologicamente."], ["Karl Jaspers, Basil\u00e9ia, maio de 1959"], ["\u00c0 QUARTA EDI\u00c7\u00c3O", "Continua inalterado o prop\u00f3sito do livro. A realiza\u00e7\u00e3o, no entanto, im- p\u00f4s uma completa reestrutura\u00e7\u00e3o. Esta se fez necess\u00e1ria tanto pela quan- tidade das investiga\u00e7\u00f5es levadas a efeito na Psico- patologia desde h\u00e1 vinte anos como pelo aprofundamento de meus pr\u00f3prios conhecimentos funda- mentais.", "O presente livro se prop\u00f4s um alto objetivo. Pretende satisfazer, com rela\u00e7\u00e3o a seu objeto, a exig\u00eancia de uma vontade universal de saber. Pre- tende servir aos m\u00e9dicos e a todos que lidam tematicamente com o ho- mem.", "A tarefa era apropriar-se do material elaborado na investiga\u00e7\u00e3o, obter e"], ["expor claramente um quadro geral. O que os psiquiatras em primeira li- nha, a seguir os internos, psic\u00f3logos, psicoterapeutas e, por fim, os bi\u00f3lo- gos e fil\u00f3sofos produziram em conhecimentos sobre a alma enferma do ho- mem, teve de ser pensado em suas estruturas fundamentais e unificado num organismo conforme \u00e0 realidade. O princ\u00edpio de unifica\u00e7\u00e3o foi o escla- recimento metodol\u00f3gico. Em todo seu alcance, esta tarefa s\u00f3 ser\u00e1 realizada sempre c em cada caso de modo imperfeito. Espero, no entanto, haver conseguido realiz\u00e1-la melhor do que antes.", "Agrade\u00e7o ao professor Kurt Schneider, de Munique. N\u00e3o s\u00f3 me estimu-", "lou com cr\u00edticas agudas e preciosas indica\u00e7\u00f5es como tamb\u00e9m encorajou meu trabalho com uma atitude positiva e exigente.", "Ao professor Oehlkers, de Friburgo, devo informa\u00e7\u00f5es e esclarecimen- tos em discuss\u00f5es sobre quest\u00f5es biol\u00f3gicas. O cap\u00edtulo sobre hereditarie- dade foi revisto e melhorado por ele.", "Agrade\u00e7o a meu editor, Dr. Ferdinand Springer. Sua vontade, expressa"], ["na primavera de 1941, de ver reelaborado por mim o livro, que ele e Will- manns encorajaram e estimularam h\u00e1 30 anos, bem como a liberalidade, com que deixou livre a magnitude da obra e o tempo do trabalho, desper- taram meu impulso. Ap\u00f3s algumas hesita\u00e7\u00f5es, vi-me progressivamente to- mado pela tarefa de, no lugar de uma simples reelabora\u00e7\u00e3o, projetar nova- mente toda a obra.", "O professor Carl Schneider facilitou-me o trabalho com a autoriza\u00e7\u00e3o de livre uso da biblioteca da Cl\u00ednica Neuropsiqui\u00e1trica de Heidelberg e com a prestimosidade, que demonstrou sempre, mesmo frente a dificuldades na aquisi\u00e7\u00e3o de livros. Por isso se fez credor de gratid\u00e3o."], ["Karl Jaspers, Heidelberg, julho de 1942.", "O livro terminado em julho de 1942 n\u00e3o p\u00f4de ser impresso. Agora apa-", "rece na forma que recebeu ent\u00e3o, sem altera\u00e7\u00f5es nem cortes.."], ["Karl Jaspers, Heidelberg, mar\u00e7o de 1946."], ["\u00c0 SEGUNDA E TERCEIRA EDI\u00c7\u00c3O", "... Numerosas s\u00e3o as generalidades difusas que arrastamos. Procurei esclarec\u00ea-las o mais poss\u00edvel. Todavia as inten\u00e7\u00f5es profundas, muitas ve- zes por elas expressas, n\u00e3o devem ser eliminadas e desaparecer, embora com isso n\u00e3o se alcance perfeita clareza.", "... Do lado m\u00e9dico se emitiu a opini\u00e3o de que o livro \u00e9 dif\u00edcil demais para estudantes uma vez que trata tamb\u00e9m dos problemas mais dif\u00edceis e"], ["mais adiantados. Em oposi\u00e7\u00e3o, atenho-me \u00e0 convic\u00e7\u00e3o de que ou se aprende uma ci\u00eancia completamente, i. \u00e9, tamb\u00e9m em seus problemas centrais, ou ent\u00e3o n\u00e3o se aprende de forma alguma. Considero prejudicial manter-se nos n\u00edveis baixos. Devem-se ter em conta os estudantes certos, que estudam pela coisa em si, mesmo que sejam a minoria. O professor tem de for\u00e7ar o estudante a elevar-se ao n\u00edvel de ci\u00eancia. Isso n\u00e3o se con- segue de forma alguma com comp\u00eandios e manuais que transmitem aos estudantes para a pr\u00e1tica uma apar\u00eancia fragment\u00e1ria e externa de co- nhecimento, que muitas vezes \u00e9 mais perigosa para a pr\u00e1tica do que o to- tal desconhecimento. N\u00e3o se deve mostrar apenas uma fachada da ci\u00ean- cia. Na decad\u00eancia da forma\u00e7\u00e3o e do trabalho intelectual de nossos dias, \u00e9 um dever n\u00e3o entrar em compromissos. O presente livro encontrou, real- mente, o caminho dos estudantes: sinto-me, pois, justificado em desejar que continue nas m\u00e3os de estudantes."], ["... No mais, o car\u00e1ter metodol\u00f3gico permaneceu decisivo. No dil\u00favio da \u201ccascata\u201d psicopatol\u00f3gica, deve se aprender a saber, o que se sabe e o que n\u00e3o se sabe, como, em que sentido e dentro de que limites se sabe alguma coisa, com que meios este saber foi adquirido e fundamentado. Pois o sa- ber n\u00e3o \u00e9 uma superf\u00edcie lisa de exatid\u00e3o igual e do mesmo valor. O saber e um conjunto de esp\u00e9cies muito diferentes de validade, import\u00e2ncia e es- s\u00eancia..."], ["\u00c0 PRIMEIRA EDI\u00c7\u00c3O", "O presente livro pretende dar uma vis\u00e3o panor\u00e2mica de todo o \u00e2mbito da Psicopatologia Geral, de seus fatos e de suas perspectivas, assim como proporcionar ao interessado um acesso \u00e0 bibliografia.", "Ao inv\u00e9s de expor resultados dogm\u00e1ticos, procura sobretudo introduzir nos problemas, nas quest\u00f5es e m\u00e9todos. Ao inv\u00e9s de um sistema fundado numa teoria, prefere oferecer uma disposi\u00e7\u00e3o baseada em reflex\u00f5es meto- dol\u00f3gicas."], ["Na Psicopatologia h\u00e1 uma s\u00e9rie de modos de considera\u00e7\u00e3o, um con-", "junto de caminhos paralelos, que s\u00e3o em si mesmos leg\u00edtimos, que se completam sem se prejudicarem. Meus esfor\u00e7os visam \u00e0 distin\u00e7\u00e3o, separar nitidamente os caminhos bem como a expor a pluridimensionalidade da Psicopatologia. Tentou-se indicar o lugar de todas as correntes emp\u00edricas, de todos os setores de interesse psicopatol\u00f3gico a fim de dar ao leitor \u2014 na medida do poss\u00edvel \u2014 uma vis\u00e3o real de toda a Psicopatologia e n\u00e3o de uma opini\u00e3o simplesmente pessoal, de uma escola ou da moda."], ["Em muitas partes n\u00e3o foi poss\u00edvel evitar o simples registro de fatos, at\u00e9", "aqui constatados mas ainda desconexos, e de alguns ensaios que at\u00e9 agora n\u00e3o passam de tentativas. Todavia, \u00e9 sempre perigoso aprender s\u00f3 o material: n\u00e3o se deve aprender Psicopatologia e sim a observar, perguntar, analisar, pensar psicopatologicamente. Queria ajudar o estudante a assi- milar um conhecimento ordenado, que ofere\u00e7a um ponto de liga\u00e7\u00e3o aos novos fen\u00f4menos observados, e lhe possibilite colocar no devido \u201clugar\" os novos conhecimentos a serem adquiridos."], ["Karl Jaspers, Heidelberg, abril de 1913."], ["INTRODU\u00c7\u00c3O", "Esta introdu\u00e7\u00e3o se prop\u00f5e apresentar o espa\u00e7o onde se move o conhe- cimento psicopatol\u00f3gico. N\u00e3o se trata de estabelecer os fundamentos em que se h\u00e1 de levantar o edif\u00edcio. Os fundamentos pr\u00f3prios dos diversos se- tores, cada cap\u00edtulo se encarregar\u00e1 de lan\u00e7ar. Tamb\u00e9m ainda n\u00e3o se vai relatar experi\u00eancias. O que se tentar\u00e1 aqui, \u00e9 discutir os modos das expe- ri\u00eancias e o sentido da Psicopatologia Geral."], ["\u00a7 1. Delimita\u00e7\u00e3o Da Psicopatologia Geral"], ["a) Psiquiatria como profiss\u00e3o pr\u00e1tica e psicopatologia como ci\u00eancia"], ["A pr\u00e1tica da profiss\u00e3o psiqui\u00e1trica se ocupa sempre do indiv\u00edduo hu- mano todo. \u00c9 um indiv\u00edduo humano todo que o psiquiatra tem sob sua as- sist\u00eancia, seus cuidados e tratamento ou que ele recebe para consultas. Como \u00e9 ainda de um indiv\u00edduo humano todo o laudo pericial que ele d\u00e1 ao tribunal ou a outras autoridades ou para a hist\u00f3ria. Aqui todo o trabalho se relaciona com um caso particular. N\u00e3o obstante, para satisfazer as exi- g\u00eancias decorrentes dos casos particulares, o psiquiatra lan\u00e7a m\u00e3o, como psicopatologista, de conceitos e princ\u00edpios gerais. Na profiss\u00e3o \u00e9 uma pes- soa viva que compreende e atua. Para ele a ci\u00eancia \u00e9 apenas um dos meios de aux\u00edlio. Enquanto para o psicopatologista a ci\u00eancia \u00e9 um fim em si mesma. Ele quer apenas conhecer e reconhecer, caracterizar e analisar mas n\u00e3o o indiv\u00edduo e sim o homem. J\u00e1 n\u00e3o pergunta pela utilidade de sua ci\u00eancia como meio de aux\u00edlio \u2014 isso ocorrer\u00e1 por si mesmo com o pro- gresso dos resultados. O que o preocupa, \u00e9 o conhecimento, a verdade, o que pode ser provado com rigor ou demonstrado com clareza. N\u00e3o procura a compreens\u00e3o e a empatia em si \u2014 isso para ele \u00e9 s\u00f3 material cuja ri- queza de desenvolvimento lhe \u00e9 indispens\u00e1vel. Pretende o que se pode ex- primir em conceitos, o que se pode comunicar, o que \u00e9 suscet\u00edvel de trans- formar-se em princ\u00edpio e se pode reconhecer em quaisquer circunst\u00e2ncias. Se, por um lado, tal prop\u00f3sito lhe imp\u00f5e limites, que deve reconhecer para n\u00e3o ultrapass\u00e1-los indevidamente, por outro, lhe permite um amplo dom\u00ed- nio de que tem o direito e o dever de tomar posse."], ["Seus limites consistem em jamais poder reduzir inteiramente o indiv\u00ed-", "duo humano a conceitos psicopatol\u00f3gicos. Quanto mais conceitualiza, quanto mais reconhece e caracteriza o t\u00edpico, o que se acha de acordo com os princ\u00edpios, tanto mais reconhece que, em todo indiv\u00edduo, se oculta algo", "que ele n\u00e3o pode conhecer. Como psicopatologista, basta saber da riqueza infinita de todo indiv\u00edduo, que nunca poder\u00e1 esgotar; independente disso, poder\u00e1, como homem, ver mais; ou quando outros veem esse \u201cmais\u201d, que \u00e9 algo incompar\u00e1vel, n\u00e3o deve imiscuir-se com psicopatologia. Sobretudo avalia\u00e7\u00f5es, \u00e9ticas, est\u00e9ticas, metaf\u00edsicas s\u00e3o de todo independentes de ava- lia\u00e7\u00f5es e classifica\u00e7\u00f5es psicopatol\u00f3gicas."], ["Mas mesmo abstraindo-se dessas avalia\u00e7\u00f5es, que nada t\u00eam a ver com psicopatologia, ainda desempenham um papel importante na pr\u00e1tica pro- fissional opini\u00f5es instintivas, uma intui\u00e7\u00e3o pessoal que nunca se pode co- municar. Ressalta-se que, em muitos aspectos, a psicopatologia ainda n\u00e3o alcan\u00e7ou o n\u00edvel de ci\u00eancia. \u00c9 a \u201chabilidade\u201d que ent\u00e3o prevalece. A ci\u00eancia requer um pensamento conceituai que seja sistem\u00e1tico e possa ser comu- nicado. S\u00f3 na medida em que se tenha desenvolvido um pensamento desse tipo, pode haver psiquiatria como ci\u00eancia. O que na psiquiatria for habilidade e arte, que n\u00e3o se pode exprimir e sim no m\u00e1ximo transmitir a pessoas receptivas atrav\u00e9s de um trato pessoal, n\u00e3o ser\u00e1 tampouco objeto de exposi\u00e7\u00e3o num livro nem, naturalmente, se pode esperar de livros. O ensino da psiquiatria \u00e9 mais do que a transmiss\u00e3o de conhecimentos con- ceituais. \u00c9 mais do que ensino cient\u00edfico. Um livro de psicopatologia s\u00f3 pode oferecer ci\u00eancia e s\u00f3 tem valor enquanto o fizer. Sabendo claramente da import\u00e2ncia da habilidade para a pr\u00e1tica e para toda an\u00e1lise de casos individuais, pretendemos limitar-nos aqui conscientemente ao que se pode tratar de modo cient\u00edfico."], ["Mas tamb\u00e9m o dom\u00ednio da psicopatologia se estende a todo fen\u00f4meno ps\u00edquico que se possa, apreender em conceitos de significa\u00e7\u00e3o constante e com possibilidades de comunica\u00e7\u00e3o. Pouco importa que o mesmo fen\u00f4- meno, objeto de percep\u00e7\u00e3o est\u00e9tica, avalia\u00e7\u00e3o \u00e9tica ou interesse hist\u00f3rico, seja tamb\u00e9m investigado de modo psicopatol\u00f3gico. Trata-se de dois mun- dos que nada t\u00eam a ver um com o outro. De resto entre habilidade e ci\u00ean- cia n\u00e3o h\u00e1 fronteiras definidas. Ao contr\u00e1rio, as fronteiras da ci\u00eancia sem- pre mais invadem o terreno da habilidade. Mas com isso a habilidade n\u00e3o \u00e9 suprimida. Adquire antes novos horizontes. Onde, por\u00e9m, \u00e9 poss\u00edvel ci- \u00eancia. sempre a preferimos \u00e0 habilidade. Sempre que puder ser substitu- \u00edda pela ci\u00eancia, desautorizamos a habilidade pessoal intuitiva, que, natu- ralmente, se engana muitas vezes."], ["O objeto da psicopatologia \u00e9 o fen\u00f4meno ps\u00edquico realmente consci- ente. Queremos saber o que os homens vivenciam e como o fazem. Preten- demos conhecer a envergadura das realidades ps\u00edquicas. E n\u00e3o queremos investigar apenas as viv\u00eancias humanas em si mas tamb\u00e9m as condi\u00e7\u00f5es"], ["e causas de que dependem os nexos em que se estruturam, as rela\u00e7\u00f5es em que se encontram, e os modos em que, de alguma maneira, se exterio- rizam objetivamente. Mas nem todos os fen\u00f4menos ps\u00edquicos constituem nosso objeto. Apenas os \u201cpatol\u00f3gicos\u201d. Assim como, na medicina som\u00e1tica, se duvida, a respeito de uma quest\u00e3o particular, se seu objeto \u00e9 fisiol\u00f3gico ou patol\u00f3gico, e de fato a fisiologia e patologia dependem uma da outra, trabalham com os mesmos conceitos fundamentais e se entrela\u00e7am mutu- amente sem limites distintos, assim tamb\u00e9m a psicologia e a psicopatolo- gia n\u00e3o est\u00e3o, em princ\u00edpio, separadas. Pertencem uma \u00e0 outra e apren- dem mutuamente uma com a outra. N\u00e3o existem limites precisos entre ambas e muitas quest\u00f5es s\u00e3o tratadas igualmente por psic\u00f3logos como por psicopatologistas. Isso se deve ao fato de o conceito de doen\u00e7a n\u00e3o ser uniforme. H\u00e1 v\u00e1rios conceitos de enfermidade e todos aqueles que, teorica- mente, se pode apreender de maneira precisa, t\u00eam de admitir, quando aplicados \u00e0 realidade, casos fronteiri\u00e7os e transi\u00e7\u00f5es. N\u00e3o damos nenhum valor a um conceito preciso de enfermidade mental e, na escolha do mate- rial, atemo-nos sobretudo ao costume da divis\u00e3o de trabalho at\u00e9 aqui em vigor. N\u00e3o damos nenhuma import\u00e2ncia quando se diz que muitas outras coisas tamb\u00e9m s\u00e3o m\u00f3rbidas ou que isso ou aquilo n\u00e3o o \u00e9. S\u00f3 na \u00faltima parte \u00e9 que vamos discutir o conceito de enfermidade. J\u00e1 de antem\u00e3o con- fessamos que, muitas vezes, separamos com certa arbitrariedade o mate- rial do \u00e2mbito global da psicologia \u00e0 qual a psicopatologia pertence como a fisiologia patol\u00f3gica pertence \u00e0 fisiologia."], ["b) Psicopatologia e psicologia", "A psicologia estuda a vida ps\u00edquica denominada normal. Em princ\u00edpio, o estudo. da psicologia \u00e9 t\u00e3o necess\u00e1rio ao psicopatologista como o estudo da fisiologia para o patologista som\u00e1tico. De fato, por\u00e9m, isso n\u00e3o ocorre em muitos casos. \u00c9 que a psicopatologia investiga muitos fatos cujos cor- respondentes \u201cnormais\u201d ainda n\u00e3o foram estabelecidos pela psicologia e, em muitos casos, o psicopatologista, buscando em v\u00e3o conselho com o psic\u00f3logo, tem que fazer sua pr\u00f3pria psicologia. Dentro de uma limita\u00e7\u00e3o por demais estreita, a psicologia oficial se ocupa quase s\u00f3 de processos t\u00e3o elementares que quase nunca apresentam dist\u00farbios nas enfermidades propriamente mentais. Alteram-se apenas em les\u00f5es neurol\u00f3gicas do c\u00e9re- bro. O psiquiatra necessita de uma psicologia de horizonte mais largo, tal como lhe \u00e9 legada pelo pensamento psicol\u00f3gico dos s\u00e9culos e que nova- mente come\u00e7a a fazer-se estrada nas esferas oficiais."], ["c) Psicopatologia e medicina som\u00e1tica.", "Dissemos que o objeto da psicopatologia eram os fen\u00f4menos ps\u00edquicos"], ["reais, suas condi\u00e7\u00f5es, suas causas e consequ\u00eancias. A investiga\u00e7\u00e3o dos nexos e contextos leva necessariamente \u00e0 representa\u00e7\u00e3o te\u00f3rica de meca- nismos extraconscientes e, em muitos casos, a processos palpavelmente som\u00e1ticos, como causas mais remotas dos fen\u00f4menos ps\u00edquicos. Corpo e alma formam uma unidade indissol\u00favel que se estende a todos os proces- sos. Acham-se numa rela\u00e7\u00e3o de troca rec\u00edproca muito mais penetrante na psicopatologia do que na psicologia normal. De um lado fen\u00f4menos som\u00e1- ticos, que geralmente se consideram puramente som\u00e1ticos, dependem tamb\u00e9m de processos ps\u00edquicos, p.ex. os processos de digest\u00e3o, a mens- trua\u00e7\u00e3o, todo o estado de alimenta\u00e7\u00e3o, em certas circunst\u00e2ncias at\u00e9 a grande maioria das fun\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas. De outro lado, os processos ps\u00edqui- cos mais elevados s\u00e3o parcialmente causados por condi\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas. Estas- rela\u00e7\u00f5es tiveram por consequ\u00eancia uma liga\u00e7\u00e3o estreita da psicopa- tologia com a medicina som\u00e1tica. Mesmo abstraindo-se, de todo, do fato de que o tratamento dos indiv\u00edduos exige evidentemente uma profunda forma\u00e7\u00e3o m\u00e9dica n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel obter-se uma vis\u00e3o das causas dos pro- cessos ps\u00edquicos sem o conhecimento das fun\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas, sobretudo da fisiologia do sistema nervoso. Desta maneira a neurologia, a medicina interna e a fisiologia s\u00e3o as ci\u00eancias auxiliares mais importantes da psico- patologia."], ["Apesar da depend\u00eancia entre a investiga\u00e7\u00e3o das fun\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas, in-"], ["clusive as fun\u00e7\u00f5es mais elevadas do c\u00f3rtex cerebral, e a investiga\u00e7\u00e3o da vida ps\u00edquica, n\u00e3o obstante a unidade \u00edntima ineg\u00e1vel do ps\u00edquico e do so- m\u00e1tico, n\u00e3o se deve esquecer, por\u00e9m, que ambas as s\u00e9ries de investiga\u00e7\u00e3o nunca se encontram de maneira que se pudesse falar de uma ordena\u00e7\u00e3o de determinados processos ps\u00edquicos para determinados processos som\u00e1- ticos, de um paralelismo entre fen\u00f4menos ps\u00edquicos e fen\u00f4menos som\u00e1ti- cos. \u00c9 como se um continente desconhecido fosse investigado por dois la- dos, mas as expedi\u00e7\u00f5es de investiga\u00e7\u00e3o nunca se encontrassem, uma vez que haveria sempre entre elas uma larga faixa impenetr\u00e1vel. Das cadeias causais entre o ps\u00edquico e o som\u00e1tico sempre s\u00f3 conhecemos os elos fi- nais. De ambos os lados \u00e9 que se avan\u00e7a. A neurologia descobriu que o c\u00f3rtex cerebral juntamente com o t\u00e1lamo constitui o \u00f3rg\u00e3o som\u00e1tico mais subordinado ao ps\u00edquico, e chegou, na doutrina das afasias, agnosias e apraxias \u00e0s etapas mais altas no curso de suas investiga\u00e7\u00f5es. Todavia, quase parece que, quanto mais ela avan\u00e7a tanto mais dela se esquiva o ps\u00edquico. A psicopatologia segue o ps\u00edquico at\u00e9 aos limites da consci\u00eancia,"], ["mas nestes limites n\u00e3o consegue encontrar, de forma alguma, processos som\u00e1ticos diretamente correlacionados com as ideias delirantes que sur- gem espontaneamente, com os afetos espont\u00e2neos, com as alucina\u00e7\u00f5es etc. Em in\u00fameros casos, que aumentam com o progresso do conheci- mento, p\u00f5e-se a causa das altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas nas enfermidades cere- brais, mas logo aparece que nenhuma altera\u00e7\u00e3o ps\u00edquica determinada se acha vinculada com estas enfermidades cerebrais e sim, ao contr\u00e1rio, que nelas ocorrem quase todas as altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas poss\u00edveis, embora a fre- qu\u00eancia varie (p.ex. na paralisia)."], ["Em resumo, segue-se dessas observa\u00e7\u00f5es que \u00e9 absolutamente neces- s\u00e1rio pensar na investiga\u00e7\u00e3o de altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas em causas som\u00e1ticas. Como a neurologia e a medicina interna t\u00eam que ser estudadas indepen- dentemente por todo psicopatologista, n\u00e3o trataremos aqui, em poucas li- nhas, sempre insuficientes, de quest\u00f5es pertinentes \u00e0 neurologia e \u00e0 medi- cina interna. Ser\u00e3o melhor estudadas nos in\u00fameros livros especializados (a investiga\u00e7\u00e3o neurol\u00f3gica, a teoria dos dist\u00farbios pupilares, dos reflexos, da sensibilidade e motilidade). Al\u00e9m disso, nos libertamos em princ\u00edpio da servid\u00e3o em que os conceitos, a investiga\u00e7\u00e3o e a concep\u00e7\u00e3o psicopatol\u00f3gi- cos se encontravam frente \u00e0 neurologia e \u00e0 medicina \u2014 devido ao dogma: \u201cenfermidades ps\u00edquicas s\u00e3o enfermidades cerebrais\u201d. Nossa tarefa cient\u00ed- fica n\u00e3o \u00e9 construir uma sistem\u00e1tica nos moldes da neurologia acompa- nhada de uma constante preocupa\u00e7\u00e3o com o c\u00e9rebro \u2014 uma constru\u00e7\u00e3o que sempre se tornou fant\u00e1stica e superficial \u2014 mas desenvolver perspec- tivas visando a investigar quest\u00f5es e problemas, conceitos e contextos a partir dos pr\u00f3prios fen\u00f4menos psicopatol\u00f3gicos. Naturalmente surgir\u00e3o em muitos lugares nexos estreitos com problemas neurol\u00f3gicos (algumas defi- ci\u00eancias ps\u00edquicas particulares dependem de afec\u00e7\u00f5es cerebrais localiz\u00e1- veis: afasias etc. Muitas enfermidades mentais s\u00e3o determinadas por do- en\u00e7as cerebrais: paralisia, arteriosclerose etc., muitas outras o s\u00e3o hipote- ticamente: dementia praecox)."], ["d) Metodologia, Filosofia.", "De modo especial a psicopatologia est\u00e1 estreitamente ligada \u00e0 psicolo- gia e \u00e0 medicina som\u00e1tica. Mas, como toda ci\u00eancia, tamb\u00e9m ela possui re- la\u00e7\u00f5es mais remotas com todos os demais setores do conhecimento hu- mano. Um dentre eles ressaltamos aqui devido \u00e0 sua particular import\u00e2n- cia: a forma\u00e7\u00e3o metodol\u00f3gica que se adquire no ensino filos\u00f3fico."], ["Tanto na psicologia quanto na psicopatologia talvez n\u00e3o se possa afir- mar nada ou quase nada que n\u00e3o seja, de alguma maneira, contestado. Por isso, se algu\u00e9m pretende estabelecer a raz\u00e3o de suas afirma\u00e7\u00f5es e des- cobertas e elev\u00e1-las acima da onda de intui\u00e7\u00f5es psicol\u00f3gicas di\u00e1rias, ter\u00e1 tamb\u00e9m de empreender reflex\u00f5es metodol\u00f3gicas. E n\u00e3o se contestam ape- nas afirma\u00e7\u00f5es particulares, mas todo e qualquer m\u00e9todo. J\u00e1 \u00e9 muito quando dois pesquisadores concordam sobre o m\u00e9todo e s\u00f3 discordam so- bre os resultados estabelecidos, de um modo, nesse caso, produtivo. Com- parada com essa situa\u00e7\u00e3o a investiga\u00e7\u00e3o som\u00e1tica na psiquiatria segue hoje em dia um curso firmemente estabelecido e continuamente progres- sivo. Numerosos colaboradores buscam os mesmos resultados na histolo- gia do sistema nervoso central, serologia etc. Ao contr\u00e1rio, na psicopatolo- gia contesta-se \u00e0s vezes at\u00e9 sua possibilidade. Surgiram vozes que afirma- vam n\u00e3o se ter feito, de h\u00e1 muito, nenhum progresso nem se poder faz\u00ea-lo, visto tratar-se sempre de uma \u201cpsicologia vulgar\u201d, \u00fatil para fins psiqui\u00e1tri- cos e j\u00e1 conhecida dos antigos psiquiatras. Para progredir no terreno ps\u00ed- quico, aferra-se a fen\u00f4menos som\u00e1ticos recentes ou espera-se tudo de ex- perimentos em que se revela algo mensur\u00e1vel, vis\u00edvel, uma curva. Somente uma coisa n\u00e3o realizam estes cr\u00edticos: nunca praticam an\u00e1lise psicol\u00f3gica nem utilizam o esfor\u00e7o do pensamento, sempre consider\u00e1vel, de resto. Tal esfor\u00e7o ainda \u00e9 necess\u00e1rio na arte da observa\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica a fim de se obterem conceitos e distin\u00e7\u00f5es suficientemente claros, fundamento de todo conhecimento ulterior."], ["Nessa situa\u00e7\u00e3o \u00e9 compreens\u00edvel que todo psicopatologista se veja for- \u00e7ado a fazer metodologia. Por essa mesma raz\u00e3o n\u00e3o poderemos tamb\u00e9m neste livro prescindir de observa\u00e7\u00f5es metodol\u00f3gicas. Onde se contesta urge defender e esclarecer. Uma ci\u00eancia discutida deve mostrar-se em pri- meiro lugar atrav\u00e9s de resultados efetivos e, especialmente quando se trata de resultados n\u00e3o facilmente acess\u00edveis, deve proceder tamb\u00e9m por meio de fundamenta\u00e7\u00f5es metodol\u00f3gicas contra obje\u00e7\u00f5es metodol\u00f3gicas."], ["Independente disso, um estudo mais profundo da filosofia n\u00e3o apre- senta sem d\u00favida nenhum valor positivo para o conhecimento concreto do psicopatologista. Evidentemente nada poder\u00e1 ele apreender da filosofia para sua ci\u00eancia, nada que possa de certa forma transferir. Todavia, \u00f3 es- tudo da filosofia tem em primeiro lugar um valor negativo. Quem se esfor- \u00e7ou por pensar a fundo a filosofia cr\u00edtica, acha-se protegido contra in\u00fame- ros questionamentos falsos, contra discuss\u00f5es sup\u00e9rfluas e preconceitos obsedantes que n\u00e3o raro na psicopatologia desempenham um papel em mentes n\u00e3o filos\u00f3ficas. Em segundo lugar, o estudo da filosofia possui um", "valor positivo para a atitude humana do psicopatologista na pr\u00e1tica e para a clareza de seus motivos de conhecimento."], ["\u00a7 2. Alguns Conceitos Fundamentais", "Nosso tema \u00e9 o homem todo em sua enfermidade. Trata-se de enfermi-"], ["dade ps\u00edquica ou psiquicamente determinada."], ["Quem soubesse o que \u00e9 a alma humana, de que elementos se comp\u00f5e, quais as for\u00e7as que, em \u00faltima inst\u00e2ncia, a movem, partiria de um projeto da estrutura ps\u00edquica. Anteciparia, em suas grandes linhas, o que depois seria elaborado em seus pormenores. Para quem a alma \u00e9 algo de infinita- mente vasto, por\u00e9m, cuja totalidade n\u00e3o se pode abarcar de maneira al- guma, na qual se penetra, investigando por v\u00e1rias vias, para este n\u00e3o ha- ver\u00e1 nenhum projeto de totalidade. N\u00e3o conhecemos nenhum conceito fundamental que possa conceber o homem exaustivamente. Nenhuma teo- ria em que se possa apreender, como um acontecimento objetivo, toda a sua realidade. Por isso a atitude cient\u00edfica fundamental \u00e9 estar aberto para todas as possibilidades de investiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica. \u00c9 resistir a toda tentativa de reduzir o homem, por diz\u00ea-lo assim, a um denominador comum. Ao in- v\u00e9s de um projeto do todo, discutiremos previamente apenas alguns hori- zontes em que a realidade ps\u00edquica se nos oferece."], ["Em primeiro lugar, nosso tema \u00e9 o homem. O que significa para a do- en\u00e7a n\u00e3o ser o homem um animal? \u2014 Em segundo- lugar, nosso tema \u00e9 a alma do homem. Como a alma se objetiva, \u00e9, se nos torna objetiva? \u2014 Em terceiro lugar, a alma \u00e9 consci\u00eancia. O que quer dizer consci\u00eancia e in- consciente? \u2014 Em quarto lugar, a alma n\u00e3o \u00e9 urna coisa, mas um ser no seu mundo. O que significa mundo interno e mundo ambiente? \u2014 Em quinto lugar, a alma n\u00e3o \u00e9 um ser est\u00e1tico e definitivo, mas um vir-a-ser, um desenvolvimento, uma evolu\u00e7\u00e3o. O que significa a diferencia\u00e7\u00e3o da vida ps\u00edquica?"], ["a) Homem e animal."], ["Como objeto da anatomia, fisiologia, farmacologia, patologia e terapia", "som\u00e1tica, o homem, para o m\u00e9dico, mal se distingue do animal. Em psico- patologia, ao contr\u00e1rio, o problema do homem est\u00e1, pode-se dizer, perma- nentemente presente. O esp\u00edrito e a alma atuam em todas as enfermida- des ps\u00edquicas.", "Discute-se se h\u00e1 doen\u00e7a mental nos animais. Os animais t\u00eam doen\u00e7as", "nervosas e cerebrais. Assim, em coelhos, pode-se investigar a hereditarie- dade da siringomielia. H\u00e1 fen\u00f4menos como o do cavalo arisco, o da cha- mada hipnose animal (que nada tem a ver com a hipnose humana), das rea\u00e7\u00f5es de medo. Encontram- se \u201cpsicoses sintom\u00e1ticas\u2019\u2019 provocadas por enfermidades cerebrais, org\u00e2nicas: dist\u00farbios da percep\u00e7\u00e3o, da est\u00e1tica nos movimentes, altera\u00e7\u00f5es no \u201cser\u201d, no andar, no morder, apatias etc."], ["Um exemplo: em insufici\u00eancia das gl\u00e2ndulas tireoide, provocadas expe-"], ["rimentalmente, c\u00e3es e gatos apresentam muitas vezes comportamentos tais que Blum, referindo suas observa\u00e7\u00f5es, fala de uma \u201czona de contacto entre manifesta\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas motoras e ps\u00edquicas\u201d. Observou \u201cataques de f\u00faria em que um gato corria, como um possesso, pelo est\u00e1bulo, subia pela parede lisa, atacava e mordia outro gato manso, para por fim cair extenu- ado\u201d. Observou ainda c\u00e3es e gatos \u201cmanterem-se em posi\u00e7\u00f5es estranhas ou inc\u00f4modas, para depois de, chofre moverem-se repentinamente; anda- rem de um modo que nunca se v\u00ea em animais normais, marchando com passo de cavalo ou de parada marcial, ou manterem por algum tempo a cabe\u00e7a em riste como um touro que arremeter, ou cambalearem at\u00e9 cai, andarem ou arrastarem-se de costas mesmo quando deveriam perceber o obst\u00e1culo da parede; \u2014 um c\u00e3o- num del\u00edrio alucinat\u00f3rio fareja e olha fi- xamente para onde n\u00e3o h\u00e1 nada o que se perceber. Muitas vezes escava o metal da gaiola ou enterra o focinho num lugar vazio, latindo, e indiferente ao inundo ambiente. o gato segue com os olhos evidentemente uma vis\u00e3o, d\u00e1 patadas no ar e puxa lentamente a pata\u201d."], ["Uma doen\u00e7a mental \u201cfuncional\u201d em sentido pr\u00f3prio ainda n\u00e3o foi des- crita nos animais (sobretudo n\u00e3o tem fundamento a doutrina da histeria dos animais). Em todas as ra\u00e7as humanas encontram-se casos de esqui- zofrenia e ciclotimia, nunca, por\u00e9m, entre animais. \u201cN\u00e3o est\u00e1 provado que haja nos animais doen\u00e7as mentais, especialmente as heredit\u00e1rias\u201d, diz Lu- xenburger que, com raz\u00e3o, se op\u00f5e \u00e0s \u201cinterpreta\u00e7\u00f5es antropom\u00f3rficas do animal\u201d. O contraste com a medicina som\u00e1tica \u00e9 extraordin\u00e1rio. A quest\u00e3o sobre o que h\u00e1 de fundamentalmente humano nas doen\u00e7as mentais, obriga a ver-se nelas n\u00e3o um fen\u00f4meno geral da natureza, mas um fen\u00f4- meno natural especificamente humano. Onde o homem \u00e9 homem em sen- tido pr\u00f3prio, l\u00e1 tamb\u00e9m n\u00e3o h\u00e1 analogia com o animal.", "O homem ocupa uma posi\u00e7\u00e3o especial. Com ele entrou no mundo algo"], ["absolutamente diverso do animal. A quest\u00e3o \u00e9 saber o que \u00e9 esse algo. Embora, quanto a seu corpo, possa ser enquadrado dentro das classifica- \u00e7\u00f5es zool\u00f3gicas, o homem apresenta, mesmo anatomicamente, caracteres"], ["som\u00e1ticos pr\u00f3prios: n\u00e3o apenas o andar ereto e outras caracter\u00edsticas par- ticulares, mas talvez at\u00e9 uma constitui\u00e7\u00e3o som\u00e1tica espec\u00edfica que, entre todas as formas de vida, lhe conserva mais possibilidades e \u00e9 menos espe- cializada do que qualquer outra. Como express\u00e3o do ser humano, o corpo o distingue com certeza de todos os animais. Psiquicamente o homem \u00e9 um salto completo. Os animais nem choram nem riem. A intelig\u00eancia dos macacos n\u00e3o \u00e9 esp\u00edrito. N\u00e3o \u00e9 pensamento verdadeiro, mas apenas aquela aten\u00e7\u00e3o astuta que, no homem, \u00e9 condi\u00e7\u00e3o pr\u00e9via do pensamento, nunca o pr\u00f3prio pensamento. De h\u00e1 muito, se consideram tra\u00e7os essenciais do homem a liberdade, a reflex\u00e3o, o esp\u00edrito. O animal tem seu destino natu- ral, que se cumpre automaticamente pelas leis da natureza. O homem, al\u00e9m disso, possui um destino cujo cumprimento \u00e9 entregue a ele mesmo. Mas o homem nunca \u00e9 um ser puramente espiritual. At\u00e9 \u00e0s m\u00edni- mas ra- mifica\u00e7\u00f5es de seu esp\u00edrito, \u00e9 determinado pelas necessidades da natureza. Como seres puramente espirituais, \u00e9pocas passadas imaginaram e cons- tru\u00edram a exist\u00eancia dos anjos. O homem n\u00e3o \u00e9 nem anjo nem animal. Si- tuando-se entre ambos, possui as determina\u00e7\u00f5es de ambos sem, no en- tanto, poder ser nenhum dos dois."], ["Uma outra quest\u00e3o \u00e9 saber como essa posi\u00e7\u00e3o especial do homem de- termina tamb\u00e9m a sua enfermidade. Nas doen\u00e7as som\u00e1ticas \u00e9 t\u00e3o seme- lhante ao animal que investiga\u00e7\u00f5es em animais ajudam sempre a compre- ender sua vitalidade som\u00e1tica, embora nada possa ser transferido sem mais, de maneira absolutamente id\u00eantica. O conceito de enfermidade mental, por\u00e9m, recebe no homem uma dimens\u00e3o inteiramente nova. O n\u00e3o ser acabado, o ser aberto e livre, a possibilidade ilimitada constitui para o homem fundamento de doen\u00e7a. Em compara\u00e7\u00e3o com os animais, \u00e9 para ele vitalmente imposs\u00edvel uma perfei\u00e7\u00e3o origin\u00e1ria. O homem deve conquist\u00e1-la como forma de sua vida. N\u00e3o \u00e9 um mero resultado. \u00c9 para si mesmo uma tarefa. No que \u00e9 um simples bom resultado, est\u00e1 mais pr\u00f3- ximo do animal.", "Em todo caso, para a psicopatologia \u00e9 evidente que o objeto de todos os"], ["seus campos de investiga\u00e7\u00e3o \u00e9 sempre o homem como homem. Observa- \u00e7\u00f5es em animais n\u00e3o dizem aqui nada de essencial. E h\u00e1 ainda um limite: o que acontece no homem produzido por doen\u00e7a mental, n\u00e3o se esgota com as categorias da investiga\u00e7\u00e3o cient\u00edfica. O homem, como criador de obras do esp\u00edrito, como crente religioso, como ser de a\u00e7\u00f5es morais trans- cende o que se possa saber e conhecer dele em pesquisas emp\u00edricas.", "A psicologia e a psicopatologia animal \u2014 na medida em que existam \u2014"], ["s\u00e3o de interesse pelos seguintes motivos: em primeiro lugar, ensinam a co- nhecer os fen\u00f4menos fundamentais da vida, que se encontram tamb\u00e9m no homem, e, em raz\u00e3o deste horizonte, a julgar mais objetivamente: os cos- tumes, a aprendizagem, os reflexos condicionados, os automatismos, o comportamento na tentativa e erro, os coeficientes particulares de inteli- g\u00eancia (W. Koehler, Intelligenzprufungen an Anthropoideri). Em segundo lugar, ensinam o que h\u00e1 de pr\u00f3prio e especificamente diferente nos ani- mais e nos mostram que nenhuma dessas formas animais \u00e9 precursora do homem. S\u00e3o todas outros tantos ramos da grande \u00e1rvore da vida. Em con- traste com elas, podemos aproximar-nos mais da concep\u00e7\u00e3o do que \u00e9 es- pecificamente humano."], ["b) A objetiva\u00e7\u00e3o da alma."], ["S\u00f3 podemos conceber e investigar o que se nos tornou objetivo. Como tal, a alma n\u00e3o \u00e9, de forma alguma, objeto. Toma-se objeto atrav\u00e9s daquilo em que ela se mostra percept\u00edvel no mundo: nos fen\u00f4menos som\u00e1ticos concomitantes, nas express\u00f5es intelig\u00edveis, no comportamento, nas a\u00e7\u00f5es. Mostra-se ainda nas comunica\u00e7\u00f5es pela linguagem, nas quais diz o que pensa e pretende, produz obras. Em todos esses fatos, que podem ser constatados no mundo, deparam-se-nos efeitos da alma. S\u00e3o fen\u00f4menos nos quais percebemos diretamente a alma ou a partir dos quais chegamos at\u00e9 ela. A alma n\u00e3o \u00e9 para n\u00f3s objeto. Experimentamos sem d\u00favida a alma em novas viv\u00eancias conscientes e representamos as viv\u00eancias alheias seja por manifesta\u00e7\u00f5es objetivas ou seja pela comunica\u00e7\u00e3o de outros. Mas tam- b\u00e9m essas viv\u00eancias s\u00e3o fen\u00f4menos. Sem d\u00favida podemos tomar a alma objetiva atrav\u00e9s de imagens e compara\u00e7\u00f5es. De fato, por\u00e9m, continuar\u00e1 sendo o horizonte (das Umgreifende), que n\u00e3o se torna objeto, mas a partir do qual todos os fatos particulares objetivados se nos apresentam. Escla- re\u00e7amos ainda que a alma n\u00e3o \u00e9 uma coisa e que j\u00e1 se falar de \u201calma\u201d in- duz a erro de observa\u00e7\u00e3o: l.\u00b0, a alma significa a consci\u00eancia mas tamb\u00e9m, e sob determinadas perspectivas, at\u00e9 essencialmente, \u00e9 o inconsciente. 2\u00b0, a alma n\u00e3o pode ser concebida como um objeto com propriedades mas como ser no seu mundo, como uma totalidade de mundo interior e mundo ambiente. 3.\u00b0, a alma \u00e9 vir-a-ser, desenvolvimento, diferencia\u00e7\u00e3o, nada de definitivo e acabado."], ["c) A consci\u00eancia e o inconsciente.", "Consci\u00eancia possui tr\u00eas significados: \u00e9, em primeiro lugar, a interiori- dade de uma viv\u00eancia e, como tal, se op\u00f5e \u00e0 falta de consci\u00eancia e ao que \u00e9", "extra- consciente. \u00c9, em segundo lugar, uma consci\u00eancia objetiva, um sa- ber de alguma coisa e se op\u00f5e, como tal, a uma viv\u00eancia interior como o inconsciente que n\u00e3o conhece ainda a divis\u00e3o em eu e objeto. \u00c9, em ter- ceiro lugar, autorreflex\u00e3o, consci\u00eancia de si mesmo e se op\u00f5e, como tal, ao inconsciente que eu vivo na divis\u00e3o, sujeito-objeto, com conte\u00fados intenci- onados mas de cuja viv\u00eancia n\u00e3o tenho conhecimento expresso nem presto aten\u00e7\u00e3o a isso.", "A consci\u00eancia \u00e9 a manifesta\u00e7\u00e3o indispens\u00e1vel da alma, se por consci- \u00eancia se entende toda forma de interioridade vivida, mesmo 'quando falta a divis\u00e3o de eu e objeto e h\u00e1 apenas um simples sentir que n\u00e3o \u00e9 consciente nem do objeto nem de si mesmo. Onde n\u00e3o houver consci\u00eancia nesse sen- tido, n\u00e3o h\u00e1 tamb\u00e9m alma."], ["No entanto, n\u00e3o se pode compreender a vida ps\u00edquica simplesmente"], ["como consci\u00eancia e a partir dela. Para se progredir nas explica\u00e7\u00f5es, deve- se acrescentar \u00e0 vida ps\u00edquica realmente vivida uma infraestrutura extra- consciente, criada teoricamente para fins de explica\u00e7\u00e3o. A fenomenologia e as constata\u00e7\u00f5es objetivas de fatos particulares permanecem, sem qualquer teoria, ao n\u00edvel da vida ps\u00edquica realmente experienciada. Ocupam-se ape- nas com o que \u00e9 dado. As explica\u00e7\u00f5es, por\u00e9m, n\u00e3o podem passar sem re- presenta\u00e7\u00f5es te\u00f3ricas de mecanismos extraconscientes, sem instrumen- tos, sem acr\u00e9scimos. A vida ps\u00edquica imediatamente acess\u00edvel, realmente vivida \u00e9 como a espuma que boia sobre as profundezas do mar. Estas pro- fundezas s\u00e3o inacess\u00edveis e s\u00f3 podem ser investigadas indiretamente por rodeios te\u00f3ricos. As representa\u00e7\u00f5es te\u00f3ricas nunca podem ser verificadas em si mesmas, mas apenas em suas consequ\u00eancias. Nunca retiram o seu valor somente da n\u00e3o- contradi\u00e7\u00e3o e coer\u00eancia, mas apenas de sua fecun- didade para a explica\u00e7\u00e3o das viv\u00eancias ps\u00edquicas reais e para a precis\u00e3o da observa\u00e7\u00e3o. Toda explica\u00e7\u00e3o do ps\u00edquico trabalha com mecanismos ex- tra- conscientes, com processos inconscientes que naturalmente nunca s\u00e3o representados em si mesmos e somente podem ser pensados em com- para\u00e7\u00f5es e imagens, segundo forem som\u00e1ticos ou ps\u00edquicos."], ["Em oposi\u00e7\u00e3o a um costume secular, imp\u00f5e-se, com raz\u00e3o, h\u00e1 bastante tempo uma certa recusa de todas, as teorias que, muitas vezes, s\u00e3o t\u00e3o f\u00e1- ceis de imaginar e levam a uma confus\u00e3o insan\u00e1vel especialmente quando se mesclam sem clareza com os fatos. \u00c9 por isso que, em princ\u00edpio, procu- ramos ser o mais poss\u00edvel parcimoniosos com representa\u00e7\u00f5es te\u00f3ricas, s\u00f3 nos servindo delas com inteira consci\u00eancia de sua natureza de teoria e de seus limites, sempre existentes.", "Discute-se muito se h\u00e1 processos ps\u00edquicos inconscientes nestas ques- t\u00f5es. Deve-se, em primeiro lugar, distinguir entre processos ps\u00edquicos que, embora n\u00e3o tenha sido advertidos, foram todavia realmente vividos, e pro- cessos ps\u00edquicos que, sendo realmente extra- conscientes, n\u00e3o s\u00e3o de fato vividos. Os processos ps\u00edquicos inadvertidos podem ser advertidos em cir- cunst\u00e2ncias favor\u00e1veis e assim estabelecidos em sua realidade enquanto processos extraconscientes, em princ\u00edpio, nunca podem ser advertidos."], ["\u00c9 uma tarefa importante da psicologia e psicopatologia estender nosso", "conhecimento at\u00e9 o amplo dom\u00ednio da vida ps\u00edquica inadvertida, esclare- cendo para a consci\u00eancia (\u2014saber) toda a vida da alma. Realizar em si mesmo esse esclarecimento \u00e9 condi\u00e7\u00e3o da verdade e do amadurecimento de todo indiv\u00edduo humano, enquanto promov\u00ea-lo adequadamente, um dos caminhos da psicoterapia."], ["Os processos extraconscientes, ao contr\u00e1rio, n\u00e3o se podem jamais de-", "monstrar diretamente, caso n\u00e3o se trate de processos som\u00e1ticos que pode- mos perceber. Todavia, \u00e9 incontest\u00e1vel que um dos meios de explica\u00e7\u00e3o mais imediatos e \u00fateis dos fen\u00f4menos ps\u00edquicos conscientes \u00e9 acrescentar fen\u00f4menos extraconscientes como causa e efeito. S\u00e3o, portanto, constru- \u00e7\u00f5es te\u00f3ricas do pensamento cuja conveni\u00eancia e contradi\u00e7\u00e3o se pode dis- cutir, cuja realidade, por\u00e9m, nem se pode nem se deve, de forma alguma, provar. O extra- consciente se apresenta sob diversas formas: como dispo- si\u00e7\u00f5es adquiridas da mem\u00f3ria, h\u00e1bitos e atitudes adquiridos, como predis- posi\u00e7\u00f5es seja de habilidade ou de car\u00e1ter. Muitas vezes uma pessoa tem a consci\u00eancia de que uma viv\u00eancia proveniente de suas pr\u00f3prias profunde- zas extraconscientes desconhecidas se lhe op\u00f5e ou domina.", "O seguinte quadro esclarecer\u00e1 convenientemente a ambiguidade do"], ["que se entende por inconsciente."], ["a) O inconsciente \u00e9 determinado por sua origem da consci\u00eancia. Como"], ["tal, \u00e9:", "", "l.\u00b0 o mecanizado, i.\u00e9, aquilo que uma vez se realizou consciente- mente e agora pode ser feito de modo inconsciente, o automati- zado, p. ex., andar, escrever, andar de bicicleta;", "2\u00b0 o n\u00e3o lembrado e, n\u00e3o obstante, eficaz (os chamados comple- xos oriundos de viv\u00eancias anteriores);", "3\u00b0 o que pode ser recordado, o dispon\u00edvel, como material e acervo da mem\u00f3ria.", "b) O inconsciente \u00e9 determinado pela falta de rela\u00e7\u00e3o com a aten\u00e7\u00e3o.", "Como tal, \u00e9:", "1\u00b0 o inadvertido mas vivido; \u2022 2\u00b0 o n\u00e3o querido, n\u00e3o pretendido, n\u00e3o intencionado mas reali- zado;", "3\u00b0 o n\u00e3o recordado (que antes era consciente mas logo foi esque- cido e agora j\u00e1 n\u00e3o \u00e9 entendido: muitas vezes pessoas senis j\u00e1 n\u00e3o sabem o que h\u00e1 pouco pretendiam \u2014 entro num quarto, o que queria?);", "4\u00b0 o que n\u00e3o foi objetivado, e que n\u00e3o se apreende na palavra."], ["c) O inconsciente \u00e9 determinado, como um poder, como uma origem."], ["Como tal, \u00e9:", "\u2022 2\u00b0 o ref\u00fagio, a prote\u00e7\u00e3o, o fundamento, e o fim. \u2014 Isto quer dizer: tudo que \u00e9 essencial, tudo que nos arrebata, que nos sustenta, todo impulso, toda ideia, toda imagina\u00e7\u00e3o e elabora\u00e7\u00e3o, o grandi- oso e o pernicioso adv\u00eam-nos do inconsciente \u2014 por fim toda perfei\u00e7\u00e3o se converte no inconsciente a que retornamos.", "l.\u00b0 o criador, o vivo;", "d) O inconsciente \u00e9 determinado com o ser. O sentido do ser \u00e9 enten-"], ["dido:", "", "l.\u00b0 como o psiquicamente real (todavia, como n\u00e3o se pode identifi- car simplesmente o ps\u00edquico com a consci\u00eancia na medida em que esta se funda, \u00e9 determinada e age pelo inconsciente, t\u00e3o pouco se pode explicar a consci\u00eancia como algo acidental, um simples acr\u00e9scimo, ao psiquicamente real); este j\u00e1 foi determi- nado de muitas maneiras: p. ex., como um jogo aut\u00f4nomo dos elementos b\u00e1sicos (Herbart), cuja manifesta\u00e7\u00e3o \u00e9 a vida consci- ente da alma; como n\u00edveis do inconsciente at\u00e9 o inconsciente mais profundo (Kohnstamm, Freud); como o inconsciente pes- soal, que, oriundo da biografia, pertence ao indiv\u00edduo humano; como o inconsciente coletivo (Jung), que, como um fundo univer- sal da humanidade, age em todo indiv\u00edduo \u2014 sempre esse in- consciente \u00e9 entendido como um ser por si, real, pelo qual n\u00f3# somos;"], ["2\u00b0 como o ser absoluto (i.\u00e9, um conceito metaf\u00edsico: tamb\u00e9m para designar o absoluto \u2014 como o ser, o nada, o dever, a subst\u00e2ncia, a forma e quase todas as categorias \u2014 o inconsciente \u00e9 usado alegoricamente a fim de pensar o impens\u00e1vel. A psicologia nada tem a ver com esse conceito)."], ["d) Mundo interior e mundo ambiente.", "Na compreens\u00e3o de todo ser vivo imp\u00f5em-se algumas categorias que,"], ["at\u00e9 mesmo nas mais elevadas estruturas da alma, se conservam analogi- camente, modificando muito embora o seu sentido. A estas categorias per- tence a vida, como exist\u00eancia num mundo pr\u00f3prio. Todas as formas de vida realizam-se como uma determina\u00e7\u00e3o rec\u00edproca de mundo interior e mundo circundante (von Uxkull). Um fen\u00f4meno constitutivamente origin\u00e1- rio da vida \u00e9 viver no seu mundo pr\u00f3prio. Assim j\u00e1 a pr\u00f3pria exist\u00eancia so- m\u00e1tica n\u00e3o pode ser investigada adequadamente como um corpo anat\u00f4- mico de fun\u00e7\u00f5es fisiol\u00f3gicas num espa\u00e7o qualquer. S\u00f3 \u00e9 poss\u00edvel investig\u00e1- la de forma adequada como um modo de vida no seu ambiente, para o qual foi constru\u00edda e se realiza numa adapta\u00e7\u00e3o ao mundo de sua percep- \u00e7\u00e3o e de sua a\u00e7\u00e3o. Toda essa vida origin\u00e1ria, na forma de exist\u00eancia com e num mundo pr\u00f3prio, se mant\u00e9m presente tamb\u00e9m no ser do homem, mas \u00e9 ampliada em suas dimens\u00f5es atrav\u00e9s da estrutura\u00e7\u00e3o e elabora\u00e7\u00e3o conscientes do homem em seu mundo e, principalmente, pelo saber pr\u00f3- prio do homem de seu ser no mundo. No homem a vida se projeta para outros mundos poss\u00edveis e para al\u00e9m de seu pr\u00f3prio ser no mundo. A in- vestiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica dessa refer\u00eancia fundamental se deve voltar, cada vez ent\u00e3o, para as configura\u00e7\u00f5es particulares e com isso para as formas indivi- duais da rela\u00e7\u00e3o entre interior e exterior. Por exemplo:"], ["1. Na redu\u00e7\u00e3o fisiol\u00f3gica permanece uma rela\u00e7\u00e3o entre est\u00edmulo e rea\u00e7\u00e3o, na redu\u00e7\u00e3o fenomenol\u00f3gica, a rela\u00e7\u00e3o intencional entre eu e objeto (sujeito e objeto).", "2. A vida individual se desenvolve a partir de predisposi\u00e7\u00f5es e meio (mundo ambiente), i.\u00e9., de potencialidades inatas que, de acordo com a natureza do meio, despertam e se formam ou se retraem e atrofiam. Disposi\u00e7\u00e3o e meio atuam, em primeiro lugar, no processo biol\u00f3gico extraconsciente. Tentaremos conhec\u00ea-lo numa explica\u00e7\u00e3o causal. Numa dimens\u00e3o ulterior, disposi\u00e7\u00e3o e meio se estruturam, de modo psicologicamente compreens\u00edvel, na vida consciente. Aqui um mundo ambiente, como tamb\u00e9m a origem e as condi\u00e7\u00f5es, vari\u00e1veis de vida, determinam o homem e s\u00e3o por ele apreendidos e determinados. Como natureza de um processo de desenvolvimento, o indiv\u00edduo se contrap\u00f5e com suas disposi\u00e7\u00f5es ao meio com o qual entra numa rela\u00e7\u00e3o de influ\u00eancia rec\u00edproca e vive o destino, a a\u00e7\u00e3o e o sofrimento.", "3. De modo especial, nasce do mundo ambiente a situa\u00e7\u00e3o na qual o indiv\u00edduo aproveita ou perde as oportunidades em que ele se decide. Ele mesmo provoca as situa\u00e7\u00f5es, determinando-lhes ou impedindo-lhes a origem numa implica\u00e7\u00e3o compreens\u00edvel. Obedece a estruturas normativas, regras e conven\u00e7\u00f5es de um mundo e, ao mesmo tempo, as transforma em meios com que as", "viola. Por fim, deparam-se-lhe \u201csitua\u00e7\u00f5es-limites\u201d, fronteiras in- transpon\u00edveis da exist\u00eancia \u2014 a morte, o acaso, o sofrimento, a culpa \u2014 onde se lhe pode despertar o que chamamos de exist\u00ean- cia: uma realidade de ser ele mesmo."], ["4. Cada um em seu mundo. Mas h\u00e1 um mundo objetivo, um mundo universal para todos. Este mundo universal destina-se \u00e0 \u201cconsci\u00eancia em geral\u201d, em cuja participa\u00e7\u00e3o reside a exatid\u00e3o de nossos pensamentos e de nossas opini\u00f5es. A consci\u00eancia parti- cular \u00e9 setor da universal, da simplesmente poss\u00edvel. Apresenta- lhe a concretiza\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica bem como as ilus\u00f5es e equ\u00edvocos.", "5. A alma se encontra em seu mundo e consigo produz um mundo. No mundo ela se expressa para outros. Cria obras no mundo.", "Destarte, a rela\u00e7\u00e3o fundamental entre interior e exterior se modifica t\u00e3o amplamente em diversas conota\u00e7\u00f5es de sentido que se trata na ver- dade de realidades inteiramente heterog\u00eaneas. No entanto, permanece a analogia de uma refer\u00eancia fundamental entre interior e exterior, do ser num mundo que se mant\u00e9m comum a toda forma de vida, a toda a vida da alma e ao homem em todas as suas realiza\u00e7\u00f5es."], ["e) A diferencia\u00e7\u00e3o da vida ps\u00edquica.", "\u00c9 a realidade ps\u00edquica mais desenvolvida que possibilita o conheci- mento mais claro. O simples e o primitivo recebe a luz de sua inteligibili- dade do complexo e desenvolvido, e n\u00e3o vice-versa. Por isso o pesquisador procura os homens de cultura mais elevada e de maior riqueza d\u2019alma. O que \u00e9 mais diferenciado, \u00e9 mais raro. Todavia, o raro n\u00e3o \u00e9 o curioso e sim, como caso cl\u00e1ssico, extremo e inteiramente desenvolvido, constitui preci- samente o ponto de orienta\u00e7\u00e3o do conhecimento. Os casos raros, e n\u00e3o os exemplos de s\u00e9rie, s\u00e3o os que, psicologicamente, esclarecem e explicam tamb\u00e9m a grande quantidade dos casos triviais. A medida da diferencia\u00e7\u00e3o da vida ps\u00edquica \u00e9 um fato b\u00e1sico que atua em todas as manifesta\u00e7\u00f5es e fen\u00f4menos."], ["A distin\u00e7\u00e3o entre o que \u00e9 frequente e o que \u00e9 raro \u00e9 de certo impor- tante, especialmente para a perspectiva pr\u00e1tica do tratamento. Pois os ca- sos em grande quantidade s\u00e3o os que se imp\u00f5em e devem, ser tratados. Mas n\u00e3o s\u00e3o nem o evidente nem, como tal, o mais -necess\u00e1rio segundo as leis da natureza nem o propriamente real. Uma outra quest\u00e3o \u00e9 saber por que uma coisa \u00e9 rara e outra \u00e9 frequente, por que, p. ex., os paranoicos do tipo que Kraepelin define s\u00e3o t\u00e3o extraordinariamente raros embora sejam bem claros em suas manifesta\u00e7\u00f5es; ou por que o tipo cl\u00e1ssico de histeria", "constitu\u00eda um fen\u00f4meno frequente no ambiente de Charcort quando hoje em dia mal se constata."], ["A vida ps\u00edquica, como todo, varia at\u00e9 \u00e0 riqueza de desenvolvimento das", "grandes personalidades. O mesmo haxixe, que num determinado indiv\u00ed- duo provoca uma euforia embotada, uma alegria ruidosa, num outro gera uma viv\u00eancia variada, lend\u00e1ria, bem-aventurada. Uma mesma enfermi- dade, p.ex., a dementia praecox, em alguns indiv\u00edduos se caracteriza por um pobre del\u00edrio de ci\u00fame e ideias grosseiras de \"persegui\u00e7\u00e3o, enquanto em Strindberg, esses mesmos conte\u00fados se transformaram em rara pleni- tude e o sentimento da vida assim modificado se fez uma fonte da origina- lidade de suas cria\u00e7\u00f5es po\u00e9ticas. Toda doen\u00e7a ps\u00edquica corresponde, em suas manifesta\u00e7\u00f5es, ao n\u00edvel ps\u00edquico do paciente.", "N\u00e3o apenas na riqueza de conte\u00fado como tamb\u00e9m na forma particular"], ["do processo, os fen\u00f3menos ps\u00edquicos s\u00f3 s\u00e3o poss\u00edveis a partir de determi- nado est\u00e1gio de diferencia\u00e7\u00e3o. Assim, p. ex., as ideias obsessivas, os fen\u00f4- menos de despersonaliza\u00e7\u00e3o s\u00f3 existem num grau de diferencia\u00e7\u00e3o relati- vamente mais elevado. Ideias obsessivas, para as quais \u00e9 necess\u00e1rio um grau mais alto de consci\u00eancia da pr\u00f3pria vida ps\u00edquica, ainda n\u00e3o foram observadas em crian\u00e7as pequenas enquanto se apresentam frequentes em indiv\u00edduos, no mais, diferenciados. A mesma coisa se verifica tamb\u00e9m quanto ao grande complexo das queixas de inibi\u00e7\u00e3o subjetiva: s\u00f3 apare- cem em pessoas que se observam a si mesmas e s\u00e3o capazes dessa do- en\u00e7a."], ["Deve-se analisar o conceito de diferencia\u00e7\u00e3o.", "Em primeiro lugar, entende-se por diferencia\u00e7\u00e3o o aumento dos modos de viv\u00eancia qualitativa.", "Em segundo lugar, a decomposi\u00e7\u00e3o de modos de viv\u00eancia confu- sos em v\u00e1rios outros claros em raz\u00e3o dos quais a totalidade da viv\u00eancia se torna mais rica e profunda: um fen\u00f4meno uniforme de uma etapa inferior se analisa numa etapa superior; um im- pulso vago \u00e9 determinado por conte\u00fados; o aumento da an\u00e1lise significa, ao mesmo tempo, aumento da clareza e consci\u00eancia. Pressentimentos, sentimentos, pensamentos indeterminados se fazem claros, determinados e expl\u00edcitos. Em oposi\u00e7\u00e3o ao estado indiferenciado de inoc\u00eancia, surgem na vida ps\u00edquica oposi\u00e7\u00f5es diversificadas.", "Com isso, a diferencia\u00e7\u00e3o indica, em terceiro lugar, a an\u00e1lise e s\u00edntese da consci\u00eancia objetiva. Crescem as possibilidades de pensar, apreender e relacionar-se, de distinguir e comparar. \u2022 Em quarto lugar, diferencia\u00e7\u00e3o significa ter consci\u00eancia de si", "mesmo na autorreflex\u00e3o. Deve-se distinguir entre a diferencia\u00e7\u00e3o de fato, vivida pelo sujeito mas que n\u00e3o precisa ser consciente, e a consci\u00eancia da diferencia\u00e7\u00e3o, que se mostra na auto-observa- \u00e7\u00e3o. Algu\u00e9m pode ter \u2014 embora raramente \u2014 uma ideia obses- siva sem tentar tirar a limpo o que propriamente experimenta. Na maioria das vezes andam paralelas a diferencia\u00e7\u00e3o e a consci- \u00eancia da pr\u00f3pria viv\u00eancia. Ainda assim, uma simples considera- \u00e7\u00e3o de todos os sentimentos indiferentemente poss\u00edveis pode dar a impress\u00e3o falsa de um aumento da diferencia\u00e7\u00e3o."], ["Em quinto lugar, \u00e9 decisivo para a compreens\u00e3o de uma perso- nalidade ter-se consci\u00eancia do n\u00edvel de diferencia\u00e7\u00e3o em que se encontra. Uma vez que \u00e0 diferencia\u00e7\u00e3o se acrescentam ainda a for\u00e7a e vivacidade, existem diferen\u00e7as de n\u00edveis no tocante ao todo da personalidade. Foram essas diferen\u00e7as que Klages expri- miu em seu conceito de n\u00edvel de forma. Aqui h\u00e1 um limite no que se pode alcan\u00e7ar conceitualmente. E, n\u00e3o obstante, \u2014 pelo me- nos se quisermos compreender personalidades \u2014 temos que nos poder mover com certa seguran\u00e7a fora destes limites. N\u00e3o s\u00f3 a escrita mas tamb\u00e9m todo o comportamento e a\u00e7\u00e3o de uma pes- soa s\u00f3 podem ser comparados individualmente com os de outra quando, em ambos os casos, se trata do mesmo n\u00edvel de forma.", "Estas distin\u00e7\u00f5es n\u00e3o bastam para se ter uma vis\u00e3o realmente clara e determinada do todo. Atualmente n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel estabelecerem-se, com suficiente fundamento, graus e dire\u00e7\u00f5es de diferencia\u00e7\u00e3o bem como graus e dire\u00e7\u00f5es de degenera\u00e7\u00e3o para fen\u00f4menos psicopatol\u00f3gicos. Temos de nos contentar ainda com o ponto de vista geral que nesse terreno existe."], ["Podemos, no entanto, distinguir duas causas de diferencia\u00e7\u00e3o. Uma re-", "side na predisposi\u00e7\u00e3o individual, a outra na esfera cultural.", "Nos imbecis. as psicoses apresentam um modo de manifesta\u00e7\u00e3o relati-", "vamente pobre: as viv\u00eancias s\u00e3o menos intensas e mais primitivas, as ideias delirantes mal s\u00e3o sistematizadas e as formas particulares de ideias delirantes n\u00e3o ocorrem de maneira alguma abaixo de determinado grau (p.ex., del\u00edrio do pecado). As excita\u00e7\u00f5es e emo\u00e7\u00f5es se manifestam em gritos e urros t\u00e3o mon\u00f3tonos como desmedidos, apatia, e torpor embotado."], ["\u00c9 a esfera cultural, onde uma pessoa cresce e vive, que leva sua dispo- si\u00e7\u00e3o individual a um grau maior ou menor de desenvolvimento. O homem vive da hist\u00f3ria, participando do esp\u00edrito objetivo atrav\u00e9s do qual chega, ent\u00e3o, a encontrar a si mesmo no desenvolvimento individual. Os surdos- mudos sem instru\u00e7\u00e3o mant\u00eam-se ao n\u00edvel de idiotas. O que s\u00f3 se tratar\u00e1 na parte sociol\u00f3gica, j\u00e1 se acha de fato presente em todos os cap\u00edtulos de todos os fen\u00f4menos ps\u00edquicos. Assim observa-se \u2014 isso \u00e9 evidente \u2014 que", "esferas de cultura superior apresentam um quadro sintom\u00e1tico muito mais rico de doen\u00e7as ps\u00edquicas do que esferas de cultura inferior. Por isso o progresso da psicopatologia, que frente aos animais \u00e9 est\u00e9ril, depende, numa boa parte, do material que lhe adv\u00e9m das esferas de alta cultura. Por esta raz\u00e3o os m\u00e9dicos de cl\u00ednicas privadas possuem em seus pacientes um material incomparavelmente mais valioso. Por outro lado, \u00e9 conhecida a monotonia da histeria nas pessoas simples."], ["Naturalmente despertam o nosso interesse tanto a vida ps\u00edquica -alta- mente diferenciada como a menos diferenciada. Uma vez que a an\u00e1lise da vida ps\u00edquica diferenciada ser\u00e1 sempre o meio atrav\u00e9s do qual poder-se-\u00e3o esclarecer tamb\u00e9m os graus mais inferiores, o interesse dos pesquisadores oscila tipicamente em ambas as dire\u00e7\u00f5es. Uns, dominados pela atitude das ci\u00eancias naturais, consideram o termo m\u00e9dio, os fen\u00f4menos em s\u00e9rie, como o objeto pr\u00f3prio das investiga\u00e7\u00f5es. Outros desvalorizam n\u00e3o menos unilateralmente tais estudos e fazem da vida ps\u00edquica altamente desenvol- vida o \u00fanico objeto de pesquisa. No setor art\u00edstico dos \u201cromances psicol\u00f3- gicos\u201d, se imp\u00f4s, de maneira an\u00e1loga, a mesma mudan\u00e7a de atitude na evolu\u00e7\u00e3o dos romances de costume para os romances de car\u00e1ter."], ["f) Vis\u00e3o retrospectiva.", "Nas perspectivas acima expostas apresentamos horizontes em que se nos manifesta a realidade ps\u00edquica. Comum a todas \u00e9 o deslocamento de sentido em raz\u00e3o do qual a oposi\u00e7\u00e3o, que cada vez se tem em mente, as- sume configura\u00e7\u00f5es m\u00faltiplas. A discuss\u00e3o das cinco perspectivas teve por fim fazer com que desde o in\u00edcio se perceba a envergadura da realidade em causa. Ao mesmo tempo, visou a deixar claro qu\u00e3o pouco se diz com me- ras categorias gerais: onde elas se aplicam, o importante \u00e9 ter-se consci\u00ean- cia e ater-se ao sentido determinado de cada caso. Em raz\u00e3o de seu car\u00e1- ter indeterminado, falar nessas categorias gerais nada diz na maioria das vezes."], ["\u00a7 3. Preconceitos E Pressuposi\u00e7\u00f5es.", "Sempre que compreendemos alguma coisa, j\u00e1 trouxemos o princ\u00edpio que possibilita e constitui nossa compreens\u00e3o. Caso tal princ\u00edpio falseie a compreens\u00e3o, falaremos de preconceito; caso a favore\u00e7a e promova, falare- mos de pressuposi\u00e7\u00e3o."], ["a) Preconceitos.", "\u00c9 um procedimento l\u00f3gico de nossa autorreflex\u00e3o cr\u00edtica tomarmos consci\u00eancia do que, inconscientemente, j\u00e1 t\u00ednhamos pensado como evi- dente. Entre outras, s\u00e3o fontes de preconceitos: a tend\u00eancia para uma concep\u00e7\u00e3o uniforme do todo. Trata-se de uma tend\u00eancia, que se satisfaz com ideias b\u00e1sicas simples e conclusivas, gerando com isso a inclina\u00e7\u00e3o para absolutizar pontos de vista, m\u00e9todos e categorias particulares, bem como a confus\u00e3o entre possibilidade do saber e convic\u00e7\u00e3o de f\u00e9.", "Os preconceitos pesam sobre n\u00f3s inconscientemente, mas com uma press\u00e3o paralisante. Dissip\u00e1-los constituir\u00e1 em todos os cap\u00edtulos uma ta- refa essencial. Aqui anteciparemos a caracteriza\u00e7\u00e3o de alguns deles numa forma extremada. Assim conhecidos, ser\u00e3o tamb\u00e9m identificados nas ca- muflagens em que frequentemente se nos deparam.", "1. Preconceitos filos\u00f3ficos."], ["Houve tempo em que a especula\u00e7\u00e3o, o pensamento dedutivo a partir de"], ["um princ\u00edpio, que pretendia conhecer e explicar tudo sem muita experi\u00ean- cia, era mais valorizado do que a investiga\u00e7\u00e3o trabalhosa de particularida- des. Era o tempo em que a filosofia queria realizar \u201cde cima\u201d o que s\u00f3 a ex- peri\u00eancia pode dar \u201cde baixo\u201d. Atualmente essa tend\u00eancia parece em geral ter desaparecido; todavia mesmo hoje ainda aparece aqui e acol\u00e1 em cons- tru\u00e7\u00f5es complicadas. Seu esp\u00edrito se acha envolto, embora se possa reco- nhec\u00ea-lo claramente, na sistematiza\u00e7\u00e3o corriqueira da psicopatologia ge- ral. Infelizmente alia- se, muitas vezes, \u00e0 recusa justificada de constru\u00e7\u00f5es filos\u00f3ficas infrut\u00edferas, simplesmente dedutivas, o outro -preconceito, como se s\u00f3 fosse justificado colecionar experi\u00eancias particulares, como se acumular cegamente fosse melhor do que pensar. O pensamento, que si- tua os fatos, planifica o trabalho, subministra as perspectivas para uma vis\u00e3o de conjunto e possibilita uma investiga\u00e7\u00e3o apaixonada em busca de fins cient\u00edficos compensadores, perdeu muito da estima geral."], ["A atitude filos\u00f3fica dedutiva aliou-se, na maioria das vezes, a valoriza- \u00e7\u00f5es \u00e9ticas e de outra natureza, a uma tend\u00eancia moralizante e teol\u00f3gica, que falava de pecados e paix\u00f5es, onde as doen\u00e7as mentais se originariam, e dividia as qualidades humanas em boas e m\u00e1s. Na primeira metade do s\u00e9culo XIX Maximiliano Jakobi criticou, arrasadoramente, em seus escri- tos, essa \u201cfilosofia no lugar errado\u201d. Embora uma tal filosofia de concep\u00e7\u00e3o de mundo tenha a maior import\u00e2ncia, como express\u00e3o da atitude humana frente ao mundo, n\u00e3o h\u00e1 lugar para ela na ci\u00eancia. Entre concep\u00e7\u00f5es de mundo, muitas vezes, s\u00f3 \u00e9 poss\u00edvel uma luta sem discuss\u00e3o pelo poder."], ["Entre concep\u00e7\u00f5es cient\u00edficas, por\u00e9m, \u00e9 sempre poss\u00edvel tanto discuss\u00e3o como convic\u00e7\u00e3o. \u00c9, sem d\u00favida, dif\u00edcil manter a psicologia e psicopatologia livres de avalia\u00e7\u00f5es, expressivas de uma concep\u00e7\u00e3o de mundo. Todavia, deve-se exigir de todo psicopatologista a separa\u00e7\u00e3o entre conhecer e ava- liar eticamente. N\u00e3o que lhe seja vedado, como homem, emitir ju\u00edzos de valor. Ao contr\u00e1rio. Mas ele poder\u00e1 valorar tanto mais verdadeira, clara e profundamente quanto melhor conhecer. Necessita primeiro de se apro- fundar tranquilamente nos fatos da vida ps\u00edquica sem tomar logo posi\u00e7\u00e3o. Deve poder encontrar-se livremente com as pessoas com um interesse sem restri\u00e7\u00f5es nem julgamentos. Essa separa\u00e7\u00e3o entre conhecer e valorar \u00e9, em princ\u00edpio, f\u00e1cil de se compreender. Na pr\u00e1tica, por\u00e9m, requer um grau t\u00e3o elevado de autocr\u00edtica e objetividade que ainda est\u00e1 muito longe de ser algo natural.", "2. Preconceito te\u00f3rico.", "As ci\u00eancias naturais se fundam em teorias amplas, bem fundamenta- das que subministram \u00e0 compreens\u00e3o dos fatos uma base uniforme. A te- oria at\u00f4mica e a citologia s\u00e3o deste tipo. Na psicologia e psicopatologia n\u00e3o h\u00e1 nenhuma teoria dominante dessa natureza. Por isso, em ambas, n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel um sistema te\u00f3rico uniforme \u2014 ao menos s\u00f3 \u00e9 poss\u00edvel como constru\u00e7\u00e3o pessoal. Ao inv\u00e9s de descer aos \u00faltimos elementos, mecanis- mos e regras, a partir dos quais deve ser compreendido todo processo ps\u00ed- quico, seguimos apenas caminhos particulares, trabalhamos com m\u00e9todos particulares que nos apresentam apenas aspectos particulares da vida ps\u00edquica. Em si mesma, esta n\u00e3o se nos defronta apenas como um todo infinito, mas tamb\u00e9m como um todo que resiste a qualquer sistematiza\u00e7\u00e3o consequente, como um oceano, que navegamos ao longo da costa e s\u00f3 aqui e ali pelo alto mar e mesmo assim sempre na superf\u00edcie."], ["Querer reduzir a vida ps\u00edquica a alguns axiomas universais e assim domin\u00e1-la em princ\u00edpio \u00e9 um falso prop\u00f3sito, por ser imposs\u00edvel. As ideias te\u00f3ricas de que fazemos uso e que possuem uma semelhan\u00e7a formal com as teorias das ci\u00eancias naturais n\u00e3o s\u00e3o sen\u00e3o tentativas (hip\u00f3teses) para fins de conhecimentos bem delimitados e n\u00e3o para o conhecimento da alma no seu todo.", "Um preconceito te\u00f3rico prejudicar\u00e1 sempre a compreens\u00e3o dos fatos.", "Ver-se-\u00e3o sempre os dados estabelecidos dentro do esquema da teoria. S\u00f3 interessa o que tem valor para ela e a confirma. N\u00e3o se percebe o que n\u00e3o se relacionar com a teoria. O que dep\u00f5e contra ela \u00e9 transformado ou en- coberto. V\u00ea-se a realidade com os olhos da teoria. Ser\u00e1, portanto, nossa"], ["tarefa constante aprender a abstrair sempre dos preconceitos te\u00f3ricos, que sempre atuam em n\u00f3s, exercitar-nos em colher puramente os dados. Uma vez que, por\u00e9m, todo dado s\u00f3 pode ser percebido por for\u00e7a de determina- das categorias e m\u00e9todos, deve-se ter consci\u00eancia a respeito de todo dado do que se pressup\u00f4s segundo a natureza da coisa, do que \u201cem todo dado j\u00e1 \u00e9 teoria\u201d. Assim aprendemos a ver as realidades e, ao faz\u00ea-lo, saber que elas nunca s\u00e3o a realidade em si nem de forma alguma toda a realidade.", "3. Preconceito som\u00e1tico."], ["Pressup\u00f5e-se tacitamente que, como tudo que \u00e9 biol\u00f3gico, a realidade"], ["pr\u00f3pria do homem \u00e9 um processo som\u00e1tico. Conhece-se o homem quando se conhece somaticamente. Falar do ps\u00edquico \u00e9 um recurso provis\u00f3rio e significa apenas um suced\u00e2neo sem va7or pr\u00f3prio de conhecimento. Por isso, existe a inclina\u00e7\u00e3o de se discutir todo fen\u00f4meno ps\u00edquico como se no som\u00e1tico j\u00e1 se tivesse em m\u00e3os a pr\u00f3pria coisa ou como se as ideias atuais fossem um caminho para se chegar \u00e0 descoberta som\u00e1tica bem pr\u00f3xima. A investiga\u00e7\u00e3o verdadeira constr\u00f3i apenas projetos, que, atrav\u00e9s de acha- dos som\u00e1ticos, logo d\u00e3o ensejo a investiga\u00e7\u00f5es, verifica\u00e7\u00f5es ou refuta\u00e7\u00f5es de fatos. No preconceito som\u00e1tico, no entanto, se valoriza a fantasia, como uma antecipa\u00e7\u00e3o pretensamente heur\u00edstica, que, na realidade, n\u00e3o \u00e9 se- n\u00e3o a express\u00e3o inc\u00f4moda de um preconceito sem valor de conhecimento. Ou, ao menos, mant\u00e9m-se o preconceito na forma de uma disposi\u00e7\u00e3o re- signada em toda considera\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica, p. ex., na pretens\u00e3o de que todo interesse psicol\u00f3gico pela esquizofrenia desaparecer\u00e1 quando se tiver conhecido o processo som\u00e1tico, que lhe serve de base."], ["O preconceito som\u00e1tico retorna sempre de novo, seja revestindo-se de", "aspecto mais fisiol\u00f3gico ou anat\u00f4mico ou de um aspecto indeterminada- mente biol\u00f3gico. No princ\u00edpio deste s\u00e9culo assim se dizia: como tal, o ps\u00ed- quico n\u00e3o deve ser investigado. \u00c9 simplesmente subjetivo. Na medida em que se tiver de falar dele cientificamente, deve ser representado de modo anat\u00f4mico e corporal, como fun\u00e7\u00e3o som\u00e1tica. Nesse sentido \u00e9 sempre me- lhor dispor-se de uma constru\u00e7\u00e3o anat\u00f4mica provis\u00f3ria do que de uma simples investiga\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica. \u2014 Todavia essas constru\u00e7\u00f5es anat\u00f4micas se fizeram inteiramente fant\u00e1sticas (Meynert, Wernicke) e foram chama- das, com raz\u00e3o, de \u201cmitologia do c\u00e9rebro\". Coisas, que n\u00e3o t\u00eam nenhuma rela\u00e7\u00e3o uma com a outra, tais como c\u00e9lulas d\u00f3 c\u00f3rtex e imagens da mem\u00f3- ria, cord\u00f5es cerebrais e associa\u00e7\u00f5es psicol\u00f3gicas, s\u00e3o agrupadas. Estas constru\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas s\u00e3o destitu\u00eddas de fundamento. N\u00e3o se conhece ne- nhum processo cerebral determinada que se ligasse a um determinado"], ["processo ps\u00edquico, como manifesta\u00e7\u00e3o paralela direta. A localiza\u00e7\u00e3o das di- versas regi\u00f5es dos sentidos no c\u00f3rtex cerebral, das afasias no hemisf\u00e9rio esquerdo, significa apenas que estes \u00f3rg\u00e3os devem estar intactos para ser poss\u00edvel um determinado processo ps\u00edquico: e, em princ\u00edpio, no mesmo sentido em que o intacto funcionamento do olho, dos mecanismos moto- res, etc., s\u00e3o tamb\u00e9m instrumentos necess\u00e1rios. Nos mecanismos neurol\u00f3- gicos j\u00e1 se progrediu mais. Todavia, ainda nos encontramos infinitamente distantes dos fen\u00f4menos que, eventualmente, possuem paralelo na vida ps\u00edquica. De modo totalmente err\u00f4neo admitiu-se que, com a descoberta das afasias e apraxias, se tinha entrado no dom\u00ednio do ps\u00edquico em si. Por conseguinte, n\u00e3o se pode resolver de maneira emp\u00edrica a quest\u00e3o se o ps\u00ed- quico e o som\u00e1tico se acham num paralelismo ou numa rela\u00e7\u00e3o de in- flu\u00eancia rec\u00edproca. N\u00e3o conhecemos um \u00fanico caso em que pud\u00e9ssemos constatar empiricamente uma ou outra coisa. \u00c9 que o ps\u00edquico e os fen\u00f4- menos som\u00e1ticos a n\u00f3s access\u00edveis, \u2014 na medida em que ambos se to- mam objetos de investiga\u00e7\u00e3o \u2014 est\u00e3o separados por um setor infindo dos processos intermedi\u00e1rios desconhecidos. Na pr\u00e1tica pode-se falar tanto a linguagem do paralelismo como a da a\u00e7\u00e3o rec\u00edproca. De fato, na maioria das vezes, falamos a linguagem da a\u00e7\u00e3o rec\u00edproca. E o podemos tanto mais quanto, a cada instante, se pode traduzir uma pela outra. No entanto quanto \u00e0 tend\u00eancia de se traduzirem fen\u00f4menos psicol\u00f3gicos por proces- sos som\u00e1ticos, de natureza fant\u00e1stica ou real, aplica-se com raz\u00e3o o que Janet diz: se s\u00e9 tiver de pensar sempre anatomicamente, deve-se renun- ciar a pensar alguma coisa quando se trata de psiquiatria."], ["4. Preconceito psicol\u00f3gico e intelectualista.", "N\u00e3o raro se forma da compreens\u00e3o intuitiva um preconceito psicol\u00f3- gico. Pretende-se \u201ccompreender\u201d tudo e perde-se o senso cr\u00edtico dos limites daquilo que \u00e9 psicologicamente compreens\u00edvel. Isso ocorre quando se aplica a psicologia compreensiva, como explica\u00e7\u00e3o causal, supondo-se que toda viv\u00eancia \u00e9 universalmente determinada por um sentido. Mas, de modo especial, s\u00e3o os n\u00e3o psic\u00f3logos e que defendem uma posi\u00e7\u00e3o som\u00e1- tica que se inclinam a tais preconceitos. Assim, \u00e9 a m\u00e1 vontade, o querer esconder-se que se deve responsabilizar por muitas coisas. Em \u00faltima an\u00e1lise, essa concep\u00e7\u00e3o n\u00e3o se funda na psicologia e sim em preconceitos moralistas n\u00e3o analisados. Muitos m\u00e9dicos som\u00e1ticos apresentam uma acentuada m\u00e1 vontade contra os hist\u00e9ricos. Tornam-se intimamente irrita- dos quando n\u00e3o podem encontrar nada de som\u00e1tico segundo as categorias que lhes s\u00e3o familiares. No fundo, consideram tudo como maldade e s\u00f3"], ["quando o caso se torna agudo \u00e9 que o entregam ao psiquiatra! Precisa- mente naqueles que nada querem saber de psicologia, encontra-se a sim- plicidade e naturalidade dos fatores psicol\u00f3gicos."], ["H\u00e1 na vida ps\u00edquica contextos em que algu\u00e9m age conscientemente por", "motivos racionais. Existe uma tend\u00eancia espalhada de se admitir em toda a a\u00e7\u00e3o humana, como motivo, \u201craz\u00f5es conscientes\u201d. Na realidade, anexos racionalmente intelig\u00edveis desempenham apenas um papel modesto na vida ps\u00edquica humana. Impulsos irracionais e estados emotivos costumam tamb\u00e9m dominar mesmo quando o indiv\u00edduo procura fazer crer a si mesmo que age por raz\u00f5es conscientes e compreens\u00edveis. O exagero na procura de nexos racionais, esta \u201cpsicologia intelectualista\u201d, impede a compreens\u00e3o correta do contexto da a\u00e7\u00e3o humana. Exorbitam-se os efei- tos do racioc\u00ednio l\u00f3gico em preju\u00edzo da persuas\u00e3o sugestiva. Recorre-se apressadamente \u00e0 constata\u00e7\u00e3o de \u201cdem\u00eancia\u201d quando se encontra algo ir- racional. N\u00e3o se consegue ver a riqueza infinita da viv\u00eancia humana.", "5. Preconceito representativo.", "O ps\u00edquico se nos torna objetivo na express\u00e3o e na obra, no comporta-"], ["mento e na a\u00e7\u00e3o, nos processos som\u00e1ticos e nas manifesta\u00e7\u00f5es verbais. Todavia,' n\u00e3o se pode perceber objetivamente o ps\u00edquico em si mesmo se- n\u00e3o em imagens e compara\u00e7\u00f5es. N\u00f3s o vivemos e realizamos, o representa- mos mas n\u00e3o o vemos. Ao falarmos do ps\u00edquico usamos sempre imagens, na maioria das vezes imagens espaciais. Assim, no pensamento psicol\u00f3- gico correm, por assim dizer, esquemas ps\u00edquicos e das esp\u00e9cies mais di- versas: a vida ps\u00edquica \u00e9 uma corrente de consci\u00eancia. \u2014 A consci\u00eancia \u00e9 como um espa\u00e7o no qual fen\u00f4menos ps\u00edquicos particulares v\u00e3o e v\u00eam como figuras num palco. \u2014 O espa\u00e7o se perde no infinito at\u00e9 desaparecer no inconsciente. \u2014 A alma acha-se estruturada em dimens\u00f5es, nas di- mens\u00f5es de consci\u00eancia, viv\u00eancia, fun\u00e7\u00f5es, car\u00e1ter. \u2014 Consta de elemen- tos que se combinam e ligam variavelmente. \u2014 \u00c9 movida por for\u00e7as ele- mentares, pode-se analis\u00e1-la em fatores ou componentes, \u00e9 para ser des- crita segundo propriedades, como uma coisa. \u2014 Destes recursos n\u00e3o se pode prescindir. E n\u00e3o far\u00e3o mal algum se n\u00e3o forem utilizados para pro- var alguma coisa mas apenas para tornar mais facilmente apreens\u00edvel o que, de outra maneira se conseguiu estabelecer. No entanto, ocorreu com frequ\u00eancia que a imagem foi esquecida como imagem e tomada por cons- tru\u00e7\u00e3o v\u00e1lida, apoderando-se, assim, de toda a vida ps\u00edquica e tornando- se preconceito. Quanto mais era sugestiva e dava a impress\u00e3o de uma ex- posi\u00e7\u00e3o completa, tanto mais dominava os esp\u00edritos. Destarte a an\u00e1lise do"], ["ps\u00edquico em elementos \u00e0 maneira de \u00e1tomos, a representa\u00e7\u00e3o dos proces- sos ps\u00edquicos por analogia com o movimento dos corpos (mec\u00e2nica da re- presenta\u00e7\u00e3o) ou das combina\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas segundo as combina\u00e7\u00f5es qu\u00ed- micas (qu\u00edmica ps\u00edquica) valeram por algum tempo n\u00e3o como imagens e compara\u00e7\u00f5es, e sim como representa\u00e7\u00f5es objetivas da pr\u00f3pria realidade. Tamb\u00e9m em outros setores existe a tend\u00eancia de se fazerem das imagens \u201cpreconceitos representativos\u201d.", "6. Preconceitos m\u00e9dicos, referentes \u00e0 quantidade, \u00e0 perceptibili- dade e ao diagn\u00f3stico.", "Das ci\u00eancias exatas da natureza prov\u00e9m o preconceito de que apenas constata\u00e7\u00f5es quantitativas s\u00e3o investiga\u00e7\u00f5es cient\u00edficas enquanto as inves- tiga\u00e7\u00f5es do simplesmente qualitativo permanecem sempre subjetivas e ar- bitr\u00e1rias. Para tal concep\u00e7\u00e3o, os m\u00e9todos estat\u00edsticos e experimentais, que por meio de medi\u00e7\u00f5es, c\u00e1lculos e curvas, se mostram produtivos em certas quest\u00f5es, constituem a \u00fanica forma de pesquisa cient\u00edfica. Onde estas in- vestiga\u00e7\u00f5es diretas n\u00e3o s\u00e3o poss\u00edveis, ainda a\u00ed se trabalha com conceitos quantitativos, embora, com eles, j\u00e1 n\u00e3o se possa pensar mais nada. As- sim, em constru\u00e7\u00f5es que se pretendiam ser s\u00e9rias, fez-se, com o correr do tempo, da \u201cintensidade\u201d da representa\u00e7\u00e3o a causa de ideias obsessivas, de fen\u00f4menos hist\u00e9ricos, de ideias delirantes e de ilus\u00f5es dos sentidos, \u201cpro- jetando-se para fora\u201d representa\u00e7\u00f5es muito intensas."], ["S\u00f3 se queria admitir como objeto de investiga\u00e7\u00e3o o que se pudesse per- ceber com os sentidos. De fato, s\u00e3o muito valiosas as investiga\u00e7\u00f5es dos fe- n\u00f4menos do rendimento e da produ\u00e7\u00e3o som\u00e1tica. N\u00e3o obstante, s\u00f3 se pode chegar ao ps\u00edquico, representando-o diretamente. Pois \u00e9 sempre algo qua- litativamente espec\u00edfico. Exceto na express\u00e3o, nunca se pode perceb\u00ea-lo de maneira diretamente sens\u00edvel. Isso \u00e9 evidente. Essa evid\u00eancia traz como consequ\u00eancia que toda psicopatologia, desejosa de ater-se exclusivamente ao que \u00e9 access\u00edvel aos sentidos, ser\u00e1 necessariamente uma psicologia sem o ps\u00edquico."], ["O diagn\u00f3stico \u00e9 a \u00faltima coisa na compreens\u00e3o psiqui\u00e1trica de um caso. (Abstraindo-se do diagn\u00f3stico dos conhecidos processos cerebrais); \u00e9 o que h\u00e1 de menos essencial no trabalho realmente psicopatol\u00f3gico. Transformado no principal, torna-se uma antecipa\u00e7\u00e3o de algo que se acha no fim ideal da investiga\u00e7\u00e3o. O importante s\u00e3o a an\u00e1lise e o fato de n\u00e3o se eliminar, para o conhecimento, o caos dos fen\u00f4menos por meio de um nome dado no diagn\u00f3stico. Urge, ao contr\u00e1rio, torn\u00e1-lo acess\u00edvel a uma vi-", "s\u00e3o global e transparente no contexto de seus m\u00faltiplos nexos. Muitas ve- zes em psiquiatria, diagnosticar equivale a girar esterilmente em c\u00edrculos onde s\u00f3 muito poucos fen\u00f4menos entram no campo de vis\u00e3o de um saber consciente."], ["b) Pressuposi\u00e7\u00f5es."], ["Em oposi\u00e7\u00e3o aos preconceitos, devem-se manter a tarefa e o esfor\u00e7o de se conhecer a realidade da vida ps\u00edquica por todos os meios e de todos os lados. A inclina\u00e7\u00e3o para a realidade, pr\u00f3pria de todo pesquisador das ci\u00ean- cias emp\u00edricas, exige, nas partes som\u00e1ticas da psiquiatria, dados histol\u00f3gi- cos, serol\u00f3gicos, neurol\u00f3gicos. Rejeita constru\u00e7\u00f5es anat\u00f4micas e pensa- mentos sobre simples possibilidades. Na psicopatologia, o fundamento real da investiga\u00e7\u00e3o \u00e9 constitu\u00eddo pela vida ps\u00edquica, representada e compreen- dida atrav\u00e9s das express\u00f5es verbais e do comportamento percept\u00edvel. Que- remos sentir, apreender e refletir sobre o que realmente acontece na alma do homem. A inclina\u00e7\u00e3o geral para a realidade \u00e9, na psicopatologia, a incli- na\u00e7\u00e3o para a vida ps\u00edquica real. Pretendemos conhec\u00ea-la em suas cone- x\u00f5es que, em parte, s\u00e3o t\u00e3o sensivelmente percept\u00edveis como os objetos das ci\u00eancias naturais. Recusamo-nos a eliminar a vida ps\u00edquica real, cuja compreens\u00e3o confere plenitude a nossos conceitos, por meio de pensa- mentos vazios oriundos de preconceitos ou a substitu\u00ed-la por constru\u00e7\u00f5es de natureza anat\u00f4mica ou de outra esp\u00e9cie qualquer. Sem a capacidade e a vontade de se representar o ps\u00edquico em sua plenitude, n\u00e3o h\u00e1 possibili- dade de se fazer psicopatologia."], ["O pesquisador, por\u00e9m, n\u00e3o se faz pesquisador pelo simples fato de ser um intelecto, que, como um recept\u00e1culo vazio, recolheria de fora tudo que pudesse colher. Ao contr\u00e1rio, o pesquisador \u00e9 um instrumento indispens\u00e1- vel de conhecimento com toda a sua vida. Deve haver nele pressuposi\u00e7\u00f5es, sem as quais a investiga\u00e7\u00e3o permaneceria est\u00e9ril. Temos de esclarecer pre- conceitos a fim de nos libertarmos deles, enquanto as pressuposi\u00e7\u00f5es ne- cess\u00e1rias temos de compreend\u00ea-las. S\u00e3o elas: ou princ\u00edpios objetivos do pensamento, que por meio de tentativas devemos elaborar, ou s\u00e3o funda- mentos em n\u00f3s mesmos, movimentos provenientes dos conte\u00fados de nosso pr\u00f3prio ser, sem os quais n\u00e3o poderemos ver nada de essencial. Tais pressuposi\u00e7\u00f5es s\u00e3o as ideias motrizes, a alma e a exist\u00eancia do pes- quisador. Devem ser aprofundadas e esclarecidas. \u00c9 necess\u00e1rio admiti-las. Nunca constituem as raz\u00f5es da exatid\u00e3o de um conhecimento, mas a ori- gem de sua verdade e de seu car\u00e1ter essencial."], ["Preconceitos falsos s\u00e3o pressuposi\u00e7\u00f5es fixas que, erroneamente se con- sideram absolutas, que mal se percebem e n\u00e3o s\u00e3o conscientes. O esclare- cimento as elimina. Pressuposi\u00e7\u00f5es verdadeiras residem. no ser do pesqui- sador como condi\u00e7\u00f5es de sua possibilidade de ver e compreender. Pela ex- plicita\u00e7\u00e3o s\u00e3o apreendidas em si mesmas.", "O que h\u00e1 de mais pr\u00f3prio no conhecimento do psicopatologista, adv\u00e9m", "do trato com as pessoas. O que, ent\u00e3o, aprende, depende do modo com que ele se relaciona na respectiva situa\u00e7\u00e3o e da maneira com que colabora terapeuticamente no processo de encontro, esclarecendo, ao mesmo tempo, a si mesmo e o outro. N\u00e3o percebe indiferentemente como na lei- tura de um dado. Exerce uma compreens\u00e3o perceptiva na vis\u00e3o da alma."], ["H\u00e1 um modo de estar presente no interior das outras pessoas que, por assim dizer, consiste numa tentativa de transformar a si mesmo numa es- p\u00e9cie de arte de representa\u00e7\u00e3o, mas carregada de subst\u00e2ncia. H\u00e1 um modo de relacionar-se que se entrega e escuta sem viol\u00eancia, mas tamb\u00e9m sem desviar-se da realidade.", "O psicopatologista depende do alcance, da abertura e plenitude de sua capacidade de vivenciar e perceber. H\u00e1 uma grande diferen\u00e7a entre as pes- soas que andam cegas de olhos abertos pelo mundo dos doentes e a segu- ran\u00e7a que a sensibilidade da participa\u00e7\u00e3o confere a uma percep\u00e7\u00e3o clara.", "A repercuss\u00e3o na pr\u00f3pria alma do que acontece no outro, exige, ent\u00e3o, do pesquisador que objetive pelo pensamento suas experi\u00eancias. Comover- se ainda n\u00e3o \u00e9 conhecer, mas apenas a fonte das intui\u00e7\u00f5es que trazem o material indispens\u00e1vel ao conhecimento.", "Frieza e empatia n\u00e3o se devem opor e sim completar uma a outra. So-"], ["mente a observa\u00e7\u00e3o fria n\u00e3o v\u00ea o essencial. Ambas numa a\u00e7\u00e3o rec\u00edproca \u00e9 que podem conduzir ao conhecimento. O psicopatologista que realmente percebe, \u00e9 uma alma vibrante, que domina constantemente suas experi\u00ean- cias, elaborando-as racionalmente.", "Diante do objeto, a cr\u00edtica dos fundamentos de conhecimento existen- tes no ser do pesquisador pergunta sempre: Com que disposi\u00e7\u00e3o apreende o objeto? Possui ele uma import\u00e2ncia falsa ou verdadeira, em ess\u00eancia e peso, para a compreens\u00e3o da realidade? O que fa\u00e7o com ele? Como atua em minha consci\u00eancia do ser? Trabalhar a ess\u00eancia de si mesmo \u00e9 neces- s\u00e1rio para quem conhece. S\u00f3 um conhecimento em que amadurece aquele que conhece, \u00e9 completo. Um tal conhecimento consegue crescer e n\u00e3o apenas alargar-se no mesmo n\u00edvel."], ["O pesquisador e o m\u00e9dico devem construir para si um mundo de con- cep\u00e7\u00f5es. A recorda\u00e7\u00e3o de quadros cl\u00ednicos j\u00e1 vistos, de estados m\u00f3rbidos concretos, de vis\u00f5es biol\u00f3gicas globais, de experi\u00eancias essenciais, numa palavra toda a hist\u00f3ria de suas viv\u00eancias pessoais deve achar-se \u00e0 sua dis- posi\u00e7\u00e3o como objeto de compara\u00e7\u00e3o. Ademais, uma conceitua\u00e7\u00e3o estrutu- rada lhe h\u00e1 de possibilitar a compreens\u00e3o clara do que pretende."], ["\u00a7 4. M\u00e9todos"], ["Quando se l\u00ea a bibliografia psiqui\u00e1trica, encontram-se muitos discur- sos sobre possibilidades, muita coisa abstrata, muitas constru\u00e7\u00f5es feitas de imagina\u00e7\u00e3o sem o conte\u00fado de uma experi\u00eancia verdadeira. Por isso, no estudo dos trabalhos publicados como na pr\u00f3pria investiga\u00e7\u00e3o, temos sempre de perguntar: qual \u00e9 o acervo de fatos? O que tenho para ver? Quais s\u00e3o os resultados de que se parte ou que j\u00e1 foram estabelecidos? Como se interpreta e o que se acrescenta? Que experi\u00eancia devo realizar para poder seguir devidamente o pensamento? Face a pensamentos po- bres de experi\u00eancia deve-se perguntar se n\u00e3o s\u00e3o de se recusar por serem vazios. \u00c9 necess\u00e1rio que os pensamentos permitam novos resultados ou que apresentem, de maneira mais' pregnante, resultados j\u00e1 dados ou que os relacione de forma mais produtiva. O mais poss\u00edvel, n\u00e3o se deve perder tempo procurando esclarecer querelas sobre pensamentos e projetos sem seriedade. Para isso servem a reflex\u00e3o e a clareza metodol\u00f3gica. Possibili- tam apreender consciente e determinadamente o tema de cada caso. Ensi- nam a ver os limites entre a investiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica, de um lado, e, de ou- tro, os esfor\u00e7os vazios, as repeti\u00e7\u00f5es indiferentes, as compila\u00e7\u00f5es sem es- trutura."], ["Todo progresso no conhecimento dos fatos \u00e9 sempre um progresso no m\u00e9todo. Muitas vezes, mas n\u00e3o sempre, o m\u00e9todo \u00e9 consciente. Nem todos os grandes passos do conhecimento foram dados, a priori, com evid\u00eancia de m\u00e9todo. Todavia, esta evid\u00eancia purifica e assegura o que se adquiriu em fatos."], ["O objeto da investiga\u00e7\u00e3o metodol\u00f3gica \u00e9 sempre um objeto definido e", "n\u00e3o a realidade no seu todo. \u00c9 algo de particular, um aspecto ou uma perspectiva e n\u00e3o o processo em sua totalidade."], ["a) M\u00e9todos t\u00e9cnicos.", "O objeto, que temos a investigar, nos \u00e9 acess\u00edvel nas cl\u00ednicas, nas en- trevistas, nos institutos, nas cole\u00e7\u00f5es, nos relat\u00f3rios, nas instala\u00e7\u00f5es t\u00e9c- nicas de investiga\u00e7\u00e3o. Nossa pesquisa depende dos pontos de enfoque que se descobriram nos fatos. A descoberta consiste muitas vezes na indica\u00e7\u00e3o de algo que se possa observar. O primeiro que contou os casos de suic\u00eddio e, ao mesmo tempo, estabeleceu cifras comparativas (popula\u00e7\u00f5es, esta\u00e7\u00f5es do ano), realizou uma descoberta, embora, a princ\u00edpio, tenha encontrado apenas um m\u00e9todo t\u00e9cnico. O importante \u00e9 observar alguma coisa que, at\u00e9 aqui, n\u00e3o foi observado. \u00c9 dirigir o olhar para possibilidades em que se possam apreender tecnicamente os fatos.", "1. Casu\u00edstica.", "A base da investiga\u00e7\u00e3o s\u00e3o as entrevistas dos enfermos, a an\u00e1lise em profundidade de sua conduta, de seus movimentos expressivos, de seus relatos."], ["Al\u00e9m disso procuramos obter todo o material que nos proporcione indi- ca\u00e7\u00f5es sobre o estado atual e todo o passado na medida em que tudo isso possa ser conseguido com refer\u00eancia ao caso particular: descri\u00e7\u00f5es do pr\u00f3- prio paciente, anamnese feita por ele ou parente, atas surgidas de confli- tos com autoridade, atas pessoais, informes junto a conhecidos, superio- res etc."], ["A base experimental da psicopatologia \u00e9 constitu\u00edda de casos singula-", "res. A descri\u00e7\u00e3o desses casos e do hist\u00f3rico dos pacientes \u2014 desde a expo- si\u00e7\u00e3o de fen\u00f4menos particulares at\u00e9 uma biografia completa \u2014 \u00e9 a casu\u00eds- tica. Os m\u00e9todos casu\u00edsticos proporcionam a grande maioria de nossos co- nhecimentos e de nossas concep\u00e7\u00f5es.", "Al\u00e9m desses meios sempre usados e facilmente compreens\u00edveis, a psi- copatologia desenvolveu ainda m\u00e9todos especiais, menos apropriados para uma investiga\u00e7\u00e3o regular, mas pr\u00f3prios para a pesquisa de contextos. S\u00e3o os m\u00e9todos estat\u00edstico e experimental.", "2. Estat\u00edstica.", "Os m\u00e9todos estat\u00edsticos foram utilizados pela primeira vez com uma aplica\u00e7\u00e3o de t\u00e9cnicas sociol\u00f3gicas a problemas psicopatol\u00f3gicos. S\u00e3o \u00fateis aqui as estat\u00edsticas criminais, de suic\u00eddio etc. A seguir mostraram-se pro- veitosas em quest\u00f5es particulares de psiquiatria especial os c\u00e1lculos: du- ra\u00e7\u00e3o da paralisia, dist\u00e2ncia entre a infec\u00e7\u00e3o lu\u00e9tica e o desencadeamento"], ["da paralisia, idade dos doentes e in\u00edcio de suas psicoses espec\u00edficas, cur- vas anuais das entradas hospitalares. Por fim, a estat\u00edstica adquiriu uma import\u00e2ncia excepcional na investiga\u00e7\u00e3o da hereditariedade e no c\u00e1lculo de correla\u00e7\u00f5es na caracterologia, nas teorias de capacidade e dos tipos de constitui\u00e7\u00e3o f\u00edsica. A inclina\u00e7\u00e3o das ci\u00eancias naturais para o exato, permi- tiu tamb\u00e9m na psicopatologia calcular e medir o que parece calcul\u00e1vel e mensur\u00e1vel.", "Os m\u00e9todos estat\u00edsticos incluem em si mesmos um grande problema. A", "esse respeito apenas algumas observa\u00e7\u00f5es:"], ["aa) Os resultados estat\u00edsticos nunca indicam, com refer\u00eancia aos casos", "particulares, algo de constringente e s\u00f3 no m\u00e1ximo prov\u00e1vel (na maioria das vezes, de \u00edndice m\u00e9dio). N\u00e3o se pode subsumir o caso particular sob o conhecimento estat\u00edstico. Pelo fato de se conhecei o percentual de mortali- dade de uma opera\u00e7\u00e3o, ainda n\u00e3o se sabe como ela vai decorrer num caso particular. Embora se reconhe\u00e7a a correla\u00e7\u00e3o entre o tipo de constitui\u00e7\u00e3o f\u00edsica e a psicose, n\u00e3o se pode saber num caso particular se o tipo de constitui\u00e7\u00e3o possui o mesmo significado. Os casos particulares podem fi- car inteiramente \u00e0 margem de um conhecimento estat\u00edstico.", "bb) De in\u00edcio, o decisivo \u00e9 a clareza do material de onde se parte. O que n\u00e3o for. preciso e capaz de ser reconhecido, de maneira id\u00eantica por. todo pesquisador, n\u00e3o pode ser racionalmente computado. Um procedimento exato constru\u00eddo com base em pressuposi\u00e7\u00f5es inexatas leva aos maiores equ\u00edvocos."], ["cc) Onde, al\u00e9m do sentido imediato dos n\u00fameros, se utilizam m\u00e9todos", "matem\u00e1ticos para a sua elabora\u00e7\u00e3o, \u00e9 necess\u00e1rio um grau mais elevado de cr\u00edtica e de conhecimento matem\u00e1tico para se conservarem claros a trans- par\u00eancia dos caminhos seguidos e o sentido dos resultados e, assim, n\u00e3o se cair no terreno fantasmag\u00f3rico de aparentes resultados matem\u00e1ticos."], ["dd) Constata\u00e7\u00f5es estat\u00edsticas possibilitam estabelecer correla\u00e7\u00f5es mas de per si n\u00e3o significam um conhecimento causal. S\u00e3o indica\u00e7\u00f5es de pos- sibilidades que requerem interpreta\u00e7\u00e3o. A interpreta\u00e7\u00e3o causal necessita de pressuposi\u00e7\u00f5es (teorias) com as quais se teste sua exatid\u00e3o. Nestas in- terpreta\u00e7\u00f5es o perigo de erro \u00e9 sempre tanto maior quanto mais cresce o n\u00famero das pressuposi\u00e7\u00f5es. \u00c9 preciso reconhecer quando se chegou ao li- mite em que, dentro das suposi\u00e7\u00f5es feitas, todo caso deve ser interpretado por dados num\u00e9ricos, em que j\u00e1 nenhum caso pode refutar a teoria. \u00ca que os fatores admitidos n\u00e3o excluem nada do alcance de suas combina\u00e7\u00f5es poss\u00edveis, transformando, por meio de opera\u00e7\u00f5es matem\u00e1ticas, qualquer"], ["resultado numa confirma\u00e7\u00e3o da teoria, assim, p. ex., na periodicidade dos fatos da vida constru\u00edda por Friess e em sua ulterior elabora\u00e7\u00e3o. Mas mesmo tratando-se de n\u00fameros comparativos simples, h\u00e1 o perigo de er- ros de interpreta\u00e7\u00e3o, muitas vezes, dif\u00edceis de constatar. Justamente a im- press\u00e3o dos n\u00fameros quase sempre vigorosa n\u00e3o deve fazer esquecer a ad- vert\u00eancia, que, de uma forma exagerada, lembra: com n\u00fameros pode-se provar tudo.", "3. O experimento."], ["Durante um largo tempo, os m\u00e9todos experimentais ocuparam na psi-"], ["copatologia o centro do interesse. Distinguia-se a psicopatologia experi- mental das demais, como o setor propriamente cient\u00edfico da psicopatolo- gia. Esta distin\u00e7\u00e3o tem que nos parecer err\u00f4nea. Em certas circunst\u00e2ncias os experimentos s\u00e3o meios \u00fateis e valiosos, mas o ideal do conhecimento n\u00e3o pode ser estabelecer resultados experimentais. O psicopatologista s\u00f3 pode fazer bons experimentos se tiver forma\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica, se souber per- guntar e avaliar as respostas obtidas. A forma\u00e7\u00e3o meramente experimen- tal \u00e9 uma habilidade t\u00e9cnica que n\u00e3o confere nenhuma capacidade para o trabalho psicol\u00f3gico. \u00c9 por isso que na psicopatologia se produziram tan- tos trabalhos pseudo-experimentais. Constroem-se alguns experimentos complicados, que produzem alguns n\u00fameros mas que nada ensinam, por lhes faltarem qualquer perspectiva e toda ideia. Nas brilhantes investiga- \u00e7\u00f5es de Kraepelin sobre a curva de trabalho, nas medi\u00e7\u00f5es da mem\u00f3ria, nas experi\u00eancias de associa\u00e7\u00e3o, reprodu\u00e7\u00e3o e outras, se realizam contri- bui\u00e7\u00f5es valiosas. Se, de resto, se comparam os conhecimentos da psico- patologia em geral com os resultados experimentais, ser\u00e1, muitas vezes, dif\u00edcil contradizer M\u00f5bius, que escreveu: \u201cTodo resultado \u00e9, numa expres- s\u00e3o grosseira, porcaria\u201d."], ["Por toda parte surge a quest\u00e3o: at\u00e9 onde, metodologicamente, se con- segue obter com clareza, do fluxo infindo e obscuro da realidade, algo de- terminado; at\u00e9 onde se podem construir gr\u00e1ficos, obter cifras, curvas, es- quemas e imagens, numa palavra, representar figuras nas quais o real ve- nha a ser concebido e articulado. A descoberta de uma t\u00e9cnica, que torne poss\u00edvel a apreens\u00e3o de fatos, de sorte que sempre possam ser reconheci- dos de maneira id\u00eantica, constitui sempre -o ponto de partida de novas pesquisas.", "M\u00e9todos t\u00e9cnicos de investiga\u00e7\u00e3o \u2014 experimentos, medi\u00e7\u00f5es, c\u00e1lculos \u2014 proporcionam, muitas vezes, ao pesquisador observa\u00e7\u00f5es espor\u00e1dicas em doentes. Por isso tais processos s\u00e3o \u00fateis e impressionam, embora seja"], ["prec\u00e1rio o seu significado espec\u00edfico. Testes de intelig\u00eancia revelam situa- \u00e7\u00f5es de observa\u00e7\u00e3o que demonstram mm comportamento interessante do paciente que n\u00e3o consta do protocolo objetivo. Medi\u00e7\u00f5es da constitui\u00e7\u00e3o f\u00ed- sica oferecem oportunidade de se analisar profundamente a forma do corpo, encar\u00e1-lo de todos os modos sem que os n\u00fameros tenham impor- t\u00e2ncia. Mas seria uma falsa avalia\u00e7\u00e3o deste m\u00e9todo confundir seu sentido objetivo com o que se percebe por ocasi\u00e3o de sua aplica\u00e7\u00e3o."], ["b) M\u00e9todos l\u00f3gico-concretos de apreens\u00e3o e pesquisa.", "Na pr\u00e1tica do conhecimento necessitamos de v\u00e1rios m\u00e9todos simulta- neamente. Na reflex\u00e3o cient\u00edfica os separamos e com eles as classes fun- damentais dos conte\u00fados de conhecimento. Escolhemos a divis\u00e3o de tr\u00eas grandes grupos: apreens\u00e3o dos fatos particulares, a investiga\u00e7\u00e3o das rela- \u00e7\u00f5es, a percep\u00e7\u00e3o das totalidades.", "1. Apreens\u00e3o dos fatos particulares.", "Os fatos particulares prov\u00eam do fluxo vivo da realidade ps\u00edquica. Os in\u00fameros fatos particulares se classificam em alguns grupos fundamental- mente distintos, de acordo com o m\u00e9todo de apreens\u00e3o:", "aa) O primeiro passo para a apreens\u00e3o cient\u00edfica do ps\u00edquico \u00e9 separar,"], ["delimitar, distinguir e descrever determinados fen\u00f4menos vividos, que as- sim s\u00e3o representados claramente e designados regularmente por uma de- terminada express\u00e3o. Destarte descrevemos as esp\u00e9cies de ilus\u00f5es, de vi- v\u00eancias delirantes, de processos obsessivos, os tipos de consci\u00eancia de personalidade, de impulsos etc. Abstra\u00edmos aqui totalmente da origem dos fen\u00f4menos, da diferencia\u00e7\u00e3o dos fen\u00f4menos ps\u00edquicos, das ideias te\u00f3ricas sobre seus fundamentos e nos voltamos exclusivamente para o realmente vivido. A representa\u00e7\u00e3o das viv\u00eancias e dos estados ps\u00edquicos, a sua deli- mita\u00e7\u00e3o e estabelecimento, de sorte a poder-se entender os conceitos, sempre da mesma maneira, \u00e9 tarefa da fenomenologia."], ["bb) O que se apresenta na fenomenologia, s\u00f3 o sabemos in- direta- mente pelas descri\u00e7\u00f5es pr\u00f3prias dos pacientes, entendidas por analogia com nossas viv\u00eancias. Tais fen\u00f4menos s\u00e3o denominados. subjetivos, em oposi\u00e7\u00e3o aos objetivos, que podem ser demonstrados diretamente em sua exist\u00eancia. Os fen\u00f4menos objetivos, n\u00f3s os percebemos mas segundo mo- dos fundamentalmente diversos: como manifesta\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas concomi- tantes, p.ex., o ritmo do pulso nas excita\u00e7\u00f5es, o aumento da pupila no medo; como express\u00e3o, p.ex., no semblante triste ou alegre; como rendi- mento, p.ex., \u00edndice de mem\u00f3ria, rendimento de trabalho; como a\u00e7\u00e3o,", "comportamento; como obra realizada na linguagem e na arte. Todas essas objetividades respondem \u00e0 quest\u00e3o sobre os tipos fundamentais de fatos objetivos na vida ps\u00edquica."], ["A distin\u00e7\u00e3o muito usada entre fatos subjetivos (vividos diretamente pe- los pacientes e representados apenas indiretamente pelo observador) e fa- tos objetivos (demonstr\u00e1veis diretamente como percept\u00edveis no inundo) n\u00e3o \u00e9 uma distin\u00e7\u00e3o precisa. Pois m\u00faltiplo \u00e9 o sentido da objetividade. O sentido n\u00e3o \u00e9 o mesmo na pulsa\u00e7\u00e3o, no rendimento da mem\u00f3ria, na m\u00ed- mica intelig\u00edvel. S\u00e3o as seguintes as significa\u00e7\u00f5es que assume a oposi\u00e7\u00e3o entre subjetivo e objetivo:", "", "l.\u00b0 Objetivo \u00e9 tudo que aparece de modo sensivelmente percept\u00ed- vel: reflexos, movimentos registr\u00e1veis, a\u00e7\u00f5es, modo de vida etc., todos os rendimentos mensur\u00e1veis, como trabalho, mem\u00f3ria, etc. Subjetivo \u00e9 tudo- que se apreende, transpondo-se para den- tro do ps\u00edquico, representando-o."], ["2\u00b0 Objetivos s\u00e3o os conte\u00fados racionais, por exemplo, de ideias delirantes, que se entendem sem transfer\u00eancia para o ps\u00edquico, pela simples reflex\u00e3o sobre seu conte\u00fado, i.\u00e9., racionalmente. Subjetivo \u00e9 o propriamente ps\u00edquico que se apreende atrav\u00e9s de empatia e conviv\u00eancia, p. ex., a viv\u00eancia delirante origin\u00e1ria. \u2022 3.\u00b0 Por fim chama-se de objetiva uma parte do que h\u00e1 pouco era subjetivo: o ps\u00edquico apreendido atrav\u00e9s de uma empatia imedi- ata dos movimentos de express\u00e3o. Assim, p. ex., o medo de um paciente, em contraposi\u00e7\u00e3o \u00e9 subjetivo porque sabemos mediata- mente atrav\u00e9s de suas afirma\u00e7\u00f5es. Assim, quando um doente, que objetivamente n\u00e3o demonstra nenhum medo, nos diz estar com medo.", "4.\u00b0 H\u00e1 o fato singular de termos viv\u00eancias ps\u00edquicas sem saber- mos o seu modo. Quando um doente fica inibido, o que constata- mos objetivamente na lentid\u00e3o das rea\u00e7\u00f5es ou subjetivamente por empatia, ele n\u00e3o precisa ter subjetivamente consci\u00eancia disso. Quanto mais indiferenciada for uma vida ps\u00edquica, tanto menos ser\u00e1 subjetivamente consciente. Assim temos as oposi- \u00e7\u00f5es entre inibi\u00e7\u00e3o objetiva e subjetiva, entre fuga de ideias obje- tiva e a \u201cobsess\u00e3o, de pensamento\u201d, sentida subjetivamente (de uma troca de ideias sentida sem ordem nem descanso).", "5.\u00b0 Enquanto todos os fen\u00f4menos at\u00e9 aqui indicados, pertencen- tes ao aspecto subjetivo tanto como os objetivos s\u00e3o temas de in- vestiga\u00e7\u00e3o cient\u00edfica, existe ainda um \u00faltimo sentido da oposi\u00e7\u00e3o entre objetivo e subjetivo, p. ex., quando se diz que sintomas ob- jetivos s\u00e3o dados verific\u00e1veis e discut\u00edveis e sintomas subjetivos s\u00e3o dados n\u00e3o verific\u00e1veis nem discut\u00edveis mas vagos e baseados"], ["apenas em impress\u00f5es sem fundamento, em caprichos pura- mente pessoais.", "2. Investiga\u00e7\u00e3o das rela\u00e7\u00f5es (compreender e explicar).", "A fenomenologia nos p\u00f5e em m\u00e3os uma s\u00e9rie de fragmentos do ps\u00ed- quico realmente vivido. A psicologia funcional, a psicologia som\u00e1tica, a psicologia da express\u00e3o, as a\u00e7\u00f5es e os mundos dos pacientes com suas produ\u00e7\u00f5es mentais apresentam cada vez um outro tipo de fatos. Pergunta- mos ent\u00e3o pelo contexto em que eles se encontram. Em muitos casos en- tendemos como algo de ps\u00edquico procede com evid\u00eancia do ps\u00edquico. Desta maneira, somente poss\u00edvel ao ps\u00edquico, entendemos quando algu\u00e9m se en- furece ao ser atacado, quando o amante enganado se torna ciumento, quando uma decis\u00e3o e uma a\u00e7\u00e3o nascem de motivos. Na fenomenologia nos apresentamos qualidades particulares, estados particulares vistos em repouso, compreendemos esteticamente, enquanto aqui apreendemos a inquieta\u00e7\u00e3o do ps\u00edquico, o movimento; o contexto, uma diferencia\u00e7\u00e3o, compreendemos geneticamente (psicopatologia compreensiva). Mas n\u00e3o apenas os fen\u00f4menos vivenciados subjetivamente e sim tamb\u00e9m o ps\u00ed- quico visto imediatamente na express\u00e3o, o funcionamento e as manifesta- \u00e7\u00f5es, as a\u00e7\u00f5es e o mundo dos pacientes \u2014 tudo isso, que antes percebe- mos esteticamente, agora compreendemos em seu contexto gen\u00e9tico."], ["Dentro do sentido amplo de \u201ccompreens\u00e3o\u201d, distinguimos, inclusive terminologicamente dois significados diversos, como compreens\u00e3o est\u00e1tica e gen\u00e9tica. Nos cap\u00edtulos sobre fenomenologia, psicologia da express\u00e3o etc. seguiremos a compreens\u00e3o est\u00e1tica, o apresentar-se de estados ps\u00edquicos, o dar-se de qualidades ps\u00edquicas. A compreens\u00e3o gen\u00e9tica, a empatia, a compreens\u00e3o dos contextos ps\u00edquicos, do diferenciar-se ps\u00edquico \u00e9 a tarefa da segunda parte do livro. S\u00f3 acrescentamos as palavras, \u201cest\u00e1tico\u201d e \u201cge- n\u00e9tico\u201d \u00e0 palavra compreens\u00e3o, quando o contexto exigir que se. acentue a distin\u00e7\u00e3o para evitar mal-entendidos. Do contr\u00e1rio, \u201ccompreender\u201d signi- fica, j\u00e1 de per si s\u00f3, de acordo com o contexto de um cap\u00edtulo, a compreen- s\u00e3o gen\u00e9tica; no outro cap\u00edtulo, apenas a compreens\u00e3o est\u00e1tica."], ["Todavia, a compreens\u00e3o gen\u00e9tica \u2014 tamb\u00e9m se denomina de explica-", "\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica, contraposta com raz\u00e3o, como essencialmente diferente, \u00e0 explica\u00e7\u00e3o causal, objetiva, explica\u00e7\u00e3o em sentido pr\u00f3prio \u2014 depara-se logo com limites, especialmente na psicopatologia. O ps\u00edquico surge como algo novo, de um modo, para n\u00f3s, inteiramente desconhecido. O ps\u00edquico segue o ps\u00edquico de uma maneira incompreens\u00edvel. Um segue o outro, mas um n\u00e3o procede do outro. As etapas de evolu\u00e7\u00e3o na vida ps\u00edquica normal,", "as fases e os per\u00edodos da anormal s\u00e3o estas sequ\u00eancias temporais incom- preens\u00edveis. O corte temporal em longitude do ps\u00edquico n\u00e3o se pode com- preend\u00ea-lo geneticamente, de modo mais completo. Deve ser explicado causalmente, como os objetos das ci\u00eancias naturais, que, em oposi\u00e7\u00e3o aos psicol\u00f3gicos, n\u00e3o se consideram \u201cde dentro\u201d, mas simplesmente \u201cde fora\u201d."], ["A fim de evitar confus\u00f5es, empregamos sempre a express\u00e3o, \u201ccompre- ender\u201d para indicar a intui\u00e7\u00e3o do ps\u00edquico adquirida por dentro. \u00d4 conhe- cimento de conex\u00f5es causais objetivas, que sempre s\u00e3o vistas de fora, nunca chamaremos de compreens\u00e3o mas sempre de \u201cexplica\u00e7\u00e3o\u201d. Com- preender e explicar possuem, portanto, um significado fixo que, no decor- rer da leitura, tornar-se-\u00e1 cada vez mais claro com o ampliar-se dos por- menores. A palavra \u201capreender\u201d, ao contr\u00e1rio, usaremos em sentido inde- terminado para indicar ambas as coisas (nos casos duvidosos ou quando se t\u00eam em mente tanto a compreens\u00e3o como a explica\u00e7\u00e3o). A possibilidade de um estudo ordenado e de uma investiga\u00e7\u00e3o clara na psicopatologia de- pende da capacidade de se ver a oposi\u00e7\u00e3o fundamental entre compreens\u00e3o est\u00e1tica e percep\u00e7\u00e3o sens\u00edvel externa, entre compreens\u00e3o gen\u00e9tica e expli- ca\u00e7\u00e3o causal. Trata-se das \u00faltimas fontes do conhecimento, inteiramente diversas."], ["H\u00e1 pesquisadores, que possuem a tend\u00eancia de negar a exist\u00eancia para"], ["a ci\u00eancia das fontes de conhecimento propriamente psicol\u00f3gicas, que s\u00f3 querem admitir como \u201cobjetivo\u201d o que, como tal, se percebe com os senti- dos e n\u00e3o o que .se compreende por entre o sens\u00edvel. Contra isso n\u00e3o h\u00e1 nada a objetar uma vez que n\u00e3o se pode apresentar uma prova que justifi- que a legitimidade de uma \u00faltima fonte de conhecimento. Para n\u00e3o se con- tradizerem, tais pesquisadores deveriam deixar de falar no ps\u00edquico, deve- riam deixar de pensar como cientistas, no ps\u00edquico, deveriam deixar de fa- zer psicopatologia e limitar-se, em seus estudos, aos processos cerebrais e aos fen\u00f4menos corporais. Coerentemente, teriam que deixar de aparecer, como peritos, nos tribunais, pois, segundo sua pr\u00f3pria opini\u00e3o, nada sa- bem cientificamente daquilo em que v\u00e3o ser arguidos. N\u00e3o podem dar pa- recer sobre a alma mas apenas sobre o c\u00e9rebro. Como peritos, s\u00f3 podem falar do corpo. Para serem coerentes deveriam abandonar a maneira usual de se escrever o hist\u00f3rico dos pacientes etc. Tal coer\u00eancia poderia trazer- lhes respeito e seria digna de um pesquisador. Contestar e duvidar teimo- samente, baseados em obje\u00e7\u00f5es gerais, tais como: tudo isso \u00e9 simples- mente subjetivo, n\u00e3o \u00e9 sen\u00e3o niilismo, o niilismo infrut\u00edfero destes pesqui- sadores, que, desta forma, procuram convencer a si mesmos de que a in- capacidade n\u00e3o est\u00e1 neles e sim na pr\u00f3pria realidade."], ["3. Percep\u00e7\u00e3o das totalidades."], ["Toda investiga\u00e7\u00e3o distingue, divide, toma por seu objeto algo de parti- cular e especial e procura a\u00ed o universal. Na realidade, por\u00e9m, \u00e9 um todo aquilo donde se separa o particular. No conhecimento do particular existe um erro quando se esquece o todo no qual e pelo qual o particular sub- siste. Todavia, esse todo n\u00e3o se faz diretamente objeto, mas somente atra- v\u00e9s do particular. E n\u00e3o se faz objeto em si mesmo e sim num esquema de sua ess\u00eancia. O todo em si mesmo permanece ideia. Sobre o todo podem- se fazer formula\u00e7\u00f5es' que tais: o todo precede as partes; o todo n\u00e3o \u00e9 a soma das partes, \u00e9 mais; o todo \u00e9 uma origem aut\u00f4noma, \u00e9 forma (Ges- talt); por isso o todo n\u00e3o pode ser entendido por seus elementos; o todo pode permanecer em sua totalidade enquanto partes desaparecem ou se modificam. N\u00e3o se pode derivar o todo dos elementos (mecanicismo) nem os elementos do todo (hegelianismo). O que h\u00e1, \u00e9, antes, uma polaridade: deve-se ver o todo pelos elementos e os elementos a partir do todo. N\u00e3o existe nem o caminho da s\u00edntese apreensiva do todo a partir dos elemen- tos nem o caminho da deriva\u00e7\u00e3o apreensiva dos elementos a partir do todo. O que subsiste \u00e9 o c\u00edrculo. O todo infinito \u00e9 uma determina\u00e7\u00e3o rec\u00ed- proca do particular e do todo. Temos de analisar sem limites e referir todo analisado a seu todo respectivo. No dom\u00ednio biol\u00f3gico, todo processo parti- cular-causal se mant\u00e9m coeso pela a\u00e7\u00e3o m\u00fatua num todo vivo em si mesmo. Na compreens\u00e3o gen\u00e9tica se aprofunda o \u201cc\u00edrculo hermen\u00eautico\u201d: pelos fatos particulares \u00e9 que se tem de compreender o todo que, por sua vez, constitui a pressuposi\u00e7\u00e3o para se compreenderem os fatos particula- res."], ["J\u00e1 na medicina som\u00e1tica existe o problema. Quando se consideravam", "as doen\u00e7as dem\u00f4nios, pensava-se que o homem ou est\u00e1 ou n\u00e3o est\u00e1 do- ente. Cria-se que o homem todo tinha um dem\u00f4nio bem determinado, es- tava possesso, \u201cinteiramente\u201d doente. Um dos progressos mais fecundos do conhecimento se deu quando se partiu da suposi\u00e7\u00e3o contr\u00e1ria: como todo, o corpo n\u00e3o est\u00e1, de forma alguma, doente, mas somente em alguma parte. Em determinados \u00f3rg\u00e3os anat\u00f4micos ou fun\u00e7\u00f5es biol\u00f3gicas, surgi- ram dist\u00farbios que a partir da\u00ed exercem influ\u00eancia mais ou menos ampla sobre os outros \u00f3rg\u00e3os e fun\u00e7\u00f5es, sobre o corpo inteiro. Entre o dist\u00farbio m\u00f3rbido e o todo do corpo, que, como processo vital, \u00e9 chamado de \u201csa- dio\u201d, existem rela\u00e7\u00f5es de compensa\u00e7\u00e3o e rea\u00e7\u00e3o. Foi ent\u00e3o que se p\u00f4de distinguir entre doen\u00e7as parciais, puramente localizadas, destitu\u00eddas de influ\u00eancia sobre o resto do corpo e por isso mesmo indiferentes \u2014 sob ou- tro conceito de valor, talvez defeitos est\u00e9ticos \u2014 e doen\u00e7as de import\u00e2ncia"], ["para a vida devido a suas influ\u00eancias sobre o corpo todo, que reage contra elas. Em lugar da s\u00e9rie, at\u00e9 ent\u00e3o conhecida de doen\u00e7as, que atingiam o corpo inteiro e eram indeterminadas, descobriram-se muitas doen\u00e7as par- ciais e determinadas, que apresentam sintomas gerais, sem terem sua fonte na totalidade do processo vital. Restaram apenas algumas perturba- \u00e7\u00f5es da vida corp\u00f3rea \u2014 embora de forma alguma insignificantes \u2014 que, em princ\u00edpio, segundo a disposi\u00e7\u00e3o, pareciam fundar-se na totalidade do corpo, na chamada constitui\u00e7\u00e3o. E por fim, em todos os dist\u00farbios parti- culares, depois de isolados, encontram-se em alguma parte rela\u00e7\u00f5es com esta \u201cconstitui\u00e7\u00e3o\u201d, a totalidade do indiv\u00edduo vivo.", "Esta oposi\u00e7\u00e3o entre o todo e as partes existe tamb\u00e9m na apreens\u00e3o da"], ["vida ps\u00edquica: s\u00f3 que aqui tudo \u00e9 cientificamente menos claro, mais com- plicado e metodicamente muito mais dimensionado do que na esfera cor- p\u00f3rea. Em todos os cap\u00edtulos desempenhar\u00e1 um papel relevante a rela\u00e7\u00e3o das partes com o todo. Nos pontos decisivos discutir-se-\u00e1 mais profunda- mente o sentido da totalidade. Na quarta parte tornar-se-\u00e1 tema na forma de totalidade emp\u00edrica; na sexta parte, na forma de totalidade abrangente que se esquiva \u00e0 apreens\u00e3o emp\u00edrica. S\u00f3 de uma maneira muito geral \u00e9 que, agora, anteciparemos algumas observa\u00e7\u00f5es.", "Quando falamos na \u201ctotalidade do ser do homem\u201d, trata-se de algo infi-"], ["nito, que n\u00e3o se pode conhecer como totalidade. Edifica-se sobre uma multid\u00e3o de fun\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas particulares. Tomemos por exemplo algo de particular, o mais poss\u00edvel distante do todo: assim, o daltonismo, a falta de mem\u00f3ria sonora ou uma mem\u00f3ria extraordin\u00e1ria para os n\u00fameros, seriam dist\u00farbios \u2014 falando-se analogicamente \u2014 em partes da alma e que, tal- vez tenham \u2014 principalmente ao longo da vida toda \u2014 influ\u00eancia sobre toda a personalidade. Dessa maneira, poderemos pensar isoladamente muitos processos particulares: como fun\u00e7\u00f5es particulares da alma, como instrumentos da personalidade, cujas enfermidades, p.ex., da mem\u00f3ria, poderemos opor aos dist\u00farbios, fundamentalmente, diversos que, em prin- c\u00edpio, parecem fundar-se no todo e n\u00e3o provir de setores particulares da alma. Para confrontar casos extremos: h\u00e1 pacientes, cujas les\u00f5es cerebrais provocam graves defeitos de mem\u00f3ria, dist\u00farbios de linguagem, paralisias motoras c, em consequ\u00eancia, toda a personalidade parece destru\u00edda. Uma observa\u00e7\u00e3o mais detalhada, no entanto, nos mostra que, em condi\u00e7\u00f5es fa- vor\u00e1veis, a personalidade se apresenta inalterada em seu antigo car\u00e1ter. Tinha-se, por assim dizer, paralisado e se tornara incapaz de exprimir-se mas, em pot\u00eancia, permanece inalterada. Em oposi\u00e7\u00e3o, existem pacientes, cujos \u201cinstrumentos\u201d todos funcionam perfeitamente mas, no todo de suas"], ["personalidades, se apresentam com alguma perturba\u00e7\u00e3o e, muitas vezes, de uma forma que mal se pode definir. Os antigos psiquiatras chamavam, por isso, as doen\u00e7as mentais de \u201cdoen\u00e7as da personalidade\u201d.", "Essa contraposi\u00e7\u00e3o geral entre o ser do homem em seu todo e as par- tes singulares da alma n\u00e3o representa a \u00fanica dire\u00e7\u00e3o da an\u00e1lise. Para a concep\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica h\u00e1 ainda muitas outras esp\u00e9cies de elementos e to- talidades. Aos elementos fenomenol\u00f3gicos se op\u00f5e a totalidade do estado atual da consci\u00eancia, ao rendimento particular, o rendimento total, aos sintomas, os complexos t\u00edpicos de sintomas. Totalidades abrangentes s\u00e3o: a constitui\u00e7\u00e3o da pessoa, a unidade da doen\u00e7a, a totalidade biogr\u00e1fica do indiv\u00edduo.", "Alas mesmo estas \u00faltimas totalidades emp\u00edricas s\u00e3o sempre relativas.", "N\u00e3o constituem o todo do ser do homem. Este \u00faltimo, o horizonte (das Umgreifende) do ser humano, nasce de uma liberdade que n\u00e3o se d\u00e1 como objeto, de uma investiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica do homem."], ["O trabalho cient\u00edfico s\u00f3 far\u00e1 progressos se analisar, referir uns aos ou-", "tros fen\u00f4menos particulares. No entanto, se ficar nisso s\u00f3, morrer\u00e1, n\u00e3o podendo distinguir o essencial do n\u00e3o essencial. Pois, ent\u00e3o, cair\u00e1 no co- modismo de enumerar apenas fen\u00f4menos esparsos. Ao inv\u00e9s, deve ser sempre movido por ideias de totalidade sem sucumbir, por\u00e9m, \u00e0 tenta\u00e7\u00e3o de querer apreender diretamente as totalidades por meio de antecipa\u00e7\u00f5es f\u00e1ceis. Nestas o psicopatologista se embriaga com frases e se restringe por meio de um falso dom\u00ednio do todo, de uma pretensa percep\u00e7\u00e3o de for\u00e7as ps\u00edquicas englobantes. Nosso trabalho de investiga\u00e7\u00e3o deve, por fim, con- servar, como \u00faltimo horizonte, a consci\u00eancia da amplid\u00e3o do ser humano. Tudo que se puder investigar empiricamente no homem, \u00e9 sempre parte, aspecto, \u00e9 sempre relativo, mesmo que seja a totalidade empiricamente mais compreensiva.", "Aquilo que o homem propriamente \u00e9, permanecer\u00e1 a grande quest\u00e3o"], ["que se imp\u00f5e nos limites de todo conhecimento a seu respeito.", "c) Desvios l\u00f3gico-formais inevit\u00e1veis, que constantemente t\u00eam de ser"], ["vencidos."], ["Para produzir conhecimento, n\u00e3o basta que uma investiga\u00e7\u00e3o estabe-", "le\u00e7a fatos verdadeiros e siga um pensamento \u201ccorreto\u201d. Numa pesquisa correta h\u00e1 falsos caminhos onde, sem saber propriamente por que, as for- \u00e7as desfalecem e esfor\u00e7os extraordin\u00e1rios parecem n\u00e3o produzir nenhum resultado. Todo pesquisador faz semelhante experi\u00eancia. Deve-se aprender", "a enfrentar conscientemente o perigo, localizando onde se encontra. Ten- taremos agora indicar alguns desses perigos.", "1. Ser dominado pela infinidade."], ["Uma experi\u00eancia b\u00e1sica, que sempre se repete, apresentaremos, pri-"], ["meiro, em alguns exemplos:", "aa) Se, ao escrever o hist\u00f3rico de um paciente, se proceder segundo e", "princ\u00edpio de n\u00e3o emitir ju\u00edzo mas de descrever tudo poss\u00edvel, de anotar tudo, que ele disser, de recolher tudo que possa saber, caio facilmente \u2014 sobretudo quando guiado por uma conscienciosidade e cuidado formal \u2014 na exposi\u00e7\u00e3o de hist\u00f3rias sem fim. O resultado s\u00e3o atas grossas que nin- gu\u00e9m quer ler. N\u00e3o se pode desculpar o ac\u00famulo de dados irrelevantes, di- zendo-se que, sob novas perspectivas, podem assumir import\u00e2ncia para futuros pesquisadores. H\u00e1 poucos fatos que, sem um saber, ao menos ins- tintivo, sobre seu poss\u00edvel sentido, podem ser recolhidos de maneira su- gestiva e pregnante. S\u00f3 quando a apreens\u00e3o e apresenta\u00e7\u00e3o dos fatos for dirigida por uma vis\u00e3o origin\u00e1ria do essencial e por ideias mestras \u00e9 que se supera o perigo de nunca acabar e n\u00e3o resumindo-se em esquemas de lugares comuns."], ["bb) Calcular o que pode ser calculado, \u00e9 uma das maneiras mais segu- ras de se estabelecerem fatos. Mas c\u00e1lculos se podem fazer sem. fim. Por um momento, certos n\u00fameros podem, por si mesmos, despertar interesse principalmente em algu\u00e9m que, pela primeira vez, utiliza o c\u00e1lculo. Toda- via, s\u00f3 come\u00e7a aparecer um sentido quando se comparam os n\u00fameros dentro de determinados pontos de vista, mas mesmo estas compara\u00e7\u00f5es podem nunca terminar. O importante \u00e9 fazer de todo processo de c\u00e1lculo instrumento de uma ideia de conhecimento que penetre na realidade e n\u00e3o a represente em n\u00fameros sem fim. Em v\u00e3o se realizam experimentos complicados, que fazem surgir algumas cifras mas que nada dizem se n\u00e3o se colocar na base de todo o processo um pensamento que ponha fim \u00e0 in- finidade, dominando todo o c\u00e1lculo por meio de uma perspectiva metodo- l\u00f3gica determinante."], ["cc) Um m\u00e9todo muito usado \u00e9 se estabelecer a correla\u00e7\u00e3o entre dois fa- tos, correla\u00e7\u00e3o que oscila entre uma rela\u00e7\u00e3o necess\u00e1ria (coeficiente de cor- rela\u00e7\u00e3o = 1) e a completa aus\u00eancia de rela\u00e7\u00e3o (coeficiente de correla\u00e7\u00e3o = 0). Na aplica\u00e7\u00e3o de testes, as qualidades do car\u00e1ter, as aptid\u00f5es, as unida- des de hereditariedade, os resultados do rendimento- s\u00e3o examinados es- tatisticamente quanto \u00e0 medida de sua correla\u00e7\u00e3o- Ao se aplicarem estes"], ["c\u00e1lculos de correla\u00e7\u00e3o, costumam-se obter, \u00e0 primeira vista, resultados ex- traordinariamente satisfat\u00f3rios. Parece se terem demonstrado convincen- temente rela\u00e7\u00f5es reais. Mas, ao se acumularem indefinidamente as corre- la\u00e7\u00f5es, toda correla\u00e7\u00e3o se faz irrelevante dentro de uma quantidade in- finda de correla\u00e7\u00f5es m\u00e9dias. \u00c9 que a. correla\u00e7\u00e3o indica apenas um fato ex- terno que \u00e9 um efeito j\u00e1 derradeiro. N\u00e3o diz nada sobre a rela\u00e7\u00e3o real que se esconde atr\u00e1s das correla\u00e7\u00f5es constru\u00eddas estatisticamente. Qua.se tudo no mundo se acha em alguma refer\u00eancia com tudo. Somente quando se delimita o significado de uma correla\u00e7\u00e3o por meio de um pensamento novo e determinante e a correla\u00e7\u00e3o entra no contexto de um processo de conhecimento, guiado por uma ideia e que, al\u00e9m da estat\u00edstica, disp\u00f5e de outras fontes, \u00e9 que se consegue superar a irrelev\u00e2ncia dos resultados. Aqui, como em toda parte, nunca se deve deixar iludir por uma exposi\u00e7\u00e3o bem feita. Somente o princ\u00edpio metodol\u00f3gico e a atitude dele decorrente na investiga\u00e7\u00e3o e pesquisa superam o perigo da infinidade."], ["dd) Estabeleceram-se elementos de uma realidade e explicarem-se ma- nifesta\u00e7\u00f5es concretas atrav\u00e9s de combina\u00e7\u00e3o e permuta destes elementos constitui, por toda parte, um processo sem fim e por isso mesmo est\u00e9ril. Se, como simples jogo de racioc\u00ednio, pode ser correto, n\u00e3o nos faz conhecer nada de essencial. A \u00fanica coisa que importa \u00e9 possuir as f\u00f3rmulas para, segundo a necessidade, poder deduzir sempre qualquer realiza\u00e7\u00e3o poss\u00ed- vel. Mas n\u00e3o tem sentido algum realizar este ou aquele exerc\u00edcio de per- muta sem a consci\u00eancia do sentido geral desta t\u00e9cnica ad hoc."], ["ee) Ao estudar a fisiologia dos reflexos, \u00e9 t\u00e3o extraordin\u00e1ria a aplica\u00e7\u00e3o nas influ\u00eancias rec\u00edprocas dos reflexos elementares que, ap\u00f3s estabelecer alguns reflexos condicionados\u201d, se cai num processo sem fim ao se execu- tarem as combina\u00e7\u00f5es poss\u00edveis. O conhecimento da integra\u00e7\u00e3o dos refle- xos supera tal situa\u00e7\u00e3o na medida em que percebe os princ\u00edpios de consti- tui\u00e7\u00e3o dos reflexos, realiza provas de verifica\u00e7\u00e3o e seleciona um grupo es- sencial de experi\u00eancias, que explicam o processo sem fim e subministram, em princ\u00edpio, uma vis\u00e3o de seu conjunto.", "ff) Em todos os dom\u00ednios do conhecimento ocorre a mesma coisa de modo an\u00e1logo: podem-se expor e combinar sem fim complexos de sinto- mas cl\u00ednicos. Podem-se acumular descri\u00e7\u00f5es fenomenol\u00f3gicas de viv\u00eancias podem-se multiplicar os testes de aferi\u00e7\u00e3o de rendimentos etc.", "Sempre o pesquisador tem de fazer a mesma experi\u00eancia: deve seguir temporariamente caminhos sem fim, experimentar a infinidade para sentir"], ["o impulso e \u2014 impregnado do material existente nestes caminhos \u2014 des- cobrir a ideia que ordena, articula, confere uma vis\u00e3o global e essencial. Cada passo de uma descoberta verdadeira \u00e9 uma supera\u00e7\u00e3o da infinidade. Constitui erro fundamental de uma atitude de investiga\u00e7\u00e3o pregui\u00e7osa, apesar de todos os esfor\u00e7os, n\u00e3o perceber, depois de a continuar por um tempo, a s\u00e9rie infinda e permanecer em simples repeti\u00e7\u00f5es est\u00e9reis. Deve- se saber suspeitar e poder terminar. Sentir o aguilh\u00e3o da tarefa e desco- brir novas possibilidades na experi\u00eancia da infinidade. Sem d\u00favida \u00e9 sem- pre necess\u00e1rio empenhar-se por algum tempo numa s\u00e9rie infinda. A todo trabalho de descoberta seguem- se os trabalhos de simples analogia que repetem a mesma coisa com outro material, que confirmam e ampliam a descoberta at\u00e9 tomarem consci\u00eancia do car\u00e1ter intermin\u00e1vel das repeti- \u00e7\u00f5es. Todavia, os passos de progresso, por assim dizer o pulso no ritmo da investiga\u00e7\u00e3o, se processam pela consci\u00eancia da situa\u00e7\u00e3o de pesquisa, que se tornou pregnante ao surgir a ideia, como a solu\u00e7\u00e3o de um enigma at\u00e9 ent\u00e3o obscuramente consciente na s\u00e9rie intermin\u00e1vel. \u00c9 a\u00ed que nasce clara a quest\u00e3o com a sua resposta."], ["O princ\u00edpio destas discuss\u00f5es sobre o perigo da infinidade \u00e9 a seguinte", "compreens\u00e3o: Toda realidade, em. sua exist\u00eancia concreta, todo pensa- mento em suas possibilidades n\u00e3o t\u00eam fim. O conhecimento \u00e9 a desco- berta de concep\u00e7\u00f5es em que aquilo que n\u00e3o tem fim se torna super\u00e1vel e control\u00e1vel por vis\u00f5es finitas, mas de sorte que o fim apreendido produti- vamente corresponda \u00e0 ess\u00eancia da realidade, dela provenha e n\u00e3o lhe seja imposto com viol\u00eancia."], ["Dos modos de infinidade, que nos movem, apresentaremos ainda al-"], ["guns t\u00edpicos.", "A infinidade das constru\u00e7\u00f5es auxiliares. Para interpretar fatos necessi-", "tamos de representa\u00e7\u00f5es auxiliares, que, em si mesmas, n\u00e3o t\u00eam valor, mas somente como meio para ampliar a experi\u00eancia, possibilitando questi- onamentos, como fio condutor do progresso. No entanto, costuma-se, inadvertidamente, atribuir a tais representa\u00e7\u00f5es auxiliares um sentido em si. Elaboram-se distin\u00e7\u00f5es conceituais sempre mais amplas, desenvolvem- se constru\u00e7\u00f5es te\u00f3ricas, vive-se entre simples pensamentos s\u00f3 por amor de especula\u00e7\u00f5es. Basta procurar deliberadamente na bibliografia psiqui\u00e1trica, nos manuais e trabalhos especializados o quanto os autores se movem em puros pensamentos sem fundamento real na experi\u00eancia, a fim de se per- ceber logo o perigo aqui existente. As possibilidades do pensamento s\u00e3o em si mesmas infindas. Desenvolv\u00ea-las \u00e9 um jogo de entendimento que s\u00f3"], ["se distingue no gosto, na arte ornamental de suas linhas, na for\u00e7a de se- du\u00e7\u00e3o. Conter esta infinidade \u00e9 condi\u00e7\u00e3o de um trabalho racional. Det\u00e9m- se este processo sem fim, exigindo-se que o pensamento se baseie na ex- peri\u00eancia vivida e se demonstre verdadeiro de maneira a ajudar a experi- \u00eancia e n\u00e3o envolvendo apenas a experi\u00eancia existente com ideias que nada acrescentam. Quem se afasta, sem retornar, da experi\u00eancia e percep- \u00e7\u00e3o viva, constr\u00f3i, num processo sem fim, um mundo imagin\u00e1rio. Por isso, a respeito de todo m\u00e9todo deve-se perguntar como amplia, aprofunda e constitui a percep\u00e7\u00e3o, como aumenta o reconhecimento do que \u00e9 id\u00eantico, alarga a experi\u00eancia e estende as possibilidades \u2014 ou o que nele conduz ao vazio da abstra\u00e7\u00e3o, com simples conceitos, com papel e c\u00e1lculos, com esquemas enreda num mundo que n\u00e3o auxilia a vis\u00e3o do real nem favo- rece a a\u00e7\u00e3o mas age a partir e no sentido do vazio."], ["A infinidade de tudo poss\u00edvel. Quando, inadvertidamente, uma explica- \u00e7\u00e3o te\u00f3rica escolhe os seus recursos de maneira que a combina\u00e7\u00e3o dos fa- tores e das possibilidades de varia\u00e7\u00e3o a seu dispor possibilita apreender todo e qualquer caso, a ponto de nenhum caso n\u00e3o poder jamais refutar a teoria, \u00e9 que se caiu v\u00edtima da infinidade. Da infinidade, que tudo explica e por isso mesmo n\u00e3o explica nada, atrav\u00e9s de um jogo que, em quaisquer combina\u00e7\u00f5es, sempre se repete. Uma teoria precisa, de in\u00edcio, encontra di- ficuldades. H\u00e1 realidades que a contradizem. Constroem-se ent\u00e3o teorias auxiliares que explicam a nova situa\u00e7\u00e3o, at\u00e9 que, num limite talvez deter- min\u00e1vel, se fa\u00e7am tantas pressuposi\u00e7\u00f5es que todas as possibilidades ima- gin\u00e1veis j\u00e1 estejam explicadas a priori. \u00c9 de fato o destino de todas as teo- rias, que por algum tempo se impuseram, ca\u00edrem nesta m\u00e1gica estonte- ante, onde tudo e por isso nada se explica. Seus adeptos ficam apenas com o jogo sem fim da aplica\u00e7\u00e3o, das possibilidades de combina\u00e7\u00e3o que tudo abarcam. Sempre que se complicam as explica\u00e7\u00f5es, o pesquisador deve ficar em guarda e precatar-se contra o perigo de cair no sorvedouro de um redemoinho de pensamento que o arrasta para a infinidade de tudo poss\u00edvel, o transforma de chofre em onisciente, de sorte a j\u00e1 n\u00e3o se poder mover sen\u00e3o na apar\u00eancia de uma atividade tautol\u00f3gica."], ["A infinidade bibliogr\u00e1fica. Quem investiga quer saber o que j\u00e1 se inves-", "tigou antes. Quem exp\u00f5e um setor do saber deve conhecer a bibliografia pertinente. Mas justamente a profundidade de uma ocupa\u00e7\u00e3o exaustiva pode levar aqui \u00e0 infinidade, dando import\u00e2ncia, conservando, reunindo e agrupando puras ideias, opini\u00f5es e distin\u00e7\u00f5es s\u00f3 pelo fato de terem algum sentido. Surge a infinidade de informa\u00e7\u00e3o quando, sob a diversidade de palavras e f\u00f3rmulas, n\u00e3o se percebe a mesma coisa, quando se conserva a", "obscuridade das partes, embora j\u00e1 se tenha alcan\u00e7ado clareza no todo, quando as reflex\u00f5es ao acaso dos autores integram, sem o m\u00ednimo exame, a apresenta\u00e7\u00e3o de uma vis\u00e3o geral, quando na bibliografia n\u00e3o se reduz o resumo \u00e0s linhas essenciais, \u00e0 hierarquia real do conte\u00fado mas, ao inv\u00e9s, tudo equipara ao n\u00edvel de opini\u00f5es. Face \u00e0 quantidade infinda da bibliogra- fia \u00e9 preciso adquirir um senso de distin\u00e7\u00e3o que n\u00e3o confunde esfor\u00e7os baldados de S\u00edsifo com verdadeiro conhecimento."], ["2. Apego a generaliza\u00e7\u00f5es absolutas.", "Quase todos os m\u00e9todos e objetos de investiga\u00e7\u00e3o possuem a tend\u00ean- cia de se tornarem absolutos na forma dos \u00fanicos m\u00e9todos e objetos cen- trais, essenciais e pr\u00f3prios. Pensa-se, ent\u00e3o, que se chegou enfim ao cami- nho certo. Procuram-se dispor todos os dados dentro deste ponto de vista central, que j\u00e1 n\u00e3o \u00e9 entendido metodol\u00f3gica mas ontologicamente. Acre- dita-se ter apreendido a pr\u00f3pria realidade. J\u00e1 n\u00e3o se cr\u00ea mover-se numa investiga\u00e7\u00e3o perspectivista dentro de uma multiplicidade de m\u00e9todos. De fato, por\u00e9m, o resultado \u00e9 sempre transformarem-se em absolutos conhe- cimentos parciais. Pois todo conhecimento \u00e9 particular. Contra tal perigo urge dominar todos os m\u00e9todos e pontos de vista. Nunca se deve contra- por um ao outro, a biologia \u00e0s ci\u00eancias do esp\u00edrito ou vice-versa, a alma ao c\u00e9rebro, a nosologia \u00e0 fenomenologia. \u00c9 das generaliza\u00e7\u00f5es absolutas que nascem os preconceitos."], ["Tamb\u00e9m na psicopatologia e psicologia as teorias surgiram da necessi- dade falsamente satisfeita de se dominar o todo com uma \u00fanica forma de explica\u00e7\u00e3o, com um n\u00famero limitado de elementos. O resultado s\u00e3o \u201csiste- mas\u201d de natureza construtiva, conceitos rudimentares de classe, elimina- \u00e7\u00e3o aparentemente definitiva do todo, que s\u00f3 pode ser constru\u00eddo em par- ticularidades. S\u00e3o sempre as teorias das ci\u00eancias naturais que oferecem o modelo. Contra tudo isso, exigimos uma vis\u00e3o global dos m\u00e9todos e pontos de vista que n\u00e3o se devem misturar confusamente nem absolutizar, ultra- passando os limites e sim aplic\u00e1-los pura e planificadamente dentro de suas fronteiras.", "Desde o in\u00edcio, o presente livro \u00e9 inimigo declarado de todos os fanatis-"], ["mos que, de acordo com uma tend\u00eancia humana de se fazer valer, procura tornar absoluta uma concep\u00e7\u00e3o. Embora, num trabalho particular, essa tend\u00eancia tenha sentido e seja quase inevit\u00e1vel devido ao entusiasmo do inventor de seguir e investigar todas as poss\u00edveis consequ\u00eancias, deve-se rejeit\u00e1-la inteiramente no projeto de um quadro geral. A luta contra os", "pr\u00f3prios fanatismos \u2014 pois quem n\u00e3o possui essa tend\u00eancia? \u2014 \u00e9 a condi- \u00e7\u00e3o para se projetar um todo nascido realmente da ideia de totalidade e n\u00e3o de uma generaliza\u00e7\u00e3o absoluta. Este todo nunca pode estar pronto e acabado. Em oposi\u00e7\u00e3o ao car\u00e1ter acabado e definitivo de uma elabora\u00e7\u00e3o te\u00f3rica, constru\u00edda a partir de um princ\u00edpio objetivo pretensamente conhe- cido, o todo indica perspectivisticamente em muitas dire\u00e7\u00f5es, exige mover- se em diversos n\u00edveis, imp\u00f5e uma vis\u00e3o aberta, viva e ilimitada \u2014 e tudo isso na posse segura da sistem\u00e1tica at\u00e9 ent\u00e3o estabelecida e sem caos."], ["N\u00e3o obstante, \u00e9 uma tarefa, dif\u00edcil pretender enquadrar num todo- a variedade da investiga\u00e7\u00e3o. Todo pesquisador tende a considerar que se re- lativizaram injustamente os resultados de seu setor. H\u00e1 sempre de recusar que algu\u00e9m, que n\u00e3o trabalha em sua especialidade, se meta a julgar. Re- jeitar\u00e1 facilmente, como reflex\u00f5es puramente l\u00f3gicas, o- que uma vis\u00e3o do todo imp\u00f5e como resultado da natureza da pr\u00f3pria, coisa. A constru\u00e7\u00e3o do todo seria realmente violenta se fosse ontol\u00f3gica. Por isso, em verdade, n\u00e3o pode pretender ser a forma de um saber total do ser, mas apenas a forma da consci\u00eancia total dos m\u00e9todos onde ter\u00e1 lugar todo poss\u00edvel saber do ser. A pr\u00f3pria consci\u00eancia total dos m\u00e9todos onde ter\u00e1 lugar todo poss\u00edvel saber do ser. A pr\u00f3pria consci\u00eancia metodol\u00f3gica deve ser elaborada de maneira aberta, permitindo novos m\u00e9todos."], ["A atitude fundamental deste livro \u00e9, por conseguinte, combater' todas as generaliza\u00e7\u00f5es absolutas, evidenciar as infinidades, fazer ver as obscu- ridades \u2014 mas, por outro lado, reconhecer toda experi\u00eancia verdadeira, apreend\u00ea-la segundo sua pr\u00f3pria maneira, compreender e- assimilar todo saber poss\u00edvel e atribuir-lhe um lugar, o mais poss\u00edvel natural, na estru- tura dos m\u00e9todos.", "3. Conhecimento aparente produzido pela terminologia.", "Conhecimentos claros se exprimem em termos claros. As constru\u00e7\u00f5es"], ["felizes ou infelizes de conceitos e termos possuem extraordin\u00e1ria impor- t\u00e2ncia para a a\u00e7\u00e3o e divulga\u00e7\u00e3o, para a boa ou m\u00e1 compreens\u00e3o do conhe- cimento. Todavia s\u00f3 quando em si mesmo- o conhecimento j\u00e1 \u00e9 claro, \u00e9 que a terminologia pode ser essencial e adequada. Ao se exigir sempre de novo uma terminologia, uniforme para os conceitos psicol\u00f3gicos e psicopa- tol\u00f3gicos, a dificuldade n\u00e3o est\u00e1 nas palavras, mas nos pr\u00f3prios conceitos. Se tiv\u00e9ssemos conceitos claros, a terminologia seria f\u00e1cil. Parece de todo' imposs\u00edvel elaborar-se agora, por uma comiss\u00e3o, uma terminologia uni- forme. Para isso faltam inteiramente os conceitos fixos, universalmente"], ["aceitos. Deve-se exigir apenas de quem trabalha em psicopatologia que co- nhe\u00e7a os conceitos dos grandes pesquisadores, e que exprima consciente- mente, com suas, pr\u00f3prias palavras, determinados conceitos. Ainda \u00e9 per- mitido hoje transferirem-se para trabalhos e discuss\u00f5es cient\u00edficas termos psicol\u00f3gicos com toda a ambiguidade da linguagem comum. Ao inv\u00e9s de se investigar, tenta-se sempre de novo, mas sem sucesso algum, propor uma quantidade de novos termos."], ["d) A depend\u00eancia dos m\u00e9todos psicopatol\u00f3gicos de outras ci\u00eancias.", "A medicina \u00e9 apenas uma das ra\u00edzes da psicopatologia. Com base em concep\u00e7\u00f5es biol\u00f3gicas amplas se reconhecem, como biol\u00f3gicos, fen\u00f4menos psicopatol\u00f3gicos, p.ex., nas teorias da hereditariedade, a fim de se ver o que se pode apreender da realidade do homem e das doen\u00e7as mentais nestes contextos. Somente quando se tornar, como tal, claro o que se pode apreender biologicamente, \u00e9 que se evidencia o que constitui o propria- mente humano."], ["Onde quer que o homem, mas n\u00e3o como uma esp\u00e9cie animal, se fa\u00e7a objeto, revela-se que a psicopatologia n\u00e3o \u00e9, em sua pr\u00f3pria ess\u00eancia, ape- nas uma forma de biologia, mas tamb\u00e9m uma ci\u00eancia do esp\u00edrito. Na psi- quiatria se encontra um mundo estranho a todas as outras disciplinas da medicina. Enquanto o estudante de medicina adquire forma\u00e7\u00e3o preparat\u00f3- ria para as outras especialidades na qu\u00edmica, f\u00edsica, fisiologia, necessita para a psicopatologia de uma forma\u00e7\u00e3o preparat\u00f3ria inteiramente dife- rente. Tal situa\u00e7\u00e3o trouxe consigo que a psiquiatria feita por m\u00e9dicos, que n\u00e3o possuem nenhuma forma\u00e7\u00e3o nas ci\u00eancias do esp\u00edrito n\u00e3o se encontra, como ci\u00eancia, no mesmo n\u00edvel de desenvolvimento. Destarte o jovem estu- dante de medicina empreende seus estudos psiqui\u00e1tricos de forma mais ou menos casual e assim muitos psiquiatras s\u00e3o, do ponto de vista cient\u00ed- fico, diletantes."], ["Para compreender os outros de alguma maneira met\u00f3dica e segura- mente e para poder progredir na psicopatologia exige-se por isso um es- tudo especial. Nossa bibliografia psicopatol\u00f3gica est\u00e1 cheia de trabalhos insuficientes. O psiquiatra oficial s\u00f3 \u00e9 competente em problemas que di- zem respeito \u00e0 patologia cerebral, \u00e0 psiquiatria som\u00e1tica e forense e \u00e0s t\u00e9c- nicas de assist\u00eancia e administra\u00e7\u00e3o.", "Para Kant, o laudo pericial sobre o estado mental pertence \u00e0 compet\u00ean- cia da faculdade de filosofia. Do ponto de vista de uma considera\u00e7\u00e3o pura- mente l\u00f3gico-metodol\u00f3gica, \u00e9 correto mas praticamente \u00e9 errado. Ningu\u00e9m,"], ["al\u00e9m do m\u00e9dico, pode tratar de um doente mental, uma vez que para o tratamento \u00e9 indispens\u00e1vel a medicina som\u00e1tica. Em consequ\u00eancia, s\u00f3 o m\u00e9dico re\u00fane as experi\u00eancias reais necess\u00e1rias para o laudo pericial. No entanto, a frase de Kant permanece verdadeira no sentido de o m\u00e9dico ser competente na medida em que, por sua forma\u00e7\u00e3o e saber, pertenceu tam- b\u00e9m \u00e0 faculdade de filosofia. Para isso n\u00e3o basta que um psiquiatra (como ocorreu na hist\u00f3ria da psiquiatria) aprenda de cor- e transmita (isso seria pior do que se nada soubesse) um determinado sistema filos\u00f3fico. \u00c9 neces- s\u00e1rio assimilar os pontos de vista e os m\u00e9todos de pensamento das ci\u00ean- cias do esp\u00edrito."], ["De fato, convergem na psicopatologia os m\u00e9todos de quase todas as ci- \u00eancias. Biologia e morfologia, mensura\u00e7\u00e3o e c\u00e1lculo, estat\u00edstica e matem\u00e1- tica, ci\u00eancias compreensivas do esp\u00edrito e m\u00e9todos sociol\u00f3gicos, todos en- contram aplica\u00e7\u00e3o. Esta depend\u00eancia das outras ci\u00eancias, cujos m\u00e9todos e conceitos se transferem, \u00e9 constitutiva da psicopatologia. Ela se ocupa do ser do homem em sua totalidade, mas do ser do homem doente. Este seu objeto pr\u00f3prio s\u00f3 pode explicitar-se claramente dentro de quadros de inter- preta\u00e7\u00e3o provenientes de todos os lados e aspectos. Sem d\u00favida, sua defi- ci\u00eancia fundamental consiste em falsificar ou piorar muitas vezes os m\u00e9to- dos importados, \u00e0s vezes at\u00e9 em transform\u00e1-los em m\u00e9todos aparentes. Contudo, servindo-se dos m\u00e9todos que, em outros setores, alcan\u00e7aram pleno desenvolvimento, a tend\u00eancia da psicopatologia para com seu \u00fanico objeto, indispens\u00e1vel a toda concep\u00e7\u00e3o de mundo e de homem, \u00e9 elevar-se ao n\u00edvel em que se possa conhecer propriamente o homem doente e com- preender- lhe a significa\u00e7\u00e3o."], ["O sujeito sociol\u00f3gico desse conhecimento \u00e9 a pr\u00e1tica dos institutos, cl\u00ed- nicas, sanat\u00f3rios, das entrevistas m\u00e9dicas e psicoterap\u00eauticas. De in\u00edcio o conhecimento cient\u00edfico \u00e9 uma mera consequ\u00eancia de necessidades pr\u00e1ti- cas e, em sua maior parte, a elas limitados. Mais raro, por\u00e9m tanto mais eficaz, o impulso origin\u00e1rio de conhecimento de pesquisadores proeminen- tes abriu novos caminhos."], ["e) Exig\u00eancia impostas aos m\u00e9todos; cr\u00edtica metodol\u00f3gica e metodologias"], ["inadequadas.", "Resumidamente \u00e9 o seguinte o que se deve exigir dos m\u00e9todos: os m\u00e9-", "todos nos devem proporcionar a base de determinado conhecimento, apro- fundar nossas concep\u00e7\u00f5es e ampliar o mundo de nossa experi\u00eancia. A se- guir, nos devem ensinar os fatores causais que produzem a conex\u00e3o dos", "processos, devem proporcionar a vis\u00e3o de contextos intelig\u00edveis, cuja reali- za\u00e7\u00e3o depende de pressuposi\u00e7\u00f5es psicopatol\u00f3gicas. N\u00e3o devem, por\u00e9m, perder-se em possibilidades vazias de pensamento, que n\u00e3o proporcionam nenhuma vis\u00e3o nem experi\u00eancia. O valor dos m\u00e9todos se mede pelo que, com eles, posso ver, julgar e efetuar no trato com as pessoas. A cr\u00edtica me- todol\u00f3gica tem, por conseguinte, o sentido de examinar a proveni\u00eancia e os fundamentos de um conhecimento, de reconhecer a inutilidade de um prop\u00f3sito por defici\u00eancia de m\u00e9todo, de tomar consciente a ordem do co- nhecimento na multiplicidade de m\u00e9todos, de desbravar, tornar transit\u00e1- veis \u00ea vis\u00edveis os seus caminhos."], ["Como todo caminho da ci\u00eancia, tamb\u00e9m a metodologia tem os seus pe-", "rigos. Existe uma deturpa\u00e7\u00e3o da metodologia que a transforma num c\u00e1l- culo vazio e formal de conceitos. Esta arte de calcular, sempre presa aos extremos, estes simples deslocamentos de conceitos t\u00eam um efeito destrui- dor. Fonte de nosso conhecimento, permanece sempre a percep\u00e7\u00e3o viva. Ocorre que um autor, capaz de ver alguma coisa nova, n\u00e3o encontra for- mula\u00e7\u00f5es conceituais perfeitas. Embora tenha raz\u00e3o, a l\u00f3gica formal pode demonstrar \u2014 de fato, por\u00e9m, s\u00f3 externamente \u2014 contradi\u00e7\u00f5es e incorre- \u00e7\u00f5es. Uma cr\u00edtica construtiva, ao contr\u00e1rio, apreende o essencial e correto e s\u00f3 retifica a formula\u00e7\u00e3o e esclarece o m\u00e9todo. Esta retifica\u00e7\u00e3o necess\u00e1ria, embora formal, se converte num perigo quando se esquece da import\u00e2ncia propriamente dita da descoberta. Em casos raros pode-se dizer: para um problema s\u00e3o mais perniciosos do que proveitosos conceitos claros mas prematuros, corretos mas vazios de conte\u00fado."], ["Ademais, discuss\u00f5es metodol\u00f3gicas s\u00f3 t\u00eam sentido quando se realizam", "sobre um material concreto e ao mesmo tempo se explicam em suas con- sequ\u00eancias. Abstra\u00e7\u00f5es metodol\u00f3gicas destitu\u00eddas de experi\u00eancia s\u00e3o enfa- donhas. Nas ci\u00eancias emp\u00edricas s\u00f3 vale a l\u00f3gica concreta. Puras argumen- ta\u00e7\u00f5es, sem investiga\u00e7\u00e3o de fatos ou exposi\u00e7\u00e3o de material, pairam soltas no ar. Excogitar m\u00e9todos, que n\u00e3o s\u00e3o ou talvez at\u00e9 nem possam ser apli- cados, s\u00f3 produz falat\u00f3rios metodol\u00f3gicos sem conte\u00fado."], ["Existe, por fim, uma esp\u00e9cie de discuss\u00f5es metodol\u00f3gicas que operam com puras categorias a fim de negarem, de fato, numa forma puramente racional, toda tentativa positiva de conhecimento, mas que, apesar de toda sua aparente retid\u00e3o, s\u00e3o est\u00e9reis. Um exemplo \u00e9 a obje\u00e7\u00e3o t\u00edpica contra' distin\u00e7\u00f5es conceituais claras, dizendo-se que se separa o que constitui uma \u201cunidade\u201d (corpo e alma, ci\u00eancia e vida ou desenvolvimento de uma personalidade e \u2019 processo m\u00f3rbido ou percep\u00e7\u00e3o e representa\u00e7\u00e3o etc.) ou o que se separa acha-se ligado por \u201ctransi\u00e7\u00f5es\u201d que tornam pr\u00e0ticamente"], ["ilus\u00f3ria a distin\u00e7\u00e3o. Todavia assim como \u00e9 verdadeira a tese da unidade de tudo, assim tamb\u00e9m costuma ser errada tal afirma\u00e7\u00e3o contra o processo do conhecimento. \u00c9 que o conhecimento se elabora atrav\u00e9s de distin\u00e7\u00f5es. A verdadeira unidade opera, antes, como um horizonte (das Umgreifende) inconsciente, e \u00e9 sempre ideia, que exige a liga\u00e7\u00e3o do separado sob pontos de vista claros. Mas, em si mesmo, o conhecimento n\u00e3o pode antecipar-se \u00e0 unidade que existe antes, na pr\u00e1tica, na realidade do homem vivo. O co- nhecimento distingue, \u00e9 particular e estruturado, prenhe de oposi\u00e7\u00f5es e por tudo isso aberto para o movimento no sentido da unidade. Falar em transi\u00e7\u00f5es costuma ser o fim do pensamento e da observa\u00e7\u00e3o. A conse- qu\u00eancia dessa cr\u00edtica aparente, negativa, racional, metodol\u00f3gica, n\u00e3o \u00e9, de forma alguma, o fortalecimento da unidade real, mas a confus\u00e3o. O car\u00e1- ter amorfo do entusiasmo pela unidade provoca engarrafamento onde do- mina a cegueira em lugar da amplid\u00e3o de um conhecimento seguro de seus recursos."], ["H\u00e1 exig\u00eancias que se devem apor \u00e0 publica\u00e7\u00e3o de trabalhos psicopato-", "l\u00f3gicos: n\u00e3o \u00e9 permitido nem se pode simplesmente raciocinar. Antes de qualquer comunica\u00e7\u00e3o de investiga\u00e7\u00f5es espera-se que se tenha familiari- dade com as grandes concep\u00e7\u00f5es herdadas da tradi\u00e7\u00e3o, que se tenham as- similado as distin\u00e7\u00f5es essenciais, que se haja adquirido uma clara consci- \u00eancia metodol\u00f3gica. S\u00f3 assim \u00e9 que algu\u00e9m se torna, capaz de controlar seu pr\u00f3prio trabalho, evitando apresentar coisas antigas, talvez at\u00e9 numa forma pior, como novas descobertas, evitando que se perca em simples possibilidades de pensamento, que se caia em infinidades, que, por pres- sentimentos e sussurros se obscure\u00e7am conhecimentos j\u00e1 adquiridos.", "\u00a7 5. A Tarefa De Uma Psicopatologia Geral E Sinopse Do Presente Livro."], ["A psicopatologia n\u00e3o tem de reunir todos os resultados e sim elaborar e estruturar o conjunto. Sua tarefa \u00e9 esclarecer, ordenar, formar: compete- lhe explicar o saber segundo os tipos b\u00e1sicos de fatos e a variedade dos m\u00e9todos, resumi-lo em ordens naturais e por fim conferir-lhe uma consci- \u00eancia de si mesmo na totalidade da forma\u00e7\u00e3o humana. Com isso realiza uma tarefa espec\u00edfica de conhecimento que ultrapassa as investiga\u00e7\u00f5es particulares. N\u00e3o s\u00e3o suficientes classifica\u00e7\u00f5es simplesmente did\u00e1ticas de car\u00e1ter pr\u00e1tico e \u00fateis para a memoriza\u00e7\u00e3o. S\u00f3 lhe serve uma elabora\u00e7\u00e3o did\u00e1tica que coincida com a percep\u00e7\u00e3o da ess\u00eancia.", "A psicopatologia geral est\u00e1 na mesma linha de continuidade das con- cep\u00e7\u00f5es totais que se fizeram at\u00e9 agora, por elas se orienta e pode servir de ponto de partida para novas tentativas \u2014 seja contradizendo, seja comple- tando ou indo adiante. Passemos uma vista sobre as exposi\u00e7\u00f5es existen- tes."], ["Quando apareceu minha psicopatologia pela primeira vez (1913), havia", "os livros de Emminghaus e St\u00f5rring, depois surgiram os de Kretschmer e Gruhle. De certo, todos t\u00eam um prop\u00f3sito diferente e seria injusto coloc\u00e1- los no mesmo n\u00edvel quanto ao valor e finalidade. Mas cada um \u00e9 a expres- s\u00e3o de uma vis\u00e3o geral, de uma estrutura\u00e7\u00e3o que informa um material ili- mitado.", "Uma psicopatologia geral n\u00e3o \u00e9 apenas uma exposi\u00e7\u00e3o did\u00e1tica do que"], ["j\u00e1 existe. Realiza, antes, um trabalho consciente de disposi\u00e7\u00e3o do todo. Todo psiquiatra possui e se caracteriza pela maneira de dispor e ordenar que lhe permite um quadro geral mais ou menos complexo, vers\u00e1til ou r\u00ed- gido. Um livro sobre psicopatologia pretende colaborar na constru\u00e7\u00e3o deste quadro geral ou do modo de pensar o conjunto em que todos os m\u00e9- todos particulares encontram seu sentido e seus limites. O significado de- cisivo de livros que procuram apresentar diretamente uma exposi\u00e7\u00e3o geral se mede pelo modo de verem o todo e de o explicitarem na sistem\u00e1tica vis\u00ed- vel e no desenvolvimento do pensamento. Tentando caracterizar numa compara\u00e7\u00e3o os trabalhos existentes, espero poder evidenciar pelo con- traste a inten\u00e7\u00e3o (e n\u00e3o a realiza\u00e7\u00e3o) de minha psicopatologia."], ["Emminghaus (1878) escolheu uma disposi\u00e7\u00e3o m\u00e9dica, assim como se costuma fazer em outras disciplinas cl\u00ednicas. Trata sucessivamente da no- sologia (sintomatologia, diagn\u00f3stico, processo, dura\u00e7\u00e3o e desfecho da lou- cura), da etiologia (predisposi\u00e7\u00e3o, causas de desencadeamento, etc.) e por fim da anatomia patol\u00f3gica e da fisiologia. O m\u00e9todo \u00e9 puramente descri- tivo. Apresenta a vis\u00e3o geral evidente e n\u00e3o provada das ci\u00eancias m\u00e9dico- naturais. Em aspectos particulares, prevalecem pontos de vista psicol\u00f3gi- cos bem diversos sem, no entanto, serem conscientemente criticados e de- senvolvidos. \u00c9 decisiva a psicologia natural de todos os dias, embora um pouco empalidecida por uma terminologia aparentemente cient\u00edfica e pela exterioridade da psicologia oficial de seu tempo. O valor do livro est\u00e1 na maneira familiar _ aos m\u00e9dicos de apresentarem uma vis\u00e3o geral, onde n\u00e3o se v\u00ea o abismo que separa sempre a psiquiatria das outras disciplinas cl\u00ednicas (enquanto uma s\u00edntese real s\u00f3 \u00e9 poss\u00edvel depois de se terem escla- recido conscientemente princ\u00edpios e m\u00e9todos em parte heterog\u00eaneos). Uma"], ["outra vantagem s\u00e3o a exposi\u00e7\u00e3o expressiva e muito viva, as ricas indica- \u00e7\u00f5es bibliogr\u00e1ficas, que tornam a obra ainda hoje uma fonte de consulta para uma bibliografia mais antiga. Outra vantagem s\u00e3o as perspectivas amplas (p. ex. sobre a psicologia dos povos) poss\u00edveis apesar do contexto m\u00e9dico, e que prov\u00eam da antiga forma\u00e7\u00e3o psiqui\u00e1trica, hoje, nesta forma, em decl\u00ednio. A disposi\u00e7\u00e3o propriamente m\u00e9dica, como a utiliza Emmin- ghaus e era usada antes, continuou a ser empregada, mesmo depois, nas partes gerais dos comp\u00eandios psiqui\u00e1tricos."], ["O livro de St\u00f5rring (1900) se prop\u00f5e uma outra finalidade: pretende tratar da psicopatologia em sua import\u00e2ncia para a psicologia normal. De sa\u00edda p\u00f5e no centro o inter\u00eas.se te\u00f3rico. S\u00e3o decisivas as teorias da psico- logia de Wundt. Desempenham um papel dominante as discuss\u00f5es te\u00f3ri- cas sobre a g\u00eanese dos fen\u00f4menos, por meio dos recursos daquela psicolo- gia, que hoje nos parecem fora de moda. A divis\u00e3o se processa segundo o antigo esquema: fun\u00e7\u00f5es intelectuais, fen\u00f4menos do sentimento e da von- tade. Todavia, utilizam-se para as fun\u00e7\u00f5es intelectuais mais ou menos 400 p\u00e1ginas, para os sentimentos, 35 e para os fen\u00f4menos da vontade, 15. Visto ser te\u00f3rica a unidade do livro, o desenvolvimento do pensamento \u00e9 cont\u00ednuo; todavia, o valor do livro depende em grande parte, do valor das teorias. Embora tenha tornado novamente conhecido muito material inte- ressante da literatura, os resultados foram t\u00e3o parcos que se deixa de lado, decepcionado, o livro, cujo t\u00edtulo atra\u00eda tanto. Um quadro geral te\u00f3- rico apresenta, sem d\u00favida, mais estrutura\u00e7\u00e3o do que uma disposi\u00e7\u00e3o m\u00e9- dica como 'a de Emminghaus. Todavia a estrutura de St\u00f5rring \u00e9 estreita em quest\u00f5es e respostas comparada com a realidade ingente das psicoses."], ["O livro de Kretschmer (1922) n\u00e3o se pode colocar, simplesmente, ao lado dos dois outros. Sua finalidade \u00e9 did\u00e1tica e inclui a psicologia na me- dida em que \u00e9 de import\u00e2ncia para o m\u00e9dico, sena \u2014 com raz\u00e3o \u2014 separar em princ\u00edpio o normal do patol\u00f3gico. Tamb\u00e9m Kretschmer constr\u00f3i seu quadro geral, a estrutura do todo, atrav\u00e9s de uma teoria. Trata-se da ideia das camadas da vida ps\u00edquica que ele descobre paralelamente na hist\u00f3ria, filogenia e ontogenia (como sequ\u00eancia da evolu\u00e7\u00e3o) e no homem j\u00e1 desen- volvido (simultaneamente). A isso se ajunta uma segunda ideia: dos tipos de personalidade e dos modos de rea\u00e7\u00e3o. Todavia, ambas as ideias s\u00e3o es- quematizadas ao m\u00e1ximo. Ele mesmo acentua a simplifica\u00e7\u00e3o r\u00edgida redu- zida a poucas f\u00f3rmulas e conceitos auxiliares. Para tal se apoia nas ci\u00ean- cias naturais que assim chegou a sua finalidade de dominar as coisas. Prop\u00f5e-se mostrar, \u201cnuma constru\u00e7\u00e3o pautada rigorosamente pelas ci\u00ean- cias naturais, os poucos mecanismos b\u00e1sicos de natureza biol\u00f3gica que"], ["retornam em toda parte\u201d. \u201cA estes mecanismos pode-se reduzir a riqueza estonteante da vida real\u201d. Com isso se faz uma confus\u00e3o. Por meio de uma a\u00e7\u00e3o rec\u00edproca de projeto te\u00f3rico e observa\u00e7\u00e3o-verifica\u00e7\u00e3o de maneira que uma quest\u00e3o exata possibilita uma decis\u00e3o exata, as verdadeiras ci\u00eancias naturais antecipam, claramente, de modo constringente, passo a passo e \u00e0s vezes em saltos, novas fundamenta\u00e7\u00f5es. Na psiquiatria, por\u00e9m, estas teorias sempre apresentaram at\u00e9 agora, e tamb\u00e9m em Kretschmer, mais ou menos o car\u00e1ter de uma tentativa de articula\u00e7\u00e3o que propicia observa- \u00e7\u00f5es e possibilita classifica\u00e7\u00f5es."], ["Kretschmer d\u00e1 um novo exemplo de psicologia compreensiva que pro- cura revestir-se de ci\u00eancia natural \u2014 correspondendo ao ambiente da fa- culdade de medicina. Isso s\u00f3 \u00e9 poss\u00edvel devido ao pouco sentido para a l\u00f3- gica das ci\u00eancias exatas da- natureza e seus m\u00e9todos. O esp\u00edrito de suas \u201csimplifica\u00e7\u00f5es\u201d, ele mesmo exprime de maneira adequada: \u201ca fim de inje- tar um pouco de vida na mat\u00e9ria seca, \u00e0s vezes me servi de express\u00f5es algo estranhas e de f\u00f3rmulas bem exageradas\u201d. Nesta simplifica\u00e7\u00e3o te\u00f3rica e aparente dom\u00ednio da totalidade afirma-se, apesar de toda a intui\u00e7\u00e3o para casos particulares, uma esp\u00e9cie de onisci\u00eancia que, de maneira estranha- mente apressada, distribui rubricas, utiliza conceitos classificat\u00f3rios para o expressionismo, para personalidades hist\u00f3ricas e vive, considerada numa perspectiva da hist\u00f3ria do esp\u00edrito, do del\u00edrio gigantesco de muitos neurologistas: \u201ca psicologia da neurose \u00e9 a psicologia do cora\u00e7\u00e3o humano simplesmente. Um conhecedor das neuroses \u00e9 eo ipso um conhecedor dos homens\u201d. \u00c9 caracter\u00edstico o estilo com verniz liter\u00e1rio. N\u00e3o se sente ne- nhum respeito pela natureza inesgot\u00e1vel do indiv\u00edduo, pelos problemas in- finitos da alma, n\u00e3o se percebe nenhuma admira\u00e7\u00e3o e espanto. Para isso oferece chav\u00f5es f\u00e1ceis de assimilar, cuja utiliza\u00e7\u00e3o produz a consci\u00eancia tranquila de um penetrante conhecimento humano. \u2014 Todavia, mesmo com esse m\u00e9todo, Kretschmer n\u00e3o consegue projetar uma estrutura real da totalidade da vida ps\u00edquica. Ao contr\u00e1rio, fica numa sele\u00e7\u00e3o de proble- mas. Na linguagem predominam mais imagens do que nitidez conceituai, sente-se mais o impacto da express\u00e3o do que uma ideia."], ["O livro de Gruhle (1922) parece-me estar numa oposi\u00e7\u00e3o completa ao de Kretschmer. Cuidado no trabalho, concis\u00e3o de estilo j\u00e1 s\u00e3o altamente caracter\u00edsticos. Gruhle procura uma ordem o menos poss\u00edvel preconce- bida. Nenhuma teoria violenta o todo. Escolhe, ao inv\u00e9s, uma esquemati- za\u00e7\u00e3o conceituai de todo abstrata onde agrupar a mat\u00e9ria. Distinguem-se anormalidades de medida (quantidade), de tipo (qualidade), de fun\u00e7\u00f5es"], ["(atos); e estas \u00faltimas como atos intencionais e nexos de motivos: ajun- tam-se s\u00f3 brevemente algumas observa\u00e7\u00f5es sobre anormalidades do de- senvolvimento ps\u00edquico. Deste modo, por meio de conceitos muito amplos, que \u2014 como qualidade e quantidade \u2014 permitem uma divis\u00e3o completa, embora muito externa, de toda a realidade consegue Gruhle, por assim di- zer, grandes compartimentos onde pode jogar, enumerando simplesmente, os fen\u00f4menos. O conceito central n\u00e3o \u00e9 elaborado metodologicamente nem desenvolvido numa estrutura\u00e7\u00e3o, como fermento de ideias, ao longo da sec\u00e7\u00e3o respectiva. Ao contr\u00e1rio, se estabelecem, como Gruhle, mesmo diz, \u201cpor assim dizer\u201d, marcos de fronteira dentro dos quais se empilham o ma- terial psicopatol\u00f3gico que parece importante e pertinente ao assunto, sem que seja poss\u00edvel uma elabora\u00e7\u00e3o sistem\u00e1tica e uma ordem interna\u201d. E Gruhle diz isso com rela\u00e7\u00e3o a uma sec\u00e7\u00e3o que, a meu ver, mais possui or- dem interna. A ordem formal, amplamente externa permite, sem d\u00favida, subsumir sob conceitos muito vastos e muito abstratos, mas n\u00e3o permite que se elabore um quadro geral estruturado. A cr\u00edtica implac\u00e1vel e a cla- reza formal levaram Gruhle at\u00e9 ao extremo na ren\u00fancia de uma estrutura- \u00e7\u00e3o criadora. Em consequ\u00eancia fica prisioneiro na abund\u00e2ncia dos fatos, sem distinguir o importante do insignificante (o que s\u00f3 surge de ideias e n\u00e3o de ordena\u00e7\u00f5es formais), e passa \u00e0 margem da subst\u00e2ncia dos proble- mas. Gruhle n\u00e3o camufla absolutamente nada e quase conseguiu que se pensasse n\u00e3o conter o seu livro nenhuma frase \u201cincorreta\u201d. Apesar de todo o prop\u00f3sito de ser interessante, a exposi\u00e7\u00e3o torna excitante. \u00c9 que a alta cultura do autor, seu bom gosto e sua dist\u00e2ncia das coisas se fazem sentir a ponto de logo se notar que lhe seria f\u00e1cil um estilo literariamente ele- gante, mas ele prefere o formalismo e a concis\u00e3o. Pois nada teme mais do que confundir literatura com ci\u00eancia. Se se tomar o livro no que pretende ser, um empilhamento de material, trata-se de um livro altamente \u00fatil. Faz-se credor de agradecimento pela apresenta\u00e7\u00e3o de uma bibliografia gi- gantesca, pela utiliza\u00e7\u00e3o de trabalhos antigos, esquecidos, distantes."], ["O prop\u00f3sito de meu pr\u00f3prio livro (1913) se distingue de todos os outros", "aparecidos antes e depois. Ao caracteriz\u00e1-lo, \u00e9-me inevit\u00e1vel, como autor, ver e considerar essencialmente as vantagens. Por isso queria dizer de an- tem\u00e3o que, segundo minha convic\u00e7\u00e3o, este meu prop\u00f3sito n\u00e3o deve elimi- nar outras tentativas. Ao contr\u00e1rio, \u00e9 muito aconselh\u00e1vel a quem desejar penetrar mais profundamente nos problemas da psicopatologia, ler, com- parando, as diversas exposi\u00e7\u00f5es gerais, somente na medida em que con- trolar uma com a outra, \u00e9 que ele adquirir\u00e1 o dom\u00ednio do todo que lhe \u00e9 poss\u00edvel."], ["Apresento o prop\u00f3sito de meu livro:", "a) Dogm\u00e1tica do ser e consci\u00eancia metodol\u00f3gica.", "Em 1913 descrevi o sentido de minha sistem\u00e1tica metodol\u00f3gica: \u201cAo inv\u00e9s de violentar toda a esfera da psicopatologia por meio de um sistema constru\u00eddo com base numa teoria, devem-se tentar distinguir nitidamente os diversos caminhos de investiga\u00e7\u00e3o, os pontos de vista e M\u00e9todos, fa- zendo-os assim aparecerem com clareza e deste modo expor tamb\u00e9m os m\u00faltiplos aspectos da psicopatologia. Por isso n\u00e3o se deve eliminar ne- nhuma teoria e nenhuma perspectiva. Todo quadro geral ser\u00e1 aceito, apre- endido e valorizado em sua import\u00e2ncia e limites. Mas o decisivo perma- nece sempre o pensamento indagador para quem todo quadro geral s\u00f3 tem valor a partir de uma perspectiva. \u00c9 esta ideia que procura dominar os quadros gerais em sua totalidade e por fim s\u00f3 os consegue ordenar pelos m\u00e9todos e categorias, donde nasceram."], ["Indicaremos as vias em que chegamos a perceber alguns aspectos par- ticulares da alma. Todo cap\u00edtulo deste livro apresentar\u00e1 um destes aspec- tos. Ao inv\u00e9s de encontrar um sistema de elementos e fun\u00e7\u00f5es, que, de maneira id\u00eantica, nos assinale, em toda parte da psicopatologia, o cami- nho da an\u00e1lise (como na qu\u00edmica o conhecimento dos \u00e1tomos e das leis de combina\u00e7\u00e3o), temos de nos satisfazer com realizar diversas modalidades de considera\u00e7\u00e3o. Ao inv\u00e9s de uma ordem te\u00f3rica, s\u00f3 podemos ter uma or- dem metodol\u00f3gica\u201d."], ["Nesta autocaracteriza\u00e7\u00e3o se exprime uma oposi\u00e7\u00e3o cient\u00edfica que n\u00e3o"], ["se pode ver de modo bastante radical. Ou se pensa j\u00e1 se ter, no que se sabe objetivamente, a pr\u00f3pria realidade, o ser em si e na sua totalidade ou se reconhece o car\u00e1ter perspectivista, a natureza, metodologicamente fun- damentada e, ao mesmo tempo, limitada de todo conhecimento. Ou se procura uma satisfa\u00e7\u00e3o no saber do ser ou se aceita o horizonte aberto de um movimento infinito. Ou se tem o centro de gravidade numa teoria do ser, que se acredita conhecer, ou na sistematiza\u00e7\u00e3o de m\u00e9todos conscien- tes, com os quais se ilumina a escurid\u00e3o infinita. Ou se abandonam todos os m\u00e9todos, como suportes temporariamente necess\u00e1rios, para possuir pretensamente a pr\u00f3pria realidade, que se conquistou, ou se destr\u00f3i toda dogm\u00e1tica de ser como erro temporariamente indispens\u00e1vel, em favor do movimento do conhecimento, que nunca se apresenta diretamente nem se acaba, mas que sempre permanece aberto a uma experi\u00eancia e investiga- \u00e7\u00e3o ilimitada."], ["A consci\u00eancia metodol\u00f3gica nos mant\u00e9m frente \u00e0 realidade que deve", "ser apreendida sempre de novo. A dogm\u00e1tica do ser nos tranca num saber que, como um v\u00e9u, se antep\u00f5e a toda nova experi\u00eancia. Assim, a atitude b\u00e1sica metodol\u00f3gica se imp\u00f5e contra a atitude de absolutiza\u00e7\u00e3o, a atitude b\u00e1sica de investiga\u00e7\u00e3o contra a atitude b\u00e1sica de fixa\u00e7\u00e3o.", "Mas n\u00e3o \u00e9 para se esquecer: os m\u00e9todos s\u00e3o criadores apenas no uso e n\u00e3o na reflex\u00e3o sobre os mesmos. Os primeiros inventores, que alargaram o conhecimento com a aplica\u00e7\u00e3o de m\u00e9todos, muitas vezes n\u00e3o entende- ram a si mesmos (pagaram a incompreens\u00e3o com a dogm\u00e1tica petrificada de suas novas opini\u00f5es). Como tal, a consci\u00eancia metodol\u00f3gica n\u00e3o \u00e9, po- r\u00e9m, criadora mas apenas esclarecedora. Instaura as condi\u00e7\u00f5es e o es- pa\u00e7o, onde novos inventores podem crescer, enquanto toda dogm\u00e1tica pa- ralisa novas descobertas."], ["O desejo de conhecimento procura logo penetrar no todo e lan\u00e7a m\u00e3o avidamente de teorias tentadoras, que parecem proporcionar de um golpe a posse do todo. O conhecimento cr\u00edtico, ao contr\u00e1rio, quer, ao mesmo tempo, limites e amplid\u00e3o, de um lado, um saber claro dos limites e da im- port\u00e2ncia de todo ponto de vista particular, de todo fato, e de outro, a am- plid\u00e3o alcan\u00e7ada pela conquista laboriosa, durante toda a vida, de todos os caminhos poss\u00edveis do conhecimento. Pareceu-me ser poss\u00edvel chegar \u00e0 amplid\u00e3o relativamente maior e ao mesmo tempo \u00e0 maior clareza sobre o aspecto positivo do conhecimento atrav\u00e9s de uma sistematiza\u00e7\u00e3o metodo- l\u00f3gica."], ["b) A ordem metodol\u00f3gica, como princ\u00edpio de estrutura\u00e7\u00e3o.", "Ordem metodol\u00f3gica significa tornar conscientes todos os modos de apreens\u00e3o, todas as formas de observa\u00e7\u00e3o, de pensamento, todos os cami- nhos de investiga\u00e7\u00e3o, todas as atitudes b\u00e1sicas do conhecimento, e exerc\u00ea-los no material de experi\u00eancia pr\u00f3prio a cada um deles. Assim, se distingue certamente o particular, se desenvolvem puramente os \u00f3rg\u00e3os de investiga\u00e7\u00e3o e apreens\u00e3o, se tocam os limites, revelados em cada caso, se experimentam e, ao mesmo tempo, se relativizam as poss\u00edveis concep\u00e7\u00f5es do todo. \u00c1 forma\u00e7\u00e3o nos m\u00e9todos d\u00e1 o senso cr\u00edtico seguro sobre o sentido e os limites de todo saber e favorece a naturalidade no reconhecimento dos fatos."], ["A realidade se nos apresenta como um todo individual, como um ho-", "mem vivo. Conhecer \u00e9 analisar, e \u00e9 metodologicamente que todo fato real- mente se estabelece como fato. Disso se segue, em primeiro lugar, que todo conhecimento atinge apenas algo de particular. Antes de analis\u00e1-lo, nunca vemos o todo e, ao vermos, j\u00e1 o analisamos. Em segundo lugar, fato", "e m\u00e9todo dependem intimamente um do outro. S\u00f3 temos o fato atrav\u00e9s do m\u00e9todo. Entre fato e m\u00e9todo n\u00e3o h\u00e1 separa\u00e7\u00e3o radical. Um existe pelo ou- tro."], ["Por isso uma articula\u00e7\u00e3o segundo os m\u00e9todos j\u00e1 \u00e9 tamb\u00e9m uma articu- la\u00e7\u00e3o adequada do real, assim como existe para n\u00f3s. Tal \u00e9 a fun\u00e7\u00e3o motriz do conhecimento em que o ser emp\u00edrico se nos revela. Com a estrutura\u00e7\u00e3o dos m\u00e9todos e a indica\u00e7\u00e3o do que neles se manifesta, vemos, ao mesmo tempo, as esp\u00e9cies fundamentais de fatos; s\u00f3 assim se obt\u00eam constata\u00e7\u00f5es precisas e todo o \u00e2mbito do que \u00e9 poss\u00edvel estabelecer. A articula\u00e7\u00e3o meto- dol\u00f3gica introduz urna estrutura no material dos fatos. Esta estrutura cor- responde ao modo em que os pr\u00f3prios fatos se acham articulados."], ["Num desenvolvimento claro e bem sucedido, objeto e m\u00e9todo coinci- dem. A divis\u00e3o segundo um \u00e9 simultaneamente a divis\u00e3o segundo o outro. A isso parece contrapor-se o princ\u00edpio de que todo objeto deve ser conside- rado por m\u00e9todos diferentes. No entanto, com esta exig\u00eancia justa se pre- tende o seguinte: uma pessoa particular, presente como enfermidade, como altera\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia, como memoria etc., \u00e9 um fato que at\u00e9 en- t\u00e3o tinha sido apreendido, como um objeto, apenas externamente. Pois \u00e9 este lato que deve ser investigado com m\u00e9todos diversos. Trata-se de um objeto impenetr\u00e1vel e indeterminado em seus limites; de uma realidade t\u00f4sca, ainda n\u00e3o claramente distinta em seu todo. S\u00f3 no m\u00e9todo \u00e9 que se revela a realidade objetiva deste fato. S\u00f3 por um m\u00e9todo espec\u00edfico se de- termina com clareza cabal se em que medida o- objeto, a ser investigado por muitos m\u00e9todos, \u00e9 realmente um objeto bem como o modo dessa uni- dade.", "Muito mais f\u00e1cil parece uma estrutura\u00e7\u00e3o do saber onde impera uma"], ["teoria do ser. Poucos princ\u00edpios e elementos proporcionam a posse do todo. Tenho em m\u00e3os a pr\u00f3pria realidade. Da\u00ed o sucesso ef\u00eamero de siste- mas sugestivos, onde parece apreender-se a pr\u00f3pria coisa em seus funda- mentos. Quem chega pode logo dominar o todo. Pensa j\u00e1 ter tomado p\u00e9 no meio da realidade. Sua tarefa consiste em desenvolver um pensamento, que simplesmente repete, confirma, aplica e completa o sistema, e assim parece realizar um trabalho de ci\u00eancia. Mais dif\u00edcil, por\u00e9m mais verda- deiro, \u00e9 a estrutura\u00e7\u00e3o metodol\u00f3gica. N\u00e3o \u00e9 sugestiva nem c\u00f4moda. N\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil de se adquirir nem permite um dom\u00ednio grandioso do todo. Mas, por outro lado, realiza um conhecimento real, desperta impulsos de pesquisa, exige uma capacidade pr\u00f3pria. Mostra o que se conquistou, faz ver o que se revela nos caminhos particulares de investiga\u00e7\u00e3o e mant\u00e9m-se aberta para o existir humano em sua totalidade."], ["Assim nunca se conclui o trabalho da estrutura\u00e7\u00e3o e ordena\u00e7\u00e3o meto-", "dol\u00f3gica dentro de uma exposi\u00e7\u00e3o global. N\u00e3o indica o projeto de um es- quema pronto e sim o esfor\u00e7o cont\u00ednuo de extrair das pesquisas dos fatos as ideias estruturais, torn\u00e1-las conscientes e integr\u00e1-las num contexto."], ["c) A ideia do todo.", "A ordem metodol\u00f3gica propicia uma arma\u00e7\u00e3o, mas n\u00e3o basta. Nela e com ela se procura algo que se encontra al\u00e9m, o todo. Neste sentido deve- se formular a tarefa de uma exposi\u00e7\u00e3o global de v\u00e1rias maneiras.", "Os tipos fundamentais de fatos t\u00eam que ser explicitados com muito tato. Devem-se estabelecer concep\u00e7\u00f5es densamente estruturadas e abrir os espa\u00e7os para a experi\u00eancia atrav\u00e9s de orienta\u00e7\u00f5es espec\u00edficas."], ["Deve-se separar o que, at\u00e9 agora, s\u00f3 se tinha unido de modo externo. Deve-se unificar o que pertence reciprocamente um ao outro; devem-se es- clarecer as caracter\u00edsticas pr\u00f3prias atrav\u00e9s das quais o que se pertence re- ciprocamente, se mant\u00e9m unido. Para isso \u00e9 necess\u00e1rio encontrarem-se estruturas b\u00e1sicas, de sorte que as divis\u00f5es da exposi\u00e7\u00e3o se tornem cons- trutivas. Deve haver uma concentra\u00e7\u00e3o nos princ\u00edpios que em exposi\u00e7\u00f5es muito extensas desaparecem facilmente do campo de vis\u00e3o. Devem-se tra- \u00e7ar as linhas mestras e procurar concentrar-se no essencial. O mais ele- vado e fundamental tem que ser o decisivo."], ["H\u00e1 algo de uma descoberta \u2014 sem por isso haver necessidade de se ter adquirido um novo conhecimento particular \u2014 ao se estabelecerem ordens e disposi\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas. E por suas incorre\u00e7\u00f5es todas elas se convertem num est\u00edmulo, de aprofundamento. Realizam-se experi\u00eancias espec\u00edficas quando se procura certeza quanto ao todo. O problem\u00e1tico, que se acha no conjunto do saber, deve- se mostrar mediante a execu\u00e7\u00e3o real de uma concep\u00e7\u00e3o global. A atitude b\u00e1sica de um pensamento despreconcebido procura perceber criticamente os limites e chegar atrav\u00e9s da ordem e dis- posi\u00e7\u00e3o a uma evid\u00eancia a respeito da sua a\u00e7\u00e3o."], ["d) A import\u00e2ncia objetiva das divis\u00f5es."], ["Se as divis\u00f5es b\u00e1sicas e as estrutura\u00e7\u00f5es forem essencialmente objeti-", "vas, nascer\u00e1 um quadro que se grava no leitor de modo cada vez mais convincente com o progresso e retrospecto da exposi\u00e7\u00e3o, porquanto n\u00e3o brotam de meras antecipa\u00e7\u00f5es l\u00f3gicas, mas da pr\u00f3pria realidade.", "Uma estrutura\u00e7\u00e3o esteticamente satisfat\u00f3ria e didaticamente c\u00f4moda s\u00f3 \u00e9 verdadeira ao mostrar-se pr\u00e1tica conforme \u00e0 realidade. O crit\u00e9rio de sua verdade \u00e9 o aumento da vis\u00e3o concreta. Assim, uma divis\u00e3o inclui em", "si um ju\u00edzo objetivo, caso n\u00e3o seja um agrupamento arbitr\u00e1rio. Significa j\u00e1 uma tomada de posi\u00e7\u00e3o do conhecimento."], ["A estrutura\u00e7\u00e3o deve explicitar as linhas mestras, o principal e o secun- d\u00e1rio, a hierarquia no movimento mediante diversos pontos de vista. Atra- v\u00e9s de uma localiza\u00e7\u00e3o correspondente deve dar import\u00e2ncia a uma desco- berta, at\u00e9 ent\u00e3o talvez desvalorizada. Por outro lado tem tamb\u00e9m de relati- vizar, da mesma maneira, todo valor. Deve conservar espa\u00e7o para tudo aquilo que for ainda poss\u00edvel de ser experimentado, de sorte a poder en- contrar seu lugar."], ["Na realiza\u00e7\u00e3o concreta nem sempre \u00e9 sem for\u00e7ar que os diversos cap\u00ed-", "tulos apresentam um m\u00e9todo espec\u00edfico e o mundo de percep\u00e7\u00e3o corres- pondente, que se imp\u00f5em sucessivamente as formas b\u00e1sicas de concep\u00e7\u00e3o e investiga\u00e7\u00e3o, as imagens do homem. Sempre que se integram sem vio- l\u00eancia coisas pertinentes, realizou-se o prop\u00f3sito de uma estrutura\u00e7\u00e3o; sempre que se revela a viol\u00eancia de uma dessintonia, \u00e9 ind\u00edcio de erro na estrutura\u00e7\u00e3o. A inten\u00e7\u00e3o \u00e9 sempre advertirem-se tais erros e atrav\u00e9s deles progredir. Com seu impulso, um pesquisador s\u00f3 vai at\u00e9 onde alcan\u00e7am seus limites. Aqui para, por j\u00e1 nada lhe ocorrer. Os sucessores devem aproveitar-se dele e ultrapass\u00e1-lo."], ["Assim, a divis\u00e3o geral e particular de meu livro n\u00e3o \u00e9 acidental, e sim proposital. Pe\u00e7o ao leitor para aprofundar-se no sentido de suas estrutu- ras, examin\u00e1-las na sequ\u00eancia dos cap\u00edtulos e n\u00e3o desfalecer na percep\u00e7\u00e3o da ideia b\u00e1sica at\u00e9 \u00e0 \u00faltima parte. S\u00f3 atrav\u00e9s do conjunto do livro \u00e9 que se mostra todo o espa\u00e7o a partir do qual os diversos cap\u00edtulos extraem pers- pectivas particulares.", "e) Sinopse do livro."], ["Esbo\u00e7amos aqui, numa antecipa\u00e7\u00e3o geral, as partes principais:", "Na primeira parte aparecem os fatos emp\u00edricos particulares da vida ps\u00edquica. Ser\u00e3o aproveitados sucessivamente as viv\u00eancias subjetivas e os dados som\u00e1ticos, os rendimentos objetivos e os fatos dotados de sentido na express\u00e3o, no mundo e na obra. Toda esta parte p\u00f5e em exerc\u00edcio, por assim dizer, os \u00f3rg\u00e3os de apreens\u00e3o do psicopatologista e exp\u00f5e os dados imediatos.", "Na segunda e na terceira parte nos voltamos para as conex\u00f5es da vida ps\u00edquica. Na segunda, para as conex\u00f5es compreens\u00edveis, na terceira para as causais. N\u00e3o se conhecem conex\u00f5es diretamente ao apreenderem-se os"], ["fatos, mas indiretamente, na pesquisa, mediante verifica\u00e7\u00e3o dos fatos. Es- tas duas partes p\u00f5em em exerc\u00edcio, por assim dizer, os \u00f3rg\u00e3os de investi- ga\u00e7\u00e3o do psicopatologista. Visto que o homem, entre esp\u00edrito e natureza, \u00e9, ao mesmo tempo, ambas as coisas, s\u00e3o igualmente necess\u00e1rias a seu co- nhecimento todas as ci\u00eancias. O que se investiga na segunda parte, sup\u00f5e um conhecimento das ci\u00eancias do esp\u00edrito e o que se investiga na terceira, pressup\u00f5e um conhecimento da biologia.", "Na quarta parte, seguem-se as partes predominantemente anal\u00edticas,", "uma parte sobretudo sint\u00e9tica. Trata-se de como se pode apreender a tota- lidade da vida ps\u00edquica. O que aqui aparece, nasce da concep\u00e7\u00e3o geral do cl\u00ednico. \u00c9 ele que v\u00ea a pessoa individual no seu todo. \u00c9 ele que reflete so- bre a unidade da doen\u00e7a em seu diagn\u00f3stico, a constitui\u00e7\u00e3o? que tudo sustenta, e a biografia em cujo contexto geral se revela todo ser individual."], ["A quinta parte considera a vida ps\u00edquica anormal na hist\u00f3ria e do ponto de vista sociol\u00f3gico. A psiquiatria se distingue do resto da medicina tamb\u00e9m pelo fato de a alma do homem receber sua caracter\u00edstica global da circunst\u00e2ncia de o homem n\u00e3o ser apenas um ser simplesmente natural, mas um ser cultural. Em seu conte\u00fado e em sua forma, os fen\u00f4menos ps\u00ed- quicos m\u00f3rbidos dependem e agem sobre a esfera cultural. A quarta parte p\u00f5e em exerc\u00edcio a vis\u00e3o hist\u00f3rica da realidade humana."], ["Na sexta parte chegamos ent\u00e3o a uma discuss\u00e3o conclusiva sobre o todo do ser humano. Aqui j\u00e1 n\u00e3o se encontrar\u00e3o constata\u00e7\u00f5es emp\u00edricas. Realiza-se, antes, uma reflex\u00e3o filos\u00f3fica. As totalidades espec\u00edficas, que ti- nham, em cada capitulo, um sentido decisivo, s\u00e3o todas relativas. Tam- b\u00e9m a concep\u00e7\u00e3o global do cl\u00ednico n\u00e3o apreende empiricamente a totali- dade do homem. Sempre o homem \u00e9 algo mais do que se pode conhecer. A discuss\u00e3o final, por conseguinte, n\u00e3o amplia nosso saber. Esclarece nossa atitude filos\u00f3fica fundamental, na qual constru\u00edmos todo saber e todo co- nhecimento do homem.", "O tema do livro \u00e9 mostrar o que sabemos. S\u00f3 no ap\u00eandice \u00e9 que se ca-", "racterizam fundamentalmente as tarefas pr\u00e1ticas. Lan\u00e7a- se um breve olhar sobre a hist\u00f3ria da psicopatologia, enquanto, ci\u00eancia.", "f. Observa\u00e7\u00f5es sobre a sinopse.", "1. Empirismo e filosofia.", "Espero ser, nas primeiras cinco partes, empirista radical, desenvolver uma luta, n\u00e3o sem vit\u00f3rias, contra a vacuidade de considera\u00e7\u00f5es especu- lativas, contra toda, dogm\u00e1tica te\u00f3rica e contra todo saber absoluto do."], ["ser. Na sexta parte (e na introdu\u00e7\u00e3o), ao contr\u00e1rio, discutirei quest\u00f5es filo- s\u00f3ficas. Parece indispens\u00e1vel ao psicopatologista ter alguma clareza sobre elas. N\u00e3o apenas o empirismo descompromissado leva a limites verdadei- ros onde se inicia a reflex\u00e3o filos\u00f3fica, como tamb\u00e9m s\u00f3 uma consci\u00eancia filos\u00f3fica torna poss\u00edvel uma atitude de investiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica segura. As rela\u00e7\u00f5es entre filosofia e ci\u00eancia n\u00e3o s\u00e3o de molde a permitirem uma apli- ca\u00e7\u00e3o dos estudos filos\u00f3ficos, na ci\u00eancia \u2014 um esfor\u00e7o sempre infrut\u00edfero, embora sempre de novo repetido, de traduzir filosoficamente fatos emp\u00edri- cos. As rela\u00e7\u00f5es entre filosofia e ci\u00eancia s\u00e3o constitu\u00eddas de maneira a per- mitir que a filosofia provoque uma atitude interna proveitosa para a ci\u00ean- cia, por tra\u00e7ar os limites, por guiar internamente, por subministrar o fun- damento propulsor de um desejo de saber sem limites. Uma l\u00f3gica filos\u00f3- fica deve-se afirmar como l\u00f3gica concreta na apreens\u00e3o estruturante de fa- tos. N\u00e3o \u00e9 pelo fato de lhe. ensinar em sua ci\u00eancia algo de. positivo que o psicopatologista necessita preocupar-se com filosofia, mas pelo fato de lhe abrir internamente um espa\u00e7o livre para suas possibilidades de saber."], ["2. O entrela\u00e7amento rec\u00edproco dos cap\u00edtulos.", "Ao descrever os fen\u00f4menos vivenciados, recorrer-se-\u00e1 por vezes \u00e0s co-"], ["nex\u00f5es causais e compreens\u00edveis em que se encontram; na maioria dos outros cap\u00edtulos, far-se-\u00e1 aqui e ali fenomenologia. Assim, a ideia delirante ter\u00e1 de ser encarada fenomenologicamente, do ponto de vista da psicologia do rendimento e em conex\u00f5es compreens\u00edveis. O suic\u00eddio \u00e9 um fato pre- ciso, t\u00e3o eterno que se pode: contar sua ocorr\u00eancia; deve-se investig\u00e1-lo com muitos m\u00e9todos segundo motivos compreensivos, segundo a idade, sexo e \u00e9poca do ano, segundo suas rela\u00e7\u00f5es com as psicoses, com situa- \u00e7\u00f5es sociol\u00f3gicas etc. Assim os mesmos fatos ocorrem em diversos cap\u00edtu- los onde o que \u00e9 \u201ca mesma coisa\u201d, se revela sempre mais exterior, com o crescer do conhecimento etc. Tamb\u00e9m movimentos cient\u00edficos (p.ex. a psi- can\u00e1lise, a teoria da constitui\u00e7\u00e3o corp\u00f3rea de Kretschmer) aparecem em v\u00e1rios lugares e sempre de maneira essencial, quando incluem em si me- todologicamente diferentes elementos (seja numa unidade com sentido, seja numa mescla mais confusa). Assim, h\u00e1 entre os cap\u00edtulos um m\u00falti- plo entrela\u00e7amento. Deve-se compreender a necessidade de exist\u00eancia desse entrela\u00e7amento, e em que sentido \u00e9 pertinente."], ["Em cada cap\u00edtulo predomina apenas um m\u00e9todo e a vis\u00e3o se dirige ao que se manifesta neste m\u00e9todo. Mas os diversos m\u00e9todos dos cap\u00edtulos j\u00e1 utilizam outros m\u00e9todos, deixam entrever princ\u00edpios que foram tratados em outros cap\u00edtulos e que aqui j\u00e1 n\u00e3o s\u00e3o ou ainda n\u00e3o ser\u00e3o tematizados (p.ex., a fenomenologia de uma paramn\u00e9sia s\u00f3 pode ser constatada"], ["quando se encara o fen\u00f4meno tamb\u00e9m do ponto de vista da psicologia do rendimento. S\u00f3 se analisa a defici\u00eancia de rendimento da mem\u00f3ria junta- mente com a fenomenologia da viv\u00eancia). Em outros termos: todo m\u00e9todo tem uma liga\u00e7\u00e3o com os seus objetos pertinentes, mas o que nele se mos- tra, possui logo rela\u00e7\u00f5es com outros objetos, apreendidos com outros m\u00e9- todos, e lhes faz alus\u00e3o. Assim, o que se considera o mesmo fato, tem de ocorrer em v\u00e1rios cap\u00edtulos que se completam. Mas sob outros pontos de vista, o fato logo se diversifica. O isolamento de um m\u00e9todo s\u00f3 se d\u00e1 por um momento. Nenhum m\u00e9todo permite que seu objeto se feche em si mesmo. Da\u00ed ser natural fazer-se refer\u00eancia nos diversos cap\u00edtulos, seja de fato, seja explicitamente, a outros m\u00e9todos. Toda separa\u00e7\u00e3o \u00e9 de algum modo artificial. O contexto das coisas exige que se tornem percept\u00edveis as rela\u00e7\u00f5es entre os m\u00e9todos."], ["De modo especial atua o fato b\u00e1sico de que todo homem \u00e9, em algum sentido, uma unidade; \u00e9 a totalidade das rela\u00e7\u00f5es poss\u00edveis entre os fatos que se podem investigar. Para se compreender um homem, s\u00e3o necess\u00e1- rias as perspectivas de todos os cap\u00edtulos. Em nenhum cap\u00edtulo a compre- ens\u00e3o se acha acabada.", "A separa\u00e7\u00e3o dos cap\u00edtulos \u00e9 necess\u00e1ria para a clareza, a unifica\u00e7\u00e3o, para a verdade e integridade da concep\u00e7\u00e3o. Assim, os temas dos cap\u00edtulos est\u00e3o em rela\u00e7\u00e3o uns com os outros, nunca numa sequ\u00eancia mec\u00e2nica. Todavia, cada cap\u00edtulo segue um caminho espec\u00edfico, um modo pr\u00f3prio de vis\u00e3o, de apresenta\u00e7\u00e3o e de fundamenta\u00e7\u00e3o.", "3. O isolamento dos m\u00e9todos e o quadro global.", "Expresso de modo exagerado, em todo cap\u00edtulo se toca todo o campo dos fatos psicol\u00f3gicos, mas s\u00f3 sob urna \u00fanica perspectiva. Todavia, n\u00e3o h\u00e1 um fato global completo, que seria encarado apenas diferentemente. A todo m\u00e9todo se revela algo especificamente pr\u00f3prio e, al\u00e9m disso, dentro de limites indeterminados. Algo que para os referidos fatos \u00e9 menos essen- cial. A totalidade do que se revela em todos os m\u00e9todos, n\u00e3o se ordena como uma realidade total uniforme. Tampouco como esta, n\u00e3o h\u00e1 um m\u00e9- todo universal, onde se manifeste tudo o que existe. Destarte, s\u00f3 se podem apreender, de maneira clara e precisa, realidades particulares. com m\u00e9to- dos particulares."], ["Portanto, o desejo de conhecer depara sempre com limites pelo fato de seguir cada vez um caminho, de ser pressionado num momento por suas consequ\u00eancias, enquanto h\u00e1 ainda muitos outros caminhos cujo dom\u00ednio \u00e9 tamb\u00e9m condi\u00e7\u00e3o de um saber cr\u00edtico. O quadro geral, no entanto, visto"], ["ser apenas uma totalidade de m\u00e9todos e estruturas, permanece sempre inacabado; n\u00e3o se arredonda. N\u00e3o s\u00f3 fica aberto o que no futuro sobrevi- ver\u00e1 como novos fatos, mas tamb\u00e9m o que depois poder\u00e1 explicitar-se como novos m\u00e9todos de pensamento e novas perspectivas. Por isso a defi- ci\u00eancia prov\u00e1vel do meu livro \u00e9 o fato de seus diversos cap\u00edtulos serem ainda impuros, o fato de conterem algo que talvez seja algum dia explici- tado, por originar-se de um outro princ\u00edpio aut\u00f4nomo que ainda n\u00e3o se tornou consciente. \u00c9 ainda um defeito o fato de a totalidade dos cap\u00edtulos, dos quais cada um pretende mostrar uma \u00faltima perspectiva na elabora- \u00e7\u00e3o do material, n\u00e3o apresentar nenhuma garantia de ser exaustiva. Ao contr\u00e1rio, provavelmente s\u00e3o poss\u00edveis e por isso necess\u00e1rios outros cap\u00ed- tulos. Por fim, sempre ficar\u00e1 aberto o prop\u00f3sito de desenvolver todos os ca- p\u00edtulos n\u00e3o como uma enumera\u00e7\u00e3o, mas como um contexto metodol\u00f3gico. Tal contexto daria o quadro geral propriamente dito de dimens\u00f5es infin- das. Este n\u00e3o pode ser alcan\u00e7ado como sistema de realidade, mas so- mente como sistem\u00e1tica dos m\u00e9todos."], ["\u00c9 um mal-entendido designar-se meu livro como \u201ca obra principal da corrente fenomenol\u00f3gica\u201d. A atitude fenomenol\u00f3gica \u00e9 uma perspectiva, e num cap\u00edtulo deste livro foi desenvolvida de modo especialmente extenso por constituir, ent\u00e3o, uma novidade. Todavia, a ideia do livro \u00e9 justamente de que se trata apenas de uma perspectiva e, como o livro ensina, at\u00e9 de uma perspectiva subordinada."], ["g) Princ\u00edpios t\u00e9cnicos da exposi\u00e7\u00e3o.", "1. Evid\u00eancia pelos exemplos.", "No fundo s\u00f3 se pode fazer experi\u00eancias pessoalmente. Um livro s\u00f3 pode fomentar ou completar essas experi\u00eancias, nunca, por\u00e9m, substitu\u00ed-las. O que. se pode captar com um olhar, o que se pode vivenciar no trato e na conversa, o que se pode averiguar em investiga\u00e7\u00f5es de fatos, isso a exposi- \u00e7\u00e3o mais circunstanciada de um livro n\u00e3o pode transmitir. Todavia, quando se fazem experi\u00eancias pr\u00f3prias, pode-se compreender as alheias, represent\u00e1-las na fantasia, utiliz\u00e1-las para o conhecimento pr\u00f3prio. Ser\u00e1 sempre incompleto substituir a experi\u00eancia por descri\u00e7\u00f5es expressivas. To- davia, a reprodu\u00e7\u00e3o de exemplos concretos \u00e9 o \u00fanico caminho para chegar aonde \u00e9 poss\u00edvel. Por isso, segundo o objeto, se reproduzem exemplos con- cretos, de modo mais ou menos extenso. Todos os exemplos de experi\u00ean- cias pessoais de minha juventude, permaneceram. Ademais, tomei aos trabalhos de outros pesquisadores exemplos caracter\u00edsticos e fceis de guardar."], ["Deve-se ajudar o leitor a reunir um acervo de experi\u00eancias. Embora um tal acervo s\u00f3 seja digno de confian\u00e7a quando constru\u00eddo atrav\u00e9s da vi- s\u00e3o pr\u00f3pria, um tal acervo pode ser preparado e confirmado mediante rela- t\u00f3rios e interpreta\u00e7\u00f5es de um livro.", "Permanece a exig\u00eancia de se realizar intuitivamente todo pensamento.", "Numa boa exposi\u00e7\u00e3o n\u00e3o deve haver nem intui\u00e7\u00e3o, que n\u00e3o seja apreen- dida pelo pensamento, nem pensamentos que n\u00e3o- recebam seu sentido da intui\u00e7\u00e3o. O que importa s\u00e3o intui\u00e7\u00f5es pl\u00e1sticas em estruturas claras, que n\u00e3o cont\u00eam nem de mais nem de menos. As intui\u00e7\u00f5es dever\u00e3o ser o ponto de apoio firme da fantasia interna, a fim de, orientando-se em for- mas claras, poder encontrar-se nas coisas obscuras. Este apoiar-se em in- tui\u00e7\u00f5es e conceitos deve permitir sempre se poder saber e dizer o que se tem em mente intuitivamente.", "2. Forma de exposi\u00e7\u00e3o.", "Uma forma de exposi\u00e7\u00e3o do todo deve-se poder ler continuamente e n\u00e3o existir simplesmente como obra de consulta. O esfor\u00e7o consiste na condu\u00e7\u00e3o das linhas e na concentra\u00e7\u00e3o que destaca o essencial. Sempre se deve tender para determina\u00e7\u00f5es conceituais concisas, at\u00e9 \u00e0 brevidade jur\u00eddica da formula\u00e7\u00e3o."], ["No entanto, o que foi estruturado, extraiu-se do que \u00e9 de fato infindo e ocasional. Embora n\u00e3o devam, o mais poss\u00edvel, prevalecer simples enume- ra\u00e7\u00e3o, incid\u00eancias e casualidades, todavia tudo isso deve aparecer no ponto de partida e ser sempre percept\u00edvel. Assim como no estudo se tem de recuperar-se sempre da infinidade, em que se entrou, assim tamb\u00e9m a exposi\u00e7\u00e3o n\u00e3o deve fazer desaparecer, mas aparecer vivamente o que n\u00e3o se dominou, sempre por toda parte presente. O incidental conserva-se tamb\u00e9m na comunica\u00e7\u00e3o de fatos de alguma maneira interessante, que \u00e0 primeira vista n\u00e3o mais significam do que a constata\u00e7\u00e3o com aspecto de que \u00e9 assim. Todavia n\u00e3o se deve esquecer que a infinidade, incidentali- dade s\u00e3o caracter\u00edsticas da falta de conhecimento. O que entendemos ainda n\u00e3o conhecemos."], ["Em todo cap\u00edtulo aparece em primeiro plano uma perspectiva. O leitor deve assimilar antes de tudo a s\u00e9rie destas perspectivas. Nos diversos ca- p\u00edtulos particulares poder\u00e1 ele, segundo seu interesse, utilizando-se do \u00edn- dice da mat\u00e9ria, pular muitas coisas na leitura.", "3. A bibliografia.", "\u00c9 uma quest\u00e3o, como dominar a bibliografia, a ampla corrente, em"], ["cont\u00ednuo fluxo, de publica\u00e7\u00f5es. Mesmo abstraindo-se as repeti\u00e7\u00f5es infin- das, a mar\u00e9 turva de uma confus\u00e3o de ideias escolhidas ao acaso, a falta de estrutura\u00e7\u00e3o, do que se relata de modo indiferente, as f\u00f3rmulas de lin- guagem, ainda resta uma massa de propor\u00e7\u00f5es gigantescas. Se se deseja assimilar o positivo, deve-se atender principalmente para o seguinte: em primeiro lugar, para os fatos, os casos, as biografias, as descri\u00e7\u00f5es pr\u00f3- prias, os relat\u00f3rios e outros materiais-, em segundo lugar, para os conhe- cimentos reais, para as vis\u00f5es, que permanecem; em terceiro lugar, para o visto plasticamente, as imagens projetadas, as; formas, os tipos, as f\u00f3rmu- las pregnantes-, em quarto lugar, para as atitudes b\u00e1sicas em que os co- nhecimentos foram assimilados; a \u201cdisposi\u00e7\u00e3o\u201d, que se oculta no estilo e no julgamento. Esta \u00faltima \u00e9 a atitude b\u00e1sica cognitiva de uma concep\u00e7\u00e3o global n\u00e3o refletida, a filosofia escondida, ou \u00e9 a determina\u00e7\u00e3o sociol\u00f3gica imposta pela profiss\u00e3o e pelas tarefas, ou \u00e9 a atitude b\u00e1sica pr\u00e1tica no agir e no querer ajudar. Quais publica\u00e7\u00f5es se devem agora mencionar explici- tamente? \u00c9 de todo imposs\u00edvel indicar, mesmo s\u00f3 aproximadamente, a bi- bliografia completa. Nosso prop\u00f3sito \u00e9 diferente da tarefa dos manuais, que aumentaram extraordinariamente. Visto que n\u00e3o pretendemos ser completos nos fatos e sim nos tipos de fatos, temos de selecionar a biblio- grafia."], ["Em primeiro lugar devem-se indicar trabalhos que fizeram \u00e9poca; que instauraram uma corrente de investiga\u00e7\u00e3o; trabalhos originais, cl\u00e1ssicos. Em segundo lugar, devem-se indicar, o mais poss\u00edvel, resumos recentes, que, por meio de indica\u00e7\u00f5es bibliogr\u00e1ficas, tornam acess\u00edvel determinado setor. Em terceiro lugar devem-se citar, como exemplos de muitos outros semelhantes, trabalhos especializados de investiga\u00e7\u00e3o. A escolha \u00e9 arbitr\u00e1- ria e n\u00e3o implica nenhum julgamento.", "Mal se h\u00e1 esbo\u00e7ado a grande tarefa de um exame real da bibliografia."], ["Nas ci\u00eancias particulares existe o mesmo problema que h\u00e1 em maior es- cala nas grandes bibliotecas. Deve-se estabelecer uma hierarquia dos tra- balhos, deve-se conhecer as preciosidades sem com elas confundir a tor- rente de escritos. Deve-se eliminar o que n\u00e3o for essencial e sem embargo conserv\u00e1-lo catalogado ao alcance dos especialistas. N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel um jul- gamento definitivo nem uma depura\u00e7\u00e3o de tudo atrav\u00e9s de um tribunal cultural. No que se eliminou, pode-se encontrar algo de valor, \u00fatil para um pesquisador posterior. At\u00e9 hoje, em quase todos os setores da psicopatolo- gia, dispomos apenas de cat\u00e1logos bibliogr\u00e1ficos niveladores.", "h) A tarefa da forma\u00e7\u00e3o psicopatol\u00f3gica."], ["Uma exposi\u00e7\u00e3o geral trabalha em algo mais do que um simples saber. Lida com a forma\u00e7\u00e3o dos psicopatologistas. Procura e pretende exercitar o pensamento psicopatol\u00f3gico dentro de um saber estruturado, dentro de uma concep\u00e7\u00e3o disciplinada, dentro de uma experi\u00eancia metodol\u00f3gica. Formando psicopatologistas, pretende servir e conservar uma grande tra- di\u00e7\u00e3o. Nesse sentido, o conhecimento s\u00f3 \u00e9 relevante quando se converte em forma\u00e7\u00e3o do pensamento e da vis\u00e3o.", "Meu livro quer ajudar o leitor a adquirir uma forma\u00e7\u00e3o psicopatol\u00f3gica."], ["Sem d\u00favida, \u00e9 mais f\u00e1cil aprender simplesmente um esquema e aparente- mente dominar tudo com alguns chav\u00f5es. A forma\u00e7\u00e3o, no entanto, nasce do conhecimento dos limites dentro de um saber ordenado e de uma capa- cidade intuitiva de pensar capaz de mover-se em todas as dire\u00e7\u00f5es. \u00c0 for- ma\u00e7\u00e3o psiqui\u00e1trica pertencem a experi\u00eancia pessoal e a posse sempre pronta da intui\u00e7\u00e3o \u2014 isso nenhum livro pode dar. Mas \u00e0 forma\u00e7\u00e3o psiqui- \u00e1trica pertencem tamb\u00e9m a clareza dos conceitos e a maleabilidade vari- ada da concep\u00e7\u00e3o \u2014 isso \u00e9 o que meu livro pretende promover."], ["PARTE 1. OS FATOS PARTICULARES DA VIDA PS\u00cdQUICA", "Os fatos s\u00e3o o terreno de nosso conhecimento. Procur\u00e1-los em toda sua extens\u00e3o \u00e9 a atitude fundamental da investiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica. S\u00f3 neles \u00e9 que se verificam nossos pensamentos.", "Apreens\u00e3o de fatos \u00e9 sempre apreens\u00e3o de fatos particulares. Estes n\u00e3o s\u00e3o de uma s\u00f3 esp\u00e9cie. A clareza exige uma ordem de seus tipos b\u00e1si- cos. Esta ordem pode ser exterior, segundo o material que constitui o ponto de partida: hist\u00f3ricos de pacientes, protocolos de investiga\u00e7\u00e3o, foto- grafias, escritos, atas de diversas autoridades, boletins escolares, estat\u00edsti- cas, protocolos de experi\u00eancias etc. Mas s\u00f3 \u00e9 essencial uma ordem que apreender os princ\u00edpios da perceptibilidade, os quais conferem seu car\u00e1ter aos fatos b\u00e1sicos. Neste sentido fundamental devem-se distinguir quatro grupos de fatos: fen\u00f4menos vividos-, rendimentos objetivos; fen\u00f4menos so- m\u00e1ticos concomitantes-, objetividades de sentido (express\u00e3o, a\u00e7\u00f5es, obras):"], ["1. Um dos fen\u00f4menos da alma \u00e9 a viv\u00eancia. Numa imagem, deno- mina-se a corrente da consci\u00eancia, a corrente \u00fanica de um pro- cesso indivis\u00edvel, que, em in\u00fameros indiv\u00edduos, corre de um modo sempre diverso. O que fazemos dela, quando a conhece- mos? Os processos sempre em fluxo se estratificam para n\u00f3s, numa objetiva\u00e7\u00e3o fenomenol\u00f3gica, em formas fixas. Falamos de uma percep\u00e7\u00e3o falsa, de um afeto, de um pensamento como se possu\u00edssemos com isso determinados objetos, que, assim como os pensamos, existiriam ao menos por algum tempo. A fenome- nologia apresenta estas viv\u00eancias internas subjetivas dos pacien- tes, aquilo que existe e ocorre em suas consci\u00eancias. Aos fatos subjetivos da viv\u00eancia se contrap\u00f5em todos os outros fatos como objetivos. Os caminhos para apreender estes dados objetivos, s\u00e3o a observa\u00e7\u00e3o som\u00e1tica, a compreens\u00e3o da express\u00e3o, da a\u00e7\u00e3o e das obras, a avalia\u00e7\u00e3o do rendimento.", "2. Os rendimentos da alma, p.ex., os rendimentos da apreens\u00e3o, mem\u00f3ria, trabalho, intelig\u00eancia, s\u00e3o objetos da psicologia do ren- dimento. Ela mede os rendimentos qualitativa e quantitativa- mente. O comum \u00e9 o fato de o dado ser concebido como cumpri- mento de uma tarefa, seja de uma tarefa estabelecida pelo pes- quisador ou de uma tarefa imposta sem inten\u00e7\u00e3o, mas de fato pela situa\u00e7\u00e3o. \u2022 3. Os fen\u00f4menos som\u00e1ticos concomitantes da vida ps\u00edquica s\u00e3o objeto da psicologia som\u00e1tica. Observamos processos som\u00e1ticos", "que n\u00e3o s\u00e3o nem alma, nem uma express\u00e3o compreens\u00edvel do ps\u00edquico nem sentido mas, como realidade psicologicamente im- penetr\u00e1vel, s\u00f3 tem uma rela\u00e7\u00e3o de fato com o ps\u00edquico ou coin- cide com ele."], ["4. As objetividades ps\u00edquicas de sentido s\u00e3o as estruturas per- cept\u00edveis que, s\u00f3 quando compreendidas em seu sentido, de- monstram origem ps\u00edquica. S\u00e3o fundamentalmente tr\u00eas tipos de fatos: compreendemos os fen\u00f4menos e movimentos som\u00e1ticos de modo diretamente ps\u00edquico (psicologia da express\u00e3o), compreen- demos a atividade, a\u00e7\u00e3o e comportamento num mundo (psicolo- gia do mundo); compreendemos produ\u00e7\u00f5es espirituais nas obras liter\u00e1rias, art\u00edsticas, t\u00e9cnicas (psicologia da obra).", "Dentro destes quatro grupos principais percorreremos os fatos constela\u00e7\u00e3o e das tend\u00eancias determinantes, apreen- demos os princ\u00edpios segundo os quais o curso dos processos ps\u00edquicos se explica, objetivamente. Os elementos encadeiam-se nas associa\u00e7\u00f5es e des- pertam, conforme a constela\u00e7\u00e3o, pelo efeito conjunto de tend\u00eancias deter- minantes. Se quisermos utilizar esses princ\u00edpios explicativos de maneira judiciosa, teremos de saber o que s\u00e3o, propriamente, os elementos que despertam e existem ou se ciam nesse encadeamento. Basta imaginar exemplos para ver, imediatamente, que s\u00e3o elementos de tipo extraordina- riamente diverso: sensa\u00e7\u00f5es como tais, percep\u00e7\u00e3o e representa\u00e7\u00e3o, repre- senta\u00e7\u00f5es como tais, imagem e pensamento, imagem e sentimento, senti- mentos e complexos mentais inteiros etc. Tudo pode a tudo associar-se, no psiquismo. Poder\u00edamos inclinar-nos a admitir, como admitem muitos psic\u00f3logos, que tudo quanto \u00e9 ps\u00edquico seja de atribuir-se, em \u00faltima ins- t\u00e2ncia, a simples elementos que seriam as sensa\u00e7\u00f5es e os sentimentos simples, a partir de cujo encadeamento associativo se estruturariam to- das, as produ\u00e7\u00f5es, mais complicadas; seriam de atribuir-se aquelas asso- cia\u00e7\u00f5es a elos existentes entre esses elementos finais. \u00ca engano que se funda na confus\u00e3o de dois encadeamentos inteiramente diversos, o enca- deamento associativo e o encadeamento atuativo. Precisamos esclarecer a diferen\u00e7a que h\u00e1 entre um e outro sob pena de, deixando de. consider\u00e1-la, fazer imposs\u00edvel a aplica\u00e7\u00e3o do conceito associativo. Podem-se criar asso- cia\u00e7\u00f5es, em idiotas e at\u00e9 em papagaios, entre certas palavras e a percep- \u00e7\u00e3o de determinados objetos, pois que, ap\u00f3s verem o objeto, eles falam a palavra, sem saber que existe rela\u00e7\u00e3o significativa entre ambos. Temos a\u00ed um encadeamento associativo que, quando aparece um elemento, faz o outro surgir (note-se que assinalamos aqui como elementos tanto percep- \u00e7\u00e3o quanto palavra). Mas, se conceber uma palavra como significando um objeto, a pessoa est\u00e1 vivenciando, nessa concep\u00e7\u00e3o, um encadeamento atuativo; de fato, para ela, palavra e objeto j\u00e1 formam nova unidade, ao passo que, no simples encadeamento associativo, a rela\u00e7\u00e3o n\u00e3o existe para aquele que vivencia (em cuja consci\u00eancia um elemento \u00e9 mera se- qu\u00eancia autom\u00e1tica de outro), mas sim para quem observa. Expresso de maneira absolutamente geral: numerosos elementos da vida ps\u00edquica s\u00e3o, de um momento para outro, apreendidos num ato; e apreendidos como um todo, que \u00e9 novo em rela\u00e7\u00e3o aos elementos individuais. Um pensa- mento estrutura-se sobre outros pensamentos, sobre representa\u00e7\u00f5es e percep\u00e7\u00f5es, que, em conjunto, se tornam unidades para o sujeito que pensa. Essa viv\u00eancia unit\u00e1ria, considerada do ponto de vista da psicologia associacional, vem a ser ainda um elemento; tudo, por\u00e9m, que, num ato"], ["como todo, se apreende e se vivencia \u00e9 elemento.", "Estamos, assim, mais aptos a responder \u00e0 indaga\u00e7\u00e3o: que \u00e9 elemento para a psicologia associacional? Podemos esbo\u00e7ar um esquema gr\u00e1fico (fig. 1), para visualizar os elementos; estes se acham superpostos em muitas camadas horizontais, de forma a talvez se poderem juntar, mediante elos atuativos, v\u00e1rios elementos da camada mais baixa numa camada acima (por exemplo, em baixo, elementos que dizem respeito a sensa\u00e7\u00f5es; em cima, o pensamento de uma rela\u00e7\u00e3o). Nesta figura, representam-se enca- deamentos atuativos pelas dire\u00e7\u00f5es de cima para baixo, ao passo que as dire\u00e7\u00f5es horizontais representam encadeamentos associativos. Cada elo. atuativo \u00e9, na camada de cima, um elemento que se associa, enquanto se associam, nas camadas mais altas de todas, os elos atuativos mais com- plexos. Eis o esquema;"], ["F IG. 1"], ["Fig 1"], ["Encadeamento associativo"], ["1 As associa\u00e7\u00f5es d\u00e3o-se mecanicamente, uma ap\u00f3s outra e co- locam-se"], ["uma junto \u00e0 outra.", "2. As associa\u00e7\u00f5es ocorrem inconscientemente; um elo associativo n\u00e3o consti- tui objeto para quem vivencia.", "3. Quanto mais baixo o n\u00edvel da associa\u00e7\u00e3o atuativa, mais o observador constata encadeamentos associativos na fala e nos atos."], ["Encadeamento atuativo", "1 Elos atuativos estruturam-se um sobre o outro, formando totalidades mais", "altas, que v\u00eam a ser vivenciadas como unidades.", "2. Os elos atuativos ocorrem conscientemente. O elo constitui objeto para quem viv\u00eancia.", "3. Quanto mais elevado o n\u00edvel dos encadeamentos atuativos, mais o obser- vador constata rela\u00e7\u00f5es compreens\u00edveis da vida ps\u00edquica consciente.", "5. Elementos e configura\u00e7\u00f5es.", "A unidade daquilo que se aprende no encadeamento atuativo e daquilo", "que se soma no movimento chama-se configura\u00e7\u00e3o. (Gestalt). N\u00e3o perce-"], ["bemos sensa\u00e7\u00f5es e sim s\u00e3o nossas percep\u00e7\u00f5es, imagens e conte\u00fados men- tais que se nos apresentam em configura\u00e7\u00f5es. N\u00e3o realizamos contra\u00e7\u00f5es musculares, mas configura\u00e7\u00f5es motoras. O simples ato da percep\u00e7\u00e3o obje- tiva unit\u00e1ria seria imposs\u00edvel, se nessa maravilhosa textura dos pressu- postos de nossa vida ps\u00edquica, o evento regulador n\u00e3o nos trouxesse, per- manentemente, aquilo que supera a dispers\u00e3o do momento particular. As sensa\u00e7\u00f5es tornam-se, sob a forma de percep\u00e7\u00f5es, membros de um todo; as contra\u00e7\u00f5es musculares s\u00e3o governadas por esquemas ideomotores. Quando se querem assinalar as configura\u00e7\u00f5es na diversidade das sensa- \u00e7\u00f5es e das contra\u00e7\u00f5es, por exemplo, fala-se em imagens sonoras verbais em configura\u00e7\u00f5es motoras. A maneira por que funcionam essas configura- \u00e7\u00f5es tem sido pesquisada, sobretudo, na psicologia da percep\u00e7\u00e3o e na psi- cologia do movimento, nos dist\u00farbios da agnosia e da apraxia A fun\u00e7\u00e3o configurat\u00f3ria liga, por assim dizer, arquitetonicamente, ele mentos parti- culares sensoriais e motores, formando a unidade significativa do objeto que se percebe e do esquema motor que se pode realizar; formando, bem assim, a unidade do que \u00e9 sensorial e do que \u00e9 motor, em geral; isso tanto no que se refere a todas as percep\u00e7\u00f5es o a\u00e7\u00f5es motoras quanto no que se refere \u00e0 compreens\u00e3o verbal e \u00e0 fala. De acordo com esta concep\u00e7\u00e3o, as configura\u00e7\u00f5es v\u00eam a ser elementos do evento ps\u00edquico."], ["O conceito de elemento nunca serve para designar, em psicologia, a unidade \u201cderradeira, final\u201d, e sim unidades que funcionam como tais para certo ponto de vista. Por conseguinte, trabalharemos com outras unidades como elementos segundo o ponto de vista que adotamos; o que, para um modo de ver, \u00e9 constru\u00e7\u00e3o complexa \u00e9, para o outro, elemento."], ["e) A sequ\u00eancia das totalidades."], ["Al\u00e9m dos reflexos, que, isoladamente, s\u00f3 se apresentam em condi\u00e7\u00f5es", "experimentais artificiais, a primeira totalidade que surge \u00e9 o rendimento atual, que\u2019 preenche a tarefa; esta s\u00f3 tem sentido num todo. Cada realiza- \u00e7\u00e3o individual vem a ser, no entanto, uma particularidade.", "Al\u00e9m dos rendimentos individuais est\u00e1 o todo dos rendimentos a con- dicionar cada presta\u00e7\u00e3o particular, podendo corrigi-la e modific\u00e1-la. S\u00f3 a presta\u00e7\u00e3o que o todo regula \u00e9 que se efetiva, porque cont\u00e9m o peso de seu sentido poss\u00edvel. Concebe-se esse todo dos rendimentos de acordo com v\u00e1- rios pontos de vista: como sendo o fundamento psicof\u00edsico das presta\u00e7\u00f5es nas fun\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas; ou o estado moment\u00e2neo, presente, do curso da vida"], ["ps\u00edquica; ou a capacidade produtiva permanente que se chama intelig\u00ean- cia."], ["Mas o todo das presta\u00e7\u00f5es ainda n\u00e3o \u00e9 derradeiro, pois depende, glo- balmente, da personalidade compreens\u00edvel, para a qual, embora nela viva, subsiste como instrumento. Falando em tarefa, indaga-se: Que tarefa? Para que e por quem \u00e9 dada? E aqui a psicologia do rendimento pressup\u00f5e a exist\u00eancia e a significa\u00e7\u00e3o das tarefas. Todavia, se estas s\u00e3o apreendidas e confirmadas; se os rendimentos servem como meios e para que servem como meios \u2014 isso vem, no homem, de outras fontes. Da\u00ed por que a psico- logia do rendimento jamais apreende o homem total, e sim aparelhos de que este disp\u00f5e. O aparelho psicof\u00edsico, ainda mesmo se tratando de rendi- mentos intelectivos complexos, \u00e9, por assim dizer, a base da personalidade compreens\u00edvel. Poder-se-ia imaginar uma situa\u00e7\u00e3o fronteiri\u00e7a tal que, mesmo ocorrendo toda sorte de dist\u00farbios dos rendimentos do aparelho psicof\u00edsico, mesmo n\u00e3o podendo a personalidade mais exprimir-se, ainda assim se lhe mantivesse intata a potencialidade."], ["Se contemplarmos os conte\u00fados que o homem pode atualizar como re-", "aliza\u00e7\u00e3o correta, mediante tarefa e rendimento, este, em si mesmo, afigu- rar-se-nos-\u00e1 insuficiente, por\u00e9m indispens\u00e1vel; seus aparelhos t\u00eam de funcionar, se se quiser que a ess\u00eancia humana, a cuja disposi\u00e7\u00e3o se acham, se realize. A efici\u00eancia \u00e9 o que mais liga a psique com o aparelho neurol\u00f3gico. Deste ao pensamento exato vai uma gradua\u00e7\u00e3o de fun\u00e7\u00f5es in- terrelacionadas que s\u00e3o instrumentos para o pr\u00f3prio homem."], ["f) A experimenta\u00e7\u00e3o na psicopatologia?", "O setor da psicologia do rendimento \u00e9 o mais importante da psicopato- logia experimental. Conv\u00e9m, a essa altura, introduzir umas tantas obser- va\u00e7\u00f5es relativas aos tipos de experimenta\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica.", "1. Dar tarefas.", "\u00c9 fundamental, em toda a experimenta\u00e7\u00e3o, dar tarefas e observar os rendimentos, rea\u00e7\u00f5es, comportamentos; tarefas tais como as seguintes:", "1. Reconhecer um objeto exibido durante certo tempo breve e men- sur\u00e1vel (por meio do taquistosc\u00f3pio): testes de apreens\u00e3o. 2. Pronunciar depressa a primeira palavra que ocorra a uma pala-"], ["vra-est\u00edmulo: testes de associa\u00e7\u00e3o.", "3. Gravar um material exibido: testes de capacidade de fixa\u00e7\u00e3o, tes- tes de aprendizagem."], ["4. Fitar uma figura e, depois, descrev\u00ea-la, espontaneamente, com-", "plementando a descri\u00e7\u00e3o nalguns pontos com um interrogat\u00f3rio; ou, nas mesmas condi\u00e7\u00f5es, ler uma hist\u00f3ria: testes de capaci- dade de reprodu\u00e7\u00e3o.", "5. Somar, realizar movimentos mensur\u00e1veis, medindo o rendimento e pesquisando sua depend\u00eancia em rela\u00e7\u00e3o a in\u00fameras condi- \u00e7\u00f5es: testes de- capacidade laborativa.", "Exemplo: Testes de associa\u00e7\u00e3o. As experi\u00eancias de associa\u00e7\u00e3o (2) s\u00e3o com frequ\u00eancia usadas, em vista da facilidade t\u00e9cnica com que- se execu- tam. Dizem-se palavras-est\u00edmulo e instrui-se o indiv\u00edduo no sentido de re- agir o mais rapidamente poss\u00edvel com uma palavra, a primeira que lhe ocorra; ou diz-se-lhe que se abandone \u00e0s ideias que lhe ocorram, pronun- ciando-as seguida, despropositadamente, sem inibi\u00e7\u00e3o. O processo dos testes de associa\u00e7\u00e3o, extremamente grosseiro, tem-se revelado produtivo n\u00e3o tanto pela exatid\u00e3o quanto por tudo aquilo que permite observar e ob- jetivar."], ["Os testes de associa\u00e7\u00e3o permitem observar: 1. a dura\u00e7\u00e3o das rea\u00e7\u00f5es individuais (com o cron\u00f4metro). 2. a reprodu\u00e7\u00e3o correta ou errada das as- socia\u00e7\u00f5es particulares depois de O teste terminar. 3. O n\u00famero das associ- a\u00e7\u00f5es que incidem em determinadas categorias: por exemplo, associa\u00e7\u00f5es sonoras, associa\u00e7\u00f5es relativas a conte\u00fados etc. A classifica\u00e7\u00e3o das associ- a\u00e7\u00f5es faz-se de acordo com muitos esquemas, cujo valor s\u00f3 se pode julgar pelo objetivo em vista. 4. Como rea\u00e7\u00f5es associativas: qualitativamente pe- culiares contam-se a rea\u00e7\u00e3o egoc\u00eantrica, as complementa\u00e7\u00f5es de frases, defini\u00e7\u00f5es, express\u00f5es retificadoras, cargas afetivas evidentes etc. \u2014 Infe- rem-se, com base nas experi\u00eancias de associa\u00e7\u00e3o: 1. a riqueza das associ- a\u00e7\u00f5es que est\u00e1 \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o de certo, indiv\u00edduo; \u00e9 muito incerto o que se infere da riqueza das associa\u00e7\u00f5es experimentais; 2. inferem-se complexos com carga afetiva, a dominar a vida ps\u00edquica do indiv\u00edduo em causa (da reuni\u00e3o de todas as associa\u00e7\u00f5es podem-se deduzir o aumento da dura\u00e7\u00e3o reacional, a defici\u00eancia, da capacidade de reprodu\u00e7\u00e3o, a ocorr\u00eancia evi- dente de fen\u00f4menos concomitantes: infer\u00eancia muitas vezes convincente, por\u00e9m sempre incerta). 3. inferem-se tipos especiais de curso ideativo (por exemplo, a fuga, de ideias, ou a incoer\u00eancia catat\u00f4nica, ocorrendo espon- taneamente tanto durante o teste quanto na conversa)."], ["2. A significa\u00e7\u00e3o m\u00faltipla das observa\u00e7\u00f5es experimentais.", "Grande \u00e9 a multiplicidade dos testes, indo de simples meios auxiliares", "da pesquisa a realiza\u00e7\u00f5es t\u00e9cnicas circunstanciadas e dispendiosas; do- registro singelo dos rendimentos a possibilidades infinitas de observa\u00e7\u00f5es", "casuais; da exclusiva observa\u00e7\u00e3o por parte de quem realiza, o teste \u00e0 auto- observa\u00e7\u00e3o da pr\u00f3pria pessoa em causa."], ["aa) Meios auxiliares da pesquisa. H\u00e1 testes muito simples, como a des- cri\u00e7\u00e3o de figuras, a observa\u00e7\u00e3o das ilus\u00f5es sensoriais que- ocorrem \u00e0 com- press\u00e3o dos globos oculares, a narra\u00e7\u00e3o de uma hist\u00f3ria, a apreens\u00e3o e descri\u00e7\u00e3o de manchas de tinta (teste de; Rohrschach) etc. N\u00e3o se trata de experi\u00eancias propriamente ditas, mas de meios auxiliares da pesquisa, que v\u00eam a ser artif\u00edcios visando a complementar o di\u00e1logo habitual. Mais complexa \u00e9 a realiza\u00e7\u00e3o de pesquisas das afasias, apraxias, agnosias. H\u00e1 maneiras cuidadosamente variadas de dar tarefas em certas situa\u00e7\u00f5es, a fim de, objetivamente, se verem o rendimento e respectivas falhas com de- limita\u00e7\u00e3o clara, em momentos espec\u00edficos (isso foi sutilmente desenvolvido por Head)."], ["bb) Experi\u00eancias exatas. \u2014 Permitem obter cifras e mensura\u00e7\u00f5es preci- sas; s\u00e3o, por exemplo, os testes de trabalho seguido, os testes de aprendi- zagem, os testes taquistoc\u00f3picos; neles se valora, alguma coisa quantitati- vamente, se variam ao infinito as condi\u00e7\u00f5es-, experimentais e se determi- nam, sem possibilidade de d\u00favida, as rela\u00e7\u00f5es dependenciais das fun\u00e7\u00f5es.", "cc) Representa\u00e7\u00e3o t\u00e9cnica de fen\u00f4menos objetivos. \u2014 Procura-se a do-", "cumenta\u00e7\u00e3o mais ampla poss\u00edvel, escrevendo o que: o paciente diz du- rante as experi\u00eancias, descrevendo-lhe o comportamento, registrando-lhe as presta\u00e7\u00f5es, a escrita, os movimentos. Aqui tamb\u00e9m se enquadram as t\u00e9cnicas auxiliares que visam \u00e0 \u201crepresenta\u00e7\u00e3o\u201d objetiva de fen\u00f4menos mo- tores e manifesta\u00e7\u00f5es verbais, mediante o uso de aparelhos registradores, cinemat\u00f3grafo, fon\u00f3grafo.", "dd) Auto-observa\u00e7\u00e3o em condi\u00e7\u00f5es experimentais. \u2014 Os testes objetivos"], ["exigem, apenas, disposi\u00e7\u00e3o, acessibilidade e compreens\u00e3o para a realiza- \u00e7\u00e3o da tarefa por parte do paciente, nenhuma capacidade psicol\u00f3gica, po- r\u00e9m, nem a m\u00ednima auto-observa\u00e7\u00e3o; o tipo de experi\u00eancia em ep\u00edgrafe, ao contr\u00e1rio, s\u00f3 \u00e9 poss\u00edvel em pessoas psicologicamente capazes, suficiente- mente h\u00e1beis para se- auto-observarem sem preven\u00e7\u00f5es. Os resultados servem tanto \u00e0 psicologia objetiva do rendimento quanto ao aprofunda- mento da fenomenologia e, bem assim, \u00e0 interpreta\u00e7\u00e3o de falhas prestacio- nais, mediante observa\u00e7\u00f5es fenomenol\u00f3gicas. Esses testes apenas criam condi\u00e7\u00f5es apropriadas a que o paciente, auto-observando-se, tenha, cons- ci\u00eancia bem n\u00edtida da peculiaridade de certos fen\u00f4menos ps\u00edquicos. Assim \u00e9 que se pergunta ao paciente o que foi que vivenciou durante a presta\u00e7\u00e3o", "das tarefas. Procura-se relacionar a descri\u00e7\u00e3o- fenomenol\u00f3gica com as fa- lhas de rendimento, a fim de interpret\u00e1-las psicologicamente; sobretudo, quando h\u00e1 dist\u00farbios da percep\u00e7\u00e3o e da motilidade."], ["ee) Observa\u00e7\u00f5es feitas por ocasi\u00e3o da experi\u00eancia, mas n\u00e3o mediante a", "experi\u00eancia. \u2014 Boa parte do valor que t\u00eam os. testes, em psicopatologia, est\u00e1 nas observa\u00e7\u00f5es que se fazem enquanto eles se realizam. N\u00e3o s\u00e3o tes- tes iguais aos que se fazem no campo das ci\u00eancias naturais, onde apenas se registra e se mede. Coloca-se o paciente em condi\u00e7\u00f5es tais que lhe per- mitam mostrar-se- mais r\u00e1pida e nitidamente do que no simples di\u00e1logo. As observa\u00e7\u00f5es imprevistas constituem o est\u00edmulo para o pesquisador. De mais- a mais, essa observa\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica vem a ser indispens\u00e1vel, se se quiserem interpretar corretamente os valores num\u00e9ricos a se obterem. N\u00e3o \u00e9 pelos n\u00fameros, mas pela observa\u00e7\u00e3o que se v\u00ea se ocorreu, nesse interim, um bloqueio esquizofr\u00eanico, se intervalos, afetivamente carregados prolon- garam o tempo, se certo comportamento representa indol\u00eancia, ou impas- sibilidade. Os resultados que se obt\u00eam de modo puramente mec\u00e2nico s\u00e3o, em geral, sem valor."], ["ff) O objetivo da comprova\u00e7\u00e3o experimental \u00e9 ou o rendimento individual, ou uma fun\u00e7\u00e3o b\u00e1sica, ou a intelig\u00eancia cu o car\u00e1ter, ou a constitui\u00e7\u00e3o. \u2014 A cada teste, muitas fun\u00e7\u00f5es devem achar-se intatas, a fim de que se possa obter rendimento. S\u00f3 pressupondo que as demais estejam intatas \u00e9 que esses. testes podem comprovar certa fun\u00e7\u00e3o individual. Da\u00ed, por exemplo, os testes de associa\u00e7\u00e3o, os testes de reprodu\u00e7\u00e3o, os testes de trabalho ha- verem sido empregados tanto para investigar fun\u00e7\u00f5es particulares quanto para caracterizar a personalidade global, quer no que diz respeito a tra\u00e7os constitucionais (ritmo ps\u00edquico, tipo sensorial etc.), quer no que se relaci- ona com a express\u00e3o do car\u00e1ter.", "gg) V\u00e1rios testes constituem um meio de penetrar no inconsciente, de es-", "clarecer hist\u00f3rias vitais ocultas; por exemplo, os testes de associa\u00e7\u00e3o, o teste de Rorschach.", "3. Sobre o valor das experi\u00eancias."], ["N\u00e3o h\u00e1 unanimidade relativamente \u00e0 valora\u00e7\u00e3o da psicopatologia expe-", "rimental. Vista por uns como infrut\u00edfera e vazia, outros a consideram o \u00fanico m\u00e9todo cient\u00edfico de que disp\u00f5e a psicopatologia. Julgada com cir- cunspec\u00e7\u00e3o, deve-se afigurar insubstitu\u00edvel no seu campo da pesquisa psi- copatol\u00f3gica, sem que, no entanto, se deva declar\u00e1-lo o \u00fanico m\u00e9todo. O que h\u00e1 de mais importante \u00e9 fixar com precis\u00e3o as quest\u00f5es, e isso s\u00f3 \u00e9", "poss\u00edvel \u00e0 base de uma forma\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica multilateral. Quando a expe- rimenta\u00e7\u00e3o se adaptar ao esclarecimento, deve-se tent\u00e1-la; no caso contr\u00e1- rio, procurar-se-\u00e1 atingir o que se tem em vista por outros m\u00e9todos, pela simples observa\u00e7\u00e3o e pelo aprofundamento na vida ps\u00edquica dos pacien- tes, usando m\u00e9todos casu\u00edsticos, estat\u00edsticos e sociol\u00f3gicos.", "Da experimenta\u00e7\u00e3o nascem fatos evidentes, objetividades convincen-"], ["tes, que, doutra maneira, n\u00e3o viriam \u00e0 luz; ou, pelo menos, n\u00e3o viriam com a mesma simplicidade e rapidez. H\u00e1 muitos fen\u00f4menos ps\u00edquicos que s\u00f3 se fazem vis\u00edveis quando se objetivam em rela\u00e7\u00e3o ao doente. O que o di- \u00e1logo n\u00e3o descobre revela-se, sem chamar a aten\u00e7\u00e3o, no distanciamento da situa\u00e7\u00e3o experimental.", "Mais ainda: as experi\u00eancias da psicologia normal, da mesma forma que"], ["as da fisiologia sensorial, t\u00eam levado, de modo muito significativo, a fazer- nos conscientes de qu\u00e3o infinitamente se emaranham, mesmo nos proces- sos fenomenologicamente mais simples, a g\u00eanese som\u00e1tica, as fun\u00e7\u00f5es e as rela\u00e7\u00f5es dependenciais que se evidenciam na experimenta\u00e7\u00e3o e que ainda n\u00e3o encontraram fundamento som\u00e1tico. \u00c9 a conclus\u00e3o a que se chega a partir das experi\u00eancias psicopatol\u00f3gicas, vistas nesse background. Distinga-se, contudo, o que se faz evidente na experimenta\u00e7\u00e3o e o que se imagina, conclusiva e teoricamente, como base dos fatos ps\u00edquicos. Seria bom apreender um aparelho psicof\u00edsico funcionando naquelas regi\u00f5es em que j\u00e1 n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel estabelecer conex\u00e3o imediata com bases som\u00e1tico-fi- siol\u00f3gicas. \u00c9 o que se consegue com a transposi\u00e7\u00e3o dos esquemas concei- tuais da neurologia, ou com os conceitos da psicologia, acima discutida, da associa\u00e7\u00e3o, do ato e da configura\u00e7\u00e3o (Gestalt)."], ["SE\u00c7\u00c3O 1. OS RENDIMENTOS INDIVIDUAIS"], ["Classificam-se os rendimentos de acordo com sua tangibilidade. O que", "se pode observar e, mediante tarefas, experimentar e pesquisar; ainda mais, o que tem rela\u00e7\u00e3o com a significa\u00e7\u00e3o prestacional. de qualquer tipo \u2014 tudo isso se enquadra nos grupos que vamos examinar, da percep\u00e7\u00e3o \u00e0 linguagem e ao pensamento, passando- pela apreens\u00e3o e orienta\u00e7\u00e3o, me- m\u00f3ria e motricidade. \u00c9 das falhas dos rendimentos individuais imediata- mente vis\u00edveis que trataremos, porque, descrevendo-as, temos o perfil prestacional de um indiv\u00edduo. Antes de mais nada, procederemos ao arro- lamento de rendimentos individuais tipicamente caracter\u00edsticos."], ["\u00a7 1. Percep\u00e7\u00e3o"], ["Nem todos os est\u00edmulos que as termina\u00e7\u00f5es nervosas sensitivas, apre- endem chegam \u00e0 consci\u00eancia. Pelo contr\u00e1rio, h\u00e1 uma quantidade de ner- vos condutores centr\u00edpetos que desencadeiam reflexos complicados, sem se que tenha a m\u00ednima consci\u00eancia de todo o processo, este permanecendo absolutamente autom\u00e1tico. Os cirurgi\u00f5es t\u00eam mostrado que o- est\u00f4mago e os intestinos s\u00e3o, normalmente, quase de todo insens\u00edveis; apesar do que, os in\u00fameros nervos existentes nesses \u00f3rg\u00e3os s\u00e3o sede de mecanismos re- flexos dos mais complexos. A conserva\u00e7\u00e3o do equil\u00edbrio corp\u00f3reo, a execu- \u00e7\u00e3o de muitos movimentos, n\u00e3o s\u00f3 de contra\u00e7\u00f5es musculares, mas de si- nergias complicadas, escapam \u00e0 consci\u00eancia. N\u00e3o h\u00e1, entretanto, limite preciso entre mecanismos fisiol\u00f3gicos puros e processos: psiquicamente condicionados. Tanto podem meros reflexos tornar-se- conscientes (a res- pira\u00e7\u00e3o, por exemplo) quanto podem mecanizar-se algum processos cons- cientes, qual seja a movimenta\u00e7\u00e3o quando se aprende a andar de bicicleta."], ["\u00c9 evidente que todos os dist\u00farbios do sistema nervoso sensitivo, na medida em que deste depende a ocorr\u00eancia da percep\u00e7\u00e3o, tamb\u00e9m h\u00e3o de produzir dist\u00farbios perceptivos: por exemplo, as anestesias, as pareste- sias, todos os dist\u00farbios resultantes de processos m\u00f3rbidos do aparelho \u00f3ptico (hemianopsia, deforma\u00e7\u00e3o da percep\u00e7\u00e3o visual por les\u00f5es, da co- roide etc.) e as demais anomalias que se investigam na neurologia. Classi- ficam-se tais dist\u00farbios conforme sua natureza mais perif\u00e9rica ou mais central. Quanto mais t\u00eam sede nas camadas superiores dos mecanismos nervosos, mais nos achegamos aos processos ps\u00edquicos. Apesar de ser infi- nito o caminho que at\u00e9 l\u00e1 nos conduz e de n\u00e3o ser dentro das lindes do"], ["psiquismo que cada nova descoberta neurofisiol\u00f3gica se estabelece, e sim, apenas, numa camada mais alta dos mecanismos nervosos subjacentes ao psiquismo \u2014 mesmo assim costumamos aludir \u00e0s anomalias mais alto si- tuadas dentre aquelas neurofisiologicamente tang\u00edveis como sendo, para a psicopatologia, dist\u00farbios da percep\u00e7\u00e3o. Aqui se enquadram as defici\u00ean- cias sensoriais, umas poucas dentre as falsas-percep\u00e7\u00f5es e, sobretudo, as agnosias.", "a) H\u00e1 simples defici\u00eancias sensoriais - Surdez, daltonismo, anosmia cong\u00eanitas \u2014 nas quais \u00e9 frequente ignorar-se qualquer defici\u00eancia som\u00e1- tica. Os m\u00faltiplos dist\u00farbios da percep\u00e7\u00e3o por altera\u00e7\u00e3o do material sen- sorial, com les\u00f5es locais d\u00f3s \u00f3rg\u00e3os dos sentidos e das vias nervosas, indo at\u00e9 \u00e1reas de proje\u00e7\u00e3o na c\u00f3rtex cerebral, encontram-se descritos nos ma- nuais de neurologia, otologia e oftalmologia."], ["b) Em quase todas as falsas-percep\u00e7\u00f5es, nada sabemos das respecti-"], ["vas causas; nem conhecemos as condi\u00e7\u00f5es de que sua ocorr\u00eancia de- pende. H\u00e1, por\u00e9m, certas falsas-percep\u00e7\u00f5es em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s quais conhece- mos, pelo menos, algumas concausas, sen\u00e3o as causas \u00fanicas. Obser- vam-se falsas-percep\u00e7\u00f5es em consequ\u00eancias de les\u00f5es dos \u00f3rg\u00e3os dos sen- tidos, em consequ\u00eancia de les\u00f5es localizadas da c\u00f3rtex sensorial corres- pondente (especialmente, fen\u00f4menos luminosos e sonoros elementares), al\u00e9m de estados vertiginosos que acompanham les\u00f5es vestibulares. Obser- vam-se, sobretudo, alucina\u00e7\u00f5es hemian\u00f3psicas quando h\u00e1 focos do lobo occipital. Mais ainda: em muitas falsas percep\u00e7\u00f5es tem-se notado depen- d\u00eancia em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 produ\u00e7\u00e3o de est\u00edmulos exteriores. Assim \u00e9 que se po- dem, com \u00f3rg\u00e3os adequadamente dispostos, capazes quase sempre de alu- cinar tamb\u00e9m de forma espont\u00e2nea, desencadear falsas-percep\u00e7\u00f5es medi- ante est\u00edmulos arbitr\u00e1rios. Conhecem-se as vis\u00f5es que os delirantes, bem como outros doentes, t\u00eam, quando se lhes comprimem os olhos fechados. S\u00e3o, todavia, por demais grosseiros esses fatos para nos permitirem pene- trar nos mecanismos extraconscientes subjacentes \u00e0s falsas-percep\u00e7\u00f5es."], ["c) Agnosias: Chamam-se agnosias os dist\u00farbios do conhecimento e do", "reconhecimento, embora se conserve a percep\u00e7\u00e3o sensorial. Um doente que sofreu ferimento na cabe\u00e7a v\u00ea bem o aposento com os m\u00f3veis, mas n\u00e3o os reconhece como m\u00f3veis, n\u00e3o sabe absolutamente que objetos s\u00e3o, sente-se perplexo, nem sabe que se trata de m\u00f3veis. Quer dizer, tem a per- cep\u00e7\u00e3o sensorial, sem reconhecer, por\u00e9m, a significa\u00e7\u00e3o do percepto. As agnosias n\u00e3o impedem que haja percep\u00e7\u00e3o, com objetifica\u00e7\u00e3o das sensa- \u00e7\u00f5es no ato intencional; o que acontece \u00e9 que o percepto n\u00e3o \u00e9 conhecido como objeto determinado, nem reconhecido. Falha a reprodu\u00e7\u00e3o, isto \u00e9, a", "associa\u00e7\u00e3o \u00e0s experi\u00eancias adquiridas, associa\u00e7\u00e3o que possibilita, em to- das as percep\u00e7\u00f5es, o conhecimento. Goldstein e Gelb esclarecem de certo modo, relativamente a um indiv\u00edduo ferido a bala na cabe\u00e7a, o que, em tais casos, \u00e9 percebido pela consci\u00eancia."], ["\u201cO paciente tem manchas coloridas e incolores em certa parte do campo visual. V\u00ea bem se determinada mancha \u00e9 mais alta ou mais baixa, se se acha mais para a direita ou mais para a esquerda do que outra, se \u00e9 fina ou grossa, grande ou pequena, curta ou alongada; se est\u00e1 mais perto ou mais longe; s\u00f3 isso, por\u00e9m, porque as v\u00e1rias manchas juntas lhe d\u00e3o impress\u00e3o confusa, n\u00e3o a impress\u00e3o que tem um homem normal, a im- press\u00e3o de um todo especificamente caracterizado e precisamente configu- rado\u201d. O paciente n\u00e3o reconhece forma alguma, nem sequer distingue o reto do torto. Se, no entanto, acompanha as formas com a cabe\u00e7a, conse- gue reconhec\u00ea-las. Movimento n\u00e3o v\u00ea nenhum. Conforme narrou, quando v\u00ea o bonde chegando, \u201c\u00e9 a uns cinco metros de dist\u00e2ncia que o v\u00ea\u201d; depois, n\u00e3o v\u00ea \u201cnada\u201d; depois \u201co bonde, de repente, est\u00e1 diante dele\u201d. Um trem que reconheceu \u201cclaramente\u201d n\u00e3o viu, entretanto, mover-se. S\u00f3 percebeu o mo- vimento pelo barulho. \u2014 Quando, certa feita, quis passear com a cu- nhada, esta o precedeu de uns vinte metros. Pareceu-lhe v\u00ea-la parar, ficar parada e muito se espantou porque n\u00e3o a alcan\u00e7ou; a dist\u00e2ncia n\u00e3o en- curtava... O que o doente via era um \u201cagora-aqui\u201d, agora-ali\u201d, faltava-lhe a impress\u00e3o do movimento que tem o homem normal, ou seja, a impress\u00e3o de uma coisa especificamente outra que n\u00e3o as posi\u00e7\u00f5es diversas, isoladas umas das outras. No campo t\u00e1til, ao contr\u00e1rio, o paciente tinha impres- s\u00f5es cin\u00e9ticas muito precisas."], ["As agnosias \u00f3ticas (cegueira ps\u00edquica) aparecem quando h\u00e1 destrui\u00e7\u00e3o dos dois lobos occipitais. N\u00e3o h\u00e1 fatos que permitam relacionar os dist\u00far- bios dos rendimentos individuais com les\u00f5es corticais finamente localiza- das. Conforme o campo sensorial, distinguem-se as agnosias \u00f3pticas (ce- gueira ps\u00edquica), as agonias ac\u00fasticas (surdez ps\u00edquica) e as agnosias t\u00e1- teis (estereoagnosias).", "d) Os testes e mensura\u00e7\u00f5es objetivos talvez venham a permitir que se conhe\u00e7a e esclare\u00e7a aquilo que, at\u00e9 agora, s\u00f3 fenomenologicamente se pode determinar; por exemplo, diversos dist\u00farbios do senso temporal. De- vem-se distinguir os dist\u00farbios da percep\u00e7\u00e3o temporal, que se podem tes- tar em avalia\u00e7\u00f5es cronol\u00f3gicas, dos dist\u00farbios da viv\u00eancia temporal, cujo estudo, at\u00e9 o momento, s\u00f3 fenomenologicamente \u00e9 poss\u00edvel. Tamb\u00e9m s\u00e3o raros os casos de percep\u00e7\u00e3o espacial, que se podem relacionar com altera- \u00e7\u00f5es de rendimento tang\u00edveis; por exemplo, quando ocorrem redu\u00e7\u00f5es do"], ["campo visual, poss\u00edveis de explicar como sendo fen\u00f4menos de cansa\u00e7o, dist\u00farbio da aten\u00e7\u00e3o e distraibilidade."], ["\u00a7 2. Apreens\u00e3o E Orienta\u00e7\u00e3o"], ["As agnosias s\u00e3o dist\u00farbios do conhecimento; vale dizer, s\u00e3o propria- mente, dist\u00farbios da apreens\u00e3o. Como, por\u00e9m, se apresentam limitadas a \u00e1reas sensoriais particulares, colocamo-las entre os dist\u00farbios dos meca- nismos da percep\u00e7\u00e3o. Quando nos referimos em sentido mais estrito a dis- t\u00farbios da apreens\u00e3o, n\u00e3o queremos dizer que se possam precisamente delimitar uns e outros. A esta altura, aludimos \u00e0queles dist\u00farbios que aparecem, simultaneamente, em todas, as \u00e1reas sensoriais, porque relaci- onados com o psiquismo global; no que se diferenciam daquelas outras agnosias, que, \u00e0 semelhan\u00e7a dos dist\u00farbios dos \u00f3rg\u00e3os sensoriais, se apre- sentam, na vida ps\u00edquica normal, como anomalias mais perif\u00e9ricas num dos mecanismos em que se baseia a vida ps\u00edquica. De um lado percep\u00e7\u00e3o e apreens\u00e3o formam um todo; de outro, a an\u00e1lise objetiva dos rendimentos permite distinguir o mecanismo da percep\u00e7\u00e3o (processo que leva, por me- canismos nervosos, a que se tenha consci\u00eancia de um conte\u00fado objetivo) da apreens\u00e3o, processo que conduz \u00e0 incorpora\u00e7\u00e3o desse conte\u00fado \u00e0 nossa experi\u00eancia, ao nosso saber at\u00e9 ent\u00e3o adquirido."], ["Em primeiro lugar, a apreens\u00e3o pode estar lentificada; em segundo, fa-", "lhar relativamente a objetos dif\u00edceis; em terceiro, levar a resultados erra- dos\u2019, momentos estes que se podem determinar, grosseiramente, a cada entrevista, mandando o paciente ler pequenas hist\u00f3rias, ou mostrando-lhe figuras. Pode-se, para mais requinte, medir o tempo de apreens\u00e3o e, mais precisamente, investigar a que ponto as apreens\u00f5es erradas dependem da constela\u00e7\u00e3o das dire\u00e7\u00f5es associativas suscitadas no momento; isso em ex- peri\u00eancias com o taquistosc\u00f3pio, aparelho que permite a exposi\u00e7\u00e3o de figu- ras, letras, palavras em tempo curto e mensur\u00e1vel."], ["Todas essas pesquisas levam \u00e0 classifica\u00e7\u00e3o provis\u00f3ria dos dist\u00farbios da apreens\u00e3o em tr\u00eas grupos, conforme a origem do dist\u00farbio. Vejamo-los: 1) Fun\u00e7\u00e3o do grau de intelig\u00eancia. A apreens\u00e3o falha relativamente a obje- tos mais dif\u00edceis por for\u00e7a de estado defectual permanente. N\u00e3o h\u00e1 saber de que se disponha, saber que permita a incorpora\u00e7\u00e3o. 2) A apreens\u00e3o apresenta-se perturbada, quando h\u00e1 dist\u00farbios da capacidade de aten\u00e7\u00e3o (na velhice, na s\u00edndrome de Korsakov). Tudo quanto vem ter \u00e0 consci\u00eancia \u00e9, de imediato, esquecido. Para haver apreens\u00e3o de uma rela\u00e7\u00e3o mais complexa, o percepto tem, no entanto, de ser tamb\u00e9m conservado. No"], ["caso, j\u00e1 se acha esquecido, quando aparece a parte seguinte do todo a ser apreendido. 3) A apreens\u00e3o depende do estado de consci\u00eancia e da ma- neira por que se apresenta o curso da 'vida ps\u00edquica. Turva a consci\u00eancia, a apreens\u00e3o \u00e9 imprecisa, muitas vezes ilus\u00f3ria, frequentemente n\u00edtida quanto ao particular, mas n\u00e3o quanto ao todo. Nos estados man\u00edacos, a apreens\u00e3o apresenta-se 'muito vari\u00e1vel, ao sabor da muta\u00e7\u00e3o r\u00e1pida dos interesses e da grande influenciabilidade resultante das constela\u00e7\u00f5es ca- suais, capazes de levar a equ\u00edvocos. A apreens\u00e3o est\u00e1 inibida nos estados depressivos, n\u00e3o atingindo objetivo algum, apesar de esfor\u00e7os subjetiva- mente intensos. Calculando as omiss\u00f5es e equ\u00edvocos, podem-se medir, ob- jetivamente, nesses casos, a seguran\u00e7a e a distraibilidade, quando se in- vestiga a apreens\u00e3o de s\u00e9ries de letras taquistoscopicamente apresenta- das."], ["Rendimento apreensivo extremamente complexo, por\u00e9m f\u00e1cil de deter-", "minar, \u00e9 a orienta\u00e7\u00e3o sobre a situa\u00e7\u00e3o real atual, sobre o ambiente e a pr\u00f3pria personalidade. Distinguem-se a orienta\u00e7\u00e3o espacial, a orienta\u00e7\u00e3o temporal, a orienta\u00e7\u00e3o sobre a pr\u00f3pria pessoa e sobre as pessoas circuns- tantes. A orienta\u00e7\u00e3o pode estar conservada numa ou noutra dessas dire- \u00e7\u00f5es, apesar de perturbadas as demais. Por exemplo, a desorienta\u00e7\u00e3o completa sobre lugar, tempo e ambiente, mantendo-se correta a orienta- \u00e7\u00e3o a respeito da pr\u00f3pria personalidade, \u00e9 sintoma muito caracter\u00edstico do \u201cdelirium tremens\u201d. N\u00e3o quer dizer, por\u00e9m, absolutamente, que a desori- enta\u00e7\u00e3o seja sintoma inequ\u00edvoco, visto poder surgir de maneira muito di- versa e ter, correspondentemente, significa\u00e7\u00e3o diferente, constituindo, apenas, a falha derradeira de rendimento, objetivamente f\u00e1cil de observar, numa s\u00e9rie de atos apreensivos v\u00e1rios. O esquema abaixo cobre os tipos de desorienta\u00e7\u00e3o:"], ["1) Desorienta\u00e7\u00e3o amn\u00e9sica. Corresponde ao dist\u00farbio da orien- ta\u00e7\u00e3o consequente ao esquecimento imediato daquilo que se aca- bou de vivenciar, quando h\u00e1 dist\u00farbio muito acentuado da capa- cidade de fixa\u00e7\u00e3o. Os doentes (senis, por exemplo) acham que t\u00eam vinte anos; as mulheres voltam a usar o nome de solteiras, escrevem o ano de 1860 como se fosse o ano corrente, pensam, internadas, que est\u00e3o na escola ou em casa, tomam o m\u00e9dico, que para elas \u00e9 sempre um desconhecido, pelo professor, por um funcion\u00e1rio, pelo prefeito etc.", "2) Desorienta\u00e7\u00e3o delirante. Plenamente l\u00facidos, os pacientes t\u00eam ideias delirantes, das quais deduzem, por exemplo, estar o tempo antecipado de dez dias, embora saibam muito bem que as pessoas em volta contam outra data. Concluem que se acham numa pris\u00e3o, embora sabendo que as demais pessoas declarem", "ser a casa um frenoc\u00f4mio. \u00c9 da mesma natureza a dupla-orien- ta\u00e7\u00e3o: os pacientes est\u00e3o orientados, ao mesmo tempo, correta e erradamente; isto \u00e9, sabem ao certo onde est\u00e3o, que data n\u00f3s es- crevemos, que s\u00e3o doentes mentais, mas, do mesmo passo, acham que tudo \u00e9 s\u00f3 apar\u00eancia, que, de fato, est\u00e3o na idade de ouro, que n\u00e3o h\u00e1 mais tempo que valha."], ["3) Car\u00eancia ap\u00e1tica de orienta\u00e7\u00e3o. Os doentes ignoram onde est\u00e3o, que dia \u00e9, porque nem pensam nisso, sem estarem, toda- via, erradamente orientados.", "4) Desorienta\u00e7\u00e3o com turvar\u00e3o da consci\u00eancia. Os doentes s\u00f3 percebem particularidades, aparecendo, cm vez da apreens\u00e3o do ambiente real, as viv\u00eancias alternantes dos dist\u00farbios da consci- \u00eancia, que condicionam uma quantidade de desorienta\u00e7\u00f5es mui- tas vezes fant\u00e1sticas (an\u00e1logas ao sonho).", "Verificam-se dist\u00farbios da orienta\u00e7\u00e3o em in\u00fameras psicoses agudas e em muitos estados cr\u00f4nicos; s\u00e3o f\u00e1ceis; de reconhecer e importantes para ajuizar o caso. \u00c9 necess\u00e1rio certificar-se, em todas as circunst\u00e2ncias, das quatro dire\u00e7\u00f5es que a orienta\u00e7\u00e3o pode tomar, guiando toda a investiga\u00e7\u00e3o ulterior pela determina\u00e7\u00e3o de que o doente est\u00e1 orientado ou n\u00e3o; neste \u00faltimo caso, averiguar-se-\u00e1 que tipo de desorienta\u00e7\u00e3o se acha em causa."], ["T\u00eam-se distinguido e investigado os dist\u00farbios da apreens\u00e3o conforme o respectivo conte\u00fado; o falso-reconhecimento de pessoas, por exemplo. O fen\u00f4meno constitui dist\u00farbio objetivo do rendimento, muito diverso, po- r\u00e9m, de acordo com o tipo e a origem.", "Ocorre o falso-reconhecimento quando h\u00e1 altera\u00e7\u00f5es da consci\u00eancia (del\u00edrios), manifestando-se nas confabula\u00e7\u00f5es peculiares \u00e0 s\u00edndrome am- n\u00e9sica, nas futilidades dos estados man\u00edacos, nas altera\u00e7\u00f5es da percep\u00e7\u00e3o (ilus\u00f5es), tais como se observam nas psicoses agudas; bem assim, nas per- cep\u00e7\u00f5es delirantes da esquizofrenia. S\u00e3o heterog\u00eaneas tanto as modalida- des vivenciais quanto a origem."], ["\u00a7 3. Mem\u00f3ria", "Preliminares psicol\u00f3gicas."], ["H\u00e3o de distinguir-se tr\u00eas coisas:", "1) A capacidade de fixa\u00e7\u00e3o (ou de nota\u00e7\u00e3o), isto \u00e9, a capacidade de trazer material novo ao reservat\u00f3rio mn\u00eamico, aqui distin- guindo-se entre capacidade de aprendizagem (apresenta\u00e7\u00e3o repe- tida do material) e capacidade de fixa\u00e7\u00e3o em sentido mais estrito (apresenta\u00e7\u00e3o \u00fanica).", "2) A mem\u00f3ria, ou seja, o grande reservat\u00f3rio de disponibilidades permanentes, capazes de vir \u00e0 consci\u00eancia em ocasi\u00f5es apropria- das.", "3) A capacidade de reprodu\u00e7\u00e3o, vale dizer, aquela que consiste, a dado momento, segundo as circunst\u00e2ncias, em trazer da mem\u00f3- ria \u00e0 consci\u00eancia certo material. As capacidades de fixa\u00e7\u00e3o e de reprodu\u00e7\u00e3o s\u00e3o fun\u00e7\u00f5es; a mem\u00f3ria \u00e9 a posse permanente de disponibilidades."], ["Os tr\u00eas campos s\u00e3o sujeitos, a dist\u00farbios patol\u00f3gicos, que se assinalam"], ["todos com uma. s\u00f3 designa\u00e7\u00e3o: dist\u00farbios da mem\u00f3ria, diversificando-se muito, por\u00e9m, de acordo com as modalidades em que se apresentam. Mesmo em condi\u00e7\u00f5es normais, a mem\u00f3ria falha. N\u00e3o h\u00e1 setor em que a fi- delidade (seguran\u00e7a), a perdura\u00e7\u00e3o e a disponibilidade da mem\u00f3ria (pres- teza) n\u00e3o tenham limites e oscila\u00e7\u00f5es. As extensas experi\u00eancias dos psic\u00f3- logos t\u00eam logrado determinar leis interessantes: de um lado, leis da. fixa- \u00e7\u00e3o ou nota\u00e7\u00e3o (por exemplo, depend\u00eancia da aten\u00e7\u00e3o, do interesse, aprendizagem do todo ou das partes, deteriora\u00e7\u00e3o pela cria\u00e7\u00e3o simult\u00e2nea de outras associa\u00e7\u00f5es: inibi\u00e7\u00e3o generativa); doutro lado, leis da. reprodu- \u00e7\u00e3o (determina\u00e7\u00e3o por outros processos ps\u00edquicos simult\u00e2neos, inibi\u00e7\u00e3o resultante de associa\u00e7\u00f5es que, v\u00eam, simult\u00e2neas, \u00e0 consci\u00eancia: inibi\u00e7\u00e3o efetuai). Importa muito estarmos conscientes de que n\u00e3o h\u00e1 mem\u00f3ria sim- plesmente, com capacita\u00e7\u00e3o geral, e sim mem\u00f3ria composta, de muitas mem\u00f3rias especiais. Assim \u00e9 que, embora raros, existem psic\u00f3ticos dota- dos de mem\u00f3ria temporal prodigiosa."], ["O que temos em vista, na base do que, at\u00e9 o momento, dissemos a res-"], ["peito de mem\u00f3ria, \u00e9 um mecanismo que, tal qual um aparelho, trabalha mais ou menos bem. Mas a mem\u00f3ria tamb\u00e9m se acha em rela\u00e7\u00f5es com- preens\u00edveis com a afetividade, a significa\u00e7\u00e3o, a vontade de esquecer. Ni- etzsche diz o seguinte: \u201cFiz isto, diz minha mem\u00f3ria; n\u00e3o posso ter feito isto, diz meu orgulho; afinal, a mem\u00f3ria cede\u201d. \u2014 S\u00e3o coisas inteiramente diversas a mem\u00f3ria daquilo que se aprendeu: (saber) e a mem\u00f3ria da expe- ri\u00eancia vital pessoal (recorda\u00e7\u00f5es) ; como s\u00e3o tamb\u00e9m absolutamente dife- rentes, na rela\u00e7\u00e3o com a personalidade, essas recorda\u00e7\u00f5es, que ou ainda se apresentam atuantes, significativas, nada remotas; ou por assim dizer, se tornaram hist\u00f3ricas, constituindo- um saber' atrav\u00e9s da objetiva\u00e7\u00e3o \u00e0 dist\u00e2ncia da personalidade atual. Dentre as rela\u00e7\u00f5es compreensivas que influem na mem\u00f3ria, t\u00eam-se investigado, experimentalmente, aquelas que existem entre prazer e desprazer da viv\u00eancia e das tend\u00eancias, de um lado e, doutro, conserva\u00e7\u00e3o- ou esquecimento. Viv\u00eancias prazerosas conser-"], ["vam-se com mais facilidade do que viv\u00eancias desagrad\u00e1veis; estas se con- servam mais facilmente que as indiferentes. \u00c9 antigo o ensinamento de que as dores, nos \u00e9 f\u00e1cil esquecer. O otimismo mn\u00eamico faz subsistir, no presente, sobretudo, o que h\u00e1 de agrad\u00e1vel no passado. As recorda\u00e7\u00f5es de dores muito fortes ap\u00f3s opera\u00e7\u00f5es, ap\u00f3s o parto, de afetos violentos, desa- parecem: sabe-se ainda, posteriormente, que foi muito duro, tormentoso, fora do comum, mas n\u00e3o se tem recorda\u00e7\u00e3o concreta da viv\u00eancia. Ser\u00e1 que as viv\u00eancias desagrad\u00e1veis foram, desde o in\u00edcio, mal fixadas, ou ser\u00e1 que \u00e9 mais dif\u00edcil reproduzi-las? Ou talvez se pense menos nelas e, por isso, mais depressa se esque\u00e7am? \u00c9 necess\u00e1rio, por\u00e9m, distinguir- o esqueci- mento de obriga\u00e7\u00f5es, tarefas enfadonhas, cenas penosas, resultante do simples fato de nelas n\u00e3o se pensar, daquele recalque intencional ou invo- lunt\u00e1rio que leva a verdadeira dissocia\u00e7\u00e3o ou cis\u00e3o das coisas, desagrad\u00e1- veis (impossibilidade de reprodu\u00e7\u00e3o)."], ["Entre os dist\u00farbios da mem\u00f3ria, distinguem-se aqueles que aparecem", "em consequ\u00eancia de um estado anormal da consci\u00eancia, amn\u00e9sias) e aqueles que se observam na vig\u00eancia do estado normal de consci\u00eancia."], ["a) Amn\u00e9sias."], ["Chamam-se amn\u00e9sias os dist\u00farbios da mem\u00f3ria que atingem certo tempo limitado, do qual mais nada ou pouca coisa (amn\u00e9sia parcial) se pode recordar, ou que alcan\u00e7am viv\u00eancias menos precisamente limitadas, do ponto de vista temporal. Cumpre entre elas distinguir os seguintes ti- pos: 1. N\u00e3o se trata, em absoluto, de dist\u00farbio da mem\u00f3ria. Profunda- mente perturbada a consci\u00eancia, nada se p\u00f4de apreender, e, portanto, no- tar. Coisa alguma veio \u00e0 mem\u00f3ria; logo, nada se reproduz. 2. Houve, em certo momento, a capacidade de apreender; mas, profundamente pertur- bada a capacidade de nota\u00e7\u00e3o, nada se conservou. 3. Pode alguma coisa, em estado anormal, ter sido, passageiramente notada, mas o cabedal mn\u00eamico est\u00e1 lesado por processo org\u00e2nico. \u00c9 nas amn\u00e9sias retr\u00f3gradas que mais claro se apresenta esse processo; por exemplo, ap\u00f3s ferimentos graves na cabe\u00e7a, quando aquilo que se vivenciou nas \u00faltimas horas ou dias que precederam o acidente se apaga de todo. 4. H\u00e1 amn\u00e9sias extre- mamente not\u00e1veis que consistem, apenas, em dist\u00farbio da capacidade de reprodu\u00e7\u00e3o. A mem\u00f3ria armazenou tudo; s\u00f3 n\u00e3o pode despertar o que possui, a n\u00e3o ser, por exemplo, no estado hipn\u00f3tico. Janet estudou essas amn\u00e9sias. Os doentes n\u00e3o se lembram mais de certas viv\u00eancias (amn\u00e9sias sistem\u00e1ticas), de per\u00edodos de tempo limitados (amn\u00e9sias localizadas), ou nem se lembram de coisa alguma pret\u00e9rita (amn\u00e9sias gerais). Quem lhes"], ["observa o comportamento nota que a mem\u00f3ria deles trabalha, de fato; que n\u00e3o se portam como pessoas que hajam perdido a mem\u00f3ria; que, subjeti- vamente, n\u00e3o se acham perturbados por causa da amn\u00e9sia, esta lhes sendo indiferente; mais ainda, a amn\u00e9sia \u00e9 inconsistente e, por fim, pode desaparecer por si mesma (\u00e0s vezes, periodicamente), ou pela hipnose."], ["Em qualquer amn\u00e9sia particular que se observe, participam, de", "quando em quando, v\u00e1rios desses tipos, se bem que, em geral, predomine um ou outro. Muito caracter\u00edsticos s\u00e3o o modo por que alguma coisa que prov\u00e9m do per\u00edodo amn\u00e9sico se conserva \u2014 \u00e9 raro uma amn\u00e9sia ser com- pleta \u2014 e tamb\u00e9m o modo por que alguma coisa particular pode ser des- pertada. Aqui, op\u00f5em-se dois tipos das recorda\u00e7\u00f5es espont\u00e2neas.1) Recor- da\u00e7\u00e3o sum\u00e1ria, recorda\u00e7\u00e3o do principal, do essencial, de maneira confusa, sem pormenoriza\u00e7\u00e3o alguma. 2) Recorda\u00e7\u00e3o do particular, apenas, do n\u00e3o-essencial; esse particular apresenta-se isolado, parcialmente recor- dado, sem pormenoriza\u00e7\u00e3o, em tra\u00e7os inteiramente acess\u00f3rios; mas as re- la\u00e7\u00f5es, quer temporais, quer objetivas entre as particularidades s\u00e3o impre- cisas."], ["Correspondem a esses dois tipos os modos pelos quais, mediante esti- mula\u00e7\u00e3o, ou mediante expedientes mn\u00eamicos, se podem despertar certos conte\u00fados da fase amn\u00e9sica. 1) Por meios apropriados, dos quais o mais not\u00f3rio \u00e9 a hipnose, evocam-se as rela\u00e7\u00f5es sistem\u00e1ticas, os complexos in- teiros, as viv\u00eancias todas. 2) Por estimula\u00e7\u00e3o de imagens detalhadas, des- pertam-se, atrav\u00e9s das vias associativas mais diversas, pormenores tam- b\u00e9m apenas individuais; \u00e0s vezes, em grande c\u00f3pia, embora seja dif\u00edcil ou at\u00e9 imposs\u00edvel obter ordenamento temporal e correla\u00e7\u00e3o. Pode-se dizer, es- quematicamente, que os tipos primeiro indicados s\u00e3o caracter\u00edsticos das amn\u00e9sias hist\u00e9ricas e das amn\u00e9sias resultantes de afetos violentos, ao passo que os tipos apontados em segundo lugar caracterizam as amn\u00e9sias dos epil\u00e9ticos e aquelas que ocorrem quando h\u00e1 turva\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia por for\u00e7a de estados org\u00e2nicos."], ["Chama a aten\u00e7\u00e3o o fato de tamb\u00e9m amn\u00e9sias organicamente condicio- nadas serem, vez por outra, poss\u00edveis de suprimir pela hipnose, conforme se tem logrado fazer em amn\u00e9sias epil\u00e9ticas1, bem como no caso da amn\u00e9- sia retr\u00f3grada de um enforcado ressuscitado.", "b) Dist\u00farbios da capacidade de reprodu\u00e7\u00e3o, do cabedal mn\u00eamico e da ca-"], ["pacidade de fixa\u00e7\u00e3o.", "Al\u00e9m das amn\u00e9sias temporalmente limitadas, temos de lidar, e ali\u00e1s", "muito mais frequentemente, com dist\u00farbios da mem\u00f3ria que se apresen- tam como simples exagero de nossos esquecimentos cotidianos, ou como simples defeitos de fixa\u00e7\u00e3o etc. Distinguimos, mais uma vez, no referente a esses dist\u00farbios da mem\u00f3ria, a capacidade de reprodu\u00e7\u00e3o, o grande reser- vat\u00f3rio das disposi\u00e7\u00f5es mn\u00eamicas e a mem\u00f3ria de fixa\u00e7\u00e3o.", "1. Dist\u00farbios da capacidade de reprodu\u00e7\u00e3o.", "Tem-se, muitas vezes, impress\u00e3o de mem\u00f3ria falha nos hebefr\u00eanicos"], ["que falam sem parar ou se apresentam bloqueados; nos melanc\u00f3licos, subjetivamente queixosos ou inibidos; nos man\u00edacos, com fuga-de-ideias e incapacidade de concentra\u00e7\u00e3o; casos todos estes nos quais talvez esteja diminu\u00edda, transitoriamente, a capacidade de reprodu\u00e7\u00e3o, conservando- se, no entanto, a mem\u00f3ria, a qual se mostra intata ap\u00f3s a cessa\u00e7\u00e3o das al- tera\u00e7\u00f5es passageiras. S\u00f3 durante certo per\u00edodo \u00e9 que os doentes se apre- sentam insanos. Tamb\u00e9m \u00e9 comum encontrar dist\u00farbio da capacidade de reprodu\u00e7\u00e3o nos psicast\u00eanicos, que sabem tudo perfeitamente, mas de nada se lembram exatamente quando t\u00eam de recordar alguma coisa; por exemplo, por ocasi\u00e3o de um exame. A incapacidade hist\u00e9rica de reprodu- \u00e7\u00e3o, sempre ligada a complexos inteiros, caso em que se trata n\u00e3o tanto de lapso moment\u00e2neo quanto de dissocia\u00e7\u00e3o de algum campo mn\u00eamico de- terminado e preciso, j\u00e1 foi mencionado entre as amn\u00e9sias.", "2. Dist\u00farbios da mem\u00f3ria, em sentido mais estrito.", "Nosso cabedal mn\u00eamico aumenta ou refor\u00e7a-se cada vez mais, \u00e9 certo, de um lado, pela capacidade de fixa\u00e7\u00e3o; mas, simultaneamente, est\u00e1 sem- pre em desintegra\u00e7\u00e3o, pois as disposi\u00e7\u00f5es mn\u00eamicas desaparecem com o correr do tempo, isto \u00e9, esquecemos. \u00c9, sobretudo, na velhice e nos pro- cessos org\u00e2nicos que o cabedal mn\u00eamico se pode apresentar excessiva- mente desintegrado. A come\u00e7ar dos fatos mais recentes, vai-se apagando tamb\u00e9m a mem\u00f3ria do pr\u00f3prio passado. Mais ainda: os doentes perdem o vocabul\u00e1rio: j\u00e1 n\u00e3o se lembram de palavras com que designar coisas con- cretas, ao passo que abstra\u00e7\u00f5es, conjun\u00e7\u00f5es, etc., ainda perduram longa- mente. Generalidades, express\u00f5es comuns, categorias dentre as mais am- plas subsistem, ao mesmo tempo que se dissipa tudo quanto \u00e9 sensorial- mente objetivo, individual. Das recorda\u00e7\u00f5es vitais pessoais primeiro desa- parecem as que de mais recente data se adquiriram; a perda da mem\u00f3ria vai cobrindo, pouco a pouco, as \u00e9pocas mais remotas; as recorda\u00e7\u00f5es d\u00e1 inf\u00e2ncia e da mocidade s\u00e3o as que mais longamente subsistem, por vezes at\u00e9 notavelmente vivas."], ["3. Dist\u00farbios da capacidade de fixa\u00e7\u00e3o.", "Os doentes j\u00e1 n\u00e3o conseguem gravar coisa alguma, se bem que ainda disponham do cabedal mn\u00eamico anteriormente adquirido. Investigam-se experimentalmente esses dist\u00farbios, revelando-se de especial utilidade a tarefa que consiste em fazer aprender pares de palavras, com ou sem co- nex\u00e3o associativa, e medir o rendimento, o que permite determinar, quan- titativamente, o dist\u00farbio da fixa\u00e7\u00e3o.", "G. E. St\u00f5rring observou um caso de perda total, isolada, da capacidade", "de fixa\u00e7\u00e3o sem dist\u00farbios ps\u00edquicos outros sen\u00e3o os resultantes dessa de- sastrosa perda; caso \u00fanico, excelentemente descrito e extraordinariamente instrutivo:"], ["Um serralheiro de 24 anos sofreu envenenamento por g\u00e1s, no dia 31 de maio de 1926. Examinado em 1930, verifica-se estar conservado o ca- bedal mn\u00eamico relativos aos fatos que precederam essa data. Da\u00ed por di- ante nada mais se acresce. Ap\u00f3s dois segundos, desaparecem quaisquer impress\u00f5es. Perguntas mais longas o paciente j\u00e1 esqueceu quando quem pergunta chega ao fim da frase; s\u00f3 responde a perguntas breves. Ontem, para ele, \u00e9, invariavelmente, 30 de maio de 1926; o que a isso se op\u00f5e deixa-o, um instante, perplexo, mas de imediato a contradi\u00e7\u00e3o \u00e9 esque- cida. Sua noiva casou-se com ele ap\u00f3s o incidente, sem que, no entanto, ele saiba disso; da\u00ed responder \u00e0 pergunta: \u201c\u00ca casado?\u201d \u2014 \u201cN\u00e3o, mas vou casar breve\u201d. A palavra \u201ccasar\u201d, no fim da frase, j\u00e1 diz hesitando; j\u00e1 nem sabe por que foi que a pronunciou. Vendo pela janela a paisagem invernal, diz corretamente que \u00e9 inverno; mas, se se lhe taparem os olhos, dir\u00e1, da\u00ed a um instante, que \u00e9 ver\u00e3o, porque est\u00e1 fazendo tanto calor. Logo em se- guida, vendo a lareira acesa, \u00e9, novamente, inverno, porque acesa a la- reira. Ao exame habitual da pele, mediante estimula\u00e7\u00e3o com uma alfine- tada, n\u00e3o tarda a esquecer-se da picada, se bem que perdure a sensa\u00e7\u00e3o desagrad\u00e1vel. Por isso, estende sempre a m\u00e3o, sem desconfian\u00e7a alguma; a sensa\u00e7\u00e3o desprazerosa soma-se, por\u00e9m, at\u00e9 que, afinal, de um momento para outro, se instala uma rea\u00e7\u00e3o elementar de medo e fuga."], ["Subsiste a experi\u00eancia global da vida anterior; por isso, o paciente apreende exatamente, reconhece as coisas, aju\u00edza com corre\u00e7\u00e3o tudo quanto possa, resumido num s\u00f3 momento, ser-lhe feito presente. Reco- nhece as pessoas que conhecia at\u00e9 1926. Quem veio a conhecer posterior- mente afigura-se-lhe sempre, a despeito de contatos frequentes, como \u00e9 o caso do m\u00e9dico, inteiramente estranho e novo. N\u00e3o est\u00e1 absolutamente obtuso, nem sonolento, mas vigil e atento, presente \u00e0 situa\u00e7\u00e3o, observa- dor, divertido, movendo-se e falando com espontaneidade. Sua vida senti-"], ["mental \u00e9 a mesma de antes do desastre; sua personalidade \u00f3 absoluta- mente a mesma. Em rela\u00e7\u00e3o ao passado, existe uma intensidade maior dos sentimentos (diz a mulher que ele sente mais, com mais profundidade que antes), porque cada situa\u00e7\u00e3o lhe chega \u00e0 consci\u00eancia inteiramente iso- lada, sem influ\u00eancia do passado nem do futuro; tamb\u00e9m porque cada vi- v\u00eancia lhe \u00e9 repentina e, por isto, atua mais vivamente. Seus sentimentos s\u00e3o mais l\u00edmpidos do que antes porque condicionados, apenas, pelo que acaba de vivenciar. O paciente vive de todo no presente, mas n\u00e3o no tempo. Os sentimentos centrais, condicionados pela personalidade, apre- sentam-se mais fortes do que os perif\u00e9ricos, estes, mais indiferentes. Sua personalidade impressiona tanto os que o cercam que todos se lhe aproxi- mam. Os atos espont\u00e2neos, cm confronto com a calma anterior ao desas- tre, come\u00e7am abruptamente e s\u00e3o mais r\u00e1pidos. Antes de iniciar uma coisa, o paciente mostra-se extremamente inquieto. \u00c9 preciso que os im- pulsos se somem at\u00e9 alcan\u00e7ar intensidade suficiente, para, ent\u00e3o, de s\u00fa- bito, se desencadearem. Nada sabe o paciente de seu dist\u00farbio de mem\u00f3- ria; nem sequer o nota. Se o notasse, esqueceria, logo a seguir, essa obser- va\u00e7\u00e3o; mas, realmente, n\u00e3o percebe nada do que lhe aconteceu porque to- das as impress\u00f5es lhe fugiriam, se sobre elas quisesse refletir. Pelo contr\u00e1- rio, em certas situa\u00e7\u00f5es, mostra-se perplexo e inquieto, n\u00e3o porque sinta o esquecimento, e sim porque ainda lhe resta um sentimento de atividade, embora ignore o que deve fazer, ou o que quer fazer, se isso n\u00e3o lhe for lembrado a cada segundo. A perplexidade \u00e9 t\u00e3o frequente que lhe marca a express\u00e3o fision\u00f4mica. St\u00f5rring compara esse dist\u00farbio a uma placa de cera que, repentinamente, se tornasse p\u00e9trea e na qual s\u00e3o leg\u00edveis as im- press\u00f5es antigas, sem 'que, por\u00e9m, inscri\u00e7\u00e3o nova alguma deixe qualquer impress\u00e3o."], ["A falha dos rendimentos mn\u00eamicos afeta, muitas vezes, a capacidade de fixa\u00e7\u00e3o e a capacidade de reprodu\u00e7\u00e3o, com apagamento simult\u00e2neo das disposi\u00e7\u00f5es mn\u00eamicas existentes. Pode-se ir al\u00e9m, se se quiserem descre- ver os rendimentos globais e o comportamento particular. Descri\u00e7\u00e3o exce- lente das falhas de mem\u00f3ria numa s\u00edndrome alco\u00f3lica de Korsakov \u00e9 a que faz, por exemplo, W. Scheid. Veem-se in\u00fameras ilhas mn\u00eamicas, com di- versifica\u00e7\u00e3o n\u00e3o seletiva das falhas e fixa\u00e7\u00e3o igualmente n\u00e3o-seletiva. Constata-se falha completa tamb\u00e9m ap\u00f3s viv\u00eancias muito excitantes, em- bora se conservem insignific\u00e2ncias. Os rendimentos mn\u00eamicos especiais dependem muito da situa\u00e7\u00e3o e da atitude vital."], ["c) Falsifica\u00e7\u00f5es da mem\u00f3ria."], ["Descrevemos, at\u00e9 aqui, falhas da mem\u00f3ria em rela\u00e7\u00e3o tanto ao saber geral quanto \u00e0s recorda\u00e7\u00f5es pessoais; falhas a que se op\u00f5em \u2014 fen\u00f4meno basicamente outro \u2014 as falsifica\u00e7\u00f5es da mem\u00f3ria, tais como se encon- tram, muitas vezes, nos indiv\u00edduos sadios. Os testes de reprodu\u00e7\u00e3o 1 t\u00eam mostrado quanto elas s\u00e3o surpreendentemente extensas; esses testes, que, como quase todas as experi\u00eancias que se fazem com \u201ctarefas\u201d, d\u00e3o o corte transverso de toda a vida ps\u00edquica, permitem, quando aplicados a doentes mentais, esclarecer e objetivar, numericamente, v\u00e1rios fen\u00f4menos de modo mais preciso do que mediante a investiga\u00e7\u00e3o habitual. As falsifi- ca\u00e7\u00f5es da mem\u00f3ria desempenham grande papel nas doen\u00e7as mentais. H\u00e1 a gabolice dos paral\u00edticos; as fantasias arbitrariamente constru\u00eddas de cer- tas dem\u00eancias paranoides, que surgem e se divulgam como se fossem re- corda\u00e7\u00f5es; as ilus\u00f5es mn\u00eamicas an\u00e1logas \u00e0s alucina\u00e7\u00f5es. Em rela\u00e7\u00e3o a v\u00e1- rios estados, julga-se compreender de que modo, quando ocorrem dist\u00far- bios s\u00e9rios da capacidade de fixa\u00e7\u00e3o, com perda concomitante de cabedal mn\u00eamico antigo, os doentes preenchem sua perda com inven\u00e7\u00f5es momen- t\u00e2neas (confabula\u00e7\u00f5es). N\u00e3o \u00e9 que hajam perdido a capacidade de pensar, a intelig\u00eancia, o ju\u00edzo; apreendem a situa\u00e7\u00e3o, mas s\u00e3o, apenas, incapazes, pela perda das associa\u00e7\u00f5es mais necess\u00e1rias, de chegar a resultado cor- reto. Inventam sem querer aquilo que parece ajustar-se \u00e0 realidade e con- tam, estando de cama h\u00e1 v\u00e1rias semanas, que foram hoje ao mercado, ou que trabalharam na cozinha."], ["W. Scheid observou, no seu doente com Korsakov alco\u00f3lico, que este ti-"], ["nha recorda\u00e7\u00f5es reais (deformadas, como acontece nas confabula\u00e7\u00f5es); afiguravam-se-lhe, por\u00e9m, recorda\u00e7\u00f5es on\u00edricas (Ser\u00e1 que sonhei isso?); o doente tinha, no entanto, d\u00favida se era sonho ou mesmo realidade. Scheid descreve a viv\u00eancia da recorda\u00e7\u00e3o: Normalmente, n\u00f3s nos lembramos da realidade passada como tendo acontecido em determinado tempo, na con- tinuidade dos acontecimentos, com a respectiva anterioridade e posteriori- dade cronologicamente localizada. Subjetivamente, podem tamb\u00e9m algu- mas confabula\u00e7\u00f5es ser vivenciadas como recorda\u00e7\u00f5es dessa ordem; nelas, por\u00e9m, em geral, h\u00e1 consci\u00eancia muito menor da realidade, porque ao que nelas se lembra falta o \u201cbackground\u201d real, a conex\u00e3o temporal e causal, dentro da recorda\u00e7\u00e3o global. Tamb\u00e9m pessoas normais podem lembrar-se de alguma coisa sem localiza\u00e7\u00e3o cronol\u00f3gica e sem correla\u00e7\u00f5es; mas duvi- dam se sonharam com aquilo que recordam e buscam associa\u00e7\u00f5es com outras recorda\u00e7\u00f5es. Foi o que sucedeu ao korsakoviano: a falta de associa- \u00e7\u00f5es fez-lhe parecer sonhado aquilo que, realmente, recordava."], ["\u00a7 4. Motricidade", "Sob o ponto de vista do \u201carco reflexo ps\u00edquico\u201d, todo evento vem a dar,", "finalmente, nos fen\u00f4menos motores, gra\u00e7as aos quais se exterioriza o re- sultado da elabora\u00e7\u00e3o interna dos est\u00edmulos. Sob o ponto de vista da com- preens\u00e3o interna, a consci\u00eancia da vontade p\u00f5e-se em movimento; ao ato volitivo se associa um mecanismo motor extraconsciente, que\u2014 s\u00f3 ele \u2014 d\u00e1 capacidade efetiva a esse ato volitivo."], ["Podemos, ent\u00e3o, investigar de dois lados os fen\u00f4menos motores in\u00fame- ros e variadamente grotescos dos doentes mentais: ou procuramos conhe- cer o pr\u00f3prio mecanismo motor em suas perturba\u00e7\u00f5es, que, em certas cir- cunst\u00e2ncias, podem existir independentes de qualquer anomalia ps\u00edquica \u2014 e este \u00e9 o caminho seguido pela neurologia \u2014 ou tentamos saber da vida ps\u00edquica e da consci\u00eancia volicional dos doentes, cuja consequ\u00eancia nor- mal est\u00e1 manifesta nos movimentos vis\u00edveis. Uma vez reconhecida essa re- la\u00e7\u00e3o, os movimentos s\u00e3o para n\u00f3s \u201catos\u201d compreens\u00edveis: por exemplo, a alegria motora dos man\u00edacos borbulhantemente vivazes, a compuls\u00e3o mo- tora dos angustiados. Entre esses dois fen\u00f4menos motores vis\u00edveis - o neu- rol\u00f3gico, como dist\u00farbio do aparelho motor, o psicol\u00f3gico, que resulta de anormalidade mental num aparelho motor normal - est\u00e3o os fen\u00f3menos motores psic\u00f3ticos, que registramos sem compreend\u00ea-los suficientemente nem de um modo nem de outro. Os neurol\u00f3gicos chamam-se dist\u00farbios da motilidade, enquanto os psic\u00f3ticos s\u00e3o denominados da motricidade quanto aos psicol\u00f3gicos, compreendem-se; n\u00e3o, primariamente, como fe- n\u00f4menos motores, e sim como atos e express\u00f5es."], ["a) Dist\u00farbios motores neurol\u00f3gicos.", "Pertencem \u00e0 motilidade e \u00e0 respectiva regula\u00e7\u00e3o tr\u00eas sistemas, a saber: o sistema piramidal (quando lesado: paralisias simples), o sistema extrapi- ramidal dos g\u00e2nglios basais e do mesenc\u00e9falo (quando lesado: altera\u00e7\u00f5es do t\u00f4nus, da m\u00edmica e da gesticula\u00e7\u00e3o, da coordena\u00e7\u00e3o dos movimentos; por exemplo, cessa\u00e7\u00e3o dos movimentos pendulares inconscientes dos bra- \u00e7os quando se anda, movimentos coreicos e atet\u00f3ticos) e o sistema medu- lar e cerebelar (quando lesado: ataxia, dist\u00farbio da coordena\u00e7\u00e3o motora por supress\u00e3o de fatores sensitivos). A psicopatologia tem de conhecer os dist\u00farbios da motilidade, a fim de n\u00e3o pretender compreend\u00ea-los, impro- priamente, sob o aspecto psicol\u00f3gico. Os movimentos m\u00ednimos autom\u00e1ti- cos \u2014 por exemplo, o riso compulsivo que se observa na paralisia bulbar - n\u00e3o s\u00e3o, de modo algum, express\u00e3o de interioridade ps\u00edquica, mas efeito"], ["de est\u00edmulos poss\u00edveis de localizar no c\u00e9rebro."], ["b) Apraxias"], ["O conhecimento neurol\u00f3gico vai subindo, estratificadamente, no meca-", "nismo nervoso, como se tivesse de cada vez mais aproximar-se do centro da psique, da consci\u00eancia ps\u00edquica volicional. Dist\u00farbio do mais alto n\u00edvel at\u00e9 hoje descoberto, a apraxia consiste no fato de que, plenamente intatos os processos org\u00e2nicos, de um lado, funcionando corretamente a taxia e os mecanismos motores que v\u00e3o da c\u00f3rtex \u00e0 periferia (portanto, sem ata- xia, nem paralisia), n\u00e3o pode o doente, doutro lado, fazer o movimento adequado \u00e0 inten\u00e7\u00e3o objetiva normal. Por exemplo: quer acender um f\u00f3s- foro e, no entanto, leva a caixa atr\u00e1s da orelha, porque n\u00e3o disp\u00f5e da f\u00f3r- mula motora que subordina os movimentos ao ato significativo. Liepmann localizou esse dist\u00farbio no c\u00e9rebro e chegou a observar-lhe a ocorr\u00eancia unilateral: um paciente podia executar os movimentos corretos com um bra\u00e7o, sendo, entretanto, apr\u00e1xico do outro."], ["Os dist\u00farbios neurol\u00f3gicos e essas apraxias t\u00eam uma coisa comum com a motricidade psic\u00f3tica' e normal: \u00e9 que todos s\u00f3 se \u00abpodem reconhe- cer como dist\u00farbios do mecanismo motor no caso de, quanto ao mais, concomitantemente, houver vida ps\u00edquica sadia; e no caso de serem an\u00e1- tomo-cerebralmente localiz\u00e1veis. \u00c9 prov\u00e1vel que entre os mecanismos da praxia e o impulso volitivo consciente ainda haja toda uma s\u00e9rie de fun- \u00e7\u00f5es extraconscientes superpostas umas \u00e0s outras. Os conhecimentos de que aqui dispomos t\u00eam vindo de baixo para cima, mas certo \u00e9 que, quando excedem os limites da apraxia motora, se perdem ainda, no pre- sente momento, em territ\u00f3rios ignorados.", "c) Dist\u00farbios motores psic\u00f3ticos."], ["Depois que distinguimos dos fen\u00f3menos motores dos pacientes men- tais, por um lado, os movimentos certamente neurol\u00f3gicos puros e, por outro lado, os movimentos poss\u00edveis de compreender como express\u00e3o de processos ps\u00edquicos (com conserva\u00e7\u00e3o de mecanismos extraconscientes normais) e como atos condicionados por motivos anormais, ainda nos resta a quantidade avultada de fen\u00f4menos surpreendentes e grotescos, que, no momento presente, apenas nos \u00e9 dado descrever, registrar e, em seguida s\u00f3 hipoteticamente interpretar de modo mais ou menos plaus\u00edvel. Wernicke distingue dist\u00farbios motores acin\u00e9ticos e hipercin\u00e9ticos, aos", "quais op\u00f5e os dist\u00farbios paracin\u00e9ticos, ou seja, os movimentos mal suce- didos, ineptos.", "1. Descri\u00e7\u00e3o."], ["Estados acin\u00e9ticos.", "a) Tens\u00e3o muscular. As maxilas est\u00e3o firmemente comprimidas, as m\u00e3os enclavinhadas, as p\u00e1lpebras espasmodicamente cerradas, a cabe\u00e7a r\u00edgida, o dia inteiro, sem tocar o travesseiro. Se se tenta mover passiva- mente um dos membros, nota-se resist\u00eancia, servindo essas tens\u00f5es para justificar o nome catatonia. Como sintomas catat\u00f4nicos, entretanto, n\u00e3o se assinalam, apenas, essas tens\u00f5es, mas todos os fen\u00f4menos motores in- compreens\u00edveis que aqui descrevemos.", "b) Flexibilidade c\u00e9rea. Existe tens\u00e3o escassa, por\u00e9m f\u00e1cil de vencer; feito cera, os membros deixam-se colocar nas posi\u00e7\u00f5es mais variadas, po- si\u00e7\u00f5es nas quais se fixam, do mesmo modo que nas anteriores; fen\u00f4menos a que se d\u00e1 tamb\u00e9m o nome de catalepsia, da qual existe, externamente, transi\u00e7\u00e3o para o fen\u00f4meno compreens\u00edvel, isto \u00e9, os doentes, colocados em tal ou qual posi\u00e7\u00e3o, nela se mant\u00eam ao acaso, passivamente, sem oferecer resist\u00eancia aos movimentos, a eles prestando-se com naturalidade."], ["c) Imobilidade fl\u00e1cida. Os doentes deixam-se estar im\u00f3veis, como nos casos precedentes: podemos mover-lhe todos -os membros, \u00e0s vezes muito ligeiramente: tornam a cair com o peso.", "d) Posi\u00e7\u00f5es bizarras, estatuarias. Kahlbaum comparou certos doentes a est\u00e1tuas eg\u00edpcias, enrijecidas em posi\u00e7\u00e3o inteiramente inexpressiva, como se estivessem petrificadas: um sentado de tal ou qual maneira no peitoral da janela; outro num canto, etc."], ["Estados hipercin\u00e9ticos. Quando ocorrem estados de excita\u00e7\u00e3o mo- tora, fala-se em compuls\u00e3o motora, mas a verdade \u00e9 que quase nunca sa- bemos coisa alguma de \u201ccompuls\u00e3o\u201d, sendo melhor limitarmo-nos a ex- press\u00f5es indiferentes, tais como \u201cexcita\u00e7\u00e3o motora\u201d. 'Os antigos diziam: \u201cmovimentos fren\u00e9ticos\u201d, ou \u201cfrenesi\u201d. S\u00e3o movimentos variados, aparente- mente sem objetivo e tamb\u00e9m sem que se possa notar qualquer afeto pra- zeroso ou ansioso, qualquer outro fundamento ps\u00edquico. Os pacientes, aci- n\u00e9ticos parecem est\u00e1tuas eg\u00edpcias; estes assemelham-se a m\u00e1quinas sem alma. A investiga\u00e7\u00e3o de casos particulares nada revela que n\u00e3o seja a im- press\u00e3o de existirem ora fen\u00f4menos neuronais, ora atos compreens\u00edveis, ora uns e outros, com complementa\u00e7\u00e3o da atividade neuronal por movi-"], ["mentos expressivos compreens\u00edveis (movimentos complementares de Wer- nicke). Neste ponto, todavia, nada se pode aduzir que valha para todos os casos, sendo-nos for\u00e7oso restringir-nos, por enquanto, a descrever exter- namente os tipos que v\u00eam a apresentar-se."], ["H\u00e1 muitos movimentos que lembram, pela apar\u00eancia externa, movi- mentos atet\u00f3ticos, coreicos e compulsivos, tais como se observam nas le- s\u00f5es do cerebelo e dos tratos cerebelares. Os pacientes fazem movimentos estranhos com o corpo, rodopiam, esticam-se, enrijando as costas, torcem os dedos de modo bizarro, sacodem bra\u00e7os e pernas. \u2014 Outros movimen- tos d\u00e3o a impress\u00e3o de ser rea\u00e7\u00f5es a sensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas. Assim \u00e9 que os doentes giram e se torcem, comprimem os \u00f3rg\u00e3os genitais com as m\u00e3os, pegam no nariz, escancaram a boca e metem a m\u00e3o dentro, apertam os olhos, inclinam-se para o lado ou mant\u00eam-se firmes, como se quisessem evitar uma queda para o outro lado. \u2014 Mas h\u00e1 outros movimentos que pa- recem ser expressivos de alguma coisa: tais s\u00e3o as caretas de toda sorte, os gestos grotescos, que do h\u00e1 muito se afiguram caracter\u00edsticos da lou- cura: os trejeitos, lembrando transportes. extasiados, tremendos pavores, ou ent\u00e3o as brincadeiras bobas das crian\u00e7as. Os doentes batem com a ca- be\u00e7a na parede, sacodem os bra\u00e7os para o ar, tomam atitudes de pregador ou de lutador, quase todos os movimentos cessando rapidamente, substi- tu\u00eddos por outros. Inversamente, h\u00e1 movimentos que se repetem, infind\u00e1- veis, semanas e meses. Da mesma ordem s\u00e3o a dan\u00e7a, as cabriolas, os saltos e a gin\u00e1stica, os in\u00fameros movimentos r\u00edtmicos. \u2014 Ainda outro grupo de movimentos pode-se resumir no ponto de vista de que se reali- zam, de maneira estereot\u00edpica, em conex\u00e3o com quaisquer impress\u00f5es sensoriais: por exemplo, os doentes pegam em tudo, viram as coisas de um jeito e doutro, seguem-lhe os contornos com o indicador, imitam movi- mentos que v\u00eam (ecopraxia), repetem tudo que ouvem (ecolalia). A todos os objetos que enxergam d\u00e3o nomes. O que h\u00e1 de carater\u00edstico nesses movi- mentos \u00e9 que se repetem estereot\u00edpica e ininterruptamente. \u2014 Enfim, h\u00e1 um grupo de movimentos que se assinala pela complica\u00e7\u00e3o especial e pela semelhan\u00e7a- com atos intencionais: um doente pula e tira o chap\u00e9u para um transeunte; outro faz exerc\u00edcios militares; um terceiro p\u00f5e-se, de s\u00fa- bito, a dizer palavr\u00f5es; casos em todos os quais dizemos tratar-se de atos impulsivos, particularmente not\u00e1veis quando certo paciente, que esteve im\u00f3vel dias seguidos, os pratica de um momento para outro, voltando de- pois \u00e0 imobilidade."], ["Em todos os dist\u00farbios motores descritos, pode-se, uma vez ou outra,", "observar que se limitam, evidentemente, a certas \u00e1reas. Por exemplo,", "veem-se pacientes que falam sem parar, desatinados, mantendo-se, no en- tanto, im\u00f3veis ao passo que outros, silenciosos, se movimentam estranha- mente. \u00c9 frequente localizarem-se as tens\u00f5es musculares, sobretudo, em \u00e1reas particulares: por exemplo, as p\u00e1lpebras e as maxilas est\u00e3o forte- mente apertadas, enquanto as- articula\u00e7\u00f5es do cotovelo podem mover-se com facilidade.", "Mais outra observa\u00e7\u00e3o digna de nota: nos estados acin\u00e9ticos, chama"], ["bastante a aten\u00e7\u00e3o o comportamento diverso nos movimentos espont\u00e2- neos e naqueles que se t\u00eam de fazer por solicita\u00e7\u00e3o' (diferen\u00e7a entre movi- mentos iniciativos e reativos, Wirnicke). H\u00e1 vezes em que o doente, im\u00f3vel quanto ao mais, faz suas necessidades, come, leva o alimento \u00e0 boca. Existindo esses movimentos, o paciente n\u00e3o reage, em geral, a solicita\u00e7\u00f5es. Se se tentar lev\u00e1-lo, dando-lhe ordens ou tarefas, a praticar movimentos reativos, ver-se-\u00e1 que ele come\u00e7a um movimento, da\u00ed resultando a impres- s\u00e3o de que entendeu a tarefa e quis executar o movimento adequado \u00e0 fi- nalidade; n\u00e3o prossegue, contudo, o movimento, outro movimento repen- tino interrompe-o, ou o movimento primitivo simplesmente suspende-se; ou ainda, aparecem tens\u00f5es extensas em seu lugar, podendo executar-se movimentos inteiramente contr\u00e1rios (negativismo), ou mesmo executar-se o movimento solicitado do modo plenamente correto, mas s\u00f3 ap\u00f3s hesita- \u00e7\u00e3o prolongada, com tens\u00f5es musculares e t\u00eanues esfor\u00e7os convulsivos. \u00c9 o que, por exemplo, se observa quando se pede ao doente qu\u00ea levante a m\u00e3o: parece haver grande esfor\u00e7o de sua parte. Com efeito, o rosto enru- besce, o suor escorre, os olhos fitam o m\u00e9dico, muitas vezes, com subita- neidade breve e peculiar, sem express\u00e3o que se possa com seguran\u00e7a en- tender. N\u00e3o \u00e9 raro observar, em catat\u00f4nicos, uma. \u2018\u2018rea\u00e7\u00e3o do \u00faltimo ins- tante\u201d (Kleist): depois de muitas tentativas \u00e0 cabeceira do paciente, no mo- mento em que nos levantamos para ir embora, ele diz alguma coisa. Se nos virarmos, j\u00e1 nada obteremos. Da\u00ed uma regra antiga: com os catat\u00f4ni- cos, prestar bem aten\u00e7\u00e3o no momento em que se vai embora, a fim de pe- gar a m\u00ednima informa\u00e7\u00e3o poss\u00edvel. Acontece o doente que n\u00e3o diz palavra escrever a resposta a uma pergunta; ou um paciente im\u00f3vel dizer que n\u00e3o pode mover-se. Mais n\u00e3o se consegue, por\u00e9m, nesses casos, do que a im- press\u00e3o de estarem em causa dist\u00farbios do mecanismo motor, tais como apraxias motoras. E essas manifesta\u00e7\u00f5es s\u00e3o raras entre todos os fen\u00f4me- nos que ainda se nos apresentam inteiramente misteriosos e que, de sa- \u00edda, chamamos, simplesmente, \u201cmotores\u201d."], ["Todos esses fen\u00f4menos motores incompreens\u00edveis s\u00e3o chamados cata-", "t\u00f4nicos, por extens\u00e3o do conceito originariamente mais determinado, ocor- rendo com frequ\u00eancia no grande grupo d\u00f3s processos esquizofr\u00eanicos. Tamb\u00e9m em idiotas de n\u00edvel muito baixo notam-se fen\u00f4menos que pare- cem semelhantes a estes e que Plaskuda assim descreve: \u201cO que mais se observa, nos idiotas, s\u00e3o um balan\u00e7ar r\u00edtmico, do tronco, movimentos gi- rat\u00f3rios da cabe\u00e7a, caretas, estalidos com a l\u00edngua, movimentos choca- lhantes da maxila inferior, rodopios com os bra\u00e7os, pux\u00f5es, batidas, es- perneios, saltos ritmados, corridas circulares\u201d. \u2014 Observam-se catalepsias em crian\u00e7as que, somaticamente enfermas, apresentam turva\u00e7\u00f5es da consci\u00eancia.", "2. Interpreta\u00e7\u00e3o.", "J\u00e1 acentuamos n\u00e3o ser ainda poss\u00edvel a interpreta\u00e7\u00e3o de todos os fen\u00f4-"], ["menos descritos. Kleist tentou, em v\u00e3o, a nosso ver, apesar do grande va- lor de sua descri\u00e7\u00e3o, aplicar a teoria mais recente sobre a apraxia \u00e0 inter- preta\u00e7\u00e3o neurol\u00f3gica que Wernicke esbo\u00e7ou em sua conceitua\u00e7\u00e3o das psi- coses da motilidade. \u00c9 poss\u00edvel e mesmo prov\u00e1vel que, em alguns dist\u00far- bios motores catat\u00f4nicos, um fator seja constitu\u00eddo por dist\u00farbios neurolo- gicamente tang\u00edveis. N\u00e3o seria ele, por\u00e9m, de natureza ps\u00edquica, mas se trataria de dist\u00farbio de algum mecanismo a que a vontade se op\u00f5e, li- gando-se a dist\u00farbio da pr\u00f3pria psique e da pr\u00f3pria vontade. T\u00eam-se com- parado a catatonias certas anomalias motoras que ocorrem em doen\u00e7as genuinamente neurol\u00f3gicas dos g\u00e2nglios. subcorticais (corpo estriado) e que tamb\u00e9m podem estar ligadas a anomalias ps\u00edquicas not\u00e1veis (falta de iniciativa). Mas o que se destaca s\u00e3o, precisamente, as diversidades psico- l\u00f3gicas; e a compara\u00e7\u00e3o s\u00f3 pode ser proveitosa, se se conseguir descobrir o que \u00e9 neurol\u00f3gico e, bem assim, apreender, mediante confronto mais claro, o dist\u00farbio ps\u00edquico catat\u00f4nico. Os dist\u00farbios motores p\u00f3s-encefal\u00ed- ticos, extremamente semelhantes aos catat\u00f4nicos, s\u00e3o muito not\u00e1veis:"], ["H\u00e1 rigidez dos m\u00fasculos, faltando aos movimentos espontaneidade. Os", "quadros cl\u00ednicos que se observam parecem, a princ\u00edpio, catat\u00f4nicos: \u201cO doente est\u00e1 deitado supino, a cabe\u00e7a dobrada, sem tocar o travesseiro. As posi\u00e7\u00f5es que se lhe d\u00e3o conservam-se passivamente, durante muito tempo, sejam ou n\u00e3o confort\u00e1veis. As posi\u00e7\u00f5es finais, fixam-se num ato ou num movimento r\u00edgido, no meio de qualquer a\u00e7\u00e3o, qual seja, levar a colher \u00e0 boca, deixar a m\u00e3o parada a meio-caminho; os bra\u00e7os mant\u00eam-se rijos, quando o doente caminha\u201d. O estado nada tem, entretanto, de catat\u00f4nico, pois os pacientes enfrentam o dist\u00farbio efetivamente e, conquanto lhes, sejam dif\u00edceis os movimentos espont\u00e2neos, lhes \u00e9 f\u00e1cil realiz\u00e1-los sob co-"], ["mando ou por est\u00edmulos externos (da\u00ed eles mesmos se servirem de artif\u00ed- cios: fazer-se irritados, enfurecidos, entusiasmar-se, a fim de n\u00e3o ficarem paral\u00edticos). Se se lhes distrai a aten\u00e7\u00e3o, aumenta a tens\u00e3o muscular e os movimentos se tornam mais dif\u00edceis (essas tens\u00f5es musculares que au- mentam, quando t\u00eam a aten\u00e7\u00e3o distra\u00edda, perturbam-lhes o sono), ao passo que, prestando aten\u00e7\u00e3o ao movimento que querem fazer a comando de um estranho, vem a distens\u00e3o, facilitando os movimentos. S\u00e3o frequen- tes os fen\u00f4menos iterativos: inflar r\u00edtmico das bochechas, estalidos com os dedos, movimentos da l\u00edngua para dentro e para fora. Mas os doentes sen- tem toda essa impossibilidade de parar como sendo compulsiva, quanto a tudo mais, apresentando-se l\u00facidos, ordeiros, orientados, n\u00e3o psic\u00f3ticos, sem negativismo algum, nem resist\u00eancia, nem oposi\u00e7\u00e3o."], ["Descrevem-se casos de encefalite grave com palavras que lembram, quase inapelavelmente, a catatonia: \u201cPessoas quase totalmente inibidas\u201d, apresentando \u201cm\u00edmica im\u00f3vel e olhar parado\u201d; fala-se em \u201chomens cala- dos, absolutamente silenciosos, dando a impress\u00e3o de est\u00e1tuas\u201d; referem- se tamb\u00e9m \u201calguns acessos de f\u00faria, ora com gritos repentinos, sem mo- tivo aparente, ora com prantos igualmente sem raz\u00e3o vis\u00edvel; e mesmo ten- tativas espont\u00e2neas de estrangular pessoas dentre as mais chegadas\u201d (Do- rer).", "Descreve-se, mais pormenorizadamente ainda, o entrela\u00e7amento de movimentos volunt\u00e1rios com movimentos neurologicamente determina- dos. Certos movimentos h\u00e1, realizados voluntariamente por doentes que tiveram encefalite epid\u00eamica, levando os membros a posi\u00e7\u00f5es que se veem tamb\u00e9m na movimenta\u00e7\u00e3o atet\u00f3tica ou coreica, bem como nos espasmos de tors\u00e3o."], ["Foi Kraepelin quem deu a interpreta\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica. Gra\u00e7as, principal- mente, \u00e0s observa\u00e7\u00f5es dos movimentos iniciados e interrompidos, da rea- \u00e7\u00e3o do \u00faltimo instante e do negativismo, pode-se chegar a uma compreen- s\u00e3o \u00e0 base do mecanismo ps\u00edquico de ideia e contra-id\u00e9ia, esfor\u00e7o, e con- tra-esf\u00f4r\u00e7o. \u00c9 como se toda ideia do doente n\u00e3o s\u00f3 evocasse uma contra- id\u00e9ia, todo esfor\u00e7o um contra-esf\u00f4r\u00e7o, mas, realmente, o promovesse, aca- bando por preponderar. Uma doente que quer erguer a m\u00e3o deixa, justa- mente por isso, de ergu\u00ea-la, fato esse que Kraepelin chamou bloqueio, ex- plicando muitos dentre os dist\u00farbios motores pelo bloqueio da vontade. \u2014 Outros movimentos foram por- ele explicados como express\u00e3o de altera\u00e7\u00e3o da personalidade. Porque todos os homens exprimem, nos movimentos que fazem, seu modo de ser, as- personalidades m\u00f3rbidas o exprimem em movimentos amaneirados e complicados, isto \u00e9, em uma \u201cperda da gra\u00e7a'\u2019."], ["Outros movimentos foram explicados por Wernicke, que admitiu a emer- g\u00eancia aut\u00f3ctone repentina de imagens-alvo psicologicamente imotivadas que se materializam de modo impulsivo. Tamb\u00e9m o mesmo autor explicou outros movimentos como sendo inerva\u00e7\u00f5es autom\u00e1ticas que se comple- mentam com movimentos psicologicamente motivados (movimentos com- plementares}\u2019, \u00e9 o caso que ocorre quando um movimento de apreens\u00e3o complementa a contra\u00e7\u00e3o de um bra\u00e7o. \u2014 Vez por outra, a pr\u00f3pria auto- narra\u00e7\u00e3o do doente, atrav\u00e9s de seus dist\u00farbios motores, nos d\u00e1 ideia clara do que vivencia; al\u00e9m do que, os movimentos que mais chamam a aten\u00e7\u00e3o podem ter motiva\u00e7\u00e3o psicologicamente compreens\u00edvel (o que exclui a pos- sibilidade de base org\u00e2nica concomitante).", "Uma paciente, com psicose aguda que a torna quase inacess\u00edvel, ras-"], ["gava, a todo momento, as roupas e fazia muitos outros movimentos in- compreens\u00edveis. Em sua autonarra\u00e7\u00e3o, passada a fase aguda, vejamos o que escreveu (Gruhle): \u201cComo que sonhando, vinha-me a inspira\u00e7\u00e3o de que, se n\u00e3o tivesse vergonha de rasgar as roupas na frente de um homem, todas as criaturas humanas iriam, imediatamente, para o c\u00e9u. O homem em quest\u00e3o far\u00e1 de ti sua noiva divina e tu ser\u00e1s rainha do c\u00e9u. Da\u00ed por que estava sempre a rasgar minhas roupas \u00edntimas. Outra ideia que tinha era de n\u00e3o poder usar roupas por ser uma criatura celestial, do mesmo modo que n\u00e3o podia comer\". Movimentos que amedrontam a quem os ob- serva significam, \u00e0s vezes, para o doente, divertimento inofensivo (por exemplo, saltitar). \u201cMeus esfor\u00e7os para cair t\u00eam causas diversas. Uma vez, obedecia a vozes que me diziam: \u201cCl\u00e1udia, cai (Cl\u00e1udia era o nome da pa- ciente). Outras vezes, s\u00f3 minha queda \u00e9 que podia redimir o mundo, por- que eu morreria, se me despencasse, perpendicularmente, com o rosto para o ch\u00e3o. Nunca tive coragem para fazer isso e sempre ca\u00eda, como o se- nhor sabe, ajoelhada ou sentada.\u201d \u201cEsqueci-me de explicar por que, de vez em quando, andava nas pontas dos p\u00e9s. \u00c9 que a perda do peso causava um sentimento maravilhoso de leveza angelical, de modo que para mim era um g\u00f4zo pairar nas pontas dos p\u00e9s.\""], ["\u00a7 5. Linguagem", "Preliminares psicol\u00f3gicas. Sob o ponto de vista do \u201carco reflexo ps\u00ed- quico\", a linguagem nada mais \u00e9 do que uma parte especialmente desen- volvida do arco reflexo total; a compreens\u00e3o da linguagem \u00e9 parte da per- cep\u00e7\u00e3o e da apreens\u00e3o; a fala \u00e9 parte dos fen\u00f4menos motores. D\u00e1-se, po- r\u00e9m, que, sob este ponto de vista, s\u00f3 se explicam uns tantos fen\u00f4menos"], ["que dizem respeito \u00e0 linguagem; n\u00e3o a linguagem, propriamente dita.", "Deve-se distinguir a fala das manifesta\u00e7\u00f5es puramente ac\u00fasticas, que.", "talvez sejam express\u00e3o involunt\u00e1ria, mas n\u00e3o constituem, como tais, lin- guagem; s\u00e3o gritos, interjei\u00e7\u00f5es, silvos, etc., e n\u00e3o palavras, nem frases. Falta-lhes a vontade de comunica\u00e7\u00e3o. S\u00f3 h\u00e1 fala quando um sentido se liga a palavras articuladas. A linguagem objetiva \u00e9 um sistema de sinais, que se tornou hist\u00f3rico pela tradi\u00e7\u00e3o e do qual aquele que fala, formado em certo ambiente lingu\u00edstico, se serve como instrumento.", "Tamb\u00e9m se h\u00e1 de distinguir fala, de movimentos expressivos, que constituem a maneira involunt\u00e1ria pela qual o psiquismo se faz vis\u00edvel atrav\u00e9s da m\u00edmica, dos sons, da atitude. Fala, ao contr\u00e1rio, \u00e9 comunica- \u00e7\u00e3o volunt\u00e1ria de um conte\u00fado objetivo, quer se fa\u00e7a por meio de gestos, ou da fona\u00e7\u00e3o. Quando falo, tenho a inten\u00e7\u00e3o de dizer \u00e0quele que me ouve alguma coisa que ele entenda."], ["Devem-se distinguir a linguagem e a fala. Aquela \u00e9 a estrutura mental objetiva, na qual participam, mais ou menos, os indiv\u00edduos que pertencem \u00e0 generalidade de uma comunidade lingu\u00edstica; enquanto a fala \u00e9 a reali- za\u00e7\u00e3o psicologicamente efetiva do indiv\u00edduo. O que ora temos de ver \u00e9 a fala como evento psicol\u00f3gico; a linguagem como obra cultural, ainda n\u00e3o.", "Fala e compreens\u00e3o ligam-se estreitamente, realizando-se no interc\u00e2m-", "bio com v\u00e1rias, pessoas. Fala e compreens\u00e3o ocorrem aqui como comuni- ca\u00e7\u00e3o de um significado que se tem em vista, quando se fala: \u00e9 este signifi- cado, pois, e n\u00e3o a linguagem, nem as palavras, que est\u00e1 no campo de aten\u00e7\u00e3o de quem fala e de quem compreende."], ["Solit\u00e1rio, o homem serve-se da linguagem para entender a si pr\u00f3prio, seus pensamentos, sua vontade. Falar e pensar n\u00e3o s\u00e3o a mesma coisa, mas \u00e0 linguagem se liga todo desenvolvimento do pensamento. Quem pensa trabalhando manualmente com certos objetos, quem executa, efeti- vamente, um trabalho significativo, quem se porta de tal ou qual maneira n\u00e3o fala, \u00e9 certo, mas tem um an\u00e1logo da linguagem nas coisas que ma- neja como sinais e instrumentos do fazer, pois n\u00e3o pode haver, realmente, pensamento que n\u00e3o se apoie em qualquer percep\u00e7\u00e3o concreta. As cogni- \u00e7\u00f5es inconcretas apoiam-se em sinais, cuja significa\u00e7\u00e3o concreta n\u00e3o est\u00e1 presente, embora se pense com elas. Por conseguinte, o sinal \u00e9 o m\u00ednimo portador de um significado.", "O fato de percebermos produtos verbais, quer orais, quer escritos,"], ["pode ter, certamente, v\u00e1rios fundamentos. O produto verbal pode, em pri- meiro lugar, ser anormal, pela circunst\u00e2ncia de se exprimir o que \u00e9 anor- mal com aparelho fonat\u00f3rio normal. Os produtos verbais permitem-nos ver os dist\u00farbios elementares do pensamento, dos sentimentos, da consci- \u00eancia, que se mostram como fen\u00f4menos expressivos, na fala em si normal, atrav\u00e9s de seu conte\u00fado e de seu car\u00e1ter. De modo geral, por uma fala in- tata, reconhecemos, no produto verbal poss\u00edvel de notar, o aparecimento de dist\u00farbio ps\u00edquico subjacente. Em segundo lugar, o produto verbal pode ser anormal porque o pr\u00f3prio aparelho fonat\u00f3rio est\u00e1 com seu meca- nismo alterado; e s\u00f3 neste caso \u00e9 que falamos em dist\u00farbios propriamente da fala, dist\u00farbios que s\u00e3o para n\u00f3s incompreens\u00edveis porque representam processos extraconscientemente formados. Todavia, \u00e9 s\u00f3 secundariamente que compreendemos ou procuramos interpretar, diretamente, em seu con- te\u00fado e em seu car\u00e1ter expressivo, aqueles produtos verbais anormais que se apresentam como- resultados de uma vida ps\u00edquica anormal. \u2014 A esses produtos, verbais que se podem interpretar neurol\u00f3gica ou psicologica- mente op\u00f5em-se, em terceiro lugar, aqueles ininterpret\u00e1veis, cuja an\u00e1lise nos ensina quais s\u00e3o os dist\u00farbios da fala propriamente ditos."], ["Distinguimos dist\u00farbios articulat\u00f3rios da fala, afasias e dist\u00farbios psi-"], ["c\u00f3ticos."], ["a) Dist\u00farbios articulat\u00f3rios."], ["Dist\u00farbios da fona\u00e7\u00e3o, como processo subordinado a movimentos musculares, chamam-se desordens articulat\u00f3rias, diversas das desordens ligadas a altera\u00e7\u00f5es centrais mesmas, que influem nos movimentos mus- culares. As desordens articulat\u00f3rias s\u00e3o, neurologicamente, tang\u00edveis, sendo da respectiva ess\u00eancia a possibilidade de existirem sem dist\u00farbio ps\u00edquico. A paralisia de certos m\u00fasculos ou certas desordens inervat\u00f3rias levam a que as palavras venham deformadas ou mutiladas (n\u00e3o havendo outras desordens articulat\u00f3rias not\u00e1veis, pode-se testar o paciente, man- dando que repita combina\u00e7\u00f5es verbais dif\u00edceis, como \u201cSociedade Civil de Seguros Solid\u00e1rios\u201d, pato que patinha no p\u00e1tio, ratos que roem a roupa etc.). Servem de exemplo para esses dist\u00farbios o trope\u00e7amento de s\u00edlabas, a fala \u201cmastigada\u201d, a disartria, a lala\u00e7\u00e3o dos paral\u00edticos e tamb\u00e9m a fala escandida da esclerose m\u00faltipla. \u2014 Tamb\u00e9m se inclui entre os dist\u00farbios articulat\u00f3rios a gagueira, de causa absolutamente diversa e psiquicamente condicionada, consistindo em movimentos cl\u00f4nicos dos m\u00fasculos fonado- res, levando a constante repeti\u00e7\u00e3o das consoantes e vogais no in\u00edcio das"], ["palavras, o que as impede de incorporar-se \u00e0s palavras faladas. Corres- pondendo ao dist\u00farbio articulat\u00f3rio, do lado motor, temos, do lado senso- rial, a evid\u00eancia de que o surdo nada pode entender. Da surdo-mudez con- g\u00eanita ou precocemente adquirida distingue-se a mudez sem surdez, tal qual se v\u00ea na debilidade mental dos indiv\u00edduos que n\u00e3o falam, mas ou- vem, isto \u00e9, n\u00e3o t\u00eam dist\u00farbio algum da fona\u00e7\u00e3o."], ["b) Afasias."], ["H\u00e1 doentes que, acometidos de apoplexia, les\u00e3o cerebral, tumor ence- f\u00e1lico, deixam de falar. Tidos, outrora, muitas vezes, por dementes, nota- se, no entanto, que falam de bom grado evidente quando solicitados: esfor- \u00e7am-se, torturam-se, todo o comportamento deles mostra que a personali- dade se acha conservada. Outros doentes existem que falam, sem enten- der, por\u00e9m. Foi descoberta importante a que se fez, quando se reconheceu tratar-se de dist\u00farbio da fala, ou melhor, dist\u00farbio instrumental particu- lar, n\u00e3o da personalidade, nem da intelig\u00eancia (se bem que quase nunca se constate sem alguma altera\u00e7\u00e3o do estado-geral). Outra grande desco- berta foi de que, nas pessoas destras, o sintoma se baseava na destrui\u00e7\u00e3o da circunvolu\u00e7\u00e3o frontal inferior ou da regi\u00e3o temporal. S\u00e3o, contudo, ex- trema e at\u00e9 mesmo desnorteadoramente variados esses dist\u00farbios da fo- na\u00e7\u00e3o, que se classificam (Wernicke) com base em amplos esquemas de uma psicologia da linguagem, divididos em fona\u00e7\u00e3o e compreens\u00e3o, repeti- \u00e7\u00e3o e fona\u00e7\u00e3o espont\u00e2nea, nomea\u00e7\u00e3o, leitura, escrita etc., de tal modo que se subordinou cada uni desses elementos a determinadas localiza\u00e7\u00f5es no c\u00f3rtex cerebral esquerdo, incorporando-se a estrutura\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica \u00e0 ce- rebral, foi da\u00ed que surgiu a \u201cteoria cl\u00e1ssica da afasia\u201d:"], ["As afasias s\u00e3o em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 linguagem o mesmo que as agnosias e as apraxias em geral. Os doentes ouvem perfeitamente, mas n\u00e3o entendem (afasia sensorial), aqui cabendo, mais uma vez, distinguir compreens\u00e3o do, respectivo sentido. Outros pacientes conseguem mover todos os m\u00fas- culos fonadores, podem us\u00e1-los para fins outros que n\u00e3o QS verbais, sem poder, no entanto, pronunciar palavra alguma (afasia motora). Neste ponto, tamb\u00e9m se h\u00e1 de distinguir a incapacidade de pronunciar palavras, em geral, da incapacidade de encontrar as palavras (afasia amn\u00e9sica). No primeiro caso, o doente n\u00e3o pode repetir o que se lhe diz; no segundo, ao contr\u00e1rio, pode. A. afasia sensorial liga-se, sobretudo, a destrui\u00e7\u00f5es do lobo temporal, ao passo que a motora se relaciona com a regi\u00e3o posterior da terceira circunvolu\u00e7\u00e3o frontal; nos indiv\u00edduos destros, tanto uma quanto outra, do lado esquerdo."], ["Distingam-se os processos ps\u00edquicos na fala, e na compreens\u00e3o."], ["Quanto a esta, temos de diferen\u00e7ar:", "1. A audi\u00e7\u00e3o de simples ru\u00eddos, como, por exemplo, a tosse ou os. sons"], ["inarticulados.", "2. A audi\u00e7\u00e3o de configura\u00e7\u00f5es sonoras verbais, que o doente n\u00e3o com- preende, conforme acontece quando ouvimos palavras de uma l\u00edngua es- trangeira. O mesmo se d\u00e1 em configura\u00e7\u00f5es gr\u00e1ficas, que podemos ler, mas sem compreender: ou em configura\u00e7\u00f5es motoras verbais, que pode- mos apreender pela repeti\u00e7\u00e3o, sem ligar-lhes, entretanto, significa\u00e7\u00e3o al- guma.", "3. A compreens\u00e3o do significado de palavras e frases."], ["O esquema abaixo, projetado por Liepmann (e um pouco modificado}", "possibilita a vis\u00e3o introdut\u00f3ria das afasias:", "Quando se analisam as afasias, distinguem-se, sob o aspecto te\u00f3rico, componentes ps\u00edquicos representados fenomenologicamente (que se indi- cam, no esquema, por c\u00edrculos vazios) e conex\u00f5es ps\u00edquicas (linhas ponte- adas c interrompidas), de um lado; de outro lado, componentes n\u00e3o repre- sentados psiquicamente, que se ligam a \u00e1reas anat\u00f4micas corticais (c\u00edrcu- los cheios.) e a fibras anat\u00f3micas (linhas inteiras). Se, no esquema, conce- bermos as conex\u00f5es (ascendentes, \u00e0 esquerda, sensoriais; \u00e0 direita, des- cendentes, motoras) rompidas e os c\u00edrculos ou destru\u00eddos ou bloqueados, poderemos construir tipos de afasias muito variados; ou seja:"], ["1. Os componentes anat\u00f4micos:", "\uf061 a \u00e1rea de proje\u00e7\u00e3o ac\u00fastica do c\u00f3rtex; \u00b5 \u00e1rea de proje\u00e7\u00e3o motora do c\u00f3rtex; \uf077 \u00e1rea de proje\u00e7\u00e3o \u00f3ptica do c\u00f3rtex; \u03b3 a parte gr\u00e1fica (que inerva a m\u00e3o) da \u00e1rea de proje\u00e7\u00e3o motora do c\u00f3rtex.", "2. Os componentes psicol\u00f3gicos:", "a: componentes ac\u00fasticos (compreens\u00e3o de sons verbais); m: componentes moto-fonadores; o: componentes \u00f3pticos;", "B: compreens\u00e3o do significado verbal (componentes conceituais)."], ["Compreendem-se as fun\u00e7\u00f5es que se testam quando se investigam do-", "entes af\u00e1sicos pela integridade das vias seguintes:", "As destrui\u00e7\u00f5es de \u03b3 e \u00b5. para baixo n\u00e3o s\u00e3o dist\u00farbios af\u00e1sicos, e sim articulat\u00f3rios (disartria, anartria); as destrui\u00e7\u00f5es at\u00e9 \uf061 e \uf077 para cima con- dicionam a surdez parcial, a surdez para certos sons, a surdez mesma; outro tanto em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 defici\u00eancia visual e \u00e0 cegueira. Podem-se distin- guir, entre os quadros af\u00e1sicos, m\u00faltiplos e sujeitos a marcadas diversida- des individuais, os seguintes tipo:", "Afasia motora pura: est\u00e1 destru\u00eddo ou bloqueado; conservadas a com- preens\u00e3o verbal, a leitura e a escrita globais; destru\u00eddas a fala espont\u00e2nea e a repeti\u00e7\u00e3o (tamb\u00e9m a leitura em voz alta). \u00c9 rara esta forma; frequente, pelo contr\u00e1rio, a afasia motora completa. Pela participa\u00e7\u00e3o de m, mediante o-m em todas as fun\u00e7\u00f5es que requerem a via o-B, tamb\u00e9m est\u00e3o destru\u00ed-"], ["das a leitura e a escrita; o copiar (que dispensa m) est\u00e1, no entanto, con- servado. Esses doentes costumam ser calados e, subitamente, explosivos; tentam falar, mas interrompem-se."], ["Afasia sensorial pura: a est\u00e1 destru\u00eddo ou bloqueado: conservada a fala espont\u00e2nea; destru\u00eddas a compreens\u00e3o verbal, a repeti\u00e7\u00e3o etc. Esta forma \u00e9 muito rara; mais comum, no entanto, \u00e9 a afasia motora completa. A fala espont\u00e2nea, normalmente, requer tamb\u00e9m a via que passa em a; da\u00ed, des- trui\u00e7\u00e3o da fona\u00e7\u00e3o espont\u00e2nea, n\u00e3o, por\u00e9m, como mudez verbal, conforme sucede na afasia motora, e sim como parafasia, a qual consiste em defor- ma\u00e7\u00f5es das palavras a ponto de j\u00e1 nem se reconhecer sentido algum na sequ\u00eancia de voc\u00e1bulos. A parafasia resulta do fato de as configura\u00e7\u00f5es sonoras verbais (a) n\u00e3o serem excit\u00e1veis da maneira habitual; al\u00e9m do que, as configura\u00e7\u00f5es sonoras verbais, que sempre \u201cpairam\u201d ou vagueiam\u201d (Mehringer e Mayer), simultaneamente ocorrendo (por exemplo, as associ- a\u00e7\u00f5es sonoras), por for\u00e7a de conex\u00f5es associativas, levam a descarrilamen- tos, deforma\u00e7\u00f5es, invers\u00f5es, antecipa\u00e7\u00f5es. Tais doentes costumam falar muit\u00edssimo, parafasicamente, usando in\u00fameros neologismos, pelo fato de haverem perdido o controle, dando a impress\u00e3o de man\u00edacos, espantando- se e irritando-se se algu\u00e9m n\u00e3o os entende."], ["Chamam-se afasias transcorticais aquelas afasias nas quais as vias: - ouvindo-a-m-l\u00edngua se acham conservadas; da\u00ed tamb\u00e9m conservar-se a re- peti\u00e7\u00e3o. Na afasia motora transcortical, acha-se bloqueada a via B-m; os pacientes n\u00e3o conseguem encontrar palavras cujo conceito possuem, mas basta algu\u00e9m diz\u00ea-las para reconhec\u00ea-las e pronunci\u00e1-las. Esta forma, em grau mais ligeira, chama-se afasia amn\u00e9sica. Na afasia sensorial transcor- tical, conseguem os doentes repetir tudo; sem entender, no entanto, a sig- nifica\u00e7\u00e3o das palavras."], ["T\u00eam-se suscitado obje\u00e7\u00f5es importantes contra o valor global dessa teo- ria cl\u00e1ssica da afasia, que, em primeiro lugar, usa a psicologia \u2014 insufici- ente \u2014 da associa\u00e7\u00e3o, segundo a qual certos elementos discretos se ligam em unidades; a fona\u00e7\u00e3o, por\u00e9m, n\u00e3o se poderia entender por semelhante psicologia, pois sua ess\u00eancia estaria na consci\u00eancia de significa\u00e7\u00e3o. Outra obje\u00e7\u00e3o: a decomposi\u00e7\u00e3o em elementos sensoriais (\u00f3pticos, ac\u00fasticos, ci- nest\u00e9sicos) e motores romperia a unidade da significa\u00e7\u00e3o verbal, que ocorre a n\u00edvel funcional fundamentalmente mais alto, sob a forma de im- pulsos motores, ou de recep\u00e7\u00f5es sensoriais; por for\u00e7a do que, os quadros cl\u00ednicos da afasia n\u00e3o se poderiam, de modo algum, classificar como dis- t\u00farbios ac\u00fasticos e motores, como alexias, agrafias etc. Haveria, sim, ca- sos particulares cuja descri\u00e7\u00e3o se ajustaria, de certa maneira, ao esquema"], ["cl\u00e1ssico; o que, entretanto, s\u00f3 a custo se conseguiria com a maior parte deles. O esquema da teoria constituiria esbo\u00e7o dedutivo e os quadros cl\u00edni- cos particulares seriam dedutivamente construtivos. At\u00e9 certo ponto se evidenciaria a vantagem que traz essa constru\u00e7\u00e3o \u2014 tal qual se daria em rela\u00e7\u00e3o a qualquer teoria das ci\u00eancias naturais; mas apenas isso. A discre- p\u00e2ncia entre os casos cl\u00ednicos e os pressupostos descritos se faria cada vez mais clara. Contrariamente \u00e0s teorias das ci\u00eancias naturais, o valor heu- r\u00edstico da constru\u00e7\u00e3o apontada veio a revelar-se restrito e, ela esgotada, n\u00e3o foi mais poss\u00edvel corrigi-la. De in\u00edcio, \u00e9 certo, teria esclarecido, descri- tivamente, alguma coisa, na confus\u00e3o dos fen\u00f4menos, embora sem pene- trar-lhes a ess\u00eancia; insuscet\u00edvel, por\u00e9m, de estruturar-se no sentido de qualquer elabora\u00e7\u00e3o proveitosa, deve-se, em princ\u00edpio e globalmente, p\u00f4-la de lado, para dar lugar, por outras premissas, a uma concep\u00e7\u00e3o nova e melhor."], ["A nova abordagem surgiu com o pr\u00f3prio Wernicke, quando erigiu o conceito verbal em fun\u00e7\u00e3o b\u00e1sica, conceito no qual seus elementos senso- riais e motores estavam, indissoluvelmente, ligados de modo a formar uma unidade. As \u201cimagens verbais\u201d unit\u00e1rias viriam a ser, na opini\u00e3o de outros pesquisadores, fun\u00e7\u00f5es de uma \u00e1rea verbal unit\u00e1ria do c\u00f3rtex, sem locali- za\u00e7\u00e3o dos elementos motores, sensoriais e outros."], ["Quem mais longe se adiantou foi Head que menosprezou <\u00ed esquema cl\u00e1ssico global. Aos fatos cl\u00ednicos j\u00e1 n\u00e3o corresponde uma divis\u00e3o das for- mas dos dist\u00farbios que estudamos em dist\u00farbios da fala, da leitura, da escrita, da compreens\u00e3o. N\u00e3o h\u00e1 fun\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas b\u00e1sicas que se enqua- drem nessas presta\u00e7\u00f5es, nem fun\u00e7\u00f5es que sejam localiz\u00e1veis. O pr\u00f3prio Head refinou, de in\u00edcio, a metodologia de suas pesquisas, enriquecendo-a e logrando, com trabalho de dezenas de anos, um grande esquema intelig\u00ed- vel e evitando, em sua nova interpreta\u00e7\u00e3o dos fatos, qualquer esquema construtivo te\u00f3rico. O tema de Head \u00f3 o seguinte: os dist\u00farbios da formu- la\u00e7\u00e3o simb\u00f3lica ou de todo comportamento, no qual os s\u00edmbolos verbais e outros desempenham papel entre inten\u00e7\u00e3o e execu\u00e7\u00e3o. Conquanto n\u00e3o se possa decompor a linguagem em fun\u00e7\u00f5es elementares \u2014 sensoriais, moto- ras etc. \u2014 s\u00e3o necess\u00e1rios certos quadros t\u00edpicos para conseguir vis\u00e3o exata; quadros t\u00edpicos que, para Head, se disp\u00f5em em quatro grupos: a afasia verbal, sint\u00e1tica, nominal e sem\u00e2ntica; ao que se restringindo, Head adere \u00e0 \u2018realidade mais do que \u00e0 teoria cl\u00e1ssica da afasia, sem dar, por\u00e9m, vis\u00e3o radical e simples do todo, pois n\u00e3o fornece teorias psicol\u00f3gicas no es- pa\u00e7o cerebral, \u00e9 sim quadros cl\u00ednicos, sem teoria. Continua liberta- a quest\u00e3o: .s\u00e3o, apenas, quadros cl\u00ednicos, ou alguma coisa funcional, de fato"], ["relevante, foi, simultaneamente, nesses quadros \u00e9 atingida? Gra\u00e7as a Head, que n\u00e3o se deixa enfeiti\u00e7ar por cren\u00e7as cerebrinas, baseadas em pressupostos a que falta inquiri\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica, avizinhamo-nos mais do que antes \u00e0 realidade da fala em seus dist\u00farbios. Resta ainda ver que va- lor podem ter suas constru\u00e7\u00f5es positivas. O tempo dir\u00e1 da possibilidade de obter, pelo crit\u00e9rio das descri\u00e7\u00f5es classificat\u00f3rias, compreens\u00e3o mais precisa, mais rica, mais real\u00edstica e menos sujeita a confus\u00e3o. S\u00f3 aos es- pecialistas, que disp\u00f5em de casos in\u00fameros, \u00e9 que cabe comprovar a que ponto Head est\u00e1 certo, pois n\u00e3o bastam os dados que se tiram da litera- tura, esta n\u00e3o propiciando quadro algum que seja t\u00e3o sedutor, nem t\u00e3o claro, apesar das apar\u00eancias em contr\u00e1rio, quanto os que dava a teoria cl\u00e1ssica."], ["\u00c9 fato interessante, do ponto de vista patol\u00f3gico geral, que se nota, quando se investigam algumas afasias, consider\u00e1vel oscila\u00e7\u00e3o da efici\u00eancia ou capacidade de produ\u00e7\u00e3o dentro de certos intervalos de tempo:"], ["Os rendimentos diminuem com o cansa\u00e7o, durante o exame, \u00e0s vezes", "descendo a n\u00edvel baixo, do qual, entretanto, n\u00e3o tardam a remontar. Po- dem-se relacionar essas oscila\u00e7\u00f5es com a aten\u00e7\u00e3o que o paciente d\u00e1 as ta- refas estabelecidas: tal qual acontece em quaisquer les\u00f5es funcionais, o doente s\u00f3 \u00e9 capaz de vencer sua dificuldade fonat\u00f3ria se mantiver alto n\u00ed- vel de aten\u00e7\u00e3o; donde se explicaria o fato de os af\u00e1sicos serem, por um lado, muito perturbados por afetos tais como o embara\u00e7o, a surpresa, e, no .entanto, se mostrarem capazes, vez por outra, de rendimentos inespe- rados quando se interessam muito pela tarefa, ou quando se acham exci- tados por uma situa\u00e7\u00e3o que nitidamente os estimule. Ali\u00e1s, n\u00e3o se pode, ocasionalmente, excluir uma \u201coscila\u00e7\u00e3o espont\u00e2nea do funcionamento ce- rebral\u201d."], ["c) Dist\u00farbios psic\u00f3ticos da fala", "Os dist\u00farbios psic\u00f3ticos da fala dizem respeito \u00e0queles rendimentos verbais que, no momento presente, n\u00e3o se podem explicar por mecanis- mos neurol\u00f3gicos, nem se compreender, apenas, como express\u00e3o ou co- munica\u00e7\u00e3o de conte\u00fados anormais de processos ps\u00edquicos. Temos, pois, de nos ocupar com um campo que de ambos os lados se estreita. Por en- quanto, mais n\u00e3o faremos do que registrar, simplesmente, os fen\u00f4menos psic\u00f3ticos verbais, os quais constituem um grupo pr\u00f3prio de sintomas \u201cob- jetivos\u201d.", "Mutismo e logorreia. Correspondendo ao contraste entre imobilidade e"], ["excita\u00e7\u00e3o motora, distinguimos o mutismo e a logorreia, ou compuls\u00e3o verbal (abstra\u00e7\u00e3o feita dos conte\u00fados). O mutismo \u00e9 compreens\u00edvel como sil\u00eancio deliberado, ou como express\u00e3o de inibi\u00e7\u00e3o ps\u00edquica; ou ainda pode resultar de mecanismo hist\u00e9rico, sendo imposs\u00edvel, entretanto, em muitos casos, interpret\u00e1-lo por qualquer desses modos; deve-se, ent\u00e3o, admiti-lo, inicialmente, como de todo incompreens\u00edvel.", "O que mais se observa s\u00e3o os fen\u00f4menos da excita\u00e7\u00e3o motora do apa-"], ["relho fonador a que se d\u00e1 o nome de logorreia: os doentes falam, atabalho- adamente, tudo quanto lhes ocorre, sendo imposs\u00edvel compreender que isso resulte de afetos; nem pretendem eles ser entendidos, ou comunicar coisa alguma, num fluxo que dura, incessante, o dia inteiro, dias segui- dos, semanas. H\u00e1 vezes em que falam baixinho, quase num murm\u00fario confuso; noutras ocasi\u00f5es, s\u00e3o capazes de gritar com for\u00e7a incr\u00edvel, che- gando a enrouquecer, mas sem deixar de falar. Uns parecem falar para si mesmos, exaltando-se; outros falam de modo absolutamente maquinal. N\u00e3o \u00e9 raro notar-se proclividade \u00e0 acentua\u00e7\u00e3o r\u00edtmica.", "Embora ignoremos o que se vivencia nessas descargas fonomotoras, podemos, todavia, estabelecer duas modalidades vivenciais, gra\u00e7as \u00e0s au- tonarra\u00e7\u00f5es dos pacientes.", "1. Uns vivenciam verdadeira compuls\u00e3o verbal como impulso instin-", "tual, que pode variar de intensidade. Certos doentes conseguem domin\u00e1- la; outros t\u00eam de ceder, conquanto a sintam torturante e espasm\u00f3dico; outros ainda, livres de qualquer ideia de compuls\u00e3o, abandonam-se, desi- nibidos, ao fluxo verbal."], ["2. H\u00e1 outros psic\u00f3ticos que vivenciam o movimento do aparelho fona- dor como espont\u00e2neo, portando-se em rela\u00e7\u00e3o ao fen\u00f4meno como se fos- sem espectadores. Desses produtos verbais espont\u00e2neos ouvimos falam num caso, o do doente que era compelido a rugir. Vejamos uma narra\u00e7\u00e3o de Kandinky: \u201cDolinin sentiu, de um momento para outro, que a l\u00edngua lhe come- \u00e7ava n\u00e3o s\u00f3 sem delibera\u00e7\u00e3o sua, mas at\u00e9 contra sua vontade, a falar alto e de forma rapid\u00edssima; e a falar coisas que em caso algum deveria dizer. De in\u00edcio, o doente ficou assustado e perplexo com o aparecimento desse desacostumado fen\u00f4meno, visto ser bem desagrad\u00e1vel em si e por si sen- tir-se, de s\u00fabito, manejado tal qual verdadeiro aut\u00f4mato; quando, por\u00e9m, come\u00e7ou a compreender a significa\u00e7\u00e3o do que a l\u00edngua lhe tagarelava, cresceu o susto do paciente, pois o que se constatou foi que dava not\u00edcia, abertamente, de sua culpabilidade em graves crimes pol\u00edticos, atribuindo", "a si mesmo, vez por outra, esses planos, nos quais jamais pensara. Entre- tanto, a vontade n\u00e3o lhe conseguia prender a l\u00edngua, que, repentinamente, se tornara autom\u00e1tica."], ["Desses casos, que, na apar\u00eancia, s\u00e3o claros, passa-se a uma s\u00e9rie de outros, nos quais os fen\u00f4menos s\u00e3o os mesmos, embora j\u00e1 n\u00e3o se possa falar em semelhante oposi\u00e7\u00e3o entre o eu e o fluxo verbal.", "Donde \u00e9 que a logorreia tira seu material?", "1. De rendimentos pr\u00f3prios do aparelho fonador, pela reprodu\u00e7\u00e3o sem sentido de frases corriqueiras, cita\u00e7\u00f5es b\u00edblicas, versos, cifras, meses, me- lodias; pela produ\u00e7\u00e3o de frases tamb\u00e9m sem sentido, por\u00e9m de forma gra- matical; finalmente, pela produ\u00e7\u00e3o de constru\u00e7\u00f5es agramaticais, associa- \u00e7\u00f5es sonoras, complementa\u00e7\u00f5es verbais e, mais ainda, sons inarticulados.", "2. Pela persevera\u00e7\u00e3o. Conhecemos a persevera\u00e7\u00e3o por defici\u00eancia, con- sistindo no enredamento, observado, por exemplo, nos af\u00e1sicos, era certas condi\u00e7\u00f5es poss\u00edveis de prever; \u00e9 ao que chega a logorreia que busca seu material em tais conte\u00fados perseverativos, falando-se, ent\u00e3o, em verbige- ra\u00e7\u00e3o (Kahlbaum); fen\u00f3meno que ocorre quando os doentes, aparente- mente com o- car\u00e1ter de discurso, repetem, monotonamente, certas pala- vras, trechos de frases ou constru\u00e7\u00f5es sem sentido. N\u00e3o se percebe signifi- cado algum nessas repeti\u00e7\u00f5es, nem. em seu conte\u00fado; como tamb\u00e9m o pa- ciente n\u00e3o parece vivenci\u00e1-las. Kandinsky faz notar que, por vezes, a com- pulsividade do impulso verbigerativo \u00e9 sentida vivamente pelos enfermos (analogamente aos rugidos j\u00e1 mencionados; e \u00e0 fala espont\u00e2nea de Doli- nin). Um de seus pacientes chamava a fala involunt\u00e1ria \u201cminha palra\u00e7\u00e3o\u201d, ou \u201cminha tagarelice\u201d (Selbstparlieren, Selbstparlage), chegando a expri- mir-se desta forma sempre que queria pedir alguma coisa: \u201cSelbstparlage, selbstparliere, d\u00e1 licen\u00e7a... Selbstparlage, selbstiparlieren, d\u00e1 licen\u00e7a... Selbsparlage, quer dar-me um charuto... N\u00e3o \u00e9 para fumar... Quero fu- mar... Mas s\u00f3 com Selbstparlage... Selbstparlieren... Estou-lhe selbstparli- erando... D\u00ea-me alguma coisa para fumar...", "Distingam-se essas verbigera\u00e7\u00f5es aparentemente autom\u00e1ticas daque- las afetivas; sobretudo, as verbigera\u00e7\u00f5es ansiosas. Em estados ansiosos graves, os doentes repetem sempre as mesmas frases, perplexos e confu- sos: \u201cAh! meu Deus, ah! meu Deus, que desgra\u00e7a... Ah, meu Deus, ah! meu Deus, que desgra\u00e7a...\u201d E coisas do mesmo g\u00eanero."], ["3. Quando doentes improdutivos procuram material para sua logor- reia, s\u00e3o os est\u00edmulos sensoriais externos, al\u00e9m dos rendimentos pr\u00f3prios do aparelho fonador e da persevera\u00e7\u00e3o, que o fornecem. Simplesmente se repetem impress\u00f5es ac\u00fasticas (ecolalia); os objetos recebem nomes sem sentido etc.", "4. Das tr\u00eas fontes de material apontadas distingue-se a fuga-de-ideias", "por sua produtividade. A logorreia, que nela pode vir a buscar seu mate- rial, assinala-se pela riqueza dos conte\u00fados, bem como por associa\u00e7\u00f5es variadamente maci\u00e7as; \u00e0s vezes, por gracejos e constru\u00e7\u00f5es adequadas. Para se projetarem, isto \u00e9, para serem objetivas, tanto a fuga-de-ideias quanto a distraibilidade precisam da logorreia; sem o que, subsistem como fen\u00f4menos puramente subjetivos (fuga-de-ideias interna, distraibilidade interna). Inversamente, por\u00e9m, a fuga-de-ideias n\u00e3o \u00e9, em absoluto, condi- \u00e7\u00e3o para a logorreia. Esta n\u00e3o \u00e9 rara, em casos de inibi\u00e7\u00e3o do pensamento; em doentes que apresentam processos demenciais, sobretudo, \u00e9 frequente a logorreia sem fuga-de-ideias."], ["5. Sob a denomina\u00e7\u00e3o confus\u00e3o verbal, enquadram-se modos de falar", "que resultam, certamente, de fen\u00f4menos muito diversos; n\u00e3o se comu- nica, nem se faz compreens\u00edvel significado algum, quer sob a forma de fa- las aparentemente coerentes, quer em frases completas, quer em fragmen- tos permanente mente interrompidos. H\u00e1, sem d\u00favida, constru\u00e7\u00f5es \u00e0s quais o paciente n\u00e3o d\u00e1 sentido, absolutamente; outras constru\u00e7\u00f5es talvez s\u00f3 sejam incompreens\u00edveis para n\u00f3s, como observadores. No trecho a se- guir, de carta escrita em linguagem confusa por um catat\u00f4nico, nota-se compreensibilidade relativamente grande:"], ["\u201cPor motivos an\u00e1logos e naturais, comunico-te que fiz v\u00e1rios exames, os quais repousam em novos e introdut\u00f3rios progressos da \u00e9poca e se re- lacionam com todos os direitos naturais da liberdade. O melhor' e mais c\u00f4- modo, em qualquer situa\u00e7\u00e3o, \u00e9 ajudar a si mesmo. O que \u00f3 orgulho nacio- nal, n\u00f3s sabemos de que honra se trata, tenho consci\u00eancia, e o que s\u00e3o co- nhecimentos, em sentido mais estrito, \u00e9 segredo meu. Considera\u00e7\u00e3o pelo que me diz respeito, que tem rela\u00e7\u00e3o com u que j\u00e1 mencionei. Meus olhos e minhas m\u00e3os sempre pela P\u00e1tria. Os meus interesses t\u00eam de ser reco- nhecidos. Com isso, fica sabendo que j\u00e1 sou aqui conhecido como o pri- meiro procurador do Estado etc.\u201d (Otto).", "Podemos ainda comparar os produtos da confus\u00e3o verbal com aqueles incoerentes, que j\u00e1 n\u00e3o t\u00eam forma sint\u00e1tica. Al\u00e9m de conte\u00fados compreen- s\u00edveis, \u00e9 deste tipo a seguinte carta de um catat\u00f4nico \u00e0 mulher:"], ["\u201cEm casa, est\u00e1 ele doente? sem pedir nada, sem interesse pelo que tem", "acontecido? Mas tu conseguiste? Eu, Muller. De noite, inquieto. Vozes ou- vir tristes. Cunhado l\u00e1 em F. Formamos um curto underdung de Achm- rika. Mulher filhos bem, todos l\u00e1, eu bem, muito bem, prazer.\u201d"], ["Dist\u00farbios da fala na conversa. \u2013 At\u00e9 agora referimo-nos a fen\u00f4menos que se apresentam em doentes deixados a si mesmos. De outros fen\u00f4me- nos temos no\u00e7\u00e3o quando observamos o comportamento das constru\u00e7\u00f5es verbais no jogo de perguntas e respostas, quando o paciente conversa com o m\u00e9dico: caso em que aparece, o sintoma da para-resposta: o doente n\u00e3o responde sen\u00e3o inexatamente ao que lhe perguntamos. Nos dist\u00farbios af\u00e1- sicos (principalmente, na afasia sensorial), os pacientes deformam pala- vras ou grupos de palavras com a consci\u00eancia de que lhes est\u00e3o dando- certa significa\u00e7\u00e3o (parafasia); neste outro caso, por\u00e9m, a paralogia tem conte\u00fado significativo, nitidamente relacionado com a pergunta e com a resposta correta; n\u00e3o se d\u00e1, entretanto, resposta correta, nem solu\u00e7\u00e3o cor- reta \u00e0s tarefas, embora subsista a capacidade intelectual. O paciente erra todas as contas: por exemplo, 3 X 3 = 10; 6 X 7 = 43. Quantas pernas tem uma vaca? Cinco, etc. A paralogia n\u00e3o tem significado psicol\u00f3gico unit\u00e1rio, apresentando-se como sintoma da \u201cpseudodem\u00eancia\u201d em estados hist\u00e9ri- cos, quando a enfermidade corresponde a um desejo (por exemplo, nas pris\u00f5es); ou se apresenta com o aspecto de formas fenomenol\u00f3gicas do ne- gativismo; ou ainda de express\u00f5es jocosas nos hebefr\u00eanicos."], ["Interpreta\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica. Procura-se explicar psicologicamente a lin- guagem das psicoses e, de modo especial, a confus\u00e3o. Foi o que se tentou fazer pelos princ\u00edpios da associa\u00e7\u00e3o, usando o material sens\u00f3geno (prove- niente da apreens\u00e3o de est\u00edmulos sensoriais) e o material ide\u00f3geno (que emana da atualiza\u00e7\u00e3o de disposi\u00e7\u00f5es mn\u00eamicas). Indaga-se se \u00e9 poss\u00edvel considerar todas as constru\u00e7\u00f5es como se tendo formado por vias associati- vas, ou se h\u00e1 constru\u00e7\u00f5es que surgem \u201clivremente\u201d. Os elementos se ligam de acordo com a semelhan\u00e7a (por exemplo, associa\u00e7\u00f5es sonoras), com a experi\u00eancia, com a rela\u00e7\u00e3o conteud\u00edstica etc.; ao que se acrescentam per- severa\u00e7\u00f5es de elementos j\u00e1 formados. Funcionam como \u201celementos\u201d s\u00edla- bas, palavras, trechos de frases, uma \u201csignifica\u00e7\u00e3o\u201d proposital etc. Entre os conceitos especiais de ordem psicol\u00f3gico-associativa que servem para classificar as constru\u00e7\u00f5es verbais anormais, desempenha certo papel a contamina\u00e7\u00e3o, nome que se d\u00e1 \u00e0 fus\u00e3o de dois elementos verbais num s\u00f3 (por exemplo, surmirado, de surpreso e admirado). Existem, igualmente, trocas de palavras umas pelas outras, ou de s\u00edlabas, antecipa\u00e7\u00f5es, pos- posi\u00e7\u00f5es etc."], ["\u00a7 6. Pensamento E Ju\u00edzo", "O pensamento est\u00e1 presente em todas as tarefas, desde o ato percep- tivo at\u00e9 a linguagem. S\u00f3 falamos, por\u00e9m, em dist\u00farbio do ju\u00edzo quando es- t\u00e3o em ordem a percep\u00e7\u00e3o, a mem\u00f3ria, a motricidade, a linguagem ou quando os dist\u00farbios espec\u00edficos respectivos se distinguem daquilo que produz um falso-ju\u00edzo."], ["Mede-se a presta\u00e7\u00e3o que o ju\u00edzo realiza pela verdade objetiva, de modo"], ["que, quando os ju\u00edzos formados por um homem divergem daquilo que, a dado momento, \u00e9 publicamente v\u00e1lido; quando seu conte\u00fado \u00e9 fixado com obstina\u00e7\u00e3o; quando levam a perturba\u00e7\u00e3o da vida comum significativa \u2014 ent\u00e3o, pergunta-se: h\u00e1 para isso causa m\u00f3rbida, que, entre outras coisas, se pode reconhecer no fato de ajuizar? A dificuldade est\u00e1 em que as mes- mas caracter\u00edsticas tamb\u00e9m se encontram nos ju\u00edzos de indiv\u00edduos excep- cionais, capazes de abrir novos caminhos \u00e0 cria\u00e7\u00e3o. Por conseguinte, se a simples impossibilidade de medir o que \u00e9 o ju\u00edzo comumente vigorante leva a duvidar da causa externa de um dist\u00farbio, a conclus\u00e3o \u00e9 que se t\u00eam de perquirir outras rela\u00e7\u00f5es, a fim de comprovar a exist\u00eancia de dist\u00farbio do ju\u00edzo. O fato objetivo, por\u00e9m externo, reside nos ju\u00edzos que variam da- quilo que \u00e9 tido, geralmente, como v\u00e1lido, sejam eles, em geral, no mo- mento, objetivamente falsos ou verdadeiros. A quest\u00e3o est\u00e1 em saber que caracter\u00edsticas precisam esses ju\u00edzos conter para incidirem no que se chama dist\u00farbio do rendimento. Distinguimos os dist\u00farbios da intelig\u00ean- cia e os dist\u00farbios do pensamento (a se discutirem na se\u00e7\u00e3o seguinte) do del\u00edrio (de que aqui falaremos)."], ["O del\u00edrio \u00e9 um dos grandes enigmas que se nos apresentam, s\u00f3 sendo, no entanto, poss\u00edvel de interpretar se se conseguirem determinar com pre- cis\u00e3o os fatos do del\u00edrio. Se se chamar del\u00edrio qualquer ju\u00edzo falso, incorri- g\u00edvel, essa realidade humana universal, quem haver\u00e1 que n\u00e3o delire, desde que, afinal, seja capaz de uma convic\u00e7\u00e3o? Quem diz serem ideias delirantes as ilus\u00f5es fecundas que se veem na vida dos povos e na exist\u00ean- cia do indiv\u00edduo ter\u00e1 de tratar como se fosse doen\u00e7a alguma coisa que \u00e9 tra\u00e7o b\u00e1sico no ser humano. A quest\u00e3o est\u00e1 muito mais em saber no que se funda a incorrigibilidade e de que modo se podem, a partir da\u00ed, reco- nhecer como del\u00edrios certos modos espec\u00edficos de formar falsos-ju\u00edzos.", "Do ponto de vista psicopatol\u00f3gico, compreende-se o del\u00edrio de quatro maneiras: como rendimento psicol\u00f3gico, em sua fenomenologia, em sua compreens\u00e3o gen\u00e9tica e no entendimento global, de seu significado fatual."], ["a) Como rendimento psicol\u00f3gico", "S\u00f3 h\u00e1 del\u00edrio quando a intelig\u00eancia n\u00e3o est\u00e1 perturbada e quando n\u00e3o existe perturba\u00e7\u00e3o que, alterando, momentaneamente, o estado de consci- \u00eancia, sirva de base para os ju\u00edzos falsos. Se bem que estejam em ordem o aparelho do pensamento e o poder ajuizador do doente, h\u00e1, em seu pensa- mento, alguma coisa que lhe d\u00e1 evid\u00eancia inabal\u00e1vel onde os demais e mesmo outros pacientes veem engano. Se, entretanto, o pr\u00f3prio pensa- mento est\u00e1 em ordem, se ele pr\u00f3prio pode ser, engenhosamente, utilizado para o desenvolvimento do del\u00edrio, nesse caso o del\u00edrio n\u00e3o constitui dis- t\u00farbio do pensamento. Pela observa\u00e7\u00e3o do rendimento psicol\u00f3gico, que \u00e9 a que primeiro ocorre, chega-se \u00e0 dedu\u00e7\u00e3o negativa de n\u00e3o ser o del\u00edrio dis- t\u00farbio, propriamente, do rendimento, e sim, originar-se de uma profundi- dade que aparece nos ju\u00edzos delirantes, mas que n\u00e3o tem, em si mesma, car\u00e1ter de ju\u00edzo."], ["Exemplo de como pode o del\u00edrio elaborar rendimentos ideativos: \u201cUm esquizofr\u00e9nico (oper\u00e1rio, depois policial) vivencia fen\u00f3menos \u201cfeitos\u201d t\u00edpi- cos, movimentos dos bra\u00e7os e pernas; ouve tamb\u00e9m vozes. Pensa em hip- nose \u00e0 dist\u00e2ncia e telepatia, p\u00f5e-se a suspeitar de certa pessoa, denuncia- a \u00e0 pol\u00edcia, manda um detetive particular investigar c, afinal, convence-se de que suas suspeitas s\u00e3o infundadas. Grita, ent\u00e3o: \u201cSe n\u00e3o h\u00e1 ningu\u00e9m me influenciando, se n\u00e3o h\u00e1 ilus\u00e3o dos sentidos, conforme sei perfeita- mente, quem \u00e9 que pode ser? O que me d\u00e1 resposta s\u00e3o a maneira por que sou perseguido e atormentado e tamb\u00e9m a significa\u00e7\u00e3o das conversas e dos movimentos que fa\u00e7o. Quer dizer, h\u00e1, acima de mim, um ente mal\u00e9- volo, supraterreno, que me est\u00e1 influenciando e atormentando sem cessar. O que se pretende, assim me influenciando, \u00e9 levar-me \u00e0 destrui\u00e7\u00e3o, do corpo e da alma. O que estou sentido repousa nos mesmos fen\u00f4menos que se observam nos doentes mentais, ou meu caso \u00e9 singular, excepcional?... Sinto-me obrigado, no interesse da humanidade, a declarar, por escrito, \u2014 se os fen\u00f4menos\u2019 que em mim se apresentam repousam nos mesmos pres- supostos que aqueles observados nos doentes mentais \u2014 minha convic\u00e7\u00e3o de n\u00e3o ser correta a concep\u00e7\u00e3o que t\u00eam os m\u00e9dicos de repousarem em ilu- s\u00e3o dos sentidos as vozes ouvidas por v\u00e1rios doentes mentais... Quer meu caso seja, todavia, id\u00eantico aos dos doentes mentais, quer represente exce- \u00e7\u00e3o, de qualquer maneira \u00e9 de concluir-se que existe outra vida depois da morte\" (Wildermuth)."], ["b) Fenomenologicamente", "O que se apresenta no del\u00edrio \u00e9 uma viv\u00eancia em que ele se baseia, ra- dicalmente estranha ao indiv\u00edduo sadio; uma primariedade existe antes do pensamento, primariedade que n\u00e3o se esgota com aquilo que, viv\u00eancia in- dividual irruptiva, aparece na consci\u00eancia como qualquer outro fen\u00f4meno que o doente possa dominar, criticamente. A primariedade tem de relacio- nar-se com mudan\u00e7as radicais da personalidade, sem as quais n\u00e3o se compreenderiam nem a incontrolabilidade do del\u00edrio, nem sua incorrigibi- lidade essencial, que o distingue de todos os erros."], ["c) Em conex\u00f5es geneticamente compreens\u00edveis"], ["Podemos entender de que modo uma cren\u00e7a delirante salva o indiv\u00edduo de situa\u00e7\u00f5es insuport\u00e1veis, representando a liberta\u00e7\u00e3o de uma realidade e proporcionando satisfa\u00e7\u00e3o espec\u00edfica, em que talvez se baseie o fato de sua fixa\u00e7\u00e3o. Todavia, exatamente porque diz respeito n\u00e3o s\u00f3 a seu conte\u00fado, com a sua origem, esta maneira de entender o del\u00edrio nos impede de diag- nostic\u00e1-lo, visto que nos d\u00e1 a compreens\u00e3o do erro humano universal, e n\u00e3o do del\u00edrio. Nunca atinge seu objetivo o esfor\u00e7o que faz a filosofia hu- mana para alcan\u00e7ar aquele estado de alma em que ser\u00e1 poss\u00edvel corrigir todo erro; aquela serenidade do grande amor esclarecido pelo mundo; aquela precis\u00e3o do racional capaz de aturar tudo quanto \u00e9 real e verda- deiro, capaz de suport\u00e1-lo na d\u00favida e na inquiri\u00e7\u00e3o, quando n\u00e3o h\u00e1 pos- sibilidade de resposta decisiva; e que se mant\u00e9m disposto \u00e0 comunica\u00e7\u00e3o, n\u00e3o deixando subsistir qualquer enrijecimento de afirma\u00e7\u00f5es tenazes. O fato de n\u00e3o estarmos, n\u00f3s homens, nesse estado ideal, mas presos aos in- teresses vitais e ao que podemos suportar, constitui a base de nosso erro comum, cuja exalta\u00e7\u00e3o chamamos erro delirante, mesmo sem que se ache em causa o del\u00edrio propriamente dito."], ["d) O del\u00edrio apresenta-se, em seu todo.", "Primeiramente, como o fato que configura o mundo para quem delira, exprimindo- se por seu estilo e, por assim dizer, revelando uma ess\u00eancia que nele se evidencia. \u00c9 o mundo que d\u00e1 conte\u00fado ao del\u00edrio e este, por sua vez, o modela penetrantemente para o homem enfermo, vindo a cons- tituir, em sua elabora\u00e7\u00e3o, uma cria\u00e7\u00e3o mental.", "Ante esses rumos pelos quais nos \u00e9 dado investigar, surge o fato ex- terno de ser o del\u00edrio uma falha de rendimento, se o medimos pela verdade objetiva, uma vez que tenhamos semelhante padr\u00e3o; falha de rendimento"], ["que se pode pesquisar em seu conte\u00fado. Distinguem-se, assim, de um lado, as ideias delirantes, cujo conte\u00fado \u00e9, pessoalmente, relevante, por- que se relaciona com o indiv\u00edduo, em forma de del\u00edrio de preju\u00edzo, perse- gui\u00e7\u00e3o, inferioridade, pecado, empobrecimento etc., e, de outro lado, as ideias delirantes objetivas, cujo conte\u00fado diz respeito a um interesse geral: os conhecimentos presumidos, o del\u00edrio de inven\u00e7\u00e3o, a defesa de teses te\u00f3- ricas (como a identidade de Bacon e Shakespeare), as chamadas ideias fi- xas de conte\u00fado objetivo, mas tamb\u00e9m com a caracter\u00edstica de ocuparem absolutamente todos os pensamentos do indiv\u00edduo. Aquele que as tem comporta-se tal qual todo o sentido de sua exist\u00eancia se concentrasse na ideia moment\u00e2nea, sem diferen\u00e7a externa quanto aos grandes homens cri- adores, inteiramente entregues ao que fazem, deles apenas distinguindo- se pela estreiteza da atmosfera em que vivem; pode-se dizer: escravizados. Ambos os rumos em que se examinam os conte\u00fados delirantes convergem no fato de o conte\u00fado objetivo vir a ser, ao mesmo tempo, preocupa\u00e7\u00e3o ab- solutamente pessoal; por exemplo, a preserva\u00e7\u00e3o do direito tamb\u00e9m \u00e9 en- tendida como preserva\u00e7\u00e3o do meu direito para os querelantes."], ["A classifica\u00e7\u00e3o de todos os conte\u00fados delirantes incluiria todos os inte- resses vitais e conte\u00fados mentais humanos. \u00c9 como se o mundo dos seres humanos, em seu todo, pudesse fundir-se na configura\u00e7\u00e3o do comporta- mento delirante, com todas as formas intermedi\u00e1rias para o comporta- mento \u201cnormal\u201d (diversamente das ideias delirantes genu\u00ednas); isso, no en- tanto, de tal modo que o curso do pensamento fosse acompanhado, paro- disticamente, pelo curso de suas configura\u00e7\u00f5es delirantes. O psicopatolo- gista h\u00e1 de ser prudente, quando quiser incluir nos del\u00edrios certos fatos que se relacionam com o erro incorrig\u00edvel. Todavia, no tocante \u00e0 fatuali- dade do mundo que aqui se lhe apresenta, a oportunidade lhe \u00e9 dada de filosofar despreocupado sobre o significado da verdade, a fim de justificar sua no\u00e7\u00e3o da realidade moment\u00e2nea."], ["Del\u00edrio \u2014 tal qual se usa, em geral, o termo \u2014 designa fen\u00f3menos in- teiramente heterog\u00e9neos. Pode estar em causa, apenas, a externalidade do falso-ju\u00edzo, que permite dar o mesmo nome a coisas t\u00e3o plenamente diver- sas quanto, por exemplo, o \u201cdel\u00edrio\u201d dos povos naturais, dos dementes (pa- ral\u00edticos) e dos paranoicos. O homem natural tem vida um tanto diferenci- ada, que se procura caracterizar relacionando-a com os conte\u00fados de suas cren\u00e7as, dizendo-se que ele ainda n\u00e3o aprendeu a distinguir percep\u00e7\u00e3o e fantasia como fontes de muitas coisas que diferem conforme sua origem; diz-se tamb\u00e9m que v\u00e1rias infer\u00eancias (por exemplo, as infer\u00eancias, anal\u00f3- gicas que derivam de crit\u00e9rios absolutamente diversos), t\u00eam para ele, em"], ["absoluto, a mesma evid\u00eancia. No 'paral\u00edtico, a vida ps\u00edquica est\u00e1 desagre- gada de um modo que \u00e9 caracter\u00edstico de les\u00f5es cerebrais org\u00e2nicas, es- tado este que n\u00e3o se pode comparar com a indiferencia\u00e7\u00e3o do homem na- tural. Quando ocorre altera\u00e7\u00e3o por paralisia, toda ideia que emerge tem realidade, todo pensamento \u2014 muitas vezes sem cogita\u00e7\u00e3o de anelo nem de finalidade; muitas vezes, sem afetar nem prolongar-se na viv\u00eancia \u2014 se afigura correto; todo conte\u00fado parece realmente pensado; donde resulta o quadro do del\u00edrio de grandeza tranquilo, desmedido e beat\u00edfico, que muda a cada instante e at\u00e9 se transforma no contr\u00e1rio. De coisa ainda diversa trata-se no paranoico: apesar de haver diferencia\u00e7\u00e3o completa, aguda ca- pacidade cr\u00edtica, capacidade extraordin\u00e1ria de pensar, o indiv\u00edduo tem convic\u00e7\u00e3o plena do conte\u00fado das ideias delirantes. Teve certas viv\u00eancias, que para ele possuem valor igual, sen\u00e3o maior, ao da experi\u00eancia comum a todos. Depois de elabor\u00e1-las com a restante experi\u00eancia e com toda a se- riedade, de maneira profundamente objetiva, acaba edificando seu sistema delirante, que mant\u00e9m sem desfalecimento. N\u00e3o lhe faltando, de modo al- gum, as contra-id\u00e9ias, rejeita-as, contudo, criticamente. N\u00e3o lhe escasseia a diferencia\u00e7\u00e3o que permita distinguir as v\u00e1rias fontes de nosso saber; o que ele faz, no entanto, \u00e9 bater em suas fontes, quer naturais, quer fan- t\u00e1sticas."], ["SE\u00c7\u00c3O 2. O TODO DOS RENDIMENTOS"], ["Os dist\u00farbios dos rendimentos individuais influem no estado global do homem, influ\u00eancia esta que, achando-se perturbadas certas fun\u00e7\u00f5es limi- tadas a si mesmas, pode ser catastr\u00f3fica, conforme se d\u00e1 no dist\u00farbio mencionado da capacidade de fixa\u00e7\u00e3o, nas afasias graves, nos dist\u00farbios motores etc. Modifica-se o estado global do homem, mas nos \u00e9 poss\u00edvel compreender esse todo pelo dist\u00farbio particular que se. apresenta. Inver- samente, \u00e9 o todo do estado produtivo que d\u00e1 aos rendimentos individuais dele dependentes qualidade e significa\u00e7\u00e3o. Se atentarmos para esse todo, veremos que, quando determinamos cada rendimento particular, este se transforma em sintoma de um evento global insuscet\u00edvel de apreens\u00e3o di- reta. N\u00e3o - registramos, apenas, uma s\u00e9rie de falhas de realiza\u00e7\u00e3o, mas es- tas, sim, se agrupam ante n\u00f3s; o que acontece de v\u00e1rios modos, depen- dendo de como pensamos o todo predominante. O todo, a que nossa ob- serva\u00e7\u00e3o visa, ou \u00e9 a base psicof\u00edsica dos rendimentos, base que aparece em todos eles; ou a maneira por que decorre, no momento, a vida ps\u00edqui- ca', ou ainda a capacidade permanente de realiza\u00e7\u00e3o que se chama inteli- g\u00eancia. Essas v\u00e1rias totalidades, que se apresentam nos estados de cons- ci\u00eancia clara, n\u00e3o ocorrem quando h\u00e1 turva\u00e7\u00e3o ou altera\u00e7\u00e3o da consci\u00ean- cia."], ["Se os rendimentos individuais n\u00e3o s\u00e3o produtos, de aparelhos isola- dos, e sim membros do aparelho realizado* global, temos de admitir que este n\u00e3o seja um todo aut\u00f4nomo, fechado em si, mas instrumento do ho- mem, cuja mente marca o instrumento, tal qual a mesma, de seu lado, de- pende dos instrumentos dados e das respectivas possibilidades para poder atuar. Todos os rendimentos mentais t\u00eam em comum a caracter\u00edstica de serem rendimentos que se podem medir racionalmente, pela norma na \u201cconsci\u00eancia em geral\u201d; - isso restringe-os a um campo da exist\u00eancia hu- mana que tem certamente, contornos precisos, sem ser jamais, no en- tanto, o pr\u00f3prio homem, nem o homem em sua totalidade."], ["\u00a7 1. A Base Psicof\u00edsica Dos Rendimentos", "N\u00e3o possu\u00edmos, indubitavelmente, a vis\u00e3o das fun\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas da exis- t\u00eancia ps\u00edquica vital, conquanto a proclividade a um conhecimento prema- turo j\u00e1 tenha, por vezes e v\u00e3mente, buscado apreender o todo. Podemos,", "contudo, fazer indaga\u00e7\u00f5es por meio das quais se nos afigura poss\u00edvel, obs- curamente, reconhecer uma base ampla da estrutura biol\u00f3gica de nossa exist\u00eancia. Tais indaga\u00e7\u00f5es as discriminamos quando, primeiramente, in- vestigamos as falhas de realiza\u00e7\u00e3o que observamos nos dist\u00farbios cere- brais; depois, tendo em vista os fatos que se registram na curva laborativa e as varia\u00e7\u00f5es individuais dos in\u00fameros tipos de rendimento. De cada vez, visa-se ao que est\u00e1 na base dos m\u00faltiplos fen\u00f4menos, ou seja, ao que se afigura evento b\u00e1sico vital."], ["a) Fun\u00e7\u00f5es psicof\u00edsicas b\u00e1sicas."], ["Quando se investigam as falhas de realiza\u00e7\u00e3o resultantes de les\u00f5es or-", "g\u00e2nicas encef\u00e1licas, mesmo quando se localizam no c\u00e9rebro, verifica-se que os dist\u00farbios da realiza\u00e7\u00e3o- n\u00e3o s\u00e3o, muitas vezes, caracteriz\u00e1veis por determinada falha particular. Da\u00ed por que se gostaria, \u00e0s vezes, de procu- rar o todo de uma fun\u00e7\u00e3o psicof\u00edsica b\u00e1sica que n\u00e3o se apresentasse em dire\u00e7\u00e3o realizativa singular, e sim, indiretamente, atrav\u00e9s de falhas diver- sificadas. Assim se poderia ver o que nelas se apresenta de comum e cons- tatar, na multiplicidade dos dist\u00farbios, o que se cont\u00e9m e impregna a to- das. Isso \u00e9 um todo, visto mostrar-se em muitos fen\u00f4menos; mas \u00e9 tam- b\u00e9m uma elementaridade, por ser fun\u00e7\u00e3o b\u00e1sica; fun\u00e7\u00e3o b\u00e1sica entre ou- tras."], ["Todavia, as fun\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas n\u00e3o se podem apontar diretamente, como"], ["se podem apontar, de modo especial, as falhas de realiza\u00e7\u00e3o, na forma imediata por que se apresentam. O processo heur\u00edstico busca penetrar na conex\u00e3o do dist\u00farbio, em primeiro lugar, tentando obter as autonarra\u00e7\u00f5es dos pacientes, que se provocam, metodicamente, no di\u00e1logo; em segundo lugar, observando a via pela qual se realizam os rendimentos ainda poss\u00ed- veis. Sabendo onde e como o doente vivencia suas dificuldades, o dist\u00farbio se revela, uma vez que a realiza\u00e7\u00e3o objetiva ainda se afigure intacta. Se se conhecer, pela observa\u00e7\u00e3o objetiva conjugada \u00e0 autonarra\u00e7\u00e3o do paciente, a via do rendimento que ainda existe, ou, em outras palavras, \u201cos rendi- mentos desviados*\u2019; e se se compar\u00e1-los com os normais, atingir-se-\u00e1 o ponto essencial em que est\u00e1 o dist\u00farbio; comparando ainda o qual nas va- riadas realiza\u00e7\u00f5es do paciente, poder-se-\u00e1 esperar encontrar o que a todos \u00e9 comum, se \u00e9 que existe. Essa orienta\u00e7\u00e3o investigativa \u2014 que \u00e9 seguida por Gelb e Goldstein, Hochheimer, Benary, entre outros \u2014 n\u00e3o deixa de ser proveitosa; para o que, sirva de exemplo o caso, que veio a celebrizar- se \u2014 de uma cegueira ps\u00edquica (o relato cinge-se, inteiramente, \u00e0 reda\u00e7\u00e3o dos autores)."], ["O doente foi ferido, aos 23 anos de idade, durante a guerra, por esti- lha\u00e7os de bomba, na parte posterior da cabe\u00e7a, ficando cego-ps\u00edquico, ou seja, deixando de reconhecer formas e movimentos no espa\u00e7o (cf. acima, p\u00e1g. 206, a narra\u00e7\u00e3o do mesmo paciente). \u00c0 investiga\u00e7\u00e3o mais acurada, todavia, verificou-se que, mesmo ap\u00f3s a melhora dos rendimentos, n\u00e3o havia possibilidade de compreender inteiramente as falhas em conjunto pela agnosia \u00f3ptica."], ["Depois de conversar \u00e0 vontade com o doente, sem notar coisa alguma", "de estranho, l\u00ea-se para ele unia carta que, h\u00e1 pouco tempo, escreveu ao m\u00e9dico; o doente, ouvindo a leitura, n\u00e3o reconhece a pr\u00f3pria carta. Mos- tram-lhe esta: n\u00e3o reconhece sequer a pr\u00f3pria letra. S\u00f3 quando l\u00ea a assi- natura \u00e9 que exclama: \u201c\u00c9 minha assinatura!... N\u00e3o a tinha reconhecido...\u201d \u2014 O comportamento do doente podo n\u00e3o dar na vista em longas conversas at\u00e9 que, quando se lhe atribui uma tarefa, qual seja o reconhecimento dessa carta, se lhe modifica, s\u00fabito, o procedimento. A falha de realiza\u00e7\u00e3o \u00e9 surpreendente; o homem, que, quanto ao mais, se mostrava alegre e se- reno, torna-se aflito e tenso.", "V\u00e1rias pessoas assistem a um exame. Da\u00ed a uma hora, pergunta-se ao doente: \u201cEst\u00e1 mesmo vendo estas pessoas\u201d? Resposta: \u201cEstou\u201d! \u2014 O paci- ente est\u00e1 restrito \u00e0quilo em que sua aten\u00e7\u00e3o se apoia, de modo imediato. N\u00e3o percebe ao mesmo tempo duas partes de seu perimundo."], ["Quando se lhe pergunta: \u201cComo passou o inverno?\u201d responde: \u201cAgora n\u00e3o sei dizer. S\u00f3 o que h\u00e1 neste momento.\u201d N\u00e3o existem para ele passado e futuro; n\u00e3o pode imagin\u00e1-los. O mesmo acontece com tudo quanto n\u00e3o \u00e9 presente. \u201cPode-se dizer como \u00e9 que uma coisa se chama, mas n\u00e3o ima- gin\u00e1-la.\u201d"], ["\u201cQue \u00e9 uma r\u00e3?\u201d \u201cR\u00e3...R\u00e3: r\u00e3-trepadeira, que sobe nas \u00e1rvores! Ah! Cor!", "\u00c1rvore: verde. A r\u00e3 trepadeira \u00e9 verde. Isto mesmo!\u201d O doente n\u00e3o conse- gue representar deliberadamente imagens internas, em oposi\u00e7\u00e3o a ima- gens que, por assim dizer, emergem involuntariamente. Proferindo a res- posta \u00e9 que aparece o poder interno de imaginar.", "\u201cConte alguma coisa..\u201d \u201cN\u00e3o consigo, algu\u00e9m tem que me dizer: Sabe isto ou aquilo?\u201d. \u2014 Quando o cumprimentam: \u201cH\u00e1 alguma novidade?\u201d \u201cO que, por exemplo?\u201d \u2014 Ou ent\u00e3o: \u201cComo foi da \u00faltima vez?\u2019: \u201cQuando, onde, ah! Foi muita, muita coisa, n\u00e3o sei mais\u201d. \u2014 Ainda: \u201cLembra-se de alguma coisa, que fizemos nestes \u00faltimos tempos?\u201d. \u2014 \u201cFoi tanta coisa. Por exemplo.\u201d \u2014 O \u201cpor exemplo\u201d do doente \u00e9 estereot\u00edpico. N\u00e3o adianta encaminhar a conversa para coisas indeterminadas. O doente s\u00f3 tem", "consci\u00eancia quando se apoia em coisas s\u00f3lidas. N\u00e3o sabe responder a per- guntas gerais."], ["Fala-se em furtos. \u2018Ningu\u00e9m me furtou nada\u201d. O m\u00e9dico que dirige o exame conta que um rel\u00f3gio foi furtado na esta\u00e7\u00e3o. Ouvindo a palavra \u201ces- ta\u00e7\u00e3o\u201d, o doente interrompe, sobressaltado: \u201c\u00c9, furtado na esta\u00e7\u00e3o. Est\u00e1 certo. Tamb\u00e9m me furtaram uma coisa. Minha mala grande\u201d. O doente n\u00e3o disp\u00f5e de conte\u00fados mn\u00eamicos; o que lhe ocorre, \u00e9 sempre ditado por uma palavra. Se uma palavra n\u00e3o se ajusta \u00e0 situa\u00e7\u00e3o, n\u00e3o h\u00e1 viv\u00eancia al- guma a que ele d\u00ea acesso. O paciente n\u00e3o. sabe que sabe; n\u00e3o disp\u00f5e do que possui."], ["Depende de que qualquer coisa lhe surja \u201cpor si mesma\u201d. S\u00f3 consegue", "o que vem sem ele querer; voluntariamente, n\u00e3o fornece coisa alguma. N\u00e3o tem capacidade de orientar-se de maneira espont\u00e2neo- volunt\u00e1ria no sentido de encontrar conte\u00fados pr\u00f3prios; pelo contr\u00e1rio, precisa de pala- vras que o estimulem a produzir o que com elas vem- Em vez de impulsos do eu, s\u00e3o voc\u00e1bulos impulsionadores que substituem os. 'atos mn\u00eamicos.", "Sua fala \u00e9, portanto, tal qual a de um disco de vitrola, automatica- mente solto. S\u00e3o s\u00f3 palavras que restam. Em vez de representa\u00e7\u00f5es- mn\u00ea- micas, o que h\u00e1 \u00e9 memorio verbal.", "Para que as perguntas o levem a algum rendimento, tem de fal\u00e1-las- ele pr\u00f3prio. Nesse caso, a palavra ou desencadeia o impulso autom\u00e1tico para o alvo visado, ou coloca o paciente em situa\u00e7\u00e3o de alerta, que. ele \u00e9 capaz de apreender e na qual outras coisas lhe ocorrem. S\u00f3 age- auxiliado por. palavras arbitrariamente ditas."], ["Mas n\u00e3o s\u00e3o s\u00f3 palavras que estimulam o paciente; tamb\u00e9m coisas percept\u00edveis, concretas; por exemplo, um magneto que lhe apresentam. De forma puramente espont\u00e2nea, n\u00e3o fala; s\u00f3 fala para responder e, ali\u00e1s, para responder a certas perguntas, que dizem respeito, diretamente, ao objeto, ou a coisas que lhe oferecem.", "O paciente sabe de sua doen\u00e7a. N\u00e3o se abandona a ela; tem consci\u00ean- cia do dist\u00farbio e encontra maneiras de produzir rendimentos substituti- vos. Depois de recitar \u201cDie Glocke\u201d de Schiller, perguntando-lhe- o m\u00e9dico o que significa o poema e se consegue imaginar o conte\u00fado- do mesmo, exclama: \u201c\u00c9 isto mesmo... Quando tenho de' contar uma coisa, ela vem as- sim, conforme est\u00e1 na mente... Pensar antes n\u00e3o posso. Vem \u00e0 toa... De qualquer jeito... Mas se eu tiver de dizer o que significa... A\u00ed \u00e9 que \u00e9 dif\u00edcil.\u201d \u201cQue \u00e9 que significa?\u201d \u201cN\u00e3o sei, escapa-me. Mal consigo entender, l\u00e1 vai,"], ["some..\u201d O paciente diz que precisa de \u201cponto de apoio:\u201d \u201cuma palavra, ou umas tantas palavras- para eu pegar..\u201d", "Apesar do dist\u00farbio elementar extraordin\u00e1rio, chama a aten\u00e7\u00e3o a inte- lig\u00eancia do enfermo, cuja capacidade de estabelecer formula\u00e7\u00f5es \u00e9 grande; s\u00e3o surpreendentes a presteza e a firmeza das frases que diz.", "\u00c9, apenas, pequena fra\u00e7\u00e3o dos achados que aqui se relata; achados que, acumulando-se, devem ajudar a descobrir o que \u00e9 comum. N\u00e3o se tem ainda ideia clara da base que subjaz ao dist\u00farbio, mas aqueles que estudaram o caso se sentem fortemente inclinados a pensar na exist\u00eancia de algo unit\u00e1rio. Procurando- formular o dist\u00farbio fundamental, tiveram de usar, inevitavelmente, certos conceitos, em si mais estritos do que o ob- jetivo a que h\u00e3o- de, no momento, servir; por exemplo:"], ["1. O doente n\u00e3o pode visualizar. Alguma coisa falta, t\u00e3o necess\u00e1ria ao reconhecimento de percep\u00e7\u00f5es quanto ao despertar de percep\u00e7\u00f5es anterio- res mediante representa\u00e7\u00f5es; alguma coisa que pertence tanto \u00e0 percep\u00e7\u00e3o configurada quanto ao levantamento de recorda\u00e7\u00f5es. \u00c9, decerto, numa \u00e1rea sensorial que o paciente, oticamente agn\u00f3stico, apresenta, de in\u00edcio, les\u00e3o evidente; mas o que h\u00e1 subjacente \u00e9 universal. Quando lhe pergun- tam se pode imaginar o que \u00e9 m\u00fasica, responde: \u201cN\u00e3o. Por exemplo, na \u00f3pera. Come\u00e7ando a m\u00fasica, a\u00ed eu j\u00e1 percebo.\u201d A situa\u00e7\u00e3o tem de ser con- creta para o doente vivenci\u00e1-la.", "2. O paciente n\u00e3o pode produzir coisa alguma com a tomada de conhe-", "cimento concomitante, mas s\u00f3 mediante o desenrolamento sucessivo; principalmente, falando. Quando \u00e9 necess\u00e1rio ter, simultaneamente, um dado como todo articulado, nada consegue. Ao- contr\u00e1rio, se o desenrola- mento sucessivo basta para executar uma. tarefa, ele a desempenha sofri- velmente, ou mesmo bem. Pode-se- concluir pela exist\u00eancia de uma fun- \u00e7\u00e3o b\u00e1sica que se mostra no fato de \u201cocorrerem processos simult\u00e2neos abrangendo totalidades\u201d ou seja, em configura\u00e7\u00f5es simult\u00e2neas."], ["A vis\u00e3o conjunta desempenha papel destacado na visualiza\u00e7\u00e3o; da\u00ed por que, no caso, o dist\u00farbio se torna drasticamente percept\u00edvel. Entretanto, a unitariedade da estrutura articulada que constitui a vis\u00e3o mais n\u00e3o deve ser do que um caso da unitariedade do que \u00e9, na psique, simultaneamente estruturado, do ponto de vista espacial, ou mesmo n\u00e3o espacial. A fun\u00e7\u00e3o b\u00e1sica que se apresenta sempre no campo da percep\u00e7\u00e3o, da representa\u00e7\u00e3o e do pensar permite concluir seja sempre da mesma ordem a unitarie- dade. N\u00e3o se pode estender em demasia, de acordo com esta concep\u00e7\u00e3o, o conceito do que \u00e9 \u00f3ptico."], ["3. O doente s\u00f3 pode realizar o que representa em seus pr\u00f3prios movi- mentos; donde os movimentos permanentes quando escuta, quando apre- ende, quando pensa; donde tamb\u00e9m a fala, com a qual resolve as tarefas; v\u00ea-se ocorrer uma \u201creorganiza\u00e7\u00e3o do rendimento total\u201d. Na medida em que, falando e movimentando- se, consegue atingir um alvo, o paciente tem \u00eaxito; do contr\u00e1rio, o insucesso \u00e9 definitivo. O mesmo rendimento ob- jetivo \u00e9, radicalmente, diverso na fun\u00e7\u00e3o conforme a via que o paciente toma, para a realiza\u00e7\u00e3o; via que, no indiv\u00edduo sadio, \u00e9 variada, mas limi- tada no paciente, o qual, em nosso caso, se restringe ao movimento como meio. Apesar do que, o paciente se mostra inteligente em alto grau, quando inventa rendimentos substitutivos. Concomitantemente, parece haver uma fun\u00e7\u00e3o b\u00e1sica que s\u00f3 nas pessoas enfermas se faz mais evi- dente: a estreita conex\u00e3o de toda a vida ps\u00edquica com a motilidade, com movimentos fatuais e com representa\u00e7\u00f5es cin\u00e9ticas (Ribot, Kleist); aqui, pode-se comparar a significa\u00e7\u00e3o central da categoria cin\u00e9tica na concep- \u00e7\u00e3o c\u00f3smica de v\u00e1rios fil\u00f3sofos (Arist\u00f3teles; mais recentemente, na realiza- \u00e7\u00e3o sistem\u00e1tica de A. Trendelenburg).", "4. Impossibilidade de visualizar, incapacidade de apreender configura- \u00e7\u00f5es simult\u00e2neas, restri\u00e7\u00e3o a movimentos permanentemente executados \u2014 s\u00e3o tr\u00eas formula\u00e7\u00f5es que devem dizer respeito \u00e0 mesma fun\u00e7\u00e3o b\u00e1sica, cuja perturba\u00e7\u00e3o constitui o que se denomina redu\u00e7\u00e3o ao concreto. Os pa- cientes s\u00e3o incapazes de apreender o que \u00e9 poss\u00edvel, abstrato, pensado, e de operar com generalidades, de modo a lograr a realiza\u00e7\u00e3o de uma tarefa. Da\u00ed encontrarem desvios que a tanto os leve, mediante conex\u00f5es com coi- sas concretas: objetos, situa\u00e7\u00f5es reais, palavras e f\u00f3rmulas que possam falar; evitam sempre as situa\u00e7\u00f5es que lhes \u00e9 imposs\u00edvel resolver, buscando comportamentos autom\u00e1ticos e conseguindo realiza\u00e7\u00f5es not\u00e1veis (quando s\u00e3o em si mesmos inteligentes), apesar dos defeitos t\u00e3o radicais. Se, nos casos descritos (chamados agnosias), h\u00e1 dist\u00farbios de uma fun\u00e7\u00e3o b\u00e1sica, \u00e9 que fun\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas, no mesmo sentido, haver\u00e1 muitas, certamente, conforme se pode deduzir de v\u00e1rios fatos:", "1. O que constitui, nos casos de cegueira ps\u00edquica descritos, o recurso derradeiro e efetivo para a produ\u00e7\u00e3o de um rendimento \u2014 a fala \u2014 vem a achar-se perturbado, centralmente, nos af\u00e1sicos.", "2. Talvez haja falhas num estrato instintual vital, cuja regula\u00e7\u00e3o de- pende de rela\u00e7\u00e3o inelut\u00e1vel entre o curso total de nossa consci\u00eancia e a fome, a sede, a saciedade e os demais ritmos som\u00e1ticos. Referindo-se a seus pacientes com s\u00edndrome de Korsakov, diz W. Scheid: \u201c\u00c9 evidente que"], ["esta regula\u00e7\u00e3o vital desempenhava papel decisivo na orienta\u00e7\u00e3o temporal, subdivininno o dia\u201d.", "3. Diversos s\u00e3o ainda os dist\u00farbios da cona\u00e7\u00e3o.", "4. Talvez indique uma fun\u00e7\u00e3o b\u00e1sica o emperramento ideativo, a perse-", "vera\u00e7\u00e3o, fen\u00f4meno de observa\u00e7\u00e3o frequente em. estados org\u00e2nicos defec- tuais, afasias, dem\u00eancias. As constela\u00e7\u00f5es representacionais persistem al\u00e9m do momento em que t\u00eam significa\u00e7\u00e3o; \u00e9 o que se nota, especial- mente, nas rea\u00e7\u00f5es falhas que se seguem a tarefas dadas aos pacientes. Por exemplo, o doente emperra numa palavra, que serve de resposta a to- das as perguntas subsequentes, mesmo sem sentido algum; ou persiste a designa\u00e7\u00e3o \u201ccisne\u201d, que j\u00e1 fora dada, corretamente, \u00e0 figura apresentada, para quaisquer figuras da\u00ed por diante exibidas que representem aves; ou ainda: persistem modos de ver, que, por exemplo, consistem em n\u00e3o poder mais o paciente dizer corretamente que horas s\u00e3o, perdendo-se pelo con- tr\u00e1rio, em detalhes, apenas, embora conservada, conforme se averiguou previamente, a capacidade de dizer as horas sem errar. Esses \u201cLeitmotive\u201d, que pouco variam, dominam, dias seguidos, em casos semelhantes, todas as rea\u00e7\u00f5es. \u2014 A persevera\u00e7\u00e3o vem a ser, muitas vezes, fen\u00f4meno secund\u00e1- rio, que aparece substituindo a execu\u00e7\u00e3o correta, quando h\u00e1 defeito ps\u00ed- quico; casos esses nos, quais Heihronner determinou aumentar a frequ\u00ean- cia das persevera\u00e7\u00f5es com Heilbronner determinou aumentar a frequ\u00eancia das persevera\u00e7\u00f5es, compreens\u00edvel atrav\u00e9s de acentua\u00e7\u00f5es afetivas, comple- xos etc. H\u00e3 ainda casos em que parece constituir fen\u00f4meno aut\u00f4nomo, como se certos conte\u00fados perseguissem o homem, de tal forma domi- nando-o que n\u00e3o pode ocorrer excita\u00e7\u00e3o espont\u00e2nea."], ["5. Outra fun\u00e7\u00e3o b\u00e1sica indica o dist\u00farbio ruinoso de rendimento que se observa na coreia de Huntington. Os coreicos, cuja motricidade \u00e9, em si, capaz de funcionar normalmente, n\u00e3o conseguem determinar, nem atingir aquilo que, queiram ou n\u00e3o, pretendem. Do mesmo modo que os movimentos lhe falham, descarrilam, se produzem espontaneamente, as- sim tamb\u00e9m descarrila o curso ideativo, desvia-se, \u00e9 interrompido por ou- tros pensamentos, se confunde. \u201cTudo some, mais nada...\u201d \u201cPenso noutra coisa que n\u00e3o tem nada a ver com isso...\u201d \u201cSabia que era outra coisa, fiz confus\u00e3o...\u201d \u201cErro tanto quando falo, e falo tanta coisa... tudo atabalho- ado, n\u00e3o \u00e9? Tudo sem prop\u00f3sito, n\u00e3o \u00e9?\u201d \u201cTornei agora a errar...\u201d Enfim, a intercorr\u00eancia de impulsos motores involunt\u00e1rios perturba todos os rendi- mentos que requerem motricidade controlada \u2014 movimentos corp\u00f3reos, fala, pensar. Os impulsos n\u00e3o chegam ao fim visado, rompendo-se e reco- me\u00e7ando; quase tudo que se inicia parte-se, definitivamente, antes de", "completar-se. No entanto, exclu\u00edda a decad\u00eancia final, os coreicos n\u00e3o apresentam, a princ\u00edpio, incapacidade intelectual e mental alguma. \u00c9 a orienta\u00e7\u00e3o que falha, n\u00e3o lhes permitindo alcan\u00e7ar o que procuram, nem segurar o que pretendem e querem."], ["6. O m\u00e9todo da an\u00e1lise funcional, que vincula os testes de rendimento", "\u00e0s autonarra\u00e7\u00f5es provocadas, foi empregado em esquizofr\u00eanicos por Zuc- ker, que pesquisou de que modo eles t\u00eam representa\u00e7\u00f5es (pedindo-lhes que representem coisas ou o desenvolvimento de uma hist\u00f3ria; compa- rando as diversidades vivenciais que mostram entre ilus\u00f5es sensoriais es- pont\u00e2neas e representa\u00e7\u00f5es providas de algum conte\u00fado semelhante; ob- servando a rela\u00e7\u00e3o entre ilus\u00f5es sensoriais e a respectiva reconstru\u00e7\u00e3o vo- lunt\u00e1ria; etc.) O referido autor notou que as representa\u00e7\u00f5es n\u00e3o surgem, ou v\u00eam dif\u00edceis e retardadas, se perdem da clareza \u00e0 obscuridade, se inter- rompem ou quase. Zucker pretende aqui descobrir v\u00e1rios graus de um dist\u00farbio funcional, que leva \u00e0 viv\u00eancia da subtra\u00e7\u00e3o do pensamento e, da\u00ed, por um lado, ao escapamento; por outro, \u00e0 paralogia e \u00e0 incoer\u00eancia."], ["Em todas estas pesquisas, pressup\u00f5em-se tr\u00eas diferencia\u00e7\u00f5es: primei- ramente, entre fen\u00f4menos vivenci\u00e1veis (fenomenologia); depois, entre cer- tos rendimentos (psicologia do rendimento); por fim, entre fun\u00e7\u00f5es b\u00e1si- cas; todas as quais devem relacionar-se entre si de tal forma que as duas primeiras se originem da terceira; esta, as fun\u00e7\u00f5es psicol\u00f3gicas b\u00e1sicas pela observa\u00e7\u00e3o de les\u00f5es cerebrais' at\u00e9 o momento poss\u00edveis de apreender organicamente."], ["b) O Rendimento Laborativo.", "Toda realiza\u00e7\u00e3o transforma-se em trabalho, quando executada em es-", "for\u00e7o cont\u00ednuo que vise a qualquer finalidade existencial e ocupe todo o homem, dependendo de seu cansa\u00e7o e recupera\u00e7\u00e3o e podendo medir-se quantitativamente. Mais ainda: o organismo psicof\u00edsico com suas for\u00e7as revela-se atrav\u00e9s de certas qualidades b\u00e1sicas na multiplicidade de sua re- aliza\u00e7\u00e3o laborativa.", "Depois que se estabeleceram, objetivamente, rendimentos laborativos poss\u00edveis de determinar e se observaram em condi\u00e7\u00f5es vari\u00e1veis, come\u00e7a- ram-se a descobrir os fatores de que depende, essencialmente, o rendi- mento laborativo mec\u00e2nico.", "O tipo de trabalho que se promoveu, nas investiga\u00e7\u00f5es experimentais, foi quase sempre a adi\u00e7\u00e3o de n\u00fameros d\u00edgitos. Pouco sabemos das diversi- dades que resultam dos tipos de trabalho profissional; por exemplo, mais"], ["trabalho mental, ou mais trabalho f\u00edsico.", "Quando se analisa o trabalho, h\u00e3o de distinguir-se, de um lado, os fe-"], ["n\u00f4menos subjetivos \u2014 sentimento de enfado e prazer \u2014 e, de outro, os ob- jetivos \u2014 cansa\u00e7o e capacidade. Os rendimentos objetivos veem-se, grafi- camente, na curva laborativa ou do trabalho em que se representam, de modo cont\u00ednuo, na abscissa, o curso do tempo e, nas ordenadas, a quanti- dade do trabalho produzido na unidade de tempo. Entre os componentes dessa curva, as mais importantes s\u00e3o a curva da fadiga, que, desde o in\u00ed- cio, desce, para, depois de pausas, tornar a subir, rapidamente, gra\u00e7as \u00e0 recupera\u00e7\u00e3o; e a curva da pr\u00e1tica, que, a princ\u00edpio, sobe r\u00e1pida e, depois, mais lentamente, desce ap\u00f3s intervalos. Acrescem-se a curva da estimula- \u00e7\u00e3o, que sobe, no in\u00edcio do trabalho, gra\u00e7as a tens\u00f5es volitivas, atingindo, ali\u00e1s, alturas significativas tanto ao se iniciar quanto ao findar a realiza- \u00e7\u00e3o; mais a curva que corresponde ao h\u00e1bito, resultando de est\u00edmulos dis- traidores e dando um tra\u00e7ado a princ\u00edpio ascendente e, depois, horizontal."], ["A fadiga op\u00f5e-se \u00e0 recupera\u00e7\u00e3o; s\u00e3o qualidades opostas do- aparelho psicof\u00edsico a fatigabilidade e a recuperabilidade. Esta \u00faltima tem dura\u00e7\u00e3o diversa, conforme haja fadiga simples (que se atribui ao efeito de toxinas especiais), ou exaust\u00e3o (que se explica pelo consumo de subst\u00e2ncia). Dis- tinguem-se a fadiga muscular e a fadiga nervosa e discute-se se existe- fa- diga geral, simplesmente, ou tamb\u00e9m fadiga parcial para a realiza\u00e7\u00e3o de certos trabalhos. Na opini\u00e3o de Kraepelin, s\u00f3 h\u00e1 fadiga geral."], ["A pr\u00e1tica \u00e9 o aumento da ligeireza, da rapidez e da regularidade de uma realiza\u00e7\u00e3o atrav\u00e9s da respectiva repeti\u00e7\u00e3o, a qual se d\u00e1, em parte, por mecaniza\u00e7\u00e3o, indo de realiza\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas originariamente mais intencio- nais e volunt\u00e1rias a outras, mais reflexivas, que se desenvolvem de ma- neira mec\u00e2nica. Para isso, entretanto, t\u00eam-se de admitir altera\u00e7\u00f5es do me- canismo fisiol\u00f3gico que influem sobre a pr\u00e1tica. A capacidade tanto para a aquisi\u00e7\u00e3o' quanto para a conserva\u00e7\u00e3o da pr\u00e1tica varia de um indiv\u00edduo para outro. Da\u00ed Kraepelin distinguir capacidade para a pr\u00e1tica e estabili- dade da pr\u00e1tica. Enquanto a fadiga \u00e9 fen\u00f4meno fugaz e passageiro, da pr\u00e1- tica sempre um resto subsiste.", "Devem-se conceber as disposi\u00e7\u00f5es que se enumeram como- fatigabili- dade, recuperabilidade, capacidade para a pr\u00e1tica, estabilidade da pr\u00e1tica, distraibilidade, capacidade de habituar-se, estimulabilidade como sendo qualidades b\u00e1sicas do mecanismo psicof\u00edsico (diz Kraepelin: da personali- dade)."], ["Em condi\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas, podem-se alterar todas estas qualidades. De- pend\u00eancia em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 ingest\u00e3o de alimentos, ao sono, \u00e0 intoxica\u00e7\u00e3o (\u00e1l- cool, cafe\u00edna), Kraepelin pesquisou. As les\u00f5es, cerebrais d\u00e3o causa a ralen- tamento consider\u00e1vel da efici\u00eancia, al\u00e9m de grande fatigabilidade. H\u00e1 ou- tros casos em que, muito baixa a capacidade de trabalho, \u00e9 escassa a ca- pacidade de pr\u00e1tica e, no entanto, tamb\u00e9m escassa a fatigabilidade, por- que n\u00e3o se faz, a bem dizer, esfor\u00e7o algum; a insufici\u00eancia, no caso, \u00e9 psi- quicamente condicionada. Nas neuroses, principalmente ap\u00f3s acidentes, Specht e Plaut tomaram e analisaram curvas do trabalho. A fatigabilidade r\u00e1pida do neur\u00f3tico, bem como a fraqueza volitiva do hist\u00e9rico distinguem- se, em casos extremos, da produtividade escassa proposital dos simulado- res conscientes. Quase sempre, quando se investiga a capacidade do tra- balho de neur\u00f3ticos, temos de nos limitar \u00e0 an\u00e1lise subjetiva. De um lado, as sensa\u00e7\u00f5es adversas, aumentando com a dificuldade do trabalho; dou- tro, a incapacidade de querer, o sentimento de impot\u00eancia, a incapacidade de perseverar: estes s\u00e3o os principais componentes. A fraqueza volitiva de- pende, involuntariamente, da consci\u00eancia de que se perde uma renda com a presta\u00e7\u00e3o do trabalho. As excita\u00e7\u00f5es do processo de indeniza\u00e7\u00e3o aumen- tam, de forma consider\u00e1vel, todas as queixas e, bem assim, essa fraqueza volitiva (neurose de renda). N\u00e3o \u00e9 raro a pesquisa revelar que a diminui\u00e7\u00e3o efetiva da efici\u00eancia \u00e9 o \u00fanico sintoma objetivo apresentado por esses paci- entes."], ["As investiga\u00e7\u00f5es tang\u00edveis sobre os rendimentos laborativos levaram,", "em conex\u00e3o com certas concep\u00e7\u00f5es gerais vigentes, \u00e0 super- avalia\u00e7\u00e3o en- f\u00e1tica daquelas \u201cqualidades fundamentais da personalidade\u201d; em oposi\u00e7\u00e3o ao que, \u00e9 de apontar-se o fato de que, na realidade, esse modo de ver s\u00f3 inclui \u201crealiza\u00e7\u00f5es\u201d mec\u00e2nicas autom\u00e1ticas, aprend\u00edveis, suscet\u00edveis de re- aliza\u00e7\u00e3o por qualquer um; realiza\u00e7\u00f5es, enfim, a se reavaliarem, simples- mente, pelo crit\u00e9rio quantitativo, ou seja, aquele \u201ctrabalho\u201d que n\u00e3o \u00e9 raro representar uma carga. As realiza\u00e7\u00f5es qualitativas, a atividade produtiva em qualquer trabalho, especialmente na arte, na ci\u00eancia, na conduta da vida, n\u00e3o entram nessa curva. Como representa\u00e7\u00e3o objetiva das fun\u00e7\u00f5es dos aparelhos nervosos em que nossa vida repousa, e n\u00e3o como an\u00e1lise de seja qual for \u201cpersonalidade\u201d, \u00e9 que as avaliaremos."], ["c) Tipos de Rendimentos Individualmente Vari\u00e1veis.", "Quando falou, ao analisar sua curva do trabalho, em \u201cqualidades fun-", "cionais da personalidade\u201d, que considerou nos graus individualmente vari-", "\u00e1veis da fatibilidade, recuperabilidade, maleabilidade etc., Kraepelin lan- \u00e7ou o fundamento de sua concep\u00e7\u00e3o, que era muito suscet\u00edvel de ampliar- se. Em todas as realiza\u00e7\u00f5es que se podem fixar experimentalmente, tam- b\u00e9m se podem observar essas diferen\u00e7a individuais, em parte mensur\u00e1- veis, em parte classific\u00e1veis de acordo com polaridades ou contrastes t\u00edpi- cos, ou ainda multiplicidades poliarticuladas."], ["Assim \u00e9 que se distinguem os \u201ctipos de representa\u00e7\u00e3o\u201d: se uni homem", "\u00e9 capaz, quando representa e recorda, de preferir a \u00e1rea \u00f3ptica ac\u00fastica ou cinest\u00e9sica; se \u00e9 ou n\u00e3o um eid\u00e9tico e que tipo de eid\u00e9tico. Tamb\u00e9m h\u00e1 ti- pos mn\u00eamicos, verbais, ideativos, conceptivos, cin\u00e9ticos, tipos relaciona- dos com a velocidade, o ritmo etc.", "Trata-se de coisas muito heterog\u00eaneas. O que \u00e9 comum \u00e9 o fato de uma determina\u00e7\u00e3o ser poss\u00edvel na experi\u00eancia objetiva tarefa-realiza\u00e7\u00e3o e de se procurarem as diferen\u00e7as no prop\u00f3sito de -encontrar certas qualida- des b\u00e1sicas das varia\u00e7\u00f5es que a maneira humana de ser pode apresentar; qualidades que se chamam constitucionais. O tema n\u00e3o \u00e9 a personalidade compreens\u00edvel chamada car\u00e1ter, e sim uma pessoa vital, tal qual se mos- tra no que produz."], ["Problema muito discutido \u00e9 o do destrismo e do sinistrismo. A direita e a esquerda representam a orienta\u00e7\u00e3o b\u00e1sica do corpo no espa\u00e7o e tamb\u00e9m configura\u00e7\u00e3o morfol\u00f3gica do pr\u00f3prio corpo. Constitui problema de todo es- pecial saber se o homem prefere, cm sua motricidade, a m\u00e3o direita ou a esquerda. O sinistrismo, contudo, vale tamb\u00e9m como caracter\u00edstica consti- tucional, que se revela objetivamente n\u00e3o como sinal corp\u00f3reo, mas pela maneira de trabalhar. Uns procuram compreend\u00ea-lo em rela\u00e7\u00e3o com o modo de ser e com a biografia pessoal do indiv\u00edduo, ao passo que outros nele veem, apenas, um achado casual particular."], ["Quanto aos fatos: O n\u00famero de canhotos \u00e9 quase sempre minorit\u00e1rio. Na R\u00fassia, a frequ\u00eancia \u00e9 de 4%; na Als\u00e1cia, 13% em Estutgart, mais ou menos 10% nos meninos, 6,6% nas meninas. Vint\u00ab e cinco por cento das ferramentas da idade da pedra devem ter sido feitas por canhotos; os habi- tantes das C\u00e9lebes s\u00e3o na maioria, canhotos. Discute-se se o destrismo e o sinistrismo s\u00e3o uma prefer\u00eancia, ou se s\u00e3o significativamente neutros. Le- onardo da Vinci e Menzel eram canhotos. O sinistrismo \u00e9 acentuadamente heredit\u00e1rio e relacionado com os dist\u00farbios da fala. Tem-se visto que 61% dos meninos, 81% das meninas com defeitos fonat\u00f3rios graves s\u00e3o canho- tos ou se relacionam com o canhotismo (Schiller). \u201c\u00c9 necess\u00e1ria a supre-", "macia de um hemisf\u00e9rio cerebral para o desenvolvimento dos centros su- periores; sobretudo, do centro da fona\u00e7\u00e3o\u201d; da\u00ed n\u00e3o se admitir qualquer es- for\u00e7o .no sentido de promover a mesma atividade para as duas m\u00e3os."], ["\u00a7 2. O Curso Presente Da Vida Ps\u00edquica"], ["Consideramos o todo do estado presente sob v\u00e1rios aspectos: -como al- tera\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia e turva\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia, como fadiga e exaust\u00e3o; e tamb\u00e9m como o mundo no qual a vida se realiza. Certo \u00e9 que cada modo do ser total se vincula com outro, mas \u00e9 s\u00f3 na diversidade que nosso co- nhecimento se faz claro. A esta altura, distinguimos das altera\u00e7\u00f5es de es- tado (da consci\u00eancia e do todo biol\u00f3gico) bem como das altera\u00e7\u00f5es do mundo (como totalidades significativas compreens\u00edveis) a altera\u00e7\u00e3o, que ora discutiremos, do modo pelo qual flui a vida ps\u00edquica, modo que, antes de mais nada, se apresenta nas conex\u00f5es e desconex\u00f5es do pensamento. Esse modo, por\u00e9m, obriga a que o analisemos como falha e invers\u00e3o de certas realiza\u00e7\u00f5es normais, em seu todo, atrav\u00e9s de altera\u00e7\u00f5es que, de h\u00e1 muito, se designam como fuga-de-ideias, inibi\u00e7\u00e3o do pensamento, confu- s\u00e3o. Do ponto de vista diagn\u00f3stico, distinguem-se as man\u00edaco-depressivas (fuga-de-ideias e inibi\u00e7\u00e3o do pensamento) daquelas esquizofr\u00eanicas (confu- s\u00e3o), sendo de notar, entretanto, que a fuga- de-ideias tamb\u00e9m se trans- forma em confus\u00e3o e que certos estados esquizofr\u00eanicos se apresentam com a fuga-de-ideias cl\u00e1ssica."], ["a) Fuga-de-ideias e Inibi\u00e7\u00e3o do Pensamento.", "Evidenciamos, inicialmente, como fuga-de-ideias e inibi\u00e7\u00e3o do pensa-", "mento, mediante uns tantos exemplos de car\u00e1ter heterog\u00eaneo, aquilo que delimita a fuga-de-ideias e a inibi\u00e7\u00e3o do pensamento."], ["Objetivamente, mostra-se a fuga-de-ideias, por exemplo, no seguinte produto verbal de uma paciente que \u201cconversava\u201d desta forma com o m\u00e9- dico. Respondendo \u00e0 pergunta se mudara, no \u00faltimo ano, disse ela: \u201cSim, pois era muda e est\u00fapida, mas n\u00e3o surda, conhe\u00e7o a Ida Daubs, que est\u00e1 morta, provavelmente morreu de inflama\u00e7\u00e3o do ceco; n\u00e3o sei. se era cega; o cego Hesse, o gr\u00e3o-duque de Hesse, a irm\u00e3 Luisa, gr\u00e3o-duque de Bad\u00e9n, o marido morreu no dia 28 de setembro de 1907, quando- voltei, \u00e9, verme- lho-dourada-vermelho\u201d. Doentes assim interrompem, a todo instante, sem motivo aparente, a marcha do pensamento, come\u00e7ando a fazer uma coisa e, logo depois, outra, n\u00e3o conseguindo fixar-se num objetivo, sempre, no entanto, ocupados com uma quantidade de ideias. N\u00e3o se prendem a coisa"], ["alguma, est\u00e3o permanentemente passando para coisas acess\u00f3rias, perdem o fio e n\u00e3o conseguem encontr\u00e1-lo, novamente. Nada terminam do que ini- ciaram; pulam, falta-lhes o f\u00f4lego mental, sempre levados por associa\u00e7\u00f5es externas. \u2014 Entretanto, o doente que tem inibi\u00e7\u00e3o do pensamento com- porta-se, sob quase todos os aspectos, de maneira inversa: nada empre- ende, n\u00e3o inicia ocupa\u00e7\u00e3o, alguma, custa a proferir uma palavra, pensa com grande esfor\u00e7o quando lhe fazem perguntas, nada lhe ocorre."], ["O que os doentes vivenciam subjetivamente apresenta-se, por vezes, em autonarra\u00e7\u00f5es. Uma modalidade de fuga-de-ideias, principalmente: em esquizofr\u00eanicos, \u00e9 a que os doentes descrevem como ac\u00famulo de pensa- mentos. A Srta. S. queixava-se: \u201cN\u00e3o consigo pegar nenhum pensamento, n\u00e3o sinto vontade alguma... Ah! \u00e9 s\u00f3 bobagem que me: ocorre..\u201d A paciente de Forel contava: \u201cHavia na minha cabe\u00e7a, parece, um rel\u00f3gio, uma cadeia ininterrupta de ideias, me obrigando, desenrolando-se sem parar. As ideias que me vinham associavam-se umas \u00e0s outras da maneira mais es- tranha, mas sempre prendendo-se entre si por certas rela\u00e7\u00f5es. Que ima- gens me rodopiavam na cabe\u00e7a, que associa\u00e7\u00f5es c\u00f4micas... Havia certos conceitos, certas ideias a que sempre voltava: por exemplo, droit de Fra- nee! Tannin! B\u00e1rbara! Rohan! Era como se fossem etapas na ca\u00e7a de ideias; ent\u00e3o, eu. falava, por assim dizer, usando uma senha, o conceito pelo qual os. pensamentos, incessantes me tinham vindo, justamente; fa- lava depressa; principalmente, tamb\u00e9m em certas fases de minha vida co- tidiana; por exemplo, quando entrava na sala, quando a porta da cela se abria, quando ia comer, quando algu\u00e9m vinha em minha dire\u00e7\u00e3o etc., como se n\u00e3o quisesse perder o fio, ou como se procurasse parar um pouco, na sucess\u00e3o de pensamentos absurdos que me ocorriam. \u201c\u2014 Re- lata um esquizofr\u00eanico:\u201d \u2014 \u201cOs pensamentos eram cada vez mais r\u00e1pidos. J\u00e1 n\u00e3o conseguia pegar um s\u00f3. Parecia que ia enlouquecer de um mo- mento para outro. Sentia que os pensamentos se moviam, mas n\u00e3o lhes via o conte\u00fado. Afinal, j\u00e1 nem tinha consci\u00eancia de que estava pensando, era como me houvesse esvaziado\u201d."], ["Uma paciente de 30 anos, em estado p\u00f3s-encefal\u00edtico, descreve a alte-", "ra\u00e7\u00e3o interna do curso do pensamento em conex\u00e3o com fen\u00f4menos obses- sivos: \u201cN\u00e3o posso ficar parada cinco minutos sem pensar nalguma coisa. Os pensamentos v\u00eam e v\u00e3o muito mais depressa do que me \u00e9 poss\u00edvel fa- lar. J\u00e1 sei as respostas muito antes de poder diz\u00ea-los. \u00c9 constante, como se um filme estivesse rodando em minha mente. Tudo \u00e9 r\u00e1pido que nem o raio. E as menores coisas, tudo eu guardo... Se n\u00e3o respondo imediata- mente e pensam que n\u00e3o entendi, tudo se repete. N\u00e3o posso responder", "imediatamente. \u00c9 assim: se, durante o dia, penso nalguma coisa, ela volta a me ocorrer, outra vez, mais outra, mais outra\u201d (Dorer).", "Na autonarra\u00e7\u00e3o que se segue, aparecem graus mais leves de inibi\u00e7\u00e3o"], ["do pensamento: \u201cMeu humor estava sempre mudando. Os dias alegres para mim eram aqueles em que me interessava por tudo, fazendo alguma coisa conscientemente, individualmente estimulada, julgando as coisas e as pessoas, minha pr\u00f3pria pessoa, embora com certa tens\u00e3o. Nessas ho- ras., procurava sociedade o mais que podia, punha-me a fazer muitas coi- sas, porque tudo me dava prazer. A transi\u00e7\u00e3o de um estado de \u00e2nimo para outro n\u00e3o era t\u00e3o repentino; pelo contr\u00e1rio, ia progredindo cada vez um pouco, com o correr dos dias. No outro estado, tinha o sentimento de de- sinteresse, obtusidade a respeito das coisas, das coisas sobre as quais ti- nha de formar um ju\u00edzo. Ent\u00e3o, esfor\u00e7ava-me muito para esconder minhas falhas, e, em certos casos, lembrava-me de como teria agido, nos dias bons. O que mais se altera \u00e9 minha escrita, e tamb\u00e9m meu modo de an- dar. Nos \u00faltimos tempos, acrescentou indiferen\u00e7a completa, al\u00e9m de falha no meu entendimento do que se passa. Teatros, concertos n\u00e3o impressio- nam mais meus nervos. N\u00e3o posso contar nada a respeito deles. Quando converso, perco o fio, quer dizer, um pensamento n\u00e3o se engrena mais no outro. Sou insens\u00edvel a brincadeiras e piadas que surgem na conversa, porque j\u00e1 n\u00e3o as entendo\u201d. (A doente veio a evoluir para a dem\u00eancia para- noide, no correr dos anos subsequentes). \u2014 Outros pacientes queixam-se: \u201cPerdi de todo a mem\u00f3ria, j\u00e1 n\u00e3o sou capaz de acompanhar uma conversa. Sinto-me como que paralisado, n\u00e3o entendo mais nada, estou completa- mente imbecil. N\u00e3o consigo dizer, de modo algum, qual \u00e9 o conte\u00fado do que leio e do que ou\u00e7o. J\u00e1 n\u00e3o tenho vontade, n\u00e3o me resta um resqu\u00edcio de energia, nem de atividade. N\u00e3o me decido a nada. Fazer um movi- mento, s\u00f3 isso, custa-me grande resolu\u00e7\u00e3o\u201d."], ["1. Interpreta\u00e7\u00e3o da fuga-de-ideias e da inibi\u00e7\u00e3o do pensamento.", "Se se quisesse evidenciar o que h\u00e1 de caracter\u00edstico em todos esses fe-", "n\u00f4menos, ter-se-ia de partir do contraste entre acelera\u00e7\u00e3o e retardamento; o que, entretanto, n\u00e3o destaca a essencialidade dos dist\u00farbios. A acelera- \u00e7\u00e3o do processo que fosse, quanto ao mais, normal apenas representaria sinal de sa\u00fade. Por outro lado, nas: personalidades epil\u00e9pticas, por exem- plo, com processo mental inalterado quanto ao mais, observa-se retarda- mento que em coisa alguma se assemelha aos fen\u00f4menos de inibi\u00e7\u00e3o ora descritos. Melhor se invocaria o contraste entre excita\u00e7\u00e3o e inibi\u00e7\u00e3o. Toda- via, mesmo havendo uma realidade nesses processos, muita coisa ainda"], ["resta a determinar. Se tentarmos penetrar na estrutura do processo, o me- lhor que nos resta a fazer ser\u00e1 partir sempre do contraste entre o processo ideativo mec\u00e2nico, associativo, passivo, e o pensar ativamente orientado por ideias-alvo (superid\u00e9ias, tend\u00eancias determinantes). O evento associa- tivo traz o material; o ativo traz o ordenamento do pensar. Vemos, ent\u00e3o, desde logo, que, de um lado, h\u00e1 uma inibi\u00e7\u00e3o ou excita\u00e7\u00e3o, riqueza ou po- breza do evento associativo, do outro lado, o retraimento das ideias-alvo ativamente eficazes, com suas tend\u00eancias determinantes. Basta diminu\u00ed- rem as tend\u00eancias determinantes (em primeiro lugar, porque faltam, em geral, percep\u00e7\u00f5es-alvo; em segundo, porque estas n\u00e3o desenvolvem efeito algum; e, enfim, porque mudam com rapidez excessiva) para o curso do pensamento passar a ser influenciado, apenas, pela constela\u00e7\u00e3o dos ele- mentos associativos. Os est\u00edmulos sensoriais externos, bem como as ideias despertadas pela constela\u00e7\u00e3o causal, de acordo com todos os princ\u00ed- pios associativos poss\u00edveis, \u00e9 que fornecem o material do conte\u00fado consci- ente. A\u00ed temos a imagem objetiva da fuga-de-ideias. A palavra \u201cideia\u201d, na \u201cfuga-de-ideias\u201d, n\u00e3o diz respeito s\u00f3 a representa\u00e7\u00f5es, mas a todos os ele- mentos que possam ser mentados como elementos de cadeias associati- vas. Nem s\u00e3o as ideias-alvo simples representa\u00e7\u00f5es, mas todos os fatores que condicionam uma op\u00e7\u00e3o, uma estrutura, no curso do conte\u00fado ps\u00ed- quico, ou seja, necessidades situacionais l\u00f3gicas (est\u00e9sicas) \u2014 conversa, discurso, comunica\u00e7\u00e3o, tarefa. Derivam deste esquema os tipos objetivos e aqueles v\u00e1rios outros, subjetivamente vivenciados, do processo em que re- sidem a fuga-de-ideias e a inibi\u00e7\u00e3o.1"], ["2. Tipos de perturba\u00e7\u00e3o do curso.", "aa) A fuga-de-ideias cl\u00e1ssica. Excitado o evento associativo, os conte\u00fa- dos afluem, maci\u00e7a- mente, de todos os lados, \u00e0 consci\u00eancia, o que, em si, nada mais- significaria do que maior produtividade. Acresce, por\u00e9m, que as tend\u00eancias determinantes se paralisam, caminhando, progressiva- mente, para a supress\u00e3o, deixando de realizar-se qualquer orienta\u00e7\u00e3o sele- tiva constante entre as associa\u00e7\u00f5es; da\u00ed resulta que todas as associativas sequer poss\u00edveis, de acordo com as condi\u00e7\u00f5es casuais, se misturam: con- ceituais, sonoras, verbais.", "1 Deixei de p\u00e9 esta reprodu\u00e7\u00e3o da concep\u00e7\u00e3o tradicional, apesar de haver sido acerbamente criticada e censurada"], ["(por H\u00f5nigswald, L. Biswanger). Mesmo na fuga-de-ideias, como em toda representa\u00e7\u00e3o, em todo \u201celemento\u201d, h\u00e1 um ato ideativo. N\u00e3o se trata de evento mec\u00e2nico, mas de realiza\u00e7\u00e3o permanente do \u201ceu penso\u201d. Isto \u00e9 certo, mas n\u00e3o pode constituir obje\u00e7\u00e3o \u00e0quela an\u00e1lise. A concep\u00e7\u00e3o tradicional vale como descri\u00e7\u00e3o precisa, n\u00e3o como teoria do evento pr\u00f3prio; teoria significativa e utiliz\u00e1vel para interpret\u00e1-lo n\u00e3o existe at\u00e9 hoje. A oposi\u00e7\u00e3o entre ato e material est\u00e1 na pr\u00f3pria viv\u00eancia e \u00e9 erro menosprez\u00e1-la."], ["Tem-se inquirido a causa da fuga-de-ideias, mas, at\u00e9 o momento, n\u00e3o se encontrou resposta satisfat\u00f3ria. A fuga-de-ideias n\u00e3o resulta de acelera- \u00e7\u00e3o do curso do pensamento, nem \u00e9 consequ\u00eancia de compuls\u00e3o a falar; n\u00e3o se pode compreend\u00ea-la pela simples rapidez com que os princ\u00edpios as- sociativos mudam (por exemplo, a associa\u00e7\u00e3o sonora), nem pela predomi- n\u00e2ncia de tipos inferiores de associa\u00e7\u00e3o (quando falham os tipos conceitu- ais de associa\u00e7\u00e3o). A causa est\u00e1 em processos de natureza ignorada, fora da consci\u00eancia; o todo produtivo da fuga-de-ideias s\u00f3 se pode descrever, de forma interpretativa, considerando os dois lados do curso do pensa- mento, do evento associativo e das tend\u00eancias determinantes."], ["bb) A inibi\u00e7\u00e3o cl\u00e1ssica \u00e9, exatamente, o contr\u00e1rio da fuga- de-ideias em rela\u00e7\u00e3o ao evento associativo. Prejudicada a disposi\u00e7\u00e3o do material mental (n\u00e3o est\u00e1 destru\u00eddo o material, como acontece na dem\u00eancia), n\u00e3o se apre- sentam mais quaisquer associa\u00e7\u00f5es, nada vem ter. \u00e0 consci\u00eancia; e ocorre o pendor ao completo vazio da consci\u00eancia. Surgem associa\u00e7\u00f5es escassas, mas, a igual do que se d\u00e1 na fuga-de-ideias, a tend\u00eancia determinante tem sua efetividade diminu\u00edda e os doentes n\u00e3o podem concentrar-se. Ap\u00f3s es- for\u00e7os demorados \u00e9 que, por vezes, uma rea\u00e7\u00e3o se apresenta: mais fre- quente \u00e9 o paciente estar inteiramente mudo, em estupor prolongado e profundo.", "cc) Conjuga\u00e7\u00e3o de fuga-de-ideias e inibi\u00e7\u00e3o do pensamento. \u2014 Parece ser poss\u00edvel conjugarem-se a. fuga-de-ideias e a inibi\u00e7\u00e3o do pensamento, visto haver fugas ricas e fugas pobres em ideias; por exemplo, fugas com logorreia e fugas mudas."], ["Se os doentes se tomam conscientes de que seu curso ps\u00edquico est\u00e1 perturbado, a fuga-de-ideias aparece nas queixas O que se observa, no conjunto, \u00e9 uma inibi\u00e7\u00e3o ideativa em forma de fuga- de-ideias1, de modo que os enfermos se queixam de n\u00e3o poderem livrar-se de pensamentos maci\u00e7os; queixam-se de terem a alma assaltada por uma ca\u00e7ada tormen- tosa de imagens; ou se queixam ainda de j\u00e1 n\u00e3o poderem pensar, de n\u00e3o lhes acudir pensamento algum. Mas se t\u00eam, igualmente, consci\u00eancia de que as tend\u00eancias determinantes est\u00e3o desaparecendo, os doentes esfor- \u00e7am-se, energicamente, por em ordem em seu curso ideativo, vindo a ex- perimentar a total inefetividade de sua concentra\u00e7\u00e3o em objetivos e supe- rid\u00e9ias; d\u00e1-se, ent\u00e3o, que, ao mesmo tempo, se sentem excitados em face", "1. Beringer: Beitrag zur Analyse schizophrenen Denkst\u00f6rungen. Z. Neur., vol. 93 (1924)."], ["do ac\u00famulo de pensamentos que resulta da acelera\u00e7\u00e3o do curso associa- tivo de ideias e inibidos em face da incapacidade de apreender um s\u00f3 pen- samento conexo, nessa, ca\u00e7ada feroz."], ["dd) Distraibilidade. \u2014 Quando o curso das ideias j\u00e1 n\u00e3o resulta, ou n\u00e3o resulta suficientemente, de tendencias determinantes, e no caso de achar-se entravado o curso do material ideativo oriundo de associa\u00e7\u00f5es cuja produtividade esteja aumentada, d\u00e1-se a fuga-de-ideias. Se o material ideativo \u00e9 determinado, desordenadamente, por impress\u00f5es externas, fala- se em distraibilidade. Por exemplo, se algu\u00e9m pega, ao acaso, qualquer ob- jeto, o rel\u00f3gio, a chave, um l\u00e1pis, ou brinca com a corrente do rel\u00f3gio, bate, sacode o molho de chaves, tudo o doente nota, de imediato, a tudo d\u00e1 um nome, um valor. Pula, logo a seguir, para tudo quanto chame a aten\u00e7\u00e3o no ambiente. \u00c9 evidente que, conquanto, na realidade, se apre- sentem quase sempre juntas a fuga-de-ideias e a distra\u00e7\u00e3o, nem sempre, entretanto, tal acontece. H\u00e1 doentes que s\u00e3o de todo improdutivos em as- socia\u00e7\u00f5es; e, no entanto, atentam para qualquer est\u00edmulo sensorial. Ao re- v\u00e9s, noutros pacientes, o curso ideativo consiste, inteiramente, em associ- a\u00e7\u00f5es que tomam o aspecto de fuga-de-ideias, das quais, por\u00e9m, n\u00e3o po- dem os est\u00edmulos sensoriais distrai-los."], ["A distra\u00e7\u00e3o, contudo, n\u00e3o resulta de todo est\u00edmulo sensorial. \u00c9 fre- quente notar-se sele\u00e7\u00e3o de acordo com \u00e1reas de interesse, ou, pelo menos, de acordo com \u00e1reas que, objetivamente, de um modo ou doutro, se relaci- onam. Essa distraibilidade, que, em certo sentido, \u00e9 compreens\u00edvel, leva por transi\u00e7\u00f5es, ao extremo oposto da distra\u00e7\u00e3o por quaisquer est\u00edmulos sensoriais; quer dizer, todos os objetos s\u00e3o, indiscriminadamente, \u201cnomea- dos\u201d, todas as palavras repetidas, todos os movimentos imitados. Se acharmos que se trata, nos casos da distraibilidade pura, de simples pa- rada da aten\u00e7\u00e3o, cujo conte\u00fado, afinal, possamos compreender, esses. \u201csintomas-eco\u201d ter\u00e3o de afigurar-se-nos evento autom\u00e1tico. Se no primeiro caso, se elaborar, psicologicamente, de v\u00e1rios modos, o est\u00edmulo sensorial apreendido pela aten\u00e7\u00e3o distra\u00edda, o que subsiste, no segundo caso, nada mais \u00e9 de que uma rea\u00e7\u00e3o-eco, autom\u00e1tica, sempre a mesma. Preferimos n\u00e3o falar, aqui, em distraibilidade, limitando esta express\u00e3o \u00e0queles casos em que nos convencemos de estar-se processando, na consci\u00eancia do pa- ciente, uma mudan\u00e7a da orienta\u00e7\u00e3o pros\u00e9xica, de modo que ele observa e torna a distrair-se de um modo que nos \u00e9 poss\u00edvel acompanhar."], ["b) A Confus\u00e3o.", "Os esquizofr\u00eanicos queixam-se de fadiga, dificuldade de concentrar-se,", "diminui\u00e7\u00e3o dos rendimentos intelectuais, fraqueza da mem\u00f3ria; queixas amb\u00edguas estas que v\u00eam a se fazer, de algum modo, significativas, quando o observador determina uma desagrega\u00e7\u00e3o objetiva, al\u00e9m de dist\u00farbios re- ais do curso ideativo. Berlnger investigou casos que n\u00e3o haviam chegado a ponto de impossibilitarem a auto-observa\u00e7\u00e3o e o fornecimento de dados pelo paciente; e viu que, de fato, os achados objetivos correspondiam aos dados subjetivos (diversamente de v\u00e1rias queixas de inibi\u00e7\u00e3o formuladas por man\u00edaco-depressivos).", "Eis as queixas: Os pensamentos s\u00e3o t\u00e3o fugidios, como que cortados,"], ["desconexos, atropelados uns nos outros. Piora a situa\u00e7\u00e3o, quando o do- ente \u00e9 deixado entregue a si mesmo; melhora, quando se acha ocupado ou conversando. Um paciente narrou o seguinte: \u201cEsque\u00e7o os pensamentos t\u00e3o depressa... Se quero escrever uma coisa, da\u00ed a um instante j\u00e1 n\u00e3o sei. \u2014 Os pensamentos atropelam-se, j\u00e1 n\u00e3o s\u00e3o n\u00edtidos. Vem-me um \u00e0 cabe\u00e7a com a rapidez do raio, mas logo em seguida vem outro, de que nem ideia tinha, uma fra\u00e7\u00e3o de segundo antes. \u2014 Tenho um sentimento de desagre- ga\u00e7\u00e3o. J\u00e1 n\u00e3o governo o curso de meus pensamentos. \u2014 N\u00e3o s\u00e3o claros os pensamentos: h\u00e1 uns que a gente n\u00e3o tem precisamente, -que v\u00eam \u00e0 mente de leve, mas a gente sabe que alguma coisa existe. Al\u00e9m dos pensa- mentos principais, h\u00e1 os acess\u00f3rios, que se confundem, de modo que n\u00e3o se chega a um fim; a confus\u00e3o aumenta, tudo se mistura, at\u00e9 surgir um embaralhamento sem sentido algum. At\u00e9 me rio de uma coisa dessas po- der acontecer. \u2014 Tenho o sentimento de que meus pensamentos empobre- ceram. O que vejo e penso \u00e9 incolor, ins\u00edpido, t\u00e3o sem vida. Tudo quanto aprendi reduziu-se a quase nada."], ["Assim \u00e9 que, quando h\u00e1 passividade, se experimenta uma ideia tor- mentosa de entrecruzamento, ao passo que, nos doentes ativos, o que ocorre \u00e9 a dificuldade de o curso ideativo prosseguir, al\u00e9m da pobreza de ideias.", "Quando se fazem testes de produtividade, malgrado a capacidade de concentrar-se e a boa vontade do paciente, observam-se diminui\u00e7\u00e3o da ca- pacidade de nota\u00e7\u00e3o; e mais: consider\u00e1vel piora na apreens\u00e3o sem\u00e2ntica que tem a estrutura l\u00f3gica de uma hist\u00f3ria. N\u00e3o se apreendem coisas ab- surdas e faz-se dif\u00edcil preencher lacunas. O paciente que deu a autonarra- \u00e7\u00e3o acima n\u00e3o soube escrever simples recado para um amigo: apesar de escrever 14 p\u00e1ginas, sempre recome\u00e7ando, n\u00e3o logrou seu objetivo."], ["Carl Schneider descreveu com sutileza o pensar confuso dos esquizo- fr\u00eanicos: por exemplo, a fus\u00e3o (justaposi\u00e7\u00e3o n\u00e3o intencional de estados-de- fato heterog\u00eaneos), o disparamento (mistura de elementos estruturais he- terog\u00eaneos objetivamente determinados), o escapamento (rotura da cadeia ideativa, sem inten\u00e7\u00e3o anterior), o descarrilamento (interpola\u00e7\u00e3o de conte- \u00fados ideativos em lugar de uma conex\u00e3o fatual, ocorrendo sem inten\u00e7\u00e3o sobreposta) etc."], ["Tem-se procurado compreender esse pensar \u2014 ou, antes, toda essa maneira por que flui o evento ps\u00edquico \u2014 pela compara\u00e7\u00e3o com o pensar do estado de fadiga e de adormecimento (C. Schneider); e tamb\u00e9m com o pensar \u201carcaico\u201d dos povos primitivos (Storch). O caso \u00e9, por\u00e9m, que n\u00e3o se vai al\u00e9m de compara\u00e7\u00f5es. Na fadiga e no adormecimento, o que h\u00e1 de prim\u00e1rio \u00e9 uma altera\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia; no pensar arcaico, um estado evolutivo hist\u00f3rico da mente humana (que vive, em ess\u00eancia, n\u00e3o por he- ran\u00e7a biol\u00f3gica, e sim pela tradi\u00e7\u00e3o). No esquizofr\u00eanico, por\u00e9m, o fato- em- p\u00edrico \u00e9 dist\u00farbio prim\u00e1rio peculiar no curso da vida ps\u00edquica."], ["\u00a7 3. A Intelig\u00eancia."], ["Chamamos intelig\u00eancia o conjunto de todas as capacidades, de todos", "os instrumentos que, em quaisquer realiza\u00e7\u00f5es, s\u00e3o utiliz\u00e1veis para a adapta\u00e7\u00e3o \u00e0s tarefas vitais e que podem empregar-se com fim determi- nado."], ["a) An\u00e1lise da Intelig\u00eancia.", "Em primeiro lugar, distinguimos as pr\u00e9-condi\u00e7\u00f5es da intelig\u00eancia; em segundo lugar, o- cabedal mental, os conhecimentos; finalmente, a inteli- g\u00eancia propriamente dita. Incluem-se nas pr\u00e9-condi\u00e7\u00f5es 'da intelig\u00eancia, por exemplo, a capacidade de nota\u00e7\u00e3o e a mem\u00f3ria, o grau- de fatigabili- dade, o mecanismo dos fen\u00f4menos motores e do aparelho fonat\u00f3rio etc. T\u00eam-se confundido, muitas vezes, estas pr\u00e9-condi\u00e7\u00f5es com a intelig\u00eancia propriamente dita. Quem n\u00e3o possui mem\u00f3ria alguma, quem n\u00e3o pode fa- lar, quem se cansa muito depressa, n\u00e3o pode, afinal de contas, mostrar que tem intelig\u00eancia; mas, nesses casos, vamos encontrar, como causa, o dist\u00farbio de qualquer fun\u00e7\u00e3o caracteriz\u00e1vel, em consequ\u00eancia do qual surge a falha de atividade intelectual, e n\u00e3o um dist\u00farbio da pr\u00f3pria inteli- g\u00eancia. \u00c9 da m\u00e1xima valia, quando se analisam e se diferenciam anoma- lias da intelig\u00eancia, delimitar com precis\u00e3o essas fun\u00e7\u00f5es caracteriz\u00e1veis,"], ["bem como as fun\u00e7\u00f5es psicof\u00edsicas b\u00e1sicas. Liepmann alude, orgulhosa- mente, ao progresso \u201cque constitui o fato de se haverem destacado tanto a afasia quanto a apraxia do loda\u00e7al indiferenciado do conceito de dem\u00ean- cia\u201d. Noutros tempos, os af\u00e1sicos foram tidos, erradamente e com frequ\u00ean- cia, por dementes."], ["Em segundo lugar, n\u00e3o confundiremos \u00e1 intelig\u00eancia propriamente dita"], ["com o cabedal mental, os conhecimentos que possu\u00edmos. A posse de um grande cabedal intelectual pode levar a concluir que tamb\u00e9m se possuem certas capacidades, necess\u00e1rias \u00e0 aquisi\u00e7\u00e3o de coisas que a pura mem\u00f3ria pode reproduzir. Mesmo, por\u00e9m, nesse caso, a intelig\u00eancia propriamente dita (capacidade de ajuizar) independe, em larga escala, da simples capaci- dade de aprender. Podem-se aprender, perfeitamente, estruturas ideativas complicadas a ponto de levar a confus\u00f5es frequentes entre a aptid\u00e3o para aprendizagem e a intelig\u00eancia. Quando se estuda a psicopatologia, \u00e0s ve- zes, pela compara\u00e7\u00e3o do cabedal de conhecimentos com as escassas capa- cidades que, momentaneamente, ainda existem, encontram-se caracter\u00eds- ticas do defeito adquirido em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 debilidade mental cong\u00eanita, na qual \u00e9 costumeiro os conhecimentos e as capacidades se apresentarem mais tangivelmente relacionadas. A escassez de conhecimentos \u00e9, em ge- ral, sinal de debilidade mental, mas a abund\u00e2ncia deles n\u00e3o constitui, ne- cessariamente, sinal de intelig\u00eancia. Da\u00ed por que, embora possibilite, indi- retamente, em casos extremos, ajuizar a debilidade mental, a prova de co- nhecimentos \u00e9 muito mais importante para informar sobre que material o homem trabalha quando elabora seus conte\u00fados. S\u00f3 conhecendo a exten- s\u00e3o desse material (a particular imagem do mundo) \u00e9 que se conseguem compreender-lhe os atos, o comportamento, a conduta vital; \u00e9 que se po- dem apreender corretamente o que significa, na realidade, o que diz. Quanto menor for a extens\u00e3o de seu cabedal mental, tanto melhor podere- mos observar que as palavras por ele usadas significam coisa diversa do que significam para n\u00f3s, visto que essas palavras, tomadas em seu signifi- cado objetivo, ultrapassam os significados que ele, realmente, quer expri- mir. As palavras podem dar a impress\u00e3o de cabedais maiores que aquele do qual o indiv\u00edduo disp\u00f5e. A dimens\u00e3o do cabedal mental de um homem depende n\u00e3o s\u00f3 de sua capacidade aprendizal e de seus interesses, como tamb\u00e9m, sobretudo, do meio de que prov\u00e9m e no qual vive. O conheci- mento do n\u00edvel m\u00e9dio, no que diz respeito ao cabedal mental dos v\u00e1rios c\u00edrculos sociais, vem a constituir, pois, padr\u00e3o de valor para formar ju\u00edzo sobre determinado indiv\u00edduo. N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel imaginar qu\u00e3o baixo se apre- senta quase sempre o cabedal m\u00e9dio de conhecimentos. Assim foi que Ro- denwaldt encontrou, na maioria de seus soldados, absoluta car\u00eancia de"], ["orienta\u00e7\u00e3o social, al\u00e9m de ignor\u00e2ncia dos direitos pol\u00edticos e at\u00e9 de legisla- \u00e7\u00e3o social. A algumas milhas do torr\u00e3o natal cessa a orienta\u00e7\u00e3o geogr\u00e1fica. Quanto aos conhecimentos de hist\u00f3ria, nem se podiam quase determinar. Mais da metade n\u00e3o sabia dizer ao certo quem fora Bismarck. Em geral, quando se testam conhecimentos, d\u00e1-se aten\u00e7\u00e3o aos conhecimentos tanto escolares quanto vitais, estes \u00faltimos (conhecimentos que se adquirem por interesse espont\u00e2neo e no exerc\u00edcio da profiss\u00e3o) sendo muito mais apro- priados a que se fa\u00e7a ju\u00edzo da intelig\u00eancia. \u00c9 surpreendente, entretanto, que, pelas pesquisas at\u00e9 hoje realizadas, a maior parte dos homens pouco saiba, al\u00e9m de exterioridades, sobre sua pr\u00f3pria profiss\u00e3o."], ["Em terceiro lugar, voltemo-nos para a intelig\u00eancia propriamente dita, que \u00e9 muito dif\u00edcil de conceber. Mal damos conta de quais s\u00e3o e de quanto variam os pontos de vista pelos quais dizemos ser algu\u00e9m inteligente. Certo \u00e9 existirem in\u00fameras aptid\u00f5es absolutamente diversas, das quais al- gumas talvez se possam caracterizar com precis\u00e3o; n\u00e3o h\u00e1 uma simples escala de intelig\u00eancia maior ou menor, e sim uma \u00e1rvore que se ramifica em v\u00e1rios pendores. Quanto a haver uma intelig\u00eancia geral, uma efici\u00eancia geral poss\u00edvel de apresentar-se seja em que rela\u00e7\u00e3o for, \u201cum fator central de intelig\u00eancia\u201d \u2014 \u00e9 duvidoso, sendo, no entanto, tend\u00eancia geral admiti- lo; \u00e9 o que os psic\u00f3logos antigos denominaram poder de julgar."], ["Os fen\u00f4menos da intelig\u00eancia s\u00e3o, todavia, muito diversos. H\u00e1 aqueles que aprendem com vivacidade e rapidez; que, considerados em virtude de sua versatilidade, habilidosos e extraordinariamente inteligentes, se mos- tram, no entanto, examinados com maior rigor, medianos e superficiais. H\u00e1 tamb\u00e9m a intelig\u00eancia pr\u00e1tica, que, a cada momento, sabe escolher o que \u00e9 correto dentre a variedade das possibilidades e adaptar-se, c\u00e9lere, a novas tarefas; e h\u00e1 a intelig\u00eancia te\u00f3rica, que se comporta, em certos mo- mentos, por assim dizer, tal qual fosse a de um d\u00e9bil mental, mas que, no trabalho solit\u00e1rio e quieto, \u00e9 capaz de rendimentos mentais eminentes, pertinente, correta e proveitosamente realizados. \u201cUm m\u00e9dico, um juiz, um estadista podem ter na cabe\u00e7a muitas belas regras de patologia, direito ou pol\u00edtica, a ponto de vir a ser, ele pr\u00f3prio, mestre nessas mat\u00e9rias: no en- tanto, quando tiver de aplic\u00e1-las, talvez erre com facilidade, porque carece do poder natural de julgar e porque tem o h\u00e1bito de ver as coisas em abs- trato, de modo que, no caso concreto, n\u00e3o consegue distinguir o que tem a fazer; ainda mais: porque n\u00e3o est\u00e1 acostumado, atrav\u00e9s de exemplos e si- tua\u00e7\u00f5es pr\u00e1ticas, a formar esses ju\u00edzos\u201d (Kant)."], ["Na investiga\u00e7\u00e3o cl\u00ednica, ainda n\u00e3o ultrapassamos umas tantas faces pelas quais se apresenta a intelig\u00eancia. Damos valor especial \u00e0 capacidade", "que o indiv\u00edduo tem para julgar, pensar, dar sentido ao que \u00e9 essencial, para apreender pontos de vista e ideias. Aquele que declara, quando lhe d\u00e3o uma tarefa dif\u00edcil, n\u00e3o saber ou n\u00e3o poder fazer alguma coisa parece- nos mais inteligente do que aquele que se perde em detalhes irrelevantes, ou que se p\u00f5e a falar. Al\u00e9m da capacidade de julgar, tamb\u00e9m se nos afi- gura caracter\u00edstica a espontaneidade, a iniciativa. Solicitada, pode uma pessoa revelar grande capacidade de julgar e, no entanto, deixada a si s\u00f3, ficar ap\u00e1tica e obtusa."], ["b) Tipos de dem\u00eancia.", "A peculiaridade do conceito de intelig\u00eancia visto pela totalidade hu- mana, pelo aspecto da aptid\u00e3o, implica que a an\u00e1lise mais n\u00e3o faz do que revelar tra\u00e7os particulares, os quais, a bem dizer, n\u00e3o atingem plenamente aquilo que se encerra nesse conceito. Da\u00ed termos um modo de ver os tipos caracteristicamente particulares de intelig\u00eancia muito melhor do que base- ado no conceito de intelig\u00eancia. Procuraremos descrever alguns; tipos de dist\u00farbio da intelig\u00eancia:"], ["1. Oscila\u00e7\u00f5es da produtividade. Chamamos intelig\u00eancia, em geral, uma disposi\u00e7\u00e3o permanente; dem\u00eancia, um defeito permanente. Quando n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel obter rendimento intelectual de indiv\u00edduos com psicose aguda, ou em estados confusionais, estuporosos, inibidos, com fuga-de-ideias, n\u00e3o se diz haver dist\u00farbio da intelig\u00eancia, o qual s\u00f3 ocorre quando n\u00e3o se con- segue obter esse rendimento em estados l\u00facidos, ordenados, acess\u00edveis, isto \u00e9, quando n\u00e3o h\u00e1 dist\u00farbios agudos. Nos estados agudos, quase nunca arriscamos ju\u00edzos a respeito da intelig\u00eancia do doente, da que ele ti- nha antes da fase aguda e da que pode vir a ter depois. N\u00e3o \u00e9, por\u00e9m, em todos os casos que se pode estabelecer, estritamente, essa diversidade en- tre dist\u00farbios permanentes e transit\u00f3rios. Dif\u00edceis de classificar s\u00e3o, sobre- tudo, os dist\u00farbios que consistem na diminui\u00e7\u00e3o da produtividade mental, de ocorr\u00eancia comum em homens habituados ao trabalho intelectual (ar- tistas, cientistas); tamb\u00e9m frequentes em fases transit\u00f3rias ou em longos per\u00edodos, quando n\u00e3o permanentemente, tal qual se d\u00e1 com os psicast\u00eani- cos. Trata-se, muitas vezes, de fases passageiras, nas quais os doentes pa- decem intensos sentimentos, de insufici\u00eancia, tendo a impress\u00e3o de haver perdido a mem\u00f3ria, de n\u00e3o poder mais pensar etc. O que, todavia, de fato, eles t\u00eam n\u00e3o s\u00e3o s\u00f3 sentimentos infundados de insufici\u00eancia; na realidade, s\u00e3o incapazes de concentrar-se; leem, realmente, de maneira mec\u00e2nica, sem apreender o sentido, pensam sempre na maneira por que trabalham, est\u00e3o voltados para si mesmos, n\u00e3o para a coisa em que trabalham. H\u00e1,", "com efeito, perda da capacidade de controlar o que se faz, falta absoluta de espontaneidade mental, indispens\u00e1vel a qualquer ocupa\u00e7\u00e3o. Esses ho- mens perderam a produtividade, de forma transit\u00f3ria ou permanente. Mas h\u00e1 tamb\u00e9m, inversamente, fases de produtividade fora do comum, de cria- \u00e7\u00e3o a mais rica poss\u00edvel. Em todos os casos descritos, trata-se de altera- \u00e7\u00f5es n\u00e3o da intelig\u00eancia em conjunto, mas da produtividade; e tais fases identificam-se, de h\u00e1bito, com depress\u00f5es e hipomanias."], ["2. Debilidade mental cong\u00eanita. A partir da intelig\u00eancia vivaz e reprodu-", "tiva, h\u00e1 uma s\u00e9rie descendente nos graus de limita\u00e7\u00e3o da produtividade, representando aptid\u00f5es cada vez mais escassas, indo da estreiteza e estu- pidez \u00e0 debilidade mental profunda. Os graus ligeiros constituem a debili- dade, simplesmente; os m\u00e9dios, a imbecilidade; os mais baixos, a idiotia. O que h\u00e1, no caso, \u00e9 uma vida ps\u00edquica menos desenvolvida em todas as dire\u00e7\u00f5es; ou uma diferencia\u00e7\u00e3o menos n\u00edtida, que se pode conceituar como varia\u00e7\u00e3o da disposi\u00e7\u00e3o humana no sentido de uma condi\u00e7\u00e3o subm\u00e9- dia. Nos graus mais baixos, a vida ps\u00edquica assemelha-se cada vez mais \u00e0 vida animal. Embora se achem bem desenvolvidos os instintos necess\u00e1rios \u00e0 vida, toda experi\u00eancia existencial particular que decorra da intelig\u00eancia se suprime, nada se aprende, n\u00e3o se capta conceito algum e, pois, n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel ato conscientemente planejado algum. Faltando concep\u00e7\u00f5es ge- rais, esses indiv\u00edduos s\u00e3o em absoluto incapazes de qualquer \u00edmpeto idea- tivo, vivendo no mais estreito horizonte de suas impress\u00f5es sensoriais co- tidianas e casuais. Entretanto, quer no mais baixo, quer no mais alto grau da diferencia\u00e7\u00e3o humana, observa-se que a aptid\u00e3o n\u00e3o constitui patrim\u00f4- nio unit\u00e1rio, e sim uma multiplicidade de capacidades desigualmente de- senvolvidas. Assim \u00e9 que, muitas vezes, se veem imbecis capazes em cer- tos campos ou at\u00e9 dotados de capacidades intelectuais, quais sejam o ta- lento matem\u00e1tico; ou ainda providos de entendimento e mem\u00f3ria unilate- rais, capazes de aprender m\u00fasica1. No momento atual, n\u00e3o se distinguem, psicologicamente, as formas de debilidade mental cong\u00eanita que se apre- sentam como varia\u00e7\u00f5es constitucionais anormais, daquelas formas cong\u00ea- nitas correspondentes a les\u00f5es org\u00e2nicas."], ["3. \u201cIdiotia de rela\u00e7\u00f5es\u201d (\u201cVerh\u00e3ltnisbl\u00f5dsinn\u201d). Pode-se, em princ\u00edpio, distinguir a constitui\u00e7\u00e3o inata da intelig\u00eancia da constitui\u00e7\u00e3o da personali- dade; isso, por\u00e9m, nem sempre \u00e9 poss\u00edvel, na realidade. Bleuler caracteri- zou como \u201cidiotia de rela\u00e7\u00f5es\u201d1 as estranhas formas fenom\u00eanicas em que, segundo parece, se conjuga uma efici\u00eancia elevada a certas incapacidades", "1 Bleuler: Allg. Z. Psychiatr., vol. 71, p\u00e1g. 537 (1914). \u2014 Buchner, Lothar: Allg. Z. Psychiatr., vol. 71."], ["surpreendentes, porque n\u00e3o h\u00e1 propor\u00e7\u00e3o entre a aptid\u00e3o constatada e as grandes tarefas escolhidas pelo pr\u00f3prio indiv\u00edduo; donde o fracasso inevi- t\u00e1vel, pelo fato de haver dist\u00farbio na rela\u00e7\u00e3o entre intelig\u00eancia e aspira\u00e7\u00e3o. O impulso desmedido d\u00e1 \u00e0 intelig\u00eancia certas tarefas que colocam o indiv\u00ed- duo em situa\u00e7\u00f5es para as quais n\u00e3o est\u00e1 preparado. Pessoas assim, mui- tas vezes providas de mem\u00f3ria mec\u00e2nica e verbal excelente, \u201cafiguram-se ao observador superficial pensadores profundos; quem as observa, por\u00e9m, com aten\u00e7\u00e3o, nelas v\u00ea, apenas, confusionistas\u201d. S\u00e3o incapazes \u201cde tirar da experi\u00eancia diretivas \u00fateis para sua atua\u00e7\u00e3o\u201d; sofrem de autossupervalora- \u00e7\u00e3o incorrig\u00edvel e total car\u00eancia de autocr\u00edtica. \u00c1vidas que s\u00e3o de prest\u00edgio, na \u00e2nsia de impressionar, essa \u201cidiotia de sal\u00e3o\u201d (Salon-bl\u00f5dsinri) leva-as a dar livre curso, quando conversam, \u00e0s associa\u00e7\u00f5es que, numerosas, emer- gem. A impress\u00e3o que se tem \u00e9 de fuga-de-ideias; mas n\u00e3o h\u00e1 fuga-de- ideias, na realidade, e sim o desejo de expandir-se, com \u201cideias\u201d (ou \u201cocor- r\u00eancias\u201d) maci\u00e7as, que se orientam, apenas, pelo que v\u00e3o dizendo e pelo que lhes fornece uma mem\u00f3ria mec\u00e2nica. N\u00e3o desenvolvem pensamentos: expelem conhecimentos ca\u00f3ticos; n\u00e3o formulam aprecia\u00e7\u00f5es, nem atitudes respons\u00e1veis: apenas pronunciam um palavreado espirituoso. \u00c9 a elocu- \u00e7\u00e3o, e n\u00e3o o pensamento, que dirige a conversa desses indiv\u00edduos, que n\u00e3o pensam conscientemente, mas se inebriam com o esp\u00edrito que julgam ter, apenas reproduzindo, verbalmente, o que leram. Afinal, v\u00eam eles a imagi- nar, \u201cpor for\u00e7a de uma convic\u00e7\u00e3o que lembra a pseudologia fant\u00e1stica, ser- lhes mais ou menos original tudo quanto dizem\u201d. O conte\u00fado que esco- lhem \u00e9, em geral, relacionado com os problemas mais elevados."], ["4. Dem\u00eancia Org\u00e2nica. A dem\u00eancia adquirida \u00e9 de distinguir-se, em suas v\u00e1rias formas, tanto da debilidade mental cong\u00eanita quanto da de- m\u00eancia esquizofr\u00eanica. O processo org\u00e2nico destr\u00f3i, primeiramente, de maneira ampla e habitual, as pr\u00e9-condi\u00e7\u00f5es da intelig\u00eancia, mem\u00f3ria e ca- pacidade de nota\u00e7\u00e3o; por vezes, tamb\u00e9m a fona\u00e7\u00e3o, de modo que, na de- m\u00eancia senil, surgem quadros em que se v\u00ea um homem esquecer sua vida inteira, n\u00e3o poder mais falar direito, s\u00f3 conseguindo exprimir-se com a maior dificuldade, se bem que ainda se possa constatar, no comporta- mento e na a\u00e7\u00e3o, a maneira pr\u00f3pria dos homens educados, o sentimento que eles t\u00eam das essencialidades; em certas circunst\u00e2ncias, at\u00e9 certa ca- pacidade de julgamento. (esta em graus adiantados) nos quais a intelig\u00eancia global se vai aos pou- cos desintegrando. Afinal, os doentes, por for\u00e7a do processo cerebral, t\u00eam a capacidade de julgar reduzida, mostrando-se escassamente inclinados a", "dar aten\u00e7\u00e3o \u00e0s essencialidades, tal qual fossem d\u00e9beis mentais cong\u00eanitos; no entanto, s\u00e3o capazes de exprimir-se, em suas falas, usando fragmentos do que aprenderam em outros tempos; da\u00ed resulta que, contrastando com a debilidade mental cong\u00eanita, se apresentam quadros contradit\u00f3rios, dando a impress\u00e3o de les\u00f5es org\u00e2nicas imediatas. Com a capacidade de apreens\u00e3o consideravelmente reduzida, os doentes deixam- se levar, em sua consci\u00eancia da realidade, por impress\u00f5es acidentais, sem atua\u00e7\u00e3o de quaisquer contra-ideias; falta-lhes qualquer iniciativa; da\u00ed caminharem, enfim, para os estados demenciais mais graves, s\u00f3 o corpo vegetando."], ["\u00c9 caracter\u00edstica de todas as dem\u00eancias org\u00e2nicas em grau adiantado a falta de percep\u00e7\u00e3o da doen\u00e7a. Somente quando o processo org\u00e2nico se res- tringe, em ess\u00eancia, \u00e0s pr\u00e9-condi\u00e7\u00f5es da intelig\u00eancia (mem\u00f3ria etc.) \u00e9 que costuma existir intensa consci\u00eancia da mol\u00e9stia (por exemplo, na arterios- clerose). Ao contr\u00e1rio do que se d\u00e1 na dem\u00eancia paral\u00edtica, o in\u00edcio da de- m\u00eancia senil e arterioscler\u00f3tica \u00e9 compat\u00edvel com o vivo sentimento da pr\u00f3- pria decad\u00eancia.", "5. Dem\u00eancia esquizofr\u00eanica. J\u00e1 na dem\u00eancia org\u00e2nica \u00e9 dif\u00edcil separar a", "\u201cpersonalidade\u201d e a \u201cintelig\u00eancia\u201d. A dem\u00eancia esquizofr\u00eanica, aquela de que sofre a maioria dos internados, dos loucos propriamente ditos, \u00e9 ainda mais dif\u00edcil de conceber sob o ponto de vista da intelig\u00eancia. Pode-se at\u00e9 duvidar se, aqui, a intelig\u00eancia n\u00e3o se acha absolutamente intata e se to- das as altera\u00e7\u00f5es n\u00e3o decorrem de altera\u00e7\u00f5es da personalidade. A distin- \u00e7\u00e3o entre os casos desta \u00faltima, ordem, que s\u00e3o maioria, e os dist\u00farbios seguramente comprov\u00e1veis da intelig\u00eancia seria, em caso de poder-se fa- zer, fundamentalmente importante para a compreens\u00e3o dessas doen\u00e7as. N\u00e3o se encontra dist\u00farbio algum da capacidade mn\u00eamica, nem das outras pr\u00e9-condi\u00e7\u00f5es da intelig\u00eancia; dano algum dos conhecimentos, mas, sim, dano do pensar e do proceder, que se qualifica tolo, hebefr\u00eanico. Trata-se tamb\u00e9m de uma falha do sentido da essencialidade; pelo menos, daquela essencialidade que s\u00f3 existe no mundo comum, objetivo e empiricamente real. T\u00eam-se caracterizado os esquizofr\u00eanicos por sua falta de contato com a realidade, opondo-os, por exemplo, aos paral\u00edticos, que, por mais lesados que estejam, ainda conservam contato com sua realidade; que ainda con- servam tamb\u00e9m, apesar da desorienta\u00e7\u00e3o, sua consci\u00eancia do presente (Minkovski). A heterogeneidade do que \u00e9 org\u00e2nico e do que \u00e9 esquizofr\u00ea- nico \u2014 aquele ainda natural, malgrado a ru\u00edna absoluta; este distorcido \u2014 \u00e9 certa. Nos esquizofr\u00eanicos ainda se acrescenta, em muitos casos, a perda da espontaneidade, uma crepuscularidade, que s\u00f3 mediante est\u00edmulos, por\u00e9m muito notavelmente, se pode interromper. N\u00e3o daremos descri\u00e7\u00e3o"], ["geral, mas um caso brando dessa dem\u00eancia, a fim de destacar a peculiari- dade da debilidade do ju\u00edzo (n\u00e3o se vejam nas produ\u00e7\u00f5es do paciente gra- cejos propositais):"], ["O doente Nieber est\u00e1 plenamente orientado, l\u00facido, vivo, loquaz, dis- posto a conversar jovialmente, sempre pronto a responder adequadamente ao que lhe dizem; n\u00e3o apresenta dist\u00farbio agudo. Ao ser internado pede, de imediato, alta, afirmando poder vir \u00e0 consulta, uma vez ou outra, se for mandado embora hoje. Vai, no entanto, sem dificuldade para a enferma- ria, n\u00e3o tornando a falar mais em alta. Pelo contr\u00e1rio, tem outros planos, pretendendo, por exemplo, dentro em breve, fazer uma tese em Tubingem, a fim de formar-se em engenharia. \u201cNisso se caracterizar\u00e1 meu futuro. Formar-me-ei, na certa, se n\u00e3o fizer erros propositais\u201d. Quer empregar-se no hospital como fot\u00f3grafo, deseja algumas salas s\u00f3 para si, acomoda\u00e7\u00f5es de primeira ordem e muitas outras coisas. N\u00e3o leva, por\u00e9m, adiante suas aspira\u00e7\u00f5es, preferindo ocupar-se com detalhes que mudam a todo mo- mento, que abandona ou esquece. Faz versos, numerosos requerimentos, cartas \u00e0s autoridades, a outras institui\u00e7\u00f5es e a pr\u00edncipes; e escreve uma tese: \u201cO Papel Higi\u00eanico. Ensaio de H. J. Nieber.\u201d Para caracterizar o ex- tenso trabalho, vejamos algumas frases: \u201cJ\u00e1 se escreveram e se imprimi- ram ensaios sobre a imortalidade dos besouros, sobre o perigo das armas de fogo, sobre a discutibilidade da doutrina darwiniana da origem das es- p\u00e9cies. Por que n\u00e3o h\u00e1 de haver tamb\u00e9m uma tese sobre a aceita\u00e7\u00e3o e o pre\u00e7o do- papel higi\u00eanico? Acho que 30 marcos por um folheto cheio de frases, n\u00e3o \u00e9 demais. \u2014 O aspecto pol\u00edtico-social desta tem\u00e1tica deve ser muito apreciado. Acrescento, por isto, uma estat\u00edstica, que sirva de mat\u00e9- ria de discuss\u00e3o tanto aos pol\u00edticos locais quanto aos que cuidam da eco- nomia nacional. etc.\u201d O doente desenha, com infinito cuidado, um cheque em que se veem os costumeiros ornatos e envia-o ao hospital onde esteve antes para pagamento do que custou sua estadia: \u201cParece-me que a soma de 1.000 marcos \u00e9 suficiente para pagar minhas despesas, inclusive hono- r\u00e1rios m\u00e9dicos. Quando lhe fazem perguntas, durante a conversa, surpre- ende sempre as pessoas com frases estranhas: \u201cA psiquiatria n\u00e3o \u00e9 mais do que a investiga\u00e7\u00e3o do direito e dos benef\u00edcios legais em suas rela\u00e7\u00f5es com o homem\u201d. \u201cSou de opini\u00e3o que n\u00e3o h\u00e1 doen\u00e7as mentais\u201d. \u201c\u00c0 psiquia- tria cabe dar uma exist\u00eancia \u00e0queles que n\u00e3o nasceram para trabalhar\u201d. - Tende-se a pensar que a conversa e o comportamento de pessoas assim significam inten\u00e7\u00e3o de zombar dos outros. N\u00e3o \u00e9, entretanto, o que se d\u00e1. A vida delas \u00e9 mesmo esta e tal qual prossegue, dezenas de anos a fio, dentro dos hospitais, sem qualquer esfor\u00e7o s\u00e9rio."], ["6. Debilidade mental socialmente condicionada. Conforme a origem, que"], ["coincide com a diversidade dos caracteres psicol\u00f3gicos, distinguem-se a debilidade mental cong\u00eanita e a dem\u00eancia resultante de processo adqui- rido, nesta \u00faltima tamb\u00e9m se distinguindo' a dem\u00eancia org\u00e2nica e a esqui- zofr\u00eanica. Origem absolutamente outra t\u00eam os quadros cl\u00ednicos que se nos afiguram, sem mais profunda inquiri\u00e7\u00e3o, debilidade mental, mas que s\u00e3o de atribuir-se- n\u00e3o a processos m\u00f3rbidos cong\u00eanitos ou adquiridos, e sim, em grande parte, a n\u00edtidas anormalidades do meio em que vive o indiv\u00ed- duo: \u00e9 a debilidade mental socialmente condicionada. \u201cA m\u00e1 educa\u00e7\u00e3o, a escolaridade deficiente, a car\u00eancia permanente de estimula\u00e7\u00e3o mental, a restri\u00e7\u00e3o do interesse ao ganha-p\u00e3o e \u00e0 manuten\u00e7\u00e3o do eu vegetativo \u2014 s\u00e3o, indubitavelmente, circunst\u00e2ncias: que geram defeitos graves do saber e do ju\u00edzo, al\u00e9m de orientar o indiv\u00edduo, em conjunto, numa dire\u00e7\u00e3o de todo ego\u00edstica e moralmente baixa\u201d (Bonhoeffer). Observam-se formas v\u00e1- rias de debilidade mental desse tipo, atribu\u00edveis ao meio, nos vagabundos de toda sorte, meretrizes, rendeiros abastados que, desde a inf\u00e2ncia, nada fizeram e nada sofreram, nas pessoas internadas de longa data em sana- t\u00f3rios, devido a queixas som\u00e1ticas ou nervosas, nos hospitalizados de todo tipo."], ["7. Embotamento Emocional e Pseudo-Dem\u00eancia. Confundem- se os de-", "feitos da intelig\u00eancia com certos estados agudos, com altera\u00e7\u00f5es encontra- das nas depress\u00f5es, nas hipomanias, nas confus\u00f5es. Tamb\u00e9m \u00e9 f\u00e1cil con- fundi-los com a falha de todas as capacidades que ocorrem nas rea\u00e7\u00f5es afetivas e na obtusidade emocional (Jung). \u00ca o que se v\u00ea tanto em exames quanto em experi\u00eancias m\u00e9dicas e muitas outras circunst\u00e2ncias que per- turbam, de um modo ou de outro, pessoas predispostas. Enfim, podem-se confundir com dist\u00farbio da intelig\u00eancia os quadros pseudo-demenciais das psicoses carcer\u00e1rias, que, em certas condi\u00e7\u00f5es, se estendem por lon- gos per\u00edodos, embora se conserve lucidez relativa; esses quadros, que sem- pre se curam, s\u00f3 se podem atribuir ao efeito do complexo carcer\u00e1rio, quando \u00e9 hist\u00e9rica a constitui\u00e7\u00e3o do paciente."], ["c) Exame da Intelig\u00eancia", "Como \u00e9 que ajuizamos a intelig\u00eancia de uma pessoa? Somente pelos rendimentos efetivos que se podem obter e pelo comportamento que se pode observar quando se lhe d\u00e3o' certas tarefas. N\u00e3o basta, enfim, uma vida inteira, pelo menos considerando os estreitos limites em que decorre a exist\u00eancia de quase todos os seres humanos, para evidenciar todas as disposi\u00e7\u00f5es intelectuais. O conhecimento das biografias e dos rendimentos"], ["\u00e9 a fonte mais importante que temos para avaliar a intelig\u00eancia. Mas n\u00e3o nos satisfazemos com isso. Gostar\u00edamos de formar tamb\u00e9m ju\u00edzos funda- mentados, mediante explora\u00e7\u00f5es breves, o que \u00e9, at\u00e9 certo ponto, poss\u00edvel, conquanto possamos, em certas observa\u00e7\u00f5es casuais, que fazemos na pr\u00f3- pria cl\u00ednica, aprofundar-nos mais do que mediante experi\u00eancias planeja- das. S\u00e3o observa\u00e7\u00f5es que surgem do di\u00e1logo habitual, se, por exemplo, como m\u00e9dicos, formulamos certas perguntas que a longa experi\u00eancia prova serem \u00fateis (perguntas distintivas: por exemplo, distin\u00e7\u00e3o entre erro e mentir\u00e1, saber e f\u00e9 etc.; c\u00e1lculos matem\u00e1ticos tais como nunca se apren- deram: 117 \u2014 29; perguntas sobre o modo por que o doente v\u00ea sua situa- \u00e7\u00e3o, ou por que julga as coisas de sua vida profissional e de suas condi- \u00e7\u00f5es pessoais etc.). T\u00eam-se, finalmente, procurado elaborar m\u00e9todos com- plicados: por exemplo, manda-se a pessoa completar logicamente um texto do qual se eliminaram muitas palavras e s\u00edlabas (Ebbinghaus: teste com- plementativo); ou pede-se-lhe que descreva, de mem\u00f3ria, certas figuras (teste de mem\u00f3ria de Stern); ou ainda, conte hist\u00f3rias que lhe contamos etc."], ["O que resulta das experi\u00eancias at\u00e9 o momento feitas para avaliar a in- telig\u00eancia \u00e9 o seguinte: s\u00f3 se podem avaliar aptid\u00f5es -em certa dire\u00e7\u00e3o se nessa mesma dire\u00e7\u00e3o existem rendimentos. Assim \u00e9 que os testes comple- mentativos, os testes mn\u00eamicos etc. n\u00e3o possibilitam quaisquer conclu- s\u00f5es seguras concernentes aos rendimentos poss\u00edveis de obter em outras dire\u00e7\u00f5es. Somos perfeitamente capazes, se utilizamos todas as fontes (anamnese, di\u00e1logo, experi\u00eancias) de formar certa opini\u00e3o da intelig\u00eancia de uma pessoa; n\u00e3o podemos avali\u00e1-la em \u00abrela\u00e7\u00e3o a todos os casos e tare- fas. :\u00c9 pretens\u00e3o ut\u00f3pica avaliar a intelig\u00eancia de uma crian\u00e7a mediante testes, a fim de saber em que profiss\u00f5es se pode aproveitar, ou que rendi- mento dela se podem obter; a menos que se trate de rendimentos t\u00e9cnicos relativamente simples e de qualidades, apenas, do aparelho psicof\u00edsico. S\u00f3 os sucessos e insucessos que, muitas vezes, se manifestam, de maneira surpreendente, no correr da vida, \u00e9 que v\u00e3o permitir avalia\u00e7\u00f5es subse- quentes, se bem que, em casos extremos de disposi\u00e7\u00e3o deficit\u00e1ria, seja poss\u00edvel restringir o c\u00edrculo das possibilidades futuras. Na pr\u00e1tica, conse- gue-se selecionar, experimentalmente, em grupos de indiv\u00edduos que se prop\u00f5em- para certo trabalho, uma quantidade deles relativamente mais apta, desde que se leve em conta certa margem de erros. O m\u00e9todo \u00e9 v\u00e1- lido, por exemplo, quando se querem eliminar portadores de cegueira para cores; mas querer, por esta forma, fazer sele\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m para as profis- s\u00f5es intelectuais \u00e9 correr o risco, talvez, de considerar incapazes, justa- mente, os mais dotados."], ["Sempre que se fazem avalia\u00e7\u00f5es da intelig\u00eancia de um indiv\u00edduo, cum- pre distinguir, de um lado, o mais alto grau de rendimento poss\u00edvel; de ou- tro, a rela\u00e7\u00e3o de rendimentos corretos e errados, \u00fateis e in\u00fateis, v\u00e1lidos e inv\u00e1lidos (Bleuler). O que se observa \u00e9 que uma pessoa considerada pouco inteligente, pelo segundo ponto de vista, d\u00e1 excelente rendimento pelo pri- meiro e vice-versa.", "1.3. OS SINTOMAS DA VIDA PS\u00cdQUICA NOS FEN\u00d4MENOS SOM\u00c1TICOS CONCOMITANTES E CONSECUTIVOS (SOMATOPSICOLOGIA)"], ["H\u00e1 uma quantidade de fen\u00f4menos som\u00e1ticos que se podem determinar objetivamente e que se manifestam sem. interfer\u00eancia da vontade e sem fi- nalidade consciente; mais ainda, sem que se possa avali\u00e1-los como \u201crendi- mentos\u201d significativamente objetivos para o mundo, nem compreend\u00ea-los como express\u00e3o ps\u00edquica; fen\u00f4menos que se produzem quando existem certos processos ps\u00edquicos, precedentes ou concomitantes. Trata-se de achados som\u00e1ticos, que se relacionam ou se podem relacionar com o psi- quismo, sem serem, no entanto, compreens\u00edveis, quer fisiognomicamente, quer mimicamente. Inicialmente, nada mais s\u00e3o do que fatos n\u00e3o psiqui- camente objetivos, som\u00e1ticos."], ["Observa\u00e7\u00f5es Preliminares Sobre Corpo E Alma"], ["A unidade de corpo e alma, como unidade do todo vivo, afigura-se pre- sente em todo homem. O fato existe da unidade do indiv\u00edduo como corpo, que \u00e9 alma, ou que tem alma, ou que a manifesta; sem que, no entanto, por isto, a indubit\u00e1vel unidade corpo-alma seja vis\u00edvel tal qual objeto que se possa reconhecer. O que queremos, pensamos, apreendemos \u00e9 sempre alguma coisa que j\u00e1 deriva da unidade, alguma coisa especial da qual se pode inquirir como se porta em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 unidade do todo. Da\u00ed por que tudo quanto se disser da unidade corpo-alma vir\u00e1 a ser n\u00e3o s\u00f3 est\u00e9ril, mas paralisante, se se suspeitar de erro a via da an\u00e1lise psicol\u00f3gica e som\u00e1tica. A unidade corpo-alma \u00e9 verdadeira como ideia, apenas; ideia que veda a absolutiza\u00e7\u00e3o de qualquer an\u00e1lise como conhecimento provis\u00f3rio e man- t\u00e9m a d\u00favida quanto \u00e0 rela\u00e7\u00e3o de tudo para tudo existente na vida som\u00e1- tica e ps\u00edquica. A unidade ou \u00e9 turva e incompreens\u00edvel, em seu imedia- tismo, ou n\u00e3o se pode alcan\u00e7ar, como objeto de conhecimento; o que se al- can\u00e7a, sim, \u00e9, apenas, a ideia que o conhecimento \u2014 s\u00f3 como tal \u2014 parti- cular e determinado da vida pode conter."], ["a) A separa\u00e7\u00e3o de corpo e alma", "A separa\u00e7\u00e3o de corpo e alma pode afigurar-se pensamento claro, sem necessidade de maior fundamenta\u00e7\u00e3o. Resta, no entanto, a quest\u00e3o: que \u00e9"], ["que se chama corpo e que \u00e9 que se chama alma?", "Chama-se alma, por exemplo, a interioridade que se vivencia de modo imediato (os objetos da fenomenologia); chama-se aquilo que produz rendi- mentos significativos; chama-se aquilo que\\ aparece na. express\u00e3o, chama-se a unidade do eu, chama-se a subst\u00e2ncia ps\u00edquica subjacente etc.", "Corpo chama-se, por exemplo, a configura\u00e7\u00e3o morfol\u00f3gica do que vive;", "chamam-se os movimentos significativos vis\u00edveis; chamam-se os processos qu\u00edmicos, f\u00edsicos., biol\u00f3gicos; chamam-se as localiza\u00e7\u00f5es\\ cerebrais etc.", "Se a alma \u00e9 o todo, o que resulta \u00e9 que n\u00e3o \u00e9, empiricamente, tang\u00edvel esse todo ps\u00edquico; ou o \u00e9 t\u00e3o pouco quanto o corpo, uma vez que abranja tudo quando acontece no espa\u00e7o. \u00c9 s\u00f3 mediante determinada concep\u00e7\u00e3o, dada pelo todo \u2014 n\u00e3o como alma em geral ou como corpo em geral \u2014 que podemos alcan\u00e7ar um objeto emp\u00edrico.", "Se, de um modo ou doutro, se separar o que \u00e9 ps\u00edquico e o que. \u00e9 so-"], ["m\u00e1tico, ter-se-\u00e1 de indagar que rela\u00e7\u00e3o guardam; indaga\u00e7\u00e3o sempre, pro- veitosa, quando se admite certa configura\u00e7\u00e3o que se possa objetivamente investigar, capaz, entretanto, de levar ao absurdo, quando colocada no todo e em princ\u00edpio. Vamos discutir uma coisa e outra."], ["b) A correla\u00e7\u00e3o de corpo e alma", "A correla\u00e7\u00e3o de corpo e alma estabelece-se, por vias m\u00faltiplas, em fa-", "tos que, usando ainda os conceitos corpo e alma de modo indeterminado, podemos formular, grosseiramente, da seguinte maneira:", "O som\u00e1tico atua sobre a alma (venenos, doen\u00e7as corp\u00f3reas, les\u00f5es ce-"], ["rebrais etc.).", "O ps\u00edquico atua sobre o corpo: ou na realiza\u00e7\u00e3o de prop\u00f3sitos volitivos", "(motricidade), ou em fen\u00f4menos consecutivos involunt\u00e1rios (batimentos card\u00edacos, press\u00e3o sangu\u00ednea, metabolismo etc.).", "O ps\u00edquico aparece compreensivelmente no som\u00e1tico (express\u00e3o da", "alma em forma e movimento do corpo).", "Que existe a correla\u00e7\u00e3o \u00e9 fato poss\u00edvel, em geral, de determinar-se em-", "piricamente; determina\u00e7\u00e3o que leva a certas concep\u00e7\u00f5es do que se pre- tende dizer quando se fala em corpo e em alma. Escapa, no entanto, \u00e0 ob- serva\u00e7\u00e3o o modo por que \u00e9 poss\u00edvel a correla\u00e7\u00e3o e \u2014 mais ainda \u2014 o que nela se passa. Se, por exemplo, eu mover a m\u00e3o para escrever, sei o que"], ["quero e meu corpo obedece a esse impulso intencional. Em parte, pode-se demonstrar de que maneira isso acontece, de acordo com termos neurol\u00f3- gicos e fisiol\u00f3gicos; mas o ato derradeiro pelo qual a inten\u00e7\u00e3o ps\u00edquica se transfere para o evento som\u00e1tico \u00e9 t\u00e3o inacess\u00edvel e inconceb\u00edvel quanto a magia; magia, por\u00e9m, fatual, n\u00e3o ilusion\u00edstica. O mesmo se d\u00e1 com todas as correla\u00e7\u00f5es ps\u00edquico-som\u00e1ticas."], ["c) A integra\u00e7\u00e3o de corpo e da alma em geral.", "Querer compreender a rela\u00e7\u00e3o entre o ps\u00edquico e o som\u00e1tico, no todo e em princ\u00edpio, \u00e9 deixar de tal modo levar-se por ideias metaf\u00edsicas que s\u00f3 ao absurdo se chega. Quer dualisticamente, no paralelismo do f\u00edsico e do ps\u00ed- quico, ou na intera\u00e7\u00e3o dos dois, quer monisticamente, de maneira materi- al\u00edstica (o ps\u00edquico sendo, apenas, epifen\u00f4meno acess\u00f3rio, ou qualidade do corpo), ou espiritual\u00edstica (o som\u00e1tico, sendo, apenas, manifesta\u00e7\u00e3o de uma subst\u00e2ncia ps\u00edquica que, s\u00f3 ela, \u00e9 viva) \u2014 quer se pense de um modo, quer de outro, s\u00e3o imposs\u00edveis as consequ\u00eancias que resultam. Para a investiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica, na medida em que se separam alma e corpo, o que importa, sobretudo, \u00e9 a categoria da intera\u00e7\u00e3o de ambos \u2014 a alma - atua sobre o corpo, o corpo atua sobre a alma \u2014 sem que, no entanto, coisa alguma da\u00ed se infira, nem absoluta, nem em princ\u00edpio v\u00e1lida.", "Surgiram as dificuldades metaf\u00edsicas desde que Descartes separou, por"], ["forma absoluta, o corpo e a alma; quando, peia primeira vez e com raz\u00e3o, introduziu a diversidade no espa\u00e7o entre o interior e o- exterior, entre os estados psiquicamente experimentados e os fatos corp\u00f3reos. Duas realida- des incompar\u00e1veis h\u00e1, cada uma delas suscet\u00edvel de observa\u00e7\u00e3o, descri\u00e7\u00e3o e investiga\u00e7\u00e3o, a res cogitans e a res extensa. Na diversidade radical entre a descri\u00e7\u00e3o das experi\u00eancias ps\u00edquicas (fenomenologia) e das observa\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas, essa descri\u00e7\u00e3o esclarecedora tem, at\u00e9 hoje, seu valor. Come- \u00e7ou, todavia, o engano, primeiramente, no lato de haver-se entendido como alma apenas a viv\u00eancia interna consciente e como corpo tamb\u00e9m apenas o evento material no espa\u00e7o, mecanicamente explic\u00e1vel; em se- gundo lugar, no fato de se terem transformado esses aspectos de coisas extremamente diversas em subst\u00e2ncia do ser. A plenitude da realidade, que n\u00e3o \u00e9, em ess\u00eancia, nem viv\u00eancia interior ps\u00edquica, nem processo so- m\u00e1tico espacial, e sim est\u00e1 nalguma coisa entre um e outro \u2014 por exem- plo, rendimentos significativos, express\u00e3o compreens\u00edvel, a\u00e7\u00e3o e mundo, cria\u00e7\u00e3o espiritual \u2014 acabou ruindo, quando se quis tomar como absoluta a clivagem dual\u00edstica. A separa\u00e7\u00e3o que Descartes estabeleceu cabe, quando \u00e9 correta, e quando mostra fatos resultantes da an\u00e1lise met\u00f3dica"], ["nela baseada, desaparecendo, por\u00e9m, quando se quer abranger a pr\u00f3pria vida.", "O que Descartes quis foi superar a antiga \u2014 e magn\u00edfica, \u00e0 sua ma- neira \u2014 concep\u00e7\u00e3o da vida, tal qual subsistia de Arist\u00f3teles a. S. Tom\u00e1s: concep\u00e7\u00e3o de uma hierarquia que, na totalidade do ser corp\u00f3reo-espiri- tual, considerava a alma que se nutre, que sente e que pensa. Numa alma imaterial do homem est\u00e1 a \u201cforma substancial\u201d do corpo- humano, que, por assim dizer, se enobrece, enquanto a alma se corporifica; sem determi- na\u00e7\u00e3o, no entanto, de diversidade essencial entre f\u00edsico e ps\u00edquico."], ["At\u00e9 hoje vale a pena estudar a psicologia de S. Tom\u00e1s, porque \u00fa prot\u00f3- tipo e realiza\u00e7\u00e3o de um grande tipo, valendo a pena meditar nas. classifi- ca\u00e7\u00f5es que estabelece. Tomemos um ponto particular: S. Tom\u00e1s, distingue o conhecimento sensual e a aspira\u00e7\u00e3o sensual (que s\u00e3o dependentes ime- diatos do corpo) do racioc\u00ednio e da aspira\u00e7\u00e3o espiritual, que dependem, mediatamente, do corpo. O sensual divide-se em: (1) os sentidos externos, tato, gosto, olfato, ouvido, vis\u00e3o; (2) as capacidades sensuais internas, en- tre as quais se contam o senso comum (gra\u00e7as ao qual se fazem conscien- tes as sensa\u00e7\u00f5es particulares e se apreende o que \u00e9 sensato \u2014 movimento e repouso, unidade e pluralidade, grandeza, forma; \u00e9 o centro no qual se unem todos os sentidos), a imagina\u00e7\u00e3o (que guarda as impress\u00f5es e as re- produz na representa\u00e7\u00e3o e na fantasia), o ju\u00edzo sensual (os instintos, im- pulsos instintivos, a capacidade instintiva de avaliar superam a percep\u00e7\u00e3o e levam \u00e0 forma\u00e7\u00e3o de ju\u00edzos, constituindo uma esp\u00e9cie, de participa\u00e7\u00e3o na raz\u00e3o), a mem\u00f3ria sensual (que guarda experi\u00eancias sensoriais equipa- das de sinais temporais). Acrescentem-se: (3) a aspira\u00e7\u00e3o sensual do appe- titus concupiscibilis-iraccibiliis, mais as paix\u00f5es."], ["Se bem que se possa modificar de m\u00faltiplas formas a vis\u00e3o b\u00e1sica do todo corpo-alma, subsiste-lhe o tra\u00e7o fundamental, que \u00e9 o car\u00e1ter- abso- luto de uma unicidade reconhec\u00edvel, embora a concep\u00e7\u00e3o cartesiana, mais recente, visse como absolutas as duas subst\u00e2ncias. A concep\u00e7\u00e3o- antiga dava uma imagem do- todo, preservava a plenitude, n\u00e3o cedia quanto \u00e0 unidade do corpo e da alma, em todo o ps\u00edquico via o som\u00e1tico, em todo o som\u00e1tico via o ps\u00edquico; da\u00ed por que se tem, renovadamente, at\u00e9 hoje e com frequ\u00eancia, oposto a Descartes, tal qual se d\u00e1 com o conceito de psi- c\u00f3ides, em que Breuler, h\u00e1 n\u00e3o muito tempo, procurou reunir o que h\u00e1 de comum \u00e0 vida som\u00e1tica e ps\u00edquica: as fun\u00e7\u00f5es mn\u00eamicas, a integra\u00e7\u00e3o, a intencionalidade das estruturas e- for\u00e7as. A falha, contudo, est\u00e1 aqui, como sempre em esquemas desta natureza, na circunst\u00e2ncia de a concep-"], ["\u00e7\u00e3o total possibilitar um esquema da ideia, mas n\u00e3o um objeto de conheci- mento real que se possa investigar. Fazer absoluto o ser substancial da unidade corpo-alma \u00e9 o contr\u00e1rio de fazer absolutas as duas maneiras de ser, alma e corpo. A nosso ver, s\u00e3o de rejeitar tanto a concep\u00e7\u00e3o tomista quanto a cartesiana. A bem da verdade, o certo \u00e9 rejeitar qualquer absolu- tiza\u00e7\u00e3o e aderir ao conhecimento, embora sempre '\u2019parcial, definido, que, procedendo passo a passo, jamais cont\u00e9m, no entanto, o todo, porque o todo \u00e9, afinal, inacess\u00edvel ao conhecimento, pela pr\u00f3pria ess\u00eancia deste; e o conhecimento, formando-se para n\u00f3s com o tempo, s\u00f3 \u00e9 verdadeiro no espa\u00e7o que nos resta aberto do total. Se quisermos conhecer aquilo que, sendo totalidade transcendente, tem efeitos tanto ps\u00edquicos quanto som\u00e1- ticos, aquilo que \u00e9, primariamente, uma coisa e outra, veremos que tudo se some ante n\u00f3s na clareza de fatos definidos, acess\u00edveis \u00e0 nossa apreen- s\u00e3o, que jamais s\u00e3o esse pr\u00f3prio todo."], ["d) A coincid\u00eancia de corpo e alma, como fato poss\u00edvel de investigar.", "A coincid\u00eancia de corpo e alma \u00e9 coisa que cada um de n\u00f3s vivencia em si mesmo; e esta viv\u00eancia constitui, nas sensa\u00e7\u00f5es, o objeto da fenome- nologia e da somatopsicologia. Pode-se ver que papel t\u00eam .as sensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas para a percep\u00e7\u00e3o dos eventos corp\u00f3reos pr\u00f3prios e, bem assim, nos sentimentos, impulsos, paix\u00f5es. Mas essa viv\u00eancia n\u00e3o leva a um co- nhecimento que valha, em geral, para a unidade corpo-alma, apenas re- presentando, viv\u00eancia que \u00e9, objeto para o conhecimento das rela\u00e7\u00f5es corpo-alma."], ["Mais ainda: para n\u00f3s, a alma e o corpo est\u00e3o na express\u00e3o. Quando notamos alegria num semblante, n\u00e3o separamos alma e corpo, n\u00e3o con- templamos duas coisas diversas relacionadas entre si, mas um todo, que s\u00f3 secundariamente separamos em fen\u00f4meno som\u00e1tico e interioridade ps\u00ed- quica. O fato de contemplarmos uma express\u00e3o constitui fen\u00f4meno prim\u00e1- rio de nossa apreens\u00e3o do mundo, cuja riqueza em forma \u00e9 infinita; que \u00e9, em princ\u00edpio, misteriosa, permanentemente real e presente. Se quisermos falar em coincid\u00eancia de corpo e alma como fato poss\u00edvel de investigar, \u00e9 s\u00f3 aqui que o encontramos; antes de qualquer reflex\u00e3o que sirva de meio e objeto a uma cognoscibilidade espec\u00edfica (\"compreens\u00edvel\u201d), \u00e9 aqui que se acha aquilo que jamais, em parte alguma, atingimos depois de separar corpo e alma.", "De fato, porque temos sempre distinguido o ps\u00edquico e o som\u00e1tico, con- seguimos descobrir, ap\u00f3s esta separa\u00e7\u00e3o, correla\u00e7\u00f5es emp\u00edricas, mas n\u00e3o"], ["podemos pensar em coincid\u00eancia nem identidade de ambos; muito menos, v\u00ea-la."], ["Se quis\u00e9ssemos inscrever, por assim dizer, estruturas ps\u00edquicas nas estruturas som\u00e1ticas e afirmar a identidade de uma e outras, ser\u00edamos le- vados a concep\u00e7\u00f5es puramente te\u00f3ricas, sem base, absurdas \u00e0 melhor re- flex\u00e3o; por exemplo, se as imagens mn\u00eamicas residissem nas c\u00e9lulas gan- glionares e as associa\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas tivessem base e ess\u00eancia em configu- ra\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas do enc\u00e9falo; se se fixasse a base da liberdade, apenas, na incalculabilidade estatisticamente conceb\u00edvel dos fatos at\u00f4micos. Presumir coincid\u00eancia do som\u00e1tico e do ps\u00edquico em qualquer ponto do enc\u00e9falo \u00e9 fantasia do racioc\u00ednio abstrato, que n\u00e3o vai al\u00e9m de hip\u00f3tese vazia, inima- gin\u00e1vel, a come\u00e7ar pela ideia cartesiana de que a gl\u00e2ndula pineal fosse a sede da alma (tal qual um cavalheiro montado no cavalo). Que a alma est\u00e1 ligada ao corpo \u00e9, certamente, verdade indeterminada geral, fragmen- tando-se, por\u00e9m, numa multiplicidade de possibilidades investigativas o modo e a sede em que se estabelece a liga\u00e7\u00e3o. Seja como for, nega-se que haja, decisivamente, qualquer sede singular da realidade ps\u00edquica; o que h\u00e1 \u00e9 unia correla\u00e7\u00e3o e conex\u00e3o extremamente diversificada do psiquismo com fatores som\u00e1ticos indispens\u00e1veis. H\u00e1, decerto, pontos muito limitados do sistema nervoso cuja destrui\u00e7\u00e3o acarreta morte imediata ou r\u00e1pida; como h\u00e1 outros, cuja altera\u00e7\u00e3o provoca, logo de in\u00edcio, inconsci\u00eancia ou sono; outros ainda cujos dist\u00farbios alteram ou suprimem certas fun\u00e7\u00f5es (linguagem). \u00c9 certo haver tamb\u00e9m correla\u00e7\u00f5es de outro tipo com fun\u00e7\u00f5es do sistema end\u00f3crino neuro-hormonal, visto que alguns horm\u00f4nios geram disposi\u00e7\u00f5es e impulsos ps\u00edquicos e que a secre\u00e7\u00e3o interna de alguns hor- m\u00f4nios, dependente de motiva\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas, se prende a efeitos som\u00e1ti- cos e ps\u00edquicos. De outro tipo ainda s\u00e3o as correla\u00e7\u00f5es da constitui\u00e7\u00e3o ps\u00ed- quica com a estrutura som\u00e1tica. N\u00e3o h\u00e1, por\u00e9m, sede da alma, com locali- za\u00e7\u00e3o, grosseira sequer, ou hormonal, ou at\u00f4mica, ou ultramicroscopica- mente situada num evento. O que, hoje, vigora, sem altera\u00e7\u00e3o, \u00e9 a ma- neira de ver leibniziana no tocante ao conhecimento mec\u00e2nico do corpo: Se pud\u00e9ssemos entrar na m\u00e1quina do enc\u00e9falo, como se entr\u00e1ssemos numa f\u00e1brica, e observar, som\u00e1tica, objetivamente, mesmo o m\u00ednimo e derradeiro evento, mais n\u00e3o ver\u00edamos do que partes corp\u00f3reas entrecho- cando-se; coisa alguma observar\u00edamos que sequer fosse uma percep\u00e7\u00e3o e mediante a qual se pudesse explicar uma percep\u00e7\u00e3o. \u2014 Em resumo, pode- mos dizer: \u00e9 s\u00f3 onde vemos e vivenciamos, primariamente, no corpo a alma e a alma no corpo que est\u00e1 a coincid\u00eancia (restrita, por\u00e9m, ao fen\u00f4- meno compreens\u00edvel); em parte alguma encontramos a coincid\u00eancia, se ti-"], ["vermos separado corpo e alma e nos pusermos a indagar das rela\u00e7\u00f5es en- tre em e outra."], ["e) As \u00e1reas de pesquisa em que se v\u00ea a rela\u00e7\u00e3o corpo-alma."], ["O que resulta de nossa exposi\u00e7\u00e3o \u00e9 o seguinte: o problema corpo-alma", "est\u00e1, apenas, nas \u00e1reas da pesquisa, em cujo territ\u00f3rio ou subsiste a uni- dade como objeto prim\u00e1rio, ou se lhes pressup\u00f5e a separa\u00e7\u00e3o, metodica- mente, de maneira determinada.", "H\u00e1 ainda in\u00fameros setores de pesquisa em que nem a separa\u00e7\u00e3o, nem", "a unidade constitui problema ou tema; o que importa, sim, \u00e9 investigar outras realidades humanas, por si mesmas existentes, sem necessidade de estabelecer rela\u00e7\u00f5es com aquela problem\u00e1tica. Assim \u00e9 que, quando es- tudamos psicopatologia, lidamos cora muitos objetos n prop\u00f3sito dos, quais nada tem de essencial a quest\u00e3o da separa\u00e7\u00e3o ou da unidade de corpo e alma; por exemplo, as a\u00e7\u00f5es, rendimentos, cria\u00e7\u00f5es, conex\u00f5es compreens\u00edveis, a biografia, quase todas as quest\u00f5es sociol\u00f3gicas e hist\u00f3ri- cas."], ["Investigam-se as rela\u00e7\u00f5es corpo-alma:", "1. Na psicologia da express\u00e3o, que permite compreender a significa- \u00e7\u00e3o dos gestos e da fisionomia, do ponto de vista som\u00e1tico. 2. Nas rela\u00e7\u00f5es causais, cujo estudo visa a descobrir quais s\u00e3o os", "modos de ser som\u00e1ticos e de que maneira atuam sobre a psique. 3. Na inquiri\u00e7\u00e3o da estrutura som\u00e1tica e da constitui\u00e7\u00e3o, como fun-"], ["damento da caracteriza\u00e7\u00e3o ps\u00edquica.", "4. Nos fatos som\u00e1ticos, que representam uma sequ\u00eancia de proces- sos ps\u00edquicos, estes se considerando no presente cap\u00edtulo (Soma- topsicologia) e constituindo a rela\u00e7\u00e3o mais exterior e menos sig- nificativa entre alma e corpo, se os confrontamos com os resulta- dos obtidos quando estudamos a express\u00e3o. Havemos de ver, po- r\u00e9m, at\u00e9 que ponto se podem tirar conclus\u00f5es em certas cone- x\u00f5es compreens\u00edveis, quando se realizam condi\u00e7\u00f5es anormais.", "Classificamos os achados somatopsicol\u00f3gicos em tr\u00eas grupos:"], ["Em primeiro lugar, temos os fatos b\u00e1sicos psicossom\u00e1ticos, de modo-", "geral: s\u00e3o as sensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas, os fen\u00f4menos som\u00e1ticos que. perma- nentemente acompanham uns aos outros, o sono, a hipnose: fatos estes que existem, ou podem aparecer em todos os homens. Descrevem-se jun- tamente com alguns dist\u00farbios conexos.", "Em segundo lugar, h\u00e1 a depend\u00eancia de algumas doen\u00e7as org\u00e2nicas", "em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 psique: umas aparecem pela via ps\u00edquica; outras mol\u00e9stias puramente som\u00e1ticas seguem curso que, de um modo\u00ab ou de outro, n\u00e3o \u00e9 de todo independente do evento ps\u00edquico.", "Temos, em terceiro lugar, os achados som\u00e1ticos evidentes das psicoses,", "que n\u00e3o podemos relacionar com doen\u00e7as org\u00e2nicas conhecidas, mas que se lhes assemelham. Devemos- registr\u00e1-los, provisoriamente, admitindo a possibilidade de neles ocorrerem sintomas de doen\u00e7as org\u00e2nicas ainda desconhecidas, as quais influem nas psicoses em quest\u00e3o; al\u00e9m da possi- bilidade de haver, no caso, conex\u00f5es absolutamente outras."], ["\u00a7 1. Os Fatos Psicossom\u00e1ticos B\u00e1sicos"], ["a) Sensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas."], ["O evento som\u00e1tico \u00e9 percebido, objetivamente, pelo observador estra- nho em sintomas vis\u00edveis; determinam-se os fatos som\u00e1ticos pelos m\u00e9to- dos de pesquisa que a medicina, a cl\u00ednica e a fisiologia usam. Todo ho- mem, por\u00e9m, realiza em suas sensa\u00e7\u00f5es a percep\u00e7\u00e3o do respectivo corpo, o qual- se lhe torna objetivo; da\u00ed por que, nas sensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas, mais existe, certamente, do que simples sensa\u00e7\u00e3o objetiva de alguma, coisa que vem a ser meu corpo: s\u00e3o as sensa\u00e7\u00f5es pelas quais se experimenta a pr\u00f3- pria exist\u00eancia. Uma vez, contudo, acertado que- as sensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas fazem percept\u00edvel alguma coisa, a- qual \u00e9 por elas trazida diante de mim, trata-se de saber, em primeiro- lugar, se e at\u00e9 que ponto se realiza a coin- cid\u00eancia entre as sensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas e os processos org\u00e2nicos fatuais; em segundo lugar, at\u00e9 onde vai a percep\u00e7\u00e3o do pr\u00f3prio corpo (pois a maio- ria dos processos org\u00e2nicos se realiza imperceptivelmente, fora da consci- \u00eancia); finalmente, que significado t\u00eam para o conhecimento do> corpo as queixas som\u00e1ticas, narra\u00e7\u00f5es e percep\u00e7\u00f5es dos doentes."], ["Coincid\u00eancia em que se possa confiar \u00e9 raro existir. Al\u00e9m das sensa- \u00e7\u00f5es que resultam de processos org\u00e2nicos prim\u00e1rios, h\u00e1 as sensa\u00e7\u00f5es cor- respondentes a altera\u00e7\u00f5es org\u00e2nicas, que, como evento- som\u00e1tico, acom- panham, de modo permanente, a vida ps\u00edquica; ou. que, de uma forma ou de outra, surgem, com caracter\u00edsticas especiais, por mecanismo psicog\u00ea- nico; por exemplo, a pele percebe efeitos * vasomotores mediante sensa- \u00e7\u00f5es de calor e frio; quando h\u00e1 relaxamento muscular, sente-se peso; e do- res no caso de peristaltismo psicogenicamente acelerado. Temos, enfim, as in\u00fameras sensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas sem causa som\u00e1tica aparente, resultantes da aten\u00e7\u00e3o, da expectativa, da preocupa\u00e7\u00e3o etc."], ["Normalmente, embora restrito o c\u00edrculo das sensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas, pode-se-lhes ampliar a perceptibilidade a limites indetermin\u00e1veis. A acen- tuada aten\u00e7\u00e3o interna que se d\u00e1 ao pr\u00f3prio corpo, tal qual a descreve J. H. Schultz no treinamento aut\u00f3geno, conduz \u00e0 \u201cdescoberta de viv\u00eancias org\u00e2- nicas\u201d que n\u00e3o repousam, apenas, em sugest\u00e3o, nem s\u00e3o elabora\u00e7\u00e3o ilu- s\u00f3ria de sensa\u00e7\u00f5es normais, e sim amplia\u00e7\u00e3o test\u00e1vel de uma percep\u00e7\u00e3o corp\u00f3rea real.", "Os doentes nos informam a respeito de sensa\u00e7\u00f5es subjetivas numero- s\u00edssimas. Note-se, no tocante ao que constitui a somato-psique, uma coisa que \u00e9 aqui fundamental. Podemos classificar todas as \u201csensa\u00e7\u00f5es org\u00e2ni- cas\u201d, \u201csensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas\u201d, \u201cdores\u201d, \u201csensa\u00e7\u00f5es falsas\u201d, \u201csentimentos vi- tais\u201d nos tr\u00eas grupos seguintes:", "1. Alucina\u00e7\u00f5es e pseudoalucina\u00e7\u00f5es. Delas falamos no Cap\u00edtulo Pri- meiro, Primeira Sec\u00e7\u00e3o, par\u00e1grafo 1, al\u00ednea d).", "2. Processos som\u00e1ticos, que ocorrem nos \u00f3rg\u00e3os e no sistema-, ner- voso e que o pesquisador ainda n\u00e3o pode determinar objetiva- mente, j\u00e1 s\u00e3o notados, subjetivamente, pelo doente. Malgrado to- das as ilus\u00f5es, al\u00e9m da falta de capacidade cr\u00edtica comum a to- dos os homens, \u00e9 significativo para o m\u00e9dico comprovar com exatid\u00e3o os sintomas subjetivos, levando em considera\u00e7\u00e3o a ca- pacidade que tem o doente de ser objetivo. Da\u00ed talvez lhe seja poss\u00edvel obter ind\u00edcios de eventos ps\u00edquicos, ou aceder \u00e0 origem ps\u00edquica de sensa\u00e7\u00f5es ilus\u00f3rias (organicamente observadas).", "3. \u00c0 maior parte dos homens \u00e9 imposs\u00edvel enfrentar com atitude quieta suas sensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas; pelo contr\u00e1rio, \u00e9 comum ver falsifica\u00e7\u00f5es resultarem do medo e de outros processos ps\u00edqui- cos; falsifica\u00e7\u00f5es que constituem, elas mesmas, outra realidade. Associadas a altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas, vivenciam-se sensa\u00e7\u00f5es a que, presumivelmente, falta qualquer base som\u00e1tica al\u00e9m daquelas que se podem, apenas, postular, de modo diretamente som\u00e1tico, na. vida ps\u00edquica; essas sensa\u00e7\u00f5es dependem, totalmente, do psiquismo. \u00c9 o que acontece, por exemplo, com as sensa\u00e7\u00f5es hist\u00e9ricas e outras. Neste particular, t\u00eam interesse especial as dores, das quais as mais intensas nem sempre se sentem. A am- puta\u00e7\u00e3o do. bra\u00e7o de um ferido pode realizar-se, \u00e0s vezes \u2014 ra- ras \u2014 em estado de entusiasmo b\u00e9lico e sem anestesia, en- quanto o soldado narra suas fa\u00e7anhas; os m\u00e1rtires conseguem suportar torturas e a pr\u00f3pria morte sem acusar sofrimento. Por outro lado, podem algumas dores intensas aparecer sem que se consiga determinar-lhes base org\u00e2nica, caso em que se interpre- tam, parcialmente, como s\u00edmbolos, como meio para realiza\u00e7\u00e3o de um objetivo, como conte\u00fado da ansiedade. \u00c2 aten\u00e7\u00e3o pode au- mentar a dor, atrav\u00e9s da preocupa\u00e7\u00e3o; como pode moder\u00e1-la"], ["pela observa\u00e7\u00e3o objetiva; ou fazer esquec\u00ea-la pela distra\u00e7\u00e3o.", "De modo geral, pode-se dizer que as informa\u00e7\u00f5es dos pacientes \u2014 par- ticularmente, dos neur\u00f3ticos \u2014 a respeito de percep\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas s\u00e3o de valorar-se como achados, mas n\u00e3o como ponto de partida para o conheci- mento de processos somatops\u00edquicos. Confiar nelas como percep\u00e7\u00f5es sen- soriais aut\u00eanticas, tal qual fossem observa\u00e7\u00f5es reais, equivaleria a tratar as fantasias vivenciadas dos neur\u00f3ticos como constata\u00e7\u00e3o de fatos verda- deiros.1", "b) Fen\u00f4menos som\u00e1ticos concomitantes permanentes."], ["Em todos os processos da vida ps\u00edquica normal, sobretudo naqueles li-", "gados \u00e0 afetividade, j\u00e1 se observam, ou diretamente, ou por forma experi- mental, com o aux\u00edlio de aparelhos, fen\u00f4menos som\u00e1ticos concomitantes \u2014 e mesmo pelo efeito dos mais leves est\u00edmulos.", "Assim \u00e9 que a vergonha e o susto fazem corar e empalidecer; o nojo causa v\u00f4mitos. Os abalos emocionais fazem correr l\u00e1grimas; quando se sente medo, bate o cora\u00e7\u00e3o, os joelhos tremem, suor frio escorre, a gar- ganta seca, os cabelos erri\u00e7am-se, as pupilas dilatam-se, os olhos saltam. Havendo tens\u00e3o ansiosa, h\u00e1 tamb\u00e9m diarreia e compuls\u00e3o a urinar2. Mui- tos outros afetos aumentam a secre\u00e7\u00e3o urin\u00e1ria. Os abalos ps\u00edquicos ini- bem a secre\u00e7\u00e3o da mucosa respirat\u00f3ria, das gl\u00e2ndulas salivares e lacri- mais (como tamb\u00e9m ocorre na melancolia).", "Com o aux\u00edlio de aparelhos, podem-se observar exatamente altera\u00e7\u00f5es respirat\u00f3rias e card\u00edacas, vasomotoras, afetando \u00e0s vezes o volume dos \u00f3r-"], ["1 Em estudo pormenorizado, (K\u00f6rpergeschehen und Ucurose, Internat. Z. Psychoanalyse, vol. 19, p\u00e1g. 15 (1931), V. von Weizs\u00e4cker tentou, \u201cde maneira met\u00f3dica, associar o saber an\u00e1tomo-fisiol\u00f3gico ao pbicoanal\u00edtico\u201d. Estu- dando as fantas\u00edas extravagantes de um psicopata com dist\u00farbio da mic\u00e7\u00e3o, a fim de penetrar as conex\u00f5es psico- fisiol\u00f3gicas, procurou este autor testar \u201ca\\ suposi\u00e7\u00e3o de haver o doente, por meio de suas viv\u00eancias, revelado a respeito do processo mais do que nos seria dado, doutra forma, perceber\u201d. Teria o doente, \u201ccertamente, con- tado, na an\u00e1lise, apenas um quadro; quadro, por\u00e9m,:^ exato,.\u00e9m pontos importantes, de seu evento org\u00e2nico\u201d. Seria de admitir, que \u201cas ideias, imagens e formula\u00e7\u00f5es do paciente tivessem valor representativo de alguma coiSa que n\u00e3o vivenciasse de modo imediato, ou seja, os rendimentos de seu> sistema nervoso\u201d. Von Weizs\u00e4cker pretendeu, com o processo de que usou, ser poss\u00edvel pressupor \u201ccomo estabelecido o m\u00e9todo psicoanal\u00edtico e, ao mesmo tempo, os pontos principais do respectivo conhecimento\u201d; e \u201cpodermos arriscar-nos a abordar tam- b\u00e9m sob outro aspecto certos resultados que a psicoan\u00e1lise j\u00e1 permitira alcan\u00e7ar\u201d. N\u00e3o posso aceitar este pressu- posto, porque n\u00e3o me conven\u00e7o da propriedade de assim representar e interpretar este caso de dist\u00farbio da mic- \u00e7\u00e3o."], ["2 Bergmann e Katsch (Dtsch. med. Wschr., 1913), utilizando animais, viram por uma janela de celuloide na parede abdominal que os intestinos empalideciam e paravam sob a a\u00e7\u00e3o de est\u00edmulos desagrad\u00e1veis. Bastava, por\u00e9m, apresentar alimento para que a peristalse fosse estimulada \u00e0 r.imoles vista da comida"], ["g\u00e3os (deslocamento da massa sangu\u00ednea para v\u00e1rias partes do corpo de- vido a constri\u00e7\u00e3o e dilata\u00e7\u00e3o localmente diversas), oscila\u00e7\u00f5es dentro de um circuito galv\u00e2nico tirado de dois pontos da superf\u00edcie cut\u00e2nea, movimentos pupilares. Que a secre\u00e7\u00e3o g\u00e1strica depende de influ\u00eancias ps\u00edquicas v\u00ea-se pela inibi\u00e7\u00e3o que ocorre quando h\u00e1 descontentamento e quando se dorme, ou pelo aumento resultante de ideias provocadas por est\u00edmulos visuais ou ac\u00fasticos, quando se apresentam alimentos, ou quando se despertam sen- timentos prazerosos. Tais fen\u00f4menos concomitantes, quando se estudam doentes mentais e se observa o modo por que se alteram em sua intensi- dade e curso, podem ajudar a descobrir os processos ps\u00edquicos subjacen- tes. Da\u00ed ser interessante saber se, numa situa\u00e7\u00e3o de estupor, a consci\u00ean- cia est\u00e1 de todo vazia, ou se alguma coisa se passa nos enfermos."], ["Devemos a Gregor torna valora\u00e7\u00e3o do fen\u00f4meno reflexo psicogalv\u00e2nico para ajuizamento dos processos ps\u00edquicos em doentes mentais. Se se colo- carem electr\u00f3dios em dois pontos da pele, as m\u00e3os, por exemplo \u2014 e se es- tabelecer um circuito, poder-se-\u00e1 derivar do corpo uma fraca corrente gal- v\u00e2nica e registrar em curva as oscila\u00e7\u00f5es da intensidade dessa corrente na sequ\u00eancia cronol\u00f3gica; oscila\u00e7\u00f5es que obedecem a condicionamento em parte f\u00edsico, em parte fisiol\u00f3gico, em parte ps\u00edquico. Refinando a t\u00e9cnica e criticando o que se observa, foi poss\u00edvel destacar os efeitos derradeiros de maneira bastante convincente. Investigando-se a curva em seu aspecto de curva de repouso, ou em suas oscila\u00e7\u00f5es sob a a\u00e7\u00e3o de est\u00edmulos exter- nos, nota-se que a curva de repouso se desenvolve em formas carater\u00edsti- cas, como tamb\u00e9m se observa que as rea\u00e7\u00f5es psicogalv\u00e2nicas diminuem ou aumentam; ou h\u00e1 at\u00e9, por fim, comportamento diverso conforme o tipo de estimulo (campainha, dores por belisc\u00f5es na pele, c\u00e1lculos que se man- dam resolver, chamados com palavras emocionalmente carregadas de \u201ccomplexos\u201d etc.)."], ["O que Gregor estabeleceu, de modo particular, foi o seguinte:", "1) As formas por que a curva de repouso se desenvolve s\u00e3o de interpre-", "tar-se como express\u00e3o de processos internos, ps\u00edquicos; de modo pouco n\u00edtido, entretanto, at\u00e9 o momento. Gregor considera \u201ccurva de afeto\u201d aquela que sobe em linha reta.", "2) Diminui\u00e7\u00e3o ou supress\u00e3o das rea\u00e7\u00f5es psicogalv\u00e2nicas encontra-se quando h\u00e1 embotamento afetivo permanente (muitos estados catat\u00f4nicos terminais, paralisias, epilepsias, dem\u00eancias. arterioscler\u00f3ticas), bem como em estados passageiros de atimia; por exemplo, quando faltam respostas afetivas (tanto em melancolias cur\u00e1veis quanto em estupores catat\u00f4nicos);", "\u00e9 tamb\u00e9m, segundo parece, frequente na ocorr\u00eancia de fen\u00f4menos de ini- bi\u00e7\u00e3o e exaust\u00e3o de tipo psicast\u00eanico.", "3) Nota-se aumento das rea\u00e7\u00f5es psicogalv\u00e2nicas, por exemplo, quando se mandam fazer c\u00e1lculos, que significam maior esfor\u00e7o em estados de ini- bi\u00e7\u00e3o.", "4) \u00c0s rea\u00e7\u00f5es s\u00e3o diversas conforme se diversifiquem os est\u00edmulos. As- sim \u00e9 que os psicast\u00eanicos inibidos reagem com a maior intensidade a c\u00e1l- culos; os dementes (muitos), paral\u00edticos e epil\u00e9ticos \u00e9 a est\u00edmulos doloro- sos que mais intensamente reagem.", "5) Entre os achados especiais, \u00e9 de notar-se que os estados, mesmo do tipo mais acentuado, de debilidade mental cong\u00eanita apresentam rea\u00e7\u00f5es de grau normal, contrariamente \u00e0s formas de embotamento afetivo adqui- rido; e tamb\u00e9m que, nas excita\u00e7\u00f5es hebefr\u00eanicas e paral\u00edticas de car\u00e1ter hipoman\u00edaco, faltam todas as rea\u00e7\u00f5es, aparecendo, no entanto, sempre n\u00ed- tidas e vivazes nas hipomanias verdadeiras. s\u00e3o os movimentos pupilares; ali\u00e1s, as pupilas apresentam, de modo quase permanente, quando nenhum est\u00edmulo externo atua, a chamada in- quieta\u00e7\u00e3o pupilar, que acompanha os movimentos ps\u00edquicos, as oscila\u00e7\u00f5es da consci\u00eancia quando se est\u00e1 atento e quando se faz qualquer esfor\u00e7o mental, correspondendo \u00e0 curva psicogalv\u00e2nica de repouso. As pupilas sempre dilatam-se quando se produzem impress\u00f5es ps\u00edquicas, quando se fazem quaisquer esfor\u00e7os mentais, quando afetos surgem; principalmente, a est\u00edmulos dolorosos. O medo intenso dilata ao m\u00e1ximo e suprime a rea- \u00e7\u00e3o das pupilas \u00e0 luz; pelo contr\u00e1rio, durante o sono, as pupilas estrei- tam-se. Quer a inquieta\u00e7\u00e3o pupilar, quer a dilata\u00e7\u00e3o reativa desaparecem nos estados demenciais graves, sobretudo no caso de dem\u00eancia precoce (fen\u00f4meno de Bumke).", "Apresentam-se ainda fen\u00f4menos concomitantes a processos ps\u00edquicos"], ["na modifica\u00e7\u00e3o da press\u00e3o arterial, da frequ\u00eancia do pulso e da respira\u00e7\u00e3o, s quando se fazem pesquisas pletismogr\u00e1ficas (em cujo decurso se regis- tram as oscila\u00e7\u00f5es que sofre o volume de determinadas partes do corpo, conforme os vasos, de um momento para outro, se encham mais ou me- nos de sangue). O medo eleva a press\u00e3o arterial de forma extraordin\u00e1ria. Tamb\u00e9m se percebe aumento da press\u00e3o arterial tanto na mania quanto na melancolia; mais nesta \u00faltima. A frequ\u00eancia do pulso sobe com o traba- lho mental e quando se experimentam emo\u00e7\u00f5es desprazerosas; diminui, passageiramente, quando se presta aten\u00e7\u00e3o a certos est\u00edmulos, e tamb\u00e9m"], ["quando a pessoa se assusta, quando \u00a7e acha tensa, quando se alegra; au- mento dessa excitabilidade nota-se em neuropatas \u201cvaso-l\u00e1beis\u201d, em base- dowianos, doentes esgotados e convalescentes- S\u00e3o t\u00edpicas da catatonia a tens\u00e3o vascular (que aparece, \u00e0 pletismografia, como rigidez de volume), a rigidez da musculatura pupilar, a tens\u00e3o da musculatura estriada (consi- derem-se todos estes sintomas resultantes de inerva\u00e7\u00e3o aut\u00f4noma, e n\u00e3o de processos ps\u00edquicos \u2014 de Jong).", "Weinberg observou, com a pletismografia e a electrocardiograf\u00eda, fen\u00f4-", "menos electrogalv\u00e1nicos, respirat\u00f3rios e pupilares. Todos reagem concomi- tante e persistentemente, a qualquer processo ps\u00edquico, como, por exem- plo, o simples tocar de uma campainha; e de tal forma que \u201ca eleva\u00e7\u00e3o do n\u00edvel de consci\u00eancia\u201d produz, em consequ\u00eancia dos est\u00edmulos, os fen\u00f4me- nos que se baseiam no aumento da \u201cestimula\u00e7\u00e3o \u201csimp\u00e1tica\u201d.", "Berger descobriu uma corrente el\u00e9trica muito fraca que emana do c\u00e9re-"], ["bro, corrente esta cujo registro \u2014 o eletroencefalograma \u2014 apresenta v\u00e1- rias ondas, individualmente determinadas e caracter\u00edsticas de cada pessoa em particular. Essas ondas indicam um evento fisiol\u00f3gico, tamb\u00e9m estrei- tamente relacionado com o evento ps\u00edquico. As ondas s\u00e3o muito diversas, conforme o estado de vig\u00edlia e de sono: a consci\u00eancia, a aten\u00e7\u00e3o, qualquer atividade se manifestam em altera\u00e7\u00f5es da forma das ondas."], ["Os fen\u00f4menos som\u00e1ticos que acompanham os processos ps\u00edquicos nada nos informam, em sua multiplicidade (da qual s\u00f3 pouco dissemos), a n\u00e3o ser quanto ao fato daquela universal vincula\u00e7\u00e3o que existe entre psi- que e soma. \u00c9 unilateral conceber esses fen\u00f4menos como resultantes dos processos ps\u00edquicos, porque a rela\u00e7\u00e3o, assim que aparece, tamb\u00e9m atua, reciprocamente, sobre o psiquismo. De que forma isso se passa, em parti- cular, s\u00f3 se pode apreender mediante o conhecimento das conex\u00f5es fisio- l\u00f3gicas, as quais sempre ocorrem em c\u00edrculos: o evento ps\u00edquico gera uma s\u00e9rie de fen\u00f4menos som\u00e1ticos, que, por sua. vez, modificam o evento ps\u00ed- quico. \u00c9 o que pouco se percebe nos fen\u00f4menos concomitantes, ainda agora enumerados, que aparecem com rapidez. As pesquisas feitas sobre as secre\u00e7\u00f5es internas t\u00eam dado resultados mais claros quando existem fe- n\u00f4menos que duram mais tempo, de meia hora e intervalos mais longos. As excita\u00e7\u00f5es e inibi\u00e7\u00f5es v\u00e3o da mente, por exemplo, \u00e0 musculatura lisa dos vasos relativamente depressa; os efeitos sobre as gl\u00e2ndulas end\u00f3cri- nas, mais lentamente. Est\u00e3o-se vendo c\u00edrculos: psique, sistema nervoso vegetativo, gl\u00e2ndulas end\u00f3crinas, produ\u00e7\u00e3o hormonal, efeitos dos horm\u00f4- nios sobre processos som\u00e1ticos e de ambos sobre o sistema nervoso e a"], ["psique. Fora de d\u00favida \u00e9 que h\u00e1 muitos c\u00edrculos, dos quais s\u00f3 se pode fi- xar, objetivamente, de cada vez, um elo, quando se fazem registros experi- mentais. A compreens\u00e3o do todo h\u00e1 de melhorar \u00e0 medida que melhor se conhecerem, fisiologicamente, esses c\u00edrculos, a estrutura\u00e7\u00e3o respectiva e a respectiva intera\u00e7\u00e3o rec\u00edproca. O que sabemos, de in\u00edcio, muitas vezes, n\u00e3o passa de amostras incompreens\u00edveis, que, no entanto, nos ensinam a pressentir o impulso psicofisiol\u00f3gico complexo que quase s\u00f3 em experi\u00ean- cias com animais tem levado a certas constata\u00e7\u00f5es fisiol\u00f3gicas. At\u00e9 as ra- mifica\u00e7\u00f5es derradeiras, a vida ps\u00edquica est\u00e1 ligada ao evento som\u00e1tico, quer se trate das mais ligeiras excita\u00e7\u00f5es, quer dos abalos mais intensos."], ["Os fen\u00f4menos som\u00e1ticos concomitantes variam de intensidade e tipo no mesmo indiv\u00edduo e de um indiv\u00edduo para outro. Da\u00ed afirmar-se n\u00e3o ser constante a capacidade reacional vegetativa, O rubor, as secre\u00e7\u00f5es lacri- mais e salivar, os fen\u00f4menos dermogr\u00e1ficos, os reflexos card\u00edacos etc., apresentam-se com extrema varia\u00e7\u00e3o gradual. At\u00e9 certos venenos como a adrenalina, a pilocarpina, a atropina atuam com intensidade e de modo diferente, o que leva a falar em disposi\u00e7\u00e3o constitucional do sistema vege- tativo e a quase n\u00e3o relacionar a forma pela qual ele reage com a estrutura ps\u00edquica do homem; ou, ao contr\u00e1rio, a descobrir correla\u00e7\u00f5es com os tipos b\u00e1sicos de estrutura corp\u00f3rea e temperamento."], ["S\u00e3o muitos os achados que, em particular, se apresentam. Assim \u00e9, por exemplo, que h\u00e1 muitas pessoas nas quais os plexos nasais se conges- tionam quando h\u00e1 excita\u00e7\u00e3o ps\u00edquica. Tamb\u00e9m se nota intera\u00e7\u00e3o rec\u00ed- proca entre os plexos nasais e os \u00f3rg\u00e3os genitais. Com muita sorte pode-se intervir, terapeuticamente, por meios som\u00e1ticos ou psicol\u00f3gicos, nos cir- cuitos de a\u00e7\u00e3o vegetativo- psicol\u00f3gica, quando os mesmos se acham per- turbados; escassa, por\u00e9m, \u00e9 a possibilidade metodol\u00f3gica de avali\u00e1-los."], ["c) Sono", "Preliminares fisiol\u00f3gicas. O sono n\u00e3o \u00e9 fen\u00f3meno vital universal (\u00e9 algo inteiramente diverso da modifica\u00e7\u00e3o que ocorre em rela\u00e7\u00e3o a todos os pro- cessos biol\u00f3gicos, com a altern\u00e2ncia de dia e de noite). A diferen\u00e7a que existe, entre vig\u00edlia e sono e, pois, a consci\u00eancia da vig\u00edlia \u2014 tamb\u00e9m se ve- rifica em todos os vertebrados de sangue quente; o sono, por conseguinte, n\u00e3o \u00e9 especificamente humano. A consci\u00eancia depende do funcionamento de certo estado vital, animal, de tipo absolutamente primitivo. A altern\u00e2n- cia de sono e vig\u00edlia persiste mesmo no c\u00e3o descerebrado. \u00c9 muito prov\u00e1vel", "que se localize no tronco cerebral (talvez na subst\u00e2ncia cinzenta do ter- ceiro ventr\u00edculo) uma fun\u00e7\u00e3o relacionada com a consci\u00eancia e com o sono."], ["O sono nos \u00e9 indispens\u00e1vel \u00e0 vida, proporcionando recupera\u00e7\u00e3o ao c\u00e9- rebro. Se se obstar, permanentemente, o sono (o que, ali\u00e1s, \u00e9 quase irreali- z\u00e1vel), a morte sobrev\u00e9m. Passamos um ter\u00e7o da vida dormindo. O sono n\u00e3o \u00e9 paralisa\u00e7\u00e3o, mas repouso; algo tamb\u00e9m diverso, em princ\u00edpio, da narcose, porque esta n\u00e3o tem a\u00e7\u00e3o recuperativa. Os medicamentos narco- tizantes n\u00e3o atuam recuperativamente pela perda da consci\u00eancia, mas pelo sono natural ulterior que o medicamento induz. O sono hipn\u00f3tico, no entanto, \u00e9 sono verdadeiro, distinguindo-se do normal apenas pelo rapport estabelecido como o hipnotista; n\u00e3o h\u00e1, por\u00e9m, diferen\u00e7a fundamental, pois que mesmo no sono normal se consegue estabelecer rapport medi- ante conversa com aquele que sonha."], ["O sono \u00e9 fun\u00e7\u00e3o dos centros nervosos dos quais partem todas as modi- fica\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas que no sono ocorrem: ralentamento da respira\u00e7\u00e3o e da circula\u00e7\u00e3o, diminui\u00e7\u00e3o do metabolismo e da temperatura, escasseamento de algumas secre\u00e7\u00f5es, atenua\u00e7\u00e3o da rea\u00e7\u00e3o a est\u00edmulos, perda da consci- \u00eancia. Durante o sono, a psique mant\u00e9m-se viva em suas rea\u00e7\u00f5es a est\u00ed- mulos significativos, ao contr\u00e1rio do que se d\u00e1 quando h\u00e1 perda da consci- \u00eancia, narcose etc. O soldado que dorme durante o bombardeio desperta a est\u00edmulos significativos que emanam de ligeiros toques telef\u00f4nicos; a m\u00e3e desperta a t\u00eanues chamados do nen\u00e9m. Not\u00e1vel e indubit\u00e1vel \u00e9 a pontuali- dade com que se desperta a certa hora predeterminada (\u201crel\u00f3gio mental\u2019)."], ["Distingue-se dura\u00e7\u00e3o do sono de profundidade do sono. Quem dorme pouco costuma dormir muito profundamente. O sono profundo \u00e9 mais re- fazedor do que o sono superficial. A dura\u00e7\u00e3o m\u00e9dia do sono vai, no pri- meiro ano de vida, a 18 horas; dos 7 aos 14, a 10 horas; depois, at\u00e9 os 50, a 8 horas; passados os 60, \u00e9 frequente descer a 3-4 horas. A curva de pro- fundidade do sono, que se investiga pela mensura\u00e7\u00e3o da intensidade dos est\u00edmulos necess\u00e1rios ao despertar, desce ao m\u00e1ximo, normalmente, logo que se adormece, durante uma ou duas horas; depois, sobe devagar, man- tendo sono leve at\u00e9 de manh\u00e3. Afigura-se anormal a curva que apresenta pela manh\u00e3 profundidade m\u00e1xima. Tem-se encontrado rela\u00e7\u00e3o das curvas de sono com os tipos dos trabalhadores matinais (normais) e noturnos."], ["S\u00e3o fisiol\u00f3gicas e psicol\u00f3gicas as causas que determinam o sono.", "O cansa\u00e7o objetivo e a fatigabilidade subjetiva s\u00e3o preparat\u00f3rias do sono. O cansa\u00e7o intenso de um \u00f3rg\u00e3o manifesta-se em todos os outros. As", "toxinas da fadiga espalham-se por todo o corpo; e quanto mais longo o es- tado de vig\u00edlia, maior e mais irresist\u00edvel pode o cansa\u00e7o tornar-se e chegar \u00e0 incapacidade de manter a vig\u00edlia."], ["Se o cansa\u00e7o, como de h\u00e1bito, n\u00e3o chega a ser irresist\u00edvel, a condi\u00e7\u00e3o b\u00e1sica para instalar-se o sono \u00e9 uma situa\u00e7\u00e3o em os est\u00edmulos externos se reduzam ao m\u00e1ximo: escurid\u00e3o, tranquilidade, repouso ps\u00edquico, relaxa- mento, aus\u00eancia de tens\u00f5es musculares. A elimina\u00e7\u00e3o completa de todos os est\u00edmulos leva ao sono: Strumpell teve um doente que perdera, extensa- mente, a sensibilidade de v\u00e1rios \u00f3rg\u00e3os e que dormia assim que lhe tapa- vam o olho direito, ainda dotado de vis\u00e3o, e o ouvido esquerdo, ainda ca- paz de ouvir. Em condi\u00e7\u00f5es normais, \u00e9 imposs\u00edvel eliminar completamente os est\u00edmulos. Tanto mais r\u00e1pido isso se conseguir\u00e1 quanto mais reduzida pelas toxinas da fadiga estiver a excitabilidade. Sobretudo, por\u00e9m, ainda \u00e9 necess\u00e1ria uma a\u00e7\u00e3o auto- sugestiva complementar da consci\u00eancia: Quero dormir, hei de dormir! Os fatores fisiologicamente preparat\u00f3rios e psiqui- camente sugestivos atuam concomitantemente.", "A experi\u00eancia mostra que, entre as condi\u00e7\u00f5es fisiol\u00f3gicas do sono, se"], ["acham, provavelmente, as seguintes:", "A import\u00e2ncia da inibi\u00e7\u00e3o dos reflexos. Observou Pavlov que os c\u00e3es eram vencidos pelo cansa\u00e7o, quando obrigados a extrema aten\u00e7\u00e3o. Para ele, a inibi\u00e7\u00e3o seria sono localizado; o sono, inibi\u00e7\u00e3o propagada. Talvez seja a concentra\u00e7\u00e3o da aten\u00e7\u00e3o em certo objeto que causa o sono hipn\u00f3- tico, com este relacionando-se.", "O sono relaciona-se com o tronco cerebral, conforme se deduz de ob-", "serva\u00e7\u00f5es feitas em portadores de encefalite let\u00e1rgica e de experi\u00eancias com animais (os gatos adormecem quando se estimulam eletricamente certas zonas do tronco cerebral). \u00c9 como se nele se localizassem pontos que inibissem as excita\u00e7\u00f5es, sem, todavia, bloque\u00e1-las de todo. O homem os p\u00f5e em atividade quando quer dormir; certas situa\u00e7\u00f5es, adequada- mente instadas, sevam e at\u00e9 obrigam, a nosso pesar, ao sono, quando es- tamos muito cansados."], ["Os dist\u00farbios do sono3 apresentam-se sob formas extraordinariamente variadas; s\u00e3o dist\u00farbios do adormecer e do despertar; dist\u00farbios do tipo de sono e da ins\u00f4nia.", "Em condi\u00e7\u00f5es normais, o adormecer \u00e9 r\u00e1pido, produzindo-se quase em poucos segundos; prolongando-se, todavia, muitas vezes e por forma espe- cial, em pessoas portadoras de sintomas nervosos. Tamb\u00e9m se observam"], ["v\u00e1rias fases, al\u00e9m de numerosos fen\u00f4menos especiais. Ao desenvolvimento do est\u00e1dio da sonol\u00eancia, que se realiza de maneira constante, \u00e0 medida que o cansa\u00e7o aumenta, segue-se, repentina, quase brutalmente, a transi- \u00e7\u00e3o para um est\u00e1dio dissociativo, atrav\u00e9s d\u00ea obscurecimentos s\u00fabitos, que precedem o sono e que \u00e9 frequente se repetirem, enquanto se instalam le- ves retornos \u00e0 sonol\u00eancia, com oscila\u00e7\u00f5es da consci\u00eancia entre sono e vig\u00ed- lia. \u00c9 a essa altura que ocorrem fen\u00f4menos sensoriais com aspectos varia- dos de pseudoalucina\u00e7\u00f5es, por vezes at\u00e9 vivazes (alucina\u00e7\u00f5es hipnag\u00f3gi- cas). Surgem vis\u00f5es repentinas, que n\u00e3o tardam a desaparecer; e ouvem- se palavras ou frases soltas; ou ainda, vivenciam-se situa\u00e7\u00f5es teatrais que j\u00e1 n\u00e3o se distinguem do sonho e para este conduzem.", "Entre os fatores que produzem o adormecer, a autossugest\u00e3o \u00e9 um dos"], ["que podem falhar. A vontade intensa de dormir, quando se duvida de que o sono venha, impede que se adorme\u00e7a. \u201cQuem quer dormir fica acor- dado\u201d. A vontade tem de transformar-se em sugest\u00e3o, acordo e expecta- tiva; embora ativa, tem-se de fazer passiva; n\u00e3o deve querer impor-se, mas abandonar-se.", "O despertar, normalmente, \u00e9 natural, de modo que o homem volta a si", "imediatamente, em toda a clareza. Notam-se, contudo, dist\u00farbios do des- pertar quando esse processo se prolonga, dando lugar a um estado de em- briaguez h\u00edpnica, ou meio-termo entre sono e vig\u00edlia plena. Podem tais es- tados ser t\u00e3o anormais que o homem pratique atos automaticamente, sem deles depois se lembrar em absoluto.", "O tipo do sono \u00e9, de um lado, por vezes, anormalmente profundo; pare-"], ["cendo, ent\u00e3o, aos doentes. que estiveram mortos; de outro lado, o sono pode ser anormalmente leve e os doentes n\u00e3o se sentem refeitos; t\u00eam so- nhos vivazes, inquietos, ansiosos, com a impress\u00e3o de que s\u00f3 dormiram a meio, permanecendo semivigis, prestando aten\u00e7\u00e3o \u00e0 metade que dormiu.", "Em v\u00e1rias depress\u00f5es, por exemplo, a dura\u00e7\u00e3o do sono \u00e9 muito longa,", "com os doentes precisando de sono constante e dormindo, \u00e0s vezes, 12 horas seguidas. H\u00e1 casos, todavia, em que o sono se encurta anormal- mente. Os pacientes adormecem, mas n\u00e3o tardam a despertar, passando a noite inteira acordados; ou s\u00f3 conseguem adormecer pela manh\u00e3.", "S\u00e3o muito variados os tipos de ins\u00f4nia. \u00c9 de presumir que tamb\u00e9m se-", "jam muitas as causas. Ignora-se se existe ins\u00f4nia relacionada com locali- za\u00e7\u00e3o de les\u00e3o no tronco cerebral. Pode-se esperar tamb\u00e9m produzir ins\u00f4- nia por est\u00edmulos outros, patol\u00f3gicos, do mesmo ponto em que se origina a necessidade de dormir."], ["Acontece, de vez em quando, o sono apresentar fen\u00f4menos desusados, que v\u00e3o da motricidade (sacudidelas, masca\u00e7\u00e3o, ranger de dentes) \u00e0 fala e a altera\u00e7\u00f5es da consci\u00eancia, semelhantes \u00e0 hipnose, al\u00e9m de sonambu- lismo e atos estranhos, seguidos de amn\u00e9sia."], ["d) Efeitos som\u00e1ticos da hipnose."], ["S\u00e3o as experi\u00eancias hipn\u00f3ticas que de maneira mais dr\u00e1stica mostram"], ["a que ponto a psique influi sobre o soma. As primeiras observa\u00e7\u00f5es dos efeitos da sugest\u00e3o hipn\u00f3tica foram t\u00e3o surpreendentes que se julgaram de todo ilus\u00f3rias; mas concluiu-se pelo fato de haver a\u00ed, indubitavelmente, efeitos som\u00e1ticos extensos, visto ter-se conseguido, por exemplo, mediante sugest\u00e3o, produzir rubor ou empolamento da pele, com cicatriza\u00e7\u00e3o sub- sequente, bastando sugerir ao indiv\u00edduo a ideia da coloca\u00e7\u00e3o de uma mo- eda aquecida; mais ainda, adiamento da menstrua\u00e7\u00e3o, altera\u00e7\u00e3o espec\u00edfica da secre\u00e7\u00e3o g\u00e1strica, pela sugest\u00e3o^ de certos alimentos, modifica\u00e7\u00f5es do metabolismo, mediante sugest\u00f5es afetivas ou situacionais, secre\u00e7\u00e3o pan- cre\u00e1tica pela ingest\u00e3o hipnoticamente-sugerida de alimentos, cura de ver- rugas \u2014 tudo> isso constituindo, em parte, fen\u00f4menos excepcionais, que s\u00f3 de raro em raro se obt\u00eam (da\u00ed persistir a controv\u00e9rsia quanto \u00e0 forma- \u00e7\u00e3o de empolas com cicatriza\u00e7\u00e3o subsequente) e, em parte, todavia, efeitos que com facilidade se logram."], ["Os efeitos som\u00e1ticos descritos por J. H. Schultz, nos estados provoca-", "dos pela autossugest\u00e3o e por ele denominados \u201ctreinamento aut\u00f3geno\u201d, s\u00e3o id\u00eanticos ao da hipnose. Surpreende saber que h\u00e1 v\u00e1rios casos nos quais se consegue elevar e baixar a frequ\u00eancia do pulso (caso, por exem- plo, em que esta desceu de 76 a 44 para subir, em seguida, a 144). S\u00e3o os Indus, e n\u00e3o os ocidentais, que t\u00eam conseguido ir mais longe nesse campo. E talvez se devam compreender os estigmas (tal qual aconteceu com S. Francisco de Assis) da mesma forma que as bolhas formadas, hip- noticamente, mediante autossugest\u00e3o."], ["O que atua na sugest\u00e3o hipn\u00f3tica s\u00e3o as imagens objetivas, vivida- mente representadas, com o poder respectivo sobre os sentimentos e o es- tado de esp\u00edrito; de tal forma estimulantes que se produzem as rea\u00e7\u00f5es normalmente correspondentes \u00e0 situa\u00e7\u00e3o sugerida (frio na neve). O sis- tema nervoso vegetativo acompanha, ent\u00e3o, a viv\u00eancia, imaginada esta, apesar dos est\u00edmulos reais, absolutamente diversos, provenientes do peri- mundo efetivo. Nunca \u00e9 pela sugest\u00e3o direta que se produzem, por exem- plo, hipertermia, secre\u00e7\u00e3o g\u00e1strica, altera\u00e7\u00e3o metab\u00f3lica etc.; mas pelo"], ["desvio dos estados objetivamente sugeridos, que, quando reais, geram os mesmos efeitos.", "Compreendem-se, em parte, os efeitos da hipnose como reflexos condi- cionados no sentido pavloviano (Hansen). A representa\u00e7\u00e3o de um alimento como de fato presente \u00e9 sinal que desencadeia a secre\u00e7\u00e3o g\u00e1strica. Se en- tretanto, se repetir a apresenta\u00e7\u00e3o do alimento ao c\u00e3o sem dar-lho, real- mente, para comer, o que acontece \u00e9 que, da\u00ed por diante, falha o reflexo gastro-secret\u00f3rio; como falha, afinal, o efeito som\u00e1tico da sugest\u00e3o hipn\u00f3- tica sobre essa secre\u00e7\u00e3o, se, no correr do dia, for repetidas vezes tentada sem realidade subsequente. Faltando permanentemente o refor\u00e7o do re- flexo condicionado, deixa este de produzir-se. O reflexo condicionado vem a ser a base do evento psicogenicamente influenci\u00e1vel, sem que, no en- tanto, se esgote, com esta interpreta\u00e7\u00e3o fisiol\u00f3gica, a totalidade das rela- \u00e7\u00f5es psicossom\u00e1ticas."], ["At\u00e9 que ponto podem ir os efeitos das influ\u00eancias ps\u00edquicas sobre o", "soma ainda n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel imaginar. Por enquanto, a pesquisa tem alar- gado cada vez mais esse campo de a\u00e7\u00e3o. De maneira dif\u00edcil ainda de ava- liar, um fator ps\u00edquico existe, a participar de muit\u00edssimos processos; da\u00ed talvez se originando, a partir da psique, esses efeitos surpreendentes e, so- bretudo, certos dist\u00farbios intensos dos processos corp\u00f3reos."], ["Von Weizs\u00e4ker, diz o seguinte: \u201cMelhor far\u00edamos procurando esclare- cer, mediante a pesquisa, aquilo que \u00e9, racionalmente, incompreens\u00edvel do que encarando como exce\u00e7\u00f5es \u00e0 regra os \u201cmilagres\u201d da estigmatiza\u00e7\u00e3o, da histeria o da hipnose; exce\u00e7\u00f5es que nos. dispensam de presumir a exist\u00ean- cia do analogias em cada um dos sintomas patol\u00f3gicos. Von Weizs\u00e4cker pretende buscar o significado compreens\u00edvel de todas as doen\u00e7as; mas ser\u00e1 que, de fato, a psique penetra sempre o som\u00e1tico, mesmo nas doen- \u00e7as org\u00e2nicas de gravidade? Quem conseguisse mostrar isso de modo con- vincente estaria n\u00e3o s\u00f3 ganhando para o saber humano novos campos, como abrindo caminho ao conhecimento novo e radical do evento \u201csom\u00e1- tico total. Duvido dessa possibilidade, mas presumo, apesar de tudo, ha- ver aqui limites bem estritos. No entanto, a quest\u00e3o subsiste."], ["\u00a7 2. Os Dist\u00farbios Som\u00e1ticos Em Sua Rela\u00e7\u00e3o Com A Psique.", "Concebe-se o corpo todo como \u00f3rg\u00e3o da alma. Se o corpo adoece grave-", "mente, talvez as excita\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas sejam prejudiciais, pelo esfor\u00e7o org\u00e2- nico a elas associado; caso este, por\u00e9m, fronteiri\u00e7o. O psiquismo atua pe- los seus conte\u00fados e tend\u00eancias, os quais s\u00f3 funcionam patogenicamente quando h\u00e1 doen\u00e7a ps\u00edquica. Da\u00ed poder-se isso mostrar, quando est\u00e1 per- turbada a psique, tamb\u00e9m no soma. As doen\u00e7as som\u00e1ticas que t\u00eam rela- \u00e7\u00e3o com a psique s\u00e3o variadas e, em geral, dif\u00edceis de penetrar. Em pri- meiro lugar, exporemos os fatos para, depois, indicar as vias pelas quais se podem interpretar.", "a) Grupos principais dos dist\u00farbios som\u00e1ticos psiquicamente condiciona-"], ["dos.", "1. Desfalecimentos e convuls\u00f5es.", "Tanto uns quanto outras, podem estar associados a excita\u00e7\u00f5es ps\u00edqui- cas; fen\u00f4menos que, no entanto, tamb\u00e9m se conhecem como acontecimen- tos som\u00e1ticos organicamente condicionados, aparecendo sem quaisquer motiva\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas. Distingue-se, especialmente, o ataque epil\u00e9ptico or- g\u00e2nico, dos ataques hist\u00e9ricos psicog\u00eanicos.", "As convuls\u00f5es psicog\u00eanicas foram descritas por Gruhle. \u201cO homem ro-"], ["busto que passeia, calmo, no longo corredor d\u00e1, repentinamente, um ge- mido, procura segurar-se nalguma coisa e afunda (n\u00e3o de ponta-cabe\u00e7a, entretanto). A princ\u00edpio, fica estirado no ch\u00e3o, respirando com dificuldade, rasgando o casaco e a camisa com as m\u00e3os. Da\u00ed come\u00e7am, s\u00fabitas, as convuls\u00f5es: ora com um bra\u00e7o, ora com o outro, ora com os dois, ao mesmo tempo, o homem debate-se violentamente, o corpo estorce-se para um lado e para outro, repuxam-se e esticam-se as pernas, ora uma, ora outra, ou as duas juntas. O mais que se pode dizer \u00e9 que essas sequ\u00eancias de movimentos se afiguram tal qual intoler\u00e1vel esperneio, ao mesmo tempo que o rosto se contorce dolorosamente, os olhos ou se apertam, ou rolam, ferozes. Se tocado com um alfinete, o doente esperneia mais forte; pelo menos, \u00e0s duas ou tr\u00eas primeiras alfinetadas; depois, a rea\u00e7\u00e3o cessa. \u00c9 dif\u00edcil examinar as pupilas, porque o doente atira a cabe\u00e7a para tr\u00e1s e para diante, apertando os olhos ao m\u00e1ximo. Se se consegue examin\u00e1-las, apresentam-se muito dilatadas, em geral (pupilas ansiosas, ou dolorosas), a custo reagindo. H\u00e1 vezes em que o paciente se urina; sobretudo, quando j\u00e1 foi enur\u00e9tico. \u00c9 frequente dizer-se que tais ataques s\u00e3o teatrais, o que n\u00e3o se d\u00e1, contudo, em grande n\u00famero de casos. Ap\u00f3s dura\u00e7\u00e3o de mais ou menos 5-10 minutos, os movimentos atenuam-se, at\u00e9 cessarem pouco"], ["a pouco. O homem, suarento, quase sempre exausto, adormece longa- mente e s\u00f3 desperta com reminisc\u00eancias lacunares."], ["Gruhle tamb\u00e9m descreve, contrastando com o quadro acima, o ataque"], ["epil\u00e9tico: \u201cO ataque epil\u00e9tico inicia-se s\u00fabito. O doente percebe que est\u00e1 para come\u00e7ar (\u201caura\u201d), com sensa\u00e7\u00e3o de golpe de ar, rubor, impress\u00e3o de que as coisas aumentam ou diminuem, fa\u00edscas, aumento, apavoradora- mente r\u00e1pido dos objetos, zumbidos, tinidos, sensa\u00e7\u00f5es olfativas; j\u00e1 n\u00e3o consegue, por\u00e9m, queixar-se. \u00c0s vezes, d\u00e1 umas passadas para diante, como se o estivessem empurrando violentamente; depois, a convuls\u00e3o aco- mete-o. Ao cair, contorce-se-lhe o rosto, a boca retorce-se, espuma e n\u00e3o \u00e9 raro correr sangue com a saliva, devido \u00e0 mordedura da l\u00edngua. Os olhos fixam-se, virados para um lado ou para outro. A fisionomia repuxa-se, como se perpassassem intensos rel\u00e2mpagos. A cabe\u00e7a vira para um lado, quando n\u00e3o se dobra, por assim dizer, umas tantas vezes, nessa dire\u00e7\u00e3o. Rangem os dentes comprimidos; diversas \u00e1reas musculares, sen\u00e3o a mus- culatura do corpo inteiro, contraem-se ao m\u00e1ximo durante alguns segun- dos, enquanto a boca gorgoleja ou chocalha. A respira\u00e7\u00e3o \u00e9 dif\u00edcil. Afinal, a tens\u00e3o relaxa-se; sacudidelas cl\u00f4nicas percorrem, repetidas vezes, os m\u00fas- culos do -corpo, vindo, a seguir, convuls\u00f5es, propriamente. Movimentos que d\u00e3o a impress\u00e3o- de que a pessoa se est\u00e1 enxugando intercalam-se, o corpo todo transpira, o rosto apresenta-se, geralmente, cian\u00f3tico; \u00e0s vezes, branco feito giz; fixas as pupilas. Falta o reflexo c\u00f3rneo-conjuntival. O do- ente n\u00e3o reage a est\u00edmulos externos; reage a est\u00edmulos dolorosos, uma vez ou outra, agitando um pouco o corpo. Os ataques raramente duram mais, de cinco minutos. \u00c9 frequente passar o epil\u00e9tico do ataque para um sono profundo, sentindo-se, ao despertar, cansado, exausto, com cefaleia e o humor deprimido; a mem\u00f3ria apagada para os minutos que o ataque du- rou (amn\u00e9sia total)."], ["Este ataque constitui o sintoma cardial das epilepsias, embora o meca- nismo convulsivo n\u00e3o opere, apenas, nessas doen\u00e7as, mas, igualmente, de quando em quando, na esquizofrenia e em quase todas as doen\u00e7as cere- brais org\u00e2nicas. Pela ess\u00eancia, o ataque \u00e9 org\u00e2nico;1 donde diversificar-se dos ataques psicog\u00eanicos, que se apresentam como fen\u00f4menos extrema- mente variados e que, artificialmente provocados, sobretudo ao tempo de Charcot, Briquet e outros, nos hospitais parisienses e, depois, em toda parte, foram abundantemente descritos como \u201catitudes passionnelles\u201d etc.).", "2. Dist\u00farbios funcionais dos \u00f3rg\u00e3os."], ["Quase todas as fun\u00e7\u00f5es fisiol\u00f3gicas dos \u00f3rg\u00e3os sofrem, de quando em quando, a influ\u00eancia de processos ps\u00edquicos. Assim \u00e9 que, em certas con- di\u00e7\u00f5es, h\u00e1 dist\u00farbios g\u00e1stricos, intestinais, card\u00edacos, vasomotores, glan- dulares, visuais, auditivos vocais, menstruais (cessa\u00e7\u00e3o ou antecipa\u00e7\u00e3o- das regras) etc., que s\u00e3o de atribuir-se a influ\u00eancias ps\u00edquicas, a certas vi- v\u00eancias, ou estados de \u00e2nimo permanentes. \u00c9 comum observarem-se dis- t\u00farbios funcionais nos indiv\u00edduos nervosos, dist\u00farbios que, em casos par- ticulares, n\u00e3o se podem relacionar com processos ps\u00edquicos determinados, mas que, tendo em vista a frequ\u00eancia com que, concomitantes ocorrem, devem ter conex\u00e3o com anormalidades ps\u00edquicas, em geral.", "Tamb\u00e9m se incluem aqui in\u00fameros achados neurol\u00f3gicos, quando se"], ["apresentam sem substrato org\u00e2nico: paralisias e dist\u00farbios da sensibili- dade (delineados pelas representa\u00e7\u00f5es do doente, e n\u00e3o segundo estrutu- ras anat\u00f4micas): tiques, contraturas, tremores, tonteiras etc. Para infor- ma\u00e7\u00e3o a respeito da grande variedade desses fen\u00f4menos som\u00e1ticos, sobre- tudo daqueles hist\u00e9ricos, ver os livros de neurologia."], ["Os efeitos mais assombrosos dos abalos ps\u00edquicos s\u00e3o o repentino en-", "canecimento dos cabelos, que Montaigne relata, al\u00e9m da ocorr\u00eancia da alopecia areata. A febre resultante de processos ps\u00edquicos, fen\u00f4meno que, durante muito tempo, se p\u00f4s em d\u00favida, como, ali\u00e1s, os demais aponta- dos, \u00e9 rara, mas, atualmente, certa.", "Apesar da estreita rela\u00e7\u00e3o que t\u00eam com o psiquismo, todos esses dis-", "t\u00farbios som\u00e1ticos se afiguram \u00e0 consci\u00eancia do paciente como alguma coisa absolutamente estranha, tal qual uma doen\u00e7a som\u00e1tica. Observam- se fen\u00f4menos hist\u00e9ricos quer aparecendo por si s\u00f3s, quer acompanhando qualquer outra desordem org\u00e2nica e funcional poss\u00edvel de verificar-se no sistema nervoso.", "D\u00e1-se ao conjunto desses dist\u00farbios som\u00e1ticos o nome de neuroses de"], ["\u00f3rg\u00e3os, com o que n\u00e3o se quer dizer que qualquer \u00f3rg\u00e3o possa tornar-se, por si mesmo, neur\u00f3tico. Neur\u00f3tica \u00e9 a psique, a qual, por assim dizer, es- colhe este ou aquele \u00f3rg\u00e3o, fazendo-se nele sentir mediante desordens; ou porque esse \u00f3rg\u00e3o constitui, por si mesmo, um locus minoris resistentiae (da\u00ed ser mais facilmente acess\u00edvel ao dist\u00farbio), ou porque, em virtude de alguma conex\u00e3o compreens\u00edvel, ele pare\u00e7a, \u201csimbolicamente\u201d, essencial \u00e0 psique. Durante muito tempo, diagnosticaram-se as neuroses de \u00f3rg\u00e3os com demasiada facilidade, esquecendo-se que a base do diagn\u00f3stico es- tava mais na negativa do achado som\u00e1tico ausente do que num achado positivo; donde falar-se, com raz\u00e3o, em redu\u00e7\u00e3o das neuroses de \u00f3rg\u00e3os\u201d", "pela investiga\u00e7\u00e3o mais exata da medicina interna. O conceito deve restrin- gir-se; n\u00e3o, por\u00e9m, eliminar-se."], ["Reduzidas as neuroses de \u00f3rg\u00e3os, surgiu movimento contr\u00e1rio: o reco- nhecimento crescente da import\u00e2ncia que tem o fator ps\u00edquico nas desor- dens primariamente som\u00e1ticas, nas desordens org\u00e2nicas.", "3. Rela\u00e7\u00e3o de desordens primariamente som\u00e1ticas com a psique.", "O pr\u00f3prio curso das desordens org\u00e2nicas tem rela\u00e7\u00e3o com a psique. De"], ["modo geral, pode-se dizer que a psique pode influenciar desordens prima- riamente som\u00e1ticas. \u00c9 dif\u00edcil distinguir o que \u00e9 condicionado ps\u00edquica e so- maticamente, porque a psique busca vias, por assim dizer, preparadas para exercer seus efeitos patol\u00f3gicos. Se, por exemplo, a pessoa j\u00e1 sofreu de artralgias, em virtude de reumatismo, o que vai acontecer, ap\u00f3s a cura da enfermidade, \u00e9 que se as dores persistem, psicogenicamente, ou voltam a produzir-se. Nunca \u00e9 indiferente o comportamento ps\u00edquico, durante o per\u00edodo de convalescen\u00e7a de quase todas as desordens som\u00e1ticas. Mas aquilo que sofre influ\u00eancia ps\u00edquica n\u00e3o vem a ser, por isso, necessaria- mente, condicionado pela psique, nem constitui doen\u00e7a ps\u00edquica.", "Outra quest\u00e3o a resolver: as desordens org\u00e2nicas acompanhadas de altera\u00e7\u00f5es anat\u00f4micas podem tamb\u00e9m \u2014 apresentar-se por via ps\u00edquica? Este parece ser o caso."], ["Encontra-se, frequentemente, glicos\u00faria nos estados ansiosos e de- pressivos. H\u00e1 ocasi\u00f5es nas quais o diabetes aparece em conex\u00e3o com aba- los ps\u00edquicos, que, por sua vez, podem complicar o curso da doen\u00e7a.", "J\u00e1 se observou Basedow agudo motivado por justos, sendo que um caso de Kohnstamm mostra a que ponto as a\u00e7\u00f5es complexas ps\u00edquicas po- dem desempenhar papel na produ\u00e7\u00e3o do mal. Todavia, \u00e9 raro o Basedow por susto que surge no decorrer de poucas horas. O que parece \u00e9 que cui- dados, preocupa\u00e7\u00f5es e ansiedades de longa dura\u00e7\u00e3o precedem, vezes fre- quentes, a irrup\u00e7\u00e3o do processo, cujo curso \u00e9, conforme se reconhece, for- temente relacionado com o psiquismo."], ["A colite membranosa pode resultar de excita\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas e caminhar"], ["para a cura por via ps\u00edquica.", "A opini\u00e3o geral \u00e9 que a produ\u00e7\u00e3o, evolu\u00e7\u00e3o e cura da asma, conquanto possibilitada esta por disposi\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas, se relacionam com condi\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas. Ali\u00e1s, mostra a pesquisa cl\u00ednica quanto s\u00e3o decisivos, no caso, a disposi\u00e7\u00e3o e os eventos som\u00e1ticos prim\u00e1rios. A irrup\u00e7\u00e3o e os ataques in- dividuais podem, contado, depender de fatores ps\u00edquicos, como podem os", "ataques cessar por motivos ps\u00edquicos. N\u00e3o \u00e9 preciso que a rela\u00e7\u00e3o ps\u00edquica signifique estar o pr\u00f3prio psiquismo perturbado; o que se v\u00ea, sim, \u00e9 que a asma, tal qual outros fen\u00f4menos som\u00e1ticos concomitantes, pode resultar de excita\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas normais. Dado, por\u00e9m, que s\u00f3 algumas pessoas sofrem de asma, admite-se haver uma disposi\u00e7\u00e3o som\u00e1tica m\u00f3rbida, e n\u00e3o uma forma reativa psicog\u00eanica, como \u00e9 o caso dos fen\u00f3menos som\u00e1ticos concomitantes, em geral."], ["J\u00e1 se pensou que dist\u00farbios nervosos puramente reativos poderiam le- var, mediante anomalias funcionai\u00bb cr\u00f4nicas, \u00e0 \u00falcera duodenal, de ''modo que o mesmo homem que, por for\u00e7a de preocupa\u00e7\u00f5es comerciais, vem a apresentar \u00falcera n\u00e3o a teria contra\u00eddo, se levasse vida calma.", "Alkan d\u00e1 os seguintes exemplos do modo por que certos sintomas so- m\u00e1ticos, inicialmente funcionais, podem evoluir para desordens org\u00e2nicas, anat\u00f4micas:"], ["A contra\u00e7\u00e3o permanente dos m\u00fasculos produz, na zona atacada, con- tus\u00e3o e anemia, donde resultam les\u00f5es necr\u00f3ticas, principalmente quando as secre\u00e7\u00f5es que v\u00eam ter ao tecido (suco g\u00e1strico) s\u00e3o alimentadas por fa- tores psicog\u00eanicos (\u00falcera g\u00e1strica, colite ulcerosa 1. \u2014 O espasmo de \u00f3r- g\u00e3os ocos tubulares leva \u00e0 hipertrofia muscular das partes acima situa- das, com dilata\u00e7\u00e3o esofagiana, hipertrofia do ventr\u00edculo esquerdo, em caso de hiperton\u00eda). \u2014 O espasmo permanente ou a paralisia dos \u00f3rg\u00e3os tubu- lares leva a modifica\u00e7\u00f5es qu\u00edmicas de l\u00edquidos em estase, donde a produ- \u00e7\u00e3o de c\u00e1lculos colester\u00f3licos singrares na ves\u00edcula biliar, esofagite obstru- tiva). \u2014 Se sobrev\u00e9m qualquer infec\u00e7\u00e3o, que, a ser regular o escoamento, n\u00e3o teria efeito maior, tamb\u00e9m surgem processos inflamat\u00f3rios, em caso de esta.se, com as consequ\u00eancias respectivas. \u2014 A altera\u00e7\u00e3o psicog\u00eanica das secre\u00e7\u00f5es internas pode gerar modifica\u00e7\u00f5es anat\u00f4micas das gl\u00e2ndulas (diabetes e Basedow psicog\u00eanicos)."], ["Se se quiser determinar a psicog\u00eanese das doen\u00e7as org\u00e2nicas de ma- neira muito categ\u00f3rica, ficar-se-\u00e1 em campo bastante limitado, porque, at\u00e9 o momento, a quest\u00e3o fatual n\u00e3o tem solu\u00e7\u00e3o, desde que amplamente vista. N\u00e3o faz muito, von Weizs\u00e2cker abriu, basicamente, a quest\u00e3o, pro- curando aprofund\u00e1-la atrav\u00e9s de biografias. A primeira dificuldade que en- controu para convencer-se est\u00e1 na concomit\u00e2ncia de casos positivos e ne- gativos; isto \u00e9, quando se considera evidente um caso ps\u00edquico, logo se afi- gura o caso seguinte como sendo situa\u00e7\u00e3o na qual \u201cnada\u201d de ps\u00edquico se encontra; em segundo lugar, falta-nos ao conhecimento a significa\u00e7\u00e3o ps\u00ed- quica dos \u00f3rg\u00e3os internos: ou seja, se o f\u00edgado tem alguma coisa a ver com"], ["a c\u00f3lera e a inveja; em terceiro lugar, h\u00e1 a irregularidade das rela\u00e7\u00f5es en- tre o ps\u00edquico e o som\u00e1tico. Von Weizs\u00e2cker, em casos de angina tonsilar, diabetes ins\u00edpido, por exemplo, pretende discernir influ\u00eancia da doen\u00e7a em momentos decisivos de vida, sem pensar ainda em penetrar no fen\u00f4meno com formula\u00e7\u00e3o conceituai geral. O tema em que trabalha \u00e9 biogr\u00e1fico."], ["A influ\u00eancia que a psique pode ter sobre os sofrimentos organicamente", "condicionados pode ir muito longe. Pode-se melhorar o estado subjetivo pela sugest\u00e3o e pela hipnose; al\u00e9m do que, a terapia m\u00e9dica geral pela su- gest\u00e3o tem grande import\u00e2ncia. Mesmo objetivamente se conseguem re- sultados extraordin\u00e1rios, notando-se que o entrela\u00e7amento do org\u00e2nico e do ps\u00edquico chega, por vezes, a ser grotesco. Assim \u00e9 que Marx relata um caso da Cl\u00ednica Cushing:", "\u201cUm menino de 14 anos foi internado com diabetes ins\u00edpido grave, be-"], ["bendo at\u00e9 11 litros por dia. Verificou-se que come\u00e7ou a masturbar-se, sen- tindo sua polidipsia como meio de purificar-se e resolver seus conflitos de consci\u00eancia. Tratado psicanaliticamente, \u201ccurou-se\u201d a ponto de a ingest\u00e3o l\u00edquida descer a litro e meio. Certa manh\u00e3, foi encontrado morto, na cama, tendo a necropsia revelado grande tumor no mesenc\u00e9falo. A sede apresen- tou-se, pois, como sintoma de desordem org\u00e2nica do sistema nervoso cen- tral, relacionado com a vida instintiva e com a idea\u00e7\u00e3o do paciente, que se esfor\u00e7ara por vencer a doen\u00e7a. As correla\u00e7\u00f5es tornaram-se, neste particu- lar, t\u00e3o estreitas que da\u00ed se partiu para uma a\u00e7\u00e3o terap\u00eautica sobre a sede e a poliuria\u201d.", "4. Dist\u00farbios funcionais de atos vitais complexos.", "Ao mesmo tempo que muitas fun\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas podem achar-se per- turbadas, sem que, ao tempo em que ocorre o dist\u00farbio, o paciente viven- cie, psiquicamente, algo diverso do que vivencia qualquer doente acome- tido de sofrimentos puramente som\u00e1ticos, outros casos h\u00e1 nos quais um dist\u00farbio funcional se apresenta nitidamente relacionado com dist\u00farbio ps\u00edquico concomitante (trata-se sempre de fun\u00e7\u00f5es complicadas, em que a vontade influi, de um modo ou de outro). N\u00e3o se exercem fun\u00e7\u00f5es en- quanto o paciente est\u00e1 ansioso, inibido, subitamente passivo ou confuso. O mesmo se d\u00e1 quanto \u00e0 marcha, \u00e0 escrita, \u00e0 mic\u00e7\u00e3o, \u00e0 atividade sexual etc.; do que, resultam as \u201cc\u00e3ibras do escriv\u00e3o\u201d, dificuldades urinat\u00f3rias, impot\u00eancia, vaginismo etc."], ["De toda parte podem originar-se semelhantes dist\u00farbios. Fica- se co-", "rado, quando se tem medo de corar, quando se anda e se fala afetada- mente, quando se tem impress\u00e3o de estar sendo observado. At\u00e9 os reflexos", "se relacionam com esses fatores: os reflexos da tosse e do espirro podem intensificar-se quando se lhes presta aten\u00e7\u00e3o; mas o do espirro, principal- mente, pode at\u00e9 cessar pelo mesmo motivo. (Darwin apostou com amigos seus que n\u00e3o poderiam mais espirrar tomando rap\u00e9; por mais que eles se esfor\u00e7assem e os olhos lhes chorassem, Darwin ganhou a aposta.)"], ["b) Origem dos dist\u00farbios som\u00e1ticos."], ["A rela\u00e7\u00e3o da psique com os ataques grosseiros, com os dist\u00farbios org\u00e2-", "nicos, com os comportamentos complexos \u00e9 extraordinariamente compli- cada, embora se afigure simples, muitas vezes, em casos singulares. Neste particular, a conex\u00e3o entre alma e corpo \u00e9 de todo plaus\u00edvel, individual- mente; impenetr\u00e1vel e muito diversificada, entretanto, no todo. Os meca- nismos extraconscientes s\u00e3o, evidentemente, v\u00e1rios, devendo os \u00f3rg\u00e3os, bem como as predisposi\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas, ajustar-se, por assim dizer, \u00e0 psi- que. \u00c9 como se esta escolhesse os \u00f3rg\u00e3os em que se manifesta atrav\u00e9s de dist\u00farbios, ou como se escolhesse as fun\u00e7\u00f5es em cuja realiza\u00e7\u00e3o interfere, desarranjando-as."], ["Podem-se, em parte, presumir quais sejam os elos fisiol\u00f3gicos. Assim \u00e9", "que, hoje em dia, se v\u00ea o sistema nervoso vegetativo, juntamente com o sistema end\u00f3crino, funcionar como intermedi\u00e1rio entre o sistema nervoso central, mais estreitamente subordinado ao psiquismo, e o resto do corpo. Esse sistema neurohormonal regula, sem que disso tenhamos consci\u00ean- cia, a atividade dos \u00f3rg\u00e3os. \u00c9 preciso que ele seja sempre acess\u00edvel, por meio do c\u00e9rebro, \u00e0s influ\u00eancias ps\u00edquicas e, em certas condi\u00e7\u00f5es, a uma influ\u00eancia muito extensa. Von Bergmann chamou aqueles cujo sistema ve- getativo \u00e9 particularmente excit\u00e1vel, respondendo aos mais ligeiros fatores ps\u00edquicos., \u201cindiv\u00edduos vegetativamente estigmatizados\u201d.", "T\u00eam-se proposto muitas explica\u00e7\u00f5es para casos particulares. Da\u00ed atri- bu\u00edrem-se desfalecimentos, quando desencadeados por situa\u00e7\u00f5es ps\u00edqui- cas (susto, vista do sangue, espa\u00e7os superlotados) \u00e0 anemia cerebral por contra\u00e7\u00e3o das arter\u00edolas cerebrais."], ["O seguinte esquema serve para descrever a maneira pela qual surgem"], ["os dist\u00farbios som\u00e1ticos:", "1. De modo puramente autom\u00e1tico, como \u00e9 o caso das palpita\u00e7\u00f5es, das tremuras etc., aparece grande quantidade de dist\u00farbios funcionais dos \u00f3r- g\u00e3os. Por exemplo, os dist\u00farbios do aparelho digestivo ap\u00f3s abalos emocio- nais; as sensa\u00e7\u00f5es subjetivas anormais, a altera\u00e7\u00e3o do apetite, a diarreia", "ou a constipa\u00e7\u00e3o. Mais n\u00e3o podemos do que constatar e registrar os fen\u00f4- menos pela analogia dos fatos, em geral, que acompanham os processos ps\u00edquicos, quando o soma entra em a\u00e7\u00e3o.", "2. Acontece, \u00e0s vezes, que os dist\u00farbios som\u00e1ticos, repetindo- se mais", "de uma vez, tendem a fixar-se, a persistir, sem que persista a base ps\u00ed- quica; o indiv\u00edduo passa a senti-los como doen\u00e7a som\u00e1tica, que surge pe- las mais diversas causas (rea\u00e7\u00f5es de h\u00e1bito); ou certa rea\u00e7\u00e3o que pela pri- meira vez ocorreu por for\u00e7a de abalos emocionais intensos (dores localiza- das, c\u00e3ibras), reaparece \u00e0 primeira e m\u00ednima oportunidade da mesma or- dem, que traz consigo uma carga associativa (analogamente aos reflexos condicionados de Pavlov)."], ["H\u00e1 dist\u00farbios funcionais capazes de desenvolver-se e fixar-se nalgu- mas \u00e1reas que estavam em atividade durante mesmo o afeto. Se se tiver recebido um recado telef\u00f4nico muito excitante, a m\u00e3o que segurou o fone fica, a seguir, por assim dizer, paralisada, ou surgem c\u00e2imbras de escri- v\u00e3o' etc. O pianista, como efeito realmente experimentado, sente as m\u00e3os e os bra\u00e7os cansados, em rela\u00e7\u00e3o com um afeto de ci\u00fame por concorr\u00eancia, constituindo complexo aut\u00f4nomo de sensa\u00e7\u00f5es, que se depara sempre que sequer ouve m\u00fasica (quando o ci\u00fame \u00e9 causado pelo talento de outro)."], ["3. Nestes casos, rela\u00e7\u00e3o alguma existe entre o conte\u00fado da viv\u00eancia ps\u00edquica e as consequ\u00eancias som\u00e1ticas especiais; apenas, concomit\u00e2ncia; da\u00ed por que se tem de pensar em explic\u00e1-la pela irritabilidade aumentada ou anormalmente dirigida, em virtude do> estado m\u00f3rbido; h\u00e1, no entanto, numerosos fen\u00f4menos som\u00e1ticos, cuja natureza especial se pode compre- ender pela viv\u00eancia, situa\u00e7\u00e3o e conflitos do indiv\u00edduo. Para exemplificar: a dire\u00e7\u00e3o especial da aten\u00e7\u00e3o para certa fun\u00e7\u00e3o; a considera\u00e7\u00e3o de peque- nos dist\u00farbios eventuais; preocupa\u00e7\u00f5es e temores aumentam as sensa- \u00e7\u00f5es concomitantes e os dist\u00farbios funcionais, que se denominam queixas hipocondr\u00edacas e que, apenas temidas, de in\u00edcio, v\u00eam a tornar-se reais com o tempo. Esses dist\u00farbios ps\u00edquicos, cujo conte\u00fado \u00e9 compreens\u00edvel pelo conte\u00fado da representa\u00e7\u00e3o ps\u00edquica anterior, tamb\u00e9m podem apare- cer de repente, como \u00e9 o caso da paralisia do bra\u00e7o ap\u00f3s uma queda, a surdez ap\u00f3s um bofet\u00e3o etc. O que h\u00e1 de comum entre todos esses fen\u00f4- menos, aparentemente muito diversos entre si, \u00e9:", "1) a rela\u00e7\u00e3o compreens\u00edvel entre causa e efeito;", "2) o efeito sobre processos som\u00e1ticos, que quanto ao mais, indepen- dem, absolutamente, da vontade e da imagina\u00e7\u00e3o, por exemplo, a capaci- dade de sentir, a menstrua\u00e7\u00e3o, a atividade digestiva;"], ["3) o c\u00edrculo vicioso: havendo higidez da vida corpo-alma, os fen\u00f4menos som\u00e1ticos que acompanham os sentimentos aumentam-nos, por assim di- zer, retroativamente e materializam-nos de maneira significativa e progres- siva; em caso de doen\u00e7a, entretanto, todo evento autom\u00e1tico e casual que perturbe o soma serve de material, que \u00e9 trabalhado por tend\u00eancias ps\u00ed- quicas no sentido de transformar ligeiros dist\u00farbios em doen\u00e7as graves. dade dos homens em pequeno grau; que, nalguns, se desenvolve a ponto de tornar-se um dos modos predominantes de vida; que, noutros, s\u00f3 entra em a\u00e7\u00e3o por for\u00e7a de condi\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas, (por exemplo, desordens org\u00e2ni- cas), ou de viv\u00eancias graves.", "Usa-se a palavra \u201chist\u00e9rico\u201d em v\u00e1rios sentidos; o conceito mais amplo \u00e9 o psicog\u00eanico. O termo hist\u00e9rico assinala o tra\u00e7o caracterial b\u00e1sicos des- ses fen\u00f4menos, no sentido de que, neles, existem fatos compreens\u00edveis, do- tados de significa\u00e7\u00e3o; ocultamente, por\u00e9m, associados, de- um modo ou doutro, a convers\u00f5es, deslocamentos, auto ou alofrustra\u00e7\u00f5es. Nesses fen\u00f4- menos h\u00e1 sempre atuando um evento, a que corresponde, seja em que ponto for, uma inveracidade, o corpo servindo de linguagem mult\u00edvoca, a qual se utiliza tanto para esconder quanto para comunicar; mas n\u00e3o in- tencional, e sim inconscientemente; apenas instintivamente visando a um fim."], ["Se arrumarmos estes tr\u00eas grupos em tr\u00eas rubricas, poderemos falar em", "efeitos som\u00e1ticos autom\u00e1ticos, rea\u00e7\u00f5es fixadas e sintomas hist\u00e9ricos, to- dos, por\u00e9m, estreitamente correlacionados, porque tanto se fixam os efei- tos som\u00e1ticos autom\u00e1ticos quanto as rea\u00e7\u00f5es hist\u00e9ricas; mais: quando se estudam os dist\u00farbios som\u00e1ticos fixados resultantes de causa ps\u00edquica, h\u00e3o de distinguir-se os componentes hist\u00e9ricos dos autom\u00e1ticos."], ["No caso particular, quase sempre emaranham-se todos os elementos, os quais &\u00f3 se podem separar abstratamente ou em casos fronteiri\u00e7os. Por exemplo, no caso seguinte, descrito por Wittkower: Uma mocinha de 18 anos presencia desastre ferrovi\u00e1rio, no qual um oper\u00e1rio \u00e9 estra\u00e7alhado pelo trem. Tomada de n\u00e1useas, leva dias sem comer coisa alguma, pas- sando a vomitar todas as manh\u00e3s nas primeiras horas de aula; da\u00ed por di- ante, fobia a trens, estados de ansiedade e prantos, al\u00e9m de fantasias ob- sessivas de estra\u00e7alhamento, em que v\u00ea a si pr\u00f3pria ou membros da fam\u00ed- lia vitimados.", "O terceiro grupo \u2014 a compreensibilidade dos fen\u00f4menos som\u00e1ticos em", "conex\u00f5es ps\u00edquicas \u2014 exige discuss\u00e3o mais aprofundada. \u00c9 certo que es- tes n\u00e3o necessitam aquela compreensibilidade que h\u00e1 pouco' referimos.", "1) O efeito que t\u00eam sobre a vida som\u00e1tica a aten\u00e7\u00e3o, a preocupa\u00e7\u00e3o, o"], ["temor, a expectativa;", "2) O acoplamento de um evento som\u00e1tico a um abalo ps\u00edquico pela si- multaneidade de seu aparecimento primeiro e repetido (o que representa analogia com os reflexos condicionados de Pavlov); um trauma ps\u00edquico d\u00e1 lugar a diarreia, v\u00f4mitos, asma; ulteriormente, esse mesmo dist\u00farbio ps\u00ed- quico pode repetir-se ao mais ligeiro est\u00edmulo;", "3) a independentiza\u00e7\u00e3o de fen\u00f4menos som\u00e1ticos primariamente condi- cionados pela psique em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 condi\u00e7\u00e3o que os originou, com exist\u00ean- cia e evolu\u00e7\u00e3o aut\u00f4noma de um evento som\u00e1tico. Neste particular, o que h\u00e1 de fisiol\u00f3gico \u00e9, decerto e quase sempre, obscuro; mas o que h\u00e1 de psi- col\u00f3gico \u00e9 simples e claro. Tamb\u00e9m n\u00e3o exige discuss\u00e3o mais ampla a rela\u00e7\u00e3o entre evento vital e disposi\u00e7\u00e3o ps\u00edquica. A constitui\u00e7\u00e3o interna global da psique, sua exalta\u00e7\u00e3o ou abatimento, sua disposi\u00e7\u00e3o alegre ou depressiva, sua inclina\u00e7\u00e3o para a atividade ou para o abandono est\u00e3o sempre atuando sobre o estado som\u00e1- tico. A experi\u00eancia antiga, se bem que dif\u00edcil de provar em cada caso parti- cular, mostra a que ponto o curso das doen\u00e7as, mesmo originariamente org\u00e2nicas, depende da atitude ps\u00edquica; e mostra quanto importam a von- tade de viver, a esperan\u00e7a, a coragem. O cansa\u00e7o subjetivo \u00e9 pouco, quando se tem prazer no trabalho; \u00e0s vezes, quando h\u00e1 perspectivas e es- peran\u00e7as novas, enormemente aumentam o sentimento de for\u00e7a, a efici\u00ean- cia. O ca\u00e7ador exausto refaz-se, quando encontra o que pegar, ap\u00f3s busca longa e v\u00e3."], ["Partindo de toda essa compreensibilidade, tem-se tentado entender, no", "evento som\u00e1tico, o conte\u00fado da corporeidade espec\u00edfica tal qual se apre- senta psiquicamente significativa', ou seja, o acontecimento som\u00e1tico como essencialmente relacionado com o destino ps\u00edquico e intelecto-mo- ral, de tal modo, por\u00e9m, que a rela\u00e7\u00e3o seja inconsciente para o enfermo, embora aberta, em princ\u00edpio, \u00e0 consci\u00eancia dele; e de tal modo que o escla- recimento tenha efeito curativo retroativo, pela compreens\u00e3o pr\u00f3pria, so- bre o fen\u00f4meno som\u00e1tico, desde que a compreens\u00e3o seja acompanhada pela modifica\u00e7\u00e3o da atitude ps\u00edquica interna. \u00c9 aqui que se abre \u00e0 inter- preta\u00e7\u00e3o um campo cujo percurso, embora perigoso, tem sedu\u00e7\u00e3o para o nosso conhecimento. D\u00favida n\u00e3o pode haver quase de que \u00e9 poss\u00edvel,"], ["aqui, reconhecer alguma coisa essencialmente b\u00e1sica; por outro lado, to- davia, n\u00e3o h\u00e1 onde a evid\u00eancia da introvis\u00e3o pare\u00e7a mais do que aqui li- gar-se \u00e0 decep\u00e7\u00e3o radical. \u00ca uma riqueza que se oferece de experi\u00eancias poss\u00edveis, aparentemente ilimitada, mas tamb\u00e9m com o risco dos equ\u00edvo- cas que desnorteiam e com a satisfa\u00e7\u00e3o enganadora de interpreta\u00e7\u00f5es por demais singelas."], ["Da vasta literatura que se ocupa com estas quest\u00f5es limitamo-nos a"], ["poucos exemplos:", "1) Os fen\u00f4menos hist\u00e9ricos, em sentido mais estrito \u2014 paralisias, dist\u00farbios da sensibilidade etc. \u2014 relacionam-se com representa- \u00e7\u00f5es ps\u00edquicas, inten\u00e7\u00f5es, planos, que desapareceram da consci- \u00eancia por forma dif\u00edcil de explicar, mas que, de modo absoluto, n\u00e3o lhe s\u00e3o inacess\u00edveis. A simula\u00e7\u00e3o pode vir a dar na histeria, a\u00ed, contudo, interferindo certos fatores que complicam a situa- \u00e7\u00e3o, de maneira que j\u00e1 n\u00e3o se pode falar em simula\u00e7\u00e3o.", "2) Os processos da convers\u00e3o fazem-se compreens\u00edveis como deri- vativos da energia; por exemplo, quando se recalcam desejos se- xuais, mediante a convers\u00e3o em evento som\u00e1tico, que aponta, simbolicamente, a origem, valendo como deslocamento ou subs- titui\u00e7\u00e3o da satisfa\u00e7\u00e3o imediata vedada (Freud).", "3) O evento inconsciente \u00e9 pensado de forma variadamente diferen- ciada: o doente, por assim dizer, pune-se a si pr\u00f3prio, com um sintoma, pela excita\u00e7\u00e3o instintiva ou a\u00e7\u00e3o que lhe pesa na cons- ci\u00eancia; um paciente perde a vontade, enfraquece-se, abandona- se e passa a ficar mais sujeito a qualquer tipo de doen\u00e7as perma- nentemente amea\u00e7adoras.", "4) Os \u00f3rg\u00e3os dizem alguma coisa que a vontade consciente n\u00e3o fala: hemorragias renais, leucorreia, eczema vulvar devem exprimir uma defesa contra o coito e servir de cura para situa\u00e7\u00f5es corres- pondentemente alteradas.", "N\u00e3o se comprovam estas rela\u00e7\u00f5es todas entre soma e psique, mas se deduzem, plaus\u00edveis e poss\u00edveis que s\u00e3o, se se tiver em vista a temporali- dade do aparecimento e desaparecimento; h\u00e1 muitos casos em que s\u00e3o at\u00e9 quase certas, embora distantes daquela unidade evidente entre soma e psique, quando ocorrem fen\u00f4menos expressivos aut\u00eanticos."], ["Quanto \u00e0 indaga\u00e7\u00e3o: por que \u00e9 que, havendo abalo ps\u00edquico ou es- tresse mais prolongado, ora s\u00e3o acometidos o cora\u00e7\u00e3o e a circula\u00e7\u00e3o, ora o est\u00f4mago e o intestino, ora o aparelho respirat\u00f3rio \u2014 quanto a esta inda- ga\u00e7\u00e3o da escolha de \u00f3rg\u00e3os, a resposta que se admite \u00e9 que uma fraqueza do \u00f3rg\u00e3o, constitucional ou morbidamente adquirida, uma predisposi\u00e7\u00e3o,", "um locus minoris resistentiae existe; por exemplo, uma colecistopatia faci- lita a tend\u00eancia a vomitar. Heyer vai al\u00e9m, dando resposta inteiramente di- vers:", "Os estados som\u00e1ticos, sujeitos a condicionamento ps\u00edquico, s\u00e3o, no aparelho digestivo, v\u00f4mitos, aerofagias; no aparelho circulat\u00f3rio: asma, frenocardia. Todos eles t\u00eam, simultaneamente, significa\u00e7\u00e3o simb\u00f3lica; n\u00e3o s\u00f3 se experimentam somaticamente, mas vivenciam-se como significados.", "Os \u00f3rg\u00e3os constituem linguagem oculta, que a alma escuta e pela qual"], ["fala. O v\u00f4mito \u00e9 express\u00e3o da repugn\u00e2ncia (Napole\u00e3o vomitou, quando soube que ia ser levado para Santa Helena); a aerofagia quer dizer degluti- \u00e7\u00e3o de alguma coisa \u2014 humilhante, por exemplo \u2014- contra a qual n\u00e3o pode o indiv\u00edduo defender-se; a ansiedade significa, ao mesmo tempo, o medo da vida, de seus pressupostos, de sua plena realiza\u00e7\u00e3o a partir das possibilidades mais profundas; a asma significa a intoler\u00e2ncia do ar, isto \u00e9, da atmosfera que em certo lugar se formou por- for\u00e7a da situa\u00e7\u00e3o, dos conflitos, das pessoas; a frenocardia (neurose card\u00edaca, na qual o dia- fragma se contrai, seguindo-se dores e taquicardia) representa, porque vem a ser a fixa\u00e7\u00e3o espasm\u00f3dica da inspira\u00e7\u00e3o, uma tens\u00e3o que n\u00e3o se re- solve (quando, no ato sexual, n\u00e3o se produzem al\u00edvio e satisfa\u00e7\u00e3o da ten- s\u00e3o e da exalta\u00e7\u00e3o). A todo momento, o homem pronuncia, simbolica- mente pelos \u00f3rg\u00e3os, sem o saber, a intolerabilidade fatual de sua vida."], ["Para chegar a uma compreens\u00e3o b\u00e1sica, Heyer distingue v\u00e1rios c\u00edrcu- los vitais: o c\u00edrculo vegetativo (aparelho digestivo), o c\u00edrculo animal (a vida sangu\u00ednea: sangue, cora\u00e7\u00e3o e circula\u00e7\u00e3o), o c\u00edrculo pneum\u00e1tico (respira- \u00e7\u00e3o) ; c\u00edrculo estes dotados de uma ess\u00eancia que se relaciona, simbolica- mente, com essencialidades ps\u00edquicas:", "1) \u201cA vida dos intestinos \u00e9 a esfera terrena do existir, vegetativa, quieta,", "obscura e profundamente inconsciente\u201d; vida de que partem movimentos ondulares, tal qual as ondula\u00e7\u00f5es das mar\u00e9s, na natureza.", "2) \u201cA vida do sangue- \u00e9 aquela das paix\u00f5es ardentes, dos afetos, do temperamento e do instinto; a esfera da impuls\u00e3o sexual\u201d; o que a domina n\u00e3o s\u00e3o ondula\u00e7\u00f5es, mas- o ritmo de contra\u00e7\u00e3o e desdobramento; e essa vida assemelha-se \u00e0 do animal que vagueia e assalta.", "3) A respira\u00e7\u00e3o \u00e9 de ess\u00eancia, igualmente, polar, desenvolvendo-se atrav\u00e9s de um curso de dois polos: tens\u00e3o\u00bb e distens\u00e3o, a que vem um mo- mento perto-do-eu. \u201cEssa maior leveza e claridade, essa afinidade da res- pira\u00e7\u00e3o com o ar e com o \u00e9ter permite sentirmo-nos nela mais elevados,", "mais livres, mais soltos do que no- evento digestivo terreno e no evento cir- culat\u00f3rio animal\u201d. A ave simboliza ar e f\u00f4lego."], ["Assim, pois, j\u00e1 que os v\u00e1rios c\u00edrculos vitais (sistemas org\u00e2nicos da di- gest\u00e3o, da circula\u00e7\u00e3o, da respira\u00e7\u00e3o) se vinculam com certo sentir \u201cb\u00e1sico, ou primitivo, ou geral, de car\u00e1ter respectivamente diverso\u201d, tem-se como v\u00e1lido, inversamente, que \u201cesses momentos ps\u00edquicos se manifestem nos sistemas org\u00e2nicos correspondentes\u201d. Para limitar-nos. ao exemplo princi- pal: na circula\u00e7\u00e3o \u2014 a portadora do mundo compulsivo animal de paix\u00f5es e instintos \u2014 o dist\u00farbio b\u00e1sico \u00e9 a ansiedade; em primeiro lugar, pela instabilidade do elemento vital (tal qual ' acontece na esclerose coron\u00e1ria etc.); ansiedade, a seguir, porque o sangue est\u00e1 oprimido, ou seja, porque a paix\u00e3o oprime; a. ansiedade \u00e9 o dist\u00farbio que o homem experimenta quando n\u00e3o sente sua unidade com o animal movido pelo pr\u00f3prio sangue, isso vindo a ser medo, por um lado, de que seja em n\u00f3s por demais fraco, ou, ao contr\u00e1rio, medo de que nos. domine e devore; da\u00ed haver neuroses circulat\u00f3rias \u201cn\u00e3o s\u00f3 em homens que n\u00e3o cumprem a vontade do sangue, (nem a da sexualidade), que a reprimem, como tamb\u00e9m naqueles que per- dem em demasia seu cu mental em favor do aspecto natural\u201d. As neuroses circulat\u00f3rias resultam, por conseguinte, \u201ctanto do conflito com o mundo terreno e compulsivo, que n\u00e3o se sabe enfrentar, quanto da perda do es- clarecimento mental por parte do homem\u201d."], ["Mostra esta exposi\u00e7\u00e3o a que ponto se entrela\u00e7am, segundo as concep-"], ["\u00e7\u00f5es referidas: primeiramente, as conex\u00f5es vitais, fisiol\u00f3gicas, quais sejam aquelas entre cora\u00e7\u00e3o e ansiedade, sexualidade e ansiedade; em segundo lugar, temos significa\u00e7\u00f5es simb\u00f3licas poss\u00edveis, pelas quais os \u00f3rg\u00e3os s\u00e3o vivenciados como s\u00edmbolos do psiquismo; por fim, h\u00e1 um simbolismo m\u00eds- tico, por meio do qual se exprime uma interpreta\u00e7\u00e3o metaf\u00edsica da vida. O entrela\u00e7amento da heterogeneidade, sem deixar de ter encanto para o jogo de nossa fantasia, \u00e9, contudo, insuport\u00e1vel para o conhecimento. Certos fatos emp\u00edricos evidentes, extremamente dif\u00edceis de isolar e esclarecer, al- guns esbo\u00e7os de possibilidades vivenciais que expliquem conex\u00f5es com- preens\u00edveis com o som\u00e1tico, as especula\u00e7\u00f5es de significados metaf\u00edsicos e existenciais \u2014 tudo isso leva a confus\u00e3o de que n\u00e3o se consegue sair. O que vem a ser certo \u00e9, apenas, a lembran\u00e7a, em geral e de forma absoluta- mente vaga, de que o evento corpo-alma n\u00e3o se esgota, sequer aproxima- damente, com os simples esquemas habituais; nem se apreende suficien- temente em seus fatos; mais ainda: nem sequer neles se conceitua. Em- bora se justifique como inst\u00e2ncia negativa que nos impe\u00e7a de contentar-"], ["nos com certa singeleza fisiol\u00f3gico-causal, n\u00e3o possui valor cient\u00edfico pr\u00f3- prio qualquer fantasia assim configurada, que vemos avultar na psicotera- pia.", "Os vastos estudos de von Weizs\u00e3cker sobre o tema da pr\u00f3pria patoge-", "nia ps\u00edquica, em caso de desordens org\u00e2nicas s\u00e9rias, abrem-se a todas es- sas orienta\u00e7\u00f5es interpretativas, se bem que n\u00e3o concordem, simplesmente, com elas. O referido autor parece admiti-las, de quando em quando; rejei- tando, por\u00e9m, cautelosamente, qualquer interpreta\u00e7\u00e3o demasiado precisa, em favor de uma concep\u00e7\u00e3o biogr\u00e1fica, por virtude da qual o som\u00e1tico de- sempenha papel no curso dram\u00e1tico do destino ps\u00edquico e moral, sem que se fixe, no entanto, qualquer forma geral de conex\u00e3o compreens\u00edvel, poss\u00ed- vel de usar-se como conhecimento causai. Leem-se com certo espanto suas biografias de doentes; sente-se inclina\u00e7\u00e3o para considerar poss\u00edvel o que ele diz; mas, ao fim, nada se sabe."], ["\u00a7 3. Achados Som\u00e1ticos Nas Psicoses", "\u00daltimo grupo de sintomas som\u00e1ticos que observamos nos doentes n\u00e3o"], ["tem rela\u00e7\u00e3o alguma que at\u00e9 o momento se perceba com o psiquismo; an- tes constituindo, apenas, sinais corp\u00f3reos dos processos m\u00f3rbidos som\u00e1ti- cos, que talvez sejam causa da enfermidade ps\u00edquica e que, seja como for, com ela se relacionam. N\u00e3o nos ocupamos, aqui, com os sintomas de cer- tas doen\u00e7as som\u00e1ticas (por exemplo, dos processos cerebrais), e sim com certos achados som\u00e1ticos, que, por enquanto, registramos como sintomas corp\u00f3reos observados nas psicoses, sem consider\u00e1-los sinal de doen\u00e7a co- nhecida. Assim \u00e9 que registramos, sobretudo, nos grupos da esquizofre- nia, certas hiperreflexias, altera\u00e7\u00f5es pupilares, edemas, cianose das extre- midades, secre\u00e7\u00f5es sudor\u00edparas de cheiro fortemente caracter\u00edstico, o \u201crosto gorduroso\u201d, a pigmenta\u00e7\u00e3o e certos dist\u00farbios tr\u00f3ficos. O que, sem mais, se observa tem sido, de h\u00e1 muito, complementado determinando-se, por exemplo, o peso do corpo, a cessa\u00e7\u00e3o das regras; isso se tem feito, nos \u00faltimos dec\u00eanios, em pesquisas fisiol\u00f3gicas levadas a efeito com todos os requintes dos m\u00e9todos cl\u00ednicos. Conseguiram-se acumular ao infinito achados casuais, em parte; doutra parte, estabeleceram-se esquemas de fen\u00f4menos a revelar com precis\u00e3o processos fisiol\u00f3gicos que ocorrem nas psicoses. Destacamos alguns exemplos:"], ["a) Peso do corpo.", "Sintoma som\u00e1tico amb\u00edguo \u00e9 a oscila\u00e7\u00e3o do peso corp\u00f3reo, que pode"], ["ser extrema nos doentes mentais. Nota-se diminui\u00e7\u00e3o que chega \u00e0 com- pleta emacia\u00e7\u00e3o e ao profundo marasmo nas psicoses agudas; o aumento de peso se constata durante a cura da fase aguda, donde ser o comporta- mento do peso corp\u00f3reo marco importante das tend\u00eancias segundo as quais evolui a doen\u00e7a. Esse aumento de peso ocorre tanto no retorno \u00e0 sa- \u00fade quanto na instala\u00e7\u00e3o do estado demencial permanente ap\u00f3s fase aguda (por isto \u00e9 que aumento de peso sem melhora ps\u00edquica constitui sintoma suspeito). Neste \u00faltimo caso, observa-se, em certas ocasi\u00f5es, vo- racidade fora do comum, h\u00e1bito externo obeso, de empanturramento. Nota-se queda de peso no caso de viv\u00eancias ps\u00edquicas s\u00e9rias, de preocupa- \u00e7\u00f5es e afetos depressivos permanentes, de dist\u00farbios nervosos de toda sorte (o peso diminui, \u00e0s vezes, vinte libras ou mais). \u00c9 muito dif\u00edcil esta- belecer, nos casos particulares, em que medida o comportamento do peso acompanha um processo m\u00f3rbido som\u00e1tico, que, por sua vez, tamb\u00e9m ocasiona os dist\u00farbios ps\u00edquicos; em que medida a altera\u00e7\u00e3o ponderai re- sulta, diretamente, da atividade ps\u00edquica. Uma e outra conex\u00f5es parecem, todavia, existir. Tive um doente com neurose traum\u00e1tica que, a cada inter- na\u00e7\u00e3o, apesar da alimenta\u00e7\u00e3o muito boa, perdia alguns quilos, presumi- velmente, porque a situa\u00e7\u00e3o o excitava muito, de cada vez."], ["Reichardt, que realizou pesquisas exatas sobre as rela\u00e7\u00f5es de peso cor-", "p\u00f3reo, de um lado, e doen\u00e7as cerebrais ou mentais, de outro, notou, por vezes, que nenhuma rela\u00e7\u00e3o existia entre o peso do corpo e o estado ps\u00ed- quico; donde a impossibilidade de fixar quaisquer princ\u00edpios. Observou ele, por exemplo, oscila\u00e7\u00f5es acentuadas em certas psicoses agudas graves; de modo geral, contudo, notou curvas ponderais estacion\u00e1rias em estados de debilidade mental e estados terminais, engordas e emaciamentos end\u00f3- genos frequentes em doen\u00e7as cerebrais, como por exemplo, paralisias, al\u00e9m de emacia\u00e7\u00f5es mais do que excessivas em complexos sintom\u00e1ticos cata- t\u00f4nicos. As oscila\u00e7\u00f5es ponderais de curta dura\u00e7\u00e3o foram considera- das resultantes de reten\u00e7\u00e3o h\u00eddrica, em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0s de longa dura."], ["b) Cessa\u00e7\u00e3o das regras.", "\u2014 A cessa\u00e7\u00e3o das regras \u00e9 fen\u00f4meno frequente nas psicoses. Hay-", "mann1 encontrou-a nas seguintes propor\u00e7\u00f5es:"], ["bem como:", "As regras cessam, na maioria dos casos, s\u00f3 depois de instalados os fe- n\u00f4menos ps\u00edquicos. Em grande parte dos casos, a cessa\u00e7\u00e3o coincide com a perda de peso; voltam as regras quando o peso aumenta (cura ou estado demencial cr\u00f4nico)."], ["c) Achados de dist\u00farbios end\u00f3crinos.", "J\u00e1 houve diversos casos em que se encontrou a s\u00edndrome de Cushing", "em esquizofr\u00eanicos, desaparecendo com o progresso da doen\u00e7a (exclu\u00edda a possibilidade de tumor hipofis\u00e1rio). O achado apenas mostra que \u201cos pro- cessos m\u00f3rbidos esquizofr\u00eanicos tendem a estender-se \u00e0 \u00e1rea dos proces- sos hormoniais\u201d."], ["d) Pesquisas fisiol\u00f3gicas sistem\u00e1ticas para conhecimento de quadros so-"], ["matopatol\u00f3ficos t\u00edpicos.", "As in\u00fameras pesquisas sobre o metabolismo, os achados hematol\u00f3gi- cos, urin\u00e1rios etc. valem, em certas circunst\u00e2ncias, como ind\u00edcios; mas, absolutamente intermin\u00e1veis que s\u00e3o, n\u00e3o levam a conclus\u00e3o alguma. Por exemplo, em muitos casos de esquizofrenia (sobretudo, na forma cata- t\u00f4- nica) e tamb\u00e9m de estupores paral\u00edticos, tem-se visto ralenta- mento do metabolismo; os modernos recursos da patologia metab\u00f3lica t\u00eam revelado outros fatos, que ocorrem em certas paralisias, na esquizofrenia, na epi- lepsia, nas psicoses circulares.", "Os trabalhos extraordinariamente \u00e1rduos e apurados de Gjessing mo-"], ["dificaram a perspectiva. Este autor, em primeiro lugar, n\u00e3o tomou acha- dos individuais vistos em muitos doentes para confront\u00e1-los estatistica- mente (procedimento que, de modo geral, s\u00f3 pode servir para buscar ind\u00ed- cios, mas que n\u00e3o se pode instituir como m\u00e9todo de pesquisa); o que fez, sim, foi pesquisar s\u00e9ries de poucos enfermos, diariamente, durante tempo prolongado, a fim de observar a modifica\u00e7\u00e3o do quadro somatol\u00f3gico e confront\u00e1-la com a modifica\u00e7\u00e3o do estado psic\u00f3tico; em segundo lugar, n\u00e3o investigou um fen\u00f4meno fisiol\u00f3gico individual, mas um quadro total,", "que exigiu an\u00e1lises de sangue, fezes e simult\u00e2nea determina\u00e7\u00e3o do meta- bolismo basal etc.; por fim, Gjessing selecionou, cuidadosamente, casos particulares, com diagn\u00f3stico absolutamente preciso, quadro t\u00edpico, apti- d\u00e3o individual para a pesquisa. Dentre os casos diversos que comunicou, alguns \u2014 regulares, cl\u00e1ssicos \u2014 s\u00e3o de chamar aten\u00e7\u00e3o especial:", "O estupor catat\u00f4nico instala-se repentinamente e \u00e9 cr\u00edtico o despertar."], ["No est\u00e1dio-pr\u00e9-estuporoso, ligeira inquieta\u00e7\u00e3o motora. No per\u00edodo de vig\u00ed- lia, encontra-se diminui\u00e7\u00e3o do metabolismo basal, bradisfigmia, baixa de press\u00e3o arterial, hipoglicemia, leucopenia e linfocitose, reten\u00e7\u00e3o azotada (Gjessing chama esse quadro, que ocorre durante o per\u00edodo vigil, s\u00edndrome de reten\u00e7\u00e3o). Come\u00e7ando o estupor, notam-se varia\u00e7\u00f5es vegetativas mar- cadas (altera\u00e7\u00e3o do tamanho das pupilas, da frequ\u00eancia do pulso, da cor do rosto, da suda\u00e7\u00e3o, do t\u00f4nus muscular). Durante o per\u00edodo de estupor, observam-se: aumento do metabolismo basal, aumento da frequ\u00eancia do pulso, eleva\u00e7\u00e3o da press\u00e3o arterial, hiperglicemia, ligeira hiperleucocitose, aumento da excre\u00e7\u00e3o azotada (a este quadro Gjessing deu o nome de s\u00edn- drome de compensa\u00e7\u00e3o). Os sintomas apresentam-se em altern\u00e2ncia com os estupores, este durando duas a tr\u00eas semanas.", "Achados absolutamente semelhantes Gjessing levantou em estados ca-"], ["tat\u00f4nicos de excita\u00e7\u00e3o. H\u00e1, por\u00e9m, numerosos casos de estupor e excita- \u00e7\u00e3o de curso irregular. Sempre, no entanto, o autor encontrou reten\u00e7\u00e3o azotada, altera\u00e7\u00e3o vegetativa, excre\u00e7\u00e3o azotada; com reten\u00e7\u00e3o azotada du- rante o per\u00edodo vigil.", "O que se tem em vista \u00e9 obter um quadro qu\u00edmico-fisiol\u00f3gico que cons- titua s\u00edndrome coerente, capaz de correlacionar certas formas de estupor catat\u00f4nico e excita\u00e7\u00e3o catat\u00f4nica. Gjessing renunciou \u00e0 ocorr\u00eancia de le- s\u00f5es causais (se o quadro \u00e9 condicionado pelo psique, ou pelo soma, atra- v\u00e9s de doen\u00e7a org\u00e2nica), apenas pretendendo tratar-se, mais provavel- mente, de estimula\u00e7\u00e3o, que atuaria periodicamente, do tronco cerebral. Nos estados anormais, a reten\u00e7\u00e3o ur\u00e9ica da vig\u00edlia retrograda; no estupor ou na excita\u00e7\u00e3o, h\u00e1, por assim dizer, cura dessa reten\u00e7\u00e3o.", "Outras pesquisas valiosas foram feitas, ulteriormente, delas resultando"], ["novos mist\u00e9rios dentro do quadro som\u00e1tico; altera\u00e7\u00f5es das mais s\u00e9rias, sem achados m\u00f3rbidos causais correspondentes do tipo das doen\u00e7as in- ternas:", "Jahn e Greving encontraram concentra\u00e7\u00e3o do sangue, aumento da for- ma\u00e7\u00e3o de gl\u00f3bulos vermelhos (aumento das hem\u00e1cias e formas jovens, co- lora\u00e7\u00e3o vermelha, em vez de amarela, da medula dos ossos), com redu\u00e7\u00e3o", "da destrui\u00e7\u00e3o dos eritr\u00f3citos; achados que n\u00e3o se constatam em outras doen\u00e7as. Atribu\u00edram esses acha- \u00abdos sangu\u00edneos, bem como outros fen\u00f4- menos som\u00e1ticos, \u00e0 inundar\u00e3o do sangue por um veneno, que seria uma dentre as subst\u00e2ncias t\u00f3xicas provenientes do metabolismo da albumina, veneno que produziria o mesmo efeito que produz, em experi\u00eancias com animais, a histamina. Trata-se dos casos da catatonia frequentemente fa- tal, j\u00e1 de h\u00e1 muito descritos:"], ["O quadro dessa catatonia fatal \u00e9 descrito da seguinte forma: uma in- quieta\u00e7\u00e3o motora fora do comum parece evoluir, sem inibi\u00e7\u00e3o, para a au- todestrui\u00e7\u00e3o, ao mesmo tempo que as for\u00e7as f\u00edsicas crescem enorme- mente. Acrocianose do mais alto grau. A pele \u00famida das extremidades est\u00e1 fria, com muitos lugares nos quais a press\u00e3o ou a percuss\u00e3o produzem pet\u00e9quias que n\u00e3o tardam a amarelecer. A press\u00e3o arterial, de in\u00edcio ele- vada, desce. A excita\u00e7\u00e3o cai com o colapso circulat\u00f3rio. Os doentes jazem na cama, inermes, com express\u00e3o do tens\u00e3o interna, turva a consci\u00eancia, muitas vezes. Apesar de fria a pele, n\u00e3o \u00e9 raro a temperatura ir a 40\u00b0. \u00c0 disse\u00e7\u00e3o, n\u00e3o se constata com clareza nenhuma causa da morte; achado algum se obt\u00e9m que indique causa m\u00f3rbida essencial."], ["Outro quadro t\u00edpico foi o que K. F. Scheid descreveu, quando exami- nando esquizofr\u00eanicos, em per\u00edodos diversos, encontrou temperatura? ele- vadas, com aumento consider\u00e1vel da velocidade de sedimenta\u00e7\u00e3o e tam- b\u00e9m os sintomas de aumento da forma\u00e7\u00e3o e destrui\u00e7\u00e3o das hem\u00e1tias. Em geral, a forma\u00e7\u00e3o e a destrui\u00e7\u00e3o se equilibram; havendo hem\u00f3lise violenta, a anemia aparece; muitas vezes, n\u00edtida. Falta o sintoma de somatose grave em que possam basear-se os epis\u00f3dios febris."], ["Em todos os casos, trata-se de quadros particulares, ou de tipo* de do- en\u00e7a estritamente\u2019 delimitada; nunca se reconhece a somato-patologia da esquizofrenia, em seu todo. Da\u00ed n\u00e3o se haverem estabelecido leis gerais, de modo que subsiste a raridade dos casos cl\u00e1ssicos, como subsistem as con- tradi\u00e7\u00f5es vigentes; assim, ao passo que Jahn e Greving n\u00e3o observaram destrui\u00e7\u00e3o do sangue nas catatonias fatais, K. F. Scheid viu brotos catat\u00f4- nicos em que a hem\u00f3lise se acentua, com diminui\u00e7\u00e3o do conte\u00fado de he- moglobina e aparecimento de produtos da destrui\u00e7\u00e3o dessa subst\u00e2ncia.", "E de pensar-se; claro, em doen\u00e7a som\u00e1tica, que se comporta, funda- mentalmente, como outras somatoses. Neste sentido falam os' sintomas som\u00e1ticos dr\u00e1sticos, do mesmo modo que, sob o aspecto* psicol\u00f3gico, a se- melhan\u00e7a das viv\u00eancias produzidas pela mescalina (e outros venenos) com aquelas esquizofr\u00eanicas parece apontar' um agente causal possivelmente"], ["tang\u00edvel. Em contr\u00e1rio, todavia, fala a aus\u00eancia de achado anatomopatol\u00f3- gico que indique a causa; sem contar aquilo que varia, radicalmente, nal- guma parte do soma, (digamos, quanto ao tipo dos dist\u00farbios circulat\u00f3- rios). Embora. expressivos os novos achados, n\u00e3o se lhes percebe o signifi- cado. Ser\u00e1 decisivo esclarecer se, em princ\u00edpio, a mesma doen\u00e7a pode apa- recer em animais, ou se toda a enfermidade \u00e9 especificamente humana. Seja como for, ela \u00e9 fen\u00f4meno da natureza humana, processo que reside no substrato do homem, onde ainda n\u00e3o se descobre distin\u00e7\u00e3o entre corpo e alma."], ["1.4. OS FATOS OBJETIVOS SIGNIFICATIVOS", "Chamamos fatos objetivos significativos aqueles fen\u00f4menos que, no mundo sens\u00edvel, se entendem como manifesta\u00e7\u00e3o da psique, fatos que s\u00e3o a forma fisiogn\u00f4mica, a movimenta\u00e7\u00e3o m\u00edmica, a fala e a escrita, as pro- du\u00e7\u00f5es art\u00edsticas e os atos conscientes propositais; fen\u00f4menos estes, po- r\u00e9m, heterog\u00eaneos, quase incompar\u00e1veis. H\u00e1 uma significa\u00e7\u00e3o objetiva do pensamento, da obra-de-arte, do ato proposital, significa\u00e7\u00e3o que, como tal, n\u00e3o \u00e9 em absoluto psicol\u00f3gica e cuja compreens\u00e3o n\u00e3o representa compre- ens\u00e3o alguma do psiquismo. Assim \u00e9, por exemplo, que compreendemos racionalmente a significa\u00e7\u00e3o de uma frase, apesar de n\u00e3o compreender- mos o homem que a pronuncia, apesar de nem sequer nele pensarmos. Um mundo objetivo da mente existe, em que nos movemos sem pensar na psique e do qual a mente surge \u00e0 observa\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica. Da\u00ed por que divi- dimos os fatos objetivos significativos em v\u00e1rias esferas:"], ["1. A psique humana exprime-se no corpo e em seu movimento; ex- press\u00e3o esta que, involunt\u00e1ria, se faz objetiva \u00e0quele que ob- serva, n\u00e3o, entretanto, ao indiv\u00edduo que se tem de compreender (Sec\u00e7\u00e3o I).", "2. O homem vive em seu mundo: por sua atitude, seu comporta- mento, suas a\u00e7\u00f5es, pela conforma\u00e7\u00e3o de seu perimundo e de suas rela\u00e7\u00f5es comunit\u00e1rias. Em suas a\u00e7\u00f5es e atividades \u00e9 que aparece o que ele \u00e9; e estas constituem, para ele pr\u00f3prio, um conte\u00fado consciente (Sec\u00e7\u00e3o II).", "3. O homem objetifica seus conte\u00fados na fala, no trabalho, na vi- s\u00e3o ideativa que conformam o mundo mental. Apreende o que materialmente compreendeu, produziu, criou e quer criar (Sec- \u00e7\u00e3o III).", "Antes de mais nada, estas tr\u00eas esferas significam conte\u00fados com os quais nos ocupamos n\u00e3o s\u00f3 psicologicamente, visto que, de in\u00edcio, nem existe interesse psicol\u00f3gico. A apropria\u00e7\u00e3o interna desses conte\u00fados, a ca- pacidade segura de perceb\u00ea-los compreensivamente constitui pressuposto da respectiva observa\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica, para a qual n\u00e3o existem, contudo, li- mites. Nem a obra intelectual mais sublime pode ser inquirida quanto \u00e0 sua origem ps\u00edquica, quanto \u00e0 express\u00e3o que nela, involuntariamente, se realiza, quanto ao efeito que gera na vida ps\u00edquica, quanto \u00e0 significa\u00e7\u00e3o que tem como apoio para a psique etc, O mundo do que \u00e9 compreens\u00edvel, evidentemente, n\u00e3o se esgota com o aspecto psicol\u00f3gico dessa compreensi- bilidade. N\u00e3o devemos esquecer-nos de que, sob outros pontos de vista, se"], ["considera a> mente um mundo significativo que se destaca de tudo quanto \u00e9 ps\u00edquico; e de que se considera o homem criatura racional e livre; o caso \u00e9, todavia, que, como psicopatologistas, outro interesse n\u00e3o temos sen\u00e3o compreender toda significa\u00e7\u00e3o objetiva, isso constituindo pressu- posto para a compreens\u00e3o psicol\u00f3gica de que essa significa\u00e7\u00e3o existe na psique do homem verdadeiro. Este \u00e9 o motivo por que, j\u00e1 na psicologia da express\u00e3o, a percep\u00e7\u00e3o imediata do que nos outros se v\u00ea e se ouve de- pende da cultura e amplitude da personalidade do psicopatologista. N\u00e3o \u00e9 de admirar que muitos se contentem com trivialidades, banalidades e que outros, sentindo serem limitadas suas possibilidades de compreender a express\u00e3o e, consequentemente, seu acesso \u00e0 psique alheia, se intimidem ante qualquer individualidade emp\u00edrica, percebendo que, exatamente quando se tem apreendido muito, \u00e9 que n\u00e3o se pode penetrar completa- mente.", "Em cada uma das tr\u00eas dire\u00e7\u00f5es que tomam os fatos significativos obje-"], ["tivos, s\u00e3o particularidades que observamos; particularidades cuja ess\u00ean- cia, entretanto, s\u00f3 est\u00e1 num todo; e esse todo n\u00e3o se nos apresenta de forma determinada, tal qual um fato particular. O que o constitui, dentro do conjunto dos fen\u00f4menos expressivos \u00e9 o Formniveau (Klages \u2014 n\u00edvel de forma) inconsciente; quanto \u00e0 exist\u00eancia do homem em seu mundo, \u00e9 a configura\u00e7\u00e3o do mundo; quanto \u00e0 objetiva\u00e7\u00e3o mediante o saber e a obra, \u00e9 a totalidade consciente da mente singular.", "As tr\u00eas esferas quase sempre se ajuntam, embora possuam, cada uma,"], ["um princ\u00edpio que lhes \u00e9 peculiar, de modo que em todas algo existe, por exemplo, do car\u00e1ter expressivo que s\u00f3 na primeira \u00e9 princ\u00edpio predomi- nante. Um conte\u00fado pensado, uma finalidade e uma inten\u00e7\u00e3o podem, ob- jetivamente, existir no mundo, mas a observa\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica descobre n\u00e3o haver pura racionalidade, pura finalidade num indiv\u00edduo emp\u00edrico. A forma por que o pensamento se profere, desde o tom da voz at\u00e9 o estilo da linguagem; a forma por que se realiza a inten\u00e7\u00e3o, desde os movimentos corp\u00f3reos at\u00e9 as modalidades comportamentais individualmente vari\u00e1veis conforme a situa\u00e7\u00e3o particular concreta, tudo isso representa atmosfera da express\u00e3o que constantemente impregna todas as manifesta\u00e7\u00f5es ps\u00ed- quicas; sem contar o fato de que \u00e9 este homem, exatamente, que tem este pensamento; que, exatamente, persegue este objetivo, exprimindo certa \u201cpersonalidade\u201d ou certo modo de ser. Tamb\u00e9m os \u201crendimentos\u201d que, em si, n\u00e3o s\u00e3o express\u00e3o possuem, aparecendo individualmente, um \u201cas- pecto\u201d expressivo: a motricidade apresenta-se tal qual motricidade expres-"], ["siva; a linguagem assume car\u00e1ter expressivo pelo tom e pela forma; o tra- balho adquire ritmo e estilo atrav\u00e9s da m\u00edmica que o acompanha.", "A classifica\u00e7\u00e3o b\u00e1sica dos fatos particulares conjuntos esquematiza-se, mais uma vez, da seguinte forma: os fen\u00f4menos subjetivos \u2014 a viv\u00eancia \u2014 s\u00e3o objeto da Fenomenologia; os fen\u00f4menos objetivos s\u00e3o ou n\u00e3o significa- tivos; os que n\u00e3o t\u00eam significa\u00e7\u00e3o s\u00e3o objeto da Somatopsicologia; os que t\u00eam significa\u00e7\u00e3o avaliam-se e medem-se como rendimentos (Psicologia do Rendimento) ; ou se compreendem como fatos objetivos significativos, es- tes representando express\u00e3o (Psicologia, da Express\u00e3o), ou vida num mundo (Psicologia do Comportamento no Mundo, ou, abreviadamente, Psicologia do Mundo) ; ou ainda produ\u00e7\u00f5es-, intelectuais (Psicologia da Obra).", "Toda objetiva\u00e7\u00e3o significativa prov\u00e9m de um impulso ps\u00edquico; como", "tamb\u00e9m alguma coisa que \u00e9 inintencional, impulsiva, subjaz a tudo quanto \u00e9 deliberado. Podemos distinguir o impulso prim\u00e1rio em:"], ["1) O impulso \u00e0 express\u00e3o, no sentido mais estrito- do abandono involunt\u00e1rio e n\u00e3o orientado a est\u00edmulos ps\u00edquicos, abandono a que correspondem possibilidades expressivas maiores ou meno- res, de acordo com indiv\u00edduo e ra\u00e7a.", "2) O impulso \u00e0 representa\u00e7\u00e3o, que exprime algo semivolunt\u00e1rio, o homem dando a si pr\u00f3prio uma forma configurada, isto \u00e9, re- presentando a si mesmo com certo valor e significa\u00e7\u00e3o perante espectadores reais ou imagin\u00e1rios, tal qual se representa perante si mesmo. Representar-se a si mesmo \u00e9 caracter\u00edstica humana fundamental; fator indispens\u00e1vel e positivo, pertence \u00e0 vida hu- mana, mas pode acontecer que o homem se iluda em sua autor- representa\u00e7\u00e3o: forma, cena, gesto, em vez de serem efeitos vitais, v\u00eam a constituir a. pr\u00f3pria vida, sob o aspecto de momentanei- dade em perp\u00e9tua muta\u00e7\u00e3o, ou de atitude r\u00edgida, substituindo a vida substancial.", "3) Necessidade de comunica\u00e7\u00e3o: o homem quer colocar-se em re- la\u00e7\u00e3o de entendimento rec\u00edproco com outros; de in\u00edcio, entendi- mento, apenas, de conte\u00fados objetivos, ideias objetivamente diri- gidas, representa\u00e7\u00f5es intencionais, pensamentos; \u00e9 mais tarde que vem a comunica\u00e7\u00e3o da pr\u00f3pria psique. A linguagem \u00e9 o ins- trumento maravilhoso, enigm\u00e1tico, que o indiv\u00edduo encontrou para essa comunica\u00e7\u00e3o.", "4) O impulso \u00e0 atividade: a atua\u00e7\u00e3o conforme uma finalidade, a apreens\u00e3o de situa\u00e7\u00f5es e tarefas. \u2014 Em cada uma das quatro di- re\u00e7\u00f5es do impulso prim\u00e1rio est\u00e1 a significa\u00e7\u00e3o, diversa do puro impulso vital ao movimento.", "Em todas as objetividades significativas, a regra vale de que s\u00e3o os ca- sos desusados, diferenciados, ricos, que mais ensinam; eles \u00e9 que esclare- cem os demais e mostram ser a experi\u00eancia que se. ganha com a quanti- dade dos casos menos ilustrativa do que aquela resultante da profundi- dade a que se penetra o caso particular. Da\u00ed terem aqui os casos particu- lares significa\u00e7\u00e3o em princ\u00edpio diversa da que se descobre nos setores so- m\u00e1ticos, onde sempre se v\u00ea \u201cum caso de ...\u201d, ao passo que, na psicologia da express\u00e3o, o caso particular pode ter import\u00e2ncia exemplar."], ["SE\u00c7\u00c3O 1. EXPRESS\u00c3O DA PSIQUE NO CORPO E NOS MOVIMENTOS (PSICOLOGIA DA EXPRESS\u00c3O)"], ["a) Fen\u00f4meno som\u00e1tico concomitante e express\u00e3o ps\u00edquica."], ["Falamos em fen\u00f4menos som\u00e1ticos concomitantes, ou que acompa- nham a atua\u00e7\u00e3o ps\u00edquica, quando, simplesmente, registramos e conhece- mos uma rela\u00e7\u00e3o; por exemplo, entre o medo e a midr\u00edase; mas \u00e9 na ex- press\u00e3o do psiquismo que falamos, quando compreendemos uma rela\u00e7\u00e3o entre o fen\u00f4meno som\u00e1tico e o evento ps\u00edquico que nele se exprime; por exemplo, quando compreendemos no riso, imediatamente, a alegria. Os fe- n\u00f4menos expressivos s\u00e3o sempre, de um lado, objetivos, na medida em que sensorialmente se percebem e representam fatos poss\u00edveis de fotogra- farem-se ou guardarem-se como documentos; doutro lado, s\u00e3o sempre subjetivos, na medida em que, sensorialmente percebidos, ainda n\u00e3o constituem express\u00e3o, mas nela s\u00f3 se transformam ap\u00f3s a compreens\u00e3o da respectiva significa\u00e7\u00e3o e import\u00e2ncia. Da\u00ed porque a inspe\u00e7\u00e3o dos fen\u00f4- menos expressivos pressup\u00f5e um tipo de evid\u00eancia diverso daquela que o registro de fatos som\u00e1ticos meramente objetivos fornece. Bem se tem dito que toda compreens\u00e3o da express\u00e3o repousa em conclus\u00f5es anal\u00f3gicas que, tiradas da vida ps\u00edquica pr\u00f3pria, \u00e0 vida ps\u00edquica alheia se aplicam. Mas s\u00e3o fantasia essas conclus\u00f5es anal\u00f3gicas."], ["Fato \u00e9, na realidade, que compreendemos, de modo absolutamente imediato, sem reflex\u00e3o, mediante ato \u00fanico, tal qual um rel\u00e2mpago, gra\u00e7as \u00e0 percep\u00e7\u00e3o sensorial; e mais: nunca percebemos em n\u00f3s mesmos a ex- press\u00e3o que compreendemos (pode ser que o homem do futuro venha a estudar-se num espelho); e mais: \u00e1s crian\u00e7as que ainda n\u00e3o falam j\u00e1 com- preendem a express\u00e3o m\u00edmica; enfim, at\u00e9 os animais compreendem, em extens\u00e3o limitada, a express\u00e3o, cuja compreens\u00e3o se tem procurado expli- car pelo processo psicol\u00f3gico do Einjuhlen (empatia). Correta ou errada, esta explica\u00e7\u00e3o constitui problema psicol\u00f3gico, mas n\u00e3o metodol\u00f3gico, visto que aquilo resultante da compreens\u00e3o da express\u00e3o, imediatamente presente, \u00e9 para nossa consci\u00eancia algo derradeiro; ou mesmo algo imedia- tamente objetivo. N\u00e3o nos percebemos nos outros, mas, sim, percebemos os outros, ou a significa\u00e7\u00e3o que t\u00eam como algo que por si existe.; talvez seja a viv\u00eancia dos outros como algo que n\u00f3s pr\u00f3prios, nessa forma, nunca tivemos. Nem por isso se admita, em absoluto, a compreens\u00e3o da expres- s\u00e3o como algo que seja, simplesmente porque \u00e9 imediato, v\u00e1lido e correto."], ["Tal n\u00e3o \u00e9 o caso sequer quando ocorre a mera percep\u00e7\u00e3o sensorial: cada particularidade \u00e9 controlada pelo todo de nossa conhecimento e ilus\u00f5es existem naquilo que \u00e9 imediatamente sensorial. O mesmo se d\u00e1 com a compreens\u00e3o da express\u00e3o; s\u00f3 que as ilus\u00f5es s\u00e3o aqui mais numerosas, mais dif\u00edcil o controle \u2014 para o qual tamb\u00e9m aplicamos, secundariamente, conclus\u00f5es anal\u00f3gicas; cada express\u00e3o particular \u00e9 mult\u00edvoca e s\u00f3 poss\u00edvel de compreender em rela\u00e7\u00e3o com o todo."], ["Ainda mais: a vivacidade e a multilateralidade da compreens\u00e3o da ex- press\u00e3o \u00e9, em n\u00f3s, muito diversa, porque a compreens\u00e3o se relaciona com a amplitude, a profundidade e a plenitude da pr\u00f3pria experi\u00eancia, hist\u00f3ria, viv\u00eancia poss\u00edveis. \u00c9 por isto que a pobreza mental se rebela contra a vali- dade de cada compreens\u00e3o da express\u00e3o, de modo a aplic\u00e1-la, banal e vio- lentamente, dentro da estreiteza dos preconceitos de cada um. N\u00e3o pode- mos, contudo, esquecer-nos de que \u00e9 s\u00f3 pela via da compreens\u00e3o da ex- press\u00e3o que possu\u00edmos todo conhecimento da vida ps\u00edquica alheia; \u00e9 de fora que todo rendimento, como tal, todo fen\u00f4meno som\u00e1tico concomitante como tal, e mesmo a compreens\u00e3o dos conte\u00fados mentais como meras ob- jetividades nos ensinam a conhecer a psique."], ["\u00c9 erro metodol\u00f3gico fundamental confundir os pontos de vista; por exemplo, chamar fen\u00f4menos da express\u00e3o todos os fen\u00f4menos som\u00e1ticos concomitantes e subsequentes ao evento ps\u00edquico; que s\u00f3 s\u00e3o fen\u00f4menos da express\u00e3o na medida em que se fazem \u201ccompreendidos\u201d, como expres- s\u00e3o do psiquismo; por exemplo, a m\u00edmica. O aumento do peristaltismo in- testinal consequente a afetos n\u00e3o \u00e9, contudo, movimento expressivo, e sim fen\u00f4meno concomitante sintom\u00e1tico. Certo \u00e9, no entanto, que n\u00e3o h\u00e1 li- mite preciso para a express\u00e3o compreens\u00edvel. N\u00e3o \u201ccompreendemos\u201d a di- lata\u00e7\u00e3o das pupilas como fen\u00f4meno do medo; mas, se dela sabemos e a notamos com frequ\u00eancia, pode essa ci\u00eancia afigurar-se, de imediato, como percep\u00e7\u00e3o do medo nas pupilas; isso s\u00f3 se d\u00e1, por\u00e9m, se se apreende o medo, simultaneamente, em sua express\u00e3o genu\u00edna, que n\u00e3o seja aquela representada pelo midr\u00edase, visto que a dilata\u00e7\u00e3o pupilar, apenas, n\u00e3o se vincula, intimamente, para n\u00f3s, com o medo, podendo resultar de outras causas, qual seja o uso da atropina, em que logo pensamos. Outro tanto acontece quando algu\u00e9m corre, a todo momento, para a privada. Em situ- a\u00e7\u00f5es correspondentes e ocorrendo fen\u00f4menos expressivos genu\u00ednos de outra natureza, sabemos que qualquer afeto intenso \u00e9 causativo; sem o que, antes pensaremos em dist\u00farbio som\u00e1tico."], ["b) A compreens\u00e3o da express\u00e3o."], ["Na forma e movimento imediatos \u00e9 um fen\u00f4meno de ess\u00eancia ps\u00edquica", "ou de disposi\u00e7\u00e3o ps\u00edquica que vemos. Se refletirmos na maneira por que vemos, logo duvidamos de sua import\u00e2ncia para a apreens\u00e3o da realidade emp\u00edrica, porque h\u00e1, para n\u00f3s, um simbolismo absolutamente universal: cada forma, cada movimento n\u00f3s os vemos, no mundo, de modo inteira- mente imediato, como levando uma disposi\u00e7\u00e3o, uma import\u00e2ncia, como constituindo uma ess\u00eancia, e n\u00e3o como quantidade meramente matem\u00e1- tica, n\u00e3o como qualidade meramente sensorial. Da\u00ed valer a pena, para fins de clareza metodol\u00f3gica, representar o que \u00e9 a maneira por que vemos as formas, ou as configura\u00e7\u00f5es.", "Consiste o primeiro passo em claramente trazer \u00e0 observa\u00e7\u00e3o, dentre a"], ["confus\u00e3o dos fen\u00f4menos, uma forma, ou uma configura\u00e7\u00e3o, procurando as condi\u00e7\u00f5es favor\u00e1veis, quer se chamem fen\u00f4menos prim\u00e1rios, configura- \u00e7\u00f5es b\u00e1sicas, formas simples: ao que se h\u00e1 de seguir a an\u00e1lise, mediante a qual se ver\u00e1 o que s\u00e3o essas formas, como se transformam, se desdobram, como sobre elas a totalidade das coisas se edifica. A esta altura, bifurca-se o caminho que leva \u00e0 investiga\u00e7\u00e3o.", "Ou se procura matematizar, isto \u00e9, fazer que as formas b\u00e1sicas deri- vem do pensamento e da constru\u00e7\u00e3o; o que se conseguindo, passa-se a ser, por assim dizer, segundo criador das formas; aquilo que assim se co- nhece \u00e9 pensado mecanicisticamente; \u00e9 infinito e, ent\u00e3o, f\u00f3rmulas mate- m\u00e1ticas dominam as infinitudes.", "Ou se busca aderir \u00e0s formas reais, que n\u00e3o se dobram a qualquer ma-"], ["tem\u00e1tica, a qualquer quantifica\u00e7\u00e3o, por for\u00e7a de sua infinitude caracter\u00eds- tica. Quer se estude a morfologia (Goethe), que se observe o devenir das formas e de suas transforma\u00e7\u00f5es infinitas, quer se usem esquemas, ou se delineiem tipos, todos mais n\u00e3o s\u00e3o do que marcos que permitem encon- trar uma linguagem para os planos construtivos ou para as formas b\u00e1si- cas \u2014 por exemplo, dos animais e das plantas \u2014 sem lhes deduzir a es- s\u00eancia (conforme fez Haeckel, erradamente, em sua morfologia geral). N\u00e3o existem formas b\u00e1sicas espaciais que se possam dadificar; existem, sim, configura\u00e7\u00f5es vivas, cuja estrutura matetiz\u00e1vel mais n\u00e3o representa do que um dos respectivos aspectos. O m\u00e9todo morfol\u00f3gico n\u00e3o deduz, mas leva, sim, \u00e0 auto-observa\u00e7\u00e3o no movimento e na estrutura daquilo que ve- mos.", "O que assim se v\u00ea \u00e9 o conjunto dos elementos pelos quais, fundamen- talmente, se caracteriza aquilo que aparece, espacialmente, no mundo, A"], ["clara vis\u00e3o vem, ent\u00e3o, juntar-se, de modo imediato, uma \u201cdisposi\u00e7\u00e3o\u201d, ou seja, isso que \u00e9 sentido, significa\u00e7\u00e3o das formas, a alma delas. Do \u201cefeito sensorial-\u00e9tico\u201d das cores \u00e0 alma das formas animais e das imagens hu- manas patenteia-se, por assim, uma interioridade que diretamente apa- rece do exterior. Seria bom exprimir em palavras essa alma, contend\u00ea-la, fazer-lhe precisa e met\u00f3dica a apreens\u00e3o. Mas, aqui, outra vez se bifurca o caminho."], ["Ou se traduz erradamente para um sentido racional, que se pode sa- ber: ou seja, as coisas, formas, movimentos significam alguma coisa. A signatura rerum \u00e9 fisionomia universal de tudo quanto existe; e de tal modo que, usando imenso sistema das significa\u00e7\u00f5es dessas coisas como sinal, delas me \u00e9 dado apoderar; e por esse caminho se vai \u00fa supersti\u00e7\u00e3o de um pseudo-saber, que \u2014 assombrosamente an\u00e1logo, em. seu raciona- lismo, \u00e0 explica\u00e7\u00e3o mecanicista do mundo \u2014 desta se distingue (quando correta e proveitosamente aplicada em seu setor, pela ilusoriedade e inva- lidez radicais (astrologia, farmacologia m\u00e9dica derivada da signatura re- rum etc.).", "Ou, ent\u00e3o, se se tomar como ponto de apoio a alma das coisas, nada se"], ["explica, mas os \u00f3rg\u00e3os desdobram-se \u00e0 observa\u00e7\u00e3o da interioridade geral. A \u201ccontempla\u00e7\u00e3o puramente refletiva dos \u2019fen\u00f3menos\u201d (Goethe) paraleliza a vis\u00e3o fisiogn\u00f4mica, que n\u00e3o sabe e sim v\u00ea. Na contempla\u00e7\u00e3o da alma das coisas (Klages diz: \u201cBilder\u201d), consiste a subst\u00e2ncia de nossa vincula\u00e7\u00e3o com o mundo; contempla\u00e7\u00e3o capaz de aprofundamento insond\u00e1vel, dom que se recebe a cada passo; essa contempla\u00e7\u00e3o \u00e9 inacess\u00edvel \u00e0 aquisi\u00e7\u00e3o met\u00f3dica, presa sempre \u00e0quilo que se mostra \u00e0 receptividade de uma ati- tude, \u00e0 autenticidade de uma aceita\u00e7\u00e3o. S\u00f3 muito tardiamente \u00e9 que al- can\u00e7amos a clareza emp\u00edrica dessa maneira de perceber, at\u00e9 hoje implan- tada na supersti\u00e7\u00e3o e no del\u00edrio, permanentemente exposta a uma defesa que, ela pr\u00f3pria, a arru\u00edna, com provas racionais, sistemas conceituais e abordagens peia via do racioc\u00ednio."], ["Dentro do mundo universal em que se coloca a contempla\u00e7\u00e3o da alma de todas as coisas, tamb\u00e9m se coloca a compreens\u00e3o da express\u00e3o, que, a esta altura, nos interessa. Vemos almas tamb\u00e9m nas formas e movimen- tos do corpo humano-, vemos uma interioridade; e vemo-la como expres- s\u00e3o. Uma distin\u00e7\u00e3o, entretanto, e radical, existe em rela\u00e7\u00e3o a toda compre- ens\u00e3o ps\u00edquica m\u00edtico-natural: aquilo que n\u00f3s compreendemos, no ho- mem, como express\u00e3o ps\u00edquica, \u00e9 empiricamente real-, a alma nos \u00e9 aces- s\u00edvel, algo \u00e9 que responde, com que tratamos tal qual for\u00e7a empiricamente real-, donde a indaga\u00e7\u00e3o decisiva: Quais s\u00e3o os fen\u00f4menos que exprimem"], ["a vida ps\u00edquica real e quais s\u00e3o aqueles condicionados, meramente, de modo casual, por processos som\u00e1ticos? E quais s\u00e3o aqueles que n\u00e3o se exprimem sen\u00e3o pela forma de um galho, pela forma de uma nuvem, pelo movimento da \u00e1gua? Nossa sensibilidade para as formas e movimentos \u00e9 pressuposto da percep\u00e7\u00e3o, em geral, de qualquer express\u00e3o-, algo, por\u00e9m, h\u00e1 de acontecer para da\u00ed extrairmos o conhecimento de uma realidade ps\u00ed- quica emp\u00edrica."], ["\u00c9 f\u00e1cil responder em abstrato. A confirma\u00e7\u00e3o emp\u00edrica d\u00e1-se, em pri- meiro lugar, pela rela\u00e7\u00e3o comprov\u00e1vel da express\u00e3o compreendida que se produz ante a realidade humana acess\u00edvel na comunica\u00e7\u00e3o verbal e em quaisquer outras modalidades; em segundo lugar, pela comprova\u00e7\u00e3o de um fen\u00f4meno expressivo mediante o outro; em terceiro, pelo relaciona- mento constante do particular com o todo: tal qual ocorre em toda com- preens\u00e3o, tamb\u00e9m o particular \u00e9 ilus\u00f3rio e pobre na compreens\u00e3o da ex- press\u00e3o; sobre o particular \u00e9 que o todo se estrutura, mas tamb\u00e9m cada particularidade s\u00f3 se compreende corretamente pelo todo; circula esse que \u00e9 essencial a toda compreens\u00e3o; e, pois, tamb\u00e9m \u00e0 psicologia da expres- s\u00e3o."], ["Uma experi\u00eancia que se pode fazer com o estudo da fisiognomia, da m\u00edmica e da grafologia mostra quanto \u00e9 question\u00e1vel a compreens\u00e3o da express\u00e3o que, em rela\u00e7\u00e3o ao homem, individualmente, se apresenta como ci\u00eancia de seu car\u00e1ter. O referido estudo, quando concretamente aplicado, \u00e9 quase sempre impressionante, afigurando-se de natureza inspirat\u00f3ria, resultando em sucesso que oscila com a moda sempre not\u00e1vel, por\u00e9m. No caso particular, a interpreta\u00e7\u00e3o vem a ser, na maioria das. vezes, imposi- tiva, quando o ambiente n\u00e3o \u00e9 realmente cr\u00edtico. O que acontece, entre ou- tras coisas, \u00e9 que aquilo que \u00e9 compreens\u00edvel encerra contrastes que se in- tervinculam; da\u00ed sempre haver algo que d\u00e1 certo, uma vez que se encontre a modalidade expressiva dial\u00e9tica correta; mais ainda: \u00e9 raro, no caso par- ticular, n\u00e3o haver seja o que for que, pela disposi\u00e7\u00e3o ou pelo modo-de-ser, n\u00e3o se imponha, bastando acentu\u00e1-lo- e desenvolv\u00ea-lo verbalmente; enfim, por vezes, tem-se a sorte de atingir qualquer coisa de muito pessoal, ao passo que aquilo que falha \u00e0 aceita\u00e7\u00e3o sugerida (capaz esta de comporta- mento muito cr\u00edtico) se esquece r\u00e1pido. Ao psic\u00f3logo que, jovem, vem a ocupar-se com estudos fisiogn\u00f4micos, caracterol\u00f3gicos, grafol\u00f3gicos \u2014 em qualquer de suas formas \u2014 isso afigura-se revela\u00e7\u00e3o; tanto mais sedutora quanto \u00e9 comum associar-se a esses procedimentos certa vis\u00e3o do mundo com o aspecto de- saber essencial. Estar\u00e1 ele, ent\u00e3o, dando um passo para a ci\u00eancia e, bem assim, para a livre filosofia, se conseguir escapar a"], ["esse encantamento, sem perder os impulsos verdadeiros que nele se en- cerram. A primeira decep\u00e7\u00e3o fundamental que o espera d\u00e1-se \u2014 quando no campo, por exemplo, da grafologia \u2014 o mais superficial dos procedi- mentos \u00e9 acolhido com o m\u00e1ximo de entusiasmo. Quem quer vir a ser psi- c\u00f3logo com capacidade cr\u00edtica h\u00e1 de ter-se visto envolvido nesse vexame."], ["c) T\u00e9cnicas de investiga\u00e7\u00e3o."], ["Para investigar o fen\u00f4meno da express\u00e3o, podem-se seguir dois rumos:", "1. Investigam-se os mecanismos extraconscientes, que condicionam a", "produ\u00e7\u00e3o da express\u00e3o. No caso da fala, sabemos de tais dist\u00farbios do aparelho extraconsciente na afasia motora e sensorial. Conhecem-se- os dist\u00farbios correspondentes pelo nome de amimia e paramimia, no campo da linguagem m\u00edmica; por exemplo, o doente, querendo dizer sim com ace- nos de cabe\u00e7a, abre a boca; ou n\u00e3o consegue encontrar um movimento. Enfim, nos movimentos expressivos m\u00edmicos, h\u00e1 excita\u00e7\u00f5es' que j\u00e1 nem significam express\u00e3o do psiquismo, mas constituem, apenas, dist\u00farbio do aparelho extraconsciente. Assim se percebem, em certas doen\u00e7as encef\u00e1li- cas (paralisia pseudo-bulbar), um riso e choro espasm\u00f3dico, surgindo a est\u00edmulos arbitr\u00e1rios. \u2014 Em todos esses casos, a neurologia investiga dis- t\u00farbios que ocorrem no aparelho extraconsciente dos movimentos expres- sivos. Mas tamb\u00e9m se podem investigar esses aparelhos em seu funciona- mento normal, registrando com mais exatid\u00e3o tanto os movimentos ex- pressivos quanto os meros fen\u00f4menos concomitantes som\u00e1ticos e anali- sando-os \u00e0 base da respectiva fun\u00e7\u00e3o som\u00e1tica. Foi assim que Duchenne, tendo em vista os tipos individuais da express\u00e3o fision\u00f4mica e confron- tando-os com os efeitos de est\u00edmulos el\u00e9tricos de feixes musculares indivi- duais, procurou determinar quais s\u00e3o os feixes que participam de cada ex- press\u00e3o especial. Usando a balan\u00e7a de escrever de Kraepelin e apenas com a coloca\u00e7\u00e3o de um ponto, conseguiu-se delinear para cada indiv\u00edduo uma curva de press\u00e3o peculiar e constante; e Sommer demonstrou os movi- mentos que fazem os m\u00fasculos faciais \u00e0 express\u00e3o m\u00edmica."], ["2. Se, em todos os casos descritos, alguma coisa acrescentarmos ao nosso conhecimento dos mecanismos extraconscientes, certamente com eles ganharemos recursos t\u00e9cnicos que nos ajudem a registrar e determi- nar, objetivamente, os movimentos expressivos (fotografia, cinema, rastre- amento), sem ainda enriquecer, contudo, nosso conhecimento da vida ps\u00ed- quica. Assim ampliando o conhecimento que temos da vida ps\u00edquica, me-", "diante a extens\u00e3o de nossa \"compreens\u00e3o\" aos fen\u00f4menos que n\u00e3o com- preendemos, estamos encontrando a segunda maneira, propriamente psi- col\u00f3gica, de investigar fen\u00f4menos expressivos. Todos n\u00f3s, na vida cotidi- ana, pelo h\u00e1bito e pela experi\u00eancia, imediatamente compreendemos a ex- press\u00e3o; e essa compreens\u00e3o deve, pela psicologia da express\u00e3o, fazer-se consciente, deve aumentar, aprofundar-se, configurar-se mais n\u00edtida; e to- dos percebemos que algo assim \u00e9 poss\u00edvel, quando, sem preven\u00e7\u00e3o, pela primeira vez estudamos a grafologia; de um modo ou doutro, qualquer coisa de novo se v\u00ea na escrita, embora esta n\u00e3o seja mais do que uma das muitas maneiras de exprimir-se."], ["O estudo consciente da express\u00e3o e a amplia\u00e7\u00e3o consciente da com- preens\u00e3o da express\u00e3o baseiam-se nalguns pressupostos t\u00e9cnicos: o mate- rial tem-se de determinar pelo fluxo dos fen\u00f4menos emp\u00edricos humanos e tem de ser ajuntado de modo que, a cada momento, esteja \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o para confronto. \u00c9 muito dif\u00edcil determinar os movimentos, a n\u00e3o ser cine- matograficamente; e mesmo isso se cont\u00e9m em lindes estreitas, porque o aparelho pode n\u00e3o ser instalado, ou pode estar desarranjado, em momen- tos psiquicamente importantes. Ter-se-\u00e1, ent\u00e3o, de confiar em descri\u00e7\u00f5es e observa\u00e7\u00f5es sempre novas para casos novos, na medida em que algo haja que se repita e com maior frequ\u00eancia ocorra; ou pode acontecer que o ar- tista, desenhando, retenha certos movimentos. A escrita manual, ao con- tr\u00e1rio, tem a vantagem, se aquele que escreve for mais ou menos exerci- tado, de determinar movimentos muito complicados, poss\u00edveis de compa- rar a cada momento. A forma de corpo, a configura\u00e7\u00e3o fision\u00f4mica \u00e9 muito f\u00e1cil de determinar-se pela fotografia, mas aqui tamb\u00e9m existem dificulda- des de n\u00e3o pequena monta."], ["Estamos vendo que somente parte dos fen\u00f4menos expressivos pode - determinar-se antes, por assim dizer, de qualquer descri\u00e7\u00e3o, ou sem a ela recorrer. No entanto, mesmo tamb\u00e9m nesses fen\u00f4menos, a descri\u00e7\u00e3o clara, met\u00f3dica, \u00e9 basicamente, indispens\u00e1vel a que logremos domin\u00e1-los cientificamente, de modo a fazer consciente, controlar e ampliar a compre- ens\u00e3o imediata da express\u00e3o. Da\u00ed haver sido o desenvolvimento cient\u00edfico da grafologia condicionado por uma an\u00e1lise da forma da escrita tecnica- mente habilidosa, objetiva, complexa, ainda inteiramente n\u00e3o-psicol\u00f3gica (a grafologia foi, essencialmente, obra de Preyer); ao passo que o desenvol- vimento do estudo cient\u00edfico da fisionomia obedeceu \u00e0 descri\u00e7\u00e3o segura das formas corp\u00f3reas."], ["d) Revis\u00e3o.", "Dentro dos fen\u00f4menos expressivos, distinguimos: primeiro \u2014 O estudo", "da fisiognomia, isto \u00e9, a teoria das formas permanentes do rosto e do corpo (da estrutura-corp\u00f3rea), na medida em que se podem entender como express\u00e3o de um psiquismo nelas aparente. \u2014 Segundo: O estudo da m\u00ed- mica, m\u00edmica sendo a ci\u00eancia dos movimentos a todo momento atuais do rosto e do corpo, que constituem, indubitavelmente, express\u00e3o de proces- sos ps\u00edquicos moment\u00e2neos, aparecendo e desaparecendo com rapidez. \u2014 Terceiro: A grafologia: A investiga\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica da express\u00e3o depara com a escrita, esta apresentando-se como movimento m\u00edmico, que se fixa e, pois, mais facilmente se investiga no objeto poss\u00edvel de apreender."], ["\u00a7 1. Fisiognomia", "Este \u00e9 o campo mais problem\u00e1tico de todos que interessam a expres- s\u00e3o, a ponto de ter-se duvidado de que haja, aqui, express\u00e3o sequer. S\u00f3 se podem compreender aqueles estados fision\u00f4micos permanentes, que te- nham surgido por for\u00e7a de movimentos m\u00edmicos frequentes, represen- tando, a bem dizer, uma m\u00edmica fixada (digamos, as \u201cpregas frontais dos pensadores\u201d). Tais estados podem representar-se como parte da m\u00edmica, sem princ\u00edpios pr\u00f3prios.", "Se o psiquiatra pensar no aspecto caracter\u00edstico de in\u00fameros doentes, que lhe possibilita, muitas vezes, o diagn\u00f3stico imediato, quase nada disso se lhe afigurar\u00e1 express\u00e3o de um psiquismo. Por conseguinte, nem todos os fen\u00f4menos que deixam transparecer no h\u00e1bito o processo som\u00e1tico constituem express\u00e3o do psiquismo:"], ["Por exemplo, as formas intumescidas, avultadas, do mixedema; os si- nais de paralisia no rosto, nos membros e a fala dos paral\u00edticos; o tremor e a transpira\u00e7\u00e3o, o rubor e a incha\u00e7\u00e3o do delirante alco\u00f3lico; o h\u00e1bito som\u00e1- tico miser\u00e1vel dos psic\u00f3ticos, quando padecem de les\u00f5es org\u00e2nicas; a ema- cia\u00e7\u00e3o, o enrugamento cut\u00e2neo, a turva\u00e7\u00e3o da borda c\u00f3rnea; os demais si- nais da idade."], ["Mais uma vez, algo diverso se apresenta, quando, por exemplo, vemos", "um corcunda e, sem querer, lhe atribu\u00edmos disposi\u00e7\u00e3o amarga e despei- tada. A giba talvez resulte de tuberculose vertebral da inf\u00e2ncia, nada tendo, pois, de ps\u00edquico; mas acontece, \u00e0s vezes, que uma ou outra queixa som\u00e1tica, porque um ressentimento se formou, tenha consequ\u00eancias ps\u00ed- quicas tais que, talvez sem raz\u00e3o, as presumimos no corcunda pelo fato de"], ["ser corcunda, propriamente; ou, quando a express\u00e3o fision\u00f4mica e o com- portamento realmente manifestam esse ressentimento, a giba fortalece nossa impress\u00e3o. Pode, entretanto, no caso, n\u00e3o haver express\u00e3o* fision\u00f4- mica do fen\u00f4meno. \u00c9 fato geral pensarmos que a constitui\u00e7\u00e3o som\u00e1tica de um homem lhe determine, desde a inf\u00e2ncia, sua consci\u00eancia de si mesmo, ou seu comportamento. Quer se seja baixo ou alto, robusto ou fraco e en- fermi\u00e7o, belo ou feio, em qualquer sentido, a impress\u00e3o que se tem \u00e9 que \u2014 embora nada tenha o psiquismo a ver com isso, primariamente \u2014 isso influi, permanentemente, na vida toda, na maneira por que cada um se sente e por que encara os outros. O homem modela-se de acordo com seu corpo; cresce, por isso, psiquicamente, com ele, de modo que forma corp\u00f3- rea e psique se correlacionam, conquanto assim n\u00e3o- tenha sido, na ori- gem. Temos, ali\u00e1s, a experi\u00eancia de que, de um homem para outro, a forma corp\u00f3rea e a \u00edndole parecem ajustar-se diversamente' uma \u00e0 outra: ao passo que, num, o todo configura, uma unidade plena, j\u00e1 outro n\u00e3o pa- rece, pela sua \u00edndole, predisposto \u00e0 obesidade, que, no entanto, apresenta; nem a magreza que se lhe constata parece corresponder-lhe ao tempera- mento fleugm\u00e1tico. Seja qual for o caso, h\u00e1 fatores corp\u00f3reos que influem na conforma\u00e7\u00e3o som\u00e1tica; conforma\u00e7\u00e3o relativamente \u00e0 qual a psique se ajusta, sem, todavia, coincidir, essencialmente, com ela como- respectiva express\u00e3o."], ["Assim, pois, se eliminarmos da impress\u00e3o conjunta da apar\u00eancia cor- p\u00f3rea de um homem toda m\u00edmica motora; se, depois, eliminarmos o que \u00e9 m\u00edmica fixada; mais ainda: fen\u00f4meno som\u00e1tico' m\u00f3rbido; e, por fim, aquilo que, ocasionalmente, associamos ao- psiquismo como causa som\u00e1tica de modifica\u00e7\u00e3o ps\u00edquica compreens\u00edvel, sem constituir, na realidade, mani- festa\u00e7\u00e3o ps\u00edquica, alguma: coisa resta: a configura\u00e7\u00e3o corp\u00f3rea perma- nente de um homem representando sua fisionomia, que constitui sua forma peculiar de ser, que com ele nasceu e que s\u00f3 experimentou lenta e estreita varia\u00e7\u00e3o, dentro de certo espa\u00e7o, no curso de sua vida, uma vez- tornada definitiva, \u00e0 \u00e9poca da puberdade, ou, por vezes, um pouco- mais tarde. Desde que esse h\u00e1bito som\u00e1tico n\u00e3o se associe a qualquer dist\u00farbio org\u00e2nico espec\u00edfico (com efeitos end\u00f3crinos, como \u00e9 o caso do mixedema, da acromegalia etc.), mas, sim, represente, no todo, realmente, o modo de ser desse indiv\u00edduo, chamamo-lo fisiogn\u00f4mico. Assim que vemos tais fisi- ognomias, formamos uma imagem da vida ps\u00edquica correspondente; im- precisa, \u00e9 certo, por\u00e9m como se constitu\u00edsse atmosfera ps\u00edquica, por assim dizer, conexa. Se nos deixarmos levar por impress\u00f5es desta ordem, procu- rando- ganhar conhecimento pelo \u201csentimento\u201d, duas vias inteiramente"], ["heterog\u00eaneas, do ponto de vista met\u00f3dico e l\u00f3gico, se abrem, vias que te- mos de manter separadas, se quisermos estar conscientes, quando fala- mos nessas coisas, do que, propriamente; dizemos e pretendemos."], ["1. A contempla\u00e7\u00e3o fisiogn\u00f4mica desde logo percebe, nas formas cor- p\u00f3reas, a ess\u00eancia ps\u00edquica. As descri\u00e7\u00f5es da forma corp\u00f3rea, com o modo de ser caracter\u00edstico correspondente, tem evid\u00eancia peculiar, convencendo- nos, imediatamente, tal qual se tratasse de uma obra-de-arte, quando o especialista em fisionomias mostra o que existe, servindo-se da capaci- dade que tem de impressionar; e de que ficamos t\u00e3o impressionados com o que ele diz como se assim fosse n\u00e3o h\u00e1 que duvidar. Duvidoso \u00e9, por\u00e9m, se, aqui, se logra obter qualquer m\u00e9todo de investiga\u00e7\u00e3o e amplia\u00e7\u00e3o da mera impress\u00e3o. Realidade houvesse, teria mentido pensar da seguinte maneira: Da disposi\u00e7\u00e3o origin\u00e1ria de um homem e de cada exist\u00eancia des- dobra-se uma \u201cess\u00eancia\u201d, que n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel separar em corpo e alma; se- para\u00e7\u00e3o que, alhures, ser\u00e1 v\u00e1lida; no caso, por\u00e9m, n\u00e3o, porque no corp\u00f3- reo a ess\u00eancia deve \u201caparecer\u201d; a ess\u00eancia que \u00e9 corpo e alma, que a am- bos abrange. Em oposi\u00e7\u00e3o aos dois pontos de vista da realidade externa, que se reconhece corp\u00f3rea, biologicamente, e da exist\u00eancia inteiramente incorp\u00f3rea das \u201cviv\u00eancias\u201d e da respectiva correla\u00e7\u00e3o interna, ter\u00edamos n\u00f3s a ideia de uma ess\u00eancia a que os dois lados correspondem; ess\u00eancia que \u00e9 sempre formada individual, mas tamb\u00e9m tipicamente; \u00e9 isso que comp\u00f5e o car\u00e1ter mais \u00edntimo do homem. Alguma coisa unit\u00e1ria apareceria nos tra\u00e7os do car\u00e1ter que se dedu- ziria do comportamento e das a\u00e7\u00f5es; e apareceria na forma das orelhas, na qual aqueles que t\u00eam orienta\u00e7\u00e3o fisiognom\u00edstica v\u00eam \u2014 para ir ao exemplo mais extremo e mais maravilhoso \u2014 impreciso, \u00e9 certo, ainda incompleto, no que se diz respeito ao conte\u00fado, algo que \u00e9 essencial ao car\u00e1ter, algo a que se referem, irreverentes o arbitr\u00e1rios, quando formulam ju\u00edzos, fa- lando em protuber\u00e2ncias \u00e9ticas, sali\u00eancias metaf\u00edsicas, l\u00f3bulos lascivos etc. Quem tiver em mente (claras, como conv\u00e9m) as possibilidades l\u00f3gicas, poder\u00e1 desprezar todo esse campo de estudo, l\u00fadico que \u00e9. A pensar com clareza, usando a raz\u00e3o, n\u00e3o se poder\u00e1 admitir que semelhantes esfor\u00e7os representem formula\u00e7\u00f5es aparentemente exatas; esfor\u00e7os puros dessa or- dem, todavia, se contemplar\u00e3o com interesse, sem receio de desarranjo na edifica\u00e7\u00e3o cient\u00edfica.", "Os que leem as fei\u00e7\u00f5es essenciais do homem da maneira que delimita- mos podem, com a mesma facilidade, contemplar a ess\u00eancia do universo no simbolismo c\u00f3smico da natureza; tudo isso, outrora, se chamava filoso-"], ["fia natural, onde metaf\u00edsica se encerra, porque a essencialidade que, si- multaneamente, se exprime no car\u00e1ter e na forma das orelhas \u00e9 t\u00e3o pro-; funda que a investiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica a ela n\u00e3o acede. Se se quiser aplicar' o m\u00e9todo que consiste em mandar ler o car\u00e1ter pela forma das orelhas e, de- pois., comprovar, por todos os meios, mediante dados emp\u00edricos, a vali- dade do sistema, poder-se-\u00e3o obter realiza\u00e7\u00f5es singulares, apenas, e es- pantosas (considero-as poss\u00edveis, com base em observa\u00e7\u00f5es pr\u00f3prias) ; re- aliza\u00e7\u00f5es que, elas pr\u00f3prias, n\u00e3o representam conhecimento, e sim, resul- tam de intui\u00e7\u00e3o imediata, incontrol\u00e1vel. Da\u00ed a absurdez de, por assim di- zer, amontoar essa intui\u00e7\u00e3o, com ela construindo uma teoria de protube- r\u00e2ncias, sali\u00eancias, propor\u00e7\u00f5es etc.; e de querer possibilitar a qualquer um ler pelas orelhas, quase mecanicamente, aquilo que uma vida inteira n\u00e3o chega a revelar: a ess\u00eancia derradeira do homem. Tais intui\u00e7\u00f5es das for- mas n\u00e3o se podem erigir, objetivamente, em express\u00e3o essencial, visto tra- tar-se da infinitude de uma forma, e n\u00e3o de uma mensurabilidade; o que h\u00e1 s\u00e3o as rela\u00e7\u00f5es rec\u00edprocas das formas e medidas, e n\u00e3o formas indivi- duais e medidas que se possam anotar; rela\u00e7\u00f5es que n\u00e3o s\u00e3o rela\u00e7\u00f5es in- dividuais mensur\u00e1veis, mas, sim, v\u00e3o dar numa infinitude que jamais se poder\u00e1 vencer com quantidade e propor\u00e7\u00e3o."], ["2. Via inteiramente outra \u00e9 a investiga\u00e7\u00e3o objetiva que renuncia, \u00e0 intui\u00e7\u00e3o compreensiva, procurando rela\u00e7\u00f5es entre formas corp\u00f3reas, de- termin\u00e1veis e qualidades caracterol\u00f3gicas determin\u00e1veis, isso fazendo pela contagem da frequ\u00eancia com que aparecem; caso em que n\u00e3o se pretende, nem se encontra rela\u00e7\u00e3o essencial alguma, coisa alguma vis\u00edvel que pa- re\u00e7a evento ps\u00edquico, mas, sim, correla\u00e7\u00e3o estat\u00edstica. Mesmo que certo n\u00famero, apenas, de casos emp\u00edricos de tipos corp\u00f3reos venha a relacio- nar-se com o tipo ps\u00edquico, n\u00e3o aquele que se espera, mas com outro di- verso ou oposto, exclui-se ou questiona-se qualquer' rela\u00e7\u00e3o univocamente necess\u00e1ria entre forma corp\u00f3rea e modo-de-ser ps\u00edquico. Essa correla\u00e7\u00e3o estat\u00edstica leva a uma indaga\u00e7\u00e3o, sem informar ainda sobre o tipo de rela- \u00e7\u00e3o. cil de encontrar com precis\u00e3o, porque nem as formas corp\u00f3reas, nem os caracteres se podem medir e contar univocamente, isso s\u00f3 sendo- poss\u00edvel em tipos que se apresentam; tipos que n\u00e3o s\u00e3o, contudo, conceitos gen\u00e9ri- cos que permitam classifica\u00e7\u00f5es inquestion\u00e1veis: pelo contr\u00e1rio, os tipos, na realidade, s\u00f3 raramente \u00e9 que s\u00e3o \u201cpuros\u201d, correspondentes \u00e0 descri\u00e7\u00e3o que deles se faz; quase sempre s\u00e3o \u201cmistos\u201d, constituindo padr\u00f5es que se estabelecem, e n\u00e3o realidades gen\u00e9ricas a que um caso perten\u00e7a ou n\u00e3o", "perten\u00e7a. Nem os mistos, entretanto, s\u00e3o mensur\u00e1veis, de modo que seja poss\u00edvel dizer, tal qual se diz o teor em albumina da urina, que tanto do tipo existe num caso, tanto noutro. Contagem exata que se possa conside- rar procedimento exato \u00e9 imposs\u00edvel e, por isso, observadores diversos que n\u00e3o se relacionem entre si encontrar\u00e3o, com o mesmo material, cifras dife- rentes. Em caso algum, todavia, se trata da quest\u00e3o da fisiognomia, e sim da mesma ordem de conhecimento que indaga da rela\u00e7\u00e3o do diabetes, do mal de Basedow, da tuberculose m a dem\u00eancia precoce; s\u00f3 com a dife- ren\u00e7a que estas \u00faltimas rela\u00e7\u00f5es, se contam exatas, podendo verificar-se ausentes ou fortemente presentes, enquanto que a rela\u00e7\u00e3o entre forma corp\u00f3rea e, car\u00e1ter n\u00e3o se pode contar com precis\u00e3o; talvez, por\u00e9m, haja, subjacente, alguma coisa de todo ignorada, que de algum modo marque essas experi\u00eancias infrut\u00edferas; se fosse poss\u00edvel, contudo,' seguindo a pri- meira via, encontrar esse substrato, n\u00e3o seria ele acess\u00edvel a todo conheci- mento quantitativo e exato."], ["Ambas as orienta\u00e7\u00f5es descritas s\u00e3o absolutamente heterog\u00eaneas, sob o", "aspecto metodol\u00f3gico. Quanto \u00e0 primeira, abre-se-lhe, no simbolismo das formas corp\u00f3reas uma significa\u00e7\u00e3o poss\u00edvel de ampliar-se ao infinito, logo sobrevindo, por\u00e9m, delimita\u00e7\u00e3o ilus\u00f3ria a categorias, univocidades e bana- lidades preconcebidas. A tomar a segunda orienta\u00e7\u00e3o, a forma perde-se na apreens\u00e3o objetiva de caracter\u00edsticas enumer\u00e1veis, no caso de querermos determin\u00e1-las com precis\u00e3o; precis\u00e3o na qual se mostra, quando se desco- brem ele-' mentos simples, a infinitude de correla\u00e7\u00f5es, que nunca chegam a dizer coisa alguma, exatamente pelo amontoamento dos respectivos achados. O simbolismo fisiogn\u00f4mico imp\u00f5e a confirma\u00e7\u00e3o, pelo rigor da pesquisa, de sua veracidade; no que, entretanto, se perde, ele pr\u00f3prio. Se- ria bom que as simples determinabilidades objetivas se tornassem materi- ais; falta-lhes, contudo, qualquer significa\u00e7\u00e3o simb\u00f3lica evidente."], ["Aderimos, neste cap\u00edtulo, \u00e0 primeira orienta\u00e7\u00e3o, que, s\u00f3 ela, entende o", "que, propriamente, \u00e9 fisiogn\u00f4mico; e segundo esse rumo- maravilhoso \u00e9 que contemplaremos os corpos, cabe\u00e7as e m\u00e3os. Os ju\u00edzos fisiogn\u00f4micos incidem em tr\u00edplice modalidade:", "1) Formas individuais. Entendem-se tra\u00e7os individuais como sinto- mas do car\u00e1ter, deles se deduzindo \u201csinais\u201d que marcam a ess\u00ean- cia do homem; no que consiste o fim habitual da fisiognomia que pretende ser ci\u00eancia; pretens\u00e3o absurda n\u00e3o s\u00f3 porque a experi- \u00eancia contraria toda afirma\u00e7\u00e3o dessa ordem, como porque \u00e9 gro- tesco achar poss\u00edvel que, em formas grosseiramente mensur\u00e1- veis, se revelem, caracter\u00edsticas a que correspondam estruturas altamente diferenciadas, estas s\u00f3 imprecisamente apreendendo-"], ["se do ponto de vista conceitual."], ["2) Em vez de deduzir qualidades de sinais vistos como sintomas, experimentamos, internamente, o efeito de formas significativas, aprofundando-nos nas qualidades morfol\u00f3gicas, das quais n\u00e3o se deduz coisa alguma, mas nas quais, diretamente, se v\u00ea o psi- quismo; de modo que uma ess\u00eancia unit\u00e1ria, que se manifesta em forma corp\u00f3rea, cabe\u00e7a, m\u00e3os, \u00e9 vista internamente. Quase n\u00e3o- se trata aqui de formula\u00e7\u00e3o, nem de comunica\u00e7\u00e3o, s\u00f3 pare- cendo poss\u00edveis as vers\u00f5es art\u00edsticas. As varia\u00e7\u00f5es intangivel- mente pequenas que modificam, no rosto, o \u201ccar\u00e1ter\u201d inteiro, os tra\u00e7os, que nem o c\u00e1lculo, nem a medita\u00e7\u00e3o, mas s\u00f3 a vis\u00e3o do artista consegue \u201cpegar\u201d; mais ainda, a gama imensa das varia- \u00e7\u00f5es que n\u00e3o modificam um car\u00e1ter, mas o caricaturam ao m\u00e1- ximo \u2014 todas estas coisas explicam por que a fisiognomia ainda n\u00e3o chega, hoje, a poder ensinar-se; e por que, no entanto, h\u00e1 tantos retratos, tipifica\u00e7\u00f5es, significa\u00e7\u00f5es n\u00e3o conceitualizadas, gra\u00e7as \u00e0 produ\u00e7\u00e3o art\u00edstica. At\u00e9 hoje existe contraste irreconcili\u00e1- vel entre ver uma forma e medir uma grandeza, uma propor\u00e7\u00e3o. Quando se trata de rela\u00e7\u00f5es grosseiras, o instrumento mensura- dor \u00e9 mais seguro do que nossa avalia\u00e7\u00e3o; desde que se trate, por\u00e9m, de rela\u00e7\u00f5es morfol\u00f3gicas finas, em que se depara algo que \u00e9 fisiogn\u00f4mico, a vis\u00e3o \u00e9 muito mais sens\u00edvel e precisa.", "3) Temos, enfim, na forma corp\u00f3rea, uma significa\u00e7\u00e3o que, eviden- temente, j\u00e1 n\u00e3o \u00e9 psicol\u00f3gica; significa\u00e7\u00e3o que os artistas cap- tam, quando distorcem a forma corp\u00f3rea em correspond\u00eancia ao que veem, escolhendo-a esticada ou espessa, enviesada ou angu- losa, sem haver caricatura, por\u00e9m, que requinte ao exagero os tra\u00e7os ps\u00edquicos. Envolve-se a forma humana no simbolismo universal de todas as formas e configura\u00e7\u00f5es c\u00f3smicas; e talvez, contudo, se veja o homem com import\u00e2ncia metaf\u00edsica, j\u00e1 n\u00e3o mais psicol\u00f3gica. J\u00e1 n\u00e3o se trata de fisiognomia, persistindo, en- tretanto, cientificamente, o problema at\u00e9 hoje insoluto de onde e como se separam o simbolismo fisiogn\u00f4mico espec\u00edfico da alma humana e o simbolismo metaf\u00edsico universal do cosmo. \u00c9 da\u00ed que tamb\u00e9m surge 'd\u00favida a respeito da fisiognomia humana, assim que se come\u00e7a a deparar com um conhecimento de tipo conceitualmente comunic\u00e1vel.", "S\u00f3 dentro do campo daquilo que se toca no ponto 2 \u2014 o simbolismo de"], ["totalidades morfol\u00f3gicas \u2014 \u00e9 que uma fisiognomia empiricamente impor- tante poderia desenvolve-se, com a qual seria poss\u00edvel tentar dar uma teo- ria met\u00f3dica e uma pr\u00e1tica do que fisiognomicamente se v\u00ea; ou uma teoria do conte\u00fado de certos significados fisiogn\u00f4micos.", "Metodologicamente, a disposi\u00e7\u00e3o inata que permite ver formas signifi-"], ["cativas pode ser desenvolvida mediante a posse de recursos que a exerci- tem, a educa\u00e7\u00e3o da vista pela descri\u00e7\u00e3o das formas, pela ilustra\u00e7\u00e3o esque- matizante, pela sele\u00e7\u00e3o e contraste de fotografias cuidadosamente tiradas, pela an\u00e1lise das obras dos grandes artistas, pela sugest\u00e3o da observa\u00e7\u00e3o no ser vivo e, ainda mais, por meio de mensura\u00e7\u00f5es que, embora talvez pouco ensinando em seus resultados num\u00e9ricos, v\u00eam, todavia, a dar opor- tunidade a que se veja com nitidez. \u00c9 pela experi\u00eancia fatual da vis\u00e3o fisi- ogn\u00f4mica que se estabelece essa orienta\u00e7\u00e3o metodol\u00f3gica; vis\u00e3o de que o observador n\u00e3o se sacia, se bem que n\u00e3o ganhe, em absoluto, na amplia- \u00e7\u00e3o permanente de sua contempla\u00e7\u00e3o do ser humano, qualquer alarga- mento de seu conhecimento geral; o que \u00e9, por assim dizer, um saber vi- sual, n\u00e3o um saber conceitual.", "Em fun\u00e7\u00e3o do conte\u00fado, podem-se afirmar certos significados fisiogn\u00f4-"], ["micos, como se podem estabelecer classifica\u00e7\u00f5es de tipos fundamentais, esquemas polares e dimensionais, nos quais devam caber, de um modo ou de outro, todos os homens. Essa sistematiza\u00e7\u00e3o de tipos fisiogn\u00f4micos sempre foi, por\u00e9m, question\u00e1vel."], ["Historicamente, \u00e9 abundante a literatura que se ocupa com a fisiogno- mia. Os antigos Indus fizeram tentativas nesse campo, distinguindo, por exemplo, tr\u00eas tipos (atentando para o arcabou\u00e7o \u00f3sseo, a circunfer\u00eancia corp\u00f3rea, o tamanho dos \u00f3rg\u00e3os genitais, os pelos e a voz) e incluindo es- ses tipos humanos na forma do coelho, do boi e do cavalo. Esses proble- mas tamb\u00e9m foram discutidos na antiguidade. A compara\u00e7\u00e3o entre tipos humanos a tipos zool\u00f3gicos tem sempre algo de impressionante, chegando at\u00e9 a pilh\u00e9ria, mas nem vale a pena falar no assunto. Na sociedade erudita do s\u00e9culo XVIII, foi at\u00e9 moda ocupar-se com quest\u00f5es relativas \u00e0 fisiogno- mia. Lichtenberg dissecou o assunto criticamente, sem deixar, no entanto, de tentar cultiv\u00e1-lo ele pr\u00f3prio. Hegel procurou conceitu\u00e1-lo e liquid\u00e1-lo. * Sempre se teve inclina\u00e7\u00e3o para trazer ao primeiro plano \u2014 e com isso con- tentar-se \u2014 tudo quanto \u00e9 poss\u00edvel, indubitavelmente, apreender e concei- tuar na fisionomia, ou seja, a compreens\u00e3o dos tra\u00e7os faciais como m\u00ed- mica fixada."], ["Entretanto, foi no mundo intelectual do romantismo que C. G. Carus desenvolveu ainda mais, e com o m\u00e1ximo de erudi\u00e7\u00e3o, uma teoria fisiog- n\u00f4mica ampla e sistem\u00e1tica, que merece recomendar-se a quem quer que pretenda fazer comprova\u00e7\u00f5es nesse campo. O pensamento de Carus \u00e9 \u201cver e compreender o universo, em geral, como s\u00edmbolo da divindade; e o ho- mem, como s\u00edmbolo da ideia divina da alma\u201d. Da\u00ed o simbolismo abranger, de um lado, o campo inteiro do cosmo; -doutro, o campo da morfologia e"], ["da fisiologia. Para ele, o simbolismo \u00e9 de ver-se, mas n\u00e3o de comparar-se; \u00e9 imediato, n\u00e3o mediato. Carus estuda \u201co resultado dos fatos que formam a ideia, a organiza\u00e7\u00e3o e, aqui, de modo especial, a apar\u00eancia externa, em sua totalidade, do homem\u201d. \u00c9 da\u00ed que a imagem do seu ser ps\u00edquico in- terno, seu car\u00e1ter, deve apresentar-se mais clara e compreens\u00edvel. H\u00e1 mo- mento da vis\u00e3o que \u00e9 decisivo: \u201cuma capacidade de contemplar de dentro, da casca o caro\u00e7o; do s\u00edmbolo da forma, a esp\u00e9cie da ideia ps\u00edquica\u201d. Ca- rus pretende fazer da contempla\u00e7\u00e3o inconsciente um saber e um poder; pretende poder ensinar os princ\u00edpios fundamentais pelos quais se devem julgar as in\u00fameras individualidades; e tamb\u00e9m mostrar a arte de aplicar esses princ\u00edpios ao caso concreto. H\u00e1 alguma coisa de sugestivo na formu- la\u00e7\u00e3o geral de Carus; alguma coisa afigura-se-nos positivo que j\u00e1 tenha- mos vivenciado; e de que nada podemos dizer que seja regrado e particu- lar. \u2014 Mas Carus tamb\u00e9m pretende, mediatamente, firmar conhecimentos conceituais e, neste ponto, d\u00e1-se com ele o mesmo que com todos os fisi- ognomistas. Sem conseguir atuar de modo convincente no particular, Ca- rus procura fazer mensura\u00e7\u00f5es (organoscopia), descreve a superf\u00edcie do corpo de acordo com o respectivo modelamento peculiar (fisiognomia), considera a modifica\u00e7\u00e3o das formas segundo o curso vital (patognomia) \u2014 juntando tudo quanto as ci\u00eancias naturais descobrem e servindo-se de todo o material que, possuindo evid\u00eancia fisiognomicamente interpret\u00e1vel, se possa aproveitar. \u00c9 assim que desenvolve grande riqueza, tendo sempre em vista o todo, mas sem descurar o m\u00ednimo detalhe. Foi Carus quem criou a primeira, at\u00e9 hoje fundamentada, sistematiza\u00e7\u00e3o \u201ccient\u00edfica\" da abordagem fisiogn\u00f4mica."], ["Tentativa de estudo fisiogn\u00f4mico moderna, que se possa comparar \u00e0s", "antigas em percuci\u00eancia, riqueza e profundidade do conhecimento hu- mano, n\u00e3o parece existir; apesar de ser moda, atualmente, falar na fisio- nomia das coisas. V\u00ea-se e interpreta-se, naqueles campos onde se costu- mava explicar e conceituar, ou contemplar e inquirir. O conceito de fisiog- n\u00f4mico cobre todas as ideias que, singulares, ocorrem; mas ficamos abala- dos, embora nada aprendendo.", "Depois de apreender aquilo que descrevemos, met\u00f3dica e historica- mente, no concernente \u00e0 fisiognomia, ainda podemos duvidar da pesquisa cient\u00edfica que substitua resultados definidos \u00e0 intui\u00e7\u00e3o; nem por isso, en- tretanto, nos inclinamos a ignorar esse campo inteiro, ou a desprez\u00e1-lo. Conhecimento exato n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel, mas subsistem a organiza\u00e7\u00e3o de nosso senso das formas, a exalta\u00e7\u00e3o e educa\u00e7\u00e3o de nossa reagibilidade \u00e0s formas; tudo isso surgindo da produ\u00e7\u00e3o de configura\u00e7\u00f5es que constituem"], ["um todo evidente, do qual nos apossamos, sem lhes reconhecer, embora, a possibilidade de aplica\u00e7\u00e3o emp\u00edrica probante; antes, sim, elas criam para n\u00f3s, pela forma por que se orientam, uma atmosfera sem a qual seria mais pobre nossa vis\u00e3o da realidade psiqui\u00e1trica. A arte d\u00e1-nos o incom- par\u00e1vel, mas pode o psiquiatra tentar, de seu lado, representar essas for- mas como \u201ctipos\u201d; o que tem acontecido, impressionando-nos n\u00e3o pelos resultados tang\u00edveis, mas pela \u201crealiza\u00e7\u00e3o\u201d art\u00edstica, que enriquece nossa vis\u00e3o, sem permitir-nos conceituar.", "1. Tentativa dessa ordem constituiu a outrora famosa teoria da. dege- nera\u00e7\u00e3o, segundo a qual as varia\u00e7\u00f5es morfol\u00f3gicas corp\u00f3reas (sinais de de- genera\u00e7\u00e3o, stigmata degenerationis) revelariam a deteriora\u00e7\u00e3o total da na- tureza humana, de seu car\u00e1ter, sua inclina\u00e7\u00e3o para as doen\u00e7as neur\u00f3ticas e mentais; principalmente, a disposi\u00e7\u00e3o para o crime. Representariam anormalidades morfol\u00f3gicas dessa ordem: a propor\u00e7\u00e3o", "corp\u00f3rea que variasse fortemente da m\u00e9dia; por exemplo, pernas demasi- ado longas em rela\u00e7\u00e3o ao tronco; formas raras do cr\u00e2nio (cr\u00e2nio em torre); formas excepcionais dos ossos: queixo reentrante, pequenez excessiva do processo mastoide; malforma\u00e7\u00f5es dent\u00e1rias; palato alto: malforma\u00e7\u00f5es tais como o l\u00e1bio leporino; pilosidade corp\u00f3rea excessiva; ou deficiente; tu- fos de pelos esparsos; interesse especial teria a forma do nariz e das ore- lhas \u2014 l\u00f3bulos colados ao cr\u00e2nio, orelhas grandes e salientes; proemin\u00ean- cia do tub\u00e9rculo de Darwin; orelhas m\u00f3veis."], ["Essa teoria da degenera\u00e7\u00e3o tenta penetrar nas profundidades existen-", "ciais de que se originam fen\u00f4menos tanto ps\u00edquicos quanto corp\u00f3reos; e dela se concluiria que a degenera\u00e7\u00e3o ps\u00edquica \u2014 nas psicopatias, psicoses, oligofrenias \u2014 tamb\u00e9m se apresenta nas varia\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas relativa- mente \u00e0 forma correspondente. Mais ou menos plaus\u00edvel, intuitivamente, para os contempor\u00e2neos, a teoria s\u00f3 vigorou em c\u00edrculos restritos, quando se pretendeu erigir em doutrina a representa\u00e7\u00e3o puramente intuitiva da forma humana."], ["Sem pensar em degenera\u00e7\u00e3o progressiva, h\u00e3o de entender-se como", "anormalidades certas constitui\u00e7\u00f5es que se deparam frequentes em algu- mas fam\u00edlias, caracterizando-as e, por vezes, reconhecendo-se mediante ind\u00edcios ligeiros.1 S\u00e3o casos em que sinais degenerativos coincidem com anomalias do sistema nervoso ou de outros \u00f3rg\u00e3os, resultando de defeitos no curso do desenvolvimento e agrupando-se em complexos sintom\u00e1ticos de sinais morfol\u00f3gicos e funcionais, quais sejam tremores, surdez. O exemplo mais t\u00edpico \u00e9 o estado disr\u00e1fico."], ["Tem-se enfatizado a frequ\u00eancia com que esses estigmas se encontram em pessoas sadias e, no entanto, n\u00e3o se apresentam acompanhando anor- malidades ps\u00edquicas acentuadas. A teoria possui, no entanto, import\u00e2ncia hist\u00f3rica e, mesmo que criticamente refutada, nem por isso deixa de ter, para n\u00f3s, certo fundamento que \u2014 \u00e9 verdade \u2014 n\u00e3o podemos reconhecer, mas tamb\u00e9m n\u00e3o nos \u00e9 dado de todo relegar. Talvez n\u00e3o tiremos conclu- s\u00f5es pr\u00e1ticas, mas essas formas n\u00e3o s\u00e3o para n\u00f3s indiferentes. A degene- ra\u00e7\u00e3o \u00e9 conceito que, a querer apreender estritamente, relacionado a fatos emp\u00edricos, nos escapa; conceito com que se pretende dizer alguma coisa sobre as fontes \u00faltimas da vida, sem a tanto chegar, todavia, mas preser- vando, ele s\u00f3, nosso interesse, nossa indaga\u00e7\u00e3o, e proporcionando-nos um termo para designar algo que podemos ver intuitivamente, embora sem es- tar em condi\u00e7\u00f5es, at\u00e9 o momento, de aplicar-lhe qualquer teoria. Mais ainda: essa teoria j\u00e1 significa, de in\u00edcio, ren\u00fancia \u00e0 fisiognomia propria- mente dita, porque, ensinando a encarar como sintomas os sinais de dege- nera\u00e7\u00e3o, faz da observa\u00e7\u00e3o fisiogn\u00f4mica pseudoci\u00eancia natural; com o que, o simbolismo desaparece; mas \u00e9, em definitivo, de rejeitar-se como asser\u00e7\u00e3o m\u00e9dica a rela\u00e7\u00e3o particular que subsiste de sintoma e doen\u00e7a de- generativa."], ["2. Levando em conta conte\u00fado inteiramente diverso, por\u00e9m usando de m\u00e9todo compar\u00e1vel, Kretschmer procurou relacionar a constitui\u00e7\u00e3o corp\u00f3- rea com qualidades ps\u00edquicas; para o que, distinguiu tr\u00eas formas corp\u00f3- reas, al\u00e9m dos tipos displ\u00e1sicos, cuja ocorr\u00eancia s\u00f3 se produz em pequeno n\u00famero de homens: o tipo leptoss\u00f3mico (ast\u00e9nico), o atl\u00e9tico e o p\u00edcnico. Da descri\u00e7\u00e3o que fez destacam-se as seguintes rubricas: a) Leptoss\u00f4mico: pequeno desenvolvimento transversal, sem redu- \u00e7\u00e3o do desenvolvimento longitudinal; homens magros, esbeltos, ombros estreitos, caixa tor\u00e1cica estreita e chata, \u00e2ngulo costal agudo; rosto reentrante devido ao desenvolvimento mentoniano escasso; fronte tamb\u00e9m reentrante; perfil anguloso, com a ponta do nariz formando v\u00e9rtice; nariz excessivamente longo. Associado ao car\u00e1ter esquizot\u00edmico: \u00edndole angulosa, fria, pontiaguda cor- responde ao soma estreito, de arestas pronunciadas e nariz pon- tudo."], ["b) P\u00edcnico: figura atarracada, rosto mole e largo, pesco\u00e7o curto e", "maci\u00e7o; tend\u00eancia \u00e0 obesidade; caixa tor\u00e1cica profunda e abau- lada; abd\u00f3men proeminente, aparelho motor graciosamente mo- delado (cintura p\u00e9lvica e extremidades), cr\u00e2nio grande, redondo, largo e fundo; contornos bem modelados, propor\u00e7\u00f5es harmonio- sas. Associado ao car\u00e1ter ciclot\u00edmico ou sint\u00f4nico. Esses homens", "s\u00e3o de \u00edndole bonachona, simples, franca. A estrutura corpu- lenta corresponde a constitui\u00e7\u00e3o caracterial equilibrada, cordial, facilmente acomod\u00e1vel. S\u00e3o pessoas ativas no ambiente em que vivem, abertas e co- ci\u00e1veis, ora para o lado s\u00e9rio, ora para o lado exaltado.", "c) Atl\u00e9tico: ombros largos e desempenados, estatura alta, forte de-"], ["senvolvimento do esqueleto e a musculatura. Pele grossa, consti- tui\u00e7\u00e3o \u00f3ssea pesada, m\u00e3os e p\u00e9s grandes, rosto grande, fronte robusta, mento forte e saliente. Circunfer\u00eancia facial: oval alon- gada. Malares salientes, arcadas orbitarias marcadas. Rosto sali- ente em rela\u00e7\u00e3o ao cr\u00e2nio. Associado a car\u00e1ter sereno, medita- tivo, quase taciturno e desajeitado. Devido \u00e0 pobreza com que responde a est\u00edmulos, aparentemente inabal\u00e1vel; quando reage, furioso; tend\u00eancia \u00e0 in\u00e9rcia e ao mutismo. A aus\u00eancia de leveza e flexibilidade levou Kretschmer a usar a express\u00e3o \u201ctempera- mento viscoso\u201d. \u201cSobre o todo paira uma ideia de peso\u201d."], ["A teoria de Kretschmer da conex\u00e3o entre forma corp\u00f3rea e car\u00e1ter n\u00e3o representa para ele mais do que parte da ampla correla\u00e7\u00e3o que apreende o homem todo; apreens\u00e3o por n\u00f3s estu- dada, significativamente, em outra passagem (Quarta Parte, Segundo Cap\u00edtulo). A esta altura, s\u00f3 cabe dizer que os tipos significam formas intuitivamente consideradas, que esclarece- mos e enriquecemos pela nossa vis\u00e3o, tal qual a esclarece e enriquece, n\u00e3o o conceito, mas a arte. O que vemos, a cada momento, na forma corp\u00f3rea \u2014 como na degenera\u00e7\u00e3o morfol\u00f3gica se v\u00ea o desvio ps\u00edquico \u2014 \u00e9 um tipo caracter\u00edstico especial, que Kretschmer descreveu de maneira impressio- nante; essa vis\u00e3o n\u00e3o tem, contudo, significa\u00e7\u00e3o emp\u00edrica; n\u00e3o leva a con- clus\u00e3o alguma; pode ser, se se quiser argumentar com validez geral, refu- tada, empiricamente, por um s\u00f3 caso ilustrativo; sem que, entretanto, pos- samos desprez\u00e1-la em seu sentido peculiar.", "Assim come\u00e7a o livro de Kretschmer: \u201cO diabo, em geral, \u00e9 qua.se sem-"], ["pre magro, com uma barbinha no queixo; mas h\u00e1 diabos gordos que se afiguram amavelmente broncos; e h\u00e1 outros, intrigantes, corcovados, pi- garreantes. A velha bruxa tem o rosto adunco, seco. Quando pensamos em coisas joviais e saborosas, quem aparece \u00e9 o gordo cavaleiro Falstaff, de nariz vermelho e calva espelhante. A mulher do povo, que \u00e9 toda sensa- tez, apresenta-se robusta, de formas arredondadas, com as m\u00e3os nas an- cas. Os santos s\u00e3o esbelt\u00edssimos, esgalgados, di\u00e1fanos, p\u00e1lidos, g\u00f3ticos. Em resumo: a virtude e o v\u00edcio h\u00e3o de ter o nariz pontudo; a jovialidade h\u00e1 de ser gorda.", "\u201cE, ent\u00e3o, Kretschmer usa como divisa as palavras que C\u00e9sar diz a respeito", "de C\u00e1ssio:", "Quero ter homens gordos \u00e0 minha volta, Que durmam bem, calvos. C\u00e1ssio tem o olhar soturno; Pensa demais e gente assim \u00e9 perigosa... Ah! Tomara que fosse gordo!..."], ["Das descri\u00e7\u00f5es insuper\u00e1veis que se seguiram, relativamente \u00e0 consti- tui\u00e7\u00e3o leptoss\u00f4mica e p\u00edcnica e ao car\u00e1ter esquizot\u00edmico e ciclot\u00edmico, diz Conrad, com raz\u00e3o \u2014 sublinhando, em suas palavras, o que h\u00e1 de estra- nho \u00e0 ci\u00eancia e, particularmente, \u00e0 ci\u00eancia natural \u2014: \"Toda tentativa de aperfei\u00e7oar a pintura viria piorar e distorcer, tal qual o retoque estraga a obra dos antigos mestres\u201d. E Max Schmidt, na mesma ordem de ideias, manifesta assim seu entusiasmo: \u201cKretschmer descreveu os dois tipos por forma quase inspirada. Se recordarmos os v\u00e1rios pacientes esquizofr\u00eanicos e circulares que j\u00e1 tivemos, v\u00eamo-los, sem querer, tomar ante n\u00f3s as for- mas dos dois tipos kretschmerianos\u201d. \u201cNa Dinamarca \u2014 assim conclui o autor dinamarqu\u00eas \u2014 \u201ch\u00e1 dois casos hist\u00f3ricos: Cristiano VII e Grundtvig; e a figura desses dois personagens simboliza os tipos caracter\u00edsticos das duas doen\u00e7as mentais; s\u00e3o o esquizofr\u00eanico, leptoss\u00f4mico, Cristiano VII, pequeno, fino de corpo, ast\u00e9nico, degenerativamente p\u00e1lido, e o p\u00edcnico, ci- clot\u00edmico, Grundtvig, grande, largo, corpulento\u201d."], ["De fato, o efeito \u00e9 tal qual a impress\u00e3o imediata que uma obra-de-arte produz; percebe-se o rendimento descritivo na pujan\u00e7a que faz o leitor ver com os olhos de Kretschmer. Nem por isso, entretanto, se resolve a ques- t\u00e3o do sentido que tem essa verdade.", "Pode-se dizer com Conrad: \u201cCerto \u00e9 que no corpo descarnado, alon- gado, estreito, n\u00e3o habita alma doce, suave e jovial; nem alma seca, virtu- osa, sentimental habita o corpo enxudioso, curto e largo\u201d. N\u00e3o: vale isso para a vis\u00e3o humana intuitiva da fisiognomia, sem necessidade, at\u00e9 a\u00ed, de mais ampla investiga\u00e7\u00e3o; empiricamente, todavia, \u00e9 incerto e os exemplos em contr\u00e1rio surgem a toda hora.", "Da\u00ed n\u00e3o satisfazer a introvis\u00e3o imediata, intuitiva, mas contar-se a fre-"], ["qu\u00eancia com que coincidem, especificamente, certos tipos caracteriais e som\u00e1ticos. Em lugar de rela\u00e7\u00e3o essencial, \u00e9 simples correla\u00e7\u00e3o que se apresenta. Quem assim procede, no entanto, est\u00e1 seguindo orienta\u00e7\u00e3o ci- ent\u00edfica radicalmente diversa, porque tamb\u00e9m existem correla\u00e7\u00f5es entre fen\u00f4menos desprovidos de conex\u00e3o essencial que \u00e0 primeira vista se impo- nha. O fato de encontrarmos correla\u00e7\u00f5es leva-nos a indagar-lhes e causa.", "A unidade fision\u00f4mica n\u00e3o pode ser essa causa; em primeiro lugar, real- mente, ela n\u00e3o \u00e9, essencialmente, causa, e sim evid\u00eancia compreens\u00edvel; em segundo lugar, viesse ela a ser causa, ter-se-ia de realizar, sem exce- \u00e7\u00e3o, a coincid\u00eancia. Pela via das correla\u00e7\u00f5es investigadas, o que se ganha s\u00e3o conhecimentos que nada t\u00eam de fisiogn\u00f4mico."], ["Quando se estuda a fisiognomonia, subsiste a situa\u00e7\u00e3o paradoxal: nada se sabe, propriamente, mas o sentido do impulso cognitivo, ainda mesmo faltando o conhecimento exato que permita julgar, est\u00e1 em querer, pelo menos, ver, ou obter imagens e formas. Quem isso faz distancia-se ao m\u00e1ximo de qualquer previs\u00e3o ou esquematismo. J\u00e1 disse Lichtenberg: \u201cSempre observei serem pessoas que pouco conheciam do mundo aquelas que mais esperavam de um fisiognomismo artificial. Os que bem conhe- cem o mundo s\u00e3o os melhores fisiognomistas e os que menos esperam das regras\u201d. E mais: \u201cO estudo, da fisiognomonia \u00e9, descontada a profetiza\u00e7\u00e3o, a mais enganosa de todas as artes humanas que uma mente exc\u00eantrica jamais inventou.\u201d"], ["\u00a7 2. M\u00edmica.", "Ao passo que o estudo da fisiognomonia diz respeito \u00e0 forma corp\u00f3rea", "fixa, a m\u00edmica se ocupa com o movimento do corpo como fen\u00f4meno da vida ps\u00edquica. A fisiognomia n\u00e3o se subordina a princ\u00edpio algum que fa\u00e7a compreens\u00edvel a rela\u00e7\u00e3o entre alma e corpo, ou que sirva de crit\u00e9rio para a compreens\u00e3o verdadeira; s\u00f3 quando estudamos a m\u00edmica, e n\u00e3o quando estudamos a fisiognomonia, \u00e9 que nos firmamos em percep\u00e7\u00f5es poss\u00edveis de discutir."], ["a) Tipos de movimentos corp\u00f3reos.", "Se quisermos ter em vista, claramente, os movimentos m\u00edmicos com-"], ["preens\u00edveis, precisaremos distinguir.", "Em primeiro lugar, nada tem a ver com a m\u00edmica o que se relaciona com os j\u00e1 discutidos fen\u00f4menos concomitantes & subsequentes dos pro- cessos ps\u00edquicos; por exemplo, o ruborizar-se e empalidecer, o oscilar dos joelhos, o tremor, a fixidez paral\u00edtica que ocorre no medo etc.; casos nos quais se trata de movimentos que n\u00e3o \u201ccompreendemos\u201d imediatamente, e sim, apenas pela experi\u00eancia, sem vis\u00e3o interior da alma, a esta associa- mos.", "Em segundo lugar, os movimentos volunt\u00e1rios n\u00e3o s\u00e3o movimentos"], ["m\u00edmicos. Os movimentos volunt\u00e1rios visam a um objetivo; os movimentos m\u00edmicos expressivos n\u00e3o s\u00e3o intencionais, nem volunt\u00e1rios. S\u00e3o movimen- tos volunt\u00e1rios a gesticula\u00e7\u00e3o, os sinais, os acenos (sacudir a cabe\u00e7a, abaix\u00e1-la, quando se cumprimenta, abanar a m\u00e3o), que dizem e comuni- cam, convencionalmente, alguma coisa, variando de significa\u00e7\u00e3o de um povo para outro. Representando meio incompleto pelo qual os homens se entendem, t\u00eam semelhan\u00e7a com a fala, ao passo que a m\u00edmica n\u00e3o comu- nica, nem pretende comunicar, apenas falando, humanamente, de modo geral, parecendo compreens\u00edvel at\u00e9 para os animais."], ["Os movimentos m\u00edmicos propriamente ditos \u2014 a express\u00e3o do rosto, alegre, tensa, irada etc. \u2014 s\u00e3o, pois, involunt\u00e1rios, n\u00e3o intencionais. Todos os movimentos volunt\u00e1rios, entretanto, tamb\u00e9m possuem um lado m\u00ed- mico; nenhum se assemelha a outro, mesmo visando ao mesmo objetivo, variando conforme o indiv\u00edduo e o estado de \u00e2nimo. A maneira por que al- gu\u00e9m me olha, me estende a m\u00e3o, a maneira por que anda, o som da voz, tudo \u00e9 express\u00e3o involunt\u00e1ria; \u00e9 tamb\u00e9m m\u00edmico, al\u00e9m do conte\u00fado volun- t\u00e1rio de finalidade e significado."], ["Dentro dos movimentos m\u00edmicos, todavia, parece haver mais algumas", "discrimina\u00e7\u00f5es a fazer:", "1) Uma quantidade de movimentos m\u00edmicos acompanha, perma- nentemente, infinitamente matizados, o evento ps\u00edquico, fa- zendo-o vis\u00edvel, transparente e compreens\u00edvel, tal qual o jogo in- cessante de resson\u00e2ncias extraordinariamente sens\u00edveis no sem- blante, no olhar, na voz. Em parte, esses fen\u00f4menos expressivos s\u00e3o comuns ao homem e ao animal.", "2) O riso e o choro ficam em categoria \u00e0 parte, constituindo rea\u00e7\u00f5es a uma crise do comportamento humano, pequenas cat\u00e1strofes da corporeidade que ocorrem nessa crise e nas quais aquela cor- poreidade, inelutavelmente, se desorganiza, por assim dizer; s\u00f3 que tal desorganiza\u00e7\u00e3o ainda \u00e9 simb\u00f3lica, como simb\u00f3lica \u00e9 toda m\u00edmica; sem transpar\u00eancia, por\u00e9m, no riso e no choro, porque ambas as respostas s\u00e3o marginais. O riso e o choro s\u00e3o pr\u00f3prios s\u00f3 do homem, n\u00e3o do animal; universalmente humanos, por\u00e9m.", "3) No limite que separa a express\u00e3o do fen\u00f4meno som\u00e1tico conco- mitante est\u00e3o alguns movimentos que parecem conter algo de expressivo, apesar de seu car\u00e1ter reflect\u00f3rio; por exemplo, o bo- cejo, o espregui\u00e7ar-se, que se verificam tamb\u00e9m nos animais. 4) Todos os movimentos podem evoluir para a repeti\u00e7\u00e3o r\u00edtmica. Klages soube apreender a ess\u00eancia e a universal significa\u00e7\u00e3o do ritmo."], ["b) Princ\u00edpios da compreens\u00e3o m\u00edmica."], ["A experi\u00eancia que temos n\u00e3o nos permite afirmar derivem de impulsos", "ps\u00edquicos os- processos morfol\u00f3gicos que se fixam nas formas fision\u00f4mi- cas. Mas. \u00e9 a experi\u00eancia constante que permite afirmar a conex\u00e3o entre- nossos movimentos corp\u00f3reos e o psiquismo, sua disposi\u00e7\u00e3o, suas, objeti- vidades volitivas, sua ess\u00eancia; da\u00ed poder-se fundamentar a. compreens\u00e3o do movimento como m\u00edmica, test\u00e1-la e discuti-la. Tem-se subordinado essa rela\u00e7\u00e3o entre a psique e o movimento, a certos princ\u00edpios que nos fa- zem conscientes, imediatamente, das interpreta\u00e7\u00f5es perceptivas; que as controlam, as correlacionam e, por fim, as ampliam. Os princ\u00edpios da ex- press\u00e3o, v\u00e1lidos, de modo- absolutamente geral, para todo movimento, para os volunt\u00e1rios e- involunt\u00e1rios, para a m\u00edmica do rosto, do andar e da atitude, para a escrita como sedimento cin\u00e9tico, foram reconhecidos e formulados por cientistas eminentes.", "Dois s\u00e3o os principais:"], ["1) Cada atividade interior \u00e9 acompanhada por um movimento que lhe corresponde, simbolicamente, de maneira compreens\u00edvel. Por exemplo: os sentimentos amargos exprimem-se, mimicamente, pelos movimentos, que se fazem quando se sente um gosto amargo. O pensamento concentrado \u00e9 acompanhado por um olhar fixo, parado, dirigido a pequena dist\u00e2ncia, como se se esti- vesse fixando, sensorialmente, um objeto. Nos: movimentos m\u00ed- micos aut\u00eanticos, o homem n\u00e3o tem consci\u00eancia alguma da sim- boliza\u00e7\u00e3o; e o observador que percebe, de imediato, a amargura, a aten\u00e7\u00e3o aguda n\u00e3o sabe, a princ\u00edpio, o que \u00e9 que o fez perce- ber. O quadro que aqui temos \u00e9 fen\u00f4meno ps\u00edquico imediato. Os pesquisadores- \u2014 Piderit para a m\u00edmica; Klages, de modo mais amplo e, depois, especialmente, para a escrita \u2014 estudaram at\u00e9 em particularidade esses quadros simb\u00f3licos.", "2) Os movimentos s\u00e3o influenciados pela sele\u00e7\u00e3o involunt\u00e1ria de. formas e maneiras, que \u201cse ajustam\u201d \u00e0 personalidade, que lhe parecem belas, elegantes, firmes ou de qualquer outro modo de- sej\u00e1veis. H\u00e1 um impulso no sentido da \u201crepresenta\u00e7\u00e3o\u201d pr\u00f3pria, impulso que, por for\u00e7a, das \u201cimagens condutoras pessoais\u201d, con- forme toda m\u00edmica. O que conforma a express\u00e3o imediata, \u201cnatu- ral\u201d, \u00e9 uma express\u00e3o mais consciente, que j\u00e1 se torna objetiva a quem vivencia. Os m\u00faltiplos ideais- pessoais e sociais gravam-se em formas que Klages foi o primeiro a conceituar sob este as- pecto; sobretudo, em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 escrita.", "3) \u00c9 frequente os movimentos m\u00edmicos que se repetem deixarem vest\u00edgio no soma (e, sobretudo no rosto). A fisiognomia faz parte", "da m\u00edmica, na medida em que compreende res\u00edduos de movi- mentos m\u00edmicos e as formas solidificadas como m\u00edmica que se fixou. Este \u00e9 o- setor da fisiognomia que se pode fundamentar e investigar empiricamente."], ["c) Observa\u00e7\u00f5es psicopatol\u00f3gicas.", "1. Vez por outra, por\u00e9m nunca de modo propriamente sistem\u00e1tico, t\u00eam-se descrito a. m\u00edmica dos pacientes, bem como as formas fisiogn\u00f4mi- cas permanentes que dela resultam. \u00c0 enumera\u00e7\u00e3o casual, podem-se ob- servar, entre outras: O prazer de movimentar-se do man\u00edaco, que se move s\u00f3 por mover-se, compelido a expandir sua excita\u00e7\u00e3o borbulhante e tumultuosa, sem obje- tivo, nem finalidade; a necessidade de mover-se do ansioso, que corre, de- sesperado, de um lado para outro, procurando sossego, liberdade; que se atira contra a parede e repete gestos uniformes.", "Os tra\u00e7os indestrutivelmente jubilosos, exatamente semelhantes aos"], ["da alegria verdadeira, do man\u00edaco; a jovialidade despropositada, tola. e exagerada, dos hebefr\u00eanicos; o mau-humor dolente do ciclot\u00edmico, que s\u00f3 de leve se manifesta no canto da boca e dos olhos; a express\u00e3o de mau- humor profundo, mas resignado, que se fixa na melancolia permanente; a express\u00e3o fria, aparentemente vazia, da melancolia silenciosa, que n\u00e3o se acredita que fa\u00e7a sofrer, mesmo quando o doente- conta o que est\u00e1 pen- sando: as fei\u00e7\u00f5es distorcidas e a excita\u00e7\u00e3o desesperada que se observa na terr\u00edvel ansiedade da melancolia agitada.", "A express\u00e3o sonhadora, ausente, exaltada por for\u00e7a de viv\u00eancias fan- t\u00e1sticas, de certos doentes com turva\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia; a express\u00e3o vazia de alguns estados crepusculares hist\u00e9ricos, f\u00e1ceis de transformar-se em susto e ang\u00fastia, ou espanto fict\u00edcio."], ["O semblante vazio, inexpressivo de muitos doentes demenciados que- ficam parados, dando a impress\u00e3o de aut\u00f4matos de semblante p\u00e9treo (ou sorridente sempre, ou obstinado, ou inteiramente embotado, ou atormen- tado); a \u201cperda da gra\u00e7a\u201d, a apar\u00eancia desajeitada de muitos processos de- menciais; o paranoico imponente, que se move gravemente, sem preocu- par-se com a gentinha que o cerca, cheio de calma estoica, desprezivo; o olhar transfixante da paranoica, de semblante meditativo, desconfiado, in- quiridor, taciturno; a olhada repentina de alguns catat\u00f4nicos estuporosos.", "A express\u00e3o a todo momento mut\u00e1vel, branda, amolentada, de olhos", "flutuantes, dos hist\u00e9ricos; express\u00e3o que se faz, semi-conscientemente, se- dutora, faceira, desmedidamente exagerada.", "Os tra\u00e7os sempre mut\u00e1veis, inquieto o olhar, dos neurast\u00e9nicos; a ex- press\u00e3o atormentada, distorcida, de certas hebefrenias em incep\u00e7\u00e3o, por tr\u00e1s da qual o m\u00e9dico se espanta de quase n\u00e3o encontrar base ps\u00edquica."], ["O semblante amolecado do jovem ineduc\u00e1vel; a express\u00e3o brutal e ani-", "malesca da insanidade moral aut\u00eantica. \u201cOs olhos tristes de um animal acuado\u201d, que Heyer notou nas crian\u00e7as recolhidas a institui\u00e7\u00f5es.", "Homburger descreveu muitos aspectos da \u201cmotricidade expressiva\u201d. Heyer refere-se ao estado de v\u00e1rios psicopatas: \u201chomens sempre duros, contra\u00eddos, que s\u00f3 se movem com fim premeditado; rijos, sem flexibilidade, nem maleabilidade ou leveza. A atitude geral \u00e9 Jura feito o pau.\u201d", "Tem-se considerado a significa\u00e7\u00e3o da atitude corp\u00f3rea e da movimen-"], ["ta\u00e7\u00e3o n\u00e3o s\u00f3 como express\u00e3o do psiquismo, mas tamb\u00e9m levando em conta sua repercuss\u00e3o sobre este, julgando-se que certa atitude e disposi- \u00e7\u00e3o ps\u00edquicas sempre correspondem \u00e0 atitude corp\u00f3rea. Da\u00ed a poss\u00edvel im- port\u00e2ncia da gin\u00e1stica e do tipo de gin\u00e1stica para o estado ps\u00edquico. Caso particular \u00e9 a atitude que o corpo assume durante o sono. \u201cCada um de n\u00f3s tem um cerimonial para o sono, ou faz quest\u00e3o de certas condi\u00e7\u00f5es, que, a m\u00e3o serem preenchidas, perturbam o sono\u201d (Freud).", "2. O riso e o choro t\u00eam interesse especial. \u00c9 de notar-se que fen\u00f4menos dessa ordem aparecem como compuls\u00e3o f\u00edsica na paralisia bulbar, sem in- flu\u00eancia de fator ps\u00edquico. S\u00e3o de mencionar-se o riso multiforme da es- quizofrenia, a melancolia sem l\u00e1grimas, as depress\u00f5es, cujos portadores solu\u00e7am alto, procurando em v\u00e3o al\u00edvio.", "3. O bocejo \u00e9 processo cin\u00e9tico complicado, que ocorre contra a von- tade, parecendo pr\u00f3ximo do espregui\u00e7ar-se e apresentando-se espontanea- mente ap\u00f3s o despertar, no cansa\u00e7o, no t\u00e9dio. D\u00e1 impress\u00e3o de ser pro- cesso meramente org\u00e2nico que resulta em movimento expressivo, quando ocorrem certas condi\u00e7\u00f5es. Pode-se pensar numa s\u00e9rie de reflexos desta or- dem, indo at\u00e9 o \u201cespirro\u201d, que jamais constitui movimento expressivo. Lan- dauer concebe o espregui\u00e7ar-se de modo puramente fisiol\u00f3gico; apenas ponderando, contudo, a respeito.", "4. Entre os movimentos que se notam nos psic\u00f3ticos, os movimentos", "ritmados e as estereotipias h\u00e1 muito chamam a aten\u00e7\u00e3o, Compara-se o movimento ritmado dos idiotas e dos catat\u00f4nicos demenciados aos movi- mentos circulares das feras em cativeiro, sem que, todavia, se haja feito"], ["verdadeira an\u00e1lise. Kl\u00e3si definiu as estereotipias como \u201cmanifesta\u00e7\u00f5es no terreno motor, verbal e ideativo, que uma pessoa repete uniformemente, muitas vezes por longos per\u00edodos, e que, inteiramente destacadas do evento total, isto \u00e9, aut\u00f4nomas, nem exprimem uma disposi\u00e7\u00e3o, nem cor- respondem a qualquer finalidade contida na realidade objetiva\u201d. A origem e a significa\u00e7\u00e3o das estereotipias s\u00e3o m\u00faltiplas: restos de movimentos sig- nificativos passados, movimentos que prov\u00eam de um mundo delirante, ce- rimoniais, movimentos defensivos contra alucina\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas etc.", "Klages conceituou o ritmo em sentido determinado e oposto ao com- passo: o ritmo, representando express\u00e3o viva, m\u00f3vel ao infinito, op\u00f5e-se ao compasso, que constitui repeti\u00e7\u00e3o mec\u00e2nica, arbitr\u00e1ria. Langeludekke in- vestigou esquizofr\u00eanicos, man\u00edaco- -depressivos e parkinsonianos de acordo com o ponto de vista klagesiano."], ["\u00a7 3. Escrita."], ["Dada a circunst\u00e2ncia de fixar-se permanentemente, circunst\u00e2ncia que"], ["permite investiga\u00e7\u00e3o mais aprofundada, e tamb\u00e9m em vista do pequeno papel que nela desempenha, em geral, a simula\u00e7\u00e3o, presta-se a escrita, particularmente, aos estudos dos movimentos expressivos. No que toca \u00e0 m\u00edmica, sempre h\u00e1, na maioria dos \u201chomens, alguma encena\u00e7\u00e3o, levando- os a edificar em torno de si uma muralha expressiva inaut\u00eantica, atr\u00e1s da qual se ocultam ou com a qual se iludem: isso se diga desde os movimen- tos que denotam embara\u00e7o (co\u00e7ar a cabe\u00e7a, torcer os bot\u00f5es), que, tal qual o riso, muitas vezes, pretendem cobrir coisa diversa, at\u00e9 os movimentos m\u00edmicos cotidianos que nada significam, mas acabam tornando-se costu- meiros e naturais pela repeti\u00e7\u00e3o frequente. Tudo isso desempenha papel muito menor na escrita, cuja investiga\u00e7\u00e3o tem, no entanto, a desvantagem de s\u00f3 levar a resultados ponder\u00e1veis quando se trata da escrita regular e, at\u00e9 certo ponto, estruturada. Seria ir longe demais querer atingir, em con- di\u00e7\u00f5es experimentalmente vari\u00e1veis, a compreens\u00e3o grafol\u00f3gica dos tra\u00e7os caracteriais, das disposi\u00e7\u00f5es temperamentais e dos estados afetivos; ou querer atingir as altera\u00e7\u00f5es regulares da escrita que surgem por for\u00e7a de afetos, no curso do desenvolvimento individual e nos estados mentais anormais."], ["Cada tra\u00e7o individual da escrita \u2014 tal qual tudo quanto \u00e9 compreens\u00ed-", "vel e que s\u00f3 no todo se compreende \u2014 tem rela\u00e7\u00f5es t\u00e3o complexas e ofe- rece possibilidades significativas t\u00e3o numerosas que \u00e9 s\u00f3 mediante investi- ga\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas que se pode fazer ideia de certo modo clara. J\u00e1 um ensaio", "de Klages nos ensina que a simples press\u00e3o que se faz quando se escreve quase possibilita conhecer toda uma personalidade, no caso de a investi- ga\u00e7\u00e3o realizar-se visando a compreender essa press\u00e3o como forma expres- siva. Est\u00e1 desprezado, fundamentalmente, o velho m\u00e9todo anticient\u00edfico da interpreta\u00e7\u00e3o de certos \u201csinais\u201d na escrita."], ["Tem-se investigado a escrita dos doentes mentais? sobretudo, para o lado dos dist\u00farbios neurol\u00f3gicos e, a seguir, de acordo com o respectivo conte\u00fado, mas quase sem atentar para a forma como express\u00e3o ps\u00edquica. J\u00e1 de h\u00e1 muito se descreve a escrita paral\u00edtica t\u00edpica: letras ausentes ou dobradas, erros de sentido, tremores e fen\u00f4menos at\u00e1xicos no manejo da pena. Tamb\u00e9m chama a aten\u00e7\u00e3o a escrita caracter\u00edstica de v\u00e1rios proces- sos demenciais'. repeti\u00e7\u00e3o das mesmas palavras e letras, apesar de a es- crita apresentar-se ordenada; ornamentos e floreios obedecendo a modali- dade amaneirada, estereotipada. H\u00e1 v\u00e1rios estados demenciais org\u00e2nicos nos quais a escrita se perde em rabiscos absolutamente disformes. Os dis- t\u00farbios agr\u00e1ficos s\u00e3o an\u00e1logos aos af\u00e1sicos, de modo que, em certas cir- cunst\u00e2ncias, doentes quanto ao mais mentalmente s\u00e3os podem n\u00e3o ler mais palavra alguma, ou escrever mais palavra alguma, ou uma coisa e outra; v\u00e3o, ent\u00e3o, escrevendo letras sem sentido, assim como os pacientes sensorialmente af\u00e1sicos falam parafasicamente. \u2014 A escrita apresenta al- tera\u00e7\u00f5es t\u00edpicas de tamanho, press\u00e3o e forma nos estados man\u00edacos e de- pressivos (G. Meyer, Lemer)."], ["SE\u00c7\u00c3O 2. A EXIST\u00caNCIA DO HOMEM EM SEU MUNDO (PSICOLOGIA DO MUNDO)"], ["Aos fen\u00f4menos da \u201cexpress\u00e3o\u201d opomos todas as demais objetiva\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas significativas, \u00e0s quais \u00e9 comum o fato de os pr\u00f3prios homens nelas conceberem, visarem e fazerem um sentido. Antes, pois, de compre- ender a psique, devemos ter compreendido esse sentido. Assim \u00e9 que, na- quilo que d\u00e3o, sensorialmente, a fala, a palavra escrita, o ato, compreen- demos o sentido objetivo, o conte\u00fado racional, o fim pretendido, a vis\u00e3o est\u00e9tica. Se. a capacidade de perceber, sensivelmente, formas e movimen- tos, al\u00e9m da possibilidade segura de por elas impressionar-se, \u00e9 requisito sem o qual nada se v\u00ea, tamb\u00e9m a amplitude de nossa capacidade para en- tender os mundos objetivos mentais, mais a amplitude de nossas experi- \u00eancias, s\u00e3o requisitos para que entendamos a significa\u00e7\u00e3o de um desses fatos objetivos: entendimento que \u00e9 primeiro passo necess\u00e1rio a que esse pr\u00f3prio sentido, como express\u00e3o ps\u00edquica essencial, se apreenda, de ime- diato, com a mesma problem\u00e1tica, tal qual se apresentou na percep\u00e7\u00e3o da express\u00e3o."], ["Dentre essas objetividades significativas, mais uma vez distinguimos,", "de um lado, o fazer no mundo e, de outro, as produ\u00e7\u00f5es na obra intelec- tual. Para uma coisa e outra, a descri\u00e7\u00e3o do fazer e das obras \u00e9 necess\u00e1ria a que se apreenda com clareza, tal qual se d\u00e1 em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 descri\u00e7\u00e3o me- t\u00f3dica da escrita, dos movimentos e das formas corp\u00f3reas. Quanto mais o conte\u00fado \u00e9 essencial, tanto mais temos de ocupar-nos com a evid\u00eancia co- tidiana e, finalmente, promover a conceitualidade e a metodologia cient\u00ed- fica adequadas (por exemplo, aquelas que se relacionam com a lingu\u00edstica, a est\u00e9tica etc.). Na psicopatologia, at\u00e9 hoje nos limitamos quase inteira- mente \u00e0s objetividades mais simples dessa ordem."], ["Ora, todas as objetividades significativas t\u00eam um lado pelo qual se per- cebem como express\u00e3o involunt\u00e1ria da psique; isto \u00e9, alguma coisa que o homem chama o tom, a melodia, o estilo, a atmosfera respectiva. Nessa medida, tudo \u00e9 express\u00e3o e, simultaneamente, de acordo com o antigo uso lingu\u00edstico, \u201cfisiogn\u00f4mico\u201d no mais amplo sentido. Quando se interessou pela abordagem da fisiognomonia segundo Lavater, Goethe ampliou-lhes a significa\u00e7\u00e3o, nela incluindo o fen\u00f4meno humano total:", "A fisiognomia \u201cdeduz o interno do externo\u201d. Mas que \u00e9 o externo no ho-"], ["mem? N\u00e3o s\u00e3o, decerto, sua forma nua, os gestos impensados, que assi- nalam suas for\u00e7as interiores e o jogo destas. Posi\u00e7\u00e3o social, costume, ri- queza, roupas, tudo o modifica, tudo o encobre, como se fosse um v\u00e9u. Pe- netrar atrav\u00e9s desse v\u00e9u at\u00e9 o mais \u00edntimo do homem, encontrar nessas pr\u00f3prias determina\u00e7\u00f5es estranhas. pontos firmes dos quais algo se con- clua a respeito de sua ess\u00eancia parece dif\u00edcil ao extremo, ou at\u00e9 imposs\u00ed- vel. Mas consolemo-nos! N\u00e3o \u00e9 s\u00f3 o que cerca o homem que influi sobre ele: ele, por sua vez, influi sobre seu ambiente; e, modificando-se, modifica as coisas \u00e0 sua volta. Assim \u00e9 que as roupas e a mob\u00edlia de um homem lhe revelam com seguran\u00e7a o car\u00e1ter. A natureza forma o homem, ele se con- forma a si mesmo e esse conformar-se tamb\u00e9m vem a ser, no entanto, na- tural; vendo-se colocado no vasto mundo, o homem encerra-se, empareda- se em pequeno mundo que naquele outro se inclui e arruma-o \u00e0 sua ima- gem. Pode ser que a posi\u00e7\u00e3o social e as circunst\u00e2ncias determinem o que tem de cercar o homem, mas o modo pelo qual o homem se deixa determi- nar \u00e9 da mais alta significa\u00e7\u00e3o. Pode ele instalar-se indiferentemente tal qual seus semelhantes, porque \u00e9 assim que se faz; e essa indiferen\u00e7a pode chegar a ser neglig\u00eancia. Mas tamb\u00e9m se podem notar exatid\u00e3o e ardor tais que, avan\u00e7ando e buscando progredir, galgue um degrau acima; ou (e isso \u00e9 rar\u00edssimo) pare\u00e7a descer um degrau. Espero n\u00e3o haja ningu\u00e9m que me censure de ter, por esta forma, alargado o campo dos fisiognomistas."], ["Temos a\u00ed uma vis\u00e3o org\u00e2nica total do homem e de seu com-, porta-", "mento em seu mundo, que h\u00e1 de constituir o fundo de nossa an\u00e1lise, a cada momento. Esta exige, de in\u00edcio, a diferencia\u00e7\u00e3o dos conceitos.", "Se tomarmos os achados individuais, distinguiremos: o comporta- mento, tal qual se mostra na atitude, nos gestos, na maneira pela qual o homem se revela por si e em seu trato; o modo pelo qual ele conforma seu perimundo, na indument\u00e1ria, na habita\u00e7\u00e3o, no ambiente f\u00edsico; o tipo de vida que leva, exteriorizando-se na maneira por que atua no mundo, por que escolhe seus rumos, por que o todo se apresenta no comportamento, na conforma\u00e7\u00e3o do perimundo e condutas regularmente reiteradas; as a\u00e7\u00f5es, ou seja, os atos espec\u00edficos, significativos e efetivos de sua atividade propositada, admitido que esteja em plena posse de sua consci\u00eancia."], ["Pelos achados individuais \u00e9 que conseguimos apreender o mundo dos doentes; isto \u00e9, aquilo que eles vivenciam, factualmente, como realidade; aquilo em que se movem como se fosse realidade. \u00c9 as-, sim que apreen- demos a transforma\u00e7\u00e3o do mundo, a maneira por que vivem em seu mundo; a nova configura\u00e7\u00e3o c\u00f3smica que o doente constr\u00f3i \u2014 mundo em que, s\u00f3 nele, as particularidades ganham significa\u00e7\u00e3o e transpar\u00eancia."], ["\u00a7 1. Achados Individuais Do Comportamento No Mundo."], ["a) Comportamento.", "Podemos interpretar o comportamento, mesmo nas mais insignifican- tes pequenezas cotidianas, como sintoma de uma personalidade, de um humor. Essa interpreta\u00e7\u00e3o \u00e9 quase sempre imprecisa, de t\u00e3o insegura e vagamente que se pode formul\u00e1-la; da\u00ed preferirmos descrever o \u201ch\u00e1bito\u201d dos pacientes, mediante a descri\u00e7\u00e3o do comportamento, o qual n\u00e3o se nos apresenta valioso em si, como sintoma objetivo; o que nos orienta, sim, \u00e9 a ideia das interpreta\u00e7\u00f5es poss\u00edveis.", "Muitas modalidades comportamentais individuais s\u00e3o f\u00e1ceis de citar: roer de unhas, destrui\u00e7\u00e3o de coisas que est\u00e3o ao alcance (rasgar as rou- pas) etc. Nos psiquiatras antigos, encontram-se descri\u00e7\u00f5es da maneira por que se portam os pacientes internados, durante suas reuni\u00f5es, ou quando est\u00e3o ao ar livre, em casa, trabalhando; e tamb\u00e9m se encontram classifica- \u00e7\u00f5es tais como: soci\u00e1veis, solit\u00e1rios, inquietos, parados, andarilhos, coleci- onadores e assim por diante."], ["A descri\u00e7\u00e3o dos tipos extraordinariamente variados do comportamento, tanto nos estados cr\u00f4nicos quanto nas psicoses agudas, cabe \u00e0 psiquiatria especial. Menos se trata de enumerar uma. quantidade de tra\u00e7os individu- ais do que de descrever complexos- t\u00edpicos dos comportamentos; dos quais destacamos uns tantos, exemplos:", "O comportamento catat\u00f3nico e tamb\u00e9m o hebefr\u00eanico caracterizam-se pelo pateticismo, ou pela postura teatral. Os doentes declamam e recitam com gestos estranhos e animados. Exprimem-se trivialidades de maneira rebuscada, como se se tratasse dos mais elevados interesses humanos. A predile\u00e7\u00e3o despropositada pelas coisas mais s\u00e9rias revela-se de forma amaneirada, estereotipada. A postura e a indument\u00e1ria s\u00e3o exc\u00eantricas. Por exemplo, o profeta deixa o cabelo crescer, assumindo atitude solene e ext\u00e1tica."], ["Ilustra-se o comportamento hebefr\u00eanico na seguinte carta, que o. paci- ente, absolutamente orientado e consciente, escreveu, depois de haver fu- gido do pai, durante um passeio, se bem que pelo mesmo imediatamente recapturado:", "\u201cMuito querido papai!.... Infelizmente, n\u00e3o me compreendeste, \"n\u00e3o' es- tou em absoluto doente. Devias ter continuado a andar, por causa de tua precipita\u00e7\u00e3o estou de novo no hospital, infelizmente. Por que me correste", "atr\u00e1s, por que n\u00e3o me compreendeste?.... Espero tenhas visto que nada me falta.... H\u00e1s de perceber que preciso reiniciar, sem falta, meus estudos de piano. Pe\u00e7o-te, mais uma vez, perd\u00e3o de- todo o cora\u00e7\u00e3o, por te teres excitado um pouco correndo atr\u00e1s de mim. N\u00e3o fiques zangado comigo, cumprimento e beijo voc\u00eas todos com todo o carinho, voc\u00eas cheios de m\u00e1- gua, porque n\u00e3o pude fugir do hospital, pudeposso, possopude, n\u00e3o pos- sopude (a palavra mais nova!). Karl. Vem-me buscar quanto antes.\u201d"], ["Quando se exploram pacientes que, consciente ou inconscientemente, procuram dissimular alguma coisa, nota-se, ami\u00fade, solil\u00f3quio muito ca- racter\u00edstico. Certo doente, inquirido a respeito das vozes a que J\u00e1 se refe- rira, respondeu: \u201cEnquanto se vive, ouvem-se vozes, e \u00e9 f\u00e1cil formar ideia errada; a express\u00e3o: ouvem-se vozes \u00e9, propriamente falando, express\u00e3o jur\u00eddica. A princ\u00edpio, ouvi v\u00e1rias coisas; mas, depois de passar um ano no hospital, convenci-me de que n\u00e3o se pode falar em ouvir vozes, no sentido popular do termo.\u201d Constru\u00e7\u00f5es gramaticais comuns s\u00e3o, por vezes, a \u00fanica coisa que se obt\u00e9m. \u201cNem tanto\u201d, \u201cN\u00e3o posso dizer ao certo\u201d, \u201cN\u00e3o est\u00e1 certo, \u00e9 o que lhe digo\u201d, \u201cMeu inimigo? \u00c9 o que se diz por a\u00ed\u201d, \u2018Se hei de ser assim, ent\u00e3o tenho .de dizer.\u201d"], ["Nos estados agudos destes processos, v\u00eam-se ademanes e caretas sem conta. Os pacientes comportam-se de forma inteiramente incompreens\u00edvel (uma vez ou outra, motivada, nas autonarra\u00e7\u00f5es ulteriores). Um beija a terra, solene, a toda hora; outro entrega-se a uma esp\u00e9cie de exerc\u00edcio mi- litar, cerra os punhos, bate com for\u00e7a nas paredes e nos m\u00f3veis, toma po- si\u00e7\u00f5es estranhas."], ["No in\u00edcio das psicoses, n\u00e3o \u00e9 raro o comportamento apresentar-se . in- quieto, precipitado, irrespons\u00e1vel; a insensibilidade aparente aos fatos ex- teriores \u00e9 interrompida por s\u00fabitas explos\u00f5es sentimentais. Fazem-se aos circunstantes perguntas incertas, confusas, manifestam-se apego a hosti- lidade para com os familiares. Praticam-se atos repentinos, de todo ines- perados, viagens, perambula\u00e7\u00f5es noturnas, como se o doente voltasse \u00e0 adolesc\u00eancia. Afetos e interesses alteram-se. Os pacientes tornam-se reli- giosos, s\u00e3o indiferentes e desinibidos quanto a particularidades er\u00f3ticas. Parecem interessar-se s\u00f3 por si, encapsulados. A express\u00e3o altera-se, faz- se estranha. No in\u00edcio, causa horror perceber essas nuan\u00e7as; por exemplo, a transforma\u00e7\u00e3o do riso em ricto.", "O comportamento dos pacientes exuberantes, excitados (man\u00edacos) e", "daqueles que se apresentam tristes, inibidos (depressivos) evidencia-se ao primeiro contato."], ["Nalgumas psicoses reativas, hist\u00e9ricas, o comportamento pueril \u00e9 ca- racter\u00edstico. Os doentes portam-se como se tivessem voltado \u00e0 inf\u00e2ncia (re- tour \u00e0 1\u2019enfance, Janet). N\u00e3o sabem mais contar, cometem os erros mais grosseiros, movimentam-.se sem firmeza, feitos crian\u00e7as pequenas, fazem perguntas ing\u00eanuas, mostram disposi\u00e7\u00f5es afetivas infantis e agem de forma inteiramente abobalhada. Parecem ignorantes em tudo, querem :ser acarinhados, gabam-se feito crian\u00e7as: \u201cSou capaz de beber copos grandes assim de cerveja, 70/80 copos\u201d; comportamento este que constitui parte essencial da s\u00edndrome de Ganser.", "Para ilustrar o comportamento de um paral\u00edtico: Certo comerciante vie-"], ["nense, eficiente e irrepreens\u00edvel, de 33 anos, abandona o trabalho. Da\u00ed a alguns dias, est\u00e1 em Munique, onde rouba a um companheira de quarto uma carteira com 60 marcos, um rel\u00f3gio e um colete. No dia seguinte, compra uma bicicleta por 860 marcos e paga com uma nota de 1.000, fi- cando ainda com algumas notas iguais, mais uma carteira com umas 250 moedas de 1 penning. Mas, n\u00e3o sabendo guiar a bicicleta, sai empur- rando-a. No dia seguinte, manda consert\u00e1-la em Nurembergue, contando que vai prosseguir para Karlsruhe, onde \u00e9 m\u00e9dico. Mostra-se, por\u00e9m, inca- paz de guiar a bicicleta; pelo que, a firma o -convence de ir de trem para Karlsruhe, despachando a bicicleta. Da\u00ed a dias, a bicicleta volta de Karls- ruhe com a nota \u201cEndere\u00e7o ignorado\u201d. Em Karlsruhe, passados uns dias, o doente pratica furtos no hotel. Vende sapatos que roubou, por 3 marcos, a um sapateiro, a quem diz ser redator de um jornal de Bad\u00e9n e pretender ir para a Am\u00e9rica. Compra tr\u00eas pares de meias e uma m\u00e1quina fotogr\u00e1fica, mas \u00e9 preso \u00e0 noite e trazido para um frenoc\u00f4mio de Heidelbergue. Afi- gura-se, neste, o mais desleixado dos homens, sem consci\u00eancia do seu es- tado, comentando com todos os furtos que praticou (\u201cQualquer um pode roubar...\u201d); quanto ao mais, mostra-se ap\u00e1tico, contente com o hospital. Deixa-se facilmente persuadir de que seja o que for. A mem\u00f3ria e a capaci- dade de fixa\u00e7\u00e3o s\u00e3o muito defeituosas. Passa o dia inteiro dizendo tolices. Acentuam-se os sintomas som\u00e1ticos, que n\u00e3o tardam a aparecer, evolu- indo para grave dem\u00eancia paral\u00edtica."], ["b) Conforma\u00e7\u00e3o do mundo.", "Habita\u00e7\u00e3o, indument\u00e1ria e arruma\u00e7\u00e3o do ambiente representam irra- dia\u00e7\u00e3o do ser humano, na medida em que, volunt\u00e1ria e conscientemente, ele pode modific\u00e1-los. Disso pouco se nota, nos doentes atuais. Nos hospi- tais de paredes lisas e instala\u00e7\u00f5es super-higi\u00eanicas, onde tudo \u00e9 nu e frio e tudo d\u00e1 a impress\u00e3o de impessoal e estranho, lugar n\u00e3o h\u00e1 para a atua\u00e7\u00e3o", "do paciente. H\u00e1 sanat\u00f3rios distantes em que, entretanto, ainda se v\u00ea qu\u00e3o caracter\u00edstica e agradavelmente os doentes portadores de estados cr\u00f4nicos diversos formam o pr\u00f3prio ambiente; e se veem que cole\u00e7\u00f5es, que ornatos peculiares, que arruma\u00e7\u00f5es curiosas aparecem; \u00e9 em tais sanat\u00f3rios que tamb\u00e9m se pode ver de que forma certos doentes dependem desse mundo, que \u00e9 o deles, e quanto lhes depende a alegria da posse de um pequeno quarto pr\u00f3prio."], ["c) Modo de vida.", "O comportamento e os atos que se reiteram constroem o modo de vida", "de um homem; deles resulta seu comportamento para com os semelhan- tes, para com a profiss\u00e3o e- a fam\u00edlia. Na evolu\u00e7\u00e3o da doen\u00e7a, \u00e9 frequente perceber-se, nitidamente, se se trata do desenvolvimento de uma disposi- \u00e7\u00e3o permanente, ou se, a partir de certo momento, o comportamento glo- bal apresenta altera\u00e7\u00e3o.", "O destino humano depende, em grande parte, de circunst\u00e2ncias cria- das pelo pr\u00f3prio homem, circunst\u00e2ncias multiplamente pequenas e indivi- duais, sob muitos aspectos; muito mais do que comumente se cr\u00ea, toda- via, isso se percebe em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 personalidade de cada um. A pr\u00f3pria feli- cidade vem a compreender-se, \u00e0s vezes, na depend\u00eancia da atitude que determinado homem assume, quando, em certa ocasi\u00e3o, aproveita uma volta da sorte, ao passo que outro a deixa escapar. \u00c9 neste sentido que buscamos tamb\u00e9m compreender em parte o destino do homem como pro- duzido por ele pr\u00f3prio."], ["d) Atos.", "O doente mental, vivendo na sociedade humana, fora do hospital n\u00e3o costuma, a princ\u00edpio, chamar a aten\u00e7\u00e3o pelos sintomas que ser\u00e3o, ulteri- ormente, os elementos mais importantes, e caracter\u00edsticos para n\u00f3s (por exemplo, viv\u00eancias subjetivas);, chama a aten\u00e7\u00e3o, sim, pelo comporta- mento socialmente significativo; comportamento que \u00e9, do ponto de vista da an\u00e1lise psicol\u00f3gica, \u201cexterno\u201d, ou \u201cperif\u00e9rico\u201d. Os atos individuais, po- r\u00e9m, s\u00e3o especialmente t\u00e3o not\u00e1veis, que, de in\u00edcio, \u00e9 frequente chegarem a ser portentosos, centralizando a aten\u00e7\u00e3o tanto da comunidade quanto do paciente.", "Tal qual \u00e9 sempre o conte\u00fado das atividades do paciente que maia chama a aten\u00e7\u00e3o dos que o observam, assim tamb\u00e9m a psiquiatria cient\u00ed-"], ["fica partiu, inicialmente, desse modo de ver. Nomeando os modos de pro- ceder que se caracterizam pelo conte\u00fado e classificando-os como doen\u00e7as, criou ela a teoria das monomanias, que n\u00e3o tardou a ser abandonada pelo fato de apenas atingir o que \u00e9 externo. Todavia, alguns dentre os nomes criados pela referida teoria ainda se conservam: cleptomania, piromania, dipsomania, ninfomania, mania homicida etc.", "Os mais importantes dentre os atos m\u00f3rbidos que chamam a aten\u00e7\u00e3o", "s\u00e3o a perambula\u00e7\u00e3o, o suic\u00eddio, a recusa de alimentos e, sobretudo, o crime.", "Observa-se a perambula\u00e7\u00e3o nos paranoicos, que erram de um lado para outro a fim de fugir \u00e0s persegui\u00e7\u00f5es; nos dementes, que j\u00e1 n\u00e3o se po- dem ajustar socialmente e s\u00e3o jogados pela sorte nas estradas; nos melan- c\u00f3licos, que vagueiam angustiados; principalmente, contudo, em certos estados: os chamados estados-de-fuga."], ["Os estados-de-fuga s\u00e3o perambula\u00e7\u00f5es que ocorrem n\u00e3o em conse- qu\u00eancia de doen\u00e7as mais longas ou permanentes, e sim de repente, quase sempre sem conex\u00e3o compreens\u00edvel suficiente com estados ps\u00edquicos j\u00e1 existentes. Realizam-se sem premedita\u00e7\u00e3o e sem objetivo previamente de- terminado.", "\u201cOs estados-de-fuga, na maior parte dos casos, s\u00e3o de entender-se como rea\u00e7\u00e3o m\u00f3rbida a estados disf\u00f3ricos, rea\u00e7\u00e3o que ocorre em indiv\u00ed- duos degenerativamente constitu\u00eddos. Esses estados disf\u00f3ricos podem re- presentar distimias aut\u00f3ctones, mas tamb\u00e9m podem desencadear-se por for\u00e7a de fatores externos insignificantes. A tend\u00eancia a fugir pode tornar- se habitual e vir a ter efeito por influ\u00eancia de causas cada vez mais t\u00ea- nues.\u201d (Heilbronner)."], ["O suic\u00eddio, quando psicoticamente condicionado, resulta, nos melanc\u00f3- licos, da ang\u00fastia, do desgosto vital absoluto e do desespero; de impulsos repentinos, nos portadores de processos demenciais. N\u00e3o \u00e9 raro a tenta- tiva de suic\u00eddio apenas semi-pretendido: o indiv\u00edduo assegura-se de que algum acaso favor\u00e1vel o venha, salivar. A maior parte dos suic\u00eddios n\u00e3o \u00e9, por\u00e9m, levada a cabo pelos doentes mentais, e sim por pessoas anormal- mente constitu\u00eddas (psicopatas). As percentagens de suic\u00eddios de doentes mentais em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 cifra total dos suic\u00eddios oscilam, segundo os autores, de 3 a 66%. Gruhle admite que uns 10 a 20% de todos os suic\u00eddios resul- tem de psicose aut\u00eantica. Os suic\u00eddios dos psic\u00f3ticos propriamente ditos caracterizam-se pela brutalidade marcada e pela obstina\u00e7\u00e3o com que se repetem, em caso de insucesso, isso bastando, muitas vezes, para que se"], ["reconhe\u00e7a a psicose.", "Nos doentes mentais graves, v\u00eam-se, de quando em quando, automuti-", "la\u00e7\u00f5es brutais; vazamento do pr\u00f3prio olho, abla\u00e7\u00e3o do p\u00eanis etc.", "A recusa de alimento resulta de v\u00e1rias fontes psicol\u00f3gicas: inten\u00e7\u00e3o consciente, maneira de acabar com a vida por essa forma; absoluta falta de apetite; nojo da comida; medo de envenenamento; bloqueio contra qualquer solicita\u00e7\u00e3o (caso em que os doentes comem, \u00e0s vezes, quando ningu\u00e9m v\u00ea); inibi\u00e7\u00e3o completa da vida ps\u00edquica, indo at\u00e9 o estupor. Ou- tros doentes, ao contr\u00e1rio, comem tudo, gostoso ou n\u00e3o; metem na boca tudo quanto encontram, comem fezes, bebem urina.", "\u00c9 comum os doentes fundamentarem a posteriori a recusa de ali"], ["mento. Por exemplo: \u201cJ\u00e1 n\u00e3o sinto meu corpo, considero-me um ser espiri- tualizado, que vive de ar e amor...\" \u201cN\u00e3o preciso mais comer, estou espe- rando o para\u00edso, onde \u00e9 de frutos que a gente s\u00bb alimenta. Afinal, a comida causa-me avers\u00e3o, porque nela vejo carne de gente, ou de animais vivos que se movem ante meus olhos\u201d (Gruhle).", "Sobre os in\u00fameros crimes que doentes mentais e psicopatas cometem,"], ["os manuais de psicologia criminal orientam \u00e0 saciedade.", "O paranoico perseguido n\u00e3o s\u00f3 redige an\u00fancios para os jornais, panfle-", "tos, formula den\u00fancias ao Minist\u00e9rio P\u00fablico, mas chega ao assassinato para se defender; escreve cartas de amor a gente famosa e tamb\u00e9m ataca, no meio da rua, a amante suposta. O' melanc\u00f3lico desesperado assassina a fam\u00edlia inteira e suicida-se. O doente em estados crepusculares torna-se violento em acessos s\u00fabitos de del\u00edrio, ou em reposta a est\u00edmulos casuais."], ["Fato particularmente alarmante constituem os assassinatos incompre-", "ens\u00edveis no est\u00e1dio pr\u00e9-esquizofr\u00e9nico, ou na esquizofrenia incipiente. Falta a motiva\u00e7\u00e3o suficiente; o crime \u00e9 praticado com frieza p\u00e9trea; o as- sassino n\u00e3o tem consci\u00eancia da gravidade do crime, nem arrependimento, falando com absoluta indiferen\u00e7a naquilo que fez. Muitas- vezes, nem os circunstantes, nem os pr\u00f3prios m\u00e9dicos reconhecem a doen\u00e7a, os pr\u00f3prios pacientes consideram-se sadios; s\u00f3 que \u00e9 imposs\u00edvel compreender, real- mente, o ato praticado e apenas com o correr do tempo \u00e9 que se pode fazer diagn\u00f3stico seguro."], ["\u00a7 2. A Transforma\u00e7\u00e3o Do Mundo.", "Todo ser vivo e tamb\u00e9m todo homem vive em seu perimundo, isto \u00e9, o", "mundo que o sujeito apreende, de que se apossa, em que se efetua e que por ele \u00e9 influenciado. O ambiente objetivo \u00e9 tudo quanto existe para o ob- servador, sem o sujeito perceb\u00ea-lo; para este \u00faltimo \u00e9 caracter\u00edstico o fato de nele viver como se o ambiente n\u00e3o existisse. Imagem do mundo \u00e9 aquilo que do perimundo veio, em particular, a tornar-se objetivamente consci- ente; de modo que perimundo e ambiente objetivo envolvem, ambos, mais do que a imagem do-mundo capta: o que \u00e9 presente como perimundo, in- conscientemente, e o que atua de fato, o que existe no sentimento e no hu- mor; mais ainda, envolvem o que atua como ambiente objetivo, apenas, mas sem apreens\u00e3o real pelo conhecimento."], ["O mundo concreto do homem \u00e9 sempre historicamente condicionado, vive numa tradi\u00e7\u00e3o, existe, a cada momento, subordinado \u00e0 sociedade e \u00e0 comunidade. Da\u00ed caber investigar hist\u00f3rico-sociologicamente o modo por que o homem vive no mundo e por que o pr\u00f3prio mundo lhe parece di- verso; e \u00e9 o que se v\u00ea, \u00e0 saciedade, numa s\u00e9rie de configura\u00e7\u00f5es, as quais recebem denomina\u00e7\u00f5es vari\u00e1veis segundo as atividades humanas que no momento preponderam; o homem vital, o homem econ\u00f4mico, o homem no poder, o homem profissional, o trabalhador, o campon\u00eas etc. O mundo que \u00e9, no momento, objetivo constitui o espa\u00e7o no qual o homem busca seus rumos e desvios; constitui o material com que ele, a cada' momento, edifica seu mundo.", "N\u00e3o cabe \u00e0 psicopatologia investigar tudo quanto mencionamos, em- bora seja essencial para o psicopatologista orientar-se-segundo essa or- dem de ideias e informar-se, objetivamente, sobre os mundos concretos dos quais prov\u00eam os doentes que observa ou investiga historicamente."], ["Indaga-se se h\u00e1 transforma\u00e7\u00f5es psicopatol\u00f3gicas do mundo, ou seja, \u201cmundos\" espec\u00edficos, nas psicoses e psicopatias; ou se todos os mundos \u201canormais\u201d nada mais representam do que materializa\u00e7\u00f5es de formas e conte\u00fados especiais, que, conforme a respectiva ess\u00eancia, s\u00e3o gerais, his- t\u00f3ricos, transcendentes \u00e0 sa\u00fade e \u00e0 morbidez; s\u00f3 seria anormal a maneira por que as formas e conte\u00fados se materializam \u2014 a exclusividade com que predominam; enfim, sua vivencialidade.", "Em cada caso, \u00e9 altamente interessante apreender- esses mundos anormais como tais, de modo claro, onde quer que se apresentem vis\u00edveis, porque \u00e9 pela vis\u00e3o total do mundo transformado que o comportamento, os atos, o saber e as ideias se fazem compreens\u00edveis no quadro geral, den- tro de uma particularidade que significativamente os liga, apesar desse quadro continuar a ser incompreens\u00edvel, do ponto de vista gen\u00e9tico, como"], ["um todo.", "Devemos, de in\u00edcio, tentar distinguir duas coisas: a multiplicidade his- t\u00f3rica dos mundos, com suas metamorfoses no processo hist\u00f3rico-mental, e a variedade n\u00e3o-hist\u00f3rica da possibilidade psicopatol\u00f3gica. Ainda vale a frase de Hegel (recordada por Binswanger): \u201cA individualidade \u00e9 aquilo que o mundo \u00e9, se o virmos em sua individualidade\u201d. Entretanto, pode-se in- vestigar essa; tangibilidade quer sob o ponto de vista hist\u00f3rico-mental, quer sob o aspecto psicol\u00f3gico-psicopatol\u00f3gico. A indaga\u00e7\u00e3o: se \u2014 e quando \u2014 certos quadros psicopatol\u00f3gicos universais, em si mesmo n\u00e3o- hist\u00f3ricos, vieram a ter qualquer relev\u00e2ncia hist\u00f3rico-mental \u2014 \u00e9 objeto, da pesquisa hist\u00f3rica, que, at\u00e9 hoje, n\u00e3o permitiu obter respostas, un\u00edvo- cas."], ["O fato de existir um \u201cmundo\u201d \u00e9 fen\u00f4meno subjetivo-objetiva. Tal qual os pensamentos se originam dos sentimentos, aqueles fazendo estes mes- mos claros e, retroativamente, exaltando-os, assim tamb\u00e9m se forma o mundo de uma apreens\u00e3o total do sujeito, apreens\u00e3o que, subjetivamente, se revela em emo\u00e7\u00f5es, sentimentos, estados; objetivamente, em opini\u00f5es, conte\u00fados, ideias, imagens; de um modo e de outro, unificada.", "Quando \u00e9 que o \u201cmundo\u201d \u00e9 anormal? O que caracteriza o mundo nor-"], ["mal \u00e9 a objetividade dos la\u00e7os que unem os homens, a mutualidade em que eles se encontram; esse mundo, por sua vez, preenche, exalta, desen- volve a vida. Podemos chamar anormal um mundo: primeiro \u2014 se ele se origina de qualquer eventualidade espec\u00edfica, empiricamente conhecida (por exemplo, o processo- esquizofr\u00e9nico), ainda que, nesse mundo, se ob- servem produ\u00e7\u00f5es positivas; segundo \u2014 se o mundo afasta os homens, em vez de aproxim\u00e1-los; terceiro \u2014 se o mundo, em vez de ampliar-se e exal- tar-se, come\u00e7a a restringir-se e atrofiar-se; quarto \u2014 se o mundo se apaga, se desaparece o sentimento da \u201cposse segura de bens mentais ou sens\u00ed- veis, sentimento que propicia o solo firme em que se pode enraizar o \u00e2nimo para o homem desenvolver suas for\u00e7as e delas gozar\u201d (Ideler). As crian\u00e7as que, arrancadas de seu mundo, perdem o contato com o solo abandonam-se \u00e0 nostalgia aniquiladora, do mesmo modo que, nas psico- ses incipientes, a transforma\u00e7\u00e3o do mundo pode levar a cat\u00e1strofes devas- tadoras."], ["A que ponto conduz o modo de ver os mundos s\u00f3 a experi\u00eancia pode mostrar. Embora se afigurem significativas, certas formula\u00e7\u00f5es gerais com rapidez se esgotam. Trata-se de saber at\u00e9 que ponto as concep\u00e7\u00f5es concre- tas do mundo permitem vis\u00e3o precisa e convincente. Qual \u00e9 o mundo que", "percebemos no doente, com os olhos deste? Vou relatar umas tantas expe- riencias:"], ["a) O mundo esquizofr\u00eanico."], ["Deve-se analisar a vida ps\u00edquica do esquizofr\u00e9nico, em particular o pensamento e o del\u00edrio, como vivencia individual fenomenol\u00f3gica (viv\u00eancia delirante prim\u00e1ria) e como dist\u00farbio do curso do pensamento (pensamento esquizofr\u00eanico). Em ambos os casos, considera-se a forma do dist\u00farbio. Se, por um lado, \u00e9 compreens\u00edvel que nos deixemos influenciar pelas anti- gas classifica\u00e7\u00f5es, baseadas nos conte\u00fados do del\u00edrio, doutro lado n\u00e3o po- demos desprezar os poss\u00edveis componentes dos dist\u00farbios, isto \u00e9, n\u00e3o de- vemos deixar de inquirir a imagem c\u00f3smica que \u00e9 espec\u00edfica \u00e0 esquizofre- nia. H\u00e1, decerto, coincid\u00eancia t\u00edpica e frequente entre conte\u00fado e psicose: del\u00edrio catastr\u00f3fico, del\u00edrio c\u00f3smico, del\u00edrio de gra\u00e7a; menos, por\u00e9m ainda caracter\u00edstico: del\u00edrio de persegui\u00e7\u00e3o, de ci\u00fame, de casamento etc. A coin- cid\u00eancia com a viv\u00eancia delirante prim\u00e1ria, ou seja, a ades\u00e3o convicta ao conte\u00fado, j\u00e1 aponta um efeito de modifica\u00e7\u00e3o da personalidade. Diz von Bayek, com raz\u00e3o, que o mundo dos esquizofr\u00e9nicos aparece no del\u00edrio mais tang\u00edvel, evidente e diferenciadamente do que em quaisquer outros fen\u00f4menos psicopatol\u00f3gicos. Para o mesmo autor, a ess\u00eancia da vida ps\u00ed- quica esquizofr\u00e9nica nunca se determina suficientemente mediante, ape- nas, altera\u00e7\u00f5es vivenciais e realizativas, ou mediante dist\u00farbios funcio- nais; subsiste, antes, o fato de a esquizofrenia acarretar transforma\u00e7\u00f5es do conte\u00fado vivencial. O que constitui o car\u00e1ter do dist\u00farbio n\u00e3o s\u00e3o me- ros conte\u00fados casuais de estruturas formais, em si mesmas sem sentido e revestidas de tra\u00e7os comuns a todos os homens; e sim uma primariedade dos pr\u00f3prios conte\u00fados."], ["N\u00e3o h\u00e1, todavia, mundo esquizofr\u00eanico unit\u00e1rio, mas muitos mundos a cercar os esquizofr\u00eanicos. Se fosse o caso de uma forma\u00e7\u00e3o c\u00f3smica unit\u00e1- ria, geral, os esquizofr\u00eanicos se entenderiam entre si e formariam comuni- dade, quando o contr\u00e1rio \u00e9 que \u00e9 o caso. Quase nunca eles se entendem entre si; mais f\u00e1cil \u00e9 um indiv\u00edduo sadio entend\u00ea-los, embora haja exce- \u00e7\u00f5es, que s\u00e3o do mais alto interesse, porque \u00e9 pela comunidade do enten- dimento esquizofr\u00eanico que, indiretamente, podemos contemplar a objeti- vidade de um mundo t\u00edpico. Certamente que essa comunidade \u00e9 muito di- f\u00edcil, dado que tem de formar-se, em cada caso, historicamente, n\u00e3o exis- tindo a de maneira natural, tal qual se d\u00e1, ali\u00e1s, com toda comunidade de indiv\u00edduos sadios. A falta de lucidez que ocorre nas psicoses agudas exclui"], ["tamb\u00e9m qualquer comunidade. Nos estados terminais cr\u00f4nicos, h\u00e1, toda- via, uma rigidez individual e um del\u00edrio t\u00e3o egoc\u00eantrico que exclui qual- quer comunidade, sendo necess\u00e1rio ocorrerem condi\u00e7\u00f5es favor\u00e1veis para determinar uma comunidade esquizofr\u00eanica historicamente formada. Constitui, por\u00e9m, achado importante o fato de ela ser, em todo caso, poss\u00ed- vel e, vez por outra, real. Foi assim que von Bayer observou o seguinte:"], ["Certo casal faz, marido e mulher ao mesmo tempo, um processo esqui- zofr\u00eanico, formando em comum suas imagens delirantes e desenvolvendo com os filhos (normais que s\u00e3o, apenas apresentam-se \u201cinduzidos\u201d) um del\u00edrio familial de conte\u00fado comum; donde resulta a pr\u00e1tica em comum de certos atos. Todos desenvolvem concep\u00e7\u00e3o comum sobre a origem e as fa- ses da persegui\u00e7\u00e3o que se acha dirigida contra eles; conversa-se a respeito deles, os jornais trazem alus\u00f5es ao que fazem, est\u00e3o mandando gente para espion\u00e1-los. H\u00e1 um aparelho que zumbe, lan\u00e7ando nuvens e vapores mal- cheirosos para dentro de casa, formando figuras e desenhos no teto. O marido tem alucina\u00e7\u00f5es mais \u00f3pticas; a mulher, mais auditivas; aquele re- lata roubo de pensamento; a mulher, viv\u00eancias esquizofr\u00eanicas de cati- veiro. A coincid\u00eancia n\u00e3o est\u00e1 na funcionalidade, mas no conte\u00fado do dis- t\u00farbio. Os doentes chegam a formar a compreens\u00e3o de certo conheci- mento c\u00f3smico comum, pelo qual as peculiaridades das viv\u00eancias indivi- duais v\u00eam a constituir um todo que lhes \u00e9 comum: estamos sendo perse- guidos, onde quer que estejamos nos perseguem. Da\u00ed viverem os doentes, mais os filhos, alienados do mundo; por assim dizer, acometidos em co- mum. A persegui\u00e7\u00e3o, as amea\u00e7as n\u00e3o cansam de ampliar-se: as autorida- des, o povo em geral, os cat\u00f3licos etc., todos agem contra eles; as persegui- \u00e7\u00f5es n\u00e3o v\u00eam de um lado s\u00f3, mas de toda a parte, do mundo inteiro que os cerca, de perto e de longe; persegui\u00e7\u00f5es que se caracterizam pelo fato de os perseguidores serem secretos, encobertos. As alus\u00f5es dissimuladas, o es- c\u00e1rneo que se ouviu ao passar, o que se diz, controlando-os e criti- cando-os, avoluma-se cada vez mais. Um mundo hostil envolve os doen- tes, que o entendem comunitariamente sempre em renova\u00e7\u00e3o, a partir de viv\u00eancias sempre novas; da\u00ed, a pr\u00e1tica em comum de certos atos, como medida de defesa contra os \u201caparelhos\u201d, altera\u00e7\u00f5es na estrutura da casa, planos para descobrir os perseguidores etc.; o que tudo termina na inter- na\u00e7\u00e3o do casal."], ["Os meios de comunica\u00e7\u00e3o s\u00e3o, naturalmente, os mesmos que os dos indiv\u00edduos normais: formula\u00e7\u00e3o racional, argumenta\u00e7\u00e3o, informa\u00e7\u00e3o, sis- tematiza\u00e7\u00e3o, renova\u00e7\u00e3o e confirma\u00e7\u00e3o di\u00e1ria. Entretanto, o conte\u00fado da comunica\u00e7\u00e3o \u00e9 o del\u00edrio que nasceu na fonte da viv\u00eancia esquizofr\u00eanica e"], ["que veio a tornar-se comum pelo fato da exist\u00eancia familial comum. Infe- lizmente, n\u00e3o se pode responder a quem perguntar se os doentes se enten- dem entre si em alguma coisa que n\u00f3s n\u00e3o entendemos; a resposta afir- mativa descobriria o conte\u00fado espec\u00edfico de um mundo esquizofr\u00eanico; neste ponto/ a indaga\u00e7\u00e3o \u00e9, antes de mais nada, sempre mais essencial do que qualquer resposta emp\u00edrica at\u00e9 o momento obtida. No caso de von Ba- yer, o conte\u00fado do del\u00edrio persecut\u00f3rio \u00e9, al\u00e9m disso, trivial. Como seria, se encontr\u00e1ssemos \u2014 o que seria muito pouco prov\u00e1vel \u2014 uma comunidade esquizofr\u00eanica no del\u00edrio c\u00f3smico, no del\u00edrio de gra\u00e7a, a ponto de configu- rar-se um conte\u00fado de verdade comum e percebida atrav\u00e9s de viv\u00eancias pr\u00f3prias?"], ["A esta altura, a indaga\u00e7\u00e3o se mant\u00e9m, provisoriamente, com o aspecto de generalidade imprecisa. Por que \u00e9 que \u00e9 t\u00e3o frequente (embora n\u00e3o seja a maioria dos casos), nos est\u00e1dios prodr\u00f4micos da esquizofrenia, o pro- cesso de revela\u00e7\u00e3o c\u00f3smica, religiosa, metaf\u00edsica? Constitui fen\u00f4meno ex- tremamente impressionante esse entendimento sublime, essa execu\u00e7\u00e3o pi- an\u00edstica emocionante, jamais aparentemente poss\u00edvel, essa criatividade (como no caso de van Gogh e H\u00f6lderlin), essa viv\u00eancia espec\u00edfica de ru\u00edna e recria\u00e7\u00e3o universal, essa revela\u00e7\u00e3o espiritual e esse empenho s\u00e9rio, cons- tante, que se nota nas fases de transi\u00e7\u00e3o entre sa\u00fade e doen\u00e7a; imposs\u00ed- vel, em absoluto, de compreender, pelo car\u00e1ter da psicose que aliena o in- div\u00edduo atingido daquilo que foi, at\u00e9 ent\u00e3o, seu mundo \u2014 como se ele obje- tivasse, por forma simb\u00f3lica, um evento radicalmente destrutivo. Falar em desintegra\u00e7\u00e3o existencial, ps\u00edquica, \u00e9, simplesmente, estabelecer analo- gias. O mais que, at\u00e9 hoje, conseguimos \u00e9 a vis\u00e3o fatual do novo mundo a se formar."], ["b) O inundo do doente obsessivo.", "O doente obsessivo \u00e9 perseguido por ideias que lhe parecem n\u00e3o s\u00f3 es-", "tranhas, mas insensatas, e de que, no entanto, n\u00e3o pode livrar-se, como se correspondessem \u00e0 verdade. Se assim n\u00e3o fizer, acomete-o ansiedade extrema. Por exemplo, tem de fazer alguma coisa, sob pena de uma pessoa morrer, ou de acontecer uma desgra\u00e7a. \u00c9 como se o que ele faz ou pensa pudesse, magicamente, impedir ou provocar algum acontecimento; da\u00ed elaborar seus pensamentos de modo a formar um sistema de significados; e seus atos, um sistema de cerimonias e ritos; apesar do que, qualquer a\u00e7\u00e3o que pratique deixa d\u00favida: se a ideia \u00e9 exata, se o ato foi completo; a d\u00favida obriga-o a recome\u00e7ar do princ\u00edpio."], ["Straus d\u00e1-nos a autonarra\u00e7\u00e3o de uma obsessiva de 40 anos, que se sentia contaminada por tudo quanto se relacionasse com morte, decompo- si\u00e7\u00e3o, cemit\u00e9rio e que, por isso, tinha de defender-se ou reparar essa \u201ccon- tamina\u00e7\u00e3o\u201d. Mesmo em sua autonarra\u00e7\u00e3o, a paciente exclui as palavras relacionadas com o fato (donde as lacunas):"], ["Em janeiro de 1931.... um amigo muito querido. Sua mulher vinha vi- sitar-nos todos os domingos, de volta do .... A princ\u00edpio, isso n\u00e3o me per- turbou. Da\u00ed a uns quatro, seis meses, as luvas dela come\u00e7aram a incomo- dar-me; depois, o capote, os sapatos e assim por diante. Arranjava-me de modo que essas coisas n\u00e3o tocassem de perto nas nossas. Como moramos perto do .... todas as pessoas que v\u00eam de l\u00e1, ou que v\u00e3o l\u00e1 (e n\u00e3o s\u00e3o pou- cas) me incomodam. Se uma delas me toca, tenho de lavar as pe\u00e7as de roupa que, no momento, uso. Ou quando vem \u00e0 nossa casa algu\u00e9m que haja estado l\u00e1, nem me posso mexer, com a impress\u00e3o de que o espa\u00e7o fica apertado e de que minhas roupas tocam em tudo. Para acalmar-me, lavo tudo com \u00e1gua de persil; assim, sinto-me, novamente, \u00e0 vontade, fol- gada. Se vou entrar numa loja e vejo algu\u00e9m, n\u00e3o consigo entrar, com medo de que toque em mim. Passo o dia todo desassossegada, andando de um lado para outro. Ora tenho de enxugar alguma coisa, opa tenho de la- var, aqui e ali. At\u00e9 figuras dos jornais que reproduzem essas coisas me perturbam. Se toco neles com as m\u00e3os, tenho de lavar-me, outra vez, com persil. Nem consigo escrever tudo quanto me p\u00f5e nervosa, intimamente, estou sempre agitada.\u201d"], ["Von Gebsattel descreve de modo extremamente impressionante como", "esses doentes obsessivos vivem em seu mundo pr\u00f3prio; ou antes, como perdem, com esse mundo, a exist\u00eancia pr\u00f3pria na estreiteza de uma en- grenagem m\u00e1gica:"], ["T\u00eam de repetir ao infinito certos atos, control\u00e1-los sem parar, asse-", "gur\u00e1-los, fazer alguma coisa que n\u00e3o se completa, at\u00e9 se esgotarem, mesmo estando convencidos da absurdez do que fazem. E v\u00eam os atos la- vat\u00f3rios, ritos e cerim\u00f4nias para defesa contra a desgra\u00e7a. Os doentes op\u00f5em seus significados aos significados das pessoas com quem tratam: h\u00e1 sujeira, putrefa\u00e7\u00e3o, morte em toda parte; todas as formas de desinte- gra\u00e7\u00e3o. H\u00e1 um mundo m\u00e1gico, no qual, entretanto, n\u00e3o se acredita, a en- volver o doente, um contra-mundo pseudom\u00e1gico; mundo que cada vez mais se reduz aos significados negativos. O doente s\u00f3 fala ainda nos con- te\u00fados que simbolizam preju\u00edzo ou perigo. As for\u00e7as vitais amistosas, atra- entes, gomem, cedendo lugar \u00e0s hostis, antip\u00e1ticas. Nada h\u00e1 que seja in\u00f3- cuo, natural, evidente. O mundo tornou-se estreito, desnaturadamente"], ["uniforme, impositivamente r\u00edgido, imut\u00e1vel. Da\u00ed achar-se o doente sempre envolvido em atos que n\u00e3o chegam a realizar-se, \u201cem tens\u00e3o inquieta, sempre procurando acomodar-se com um inimigo que lhe est\u00e1 constante- mente no encal\u00e7o, n\u00e3o importando que essa acomoda\u00e7\u00e3o consista mais em pr\u00e1ticas defensivas imagin\u00e1rias\u201d. A exist\u00eancia para o doente consiste, apenas, no sentido de sua destrui\u00e7\u00e3o, em imagens \u201cde sujeira, fezes, ve- neno, fogo, coisas feias, impuras, cadav\u00e9ricas\u201d; consiste ainda na defesa ineficaz; contra essa destrui\u00e7\u00e3o. O mundo encolheu-se at\u00e9 constituir fisio- nomia repulsiva, mas deixou de ser inundo, porque as coisas se subordi- nam a crescente desagrega\u00e7\u00e3o, n\u00e3o mais existindo, apenas significando negatividades. O mundo cessa de ser inundo, perde sua densidade, pleni- tude e configura\u00e7\u00e3o c\u00f3smica; perde, com isso, realidade. Apodera-se, toda- via, do doente um sentimento horr\u00edvel de que est\u00e1 sendo ca\u00e7ado, porque o aparelhamento das medidas que precisam ser tomadas para fazer aquilo que o paciente quer cada -vez mais se complica. As contra-compuls\u00f5es e as constru\u00e7\u00f5es auxiliares avolumam-se ao infinito e tornam simplesmente imposs\u00edvel atingir o alvo pretendido. O doente n\u00e3o acaba nunca, mas s\u00f3 para quando exausto. \u2014 Convencido da absurdez do que faz, mas sem po- der livrar-se, foge de quem o observa: \u201cPoucos s\u00e3o os m\u00e9dicos que j\u00e1 con- seguiram ver um enfermo que, como H. H., passa horas entregue \u00e0s mani- pula\u00e7\u00f5es mais fant\u00e1sticas, lavando bra\u00e7os e pernas, ou praticando exerc\u00ed- cios bizarros por for\u00e7a de sua compuls\u00e3o a mover-se com a precis\u00e3o de um fantoche. E. Sp. tamb\u00e9m se tranca, do cair da noite at\u00e9 horas altas da manh\u00e3, em sua compuls\u00e3o repetitiva, parada no meio do quarto, quase exausta de tanto esfor\u00e7o, gesticulando para o alto, incessantemente ocu- pada com a lavagem jamais terminada de umas meias\u201d."], ["Von Gebsattel compara o mundo do anancasta com o mundo do para-", "noico', ambos vivem num mundo privado de inocuidade, ambos est\u00e3o sempre a ver significados nos acontecimentos que nada significam. N\u00e3o existe acaso que se possa acreditar indiferente, mas, apenas, inten\u00e7\u00f5es. Tanto um como o outro nos mostram; indiretamente, quanto precisamos de um mundo que n\u00e3o se preocupa conosco e ao qual, todavia, pertence- mos. O doente obsessivo, por\u00e9m, sabe da absurdez dos significados que lhe ocorrem, ao passo que ao paranoico a significatividade dos fen\u00f4menos se afigura confundida com a realidade. O anancasta v\u00ea a realidade prim\u00e1- ria com seu car\u00e1ter de inoc\u00eancia e inocuidade, inating\u00edvel embora, atrav\u00e9s de sab\u00e1ticos significados m\u00e1gicos, enquanto o paranoico possui, em seu mundo delirante, alguma confian\u00e7a e naturalidade, um resto de certeza e convic\u00e7\u00e3o, sem analogia com a inquieta\u00e7\u00e3o ansiosa do anancasta. Pode-se pretender que a mais tem\u00edvel das enfermidades, a esquizofrenia, seja, com"], ["seu del\u00edrio, uma liberta\u00e7\u00e3o da persegui\u00e7\u00e3o que a psique vigil, desta ciente, encontra. Dentro da estreiteza em que, m\u00e1gico-sensorialmente influencia- dos, os anancastas atuam, o mundo afigura-se perdido, com todos seus conte\u00fados, conquanto se mantenham \u00edntegros os sentidos."], ["Tem, pois, car\u00e1ter b\u00e1sico duplo o mundo dos anancastas, que consiste", "em transforma\u00e7\u00e3o de tudo em amea\u00e7a, susto, informidade, impureza, de- composi\u00e7\u00e3o e morte; no entanto, assim \u00e9 o mundo apenas porque visto atrav\u00e9s de significa\u00e7\u00e3o m\u00e1gica, est\u00e1 representando o conte\u00fado, que se tor- nou negativo, do fen\u00f4meno compulsivo como tal: magia compulsiva, se bem que apreendida como absurda.", "c) O mundo dos homens com \u201cfuga-de-ideias\u201d."], ["L. Binswanger tentou compreender o mundo da fuga-de-ideias como"], ["todo significativo."], ["\u00c0 disposi\u00e7\u00e3o emocional de uma \u201calegria existencial festiva\u201d e ao com- portamento b\u00e1sico de uma exist\u00eancia \u201csaltante\u201d um mundo nivelado se mostra, que, vindo a tornar-se distante e t\u00eanue para o homem com fuga- de-ideias, est\u00e1, constantemente, fazendo variar-lhe a apreens\u00e3o r\u00e1pida, mut\u00e1vel, daquilo que \u00e9 pr\u00f3ximo e daquilo que \u00e9 distante, fazendo-o afun- dar no momento que passa, conformando de modo perpetuamente vari\u00e1- vel a celeridade e remoinho do movimento. O mundo \u00e9 flex\u00edvel e multi- forme, luminoso e r\u00f3seo; \u00e9 aquilo que restou \u00e0 curiosidade e \u00e0 atividade, num tagarelar que chega \u00e0 brincadeira com o instrumento fonat\u00f3rio. \u2014 Segundo Binswanger, por\u00e9m, existe uma ordem espec\u00edfica na totalidade significativa desse mundo; ordem que se transformou, vitalmente condici- onada por um clar\u00e3o de espiritualidade, em mundo peculiar, cuja viv\u00eancia possibilita a atividade saltante, o apaga- mento de todas as fronteiras, a interpenetra\u00e7\u00e3o universal, a vulgariza\u00e7\u00e3o universal, a atividade ociosa, a fugacidade, o impulso a falar, a magnific\u00eancia, a grandiloqu\u00eancia; enfim, o comportamento inteiro do estado man\u00edaco."], ["Comparemos estas tentativas de compreens\u00e3o universal que tem em vista a estrutura significativa. Se quisermos esclarecer a fuga-de-ideias de- baixo de semelhante ponto de vista, ser\u00e3o s\u00f3 superficialidades que depara- remos. N\u00e3o se trata de transforma\u00e7\u00e3o, propriamente, do mundo, mas alte- ra\u00e7\u00e3o de estado, na qual se realiza certa transforma\u00e7\u00e3o transit\u00f3ria do mundo, transforma\u00e7\u00e3o que, a seu turno, entretanto, n\u00e3o contribui, em es- s\u00eancia, para a representa\u00e7\u00e3o do todo (o qual se faz vis\u00edvel, sobretudo,", "como estado vivencial subjetivo e como altera\u00e7\u00e3o do curso da vida ps\u00ed- quica). Mais produtiva parece vir a ser a an\u00e1lise do mundo dos doentes obsessivos, que possibilita vis\u00e3o excelente de uma conex\u00e3o peculiar total. \u00c9 assim que mais profundamente se penetra nos mundos esquizofr\u00eanicos; com o que, no entanto, apenas avulta o significado da indaga\u00e7\u00e3o, perma- necendo as respostas ainda insuficientes.", "SE\u00c7\u00c3O 3. OBJETIVA\u00c7\u00c3O NO CONHECIMENTO E NA OBRA (PSICOLOGIA DA OBRA)"], ["A vida ps\u00edquica est\u00e1, permanentemente, envolvida no processo de sua objetiva\u00e7\u00e3o, exteriorizando-se atrav\u00e9s do impulso \u00e0 atividade, do impulso \u00e0 express\u00e3o, do impulso \u00e0 representa\u00e7\u00e3o, do impulso \u00e0 comunica\u00e7\u00e3o; ainda se acresce, por \u00faltimo, o impulso intelectual: querer ver o que \u00e9, o que eu sou e o que veio a ser por for\u00e7a desses impulsos imediatos. Pode-se tam- b\u00e9m exprimir o processo objetivante \u00faltimo mencionado da seguinte ma- neira: o que se tornou objetivo deve ser conceituado e configurado numa objetividade geral: quero saber o que sei, quero entender o que entendi.", "O fen\u00f4meno b\u00e1sico da mente est\u00e1 em que, decerto, se desenvolve num"], ["terreno psicol\u00f3gico, sem ser, por\u00e9m, algo ps\u00edquico, mas significa\u00e7\u00e3o obje- tiva, mundo comunit\u00e1rio. O homem individual s\u00f3 se torna mental ou inte- lectual pela participa\u00e7\u00e3o na mente comum, que o rodeia a cada momento com certa configura\u00e7\u00e3o, dentro da tradi\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica. A mente geral ou ob- jetiva est\u00e1 presente, a cada instante, sob a forma de costumes, ideias, nor- mas legais, l\u00edngua, obras de ci\u00eancia, arte e poesia, institui\u00e7\u00f5es."], ["A mente objetiva n\u00e3o pode adoecer em sua subst\u00e2ncia v\u00e1lida, mas o homem individual pode adoecer pela maneira com que participa na mente e produz obra intelectual. Quase todos, os processos ps\u00edquicos normais e anormais precipitam, de um modo ou doutro, na objetividade mental, tal qual esta aparece ao indiv\u00edduo. Entretanto, como \u00e9 que, na mente em si n\u00e3o enferma, se v\u00ea o homem doente? Por defici\u00eancias, perdas, distor\u00e7\u00f5es e invers\u00f5es; por todas as oposi\u00e7\u00f5es \u00e0s normas, quando se realiza a partici- pa\u00e7\u00e3o mental; e tamb\u00e9m por uma produtividade de tipo espec\u00edfico, que n\u00e3o \u00e9 enferma no resultado, e sim na causa (quadros de Van Gogh, \u00falti- mos hinos de H\u00f6lderlin); finalmente, pela significa\u00e7\u00e3o positiva que tem para o enfermo a defici\u00eancia, a oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 norma. Pela maneira por que o homem se apossa e altera a estrutura mental mostram-se a ess\u00eancia hu- mana e a enfermidade que o acomete.", "Tamb\u00e9m \u00e9 fen\u00f4meno b\u00e1sico da mente o fato de s\u00f3 haver para a psique,"], ["propriamente, aquilo que ganhou forma na objetividade mental; mas aquilo que ganhou forma passa ,a ter realidade pr\u00f3pria, marcante. O que se transformou em palavra \u00e9, por assim dizer, algo insuper\u00e1vel. Tomando- se real por meio da mente, a psique, ao mesmo tempo, limita-se.", "Enfim, \u00e9 fen\u00f4meno b\u00e1sico da mente o fato de s\u00f3 ser real se uma psique"], ["o produzir ou o captar. A autenticidade da mente verdadeira est\u00e1 ligada, indissoluvelmente, \u00e0 primariedade do evento ps\u00edquico que a cont\u00e9m. J\u00e1 que, no entanto, a mente se faz objetiva em estruturas, modos de falar, maneiras de proceder, formas comportamentais, \u00e9 poss\u00edvel a autenticidade de a produ\u00e7\u00e3o prim\u00e1ria ser substitu\u00edda pelos automatismos da fala, das atividades e dos gestos. Os s\u00edmbolos aut\u00eanticos somem em conte\u00fados su- postamente conscientes da supersti\u00e7\u00e3o; a racionaliza\u00e7\u00e3o substitui a fonte. Nas doen\u00e7as mentais, ambas as coisas desempenham papel importante: o m\u00e1ximo de mecaniza\u00e7\u00e3o para os automatismos, al\u00e9m da intensidade per- turbadora da viv\u00eancia que abrange toda a psique. A doen\u00e7a realiza todas as possibilidades extremas.", "Vamos dar uma olhadela aos produtos mentais dos doentes, n\u00e3o nos", "sendo poss\u00edvel fazer mais do que tocar de leve no vasto problema aqui existente."], ["\u00a7 1. Achados Individuais Das Obras Criativas."], ["a) A fala.", "Pela fala fazem-se a comunica\u00e7\u00e3o dos seres racionais e a comunica\u00e7\u00e3o", "consigo mesmo, admitido seja a fala requisito do pensamento (o pensa- mento sem palavras s\u00f3 aparece como fase transit\u00f3ria dentro do pensa- mento falado, ou permanece t\u00e3o embrion\u00e1rio e fragment\u00e1rio quanto o pen- samento simiesco).", "A fala \u00e9 a mais geral de todas as \u201cobras\u201d do homem; a primeira, a oni- presente, a onicondicionante; sempre existente, debaixo de m\u00faltiplas for- mas, em cada l\u00edngua determinada de tal grupo humano, de tal povo e em transforma\u00e7\u00e3o permanente e lenta. \u00c9 pela participa\u00e7\u00e3o na obra comum que o indiv\u00edduo fala.", "J\u00e1 observamos a fala como rendimento; agora, ocupar-nos-emos dela"], ["como obra.", "1. A fala como express\u00e3o. Normal o aparelho fonat\u00f3rio e abstra\u00e7\u00e3o feita", "de seu conte\u00fado, a fala \u00e9 express\u00e3o da psique: sob a forma de grito, ru- gido, cochicho, em todos os matizes que se podem observar numa enfer- maria inquieta; como \u00e9 express\u00e3o na melodia verbal, quer seja mon\u00f3tona ou inexpressiva, quer se apresente vivamente exaltada; ou ainda na ritmi- cidade, nas acentua\u00e7\u00f5es, absurdas, nos arranjos conformes \u00e0 natureza, ou despropositados, nos amaneiramentos, tal qual ocorre na imita\u00e7\u00e3o da"], ["fala infantil (por exemplo, no agramatismo), nos estados hist\u00e9ricos.", "2. A quest\u00e3o da autonomia da fala. Distinguimos os dist\u00farbios do apa-", "relho fonat\u00f3rio a se estudarem do ponto de vista neurol\u00f3gico e as modifi- ca\u00e7\u00f5es da fala que resultam de altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas, normal o aparelho fo- nat\u00f3rio. Entre eles, contudo, parece-nos. existir uma quantidade de fen\u00f4- menos (dist\u00farbios psic\u00f3ticos da fala), que n\u00e3o se incluem nem numa, nem noutra categoria, fazendo pensar em autonomia peculiar da capacidade fo- nat\u00f3ria. \u00c9 nessa conformidade que notamos, nos produtos da fala, estru- turas importantes, dif\u00edceis de considerar derivadas de outras; assim como se a autonomia da fala se desdobrasse, ou se perturbasse. N\u00e3o se trata de autonomia do aparelho fonat\u00f3rio, e sim da intelectividade, apresentando- se, pura, sob a forma de fala. Primariamente sob a forma de fala, e n\u00e3o se- cundariamente na fala, uma transforma\u00e7\u00e3o do homem e sua viv\u00eancia apa- rece na obra mental. Se chamarmos a fala instrumento, o que se d\u00e1 \u00e9 que mente- e instrumento se op\u00f5em, se conformam mutuamente, unificando- se, por\u00e9m, no caso marginal: constituindo fala pura, a qual vem a ser fator da obra mental, sedimentando-se, por assim dizer, literariamente. O exce- lente trabalho de Mette chamou a aten\u00e7\u00e3o para o fato. de maneira muito proveitosa."], ["3. Forma\u00e7\u00e3o de neologismos e l\u00ednguas particulares. Dentre as. estrutu- ras anormais que podem ocorrer na fala, a forma\u00e7\u00e3o de neologismos de h\u00e1 muito se fez notar8. Criadas por certos doentes em exemplares esparsos, apenas, s\u00e3o t\u00e3o numerosas noutros que- constituem, falando a rigor, lin- guagem particular, inteiramente incompreens\u00edvel para n\u00f3s: Podemos clas- sific\u00e1-las, segundo a g\u00eanese respectiva, em tr\u00eas grupos:", "1) Palavras novas formam-se intencionalmente, a fim de designar sen-", "sa\u00e7\u00f5es ou coisas, para as quais a l\u00edngua n\u00e3o tem voc\u00e1bulos; s\u00e3o termos t\u00e9cnicos formados pelo pr\u00f3prio doente, representando, em parte, palavras inteiramente novas, etimologicamente incompreens\u00edveis."], ["2) Formam-se sem inten\u00e7\u00e3o, sobretudo em fases agudas, neologismos que, mais tarde, se usam, secundariamente, para designar uma coisa ou outra e se transmitem aos estados cr\u00f4nicos. Uma paciente de Pfersdorff usava a express\u00e3o \u201cfusis sensoriais\u201d para certos fen\u00f4menos alucinat\u00f3rios. Quando lhe perguntavam que significava, propriamente, a express\u00e3o, res- pondia: \u201cAs palavras me ocorrem assim mesmo, n\u00e3o sei explicar\u201d. Aqui se inclui tamb\u00e9m a altera\u00e7\u00e3o de sentido que se empresta, em. psicoses, \u00e0s palavras conhecidas. Vejamos a narra\u00e7\u00e3o de uma doente:", "\u201cCertas palavras eu usava, digamos assim, para exprimir conceito in- teiramente diverso daquele que, a rigor, designam; tinham adquirido para mim sentido diferente do costumeiro; por exemplo, \u201csarnento\u201d\u2019 eu usava, muito tranquilamente, quando queria dizer \u201cvalente, corajoso\u201d.... Gohn, a g\u00edria que, realmente, significa, em dialeto argoviano, \u201capanhador de es- trume\u201d, servia para eu designar uma mulher; como- os estudantes usam a palavra \u201cBesen\u201d. \u2014 Se acontecia n\u00e3o encontrar logo palavra que servisse para as ideias que me vinham r\u00e1pidas, balbuciava tal qual as crian\u00e7as pe- quenas, inventando denomina\u00e7\u00f5es minhas, a meu gosto; por exemplo, \u201cWuttas\u201d, em vez de pombas (Forel).\u201d"], ["3) H\u00e1 neologismos que ocorrem ao doente sob a forma de conte\u00fados alucinat\u00f3rios. Neste, como no precedente caso, os pr\u00f3prios, doentes, mui- tas vezes, se espantam com as palavras fora do comum, a eles mesmos es- tranhas. Assim \u00e9 que Schreber fala numa \u201clinguagem b\u00e1sica\u201d dos \u201craios\u201d que apanhou, sempre acentuando que as palavras eram de todo ignoradas dele pr\u00f3prio, antes de ouvi-las.", "4) Produzem-se estruturas sonoras articuladas \u00e0s quais talvez o pr\u00f3- prio- doente n\u00e3o ligue sentido algum. J\u00e1 n\u00e3o se trata, em geral, de estru- turas fon\u00e9ticas, visto haver desaparecido, totalmente, a significa\u00e7\u00e3o da es- trutura sonora; \u00e9 assim que se h\u00e3o de conceber, por exemplo, \u00e0s vezes, os restos verbais dos paral\u00edticos dementes. Certo paciente s\u00f3- proferia, fosse qual fosse a ocasi\u00e3o, nas \u00faltimas semanas de vida, a palavra \u201cMisabuck\u201d. Os neologismos representam o elemento principal das l\u00ednguas particu- lares que ocorrem uma vez ou outra, principalmente, nos esquizofr\u00eanicos.", "Tuczek observou o desenvolvimento de uma l\u00edngua desse tipo, sur- gindo como brincadeira, de modo plenamente consciente e volunt\u00e1rio, pelo prazer de traduzir e mostrar aptid\u00e3o, sem influ\u00eancia da necessidade de ex- primir viv\u00eancias delirantes. O \u00fanico motivo foi o orgulho de fabricar al- guma coisa misteriosa e a satisfa\u00e7\u00e3o com o resultado obtido: \u201cOi\u00e7am s\u00f3 como soa bem!\u201d A forma\u00e7\u00e3o verbal baseou-se em princ\u00edpios muito vari\u00e1- veis; da\u00ed por diante, contudo, as palavras firmaram-se e rendimento mn\u00ea- mico extraordin\u00e1rio se notou. Evidenciou-se- grande capacidade criadora. A sintaxe foi a mesma que para o alem\u00e3o; s\u00f3 o vocabul\u00e1rio \u00e9 que se inven- tou."], ["b) Os produtos liter\u00e1rios dos doentes", "Os doentes que se entregam \u00e0 produ\u00e7\u00e3o liter\u00e1ria correspondente ao respectivo grau de instru\u00e7\u00e3o apresentam-nos, com abund\u00e2ncia not\u00e1vel,", "certos conte\u00fados racionais juntamente com os fen\u00f4menos expressivos que representam, por si, fala e escrita; em casos raros, produtividade peculiar da fala. Entre esses escritos, distinguimos os tipos seguintes:", "1) Escritos plenamente organizados, normais pela linguagem e pelo es- tilo, pela disposi\u00e7\u00e3o do curso do pensamento. S\u00f3 o conte\u00fado \u00e9 que \u00e9 anor- mal: os doentes relatam suas viv\u00eancias terr\u00edveis e completas, explicam- nas, exp\u00f5em suas ideias delirantes. Malgrado a tens\u00e3o elevada dos afetos, tais escritos se mostram l\u00facidos e controlados. Outras produ\u00e7\u00f5es s\u00e3o nar- rativas de pacientes capazes de introvis\u00e3o, uma vez curada a psicose. Per- tencem a este grupo as valiosas autonarra\u00e7\u00f5es.", "2) O segundo grupo de escritos \u00e9 produto de personalidades morbida- mente desenvolvidas (querulantes entre outros), que elaboram suas ideias delirantes em estilo natural e com o curso de pensamento absolutamente ordenado, de maneira sempre compreens\u00edvel para n\u00f3s, por\u00e9m desmedida, fant\u00e1stica, descontrolada e contradit\u00f3ria. N\u00e3o aparece qualquer descri\u00e7\u00e3o de viv\u00eancias m\u00f3rbidas \u2014 n\u00e3o as tiveram essas personalidades, que diri- gem seus ataques contra os frenoc\u00f4mios, as autoridades, os m\u00e9dicos, ela- borando ideias de inventores, aventureiros, exploradores etc. Pertence a esse tipo a maior parte dos escritos impressos pelos doentes.", "3) S\u00e3o mais raros aqueles escritos que, usando de express\u00f5es variada-", "mente rebuscadas e estilo impressionante e bomb\u00e1stico, por\u00e9m quase sempre incompreens\u00edvel^ relatam n\u00e3o viv\u00eancias, nem persegui\u00e7\u00f5es, ou quaisquer outros fatos pessoais, mas exp\u00f5em teorias: novo sistema c\u00f3s- mico, nova religi\u00e3o, nova interpreta\u00e7\u00e3o da B\u00edblia, problemas universais s\u00e3o o conte\u00fado, no qual, mais que na forma, se percebe a origem, isto \u00e9, de doentes com processo esquizofr\u00eanico. \u00c9 frequente revelar-se tamb\u00e9m na exposi\u00e7\u00e3o o del\u00edrio de grandeza dos autores (inventores, o Messias)."], ["4) A partir deste \u00faltimo tipo desenvolvem-se produtos transicionais li- ter\u00e1rios confusos, nos quais disposi\u00e7\u00e3o alguma se encontra e a conex\u00e3o ideativa rui, seguindo-se umas \u00e0s outras estruturas mentais rebuscadas, incompreens\u00edveis1. Afinal, nada mais se entende: sinais gr\u00e1ficos hierogl\u00edfi- cos, s\u00edlabas soltas, ornatos e cores assinalam os eventos externos.", "5) Por \u00faltimo, temos poemas de psic\u00f3ticos indubit\u00e1veis. Gaupp publi- cou o caso de um paranoico- que exprimiu seu pr\u00f3prio destino em drama", "1 Exemplo: Gehrmann: K\u00f6rper, Seele, Gott. Berlim. 1893", "relativo ao rei louco Lu\u00eds da Baviera; para ele o poema constituiu autoli- berta\u00e7\u00e3o, a- \u00fanica coisa que, internado, lhe parecia ter valor; na figura por ele apresentada, o psic\u00f3tico reencontrou, ampliada, sua pr\u00f3pria pessoa. K. Schneider publicou versos de um jovem esquizofr\u00eanico, exprimindo terr\u00edvel altera\u00e7\u00e3o da mentalidade e do mundo do autor. Exemplo grandioso e o mais impressionante de todos s\u00e3o os \u00faltimos poemas de H\u00f6lderlin."], ["c) Desenhos, arte, trabalhos manuais.", "Aqui agrupamos tr\u00eas tipos:"], ["1. Defici\u00eancias de execu\u00e7\u00e3o. Indicam dist\u00farbios org\u00e2nico-neurol\u00f3gicos, instru\u00e7\u00e3o escassa, falta de treinamento, inibindo a express\u00e3o da vida ps\u00ed- quica e a comunica\u00e7\u00e3o dos conte\u00fados pretendidos; n\u00e3o t\u00eam significa\u00e7\u00e3o positiva como obra. Essas defici\u00eancias de execu\u00e7\u00e3o d\u00e3o impress\u00e3o de falta de habilidade (a pessoa n\u00e3o consegue tra\u00e7ar uma linha reta); de falta de instru\u00e7\u00e3o (a pessoa n\u00e3o possui sequer a t\u00e9cnica mais primitiva, sem cuja aquisi\u00e7\u00e3o mal desenha seja o que for); ainda, de dist\u00farbio das fun\u00e7\u00f5es mo- toras e da dexteridade, resultantes de doen\u00e7as org\u00e2nicas (sinais de ata- xias, tremores etc.); finalmente, de dist\u00farbios das fun\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas ele- mentares: capacidade de fixa\u00e7\u00e3o, concentra\u00e7\u00e3o da aten\u00e7\u00e3o, as quais fal- tando s\u00f3 se produzem rabiscos, fragmentos abruptos, desenho algum (\u00e9 o caso de certas doen\u00e7as org\u00e2nicas; principalmente, paralisia). Todas estas defici\u00eancias se notam tanto nos desenhos quanto nas falhas dos trabalhos manuais de que qualquer museu cl\u00ednico tem uma cole\u00e7\u00e3o a mostrar.", "2. Arte esquizofr\u00eanica. Certos tra\u00e7os esquizofr\u00eanicos de natureza mais grosseira \u2014 e s\u00f3 estes \u00e9 que podemos identificar com seguran\u00e7a \u2014 d\u00e3o \u00e0s estruturas pictoriais apar\u00eancia muito caracter\u00edstica: repeti\u00e7\u00f5es sem sen- tido do mesmo tra\u00e7ado, do mesmo objeto, sem unidade estrutural com- pleta, garatujas quase \u201cordenadas\u201d, certa exatid\u00e3o que nada mais \u00e9 que \u201cverbigera\u00e7\u00e3o\u201d pict\u00f3rica. Ao que melhor podemos comparar esses produtos s\u00e3o as garatujas inintencionais que as pessoas sadias fazem ao acaso, quando se acham com a aten\u00e7\u00e3o tensa; por exemplo, durante uma confe- r\u00eancia. A arte esquizofr\u00eanica \u2014 como express\u00e3o real da vida ps\u00edquica esquizo- fr\u00e9nica e como representa\u00e7\u00e3o do mundo mental que se forma na esquizo- frenia \u2014 s\u00f3 pode ocorrer se houver habilidade e certa instru\u00e7\u00e3o t\u00e9cnica; e se as caracter\u00edsticas esquizofr\u00eanicas n\u00e3o sufocarem, por assim dizer, a es- trutura inteira. Quando se descreve a arte esquizofr\u00eanica, encontram-se", "conte\u00fados caracter\u00edsticos: representa\u00e7\u00e3o de seres fabulosos, aves sinis- tras, criaturas humanas e animais caricaturalmente deformados, al\u00e9m de forte e implac\u00e1vel acentua\u00e7\u00e3o de coisas sexuais, sempre aparecendo os \u00f3r- g\u00e3os genitais sob as mais variadas formas; enfim e principalmente, o im- pulso a representar a totalidade, isto \u00e9, uma imagem c\u00f3smica, a ess\u00eancia das coisas. Vez por outra, produzem-se ilustra\u00e7\u00f5es de m\u00e1quinas que de- vem constituir a causa dos influenciamentos alucinat\u00f3rios, f\u00edsicos e corp\u00f3- reos. Mais importante talvez seja a forma: a partir da imagem de um todo, procurar-se-\u00e1 determinar s\u00e9 ela tem significa\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m para o doente, ou se \u00e9 simples conglomerado; onde se encontra a unidade que se lhe apresenta? De modo particular, deparamos com as seguintes caracter\u00edsti- cas: pedantismo, exatid\u00e3o, apuro; necessidade de efeitos exagerados e acentuados; estereotipias de certas formas curvas, arredondamentos ou tra\u00e7ados retil\u00edneos que d\u00e3o a todas as imagens not\u00e1vel parecen\u00e7a. Se pro- curarmos compreender o efeito retroativo que os desenhos t\u00eam sobre quem os criou, descobriremos, conversando com o doente, que a simplici- dade se enche de significados simb\u00f3licos e adornos fant\u00e1sticos variados."], ["N\u00e3o se pode negar que, em doentes portadores de esquizofrenia pro- cessual relativamente prendados, s\u00e3o de observar-se estruturas pictoriais que impressionam at\u00e9 as pessoas sadias pela primitividade, pela clareza da forma expressiva, pela h\u00f3rrida aud\u00e1cia dos significados sinistros.", "Quando os esquizofr\u00eanicos possuem recursos materiais abundantes e o estado deles n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o grave que a interfer\u00eancia do poder p\u00fablico os en- trave, podem vir a encontrar-se, em certas circunst\u00e2ncias, obras das mais raras, como as esculturas do pr\u00edncipe Pallagonia, que Goethe conheceu, bem como a Casa do Junker em Lemgoesta \u00faltima sendo uma casa de madeira, cujo dono levou uma vida inteira a construi-la, enchendo-a de entalhaduras sobrecarregadas de formas fant\u00e1sticas, repetidas ao infinito, sem uma s\u00f3 superf\u00edcie plana, nem espa\u00e7o vazio.", "3. Desenhos dos neur\u00f3ticos. C. G. Jung introduziu o m\u00e9todo que con-", "siste em mandar os pacientes desenhar e dar aten\u00e7\u00e3o especial \u00e0s suas \u201cimagens ps\u00edquicas\u201d, que representam os planos do todo universal ou a concep\u00e7\u00e3o b\u00e1sica que os psic\u00f3ticos fazem da exist\u00eancia. Para Jung, que compara essas imagens \u00e0s mandalas Indus, servem elas para penetrar no psiquismo inconsciente, abrindo \u00e0 interpreta\u00e7\u00e3o psicanal\u00edtica uma possi- bilidade de esclarecer o inconsciente atrav\u00e9s do respectivo simbolismo e representa\u00e7\u00e3o m\u00edtica."], ["\u00a7 2. A Totalidade Da Mente Na Concep\u00e7\u00e3o Do Mundo"], ["Tivemos em vista representar, de modo claro e coerente, a exist\u00eancia dos doentes no respectivo mundo. O doente n\u00e3o exprime diretamente a maneira por que conforma o mundo no qual vive, isto \u00e9, a totalidade de seu mundo real; nem sequer sabe dela, ele pr\u00f3prio. Seus atos e seu com- portamento mostram, no entanto, com que significado representa a situa- \u00e7\u00e3o e as possibilidades efetivas, ou de que maneira estas se lhe apresen- tam como evidentemente inquestion\u00e1veis. Temos de juntar tudo isso para conseguir penetrar, parcialmente, em seu mundo real; o que \u00e9 dif\u00edcil, por- que quase n\u00e3o nos \u00e9 dado transpor os limites de nosso pr\u00f3prio mundo; mas a cada passo que caminhamos n\u00e3o s\u00f3 ganhamos conhecimento, como ampliamos nossa pr\u00f3pria exist\u00eancia; ou assim pressupomos. A consci\u00eancia objetiva, cuja forma existencial se descreve na fenomenologia, sempre se relaciona, segundo seu conte\u00fado, com totalidades que d\u00e3o sen- tido, fun\u00e7\u00e3o, significado, na conex\u00e3o vital, ao conte\u00fado individual momen- taneamente vivenciado; conte\u00fado poss\u00edvel de dizer-se mergulhado em mundos que, como totalidade, nunca se fazem plenamente conscientes; antes s\u00f3 se manifestam, de forma indireta, no movimento e na conforma- \u00e7\u00e3o das representa\u00e7\u00f5es e atos, das imagens e dos pensamentos."], ["Em condi\u00e7\u00f5es favor\u00e1veis, o homem torna-se sistematicamente consci- ente de seu mundo pela conforma\u00e7\u00e3o po\u00e9tica e art\u00edstica, pelas ideias filo- s\u00f3ficas, pela constru\u00e7\u00e3o de imagens c\u00f3smicas. O que nos \u00e9 comunicado verbalmente, o que vemos nas obras d\u00e1-nos os fundamentos com que re- presentar a maneira por que um doente v\u00ea o mundo de que tem consci\u00ean- cia. Em vez de deduzir, indiretamente, uma conforma\u00e7\u00e3o universal fatual pura, logramos a totalidade de uma mente em sua pr\u00f3pria objetiva\u00e7\u00e3o, o que, at\u00e9 hoje, s\u00f3 tenuemente se conseguiu iniciar.", "Metodicamente, abre-se aqui um campo ilimitado; mas \u00e9 s\u00f3 em certos fen\u00f4menos importantes, quase sempre fornecidos pela hist\u00f3ria e em raros casos felizes que a investiga\u00e7\u00e3o encontra o objeto emp\u00edrico. Aquilo que se tem de saber metodicamente s\u00f3 pode obter-se mediante treino human\u00eds- tico. Brevemente recordemos dois pontos:"], ["Nietzche concebeu, luminosamente, todo o saber universal como sendo", "\u201cinterpreta\u00e7\u00e3o\u201d. \u00c9 interpreta\u00e7\u00e3o a compreens\u00e3o que temos do mundo; e a compreens\u00e3o que temos do mundo estranho \u00e9 interpreta\u00e7\u00e3o da interpreta- \u00e7\u00e3o. Da\u00ed haver, na compreens\u00e3o do mundo, n\u00e3o s\u00f3 objetividade absoluta, mas movimento, relativamente ao qual a ideia do mundo \u00fanico, pr\u00f3prio, real a verdadeiro (do ponto vista de quem observa os mundos) vem a ser"], ["conceito marginal de cujo conte\u00fado jamais podemos apossar-nos.", "Cada mundo j\u00e1 \u00e9 um mundo especial. E o mundo especial que certo homem conhece como seu, o mundo que enfrenta, sempre \u00e9 menos do que seu mundo real; este subsistindo para o homem sempre tal qual a obscu- ridade que abrange um todo extenso.", "Os poucos pontos de que nos \u00e9 dado partir para a an\u00e1lise dos mundos dos doentes que se tornam conscientes agrupam-se na conformidade dos seguintes aspectos:"], ["a) Realiza\u00e7\u00f5es radicais.", "T\u00eam interesse especial as realiza\u00e7\u00f5es das possibilidades mentais que", "por si, de acordo com a natureza respectiva, n\u00e3o s\u00e3o nem sadias, nem m\u00f3rbidas; a rigor, nem psicol\u00f3gicas, s\u00f3 aparecendo pelo fato de se vivenci- arem. \u00c9 assim que s\u00f3 nas psicoses se experimentam com absoluta pleni- tude, por exemplo, o niilismo, o cepticismo. O del\u00edrio niil\u00edstico do melanc\u00f3- lico constitui o prot\u00f3tipo; n\u00e3o h\u00e1 mais mundo, o pr\u00f3prio doente n\u00e3o existe mais, vivendo s\u00f3 em apar\u00eancia, mas tendo, assim mesmo, de viver eterna- mente; n\u00e3o tem mais sentimentos, todos os valores desapareceram. \u2014 Nos processos esquizofr\u00eanicos em incep\u00e7\u00e3o, o cepticismo, vez por outra, n\u00e3o \u00e9 simplesmente pensado na tranquilidade, mas vivenciado no desespero. \u2014 H\u00e1 ainda as realiza\u00e7\u00f5es cl\u00e1ssicas de viv\u00eancias m\u00edticas hist\u00e9ricas e as reve- la\u00e7\u00f5es metaf\u00edsico-m\u00edticas da esquizofrenia prodr\u00f4mica."], ["b) Perspectivas espec\u00edficas dos doentes.", "\u2014 Pode-se indagar qual \u00e9 a peculiaridade que se desenvolve sobre a", "base esquizofr\u00e9nica do mundo do saber existencial filos\u00f3fico; ou qual \u00e9 a dire\u00e7\u00e3o caricatural em que se movem as possibilidades filos\u00f3ficas. A mente \u00e9, certamente, hist\u00f3rica, ligada \u00e0s \u00e9pocas e aos povos, \u00e0 tradi\u00e7\u00e3o; como tal, n\u00e3o \u00e9 objeto da psicopatologia, mas objeto da compreensibilidade em si; \u00e9 algo eterno no tempo. Todavia, sua realidade, como exist\u00eancia no tempo, prende-se \u00e0 realidade humana empiricamente investig\u00e1vel. Podem-se in- vestigar as condi\u00e7\u00f5es da produ\u00e7\u00e3o mental e essa realidade.", "S\u00e3o s\u00f3 os doentes que permitem a confirma\u00e7\u00e3o mais decisiva daquilo", "que \u00e9 universal na ci\u00eancia das excurs\u00f5es da alma para o Al\u00e9m, ou em certa geografia transcendental. Seja como for, ainda hoje esses conte\u00fados se podem observar, vez por outra, nas psicoses, com abund\u00e2ncia impres- sionante e profundidade mental."], ["Entre os conte\u00fados das viv\u00eancias esquizofr\u00eanicas, \u00e9 caracter\u00edstica a \u201cvi-", "v\u00eancia c\u00f3smica\u201d: o fim-do-mundo, o crep\u00fasculo dos deuses. Um cata- clisma formid\u00e1vel ocorre, no qual o paciente desempenha o principal pa- pel, colocado que est\u00e1 no centro de todos os acontecimentos, incumbido de enormes tarefas, dotado de imensa for\u00e7a para preench\u00ea-las. Efeitos dis- tantes fabulosos, atra\u00e7\u00f5es e repuls\u00f5es, est\u00e3o atuando. Trata-se sempre do \u201ctodo\u201d: todos os povos da terra, todos os homens, todos os deuses etc.; vi- vencia-se a hist\u00f3ria inteira da humanidade; o doente viv\u00eancia tempos infi- nitos, milh\u00f5es de anos; para ele, o momento \u00e9 uma eternidade; o espa\u00e7o vital, ele o percorre com velocidade espantosa, a fim de vencer formid\u00e1veis batalhas; e inc\u00f3lume vagueia por entre abismos. Destacamos os seguintes exemplos dentre as autonarra\u00e7\u00f5es de semelhantes viv\u00eancias:", "\u201cAs vis\u00f5es relacionadas com a ideia de um cataclisma universal, vis\u00f5es"], ["que, conforme j\u00e1 mencionei, tive in\u00fameras, eram, em parte, terr\u00edveis, em parte, por\u00e9m, indescritivelmente grandiosas. Recordarei, apenas, umas poucas. Numa delas, parecia que, sentado num elevador, descia \u00e0s pro- fundezas da terra, retrocedendo, por assim dizer, na hist\u00f3ria inteira da humanidade e da terra; nas regi\u00f5es superiores, ainda havia bosques em folha; nas regi\u00f5es inferiores, a escurid\u00e3o era cada vez maior, mais negra. Quando sa\u00eda, temporariamente, do elevador, entrava em grande cemit\u00e9rio, onde estavam sepulturas de muitos habitantes de Leipzigue, bem como a de minha pr\u00f3pria mulher. Voltava para o elevador, ia s\u00f3 at\u00e9 o ponto 3; no ponto 1, que marcava os prim\u00f3rdios da humanidade, tinha medo de pene- trar. Ao regressar, o cabo do elevador rompia-se atr\u00e1s de mim, pondo sem- pre em perigo um \u201cdeus do sol\u201d que ali vivia. A tudo isso correspondendo, sabiam-se terem existido dois cabos (talvez correspondendo ao dualismo dos mundos divinos); quando chegava a not\u00edcia de que tamb\u00e9m o segundo cabo se romper\u00e1, tudo se perdia. Outra vez, atravessava a terra, desde o lago Ladoga at\u00e9 o Brasil, onde, numa casa em forma de castelo, junto com um guarda, levantava uma muralha, a fim de proteger o reino dos deuses contra um maremoto amarelo que o amea\u00e7ava; isso para mim tinha rela- \u00e7\u00e3o com o perigo de infec\u00e7\u00e3o sifil\u00edtica. Outra vez ainda, parecia-me que fora elevado ao c\u00e9u, de cujas alturas tinha impress\u00e3o de estar contem- plando, por baixo de uma ab\u00f3boda azul, a terra inteira, quadro este de magnific\u00eancia e beleza incompar\u00e1veis\u201d."], ["Wetzel tem casu\u00edstica not\u00e1vel de viv\u00eancias de fim-do-mundo na esqui-"], ["zofrenia", "Vivencia-se o fim-do-mundo como transi\u00e7\u00e3o para uma coisa mais", "nova, maior, que se afigura terr\u00edvel aniquilamento. O mesmo paciente ex- perimenta tormentos desesperadores e beat\u00edficas revela\u00e7\u00f5es. A princ\u00edpio, tudo \u00e9 sinistro, obscuro, agourento; iminente uma desgra\u00e7a enorme. Vem o Dil\u00favio; cat\u00e1strofe singular ocorre. \u00c9 Sexta-Feira Santa e algo acontece ao mundo: o Ju\u00edzo Final, o an\u00fancio da ruptura de um dos Sete Selos reve- lam-se. Deus vem ao mundo. Voltam os tempos dos primeiros crist\u00e3os, in- vertem-se as eras, resolvem-se os \u00faltimos mist\u00e9rios. A tudo quanto \u00e9 tem\u00ed- vel e grandioso, a tudo quanto ent\u00e3o se passa, os doentes s\u00e3o entregues sem socorro, sem ningu\u00e9m que os defenda. Esse sentimento de solid\u00e3o \u00e9 indizivelmente angustioso. Os enfermos imploram que n\u00e3o se os abando- nem s\u00f3s no deserto, no gelo e na neve (express\u00e3o usada por um doente, durante um m\u00eas de ver\u00e3o)."], ["Nos casos caracter\u00edsticos dessa viv\u00eancia esquizofr\u00eanica, nota-se, em contraste com a viv\u00eancia deliriosa, plena clareza da consci\u00eancia, a que cor- responde mem\u00f3ria n\u00edtida, al\u00e9m de boa percep\u00e7\u00e3o, quando se consegue despertar a aten\u00e7\u00e3o para qualquer objeto, em vez de prender-se, exclusiva- mente, aos conte\u00fados vivenciais; mais: dupla- orienta\u00e7\u00e3o (dentro da viv\u00ean- cia psic\u00f3tica e, ao mesmo tempo, na realidade). Casos cl\u00e1ssicos de tal or- dem n\u00e3o parecem, contudo, ser demasiado frequentes.", "O mundo dos esquizofr\u00eanicos, nas psicoses agudas em que h\u00e1 dupla- orienta\u00e7\u00e3o, \u00e9 inteiramente diverso do mundo dos estados cr\u00f4nicos; estes, por vezes, t\u00eam para o doente conte\u00fado inalien\u00e1vel de recorda\u00e7\u00f5es profun- damente vividas, elaboradas em sistema ideativo que se baseia nas viv\u00ean- cias agudas; afinal, no entanto, a dupla- orienta\u00e7\u00e3o perde-se completa- mente."], ["Desenvolve-se, ent\u00e3o, fundada na viv\u00eancia da transforma\u00e7\u00e3o-do-eu, nas for\u00e7as e irradia\u00e7\u00f5es super-humanas, bem como nos \u00bfbaios sofridos, nas viv\u00eancias significativas e nas altera\u00e7\u00f5es afetivas, certa vis\u00e3o do mundo que pode vir a ser t\u00edpica do sistema delirante; por exemplo, com a configu- ra\u00e7\u00e3o seguinte, descrita por Hilfiker:", "O eu coincide com o todo. O doente n\u00e3o \u00e9 outro personagem (por exemplo, Cristo, Napole\u00e3o), mas, apenas, o Todo. Sua vida, ele a sente como se fosse a vida do mundo inteiro; \u00e9 a for\u00e7a que mant\u00e9m o mundo, que lhe d\u00e1 vida; o pr\u00f3prio enfermo \u00e9 a sede desse poder super-pessoal. Os doentes falam em for\u00e7a autom\u00e1tica, subst\u00e2ncia prim\u00e1ria, semente, fertili- dade, poder magn\u00e9tico. Se morrerem, o mundo tamb\u00e9m morrer\u00e1; se pere- cerem, tudo perecer\u00e1 que tem vida. Tr\u00eas doentes diferentes dizem: \u201cSe n\u00e3o tiverdes mais contato comigo, tudo sumir\u00e1...\u201d \u2014 \u201cSe eu morrer, perdereis"], ["todos a intelig\u00eancia\u201d. \u2014 \u201cSe n\u00e3o encontrardes quem me represente, nada mais existir\u00e1\u201d. Os pacientes sentem na natureza seu poder m\u00e1gico: \u201cSe meus olhos s\u00e3o azuis, azul se torna o c\u00e9u.\u201d \u2014 \u201cMeu cora\u00e7\u00e3o transmite seus batimentos a todos os rel\u00f3gios do mundo\u201d. \u2014 \u201cMeus olhos s\u00e3o a mesma coisa que o sol\u201d.", "Disse um paciente de Hilfiker: \u201cS\u00f3 h\u00e1 um campon\u00eas na Europa que se", "pode manter independente: sou eu.... Se olhar para uma lavourazinha qualquer, se nela andar, passar\u00e1 a ser magn\u00edfica. Sou um corpo que d\u00e1 frutos, um corpo universal...\u201d \u2014 Ele, a mulher e o filho \u2014 tr\u00eas seres hu- manos \u2014 s\u00e3o os tr\u00eas primeiros olhares e ouvidos, s\u00e3o os tr\u00eas povos inter- nacionais, afins co mo solo, a \u00e1gua e o sol, correspondendo ao sol, \u00e0 lua e \u00e0 estreia V\u00e9sper. \u201cQuanto mais calor sentirmos, mais quente ser\u00e1 o sol.... N\u00e3o h\u00e1 pa\u00eds que se possa manter. Se o mundo empobrecer, tereis de vir buscar-me. Precisareis de um representante universal. Sem representa\u00e7\u00e3o universal, o mundo vem abaixo\u201d."], ["c) Observa\u00e7\u00f5es de relev\u00e2ncia filos\u00f3fica dos doentes.", "Sob esta rubrica, reuniremos, por enquanto, as descri\u00e7\u00f5es que corres- pondem \u00e0 maneira por que ocorrem, nos doentes, certas atitudes filos\u00f3fi- cas; mais ainda: determinaremos o modo por que variam, se matizam ou se identificam com as atitudes normais. Foi assim que Mayer-Gross pro- curou descrever as peculiaridades com que a brincadeira, a pilh\u00e9ria, a iro- nia e o humor se mostram na esquizofrenia. Gerhard Kloos ampliou e aprofundou essas observa\u00e7\u00f5es. T\u00eam-se acompanhado os fen\u00f4menos extra- ordin\u00e1rios que ocorrem com as manifesta\u00e7\u00f5es cient\u00edficas e filos\u00f3ficas de certos doentes, um dos quais imaginou um sistema numeral para \u201cresol- ver o& problemas vitais\u201d"], ["As not\u00edcias dos jornais relativas a mortes, cat\u00e1strofes, d\u00e3o-lhe; motivo para provar que tinham de acontecer. O paciente explica, por- meio de ci- fras, a que chegou mediante combina\u00e7\u00e3o de nomes, circunst\u00e2ncias etc., ser necess\u00e1rio aquilo que, \u00e0 simples leitura, parecer\u00e1 casual. Seu saber vem a dar no seguinte: tudo quanto ocorre \u00e9 determinado* pela trindade; e essa par\u00f3dia, sem intencionalidade, de numerosos esfor\u00e7os cient\u00edficos se- melhantes, metodicamente estabelecidos, apresenta-se- ruidosamente ra- cional na maneira por que o doente se exprime, no- arranjo pedantesco e na seca regularidade da escrita, esta caracterizando-se por sinais gr\u00e1ficos desusadamente exagerados, pelas repeti\u00e7\u00f5es infind\u00e1veis e pelo esquema- tismo.", "Tamb\u00e9m ao del\u00edrio de inven\u00e7\u00e3o \u2014 principalmente, a constru\u00e7\u00e3o sem- pre reiterada de um motu-perp\u00e9tuo \u2014 subjaz uma elabora\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica que visa ao asseguramento, mediante esfor\u00e7o racional."], ["PARTE 2. AS CONEX\u00d5ES COMPREENS\u00cdVEIS DA VIDA PS\u00cdQUICA"], ["(Psicologia Compreensiva)", "Na Primeira Parte, estudamos os fatos individuais que ou podemos re-", "presentar, intuitivamente, sob a forma de realidades. subjetivas, efetiva- mente vivenciadas, da vida ps\u00edquica (Fenomenologia), ou que nos \u00e9 poss\u00ed- vel apreender objetivamente sob a forma de rendimentos sensorialmente tang\u00edveis, sintomas som\u00e1ticos do psiquismo, fatos significativos que apare- cem na express\u00e3o, no mundo- e na obra (Psicopatologia Objetiva). No pri- meiro plano de nosso interesse, tivemos a descri\u00e7\u00e3o dos fatos, logo, por\u00e9m, surgindo as indaga\u00e7\u00f5es: Donde prov\u00e9m esse fen\u00f4meno? Com que outro fe- n\u00f4meno tem conex\u00e3o? Voltar-nos-emos, agora, para as conex\u00f5es do psi- quismo. At\u00e9 o momento, h\u00e1 vastas \u00e1reas de nosso conhecimento que s\u00f3 s\u00e3o acess\u00edveis \u00e0 descri\u00e7\u00e3o; nas Segunda e Terceira Partes, entretanto, pro- curaremos explanar o que sabemos, presentemente, a respeito de cone- x\u00f5es."], ["Para tanto fazer, teremos de presumir haja entre as conex\u00f5es- distin-", "\u00e7\u00e3o t\u00e3o fundamental quanto aquela que existe entre a psicopatologia sub- jetiva (fenomenologia) e a psicopatologia objetiva.", "1) Se penetrarmos na situa\u00e7\u00e3o ps\u00edquica, compreenderemos genetica-"], ["mente de que modo um evento ps\u00edquico \u00e9 produzido por outro.", "2) Pela vincula\u00e7\u00e3o objetiva de v\u00e1rios fatos a- regularidades, com base"], ["em experi\u00eancias reiteradas, explicaremos causalmente.", "A compreens\u00e3o do evento ps\u00edquico resultante de outro evento ps\u00edquico chamamos tamb\u00e9m explica\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica, e aqueles pesquisadores que se ocupam com as ci\u00eancias naturais, s\u00f3 pensando no que \u00e9 sensorialmente percebido e no que se explica causalmente, mostram-se, compreens\u00edvel e corretamente, avessos \u00e0 explica\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica, sempre que esta pretende substituir-lhe os esfor\u00e7os. Tamb\u00e9m se tem dado \u00e0s conex\u00f5es ps\u00edquicas compreens\u00edveis a denomina\u00e7\u00e3o causalidade de dentro-, com o que se de- signa a diferen\u00e7a, inconcili\u00e1vel existente entre essas conex\u00f5es, que s\u00f3 por analogia se. podem dizer causais, e aquelas outras, realmente causais, que v\u00eam a constituir a causalidade de fora. Nesta Segunda Parte, tratamos das conex\u00f5es compreens\u00edveis; das conex\u00f5es causais trataremos na parte seguinte, isto \u00e9, a Terceira. Antes, por\u00e9m, \u00e9 necess\u00e1rio esclarecer, metodi- camente, onde reside a distin\u00e7\u00e3o b\u00e1sica entre as duas \u00e1reas e, bem assim,"], ["a respectiva interrela\u00e7\u00e3o."], ["a) Compreens\u00e3o e explica\u00e7\u00e3o."], ["Nas ci\u00eancias naturais, \u00e9 s\u00f3 um tipo de conex\u00f5es que procuramos apre- ender: as conex\u00f5es causais. Mediante observa\u00e7\u00f5es, experi\u00eancias, reuni\u00e3o de muitos casos, buscamos encontrar regras do evento. Em grau mais alto, encontramos leis e atingimos, em v\u00e1rias \u00e1reas da f\u00edsica e da qu\u00edmica, o ideal que consiste em poder exprimir matematicamente essas leis cau- sais em equa\u00e7\u00f5es causais. S\u00e3o os mesmos objetivos que tamb\u00e9m persegui- mos na psicopatologia, descobrindo conex\u00f5es causais individuais, cuja re- gularidade nem sequer podemos ainda reconhecer (a conex\u00e3o entre les\u00f5es oculares e alucina\u00e7\u00f5es, por exemplo). Encontramos regras (a regra da he- ran\u00e7a hom\u00f3loga: se aparecem doen\u00e7as do grupo da loucura man\u00edaco-de- pressiva numa fam\u00edlia, \u00e9 raro ocorrerem nas mesmas enfermidades tais como as do grupo da dem\u00eancia precoce, e vice-versa). S\u00f3 raramente, po- r\u00e9m, \u00e9 que encontramos leis (por exemplo, n\u00e3o h\u00e1 paralisia geral sem s\u00edfi- lis); nem jamais podemos estabelecer equa\u00e7\u00f5es, como na f\u00edsica e na qu\u00ed- mica. Da\u00ed se pressuporia a quantifica\u00e7\u00e3o plena dos processos ps\u00edquicos, quantifica\u00e7\u00e3o que, no terreno ps\u00edquico (o qual permanece sempre qualita- tivo, por sua ess\u00eancia), nunca \u00e9 poss\u00edvel, em princ\u00edpio, a n\u00e3o ser que se perca o objeto propriamente da investiga\u00e7\u00e3o, ou seja, o objeto ps\u00edquico."], ["Ao passo que, nas ci\u00eancias naturais, s\u00f3 se podem encontrar conex\u00f5es", "causais, o conhecimento vem a satisfazer-se, em psicologia, ainda na apre- ens\u00e3o de conex\u00f5es inteiramente diversas. O ps\u00edquico \u201cresulta\u201d do ps\u00edquico de maneira que \u00e9 para n\u00f3s compreens\u00edvel. Quem \u00e9 atacado zanga-se e pratica atos defensivos; quem \u00e9 enganado torna-se desconfiado e essa pro- du\u00e7\u00e3o do evento ps\u00edquico por outro evento ps\u00edquico n\u00f3s compreendemos geneticamente. Da\u00ed compreendermos as rea\u00e7\u00f5es vivenciais, o desenvolvi- mento das paix\u00f5es, a forma\u00e7\u00e3o do erro; da\u00ed compreendermos o conte\u00fado do sonho e do del\u00edrio, dos efeitos da sugest\u00e3o; da\u00ed compreendermos uma personalidade anormal em sua conex\u00e3o essencial pr\u00f3pria, e compreender- mos o curso vital de uma exist\u00eancia; mais ainda: a maneira por que o do- ente se compreende a si mesmo e por que a forma por que ele se compre- ende a si mesmo vem a tornar-se fator de desenvolvimento ps\u00edquico ulte- rior."], ["b) Evid\u00eancia da compreens\u00e3o e da realidade (compreens\u00e3o e interpreta-"], ["\u00e7\u00e3o).", "A evid\u00eancia da compreens\u00e3o gen\u00e9tica \u00e9 alguma coisa derradeira. Quando Nietzsche nos convence de que a consci\u00eancia da fraqueza, da po- breza e do sofrimento d\u00e1 origem a exig\u00eancias morais e a religi\u00f5es redento- ras, porque \u00e9 por esse desvio que a alma, malgrado sua fraqueza, satisfaz sua vontade de poder, vivenciamos uma evid\u00eancia imediata de que j\u00e1 n\u00e3o podemos retroceder. \u00c9 sobre evid\u00eancias desta ordem, em oposi\u00e7\u00e3o a cone- x\u00f5es compreens\u00edveis, de todo impessoais, independentes, que se edifica toda a psicologia compreensiva. Essa evid\u00eancia faz-se indutivamente pro- vada por causa da experi\u00eancia em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s personalidades humanas, mas n\u00e3o pela experi\u00eancia que se repete; sua for\u00e7a de convic\u00e7\u00e3o est\u00e1 em si mesma e o reconhecimento dessa evid\u00eancia \u00e9 requisito da psicologia com- preensiva, tal qual o reconhecimento da realidade percebida e da causali- dade \u00e9 requisito das ci\u00eancias naturais."], ["A evid\u00eancia de uma conex\u00e3o compreens\u00edvel ainda n\u00e3o prova, entre- tanto, que essa conex\u00e3o seja real sequer em certo fato particular; ou que ele, enfim, chegue a realizar-se. Nietzsche aplica aquela conex\u00e3o persuasi- vamente compreens\u00edvel entre a consci\u00eancia da fraqueza e a -moral ao pro- cesso particular real da origem do- cristianismo, mas essa aplica\u00e7\u00e3o pode ser errada, no caso particular, apesar da corre\u00e7\u00e3o da compreens\u00e3o geral (t\u00edpico-ideal) da. referida conex\u00e3o. Com efeito, o ju\u00edzo da realidade de uma conex\u00e3o- compreens\u00edvel, no caso particular, repousa n\u00e3o s\u00f3 na evid\u00eancia respectiva, mas, sobretudo, no material objetivo de pontos de apoio- tang\u00ed- veis (conte\u00fados verbais, cria\u00e7\u00f5es mentais, atos, modos de vida, movimen- tos expressivos), nos quais a conex\u00e3o vem a ser compreendida; estas obje- tividades permanecem sempre, contudo, incompletas. Toda compreens\u00e3o de processos reais particulares subsiste, por isso, mais ou menos, como interpreta\u00e7\u00e3o, a qual s\u00f3 em casos raros consegue alcan\u00e7ar graus relativa- mente altos de perfei\u00e7\u00e3o do material objetivo convincente. Se compreende- mos, \u00e9 na medida em que. os dados objetivos dos movimentos expressivos, atos, manifesta\u00e7\u00f5es, verbais, autonarra\u00e7\u00f5es, imp\u00f5em, mais ou menos, no caso particular, semelhante compreens\u00e3o. \u00c9 certo que podemos encontrar evidente, liberta de qualquer realidade concreta, uma conex\u00e3o ps\u00edquica; mas, no caso particular, s\u00f3 podemos afirmar a realidade dessa conex\u00e3o compreens\u00edvel na medida em que nos s\u00e3o fornecidos os dados objetivos. Quanto menos numerosos s\u00e3o estes dados objetivos, menos compulsiva- mente promovem a compreens\u00e3o em determinado sentido; quanto mais interpretamos, menos compreendemos. As rela\u00e7\u00f5es fazem-se o mais claras"], ["poss\u00edvel pela compara\u00e7\u00e3o do- comportamento das regras de causalidade e das conex\u00f5es evidentemente compreens\u00edveis em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 realidade. As re- gras de causalidade adquirem-se indutivamente, culminando em teorias; e estas buscam alguma coisa subjacente \u00e0 realidade, que \u00e9 dada de modo- imediato; nelas se incluem os casos particulares. Pelo contr\u00e1rio, as cone- x\u00f5es geneticamente compreens\u00edveis s\u00e3o conex\u00f5es t\u00edpico-ideais; e s\u00e3o em si evidentes (n\u00e3o adquiridas indutivamente), n\u00e3o levando- a teorias, mas constituindo padr\u00e3o pelo qual os processos particulares se medem e se re- conhecem, de forma mais ou menos compreens\u00edvel. \u00c9 erro descobrir re- gras em conex\u00f5es compreens\u00edveis, quando se constata a frequ\u00eancia com que ocorre certa conex\u00e3o- compreens\u00edvel. N\u00e3o lhe aumenta, entretanto, de maneira alguma, a evid\u00eancia; n\u00e3o \u00e9 a conex\u00e3o, mas sua frequ\u00eancia que se encontra indutivamente. Por exemplo: a frequ\u00eancia da conex\u00e3o entre o custo \u00abelevado do alimento e a ocorr\u00eancia de furtos \u00e9 compreens\u00edvel e constata-se estatisticamente. A frequ\u00eancia da conex\u00e3o compreens\u00edvel entre o outono e o suic\u00eddio n\u00e3o se confirma, em absoluto, pela curva do suic\u00eddio, que atinge o m\u00e1ximo na primavera; da\u00ed n\u00e3o se segue, por\u00e9m, que a cone- x\u00e3o compreens\u00edvel seja falsa. Um caso real pode levar-nos a conceituar uma conex\u00e3o compreens\u00edvel, sem que a frequ\u00eancia coisa alguma acres\u00e7a para incrementar a evid\u00eancia j\u00e1 adquirida. A determina\u00e7\u00e3o respectiva visa a interesses inteiramente outros. Em princ\u00edpio, pode-se admitir que, por exemplo, um poeta represente de maneira convincente conex\u00f5es compre- ens\u00edveis, as quais nunca ter\u00e3o ocorrido; s\u00e3o irreais, mas possuem sua evi- d\u00eancia no sentido t\u00edpico-ideal. Apressamo-nos, facilmente, a afirmar a rea- lidade de uma conex\u00e3o compreens\u00edvel, desde que ela tenha sequer essa evid\u00eancia geral. Jung disse ser \u201cfato conhecido que n\u00e3o se tem dificuldade para ver onde h\u00e1 e onde n\u00e3o h\u00e1 conex\u00e3o\u201d; no caso, entretanto, do ser hu- mano verdadeiro, \u00e9 o inverso que \u00e9 correto."], ["c) Compreens\u00e3o racional e emp\u00e1tica.", "A compreens\u00e3o gen\u00e9tica desmembra-se em muitos modos da compre- ens\u00e3o, dentro da qual se h\u00e3o de fazer distin\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas. Por exemplo, se, para nossa compreens\u00e3o, os conte\u00fados do pensamento resultam, percep- tivelmente, uns dos outros, de acordo com regras l\u00f3gicas, em tal caso n\u00f3s compreendemos essa conex\u00e3o racionalmente (isto \u00e9, compreendemos o que \u00e9 falado). Mas se compreendemos os conte\u00fados do pensamento como originados de estados de \u00e2nimo, desejos e temores daquele que pensa, nesse caso s\u00f3 compreendemos, a bem dizer, psicol\u00f3gica ou empaticamente"], ["(quer dizer, compreendemos quem fala). No caso de a compreens\u00e3o racio- nal s\u00f3 levar \u00e0 determina\u00e7\u00e3o de que certa conex\u00e3o racional, poss\u00edvel de compreender sem qualquer psicologia, era conte\u00fado de uma psique, a compreens\u00e3o emp\u00e1tica nos leva \u00e0 pr\u00f3pria conex\u00e3o ps\u00edquica. No caso, po- r\u00e9m, de a compreens\u00e3o racional ser simples expediente psicol\u00f3gico, a com- preens\u00e3o emp\u00e1tica nos conduz \u00e0 pr\u00f3pria psicologia. Este exemplo permite ver com facilidade a distin\u00e7\u00e3o que h\u00e1 entre os modos pelos quais compre- endemos. Adiante, teremos de estabelecer outras distin\u00e7\u00f5es indispens\u00e1- veis; inicialmente, contudo, falaremos ainda da compreens\u00e3o psicol\u00f3gica em seu todo.", "d) Limites da compreens\u00e3o, ilimita\u00e7\u00e3o da explica\u00e7\u00e3o."], ["\u00c9 erro sugerir que o ps\u00edquico seja setor da compreens\u00e3o e o f\u00edsico, se- tor da explica\u00e7\u00e3o causal, porque n\u00e3o existe fato real, de natureza quer f\u00ed- sica, quer ps\u00edquica, que, em princ\u00edpio, deixe de ser acess\u00edvel \u00e0 explica\u00e7\u00e3o causal; os pr\u00f3prios fatos ps\u00edquicos podem subordinar-se \u00e0 explica\u00e7\u00e3o cau- sal. O reconhecimento de causas n\u00e3o tem limite em parte alguma, dado que, seja onde for, mesmo quando se trata de fatos ps\u00edquicos, buscamos causas e efeitos. A compreens\u00e3o, pelo contr\u00e1rio, tem limites em toda parte, e estes se encontram na exist\u00eancia das disposi\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas especiais, nas regras de aquisi\u00e7\u00e3o e perda das disposi\u00e7\u00f5es mn\u00eamicas, na sequ\u00eancia da constitui\u00e7\u00e3o ps\u00edquica total, conforme as \u00e9pocas da vida; tudo isso que podemos resumir como sendo o alicerce do psiquismo representa limite \u00e0 nossa compreens\u00e3o; e cada limite da compreens\u00e3o \u00e9 novo est\u00edmulo \u00e0 inda- ga\u00e7\u00e3o causal."], ["No pensamento psicol\u00f3gico causal, precisamos de elementos- que con- sideramos causas ou efeitos de um fato; por exemplo, certa fato som\u00e1tico como causa, certa alucina\u00e7\u00e3o como efeito. Para ajudar a formar elementos de explica\u00e7\u00f5es causais, todos os conceitos da fenomenologia e da psicolo- gia compreensiva v\u00eam a enquadrar-se no terreno do pensamento causal. Certas unidades fenomenol\u00f3gicas (digamos, uma alucina\u00e7\u00e3o, um modo de perceber) explicam-se por fato som\u00e1ticos; e conex\u00f5es compreens\u00edveis de tipa complexo se consideram unidade; assim \u00e9 que uma s\u00edndrome man\u00ed- aca, com todos os seus conte\u00fados, se pode apresentar como efeito de um processo cerebral, ou de um trauma emocional; por exemplo, a morte de entes queridos. A pr\u00f3pria. totalidade de conex\u00f5es- compreens\u00edveis que ocorrem num indiv\u00edduo, totalidade que chamamos personalidade, \u00e9 consi- derada, em determinadas condi\u00e7\u00f5es, unidade (elemento), cuja g\u00eanese cau- sal se pesquisar\u00e1, por exemplo, segundo as regras da hereditariedade."], ["Nessas investiga\u00e7\u00f5es causais, sempre havemos de pensar em que algo extraconsciente subjaz \u00e0s unidades fenomenol\u00f3gicas, ou \u00e0s conex\u00f5es com- preens\u00edveis; e assim sempre havemos de empregar conceitos de disposi- \u00e7\u00f5es extraconscientes, constitui\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas e-- mecanismos extracons- cientes; conceitos estes que n\u00e3o podem, entretanto, ampliar-se em teorias universais, mas servem para os fins, investigativos moment\u00e2neos, na me- dida em que se afigurem \u00fateis."], ["Toda compreens\u00e3o, na medida em que se refere a um evento ps\u00edquico real, indica, evidentemente, uma conex\u00e3o causal, a qual, no entanto, em primeiro lugar, s\u00f3 \u00e9 acess\u00edvel pela via da compreens\u00e3o; em segundo- lugar, \u00e9 baldado e f\u00fatil elabor\u00e1-la mais estritamente e construi-la atrav\u00e9s de fatos extraconscientes (cf. o cap\u00edtulo sobre teorias), caso n\u00e3o se. deem pontos de apoio; como \u00e9 baldado e f\u00fatil fazer determina\u00e7\u00f5es, emp\u00edricas por outra via que n\u00e3o seja a da compreens\u00e3o. Ent\u00e3o, sim, \u00e9 que se encontrar\u00e3o cone- x\u00f5es causais importantes, e n\u00e3o triviais, mas a se obterem apenas pela in- vestiga\u00e7\u00e3o. \u00c9 errado, por\u00e9m, dizer que: certa conex\u00e3o ps\u00edquica causr.'1 se sinta, concomitantemente, por empatia, tal qual um eco; e que pela com- preens\u00e3o emp\u00e1tica tamb\u00e9m se possa descobrir o mecanismo causal. A pensar no assunto, veremos que a simples elabora\u00e7\u00e3o de mecanismos ex- traconscientes apenas pela via da. compreens\u00e3o emp\u00e1tica constitui jogo est\u00e9ril, como muitos outros, f\u00e1ceis, que se encontram na literatura. N\u00e3o \u00e9 como tal que a compreens\u00e3o- leva \u00e0 explica\u00e7\u00e3o causal, e sim pelo choque contra o incompreens\u00edvel."], ["e) Compreens\u00e3o e inconsciente.", "Os mecanismos extraconscientes se pensam adicionados \u00e0 vida ps\u00ed- quica consciente; em princ\u00edpio, s\u00e3o extraconscientes e, como tais, n\u00e3o se podem verificar; s\u00e3o sempre te\u00f3ricos. Enquanto esses conceitos te\u00f3ricos penetram no extraconsciente, tanto a fenomenologia quanto a psicopatolo- gia compreensiva permanecem na consci\u00eancia. Nunca, por\u00e9m, se esclarece em definitivo onde \u00e9 que se acham os limites da consci\u00eancia a esse modo de observar, limites que se afirmam, sim, permanentemente, quando pe- netram al\u00e9m dos limites moment\u00e2neos da consci\u00eancia. A fenomenologia j\u00e1 descreveu maneiras inteiramente despercebidas da exist\u00eancia ps\u00edquica, enquanto a psicologia compreensiva conceitua, at\u00e9 o momento, conex\u00f5es ps\u00edquicas despercebidas; \u00e9 o que acontece quando conceitua, \u00e0quela ma- neira nietzscheana, certos pontos de vista morais como forma\u00e7\u00f5es reativas \u00e0 consci\u00eancia da fraqueza, da impot\u00eancia, da mis\u00e9ria. Todo psic\u00f3logo vi-"], ["vencia em si mesmo o fato de sua vida ps\u00edquica cada vez mais se esclare- cer, o fato de fazer-se-lhe consciente aquilo que n\u00e3o era percebido e, por fim, o fato de nunca atingir o limite derradeiro. \u00ca de todo errado confundir isto que \u00e9 inconsciente, que, a partir do que n\u00e3o se percebe, se torna cons- ciente pela fenomenologia e pela psicologia compreensiva com aquilo que \u00e9 autenticamente inconsciente, aquilo que, em princ\u00edpio, \u00e9 extraconsciente, jamais percept\u00edvel. O que \u00e9 inconsciente, porque despercebido, \u00e9, de fato, vivenciado; mas o que \u00e9 inconsciente porque extraconsciente n\u00e3o se viven- cia, realmente. Conv\u00e9m habituarmo-nos a chamar o que \u00e9 inconsciente, no primeiro sentido, despercebido; e o que \u00e9 inconsciente no segundo, ex- traconsciente."], ["f) A pseudocompreens\u00e3o."], ["Sempre coube \u00e0 psicologia trazer \u00e0 consci\u00eancia aquilo que n\u00e3o \u00e9 no- tado; e a evid\u00eancia do que assim se conscientiza se comprova pelo fato de que qualquer outra pessoa pode, em condi\u00e7\u00f5es favor\u00e1veis, vir a notar igualmente as mesmas coisas que j\u00e1 tenha vivenciado como reais. H\u00e1, en- tretanto, uma s\u00e9rie de fatos inacess\u00edveis \u00e0 nossa compreens\u00e3o a partir de acontecimentos realmente vivenciados, que se notaram a posteriori e que, no entanto, pretendemos compreender. Charcot e M\u00f5bius, por exemplo, enfatizam e fizeram, sobre esta base, compreender a coincid\u00eancia da dis- tribui\u00e7\u00e3o dos dist\u00farbios hist\u00e9ricos sensitivos e motores com as ideias an\u00e1- tomo-fisiol\u00f3gicas erradas e grosseiras dos doentes. N\u00e3o se conseguiu, to- davia, comprovar, realmente, como ponto de partida do dist\u00farbio, seme- lhante ideia, a n\u00e3o ser quando ocorra sugest\u00e3o; mas compreendeu-se o dist\u00farbio como se fosse condicionado por um processo consciente. \u00c9 ques- t\u00e3o aberta se, em tais casos, se trata, na verdade, dessa fonte, embora se deixem sem esclarecimento certos fen\u00f4menos ps\u00edquicos que n\u00e3o se perce- bem, mas que s\u00e3o reais; ou se o caso \u00e9, apenas, de caracteriza\u00e7\u00e3o acer- tada, mas fict\u00edcia, de certos sintomas. Freud, ap\u00f3s descrever muitos des- ses fen\u00f4menos \u201ccompreendidos como se, ou pseudo- compreendidos\u201d, comparou sua atividade com a de um arque\u00f3logo, que interpreta certas obras humanas a partir de fragmentos. A grande diferen\u00e7a est\u00e1, apenas, em que o arque\u00f3logo interpreta o que j\u00e1 existiu de fato, ao passo que a pseudocompreens\u00e3o abstrai completamente a exist\u00eancia real daquilo que se compreende."], ["Abrem-se, pois, \u00e0 psicologia compreensiva duas grandes possibilidades", "de extens\u00e3o pelo fato de ela trazer \u00e0 consci\u00eancia o que n\u00e3o se percebe. Subsiste, entretanto, a d\u00favida quanto \u00e0 possibilidade que tem de penetrar,", "mediante pseudocompreens\u00e3o, no extraconsciente. Ser\u00e1 que a fic\u00e7\u00e3o da pseudocompreens\u00e3o serve para a caracteriza\u00e7\u00e3o de certos fen\u00f4menos? Esta \u00e9 uma indaga\u00e7\u00e3o a que s\u00f3 se pode responder no caso particular; de modo geral, n\u00e3o.", "g) Sobre os tipos da compreens\u00e3o, em conjunto (compreens\u00e3o intelec-"], ["tual, existencial, metaf\u00edsica)."], ["Repetimos as distin\u00e7\u00f5es que j\u00e1 fizemos:", "1) Compreens\u00e3o fenomenol\u00f3gica e compreens\u00e3o expressiva. Aquela \u00e9 a", "representa\u00e7\u00e3o interior da viv\u00eancia, mediante as autonarra\u00e7\u00f5es dos doen- tes; esta \u00e9 a percep\u00e7\u00e3o imediata do significado ps\u00edquico em movimentos, gestos (m\u00edmica) e formas (fisiogn\u00f4mia).", "2) Compreens\u00e3o est\u00e1tica e gen\u00e9tica. Aquela abrange as qualidades e", "estados ps\u00edquicos individuais, conforme se vivenciam (fenomenologia); esta, a emerg\u00eancia dos eventos ps\u00edquicos uns dos outros, conforme se d\u00e1 em conex\u00f5es motivadoras, efeitos contrastantes, altera\u00e7\u00f5es dial\u00e9ticas (psi- cologia compreensiva).", "3) Compreens\u00e3o e explica\u00e7\u00e3o gen\u00e9tica: Aquela reside na apreens\u00e3o subjetiva, evidente, das conex\u00f5es ps\u00edquicas de dentro, na medida em que, por tal forma, se possam apreender; esta reside na demonstra\u00e7\u00e3o objetiva de conex\u00f5es, consequ\u00eancias, regularidades, que s\u00e3o incompreens\u00edveis e s\u00f3 causalmente se podem explicar.", "4) Compreens\u00e3o racional e emp\u00e1tica. Aquela n\u00e3o constitui compreen-", "s\u00e3o psicol\u00f3gica propriamente, mas simples compreens\u00e3o ideativa dos con- te\u00fados racionais que um homem tem; por exemplo, a compreens\u00e3o das conex\u00f5es l\u00f3gicas de um sistema delirante de interpreta\u00e7\u00e3o do mundo, mundo no qual um homem vive como sendo o seu. A compreens\u00e3o emp\u00e1- tica \u00e9 a compreens\u00e3o a bem dizer psicol\u00f3gica do pr\u00f3prio psiquismo."], ["5) Compreens\u00e3o e interpreta\u00e7\u00e3o. Falamos em compreens\u00e3o na medida", "em que aquilo que \u00e9 compreendido se representa plenamente mediante movimentos expressivos, manifesta\u00e7\u00f5es verbais, atos. Falamos em inter- preta\u00e7\u00e3o quando s\u00f3 dados escassos servem para aplicar com certa verossi- milhan\u00e7a conex\u00f5es j\u00e1 compreendidas por outros meios ao caso em ques- t\u00e3o."], ["Basta esta diferencia\u00e7\u00e3o, inicialmente, para nos esclarecer, com cs fins", "que temos em vista, na apreens\u00e3o dos fatos emp\u00edricos. Todavia, como to- camos, constantemente, na pr\u00e1tica de nossa compreens\u00e3o, alguma coisa", "mais ampla em que reside toda esta compreens\u00e3o, referir-nos-emos, em poucas palavras, \u00e0s \u00e1reas principais nas quais a compreens\u00e3o se move al\u00e9m do que discutimos at\u00e9 o momento."], ["1. A compreens\u00e3o intelectual. N\u00e3o s\u00e3o s\u00f3 conte\u00fados racionais que se compreendem, sem qualquer psicologia, como significado objetivo, mas to- dos os outros conte\u00fados que se est\u00e3o sempre pensando, as configura\u00e7\u00f5es, imagens, s\u00edmbolos, obriga\u00e7\u00f5es e ideais. Nem s\u00e3o apenas conte\u00fados indivi- dualizados dessa ordem que se selecionam para compreender um ser hu- mano; e sim, antes, \u00e9 a facilidade com que o psic\u00f3logo alcan\u00e7a estes conte- \u00fados que limita e condiciona sua compreens\u00e3o psicol\u00f3gica. Tal compreen- s\u00e3o \u00e9 compreens\u00e3o da mente, n\u00e3o compreens\u00e3o psicol\u00f3gica; mas s\u00f3 acede- mos \u00e0 psique na medida em que compreendemos quais s\u00e3o os conte\u00fados em que ela vive, quais os conte\u00fados a que visa, que conhece e em que se faz atuante.", "2. A compreens\u00e3o existencial. Quando compreendemos as conex\u00f5es, esbarramos nos limites do incompreens\u00edvel; e este \u00e9 de admitir-se, de um lado, em suas conex\u00f5es causais, como limite do que se pode compreender, como extraconsciente, que nos leva tal qual um corpo; como material a modelar, como possibilidade existencial a apreender, como defici\u00eancia a suportar. De outro lado, o incompreens\u00edvel \u00e9, como origem do que se pode compreender, mais do que compreens\u00edvel; \u00e9 aquilo que se ilumina a si mesmo, que se faz compreens\u00edvel, embora se apreenda pelo que \u00e9 incondi- cionado da exist\u00eancia. Da\u00ed transformar-se a compreens\u00e3o psicol\u00f3gica, se relacionada com o impacto no incompreens\u00edvel que subjaz \u00e0 investiga\u00e7\u00e3o causai, em psicologia emp\u00edrica. Quando relacionada com o fen\u00f4meno da exist\u00eancia poss\u00edvel, ela vem a constituir ilumina\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica da exist\u00eancia. A psicologia emp\u00edrica estabelece como algo existe e acontece; a ilumina\u00e7\u00e3o existencial apela para o pr\u00f3prio homem mediante possibilidades. Uma se liga \u00e0 outra, de modo absoluto, na compreens\u00e3o psicol\u00f3gica, se bem que tenham significado radicalmente diverso; do que resulta ambiguidade quase insuper\u00e1vel. H\u00e1 em comum o fato de sempre pressupor-se e pensar- se, na compreens\u00e3o, um incompreens\u00edvel, o qual, todavia, \u00e9 de tipo bin\u00e1- rio, heterog\u00eaneo. Se n\u00e3o fosse um aspecto, o que \u00e9 compreens\u00edvel n\u00e3o teria exist\u00eancia (a dadifica\u00e7\u00e3o das causalidades); se n\u00e3o fosse o outro, n\u00e3o teria conte\u00fado (autonomia da exist\u00eancia). Mostra-se o incompreens\u00edvel, sob o aspecto do que se h\u00e1 de investigar causalmente, nos impulsos, nos fatos som\u00e1ticos, biol\u00f3gicos, nos mecanis- mos extraconscientes espec\u00edficos, a todo momento presumidos; est\u00e1 pre-", "sente quer em toda vida normal, quer nos desvios que caracterizam os es- tados e processos m\u00f3rbidos. Sob o aspecto da exist\u00eancia, o incompreens\u00ed- vel \u00e9 a liberdade que se apresenta na decis\u00e3o incondicionada, na apreen- s\u00e3o do sentido absoluto; como se apresenta na experi\u00eancia b\u00e1sica, quando a partir da situa\u00e7\u00e3o emp\u00edrica se forma a situa\u00e7\u00e3o marginal que desperta a exist\u00eancia para a autonomia."], ["Para iluminar a exist\u00eancia, formam-se conceitos que perdem sentido assim que s\u00e3o tratados pelo conhecimento presumidamente.' psicol\u00f3gico como modos existenciais dispon\u00edveis e se relativizam. Por mais, no en- tanto, que se estenda a investiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica, n\u00e3o- se encontra liberdade, nem se encontra aquilo tudo que se pensa como desafio \u00e0 liberdade na ilu- mina\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica da exist\u00eancia: validez, consci\u00eancia absoluta, situa\u00e7\u00f5es marginais, decis\u00f5es, responsabilidade, origem. A ilumina\u00e7\u00e3o existencial toca, atrav\u00e9s da psicologia compreensiva, esse mais-do-que compreens\u00edvel, toca a pr\u00f3pria realidade na possibilidade da autonomia, recordando, aler- tando e revelando. H\u00e1 uma confus\u00e3o e, dela resultando, uma invers\u00e3o, quando se trata essa ilumina\u00e7\u00e3o como psicologia geral, quando se enqua- dram entre os conceitos psicol\u00f3gicos da ilumina\u00e7\u00e3o existencial atos, com- portamentos, impulsos, homens em sua ess\u00eancia, ao- mesmo tempo e de uma vez tratando-os tal qual fossem, por sua. ess\u00eancia, fatos naturais."], ["3. A compreens\u00e3o metaf\u00edsica. A psicologia compreensiva diz respeito \u00e0quilo que se vivencia empiricamente ou se completa, existencialmente. A compreens\u00e3o metaf\u00edsica relaciona-se com uma significa\u00e7\u00e3o que cobre tudo quanto \u00e9 por n\u00f3s vivenciado e livremente feito; relaciona-se com a conex\u00e3o significativa ampla, na qual todo significado, limitado quanto ao mais, se pensa e se absorve. A compreens\u00e3o metaf\u00edsica interpreta os fatos e a liber- dade como se fossem a linguagem de um ser absoluto. Essa interpreta\u00e7\u00e3o n\u00e3o constitui simples elabora\u00e7\u00e3o racional \u2014 por- que, se assim fosse, n\u00e3o passaria de jogo vazio \u2014 mas ilumina\u00e7\u00e3o de expe- ri\u00eancias prim\u00e1rias atrav\u00e9s da imagem e da ideia. Quando contemplamos aquilo que n\u00e3o tem vida, o mundo c\u00f3smico, a paisagem, vivenciamos al- guma coisa que chamamos psique, ou alma; diante do que tem vida, cami- nhamos da apreens\u00e3o das. conex\u00f5es finais \u00e0 vis\u00e3o indeterminada de uma vida que tudo, abrange e que, na sequ\u00eancia de suas configura\u00e7\u00f5es, se rea- liza como significado insond\u00e1vel. Tal qual estamos diante da natureza, as-, sim estamos diante do homem em sua fatualidade e sua liberdade. O do- ente mental n\u00e3o \u00e9, para n\u00f3s, simples realidade emp\u00edrica; mas, sim, como tudo mais quanto \u00e9 real, ele se vem a fazer significativo, embora sem pos- sibilidade de verifica\u00e7\u00e3o, nessa contempla\u00e7\u00e3o metaf\u00edsica. N\u00e3o \u00e9, por\u00e9m,", "significativo apenas tal qual \u00e1rvore ou tigre, e sim de maneira \u00fanica, por- que \u00e9 um ser humano. O que \u00e0 ci\u00eancia psicopatol\u00f3gica; esta esclarece os fatos que iluminam a experi\u00eancia metaf\u00edsica: por exemplo, o fato de o que \u00e9 psic\u00f3tico poder, por sua manifesta\u00e7\u00e3o extrema, transformar-se em ima- gem de toda a exist\u00eancia humana, de tal modo que realiza\u00e7\u00f5es distorcidas e invertidas de situa\u00e7\u00f5es e elabora\u00e7\u00f5es existenciais pare\u00e7am ocorrer; ou o fato de apresentar-se, nos homens que adoecem, certa profundidade que n\u00e3o cabe, apenas, dentro da doen\u00e7a como objeto de investiga\u00e7\u00e3o, emp\u00ed- rica, mas \u00e9 parte desses homens em sua hist\u00f3ria individual; mais ainda, o fato de surgir, na realidade psic\u00f3tica, uma plenitude de conte\u00fados que re- presentam o problema fundamental da filosofia: o nada, a total destrui\u00e7\u00e3o, a informidade, a morte. As possibilidades humanas extremas fazem-se, ent\u00e3o, reais, rompendo todos os limites da exist\u00eancia que se oculta, que se aquieta, se configura e se isola. Ao fil\u00f3sofo que em n\u00f3s existe mais n\u00e3o resta do que fascinar-se, a vida inteira, com essa realidade; e perp\u00e9tua, re- novadamente, inquiri-la."], ["Digress\u00e3o sobre a compreens\u00e3o e a valora\u00e7\u00e3o. A tens\u00e3o de toda com-"], ["preensibilidade entre o verdadeiro e o falso, dentro da mente, entre o evento emp\u00edrico e a liberdade, dentro do que \u00e9 existencial, entre o que des- lumbra e o que apavora (entre o amor e a f\u00faria divina), dentro do que \u00e9 metaf\u00edsico, revela-se por um fen\u00f4meno b\u00e1sico que estamos sempre experi- mentando, quando compreendemos; mesmo quando compreendemos psi- cologicamente; de modo que, quando compreendemos, estamos valorando. Em sua pr\u00f3pria atua\u00e7\u00e3o compreens\u00edvel, o homem realiza valora\u00e7\u00f5es e tudo quanto \u00e9 compreens\u00edvel tem para n\u00f3s colorido positiva ou negativamente valioso; a valorabilidade \u00e9 constitutiva de toda compreensibilidade. Pelo contr\u00e1rio, o que \u00e9 incompreens\u00edvel em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 atua\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 em si valo- rado como meio e condi\u00e7\u00e3o. Assim \u00e9 que uma mem\u00f3ria que adequada- mente falha, atrav\u00e9s de supress\u00e3o compreens\u00edvel, n\u00f3s a valoramos depre- ciativamente; a mem\u00f3ria fisiol\u00f3gica, no entanto, valoramos apenas como instrumento."], ["Quem assume atitude cient\u00edfica tem de suspender as valora\u00e7\u00f5es, a fim", "de reconhecer o que existe; o que n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel, quando se compreende no mesmo sentido em que na explica\u00e7\u00e3o causai. Exig\u00eancia an\u00e1loga existe em rela\u00e7\u00e3o ao nosso conhecimento quando se trata de compreender; exi- g\u00eancia que se preenche com a compreens\u00e3o justa, multilateral, franca, que tem consci\u00eancia cr\u00edtica de seus limites. O amor e o \u00f3dio daquele que valora regulam a compreens\u00e3o; suspensos que sejam, por\u00e9m, chega-se \u00e0 compre- ens\u00e3o clara, em propor\u00e7\u00e3o com o conhecimento."], ["Quando compreendemos um caso concreto, z apar\u00eancia \u00e9 de que valo- ramos sem compreender cientificamente; isso \u00e9 inevit\u00e1vel pelo fato de que toda conex\u00e3o compreens\u00edvel em si \u00e9 valorada negativa ou positivamente por todos os homens, o que resulta da circunst\u00e2ncia de aquilo que \u00e9 valo- r\u00e1vel residir naquilo que \u00e9 compreens\u00edvel. A compreens\u00e3o correta \u00e9 valora- \u00e7\u00e3o, do mesmo modo que a valora\u00e7\u00e3o correta se realiza ao mesmo tempo que a compreens\u00e3o. Da\u00ed residir, em toda compreens\u00e3o, por um lado, uma determina\u00e7\u00e3o, que pode n\u00e3o ser valorativa; por outro lado, um desafio, que valora e, a seu turno, desperta valora\u00e7\u00f5es. Porque a compreens\u00e3o cor- reta \u00e9 dif\u00edcil e rara, tamb\u00e9m a valora\u00e7\u00e3o de outras criaturas \u00e9 quase sem- pre errada e dependente do acaso, bem como de impulsos extracognicio- nais. Porque tem. prazer em ser valorado favoravelmente, o homem quase sempre se sente corretamente compreendido quando dele se faz valora\u00e7\u00e3o favor\u00e1vel. \u00c9 por isto que o uso lingu\u00edstico identifica compreens\u00e3o e valora- \u00e7\u00e3o positiva. Aqueles que s\u00e3o valorados negativamente e, particularmente, em situa\u00e7\u00f5es nas quais seu valor negativo \u00e9 manifesto, consideram-se dif\u00ed- ceis de compreender e quase sempre se julgam incompreendidos."], ["Certo \u00e9 que existe a ideia de valora\u00e7\u00e3o objetiva, isto \u00e9, uma compreen- s\u00e3o a que se associe, impositivamente, a valora\u00e7\u00e3o justa; a determina\u00e7\u00e3o compreensiva consistiria em realizar uma valora\u00e7\u00e3o verdadeira coincid\u00ean- cia, por\u00e9m, que n\u00e3o passa de ideia. Uma valora\u00e7\u00e3o contradit\u00f3ria pode li- gar-se \u00e0 mesma compreens\u00e3o (por exemplo, Nietzsche compreendeu sem- pre S\u00f3crates, mas nele viu o homem ora positiva, ora negativamente. O compreens\u00edvel, quanto mais plenamente se apreenda, \u00e9 em si mesmo anti- n\u00f3mico, \u00e9 amb\u00edguo, dando origem a comportamento ambivalente, na me- dida em que sequer eu o compreendo.", "h) De que modo a compreensibilidade psicol\u00f3gica se move entre as obje-", "tividades compreens\u00edveis e o incompreens\u00edvel.", "Nos limites do que \u00e9 psiquicamente compreens\u00edvel, encontramos o que n\u00e3o se compreende geneticamente, mas constitui requisito dessa compre- ens\u00e3o. Vamos resumir:"], ["Quando descrevemos conex\u00f5es geneticamente compreens\u00edveis, sempre"], ["existe:", "1) um conte\u00fado de tipo mental pressuposto, que n\u00e3o \u00e9, ele pr\u00f3prio,"], ["psicol\u00f3gico e que se pode compreender sem psicologia;", "2) uma express\u00e3o percebida, que ilumina uma interioridade significa-", "tiva;", "3) uma viv\u00eancia representada de imediato, que, fenomenologicamente, \u00e9 alguma coisa de derradeiro, irredut\u00edvel e que s\u00f3 estatisticamente se pode dadificar. N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel compreens\u00e3o psicol\u00f3gica sem que se pense em conte\u00fa- dos (imagens, formas, s\u00edmbolos, ideias); sem que se veja express\u00e3o, sem que se covivenciem os fen\u00f4menos vivenciados. Todas estas esferas dos fa- tos significativos objetivos e da viv\u00eancia subjetiva constituem material da compreens\u00e3o. S\u00f3 na medida em que s\u00e3o dados \u00e9 que a compreens\u00e3o se pode realizar e \u00e9 pela apreens\u00e3o geneticamente compreensiva que, por seu turno, se lhes estabelece a respectiva conex\u00e3o.", "N\u00e3o s\u00f3, entretanto, a compreens\u00e3o psicol\u00f3gica se prende a estes acha-", "dos objetivos e subjetivos. Inversamente, tamb\u00e9m:", "1) quase n\u00e3o se pode falar nos conte\u00fados sem pensar na realidade psi-", "col\u00f3gica para a qual existem;"], ["2) n\u00e3o se pode contemplar a express\u00e3o sem compreend\u00ea-la em seus"], ["motivos;", "3) fenomenologicamente, quase n\u00e3o se pode descrever coisa alguma"], ["sem ver, de imediato, as conex\u00f5es compreens\u00edveis.", "Na multiplicidade conjunta dos fatos; realiza-se a compreens\u00e3o psico- l\u00f3gica, esbarrando, por outro lado, no incompreens\u00edvel, o qual reside: a) ou nos mecanismos extraconscientes, que o corpo transporta: na compreen- s\u00e3o, tem-se de pensar, inevitavelmente, nos mecanismos extraconscientes, se se quiser fazer investiga\u00e7\u00e3o causai; e, vice-versa, n\u00e3o se pode falar em mecanismos extraconscientes sem pressupor o que \u00e9 compreens\u00edvel e o que \u00e9 compreendido, ambos impondo, nos limites respectivos, a elabora- \u00e7\u00e3o desses mecanismos; b) ou \u00e9 na exist\u00eancia que reside o incompreens\u00ed- vel: pela compreens\u00e3o, toca-se na fonte da liberdade, a fim de apreender as possibilidades da exist\u00eancia mediante a ilumina\u00e7\u00e3o e a fim de recordar ao homem sua pr\u00f3pria condi\u00e7\u00e3o; de fato, sem exist\u00eancia, o compreens\u00edvel seria inst\u00e1vel, impessoal, nulo e ineficaz. Inversamente, a exist\u00eancia s\u00f3 pode aparecer e realizar-se pela revela\u00e7\u00e3o mediante o compreens\u00edvel."], ["O procedimento do psic\u00f3logo compreensivo \u00e9 o seguinte: partindo de intui\u00e7\u00e3o compreensiva total, esta se decomp\u00f5e; esclarecem-se, sucessiva- mente, de um lado, express\u00e3o, conte\u00fados, fen\u00f4menos; doutro lado, meca- nismos extraconscientes; e percebe-se a possibilidade da exist\u00eancia como base suscet\u00edvel de investiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica. Por fim, apartir dessa distribui-", "\u00e7\u00e3o dos fatos e espa\u00e7os significativos, se reedifica e se enriquece a compre- ens\u00e3o da conex\u00e3o. Em rela\u00e7\u00e3o ao caso concreto, inquire-se o resultado momentaneamente obtido, repete-se o procedimento e aprofunda-se a in- vestiga\u00e7\u00e3o com a cole\u00e7\u00e3o de dados objetivos, no jogo de novas maneiras de ver e com mais outra an\u00e1lise."], ["O objeto da psicologia compreensiva est\u00e1, por assim dizer, a meio-ca- minho de todos os fatos objetivos, fen\u00f4menos vivenciados, mecanismos ex- traconscientes implicados, por um lado, e da exist\u00eancia livre, por outro lado. Poder-se-ia negar o objeto da psicologia compreensiva e afirmar que, para a investiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica, s\u00f3 h\u00e1 aqueles fen\u00f4menos, conte\u00fados, fatos expressivos, mecanismos extraconscientes, ao passo que, para a filosofia, haveria a exist\u00eancia poss\u00edvel. Mas tente-se trabalhar com esses campos separados: quase toda a vis\u00e3o e pensamento psicol\u00f3gicos desaparecer\u00e3o e tamb\u00e9m, inversamente, quase ser\u00e1 imposs\u00edvel falar nesses fatos e nessas bases existenciais sem interfer\u00eancia, novamente, da psicologia genetica- mente compreensiva. O certo, no entanto, \u00e9 que a psicologia compreensiva sempre se encontra no limite desses dois reinos, ou seja, jamais se pode falar, \u201cpuramente\u201d, em psicologia compreensiva, visto que ela sempre se relaciona com as referidas esferas, al\u00e9m da impossibilidade de falar nelas, quando delas se cuida, de maneira absolutamente \u00e0 parte."], ["Por conseguinte, a psicologia compreensiva n\u00e3o pode, em tempo al- gum, fechar-se em si mesma, mas constituir ou psicologia emp\u00edrica para apreens\u00e3o de fen\u00f4menos, express\u00f5es, conte\u00fados, mecanismos extracons- cientes, ou ilumina\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica da exist\u00eancia.", "Na psicopatologia, contudo, a psicologia compreensiva s\u00f3 tem sentido se se fizer empiricamente vis\u00edvel, se se apoiar em observa\u00e7\u00f5es. Onde com- preendo, tenho de inquirir: que fatos vejo eu, que posso eu indicar? Onde \u00e9 que esbarro no incompreens\u00edvel? A condi\u00e7\u00e3o intermedi\u00e1ria da psicologia compreensiva precisa preencher-se, constantemente, com objetividades, de um lado, e com incompreensibilidades, de outro."], ["Essa intermediariedade esclarece a velha indaga\u00e7\u00e3o do que \u00e9 a alma, propriamente, entre esp\u00edrito e corpo. Vemos o esp\u00edrito como sendo os con- te\u00fados com que a alma se relaciona e que a movimentam, enquanto ve- mos o corpo como sendo a respectiva exist\u00eancia. Ao que parece, nunca apreendemos a pr\u00f3pria alma, mas ou a investigamos com corporeidade, ou a compreendemos em seus conte\u00fados. N\u00e3o se esgota jamais, por\u00e9m, a corporeidade com as grada\u00e7\u00f5es da corporeidade que se pode investigar bi-", "ologicamente; pelo contr\u00e1rio, ela eleva-se \u00e0 corporeidade animada dos fe- n\u00f4menos expressivos, de modo que todo verdadeiro esp\u00edrito \u00e9 da mesma natureza que a alma, a ela se liga, por ela \u00e9 levado.", "Se, entretanto, s\u00f3 encontrarmos e s\u00f3 pensarmos na pr\u00f3pria alma atra-"], ["v\u00e9s da express\u00e3o corp\u00f3rea, se a vida da alma se apreende, exatamente, nessa express\u00e3o corp\u00f3rea; se s\u00f3 a\u00ed est\u00e3o a unidade, nesse caso, estaremos limitando, erradamente, nossa apreens\u00e3o da realidade, pois que a expres- s\u00e3o se prova, apenas, como dimens\u00e3o do fen\u00f4meno que a alma \u00e9; n\u00e3o se encerra em si mesma, mas \u00e9 compreens\u00edvel, unicamente, na conex\u00e3o da- quilo que n\u00e3o se transforma em express\u00e3o.", "A alma \u2014 ou a psique \u2014 \u00e9 a correla\u00e7\u00e3o em que se pensa objetivamente", "de refer\u00eancia ao m\u00e9todo da compreens\u00e3o. Quando parece refluir, apreen- demos, em seu lugar, primeiros planos (fen\u00f4menos, express\u00f5es, conte\u00fa- dos) e condi\u00e7\u00f5es (corpo e exist\u00eancia). O que, na psicologia compreensiva, reconhecemos \u00e9 o elo que prende tudo quanto se pode compreender \u00e0quilo relacionado com o que \u00e9 imposs\u00edvel compreender."], ["Da intermediariedade da psique resulta ser a compreens\u00e3o gen\u00e9tica in- capaz de fechar-se e concluir-se, em pretensa certeza, na totalidade. Cada compreens\u00e3o \u00e9 modo de apreens\u00e3o, esclarecimento da realidade humana, e n\u00e3o m\u00e9todo que fa\u00e7a acess\u00edvel o homem em si e no todo. Da\u00ed estar sem- pre em aberto a psicologia compreensiva."], ["i) Tarefas da psicopatologia compreensiva.", "A psicologia compreensiva tem duas tarefas. De um lado, visa a esten- der nossa compreens\u00e3o a conex\u00f5es desusadas, remotas para n\u00f3s e, \u00e0 pri- meira vista, talvez intang\u00edveis (por exemplo, pervers\u00f5es sexuais, crueldade instintiva etc.). Doutro lado, pretende reconhecer as conex\u00f5es (que, em si, s\u00e3o universalmente as mesmas) presentes nos estados ps\u00edquicos condicio- nados por mecanismos anormais (quais sejam, as rea\u00e7\u00f5es hist\u00e9ricas). No primeiro caso, trata-se de compreender alguma coisa que, no pr\u00f3prio campo do compreens\u00edvel, se valora como sendo estranho, por ser patol\u00f3- gico, ou por ser fora do comum; o que se enfatiza s\u00e3o as compreensibilida- des especiais. No segundo caso, trata-se de reconhecer realiza\u00e7\u00f5es anor- mais de conex\u00f5es que, por si, em sua maior, parte, s\u00e3o compreens\u00edveis, n\u00e3o desusadas; a \u00eanfase est\u00e1 nos mecanismos extraconscientes anormais. Tem-se- lhes acesso pela via, apenas, da compreens\u00e3o."], ["A isso dedicam-se dois cap\u00edtulos. Um diz respeito a o que das conex\u00f5es", "compreens\u00edveis e ocupa-se com as conex\u00f5es compreens\u00edveis como tais: a", "anormalidade est\u00e1 na pr\u00f3pria compreensibilidade. Outro cap\u00edtulo trata do como das conex\u00f5es compreens\u00edveis, da respectiva realiza\u00e7\u00e3o em mecanis- mos extraconscientes: a anormalidade reside em mecanismos anormais, representam o incompreens\u00edvel que constitui a base do. fen\u00f4meno especial e o efeito daquilo que se compreende."], ["Seguem-se outros cap\u00edtulos, ocupando-nos, separadamente, com duas", "qualidades b\u00e1sicas do que \u00e9 compreens\u00edvel:", "1) O que \u00e9 compreens\u00edvel compreende-se a si mesmo, move-se na au- torreflex\u00e3o, de modo especial, na atitude que o doente assume em rela\u00e7\u00e3o a sua enfermidade. Tudo quanto \u00e9 compreens\u00edvel \u00e9 coerente em cada indi- v\u00edduo.", "2) O todo das conex\u00f5es compreens\u00edveis em concreto chamamos perso-", "nalidade ou car\u00e1ter; ser\u00e1 o tema do \u00faltimo cap\u00edtulo.", "Mais uma vez repetimos, relativamente ao significado de todas as dis- cuss\u00f5es atinentes ao compreens\u00edvel: na psicologia compreensiva, mesmo havendo a m\u00e1xima evid\u00eancia das conex\u00f5es compreens\u00edveis, a aplica\u00e7\u00e3o destas ao caso individual nunca leva por dedu\u00e7\u00e3o a resultados provados, e sim, apenas prov\u00e1veis. A psicologia compreensiva n\u00e3o \u00e9 de aplicar-se, me- canicamente, a partir de conhecimentos gerais, mas sempre exige intui\u00e7\u00e3o pessoal nova. \u201cA interpreta\u00e7\u00e3o \u00e9 ci\u00eancia s\u00f3 em princ\u00edpio; na aplica\u00e7\u00e3o, \u00e9 arte\u201d (Bleuler)."], ["2.1. CONEX\u00d5ES COMPREENS\u00cdVEIS", "\u00a7 1. As Fontes De Nossa Capacidade De Compreender E A Tarefa Da Psicopatologia Compreensiva."], ["Todos n\u00f3s conhecemos uma quantidade de conex\u00f5es do psiquismo, que a experi\u00eancia nos ensinou (n\u00e3o s\u00f3 pela repeti\u00e7\u00e3o frequente, mas tam- b\u00e9m pela compreensibilidade de um caso real individual que nos chamou a aten\u00e7\u00e3o). Com elas operamos quando analisamos personalidades psico- p\u00e1ticas e aqueles psic\u00f3ticos que sempre est\u00e3o exigindo \u201cexplica\u00e7\u00e3o psicol\u00f3- gica\u201d parcial. Quanto mais ricos somos em conhecimentos que permitam compreender, mais fina e corretamente podemos fazer essas an\u00e1lises, no caso individual, com \u201cexplica\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica\u201d. Em parte alguma, nem na psicologia normal, nem na psicopatologia, se tem elaborado, conexa e sis- tematicamente, ou por ser imposs\u00edvel, ou por ser demasiado dif\u00edcil, esta psicologia compreensiva. A formula\u00e7\u00e3o das conex\u00f5es compreens\u00edveis que todos conhecemos e que a linguagem a todo momento representa leva a trivialidades. O que se pode compreender tangivelmente costuma ter forma concreta, mas se perde com a sistematiza\u00e7\u00e3o. Apesar disso, \u00e9 ao sa- ber sistem\u00e1tico que a ci\u00eancia nos leva e, se \u00e9 absurdo sistematizar as coi- sas compreens\u00edveis, pelo menos podemos tentar ordenar metodicamente, em torno dos princ\u00edpios da compreens\u00e3o, os conte\u00fados do que \u00e9 compre- ens\u00edvel. Antes, todavia, recordemos onde \u00e9 que conseguimos, a bem dizer, adquirir riqueza, mobilidade e profundidade para nossa compreens\u00e3o."], ["Todo pesquisador tem de saber, de acordo com seu n\u00edvel humano, o", "que e como pode compreender. Os feitos criativos da compreens\u00e3o foram realizados, nos mitos e na compreens\u00e3o dos mitos, pelos grandes poetas e artistas. \u00c9 s\u00f3 pelo estudo incessante, durante a vida inteira, de Shakespe- are, Goethe, dos tr\u00e1gicos antigos e tamb\u00e9m dos autores modernos \u2014 Dos- todevski, Balzac e outros \u2014 que se logra a vis\u00e3o \u00edntima, o exerc\u00edcio da fan- tasia compreensiva, a posse de imagens e formas com que se pode levar a compreens\u00e3o concretamente presente. Esses conte\u00fados tornam-se consci- entes pela reflex\u00e3o, na totalidade das ci\u00eancias human\u00edsticas. A clareza com que o pesquisador percebe, aqui, os tra\u00e7os fundamentais fornece-lhe o padr\u00e3o exato para sua compreens\u00e3o, bem como a moldura do poss\u00edvel. Onde procuro a fonte de minha compreens\u00e3o, onde experimento confirma- \u00e7\u00e3o, onde indago \u2014 eis o que condiciona a maneira por que pesquiso, na minha qualidade de psic\u00f3logo compreensivo. Da\u00ed se decide se permane\u00e7o"], ["preso a simplifica\u00e7\u00f5es banais, a esquematismos racionais, ou se ganho a apreens\u00e3o do homem em suas manifesta\u00e7\u00f5es mais importantes. Pode-se dizer, ao pesquisador compreensivo: Dize-me onde vais buscar tua psico- logia e te direi quem \u00e9s. S\u00f3 o trato dos grandes poetas e da realidade dos grandes homens \u00e9 que cria os horizontes em que tamb\u00e9m o que h\u00e1 de mais importante e de mais mediano se faz interessante e essencial. Con- forme nos orientemos pelo costumeiro ou pelo extraordin\u00e1rio, pelo puro e acabado, decidiremos que n\u00edvel alcan\u00e7ar\u00e1 aquele que compreende e aquilo que, a cada momento, \u00e9 compreendido.", "H\u00e1, no entanto, al\u00e9m desse mundo de formas que \u00e9 o mundo do que se"], ["compreende, mundo m\u00edtico e po\u00e9tico, uma intensidade de esfor\u00e7os men- tais no sentido da compreens\u00e3o, que sedimenta em determinados escritos, baseados na filosofia antiga: Plat\u00e3o e Arist\u00f3teles; mais tarde, os estoicos. Mas foi Santo Agostinho quem, primeiro, elaborou o mundo inteiro da compreens\u00e3o psicol\u00f3gica ocidental. Ulteriormente, muitas tentativas vie- ram assumir forma afor\u00edstica; a destacar entre os franceses, Montaigne, La Bruy\u00e8re, La Rochefoucauld, Vauvenargues, Chamfort e, sobretudo, Pascal. Sistem\u00e1tica, s\u00f3 a obra de Hegel, Fenomenologia do Esp\u00edrito; abso- lutamente \u00fanicos e os maiores de todos os psic\u00f3logos compreensivos s\u00e3o Kieerkegaard e Nietzsche."], ["A toda compreens\u00e3o subjazem projetos da exist\u00eancia humana, ha- vendo, no background, consci\u00eancia mais ou menos clara do que \u00e9 e pode ser pr\u00f3prio ao homem; projetos estes que o psicopatologista ter\u00e1 presen- tes, mas nenhum dos quais poder\u00e1, como pesquisador, considerar verda- deiro; antes comprovar\u00e1 cada um deles no sentido de saber o que pode, desta forma, aprender a ver concretamente; e de que modo alargar suas possibilidades experimentais.", "N\u00e3o cabe \u00e0 psicopatologia desenvolver e representar as conex\u00f5es com-", "preens\u00edveis em sua totalidade atrav\u00e9s dos respectivos conte\u00fados. A com- preensibilidade \u00e9 infind\u00e1vel. Quem a capta e nesse terreno se movimenta, dentro da reciprocidade de efeitos das grandes tradi\u00e7\u00f5es e da pr\u00f3pria expe- ri\u00eancia vital, n\u00e3o se deixa enredar em esquematismos simples ou comple- xos. O problema que a psicopatologia tem de resolver \u00e9 realizar a compre- ensibilidade mediante os mecanismos extraconscientes espec\u00edficos, nor- mais e anormais."], ["H\u00e1, no entanto, do lado da psicopatologia, uma tarefa aut\u00f4noma, que"], ["consiste em representar, penetrantemente, conex\u00f5es compreens\u00edveis anor-"], ["mais e mais raras atrav\u00e9s de casos individuais concretos; tarefa que inde- pende de conhecimentos causais e relacionados com as ci\u00eancias naturais. N\u00e3o \u00e9 frequente assumir-se esta tarefa; e mais raro ainda \u00e9 empreend\u00ea-la de maneira acurada e percuciente. A inclina\u00e7\u00e3o a considerar \u00fanicos os co- nhecimentos causais e. aqueles que derivam das ci\u00eancias naturais nunca permitiu formar consci\u00eancia clara da autonomia dessa investiga\u00e7\u00e3o; mais: falseou, tanto pela interfer\u00eancia da \u201cexplica\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica\u201d, a investiga\u00e7\u00e3o objetiva quanto, por for\u00e7a de constru\u00e7\u00f5es te\u00f3ricas no sentido das ci\u00eancias naturais, a compreens\u00e3o pura. No terreno das anormalidades sexuais, muita contribui\u00e7\u00e3o valiosa tem havido, dentro da esfera pericial de casos criminais individuais, bem como da boa casu\u00edstica psiqui\u00e1trica. Assim, pois, se cabe \u00e0 psiquiatria especial, pela psicopatologia, formar a consci\u00ean- cia de conex\u00f5es compreens\u00edveis especiais, quando se descrevem psicopa- tias (por exemplo, no caso da vida impulsiva, na viv\u00eancia valorativa, no comportamento)., n\u00e3o se h\u00e1 de perder de vista, todavia, que existem cone- x\u00f5es compreens\u00edveis comuns individuais, que mais frequente- mente se notam e servem de instrumento para a compreens\u00e3o pr\u00e1tica de todos os dias."], ["Quanto aos exemplos das conex\u00f5es compreens\u00edveis. Do mundo infinito"], ["da compreensibilidade temos a apontar, expressamente, algumas possibi- lidades, apenas, no presente cap\u00edtulo. Certas formas fundamentais de compreender t\u00eam-se tornado costumeiras, sem plano, nem delibera\u00e7\u00e3o, nos \u00faltimos dec\u00eanios. N\u00e3o foi, premeditadamente, por gosto ou prazer nosso que, acima, extra\u00edmos conex\u00f5es compreens\u00edveis de uma rica litera- tura; e sim, quisemos, dentro da psicopatologia, tornar metodicamente conscientes aqueles pontos de vista a que t\u00eam aderido, no presente e. de modo geral, psiquiatras e psicoterapeutas. Estes pontos de vista, que s\u00e3o pr\u00f3prios da nossa \u00e9poca, mostram os caminhos que, atualmente, segue -a compreens\u00e3o. Talvez n\u00e3o tenham validade universal e perp\u00e9tua, mas s\u00e3o peculiares ao mundo em que vivemos. Toda compreens\u00e3o tanto pressup\u00f5e quanto desenvolve uma imagem do homem em seu mundo; assim tam- b\u00e9m se passa com esta compreens\u00e3o atual. A mim parecem b\u00e1sicos, entre os pressupostos do quadro atual a que me refiro: o empobrecimento de possibilidades interiores, essenciais, em compara\u00e7\u00e3o com os velhos tem- pos; o prop\u00f3sito de corrigir essa pobreza pela aquisi\u00e7\u00e3o da antiga tradi\u00e7\u00e3o; o conheci- mento de conflitos radicais; a fraqueza das atitudes b\u00e1sicas; a descren\u00e7a e, a seguir, a tend\u00eancia a acreditar em sistemas e doutrinas cu- rativos violentamente conceituados."], ["Nos par\u00e1grafos que se seguem, expomos os pontos de vista que, hoje,", "vigoram; mas o fundamento subsiste de que: Para nossa compreens\u00e3o pr\u00e1tica, temos de conquistar o background daquela grande tradi\u00e7\u00e3o hist\u00f3- rica da compreens\u00e3o; n\u00e3o nos \u00e9 poss\u00edvel esquecer essa origem, nem esse padr\u00e3o, quando permitimos que se acumulem no primeiro plano de nossa consci\u00eancia a experimenta\u00e7\u00e3o contempor\u00e2nea."], ["Damos exemplo de conex\u00f5es compreens\u00edveis segundo tr\u00eas rumos: Pri- meiro, consideramos conte\u00fados compreens\u00edveis: os impulsos s\u00e3o, no su- jeito, a fonte do movimento, o qual se realiza na rela\u00e7\u00e3o do indiv\u00edduo com o mundo', e se compreende, no existir, por s\u00edmbolos (falamos em psicolo- gia dos impulsos, psicologia da realidade, psicologia dos s\u00edmbolos). Se- gundo, consideramos formas b\u00e1sicas da compreensibilidade. A forma do movimento \u00e9 a oposi\u00e7\u00e3o, com a respectiva tens\u00e3o, muta\u00e7\u00e3o, reconcilia\u00e7\u00e3o, decis\u00e3o; o movimento ocorre em c\u00edrculos (falamos em psicologia dos con- trastes e psicologia do c\u00edrculo). Terceiro, consideramos um fen\u00f4meno que \u00e9 b\u00e1sico a toda compreensibilidade na autorreflex\u00e3o (falamos em psicologia da reflex\u00e3o).", "Estes tr\u00eas rumos que a compreens\u00e3o segue (conte\u00fado, formas, autor-"], ["reflex\u00e3o) v\u00eam a coincidir num todo conexo da compreensibilidade. N\u00e3o h\u00e1 uma s\u00e9rie de diversidades simult\u00e2neas que se excluam umas as outras, e sim o todo se ilumina atrav\u00e9s de cada um dos pontos de vista. Da\u00ed sermos obrigados, quando compreendemos por um ponto de vista, a ter em vista, complementarmente, tamb\u00e9m os demais."], ["\u00a7 2. Conex\u00f5es Compreens\u00edveis Do Conte\u00fado"], ["a) Os impulsos, seu desenvolvimento e transforma\u00e7\u00e3o ps\u00edquicos.", "Toda viv\u00eancia encerra em si um impulso. Em tudo quanto fazemos e sofremos, que produzimos com ardor e gozamos permanentemente, que repelimos com avers\u00e3o, h\u00e1 alguma coisa impulsiva, quer quando procura- mos, apreendemos, retemos e afirmamos, quer quando fugimos, evitamos, esquivamos e destru\u00edmos.", "1. Conceito de impulso.", "O que \u00e9 impulso conceitua-se de maneira variada: impulsos s\u00e3o instin-", "tos vivenciados, isto \u00e9, fun\u00e7\u00f5es que se realizam a partir de \u00edmpetos mo- ment\u00e2neos, sem que se tenha consci\u00eancia de conte\u00fado, nem de objetivo do ocorrido, de modo, no entanto, que certo acontecimento complexo e fina- l\u00edstico alcance seu objetivo em consequ\u00eancia de movimentos impulsivos."], ["Impulsos s\u00e3o necessidades corp\u00f3reas, como a fome, a sede, o sono; quer dizer, impuls\u00f5es que, por certos meios, alcan\u00e7am, imediatamente, seu ob- jetivo. \u2014 Os impulsos consistem num configurar criativo', por exemplo, nos movimentos do corpo, nos quais este desenvolve e manifesta sua es- s\u00eancia, a exprime e representa (impulso a exprimir-se, a representar); ou nas obras intencionais (impulso a conhecer, ou a criar). \u2014 Impulsos s\u00e3o for\u00e7as que impelem a atuar, isto \u00e9, for\u00e7as que t\u00eam consci\u00eancia do fim a que visam e que intencionalmente o alcan\u00e7am, gra\u00e7as a certos meios, na propor\u00e7\u00e3o daqueles."], ["Tal diferencia\u00e7\u00e3o que se nota na impuls\u00e3o por si unit\u00e1ria representa sempre tentativa de interpreta\u00e7\u00e3o, cabendo, a esta altura, indagar em que ponto de vista se apoia semelhante interpreta\u00e7\u00e3o: assim \u00e9 que distingui- mos tamb\u00e9m, conforme se trate de fins objetivamente alcan\u00e7ados (instin- tos), necessidade corp\u00f3reas (impulsos), configuramentos (impulso criador), representa\u00e7\u00f5es, ou objetivos e fins subjetivamente pretendidos (impulso \u00e0 a\u00e7\u00e3o). O sentido desta classifica\u00e7\u00e3o \u00e9 relativo. No \u201cimpulso sexual\u201d, por exemplo, tudo existe: um instinto que se manifesta em fun\u00e7\u00f5es inatas para realiza\u00e7\u00e3o do acasalamento, mesmo sem conhecimento; uma neces- sidade corp\u00f3rea no chamado desejo de contra\u00e7\u00e3o e deple\u00e7\u00e3o; um configu- rar criativo no erotismo; um impulso \u00e0 a\u00e7\u00e3o pela realiza\u00e7\u00e3o de ideias a que o erotismo deu origem."], ["Outro ponto de visa que leva a discrimina\u00e7\u00e3o, dentro da impuls\u00e3o, consiste em indagar se o motivo do impulso \u00e9 a obten\u00e7\u00e3o de prazer (e pra- zer sempre, afinal, como prazer corp\u00f3reo), ou se o conte\u00fado \u00e9 que \u00e9 o fim, para cuja obten\u00e7\u00e3o se aceitam dissabores, dores e sofrimentos; ou ainda se mesmo a obten\u00e7\u00e3o de desprazer pode motivar o impulso. O prazer \u00e9 ex- press\u00e3o das fun\u00e7\u00f5es vitais ordenadas, harmoniosas, do bem-estar e da re- aliza\u00e7\u00e3o, do deleita- mento; o prazer est\u00e1 no equil\u00edbrio, na boa disposi\u00e7\u00e3o. Pelo contr\u00e1rio, os impulsos, de modo geral, n\u00e3o visam, em absoluto, a este prazer, mas se acham al\u00e9m do prazer e do desprazer. O que neles h\u00e1 de espec\u00edfico \u00e9 indescrit\u00edvel, s\u00f3 se podendo contornar pela discrimina\u00e7\u00e3o dos v\u00e1rios aspectos."], ["Outros pontos de vista pelos quais distinguir s\u00e3o os aspectos ulterio- res, que, a seguir, discutiremos, da compreensibilidade. Por exemplo: a re- la\u00e7\u00e3o individual com o mundo: atribuem-se os impulsos \u00e0 desvalia origi- n\u00e1ria da exist\u00eancia e, sobretudo, do homem no mundo: para conservar-se, ele tem a aspira\u00e7\u00e3o ao poder e \u00e0 afirma\u00e7\u00e3o, a fim de conservar a esp\u00e9cie: atribuem-se todos os impulsos a esse impulso prim\u00e1rio, interpretam-se as mais elevadas aspira\u00e7\u00f5es como meios e desvios com que alcan\u00e7ar esses", "objetivos elementares. \u2014 Os s\u00edmbolos como conte\u00fados daquilo que \u00e9 com- preens\u00edvel: interpretam-se os s\u00edmbolos como meio, como linguagem, como ilus\u00e3o no processo da realiza\u00e7\u00e3o impulsiva. \u2014 Quanto ao dialeticismo ori- undo da tens\u00e3o do movimento ps\u00edquico: contempla-se o conflito que re- sulta da resist\u00eancia a um impulso, indaga-se o que \u00e9, propriamente, resis- tente e resistido e atenta-se para a irresistibilidade, que pode chegar a ser insuper\u00e1vel; mas s\u00f3 \u00e9 moment\u00e2nea, nunca absoluta."], ["Sejam quais forem, entretanto, as discrimina\u00e7\u00f5es que se fa\u00e7am, h\u00e1, em", "toda impuls\u00e3o humana, alguma coisa que \u00e9 dada originalmente; que, como tal, n\u00e3o se pode compreender e de que partir\u00e1 toda compreens\u00e3o; ao mesmo tempo, contudo, h\u00e1 um impulso ps\u00edquico que leva a clarifica\u00e7\u00e3o mediante conte\u00fados. Na compreens\u00e3o dos impulsos e do respectivo desen- volvimento, encontra-se o esclarecimento daquilo que, em si, constitui processo de auto- ilumina\u00e7\u00e3o permanente.", "2. Classifica\u00e7\u00e3o dos impulsos.", "Os conte\u00fados dos impulsos s\u00e3o t\u00e3o variados quanto a pr\u00f3pria vida. Sempre existe no impulso- uma coa\u00e7\u00e3o; donde movimento, que \u00e9 movido, a bem dizer, pela for\u00e7a propulsiva de algo que se vivencia (segundo Klages: imagens); algo que se sente na coa\u00e7\u00e3o mesma, sem representa\u00e7\u00e3o nem pensamento. Da\u00ed se distinguirem, os impulsos conforme seus conte\u00fados; e da\u00ed a ser-lhes a enumera\u00e7\u00e3o t\u00e3o infinita quanto a dos conte\u00fados dos senti- mentos. O que importa \u00e9 poderem as tentativas de classifica\u00e7\u00e3o atingir os tra\u00e7os b\u00e1sicos dos impulsos. T\u00eam-se organizado m\u00faltiplos \u201cquadros dos impulsos\u201d, todas variando umas das outras."], ["Podem-se adotar os seguintes pontos de vista para a distin\u00e7\u00e3o em dois polos: aos impulsos que resultam do excesso de energia op\u00f5em-se aqueles que prov\u00e9m da vacuidade; \u00e0 necessidade de descarga, a necessidade de re- ple\u00e7\u00e3o. \u2014 H\u00e1 impulsos que a qualquer tempo se podem despertar, como os h\u00e1 que, por sua ess\u00eancia, s\u00e3o peri\u00f3dicos, que se satisfazem e nova- mente despertam. \u2014 Certos impulsos representam necessidade perma- nente, que precisam ser repetidamente satisfeitas; que s\u00e3o incapazes de desenvolvimento ulterior; que t\u00eam de satisfazer-se completamente, mesmo que s\u00f3 por forma moment\u00e2nea; e impulsos h\u00e1 que, de cada vez que se sa- tisfazem, se transformam, se exaltam, se desenvolvem, nunca se satisfa- zem inteiramente; nos quais, com a saciedade, a fome aumenta em lugar de diminuir.", "Freud distingue como sendo para ele o mais profundo contraste: o im-"], ["pulso da vida e o impulso da morte. O impulso da morte \u00e9 destrutivo, diri- gido tanto para fora (impulso agressivo) quanto para si mesmo; \u00e9 a impul- s\u00e3o ao regresso, ao inorg\u00e2nico. At\u00e9 o impulso a alimentar-se \u2014 porque se destr\u00f3i o que se come \u2014 tem um aspecto pelo qual se aproxima do im- pulso a destruir. \u2014 O impulso da vida (Eros) distingue-se em impulso do ego e impulso sexual. O impulso do ego compreende o impulso da auto- conserva\u00e7\u00e3o (alimenta\u00e7\u00e3o, apossamento, aquisi\u00e7\u00e3o, defesa, gregarismo) e o impulso da automanifesta\u00e7\u00e3o (poder e prest\u00edgio, saber e criatividade). O impulso sexual inclui uma aspira\u00e7\u00e3o de conserva\u00e7\u00e3o da esp\u00e9cie, o cuidado com a prole."], ["A classifica\u00e7\u00e3o que se segue considera tr\u00eas n\u00edveis de impulsos:", "Primeiro grupo. Impulsos som\u00e1tico-sensoriais. Impulso sexual, fome, sede. \u2014 Sono, movimento \u2014 Prazer de sugar, em tomar alimento, prazer de deple\u00e7\u00e3o anal e uretral.", "A polaridade b\u00e1sica, neste grupo, \u00e9 representada pela necessidade e pela satisfa\u00e7\u00e3o. Todos t\u00eam correlato som\u00e1tico. Estes. impulsos s\u00e3o, ape- nas, positivos, sem impulso contrastante positivo. Negativos, a este n\u00edvel, s\u00e3o, unicamente, o nojo ou, mais fraco, o t\u00e9dio."], ["Segundo grupo. Impulsos vitais. Relacionam-se, sem localiza\u00e7\u00e3o som\u00e1-", "tica determinada, com a exist\u00eancia em seu todo. S\u00e3o:", "", "", "", "Impulsos vitais existenciais: Vontade de poder. \u2014 Vontade de submeter-se. Impulso \u00e0 autoafirma\u00e7\u00e3o \u2014 Impulso \u00e0 ren\u00fancia. Vontade pr\u00f3pria \u2014 Impulso associativo (instinto greg\u00e1rio). Cora- gem-Temor (furor agressivo \u2014 \u00e2nsia de socorro pela fuga). Amor \u2014 \u00d3dio. Organizam-se estes impulsos em pares opostos; a cada impulso- corresponde um contraimpulso. A significa\u00e7\u00e3o objetiva que em todos se nota parece ser a conserva\u00e7\u00e3o da vida e a inten- sifica\u00e7\u00e3o- da vida; de tal modo, por\u00e9m, que isso se passa numa luta que possibilita, exatamente, o contr\u00e1rio; aniquilamento da vida do outra como de si mesmo; marginalmente, talvez a aspira- \u00e7\u00e3o ao aniquilamento universal. N\u00e3o \u00e9 raro a polaridade de im- pulso e contraimpulso levar ao dialeticismo espantoso da conver- s\u00e3o de um no outro. Impulsos ps\u00edquicos \u2014 vitais. Curiosidade, prote\u00e7\u00e3o parental; im- pulso ambulat\u00f3rio; aspira\u00e7\u00e3o ao repouso e \u00e0 comodidade; von- tade de posse. Definem-se estes impulsos de acordo com conte\u00fa- dos especiais, moment\u00e2neos. Impulsos vitais criativos. Impulso a exprimir-se; a demonstrar-se; a produzir ferramentas, a trabalhar, a criar."], ["Terceiro grupo. Impulsos intelectuais. Impulsos a aprender e dar-se a", "uma- exist\u00eancia que se manifesta em valores sentidos como absoluta- mente v\u00e1lidos, sejam religiosos, \u00e9ticos, filos\u00f3ficos ou est\u00e9ticos. Compete \u00e0 filosofia investigar as \u00e1reas de valores e esclarecer-lhes a validade inde- pendentemente de viv\u00eancias psicol\u00f3gicas subjetivas. O fato psicol\u00f3gico existe de uma viv\u00eancia eminentemente variada e rica, original, qualitativa- mente peculiar, em rela\u00e7\u00e3o aos dois grupos acima descritos; viv\u00eancia que reside na dedica\u00e7\u00e3o a esses valores e que consiste em \u00e2nsia impulsiva, quando tais valores faltam; em felicidade imposs\u00edvel de comparar a qual- quer outro prazer, quando s\u00e3o plenos. \u00c9 decisivo, para fazermos ideia de um homem, ver o modo por que todos estes impulsos se manifestam na respectiva exist\u00eancia; ou por que retrogradam quase at\u00e9 o desapareci- mento, sem jamais, no entanto, faltar de todo num ser humano.", "Comum aos impulsos do terceiro grupo \u00e9 uma aspira\u00e7\u00e3o \u00e0 eternidade;"], ["n\u00e3o em termos de dura\u00e7\u00e3o temporal, e sim sob o aspecto de configura- mento no tempo que leva a participa\u00e7\u00e3o numa exist\u00eancia transtemporal."], ["Com esta classifica\u00e7\u00e3o, separa-se alguma coisa cujo significado \u00e9 t\u00e3o"], ["diverso que se hesita antes de aludir, em qualquer dos casos, a impulsos; apesar do que, cada um dos grupos separa o que, na realidade, est\u00e1 unido. A considerar a classifica\u00e7\u00e3o acima como se fosse hierarquia dos im- pulsos, cada um deles pode realizar-se sem aquele que se lhe segue, mas nenhum se realizar\u00e1 sem aquele que o precede. \u00ca pr\u00f3prio do homem o fato de sua vida instintiva conjunta ser impregnada dos impulsos apontados no \u00faltimo grupo; de nada poder mais identificar-se, simplesmente, com o animal, de coisa alguma, poder realizar-se de modo desinteressado (dizia Arist\u00f3teles que o homem s\u00f3 pode ser mais ou menos do que um animal). Inversamente, entretanto, tamb\u00e9m n\u00e3o \u00e9 o homem capaz, por assim dizer, de subordinar-se a impulsos puramente espirituais, porque sempre est\u00e1 presente um matiz dos impulsos som\u00e1tico-senso- riais. Concluir da\u00ed que os impulsos superiores mais n\u00e3o s\u00e3o do que os inferiores veladamente manifestos \u00e9 erro. Envolver-se n\u00e3o significa provir. Por exemplo, a univer- salidade dos efeitos do impulso sexual n\u00e3o quer dizer seja este sempre a for\u00e7a que determina, nem sequer a for\u00e7a \u00fanica que governa a alma. Se, mais moderadamente, se suscitar a tese segundo a qual a mente \u00e9 impo- tente, toda energia prov\u00e9m dos estratos inferiores, ou, em outras palavras: nossas viv\u00eancias mais profundas, nossos impulsos mais fortes se originam nos mais baixos estratos da exist\u00eancia, esta tese de Schiller (s\u00e3o a fome e o amor-sexus \u2014 que conservam o mundo humano; portanto, s\u00f3 as ideias"], ["que conquistam os impulsos naturais \u00e9 que se podem realizar) n\u00e3o \u00e9 un\u00ed- voca. Talvez seja v\u00e1lida relativamente aos eventos hist\u00f3ricos maci\u00e7os, mas n\u00e3o se comprova de refer\u00eancia a todas as \u00e9pocas. Compreende-se, assim, o fato comum de se alegarem motivos espirituais, ou \u00e9ticos, a ponto mesmo de ocuparem o primeiro plano da consci\u00eancia, quando, na reali- dade, s\u00e3o apenas impulsos sensoriais e vitais que predominam. N\u00e3o se ex- clui da\u00ed, por\u00e9m, a possibilidade de os impulsos inferiores serem domina- dos por impulsos primariamente espirituais; e de serem usados como ins- trumentos e empregados como fontes de energia. N\u00e3o se duvide da prima- riedade de todos os momentos em que nossos impulsos se desenvolve. To- davia, a respectiva atua\u00e7\u00e3o conjunta e a respectiva colis\u00e3o constituem pro- blema b\u00e1sico da exist\u00eancia humana. Quem tiver em vista esta situa\u00e7\u00e3o n\u00e3o acreditar\u00e1 em classifica\u00e7\u00e3o definitiva e un\u00edvoca dos impulsos que ve- nha a formar hierarquia \u00fanica.", "3. Impuls\u00f5es anormais.", "As impuls\u00f5es anormais s\u00e3o in\u00fameras. Por exemplo, conhecem-se as pervers\u00f5es do gosto \u2014 a chamada \"\u201cpica\u201d \u2014 das gr\u00e1vidas e das hist\u00e9ricas, que sentem necessidade de comer areia ou vinagre etc. Mais: a fome insa- ci\u00e1vel; a sede, que pode constituir impulso anormalmente aumentado e transformar-se em v\u00edcio. A necessidade de emo\u00e7\u00f5es a qualquer pre\u00e7o, de movimentos expressivos ou de gestos em excesso; a necessidade do \u00f3cio, as impuls\u00f5es in\u00fameras, como a perambula\u00e7\u00e3o, a bebida etc. \u2014 tudo isso exige an\u00e1lise especial, que cabe \u00e0 psiquiatria especial. Tema capital consti- tuem os rumos impulsivos perversos, sexuais e outros quase sempre rela- cionados com o tipo de sexualidade. H\u00e1, por exemplo, a necessidade da dor, do prazer na dor, sofrida ou infligida. O impulso \u00e0 crueldade \u00e9 t\u00e3o co- mum que se poderia consider\u00e1-lo normal, tal qual pensava Nietzsche, que via nas orgias da crueldade um fator b\u00e1sico do evento humano. Relaciona- dos com a sexualidade, chamam-se esses impulsos sadismo (infligir dores a outra pessoa), ou masoquismo (padecer dores), conforme a lux\u00faria de- penda do sofrimento imposto ou padecido. A frieza sexual, no entanto, tamb\u00e9m se vincula ao impulso \u00e0 crueldade, \u00e0 \u00e2nsia de poder que se mani- festa como prazer em infligir sofrimento. As atitudes moralizantes para com os demais \u00e9, muito frequentemente, forma da vontade de dominar e torturar (Nietzsche notou que gerecht (= justo) soa quase igual a ger\u00e3cht (= torturado, vingado). \u00c9 de espantar a amplitude com que a disposi\u00e7\u00e3o espe- c\u00edfica de certas constitui\u00e7\u00f5es impulsivas anormais \u2014 o \u00f3dio apaixonado, a lux\u00faria s\u00e1dica, a frieza sexual cruel, a \u00e2nsia de dominar no amor etc. \u2014 envolve alguns homens importantes da hist\u00f3ria da cultura. E \u00e9 importante"], ["reconhecer a multiplicidade de modos por que, evidentemente, essas cons- titui\u00e7\u00f5es impulsivas anormais se t\u00eam apresentado, se se quiserem com- preender certos movimentos espirituais, quais sejam, a associa\u00e7\u00e3o do as- cetismo, da \u00e2nsia de domina\u00e7\u00e3o e da crueldade (sobretudo na Idade M\u00e9- dia); e quase todos os fanatismos. A hist\u00f3ria p\u00f5e em tudo isso um v\u00e9u, nada diz, nada transmite e s\u00f3 pela materialidade das experi\u00eancias acess\u00ed- veis ao m\u00e9dico \u00e9 que, muitas vezes, se consegue perceb\u00ea-lo plenamente, de quando em quando, de um momento para outro, atrav\u00e9s de documentos e depoimentos conservados ao acaso. Mas \u00e9 tamb\u00e9m de modo compreensivo que se h\u00e1 de considerar o efeito das constitui\u00e7\u00f5es impulsivas sadias; como se h\u00e1 de notar a atmosfera pura de todas as paix\u00f5es, isenta de pervers\u00f5es e convers\u00f5es desta ordem, em todos os tipos de espiritualidade. A impres- s\u00e3o \u00e9 de que s\u00f3 raramente se constata a sanidade.", "Pode-se ver com que for\u00e7a as invers\u00f5es impulsivas atuam sobre a vida"], ["inteira de um homem; a compreens\u00e3o \u00e9 sempre, no entanto, amb\u00edgua: \u00e9 situa\u00e7\u00e3o particular, constituindo disposi\u00e7\u00e3o anormal, que origina modifi- ca\u00e7\u00e3o caracterial; ou \u00e9 um car\u00e1ter anormal que condiciona a possibilidade dessas manifesta\u00e7\u00f5es impulsivas anormais? Uma coisa e outra afiguram- se \u00e0 nossa compreens\u00e3o ser o caso. Em personalidades eminentes, certa disposi\u00e7\u00e3o impulsiva anormal pode ser equilibrada por qualidades huma- nas que a tornam sem efeito (tal qual o caso de Wilbelm von Humboldt). Noutras, temos a impress\u00e3o de que a impulsividade anormal conserva sua for\u00e7a e talvez se origine na personalidade que, por este motivo, se lhe abandona sem resist\u00eancia. Da\u00ed surgirem consequ\u00eancias ruinosas (tanto no que respeita \u00e0 impuls\u00e3o quanto no que se relaciona com a personalidade), de modo que se faz imposs\u00edvel edificar uma exist\u00eancia com outros seres humanos. Ou h\u00e1 os muitos graus intermedi\u00e1rios em que o homem, por for\u00e7a da convers\u00e3o dos impulsos, se v\u00ea em luta incessante consigo mesmo, atormentado por conflito existencial insuper\u00e1vel. \u00c0 derradeira, \u00e9 decisiva a personalidade na igual a anormalidade se absorve e da qual se origina, quer esta se evapore, por assim dizer, na pura etereidade daquela, quer a anormalidade marque, decisivamente, a personalidade."], ["\u00c9 assim que classificamos as maneiras pelas quais compreendemos os"], ["impulsos anormais:", "aa) Desintegra\u00e7\u00e3o dos n\u00edveis impulsivos superiores. \u2014 Basta desapare- cerem os n\u00edveis superiores para que os inferiores produzam efeito desini- bido e para que se exaltem, em sua import\u00e2ncia para a vida ps\u00edquica total. \u00c9 o caso da voracidade dos dementes. \u2014 O fato caracterol\u00f3gico \u00e9 \u00e2 devas- ta\u00e7\u00e3o da psique."], ["bb) Dissocia\u00e7\u00e3o ou cis\u00e3o dos n\u00edveis impulsivos entre si. \u2014 Fragmentam- se os n\u00edveis impulsivos, em lugar de apoiarem-se uns aos outros, de se li- mitarem entre si, de permanecerem ligados sem fronteiras n\u00edtidas, na uni- dade de um todo. Cada um realiza-se por si, excluindo os demais; os sen- soriais, de modo puramente ideal. \u00c9 desta ordem a voracidade de certos neur\u00f3ticos. Desastrosa \u00e9 a dissocia\u00e7\u00e3o da sexualidade, o isolamento desse impulso sensual, que lhe despoja a forma por que se manifesta de qual- quer conex\u00e3o com o psiquismo. Heyer fala no indiv\u00edduo \u201cque desaprendeu a doa\u00e7\u00e3o amorosa a Eros, rebaixando-se \u00e0 satisfa\u00e7\u00e3o desencantada do sexo\u201d. Se, de um lado, todos os impulsos naturais t\u00eam uma espirituali- dade que os anima, o impulso isolado ou dissociado caracteriza-se pela pujan\u00e7a e pelo despojamento espiritual. \u2014 O efeito caracterol\u00f3gico \u00e9 a in- diferen\u00e7a, a frieza moral, a maldade."], ["cc) Invers\u00e3o da rela\u00e7\u00e3o entre os n\u00edveis impulsivos inferiores e superiores. \u2014 Os impulsos dos n\u00edveis inferiores preenchem-se, da maneira que lhes \u00e9 pr\u00f3pria, mediante a possibilidade franca com que se unificam prim\u00e1ria e inseparavelmente; por exemplo, o impulso sexual do amor. Este aparece no impulso sexual como sendo um de suas formas. Pelo contr\u00e1rio, os n\u00ed- veis inferiores podem realizar-se ao rev\u00e9s, assumindo a forma dos n\u00edveis superiores, atrav\u00e9s da pervers\u00e3o, de modo que aquilo que se afigura supe- rior n\u00e3o o \u00e9, apenas representando m\u00e1scara; \u00e9 o que se d\u00e1 quando os sen- timentos religiosos servem \u00e0 satisfa\u00e7\u00e3o sensual; ou quando a dedica\u00e7\u00e3o a Deus se viv\u00eancia como se fosse prazer carnal."], ["Se chamarmos a m\u00e1scara que prov\u00e9m dos n\u00edveis superiores \u201cs\u00edmbolo\u201d e dissermos que nesses s\u00edmbolos se realiza o impulso sexual, n\u00e3o podere- mos negar que exista semelhante satisfa\u00e7\u00e3o simb\u00f3lica; cuja realidade n\u00e3o \u00e9, todavia, universal, e sim, como tal, representa sintoma de anormalidade ps\u00edquica. O que h\u00e1 \u00e9 inclus\u00e3o imediata do impulso sensual na forma inte- lectual (a qual, por assim dizer, nele se esvazia, por ele dominada), em vez da sublima\u00e7\u00e3o na qual o impulso est\u00e1 presente, por\u00e9m, transformado em urna parte do todo. Essa inclus\u00e3o inalterada da sensualidade desnatura a mente, transforma-a em meio, em material que morreu, em disfarce e ilu- s\u00e3o. \u2014 O efeito caracterol\u00f3gico \u00e9 a mendacidade geral."], ["dd) Fixa\u00e7\u00e3o do impulso. \u2014 As pervers\u00f5es originam-se do acaso de uma viv\u00eancia. Subsiste a satisfa\u00e7\u00e3o sob a forma j\u00e1 vivenciada e ligada ao objeto; o que n\u00e3o acontece, por\u00e9m, apenas, pela compuls\u00e3o da associa\u00e7\u00e3o simul- t\u00e2nea com aquilo que se vivenciou porque, ent\u00e3o, o fen\u00f4meno seria co- mum \u00e0 generalidade dos homens. O condicionamento \u00e9 de todo diverso e", "acredita-se t\u00ea-lo encontrado quando se admite uma \u201cparada em grau in- fantil\u201d do psiquismo em geral.", "Exemplos: Chama-se fetichismo a pervers\u00e3o na qual o objeto da atra-"], ["\u00e7\u00e3o e da satisfa\u00e7\u00e3o sexuais s\u00e3o sapatos, peles, roupas \u00edntimas, tran\u00e7as etc. Von Gebsattel acha que o sapato, para o fetichista, n\u00e3o \u00e9 um objeto como outro qualquer, e sim um ser vivo, a quem fala, que acaricia, tal qual a menina acaricia a boneca. A forma\u00e7\u00e3o do fetiche origina-se de uma constitui\u00e7\u00e3o autoer\u00f3tica, correspondendo a certo estado que permaneceu infantil. O fetichista que ama um sapato \u201c\u00e9 incapaz de fazer seu amor e sua sexualidade ultrapassarem-no a ele pr\u00f3prio, de maneira que ambos se realizem em conson\u00e2ncia com processos realizativos simult\u00e2neos de um \u201ctu\u201d existente. Criado na fuga da personalidade alheia e do sexo alheio, o fetiche substitui tanto o \u201ctu\u201d alheio quanto a alheia corporeidade. O feti- chista parou, em sua evolu\u00e7\u00e3o, na rela\u00e7\u00e3o amorosa materna (ou paterna), n\u00e3o conseguindo ultrapass\u00e1-la\u201d."], ["Os psicanalistas chamam infantilismo a import\u00e2ncia que certos neur\u00f3- ticos d\u00e3o \u00e0 observa\u00e7\u00e3o da alimenta\u00e7\u00e3o e da digest\u00e3o; bem assim, a coprofi- lia, mais os fen\u00f4menos de \u201cerotismo anal\u201d. \u00c9 assim que compreendem o asseio escrupuloso e a \u00e2nsia de ordem, al\u00e9m de outros tra\u00e7os carater\u00edsti- cos dos \u201cer\u00f3ticos anais\u201d.", "O efeito caracterol\u00f3gico das fixa\u00e7\u00f5es est\u00e1 na falta de liberdade interior,"], ["na inibi\u00e7\u00e3o, na pobreza sentimental."], ["ee) Transforma\u00e7\u00e3o dos impulsos em v\u00edcios. \u2014 Ainda n\u00e3o \u00e9 v\u00edcio a impul- sividade. O v\u00edcio, em confronto com o impulso, n\u00e3o s\u00f3 \u00e9 mais forte pela im- posi\u00e7\u00e3o que exerce, mas se experimenta como se fosse estranho e compul- sivo. O v\u00edcio origina-se de certo estado intoler\u00e1vel e anormal que v\u00e3mente se pensa em suprimir com a satisfa\u00e7\u00e3o do desejo. Os impulsos podem transformar-se em v\u00edcios. De que modo se forma o v\u00edcio? Pode-se respon- der: em primeiro lugar, h\u00e1 um conhecimento: a reflex\u00e3o \u00e0 sexualidade pode criar o v\u00edcio, ainda que o impulso n\u00e3o seja demasiado forte; em se- gundo lugar, o v\u00edcio forma-se atrav\u00e9s de fen\u00f4menos de abstin\u00eancia resul- tantes da administra\u00e7\u00e3o casual de entorpecentes (em sentido estrito, cha- mam-se v\u00edcios aqueles que se referem aos medicamentos entorpecentes). Em terceiro lugar, na forma\u00e7\u00e3o do v\u00edcio interfere um sentimento de vacui- dade especial, que vai aumentando: aqueles que, em virtude de fatores constitucionais, a todo momento recai nesse estado entrega-se ao v\u00edcio na esperan\u00e7a de escape. \u00c9 assim que, segundo Von Gebsattel, \u201cqualquer rumo que o interesse humano tome pode deformar-se no sentido do v\u00edcio\u201d,"], ["desde que posto a servi\u00e7o do impulso a preencher um vazio, seja trabalho, mania de colecionar, \u00e2nsia de posse, aspira\u00e7\u00e3o de poder, sentimentalismo, culto da beleza etc. N\u00e3o se trata de\u201e edificar uma exist\u00eancia, e sim, ape- nas, de repetir, viciosamente, a mesma coisa, porque a insatisfa\u00e7\u00e3o s\u00f3 se cobre momentaneamente, sem suprimir-se; mant\u00e9m-se presente e exige repeti\u00e7\u00e3o, sem delibera\u00e7\u00e3o, nem continuidade crescente relativamente ao conte\u00fado."], ["Todas as pervers\u00f5es s\u00e3o viciosas (Von Gebsattel), mais fortemente compulsivas do que os impulsos normais. A inclina\u00e7\u00e3o pelos entorpecen- tes \u00e9 viciosa, resultando, ent\u00e3o, a sensa\u00e7\u00e3o de vacuidade, em toda a cria- tura humana, do estado fisiol\u00f3gico que aparece quando cessa o efeito; por exemplo, da morfina administrada para al\u00edvio de sofrimentos som\u00e1ticos. \u00c9 necess\u00e1rio certo autodom\u00ednio para superar esse estado. Quando, por\u00e9m, a vacuidade total, baseada na disposi\u00e7\u00e3o ps\u00edquica, \u00e9 de todo precedente, motivando a inclina\u00e7\u00e3o viciosa, uma coisa soma-se \u00e0 outra: o estado fisio- l\u00f3gico e o impulso a suprimir o vazio com a embriaguez. Pode- se dizer que todos os alcoolistas, morfin\u00f3manos etc., que s\u00e3o viciados, portam consigo certa predisposi\u00e7\u00e3o ps\u00edquica; donde um v\u00edcio substituir-se a outro, sem, no entanto, liberta\u00e7\u00e3o em que se possa, confiar, porque imposs\u00edvel supri- mir a base da inclina\u00e7\u00e3o."], ["4. Desenvolvimentos ps\u00edquicos a partir de transforma\u00e7\u00f5es impulsivas. Nem todos os impulsos resultam de puls\u00f5es b\u00e1sicas. Devemos, sim, dis- tinguir os impulsos prim\u00e1rios de disfarces, substitutivos, impuls\u00f5es inau- t\u00eanticas; a conex\u00e3o compreens\u00edvel que aqui se acha presente \u00e9 a seguinte: o perimundo real impede, muitas vezes, seja por que modo for, em todos os homens, a satisfa\u00e7\u00e3o dos impulsos. Visto que cada satisfa\u00e7\u00e3o acarreta algum prazer, cada obst\u00e1culo a que ela se produza acarreta desprazer. Se a realidade nega a verdadeira satisfa\u00e7\u00e3o, a psique busca maneiras, que n\u00e3o percebe, de encontrar satisfa\u00e7\u00e3o, mesmo que atrav\u00e9s de desvios; ma- neiras que, entretanto, no momento em que esses fatos se passam, o su- jeito sempre percebe, em princ\u00edpio. Imposs\u00edvel que \u00e9 a satisfa\u00e7\u00e3o verda- deira, o que se obt\u00e9m \u00e9 simples ilus\u00e3o; da\u00ed o engano de in\u00fameras satisfa- \u00e7\u00f5es; da\u00ed a desonestidade inconsciente da natureza humana. Vamos enu- merar alguns casos com que deparamos nesse inesgot\u00e1vel terreno: aa) A primeira possibilidade \u00e9 de a realidade estar, simplesmente, des- ligada da consci\u00eancia. Acredita-se naquilo que se quer seja verdade; o que n\u00e3o se deseja \u00e9 irreal; da\u00ed falsificarem-se quase todos os ju\u00edzos humanos. H\u00e1 uma s\u00e9rie de psicoses \u2014 as chamadas psicoses reativas \u2014 nas quais", "se tem impress\u00e3o de que, com a psicose, se consegue uma fuga da reali- dade, esta tendo-se tornado insuport\u00e1vel para o indiv\u00edduo."], ["bb) Outra possibilidade \u00e9 de que um impulso n\u00e3o satisfeito tome como s\u00edmbolo certo objeto estranho, obtendo satisfa\u00e7\u00e3o diversa, fraca, embora, mas suport\u00e1vel. N\u00e3o \u00e9 raro se tomarem como s\u00edmbolos, por for\u00e7a de im- pulsos n\u00e3o satisfeitos dos dois primeiros grupos apontados, certos objetos do terceiro grupo. Os impulsos do terceiro grupo n\u00e3o se tornam, ent\u00e3o, aut\u00eanticos, b\u00e1sicos, e sim apenas na apar\u00eancia se vivenciam, o que se v\u00ea n\u00e3o s\u00f3 atrav\u00e9s do modo vivencial diverso, subjetivo, mas tamb\u00e9m pela ex- terioridade que consiste no fato de os indiv\u00edduos em causa perderem o en- tusiasmo inaut\u00eantico por outros valores, assim que se lhes d\u00e1 oportuni- dade de satisfa\u00e7\u00e3o real dos impulsos."], ["cc) Por fim, h\u00e1 um deslocamento, por essa via, das viv\u00eancias valorati- vas, uma falsifica\u00e7\u00e3o das escalas de valores (Nietzsche), a fim de configu- rar de maneira suport\u00e1vel a realidade daqueles que n\u00e3o vencem. Nietzsche interpretou semelhante deslocamento de valores operado pelos indiv\u00edduos pobres, fracos, impotentes, \u2014 que extraem, em sua fraqueza, certa for\u00e7a, por exemplo, de ju\u00edzos morais; com o que, suportam a exist\u00eancia \u2014 como resultado do ressentimento contra os valores positivos de outros homens, os ricos, os nobres, os fortes. Scheler analisou de maneira not\u00e1vel essa co- nex\u00e3o, ou seja, o deslocamento ilus\u00f3rio dos valores.", "A invers\u00e3o contr\u00e1ria ao ressentimento \u00e9 a valora\u00e7\u00e3o da legitimidade. O"], ["homem cuja vida \u00e9 boa; que, nascido em situa\u00e7\u00e3o favor\u00e1vel, subiu \u00e0s ca- madas sociais dirigentes, n\u00e3o se disp\u00f5e a considerar sua posi\u00e7\u00e3o como presente da sorte, e sim resultante de seu pr\u00f3prio valor, de seus m\u00e9ritos. Sua situa\u00e7\u00e3o de privil\u00e9gio, ele n\u00e3o a v\u00ea como encargo, mas direito seu. Aos menos favorecidos imp\u00f5e, al\u00e9m do que j\u00e1 sofrem, todos os \u00f4nus; inferiores, \u00e9 justo oprimi-los. O que lhe serve ao orgulho \u00e9 a valora\u00e7\u00e3o das riquezas, do poder, do dom\u00ednio, sinais da natureza nobre de seus portadores; e mais: a valora\u00e7\u00e3o da sa\u00fade, da for\u00e7a, da arrog\u00e2ncia espumante, que ser\u00e3o valores absolutos. Cego \u00e0 casualidade tanto de sua posi\u00e7\u00e3o quanto \u00e0s pos- sibilidades radicais de perd\u00ea-la, esquiva-se ao que lhe \u00e9 insuport\u00e1vel, ou seja, \u00e0 mod\u00e9stia, \u00e0 humildade, \u00e0 consci\u00eancia das realidades com que se h\u00e3o de comprar os privil\u00e9gios; e busca fugir \u00e0 amea\u00e7a da ru\u00edna e da queda, bem como aos deveres da posi\u00e7\u00e3o que ocupa; para isso, a legitimi- dade de seus privil\u00e9gios lhe serve de v\u00e9u com que gozar, desonerado, seu patrim\u00f4nio. Assim \u00e9 que tanto aos oprimidos quanto aos opressores se abre a possibilidade da falsifica\u00e7\u00e3o das escalas de valores em sentido reci- procamente correspondente; da mesma forma, em ambas as situa\u00e7\u00f5es, a"], ["psique encontra possibilidade de adapta\u00e7\u00e3o \u00e0 realidade, \u00e0 verdade e \u00e0 franqueza.", "b) O indiv\u00edduo no mundo.", "\u00c9 situa\u00e7\u00e3o b\u00e1sica do homem estar no mundo como ente individual, fi-", "nito; ser independente, sem deixar, no entanto, de ter possibilidades de atividade, dentro de certo espa\u00e7o mut\u00e1vel, limitado por fronteiras coerciti- vas. Viver \u00e9 enfrentar o mundo, que chamamos realidade; \u00e9 lutar, atuar, configurar; \u00e9 esbarrar na realidade, \u00e9 adaptar-se a ela, \u00e9 apreend\u00ea-la e co- nhec\u00ea-la.", "1. O conceito de situa\u00e7\u00e3o.", "Toda vida realiza-se em seu perimundo. Em escala fisiol\u00f3gica, um est\u00ed- mulo gera rea\u00e7\u00e3o. No todo vital, as atividades, rendimentos, viv\u00eancias s\u00e3o desencadeados pela situa\u00e7\u00e3o, ou estimulados, dados como tarefas a cum- prir. Investigar as situa\u00e7\u00f5es humanas, tais como se originam da conex\u00e3o objetiva que corresponde \u00e0 exist\u00eancia em sociedade, \u00e9 encargo que cabe \u00e0 sociologia. O comportamento do indiv\u00edduo em rela\u00e7\u00e3o a situa\u00e7\u00f5es t\u00edpicas constitui, no entanto, objeto de estudo da psicologia compreensiva, pela qual se constata de que modo a casualidade, a oportunidade, o destino se fazem presentes ao homem, por ele s\u00e3o captados ou perdidos. As situa- \u00e7\u00f5es s\u00e3o coativas no momento; mut\u00e1veis em sequ\u00eancia e, como situa\u00e7\u00f5es, determinadas intencionalmente pelos homens. Quando, entretanto, exis- tem situa\u00e7\u00f5es derradeiras, que, embora ocultas ou despercebidas na vida cotidiana, determinam, necessariamente, a vida em sua totalidade (como a morte, a culpa, a luta, a que n\u00e3o se pode fugir), falamos em \u201csitua\u00e7\u00f5es marginais\u201d. O que \u00e9 pr\u00f3prio ao homem e pr\u00f3prio se lhe pode tomar tem origem derradeira na experi\u00eancia, na apropria\u00e7\u00e3o, na supera\u00e7\u00e3o das situa- \u00e7\u00f5es marginais."], ["2. A realidade.", "O que \u00e9 a realidade n\u00e3o se pode dizer com seguran\u00e7a objetiva, porque est\u00e1, a cada momento, em parte, na cren\u00e7a geralmente disseminada, pr\u00f3- pria de uma comunidade. Quando compreendemos um homem, temos de distinguir entre aquilo que vale para ele como realidade e aquilo que cons- titui nosso conhecimento da realidade. Da\u00ed suspender-se toda compreen- s\u00e3o, pelo fato de n\u00e3o ser definitiva a realidade.", "A realidade \u00e9 a natureza e \u00e9, em especial, o pr\u00f3prio corpo, mais as ca- pacidades produtivas corp\u00f3reas e mentais pr\u00f3prias. \u00c9 a ordem social, com", "aquilo que, dentro da situa\u00e7\u00e3o sociol\u00f3gica do indiv\u00edduo, se deve esperar re- lativamente a ele, em tais atos, ou em tais comportamentos. A realidade s\u00e3o os outros homens individuais, a comunica\u00e7\u00e3o com os quais \u00e9 criada pelos fundamentos existenciais \u00edntimos e b\u00e1sicos."], ["O homem aspira \u00e0 realidade, isto \u00e9, ao preenchimento de sua. exist\u00ean- cia, por assim dizer, no bem-estar de seu corpo e da efici\u00eancia de suas re- aliza\u00e7\u00f5es; aspira \u00e0 posi\u00e7\u00e3o que lhe parece a melhor na ordem social e ao pleno desempenho respectivo; \u00e0 proximidade, \u00e0 fidelidade, \u00e0 seguran\u00e7a de suas rela\u00e7\u00f5es \u00edntimas, nas quais se realiza. N\u00e3o \u00e9, contudo, por forma au- tom\u00e1tica que se d\u00e3o esses desempenhos.", "3. Autossufici\u00eancia e depend\u00eancia.", "O homem tende a criar o ideal de uma criatura, que, cerrada em si mesma, c bastante; que se satisfaz por si, vivendo sem necessidade de re- ceber de fora coisa, alguma, porque se julga absolutamente plena. Mas, querendo vir a ser uma criatura assim, o homem tem de aprender, de ma- neira tanto mais dr\u00e1stica, que, afinal, depende de tudo. Ente vital que \u00e9, tem necessidades que s\u00f3 de fora se podem satisfazer. Tem de viver e valer em sociedade, a fim de participar dos bens indispens\u00e1veis \u00e0 vida. Tem de viver em reciprocidade com outros homens, produzindo e recebendo, en- tregando-se e preservando-se, amando e odiando, se n\u00e3o quiser esvaziar- se e aniquilar-se em sua solid\u00e3o. \u00c9 pela troca que tem de viver, apren- dendo, ouvindo, compreendendo e, mediante a apropria\u00e7\u00e3o, produzindo novidades, a fim de participar na espiritualidade que, fora da comunidade, jamais alcan\u00e7ar\u00e1."], ["De todo contato com o exterior, quer natureza, quer homens, quer so- ciedade, quer indiv\u00edduo, resultam, imediatamente, limita\u00e7\u00f5es, inibi\u00e7\u00f5es, colis\u00f5es. Viver consiste em realizar, mediante processo configurativo e adaptativo, a luta e a composi\u00e7\u00e3o, o compromisso e a integra\u00e7\u00e3o. \u00c9 assim realizando-se o ser humano que a polaridade residente na preserva\u00e7\u00e3o do espa\u00e7o pr\u00f3prio e na aceita\u00e7\u00e3o pelos outros se transforma em totalidade, ao inv\u00e9s de dispersar-se em contrastes que se excluem uns aos outros.", "De caminho, por\u00e9m, d\u00e3o-se conflitos', conflitos com a comunidade, com os outros indiv\u00edduos, consigo mesmo; conflitos que v\u00eam a transfor- mar-se em falhas, derrotas, limita\u00e7\u00f5es das possibilidades existenciais; ou que originam vida mais profunda, unidades mais altas, que nascem das tens\u00f5es e nelas, vivazes, se desenvolvem."], ["Essa vida finita \u00e9 sempre dupla: \u00e9 reativa a situa\u00e7\u00f5es, fatos, seres hu- manos; e \u00e9, nas rea\u00e7\u00f5es, ativa', criadora na realidade que a situa\u00e7\u00e3o acar- reta. \u00c9 erro opor a atividade \u00e0 reatividade, ou considerar poss\u00edvel uma cri- atividade absoluta na atividade sem objeto; como \u00e9 erro afirmar seja a rea- tividade tra\u00e7o vital b\u00e1sico.", "A maneira por que se desenvolvem a atividade e a reatividade e a ma-", "neira por que se ligam, com preponder\u00e2ncia de um polo, \u00e9 diversa, no cor- rer do tempo, para a mesma exist\u00eancia, e tamb\u00e9m de um indiv\u00edduo para outro, marcando-lhes o tipo conjunto respectivo; s\u00e3o extremos: a contem- pla\u00e7\u00e3o da interioridade, que em si mesma se encerra, que se entrega a seu existir quieto; que vive, abrigada e inexperiente, na contempla\u00e7\u00e3o e na re- corda\u00e7\u00e3o; e a atividade, que se volta para o trabalho exterior, que n\u00e3o con- sidera definitiva exist\u00eancia alguma; que quer modific\u00e1-la e nela viver; a ati- vidade que vive na luta, na cria\u00e7\u00e3o, no configuramento."], ["4. Tra\u00e7os fundamentais t\u00edpicos do indiv\u00edduo em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 reali- dade.", "Nunca se percorrem sem resist\u00eancia as vias acima descritas para a", "exist\u00eancia na realidade. Nem h\u00e1 sucesso pleno ou puro total. Pode-se construir, de maneira compreensiva, a rela\u00e7\u00e3o entre atividade e reativi- dade no movimento segundo tipos que, a cada momento, se contrap\u00f5em.", "aa) Kretschmer fixou a atitude vital na rela\u00e7\u00e3o do eu para com o"], ["mundo exterior de acordo com as possibilidades seguintes:", "1) A rela\u00e7\u00e3o simples \u00e9 est\u00eanica ou ast\u00eanica:", "Est\u00eanica: sentimento de superioridade em rela\u00e7\u00e3o ao mundo exterior; de for\u00e7a, de capacidade atuativa. Inclina\u00e7\u00e3o \u00e0 autossupervalora\u00e7\u00e3o, \u00e0 indife- ren\u00e7a, \u00e0 agressividade. - Ast\u00e9nica: sentimento de inferioridade, fraqueza, passividade. Inclina\u00e7\u00e3o \u00e0 autossubvalora\u00e7\u00e3o, \u00e0 moleza, \u00e0 inseguran\u00e7a do comportamento.", "2) A rela\u00e7\u00e3o por si contradit\u00f3ria \u00e9 expansiva ou sensitiva: - Expansiva: Est\u00eanica com polo oposto ast\u00e9nico. Da\u00ed, sentimentos ocultos de insufici\u00ean- cia. Sobrecompensa\u00e7\u00e3o, sensibilidade extremada, irrit\u00e1vel. Disposi\u00e7\u00e3o a sentir-se facilmente ofendido. Inclina\u00e7\u00e3o ao querulantismo paranoide. - Sensitiva: Ast\u00e9nica com polo oposto est\u00eanico. Da\u00ed ambi\u00e7\u00e3o e persever\u00e2n- cia. Amor pr\u00f3prio vulner\u00e1vel. Sentimentos repentinos intensos de insufici- \u00eancia. Inseguran\u00e7a vital. Tend\u00eancia a atormentar-se, escrupulosidade em situa\u00e7\u00f5es de pouca monta. Sentimento de vergonha moral. Inclina\u00e7\u00e3o a ideias de autorrefer\u00eancia.", "3) Atitude vital intermedi\u00e1ria: conciliante, pr\u00e1tica, adapt\u00e1vel. Ajusta- mento ao meio. O contraste entre o eu e o mundo exterior n\u00e3o \u00e9 sentido.", "bb) Para completar a tipologia psicol\u00f3gica dos temperamentos, classi- fica-se o conte\u00fado da atitude existencial em rela\u00e7\u00e3o \u00e0. realidade na confor- midade do significado que se lhe d\u00e1 com. o passar do tempo. Os polos s\u00e3o os seguintes: o trabalho, a produ\u00e7\u00e3o e a vida valem pela continuidade de um todo, ou toda atua\u00e7\u00e3o \u00e9 jogo, \u00e9 tentativa e aventura. Naquela continui- dade, serve-se \u00e0 tarefa e \u00e0 profiss\u00e3o, que, historicamente, as gera\u00e7\u00f5es su- cessivas carregam. Percebe-se o todo na obra do passado, que, dia a dia, a pr\u00f3pria atua\u00e7\u00e3o acorda, por assim dizer, para a vida. Tipifica a situa\u00e7\u00e3o a figura do campon\u00eas, que sabe ser membro perecedouro no servi\u00e7o do campo e nesse sentido se esfor\u00e7a. Todo o contr\u00e1rio est\u00e1 no jogo do aventu- reiro, para o qual a a\u00e7\u00e3o n\u00e3o tem seguimento, porque \u00e9 a momentanei- dade que domina. N\u00e3o h\u00e1 constru\u00e7\u00e3o no mundo, n\u00e3o h\u00e1 totalidade, nem gra\u00e7a. A aventura, como realidade, \u00e9 s\u00edmbolo concomitante da impossibili- dade da realiza\u00e7\u00e3o universal."], ["Num polo e noutro, realiza-se um comportamento b\u00e1sico em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 realidade, que se sente, ela pr\u00f3pria, radicalmente diversa: realidade como dura\u00e7\u00e3o eterna na sequ\u00eancia hist\u00f3rica da obra, da fam\u00edlia, da constru\u00e7\u00e3o; ou realidade sem fundamento, eternidade no risco e na fal\u00eancia.", "5. Nega\u00e7\u00e3o da realidade pelas ilus\u00f5es.", "Porque \u00e9 dif\u00edcil expor-se \u00e0 realidade, porque exige ren\u00fancia perma- nente, constantes esfor\u00e7os, experi\u00eancias e introvis\u00f5es penosas, o impulso surge a fugir \u00e0 realidade. A vida sempre encontra possibilidades de contor- nar a realidade, vel\u00e1-la, supri-la, a cada momento, com o prazer momen- t\u00e2neo da satisfa\u00e7\u00e3o que alivia, mas tamb\u00e9m a cada momento a pre\u00e7o da pr\u00f3pria vida ou da sa\u00fade. Sempre o homem defronta a op\u00e7\u00e3o entre a pe- netra\u00e7\u00e3o da realidade e a nega\u00e7\u00e3o desta; isso em in\u00fameras situa\u00e7\u00f5es indi- viduais e de maneira total. A fuga \u00e0 realidade faz-se conforme os rumos seguintes, atrav\u00e9s de substitui\u00e7\u00e3o, satisfa\u00e7\u00e3o e aparente plenitude:"], ["aa) Em vez de negar a realidade, criam-se outros conte\u00fados, que se tornam objeto da satisfa\u00e7\u00e3o. J\u00e1 Montaigne escrevia: \u2018\u2018Diz Plutarco, refe- rindo-se aos que esbanjam sentimentos com macacos e c\u00e3ezinhos, que o elemento amante existente em n\u00f3s antes se d\u00e1, faltando um objeto apro- priado, a outro qualquer, ilus\u00f3rio e v\u00e3o, do que fica ocioso. Da\u00ed vermos es- sas almas que preferem enganar-se com as pr\u00f3prias paix\u00f5es e at\u00e9, contra- riando suas cren\u00e7as, inventar objetos insensatos e imagin\u00e1rios a desistir de qualquer interesse, de qualquer fim.... A que \u00e9 que deixamos de nos"], ["apoiar, com ou sem raz\u00e3o, de modo a ter algo diverso?"], ["Foge-se da realidade para fantasias, que, f\u00e1ceis e ricas, transfiguram o", "que, a ser real, seria penoso e fragment\u00e1rio. As fantasias relacionam-se com as aspira\u00e7\u00f5es criadas pelas inibi\u00e7\u00f5es e falhas da exist\u00eancia individual e criam al\u00edvio, embora irreais, Bleuler chama esse autoencapsulamento num- mundo \u00e0 parte \u201cpensamento aut\u00edstico\u201d. S\u00e3o conte\u00fados do anseio fant\u00e1stico, por exemplo, a inf\u00e2ncia perdida, os mundos estranhos, a p\u00e1tria metaf\u00edsica. O que \u00e9 decisivo \u00e9 a tend\u00eancia a esquivar-se aos conflitos e en- cargos do presente. Kierkegaard foi quem mais profundamente apreendeu o referido aspecto do efeito metaf\u00edsico o po\u00e9tico,' no sentido de que este ar- ranca o homem \u00e0 exist\u00eancia pessoal, real, a bem da dissolu\u00e7\u00e3o fant\u00e1stica.", "bb) Estes tipos de satisfa\u00e7\u00e3o subjetiva irreal, que, de in\u00edcio, s\u00e3o simples"], ["jogo, podem levar \u00e0 realiza\u00e7\u00e3o subjetiva de seus conte\u00fados, mediante con- vers\u00e3o que se h\u00e1 de atribuir a mecanismo anormal, j\u00e1 n\u00e3o mais compre- ens\u00edvel. \u00c9 o que ocorre nas produ\u00e7\u00f5es hist\u00e9ricas, (fen\u00f4menos som\u00e1ticos e ps\u00edquicos) nas elabora\u00e7\u00f5es mentirosas, que criam -conte\u00fados nos quais o pr\u00f3prio indiv\u00edduo acredita (pseudologia fant\u00e1stica), na constru\u00e7\u00e3o dos mundos delirantes dos processos esquizofr\u00eanicos."], ["cc) Normal e compreens\u00edvel o psiquismo, n\u00e3o ocorrem convers\u00f5es; o jogo leva, sim, a ilus\u00f5es; corrig\u00edveis, certamente, por\u00e9m gerando o olvido compreens\u00edvel de coisas ou obriga\u00e7\u00f5es desagrad\u00e1veis; ou o al\u00edvio semi- consciente, mediante falsas-interpreta\u00e7\u00f5es ilus\u00f3rias, mas, em todo caso, subjetivamente percept\u00edvel; ou ainda a transi\u00e7\u00e3o fugaz para o comporta- mento hist\u00e9rico. Atua em sentido contr\u00e1rio a aspira\u00e7\u00e3o \u00e0 realidade, \u00e0 ver- dade, \u00e0 autenticidade, que faz o homem querer ver-se, transparentemente, na realidade; aspira\u00e7\u00e3o que o reconduz ao mundo, \u00ab menos que, plena e clara, a obstina\u00e7\u00e3o o leve ao isolamento e \u00e0 nega\u00e7\u00e3o.", "\u00c9 desta maneira que se tem entendido o comportamento dos neur\u00f3ti-"], ["cos e psic\u00f3ticos, bem como dos criminosos e dos exc\u00eantricos: pelo im- pulso a libertar-se da realidade mediante a ilus\u00e3o e o abandono a uma vida fict\u00edcia. O isolamento compreende-se como inverdade porque conduz \u00e0 ilus\u00e3o e ao acolhimento. Isolar-se da realidade tal qual se apresenta \u00e9 de fato, isolar-se do fundamento existencial que por ela se manifesta. E: \u201co pecado \u00e9 a separa\u00e7\u00e3o de Deus\u201d. Tem-se considerado o amor ao irreal co- mum a todos os homens e, na conformidade do que diz Ibsen, indagado do engodo vital que a todo homem \u00e9 necess\u00e1rio; e tem-se reconhecido, com Goethe, que homem algum \u00e9 capaz de atingir a vis\u00e3o da verdade e da rea- lidade que lhe suprima as condi\u00e7\u00f5es da pr\u00f3pria exist\u00eancia. Tamb\u00e9m se"], ["tem limitado o mundo da ilus\u00e3o radical a certo grupo de indiv\u00edduos, que s\u00e3o os psicopatas, definindo-se a psicopatia como \u201csofrimento resultante das ilus\u00f5es que s\u00e3o necess\u00e1rias \u00e0 vida\u201d (Klages). O psic\u00f3logo sensato pre- caver-se-\u00e1 de semelhantes generaliza\u00e7\u00f5es, tanto para um lado quanto para outro. Trata-se de quest\u00f5es cuja solu\u00e7\u00e3o se investiga, sem, no entanto, ha- ver-se chegado a resposta definitiva.", "Luta-se na realidade. V\u00ea-se clara a amea\u00e7a e apreende-se a exig\u00eancia"], ["que a situa\u00e7\u00e3o faz. A fuga, o ataque, a defesa s\u00e3o expedientes de luta. Pode-se, no entanto, deixar de isso perceber e, ent\u00e3o, vela-se a realidade insuport\u00e1vel. A amea\u00e7a, mais o encargo de combat\u00ea-la ou atur\u00e1-la, j\u00e1 n\u00e3o se reconhece. A defesa transforma-se em ilus\u00e3o, atrav\u00e9s de deforma\u00e7\u00f5es sem intencionalidade n\u00edtida, por\u00e9m instintivamente objetivadas, a fim de obter-se a fuga \u00e0s imposi\u00e7\u00f5es da realidade; \u00e9 o que se d\u00e1 na doen\u00e7a, no in- sucesso, no sofrimento. Tanto a situa\u00e7\u00e3o e o encargo de combat\u00ea-la quanto o significado do comportamento com que o individuo os enfrenta escapam \u00e0 cr\u00edtica consciente, de modo que, al\u00e9m do engodo consciente dos outros, ou em seu lugar, acrescenta-se, j\u00e1 agora, o engodo de si mesmo, em concomit\u00e2ncia com a distor\u00e7\u00e3o da realidade. A consci\u00eancia j\u00e1 n\u00e3o consegue ajustar-se ao inconsciente do indiv\u00edduo."], ["6. Situa\u00e7\u00f5es marginais. O homem sempre est\u00e1 numa situa\u00e7\u00e3o- ou nou- tra, que vem a resolver-se nas situa\u00e7\u00f5es marginais, ou seja, nas situa\u00e7\u00f5es intranspon\u00edveis, imodific\u00e1veis, pr\u00f3prias da exist\u00eancia, como tal; nas quais esta desperta para o ser e, exist\u00eancia que \u00e9, alui. N\u00e3o cabe \u00e0 psicologia emp\u00edrica iluminar essas fronteiras, nem aquilo que o homem pode, diante delas, tornar-se, quando se lhes entrega, ou quando lhes foge. Contudo, o psic\u00f3logo interessado- na compreens\u00e3o precisa delas ter consci\u00eancia, visto que, nas psicopatias, neuroses, psicoses, n\u00e3o s\u00e3o s\u00f3 desvios de uma norma h\u00edgida que se apresentam, mas, afinal, nesses desvios, tamb\u00e9m as origens das possibilidades humanas. N\u00e3o \u00e9 raro o que ocorre e se vivencia na anormalidade constituir manifesta\u00e7\u00e3o de algo que interessa o- homem como homem; mas percept\u00edvel j\u00e1 n\u00e3o s\u00f3 para o psicopatologista, que ob- serva e trata objetivamente os fen\u00f4menos notados, e sim para o compa- nheiro da sorte que o homem \u00e9 para o homem. Tem-se concebido a neurose como falha que se d\u00e1 nas situa\u00e7\u00f5es mar- ginais; e a finalidade da terap\u00eautica seria a modifica\u00e7\u00e3o- do homem atra- v\u00e9s da situa\u00e7\u00e3o marginal, de modo a lev\u00e1-lo a revelar-se e a afirmar-se no mundo tal qual \u00e9; ou a autorrealiza\u00e7\u00e3o verdadeira. A concep\u00e7\u00e3o \u00e9 v\u00e1lida, na medida em que a verdade filos\u00f3fica nela contida tamb\u00e9m se aplique ao neur\u00f3tico; o que vem a ser verdadeiro na filosofia pr\u00e1tica tamb\u00e9m pode ter", "import\u00e2ncia terap\u00eautica. N\u00e3o nos esque\u00e7amos de que a fuga para as situa- \u00e7\u00f5es marginais por si n\u00e3o cria doen\u00e7a, podendo, sim, independente de fe- n\u00f4menos anormais, realizar-se com pleno \u00eaxito mediante a desonestidade e a covardia."], ["c) Os s\u00edmbolos do conhecimento b\u00e1sico.", "Para compreender o homem, tem-se de compreender o que ele sabe, que conte\u00fados objetivos possui sua consci\u00eancia. Decisivo, por\u00e9m, n\u00e3o \u00e9 o conhecimento, e sim o que isso para ele significa, ou seja, a maneira por que o adquire e, ao mesmo tempo, porque o conhecimento atua. Aquilo que o homem experimenta como realidade pr\u00f3pria, aquilo que contempla e lhe est\u00e1 presente \u00e9 que lhe determina a ess\u00eancia; sobretudo, a clareza com que essa realidade se lhe afigura concretamente certa. \u00c9 o tipo de Deus que ele tem que comp\u00f5e o homem.", "1. O conhecimento b\u00e1sico.", "Chamamos conhecimento b\u00e1sico o conhecimento no qual o pr\u00f3prio ho- mem est\u00e1 presente; que lhe condiciona todo saber determinado; que cons- titui o requisito de qualquer outro saber. Tamb\u00e9m chamamos: o a priori. Como tal, existe o a priori da consci\u00eancia em geral nas categorias da com- preens\u00e3o; existe o a priori da mente nas ideias; o a priori da exist\u00eancia nos impulsos e nas formas reativas pr\u00e1ticas; o a priori hist\u00f3rico da vida hu- mana em seu universo, presente atrav\u00e9s da tradi\u00e7\u00e3o, sob a forma de confi- gura\u00e7\u00e3o moment\u00e2nea, encarna\u00e7\u00e3o de generalidade, que tem sentido e peso n\u00e3o como generalidade, mas como particularidade infinita."], ["O conhecimento b\u00e1sico aparece nos tipos predominantes da intui\u00e7\u00e3o,", "nos tipos da contempla\u00e7\u00e3o e do pensamento dos fen\u00f4menos prim\u00e1rios e dos fatos, nas maneiras de exist\u00eancia humana e universal, nas tarefas e profiss\u00f5es, nas valora\u00e7\u00f5es e tend\u00eancias prevalentes. Dentro dele, os s\u00edm- bolos t\u00eam import\u00e2ncia altamente impregnativa.", "2. Conceito de s\u00edmbolo e sua significa\u00e7\u00e3o na realidade vital."], ["Afirma Kant: Para que o percebamos, todo objeto tem de ser evidente.", "Os s\u00edmbolos s\u00e3o evid\u00eancias anal\u00f3gicas. Por exemplo, se representarmos uma monarquia por um corpo animado e um despotismo por uma m\u00e1- quina, n\u00e3o haver\u00e1 semelhan\u00e7a entre a coisa e a imagem; mas haver\u00e1 se- melhan\u00e7a no fato de refletirmos sobre ambos e sobre a respectiva casuali- dade. Todavia, \u201cse transferirmos a reflex\u00e3o a respeito de um objeto para"], ["conceito inteiramente outro, ao qual jamais poder\u00e1 corresponder, direta- mente, evid\u00eancia alguma\u201d, ent\u00e3o se formar\u00e1 o s\u00edmbolo, propriamente. Aquilo que nossa raz\u00e3o pensa, sem que seja poss\u00edvel ajustar ao pensa- mento qualquer evid\u00eancia sensorial, vem a tornar-se evidente no s\u00edmbolo. O que neste se evidencia, autenticamente, s\u00f3 no s\u00edmbolo \u00e9 acess\u00edvel; \u00e0 ex- peri\u00eancia evidente nunca o pr\u00f3prio objeto do s\u00edmbolo se mostra direta- mente: \u201cAssim, todo conhecimento que temos de Deus \u00e9 meramente sim- b\u00f3lico\u201d; quem tira os s\u00edmbolos, por exemplo, da vontade divina, do amor, do poder divino, etc. vai dar no antropomorfismo; quem despreza toda in- tuitividade dos s\u00edmbolos vai dar no de\u00edsmo."], ["Os s\u00edmbolos tornam-se conte\u00fados est\u00e9ticos neutros, quando neles rea- lidade alguma se faz presente; s\u00f3 s\u00e3o s\u00edmbolos plenos quando neles fala a pr\u00f3pria realidade. O pensar humano inclina-se a ver nessa realidade a re- alidade da intui\u00e7\u00e3o direta; caso em que os s\u00edmbolos ou se transformam em objeto da supersti\u00e7\u00e3o (se se lhes toma o car\u00e1ter sens\u00edvel pela pr\u00f3pria reali- dade), ou passam a valer como irreais (se s\u00e3o meros s\u00edmbolos, meras ana- logias, na medida da realidade sens\u00edvel). Viver primariamente nos s\u00edmbo- los significa viver na realidade, que n\u00e3o conhe\u00e7o e que, entretanto, est\u00e1 presente no s\u00edmbolo. Da\u00ed ser o s\u00edmbolo infinito, acess\u00edvel \u00e0 interpreta\u00e7\u00e3o infinita, inesgot\u00e1vel, sem ser jamais, no entanto, a pr\u00f3pria realidade como objeto que eu conhe\u00e7a e possua."], ["\u00ca certo que o conhecimento humano b\u00e1sico tem a estrutura fundada em categorias; as totalidades fundadas em ideias, enquanto a realidade, propriamente, que nos domina no conhecimento b\u00e1sico, tem a forma de s\u00edmbolos. Quer dizer: o conhecimento b\u00e1sico n\u00e3o est\u00e1 presente num saber que se desenvolva bastante, por forma intelectual, e sim nas intui\u00e7\u00f5es e imagens que, infinitamente importantes, trazem ao homem a linguagem, da realidade, o protegem, por assim dizer, com sua presen\u00e7a, lhe d\u00e3o se- guran\u00e7a e o aquietam. O conhecimento l\u00f3gico sistem\u00e1tico do homem com cultura filos\u00f3fica tem, em suas fronteiras, os s\u00edmbolos determinantes; os pr\u00f3prios sistemas de pensamento constituem s\u00edmbolos em sua totalidade; e significam, quando d\u00e3o consci\u00eancia da realidade, mais do que a raz\u00e3o neles v\u00ea. Nem todos os \u201cconceitos filos\u00f3ficos b\u00e1sicos\u201d s\u00e3o defini\u00e7\u00f5es, e sim intui\u00e7\u00f5es simb\u00f3licas amplas, que nem sequer o mais racional e detalhado sistema explica suficiente e completamente."], ["Os s\u00edmbolos s\u00e3o a priori hist\u00f3rico; mas a verdade que encerram im- pressiona como se fosse eterna no tempo. Ordenados em sucess\u00e3o infi- nita, iluminam-se nos mitos, nas filosofias e teologias, evidenciam-se no", "jogo da fantasia, descompromissam-se na considera\u00e7\u00e3o est\u00e9tica; impositi- vos e incondicionados em situa\u00e7\u00f5es extremas, s\u00e3o eles que, \u00e0s ocultas, conduzem toda vida provida de- conte\u00fado."], ["Todas as intuibilidades no mundo podem transformar-se em s\u00edmbolos. Em s\u00edmbolos transformam-se as formas prim\u00e1rias da vida, do mundo, do fato; os elementos, todos os eventos fundamentais da. exist\u00eancia, os tipos das coisas reais, as pr\u00e9-imagens e contra-imagens do viver humano, tais quais se apresentam \u00e0 nossa valora\u00e7\u00e3o. Deixam eles, no entanto, de ser s\u00edmbolos quando se afiguram simples objetos, como tais, mesmo que um signifique o outro (por exemplo, a m\u00e1quina significa o despotismo); quando, por conseguinte, se podem interpretar suficientemente como fini- tudes atrav\u00e9s de outras finitudes universais. Quando s\u00e3o portadores de significa\u00e7\u00e3o infinita para alguma coisa, a que s\u00f3 por meio de s\u00edmbolos se tem acesso, os s\u00edmbolos constituem, por assim dizer, seres animados, que nos atraem, nos completam, nos deleitam ou assustam, sempre nos arre- batam. Impregnam-nos, libertando-nos; mas acorrentam-nos, quando se transformam em objetos permanentes de nossa supersti\u00e7\u00e3o."], ["A palavra s\u00edmbolo tem, na linguagem usual, v\u00e1rios significados. Em- prega-se, no mais amplo sentido, para designar meros sinais, semelhan- \u00e7as e compara\u00e7\u00f5es; para esquemas e abrevia\u00e7\u00f5es do que vemos; para to- dos os conceitos. Mas \u00e9 de indagar: \u201cS\u00edmbolo de que?\u201d Se \u00e9 poss\u00edvel res- ponder por meio de um objeto, ent\u00e3o n\u00e3o se trata de s\u00edmbolo, propria- mente. O \u201cde que\u201d existe aqui, apenas, no pr\u00f3prio s\u00edmbolo; n\u00e3o h\u00e1 outro objeto, a n\u00e3o ser, talvez, para uma conceitua\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica transcendente.", "Na psicologia compreensiva, \u00e9 de especial import\u00e2ncia distinguir entre o s\u00edmbolo portador de significados pessoalmente v\u00e1lidos, extra\u00eddos da pr\u00f3- pria hist\u00f3ria existencial, como forma\u00e7\u00f5es substitutivas etc., e o s\u00edmbolo portador amplo de significados imanentemente transcendentes. Jung su- bordina aquele ao inconsciente pessoal; este, ao inconsciente coletivo.", "3. Possibilidade da compreens\u00e3o dos s\u00edmbolos.", "Podem-se compreender os s\u00edmbolos: Os s\u00edmbolos alheios, que n\u00e3o s\u00e3o"], ["os pr\u00f3prios, podem-se determinar de fora, apenas, conforme se apresen- tam; mas n\u00e3o dentro, de onde bate o cora\u00e7\u00e3o de sua realidade. A compre- ens\u00e3o plena dos s\u00edmbolos exige a incorpora\u00e7\u00e3o \u00e0 pr\u00f3pria vida. Alguns s\u00edm- bolos pr\u00f3prios a cada um de n\u00f3s podem-se iluminar, podem-se traduzir em pensamentos metaf\u00edsicos, podem-se desenvolver, ricamente, a partir, por assim dizer, da obscuridade e, assim, compreender-se na medida em que s\u00e3o simultaneamente vividos. Pelo contr\u00e1rio, a compreens\u00e3o formal", "dos s\u00edmbolos mais n\u00e3o alcan\u00e7a do que uma vis\u00e3o est\u00e9tica, um est\u00edmulo peculiar dos sentimentos, mediante participa\u00e7\u00e3o l\u00fadica que se tenta obter em conte\u00fados estranhos; sem, no entanto, a profundeza da realidade. Co- nhecer os s\u00edmbolos \u00e9 mais do que pensar em imagens."], ["A compreens\u00e3o psicol\u00f3gica dos s\u00edmbolos movimenta-se atrav\u00e9s de am-", "biguidade perigosa. Estudam-se os s\u00edmbolos em mitos e religi\u00f5es, em so- nhos e psicoses, em fantasias vigis e estados psicop\u00e1ticos; assim \u00e9 que sa- bemos deles, mas s\u00f3 exteriormente, sem neles acreditar. Ou pretende-se, nas roupagens desse estudo cient\u00edfico, encontrar a pr\u00f3pria verdade dos s\u00edmbolos; quer-se descobrir a cura pela comunica\u00e7\u00e3o do conhecimento dos s\u00edmbolos, despert\u00e1-los e neles participar. O significado dos fatos hist\u00f3- ricos e psicol\u00f3gicos \u2014 vistos de fora, mesmo que se representem interior- mente \u2014 e o significado da verdade que os s\u00edmbolos exprimem interpene- tram-se inextrincavelmente.", "4. Hist\u00f3ria da investiga\u00e7\u00e3o dos s\u00edmbolos.", "A investiga\u00e7\u00e3o dos s\u00edmbolos limita-se quase sempre a mitos, lendas e"], ["sagas, tendo-se originado da explora\u00e7\u00e3o da mitologia grega, principal- mente a partir do romantismo (Creuzer). Os autores mais produtivos fo- ram O. Muller, Welcker, N\u00e3gelsbach e tamb\u00e9m Rohde. Schelling desenvol- veu perspectiva geral admir\u00e1vel, cujo interesse at\u00e9 hoje se mant\u00e9m, mal- grado erros maci\u00e7os quanto a particularidades e certos absurdos quanto ao todo. Entre todos os int\u00e9rpretes, contudo, por assim dizer-inspirado, destaca-se Bachofen, n\u00e3o obstante a secura do imenso material que reu- niu."], ["Hoje em dia, conhecem-se como int\u00e9rpretes dos s\u00edmbolos Klages e Jung (Klages chama \u201cimagens\u201d o que J. Burckhardt denomina \u201cimagens arcaicas\u201d e Jung, \u201carqu\u00e9tipos\u201d). Klages e Jung diversificam-se, contudo, essencialmente. A interpreta\u00e7\u00e3o que Klages d\u00e1 dos s\u00edmbolos \u00e9 extrema- mente fascinante e vivaz; e sua apresenta\u00e7\u00e3o dos s\u00edmbolos (particular- mente, da poesia e da arte) constitui, talvez, o que h\u00e1 de imperec\u00edvel em sua grande obra (na qual o pensador desenvolve estranha filosofia pr\u00e9-cr\u00ed- tica, sintetizando o racionalismo e agnosticismo mediante provas n\u00e3o to- talmente credit\u00e1veis; ao passo que a Jung n\u00e3o s\u00f3 falta essa pujan\u00e7a, como ainda a seriedade taciturna que se sente em Klages. Jung \u00e9 o int\u00e9rprete \u00e1gil, h\u00e1bil no manejo de todos os meios, sem a inspira\u00e7\u00e3o que \u00e9 pr\u00f3pria de Klages, quando este segue o rasto de Bachofen, por ele redescoberto; as exposi\u00e7\u00f5es jungueanas s\u00e3o cansativas, irritantes pelas in\u00fameras contradi- \u00e7\u00f5es n\u00e3o dial\u00e9ticas, sem aquela etereidade que a leitura de Klages, em"], ["muitas passagens, evoca, substitu\u00edda, em Jung por um ceticismo mun- dano. Tanto um quanto outro apontam a realidade propriamente, em sua pobreza atual de s\u00edmbolos, mas o esfor\u00e7o de Jung me d\u00e1 a impress\u00e3o de recome\u00e7o est\u00e9ril mediante pilhagem do passado; Klages, de revivesc\u00eancia de recorda\u00e7\u00f5es, que ele mesmo sente v\u00e3s, extra\u00eddas \u00e0s profundidades es- quecidas da hist\u00f3ria."], ["As doutrinas de Jung t\u00eam encontrado aceita\u00e7\u00e3o por parte dos psicote- rapeuta e mesmo fora desse meio lhes foi dado acolhimento entusi\u00e1stico. O eminente ind\u00f3logo H. Zimmer fala \u201cno servi\u00e7o m\u00e1gico, orientador de al- mas, que a teoria jungueana prestou\u201d. \u201cEla descobriu, no submundo de nossa pr\u00f3pria natureza, a fonte eterna, as formas que murmuram ontem como hoje, assim restituindo o mito, que a tradi\u00e7\u00e3o popular e po\u00e9tica nos faz tang\u00edvel, \u00e0 profundidade intang\u00edvel de que prov\u00e9m toda a configura- \u00e7\u00e3o\u201d. \u201cNa interpreta\u00e7\u00e3o dos sonhos, a arte de C. G. Jung afirma-se pelo es- clarecimento que traz aos obscuros fundamentos dos mitos e lendas\u201d. Pro- cure cada um e veja o que encontra. Por mim, n\u00e3o me conven\u00e7o da corre- \u00e7\u00e3o desses ju\u00edzos."], ["5. Tarefas que podem caber \u00e0 investiga\u00e7\u00e3o dos s\u00edmbolos. Na vida p\u00fa- blica atual, os s\u00edmbolos desempenham, certamente, certo papel, mas s\u00e3o poucos; a vida moderna, em seu conjunto \u2014 comparada com o passado \u2014 \u00e9 extremamente pobre em s\u00edmbolos. O fato existe, no entanto, de os s\u00edm- bolos surgirem maci\u00e7os nos sonhos, nas fantasias vigis, nas psicoses e nos estados psicop\u00e1ticos, sem que se possa decidir em que medida s\u00e3o ilus\u00f3rios ou s\u00e9rios. Na psicopatologia, os s\u00edmbolos t\u00eam-se tornado objeto preferido da aten\u00e7\u00e3o dos m\u00e9dicos, em face da import\u00e2ncia que assumem para a psicoterapia; primeiro, porque possibilitam a vis\u00e3o do que talvez go- verne e homem em particular; segundo, porque se conseguem despertar, cuidar e trazer \u00e0 consci\u00eancia s\u00edmbolos obscuros; terceiro, porque os s\u00edm- bolos permitem chegar, indiretamente, ao indiv\u00edduo. \u00c9 o que, pelo menos, parece. Mas se t\u00eam significado desta natureza, imposs\u00edvel sequer de sobre- estimar, a investiga\u00e7\u00e3o dos s\u00edmbolos vem a constituir tarefa urgente. dando os doentes contar seus sonhos. A seguir, descobriram conte\u00fados semelhantes nas viv\u00eancias, fantasias e del\u00edrios dos psic\u00f3ticos. Por fim, no- taram que, nos sonhos de todos os homens, emerge certo mundo que dou- tra forma n\u00e3o se perceberia. Esses achados fizeram-se significativos a par- tir dos paralelos que se descobriram nos conte\u00fados m\u00edticos de todos os povos. Tal qual os etnologistas j\u00e1 haviam encontrado paralelos nos mitos", "de todo o globo terrestre1, admitindo \u201cideias humanas elementares\u201d (Bas- tian), as quais por si mesmo, surgiriam em toda parte sem divulga\u00e7\u00e3o que as comunique, assim os psicoterapeutas admitiram haver algo universal a emergir n\u00e3o s\u00f3 dos estudos etnol\u00f3gicos e mitol\u00f3gicos, mas tamb\u00e9m dos so- nhos. Da\u00ed necessitarem o conhecimento- universal desse mundo m\u00edtico, conforme existe nas tradi\u00e7\u00f5es religiosas, nas lendas e sagas, na poesia."], ["bb) Reconhecimento das conex\u00f5es da vida simb\u00f3lica. \u2014 Podem-se anali-", "sar os s\u00edmbolos segundo tr\u00eas maneiras diversas: filosoficamente, inqui- rindo-lhes a verdade (Plat\u00e3o, Plotino, Schelling); historicamente, inda- gando a forma por que se desenvolvem em realidade concreta; psicologica- mente, investigando-lhes a origem e efetividade na psique do homem em particular, segundo os princ\u00edpios universalmente humanos e as varia\u00e7\u00f5es respectivas. De significado diverso, embora, todas as tr\u00eas indaga\u00e7\u00f5es im- p\u00f5em a compreens\u00e3o dos conte\u00fados; mas a quest\u00e3o da verdade eterna, a quest\u00e3o do fen\u00f4meno concreto historicamente universal, a quest\u00e3o da causalidade visam a objetivos independentes uns dos outros, se bem que permanentemente intrincados na investiga\u00e7\u00e3o fatual simb\u00f3lica."], ["1) Sistematiza\u00e7\u00e3o dos s\u00edmbolos. Porque compreendemos que o homem, a todo tempo, .vive em s\u00edmbolos como se estes fossem realidades que o go- vernam; e que a mesma vida simb\u00f3lica se enquadra nas estruturas funda- mentais da exist\u00eancia humana, seria bom apreender esses s\u00edmbolos em sua peculiaridade, reuni-los em sua multiplicidade, rev\u00ea-los e orden\u00e1-los; o que se pode fazer atrav\u00e9s da vis\u00e3o b\u00e1sica segundo a qual se trata de es- truturas estranhas, peculiares, que valeria a pena conhecer de fora, pelo menos, mesmo sem poder compreend\u00ea-las; ou atrav\u00e9s da vis\u00e3o b\u00e1sica se- gundo a\u00bf qual se cogita de uma verdade simb\u00f3lica, singular, a que, em grande parte, infelizmente, somos alheios, mas que talvez possamos re- conquistar. Assim se obteria vasto mundo das imagens em constante mo- vimento, a verdade dos tipos prim\u00e1rios, cujos elementos, fundamentais se- riam de procurar-se como elementos eternos da. consci\u00eancia humana da realidade. N\u00e3o se apresentar\u00e1, ent\u00e3o, a sistematiza\u00e7\u00e3o dos s\u00edmbolos como ordenamento de fantasias que chamem a aten\u00e7\u00e3o, e sim como esbo\u00e7o da verdade. O desenvolvimento- de conte\u00fados simb\u00f3licos poss\u00edveis significa a abertura do espa\u00e7o em que o homem se pode tornar ele mesmo e substan- cial, ao passo que, sem s\u00edmbolos, congelar\u00e1 em nada, a alma sedenta, por assim dizer, v\u00e3mente esfor\u00e7ando-se, com a pura raz\u00e3o, na agita\u00e7\u00e3o de um 1 Andree, Richard: Ethnographische Parallele und Vergleiche, 1878. Nova s\u00e9rie, 1889."], ["mundo que se ter\u00e1 esvaziado.", "Se se distinguir o ajuntamento e classifica\u00e7\u00e3o exterior de todos-, os s\u00edmbolos que aparecem (morfologia dos s\u00edmbolos) da constru\u00e7\u00e3o interior da verdade simb\u00f3lica em seu todo (filosofia dos s\u00edmbolos), poder-se-\u00e1, acertadamente, atender a uma e outra das tarefas, sem que ainda, no en- tanto, uma complemente a outra. Qualquer confus\u00e3o desacreditar\u00e1 am- bas."], ["Heyer, por exemplo, fez uma classifica\u00e7\u00e3o do mundo simb\u00f3lico. Quem o acompanhar em sua apresenta\u00e7\u00e3o dos c\u00edrculos vitais, das \u201ccamadas ps\u00ed- quicas\u201d, indo do vegetativo ao pneum\u00e1tico, passando pelo animal, com o enraizamento m\u00edtico-simb\u00f3lico respectivo, poder\u00e1 convencer-se de que essa classifica\u00e7\u00e3o leva a um quadro encantador, mas, ao mesmo tempo, gera certo modo de ver absolutamente particular, muito question\u00e1vel do ponto de vista filos\u00f3fico e psicol\u00f3gico. N\u00e3o nos iludamos, nos excelentes trabalhos de Heyer, com a atmosfera espiritual que nasce do mundo go- etheano e doutros, pouco tendo a ver com a quest\u00e3o em exame.", "2) Leis da vida simb\u00f3lica. Se se observarem as imagens \u00f3pticas subjeti-", "vas, n\u00e3o haver\u00e1 espanto capaz de medir a maneira repentina por que do nada surgem formas, paisagens, criaturas humanas jamais vistas; tal qual se d\u00e1 no sonho. A vida inconsciente deve formar, de um modo que n\u00e3o conseguimos penetrar, aquilo que se oferece, acabado, \u00e0 consci\u00eancia; e que, acabado, \u00e9 conte\u00fado, encerra conte\u00fado, tem por si sentido. Na me- dida em que n\u00e3o compreendemos conex\u00e3o alguma, mas apenas ac\u00famulo de fragmentos arbitr\u00e1rios, desprovidos de significado, falamos em acaso; a necessidade de compreens\u00e3o significativa obriga, no entanto, a buscar re- gras e conex\u00f5es."], ["Conex\u00e3o que encontrar\u00edamos, se se tratasse n\u00e3o de fragmentos irrele-", "vantes e agrupamentos casuais de aspectos sensoriais; mas, sim, se aque- les conte\u00fados que emergem da vida inconsciente tivessem, em parte pelo menos, a significa\u00e7\u00e3o de s\u00edmbolos. A tentar interpretar os conte\u00fados real- mente vivenciados de acordo com este \u00faltimo sentido, duas experi\u00eancias fundamentais se fazem:"], ["Em primeiro lugar, a interpreta\u00e7\u00e3o \u00e9 infinita, n\u00e3o se completa, n\u00e3o ces-", "sam as ramifica\u00e7\u00f5es significativas. Escreve Jung: \u201cSe se investigarem os tipos em suas rela\u00e7\u00f5es com outras formas arquet\u00edpicas, ampliam-se os mesmos em conex\u00f5es hist\u00f3rico- simb\u00f3licas t\u00e3o vastas que, afinal, se con- clui serem os elementos ps\u00edquicos fundamentais de multiformidade incer- tamente iridescente, que excede a capacidade imaginativa humana\u201d.", "Em segundo lugar, a pr\u00f3pria interpreta\u00e7\u00e3o \u00e9 viv\u00eancia, representando prosseguimento da vida simb\u00f3lica, forma\u00e7\u00e3o e ilumina\u00e7\u00e3o de conte\u00fados, processo produtivo. N\u00e3o h\u00e1 terra firme em que apoiar a tradu\u00e7\u00e3o dos s\u00edm- bolos.", "Assim \u00e9 que se esclarece se os s\u00edmbolos oriundos dos mundos on\u00edrico e"], ["fant\u00e1stico se relacionam com a exist\u00eancia vigil, isto \u00e9, se seus significados influem ou mesmo dominam a vig\u00edlia. \u00c9, a bem dizer, inquestion\u00e1vel que os s\u00edmbolos orientam a exist\u00eancia vigil. Jung explica o fato de os s\u00edmbolos se mostrarem e, ao mesmo tempo, atuarem, de n\u00e3o s\u00f3 envolverem, mas determinarem o curso da exist\u00eancia, pelos \u201csistemas vivos de rea\u00e7\u00e3o e dis- posi\u00e7\u00e3o\u201d, que, invis\u00edvel, impercept\u00edvel, e, por isso mesmo, tanto mais efeti- vamente, governam a exist\u00eancia: \u201cN\u00e3o h\u00e1 imagens inatas; o que h\u00e1 s\u00e3o possibilidades inatas de imagens, as quais tamb\u00e9m p\u00f5em limites determi- nados \u00e0 mais audaciosa fantasia\u201d. O que se chama, filosoficamente, a pri- ori vale aqui, do ponto de vista psicol\u00f3gico, como estrutura efetiva dos ar- qu\u00e9tipos\u201d; estes \u201cconstituem, de um lado, preconceito instintivo, dos mais fortes; doutro lado, concebem-se como recursos dos mais eficazes para adapta\u00e7\u00f5es instintivas\u201d.", "Os arqu\u00e9tipos jungueanos t\u00eam significado m\u00faltiplo. N\u00e3o s\u00e3o, por si, em"], ["absoluto, s\u00edmbolos aut\u00eanticos. Para Jung, os arqu\u00e9tipos s\u00e3o, universal- mente, todas as for\u00e7as que d\u00e3o origem \u00e0s formas determinadas a cada momento, imagens, modos de ver, concep\u00e7\u00f5es nas quais o mundo e os ho- mens se me apresentam, nas quais eu fantasio e sonho, nas quais creio e tenho certeza de que existo. Tamb\u00e9m est\u00e3o entre os arqu\u00e9tipos, por conse- guinte, os verdadeiros s\u00edmbolos; e sempre que conte\u00fados existenciais transcendentes determinam, para mim o sentido e a significa\u00e7\u00e3o dos ho- mens e coisas do mundo; ou seja, quando a maneira por que me comporto em rela\u00e7\u00e3o a eles n\u00e3o se determina, decisivamente, por fins, interesses, antipatias e simpatias vitais, mas, neles, por alguma coisa que os trans- cende."], ["O fato de os s\u00edmbolos poderem representar linguagem clara de ser, ob-", "jetividade da transcend\u00eancia, mas sempre apenas produ\u00e7\u00f5es da psique humana (ideias); e de esta \u00faltima significa\u00e7\u00e3o ser, habitualmente, deci- siva, quando se discute psicologicamente \u2014 este fato acarreta uma ambi- guidade que desnorteia: eu acho verdade neles, ou tenho de ver atrav\u00e9s deles e de analis\u00e1-los como apar\u00eancia? \u00c9 o que se constata quando se cla- reia a lei fundamental em cuja conson\u00e2ncia eu tenho, no s\u00edmbolo, diante de mim, alguma coisa na qual eu mesmo estou. O processo pelo qual o", "homem se torna ele pr\u00f3prio, quando se compreendem os s\u00edmbolos, \u00e9 ilu- mina\u00e7\u00e3o de si mesmo mediante a qual se compreende a pr\u00f3pria verdade? Ou h\u00e1, no trato dos s\u00edmbolos, uma luta com a pr\u00f3pria sombra, estando o processo referido, precisamente, na compreens\u00e3o da apar\u00eancia?"], ["Em Jung. o seguinte fen\u00f4meno psicol\u00f3gico b\u00e1sico desempenha papel importante: Vivemos em constantes conflitos. O trato com que o que nos defronta \u00e9 trato conosco mesmo; especialmente, quando pretendemos li- dar com algu\u00e9m que \u00e9 inteiramente outro. Odeio e amo no outro minhas pr\u00f3prias possibilidades: no criminoso, no aventureiro, no her\u00f3i, no santo, nos deuses e nos diabos. Empresto \u00e0 objetividade o que em mim pr\u00f3prio cochila; que supero, ou a que cedo; que combato ou de que me aposso fora de mim; que odeio ou amo. H\u00e1, na alma individual, o que Hegel viu no universo; torno-me aquilo que meu advers\u00e1rio \u00e9; naquilo que combato me transformo, mais ou menos."], ["Jung argumenta: \u201cPersona\u201d \u00e9 nosso sistema adaptativo moment\u00e2neo, quando lidamos com o mundo. Podemos dominar esses sistemas, forma- dos por arqu\u00e9tipos, ou sucumbir a eles, com eles identificando-nos, por cies sendo possu\u00eddos. \u201cSombra\u201d \u00e9 o conjunto das fun\u00e7\u00f5es inferiores, sem as quais n\u00e3o existimos, tal qual corpo algum pode estar na luz sem lan\u00e7ar sombra. A sombra forma-se com base em arqu\u00e9tipos. O homem possu\u00eddo por sua sombra, quer dizer, aquele que viva abaixo de si mesmo, est\u00e1, ele pr\u00f3prio, na luz, enredando-se em suas pr\u00f3prias teias; onde obst\u00e1culo n\u00e3o existe em que possa trope\u00e7ar, ele o cria, inconscientemente. Os arqu\u00e9tipos configuram seu mundo, numa s\u00e9rie de situa\u00e7\u00f5es de insucesso, impot\u00ean- cia, falha."], ["3. Origem dos s\u00edmbolos. Pela vis\u00e3o emp\u00edrica do mundo simb\u00f3lico apre- endemos os paralelos dos s\u00edmbolos em todos os povos: conclui-se por al- guma coisa que \u00e9 universalmente humana e, pois, comum a todos. Mais: h\u00e1 tipos limitados de s\u00edmbolos, paralelamente pr\u00f3prios a c\u00edrculos culturais inteiros, por\u00e9m n\u00e3o universais. Em terceiro lugar, veem-se configura\u00e7\u00f5es hist\u00f3ricas \u00fanicas dos s\u00edmbolos, particulares a certos povos. Assim \u00e9 que sempre se encontram as polaridades mais gerais (masculino e feminino \u2014 transforma\u00e7\u00e3o, convers\u00e3o e extin\u00e7\u00e3o \u2014 ritmos e per\u00edodos, fen\u00f4menos ele- mentares naturais) constituindo s\u00edmbolos. Desta maneira, pode-se desco- brir atemporalmente o que \u00e9, nos s\u00edmbolos fundamentais, pr\u00f3prio, afinal, do homem, no inconsciente, fora da hist\u00f3ria e de toda tradi\u00e7\u00e3o. Jamais, no entanto, se descobrem, por esta via, digamos, Apoio e Art\u00eamis, que s\u00e3o hist\u00f3ricos, \u00fanicos, insubstitu\u00edveis, sem representantes, imposs\u00edveis de en-", "contrar em inconsciente profund\u00edssimo algum; s\u00f3 acess\u00edveis, sim, \u00e0 tradi- \u00e7\u00e3o. Entre um extremo e outro, est\u00e3o as configura\u00e7\u00f5es especiais, que n\u00e3o s\u00e3o gerais, nem universais, mas pertencem a c\u00edrculos culturais mais am- plos, excedendo certos povos. H\u00e1, por fim, muitos outros conte\u00fados espe- ciais, que n\u00e3o aparecem, \u00e9 certo, em toda parte, mas em lugares t\u00e3o diver- sos que n\u00e3o podem ser hist\u00f3ricos, e sim devem ser gerais, por estranhos que pare\u00e7am; por exemplo, a figura dos cefal\u00f3podes."], ["Todos os s\u00edmbolos s\u00f3 atuam sobre \u00e0 exist\u00eancia em sua configura\u00e7\u00e3o historicamente peculiar, \u00fanica. As estruturas e conte\u00fados universais est\u00e3o neles, certamente, mas sem atuar, sozinhos, como tais. Concep\u00e7\u00e3o ad- versa \u00e9 aquela segundo a qual \u00e9 no geral, ou universal, que est\u00e1 o ele- mento atuante, apenas revestido das varia\u00e7\u00f5es hist\u00f3ricas.", "A primeira concep\u00e7\u00e3o \u00e9 de Schelling, cuja magn\u00edfica vis\u00e3o descobre a origem dos mitos simult\u00e2nea com a origem dos povos. A confus\u00e3o lingu\u00eds- tica da torre de Babel dispersou a humanidade, at\u00e9 ent\u00e3o unit\u00e1ria, em po- vos que, na sua cegueira adquirida, se viram \u00e0 merc\u00ea de seus mitos; estes foram tantos quanto povos houve; cada mito marca o povo, tal qual haja sido por ele produzido. As leis gerais da forma\u00e7\u00e3o m\u00edtica surgem, desde o princ\u00edpio, com forma especial."], ["Jung pensa de modo inteiramente diverso, distinguindo entre o incons- ciente que prov\u00e9m da hist\u00f3ria existencial pessoal e o inconsciente coletivo, que \u00e9 o fundamento universal da exist\u00eancia biol\u00f3gico-psicol\u00f3gica humana, atuando em cada indiv\u00edduo particular, embora profundamente oculto. Essa universalidade, por sua vez, Jung a concebe como \u201cpujante heran\u00e7a mental da evolu\u00e7\u00e3o da humanidade\u201d, ou como \u201csedimento de toda viv\u00eancia humana, remontando a seus mais obscuros prim\u00f3rdios\u201d.", "A constru\u00e7\u00e3o jungueana do inconsciente coletivo \u2014 reino das imagens arcaicas, que constituiriam, enfim, as ideias humanas mais verdadeiras \u2014 vem a ser, no entanto, amb\u00edgua, porque, de um lado, \u00e9 conhecimento obje- tivo, fundado na investiga\u00e7\u00e3o dos tempos antigos e das disposi\u00e7\u00f5es ocultas do homem; doutro lado, significa, ao mesmo tempo, a incita\u00e7\u00e3o a partici- par nessa subst\u00e2ncia da verdade para a pr\u00f3pria salva\u00e7\u00e3o.", "Jung escreve o seguinte: \u201cAs mais arcaicas imagens s\u00e3o os pensamen-"], ["tos mais antigos, mais gerais e mais profundos da humanidade. Tanto s\u00e3o sentimento quanto ideias; realmente, chegam a ter algo que se parece com uma vida pr\u00f3pria, aut\u00f4noma, algo que se assemelha a uma alma particu- lar, que podemos ver, facilmente, em todos os sistemas gn\u00f3sticos basea- dos na percep\u00e7\u00e3o do inconsciente como fonte de conhecimento. A ideia de", "S. Paulo de anjos e arcanjos, tronos e potestades; de arcontes e reinos lu- minosos dos gn\u00f3sticos; da hierarquia celeste de Dion\u00edsio Areopagita ba- seia-se na percep\u00e7\u00e3o da autonomia relativa dos arqu\u00e9tipos\u201d. Estes cont\u00eam tudo quanto de mais belo maior a humanidade p\u00f4de conceber, tal qual toda baixeza e perversidade de que os homens s\u00e3o capazes.", "Estas teses hist\u00f3rico-psicol\u00f3gicas s\u00e3o tamb\u00e9m extremamente questio-"], ["n\u00e1veis, abstra\u00edda a ambiguidade do sentido de verdade que pretendem, pois as analogias, \u00e0 primeira vista espantosas, existentes entre os mitos de quase todos os povos, bem como entre estes e os conte\u00fados on\u00edricos e os conte\u00fados psic\u00f3ticos n\u00e3o bastam para a constru\u00e7\u00e3o convincente de um fundamento densamente universal do inconsciente humano. A exame mais profundo, as analogias afiguram-se exteriores, confinando-se a cate- gorias gerais, sem permitir-nos atingir-lhes o conte\u00fado efetivo. Coincidem, por exemplo, os deuses que morrem e ressuscitam (Os\u00edris \u00e9 morto; Dioni- sio, estra\u00e7alhado; Cristo, crucificado; mas a coincid\u00eancia n\u00e3o lhes comp\u00f5e a ess\u00eancia, a analogia apenas iluminando o que \u00e9 inessencial).", "cc) Redespertar de conte\u00fados latentes. \u2014 Grande \u00e9 o perigo de confus\u00e3o", "e engano, quando, investigando os s\u00edmbolos, os psicoterapeutas se sen- tem, impelidos a descobrir a verdade simb\u00f3lica e nela participar."], ["1) A ocorr\u00eancia dos s\u00edmbolos, conforme os percebemos, quando os observamos, nos sonhos, nas fantasias, nas psicoses, \u00e9 fen\u00f4- meno psicol\u00f3gico, que, como tal, se deve distinguir da significa- \u00e7\u00e3o simb\u00f3lica existencial ocorrente na vig\u00edlia sensata. Ser\u00e1 salu- tar, ser\u00e1 que chegaremos \u00e0 verdade, se tomarmos aquilo que se experimenta no sonho como ponto de partida para interpreta- \u00e7\u00f5es existencialmente efetivas da vida? Talvez sim. Mas n\u00e3o esta- remos, ent\u00e3o, facilmente, desviando-nos da seriedade para jogar com os sentimentos dotados de conte\u00fados m\u00f3veis e para firmar suposi\u00e7\u00f5es em torno de alguma coisa que se presume ser assim? 2) Quando, na situa\u00e7\u00e3o universal da atividade e diante dos grandes problemas que dizem respeito \u00e0 ordem humana, a capacidade vi- vencial deixa de preencher a pr\u00f3pria vida, atrav\u00e9s de solu\u00e7\u00f5es hist\u00f3ricas ou da respectiva fal\u00eancia, pode acontecer que tamb\u00e9m os mitos e poemas em que essas solu\u00e7\u00f5es se revelam n\u00e3o mais se compreendam. No caso de o g\u00e9rmen transtornado da possibi- lidade humana, consciente dessa falha, buscar atmosfera em que consiga respirar e desenvolver-se, poder\u00e1 a vis\u00e3o das possi- bilidades humanas b\u00e1sicas, de Homero a Shakespeare e Goethe, como nos mitos antigos e eternamente vivos, abrir-lhe, talvez, es- pa\u00e7o, sem que, entretanto, haja, mesmo encontrando-os, reali- dade pr\u00f3pria original alguma."], ["3) Quando o comportamento \u00e9 tal que o conhecimento hist\u00f3rico e"], ["psicol\u00f3gico possibilite ao homem que sofre formar s\u00edmbolos viva- mente eficazes, o que pode resultar \u00e9 uma supersti\u00e7\u00e3o, mediante a qual se busca apoio em fixa\u00e7\u00f5es infinitas de s\u00edmbolos indefini- dos, m\u00f3veis e objetivos, mas propriamente imposs\u00edveis de apre- ender; com o que, se invertem tradi\u00e7\u00f5es arraigadas, se usam, er- radamente, para fins curativos (servindo de medida para a sa\u00fade e a felicidade); e os s\u00edmbolos, realmente, deixam de ser s\u00edmbolos. 4) Para o indiv\u00edduo, podem os s\u00edmbolos ser a linguagem de alguma coisa que, a n\u00e3o ser assim, de modo algum se lhe afiguraria obje- tiva e eficaz. No caso de serem despertados a partir do inconsci- ente, pode-se indagar que elemento hist\u00f3rico se h\u00e1 de acrescen- tar para formar aquilo que deve ser despertado e para traz\u00ea-lo \u00e0 consci\u00eancia de si mesmo. Quem, no entanto, responder \u00e0 inda- ga\u00e7\u00e3o transforma-se em profeta; n\u00e3o ensina, mas anuncia; n\u00e3o lhe \u00e9 poss\u00edvel prestar servi\u00e7o algum com espelhos ou perguntas, mas, sim, dar o que \u00e9 substancial. Para o pesquisador e o fil\u00f3- sofo, isso parece exceder as for\u00e7as humanas, as possibilidades humanas. Estarrecemo-nos e assombramo-nos ante os s\u00edmbo- los, como se fossem um mundo de verdade oculta. Na tentativa de aproximar-nos, para o fim de compreend\u00ea-los, desses -s\u00edmbo- los, e menos no que \u00e9 geral do que \u00e9 historicamente concreto; na tentativa de escutar, a fim de perceber se em n\u00f3s algo ecoa que ensine, talvez, a compreender o que nos outros ocorre \u2014 a\u00ed est\u00e1 o limite at\u00e9 onde v\u00e3o a investiga\u00e7\u00e3o e a filosofia."], ["5) Ao mundo simb\u00f3lico total, op\u00f5e-se, em n\u00f3s, uma primariedade que o relativiza. A autorreflex\u00e3o liberta da sujei\u00e7\u00e3o ao s\u00edmbolo, obsta a supersti\u00e7\u00e3o permanentemente amea\u00e7adora, e possibilita, atrav\u00e9s de todos os s\u00edmbolos, sujeitar, renovada e mais profun- damente, a exist\u00eancia \u00e0 transcend\u00eancia sem imagens que se se manifesta pela incondicionalidade da a\u00e7\u00e3o \u00e9tica e pelo milagre da liberta\u00e7\u00e3o, correspondendo ao dom de o homem sentir que \u00e9 si mesmo; como aparece, igualmente, na certeza em movimento que se exprime pela a\u00e7\u00e3o interior e peio comportamento exterior, quando se encontram, na clareza da raz\u00e3o, as op\u00e7\u00f5es e decis\u00f5es existenciais. \u00a7 3. Formas Da Compreensibilidade", "a) A tens\u00e3o contrastante da psique e a dial\u00e9tica do respectivo movi-"], ["mento.", "A vida ps\u00edquica e seus conte\u00fados fragmentam-se em contrastes, pelos quais, no entanto, tudo se correlaciona, novamente. As ideias despertam", "contra-id\u00e9ias; as tend\u00eancias, contra- tend\u00eancias; os sentimentos, outros sentimentos que se op\u00f5em. A tristeza se converte, a qualquer momento, de modo espont\u00e2neo ou por motivos insignificantes, em alegria. Um pendor que n\u00e3o se percebe leva \u00e0 acentua\u00e7\u00e3o exagerada de pendor oposto. A com- preens\u00e3o tem sempre de guiar-se pelos contrastes, cuja discuss\u00e3o equiva- leria a rever a psicologia inteira.", "1. Contrastes categoriais, biol\u00f3gicos, psicol\u00f3gicos, mentais.", "Precisamos contemplar de maneira universal os contrastes; v\u00ea-los, lo- gicamente, em multiplicidade categorial; como realidade na biologia e na psicologia; intelectualmente, como possibilidades espirituais que se podem realizar."], ["Categorialmente, distingam-se: a mera alteridade, ou diversidade (por exemplo, cor e som) e o contraste; neste, por sua vez, a pola- ridade (vermelho e verde) e a contradi\u00e7\u00e3o (verdadeiro e falso). Trata-se de uma forma universal de todo pensar (que n\u00e3o se pode completar sem um e outro, isto \u00e9, sem distin\u00e7\u00e3o e sem, pelo menos, dois pontos de refer\u00eancias) e de uma forma de todo ser, tal qual nos aparece (porque nossa raz\u00e3o nada pode pensar que n\u00e3o tenha outra coisa externa a si; e para a raz\u00e3o, todo ser \u00e9 im- pens\u00e1vel, se n\u00e3o houver polariza\u00e7\u00e3o e- cis\u00e3o simult\u00e2nea).", "Biologicamente, vemos polaridades reais: na inspira\u00e7\u00e3o e expira- \u00e7\u00e3o, na s\u00edstole e di\u00e1stole, na assimila\u00e7\u00e3o e desassimila\u00e7\u00e3o do me- tabolismo; no antagonismo das fun\u00e7\u00f5es que se sucedem nesses ritmos; a vig\u00edlia, produz o sono; o sono, a vig\u00edlia. Nos ciclos funci- onais de que a secre\u00e7\u00e3o \u00e9 parte, o mesmo acontece at\u00e9 em con- trastes (o basedowismo e o mixedema encerram, em seu con- traste, algo que os. assinala como varia\u00e7\u00f5es na dire\u00e7\u00e3o de polos opostos). Polaridade b\u00e1sica de toda vida, \u00e9 sua fragmenta\u00e7\u00e3o e reunifica\u00e7\u00e3o no masculino e feminino).", "Psicologicamente, os contrastes polares n\u00e3o s\u00e3o menos efetivos. Assim, \u00e9 que a atividade e a passividade representam, consciente e inconscientemente, polaridades dos estados e impulsos ps\u00edqui- cos, como s\u00e3o o prazer e o desprazer, o amor e o \u00f3dio, o autoa- bandono e a autoafirma\u00e7\u00e3o. Mais ainda: a vontade de poder e o impulso a submeter-se: vontade pr\u00f3pria e sentimento de comu- nidade (eu e n\u00f3s); o impulso para o dia, para a autonomia, a res- ponsabilidade, a a\u00e7\u00e3o, a vida, e o impulso para a noite, a clan- destinidade, a irresponsabilidade, o repouso, a morte; o impulso para a ruptura da ordem e para a subordina\u00e7\u00e3o. Contrastes e polaridades desenvolvem-se, pois, sem limites, dominando, com grande riqueza de varia\u00e7\u00f5es, os preceitos da psicologia compre- ensiva, toda a qual se move dentro de contrastes, ou polaridades."], ["\u2022", "Intelectualmente, a polaridade vem completar valora\u00e7\u00f5es opostas: o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o bom e o mau, o positivo e o negativo. A mente capta todos os contrastes que sequer v\u00e3o acontecer, por si mesmo inconscientes, reconhece-lhes a signifi- ca\u00e7\u00e3o, contempla-os como s\u00edmbolos, desde os polos espaciais, acima e abaixo, \u00e0 esquerda e \u00e0 direita, atrav\u00e9s da escurid\u00e3o e da luz, at\u00e9 os polos biol\u00f3gicos (quais sejam, masculino e feminino) e tamb\u00e9m capta os antagonismos psicol\u00f3gicos: prazer-desprazer, alegria-tristeza, luto-exalta\u00e7\u00e3o e ruina). Essencial \u00e0 mente, no entanto, \u00e9 o movimento que se realiza em si e consigo mesmo, caminhando de um polo ao outro, n\u00e3o suportando contradi\u00e7\u00e3o, tentando, por isso, super\u00e1-la todas, reunindo polaridades preser- vando-as atrav\u00e9s de tens\u00f5es cada vez mais amplas.", "Pela mente, trabalhando sem cessar, fazem-se conscientes a circuns-"], ["t\u00e2ncia de que todos os contrastes se relacionam e a forma por que isso se d\u00e1, porque ela reconhece, em toda parte, o fen\u00f4meno b\u00e1sico em perp\u00e9tua modifica\u00e7\u00e3o, captando-o e realizando-o- em si mesmo. Os contrastes n\u00e3o s\u00f3 existem, como movimentam todo ser; relacionados uns com os outros, s\u00e3o origem do movimento constante, chamado dial\u00e9tica. Da\u00ed n\u00e3o se dispor, ou at\u00e9 insurgir-se a raz\u00e3o conservadora, que pretende saber o que existe como fato estabelecido; da\u00ed tamb\u00e9m a impropriedade de qualquer defini\u00e7\u00e3o terminol\u00f3gica, quando a realidade \u00e9 dial\u00e9tica.", "2. Modos dial\u00e9ticos.", "Na realidade ps\u00edquica, os contrastes portam-se de tr\u00eas maneiras em re-"], ["la\u00e7\u00e3o uns aos outros:", "1) Sem consci\u00eancia; convertem-se uns nos outros, com o tempo: tal qual a inspira\u00e7\u00e3o se converte em expira\u00e7\u00e3o, assim o entusiasmo converte- se em depress\u00e3o; o amor, em \u00f3dio; e vice-versa. Ou:", "2) Os contrastes lutam uns contra os outros; aquilo que \u00e9 polarmente oposto faz-se presente na mesma psique, um contraste lan\u00e7ando-se contra o outro. Ou:", "3) Eu opto entre contrastes, o favorecimento de um excluindo o outro.", "\u2014 Na convers\u00e3o, d\u00e1-se um evento-, na luta, uma a\u00e7\u00e3o-, na op\u00e7\u00e3o, uma decis\u00e3o.", "Estes dois \u00faltimos modos dial\u00e9ticos levam a movimentos radicalmente", "diversos: \u00e0 s\u00edntese do \u201ctanto quanto-tamb\u00e9m\u201d e \u00e0 op\u00e7\u00e3o do \u201cou isto ou aquilo\u201d.", "A s\u00edntese ajuda os contrastes numa tens\u00e3o construtiva, de modo que,"], ["instantaneamente, \u00e9 poss\u00edvel um todo resolver-se harmoniosamente; reso- lu\u00e7\u00e3o que, decerto, h\u00e1 de novamente mover-se sem tardar, caminhando, por\u00e9m, para a constru\u00e7\u00e3o, atrav\u00e9s da riqueza e amplitude da realiza\u00e7\u00e3o, e reunindo tens\u00f5es opostas. O todo unit\u00e1rio dos contrastes vale como ori- gem e fim, movimentando-se atrav\u00e9s de oposi\u00e7\u00f5es no sentido da plena ma- nifesta\u00e7\u00e3o. Aqui, a dial\u00e9tica conduz ao todo."], ["Inteiramente outra \u00e9 a op\u00e7\u00e3o. Ante o \u201cou isto ou aquilo\u201d, -o homem tem de optar pelo que \u00e9 e pelo que quer. Na incondicionalidade de uma decis\u00e3o que exclua outras possibilidades, ganha-se a firmeza da seriedade e da responsabilidade. O final est\u00e1 nas contradi\u00e7\u00f5es da exist\u00eancia, das possibi- lidades universais, constranger-se antes as quais, fugindo delas, mesmo que na harmonia total mais grandiosa, se afigura desonesto. H\u00e1 um mo- mento em que a realidade consiste em atuar bem ou mal e em que se faz imposs\u00edvel a perspectiva totalizante que tudo abranja e que exclua os con- trastes. Aqui, a dial\u00e9tica conduz ao limite da op\u00e7\u00e3o."], ["Os perigos que a psique encontra em ambas as vias s\u00e3o peculiares. Quando quer o todo, o contempla, o sente, ela pode afundar, sem perce- ber, na moleza; pode refugiar-se na totalidade esteticamente sedutora; pode descaracterizar-se, fazer-se irrespons\u00e1vel, sof\u00edstica, usando os recur- sos da dial\u00e9tica do \u201ctanto quanto- tamb\u00e9m\u201d. \u2014 Todavia, quando busca o solo firme da decis\u00e3o, pode a psique, desprezando o outro lado dos pares opostos, tomar-se brutal, empobrecida, desvitalizada na calma da unilate- ralidade; e sucumbir, mais tarde, ao efeito do sacrif\u00edcio e da exclus\u00e3o, do recalque, efeito que dela se apossa, por assim dizer, sub-repticiamente, sem que o perceba."], ["Se, em ambas as vias, virmos o positivo \u2014 no \u201ctanto quanto- tamb\u00e9m\u201d, o meio-termo como tens\u00e3o que re\u00fane os contrastes para constru\u00e7\u00e3o de to- talidades; no \u201cou isto, ou aquilo\u201d, a op\u00e7\u00e3o como origem que fundamenta, incondicionalmente, a responsabilidade \u2014 e tamb\u00e9m o negativo \u2014 num, a falta de nitidez; noutro, a estreiteza; em ambos, uma inveracidade espec\u00ed- fica \u2014 n\u00e3o poderemos opor o positivo de um ao negativo de outro; manter, sim, ambos os positivos em contradi\u00e7\u00e3o.", "Como \u00e9, todavia, que a psique pode comportar-se em rela\u00e7\u00e3o a estas duas possibilidades dial\u00e9ticas b\u00e1sicas? Ter\u00e1 de sustentar uma contra a outra? Ou encontrar\u00e1 uma s\u00edntese da s\u00edntese e ant\u00edtese (do todo e da op- \u00e7\u00e3o)?", "\u00c9 fundamentalmente caracter\u00edstico da situa\u00e7\u00e3o humana no - tempo o", "fato de ser irrealiz\u00e1vel a s\u00edntese de s\u00edntese e ant\u00edtese. Quer dizer, nossa"], ["exist\u00eancia tem de escolher e desenvolver seu destino, historicamente, na sorte e no risco; e a solu\u00e7\u00e3o correta some ante as limita\u00e7\u00f5es tr\u00e1gicas e as possibilidades redentoras transcendentais.", "Existe uma forma de pensamento universal, que \u00e9 dial\u00e9tica em suas transforma\u00e7\u00f5es e que se op\u00f5e, no contraste, \u00e0 forma racional de compre- ender, da qual se serve, superando-a. A compreens\u00e3o da psique \u00e9, neces- sariamente, dial\u00e9tica, proporcionando satisfa\u00e7\u00e3o espec\u00edfica, quando se concebem as situa\u00e7\u00f5es, fatos e movimentos humanos.", "3. Exemplos de compreens\u00e3o psicopatol\u00f3gica pela dial\u00e9tica dos contrastes.", "Mede-se a sa\u00fade ps\u00edquica pela seguinte ideia: na alma, normalmente, originam-se dos contrastes unifica\u00e7\u00f5es plenas, quer mediante op\u00e7\u00f5es cla- ras, decididas, quer mediante s\u00ednteses amplas; anormalmente, autono- miza-se uma tend\u00eancia, sem ocorrer, de modo geral, contraefeito; ou n\u00e3o se d\u00e1 unifica\u00e7\u00e3o alguma; ou ainda, \u00e9 a contratend\u00eancia que assume auto- nomia especial e absoluta. Medidas desta ordem podem-se aplicar \u00e0 an\u00e1- lise compreensiva das psicoses e neuroses."], ["aa) Nos esquizofr\u00eanicos, veem-se exemplos em que, drasticamente,"], ["uma tend\u00eancia se autonomiza, sem contratend\u00eancia, a obedi\u00eancia auto- m\u00e1tica aos comandos, a ecolalia, a ecopraxia; os doentes estendem a l\u00edn- gua para fora, quando mandados, mesmo sabendo que vai ser picada; fa- zem movimentos sem sentido, repetem perguntas. \u2014 Quanto a falhas da unifica\u00e7\u00e3o: a acentua\u00e7\u00e3o afetiva, a um tempo positiva e negativa, do mesmo objeto, que Bleuler chama ambival\u00eancia,1 levando, no psiquismo normal, a op\u00e7\u00f5es claras ou a constru\u00e7\u00f5es sint\u00e9ticas, ao passo que, na es- quizofrenia, podem os enfermos, em simultaneidade indecisa e desconexa, odiar e amar ao mesmo tempo; ou considerar alguma coisa, ao mesmo tempo, certa e errada, de modo que, embora conservada a orienta\u00e7\u00e3o cor- reta, s\u00e3o capazes de aderir, convictamente, a uma orienta\u00e7\u00e3o delirante. \u2014 Quanto \u00e0 autonomiza\u00e7\u00e3o da contratend\u00eancia: negativismo: os pacientes a tudo se op\u00f5em, ou fazem, exatamente, o contr\u00e1rio; v\u00e3o \u00e0 privada, mas ali- viam-se onde n\u00e3o devem; t\u00eam de comer, mas n\u00e3o comem, embora compra- zendo-se em tirar a comida de outros doentes; nos casos cl\u00e1ssicos, o paci- ente a quem se mandou avan\u00e7ar retrocede; certa paciente que saiu para o jardim debaixo de chuva torrencial declarou: O sol est\u00e1 queimando e bri- lhando. Kraepelin interpretou desta forma certos estados estuporosos, nos quais observou movimentos rudimentares: haveria bloqueio resultante de contraimpulsos, em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 simples inibi\u00e7\u00e3o do evento ps\u00edquico e, ao"], ["mesmo tempo, tamb\u00e9m das manifesta\u00e7\u00f5es motoras; umas vozes dizem ao paciente, de quando em quando, o contr\u00e1rio do que pretendem; por exem- plo, a aclama\u00e7\u00e3o \u201cbravos\u201d quer dizer que o doente n\u00e3o devia ter feito o que fez."], ["bb) Nas neuroses, interpreta-se como falha tanto da unifica\u00e7\u00e3o de con- trastes quanto da op\u00e7\u00e3o; por exemplo, a incapacidade de decidir, a incapa- cidade de terminar, de acabar alguma coisa. Sobretudo, por\u00e9m, os psicote- rapeutas t\u00eam demonstrado a dial\u00e9tica de tens\u00e3o e relaxamento, na qual reside uma polaridade que vai do biol\u00f3gico ao ps\u00edquico e ao mental; dos m\u00fasculos, por via da vontade, at\u00e9 a atitude b\u00e1sica da concep\u00e7\u00e3o existen- cial. Mas aquilo que, evento fisiol\u00f3gico, leva ao equil\u00edbrio, naturalmente, atrav\u00e9s de varia\u00e7\u00f5es r\u00edtmicas, a psique transforma de mero evento em en- cargo, o qual s\u00f3 se pode resolver, se qualquer evento vital feliz vier a sus- tentar o movimento; isso, no entanto, apenas com a contribui\u00e7\u00e3o ativa, es- for\u00e7ada, do homem, que s\u00f3 na a\u00e7\u00e3o interior se torna aquilo que \u00e9. Fisiolo- gicamente, existem espasmo e flacidez; mais a sa\u00fade, que n\u00e3o \u00e9 uma coisa, nem outra; psiquicamente, existem rigidez e frouxid\u00e3o, obstina\u00e7\u00e3o e indecis\u00e3o; mais a vontade resoluta, clara, que n\u00e3o sucumbe a estes con- trastes. As polaridades de tens\u00e3o e relaxamento, indispens\u00e1veis a que se dominem todos os outros contrastes, d\u00e3o origem aos movimentos; estes desviam para a rigidez ou a frouxid\u00e3o; ou ent\u00e3o, partindo da tens\u00e3o e se- guidos de relaxamento, levam a nova tens\u00e3o, na s\u00edntese a cada momento bem sucedida."], ["4. Afirma\u00e7\u00e3o da apreens\u00e3o psicopatol\u00f3gica em contrastes absoluti- zados.", "Se se observarem os esfor\u00e7os da psicologia e da caracterologia compre-", "ensiva, ver-se-\u00e1 a import\u00e2ncia suprema dos contrastes. Cada contraste que n\u00e3o seja de todo indiferente atua, assim que se faz consciente, de ma- neira absolutamente compulsiva; a tenta\u00e7\u00e3o de nele ver, a cada momento, a essencialidade a que as mais profundas energias se associam parece quase inevit\u00e1vel. Quando se aplica a um contraste que atue pela compre- ens\u00e3o de todo o psiquismo, mais indeterminado e mais mult\u00edvoco ele se torna. Aparentemente, afigura-se universalmente ilustrativo, mas, na rea- lidade, veio a transformar-se em senha que sempre se ajusta, mas, afinal, quase n\u00e3o exprime do que oposi\u00e7\u00e3o generalizada.", "Pode-se encontrar alguma coisa anal\u00f3gica em v\u00e1rios contrastes, uni- versalizados desta sorte; por exemplo, quando se comparam a posse obje-"], ["tai e o narcisismo (Freud), a extrovers\u00e3o e a introvers\u00e3o (Jung), a objetivi- dade e a subjetividade (Kunkel).", "A atitude b\u00e1sica, quando se universaliza um contraste, est\u00e1 ou na vi- s\u00e3o de duas possibilidades polares equivalentes (extrovers\u00e3o-introvers\u00e3o), ou na oposi\u00e7\u00e3o de-alguma coisa que valora e alguma coisa que desvalora (o que vive e o que perturba a vida); \u00e9 a concep\u00e7\u00e3o freudiana da sensuali- dade dos impulsos e da moralidade que recalca; klagesiana da alma e da mente (que \u00e9 advers\u00e1ria da alma). Ao dualismo demonol\u00f3gico de Deus e Diabo contrap\u00f5e-se uma vis\u00e3o total pandem\u00f4nica, conciliat\u00f3ria.", "Acreditamos perceber o erro que resulta de toda absolutiza\u00e7\u00e3o de um"], ["contraste; da\u00ed cada contraste, na respectiva polaridade, afigurar-se-nos utiliz\u00e1vel \u00e0 compreens\u00e3o e, num sentido ou noutro, limitado que seja, per- tinente; mas tamb\u00e9m se nos afigura n\u00e3o ser poss\u00edvel destacar para o co- nhecimento uma totalidade polar a ponto de poder-se compreender, sem limita\u00e7\u00e3o, o todo da exist\u00eancia humana. O que \u00e9 compreens\u00edvel, no en- tanto, quanto mais profundamente se apreende, a si mesmo excede, indo at\u00e9 a in- compreensibilidade do fundamente vital, extraconsciente, e a in- compreensibilidade da exist\u00eancia hist\u00f3rica, absoluta."], ["b) C\u00edrculos da vida e da compreensibilidade.", "A dial\u00e9tica \u00e9 a forma em que os fatos b\u00e1sicos das conex\u00f5es compreen- s\u00edveis se nos fazem acess\u00edveis; neles n\u00e3o existe evento unilinear, mas reci- procidade constante, repercuss\u00e3o sobre os motivos, progress\u00e3o que se am- plia ou se estreita de c\u00edrculos movimentais.", "Um sentimento exprime-se na m\u00edmica e no gesto; um e outro intensifi-", "cam, retroativamente, o sentimento, diferenciam-no, levam-no a que se desenvolva. \u2014 Um impulso obscuro manifesta-se em atos, em ideias, em obras produzidas; este mesmo impulso fortalece-se, por isto, determina- se, realiza-se. \u2014 O homem defende-se contra impulsos interiores, que n\u00e3o quer aceitar; os impulsos fazem-se, por isso, mais fortes; ou menospreza- os, d\u00e1-lhes pouca oportunidade; e eles enfraquecem-se.", "N\u00e3o \u00e9 s\u00f3 na psique em si que se apresentam esses c\u00edrculos; mas, justa-"], ["mente, no desenvolvimento da psique em seu mundo. \u00c0 propor\u00e7\u00e3o que o homem vai conformando as coisas, elas o marcam, retrogressivamente. Os fatos levam a acr\u00e9scimos e convers\u00f5es."], ["Toda transforma\u00e7\u00e3o, propriamente, todo viver, todo fazer tem de aca-", "bar-se no todo, tem de edificar-se em c\u00edrculos. O acontecer, o querer, o"], ["persistir unilineares implicam limita\u00e7\u00e3o, v\u00eam a dar em rigidez, levam ao decl\u00ednio. O homem tem sempre de pairar, por assim dizer, em sua atitude de compreens\u00e3o, tem de abandonar o solo firme da certeza, saltando \u2014 di- gamos assim \u2014 para os c\u00edrculos. Deixa de compreender o sentido da vida se quiser captar sem risco uma coisa ou outra, se quiser ter, apenas, sem perder tamb\u00e9m: se quiser, apenas, valer sem ser menosprezado, apenas viver, sem tamb\u00e9m morrer. Para dizer a verdade, tem sempre de aceitar o que se op\u00f5e, expor-se ao risco, deixar-se machucar, admitir o sofrimento como fase de todos seus movimentos. Tudo- quanto \u00e9 mero \u201cisto\u201d, sem oposi\u00e7\u00e3o, significa fixa\u00e7\u00e3o, perda de- tudo mais, dando, sem tardar, na fi- xa\u00e7\u00e3o de alguma coisa que j\u00e1 deixou de ter vida. Em sentido contr\u00e1rio fun- ciona a amplia\u00e7\u00e3o da vida compreens\u00edvel, atrav\u00e9s da abertura dos c\u00edrculos aos: movimentos e perigos dial\u00e9ticos. Toda inten\u00e7\u00e3o dial\u00e9tica, toda. fixa\u00e7\u00e3o racional nada mais \u00e9 que momento, momento indispens\u00e1vel, na totalidade dos movimentos circulares, dos quais, e s\u00f3 dos. quais, lhe vem o sentido, a medida, a condi\u00e7\u00e3o de sua realiza\u00e7\u00e3o. \u00c9 nos c\u00edrculos que as ideias apare- cem, que aparece tudo quanto encerra alguma coisa, que aparecem a exis- t\u00eancia, o esp\u00edrito, a vida. Rompam-se os c\u00edrculos, e outros novos se forma- r\u00e3o."], ["Podem-se comparar a exist\u00eancia compreens\u00edvel e a biol\u00f3gica. Mas tam- b\u00e9m o biol\u00f3gico tem sempre de conter-se em c\u00edrculos; por exemplo, os c\u00edr- culos do evento end\u00f3crino-neurol\u00f3gico (H. Marx). Os simples antagonis- mos dos increta atuando em sentido oposto n\u00e3o bastam; os c\u00edrculos, no todo, produzem o efeito vivo; o fortalecimento intencional de um dos fato- res isol\u00e1veis acarreta alguma coisa que, conforme os c\u00edrculos, conforme rolam em certo indiv\u00edduo, atuar\u00e1 de modo diverso; da\u00ed a incalculabilidade do espa\u00e7o* em que nos movemos, porque s\u00f3 se pode calcular quando se conhecem, no todo, os c\u00edrculos. Outro exemplo: as fun\u00e7\u00f5es do evento neu- romuscular e sensorial s\u00f3 se podem conceber no todo da situa\u00e7\u00e3o interna e ambiental do organismo vivo (Gestaltkreis, von Weizs\u00e3cker). Compara-se a estes exemplos tamb\u00e9m a vida compreens\u00edvel: um realizar-se em c\u00edrcu- los, com a diferen\u00e7a, por\u00e9m, de tratar- se, aqui, de evento consciente; e do inconsciente, o qual, se n\u00e3o \u00e9 portador de evento circular complementar, representa origem de uma liberdade que \u00e9 determinante, sem poder, ela pr\u00f3pria, ser sequer intencional e sem ser objeto de qualquer investiga\u00e7\u00e3o e inquiri\u00e7\u00e3o emp\u00edricas. A tens\u00e3o interna espec\u00edfica, a retroa\u00e7\u00e3o sobre si mesmo, o refor\u00e7o m\u00fatuo ou o relaxamento \u2014 \u201cas sendas misteriosas das invers\u00f5es interiores\u201d (Nietzsche) \u2014 s\u00e3o os momentos incalcul\u00e1veis do todo compreens\u00edvel que aparece nos movimentos ps\u00edquicos."], ["S\u00e3o os atos que determinam a exist\u00eancia, desde os primeiros anos de vida. Uma crian\u00e7a que est\u00e1 come\u00e7ando a falar entra no quarto, v\u00ea o irm\u00e3o- zinho no colo da m\u00e3e, onde ela pr\u00f3pria devia estar; para, hesita, v\u00eam-lhe l\u00e1grimas aos olhos; de repente, caminha em dire\u00e7\u00e3o \u00e0 m\u00e3e, acaricia-a e diz: \u201cEu tamb\u00e9m gosto dele\u201d. E continua a ser um irm\u00e3o dedicado, afetu- oso.", "O biol\u00f3gico nada mais \u00e9 do que analogia do compreens\u00edvel; este cont\u00e9m", "o risco, a ansiedade ante a necessidade do salto (sempre no c\u00edrculo total), a decis\u00e3o, a cria\u00e7\u00e3o; aquele, pelo contr\u00e1rio, cont\u00e9m o mero evento c\u00edclico; evento que sem ser, embora, mec\u00e2nico, \u00e9 autom\u00e1tico, n\u00e3o-livre."], ["Os c\u00edrculos compreens\u00edveis s\u00e3o est\u00e1ticos, quando configuram as estru- turas expressivas, as totalidades caracteriais, as obras. Os c\u00edrculos ora em discuss\u00e3o s\u00e3o movimentos. E esses movimentos c\u00edclicos compreens\u00edveis s\u00e3o de duas ordens, de esp\u00e9cies opostas: ciclos que intensificam a vida, ou que a aniquilam. \u00c9 verdade que toda vida compreens\u00edvel se passa em c\u00edr- culos, nos quais, entretanto, a vida pode edificar-se ou, eles mediante, destruir-se. E \u00e9 assim que o homem pode buscar superar resist\u00eancias com recursos- que, justamente, o destroem. Pode lutar contra alguma coisa de modo a apenas intensificar aquilo que combate. Querer\u00e1 ganhar prest\u00edgio e, no entanto, s\u00f3 pensando em prest\u00edgio, e n\u00e3o naquilo a cuja obten\u00e7\u00e3o se pode, em certas condi\u00e7\u00f5es, associar prest\u00edgio, atuar\u00e1 de modo tal que atra- ir\u00e1 o desprezo seu pr\u00f3prio e dos outros; com o que voltar\u00e1, tanto mais forte, sua \u00e2nsia de prest\u00edgio, esporeando-o a novo comportamento, bal- dado e pior ainda. Os psicoterapeutas usam, a este prop\u00f3sito, a express\u00e3o \u201cc\u00edrculo diab\u00f3lico\u201d\u2019 (Kunkel), que, n\u00e3o mais c\u00edrculo construtivo realmente vital, \u00e9 c\u00edrculo vicioso. O comportamento compreens\u00edvel transforma-se em esperneio, no qual o extraviado mais n\u00e3o faz do que cada vez mais afogar- se em um p\u00e2ntano. Ao c\u00edrculo criativo op\u00f5e-se, ent\u00e3o, aquele que aniquila; \u00e0quele que liberta e expande, aquele que inibe e restringe."], ["S\u00e3o m\u00faltiplos os c\u00edrculos nos quais os dist\u00farbios por si mesmos- se in-", "tensificam. A ansiedade transforma-se em ansiedade ante a ansiedade e cada vez maior se faz. Uma excita\u00e7\u00e3o, ao mesmo tempo que. \u00e9 combatida, aumenta. Um afeto toma-se desmedido porque o indiv\u00edduo o verbaliza e se lhe abandona. A zanga transforma-se em furor. A obstina\u00e7\u00e3o faz-se cada vez mais obstinada. Ou, inversamente, um impulso cresce, quando recal- cado; o homem sexualiza-se, querendo reprimir sua sexualidade.", "Estes c\u00edrculos tornam-se neur\u00f3ticos pelo impacto de mecanismos, os", "quais fragmentam aquilo que, normalmente se mant\u00e9m ligado; isolam.", "aquilo que, normalmente, se insere no todo. \u00c9 assim que o inconsciente' se faz inacess\u00edvel ao consciente. O recalque adquire vida pr\u00f3pria cada vez mais n\u00edtida, em oposi\u00e7\u00e3o ao impulso recalcado. O eu sente-se- dominado por um outro que, no entanto, faz parte dele."], ["\u00a7 4. A Autorreflex\u00e3o", "Pode-se dizer: no que o homem faz, quer, produz, exprime-se o modo por que se compreende a si mesmo no mundo. O que chamamos psicolo- gia compreensiva \u00e9, portanto, compreens\u00e3o dessa compreens\u00e3o. Mas h\u00e1 certa caracter\u00edstica b\u00e1sica da exist\u00eancia humana pelo qual o homem, como homem, j\u00e1 realiza, ele pr\u00f3prio, uma compreens\u00e3o de sua compreen- s\u00e3o, formando o conhecimento de si mesmo: a autorreflex\u00e3o \u00e9 insepar\u00e1vel da psique humana compreens\u00edvel. Da\u00ed j\u00e1 se explicar em todas as conex\u00f5es compreens\u00edveis pelo conte\u00fado e pela forma, acima discutidas. A autorrefle- x\u00e3o pode parar de onde parte; o fazer no mundo e o conhecimento das coi- sas podem realizar-se, de modo geral, inconscientemente; ou seja, sem au- torreflex\u00e3o. Mas o come\u00e7o e a possibilidade da autorreflex\u00e3o tornam hu- manas todas as atividades ps\u00edquicas.", "A psicologia compreensiva tem de entender a autorreflex\u00e3o que ela pr\u00f3-"], ["pria realiza. Da\u00ed por que realizamos, quando a praticamos, em rela\u00e7\u00e3o a outro homem, aquilo que ele ainda n\u00e3o realizou em sua autorreflex\u00e3o; ou compreendemos sua autorreflex\u00e3o, nela participamos e a fazemos progre- dir."], ["a) A reflex\u00e3o e o inconsciente.", "A autorreflex\u00e3o coloca-se dentro da rela\u00e7\u00e3o ampla entre consciente e inconsciente. Primeiramente, consideramos a esfera conjunta daquilo que chamamos reflex\u00e3o; & o que \u00e9 o esclarecimento, quando separamos o que se relaciona:", "Todo esclarecimento da vida ps\u00edquica come\u00e7a pela separa\u00e7\u00e3o em su- jeito e objeto (eu e objeto). O que sentimos, vivenciamos, desejamos s\u00f3 se nos esclarece quando imaginamos ou ideamos, objetivando, configurando, pensando; enfim, o esclarecimento est\u00e1 na objetifica\u00e7\u00e3o. \u00c9 nessa separa- \u00e7\u00e3o que a reflex\u00e3o ulterior se realiza: volto-me para mim mesmo, reali- zando a reflex\u00e3o sobre mim mesmo, isto \u00e9, a autorreflex\u00e3o; reflito sobre to- dos os conte\u00fados, como sobre as imagens e s\u00edmbolos, a que, como objetos,"], ["de in\u00edcio me prendo, sem consci\u00eancia disso; e indago o que s\u00e3o. A consci- ente intensifica-se de forma ilimitada, at\u00e9 dar a consci\u00eancia do que \u00e9 cons- ciente. Finalmente, realizo a reflex\u00e3o sobre a separa\u00e7\u00e3o sujeito-objeto no todo, ou seja, fa\u00e7o-me a mim mesmo consciente na transcend\u00eancia filos\u00f3- fica, conforme para mim ocorre, nessa separa\u00e7\u00e3o, a manifesta\u00e7\u00e3o do ser."], ["Em toda reflex\u00e3o, o esclarecimento de uma obscuridade at\u00e9 ent\u00e3o in-", "consciente propicia liberta\u00e7\u00e3o\u2019, por exemplo, liberta\u00e7\u00e3o do v\u00ednculo que existe na obscuridade daquilo que n\u00e3o se separou ainda; liberta\u00e7\u00e3o do ser- assim atual do eu; abandono aos s\u00edmbolos que me constrangem sem que o perceba; liberta\u00e7\u00e3o da realidade objetai absoluta."], ["Toda liberta\u00e7\u00e3o de \u201calguma coisa\u201d leva a inquirir liberta\u00e7\u00e3o \u201cpara que?\u201d. Do v\u00ednculo existente na obscuridade daquilo que ainda n\u00e3o se se- parou vejo-me livre quando apreendo os objetos; \u00e9, por assim dizer, uma reden\u00e7\u00e3o saber o que, at\u00e9 ent\u00e3o, apenas sentia; sabendo o que me acon- tece, dou o primeiro passo livre da domina\u00e7\u00e3o na qual tudo ignorava. \u2014 A partir do ser-assim atual do eu, tal qual o imagino, quando me transformo no objeto existente, a autorreflex\u00e3o liberta-me para a execu\u00e7\u00e3o da tarefa de tornar-me eu mesmo; da definitiva atualidade chego \u00e0 possibilidade. \u2014 Da vincula\u00e7\u00e3o simb\u00f3lica caminho, conhecedor dos s\u00edmbolos, para a liber- dade que os transforma. \u2014 Do acorrentamento ao ser presumidamente absoluto, na exist\u00eancia objetai, transcendo, consciente da manifestabili- dade existencial, ao ser que, n\u00e3o objetai, s\u00f3 se faz claro por si, no entanto, atrav\u00e9s das possibilidades objetivas totais.", "Toda liberta\u00e7\u00e3o implica perigo. Todas essas liberta\u00e7\u00f5es mediante a re-"], ["flex\u00e3o levam \u00e0 inseguran\u00e7a, fazem que se percam a mat\u00e9ria, a terra, o mundo, a n\u00e3o ser que, a cada passo da liberta\u00e7\u00e3o, subsista uma vincula- \u00e7\u00e3o suscet\u00edvel de transforma\u00e7\u00e3o, mais intensa \u00e0 medida que a liberta\u00e7\u00e3o se acentua; a n\u00e3o ser que, na objetifica\u00e7\u00e3o, subsista a percep\u00e7\u00e3o da obs- curidade total original; a n\u00e3o ser que, tornando-me eu mesmo, assuma e aproprie aquilo que conquistei, existencialmente; a n\u00e3o ser que, supe- rando s\u00edmbolos estabelecidos, a ess\u00eancia simb\u00f3lica porte a vida total; a n\u00e3o ser que, transcendendo, se realize, decididamente, a fus\u00e3o no pr\u00f3prio mundo. O pairar que a liberdade cria s\u00f3 n\u00e3o se torna inseguro quando permanece atado de um modo ou de outro; quando minhas asas n\u00e3o per- dem a resist\u00eancia do ar no v\u00e1cuo.", "Do ponto de vista psicol\u00f3gico, formula-se a inseguran\u00e7a como sendo", "extin\u00e7\u00e3o do inconsciente, de que vivo, a rigor, em todos os graus da cons- ci\u00eancia. \u00c9 sempre o inconsciente que me traz os impulsos, o material, os"], ["conte\u00fados; do inconsciente \u00e9 que h\u00e1 de vir-me aquilo que me possibilita viver, desde o fazer cotidiano, automatizado, at\u00e9 os incidentes do configu- ramento criativo e do pensamento inventivo; al\u00e9m daquilo que me d\u00e1 os conte\u00fados de minha liberdade, quando decido. O que h\u00e1 de mais claro re- pousa na obscuridade do inconsciente; todo esclarecimento implica que alguma coisa clareia."], ["N\u00e3o vivemos na simples polaridade de inten\u00e7\u00e3o (raz\u00e3o, vontade) e in- consciente. Na verdade, de nossa exist\u00eancia ps\u00edquica e intelectual resulta uma s\u00e9rie estrutural em que esta rela\u00e7\u00e3o de consciente e inconsciente, se transforma, s\u00e9rie na qual jamais existe um est\u00e1dio sem outro, sob pena de colapso ps\u00edquico, ru\u00edna e destrui\u00e7\u00e3o. A vontade pujante e clara, quando \u00e9 pleno o conhecimento, vem a ser, nuclearmente, inconsciente, ao mesmo tempo que constitui realiza\u00e7\u00e3o, a todo momento, ou seja, passo \u00e0 frente no esclarecimento humano inconclusivo; esclarecimento que n\u00e3o suprime o reino do inconsciente, mas o amplia, dele consciente, simultaneamente, de maneira ilimitada."], ["b) A autorreflex\u00e3o impulsionadora da dial\u00e9tica ps\u00edquica."], ["Chamamos mero evento aquilo que se passa sem consci\u00eancia significa-", "tiva; viv\u00eancia, por\u00e9m, \u00e9 o evento que capta uma significa\u00e7\u00e3o; a autorrefle- x\u00e3o \u00e9, pois, momento indispens\u00e1vel da viv\u00eancia, porque toda consci\u00eancia significativa cont\u00e9m uma autoconsci\u00eancia.", "A autorreflex\u00e3o distingue-se, contudo, essencialmente, do conheci- mento. O \u201cconhecimento do conhecimento\u201d n\u00e3o \u00e9 o mesmo- que o pr\u00f3prio conhecimento. O conhecimento transforma uma coisa em objeto, d\u00e1-lhe exist\u00eancia, disponibilidade. A autorreflex\u00e3o, entretanto, \u00e9 o conhecimento que, objetivando-se, se altera, por isso mesmo, de imediato. Da\u00ed a autorre- flex\u00e3o jamais atingir a quietude do conhecimento de algo que permanece, que eu sou, mas estar sempre impulsionando para diante."], ["Por assim dizer, a autorreflex\u00e3o \u00e9 o fermento pelo qual tudo quanto \u00e9 dado se transforma n\u2019algo de que nos apropriamos; o mero evento trans- forma-se com a autorreflex\u00e3o \u2014 e pela elabora\u00e7\u00e3o \u2014 em hist\u00f3ria; o curso existencial, transforma-se em hist\u00f3ria existencial, ou biografia. Para com- preender a autorreflex\u00e3o, temos, por conseguinte, de entender-lhe a ess\u00ean- cia na respectiva estrutura."], ["c) Estrutura da autorreflex\u00e3o."], ["A estrutura da autorreflex\u00e3o \u00e9 hier\u00e1rquica, n\u00e3o havendo autorreflex\u00e3o"], ["\u00fanica, un\u00edvoca.", "1) Auto-observa\u00e7\u00e3o. Noto em mim fen\u00f4menos, maneiras por que percebo, recordo, sinto etc. Determino o que existe nos fen\u00f4me- nos fugazes, sempre escapando \u00e0 observa\u00e7\u00e3o. H\u00e1 uma dist\u00e2ncia entre mim, que observo, e aquilo em mim que observo como ob- jeto estranho. Comporto-me de modo neutro, tal qual me com- porto em rela\u00e7\u00e3o a qualquer coisa que me \u00e9 dada.", "2) Autocompreens\u00e3o. Interpreto o que em mim ocorre, baseado em motivos e conex\u00f5es; procuro esclarecer-me. Mas se isso ocorre ainda dentro de minha observa\u00e7\u00e3o, como observa\u00e7\u00e3o que \u00e9, uma quantidade de possibilidades se apresentam. A interpreta\u00e7\u00e3o que compreende \u00e9 tamb\u00e9m, de refer\u00eancia a mim mesmo, infinita; \u00e9 sempre relativa. Afinal, n\u00e3o sei o que sou, o que \u00e9 que em mim atua, que motivos s\u00e3o, a rigor, decisivos. Tudo quanto \u00e9, em ge- ral, poss\u00edvel reconhe\u00e7o tamb\u00e9m em mim, aqui ou ali, talvez oculto, como poss\u00edvel. A autocompreens\u00e3o leva, pela simples as- pira\u00e7\u00e3o ao conhecimento, \u00e0 inseguran\u00e7a.", "3) Autorrevela\u00e7\u00e3o. No meio em que se d\u00e1 a autocompreens\u00e3o pas- siva, ocorre a revela\u00e7\u00e3o verdadeira, mediante a seriedade de um envolvimento originado em atividade que, filosoficamente, abran- gemos com a denomina\u00e7\u00e3o de ato interior, incondicionalidade de op\u00e7\u00e3o; mas que escapa \u00e0 determina\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica, ao passo que as crises da autocompreens\u00e3o, de seus disfarces e invers\u00f5es, s\u00e3o sempre, psicologicamente, acess\u00edveis. Ningu\u00e9m ultrapassou Kier- kegaard na arte de tomar sens\u00edvel a revela\u00e7\u00e3o atrav\u00e9s de cons- tru\u00e7\u00f5es conceituais, dentro da compreens\u00e3o. Aqui anotamos, apenas, algumas distin\u00e7\u00f5es que interessam ao psic\u00f3logo.", "N\u00e3o \u00e9 s\u00f3 pela simples contempla\u00e7\u00e3o que a revela\u00e7\u00e3o se d\u00e1. S\u00f3 mesmo o"], ["ato interior, no qual, ao mesmo tempo, me transformo, \u00e9 que me permite revelar-me. A reserva que recusa revelar-se pode ocultar-se, precisamente, na revela\u00e7\u00e3o aparente, na divulga\u00e7\u00e3o sem peias da intimidade, na confis- s\u00e3o maci\u00e7a, na introspec\u00e7\u00e3o e na loquacidade infinitas, no rejubilar-se com a contempla\u00e7\u00e3o dos fen\u00f4menos interiores. Mas revelar-se n\u00e3o consti- tui processo objetivo, como o \u00e9 o conhecimento da natureza; constitui, sim, ato interior que \u00e9, autoapreens\u00e3o, auto-op\u00e7\u00e3o, apropria\u00e7\u00e3o. \u00c9 mera pseudo-honestidade aquilo que se v\u00ea na desinibi\u00e7\u00e3o com que, presumida- mente, se proclama a verdade; o que nela se fixa j\u00e1 \u00e9, precisamente, inve- r\u00eddico. A honestidade da revela\u00e7\u00e3o \u00e9 t\u00e3o ch\u00e3 quanto profunda, simples, atuante."], ["A revela\u00e7\u00e3o faz parte do ser-si mesmo, e este nunca \u00e9 ser- objeto. O", "que \u00e9, como objeto, conhecido, determinado, un\u00edvoco, nunca \u00e9 a mesma coisa que eu, a rigor, sou. A rela\u00e7\u00e3o b\u00e1sica do ser-objeto est\u00e1 no evento dependente da causalidade; a rela\u00e7\u00e3o b\u00e1sica do ser-si mesmo est\u00e1 no comportamento em rela\u00e7\u00e3o a si mesmo, isto \u00e9, na elabora\u00e7\u00e3o, no ato inte- rior, na autodecis\u00e3o.", "Aspirar, definitivamente, ao conhecimento \u00e9, na autocompreens\u00e3o, ponto de partida b\u00e1sico radicalmente errado. A incondicionalidade da op- \u00e7\u00e3o existencial aparece na mobilidade sem limites das interpreta\u00e7\u00f5es pos- s\u00edveis; para o conhecimento, tudo se suspende quando h\u00e1 ordem existen- cial. Aquilo que se faz, neste ou naquele momento, \u00e9 certo, sim, mas sem- pre sujeito a interpreta\u00e7\u00e3o ulterior. N\u00e3o se sabe, nem se pode saber, preci- samente, a unidade da origem, nem a linha que dela parte, atrav\u00e9s dos fe- n\u00f4menos, guiando estes; porque ela pr\u00f3pria movimenta e orienta ainda todo saber; nele, e n\u00e3o por ele, aparecendo."], ["d) Exemplos de autorreflex\u00e3o no efeito respectivo.", "Em vez de seguir os rumos e conte\u00fados da autorreflex\u00e3o, seleciona- mos, aqui, alguns exemplos mais not\u00e1veis, do ponto de vista psicopatol\u00f3- gico.", "1. A conex\u00e3o entre o evento intencional e n\u00e3o-intencional.", "Um dos grandes contrastes que ocorrem na vida ps\u00edquica \u00e9 aquele en-", "tre o ato intencional e o devenir, entre a- inten\u00e7\u00e3o (atividade) e o evento (passividade). Inten\u00e7\u00e3o \u00e9 a propositabilidade que emerge da reflex\u00e3o. Toda riqueza, toda plenitude, todo conte\u00fado ps\u00edquico depende de disposi\u00e7\u00f5es que se acham fora da inten\u00e7\u00e3o (talentos, impulsos, disposi\u00e7\u00f5es afetivas, impressividade etc.). A inten\u00e7\u00e3o s\u00f3 pode limitar, selecionar, inibir, estimu- lar. O ps\u00edquico sem a inten\u00e7\u00e3o cresceria e desenvolver-se-ia tal qual uma exist\u00eancia privada de alma, de objetivo, de consci\u00eancia. A inten\u00e7\u00e3o nada alcan\u00e7a sem a plenitude que a estimule ou iniba; bate, enfim, tal qual me- canismo vazio."], ["A influ\u00eancia da inten\u00e7\u00e3o estende-se \u2014 individualmente, de modo muito", "diverso \u2014 muito al\u00e9m dos fatos conscientes, de tal modo que, por exem- plo, o homem pode, intencionalmente, despertar e adormecer a certa hora.", "O efeito intencional da vontade sobre o corpo \u00e9 de tr\u00eas tipos:", "1) O efeito direto da inten\u00e7\u00e3o; por exemplo, nos movimentos, na re-", "press\u00e3o de manifesta\u00e7\u00f5es dolorosas, na simula\u00e7\u00e3o de paralisia."], ["2) O efeito indireto da inten\u00e7\u00e3o: a pessoa estando de \u00e2nimo abatido,"], ["v\u00eam-lhe prantos, taquicardia."], ["3) Os efeitos resultantes da inten\u00e7\u00e3o, sem que a consci\u00eancia perceba por que, residem na simples imagina\u00e7\u00e3o, ou na acentua\u00e7\u00e3o afetiva de ima- gens e atitudes vividamente evocadas. Assim \u00e9 que o efeito sugestivo tem expans\u00e3o muito maior do que aquele diretamente intencional: note-se, po- r\u00e9m, que este mesmo efeito auto- sugestivo se produz e se orienta por for\u00e7a da inten\u00e7\u00e3o. \u00c9 sinal de psiquismo sadio o fato de apresentar-se intata a rela\u00e7\u00e3o re- c\u00edproca entre a inten\u00e7\u00e3o e o mero evento. Na medida em que o evento in- tencional se autonomiza e a vontade deixa de influenci\u00e1-lo, somos levados a indagar das causas dos fen\u00f4menos que \u00e9 frequente valorarem-se como m\u00f3rbidos. Se existem inten\u00e7\u00e3o e influ\u00eancia desta, escassas, por\u00e9m, as dis- posi\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas que a influ\u00eancia h\u00e1 de movimentar e inibir, falamos em indiv\u00edduos psiquicamente pobres. Os efeitos da psique sobre o corpo, efei- tos que chamamos hist\u00e9ricos, n\u00e3o se podem dizer m\u00f3rbidos enquanto ainda se acham sob o controle intencional.", "Certa ocasi\u00e3o, observamos uma fam\u00edlia rural de esp\u00edritas. Um dos fi- lhos trouxera de fora a doutrina esp\u00edrita. Os parentes, incr\u00e9dulos, puse- ram-na \u00e0 prova, mas n\u00e3o tardaram, primeiro um, depois outro, a praticar a \u201cescrita autom\u00e1tica\u201d; por fim, todos, menos a m\u00e3e, conseguiram certa dexteridade, acreditando comunicar-se com amigos e parentes e reali- zando sess\u00f5es, regularmente, num aposento para isso reservado. Numa dessas sess\u00f5es, observamos dan\u00e7as on\u00edricas, ataques, com o uso de ex- press\u00f5es fragment\u00e1rias providas ou n\u00e3o de sentido, al\u00e9m da escrita auto- m\u00e1tica. Tudo era tido pela fam\u00edlia como sendo evocado pelas almas de pessoas falecidas. Os gritos daqueles que ca\u00edam com ataques eram mani- festa\u00e7\u00f5es dos esp\u00edritos. Em coisa alguma os fen\u00f4menos se distinguiam dos hist\u00e9ricos, ocorrendo, no entanto, apenas quando as pessoas queriam, isto \u00e9, quando se dirigiam, com esse prop\u00f3sito em vista, para aquele aposento. A sa\u00fade delas era boa, dado que n\u00e3o se lhes notava fen\u00f4meno hist\u00f3rico al- gum, na vida habitual. Tal qual o sono intencional \u00e9 ora bom, ora mau, conforme a disposi\u00e7\u00e3o, assim tamb\u00e9m os \u201cfen\u00f4menos\u201d esp\u00edritas se apre- sentavam, em sess\u00e3o, ora mais, ora menos n\u00edtidos. V\u00e1rios membros da fa- m\u00edlia vieram, contudo, a adoecer de histeria."], ["A rela\u00e7\u00e3o rec\u00edproca entre o intencional e o inintencional s\u00f3 se pode per-"], ["turbar de maneira dupla:", "Primeira: A inten\u00e7\u00e3o sente-se dominada, impotente, contra o evento", "inintencional. O indiv\u00edduo s\u00e3o entrega-se a todas as possibilidades vivenci- ais interiores que ocorrem sem intencionalidade, perdendo, no entanto, s\u00f3 momentaneamente sua pr\u00f3pria influ\u00eancia, mesmo quando a entrega chega ao \u00eaxtase. Vivencia-se o dom\u00ednio da inintencionalidade nos in\u00fame- ros fen\u00f4menos m\u00f3rbidos condicionados pela constitui\u00e7\u00e3o individual ou pe- los processos que v\u00e3o surgindo. O evento inintencional \u2014 o automatismo da impulsividade \u2014 prossegue, escapando ao controle intencional, mesmo que se alterem a situa\u00e7\u00e3o e a inten\u00e7\u00e3o."], ["Segunda: A inten\u00e7\u00e3o influencia, certamente, os processos inintencio- nais; n\u00e3o os orienta, no entanto, segundo sua propositalidade, mas inter- fere, perturbando-o, em seu curso espontaneamente final\u00edstico e orde- nado. Por exemplo, em vez de levar ao sono, leva \u00e0 ins\u00f4nia. A concentra- \u00e7\u00e3o plena de aten\u00e7\u00e3o numa atividade perturba-lhe a produ\u00e7\u00e3o. Inintencio- nal e automaticamente, ter-se-ia rendimento muito melhor. Os indiv\u00edduos que se acham nessas condi\u00e7\u00f5es sofrem, principalmente, \u201cda apercep\u00e7\u00e3o tormentosa do momento presente\u201d; onde quer que estejam, o que quer que fa\u00e7am, assim que o prop\u00f3sito consciente interfere, atrapalham-se e nada conseguem intencionalmente; \u00e9 s\u00f3 despreocupados que realizam o m\u00e1- ximo de que s\u00e3o capazes."], ["Impulsos e instintos n\u00e3o se determinam, como os reflexos, pela mesma"], ["rea\u00e7\u00e3o motora; a seguran\u00e7a instintual apresenta-se, sim, na escolha in- consciente, ajustada \u00e0 situa\u00e7\u00e3o moment\u00e2nea, do rumo que leve \u00e0 satisfa- \u00e7\u00e3o do impulso. O instinto perturba-se quando falha o controle natural dos mecanismos de transmiss\u00e3o, ou quando a busca do objetivo deixa de ser un\u00edvoca. Uma coisa e outra se d\u00e3o pela reflex\u00e3o da consci\u00eancia (mais radicalmente, pela invers\u00e3o dos pr\u00f3prios impulsos, pelas vincula\u00e7\u00f5es as- sociativas, pela fixa\u00e7\u00e3o em atitudes infantis, conforme acima se discutiu). Mas se a reflex\u00e3o quiser, intencionalmente, melhorar, o que acontece \u00e9 au- mentar o dist\u00farbio. Se falharem os mecanismos de transmiss\u00e3o, ter\u00e1 a in- ten\u00e7\u00e3o de fazer aquilo que o instinto j\u00e1 n\u00e3o realiza: movimentos expressi- vos propositais, fala for\u00e7ada, gestos e atos penosos. Falhando univocidade do objetivo impulsivo, sempre apenas semiconsciente, a inten\u00e7\u00e3o deter- mina o objetivo, mas nem o impulso, nem os mecanismos transmissores obedecem."], ["Impulsos e instintos, em seu curso complexo independente da consci-", "\u00eancia, est\u00e3o sujeitos, no homem, ao controle que pode usar a inten\u00e7\u00e3o para libert\u00e1-los, promov\u00ea-los, inibi-los. Mais ainda: o homem amplia, pelo aprendizado e pela pr\u00e1tica do fazer consciente, seu reino de eventos auto- m\u00e1ticos; por exemplo, nossa motricidade total, que vem a incluir a escrita,"], ["o andar de bicicleta etc., n\u00f3s a realizamos, primeiro, consciente; depois, automaticamente. \u00c9 s\u00f3 pela plenitude do automatismo que atingimos o m\u00e1ximo das presta\u00e7\u00f5es de que somos capazes. Da\u00ed automatizarem-se em instrumentos ou ferramentas a todo momento dispon\u00edveis certos cursos mentais e t\u00e9cnicas investigat\u00f3rias complicadas. Aquilo que tomou, a prin- c\u00edpio, muito tempo abrevia-se na posse de uma fun\u00e7\u00e3o quase instantanea- mente realizada. O que \u00e9 instintivo, impulsivo, autom\u00e1tico \u2014 toda a multi- plicidade do evento inconsciente \u2014 atinge os rendimentos conscientes mais elevados; sempre baseado nalguma coisa que \u00e9 inconsciente. A sa- \u00fade \u00e9 o entrejogo seguro, que se processa em todos os n\u00edveis, dos reflexos para os atos mais nitidamente volitivos. O homem n\u00e3o pode confiar nos instintos, que n\u00e3o o dominam, n\u00e3o lhe escapam, constituindo material que ele controla, eles pr\u00f3prios dando os impulsos controlados que dirige gra\u00e7as a uma certeza penetrante, que jamais se alicer\u00e7a suficientemente no s\u00f3 prop\u00f3sito e pensamento. Da\u00ed serem movedi\u00e7os; pl\u00e1sticos, e n\u00e3o me- c\u00e2nicos; inst\u00e1veis, e n\u00e3o fixos."], ["2. A consci\u00eancia da personalidade.", "A consci\u00eancia pessoal de si mesmo resulta da reflex\u00e3o, da qual lhe v\u00eam"], ["as varia\u00e7\u00f5es, os matizes, as decep\u00e7\u00f5es."], ["A consci\u00eancia plenamente desenvolvida da personalidade, na qual o homem \u00e9 consciente de sua totalidade, de seus impulsos e motivos perma- nentes, de suas constantes valora\u00e7\u00f5es n\u00e3o est\u00e1 presente a cada momento e, afinal, mais n\u00e3o \u00e9 do que ideia; dessa consci\u00eancia distinguimos, prefe- rencialmente, uma consci\u00eancia do momento que, em parte, se faz compre- ens\u00edvel pela rea\u00e7\u00e3o ao ambiente moment\u00e2neo. Assim \u00e9 que h\u00e1 um \u201ceu im- pressionai\u201d, uma consci\u00eancia especial, inst\u00e1vel, da personalidade, consci- \u00eancia que retrocede sobre o eu pr\u00f3prio pela impress\u00e3o feita sobre os ou- tros. Ou h\u00e1, de modo muito geral, um \u201ceu \u2014 situacional\u201d, que aparece sob a forma de oscila\u00e7\u00f5es mais ou menos n\u00edtidas, conforme a disposi\u00e7\u00e3o indi- vidual. Se pensarmos na rea\u00e7\u00e3o ao ambiente, que n\u00e3o se realiza no mero instante, e sim, em rela\u00e7\u00e3o ao meio permanente, poderemos, ent\u00e3o, ao eu pessoal pr\u00f3prio opor um \u201ceu social\u201d; casos em todos os quais a consci\u00ean- cia da personalidade se apresentou sempre formada por dois componentes insepar\u00e1veis: o sentimento de autovalora\u00e7\u00e3o e a mera consci\u00eancia do ser especial pr\u00f3prio."], ["A todo tempo, \u00e9 indispens\u00e1vel que o homem n\u00e3o s\u00f3 seja, como assuma", "uma atitude. N\u00e3o s\u00f3 ele se comunica, mas representa a si mesmo, isto \u00e9,", "desempenha um papel, este variando segundo a tarefa, a fun\u00e7\u00e3o, a situa- \u00e7\u00e3o; papel que n\u00e3o \u00e9, apenas, exterior, mas, atrav\u00e9s da atitude externa, gera atitude interior; e esta pode ser tentativa, ou tornar-se realidade. \u00c9 dom espec\u00edfico ao desempenho do papel a capacidade de assumir certa atitude e modific\u00e1-la, alternativamente."], ["N\u00e3o se responde, do ponto de vista psicol\u00f3gico, de que forma o homem em particular \u00e9, propriamente, ele mesmo. Compreendemos por que cada papel, e em geral quase todos os pap\u00e9is, podem ser separados do homem que os desempenha. O homem est\u00e1 fora do papel; o papel n\u00e3o \u00e9 o pr\u00f3prio homem. Mas o que \u00e9 esse si-mesmo vem a ser inacess\u00edvel, simples ponto que \u00e9, externo. Ou \u00e9 \u2014 n\u00e3o se pode apreender isso psicologicamente \u2014 a mais \u00edntima ess\u00eancia que n\u00e3o se representa; a interioridade que n\u00e3o se transforma em exterioridade, n\u00e3o existindo, pois, empiricamente. Em opo- si\u00e7\u00e3o, cada consci\u00eancia da personalidade \u00e9 primeiro plano."], ["Diverso \u00e9 o caso, quando o homem se identifica com sua realidade no mundo, atitude e a\u00e7\u00e3o derradeiras. Esse existir humano, historicamente implantado, ou \u00e9 de ver-se psicologicamente, porque ser\u00e1, ent\u00e3o, restri\u00e7\u00e3o, fixa\u00e7\u00e3o, imobilidade; ou \u00e9 o ser-si mesmo, propriamente, que transcende toda investiga\u00e7\u00e3o e toda reflex\u00e3o; \u00e9, no cimo da reflex\u00e3o infinita, o ser-si mesmo irrefletido, que n\u00e3o existe para o conhecimento emp\u00edrico e que, existindo, s\u00f3 se mostra na comunica\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica, n\u00e3o universal. Subsiste, pois, a ambiguidade de todo fen\u00f4meno, por for\u00e7a da qual o homem se identifica, no mundo, com sua realidade emp\u00edrica; vale dizer, ou decl\u00ednio, ou realiza\u00e7\u00e3o pessoal."], ["Sob o aspecto psicol\u00f3gico, \u00e9 impressionante como a consci\u00eancia de si mesmo se liga, indissoluvelmente, \u00e0 consci\u00eancia do pr\u00f3prio corpo, porque o homem \u00e9 seu corpo e, ao mesmo tempo, pela reflex\u00e3o, se coloca tamb\u00e9m ante seu pr\u00f3prio corpo. O fato de ser seu corpo leva \u00e0 indaga\u00e7\u00e3o objetiva da rela\u00e7\u00e3o entre corpo e alma. O fato de ser consciente, pela reflex\u00e3o, de seu corpo como algo que \u00e9 seu e, no entanto, algo que lhe est\u00e1 diante, re- presenta um momento de sua ess\u00eancia existencial. O corpo \u00e9 a realidade da qual se pode dizer: eu sou ele pr\u00f3prio; e ele \u00e9 o instrumento para mim. Esta duplicidade, a identifica\u00e7\u00e3o com ela \u2014 porque: imposs\u00edvel dela sepa- rar-se \u2014 a oposi\u00e7\u00e3o a ela como a algo que n\u00e3o se reconhece pertencente ao ser-si mesmo d\u00e1 origem \u00e0 ambiguidade da consci\u00eancia corp\u00f3rea de si.", "3. O conhecimento b\u00e1sico.", "Chamamos conhecimento b\u00e1sico' os pressupostos que servem de base"], ["e abrangem todo o restante conhecimento; que residem mais em concep- \u00e7\u00f5es e imagens do que: em conceitos; que constituem a consci\u00eancia da re- alidade, em oposi\u00e7\u00e3o ao que existe, em geral. O homem \u00e9 tal qual seu co- nhecimento b\u00e1sico; o que ele sabe de si mesmo \u00e9 que lhe orienta o auto- configuramento."], ["Uma vez que se reflita, esse conhecimento torna-se conceituai- mente", "consciente; da\u00ed, ou se torna mais certo, mais consequente, mais consci- ente, presente a cada momento, mais definitivo: enquanto o s\u00edmbolo efe- tivo era vago, livre, certo, o conhecimento* conceituai \u00e9 fixo e dogm\u00e1tico; ou ent\u00e3o, o conhecimento b\u00e1sico se pensa em termos de possibilidade, se inquire em termos de incerteza: o s\u00edmbolo efetivo \u00e9 fuga e o conhecimento conceituai cai na. inseguran\u00e7a."], ["A participa\u00e7\u00e3o no conhecimento b\u00e1sico de um homem \u2014 dif\u00edcil de lo- grar atr\u00e1s da massa confusa daquilo que aparece e apenas, se fala \u2014 \u00e9 in- dispens\u00e1vel, se quisermos compreend\u00ea-lo. Quando se- lhe entendem os pensamentos e processos mentais, aprende-se a ver, de um lado, quanto \u00e9 dif\u00edcil penetrar na solidez, na limita\u00e7\u00e3o, na. clandestinidade e na definitivi- dade do ser humano; doutro lado, percebe-se o perigo e realidade da inse- guran\u00e7a, quando ele, livremente resoluto, s\u00f3 \u00e9 determinado pela realidade concreta hist\u00f3rica, sem possibilidade de generaliza\u00e7\u00e3o."], ["A esta luz, faz-se claro o modo por que o homem se v\u00ea a si mesmo e o mundo. Conhecer-se a si mesmo, fundamentalmente, n\u00e3o lhe \u00e9 poss\u00edvel. Mas, pelo fio condutor de suas ideias moment\u00e2neas \u2014 nas quais, em con- di\u00e7\u00f5es \u00f3timas, se inclui o conhecimento- de toda a psicologia e de toda a psicopatologia \u2014 pode planejar esquemas que queira seguir, a menos que se abra \u00e0 amplitude e. profundidade das compreensibilidades e \u00e0s poss\u00ed- veis interpreta\u00e7\u00f5es, manifestando o ser."], ["\u00a7 5. As Leis Fundamentais Da Compreens\u00e3o Psicol\u00f3gica E Da Compreensibilidade.", "Quando se mede a compreens\u00e3o pela escala das ci\u00eancias naturais, nota-se que se cai em contradi\u00e7\u00f5es, incertezas, arbitrariedades., irritantes. A inclina\u00e7\u00e3o que se tem \u00e9 no sentido de menosprezar como n\u00e3o-cient\u00edfico todo o processo. A compreens\u00e3o imp\u00f5e, todavia, outros m\u00e9todos que n\u00e3o os das ci\u00eancias naturais; e aquilo que\u00bf \u00e9 compreens\u00edvel tem peculiaridades inteiramente diversas do objeto das ci\u00eancias naturais. Os m\u00e9todos segui-", "dos pela compreens\u00e3o subordinam-se a princ\u00edpios gerais que conv\u00e9m for- mular expressamente, a fim de saber o que se faz na compreens\u00e3o, o que n\u00e3o \u00e9 de esperar e em que pode residir, nesse campo, a satisfa\u00e7\u00e3o peculiar de. um conhecimento.", "O que \u00e9 compreens\u00edvel tem qualidades a que correspondem, no- m\u00e9-"], ["todo da compreens\u00e3o, certos princ\u00edpios:", "a) O compreens\u00edvel \u00e9, empiricamente, real s\u00f3 enquanto aparece em fa- tos percept\u00edveis; ao que corresponde: toda compreens\u00e3o emp\u00edrica \u00e9 inter- preta\u00e7\u00e3o."], ["b) O compreens\u00edvel tem, particular que \u00e9, conex\u00e3o com o todo; deter-", "mina-se, em seu sentido e seu colorido, por esse todo, pelo- car\u00e1ter ou pela personalidade; ao que corresponde: toda compreens\u00e3o realiza-se den- tro do \u201cc\u00edrculo hermen\u00eautico\u201d; o particular s\u00f3 \u00e9 de compreender-se pelo todo; o todo, por\u00e9m, s\u00f3 atrav\u00e9s do particular.", "c) Toda compreensibilidade move-se em contrastes; ao- que corres- ponde: metodicamente, aquilo que se contrap\u00f5e \u00e9, igualmente, compreen- s\u00edvel.", "d) O compreens\u00edvel, realidade que \u00e9, prende-se a mecanismos extra- conscientes e funda-se na liberdade; ao- que corresponde: a compreens\u00e3o \u00e9 inconclusiva. Se bem que prossiga al\u00e9m de cada est\u00e1gio alcan\u00e7ado, es- barra nos dois limites (da natureza e da exist\u00eancia). \u00c0 infinitude daquilo que se est\u00e1 sempre compreendendo corresponde a inconclusividade da compreens\u00e3o que se segue."], ["e) O particular, como fato objetivo, como express\u00e3o, como conte\u00fado pretendido, como a\u00e7\u00e3o, todos estes fen\u00f4menos ps\u00edquicos empobrecem-se em seu isolamento; enriquecem-se em sentido pela conex\u00e3o; ao que cor- responde: a infinita interpretabilidade e re-interpretabilidade de todos os fen\u00f4menos onde a compreens\u00e3o para."], ["f) O compreens\u00edvel pode n\u00e3o s\u00f3 revelar-se, mas tamb\u00e9m ocultar-se no", "fen\u00f4meno; ao que corresponde: a compreens\u00e3o \u00e9 ilumina\u00e7\u00e3o ou desmasca- ramento."], ["a) A compreens\u00e3o emp\u00edrica \u00e9 interpreta\u00e7\u00e3o.", "O que se compreende s\u00f3 tem realidade emp\u00edrica na medida em que se manifesta sob a forma de fatos significativos objetivos da express\u00e3o, dos."], ["atos, das obras. O crit\u00e9rio de realidade de todas as conex\u00f5es compreens\u00ed- veis reside nesses fen\u00f4menos demonstr\u00e1veis e em viv\u00eancias que se fazem fenomenologicamente evidentes. Decerto, s\u00e3o por si\u2019 evidentes as conex\u00f5es compreens\u00edveis: assim \u00e9 que, com a for\u00e7a da fantasia psicol\u00f3gica, que \u00e9 o requisito que mais se pode desejar em. psicopatologia, estamos sempre projetando aquilo que, simples projeto, nos convence; mas que, ante a rea- lidade psicol\u00f3gica, \u00e9 hip\u00f3tese a comprovar. Quem faz a cr\u00edtica apurada, distinguindo aquilo que, pelas possibilidades, se compreende como evi- dente e aquilo que se compreende empiricamente \u00e9 o psic\u00f3logo compreen- sivo cient\u00edfico, o qual relaciona cada passo de sua compreens\u00e3o a fen\u00f4me- nos objetivos, sabendo que toda compreens\u00e3o se amplia em certeza com a extens\u00e3o da interpretabilidade aceit\u00e1vel dos fen\u00f4menos, sempre, no en- tanto, subsistindo como interpreta\u00e7\u00e3o, porque sempre ainda \u00e9 poss\u00edvel ou- tra compreens\u00e3o."], ["A frase: o interno \u00e9 o externo (o que n\u00e3o se faz externo tamb\u00e9m n\u00e3o existe internamente) vale, mas s\u00f3 para aquilo que se pode conhecer empi- ricamente na vida ps\u00edquica. Aquilo que, marginalmente, pode ser real sob o ponto de vista existencial, como pura interioridade, escapa \u00e0 compreen- sibilidade. O interno sem o externo n\u00e3o \u00e9 fato que se possa demonstrar empiricamente. Mas a exist\u00eancia emp\u00edrica n\u00e3o \u00e9 absoluta e o compreens\u00ed- vel \u00e9 a conex\u00e3o sujeita a interpreta\u00e7\u00e3o entre fatos significativos, consti- tuindo factualidade emp\u00edrica que \u00e9, apenas o primeiro plano do ser-si mesmo humano."], ["b) A compreens\u00e3o realiza-se no c\u00edrculo hermen\u00eautico.", "Compreendemos o conte\u00fado de um pensamento individual, compreen-", "demos a retra\u00e7\u00e3o amedrontada do corpo ante um golpe que o amea\u00e7a; mas isoladamente \u00e9 s\u00f3 de modo escasso e geral que compreendemos. Nas ramifica\u00e7\u00f5es isol\u00e1veis derradeiras exprime-se o todo de um ser, faz-se v\u00e1- lida uma conex\u00e3o objetiva, esgalham-se as motiva\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas. Da\u00ed a compreens\u00e3o alargar-se do isolado para o todo, a partir do qual o isolado se desenrola em toda sua riqueza intuitiva. O compreens\u00edvel \u00e9, realmente, inisol\u00e1vel; e este \u00e9 o motivo pelo qual nunca se esgota a cole\u00e7\u00e3o dos fatos objetivos de que parte toda compreens\u00e3o. Cada ponto de partida indivi- dual pode, mediante fatos significativos que se reacrescentam, ganhar novo sentido. A compreens\u00e3o realiza-se, portanto, dentro do c\u00edrculo que origina o movimento dos fatos particulares no sentido do todo, onde se in- cluem; movimento que retorna do todo atingido aos fatos interpret\u00e1veis"], ["particulares, de forma que esse c\u00edrculo se amplia, testando-se e modifi- cando-se, compreensivamente, em todas suas partes. Nunca h\u00e1 solo firme definitivo; o todo a cada momento alcan\u00e7ado \u00e9 que a si mesmo se sustenta na reciprocidade de suas partes."], ["c) O que se op\u00f5e \u00e9 de imediato compreens\u00edvel.", "Talvez se compreenda que um indiv\u00edduo fraco e miser\u00e1vel deva con- templar com despeito, \u00f3dio, inveja, desejo de vingan\u00e7a aqueles que s\u00e3o for- tes, felizes, melhor dotados, porque a pobreza, ps\u00edquica se alia ao amargor. Mas tamb\u00e9m se compreende, ao rev\u00e9s, que o fraco e miser\u00e1vel, resig- nando-se, honestamente, com o que \u00e9, com sua realidade, ame aquilo que ele pr\u00f3prio n\u00e3o \u00e9; que, estimulado pelo amor, produza, dentro do \u00e2mbito de suas possibilidades, aquilo que lhe \u00e9 poss\u00edvel conformar e, educado pela necessidade e pelo sofrimento, purifique a pr\u00f3pria alma. Compre- ende-se que o fraco de vontade possa ser tamb\u00e9m obstinado e o libertino, devoto; como podemos, igualmente, compreender o inverso. Por conse- guinte, quando deparamos elementos singulares de conex\u00f5es compreens\u00ed- veis desta ordem, n\u00e3o nos \u00e9 poss\u00edvel da\u00ed concluir pela realidade das ou- tras, e sim sempre ter em vista as possibilidades amb\u00edguas."], ["\u00c9 fonte de radicais enganos concluir, da evid\u00eancia de uma compreen- s\u00e3o unilateral, pela realidade daquilo que por esta forma se compreendeu. Se excluirmos o contr\u00e1rio sem investig\u00e1-lo compreensivamente, desfigura- remos a realidade em favor de certa compreens\u00e3o que apanha os fatos ao acaso e que, em seu todo, \u00e9 aprior\u00edstica, porque n\u00e3o parte da totalidade emp\u00edrica. Da\u00ed resulta a possibilidade de o mesmo psic\u00f3logo n\u00e3o tardar a formar a compreens\u00e3o oposta. Esta dispers\u00e3o involunt\u00e1ria da compreen- s\u00e3o, esta sofistica\u00e7\u00e3o espec\u00edfica da compreens\u00e3o psicol\u00f3gica tem ra\u00edzes na obscuridade que envolve a equicompreensibilidade dos contrastes e na ne- cessidade, da\u00ed decorrente, de vincular a compreens\u00e3o, rigorosamente, desde que se encare um ser humano real, \u00e0 totalidade dos fatos significati- vos objetivos."], ["d) A compreens\u00e3o \u00e9 inconclusiva.", "O compreens\u00edvel \u00e9, por si pr\u00f3prio, incompleto, porque esbarra nos limi- tes do que \u00e9 incompreens\u00edvel, do que \u00e9 dado, da exist\u00eancia e da liberdade existencial. A compreens\u00e3o h\u00e1 de corresponder \u00e0 \u00edndole do compreens\u00edvel, subsistindo, por isto, inconclusiva (resta, al\u00e9m disso, uma interpreta\u00e7\u00e3o, porque a compreens\u00e3o, mesmo quanto aos fatos objetivos mais ricos,"], ["ainda vem a ser inconclusiva).", "Dado que se baseia em mecanismos e disposi\u00e7\u00f5es extraconscientes (quais sejam, os impulsos), o compreens\u00edvel partir\u00e1 de alguma coisa que \u00e9, ela pr\u00f3pria, incompreens\u00edvel; partida que vem a ser, no entanto, m\u00f3vel, porque, com o autodesenvolvimento do compreens\u00edvel, tamb\u00e9m se lhes modificam as posi\u00e7\u00f5es de partida incompreens\u00edveis. Assim \u00e9 que a com- preens\u00e3o, mesmo colidindo com as fronteiras do incompreens\u00edvel, se apre- senta inconclusiva, porque aquilo mesmo que se compreende amplia e transforma, movendo-se, seu espa\u00e7o."], ["A compreens\u00e3o funda-se na liberdade existencial, que n\u00e3o \u00e9, entre- tanto, liberdade por si mesma, mas tang\u00edvel em suas produ\u00e7\u00f5es compre- ens\u00edveis, apenas; da\u00ed ser a compreens\u00e3o, mais uma vez, inconclusiva, de acordo com a imperfei\u00e7\u00e3o de todo compreens\u00edvel no tempo. A liberdade existencial se realiza, no tempo, de forma historicamente concreta, mas essa realiza\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 objetiv\u00e1vel e, pois, n\u00e3o se pode conhecer como fato; \u00e9, sim, infinita, porque eternidade no tempo, visto ser conclus\u00e3o existen- cial; o que j\u00e1 n\u00e3o \u00e9 objeto da psicologia compreensiva.", "J\u00e1 que a compreens\u00e3o \u00e9 inconclusiva, tamb\u00e9m n\u00e3o nos \u00e9 dado predizer"], ["o que um homem h\u00e1 de fazer, como h\u00e1 de comportar-se. Certo \u00e9, no en- tanto, que predizemos, realmente, com grande certeza, sem que, por\u00e9m, o sentido de semelhante certeza se origine, decisivamente, da compreens\u00e3o. Ou obedece \u00e0 frequ\u00eancia da experi\u00eancia: o que tem sempre acontecido tamb\u00e9m se h\u00e1 de esperar para o futuro; ou enra\u00edza-se na certeza existen- cial da comunica\u00e7\u00e3o; a confian\u00e7a nos companheiros do destino. Esta \u00fal- tima certeza n\u00e3o constitui conhecimento. Talvez seja maior do que qual- quer certeza derivada do conhecimento, mas tem car\u00e1ter radicalmente- di- verso; quer dizer, est\u00e1 fora de qualquer calculabilidade, fora da objetivabi- lidade das leis, fora de toda cognoscibilidade morta e dispon\u00edvel."], ["e) A interpretabilidade infinita."], ["Quer se trate de mitos, conte\u00fados on\u00edricos, conte\u00fados psic\u00f3ticos, tudo", "vem a ser interpret\u00e1vel ao infinito. Se se pretender firmar uma significa- \u00e7\u00e3o, outra n\u00e3o tarda a aparecer. N\u00e3o \u00e9 casual, nem errado, baseado, sim, no- princ\u00edpio da compreensibilidade, este fato que consiste na infinitude de todas as interpreta\u00e7\u00f5es simb\u00f3licas; fato que se nota desde a antigui- dade e, sobretudo, nas discuss\u00f5es mitol\u00f3gicas iniciadas no s\u00e9culo XVII (quando Bayle o exprimiu como b\u00e1sico); e, bem assim, nas interpreta\u00e7\u00f5es"], ["dos sonhos e nas psican\u00e1lises dos tempos modernos. O que \u00e9 compreens\u00ed- vel e tamb\u00e9m a pr\u00f3pria compreens\u00e3o- est\u00e3o em movimento. Mesmo na au- tointerpreta\u00e7\u00e3o da pr\u00f3pria vida, o sentido dos fatos exteriores permanen- tes modifica-se, ou desce a profundidades, a partir das quais a compreen- s\u00e3o precedente pode conservar-se como alguma coisa provis\u00f3ria, parcial e destacada. O mesmo se d\u00e1 com os mitos, os sonhos, os conte\u00fados deliran- tes. Eis por que, quando compreendemos o objetivo do conhecimento, n\u00e3o- devemos orientar-nos pela escala das ci\u00eancias naturais e da l\u00f3gica formal oriunda da matem\u00e1tica. A verdade da compreens\u00e3o reside, sim, em outros crit\u00e9rios; por exemplo, a evid\u00eancia, a conex\u00e3o, a profundidade, a ri- queza. A compreens\u00e3o mant\u00e9m-se na esfera do- poss\u00edvel, sempre ofere- cendo-se como provis\u00f3ria, constituindo, a cada momento, simples pro- posta na fria temperatura do saber compreensivo; mas estrutura os fatos significativos objetivos, capazes de fixar-se como simples fatos, quando permanecem abertos, em significa\u00e7\u00e3o, \u00e0 interpretabilidade ilimitada. Por outro lado, crescendo- o material empiricamente acess\u00edvel, a compreens\u00e3o se faz mais, decisiva, porque multivocidade n\u00e3o quer dizer arbitrariedade, nem precis\u00e3o, e sim movimento que se realiza dentro do poss\u00edvel na dire- \u00e7\u00e3o de uma vis\u00e3o cada vez mais n\u00edtida."], ["f) A compreens\u00e3o \u00e9 ilumina\u00e7\u00e3o e desmascaramento."], ["A psicologia compreensiva comporta-se de modo notavelmente d\u00faplice:"], ["\u00e9 frequente apresentar-se maliciosa, quando desmascara ilus\u00f5es; mas pode aparecer benigna, quando afirma, iluminando, uma essencialidade. Uma coisa e outra lhe s\u00e3o pr\u00f3prias. Na atividade fatual, \u00e9, muitas vezes, o lado malicioso que surge e, c\u00e9pticos ou odiosos, constantemente pretende- mos, apenas, \u201cver atrav\u00e9s disso\u201d. O objetivo da verdade de semelhante compreens\u00e3o \u00e9 penetrar a inveracidade universal. S\u00f3 se utilizam, na psico- logia maliciosa, os contrastes para inverter tudo quanto o homem faz, diz e quer no contr\u00e1rio daquilo que manifesta, a\u00ed descobrindo o motivo real. A. interpreta\u00e7\u00e3o simb\u00f3lica serve para buscar o sentido de cada impulso em baixezas recalcadas inconscientes. A psicologia do estar-no-mundo res- tringe e limita o homem a seu mundo, mundo do qual ele n\u00e3o consegue escapar a esta psicologia. A psicologia dos impulsos desmascara todos aqueles mais elevados como manifesta\u00e7\u00f5es de impulsos elementares, que mais n\u00e3o fazem do que esconder-se. O indiv\u00edduo que compreende deses- pera-se: \u201centre cem espelhos ver-se erradamente...\u201d \u2014 o que lhe parece \u00e9 nada encontrar em si. Pelo contr\u00e1rio, a compreens\u00e3o que ilumina constitui"], ["atitude b\u00e1sica afirmativa, indo, amistosa, ao ente humano, expondo, apro- fundando-lhe a vis\u00e3o, vendo crescer a seus olhos a vida substancial. A psicologia que desmascara, ap\u00f3s demolir, \u201cn\u00e3o mais encontra do que.... \u201d, enquanto a psicologia que ilumina traz positivamente \u00e0 consci\u00eancia o que existe. Aquela psicologia \u00e9 o purgat\u00f3rio inevit\u00e1vel, no qual o homem tem de testar-se, certificar-se, purificar-se e modificar-se; esta \u00e9 o espelho em que a consci\u00eancia afirmativa do eu se faz poss\u00edvel, bem como a vis\u00e3o amo- rosa da realidade alheia.", "Digress\u00e3o sobre a psican\u00e1lise. A psican\u00e1lise de Freud \u00e9, em primeiro lugar, mistura confusa de teorias psicol\u00f3gicas; em segundo lugar, movi- mento filos\u00f3fico ou credo, que se transformou em elemento vital para al- guns homens; em terceiro, psicologia compreensiva. O que significa como tal pode-se caracterizar em poucas palavras."], ["1. Como fen\u00f4meno hist\u00f3rico-espiritual, a psican\u00e1lise \u00e9 psicologia popu- lar. O que, Kierkegaard e Nietzsche fizeram nas eleva\u00e7\u00f5es da verdadeira hist\u00f3ria do esp\u00edrito a psican\u00e1lise fez, crua e inversamente, ajustando-se ao baixo n\u00edvel do homem comum e \u00e0 'Civiliza\u00e7\u00e3o metropolitana. Em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 psicologia verdadeira, a psican\u00e1lise \u00e9 fen\u00f4meno de massa, por for\u00e7a do que se presta a uma literatura maci\u00e7a. Quase todas as ideias fundamen- tais e observa\u00e7\u00f5es originam-se de Freud, cujos sucessores quase nada lhe acresceram, embora compondo o movimento. Se se disser que Freud \u201cfoi o primeiro a introduzir, decisivamente, a compreensibilidade dos desvios ps\u00edquicos na medicina. . em oposi\u00e7\u00e3o a uma psicologia e psiquiatria que j\u00e1 n\u00e3o tinha mais alma\u201d, estar-se-\u00e1 prati- cando distor\u00e7\u00e3o; primeiramente, porque essa compreens\u00e3o j\u00e1 vigorava, se bem que, por volta de 1900, houvesse retrocedido; segundo, porque, em seus extravios, a psican\u00e1lise entravou a influ\u00eancia imediata dos verdadei- ramente grandes (Kierkegaard e Nietzsche) na psicopatologia, tornando-se respons\u00e1vel pelo rebaixamento do n\u00edvel cultural da psicologia em-seu con- junto.", "Dizer que a psican\u00e1lise, veracidade chocante, apareceu numa \u00e9poca de"], ["hipocrisia, \u00e9 exato apenas em parte e, ainda aqui, s\u00f3 em baixo n\u00edvel. Des- mascarou-se um mundo burgu\u00eas, que vivia \u201ctendo o sexo como deus se- creto\u201d, em conven\u00e7\u00f5es factualmente despidas de princ\u00edpios \u00e9tico-religiosos; desmascaramento que, no entanto, foi t\u00e3o falso quanto aquilo mesmo que fora desmascarado; presos ambos \u00e0 sexualidade como presun\u00e7\u00e3o abso- luta.", "2. Dentro da psicopatologia, a psican\u00e1lise teve o m\u00e9rito de intensificar a"], ["observa\u00e7\u00e3o compreensiva. A considera\u00e7\u00e3o do pequeno e do m\u00ednimo, at\u00e9 ent\u00e3o despercebidos ou vistos como fen\u00f4meno indiferente, ensinou a apre- ender in\u00fameros fen\u00f4menos expressivos; apreens\u00e3o que se exprimiu sob a forma de interpreta\u00e7\u00e3o. Gestos', atos, descarrilamentos, modos-de-falar, esquecimentos, mais os sintomas neur\u00f3ticos, os conte\u00fados on\u00edricos e deli- rantes significavam algo diverso do que, diretamente, se afiguravam ou ex- primiam como se fosse mentado. Tudo, mais ou menos, se transformou em s\u00edmbolo de outras coisas; na concep\u00e7\u00e3o freudiana, em s\u00edmbolo sexual.", "Para exemplificar a apreens\u00e3o de atos como s\u00edmbolos sirvam os se- guintes, de Kielholz: uma solteirona rouba ao conselheiro comercial um touro novo e umas cal\u00e7as de soldado: s\u00edmbolo de seus desejos sexuais. \u2014 Um soldado, durante a noite, rouba ao companheiro de dormit\u00f3rio uma bolsa com chaves, depois de este lhe haver sido preferido por uma criada. \u2014 S\u00edmbolo do desejo que teve de privar o companheiro da pot\u00eancia sexual."], ["A autonarra\u00e7\u00e3o a seguir mostra de que modo se pode vivenciar seme- lhante \u201csignifica\u00e7\u00e3o\u201d na embriagues do haxixe: uma mulher sujeita a expe- rimenta\u00e7\u00e3o rasgou um cigarro que lhe ofereciam; ato que, podendo ser in- terpretado como petulante, apenas, teve para ela significa\u00e7\u00e3o profunda. O cigarro corporificava a ess\u00eancia de um \u201cpapel\u201d que devia representar, mas ao qual se negava decididamente. \u201cO cigarro me obrigava a tornar-me mu- lher do oficial; foi por isto que o rasguei\u201d. \u201cO cigarro n\u00e3o simbolizava, abso- lutamente, a mulher do oficial, mas a pr\u00f3pria ess\u00eancia dela\u201d (Fr\u00e4nkel e Joel)."], ["Associa-se \u00e0 interpreta\u00e7\u00e3o um sentimento b\u00e1sico de descoberta. Ex- p\u00f5e-se, desmascara-se, mostra-se, por assim dizer, a arte da inquiri\u00e7\u00e3o testemunhal e do talento policial; sentimento b\u00e1sico desmascarador, nega- tivo, que domina quase toda a compreens\u00e3o dos psicanalistas. Com Jung, ele recua; quase s\u00e9 perde com Heyer, que, de in\u00edcio, n\u00e3o o reconheceu; e quando o reconhece, \u00e9 t\u00e3o escassamente que mal parece not\u00e1-lo em ou- tros.", "3. A psican\u00e1lise deu novo vigor \u00e0 aten\u00e7\u00e3o para a hist\u00f3ria existencial in- terna. O homem veio a ser o que \u00e9 pelas suas viv\u00eancias mais antigas. A in- f\u00e2ncia, o aleitamento, at\u00e9 a vida intrauterina devem ser decisivas para as atividades b\u00e1sicas, impulsos, tra\u00e7os essenciais humanos. Realmente, compreender-se-\u00e1, em grande parte, o que o homem vem a ser, como \u00e9, como trabalham seu corpo e suas fun\u00e7\u00f5es psicossom\u00e1ticas, o que quer, o que lhe importa \u2014 pelo que lhe aconteceu, pelo que vivenciou, pelo que", "sofreu. Entretanto, tamb\u00e9m a esta altura, a psican\u00e1lise serviu-se de obser- va\u00e7\u00f5es verdadeiras singulares para chegar \u00e0 pr\u00e9-hist\u00f3ria apenas dedutiva do homem individual, inteiramente sem base, afinal, para quem quer que n\u00e3o seja iniciado. O procedimento assemelha-se, de certo modo, ao do ar- queologista, que procura encontrar conex\u00f5es partindo de fragmentos pr\u00e9- hist\u00f3ricos e que da\u00ed reconstr\u00f3i um mundo, mas a verdade \u00e9 que o procedi- mento psicanal\u00edtico \u2014 conscientemente em Freud \u2014 se prende \u00e0 redu\u00e7\u00e3o dos requisitos cient\u00edficos. Disse Freud, certa vez: \u201cSe se abrandar a severi- dade das exig\u00eancias de uma investiga\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica hist\u00f3rica, talvez seja poss\u00edvel esclarecer problemas que sempre pareceram merecer aten\u00e7\u00e3o\u201d. Seremos levados a um mundo de hip\u00f3teses n\u00e3o s\u00f3 incomprovadas, mas nem sequer mais prov\u00e1veis, puramente imaginadas, deixando para tr\u00e1s todos os fen\u00f4menos compreens\u00edveis. \u00c9 o que se v\u00ea, principalmente, nos conte\u00fados da compreens\u00e3o."], ["4. De grande interesse, o conte\u00fado da compreens\u00e3o traz a riqueza da compreens\u00e3o, propriamente. Os conte\u00fados do homem individual devem fazer-se compreens\u00edveis com base naquilo que acontece aos homens, em geral; e isso, com base na hist\u00f3ria deles. O reino dos conte\u00fados prim\u00e1rios compreens\u00edveis \u00e9 o que a psican\u00e1lise quisera obter, mediante a interpreta- \u00e7\u00e3o da hist\u00f3ria espiritual e, mais ainda, do \u201cinconsciente coletivo\u201d (Jung), que deve influenciar os seres humanos desde os tempos mais remotos. Re- latemos um exemplo tirado de Freud: ria, que veio a elaborar mais amplamente, nos \u00faltimos anos de vida. O quadro resultante \u00e9 o seguinte: Os homens viveram, originalmente, em pe- quenas hordas, cada uma sob o dom\u00ednio de um velho, que se apoderava de todas as mulheres e castigava, ou eliminava os mo\u00e7os, inclusive os pr\u00f3- prios filhos. Esse sistema patriarcal acabou com a revolta dos filhos, que se uniram contra o pai, o dominaram e, em comum, o devoraram. A horda paternal deu lugar, ent\u00e3o, ao cl\u00e3 totem\u00edstico fraterno. Para viver em paz uns com os outros, os irm\u00e3os vitoriosos renunciaram \u00e0s mulheres por causa das quais havia abatido o pai e impuseram a si mesmos a exoga- mia. As fam\u00edlias institu\u00edram-se de acordo com o direito matriarcal.", "Todavia, ao longo de toda a evolu\u00e7\u00e3o ulterior, continuou a vigorar a ati-"], ["tude emocional ambivalente dos filhos para com o pai. No lugar deste, co- locou-se certo animal: o totem; antepassado e esp\u00edrito protetor, n\u00e3o podia ser morto. Uma vez por ano, entretanto, toda a comunidade varonil reu- nia-se para um banquete, no qual o animal-totem, conquanto venerado, era estra\u00e7alhado e devorado em comum; repeti\u00e7\u00e3o solene do assassinato"], ["paterno, com o qual se iniciara a ordem social, a moral e a religi\u00e3o."], ["Assim institu\u00eddos o cl\u00e3 fraterno, o direito matriarcal, a exogamia e o to- temismo, instaurou-se uma evolu\u00e7\u00e3o que significava o regresso do que foi recalcado (analogamente ao recalque da alma individual). \u00c9 v\u00e1lido admitir que os sedimentos ps\u00edquicos daquelas remotas eras se hajam transfor- mado em patrim\u00f4nio, precisando, a cada nova gera\u00e7\u00e3o, ser despertados, apenas, e n\u00e3o adquiridos. S\u00e3o as seguintes as etapas do regresso: O pai torna a ser o chefe da fam\u00edlia, mais limitado, por\u00e9m, do que na horda pri- mitiva; o animal-totem \u00e9 substitu\u00eddo por Deus; institui-se a ideia de um deus alt\u00edssimo; o deus \u00fanico representa -o retorno do pai da horda primi- tiva. O primeiro efeito \u2014 esmagador \u2014 do encontro com aquilo de que du- rante tanto tempo se sentira falta e a que se aspirava foi assombro, temor, gratid\u00e3o. A embriagues do abandono a Deus \u00e9 a rea\u00e7\u00e3o ao regresso do grande pai. Tamb\u00e9m voltaram, contudo, os antigos sentimentos hostis contra o pai, experimentando-se como consci\u00eancia ou sentimento de culpa. Em S\u00e3o Paulo, irrompe o conhecimento de que, se somos t\u00e3o des- gra\u00e7ados, \u00e9 porque matamos o deus-pai; ideia que ficou oculta na dou- trina do pecado original. Simult\u00e2nea, todavia, veio a boa-nova: estamos re- dimidos de toda culpa, porque um de n\u00f3s sacrificou a pr\u00f3pria vida. O que tinha de s.er expiado com o holocausto s\u00f3 podia ter sido um assassinato \u2014 e o assassinato paterno. Ulteriormente, no entanto, o cristianismo, ori- ginado de uma religi\u00e3o do pai, evoluiu para religi\u00e3o do filho, n\u00e3o esca- pando ao destino de necessitar, de qualquer maneira, a elimina\u00e7\u00e3o pa- terna."], ["Mostra este resumo de que modo o pr\u00f3prio Freud, analogamente \u00e0 fan- tasia formadora de mitos, produz um \u201cmito\u201d psicol\u00f3gico-racional\u00edstico, que encerra valor emp\u00edrico de realidade menor que os antigos mitos; e que re- presenta o fruto da descren\u00e7a ostensiva moderna; com a desvantagem, ainda mais, de afirmar-se o valor cognicional emp\u00edrico deste absurdo e porque o conte\u00fado, incrivelmente pobre, constitui, apenas, trivialidade. Conjurando, por\u00e9m, os velhos mitos, Freud esparze em cima dessa triviali- dade umas recorda\u00e7\u00f5es ominosas e incompreens\u00edveis; donde o encanto que talvez tenham para muitos semelhantes ideias, numa \u00e9poca de pouca f\u00e9. Em tudo isso, no entanto, s\u00f3 uma coisa \u00e9 exata, a saber, que, na pr\u00e9- hist\u00f3ria do homem e em sua pr\u00f3pria hist\u00f3ria, devem haver-se passado acontecimentos \u00edntimos, que, at\u00e9 o momento, a investiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica n\u00e3o, conseguiu apreender e que nunca as explica\u00e7\u00f5es positiv\u00edsticas com base em fatores externos poder\u00e3o satisfazer."], ["5. Os limites de toda psicologia compreensiva s\u00e3o, necessariamente, os"], ["mesmos que os da psican\u00e1lise compreensiva. Essa compreens\u00e3o para, pri- meiro que tudo, diante da realidade de car\u00e1ter emp\u00edrico inato, o qual, im- poss\u00edvel de fixar, jamais se pode conhecer definitivamente. Mas o compre- ens\u00edvel esbarra nele, por assim dizer, porque \u00e9 impenetr\u00e1vel, imposs\u00edvel de alterar-se. Os homens n\u00e3o nasceram todos iguais, e sim nobres e vulgares em gradua\u00e7\u00f5es m\u00faltiplas os fatos traumatizantes, subsiste, entretanto, um p\u00f3s-efeito, que, pela repeti\u00e7\u00e3o e pela soma\u00e7\u00e3o de viv\u00eancias, leva, por fim, ao desenvolvimento anormal reativo da personalidade. Rea- liza-se, \u00e9 certo, ap\u00f3s cada rea\u00e7\u00e3o, um retrocesso ao status quo ante em re- la\u00e7\u00e3o -ao tipo dos mecanismos e fun\u00e7\u00f5es ps\u00edquicos, \u00e0 capacidade produ- tiva etc.", "S\u00f3 nos \u201cborderline cases\u201d evidentes \u00e9 que, radicalmente, se podem dis-"], ["tinguir as rea\u00e7\u00f5es aut\u00eanticas dos brotos. De um lado, :existem psicoses condicionadas por traumatismo ps\u00edquico, a atuar como causa essencial e tamb\u00e9m apresentando conex\u00f5es compreens\u00edveis convincentes entre viv\u00ean- cias e conte\u00fado psic\u00f3tico (psicoses reativas aut\u00eanticas). De outro lado, existem psicoses resultantes de processos, encerrando conte\u00fado sem co- nex\u00e3o compreens\u00edvel alguma com a biografia, se bem que, como \u00e9 natural, os conte\u00fados devam ser tirados da hist\u00f3ria anterior; mas o respectivo va- lor vivencial, o valor biogr\u00e1fico que t\u00eam, n\u00e3o constitui a raz\u00e3o decisiva para a fus\u00e3o no conte\u00fado psic\u00f3tico."], ["b) A tr\u00edplice dire\u00e7\u00e3o da compreensibilidade das rea\u00e7\u00f5es.", "Compreendemos a medida de um traumatismo como causa adequada de qualquer colapso; compreendemos um significado, a que a psicose rea- tiva serve, em seu todo; compreendemos os conte\u00fados da psicose reativa no particular.", "1. Vimos que as viv\u00eancias ps\u00edquicas se acompanham sempre de fen\u00f4- menos som\u00e1ticos, pondo em movimento, \u00e9 certo, mecanismos extraconsci- entes que n\u00e3o se podem descrever em detalhe, mas que se podem postular teoricamente; mecanismos estes que constituem o terreno para rea\u00e7\u00f5es anormais de conte\u00fado compreens\u00edvel. Al\u00e9m disso, contudo, os traumatis- mos ps\u00edquicos levam a dist\u00farbios som\u00e1ticos ou ps\u00edquicos, sem conex\u00e3o compreens\u00edvel com o conte\u00fado da viv\u00eancia; esta representa a \u201ccausa ps\u00ed- quica\u201d de um evento que lhe \u00e9 estranho. Efeitos dr\u00e1sticos imediatos resul- tam de excita\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas de intensidade m\u00e1xima, mas a forma por que", "isso se d\u00e1 \u00e9 quase sempre hipot\u00e9tica. Em geral, todavia, sabe-se que a cir- cula\u00e7\u00e3o sofre a influ\u00eancia de afetos; sabe-se que estes t\u00eam consequ\u00eancias som\u00e1ticas, atrav\u00e9s do sistema vegetativo dos nervos simp\u00e1ticos e paras- simp\u00e1ticos e das gl\u00e2ndulas end\u00f3crinas; mais ainda: que as altera\u00e7\u00f5es so- m\u00e1ticas, por sua vez, atuam sobre o c\u00e9rebro e a psique. Talvez os afetos deem origem \u00e0s convuls\u00f5es d\u00f3s epil\u00e9pticos pela via desses elos som\u00e1ticos; como talvez um afeto origine, por interm\u00e9dio da altera\u00e7\u00e3o circulat\u00f3ria e da eleva\u00e7\u00e3o tensional, a ruptura de vasos cerebrais, com apoplexia. S\u00e3o de notar-se, em especial, os seguintes efeitos de causas ps\u00edquicas."], ["aa) Certos estados ps\u00edquicos anormais se curam com um choque ps\u00ed- quico. O exemplo mais conhecido \u00e9 a repentina volta \u00e0 normalidade que, por vezes, se presencia at\u00e9 em indiv\u00edduos fortemente alcoolizados, sob o efeito de situa\u00e7\u00f5es graves importantes que deles exigem muito. Surpre- ende a maneira por que, nesses casos, um efeito indubitavelmente som\u00e1- tico do \u00e1lcool pode ser, de s\u00fabito, anulado."], ["Todavia, os casos em que os conte\u00fados de certas personalidades anor-", "mais se alteram por for\u00e7a de impress\u00f5es ps\u00edquicas n\u00e3o se enquadram aqui, mas, sim, entre as conex\u00f5es compreens\u00edveis: o del\u00edrio de ci\u00fame- da personalidade anormal cessa quando uma doen\u00e7a grave acorrenta as ideias; as queixas neur\u00f3ticas cessam quando o indiv\u00edduo tem de fazer es- for\u00e7os s\u00e9rios.", "bb) Os traumatismos ps\u00edquicos s\u00e9rios (cat\u00e1strofes; por exemplo, terre-", "motos) originam altera\u00e7\u00f5es de toda a constitui\u00e7\u00e3o psicof\u00edsica; altera\u00e7\u00f5es cujos sinais e manifesta\u00e7\u00f5es carecem, por vezes, de qualquer conex\u00e3o compreens\u00edvel. Assim \u00e9 que se d\u00e3o altera\u00e7\u00f5es circulat\u00f3rias, estados ansio- sos, dist\u00farbios do sono, diminui\u00e7\u00e3o da efici\u00eancia, in\u00fameras manifesta\u00e7\u00f5es psicast\u00eanicas e neurast\u00e9nicas, permanecendo, tenazmente, por muito tempo."], ["cc) Excita\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas muito intensas parecem produzir efeitos que se assemelham aos resultados de les\u00f5es cranianas. T\u00eam-se observado ca- sos nos quais ao del\u00edrio se segue a morte; e outros em que se apresenta a s\u00edndrome de Korsakov (Stierlin). Em que extens\u00e3o se trata de dist\u00farbio que s\u00f3 seja poss\u00edvel pela exist\u00eancia de arteriosclerose (da\u00ed devendo consi- derar-se org\u00e2nico); em que extens\u00e3o semelhantes consequ\u00eancias tamb\u00e9m podem ocorrer em vasos sangu\u00edneos sadios por for\u00e7a de viv\u00eancias ps\u00edqui- cas \u2014 ainda \u00e9 duvidoso.", "dd) \u00c9 poss\u00edvel \u2014 embora raro \u2014 que tamb\u00e9m uma viv\u00eancia prazerosa", "venha, pelo choque emocional que se lhe associa, a constituir causa de ir- rup\u00e7\u00e3o de estados som\u00e1ticos m\u00f3rbidos. Por exemplo, os psicast\u00eanicos queixam-se de aumento de seus padecimentos, quando experimentam im- press\u00f5es intensamente prazerosas, falando, ent\u00e3o, em \"rea\u00e7\u00e3o\u201d."], ["2. Compreendemos um significado das psicoses reativas. O estado ps\u00ed- quico anormal serve, em conjunto, a certo objetivo do paciente: objetivo a que tamb\u00e9m se ajustam, mais ou menos, as caracter\u00edsticas particulares da enfermidade. O doente que quer ser considerado irrespons\u00e1vel faz psi- cose carcer\u00e1ria; quer indeniza\u00e7\u00e3o, faz neurose de renda; quer ser inter- nado, apresenta as queixas dos frequentadores de hospitais. Os doentes esfor\u00e7am-se, instintivamente, dessa forma, pela gratifica\u00e7\u00e3o de seus dese- jos; e conseguem-na pela psicose (psicose intencional ou finalista) ou pela neurose (neurose finalista). Em casos raros, encena-se a doen\u00e7a de modo mais ou menos consciente. De certa simula\u00e7\u00e3o, a princ\u00edpio talvez consci- ente, surge, primeiro, a doen\u00e7a, que, a seguir, o indiv\u00edduo enfrenta inde- feso. Ou uma afec\u00e7\u00e3o psiconeur\u00f3tica que se iniciou por outra forma vem a \u201chisterizar-se\u201d s\u00f3 em seu curso, porque, pela exist\u00eancia da doen\u00e7a, se atinge certo objetivo (dispensa do servi\u00e7o militar, indeniza\u00e7\u00e3o). Desde Kohnstamm se alude \u00e0 \u201cfalha da consci\u00eancia da sa\u00fade\u201d. O indi- v\u00edduo sadio menospreza queixas m\u00faltiplas e padecimentos som\u00e1ticos, na- turalmente se esfor\u00e7ando por ser sadio e continuar a ser sadio. N\u00e3o dando aten\u00e7\u00e3o a muitos fen\u00f4menos que se apresentam de quando em quando, ele os faz desaparecer. Mesmo em rela\u00e7\u00e3o a doen\u00e7as som\u00e1ticas que dimi- nuem a produtividade e exigem tratamento racional, a mente sadia n\u00e3o se traumatiza internamente.", "Dif\u00edcil \u00e9 determinar o limite em que o homem n\u00e3o pode mais, real- mente, aguentar (mais f\u00e1cil ser\u00e1 quando a continua\u00e7\u00e3o dos efeitos gera le- s\u00e3o, faz a doen\u00e7a piorar ou leva \u00e0 morte). Quando a exaust\u00e3o \u00e9 muito pro- nunciada, em situa\u00e7\u00f5es extremas, um sentimento real de desfalecimento acomete o indiv\u00edduo, de modo que toda a tens\u00e3o vital se apaga, transfor- mando-se em indiferen\u00e7a; e a simples declara\u00e7\u00e3o de que j\u00e1. n\u00e3o se pode mais aguentar \u00e9 aut\u00eantica e aceit\u00e1vel. Conquanto seja sempre poss\u00edvel in- dagar se o indiv\u00edduo n\u00e3o quis fazer mais, ou se um desejo atuou no sen- tido de abandonar-se \u00e0 fraqueza e ao desfalecimento existentes, a verdade \u00e9 que se deixa, muitas vezes, sem resposta \u00e0 pergunta. Entretanto, no ter- reno das rea\u00e7\u00f5es vivenciais hist\u00e9ricas e hipocondr\u00edacas resultantes de do- en\u00e7a som\u00e1tica, \u00e9 quase sempre evidente a falha da consci\u00eancia da sa\u00fade."], ["3. Juntamente com os conte\u00fados, compreendemos o deslizamento", "para a psicose ou para a doen\u00e7a som\u00e1tica. \u00c9 como se houvesse uma fuga para a doen\u00e7a, a fim de se escapar \u00e0 realidade e, sobretudo, \u00e0 responsabi- lidade. O que teria de ser aturado, elaborado, apropriado na intimidade ps\u00edquica c substitu\u00eddo ou por uma doen\u00e7a som\u00e1tica, da qual se pretende n\u00e3o ter responsabilidade alguma, ou pela gratifica\u00e7\u00e3o de um desejo, a qual institui uma realidade que n\u00e3o penetra a realidade emp\u00edrica, mas a enco- bre. A fuga para a psicose faz que se vivencie como aparentemente reali- zado aquilo que a realidade n\u00e3o oferece, \"Se bem que quase sempre por forma amb\u00edgua. Na psicose, apresentam-se como realmente atendidas, si- mult\u00e2nea e sucessivamente, mediante del\u00edrios e alucina\u00e7\u00f5es, todas as an- siedades e necessidades, bem como todas as esperan\u00e7as e aspira\u00e7\u00f5es."], ["Certos casos habituais constituem rea\u00e7\u00f5es que ocorrem em situa\u00e7\u00f5es extremas, resultantes de atos praticados pelo pr\u00f3prio indiv\u00edduo (infantic\u00ed- dio, assassinato). Um fato que transforma a exist\u00eancia inteira leva, em psi- coses agudas, a viv\u00eancias delirantes de convers\u00e3o, cujo conte\u00fado .se man- t\u00e9m tal qual o motivo que determinar\u00e1, a partir da\u00ed, a vida inteira. Trata- se, em certo caso, de robusta filha de camponeses., at\u00e9 ent\u00e3o psiquica- mente sadia, pelo menos na apar\u00eancia, que tem um filho de um prisio- neiro de guerra russo e mata a crian\u00e7a, logo ap\u00f3s o nascimento; noutro caso, de um oligofr\u00eanico fronteiri\u00e7o, que, sugestivamente influenciado por outra pessoa, comete um assassinato. Weil resume os casos da seguinte maneira: Ambas as psicoses irrompem ap\u00f3s um ato, infantic\u00eddio e assassi- nato, confessado na pris\u00e3o. \u2014 Ambos oram com fervor, que leva a infanti- cida \u00e0 certeza de que Deus assim o quis; o assassino, al\u00e9m disso, \u00e0 falsa- recorda\u00e7\u00e3o de haver-se, uma vez, oferecido a Deus em sacrif\u00edcio, a fim de que Deus mostrasse: por ele, que tamb\u00e9m a\u00e7\u00f5es m\u00e1s podem ter origem di- vina. \u2014 Ambos os criminosos t\u00eam vis\u00f5es da mesma esfera. \u2014 Uma encon- tra sua \u201cpaz espiritual\u201d; o outro, sua \u201cpaz de cora\u00e7\u00e3o\u201d. \u2014 Ambos prendem- se \u00e0 realidade dos fen\u00f4menos e ao significado a estes conexo, - sinais de reden\u00e7\u00e3o c gra\u00e7a. \u2014 Pela psicose ambos s\u00e3o subtra\u00eddos ao remorso em re- la\u00e7\u00e3o \u00e0 v\u00edtima; a mulher torna-se filha de Deus; o homem, filho absoluta- mente preferido de Deus\u201d. Um e outro, convertidos, sentem-se arrebata- dos, \u2014 A constitui\u00e7\u00e3o, personalidade e car\u00e1ter s\u00e3o inteiramente diversos num e noutro; da\u00ed ser tanto mais not\u00e1vel a analogia com que as psicoses se manifestam, gratificando desejos."], ["Estes casos distinguem-se da esquizofrenia (na qual, inicialmente, s\u00e3o", "frequentes as viv\u00eancias infundadas de convers\u00e3o) pela falta de quaisquer sintomas prim\u00e1rios, pela centraliza\u00e7\u00e3o da psicose no conte\u00fado delirante quase inteiramente compreens\u00edvel, pela objetividade do conte\u00fado delirante", "como \u00fanica revolu\u00e7\u00e3o significativa da \u00edndole e da atitude individual, pela aus\u00eancia de sintomas ca\u00f3ticos, arbitrariamente m\u00faltiplos, desprovidos de qualquer sentido."], ["\u00c9 not\u00e1vel o modo por que, em semelhante contexto, at\u00e9 um oligo- fr\u00ea- nico pode ter viv\u00eancias profundamente significativas e grandiosas. O paci- ente de Weil descreve como resultado de suas preces, com a indaga\u00e7\u00e3o de- sesperada do motivo de seu ato, o \u00eaxtase que teve na manh\u00e3 de Natal: \u201cQuando olhei para a parede, vi-a transparente feito vidro. Foi como se pairasse no ar, tal qual o sol. Depois, ficou bem escuro, tanto quanto a noite.... depois, ficou rubro.... Vi, ent\u00e3o, de muito longe, aproximar-se e aumentar um fogo terr\u00edvel, incrivelmente grande. Era como se o mundo, a terra ardessem; e vi milh\u00f5es de pessoas no solo ressecado, sem casa, uma \u00e1rvore, coisa alguma; s\u00f3 aqueles semblantes horr\u00edveis, pavorosamente de- formados; quase todos suplicantes, de olhos e m\u00e3os erguidos, como se ainda esperassem reden\u00e7\u00e3o; o fogo enorme avermelhava-os, o fogo no qual dem\u00f4nios se agitavam.... Depois, ficou, novamente, escuro de todo; mas n\u00e3o muito tempo; tudo se iluminou, ficou muito mais belo do que o mais belo dia primaveral. Por um momento, contemplei, acima do nosso, o mundo celestial magn\u00edfico. N\u00e3o se pode descrever quanto \u00e9 lindo e admir\u00e1- vel tudo isso. Vi as almas com beleza de tal forma maravilhosa.... Tudo de- sapareceu, de s\u00fabito, para mim e para mim tudo se tornou escuro de breu, E, ao mesmo tempo, soube que estava preso\u201d."], ["\u00c9 muito duvidosa a possibilidade de conceber semelhantes casos como", "sendo, a rigor, sadios, e n\u00e3o hist\u00e9ricos. Deve haver disposi\u00e7\u00e3o inteira- mente espec\u00edfica, ou aptid\u00e3o para tal transforma\u00e7\u00e3o (se \u00e9 que os dois ca- sos n\u00e3o evolu\u00edram para a esquizofrenia).", "Resumindo-, a psicose tem significado, no todo e no particular; serve para a defesa, para a seguran\u00e7a, para a fuga, para a gratifica\u00e7\u00e3o de dese- jos; origina-se do conflito com a realidade, que, tal qual \u00e9, j\u00e1 n\u00e3o se su- porta. Mas n\u00e3o se sobre-estime toda esta compreens\u00e3o segundo seu signi- ficado. Em primeiro lugar, os mecanismos da pr\u00f3pria transforma\u00e7\u00e3o n\u00e3o podem ser compreendidos; em segundo lugar, existem, de modo geral, mais manifesta\u00e7\u00f5es anormais do que se podem acomodar num contexto total compreens\u00edvel; enfim, conquanto a viv\u00eancia traumatizante tamb\u00e9m desempenhe papel como fator causal, \u00e9 dif\u00edcil avaliar a medida em que vi- gora esse significado causal."], ["c) Discuss\u00e3o dos estados reativos.", "Para examinar os estados reativos, classificamo-los: 1) conforme as causas da rea\u00e7\u00e3o; 2) conforme a estrutura ps\u00edquica peculiar aos estados reativos; 3) conforme os tipos de constitui\u00e7\u00e3o ps\u00edquica que condiciona a reatividade."], ["1. Conforme as causas, distinguem-se as psicoses carcer\u00e1rias, que se t\u00eam investigado com rigor especial e que constituem a base de toda a teo- ria das psicoses reativas; a seguir, as neuroses de renda ap\u00f3s acidentes, as psicoses de terremotos e, em geral, de cat\u00e1strofes, as rea\u00e7\u00f5es nost\u00e1lgi- cas, as psicoses de guerra, as psicoses de isolamento, quer ocorram em ambientes de l\u00edngua estrangeira, quer resultem de dificuldade auditiva. Vischer descreveu os estados reativos de isolamento que ocorrem na socie- dade de escassos companheiros em campos de concentra\u00e7\u00e3o. A situa\u00e7\u00e3o: priva\u00e7\u00e3o da liberdade por tempo ignorado. Vida em comum com pequeno n\u00famero de companheiros, sempre os mesmos, sem possibili- dade alguma de isolamento. Forma\u00e7\u00e3o de antipatias intensas. Aumento de irritabilidade. N\u00e3o se tolera a menor contradi\u00e7\u00e3o. Ardor pelas discuss\u00f5es. Mesquinharia no trato com os outros, inclina\u00e7\u00e3o a s\u00f3 pensar em si. Ex- press\u00f5es grosseiras. Concentra\u00e7\u00e3o nula. Comportamento inquieto, h\u00e1bito inconstantes. Queixas de cansa\u00e7o r\u00e1pido (\u00e0 leitura). Sobressaltos frequen- tes, impossibilidade de ficar muito tempo no mesmo lugar. Perda de me- m\u00f3ria. Humor b\u00e1sico sombrio. Desconfian\u00e7a. Impot\u00eancia sexual frequente. Poucos se livram desse estado, quando permanecem mais de seis meses na pris\u00e3o. Os sintomas apresentam-se muito matizados.", "Vischer relembra as \u201cRecorda\u00e7\u00f5es da Casa dos Mortos\u201d, de Dostoi- evski: mais as experi\u00eancias de pessoas que vivem esparsas, isoladas- do mundo; os brancos nos tr\u00f3picos (furor dos tr\u00f3picos), os tripulantes de na- vios (principalmente, no tempo antigo, dos barcos a vela), os religiosos nos conventos ; os viajantes polares (narrativa de Nansen, Payer, Ross)."], ["2. Segundo o tipo da estrutura ps\u00edquica dos estados reativos, pode-se", "caracterizar uma s\u00e9rie de situa\u00e7\u00f5es. Discrimina\u00e7\u00e3o n\u00edtida s\u00f3 seria poss\u00edvel se se pudessem separar os diversos mecanismos extraconscientes, de modo a reconhecer a especificidade das rea\u00e7\u00f5es hist\u00e9ricas, paranoides, das rea\u00e7\u00f5es de altera\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia etc.; o que n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel, no mo- mento. Temos de satisfazer-nos com a enumera\u00e7\u00e3o de tipos:", "aa) A todas as viv\u00eancias, principalmente as menos importantes, se res-", "ponde com sentimentos que s\u00e3o compreens\u00edveis segundo a qualidade, mas"], ["se apresentam desmedidamente intensos; que desaparecem com lentid\u00e3o anormal; que geram cansa\u00e7o e paralisia (rea\u00e7\u00e3o psicast\u00eanica). S\u00e3o especi- almente comuns os estados de depress\u00e3o reativa. Quase n\u00e3o h\u00e1 manias reativas. A tristeza aumenta por si mesma, a alegria pode ser desmedida, de maneira que o indiv\u00edduo nem sabe, por assim dizer, com<> rejubilar-se; mas a alegria dissipa-se, n\u00e3o consegue manter-se. A anormalidade pode residir n\u00e3o s\u00f3 na intensidade da rea\u00e7\u00e3o vivencial.... mas tamb\u00e9m na inten- sidade dos p\u00f3s-efeitos. Cada um de n\u00f3s vivencia o fato de o humor que do- mina uma manh\u00e3 ser influenciado pelo sonho da noite anterior, embora s\u00f3 por tra\u00e7os ligeiros, que apenas a observa\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica pode detectar. Certos homens, entretanto, s\u00e3o fortemente sujeitos a esses p\u00f3s-efeitos on\u00ed- ricos, que os dominam o dia inteiro. Igualmente, a dura\u00e7\u00e3o dos p\u00f3s-efeitos pode ser anormal: certa tristeza s\u00f3 se compensa aos poucos; todos os afe- tos seguem curvas muito extensas."], ["bb) Uma descarga se d\u00e1 em convuls\u00f5es, acessos de raiva, movimentos", "desordenados, atos de viol\u00eancia cega, amea\u00e7as e xingas: por si mesma ocorre uma exalta\u00e7\u00e3o que leva a estados de estreitamento da consci\u00eancia. Fala-se em \u201cexplos\u00f5es carcer\u00e1rias\u201d, \u201cfuror\u201d, \u201crea\u00e7\u00f5es em curto-circuito\u201d. Kretschmer d\u00e1 a este grupo inteiro o nome de \u2018rea\u00e7\u00f5es' primitivas\u201d intensi- ficam-se com rapidez, mas tamb\u00e9m n\u00e3o tardam a dissipar-se."], ["cc) As emo\u00e7\u00f5es fortes, a raiva, o desespero, o medo acarretam (aumen- tando-lhes, mesmo normalmente, a intensidade), certa turva\u00e7\u00e3o\u00bb da cons- ci\u00eancia, subsistindo, a seguir, recorda\u00e7\u00e3o lacunar. Em situa\u00e7\u00e3o\u00bb anormal, ocorrem estados crepusculares, com desorienta\u00e7\u00e3o, a\u00e7\u00f5es insensatas e fal- sas-percep\u00e7\u00f5es, al\u00e9m de repeti\u00e7\u00f5es teatrais de atos cujo significado resulta da viv\u00eancia original e respectiva situa\u00e7\u00e3o, n\u00e3o da realidade presente. Cha- mam-se \u201chist\u00e9ricos\u201d estes fen\u00f4menos. Quase nunca \u00e9 consciente, no es- tado de turva\u00e7\u00e3o, a viv\u00eancia original, que, nas psicoses: de curta dura\u00e7\u00e3o, pode ser inteiramente recalcada e, depois, esquecida. Na linha de frente, Wetzel observou psicoses traum\u00e1ticas em soldados, que haviam recalcado a morte de companheiros tombados; apresentavam comportamento tea- tral, mas despertavam com rapidez e \u201cera extremamente impressionante o retorno da gesticula\u00e7\u00e3o teatral \u00e0 rigidez militar.\u201d Tais casos contradizem a opini\u00e3o segundo a qual a gesticula\u00e7\u00e3o, \u201chist\u00e9rica\u201d teatral estaria, de modo geral, enraizada profundamente em toda a personalidade. Mas tamb\u00e9m existe turva\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia id\u00eantica em casos nos quais a origem per- manece consciente; e at\u00e9 existe consci\u00eancia da doen\u00e7a, al\u00e9m de recorda- \u00e7\u00e3o subsequente bastante completa."], ["dd) Quando se observa, no primeiro plano, perplexidade on\u00edrica; mais:", "comportamento aparente e artificialmente infantil (puerilismo), paralogias (Quantas pernas tem uma vaca? Cinco); enfim, estado de \u201cpseudodem\u00ean- cia\u201d; e ainda sinais som\u00e1ticos de histeria (analgesias etc.) \u00e9 a s\u00edndrome de Ganser que ocorre."], ["Ocorrendo turva\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia, transtornada a orienta\u00e7\u00e3o, se vi- vencia, a todo momento, um conte\u00fado, sempre o mesmo, com todas- as manifesta\u00e7\u00f5es emocionais e movimentos expressivos (\u201cattitudes passion- nelles\u201d), conte\u00fado que repete a viv\u00eancia desencadeante (estupro, acidente etc.), d\u00e1-se o estado chamado del\u00edrio hist\u00e9rico. \u2014 Tamb\u00e9m se- observam quadros estuporosos (estupor do medo), quadros fant\u00e1sticos-delirantes, mantendo-se perfeita a orienta\u00e7\u00e3o t\u00eamporo-espacial. Nos- longos encarce- ramentos, por for\u00e7a da desconfian\u00e7a normal e da suspei\u00e7\u00e3o compreens\u00ed- vel, desenvolvem-se ideias persecut\u00f3rias absolutamente l\u00facidas, ou ten- d\u00eancias querulantes pela ideia de que se foi injustamente condenado. Ne- nhum destes estados se demarca com nitidez; todos se- combinam da ma- neira mais variada."], ["ee) Entre as psicoses carcer\u00e1rias que ocorrem sob o efeito permanente de situa\u00e7\u00f5es adversas, t\u00eam-se observado as rea\u00e7\u00f5es alucinat\u00f3rio-paranoi- cas. Os doentes, ansiosos, tensos, n\u00e3o se sentem donos de seus pensa- mentos; querem encontrar um resultado, um modo de ver, uma atitude a tomar. Parecem ansiar por alguma coisa intang\u00edvel. Da\u00ed ouvirem ru\u00eddos suspeitos; h\u00e1 gente tramando contra eles; fora, no corredor, ouvem passos suspeitos e uma voz que diz, de repente: Hoje, vamos mat\u00e1-lo; as vozes multiplicam-se, chamam pelo nome o doente. Este v\u00ea, ent\u00e3o, vultos; como se estivesse sonhando, atira longe os len\u00e7\u00f3is, atacado de pavor delirante, tenta suicidar-se. Posteriormente, \u00e9 f\u00e1cil elaborarem-se delirantemente os conte\u00fados; o doente convence-se de que est\u00e1 sendo, na verdade, perse- guido, de que deve ser morto. \u2014 Sobre rea\u00e7\u00f5es paranoicas agudas, Kurt Schneider relata casos raros e interessantes."], ["3. Enfim, podem-se classificar os estados reativos conforme o tipo de constitui\u00e7\u00e3o ps\u00edquica que condiciona a rea\u00e7\u00e3o. Na guerra, observam-se, por vezes, estados reativos psic\u00f3ticos de curta dura\u00e7\u00e3o em personalidades que nada apresentavam de psicop\u00e1tico, nem antes, nem depois. A conclu- s\u00e3o \u00e9 que todo homem tem um \u201climite\u201d a partir do qual adoece. Conquanto n\u00e3o se possa, objetivamente, em tais casos, determinar certa disposi\u00e7\u00e3o (pelo contr\u00e1rio, \u00e9 poss\u00edvel que tamb\u00e9m personalidades robustas, de apa- r\u00eancia ps\u00edquica especialmente sadia adoe\u00e7am \u2014 em casos raros), \u00e9 poss\u00ed- vel, no entanto, estabelecer que, no caso, h\u00e1 de ter sempre existido uma disposi\u00e7\u00e3o espec\u00edfica e que muitos s\u00e3o os homens suscet\u00edveis de sucumbir", "somaticamente, de sofrer les\u00f5es cerebrais, de se esgotarem por completo, sem, entretanto, fazer estados reativamente psic\u00f3ticos. Na maioria dos ca- sos, por\u00e9m, \u00e9 vis\u00edvel a precondi\u00e7\u00e3o que \u00e9 ou cong\u00eanita e permanente (psi- copatas), ou oscilante (fases), ou adquirida e transit\u00f3ria (exaust\u00e3o). Assim \u00e9 que se observam certos caracteres de reagibilidade aumentada (excitabi- lidade, irritabilidade), al\u00e9m das situa\u00e7\u00f5es emocionais hist\u00e9ricas e psicast\u00ea- nicas. Mas isso se nota em certos indiv\u00edduos e a determinados momentos que, como tais, quase n\u00e3o chamam a aten\u00e7\u00e3o do observador superficial. Resultando de causas relativamente insignificantes, constatam-se excesso de afetividade, incapacidade de elaborar viv\u00eancias nas mesmas pessoas que, a outro instante, se afiguram de todo normais. Os momentos desfavo- r\u00e1veis podem representam fases puramente end\u00f3genas, ou condicionadas por esgotamento ps\u00edquico ou som\u00e1tico; bem assim, por ferimentos na ca- be\u00e7a, emo\u00e7\u00e3o prolongada, ins\u00f4nia etc."], ["Do mesmo modo que a constitui\u00e7\u00e3o, os processos m\u00f3rbidos org\u00e2nicos podem servir de terreno para a eclos\u00e3o de rea\u00e7\u00f5es anormais. Nos esquizo- fr\u00eanicos, h\u00e1 psicoses reativas \u00e0 base dos progressos da doen\u00e7a, distin- guindo-se dos brotos do processo m\u00f3rbido pelo fato de o doente, ap\u00f3s o respectivo decurso, quase regressar ao estado anterior, ao passo que os brotos, embora se abrandem as manifesta\u00e7\u00f5es mais intensas, d\u00e3o causa a altera\u00e7\u00e3o permanente. Os brotos encerram, em geral, conte\u00fados de \u00e9pocas passadas, sejam quais forem, enquanto as rea\u00e7\u00f5es possuem conte\u00fados determinados provenientes de uma ou diversas viv\u00eancias, que ter\u00e3o origi- nado, por forma cont\u00ednua, a psicose. Os brotos surgem espontaneamente; as rea\u00e7\u00f5es, em conex\u00e3o temporal com certas viv\u00eancias. \u2014 Claro que em to- das as doen\u00e7as os tra\u00e7os reativos interv\u00eam, na medida em que, de ma- neira geral, ainda existam conex\u00f5es na vida ps\u00edquica; esses tra\u00e7os s\u00e3o, po- r\u00e9m, quase sempre, inessenciais no que diz respeito ao curso da doen\u00e7a."], ["Resumiremos, finalmente, mais uma vez, o que \u00e9 comum \u00e0s rea\u00e7\u00f5es aut\u00eanticas: a causa (fator), que se prende, estreitamente, no tempo, ao es- tado reativo, \u00e9 tal que baste \u00e0 nossa compreens\u00e3o. Entre o conte\u00fado da vi- v\u00eancia' \u2019e o conte\u00fado da rea\u00e7\u00e3o anormal existe conex\u00e3o compreens\u00edvel. Porque se trata da rea\u00e7\u00e3o a uma viv\u00eancia, a anormalidade se compensa com o correr do tempo. De modo particular, removida a causa (recupera- \u00e7\u00e3o da liberdade, retorno da jovem nost\u00e1lgica ao lar paterno), tamb\u00e9m a rea\u00e7\u00e3o anormal cessa. Da\u00ed resulta contrastar a anormalidade reativa com todos os processos m\u00f3rbidos que ocorrem espontaneamente.", "Todavia, as conex\u00f5es causais e compreens\u00edveis s\u00e3o t\u00e3o intrincadas e o", "engrenamento de umas nas outras \u00e9 t\u00e3o complexo que nem sempre se"], ["pode estabelecer separa\u00e7\u00e3o n\u00edtida entre rea\u00e7\u00e3o aut\u00eantica e fase ou broto. A falta de conte\u00fados compreens\u00edveis pode iludir a respeito da rea\u00e7\u00e3o ps\u00ed- quica; e a abund\u00e2ncia desses conte\u00fados compreens\u00edveis, a respeito do processo m\u00f3rbido. De um lado, encontram-se estados ps\u00edquicos anormais, causalmente condicionados por trauma ps\u00edquico (por exemplo, psicoses por cat\u00e1strofes, rea\u00e7\u00f5es primitivas com furor e convuls\u00f5es), sem que exis- tam muitas rela\u00e7\u00f5es compreens\u00edveis entre conte\u00fado e causa. De outro lado, acham-se altera\u00e7\u00f5es da constitui\u00e7\u00e3o ps\u00edquica resultantes de meca- nismos extraconscientes e cuja fase individual, ou seja, o broto, apresenta, no entanto, conex\u00f5es compreens\u00edveis maci\u00e7as com a biografia do paciente."], ["d) O efeito curativo dos traumatismos emocionais.", "Fato interessante \u00e9 que certas viv\u00eancias n\u00e3o s\u00f3 desencadeiem psicoses,", "mas tamb\u00e9m influenciem favoravelmente uma psicose existente, embora sem cur\u00e1-la. \u00ca relativamente comum verem-se doentes paranoides com processo esquizofr\u00eanico que perdem, de in\u00edcio, todos os sintomas (alucina- \u00e7\u00f5es, ideias persecut\u00f3rias etc.) assim que se internam. Tamb\u00e9m se note que certos estados graves com colorido catat\u00f4nico despertam \u201cde sono profundo\u201d, a bem dizer, por for\u00e7a de um afeto intenso, caminhando para a cura do estado agudo. Vejamos o seguinte caso, relatado por Bertschinger.", "\u201cUma senhora jovem, que havia semanas se portava imodestamente,", "preferindo mostrar-se nua, foi surpreendida em situa\u00e7\u00e3o muito indecente por certa pessoa do hospital que conhecera tempos antes. Corou, ficou en- vergonhada, conseguiu ir para a cama pela primeira vez depois de v\u00e1rias semanas; a partir da\u00ed, acalmou-se e p\u00f4de ter alta dentro de poucos dias\u201d."], ["Observam-se, frequentemente, pacientes que relatam haver certos fa- tos, sejam quais forem, a exercer influ\u00eancia particularmente favor\u00e1vel no est\u00e1dio de cura de psicoses agudas. Nota-se melhora objetiva vidente, do- entes h\u00e1 muito tempo estuporosos tomando-se acess\u00edveis, por exemplo, gra\u00e7as \u00e0 visita de familiares (rara, embora, que seja. O antigo estado, po- r\u00e9m, reaparece da\u00ed a poucas horas, sem influenciar o curso da doen\u00e7a.", "\u00c9 duvidoso at\u00e9 que ponto os tratamentos brutais de s\u00e9culos atr\u00e1s e a terapia moderna dos choques insul\u00ednico e cardiaz\u00f3lico, do traumatismo da viv\u00eancia mortal, da repeti\u00e7\u00e3o frequente de situa\u00e7\u00f5es extremas levam \u00e0 mo- difica\u00e7\u00e3o ps\u00edquica que se pode chamar cura; ou at\u00e9 que ponto nisso in- fluem fatores causais som\u00e1ticos."], ["\u00a7 2. P\u00f3s-Efeito Anormal De Viv\u00eancias Anteriores"], ["a) H\u00e1bitos anormais.", "Vamos apresentar algumas maneiras pelas quais o h\u00e1bito, se mani- festa visivelmente. Um psicopata que, certa vez, se colocou em tal ou qual situa\u00e7\u00e3o com determinado estado de \u00e2nimo n\u00e3o consegue mais modificar este \u00faltimo; uma palavra inamistosa, pronunciada no come\u00e7o de uma reu- ni\u00e3o, estraga a noite inteira. Mant\u00e9m-se o comportamento querulante em rela\u00e7\u00e3o ao hospital no qual est\u00e1 internado, mas o indiv\u00edduo se acalma noutro hospital, talvez com pior tratamento."], ["Os atos criminosos, depois de cometidos, tendem a repetir-se. O exem- plo mais not\u00e1vel \u00e9 o das envenenadoras (marquesa de Brinvilliers, Marga- rethe Zwanziger, Gesche Margareth Gottfried, al\u00e9m de outras), \u00e0s quais o assassinato n\u00e3o se afigura, em absoluto, extraordin\u00e1ria; n\u00e3o o ter\u00e3o come- tido com outro objetivo sen\u00e3o a pura \u00e2nsia de poder e, por fim, o simples prazer. Feuerbach assim descreve um caso: \u201cFabricar venenos e adminis- tr\u00e1-los torna-se, consequentemente, para elas o corriqueiro ato que se p\u00f5e em pr\u00e1tica tanto por brincadeira quanto a s\u00e9rio; afinal, por\u00e9m, \u00e9 com pai- x\u00e3o que se pratica, n\u00e3o s\u00f3 pelos resultados que possa dar, mas por si mesmo.... O veneno lhe era o derradeiro amigo, o mais fiel, o amigo que a atra\u00eda sem resist\u00eancia, do qual j\u00e1 n\u00e3o podia libertar-se. Era-lhe compa- nheiro constante; com veneno no bolso a justi\u00e7a capturou-a... Ap\u00f3s meses de cativeiro, quando lhe mostraram, para ver se o reconhecia, o ars\u00eanico que lhe haviam encontrado em casa, pareceu estremecer de alegria; com os olhos radiantes, deslumbrados, fitou o p\u00f3 branco; mas sempre falando nos atos que praticara como se fossem 'transgress\u00f5es de pouca monta\u2019... O h\u00e1bito deixa de ser para n\u00f3s not\u00e1vel\u201d."], ["Certos estados psic\u00f3ticos agudos deixam, residualmente, movimentos anormais, express\u00f5es anormais, que se transformam em h\u00e1bitos duradou- ros, sem, no entanto, subsistir a causa propriamente dita.", "Quando se vivencia intensa rea\u00e7\u00e3o (de tipo normal ou anormal), o efeito da\u00ed resultante (em graus vari\u00e1veis conforme o indiv\u00edduo) \u00e9 que a mesma rea\u00e7\u00e3o, com a mesma intensidade, se repete a est\u00edmulos menores dirigidos no mesmo sentido que a viv\u00eancia original; ou a est\u00edmulos que o recordam, apenas, de algum modo; ou, enfim, na ocorr\u00eancia de quaisquer fatos com carga afetiva que tenham com a viv\u00eancia inicial conex\u00e3o dif\u00edcil ou at\u00e9 imposs\u00edvel de compreender. Quem sentiu de perto um rel\u00e2mpago apavora-se a qualquer temporal; quem viu abater um animal talvez nunca"], ["mais lhe coma a carne (n\u00e3o por princ\u00edpio, mas por avers\u00e3o \u00edntima). Os his- t\u00e9ricos experimentam seus sintomas pela primeira vez quando sofrem traumatismo emocional intenso, sintomas cujo conte\u00fado, muitas vezes, se compreendem de acordo com a viv\u00eancia (paralisia do bra\u00e7o, afonia). Poste- riormente, quaisquer outros acontecimentos, muitas vezes insignificantes, provocam os mesmos sintomas, porque surgem modos de reagir anormais que se tornam costumeiros. A tend\u00eancia \u00e0 forma\u00e7\u00e3o de h\u00e1bitos incontrol\u00e1- veis \u00e9 geral, por\u00e9m mais forte nos dist\u00farbios psicop\u00e1ticos do que nas con- di\u00e7\u00f5es normais. Todas as transi\u00e7\u00f5es existem entre os h\u00e1bitos que ainda podem, em certas circunst\u00e2ncias, tratar-se como \u201cmaus costumes\u201d e as maneiras de reagir adquiridas que escapam a qualquer influenciamento. No que toca, especialmente, \u00e0s pervers\u00f5es sexuais, sabe-se que aparecem por for\u00e7a de acontecimentos casuais, principalmente na inf\u00e2ncia, po- dendo, a seguir, desenvolver-se como se fossem disposi\u00e7\u00f5es instintivas pri- m\u00e1rias."], ["Exemplo de p\u00f3s-efeito de uma viv\u00eancia \u00e9 o caso de Gebsattel. Homem", "de 40 anos; advogado (consultor). Em acidente automobil\u00edstico, foi atirado contra o teto do ve\u00edculo; por um instante, a vista escureceu-lhe completa- mente; mas perdeu a consci\u00eancia logo ap\u00f3s. Da\u00ed a pouco tempo, voltou a trabalhar no escrit\u00f3rio. Entre outros sintomas, surgiram os seguintes: n\u00e3o podia sair de casa com noite escura, nem olhar da janela para a escurid\u00e3o de fora, nem entrar num quarto escuro, porque, em tais ocasi\u00f5es, lhe vi- nham ataques de p\u00e2nico. Colocava-se de costas para a janela, entrava no quarto de costas at\u00e9. acender \u00e0 luz. A catarse hipn\u00f3tica fez o sintoma de- saparecer. Verificou-se que qualquer escurid\u00e3o relembrava o momento do acidente (vista completamente escura), juntamente com o medo da porta escura da morte.", "De forma excessiva, que domina por completo o evento ps\u00edquico, en- contramos os h\u00e1bitos da vida ps\u00edquica esquizofr\u00eanica, s\u00e3o chamados este- reotipias."], ["Toda sorte de fatos, sequer poss\u00edveis, de algum modo associados ao psiquismo, desde os movimentos mais singelos at\u00e9 os atos mais complica- dos, cursos de pensamentos e viv\u00eancias determinadas segundo o respec- tivo conte\u00fado podem, ent\u00e3o, repetir-se, milhares de vezes, de maneira t\u00e3o regular que se imp\u00f5e a compara\u00e7\u00e3o do indiv\u00edduo com um aut\u00f4mato. Os doentes percorrem sempre, exatamente, o mesmo c\u00edrculo, tomam sempre o mesmo lugar, seguem a mesma s\u00e9rie de movimentos pendulares, dei- xam-se ficar deitados, semanas, na mesma posi\u00e7\u00e3o, t\u00eam sempre a mesma express\u00e3o fision\u00f4mica, tal qual m\u00e1scara (estereotipias de movimento e de"], ["postura), repetem sempre as mesmas palavras ou frases, desenham os mesmos tra\u00e7os e formas; pode-se dizer que se movem em c\u00edrculos mentais sempre os mesmos. Por exemplo, uma doente levou anos escrevendo as mesmas cartas \u00e0 pol\u00edcia de Paris, o Petersburgo, cartas que, a dado mo- mento e aos montes, sem preocupar-se com o respectivo despacho, aca- bava entregando ao m\u00e9dico. N\u00e3o \u00e9 raro observarem-se casos antigos nos quais as mesmas constru\u00e7\u00f5es verbais se repetem, constituindo a \u00fanica manifesta\u00e7\u00e3o verbal. Certo enfermo cumprimentava todas as pessoas com as palavras: \u201cPro, pro, ou contra, contra\u201d, satisfazendo-se com a resposta \u201cPro, pro\u201d e nada mais dizendo."], ["b) Efeitos dos complexos.", "O efeito dos complexos torna- se anormal quando deixam de ser con- trolados pelo indiv\u00edduo, quando- se dissociam e operam a partir do incons- ciente.", "1. Certo paciente n\u00e3o podia voltar ao lugar onde falira sem que o aco-", "metessem, toda vez, estados depressivo-paranoicos, acompanhados de sintomas neurast\u00e9nicos. Na situa\u00e7\u00e3o em que, a certo- momento, se sofreu alguma coisa que apavora, a ansiedade aumenta; \u00e9 o que acontece ap\u00f3s desastres ferrovi\u00e1rios, sempre que se tem de viajar de trem; ou. ap\u00f3s terre- motos e ataques a\u00e9reos. Ao menor sinal de amea\u00e7a dessa situa\u00e7\u00e3o, ou mesmo \u00e0 simples; semelhan\u00e7a, a ansiedade ocorre.", "Tamb\u00e9m em casos nos quais uma viv\u00eancia parece ser a fonte de efeitos"], ["gerados por certos complexos, \u00e9 frequente as causas- respectivas compre- ens\u00edveis enraizarem-se no passado, al\u00e9m dessa viv\u00eancia. Certa viv\u00eancia que por si n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o importante \u2014 e que- \u00e9 insuficiente para nosso enten- dimento \u2014 pode representar a fonte de um estado m\u00f3rbido, porque o ter- reno j\u00e1 estar\u00e1 preparado por viv\u00eancias outras. Assim \u00e9 que a les\u00e3o de ou- tros interesses vitais atinge o indiv\u00edduo com o erotismo insatisfeito muito mais profundamente do que aquele cujas condi\u00e7\u00f5es nesse campo s\u00e3o boas; o mesmo acontecimento talvez nem o toque em absoluto. Enfim, a raiz dos estados ps\u00edquicos anormais ramifica-se, como se ramificam os sintomas, em toda a passada hist\u00f3ria ps\u00edquica, a partir da qual' se poder\u00e1, com paci\u00eancia, destrin\u00e7ar toda uma rede de conex\u00f5es compreens\u00edveis, cu- jos fios se cruzam no ponto atual. Freud salientou este fato com seu con- ceito de \u201csobredetermina\u00e7\u00e3o\u201d.", "2. Nos casos at\u00e9 o momento expostos, o complexo pode ser' consciente,"], ["embora n\u00e3o se note. \u00c0 autocr\u00edtica, o indiv\u00edduo faz-se consciente de sua", "presen\u00e7a. Todavia, os complexos v\u00eam a constituir a causa de certos sinto- mas- m\u00f3rbidos som\u00e1ticos ou ps\u00edquicos, suscet\u00edveis de atribu\u00edrem-se a certa viv\u00eancia, que, no entanto, existindo a doen\u00e7a, n\u00e3o s\u00f3 se deixa de per- ceber, mas se esquece, se toma, enfim, inconsciente: s\u00e3o os complexos cindidos, ou recalcados (exemplo: certas psicoses carcer\u00e1rias, em que o paciente nada mais sabe, de fato, conscientemente, de seu crime; basta, por\u00e9m, que se tentem despertar recorda\u00e7\u00f5es do ato que praticou para apa- recerem sintomas intensos). Se quisermos apreender esses fen\u00f4menos, precisamos formar no\u00e7\u00e3o te\u00f3rica da cis\u00e3o ou dissocia\u00e7\u00e3o dos eventos ps\u00ed- quicos."], ["c) Compensa\u00e7\u00f5es.", "Defici\u00eancias da atitude interna, defeitos vivenciais, perdas ps\u00edquicas atuam no sentido de realizar, por assim dizer, uma compensa\u00e7\u00e3o a partir da totalidade das possibilidades que est\u00e3o ao alcance do indiv\u00edduo em causa.", "A analogia prov\u00e9m da fisiologia; principalmente, da fisiologia nervosa. A esta altura, distingue-se entre os fen\u00f4menos m\u00f3rbidos diretos e os fen\u00f4- menos de compensa\u00e7\u00e3o. O organismo vivo costuma reagir a toda pertur- ba\u00e7\u00e3o e destrui\u00e7\u00e3o alterando suas fun\u00e7\u00f5es, de maneira a garantir a manu- ten\u00e7\u00e3o da vida nas condi\u00e7\u00f5es alteradas. Chamam-se esses fen\u00f4menos vi- cariantes, ou fen\u00f4menos de autorregula\u00e7\u00e3o. No particular, tais coisas es- tudam-se quando se investigam fen\u00f4menos neurol\u00f3gicos, que s\u00f3 de modo secund\u00e1rio interessam \u00e0 psicopatologia."], ["A mais impressionante de todas \u00e9 a experi\u00eancia de Ewald: ap\u00f3s a extir- pa\u00e7\u00e3o de um labirinto, aparecem, no c\u00e3o, dist\u00farbios posturais e cin\u00e9ticos, que cessam dentro de algumas semanas. Se se fizer a extirpa\u00e7\u00e3o do outro labirinto, provocam-se, novamente, os dist\u00farbios; apenas mais graves. Da\u00ed a meses, tudo est\u00e1 em ordem, outra vez. Faz-se, ent\u00e3o, a abla\u00e7\u00e3o da zona correspondente \u00e0 perna num hemisf\u00e9rio cerebral. Os dist\u00farbios habituais tornam a desaparecer, dentro de umas tantas semanas. Mas se se fizer a abla\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m da outra zona correspondente \u00e0. perna, os sintomas an- teriores reaparecem tempestuosamente, j\u00e1 n\u00e3o mais revertendo. As escas- sas capacidades, ainda subsistentes, de movimenta\u00e7\u00e3o desaparecem intei- ramente assim que se tapam os olhos do animal. \u2014 No caso, o que ocorre \u00e9 que, um ap\u00f3s outro, se substituem o outro labirinto, as zonas corticais correspondentes \u00e0s sensa\u00e7\u00f5es cin\u00e9ticas, e posturais, as sensa\u00e7\u00f5es que re-"], ["gulam a posi\u00e7\u00e3o est\u00e1tica e din\u00e2mica, at\u00e9 se esgotarem todas as possibili- dades compensat\u00f3rias.", "No caso de enfermidades cerebrais org\u00e2nicas, \u00e9 frequente ocorrer boa", "compensa\u00e7\u00e3o; por exemplo: quando h\u00e1 hemiplegia, ou afasia. Que se trata, no entanto, de compensa\u00e7\u00e3o, apenas, e que os defeitos subsistem latentes provam-no os dist\u00farbios que n\u00e3o tardam a fazer-se intensos, quando as solicita\u00e7\u00f5es aumentam, quando se experimentam emo\u00e7\u00f5es, quando h\u00e1 cansa\u00e7o r\u00e1pido, quando a fun\u00e7\u00e3o se lentifica."], ["Restabelecendo-se as fun\u00e7\u00f5es perturbadas, ou se trata de uma esp\u00e9cie", "de recria\u00e7\u00e3o, setores at\u00e9 ent\u00e3o em repouso desenvolvendo as fun\u00e7\u00f5es em causa (nos animais inferiores, tamb\u00e9m se d\u00e1 regenera\u00e7\u00e3o morfologica- mente percept\u00edvel); ou o caso \u00e9 de compensa\u00e7\u00e3o, outras fun\u00e7\u00f5es anterior- mente ancilares assumindo, j\u00e1 agora, todo o trabalho.", "Podem-se comparar com estes os fen\u00f4menos de compensa\u00e7\u00e3o ps\u00ed- quica, quando falham, inteiramente, certas \u00e1reas sensoriais. Helen Keller conseguiu, a despeito de cegueira e surdez completas, adquirir a cultura de um homem moderno apenas servindo-se do material sensorial qu?. o tato lhe punha ao alcance. Talvez se enquadre tamb\u00e9m entre as compen- sa\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas a ocorr\u00eancia de certos fen\u00f4menos de contraste (da clari- dade e das cores no setor visual; quanto \u00e0s emo\u00e7\u00f5es: \u00e0 dor profunda pode- se seguir alegria incompreens\u00edvel contrastante; etc.)."], ["De algo diferente, no entanto, se trata, quando existem conex\u00f5es ps\u00ed- quicas \u201ccompreens\u00edveis\u201d. \u201cH\u00e1 a covardia do neur\u00f3tico, que significa auto- defesa profundamente enraizada. O neur\u00f3tico entra em frouxid\u00e3o e apatia, quando tem de dominar afetos col\u00e9ricos; abandona-se ao cepticismo e \u00e0 indiferen\u00e7a, quando a compaix\u00e3o amea\u00e7a desequilibr\u00e1-lo; esquiva-se a complexos ideativos intensamente carregados de sentimento; evita o atual, o importante, voltando-se para o acess\u00f3rio\u201d (Anton)."], ["A conceber essas conex\u00f5es geneticamente compreens\u00edveis e imediata- mente \u00f3bvias como compensa\u00e7\u00e3o de uma \u201cfraqueza\u201d, mais n\u00e3o se forma do que um sentido metaf\u00f3rico. Tais conex\u00f5es n\u00e3o t\u00eam muito a ver com as compensa\u00e7\u00f5es acima enumeradas. Pode-se ainda duvidar que sejam, de modo geral, propositadas ou final\u00edsticas, no sentido biol\u00f3gico. N\u00e3o se substituem quaisquer fun\u00e7\u00f5es que falhem, mas apenas se consegue dimi- nui\u00e7\u00e3o subjetiva de sentimentos desprazerosos, diminui\u00e7\u00e3o que talvez seja at\u00e9 prejudicial, do ponto de vista biol\u00f3gico."], ["d) Tend\u00eancias desintegrativas e integrativas.", "Aos efeitos destrutivos das viv\u00eancias op\u00f5em-se efeitos construtivos. Atrav\u00e9s de vis\u00e3o conjunta e geral da vida e da psique, todo evento afigura- se um \u201cmorre e renova-te\u201d; a vida \u00e9 o constante emergir do morrer, isto \u00e9, da desintegra\u00e7\u00e3o: quanto ao som\u00e1tico, em processos simplesmente f\u00edsico- qu\u00edmicos; quanto ao ps\u00edquico, em fatos meramente autom\u00e1tico-mec\u00e2nicos. Psique e mente s\u00e3o a reuni\u00e3o constante dos contrastes e polaridades, nas quais tendem, a cada momento, a desagregar-se. Se chamarmos estas tend\u00eancias integrativas plasticidade, a desintegra\u00e7\u00e3o vir\u00e1 a constituir enri- jecimento crescente. A vida mede-se, pois, pelo n\u00edvel da plasticidade; recu- perar a sa\u00fade- significa caminhar para a plasticidade."], ["Pode-se decompor do seguinte modo esta vis\u00e3o conjunta indetermi- nada: no aspecto biol\u00f3gico, o evento vital \u00e9 constante integra\u00e7\u00e3o da vida em seu perimundo; no aspecto mental, o evento \u00e9 s\u00edntese (dentro do pro- cesso dial\u00e9tico da supress\u00e3o, da preserva\u00e7\u00e3o, da integra\u00e7\u00e3o) de todos os fatores da experi\u00eancia mental; no aspecto existencial, \u00e9 a descoberta da origem do existir verdadeiro.", "N\u00e3o podemos, de modo algum, penetrar este evento total, a fim de dele"], ["dispor. Seja onde for, baseia-se no inconsciente, que cria o novo a instan- tes decisivos, novo no qual se supera a desintegra\u00e7\u00e3o. Falhando a emer- g\u00eancia criativa do todo, temos a morte e seus est\u00e1dios preparat\u00f3rios. Pode- mos, apenas, quando conhecemos e agimos, esbarrar nos limites em que o ato decisivo do evento total nos defronta, ato pelo qual nos esfor\u00e7amos, cognitivamente, girando-lhe em volta, procedendo terapeuticamente com est\u00edmulos, tarefas, apelos; \u00e9 o ato do pr\u00f3prio viver, do criar, do ser si mesmo. N\u00e3o somos senhores destes atos, mas \u00e9 deles que vem toda poten- cialidade. Nosso conhecimento e nossa atua\u00e7\u00e3o, subsequente ao conheci- mento, \u00e9 capaz de psican\u00e1lise, mas n\u00e3o de psicoss\u00edntese, a qual sempre ter\u00e1 de acontecer a partir do inconsciente da vida, da; mente, da exist\u00ean- cia; poder\u00e1 ser preparada e favorecida, inibida e amea\u00e7ada; jamais, no en- tanto, se far\u00e1 mediante arranjo algum, mediante persuas\u00e3o alguma, medi- ante boa vontade seja qual for. Aquilo que sempre constitui pressuposto amplo chama-se for\u00e7a vital, ideia, cria\u00e7\u00e3o, op\u00e7\u00e3o existencial; chama-se gra\u00e7a, chama-se dom de si mesmo. N\u00e3o dizem, por\u00e9m, todos estes nomes o que \u00e9, propriamente."], ["Antes de mais nada, n\u00e3o h\u00e1 perfei\u00e7\u00e3o, t\u00e9rmino. Morrer, enrijecer, fa- lhar s\u00e3o momentos da vida. A totalidade n\u00e3o vem a ser, para o homem, afinal, objetivo poss\u00edvel algum. O homem vive na senda do perp\u00e9tuo", "\u201cMorre e renova-te\u201d, at\u00e9 que sua exist\u00eancia finita se extinga, no tempo, pelo morrer."], ["Mesmo em estados patol\u00f3gicos graves, enquanto o homem vive, sem- pre existem tendencias ao restabelecimento de um todo: desde as compen- sa\u00e7\u00f5es de defeitos individuais at\u00e9 as forma\u00e7\u00f5es das personalidades esqui- zofr\u00eanicas. De um modo ou doutro, formam-se os mundos unit\u00e1rios dos dementes. Sempre alguma coisa encaminha-se para novos contextos, para controles e orienta\u00e7\u00f5es em condi\u00e7\u00f5es novas \u2014 isso a partir, talvez, de ten- d\u00eancias que se hajam tornado anormais. Opondo-se \u00e0s distra\u00e7\u00f5es, descar- rilamentos, desintegra\u00e7\u00f5es, dissocia\u00e7\u00f5es, certos ordenamentos atuam, se- jam quais forem. Mas com todas estas generalidades s\u00f3 um aspecto geral se exprime, vagamente: aspecto que s\u00f3 \u00e9 relevante para o conhecimento quando se pode demonstrar, empiricamente, em determinados contextos."], ["\u00a7 3. Sonhos Anormais"], ["a) Os sonhos das doen\u00e7as som\u00e1ticas.", "No sonho e no cochilo se mostram, certas vezes, doen\u00e7as som\u00e1ticas em", "incep\u00e7\u00e3o: as sensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas anormais e os sentimentos gerais anor- mais penetram, ent\u00e3o, na consci\u00eancia, ao passo que, pelo contr\u00e1rio, na vi- g\u00edlia, ainda n\u00e3o se percebem. Nos estados febris, ocorrem sonhos tortu- rantes com fen\u00f4menos de tipo compulsivo, tal qual as ideias girassem; tamb\u00e9m ocorrem sonhos intensos, muito v\u00edvidos e claros, ap\u00f3s grandes hemorragias."], ["b) Os sonhos anormais das psicoses."], ["Os sonhos dos epil\u00e9pticos s\u00e3o, muitas vezes, no momento que precede", "os ataques, assustadores e torturantes; ap\u00f3s a convuls\u00e3o, t\u00eam car\u00e1ter agrad\u00e1vel e c\u00f4modo; na noite do ataque, nunca se sonha.1 O mesmo se d\u00e1 nas doen\u00e7as catat\u00f4nicas de curta dura\u00e7\u00e3o: o breve per\u00edodo de sono, du- rante o broto, costuma ser sem sonhos (os hist\u00e9ricos, pelo contr\u00e1rio, so- nham sempre durantes os ataques).", "Nas psicoses agudas, principalmente nas esquizofrenias incipientes, a"], ["modalidade on\u00edrica se altera muitas vezes.", "Kandinsky narra o seguinte: \u201cDurante o per\u00edodo do del\u00edrio sensorial, meus sonhos eram (no que diz respeito a imagens visuais e ao sentimento", "de movimento incessante no espa\u00e7o) desusadamente vivos. Era um aluci- nar dormindo. De modo geral, os estados de vig\u00edlia e de sono, num doente que alucina, n\u00e3o s\u00e3o t\u00e3o nitidamente demarcados; de um lado, as imagens on\u00edricas s\u00e3o de tal modo vivas que o doente, por assim dizer, vela dor- mindo; doutro lado, as alucina\u00e7\u00f5es do estado vigil s\u00e3o t\u00e3o extraordin\u00e1rias e variadas que se pode dizer: o doente sonha acordado. Muitas vezes, en- quanto estava enfermo, meus sonhos n\u00e3o eram menos vivos do que as coi- sas que vivenciasse na realidade; de quando em quando, se certas ima- gens on\u00edricas me vinham \u00e0 mem\u00f3ria, s\u00f3 ap\u00f3s longa e penosa pondera\u00e7\u00e3o \u00e9 que me era poss\u00edvel decidir se as vivenciara na realidade, ou se, apenas, sonhara.\u201d"], ["Eis o que pensa Schreber: \u201cO fato de um indiv\u00edduo que n\u00e3o dorme in- teiramente tranquilo julgar ver imagens on\u00edricas, as quais, por assim di- zer, s\u00e3o conjuradas por seus pr\u00f3prios nervos, \u00e9 fen\u00f4meno t\u00e3o corriqueiro que nem merece discutir-se. As imagens on\u00edricas da noite j\u00e1 mencionada e as vis\u00f5es anteriores semelhantes excediam, por\u00e9m, de muito, em nitidez pl\u00e1stica e fidelidade fotogr\u00e1fica, tudo quanto eu, pelo menos, jamais expe- rimentara quando estava s\u00e3o.\u201d \u2014 Outra doente contou que seus sonhos eram t\u00e3o extraordin\u00e1rios que, muitas vezes, n\u00e3o sabia se eram realidade ou sonho. Na noite passada, tivera o sentimento de voar. Enquanto pai- rava, movia-se-lhe por sobre a cabe\u00e7a a lua; dois semblantes se lhe apre- sentavam; no meio deles, uma nuvenzinha. Doutra vez, aparecera-lhe o anjo Gabriel; depois, duas cruzes; numa, Jesus Cristo; na outra, ela pr\u00f3- pria. Esses sonhos faziam-na felic\u00edssima. Ao acordar, experimentava uma sensa\u00e7\u00e3o de beatitude. \u2014 \u00c9 frequente os enfermos acharem que sonhos desta natureza s\u00e3o reais, vivenciando persegui\u00e7\u00f5es e influenciamentos corp\u00f3reos. Vez por outra, a base sensorial de ideias delirantes parece con- sistir nessas viv\u00eancias on\u00edricas anormais."], ["Boss descreve duas modalidades de viv\u00eancia on\u00edrica que s\u00f3 .se encon- tram em esquizofr\u00eanicos. S\u00e3o dif\u00edceis de evocar: os pacientes \u201cprotegem os sonhos, porque sentem, por si mesmos, que neles a psicose se manifesta clara\u201d.", "A \u201caz\u00e1fama on\u00edrica\u201d: As cenas perpassam com rapidez desagradavel- mente constatada, sinistra, pela consci\u00eancia de quem sonha. S\u00e3o p\u00e1lidas, fugidias, t\u00eam o car\u00e1ter de manifesta\u00e7\u00e3o persecut\u00f3ria, evanescente. Em v\u00e3o, tentam os doentes deter alguma coisa. Com medo, nesses sonhos tor- turantes, de perder a realidade, acontece que, muitas vezes, por forma de todo consciente, se mant\u00eam dormindo apenas superficialmente."], ["Proximidade da realidade no sonho: Apesar da trivialidade do conte- \u00fado, uma paciente despertou desmesuradamente apavorada, tremendo e gritando por socorro. Sonhara que, deitada, no hospital, uma enfermeira viera ajeitar-lhe o travesseiro. Apavorara-se porque, vendo, de havia muito, o mundo exterior tal qual uma sombra, vivenciara a cena on\u00edrica com realidade e calor afetivo de longo tempo esquecidos. \u201cEsses enfermos n\u00e3o aguentam, quando suas aspira\u00e7\u00f5es afetivas querem, no sonho, res- taurar uma rela\u00e7\u00e3o objetai mais profunda\u201d."], ["c) O conte\u00fado dos sonhos anormais."], ["Herschmann e Schilder acreditam haver descoberto que, nos melanc\u00f3-", "licos, n\u00e3o \u00e9 raro ocorrerem sonhos felizes, alegres; e que, de modo geral, aqueles sintomas do quadro melanc\u00f3lico que menos aparecem em vig\u00edlia, no caso em quest\u00e3o, se fazem presentes, \u00e0s vezes, justamente no sonho.", "Boss investigou s\u00e9ries on\u00edricas de esquizofr\u00eanicos, partindo do- tempo em que estavam sadios e acompanhando-os durante a doen\u00e7a. Encontrou aumento da brutalidade e da crueza, \u201cdemoli\u00e7\u00e3o da censura on\u00edrica\u201d. A ca- pacidade recalcadora do ego desaparece. Vindo as remiss\u00f5es, os sonhos tornam a modificar-se, mas n\u00e3o regressam ao grau de normalidade da personalidade vigil."], ["Escreve Boss: \u201cVerificamos que certos sonhos mal censurados, pouco simbolificados, cujo conte\u00fado evidente se op\u00f5e, rigidamente, \u00e0 atitude mo- ral do paciente e que, no entanto, n\u00e3o desencadeiam ansiedade alguma, ou pouca desencadeiam, nem, em geral, ocasionam outras rea\u00e7\u00f5es de de- fesa do ego com carga afetiva, significam sintoma bem precoce e ponder\u00e1- vel para o diagn\u00f3stico de uma esquizofrenia\u201d. E certo \u00e9 que, nos hebefr\u00eani- cos, s\u00e3o frequentes os sonhos agressivos; nos paranoides, os sonhos ho- mossexuais."], ["Exemplo de sonho de uma esquizofr\u00eanica, doente havia nove anos:", "\u201cCaminhava com minha m\u00e3e c Ana por um charco. De repente, senti muita raiva de minha m\u00e3e e, no mesmo instante, resolvi empurr\u00e1-la no charco; cortei-lhe as pernas, esfolei-a. Vi-a afogar-se e senti certa satisfa- \u00e7\u00e3o. Quando pretend\u00edamos prosseguir, um homem alto, de faca na m\u00e3o, correu-nos atr\u00e1s. Primeiro, agarrou Ana; depois, a mim; deitou-nos no ch\u00e3o e teve rela\u00e7\u00f5es sexuais conosco. N\u00e3o senti medo algum e, de um mo- mento para outro, fui capaz de voar por sobre bel\u00edssima paisagem.\u201d", "S\u00e3o question\u00e1veis os \u201csonhos progn\u00f3sticos\u201d, a previs\u00e3o no sonho, re- presentando incid\u00eancia da pr\u00f3pria vida, ou da pr\u00f3pria doen\u00e7a em imagens", "on\u00edricas simb\u00f3licas. Boss descreve como \u201csonhos endosc\u00f3picos\u201d a repre- senta\u00e7\u00e3o do evento psic\u00f3tico passado, presente e pressentido no ego do enfermo; pretende haver encontrado casos desta ordem em neur\u00f3ticos e doentes org\u00e2nicos; al\u00e9m de sonhos pressagiantes antes do in\u00edcio da enfer- midade."], ["\u201cCerta doente v\u00ea, em sonho, que um eclipse do sol est\u00e1 come\u00e7ando, em", "crep\u00fasculo l\u00edvido. Depois, viu-se parada, no meio de uma rua movimen- tada. Uma multid\u00e3o de homens e autom\u00f3veis vinham em sua dire\u00e7\u00e3o, de costas; no instante em que dela se aproximavam esquivavam-na e ultra- passavam-na, com velocidade cada vez maior; tudo passava junto a ela; entonteceu e caiu desmaiada. De s\u00fabito, viu-se, novamente, em confort\u00e1- vel aposento de uma casa rural, com uma l\u00e2mpada a petr\u00f3leo irradiando luz e calor. A doente fez, quinze dias ap\u00f3s este impressionante sonhe, li- geiro estado de confus\u00e3o esquizofr\u00eanica, que durou dois dias. Recuperou- se, todavia, rapidamente e de fato, veio a ser, da\u00ed por diante, um pouco mais desinibida e afetuosa do que antes; tal qual se sentira no sonho\u201d."], ["\u00a7 4. A Histeria", "Quando o jogo do mecanismo da sugest\u00e3o se acha, de fato, sob o poder", "da vontade consciente, o que opera \u00e9 uma for\u00e7a mental que governa o evento ps\u00edquico e som\u00e1tico do indiv\u00edduo, n\u00e3o havendo, ent\u00e3o, doen\u00e7a. No caso, por\u00e9m, de o mesmo mecanismo trabalhar sem conhecimento nem voli\u00e7\u00e3o e contra a vontade do indiv\u00edduo, d\u00e1-se um evento m\u00f3rbido que se chama hist\u00e9rico."], ["Nos fen\u00f4menos hist\u00e9ricos, desenvolvem-se, exageradamente, todos os tipos de sugest\u00e3o. Todas as tend\u00eancias, sejam quais forem, se estimulam e se realizam, sem que a cr\u00edtica da personalidade global, nem as experi\u00ean- cias passadas inibam esse desenvolvimento. N\u00e3o \u00e9 raro poder compreen- der a escolha dos fen\u00f4menos ocorridos segundo as aspira\u00e7\u00f5es e impulsos do indiv\u00edduo, neles se revelando atuantes; o doente n\u00e3o o percebe. V\u00ea-se a imita\u00e7\u00e3o involunt\u00e1ria quando se praticam inocula\u00e7\u00f5es, as pessoas desmai- ando uma ap\u00f3s outra. As convuls\u00f5es hist\u00e9ricas foram muito comuns nas escolas femininas, ainda n\u00e3o faz muitos dec\u00eanios, tal qual g foram, antiga- mente, nos conventos. A sugest\u00e3o de ju\u00edzo mostra-se na credibilidade his- t\u00e9rica. O mecanismo opera como autossugest\u00e3o quando se desenvolvem fantasias nas quais o paciente acredita, provenientes de mentiras inicial- mente conscientes (pseudologia fant\u00e1stica). A simples representa\u00e7\u00e3o de uma doen\u00e7a mental desenvolve altera\u00e7\u00e3o ps\u00edquica real. Por exemplo, certa"], ["paciente, recordando sua inf\u00e2ncia, contou-nos haver desistido de simular loucura, ao perceber, apavorada, a tend\u00eancia a realiz\u00e1-la. As psicoses car- cer\u00e1rias constituem altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas variadamente reais, resultantes de simula\u00e7\u00e3o inicial e do desejo de adoecer, quando se trata de indiv\u00edduos histericamente predispostos. Partindo do papel que se representa, desen- volve-se o del\u00edrio verdadeiro; do \u201chomem mau\u201d, a excita\u00e7\u00e3o aut\u00f4noma, que j\u00e1 n\u00e3o se consegue mais inibir; da semi- simula\u00e7\u00e3o de queixas som\u00e1ticas, a histeria de renda, que vem a transformar-se em padecimento real, inde- pendente. Consequente \u00e0 ideia ansiosa de haver tido o procurador p\u00fablico rela\u00e7\u00f5es sexuais com sua noiva, um hist\u00e9rico encarcerado desenvolveu pseudo- alucina\u00e7\u00f5es, que n\u00e3o p\u00f4de controlar, de cenas er\u00f3ticas entre os dois, acreditando na realidade desse com\u00e9rcio. Em toda a \u00edndole dos hist\u00e9- ricos se nota a sugestibilidade pela adaptabilidade a qualquer meio; e t\u00e3o influenci\u00e1veis s\u00e3o que j\u00e1 nem parecem possuir \u00edndole pr\u00f3pria, compor- tando-se tal qual se apresenta o ambiente moment\u00e2neo: criminosos, religi- osos, laboriosos, entusiastas das ideias sugestivamente fornecidas, que t\u00e3o rapidamente defendem com mais calor do que quem as criou quanto abandonam, para entregar-se a influenciamentos ulteriores. As situa\u00e7\u00f5es, igualmente, tendem a conceber-se com uma s\u00f3 significa\u00e7\u00e3o, que se exaure desinibidamente. Um paciente que recebera do seguro contra acidentes 250 marcos, sentindo-se enormemente rico, sem pensar em mais coisa al- guma, ficou noivo, comprou an\u00e9is, m\u00f3veis, roupas a presta\u00e7\u00f5es; depois, praticou furtos, passando dois anos na pris\u00e3o. Ele pr\u00f3prio veio, mais tarde, a sentir como m\u00f3rbido seu estado de \u00e2nimo."], ["O conceito de histeria tem sido objeto de discuss\u00f5es in\u00fameras, cujo re-", "sultado consiste, cada vez mais, em destac\u00e1-lo do conceito antigo de uni- dade m\u00f3rbida para considerar a histeria dentro de um quadro psicopatol\u00f3- gico geral, abrangendo determinados fen\u00f4menos que podem aparecer em todas as doen\u00e7as, sejam quais forem, embora haja, mais frequente- mente, predisposi\u00e7\u00e3o. Discriminam-se o car\u00e1ter hist\u00e9rico os ataques hist\u00e9- ricos (accidents mentaux) e os estigmas hist\u00e9ricos. Em todos os tr\u00eas gru- pos, h\u00e1 uma tend\u00eancia \u2014 por exemplo, a vontade de adoecer, bem como todos os demais conte\u00fados e tend\u00eancias \u2014 diversa dos mecanismos que, de um modo ou doutro, se relacionam com dissocia\u00e7\u00f5es ou cis\u00f5es.", "Ficamos conhecendo as amn\u00e9sias caracter\u00edsticas que se limitam a uma viv\u00eancia, ou que se estendem a todo o passado, n\u00e3o impedindo, po- r\u00e9m, que o doente se mova e aja inconscientemente, tal qual se lembrasse muito bem de tudo. Conhecemos os dist\u00farbios sensoriais dos hist\u00e9ricos,"], ["que n\u00e3o suscitam, entretanto, as consequ\u00eancias de perda real da sensibili- dade. Janet descreveu esses fatos peculiares de maneira metaf\u00f3rica, usando a express\u00e3o cis\u00e3o (ou dissocia\u00e7\u00e3o) do psiquismo. Na vida normal, s\u00f3 h\u00e1 um esquecimento real, perda efetiva de disposi\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas, ou unidade sempre conservada da vida ps\u00edquica, ou seja, a capacidade per- manente n\u00e3o s\u00f3 de suportar, passivamente, os p\u00f3s-efeitos de viv\u00eancias passadas, mas tamb\u00e9m de conscientiz\u00e1-las. Em condi\u00e7\u00f5es anormais, toda- via, existe essa cis\u00e3o ou dissocia\u00e7\u00e3o de \u00e1reas ps\u00edquicas inteiras. A capaci- dade sensitiva, as recorda\u00e7\u00f5es ocasionam, decerto, efeitos que se podem constatar objetivamente, mas que n\u00e3o se fazem conscientes, aparecendo sentimentos, atos, rendimentos, condicionados pela dissocia\u00e7\u00e3o da vida ps\u00edquica. A vida ps\u00edquica dissociada e a vida ps\u00edquica consciente formam certo contexto, no ponto de vista em que o que est\u00e1 dissociado influi no que \u00e9 consciente; ou, por assim dizer, alcan\u00e7a o que \u00e9 consciente. O exem- plo mais expressivo reside nas sugest\u00f5es p\u00f3s-hipn\u00f3ticas: certa mo\u00e7a faz, ao meio-dia, uma visita que lhe foi ordenada, em hipnose, na v\u00e9spera, se bem que nada saiba dessa ordem; sente-se compelida a fazer a visita, mas descobre motiva\u00e7\u00e3o inteiramente diversa. Quando se ordena, atrav\u00e9s da sugest\u00e3o p\u00f3s-hipn\u00f3tica, a pr\u00e1tica de atos absurdos, o impulso a cumprir a ordem (por exemplo, colocar uma cadeira em cima da mesa) faz-se, subje- tivamente, muito vivo, mas talvez se motive erroneamente, seja de que forma for, ou at\u00e9 se considere ideia tola, que, ent\u00e3o, se recalca. Nesses ca- sos, a conex\u00e3o entre a viv\u00eancia inicial na hipnose e o aparecimento do im- pulso vindo do inconsciente \u00e9 t\u00e3o clara que dela n\u00e3o se pode duvidar. A met\u00e1fora \u201ccis\u00e3o ou dissocia\u00e7\u00e3o de complexos ps\u00edquicos\u201d exprime bem estes fatos, que chamamos hist\u00e9ricos quando surgem espontaneamente. Tal \u00e9, evidentemente, apenas, simples met\u00e1fora, ou constru\u00e7\u00e3o te\u00f3rica, nitida- mente desenvolvida por Janet, aplic\u00e1vel a certos casos, e n\u00e3o \u00e0 vida ps\u00ed- quica em geral. De conformidade com o mesmo psiquiatra, apresentamos de forma livre, um esquema gr\u00e1fico ilustrativo."], ["As partes riscadas significam a vida ps\u00edquica inconsciente; as claras, a vida ps\u00edquica consciente. Em I, indica-se com a linha pontilhada o estado h\u00edgido dos limites vari\u00e1veis que v\u00e3o daquilo que n\u00e3o \u00e9 percebido \u00e0quilo que \u00e9 extraconsciente; nas demais partes, mostra-se a distin\u00e7\u00e3o n\u00edtida, a dissocia\u00e7\u00e3o ou cis\u00e3o, pela linha cheia. Em V, est\u00e1 o estado hist\u00e9rico per- manente, sem sintomas moment\u00e2neos; o que \u00e9 cindido comporta-se tran- quilo. Em II, est\u00e1 indicado o aparecimento de um sintoma hist\u00e9rico; por exemplo, v\u00f4mitos, n\u00e1useas, falsas-percep\u00e7\u00f5es etc.; em III, um estado hipn\u00f3tico de sonhos acordados e coisas semelhantes; em IV, um estado crepuscular com exclus\u00e3o da consci\u00eancia normal. T\u00eam-se descrito estes \u00faltimos casos de forma particularmente not\u00e1vel, sob o nome de dupla per- sonalidade, ou consci\u00eancia alternante, porque, a\u00ed, a cis\u00e3o da vida ps\u00edquica se desenvolve por forma t\u00e3o rica que se julga estar lidando com outra pes- soa; quando, entretanto, cessa o estado, falta \u00e0 personalidade normal a re- corda\u00e7\u00e3o respectiva."], ["S\u00e3o raros os casos em que os experimentos de Janet logram \u00eaxito, pro-", "vando existir cis\u00e3o da consci\u00eancia. Raras, igualmente, s\u00e3o as sugest\u00f5es p\u00f3s-hipn\u00f3ticas e particularmente rara \u00e9 a altern\u00e2ncia da consci\u00eancia. N\u00e3o obstante, tem-se admitido ainda o mesmo mecanismo para in\u00fameros fe- n\u00f4menos hist\u00f3ricos. Fundamentam este modo de ver, principalmente, as observa\u00e7\u00f5es de Breuer e Freud sobre a g\u00eanese de sintomas particulares resultantes de viv\u00eancias traumatizantes (traumatismos ps\u00edquicos'). Ao passo que, para Janet, a cis\u00e3o era de todo espont\u00e2nea, relacionada, ape- nas, com a constitui\u00e7\u00e3o ou disposi\u00e7\u00e3o, Breuer e Freud acharam que, ha- vendo disposi\u00e7\u00e3o, poderia a cis\u00e3o dar-se por efeito de certas viv\u00eancias. Se- ria o caso n\u00e3o s\u00f3 de acidentes som\u00e1ticos (paralisia hist\u00e9rica de um bra\u00e7o"], ["ap\u00f3s queda de carro, num caso c\u00e9lebre de Charcot), mas de todos os tipos de afetos (susto, ansiedade etc.). \u201cPor exemplo, um afeto doloroso que apa- rece enquanto se come, mas se recalca, pode vir a causar, posteriormente, n\u00e1useas e v\u00f4mitos, que persistem durante meses sob a forma de v\u00f4mitos hist\u00e9ricos\u201d. \u201cNoutros casos, n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o simples a conex\u00e3o, apenas existindo rela\u00e7\u00e3o simb\u00f3lica, por assim dizer, entre a causa e o fen\u00f4meno patol\u00f3gico: \u00e9 o que ocorre quando, por exemplo, uma neuralgia se associa a um sofri- mento espiritual, ou quando o v\u00f3mito se prende ao afeto da avers\u00e3o mo- ral\u201d. O paciente n\u00e3o se recorda das viv\u00eancias em que se baseiam os sinto- mas m\u00f3rbidos; mas elas podem reavivar-se na hipnose. As recorda\u00e7\u00f5es cindem- se; os doentes n\u00e3o conseguem aceder a elas, embora sofrendo, sem perceber, os respectivos efeitos. Entretanto, basta que a recorda\u00e7\u00e3o se fa\u00e7a, novamente, acess\u00edvel \u00e0 consci\u00eancia vigil (psican\u00e1lise) e que, ao mesmo tempo, os afetos origin\u00e1rios se revivenciem (abrea\u00e7\u00e3o) para produ- zir-se efeito cat\u00e1rtico e os sintomas em quest\u00e3o desaparecerem. Enquanto subsiste a viv\u00eancia traumatizante atuante, o recalque intencional do afeto ou certo represamento inintencional desse afeto, juntamente com um es- tado hipn\u00f3tico, concorrem para promover a cis\u00e3o."], ["Podem-se ilustrar o processo e o efeito do recalque com alguns exem- plos que Pfister1 d\u00e1 em ordem tabelar e cujo arranjo modificamos. N\u00e3o se cogita da exatid\u00e3o dos exemplos, mas do fato de eles mostrarem o modo por que se concebem o recalque e a cis\u00e3o (cf. a tabela)."], ["Viv\u00eancia", "Mo\u00e7a de 15 anos. Um estudante quis beij\u00e1- la; defen- deu-se com \u00eaxito. Um menino onanizou-se e furtou \u00e0 m\u00e3e.", "O conflito dos desejos e impulsos causam o recal- que de um lado."], ["a"], ["b"], ["Vontade de beijar."], ["Receio de sexualidade vedada.", "Dai, resulta, com- preens\u00edvel, uma ideia cindida, que reside em gratifi- ca\u00e7\u00e3o de um de- sejo, realmente ocorrida, ou eva- s\u00e3o salvadora (\u201cre- aliza\u00e7\u00e3o cindida\u201d). \u201cFui beijada de mais\u201d."], ["Necessidade de confessar a transgres- s\u00e3o sexual e", "Receio da confiss\u00e3o. O menino pre-", "tende confessar o que fez uma tarde;"], ["Dai, conte\u00fado compreens\u00edvel de uma manifesta- \u00e7\u00e3o objetiva."], ["L\u00e1bios inchados."], ["Ao mesmo tempo, mudez hist\u00e9rica e atenua\u00e7\u00e3o da vi- s\u00e3o. O paciente", "Mo\u00e7a de 16 anos ama o pastor que viu uma vez."], ["o furto."], ["Sentimento de desejo."], ["Sentimentos de proibi\u00e7\u00e3o e impossibi- lidade.", "mas, por vergo- nha, n\u00e3o confessa. A essa altura, sur- gem as ideias: \u201cNem posso falar como gostaria! Tudo est\u00e1 escuro \u00e0 minha frente'!\u201d. \u201cSou atacada sen- sualmente pelo pastor\u201d.", "nada sabe do mo- n\u00f3logo anterior, que s\u00f3 vem \u00e0 tona com a psican\u00e1- lise.", "Espalha cal\u00fanias: o pastor perse- gue-a com ex- press\u00f5es obsce- nas e grosseiras. Tem consci\u00eancia da mentira, a que \u00e9 irresistivel- mente compelida, mas n\u00e3o conse- gue reprimir-se e autorrecrimina-se amargamente."], ["Nem sempre o recalque se baseia em atividade desenvolvida pela per- sonalidade; muito mais frequente \u00e9 depender da luta que mal se percebe entre impulsos e desejos opostos e, a seguir, do \u201crepresamento\u201d de uns ou outros. O simples recalque ainda n\u00e3o leva \u00e0 histeria, pois s\u00e3o muitos os indiv\u00edduos que o suportam sem dist\u00farbio. Tamb\u00e9m muitos s\u00e3o, no en- tanto, aqueles nos quais o recalque encontra mecanismos hist\u00e9ricos que transformam o material recalcado. Esta convers\u00e3o em sintomas \u00e9 que \u00e9 patol\u00f3gica, n\u00e3o ocorrendo sem cis\u00e3o. A convers\u00e3o d\u00e1-se atrav\u00e9s de sinto- mas som\u00e1ticos e ps\u00edquicos e aparece sob a forma de afetos, falta de afetos, dist\u00farbios funcionais etc."], ["A fim de apreender a rela\u00e7\u00e3o entre viv\u00eancia e sintoma, ou transferimos", "as j\u00e1 discutidas conex\u00f5es compreens\u00edveis da simboliza\u00e7\u00e3o, da transfer\u00ean- cia dos afetos etc. para a vida ps\u00edquica cindida, ou criamos outra constru- \u00e7\u00e3o metaf\u00f3rica: a da energia dos afetos, que se pode transformar em ou- tras formas de energia e que se mostra alhures, transformada de um modo ou de outro, quando, mediante o recalque, lhe \u00e9 impedida a des- carga pela rea\u00e7\u00e3o natural. Janf.t criou o conceito de d\u00e9rivation: a energia que deriva descarrega-se em ataques motores, em dores, em afetos diver- samente baseados etc.; o afeto converte-se (a libido sexual recalcada, em ansiedade, ou vice-versa), reocupando antigas vias (por exemplo, acarre-"], ["tando, novamente, dores reum\u00e1ticas, que j\u00e1 tinham ocorrido, ou cardial- gias). No tocante a casos singulares, n\u00e3o se menospreze a utilidade da me- t\u00e1fora, cabendo, apenas, prevenir-nos contra a possibilidade de generaliza- \u00e7\u00f5es e constru\u00e7\u00f5es te\u00f3ricas. As experi\u00eancias que se t\u00eam tido com a utiliza- \u00e7\u00e3o da imagem da cis\u00e3o e da imagem da convers\u00e3o da energia dos afetos p\u00f5em de manifesto, conforme Breuer e Freud fizeram, \u201ca contradi\u00e7\u00e3o entre a frase: \u2018A histeria \u00e9 uma psicose\u2019 e o fato de se poderem encontrar, entre os hist\u00e9ricos, os indiv\u00edduos mentalmente mais esclarecidos, mais en\u00e9rgi- cos, mais sisudos e cr\u00edticos; casos estes nos quais semelhante caracter\u00eds- tica \u00e9 correta para o pensar vigil do indiv\u00edduo; em seus estados hipn\u00f3ticos, contudo, ele aliena-se, tal qual todos nos alienamos no sonho. Ao passo, no entanto, que nossas psicoses on\u00edricas n\u00e3o nos influenciam o estado vi- gil, os produtos do estado hipn\u00f3tico se projetam, como fen\u00f4menos hist\u00e9ri- cos, na vida vigil\u201d. A superabund\u00e2ncia incompreens\u00edvel dos sentimentos, o entusiasmo desmedido por objetos cujo valor real n\u00e3o permite compre- end\u00ea-lo explicam-se, figuradamente, pelo afluxo de energia afetiva deri- vada de impulsos, cujo conte\u00fado se relaciona, compreensivelmente, com o conte\u00fado do entusiasmo (por simboliza\u00e7\u00e3o, semelhan\u00e7a etc.). Inversa- mente, a frieza afetiva que n\u00e3o se pode compreender explica-se pelo afluxo de toda energia afetiva para um \u00fanico setor impulsivo, mediante fixa\u00e7\u00e3o no respectivo conte\u00fado. \u00c9 assim que, nos hist\u00e9ricos, se conseguem relaci- onar compreensivelmente as respectivas viv\u00eancias com os not\u00e1veis con- trastes de superabund\u00e2ncia afetiva e obtusidade emocional, uma vez que se pressuponham os aludidos mecanismos de cis\u00e3o e transfer\u00eancia."], ["A cis\u00e3o serve de teoria evidente para esclarecer a ambival\u00eancia dos his- t\u00e9ricos. Uma vontade, claramente consciente, quer \u2014 sem possibilidade de d\u00favida \u2014 recuperar-se, livrar-se das paralisias e outros dist\u00farbios, ao passo que outra vontade \u2014 sem conex\u00e3o com a primeira \u2014 forceja o mais que pode em sentido contr\u00e1rio, quando a recupera\u00e7\u00e3o realmente se pro- cessa; e \u00e9 necess\u00e1rio haver, conforme se observa frequentemente, comuta- \u00e7\u00e3o muito peculiar, ocasionada pela terapia sugestiva, por est\u00edmulos dolo- rosos .intensos ou, casualmente, por certas situa\u00e7\u00f5es vitais, para a von- tade pessoal reconquistar a for\u00e7a normal e para desaparecer a outra von- tade; pelo menos, na forma particular de que se reveste."], ["Em que \u00e9 que se reconhece, no caso individual, o fato de se poder pre- sumir que uma vida ps\u00edquica cindida (um afeto recalcado, \u201cestrangulado\u201d, que, por assim dizer, se transformou em \u201ccorpo estranho\u201d, em for\u00e7a estra- nha) d\u00ea origem a certo fen\u00f4meno? 1) Pela determina\u00e7\u00e3o objetiva da viv\u00ean- cia ps\u00edquica desencadeante. 2) Pela rela\u00e7\u00e3o compreens\u00edvel, de acordo com", "o conte\u00fado, entre sintoma e viv\u00eancia. 3) Pelo aparecimento da recorda\u00e7\u00e3o perdida, no sono hipn\u00f3tico, entre os fen\u00f4menos da viv\u00eancia concreta, car- regada de afeto (abrea\u00e7\u00e3o) e pela cura consecutiva do sintoma em causa. 4) Pelos fen\u00f4menos expressivos de toda sorte, que acompanham o apareci- mento do sintoma (inicialmente, de maneira incompreens\u00edvel) e indicam algo diverso do conte\u00fado conscientemente existente (por exemplo, m\u00edmica sexo-sensorial \u00e0 indaga\u00e7\u00e3o dos motivos por que se recusam alimentos)."], ["A rela\u00e7\u00e3o entre o conte\u00fado da viv\u00eancia recalcada e os conte\u00fados do es- tado m\u00f3rbido faz-se especialmente clara em certos del\u00edrios hist\u00e9ricos, nos quais sempre se vivencia, alucinatoriamente, o acontecimento desencade- ante (acidente, atentado sexual etc.), que j\u00e1 n\u00e3o se recorda \u00e0 consci\u00eancia normal; o mesmo se nota em alguns estados crepusculares de Ganser, ocorridos no cativeiro, quando j\u00e1 nada mais se sabe do crime, enquanto, pelo contr\u00e1rio, se vivenciam como satisfeitos todos os desejos (inoc\u00eancia, liberdade etc.)."], ["Os rumos sugestivos s\u00e3o tanto mais afetivos quanto mais atendem aos", "desejos do doente (a enorme efetividade da autossugest\u00e3o nos neur\u00f3ticos traum\u00e1ticos que querem receber pens\u00f5es) e quanto mais se temem (reali- za\u00e7\u00e3o r\u00e1pida de queixas hipocondr\u00edacas, que, de in\u00edcio apenas se presu- mem). Pode-se fazer que adoe\u00e7am indiv\u00edduas ansiosos mediante a suges- t\u00e3o correspondente, como se pode, ao rev\u00e9s, cur\u00e1-los.", "Tudo que se relaciona com a sugest\u00e3o e a histeria \u00e9 obscuro e leva", "quem investiga a conclus\u00f5es erradas e enganos."], ["S\u00e3o in\u00fameras as observa\u00e7\u00f5es sempre not\u00e1veis, espantosas, em todos os setores da vida ps\u00edquica, nos quais se pode constatar, de um lado, certo defeito do evento ps\u00edquico consciente; defeito que, por outro lado, n\u00e3o vem a ser, todavia, defeito real. O que falta continua a existir \u2014 no inconsci- ente, conforme dizemos \u2014 gerando efeitos, podendo-se trazer \u00e0 consci\u00ean- cia por meio de causas ps\u00edquicas (sugest\u00f5es, afetos). H\u00e1 numerosos dis- t\u00farbios desta ordem: amn\u00e9sia completa por tempo limitado em rela\u00e7\u00e3o a certos objetos, em rela\u00e7\u00e3o a todo o passado, dist\u00farbio total da capacidade de fixa\u00e7\u00e3o, perda da sensibilidade, paralisias, incapacidade volitiva, altera- \u00e7\u00f5es cia consci\u00eancia etc. T\u00e3o surpreendente quanto o defeito \u00e9 o modo por que ele, a bem dizer, n\u00e3o existe. A doente que esqueceu a vida passada in- teira comporta-se como se ainda soubesse de tudo; a cega n\u00e3o esbarra em nada, ao caminhar; a paral\u00edtica anda, desde que a situa\u00e7\u00e3o ou o instinto lho comandem. Sempre se encontram condi\u00e7\u00f5es em que o defeito parece"], ["removido. Da\u00ed malograrem-se todos os testes de simula\u00e7\u00e3o, que preten- dem distinguir os fen\u00f4menos hist\u00e9ricos daqueles realmente simulados. Nos fen\u00f4menos hist\u00e9ricos jamais presenciamos processos que permitam estudar certas fun\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas mais apuradamente no estado defectual; o que sempre existe \u00e9 a mesma maneira pela qual se perturbam todas as fun\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas, maneira que ainda caracterizamos com precis\u00e3o e cuja unidade, em muitos casos, mais pressentimos do que sabemos, dando-lhe o nome de mecanismo hist\u00e9rico. O estudo deste mecanismo hist\u00e9rico en- sina-nos a ver um aspecto t\u00e3o misterioso quanto importante da vida ps\u00ed- quica. Trata-se de mecanismo que, desde que o reconhe\u00e7amos, talvez exista em todos n\u00f3s, ocasionalmente, sob a forma de tra\u00e7os. Mas os fen\u00f4- menos que condiciona ajustam-se, unicamente, ao estudo dele pr\u00f3prio. \u00c9 erro antigo utilizar os fen\u00f4menos hist\u00e9ricos, de modo geral, para a an\u00e1lise e interpreta\u00e7\u00e3o de fen\u00f4menos ps\u00edquicos e som\u00e1ticos. Os dist\u00farbios mn\u00ea- micos, por exemplo, n\u00e3o servem, em absoluto, para saber qualquer coisa a respeito de certas fun\u00e7\u00f5es da mem\u00f3ria; como os dist\u00farbios som\u00e1ticos n\u00e3o servem para saber da fisiologia org\u00e2nica. H\u00e1 de admitir-se, entretanto, que todos os processos ps\u00edquicos, quando o mecanismo hist\u00e9rico deles se apo- dera, se apresentam sob aspecto diverso."], ["Estando em jogo a sugest\u00e3o e a histeria, n\u00e3o se podem investigar re- gras, nem necessidades de tipo fisiol\u00f3gico ou psicol\u00f3gico. Por assim dizer, tudo se afigura poss\u00edvel. Donde serem todos estes fen\u00f4menos de aplicar-se como ilustra\u00e7\u00e3o, apenas, de tais mecanismos, sem mais relev\u00e2ncia para a fisiologia, nem para a psicologia. Os casos em que desempenham algum papel n\u00e3o servem, por isso, de material probat\u00f3rio de teorias e teses psico- l\u00f3gicas. N\u00e3o h\u00e1 possibilidade de experi\u00eancias realmente exatas, nem de ve- rifica\u00e7\u00f5es ou decis\u00f5es aut\u00eanticas. Tal qual se pode dizer que, com os hist\u00e9- ricos, o mais experiente dos psiquiatras falha, tamb\u00e9m se pode afirmar que, no tocante aos fen\u00f4menos de sugest\u00e3o, falha at\u00e9 quem realiza investi- ga\u00e7\u00e3o cr\u00edtica psicol\u00f3gica e somatol\u00f3gica. \u00c9 de aborrecer, no entanto, haver certos autores que se servem de fen\u00f4menos sugestivos e hist\u00e9ricos como material probat\u00f3rio de opini\u00f5es psicol\u00f3gicas e fisiol\u00f3gicas gerais."], ["Tipo especialmente not\u00e1vel de fen\u00f4meno sugestivo, a que se inclinam", "muitos indiv\u00edduos (n\u00e3o s\u00f3 os hist\u00e9ricos) \u00e9 aquele representado pela cha- mada loucura induzida, constituindo as epidemias ps\u00edquicas, quando se disseminam ataques hist\u00e9ricos, tend\u00eancias suicidas, convic\u00e7\u00f5es de tipo delirante. N\u00e3o se pode dizer, contudo, que os processos m\u00f3rbidos se trans- mitam psiquicamente. Quando h\u00e1 dissemina\u00e7\u00e3o, a consci\u00eancia de massa, o sentimento de comunidade desempenham papel tanto maior (em certas"], ["circunst\u00e2ncias, at\u00e9 nefasto), quanto mais indiv\u00edduos estejam sujeitos \u00e0 in- flu\u00eancia. Caso particularmente interessante ocorre quando um indiv\u00edduo, sofrendo processo paranoide, contagia com suas ideias uma por\u00e7\u00e3o de pessoas sadias, a ponto de tomar-se centro de um movimento que n\u00e3o tarda, habitualmente, a amainar com seu afastamento. Porque, ao rev\u00e9s, os paranoicos n\u00e3o se deixam em absoluto influenciar, nasceu o prov\u00e9rbio: \u201c\u00c9 mais f\u00e1cil um doido convencer cem pessoas normais do que cem pes- soas normais convencerem um doido.\u201d"], ["\u00a7 5. Conte\u00fados Compreens\u00edveis Das Psicoses"], ["Tem-se explicado como compreens\u00edvel muita coisa que absolutamente"], ["n\u00e3o o \u00e9."], ["Assim \u00e9 que se t\u00eam deduzido dos sentimentos quase todos os fen\u00f4me- nos anormais. Se se designar como \u201csentimento\u201d tudo quanto o permite a linguagem usual, alguma exatid\u00e3o haver\u00e1. Mas \u00e9 dizer pouco, por exem- plo, se se atribuem ideias delirantes a sentimentos. Os del\u00edrios de inferiori- dade, pecado, ru\u00edna, deveriam resultar, por forma racionalmente compre- ens\u00edvel, de um afeto depressivo, admitindo-se que o doente depressivo te- nha de mostrar-se triste por efeito de alguma coisa. Ou t\u00eam-se pretendido atribuir os del\u00edrios de persegui\u00e7\u00e3o ao afeto da desconfian\u00e7a; e o del\u00edrio de grandeza, a uma disposi\u00e7\u00e3o euf\u00f3rica, sem refletir em que se podem, desta maneira, tornar compreens\u00edveis certos enganos, certas ideias sobrevalora- das; jamais, por\u00e9m, o del\u00edrio. Tamb\u00e9m se atribuem alucina\u00e7\u00f5es apavora- doras que ocorrem no sono, no estado febril e nalgumas psicoses a uma ansiedade dependente de qualquer outro condicionamento; etc. Em todos estes casos, \u00e9 certo, apresentam-se conex\u00f5es compreens\u00edveis, as quais nos ensinam, sim, a rela\u00e7\u00e3o existente entre o conte\u00fado do del\u00edrio e as viv\u00ean- cias anteriores, sem nunca nos ensinar, contudo, de que modo, em geral, ocorreram os del\u00edrios, as falsas-percep\u00e7\u00f5es etc."], ["Alguma coisa de novo h\u00e1 de acrescentar-se para um del\u00edrio realizar-se.", "Se se chamar esse elemento novo \u201cmecanismo paranoide\u201d, ter-se-\u00e1, ape- nas, uma denomina\u00e7\u00e3o, que, decerto abrange uma heterogeneidade, tanto a forma\u00e7\u00e3o das ideias deliroides quanto das ideias delirantes propriamente ditas."], ["a) Ideias deliroides.", "Que os conte\u00fados das ideias deliroides- se \u201ccompreendem\u201d pelas viv\u00ean-", "cias biogr\u00e1ficas dos pacientes, seus desejos e esperan\u00e7as, ou pelos seus temores e ansiedades n\u00e3o \u00e9 novidade. Friedmann descreveu casos peculia- res de \u201cparanoia branda\u201d, nos quais o conte\u00fado do del\u00edrio se limitava \u00e0 co- nex\u00e3o com determinada viv\u00eancia. Birnbaum referiu-se, frequentemente, a quadros delirantes ocorrendo em pris\u00f5es, alternantes, influenci\u00e1veis, ten- dendo a desaparecer com a liberta\u00e7\u00e3o do paciente; chamou-os, por isso, em vez de ideias delirantes, \u201cfantasias (ou cismas') deliroides\u201d. O conte\u00fado respectivo faz-se compreens\u00edvel, em grande parte, segundo- os desejos e segundo a situa\u00e7\u00e3o."], ["Talvez aqui se enquadre o \u201cdel\u00edrio sensitivo de autorrefer\u00eancia\u201d, obser- vado nos indiv\u00edduos psicast\u00e9nicos, que s\u00e3o suaves, mansos e, ao mesmo tempo, conscientemente ambiciosos e obstinados, capazes de adoecer por for\u00e7a de uma viv\u00eancia humilhante. Fracassos sexuais, principalmente, quais sejam, o amor tardio de uma solteirona, elaboram-se e descarregam- se livremente e o que surge \u00e9, de prefer\u00eancia, uma paranoia, com autoacu- sa\u00e7\u00f5es depressivas, receios de engravidamento e del\u00edrio de autorrefer\u00eancia: a paciente sabe-se observada e lesada pela fam\u00edlia e amigos, pelo p\u00fablico e pelos jornais; teme persegui\u00e7\u00f5es policiais e judici\u00e1rias. Surgem, ent\u00e3o, psi- coses agudas transit\u00f3rias com excita\u00e7\u00e3o, graves sintomas neurast\u00e9nicos e tantas, ideias delirantes que o quadro pode simular doen\u00e7a progressiva in- cur\u00e1vel, sempre, no entanto, permanecendo o conte\u00fado e o afeto centra- dos na viv\u00eancia causadora.", "b) Ideias delirantes na esquizofrenia."], ["A escola de Zurique (Bleuler e Jung) estendeu \u00e0 esquizofrenia a com- preens\u00e3o- dos conte\u00fados das ideias delirantes e, bem assim, dos demais sintomas psic\u00f3ticos com base nos desejos e aspira\u00e7\u00f5es dos indiv\u00edduos- e nas respectivas viv\u00eancias; compreens\u00e3o esta que, vez por outra e de modo cada vez mais incidente, sempre se tenta. A mesma escola, n\u00e3o se deteve, contudo, nos conte\u00fados tang\u00edveis evidentes, mas concebeu-os simbolica- mente, segundo Freud, e, assim, pela aplica\u00e7\u00e3o de um processo que, con- forme os resultados mostram, leva ao- infinito, \u201ccompreendeu\u201d, a bem di- zer, quase todos os conte\u00fados dessas psicoses. Na acep\u00e7\u00e3o mais real da express\u00e3o, redescobriu ou julga haver redescoberto \u201ca significa\u00e7\u00e3o, ou o sentido, do del\u00edrio\u201d. N\u00e3o se podem expor sucintamente os resultados, como ainda n\u00e3o- \u00e9 poss\u00edvel formul\u00e1-los de maneira objetiva. Da\u00ed por que"], ["encaminhamos o leitor aos trabalhos da escola, a fim de orient\u00e1-lo quanto- ao problema \\ Como exemplo grosseiro de interpreta\u00e7\u00e3o, sirva a seguinte: As vozes acusam o doente de transgress\u00f5es sexuais, cuja, pr\u00e1tica corres- ponde a seus desejos recalcados."], ["Bleuler e Jung conceberam a compreensibilidade das psicoses- esqui- zofr\u00eanicas, a compreensibilidade dos conte\u00fados das ideias delirantes, dos atos catat\u00f4nicos, das falsas-percep\u00e7\u00f5es, fazendo-a derivar de complexos recalcados de tipo cindido-, \u201cinterpreta\u00e7\u00e3o\u201d esta, duvidosa; ou, em todo caso, discut\u00edvel. O que \u00e9 not\u00e1vel \u00e9 o fato, segundo Bleuler, de os comple- xos n\u00e3o precisarem ser recalcados, podendo ter permanecido na consci\u00ean- cia e, no entanto, dominar os del\u00edrios esquizofr\u00eanicos. Pela concep\u00e7\u00e3o de Bleuler e Jung, mostra-se, por vezes, analogia espantosa \u2014 que Jung apontou \u2014 entre- a histeria e a esquizofrenia. A interpreta\u00e7\u00e3o inteira con- siste em transposi\u00e7\u00e3o para a esquizofrenia dos conceitos que se formaram na an\u00e1lise da histeria. Todavia, n\u00e3o se deve, a\u00ed, perder de vista a diferen\u00e7a radical que existem entre a histeria e qualquer processo esquizofr\u00eanico, apresentando-se no fato, al\u00e9m de outros, de os- esquizofr\u00eanicos quase nunca serem hipnotiz\u00e1veis e de serem muito- pouco sugestion\u00e1veis."], ["Os conte\u00fados compreens\u00edveis apresentam-se em todas as formas dos", "fen\u00f4menos objetivos. Assim \u00e9 que se devem considerar tamb\u00e9m os conte\u00fa- dos das alucina\u00e7\u00f5es, os quais n\u00e3o s\u00e3o, em absoluto, acidentais, mas t\u00eam, em parte, conex\u00f5es compreens\u00edveis, significa\u00e7\u00e3o vivencial, representando ordens, gratifica\u00e7\u00f5es de desejos, irrita\u00e7\u00f5es, zombarias, tormentos e revela- \u00e7\u00f5es. Freud chamou as alucina\u00e7\u00f5es: pensamentos transformados em ima- gens."], ["c) A incorrigibilidade.", "Mesmo os erros das pessoas sadias s\u00e3o, em in\u00fameros casos, pr\u00e0tica- mente incorrig\u00edveis; isso devido, no entanto, quase sempre a que a comu- nidade os partilha; da\u00ed se afirmarem. N\u00e3o \u00e9 a introvis\u00e3o, o insight, mas o \u201ctodos n\u00f3s\u201d que fundamenta a convic\u00e7\u00e3o. O erro que configura o del\u00edrio \u00e9 pr\u00f3prio do indiv\u00edduo em particular; e neste sentido tem-se caracterizado o del\u00edrio como doen\u00e7a da personalidade social (Kehrer). D\u00e1-se, por\u00e9m, que mesmo a verdade do indiv\u00edduo em particular pode afirmar-se contra todos, quase n\u00e3o se distinguindo do del\u00edrio em rela\u00e7\u00e3o ao comportamento social. Quando se quer compreender a 'incorrigibilidade, descobre-se a que inte- resse serve o del\u00edrio: o conte\u00fado deste representa condi\u00e7\u00e3o vital para aquele que delira: que, sem o del\u00edrio, colapsaria internamente. J\u00e1 no"], ["campo da sanidade mental, o que se pensa \u00e9 que de ningu\u00e9m se pode es- perar o reconhecimento de uma verdade que lhe fa\u00e7a a exist\u00eancia imposs\u00ed- vel. A incorrigibilidade do del\u00edrio excede, contudo, aquela que se nota nos indiv\u00edduos sadios, embora n\u00e3o se haja, at\u00e9 hoje, conseguido definir isso com nitidez. Quer se fale em estabilidade da afetividade (Bleuler), ou em progresso do del\u00edrio, enfatizando-lhe a dissemina\u00e7\u00e3o, quer se use a l\u00f3gica, dizendo que serve ao del\u00edrio e contra ele n\u00e3o se pode voltar, sempre mais n\u00e3o se faz do que denominar aquilo que, realmente, n\u00e3o se v\u00ea e menos ainda se concebe. O problema, contudo, atormenta-nos sem cessar. O de- l\u00edrio, particularmente quando se sistematiza, quando forma um todo con- textual de certo mundo e de certo comportamento em rela\u00e7\u00e3o a este, no caso de personalidades l\u00facidas, que aos seus semelhantes n\u00e3o se afigu- ram, quanto ao mais, enfermas, constitui aquilo que se chama, a rigor, \u201cloucura\"; tanto mais alarmante quanto n\u00e3o \u00e9 raro outros indiv\u00edduos do mesmo ambiente tamb\u00e9m se porem a delirar. No grande processo da raz\u00e3o humana, que busca a verdade num tumulto de erros, invers\u00f5es, disfarces, sofismas e mal\u00edcias, tudo quanto \u00e9 inver\u00eddico \u00e9 super\u00e1vel, em princ\u00edpio, embora n\u00e3o na pr\u00e1tica; no del\u00edrio, por\u00e9m, deparamos com algu\u00e9m que se perdeu na inveridicidade insuper\u00e1vel; situa\u00e7\u00e3o extrema que, conquanto n\u00e3o nos seja dado remover, gostar\u00edamos de compreender."], ["d) Classifica\u00e7\u00e3o dos conte\u00fados delirantes.", "Dantes, ajuntavam-se e classificavam-se de maneira surpreendente os conte\u00fados dos del\u00edrios, os quais ressaltavam por sua variedade, imaginosi- dade e excentricidade. Em tempos passados, cometeu-se o absurdo de conceber e designar cada conte\u00fado delirante particular como doen\u00e7a \u00e0 parte (Guislain), sem perceber que tais designa\u00e7\u00f5es poderiam ser levadas ao infinito. Mas h\u00e1 tamb\u00e9m nos conte\u00fados certos tra\u00e7os comuns, sempre retornando e at\u00e9 conferindo \u00e0 variedade total uma fei\u00e7\u00e3o notavelmente uniforme. N\u00e3o vamos tentar alargar a abund\u00e2ncia dos conte\u00fados, e sim considerar os tipos b\u00e1sicos; para o que existem diversos pontos de vista:", "1. Del\u00edrio objetivo e pessoalmente centrado. Os impulsos, desejos, espe-", "ran\u00e7as e temores comuns a todos os homens colocam os conte\u00fados de quase todos os del\u00edrios na mais estreita rela\u00e7\u00e3o com o bem ou o mal do in- div\u00edduo. O enfermo est\u00e1 quase sempre no centro do del\u00edrio, mas tamb\u00e9m h\u00e1, em casos mais raros, forma\u00e7\u00f5es delirantes objetivas, quais sejam: del\u00ed- rios concernentes \u00e0 significa\u00e7\u00e3o do universo, a problemas filos\u00f3ficos, acon- tecimentos hist\u00f3ricos; del\u00edrios que n\u00e3o se relacionam com a pessoa do pa-"], ["ciente. Os doentes inventaram uma coisa extraordin\u00e1ria, na qual traba- lham sem cessar; descobriram a quadratura do c\u00edrculo, a trissec\u00e7\u00e3o do \u00e2ngulo etc.; ou conceituaram, profeticamente, em s\u00edmbolos num\u00e9ricos, a lei b\u00e1sica dos acontecimentos. Pessoalmente, sentem-se importantes como descobridores, sem que o conte\u00fado particularmente lhes importe. Enchem os dias com o trabalho mental que lhes parece relevante, interessados em estar com a raz\u00e3o, porque, tamb\u00e9m no caso, a n\u00e3o ser assim, todo sentido da exist\u00eancia se perderia. O trabalho mental \u00e9, entretanto, objetivo; mas essas constru\u00e7\u00f5es por si interessantes s\u00e3o menos frequentes do que aque- las egoc\u00eantricas.", "2. Os conte\u00fados objetivos. Para o bem e o mal do paciente, os conte\u00fa-"], ["dos que mais frequentemente ocorrem s\u00e3o os seguintes:", "a) Del\u00edrio de grandeza, de refer\u00eancia \u00e0 origem (nobre estirpe, filho de rei, criado por pais adotivos), ao patrim\u00f4nio (propriedade de grandes heran\u00e7as, castelos, que, no entanto, intrigantes sub- traem ao dono); \u00e0 capacidade (grandes inventores, descobridores, artistas, possuidores de especial sabedoria e iluminados pela inspira\u00e7\u00e3o); \u00e0 posi\u00e7\u00e3o social (consultores de diplomatas impor- tantes, verdadeiros orientadores dos destinos pol\u00edticos).", "b) Del\u00edrio de inferioridade, de refer\u00eancia ao patrim\u00f4nio (del\u00edrio de ru\u00edna); \u00e0 capacidade (perda da intelig\u00eancia, da efici\u00eancia); n\u00edvel moral (del\u00edrio de pecado, autorrecrimina\u00e7\u00f5es),", "c) Del\u00edrio de persegui\u00e7\u00e3o: o doente sente-se vigiado, observado, menosprezado, escarnecido, envenenado, enfeiti\u00e7ado. Persegui- \u00e7\u00e3o das autoridades, do procurador p\u00fablico por causa de crimes falsamente imputados. Persegui\u00e7\u00e3o de bandos: jesu\u00edtas, ma\u00e7\u00f5es etc. Del\u00edrio de persegui\u00e7\u00e3o f\u00edsica baseado em influenciamento corp\u00f3reo (falsas-percep\u00e7\u00f5es), al\u00e9m de fen\u00f4menos \u201cfeitos\u201d. Del\u00edrio querulante referente a persegui\u00e7\u00f5es judici\u00e1rias, resultantes de compl\u00f4s e manipula\u00e7\u00f5es trai\u00e7oeiras,", "d) Del\u00edrio hipocondr\u00edaco: contrastando com queixas neurast\u00e9nicas de palpita\u00e7\u00f5es, cefaleias, fraqueza, algias v\u00e1rias, aparecem conte- \u00fados delirantes tais como: os ossos amoleceram, o cora\u00e7\u00e3o n\u00e3o est\u00e1 certo, as subst\u00e2ncias corp\u00f3reas transformaram-se, h\u00e1 um buraco no corpo etc. Del\u00edrio de \u201ctransforma\u00e7\u00e3o: O doente trans- formou-se em animal ou coisa semelhante,", "e) Del\u00edrio er\u00f3tico. Chama-se erotomania o del\u00edrio no qual uma pessoa se julga amada, embora n\u00e3o haja o menor ind\u00edcio do fato e a pessoa em causa d\u00ea a entender o contr\u00e1rio (del\u00edrio de amor e de matrim\u00f4nio), f) Del\u00edrio religioso: aparece sob a forma de ideias de grandeza ou", "\u2022"], ["de inferioridade: o doente \u00e9 profeta, m\u00e3e de Deus, noiva de Je- sus; ou dem\u00f4nio; ou Anticristo; ou est\u00e1 condenado.", "Apresentar forma\u00e7\u00f5es delirantes peculiares a certos processos m\u00f3rbi- dos \u00e9 tarefa que cabe \u00e0 psiquiatria especial. S\u00f3 para exemplificar, fazemos notar que, em rela\u00e7\u00e3o a determinados processos paranoicos, \u00e9 caracter\u00eds- tico o conte\u00fado delirante dos grandes acontecimentos universais, em cujo centro se acha o doente, \u201cligado ao mundo inteiro\u201d, dele \u201cdependendo toda a hist\u00f3ria universal\u201d; centro de revolu\u00e7\u00f5es c\u00f3smicas, nas quais desempe- nha papel especial, embora passivo. Por exemplo, um doente j\u00e1 bastante confuso escreveu o seguinte: \u201cToda centelha de bem-estar me foi destru- \u00edda; por isto, j\u00e1 faz s\u00e9culos que estou girando, sempre renascendo, incons- ciente. O motivo do que me ocorre \u00e9 de atribuir-se \u00e0 cria\u00e7\u00e3o do mundo\u201d."], ["3. A vincula\u00e7\u00e3o dos contrastes. Todo del\u00edrio radica, compreensivel- mente, na tens\u00e3o de contrastes. Friedmann considerou basear-se toda for- ma\u00e7\u00e3o delirante no conflito vivencial que consiste no fato de a vontade in- dividual do enfermo ser dominada pela vontade total da comunidade. No del\u00edrio, est\u00e1 vis\u00edvel o conflito entre a realidade e os desejos pr\u00f3prios do in- div\u00edduo, entre solicita\u00e7\u00f5es compulsivas e aspira\u00e7\u00f5es pr\u00f3prias, entre rebai- xamento e eleva\u00e7\u00e3o, visto que o del\u00edrio abrange sempre dois polos-, eleva- \u00e7\u00e3o e rebaixamento da pessoa, del\u00edrio de grandeza e del\u00edrio de preju\u00edzo, de- l\u00edrio de grandeza e del\u00edrio de persegui\u00e7\u00e3o correlacionam-se. Gaupp descre- veu a reciprocidade entre o del\u00edrio de persegui\u00e7\u00e3o e o del\u00edrio de grandeza como formando um todo compreens\u00edvel, baseado em disposi\u00e7\u00e3o sensitiva do car\u00e1ter (acompanhada de orgulho, vergonha, ansiedade), uma vez que se pressuponha compreens\u00edvel a forma do del\u00edrio como tal. Kehrer, por sua vez, refere um todo compreens\u00edvel semelhante, composto de del\u00edrio de persegui\u00e7\u00e3o e del\u00edrio de grandeza. O que \u00e9 compreens\u00edvel, nesse todo, n\u00e3o se altera, quer se trate de processo esquizofr\u00eanico, quer de desenvolvi- mento de uma personalidade que reage paranoicamente aos conflitos vi- tais. Diferem, apenas, o curso, a forma da viv\u00eancia e a totalidade dos fen\u00f4- menos vitais.", "4. As formas da atitude paranoica em rela\u00e7\u00e3o ao perimundo. Kretsch- mer distinguiu os paranoicos desejosos, combativos e sensitivos. As dife- ren\u00e7as s\u00e3o essenciais, conforme o del\u00edrio se gratifique, reativamente, com realiza\u00e7\u00f5es ilus\u00f3rias, ou pretenda afirmar, \u00bfativamente, sua verdade ao mundo; ou se satisfa\u00e7a mediante uns poucos atos, ao mesmo tempo que o paciente sofre ideias de refer\u00eancia e persegui\u00e7\u00e3o, com o orgulho \u00edntimo de ideias de grandeza. Deste modo, a paranoia carcer\u00e1ria com fantasias deli- roides constitui tipo da paranoia de desejo: o del\u00edrio querulante, tipo da", "paranoia combativa; o del\u00edrio de refer\u00eancia e de grandeza, tipo de paranoia sensitiva."], ["2.3. A ATITUDE DO PACIENTE EM RELA\u00c7\u00c3O \u00c0 DOEN\u00c7A"], ["Tal qual o indiv\u00edduo se enfrenta reflexivamente, pode o doente- assu-", "mir atitude em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 enfermidade. A doen\u00e7a ps\u00edquica afigura-se di- versa para a observa\u00e7\u00e3o do m\u00e9dico e para a autorreflex\u00e3o- do paciente. Da\u00ed ocorrer o fato de aquele que \u00e9 analisado como doente mental se consi- derar, no entanto, s\u00e3o; ou de se considerar enfermo de certa maneira que n\u00e3o tem validez objetiva alguma, at\u00e9 constituindo sintoma m\u00f3rbido; ou ainda, de vir a influenciar, com sua pr\u00f3pria concep\u00e7\u00e3o, os processos m\u00f3r- bidos para o bem ou para o mal."], ["O conceito de \u201catitude do paciente\u201d abrange v\u00e1rios fatos, aos quais \u00e9 comum a circunst\u00e2ncia de neles procurarmos compreender o modo por que o indiv\u00edduo se comporta em rela\u00e7\u00e3o aos sintomas m\u00f3rbidos. Vemos de que modo a maioria das pessoas normais- reage, por assim dizer, \u00e0 do- en\u00e7a com sua parte s\u00e3. Quando, por\u00e9m, compreendemos a atitude, esbar- ramos nos limites da autocompreens\u00e3o, que \u00e9 um dos marcos mais impor- tantes do tipo de personalidade e, principalmente, da transforma\u00e7\u00e3o que esta experimenta, em seu todo, pela doen\u00e7a."], ["a) Comportamento compreens\u00edvel \u00e0 irrup\u00e7\u00e3o da psicose aguda (perplexi-"], ["dade, consci\u00eancia da altera\u00e7\u00e3o).", "A perplexidade \u00e9, de modo geral, a rea\u00e7\u00e3o compreens\u00edvel da personali-", "dade normal \u00e0 irrup\u00e7\u00e3o de uma psicose aguda. Da\u00ed por que se observa com frequ\u00eancia e, nalgumas psicoses, constitui sinal do que ainda resta da personalidade normal, quanto ao mais mascarada, em presen\u00e7a dos mais s\u00e9rios estados de confus\u00e3o. A inibi\u00e7\u00e3o, a dificuldade- de compreen- der, a incoer\u00eancia, a falta de lucidez, tudo conduz \u00e0 mesma rea\u00e7\u00e3o, que se nota, objetivamente, pela express\u00e3o fision\u00f4mica interrogativa, pelos atos investigativos, por certa inquietude, espanto vis\u00edvel, distra\u00e7\u00e3o e constru- \u00e7\u00f5es vocabulares desta ordem:", "Que \u00e9 que h\u00e1? Onde \u00e9 que estou? Sou a Sra. S.? N\u00e3o sei o que querem de mim! Que \u00e9 que hei de fazer? N\u00e3o entendo nada. \u2014 Acresce-se a cr\u00edtica interrogativa de conte\u00fados psic\u00f3ticos \u2014 N\u00e3o assassinei? Meus filhos n\u00e3o est\u00e3o mortos? Etc."], ["Enquanto h\u00e1 lucidez, mostra-se a perplexidade ante a situa\u00e7\u00e3o psicoti- camente formada em apontamentos tais como os que se seguem, de uma"], ["esquizofr\u00eanica:", "\u201cCada dia que passa, menos percebo de minha situa\u00e7\u00e3o; e, por isto, cada dia, vou fazendo tudo errado. N\u00e3o consigo, em absoluto, fazer coisa alguma repetidamente; mas s\u00f3 por instinto, porque n\u00e3o consigo chegar a nenhuma conclus\u00e3o correta. Que s\u00e3o as cobertas marrons em minha cama? Representam pessoas? Como \u00e9 que hei de me movimentar, se te- nho de ficar de boca fechada? Que \u00e9 que hei de fazer com os p\u00e9s e as m\u00e3os, se minhas unhas est\u00e3o sempre t\u00e3o brancas? Devo arranhar? O que? A cada minuto, muda o ambiente, com as enfermeiras andando de um lado para outro. N\u00e3o as compreendo e, por isto, n\u00e3o sei res- ponder. Como \u00e9 que hei de fazer as coisas certas, se n\u00e3o sei o que \u00e9 certo? Penso com a mesma simplicidade com que pensava, quando era Leonora B.; por isto, n\u00e3o consigo perceber esta situa\u00e7\u00e3o estranha; ela me parece, dia a dia, mais incompreens\u00edvel\u201d (Gruhle)."], ["Da perplexidade compreens\u00edvel puramente reativa, que resulta da in- capacidade de orientar-se em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 situa\u00e7\u00e3o, ou da impossibilidade de apreender viv\u00eancias novas, h\u00e3o de distinguir-se geneticamente \u2014 o que, no caso individual, \u00e9, muitas vezes, dif\u00edcil \u2014 outras formas de perplexi- dade:"], ["Podem-se notar:", "1) Uma perplexidade paranoica, com lucidez plena, .as viv\u00eancias deli- rantes e as ideias ainda imprecisas levam o doente a desassossego tortu- rante. Sente que h\u00e1 alguma coisa errada, procura, pergunta, n\u00e3o pode compreender de que se trata. \u201cFala, o que \u00e9 que h\u00e1, h\u00e1 qualquer coisa\u201d, di- zia uma paciente ao marido.", "2) Uma perplexidade melanc\u00f3lica, que, atrav\u00e9s de manifesta\u00e7\u00f5es ver- bais, muitas vezes lembra o tipo reativo. Os pacientes, em seu del\u00edrio de ru\u00edna, humilha\u00e7\u00e3o e niilista, veem tudo por forma ansiosamente interroga- tiva: \u201cPor que tanta gente? Tantos m\u00e9dicos, que \u00e9 que vai sair da\u00ed? Para que tantas toalhas?\u201d No in\u00edcio da doen\u00e7a mental, certas pessoas experimentam um senti- mento sombrio de altera\u00e7\u00e3o (como se estivessem sob o poder de encanta- mentos, bruxarias, ou com aumento da sexualidade etc.), condensando-se em consci\u00eancia de loucura iminente. Em que consiste essa consci\u00eancia n\u00e3o se pode dizer precisamente; \u00e9 resultante de in\u00fameros sentimentos in- dividuais, n\u00e3o constituindo simples ju\u00edzo, mas vivenciando-se de fato.", "Como o sentimento se instala, mesmo que a psicose nada tenha em si"], [".\u00a1S*", "de desagrad\u00e1vel, narra uma senhora sujeita a crises peri\u00f3dicas: \"\u201cPara mim, a doen\u00e7a, em si e por si, nada tinha de assustador; a n\u00e3o ser o mo- mento em que novamente sentia perturba\u00e7\u00e3o e n\u00e3o sabia de que modo ela viria\u201d. Outro paciente, tamb\u00e9m padecendo de psicoses \u2019breves, com abun- dantes viv\u00eancias, escreve: \u201cOs instantes mais horr\u00edveis de minha vida s\u00e3o a transi\u00e7\u00e3o do estado consciente para o de confus\u00e3o, com o sentimento de medo que o acompanha\u201d. Em rela\u00e7\u00e3o aos fen\u00f4menos prodr\u00f4micos, diz, no entanto, o mesmo paciente: \u201cO que h\u00e1 de sinistro, na doen\u00e7a, \u00e9 que aquele que ela acomete n\u00e3o consegue controlar a transi\u00e7\u00e3o da atividade mental sadia para a atividade enferma.\u201d"], ["\u00c9 frequente informarem-se dados individuais, que ter\u00e3o ocorrido no co-", "me\u00e7o da doen\u00e7a: falsas-percep\u00e7\u00f5es isoladas, mudan\u00e7a vis\u00edvel da capaci- dade afetiva, pendor desusado e incontrol\u00e1vel para a poesia \u2014 os versos v\u00eam, ent\u00e3o, sem querer, por si mesmos, segundo parece \u2014 etc. N\u00e3o se trata, por\u00e9m, no caso, do sentimento de altera\u00e7\u00e3o global, mas, quase sem- pre, de constata\u00e7\u00e3o que a posteriori se faz da fase inicial. O medo de ficar doido encontra-se, \u00e0s vezes, quando o processo se inicia; particularmente, nas pessoas instru\u00eddas, que se tornam horrivelmente inquietas, procu- rando testar o ambiente. Certo paciente metia o dedo de uma amiga na boca para ver se ela se amedrontava; se n\u00e3o mostrava receio de -que o pa- ciente lho mordesse, era sinal de que o considerava s\u00e3o, o que o acalmava por breves instantes."], ["Ali\u00e1s, o medo de endoidecer e o sentimento de loucura iminente \u00e9 sin- toma m\u00f3rbido frequente, aut\u00f4nomo, sem base objetiva, precisamente das psicopatias e das ciclotimias brandas, que nunca evoluem, de fato, para a doen\u00e7a mental."], ["b) Elabora\u00e7\u00e3o ap\u00f3s o curso da psicose aguda.", "O indiv\u00edduo assume, relativamente a tudo quanto j\u00e1 teve para ele signi-", "ficado vivencial, certa atitude. Assim \u00e9 que um n\u00e3o pode pensar no que a guerra lhe fez sofrer sem perturba\u00e7\u00e3o intensa; outro sente necessidade de rever o objeto de uma paix\u00e3o desprezada, ou de visitar, novamente, locais e ambientes em que n\u00e3o conseguiu resolver seus padecimentos. H\u00e1, por- tanto, psicoses que introduzem, elas pr\u00f3prias, significados novos; psicoses que e relacionam pelo conte\u00fado com a personalidade do enfermo (psicoses esquizofr\u00eanicas, sobretudo; como outras psicoses existem que s\u00e3o de todo estranhas \u00e0 personalidade, que n\u00e3o acrescentam \u00e0 psique carga, nem sig-", "nificado algum. O doente tem, ent\u00e3o, certo vexame evidente de falar nes- sas coisas com outras pessoas que n\u00e3o sejam o m\u00e9dico."], ["Mayer-Gross, que analisou, na esquizofrenia, as formas dos p\u00f3s-efeitos", "de psicoses agudas de acordo com as conex\u00f5es compreens\u00edveis respecti- vas, distingue: desespero, \u201cvida nova\u201d, desapego (como se nada houvesse acontecido), convers\u00e3o (a psicose era acompanhada de alguma novidade revelacional), fus\u00e3o."], ["c) Elabora\u00e7\u00e3o da enfermidade em estados cr\u00f4nicos."], ["Nos doentes relativamente l\u00facidos, em particular quando se trata de estados cr\u00f4nicos, \u00e9 variada a rea\u00e7\u00e3o aos fen\u00f4menos m\u00f3rbidos individuais. O paciente elabora, de algum modo, seus sintomas e, partindo da viv\u00eancia delirante, se desenvolve, mediante trabalho' penoso, um sistema delirante. Em rela\u00e7\u00e3o aos conte\u00fados da viv\u00eancia, assume-se atitude tal que, por exemplo, se vem a constatar a estupidez crescente do autor das vozes, que repete, sem cessar, frases triviais ou fragmentos absolutamente sem sen- tido de certas- senten\u00e7as. O sentimento de mal-estar som\u00e1tico e a consci- \u00eancia de altera\u00e7\u00e3o ps\u00edquica se percebem, frequentemente, como conse- qu\u00eancia de influ\u00eancias torturantes de toda sorte, contra as quais se inven- tam meios defensivos; sobretudo, contra o influenciamento corp\u00f3reo. Con- tra as falsas-percep\u00e7\u00f5es e os v\u00e1rios tipos de fen\u00f4menos \u201cfeitos\u201d, o que ajuda, muitas vezes, \u00e9 a distra\u00e7\u00e3o, que o doente usa das formas mais di- versas (rezando o Pai-Nosso, trabalhando). Noutros casos, os conte\u00fados das falsas-percep\u00e7\u00f5es servem de passatempo de toda esp\u00e9cie. Propositada- mente, os pacientes despertam suas pseudoalucina\u00e7\u00f5es visuais, com as quais se aprazem; irritam as vozes, mudando o ritmo do caminhar, que as vozes acompanham e, gra\u00e7as a essa altera\u00e7\u00e3o, se atrapalham e cessam. Em rela\u00e7\u00e3o a numerosos fen\u00f4menos desagrad\u00e1veis, o autocontrole ajuda, quer sob a forma da distra\u00e7\u00e3o supramencionada, quer constituindo' es- for\u00e7o volitivo ativo; por exemplo, contra os movimentos \u201cfeitos\u201d, contra zangas \u201cfeitas\u201d. O autocontrole ajuda numa s\u00e9rie de casos, quando se trata de queixas som\u00e1ticas presentes nos diversos tipos de doen\u00e7as ps\u00ed- quicas, ou de sentimentos torturantes que a anormalidade da vida ps\u00ed- quica acarreta."], ["Nos casos at\u00e9 agora referidos, o comportamento do enfermo- nos \u00e9, de modo geral, compreens\u00edvel. Na medida em que esta compreensibilidade di- minui e, ao mesmo tempo, mais chama a aten\u00e7\u00e3o a atitude em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 doen\u00e7a, um marco se tem da altera\u00e7\u00e3o sofrida pela personalidade global e"], ["dependente da doen\u00e7a. Assim \u00e9 que, em muitos casos, se nota quanto o paciente se acostuma com os sintomas (por exemplo, falsas-percep\u00e7\u00f5es torturantes, al\u00e9m de outras viv\u00eancias que se aceitam passivamente); nota- se por que modo ele, afinal, apesar do conte\u00fado pavoroso das falsas-per- cep\u00e7\u00f5es, se lhes faz indiferente; por que modo nem atenta para, conte\u00fados delirantes aparentemente fundamentais, que s\u00e3o para ele da maior impor- t\u00e2ncia, ou os esquece, de novo. Doutro lado, tamb\u00e9m nos surpreendemos, igualmente, com a for\u00e7a esmagadora que possuem certas alucina\u00e7\u00f5es \u201cim- perativas\u201d e certas ideias delirantes, a que o enfermo parece sujeito, tal qual se tratasse de coa\u00e7\u00e3o- f\u00edsica. \u00c9 de notar a intensidade com que v\u00e1rios conte\u00fados prendem a aten\u00e7\u00e3o do paciente, ou a profundidade com que coisas aparentemente indiferentes o impressionam. Nas psicoses agudas com viv\u00eancias ricas, percebe-se que os doentes simplesmente se entregam ao- sentimento da in\u00e9rcia, suportando por forma passiva o que pode haver de mais terr\u00edvel. Esse estado de impot\u00eancia, que n\u00e3o \u00e9 raro eles descreve- rem de maneira caracter\u00edstica, relaciona-se com o sentimento de indife- ren\u00e7a quanto ao que est\u00e1 por vir; e mesmo que se trate de revolu\u00e7\u00f5es for- mid\u00e1veis no mundo sobrenatural, os doentes at\u00e9 mostram pendor para brincadeiras e observa\u00e7\u00f5es fr\u00edvolas."], ["Muito se aprende com as interpreta\u00e7\u00f5es que o pr\u00f3prio doente d\u00e1, quando tenta compreender-se. Um esquizofr\u00eanico explica os conte\u00fados es- peciais das formas ou vultos que v\u00ea da seguinte maneira:", "\u201cAs formas pareciam ser personifica\u00e7\u00e3o exagerada de pequenos, m\u00edni- mos erros que eu pr\u00f3prio cometia. Por exemplo, se, \u00e0 mesa, me era muito gostosa certa comida, podia acontecer que, naquela mesma tarde, como se fosse eco dessa sensa\u00e7\u00e3o, um dem\u00f4nio &e apresentasse sob a forma de um ente, homem e animal ao mesmo tempo, glut\u00e3o, l\u00fabrico, de goela enorme, bei\u00e7os grossos e sensuais, barrigudo, de tamanho desmesurado. A partir da\u00ed, sentia-lhe a proximidade at\u00e9 que, por umas duas ou tr\u00eas re- fei\u00e7\u00f5es, me privasse daquele sabor, o qual parecia ser a fonte que o ali- mentava\u201d. \u201cVia em todas as pessoas que me cercavam os m\u00ednimos defeitos de car\u00e1ter como se fossem formas feias e amea\u00e7adoras, que deles se desta- cavam e se atiravam contra mim\u201d (Schwab)."], ["O mesmo paciente interpreta sua doen\u00e7a globalmente. O que \u00e9 para o psiquiatra sequ\u00eancia de um processo enquadra-se para ele na unidade de um significado:", "Acho que eu mesmo provoquei a doen\u00e7a. Quando tentava penetrar em"], ["certo mundo sobrenatural, esbarrava nos seus guardas naturais, corpori- fica\u00e7\u00f5es de minhas pr\u00f3prias fraquezas e erros. A princ\u00edpio, estes dem\u00f4nios me pareciam ser habitantes inferiores daquele mundo sobrenatural, que podiam fazer-me de bola com que jogar, porque eu entrara, sem estar pre- parado, nessas regi\u00f5es, onde me perdia. Mais tarde, j\u00e1 pensava que fos- sem partes cindidas de minha mente (paix\u00f5es), que existiam, perto de mim, no espa\u00e7o livre, alimentando-se de meus sentimentos. Acreditava que todos os outros entes humanos tamb\u00e9m os possu\u00edssem, mas n\u00e3o os percebessem, protegidos e venturosamente iludidos pelo sentimento pes- soal da exist\u00eancia; este \u00faltimo, na minha opini\u00e3o, \u00e9 produto artificial de reminisc\u00eancias, complexos ideativos etc., tal qual boneco dourado, que \u00e9 bonito olhado de fora, mas em que nada vive de essencial."], ["O eu pessoal se tornara, em mim, poroso por efeito da atenua\u00e7\u00e3o de minha consci\u00eancia. Queria aproximar-me, com sua ajuda, de uma fonte vital mais alta. De havia muito, precisara preparar-me, despertando em mim um eu mais elevado, impessoal, porque \u201co manjar dos deuses\u201d n\u00e3o era para l\u00e1bios mortais; pelo contr\u00e1rio, destru\u00eda o eu animal do homem, fragmentava-o em suas partes componentes, que desmoronavam pouco a pouco: o boneco partia-se, o corpo adoecia, porque eu for\u00e7ara cedo demais o acesso \u00e0s \u201cfontes da vida\u201d e a maldi\u00e7\u00e3o dos deuses descia sobre mim. Tarde reconhecia que elementos turvos haviam participado; conhecia-os depois de terem adquirido demasiada for\u00e7a. J\u00e1 n\u00e3o havia salva\u00e7\u00e3o; agora, tinha o mundo mental que desejara contemplar. Os dem\u00f4nios pulavam fora do abismo, como se fossem guardas, cerberos, que s\u00f3 permitiam a en- trada de quem fosse autorizado. Decidi-me a empreender a luta pela vida e pela morte \u2014 o que, para mim, significava, afinal, a decis\u00e3o de morrer, porque, na minha opini\u00e3o, tinha de destruir tudo quanto mantinha o ini- migo; mas seria, ao mesmo tempo, aquilo que mant\u00e9m a vida. Queria en- trar na morte, sem enlouquecer, e, por assim dizer, enfrentava a esfinge, que me dizia: Ou tu no abismo, ou eu!"], ["Nesse momento, veio a ilumina\u00e7\u00e3o; adentrei a verdadeira natureza de", "meus sedutores, privando-me de alimento. Eram os proxenetas e, ao mesmo tempo, os embusteiros de meu querido eu pessoal, que, a esta al- tura, me parecia nulo, tal qual eles. E, \u00e0 medida que um eu maior e mais amplo emergia, sentia-me capaz de livrar-me da personalidade que at\u00e9 en- t\u00e3o tivera, com todos seus anexos. Via que essa personalidade de at\u00e9 en- t\u00e3o n\u00e3o podia caminhar nos reinos suprassensoriais. Da\u00ed resultou dor horr\u00edvel, tal qual um golpe que me aniquilasse, mas estava salvo; os dem\u00f4-"], ["nios encolhiam-se, desapareciam, morriam. Come\u00e7ava para mim vida in- teiramente nova; sentia-me, da\u00ed por diante, diverso dos outros homens. Um eu como os. outros t\u00eam, consistindo cm mentiras convencionais, apa- r\u00eancias, engodos, reminisc\u00eancias, tornou a formar-se em mim; sempre, no entanto, continuava a existir, atr\u00e1s c por cima, um eu maior, mais amplo, que dava impress\u00e3o de eterno, de inalter\u00e1vel, imortal, inconspurc\u00e1vel, vindo a constituir, a partir da\u00ed, minha guarda, meu ref\u00fagio. Creio que se- ria vantajoso para muitos homens conhecerem um eu mais alto, seme- lhante a este; creio existirem homens que o hajam de fato, encontrado de maneiras mais favor\u00e1veis.\u201d"], ["As autointerpreta\u00e7\u00f5es desta ordem formam-se, evidentemente, \u00e0 base de tend\u00eancias delirantes e de for\u00e7as mentais profundas, originando-se de viv\u00eancias das mais s\u00e9rias. A riqueza das viv\u00eancias esquizofr\u00eanicas incita tanto o observador quanto o paciente que se reflete a que n\u00e3o as tomem como se fossem mero amontoa- mento ca\u00f3tico de conte\u00fados. A mente est\u00e1 t\u00e3o presente na vida ps\u00edquica enferma quanto na sadia. \u00c9 preciso despojar semelhantes interpreta\u00e7\u00f5es de qualquer significa\u00e7\u00e3o causai, porque com elas apenas se iluminam os conte\u00fados e as conex\u00f5es."], ["Toda doen\u00e7a cr\u00f4nica representa para o paciente uma tarefa, quer se", "trate de aleijados, aos quais faltam membros, mas que s\u00e3o, globalmente, sadios; quer se cogite de doen\u00e7as som\u00e1ticas, que lesam o estado geral, ou daquelas que acompanham os dist\u00farbios ps\u00edquicos. \u00c9 frequente descre- ver-se aquilo de que s\u00e3o capazes homens sem pernas, sem bra\u00e7os, cegos, testemunhando a energia, a perseveran\u00e7a, a destreza de certos indiv\u00edduos, os quais, entretanto, eram sadios, somaticamente. A situa\u00e7\u00e3o \u00e9 de todo di- versa, quando o dist\u00farbio n\u00e3o atinge um instrumento de trabalho, con- quanto ainda t\u00e3o necess\u00e1rio, mas a pr\u00f3pria for\u00e7a vital, o todo do estado som\u00e1tico e ps\u00edquico."], ["\u00c9 o que exemplifica o comportamento observado nos estados cr\u00f4nicos, que se seguem \u00e0 encefalite epid\u00eamica. Dorer mostra, citando casos, qu\u00e3o diversas s\u00e3o as possibilidades. Os doentes t\u00eam de acomodar-se \u00e0 nova si- tua\u00e7\u00e3o. Sofrem, a cada momento, das consequ\u00eancias da enfermidade. O mundo em volta altera-se. A profiss\u00e3o se perde. O mundo inteiro, os entes humanos adotam comportamento diferente cm rela\u00e7\u00e3o ao doente, cujo isolamento se d\u00e1 por forma quase compulsiva. Dorer descreve os super- sens\u00edveis, que se retraem, s\u00f3 pensando em si, exigindo aten\u00e7\u00e3o dos cir- cunstantes para seu padecimento, tornando-se morosos, taciturnos, ego- \u00edstas \u2014 os homens do \u201capesar de tudo\u201d, que mostram aumento da energia,"], ["querendo salvar-se a todo pre\u00e7o, empreendendo as coisas mais imposs\u00ed- veis, dando a impress\u00e3o de que s\u00e3o perseguidos, ca\u00e7ados, fazendo-se ego- c\u00eantricos conscientes \u2014 os espectadores da vida etc. Dorer quer ilustrar a frase: O que a doen\u00e7a faz de um homem \u00e9 determinado, derradeiramente, pelo car\u00e1ter dele; car\u00e1ter que se apresenta modificado conforme a maneira por que se insere no ambiente cultural, bem como segundo a rela\u00e7\u00e3o com a comunidade humana e a resposta que desta vem.", "d) O Ju\u00edzo do doente a respeito de sua doen\u00e7a."], ["S\u00f3 se trata de atitude no sentido pr\u00f3prio quando a personalidade en- frenta sua viv\u00eancia por forma contemplativa e cr\u00edtica. Pelo ju\u00edzo psicol\u00f3- gico, o paciente faz-se consciente do que viv\u00eancia e como o vivencia. O ideal da atitude \u201ccorreta\u201d diante da viv\u00eancia, o enfermo o alcan\u00e7a quando tem a \u201ccompreens\u00e3o da doen\u00e7a\u201d. Por conseguinte, se, nos grupos at\u00e9 agora mencionados, ficamos conhecendo tra\u00e7os caracter\u00edsticos pelo comporta- mento do paciente em rela\u00e7\u00e3o aos conte\u00fados de seus fen\u00f4menos m\u00f3rbi- dos, pela sua rea\u00e7\u00e3o \u00e0 altera\u00e7\u00e3o da vida ps\u00edquica, pela elabora\u00e7\u00e3o dos con- te\u00fados, cabe-nos, agora, reunir estes tra\u00e7os a partir da atitude que o paci- ente assume, quando, voltando-se dos conte\u00fados para sua viv\u00eancia e para si mesmo, indagando das causas desse evento, aju\u00edza sua enfermidade em tra\u00e7os particulares ou no todo. Trata-se de tudo aquilo que se chama, em resumo, consci\u00eancia da doen\u00e7a e compreens\u00e3o da doen\u00e7a.", "Chama-se consci\u00eancia da doen\u00e7a aquela atitude do paciente na qual se"], ["exprime um sentimento de estar enfermo, um sentimento de modifica\u00e7\u00e3o, sem que essa consci\u00eancia se estenda a todos os sintomas e \u00e0 doen\u00e7a em seu todo; e sem que se alcance a medida objetivamente correta do ju\u00edzo que se fa\u00e7a da gravidade da doen\u00e7a, nem um ju\u00edzo objetivamente correto do tipo da enfermidade. S\u00f3 quando tudo isso ocorre, quando todos os sin- tomas individuais, quando a doen\u00e7a \u00e9 ajuizada corretamente, em seu todo, segundo sua natureza e gravidade, \u00e9 que falamos em compreens\u00e3o da doen\u00e7a-, com a restri\u00e7\u00e3o, por\u00e9m, de que o ju\u00edzo feito s\u00f3 precisa alcan- \u00e7ar aquela corre\u00e7\u00e3o que una indiv\u00edduo mediano, sadio, do mesmo ambi- ente cultural, possa fazer de outro indiv\u00edduo enfermo. Claro que a atitude da pessoa em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 doen\u00e7a se diversifica, se acentua, se particulariza na medida em que o doente seja inteligente e instru\u00eddo. Em particular, uma educa\u00e7\u00e3o cient\u00edfica e psicopatol\u00f3gica, de um lado, uma educa\u00e7\u00e3o hu- man\u00edstica e teol\u00f3gica, de outro lado, acarretar\u00e3o atitudes diversas. Para avaliar a pr\u00f3pria atitude como atitude m\u00f3rbida, temos de considerar sem- pre o meio. A mesma opini\u00e3o que talvez apenas signifique supersti\u00e7\u00e3o"], ["num camp\u00f3nio nos revelar\u00e1, em pessoas instru\u00eddas, transforma\u00e7\u00e3o pro- funda, tendente \u00e0 dem\u00eancia, da personalidade.", "1. Auto-observa\u00e7\u00e3o e consci\u00eancia do estado pr\u00f3prio.", "A auto-observa\u00e7\u00e3o e ajuizamento do paciente pode realizar-se em rela- \u00e7\u00e3o aos elementos fenomenol\u00f3gicos, como em rela\u00e7\u00e3o aos dist\u00farbios que ocorrem nos v\u00e1rios rendimentos da vida ps\u00edquica, em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s totalida- des dos complexos sintom\u00e1ticos, \u00e0 personalidade pr\u00f3pria, enfim: a tudo que a psicopatologia tamb\u00e9m tem em vista."], ["A auto-observa\u00e7\u00e3o dos pacientes, a aten\u00e7\u00e3o que prestam \u00e0 sua viv\u00ean- cia anormal e a elabora\u00e7\u00e3o do que em si mesmos observam atrav\u00e9s do ju- \u00edzo psicol\u00f3gico, de modo a poder informar-nos de sua vida interior, repre- sentam uma das fontes mais importantes do conhecimento da vida ps\u00ed- quica enferma. Depende essa auto-observa\u00e7\u00e3o do interesse, das aptid\u00f5es psicol\u00f3gicas, da capacidade intelectual e cr\u00edtica da pessoa doente. Em cer- tas circunst\u00e2ncias, a pr\u00f3pria auto-observa\u00e7\u00e3o se apresenta como sintoma torturante. Os doentes t\u00eam de passar o tempo todo, a contragosto, anali- sando sua viv\u00eancia; a atividade deles \u00e9 inteiramente perturbada e inter- rompida pela auto-observa\u00e7\u00e3o, levando a resultados \u00e0s vezes muito escas- sos. \u00c9 a atitude refletiva sobre a vida ps\u00edquica pr\u00f3pria que \u00e9, ent\u00e3o, por si, compulsiva e torturante. S\u00e3o casos desta ordem que t\u00eam levado a que se afirme, erradamente (afirma\u00e7\u00e3o contra a qual Kant j\u00e1 advertia), ser a auto- observa\u00e7\u00e3o prejudicial, porque conduz \u00e0 rumina\u00e7\u00e3o e \u00e0 loucura. N\u00e3o \u00e9 da auto-observa\u00e7\u00e3o, entretanto, que resulta a doen\u00e7a, mas, sim, s\u00e3o certos estados m\u00f3rbidos que geram um tipo anormal de auto-observa\u00e7\u00e3o."], ["H\u00e1 uma consci\u00eancia da consci\u00eancia. Sentimo-nos \u201ct\u00f3rpidos\u201d, ou \u201csono-", "lentos\u201d, ou ainda muito l\u00facidos, estado este \u00faltimo que tamb\u00e9m parece ocorrer em grau fora do comum. Os sentimentos de clarivid\u00eancia nos es- quizofr\u00eanicos podem ter este aspecto. Diverso inteiramente \u00e9 o que se d\u00e1 com um doente portador de encefalite let\u00e1rgica, que escreve:", "\u201cTenho o sentimento de jamais haver sido, antes da doen\u00e7a, t\u00e3o vigil e", "consciente \u2014 o que resulta de que estava sempre a me observar a mim mesmo, trazendo \u00e0 consci\u00eancia, imediatamente, os pensamentos mais in- significantes, os m\u00ednimos movimentos. Todo fato corp\u00f3reo, quais sejam: espirrar, tossir, at\u00e9 pensar, enchia-me de curiosidade intensa sobre o modo por que ocorriam; tentava, ent\u00e3o, o mais poss\u00edvel, compenetrar-me deles.\u201d O paciente descreve o \u201cregistro\u201d, isto \u00e9, a trazida \u00e1 consci\u00eancia de todo processo som\u00e1tico e ps\u00edquico. \u201cAt\u00e9 este registro me estragava todo prazer, toda esperan\u00e7a, porque, de cada vez, dizia para mim mesmo:"], ["agora, est\u00e1s contente, agora est\u00e1s esperan\u00e7oso\u201d (Mayer-Gross, e Steiner)."], ["Abaixo de certo n\u00edvel de diferencia\u00e7\u00e3o ps\u00edquica, os indiv\u00edduos parecem", "viver, meramente, no perimundo, sem saber \u201cde si\u201d. Da\u00ed n\u00e3o existir, em absoluto, nas idiotias muito marcadas, em psicoses -agudas plenamente evolu\u00eddas, na dem\u00eancia profunda adquirida, o problema que consiste em saber a atitude do paciente em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 doen\u00e7a. N\u00e3o h\u00e1, em fim de con- tas, atitude alguma; caso em que \u00e9 melhor n\u00e3o falar em falha da consci\u00ean- cia da doen\u00e7a, e sim em perda da personalidade, que, como \u00e9 evidente, en- cerra a falha da consci\u00eancia da doen\u00e7a como elemento parcial. Enqua- dram-se, em certa medida, nesta categoria aqueles casos not\u00e1veis dos de- mentes org\u00e2nicos, que n\u00e3o t\u00eam sequer consci\u00eancia de defeitos corp\u00f3reos dos mais graves."], ["Nas doen\u00e7as cerebrais org\u00e2nicas (tumor, amolecimento etc.), em que ocorrem paralisia, cegueira, surdez ou outros defeitos graves da mesma ordem, falta, por vezes, a consci\u00eancia respectiva. O doente, ap\u00f3s cegar de todo, afirma poder ver perfeitamente, reage aos exames com negatividade resmungona, irrita-se, procura livrar-se com frases semelhantes \u00e0s que pronunciam os portadores da s\u00edndrome de Korsakov. Quando lhe pergun- tam: \u201cQue \u00e9 isto?\u201d (um rel\u00f3gio) estende as m\u00e3os para diante e responde: \u201cO Senhor est\u00e1 vendo.\u201d, \u201c\u00c9 isto mesmo?\u201d. \u2018Que \u00e9 que o Senhor quer?\u201d; quando poss\u00edvel, descreve qualquer coisa, o m\u00e9dico, por exemplo; movimenta-se gesticulando, como se estivesse vendo tudo, ralha, sustenta estar escuro etc. Redlich e Bonvicini mostraram de que forma uma altera\u00e7\u00e3o ps\u00edquica geral (perplexidade, apatia, euforia, dist\u00farbio s\u00e9rio da capacidade de fixa- \u00e7\u00e3o) nos faz compreens\u00edvel essa falha da consci\u00eancia da doen\u00e7a; ao que corresponde o fato de alguns pacientes, vez por outra e por forma transit\u00f3- ria, ganharem certa percep\u00e7\u00e3o da sua cegueira, esquecendo-a, por\u00e9m, logo a seguir. \u2014 Parece, no entanto, haver defeitos de rendimento individuais, cuja ess\u00eancia especial consiste em serem dif\u00edceis de notar, de maneira que a falha da compreens\u00e3o n\u00e3o constitui, necessariamente, sinal de desagre- ga\u00e7\u00e3o da personalidade. Assim \u00e9 que Pick diz o seguinte: \u201cO af\u00e1sico amn\u00e9- sico procura palavras que lhe faltam, com a sensa\u00e7\u00e3o permanente de que a fala lhe \u00e9 incompleta; pelo contr\u00e1rio, o af\u00e1sico que fala em estilo telegr\u00e1- fico ou em infinitivos n\u00e3o para um instante de falar; n\u00e3o tem, de modo ge- ral, o sentimento de que alguma coisa. falta no que diz, alguma coisa que teria de procurar (mesmo nos casos nos quais tem consci\u00eancia de seu de- feito fonat\u00f3rio).\u201d Tamb\u00e9m se observa o dil\u00favio vocabular paraf\u00e1sico dos portadores de afasia sensorial, os quais n\u00e3o parecem perceber, em abso-"], ["luto, que ningu\u00e9m os compreende, ao passo que o portador de afasia mo- tora tem vocabul\u00e1rio sempre escasso, fazendo tentativas de falar, mas per- manecendo consciente de sua incapacidade e acabando por desistir.", "2. Atitude nas psicoses agudas.", "N\u00e3o h\u00e1, nas psicoses, compreens\u00e3o plena que dure. Quando esta per-"], ["siste, n\u00e3o falamos em psicose, e sim em psicopatia. Algumas manifesta- \u00e7\u00f5es s\u00e3o, na realidade, corretamente ajuizadas; quanto ao mais, por\u00e9m, n\u00e3o se reconhecem, em geral, in\u00fameras manifesta\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas como tais e, ao rev\u00e9s, sentimentos m\u00f3rbidos surgem cujo conte\u00fado \u00e9 falso, signifi- cando at\u00e9 sintoma. Por exemplo, o melanc\u00f3lico considera-se deteriorado e empestado, ao passo que o paranoico se pretende perturbado no curso de seu pensamento por maquina\u00e7\u00f5es exteriores. H\u00e1 doentes que dizem: \u201cN\u00e3o sei, estou maluco, ou o que \u00e9?.... Vejo, n\u00e3o sei o que \u00e9, s\u00e3o fantasias? .... N\u00e3o sei o que isto significa; estou enfeiti\u00e7ado, ou o que \u00e9?\u201d Nas psicoses agudas, ocorrem, entretanto, estados passageiros em que o doente tem compreens\u00e3o ampla da doen\u00e7a. Por exemplo, um paciente volta a si, por alguns instantes, de suas viv\u00eancias fant\u00e1sticas, constata que est\u00e1 no hos- pital e at\u00e9 apressa seu transporte para o frenoc\u00f4mio. Ao iniciar-se o pro- cesso, encontra-se, por vezes, uma compreens\u00e3o t\u00e3o extensa da enfermi- dade, com corre\u00e7\u00e3o das ideias delirantes, ajuizamento correto das vozes etc., que se chega a acreditar em cura e em estado psicop\u00e1tico benigno. Essa compreens\u00e3o \u00e9, todavia, quase sempre passageira. Pode-se, ocasio- nalmente, observar uma oscila\u00e7\u00e3o dentro de poucas horas ou dias. H\u00e1 ve- zes nas quais, em meio a viv\u00eancias esquizofr\u00eanicas, a consci\u00eancia se aclara, de s\u00fabito e, posteriormente, os pacientes v\u00eam a contar: \u201cDe re- pente, tive consci\u00eancia, durante um momento, de minha perturba\u00e7\u00e3o\u201d; ou outro: \u201cVeio-me, de modo inteiramente repentino, \u00e0 consci\u00eancia, o absurdo daquilo tudo\u201d. A compreens\u00e3o que aparece por alguns instantes \u00e9 muito mais vasta do que sugere o conte\u00fado da maioria d\u00e1s manifesta\u00e7\u00f5es ver- bais:"], ["A senhorita B. declara n\u00e3o estar doente, e sim, realmente, gr\u00e1vida; n\u00e3o \u00e9 del\u00edrio, \u00e9 horr\u00edvel ter acontecido isso, o futuro \u00e9 pavoroso. N\u00e3o sabe como resolver suas preocupa\u00e7\u00f5es. Da\u00ed a minutos, declara, no entanto, esponta- neamente, j\u00e1 lhe haver ocorrido isso, outras vezes (j\u00e1. passara por v\u00e1rias fases semelhantes, das quais se curara.", "Em estados psicop\u00e1ticos nos quais o doente, geralmente, \u00e9 dominado,", "uma compreens\u00e3o, todavia, sempre existe. Vejamos como Gebsattel des- creve a no\u00e7\u00e3o da doen\u00e7a numa paciente ananc\u00e1stica:"], ["\u201cEla distingue aquilo que \u00e9 doente em si daquilo que \u00e9 sadio: sente-se dupla e acha que, um dia, todo seu sistema compulsivo \u2018h\u00e1 de desmoronar feito um castelo de cartas\u2019; ou \u2018de desaparecer feito um fantasma\u2019. \u00c0s ve- zes, \u2018caem-lhe as escamas dos olhos' \u2014 v\u00ea \u2018ent\u00e3o, tudo de maneira absolu- tamente real\u2019 e experimenta sentimento \u2018de intensa felicidade\u2019, mas s\u00f3 por alguns instantes. \u00c9 como se uma pessoa sa\u00edsse do teatro, \u2018o cen\u00e1rio su- mindo\u2019. Acha que, um dia, ter\u00e1 de curar-se da doen\u00e7a, ou de despertar dela, como se tivesse sido um sonho\u201d.", "3. Atitude em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 psicose ap\u00f3s a recupera\u00e7\u00e3o de psicoses agudas.", "Mais importante ainda do que durante a psicose aguda, \u00e9 observarmos"], ["a atitude dos pacientes em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 psicose de que se hajam recuperado e, atrav\u00e9s do conte\u00fado dos ju\u00edzos pronunciados, que t\u00e3o facilmente enga- nam, penetrarmos na atitude verdadeira, se n\u00e3o quisermos iludir-nos com todo o quadro m\u00f3rbido. Certo \u00e9 que a compreens\u00e3o plena dos pacientes \u2014 por exemplo, ap\u00f3s um del\u00edrio, ap\u00f3s uma alucinose alco\u00f3lica, e tamb\u00e9m uma mania, \u2014 oferece quadro muito claro: os doentes declaram, sem constrangimento, referindo-se aos sintomas particulares, haverem estado enfermos. Falam com todo desembara\u00e7o e franqueza nos conte\u00fados da psicose, que lhes s\u00e3o, a esta altura, absolutamente estranhos e indiferen- tes, a que se referem e de que talvez riem, despreocupados e desinibidos, como se se tratasse de coisa que nem lhes diz respeito. Da compreens\u00e3o que formam tiram, apenas, consequ\u00eancias compreens\u00edveis: preocupa\u00e7\u00e3o com a reca\u00edda, preocupa\u00e7\u00e3o com o horror da interna\u00e7\u00e3o ocorrida etc."], ["Pelo contr\u00e1rio, n\u00e3o s\u00e3o raros, de forma alguma, noutras psicoses, prin- cipalmente nas esquizofr\u00eanicas, os casos em que os ju\u00edzos pronunciados, subjetivamente honestos, parecem revelar compreens\u00e3o plena; o que, en- tretanto, n\u00e3o existe, a uma observa\u00e7\u00e3o mais estrita. Declaram os doentes haverem sofrido doen\u00e7a mental, estarem convencidos da irrealidade dos conte\u00fados, sentirem-se, agora, novamente s\u00e3os. N\u00e3o falam, por\u00e9m, com desembara\u00e7o em todos, os conte\u00fados da psicose e, mesmo que queiram falar, percebe-se-lhes a excita\u00e7\u00e3o despropositada, quando inquiridos a res- peito dos conte\u00fados. Coram, empalidecem, suam, acabam esquivando as respostas e dizem n\u00e3o querer mais aprofundar-se nisso, porque os p\u00f5e nervosos. De casos tais a outros em que o doente simplesmente nega a in- forma\u00e7\u00e3o, todas as transi\u00e7\u00f5es existem. Ocasionalmente, nota-se que cer- tos detalhes individuais (persegui\u00e7\u00f5es etc.) se mant\u00eam como sendo reais, ouvindo-se frases desta ordem: \u201cTeoricamente, posso ter d\u00favida se foi real ou n\u00e3o; mas pr\u00e0ticamente, n\u00e3o; sen\u00e3o, estaria preso para sempre\u201d etc."], ["Nesses casos, n\u00e3o se pode falar, absolutamente, em compreens\u00e3o plena da doen\u00e7a. A personalidade desses enfermos, permanentemente tomada \u2014 muitas vezes, sem que o percebam \u2014 pelos conte\u00fados da psicose, n\u00e3o \u00e9 capaz de consider\u00e1-los, objetivamente, como de todo estranhos; mas, ape- nas, de rejeit\u00e1-los, como algo que se deve abolir, eliminar. Noutros casos, a psicose aguda n\u00e3o \u00e9 absolutamente desagrad\u00e1vel de recordar. Os enfer- mos at\u00e9 manifestam pesar pelo fato de as reminisc\u00eancias lhes desaparece- rem aos poucos, pois gostariam, afinal, de n\u00e3o perder a rica experi\u00eancia que a psicose lhes trouxe \u00e0 exist\u00eancia."], ["G\u00e9rard de Nerval inicia a autodescri\u00e7\u00e3o de sua doen\u00e7a da seguinte forma: \u201cTentarei registrar as impress\u00f5es de longa mol\u00e9stia, que se desen- rolou nos mist\u00e9rios de minha mente; \u2014 e n\u00e3o sei por que uso a express\u00e3o \u2018mol\u00e9stia', visto que jamais me senti melhor, ao que me lembre. Por vezes, pareciam-me estar as for\u00e7as e as capacidades duplicadas. Tinha impres- s\u00e3o de tudo saber e compreender; e meu poder imaginativo deleitava-me ao infinito. \u00c9 de lamentar t\u00ea-la perdido, quando se recupera aquilo que os homens chamam raz\u00e3o?\u201d.", "4. Atitude nas psicoses cr\u00f4nicas."], ["Os conte\u00fados das manifesta\u00e7\u00f5es verbais simulam, muitas vezes, em"], ["estados psic\u00f3ticos cr\u00f4nicos, a compreens\u00e3o ampla da doen\u00e7a:", "Pacientes, portadores de paranoia incur\u00e1vel do grupo da dem\u00eancia pre- coce podem fazer observa\u00e7\u00f5es desta ordem: A Srta. S.: \u201cSofro de paranoia secund\u00e1ria\u201d; \u201csofro de paranoia alucinat\u00f3ria do tipo de Krafft-Ebing; sinto- me toda revirada\u201d; \u201csofro de paranoia sexual, Doutor; meu manual \u00e9 de 1893; n\u00e3o havia ainda dem\u00eancia precoce\u201d. \u2014 O oper\u00e1rio S., quando lhe perguntam se est\u00e1 doente: \u201cN\u00e3o digo nada a este respeito. Esbarro numa coura\u00e7a: \u00e9 a descren\u00e7a. Para o mundo, \u00e9 del\u00edrio. O mundo quer a reali- dade. Nada posso provar; por isto, guardo para mim o que sei; sen\u00e3o, trancam-me para sempre no hospital de loucos\u201d. Ap\u00f3s um per\u00edodo de exci- ta\u00e7\u00e3o, o mesmo oper\u00e1rio declarou que \u201ctudo era nulo, era miragem; s\u00f3 acredito no que vejo,' no que \u00e9 o princ\u00edpio correto da cultura moderna\u201d. \u2014 Outro paciente respondeu a- recrimina\u00e7\u00f5es que lhe faziam: \u201cPosso fazer isto, estou maluco\u201d.", "Embora semelhantes manifesta\u00e7\u00f5es levem a presumir que houvesse"], ["no\u00e7\u00e3o ampla da doen\u00e7a, esta faltava de todo nos pacientes, que, no mesmo instante, se mostravam convencidos da realidade de seus conte\u00fa- dos delirantes e nada deduziam da compreens\u00e3o aparente que tinham, apenas aprendendo o que os psiquiatras e outras pessoas achavam e"], ["construindo frases correspondentes, que significado algum tinham para eles."], ["e) A vontade de adoecer (o desejo da doen\u00e7a).", "Pela autorreflex\u00e3o, pode o indiv\u00edduo ver-se a si mesmo, julgar-se a si mesmo, exercer influ\u00eancia configurativa sobre si. Em todos estes rumos, h\u00e1 as for\u00e7as que atuam em sentido contr\u00e1rio: o indiv\u00edduo quer fazer-se transparente a si mesmo, ou quer esconder-se, enganar-se a si mesmo e velar a realidade. \u2014 Na esfera da morbidez, existe uma vontade, um de- sejo, um impulso instintivo para a doen\u00e7a e, contrastando, a consci\u00eancia da sa\u00fade. \u2014 A vontade pode interferir na psique, pode obscurec\u00ea-la, ou pode ilumin\u00e1-la; pode inibi-la ou a ela ceder, acrescer-se nalguma coisa e alguma coisa recalcar.", "Existem estas possibilidades em rela\u00e7\u00e3o ao adoecer, na medida em que", "adoecer n\u00e3o constitui, apenas, curso biol\u00f3gico objetivo, mas tamb\u00e9m curso subjetivo da consci\u00eancia da doen\u00e7a, a qual tanto espelha, indife- rente, paralelamente, a consci\u00eancia quanto representa fator atuante, com- ponente do pr\u00f3prio adoecer."], ["O curso \u00e9 t\u00edpico nas doen\u00e7as som\u00e1ticas objetivas: um sentimento de desconforto, de transtorno, ainda n\u00e3o se reconhece como doen\u00e7a. O ju\u00edzo: \u201cEstou doente\u201d surge em radical re-disposi\u00e7\u00e3o da autoconsci\u00eancia vital, quer sob a forma de ruptura da efici\u00eancia, que for\u00e7a a parar o trabalho, quer com o aspecto de ju\u00edzo m\u00e9dico. O que era, at\u00e9 a\u00ed, apenas aborrecido, sem validez, passa a ser sintoma importante e objeto leg\u00edtimo da aten\u00e7\u00e3o. O indiv\u00edduo tende \u201cao isto, ou aquilo\u201d; ou est\u00e1 doente, ou est\u00e1 s\u00e3o. Se jul- gar que est\u00e1 s\u00e3o, o que concluir\u00e1 relativamente ao desconforto \u00e9 que n\u00e3o deve importar-se com ele; se, pelo contr\u00e1rio, julgar que est\u00e1 doente, o des- conforto que sente, a diminui\u00e7\u00e3o da produtividade lev\u00e1-lo-\u00e3o a exigir que o poupem, o tratem, -o curem. Porque n\u00e3o h\u00e1, apenas, doen\u00e7as som\u00e1ticas manifestas, mas 'tamb\u00e9m o rico entrejogo de fen\u00f4menos som\u00e1ticos e ps\u00ed- quicos, assim tamb\u00e9m a atitude fundamental do indiv\u00edduo \u00e9, por vezes, de import\u00e2ncia decisiva para o curso das manifesta\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas m\u00f3rbidas."], ["Ao \u201cn\u00e3o importar-se com a doen\u00e7a\u201d e ao autocontrole na preserva\u00e7\u00e3o da vida normal op\u00f5em-se tanto a domina\u00e7\u00e3o compulsiva do indiv\u00edduo pela doen\u00e7a som\u00e1tica quanto a entrega absoluta- -como vontade de adoecer, ou desejo da doen\u00e7a, visando a realizar mente despercebida \u00e0 enfermidade, que acontece apresentar-se um objetivo. Os pacientes querem ser lastima-"], ["dos, fazer sensa\u00e7\u00e3o, -esquivar-se a obriga\u00e7\u00f5es laborativas; ou querem re- ceber pens\u00e3o, ou gozar prazeres fant\u00e1sticos. Essa entrega e esse desejo desempenham grande papel n\u00e3o s\u00f3 nas neuroses som\u00e1ticas, como ainda no desenvolvimento das crises de pseudologia fant\u00e1stica (mentiras fant\u00e1s- ticas em que o pr\u00f3prio enfermo acredita, associadas a atos consequentes que lhes correspondem) e de outros fen\u00f4menos hist\u00e9ricos. Ap\u00f3s breve fase inicial de intencionalidade, os enfermos passam, at\u00e9 contra sua vontade, a ser dominados nela doen\u00e7a, que, ent\u00e3o, segue seu curso (psicoses carcer\u00e1- rias, por exemplo). Tamb\u00e9m a excita\u00e7\u00f5es man\u00edacas de grau moderado pode o indiv\u00edduo entregar-se, aumentando-as, ou pode domin\u00e1-las."], ["H\u00e1 pessoas que t\u00eam necessidade de estar doentes: se qualquer coisa m\u00f3rbida aparece, estimulam-na, cedem instintivamente, embora a consci- \u00eancia lhes pe\u00e7a tratamento m\u00e9dico e cura. A doen\u00e7a para elas transforma- se em conte\u00fado vital, maneira de representar certo papel, servir-se dos ou- tros, obter vantagens, livrar-se das solicita\u00e7\u00f5es da realidade. Em formula- \u00e7\u00e3o geral: querem que se conceba aquilo que envolve responsabilidade e que \u00e9 compreens\u00edvel como se fosse evento que n\u00e3o envolve responsabili- dade para eles; que \u00e9 meramente causal. H\u00e1 outros que t\u00eam necessidade, sejam quais forem as circunst\u00e2ncias, de estar s\u00e3os, quando se sentem su- jeitos a processos m\u00f3rbidos. N\u00e3o permitem, por exemplo, que fen\u00f4menos nervosos se desenvolvam, eles pr\u00f3prios esclarecendo-se sempre a si mes- mos. Negam validez ao que \u00e9 puramente causal, predeterminado e at\u00e9 transformam muita coisa, o mais poss\u00edvel, em eventos compreens\u00edveis, contendo responsabilidade; portanto, indeterminado. Em estados anor- mais, quando levam semelhante atitude ao exagero, pode acontecer que, afinal, se sintam aliviadas, se lhes \u00e9 dado ajuizar alguma coisa como \u201cpa- tol\u00f3gico\u201d."], ["Ao desenvolvimento de estados som\u00e1ticos m\u00f3rbidos, com interfer\u00eancia", "de pendor para a doen\u00e7a, pode-se aplicar uma frase de Charcot: \u201cH\u00e1 um momento entre a sa\u00fade e a enfermidade em que tudo parece depender do paciente.\u201d", "N\u00e3o se pode duvidar de que o comportamento ps\u00edquico influencie o dis- t\u00farbio som\u00e1tico. Se uma pessoa recebe, pelo telefone, qualquer informa\u00e7\u00e3o penosa, a m\u00e3o e o bra\u00e7o lhe parecem cansados, quando torna a colocar o fone no gancho; se quer escrever, sente c\u00e2imbras; trabalhando, n\u00e3o pen- sando no assunto, quando acorda, o dist\u00farbio deixa de apresentar-se, mas fica subjacente e volta a ocorrer ao menor est\u00edmulo. Certo paciente sente \u201cuma coisa no bra\u00e7o\u201d, quando tem de enfrentar situa\u00e7\u00f5es opressi-"], ["vas, ou desvantajosas. M\u00f5bius cita o caso de um paciente com acinesia al- gera \u201cpara o qual pensar na doen\u00e7a parecia prejudicial; da\u00ed tentar concen- trar, intensamente, a aten\u00e7\u00e3o em qualquer objeto; s\u00f3 n\u00e3o conseguia isso suficientemente antes de dormir e quando^ acordava; era, ent\u00e3o, como se as ideias lhe descessem para os membros, os quais se tornavam mais sen- s\u00edveis\u201d."], ["Kretschmer procura interpretar o modo por que se pode determinar e desenvolver, mediante vontade mais ou menos clara, a transposi\u00e7\u00e3o para a esfera som\u00e1tica. Em n\u00f3s mesmos podemos observar que o reflexo pate- lar se apresenta mais ou menos intenso conforme se concentre ou n\u00e3o a vontade em seu refor\u00e7o; fato normal que se encontra nalgumas manifesta- \u00e7\u00f5es hist\u00e9ricas. A princ\u00edpio, h\u00e1 um efeito reflexivo agudo (tremor, por exemplo), que mal se consegue reprimir no pico inicial; depois, a intensi- dade do reflexo decresce, podendo-se refor\u00e7\u00e1-la facilmente pela influ\u00eancia da vontade; a seguir, pelo costume, ele novamente se faz mais tenaz, pro- gressivamente mais intenso e, por fim, a vontade, mesmo concentrada, n\u00e3o consegue reprimi-lo. A voli\u00e7\u00e3o \u00e9 capaz de refor\u00e7ar, momentaneamente, o reflexo e de nele insinuar-se pela repeti\u00e7\u00e3o.", "f) Sobre o significado e as possibilidades da atitude em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 doen\u00e7a."], ["Kierkegaard escreveu, de experi\u00eancia pr\u00f3pria, \u00e3 frase seguinte: \u201cA maior afli\u00e7\u00e3o \u00e9 e sempre ser\u00e1 n\u00e3o sabermos se nosso sofrimento \u00e9 mol\u00e9s- tia da mente ou pecado.\u201d"], ["As categorias de que, grosso modo, nos servimos para estabelecer dis- crimina\u00e7\u00f5es e concep\u00e7\u00f5es psicopatol\u00f3gicas n\u00e3o penetram nas profundida- des do ente humano. Existe a\u00ed uma origem, da qual ele parece poder des- tacar-se em rela\u00e7\u00e3o a tudo quanto lhe; acontece, tudo quanto o acomete, tudo quanto, ele distanciando-se, n\u00e3o \u00e9 ele pr\u00f3prio. Constitui\u00e7\u00e3o, sexa, ra\u00e7a, idade, doen\u00e7a \u2014 mesmo que seja a esquizofrenia \u2014 tudo \u00e9 ele pr\u00f3- prio, de um modo ou de outro, na medida em que o vincula inelutavel- mente. A tudo, no entanto, lhe \u00e9 poss\u00edvel opor-se, assumir atitude perante tudo e, em vez de identificar-se (\u201csou assim\u201d), tudo sobrepujar, n\u00e3o ceder, s\u00f3 assim realizando o que, na verdade, ele pr\u00f3prio \u00e9. Depois, tem de com- preender sua realidade, interpret\u00e1-la, desde que a apreenda, experimen- tar-lhe o conte\u00fado, destacando-lhe o significado naquilo que lhe \u00e9 dado. Tem, a seguir, de distinguir entre o que \u00e9 naturalmente acrescido e o que dele pr\u00f3prio prov\u00e9m; entre o que \u00e9 e o que n\u00e3o \u00e9 significativo; e que tarefas lhe imp\u00f5e, realmente, a fatualidade. A interpreta\u00e7\u00e3o compreensivamente"], ["apropriativa \u00e9 infinita, constituindo, apenas, campo restrito, que se pode vir a saber por forma compulsivamente objetiva; al\u00e9m do que, a maneira por que o homem concebe sua individualidade e assume atitude em rela- \u00e7\u00e3o a si mesmo se acha em constante movimento. As categorias e imagens do existir humano, desenvolvidas em seu mundo, mostram-lhe os cami- nhos, mas o modo por que se comporta lhe ultrapassa o saber expl\u00edcito moment\u00e2neo; modo que, relacionado, por forma imposs\u00edvel de objetivar, com sua ess\u00eancia, vem a ser a totalidade emergente daquilo que \u00e9 reali- dade, compreensibilidade, cria\u00e7\u00e3o; e o observador n\u00e3o consegue, afinal, esclarecer se \u00e9 recusa ou resigna\u00e7\u00e3o, amor da pr\u00f3pria origem, ou \u00f3dio de si mesmo na pr\u00f3pria origem; se \u00e9 a autodisciplina met\u00f3dica que apenas modela, ou a atua\u00e7\u00e3o interna na qual o homem se encontra a si mesmo por seu pr\u00f3prio esfor\u00e7o."], ["Se tivermos em vista esta situa\u00e7\u00e3o b\u00e1sica, brevemente recordada, do existir humano, teremos de considerar, por igual \u2014 claramente, embora, s\u00f3 em raros casos \u2014 a possibilidade de comportamentos extremamente significativos, originados da seriedade de uma exist\u00eancia hist\u00f3rica, em que de in\u00edcio, talvez n\u00e3o vejamos sen\u00e3o esquizofrenia e em que, na verdade, o conhecimento cient\u00edfico mais n\u00e3o permite ver; poderemos, no entanto, per- ceber tamb\u00e9m as lindes de nosso saber. O que chamamos atitude do paci- ente em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 sua doen\u00e7a encerra uma polaridade: de um lado, um saber compreensivo de refer\u00eancia ao processo m\u00f3rbido; de outro, uma apropria\u00e7\u00e3o compreensiva, relacionada com o fundamento da exist\u00eancia pr\u00f3pria. Aquele saber \u00e9, pelo significado, id\u00eantico ao saber m\u00e9dico. O paci- ente pode ler livros, ou at\u00e9 ser, ele mesmo, psiquiatra; e pode aplicar \u00e0 sua concep\u00e7\u00e3o pontos de vista cient\u00edficos; mas esta apropria\u00e7\u00e3o constitui ape- nas, ato compreens\u00edvel, situado no meio de uma intermediariedade, ato que quanto mais completo for o saber \u00e9 que tanto mais puramente se de- senvolver\u00e1. Como cientistas, precisamos precaver-nos de tomar a m\u00e9dia por padr\u00e3o de todos os seres humanos. O que est\u00e1 oculto e mal se sente no homem como homem est\u00e1 sempre presente como possibilidade, tendo s\u00f3 em casos raros de manifestar-se. Daquilo que limita o conhecimento do homem, sua exist\u00eancia, origina-se aquilo que, nele, pode defrontar toda doen\u00e7a como se fosse qualquer outra coisa, identificando-se, por\u00e9m, nos conte\u00fados que nos inclinamos, do mesmo passo, a chamar m\u00f3rbidos. A constante procura, interpreta\u00e7\u00e3o e enquadramento do que nos parece ori- ginar-se, por forma objetiva, no processo m\u00f3rbido n\u00e3o significa, necessari- amente, compreens\u00e3o falha da doen\u00e7a. Kierkegaard ia ao m\u00e9dico \u201cpara n\u00e3o esquivar-se \u00e0 inst\u00e2ncia humana\u2019\u2019; \u00e9 de presumir que tamb\u00e9m movido pelo impulso de reconhecer, clara e compulsivamente, o que lhe parecia"], ["pecado. Compreendemos que se sentisse profundamente desiludido, pois as categorias m\u00e9dicas deviam ter para suas experi\u00eancias o mesmo sentido que a l\u00edngua dos botocudos para a filosofia plat\u00f4nica. Mesmo, contudo, que deparasse com o mais elevado n\u00edvel de concep\u00e7\u00e3o psicopatol\u00f3gica, ou- tro resultado n\u00e3o lograria. N\u00e3o se pode escamotear no conhecimento cien- t\u00edfico de meros eventos naturais aquilo que se haja experimentado, com toda a seriedade e o m\u00e1ximo de clareza consciente, como sendo o trato se- creto de Deus, que jamais permite saber, \u00e0 definitiva, o que Deus disse ou pretendeu dizer."], ["Resta ao psicopatologista, no entanto, o saber fronteiri\u00e7o. Comportar-", "se-\u00e1 de maneira radicalmente insensata, se postular um evento b\u00e1sico da altera\u00e7\u00e3o da exist\u00eancia, em vez de processos m\u00f3rbidos de tipo empirica- mente constat\u00e1vel. A exist\u00eancia \u00e9 intoc\u00e1vel ao saber e \u00e0 experi\u00eancia psico- patol\u00f3gica.", "2.4. O TODO DAS CONEX\u00d5ES COMPREENS\u00cdVEIS (CARACTEROLOGIA)"], ["\u00a7 1. A Limita\u00e7\u00e3o Do Conceito", "Em toda a psicopatologia, o que antes de mais nada se exige \u00e9 o em- prego de conceitos determinados un\u00edvocos. N\u00e3o h\u00e1, entretanto, conceito que se use t\u00e3o amb\u00edgua e variadamente quanto o de personalidade ou de car\u00e1ter.", "a) O ser do car\u00e1ter.", "Vemos o car\u00e1ter no modo especial pelo qual um homem se manifesta, se move; na maneira por que vivencia situa\u00e7\u00f5es, por que a elas reage; na forma por que ama, se enci\u00fama, leva a vida; nas necessidades que tem e nas aspira\u00e7\u00f5es que lhe s\u00e3o pr\u00f3prias; nos objetivos que se prop\u00f5e; no modo por que forma ideais e quais s\u00e3o estes; nos valores pelos quais se guia; no que faz e produz; na maneira por que procede. Enfim: chamamos persona- lidade o todo individualmente variado e caracter\u00edstico das conex\u00f5es com- preens\u00edveis da vida ps\u00edquica. Com isso fazemos limita\u00e7\u00f5es:"], ["1. Nem tudo que compreendemos inclu\u00edmos na personalidade. Compre- endemos, por exemplo e sem qualquer refer\u00eancia pessoal, de que maneira uma impress\u00e3o sensorial repentina chama sobre si a aten\u00e7\u00e3o, de um mo- mento para outro; e compreendemos o poder fascinante da novidade; etc. N\u00e3o inclu\u00edmos na personalidade nenhuma conex\u00e3o ps\u00edquica dentre aque- las que consideramos, isoladamente, em si e pelas quais n\u00e3o chegamos \u00e0 compreens\u00e3o das conex\u00f5es globais; de que dispomos como se fossem sim- ples fragmentos, vistos, neles mesmos, de dentro. O que dizemos, na reali- dade, \u00e9 que todos esses processos t\u00eam alguma coisa peculiarmente impes- soal, embora os compreendamos. Se o evento ps\u00edquico se comp\u00f5e, exclusi- vamente, de fragmentos dessa ordem, tal como se d\u00e1 nas psicoses agudas plenamente evolu\u00eddas, j\u00e1 n\u00e3o falamos, geralmente, em personalidade (que aqui ainda se nota, como ess\u00eancia individual, na perplexidade, nos ju\u00edzos repentinamente claros, que, vez por outra, aparecem no background dos processos agudos). cia e viv\u00eancia, a psique n\u00e3o \u00e9 o car\u00e1ter, mas, apenas, a generalidade de", "toda exist\u00eancia ps\u00edquica. Car\u00e1ter e personalidade s\u00f3 existem pela totali- dade de um conte\u00fado individual."], ["2. Nem sempre falamos em personalidade na totalidade das conex\u00f5es compreens\u00edveis. Compreendemos, por exemplo, que o idiota do mais baixo n\u00edvel fuja de um objeto apavorador e formamos imagem das conex\u00f5es compreens\u00edveis que se cont\u00eam em sua vida ps\u00edquica., sem, no entanto, conceb\u00ea-lo, a bem dizer, como personalidade. Tem de haver, no indiv\u00edduo, que \u00e9 personalidade, um sentimento de si mesmo, um sentimento indivi- dual do eu. N\u00e3o nos referimos \u00e0 consci\u00eancia abstrata do eu, que acompa- nha, de maneira id\u00eantica, todos os processos ps\u00edquicos; referimo-nos, sim, ao sentimento do eu que \u00e9 consciente de si mesmo como de um eu espe- cial, em sua historicidade. Esta \u00e9 a consci\u00eancia da personalidade que se op\u00f5e \u00e0 mera consci\u00eancia do eu. N\u00e3o h\u00e1 personalidade sem consci\u00eancia de si mesma. Quando essa personalidade consciente de si mesma cessa, con- forme acontece nos graus inferiores da vida ps\u00edquica, tamb\u00e9m cessa a ca- racterologia. Coisa fundamentalmente outra \u00e9 a caracterologia dos ani- mais, quer encaremos as esp\u00e9cies, quer os indiv\u00edduos (digamos, o chim- panz\u00e9): ou seja, compreens\u00e3o anal\u00f3gica de modalidades e comportamentos que n\u00e3o t\u00eam consci\u00eancia de si mesmos.", "3. Nem tudo que varia individualmente inclu\u00edmos na personalidade. Nela n\u00e3o inclu\u00edmos as varia\u00e7\u00f5es individuais do aparelho psicof\u00edsico sobre o qual se edifica a personalidade. N\u00e3o podemos confundir com a personalidade aquelas capacidades realizativas, mn\u00eamicas, a fatigabilidade, a produtivi- dade etc., isto \u00e9, aqueles atributos b\u00e1sicos do mecanismo psicofisiol\u00f3gico, talentos, intelig\u00eancia, enfim, os instrumentos que s\u00e3o, certamente, requisi- tos da personalidade e do respectivo desenvolvimento, mas que n\u00e3o s\u00e3o ela mesma; isso se quisermos distinguir aquilo que \u00e9 em si compreensivel- mente conexo daquilo que, a dado momento, se apresenta incompreens\u00ed- vel. E \u00e9, sobretudo, a estreita conex\u00e3o rec\u00edproca entre intelig\u00eancia e perso- nalidade que n\u00e3o nos permite conceber uma e outra como sendo uma coisa s\u00f3. Aquela \u00e9 um instrumento, ou ferramenta, que podemos experi- mentar, medir, avaliar segundo os servi\u00e7os que presta; esta, uma conex\u00e3o consciente de si mesma no eu; aquela \u00e9 material passivo; esta, a persona- lidade ativa, em cujas m\u00e3os o aludido material se conforma, de acordo com interesses, objetivos e necessidades; aquela \u00e9 requisito pelo qual essa personalidade se faz sequer poss\u00edvel e pelo qual se pode desenvolver; esta \u00e9 a for\u00e7a que, s\u00f3 ela, permite o trabalho daquela ferramenta, a qual, sem ela, se deterioraria imprest\u00e1vel. O conceito de dem\u00eancia ou de debilidade mental, tal qual, em geral, se usa diz respeito a uma destrui\u00e7\u00e3o, quer da"], ["intelig\u00eancia, quer da personalidade."], ["Assim, pois, resumindo, podemos dizer: A personalidade \u00e9 constitu\u00edda", "por todos os processos e manifesta\u00e7\u00f5es ps\u00edquicos, na medida em que le- vam a uma conex\u00e3o individual e universalmente compreens\u00edvel, vivenci- ada pelo indiv\u00edduo com a consci\u00eancia de seu eu particular.", "b) O devenir do car\u00e1ter."], ["Discutindo por esta forma, vem- se a apreender a personalidade ou o", "car\u00e1ter como um ser ou existir, que \u00e9 tal qual \u00e9; que existe, originaria- mente, desde o nascimento, que n\u00e3o se transforma, essencialmente, e sim mostra, apenas, se faz consciente de si, sem, entretanto, produzir-se. A\u00ed temos, contudo, s\u00f3 um aspecto, que pode levar a engano. O car\u00e1ter \u00e9 tam- b\u00e9m devenir e ter devenido; \u00e9 aquilo que se realiza no mundo pelas situa- \u00e7\u00f5es e pelas ocasi\u00f5es e tarefas que nestas se d\u00e3o. O car\u00e1ter \u00e9, com seu fundamento historicamente dado, o produzir-se do homem no tempo; \u00e9 mais do que marca de um ser-assim definitivo no fen\u00f4meno do curso cro- nol\u00f3gico; de modo que o car\u00e1ter s\u00f3 se evidencia pela biografia, na qual se abrange o curso existencial com suas possibilidades e decis\u00f5es."], ["Da\u00ed ser o pensamento caracterol\u00f3gico, necessariamente, amb\u00edguo, como toda a psicologia compreensiva, porque determina o que \u00e9 assim, transformando-se em conhecimento, e esclarece o que pode ser, transfor- mando-se em apelo \u00e0 liberdade.", "c) O car\u00e1ter compreens\u00edvel e a incompreensibilidade."], ["Pelo conhecimento compreensivo, penetramos no incompreens\u00edvel, em que se funda o todo eventual das conex\u00f5es compreens\u00edveis. De fora, \u00e9 a re- alidade do mundo, que toca o indiv\u00edduo particular e lhe determina a vida inteira, a partir do nascimento, mediante o que d\u00e1 e o que ret\u00e9m, o que exige e o que deixa livre. De dentro, esse incompreens\u00edvel \u00e9, de um lado, a disposi\u00e7\u00e3o biologicamente dada; de outro lado, a liberdade do homem como \u201cexist\u00eancia\u201d poss\u00edvel. Esta \u00faltima n\u00e3o \u00e9 objetivo do conhecimento, nem se pode investig\u00e1-la; psic\u00f3logos e psicopatologistas que somos, con- templamos, no entanto, o homem na medida, apenas, em que constitui objeto de investiga\u00e7\u00e3o. \u00c9 como alguma coisa biol\u00f3gica que procuramos conceituar o incompreens\u00edvel no qual, realmente, se cont\u00e9m todo o com- preens\u00edvel.", "1. A todas as conex\u00f5es compreens\u00edveis, aos movimentos impulsivos, \u00e0s"], ["mudan\u00e7as de humor, \u00e0s rea\u00e7\u00f5es, atos, objetivos e ideais sempre acrescen- tamos uma disposi\u00e7\u00e3o, que se exprime nesses processos ps\u00edquicos atuais e conscientes, bem como nas respectivas manifesta\u00e7\u00f5es. Chamamos tam- b\u00e9m personalidade essa disposi\u00e7\u00e3o, na qual julgamos ver a disposi\u00e7\u00e3o ex- traconsciente em rela\u00e7\u00e3o ao todo das conex\u00f5es compreens\u00edveis; com o que queremos dizer que esta disposi\u00e7\u00e3o da personalidade universalmente com- preens\u00edvel nas conex\u00f5es das manifesta\u00e7\u00f5es respectivas \u2014 \u00e9, como todo, em sua exist\u00eancia real, incompreens\u00edvel, devendo-se explicar, por exemplo, segundo as regras da hereditariedade e conceituar como fator constitucio- nal.", "2. Aquilo em que se baseia a personalidade, aquilo que denominamos", "liberdade n\u00e3o constitui objeto, e sim limite da investiga\u00e7\u00e3o. Diz-se que certo homem \u00e9 e que outro n\u00e3o \u00e9 \u201cuma personalidade\u201d. Semelhantes as- ser\u00e7\u00f5es representam ju\u00edzos filos\u00f3ficos, mas n\u00e3o determina\u00e7\u00f5es emp\u00edricas; Ao que com elas nos referimos \u00e9 a seriedade da exist\u00eancia de um homem; podemos, certamente, desenvolver esclarecimentos filos\u00f3ficos da possibili- dade que elas proporcionam, mas n\u00e3o nos \u00e9 dado obter conhecimento em- p\u00edrico algum da respectiva realidade. A partir das ideias da exist\u00eancia, po- demos construir ideais, que tamb\u00e9m n\u00e3o tardamos, sem exce\u00e7\u00e3o, a con- ceituar, filosoficamente, como falsos. Por exemplo, quando usamos a ex- press\u00e3o \u201cpersonalidade\u201d, pensamos no ideal de uma unidade m\u00e1xima com a riqueza m\u00e1xima de um indiv\u00edduo, indiv\u00edduo de que esse mesmo homem se aproxima, adaptando-se \u00e0s circunst\u00e2ncias da vida real. A coer\u00eancia no pensamento e na a\u00e7\u00e3o, a estabilidade, a confiabilidade s\u00e3o atributos de tal personalidade ideal. Aqui, o que se valora \u00e9 a personalidade do pensador coerente, possuidor de vontade segura e constantemente motivada; a per- sonalidade em que reside uma configura\u00e7\u00e3o art\u00edstica da exist\u00eancia. Nesse sentido se fala em v\u00e1rios tinos de personalidades ideais; por exemplo, o ideal do s\u00e1bio, do santo, do her\u00f3i. N\u00e3o nos interessam, por\u00e9m, a esta al- tura, semelhantes conceitos de personalidade."], ["N\u00e3o \u00e9 s\u00f3 filosoficamente que devemos estar conscientes dos limites da investiga\u00e7\u00e3o em rela\u00e7\u00e3o ao homem; temos de conhec\u00ea-los no interesse da pr\u00f3pria investiga\u00e7\u00e3o. N\u00e3o se pode, certamente, proibir a investiga\u00e7\u00e3o: o que ela pode apreender, determinar, inquirir e pesquisar deve faz\u00ea-lo. Fa- lha, todavia, erra, quando a demais aspira, quando pretende saber o todo, ou poder saber os fundamentos. Quando o conhecimento falha, por forma radical, pode o investigador saber que um campo se abre no qual n\u00e3o en- tra como investigador em rela\u00e7\u00e3o ao homem, e sim como homem que tem no homem o companheiro de destino. Como exist\u00eancia, o homem \u00e9 mais", "do que o todo das conex\u00f5es compreens\u00edveis; e \u00e9 mais do que a totalidade de suas disposi\u00e7\u00f5es biologicamente tang\u00edveis.", "Todas as limita\u00e7\u00f5es acima discutidas concernentes ao conceito de ca-"], ["r\u00e1ter ou de personalidade t\u00eam em comum o fato de ser o c\u00e1rter alguma coisa aberta que indica outra coisa. Correspondendo \u00e0 intermediariedade do objeto da psicologia compreensiva entre todas as modalidades pelas quais se apresente o incompreens\u00edvel, que, no entanto, s\u00f3 se faz inteira- mente manifesto como fato mediante aquela psicologia, o car\u00e1ter que com- preendemos marca, em primeiro lugar, o incompreens\u00edvel, do qual pro- v\u00e9m, a constitui\u00e7\u00e3o, al\u00e9m de todas as formas de realidades biol\u00f3gicas; em segundo lugar, o incompreens\u00edvel para o qual o car\u00e1ter mut\u00e1vel se torna, por assim dizer, instrumento e fen\u00f4meno, a exist\u00eancia, origem transcen- dente e objetivo perp\u00e9tuo do homem. N\u00e3o reconhecemos no car\u00e1ter ne- nhum existir definitivo em si. O car\u00e1ter \u00e9, decerto, em dado momento, em- piricamente, o todo das compreensibilidades; de tal modo, por\u00e9m, que h\u00e1, no homem, alguma coisa pela qual sempre \u00e9 poss\u00edvel aquilo que, empirica- mente, \u00e9 improv\u00e1vel ao extremo. A liberdade pode, a cada instante, reco- me\u00e7ar desde o princ\u00edpio e dar ao todo outro sentido. O car\u00e1ter que com- preendemos n\u00e3o \u00e9 o que o homem \u00e9, a rigor, e sim uma manifesta\u00e7\u00e3o em- p\u00edrica, n\u00e3o conclu\u00edda. O que \u00e9 o pr\u00f3prio homem \u00e9 sua exist\u00eancia ante a transcend\u00eancia, nem uma, nem outra sendo objeto do conhecimento in- vestigativo. Imposs\u00edvel de apreender-se como car\u00e1ter, a exist\u00eancia mostra- se em caracteres, que, como tais, n\u00e3o s\u00e3o definitivos."], ["\u00a7 2. Os M\u00e9todos Da An\u00e1lise Caracterol\u00f3gica", "De h\u00e1 muito que psic\u00f3logos, moralistas, fil\u00f3sofos e psiquiatras prati- cam a an\u00e1lise caracterial, servindo-se de conceitos semelhantes e usando m\u00e9todos id\u00eanticos. O que distingue todos esses esfor\u00e7os caracterol\u00f3gicos da apreens\u00e3o biogr\u00e1fica de personalidades individuais \u00e9 o fato de orienta- rem-se para o que \u00e9 t\u00edpico, para o que se presta a formula\u00e7\u00f5es gerais. Ao passo que o bi\u00f3grafo tem o encargo infind\u00e1vel de apreender uma persona- lidade concreta, encargo para o qual a caracterologia lhe pode fornecer al- guns meios auxiliares, ao caracter\u00f3logo cabe a tarefa de captar os tipos atenuados, os esquemas (que, contrastando com a personalidade con- creta, transparecem, claros, em todas suas ramifica\u00e7\u00f5es), reduzindo com eles, se poss\u00edvel, a conceitos toda a extens\u00e3o em que se move a variedade pessoal humana.", "Cada personalidade \u00e9 infinita em sua realidade e^ possibilidade. A"], ["cada momento, ela representa o configuramento de seu conte\u00fado hist\u00f3- rico, aparecendo no destino, profiss\u00e3o, tarefas, bem como na participa\u00e7\u00e3o na tradi\u00e7\u00e3o espiritual atrav\u00e9s da atividade mental pr\u00f3pria. Assim \u00e9 que o homem constitui, em sua totalidade concreta, objeto das ci\u00eancias do esp\u00ed- rito, pelas quais tamb\u00e9m de modo algum se esgota. O que destacamos na an\u00e1lise psicol\u00f3gica conceituai s\u00e3o meios orientativos relativamente gros- seiros. Vamos apresentar os m\u00e9todos de an\u00e1lise."], ["a) Consci\u00eancia das possibilidades de descri\u00e7\u00e3o verbal."], ["A linguagem proporciona \u00e0 caracteriza\u00e7\u00e3o da ess\u00eancia humana os mais amplos recursos. Klages, que contou, na l\u00edngua alem\u00e3, 4.000 pala- vras referentes ao psiquismo e relacionadas com aspectos da personali- dade, tem, certamente, raz\u00e3o em que os matizes infinitamente sutis por n\u00f3s captados nas diversas designa\u00e7\u00f5es se perderam no uso comum dos voc\u00e1bulos, precisando restabelecer-se conscientemente. Se o psic\u00f3logo tem dificuldade para encontrar termos suficientes, nos setores concebidos como mecanismos ps\u00edquicos, defronta-o, aqui, em meio \u00e0-esmagadora abund\u00e2ncia, a dificuldade de encontrar as diferen\u00e7as mais fundas e mais b\u00e1sicas da personalidade. Da\u00ed n\u00e3o ser poss\u00edvel um sistema caracterol\u00f3gico que prepondere e valha de modo geral; o que se pode, sim, pela elabora\u00e7\u00e3o das an\u00e1lises dispon\u00edveis e pela apropria\u00e7\u00e3o da linguagem que se apresenta nas obras dos poetas e pensadores, \u00e9, apenas, aprender a captar psicologi- camente na compreens\u00e3o imediata, a formular o que se capta; \u00e9 assim que se podem ganhar agilidade, prud\u00eancia e imparcialidade nesse trabalho. Podemos fazer-nos conscientes do modo por que a l\u00edngua, que, na maior parte das vezes, tamb\u00e9m domina, despercebidamente, todas as descri\u00e7\u00f5es psiqui\u00e1tricas \u2014 apenas mais ou menos rica ou pobre; que percorre, em seu significado, todas as dimens\u00f5es dos valores sociol\u00f3gicos, morais, labo- rativos, est\u00e9ticos, portadora que \u00e9 de refer\u00eancias da psicologia da expres- s\u00e3o e de significa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas fisiogn\u00f4micas, a l\u00edngua, embora sem sis- tema, \u00e9, no entanto, realmente impregnada de multiplicidade inesgot\u00e1vel de sistematiza\u00e7\u00f5es poss\u00edveis. A consci\u00eancia da l\u00edngua recorda, permanen- temente, a infinitude da ess\u00eancia humana."], ["A arte da descri\u00e7\u00e3o e an\u00e1lise caracterol\u00f3gica, que de modo algum se pode fundamentar suficiente e metodicamente, nem aprender, depende do dom\u00ednio dessa l\u00edngua e, por isto, a cada momento, dos tra\u00e7os espirituais b\u00e1sicos de cada \u00e9poca, mudando com as valora\u00e7\u00f5es e concep\u00e7\u00f5es gerais; em particular, com as possibilidades vivenciais humanas."], ["b) Os conceitos da caracterologia s\u00e3o aqueles da psicologia compreen-"], ["siva.", "Pode-se dizer que toda a psicologia compreensiva \u00e9 caracterologia, na medida em que visa \u00e0s conex\u00f5es universais das compreensibilidades no homem total; e na medida tamb\u00e9m em que pretende apreender o ser-as- sim especial de indiv\u00edduos particulares."], ["Da\u00ed por que o esquema predominante, involunt\u00e1rio e b\u00e1sico, est\u00e1 em", "fundamentar as compreensibilidades em qualidades constantes e em con- ceber o car\u00e1ter como soma ou conex\u00e3o, ainda aqui compreens\u00edvel, de qua- lidades, estas representando aquilo que permanentemente subjaz. Certos modos comportamentais conceituam- se pela combina\u00e7\u00e3o de qualidades; e as combina\u00e7\u00f5es se desenvolvem em jogo infinito. Este modo de falar pode ser inevit\u00e1vel, mas, se o tomarmos como fundamento da concep\u00e7\u00e3o carac- terol\u00f3gica, nos extraviamos, pois que, assim nos exprimindo, desaparece o movimento do car\u00e1ter e, principalmente, a dial\u00e9tica de tudo quanto nos contrastes se apresenta compreens\u00edvel."], ["Quando, pretendendo compreender caracteres totais e conclu\u00eddos como combina\u00e7\u00e3o de qualidades, queremos saber, por exemplo, que quali- dades caracteriais se pressup\u00f5em, reciprocamente, para a nossa compre- ens\u00e3o, ou se contradizem; que qualidades se ligam a certas outras para a nossa compreens\u00e3o; quais se excluem \u2014 conseguimos fazer experi\u00eancias not\u00e1veis, que ensinam ser este objetivo imposs\u00edvel. Correspondendo \u00e0 compreensibilidade equivalente dos contrastes com que deparamos em toda a psicologia compreensiva, as oposi\u00e7\u00f5es se prendem, diretamente, umas \u00e0s outras. A vida compreensiva realiza-se nos contrastes. Por assim dizer, aquilo que se compreende extingue-se, uma vez fixado por forma unilateral e exclusiva a um dos polos, apenas. A for\u00e7a do que vive est\u00e1 na ades\u00e3o dos contrastes, na supera\u00e7\u00e3o que visa ao todo, e n\u00e3o \u00e0 uni- latera- lidade finita. A coragem est\u00e1 no medo que se supera; quem \u00e9 corajoso, apenas, j\u00e1 n\u00e3o tem, a rigor, coragem alguma."], ["Resulta desta conex\u00e3o b\u00e1sica que une os contrastes o fato de toda constru\u00e7\u00e3o t\u00edpico-ideal de qualidades caracteriais ou de caracteres reali- zar-se em pares de contrastes. Se, por um lado, a an\u00e1lise caracterial emp\u00ed- rica encontra, a todo momento, na complica\u00e7\u00e3o infinita de cada homem particular, a confirma\u00e7\u00e3o da frase: \u201cO homem n\u00e3o \u00e9 livro inteligentemente elaborado, mas uma criatura com sua contradi\u00e7\u00e3o\u201d \u2014 por outro lado, o que marca as atitudes cient\u00edficas construtivas \u2014 as quais, por sua vez"], ["constituem o inevit\u00e1vel recurso da investiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica \u2014 \u00e9 o fato de mo- verem-se nesses contrastes polares. Da\u00ed se infere, contudo, que n\u00e3o s\u00e3o realidades de tipos caracteriais, e sim constru\u00e7\u00f5es ideais de tipos, que nos permitem compreender, em dados momentos, certas conex\u00f5es. Essas constru\u00e7\u00f5es atingem pontos de vista da compreens\u00e3o, n\u00e3o a subst\u00e2ncia existencial. Por isto, a constru\u00e7\u00e3o caracterizadora que se efetiva abre-se \u00e0 realidade do indiv\u00edduo, n\u00e3o constituindo diagn\u00f3stico definitivo do ser-as- sim, mas apelo \u00e0 liberdade do poder-ser que se dirige a todo homem ca- paz, na compreens\u00e3o dos outros, de tamb\u00e9m compreender-se a si mesmo. O ser-assim absoluto, no sentido da determinabilidade definitiva, \u00e9 sempre limitativo de nossa compreens\u00e3o. Nunca o ser-assim se pode afirmar com plena seguran\u00e7a em rela\u00e7\u00e3o ao futuro de um indiv\u00edduo; retrospectiva- mente, pela contempla\u00e7\u00e3o de um curso existencial, s\u00f3 se pode fixar com refer\u00eancia \u00e0 manifesta\u00e7\u00e3o factualmente realizada, se se ignorarem tanto a liberdade e a decis\u00e3o quanto o acaso. N\u00e3o existem caracteres conclu\u00eddos. A existirem, seriam desprovidos de vida e possibilidade; ter-se-iam tornado unilaterais, fixados, terminados, transformados em aut\u00f4matos."], ["Da\u00ed por que, no pensamento caracterol\u00f3gico, se h\u00e1 de chegar, pela ad-", "miss\u00e3o transit\u00f3ria de qualidades, \u00e0 fus\u00e3o das mesmas em movimento compreens\u00edvel. Sempre, no entanto, a caracterologia h\u00e1 de pecar, basica- mente, pela acomoda\u00e7\u00e3o num ser-assim com qualidades."], ["c) Tipologia como m\u00e9todo.", "Se pensarmos numa qualidade como alguma coisa constante, que compreendemos em suas manifesta\u00e7\u00f5es, em suas maneiras reativas, em suas forma\u00e7\u00f5es expressivas e modos comportamentais, estaremos desen- volvendo um tipo. Constru\u00edmos a qualidade com todas suas consequ\u00ean- cias, reconhecemos a concep\u00e7\u00e3o global como alguma coisa evidentemente conexa. Quando fazemos de uma ou v\u00e1rias qualidades o fundamento de uma concep\u00e7\u00e3o total ampla; quando perseguimos uma conex\u00e3o compreen- s\u00edvel em sua atua\u00e7\u00e3o sobre o indiv\u00edduo todo; quando vemos de que ma- neira ele se comunica a tudo quanto a criatura humana vivencia e faz, es- tamos esbo\u00e7ando tipos de caracteres."], ["Esses tipos s\u00e3o, mesmo quando apenas os contemplamos na experi\u00ean- cia, relativamente a homens verdadeiros, tipos ideais. J\u00e1 se revelam medi- ante um homem individual em generalidade plena; n\u00e3o s\u00e3o deduzidos, nem abstra\u00eddos, mas contemplados com omiss\u00e3o daquilo que n\u00e3o lhes pertence. N\u00e3o se apresentam como m\u00e9dia pela contagem de frequ\u00eancias;", "apresentam-se, sim, como formas que aparecem, realmente, de modo ape- nas aproximado, como casos fronteiri\u00e7os cl\u00e1ssicos. A verdade deles est\u00e1 na conex\u00e3o do todo compreens\u00edvel em si; a realidade respectiva est\u00e1, exce- tuando os raros casos fronteiri\u00e7os, no aparecimento fragment\u00e1rio do tipo, que, de fato, n\u00e3o \u00e9 limitado por outros fatores (estes n\u00e3o se compreen- dendo a partir do pr\u00f3prio tipo); e que, por isto, n\u00e3o chega a produzir efeito universal."], ["Cada tipo se h\u00e1 de aplicar a cada indiv\u00edduo. Os indiv\u00edduos correspon- dem aos diversos tipos somente em extens\u00e3o mais ou menos adequada. Os tipos relacionam-se uns com os outros, de tal modo que os contr\u00e1rios n\u00e3o se excluem na realidade do indiv\u00edduo particular, mas se vinculam, di- retamente, uns aos outros.", "O significado que os tipos t\u00eam impossibilita subordinar um indiv\u00edduo a um tipo por forma que seja suficiente e exata. O que corresponde, mais ou menos, a um tipo mais n\u00e3o \u00e9, num indiv\u00edduo concreto, do que certo tra\u00e7o de sua ess\u00eancia, ou natureza; tra\u00e7o que, \u00e9 certo, se faz claro a uma apre- ens\u00e3o coordenada e iluminadora, sem chegar, por\u00e9m, a alcan\u00e7ar o pr\u00f3prio ente humano."], ["Inteiramente diverso \u00e9 o significado do tipo, quando se v\u00ea n\u00e3o como tipo ideal, e sim como tipo real. A autenticidade do tipo radica, todavia, numa realidade que n\u00e3o se compreende, numa causa biol\u00f3gica, numa constitui\u00e7\u00e3o, por for\u00e7a da qual ele vem a ser determinado e, em parte, ape- nas, compreendido, mediante a observa\u00e7\u00e3o das frequ\u00eancias com que se apresenta, correlacionadamente.", "Existem entre tipos ideais e tipos reais certos quadros descritivos de caracteres, que a experi\u00eancia tem acumulado e que afirmam, provisoria- mente, uma validade, sem, entretanto, lhes esclarecer, de fato, o princ\u00edpio."], ["\u00a7 3. Tentativas De Classifica\u00e7\u00e3o Caracterol\u00f3gica B\u00e1sica.", "Quem contempla a caracterologia tem impress\u00e3o de infinitude. Quase todos os autores julgam haver apreendido a ess\u00eancia humana, defendem seus esquemas de maneira mais ou menos absoluta e, \u00e0 primeira vista, esclarecem o leitor menos cr\u00edtico. Distinguem-se, por\u00e9m, consideravel- mente, as v\u00e1rias caracterologias pelo n\u00edvel cultural do autor, pela for\u00e7a com que intuem e, antes de mais nada, pela profundeza da metaf\u00edsica que se prende \u00e0 ideia pressuposta do existir humano. A apresenta\u00e7\u00e3o do pen- samento caracterol\u00f3gico exigiria a vis\u00e3o hist\u00f3rica dos tipos humanos que o"], ["caracter\u00f3logo contempla a cada momento. Em cada \u00e9poca, s\u00e3o certas for- mas que se imp\u00f5em \u00e0 concep\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica predominante, configurando es- truturas essenciais do existir humano; quase sempre, representando mo- delos e contra-modelos, ou ideais do bem e do mal. Cabe aqui apenas re- cordar que existe literatura imensa, na qual se exp\u00f5em estes modos de pensar. O que para n\u00f3s, realmente, importa, \u00e9 o seguinte:", "a) Figuras singulares, individuais."], ["Para come\u00e7ar, a base- de toda caracterologia est\u00e1 na contempla\u00e7\u00e3o v\u00ed-", "vida de figuras que- se marcaram de modo inesquec\u00edvel e que a fantasia tem presentes. \u00c9 indispens\u00e1vel pensar nas figuras dos poetas, nas figuras hist\u00f3ricas cuja biografia \u00e9 acess\u00edvel, nos homens vivos que temos, encon- trado. A riqueza de semelhante vis\u00e3o interior, que se forma, antes de qual- quer conceitualidade, podendo, no entanto, ser extremamente densa, \u00e9 re- quisito do pensamento caracterol\u00f3gico. Todo psicopatologista tem de alar- gar constantemente essa vis\u00e3o e aprofund\u00e1-la.", "O conhecimento, em sentido cient\u00edfico, inicia-se com a tend\u00eancia \u00e0 conceitua\u00e7\u00e3o e \u00e0 classifica\u00e7\u00e3o sistem\u00e1tica, al\u00e9m do confronto met\u00f3dico de representa\u00e7\u00e3o e experi\u00eancia. S\u00e3o de v\u00e1rios tipos as classifica\u00e7\u00f5es: esbo\u00e7o de tipos ideais, sistematiza\u00e7\u00e3o da constru\u00e7\u00e3o global do car\u00e1ter, de modo geral, estabelecimento de tipos reais."], ["b) Tipos ideais.", "Quando classificam tipos ideais, os tipologistas esbo\u00e7am as possibili- dades caracterol\u00f3gicas numa quantidade de polaridades, autoafirma\u00e7\u00e3o e ren\u00fancia, alegria e tristeza, extrovers\u00e3o e introvers\u00e3o etc. Em todas as ti- pologias caracterol\u00f3gicas, \u00e9 o esquema do contraste ou polaridade que se contempla sem exce\u00e7\u00e3o.", "\u00c9 necess\u00e1rio dispor da maneira mais rigorosa poss\u00edvel os pares-, de contrastes, determin\u00e1-los e conhec\u00ea-los em seu significado, n\u00e3o- confundi- los com a realidade humana; e sobretudo: n\u00e3o fundir todos os pares de contrastes numa grande polaridade. Caracterologia ideal seria aquela que, antes da an\u00e1lise emp\u00edrica ilimitada, procedesse \u00e0 sistematiza\u00e7\u00e3o ordenada de todos os contrastes poss\u00edveis nitidamente fixados, tal qual, por exem- plo, faria uma matem\u00e1tica da compreensibilidade.", "O simples esquema polar requinta-se, quando as \u201cqualidades\u2019*\" com-"], ["preens\u00edveis se alargam, pluridimensionalmente, a partir de uma polari- dade. Por exemplo, pensam-se polaridades ou contrastes, cujos, lados, ambos, se valoram por forma positiva: econ\u00f4mico e liberal; aos dois polos correspondem varia\u00e7\u00f5es ou desvios: avaro e perdul\u00e1rio. Ou entre polos ex- tremos, pensa-se o moderado, verdadeiro e vital, como termo m\u00e9dio; este, por sua vez, pensa-se ou antidialeticamente como quantitativo un\u00edvoco, que evita os extremos; ou dialeticamente, como unidade abrangedora, em si tensa, que-, encerra os extremos sob o aspecto de possibilidades cons- tantes da. varia\u00e7\u00e3o ou desvio."], ["Tanto numa como noutra constru\u00e7\u00e3o de tipos ideais, verifica-se que n\u00e3o se pode, absolutamente, descrever o tipo total momentaneamente sin- t\u00e9tico, ao passo que os tipos polares unilaterais se apresentam un\u00edvocos e claros; univocidade que, no entanto, se logrou aceitando o fato de o tipo unilateral ser tamb\u00e9m sempre um tipo- falho; e de o car\u00e1ter preciso, unila- teral, conclu\u00eddo ser um car\u00e1ter que se valorar\u00e1 negativamente; por assim dizer, encalhado. O que se apreende como caracter\u00edstico vem a constituir, em si, falha do existir humano.", "c) Constru\u00e7\u00e3o do car\u00e1ter de modo geral.", "Foi Klages quem procurou ordenar da melhor forma, em geral, a cons- tru\u00e7\u00e3o do car\u00e1ter. Sua caracterologia supera, por forma absoluta, as ten- tativas at\u00e9 o momento empreendidas. Distingue ele os caracteres formais da personalidade, que chama estrutura do car\u00e1ter, das. qualidades da personalidade, seus impulsos, aspira\u00e7\u00f5es, interesses."], ["Na estrutura da personalidade, distinguir-se-\u00e3o ainda tr\u00eas categorias:", "1) O andamento da excitabilidade emocional, ou seja, a dura\u00e7\u00e3o das ondas emocionais, a energia da reatividade. S\u00e3o as diversidades do \u201ctem- peramento\u201d, que oscilam do fleum\u00e1tico ao sangu\u00edneo.", "2) O humor vital predominante, que oscila do melanc\u00f3lico ao euf\u00f3rico,", "do d\u00edscolo ao \u00eaucolo.", "3) As qualidades formais dos processos volitivos oscilam da forte acen- tua\u00e7\u00e3o volitiva \u00e0 fraqueza da vontade. A acentua\u00e7\u00e3o volitiva apresenta-se ativa na energia, na iniciativa, na espontaneidade atuativa; passiva, na obstina\u00e7\u00e3o, na tenacidade, na resist\u00eancia, na modalidade reativa que se configura em capricho e teimosia. A estas tr\u00eas formas estruturais Klages op\u00f5e, por conseguinte, a quali- dade do car\u00e1ter\", digamos que seja a subst\u00e2ncia ou conte\u00fado- essencial.", "Chama-a sistema das molas-mestras ou est\u00edmulos (o car\u00e1ter, em sentido mais estrito, opondo-se ao temperamento, ao- humor vital e \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o volitiva formal). \u00c9 isto a personalidade propriamente dita, na qual existe um contraste: aos impulsos op\u00f5e-se uma vontade; \u00e0s gratifica\u00e7\u00f5es que se buscam, sem saber, nos rumos impulsivos op\u00f5em-se os objetivos e finali- dades conscientes; \u00e0s qualidades meramente sentidas do mundo, op\u00f5em- se os valores conscientemente reconhecidos e julgados. De um lado, est\u00e1 o conte\u00fado da personalidade; por assim dizer, o material de que ela \u00e9 for- mada; doutro lado, a vontade, que pode conform\u00e1-lo, inibi-lo, oprimi-lo ou anim\u00e1-lo e estimul\u00e1-lo; mas que nada lhe pode acrescer. H\u00e1 sempre, na vontade, pela forma com que se vivencia, alguma coisa que \u00e9 dom\u00ednio, au- toconserva\u00e7\u00e3o, consci\u00eancia, atividade; enquanto em todos os impulsos, h\u00e1 alguma coisa que \u00e9 simples abandono, desist\u00eancia, inconsci\u00eancia, passivi- dade. Do lado da vontade e da autoconserva\u00e7\u00e3o, acha-se todo entendi- mento (objetividade, gosto, sentimento do dever, senso moral) e todo ego- \u00edsmo (avidez, ambi\u00e7\u00e3o, prud\u00eancia, ast\u00facia). Do lado, da vida impulsiva e da desist\u00eancia, est\u00e3o todo entusiasmo (\u00e2nsia de conhecimento, amor da verdade, sede de beleza, amor) e toda paix\u00e3o (cobi\u00e7a, necessidade de po- der, instinto sexual, desejo de vingan\u00e7a).1"], ["Os tipos caracterol\u00f3gicos ideais, que Klages delineou magn\u00edficamente,", "est\u00e3o fora desta constru\u00e7\u00e3o, s\u00e3o mais evidentes e ver\u00eddicos do que esta constru\u00e7\u00e3o mesma, a qual constitui recurso classificat\u00f3rio racional, A raiz da multiplicidade dos tipos ideais est\u00e1 nos pontos de partida pelos quais se compreende o homem no todo. \u00c9 da constitui\u00e7\u00e3o b\u00e1sica de humor e sensibilidade que Klages parte; do ritmo e das tens\u00f5es internas da vida ps\u00edquica, da constitui\u00e7\u00e3o volitiva, das molas-mestras ou est\u00edmulos e da respectiva hierarquiza\u00e7\u00e3o eventual.", "A tudo isso op\u00f5em-se, ponto de partida derradeiro, a maneira e o efeito", "com que o homem se faz consciente de si mesmo na reflex\u00e3o. Aos desen- volvimentos caracteriais que se desdobram, passivamente, de disposi\u00e7\u00f5es dadas op\u00f5e-se o desenvolvimento caracterial reflexivo pelo trabalho em si mesmo e pela a\u00e7\u00e3o interna."], ["D\u00e1-se, por\u00e9m, que todos os rumos descritos da an\u00e1lise caracterol\u00f3gica", "1 O que aqui relatamos n\u00e3o reproduz a posi\u00e7\u00e3o exata de Klages, cuja metaf\u00edsica, segundo a qual a vontade (o esp\u00ed- rito) aparece de fora na vida com car\u00e1ter de poder destruidor, v\u00ea um dem\u00f4nio absoluto surgindo na exist\u00eancia plena, auto-suficiente. \u201cCaracteres\u201d s\u00f3 h\u00e1 nas \u00e9pocas de transi\u00e7\u00e3o, quando a vida ainda n\u00e3o est\u00e1 inteiramente destru\u00edda, embora se achc cm processo destrutivo. Esta posi\u00e7\u00e3o klagesiana, que constitui mat\u00e9ria de f\u00e9, n\u00e3o \u00e9 de discutir-se.", "esbarram no limite em que o indiv\u00edduo, internamente superior a si mesmo, pode ser ele mesmo, propriamente; indiv\u00edduo este que, transfor- mando-se em material de si mesmo, sem decair \u00e0 condi\u00e7\u00e3o de material meramente dado e sem sujeitar-se aos efeitos devastadores da reflex\u00e3o, se furta a qualquer caracterologia psicologicamente descritiva.", "Da\u00ed o erro do pensamento caracterol\u00f3gico, quando conduz \u00e0 acomoda-"], ["\u00e7\u00e3o dos indiv\u00edduos em tipos puros. Em primeiro lugar, o homem n\u00e3o se esgota com tipo algum, este podendo, sim, servir para conceber, n\u00edtido, um lado ou aspecto de sua manifesta\u00e7\u00e3o. Em segundo lugar, cada es- quema tipol\u00f3gico \u00e9, no todo, esquema relativo, poss\u00edvel entre muitos ou- tros. Por fim, o car\u00e1ter est\u00e1 sempre na situa\u00e7\u00e3o de suas possibilidades ab- solutamente inacess\u00edveis a qualquer conhecimento; est\u00e1 sempre em de- senvolvimento, inconcluso. Cient\u00edfica e humanamente, \u00e9 imposs\u00edvel limitar com um tra\u00e7o um homem, fazer um balan\u00e7o e saber o que ele \u00e9. Determi- nar um psicopata pelo \u201cdiagn\u00f3stico\u201d de um tipo \u00e9 viol\u00eancia, \u00e9 sempre er- rado. Humanamente, contudo, a classifica\u00e7\u00e3o e determina\u00e7\u00e3o da ess\u00eancia de um indiv\u00edduo significa liquida\u00e7\u00e3o que vem a ser, \u00e0 considera\u00e7\u00e3o mais apurada, insultante; e que rompe a comunica\u00e7\u00e3o. \u00c9 o que jamais se h\u00e1 de esquecer, sempre que se queira esclarecer, conceitualmente, a apreens\u00e3o caracterol\u00f3gica do homem."], ["d) Tipos reais.", "Os tipos originam-se da restri\u00e7\u00e3o imposta pela realidade. Utilizam as"], ["constru\u00e7\u00f5es ideais das compreensibilidades, n\u00e3o tardando, contudo, a abandon\u00e1-las, assim que a vis\u00e3o emp\u00edrica imp\u00f5e a unidade desnorteadora do compreens\u00edvel e incompreens\u00edvel. A falha de todos os tipos reais at\u00e9 hoje estabelecidos reside na questionabilidade de seu fundamento real, porque eles representam compromisso entre constru\u00e7\u00f5es compreensivas e desenvolvimentos te\u00f3ricos com base em observa\u00e7\u00f5es biol\u00f3gicas isoladas. Bastam como \u201cquadros cl\u00ednicos\u201d concretos, nuns poucos casos cl\u00e1ssicos, mas falta-lhes a generalidade, porque a massa casu\u00edstica que proporcio- nam \u00e9 absolutamente insuficiente e erradamente constitu\u00edda. Se se pensar de que maneira partem da realidade dada, ver-se-\u00e1 que n\u00e3o se ordenam por forma sistem\u00e1tica, apenas podendo-se enumerar. Da\u00ed haver Kretsch- mer projetado tr\u00eas tipos caracteriais, cada um dos quais se move em pola- ridades espec\u00edficas, de excit\u00e1vel a embotado (esquizot\u00edmico), de alegre a grave (ciclot\u00edmico), de explosivo a fleum\u00e1tico (viscoso). Falta a\u00ed o supracon- ceito, no qual se enquadrariam as tr\u00eas polaridades, porque o ponto de par- tida concreto na observa\u00e7\u00e3o compreensiva mais n\u00e3o permite do que uma"], ["enumera\u00e7\u00e3o. A significa\u00e7\u00e3o verdadeira \u00e9 que estes tipos reais se baseiam em realidade biol\u00f3gica que talvez um dia se venha a compreender (cf. o ca- p\u00edtulo sobre a constitui\u00e7\u00e3o). De mais a mais, esta realidade \u00e9, por via de consequ\u00eancia, absolutamente diversa da manifesta\u00e7\u00e3o que pode deparar- se, afinal, sem a realidade presumida. Assim \u00e9 que, referindo-se a psicopa- tas esquizoides, Luxenburger diz que Kretschmer s\u00f3 fala neles quando de- termina a consanguinidade de um psicopata desta ordem com um esqui- zofr\u00eanico. Mas h\u00e1 tamb\u00e9m psicopatas esquizoides nos quais n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel reconhecer esta posi\u00e7\u00e3o biol\u00f3gica heredit\u00e1ria. \u201cS\u00f3 se podem considerar os tipos de Kretschmer genotipicamente afins com estas doen\u00e7as heredit\u00e1rias caso se observem na proximidade biol\u00f3gica de esquizofr\u00eanicos, man\u00edaco- depressivos ou epil\u00e9pticos por heran\u00e7a.\u201d"], ["\u00a7 4. Personalidades Normais E Anormais"], ["Se se perguntar quando e por que certos caracteres s\u00e3o anormais, res- posta alguma inequ\u00edvoca ser\u00e1 poss\u00edvel. Temos de estar conscientes do fato de que \u201canormalidade\u201d, falando geralmente, n\u00e3o \u00e9 categoria que se afirme na realidade, mas valora\u00e7\u00e3o. Origina-se da coisa uma valora\u00e7\u00e3o, quando se apreende o car\u00e1ter como o todo das conex\u00f5es compreens\u00edveis. Diversifi- cam-se os caracteres conforme a medida da unidade, ou de acordo com a dispers\u00e3o desconexa do compreens\u00edvel num indiv\u00edduo: quanto mais dis- perso, menos unit\u00e1rio, tanto mais anormal. Ou nota-se na unidade al- guma coisa em que se veem o equil\u00edbrio e a harmonia do compreens\u00edvel, que constitui um todo: quanto mais desarm\u00f3nico e desequilibrado, tanto mais anormal (d\u00e9s\u00eaquilibr\u00e9}. Ou ainda considera-se a polaridade e sua s\u00edntese na vida compreens\u00edvel: quanto- mais unilateral a express\u00e3o, tanto mais anormal. Tudo isto, no entanto, s\u00e3o pontos de vista muito gerais, de modo que a norma em homem singular algum se pode realizar."], ["Os princ\u00edpios referidos nos par\u00e1grafos acima mais n\u00e3o constituem do que meios auxiliares, n\u00e3o a origem da apreens\u00e3o e representa\u00e7\u00e3o de per- sonalidades que se destaquem. Na psicopatologia, t\u00eam-se conseguido re- sultados valiosos gra\u00e7as a formula\u00e7\u00f5es de pesquisadores intuitivos, que\u2019 lograram descrever caracteres poss\u00edveis de reconhecer por forma impressi- onante e inesquec\u00edvel. Tais formula\u00e7\u00f5es \u2014 in\u00fameras conforme a respec- tiva possibilidade \u2014 correspondem a tipos reais, delineados com a ajuda de tipos ideais v\u00e1rios. Ser\u00e3o, apenas, numerados, agrupados, apresenta- dos seletivamente. O mais cabe \u00e0 psiquiatria especial. Daremos s\u00f3 indica- \u00e7\u00f5es."], ["Distinguimos duas esp\u00e9cies de tipos reais.", "1) As personalidades anormais, que representam disposi\u00e7\u00e3o variando"], ["da m\u00e9dia, as varia\u00e7\u00f5es extremas da natureza humana.", "2) As personalidades propriamente m\u00f3rbidas, as quais resultam da al-", "tera\u00e7\u00e3o de disposi\u00e7\u00e3o anterior, consequentemente a processo superveni- ente."], ["I. Varia\u00e7\u00f5es Do Existir Humano.", "As varia\u00e7\u00f5es que as afastam da m\u00e9dia da natureza humana n\u00e3o se chamam, como tais, m\u00f3rbidas. Nem costumamos, de modo algum, ter como particularmente anormais as varia\u00e7\u00f5es que mais raras se apresen- tam. Praticamente, de prefer\u00eancia, investigamos aquelas que v\u00eam ter ao-. consult\u00f3rio m\u00e9dico e aos hospitais. Neste sentido, chamamos, \u201cpersonali- dades psicop\u00e1ticas\u201d os indiv\u00edduos \u201cque sofrem com sua. anormalidade, ou cuja anormalidade faz a sociedade sofrer\u201d. (Kurt Schneider).", "Uma classifica\u00e7\u00e3o que se oriente pelos conceitos determinantes b\u00e1sicos", "da caracteriza\u00e7\u00e3o permite formar os seguintes grupos:", "1) Varia\u00e7\u00f5es das constitui\u00e7\u00f5es caracterol\u00f3gicas b\u00e1sicas, as quais se", "distinguiram na \u201cconstru\u00e7\u00e3o\u201d do car\u00e1ter (Klages).", "2) Varia\u00e7\u00f5es de um fundamento presumidamente biol\u00f3gico, que tem"], ["sido chamado for\u00e7a ps\u00edquica.", "3. Varia\u00e7\u00f5es resultantes da dial\u00e9tica fundamental de todos os elemen-", "tos compreens\u00edveis da autorreflex\u00e3o (caracteres reflexivos).", "a) Varia\u00e7\u00f5es das constitui\u00e7\u00f5es caracterol\u00f3gicas b\u00e1sicas.", "1. Constitui\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas dos temperamentos. O anormalmente excitado", "(sangu\u00edneo) reage a todas as influ\u00eancias com rapidez e vivacidade, num instante virando fogo e chama; mas sua excita\u00e7\u00e3o extingue-se com a mesma presteza. A vida que leva \u00e9 inquieta, decorrendo por gosto em ex- tremos. H\u00e1 tamb\u00e9m o quadro da alma jovial, exuberante; e da alma irri- tada, atormentada, pressurosa, inclinada a todos os extremos, aflita. O quadro contr\u00e1rio \u00e9 o do fleum\u00e1tico, que coisa alguma arranca de sua tran- quilidade passiva, que n\u00e3o reage; se reage, \u00e9 s\u00f3 lentamente e, de mais a mais, com p\u00f3s-efeitos prolongados.", "O indiv\u00edduo anormalmente alegre (euf\u00f3rico') \u00e9 exuberantemente feliz"], ["com tudo quanto lhe acontece; venturoso, sempre contente e 'confiante. O humor feliz acarreta certa excita\u00e7\u00e3o, tamb\u00e9m motora. O depressivo v\u00ea tudo sombrio, est\u00e1 sempre triste; em toda parte descobre possibilidade de desgra\u00e7a, mant\u00e9m-se quieto e im\u00f3vel.", "2. Constitui\u00e7\u00f5es volitivas. Independente de impulsos e conte\u00fados, varia", "a natureza volitiva humana. Os fracos de vontade custam a levar adiante um esfor\u00e7o volitivo, desistindo de tudo. \u2014 Os ab\u00falicos ou inst\u00e1veis s\u00e3o eco das influ\u00eancias que sobre eles se exercem. Porque n\u00e3o sabem resistir, v\u00e3o para onde os levam as oportunidades e as outras pessoas, quer para o bem, quer para o mal. Embora capazes de grande energia moment\u00e2nea, n\u00e3o se fixam em coisa alguma, a n\u00e3o ser que o ambiente os obrigue; sem o que, seguem sempre impulsos novos, provenientes do mundo que os mo- difica. Transformam-se naquilo que os cerca. \u2014 Os fortes de vontade (vo- luntariosos) p\u00f5em em tudo quanto fazem n\u00e3o s\u00f3 for\u00e7as extraordin\u00e1rias, mas tamb\u00e9m persist\u00eancia, desenvolvendo atividade que elimina tudo que encontram, caminhando adiante sem piedade. Parecem n\u00e3o poder esten- der a m\u00e3o a quem quer que seja sem esmagar a do outro; n\u00e3o podem pre- tender objetivo algum sem realiz\u00e1-lo, mesmo que o mundo venha abaixo."], ["3. Constitui\u00e7\u00f5es afetivas e impulsivas. A ess\u00eancia pr\u00f3pria do homem determina-se da maneira mais decisiva pelo conte\u00fado de seus impulsos ou pela falta, nestes, de conte\u00fados. As varia\u00e7\u00f5es anormais que se constatam na qualidade do car\u00e1ter propriamente dito, do sistema de impulsos e dis- posi\u00e7\u00f5es afetivas, s\u00e3o mais profundas para a ess\u00eancia da personalidade do que quaisquer varia\u00e7\u00f5es de estrutura, temperamento, vontade. Neste ponto, abre-se mais definitivamente do que alhures um abismo entre as v\u00e1rias disposi\u00e7\u00f5es individuais. Em meio a estas varia\u00e7\u00f5es marcadas dos caracteres, tem-se investigado, sobretudo, com maior frequ\u00eancia, a moral insanity (os \u201cpsicopatas desalmados\u201d de Kurt Schneider), designa\u00e7\u00e3o com que se assinalam personalidades que representam os graus extremos e ra- ros do \u201ccriminoso nato\u201d. Impulsos destrutivos, com absoluta insensibili- dade para o direito, para o. amor filial, para a amizade; mais: crueldade natural, que pode coexistir com inclina\u00e7\u00f5es- afetivas aparentemente sin- gulares (por exemplo, gosto pelas flores); aus\u00eancia de qualquer sociabili- dade, qualquer gosto pelo trabalho, indiferen\u00e7a para com os outros e em rela\u00e7\u00e3o ao futuro pr\u00f3prio; prazer no crime como tal; tudo isso aliado a energia e confian\u00e7a em si inabal\u00e1veis, al\u00e9m de completa ineducabilidade e ininfluenciabilidade, fazem esses entes afigurarem-se estranhos e distan- tes da modalidade m\u00e9dia. Outro tipo \u00e9 o dos fan\u00e1ticos, os quais, cegos a tudo mais, de tal modo", "se entregam a uma finalidade \u00fanica que, inconscientemente, investem a exist\u00eancia inteira na realiza\u00e7\u00e3o de alguma coisa; uma supersti\u00e7\u00e3o, um exagero insulativo de certo objetivo particular, constituindo interesse espe- cial de uma vida, que os impele e que os leva a sentir prazer e tormento espec\u00edfico nessa integra\u00e7\u00e3o com uma s\u00f3 coisa individual. Kurt Schneider distingue os fan\u00e1ticos combativos, quais sejam, os querulantes, que im- p\u00f5em seu direito, ou seu presumido direito, e os fan\u00e1ticos l\u00e2nguidos, que, quando muito, reclamam e professam um credo. S\u00e3o os sect\u00e1rios natos, os exc\u00eantricos, todos aqueles que sustentam concep\u00e7\u00f5es estranhas, pelas quais vivem, intensamente convictos, desprezando todos os demais."], ["b) Varia\u00e7\u00f5es da energia ps\u00edquica (neurast\u00e9nicos e psicast\u00eanicos)."], ["Fala-se em complexos sintom\u00e1ticos neurast\u00e9nicos e psicast\u00eanicos, os"], ["quais se podem descrever da seguinte maneira:", "1. O complexo sintom\u00e1tico neurast\u00eanico define-se pela \u201cfraqueza excit\u00e1- vel\u201d: de um lado, sensibilidade e excitabilidade, extraordin\u00e1rias; sensibili- dade tormentosa, tend\u00eancia a responder com facilidade anormal a est\u00edmu- los de toda sorte; doutro lado, fatigabilidade anormalmente r\u00e1pida e recu- perabilidade lenta. O cansa\u00e7o \u00e9 sentido, subjetivamente, com muita inten- sidade: in\u00fameras incomodidades e dores, sensa\u00e7\u00e3o de peso na cabe\u00e7a, tend\u00eancia geral a sentir- se molestado, abatimento, sensa\u00e7\u00e3o intensa de cansa\u00e7o e fraqueza \u2014 n\u00e3o tardam a transformar-se em sintomas perma- nentes. Incluem- se nesse complexo sintom\u00e1tico todos os fen\u00f4menos que se conhecem como resultantes do cansa\u00e7o, da exaust\u00e3o, do trabalho ex- cessivo, do surmenage, mas tamb\u00e9m s\u00f3 deles, quando j\u00e1 se apresentam por for\u00e7a de est\u00edmulos ou esfor\u00e7os m\u00ednimos, ou ent\u00e3o acompanhando per- manentemente a vida como tal.", "2. O complexo sintom\u00e1tico psicast\u00eanico delimita-se menos nitidamente, resumindo-se os fen\u00f4menos que nele se incluem \u00e0 no\u00e7\u00e3o te\u00f3rica de \u201cdimi- nui\u00e7\u00e3o da energia ps\u00edquica\u201d; diminui\u00e7\u00e3o que se apresenta na incapacidade ps\u00edquica geral de resistir \u00e0s viv\u00eancias. O indiv\u00edduo prefere esquivar-se ao m\u00e1ximo \u00e0 sociedade, a fim de n\u00e3o ficar entregue \u00e0s situa\u00e7\u00f5es em que seus \u201ccomplexos\u201d, ora atuando de forma intensamente anormal, lhe tiram a presen\u00e7a de esp\u00edrito, a mem\u00f3ria, a firmeza. Perdida toda a confian\u00e7a em si, pensamentos Obsessivos acorrentam-no ou perseguem-no, turvando- lhe a consci\u00eancia; temores infundados atormentam-no, dificultando-lhe decis\u00f5es, criando-lhe d\u00favidas, fobias, que, em certas circunst\u00e2ncias, im-", "possibilitam qualquer atitude. S\u00e3o in\u00fameros os estados ps\u00edquicos e afeti- vos anormais que se estudam e analisam com auto-observa\u00e7\u00e3o compul- siva. A inclina\u00e7\u00e3o que, necessariamente, ocorre \u00e0 in\u00e9rcia, ao sonho, agra- vam ainda mais os sintomas. Vez por outra, sentimentos inebriantes de ventura, pela impress\u00e3o que causam, imotivadamente, certas personalida- des divinizadas em excesso, ou pela impress\u00e3o in\u00f3cua, digamos, de uma paisagem que, de um momento para outro, se apresenta magn\u00edfica, pa- gam-se quase sempre com \u201creca\u00edda\u201d torturante dos sintomas m\u00f3rbidos. Falta\u2019 completamente \u00e0 psique a capacidade de unifica\u00e7\u00e3o existencial, de elabora\u00e7\u00e3o que resolva as viv\u00eancias, no sentido de constru\u00e7\u00e3o de uma per- sonalidade, no sentido do desenvolvimento seguramente progressivo."], ["Estes complexos sintom\u00e1ticos aparecem, raras vezes, com o aspecto de", "estados passageiros aut\u00eanticos de esgotamento, ou representam fen\u00f4me- nos concomitantes de processos m\u00f3rbidos \u2019 (os casos psicast\u00eanicos de Ja- net s\u00e3o, em parte, esquizofrenias evidentes); mas relacionam-se tanto com conte\u00fados compreens\u00edveis, biogr\u00e1ficos, que s\u00e3o mais varia\u00e7\u00f5es caracteriais do que complexos sintom\u00e1ticos; varia\u00e7\u00f5es que se deparam no quadro da diminui\u00e7\u00e3o da energia ps\u00edquica e se associam, muitas vezes, de fato, se bem que n\u00e3o unicamente, a sinais de fraqueza de tipo som\u00e1tico e fisiol\u00f3- gico. ."], ["Pode-se dizer, portanto: Todas as variedades de car\u00e1ter e tempera- mento podem aparecer sob a forma de psicastenia, assim designando-se quando um elemento de fraqueza, astenia, diminui\u00e7\u00e3o da efici\u00eancia se co- loca no primeiro plano. S\u00e3o fracos os impulsos, l\u00e2nguidos; sem vivacidade os sentimentos, a vontade inerme, a efici\u00eancia m\u00ednima em quaisquer dire- \u00e7\u00f5es. Melhor n\u00e3o se pode assinalar este tipo do que falando, metaforica- mente, em falta de energia ps\u00edquica. Dentro dos diversos rumos que to- mam as varia\u00e7\u00f5es cong\u00eanitas, n\u00e3o h\u00e1 d\u00favida de que tamb\u00e9m existe al- guma coisa semelhante."], ["Tem sido costume conceber como sintomas de natureza psicop\u00e1tica uma s\u00e9rie de fen\u00f4menos not\u00e1veis, que ocorrem muito frequentemente em graus reduzidos e que tamb\u00e9m, de quando em quando, se apresentam como sintomas de fases e de algumas outras doen\u00e7as; sintomas que, se ocorrem acumulados e torturantes, sem rela\u00e7\u00e3o com evento m\u00f3rbido de outra forma compreens\u00edvel, v\u00eam a configurar um quadro a dominar a vida inteira. \u00c9 o caso das manifesta\u00e7\u00f5es obsessivas, cujos portadores se cha- mam anancastas (segundo Kurt Schneider, com base na inseguran\u00e7a de si mesmo); o mesmo se d\u00e1 no tocante \u00e0 depress\u00e3o, ao estranhamento do mundo perceptivo etc., cujos portadores s\u00e3o chamados psicast\u00eanicos."], ["c) Car\u00e1teres reflexivos.", "Distinguindo-se dos caracteres at\u00e9 o momento descritos, os quais se compreendem em fun\u00e7\u00e3o da constitui\u00e7\u00e3o que lhes \u00e9 dada, chamamos ca- racteres reflexivos as configura\u00e7\u00f5es que tenham resultado da consci\u00eancia de si mesmo, da aten\u00e7\u00e3o \u00e0 exist\u00eancia pr\u00f3pria, do prop\u00f3sito de um ser-as- sim. Neles se enquadram:"], ["1. Hist\u00e9ricos. V\u00e1rias coisas se chamam hist\u00e9ricas em psiquiatria: sinto- mas som\u00e1ticos (estigmas hist\u00e9ricos), estados passageiros, anormais sob o ponto de vista ps\u00edquico, com altera\u00e7\u00f5es da consci\u00eancia (accidents men- taux); mais: o car\u00e1ter hist\u00e9rico. N\u00e3o \u00e9 adequada a designa\u00e7\u00e3o geral, tanto mais quanto se resumem, na linguagem corrente, como car\u00e1ter hist\u00e9rico coisas heterog\u00eaneas. Diz Janet com raz\u00e3o: \u201cA histeria pode acometer pes- soas boas e m\u00e1s; e n\u00e3o se podem levar \u00e0 conta da doen\u00e7a tra\u00e7os pessoais que, sem ela, se comportariam exatamente da mesma forma\u201d. O car\u00e1ter hist\u00e9rico \u00e9, decerto, frequente, mas nem sempre se vincula ' aos mecanis- mos hist\u00e9ricos; como tamb\u00e9m, no entanto, s\u00e3o muito variados os tipos ca- racteriais que chamamos hist\u00e9ricos. Se se quiser conceber o tipo, de al- gum modo, com mais precis\u00e3o, h\u00e1 de sempre chegar-se a um tra\u00e7o b\u00e1sico: em vez de ajustar-se \u00e0s disposi\u00e7\u00f5es e possibilidades vitais que lhe s\u00e3o da- das, a personalidade hist\u00e9rica tem necessidade de parecer a si mesma e aos outros mais do que \u00e9; de parecer vivenciar mais do que \u00e9 capaz. N\u00e3o \u00e9 a viv\u00eancia origin\u00e1ria, aut\u00eantica, exprimindo-se naturalmente, que aparece; e sim uma viv\u00eancia \u201cfeita\u201d, ou fabricada, teatral, for\u00e7ada; \u201cfabricada\u201d, mas n\u00e3o conscientemente, porque a personalidade \u00e9 capaz, sim (dom propria- mente hist\u00e9rico), de viver no seu teatro pr\u00f3prio, de nele encontrar-se por completo, momentaneamente; com a apar\u00eancia, portanto, de autentici- dade. Da\u00ed compreende-se que derivem outros tra\u00e7os. Enfim, pode-se dizer que o caro\u00e7o da personalidade hist\u00e9rica se perdeu, s\u00f3 ficando a casca que muda, um drama sucedendo-se ao outro. J\u00e1 nada mais encontrando em si, ela procura tudo fora de si, querendo vivenciar alguma coisa de extra- ordin\u00e1rio nos impulsos naturais, n\u00e3o se abandonando ao evento normal, e sim buscando aproveit\u00e1-lo com fins a que n\u00e3o se ajusta ou nos quais se perde o simples impulso. A si mesma e aos outros ela faz crer existir viv\u00ean- cia intensa, mediante movimentos expressivos exagerados, a que falta a base ps\u00edquica adequada. Atrai-a tudo quanto significa est\u00edmulo externo potente: esc\u00e2ndalo, sensa\u00e7\u00e3o, celebridades, tudo que seja impressionante, desmedido, extremo nas concep\u00e7\u00f5es filos\u00f3ficas e art\u00edsticas. Para certificar- se da import\u00e2ncia que t\u00eam, as personalidades hist\u00e9ricas precisam estar sempre representando um papel, sempre tentando fazer-se interessantes,", "mesmo que seja a custo de sua reputa\u00e7\u00e3o, ou de sua honra; sentem-se in- felizes quando, por poucos instantes que seja, se veem despercebidas, alie- nadas, porque se fazem, de imediato, conscientes de sua vacuidade. Da\u00ed serem ciumentas e invejosas em excesso quando os demais parecem limi- tar-lhes a posi\u00e7\u00e3o ou a import\u00e2ncia. N\u00e3o o conseguindo de outra forma, chamam sobre si a aten\u00e7\u00e3o por meio da doen\u00e7a, encenando o papel de m\u00e1rtir, de sofredor. Pode, no entanto, acontecer que, em certas circuns- t\u00e2ncias, sejam impiedosas consigo mesmas, infligindo-se padecimentos (ferimentos, les\u00f5es), mostrando \u201cvontade da doen\u00e7a\u201d, desde que se lhe afi- gure sequer garantido um efeito correspondente sobre os outros. Na \u00e2nsia de exaltar-se e encontrar novas possibilidades de influenciamento, chega- se, afinal, \u00e0 mentira, de in\u00edcio conscientemente manejada, mas n\u00e3o tar- dando a desenvolver-se por forma de todo inconsciente, em que o pr\u00f3prio enfermo acredita: \u00e9 a \u201cpseudologia fant\u00e1stica\u201d: autorrecrimina\u00e7\u00f5es, incul- pa\u00e7\u00f5es lan\u00e7adas a outras pessoas de atentados sexuais inventados, com- parecimento. e comportamento em ambientes estranhos, como se fossem pessoas importantes, ricas, nobres; com o que os doentes n\u00e3o enganam s\u00f3 a si mesmos, mas os outros, perdendo a consci\u00eancia da pr\u00f3pria realidade, pois a. fantasia para elas se transforma em realidade. H\u00e1, contudo, tam- b\u00e9m neste caso, diferen\u00e7as. Num caso, existe ignor\u00e2ncia completa da inve- racidade: \u201cN\u00e3o sabia que estava mentindo\u201d; noutro caso, h\u00e1. ci\u00eancia para- lelen do que se faz: \u201cEsta mentindo, mas n\u00e3o podia conter-me\u201d. Quanto mais se desenvolve a teatralidade, tanto mais, vai desaparecendo, nessas pessoas, qualquer movimento afetivo aut\u00eantico, pr\u00f3prio; n\u00e3o se pode con- fiar nelas; j\u00e1 n\u00e3o s\u00e3o capazes de relacionamento afetivo est\u00e1vel, de coisa alguma realmente profunda. Mais n\u00e3o resta do que o palco de viv\u00eancias imitadas e- teatrais, o que constitui o quadro evolu\u00eddo ao extremo da per- sonalidade hist\u00e9rica."], ["A psicologia compreensiva de h\u00e1 muito que esclareceu a ess\u00eancia da personalidade hist\u00e9rica. Shaftsbury j\u00e1 falava no \u201centusiasmo, por assim dizer, de segunda m\u00e3o\u201d. Feuerbach descreve a \u201cafeta\u00e7\u00e3o de sensibilidade, na qual a incapacidade de sentir apenas comicha o que interiormente se sente de modo compulsivo, como se fosse de fato experimentado; e na qual o indiv\u00edduo s\u00f3 careteia sensa\u00e7\u00f5es tal qual fossem reais, tentando mentir a si mesmo e aos outros; com o que, uma vez. isso se tornando costumeiro, envenena para sempre a fonte da mais aut\u00eantica verdade, ou seja, o senti- mento, at\u00e9 suas profundidades mais \u00edntimas. O desfiguramento, a menti- rosidade, a falsidade, a mal\u00edcia e mais tudo quanto se lhes assemelha: eis as sementes que v\u00eam a germinar desnecess\u00e1rias, por\u00e9m muito f\u00e1ceis,"], ["numa alma que se acostumou a enganar os sentimentos pr\u00f3prios, por as- sim dizer. Mais ainda: os sentimentos aut\u00eanticos ficam sufocados sob os simulados; da\u00ed explicar-se por que a afeta\u00e7\u00e3o de sensibilidade facilmente se acomoda com a mais- resoluta insensibilidade e rigidez emocional; e at\u00e9 com a crueldade."], ["2. O hipocondr\u00edaco. \u00ca anormal o corpo humano representar um papel para o homem. O indiv\u00edduo sadio vive seu corpo, sem. nele pensar, entre- tanto; sem perceb\u00ea-lo. A multid\u00e3o de padecimentos som\u00e1ticos resulta (em parte dificilmente delimit\u00e1vel), n\u00e3o, de doen\u00e7as som\u00e1ticas palp\u00e1veis, mas da reflex\u00e3o que vem da psique. Se se tentar delimitar o que possa fundar- se em corporeidade l\u00e1bil. (astenia), ou o que s\u00e3o t\u00edpicas manifesta\u00e7\u00f5es so- m\u00e1ticas concomitantes, restar\u00e1 um campo de sofrimentos som\u00e1ticos que se originam na auto-observa\u00e7\u00e3o e na preocupa\u00e7\u00e3o e que crescem na me- dida em que o corpo do homem se toma para ele conte\u00fado vital. A auto- observa\u00e7\u00e3o, a expectativa, o temor acarretam desordem das fun\u00e7\u00f5es cor- p\u00f3reas, fazem surgir dores, produzem ins\u00f4nia. O medo de ficar doente e o desejo de ficar doente, tanto um quanto o outro transformam, pela refle- x\u00e3o sobre o corpo, a vida consciente em vida com um corpo doente. Mesmo sem estar enfermo de corpo, o indiv\u00edduo n\u00e3o \u00e9 simulador, mas se sente, de fato, doente; o corpo se lhe altera, de fato, e como enfermo ele so- fre. O doente imagin\u00e1rio \u00e9, por ess\u00eancia e de algum modo, realmente, um enfermo.", "3. O inseguro de si (Schneider, cuja descri\u00e7\u00e3o adoto), ou sensitivo (Kretschmer). Uma sensibilidade sem cessar exaltada repousa na consci- \u00eancia reflexiva da insufici\u00eancia pr\u00f3pria. Toda viv\u00eancia se transforma em abalo, porque o inseguro n\u00e3o enfrenta a impress\u00e3o aumentada com elabo- ra\u00e7\u00e3o e configuramento naturais. N\u00e3o lhe basta o que faz, sempre lhe pa- recendo question\u00e1vel sua posi\u00e7\u00e3o no meio dos entes humanos e seja qual for a situa\u00e7\u00e3o. A falha real ou existente em sua reflex\u00e3o toma-se objeto da autoacusa\u00e7\u00e3o. O inseguro procura a culpa em si, nada perdoando a si mesmo. A elabora\u00e7\u00e3o interna n\u00e3o constitui recalque, mas luta penosa con- sigo mesmo. \u00c9 uma vida de vexames e derrotas internas, resultante de vi- v\u00eancias externas e da interpreta\u00e7\u00e3o que lhes \u00e9 dada. O impulso desampa- rado para a confirma\u00e7\u00e3o exterior, em busca de apoio para a autodesvalo- ra\u00e7\u00e3o corrosiva, v\u00ea at\u00e9 os limites do deliroide (sem jamais tomar-se del\u00edrio), no comportamento alheio, ofensas mais ou menos deliberadas \u00e0 pessoa pr\u00f3pria. O inseguro sofre desmedidamente do menosprezo exterior, para o qual \u00e9 em si mesmo ainda que procura o fundamento real. A inseguran\u00e7a conduz a sobrecompensa\u00e7\u00f5es err\u00f4neas da inferioridade que vivencia em si", "mesmo. Formalismo obsessivamente mantido, gestos aristocr\u00e1ticos, atitu- des exageradamente seguras constituem a m\u00e1scara da falta de liberdade interna; e um comportamento exigente dissimula a timidez real."], ["Ii. Transforma\u00e7\u00e3o Da Personalidade Em Consequ\u00eancia De Processos."], ["Op\u00f5em-se a todos os tipos anormais acima discutidos como varia\u00e7\u00f5es da disposi\u00e7\u00e3o aquelas personalidades m\u00f3rbidas que m\u00f3rbidas se tornaram por for\u00e7a de um processo. O fato de quase todas as doen\u00e7as mentais se- rem acompanhadas de altera\u00e7\u00e3o para n\u00f3s not\u00e1vel da personalidade levou a que se cunhasse a frase: As doen\u00e7as mentais s\u00e3o doen\u00e7as da personali- dade. No entanto, \u00e9 poss\u00edvel vermos doen\u00e7as mentais com falsas-percep- \u00e7\u00f5es ou at\u00e9 ideias delirantes que n\u00e3o apresentam, no est\u00e1dio particular, qualquer altera\u00e7\u00e3o not\u00e1vel da personalidade. Mais ainda: em certas psico- ses agudas, nas quais se nota fragmenta\u00e7\u00e3o completa da vida ps\u00edquica em atos particulares desconexos, j\u00e1 n\u00e3o se pode, de modo algum, falar em personalidade; nelas, entretanto, em meio \u00e0 perplexidade, \u00e0s perguntas e ju\u00edzos ocasionais, de s\u00fabito se percebe o rastro de uma personalidade, na- tural, inalterada, capaz de empatia; personalidade que s\u00f3 se vela durante certo tempo."], ["\u00c9 comum a todas as personalidades que resultam de um processo a li- mita\u00e7\u00e3o ou desintegra\u00e7\u00e3o da personalidade. Quando falarmos, nesses ca- sos, em dem\u00eancia, referir-nos-emos a dist\u00farbios da intelig\u00eancia, da mem\u00f3- ria etc., bem como \u00e0 altera\u00e7\u00e3o da personalidade."], ["a) Dem\u00eancia por processo org\u00e2nico cerebral.", "\u00c0s vezes, certos tra\u00e7os caracteriais parecem resultar desses processos.", "\u00c9 assim que se t\u00eam concebido, por exemplo, a chistosidade n\u2019alguns tu- mores cerebrais, o mauhumor dos alcoolistas, a maneira religioso-exal- tada, fingida, ou os modos pedantescamente apurados dos epil\u00e9pticos, a euforia da escleroso m\u00faltipla.", "Em parte, podem-se conceituar esses tra\u00e7os pela mesma concep\u00e7\u00e3o que se aplica a certas outras altera\u00e7\u00f5es: por for\u00e7a de processos, desapare- cem as inibi\u00e7\u00f5es adquiridas e tudo quanto \u00e9 impulsivo se transforma, de imediato, em a\u00e7\u00e3o; j\u00e1 n\u00e3o h\u00e1 contra-id\u00e9ias, nem contra-tend\u00eancias. As re- presenta\u00e7\u00f5es estimuladas manifestam-se desinibidas, de modo que um paral\u00edtico, por exemplo, tanto \u00e9 levado a chorar, mediante representa\u00e7\u00f5es"], ["adequadas, quanto, em seguida, a rir (\u201cincontin\u00eancia dos afetos\u201d).", "Mais ampla do que todas as demais \u00e9 a desintegra\u00e7\u00e3o que ocorre nos conhecidos processos org\u00e2nicos cerebrais, como a paralisia (tal qual na ar- teriosclerose mais grave, na coreia de Huntington e noutras desordens or- g\u00e2nicas cerebrais)."], ["b) Dem\u00eancia epil\u00e9tica."], ["Os epil\u00e9pticos progressivos apresentam altera\u00e7\u00f5es caracteriais t\u00edpicas: a lentifica\u00e7\u00e3o de todos os processos ps\u00edquicos (chegando aos reflexos neu- rol\u00f3gicos) mostra-se na dificuldade de apreens\u00e3o, no alongamento consi- der\u00e1vel dos tempos de rea\u00e7\u00e3o; ao que se acrescem tend\u00eancias \u00e0 obstina- \u00e7\u00e3o, \u00e0 fixidez afetiva, \u00e0s estereotipias. Acompanha a perda da espontanei- dade e da atividade um desassossego elementar, que se manifesta por forma impulsiva, desorientada. A supersensibilidade egoc\u00eantrica e a ne- cessidade de prest\u00edgio levam, aumentando a excitabilidade, a rea\u00e7\u00f5es ex- plosivas; da\u00ed verem-se rea\u00e7\u00f5es motoras brutais em doentes que, geral- mente, se mostram quietos. Descrevem-se a importunidade excessiva, a chamada \u201cpegajosidade\u201d, isto \u00e9, modos adocicados, untuosos. O quadro \u00e9 completado pela tens\u00e3o nervosa e pela vacuidade afetiva. A sujei\u00e7\u00e3o em que os doentes se apresentam, constrangidos, estritos, r\u00edgidos, acabando por se tomar pedantescos e cerimoniosos, pode dar impress\u00e3o de escrupu- losidade, apego \u00e0 tradi\u00e7\u00e3o, solidez."], ["c) Dem\u00eancia esquizofr\u00eanica."], ["Lugar especial cabe \u00e0s personalidades que resultam de processos e que pertencem ao grande grupo da esquizofrenia; grupo em que se enqua- dra a maioria dos doentes permanentemente internados. A diversidade muito grande com que elas se apresentam vai de altera\u00e7\u00f5es ligeiras para o lado- da limita\u00e7\u00e3o da compreensibilidade at\u00e9 a quase completa desintegra- \u00e7\u00e3o. Em que consiste o comum a todas \u00e9 dif\u00edcil reconhecer. A antiga psi- quiatria j\u00e1 procurava caracterizar a \u201cdem\u00eancia afetiva\u201d; atualmente, acen- tua-se, al\u00e9m disso, a falha de unitariedade no pensamento, no sentimento e na vontade, a luta entre os movimentos afetivos e o conte\u00fado ideativo moment\u00e2neo, a incapacidade conceber a realidade como realidade e de dar-lhe significa\u00e7\u00e3o v\u00e1lida (pensamento aut\u00edstico de Bleuler: pensamento voltado para si e para as fantasias, sem considera\u00e7\u00e3o da realidade). Con- servam-se, entretanto, os instrumentos da intelig\u00eancia; o que h\u00e1 de co- mum \u00e9 muito mais f\u00e1cil de designar objetiva que subjetivamente (quanto"], ["ao efeito sobre o observador). Todas estas personalidades t\u00eam alguma coisa de peculiarmente incompreens\u00edvel, frio, inacess\u00edvel, r\u00edgido, p\u00e9treo, mesmo que se mostrem l\u00facidas e capazes de conversar, gostando at\u00e9 de exprimir-se. Talvez julguemos poder compreender disposi\u00e7\u00f5es pessoais maximamente distantes de n\u00f3s, mas em rela\u00e7\u00e3o aos doentes a que nos re- ferimos se sente um abismo dif\u00edcil de definir. Eles, no entanto, nada veem de incompreens\u00edvel naquilo que se nos afigura enigm\u00e1tico: assim \u00e9 que fo- gem de casa e d\u00e3o raz\u00f5es insignificantes, conscientes de que bastam. N\u00e3o tiram das situa\u00e7\u00f5es e dos fatos conclus\u00f5es \u00f3bvias; desprovidos inteira- mente de capacidade adaptativa, s\u00e3o enigmaticamente angulosos e indife- rentes. Serve-lhes de tipo a personalidade hebefr\u00eanica, que j\u00e1 se caracteri- zou como hipertrofia e persist\u00eancia dos tra\u00e7os estouvados e juvenis da pu- berdade. Se investigarmos de mais perto a \u00edndole destas pessoas, destaca- remos grande n\u00famero de tipos que n\u00e3o cabe aqui distinguir. A altera\u00e7\u00e3o mais leve da personalidade consiste, a bem dizer, no resfriamento e enrije- cimento. Os pacientes ficam com a mobilidade diminu\u00edda, tornam-se est\u00e1- ticos, quase sem iniciativa."], ["De que modo os esquizofr\u00eanicos concebem a altera\u00e7\u00e3o da pr\u00f3pria per- sonalidade. Alguns doentes em grau ligeiro falam, eles mesmos, da altera- \u00e7\u00e3o que os acometeu: \u201cexcitam-se menos\u201d; \u201cj\u00e1 n\u00e3o se interessam pelas coi- sas como antes; falam, por\u00e9m, muito mais\u201d; notam que, se come\u00e7am a fa- lar, j\u00e1 n\u00e3o podem parar, sem isso, no entanto, perturb\u00e1-los. Observam que, de vez em quando, ficam olhando para um canto, sem motivo, e que est\u00e3o menos produtivos. H\u00e1 alguns capazes, apenas, de dizer que \u201clhes aconteceu profunda altera\u00e7\u00e3o\u201d. Sentem a \u201cdiminui\u00e7\u00e3o da elasticidade\u201d, sentem-se menos excit\u00e1veis do que antes. O esquizofr\u00eanico H\u00f6lderlin ex- primiu estes conhecimentos com palavras simples e tocantes:"], ["Onde est\u00e1s? Pouco vivi, mas frio J\u00e1 vejo meu crep\u00fasculo. Quieto, tal qual As sombras aqui estou; e silencioso Dentro do peito dormita o tr\u00eamulo cora\u00e7\u00e3o. Ulteriormente, mais adiantado o seu estado: O que h\u00e1 de bom no mundo j\u00e1 gozei; Foram-se mocidade, alegria, de h\u00e1 muito, muito; Longe est\u00e3o abril, maio, julho; Nada mais sou, sem prazer \u00e9 que vivo.", "PARTE 3. AS CONEX\u00d5ES CAUSAIS DA VIDA PS\u00cdQUICA (PSICOLOGIA EXPLICATIVA)"], ["Compreendemos as conex\u00f5es ps\u00edquicas de dentro como significado; ex-", "plicamo-las de fora como simultaneidade e sucess\u00e3o regulares ou at\u00e9 ne- cess\u00e1rias.", "a) A simples rela\u00e7\u00e3o causal e sua dificuldade."], ["\u2014 No pensamento causal, sempre ligamos dois elementos, um dos quais se considera causa e o outro, efeito. Se quisermos firmar indaga\u00e7\u00f5es causais n\u00edtidas, estes elementos precisam, antes de mais nada, clarificar- se, n\u00e3o confundir-se. O \u00e1lcool e o deliriam tremens, a esta\u00e7\u00e3o do ano e o aumento ou diminui\u00e7\u00e3o dos suic\u00eddios, o cansa\u00e7o e a redu\u00e7\u00e3o do rendi- mento, de par com fen\u00f3menos sensoriais espont\u00e2neos; as doen\u00e7as da tire- oide e a excitabilidade, a ansiedade, a inquieta\u00e7\u00e3o; a hemorragia cerebral e os dist\u00farbios da fala etc. s\u00e3o, em cada caso, dois fatos tang\u00edveis, dos quais um se chama causa e o outro, efeito. A forma\u00e7\u00e3o conceituai conjunta serve para formular tais elementos do pensamento causal. At\u00e9 um objeto t\u00e3o infinitamente complicado quanto \u00e9 o todo da vida ps\u00edquica compreen- s\u00edvel, por n\u00f3s denominado personalidade, pode vir a tomar-se, em certas circunst\u00e2ncias, elemento do pensamento causal; quando, por exemplo, se indaga sobre a heran\u00e7a de tipos de personalidade precisamente definidos."], ["Esta rela\u00e7\u00e3o unilinear entre causa e efeito \u00e9, no entanto, absoluta- mente obscura, entre uma e outra, havendo elos que o evento n\u00e3o permite calcular. N\u00e3o \u00e9 sempre que o efeito se segue, mas apenas com frequ\u00eancia mais ou menos regular (o m\u00ednimo para que se afirme uma rela\u00e7\u00e3o causal); do que, n\u00e3o tardamos a notar as consequ\u00eancias para nossa apreens\u00e3o causal:", "1. O mesmo fen\u00f4meno tem muitas causas, quer simult\u00e2nea, quer alter-", "nativamente. Mas sempre que se enumeram muitas causas poss\u00edveis para um processo m\u00f3rbido, sem sequer conhecer, realmente, os efeitos de uma s\u00f3 dentre elas, quase sempre se tem a\u00ed sinal de que se ignoram as causas verdadeiras; por exemplo, quando se enumeram quase todas as doen\u00e7as som\u00e1ticas \u2014 constipa\u00e7\u00e3o, envenenamento, esgotamento etc. \u2014 como cau- sas de am\u00eancia. N\u00e3o se constata, simplesmente, que o quadro da am\u00eancia"], ["tamb\u00e9m ocorre sem qualquer destas causas, mas tamb\u00e9m que conheci- mento algum seguro se tem dos efeitos ps\u00edquicos habituais destas causas som\u00e1ticas. Quanto mais causas se afirmam, tanto menor nos \u00e9 o conheci- mento causai."], ["2. Investigamos as causas intermedi\u00e1rias, a fim de chegar da causa pri- meiro notada, externa, remota, \u00e0 causa pr\u00f3xima e direta do fen\u00f4meno. As- sim \u00e9 que se v\u00ea o efeito absolutamente diverso do alcoolismo cr\u00f4nico, que se apresenta como simples dem\u00eancia alco\u00f3lica, como delirium tremens, como alucinose alco\u00f3lica, ou como psicose de Korsakov. Admite-se que - ocorram, aqui, entre o efeito imediato do \u00e1lcool e o quadro m\u00f3rbido resul- tante do uso constante elos de v\u00e1rias ordens (por exemplo, um produto metab\u00f3lico t\u00f3xico), que, a seguir, conforme sua natureza particular, deva acarretar um dos quadros m\u00f3rbidos determinados. Distingue-se, ent\u00e3o, o \u00e1lcool (como causa remota), desse t\u00f3xico hipot\u00e9tico como causa direta. \u00c9 natural que as causas diretas suscitem fen\u00f4menos consecutivos muito mais uniformes e regulares do que as mais remotas. Em parte alguma, to- davia, conhecemos qualquer causa direta real.", "3. O conceito de \u201ccausa\u201d \u00e9 multit\u00edvoco. Abrange a mera condi\u00e7\u00e3o de cir-", "cunst\u00e2ncias permanentes, o fator desencadeante e a for\u00e7a que atua decisi- vamente. A condi\u00e7\u00e3o \u00e9, por exemplo, uma tens\u00e3o vital que produz esgota- mento permanente, constante; o fator desencadeante, um abalo afetivo in- tenso; a for\u00e7a decisiva, uma disposi\u00e7\u00e3o heredit\u00e1ria, para que psicoses deste tipo se apresentem. O significado de causa sempre varia, evidente- mente. \u00d2 fato de n\u00e3o o discriminarmos e, al\u00e9m disto, contentarmo-nos com meras possibilidades \u00e9 a raz\u00e3o pela qual, muitas vezes, se substitui \u00e3 discuss\u00e3o em torno de causa ao conhecimento causal aut\u00eantico. Acresce a circunst\u00e2ncia de que n\u00e3o se logra conhecimento algum mediante a con- clus\u00e3o n\u00e3o comprovada que leva do post hoc ao propter hoc. D\u00e1-se, ainda mais, que falamos em causa n\u00e3o s\u00f3 quando certo efeito tem de ocorrer certa e inevitavelmente, mas tamb\u00e9m quando um efeito dela pode decor- rer; e falamos em condi\u00e7\u00e3o n\u00e3o s\u00f3 quando existe conditio sine qua non, mas tamb\u00e9m quando se trata de circunst\u00e2ncias que possivelmente apenas contribuem. E o que mais acontece \u00e9, em doen\u00e7as mentais, considerar causa o que j\u00e1 \u00e9 sintoma da exist\u00eancia respectiva (erro j\u00e1 notado por Kant); isso, sobretudo, quando se tomam abalos afetivos de intensidade m\u00e1xima, impulsos, \u201cpecados\u201d etc. como causa da irrup\u00e7\u00e3o de enfermida- des."], ["Para o fim de superar tais dificuldades, \u00e9 necess\u00e1rio, de in\u00edcio, um", "pensamento discriminativo, preciso, que esclare\u00e7a o conhecimento de cau- sas reais, mas n\u00e3o evidentes em absoluto. N\u00e3o se as discutem como possi- bilidades, e sim se mostram mediante achados \u2014 casu\u00edstica comparativa, cifras de frequ\u00eancias; com o que, tanto se determinam ou se refutam cau- sas correntemente conhecidas e aceitas quanto se iluminam outras ocul- tas, em que ningu\u00e9m jamais pensou. Embora se hajam clarificado, por esta via, algumas coisas, a supera\u00e7\u00e3o das dificuldades infinitamente acu- muladas do conhecimento causai assim adquirido imp\u00f5e, no entanto, uma estrutura absolutamente diversa para as rela\u00e7\u00f5es causais; ou seja, estru- tura biol\u00f3gica em vez de apenas mec\u00e2nica."], ["b) Mecanismo e organismo.", "A causalidade unilinear \u00e9, decerto, categoria inevit\u00e1vel de nosso con-"], ["ceituamento causal; pelo que, entretanto, n\u00e3o se h\u00e1 de considerar a vida esgot\u00e1vel. O evento vivo constitui a\u00e7\u00e3o rec\u00edproca infinita, que decorre em c\u00edrculos do processo, c\u00edrculos que, morfol\u00f3gica, fisiol\u00f3gica, geneticamente, s\u00e3o sempre totalidades ou configura\u00e7\u00f5es. A vida serve-se \u2014 \u00e9 claro \u2014 des- ses mecanismos (e nosso conhecimento causai daquilo que vive tem de apreend\u00ea-los), os quais, por\u00e9m, s\u00e3o, eles pr\u00f3prios, produzidos pela vida, por ela condicionados, modific\u00e1veis. Em contraposi\u00e7\u00e3o ao automatismo de uma m\u00e1quina, a vida apresenta-se como sendo autorregula\u00e7\u00e3o constante da maquin\u00e1ria produzida, de tal modo, contudo, que s\u00f3 vamos localizar,' afinal, o centro derradeiro da regula\u00e7\u00e3o na infinidade da vida como ideia; e em parte alguma o encontramos sen\u00e3o sob forma de ideia. Por isto \u00e9 que as influ\u00eancias externas que se exercem sobre o organismo incidem, sim, parcialmente, em mecanismos calcul\u00e1veis; no todo, entretanto, n\u00e3o inci- dem num mecanismo sempre igual, f\u00edsico, e sim num organismo. vivo que varia de indiv\u00edduo para indiv\u00edduo e no tempo. Da\u00ed compreender-se que as mesmas causas externas produzam efeitos absolutamente diversos em in- div\u00edduos diferentes. A mesma \u201ccausa\u2019* pode acarretar a irrup\u00e7\u00e3o de psico- ses diversas; por exemplo, depress\u00e3o ou esquizofrenia. Outro exemplo \u00e9 o efeito individualmente vari\u00e1vel do \u00e1lcool na multiplicidade das formas da embriaguez."], ["Por conseguinte, havemos de percorrer duas vias inteiramente diver- sas, se quisermos aprofundar-nos nas conex\u00f5es causais. As rela\u00e7\u00f5es cau- sais sum\u00e1rias ser\u00e3o decompostas, apreendidas com mais nitidez; o mais fino ser\u00e1 elaborado a partir do grosseiro; causas intermedi\u00e1rias interpolar- se-\u00e3o. Em segundo lugar, por\u00e9m, tudo isso s\u00f3 acontece de modo significa- tivo na moldura da contempla\u00e7\u00e3o e da apreens\u00e3o cada vez mais clara das", "totalidades, onde as rela\u00e7\u00f5es causais se realizam, onde t\u00eam sua condi\u00e7\u00e3o e limite. Do todo prov\u00eam as inquiri\u00e7\u00f5es causais, cujas respostas se confor- mam em causalidade mecan\u00edstica.", "Aquilo que significa dificuldade, na moldura das rela\u00e7\u00f5es caudais, pelo deslizamento no infinito e no contradit\u00f3rio, vem a ser, na moldura do pen- samento biol\u00f3gico, manifesta\u00e7\u00e3o natural das verdadeiras rela\u00e7\u00f5es causais.", "1. O fen\u00f4meno concreto que se passa, em dado momento, num todo", "vivo jamais permite que se isole um fato simples, urna causa simples, como se se tratasse de bolas de bilhar que chocam c s\u00e3o chocadas; como evento complicado, apenas \u00e9 que se h\u00e1 de, realmente, conceber reali- zando-se numa quantidade de condi\u00e7\u00f5es. \u00c1 imagem mec\u00e2nica de rela\u00e7\u00e3o causal unilinear se substituir\u00e1 a imagem de um tecido vivo infinito; de um c\u00edrculo de c\u00edrculos. Toda causa \u00fanica que se prop\u00f5e como decisiva torna- se question\u00e1vel, sem mais tardar, a uma pesquisa mais exata, subsis- tindo, quando muito, como conditio sine qua non, muito raramente, consi- derando-se causa \u00fanica, suficiente por si para dar lugar ao fen\u00f4meno.'"], ["Da\u00ed a express\u00e3o: \u201cQuanto mais causas, tanto menos conhecimento\u201d s\u00f3 valer para o conhecimento mec\u00e2nico causai, quando se realiza em ponde- ra\u00e7\u00f5es de possibilidade. A hist\u00f3ria da origem de toda doen\u00e7a mental \u00e9, no entanto, muito complexa. O conhecimento causal, a esta altura, faz-se, objetivamente, m\u00faltiplo, encerrando, por\u00e9m, a multiplicidade em c\u00edrculos correlatos, em configura\u00e7\u00f5es construcionais (conforme.se tentar\u00e1 investi- gar na quarte parte)."], ["No conhecimento causal que omite o todo e se volta para rela\u00e7\u00f5es sim- ples, unilineares, de causa-efeito, o que vale \u00e9 o derradeiro, pelo qual, va- lendo como causa, se ativa uma quantidade de condi\u00e7\u00f5es j\u00e1 existentes, ca- pazes de existir sem que nada aconte\u00e7a. Essa causa s\u00f3 pode, contudo, atuar porque existe aquela quantidade de requisitos reais. Por exemplo, a bact\u00e9ria espec\u00edfica produz a doen\u00e7a, mas s\u00f3 quando todas as condi\u00e7\u00f5es in- dividuais lhe vierem ao encontro, por assim dizer. Caso elas faltem, a bac- t\u00e9ria n\u00e3o lesa. Se a bact\u00e9ria faltar, as condi\u00e7\u00f5es desfavor\u00e1veis jamais se fa- r\u00e3o notar. Sem enxerto da causa derradeira, n\u00e3o se produz o evento total, que, todavia, n\u00e3o \u00e9 produzido por aquela. Na multiplicidade, ou seja, na infinita multiplicidade com que se tecem as rela\u00e7\u00f5es causais \u00e9 que reside a realidade da vida."], ["2. As rela\u00e7\u00f5es causais n\u00e3o s\u00f3 s\u00e3o unilineares, mas se realizam em efei- tos rec\u00edprocos, se expandem em c\u00edrculos, uns sobre os quais a vida se edi- fica e outros que, c\u00edrculos viciosos, suscitam um processo destrutivo.", "N\u00e3o se acrescenta, contudo, \u00e0 causalidade mec\u00e2nica nenhuma outra causalidade biol\u00f3gica, nova. Toda causalidade conhecida tem car\u00e1ter me- c\u00e2nico; n\u00e3o obstante o que, o evento real nos mostra a causalidade mec\u00e2- nica em emaranhamentos opostos tais que se quiser apreend\u00ea-los, se ter\u00e1 de conceber a multiplicidade na dispers\u00e3o e na combina\u00e7\u00e3o, vale dizer, numa constru\u00e7\u00e3o configurativa.", "Pelo todo, portanto, \u00e9 que se explica por que a mesma causa pode ge- rar efeitos exatamente opostos, conforme sua intensidade e conforme a di- versidade com que o todo se constitui; por que pode excitar e paralisar, dar lugar \u00e0 doen\u00e7a ou curar, suscitar tristeza ou alegria, etc.", "A aquisi\u00e7\u00e3o de uma vis\u00e3o da vida, tal qual a elaboram os biologistas, \u00e9"], ["indispens\u00e1vel ao psicopatologista, porque lhe abre um mundo em que a realidade da vida ps\u00edquica participa, se bem que com ela de modo algum se identifique. O estudo da biologia, que se sup\u00f5e evidente a todo m\u00e9dico, exige a clareza dos princ\u00edpios; e isso abrange, tanto a apropria\u00e7\u00e3o das ci- \u00eancias emp\u00edricas atuais quanto o trato com os grandes pensadores biol\u00f3gi- cos."], ["c) Causas end\u00f3genas e ex\u00f3genas."], ["O fen\u00f4meno b\u00e1sico da vida consiste no fato de realizar-se num peri- mundo que o conforma a partir da interioridade pr\u00f3pria da exist\u00eancia; pe- rimundo ao qual esta se refere e do qual sofre retroefeitos. Na medida em que se divide o todo existencial em perimundo e mundo interno e se de- comp\u00f5em ambos em fatores, atribuem-se os fen\u00f4menos vitais aos fatores causais do mundo externo, chamando-os ex\u00f3genos; e do mundo interno, chamando-os end\u00f3genos; \u00e0s influ\u00eancias externas op\u00f5e-se a disposi\u00e7\u00e3o in- terna. Porque a vida consiste na a\u00e7\u00e3o rec\u00edproca constante de exterioridade e interioridade, fen\u00f4meno algum pode ser exclusivamente end\u00f3geno; e vice-versa: todas as influ\u00eancias ex\u00f3genas desenvolvem seus efeitos carac- ter\u00edsticos num organismo cuja natureza especial sempre se h\u00e1 de apresen- tar como o essencial. Temos raz\u00e3o, contudo, para distinguir efeitos que de modo preponderante s\u00e3o endogenamente condicionados e efeitos que de modo preponderante s\u00e3o exogenamente condicionados."], ["1. Conceito de perimundo. Chama-se perimundo a totalidade do mundo em que o indiv\u00edduo vivo existe. \u00c9 perimundo f\u00edsico, que atua sobre o corpo e, da\u00ed, sobre a psique. \u00c9 perimundo portador de significado pelo sentido e ess\u00eancia das coisas, pelas situa\u00e7\u00f5es, pelo existir, querer e fazer do pr\u00f3- ximo; tudo isso atua sobre a psique e, da\u00ed, sobre o corpo.", "Decompomos o perimundo f\u00edsico que atua causalmente, numa multi- plicidade de fatores precisos, tang\u00edveis, e investigamos o efeito dessas cau- sas ex\u00f3genas, quais sejam, os t\u00f3xicos, as esta\u00e7\u00f5es do ano ou as horas do dia, as infec\u00e7\u00f5es, as doen\u00e7as som\u00e1ticas.", "2. Conceito de disposi\u00e7\u00e3o: Anlage (ou constitui\u00e7\u00e3o). Disposi\u00e7\u00e3o ou cons-", "titui\u00e7\u00e3o \u00e9 o conceito conjunto que se aplica a todas as condi\u00e7\u00f5es end\u00f3ge- nas da vida ps\u00edquica; da\u00ed resulta tal amplitude que, sempre que se usa a palavra, se tem de saber a que disposi\u00e7\u00e3o se alude.", "Tem-se de distinguir entre disposi\u00e7\u00e3o cong\u00eanita e disposi\u00e7\u00e3o adquirida,"], ["visto que as potencialidades moment\u00e2neas do organismo e da psique s\u00e3o, certamente, condicionadas, primeiro, pelo que neles existia congenita- mente; depois, no entanto, por todos os acontecimentos vitais at\u00e9 ent\u00e3o ocorridos, doen\u00e7as, viv\u00eancias; enfim, pela biografia que a disposi\u00e7\u00e3o indivi- dual est\u00e1 modificando constantemente ou transformando em cat\u00e1strofes ou processos m\u00f3rbidos.", "Distingue-se, a seguir, entre disposi\u00e7\u00e3o vis\u00edvel e disposi\u00e7\u00e3o invis\u00edvel: aquela \u00e9 a constitui\u00e7\u00e3o morfol\u00f3gica e fisiologicamente vis\u00edvel; esta \u00e9 a pre- disposi\u00e7\u00e3o que s\u00f3 se mostra quando ocorrem certos est\u00edmulos e perigos."], ["Tem-se de distinguir, enfim, entre disposi\u00e7\u00e3o som\u00e1tica e ps\u00edquica, en-", "tre disposi\u00e7\u00e3o permanente e disposi\u00e7\u00e3o que s\u00f3 se apresenta em certas \u00e9pocas da vida etc.", "Dado que separamos as condi\u00e7\u00f5es externas em muitas classes, somos obrigados tamb\u00e9m a encontrar, na. disposi\u00e7\u00e3o, elementos constitucionais; a formar unidades menores dentro da disposi\u00e7\u00e3o; a analisar, enfim, aqui como em qualquer oportunidade na qual fa\u00e7amos ci\u00eancia. Mas como \u00e9 que chegamos a elementos constitucionais particulares, que n\u00e3o se constroem arbitrariamente, mas t\u00eam significa\u00e7\u00e3o real? Apenas acompanhando a dis- posi\u00e7\u00e3o em fam\u00edlias inteiras; ao que nos conduzem dois fatos: a varia\u00e7\u00e3o individual e a heran\u00e7a. Investigando os rumos que as varia\u00e7\u00f5es seguem e a heran\u00e7a constante, ganhamos perspectivas que permitem alcan\u00e7ar uni- dades reais nas quais nos \u00e9 poss\u00edvel falar tanto em disposi\u00e7\u00f5es, de modo geral, quanto em certas disposi\u00e7\u00f5es."], ["3. Intera\u00e7\u00e3o de disposi\u00e7\u00e3o e perimundo. A s\u00edfilis \u00e9 causa da paralisia ge- ral, mas s\u00f3 uns 10% dos sifil\u00edticos \u00e9 que se tornam paral\u00edticos. Uma situa- \u00e7\u00e3o existencial perigosa (por exemplo, naufr\u00e1gio) atua sobre um parali- sando-o e sobre outro, ativando-o; um psicopata que n\u00e3o sabe orientar sua pr\u00f3pria vida pode, nessa cat\u00e1strofe, mostrar presen\u00e7a de esp\u00edrito que", "supere a perplexidade de outros, os quais, quanto ao mais, s\u00e3o sadios. O tabagismo cr\u00f4nico parece produzir dist\u00farbios circulat\u00f3rios e nervosos num e n\u00e3o noutro; etc. A doen\u00e7a \u00e9 rea\u00e7\u00e3o da disposi\u00e7\u00e3o \u00e0s influ\u00eancias ambien- tais, E s\u00f3 em casos fronteiri\u00e7os se v\u00ea recuar a significa\u00e7\u00e3o do que \u00e9 ex\u00f3- geno e do que \u00e9. end\u00f3geno. Por exemplo, a coreia de Huntington ou a debi- lidade mental cong\u00eanita podem ocorrer sem influ\u00eancia relevante do peri- mundo. Inversamente, a paralisia geral se liga \u00e0 infec\u00e7\u00e3o sifil\u00edtica; as psi- coses alco\u00f3licas, ao t\u00f3xico, conquanto a disposi\u00e7\u00e3o deva acrescentar al- guma coisa essencial. S\u00f3 quando h\u00e1 pura destrui\u00e7\u00e3o, como no caso de morte por esmagamento do cr\u00e2nio, \u00e9 que apenas o ex\u00f3geno desempenha papel. Quase sempre a rela\u00e7\u00e3o end\u00f3geno-ex\u00f3geno \u00e9 extraordinariamente complexa e de valorar-se somente conforme sua import\u00e2ncia, como se d\u00e1 na esquizofrenia e na psicose man\u00edaco-depressiva, onde o end\u00f3geno ocupa o primeiro plano, e nas psicoses por infec\u00e7\u00e3o, onde a primazia \u00e9 do ex\u00f3- geno."], ["Evento ps\u00edquico algum \u00e9 condicionado s\u00f3 pela disposi\u00e7\u00e3o, resultando", "sempre, sim, da intera\u00e7\u00e3o de uma disposi\u00e7\u00e3o especial com condi\u00e7\u00f5es e destinos externos especiais. Podemos apreender a altern\u00e2ncia de condi- \u00e7\u00f5es externas diretamente. A disposi\u00e7\u00e3o \u00e9 sempre alguma coisa aberta, a descobrir, a construir. O conceito serve, apenas, na maioria das vezes, quando usado com sentido absolutamente geral, para mascarar nossa ig- nor\u00e2ncia. Tanto especificamos, ao falar nas condi\u00e7\u00f5es externas, aludindo ao meio, quanto devemos esfor\u00e7ar-nos, quando usamos o conceito disposi- \u00e7\u00e3o, para dar a entender variedades o mais estritas poss\u00edvel de disposi\u00e7\u00e3o. Jamais podemos inquirir, tratando de um todo (por exemplo, um processo m\u00f3rbido n\u00e3o-org\u00e2nico, uma personalidade, a criminalidade de um indiv\u00ed- duo etc.), se resulta do meio ou da disposi\u00e7\u00e3o, podemos, sim, apenas, jul- gando o todo, separar fatores constitucionais e fatores ambientais, medi- ante' a decomposi\u00e7\u00e3o em elementos particulares."], ["Como n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel considerar sempre igual o organismo humano, nem sua vida ps\u00edquica (pelo contr\u00e1rio, indiv\u00edduos diferentes reagem, por exemplo, ao mesmo t\u00f3xico de forma inteiramente diversa), \u00e9 evidente que tamb\u00e9m nunca se pode esquecer a disposi\u00e7\u00e3o, quando se investigam os efeitos de causas externas. Nunca se encontram efeitos recorrentes inalte- ravelmente uniformes no mesmo indiv\u00edduo; e mesmo na maior const\u00e2ncia de conex\u00f5es h\u00e1 exce\u00e7\u00f5es, h\u00e1 diversidade qualitativa dos efeitos; e efeitos s\u00f3 em n\u00famero limitado de indiv\u00edduos.", "Porque, vice-versa, tamb\u00e9m a disposi\u00e7\u00e3o herdada precisa das condi- \u00e7\u00f5es ambientais para manifestar-se, assim temos de inquirir, na doen\u00e7a", "end\u00f3gena, estas condi\u00e7\u00f5es ambientais; por exemplo, quando se determina que, dentre g\u00eameos univitelinos, um sendo acometido de esquizofrenia, tamb\u00e9m o outro h\u00e1 de adoecer quase sempre, \u00e9 certo, mas nem sempre.", "4. Rela\u00e7\u00e3o de end\u00f3geno-exogeneidade com pares afins de conceitos. Os", "conceitos end\u00f3geno e ex\u00f3geno t\u00eam sentido, diverso, conforme se usem para aludir a meras doen\u00e7as som\u00e1ticas ou a enfermidades ps\u00edquicas. To- dos os fatores ex\u00f3genos de doen\u00e7as som\u00e1ticas (t\u00f3xicos, bact\u00e9rias, clima) s\u00e3o, certamente, tamb\u00e9m ex\u00f3genos de enfermidades ps\u00edquicas. Mas cha- mamos tamb\u00e9m ex\u00f3genas as doen\u00e7as som\u00e1ticas (mesmo aquelas end\u00f3- geno-som\u00e1ticas do c\u00e9rebro) em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o ps\u00edquica."], ["Exemplos: a) a paralisia geral \u00e9 doen\u00e7a cerebral exogenamente produ-", "zida (pela s\u00edfilis), que, por sua vez, destr\u00f3i, ela pr\u00f3pria, exogenamente a vida ps\u00edquica, b) o tumor \u00e9 processo cerebral end\u00f3geno, que, como fator ex\u00f3geno, atinge a disposi\u00e7\u00e3o ps\u00edquica."], ["Neste sentido, tudo que \u00e9 somatog\u00eanico \u00e9 tamb\u00e9m ex\u00f3geno; tudo que \u00e9", "psicog\u00eanico \u00e9 tamb\u00e9m end\u00f3geno. Distinguimos, por\u00e9m, no evento ps\u00ed- quico, tal qual distinguimos ex\u00f3geno e end\u00f3geno, o reativo do aut\u00f3ctone (Hellpach: anormalidade reativa e produtiva). As rea\u00e7\u00f5es que resultam de viv\u00eancias desencadeadas por golpes da sorte e acontecimentos externos t\u00eam analogia com o ex\u00f3geno; aquelas fases e processos que se apresentam sem acontecimentos externos, em certas \u00e9pocas, por for\u00e7a de causas inter- nas, s\u00e3o an\u00e1logas ao end\u00f3geno."], ["d) Evento causal como evento extraconsciente.", "O que h\u00e1 de comum a todas as conex\u00f5es causais \u00e9 o fato de nelas al- guma coisa incompreens\u00edvel se fazer, claramente, necess\u00e1ria; causalidade esta que se pode determinar apenas empiricamente, s\u00f3 podendo apreen- der-se de forma te\u00f3rica pela elabora\u00e7\u00e3o de um extraconsciente fundamen- tal; em si, por\u00e9m inevidente.", "\u00ca da ess\u00eancia de toda investiga\u00e7\u00e3o causal que, progredindo, penetre em fundamentos extraconscientes do psiquismo, ao passo que a psicologia compreensiva permanece, em princ\u00edpio, na consci\u00eancia, termina no limite da consci\u00eancia. Sempre que investigamos causalidades, temos de pensar nalguma coisa extraconsciente subjacente \u00e0s unidades fenomenol\u00f3gicas, ou \u00e0s conex\u00f5es compreens\u00edveis, ou ao que quer que seja que usemos como elemento. \u00c9 assim que usamos conceitos de disposi\u00e7\u00f5es extraconscientes e mecanismos extraconscientes; conceitos a partir dos quais, entretanto,"], ["nunca podemos desenvolver, na psicologia. Uma teoria universalmente v\u00e1- lida; podemos, sim, utiliz\u00e1-la, apenas, para os fins investigativos momen- t\u00e2neos, na medida em que se mostrem aproveit\u00e1veis."], ["O que nos guia, a esta altura, \u00e9 a ideia b\u00e1sica de que todas as cone- x\u00f5es causais, de que o alicerce extraconsciente do psiquismo se baseiam em processos som\u00e1ticos. O extraconsciente s\u00f3 pode ser encontrado no mundo como alguma coisa som\u00e1tica. Esses processos, n\u00f3s os presumimos no c\u00e9rebro (principalmente, no c\u00f3rtex e no tronco cerebral); e pensamo-los como processos biol\u00f3gicos complicados ao m\u00e1ximo. Da respectiva explora- \u00e7\u00e3o estamos infinitamente distantes. N\u00e3o conhecemos processo som\u00e1tico singular algum que seja o fundamento especial de determinados processos ps\u00edquicos. Todas as destrui\u00e7\u00f5es grosseiras que se observam corno- sendo causa das afasias, da dem\u00eancia org\u00e2nica, s\u00e3o, unicamente e sempre, des- trui\u00e7\u00f5es de condi\u00e7\u00f5es mais distantes do psiquismo; em princ\u00edpio, \u00e9 a mesma coisa que o fato de m\u00fasculos intatos, serem condi\u00e7\u00e3o do apareci- mento de atos volunt\u00e1rios; e \u00f3rg\u00e3os dos sentidos intatos, condi\u00e7\u00e3o do apa- recimento de percep\u00e7\u00f5es. Tudo quanto conhecemos no c\u00e9rebro \u00e9 de relaci- onar-se fisiol\u00f3gico-somaticamente; em parte alguma, conhecemos achados que se possam valorar por forma diretamente psicol\u00f3gica. Pelo contr\u00e1rio, nas altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas mais grosseiras, encontram-se c\u00e9rebros absoluta- mente intatos; ou achados t\u00e3o m\u00ednimos e espalhados por tantos indiv\u00ed- duos que as graves altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas se afiguram inconceb\u00edveis; ou, in- versamente, encontram-se \u2014 com relativa raridade \u2014 altera\u00e7\u00f5es s\u00e9rias do c\u00f3rtex cerebral em homens que quase n\u00e3o apresentavam anormalidade ps\u00edquica.1 Os achados in\u00fameros no c\u00e9rebro de doentes mentais n\u00e3o s\u00e3o, absolutamente, caracter\u00edsticos de processos ps\u00edquicos determinados. A paralisia geral, que se considera a \u00fanica enfermidade mental em que se conhecem achados caracter\u00edsticos, n\u00e3o permite, entretanto, relacionar o achado cerebral com as altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas particulares. A paralisia geral \u00e9, sobretudo, um processo que acomete o sistema nervoso inteiro, tal qual a esclerose m\u00faltipla, ou a arteriosclerose. Quase todos, os processos cere- brais costumam ter efeitos ps\u00edquicos, sejam, quais forem, mas a paralisia os tem excessivos e constantes. Nela, como- em muitos processos cere- brais, tamb\u00e9m se apresenta, ocasionalmente, a maior parte dos processos"], ["1 \u00c9 o que v\u00e1rios casos surpreendentes ensinam aos anatomistas. Exemplo- conhecido \u00e9 a dem\u00eancia senil. As altera- \u00e7\u00f5es cerebrais dos anci\u00e3es, em geral, e da dem\u00eancia senil s\u00e3o, qualitativamente, id\u00eanticas; isto \u00e9, no demente, encontram-se altera\u00e7\u00f5es grav\u00edssimas do mesmo tipo que em anci\u00e3es sadios. Mas tamb\u00e9m se encontram, \u00e0s ve- zes, altera\u00e7\u00f5es graves em anci\u00e3es sadios e altera\u00e7\u00f5es relativamente ligeiras em dementes. N\u00e3o existe paralelo entre a gravidade dos defeitos ps\u00edquicos e a gravidade das altera\u00e7\u00f5es anat\u00f4micas.", "ps\u00edquicos anormais de n\u00f3s conhecidos; s\u00f3 que a destrui\u00e7\u00e3o da psique n\u00e3o tarda a colocar-se no primeiro plano."], ["Assim, pois, embora com o pressuposto de todos os processos ps\u00edqui- cos, normais e anormais, terem seus fundamentos som\u00e1ticos, estes nos escapam onde quer que os busquemos. Devemos precaver-nos, sobretudo, de ver nos processos cerebrais conhecidos esses fundamentos diretos de certos processos ps\u00edquicos. No estado atual de nossos conhecimentos, se passarmos por alto os fundamentos som\u00e1ticos diretos que ignoramos, \u00e9 l\u00ed- cito falar num efeito dos processos cerebrais que conhecemos sobre a vida ps\u00edquica, tal qual falamos no efeito dos dist\u00farbios metab\u00f3licos, dos vene- nos etc. Da\u00ed refor\u00e7ar-se o sentido da concep\u00e7\u00e3o frequentemente expressa de que a disposi\u00e7\u00e3o ps\u00edquica individual condiciona a forma particular por que a psique reage ao processo m\u00f3rbido cerebral. Tem- se at\u00e9 presumido que a mesma doen\u00e7a som\u00e1tica ou o mesmo processo cerebral produza ora uma psicose peri\u00f3dica, ora um processo demencial. Esta concep\u00e7\u00e3o de- pende ainda de comprova\u00e7\u00e3o, mas sabe-se, por exemplo, que ao mesmo processo cerebral um doente reage, em primeiro lugar, com sintomas his- t\u00e9ricos; outro, com anomalias de humor; outro ainda, com dem\u00eancia as- sintom\u00e1tica. Evidentemente, estas diversidades t\u00eam validez no in\u00edcio do processo, ao passo que o fim cada vez mais se assemelha por for\u00e7a da des- trui\u00e7\u00e3o geral."], ["S\u00e3o muitos os dist\u00farbios ps\u00edquicos e as psicopatias em que, geral- mente, coisa alguma se v\u00ea no c\u00e9rebro, nem os fundamentos diretos, nem aqueles mais remotos. N\u00e3o se pode duvidar, entretanto, de que todo pro- cesso ps\u00edquico peculiar tenha suas condi\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas peculiares. Mas estes fundamentos som\u00e1ticos, nas personalidades psicop\u00e1ticas, na histe- ria, talvez em muitas psicoses que ainda se consideram dem\u00eancia precoce (processos ps\u00edquicos), n\u00e3o se devem pensar sen\u00e3o do mesmo modo por que se pensa, por exemplo, o fundamento som\u00e1tico cerebral da diversi- dade dos caracteres e talentos; isto \u00e9, estamos infinitamente longe de con- sider\u00e1-los sequer objeto poss\u00edvel de investiga\u00e7\u00e3o."], ["A estas concep\u00e7\u00f5es outra se op\u00f5e, que dominou dec\u00eanios anteriores, mas que, de tempos para c\u00e1, tem perdido import\u00e2ncia, vestida na seguinte f\u00f3rmula: \u201cAs doen\u00e7as mentais s\u00e3o doen\u00e7as do c\u00e9rebro\u201d. (Grjesinger, Mey- nert, Wernick). A frase \u00e9 dogma, como dogma seria a respectiva negativa. Vamos, mais uma vez, esclarecer a situa\u00e7\u00e3o: Nalguns casos, encontramos entre altera\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas e ps\u00edquicas conex\u00f5es de tal maneira apresen- tando-se que as ps\u00edquicas se podem considerar seguramente consequen- tes. Sabemos tamb\u00e9m que, em geral, n\u00e3o existe processo ps\u00edquico, sem a"], ["condi\u00e7\u00e3o de fundamentos som\u00e1ticos, sejam quais forem; n\u00e3o h\u00e1 \u201cespec- tros\u201d. Mas tamb\u00e9m n\u00e3o conhecemos, em parte alguma, processo som\u00e1tico cerebral que, por assim dizer, seja \u201ca outra face\u201d, a contrapartida id\u00eantica do processo ps\u00edquico m\u00f3rbido. O que sempre conhecemos s\u00e3o, apenas, condi\u00e7\u00f5es do psiquismo; jamais conhecemos a causa de um processo ps\u00ed- quico, mas, em todos os casos, apenas uma causa. Aquela frase c\u00e9lebre, portanto, se a confrontarmos com a investiga\u00e7\u00e3o realmente poss\u00edvel e as experi\u00eancias reais, talvez seja objetivo poss\u00edvel, se nem que situado no infi- nito, da investiga\u00e7\u00e3o, n\u00e3o assinalando, contudo, objete algum da investi- ga\u00e7\u00e3o. Discutir frases desta ordem, querer, na medida do poss\u00edvel, resolver em princ\u00edpio o problema, significa falta de cr\u00edtica metodol\u00f3gica. Frases que tais desaparecer\u00e3o tanto mais da psiquiatria quanto mais desaparecer a especula\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica da psicopatologia e quanto mais se introduzir a for- ma\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica dos psicopatologistas."], ["Visto historicamente, a vig\u00eancia do dogma segundo o qual as doen\u00e7as", "mentais s\u00e3o doen\u00e7as do c\u00e9rebro teve efeito favor\u00e1vel c efeito prejudicial. Favoreceu-se a pesquisa do c\u00e9rebro, a ponto de, hoje em dia, todo hospital ter seu laborat\u00f3rio anat\u00f4mico; mas prejudicou-se a pesquisa psicopatol\u00f3- gica propriamente dita, porque, sem eles quererem, se apoderou de alguns psiquiatras o sentimento de bastar sequer conhecer exatamente o c\u00e9rebro para conhecer tamb\u00e9m a vida ps\u00edquica e seus dist\u00farbios. Abandonando de todo os estudos psicopatol\u00f3gicos, chegaram a consider\u00e1-los n\u00e3o cient\u00edfi- cos; da\u00ed perderem inclusive o conhecimento do cabedal at\u00e9 ent\u00e3o adqui- rido pela psicopatologia. Atualmente, veio a formar-se uma situa\u00e7\u00e3o em que a pesquisa anat\u00f4mica e a investiga\u00e7\u00e3o da vida ps\u00edquica se apresentam aut\u00f4nomas e paralelas."], ["Alguns conceitos de uso di\u00e1rio esclarecem-nos' a necessidade de pen-"], ["sar como extraconsciente o evento causal:", "1. \u201cSintoma\u201d. Reconhecemos no sintoma o extraconsciente que n\u00e3o percebemos diretamente. Todos os fen\u00f4menos da vida ps\u00edquica, e som\u00e1tica tornam-se sintomas, quando consideramos causai o evento b\u00e1sico pr\u00f3- prio. Se o extraconsciente for um processo som\u00e1tico conhecido, os fen\u00f4me- nos ps\u00edquicos ser\u00e3o sintomas deste processo. Os sintomas s\u00e3o fen\u00f4menos que se reconhecem como id\u00eanticos. Em que \u00e9 que repousa a identidade de um sintoma? Tem-se a resposta em toda a teoria das causas. A identidade de um sintoma se produz, por exemplo, mediante a mesma causa ex\u00f3gena, quais sejam, venenos, varie-", "dades nosol\u00f3gicas som\u00e1ticas; ou mediante a mesma localiza\u00e7\u00e3o de diver- sos processos m\u00f3rbidos, que atuam nesse local do c\u00e9rebro, lesando-o, es- timulando-o, excitando-o, ou paralisando-o; ou ainda, mediante a mesma disposi\u00e7\u00e3o etc."], ["Se se considerarem os fen\u00f4menos sintomas relacionados com o evento b\u00e1sico causal, distinguir-se-\u00e3o, conforme a proximidade da causa, os sin- tomas b\u00e1sicos (sintomas prim\u00e1rios, sintomas axiais) dos sintomas acess\u00f3- rios (sintomas secund\u00e1rios, sintomas marginais). Analogamente, distin- guem-se, nas causas dos sintomas, aquelas patog\u00eanicas (pelas quais se produzem os fen\u00f4menos) e aquelas pato- pl\u00e1sticas (as quais apenas mode- lam os sintomas)."], ["2. \u201cOrg\u00e2nico-funcional\u201d. Os mecanismos extraconscientes que se acres- cem, hipoteticamente, \u00e0 vida ps\u00edquica para explic\u00e1-la n\u00e3o podem ser com- provados, at\u00e9 o momento atual, em qualquer localiza\u00e7\u00e3o diretamente so- m\u00e1tica. N\u00e3o \u00e9 como processos paralelos diretos, nem como causas diretas, e sim como causas mais remotas de processos ps\u00edquicos que, no entanto, Se encontram numerosos fen\u00f3menos somaticamente tang\u00edveis (processos cerebrais, envenenamentos, altera\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas de outros \u00f3rg\u00e3os, que le- vam a admitir atuem eles tamb\u00e9m sobre o c\u00e9rebro). Aquelas altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas que se podem atribuir a essas causas somaticamente tang\u00edveis chamam-se org\u00e2nicas; c nelas, isto \u00e9, nas doen\u00e7as ps\u00edquicas org\u00e2nicas, podem-se mostrar, desde logo, com os recursos atuais, altera\u00e7\u00f5es do c\u00e9re- bro; ou \u00e9 tamb\u00e9m l\u00edcito esperar, com base noutros fen\u00f4menos som\u00e1ticos, que venham a encontrar-se em futuro previs\u00edvel. As altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas para as quais n\u00e3o se podem encontrar causas som\u00e1ticas e nas quais tam- b\u00e9m o setor som\u00e1tico n\u00e3o oferece, no momento, quaisquer pontos de apoio; nas quais, sim, a presun\u00e7\u00e3o de que existam repousa no mero pos- tulado de que deve haver causas som\u00e1ticas para todas as altera\u00e7\u00f5es ps\u00ed- quicas, chamam- se funcionais. A discrimina\u00e7\u00e3o entre org\u00e2nico e funcional tem, entretanto, sentido m\u00faltiplo, se bem que conexo: org\u00e2nico \u00e9 o que \u00e9 tang\u00edvel morfol\u00f3gica, ana- t\u00f4mica, estrutural mente; funcional c o fisiol\u00f3gico, que s\u00f3 aparece, persis- tindo o morfol\u00f3gico, no evento e nos rendimentos do corpo. Mais ainda: or- g\u00e2nico \u00e9 o evento irrepar\u00e1vel; a doen\u00e7a \u00e9 incur\u00e1vel; funcional c o evento repar\u00e1vel; \u00e9 cur\u00e1vel a doen\u00e7a.", "Evidentemente, n\u00e3o c absoluto o contraste. O que se inicia psicogeni- camente, o que se manifesta funcionalmente pode tornar-se org\u00e2nico. O"], ["org\u00e2nico pode manifestar-se num evento funcional repar\u00e1vel. Sempre, to- davia, o contraste se refere ao evento som\u00e1tico.", "e) Contra a absolutiza\u00e7\u00e3o do conhecimento causal."], ["Do ponto de vista da pesquisa som\u00e1tica e neurol\u00f3gica, os dist\u00farbios ps\u00edquicos que aparecem com processos cerebrais conhecidos s\u00e3o, apenas, \u201csintomas\u201d. A grande import\u00e2ncia pr\u00e1tica do conhecimento dos processos som\u00e1ticos, que permitem o sucesso do influenciamento terap\u00eautico \u2014 cura radical \u2014 com a maior rapidez e s\u00f3 no futuro, talvez, leva a que mui- tos se inclinem a considerar \u00fanico este ponto de vista, julgando haver re- conhecido a \u201cess\u00eancia\u201d da doen\u00e7a ps\u00edquica na doen\u00e7a som\u00e1tica. Para o psiquiatra que tamb\u00e9m for psicopatologista, este ponto de vista constitui- ria trai\u00e7\u00e3o \u00e0 tarefa que lhe cabe, realmente. O que ele quer investigar n\u00e3o s\u00e3o processos cerebrais que a neurologia e a histologia cerebral j\u00e1 investi- gam, e sim processos ps\u00edquicos. Em que extens\u00e3o se podem demonstrar, at\u00e9 hoje, causas particulares desses processos ps\u00edquicos, condi\u00e7\u00f5es som\u00e1- ticas existindo; de que modo complexos inteiros de dist\u00farbios ps\u00edquicos e todo o curso respectivo t\u00eam sua causa \u00fanica no processo cerebral (doen- \u00e7as org\u00e2nicas); por que forma essas doen\u00e7as org\u00e2nicas se diagnosticam; de que maneira, a seu turno, s\u00e3o causadas \u2014 tudo isto interessa ao m\u00e1- ximo, certamente, o psiquiatra. E \u00e9 particularmente importante para o m\u00e9- dico conhecer tais condi\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas."], ["O que mais profundamente nos satisfaz a necessidade causai s\u00e3o as regularidades mais simples e mais necess\u00e1rias, das quais se h\u00e1 de esperar o poder m\u00e1ximo da interven\u00e7\u00e3o terap\u00eautica; isso, por\u00e9m, s\u00f3 quando se houver reconhecido a causalidade de modo efetivamente emp\u00edrico e n\u00e3o teoricamente, como mera possibilidade. Se nos inclinarmos a ver a causa principal em meras pondera\u00e7\u00f5es causais, ser\u00e1 funesto o efeito para o co- nhecimento emp\u00edrico das m\u00faltiplas formas daquilo que \u00e9, psiquicamente, anormal, porque se abandonar\u00e1 o mundo do que se pode, objetivamente, saber, embora n\u00e3o se explique causalmente, em favor de abstra\u00e7\u00f5es va- zias. Mas o impulso cognoscitivo que nos leva ao conhecimento encontra, fora da considera\u00e7\u00e3o causai, outra gratifica\u00e7\u00e3o especifica na vis\u00e3o orde- nada e penetrante dos fen\u00f4menos e configura\u00e7\u00f5es que comp\u00f5em a vida ps\u00edquica."], ["Significa\u00e7\u00e3o e limite do conhecimento causai talvez sejam de ver-se com o m\u00e1ximo de clareza nas possibilidades terap\u00eauticas. O conhecimento causal que apreende o incompreens\u00edvel como necess\u00e1rio a partir de suas", "causas pode influenciar, decisivamente, esse evento por meio de medidas nas quais a atividade ps\u00edquica que se deve ajudar n\u00e3o precisa participar. N\u00e3o se pode prever o que vir\u00e1 a ser poss\u00edvel com base na pesquisa serol\u00f3- gica, endocrinol\u00f3gica e hormonial. Sem interven\u00e7\u00e3o pessoal do m\u00e9dico e do paciente, as inje\u00e7\u00f5es promoveriam a terapia eficaz; repeti-la-iam por forma id\u00eantica de caso para caso e produziriam efeitos maci\u00e7os. De modo absoluto se lhes op\u00f5e a terapia que, na interven\u00e7\u00e3o pessoal do m\u00e9dico, atrav\u00e9s da atividade pessoal do doente, esta exercendo-se pela conforma- \u00e7\u00e3o do perimundo e da vida, deixa o campo livre \u00e0s varia\u00e7\u00f5es internas, das quais se origina a cura."], ["A polaridade radical compreende muitos graus intermedi\u00e1rios. De um lado, est\u00e1 o mero fazer; de outro lado, o est\u00edmulo, o alenta- mento; de um lado, o treino; de outro, a educa\u00e7\u00e3o; de um lado, a cria\u00e7\u00e3o de condi\u00e7\u00f5es; de outro, o configuramento radical. Na multiplicidade destas polaridades tem lugar pr\u00f3prio o conhecimento causal e compreensivo.", "Reconhecer, realmente, a causalidade \u00e9 dif\u00edcil. Existindo, por\u00e9m, o co- nhecimento geral, a aplica\u00e7\u00e3o \u00e9 relativamente f\u00e1cil, transformando-se em fen\u00f4meno maci\u00e7o. Pelo contr\u00e1rio, o compreens\u00edvel, em geral, \u00e9 f\u00e1cil de apreender. Dif\u00edcil \u00e9 a aplica\u00e7\u00e3o, que constitui a presen\u00e7a mais intensiva da individualidade inteira, porque se transforma n\u00e3o em deriva\u00e7\u00e3o a partir da generalidade, mas em origem hist\u00f3rica sempre nova da compreens\u00e3o con- creta, na figura pessoal de tal m\u00e9dico e de tal doente.", "A causalidade refere-se ao que c estranho, incompreens\u00edvel e fact\u00edvel; a compreens\u00e3o refere-se a mim mesmo no outro, ao homem como pr\u00f3ximo."], ["Se estiver claro tudo quanto aqui se tratou de modo puramente esque- m\u00e1tico, as conclus\u00f5es seguintes se tiram: Todas as categorias c m\u00e9todos t\u00eam seu sentido espec\u00edfico; absurdo ser\u00e1 contrastar uns com os outros. Cada qual pode realizar-se frutuosamente, de modo puro, objetivo e, ao mesmo tempo, necessariamente limitado. Absolutizado, cada qual vir\u00e1 a dar em imposi\u00e7\u00f5es vazias, discuss\u00f5es c comportamentos que destruir\u00e3o a vis\u00e3o franca dos fatos. No que se refere, cm particular, ao evento causal, o progresso no sentido da causalidade profunda e compulsiva constitui im- pulso fundamental de nosso conhecimento; as perspectivas fazem crescer asas; a dificuldade do objetivo reclama paci\u00eancia. Por mais longe, no en- tanto, que chegue, nosso conhecimento jamais atingir\u00e1 o evento em si e no todo que possa manipular; na verdade, o conhecimento tem sempre diante de si alguma coisa com que operar; e operar de tal maneira que l\u00f4da cura do homem ainda venha, afinal, a depender, decisivamente, de alguma"], ["coisa que nele existe e que podemos abordar compreensivamente.", "f) Revis\u00e3o do conhecimento causal.", "Dividimos a mat\u00e9ria em tr\u00eas cap\u00edtulos. No primeiro, veem-se os fatores causais particulares que constitu\u00edram, at\u00e9 o momento, objeto principal de nosso conhecimento (vemos o indiv\u00edduo como corpo portador de psique em seu perimundo). No segundo, mostra-se em sua significa\u00e7\u00e3o para o co- nhecimento psicopatol\u00f3gico um fator causal relevante, predominante, am- plo, porque determina todos os outros: a heran\u00e7a (vemos o indiv\u00edduo no contexto das gera\u00e7\u00f5es como variedade que resulta da disposi\u00e7\u00e3o herdada). No terceiro, discutem-se as ideias que conduzem e extraviam todo nosso pensamento causal \u2014 as teorias-, teorias que imaginamos de processos extraconscientes (pensamos um evento em que se baseiam os fen\u00f4menos)."], ["A psicopatologia explicativa depende sempre, em suas ideias b\u00e1sicas e em seus pontos de vista, da biologia (desta, na. totalidade de seus horizon- tes cognoscitivos); depende, especialmente, da anatomia, fisiologia, neuro- logia, endocrinologia e gen\u00e9tica (teoria da heran\u00e7a) humanas. Teremos, em nossa exposi\u00e7\u00e3o, de iniciar estas rela\u00e7\u00f5es mediante breves refer\u00eancias."], ["3.1. EFEITOS DO PERIMUNDO E DO CORPO SOBRE A VIDA PS\u00cdQUICA", "Corpo e alma s\u00e3o de investigar-se, em sua unidade, sua separa\u00e7\u00e3o, sua correla\u00e7\u00e3o, sob v\u00e1rios aspectos, que divergem uns dos outros radical- mente. No presente cap\u00edtulo, relataremos que achados som\u00e1ticos tang\u00edveis e que fatores perimundiais f\u00edsicos t\u00eam sobre a psique efeito poss\u00edvel de comprovar. N\u00e3o adianta falar no corpo em geral e na alma em geral, por- que tanto um quanto outra s\u00e3o por demais indeterminados para poder-se dar sentido claro ao que sobre eles se disser. O que importa \u00e9 apreender a corporeidade determinada e determinados fen\u00f4menos ps\u00edquicos, tanto quanto \u00e9 poss\u00edvel determin\u00e1-los empiricamente, a fim de ver, em seguida, quais os efeitos dessa corporeidade."], ["No que diz respeito \u00e0 considera\u00e7\u00e3o causal \u201cde fora\u201d, todo efeito corp\u00f3- reo ou som\u00e1tico causal vai ter \u00e0 psique pelo c\u00e9rebro-. isso no pressuposto \u2014 que a experi\u00eancia confirma, at\u00e9 o momento \u2014 de n\u00e3o haver efeito cau- sal imediato do soma sobre a psique, mas, apenas, por interm\u00e9dio do c\u00e9re- bro. A corporeidade total pode ser psiquicamente relevante, mas, nesse caso, s\u00f3 \u00e9 causal quando existem vias som\u00e1ticas que levam ao c\u00e9rebro, onde encontram pontos em que apoiar seu efeito. De que modo, entre- tanto, se h\u00e1 de conceber o apoio para o efeito exercido sobre a psique \u00e9 ab- solutamente obscuro. Nosso relato vai dos fatores causais do perimundo ao efeito que o c\u00e9rebro exerce sobre a psique. Havemos de ver que, certa- mente, existe uma quantidade de fatos interessantes, mas que n\u00e3o alcan- \u00e7amos a pr\u00f3pria psique, porque \u00e9 imposs\u00edvel transpor o reino \u201cdas causas intermedi\u00e1rias\u201d situado entre o soma e a psique. Quem aponta para as re- la\u00e7\u00f5es empiricamente verific\u00e1veis entre som\u00e1tico e ps\u00edquico encontra sem- pre um abismo imposs\u00edvel de preencher. Se se disser, em sucess\u00e3o: A psi- que est\u00e1 no soma inteiro \u2014 a psique est\u00e1 no c\u00e9rebro \u2014 a psique est\u00e1 num lugar do c\u00e9rebro \u2014 a psique n\u00e3o est\u00e1 em parte alguma, estar-se-\u00e1 sempre exprimindo uma experi\u00eancia; cada uma destas frases est\u00e1 correta. Mas, considerando a mat\u00e9ria do ponto de vista causal, a via ascende ao c\u00e9rebro, \u00e0 localiza\u00e7\u00e3o cerebral, onde se perde, sempre que se queiram fazer afirma- tivas positivas gerais com refer\u00eancia \u00e0 rela\u00e7\u00e3o entre c\u00e9rebro e psique."], ["\u00a7 1. Efeitos Do Perimundo", "O perimundo influi constantemente sobre toda a vida e tamb\u00e9m sobre", "a psique: do ponto de vista psicopatol\u00f3gico, devem-se nomear os fen\u00f4me- nos especiais que se t\u00eam observado por for\u00e7a da mudan\u00e7a do dia para a noite, da esta\u00e7\u00e3o do ano, do tempo, do clima. Sem especificidade em rela- \u00e7\u00e3o a certas variedades de perimundo, d\u00e3o-se as exig\u00eancias existenciais m\u00e1ximas, que levam ao esgotamento ou a uma revolu\u00e7\u00e3o da constitui\u00e7\u00e3o vital.", "a) Hora do dia, esta\u00e7\u00e3o, tempo, clima.", "Pouco sabemos sobre a rela\u00e7\u00e3o entre fen\u00f3menos ps\u00edquicos e condi\u00e7\u00f5es"], ["metereol\u00f3gicas; apesar do que, essa rela\u00e7\u00e3o se manifesta de modo mais patente nos processos ps\u00edquicos patol\u00f3gicos. Discriminaremos, \u00e9 claro, os efeitos causais diretos, os quais se exercem sobre a psique atrav\u00e9s do corpo e dos quais ora nos ocupamos, e os indiretos, exercidos mediante a impress\u00e3o compreens\u00edvel que a paisagem, o tempo, o clima produzem so- bre a psique; extenso campo de representa\u00e7\u00f5es de afetos e conte\u00fados com- preens\u00edveis, que a poesia e a arte, mais do que a ci\u00eancia, t\u00eam tornado conscientes.", "1. Hora do dia. Em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 hora do dia, s\u00e3o de observa\u00e7\u00e3o frequente", "as pioras dos estados depressivos pela manh\u00e3; dos estados amenciais e delirantes \u00e0 noite. Os depressivos podem sentir-se, de manh\u00e3, muito mal; e \u00e0 noite, bem. T\u00edpicos s\u00e3o tamb\u00e9m o del\u00edrio noturno, a inquieta\u00e7\u00e3o, a an- siedade e o deambular noturnos dos senis, l\u00facidos durante o dia. H\u00e1 epi- l\u00e9pticos que s\u00f3 t\u00eam ataques de noite."], ["2. Esta\u00e7\u00f5es. No tocante \u00e0 quest\u00e3o da import\u00e2ncia das esta\u00e7\u00f5es, possu\u00ed- mos cifras que nos demonstram, para uma s\u00e9rie de fen\u00f4menos, a frequ\u00ean- cia de seu aparecimento numa curvai anual. Assim, os suic\u00eddios e atenta- dos sexuais e, ao que parece, todos os atos poss\u00edveis de atribuir ao au- mento da atividade ps\u00edquica apresentam-se com a frequ\u00eancia m\u00e1xima em maio e junho. Tamb\u00e9m a cifra de interna\u00e7\u00f5es dos doentes mentais chega ao m\u00e1ximo na primavera e no ver\u00e3o. De h\u00e1 muito que diversos observado- res notam a coincid\u00eancia da curva anual relativamente \u00e0 cifra de interna- \u00e7\u00f5es. Pesquisas feitas na cl\u00ednica de Heidelberg mostraram que a curva re- ferente \u00e0s \u00e1reas rurais \u00e9 mais caracter\u00edstica do que as curvas urbanas; as curvas femininas, mais caracter\u00edsticas do que as curvas masculinas; au- mentando a idade, torna-se mais frouxa a rela\u00e7\u00e3o com a esta\u00e7\u00e3o do ano. As primeiras interna\u00e7\u00f5es, ou seja, os doentes de fresca data, t\u00eam a curva caracter\u00edstica. Tudo indica n\u00e3o serem as condi\u00e7\u00f5es sociais, mas as in- flu\u00eancias atmosf\u00e9ricas, que condicionam a curva anual.", "3. Tempo. A rela\u00e7\u00e3o de v\u00e1rias queixas nervosas e reum\u00e1ticas com o tempo (aumento quando h\u00e1 umidade e press\u00e3o baixa) \u00e9 de compreender- se, em parte, como efeito direto, apenas, sobre o corpo. Fatores ps\u00edquicos tamb\u00e9m contribuem para a sensibilidade difusa dos nervosos a qualquer altera\u00e7\u00e3o\u2019 atmosf\u00e9rica. Os estados ps\u00edquicos anormais \u2014 por exemplo, quando troveja, quando neva \u2014 s\u00e3o manifestamente causais, mas n\u00e3o compreensivelmente condicionados.", "4. Clima. Quando se observam os efeitos patog\u00eanicos de certos climas,", "deve-se abstrair o efeito dos agentes morb\u00edgenos. Ignora- se que efeitos o clima tem por si. Pode-se discutir se o \u201cdel\u00edrio dos tr\u00f3picos\u201d, por exemplo, n\u00e3o ser\u00e1 produzido, sobretudo, pela influ\u00eancia social do meio colonial."], ["b) Fadiga e esgotamento.", "Chamam-se fadiga e esgotamento a diminui\u00e7\u00e3o e les\u00e3o das fun\u00e7\u00f5es so- m\u00e1ticas e ps\u00edquicas resultantes do respectivo exerc\u00edcio. A fisiologia pensa que a fadiga se d\u00ea pelo ac\u00famulo de produtos metab\u00f3licos inibidores, que a corrente sangu\u00ednea n\u00e3o tarda a carriar, novamente; ao passo que o esgota- mento resulta do consumo excessivo da subst\u00e2ncia viva, a qual tem de ser substitu\u00edda mediante nova s\u00edntese. Na fadiga, observam-se in\u00fameros fen\u00f4- menos subjetivos:", "Fuga interna de ideias: pensamentos irrelevantes sucedem-se rapida-"], ["mente uns aos outros. Ou pelo contr\u00e1rio: a pessoa n\u00e3o consegue livrar-se de certos pensamentos, ideias e imagens (sobretudo, recorda\u00e7\u00f5es com carga afetiva). Os fen\u00f4menos fazem-se t\u00e3o vivos que chegam a parecer re- almente sentidos: as ideias transformam-se quase em pseudo- alucina- \u00e7\u00f5es; o pensamento, em fala; acrescem-se excita\u00e7\u00f5es sensoriais espont\u00e2- neas. \u00c9 comum ouvir \u201ctinidos de campainhas\u201d ou falsas-percep\u00e7\u00f5es seme- lhantes. Falha a mem\u00f3ria volunt\u00e1ria; afrouxa a coordena\u00e7\u00e3o das ideias e dos movimentos volunt\u00e1rios; aumenta a excitabilidade motora, ocorrem tremores. \u00c0s vezes, certa disposi\u00e7\u00e3o afetiva imotivada- mente exaltada do- mina todo o quadro.", "T\u00eam-se fixado experimentalmente alguns efeitos da fadiga: Mediram-se", "rendimentos laborativos (execu\u00e7\u00e3o de c\u00e1lculos etc.) a constatou-se a rela- \u00e7\u00e3o da fadiga com a fome, com o encurtamento da sono etc. Observou-se diminui\u00e7\u00e3o da produtividade, da distraibilidade, com tend\u00eancia a associa- \u00e7\u00f5es \u00eddeo-fugitivas."], ["Weber encontrou, na fadiga, invers\u00e3o de comportamento da reple\u00e7\u00e3o sangu\u00ednea dos \u00f3rg\u00e3os-, ali\u00e1s, t\u00e3o passageira em pessoas quanto ao mais", "normais, durante a fase de fadiga, quanto permanente nos neurast\u00e9nicos. Nos trabalhadores intelectuais., o volume do bra\u00e7o, durante o trabalho, aumentou em vez de diminuir; o volume da cabe\u00e7a, o volume cerebral, di- minuiu em vez de aumentar; \u00e0 car\u00f3tida estreitou-se. em vez de alargar-se."], ["Se se ligar uma corrente galv\u00e2nica, cujo an\u00f3dio se coloque sobre um olho, a pessoa em experimenta\u00e7\u00e3o nota, a certa intensidade da corrente, um raio luminoso; o observador constata um movimento na pupila do ou- tro olho. Se se medirem a intensidade da corrente galv\u00e2nica a que o raio luminoso se torna vis\u00edvel (intensidade da sensibilidade \u00e0 luz) e a intensi- dade a que o movimento pupilar se nota (sensibilidade reflexa), ver-se-\u00e1 que os dois valores se comportam, nas pessoas sadias, segundo uma rela- \u00e7\u00e3o aproximada de 1:3. Esta determina\u00e7\u00e3o de Bumke serviu a Haymanns para fundamentar o exame de alguns doentes, encontrando, em estados de esgotamento variados (neurastenia constitucional e adquirida, ap\u00f3s do- en\u00e7a som\u00e1tica, histeria), aumento desta rela\u00e7\u00e3o 1:3 para 1:30, ou 1:40. Nas quatro neuroses traum\u00e1ticas experimentadas, encontrou rela\u00e7\u00f5es normais, como tamb\u00e9m nas psicoses funcionais."], ["Noutros tempos, atribuiu-se grande import\u00e2ncia ao esgotamento como fator causal de psicoses agudas; atualmente, por\u00e9m, pelo contr\u00e1rio, a ten- d\u00eancia \u00e9 negar a exist\u00eancia de psicoses por esgotamento verdadeiras. O que h\u00e1, apenas, \u00e9, de um lado, aumento da fatigabilidade, que pode che- gar a grau muito elevado; de outro lado, multiplicidade de maneiras ex- pressivas da fadiga, conforme a constitui\u00e7\u00e3o pessoal ou tempor\u00e1ria do in- div\u00edduo acometido pela fadiga. \u00c9 em particular nos estados psicop\u00e1ticos de base\u2019 constitucional que a fadiga se apresenta de maneira muito diversa: uma excurs\u00e3o na montanha provoca depress\u00e3o; um esfor\u00e7o f\u00edsico qual- quer gera manifesta\u00e7\u00f5es de despersonaliza\u00e7\u00e3o e sentimentos de estra- nheza; o esgotamento leva a del\u00edrio de autorrefer\u00eancia de h\u00e1 muito prepa- rado (ideia sobrevalorada). Surgem a tend\u00eancia ao pranto, \u00e0 irritabilidade e \u00e0 exaspera\u00e7\u00e3o, aos estados ap\u00e1ticos, aos sentimentos de ansiedade, \u00e0s ideias obsessivas; enfim, a todo o contingente dos fen\u00f4menos psicop\u00e1ticos."], ["Finalmente, toda sorte de psicoses end\u00f3genas pode ser \u201cdesencadeada\u201d", "tamb\u00e9m pelo esgotamento, como por' outros fatores. Na primeira Guerra Mundial, n\u00e3o se observaram psicoses consequentes a estados de esgota- mento dos mais graves; mas o esgotamento pode preparar o terreno para rea\u00e7\u00f5es patol\u00f3gicas que ocorrem ante abalos emocionais muito intensos.", "Embora n\u00e3o haja psicoses propriamente por esgotamento, h\u00e1, no en- tanto, estados caracter\u00edsticos em certos indiv\u00edduos que, por natureza, j\u00e1"], ["apresentam fatigabilidade anormalmente elevada e que se exp\u00f5em a gran- des esfor\u00e7os prolongados, a prolongadas priva\u00e7\u00f5es, \u00e0s mis\u00e9rias da vida, \u00e0 alimenta\u00e7\u00e3o ruim. Nesses indiv\u00edduos, j\u00e1 n\u00e3o h\u00e1, afinal, momento algum em que n\u00e3o estejam fatigados; da\u00ed sofrerem de fen\u00f4menos psicop\u00e1ticos nu- merosos, que correspondem \u00e0 respectiva constitui\u00e7\u00e3o. Basta adoecerem de uma psicose end\u00f3gena cur\u00e1vel desencadeada pelo estado de esgotamento para que aquela tome, \u00e0s vezes, colorido \u201cast\u00e9nico\u201d especial resultante do esgotamento anterior; colorido tamb\u00e9m costumeiro a todas as psicoses que ocorrem quanto h\u00e1 doen\u00e7as som\u00e1ticas graves (sinais de desfaleci- mento, abatimento e tamb\u00e9m expressividade pobre)."], ["\u00a7 2. Venenos (T\u00f3xicos)", "S\u00e3o de acesso relativamente f\u00e1cil \u00e0 investiga\u00e7\u00e3o os efeitos dos medica- mentos e venenos sobre a vida ps\u00edquica, tendo em vista a uniformidade da causa eventual, que mesmo no homem se pode introduzir experimental- mente. A investiga\u00e7\u00e3o segue tr\u00eas rumos:", "a) Em primeiro lugar, procura-se criar uma ideia clara dos fen\u00f4menos subjetivamente vivenciados, conforme se manifestem ap\u00f3s a introdu\u00e7\u00e3o de determinados venenos. Constatam-se diferen\u00e7as no efeito do mesmo ve- neno sobre indiv\u00edduos diferentes e, no mesmo indiv\u00edduo, conforme a oca- si\u00e3o; igualmente, percebem-se diferen\u00e7as no efeito de venenos diversos. Quanto \u00e0 primeira situa\u00e7\u00e3o, temos exemplos nas m\u00faltiplas variedades da embriaguez alco\u00f3lica, da embriaguez pelo haxixe; quanto \u00e0 segunda situa- \u00e7\u00e3o, nas diferen\u00e7as do efeito do \u00e1lcool, do haxixe, da morfina. Em doses maiores, todos os venenos levam a altera\u00e7\u00f5es da consci\u00eancia (embriaguez, imobilidade, coma), ou ao sono."], ["Em casos particulares, o efeito moment\u00e2neo dos venenos diverge tanto da m\u00e9dia e \u00e9 t\u00e3o grave que se fala em rea\u00e7\u00e3o patol\u00f3gica t\u00f3xica. O exemplo mais conhecido \u00e9 a rea\u00e7\u00e3o alco\u00f3lica patol\u00f3gica. Basta uma quantidade re- lativamente pequena para aparecerem turva\u00e7\u00f5es da consci\u00eancia do tipo crepuscular, com atos insensatos, ou outros estados anormais, os quais, frequentemente, se resolvem em sono profundo, com absoluta amn\u00e9sia do indiv\u00edduo em causa. Os mesmos indiv\u00edduos sofrem, muitas vezes, de ou- tros tipos de rea\u00e7\u00f5es patol\u00f3gicas (a infec\u00e7\u00f5es, a acidentes, a viv\u00eancias). Outras pessoas nem as m\u00ednimas quantidades de \u00e1lcool suportam; v\u00eam- lhes logo um mal-estar, ou altera\u00e7\u00f5es intensas do curso do evento ps\u00ed- quico, de modo que evitam o uso do \u00e1lcool (intoler\u00e2ncia ao \u00e1lcool, que pode ser tanto cong\u00eanita quanto adquirida por les\u00f5es cranianas etc.) ."], ["As viv\u00eancias da embriaguez t\u00f3xica s\u00e3o altamente interessantes, n\u00e3o s\u00f3"], ["constituindo fen\u00f4menos assombrosos, cujo encanto desperta a curiosi- dade por experi\u00eancias semelhantes e cujo g\u00f4zo acarreta o perigo avultado de les\u00f5es ruinosas para a vida; mas tamb\u00e9m representando, por assim di- zer, \u201cpsicose-modelo\u201d (Beringer), na qual se pode experimentar aquilo que se aproxima da psicose aguda, especialmente das esquizofr\u00eanicas, com muito mais nitidez do que nas viv\u00eancias do sonho e da fadiga. Sobre estes fen\u00f4menos, existe literatura extremamente interessante. Assim \u00e9 que Ja- mes escreve: \u201cEm volta de nossa consci\u00eancia vigil \u2014 que s\u00f3 \u00e9 uma certa esp\u00e9cie de consci\u00eancia \u2014 existem outras formas potenciais de consci\u00eancia, que se separam por septos estreitos, apenas. Podemos passar pela vida sem lhes pressentir a exist\u00eancia: mas basta usar o est\u00edmulo necess\u00e1rio para que se mostrem, ao menor contato, plenamente claros\u201d. A fenomeno- logia tem relatado in\u00fameras manifesta\u00e7\u00f5es com base nas autonarra\u00e7\u00f5es das v\u00e1rias esp\u00e9cies de embriaguez. Mas \u00e9, exatamente, o isolamento do particular na descri\u00e7\u00e3o fenom\u00eanica que leva a indagar da conex\u00e3o das ma- nifesta\u00e7\u00f5es nalgum princ\u00edpio. As extensas analogias das formas in\u00fameras de embriaguez \u2014 apesar das varia\u00e7\u00f5es consider\u00e1veis conforme a pessoa e conforme os venenos \u2014 indicam que h\u00e1 alguma coisa comum."], ["b) Em segundo lugar, investigam-se, objetivamente, os rendimentos mensur\u00e1veis: apreens\u00e3o, tipos de associa\u00e7\u00e3o, continuidade do trabalho etc., conforme se modifiquem sob a influ\u00eancia do veneno particular. Esta \u201cfarmacopsicologia\u201d desenvolvida por Kraepelin tem encontrado diversida- des caracter\u00edsticas nas altera\u00e7\u00f5es dos rendimentos, ap\u00f3s a introdu\u00e7\u00e3o de venenos diversos. Observa-se, por exemplo, \u00e0 ingest\u00e3o de \u00e1lcool, que se aceleram, de in\u00edcio, os rendimentos motores; os rendimentos, correspon- dentes \u00e0 apreens\u00e3o descem, imediatamente; ao passo que, com o ch\u00e1, os rendimentos da apreens\u00e3o aumentam, inversamente, e os motores n\u00e3o se alteram. Em todo caso, as rela\u00e7\u00f5es s\u00e3o, na maior parte das vezes, t\u00e3o complicadas que quase todos os resultados quase n\u00e3o resistem a uma cr\u00ed- tica severa. O requintamento dos m\u00e9todos de investiga\u00e7\u00e3o tem progredido mais do que a obten\u00e7\u00e3o de resultados que sejam interessantes, do ponto de vista psicopatol\u00f3gico."], ["c) O terceiro rumo seguido pela investiga\u00e7\u00e3o refere-se n\u00e3o aos efeitos t\u00f3-", "xicos moment\u00e2neos, mas aos p\u00f3s-efeitos permanentes dos venenos por for\u00e7a da introdu\u00e7\u00e3o reiterada, quer esta ocorra despercebidamente (chumbo), quer se d\u00ea com fins hedon\u00edsticos (\u00e1lcool, morfina, haxixe). Este \u00e9 o setor propriamente da observa\u00e7\u00e3o cl\u00ednica; o que diz respeito, por exem- plo, \u00e0 altera\u00e7\u00e3o da personalidade ap\u00f3s abuso prolongado do \u00e1lcool, da"], ["morfina, da coca\u00edna etc.; e \u00e0s psicoses agudas passageiras, que surgem em consequ\u00eancia de introdu\u00e7\u00e3o mais prolongada de venenos. \u00c9 de impor- t\u00e2ncia fundamental o fato de nem todos os indiv\u00edduos experimentarem, absolutamente, os mesmos efeitos. Assim, existem pessoas que suportam, durante muito tempo, quantidades enormes de \u00e1lcool sem preju\u00edzo not\u00e1- vel. \u2014 De outro lado, nota-se, contudo, que os efeitos do mesmo veneno s\u00e3o, muitas vezes, t\u00e3o semelhantes de um indiv\u00edduo para outro que quase se podem reconhecer com inteira seguran\u00e7a pelo simples quadro ps\u00edquico. \u00c9 o caso do delirium tremens (del\u00edrio dos beberr\u00f5es), uma das psicoses mais t\u00edpicas que a medicina conhece."], ["As rela\u00e7\u00f5es causais entre intoxica\u00e7\u00e3o cr\u00f4nica e psicose s\u00e3o complica- das. N\u00e3o se trata de efeitos t\u00f3xicos-diretos, mas, provavelmente, o que ob- servamos s\u00e3o elos intermedi\u00e1rios, que, at\u00e9 o presente, ignoramos por com- pleto e que se presumem sejam dist\u00farbios metab\u00f3licos, forma\u00e7\u00e3o de toxi- nas, altera\u00e7\u00e3o vascular. \u00c0s vezes, acrescem-se ainda outros fatores cau- sais (ferimentos, infec\u00e7\u00e3o). No caso particular, a subordina\u00e7\u00e3o causal s\u00f3 \u00e9 indiscut\u00edvel quando se trata de formas psic\u00f3ticas t\u00edpicas, de observa\u00e7\u00e3o frequente com o veneno em quest\u00e3o. Noutros casos, \u00e9 poss\u00edvel tratar-se de psicose totalmente diversa, em indiv\u00edduos tamb\u00e9m padecendo de envene- namento cr\u00f4nico.", "Nas psicoses resultantes de envenenamentos cr\u00f4nicos, encontram-se,"], ["ao lado de todas as diversidades, certos tra\u00e7os comuns que, em parte, t\u00eam afinidade com os fen\u00f4menos observados nas psicoses por processo cere- brais e por outras doen\u00e7as org\u00e2nicas ex\u00f3genas (Bonhoeffer): 1) Estados passageiros de turva\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia, que caminham para a cura com no\u00e7\u00e3o plena da doen\u00e7a por -parte do indiv\u00edduo, notando-se ainda alucina- \u00e7\u00f5es maci\u00e7as, desorienta\u00e7\u00e3o e ansiedade (del\u00edrio). 2) Sintomas som\u00e1ticos, que representam sinais de les\u00e3o em outros territ\u00f3rios org\u00e2nicos e que s\u00e3o caracter\u00edsticos, em parte, dos diferentes venenos. 3) Ataques convulsivos durante os estados agudos. 4) Altera\u00e7\u00f5es permanentes da personalidade, consistindo em abrutalhamento da vida emocional, estreitamento dos in- teresses, em predom\u00ednio unilateral da via instintiva e instabilidade volitiva. Da\u00ed resultam a decad\u00eancia social, aumento da excitabilidade, levando \u00e0 pr\u00e1tica de viol\u00eancias, com protestos de inoc\u00eancia, e irresponsabilidade completa; sobretudo em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s promessas de absten\u00e7\u00e3o futura. Estas \u00faltimas altera\u00e7\u00f5es quase s\u00f3 se observam como efeito de estimulantes (\u00e1l- cool, \u00f3pio, morfina, haxixe). Trata-se, na maioria das vezes, de indiv\u00edduos originariamente psicopatas, que s\u00f3 se entregam ao \u201cv\u00edcio\u201d por for\u00e7a da psi- copatia. Quanto aos demais venenos (CO2, ergotina etc.), produzem meros"], ["estados de fraqueza ps\u00edquica, com tra\u00e7os de s\u00edndrome de Korsakov, mas sem aquelas fei\u00e7\u00f5es que se relacionam com os v\u00edcios."], ["\u00a7 3. Doen\u00e7as Org\u00e2nicas"], ["O fato de observarem-se no mesmo indiv\u00edduo uma doen\u00e7a org\u00e2nica e uma anormalidade ps\u00edquica n\u00e3o quer dizer, em absoluto, que ambos os fe- n\u00f4menos se relacionem, tal qual um processo m\u00f3rbido cerebral e uma psi- cose nem sempre t\u00eam, no mesmo indiv\u00edduo, conex\u00e3o um com o outro. Dis- tinguir-se-\u00e3o as seguintes possibilidades: Uma noxa conhecida \u00e9 causa tanto do padecimento som\u00e1tico quanto da doen\u00e7a ps\u00edquica: por exemplo, o \u00e1lcool produz, ao mesmo tempo, polineurite e s\u00edndrome de Korsakov; ou uma noxa desconhecida produz uma coisa e outra: por exemplo, o dist\u00far- bio alimentar e a inani\u00e7\u00e3o que progridem, irremediavelmente, apesar de toda administra\u00e7\u00e3o aliment\u00edcia, nalgumas catatonias; ou a doen\u00e7a som\u00e1- tica c de considerar-se consequente \u00e0 ps\u00edquica: por exemplo, certas quei- xas g\u00e1stricas resultantes de abalos emocionais s\u00e9rios ou de depress\u00f5es ci- clot\u00edmicas; ou a doen\u00e7a som\u00e1tica e a psicose independem uma da outra: por exemplo, carcinoma e dem\u00eancia precoce; ou t\u00eam correla\u00e7\u00e3o estat\u00edstica, indicando conex\u00e3o na disposi\u00e7\u00e3o heredit\u00e1ria; por exemplo, tuberculose e dem\u00eancia precoce. Finalmente, h\u00e1 a possibilidade de a doen\u00e7a som\u00e1tica ser uma das causas que condicionam o sofrimento ps\u00edquico. \u00c9 a esta \u00fal- tima correla\u00e7\u00e3o que ora daremos aten\u00e7\u00e3o."], ["a) Doen\u00e7as internas.", "Quase todas as doen\u00e7as som\u00e1ticas influem, de um modo ou de outro,", "sobre a vida ps\u00edquica. Inversamente, por\u00e9m, a vida ps\u00edquica influi sobre os estados som\u00e1ticos (conforme se discutiu na somatopsicologia). \u00c0s vezes, forma-se, nas enfermidades, um c\u00edrculo vicioso: o medo da doen\u00e7a gera o sofrimento card\u00edaco; este, depois de evoluir somaticamente, aumenta, por sua vez, com a ansiedade, ou o medo. Uma \u201csuperposi\u00e7\u00e3o nervosa\u201d pode aparecer em seguida \u00e0 sintomas som\u00e1ticos, produzindo doen\u00e7a. O au- mento da sensibilidade, a concentra\u00e7\u00e3o da aten\u00e7\u00e3o na enfermidade e nos sintomas poss\u00edveis; principalmente, a sugest\u00e3o involunt\u00e1ria da parte do m\u00e9dico assistente atuam, neste caso, concomitantemente, no sentido de criar o quadro em que j\u00e1 n\u00e3o se pode distinguir com nitidez aquilo que \u00e9 efeito diretamente som\u00e1tico daquilo que \u00e9 mais ou menos condicionado pela psique. Mas, conquanto poss\u00edvel este c\u00edrculo, existe uma quantidade"], ["de doen\u00e7as a princ\u00edpio puramente som\u00e1ticas a prop\u00f3sito das quais inda- gamos por que modo atuam sobre a vida ps\u00edquica.", "Temos, aqui, de distinguir, como sempre, as conex\u00f5es causais das co- nex\u00f5es compreens\u00edveis. As doen\u00e7as som\u00e1ticas atuam ou causalmente, in- fluindo sobre as condi\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas da vida ps\u00edquica no c\u00e9rebro \u2014 quase sempre por forma desconhecida (toxinas, secre\u00e7\u00e3o interna); ou atuam compreensivelmente por interm\u00e9dio do modo de vida a que a enfermidade obriga o indiv\u00edduo; e tamb\u00e9m por interm\u00e9dio das sensa\u00e7\u00f5es, das viv\u00eancias, do destino que o fato de estar doente lhe imp\u00f5em. Em todos os tipos de in- div\u00edduo sujeitos a interna\u00e7\u00e3o prolongada e de doentes cr\u00f4nicos, \u00e9 fre- quente notar estes efeitos; por exemplo, na mesquinhez, na limita\u00e7\u00e3o do horizonte, na sentimentalidade, na chamada dem\u00eancia sanatorial, na ma- neira de ser egoc\u00eantrica e ego\u00edstica."], ["Como efeito direto, ocorrem altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas ligeiras era toda do- en\u00e7a som\u00e1tica: diminui\u00e7\u00e3o da produtividade, aumento da fatigabilidade, tend\u00eancia a estados de \u00e2nimo depressivos ou- euf\u00f3ricos. Por vezes, \u00e9 a al- tera\u00e7\u00e3o de humor que, primeiro, faz perceber uma doen\u00e7a infecciosa em incep\u00e7\u00e3o; principalmente, nas crian\u00e7as. Em personalidades absoluta- mente ajustadas, psiquicamente robustas, estas manifesta\u00e7\u00f5es n\u00e3o s\u00e3o comuns; mas noutras \u2014 que, por isto, se chamam nervosas \u2014 instala-se um desenvolvimento mais variado."], ["Nalguns grupos nosol\u00f3gicos, tem-se dado aten\u00e7\u00e3o expressa \u00e0s respecti-", "vas consequ\u00eancias ps\u00edquicas. Observam-se, nos cardiopatas-, os estados fisiol\u00f3gicos de ansiedade grave resultantes dos dist\u00farbios circulat\u00f3rios e da an\u00f3xia tissular. A angina do peito liga-se a ansiedade corp\u00f3rea intensa. Mas \u00e9 not\u00e1vel o fato de observar-se, em certos cardiopatas graves, o es- casso ou nulo sentimento da doen\u00e7a, que, no entanto, \u00e9 sempre vivo nas neuroses cujo centro \u00e9 o cora\u00e7\u00e3o."], ["Na tuberculose pulmonar, a doen\u00e7a mesma n\u00e3o parece ter import\u00e2ncia", "espec\u00edfica; nem se tem demonstrado sejam a euforia e o aumento do ero- tismo causalmente condicionados pela enfermidade. At\u00e9 a diminui\u00e7\u00e3o da produtividade \u00e9, \u00e0s vezes, espantosamente reduzida. Houve grandes ho- mens que, at\u00e9 pouco antes de morrerem de tuberculose, ainda se apresen- tavam capazes de criar. Em todo caso, da transforma\u00e7\u00e3o do perimundo e da situa\u00e7\u00e3o para o doente resultam consequ\u00eancias evidentes, que se po- dem representar numa \u201csociologia\u201d da tuberculose. Nos sanat\u00f3rios, o esp\u00ed- rito especial da casa, a organiza\u00e7\u00e3o da vida na institui\u00e7\u00e3o, as possibilida- des de ocupa\u00e7\u00e3o criam estado de \u00e2nimo particular. Na comunidade doe"], ["doentes, forma-se um mundo pr\u00f3prio com seus costumes, partidarismos e intrigas, seus relacionamentos er\u00f3ticos. Os pacientes, por for\u00e7a da longa dura\u00e7\u00e3o do- tratamento, segregados das atividades sociais, correm o pe- rigo de s\u00f3 poder voltar ao mundo para expor-se a dificuldades das mais s\u00e9rias. Observa-se neles a tend\u00eancia a fixar-se na doen\u00e7a, mesmo que esta se cure, somaticamente."], ["b) As doen\u00e7as end\u00f3crinas.", "Entre todas as doen\u00e7as internas, as end\u00f3crinas t\u00eam assumido para a", "psiquiatria a maior import\u00e2ncia, visto constitu\u00edrem ponto de partida de certas hip\u00f3teses que buscam explicar, biologicamente, da maneira mais ampla, as enfermidades ps\u00edquicas. \u00ca necess\u00e1rio fazer ideia daquilo que, a esta altura, se tem em considera\u00e7\u00e3o, sob o aspecto biol\u00f3gico."], ["1. O quadro total do evento fisiol\u00f3gico. A vida do organismo \u00e9 uma grande unidade, conduzida por sistemas corp\u00f3reos conexos: o sistema nervoso c\u00e9rebro-espinhal, o sistema nervoso vegetativo, os horm\u00f4nios das gl\u00e2ndulas de secre\u00e7\u00e3o interna. O sistema nervoso c\u00e9rebro-espinhal dirige as rela\u00e7\u00f5es do corpo com o mundo exterior, alcan\u00e7ando o \u00f3timo vital da- quele em seu perimundo. O sistema nervoso vegetativo (simp\u00e1tico e paras- simp\u00e1tico) prov\u00ea o \u00f3timo vital no meio interno das fun\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas. As gl\u00e2ndulas end\u00f3crinas, ou gl\u00e2ndulas de secre\u00e7\u00e3o interna, que se mant\u00eam em rela\u00e7\u00e3o multilateral umas com as outras, preenchem um todo funcio- nal, regulando os dois sistemas nervosos mediante seus \u201cmensageiros\u201d, os horm\u00f4nios, e, de seu lado, sendo reguladas por ambos os sistemas nervo- sos. O que se chama integra\u00e7\u00e3o hormonial das fun\u00e7\u00f5es num todo unit\u00e1rio realiza-se pelo entrejogo destes tr\u00eas sistemas que se regulam ou dirigem reciprocamente. Dito em poucas palavras: O todo vital \u00e9 regulado pelos sistemas nervosos, como onipresen\u00e7a das mensagens e conex\u00f5es que as fibras nervosas transmitem, e pelas subst\u00e2ncias ativas, como onipresen\u00e7a, propiciada pela circula\u00e7\u00e3o sangu\u00ednea, de est\u00edmulos e inibi\u00e7\u00f5es. A unidade da vida, seu plano construtivo, certamente se v\u00ea na morfologia do corpo; mas s\u00f3 se efetua na unidade fisiol\u00f3gica funcional, que constitui coopera- \u00e7\u00e3o significa dos controles). N\u00e3o se pode dizer onde \u00e9 que, nos tr\u00eas siste- mas reguladores, se acha o centro derradeiro de que parte toda condu\u00e7\u00e3o. \u00c9 discut\u00edvel que exista. Conforme se apresentem as conex\u00f5es determinan- temente reconhec\u00edveis, o controle cabe ora a um, ora a outro dos tr\u00eas sis- tema e n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel comprimir a unidade num dentre eles. Toda absolu- tiza\u00e7\u00e3o de um quadro unit\u00e1rio presumidamente derradeiro rompe-se di-", "ante de outras forma\u00e7\u00f5es unit\u00e1rias, sem levar nosso conhecimento fisiol\u00f3- gico a conclus\u00e3o alguma. A unidade dos controles hormoniais e nervosos constitui um todo complicado ao infinito, que s\u00f3 se pode penetrar numas poucas rela\u00e7\u00f5es."], ["O sistema end\u00f3crino (tamb\u00e9m chamado sistema de secre\u00e7\u00e3o interna, ou sistema hormonial) funciona pelo jogo conjugado das gl\u00e2ndulas: hip\u00f3- fise, gl\u00e2ndulas sexuais, tireoide, paratireoides, suprarrenais, p\u00e2ncreas etc.", "Os horm\u00f4nios que elas fabricam incluem-se entre as subst\u00e2ncias ati-"], ["vas, ou seja, subst\u00e2ncias que n\u00e3o atuam nutrindo, mas estimulando e re- gulando. As subst\u00e2ncias ativas trazidas de fora com os alimentos cha- mam-se vitaminas. As subst\u00e2ncias ativas que se formam no pr\u00f3prio orga- nismo chamam-se horm\u00f4nios (isto \u00e9, subst\u00e2ncias ativantes). Enquanto os fermentos s\u00e3o subst\u00e2ncias cuja presen\u00e7a \u00e9 necess\u00e1ria a determinadas transforma\u00e7\u00f5es qu\u00edmicas, (quase sempre processos de desintegra\u00e7\u00e3o), os horm\u00f4nios atuam, apenas, sobre a subst\u00e2ncia viva. \u00c9 comum a todas es- tas subst\u00e2ncias o fato de poderem desenvolver sua fun\u00e7\u00e3o em quantida- des extraordinariamente reduzidas. Conhecem-se quimicamente algumas subst\u00e2ncias ativas, podendo-se produzi-las por s\u00edntese (entre os horm\u00f4- nios, a adrenalina, os horm\u00f4nios sexuais; al\u00e9m deles, diversas vitaminas)."], ["S\u00e3o incalcul\u00e1veis as regula\u00e7\u00f5es que se produzem pelos horm\u00f4nios, funcionando como mensageiros, ou emiss\u00e1rios, dizendo respeito, sobre- tudo, ao metabolismo, ao crescimento e aos fen\u00f4menos de matura\u00e7\u00e3o, aos processos da reprodu\u00e7\u00e3o, como a menstrua\u00e7\u00e3o; e tamb\u00e9m ao comporta- mento vasomotor, \u00e0 atividade intestinal etc.", "Os horm\u00f4nios n\u00e3o s\u00e3o espec\u00edficos do ser humano, mas s\u00e3o os mes- mos, de modo geral, em todos os vertebrados. Mas a import\u00e2ncia ou signi- fica\u00e7\u00e3o vital da unidade das fun\u00e7\u00f5es vai crescendo at\u00e9 chegar ao homem. A abla\u00e7\u00e3o cir\u00fargica da hip\u00f3fise quase n\u00e3o tem consequ\u00eancia apreci\u00e1vel nos vertebrados inferiores; nos mam\u00edferos, produz dist\u00farbios; a perda da hip\u00f3fise leva o homem \u00e0 morte. \u00c9 quase s\u00f3 no homem que conhecemos doen\u00e7as end\u00f3crinas."], ["Todo este campo de investiga\u00e7\u00e3o significa revivesc\u00eancia da patologia humoral de base indubitavelmente emp\u00edrica. J\u00e1 n\u00e3o \u00e9, decerto, como entre os gregos, em mistura de sucos absolutamente hipot\u00e9tica que se alicer\u00e7am os temperamentos. Reconhecem-se, todavia, conex\u00f5es efetivas espec\u00edficas, tang\u00edveis, pelas quais se abre \u00e0 investiga\u00e7\u00e3o ulterior imenso campo. A frase de Goethe: \u201cO sangue \u00e9 um suco inteiramente especial\u201d enche-se de conte\u00fado que supera todas as expectativas."], ["2. M\u00e9todos de investiga\u00e7\u00e3o. Ganhou-se este quadro total provis\u00f3rio pela associa\u00e7\u00e3o de m\u00e9todos de investiga\u00e7\u00e3o: observa\u00e7\u00e3o cl\u00ednica, experi\u00ean- cias fisiol\u00f3gicas e farmacol\u00f3gicas, an\u00e1lises do sangue, pesquisas metab\u00f3li- cas. Foi s\u00f3 gra\u00e7as \u00e0 colabora\u00e7\u00e3o dos especialistas, dos cl\u00ednicos, dos farma- cologistas, fisiologistas e qu\u00edmicos que se conseguiram resultados espan- tosos. A investiga\u00e7\u00e3o an\u00e1tomo- patol\u00f3gica das gl\u00e2ndulas, as observa\u00e7\u00f5es terap\u00eauticas com a administra\u00e7\u00e3o de extratos glandulares ou de horm\u00f4nio obtidos em pureza, a an\u00e1lise farmacol\u00f3gica do sistema end\u00f3crino-vegeta- tivo, as observa\u00e7\u00f5es serol\u00f3gicas, as experi\u00eancias em animais t\u00eam ampliado de maneira extraordin\u00e1ria a medicina interna.", "3. Doen\u00e7as end\u00f3crinas conhecidas em medicina interna e respectivos", "achados ps\u00edquicos. O grande campo destas doen\u00e7as \u2014 Basedow, mixe- dema, tetania, acromegalia, doen\u00e7a de Cushing etc. \u2014 n\u00e3o \u00e9 de discutir- se, aqui, sequer elementarmente. \u00c0 psicopatologia interessam, sobretudo, resultados gerais:"], ["aa) Controle de extraordin\u00e1ria import\u00e2ncia exerce a hip\u00f3fise, cuja sede \u00e9 de surpreender esteja no c\u00e9rebro, na sela t\u00farcica (tornou-se parte do c\u00e9- rebro, ao qual se liga por tratos fibrosos). *\u2018Todas as correla\u00e7\u00f5es que exis- tem no sistema end\u00f3crino passam pelos horm\u00f4nios gl\u00e2ndulo-tr\u00f3ficos do l\u00f3bulo anterior da hip\u00f3fise.... N\u00e3o h\u00e1 dist\u00farbio da atividade de uma gl\u00e2n- dula end\u00f3crina a que n\u00e3o se siga altera\u00e7\u00e3o morfologicamente tang\u00edvel na estrutura da hip\u00f3fise... Quase n\u00e3o existe processo em nosso organismo para o qual n\u00e3o se demonstrem influ\u00eancias hipofis\u00e1rias: a forma\u00e7\u00e3o do sangue, o metabolismo proteico, o n\u00edvel da press\u00e3o sangu\u00ednea\u201d (Jores).", "bb) Ocorrendo doen\u00e7as end\u00f3crinas, falha a regula\u00e7\u00e3o, a produ\u00e7\u00e3o hor-"], ["monial d\u00e1-se por forma quantitativamente deficiente, ou a momentos in- devidos. As regula\u00e7\u00f5es neuroend\u00f3crinas ficam em estado de labilidade per- manente. \u00c9 um sistema que, por assim dizer, se est\u00e1, constantemente, re- generando, a partir de uma labilidade, com modifica\u00e7\u00f5es infinitas de ligei- ras varia\u00e7\u00f5es, ao mesmo tempo que aparecem estados diversos de altera- \u00e7\u00f5es somato-ps\u00edquicas. Essa labilidade possibilita as doen\u00e7as end\u00f3crinas. \u201cEntre os quadros end\u00f3crinos marcadamente m\u00f3rbidos e a norma, exis- tem transi\u00e7\u00f5es flu\u00eddas; falamos, ent\u00e3o, em constitui\u00e7\u00e3o tireoidiana, acro- megaloide, tetanoide\u201d (Jores). Discute-se se existem uns tantos pontos de partida simples, porventura tang\u00edveis, dos dist\u00farbios, ou se se trata de evento total infinitamente vari\u00e1vel. A disposi\u00e7\u00e3o heredit\u00e1ria desempenha papel importante, menos pela doen\u00e7a determinada do que pela predisposi- \u00e7\u00e3o para dist\u00farbios end\u00f3crinos, em geral, conforme se deduz da frequ\u00ean- cia com que aparecem dist\u00farbios metab\u00f3licos e doen\u00e7as end\u00f3crinas em"], ["certas fam\u00edlias. As doen\u00e7as end\u00f3crinas representam, \u201cem boa parte, insu- fici\u00eancia da pessoa vegetativa, express\u00e3o de desequil\u00edbrio entre as exig\u00ean- cias f\u00edsico- -espirituais e o funcionamento do sistema neuroend\u00f3crino\u201d (Jo- res).", "cc) As doen\u00e7as end\u00f3crinas produzem altera\u00e7\u00f5es da forma do corpo, da"], ["express\u00e3o e da \u00edndole dos pacientes. O mixedema, enfermidade tireoidi- ana, d\u00e1 lugar a morosidade, lentid\u00e3o, moleza, apatia, cansa\u00e7o do olhar; outra doen\u00e7a da tireoide, o basedowismo, produz: apressamento, inquieta- \u00e7\u00e3o, ang\u00fastia, excita\u00e7\u00e3o do olhar. Os portadores de acromegalia s\u00e3o quase sempre \u201cbem-humorados, um tanto obtusos, pregui\u00e7osos e lentos; eles mesmos sentem, claramente, essa altera\u00e7\u00e3o do humor que neles se ins- tala; s\u00f3 uma vez ou outra \u00e9 que se relata aumento da excitabilidade\u201d (Jo- res). Em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 frequ\u00eancia das altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas, as psicoses s\u00e3o ra- ras nos dist\u00farbios end\u00f3crinos. Da\u00ed Reinhardt dizer que as endocrinopatias podem todas levar, decerto, a doen\u00e7as mentais, mas que a import\u00e2ncia pr\u00e1tica respectiva para a psiquiatria \u00e9 m\u00ednima."], ["dd) Onde se acha o fundamento prim\u00e1rio dos dist\u00farbios, na conex\u00e3o do sistema nervoso central e vegetativo com o sistema end\u00f3crino, quase nunca se pode dizer. N\u00e3o h\u00e1 unanimidade quanto a se o Basedow \u00e9 tireoi- diopatia prim\u00e1ria, ou neurose vegetativa prim\u00e1ria, ou as duas juntas; ou ainda, se pode aparecer em ambas as formas.", "ee) Sup\u00f5e-se que as doen\u00e7as metab\u00f3licas que tamb\u00e9m modificam a", "apar\u00eancia geral do corpo tenham conex\u00e3o causal com o sistema end\u00f3- crino, o que se prova quanto ao diabetes (p\u00e2ncreas), alguns casos de adi- posidade; n\u00e3o quanto \u00e0 artrite, nem \u00e0 gota. Pela exist\u00eancia desta conex\u00e3o compreende-se o papel que t\u00eam o sistema nervoso e o psiquismo nessas enfermidades.", "4. Achados end\u00f3crinos nas psicoses. O crescente conhecimento das do-", "en\u00e7as resultantes de dist\u00farbios end\u00f3crinos tem tamb\u00e9m suscitado, sob novo. \u00e2ngulo, a inquiri\u00e7\u00e3o dos fundamentos som\u00e1ticos dos dist\u00farbios ps\u00ed- quicos."], ["Os resultados, dentro da psiquiatria, n\u00e3o correspondem, infelizmente, aos acima descritos. Se se procurar formar uma ideia mediante os sum\u00e1- rios que t\u00eam sido apresentados, o que se encontra no primeiro plano \u00e9 a contradi\u00e7\u00e3o ruinosa dos lados obtidos. S\u00e3o achados absolutamente parti- culares, acumulados maci\u00e7amente, por\u00e9m com o valor met\u00f3dico de sim- ples amostras, esparsas, n\u00e3o de investiga\u00e7\u00e3o coerente. As concep\u00e7\u00f5es hi-", "pot\u00e9ticas t\u00eam o perigo, no- entanto, pela utiliza\u00e7\u00e3o dos resultados fisiol\u00f3gi- cos e cl\u00ednicos emp\u00edricos, que se afiguram brilhantes, de levar-nos a fanta- siar, seguindo o rumo da antiga patologia humoral."], ["N\u00e3o se realizaram as grandes esperan\u00e7as depositadas na aplica\u00e7\u00e3o do m\u00e9todo criado por Abderhalden para determinar a deteriora\u00e7\u00e3o de \u00f3rg\u00e3os individuais (tireoide, c\u00e9rebro, gl\u00e2ndulas sexuais) segundo a discrimina\u00e7\u00e3o entre as picoe processual e funcionais. Ao que parece, encontra-se alguma deteriora\u00e7\u00e3o org\u00e2nica em todas as doen\u00e7as, embora varie a frequ\u00eancia, embora tamb\u00e9m se observe, muitas vezes, nos hist\u00e9ricos; raramente, po- r\u00e9m, nos indiv\u00edduos plenamente sadios. \u00c9 evidente que os processos se- cret\u00f3nos internos, sempre desempenham papel. Em diversidade radical do conhecimento da medicina interna quanto aos dist\u00farbios espec\u00edficos liga- dos \u00e0 tireoide, hip\u00f3fise etc. \u2014 n\u00e3o existem, at\u00e9 hoje, achados que provem a significa\u00e7\u00e3o essencial dos dist\u00farbios end\u00f3crinos nas psicoses. O que: h\u00e1, apenas, s\u00e3o ind\u00edcios, que n\u00e3o positivam coisa alguma, empiricamente: re- la\u00e7\u00f5es temporais com processos sexuais na loucura man\u00edaco-depressiva e na esquizofrenia (nestas, por vezes, aumento inicial do instinto sexual; a seguir, extin\u00e7\u00e3o); em casos particulares, altera\u00e7\u00f5es morfol\u00f3gicas e funcio- nais, lembrando altera\u00e7\u00f5es que ocorrem em dist\u00farbios end\u00f3crinos conhe- cidos."], ["Correspondem a isso outras decep\u00e7\u00f5es. Com base na presun\u00e7\u00e3o de se- rem as psicoses condicionadas por defici\u00eancia hormonial, administraram- se, por exemplo, extratos de ov\u00e1rio. Os brilhantes resultados terap\u00eauticos obtidos n\u00e3o foram, por\u00e9m, confirmados, doutro lado, nas psicoses. Opera- ram-se, extirparam-se as gl\u00e2ndulas sexuais, a tireoide, na esquizofrenia. Not\u00e1vel \u00e9 o fato de quase sempre parecer obterem-se, mediante processos dr\u00e1sticos, resultados favor\u00e1veis, a princ\u00edpio, para depois o m\u00e9todo, factu- almente ineficaz, apagar-se no sil\u00eancio. Inteiramente diversa \u00e9 a terapia racional dos internistas; como se d\u00e1 no caso da cura da tetania por extra- tos de paratireoides. Faltando nitidez \u00e0 conex\u00e3o causai, \u00e9 sempre duvidosa a conclus\u00e3o baseada no efeito de uma terapia. \u2014 Destacaram-se achados anatomopatol\u00f3gicos glandulares em doen\u00e7as mentais; inteiramente ines- pec\u00edficos, contudo, para os grupos nosol\u00f3gicos psiqui\u00e1tricos. \u2014 N\u00e3o se produziu qualquer prova de causalidade end\u00f3crina para as psicoses, a n\u00e3o ser nos poucos, raros casos, de psicose basedowiana aut\u00eantica e outros da mesma esp\u00e9cie. Em todo caso, n\u00e3o se pode duvidar de que, nas psicoses, alguma coisa, som\u00e1tica acontece essencialmente importante."], ["Interessantes s\u00e3o as auto-observa\u00e7\u00f5es feitas por m\u00e9dicos em estado de", "hipoglicemia (devidas \u00e0 convulsoterapia insul\u00ednica): sensa\u00e7\u00e3o de fome,", "cansa\u00e7o, apatia, aumento da excitabilidade, sensibilidade exaltada aos ru- \u00eddos, sensa\u00e7\u00e3o de vazio mental, altera\u00e7\u00e3o f\u00edsica da claridade da consci\u00ean- cia, desconhecimento da situa\u00e7\u00e3o, percep\u00e7\u00f5es anormais).", "5. Amplia\u00e7\u00f5es hipot\u00e9ticas da concep\u00e7\u00e3o end\u00f3crina. O sistema end\u00f3crino", "participa, certamente, em todo evento fisiol\u00f3gico e patol\u00f3gico; mas \u00e1s do- en\u00e7as espec\u00edficas do sistema end\u00f3crino levam, erroneamente, a us\u00e1-las de maneira precipitada para explicar conex\u00f5es desconhecidas mediante mera analogia. Tanto maior \u00e9 o erro quanto essa participa\u00e7\u00e3o de tipo secund\u00e1rio talvez sempre desempenhe papel.", "As endocrinopatias modificam a forma e o h\u00e1bito do corpo. Da\u00ed se con-"], ["cebem, sem base emp\u00edrica determinada, tipos constitucionais, em geral, como tipo essencialmente end\u00f3crinos. O que s\u00e3o os tipos constitucionais displ\u00e1sicos, eunucoides e outros tipos constitucionais espec\u00edficos, endocri- namente condicionados, assim devem ser todos os tipos constitucionais. A varia\u00e7\u00e3o dos tipos de estrutura corp\u00f3rea sadia n\u00e3o pode, entretanto, at\u00e9 o momento, relacionar-se, de modo algum, com varia\u00e7\u00f5es das fun\u00e7\u00f5es end\u00f3- crinas (apesar das pesquisas correlacionais de Jaensch e sua escola). Falta base \u00e0 explica\u00e7\u00e3o da causalidade end\u00f3crina dos tipos de estrutura corp\u00f3rea."], ["As doen\u00e7as end\u00f3crinas modificam a vida ps\u00edquica e tamb\u00e9m produ- zem, em casos raros, psicoses sintom\u00e1ticas. Da\u00ed afirmar-se, sem funda- mento, resultarem as psicoses end\u00f3genas de enfermidades end\u00f3crinas desconhecidas; os tipos caracteriais, de varia\u00e7\u00f5es end\u00f3crinas. Pelo contr\u00e1- rio, pode-se estabelecer, empiricamente, existir um grupo nitidamente de- limitado de dist\u00farbios end\u00f3crinos som\u00e1ticos e ps\u00edquicos; mas, al\u00e9m disso, pode-se estabelecer que, apesar de todos os ind\u00edcios que permitem supor desempenhem sempre as altera\u00e7\u00f5es end\u00f3crinas um papel, ainda \u00e9 presun- \u00e7\u00e3o sem fundamento, emp\u00edrico qualquer causalidade essencialmente en- d\u00f3crina das psicoses end\u00f3genas, das psicopatias e dos caracteres; presun- \u00e7\u00e3o que tem levado a discuss\u00f5es das quais resultou a substitui\u00e7\u00e3o da an- tiga mitologia cerebral por uma mitologia biol\u00f3gica. Com vistas ao evento b\u00e1sico misterioso que .se passa nas psicoses e psicopatias e com vistas aos fen\u00f4menos funcionais corp\u00f3reos que nelas ocorrem, dizia-se, antiga- mente, \u201cdoen\u00e7a metab\u00f3lica\u201d; hoje, diz-se \u201cdoen\u00e7a end\u00f3crina\u201d."], ["c) As psicoses sintom\u00e1ticas.", "Chamam-se psicoses sintom\u00e1ticas as psicoses que resultam da a\u00e7\u00e3o", "causal de uma doen\u00e7a som\u00e1tica sobre as bases corp\u00f3reas da vida ps\u00ed- quica. Se se conceber o quadro psic\u00f3tico resultante da doen\u00e7a som\u00e1tica como rea\u00e7\u00e3o a essa doen\u00e7a, poder-se-\u00e1, tendo em vista a multiplicidade extraordin\u00e1ria destas formas reacionais, distinguir, n\u00e3o estritamente, mas em princ\u00edpio, formas reacionais ex\u00f3genas e end\u00f3genas A Bonhoeffer deno- minou ex\u00f3genas aquelas formas reacionais que, exclusiva ou quase exclu- sivamente, aparecem em resultado de causas som\u00e1ticas tang\u00edveis (por exemplo, del\u00edrios t\u00edpicos, s\u00edndrome de Korsakov); e end\u00f3genas as formas reacionais que tamb\u00e9m ocorrem sem qualquer causa externa (alucinoses, estados crepusculares, amencia etc.)."], ["Se quisermos classificar as psicoses sintom\u00e1ticas, veremos que, etiolo- gicamente, quase todas as doen\u00e7as som\u00e1ticas acarretam, uma vez .ou ou- tra, dist\u00farbios ps\u00edquicos; e, sintomaticamente, uma variedade de quadros cl\u00ednicos ocorre, dif\u00edcil de abranger; mais ainda: que, ocasionalmente, quase todos os quadros sintom\u00e1ticos podem resultar de causas ex\u00f3genas (at\u00e9 o momento, s\u00e3o de excetuar-se, por exemplo, as s\u00edndromes paranoi- cas, em sentido mais estrito)."], ["Sintomaticamente, distinguem-se os estados agudos (por exemplo, em", "doen\u00e7as infecciosas) dos estados mais permanente (por exemplo, como p\u00f3s-efeitos de doen\u00e7as infecciosas, como consequ\u00eancia de enfermidades som\u00e1ticas cr\u00f4nicas). Entre os estados, agudos, surgem quadros delirantes, amenciais; entre as formas permanentes, \u201cestados de fraqueza hiperest\u00e9si- cos emocionais\u201d (Bonhoeffer) e a s\u00edndrome de Korsakov. \u2014 Existe entre os quadros cl\u00ednicos t\u00edpicos, que ocorrem nas doen\u00e7as cerebrais, ap\u00f3s envene- namento e ap\u00f3s doen\u00e7as som\u00e1ticas, paralelismo sintomatol\u00f3gico evidente. Todos se originam de causas tangivelmente som\u00e1ticas.", "N\u00e3o se t\u00eam encontrado quadros sintom\u00e1ticos espec\u00edficos para certas formas m\u00f3rbidas som\u00e1ticas; por exemplo, o tifo, ou a \u201cfebre\u201d sequer. Basta observar a vida ps\u00edquica para supor, em certas condi\u00e7\u00f5es, uma psicose sintom\u00e1tica. Diagnosticar a enfermidade s\u00f3 se pode mediante a investiga- \u00e7\u00e3o som\u00e1tica.", "Nas doen\u00e7as som\u00e1ticas, \u00e9 s\u00f3 em n\u00famero relativamente pequeno de ca-"], ["sos que aparecem psicoses sintom\u00e1ticas. O fato de a doen\u00e7a ter seme- lhante efeito deve basear-se numa disposi\u00e7\u00e3o do indiv\u00edduo em causa, con- forme se provou na encefalite let\u00e1rgica, que ocorre, preponderantemente, em pessoas afetadas por degenera\u00e7\u00e3o ps\u00edquica e som\u00e1tica, dentro de \u201ces- tirpes degenerativas\u201d.", "Al\u00e9m dos casos a classificar entre categorias conhecidas de doen\u00e7as"], ["som\u00e1ticas, aparece, nos frenoc\u00f4mios, uma s\u00e9rie de psicoses agudas em meio aos fen\u00f4menos concomitantes de enfermidades extremamente gra- ves, levando, por fim, \u00e0 morte, sem possibilidade de diagn\u00f3stico sequer \u00e0 aut\u00f3psia. T\u00eam-se distinguido desses quadros, conhecidos na hist\u00f3ria da psiquiatria como del\u00edrios agudos, as paralisias agudas, a coreia grave e outras doen\u00e7as infecciosas. Subsiste, entretanto, uma s\u00e9rie de casos cuja natureza se ignora. Acrescem-se aquelas esquizofrenias agudas com fe- bre1, recentemente estudadas em sua manifesta\u00e7\u00e3o fisiol\u00f3gica (metabo- lismo, destrui\u00e7\u00e3o e neoforma\u00e7\u00e3o de gl\u00f3bulos sangu\u00edneos) e classificadas como grupo som\u00e1tico. Nesse caso, a doen\u00e7a som\u00e1tica, que leva, frequente- mente, \u00e0 morte, apresenta-se com sintomas claros, sem que se haja reco- nhecido \u201csintoma axial\u201d, nem diagnosticado enfermidade interna."], ["\u00c9 estranho que as doen\u00e7as som\u00e1ticas n\u00e3o tenham, apenas, conse- qu\u00eancias danosas para a vida ps\u00edquica, mas que produzam, nalguns psi- c\u00f3ticos, efeito ben\u00e9fico ou, raramente, at\u00e9 curativo. Tem-se observado, amiudadas vezes, que catat\u00f4nicos absolutamente trancados, muitos anos, em si mesmos, se tomam, acometidos de tifo, acess\u00edveis, naturais, enfim, psiquicamente sadios, para, curado o tifo, regressarem ao estado anterior. Em v\u00e1rias psicoses mal conhecidas (provavelmente, do grupo dos proces- sos esquizofr\u00eanicos) tamb\u00e9m se t\u00eam observado curas permanentes ap\u00f3s doen\u00e7as som\u00e1ticas graves (erisipela, tifo)."], ["Se se englobarem todos os fatos, nem sempre \u00e9 f\u00e1cil a diferencia\u00e7\u00e3o das psicoses sintom\u00e1ticas aut\u00eanticas. S\u00e3o psicoses sintom\u00e1ticas aquelas, apenas, que se prendem, causalmente, a uma doen\u00e7a som\u00e1tica conhecida; donde manterem rela\u00e7\u00e3o temporal estreita com o curso dessa doen\u00e7a, quase sempre curando-se antes da enfermidade som\u00e1tica. N\u00e3o se pode es- tabelecer diagn\u00f3stico seguro s\u00f3 pelos sintomas ps\u00edquicos. Uma vez ou ou- tra, entretanto, tamb\u00e9m ocorrem sintomas esquizofr\u00eanicos, em psicoses sintom\u00e1ticas e tamb\u00e9m c raro observarem-se os \u201ctipos de predile\u00e7\u00e3o\u201d bo- nhoefferianos em esquizofrenias agudas. Cabe distinguir:", "1) a mera doen\u00e7a concomitante a uma psicose; por exemplo, todas as enfermidades som\u00e1ticas que, por acaso, tanto um esquizofr\u00eanico quanto um indiv\u00edduo sadio podem apanhar;", "2) a doen\u00e7a som\u00e1tica que desencadeia uma psicose de outra etiologia (uma esquizofrenia, uma fase man\u00edaco-depressiva; a\u00ed se inclui parte das psicoses puerperais); 3) a doen\u00e7a som\u00e1tica que, n\u00e3o podendo reconhecer-se em seu funda- mento, pertence, essencialmente, ao processo m\u00f3rbido, o qual tamb\u00e9m se", "manifesta na psicose (os \u201cepis\u00f3dios febris\u201d da esquizofrenia); a eleva\u00e7\u00e3o de temperatura acompanha, paralelamente, a piora do estado ps\u00edquico, ao passo que as doen\u00e7as concomitantes, por vezes, podem estimular e melho- rar o estado ps\u00edquico."], ["d) O morrer.", "N\u00e3o se pode vivenciar a morte. Quem viv\u00eancia est\u00e1 vivo. \u201cEu sou; por conseguinte, a morte n\u00e3o \u00e9; se a morte \u00e9, eu n\u00e3o sou\u201d, disse Epicuro. Mas aquilo que se vivencia, no processo som\u00e1tico que leva \u00e0 morte, \u00e9 de tal or- dem que tamb\u00e9m se pode vivenciar, quando, afinal, vem a cura; por exem- plo, o medo aniquilador da morte que ocorre na angina do peito. Esse medo elementar da morte \u00e9 condicionado somaticamente e pr\u00f3prio tam- b\u00e9m dos animais; aquilo em que, no entanto, se baseia nem sempre, em- bora frequentemente, leva \u00e0 morte. A morte s\u00f3 existe para o saber do ho- mem e o medo a que nos referimos toma, do mesmo modo que toda viv\u00ean- cia humana, fei\u00e7\u00e3o nova mediante esse saber; que talvez possa desempe- nhar papel no curso da doen\u00e7a."], ["Relata Johannes Lange: \u201cTrata-a de saber se se quer viver, ou se ae busca a morte como liberta\u00e7\u00e3o. S\u00f3 no primeiro caso \u00e9 que a luta se faz longa e tormentosa. A luta n\u00e3o tanto pelo ar quanto, sobretudo, pela con- serva\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia, \u00e9 que \u00e9 o terr\u00edvel. Pode-se observar que o agoni- zante est\u00e1 sempre tentando arrancar-se da turva\u00e7\u00e3o crescente para a posse da consci\u00eancia, com que a novos tormentos regressa. Foi o que ex- perimentei de modo absolutamente inesquec\u00edvel, mas s\u00f3 raras vezes: em russos que morriam sob a a\u00e7\u00e3o do fosgeno, num companheiro de armas que se esva\u00eda em sangue e num cardiopata. Ao que me parece, a persona- lidade origin\u00e1ria tem import\u00e2ncia decisiva, nessa verdadeira luta contra a morte. S\u00f3 indiv\u00edduos extremamente en\u00e9rgicos correm o perigo de morrer de morte semelhante. Afinal, no caso deles, o envenenamento progressivo pelo CO2 traz a turva\u00e7\u00e3o crescente da consci\u00eancia, da\u00ed provindo a luta contra a morte, que lentamente esmorece, puramente som\u00e1tica\u201d."], ["Do ponto de vista som\u00e1tico, a morte n\u00e3o \u00e9 processo s\u00fabito, :mas lento.", "Podem constituir saltos ou brechas repentinos a perda da consci\u00eancia, a parada da respira\u00e7\u00e3o ou do cora\u00e7\u00e3o. A morte se d\u00e1 quando esses estados se tornam irrevers\u00edveis, embora ainda viva uma quantidade de c\u00e9lulas (e, experimentalmente, ainda possa ser mantida viva, em parte, cultivada). O cora\u00e7\u00e3o de um decapitado ainda bate alguns momentos.", "Mas aquilo que pode ocorrer somaticamente \u2014 convuls\u00f5es etc. \u2014", "quando j\u00e1 se perdeu a consci\u00eancia, n\u00e3o se vivencia mais. Da\u00ed por que to- dos os relatos de moribundos se referem ao comportamento diante da morte e n\u00e3o \u00e0 pr\u00f3pria morte. As manifesta\u00e7\u00f5es -ps\u00edquicas da- agonia s\u00e3o fen\u00f4menos que precedem a morte e constituem objeto de uma psicologia compreensiva. Os relatos s\u00e3o altamente interessantes."], ["\u00a7 4. Processos Cerebrais"], ["a) As doen\u00e7as cerebrais org\u00e2nicas."], ["Os processos cerebrais que conseguimos ver, as chamadas doen\u00e7as ce-", "rebrais org\u00e2nicas, produzem quase sempre \u2014 havendo, por\u00e9m, exce\u00e7\u00f5es \u2014 altera\u00e7\u00f5es da vida ps\u00edquica.", "Sob o ponto de vista psiqui\u00e1trico, o processo cerebral desta natureza mais importante \u00e9 a paralisia geral a que se acrescem: doen\u00e7as cerebrais org\u00e2nicas da vida fetal e da primeira inf\u00e2ncia, das quais resulta a idiotia; tumores cerebrais de toda sorte (glioma, cistos, cisticercos etc.) ; absces- sos, encefalites, meningites, feridas do c\u00e9rebro, hemorragia e amoleci- mento, processos arterioscler\u00f3ticos difusos, a doen\u00e7a de Alzheimer, com suas caracter\u00edsticas anat\u00f4micas especiais, a lues cerebral, a coreia de Huntington, etc. Todos esses processos cerebrais se acham, exclusiva- mente, com. base em sintomas som\u00e1ticos, delimitados uns dos outros; \u00e9 s\u00f3 pelos sintomas som\u00e1ticos, neurol\u00f3gicos, que se diagnosticam com segu- ran\u00e7a."], ["b) Sintomas gerais e espec\u00edficos.", "Entre os sintomas neurol\u00f3gicos, existem, al\u00e9m daqueles que s\u00e3o mais", "ou menos espec\u00edficos de certas enfermidades (sacudidelas coreicas, nis- tagmo, tremor intencional, fala escandida, rigidez pupilar aos reflexos etc.), os sintomas geralmente difusos, que n\u00e3o s\u00e3o espec\u00edficos de determi- nado processo: ataques convulsivos, sintomas de hipertens\u00e3o cerebral etc. As altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas propriamente ditas n\u00e3o s\u00e3o, provavelmente, espe- c\u00edficas de qualquer processo cerebral org\u00e2nico que se possa determinar, conquanto a frequ\u00eancia com a qual certas altera\u00e7\u00f5es se apresentam seja caracter\u00edstica de alguns casos particulares. Assim \u00e9 que, no curso da pa- ralisia geral, sempre se constata demencia\u00e7\u00e3o geral muito acentuada, que, no entanto, \u00e9 rara na arteriosclerose, substitu\u00edda, preferencialmente, por uma dem\u00eancia parcial, mais ou menos conservando-se a personalidade origin\u00e1ria. Se, todavia, se confrontarem as manifesta\u00e7\u00f5es dos processos"], ["cerebrais com as demais psicoses, ver-se-\u00e1 que aqueles possuem certos sintomas caracter\u00edsticos, os quais se apresentam em muitos dentre eles, ou em todos. Vemos, por exemplo, no setor ps\u00edquico, ocorrendo doen\u00e7as cerebrais org\u00e2nicas, que \u00e9 frequente a repeti\u00e7\u00e3o dos seguintes grupos sin- tom\u00e1ticos:"], ["1. Estados de turva\u00e7\u00e3o, nos quais os pacientes podem apresentar todos os graus que v\u00e3o da consci\u00eancia clara ao coma mais pro- fundo. Consci\u00eancia vazia, sonol\u00eancia, dificuldade de concentra- \u00e7\u00e3o, apreens\u00e3o, dif\u00edcil, rea\u00e7\u00e3o lenta, languidez, fatigabilidade, di- ficuldade de orienta\u00e7\u00e3o, que n\u00e3o chega \u00e0 falsa-desorienta\u00e7\u00e3o \u2014 s\u00e3o caracter\u00edsticos desses estados. N\u00e3o \u00e9 raro acrescentarem-se: \u2022 2. Estados delirantes. A consci\u00eancia n\u00e3o est\u00e1 vazia; n\u00e3o h\u00e1 sono- l\u00eancia, mas viv\u00eancias desgarradas umas das outras se desenvol- vem num estado confuso, com desorienta\u00e7\u00e3o; o doente entrega- se a ocupa\u00e7\u00f5es ilus\u00f3rias, vagueia pela casa \u00e0 procura de alguma coisa, d\u00e1 n\u00f3s na coberta da cama etc. Quase sempre h\u00e1, depois, amn\u00e9sia. 3. Caracter\u00edstica dos processos cerebrais org\u00e2nicos \u00e9 o complexo sintom\u00e1tico ou s\u00edndrome de Korsakov; dist\u00farbio consi- der\u00e1vel da capacidade de fixa\u00e7\u00e3o, com desorienta\u00e7\u00e3o e confabu- la\u00e7\u00f5es in\u00fameras s\u00e3o os marcos principais.", "3. Finalmente, nos processos cerebrais org\u00e2nicos, aparecem alte- ra\u00e7\u00f5es do car\u00e1ter, que se podem explicar pela supress\u00e3o das ini- bi\u00e7\u00f5es, antes normais para o indiv\u00edduo em causa; abandono aos est\u00edmulos instintivos, labilidade afetiva, de modo que o riso e o pranto se alternam f\u00e1ceis.", "4. Mais ainda: observam-se, de um lado, disposi\u00e7\u00f5es de humor euf\u00f3ricas; doutro, irrit\u00e1veis, taciturnas, negativas; qualquer con- tradi\u00e7\u00e3o leva alguns doentes ao furor. A intelig\u00eancia enfraquece- se, devido \u00e0. diminui\u00e7\u00e3o da mem\u00f3ria e da concentra\u00e7\u00e3o; mas tamb\u00e9m \u00e9 frequente apresentar-se deteriorada, de modo que os enfermos perdem a capacidade de julgar e nem eles mesmos no- tam estarem cegos e paral\u00edticos.", "5. \u00c9 t\u00edpico, ap\u00f3s traumatismos cranianos, um \u201ccomplexo sinto- m\u00e1tico cerebral: cefaleia, vertigens, dist\u00farbios da mem\u00f3ria e, es- pecialmente, da capacidade de fixa\u00e7\u00e3o; anomalias afetivas (de um lado, obtusidade; doutro, explosividade); hiperexcitabilidade dos \u00f3rg\u00e3os superiores dos sentidos, intoler\u00e2ncia ao \u00e1lcool, sensi- bilidade \u00e0 press\u00e3o e \u00e0 percuss\u00e3o cranianas. N\u00e3o se conhece achado- histol\u00f3gico correspondente.", "Al\u00e9m destas manifesta\u00e7\u00f5es caracter\u00edsticas, aparecem, ocasionalmente, nas doen\u00e7as cerebrais org\u00e2nicas, sobretudo no in\u00edcio, quase todos os fen\u00f4- menos ps\u00edquicos m\u00f3rbidos que, de modo geral, ocorrem. Estas palavras n\u00e3o se aplicam a uma s\u00e9rie de processos subjetivamente vivenciados (a se"], ["investigarem fenomenologicamente) da vida ps\u00edquica esquizofr\u00eanica, ao passo que os sintomas catat\u00f4nicos objetivos j\u00e1 se observaram repetidas vezes.", "N\u00e3o h\u00e1, no setor ps\u00edquico, sintomas espec\u00edficos de determinadas doen- \u00e7as cerebrais org\u00e2nicas-, mas outra quest\u00e3o \u00e9 saber se n\u00e3o- existem sinto- mas ps\u00edquicos espec\u00edficos conforme o local do c\u00e9rebro, que o processo m\u00f3rbido atinge. Esta quest\u00e3o \u00e9, em princ\u00edpio, da maior import\u00e2ncia: \u00e9 a quest\u00e3o da localizabilidade do psiquismo. A resposta que se lhe d\u00ea deter- minar\u00e1, por forma decisiva, a concep\u00e7\u00e3o b\u00e1sica que temos da vida ps\u00ed- quica e do homem. Da\u00ed porque a quest\u00e3o interessa ao m\u00e1ximo psic\u00f3logos e psicopatologistas, desde o momento em que foi suscitada.", "c) Hist\u00f3ria do problema da localiza\u00e7\u00e3o."], ["N\u00e3o \u00e9, em absoluto, evidente seja o c\u00e9rebro a sede da alma. Bichat ainda ensinava que a sede da intelig\u00eancia era o c\u00e9rebro, realmente; mas que a sede dos sentimentos eram os \u00f3rg\u00e3os da vida vegetativa: o f\u00edgado (raiva), o est\u00f4mago (medo), os intestinos (alegria), o cora\u00e7\u00e3o (bondade). J\u00e1 Alcme\u00f3n (500 A.C., mais ou menos) sabia, entretanto, que o c\u00e9rebro era o \u00f3rg\u00e3o da percep\u00e7\u00e3o e do pensamento. De que modo, por\u00e9m, o c\u00e9rebro e a alma se comportam um em rela\u00e7\u00e3o ao outro e o que \u00e9 que se quer dizer, a rigor, quando se diz que a alma tem sede no c\u00e9rebro \u2014 s\u00e3o quest\u00f5es de que resultam, a considera\u00e7\u00e3o mais pr\u00f3xima, antinomias insol\u00faveis. Nou- tros tempos, admitia-se, ingenuamente, um pneuma, mat\u00e9ria, por assim dizer, extremamente delicada, que seria, ao mesmo tempo, a alma; pneuma que se disseminaria, onipresente, tal qual fogo relampejante, pelo c\u00e9rebro b pelas veias, mas, enfim, se confinaria em determinado lugar. Descartes associava a alma, que julgava absolutamente imaterial, \u00e0 gl\u00e2n- dula pineal; e S\u00f5mmering transferia a alma para o l\u00edquido dos ventr\u00edculos cerebrais; Kant, por\u00e9m, respondendo a todas as indaga\u00e7\u00f5es, dizia n\u00e3o s\u00f3 ser imposs\u00edvel imaginar a alma materialmente, de qualquer forma que fosse, mesmo que muito sutil, mas tamb\u00e9m n\u00e3o poder a alma, que s\u00f3 \u00e9 determin\u00e1vel segundo o tempo, ter sede no espa\u00e7o. Poderia haver, sim, \u00f3r- g\u00e3os da alma, mas sede da alma, n\u00e3o; e esse \u00f3rg\u00e3o \u2014 assim dizia, respon- dendo a S\u00f5mmering \u2014 tinha de ser organizado, mas n\u00e3o podia ser flu\u00eddo. Vale, at\u00e9 hoje, o que disse Kant, constituindo, por\u00e9m, conhecimento cr\u00ed- tico, n\u00e3o positivo."], ["N\u00e3o foram especula\u00e7\u00f5es, pretendendo resolver toda a quest\u00e3o de um golpe, que fizeram progredir o conhecimento; e sim experi\u00eancias concretas", "e precisas, que, todavia, at\u00e9 o presente, se t\u00eam associado, rapidamente, na maior parte das vezes, a afirma\u00e7\u00f5es gerais e absolutizantes."], ["Gall foi o primeiro que, met\u00f3dica e obstinadamente, inquiriu n\u00e3o da sede da alma, mas da localiza\u00e7\u00e3o de certas propriedades ps\u00edquicas (quali- dades do car\u00e1ter) e fun\u00e7\u00f5es tamb\u00e9m ps\u00edquicas no c\u00e9rebro multiplamente diferenciado ou estruturado. \u00c9 not\u00e1vel o fato de que, nele, desde o in\u00edcio, como foi marcante para a pesquisa ulterior no mesmo campo, as desco- bertas mais extraordin\u00e1rias se hajam associado a uma fantasmagoria infe- cunda. Gall descobriu o cruzamento das vias piramidais e explicou a he- miplegia em conex\u00e3o com o foco cerebral localizado no lado oposto: desco- berta eterna. Distinguiu o dom da fala e o dom para a matem\u00e1tica, no\u00e7\u00e3o fisiol\u00f3gica cuja exatid\u00e3o s\u00f3 tem o defeito de ser um tanto imprecisa. Locali- zou esses dons, juntamente com uma quantidade de qualidades caracteri- ais, que discriminou, em determinados lugares da superf\u00edcie cerebral, cujo desenvolvimento mais ou menos marcado deveria mostrar-se nas formas palp\u00e1veis do cr\u00e2nio (frenologia). Esta concep\u00e7\u00e3o, que se diluiu em nada, fez dele, no entanto, o fundador do pensamento psicol\u00f3gico localizativo, que verificara, com tanto brilho, no setor neurol\u00f3gico."], ["Pela falta de base de quase todas suas ideias, foi f\u00e1cil combat\u00ea-lo. Flourens (1822) tomou a posi\u00e7\u00e3o diametralmente oposta. Experi\u00eancias de abla\u00e7\u00e3o do c\u00e9rebro de animais viriam mostrar que a destrui\u00e7\u00e3o da subs- t\u00e2ncia cerebral prejudica todas as fun\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas e que um resto de c\u00e9- rebro realiza, novamente, cessado o traumatismo, todas as fun\u00e7\u00f5es. O c\u00e9- rebro seria unitariamente edificado; n\u00e3o haveria localiza\u00e7\u00e3o. A Academia de Paris investigou e rejeitou as ideias de Gall, atrav\u00e9s de uma comiss\u00e3o de que faziam parte pesquisadores da import\u00e2ncia de Cuvier e Pinei. Estes declararam ser o c\u00e9rebro um \u00f3rg\u00e3o glandular, homogeneamente constitu- \u00eddo.", "Entretanto, os magn\u00edficos sucessos ulteriores da pesquisa vieram a dar"], ["raz\u00e3o ao pensamento b\u00e1sico do fant\u00e1stico Gall (a localizabilidade da fun- \u00e7\u00e3o e a diferencia\u00e7\u00e3o da subst\u00e2ncia cerebral), em oposi\u00e7\u00e3o aos referidos naturalistas cr\u00edticos e s\u00f3brios. Broca (1881) observou e descreveu, irrefu- tavelmente, dist\u00farbios da fala por destrui\u00e7\u00e3o de certas \u00e1reas corticais do hemisf\u00e9rio esquerdo. Hitzig e Fritsch (1870) mostraram que certas \u00e1reas corticais d\u00e3o efeitos motores extremamente diferenciados \u00e0 excita\u00e7\u00e3o el\u00e9- trica. A partir da\u00ed, a localiza\u00e7\u00e3o \u00e9 um fato. A quest\u00e3o \u00e9, apenas, saber o que \u00e9 que se localiza. Resultados seguros, na maior parte dos casos, \u2019s\u00e3o os que se obtiveram no campo neurol\u00f3gico. H\u00e1 especificidade de sintomas neurol\u00f3gicos segundo a localiza\u00e7\u00e3o do processo em determinado lugar do", "c\u00e9rebro. A observa\u00e7\u00e3o cl\u00ednica, em comum com as experi\u00eancias fisiol\u00f3gicas, deram desenvolvimento extraordin\u00e1rio \u00e0 teoria neurol\u00f3gico-fisiol\u00f3gica da localiza\u00e7\u00e3o. A quest\u00e3o \u00e9 em que sentido existe localiza\u00e7\u00e3o de dist\u00farbios ps\u00edquicos."], ["No entusiasmo que o \u00eaxito r\u00e1pido das descobertas neurol\u00f3gicas con- cernentes \u00e0 localiza\u00e7\u00e3o suscitou, participando das mesmas ele pr\u00f3prio, Meynert esbo\u00e7ou um quadro amplo do evento cerebral e ps\u00edquico, cujo pressuposto, n\u00e3o meditado e de bases quase n\u00e3o conscientes, consistiu n\u00f3 seguinte: os objetos da apreens\u00e3o psicopatol\u00f3gica (os fen\u00f4menos ps\u00edqui- cos, viv\u00eancias, qualidades caracteriais, conex\u00f5es compreens\u00edveis etc.) de- vem ser concebidos segundo a analogia do evento espacial cerebral; em outras palavras: a estrutura da vida ps\u00edquica, tal qual a representamos com base na varia\u00e7\u00e3o m\u00faltipla do pensamento psicol\u00f3gico, deve corporifi- car-se na estrutura do c\u00e9rebro; noutras palavras ainda: a estrutura da vida ps\u00edquica e a estrutura cerebral devem coincidir. Este pressuposto nunca se provou; e n\u00e3o \u00e9 de provar-se, porque lhe falta sentido. O que \u00e9 heterog\u00eaneo n\u00e3o pode coincidir, mas apenas, quando muito, servir uma coisa para exprimir, metaforicamente, a outra. O pressuposto mencionado surgiu da necessidade de objetividade apreens\u00edvel no espa\u00e7o, necessidade que n\u00e3o pode ser satisfeita no pensamento e na pesquisa psicol\u00f3gicos pro- priamente ditos; sobretudo, por\u00e9m, o mesmo pressuposto surgiu das ten- d\u00eancias peculiares aos tempos modernos, que se orientam pelo positi- vismo e pelas ci\u00eancias naturais."], ["O esquema de Meynert foi produtivo para o conhecimento do c\u00e9rebro. Sua concep\u00e7\u00e3o da estrutura total do sistema nervoso central, dos campos de proje\u00e7\u00e3o sensoriais e motores, dos sistemas de associa\u00e7\u00e3o etc. continua a ter validez anat\u00f4mica. Mais ainda: Meynert, do mesmo modo que Gall, associou modos de ver reais a -fantasias ricamente desenvolvidas, s\u00f3 que de conte\u00fado inteiramente outro. Porque explicou todo o evento ps\u00edquico exprimindo-o em termos de estrutura cerebral e processo cerebral, fanta- siou em roupagem cient\u00edfica por forma absolutamente n\u00e3o-cient\u00edfica.", "A frase de Griesinger: \u201cAs doen\u00e7as mentais s\u00e3o doen\u00e7as do c\u00e9rebro\u201d de-"], ["veria, a esta altura, encher-se de conte\u00fado concreto. E semelhante con- cep\u00e7\u00e3o b\u00e1sica afigurou-se plenamente sucedida, quando a ela aderiu Wer- nicke, mentalidade superior que se deixou agrilhoar em sua teoria da afa- sia. Wernicke descobriu a afasia sensorial e sua localiza\u00e7\u00e3o no lobo tempo- ral esquerdo; esbo\u00e7ou um esquema fundamental, no qual uma an\u00e1lise psicol\u00f3gico-associativa dos rendimentos fonat\u00f3rios e intelectivos havia de coincidir com uma distribui\u00e7\u00e3o topogr\u00e1fica no c\u00f3rtex do lobo tempo-frontal"], ["esquerdo. O que designou como sendo \u201carco ps\u00edquico reflexo\u201d ou \u201cdoen\u00e7a ps\u00edquica focal\u201d pareceu comprovar-se no campo da afasia, porque sua concep\u00e7\u00e3o, realmente, deu origem, no caos dos fen\u00f4menos, a um ordena- mento que clarificou e enriqueceu a concep\u00e7\u00e3o cl\u00ednica; com o que, no en- tanto, se negligenciaram, a princ\u00edpio, as in\u00fameras discrep\u00e2ncias. \u201cA an\u00e1- lise da afasia d\u00e1-nos o paradigma de todos os processos mentais\u201d: esta frase transformou o esquema em fundamento sobre o qual se baseou toda a psiquiatria no pensamento localizat\u00f3rio cerebral. Embora, no entanto, errada, a concep\u00e7\u00e3o b\u00e1sica foi produtiva (como \u00e9 frequente acontecer com certos erros fundamentais, quando s\u00e3o grandes os homens que os ado- tam). Alunos de Wernicke, como Liepmann e Bonhoeffer, fizeram desco- berta sobre descoberta, sacrificando, todavia, os princ\u00edpios b\u00e1sicos e man- tendo atitude que consistiu em aderir ao que era empiricamente demons- tr\u00e1vel, na medida em que, tanto quanto poss\u00edvel, se apresentava demons- tr\u00e1vel somaticamente. Gra\u00e7as aos dois referidos autores, as fantasias su- miram; mas o modelo do pr\u00f3prio Wernicke facilitou a volta das mesmas na presteza com que se constru\u00edram localiza\u00e7\u00f5es hipot\u00e9ticas, como foi o caso de Kleist, sempre associado, embora, \u00e0 energia descobridora."], ["Em rela\u00e7\u00e3o a todo esse movimento \u00e9, objetiva e historicamente, do maior interesse o fato de que, a princ\u00edpio, as personalidades que mais se destacaram na pesquisa; que conheciam o material fatual da teoria da lo- caliza\u00e7\u00e3o em seus tra\u00e7os fundamentais; que, em parte, o criaram, eles pr\u00f3prios \u2014 hajam sido advers\u00e1rios, em princ\u00edpio, da localiza\u00e7\u00e3o das fun- \u00e7\u00f5es ps\u00edquicas no c\u00e9rebro; por exemplo, Brown-S\u00e9quard, Goltz, Gudden; tamb\u00e9m \u00e9 interessante haja vindo juntar-se-lhes von Monakov.", "d) Os grupos de fatos essenciais concernentes ao problema da localiza-"], ["\u00e7\u00e3o.", "Os tr\u00eas grupos de fatos \u2014 quadros cl\u00ednicos, a estrutura do c\u00e9rebro, achados an\u00e1tomo-patol\u00f3gicos \u2014 s\u00e3o de investigar-se e t\u00eam-se investigado separadamente. S\u00f3 a rela\u00e7\u00e3o entre eles \u00e9 que possibilita perceber a locali- za\u00e7\u00e3o dos fen\u00f4menos. Ao passo, no entanto, que o refinamento da pes- quisa cada vez mais separa os tr\u00eas campos e lhes dificulta o relaciona- mento rec\u00edproco, uma localiza\u00e7\u00e3o em largos tra\u00e7os se afigura muito mais clara.", "1. Fatos cl\u00ednicos.", "Temos a quantidade impressionante dos fen\u00f4menos que se seguem a les\u00f5es cerebrais, tumores, todos os processos cerebrais org\u00e2nicos que se", "observam, clinicamente, no homem e que se t\u00eam comparado, \u00e0s vezes, com os achados topogr\u00e1ficos cerebrais da aut\u00f3psia ou das opera\u00e7\u00f5es tu- morais."], ["aa) Investigando dist\u00farbios de rendimentos evidentes, espec\u00edficos, in-", "quire-se o lugar no c\u00e9rebro que seja lesado, regularmente, quando eles ocorrem. Nos dist\u00farbios af\u00e1sicos, apr\u00e1xicos e agn\u00f3sticos, encontram-se, na maioria dos casos, destrui\u00e7\u00f5es grosseiras de certas \u00e1reas cerebrais. Na afasia motora, por exemplo, encontra-se destrui\u00e7\u00e3o na terceira circunvolu- \u00e7\u00e3o frontal esquerda; na afasia sensorial, no lobo temporal esquerdo; na cegueira ps\u00edquica, nos lobos occipitais etc. A \u201cdemoli\u00e7\u00e3o da atividade per- ceptiva\u201d \u00e9 localiz\u00e1vel, relativamente \u00e0s diversas \u00e1reas sensoriais, na super- f\u00edcie cerebral."], ["A ideia atual, segundo a qual se classificam estes achados, \u00e9 a se- guinte: o c\u00f3rtex cerebral divide-se em campos de proje\u00e7\u00e3o sensoriais. e motores; assim, \u00e9 que o campo visual se situa no lobo occipital; o campo auditivo, no lobo temporal; a esfera t\u00e1til, no lobo parietal; a esfera das re- cep\u00e7\u00f5es labir\u00ednticas e mioest\u00e9sicas, no lobo frontal etc. Em rela\u00e7\u00e3o direta com eles est\u00e3o sempre os campos correspondentes, a cuja destrui\u00e7\u00e3o apa- recem agnosias e apraxias, afasias sensoriais e motoras. Se chamarmos ps\u00edquicos estes \u00faltimos dist\u00farbios, haver\u00e1 em todos os campos, segundo Kleist, uma estrutura tripartite, dividida em esferas sensorial, motora e ps\u00edquica. A quest\u00e3o, entretanto, \u00e9 saber em que sentido se podem chamar ps\u00edquicos esses dist\u00farbios af\u00e1sicos, agn\u00f3sticos e apr\u00e1xicos. Al\u00e9m do mais, \u00e9 apenas grosseira a localiza\u00e7\u00e3o. A investiga\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica mais apurada dos rendimentos, com que Head estendeu de em muito o esquema inicial de Wernicke, n\u00e3o acarreta, em absoluto, localiza\u00e7\u00e3o refinada."], ["bb) Inquire-se a localiza\u00e7\u00e3o dos fen\u00f3menos vivenciados. Se, no entanto, revisarmos a multiplicidade existencial da vida ps\u00edquica anormal, que a fe- nomenologia nos ensinou, e indagarmos onde se localizam, no c\u00e9rebro, es- pecialmente, certos fen\u00f4menos \u2014 quais sejam, as ideias delirantes, as fal- sas-recorda\u00e7\u00f5es, o d\u00e8j\u00e0 vu etc. \u2014 n\u00e3o encontraremos resposta. Nada sabe- mos das bases espec\u00edficas desses fen\u00f4menos particulares. S\u00f3 quanto \u00e0s falsas-percep\u00e7\u00f5es \u00e9 que h\u00e1 uma s\u00e9rie de observa\u00e7\u00f5es interessantes. T\u00eam- se visto aparecerem alucina\u00e7\u00f5es em rela\u00e7\u00e3o com doen\u00e7as dos \u00f3rg\u00e3os sen- soriais perif\u00e9ricos e do lobo occipital. Quanto a uma causa espec\u00edfica e sempre necess\u00e1ria, nada se sabe; pelo contr\u00e1rio, as poucas observa\u00e7\u00f5es at\u00e9 o momento feitas sugerem a ideia de que as falsas-percep\u00e7\u00f5es se dis- tingam, em princ\u00edpio, conforme a respectiva g\u00eanese e de que as h\u00e1 de mui- tas esp\u00e9cies. A depend\u00eancia das alucina\u00e7\u00f5es em rela\u00e7\u00e3o a determinadas"], ["\u00e1reas do sistema nervoso, desde o \u00f3rg\u00e3o dos sentidos perif\u00e9ricos at\u00e9 o c\u00f3r- tex cerebral, n\u00e3o significa qualquer localiza\u00e7\u00e3o espec\u00edfica, e sim a vincula- \u00e7\u00e3o dos sentidos ao aparelho perceptivo fisiol\u00f3gico, em geral.", "cc) \u00ca caracter\u00edstico o fato de os sintomas que se podem relacionar com determinadas \u00e1reas cerebrais serem aqueles cujo car\u00e1ter ps\u00edquico propria- mente \u00e9 duvidoso. O que h\u00e1 s\u00e3o sempre dist\u00farbios instrumentais, ou ma- nifesta\u00e7\u00f5es de que existe falha ou excita\u00e7\u00e3o senso-motora de tipo compli- cado; as quais est\u00e3o presentes na viv\u00eancia como subst\u00e2ncia desta, mas n\u00e3o pertencendo, na realidade, originariamente, ao psiquismo.", "Outra coisa \u00e9 quando se parte de certos territ\u00f3rios cerebrais- e se in- quire que dist\u00farbios ps\u00edquicos ocorrem quando os mesmos. est\u00e3o lesados. Observam-se, ent\u00e3o, altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas de toda sorte, indo at\u00e9 altera- \u00e7\u00f5es de car\u00e1ter; de maneira t\u00e3o variada, por\u00e9m, que n\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil relatar fa- tos realmente precisos. Vamos destacar alguns pontos."], ["Se, dividido o c\u00f3rtex cerebral, se chamarem campos corticais prim\u00e1rios os campos de proje\u00e7\u00e3o, que comandam, segundo localiza\u00e7\u00e3o comprovada, os impulsos motores para as diversas \u00e1reas som\u00e1ticas e que s\u00e3o os pri- meiros a receber as impress\u00f5es sensoriais, restam, como campos secun- d\u00e1rios, todos os demais; os quais, comparados com os c\u00e9rebros de ani- mais, mesmo com o do macaco, s\u00e3o muit\u00edssimo mais vastos do que os pri- m\u00e1rios. Nesses campos secund\u00e1rios, os dist\u00farbios agn\u00f3sticos e apr\u00e1xicos (cegueira cortical, surdez cortical, afasia e apraxia) ainda est\u00e3o localizados na vizinhan\u00e7a dos campos prim\u00e1rios correspondentes, se bem que menos precisamente do que as fun\u00e7\u00f5es elementares. Resta uma grande \u00e1rea do c\u00f3rtex cerebral, que n\u00e3o est\u00e1 ocupada, na qual, bem como na massa res- tante do c\u00e9rebro, se considera localizada a vida ps\u00edquica superior. Em con- fronto com o tronco cerebral, este c\u00e9rebro representa a massa principal preponderante; nela e no tronco cerebral quis\u00e9ramos poder localizar."], ["Lobo frontal. De todas as partes do c\u00e9rebro, considera-se o lobo frontal,", "que \u00e9 inteiramente livre de campos de proje\u00e7\u00e3o, particularmente ligado \u00e0 psique, concep\u00e7\u00e3o esta que talvez haja surgido, inconscientemente, do fato de ser o lobo situado mais adiante, pr\u00f3ximo \u00e0 fronte.", "Considera-se o sintoma mais caracter\u00edstico da les\u00e3o do lobo frontal, sintoma que, por vezes, sugere ao especialista um diagn\u00f3stico imediato, a fraqueza dos impulsos, que \u00e9 frequente ocorrer, e que Beringer observou e descreveu, psicologicamente, com particularidades, num caso de tumor frontal bilateral, curado pela cirurgia.: O doente est\u00e1 consciente, v\u00ea, ouve, apreende o que se passa a sua frente, responde, conversando, pronta e"], ["adequadamente, \u00e0s perguntas, n\u00e3o d\u00e1 impress\u00e3o de paralisia, nem de ob- tusidade; a essa altura, n\u00e3o chama a aten\u00e7\u00e3o de quem quer que o escute, embora a conversa nunca v\u00e1 adiante por sua iniciativa. Entregue a si mesmo, afunda na inatividade; e mesmo exercendo as atividades cotidia- nas, que empreende se solicitado, n\u00e3o tarda a parar. Se tiver come\u00e7ado a barbear-se \u00e0s oito horas, p\u00f4de acontecer que, \u00e0s 12, semivestido, ainda n\u00e3o tenha acabado, com o aparelho na m\u00e3o e algumas passadas de es- puma ressecada no rosto. Nada acontece nele. O estado que se observa \u00e9 de um vazio da consci\u00eancia, a figura de um homem que n\u00e3o parece ter mais qualquer background vital. N\u00e3o padece de aborrecimento, n\u00e3o sofre com sua doen\u00e7a; \u00e9 como se fosse mero espectador do que se passa. Se lhe perguntam como est\u00e1, mostra-se contente, est\u00e1 passando bem. Se lhe per- guntam pela doen\u00e7a, responde: \u201cEstou notando que alguma coisa n\u00e3o est\u00e1 certa, mas nem eu sei o que \u00e9\u201d. H\u00e1 paralisia de muito mais que o mero im- pulso: faltam os movimentos afetivos; est\u00e1 bloqueada a totalidade do com- portamento especificamente humano-ps\u00edquico. Existe um vazio mental e vivencial, no qual nem passado, nem futuro desempenham papel algum. Resta um organismo som\u00e1tico intato, com um eu apenas formal, capaz, certamente, de perceber, apreender, recordar, fixar, mas sem espontanei- dade, sem participa\u00e7\u00e3o, descolorida, indiferentemente satisfeito."], ["Descrevem-se ainda muitos outros dist\u00farbios ps\u00edquicos nas les\u00f5es do lobo frontal. A fraqueza dos impulsos deve provir mais das les\u00f5es da con- vexidade do lobo, ao passo que uma altera\u00e7\u00e3o do car\u00e1ter resultaria, mais frequentemente, do c\u00f3rtex basal (lobo orbit\u00e1rio): comportamento atolei- mado-euf\u00f3rico e irrit\u00e1vel, inibi\u00e7\u00e3o dos impulsos e procedimento associai, diminui\u00e7\u00e3o da cr\u00edtica e da consci\u00eancia da situa\u00e7\u00e3o, conservados os rendi- mentos mentais e mn\u00eamicos bem aprendidos; mais ainda: pendor para a malevol\u00eancia e para o divertimento \u00e0 custa dos outros, al\u00e9m da sempre ci- tada chistosidade (que, entretanto, contados os casos individuais, s\u00f3 se observam em minoria muito pequena)."], ["Tronco cerebral. As destrui\u00e7\u00f5es do cerebelo n\u00e3o produzem fen\u00f4meno ps\u00edquico algum; o mesmo, entretanto, n\u00e3o se d\u00e1 em rela\u00e7\u00e3o ao tronco ce- rebral, que, por sua massa, parece ter muito menos import\u00e2ncia. As ob- serva\u00e7\u00f5es feitas nos \u00faltimos dec\u00eanios t\u00eam esclarecido certos sintomas ps\u00ed- quicos ligados ao tronco cerebral, sintomas muito 'relevantes para a com- preens\u00e3o da vida ps\u00edquica dependente do c\u00e9rebro. Decerto, toda a riqueza da vida ps\u00edquica depende da poderosa massa que o c\u00e9rebro constitui. Mas o tronco cerebral parece preencher fun\u00e7\u00f5es elementares, necess\u00e1rias, que suportam toda a vida ps\u00edquica; e o car\u00e1ter destas fun\u00e7\u00f5es, conquanto", "ainda se afigure difuso, nem por isso deixa de apresentar tra\u00e7os essenciais que n\u00e3o se podem deixar de reconhecer. Da\u00ed certas observa\u00e7\u00f5es especiais, na encefalite let\u00e1rgica e na doen\u00e7a de Parkinson, bem como em tumores e, por fim, em pesquisas fisiol\u00f3gicas, haverem levado \u00e0 constata\u00e7\u00e3o de um quadro geral."], ["O famoso c\u00e3o descerebrado de Goltz (c\u00e3o a que se extraiu, cirurgica- mente, o c\u00e9rebro, sem com isso mat\u00e1-lo) mostrou o que \u00e9 poss\u00edvel sem o c\u00e9rebro, apenas com o tronco cerebral: sono e vig\u00edlia, esta\u00e7\u00e3o em p\u00e9, cor- rida, comer e beber, rea\u00e7\u00e3o \u00e0 luz e a sons de trombeta, f\u00faria e certos est\u00ed- mulos.", "O quadro geral dos dist\u00farbios do tronco cerebral, do corpo estriado para baixo, \u00e9 quadro cl\u00ednico sem localiza\u00e7\u00e3o exata, mas apenas se apre- sentando, na maior parte dos casos, localizado, de modo geral, no tronco cerebral. S\u00e3o os seguintes os sintomas:"], ["Hipercinesias. Sacudidelas musculares, movimentos espont\u00e2neos invo- lunt\u00e1rios (coreia), movimentos associados, movimentos bal\u00edsticos, contra- \u00e7\u00f5es convulsivas, movimentos atet\u00f3ticos, tremores. \u2014 Acinesia. Quadro parkinsoniano; lentifica\u00e7\u00e3o das inerva\u00e7\u00f5es volunt\u00e1rias. Tens\u00f5es muscula- res r\u00edgidas. Tend\u00eancia a certas posturas: m\u00e3os em garra/ movimentos vo- lunt\u00e1rios escassos, impress\u00e3o de rigidez facial, apagamento da m\u00edmica. Fi- sionomia tal qual m\u00e1scara. Movimentos do corpo dando a impress\u00e3o de autom\u00e1ticos. Aus\u00eancia de movimentos associados. Sem paralisia, a parte superior do corpo inclina-se para diante, os ombros pendem, a boca man- t\u00e9m-se aberta. Impossibilidade de executar v\u00e1rios movimentos ao mesmo tempo; por exemplo, caminhar para frente enquanto se varre com uma vassoura. Este quadro geral do parkinsonismo parece puramente motor, n\u00e3o ps\u00edquico; mas os sintomas descritos n\u00e3o s\u00f3 t\u00eam consequ\u00eancias para a psique (por exemplo, com a compensa\u00e7\u00e3o dos movimentos involunt\u00e1rios espont\u00e2neos, que faltam, pelos volunt\u00e1rios), como se apresentam, conco- mitantemente, dist\u00farbios que t\u00eam, eles pr\u00f3prios, car\u00e1ter ps\u00edquico."], ["aa) Lentifica\u00e7\u00e3o ps\u00edquica geral, que d\u00e1 a impress\u00e3o de sonol\u00eancia cr\u00f4-", "nica e que se tem localizado, presumidamente, na subst\u00e2ncia cinzenta pe- riventrular, fazendo crer em les\u00e3o do \u201ccentro da vig\u00edlia\u201d, o qual se distribui por sobre toda a subst\u00e2ncia cinzenta.", "bb) A falta de manifesta\u00e7\u00e3o espont\u00e2nea reside no fato de falhar a dire- \u00e7\u00e3o impulsiva que \u00e9, habitualmente, involunt\u00e1ria quando nos movemos; falha esta que atinge tanto os movimentos corp\u00f3reos quanto o curso do pensamento; tanto os atos habituais quanto os movimentos instintivos. \u00c9"], ["indispens\u00e1vel para n\u00f3s um impulso; a vontade sozinha n\u00e3o pode manter- nos os movimentos em marcha. Foi apenas pela observa\u00e7\u00e3o de pacientes deste tipo que se esclareceu a exist\u00eancia do referido impulso. O impulso \u00e9 a dire\u00e7\u00e3o que se d\u00e1 involuntariamente \u00e0 aten\u00e7\u00e3o; \u00e9 fato derradeiro, irredu- t\u00edvel. Se faltar, o enfermo vale-se de sua vontade, capaz que \u00e9, intencional- mente, mas sempre apenas em parte e sem destreza, de realizar aquilo que j\u00e1 n\u00e3o lhe \u00e9 poss\u00edvel de modo espontaneamente involunt\u00e1rio. O doente consegue endireitar, intencionalmente, a postura desca\u00edda; basta, con- tudo, que deixe de atentar para isso, e torna a pender para diante. Dado, por\u00e9m, que todo ato de vontade precisa, para realizar-se, de um resto ainda de impulso, o pr\u00f3prio ato de vontade, que poderia romper a acine- sia, falha tamb\u00e9m, nos casos graves. Por fim, ainda valem, de um lado, os est\u00edmulos externos (incitado ou comandado, o paciente ainda consegue re- alizar o que por si j\u00e1 n\u00e3o consegue) e tamb\u00e9m as ideias que tenham conte- \u00fado afetivo, como o medo. Uns e outros possibilitam o que j\u00e1 n\u00e3o ocorre espontaneamente. Os doentes servem-se disso, \u00e0s vezes, excitando-se a si mesmos, a fim, por esse meio, de for\u00e7ar a pr\u00e1tica dos atos desejados."], ["A distin\u00e7\u00e3o entre esse dist\u00farbio do impulso e a fraqueza do impulso que se nota nas doen\u00e7as do lobo frontal faz-se, de modo geral, pelos sinto- mas concomitantes. Fora isso, todavia, os dois fen\u00f4menos hom\u00f4nimos t\u00eam de distinguir-se um do outro. O dist\u00farbio frontal do impulso reside, por assim dizer, na personalidade; n\u00e3o \u00e9 conscientizado como tal, mostra-se no pr\u00f3prio pensamento e vontade; do dist\u00farbio estriar do impulso o indiv\u00ed- duo tem no\u00e7\u00e3o, est\u00e1 consciente de sua exist\u00eancia; o dist\u00farbio reside no instrumento e pode ser superado, cm certa extens\u00e3o, momentaneamente, pela vontade e pelo esfor\u00e7o. Uma an\u00e1lise psicol\u00f3gica apurada, tal qual a iniciou Beringer, pode esclarecer a situa\u00e7\u00e3o e chegar, talvez, a limites nos quais se possam determinar, indiretamente, certas fun\u00e7\u00f5es elementares extraconscientes."], ["cc) Observam-se manifesta\u00e7\u00f5es iterativas e fen\u00f4menos obsessivos. Um paciente reza, sem parar, o Pai-Nosso; do que s\u00f3 restam, afinal, movimen- tos r\u00edtmicos do maxilar inferior (Stetiner). Aparece um assobiar incessante, ou um rugir compulsivo. A fala leva a repeti\u00e7\u00e3o de frases; muitas vezes, em andamento acelerado, como se houvesse uma compuls\u00e3o.", "dd) Nas crian\u00e7as e nos adolescentes, sobretudo, e tanto no est\u00e1dio", "agudo da encefalite quanto ulteriormente observa-se um desassossego, uma inquieta\u00e7\u00e3o motora, um ir-e-vir sem finalidade; o paciente d\u00e1 nomes aos objetos, pega neles, assalta todas as pessoas com pedidos que n\u00e3o t\u00eam", "nenhuma carga propriamente, afetiva; sobrev\u00eam afetos col\u00e9ricos desmedi- dos, levando \u00e0 pr\u00e1tica de viol\u00eancias. A diferen\u00e7a cm rela\u00e7\u00e3o aos estados man\u00edacos est\u00e1 na disposi\u00e7\u00e3o de \u00e2nimo aborrecida e desconfort\u00e1vel dos do- entes, que procedem ora zangados, ora pegajosos. A \u00edndole se altera de modo aparentemente t\u00edpico."], ["ee) Acreditou-se na possibilidade de haverem os sintomas estriares en- sinado um fato que pudesse fazer conceb\u00edvel a localiza\u00e7\u00e3o dos dist\u00farbios catat\u00f4nicos dos esquizofr\u00eanicos', esperan\u00e7a que n\u00e3o se realizou. \u00c9 prov\u00e1- vel que certos casos raros sejam combina\u00e7\u00e3o de encefalite let\u00e1rgica e es- quizofrenia. Se as manifesta\u00e7\u00f5es catat\u00f4nicas t\u00eam base anat\u00f4mica, esta deve ser de car\u00e1ter diverso daquele que corresponde aos sintomas estria- res. As manifesta\u00e7\u00f5es que se afiguraram, \u00e0 primeira vista, parcialmente semelhantes vieram sempre a mostrar-se diferentes, \u00e0 an\u00e1lise mais, pre- cisa. Assim \u00e9 que, no estupor esquizofr\u00eanico, existe imobilidade; diferente, no entanto, da acinesia estriar da encefalite; nos catat\u00f4nicos, a inexpressi- vidade fision\u00f4mica n\u00e3o \u00e9 rigidez m\u00edmica; a resist\u00eancia, que se mostra nos movimentos passivos e no negativismo, \u00e9 antagonismo ativo, e n\u00e3o a rigi- dez encefal\u00edtica; \u00e9 persevera\u00e7\u00e3o em certas posturas, e n\u00e3o falta de espon- taneidade."], ["Esses dist\u00farbios que ocorrem nas les\u00f5es do tronco cerebral, quadro in- confund\u00edvel e impressionante sujeito a in\u00fameras varia\u00e7\u00f5es, mostram-nos, pela perda de fun\u00e7\u00f5es grosseiramente localizadas, um elo que de modo al- gum se conseguiu, at\u00e9 hoje, descobrir na estrutura de nossa vida som\u00e1- tico-ps\u00edquica; elo que, colocado al\u00e9m dos rendimentos individuais poss\u00ed- veis de apreender com exatid\u00e3o neurol\u00f3gica, parece penetrar no psi- quismo. Toca-se num mist\u00e9rio dos \u201cimpulsos\u201d e do respectivo efeito. De um modo ou outro, a consci\u00eancia depende do tronco cerebral, pelo qual o c\u00e9rebro pode ser entregue \u00e0 inconsci\u00eancia e no qual se realiza um controle sono-vig\u00edlia."], ["Enfim, muitos sentimentos vitais parecem ligar-se ao tronco cerebral; sentimentos que se podem considerar elos intermedi\u00e1rios entre os proces- sos puramente vegetativo-fisiol\u00f3gicos e os fen\u00f3menos ps\u00edquicos; hoje em dia, \u00e9 de bom grado que se concebem esses sentimentos como \u201cpessoa vi- tal\u201d, ou \u201cpessoa profunda\u201d. Certas altera\u00e7\u00f5es do tecido cerebral, localiza- das em redor dos terceiro e quarto ventr\u00edculos, acompanham-se, muitas vezes, de apetites e desejos singulares\u201d 1. Recordemos x>s fen\u00f4menos so- m\u00e1ticos concomitantes aos afetos; os efeitos hipn\u00f3ticos sobre o evento so- m\u00e1tico. Os sentimentos vitais parecem, nos movimentos afetivos, ser al- guma coisa elementarmente corp\u00f3rea ou som\u00e1tica e, ao mesmo tempo,"], ["ps\u00edquica, relacionada com os impulsos.", "Paralisia da fun\u00e7\u00e3o cerebral total. Kretschmer descreve um complexo sintom\u00e1tico que considera manifesta\u00e7\u00e3o de falha de todo o manto cerebral, embora se conservem as fun\u00e7\u00f5es cerebrais; estado este semelhante, por exemplo, ao do c\u00e3o descerebrado de Goltz (nas pan-encefalites, ferimentos a bala no c\u00e9rebro, s\u00edfilis cerebral, ou fase transit\u00f3ria da arteriosclerose grave):", "O paciente est\u00e1 deitado, desperto, com os olhos abertos. N\u00e3o h\u00e1 sono- l\u00eancia. Apesar da vig\u00edlia, incapacidade de falar, reconhecer, executar movi- mentos significativos (paragnosia e parapraxia). \u00c0 degluti\u00e7\u00e3o e outros re- flexos est\u00e3o conservados. O olhar n\u00e3o se fixa. Quando algu\u00e9m lhe fala, ou lhe mostra objetos, o doente n\u00e3o produz respostas alguma significativa. Persevera\u00e7\u00e3o em posturas casuais ativa ou passivamente formadas. Os es- t\u00edmulos sensoriais podem ser respondidos com sacudidelas; faltam os mo- vimentos reflexivos de fuga e defesa."], ["ff) Generalidades sobre a localiza\u00e7\u00e3o cl\u00ednica. O levantamento de uma localiza\u00e7\u00e3o un\u00edvoca de achados cl\u00ednicos \u00e9 dific\u00edlima. Seria preciso relacio- nar altera\u00e7\u00f5es cerebrais nitidamente delimitadas com manifesta\u00e7\u00f5es de fa- lha e altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas tamb\u00e9m nitidamente fixadas. Em primeiro lu- gar, no entanto, s\u00e3o raros os casos id\u00eanticos compar\u00e1veis (um caso n\u00e3o prova muita coisa por si, porque pode ser ocasional). Em segundo lugar, das les\u00f5es cerebrais locais (principalmente, tumores) partem, pela com- press\u00e3o do \u00f3rg\u00e3o, efeitos remotos sobre \u00e1reas absolutamente diversas do c\u00e9rebro; \u00e1reas em que, certamente, enquanto a press\u00e3o subsiste, ocorre les\u00e3o funcional, sem altera\u00e7\u00e3o permanente, contudo, da subst\u00e2ncia cere- bral. Em terceiro lugar, \u00e9 comum um processo m\u00f3rbido atingir territ\u00f3rios difusos e ocupar, com frequ\u00eancia, muitas localiza\u00e7\u00f5es simult\u00e2neas. Da\u00ed haver essa quantidade de observa\u00e7\u00f5es, as quais (plenamente sucedidas do ponto de vista puramente neurol\u00f3gico) mostram, no tocante aos fen\u00f4me- nos ps\u00edquicos, a estreita rela\u00e7\u00e3o entre c\u00e9rebro e psique; mas de tal modo parecem desprezar regras e leis, ou n\u00e3o fix\u00e1-las com rigor, que, apesar de aumentarem as observa\u00e7\u00f5es cl\u00ednicas, todos os sistemas, que, durante certo tempo, se apresentavam convincentes, tornaram a ser relegados. Certamente, os fen\u00f4menos ps\u00edquicos n\u00e3o s\u00e3o causais; quem pesquisa per- suade-se at\u00e9 ao contr\u00e1rio. Todavia, quando queremos apreender a lei, esta nos escapa, no intrincamento das conex\u00f5es."], ["Exemplo-modelo e ponto angular de todas as pondera\u00e7\u00f5es topogr\u00e1ficas", "em rela\u00e7\u00e3o ao psiquismo s\u00e3o os dist\u00farbios af\u00e1sicos, apr\u00e1xicos e agn\u00f3sti- cos. Se se quiser penetrar na significa\u00e7\u00e3o te\u00f3rica dessa localiza\u00e7\u00e3o, \u00e9 ne- cess\u00e1rio conhecer os seguintes fatos:", "1) que, em casos individuais, se observam aquelas manifesta\u00e7\u00f5es m\u00f3r-", "bidas sem destrui\u00e7\u00e3o das partes corticais em causa, e sim, antes, de ou- tras, vizinhas;"], ["2) que o grau das manifesta\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas n\u00e3o tem rela\u00e7\u00e3o regular, ab- solutamente, com a extens\u00e3o da destrui\u00e7\u00e3o grosseira. Para conceber esta incongru\u00eancia, estabeleceu-se a distin\u00e7\u00e3o entre sintomas residuais, que sempre subsistem, em princ\u00edpio, quando h\u00e1 destrui\u00e7\u00e3o local, e que se li- gam a essa localiza\u00e7\u00e3o, e sintomas tempor\u00e1rios, que desaparecem, em- bora, \u00e0s vezes, s\u00f3 ap\u00f3s muito tempo. choque; o desaparecimento, pela extin\u00e7\u00e3o desses efeitos, ou pelo apareci- mento vicariante de outras fun\u00e7\u00f5es ou partes. Funda-se a referida distin- \u00e7\u00e3o, empiricamente, no restabelecimento amplo que se observa ap\u00f3s le- s\u00f5es cerebrais, quando se remove o processo m\u00f3rbido como tal. Os sinto- mas residuais que se podem considerar seguramente localizados s\u00e3o, po- r\u00e9m, at\u00e9 o momento, destrui\u00e7\u00f5es de fun\u00e7\u00f5es neurol\u00f3gicas primitivas: para- lisias, ataxias, defici\u00eancias sensoriais. O que \u00e9 tempor\u00e1rio, nos dist\u00farbios af\u00e1sicos, apr\u00e1xicos etc., pelo efeito do foco sobre todo o c\u00e9rebro ou, ao me- nos, sobre \u00e1reas largamente difusas do mesmo, e o que \u00e9 localizado, resi- dual e firmemente \u2014 isso n\u00e3o se pode decidir, ou \u00e9 muito dif\u00edcil decidir. Em todo caso, n\u00e3o se trata de localiza\u00e7\u00e3o de fun\u00e7\u00f5es complicadas, que re- sidem, em parte, no pr\u00f3prio psiquismo, como a linguagem, o comporta- mento etc. Temos, contudo, de admitir que condi\u00e7\u00f5es espec\u00edficas mais re- motas desses rendimentos ps\u00edquicos se ligam a certos lugares da superf\u00ed- cie cerebral. Por enquanto, todavia, \u00e9 imposs\u00edvel delimitar a exprimir, n\u00ed- tida e precisamente, tais fun\u00e7\u00f5es condicionantes, localiz\u00e1veis em determi- nados pontos; noutras palavras: at\u00e9 o momento, n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel estabelecer localiza\u00e7\u00e3o funcional psicol\u00f3gica, nem fund\u00e1-la, validamente, em caso al- gum. Da\u00ed ser a seguinte a situa\u00e7\u00e3o, sob o ponto de vista cient\u00edfico: de um lado, observam-se destrui\u00e7\u00f5es cerebrais grosseiramente localizadas; de outro, observam-se dist\u00farbios, em parte, das fun\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas (da lingua- gem e do comportamento), as quais \u2014 quase sempre, mas nem sempre \u2014 aparecem juntamente com essas destrui\u00e7\u00f5es cerebrais localizadas. Pode- se acompanhar com exatid\u00e3o, ao microsc\u00f3pio, a destrui\u00e7\u00e3o anat\u00f4mica; pode-se analis\u00e1-la com a m\u00e1xima exatid\u00e3o. Podem-se analisar os dist\u00far-", "bios das fun\u00e7\u00f5es de maneira muito interessante, quando se fazem investi- ga\u00e7\u00f5es pela atribui\u00e7\u00e3o de tarefas e pela an\u00e1lise das rea\u00e7\u00f5es deficit\u00e1rias, mediante os mecanismos associativos, perseverativos etc.; e tamb\u00e9m me- diante a determina\u00e7\u00e3o dos rendimentos conservados e dos rendimentos transtornados. N\u00e3o se encontra, por\u00e9m, entre os dois lados dessa an\u00e1lise mais requintada, rela\u00e7\u00e3o alguma; nem se \u00e9 capaz, mediante an\u00e1lise, de determinar uma fun\u00e7\u00e3o elementar que seja, no momento atual, localiz\u00e1vel. Encontrar essas fun\u00e7\u00f5es psicol\u00f3gicas elementares que se possam subordi- nar a certos lugares ou mecanismos fisiol\u00f3gicos talvez n\u00e3o seja, em princ\u00ed- pio, de excluir-se; mas ainda \u00e9 possibilidade muito remota."], ["Na literatura, as teses ps\u00edquico-topogr\u00e1ficas s\u00e3o tais que os autores s\u00f3", "podem dizer: \u201cO autor admite que...\u201d \u201cS\u00e3o presun\u00e7\u00f5es aquelas que cons- troem os quadros corticais, onde se anotam, nos campos \u201cgeografica- mente\u201d divididos: chistosidade, aumento da excitabilidade, altera\u00e7\u00e3o do car\u00e1ter, dist\u00farbio depressivo ou euf\u00f3rico etc.\u201d", "A esta altura, cabe fazer uma distin\u00e7\u00e3o: o diagn\u00f3stico topogr\u00e1fico com base em sintomas t\u00edpicos, mesmo ps\u00edquicos, no quadro cl\u00ednico \u00e9 coisa di- versa do conhecimento das leis da localiza\u00e7\u00e3o do- psiquismo, ou seja, de determinadas maneiras vivenciais, rendimentos, qualidades pessoais etc. A import\u00e2ncia mesmo do quadro ps\u00edquico no diagn\u00f3stico cl\u00ednico topogr\u00e1- fico \u00e9 indubit\u00e1vel; mas a localiza\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 lei, n\u00e3o \u00e9 calcul\u00e1vel; nem se sabe qual \u00e9 a base do fen\u00f4meno ps\u00edquico.", "2. A estrutura do c\u00e9rebro.", "Todas as ideias concernentes a uma localiza\u00e7\u00e3o do psiquismo t\u00eam por fundo o conhecimento da estrutura macrosc\u00f3pica e microsc\u00f3pica do c\u00e9re- bro, o qual n\u00e3o \u00e9, morfologicamente falando, massa glandular uniforme- mente estruturada. Pelo contr\u00e1rio, o que se nos depara \u00e9 extraordin\u00e1ria ri- queza em formas diferencialmente configuradas, vias e disposi\u00e7\u00f5es, che- gando aos limites da visibilidade. O pesquisador tem de superar dificulda- des t\u00e9cnicas extremas, quando pretende formar, em cortes e cores, o qua- dro total. Aquilo que, noutros tempos, parecia homog\u00eaneo dissolve-se em configura\u00e7\u00f5es m\u00faltiplas. Da\u00ed por que Broad- mann distinguiu, cartografi- camente, no c\u00f3rtex cerebral, segundo tamanho, n\u00famero, forma e disposi- \u00e7\u00e3o das c\u00e9lulas nervosas (cito-arquitetonicamente), 60 campos; segundo a diversidade de distribui\u00e7\u00e3o dos tratos fibrosos no c\u00f3rtex (mieloarquitetoni- camente), Vogt distinguiu 200 campos. N\u00e3o h\u00e1 limite, a bem dizer, \u00e0 dife- rencia\u00e7\u00e3o das formas e estruturas celulares. Gra\u00e7as \u00e0 experimenta\u00e7\u00e3o com animais, ainda progrediu a diferencia\u00e7\u00e3o anat\u00f4mica: mediante sec\u00e7\u00e3o"], ["de fibras e extirpa\u00e7\u00f5es, conseguiu-se ver uma degenera\u00e7\u00e3o fibrosa e celu- lar nas \u00e1reas que sofrem a abla\u00e7\u00e3o. Reconhece-se, assim, a correla\u00e7\u00e3o das partes, mas tamb\u00e9m a independ\u00eancia das \u00e1reas. Foi assim que Nissl reco- nheceu haver, no c\u00f3rtex cerebral, estratos que, mesmo separados de todas as fibras de proje\u00e7\u00e3o, ainda mant\u00eam vida pr\u00f3pria, ao passo que degene- ram os demais extratos da mesma zona.", "Quem estuda a estrutura cerebral nunca se satisfaz, todavia: aprende-"], ["mos o que n\u00e3o conceituamos, o que n\u00e3o conseguimos compreender. Ve- mos figuras cujas fun\u00e7\u00f5es n\u00e3o conhecemos, na maioria das vezes. Impres- sionamo-nos com formas, vias e agrupamentos de massa cinzenta e branca, apossamo-nos de uma quantidade de nomes e sentimo-nos bron- cos, quando queremos aprender e representar aquilo que n\u00e3o compreen- demos. Temos de refletir para diante: toda a riqueza morfol\u00f3gica da confi- gura\u00e7\u00e3o cerebral continua a ser grosseira, se relacionada com os proces- sos qu\u00edmico-biol\u00f3gicos ultramicrosc\u00f3picos da vida, os quais n\u00e3o penetra- mos. Enfim: o que parece inesgot\u00e1vel, em formas e configura\u00e7\u00f5es, elos e agrupamentos, na estrutura cerebral vis\u00edvel, vemo-lo sempre, entretanto, apenas, como se fosse o cad\u00e1ver do c\u00e9rebro, os restos grosseiros, mortos e destru\u00eddos da vida."], ["Todas estas experi\u00eancias nos enchem de respeito ante o segredo das bases espacialmente tang\u00edveis da vida ps\u00edquica. Um dos pressupostos fun- damentais de nossas concep\u00e7\u00f5es biol\u00f3gicas consiste em que contempla- mos o fato desta maravilha morfol\u00f3gica na estrutura do c\u00e9rebro, o qual \u00e9 um \u00f3rg\u00e3o singular, sem possibilidade de compara\u00e7\u00e3o com quaisquer ou- tros; cuja conforma\u00e7\u00e3o e estrutura, vista, por exemplo, nos quadros citoar- quitet\u00f4nicos, faz sempre pensar nalguma coisa que poderia ser um equiva- lente da vida ps\u00edquica, sem, todavia, poder-se comprovar, com precis\u00e3o, qualquer correspond\u00eancia determinada, seja onde for, naquilo que se apresenta conformado; isso porque a realidade da vida ps\u00edquica \u00e9 inco- mensur\u00e1vel em rela\u00e7\u00e3o a qualquer visibilidade espacial, se bem que esta espacialidade da forma cerebral deva relacionar-se, da maneira mais es- trita, com a psique."], ["Esbarramos, a esta altura, no limite em que encontramos, a manifes- ta\u00e7\u00e3o espacial do que \u00e9 o existir para n\u00f3s. Contemplando os extratos corti- cais t\u00e3o variadamente conformados, as c\u00e9lulas ganglionares e os tecidos nervosos, vemos o que h\u00e1 de mais externo no espa\u00e7o, presente ante a psi- que; e esta quis\u00e9ramos alcan\u00e7ar, mas nunca a alcan\u00e7amos, por seme- lhante via. Estamos ante esses quadros como se estiv\u00e9ssemos ante as ne- bulosas c\u00f3smicas. Uma coisa e outra mostram, na espacialidade, algo que", "se alcan\u00e7a derradeiramente; algo, por\u00e9m, que mostra e indica; que em si n\u00e3o se penetra, absolutamente, e que aponta para al\u00e9m de si.", "3. Achados anatomopatol\u00f3gicos cerebrais.", "Temos os achados anat\u00f4micos grosseiros, os tumores e amolecimen- tos, as hemorragias, os espessamentos das membranas, as atrofias etc. O achado mais grosseiro de todos \u00e9 o tamanho do c\u00e9rebro.", "Estando o c\u00e9rebro sadio, esperar-se-ia encontrar rela\u00e7\u00e3o entre seu ta-"], ["manho e a intelig\u00eancia. N\u00e3o s\u00e3o un\u00edvocas, entretanto, as determina\u00e7\u00f5es estat\u00edsticas. O fato, na escala zool\u00f3gica, de o c\u00e9rebro humano ter o peso relativo mais elevado; de os negros possu\u00edrem, em m\u00e9dia, o c\u00e9rebro pe- sando um pouco menos relativamente ao dos brancos n amarelos, como se d\u00e1 com o c\u00e9rebro das mulheres em rela\u00e7\u00e3o ao dos homens \u2014 n\u00e3o \u00ea, em absoluto, f\u00e1cil, nem simples de explicar. Tem-se investigado o c\u00e9rebro de in\u00fameros homens importantes sem resultados realmente tang\u00edveis. H\u00e1 grandes homens com c\u00e9rebro muito grande e muito pequeno; como exis- tem homens m\u00e9dios com c\u00e9rebro extraordinariamente grande."], ["Em condi\u00e7\u00f5es patol\u00f3gicas, a massa cerebral pode apresentar-se au- mentada ou diminu\u00edda. No primeiro caso, fala-se em incha\u00e7\u00e3o cerebral, a qual se reconhece pela rela\u00e7\u00e3o do volume do \u00f3rg\u00e3o com a capacidade da c\u00e1psula craniana correspondente; rela\u00e7\u00e3o que, nas condi\u00e7\u00f5es normais, \u00e9, mais ou menos, de 90 para 100. N\u00e3o se explicaram ainda a natureza e a causa da incha\u00e7\u00e3o do c\u00e9rebro. S\u00e3o diversos, na ess\u00eancia, o edema e a in- cha\u00e7\u00e3o. Trata-se de conceito anatomopatol\u00f3gico grosseiro, abrangendo coi- sas heterog\u00eaneas.8 Encontra-se o aumento do peso do c\u00e9rebro em v\u00e1rias psicoses agudas, que decorrem sob a rubrica de am\u00eancia; e tamb\u00e9m na- queles indiv\u00edduos que morrem em estado epil\u00e9ptico; n\u00e3o h\u00e1 altera\u00e7\u00e3o em muitas psicoses funcionais, muitas epilepsias etc. A diminui\u00e7\u00e3o do peso nota-se na paralisia geral, na dem\u00eancia senil, nalguns casos de dem\u00eancia precoce."], ["Muito mais ricos s\u00e3o os achados microsc\u00f3picos: inflama\u00e7\u00f5es, degene- ra\u00e7\u00f5es, prolifera\u00e7\u00f5es, atrofias, as in\u00fameras altera\u00e7\u00f5es morfo- l\u00f3gicas1. Um dos grandes resultados a que se chegou foi a possibilidade segura de reco- nhecer a paralisia geral pela imagem cortical microsc\u00f3pica; com o que se ganhou o quadro histopatol\u00f3gica de uma unidade nosol\u00f3gica cl\u00ednica (Nissl e Alzheimer), significando, por\u00e9m, conhecimento puramente som\u00e1tico. Nada se p\u00f4de encontrar que representasse localiza\u00e7\u00e3o, nem paralelismo psicol\u00f3gico- relacionado com o curso ps\u00edquico da enfermidade; como tam-", "b\u00e9m nada se p\u00f4de sequer inquirir por forma precisa. \u00c9 s\u00f3 o fato de tam- b\u00e9m se encontrarem altera\u00e7\u00f5es histol\u00f3gicas noutras psicoses que aponta a rela\u00e7\u00e3o destas com o c\u00e9rebro; quase nunca, entretanto, de maneira un\u00ed- voca."], ["Conquanto n\u00e3o se possa falar, at\u00e9 o presente, em correla\u00e7\u00e3o, de fun- \u00e7\u00f5es analisadas de modo nitidamente psicol\u00f3gico com regi\u00f5es, mais rigoro- samente discriminadas em termos anat\u00f4micos, as rela\u00e7\u00f5es entre as doen- \u00e7as cerebrais e as psicoses s\u00e3o indubit\u00e1veis. Este fato, de h\u00e1 muito segu- ramente estabelecido, por forma grosseira, condiciona o grande interesse que tem a psicopatologia em acompanhar tamb\u00e9m nos detalhes as investi- ga\u00e7\u00f5es concernentes ao- c\u00e9rebro. De um lado, a histologia ensina-nos a re- nunciar \u00e0 mitologia cerebral, t\u00e3o cara, noutros tempos, aos psicopatologis- tas; de outro, permite esperar que ela venha a ajudar a delimita\u00e7\u00e3o de en- fermidades som\u00e1ticas defin\u00edveis, pois o conhecimento da complexidade e variedade dos quadros histol\u00f3gicos tem valor educativo para o psicopatolo- gista, quando, porventura, pende a deixar-se levar por pondera\u00e7\u00f5es gerais."], ["Nesta mat\u00e9ria, tem surgido todo um mundo de quadros e configura- \u00e7\u00f5es que se tende a subestimar, pelo fato de n\u00e3o se lhes ver a aplica\u00e7\u00e3o imediata de refer\u00eancia a outros achados. Mas \u00e9 a\u00ed, exatamente, que se de- veriam encontrar esclarecimento, progresso e solu\u00e7\u00e3o para o problema da localiza\u00e7\u00e3o.", "A import\u00e2ncia dessa pesquisa em torno do quadro vis\u00edvel das estrutu-", "ras cerebrais continua, entretanto, a valor por si pr\u00f3pria: \"Embora j\u00e1 se haja declarado superada a patologia celular, mostra-nos o que vemos a import\u00e2ncia da teoria celular para a compreens\u00e3o dos processos vitais. At\u00e9 os rendimentos mais ou menos humorais se afiguram c\u00e9lulo-dependentes; e toda interpreta\u00e7\u00e3o fisiol\u00f3gica, se quiser subsistir, h\u00e1, de associar-se ao pensamento morfol\u00f3gico\u201d \u201cO m\u00e9todo anat\u00f4mico repousa no pensamento morfol\u00f3gico, teorizando sobre a contempla\u00e7\u00e3o. N\u00e3o somos obrigados a de- ter-nos na mera vis\u00e3o daquilo que tem forma, nem na maneira por que esta se gera\u201d."], ["e) As quest\u00f5es fundamentais do problema da localiza\u00e7\u00e3o.", "Aprender os fatos que indicam localiza\u00e7\u00e3o do psiquismo n\u00e3o satisfaz.", "Julga-se, a cada momento, apreender uma localiza\u00e7\u00e3o; esta foge, no en- tanto, quando se quer capt\u00e1-la de modo decisivo e preciso. Contrastando com as localiza\u00e7\u00f5es neurol\u00f3gicas, toda localiza\u00e7\u00e3o do psiquismo at\u00e9 o pre- sente estabelecida nada mais \u00e9, em primeiro lugar, do que grosseira: tanto"], ["o achado anat\u00f4mico quanto a fixa\u00e7\u00e3o do fen\u00f4meno ps\u00edquico ainda s\u00e3o flu\u00ed- dos e vagos. Em segundo lugar: onde os fatos se tornam exatos e precisos, surge a pesquisa, quer psicol\u00f3gica, de um lado, quer c\u00e9rebro-histol\u00f3gica, de outro, rompendo-se o la\u00e7o localizativo. Da\u00ed por que a teoria da localiza- \u00e7\u00e3o do psiquismo escapa a qualquer exposi\u00e7\u00e3o clara de resultados tang\u00ed- veis. Todavia, os setores fenom\u00eanicos que se podem investigar separada- mente um do outro est\u00e3o sempre reclamando resposta atinente \u00e0 respec- tiva rela\u00e7\u00e3o. Resta um objetivo: encontrar os elos entre aquilo que ensi- nam, de um lado, a observa\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica; de outro lado, o achado c\u00e9re- bro-anat\u00f4mico, segundo o modelo da neurologia, que realiza, topografica- mente, a vincula\u00e7\u00e3o entre anatomia e fun\u00e7\u00e3o, visto que a localiza\u00e7\u00e3o de fun\u00e7\u00f5es neurol\u00f3gicas e fisiol\u00f3gicas (reflexo patelar, centro respirat\u00f3rio, \u00e1rea cortical motora etc.) tem alcan\u00e7ado \u00eaxito extraordin\u00e1rio; e a localiza- \u00e7\u00e3o das doen\u00e7as nervosas \u00e9 um dos setores exatos da medicina. Assim que chegamos, no entanto, ao psiquismo, cessa a nitidez do quadro que t\u00ed- nhamos, pouco antes, \u00e0 nossa frente. Nota-se, em todos os comp\u00eandios de fisiologia e neurologia, quando chegam a esse ponto, o salto repentino, ou o repentino sil\u00eancio. Por isto \u00e9 que importa menos \u00e0 quest\u00e3o da localiza\u00e7\u00e3o ps\u00edquica mostrar resultados do que apreender a situa\u00e7\u00e3o da pesquisa."], ["Exagerando a formula\u00e7\u00e3o: no que diz respeito \u00e0 psicologia, n\u00e3o sabe- mos o que, nem onde devemos localizar. S\u00e3o tr\u00eas as quest\u00f5es principais:"], ["1. Onde \u00e9 que localizamos? Primeiramente, em determinados lugares da massa cerebral, nas partes cerebrais e campos cor- ticais macroscopi- camente tang\u00edveis, bem como em estratos e grupos celulares microscopi- camente vis\u00edveis; no\u00e7\u00e3o an\u00e1tomo-topogr\u00e1fica esta que pretende encontrar \u201ccentros\u201d da fun\u00e7\u00e3o. D\u00e1-se, entretanto, que todas as localiza\u00e7\u00f5es assim encontradas s\u00e3o, apenas, centros, cuja les\u00e3o perturba a fun\u00e7\u00e3o; mas n\u00e3o centros cuja fun\u00e7\u00e3o positiva isso nos ensine. Talvez esses centros nada mais sejam do que \u00e1reas nas quais residem determinadas condi\u00e7\u00f5es (que n\u00e3o podemos definir) da fun\u00e7\u00e3o; n\u00e3o a pr\u00f3pria fun\u00e7\u00e3o, porque se identifi- cam todos os centros a que aludimos como centros de dist\u00farbios, apenas, e n\u00e3o como centros de rendimentos. Deve haver lugares limitados. Cuja le- s\u00e3o acarreta dist\u00farbios pelo fato de n\u00e3o serem substitu\u00edveis imediata- mente. Por conseguinte, distinguem-se tais localiza\u00e7\u00f5es pelo fato de ocor- rerem dist\u00farbios imediatos quando h\u00e1 altera\u00e7\u00f5es que se limitam de modo relativamente estrito; ao passo que, noutras \u00e1reas, n\u00e3o se percebem alte- ra\u00e7\u00f5es funcionais, mesmo que haja perdas maci\u00e7as de subst\u00e2ncia cere- bral. Talvez a realidade das fun\u00e7\u00f5es mesmas esteja baseada em rela\u00e7\u00f5es infinitas dos elos, sem localiza\u00e7\u00e3o essencial em parte alguma, ou centro. O", "entrejogo dos elos anat\u00f4micos e das fun\u00e7\u00f5es fisiol\u00f3gicas \u00e9 um todo; uns e outros se substituem, quando h\u00e1 les\u00e3o individual, se compensam; todo no qual se estimulam reciprocamente, se facilitam e se inibem, formando es- trutura complexa ao infinito; em parte reconhecida quanto a conex\u00f5es neurol\u00f3gicas; quanto- a conex\u00f5es ps\u00edquicas, o que h\u00e1 \u00e9 pura analogia."], ["Em segundo lugar, localizamos em sistemas, que, morfologicamente, passam. por todo o sistema nervoso e t\u00eam conex\u00e3o interna. N\u00e3o \u00e9, ent\u00e3o, quest\u00e3o de localiza\u00e7\u00e3o grosseira anat\u00f4mica; e sim: a que totalidade de um sistema pertencem, como unidade, a fun\u00e7\u00e3o e o dist\u00farbio? Esses sistemas, por\u00e9m, s\u00e3o conhecidos quanto a fun\u00e7\u00f5es neurol\u00f3gicas; pensar neles como base relativamente a fen\u00f4menos ps\u00edquicos \u00e9, diga-se mais uma vez, mera analogia; analogia que se pode admitir e at\u00e9 elaborar mais concretamente; em caso algum, no entanto, se prova ser qualquer sistema anat\u00f4mico o fundamento de processos ps\u00edquicos."], ["Em terceiro lugar, localizamos em pontos que se determinam mediante experi\u00eancias farmacol\u00f3gicas, que tamb\u00e9m se podem demonstrar, em parte, morfologicamente. H\u00e1, por assim dizer, uma localiza\u00e7\u00e3o qu\u00edmica, que se esclarece, por exemplo, farmacologicamente nas diferencia\u00e7\u00f5es do sistema nervoso aut\u00f4nomo. Por mais que se possam estabelecer compara\u00e7\u00f5es com o efeito, digamos, dos t\u00f3xicos inebriantes, falta, contudo, a comprova\u00e7\u00e3o topogr\u00e1fica desses fen\u00f4menos ps\u00edquicos."], ["2. Que unidades localizamos? O que experimentamos ou pensamos como unidade em rendimento, viv\u00eancia, consci\u00eancia de si mesmo n\u00e3o vem a ser, por isso, unidade funcional localiz\u00e1vel. O que \u00e9 localizado mostra-se sempre como instrumento da psique, n\u00e3o \u00e9 a pr\u00f3pria psique. N\u00e3o se pode responder quando se pergunta que sentido teria considerar a personali- dade, sua ess\u00eancia, suas qualidades caracteriais, ou sequer a realidade ps\u00edquica experimentada como tal \u2014 localiz\u00e1vel, sujeita a dist\u00farbios por for\u00e7a de altera\u00e7\u00e3o local. Cabe, no entanto, \u00e0 investiga\u00e7\u00e3o topogr\u00e1fica a tarefa significativa de descobrir \u201celementos\u201d ou unidades da fun\u00e7\u00e3o, unidades a que nunca se chegaria por outra via; de ver fatores da fun\u00e7\u00e3o que s\u00f3 se clarificam em consequ\u00eancia de um dist\u00farbio. \u00c9 o que talvez se d\u00ea com o \u201cimpulso\u201d, que se localiza no tronco cerebral e (j\u00e1 em outro sentido) no lobo frontal, e com as fun\u00e7\u00f5es, que se distinguem na fala, no conhecimento sensorial e nos atos. A fun\u00e7\u00e3o elementar vital que, ent\u00e3o, se apreende \u2014 a \u201cfun\u00e7\u00e3o b\u00e1sica\u201d \u2014 tem de ser, ela pr\u00f3pria, extraconsciente, aparecendo, apenas, na viv\u00ean- cia do \u201cimpulso\u201d, nos rendimentos da fala e dos atos."], ["O que sempre vemos \u00e9 um ordenamento hier\u00e1rquico das fun\u00e7\u00f5es, ou", "uma grada\u00e7\u00e3o dos instrumentos ps\u00edquicos, cuja investiga\u00e7\u00e3o nos apro- xima da psique; mas sempre reconhecemos, apenas, o que a ela serve, ou o que a condiciona, n\u00e3o ela mesma.", "3. De que tipo \u00e9 a correla\u00e7\u00e3o da fun\u00e7\u00e3o com a localiza\u00e7\u00e3o? J\u00e1 n\u00e3o vigora", "a antiga concep\u00e7\u00e3o de que os centros sejam o local da pr\u00f3pria fun\u00e7\u00e3o. Os centros e localiza\u00e7\u00f5es s\u00e3o pressupostos, e n\u00e3o subst\u00e2ncia da fun\u00e7\u00e3o. \u201cLi- gar\u201d a uma localiza\u00e7\u00e3o significa que sem ela, certamente, mas nem por isso mediante ela, a fun\u00e7\u00e3o n\u00e3o se realiza. De que modo, no entanto, se devam pensar com exatid\u00e3o estes pressupostos, h\u00e1, a tal respeito, uma s\u00e9- rie de ideias poss\u00edveis: No eventos-total, \u00f5 centro \u00e9 um elo\u201d existente ape- nas uma vez, n\u00e3o substitu\u00edvel; e nesse. lugar realiza-se uma comuta\u00e7\u00e3o ou media\u00e7\u00e3o que s\u00f3 a\u00ed pode ocorrer. Obsta-se uma colabora\u00e7\u00e3o, quando a comuta\u00e7\u00e3o \u00e9 perturbada. Lesado- um centro? 'd\u00e1-se uma desinibi\u00e7\u00e3o da- quilo qu\u00ea era, a partir da\u00ed, inibido e regulado. Todavia, \u00e9 obscura, na maio- ria das vezes, a forma por que se deva pensar a correla\u00e7\u00e3o do dist\u00farbio ps\u00edquico com o centro; o que \u00e9 que, propriamente, falha, de que modo a fa- lha atua. Toda concep\u00e7\u00e3o que se fa\u00e7a \u00e9 hip\u00f3tese; modo de exprimir, ou simples analogia; de todo grosseira \u00e9, na realidade, qualquer correla\u00e7\u00e3o at\u00e9 o presente conhecida: de um lado, achados cerebrais vagamente deli- mitados; de outro, dist\u00farbios ps\u00edquicos complexos. Vaga e indeterminada subsiste qualquer correla\u00e7\u00e3o, atingindo, assim que se indica, rendimentos complexos, de um lado; grandes \u00e1reas (campos corticais, tronco cerebral) de outro. No psiquismo, n\u00e3o h\u00e1 meio de penetrar a maneira por que se re- aliza o entrejogo de fun\u00e7\u00f5es localiz\u00e1veis, porque o psiquismo \u00e9 sempre evento total, que n\u00e3o se comp\u00f5e de fun\u00e7\u00f5es parciais, mas a que certas fun\u00e7\u00f5es servem de instrumentos; fun\u00e7\u00f5es cujo dist\u00farbio impossibilita o evento total."], ["f) A questionabilidade da localiza\u00e7\u00e3o do psiquismo", "O resultado \u00e9 o seguinte: N\u00e3o se conseguiu, at\u00e9 hoje, decompor a vida", "ps\u00edquica em fun\u00e7\u00f5es cuja localiza\u00e7\u00e3o seja poss\u00edvel. Todos os fen\u00f4menos, mesmo os mais simples para a psicologia, apresentam-se, sob o aspecto neurol\u00f3gico, t\u00e3o \u201ccomplicados\u201d (ou antes, heterog\u00eaneos) que \u00e9 sempre, a ri- gor, necess\u00e1rio o c\u00e9rebro inteiro para que ocorram. Todos os centros que se t\u00eam determinado representam, sim, condi\u00e7\u00f5es mais remotas do fen\u00f4- meno ps\u00edquico; o que n\u00e3o impede continue obscuro, at\u00e9 o momento, qual \u00e9 a fun\u00e7\u00e3o condicionante ou talvez parcial que se liga a essas localiza\u00e7\u00f5es."], ["Resumamos os resultados.", "1) Os fatos em si t\u00e3o interessantes de configura\u00e7\u00f5es anat\u00f4micas do c\u00e9- rebro n\u00e3o levam, at\u00e9 o momento atual, a consequ\u00eancia alguma para a psi- copatologia, apenas ensinando a complexidade enorme daqueles funda- mentos som\u00e1ticos da vida ps\u00edquica que se h\u00e3o de conceber como funda- mentos absolutamente remotos; diretos, n\u00e3o.", "2) Fun\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas elementares que se possam localizar, n\u00e3o conhe-"], ["cemos, em geral.", "3) Os fatos da localiza\u00e7\u00e3o de manifesta\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas complicadas (afa- sia etc.) s\u00e3o de valorar-se irregularmente; at\u00e9 o momento, apenas para fins diagn\u00f3sticos; n\u00e3o se mostram analis\u00e1veis de maneira tal que se possa re- lacionar a an\u00e1lise psicol\u00f3gica dos rendimentos, quando h\u00e1 rea\u00e7\u00f5es falha- das, com uma an\u00e1lise anat\u00f4mica mais refinada das destrui\u00e7\u00f5es cerebrais. A prop\u00f3sito, tamb\u00e9m s\u00e3o ilustrativas as seguintes assevera\u00e7\u00f5es: a ideia", "de que a diversidade dos dist\u00farbios ps\u00edquicos seja condicionada pela di- versidade topogr\u00e1fica do mesmo processo m\u00f3rbido \u00e9 te\u00f3rica, sem base nos fatos. Pode-se, com igual raz\u00e3o e com a mesma impossibilidade, aduzir prova no sentido de responsabilizar a disposi\u00e7\u00e3o ps\u00edquica individual por essa diversidade. A psiquiatria que repousar na ideia b\u00e1sica da localiza\u00e7\u00e3o de fun\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas fracassar\u00e1 ante o fato de os elementos encontrados mediante a an\u00e1lise psicol\u00f3gica e a localiza\u00e7\u00e3o anat\u00f4mica resultante da pesquisa cerebral n\u00e3o se relacionarem, em absoluto, at\u00e9 o presente e tal- vez para sempre. O fato de os mesmos processos m\u00f3rbidos se localizarem diversamente no sistema nervoso n\u00e3o paraleliza, at\u00e9 hoje, o fato de os dis- t\u00farbios ps\u00edquicos que ocorrem na mesma doen\u00e7a cerebral org\u00e2nica serem inteiramente diversos; muito, menos se podem relacionar, tangivelmente."], ["Continuando a refletir na rela\u00e7\u00e3o entre achados cerebrais e dist\u00farbios ps\u00edquicos, ainda \u00e9 poss\u00edvel estabelecer que os achados cerebrais n\u00e3o preci- sam, em absoluto, ter conex\u00e3o, em cada caso, com um dist\u00farbio ps\u00edquico\u2019, h\u00e1 fen\u00f4menos casuais, coincidentes, por\u00e9m heterogeneamente condiciona- dos (por exemplo, os achados histol\u00f3gicos de altera\u00e7\u00f5es na agonia). \u00c9 pos- s\u00edvel ainda estabelecer que, em princ\u00edpio, as altera\u00e7\u00f5es cerebrais podem tamb\u00e9m resultar de fen\u00f4menos ps\u00edquicos prim\u00e1rios, conquanto at\u00e9 hoje n\u00e3o se haja demonstrado, empiricamente, semelhante efeito. Que, em cada caso, o fen\u00f4meno cerebral seja a causa e o fen\u00f4meno ps\u00edquico a con- sequ\u00eancia \u2014 e n\u00e3o vice-versa \u2014 \u00e9 tamb\u00e9m pressuposto, tal qual o pressu- posto anterior: de que todas as doen\u00e7as mentais provenham, primaria-", "mente, da vida ps\u00edquica. O psicopatologista deve enfrentar ambas as pos- sibilidades."], ["A frase: Todas as doen\u00e7as mentais s\u00e3o doen\u00e7as cerebrais e tudo"], ["quanto \u00e9 ps\u00edquico \u00e9, apenas, sintoma \u2014 constitui dogma. S\u00f3 adianta bus- car processos cerebrais nos casos em que se pode mostr\u00e1-la anat\u00f4mica, histologicamente. Mas elaborar localiza\u00e7\u00f5es \u2014 por exemplo, localizar ideias e recorda\u00e7\u00f5es em c\u00e9lulas, associa\u00e7\u00f5es ideativas em fibras \u2014 \u00e9 futili- dade; futilidade maior ainda \u00e9 imaginar um quadro do todo ps\u00edquico topo- graficamente representado no c\u00e9rebro. Este modo de pensar implica abso- lutizar o evento ps\u00edquico na subst\u00e2ncia humana e considerar evento cere- bral todo evento ps\u00edquico. Do ponto de vista da observa\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica, as doen\u00e7as cerebrais representam uma das causas, al\u00e9m de outras, de dis- t\u00farbios ps\u00edquicos. A ideia de que tudo quanto \u00e9 ps\u00edquico \u00e9 condicionado, ao menos, em parte, pelo c\u00e9rebro \u00e9, decerto, correta; com semelhante ge- neralidade, contudo, nada significa. No que diz respeito, entretanto, \u00e0 con- sidera\u00e7\u00e3o psicopatol\u00f3gica, todo psic\u00f3logo h\u00e1 de dar raz\u00e3o a M\u00f5bius, quando diz: \u201cO histologista n\u00e3o deve dominar a cl\u00ednica, porque a classifi- ca\u00e7\u00e3o anat\u00f4mica das doen\u00e7as turva a mente\u201d."], ["3.2. HERAN\u00c7A", "Nos grandes passos do seu desenvolvimento hist\u00f3rico, que lhes revela, simultaneamente, o sentido l\u00f3gico, tentaremos expor os conceitos magn\u00edfi- cos \u2014 dif\u00edceis, fascinantes, por\u00e9m, e at\u00e9 desconcertantes \u2014 que se t\u00eam fi- xado em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 heran\u00e7a dos fen\u00f4menos psicopatol\u00f3gicos. O maior passo que a ci\u00eancia deu, no estudo da heran\u00e7a, \u00e9 representado pela gen\u00e9- tica, que os biologistas desenvolveram, sobretudo a partir de 1900; gen\u00e9- tica a cujos conceitos e descobertas cada vez mais se prende, desde ent\u00e3o, o pensamento atinente \u00e0 heran\u00e7a. H\u00e1, no entanto, uma quantidade de fa- tos estabelecidos antes e depois de 1900 nos quais, os conceitos da gen\u00e9- tica n\u00e3o desempenham papel algum; s\u00e3o utilizados, hoje em dia, certa- mente, para a interpreta\u00e7\u00e3o de quase todos os casos, sem que, entretanto, dependam dessa interpreta\u00e7\u00e3o os fatos realmente encontrados.", "\u00a7 1. As Antigas Ideias B\u00e1sicas E Seu Esclarecimento Pela Genealogia E Pela Estat\u00edstica"], ["a) O fato b\u00e1sico da hereditariedade.", "Desde a antiguidade se viram com espanto os filhos assemelharem-se ou serem iguais, no comportamento e nos gestos, nas qualidades e, \u00e0s ve- zes, at\u00e9 em nuan\u00e7as de \u00edndole, a um ou outro dos pais. Viu-se a misteri- osa identidade desde a mais tenra inf\u00e2ncia; uma vez ou outra, -em tra\u00e7os individuais quase insignificantes. E notou-se o reaparecimento de doen\u00e7as ps\u00edquicas, o ac\u00famulo de doen\u00e7as mentais em certas fam\u00edlias.", "Ao mesmo tempo, no entanto, tamb\u00e9m se percebeu a completa diversi-", "dade de pais e filhos, de irm\u00e3os entre si. Os pais n\u00e3o se reconhecem nos filhos e dizem-nos degenerados. Certas qualidades dos av\u00f3s revivem nos netos. Ressurgem atributos h\u00e1 muito perdidos de gera\u00e7\u00f5es passadas; fala- se, ent\u00e3o, em atavismo. Doentes mentais t\u00eam filhos sadios; pais sadios t\u00eam filhos doentes ou d\u00e9beis mentais."], ["Assim, j\u00e1 s\u00e3o surpreendentes as primeiras experi\u00eancias, mostrando o desconexo e o imprevis\u00edvel da realidade e evidenciando, ao mesmo tempo, que as conex\u00f5es do processo heredit\u00e1rio e do desenvolvimento da disposi- \u00e7\u00e3o individual t\u00eam de intrincar-se. A heran\u00e7a, por\u00e9m, como tal e tamb\u00e9m, certamente, a heran\u00e7a ps\u00edquica n\u00e3o podem contestar-se. O fato que se est\u00e1 sempre impondo, compulsoriamente, no caso particular, animou o", "pesquisador, apesar de dificuldades quase insuperavelmente acumuladas, a investigar para diante. O fato \u00e9 certo; a quest\u00e3o concerne o que e o como da heran\u00e7a.", "A significa\u00e7\u00e3o daquilo que impressiona em experi\u00eancias casuais s\u00f3 pode esclarecer-se e determinar-se pela pesquisa. H\u00e1 dois m\u00e9todos pelos quais verificar o fato da heran\u00e7a: a genealogia e a estat\u00edstica. Aquela mos- tra, concretamente, o quadro da heran\u00e7a em fam\u00edlias e estirpes; esta mos- tra, abstratamente, em cifras, a extens\u00e3o da hereditariedade na massa dos casos."], ["b) A vis\u00e3o geneal\u00f3gica."], ["Obt\u00e9m-se pela investiga\u00e7\u00e3o exaustiva de \u00e1rvores geneal\u00f3gicas familia- res adequadas (um casal de genitores com toda sua descend\u00eancia por v\u00e1- rias gera\u00e7\u00f5es) e quadros ancestrais (um indiv\u00edduo com todos os avoengos), que permitem avistar as conex\u00f5es heredit\u00e1rias em casos individuais. Nal- guns casos, t\u00eam-se estendido as investiga\u00e7\u00f5es a aldeias inteiras, cujas fa- m\u00edlias se puderam seguir durante s\u00e9culos (as doen\u00e7as mentais s\u00f3 se con- siderando, ent\u00e3o, naturalmente, de maneira indireta). O objetivo \u00e9 a vis\u00e3o hist\u00f3rica concreta de fam\u00edlias e estirpes individuais, com a vantagem de obter o quadro total, indo at\u00e9 a m\u00e1xima particularidade dentro da vis\u00e3o plena; e com a desvantagem de n\u00e3o ser, necessariamente, geral aquilo que se v\u00ea no caso particular. \u00c1rvores geneal\u00f3gicas individuais em que se acu- mulam as doen\u00e7as mentais s\u00e3o, decerto, muito impressionantes, dando quadro historicamente verdadeiro, sem ensinar, por\u00e9m, coisa alguma so- bre o tipo de conex\u00e3o heredit\u00e1ria, nem coisa alguma demonstrar relativa- mente \u00e0 probabilidade quantitativa da heran\u00e7a m\u00f3rbida na massa dos ca- sos."], ["A genealogia atrai, apenas, pela ilustra\u00e7\u00e3o concreta. Pode-se ver a fata-", "lidade em fam\u00edlias, estirpes e aldeias inteiras atrav\u00e9s das gera\u00e7\u00f5es, como se pode ver o ac\u00famulo de talentos: por exemplo, os musicais na estirpe dos Bach por s\u00e9culos e s\u00e9culos; os matem\u00e1ticos, nos Bernouilli; os art\u00edsti- cos nos Tiziano, Holbein, Cranach, Tischbein etc."], ["c) Estat\u00edstica."], ["Ajuntam-se fam\u00edlias quanto poss\u00edvel numerosas, contam-se os doentes", "e os sadios, determinam-se doen\u00e7as ps\u00edquicas ou outros fen\u00f4menos men- tais que se consigam estabelecer e comparam-se as cifras obtidas, sob cer- tos pontos de vista. O objetivo \u00e9 encontrar regras gerais, ou, pelo menos,", "fatos m\u00e9dios. A vantagem \u00e9 que, assim, se pode saber o comportamento geral; a desvantagem \u00e9 que, na tenuidade de meras cifras, se perde, em geral, a vis\u00e3o concreta."], ["O problema b\u00e1sico da estat\u00edstica \u00e9: o que se conta (boletins, escolares, resultados de question\u00e1rios, resultados de certid\u00f5es e. documentos \u2014 cri- mes, suic\u00eddios \u2014 psicoses, atributos caracteriais etc); al\u00e9m disso: saber se o material de que se parte \u00e9 confi\u00e1vel; se se trata de alguma coisa que to- dos possam reconhecer como id\u00eantico e, portanto, realmente cont\u00e1vel; sa- ber como as cifras se. obt\u00eam, com que se comparar\u00e3o etc. A estat\u00edstica \u00e9 m\u00e9todo que, \u00e0 primeira vista, se afigura simples e irrefut\u00e1vel; mas, quando praticada, leva a um labirinto de dificuldades e ilus\u00f5es. Seu manejo exige muito treino especializado e muita cr\u00edtica.", "Vamos dar um exemplo: t\u00eam-se realizado estat\u00edsticas maci\u00e7as- sobre heran\u00e7a, em geral, com esfor\u00e7o extraordin\u00e1rio; com o que se esperaria en- contrar, de um s\u00f3 golpe, no\u00e7\u00f5es fundamentais. Assim, durante certo tempo, as estat\u00edsticas maci\u00e7as de Koller e Diem deram resultados esclare- cedores, mas tamb\u00e9m restritivos."], ["Diem investigou a carga heredit\u00e1ria de pessoas sadias e psic\u00f3ticas, sem contar, no entanto, a carga em geral, mas, sim, dividindo-a,. de um lado, conforme grupos nosol\u00f3gicos (ali\u00e1s, muito grosseiros); de outro lado conforme grupos aparentados (carga dos progenitores, carga indireta e at\u00e1vica, carga colateral). Da\u00ed resultou a tabela, seguinte:", "Resumo comparativo de algumas cifras principais tiradas da estat\u00edstica", "de Diem sobre a carga heredit\u00e1ria de pessoas sadias (1195 casos) e doen- tes mentais (1850, ou seja, 3515 casos) em porcentagens da totalidade das pessoas examinadas.", "As cargas encontradas foram as seguintes:"], ["Da\u00ed resulta: que a carga total n\u00e3o \u00e9 muito diversa em sadios e doentes (66,9: 77%) (segue-se deste resultado que todas as estat\u00edsticas \u00bfobre here- ditariedade s\u00e3o, em geral, desvalidas quando n\u00e3o se dividem os grupos particulares). Pelo contr\u00e1rio, os doentes s\u00e3o mais carregados, essencial- mente, que os sadios em linha direta (dos pais) e em linha colateral (dos ir- m\u00e3os). Os doentes s\u00e3o, al\u00e9m disso, em ess\u00eancia, mais fortemente carrega- dos por doen\u00e7as mentais, em sentido estrito, e por anomalias do car\u00e1ter; diferen\u00e7a que tamb\u00e9m se apresenta na carga indireta. Em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 apo- plexia e \u00e0 dem\u00eancia senil, \u00e9 de espantar que os sadios pare\u00e7am um tanto mais fortemente carregados; em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s doen\u00e7as nervosas e ao alcoo- lismo, as diferen\u00e7as s\u00e3o pequenas. Por conseguinte, dizer, de maneira ab- solutamente geral, que algu\u00e9m tem carga heredit\u00e1ria nada significa, visto, comportarem-se, neste ponto, por forma semelhante sadios e doentes. A carga atrav\u00e9s dos pais e a carga atrav\u00e9s de doen\u00e7a mental significa, pelo contr\u00e1rio, disposi\u00e7\u00e3o mais acentuada do indiv\u00edduo."], ["Diem enfatiza que, de acordo com suas pesquisas, \u201ca carga heredit\u00e1- ria\u201d j\u00e1 n\u00e3o amea\u00e7a, feito espada de D\u00e2mocles, quem quer em cuja paren- tela se hajam apresentado anomalias ps\u00edquicas. \u201cPodem-se herdar doen- \u00e7as mentais, mas nem sempre se herdam, nem t\u00eam de herdar-se; a he- ran\u00e7a m\u00f3rbida n\u00e3o \u00e9 fatalidade inelut\u00e1vel eterna que reclame v\u00edtimas e mais v\u00edtimas na fam\u00edlia uma vez visitada.... \u00e9 poss\u00edvel um ajustamento; e minhas cifras ensinam que se realiza em extensa medida\u201d.", "Contra estes trabalhos Rudin levantou obje\u00e7\u00f5es: n\u00e3o se realizou discri- mina\u00e7\u00e3o alguma dos fatores de carga segundo as unidades nosol\u00f3gicas cl\u00ed- nicas (s\u00f3 se inquiriu, em geral, a doen\u00e7a mental); n\u00e3o se atentou para a propor\u00e7\u00e3o dos sadios e doentes, dentro das fam\u00edlias individuais. Visto, ainda mais, que n\u00e3o se indagou, geralmente, da modalidade heredit\u00e1ria"], ["(no sentido da teoria moderna da heran\u00e7a, em termos biol\u00f3gicos), esse tipo de investiga\u00e7\u00e3o maci\u00e7a n\u00e3o pode facilitar a solu\u00e7\u00e3o do problema da he- ran\u00e7a das doen\u00e7as mentais. Na realidade, por esta via n\u00e3o se progredir\u00e1. Tem-se um aspecto total grosseiro, em que se destacam as generalidades citadas, quase evidentes; al\u00e9m disso, uma disposi\u00e7\u00e3o criticamente nega- tiva, quanto \u00e0 possibilidade de encontrar qualquer coisa mais precisa no tocante \u00e0s quest\u00f5es da heran\u00e7a."], ["d) Heran\u00e7a constante e inconstante."], ["Mostra a observa\u00e7\u00e3o que, nas fam\u00edlias, sucedendo-se as gera\u00e7\u00f5es, nem", "sempre aparece a mesma doen\u00e7a mental; mas que, em certas fam\u00edlias, fa- lando de modo geral, se acumulam doen\u00e7as mentais. Imaginou-se que al- guma coisa heredit\u00e1ria, uniforme em si, se apresente, polimorficamente, na manifesta\u00e7\u00e3o e que, portanto, n\u00e3o haja disposi\u00e7\u00e3o heredit\u00e1ria em rela- \u00e7\u00e3o a certas doen\u00e7as mentais, e sim disposi\u00e7\u00e3o para doen\u00e7as mentais em geral. A esta teoria obscura da disposi\u00e7\u00e3o geral para tais ou quais doen\u00e7as mentais, que mostram quadros arbitrariamente polim\u00f3rficos nas s\u00e9ries heredit\u00e1rias em transforma\u00e7\u00e3o, opuseram-se investiga\u00e7\u00f5es que afirmam uma heran\u00e7a constante, pelo menos de grandes grupos nosol\u00f3gicos, den- tro dos quais, a seguir, a transforma\u00e7\u00e3o pode dar-se."], ["Sioli notou que as doen\u00e7as da afetividade: mania, melancolia e cicloti- mia se podem substituir; mas que estes quadros e os quadros da esquizo- frenia se excluem na mesma fam\u00edlia. E Vorster, confirmou-o, descobrindo que, na maioria dos casos, as doen\u00e7as do grupo da dem\u00eancia precoce (que, por assim dizer, correspondia \u00e0 esquizofrenia) e da loucura man\u00edaco- depressiva n\u00e3o aparecem juntas, na mesma fam\u00edlia.", "Sobre a quest\u00e3o da heran\u00e7a constante e inconstante, fizeram-se outras numerosas pesquisas de car\u00e1ter estat\u00edstico, que mostraram ser decisiva a distin\u00e7\u00e3o entre os grupos man\u00edaco-depressivo e esquizofr\u00eanico. As cifras variam. Os resultados s\u00e3o inteiramente opostos. \u00c9 caracter\u00edstica a se- guinte compila\u00e7\u00e3o de resultados diferentes (segundo Krueger):"], ["Existia em pais e filhos:"], ["Luther aju\u00edza, resumindo, com base em suas cifras: A const\u00e2ncia das"], ["psicoses (exclu\u00eddas as ex\u00f3genas) em pais e filhos n\u00e3o chega a existir em 50% dos casos. Pais man\u00edaco-depressivos t\u00eam quase metade dos filhos so- frendo de outras psicoses, preponderando, ali\u00e1s, a esquizofrenia. Pais es- quizofr\u00eanicos t\u00eam, em medida, acentuadamente preponderante, tamb\u00e9m filhos esquizofr\u00eanicos; um ou outro, contudo, tamb\u00e9m man\u00edaco-depres- sivo. Entre irm\u00e3os, 3/4 dos casos adoece da mesma psicose. A loucura man\u00edaco-depressiva e a esquizofrenia ocorrem familiarmente juntas com mais frequ\u00eancia do que cada uma destas doen\u00e7as por si com outras psico- ses. Nos filhos, a psicose irrompe, na maior parte dos casos, mais cedo que nos pais. Pelo contr\u00e1rio, a estat\u00edstica de Krueger mostra at\u00e9 preponde- r\u00e2ncia de heran\u00e7a inconstante. Esse autor sustenta a polimorfia, a he- ran\u00e7a transformadora e at\u00e9 o aumento da gravidade da doen\u00e7a na suces- s\u00e3o das gera\u00e7\u00f5es. Em resumo, declara: \u201cAscendentes e descendentes adoe- cem, em regra, de psicoses desiguais, ao passo que irm\u00e3os, sobretudo g\u00ea- meos, quase sempre sofrem dist\u00farbios mentais iguais\u201d. \u2014 A estat\u00edstica de Rosa Kreichgauer por sua vez, mostra a heran\u00e7a constante nas formas t\u00ed- picas da dem\u00eancia precoce e da loucura man\u00edaco-depressiva; isso de tal modo que nenhuma interrela\u00e7\u00e3o encontra entre os dois grupos, no que diz respeito \u00e0 heran\u00e7a; ou quando a encontra, \u00e9 apenas m\u00ednima."], ["Os resultados de todas as estat\u00edsticas acima s\u00e3o de estranhar, dando a"], ["impress\u00e3o de que o m\u00e9todo usado n\u00e3o permite chegar a conclus\u00e3o deci- siva alguma; o que depende, em parte, da dificuldade de obter material. Autores diversos n\u00e3o diagnosticam a esquizofrenia e a loucura man\u00edaco- depressiva, absolutamente, da mesma forma. Gera\u00e7\u00f5es anteriores de m\u00e9- dicos \u2014 \u00e9 preciso dispor de material acumulado atrav\u00e9s de v\u00e1rias gera\u00e7\u00f5es para falar com certeza sobre heran\u00e7a \u2014 fazem descri\u00e7\u00f5es e diagn\u00f3sticos que diferem inteiramente de um para outro. Se se quiser contar, todas as cifras t\u00eam de ser indubitavelmente id\u00eanticas. E para conseguir material que, de fato, conven\u00e7a, quando se estudam doen\u00e7as mentais, seria neces- s\u00e1rio dispor de biografias completas, seria preciso ter visto com os pr\u00f3- prios olhos (Cartius e Sdebeck falam na \u201cabsoluta desvalia\u201d das determi- na\u00e7\u00f5es que se fazem baseadas em interrogat\u00f3rios de parentes; al\u00e9m da au- t\u00f3psia, precisar-se-ia de hist\u00f3rias tomadas por m\u00e9dicos, relatos escolares, fichas colegiais, certid\u00f5es militares, ou referentes a acidentes e atendimen- tos, fichas judiciais etc.); mais ainda, haveria necessidade de contar com manifesta\u00e7\u00f5es que cada observador houvesse reconhecido e designado uniformemente. A impossibilidade de realizar os requisitos ideais obriga quem investiga a contentar-se com uma situa\u00e7\u00e3o relativamente prec\u00e1ria dos achados. Ao impulso do vigoroso interesse pela teoria da heran\u00e7a,"], ["tem-se melhorado, extraordinariamente e com esfor\u00e7o consider\u00e1vel, nos \u00faltimos dec\u00eanios, a maneira por que se colhe o material: apesar do que, toda pesquisa heredit\u00e1ria no homem se mant\u00e9m contida em limites que dizem respeito \u00e0 natureza do material emp\u00edrico."], ["Quanto mais limitados forem o question\u00e1rio e o material, tanto mais se"], ["conseguir\u00e3o resultados individuais convincentes, cujo valor, ter\u00e1, por\u00e9m, correspondentemente, extens\u00e3o menor. Assim foi que Reiss fez pesquisas excelentes sobre a heran\u00e7a da disposi\u00e7\u00e3o constitucional e da loucura ma- n\u00edaco-depressiva; pesquisas de que resultou a conclus\u00e3o seguinte: \u201c... na heran\u00e7a de disposi\u00e7\u00f5es afetivas m\u00f3rbidas, transmite-se \u00e0 prole, na imensa maioria dos casos, n\u00e3o s\u00f3 a constitui\u00e7\u00e3o geral, mas tamb\u00e9m a forma espe- cial\u201d; de maneira marcada ao m\u00e1ximo, na altera\u00e7\u00e3o patol\u00f3gica t\u00edpica do humor e nas psicoses circulares t\u00edpicas. Reiss conseguiu determinar, nes- ses casos, heran\u00e7a constante at\u00e9 de quadros m\u00f3rbidos bastante especiais, mas tamb\u00e9m encontrou, em casos individuais, heran\u00e7a t\u00edpica diversa. Houve um. caso \u201cem que se distinguiram, claramente, duas linhas, uma marcadamente alegre e outra mais depressiva, que haviam coincidido na pen\u00faltima gera\u00e7\u00e3o; e, agora, possu\u00edam heran\u00e7a inteiramente diversa, de modo que os membros individuais da fam\u00edlia, aparentados de muito perto, n\u00e3o apresentavam semelhan\u00e7a alguma entre si\u201d."], ["O que um ser humano traz em si de subst\u00e2ncia heredit\u00e1ria n\u00e3o est\u00e1 nele pr\u00f3prio, nem em seus pais, mas se ver\u00e1 na totalidade da fam\u00edlia, nos irm\u00e3os, na estirpe inteira. Costuma-se dizer, de h\u00e1 muito, que n\u00e3o se deve desposar uma mo\u00e7a que seja a \u00fanica boa da fam\u00edlia; conv\u00e9m saber de toda a fam\u00edlia; ideia que se baseia na convic\u00e7\u00e3o de que, n\u00e3o obstante \u00f3ti- mas qualidades que um indiv\u00edduo possa ter, aquilo que \u00e9 indesej\u00e1vel, pr\u00f3- prio \u00e0 estirpe, pode vir a reaparecer na prole.", "\u00c9 o que as estat\u00edsticas esclarecem, de refer\u00eancia ao talento musical. Dois pais musicalmente muito prendados, cujos pais hajam sido tamb\u00e9m musicistas, s\u00f3 t\u00eam filhos musicistas. Dois pais igualmente prendados, mas um dos quais tenha nascido de um s\u00f3 genitor musicista e o outro de nenhum, t\u00eam metade, apenas, de filhos musicistas (Mj\u00f5en, citado por Rei- n\u00f5hl).", "e) A quest\u00e3o das causas do primeiro ou novo aparecimento de doen\u00e7as"], ["mentais.", "Tem-se inquirido a causa de que surge a disposi\u00e7\u00e3o cong\u00eanita, quando n\u00e3o \u00e9 id\u00eantica \u00e0 dos pais; e de onde, especialmente, se originam os desvios", "desfavor\u00e1veis \u00e0 vida. As respostas d\u00e3o-se, de um lado, no sentido de que se ver\u00e1 a causa no inbreeding [ou endocruzamento] dos iguais; de outro lado, ao contr\u00e1rio, na mistura do estranho (bastardiza\u00e7\u00e3o). Pensa- se, fi- nalmente, numa degenera\u00e7\u00e3o fatal, que leva \u00e0 decad\u00eancia atrav\u00e9s das ge- ra\u00e7\u00f5es.", "1. Defeito por endocruzamento ou por mistura (bastardiza\u00e7\u00e3o).", "Observa-se que, em parentes, se acumulam disposi\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas, o endocruzamento parecendo, assim, como tal, prejudicial. Existem, no en- tanto, exemplos c\u00e9lebres, como os casamentos fraternos dos Ptolomeus, que n\u00e3o tiveram, em absoluto, consequ\u00eancias danosas. As pesquisas mais recentes deram os seguintes resultados:", "Das pesquisas de Peiper n\u00e3o resultou efeito morb\u00edgeno especial da con-"], ["sanguinidade no matrim\u00f4nio. Valem, no caso, as mesmas regras da he- ran\u00e7a em geral: nas fam\u00edlias sadias, herdam-se os atributos sadios; nas fam\u00edlias doentes, os atributos m\u00f3rbidos. Se se herdam de ambos os pais- disposi\u00e7\u00f5es desfavor\u00e1veis, o que h\u00e1 \u00e9 heran\u00e7a \u201ccumulativa\u201d, que segue tamb\u00e9m as mesmas regras da heran\u00e7a. Tamb\u00e9m se acumulam as disposi- \u00e7\u00f5es favor\u00e1veis. A consanguinidade pode gerar indiv\u00edduos tanto excelentes quanto doentes. Visto, por\u00e9m, que sempre dormitam, no g\u00eanero humano, disposi\u00e7\u00f5es desfavor\u00e1veis, o casamento consangu\u00edneo representa, real- mente, risco consider\u00e1vel, a menos que atributos excelentes se difundam por toda a fam\u00edlia e faltem disposi\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas."], ["No incesto mesmo, n\u00e3o se constata efeito biologicamente lesivo para os descendentes; \u00e9 o que ensinam as experi\u00eancias da cria\u00e7\u00e3o de animais1 e a autopoliniza\u00e7\u00e3o de plantas hermafroditas. Nem no homem \u00e9 diversa a si- tua\u00e7\u00e3o. Stelzner resume: O incesto, em fam\u00edlias de boa cepa, n\u00e3o condici- ona degenera\u00e7\u00e3o. O incesto mais defeitos heredit\u00e1rios de uma ou outra das partes acasaladas leva, a nascimentos defeituosos extensos. Hoje em dia, portanto, nem o endocruzamento nem o incesto se consideram fatores lesivos. Tudo depende das subst\u00e2ncias heredit\u00e1rias dos parceiros.", "E quanto \u00e0 mistura do estranho, \u00e0 bastardiza\u00e7\u00e3o? Em oposi\u00e7\u00e3o ao au-", "mento dos atributos favor\u00e1veis pelo endocruzamento de cepas muito boas, tem-se observado o decl\u00ednio quando se d\u00e1 mistura com cepas estranhas; em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 condena\u00e7\u00e3o do endocruzamento tem-se conclu\u00eddo que a mistura de esp\u00e9cies estranhas \u00e9, por si, prejudicial. Vejamos os resultados das pesquisas.", "Os biologistas t\u00eam estabelecido que gens que n\u00e3o se adaptam um ao"], ["outro podem encontrar-se; por exemplo, a disposi\u00e7\u00e3o para os dentes e para uma maxila inferior demasiado pequena ou demasiado grande em re- la\u00e7\u00e3o \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o dent\u00e1ria; caso no qual se fala em antagonismo germi- nal. \u00c9 preciso, no entanto, ser prudente quando se tiram da\u00ed conclus\u00f5es anal\u00f3gicas para o fim de basear a desarmonia dos atributos caracteriais no antagonismo germinal, modo pelo qual ocorreriam as psicopatias. O que assim se afirma \u00e9 vago, imposs\u00edvel de provar concretamente, pela faci- lidade com que se esquece a universalidade de antinomia humana (\u201cO ho- mem com sua contradi\u00e7\u00e3o\u201d). Entre discrep\u00e2ncias mec\u00e2nicas e tens\u00f5es, compreens\u00edveis, contradi\u00e7\u00f5es, desarmonias da natureza humana, uma re- la\u00e7\u00e3o existe de analogia. Em ess\u00eancia, trata-se de coisas heterog\u00eaneas."], ["Se se observarem misturas raciais, ver-se-\u00e1 a novidade na popula\u00e7\u00e3o bastarda, novidade em que aparecem misturadas boas e m\u00e1s qualidades de ambas as cepas. Quando as duas ra\u00e7as s\u00e3o diversas, essencialmente, no todo, quanto ao n\u00edvel do que consideramos qualidades boas (brancos e negros), os bastardos apresentam rebaixamento do n\u00edvel em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 ra\u00e7a superior; e, pelo contr\u00e1rio, eleva\u00e7\u00e3o em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 ra\u00e7a inferior.", "O que h\u00e1 de essencial, biologicamente, \u00e9 o seguinte: A sexualidade como tal \u00e9 artif\u00edcio da natureza para produzir a diversidade. Reunindo o que \u00e9 diverso, ela cria n\u00e3o s\u00f3 a conjuga\u00e7\u00e3o do que existe, mas a novidade. A bastardiza\u00e7\u00e3o \u00e9 t\u00e9cnica que a natureza usa para a produ\u00e7\u00e3o criativa. N\u00e3o se pode saber, no todo, de que maneira isso se modifica; talvez em possibilidades infinitas."], ["No caso particular, h\u00e1 ilustra\u00e7\u00f5es espantosas, como acontece no mi- lho, que produz seu rico fruto gra\u00e7as a uma bastardiza\u00e7\u00e3o constante, de que resulta a chamada heterose. \u00c0 autopoliniza\u00e7\u00e3o, entretanto, originam- se ra\u00e7as menores com espigas menores. Ap\u00f3s algumas gera\u00e7\u00f5es, \u00e9 certo, ter\u00e3o surgido ra\u00e7as muito menos produtivas, por\u00e9m sadias e invari\u00e1veis. N\u00e3o h\u00e1, no caso, em absoluto, degenera\u00e7\u00e3o arbitrariamente progressiva por efeito de endocruzamento, e sim supress\u00e3o do efeito produtivo da bas- tardiza\u00e7\u00e3o.", "N\u00e3o se deve esperar, portanto, nem do endocruzamento nem da mis-"], ["tura (bastardiza\u00e7\u00e3o) coisa alguma que seja, em si, boa ou m\u00e1. Do mesmo modo, a mistura n\u00e3o \u00e9 fator obscuro que determine o destino, quer no sentido da deteriora\u00e7\u00e3o, quer no sentido do aperfei\u00e7oamento criativo. Em ambos os casos, n\u00e3o se podem fazer c\u00e1lculos, quando se fala de modo ge- ral. Tudo depende dos pontos de partida nas subst\u00e2ncias heredit\u00e1rias de- terminadas e das possibilidades concretas produtivas, que n\u00e3o se podem"], ["predizer.", "Certas teorias amplas concernentes ao evento humano, como a de Reibmayr sustentando resultar a alta cultura de uma mistura racial, na qual a bastardiza\u00e7\u00e3o criaria a novidade, de modo tal, entretanto, que, ap\u00f3s algumas gera\u00e7\u00f5es (ou alguns s\u00e9culos), completada a mistura ou o nivela- mento, a produtividade se paralise, antecipam o conhecimento real pela apar\u00eancia de concep\u00e7\u00f5es totais magn\u00edficas.", "Por conseguinte, em vez de inculpar o endocruzamento ou a mistura, deve-se, antes, inquirir quando e em que condi\u00e7\u00f5es a mistura tem conse- qu\u00eancias desej\u00e1veis ou indesej\u00e1veis; e quando as tem o endocruzamento. N\u00e3o \u00e9 com a categoria geral que se ter\u00e1 resposta; mas somente com a in- vestiga\u00e7\u00e3o que penetre nas particularidades; investiga\u00e7\u00e3o que a gen\u00e9tica, a discutir-se dentro em pouco, possibilita.", "2. Degenera\u00e7\u00e3o.", "O fato de os doentes mentais terem, frequentemente, carga heredit\u00e1ria foi observado h\u00e1 muito tempo, quando Morel, Magnan e Legrand du Saulle esbo\u00e7aram sua teoria da degenera\u00e7\u00e3o. Al\u00e9m de doen\u00e7as mentais, nas quais tamb\u00e9m apareceria a carga heredit\u00e1ria (por exemplo, o alcoolismo, a epilepsia), afirmaram eles haver um grupo nosol\u00f3gico que s\u00f3 ocorreria he- reditariamente: os dist\u00farbios mentais heredit\u00e1rios, ou os dist\u00farbios men- tais degenerativos: dentro dos quais a maior parte: do grupo que abrange as doen\u00e7as mentais se herdaria; n\u00e3o, por\u00e9m, uma forma determinada de dist\u00farbio, mas uma disposi\u00e7\u00e3o geral, apenas. A heran\u00e7a n\u00e3o seria cons- tante, mas \u201ctransformadora\u201d; pelo que se explicaria o \u201cpolimorfismo\u201d dos quadros m\u00f3rbidos na mesma fam\u00edlia. Segundo esta teoria francesa, tratar- se-ia, por conseguinte, n\u00e3o s\u00f3 de heran\u00e7a de doen\u00e7as, mas de degenera- \u00e7\u00e3o. Na sucess\u00e3o das gera\u00e7\u00f5es, aumentaria a gravidade das enfermidades, at\u00e9 se extinguirem fam\u00edlias inteiras. Morel formulou sua famosa s\u00e9rie das quatro gera\u00e7\u00f5es: na primeira, encontram-se temperamento nervoso e infe- rioridade moral; na segunda, neuroses graves e alcoolismo; na terceira, psicoses e suic\u00eddios; na quarta, idiotia, malforma\u00e7\u00f5es e inviabilidade."], ["Se pusermos \u00e0 prova esta teoria e contemplarmos os achados reais nos", "quais se baseia a constru\u00e7\u00e3o, vemo-los deficientes, sem valor probante al- gum. Aproveitaram-se experi\u00eancias individuais para erigir uma concep\u00e7\u00e3o engenhosa que deu impress\u00e3o de desvelar um evento tr\u00e1gico e grandioso no g\u00eanero humano.", "A degenera\u00e7\u00e3o seria um poder origin\u00e1rio, imposs\u00edvel de desviar, hostil"], ["\u00e0 vida. Seria o poder que se op\u00f5e ao poder construtivo. modificador e refor- mador da vida que cria, que produz sua riqueza. No que toca ao apareci- mento de dist\u00farbios ps\u00edquicos heredit\u00e1rios, n\u00e3o temos, realmente, explica- \u00e7\u00e3o alguma. Falamos em muta\u00e7\u00f5es desfavor\u00e1veis (sobre este conceito, ver abaixo), que tamb\u00e9m pode haver, na vida ps\u00edquica, como a disposi\u00e7\u00e3o para doen\u00e7as mentais. As explica\u00e7\u00f5es gen\u00e9ticas de tais muta\u00e7\u00f5es por les\u00e3o ger- minal (alcoolismo, s\u00edfilis etc.), consanguinidade dos pais, bastardiza\u00e7\u00e3o do elemento estranho \u00e0 ra\u00e7a, n\u00e3o tiveram \u00eaxito, at\u00e9 o momento. S\u00e9, no en- tanto, um indiv\u00edduo, por for\u00e7a dessa muta\u00e7\u00e3o, \u201csai da linha\u201d ou degenera; e se a variedade a que d\u00e1 origem se transforma, ocorrer\u00e1 isso segundo as regras da heran\u00e7a que a gen\u00e9tica reconhece e que atuam por forma geral.- Mas, se, al\u00e9m da degenera\u00e7\u00e3o, mais outra coisa importa, n\u00e3o poder\u00e1 ser sen\u00e3o a ideia seguinte: degenera\u00e7\u00e3o \u00e9 o ac\u00famulo numa fam\u00edlia de muta- \u00e7\u00f5es desfavor\u00e1veis que se herdam e, certamente, de maneira tal que, por for\u00e7a de causa ignorada inevit\u00e1vel, a anormalidade ou doen\u00e7a aumenta de gera\u00e7\u00e3o em gera\u00e7\u00e3o. N\u00e3o est\u00e1 provado que exista, em geral, coisa deste tipo; nem, todavia, que seja tamb\u00e9m poss\u00edvel neg\u00e1-la. \u00c9 certo haver extin- \u00e7\u00e3o das fam\u00edlias, sem que, no entanto, se comprove a degenera\u00e7\u00e3o como fator aut\u00f4nomo; do mesmo modo que o aparecimento cumulativo de psico- ses numa fam\u00edlia nem sempre significa em absoluto, degeneresc\u00eancia fa- miliar total. Pensa-se at\u00e9 que a cultura possa acarretar um processo dege- nerativo, sem possuir, todavia, material algum que fa\u00e7a isso sequer prov\u00e1- vel."], ["Nem sequer se sustentam os detalhes da teoria da degenera\u00e7\u00e3o pela forma em que se formularam. Os pesquisadores franceses admitem que tanto a vida ps\u00edquica quanto, simultaneamente, o corpo degenerem. As anormalidades som\u00e1ticas da forma e fun\u00e7\u00e3o (tiques, nistagmo, estra- bismo, anomalias dos reflexos de tipo cong\u00eanito, anomalias secret\u00f3rias, si- alorreia etc., instala\u00e7\u00e3o precoce ou tardia da puberdade, envelhecimento prematuro ou apar\u00eancia infantil na velhice) deveriam indicar, como estig- mas de degenera\u00e7\u00e3o, a degenera\u00e7\u00e3o ps\u00edquica. Tamb\u00e9m no terreno do psi- quismo, julgaram-se descobrir estigmas degenerativos e a disposi\u00e7\u00e3o da personalidade foi valorada, neste sentido, de modo especial (desarmonia, contradi\u00e7\u00e3o entre os v\u00e1rios tra\u00e7os caracteriais, intelig\u00eancia boa -de par com car\u00e1ter baixo, capacidades individuais acompanhando n\u00edvel quanto ao mais baixo (da\u00ed o nome \u201cd\u00e9s\u00e9quilibr\u00e9es\u201d para estas personalidades). Tamb\u00e9m se achou que os desvios apresentados pelos quadros m\u00f3rbidos de qualquer esquema caracterizassem o tipo degenerativo da psicose (psi- coses \u201cat\u00edpicas\u201d). Nada disso est\u00e1 provado; a concep\u00e7\u00e3o de que tudo que \u00e9 desacostumado seja \u201cdegenerativo\u201d tem de ser abandonada."], ["A ideia de degenera\u00e7\u00e3o constitui esquema conceituai com que a psiqui- atria trabalha h\u00e1 dec\u00eanios. Empiricamente, por\u00e9m, n\u00e3o se preencheu, at\u00e9 hoje. O que parecia confirm\u00e1-la e, sob aspecto grandioso, se afigura c\u00f4- modo \u2014 resolvido para a pesquisa com facilidade demasiada \u2014 veio a comprovar-se, de todos os lados, por forma diversa. Mesmo que seja ver- dade se siga, nas fam\u00edlias, a esquizofrenia \u00e0 loucura man\u00edaco-depressiva (o contr\u00e1rio, quase nunca), o prov\u00e1vel \u00e9 que outras explica\u00e7\u00f5es bastem, sem necessidade do pensamento contido na teoria da degenera\u00e7\u00e3o."], ["Se dermos uma olhada para o conjunto das antigas ideias sobre a he- ran\u00e7a \u2014 heran\u00e7a constante e inconstante, polimorfia, degenera\u00e7\u00e3o, para a vis\u00e3o geneal\u00f3gica e os achados estat\u00edsticos, para o significado do endocru- zamento e da bastardiza\u00e7\u00e3o, resultar\u00e1 o seguinte: Estas concep\u00e7\u00f5es b\u00e1si- cas subsistem, de in\u00edcio, em geral, pela singeleza e amplitude, desenvol- vendo sempre sua evid\u00eancia por meio de fatos individuais. Intrincam-se, por\u00e9m, todas elas, em -contradi\u00e7\u00f5es, esbarrando em discrep\u00e2ncias de fato. Teoria que tudo abranja, apreendendo os fatos em conjunto, n\u00e3o se conse- guiu."], ["A cr\u00edtica, entretanto, embora suprimindo as generalidades, n\u00e3o pode", "suprimir os fatos particulares, mas, sim, abre caminho \u00e0 pesquisa con- creta; esta n\u00e3o se satisfaz com generalidades vagas e confeccionadas; an- tes, quer saber com certeza e em particular; n\u00e3o busca possibilidades, e sim o que se prove. \u00c9 assim que as concep\u00e7\u00f5es gerais perdem o car\u00e1ter de saber confeccionado, transformando-se em inquiri\u00e7\u00f5es permanentes, a que, ent\u00e3o, novas respostas se d\u00e3o mediante os conhecimentos da gen\u00e9- tica biol\u00f3gica, na qual parte do enigma tem encontrado sua solu\u00e7\u00e3o funda- mental."], ["\u00a7 2. O Novo Impulso Dado Pela Teoria Biol\u00f3gica Da Heran\u00e7a (Gen\u00e9tica)", "Desde que os bot\u00e2nicos Correna, Vries e Tschermak redescobriram, em 1900, as leis de Mendel (1865), a ci\u00eancia da heran\u00e7a se tem desenvol- vido na biologia (gen\u00e9tica), vindo a constituir um dos campos mais grandi- osos do conhecimento das ci\u00eancias naturais, nos tempos modernos; isso gra\u00e7as \u00e0 exatid\u00e3o dos m\u00e9todos experimentais, \u00e0 for\u00e7a persuasiva dos re- sultados, \u00e0 unanimidade- e intensidade da pesquisa. A partir do momento em que os psic\u00f3logos conheceram esta ci\u00eancia, todas as ideias at\u00e9 ent\u00e3o formadas sobre a heran\u00e7a no homem tiveram de submeter-se a radical comprova\u00e7\u00e3o. P\u00f4de-se compreender por que a pesquisa de cada um se"], ["mantivera infrut\u00edfera, at\u00e9 ent\u00e3o, fundamentalmente, visto haver girado em torno de generalidades imprecisas. Verificou-se, a essa altura, com cla- reza, ser s\u00f3 na zoologia e na bot\u00e2nica que se haviam investigado, real- mente, as regras e as leis da heran\u00e7a. Quase todas as ideias e conceitos b\u00e1sicos da teoria da heran\u00e7a h\u00e3o de fundamentar-se, em geral, a partir destas pesquisas, se quiserem sustentar-se. Para a antropologia e, sobre- tudo, para a psicopatologia, trata-se, apenas, a bem dizer, de transportar para nosso- campo tudo quanto de geral se determina no outro; e de ver at\u00e9 que ponto tamb\u00e9m na psicopatologia se encontra alguma coisa seme- lhante. Da\u00ed por que nos \u00e9 necess\u00e1rio revisar, embora breve e esquematica- mente, alguns conceitos da teoria biol\u00f3gica da heran\u00e7a.", "Observa\u00e7\u00f5es preliminares sobre alguns conceitos de gen\u00e9tica."], ["a) Estat\u00edstica da varia\u00e7\u00e3o.", "Surpreende o fato de a variabilidade incalcul\u00e1vel e irregular de todos", "os organismos vir a tornar-se regular, quando se considera, numa massa tomada ao acaso de indiv\u00edduos de certo tipo (\u201cpopula\u00e7\u00e3o\u201d), determinada qualidade (por exemplo, entre os soldados recrutados, a altura do corpo) ; e quando, do mesmo passo, se conta o n\u00famero de indiv\u00edduos que perten- cem a grupos formados de acordo com graus diversos daquela qualidade (altura, matiz da cor, n\u00famero de dentes e manchas etc.). Representando esses grupos numa linha vertical e unindo as extremidades, obt\u00e9m-se, em geral, uma curva regular (\u201ccurva da variabilidade\u201d), na qual, a partir da m\u00e9dia, o n\u00famero de indiv\u00edduos decresce em rela\u00e7\u00e3o ao desenvolvimento maior ou menor da qualidade. A curva de variabilidade \u00e9 a medida em que se podem determinar as altera\u00e7\u00f5es de uma popula\u00e7\u00e3o, como um todo, na dire\u00e7\u00e3o de certa qualidade; por exemplo, sob a influ\u00eancia da situa\u00e7\u00e3o vital (clima, alimenta\u00e7\u00e3o etc.)."], ["Se, dentre uma quantidade de indiv\u00edduos, se escolherem aqueles por- tadores de uma qualidade que se quer cultivar (sele\u00e7\u00e3o) e se continuar a criar s\u00f3 a respectiva descend\u00eancia, a curva de variabilidade desloca-se para esse lado da qualidade. Noutros tempos, acreditou-se poss\u00edvel mu- dar, desta maneira, um tipo noutro inteiramente diferente (sele\u00e7\u00e3o artifi- cial, ou, na natureza, sele\u00e7\u00e3o natural, na luta pela exist\u00eancia). Experimen- talmente, entretanto, verificou-se que a sele\u00e7\u00e3o se torna impotente, quando se tem \u201cuma linha pura\u201d. Chama-se assim, em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 popula- \u00e7\u00e3o, aquela massa de indiv\u00edduos que aumenta pela autofecunda\u00e7\u00e3o \u2014 o que s\u00f3 \u00e9 poss\u00edvel nas plantas hermafroditas \u2014 e que, tal qual acontece,"], ["por exemplo, com as ervilhas, se pode retrotrair a um organismo de par- tida \u00fanico. Os membros dessa linha pura mostram, a princ\u00edpio, \u00e9 certo, na distribui\u00e7\u00e3o de suas qualidades, curvas de variabilidade semelhantes \u00e0 da popula\u00e7\u00e3o. Se, contudo, se escolher dentre elas exemplares extremos para o cultivo, ver-se-\u00e1 que a descend\u00eancia n\u00e3o apresenta deslocamento algum segundo a dire\u00e7\u00e3o dada pela sele\u00e7\u00e3o; mas, sim, a curva de variabilidade de que prov\u00eam os pais repete-se exatamente. O \u00eaxito seletivo dentro de uma popula\u00e7\u00e3o termina, pois, quando se alcan\u00e7a o isolamento da linha pura extrema. Concluiu-se que uma popula\u00e7\u00e3o represente mistura de muitas linhas puras; da\u00ed ser poss\u00edvel, usando este m\u00e9todo de sele\u00e7\u00e3o, obter o iso- lamento da linha pura; n\u00e3o, por\u00e9m, a reprodu\u00e7\u00e3o de novos tipos."], ["b) Gen\u00f3tipo e fen\u00f3tipo.", "Da\u00ed se chegou \u00e0 importante discrimina\u00e7\u00e3o entre as qualidades do indi-", "v\u00edduo (fen\u00f3tipo) e \u00e0s qualidades que o indiv\u00edduo pode herdar dos ances- trais, sem que essas qualidades apare\u00e7am nele pr\u00f3prio (gen\u00f3tipo). Na linha pura, todos os indiv\u00edduos s\u00e3o, genotipicamente, semelhantes; e todos s\u00e3o diferentes em sua apar\u00eancia, isto \u00e9, fenotipicamente; diversidade esta que resulta da influ\u00eancia de condi\u00e7\u00f5es vitais, que mudam de caso a caso, so- bre o desenvolvimento genot\u00edpico no indiv\u00edduo particular. Como isso n\u00e3o altera o pr\u00f3prio gen\u00f3tipo, as diferen\u00e7as da apar\u00eancia individual na descen- d\u00eancia em que prossegue o gen\u00f3tipo h\u00e3o de desaparecer, novamente. Mesmo tipos extremos da mesma linha pura possuem o mesmo gen\u00f3tipo."], ["Existem, ent\u00e3o, nas popula\u00e7\u00f5es, contrastando com as linhas puras, al\u00e9m das diversidades fenot\u00edpicas, aquelas que correspondem ao gen\u00f3tipo. Se, portanto, se escolherem, dentre as popula\u00e7\u00f5es, fen\u00f3tipos extremos para a reprodu\u00e7\u00e3o, ter-se-\u00e1 a oportunidade de, por esta forma, apanhar, ao mesmo tempo, gen\u00f3tipos diversos, os quais, ent\u00e3o, aparecem, como di- feren\u00e7a permanente, na curva de varia\u00e7\u00e3o da descend\u00eancia respectiva.", "Assim, pois, numa popula\u00e7\u00e3o, dois indiv\u00edduos podem assemelhar-se, sem serem',\u2019 por isso, hereditariamente, id\u00eanticos (a saber, quando perten- cem \u00e0s curvas de varia\u00e7\u00e3o entrecruzadas de duas linhas puras diferentes) . Mas podem tamb\u00e9m, grande mesmo que seja a diversidade aparente, ter a mesma subst\u00e2ncia heredit\u00e1ria (\u00a1quando se colocam em lugares diversos na curva de varia\u00e7\u00e3o da mesma linha pura).", "\u00c9 simples e clara a situa\u00e7\u00e3o, quando se trata de atributos qualitativos:"], ["as ervilhas de sementes verdes e amarelas, a \u201cbons-dias\u2019* de flores bran- cas e vermelhas n\u00e3o apresentam transi\u00e7\u00e3o alguma. Diverso \u00e9 o caso dos", "atributos quantitativos: largura e comprimento das folhas, peso das se- mentes nas plantas, altura do corpo no homem; s\u00e3o s\u00f3 os m\u00e9todos da. es- tat\u00edstica da varia\u00e7\u00e3o que esclarecem at\u00e9 que ponto \u00e9 poss\u00edvel, no caso, uma determina\u00e7\u00e3o."], ["c) As leis de Mendel.", "Mendel n\u00e3o conheceu os achados, s\u00f3 ulteriormente exibidos por Jo- hanssen, concernentes a linhas puras e popula\u00e7\u00f5es, gen\u00f3tipo e fen\u00f3tipo. Se teve, entretanto, capacidade para realizar experi\u00eancias bem sucedidas em torno da heran\u00e7a, foi porque utilizou plantas possuidoras de diversida- des caracter\u00edsticas simples relativamente \u00e0 qualidade; caracter\u00edsticas que se haviam revelado constantes atrav\u00e9s das gera\u00e7\u00f5es; por exemplo, as ervi- lhas de sementes amarelas e verdes.", "Suas experi\u00eancias baseiam-se na bastardiza\u00e7\u00e3o de indiv\u00edduos portado- res de diferen\u00e7as qualitativas nitidamente caracter\u00edsticas e na observa\u00e7\u00e3o do comportamento da descend\u00eancia, quando os portadores das mesmas qualidades continuam a reproduzir-se sem bastardiza\u00e7\u00e3o ulterior. As leis que, por esta forma, descobriu referem-se, pois, aos processos que se prendem \u00e0 bastardiza\u00e7\u00e3o de dois indiv\u00edduos portadores de diversidades genot\u00edpicas."], ["Na primeira gera\u00e7\u00e3o, \u201cdominava\u201d uma qualidade sobre a outra; por exemplo, todas as plantas possu\u00edam sementes amarelas. O verde perma- necia \u201crecessivo\u201d em rela\u00e7\u00e3o ao amarelo, que era \u201cdominante\u201d. Mas a qua- lidade recessiva n\u00e3o se extingue, em absoluto, existindo, sim, na subst\u00e2n- cia heredit\u00e1ria, porque, na segunda gera\u00e7\u00e3o, que se obt\u00e9m pela autofecun- da\u00e7\u00e3o ou pelo acasalamento fraterno, se separam as qualidades; um quarto da descend\u00eancia possui sementes verdes e s\u00f3 d\u00e1 descend\u00eancia com sementes verdes; um quarto possui sementes amarelas, dando descen- d\u00eancia apenas de sementes amarelas; dois quartos, pelo contr\u00e1rio, t\u00eam se- mentes amarelas, partindo-se, por sua vez, na gera\u00e7\u00e3o seguinte, em um quarto definitivamente verde, um quarto definitivamente amarelo, dois quartos dominantemente amarelos etc."], ["Se se chamar o portador da unidade heredit\u00e1ria no gen\u00f3tipo \u201cgen\u201d, ex- plicar-se-\u00e3o as propor\u00e7\u00f5es num\u00e9ricas encontradas por Mendel, urna vez que se aceite o seguinte pressuposto: De cada um dos pais passa um gen para o filho, o qual, portanto, tem dois gens para cada qualidade. \u00c0 nova forma\u00e7\u00e3o de c\u00e9lulas germinais, no bastardo, estes dois gens t\u00eam-se de se-", "parar, novamente, um do outro, de maneira que cada c\u00e9lula germinal pos- sui sempre apenas um ou outro gen. As propor\u00e7\u00f5es num\u00e9ricas calculadas \u00e0 combina\u00e7\u00e3o casual das c\u00e9lulas germinais, s\u00e3o- aquelas que Mendel en- controu, de fato, experimentalmente, dentro dos limites de erros dados que acompanharam essa distribui\u00e7\u00e3o. Hoje em dia, tem-se como provado o pressuposto."], ["Cada indiv\u00edduo \u00e9 determinado por enorme' quantidade de unidades he-", "redit\u00e1rias. Indaga-se de que maneira, numa experi\u00eancia de cruzamento, mais de um par de gens \u2014 no caso mais simples, dois pares \u2014 se compor- tam entre si. Mendel achou a resposta: a cis\u00e3o e a combina\u00e7\u00e3o d\u00e3o-se in- dependentemente uma da outra. Da\u00ed porque importa encontrar, dentro das qualidades infinitamente numerosas dos indiv\u00edduos, os portadores de unidades heredit\u00e1rias (gens). \u00c9 s\u00f3 com refer\u00eancia a esses gens, que se transmitem independentes um do outro, que existem leis precisas de he- ran\u00e7a."], ["Estas leis segundo as quais se distribui a combina\u00e7\u00e3o do cabedal here- dit\u00e1rio nas bastardiza\u00e7\u00f5es aplicam-se mesmo sem haver domin\u00e2ncia deci- siva. Correns verificou que, na primeira gera\u00e7\u00e3o, tamb\u00e9m \u00e9 poss\u00edvel um comportamento intermedi\u00e1rio de ambas as qualidades ligadas entre si; ou seja, segundo parece, existe uma fus\u00e3o da heran\u00e7a. Assim \u00e9 que a pri- meira gera\u00e7\u00e3o do cruzamento, a partir de \u201cbons-dias\u201d brancos e verme- lhos, floresce em cor-de-rosa. Mas sempre novamente se cindem, tamb\u00e9m aqui, um quarto de formas vermelhas constantes, um quarto- de brancas constantes e dois quartos de cor-de-rosa (que, subsequentemente, nova- mente se cindem). Da\u00ed se v\u00ea que h\u00e1 gens diferentemente- atuantes. Se se combinam gens muito fortemente atuantes e gens muito fracamente atu- antes, realiza-se, na primeira gera\u00e7\u00e3o, a propor\u00e7\u00e3o dominante-recessiva; combinam-se gens que atuam com a mesma for\u00e7a, havendo, assim, um estado intermedi\u00e1rio de fus\u00e3o heredit\u00e1ria aparente."], ["As caracter\u00edsticas que a gen\u00e9tica experimental considera s\u00e3o sempre emparelhadas. Existe ou n\u00e3o existe uma qualidade; ou est\u00e1 entre dois po- los. Todavia, essa rela\u00e7\u00e3o simples complica-se extraordinariamente pelo fato de n\u00e3o precisarem gens simples corresponder \u00e0s caracter\u00edsticas sim- ples; e sim poderem as caracter\u00edsticas repousar na colabora\u00e7\u00e3o, diversa de pares de gens (alelomorfias); poderem gens individuais influenciar muitas caracter\u00edsticas (gens polif\u00f3nicos); e, vice-versa, a mesma caracter\u00edstica po- der originar-se em gens diversos (polimeria). Discutir-se-\u00e3o ainda, breve- mente, estes conceitos."], ["Na medida em que a um gen corresponde um segundo, que se relaci- ona com o desenvolvimento da mesma caracter\u00edstica (\u00e9 o caso do gen de flores vermelhas em rela\u00e7\u00e3o ao gen de flores brancas), fala-se num par de alelomorfos. Podem sempre dois alelos, apenas, estar unidos em um par, existindo, todavia, a possibilidade de, em indiv\u00edduos diversos, haver muito mais que s\u00f3 dois alelos. Realmente, trabalhando com popula\u00e7\u00f5es e vi- sando ao estudo de uma s\u00e9rie de gens, tem-se encontrado toda uma quan- tidade de est\u00e1dios modificativos, dois dentre os quais se podem associar, de cada vez, para experimenta\u00e7\u00e3o; caso no qual se fala em alelia m\u00faltipla. Muitas vezes, os alelos m\u00faltiplos distinguem-se, em seu efeito, quantitati- vamente, um dos outros, de modo a poderem manifestar-se em s\u00e9ries ca- racter\u00edsticas: graus de pigmenta\u00e7\u00e3o, s\u00e9ries de formas de crescimento etc. Da\u00ed ser poss\u00edvel que a variabilidade dentro da mistura racial aumente con- sideravelmente. \u2014 Enfim, existe ainda a possibilidade de um e o mesmo gen influenciar mais de uma caracter\u00edstica. Por exemplo, o gen empregado por Mendel na ervilha pode ser produzido, ao mesmo tempo, tanto para a cor vermelha quanto para uma mancha pigmentar no eixo da folha. Gens deste tipo chamam-se polif\u00e9nicos. \u2014 Inversamente, existe ainda a possibi- lidade de uma e a mesma qualidade ser influenciada n\u00e3o s\u00f3 por um, mas v\u00e1rios ou muit\u00edssimos pares de gens, fen\u00f3meno que se denomina polime- ria. Nesse caso \u2014 sobretudo, quando os efeitos individuais produzidos pe- los gens se apresentam com o aspecto de diferen\u00e7as quantitativas \u2014 a ci- s\u00e3o numa descend\u00eancia n\u00e3o mais poder\u00e1 dar propor\u00e7\u00f5es num\u00e9ricas preci- sas. Por conseguinte, a exist\u00eancia de constitui\u00e7\u00f5es heredit\u00e1rias polini\u00e9ri- cas s\u00f3 pode deduzir-se do aumento da variabilidade dessa qualidade, na descend\u00eancia. Todas as referidas ideias devidas \u00e0 pesquisa mais recente em torno da hereditariedade mostram por que \u00e9 t\u00e3o frequente a dificul- dade com que, nos casos particulares concretos, se descobrem propor- \u00e7\u00f5es."], ["d) A subst\u00e2ncia heredit\u00e1ria est\u00e1 nas c\u00e9lulas.", "De h\u00e1 muito Be presumia (August Weismann), mas s\u00f3 em nossos dias se provou, definitivamente, o fato de os cromossomas serem, nos n\u00facleos, celulares,' os portadores da heran\u00e7a; e de se relacionarem com a heran\u00e7a os eventos complexos que se passam quando da forma\u00e7\u00e3o das c\u00e9lulas germinais, mediante divis\u00e3o redutora (em c\u00e9lulas, com a metade dos cro- mossomas), e quando do acoplamento de \u00f3vulo e espermatozoide, consti- tuindo c\u00e9lulas que, por sua vez, possuem n\u00famero completo de cromosso-"], ["mas, dos quais se origina o novo indiv\u00edduo. As leis descobertas por Bate- son e Punnett, bem como por Morgan, do acoplamento de qualidades (em diverg\u00eancia da independ\u00eancia mendeliana quanto \u00e0 respectiva combina- \u00e7\u00e3o) levaram a reconhecer entre os gens de um organismo conex\u00f5es que permitem reuni-los em grupos. A concord\u00e2ncia do n\u00famero desses grupos com o n\u00famero de cromossomas em objetos f\u00e1ceis .de analisar (como o mi- lho ou a mosca dros\u00f3fila), juntamente .com as ideias citol\u00f3gicas referentes \u00e0 estrutura e comportamento dos cromossomas, levaram \u00e0 teoria da dis- posi\u00e7\u00e3o linear dos gens no cromossoma. O gen, que, de in\u00edcio, se apresen- tou por meio da experimenta\u00e7\u00e3o heredit\u00e1ria da cria de animais., como hi- p\u00f3tese da unidade heredit\u00e1ria, tornou-se, somaticamente, localiz\u00e1vel e materialmente vis\u00edvel nos cromossomas \u2014 se bem que s\u00f3 em apar\u00eancia \u2014 gra\u00e7as aos mapas constru\u00eddos com refer\u00eancia \u00e0s disposi\u00e7\u00f5es de gens. O car\u00e1ter corpuscular do gen se fez prov\u00e1vel devido \u00e0 possibilidade de al- can\u00e7\u00e1-lo com os raios X."], ["A rela\u00e7\u00e3o cont\u00ednua das unidades das regras que regem a heran\u00e7a (uni- dades heredit\u00e1rias) com as unidades referentes \u00e0 estrutura dos cromosso- mas (gens), a coincid\u00eancia do conhecimento citogen\u00e9tico (processos da di- vis\u00e3o redutora, da mitose, da meiose etc.) com os conhecimentos resultan- tes da cria experimental possibilitam a magn\u00edfica unitariedade biol\u00f3gica da gen\u00e9tica. O que resultou da experimenta\u00e7\u00e3o em torno da heran\u00e7a veio a reconhecer-se e apreender-se, por sua vez, nos achados celulares; por exemplo:", "Toda vida que prov\u00e9m da reprodu\u00e7\u00e3o sexual tem dois progenitores e, correspondentemente, cromossomas emparelhados (um cromossoma de cada progenitor). Os pares cromoss\u00f4micos se agrupam com outros pares \u2014 diferentes numericamente segundo as esp\u00e9cies \u2014 formando a unidade do genoma. Essa unidade dos genomas \u00e9 a unidade de todos os gens per- tencentes a um organismo."], ["Se os cromossomas possu\u00edrem, apenas, gens semelhantes (homozigo- tia), nenhuma cis\u00e3o mendeliana vis\u00edvel poder\u00e1 ocorrer, mesmo que se al- ternem, no processo da reprodu\u00e7\u00e3o. Se, entretanto, os gens forem diferen- tes (heterozigotia), ter\u00e1 de ocorrer a cis\u00e3o mendeliana na descend\u00eancia, por for\u00e7a da recombina\u00e7\u00e3o que se passa em todo processo sexual.", "A diferen\u00e7a entre a modalidade heredit\u00e1ria dominante e a recessiva re-", "pousa na paridade dos cromossomas. A recessividade s\u00f3 se manifesta quando existe em ambos os cromossomas do par; isto \u00e9, de ambos os pro- genitores (donde sua frequente ocorr\u00eancia nos casamentos consangu\u00edneos."], ["Especialmente esclarecedora \u00e9 a conex\u00e3o entre o comportamento dos cromossomas e a modalidade heredit\u00e1ria na heran\u00e7a do sexo, bem como na heran\u00e7a ligada ao sexo. Em muitos organismos nos quais os sexos s\u00e3o separados, distingue-se, morfologicamente, certo par de cromossomas, isto \u00e9, precisamente, aquele em que se acha um gen determinante do sexo: os chamados cromossomas X e Y. Assim \u00e9 que a mosca dros\u00f3fila tem, no sexo feminino, XX; no masculino, XY. Todas as c\u00e9lulas ovulares possuem, apenas, cromossomas X; os espermatozoides, pelo contr\u00e1rio, t\u00eam cromos- somas metade X, metade Y. Da\u00ed por que existir\u00e3o, realizada a fecunda\u00e7\u00e3o, 50% de indiv\u00edduos com cromossomas XX \u2014 e este s\u00e3o femininos \u2014 e 50% com cromossomas XY, que s\u00e3o sempre masculinos. Os gens que est\u00e3o neste cromossoma \u2014 no X ou no Y \u2014 ter\u00e3o de relacionar-se com o sexo da descend\u00eancia, e que se prova em numerosos casos."], ["Note-se, sucintamente, que, hoje em dia, a ci\u00eancia tamb\u00e9m leva em conta portadores heredit\u00e1rios situados no plasma celular, fora do ter\u00e3o de relacionar-se com o sexo da descend\u00eancia, o que se prova na teoria heredi- t\u00e1ria referente ao homem."], ["e) A muta\u00e7\u00e3o.", "Se s\u00f3 houvesse unidades heredit\u00e1rias definitivas constituindo gens,"], ["todo evento heredit\u00e1rio mais n\u00e3o seria do que modifica\u00e7\u00e3o da mesma coisa, mediante combina\u00e7\u00e3o mec\u00e2nica em multiplicidade infinita, sim, po- r\u00e9m improdutiva. A sele\u00e7\u00e3o n\u00e3o produziria novas esp\u00e9cies, mas somente, deslocamento para linhas puras. Na realidade, entretanto, a vida tem sem- pre alguma novidade; novidade que consiste, por exemplo, no fato de apa- recerem doen\u00e7as pela primeira vez e, depois, se herdarem, numa fam\u00edlia; o que se explica pela \u201cmuta\u00e7\u00e3o\u201d (de Vries). Formam-se, \u00e0s vezes, por efeito de saltos, qualidades novas, muito distantes das curvas de variabilidade, exprimindo as qualidades, do organismo at\u00e9 ent\u00e3o transmiss\u00edveis por he- ran\u00e7a. Essas qualidades novas t\u00eam de atribuir-se, de acordo com a teoria cromoss\u00f4mica, ao efeito de um gen que haja surgido (ou, antes, se haja modificado), s\u00f3 ent\u00e3o, nalgum lugar do cromossoma. Em casos particula- res, tem-se determinado historicamente a muta\u00e7\u00e3o; noutros, tem-se po- dido observar em condi\u00e7\u00f5es experimentais. Desde que se conhe\u00e7am, como no caso da dros\u00f3fila ou do milho, muit\u00edssimos gens num organismo, po- dem-se determinar, no curso de muitas gera\u00e7\u00f5es, com que frequ\u00eancia ou com que raridade os gens individuais se alteram; pode-se-Ihes determinar a muta\u00e7\u00e3o. H\u00e1 gens que raramente ou nunca mudam; e outros nos quais s\u00e3o frequentes as muta\u00e7\u00f5es. Mediante influ\u00eancias externas (temperaturas"], ["extremas, raios de onda curta), podem-se elevar de muito essas taxas es- pont\u00e2neas de muta\u00e7\u00e3o. Quase todos os mutantes significam altera\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas e ineptas para a vida, que desaparecem, de imediato, por for\u00e7a de sele\u00e7\u00e3o natural. Encontram-se, entretanto, tamb\u00e9m varia\u00e7\u00f5es positivas, cujo ac\u00famulo pode vir, com o tempo, a dar nova cunhagem \u00e0 figura da es- p\u00e9cie."], ["f) Limita\u00e7\u00f5es cr\u00edticas.", "Tendo em vista a grandiosidade dos conhecimentos que se adquirem, \u00e9 necess\u00e1rio considerar os limites em que estes conhecimentos se mant\u00eam.", "A subst\u00e2ncia b\u00e1sica da heran\u00e7a \u00e9 sempre a realiza\u00e7\u00e3o do plano estru-", "tural da esp\u00e9cie; a repeti\u00e7\u00e3o do que \u00e9 igual e comp\u00f5e a forma de vida. A te- oria da heran\u00e7a diz respeito, experimentalmente, apenas, \u00e0s pequenas modifica\u00e7\u00f5es; por assim dizer, \u00e0 ondula\u00e7\u00e3o superficial, e n\u00e3o ao evento b\u00e1- sico.", "O mendelismo n\u00e3o significa saber algum quanto \u00e0 profundidade do", "evento heredit\u00e1rio total; e sim m\u00e9todo que se limita a qualidades de tipo alternativo, isto \u00e9, que aparecem ou n\u00e3o (flores vermelhas ou. brancas \u2014 incolores; doen\u00e7a ou n\u00e3o-doen\u00e7a); qualidades, ali\u00e1s, cuja aus\u00eancia n\u00e3o \u00e9 fatal. Da\u00ed j\u00e1 n\u00e3o se poderem investigar as unidades heredit\u00e1rias cuja au- s\u00eancia impossibilita a vida.", "A teoria da heran\u00e7a limita-se a unidades heredit\u00e1rias discrimin\u00e1veis e determinadas. Pode analisar, mas n\u00e3o abranger o evento heredit\u00e1rio total."], ["g) Resumo dos mais importantes conceitos b\u00e1sicos.", "Temos de limitar-nos a pressentir, pelo menos, a complexidade indiz\u00ed- vel da heran\u00e7a, varia\u00e7\u00e3o e muta\u00e7\u00e3o, se n\u00e3o quisermos, na psicopatologia, acreditar em explica\u00e7\u00f5es por demais simples. Dos resultados da biologia, \u00e9 para n\u00f3s especialmente importante o fato de os cromossomas (a subst\u00e2n- cia heredit\u00e1ria) poderem carriar qualidades que o indiv\u00edduo n\u00e3o precisa apresentar como caracter\u00edsticas (sabe-se, h\u00e1 muito tempo, em patologia humana, que um indiv\u00edduo pode transmitir doen\u00e7as que n\u00e3o o afetem a ele pr\u00f3prio); al\u00e9m disso, tamb\u00e9m importa o fato de haver, na composi\u00e7\u00e3o natural das popula\u00e7\u00f5es humanas, muitos heterozigotos com heran\u00e7a mendeliana; e, por conseguinte, pode haver tanto irm\u00e3os que sejam muito parecidos quanto irm\u00e3os inteiramente diferentes, de modo que neles se"], ["marcam qualidades opostas, as quais se conservam na descend\u00eancia res- pectiva. Em conex\u00e3o com estes fatos, sempre se h\u00e1 de refletir sobre quanto pode ser complicado e, da\u00ed, impenetr\u00e1vel o caso individual; sobre- tudo, quando uma qualidade particular se herda polimericamente; isto \u00e9, quando se coloca sob '.a influ\u00eancia de grande n\u00famero de gens combin\u00e1- veis independentemente entre si. Finalmente e antes de mais nada, im- porta-nos a teoria das unidades heredit\u00e1rias, a ideia de que o cabedal he- redit\u00e1rio se distribui pelos cromossomas em forma de unidades isol\u00e1veis individuais, de acordo com determinada disposi\u00e7\u00e3o.", "A aplica\u00e7\u00e3o da teoria biol\u00f3gica da heran\u00e7a ao homem esbarra em gran-"], ["des dificuldades. O homem, como tal, n\u00e3o \u00e9 objeto em que se possam es- tudar leis biol\u00f3gicas da heran\u00e7a. O biologista escolhe o objeto de suas pes- quisas em torno da heran\u00e7a segundo o ponto de vista da investigabilidade tecnicamente favor\u00e1vel. As gera\u00e7\u00f5es t\u00eam de seguir-se com rapidez; deve haver muitos descendentes; o n\u00famero de cromossomas tem de ser o me- nor poss\u00edvel. S\u00f3 assim \u00e9 que se podem contemplar os fatos com relativa simplicidade. No homem, entretanto, as gera\u00e7\u00f5es seguem-se t\u00e3o lenta- mente que v\u00e1rias delas n\u00e3o se podem inspecionar com observa\u00e7\u00e3o exata; a descend\u00eancia \u00e9 extraordinariamente escassa; o n\u00famero de cromossomas (48) \u00e9 extraordinariamente alto. De mais a mais, n\u00e3o se pode pesquisar a reprodu\u00e7\u00e3o no homem, na forma metodicamente experimental, mas s\u00f3 acidentalmente, numa s\u00e9rie de observa\u00e7\u00f5es. Em lugar das experi\u00eancias bi- ol\u00f3gicas de cruzamento, s\u00e3o as abstra\u00e7\u00f5es que surgem de uma estat\u00edstica maci\u00e7a.", "N\u00e3o se veja a\u00ed, contudo, obje\u00e7\u00e3o contra a pesquisa relativamente \u00e0 he-"], ["ran\u00e7a humana; quer-se-lhe, apenas, esclarecer o sentido, o significado. N\u00e3o se trata de encontrar, no homem, quaisquer leis que regulem a he- ran\u00e7a, e sim, apenas, de ver com que extens\u00e3o talvez se possam aplicar ao homem leis biologicamente reconhecidas. Quando se promove a pesquisa em torno da heran\u00e7a humana, o de que se trata \u00e9 o homem, e n\u00e3o a he- ran\u00e7a.", "Quando n\u00e3o sabemos o que \u00e9 que toca ao homem, a teoria biol\u00f3gica da", "heran\u00e7a abre-nos o espa\u00e7o da possibilidade. Contemplando a disposi\u00e7\u00e3o segundo a qual se constroem os gens da dros\u00f3fila no respectivo mapa cro- moss\u00f4mico, faz-se-nos claro que conviria conhecer, para cada esp\u00e9cie de organismo vivo, a disposi\u00e7\u00e3o dos gens no germe; e, mais, suas rela\u00e7\u00f5es re- c\u00edprocas segundo a situa\u00e7\u00e3o. Do mesmo modo que, na anatomia e na his- tologia, se apreende a estrutura do corpo; na fisiologia, a estrutura das"], ["fun\u00e7\u00f5es; nos sistemas end\u00f3crinos, a estrutura dos efeitos hormoniais inte- rativos, trata-se, a esta altura, de apreender a estrutura da disposi\u00e7\u00e3o he- redit\u00e1ria. Enquanto, por\u00e9m, na anatomia, n\u00e3o se investiga, nem se co- nhece natureza alguma t\u00e3o basicamente quanto a do homem, talvez se co- nhe\u00e7a, em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o dos gens, a dros\u00f3fila; mas o homem quase se ignora. Quanto \u00e0 estrutura do corpo humano e de suas fun\u00e7\u00f5es e, bem assim, do refinamento infinito de sua heran\u00e7a, que, em casos individuais, observamos como se fosse um milagre, sabemos que uma disposi\u00e7\u00e3o dos gens, ainda inteiramente imposs\u00edvel de apreendermos, tem de constituir um dos fatores da heran\u00e7a. Espantamo-nos e, ao mesmo tempo, receamos afirmar com demasiada pressa conhecimentos presumidamente totais."], ["\u00a7 3. A Aplica\u00e7\u00e3o Da Gen\u00e9tica \u00c0 Psicopatologia.", "Devem-se a Rudin o primeiro trabalho metodicamente b\u00e1sico e o de- senvolvimento ulterior dessa pesquisa. Rudin substituiu o m\u00e9todo da esta- t\u00edstica maci\u00e7a na investiga\u00e7\u00e3o psiqui\u00e1trica da heran\u00e7a pela tentativa de compreender, sob o ponto de vista mendeliano, usando m\u00e9todos estat\u00edsti- cos, um material genealogicamente apreendido. Para obter esse material, partiu de doentes individuais (pro- bandos) e acompanhou-lhes os irm\u00e3os e pais (m\u00e9todo fraterno), ou os filhos e netos (m\u00e9todo progenial), cujo es- tado ou enfermidade se houvesse determinado. J\u00e1 n\u00e3o s\u00e3o mais decisivas as fam\u00edlias individuais, porque, no caso, todas as cifras s\u00e3o casuais; con- frontando, por\u00e9m, uma massa de fam\u00edlias, esperam-se obter cifras regula- res e significativas. Do trabalho de Rudin resultou uma quantidade de in- vestiga\u00e7\u00f5es, visando ao conhecimento de unidades heredit\u00e1rias reais e do tipo do respectivo processo (dominante ou recessivo)."], ["Procuraremos expor, com brevidade esquem\u00e1tica, alguns tra\u00e7os funda-"], ["mentais deste conhecimento, partindo da complexa \u00e1rea."], ["a) As ideias diretivas b\u00e1sicas.", "Depois que a gen\u00e9tica reconheceu unidades som\u00e1ticas heredit\u00e1rias e o", "respectivo curso, o que importa, sobretudo, sempre que se transp\u00f5em ideias gen\u00e9ticas para a teoria da heran\u00e7a em psicopatologia, \u00e9 inquirir as unidades heredit\u00e1rias. Que estas existem \u00e9 fato resultante da pesquisa bi- ol\u00f3gica e requisito de toda aplica\u00e7\u00e3o da gen\u00e9tica \u00e0 teoria da heran\u00e7a hu- mana. Descobrir unidades heredit\u00e1rias \u00e9 o objetivo com o qual n\u00e3o s\u00f3 se reconheceriam processos heredit\u00e1rios, mas se teria vis\u00e3o nova e profunda", "dos fatores que influenciam o evento ps\u00edquico. O fato de as unidades here- dit\u00e1rias n\u00e3o existirem, em absoluto, de modo manifesto e de todos os fen\u00f4- menos psicopatol\u00f3gicos falarem, inicialmente, contra a exist\u00eancia de uni- dades heredit\u00e1rias n\u00e3o lhes refuta a exist\u00eancia, se v\u00e1lidas forem as ideias seguintes, que dizem respeito \u00e0 rela\u00e7\u00e3o dos fen\u00f4menos reais com os gens subjacentes:"], ["1. Todos os fen\u00f4menos s\u00e3o resultado da disposi\u00e7\u00e3o heredit\u00e1ria e do pe- rimundo, constituindo-se a partir da disposi\u00e7\u00e3o, sob as influ\u00eancias ambi- entais at\u00e9 ent\u00e3o vigentes, atrav\u00e9s de rea\u00e7\u00f5es, experi\u00eancias, pr\u00e1tica, costu- mes. Se eu comparo os fen\u00f4menos atrav\u00e9s de v\u00e1rias gera\u00e7\u00f5es, n\u00e3o estou comparando identidades imediatas, e sim fatos fenom\u00eanicos, nos quais talvez uma igualdade (o gen\u00f3tipo) haja assumido forma diversa, sob o in- fluxo do perimundo variante. Da\u00ed se segue, em primeiro lugar, que tamb\u00e9m as doen\u00e7as mais ' decisi- vamente baseadas na heran\u00e7a precisam de condi\u00e7\u00f5es ambientais para se manifestarem; e que todas as influ\u00eancias ambientais tamb\u00e9m precisam da disposi\u00e7\u00e3o para se fazerem valer. Por exemplo, o fato de irromper a parali- sia geral, causada pelo treponema pallidum, pressup\u00f5e uma constitui\u00e7\u00e3o que \u00e9 heredit\u00e1ria; por causa de qual, ocasionalmente, se acumulam para- lisias em certas fam\u00edlias. A esquizofrenia repousa na heran\u00e7a, mas alguma coisa ambiental tem de acrescer-se, porque, quando um g\u00eameo univitelino adoece, quase sempre tamb\u00e9m adoece o outro, mas nem sempre.", "Segue-se, em segundo lugar, que a manifesta\u00e7\u00e3o da disposi\u00e7\u00e3o heredi- t\u00e1ria na doen\u00e7a s\u00f3 constitui certeza de seu aparecimento dentro de um li- mite que se h\u00e1 de descobrir, em cada caso, por via emp\u00edrica, n\u00e3o represen- tando, absolutamente, fatalidade inelut\u00e1vel. Na medida em que se conhe- cessem as condi\u00e7\u00f5es perimundiais, poderia a disposi\u00e7\u00e3o heredit\u00e1ria per- manecer tranquila, sem manifestar-se, uma vez que se evitassem as con- di\u00e7\u00f5es externas necess\u00e1rias."], ["Em terceiro lugar, segue-se que as unidades heredit\u00e1rias s\u00e3o \u201cn\u00e3o-his-", "t\u00f3ricas\u201d, por for\u00e7a de sua. const\u00e2ncia biol\u00f3gica global, dizendo respeito a alguma coisa que tem de ser id\u00eantica, hoje, ao que era entre os eg\u00edpcios de h\u00e1 cinco mil anos. N\u00e3o se podem conceber as unidades heredit\u00e1rias como formas ps\u00edquicas historicamente espec\u00edficas, como obras do esp\u00edrito; nem como conte\u00fados de fen\u00f4menos culturais. O que n\u00e3o existia, h\u00e1 gera\u00e7\u00f5es, e n\u00e3o existir\u00e1 daqui a gera\u00e7\u00f5es deve ter, certamente, - fundamentos heredi- t\u00e1rios, mas n\u00e3o \u00e9, por si, heredit\u00e1rio. As qualidades heredit\u00e1rias possibili-", "tam, em certas condi\u00e7\u00f5es hist\u00f3ricas, essas eventuais manifesta\u00e7\u00f5es, sub- sistindo, entretanto, a possibilidade de, com o decurso de cem a cento e cinquenta gera\u00e7\u00f5es da hist\u00f3ria da humanidade, aparecerem ligeiras altera- \u00e7\u00f5es de tipo biol\u00f3gico, mediante muta\u00e7\u00f5es cumulativas; as quais ainda n\u00e3o se acham estabelecidas, no homem, por forma convincente."], ["2. A unidade do gen n\u00e3o \u00e9 a unidade de um fen\u00f4meno. As caracter\u00edsti- cas que aparecem apontam para um gen, mas n\u00e3o s\u00e3o o gen. O que n\u00e3o coincide, imediatamente, para n\u00f3s, no fen\u00f4meno, pode remontar a um gen \u00fanico; inversamente, o que, para n\u00f3s, se afigura, imediatamente, \u00fanico pode repousar no entre- jogo de v\u00e1rios gens. N\u00e3o reconhecemos unidades heredit\u00e1rias pela apreens\u00e3o imediata de quaisquer manifesta\u00e7\u00f5es, ou fen\u00f4- menos, mas. pela experi\u00eancia das conex\u00f5es heredit\u00e1rias. O que repousa num gen chama-se mon\u00f4mero', o que repousa em v\u00e1- rios, pol\u00edmero. S\u00f3 poucas doen\u00e7as s\u00e3o mon\u00f4meras (at\u00e9 o presente, apenas doen\u00e7as som\u00e1ticas); todas as qualidades e doen\u00e7as ps\u00edquicas, na medida em que sejam acess\u00edveis \u00e0 an\u00e1lise gen\u00e9tica, s\u00e3o, provavelmente, pol\u00edmeras. Da\u00ed serem imposs\u00edveis as simples cifras mendelianas com refer\u00eancia a qualidades intelectuais, caracteres e psicoses; donde ser pouco prov\u00e1vel que, nas psicoses, se queiram encontrar, de imediato, regras mendelianas, as quais pressup\u00f5em processos heredit\u00e1rios simples.", "3. O efeito das unidades heredit\u00e1rias (gens) est\u00e1 em rela\u00e7\u00e3o m\u00fatua. As unidades heredit\u00e1rias n\u00e3o produzem suas manifesta\u00e7\u00f5es cada uma por si, independente das outras. Como elementos, n\u00e3o constituem soma mec\u00e2- nica, mas se relacionam, como membros de um todo: os gens no genoma. O pr\u00f3prio estoque de disposi\u00e7\u00f5es heredit\u00e1rias \u00e9 um arranjo, ou tem uma estrutura. Esse todo, que \u00e9 um todo parcial em rela\u00e7\u00e3o ao organismo, te- ria, para ser biologicamente reconhec\u00edvel, de basear-se, por sua vez, no efeito de um gen. As disposi\u00e7\u00f5es heredit\u00e1rias podem, ser mais fortes, ou mais fracas; ou podem nem se manifestar, se bem que, como tais, existam, identicamente; estas oscila\u00e7\u00f5es manifestativas podem-se compreender pelo efeito rec\u00ed- proco dos gens uns sobre os outros; pelo \u201cmeio em que vivem os gens\u201d. Os gens precisam um do outro, podem inibir-se; ou desencadear-se, ou regu- lar-se. A realiza\u00e7\u00e3o de um fator, por conseguinte, pode depender da com- bina\u00e7\u00e3o com outros fatores. Sim, pode-se indagar: as unidades heredit\u00e1- rias absolutas s\u00e3o inencontr\u00e1veis, em psicopatologia, pelo fato de n\u00e3o existirem? Pelo fato de serem abstra\u00e7\u00f5es de alguma coisa que s\u00f3 existe com o todo, seja qual for, e que n\u00e3o existe em si, mas s\u00f3 \u00e9 o que \u00e9 como"], ["sede, como membro, como polo?", "S\u00f3 pela coincid\u00eancia de muitos gens \u00e9 que pode surgir determinado fe- n\u00f4meno; por exemplo, uma doen\u00e7a. Assim \u00e9 que constitui resultado nega- tivo da investiga\u00e7\u00e3o relativa \u00e0 heran\u00e7a o fato de a esquizofrenia n\u00e3o poder ser a manifesta\u00e7\u00e3o de uma unidade heredit\u00e1ria, mas ter de ser fen\u00f4meno que s\u00f3 aparece pela coincid\u00eancia de uma s\u00e9rie de unidades heredit\u00e1rias diversas, dentro de condi\u00e7\u00f5es perimundiais adequadas. Uma pessoa pode ter, na sua disposi\u00e7\u00e3o heredit\u00e1ria, uma s\u00e9rie de gens que sejam requisito da irrup\u00e7\u00e3o da esquizofrenia, sem adoecer, ela pr\u00f3pria; e, no entanto, pro- duzir a esquizofrenia nos filhos, pelo acr\u00e9scimo do \u00faltimo gen que faltava atrav\u00e9s da subst\u00e2ncia heredit\u00e1ria do c\u00f4njuge."], ["Fundadas em experi\u00eancias biol\u00f3gicas e transpostas, por analogia, para a esfera das dedu\u00e7\u00f5es, estas ideias representam meras possibilidades para fins psicopatol\u00f3gicos. Sup\u00f5e-se haja alguma coisa em que se baseiem os fatos, de modo que o fen\u00f4meno poss\u00edvel de experimentar-se se entenda como resultado de um processo complexo da intera\u00e7\u00e3o de muitas unida- des heredit\u00e1rias; e isso de tal forma que o fen\u00f4meno n\u00e3o ocorre, apesar da exist\u00eancia de quase todas as condi\u00e7\u00f5es para a transmiss\u00e3o, caso falte uma das unidades heredit\u00e1rias."], ["A conex\u00e3o entre v\u00e1rias manifesta\u00e7\u00f5es emp\u00edricas exprime-se, numerica-", "mente, pela correla\u00e7\u00e3o entre elas, correla\u00e7\u00e3o que resulta da contagem de muitos casos. O coeficiente de correla\u00e7\u00e3o 1 significa: que as manifesta\u00e7\u00f5es sempre coincidem pelo fato de se prenderem entre si; o coeficiente o signi- fica: que a coincid\u00eancia \u00e9 simples acaso, mero acidente. Se o coeficiente de correla\u00e7\u00e3o for relativamente elevado, interpreta-se a correla\u00e7\u00e3o ou pelo en- raizamento no mesmo gen (cabelos vermelhos e sardas), ou pelo acopla- mento de dois gens no mesmo cromossoma (hemofilia e cromossoma se- xual masculino), ou pelo ambiente em que o gen existe (\u00e9 mais f\u00e1cil o gen da siringomielia aparecer na ra\u00e7a de coelhos de pelo curto); ou ainda se v\u00ea uma conex\u00e3o apenas aparente (num cruzamento racial, de fato, s\u00f3 est\u00e1 junto aquilo que poderia, simplesmente, estar separado, como o cabelo crespo e a pigmenta\u00e7\u00e3o escura dos negros) (Resumo segundo Conrad)."], ["4. Muta\u00e7\u00f5es (altera\u00e7\u00f5es repentinas da disposi\u00e7\u00e3o heredit\u00e1ria). As muta- \u00e7\u00f5es permitem compreender por que aparecem, pela primeira vez, doen\u00e7as em fam\u00edlias que nunca haviam sido, comprovadamente, afetadas. H\u00e1 d\u00fa- vida sobre se, por exemplo, os gens da esquizofrenia aparecem, eventual- mente, pela primeira vez, mediante muta\u00e7\u00e3o que sempre \u00e9 poss\u00edvel no ho-", "mem, tornando-se, a seguir, heredit\u00e1rias; ou se repousam sempre na he- ran\u00e7a, uma vez que se apresentem. Isso deve ter acontecido de muita longa data, visto a esquizofrenia ocorrer em todas as ra\u00e7as humanas e em todos os tempos dos quais temos relatos bastantes.", "b) Dificuldades metodol\u00f3gicas."], ["A aplica\u00e7\u00e3o dos conhecimentos gen\u00e9ticos \u00e0 heran\u00e7a m\u00f3rbida, no ho-", "mem, tem levado, relativamente a algumas enfermidades som\u00e1ticas, a unidades e processos heredit\u00e1rios mais ou menos claros (por exemplo, na hemofilia, na coreia de Huntington, na idiotia amaur\u00f3tica juvenil etc.). A situa\u00e7\u00e3o \u00e9 outra no que diz respeito a fen\u00f4menos ps\u00edquicos e a doen\u00e7as mentais, tanto em vista de dificuldades t\u00e9cnicas quanto em princ\u00edpio.", "Tecnicamente, o material de que se parte \u00e9 extraordinariamente dif\u00edcil de obter. Muitas doen\u00e7as ps\u00edquicas s\u00f3 se manifestam em idade avan\u00e7ada, morrendo o indiv\u00edduo antes, de modo que, embora enfermo, ter\u00e1 sido con- siderado sadio. A investiga\u00e7\u00e3o pessoal pelo m\u00e9dico pesquisador \u00e9 necess\u00e1- ria; mas poss\u00edvel, apenas, em doentes vivos e acess\u00edveis."], ["Em princ\u00edpio, todavia, uma manifesta\u00e7\u00e3o ps\u00edquica nunca \u00e9 caracter\u00eds- tica de um gen no mesmo sentido que uma manifesta\u00e7\u00e3o som\u00e1tica. Sem- pre que se inquire a heran\u00e7a, o primeiro requisito \u00e9 esclarecer o que \u00e9 que se quer saber da hereditariedade, no caso particular. Talvez se possam \u2014 assim se considera \u2014 questionar as in\u00fameras unidades da psicopatologia (desde formas reativas simples, tipos imagin\u00e1rios, at\u00e9 o tipo de personali- dade; desde complexos sintom\u00e1ticos at\u00e9 a unidade m\u00f3rbida; mais ainda: a constitui\u00e7\u00e3o permanente ou os fen\u00f4menos que aparecem em certa \u00e9poca da vida; fases ou processos etc.). Mas a falha dessas unidades est\u00e1 sempre no fato de n\u00e3o serem unidades caracter\u00edsticas n\u00edtida e identicamente cap- t\u00e1veis, univocamente enumer\u00e1veis."], ["Acresce-se ainda a circunst\u00e2ncia de quase todos os fen\u00f4menos ps\u00edqui-", "cos serem, no homem, intelectualizados. O intelecto \u2014 ou o esp\u00edrito, a mente \u2014 n\u00e3o se herda, por\u00e9m; e sim se transmite, historicamente. S\u00f3 as capacidades de apropria\u00e7\u00e3o \u00e9 que s\u00e3o heredit\u00e1rias; capacidades que, en- tretanto, como fun\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas, n\u00e3o se isolam, em absoluto, da realiza\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica eventual. Por conseguinte, existe diferen\u00e7a fundamental entre as maneiras por que se procuram unidades heredit\u00e1rias, em primeiro lugar, na doen\u00e7a som\u00e1tica e nas psicoses somaticamente conhecidas; em se- gunde lugar, nas grandes psicoses; finalmente, nos caracteres e nas quali- dades ps\u00edquicas particulares. Diz Luxenburger, (1939) que s\u00f3 se pode falar"], ["em processo heredit\u00e1rio quando se trata de uma caracter\u00edstica heredit\u00e1ria da gen\u00e9tica; aquilo que \u00e9 simples designa\u00e7\u00e3o' conceituai, embora possa pretender muito valor de realidade, como, por exemplo, as qualidades ca- racteriais, n\u00e3o ser\u00e1 uma caracter\u00edstica nesse sentido; caracter\u00edstica ser\u00e1 alguma coisa substancial, express\u00e3o da ess\u00eancia daquilo que se herdou; n\u00e3o significar\u00e1 gen\u00f3tipo, mas ser\u00e1 ess\u00eancia que se ter\u00e1 feito vis\u00edvel.", "Que \u00e9, entretanto, que se faz, quando n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel operar com unida-", "des heredit\u00e1rias n\u00edtidas (gens), que se possa dizer sejam caracter\u00edsticas un\u00edvocas? S\u00f3 haver\u00e1, ent\u00e3o, m\u00e9todos indiretos, que- se ter\u00e3o aplicado quando se presumiu um processo heredit\u00e1rio, no sentido da gen\u00e9tica, como base fatual de uma massa complexa de fen\u00f4menos."], ["Tentam-se basear, hipoteticamente, em unidades as totalidades feno- m\u00eanicas imprecisas (por exemplo, a esquizofrenia); imagin\u00e1-las fundadas em dois, tr\u00eas ou mais gens; e, em seguida, fazer c\u00e1lculos que se compro- vam por m\u00e9todos requintadamente elaborados \u2014 para ver se as cifras re- ais de uma estat\u00edstica maci\u00e7a se podem entender como resultado destes pressupostos e dos c\u00e1lculos a que eles levam. Assim \u00e9 que se imaginam, relativamente aos complexos fenom\u00eanicos que chamamos doen\u00e7as, n\u00e3o um, e sim v\u00e1rios gens (n\u00e3o bases mon\u00f4meras, e sim pol\u00edmeras; talvez tri- meras), de cuja combina\u00e7\u00e3o no processo heredit\u00e1rio devam resultar as ci- fras do aparecimento das doen\u00e7as em quest\u00e3o."], ["Falta, no entanto, aos artif\u00edcios matem\u00e1ticos desta ordem a for\u00e7a pro- bante propriamente dita, se n\u00e3o se aplicam, do mesmo- passo, os recursos matem\u00e1ticos que determinam a decisividade ou indecisividade das hip\u00f3te- ses tentadas. As cifras podem coincidir, uma vez, em meio \u00e0s possibilida- des matem\u00e1ticas infinitas. Todos os grupos num\u00e9ricos permitem contar com um edif\u00edcio que seja b\u00e1sico. S\u00e3o question\u00e1veis aquelas unidades here- dit\u00e1rias que n\u00e3o se reconhecem, por fen\u00f4menos, qualidades caracter\u00edsti- cas, como- sendo aquilo que, nelas, se mostra un\u00edvoco, mas apenas se in- ferem. O que n\u00e3o se pode determinar, imediatamente, no fen\u00f4meno, ou na manifesta\u00e7\u00e3o, leva \u00e0 infinitude, que se pode, sim, inferir como poss\u00edvel, sempre, contudo, carecendo da verifica\u00e7\u00e3o propriamente dita. Quase sem- pre temos ante n\u00f3s coisas que n\u00e3o se podem decidir.", "Se, no entanto, sem n\u00fameros, se inferirem possibilidades complexas e"], ["b\u00e1sicas desta sorte, cai-se no absolutamente arbitr\u00e1rio. Talvez, essa infe- r\u00eancia a partir do que \u00e9 aproximado, apenas, abra perspectivas significati- vas daquilo que, de fato, poderia ser; mas \u00e9 errada, se antecipar qualquer exatid\u00e3o.", "Tendo em vista o fato de ser o m\u00e9todo indireto, \u00e9 de compreender-se a absoluta impossibilidade de formular os resultados, por forma clara, inte- lig\u00edvel e un\u00edvoca. Parte-se da imprecis\u00e3o; daquilo que, muitas vezes, nem se determina com identidade em que se possa confiar; e procuram-se uni- dades precisas, a inferir-se. Espera-se, pelas conex\u00f5es heredit\u00e1rias na s\u00e9- rie progenial, chegar a unidades que, doutro modo, n\u00e3o se teriam desco- berto; esperam-se encontrar as unidades das quais se deveria, a rigor, ter partido. Estas investiga\u00e7\u00f5es relativas \u00e0 heran\u00e7a talvez permitissem confir- mar ou rejeitar a ideia de haver unidades m\u00f3rbidas na \u00e1rea ps\u00edquica; e quais seriam elas."], ["Se se quiserem transferir os conceitos da gen\u00e9tica exata para a psico- patologia, s\u00e3o necess\u00e1rias unidades precisas e que se possam apreender, objetivamente. Tem-se, \u00e9 certo, de admitir que cabe ao pesquisador, de in\u00ed- cio, apenas pressenti-las; e s\u00f3 encontr\u00e1-las quando investiga estudos ge- neal\u00f3gicos; n\u00e3o pode, por conseguinte, pressup\u00f4-las. Estar\u00e1 ele, ent\u00e3o, se- guindo o rumo em que ainda n\u00e3o pode fazer afirma\u00e7\u00e3o alguma que seja v\u00e1lida por. outra. No caso de sua pesquisa ter resultado positivo, a uni- dade encontrada constituir\u00e1, porque representa um fato preciso, pressu- posto de verifica\u00e7\u00e3o ulterior.", "c) Investiga\u00e7\u00f5es sobre a hereditariedade das psicoses."], ["As grandes psicoses \u2014 esquizofrenia, ciclotimias, epilepsias \u2014 t\u00eam li- mites vagos, sob o aspecto do diagn\u00f3stico; nem se determinam identica- mente com a mesma validez geral por parte de todos os observadores. Su- pera-se esta dificuldade, partindo de um terreno mais estreito que com- porte casos certos. Todavia, as propor\u00e7\u00f5es num\u00e9ricas encontradas n\u00e3o t\u00eam levado a pensamento positivo algum, no sentido da gen\u00e9tica."], ["De refer\u00eancia \u00e0 esquizofrenia, Luxenburger diz, em resumo, o seguinte: \u201cN\u00e3o existe a unidade da esquizofrenia. No sentido da investiga\u00e7\u00e3o concer- nente \u00e0 heran\u00e7a, a esquizofrenia ainda \u00e9, essencialmente, uma hip\u00f3tese de trabalho. N\u00e3o se pode compar\u00e1-la, em absoluto, com as caracter\u00edsticas muito mais f\u00e1ceis de apreender, como tais, da morfologia humana; nem com as da gen\u00e9tica experimental.\u201d Pela via da psicopatologia, n\u00e3o parece poss\u00edvel alcan\u00e7ar o objetivo. \u201cQue a caracter\u00edstica heredit\u00e1ria propria- mente dita da esquizofrenia s\u00f3 se possa apreender no som\u00e1tico, disso n\u00e3o me parece haver d\u00favida de esp\u00e9cie alguma.\u201d", "Com rela\u00e7\u00e3o ao processo heredit\u00e1rio das unidades decisivas para a es-"], ["quizofrenia, a necessidade \u00e9 mais prov\u00e1vel que a domin\u00e2ncia para a esqui- zofrenia, a recessividade \u00e9 mais prov\u00e1vel que a domin\u00e2ncia. Pela recessivi- dade do processo heredit\u00e1rio da esquizofrenia, fala a circunst\u00e2ncia de que, \u201csomente 4 a 5% dos progenitores de esquizofr\u00eanicos s\u00e3o tamb\u00e9m esquizo- fr\u00eanicos\u201d \u2014 \u201ccarga principalmente nos colaterais\u201d \u2014 aparecimento fre- quente \u201cquando parentes se unem (isso estudando fam\u00edlias individuais maiores). \u2014 \u201cAs fam\u00edlias nas quais a esquizofrenia se comprova em tr\u00eas ou at\u00e9 mais gera\u00e7\u00f5es em sucess\u00e3o direta s\u00e3o rar\u00edssimas\u201d \u2014 Pela domin\u00e2ncia, entretanto, fala a circunst\u00e2ncia de \u201cfaltarem provas no sentido de ser ele- vado o n\u00famero de casamentos consangu\u00edneos entre os progenitores de es- quizofr\u00eanicos relativamente \u00e0 m\u00e9dia da popula\u00e7\u00e3o\u201d. \u2014 \u201cEntre os filhos de esquizofr\u00eanicos, encontram-se mais doentes do que entre os irm\u00e3os\u201d."], ["Do ponto de vista heredo-biol\u00f3gico, deve-se conceber a esquizofrenia como sendo condicionada por uma s\u00e9rie de gens, dos quais nenhum co- nhecemos, entretanto, at\u00e9 o presente. Para a doen\u00e7a manifestar-se, s\u00e3o necess\u00e1rios outros fatores, que tamb\u00e9m n\u00e3o conhecemos; mas cuja exis- t\u00eancia a investiga\u00e7\u00e3o de g\u00eameos univitelinos permite afirmar.", "N\u00e3o \u00e9 melhor o resultado da pesquisa, no que diz respeito \u00e0 loucura man\u00edaco-depressiva. Johannes Lange diz, falando na fal\u00eancia dos c\u00f4mpu- tos relacionados com esta \u00e1rea: \u201cDe tudo quanto sabemos, n\u00e3o podemos imaginar qu\u00e3o complexa \u00e9 a situa\u00e7\u00e3o\u201d.", "Em geral, pode-se dizer: Na psicopatologia das grandes psicoses, n\u00e3o", "se encontraram, at\u00e9 o momento, unidades heredit\u00e1rias; da\u00ed excluir-se, completamente, qualquer c\u00e1lculo em torno das cifras nosol\u00f3gicas que se esperem segundo as leis de Mendel. Este conhecimento limita-se, na pato- logia humana, a fen\u00f4menos que se podem apreender somaticamente."], ["Embora n\u00e3o se espere \u00eaxito, at\u00e9 o presente, no sentido da gen\u00e9tica, tal- vez ainda se possa dizer: Certamente, \u00eaxito n\u00e3o se alcan\u00e7ar\u00e1 mediante c\u00e1l- culos, mas, apenas, se, usando de procedimentos que girem em c\u00edrculo, um pesquisador encontrar o artif\u00edcio feliz, rompa o c\u00edrculo e revele um fato que constitua a unidade, mediante redescoberta radical. Nesse momento, haver\u00e1 objetividades poss\u00edveis de determina\u00e7\u00e3o id\u00eantica que levem \u00e0 fixa- \u00e7\u00e3o precisa do processo heredit\u00e1rio; no momento, por\u00e9m, o que se apre- senta, coeminente, \u00e9 o quadro de c\u00e1lculos em torno de simples inc\u00f3gnitas. O artif\u00edcio feliz apreender\u00e1 \u2014 segundo a bem avisada suposi\u00e7\u00e3o de Luxen- burger e segundo \u00e9 de prever \u2014 um fen\u00f4meno som\u00e1tico, desde que este ponto de vista da pesquisa relativamente a casos que cabem no c\u00edrculo da esquizofrenia seja o correto."], ["d) Investiga\u00e7\u00f5es em torno da hereditariedade dos fen\u00f4menos ps\u00edquicos."], ["As investiga\u00e7\u00f5es sobre a hereditariedade de caracteres t\u00eam permane- cido question\u00e1veis, pela falta de objetiva\u00e7\u00e3o suficiente daquilo que se v\u00ea. O que certo pesquisador pretende demonstrar \u00e0 evid\u00eancia e exprimir s\u00f3 vale quando lhe \u00e9 tamb\u00e9m poss\u00edvel apresentar ao leitor os fen\u00f4menos objetivos de tal modo que ele pr\u00f3prio os veja; sem o que, tudo n\u00e3o passa de constru- \u00e7\u00e3o subjetiva. Tem-se conseguido, no entanto, em casos bem sucedidos, dar uma vis\u00e3o geneal\u00f3gica; por exemplo, no caso dos psicopatas carentes de afeto (v. Bayer, Stumpfl) e, sobretudo, dos g\u00eameos univitelinos, nos quais se nota semelhan\u00e7a caracterial extraordin\u00e1ria, presente mesmo que cres\u00e7am em meio inteiramente diverso, o que, de in\u00edcio, os faz parecer de todo diferentes, no estilo de vida e no comportamento. Um dos que mais basicamente investigaram a heran\u00e7a do car\u00e1ter, Stumpfl, estabeleceu, cri- ticamente, os seguintes requisitos metodol\u00f3gicos: Todas as tentativas no sentido de fazer caracterologia heredit\u00e1ria a partir da tipologia dos caracte- res t\u00eam de falhar e falham; as conclus\u00f5es sum\u00e1rias a que essas tentativas levam obscurecem o problema propriamente dito. Constitui requisito a descri\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica exata de cada personalidade individual no contexto de uma estirpe; mas j\u00e1 se erra, de princ\u00edpio, quando se determina o curso heredit\u00e1rio das qualidades caracteriais (isto \u00e9, quando se parte de supos- tos elementos do car\u00e1ter). Tentar compreender um suposto n\u00facleo essen- cial como decisivo \u00e9 confundir aquilo que \u00e9 caracter\u00edstico, em confronto com os perfis agu\u00e7ados da caracterologia; sem que se localize, no entanto, a unitariedade heredo-biol\u00f3gica. Stumpfl firmou, de maneira convincente, a seguinte concep\u00e7\u00e3o b\u00e1sica: A hereditariedade do car\u00e1ter n\u00e3o pode de- pender de gens corpusculares singulares. Mas o que \u00e9 a totalidade, que determinar\u00e1 a conex\u00e3o dos gens caracterologicamente ativos, ainda \u00e9 fato absolutamente obscuro."], ["A investiga\u00e7\u00e3o em torno da heran\u00e7a parece relacionar-se com objetos", "mais f\u00e1ceis de apreender quando se volta para os rendimentos da inteli- g\u00eancia. Os relatos escolares, por exemplo, s\u00e3o palp\u00e1veis. Foi assim que Pe- ters, investigando a heran\u00e7a de aptid\u00f5es escolares, encontrou:"], ["Cifras desta ordem podem fazer-nos meditar, mais n\u00e3o ensinando, to-", "davia, sen\u00e3o que a hereditariedade interfere, de modo geral, em sentido vago, seja qual for.", "Metodologicamente, a situa\u00e7\u00e3o se afigura mais favor\u00e1vel, quando se parte de rendimentos experimentalmente comprov\u00e1veis (os relatos escola- res, os question\u00e1rios dos inqu\u00e9ritos dependem sempre do- ju\u00edzo dos pro- fessores e das pessoas que respondem aos quesitos): talvez se estabele- \u00e7am, a\u00ed, coisas objetivas. O que \u00e9 \u201ctest\u00e1vel\u201d pode fazer-se acess\u00edvel a uma investiga\u00e7\u00e3o estat\u00edstica sobre a heran\u00e7a. As pesquisas deste tipo t\u00eam, cer- tamente, propiciado, em geral, muito mais material convincente de refe- r\u00eancia \u00e0 heran\u00e7a. Todavia, as combina\u00e7\u00f5es estat\u00edsticas n\u00e3o permitem fun- damentar concep\u00e7\u00f5es gen\u00e9ticas por forma exata.", "Atrav\u00e9s de todas estas investiga\u00e7\u00f5es, convencemo-nos, reiteradamente,"], ["de que a hereditariedade \u00e9 fator decisivo; longe estamos, contudo, de quaisquer \u201celementos b\u00e1sicos\u201d que se possam relacionar com unidades heredit\u00e1rias. Tudo quanto estabelecemos como fen\u00f4menos ou manifesta- \u00e7\u00f5es ps\u00edquicas, como caracteres, rendimentos, aptid\u00f5es etc., torna-se ex- tremamente complexo quando pensamos, na ocorr\u00eancia biol\u00f3gica. Mas se h\u00e1 forma\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas elementares e, havendo-as, em que sentido \u2014 isto \u00e9 absolutamente obscuro, do ponto de vista heredo-biol\u00f3gico. N\u00e3o se tem, no momento, ponto de partida algum, sequer imagin\u00e1vel, que permita en- contr\u00e1-las."], ["e) A ideia dos c\u00edrculos heredit\u00e1rios.", "J\u00e1 ruiu a velha teoria da disposi\u00e7\u00e3o geral para as doen\u00e7as ps\u00edquicas, da heran\u00e7a transformadora e do polimorfismo indiscriminado da heran\u00e7a. Considerando a gen\u00e9tica e suas unidades mendelianas, \u00e9 extremamente pouco prov\u00e1vel, pelo menos, que todas as formas de doen\u00e7a mental ' se", "fundem em disposi\u00e7\u00e3o unit\u00e1ria singular. Nem por isso, contudo, se al- can\u00e7a qualquer conhecimento da const\u00e2ncia da heran\u00e7a de certas psico- ses, com franca exclus\u00e3o m\u00fatua. A multiplicidade das- manifesta\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas na mesma fam\u00edlia continua a ser fato b\u00e1sico. A quest\u00e3o, agora, \u00e9 a seguinte: Dentro de que c\u00edrculos limit\u00e1veis ocorre uma heran\u00e7a transfor- madora, no sentido de um quadro m\u00f3rbido poder substituir o outro, como equivalente, por assim dizer? Ou mais prudentemente: Que tipos de fen\u00f4- menos se relacionam, de algum modo, entre si, a ponto de disposi\u00e7\u00f5es parciais comuns deverem servir-lhe de base, por via heredit\u00e1ria?"], ["Fala-se em c\u00edrculos heredit\u00e1rios segundo dois sentidos. Por um lado, chama-se assim o parentesco consangu\u00edneo de um doente (\u00e9 o c\u00edrculo he- redit\u00e1rio, ent\u00e3o, o territ\u00f3rio hist\u00f3rico de todas as manifesta\u00e7\u00f5es que hajam aparecido juntas, uma vez, em certa estirpe). Por outro lado e para nossa presente discuss\u00e3o, chama-se c\u00edrculo heredit\u00e1rio o grupo de manifesta- \u00e7\u00f5es ou fen\u00f4menos talvez muito diversos que se relacionam pelo fato de te- rem seu fundamento suposto em genotipos (c\u00edrculo heredit\u00e1rio, ent\u00e3o, \u00e9 conceito heredo-biol\u00f3gico que se aplica a uma conex\u00e3o geral)."], ["aa) Observa\u00e7\u00f5es cl\u00ednicas do passado t\u00eam pretendido ver o apareci- mento familiar de grupos nosol\u00f3gicos a ponto de correlacionarem certas enfermidades som\u00e1ticas, doen\u00e7as metab\u00f3licas, anormalidades ps\u00edquicas, tend\u00eancia \u00e0 apoplexia etc. Assim \u00e9 que se veem as fam\u00edlias neurop\u00e1ticas e se nota como nelas coincidem, por exemplo, distrofias musculares e debili- dade mental; ou a esclerose lateral amiotr\u00f3fica e a esquizofrenia. Estendi- das que foram estas observa\u00e7\u00f5es \u00e0s psicoses e aos caracteres, bem como a todos os tipos de psicopatias, t\u00eam-se procurado determinar, estatistica- mente, as correla\u00e7\u00f5es entre tipos de estrutura corp\u00f3rea, tipos de car\u00e1ter, psicoses, disposi\u00e7\u00f5es psicop\u00e1ticas, enfermidades som\u00e1ticas."], ["Por exemplo:", "1. Irm\u00e3os de esquizofr\u00eanicos tuberculizam-se quatro vezes mais fre- quentemente do que os irm\u00e3os de n\u00e3o-esquizofr\u00eanicos (Luxenburger). Nos man\u00edacos-depressivos, pelo contr\u00e1rio, n\u00e3o se\" tem encontrado rela\u00e7\u00e3o com a tuberculose, mas sim, com a gota, a obesidade, o diabetes, o reuma- tismo.", "2. Se se comparar a coincid\u00eancia da psicopatia esquizoide e da esqui-", "zofrenia em pais e filhos, a probabilidade m\u00f3rbida apresentar-se-\u00e1, se- gundo Luxenburger, nas seguintes percentagens:", "As cifras de psicopatas esquizoides e esquizofr\u00eanicos devem provar que"], ["h\u00e1 alguma coisa an\u00e1loga nuns e noutros. O resultado n\u00e3o \u00e9 concludente. Luxenburger acha \u201cque o fato de a psicopatia esquizoide ter rela\u00e7\u00f5es com a esquizofrenia \u00e9 certo, realmente; mas estas rela\u00e7\u00f5es s\u00e3o frouxas, amb\u00ed- guas, e s\u00f3 estatisticamente de apreender-se.\u201d Estabelece, por\u00e9m, no to- cante a estas e outras manifesta\u00e7\u00f5es correlatamente apuradas: \u201cEstes fe- n\u00f3tipos podem ocorrer, em princ\u00edpio, mesmo sem os. requisitos chamados genot\u00edpicos; caso em que n\u00e3o se enquadram no c\u00edrculo heredit\u00e1rio.\u201d A con- sequ\u00eancia \u00e9 que \u201cuma s\u00e9rie de psicopatas podem ser tidos por psicopatas esquizoides, quando forem parentes consangu\u00edneos de um esquizofr\u00eanico\u201d. No entanto, Luxenburger pretende: \u201cParece certo o fato de podermos ob- servar nos- esquizoides psicop\u00e1ticos portadores mais destacados de dispo- si\u00e7\u00f5es parciais esquizofr\u00eanicas\u201d.", "Pelo contr\u00e1rio, Stumpfl e von Bayer n\u00e3o encontraram, no c\u00edrculo here-"], ["dit\u00e1rio de seus psicopatas, aumento algum de frequ\u00eancia de psicoses.", "3. Prova-se a rela\u00e7\u00e3o da paranoia com o c\u00edrculo heredit\u00e1rio da esquizo-"], ["frenia da seguinte maneira:", "Esta coincid\u00eancia demonstra a const\u00e2ncia do fundamento heredit\u00e1rio.", "bb) Distinguem-se, h\u00e1 dec\u00eanios, tr\u00eas grandes c\u00edrculos heredit\u00e1rios'. o esquizofr\u00e9nico, o man\u00edaco-depressivo e o epil\u00e9ptico. Seriam os c\u00edrculos a que sempre se restringiria o polimorfismo das. doen\u00e7as. Estes c\u00edrculos he- redit\u00e1rios teriam de excluir-se, em princ\u00edpios, entre si; as manifesta\u00e7\u00f5es de um n\u00e3o poderiam, absolutamente, enraizar-se noutros.", "Na realidade, os c\u00edrculos est\u00e3o, se se tomam cifras maiores, muito dis-", "tantes. Comparando as fratrias, Luxenburger observou, para cada 100 probandos apanhados ao acaso nos grupos da esquizofrenia, da loucura man\u00edaco-depressiva, da epilepsia e da paralisia geral, que a expectativa da mesma doen\u00e7a preponderava enormemente. O \u00edndice por Mauz,1 entre os quais o seguinte:", "ao passo que o \u00edndice de coincid\u00eancia entre os v\u00e1rios c\u00edrculos heredit\u00e1-", "rios era pequeno; por exemplo, entre:"], ["Se aparecem discrep\u00e2ncias, tem-se de interpretar; e a interpreta\u00e7\u00e3o mais simples \u00e9 que houve entrecruzamento dos c\u00edrculos; heredit\u00e1rios, pelo fato de haverem coincidido, devido a um casamento, ambos os c\u00edrculos de fam\u00edlias diversas. Ou houve muta\u00e7\u00f5es, de que resultou, pela primeira vez, a doen\u00e7a de outro c\u00edrculo heredit\u00e1rio (interpreta\u00e7\u00e3o muito pouco prov\u00e1vel, baseada em possibilidade vaga). Ou ainda: pode ter havido manifesta\u00e7\u00f5es -diferentes de coisas iguais; por exemplo, pelo efeito das demais disposi- \u00e7\u00f5es de uma fam\u00edlia e pelos efeitos ambientais de outra natureza. Inversa- mente, pode ter ocorrido manifesta\u00e7\u00e3o igual da heterogeneidade heredo- biol\u00f3gica; por exemplo, aquilo que repousa em disposi\u00e7\u00f5es heredit\u00e1rias di- versas pode ser id\u00eantico na manifesta\u00e7\u00e3o, por for\u00e7a de outras condi\u00e7\u00f5es acidentais presentes na disposi\u00e7\u00e3o e no perimundo."], ["Existem investiga\u00e7\u00f5es not\u00e1veis, baseadas no c\u00edrculo heredit\u00e1rio da epi- lepsia. Alguns dados tirados das conclus\u00f5es de Conrad, s\u00f3 para exemplifi- car:", "Na prole dos epil\u00e9ticos, encontraram-se 6% de epilepsia (na popula\u00e7\u00e3o,", "em geral, 0,4%); mais: 35% de anormalidades ps\u00edquicas (al\u00e9m da epilep- sia, encontraram-se debilidade mental, psicoses, psicopatias, criminali- dade); 42% se se inclu\u00edrem tamb\u00e9m as doen\u00e7as neurol\u00f3gicas e os tipos de- fectuais som\u00e1ticos.", "Entre os g\u00eameos univitelinos, encontrou-se concord\u00e2ncia em 55%; en- tre bivitelinos, em 12% dos casos. Conclui-se que v\u00e1rios gens tenham de coincidir para a epilepsia aparecer do fato de existir, na epilepsia idiop\u00e1- tica, entre g\u00e9meos univitelinos, concord\u00e2ncia acentuada (86%), ao passo que somente 6% dos filhos de epil\u00e9ticos s\u00e3o, por sua vez, epil\u00e9ticos.", "cc) O quadro dos c\u00edrculos heredit\u00e1rios possibilita, ao que parece, grandi-"], ["osa unifica\u00e7\u00e3o e agrupamento no processo heredit\u00e1rio; e a correla\u00e7\u00e3o de"], ["certas psicoses com certas psicopatias e tipos de estrutura corp\u00f3rea pa- rece abrir perspectivas amplas quanto ao fundamento da vida. O resultado das pesquisas b\u00e1sicas n\u00e3o corresponde. entretanto, \u00e0 expectativa. O que se afigurava plaus\u00edvel \u00e0 primeira vista torna-se, a cada momento, questio- n\u00e1vel, ante exemplos em contr\u00e1rio. Dado o primeiro passo, confirmado este pelos; achados geneal\u00f3gicos, n\u00e3o prosseguimos, embora o quadro das correla\u00e7\u00f5es estat\u00edsticas se fa\u00e7a mais n\u00edtido e mais confi\u00e1vel. N\u00e3o se forta- lece a prova com o progresso da pesquisa, mas, pelo contr\u00e1rio, enfra- quece-se, com a repeti\u00e7\u00e3o dos mesmos princ\u00edpios. As discrep\u00e2ncias exi- gem interpreta\u00e7\u00f5es, as quais se v\u00e3o fazendo cada vez mais hipot\u00e9ticas, \u00e0 medida que se caminha, apresentando-se igualmente permiss\u00edveis as pos- sibilidades eventualmente contrapostas. Da\u00ed constitu\u00edrem os- c\u00edrculos he- redit\u00e1rios, certamente, quadros impressionantes, do ponto de vista hist\u00f3- rico-geneal\u00f3gico, mas n\u00e3o conhecimentos cuja validez se possa aplicar com a mesma confiabilidade geral. As correla\u00e7\u00f5es est\u00e3o sempre mostrando que alguma coisa existe, sem ajudar, contudo, a responder \u00e0 pergunta do que \u00e9."], ["Sobre o fundo do saber gen\u00e9tico e visando \u00e0 apreens\u00e3o dos c\u00edrculos he-"], ["redit\u00e1rios, quando se fazem investiga\u00e7\u00f5es geneal\u00f3gicas, t\u00eam-se implicado todas as perspectivas de um modo ou outro tang\u00edveis. Nalguns casos, con- seguiu-se obter a configura\u00e7\u00e3o de conex\u00f5es heredit\u00e1rias em estirpes intei- ras por v\u00e1rias gera\u00e7\u00f5es. Visualizaram-se n\u00e3o s\u00f3 as doen\u00e7as ps\u00edquicas di- agnostic\u00e1veis, mas tamb\u00e9m caracteres, estrutura corp\u00f3rea, todas as mo- dalidades de manifesta\u00e7\u00f5es humanas, a fim de descobrir e provar, entre as ideias relativas \u00e0 unidade m\u00f3rbida ou \u00e0 constitui\u00e7\u00e3o, a conex\u00e3o de tudo. Esta genealogia aprofundada veio a afigurar-se amb\u00edgua. \u00c9 inatac\u00e1vel na medida em que mais n\u00e3o d\u00e1 sen\u00e3o a vis\u00e3o hist\u00f3rica de certas estirpes, com o interesse de despertar tudo quanto \u00e9, individualmente, bem des- crito. Mas assim que tira conclus\u00f5es gerais a partir de observa\u00e7\u00f5es parti- culares, aquelas deixam de ter for\u00e7a probante, considerando a cifra redu- zida das estirpes apanhadas por esta forma; quando vemos, nos espanta- mos e consideramos poss\u00edvel; o que se apresenta \u00e9 indaga\u00e7\u00e3o, e n\u00e3o prova. O pendor para a generaliza\u00e7\u00e3o com base na evid\u00eancia objetiva de casos in- dividuais \u00e9 grande, tanto mais quanto se acumulam os casos apropriados, com menosprezo dos discrepantes. A precis\u00e3o de uma perspectiva ainda n\u00e3o chega a ser a exatid\u00e3o daquilo que se pode enumerar; nem tem o rigor de uma lei. Quando se associam na genealogia o diagn\u00f3stico, a caractero- logia, a pesquisa constitucional e a tipologia anal\u00edtico-estrutural, h\u00e1 de uma sustentar a outra mutuamente, porque que cada um destes modos de ver, em particular, por si, \u00e9 fluido e impreciso. As unidades nosol\u00f3gicas"], ["devem ser delimitadas; as constitui\u00e7\u00f5es h\u00e3o de ficar claras; os tipos carac- teriais reais h\u00e3o de mostrar-se. Na verdade, por\u00e9m, n\u00e3o se consegue preci- s\u00e3o alguma pela correla\u00e7\u00e3o rec\u00edproca de coisas imprecisas. As unidades heredit\u00e1rias que se admitem, as totalidades de um quadro geral, os princ\u00ed- pios das totalidades t\u00edpicas, tudo tem de sustentar-se entre si. \u00d5 que acontece \u00e9 uma plausibilidade eventual fazer-se poss\u00edvel, \u00e9 ampliarem-se as nossas perspectivas fatuais, sem que, no entanto, surja qualquer co- nhecimento geral. Sob o aspecto l\u00f3gico, tanto faz surgir um quadro paren- tal geneal\u00f3gico atrav\u00e9s da investiga\u00e7\u00e3o fundada e rigorosa quanto comuni- carem-se observa\u00e7\u00f5es anedoticamente impressionantes."], ["Exemplo da primeira possibilidade \u00e9 a bela investiga\u00e7\u00e3o de F. Min- kowska, que, trabalhando, durante quatro anos, com duas estirpes atra- v\u00e9s de seis gera\u00e7\u00f5es, acompanhou, visitou e pesquisou quase todos os membros vivos, pessoalmente. Conseguiu, assim, esbo\u00e7ar um quadro da constitui\u00e7\u00e3o epileptoide e da respectiva estrutura biol\u00f3gico-ps\u00edquica e f\u00ed- sica \u2014, com base nas concep\u00e7\u00f5es de Kretschmer. \u2014 Exemplifiquem a se- gunda possibilidade os in\u00fameros casos relatados por Mauz,1 entre os quais o seguinte:", "\u201cH\u00e1 anos, indo a um espet\u00e1culo de variedades..., encontrei um homem", "corpulento, cujos olhos se colavam ao que se passava no palco. A euforia persistente com que acompanhava o espet\u00e1culo n\u00e3o cessava ao t\u00e9rmino de cada n\u00famero, mas se mantinha nos intervalos. Impressionou-me tanto o quadro, como express\u00e3o de viscosidade, que fui sentar-me perto dele. Vim a saber que era um pequeno agente de seguros.... jamais tivera ataques, ele pr\u00f3prio, mas um irm\u00e3o estava internado, havia anos, por epilepsia."], ["f) A investiga\u00e7\u00e3o dos g\u00eameos.", "\u2014 Estamos habituados a que nenhum homem \u00e9 igual a outro; e s\u00f3 nos espantamos quando confrontamos certos g\u00eameos. Os g\u00eameos que se asse- melham a ponto de confundirem-se de h\u00e1 muito se consideram curiosida- des. Galton foi o primeiro a dar-lhes import\u00e2ncia fundamental na pesquisa das influ\u00eancias disposicionais e ambientais. Distinguiam-se, de longa data, os g\u00eameos colocados num \u00e2mnio daqueles que tinham cada um \u00e2m- nio pr\u00f3prio. Aqueles desenvolveram-se a partir de \u201cduas manchas germi- nais no mesmo ovo\u201d; estes, de dois ovos (como acontece nos animais, que quase sempre geram mais de um rebento). Aqueles s\u00e3o sempre do mesmo sexo. Foram s\u00f3 a gen\u00e9tica e a citologia que deram significa\u00e7\u00e3o fundamen- tal a esses fen\u00f4menos. G\u00eameos univitelinos originam-se de cis\u00e3o muito"], ["precoce de um s\u00f3 germe, de maneira tal que cada uma das partes ainda p\u00f4de formar um embri\u00e3o completo (analogamente ao que se pode mostrar com o corte artificial de ovos de ouri\u00e7os marinhos, em est\u00e1dios precoces). Da\u00ed por que os g\u00eameos univitelinos possuem -subst\u00e2ncia disposicional in- teiramente igual, comportando-se em rela\u00e7\u00e3o um ao outro tal qual duas verg\u00f4nteas da mesma planta. Os g\u00eameos bivitelinos comportam-se em re- la\u00e7\u00e3o um ao outro tal qual outros irm\u00e3os, n\u00e3o se assemelhando mais do que estes. De refer\u00eancia, pois, \u00e0 pesquisa, consideram-se, apenas, os g\u00ea- meos univitelinos, que n\u00e3o s\u00e3o t\u00e3o raros: na Alemanha, para cada 80 nas- cimentos, em n\u00fameros redondos, h\u00e1 um nascimento gemelar; destes, cada um em quatro d\u00e1 g\u00eameos univitelinos."], ["A investiga\u00e7\u00e3o de g\u00eameos bivitelinos nada pode ensinar concernente ao"], ["processo heredit\u00e1rio, infrut\u00edfera que \u00e9 para a gen\u00e9tica, como an\u00e1lise dos gens. Serve, no entanto, de guia para distinguir efeitos ambientais daquilo que \u00e9 transmiss\u00edvel por heran\u00e7a. O confronto dos g\u00eameos univitelinos mostra o que pode ser transmitido- e o que resulta do efeito ambiental, visto dever-se pressupor haja neles uma subst\u00e2ncia disposicional inteira- mente igual. Chama-se a igualdade das qualidades gemelares concord\u00e2n- cia; a desigualdade, discord\u00e2ncia. O que os g\u00eameos apresentam de concor- dante, quando vivem em perimundo diverso, indica a respectiva qualidade como condicionada, provavelmente, pela heran\u00e7a; o que \u00e9 discordante tem de atribuir-se \u00e0 diversidade perimundial e \u00e0 diferen\u00e7a biogr\u00e1fica. Quando se observam g\u00eameos, impressiona extraordinariamente o modo por que se d\u00e1 a concord\u00e2ncia. N\u00e3o- impressiona menos, contudo, ver quanto certos fen\u00f4menos mesmo- de condicionamento heredit\u00e1rio radical (por exemplo, a esquizofrenia) precisam de influ\u00eancias ambientais para se manifestarem. Se a compuls\u00e3o heredit\u00e1ria fosse absoluta, sempre que um g\u00eameo- univi- telino se tornasse esquizofr\u00eanico, o outro tamb\u00e9m se tornaria, sem exce- \u00e7\u00e3o, fosse qual fosse o caso; o que acontece quase sempre, sim, mas nem sempre; Luxenburger encontrou, entre dezessete g\u00eameos seguramente univitelinos, dos quais um ficara esquizofr\u00eanico, dez esquizofr\u00eanicos entre os parceiros. Mais acentuada ainda \u00e9 a concord\u00e2ncia na debilidade mental cong\u00eanita e na epilepsia."], ["T\u00eam-se investigado criminosos entre g\u00eameos. Lange mostrou como, num par de g\u00eameos, ambos se tornam trapaceiros, impostores, lar\u00e1pios em grande estilo. Kranz observou, em g\u00eameos univitelinos, 2/3 a 3/4 cri- minalmente concordantes, ao passo que, em bivitelinos, a concord\u00e2ncia ia \u00e0 metade. Mesmo em g\u00eameos univitelinos, a disposi\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 compuls\u00f3ria em absoluto, como s\u00e3o, por exemplo, o grupo sangu\u00edneo ou os estigmas"], ["corp\u00f3reos, onde a concord\u00e2ncia vai a 100%."], ["O que faz as pesquisas sobre g\u00eameos serem essenciais s\u00e3o, sobretudo, as quest\u00f5es que suscitam. As observa\u00e7\u00f5es dos biologistas mostram que as diferen\u00e7as entre rebentos a se explicarem pelo perimundo s\u00f3 dizem res- peito, em geral, a diversidades quantitativas. Uma muta\u00e7\u00e3o completa, um comportamento alternativo entre a exist\u00eancia ou n\u00e3o exist\u00eancia de certa qualidade por efeito do ambiente \u00e9 extraordinariamente rara; por exemplo, o fato de a pr\u00edmula sinensis florescer vermelho at\u00e9 certo limite de tempera- tura; acima de 30\u00b0, ela floresce branca, embora a cor vermelha da flora\u00e7\u00e3o seja transmitida, simplesmente, por um gen. A aplica\u00e7\u00e3o da pesquisa so- bre os g\u00eameos \u00e0s doen\u00e7as mentais permite indagar, com refer\u00eancia \u00e0 es- quizofrenia, que, realmente, n\u00e3o acomete em todos os casos, ambos os g\u00ea- meos ou g\u00eameo algum: Ser\u00e1 a esquizofrenia, apenas, aumento quantita- tivo de alguma coisa que existe mesmo que n\u00e3o ocorra doen\u00e7a mental al- guma? N\u00e3o \u00e9 este o caso, clinicamente falando; o que existe, sim, \u00e9 a ir- rup\u00e7\u00e3o da psicose. Ou no meio dos gens, que s\u00f3 pelo seu entrejogo produ- zem a esquizofrenia, existe um em que se baseia uma altera\u00e7\u00e3o efetiva apenas quantitativa, condicionada pelo ambiente, o qual levaria ao desen- cadeamento de uma disposi\u00e7\u00e3o que permaneceria, de outro modo, tran- quila? Pode-se encontrar esse gen? Ainda n\u00e3o h\u00e1 resposta, porque faltam possibilidades de abordagem que resultem da investiga\u00e7\u00e3o."], ["g) A quest\u00e3o da les\u00e3o germinal.", "As les\u00f5es do embri\u00e3o ou as que ocorrem durante o nascimento afetam o indiv\u00edduo, em suas consequ\u00eancias, desde o in\u00edcio da vida; mas n\u00e3o cons- tituem disposi\u00e7\u00e3o, n\u00e3o s\u00e3o herdadas, nem transmiss\u00edveis. A quest\u00e3o \u00e9 ha- ver les\u00f5es ou altera\u00e7\u00f5es das c\u00e9lulas germinais que gerem altera\u00e7\u00f5es da disposi\u00e7\u00e3o; ou seja, alguma coisa que n\u00e3o \u00e9 herdada, mas que, pelo fato de enraizar-se na pr\u00f3pria subst\u00e2ncia heredit\u00e1ria, se possa transmitir. Es- tas s\u00e3o as muta\u00e7\u00f5es.", "N\u00e3o se t\u00eam comprovado, at\u00e9 o momento, no homem, les\u00f5es germinais"], ["neste sentido determinado, delimitado, se bem que a concep\u00e7\u00e3o m\u00e9dica vulgar as admita sempre como evidentes. Refuta\u00e7\u00e3o impressionante foi dada \u00e0 afirmativa da les\u00e3o germinal nos alcoolistas. N\u00e3o se encontrou, na descend\u00eancia de doentes de delirium tremens, ocorr\u00eancia cumulativa de inferioridades ps\u00edquicas. N\u00e3o h\u00e1, pois, no caso, les\u00e3o germinal pelo \u00e1lcool. Se o alcoolismo* exprime uma disposi\u00e7\u00e3o ps\u00edquica, esta disposi\u00e7\u00e3o se transmite. \u00c9 evidente que o alcoolismo dos doentes de delirium tremens"], ["resulta, muitas vezes, de influ\u00eancias ambientais.", "Nem se prova les\u00e3o germinal pela s\u00edfilis (frequente, sim, no entanto, \u00e9 a", "les\u00e3o do embri\u00e3o pela s\u00edfilis)."], ["h) A import\u00e2ncia da aplica\u00e7\u00e3o da gen\u00e9tica \u00e0 psicopatologia, apesar dos"], ["resultados at\u00e9 o momento negativos.", "A tentativa de encontrar na psicopatologia, mesmo em condi\u00e7\u00f5es t\u00e3o desfavor\u00e1veis para a pesquisa, regularidades que digam respeito ao pro- cesso heredit\u00e1rio n\u00e3o tem levado a resultados positivos definitivos, no sen- tido dos conhecimentos gen\u00e9ticos; apesar, \u00e9 certo, de esfor\u00e7os indiz\u00edveis e procedimentos dos mais refinados. Mas a tentativa serviu, mediante cui- dadosa coleta de material e medita\u00e7\u00e3o, para esclarecer o campo dos pro- blemas, mesmo naqueles pontos em que o trabalho falhara. Nesta medida, o trabalho n\u00e3o foi infrut\u00edfero.", "1. Toda reflex\u00e3o sobre a heran\u00e7a das doen\u00e7as mentais possibilitou o aumento da exatid\u00e3o e da sensibilidade cr\u00edtica. O refinamento dos m\u00e9to- dos estat\u00edsticos levou a resultados, conquanto n\u00e3o se os possam incluir em categorias da gen\u00e9tica propriamente dita.", "2. Com base na gen\u00e9tica e na tentativa de aplic\u00e1-la, ganharam-se pers-", "pectivas das possibilidades; formou-se ideia da complexidade na qual se acham as conex\u00f5es do evento heredit\u00e1rio; e ficou-se a salvo de explica\u00e7\u00f5es grosseiras, por demais simples. Impressiona o car\u00e1ter decisivo que se nota nesses processos b\u00e1sicos da vida, dentro do contexto heredit\u00e1rio. Sabemos nossa ignor\u00e2ncia. A experi\u00eancia que resultou da inanidade da primeira abordagem e das grandezas ignoradas, em excesso hipot\u00e9ticas, esclareceu o sentido apenas grosseiramente emp\u00edrico dos fatos rudimentares at\u00e9 o momento verificados."], ["Como \u00e9 frequente ocorrer, na vida, estamos numa situa\u00e7\u00e3o em que ve- mos, certamente, complexidade assombrosa, sem, por\u00e9m, penetr\u00e1-la. To- camos, por enquanto e apenas de fora, num evento vital que \u00e9 simples em seus tra\u00e7os fundamentais, infinitamente rico e variado em seu desenvolvi- mento; isso, contudo, de tal modo que n\u00e3o conseguimos atingir, exata- mente, essa simplicidade, mas s\u00f3 contorn\u00e1-lo na multiplicidade de rela- \u00e7\u00f5es infinitas, que, com certeza, se prendem, seja onde for, \u00e0quele funda- mento, sem, no entanto, permitir, apesar de seu ac\u00famulo, que dele nos aproximemos, propriamente."], ["3. O insucesso da aplica\u00e7\u00e3o da gen\u00e9tica aos fen\u00f4menos psicopatol\u00f3gi-", "cos aponta, de maneira cada vez mais nitidamente obrigat\u00f3ria, para a abordagem som\u00e1tica, como \u00fanico ponto por onde atacar de forma met\u00f3- dica, se quisermos ganhar perspectivas. Importa encontrar caracter\u00edsticas som\u00e1ticas das doen\u00e7as que possam ser unidades heredit\u00e1rias. O conheci- mento da heran\u00e7a ps\u00edquica \u00e9 limitado pela imprecis\u00e3o permanente dos fe- n\u00f4menos."], ["Entretanto, feita esta ressalva, torna-se poss\u00edvel indagar, inversa- mente, se h\u00e1, porventura, heran\u00e7a que se possa apreender nas categorias at\u00e9 o momento vigentes da gen\u00e9tica. \u00c9 certo que o conhecimento exato re- sultante das ci\u00eancias naturais se prende \u00e0s vias gen\u00e9ticas, mas a perspec- tiva se estreitaria, se menosprez\u00e1ssemos, simplesmente, pela absolutiza- \u00e7\u00e3o da gen\u00e9tica, o campo obscuro das conex\u00f5es de outra ordem que dizem respeito \u00e0 heran\u00e7a ps\u00edquica. Da\u00ed n\u00e3o se poder desprezar a vis\u00e3o hist\u00f3rica das fam\u00edlias. Aquilo que n\u00e3o se pode generalizar n\u00e3o deixa, contudo, de dar um quadro que excede o espa\u00e7o no qual se mant\u00e9m, estrito, aquilo que \u00e9 generaliz\u00e1vel. \u00c9 prov\u00e1vel que os conceitos fundamentais e as ideias que at\u00e9 o momento se lograram formular, no campo da gen\u00e9tica, n\u00e3o bas- tem para explicar o evento heredit\u00e1rio total; particularmente, no homem."], ["\u00a7 4. O Retorno A Uma Estat\u00edstica Emp\u00edrica De Car\u00e1ter Provis\u00f3rio"], ["N\u00e3o se puderam, de in\u00edcio, na psicopatologia, preencher as pretens\u00f5es"], ["de alta monta que consistiam em reconhecer a heran\u00e7a como maneira eventual da transmiss\u00e3o das unidades heredit\u00e1rias. Todavia, embora n\u00e3o se possa chegar a progn\u00f3stico heredit\u00e1rio exato, em termos mendelianos, conviria, em todo caso, saber, de modo grosseiramente emp\u00edrico, em que medida, uma vez dada certa carga, se h\u00e1 de avaliar a expectativa nosol\u00f3- gica. Em lugar de inquirir a transmiss\u00e3o de unidades heredit\u00e1rias, volta-se a indagar da hereditariedade de tipos fenom\u00eanicos de natureza complexa \u2014 debilidade mental, esquizofrenia, doen\u00e7as man\u00edaco-depressivas, epilep- sia. Os resultados que se haviam conseguido, atrav\u00e9s de antigas concep- \u00e7\u00f5es b\u00e1sicas readquirem valor. N\u00e3o se h\u00e1 de abandon\u00e1-los pelo fato de n\u00e3o se apreenderem, geneticamente falando. Atualmente, a diferen\u00e7a em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 estat\u00edstica maci\u00e7a anterior est\u00e1, contudo, em primeiro lugar, no fato de saber-se, claramente, o que se faz; de trabalhar-se sobre o fundo do conhecimento referente ao evento heredit\u00e1rio-biol\u00f3gico propriamente dito, que ainda n\u00e3o se pode estabelecer, neste caso; em segundo lugar, no"], ["fato de ajuntar-se o material por forma muito mais apurada e cr\u00edtica. A fi- nalidade \u00e9 de ordem pr\u00e1tica: querem-se progn\u00f3sticos prov\u00e1veis. O conhe- cimento da heran\u00e7a no homem n\u00e3o pode estar \u00e0 espera de que se possibi- lite o esclarecimento biol\u00f3gico fundamental. Ningu\u00e9m contesta mais que a heran\u00e7a desempenhe papel nas psicoses. O que se deve determinar n\u00e3o \u00e9 a hereditariedade, e sim a respectiva extens\u00e3o. A vis\u00e3o geneal\u00f3gica j\u00e1 clari- ficou, de h\u00e1 muito, como se acumulam doen\u00e7as mentais em certas fam\u00ed- lias. E de longa data se sabe o horror que os pais sentem, quando t\u00eam de ver nos filhos, num caso ou outro, aquilo que j\u00e1 fez sofrer, desmedida- mente, gera\u00e7\u00f5es anteriores; e sabe-se da temeridade que implica correr o risco, mesmo que as oportunidades se afigurem, em globo, favor\u00e1veis. A estat\u00edstica cr\u00edtica pretende, agora, mostrar, com base em cifras, a probabi- lidade da doen\u00e7a, considerando cargas de tipos diversos."], ["Encontram-se quadros ou tabelas dos \u00faltimos resultados em Luxen- burger. Por exemplo, quando se parte de doentes man\u00edaco-depressivos, a probabilidade nosol\u00f3gica \u00e9, nos irm\u00e3os respectivos, 13,5%; filhos, 32,3%; primos, 2,5%; sobrinhos, 3,4% ao passo que, em parentes da popula\u00e7\u00e3o m\u00e9dia, a probabilidade monta a 0,44% (Stroemgren 0,20).", "Na epilepsia idiop\u00e1tica, as cifras correspondentes s\u00e3o: irm\u00e3os, 3%; fi-"], ["lhos 10% popula\u00e7\u00e3o m\u00e9dia 0,3% (Stroemgren, 0,35)."], ["Na esquizofrenia: irm\u00e3os, 7,5%; filhos, 9,1%; netos, 2,4%; popula\u00e7\u00e3o"], ["geral, 0,85% (Stroemgren, 0,66).", "A probabilidade nosol\u00f3gica n\u00e3o se limita, por\u00e9m, \u00e0s psicoses, mas tam-", "b\u00e9m se encontram, entre os parentes, muito psicopatas e outros tipos anormais."], ["A medida em que se avalia o risco, no campo individual, depende do ponto de vista em que se faz o confronto. Se se virem ficar esquizofr\u00eanicos 10%, em cifras redondas, de crian\u00e7as das quais um progenitor \u00e9 esquizo- fr\u00eanico, isso significa que uma crian\u00e7a em 10 corre o perigo; mas este n\u00e3o \u00e9 aniquilador, de modo geral. Se, todavia, se fizer o confronto com as cri- an\u00e7as da popula\u00e7\u00e3o m\u00e9dia, que ficam esquizofr\u00eanicas na percentagem (termos redondos) de 0,8% \u2014 portanto, menos de uma crian\u00e7a em 100 -\u2014 o risco, havendo um progenitor esquizofr\u00eanico, aumenta extraordinaria- mente (acrescem-se as frequentes anormalidades nas outras crian\u00e7as e a possibilidade de ulterior transmiss\u00e3o pelos filhos, eles pr\u00f3prios n\u00e3o afeta- dos). A probabilidade m\u00e1xima de risco, relativamente a filhos de um proge- nitor man\u00edaco-depressivo, vai a 32%, de modo que, em 3 filhos, um ado- ece."], ["Se ambos os pais forem esquizofr\u00eanicos, n\u00e3o duplica a probabilidade nos filhos, mas quadruplica, subindo de 10%, mais ou menos, a uns 40%."], ["Em conex\u00e3o com a teoria da heran\u00e7a de doen\u00e7as ps\u00edquicas, \u00e9 conveni- ente fazer uma advert\u00eancia, nos tempos que correm1. T\u00eam-se pretendido transformar em \"higiene racial\u201d, com fins at\u00e9 de procedimento humano, relativamente aos casamentos e \u00e0 reprodu\u00e7\u00e3o, os ensinamentos absoluta- mente incompletos da hereditariedade; ensinamentos que n\u00e3o se prestam, de modo algum, \u00e0 aplica\u00e7\u00e3o pr\u00e1tica. A falta de conhecimento suficiente veda que assim se fa\u00e7a. Mesmo, entretanto, que disponha de conhecimen- tos muito mais aprofundados atinentes \u00e0s conex\u00f5es reais, o pesquisador cient\u00edfico deve abster-se de tirar consequ\u00eancias \u00e9ticas de seus conheci- mentos; consequ\u00eancias que uma personalidade livremente determinada considerar\u00e1 ch\u00e3s, grosseiras e absurdas. A ci\u00eancia natural n\u00e3o tem de eri- gir exig\u00eancias, mas de constatar fatos e, constatando-os, comunic\u00e1-los. Com base neles e consciente das consequ\u00eancias, \u00e9 s\u00f3 a personalidade in- dividual que decide como proceder; ou qualquer for\u00e7a que emane de ou- tras concep\u00e7\u00f5es filos\u00f3ficas, a cujo comando se subordine; nunca, por\u00e9m, \u00e0 ci\u00eancia."], ["1 (escrito em 1913 e v\u00e1lido at\u00e9 hoje, sem altera\u00e7\u00f5es)"], ["3.3. SOBRE O SENTIDO E O VALOR DAS TEORIAS"], ["\u00a7 1. Caracteriza\u00e7\u00e3o Das Teorias"], ["a) A ess\u00eancia das teorias.", "Quando se determina e quando se quer apreender uma conex\u00e3o cau- sal, acrescenta-se, mentalmente, aos fen\u00f4menos alguma coisa que lhes \u00e9 b\u00e1sica. O dom\u00ednio da categoria causal e a ideia de um evento b\u00e1sico s\u00e3o os dois momentos de todas as teorias.", "Em psicologia, estas caracter\u00edsticas dizem respeito a um extra- consci-", "ente, isto \u00e9, \u00e0quilo que \u00e9 mentalizado como fundamental \u00e0 vida ps\u00edquica consciente; fundamento de que \u00e9 dado fazer imagens poss\u00edveis e que nunca \u00e9 diretamente acess\u00edvel, mas sempre apenas inferido. S\u00e3o, justa- mente, estas ideias do que \u00e9 b\u00e1sico ou fundamental que se chamam teo- rias.", "A conex\u00e3o te\u00f3rica causal \u00e9 dupla: os efeitos extraconscientes sobre o extraconsciente e os efeitos do extraconsciente que aparecem em manifes- ta\u00e7\u00f5es da consci\u00eancia e nas evid\u00eancias dos fatos particulares. As rela\u00e7\u00f5es causais que se encontram nos elementos b\u00e1sicos produzem os fen\u00f4menos.", "Sejam quais forem as ideias te\u00f3ricas pelas quais se opte, sempre se"], ["h\u00e3o de referir, por serem b\u00e1sicas, \u00e0 categoria da causalidade; e sejam quais forem as conex\u00f5es causais que se pensem, sempre se lhes pensar\u00e1 alguma coisa como b\u00e1sico. A pesquisa esbarra sempre nos limites em que emerge a quest\u00e3o te\u00f3rica. S\u00f3 os fen\u00f4menos subjetivos \u00e9 que s\u00e3o, direta- mente, acess\u00edveis, bem como, os dados objetivos. Subsiste evidente, ape- nas, a conex\u00e3o compreens\u00edvel. Quando cessa a compreens\u00e3o, come\u00e7a a in- daga\u00e7\u00e3o causal. Quando es estabelece uma conex\u00e3o causal, tem-se encon- trado o ponto de ataque da teoria."], ["N\u00e3o se confundam as teorias com outras forma\u00e7\u00f5es mentais hipot\u00e9ti- cas ou construtivas. N\u00e3o aceitamos como teorias as suposi\u00e7\u00f5es antecipati- vas sobre fatos que ainda est\u00e3o por encontrar-se; por exemplo, no tocante \u00e0s ideias sobre a localiza\u00e7\u00e3o cerebral, ou quanto a saber se se trata de su- posi\u00e7\u00f5es determinadas, que deixam de ser suposi\u00e7\u00f5es diante de um achado; ou se se trata de ideias relativas ao todo essencial da vida ps\u00ed- quica, as quais n\u00e3o subsistem verific\u00e1veis, conforme seu sentido sen\u00e3o in- diretamente; donde constitu\u00edrem sempre uma teoria da vida ps\u00edquica. \u2014", "Tamb\u00e9m n\u00e3o chamamos teoria a constru\u00e7\u00e3o, que permanece concreta, de um tipo ideal das conex\u00f5es compreens\u00edveis, dos caracteres etc. \u2014 Enfim, nem chamamos teorias as ideias de totalidades, que significam uma via para a pesquisa; qual seja, a ideia da unidade nosol\u00f3gica, da constitui\u00e7\u00e3o."], ["O valor das teorias deve estar no fato de reduzirem uma quantidade de fen\u00f4menos variados a um evento b\u00e1sico. A express\u00e3o \u201creduzir\u201d tem sentido diverso, conforme o ponto de vista sob o qual alguma coisa ps\u00edquica se re- duza a alguma coisa diferente, ou alguma coisa complexa se reduza a al- guma coisa mais simples. Pode-se falar em \u201credu\u00e7\u00e3o\u201d, por exemplo, quando se faz decomposi\u00e7\u00e3o fenomenol\u00f3gica em elementos que se viven- ciem imediatamente; quando se compreende uma viv\u00eancia como resul- tante de outra; quando se reconhece existente uma realidade ps\u00edquica como dependente de condi\u00e7\u00f5es que n\u00e3o se percebem (por exemplo, percep- \u00e7\u00e3o espacial pelos movimentos dos m\u00fasculos oculares; quando se reco- nhece causalmente a exist\u00eancia de uma forma\u00e7\u00e3o ps\u00edquica (por exemplo, um tipo de personalidade pela heran\u00e7a etc.). Acres\u00e7a-se a redu\u00e7\u00e3o dos fa- tos a um evento causal teoricamente pensado e b\u00e1sico."], ["b) As ideias fundamentais em psicopatologia.", "O campo das ideias te\u00f3ricas \u00e9 o extraconsciente. Todas as teorias di-", "zem respeito a alguma coisa que se pensa como b\u00e1sica \u00e0 vida ps\u00edquica; e que, no entanto, causa a vida ps\u00edquica consciente. Para isso, h\u00e1 diversos voc\u00e1bulos: disposi\u00e7\u00e3o, constitui\u00e7\u00e3o, potencialidade, poder, capacidade, for\u00e7a, mecanismo etc."], ["Nas\u2019 teorias, sempre reaparece uma quantidade de ideias caracter\u00edsti-", "cas. Pensa-se o que \u00e9 b\u00e1sico segundo analogias, ou qu\u00edmico-mecanica- mente (ideia de elementos e respectiva liga\u00e7\u00e3o, de cis\u00e3o no psiquismo); ou energeticamente (for\u00e7a ps\u00edquica ou biol\u00f3gica e respectivas transforma- \u00e7\u00f5es); ou organicamente (ideia de ordenamentos hier\u00e1rquicos e teleol\u00f3gi- cos); ou psiquicamente (quer pela absolutiza\u00e7\u00e3o de fen\u00f3menos ps\u00edquicos particulares, quer pela cria\u00e7\u00e3o de um psiquismo consciente, tal qual tudo acontecesse na consci\u00eancia; apenas, contudo, sem se perceber); enfim, tem-se em vista um extraconsciente indiferente, que \u00e9 s\u00f3 mentado, e n\u00e3o representado de qualquer modo concreto. A nenhuma dentre estas possi- bilidades escapa o pensamento psicol\u00f3gico. \u00c9 sempre de ideias-modelo do fundamental que se trata, atrav\u00e9s de analogias e, ali\u00e1s, de analogias que resultam daquilo que. n\u00e3o \u00e9 vivo, da vida mesma e da viv\u00eancia ps\u00edquica. Para come\u00e7ar, faremos breve revis\u00e3o destas ideias."], ["1. Teorias Mec\u00e2nicas", "aa) A ideia de que o psiquismo se comp\u00f5e de elementos que se ligam uns aos outros foi exposta no mecanismo da associa\u00e7\u00e3o. A conex\u00e3o dos elementos \u00e9 pensada em termos de autoexcita\u00e7\u00e3o rec\u00edproca, de estrutura- \u00e7\u00e3o no ordenamento, \u00e0 maneira de pequenos tijolos; em termos de vincu- la\u00e7\u00e3o que forma nova unidade, como se se tratasse de combina\u00e7\u00f5es qu\u00edmi- cas. Fala-se em misturas e dissocia\u00e7\u00f5es, condensa\u00e7\u00f5es e deslocamentos.", "bb) A ideia de que o psiquismo se pode cindir baseia-se no pressuposto"], ["concreto de observa\u00e7\u00f5es heterog\u00eaneas. H\u00e1 a viv\u00eancia do desdobramento pr\u00f3prio e tamb\u00e9m as viv\u00eancias dos pacientes, no sentido de se lhes apre- sentarem conte\u00fados pr\u00f3prios sob a forma de vozes, que se configuram em personalidades completas. H\u00e1 a perda total das recorda\u00e7\u00f5es, as quais mostram sua perman\u00eancia fatual pela possibilidade de se fazerem, nova- mente, acess\u00edveis \u00e0 consci\u00eancia. H\u00e1 a contradi\u00e7\u00e3o entre pensamentos e atos do indiv\u00edduo, quer entre uns e outros, quer com \u201ca realidade\u201d. De to- das estas conclus\u00f5es resultou a afirma\u00e7\u00e3o de uma cis\u00e3o do psiquismo, ci- s\u00e3o a que se deu o nome de dissocia\u00e7\u00e3o, sejun\u00e7\u00e3o, desintegra\u00e7\u00e3o da cons- ci\u00eancia, desintegra\u00e7\u00e3o da individualidade.", "2. Teorias Energ\u00e9ticas", "As teorias energ\u00e9ticas veem o psiquismo extraconsciente como uma for\u00e7a possuidora de propriedades quantitativas; for\u00e7a que flui, que se pode alterar, represar-se em resist\u00eancias, com o que aumentar\u00e1; que se pode prender a conte\u00fados e passar de um conte\u00fado a outro. Pensa-se a cone- x\u00e3o como transforma\u00e7\u00e3o da energia, que se apresenta na modifica\u00e7\u00e3o dos fen\u00f4menos."], ["A ideia de uma for\u00e7a serve ou ao esclarecimento do curso ps\u00edquico mo- ment\u00e2neo (e considera-se carregado de mais for\u00e7a o conte\u00fado que se situa bem no centro da aten\u00e7\u00e3o); ou esta ideia se refere aos afetos, paix\u00f5es e im- pulsos, que s\u00e3o a energia ps\u00edquica, esta crescendo, descarregando-se, es- gotando-se; recalcando-se e trans- formando-se; transferindo-se para ou- tros conte\u00fados.", "Ou ainda a mesma ideia refere-se ao estado total da vida ps\u00edquica, pensando-se com grandeza diversa, em estados diversos, o quantum da for\u00e7a ps\u00edquica. Assim \u00e9 que uma energia vital peculiar \u00e0 unidade existen- cial deve determinar o ritmo e o funcionamento de todos os \u00f3rg\u00e3os e, pois, tamb\u00e9m do c\u00e9rebro e da psique; deve estar, subjetivamente, no sentimento de vitalidade e de energia; objetivamente, na efici\u00eancia dos rudimentos."], ["Declaram- se ast\u00e9nicos os caracteres e temperamentos quando vem a pri- meiro plano um elemento de fraqueza, in\u00e9rcia, diminui\u00e7\u00e3o da capacidade de trabalho, debilitando-se os impulsos e desmaiando os sentimentos, ex- tinguindo-se a vontade.", "3. Teorias Org\u00e2nicas", "aa) A teoria da vida. Pensa-se o todo vital \u2014 de maneira inteiramente imprecisa \u2014 como alguma coisa que \u00e9 mais do que simples exist\u00eancia: a corrente vital, a plenitude existencial, um devenir b\u00e1sico, visto sob cujo aspecto tudo quanto \u00e9 som\u00e1tico \u2014 morfol\u00f3gico e fisiol\u00f3gico \u2014 toda consci- \u00eancia e todo eu mais n\u00e3o s\u00e3o do que instrumento insignificante de qual- quer coisa superior (influ\u00eancia das ideias de Nietzsche). Explicam-se os fe- n\u00f3menos por um sentido e finalidade transcendentes, que t\u00eam na conser- va\u00e7\u00e3o da exist\u00eancia um objetivo parcial, apenas; derivado, sem condicio- namento. Explicam-se os fen\u00f3menos m\u00f3rbidos da vida ps\u00edquica individual por dist\u00farbios do todo que constitui a vitalidade. Fala-se em \u201cpensamento biol\u00f3gico\u201d, sem refer\u00eancia ao que \u00e9 cient\u00edfico-natural, ao pensamento que conhece a vida pela qu\u00edmica e pela f\u00edsica; nem \u00e0s pesquisas morfol\u00f3gicas e ambientais dos biologistas; enfim, a no\u00e7\u00e3o alguma que. seja determinada e, portanto, particular. Na realidade, a vida vem a ser conceito do todo, como acontece na filosofia do jovem Hegel, na filosofia da vida do roman- tismo e de \u00e9poca ulterior, ora influenciada pelos resultados das investiga- \u00e7\u00f5es biol\u00f3gicas, cujo sentido se desloca pelo seu emprego como para- digma, ou mediante absolutiza\u00e7\u00e3o."], ["bb) A teoria dos graus e dos estratos. A analogia com o que \u00e9 org\u00e2nico", "est\u00e1 nas ideias relativas \u00e0 estrutura hier\u00e1rquica das fun\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas. Pensa-se a vida ps\u00edquica como um todo em que tudo tem seu lugar, de tal modo, por\u00e9m, que tudo, por assim dizer, se disp\u00f5e numa pir\u00e2mide de es- tratos com v\u00e9rtice supremo; este se considera a mais vital realidade. A co- nex\u00e3o acha-se nas rela\u00e7\u00f5es finalidade-meio de um sentido existencial."], ["Exemplos de teorias que concebem estratos s\u00e3o as seguintes: Janet v\u00ea", "as fun\u00e7\u00f5es numa s\u00e9rie descendente: na ponta, est\u00e1 a \u201cfun\u00e7\u00e3o da reali- dade\u201d, que se manifesta na vontade, na aten\u00e7\u00e3o e no sentimento realista do momento\u2019; segue-se a \u201catividade desinteressada\u201d: depois, a fun\u00e7\u00e3o das \u201cimagens\u201d (fantasia); depois, a \u201crea\u00e7\u00e3o visceral dos sentimentos\u201d; por fim, os \u201cmovimentos in\u00fateis do corpo\u201d. \u2014 Kohnstamm distingue:", "1) Supraconsci\u00eancia.", "2) Subconsci\u00eancia vivenciante e subconsci\u00eancia estruturante."], ["3) Subconsci\u00eancia mais profunda, impessoal.", "Neuda distingue uma \u201ccausalidade de ordem inferior, que, por ess\u00ean- cia, s\u00f3 influencia o afeto, porque s\u00f3 se torna v\u00e1lida como est\u00edmulo e n\u00e3o como motivo\u201d, contrastando com o ato, que, normalmente, nunca existe sem motivo."], ["Assim tamb\u00e9m Kretschmer, que distingue tr\u00eas estratos:", "1) Motivo vivencial. \u2014 Ato final\u00edstico.", "2) Est\u00edmulo vivencial \u2014 Negativismo, automatismo ao comando, tens\u00e3o"], ["muscular etc.", "3) Est\u00edmulo sensorial \u2014 Arco reflexo \u2014 Contra\u00e7\u00e3o muscular.", "Em ordem ascendente, Kretschmer chama estes estratos: aparelho re- flexo, hipobulia, inst\u00e2ncia finalista, descobrindo-os em sucess\u00e3o de acordo -com um desenvolvimento ontogen\u00e9tico e filogen\u00e9tico, presente, ao mesmo tempo, no homem de hoje em dia.", "A teoria dos estratos serve para explicar certos sintomas, em fun\u00e7\u00e3o da"], ["demoli\u00e7\u00e3o dos estratos superiores. Analogamente aos fatos neurol\u00f3gicos, imagina-se uma desinibi\u00e7\u00e3o, pela qual se tornam aut\u00f4nomos e mais atu- antes certos estratos inferiores. Ou concebe-se uma distens\u00e3o, tal qual ocorre no sono, distens\u00e3o que liberta .as fun\u00e7\u00f5es particulares de sistemas ent\u00e3o isolados. Pela teoria de Janet, as fun\u00e7\u00f5es superiores devem ter-se enfraquecido na psicastenia; onde autonomizarem-se as inferiores. Jack- son v\u00ea as ilus\u00f5es, por exemplo, n\u00e3o como sendo causadas pela doen\u00e7a, mas como manifesta\u00e7\u00f5es vitais dos estratos inferiores, que subsistiram no paciente. Fala em supravida situada nalgum n\u00edvel estrutural inferior, que, entretanto, se tomou superior, no momento. As desinibi\u00e7\u00f5es permitem as \u201crea\u00e7\u00f5es primitivas\u201d (Kretschmer). Concebe-se a demoli\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m com refer\u00eancia ao desenvolvimento filogen\u00e9tico ou hist\u00f3rico do homem. O que era sua vida, em tempos remotos, restabelece-se pela demoli\u00e7\u00e3o; da\u00ed retor- narem estratos funcionais arcaicos, que se desvinculam pela destrui\u00e7\u00e3o dos estratos recentemente superpostos (na realidade, por\u00e9m, n\u00e3o conhece- mos estratos, quer biol\u00f3gicos, quer arcaicos, de exist\u00eancia anterior; como \u00e9 frequente acontecer, trata-se de simples teoria, n\u00e3o verific\u00e1vel)."], ["4. Teorias Ps\u00edquicas", "Tomam-se os fen\u00f4menos ps\u00edquicos como ponto de partida de uma teo-", "ria, quando se os consideram a vida ps\u00edquica mesma; e quando se lhes", "aceita a peculiaridade como paradigma de toda a vida ps\u00edquica. Costu- mava-se, antigamente, ter o pensamento como ess\u00eancia da vida ps\u00edquica e todos os fen\u00f4menos se explicavam, \u201cracionalisticamente\u201d, pelo pensa- mento e pelas ideias. Da\u00ed a sensibilidade (sensualismo), a viv\u00eancia do eu, a viv\u00eancia do tempo, a vida sentimental, o impulso (libido) etc, serem consi- derados a pr\u00f3pria psique. As teorias ps\u00edquicas partem da absolutiza\u00e7\u00e3o de fen\u00f4menos ps\u00edquicos individuais, de forma que as ideias, te\u00f3ricas veem nestes o paradigma de todo evento ps\u00edquico."], ["\u00a7 2. Exemplos De Forma\u00e7\u00f5es Te\u00f3ricas Em Psicopatologia", "Para fazer ideia das teorias, conv\u00e9m dar informa\u00e7\u00e3o cr\u00edtica a respeito de alguns esquemas extremamente heterog\u00eaneos em rela\u00e7\u00e3o uns aos ou- tros. Todos encerram uma quantidade de ideias, especulativas. Por volta dos \u00faltimos anos do s\u00e9culo XIX e primeiros do s\u00e9culo XX, Wernicke e Freud criaram os que at\u00e9 hoje mais influ\u00eancias t\u00eam exercido. Nos \u00faltimos anos, a teoria que parece mais original \u00e9 a \u201cpsicologia gen\u00e9tico-constru- tiva\u201d, conforme, a tentaram von Gebsattel, Strauss e outros."], ["a) Wernicke."], ["Se se podem localizar no c\u00e9rebro os dist\u00farbios mentais, \u00e9 natural en- caminhar a pesquisa no sentido de construir, por antecipa\u00e7\u00e3o, aquilo que vir\u00e1 a reconhecer-se, mais tarde, anatomicamente; com o que se- transfor- mar\u00e1 em achado emp\u00edrico. Mas se as doen\u00e7as mentais forem consideradas doen\u00e7as do c\u00e9rebro no sentido de poderem-se conceituar, absolutamente, a partir de processos ou como sendo processos cerebrais, nesse caso, a ideia da localiza\u00e7\u00e3o anat\u00f4mica se transforma em teoria. A conceitualidade do psiquismo baseado no c\u00e9rebro tem validade objetivo-final significativa mesmo que n\u00e3o se devam esperar achados cerebrais. Ambos os motivos \u2014 a constru\u00e7\u00e3o que antecipa, por suposi\u00e7\u00e3o, a experi\u00eancia e a teoria total da vida ps\u00edquica \u2014 unem-se no esquema de Wernicke. Concebe-se a vida ps\u00ed- quica como id\u00eantica, em seus elementos e conex\u00f5es, aos elementos e es- truturas cerebrais. Representa-se a psique espacialmente. Assim pen- sando, t\u00eam-se em vista, de princ\u00edpio, n\u00e3o a vida ps\u00edquica, mas, de prefe- r\u00eancia, o c\u00e9rebro e a neurologia, a fim de formar conceito psicopatol\u00f3gico. S\u00f3 provisoriamente, \u00e0 falta de acesso direto, \u00e9 que se procurou apoio tam- b\u00e9m nos fen\u00f4menos ps\u00edquicos como tais. O que levou a esta concep\u00e7\u00e3o, al\u00e9m de uma vis\u00e3o baseada na pura ci\u00eancia natural, foram, sobretudo, as"], ["descobertas dos dist\u00farbios af\u00e1sicos. Da\u00ed haver-se a afasia tornado estreia condutora para Wernicke. O fato de estes dist\u00farbios estarem ligados a \u00e1reas cerebrais, bem como as ideias, embora question\u00e1veis, \u00fateis para a respectiva an\u00e1lise, Wernicke os transp\u00f4s para todos os dist\u00farbios da vida ps\u00edquica, menosprezando a circunst\u00e2ncia de a afasia ser, apenas, dist\u00far- bio dos instrumentos, n\u00e3o da pr\u00f3pria vida ps\u00edquica. \u201cToda doen\u00e7a mental\u201d, disse ele, \u201cna medida em que aparece em manifesta\u00e7\u00f5es distorcidas da fala, d\u00e1-nos exemplo de afasia transcortical\u201d. Porque a afasia transcortical devia resultar n\u00e3o de les\u00e3o dos campos de proje\u00e7\u00e3o que se acham no c\u00f3r- tex cerebral, mas, sim, das vias de condu\u00e7\u00e3o entre estes, Wernicke expli- cou as doen\u00e7as mentais, de modo geral, como sendo doen\u00e7as do \u201c\u00f3rg\u00e3o da associa\u00e7\u00e3o\u201d. Pela sua concep\u00e7\u00e3o, fundem-se entre si fibras anat\u00f4micas condutoras e associa\u00e7\u00f5es psicol\u00f3gicas.", "De acordo com o esfor\u00e7o n\u00e3o s\u00f3 por ver nas doen\u00e7as mentais, em geral,"], ["doen\u00e7as do c\u00e9rebro, mas ainda por conceitu\u00e1-las tamb\u00e9m no particular como tais, Wernicke deixa-se dominar pela ideia do arco reflexo ps\u00edquico, s\u00f3 considerando relevantes para a pesquisa e existentes, realmente, os sintomas objetivos, isto \u00e9, movimentos (a motilidade), de par com o tipo es- pecial respectivo que \u00e9 a fala. Diz ele que -afinal, nada mais se encontra que observar e descobrir do que movimentos; e que toda a psicopatologia das doen\u00e7as mentais em mais n\u00e3o consiste que n\u00e3o sejam as peculiarida- des de seu comportamento motor\u201d. Raramente Wernicke percebe \u2014 e es- quece-o, em discuss\u00f5es de princ\u00edpio \u2014- que a motilidade \u00e9, sim, o \u00fanico instrumento de comunica\u00e7\u00e3o, mas que, na imensa maioria dos casos, n\u00e3o \u00e9 este instrumento, e sim o que ele exprime que interessa."], ["Na realidade, por\u00e9m, Wernicke precisa formar muitos conceitos pura- mente psicol\u00f3gicos, os quais t\u00eam de ser tais que sirvam como elementos localiz\u00e1veis; que t\u00eam de se definir com precis\u00e3o; de exprimir, por assim di- zer, o psiquismo; de transformar- se numa quantidade de pequenos tijo- los. Para tanto, melhor do que qualquer outra, lhe h\u00e1 de servir a teoria da associa\u00e7\u00e3o grosseiramente concebida, capaz de lev\u00e1-lo onde quer que seja. Tudo na vida ps\u00edquica \u00e9 associa\u00e7\u00e3o de elementos; por exemplo, o conceito \u00e9 uma \u201csoma de associa\u00e7\u00f5es\u201d das imagens mn\u00eamicas. Aquelas associa\u00e7\u00f5es que s\u00e3o \u201ciguais, aproximadamente\u201d, para todos os indiv\u00edduos s\u00e3o, para Wernicke, \u201cas associa\u00e7\u00f5es geralmente v\u00e1lidas\u201d. Assim \u00e9 que tamb\u00e9m a exatid\u00e3o se h\u00e1 de atribuir a alguma coisa mec\u00e2nica, ou seja, a m\u00e9dia. Nas vias associativas, move-se uma corrente de est\u00edmulos. Os elementos s\u00e3o localiz\u00e1veis em determinados lugares. Mesmo as altera\u00e7\u00f5es \u201cde conte\u00fado\u201d (as paranoicas, no sentido mais amplo) se concebem como localiz\u00e1veis,"], ["possuindo \u201co valor de sintomas focais\u201d, embora tamb\u00e9m os focos se postu- lem, apenas, anatomicamente. Certo agrupamento destes sintomas de conte\u00fado assinala determinada disposi\u00e7\u00e3o anat\u00f4mica mesmo nas vias as- sociativas. Por isto \u00e9 que a todas as outras tentativas de classifica\u00e7\u00e3o dos dist\u00farbios ps\u00edquicos Wernicke op\u00f5e a sua: \u201cNossa base mais recente para classifica\u00e7\u00e3o \u00e9 a disposi\u00e7\u00e3o anat\u00f4mica; noutras palavras, a do agrupa- mento e sucess\u00e3o naturais das altera\u00e7\u00f5es de conte\u00fado\u201d."], ["No que diz respeito aos conceitos psicol\u00f3gicos, aos elementos do psi- quismo, que lhe possibilitam, em todos os pontos, a classifica\u00e7\u00e3o, \u00e9 natu- ral n\u00e3o haja Wernicke podido inquirir, de fato, a anatomia. Forma-os sem dizer de que maneira os conseguiu, gra\u00e7as a um dom manifesto de ver o psiquismo em grandes tra\u00e7os e estrutur\u00e1-lo em discrimina\u00e7\u00f5es acertadas. De in\u00edcio, alinha lado a lado as partes do \u201carco reflexo ps\u00edquico\u201d, sensibili- dade, fun\u00e7\u00e3o intraps\u00edquica, motilidade, vendo em cada uma das tr\u00eas \u00e1reas a possibilidade de suprafun\u00e7\u00e3o, subfun\u00e7\u00e3o e disfun\u00e7\u00e3o. Em seguida, dis- crimina nos movimentos: movimentos expressivos, movimentos reativos, movimentos iniciativos; nos conte\u00fados: a consci\u00eancia do- mundo exterior, da corporeidade e da personalidade (por isto \u00e9 que existe orienta\u00e7\u00e3o alops\u00edquica, somatops\u00edquica e autops\u00edquica dos doentes). Mais do que tudo, entretanto, Wernicke faz uma distin\u00e7\u00e3o que, a seu ver, deve isolar o que \u00e9, propriamente, patol\u00f3gico, quando separa o \u201cdel\u00edrio de explica\u00e7\u00e3o\u201d do del\u00edrio verdadeiro. O que s\u00f3 a vida ps\u00edquica compreens\u00edvel normal desen- volve a partir da vida que nela irrompe por for\u00e7a de processos cerebrais patol\u00f3gicos n\u00e3o \u00e9, em si mesmo, que \u00e9 patol\u00f3gico, embora se fa\u00e7a, \u00e0s ve- zes, muito extenso. Com an\u00e1lises desta ordem, Wernicke criou uma s\u00e9rie de conceitos psicol\u00f3gicos impressionantes, que se fixaram no cabedal per- manente do pensamento psicopatol\u00f3gico; por exemplo, os conceitos: del\u00ed- rio de explica\u00e7\u00e3o, perplexidade, ideia supervalorada, capacidade de fixa- \u00e7\u00e3o, transitivismo, diferencia\u00e7\u00e3o da orienta\u00e7\u00e3o autops\u00edquica dentro da de- sorienta\u00e7\u00e3o alops\u00edquica do delirium tremens."], ["Esta psicologia anal\u00edtica \u00e9 o pressuposto mais essencial a que se possa", "levar adiante, em detalhe, a teoria. Assim \u00e9 que, a esta altura, se podem explicar todos os dist\u00farbios pela excita\u00e7\u00e3o ou paralisa\u00e7\u00e3o, as quais se lo- calizar\u00e3o em certos pontos do c\u00e9rebro (no momento, ainda ignorados). En- tretanto, o principal fundamento da maioria dos dist\u00farbios ps\u00edquicos \u00e9 a separa\u00e7\u00e3o das liga\u00e7\u00f5es associativas, a sejun\u00e7\u00e3o. Por vezes, em certo indiv\u00ed- duo, ideias e ju\u00edzos err\u00f4neos est\u00e3o em contradi\u00e7\u00e3o tanto uns com os ou- tros quanto com a realidade: esse fen\u00f4meno baseia-se, justamente, num \u201cafrouxamento\u201d, que compromete a firmeza estrutural da \u201cassocia\u00e7\u00e3o\u201d."], ["Pela sec\u00e7\u00e3o da \u201ccontinuidade\u201d das vias, pela \u201cfalha\u201d de certos rendimentos associativos, podem surgir, ao mesmo tempo, uma quantidade de perso- nalidades diversas no mesmo indiv\u00edduo; pode ocorrer uma \u201cruptura da in- dividualidade\u201d. Pela sejun\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m se explica grande parte das alucina- \u00e7\u00f5es (desde que n\u00e3o se originem de est\u00edmulo direto dos campos de proje- \u00e7\u00e3o): interrompidas que sejam as associa\u00e7\u00f5es, represa-se o processo exci- tat\u00f3rio e forma-se, da\u00ed partindo, um est\u00edmulo sempre crescente, que pro- duz a alucina\u00e7\u00e3o. Do mesmo modo se explicam as \u201cideias aut\u00f3ctones\u201d (os; chamados \u201cpensamentos feitos\u201d): a ideia aut\u00f3ctone repousa num processo excitat\u00f3rio em que h\u00e1 interrup\u00e7\u00e3o da continuidade, ao passo que o pensa- mento obsessivo \u00e9 de atribuir-se a um processo excitat\u00f3rio em que a conti- nuidade se conserva. Da sejun\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m resultam os movimentos anor- mais (paracinesias). Porque as alucina\u00e7\u00f5es repousam na sejun\u00e7\u00e3o, \u00e9 muito compreens\u00edvel, segundo Wernicke, que nenhuma contra-id\u00e9ia e, por isso, nenhuma cr\u00edtica se lhes possa opor; e que tamb\u00e9m tenham, muitas vezes, car\u00e1ter imperativo. O del\u00edrio de autorrefer\u00eancia repousa em au- mento m\u00f3rbido da excita\u00e7\u00e3o, atuando no mesmo lugar que a alucina\u00e7\u00e3o, sem contudo, atingir a mesma intensidade. Em muitas de suas explica- \u00e7\u00f5es, Wernicke tem predile\u00e7\u00e3o especial pelas sensa\u00e7\u00f5es org\u00e2nicas, cuja exist\u00eancia, excita\u00e7\u00e3o ou falha admite. Contentemo-nos com esta cita\u00e7\u00e3o de umas tantas explica\u00e7\u00f5es te\u00f3ricas."], ["Se inquirirmos o sentido da teoria wernickiana, teremos de distinguir duas coisas. No que diz respeito aos dist\u00farbios af\u00e1sicos, ou, em geral, aos dist\u00farbios que a neurologia apreende nos instrumentos, na subestrutura da vida ps\u00edquica, a teoria de Wernicke \u00e9 fecunda na medida em que con- duz a indaga\u00e7\u00f5es e comprova\u00e7\u00f5es. Daqui parte uma senda muito produ- tiva, que leva de Wernicke a Liepmann, o descobridor da apraxia. Mas quando se transp\u00f5e a teoria para tudo quanto \u00e9 ps\u00edquico, quando mais n\u00e3o se faz do que usar analogias, ela deixa de constituir forma\u00e7\u00e3o ideativa, que possa, propriamente, gerar conhecimento, e passa a mera interpreta- \u00e7\u00e3o fantasiosa; transforma-se em requisito filos\u00f3fico e sistem\u00e1tico; desen- volve-se em esquematismo que abrange com simplicidade as descri\u00e7\u00f5es. Wernicke tem disso plena consci\u00eancia, quando diz, por exemplo, que seus esquemas \u201cdevem servir para a comunica\u00e7\u00e3o\u201d; ou quando cont\u00e9m os im- pulsos l\u00fadicos com as seguintes, palavras: \u201cA tend\u00eancia puramente descri- tiva de nossos estudos cl\u00ednicos obriga-nos a renunciar \u00e0s hip\u00f3teses que n\u00e3o sejam incondicionalmente necess\u00e1rias \u00e0 compreens\u00e3o\u201d. Assinale-se que s\u00f3 por vezes Wernicke chega a distor\u00e7\u00f5es de suas constru\u00e7\u00f5es; pelo contr\u00e1rio, deve-se reconhecer que criou, pela contempla\u00e7\u00e3o clara da evi- d\u00eancia e pelo tato com que apreende e revela, apesar da erroneidade, em"], ["princ\u00edpio, de suas ideias te\u00f3ricas fundamentais, uma das obras psicopato- l\u00f3gicas mais not\u00e1veis. Pesquisador algum pode abster- se de estud\u00e1-lo com seriedade."], ["b) Freud.", "Freud fez \u00e9poca na psiquiatria pela tentativa nova que empreendeu no"], ["sentido da compreens\u00e3o psicol\u00f3gica, aparecendo ao tempo em que o psi- quismo se tornava, outra vez, vis\u00edvel, depois de haverem-se observado, du- rante dec\u00eanios, quase que apenas os conte\u00fados racionais (teoria da para- noia), os sintomas objetivos e os fen\u00f4menos neurol\u00f3gicos. Desde ent\u00e3o, a compreens\u00e3o fez-se, mais uma vez, evidente, mesmo se tratando de pes- quisadores que nada queriam saber das teorias freudianas. Os pr\u00f3prios advers\u00e1rios de Freud falam, agora, em fuga para a psicose, em complexos, em recalques. Todavia, por nova que fosse a compreens\u00e3o em psiquiatria, nada h\u00e1, na teoria de Freud, sob o aspecto hist\u00f3rico-intelectual, que seja, essencialmente, novo; o que nele h\u00e1, sim, de espec\u00edfico, a bem dizer, al\u00e9m da posi\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica (de que falaremos adiante), e considerando-o sob o ponto de vista hist\u00f3rico, \u00e9 a forma\u00e7\u00e3o te\u00f3rica, a formula\u00e7\u00e3o dos princ\u00edpios. Freud \u00e9 m\u00e9dico que s\u00f3 sabe tratar a compreens\u00e3o sob configura\u00e7\u00e3o teori- zante apoiada nas ci\u00eancias naturais, em vez de faz\u00ea-lo por forma pura e li- vre."], ["O pr\u00f3prio Freud, contudo, n\u00e3o coloca o te\u00f3rico no primeiro plano; mant\u00e9m fluidas suas ideias, apelando para a experi\u00eancia, que ser\u00e1 sua fonte \u00fanica e que n\u00e3o admitir\u00e1 fixa\u00e7\u00e3o de qualquer sistema te\u00f3rico. Da\u00ed a dificuldade de apreender um centro de sua teoria, visto que, na massa do que escreveu, muitas coisas, diversas se dizem. N\u00e3o se percebe ades\u00e3o a uma teoria, comprov\u00e1vel em todos os pontos e corrigida com clareza. Se dessa maneira se houvesse procedido, isto \u00e9, de maneira genuinamente conforme \u00e0s ci\u00eancias naturais, a teoria freudiana seria, a todo tempo, clara como todo e em cada um de seus pontos. N\u00e3o \u00e9 jamais p caso da psi- can\u00e1lise. Vamos reproduzir, exemplificativamente, alguns dentre os in\u00fa- meros conceitos te\u00f3ricos de Freud:"], ["Segundo Freud, tudo quanto \u00e9 ps\u00edquico \u00e9 \u201cdeterminado\u201d, isto \u00e9, com-", "preens\u00edvel em nosso sentido. Este \u00e9 um pressuposto que seria de colocar- se paralelamente \u00e0quele, das ci\u00eancias naturais, de que tudo, sem exce\u00e7\u00e3o, \u00e9 dominado pela causalidade. H\u00e1 uma causalidade ps\u00edquica especial, que \u00e9, justamente, essa determinabilidade compreens\u00edvel e que, na vida ps\u00ed- quica consciente, est\u00e1 sendo sempre interrompida e fragmentada. Tem-se", "de conceber, servindo de base a esse consciente, um inconsciente, cuja exist\u00eancia se prova pelos fen\u00f4menos conscientes. O inconsciente \u00e9 a vida ps\u00edquica propriamente dita, que n\u00e3o entra, diretamente, na consci\u00eancia, mas s\u00f3 depois que se lhe modifica a natureza por for\u00e7a de uma censura; e esta opera num limiar, mediante a esfera do pr\u00e9-consciente."], ["A consci\u00eancia nada mais \u00e9, por assim dizer, que um \u00f3rg\u00e3o sensorial, no tocante \u00e0 apreens\u00e3o de qualidades ps\u00edquicas, voltada ou para a percep- \u00e7\u00e3o, pelos sentidos, das exterioridades, ou para os processos mentais in- conscientes internos. S\u00e3o os enganos desta autopercep\u00e7\u00e3o que edificam a vida ps\u00edquica consciente. H\u00e1 no inconsciente uma energia dotada de ca- racter\u00edsticas quantitativas que flui, se transfere, se represa; energia que \u00e9 uma energia afetiva e se reduz, por fim, a uma for\u00e7a \u00fanica, chamada por Freud sexualidade; por Jung, libido: \u00e9 ela que impulsiona, propriamente, o psiquismo, aparecendo nas m\u00faltiplas formas dos impulsos particulares; entre os quais o mais importante, o principal, \u00e9 o instinto sexual (por isto \u00e9 que se d\u00e1 o nome ao todo).", "O que \u00e9 ps\u00edquico n\u00e3o aparece no inconsciente tal qual \u00e9 (isso s\u00f3 acon-"], ["tece nos primeiros est\u00e1dios da inf\u00e2ncia ing\u00eanua); mas passa por metamor- foses que lhe dissimulam o significado verdadeiro. Acredita a psican\u00e1lise penetrar na autenticidade atrav\u00e9s das v\u00e1rias sedes da censura, dedu- zindo-a dos m\u00faltiplos fen\u00f4menos da consci\u00eancia; principalmente, daqueles involunt\u00e1rios. Da\u00ed por que os sonhos, os atos falhados cotidianos, os con- te\u00fados das neuroses e psicoses constituem a fonte principal do conheci- mento do inconsciente e, por isso, em geral, da psique."], ["Quanto ao conte\u00fado dos processos que se passam no inconsciente, s\u00f3 os processos compreens\u00edveis do consciente \u00e9 que, naturalmente, permitem visualiza\u00e7\u00e3o. A psicologia compreensiva \u00e9 a fonte dos conte\u00fados te\u00f3ricos. O que Freud descreve como recalque e censura deve-se experimentar, compreensivelmente, na consci\u00eancia; por exemplo, a fuga para as fanta- sias e ilus\u00f5es, a gratifica\u00e7\u00e3o dos desejos mediante elas. Os mesmos even- tos realizam-se no inconsciente. S\u00f3 pode cur\u00e1-los a clareza em rela\u00e7\u00e3o a si mesmo, a vis\u00e3o transparente de si mesmo, a dissipa\u00e7\u00e3o das autoilus\u00f5es.", "A posi\u00e7\u00e3o cr\u00edtica em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s teorias de Freud pode-se fixar, mais ou"], ["menos, nas seguintes teses, por mim formuladas, em trabalho anterior (1922).", "1. Freud preocupa-se, realmente, com a psicologia compreensiva, e", "n\u00e3o com a explica\u00e7\u00e3o causai, conforme ele pr\u00f3prio pretende.", "2. Freud ensina a conhecer, de modo convincente, muitas conex\u00f5es compreens\u00edveis particulares. Compreendemos como \u00e9 que os complexos recalcados reaparecem, em s\u00edmbolos, naquilo que n\u00e3o se nota. Compreen- demos as forma\u00e7\u00f5es reativas a impulsos recalcados, a distin\u00e7\u00e3o entre os processos ps\u00edquicos prim\u00e1rios aut\u00eanticos e os secund\u00e1rios, que s\u00f3 existem como disfarces e substitutos. A esta altura, Freud apenas detalha, em parte, algumas doutrinas de Nietzsche. Penetra na vida ps\u00edquica desperce- bida, que se eleva, gra\u00e7as a ele, \u00e0 consci\u00eancia.", "3. Na confus\u00e3o de conex\u00f5es compreens\u00edveis com conex\u00f5es causais re- pousa a inexatid\u00e3o da pretens\u00e3o freudiana de que tudo na vida ps\u00edquica, de que todo evento seja compreens\u00edvel (significativamente determinado). S\u00f3 se justifica que se pretenda a causalidade ilimitada, n\u00e3o a compreensi- bilidade ilimitada. Outro erro relaciona-se com este: partindo de conex\u00f5es compreens\u00edveis, Freud faz teorias sobre as causas de todo o curso da vida ps\u00edquica, quando a compreens\u00e3o, pela sua pr\u00f3pria ess\u00eancia, nunca pode. levar a teorias; ao contr\u00e1rio, as explica\u00e7\u00f5es causais \u00e9 que sempre t\u00eam de levar a elas (a interpreta\u00e7\u00e3o compreensiva de um processo ps\u00edquico parti- cular \u2014 s\u00f3 uma interpreta\u00e7\u00e3o particular desta ordem pode haver\u2019\u2014 n\u00e3o \u00e9, claro, teoria).", "4. Em numerosos casos, n\u00e3o \u00e9 de compreens\u00e3o e vinda \u00e0 tona da consci\u00eancia de conex\u00f5es despercebidas que se trata, em Freud; e sim de \u201ccompreens\u00e3o como se\u201d, ou pseudocompreens\u00e3o de conex\u00f5es extraconsci- entes. Quando se pensa que o psiquiatra, considerando as psicoses agu- das, nada mais constatava sen\u00e3o confus\u00e3o, desorienta\u00e7\u00e3o, falhas de ren- dimento, ou ideias delirantes, com conserva\u00e7\u00e3o da orienta\u00e7\u00e3o, havia de afigurar-se um progresso o fato de conseguir, provisoriamente, pelas pseudo-conex\u00f5es (ou conex\u00f5es \u201ccomo se\u2019\u2019), caracterizar e ordenar, nesse caso, alguma coisa (por exemplo, os conte\u00fados delirantes da dem\u00eancia precoce). Foi progresso, igualmente, noutros tempos, quando se caracteri- zou o tipo de distribui\u00e7\u00e3o dos transtornos hist\u00e9ricos da sensibilidade e da motilidade \u00e0 base de conex\u00f5es compreens\u00edveis com as ideias anat\u00f4micas grosseiras dos pacientes. Resultou, ali\u00e1s, principalmente, das investiga- \u00e7\u00f5es de Janet que h\u00e1, de fato, na histeria, cis\u00f5es ou dissocia\u00e7\u00f5es de cone- x\u00f5es ps\u00edquicas. No mesmo indiv\u00edduo, em casos extremos, lida-se com duas psiques que nada sabem uma da outra. Nessas ocasi\u00f5es, de fato, a pseu- docompreens\u00e3o tem significa\u00e7\u00e3o real. N\u00e3o \u00e9 indaga\u00e7\u00e3o que se possa res- ponder com for\u00e7a probante a extens\u00e3o em que essas cis\u00f5es ocorrem (os casos de Janet s\u00e3o muito raros); ou se tamb\u00e9m na dem\u00eancia precoce existe cis\u00e3o real (conforme ensinam, por exemplo, Jung e Bleuler). A esta", "altura, conv\u00e9m suspender qualquer ju\u00edzo definitivo. Os pesquisadores freudianos s\u00e3o, em todo caso, muito imprudentes quando admitem, preci- pitadamente, as cis\u00f5es; e as conex\u00f5es \u201ccompreens\u00edveis como se\u201d, que Jung, por exemplo, pensava descobrir na dem\u00eancia precoce, s\u00e3o, em grande parte, pouco convincentes."], ["5. Um erro das teorias de Freud consiste na crescente simplicidade de sua compreens\u00e3o, simplicidade que se relaciona com a transforma\u00e7\u00e3o das conex\u00f5es compreens\u00edveis em teoria. As teorias tendem \u00e0 simplicidade, ao passo que a compreens\u00e3o encontra multiplicidade infinita. Freud julga, ent\u00e3o, poder reduzir, compreensivelmente, todo o psiquismo a sexualidade em sentido amplo; por assim dizer, como se fosse a \u00fanica for\u00e7a prim\u00e1ria. Sobretudo, muitos dentre os trabalhos de seus disc\u00edpulos s\u00e3o insuporta- velmente tediosos por causa dessa simplicidade. Sempre se sabe, de ante- m\u00e3o, que em cada obra as mesmas coisas existem; no que a psicologia compreensiva j\u00e1 n\u00e3o faz progressos. Com este nome se concebe a orienta\u00e7\u00e3o conceituai que, variadamente modificada e diversamente designada (psicologia te\u00f3rica de Strauss; inter- preta\u00e7\u00e3o antropol\u00f3gico-filos\u00f3fica de Kunz; anal\u00edtica existencial de Storch; antropologia existencial de Binswanger), desencadeou, na psicopatologia, alguma coisa que se pode considerar movimento intelectual, mas a ne- nhuma conclus\u00e3o levou, nem obra representativa alguma suscitou, apesar de umas tantas contribui\u00e7\u00f5es individuais importantes. O que existe, neste particular, de rendimentos descritivos \u00e9 indubit\u00e1vel; o que, no entanto, se pretende e se realiza como maneira de reaprender e metodizar \u00e9, na minha opini\u00e3o, um desses erros inevit\u00e1veis, inerente a todas as teoriza\u00e7\u00f5es: t\u00eam de ocorrer para serem superados.", "5. Um erro das teorias de Freud consiste na crescente simplicidade de sua compreens\u00e3o, simplicidade que se relaciona com a transforma\u00e7\u00e3o das conex\u00f5es compreens\u00edveis em teoria. As teorias tendem \u00e0 simplicidade, ao passo que a compreens\u00e3o encontra multiplicidade infinita. Freud julga, ent\u00e3o, poder reduzir, compreensivelmente, todo o psiquismo a sexualidade em sentido amplo; por assim dizer, como se fosse a \u00fanica for\u00e7a prim\u00e1ria. Sobretudo, muitos dentre os trabalhos de seus disc\u00edpulos s\u00e3o insuporta- velmente tediosos por causa dessa simplicidade. Sempre se sabe, de ante- m\u00e3o, que em cada obra as mesmas coisas existem; no que a psicologia compreensiva j\u00e1 n\u00e3o faz progressos. Com este nome se concebe a orienta\u00e7\u00e3o conceituai que, variadamente modificada e diversamente designada (psicologia te\u00f3rica de Strauss; inter- preta\u00e7\u00e3o antropol\u00f3gico-filos\u00f3fica de Kunz; anal\u00edtica existencial de Storch; antropologia existencial de Binswanger), desencadeou, na psicopatologia, alguma coisa que se pode considerar movimento intelectual, mas a ne- nhuma conclus\u00e3o levou, nem obra representativa alguma suscitou, apesar de umas tantas contribui\u00e7\u00f5es individuais importantes. O que existe, neste particular, de rendimentos descritivos \u00e9 indubit\u00e1vel; o que, no entanto, se pretende e se realiza como maneira de reaprender e metodizar \u00e9, na minha opini\u00e3o, um desses erros inevit\u00e1veis, inerente a todas as teoriza\u00e7\u00f5es: t\u00eam de ocorrer para serem superados.", "A depress\u00e3o end\u00f3gena, a doen\u00e7a obsessiva, certas forma\u00e7\u00f5es delirantes"], ["devem ter por base um dist\u00farbio do evento vital que, nas v\u00e1rias enfermi- dades s\u00f3 \u00e9 diverso pela forma em que se apresenta. Essa altera\u00e7\u00e3o do evento b\u00e1sico chama-se \u201cinibi\u00e7\u00e3o vital\u201d, \u201cdist\u00farbio do devenir pessoal\u201d, \u201cobstru\u00e7\u00e3o elementar do devenir\u201d, \u201cinibi\u00e7\u00e3o do evento intratemporal pr\u00f3- prio\u201d, \u201cinibi\u00e7\u00e3o do impulso pessoalmente formado para o devenir\u201d (ou do impulso \u00e0 autorrealiza\u00e7\u00e3o), \u201cparada do fluxo do devenir pessoal\u201d.", "Do dist\u00farbio b\u00e1sico derivam os sintomas; por exemplo, os da depres-", "s\u00e3o (Straus): devido \u00e0 inibi\u00e7\u00e3o do devenir, a viv\u00eancia transforma-se em vi- v\u00eancia de parada do tempo; donde n\u00e3o haver futuro; o passado \u00e9 tudo."], ["Tudo \u00e9 definitivo, tudo est\u00e1 determinado, decidido; da\u00ed o del\u00edrio de inferio- ridade e o del\u00edrio de ru\u00edna, o del\u00edrio de pecado (o hipocondr\u00edaco psicop\u00e1tico roga consolo e apoio; o depressivo, n\u00e3o), o medo do presente (porque cor- tado do futuro, mas n\u00e3o receio do futuro, como no psicopata, que \u00e9 amea- \u00e7ado em sua depress\u00e3o pelo futuro),. A alegria pressup\u00f5e a capacidade de enriquecer; o pesar, a possibilidade de empobrecer, que resulta das rela- \u00e7\u00f5es ambientais; quando a viv\u00eancia do futuro \u00e9 apagada pela inibi\u00e7\u00e3o vital, quando se haja formado um v\u00e1cuo temporal, da\u00ed decorre tanto para a ale- gria quanto paia o pesar a impossibilidade da respectiva realiza\u00e7\u00e3o.", "Do mesmo dist\u00farbio b\u00e1sico da inibi\u00e7\u00e3o do devenir derivam os sintomas"], ["do pensamento obsessivo (Straus): Em consequ\u00eancia da inibi\u00e7\u00e3o do deve- nir, o tempo para, n\u00e3o h\u00e1 futuro; por isto, nada se pode resolver. A psique n\u00e3o vibra, em absoluto, com o porvir; o que n\u00e3o se resolve inteiramente por forma objetiva incorpora-se, normalmente, \u00e0 biografia, por causa da for\u00e7a que tem o porvir. Na viv\u00eancia sem futuro, por\u00e9m, n\u00e3o se alcan\u00e7a a conclus\u00e3o. O passado cresce com sua for\u00e7a sobre o futuro e o paciente n\u00e3o pode dispor-se a conclus\u00e3o alguma. N\u00e3o pode resolver, n\u00e3o pode ter- minar: nisso est\u00e1 o conte\u00fado de sua psique. Von Gebsattel pensa diversa- mente: no doente obsessivo, o \u201cevento b\u00e1sico\u201d (o devenir vital), se transtor- nado, n\u00e3o se orienta para o desenvolvimento, o crescimento, a multiplica- \u00e7\u00e3o, a autorrealiza\u00e7\u00e3o, mas para a diminui\u00e7\u00e3o, o decl\u00ednio, a dissolu\u00e7\u00e3o da forma vital pr\u00f3pria. Experimenta-se a obstru\u00e7\u00e3o do devenir como efeito dissolutivo da forma; n\u00e3o de maneira imediata, \u00e9 certo, mas no quadro das potencialidades existenciais de dissolu\u00e7\u00e3o da forma; o que enche a alma s\u00e3o, apenas os significados negativos que h\u00e1 no mundo: o que \u00e9 morto, cadav\u00e9rico, podre, contaminante; as imagens de veneno, sujeira, feialdade; o que se realiza no evento b\u00e1sico enfermo s\u00f3 aparece ao paciente nos significados e nas realidades pseudo-m\u00e1gicas de seu mundo, na fuga \u00e0s quais est\u00e1 o sentido dos atos sempre in\u00fateis, mas que prosseguem at\u00e9 a exaust\u00e3o. \u2014 A ess\u00eancia do dist\u00farbio de \u201cevento b\u00e1sico\u201d, para von Gebsa- ttel, \u00e9 mais f\u00e1cil de apreender da seguinte maneira: existe rela\u00e7\u00e3o estreita entre dist\u00farbio do devenir e contamina\u00e7\u00e3o: \u201cQuem para enferruja; \u201cQuem n\u00e3o progride recua\u201d; \u201c\u00c1gua parada apodrece\u201d. Mas essa contamina\u00e7\u00e3o \u00e9, apenas, caso especial da diminui\u00e7\u00e3o que acomete a vida estagnada. \u201cNor- malmente, a vida purifica-se pelo abandono \u00e0s for\u00e7as do futuro e \u00e0s tare- fas que o futuro nos imp\u00f5e. Se o homem \u00e9 impedido, pela suspens\u00e3o dos movimentos que lhe permitem autorrealizar-se, de suportar sua d\u00edvida existencial, desperta nele um vago sentimento de culpa\u201d. O sentimento de contamina\u00e7\u00e3o seria, pois, unicamente, variedade do sentimento geral de culpa. Pode-se exprimir a mesma conex\u00e3o de outra maneira: A vida sadia"], ["se encaminha para o futuro, est\u00e1 sempre liquidando ou resolvendo al- guma coisa do passado, dela se purificando. Mas o doente obsessivo su- cumbe ao passado, que o sobrepuja permanentemente, como alguma coisa que n\u00e3o se liquida. Enfim: Uma forma hostil \u00e0 vida, que \u00e9 forma em perp\u00e9tuo devenir, uma forma em que se estabelece o dom\u00ednio de um pas- sado por si mesmo deformado, amea\u00e7a com contamina\u00e7\u00e3o, apodreci- mento, aniquila\u00e7\u00e3o. O comportamento ananc\u00e1stico entender-se-\u00e1 como defesa; defesa que, entretanto, \u00e9 impotente porque a orienta\u00e7\u00e3o para a dis- solu\u00e7\u00e3o no desfazimento, devido ao transtorno do evento b\u00e1sico, o desliga- mento do futuro s\u00e3o insuper\u00e1veis, sempre restabelecendo-se. Se o paci- ente luta com um mundo que se encolhe a ponto de constituir repulsiva fisionomia de significados exclusivamente negativos, certo \u00e9 que se bate, ao mesmo tempo, com sua pr\u00f3pria sombra. Realmente, \u00e9 a perda da forma pr\u00f3pria que importa ao doente obsessivo na inibi\u00e7\u00e3o do devenir; e s\u00f3 por isto \u00e9 que os significados das pot\u00eancias dissolventes da forma conseguem dominar-lhe a for\u00e7a imaginativa. O paciente ananc\u00e1stico defende-se con- tra o efeito do dist\u00farbio que lhe prejudica o pr\u00f3prio devenir temporal, mas n\u00e3o sabe o que lhe est\u00e1 acontecendo."], ["Para compreender, em sua estrutura, esta teoria, que relatamos ape- nas nos seus contornos, com fim exemplificativo, devem-se ter em consi- dera\u00e7\u00e3o os seguintes pontos capitais:", "1. O dist\u00farbio que ocorre no evento vital b\u00e1sico e este mesmo n\u00e3o se explicam psicologicamente. Mais n\u00e3o s\u00e3o do que aquilo que \u00e9 dado e que se h\u00e1 de acrescer. \u201cO desligamento do futuro nos \u00e9, em \u00faltima inst\u00e2ncia, de natureza ignorada\u201d (von Gebsattel). O processo vital \u2014 alguma coisa que acontece no fundamento da vida \u2014 n\u00f3s o desconhecemos por completo; em ess\u00eancia, \u00e9 at\u00e9 misterioso (Strauss).", "2. Este transtorno do evento b\u00e1sico encontra-se nos doentes obses- sivos, nos man\u00edaco-depressivos, nos esquizofr\u00eanicos, manifes- tando-se em sintomas muito diversos. A maneira por que elabora o dist\u00farbio fundamental do evento b\u00e1sico distingue o paciente obsessivo, diferente que \u00e9 das outras maneiras segundo as quais esse evento se pode modificar; por exemplo, a inatividade do re- tardamento depressivo, a \u201cs\u00edndrome do vazio\u201d, o del\u00edrio, todos os quais podem resultar do mesmo' \u201cdist\u00farbio\u201d b\u00e1sico, ocorrendo na \u00e1rea do devenir.\u201d Por que \u00e9 que esse dist\u00farbio b\u00e1sico d\u00e1 ori- gem ora a esta, ora \u00e0quela manifesta\u00e7\u00e3o, ignoramos. 3. Os doentes n\u00e3o podem observar o dist\u00farbio de seu evento vital b\u00e1sico, nem sabem dele. Os doentes depressivos n\u00e3o sabem di- zer nada de essencial sobre suas viv\u00eancias, tais como as do tempo (Strauss). \u201cO doente obsessivo defende-se contra o efeito", "amea\u00e7ador de sua pr\u00f3pria obstru\u00e7\u00e3o temporal, mas n\u00e3o sabe o que lhe est\u00e1 acontecendo.\u201d A amea\u00e7a est\u00e1 t\u00e3o oculta nos alicer- ces de sua natureza que n\u00e3o consegue vir de imediato \u00e0 consci- \u00eancia, mas s\u00f3 no quadro das potencialidades existenciais de dis- solu\u00e7\u00e3o da forma (von Gebsattel)."], ["4. Devem-se distinguir o evento b\u00e1sico, a viv\u00eancia, o conhecimento respectivo. O evento b\u00e1sico n\u00e3o \u00e9 vivenciado imediatamente; da\u00ed tamb\u00e9m n\u00e3o se poder observar. Evento vital n\u00e3o \u00e9 viv\u00eancia. Mas quem viv\u00eancia poderia saber, do mesmo passo, o que vivencia. Da\u00ed poder haver informa\u00e7\u00e3o sobre a viv\u00eancia temporal; sobre o evento temporal, n\u00e3o. Assinala-se o esquema como teoria pelo fato de remontar a um processo vital b\u00e1sico, que n\u00e3o pode ser vi- venciado, mas apenas inferido."], ["Para criticar esta teoria, temos, inicialmente, de situar sua verdadeira", "origem: \u201co efeito psiqui\u00e1trico da surpresa, a viv\u00eancia do encontro com o que \u00e9, inexplicavelmente, outro\u201d; \u201ca contradi\u00e7\u00e3o entre sua manifesta\u00e7\u00e3o confiante, humana, e sua modalidade existencial estranha, absolutamente fora de nosso alcance\u201d (von Gebsattel). Tem-se de ver se desta surpresa, indispens\u00e1vel a que se forme, realmente, qualquer anseio de conheci- mento, resultaram indaga\u00e7\u00e3o e resposta exata. Da\u00ed formular-se nossa d\u00fa- vida nas seguintes considera\u00e7\u00f5es:", "1. A totalidade e a origem do existir humano n\u00e3o podem tornar-se ob-", "jeto de conhecimento investigativo. Entretanto, a teoria que aqui se dis- cute diz respeito ao todo do existir humano, o qual, por\u00e9m, \u00e9 tema filos\u00f3- fico, enquanto a ci\u00eancia sempre se relaciona com aspectos determinados e limitados do todo. A surpresa leg\u00edtima de von Gebsattel, quando para no todo, pode, de fato, transformar-se em leitura metaf\u00edsica de uma escrita ci- frada deste todo; em conhecimento, n\u00e3o pode transformar-se. Talvez ainda seja poss\u00edvel fazer objeto do conhecimento \u201ca estranha longinquidade de uma modalidade existencial inteiramente diversa da nossa\u201d; mas \u201ca alteri- dade inexplic\u00e1vel em sua totalidade humana\u201d foge-nos' ,ao saber. Diz von Gebsattel que sua nova considera\u00e7\u00e3o gen\u00e9tico-construtiva pretende supe- rar a mera an\u00e1lise da fun\u00e7\u00e3o do- ato e da constitui\u00e7\u00e3o; mas ainda: superar as constru\u00e7\u00f5es neurofisiol\u00f3gicas (estimuladas pelas manifesta\u00e7\u00f5es obses- sivas dos p\u00f3s-encefal\u00edticos). Isso, contudo, quer dizer: superar todas as cognoscibilidades. \u00c9 o entusiasmo leg\u00edtimo dessa supera\u00e7\u00e3o, que leva \u00e0 percep\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica, assume, para von Gebsattel, ao mesmo tempo e com acerto, todas as cognoscibilidades como pressupostos de seu \u201cm\u00e9todo sin- t\u00e9tico-construtivo\u201d. Como psicopatologista, ele quer transformar-se em fisi- ognomista, mas transforma-se em fisiognomista metaf\u00edsico, n\u00e3o psicol\u00f3- gico. As teorias, ele as quer promover como \u201cpenetra\u00e7\u00e3o\u201d, como vis\u00e3o"], ["transparente atrav\u00e9s dos fen\u00f4menos. Nada h\u00e1 de arguir contra seu ponto de partida, nem contra seu objetivo, uma vez que bem entendidos. Mas von Gebsattel faz disso conhecimento psiqui\u00e1trico, falando nas categorias da ci\u00eancia natural e da psicologia e compreendendo sua considera\u00e7\u00e3o ge- n\u00e9tico-construtiva como \u201cm\u00e9todo que demonstra a afinidade ontol\u00f3gica dos sintomas biol\u00f3gicos e ps\u00edquico-mentais relativamente a uma \u00e1rea no- sol\u00f3gica\u201d. Resta, a\u00ed, como finalidade, \u201cuma teoria estrutural antropo- feno- menol\u00f3gica, que pretende preparar o terreno para o qual s\u00f3 quando trans- plantados \u00e9 que os resultados dos rumos anal\u00edticos da pesquisa atingem seu sentido pr\u00f3prio\u201d; ou seja, teoria ampla do existir humano. Os rendi- mentos do conhecimento racional h\u00e3o de integrar-se nesse novo \u201cordena- mento das conex\u00f5es antropol\u00f3gico-existenciais\u201d. As respeito do psicopata ananc\u00e1stico, von Gebsattel acha que \u201cvive, de fato, como todo, em mundo pr\u00f3prio e particular\u201d, o que lhe d\u00e1 significa\u00e7\u00e3o especial para a considera- \u00e7\u00e3o antropol\u00f3gico- existencial. Sobre o objetivo de sua antropologia exis- tencial, falaremos noutro passo. N\u00e3o se trata, aqui, de rendimento filos\u00f3- fico deste m\u00e9todo te\u00f3rico, e sim daquele rendimento que importa para o conhecimento."], ["2. O dist\u00farbio b\u00e1sico teoricamente inferido \u00e9 impreciso; vari\u00e1vel em", "sua significa\u00e7\u00e3o. O in\u00edcio, reconhecer-se-\u00e1 que, nas doen\u00e7as at\u00e9 o mo- mento vis\u00edveis apenas por manifesta\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas, se imp\u00f5e a impress\u00e3o de um processo elementar, biologicamente condicionado. Kurt Schneider deu descri\u00e7\u00e3o da depress\u00e3o vital, sem lig\u00e1-la a qualquer teoria. Von Geb- sattel destacou um tipo de doentes obsessivos em que o malogro de toda terap\u00eautica, a significa\u00e7\u00e3o da hereditariedade, a ruinosidade absoluta, nal- guns casos extremos, fazem pensar em processo elementar insuper\u00e1vel, an\u00e1logo a les\u00e3o org\u00e2nica, conquanto subsistindo ps\u00edquico e funcional. Fi- xar esta impress\u00e3o pela formula\u00e7\u00e3o de um dist\u00farbio vital n\u00e3o parece in- justificado. D\u00e1-se/ entretanto, que toda compreens\u00e3o psicol\u00f3gica das ma- nifesta\u00e7\u00f5es obsessivas n\u00e3o entende a obsess\u00e3o ou compuls\u00e3o como tal, como sendo aquilo predominante a que a tese da \u201cinibi\u00e7\u00e3o do devenir\u201d h\u00e1 de corresponder. Mas essa inibi\u00e7\u00e3o subsiste t\u00e3o m\u00faltipla em significa\u00e7\u00e3o \u2014 desde o processo vital extraconsciente at\u00e9 a viv\u00eancia temporal; desde um processo que n\u00e3o se pode representar internamente at\u00e9 um estado psicologicamente objetivo \u2014 t\u00e3o imprecisa em sua ess\u00eancia extraconsci- ente, que se denomina biol\u00f3gica, mas \u00e9 carente de qualquer acessibilidade pelas. vias da pesquisa biol\u00f3gica; t\u00e3o indefinida que, por fim, vem a ser, apenas, o todo enigm\u00e1tico, a pr\u00f3pria vida, a que por nenhum caminho do conhecimento se tem acesso, porque jamais se consegue transformar em objeto poss\u00edvel de apreender-se."], ["3. N\u00e3o se pode produzir prova emp\u00edrica do tipo especial de 'dist\u00farbio", "do devenir. O dist\u00farbio do devenir deve manifestar-se em viv\u00eancias imedi- atas; principalmente, da viv\u00eancia temporal. Assim que aparecem essas po- si\u00e7\u00f5es empiricamente verific\u00e1veis, \u00e9 poss\u00edvel refuta\u00e7\u00e3o (por exemplo, em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 viv\u00eancia temporal na depress\u00e3o end\u00f3gena, segundo Kloos)."], ["4. A deriva\u00e7\u00e3o compreensiva das manifesta\u00e7\u00f5es a partir do dist\u00farbio b\u00e1sico \u00e9 question\u00e1vel por for\u00e7a de uma multiplicidade que chega ao arbi- tr\u00e1rio. Os processos obsessivos, o del\u00edrio, as situa\u00e7\u00f5es afetivas depressivas s\u00e3o compreendidas, no seu conjunto, em fun\u00e7\u00e3o do dist\u00farbio b\u00e1sico; o qual se h\u00e1 de mostrar, pela forma mais imediata, na. modifica\u00e7\u00e3o da vi- v\u00eancia temporal (vivencia da parada do tempo, da falta de futuro, da ab- sor\u00e7\u00e3o pelo passado). Em cada urna destas s\u00edndromes fenomenol\u00f3gicas, todavia, encontra-se outra via. para a compreens\u00e3o e tamb\u00e9m, sob o ponto de vista metodol\u00f3gico, com a mesma pretens\u00e3o a significatividade que von Gebsattel estabeleceu tanto para o desenvolvimento da informidade quanto, simultaneamente, das manifesta\u00e7\u00f5es obsessivas: \u201cQue a inibi\u00e7\u00e3o do devenir se possa assim experimentar, em princ\u00edpio, parece-nos signifi- cativo, pois que \u00e9 s\u00f3 no processo do devenir que se completa a forma da vida.... A impossibilidade do devenir e a n\u00e3o-realiza\u00e7\u00e3o da pr\u00f3pria forma s\u00e3o, apenas, dois lados do mesmo dist\u00farbio b\u00e1sico\u201d. D\u00e1-se, por\u00e9m, que essa significatividade varia de autor para autor e varia tamb\u00e9m conforme o complexo fenom\u00eanico que assim se deve conceituar. Ora \u00e9 o mesmo tra\u00e7o, que aparece em v\u00e1rias manifesta\u00e7\u00f5es, caracteristicamente; ora \u00e9 a base que o observador dotado de poder intuitivo v\u00ea, fisiognomicamente, nos fe- n\u00f4menos: aquilo que se concebe fundamental. Por vezes, o sentido \u00e9 invi- venciado e invivenci\u00e1vel, sentido apenas ideol\u00f3gico para urna observa\u00e7\u00e3o de fora; doutras vezes, \u00e9 o sentido vivenciado, com a aspecto daquilo que acontece, do lado do paciente, sob a obsess\u00e3o ou compuls\u00e3o, para a apre- ens\u00e3o e elabora\u00e7\u00e3o do evento b\u00e1sico em sua psique. Urna vez, como con- sequ\u00eancia da transforma\u00e7\u00e3o por for\u00e7a do dist\u00farbio b\u00e1sico extraconsciente, surge a manifesta\u00e7\u00e3o' na consci\u00eancia (a dedu\u00e7\u00e3o v\u00ea sentido biol\u00f3gico no extraconsciente); doutra vez, a manifesta\u00e7\u00e3o surge como consequ\u00eancia de dist\u00farbios vivenciais prim\u00e1rios, j\u00e1 conscientes (dist\u00farbios da viv\u00eancia tem- poral), como consequ\u00eancia compreens\u00edvel no contexto mais amplo da consci\u00eancia; n\u00e3o \u00e9, contudo, este sintoma prim\u00e1rio que \u00e9, propriamente, priorit\u00e1rio, porque este \u00e9 o processo vital b\u00e1sico: \u201ca inibi\u00e7\u00e3o mental, a ini- bi\u00e7\u00e3o volitiva e afetiva, mas tamb\u00e9m o del\u00edrio- e a obsess\u00e3o s\u00e3o, apenas, sintomas do dist\u00farbio mais central\u201d, a. inibi\u00e7\u00e3o do devenir (von Gebsattel)."], ["Exemplo de como uma compreens\u00e3o pelo salto para a dimens\u00e3o intei-"], ["ramente outra de um processo vital do devenir se transforma em. pseu- docompreens\u00e3o s\u00e3o as seguintes linhas de pensamento de Strauss. Na consci\u00eancia da potencialidade atuativa, antecipa-se o desenvolvimento poss\u00edvel da personalidade para o futuro. Surge o t\u00e9dio, quando, junta- mente com a consci\u00eancia da capacidade atuativa, o impulso ao- desenvol- vimento, se vivencia a impossibilidade de dar ao tempo em decurso um conte\u00fado; faltando esse impulso, outras viv\u00eancias acorrem: por exemplo, um ralentamento de tempo, que, no entanto, prossegue, regularmente; ra- lentamento que, como acontece no estado de cansa\u00e7o, se goza sem conte- \u00fado; \u00e9 o estado de \u00e2nimo de uma tarde de feriado, em que se goza o des- canso pr\u00f3prio como sendo pausa entre o trabalho feito e o trabalho a fa- zer-se. Mais ainda: Na biografia do indiv\u00edduo, as viv\u00eancias pret\u00e9ritas s\u00e3o iluminadas pelo evento futuro; o passado s\u00f3 \u00e9 produtivo quando o cami- nho para o futuro se abre; se se alterar a viv\u00eancia do futuro, tamb\u00e9m se modifica o passado, o qual, al\u00e9m de outras possibilidades, se corretamente compreendido, se refere a fen\u00f4menos que, afinal, se enra\u00edzam na exist\u00ean- cia humana como seriedade hist\u00f3rica da incondicionalidade. \u00c0 luz desta \u00e9 que ela se h\u00e1 de ver. Se, no entanto, a base dessas viv\u00eancias se transfere para os processos vitais do devenir e para os respectivos dist\u00farbios, para uma concretiza\u00e7\u00e3o objetiva daquilo que n\u00e3o se compreende, nesse caso surge uma incompreensibilidade inilumin\u00e1vel, a pr\u00f3pria vitalidade, em lu- gar daquela incompreensibilidade que se esclarece ilimitadamente e que \u00e9 a exist\u00eancia. \u00c9 um salto mortal do pensamento, que, de s\u00fabito, seguindo, estas vias da psicologia compreensiva (a qual deve guiar-se pelo esclareci- mento existencial), despenha num biologismo, a pesquisar-se pela diretiva da investiga\u00e7\u00e3o met\u00f3dica dos fatos som\u00e1ticos emp\u00edricos. Uma coisa e ou- tra h\u00e1: mistur\u00e1-las, por\u00e9m, uma \u00e0 outra leva a discuss\u00e3o que se faz cada vez mais arbitr\u00e1ria \u2014 porque \u00e9 filosofar n\u00e3o-filos\u00f3fico \u2014 discuss\u00e3o que vem a tomar o lugar da pesquisa."], ["5. Estas ideias construtivas talvez se ofere\u00e7am ao doente como meio de autocompreender-se, conduzindo \u00e0 via da consci\u00eancia filos\u00f3fica. O doente, entretanto, em vez de filosofar com autenticidade, extravia-se num pseu- doconhecimento. Se, por exemplo, perguntamos: Por que \u00e9 que vivemos e continuamos a viver? Quando toda experi\u00eancia e pensamento* conse- quente faz a exist\u00eancia universal afigurar-se irracional ao entendimento, absurda, sem significado; quando a verdade desse modo de ver se concre- tiza, praticamente, no suic\u00eddio: que \u00e9 que nos faz poss\u00edvel viver? Posso res- ponder pelo desenvolvimento de uma\" convic\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica ou de uma cren\u00e7a revelacional; ou posso dizer: Porque o processo vital do devenir a", "isso obriga, em contr\u00e1rio a toda raz\u00e3o. Pode ser a divindade, ou a vitali- dade (ou, nas palavras de Dostoievski: a baixeza karamazoviana); a do- en\u00e7a consiste em que Deus est\u00e1 oculto ou perdido; consiste em que est\u00e1 transtornada a despreocupa\u00e7\u00e3o vital do devenir. Nenhuma das duas con- cep\u00e7\u00f5es, por\u00e9m, encerra qualquer tra\u00e7o de conhecimento psicopatol\u00f3gico. O conhecimento tem sempre de buscar determinados fen\u00f4menos e deter- minadas conex\u00f5es, cuja afirma\u00e7\u00e3o \u00e9 acess\u00edvel \u00e0 verifica\u00e7\u00e3o ou \u00e0 refuta\u00e7\u00e3o. Mas n\u00e3o h\u00e1 conhecimento nestas modalidades de uma compreens\u00e3o que oscila em incompreensibilidade heterog\u00eanea: Deus ou devenir vital. E sem- pre que um saber do ser-assim simula conhecimento tamb\u00e9m se perde a verdadeira filosofia."], ["d) Confronto das teorias acima relatadas.", "Vamos, por fim, encarar comparativamente todas estas forma\u00e7\u00f5es te\u00f3-"], ["ricas."], ["A teoria de Wernicke parte \u201cde fora\u201d, com o c\u00e9rebro; a de Freud, pelo contr\u00e1rio, \u201cde dentro\u201d, da compreensibilidade ps\u00edquica. Ambos veem uma \u00e1rea fatual; ambos generalizam validades limitadas, transformando-as em totalidades psicopatol\u00f3gicas e psicol\u00f3gicas; ambos acabam em constru- \u00e7\u00f5es abstratas. Se bem que, pelo conte\u00fado e pelo interesse a que visam, sejam t\u00e3o opostos, Wernicke procura, exatamente, a incompreensibilidade absoluta, resultante de processos cerebrais; Freud, ao rev\u00e9s, pretende compreender quase todos os dist\u00farbios ps\u00edquicos inteiramente de dentro; apesar disso, a estrutura intelectual das duas concep\u00e7\u00f5es \u00e9 semelhante. S\u00e3o antagonismos, por\u00e9m no mesmo plano, com as mesmas limita\u00e7\u00f5es e restri\u00e7\u00f5es mentais. \u00c9 compreens\u00edvel e at\u00e9 j\u00e1 aconteceu coincidirem na mente de um psiquiatra as teorias de Wernick e de Freud (\u00e9 o que nota Gross, por exemplo: Wernicke e Freud foram ambos disc\u00edpulos de Mey- nert). Estas teorias associam-se a nomes historicamente relevantes. A im- press\u00e3o \u00e9 que a posi\u00e7\u00e3o eminente do cientista e a cria\u00e7\u00e3o da teoria se rela- cionam. Todavia, nos rendimentos cient\u00edficos desses homens, um verme se instala com a teoria, desde o in\u00edcio, roendo a estrutura; alguma coisa que destr\u00f3i e paralisa, um esp\u00edrito de absurdez e inumanidade."], ["Diverso \u00e9 o que se d\u00e1 com os esfor\u00e7os gen\u00e9tico-construtivos, mais re- centes, os quais n\u00e3o esbo\u00e7am, decisivamente, uma teoria; assumem ati- tude sem fanatismo, ao contr\u00e1rio das precedentes; de quando em quando, operam como se quisessem dar um sentido, como se constitu\u00edssem diver- timento am\u00e1vel (talvez, ocasionalmente, no interesse dos pacientes, cuja", "autocompreens\u00e3o poderia, por esta forma, encontrar apoio); ou como se representassem aceita\u00e7\u00e3o c\u00e9ptico-filos\u00f3fica de concep\u00e7\u00f5es que t\u00eam o car\u00e1- ter de certo significado: as interpreta\u00e7\u00f5es s\u00e3o boas; as interpreta\u00e7\u00f5es n\u00e3o s\u00e3o mais que interpreta\u00e7\u00f5es.", "Todas as teorias expostas, na configura\u00e7\u00e3o segundo a qual se transfor-", "mam em esquemas de que os pesquisadores se servem para formar sua concep\u00e7\u00e3o geral da vida ps\u00edquica, s\u00e3o mais que teorias. O que chamamos, de maneira metodicamente clara, teoria temos sempre de extrair dos acha- dos reais da investiga\u00e7\u00e3o e dos conceitos filos\u00f3ficos."], ["\u00a7 3. Cr\u00edtica Do Pensamento Te\u00f3rico Em Geral"], ["a) O modelo das teorias cient\u00edfico-naturais."], ["Foram modelos para o pensamento te\u00f3rico as teorias f\u00edsicas, qu\u00edmicas, biol\u00f3gicas. Nestas \u2014 j\u00e1 com muita limita\u00e7\u00e3o, por\u00e9m, nas teorias biol\u00f3gicas \u2014 concebe-se, fundamental aos fen\u00f4menos, alguma coisa (\u00e1tomos, el\u00e9- trons, vibra\u00e7\u00f5es etc.) que tem propriedades quantitativas, de modo que se tiram da teoria consequ\u00eancias que a realidade confirma ou refuta medi- ante experimenta\u00e7\u00e3o mensurai. Da\u00ed processar-se intera\u00e7\u00e3o constante en- tre teoria e comprova\u00e7\u00f5es efetivas. Toma-se fecunda a teoria porque indica o caminho que leva a fatos novos; e \u00e9 sempre soberana porque sempre lhe subjazem todos os fatos. Quando alguma coisa n\u00e3o confere, entra em a\u00e7\u00e3o a pesquisa. O sentido da teoria n\u00e3o \u00e9 interpretar e descrever o que j\u00e1 se conhece, e sim levar \u00e0 descoberta do que \u00e9 novo. O grande \u00eaxito das teo- rias relacionadas com as ci\u00eancias naturais influenciou, sugestivamente, todas as ci\u00eancias, de maneira que assim se constru\u00edram teorias em psico- logia e psicopatologia. Se em absoluto n\u00e3o tiveram, neste campo, grande sucesso, foi porque elas s\u00e3o, essencialmente, diversas das teorias ligadas \u00e0s ci\u00eancias naturais. Em primeiro lugar, v\u00ea-se a diferen\u00e7a que diz respeito \u00e0 verifica\u00e7\u00e3o e \u00e0 falsifica\u00e7\u00e3o. Em psicopatologia, as teorias s\u00e3o esquemas segundo os quais se ordenam fatos conhecidos; para os quais se procu- ram fatos que se lhes ajustem; e nos quais se cria lugar para outros fatos que, de futuro, se venham a conhecer, eventualmente; sempre, no en- tanto, sem o m\u00e9todo sistem\u00e1tico que pretende contemplar todos os fatos e est\u00e1 sempre buscando inst\u00e2ncias contr\u00e1rias. \u00ca um agrupamento dentro das analogias de uma teoria; a teoria n\u00e3o \u00e9 instrumento da pesquisa. \u2014 Em segundo lugar, as teorias n\u00e3o v\u00eam a mostrar, ulteriormente, superpo- si\u00e7\u00e3o alguma umas \u00e0s outras; transforma\u00e7\u00e3o alguma que as fa\u00e7a cada vez mais unit\u00e1rias e real\u00edsticas. Pelo contr\u00e1rio, o que acontece \u00e9 uma teoria"], ["edificar-se e, depois, ser no todo esquecido. \u2014 Em terceiro lugar, encon- tramos a disparidade de muitas teorias, que se conservam ao lado umas das outras, sem liga\u00e7\u00e3o entre si."], ["Da\u00ed poder-se dizer: N\u00e3o h\u00e1, em psicopatologia, teorias aut\u00eanticas, como", "as h\u00e1 nas ci\u00eancias naturais. Falham, constituem especula\u00e7\u00f5es ilus\u00f3rias a respeito de um existir suposto em formas que buscam analogia nas teorias relacionadas com as ci\u00eancias naturais; quase sempre, no entanto, sem m\u00e9todo logicamente preciso.", "b) O esp\u00edrito do pensamento te\u00f3rico."], ["Apesar de se diversificarem umas das outras, existe um esp\u00edrito co- mum a todas as teorias, o que n\u00e3o se verifica relativamente \u00e0s teorias au- tenticamente baseadas nas ci\u00eancias naturais. O pensamento te\u00f3rico tem sua atmosfera pr\u00f3pria. Um entusiasmo vigora, incitando a que se apre- enda o que \u00e9 pr\u00f3prio e o que \u00e9 total da realidade ps\u00edquica. Visto que, na particularidade das ideias, se sup\u00f5e a totalidade, nelas existe para a cons- ci\u00eancia dos pesquisadores mais do que podem, verdadeiramente, exprimir: a saber, uma viv\u00eancia prim\u00e1ria da realidade, que se comunica em ima- gens. Por isto \u00e9 que sobre os pensadores te\u00f3ricos atua a vis\u00e3o do inorg\u00e2- nico e sua regularidade, da vida em sua configuratividade dinamicamente m\u00f3vel; o modo por que atuam a viv\u00eancia em sua plenitude e as formas pu- ras em sua intemporalidade. De cada uma dessas experi\u00eancias fundamen- tais nasce uma disposi\u00e7\u00e3o que visa ao saber na modalidade da contempla- \u00e7\u00e3o mental. Se se chamarem as teorias somatol\u00f3gicas materialismo e bio- logismo, por exemplo; as psicol\u00f3gicas, psiquismo; as l\u00f3gicas, idealismo, es- tar-se-\u00e3o classificando os conte\u00fados das forma\u00e7\u00f5es ideativas, mas n\u00e3o as experi\u00eancias fundamentais e os impulsos, os estados de \u00e2nimo e as atitu- des filos\u00f3ficas que a\u00ed se manifestam (donde resulta que quase sempre um afeto forte se prende ao pensamento te\u00f3rico; ou ent\u00e3o, para aquele a quem falta esse afeto as. forma\u00e7\u00f5es ideativas te\u00f3ricas se tornam vazias e tedio- sas)."], ["As teorias costumam pretender dominar o todo. Os teorizadores t\u00eam a consci\u00eancia instintiva de haverem reconhecido a pr\u00f3pria coisa, definitiva e basicamente; de haverem apreendido o todo de uma vez s\u00f3. Mas compram caro esta satisfa\u00e7\u00e3o. T\u00eam concep\u00e7\u00f5es, inevitavelmente fixas, mesmo que variem na forma; s\u00e3o coativos, tudo veem por esses \u00f3culos que talvez per- mitam ver com agudeza extraordin\u00e1ria algumas coisas; que cegam, po-"], ["r\u00e9m-, muito mais. Esses- homens t\u00eam, a bem dizer, ideias fixas, se teori- zam realmente e se n\u00e3o s\u00e3o meros construtores l\u00fadicos. Fascinam porque possuem o patos do mais profundo conhecimento; e tamb\u00e9m porque (e esta n\u00e3o \u00e9 a menor raz\u00e3o) parecem levar \u00e0 ess\u00eancia da coisa, usando de racioc\u00ednios relativamente simples. Seduzem porque quase sempre satisfa- zem tamb\u00e9m necessidades metaf\u00edsicas. No prazer da teoria, enfeiti\u00e7a-nos um existir em si, que se presume apreender. Da\u00ed os. conte\u00fados das teorias se prenderem, estreitamente, \u00e0s concep\u00e7\u00f5es filos\u00f3ficas e ao esp\u00edrito da \u00e9poca."], ["Certo \u00e9 que, na forma\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica de teorias, quase sempre h\u00e1 impul- sos fecundos. Intui\u00e7\u00f5es antecipativas de um todo abrem novos espa\u00e7os \u00e0 observa\u00e7\u00e3o; criam, por assim dizer, novos \u00f3rg\u00e3os de apreens\u00e3o. A seguir, por\u00e9m, \u00e9 o impulso te\u00f3rico, exatamente, que paralisa essa fecundidade, supondo haver apreendido aquilo que \u00e9 exist\u00eancia real, b\u00e1sica, mediante esquemas detalhados. O engano fundamental do desenvolvimento te\u00f3rico est\u00e1 em encapsular-se numa forma\u00e7\u00e3o racional, partindo de uma primeira contempla\u00e7\u00e3o ampla. O entusiasmo inicial do contato com a realidade transforma-se em fanatismo do saber, que erra no desdobramento dogm\u00e1- tico. A crise da ilus\u00e3o reside na transi\u00e7\u00e3o da discuss\u00e3o de novas visibilida- des para o saber suposto; e da\u00ed para o encapsulamento e a esquematiza- \u00e7\u00e3o. Os te\u00f3ricos que hajam vivenciado o entusiasmo inicial defendem-se com ele ante a d\u00favida quanto \u00e0 veracidade de sua cria\u00e7\u00e3o, mas lutam n\u00e3o investigando a origem, e sim trabalhando- com opera\u00e7\u00f5es vazias da teoria enrijecida; ou, pretendendo, de modo geral, possuir o saber da realidade, propriamente; batalham contra a import\u00e2ncia primordial, por eles rejei- tada, do saber emp\u00edrico e aut\u00eantico. O encanto que emana da verdade pri- meira leva-os a que se fixem nas opera\u00e7\u00f5es racionais infinitas da teoria."], ["A experi\u00eancia hist\u00f3rica ensina que toda psicopatologia dominada pelos", "interesses te\u00f3ricos n\u00e3o tarda a tornar-se tamb\u00e9m dogm\u00e1tica e, a seguir, est\u00e9ril. S\u00f3 uma psicopatologia que parta do interesse irredut\u00edvel pela varie- dade da realidade, pela plenitude da vis\u00e3o subjetiva e dos fatos objetivos, pela multiplicidade dos m\u00e9todos e pela peculiaridade de cada orienta\u00e7\u00e3o cient\u00edfica \u2014 s\u00f3 esta psicopatologia \u00e9 que realiza miss\u00e3o de ci\u00eancia especia- lizada. Rejeitando a modalidade te\u00f3rica do pensamento \u201cque mostra os poucos mecanismos biol\u00f3gicos b\u00e1sicos, sempre presentes, a que se reduz a plenitude variada da riqueza existencial verdadeira\u201d, pretende ela man- ter-se livre ante o mundo te\u00f3rico de um existir que se sup\u00f5e reconhecer como pr\u00f3prio; desse segundo mundo est\u00e1 sempre querendo voltar \u00e0 plena atualidade daquilo que \u00e9 real (e n\u00e3o pretende que se roube ao homem,"], ["como pesquisador, mediante o saber te\u00f3rico do existir, a amplitude com que possa alcan\u00e7ar a exist\u00eancia e, ao mesmo tempo, os limites da psicopa- tologia, n\u00e3o seu objeto); porque tem presente, em todas as teorias, o perigo de que se desviem da experi\u00eancia sem preconceitos e de que conduzam a um campo estreito de conceitos fixos, de concep\u00e7\u00f5es esquem\u00e1ticas, de ag- nosticismo infal\u00edvel. S\u00e3o de apreender-se tanto o sentido e o encanto da te- oria quanto sua pobreza e inconveni\u00eancia."], ["c) Os erros fundamentais das teorias.", "O pensamento te\u00f3rico est\u00e1 sempre levando a erros. H\u00e1 um pendor a ter o conceb\u00edvel (possibilidade) como real; a confundir o inverific\u00e1vel (arbi- tr\u00e1rio) com o verific\u00e1vel (determin\u00e1vel); a considerar o que se concebe b\u00e1- sico, representado em analogias, como vis\u00e3o imediata da realidade. Desta- caremos alguns erros frequentes:"], ["1. Absolutiza\u00e7\u00e3o. O resultado de qualquer considera\u00e7\u00e3o metodol\u00f3gica das teorias psicol\u00f3gicas \u00e9 o seguinte: Teoria que seja a \u201ccorreta, exata\u201d n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel. N\u00e3o h\u00e1 teoria que domine o todo. Toda teoria que se considera conhecimento do evento b\u00e1sico, pr\u00f3prio, resulta da absolutiza\u00e7\u00e3o de um conhecimento part\u00edcula-, de um ponto de vista particular, de categorias especiais. \u00c9 conceito metodol\u00f3gico extraordinariamente simples n\u00e3o poder o particular ser tomado como o todo. E \u00e9 esclarecedor descobrir a absolu- tiza\u00e7\u00e3o e, ent\u00e3o, libertar-se, a cada instante, de grilh\u00f5es que o pensamento se haja imposto a si mesmo. Surpreende, no entanto, a extens\u00e3o em que sempre pendemos para absolutiza\u00e7\u00f5es que realizamos sem perceber.", "2. As falsas identifica\u00e7\u00f5es. In\u00fameras ideias te\u00f3ricas s\u00e3o utiliz\u00e1veis para", "certa \u00e1rea muito limitada, s\u00f3 depois vindo a verificar-se erradas, quando se quer explicar por elas todo o evento ps\u00edquico; mas h\u00e1 outras teorias que j\u00e1 s\u00e3o erradas em princ\u00edpio. Alguma coisa que, em certo lugar, se conhece direta e claramente (o c\u00e9rebro e, doutro lado, as conex\u00f5es compreens\u00edveis), hipostaseia-se na realidade \u00fanica da vida ps\u00edquica. S\u00e3o dois os grupos de tais teorias: 1) Os desmembramentos do c\u00e9rebro transformam-se em cons- tru\u00e7\u00f5es fant\u00e1sticas, que nada ensinam, de processos ps\u00edquicos paralelos. \u2014 2) As conex\u00f5es compreens\u00edveis tomam-se \u201cleis\u201d extra- conscientes, in- terpretam-se como conex\u00f5es causais; pelo que se transformam em teorias. \u00c9 o erro de princ\u00edpio que suporta a constru\u00e7\u00e3o intelectual de Wernicke e de Freud."], ["3. As combina\u00e7\u00f5es de teorias. Quando um pesquisador imagina teo- rias, costuma ligar v\u00e1rias ideias, combin\u00e1-las com observa\u00e7\u00f5es reais, com", "possibilidades compreens\u00edveis e configurar num s\u00f3 diversos esquemas t\u00ed- pico-ideais, de modo que sua obra necessita, no todo, de an\u00e1lise met\u00f3dica. Se se realizar combina\u00e7\u00e3o clara das diversidades, erro algum advir\u00e1. Mas quando se combina ou se mistura, sem clareza, uma coisa com outra; quando, a todo momento, se realizam transi\u00e7\u00f5es, a combina\u00e7\u00e3o da hetero- geneidade serve de base a erros insuper\u00e1veis. Misturar sem m\u00e9todo, na te- oria do que \u00e9 fundamental, fen\u00f4menos subjetivamente vivenciados, fatos objetivos, comprova\u00e7\u00f5es causais, conex\u00f5es compreens\u00edveis; fazer fluir o que se passa, \u00a1mediatamente, na consci\u00eancia junto com o extra- consci- ente \u2014 da\u00ed resulta confus\u00e3o em que, afinal, tudo \u00e9 verdadeiro e tudo \u00e9 poss\u00edvel, tudo \u00e9 errado e tudo \u00e9 obscuro."], ["d) Inevitabilidade das ideias te\u00f3ricas em psicopatologia.", "Conceber o extraconsciente, quando se apreende a realidade ps\u00edquica,", "\u00e9 inevit\u00e1vel. O extraconsciente que n\u00e3o \u00e9 objeto biol\u00f3gico poss\u00edvel de aprender na experi\u00eancia direta \u00e9 teoria. Da\u00ed serem inevit\u00e1veis, em psicopa- tologia, as ideias te\u00f3ricas; da\u00ed por que nelas ro\u00e7amos, em quase todos os cap\u00edtulos, embora sem faz\u00ea-las conscientes. Nos pensamentos te\u00f3ricos, existe uma esfera pr\u00f3pria, aut\u00f4noma, de conceitos psicol\u00f3gicos, que .se t\u00eam de apreender sob certo ponto- de vista indispens\u00e1vel. Por este motivo \u00e9 que constituem objeto expresso de nossa aten\u00e7\u00e3o.", "Foi poss\u00edvel ordenar as teorias segundo as ideias esquem\u00e1ticas que utilizam e, a seguir, segundo os autores que as criaram e que suscitaram uma maneira de pensar te\u00f3rica. Podemos, agora, indagar da modalidade do respectivo sentido positivo. S\u00e3o utiliz\u00e1veis, mas com limita\u00e7\u00e3o sempre poss\u00edvel de demonstrar-se."], ["1. As teorias servem para ordenar. Os esquemas ideativos permi- tem apreender, unitariamente, o que \u00e9 disperso, bem como abranger descri\u00e7\u00f5es diversas.", "2. As teorias levam a formular quest\u00f5es. Abrem vias \u00e0 pesquisa, possibilitando antecipar alguma coisa que \u00e9 observ\u00e1vel, medi- ante a concep\u00e7\u00e3o de um fundamento.", "3. As teorias s\u00e3o indispens\u00e1veis ao conhecimento causai. N\u00e3o\u00bb po- demos apreender, nem conceituar de modo puramente psicol\u00f3- gico, em sua continuidade, a sucess\u00e3o das realidades ps\u00edquicas no tempo, porque sempre faltam elos intermedi\u00e1rios, que procu- ramos completar mediante pesquisas som\u00e1ticas. As lacunas rea- parecem, por\u00e9m. Da\u00ed o conhecimento causal levar \u00e0 teoria, a fim de apreender a continuidade do evento .por meio de alguma coisa que seja b\u00e1sica. Em psicopatologia, contudo, a forma\u00e7\u00e3o de", "teorias permanece dispersa, particular, eventual. As teorias n\u00e3o abrangem tudo, n\u00e3o s\u00e3o totais; e isso caracteriza todo conheci- mento causal psicopatol\u00f3gico."], ["4. As ideias te\u00f3ricas espec\u00edficas t\u00eam afinidade com determinadas \u00e1reas de pesquisas, emergindo sempre que se elabora mental- mente, dentro dessas \u00e1reas, a categoria causai. Assim \u00e9 que se incluem na \u00e1rea da psicologia experimental dos rendimentos as teorias dos elementos e das associa\u00e7\u00f5es, dos mecanismos de as- socia\u00e7\u00e3o, do ato e do efeito configurativo. \u00c9 da psicologia com- preensiva que se originam as ideias de cis\u00e3o, mecanismo extra- consciente, convers\u00e3o etc.", "5. Resta a quest\u00e3o fundamental: \u00c9 necess\u00e1ria uma teoria da psique em um todo? A resposta \u00e9: N\u00e3o, porque todas as teorias que se aplicam em psicopatologia s\u00e3o ideias que se podem utilizar para explicar setores fatuais limitados. S\u00f3 se justificam, a esta altura, pelo fato de serem utiliz\u00e1veis, e n\u00e3o pela realidade eventual do que nelas se concebe. De modo geral, n\u00e3o se pode responder a quem perguntar se as teorias, exprimindo o que \u00e9 b\u00e1sico, se aproximam mais ou menos da \u201crealidade\u201d, da \u201cautenticidade\u201d. As teorias, em cada caso, se referem, apenas, a um particular, e nunca ao todo da psique. N\u00e3o h\u00e1 teoria da psique que valha, mas, apenas, uma filosofia do existir humano; donde ser sempre poss\u00edvel indagar: Teoria n\u00e3o \u00e9 sempre erro? Toda teoria, na mul- tiplicidade arbitr\u00e1ria, n\u00e3o \u00e9, unicamente, uma modalidade de descri\u00e7\u00e3o eventual e de ordenamento de certos fen\u00f4menos?", "e) A atitude metodol\u00f3gica em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s teorias."], ["Em vista da inevitabilidade e da questionabilidade das teorias, conv\u00e9m,", "afinal, formular de modo expresso a atitude met\u00f3dica a adotar perante elas:", "1. \u00c9 necess\u00e1rio conhecer o pensamento te\u00f3rico em seus princ\u00edpios e", "possibilidades, a fim de utiliz\u00e1-lo nos setores limitados de sua fecundi- dade; e de domin\u00e1-lo em geral, mas n\u00e3o se deixar levar por teoria alguma; nenhuma considerar capaz de explicar o pr\u00f3prio existir. Em seu setor, cada uma delas pode-se admitir, por uns instantes, sem que, no entanto, devamos entusiasmar-nos por teoria alguma, nem pelo respectivo con- junto, de maneira tal que julguemos possam levar-nos \u00e0 profundidade hu- mana.", "2. Sempre que se acompanha o pensamento te\u00f3rico, h\u00e1 de saber-se parar a tempo, retroceder da teoria, seguindo-a, apenas, enquanto ganha", "forma e possibilita a experi\u00eancia; pode-se imaginar o desprazer que aco- mete o pesquisador que interpreta teoricamente, quando n\u00e3o faz experi\u00ean- cias, mas se deixa levar por interpreta\u00e7\u00f5es infinitas, que se repetem e se combinam, de experimentos, por um lado, conhecidos; por outro, vagos e gerais."], ["3. Muitas vezes, temos de contentar-nos com ideias te\u00f3ricas indetermi- nadas, quando estamos no limite da. experi\u00eancia; ideias estas que renun- ciam a qualquer elabora\u00e7\u00e3o, limitando-se a estabelecer que, a essa altura, se tem de conceber, inevitavelmente, alguma coisa extraconsciente, que n\u00e3o se pode investigar diretamente, mas s\u00f3 pela descoberta de uma rela- \u00e7\u00e3o causai. Neste passo, esfor\u00e7amo-nos pela op\u00e7\u00e3o entre express\u00f5es t\u00e3o indiferentes quanto poss\u00edvel, quais sejam, \u201cmecanismo extraconsciente\u201d, \u201cconvers\u00e3o\u201d, \u201ccomuta\u00e7\u00e3o\u201d etc. Estas ideias te\u00f3ricas n\u00e3o t\u00eam qualquer sig- nifica\u00e7\u00e3o aut\u00f4noma; s\u00e3o, sim, meras demarca\u00e7\u00f5es, simples limita\u00e7\u00f5es da significa\u00e7\u00e3o e da extens\u00e3o em que valem os conhecimentos existentes.", "4. Toda a bibliografia \u00e9 impregnada \u2014 em parte, dominada \u2014 por ideias te\u00f3ricas. Apesar de sua utilidade restrita, n\u00e3o \u00e9 raro elas serem su- p\u00e9rfluas, assemelhando-se, em conjunto, a uma planta que enreda, que sufoca a vis\u00e3o real, a concep\u00e7\u00e3o viva, o progresso do conhecimento. Para ver com clareza a ess\u00eancia e os rumos do pensamento te\u00f3rico, \u00e9 necess\u00e1rio apreender, clara e discriminativamente, toda a bibliografia psiqui\u00e1trica. Por este mesmo motivo, \u00e9 necess\u00e1rio estar consciente do pensamento te\u00f3- rico em toda sua amplitude e reconhec\u00ea-lo de imediato, sempre que se apresenta. A atitude mental dos pesquisadores que, subordinando-se a te- orias, se deixam levar por elas, sem disso dar-se conta, difere da que assu- mem aqueles outros que as manipulam conscientemente, porque as co- nhecem, n\u00e3o dando a qualquer delas significa\u00e7\u00e3o que exceda a utilidade relativa de um instrumento metodol\u00f3gico."], ["PARTE 4. A CONCEP\u00c7\u00c3O DA TOTALIDADE DA VIDA PS\u00cdQUICA"], ["Quando investigamos as manifesta\u00e7\u00f5es vitais, estamos sempre desco- brindo, pelo refinamento da an\u00e1lise, novas conex\u00f5es particulares; mas a vida mesma continua a ser o todo a partir do qual se analisam estas parti- cularidades, que s\u00e3o sem vida, que jamais s\u00e3o a pr\u00f3pria vida; o mesmo se d\u00e1 quanto ao conhecimento que temos da vida ps\u00edquica. Com base na vida ps\u00edquica, analisamos conex\u00f5es particulares (por exemplo, OS' rendimentos mn\u00eamicos, a capacidade laborativa, a express\u00e3o atrav\u00e9s dos movimentos, o significado de obras e atos produzidos, as conex\u00f5es compreens\u00edveis entre a viv\u00eancia e os respectivos p\u00f3s-efeitos, influ\u00eancias som\u00e1ticas, heran\u00e7a etc.). Sempre que fazemos an\u00e1lise, temos presentes totalidades relativas, a elas conexas; quais sejam, o estado de consci\u00eancia, o rendimento total etc. Restam, por\u00e9m, totalidades do psiquismo em geral, a totalidade da vida ps\u00edquica, de que j\u00e1 destacamos alguma coisa e de que ainda mais destaca- remos. Quis\u00e9ramos conceber essas totalidades como totalidades, precisa- mente, e, bem assim, indic\u00e1-las pela an\u00e1lise descritiva dos pacientes e pela valora\u00e7\u00e3o diagn\u00f3stica. Isso fazendo, verificamos n\u00e3o poder apreender o \u201ctodo\u201d como tal, mas, sim, que tamb\u00e9m aqui o que nos cabe \u00e9 ainda ana- lisar. N\u00e3o reconhecemos nem o todo da vida ps\u00edquica, nem o todo de uma personalidade individual, e sim dirigimos nossas inten\u00e7\u00f5es para esse todo mediante totalidades constru\u00eddas: mediante o curso vital conjunto, a natu- reza variada do homem, as unidades nosol\u00f3gicas; totalidades que ainda n\u00e3o v\u00eam a ser, elas pr\u00f3prias, o todo, e sim, simplesmente, padr\u00f5es finais, resultados de an\u00e1lises, que nos apontam o caminho para a apreens\u00e3o pos- s\u00edvel do todo, sem que ainda consigamos apossar-nos do todo. O que \u00e9, a bem dizer, o todo est\u00e1 sempre em aberto, por sua vez. A cada momento, o todo \u00e9 a ideia de uma infinitude; o que para n\u00f3s significa nunca se exaure. O todo mentado nada mais \u00e9, de cada vez, sen\u00e3o o esquema de uma ideia, esquema com que operamos, sem nele ver a pr\u00f3pria ideia. O conhecimento extravia-se quando pretende, afinal, fazer do todo como tal um objeto firme, determin\u00e1vel."], ["Sobre a rela\u00e7\u00e3o entre o particular e o todo, h\u00e1 dois modos de ver unila- terais e opostos: Um declara haver na vida ps\u00edquica apenas elementos; isto \u00e9, fatos particulares e correla\u00e7\u00f5es particulares; o todo do psiquismo nada \u00e9 que se acrescente, representando, somente, outra express\u00e3o com que de-"], ["signar as correla\u00e7\u00f5es em que se encontram os fatos particulares, ou a pe- netra\u00e7\u00e3o de todos os processos ps\u00edquicos por um dos elementos. Pelo ou- tro modo de ver, o todo da vida ps\u00edquica \u00e9 aquilo que \u00e9 essencial, aquilo s\u00f3 que, propriamente, se modifica e se torna anormal; a an\u00e1lise de elementos como sendo fatos m\u00faltiplos individuais ser\u00e1 alguma coisa de artificial. Er- ram ambas as maneiras de ver. Quando s\u00f3 se veem elementos e as respec- tivas correla\u00e7\u00f5es, v\u00ea-se a vida ps\u00edquica como se fosse mosaico ou caleidos- c\u00f3pio de fragmentos mortos; falta a intui\u00e7\u00e3o que apreende a cor pelo todo; falta a cr\u00edtica que s\u00f3 pode ver e determinar cada fato particular em rela\u00e7\u00e3o com o todo. Se, inversamente, entretanto, se hipostasiar o todo numa enti- dade fixa, cuja apreens\u00e3o direta seja s\u00f3 o que interessa, perder-se-\u00e1 toda arg\u00facia conceptual; perder-se-\u00e1 o \u00fanico caminho que leva \u00e0 an\u00e1lise exata, caminho que se percorre mediante a determina\u00e7\u00e3o precisa dos elementos em fatos particulares e suas correla\u00e7\u00f5es. Da\u00ed por que o conhecimento fe- cundo est\u00e1 sempre oscilando entre os elementos e o todo. \u00c9 certo que existe, em rela\u00e7\u00e3o ao todo, urna intui\u00e7\u00e3o, a qual, por\u00e9m, s\u00f3 se faz clara pela an\u00e1lise dos elementos. Ali\u00e1s, pode-se trabalhar f\u00e1cil, se bem que su- perficialmente, com os elementos isolados; mas s\u00f3 quando vistos em rela- \u00e7\u00e3o com o todo \u00e9 que se os apreendem por forma real\u00edstica. \u00c0s vezes, de fato, o todo est\u00e1 presente ao \u201csentimento\u201d do observador, sem estarem bem claros os elementos; h\u00e1 uma \u201cvis\u00e3o\u201d das constitui\u00e7\u00f5es, dos tipos no- sol\u00f3gicos, dos complexos sintom\u00e1ticos. A apreens\u00e3o exata, contudo, se ori- entar\u00e1 sempre para os elementos, porque \u00e9 s\u00f3 determinando os que se torna clara e tang\u00edvel.... Sempre que se fala em totalidades, ressurge o mesmo problema: n\u00e3o se pode apreend\u00ea-las diretamente; s\u00f3 se esclarecem na medida em que se consegue analis\u00e1-las; por semelhantes an\u00e1lises, elas revelam sua ess\u00eancia pr\u00f3pria; an\u00e1lises que acrescentam conceitos novos e novos modos de apreens\u00e3o dos fatos \u00e0queles j\u00e1 discutidos."], ["a) A tarefa.", "Quis\u00e9ramos apreender a psique em toda a amplitude de sua constitui-", "\u00e7\u00e3o presente e no curso de toda a vida respectiva. O fen\u00f4meno de uma vida total, a ideia de um homem que \u00e9 esta individualidade emp\u00edrica, deve fazer-se acess\u00edvel. Tudo quanto se discutiu nos cap\u00edtulos precedentes transforma-se em mero elemento, em fator particular, em todo relativo e provis\u00f3rio de um campo. Queremos, agora, saber de que modo todos os elementos at\u00e9 o momento conhecidos e todas essas totalidades relativas se correlacionam, em que \u00e9 que se ligam. Quis\u00e9ramos conhecer o que \u00e9 cen- tral, o que abrange, o que porta, a subst\u00e2ncia da qual tudo quanto at\u00e9", "aqui se disse representa, apenas, manifesta\u00e7\u00f5es particulares m\u00faltiplas, lo- calizadas no tempo e sintomaticamente significativas."], ["b) A ramifica\u00e7\u00e3o em tr\u00eas tarefas.", "Temos de ver como \u00e9 que o todo ganha forma emp\u00edrica. O todo \u00e9 visto e", "mentado biologicamente, n\u00e3o no sentido estrito da investiga\u00e7\u00e3o biol\u00f3gica individual, mas no sentido de uma vis\u00e3o do homem como todo vital, na medida em que n\u00e3o \u00e9, certamente, evento biol\u00f3gico total, tendo este, po- r\u00e9m, como base e condi\u00e7\u00e3o constantes de sua ess\u00eancia. O homem vive por tempo limitado nas fases biol\u00f3gicas de sua idade; em sua peculiaridade moment\u00e2nea, \u00e9 uma particularidade 'dentro do existir humano, em geral; \u00e9 acometido por processos m\u00f3rbidos, nos quais se estruturam manifesta- \u00e7\u00f5es m\u00faltiplas, de modo a constituir sempre um evento biol\u00f3gico total. O todo da forma emp\u00edrica do homem ganha, pois, sob o ponto de vista biol\u00f3- gico, tr\u00eas aspectos:"], ["O todo \u00e9, em primeiro lugar, a doen\u00e7a determinada. O estar doente configura-se sempre em doen\u00e7as especiais, que se nomeiam. O homem \u00e9, em segundo lugar, um todo, como o corpo que \u00e9, presentemente, a uni- dade corpo-alma na qual se mostra sua particularidade, na qual ainda dormem suas possibilidades, contanto que j\u00e1 n\u00e3o se achem desenvolvidas; \u00e9 sempre formado de maneira especial e, afinal, \u00fanica. Em terceiro lugar, o homem \u00e9 um todo na express\u00e3o de seu curso vital; o que \u00e9 liga-se no tempo e atrav\u00e9s do tempo se configura; o desenvolvimento de sua ess\u00eancia mostra o que ele \u00e9.", "Assim, pois, a pesquisa visa,", "Primeiro, \u00e0 unidade nosol\u00f3gica, tomando forma quando descreve a hist\u00f3ria da doen\u00e7a, que, gra\u00e7as \u00e0 vis\u00e3o nosogr\u00e1fica conjunta, ganha unidade; e esta se exprime no diagn\u00f3stico. Chamamos no- sologia esta ci\u00eancia.", "O segundo objetivo \u00e9 o todo da particularidade, que toma forma na descri\u00e7\u00e3o estruturada de uma ess\u00eancia em sua configura\u00e7\u00e3o som\u00e1tico-ps\u00edquico-intelectual. Esta ci\u00eancia chamamos eidologia.", "O terceiro objetivo \u00e9 o todo do curso vital, que toma forma quando se exp\u00f5e a hist\u00f3ria de uma vida; e esta ci\u00eancia chama- mos biografia.", "Os m\u00e9todos s\u00e3o os mesmos para as tr\u00eas tarefas: ajuntamento de todos"], ["os fatos de uma vida humana singular num psico-biograma (m\u00e9todo psi-", "cogr\u00e1fico); conforma\u00e7\u00e3o deste material, quer sob o ponto de vista da uni- dade nosol\u00f3gica diagnostic\u00e1vel, quer sob o ponto de vista da particulari- dade permanente, quer sob o ponto de vista de uma evolu\u00e7\u00e3o existencial conexa que se estende no tempo. H\u00e1 de pressupor-se tenha o pesquisador a vis\u00e3o que, concretamente, descobre a unidade na multiplicidade dos fe- n\u00f4menos: a vis\u00e3o nosol\u00f3gica, eidol\u00f3gica, biogr\u00e1fica.", "As tr\u00eas vias ligam-se, indissoluvelmente, umas \u00e0s outras; as. tr\u00eas ci\u00ean- cias s\u00e3o ramifica\u00e7\u00e3o de uma s\u00f3. A unidade nosol\u00f3gica se h\u00e1 de procurar, apenas, pela pesquisa biogr\u00e1fica e eidol\u00f3gica, porque se relaciona com a ess\u00eancia do homem todo. A biografia inclui o estar-doente; n\u00e3o se compre- ende plenamente o homem se n\u00e3o se lhe conhecer a doen\u00e7a. A apreens\u00e3o da particularidade exige o conhecimento biogr\u00e1fico e nosol\u00f3gico, porque este se mostra atrav\u00e9s de toda a vida e na maneira por que as doen\u00e7as se apresentam."], ["Uma das tr\u00eas diretivas costuma ocupar o primeiro plano de interesses,", "colocando, ent\u00e3o, na sombra as outras duas. A orienta\u00e7\u00e3o nosol\u00f3gica do- minava ao tempo de Kraepepin. Quando a diretiva eidol\u00f3gica veio ter ao primeiro plano, por influ\u00eancia de Kretschmer, o nosologismo resignou-se ao \u201cdiagn\u00f3stico pluridimensional\u201d. A ren\u00fancia \u00e0s ideias das unidades no- sol\u00f3gicas e das unidades constitucionais limitar-se-ia ao biografismo e s\u00f3 utilizaria os esquemas daquelas ideias como meios auxiliares para estas.", "c) O que se alcan\u00e7a quando se tenta cumprir a tarefa e o que n\u00e3o se con-"], ["segue.", "Se se tivesse, realmente, de apreender o todo de um indiv\u00edduo, um s\u00f3,", "\u00fanico, irrepresent\u00e1vel, se apreenderia como sendo esse todo. Tudo quanto, em geral, se conhecesse seria um meio na via do conhecimento do todo, que \u00e9 sempre \u00fanico. O conhecimento de um indiv\u00edduo pressuporia conhe- cimento geral completo e seria, em termos concretos, mais do que este pelo todo \u00fanico que aqui se mostra. Embora n\u00e3o se possa alcan\u00e7ar seme- lhante objetivo, novas categorias se encontram, quando se busca o todo como tal; categorias que s\u00e3o espec\u00edficas, providas de car\u00e1ter geral e capa- zes de manter em movimento, por seu lado, o conhecimento do todo que se procura, embora n\u00e3o se alcance. Assim \u00e9 que a busca do todo, uma vez posta em pr\u00e1tica, sempre ganha a forma de conhecimento particular novo; conhecimento que se ter\u00e1 de apresentar nos cap\u00edtulos seguintes.", "Na nosologia, nenhuma unidade nosol\u00f3gica se ganha, mas se desta-"], ["cam, sob a ideia desta e uma vez que se prefiram certos elementos parti- culares, unidades nosol\u00f3gicas relativas, as melhores poss\u00edveis para os fins diagn\u00f3sticos. A presen\u00e7a da ideia mostra, ao mesmo tempo, a falta de rea- liza\u00e7\u00e3o concreta do conhecimento que com ela se busca.", "Na eidologia, apreendem-se, imediatamente, as particularidades em aspectos singulares e determinados, em tipos valendo como padr\u00f5es, e n\u00e3o esp\u00e9cies de um ser-assim. Toca-se na particularidade como todo me- diante uma concep\u00e7\u00e3o tipol\u00f3gica m\u00faltipla; e representa-se indiretamente; ela mesma como todo recua, por assim dizer."], ["Na biografia, surgem os pontos de vista da configura\u00e7\u00e3o temporal, da", "idade e das formas por que a vida decorre, al\u00e9m dos. pontos de vista da op\u00e7\u00e3o ou sele\u00e7\u00e3o (primeira viv\u00eancia, crise etc.), de maneira a chegarmos \u00e0 vis\u00e3o do todo."], ["\u00c9 poss\u00edvel rejeitar, em princ\u00edpio, todos os esfor\u00e7os aqui tentados. Pode-", "se dizer: N\u00e3o h\u00e1 unidade nosol\u00f3gica, absolutamente \u2014 foi um fantasma que se perseguiu. N\u00e3o h\u00e1 particularidade fundamental \u2014 s\u00f3 se ouve falar em tipos e fatores particulares; cada particularidade que se apreende n\u00e3o \u00e9 o todo, mas um elemento. N\u00e3o h\u00e1 biografia: o que h\u00e1 sempre \u00e9, apenas, ajuntamento casual de fatos e sele\u00e7\u00e3o conforme a concep\u00e7\u00e3o subjetiva e conforme cada objetivo do conhecimento; a vida \u00e9, afinal, um agregado de acontecimentos, n\u00e3o o todo de um desenvolvimento. Da\u00ed \u2014 \u00e9 o que- re- sulta dessa rejei\u00e7\u00e3o \u2014 mais n\u00e3o haver do que biografia apressada; n\u00e3o ha- ver mais do que ilustra\u00e7\u00e3o tipol\u00f3gica arbitr\u00e1ria de- possibilidades huma- nas; e diagn\u00f3stico pluridimensional sumarizado."], ["\u00c9 correta a rejei\u00e7\u00e3o, quando se oferece o fato r\u00edgido de um- saber rela- tivo ao todo. T\u00eam raz\u00e3o aqueles que o negam. Mas. n\u00e3o a t\u00eam quando ig- noram a via que leva ao conhecimento pelas- ideias, apenas ficando n\u00e3o com uma particularidade vista, permanentemente, atrav\u00e9s da ideia, mas com as meras particularidades- dispersas, que se podem justapor medi- ante entendimento ch\u00e3o. O problema \u00e9 sempre o mesmo: n\u00e3o se trata da exist\u00eancia de um objeto, mas da verdade de uma ideia."], ["d) O entusiasmo pelo todo e o erro.", "Sempre que se percorreu o caminho que conduz ao todo, manifestou- se aut\u00eantico* entusiasmo. O conhecimento pretendia apreender os fatores derradeiros, a profundidade m\u00e1xima, aquilo que \u00e9, realmente, e de que- tudo mais resulta. Julgava-se reconhecer a ess\u00eancia das coisas. \u00c9 justifi- cado esse entusiasmo enquanto significa a realiza\u00e7\u00e3o das ideias. Mas se", "inverte, instantaneamente, em estreiteza dogm\u00e1tica, quando se pretende haver reconhecido o todo; e no lugar da ideia surge a inclus\u00e3o vazia de to- dos os fen\u00f4menos numas tantas categorias, seja diagn\u00f3sticos nosol\u00f3gicos e constitucionais, seja qualquer outra coisa."], ["No que diz respeito ao quadro total da psicopatologia e da respectiva apresenta\u00e7\u00e3o, resulta dessa invers\u00e3o a tend\u00eancia a partir do todo como al- guma coisa que se reconhece, da personalidade como unidade corpo-alma, das grandes unidades nosol\u00f3gicas etc.; e, em seguida, a acomodar nessa estrutura o particular. A vantagem desta apresenta\u00e7\u00e3o \u00e9 o grande tra\u00e7o, a simplicidade, o fato de come\u00e7ar com a essencialidade m\u00e1xima do pr\u00f3prio existir, que- n\u00e3o tarda a despertar vivo interesse. A desvantagem, por\u00e9m, est\u00e1 em que a sequ\u00eancia da apresenta\u00e7\u00e3o n\u00e3o consegue manter a expecta- tiva prometida, porque o particular n\u00e3o pode desenvolver-se do todo. Ape- nas se conservam as grandes senhas, perdendo-se as indaga\u00e7\u00f5es radicais, bem como a aptid\u00e3o investigativa franca, multilateral. Depois de acreditar- se haver conquistado o todo de assalto, possu\u00ed-lo de um s\u00f3 golpe, tem-se de reconhecer que, pulando por sobre a constru\u00e7\u00e3o met\u00f3dica e cr\u00edtica no tocante ao particular (e quando assim se constr\u00f3i atenta-se para tudo quanto \u00e9 de apreender, realmente), mais nenhuma perspectiva resta, afi- nal, com o t\u00e9dio de estar sempre ouvindo a mesma coisa."], ["e) O conhecimento do homem como caminho para a abertura do existir"], ["humano, propriamente dito.", "Para o conhecimento cr\u00edtico, sempre defrontamos com a experi\u00eancia: o", "todo n\u00e3o >\u00e9 o todo, afinal. O homem n\u00e3o est\u00e1 encerrado na cognoscibili- dade \u2014 sempre \u00e9 mais ainda do que sabe de si. Sua ess\u00eancia e origem ex- cedem a cognoscibilidade. \u00c9 o que indica o fato de que o todo presumido em que se julga hav\u00ea-lo conhecido nunca tarda a sucumbir \u00e0 an\u00e1lise cr\u00ed- tica. Sempre ocorre a ruptura daquilo que, presumidamente completo, \u00e9 conclus\u00e3o errada. Em todos os cap\u00edtulos cujo tema foi um todo relativo percebemos o limite, at\u00e9 que, por fim, temos aberto \u00e0 nossa frente o existir ^humano. Surgem, ent\u00e3o, indaga\u00e7\u00f5es que n\u00e3o se podem responder medi- ante pesquisas emp\u00edricas, embora a pesquisa as suscite, inevitavelmente. Ser\u00e3o indicadas na parte VI. Cabe \u00e0 filosofia o respectivo esclarecimento ulterior."], ["De modo especial, o homem tamb\u00e9m n\u00e3o se encerra nas cognoscibili-", "dades biol\u00f3gicas que constituem o tema desta parte VI. \u00c9 o que se v\u00ea pelo salto que as totalidades a se discutirem d\u00e3o de uma ess\u00eancia biol\u00f3gica", "para outra intelectual e, por fim, existencial. Concebe-se a doen\u00e7a tamb\u00e9m como particularidade pessoal (dos neur\u00f3ticos); a particularidade pessoal vem a formar-se e a resultar, finalmente e mais uma vez, de uma origem existencial; a particularidade biol\u00f3gica temporal do evento vital trans- forma-se, pelo comportamento do homem, em seu bios, tal qual se apre- senta na biografia."], ["f) A pesquisa guiada por ideias.", "Kant conceituou e por forma grandiosa mostrou o seguinte: Quando quero apreender o todo, seja o mundo, seja o homem, o objeto escapa-me, porque o que pretendo, a ideia (tarefa a investigar infinitamente), n\u00e3o \u00e9 fi- nitude precisa e conclusa. O que conhe\u00e7o nunca \u00e9 o mundo, e sim. al- guma coisa no mundo: o mundo n\u00e3o \u00e9 objeto, mas ideia. :Se tentar, erra- damente, dizer a respeito dele qualquer coisa, enredo-me em antinomias insol\u00faveis. No mundo posso caminhar adiante, conhecendo, para todos os lados; mas o mundo n\u00e3o posso conhecer."], ["Outra coisa n\u00e3o se d\u00e1 com o homem. O homem abrange tantas coisas quanto o mundo. J\u00e1 nunca o tenho no todo, quando se toma objeto para mim; e isso sempre de modo determinado e sob certos pontos de vista. O todo, por\u00e9m, subsiste. Quando procuro o todo, procuro at\u00e9 o infinito as re- la\u00e7\u00f5es de tudo quanto \u00e9 precisamente tang\u00edvel (a caracter\u00edstica dos esfor- \u00e7os que se fazem sob a influ\u00eancia de uma ideia para encontrar o todo \u00e9 que correlacionam, sistematicamente, tudo aquilo que at\u00e9 ent\u00e3o se acha disperso, parecendo, afinal, referir-se, universalmente, a tudo, embora vi- rem a ser uma coisa s\u00f3). Embora n\u00e3o consiga conhecer de modo exato o todo como ideia, dele me aproximo, por\u00e9m \u2014 nas palavras de Kant \u2014 pelo \u201cesquema\u201d da ideia. Os esquemas s\u00e3o tipos planejados; errados, quando os trato como realidades ou como teoria de algo b\u00e1sico; verdadeiros como recurso met\u00f3dico, pass\u00edvel de corre\u00e7\u00e3o e modifica\u00e7\u00e3o ilimitada."], ["g) M\u00e9todos da tipologia.", "O que \u00e9 ess\u00eancia do objeto cognosc\u00edvel eu capto em esp\u00e9cies a que per- tence esse objeto; o objeto das ideias re\u00fano em tipos. \u00c9 indispens\u00e1vel e es- clarecedor estabelecer a diferen\u00e7a entre esp\u00e9cie e tipo. A uma esp\u00e9cie (por exemplo, a paralisia) pertence um caso, ou n\u00e3o pertence. A um tipo (o ca- r\u00e1ter hist\u00e9rico, por exemplo), corresponde um caso, mais ou menos. Esp\u00e9- cie \u00e9 o conceito de uma variedade realmente existente e delimit\u00e1vel, ao passo que tipo \u00e9 forma\u00e7\u00e3o fict\u00edcia, \u00e0 qual corresponde uma realidade com"], ["limites fluidos; pela qual se mede um caso individual, sem se lhe subordi- nar, por\u00e9m. Da\u00ed ser razo\u00e1vel medir o mesmo caso individual por muitos ti- pos, a fim de exauri-lo tanto quanto poss\u00edvel. Mas \u00e9 evidente que o esgota- mos quando o subordinamos a uma esp\u00e9cie. H\u00e1 esp\u00e9cies, ou n\u00e3o as h\u00e1. Os tipos, quando se apreendem os casos individuais (em sua peculiari- dade a partir do todo que se pressup\u00f5e ao fato de eles existirem), revelam- se proveitosos ou n\u00e3o. Pelas esp\u00e9cies conhecem-se limites reais; pelos ti- pos, apenas se d\u00e1 estrutura a uma multiplicidade fluida."], ["Como \u00e9 que surgem os tipos? Pela nossa vis\u00e3o pensante, com a qual desenvolvemos um todo capaz de relacionar-se construtivamente. Distin- guimos tipos m\u00e9dios e tipos ideais. Os tipos m\u00e9dios surgem quando, por exemplo, num grupo de indiv\u00edduos, se determinam qualidades mensur\u00e1- veis (altura, peso, capacidade de fixa\u00e7\u00e3o, fatigabilidade etc.) e se lhes ava- lia a intensidade m\u00e9dia; reunindo todas as qualidades, obt\u00e9m-se o tipo m\u00e9dio deste grupo. Os tipos ideais surgem quando desenvolvo, causal- mente, por forma construtiva ou psicologicamente compreensiva, partindo de pressupostos que me d\u00e3o, todas as consequ\u00eancias, isto \u00e9, se vejo um todo na ocasi\u00e3o de urna experiencia, mas n\u00e3o pela experi\u00eancia. Para os ti- pos m\u00e9dios, preciso de grande massa de casos. Para o desenvolvimento de um tipo ideal, basta-me a oportunidade da experi\u00eancia com um indiv\u00edduo \u00fanico ou com dois indiv\u00edduos. Resulta da ess\u00eancia dos tipos ideais que, inicialmente, n\u00e3o tem significa\u00e7\u00e3o alguma como esp\u00e9cies correspondentes ao que s\u00e3o, representando, entretanto, o padr\u00e3o pelo qual medimos os ver- dadeiros casos individuais. Desde que correspondam ao tipo ideal, pode- mos apreend\u00ea-los. O car\u00e1ter hist\u00e9rico de um indiv\u00edduo real n\u00e3o \u00e9 marcado, nem \u201cpuro\"\u2019. Quando a realidade n\u00e3o corresponde ao tipo ideal, inquirimos adiante, a fim de saber de onde prov\u00e9m; mas se a realidade corresponder plenamente, satisfaz-se o conhecimento de maneira caracter\u00edstica e inda- gamos da causa desse todo. \u2014 Os tipos ideais, al\u00e9m disso, possibilitam- nos coordenar e dar significado aos estados e desenvolvimentos ps\u00edquicos concretamente vistos, n\u00e3o mediante enumera\u00e7\u00f5es desconexas, mas pela descoberta das conex\u00f5es t\u00edpico- ideais, uma vez que existam. A distin\u00e7\u00e3o entre aqueles enfermos que narram com talento e aqueles que escrevem, outra coisa n\u00e3o. fazendo sen\u00e3o gabar-se e enumerar fatos atr\u00e1s uns dos outros, est\u00e1 em que os primeiros utilizam, por instinto, os tipos ideais, sem por isso precisar, de modo algum, ser menos objetivos."], ["As tipologias s\u00e3o sempre poss\u00edveis quando se procuram totalidades. H\u00e1 tipos de intelig\u00eancia e de dem\u00eancia, tipos de car\u00e1ter, tipos de estrutura so- m\u00e1tica (em constru\u00e7\u00e3o morfol\u00f3gica ou fisiognom\u00f4nica), tipos de quadros", "nosol\u00f3gicos etc. Com eles o que se busca \u00e9 sempre um esquema da ideia do todo eventual."], ["Todavia, mais se pretende do que apenas uma apresenta\u00e7\u00e3o- ao infi- nito de tipos. Os tipos t\u00eam valor diverso, conforme mais se aproximem ou mais se distanciem da realidade, est\u00e1 devendo ser o todo do homem como evento biol\u00f3gico. Da\u00ed por que se destacam, precisamente, os horizontes bi- ol\u00f3gicos mais amplos, a hist\u00f3ria evolutiva (ontogen\u00e9tica e filogen\u00e9tica) e o processo heredit\u00e1rio; da\u00ed por que tudo \u00e9 referido a alguma coisa (e deter- minado em correla\u00e7\u00f5es, quantitativamente); da\u00ed por que se apreende o so- m\u00e1tico, em sentido an\u00e1tomo-fisiol\u00f3gico e morfol\u00f3gico, conjuntamente com o ps\u00edquico, sob o aspecto de modo vivencia!, produtividade, car\u00e1ter, a fim de compreender um todo pelo qual se devam explicar as -diversidades in- dividuais. Isso fazendo, sempre est\u00e1 iminente o perigo de absolutizar um setor das pesquisas individuais poss\u00edveis, porque \u00e9 uma vis\u00e3o total que se exige. Dado, entretanto, que esta se torna particular, inevitavelmente, \u00e0 medida que se realiza, a totalidade subsiste Como ideia. Do fato de estas ideias serem condutoras decorre a essencialidade das pesquisas de Krae- pelin, Kretschmer, Conrad. \u00e0 cr\u00edtica apenas cabe elaborar a verdade das ideias, preservando-as do pr\u00f3prio mal-entendimento."], ["h) O psicograma.", "O m\u00e9todo t\u00e9cnico universal de apreens\u00e3o do homem total consiste na reuni\u00e3o de todo material sequer acess\u00edvel e na investiga\u00e7\u00e3o do homem sob todos os pontos de vista poss\u00edveis. O procedimento mais superficial con- siste em assegurar- se do todo em bloco, como se fosse um agregado. O re- gistro de todos os achados num esquema ordenado chama-se psicograma. O \u00fanico sentido do m\u00e9todo psicogr\u00e1fico est\u00e1 em que ajuda o pesquisador a n\u00e3o esquecer coisa alguma, gra\u00e7as a um esquema que abrange b mais poss\u00edvel.", "\u00ca s\u00f3 depois de ordenar, psicograficamente, todo o material que se po-", "dem destacar, por forma met\u00f3dica, totalidades individuais: a biografia, como apresenta\u00e7\u00e3o formativa de uma unidade individual no todo de uma exist\u00eancia; a tipologia, como s\u00e9rie de formas eventuais para a apreens\u00e3o da ess\u00eancia eidol\u00f3gica b\u00e1sica (sexo, constitui\u00e7\u00e3o, ra\u00e7a); a hist\u00f3ria cl\u00ednica como apresenta\u00e7\u00e3o unit\u00e1ria sob o aspecto da doen\u00e7a.", "4.1. A S\u00cdNTESE DOS QUADROS M\u00d3RBIDOS (NOSOLOGIA)"], ["Na psicopatologia geral, cogita-se, inicialmente, de fen\u00f4menos, particu-"], ["lares por si: alucina\u00e7\u00f5es, fuga-de-ideias, ideias delirantes. Concebem-se isoladamente e considera-se aquilo que neles coincide, seja qual for a do- en\u00e7a em que aparecem. Na realidade, por\u00e9m, cada fen\u00f4meno ou manifes- ta\u00e7\u00e3o tem nuan\u00e7as variadas conforme os diversos doentes, n\u00e3o consis- tindo, apenas, no desenvolvimento mais ou menos pleno, e sim no fato de que, dentro do mesmo desenvolvimento, todos os processos ps\u00edquicos t\u00eam suas modifica\u00e7\u00f5es, as quais decorrem, em parte, da individualidade di- versa, em parte das v\u00e1rias altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas, que podem ser as mais gerais. \u00c9 frequente sentirmos mais do que formularmos-conceptualmente estas - nuan\u00e7as. Se os fen\u00f4menos constitu\u00edssem forma\u00e7\u00f5es r\u00edgidas, sem- pre id\u00eanticas, poder-se-iam considerar os quadros nosol\u00f3gicos forma\u00e7\u00f5es mosaiciformes, variadamente compostas de pedras individuais, sempre id\u00eanticas. Importaria, apenas, nomear estas pedrinhas sempre iguais; ver, para cada uma, em que enfermidade com mais frequ\u00eancia costuma repre- sentar-se; e pela adi\u00e7\u00e3o das frequ\u00eancias, chegar ao diagn\u00f3stico.... Este m\u00e9- todo de uma estrutura\u00e7\u00e3o errada em mosaico, empregado muitas vezes por forma rudimentar, apega-se, todavia, a superficialidades, tornando mec\u00e2nicos a investiga\u00e7\u00e3o psicopatol\u00f3gica e o diagn\u00f3stico e apenas petrifi- cando o que at\u00e9 o momento se adquiriu. Alguns principiantes mostram pendor especial para seguir essa via\u2019 porque \u00e9 t\u00e3o facilmente tang\u00edvel e porque se pode aprend\u00ea-la com relativa rapidez e clareza. Manuais intei- ros, como o de Ziehen, lhe devem sua popularidade, sua compreens\u00e3o c\u00f4- moda e \u2014 sua rigidez morta. \u00c9 necess\u00e1rio n\u00e3o nos deixarmos atrair por tangibilidades f\u00e1ceis desta ordem e refletir fundamente nos pontos de vista, em lugar de decorar sintomas."], ["Todos os aspectos parecem haver sido abrangidos nos cap\u00edtulos prece- dentes, como parece haver-se apresentado o que se tem em vista a partir deles; Como analistas, podemos satisfazer-nos com os m\u00e9todos que apren- demos. Mas para o cl\u00ednico a quest\u00e3o essencial \u00e9, de h\u00e1 muito: Como \u00e9 que tudo se ajunta no caso individual? Que doen\u00e7a, isto \u00e9, que unidade noso- l\u00f3gica temos em vista? Quais s\u00e3o as que existem? O psiquiatra, quando analisa, decomp\u00f5e um caso em todas as dire\u00e7\u00f5es; cl\u00ednico que \u00e9, quer fazer um diagn\u00f3stico. Para ele, todas as manifesta\u00e7\u00f5es se tornam sintomas de doen\u00e7as. Uma unidade nosol\u00f3gica tem os sintomas que lhe correspondem,", "que se podem esperar e dos quais se tiram conclus\u00f5es relativamente \u00e0 do- en\u00e7a subjacente.' A grande quest\u00e3o \u00e9 saber, de cada vez, o que \u00e9 esta coisa que tem sintomas."], ["\u00a7 1. Pesquisa Guiada Pela Ideia De Unidade Nosol\u00f3gica"], ["\u00c9 de longa data que se responde em sentido duplo a esta quest\u00e3o. Uns propuseram a teoria da psicose unit\u00e1ria-, n\u00e3o h\u00e1 unidades nosol\u00f3gicas em psicopatologia: h\u00e1 multiplicidade enorme de varia\u00e7\u00f5es da loucura, entrela- \u00e7ando-se sempre e em todas as dire\u00e7\u00f5es umas com as. outras. As formas de loucura h\u00e3o de classificar-se como, estados que se seguem tipicamente uns aos outros (assim \u00e9 que todas as doen\u00e7as mentais, deveriam come\u00e7ar com melancolia, vindo, depois, o furor, a alucina\u00e7\u00e3o e, por fim, a dem\u00ean- cia; em contr\u00e1rio, elevou-se a teoria da paranoia \u201corigin\u00e1ria\u201d). Outros ensi- naram: a tarefa principal da psiquiatria \u00e9 encontrar as unidades nosol\u00f3gi- cas naturais, as quais s\u00e3o separadas, em princ\u00edpio, umas das outras; \u00e0s quais s\u00e3o comuns, caracteristicamente, uma sintomatologia, curso, causa e achados som\u00e1ticos; entre as quais n\u00e3o existe transi\u00e7\u00e3o alguma. Embora a luta entre, as duas orienta\u00e7\u00f5es se haja levado com grande animosidade rec\u00edproca; embora cada um estivesse convencido do fiasco completo so- frido pelos esfor\u00e7os alheios, temos de presumir, com base no fato hist\u00f3- rico, que essa luta s\u00f3 parou na apar\u00eancia, jamais na realidade; temos de presumir que ambas as partes querem alguma coisa exata e que podem complementar-se em vez de combater-se. N\u00e3o admitiremos as f\u00f3rmulas unilaterais, f\u00e1ceis de apreender, mas assumiremos a tarefa dif\u00edcil de com- preender as vias realmente percorridas na s\u00edntese das doen\u00e7as e de extrair das meras asser\u00e7\u00f5es os resultados reais."], ["O fato b\u00e1sico \u00e9 o da multiplicidade das doen\u00e7as. De um lado, \u00e9 evi- dente que a variedade das causas e fatores configurativos n\u00e3o produz, contudo, uma quantidade uniforme, fluindo em transi\u00e7\u00f5es, de quadres que absolutamente n\u00e3o se possam distinguir, em ess\u00eancia; antes, pelo contr\u00e1rio, a maioria dos casos se ajusta a quadros globais t\u00edpicos, ao passo que os casos at\u00edpicos, imposs\u00edveis de classificar, s\u00e3o poucos. Doutro lado, por\u00e9m, existem esses casos que n\u00e3o se podem classificar e, ali\u00e1s, t\u00e3o penetrantes e perturbadores s\u00e3o que um pesquisador moderno de assun- tos relacionados com a heran\u00e7a, empenhado no esclarecimento das unida- des, chega \u00e0 concep\u00e7\u00e3o seguinte: \u201c\u00c9 poss\u00edvel que um esquizofr\u00eanico pos- sua, ao lado do gen\u00f3tipo esquizofr\u00eanico pleno, uma disposi\u00e7\u00e3o parcial ma- n\u00edaco-depressiva ou epil\u00e9tica; e vice- versa... Sou at\u00e9 de opini\u00e3o que um"], ["mesmo homem pode tornar-se, primeiro, epil\u00e9tico, depois esquizofr\u00eanico e ainda, por fim, man\u00edaco-depressivo. N\u00e3o h\u00e1 motivo, no estado atual da pesquisa relativa' \u00e0 heran\u00e7a, para admitir que as psicoses heredit\u00e1rias se excluam mutuamente.... Contra semelhante concep\u00e7\u00e3o fala, al\u00e9m da com- bina\u00e7\u00e3o familial frequent\u00edssima de psicoses heredit\u00e1rias diversas (mesmo em irm\u00e3os), o grande n\u00famero de esquizofrenias at\u00edpicas, ciclotimias e epi- lepsias, bem como aqueles casos dificilmente diagnostic\u00e1veis que se deno- minam \u2018psicoses mistas\u2019\u201d (Luxenburger)."], ["No curso do desenvolvimento hist\u00f3rico, quase todas as unidades psico- patol\u00f3gicas t\u00eam funcionado, numa ou noutra \u00e9poca, como unidades noso- l\u00f3gicas. Em tempos passados, as alucina\u00e7\u00f5es eram \u201cuma\u201d doen\u00e7a; o del\u00edrio era \u201cuma\u201d doen\u00e7a; os conferidos especiais de v\u00e1rios atos constitu\u00edam \u201cuma\u201d doen\u00e7a (piromania, cleptomania, dipsomania etc.). Se be que estas concep\u00e7\u00f5es hajam sido postas de lado, em geral, pelo fato de conduzirem a registros indiferenciados ao infinito e de fazerem o mesmo indiv\u00edduo sofrer, simultaneamente, de in\u00fameras \u201cdoen\u00e7as\u201d, ainda vigoram, no presente, os seguintes pontos de vista, quando se definem as enfermidades:", "1. Certos acoplamentos sintom\u00e1ticos, dos quais se originava, conforme", "diversos pontos de vista, a unidade de um complexo sintom\u00e1tico (melan- colia, furor, confus\u00e3o, dem\u00eancia) eram as unidades nosol\u00f3gicas que domi- navam ainda por volta de 1880. Procurava-se aprofund\u00e1-las, buscando penetrar, por sobre os in\u00fameros detalhes, na estrutura psicol\u00f3gica b\u00e1sica dos processos ps\u00edquicos anormais. Meynert fazia a am\u00eancia derivar da in- coer\u00eancia (\u201cdefeito de associa\u00e7\u00e3o\u201d). Wernicke continuou este tipo de an\u00e1- lise. Ambos, contudo, partiam de ideias an\u00e1tomo-cerebrais e te\u00f3rico-asso- ciativas, sem absolutamente encontrar quaisquer \u201cestruturas b\u00e1sicas\u201d. Talvez as haja alcan\u00e7ado, em nossos dias, a teoria de Bleuler a respeito da esquizofrenia, teoria que constitui, at\u00e9 o momento, a exposi\u00e7\u00e3o psicologi- camente mais profunda de uma forma anormal b\u00e1sica da vida ps\u00edquica."], ["2. Porque a investiga\u00e7\u00e3o das unidades psicol\u00f3gicas n\u00e3o proporcionava,", "absolutamente, resultados que convencessem e se reconhecessem de modo geral, procurou-se uma estrutura unit\u00e1ria '\u201cmais natural\u201d e julgou- se encontr\u00e1-la nas causas da loucura. Tudo quanto tem as mesmas cau- sas deve conjugar-se numa unidade. Foram, especialmente, os franceses (Morel, Magnan) que tentaram explicar este ponto de vista como sendo su- perior a todos os demais, da\u00ed partindo para a teoria, que criaram, da dis- posi\u00e7\u00e3o* e heran\u00e7a. A imensa maioria das psicoses pertenceria, ent\u00e3o, se- gundo eles, \u00e0 loucura heredit\u00e1ria dos degenerados. Esta loucura degene-", "rativa, conforme a chamaram, era t\u00e3o extensa e unificava, noutros aspec- tos, coisas t\u00e3o diversas sob um s\u00f3 aspecto (al\u00e9m domais, quase sempre hi- pot\u00e9tico) \u2014 o da degenera\u00e7\u00e3o \u2014 que tamb\u00e9m n\u00e3o p\u00f4de satisfazer.", "3. Ao mesmo tempo, j\u00e1 se havia postulado que o achado anat\u00f4mico de-", "via dar as unidades. Os processos cerebrais, iguais- entre si, formariam uma unidade nosol\u00f3gica. Este ponto de vista n\u00e3o passou, entretanto, de postulado. Al\u00e9m dos processos cerebrais conhecidos da neurologia (escle- rose m\u00faltipla, tumor, lues cerebral' etc.), como sintoma dos quais se ob- serva a loucura, descobriu-se, primeiro, pelos sintomas som\u00e1ticos (parali- sia etc.; Bayle, Calmeil), depois pelo achado caracter\u00edstico no c\u00f3rtex cere- bral (Nissl, Alzheimer), mais uma doen\u00e7a do sistema nervoso, a paralisia geral, a qual valeu, durante certo tempo, como paradigma das doen\u00e7as mentais, constituindo a \u00fanica unidade conhecida. Mas os sintomas que nela se apresentam de tal forma assemelham-se \u00e0s demais doen\u00e7as cere- brais at\u00e9 ent\u00e3o conhecidas, apenas- excedendo-as pela gravidade da des- trui\u00e7\u00e3o, que se tem de alinh\u00e1-los ao lado destas e n\u00e3o das demais psico- ses. A paralisia geral \u00e9 um processo do sistema nervoso no qual sempre aparecem psicoses \u201csintom\u00e1ticas\u201d. Nem nos sintomas psicol\u00f3gicos indivi- duais, nem na sequ\u00eancia serial das manifesta\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas de seu curso se distingue, em princ\u00edpio, de outras psicoses que ocorrem junto com do- en\u00e7as org\u00e2nicas cerebrais. A paralisia geral \u00e9, certamente, modelo para a pesquisa anat\u00f4mica e causal, mas n\u00e3o, conforme se pretendeu fazer dela, modelo para a investiga\u00e7\u00e3o cl\u00ednico-psiqui\u00e1trica, porque, quando se a des- creve, jamais desempenham papel real quaisquer elementos psicol\u00f3gicos. Trata-se, aqui, de assuntos puramente neurol\u00f3gicos."], ["Nem as formas psicol\u00f3gicas b\u00e1sicas, nem a teoria das causas (etiolo- gia), nem o achado cerebral t\u00eam levado a quaisquer unidades nosol\u00f3gicas em que se possam acomodar todas as psicoses. Kahlbaum e, depois dele, Kraepelin vieram a trilhar, posteriormente, novos caminhos para chegar, apesar de tudo, a unidades nosol\u00f3gicas. Kahlbaum suscitou dois requisi- tos fundamentais: em primeiro lugar, h\u00e1 de ter-se o curso de toda a lou- cura como o fundamento mais essencial para estrutura\u00e7\u00e3o de formas no- sol\u00f3gicas; em segundo lugar, tomar-se-\u00e1 como base o quadro total da psi- cose, mediante a observa\u00e7\u00e3o cl\u00ednica multilateral. Por um lado, ele suscitou novo aspecto, ao lado dos tr\u00eas precedentes, pela acentua\u00e7\u00e3o do curso; por outro, reuniu, com o segundo requisito, todos os pontos de vista ou aspec- tos', \u00e9 preciso que convirjam para a forma\u00e7\u00e3o de unidades nosol\u00f3gicas, em vez de se oporem uns aos outros. Dos trabalhos de Kahlbaum destacamos uma passagem cl\u00e1ssica:"], ["O que temos de fazer \u00e9 \u201cdesenvolver quadros nosol\u00f3gicos segundo um", "m\u00e9todo cl\u00ednico, quadros nos quais se avaliem quanto poss\u00edvel todas as manifesta\u00e7\u00f5es vitais no doente individual, visando ao diagn\u00f3stico, e se possa considerar todo o curso da enfermidade. Os grupos de' configura- \u00e7\u00f5es nosol\u00f3gicas que assim resultam da reuni\u00e3o de todos os sintomas coincidentemente ocorrentes com mais frequ\u00eancia, bem como da delimita- \u00e7\u00e3o puramente emp\u00edrica.... n\u00e3o s\u00f3 foram.... f\u00e1ceis de fazer compreender- se, mas tamb\u00e9m o diagn\u00f3stico sobre eles constru\u00eddo possibilitou, com base no estado moment\u00e2neo de certo doente, construir a posteriori o curso passado do caso nosol\u00f3gico; al\u00e9m do que, tanto de modo absolutamente geral, em termos de vida e sa\u00fade, quanto tamb\u00e9m no particular, tendo em vista as fases variadas do quadro sintom\u00e1tico anterior, permitiu inferir a evolu\u00e7\u00e3o ulterior com maior probabilidade do que seria poss\u00edvel sob o ponto de vista da moldura classificat\u00f3ria anterior\u201d."], ["As ideias de Kahlbaum pouco influ\u00edram at\u00e9 que Kraepelin as desposou e propagou. Na sequ\u00eancia das edi\u00e7\u00f5es de seu Manual, exp\u00f5e-se a evolu\u00e7\u00e3o que o levou da supera\u00e7\u00e3o de todas aquelas unidades provis\u00f3rias e unilate- ralmente apresentadas \u00e0 apropria\u00e7\u00e3o proveitosa das ideias de Kahlbaum. Sempre estruturando e reestruturando, procurou ele realizar sua ideia da unidade nosol\u00f3gica numa psiquiatria realmente especial. Os quadros m\u00f3r- bidos que t\u00eam causas iguais, forma psicol\u00f3gica b\u00e1sica igual, desenvolvi- mento e curso iguais, \u00eaxito igual e achado cerebral iguais-, que, portanto, coincidem no quadro global, s\u00e3o unidades nosol\u00f3gicas naturais que se po- dem dizer verdadeiras. \u00c9 pela observa\u00e7\u00e3o cl\u00ednica multilateral que se en- contram semelhantes unidades. Particularmente \u00fatil afigurou-se o estudo do \u00eaxito da doen\u00e7a; no que, foi decisivo o pressuposto de que as doen\u00e7as que se curam completamente s\u00e3o essencialmente diversas das jamais cu- r\u00e1veis; em segundo lugar, Kraepelin sup\u00f4s que o conhecimento da estru- tura psicol\u00f3gica dos estados terminais j\u00e1 permitisse conhecer a forma psi- col\u00f3gica b\u00e1sica do processo m\u00f3rbido mesmo nos ind\u00edcios ligeiros, ao in\u00edcio das psicoses. O resultado dessas pesquisas foi o estabelecimento dos dois grandes grupos nosol\u00f3gicos, os quais abrangem todas as psicoses que n\u00e3o se expliquem como consequentes a processos cerebrais j\u00e1 poss\u00edveis de apreender; a loucura man\u00edaco-depressiva, na qual se inclu\u00edram tanto a loucura circular dos franceses quanto as doen\u00e7as afetivas; e a dem\u00eancia precoce, em que se fundiram a catatonia e a hebefrenia de Kahlbaum, mais as psicoses delirantes. Al\u00e9m disso, todas as demais anormalidades ligeiras foram agrupadas na rubrica de loucura degenerativa. Vamos, agora, orientar-nos pelos resultados desta diretiva que vige desde 1892, mais ou menos:"], ["1. N\u00e3o se encontrou por esta via unidade nosol\u00f3gica real alguma. N\u00e3o h\u00e1, na ci\u00eancia, doen\u00e7a que corresponda aos requisitos necess\u00e1rios a que se conforme uma unidade nosol\u00f3gica: a) A unidade nosol\u00f3gica da paralisia geral \u00e9 unidade puramente neurol\u00f3gica, c\u00e9rebro-histol\u00f3gica e etiol\u00f3gica. Os processos ps\u00edquicos nada t\u00eam de caracter\u00edstico, al\u00e9m da destrui\u00e7\u00e3o, que s\u00f3 em grau difere da destrui\u00e7\u00e3o presente noutros processos org\u00e2nicos cerebrais. Todos os eventos patol\u00f3gicos sequer poss\u00edveis resultam do pro- cesso cerebral da paralisia. A psicopatologia n\u00e3o ganhou, pelo conheci- mento da paralisia geral, unidade nova alguma que se pudesse caracteri- zar psicologicamente, b) Os grupos nosol\u00f3gicos da loucura man\u00edaco-de- pressiva e da dem\u00eancia precoce s\u00e3o quase inteiramente desconhecidos re- lativamente \u00e0s respectivas causas e respectivos achados cerebrais. Delimi- tam-se conforme mais ou menos se acentue a forma psicol\u00f3gica b\u00e1sica ou o curso (cura ou n\u00e3o). Se, de um lado, se traz a primeiro plano o primeiro fator (Bleuler), o grupo da dem\u00eancia precoce estende-se enormemente, em oposi\u00e7\u00e3o ao outro grupo; este, por sua vez, acentua mais o curso (cura com compreens\u00e3o da doen\u00e7a ou n\u00e3o), restringindo aquele de maneira con- sider\u00e1vel (Wilmanns); os que assim pensam veem doen\u00e7as cur\u00e1veis \u2014 e, pois, de n\u00e3o se inclu\u00edrem na dem\u00eancia precoce \u2014 com sintomas catat\u00f4ni- cos e viv\u00eancias esquizofr\u00eanicas. Assim \u00e9 que o limite oscila por forma pen- dularmente not\u00e1vel entre a loucura man\u00edaco-depressiva e a dem\u00eancia pre- coce, h\u00e1 muitos anos, sem que se progrida na demarca\u00e7\u00e3o quanto a uma e outra. Al\u00e9m disso, t\u00eam-se estendido os dois grupos de tal modo que se \u00e9 obrigado a consider\u00e1mos sujeitos ao destino a que sucumbiram, tipica- mente, no s\u00e9culo lassado, todas as unidades nosol\u00f3gicas com base psico- l\u00f3gica. A teoria das monomanias de Esquirol, a paranoia dos anos 80, a am\u00eancia de Meynert constitu\u00edram c\u00edrculos desta ordem. A hebefrenia e a catatonia relativamente claras deram lugar \u00e0 dem\u00eancia precoce infinita; a loucura circular, \u00e0 loucura man\u00edaco-depressiva sem limites.", "2. Os quadros nosol\u00f3gicos kraepelinianos distinguem-se, por\u00e9m, es-", "sencialmente, dos grupos maci\u00e7os precedentes. Segundo, ao menos, pre- tendem, formam-se pela observa\u00e7\u00e3o do quadro total e do curso da doen\u00e7a;"], ["e, duais que s\u00e3o, al\u00e9m de empenhados na delimita\u00e7\u00e3o, entret\u00eam um es- for\u00e7o investigativo que, certamente, pouco contribuiu para a delimita\u00e7\u00e3o dessas enfermidades; mas levou a outros resultados valiosos. Quando se apresentam os dois grupos, algum n\u00facleo permanente de verdade tem de haver que faltou aos outros agrupamentos. Tal qual se formularam impu- seram-se ao mundo inteiro \u2014 \u00f5 que n\u00e3o havia conseguido qualquer outra classifica\u00e7\u00e3o anterior das psicoses sem base org\u00e2nica conhecida \u2014 e sob esta forma n\u00e3o se controvertem, em princ\u00edpio. Mais ainda: conseguiu-se intensificar o esfor\u00e7o diagn\u00f3stico, de modo a superar a tranquilidade das rubricas diagn\u00f3sticas comodamente definitivas. A ideia de unidade nosol\u00f3- gica veio a constituir, de maneira permanente, objetivo estimulante ao tra- balho psiqui\u00e1trico. O pr\u00f3prio Kraepelin conseguiu aprofundar notavel- mente o conhecimento da estrutura psicol\u00f3gica das doen\u00e7as afetivas, quais sejam as enfermidades esquizofr\u00eanicas (donde resultaram as esqui- zofrenias de Bleuler). Seus disc\u00edpulos estudaram as formas evolutivas atrav\u00e9s de biografias inteiras, destacando com mais nitidez pequenos gru- pos t\u00edpicos de psicoses."], ["3. N\u00e3o se realizou a esperan\u00e7a de encontrar, pela observa\u00e7\u00e3o cl\u00ednica dos fen\u00f4menos ps\u00edquicos e dos cursos evolutivos e \u00eaxitos, grupos caracte- r\u00edsticos que fossem, posteriormente, confirmados pelo achado cerebral, e, de certo modo, preparassem o caminho para o anatomista cerebral. En- sina a hist\u00f3ria as seguintes premissas: a) Do ponto de vista som\u00e1tico, os processos cerebrais tang\u00edveis foram sempre e exclusivamente encontrados pela investiga\u00e7\u00e3o som\u00e1tica sem qualquer trabalho psicopatol\u00f3gico pr\u00e9vio, b) Uma vez encontrados processos cerebrais nitidamente delimit\u00e1veis, ve- rificou-se que, com eles, aparecem, ocasionalmente, todos os sintomas psicopatol\u00f3gicos sequer poss\u00edveis; e que n\u00e3o h\u00e1 caracter\u00edsticas distintivas no setor ps\u00edquico. \u2014 A paralisia geral \u00e9 exemplo excelente; mesmo quando j\u00e1 se conheciam, de certo modo, os achados som\u00e1ticos \u2014 nos anos 90 do s\u00e9culo passado \u2014 pretendeu Kraepelin poder diagnosticar tamb\u00e9m psico- logicamente a paralisia geral; o que fez servindo-se de manifesta\u00e7\u00f5es so- m\u00e1ticas mal definidas e estabelecendo uma quantidade de diagn\u00f3sticos er- rados, conforme se viu do curso m\u00f3rbido ulterior.1 Havia, ent\u00e3o, 30% de paralisias nas cl\u00ednicas; no entanto, desde que institu\u00edram a pun\u00e7\u00e3o lom- bar e o diagn\u00f3stico que, em princ\u00edpio, prefere a base som\u00e1tica, a cifra os- cila, h\u00e1 anos, regularmente, entre 8 e 9%: sinal de que \u00e9 correto o atual di- agn\u00f3stico. Donde se conclui: mesmo uma doen\u00e7a que se conhecia somati- camente n\u00e3o se podia diagnosticar psicologicamente com seguran\u00e7a; nem se pode, hoje em dia; como, pois, encontrar e diagnosticar uma doen\u00e7a", "desconhecida pela via psicol\u00f3gica? (a investiga\u00e7\u00e3o do curso e do \u00eaxito tam- b\u00e9m \u00e9 puramente psicol\u00f3gica nas grandes psicoses). \u00c9 o que, segundo en- sina a hist\u00f3ria, n\u00e3o parece poss\u00edvel."], ["Confirmam-se os ensinamentos da hist\u00f3ria pelas obje\u00e7\u00f5es factual- mente esclarecedoras que se elevaram contra a formula\u00e7\u00e3o kraepeliniana (isto \u00e9, a busca de unidades nosol\u00f3gicas reais):", "1. O diagn\u00f3stico com base no quadro total s\u00f3 se pode fazer quando se", "sabe antes de uma doen\u00e7a delimitada, a diagnosticar. N\u00e3o se podem en- contrar, no entanto, com base no quadro total, doen\u00e7as nitidamente deli- mit\u00e1veis, e sim tipos, apenas, que mostram sempre, nos casos particula- res, \u201ctransi\u00e7\u00f5es\u201d. A experi\u00eancia ensina n\u00e3o ser t\u00e3o rara a ocorr\u00eancia de ca- sos cujo, curso existencial completo se inspeciona e que, apesar disso, n\u00e3o permitem discuss\u00e3o proveitosa sobre se se trata de loucura man\u00edaco-de- pressiva ou dem\u00eancia precoce."], ["2. O mesmo \u00eaxito n\u00e3o prova sejam as mesmas as doen\u00e7as. De um lado, as doen\u00e7as org\u00e2nicas cerebrais mais diversas levam a \u00eaxito em esta- dos demenciais iguais. Doutro lado, n\u00e3o \u00e9 absolutamente de compreender por que a mesma doen\u00e7a deva curar-se num caso e n\u00e3o curar-se noutro. Apesar disso, pode-se supor perfeitamente haja processos que sejam es- sencialmente incur\u00e1veis. N\u00e3o h\u00e1 meio, contudo, at\u00e9 agora, para distinguir estes de outros que ora se curam, ora n\u00e3o se curam.", "3. A ideia de unidade nosol\u00f3gica nunca se pode realizar em seja qual", "for caso particular, porque o conhecimento da regularidade com que coin- cidem as mesmas causas com as mesmas manifesta\u00e7\u00f5es, curso, \u00eaxito e achado cerebral pressup\u00f5e conhecimento completo de todas as conex\u00f5es particulares; conhecimento que se sedia em futuro infinitamente distante. A ideia de unidade nosol\u00f3gica \u00e9, em verdade, ideia rio sentido kantiano: o conceito de uma tarefa cujo objetivo \u00e9 imposs\u00edvel alcan\u00e7ar, visto que o ob- jetivo est\u00e1 na infinitude; ideia, todavia, que nos indica que rumo deve a pesquisa seguir para lograr sucesso; e significa ponto de orienta\u00e7\u00e3o v\u00e1lido para a pesquisa emp\u00edrica particular. Sob todos os aspectos, devemos in- vestigar o quadro total das doen\u00e7as ps\u00edquicas e procurar conex\u00f5es, quanto poss\u00edvel, para todos os lados. Assim fazendo, encontramos, de um lado, conex\u00f5es particulares; doutro lado, determinados tipos, sempre provis\u00f3- rios, de quadros m\u00f3rbidos, que n\u00e3o se podem delimitar com nitidez; mas que s\u00e3o muito \u201cmais naturais\u201d do que todas as anteriores classifica\u00e7\u00f5es unilaterais e construtivas. A ideia de unidade nosol\u00f3gica n\u00e3o \u00e9 tarefa que se possa alcan\u00e7ar, mas \u00e9 o ponto de orienta\u00e7\u00e3o de maior valor. \u00c9 nela \u2014"], ["nesta ideia, que movimentou de forma sem paradigma a investiga\u00e7\u00e3o cien- t\u00edfica \u2014 que culmina o esfor\u00e7o psicopatol\u00f3gico. Quem teve \u00f4 m\u00e9rito de apreend\u00ea-la foi Kahlbaum; de efetiv\u00e1-la, Kjraepelin. Mas o erro come\u00e7a quando, em vez de ideia, se d\u00e1 a apar\u00eancia de haver alcan\u00e7ado a ideia; quando, em vez da pesquisa particular, se d\u00e3o descri\u00e7\u00f5es acabadas de unidades nosol\u00f3gicas, quais sejam a dem\u00eancia precoce e- a loucura man\u00ed- aco-depressiva. Pode-se pressupor que descri\u00e7\u00f5es semelhantes, porque pretendem sempre o imposs\u00edvel, tamb\u00e9m sempre h\u00e3o de ser erradas, n\u00e3o passando de forma\u00e7\u00f5es sem vida. Em vez de descri\u00e7\u00f5es desta ordem, a psiquiatria especial do futuro, al\u00e9m de descrever as doen\u00e7as org\u00e2nicas ce- rebrais, as intoxica\u00e7\u00f5es etc., alinhar\u00e1, exclusivamente, os tipos que haja adquirido na pesquisa individual. Precursor desta psiquiatria especial \u00e9 o costume de certos hospitais diagnosticarem os casos pelo nome de doen- tes anteriormente observados que representem o mesmo tipo, em lugar de rotul\u00e1-los com o diagn\u00f3stico geral de dem\u00eancia precoce ou loucura man\u00ed- aco-depressiva. O impulso sint\u00e9tico que se orienta com raz\u00e3o pela ideia de unidade nosol\u00f3gica tem de limitar-se ao mesmo tempo, se quiser adstrin- gir-se a cognoscibilidades poss\u00edveis. Nada mais pode alcan\u00e7ar do que o en- contro de casos individuais reais, empiricamente apresentados, ou qua- dros t\u00edpicos totais de psicoses, correspondentes a pequeno c\u00edrculo de ca- sos. Assim que pretende abranger c\u00edrculos mais amplos, o conhecimento desaparece, esbo\u00e7am-se, em vez de investiga\u00e7\u00f5es reais, \u201cdescri\u00e7\u00f5es glo- bais\u201d de res\u00edduos experimentais mal controlados, que escapam completa- mente ao leitor, quando quer apreender a unidade. Noutros tempos, quando se indagava o que era que produzia, em geral, as manifesta\u00e7\u00f5es, respondia-se presumindo a exist\u00eancia de dem\u00f4nios m\u00f3rbidos, os quais se transformaram, a seguir, em unidades nosol\u00f3gicas a se investigarem, n\u00e3o se tendo, entretanto, configurado sen\u00e3o como ideias."], ["A indaga\u00e7\u00e3o inicial: H\u00e1, apenas, est\u00e1dios e varia\u00e7\u00f5es de uma psicose", "\u00fanica; ou uma s\u00e9rie de unidades nosol\u00f3gicas a delimitar? responde-se: Nem uma coisa, nem outra. Esta concep\u00e7\u00e3o acerta quanto ao aspecto de a ideia de unidade nosol\u00f3gica constituir o ponto de orienta\u00e7\u00e3o fecundo da investiga\u00e7\u00e3o psiqui\u00e1trica especial; aquela outra concep\u00e7\u00e3o acerta quanto ao aspecto de n\u00e3o haver, na verdade, unidades nosol\u00f3gicas reais para a ci- \u00eancia psiqui\u00e1trica."], ["Aos ensinamentos da hist\u00f3ria e desta concep\u00e7\u00e3o que se formou pelas", "tr\u00eas obje\u00e7\u00f5es seguiu-se, de h\u00e1 muito, a pesquisa real. Al\u00e9m de todas as possibilidades anal\u00edticas da investiga\u00e7\u00e3o que se aprenderam nos cap\u00edtulos anteriores, a pesquisa sint\u00e9tica subordinada \u00e0 ideia de unidade nosol\u00f3gica"], ["enveredou por duas vias:"], ["1. A investiga\u00e7\u00e3o do c\u00e9rebro inquire \u2014 na realidade, sem considerar a cl\u00ednica e sem haver coisa alguma aprendido da psicopatologia \u2014 processos m\u00f3rbidos do c\u00e9rebro. Caso os encontre com seus m\u00e9todos, pode a psico- patologia indagar que altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas s\u00e3o produzidas por esses pro- cessos. Da\u00ed ser poss\u00edvel dizer: Toda anomalia ps\u00edquica pode apresentar-se com qualquer processo org\u00e2nico cerebral (somente, por\u00e9m, quando se toma objetiva, superficialmente, n\u00e3o implicando qualquer tipo de viv\u00eancia; menos que qualquer outra, a viv\u00eancia esquizofr\u00eanica). Na medida em que esta pesquisa progride, as doen\u00e7as ps\u00edquicas se transformam em mol\u00e9s- tias \u201csintom\u00e1ticas\u201d de processos propriamente neurol\u00f3gicos. O conceito de unidade nosol\u00f3gica passa, inteiramente, neste modo de ver, do campo da psicopatologia para o dom\u00ednio da neurologia; e, certamente, com raz\u00e3o, desde que se possam reconhecer processos cerebrais tang\u00edveis como sendo a ess\u00eancia de mol\u00e9stias ps\u00edquicas particulares.", "2. A psiquiatria cl\u00ednica investiga casos particulares de acordo com to- dos os pontos de vista, a fim de ganhar o quadro total destes casos, reu- nindo em tipos aqueles que se apresentam concordantes. Mas a psiquia- tria especial est\u00e1 muito longe de possuir tipos conceptualmente formados sequer para a maioria das psicoses. Os quadros cl\u00ednicos das doen\u00e7as originam-se da vis\u00e3o nosogr\u00e1fica, conforme Charcot a denominou, a praticou, mas a confirmou, em seus ca- sos cl\u00ednicos, pela anatomia; e conforme Kraepelin a realizou, sem possuir controle desta ordem. A apresenta\u00e7\u00e3o cl\u00ednica dos quadros constitui o m\u00e9- todo pelo qual se traduz em palavras, abertamente, aquilo que se v\u00ea, sem pressupor certos conceitos; pr\u00e9-conceptual e inesquematicamente mesmo. Tanto melhor ela \u00e9 quanto mais densa for a vis\u00e3o que a planeja e produz. Os conceitos surgem com as formula\u00e7\u00f5es que criam, originariamente, a configura\u00e7\u00e3o. A arte de apresentar s\u00e3o poucos os psiquiatras que a pos- suem; com frequ\u00eancia excessiva, a apresenta\u00e7\u00e3o falha porque escasseia a for\u00e7a demonstrativa, a capacidade de representar a ess\u00eancia e a disposi- \u00e7\u00e3o, de modo que, pelo deslizamento para as abstra\u00e7\u00f5es, para as meras valora\u00e7\u00f5es e porque se formam conceitos vazios, dissolvidos em colunas verbais, em vez de frases que caracterizam, se acumulam os ju\u00edzos. Krae- pelin conseguiu, certamente, em nosso tempo, produzir as melhores apre- senta\u00e7\u00f5es, mas tamb\u00e9m ele deslisa com frequ\u00eancia para um mosaico sem fim, composto de experi\u00eancias que n\u00e3o proporcionam quadro algum.'", "O m\u00e9todo de Kraepelin \u2014 de levantar catamneses e considerar o curso"], ["existencial completo para apreender o quadro m\u00f3rbido \u2014 deu em resul- tado a falha de todas as tentativas no sentido de delimitar certas psicoses em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 esquizofrenia ou dentro do campo desta. O que se delimitou (del\u00edrio pr\u00e9-senil de preju\u00edzo, parafrenia etc.) sempre teve de voltar \u00e0 esqui- zofrenia. Quando n\u00e3o falha a delimita\u00e7\u00e3o de uma doen\u00e7a em confronto com as biografias, n\u00e3o significa haver a\u00ed unidade nosol\u00f3gica ampla, e sim conex\u00e3o causal particular ou manifesta\u00e7\u00e3o individual.", "S\u00f3 se podem formar tipos quando se disp\u00f5e de biografias completas. A"], ["pesquisa tipol\u00f3gica, baseada nas biografias penetrantes e concretas, \u00e9 uma das tarefas mais ricas em perspectivas da psiquiatria. Talvez s\u00f3 se possa esperar progresso realmente grande, quando o dirigente de uma cl\u00ed- nica ou institui\u00e7\u00e3o, com forma\u00e7\u00e3o b\u00e1sica nos pontos de vista e fatos da psicopatologia geral, dispondo da colabora\u00e7\u00e3o de assistentes permanente- mente preocupados e seguramente orientados em psicopatologia geral, pu- der elaborar um material de tal modo que se tentem formar tipos transpa- rentes, confrontando-os, multilateralmente com a totalidade dos doentes e sempre ilustrando-os mediante hist\u00f3rias cl\u00ednicas boas, sem ornato, por\u00e9m construtivamente ordenadas. De in\u00edcio, Kraepelin foi o \u00fanico que tentou alguma coisa desta esp\u00e9cie, levando-a adiante sem desfalecimento."], ["A abordagem diagn\u00f3stica do doente mental pode fazer-se, de um lado, de acordo com as categorias mais gerais da psicopatologia (esquizofrenia, processo ou desenvolvimento da personalidade, doen\u00e7as cerebrais com di- agn\u00f3stico neurol\u00f3gico especial etc.); ou tem de ater-se o mais poss\u00edvel \u00e0 re- alidade, segundo tipos estritamente limitados, se quiser dar bons resulta- dos. Pouco esclarece e em concep\u00e7\u00f5es vagas se perde o psiquiatra que se satisfa\u00e7a com diagn\u00f3sticos tais como \u201cparafrenia\u201d, \u201cagita\u00e7\u00e3o\u201d etc.; pelo contr\u00e1rio, \u00e9 proveitoso para ele descobrir trabalhos nos quais se publi- quem casos inteiramente an\u00e1logos aos seus, permitindo-lhe confrontos objetivos. A concep\u00e7\u00e3o de unidade nosol\u00f3gica aproxima-se aqui do indiv\u00ed- duo. Kleist, depois de chamar, ali\u00e1s, meu ponto de vista \u201cniilismo diagn\u00f3s- tico\u201d, escreve: \u201cA psiquiatria dissolver-se-\u00e1, com esta tipologia construtiva, em psiquiatria dos casos individuais\u201d. No campo da medicina interna, diz, entretanto, C\u00fartius-Sdebeck: \u201cAssim \u00e9 que somos levados, quando diag- nosticamos uma doen\u00e7a, ao diagn\u00f3stico individual; ou seja, ao ajuiza- mento amplo da peculiaridade da personalidade enferma e da respectiva situa\u00e7\u00e3o vital; esta \u00e9, decerto, a tarefa derradeira do diagn\u00f3stico \u201cm\u00e9dico\u201d. As palavras de Kraepelin sobre a paranoia: \u201cO agrupamento cl\u00ednico dos quadros m\u00f3rbidos paranoicos oferece dificuldades especiais devido ao fato"], ["de haver tantas formas quantos doentes individuais\u201d tem significa\u00e7\u00e3o es- pecial que excede de muito a paranoia.", "A psiquiatria exige com. urg\u00eancia um registro de hist\u00f3rias cl\u00ednicas bio-"], ["gr\u00e1ficas, bem elaboradas. Os apontamentos ca\u00f3ticos habituais n\u00e3o s\u00e3o, em absoluto, suficientes. A casu\u00edstica fornecida mecanicamente segundo os princ\u00edpios de uma \u201cobjetividade\u201d est\u00fapida, reproduzindo frase por frase as notas que constam de di\u00e1rios dos doentes nenhum proveito traz. T\u00eam- se de formar pontos de vista, contemplando aquilo que possa ter signifi- cado fatual. H\u00e1 de ver-se tudo quanto for poss\u00edvel, mas concentrando-se no que houver de mais manifesto e construindo uma ordem tal que nada violente, mas, apenas, consigne clara e transparentemente. Da massa de casos arbitr\u00e1rios s\u00f3 poucos \u00e9 que servem de fundamento a uma elabora- \u00e7\u00e3o biogr\u00e1fica desta ordem. A quantidade e precis\u00e3o das manifesta\u00e7\u00f5es dos doentes depende da constitui\u00e7\u00e3o e da cultura (quanto mais diferenci- ada a personalidade, melhor); o material existente \u00e9 sempre lacunar; por demais lacunar na maior parte dos casos, para permitir biografia que va- lha publicar. O trabalho ter\u00e1 de fazer-se com base no material vivo atual, mas servindo-se, ao mesmo tempo, do material constante dos arquivos do hospital (cujo valor real resulta dos levantamentos catamn\u00e9sicos), bem como daquele j\u00e1 publicado. S\u00f3 se logra o proveito m\u00e1ximo pela comple- menta\u00e7\u00e3o rec\u00edproca destas fontes. Embora mediante sele\u00e7\u00e3o cuidadosa, o principal \u00e9 o pr\u00f3prio m\u00e9dico tratar com os doentes e v\u00ea-los detidamente, o m\u00e1ximo poss\u00edvel; nada consegue, entretanto, quem a isso se limita. Sem forma\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica ampla, sem aquisi\u00e7\u00e3o fundamental do cabedal que existir em conhecimento psiqui\u00e1trico, n\u00e3o se progride; mas s\u00f3 com traba- lho a longo prazo; trabalho que, de in\u00edcio e por muito tempo, permanecer\u00e1 monogr\u00e1fico."], ["Publica-se a casu\u00edstica por motivos variados; por exemplo, a fim de mostrar um fen\u00f4meno, um sintoma; a fim de elucidar conex\u00f5es particula- res de tipo compreens\u00edvel ou causal; a fim de ilustrar quadros ou estados; a fim de registrar efeitos terap\u00eauticos. Mas \u00e9 s\u00f3 com a ideia de unidade no- sol\u00f3gica que se formam as biografias completas, as quais h\u00e3o de opor-se, porque representam descri\u00e7\u00f5es reais, \u00e0s constru\u00e7\u00f5es vazias de um es- quema; porque representam casu\u00edstica formada, opor-se-\u00e3o \u00e0s hist\u00f3rias cl\u00ednicas acidentais, \u00e0s biografias superficiais, aos casos arbitr\u00e1ria e breve- mente relatados ou aos di\u00e1rios ca\u00f3ticos. Sempre, mas provisoriamente, se construir\u00e1, baseado nelas, uma tipologia concreta que acentue o que for essencial."], ["Para o estudo da psiquiatria especial, talvez seja ainda mais impor- tante, no momento presente, ler boas monografias individuais do que qualquer dos manuais que exp\u00f5em todo este setor. Os manuais servem, com suas descri\u00e7\u00f5es sum\u00e1rias das mol\u00e9stias, para os processos cerebrais, para as psicoses ex\u00f3genas e sintom\u00e1ticas; -quanto ao mais, s\u00e3o ilus\u00f3rios, de um lado, pelo fato de separarem o que n\u00e3o \u00e9 muito claramente diverso; doutro lado, mostram-se vagos e obscuros."], ["\u00a7 2. As Distin\u00e7\u00f5es Fundamentais No Campo Geral Das Doen\u00e7as Mentais", "Parece conveniente destacar certas distin\u00e7\u00f5es fundamentais no tocante", "aos quadros gerais da doen\u00e7a ps\u00edquica; quadros que d\u00e3o as orienta\u00e7\u00f5es iniciais para a apreens\u00e3o do todo, de modo, contudo, a evidenciar, ao mesmo tempo, problemas profundos e n\u00e3o resolvidos, porque cada par de contrastes significa um conceito b\u00e1sico e global da vida ps\u00edquica.", "Estes pares de contrastes n\u00e3o s\u00e3o, por\u00e9m, alternativas que se excluam,"], ["mas diferen\u00e7as polares: o caso particular aproxima-se mais de um ou ou- tro polo; e a maior parte dos casos coloca-se de um lado ou doutro. H\u00e1, no entanto, casos, e n\u00e3o s\u00e3o poucos, nos -quais se liga aquilo que distingui- mos como se fosse contrastante; certas neuroses podem constituir, du- rante anos, o sintoma de psicoses que s\u00f3 mais tarde se veem (por exemplo, a esquizofrenia), ou de doen\u00e7as nervosas org\u00e2nicas (por exemplo, a escle- rose m\u00faltipla). Algumas psicoses end\u00f3genas v\u00eam, por vezes, a apresentar- se, em aparte, com o aspecto de processos org\u00e2nicos cerebrais. As mol\u00e9s- tias afetivas mostram, de quando em quando, tra\u00e7os esquizofr\u00eanicos. H\u00e1 defeitos de rendimento que talvez se associem, na maioria dos casos, a al- tera\u00e7\u00f5es da personalidade. As fronteiras entre agudo e cr\u00f4nico s\u00e3o vagas, nalguns casos."], ["I. Diferen\u00e7as de Estado", "Psicoses agudas e cr\u00f4nicas.", "Esta contraposi\u00e7\u00e3o tem sentido m\u00faltiplo no uso psiqui\u00e1trico:", "1) Pensa-se em diferen\u00e7as que ocorrem no quadro total dos estados psic\u00f3ticos: os estados agudos j\u00e1 mostram altera\u00e7\u00e3o intensa no comporta- mento exterior, na excita\u00e7\u00e3o ou depress\u00e3o, confus\u00e3o, inquietude etc., ao passo que os estados cr\u00f4nicos se apresentam l\u00facidos, orientados, ordena- dos, quietos, regulares. Frequentemente, mas nem sempre, este contraste"], ["geral dos quadros sintom\u00e1ticos coincide com", "2) O contraste entre processo e estado. Nos quadros agudos, pensa-se em processos m\u00f3rbidos nos quais n\u00e3o tarda a acentuar-se a intensidade dos sintomas; nos cr\u00f4nicos, entretanto, pensa-se em estados m\u00f3rbidos que evoluem lentamente e que subsistem como res\u00edduos daqueles proces- sos agudos tempestuosos; isso acontece frequentemente, mas nem sem- pre.", "3) A contraposi\u00e7\u00e3o prognostica de cur\u00e1vel e incur\u00e1vel\": os processos agudos \u00e9 comum considerarem-se cur\u00e1veis, ou, pelo menos, suscet\u00edveis de melhorar; os estados cr\u00f4nicos s\u00e3o sempre considerados incur\u00e1veis. Para a primeira orienta\u00e7\u00e3o, pode-se utilizar esta contraposi\u00e7\u00e3o do tipo da psicose aguda (fen\u00f4menos m\u00f3rbidos intensos acompanhando um pro- cesso ainda cur\u00e1vel) e do tipo da psicose cr\u00f4nica (fen\u00f4menos m\u00f3rbidos me- nos evidentes, com estado j\u00e1 n\u00e3o mais cur\u00e1vel). A dura\u00e7\u00e3o da doen\u00e7a n\u00e3o desempenha papel algum, no tocante a esta contraposi\u00e7\u00e3o, pois ainda se chamam agudas psicoses- que duram anos, em oposi\u00e7\u00e3o absoluta ao uso que a medicina som\u00e1tica faz do voc\u00e1bulo."], ["II. Diferen\u00e7as conforme a Ess\u00eancia", "a) Defeitos de rendimento e dist\u00farbios da personalidade."], ["Na m\u00faltipla variedade dos fen\u00f4menos psicopatol\u00f3gicos, surge, muitas vezes, um contraste ou polaridade que designa, com denomina\u00e7\u00f5es diver- sas, a mesma coisa; \u00e0s altera\u00e7\u00f5es quantitativas dos rendimentos objetivos (mem\u00f3ria, trabalho etc.) op\u00f5em-se as altera\u00e7\u00f5es qualitativas da vida ps\u00ed- quica (outras modalidades de viv\u00eancia subjetiva, modifica\u00e7\u00e3o das conex\u00f5es compreens\u00edveis, \u201cloucura\u201d); isto \u00e9, com as altera\u00e7\u00f5es da capacidade de pro- duzir (conservada, no entanto, a personalidade) contrastam as altera\u00e7\u00f5es da personalidade, talvez mantendo-se a produtividade. No primeiro caso, temos dist\u00farbio dos mecanismos subjacentes ao psiquismo (desde as pu- ramente neurol\u00f3gicas at\u00e9 as fun\u00e7\u00f5es intelectivas); no segundo caso, apre- senta-se-nos uma modifica\u00e7\u00e3o do centro da pr\u00f3pria vida ps\u00edquica. No pri- meiro caso, uma personalidade j\u00e1 n\u00e3o \u00e9 capaz, consequentemente \u00e0 des- trui\u00e7\u00e3o de seus instrumentos, de exprimir-se e comunicar-se, sofrendo dano secund\u00e1rio em si mesma; no segundo, uma personalidade qualitati- vamente modificada, transtornada, trabalha com os mesmos instrumentos conservados de antes; s\u00f3 que de maneira correspondentemente diversa. No primeiro caso, por tr\u00e1s das fun\u00e7\u00f5es destru\u00eddas, o observador tem a ex-"], ["press\u00e3o clara de uma personalidade que se mant\u00e9m, a bem dizer, inalte- rada e com a qual ele se pode, fundamentalmente, entender; no segundo caso, o que o observador experimenta \u00e9 o sentimento intenso do abismo que se abriu no entendimento rec\u00edproco, se bem que n\u00e3o se deparem alte- ra\u00e7\u00f5es tang\u00edveis de quaisquer rendimentos e fun\u00e7\u00f5es. \u00c9 poss\u00edvel, no pri- meiro caso, \u00e0 psicologia objetiva dos rendimentos analisar e estabelecer, com exatid\u00e3o experimental, dist\u00farbios variados, ao passo que, tratando-se do segundo caso, o comportamento da personalidade enferma se apre- senta \u00e0 psicologia experimental dos rendimentos normal, ou at\u00e9, por ve- zes, surpreendentemente supernormal."], ["Estes tipos polares s\u00f3 raramente \u00e9 que existem, de maneira pura, na realidade. Mas a contraposi\u00e7\u00e3o construtiva permite-nos assumir atitude fecunda, quando analisamos. Os grupos nosol\u00f3gicos at\u00e9 o momento co- nhecidos, ou seja, as esp\u00e9cies nosol\u00f3gicas produzem manifesta\u00e7\u00f5es de um tipo e outro. Hoje, no entanto, j\u00e1 se sabe com certeza que, por exemplo, os dist\u00farbios org\u00e2nicos conhecidos se relacionam, preponderantemente, com os mecanismos rendimentais; mas os processos paranoides, com a perso- nalidade, sobretudo. Grande quantidade de psicoses acarreta, apenas, destrui\u00e7\u00f5es; noutras, pode-se dizer que, ainda presente, a mente se con- serva, de algum modo, em forma estranha, nova para n\u00f3s; atrav\u00e9s, no en- tanto, de todas as destrui\u00e7\u00f5es.", "A polaridade, contudo, penetra a concep\u00e7\u00e3o e o ajuizamento que faze- mos da natureza humana e suas varia\u00e7\u00f5es; e aparece no contraste entre intelig\u00eancia e personalidade."], ["b) Neurose e psicose.", "Chamam-se neuroses os desvios ps\u00edquicos que n\u00e3o envolvem inteira-", "mente o pr\u00f3prio homem; psicoses, aqueles que acometem o homem total. Da\u00ed tamb\u00e9m se dar \u00e0s neuroses as denomina\u00e7\u00f5es: nervosismo, psicaste- nia, inibi\u00e7\u00e3o etc.; as psicoses, entretanto, s\u00e3o as doen\u00e7as mentais e afeti- vas.", "Em sentido negativo, as neuroses abrangem, portanto, o largo campo", "da psicopatia, que se mostra no setor som\u00e1tico (neuroses dos \u00f3rg\u00e3os) e no estado ps\u00edquico, na viv\u00eancia e no comportamento -(psiconeurose), sem que se considere doente mental ou afetivo o homem em causa. Em sentido po- sitivo, o fundamento da mol\u00e9stia neur\u00f3tica est\u00e1 nas situa\u00e7\u00f5es e conflitos que o homem tem de resolver, no mundo em que vive; os quais s\u00f3 s\u00e3o de- cisivos, todavia, por for\u00e7a de mecanismos espec\u00edficos, estes levando a transforma\u00e7\u00e3o \u2014 que n\u00e3o ocorre nas condi\u00e7\u00f5es normais \u2014 das viv\u00eancias"], ["em cis\u00f5es ou dissocia\u00e7\u00f5es, por exemplo (diversamente das cis\u00f5es e s\u00ednte- ses sadias); transforma\u00e7\u00e3o ainda em forma\u00e7\u00f5es circulares (c\u00edrculos vicio- sos), que produzem a autoagrava\u00e7\u00e3o do dist\u00farbio (diversamente das for- ma\u00e7\u00f5es circulares construtivas da vida ps\u00edquica).", "As psicoses, no entanto, constituem o campo mais estreito dos dist\u00far- bios ps\u00edquicos, que se imaginam, em geral, formando um abismo entre do- en\u00e7a e sa\u00fade. Fundam-se em processos m\u00f3rbidos que se acrescentam, po- dendo ter come\u00e7ado, essencialmente, p\u00f4r efeito da heran\u00e7a, a certos per\u00edo- dos da vida, ou tamb\u00e9m, em ess\u00eancia, podendo resultar de les\u00f5es ex\u00f3ge- nas."], ["Tanto as neuroses quanto as psicoses se distinguem nitidamente do estado h\u00edgido. Todavia, as neuroses parecem mais apresentar transi\u00e7\u00f5es para a higidez humana geral; em primeiro lugar, porque a personalidade dos doentes n\u00e3o est\u00e1 \u201calienada\u201d; em segundo, porque fen\u00f4menos neur\u00f3ti- cos isolados tamb\u00e9m ocorrem, passageiramente, em pessoas quanto ao mais sadias (sempre, no entanto, representando pequena minoria da po- pula\u00e7\u00e3o geral). Se bem que nem as manifesta\u00e7\u00f5es neur\u00f3ticas, nem as psi- c\u00f3ticas se possam compreender como simples exagero ou aumento de vi- v\u00eancias e realiza\u00e7\u00f5es normais, \u00e9 poss\u00edvel, em todo caso, entend\u00ea-las me- lhor quando se estabelecem analogias: por exemplo, o pensamento esqui- zofr\u00eanico aproxima-se da viv\u00eancia hipnag\u00f3gica; as neuroses obsessivas aproximam-se de certas viv\u00eancias do cansa\u00e7o que as pessoas sadias expe- rimentam e que tamb\u00e9m se podem chamar, de algum modo, obsessivas. Outra coisa \u00e9 poderem todos os fen\u00f4menos neur\u00f3ticos e psic\u00f3ticos servir de paradigma a possibilidades humanas gerais, ou seja, a dist\u00farbios do existir humano como tal. N\u00e3o significa isso, de forma alguma, sejam elas, como tais e em grau de certa maneira atenuado, pr\u00f3prias do homem em geral. Em toda neurose, sempre se nota um ponto em que o indiv\u00edduo sa- dio n\u00e3o compreende e tende a considerar o enfermo, sen\u00e3o louco, pelo me- nos e com reserva, \u201cperturbado da mente\u201d, no fundo."], ["As neuroses s\u00e3o campo dos psicoterapeutas; as psicoses, campo do psiquiatra;1 isto tem validez geral, apesar de muitos casos individuais de psicoses se tratarem em liberdade e com assentimento do enfermo, ao passo que casos h\u00e1 nos quais as neuroses chegam a tal ponto que se t\u00eam de tratar em regime hospitalar.", "1 Isto n\u00e3o exclui a uni\u00e3o pessoal. Pelo contr\u00e1rio, a associa\u00e7\u00e3o do psiquiatra e do psicoterapeuta na mesma individu-", "alidade pode constituir condi\u00e7\u00e3o de conhecimento claro e de terapia eficaz em ambos os campos."], ["c) Doen\u00e7as org\u00e2nicas cerebrais e psicoses end\u00f3genas.", "As grandes psicoses end\u00f3genas s\u00e3o doen\u00e7as cujo fundamento som\u00e1- tico \u00e9 ignorado, ao passo que as mol\u00e9stias org\u00e2nicas cerebrais s\u00e3o como tais conhecidas, apresentando tamb\u00e9m sintomas ps\u00edquicos, al\u00e9m de ou- tros. A quest\u00e3o \u00e9 saber se este contraste grosseiro \u00e9 meramente provis\u00f3rio \u2014 at\u00e9 que os processos som\u00e1ticos m\u00f3rbidos (que atuam no c\u00e9rebro) das psicoses end\u00f3genas sejam conhecidos; ou se aqui tamb\u00e9m subsiste dife- ren\u00e7a b\u00e1sica."], ["Durante certo tempo, o contraste afigurou-se superado pelo conheci- mento da paralisia geral progressiva, da qual se sabia como doen\u00e7a de tipo psic\u00f3tico, conquanto n\u00e3o fosse, na pr\u00e1tica, nitidamente delimit\u00e1vel, antes de se lhe conhecerem a causa e o achado cerebral. Entretanto, quando es- tes (o espiroqueta da s\u00edfilis e os achados histopatol\u00f3gicos de Nissl e Alzhei- mer) foram, posteriormente, reconhecidos, teve-se a impress\u00e3o de estar em presen\u00e7a de um caso grandioso, a exigir prosseguimento de estudos; ou seja, uma psicose seria de atribuir-se a les\u00e3o cerebral. As manifesta\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas da paralisia geral perderam muito do seu interesse, a partir da\u00ed; de qualquer maneira, pouco se estudam, hoje em dia. Seria l\u00edcito pensar que, reconhecido que fosse o fundamento som\u00e1tico, da esquizofrenia, nin- gu\u00e9m mais se interessaria pela vida ps\u00edquica esquizofr\u00eanica."], ["Diga-se, por outro lado, que a tarefa da psicopatologia em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s manifesta\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas anormais da paralisia continua a ser, absoluta- mente, a mesma; inclusive ap\u00f3s a descoberta do processo cerebral; mas tamb\u00e9m se diga que o tipo dos dist\u00farbios ps\u00edquicos que ocorrem na parali- sia geral e na esquizofrenia \u00e9 radicalmente diverso. Num caso, tem-se im- press\u00e3o de um mecanismo de relojoaria haver sido rebentado a machado \u2014 e ent\u00e3o as destrui\u00e7\u00f5es grosseiras interessam relativamente pouco; nou- tro caso, um mecanismo de relojoaria funciona permanentemente mal, para e torna a andar \u2014 ent\u00e3o, podem-se inquirir dist\u00farbios seletivos espe- c\u00edficos. Mais do que isto ainda, por\u00e9m: a vida ps\u00edquica esquizofr\u00eanica \u00e9 particularmente produtiva; sua maneira, seus conte\u00fados, suas represen- ta\u00e7\u00f5es podem ocasionar, por si, em certos, casos, interesse inteiramente diverso; podem gerar assombro, atordoamento ante segredos estranhos, o que n\u00e3o acontece, neste sentido, relativamente \u00e0s destrui\u00e7\u00f5es grosseiras, irrita\u00e7\u00f5es, excita\u00e7\u00f5es da paralisia geral. Contraste profundo entre as psico- ses subsiste mesmo depois de conhecermos o processo som\u00e1tico funda- mental; como h\u00e1 de subsistir, provavelmente, interesse absolutamente di- verso pelo que \u00e9 ps\u00edquico."], ["Devemos precaver-nos da absolutiza\u00e7\u00e3o de um ponto de vista, mesmo"], ["que este seja fecundo para a pesquisa e, talvez, decisivo, de quando em quando, para uma terapia radical eficaz. Tamb\u00e9m o fato de n\u00e3o ser poss\u00ed- vel separar esp\u00e9cies n\u00edtidas e, assim, diagnosticar, rigorosamente, unida- des nosol\u00f3gicas, em caso de psicose, mas s\u00f3 de processos cerebrais, levou, decerto, a ver na investiga\u00e7\u00e3o- do c\u00e9rebro n\u00e3o s\u00f3 uma tarefa entre outras, como a pr\u00f3pria tarefa da psiquiatria. Por outro lado, a pobreza das rela- \u00e7\u00f5es at\u00e9 o momento conhecidas entre a anormalidade da vida cerebral e a vida ps\u00edquica anormal; a escassa perspectiva de resultados ulteriores para a psicopatologia, os pressupostos evidentes da rela\u00e7\u00e3o da psicopatologia com a vida ps\u00edquica levaram a psicopatologia a rejeitar aquela sobrevalora- \u00e7\u00e3o da anatomia e do somatismo, que, por vezes, se formulara com dema- siado rigor para a psiquiatria. Dado que a investiga\u00e7\u00e3o do c\u00e9rebro se acha, hoje, mais cientificamente firmada do que a psicopatologia, pode-se com- preender essa rejei\u00e7\u00e3o por parte dos psicopatologistas, que se encontram em posi\u00e7\u00e3o excessivamente defensiva. S\u00f3 dar\u00e1 resultado, contudo, aquela orienta\u00e7\u00e3o investigativa que se mantenha nas lindes de seu pr\u00f3prio campo. Em princ\u00edpio do s\u00e9culo XIX, os exageros psicol\u00f3gicos foram t\u00e3o vi- s\u00edveis quanto na \u00e9poca da psican\u00e1lise; os exageros da anatomia, na se- gunda metade do s\u00e9culo, n\u00e3o foram, por vezes, de vulto muito menor (Meynert, Wernicke e outros). Hoje em dia, parecem vigorar delimita\u00e7\u00e3o e clareza relativamente a ambas as orienta\u00e7\u00f5es."], ["d) Doen\u00e7as afetivas e doen\u00e7as mentais (vida ps\u00edquica natural e es-"], ["quizofr\u00eanica).", "A diferen\u00e7a mais profunda que existe na vida ps\u00edquica parece ser aquela a notar entre a vida para n\u00f3s emp\u00e1tica, compreens\u00edvel, e a vida in- compreens\u00edvel, por sua maneira, isto \u00e9, a vida desvairada, louca, no. sen- tido aut\u00eantico: a vida esquizofr\u00eanica (sem que haja, necessariamente, ideias delirantes). A vida ps\u00edquica patol\u00f3gica do primeiro tipo podemos apreender, intuitiva- mente, como aumento ou diminui\u00e7\u00e3o de fen\u00f4menos que conhecemos e como ocorr\u00eancia de tais fen\u00f4menos sem os fundamen- tos e motivos normais. Mas s\u00f3 insuficientemente \u00e9 que apreendemos, desta maneira, a vida ps\u00edquica do segundo tipo. D\u00e3o-se, a\u00ed, a bem dizer, altera\u00e7\u00f5es das mais gerais, que n\u00e3o podemos vivenciar intuitivamente, mas que buscamos, por algum modo, fazer compreens\u00edveis de fora."], ["A l\u00edngua distingue, de longa data, as meras doen\u00e7as afetivas da lou- cura propriamente dita. Para o leigo, s\u00e3o loucura o furor insensato, a con- fus\u00e3o sem afetos, as ideias delirantes, os afetos n\u00e3o empatiz\u00e1veis, a perso- nalidade exc\u00eantrica; e tudo isso tanto mais quanto mais o indiv\u00edduo se"], ["mostra, ao mesmo tempo, relativamente l\u00facido e orientado. N\u00e3o sendo este o caso, o leigo n\u00e3o considera, e com raz\u00e3o, estes estados de turva\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia como sendo, propriamente, loucura. Chama doen\u00e7as afeti- vas aqueles transportes emocionais profundos, certamente imotivados, empatiz\u00e1veis a seu modo, tais como os apresenta a melancolia. Assim vendo, o leigo atinge uma diferen\u00e7a fundamental dentro da vida ps\u00edquica m\u00f3rbida, diferen\u00e7a que n\u00e3o nos \u00e9 poss\u00edvel, atualmente sequer, formular de maneira clara e segura; que, por\u00e9m, constitui para n\u00f3s um dos problemas mais interessantes a cuja investiga\u00e7\u00e3o os \u00faltimos dec\u00eanios t\u00eam acrescen- tado muita coisa essencial. As doen\u00e7as afetivas parecem- nos empatiz\u00e1veis e naturais; as loucuras, absolutamente inempatiz\u00e1veis e inaturais. Porque a teoria at\u00e9 o momento mais acertada faz os tra\u00e7os particulares desta vida ps\u00edquica incompreens\u00edvel derivarem de cis\u00f5es ou dissocia\u00e7\u00f5es da vida ps\u00ed- quica, Bleuler deu-lhe o nome de esquizofrenia, que podemos usar como simples designa\u00e7\u00e3o, sem por isso preferir aquela teoria. A partir deste con- traste, aqui descrevemos dois grupos de sintomas:"], ["1. Se considerarmos os elementos fenomenol\u00f3gicos, encontraremos na vida ps\u00edquica m\u00f3rbida aqueles que vemos com dificuldade, sim, mas afinal claramente, em condi\u00e7\u00f5es favor\u00e1veis; e aqueles que nunca podemos ver, em princ\u00edpio, que s\u00f3 podemos descrever de forma negativa, isto \u00e9, pelo que n\u00e3o s\u00e3o. Estes elementos que s\u00e3o, em princ\u00edpio, inacess\u00edveis \u00e0 nossa vis\u00e3o psicol\u00f3gica chamamos \u00a1(esteticamente) incompreens\u00edveis, ou n\u00e3o empati- z\u00e1veis; dentre eles podemos destacar com relativa nitidez os seguintes: Uma qualidade comum que pode marcar quase todos os eventos ps\u00ed- quicos e assinala por forma nova a inteira vida ps\u00edquica parece ser aquilo tudo quanto os doentes qualificam de \u201cfeito\u201d. Todos temos, perante nossos eventos ps\u00edquicos, a consci\u00eancia de que s\u00e3o nossos eventos ps\u00edquicos; a consci\u00eancia de que eu percebo, eu atuo, -eu sinto. Mesmo no comporta- mento passivo, quando ocorrem ideias obsessivas etc., sempre existe esta consci\u00eancia de que s\u00e3o meus eventos ps\u00edquicos que eu vivencio. Podemos sentir o impulso, a obsess\u00e3o a considerar alguma coisa exata ou correta como \u201cestranha\u201d -e, entretanto, se bem que pretendendo seja estranha a toda nossa personalidade, sentimo-la sempre como efl\u00favio de nosso eu moment\u00e2neo, atual. \u00c9 sempre meu impulso, mesmo quando o sinto como ainda t\u00e3o estranho \u00e0 minha pr\u00f3pria personalidade. N\u00e3o somos capazes, em absoluto, de ver intuitivamente o psiquismo sen\u00e3o acompanhado da consci\u00eancia do eu. S\u00f3 negativamente e mediante confronto \u00e9 que podemos representar esta vida ps\u00edquica alterada em toda a ess\u00eancia; vida na qual o", "psiquismo \u201cfeito\u201d desempenha papel. N\u00e3o se trata da estranheza e da ino- portunidade de processos obsessivos; nem se trata de eventos simples- mente passivos, como \u00e9 o caso dos movimentos que meus membros exe- cutam contra minha vontade impostos por outro indiv\u00edduo, conquanto s\u00f3 com eles se possam comparar os processos feitos. S\u00e3o \u201cfeitos\u201d sentimen- tos, percep\u00e7\u00f5es, atos volunt\u00e1rios, estados de \u00e2nimo-, do que resulta senti- rem-se os pacientes constrangidos, dominados por uma for\u00e7a estranha, sem poder sobre si mesmos, sobre seus movimentos, seus pensamentos, seus afetos. Afinal, sentem-se, em alto grau, como se fossem apenas mari- onetes, postos em movimento ou detidos arbitrariamente. Quase sempre formam, \u00e0 base destas viv\u00eancias, o del\u00edrio de influ\u00eancia f\u00edsica ou outra qualquer; influ\u00eancia de aparelhos e m\u00e1quinas complicados, sob cujo poder se acham; h\u00e1 tamb\u00e9m o del\u00edrio de influ\u00eancias sobrenaturais que, no caso, atuam sobre o mundo real. Ficamos conhecendo algumas dentre as mani- festa\u00e7\u00f5es feitas na fenomenologia; mas o complexo total respectivo se es- clarece mediante as autodescri\u00e7\u00f5es. Um ex-paciente da cl\u00ednica de Heidel- berg, que n\u00e3o tardou a sucumbir a profunda dem\u00eancia esquizofr\u00eanica, es- creveu sobre os fen\u00f4menos feitos em estilo que mostra v\u00e1rios tra\u00e7os hebe- fr\u00eanicos:"], ["Ocorrera complexo sintom\u00e1tico paranoico, no qual o paciente tudo ob- servava com espanto: grupos de pessoas, compartimentos de trem visivel- mente cheios ou vazios, modos de falar etc.: \u201c...sem eu ter a m\u00ednima ideia do que tudo isso podia significar.\u201d \u201cO que \u00e9 que h\u00e1 \u00e9 mist\u00e9rio para mim. No dia seguinte pela manh\u00e3, toda essa aparelhagem, ou o que fosse, me transportou para um estado de \u00e2nimo estranho de modo que papai, e ma- m\u00e3e acharam que estava fantasiando intensamente.... A noite inteira, senti-me perfeitamente l\u00facido.... A aparelhagem cuja constru\u00e7\u00e3o me era, certamente, desconhecida.... dispunha-se de forma tal que cada palavra que pronunciava me era sugerida por via el\u00e9trica; e eu, naturalmente, n\u00e3o podia fazer outra coisa sen\u00e3o- exprimir os pensamentos neste estado de \u00e2nimo estranho. Quando despertei deste estado absolutamente fora do co- mum, senti-me muito esquisito. Por isto, disse a papai, mais ou menos, o seguinte, porque me senti transportado, a bem dizer, para um estado de \u00e2nimo \u201cmortal\u201d: \u201cPapai, tu sabes, tenho de morrer e, por isto, quero agra- decer-te tudo- quanto tens feito por mim...\u201d Os pensamentos me eram ti- rados de maneira tal que nem sabia por que tinha de morrer. Era-me su- gerido.... ou colocado em mim, um humor alegre que n\u00e3o me deixava pen- sar em mais coisa alguma. Por vezes, recuperava meu modo de pensar na- tural e, ent\u00e3o, dizia: \u201cBem, que \u00e9 que eu queria dizer?\u201d. Esta frase* eu a re- petia a todo momento, sei disso muito bem, mas ideia alguma me acudia."], ["Estava colocado numa disposi\u00e7\u00e3o alegre cada vez maior porque, conforme ouvia falar, s\u00f3 tinha mais cinco minutos de vida.... Desde esse dia, tenho sido cruelmente torturado.... v\u00e1rias vezes, examinaram-me a consci\u00eancia eletricamente, fazendo-me sofrer ao m\u00e1ximo.... Desde esse dia, tenho na cabe\u00e7a hist\u00f3rias terr\u00edveis de assassinatos, e assaltos, as quais n\u00e3o consigo de modo algum afugentar.... Anoto tudo isto, porque sou, agora, horrivel- mente infeliz. Sinto que o aparelho- me est\u00e1 excitando mentalmente cada vez mais; e j\u00e1 rezei, muitas vezes, para desligarem a corrente e me seja restitu\u00eddo meu pensamento natural.... Antes de mais nada, n\u00e3o \u00e9 absolu- tamente agrad\u00e1vel o nome que ou\u00e7o: \u201cVagabundo\u201d, que n\u00e3o consigo tirar da cabe\u00e7a.... Ali\u00e1s, veio-me a ideia de que papai e mam\u00e3e tamb\u00e9m esta- vam sendo eletrizados; o que percebia claramente pelos movimentos do semblante de meus pais, quando me ocorriam aquelas ideias frequente- mente pavorosas.... mais tarde, foi-me colocado na mente, por via el\u00e9trica, que tinha de matar Lissi; como isso me tirou a fala por algum tempo, o aparelho me disse: \u201cVoc\u00ea comprometeu-se muito\u201d. \u2014 Estas ideias s\u00e3o, po- r\u00e9m, naturalmente, antinaturais, embora eu esteja perfeitamente senhor de minha mente... Em meio a um calor horr\u00edvel, produzido pela eletrici- dade, foram-me gritados os nomes: \u201cPatife, ordin\u00e1rio, sem vergonha, anar- quista\u201d. Ali\u00e1s, o \u00faltimo destes nomes me ficou rodando na cabe\u00e7a alguns minutos.... Como meus pensamentos s\u00e3o entendidos- t\u00e3o exatamente e como o aparelho me grita frases inteiras, o fato \u00e9 que sei perfeitamente que quase nada disso s\u00e3o meus pr\u00f3prios pensamentos; o que para mim \u00e9 grande mist\u00e9rio. Deve ser muito complicada, esta aparelhagem que me p\u00f5e em seja qual for disposi\u00e7\u00e3o de \u00e2nimo; por exemplo: s\u00e9ria, alegre, riso- nho, chor\u00e3o, zangado, bem-humorado.... Por v\u00e1rias vezes, enquanto me examinavam, nos primeiros dias, tamb\u00e9m me puseram num humor infer- nal, que compreendi muito bem \u2014 amistoso, taciturno, en\u00e9rgico, distra- \u00eddo, atento, parada dos pensamentos num ponto at\u00e9 chegar \u00e0 inconsci\u00ean- cia, ou mesmo \u00e0 aliena\u00e7\u00e3o \u2014 Lembro-me de uma tarde em que, real- mente, n\u00e3o soube o que estava pensando \u2014 melanc\u00f3lico, confuso etc. Toda a aparelhagem estranha tamb\u00e9m \u00e9 capaz de dar-me sono, de fazer- me dormir de repente (cf. o sono radiante de Schreber); de tirar-me o sono, de desenvolver sonhos em mim, de despertar-me a cada momento.... e tamb\u00e9m de desviar-me os pensamentos, e at\u00e9 de dar-me movimentos..."], ["Tento lutar com a maior energia contra os pensamentos, mas n\u00e3o con- sigo nem. com a m\u00e1xima boa vontade.... porque, al\u00e9m do mais, os pensa- mentos me s\u00e3o arrancados. Mesmo quando leio, seja o que for, n\u00e3o con- sigo dar ao conte\u00fado do livro aten\u00e7\u00e3o suficiente; quase a cada palavra me acode um pensamento \u00e0 margem.... Gostaria de acentuar um ponto: \u00e9 que"], ["me vem um riso t\u00e3o exagerado, isso me acontece muitas vezes, embora n\u00e3o me atormente, mas me afeta de modo muito estranho, sem que quase possa lutar em contr\u00e1rio. Este riso, que n\u00e3o \u00e9 absolutamente doloroso, me \u00e9 transmitido quando penso nalguma coisa muito tola. \u2014 Quando se l\u00ea tudo isto, parece ser a maior loucura que jamais foi escrita; nada posso, contudo, comunicar sen\u00e3o que senti tudo isso, de fato; mas n\u00e3o compre- endi, infelizmente. S\u00f3 o compreender\u00e1 aquele que houver sido torturado como eu por um aparelho assim.... Se algu\u00e9m me dissesse, ao menos, o que tudo isto quer dizer.... Sou horrivelmente infeliz.\u201d \u2014 O paciente dirige- se, em seu desespero, ao procurador-p\u00fablico, pedindo-lhe que mande des- ligar o aparelho, \u201cporque noto, devido \u00e0 minha grande capacidade de aten- \u00e7\u00e3o, o m\u00ednimo desarranjo de meus pensamentos e o mais ligeiro deslise, que seria muito prejudicial \u00e0 minha profiss\u00e3o de regente de orquestra.... Diariamente, fazem-me sugest\u00f5es.... Pe\u00e7o licen\u00e7a para acentuar outro ponto: em minhas voltas de bicicleta, tem-se produzido com frequ\u00eancia ta- manho furac\u00e3o que, embora me obrigue \u00e0 maior pressa, al\u00e9m de me dar falta de ar, sede, etc., me custa muit\u00edssimo defender-me contra ele... Por isto, rogo a V. Exa., mais uma vez, que mande devolver-me meus pr\u00f3prios pensamentos.\u201d"], ["Neste caso \u2014 de um esquizofr\u00eanico que demenciou rapidamente \u2014 trata-se de complexo fenom\u00eanico que consiste no \u201cfeito\u201d. Viv\u00eancias desta ordem s\u00e3o ainda mais n\u00edtidas, \u00e0s vezes, nos paranoicos permanentemente l\u00facidos, que jamais demenciam. Tamb\u00e9m se observam, constituindo acon- tecimentos absolutamente isolados, em pacientes que se acham no co- me\u00e7o do processo e que, quanto ao mais, d\u00e3o a impress\u00e3o de neur\u00f3ticos. Por exemplo: um doente nos contou na Policl\u00ednica:", "Se encontro na rua uma pequena limpa, noto que o membro me endu- rece; \u00e9 assim uma esp\u00e9cie de sentimento, uma excita\u00e7\u00e3o pouco natural. A essas horas, alguma coisa n\u00e3o anda certo. S\u00f3 posso dizer que alguma coisa n\u00e3o anda certo.", "Al\u00e9m dos fen\u00f4menos feitos, h\u00e1, \u00e9 claro, outros elementos vivenciais que"], ["nos s\u00e3o inteiramente inacess\u00edveis. Dentre eles s\u00f3 se destacam, por vezes, com mais precis\u00e3o aquelas sensa\u00e7\u00f5es do corpo e dos \u00f3rg\u00e3os inteiramente anormais que, no entanto, \u00e9 dif\u00edcil distinguir das falsas-sensa\u00e7\u00f5es comuns a tantos doentes. Alguns esquizofr\u00eanicos arranjam palavras novas \u2014 por exemplo, os zirrt e quejandas \u2014 para suas sensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas absoluta- mente imposs\u00edveis de descrever.", "2. Se rastreamos o comportamento e os gestos, os atos e o estilo de"], ["vida de um indiv\u00edduo por forma compreensivamente gen\u00e9tica, chegaremos sempre a um limite; na vida ps\u00edquica esquizofr\u00eanica, por\u00e9m, j\u00e1 atingimos limites em que ainda poder\u00edamos compreender, normalmente; e achamos incompreens\u00edvel aquilo que aos pacientes n\u00e3o se afigura, em absoluto, in- compreens\u00edvel, mas, pelo contr\u00e1rio, plenamente fundamentado e de modo algum estranho. Por que um doente se p\u00f5e a cantar no meio da noite; por que tenta o suic\u00eddio; por que, de s\u00fabito, se enfurece contra os familiares; por que o fato de uma chave estar em cima da mesa o excita t\u00e3o extraordi- nariamente etc.: o pr\u00f3prio enfermo considera isso a coisa mais natural do mundo, mas n\u00e3o pode fazer-nos compreend\u00ea-lo. Apresentam-se-nos, \u00e0 ex- plora\u00e7\u00e3o, motiva\u00e7\u00f5es insuficientes, elaboradas a posteriori. Ora, se seme- lhante comportamento j\u00e1 nos chama a aten\u00e7\u00e3o em pessoas l\u00facidas e pro- dutivas, quando lhes falamos a respeito da vida que levam, tanto mais grotesco se mostra essa incompreensibilidade em numerosos estados psi- c\u00f3ticos agudos; \u00e9 s\u00f3 o costume de os ver frequentemente que no-los faz parecer menos not\u00e1veis; vemos, ent\u00e3o, doentes que compreendem perfei- tamente: que n\u00e3o t\u00eam turva\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia; que s\u00e3o plenamente orien- tados, mas fazem gestos furiosos, incompreens\u00edveis, executam atos e mo- vimentos tamb\u00e9m imposs\u00edveis de compreender, d\u00e3o produtos absoluta- mente desconexos verbais e escritos (incoer\u00eancia); e, entretanto, da\u00ed a um instante, podem exprimir-se e proceder de modo que nada tem de incoe- rente; e ap\u00f3s o curso da psicose n\u00e3o veem nada estranho nisso, dizendo, talvez, que estavam brincando, ou querendo pregar uma pe\u00e7a etc."], ["Nessa incompreensibilidade procurou-se um fator central. Todos os impulsos inesperados, os afetos incompreens\u00edveis e as faltas de afetos, as pausas s\u00fabitas na conversa, as ideias imotivadas, a gesticula\u00e7\u00e3o que faz pensar em dispers\u00e3o mental, todas as demais manifesta\u00e7\u00f5es que s\u00f3 por forma negativa podemos, realmente, descrever, devem ter alguma base co- mum. Teoricamente, fala-se em incoer\u00eancia, cis\u00e3o, fragmenta\u00e7\u00e3o da cons- ci\u00eancia; ou em ataxia intraps\u00edquica, fraqueza da apercep\u00e7\u00e3o, insufici\u00eancia da atividade ps\u00edquica, dist\u00farbio da tens\u00e3o associativa, etc. Chama-se o comportamento exc\u00eantrico, tolo, mas todas as palavras exprimem, afinal, a mesma coisa: existe uma \u201cincompreensibilidade\u201d comum."], ["Constata-se que, a bem dizer, nenhuma fun\u00e7\u00e3o ps\u00edquica est\u00e1 faltando em definitivo; portanto, n\u00e3o pode um dist\u00farbio funcional particular consti- tuir o fator central. Veem-se complexos sintom\u00e1ticos n\u00e3o-esquizofr\u00eanicos aparecerem em esquizofr\u00eanicos, dando a estes o \u201ccolorido\u201d peculiar; assim \u00e9 que h\u00e1 complexos sintom\u00e1ticos man\u00edacos e depressivos mergulhados em", "atmosfera esquizofr\u00eanica. Temos a intui\u00e7\u00e3o de um todo, que se chama es- quizofr\u00eanico; mas n\u00e3o o apreendemos; apenas enumeramos uma s\u00e9rie de particularidades ou dizemos: incompreens\u00edvel-, cada um de n\u00f3s s\u00f3 com- preende esse todo por sua experi\u00eancia pr\u00f3pria, em contato com pacientes desta ordem."], ["\u00a7 3. Os Complexos Sintom\u00e1ticos"], ["a) Quadro de estado e complexo sintom\u00e1tico.", "Quando se querem formar tipos totais de unidades nosol\u00f3gicas, a psi-"], ["copatologia geral presta ainda um servi\u00e7o preliminar, investigando psicolo- gicamente os complexos sintom\u00e1ticos. Desde que aprendemos a ver no curso da doen\u00e7a um dos marcos mais importantes para o agrupamento nosol\u00f3gico, distinguimos os quadros 'de estado, que s\u00e3o a forma por que se manifesta a mol\u00e9stia, do processo m\u00f3rbida total. Se quisermos caracte- rizar mais facilmente esses quadros de estado, formamos os conceitos de complexos sintom\u00e1ticos; e encontramos certos acoplamentos de sintomas, que podem valer como tipos dos quadros de estado e permitem o ordena- mento das in\u00fameras varia\u00e7\u00f5es. Emminghaus j\u00e1 descrevia como complexos sintom\u00e1ticos a melancolia, a mania, o del\u00edrio, a aliena\u00e7\u00e3o, a dem\u00eancia; e falou- se em complexos sintom\u00e1ticos como forma\u00e7\u00f5es evidentes, por\u00e9m re- solvidas, quando a ideia de unidade nosol\u00f3gica era a \u00fanica a ocupar o pri- meiro plano do interesse. Em nossos dias, contudo, voltou-se a promover, em princ\u00edpio, o estudo desses complexos, supondo-se que se deva estud\u00e1- los em si, sem considera\u00e7\u00e3o de unidades nosol\u00f3gicas e processos m\u00f3rbi- dos, e investigar as regularidades, bem como as necess\u00e1rias correla\u00e7\u00f5es nele existentes, assim criando unidades que estejam entre os fen\u00f4menos elementares de toda sorte e as unidades nosol\u00f3gicas; por assim dizer, a meio-caminho de uns e outras."], ["b) Pontos de vista pelos quais se formam complexos sintom\u00e1ticos.", "Hoje, exatamente da mesma forma que ao psiquiatra de h\u00e1 cem anos, a observa\u00e7\u00e3o obriga-nos a reconhecer certos quadros t\u00edpicos que de longa data se aceitam como complexos sintom\u00e1ticos. Mas por que pontos de vista se h\u00e3o de formar estes tipos? Complexos sintom\u00e1ticos podem-se cha- mar muitas coisas diversas. Afinal de contas, \u00e9 quest\u00e3o meramente termi- nol\u00f3gica, se se quiser ou n\u00e3o chamar tamb\u00e9m complexos sintom\u00e1ticos, por exemplo, uma forma reativa, um tipo caracterial, um ataque etc. O"], ["fato \u00e9 que todas as forma\u00e7\u00f5es unit\u00e1rias cuja ess\u00eancia \u00e9 \u00fanica e precisa aparecem, em certos lugares da psicopatologia geral, sob o aspecto de co- nex\u00f5es causais, de conex\u00f5es geneticamente compreens\u00edveis, de tipos de personalidade. Consideram-se abrangidas pelo c\u00edrculo dos complexos sin- tom\u00e1ticos as restantes forma\u00e7\u00f5es unit\u00e1rias que t\u00eam surgido pelo efeito conjunto de v\u00e1rios pontos de vista e quase sempre de maneira metodologi- camente obscura, impondo-se, entretanto, pela experi\u00eancia objetiva. Os pontos de vista, dentro dos quais v\u00e1rias coincidem quando se formam al- guns complexos sintom\u00e1ticos, s\u00e3o os seguintes, quando os consideramos em separado:", "1. Manifesta\u00e7\u00f5es ou fen\u00f4menos objetivos e subjetivos que se imp\u00f5em.", "Come\u00e7ou-se pelo que mais se exterioriza e denominaram-se objetivos aqueles fen\u00f4menos de tipo mais vis\u00edvel; por exemplo, o estupor (todos os estados dm que, vigil a consci\u00eancia, j\u00e1 n\u00e3o se reage, em geral, a quaisquer perguntas e situa\u00e7\u00f5es, permanecendo os doentes im\u00f3veis, na mesma posi- \u00e7\u00e3o); o furor (estado de excita\u00e7\u00e3o), que apenas exprime o fato da excita\u00e7\u00e3o motora (psicoses da motilidade); a confus\u00e3o (incompreensibilidade e incoe- r\u00eancia dos atos e manifesta\u00e7\u00f5es orais); a paranoia (significando o apareci- mento de ideias delirantes no mais amplo sentido); a alucinose etc. Estas designa\u00e7\u00f5es ainda s\u00e3o de uso corrente, hoje em dia, representando meras denomina\u00e7\u00f5es de fen\u00f4menos objetivos (segundo os pontos de vista da psi- cologia dos rendimentos). Se se quiser levar adiante a investiga\u00e7\u00e3o, ter-se- \u00e1 de esclarecer a g\u00eanese dos sintomas sequer externamente semelhantes e das maneiras vivenciais subjetivas dos pacientes."], ["Superficialmente, ainda restam aqueles conceitos de quadros de es-", "tado que consideram a viv\u00eancia subjetiva das disposi\u00e7\u00f5es de \u00e2nimo b\u00e1si- cas (depress\u00e3o, melancolia, psicose ansiosa, mania, \u00eaxtase).", "2. Frequ\u00eancia do aparecimento simult\u00e2neo. S\u00e3o v\u00e1rios os pontos de vista pelos quais se unificam os elementos dos complexos. Alguns autores j\u00e1 consideraram \u00fanico o ponto de vista pelo qual formam complexos sinto- m\u00e1ticos aqueles sintomas que aparecem simultaneamente com a maior frequ\u00eancia. A verdade \u00e9 que se tem investigado pouco a frequ\u00eancia do apa- recimento simult\u00e2neo de certos sintomas. S\u00e3o interessantes as cifras fre- quenciais apresentadas pela Psychologie der Schizophrenen de Carl Schneider (1930). Abstraindo isso, a evid\u00eancia peculiar com a qual sempre se reconhecem certos agrupamentos sintom\u00e1ticos e a necessidade convin- cente que se prende a estes agrupamentos ainda devem ter, contudo, ou- tras fontes.", "3. Conex\u00e3o de sintomas. Uma destas fontes \u00e9 a \u201cconex\u00e3o\u201d compreens\u00ed- vel que os sintomas de um complexo guardam entre si. A alegria, o j\u00fabilo motor, a logorreia, o gosto da brincadeira e da atividade, a fuga-de-ideia e tudo mais quanto \u00e9 acertado fazer derivar da\u00ed compreensivelmente n\u00e3o formam o quadro da hipomania \u201cpura\u201d pelo fato de constitu\u00edrem, assim apresentando-se, al\u00e9m da depress\u00e3o, o quadro mais comum das doen\u00e7as afetivas (ao contr\u00e1rio, os \u201cestados mistos\u201d s\u00e3o, de fato, tanto mais frequen- tes quanto mais exatamente se investiga); e sim pela circunst\u00e2ncia -de que o quadro total constitui para n\u00f3s uma unidade \u201ccompreens\u00edvel\u201d. Ao lado da depress\u00e3o pura, este \u00e9 o tipo psicol\u00f3gico ideal das mol\u00e9stias afetivas, das quais em absoluta n\u00e3o conhecemos o tipo m\u00e9dio, devido \u00e0 defici\u00eancia da pesquisa. se ajusta a uma categoria de sintomas quanto ao mais bem heterog\u00eanea. \u00c9 o que se d\u00e1, por exemplo, quando se rubrica, sumariamente, como neu- rast\u00e9nico tudo quanto \u00e9 \u201cfeito\u201d aos pacientes, no complexo paranoico', to- dos os fen\u00f4menos motores anormais\u00bb uma vez que n\u00e3o se expliquem neu- rologicamente, nem psicologicamente se compreendam, no complexo cata- t\u00f4nico', todos os -eventos que se possam considerar resultantes de \u201cexcita- bilidade\u201d ou \u201cfraqueza\u201d excessiva. Neste particular, desempenha papel a ideia de uma causa extraconsciente unit\u00e1ria.", "Carl Schneeder tentou apreender as \u201cleis da forma\u00e7\u00e3o sin- dr\u00f4mica\u201d,"], ["quando, nas peculiaridades formais da viv\u00eancia atuativa, isto \u00e9, nas pecu- liaridades com que uma fun\u00e7\u00e3o formal b\u00e1sica se mostra perturbada, pre- tendeu reconhecer o que h\u00e1 de comum e o que d\u00e1 origem a uma quanti- dade de sintomas.", "4. Sintomas prim\u00e1rios e secund\u00e1rios. Princ\u00edpio fundamental da an\u00e1lise", "dos complexos sintom\u00e1ticos \u00e9 a distin\u00e7\u00e3o entre sintomas prim\u00e1rios, pro- duzidos logo de in\u00edcio pelo processo m\u00f3rbido, e sintomas secund\u00e1rios, que s\u00f3 aparecem com a elabora\u00e7\u00e3o ulterior. Deve-se esclarecer a ambiguidade de sentido entre prim\u00e1rio e secund\u00e1rio:", "aa) Chamam-se sintomas prim\u00e1rios, simplesmente, \u00e0s vezes, os sinto- mas elementares, que s\u00e3o importantes, sobretudo, como irrup\u00e7\u00f5es estra- nhas, para o diagn\u00f3stico da esquizofrenia. Neste caso, secund\u00e1rio \u00e9 tudo quanto n\u00e3o constitui evento ps\u00edquico elementar, venha donde vier."], ["bb) Prim\u00e1rio \u00e9 aquilo que \u00e9 dado imediatamente; que a compreens\u00e3o n\u00e3o pode mais reduzir; por exemplo, as disposi\u00e7\u00f5es impulsivas; secund\u00e1- rio \u00e9 aquilo que nos vem a ser empaticamente compreens\u00edvel a partir do", "que \u00e9 dado; por exemplo, a simboliza\u00e7\u00e3o de um impulso (amor dos gatos, em lugar do amor materno frustrado); Assim \u00e9 que s\u00e3o prim\u00e1rias as viv\u00ean- cias delirantes, a alucina\u00e7\u00e3o; secund\u00e1rios, o sistema delirante que se forma pelo trabalho racional; a excita\u00e7\u00e3o compreens\u00edvel que resulta do conte\u00fado da experi\u00eancia delirante; o \u201cdel\u00edrio de explica\u00e7\u00e3o\u201d (Wernicke) (ela- bora\u00e7\u00e3o de v\u00e1rios eventos m\u00f3rbidos pela psique ainda sadia)."], ["cc) Prim\u00e1rio \u00e9 aquilo que resulta, diretamente, do processo m\u00f3rbido; secund\u00e1rio, o efeito na situa\u00e7\u00e3o do perimundo, que se associa, compreen- sivelmente, ao defeito. Prim\u00e1rio, por exemplo, \u00e9 o dist\u00farbio da capacidade de fixa\u00e7\u00e3o na s\u00edndrome de Korsakov; secund\u00e1rio \u00e9 o dist\u00farbio da orienta- \u00e7\u00e3o que da\u00ed resulta, necessariamente. Prim\u00e1ria \u00e9 a afasia sensorial; secun- d\u00e1rio, o dist\u00farbio (relativamente muito grande- em todas as referencias aos outros homens) que ocorre, por for\u00e7a da. situa\u00e7\u00e3o, no af\u00e1sico sensorial em oposi\u00e7\u00e3o, ao af\u00e1sico motor (Pick); por exemplo: o af\u00e1sico sensorial apresenta-se transtornado em toda sua intelig\u00eancia, porque n\u00e3o pode mais compreender o ambiente, nem se orienta ordenadamente, ao passo que o af\u00e1sico motor, abstra\u00eddo seu dist\u00farbio expressivo, se afigura muito menos defeituoso, pois consegue orientar-se bem e encontrar outras ma- neiras de fazer-se entender."], ["dd) Entre aqueles a que temos acesso direto, s\u00e3o prim\u00e1rios os sinto- mas particulares causados, \u00a1mediatamente, pelo processo m\u00f3rbido; secun- d\u00e1rios, aqueles sintomas resultantes de altera\u00e7\u00e3o ps\u00edquica geral que se originou, simult\u00e2nea, da intera\u00e7\u00e3o com o meio. S\u00e3o, assim, prim\u00e1rios: o estado de obnubila\u00e7\u00e3o, o ataque epil\u00e9tico, a cefaleia; secund\u00e1rios, alguns del\u00edrios esquizofr\u00eanicos agudos que aparecem em rea\u00e7\u00e3o a uma viv\u00eancia (Bleuler); estes del\u00edrios representam rea\u00e7\u00e3o- peculiar da constitui\u00e7\u00e3o ps\u00ed- quica esquizofr\u00eanica; e rea\u00e7\u00e3o, por sua vez, originada, juntamente com os sintomas prim\u00e1rios, do processo m\u00f3rbido que se h\u00e1 de considerar som\u00e1- tico (elabora\u00e7\u00e3o dos est\u00edmulos normais- do mundo exterior-pela psique en- ferma)."], ["ee) Prim\u00e1rio \u00e9 aquilo causado diretamente pelo processo m\u00f3rbido; se- cund\u00e1rio, aquilo causado ulteriormente por estes primeiros' efeitos e jun- tamente com eles. Entre os efeitos de \u00e1lcool, \u00e9 prim\u00e1ria a embriaguez; se- cund\u00e1ria, a altera\u00e7\u00e3o ps\u00edquica permanente do alcoolista cr\u00f4nico; ainda se- cund\u00e1rios: o del\u00edrio, a alucinose alco\u00f3lica, a s\u00edndrome de Korsakov."], ["c) Significa\u00e7\u00e3o real dos complexos sintom\u00e1ticos.", "Quando confrontamos quadros de estado reais com o tipo de um com- plexo sintom\u00e1tico, costumamos dizer que existe diversidade \u201cgradual\u201d na plenitude ou n\u00e3o-plenitude da realiza\u00e7\u00e3o: diversidade que \u00e9 puramente ex- tensiva \u2014 quer dizer, h\u00e1 mais ou menos tra\u00e7os particulares pertencentes ao complexo \u2014 ou a diferen\u00e7a se concebe como sendo intensiva: repousa, ent\u00e3o, a diversidade no fato de o- processo subjacente condicionar, em dado caso, certa maneira mais intensa pela qual os mesmos fen\u00f4menos se manifestam. Assim \u00e9 que se concebem graus, por exemplo, entre a hipo- mania e a confus\u00e3o man\u00edaca, passando pela mania evolu\u00edda."], ["Na an\u00e1lise do caso particular, temos ainda de refletir que os. tra\u00e7os de v\u00e1rios complexos sintom\u00e1ticos se podem associar no quadro de estado in- dividual. S\u00e3o complexos sintom\u00e1ticos n\u00edtidos, correspondendo a uma des- cri\u00e7\u00e3o tipificante, aqueles casos puros ou cl\u00e1ssicos. A maior parte dos ca- sos apresenta, todavia, combina\u00e7\u00f5es, de modo que s\u00f3 a experi\u00eancia mos- tra a que ponto se esclarecem esses quadros, confrontados com complexos sintom\u00e1ticos t\u00edpicos, quando concebidos como mistos."], ["Mais ainda: os complexos sintom\u00e1ticos n\u00e3o s\u00e3o arbitrariamente uni- versais. Antes indicam sempre um campo mais ou menos amplo das do- en\u00e7as com que se relacionam preponderante ou inteiramente. E talvez, os complexos sintom\u00e1ticos, a seu turno, que se t\u00eam, em geral, imaginado ve- nham a apresentar modifica\u00e7\u00f5es peculiares dentro de grupos nosol\u00f3gicos delimit\u00e1veis. Por exemplo, o complexo sintom\u00e1tico amn\u00e9sico acompanha- se, nos casos de senilidade, de confabula\u00e7\u00f5es numerosas, ao passo que quase n\u00e3o se apresentam ap\u00f3s traumatismos cranianos.", "Em lugar da explica\u00e7\u00e3o causal dos complexos sintom\u00e1ticos, que, at\u00e9 hoje, n\u00e3o se conseguiu, temos ideias te\u00f3ricas configurando- possibilida- des:", "Poderiam, repousar em \u201cqualidades cerebrais individuais\u201d (Hoche), isto"], ["\u00e9, na constitui\u00e7\u00e3o e disposi\u00e7\u00e3o do indiv\u00edduo, o qual tenderia a reagir, de prefer\u00eancia, com estes ou aqueles sintomas de conex\u00f5es fenom\u00eanicas, que, por si, estariam, em geral, preformados. \u00c9 o que talvez indiquem as cone- x\u00f5es heredit\u00e1rias que vemos nos c\u00edrculos constitucionais. Seria admiss\u00edvel que estados afetivos paranoicos, motores, man\u00edaco-depressivos, ou s\u00edndro- mes neurast\u00e9nicas, hist\u00e9ricas etc. se baseassem em predisposi\u00e7\u00e3o trans- miss\u00edvel por heran\u00e7a; predisposi\u00e7\u00e3o que apareceria, na realidade, quando qualquer mol\u00e9stia a ativasse. Para a maior parte dos casos, \u00e9 ut\u00f3pico con-", "ceber estes complexos sintom\u00e1ticos em termos de topografia cerebral; tal- vez se possa aceitar, de algum modo, semelhante concep\u00e7\u00e3o no tocante a complexos sintom\u00e1ticos org\u00e2nicos e dist\u00farbios da consci\u00eancia."], ["Kraepelin pretende ver os complexos sintom\u00e1ticos segundo uma ordem gradual: O tipo respectivo seria condicionado pelo grau de destrui\u00e7\u00e3o e pe- las fun\u00e7\u00f5es que ainda restassem. Quando estivessem destru\u00eddas partes superiores do sistema nervoso, desinibir-se-iam graus inferiores (fato neu- rol\u00f3gico que, no caso, se transp\u00f5e, analogicamente; para a psiquiatria). O paralelo com graus evolutivos filogen\u00e9ticos e ontogen\u00e9ticos deve significar o aparecimento do que \u00e9 mais primitivo, quando se d\u00e1 destrui\u00e7\u00e3o das mais intensas; por exemplo, os movimentos catat\u00f4nicos em c\u00edrculos, semelhan- tes aos de alguns animais. \u00c9 uma possibilidade que talvez represente, em certos casos, interpreta\u00e7\u00e3o sugestiva."], ["Se, por um lado, de nenhuma das meras especula\u00e7\u00f5es poss\u00edveis que at\u00e9 o momento expusemos significa\u00e7\u00e3o real alguma decorre para os com- plexos sintom\u00e1ticos, doutro lado, no entanto, Carl Schneider tentou, pela primeira vez, observando as doen\u00e7as esquizofr\u00eanicas, encontrar esta signi- fica\u00e7\u00e3o real em processos biol\u00f3gicos que se manifestam atrav\u00e9s de sinto- mas associados (associa\u00e7\u00f5es de sintomas).", "d) A teoria de Carl Schneider das associa\u00e7\u00f5es de sintomas esquizofr\u00eani-"], ["cos."], ["Schneider v\u00ea o estado atual da psiquiatria como um caos de rumos in- vestigativos. A psicopatologia e a somatopatologia, a teoria da localiza\u00e7\u00e3o, a biologia heredit\u00e1ria, a neurologia trabalhariam com conceitos absoluta- mente diversos sobre a ess\u00eancia dos processos vitais; multiplicidade esta dos pontos .de vista divergentes que encobriria as regularidades biol\u00f3gicas unit\u00e1rias. Faltaria aos pontos de vista em vigor a diretiva de uma hip\u00f3tese de investiga\u00e7\u00e3o geral que, partindo da apreens\u00e3o dos processos vitais, \u201cre- gule a interrela\u00e7\u00e3o dos ramos individuais e possibilite a verifica\u00e7\u00e3o rec\u00ed- proca das infer\u00eancias particulares baseadas nos setores vizinhos. Cada disciplina deixa de considerar seguros os achados das outras e apraz-se, todavia, em confirm\u00e1-los, complement\u00e1-los, dar-lhes prosseguimento. O ponto de partida de todas elas, entretanto, \u00e9 por demais heterog\u00eaneo para poderem colaborar umas com as outras no sentido de aprofundar a meto- dologia\u2019*. Pois bem, \u00e9 esta hip\u00f3tese de pesquisa geral e necess\u00e1ria que Schneider pretende poder formar com base na observa\u00e7\u00e3o das associa\u00e7\u00f5es"], ["de sintomas. Em primeiro lugar, apresentamos, brevemente, uma exposi- \u00e7\u00e3o dogm\u00e1tica de sua teoria; depois, informaremos sobre a respectiva fun- damenta\u00e7\u00e3o; por fim, tentaremos uma cr\u00edtica.", "1. Linhas gerais da teoria. Na esquizofrenia, distinguem- se tr\u00eas associ-", "a\u00e7\u00f5es de sintomas, cada um dos quais aparece puro por si, combinando- se, por\u00e9m, na maior parte dos casos, quer no quadro de estado, quer com o decurso do tempo; caso em que, entretanto, tamb\u00e9m se desenvolvem in- dependentes e paralelos. Existem as seguintes associa\u00e7\u00f5es que se denomi- nam de acordo, com o sintoma principal:", "Associa\u00e7\u00e3o de roubo-de-pensamento. Viv\u00eancias filos\u00f3ficas e reli- giosas \u2014 escapamento de pensamento \u2014 roubo-de-pensamento- perplexidade \u2014 Imposi\u00e7\u00e3o de pensamentos ou pensamentos \u201cda- dos\" \u2014 viv\u00eancias feitas, que s\u00e3o impostas, ou em que a vontade \u00e9 tirada do paciente \u2014 Descarrilamentos verbais \u2014 intercepta\u00e7\u00f5es (bloqueios).", "Associa\u00e7\u00e3o da digressividade. Pensamentos em salto \u2014 paralisia dos afetos e pobreza dos impulsos, falta, de dinamismo vital, elasticidade e reatividade \u2014 amortecimento do pesar e da alegria \u2014 estados de ansiedade, f\u00faria, pranteamento, desespero \u2014 alte- ra\u00e7\u00e3o dos sentimentos corp\u00f3reos, da percep\u00e7\u00e3o do pr\u00f3prio soma; alucina\u00e7\u00f5es f\u00edsicas.", "Associa\u00e7\u00e3o do disparatamento. Del\u00edrio de significa\u00e7\u00e3o, viv\u00eancias delirantes prim\u00e1rias \u2014 Pensamento confuso e disparatado \u2014 Desinteresse pelas coisas e valores objetivos \u2014 Desagrega\u00e7\u00e3o \u2014 Afetos inadequados \u2014 Impulsos parab\u00falicos.", "A cada associa\u00e7\u00e3o de sintomas corresponde uma viv\u00eancia que lhe \u00e9 concretamente peculiar', \u00e0 associa\u00e7\u00e3o do roubo-de-pensamento, -o senti- mento de estranheza das ideias pr\u00f3prias e a sonoriza\u00e7\u00e3o do pensamento; \u00e0 associa\u00e7\u00e3o do disparatamento, o del\u00edrio prim\u00e1rio de significa\u00e7\u00e3o; \u00e0 associ- a\u00e7\u00e3o da digressividade, os dist\u00farbios dos sentimentos gerais e as alucina- \u00e7\u00f5es corp\u00f3reas."], ["Os sintomas individuais ou particulares destas associa\u00e7\u00f5es n\u00e3o t\u00eam, entre si, evidentemente, qualquer conex\u00e3o, psicol\u00f3gica ou outra, pela qual se possam compreender como derivando um do outro, ou correlacio- nando-se: apenas se observam em seu aparecimento fatual concomitante. A correla\u00e7\u00e3o entre eles deve basear-se numa associa\u00e7\u00e3o normal de fun- \u00e7\u00f5es ps\u00edquicas, associa\u00e7\u00e3o que \u2014 por si s\u00f3 em casos puros \u2014 seria atin- gida pela doen\u00e7a. Da\u00ed corresponderem aos complexos sintom\u00e1ticos associ- a\u00e7\u00f5es normais de fun\u00e7\u00f5es cuja exist\u00eancia s\u00f3 a observa\u00e7\u00e3o patol\u00f3gica per- mite reconhecer. Estas associa\u00e7\u00f5es de fun\u00e7\u00f5es s\u00e3o os radicais biol\u00f3gicos.", "Surge, ent\u00e3o, \u201cnova hip\u00f3tese da estrutura da vida ps\u00edquica\u201d, assim se ex- primindo: Na vida ps\u00edquica sadia, v\u00e1rios processos ps\u00edquicos est\u00e3o sempre reunidos em grupos de fun\u00e7\u00f5es, isto \u00e9, em unidades biologicamente aut\u00f4- nomas."], ["No indiv\u00edduo sadio, as associa\u00e7\u00f5es atuam entrela\u00e7adas ao m\u00e1ximo: no esquizofr\u00eanico, elas s\u00f3 se isolam pelo fato de poderem alterar-se em parti- cular por for\u00e7a do processo m\u00f3rbido. Quando h\u00e1 les\u00e3o, \u201cos diversos grupos de fun\u00e7\u00f5es, unit\u00e1rias em si, respondem, segundo leis que lhes s\u00e3o ineren- tes, pelas associa\u00e7\u00f5es aut\u00f4nomas de sintomas.", "Surgiu, portanto, novo conceito de \u201celemento\u201d. As associa\u00e7\u00f5es de fun- \u00e7\u00f5es s\u00e3o os elementos de toda vida somatops\u00edquica. \u201cA associa\u00e7\u00e3o de sin- tomas \u00e9, por assim dizer, o elemento biol\u00f3gico da psiquiatria, tal qual o \u00e1tomo \u00e9 o elemento da f\u00edsica e da qu\u00edmica; o estrato, o elemento da geolo- gia\u201d."], ["N\u00e3o s\u00e3o est\u00e1ticos, mas din\u00e2micos, estes elementos novos. As associa- \u00e7\u00f5es atuam umas sobre as outras, num jogo das rea\u00e7\u00f5es biol\u00f3gicas entre si e entre a respectiva altera\u00e7\u00e3o patol\u00f3gica e o indiv\u00edduo sadio. O modo por que se desenvolvem resulta de sua intera\u00e7\u00e3o com o mundo. O evento pato- l\u00f3gico permite ver a din\u00e2mica desse processo, criando fundamento experi- mental para que se percebam as diferen\u00e7as da vida ps\u00edquica em geral."], ["As associa\u00e7\u00f5es de fun\u00e7\u00f5es n\u00e3o s\u00e3o, por\u00e9m, o derradeiro, pois h\u00e1, acima", "delas, a diretiva que prov\u00e9m da vida em sua totalidade. E por cima delas pode irromper o processo m\u00f3rbido esquizofr\u00eanico, que dela se apodera se- letiva ou completamente.", "Vamos resumir: Para a observa\u00e7\u00e3o, \u00e9. decisivo que a exist\u00eancia das"], ["tr\u00eas associa\u00e7\u00f5es de sintomas e, concomitantemente, das associa\u00e7\u00f5es de fun\u00e7\u00f5es que lhes correspondem se mostre na maneira por que se compor- tam em condi\u00e7\u00f5es vari\u00e1veis. Para a hip\u00f3tese, \u00e9 decisivo o pensamento dos radicais biol\u00f3gicos das fun\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas. Pensar, sentir, querer e todas as demais categorias vivenciais psicol\u00f3gicas que a psicologia conhece, at\u00e9 o momento presente, estruturam-se a partir de processos biologicamente heterog\u00eaneos. Nas associa\u00e7\u00f5es origin\u00e1rias de fun\u00e7\u00f5es, pelo contr\u00e1rio, reali- zam-se processos vitais que se acham por tr\u00e1s da consci\u00eancia e seus m\u00fal- tiplos conte\u00fados, afetos, impulsos; que a dominam e que, com base nela, se podem reconhecer em certas condi\u00e7\u00f5es; processos que, s\u00f3 eles, e n\u00e3o a consci\u00eancia imediata, com suas viv\u00eancias, se podem comparar aos proces- sos vitais do evento corp\u00f3reo."], ["2. Fundamenta\u00e7\u00e3o da teoria. A exist\u00eancia das associa\u00e7\u00f5es de sintomas", "mostra-se, de in\u00edcio, \u00e0 vis\u00e3o cl\u00ednica. A observa\u00e7\u00e3o de raros casos \u201cpuros\u201d (\u201cesquizofrenias incompletas\u201d), em que apenas aparece uma associa\u00e7\u00e3o de sintomas, faltando inteiramente os demais, possibilita encontr\u00e1-las. Por conseguinte, a combina\u00e7\u00e3o dos sintomas dentro das associa\u00e7\u00f5es repousa n\u00e3o numa constru\u00e7\u00e3o, e sim em sua coincid\u00eancia, exclu\u00eddos os demais sintomas esquizofr\u00eanicos."], ["Mais ainda: prova-se a exist\u00eancia das associa\u00e7\u00f5es pelo seu comporta- mento. Dentro das associa\u00e7\u00f5es individuais, mostra-se, do ponto de vista cl\u00ednico, uma sequ\u00eancia frequente em rela\u00e7\u00e3o ao aparecimento dos sinto- mas, uns ap\u00f3s outros. \u00c0 terap\u00eautica, as v\u00e1rias associa\u00e7\u00f5es respondem de forma diversa: a associa\u00e7\u00e3o do disparata- mento responde, de modo espe- cial, \u00e0 insulina; a da digressividade, \u00e2 a\u00e7\u00e3o convulsivante; a do roubo-do- pensamento, \u00e0 praxiterapia. Com refer\u00eancia ao progn\u00f3stico, t\u00eam significa- \u00e7\u00e3o diferente as tr\u00eas associa\u00e7\u00f5es: a associa\u00e7\u00e3o do roubo-pensamento tende \u00e0 cura, ou \u00e0 inatividade biol\u00f3gica, ao passo que as outras duas as- socia\u00e7\u00f5es s\u00e3o de progn\u00f3stico, essencialmente, pior. Quanto mais pura a s\u00edndrome da associa\u00e7\u00e3o do disparatamento, mais desfavor\u00e1vel o progn\u00f3s- tico geral."], ["As associa\u00e7\u00f5es de fun\u00e7\u00f5es n\u00e3o se observam, mas se inferem. A exist\u00ean-", "cia delas \u00e9 uma hip\u00f3tese, que se apoia n\u00e3o s\u00f3 nas observa\u00e7\u00f5es cl\u00ednicas, mas na hist\u00f3ria evolutiva durante a puberdade: a sucess\u00e3o das tr\u00eas fases t\u00edpicas da adolesc\u00eancia deve interpretar-se como desenvolvimento em se- parado das tr\u00eas associa\u00e7\u00f5es de fun\u00e7\u00f5es. Ainda pode-se encontrar apoio na observa\u00e7\u00e3o das viv\u00eancias hipnag\u00f3gicas, as quais \u2014 analogamente \u00e0s vi- v\u00eancias esquizofr\u00eanicas \u2014 tamb\u00e9m mostram varia\u00e7\u00f5es conforme a diversi- dade das tr\u00eas associa\u00e7\u00f5es de fun\u00e7\u00f5es. Sob o aspecto cl\u00ednico, s\u00e3o at\u00e9 de ob- servar-se as correla\u00e7\u00f5es t\u00edpicas de certos fen\u00f4menos metab\u00f3licos."], ["Schneider acentua o fato de muitos dentre estes argumentos n\u00e3o se- rem absolutamente verifica\u00e7\u00f5es em definitivo. A import\u00e2ncia heur\u00edstica de sua hip\u00f3tese residiria em que ela possibilita estas indaga\u00e7\u00f5es e, da\u00ed, certas investiga\u00e7\u00f5es poss\u00edveis de executar. Finalmente, a enumera\u00e7\u00e3o \u201cmais n\u00e3o produzir\u00e1 do que produz uma lei biol\u00f3gico-gen\u00e9tica ou biol\u00f3gico-constitu- cional, baseada no censo dos casos individuais com determinadas caracte- r\u00edsticas conexas\u201d. As \u201cleis nosol\u00f3gicas\u201d derivam \u2014 em analogia com o m\u00e9- todo de Kretschmer \u2014 dos casos \u201cpuros\u201d e, a seguir, da respectiva rela\u00e7\u00e3o com a massa de combina\u00e7\u00f5es e realiza\u00e7\u00f5es parciais. Schneider ainda n\u00e3o d\u00e1 confirma\u00e7\u00f5es estat\u00edsticas, nem exp\u00f5e a maneira por que se desenvol- ver\u00e1 o censo para estes fins cognitivos. S\u00f3 numa cl\u00ednica em que se fa\u00e7a"], ["praxiterapia \u00e9 que ser\u00e1 poss\u00edvel comprovar- lhe internamente as observa- \u00e7\u00f5es."], ["3. Cr\u00edtica. Em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 atitude que se manifesta na rejei\u00e7\u00e3o dos com- plexos sintom\u00e1ticos por parte de Hoche e Cramer, pretende antes Schnei- der, positivamente, quando se ocupa com o problema, ganhar o conheci- mento psiqui\u00e1trico central. Por um lado, rejeita a ideia de unidade nosol\u00f3- gica de Kraepelin, que, a seu ver erradamente pressup\u00f5e ser a mesma a classifica\u00e7\u00e3o das psicoses, quer se fa\u00e7a sob pontos de vista etiol\u00f3gicos, ou psicopatol\u00f3gicos, ou anatomopatol\u00f3gicos; e que v\u00ea os fatos apenas de ma- neira aditiva, al\u00e9m de pressupor-lhes dogmaticamente as correspond\u00ean- cias. Com semelhante cr\u00edtica, Schneider de modo algum atinge a ideia kra- epeliniana, e sim, somente, uma de suas formula\u00e7\u00f5es esquematizantes; n\u00e3o obstante, \u00e9 a uma ideia an\u00e1loga de totalidade que ele pr\u00f3prio se apega: a ideia de uma din\u00e2mica do evento vital em intera\u00e7\u00e3o de associa- \u00e7\u00f5es de fun\u00e7\u00f5es, as quais s\u00e3o dirigidas pelo todo d\u00e1 exist\u00eancia. Assim pen- sando, Schneider perdeu de vista a ideia de unidade nosol\u00f3gica: as associ- a\u00e7\u00f5es de sintomas s\u00e3o, tamb\u00e9m aqui, o suced\u00e2neo inevit\u00e1vel, ganhando, por\u00e9m, significa\u00e7\u00e3o pela outra ideia da estrutura vital. As associa\u00e7\u00f5es de sintomas n\u00e3o servem para reconhecer e delimitar a doen\u00e7a \u201cesquizofrenia\u201d na ess\u00eancia respectiva, mas, sim, se Schneider est\u00e1 certo, permitem perce- ber de que modo se estrutura a vida ps\u00edquica. Sua ideia d\u00e1 \u00e0 sua -obra a vibra\u00e7\u00e3o ineg\u00e1vel que a destaca dentre a massa de toda a bibliografia. A ideia, como delineamento do esquema respectivo, transforma-se, contudo, em teoria; e esta, porque deve ser a \u201cposi\u00e7\u00e3o referencial\u201d que ga- ranta, \u201csem antecipa\u00e7\u00e3o especulativa\u201d, uma correla\u00e7\u00e3o biol\u00f3gica dos pro- cessos vitais individuais, vem a constituir, de fato, nova dogm\u00e1tica do ser. Esta teoria da totalidade estabelece os elementos b\u00e1sicos da vida, tal qual a f\u00edsica estabelece os da mat\u00e9ria nos \u00e1tomos. N\u00e3o mais se busca um \u201cdis- t\u00farbio b\u00e1sico\u201d da esquizofrenia, mas um evento b\u00e1sico do todo ps\u00edquico, com suas associa\u00e7\u00f5es de fun\u00e7\u00f5es, perturbadas as quais se d\u00e3o as v\u00e1rias manifesta\u00e7\u00f5es.", "Mostra-se a pujan\u00e7a da ideia em que a nova concep\u00e7\u00e3o vincula, por as- sim dizer, esfor\u00e7os investigativos e conceitos b\u00e1sicos, al\u00e9m de transformar- se em ponto nodal de conhecimentos existentes. \u201cFun\u00e7\u00f5es\u201d e associa\u00e7\u00f5es de fun\u00e7\u00f5es, concep\u00e7\u00f5es biol\u00f3gico-gen\u00e9ticas e psicol\u00f3gico-evolutivas \u2014 tudo se conjuga para compor o quadro da totalidade; quadro que, ele pr\u00f3prio, em sua forma te\u00f3rica, se coloca na linha da pesquisa de \u201cradicais\u201d (ele- mentos, unidades din\u00e2micas b\u00e1sicas, como unidades gen\u00e9ticas que for- mam complexos de caracter\u00edsticas pesquis\u00e1veis)."], ["Invalida esta teoria aquilo que \u00e9 comum a todas as teorias transforma-", "das em teorias da totalidade: o fato de repousarem em largo c\u00edrculo de condi\u00e7\u00f5es interdependentes; c\u00edrculos a cujos elos falta certeza plena, seja a que ponto for; que incluem em si e no todo tantas presun\u00e7\u00f5es que todos os fatos se fazem acess\u00edveis \u00e0 interpreta\u00e7\u00e3o neles baseada, sem coisa al- guma provar-se, realmente. O que pode orientar a pesquisa, como ideia de totalidade e mediante esquemas que se desenvolvem, vem a ser, sob o as- pecto de teoria de car\u00e1ter universal, inevitavelmente falso.", "Da\u00ed n\u00e3o se indagar, essencialmente, se esta teoria \u00e9 verdadeira ou er-", "rada, mas, sim, o que se reconheceu, factualmente, pela via nova de uma teoria concernente \u00e0s associa\u00e7\u00f5es de sintomas. A ideia de Kraepelin per- mitiu estabelecer, conforme reconhece Schneidek, uma quantidade extra- ordin\u00e1ria de fatos cl\u00ednicos. Que resultados deu, at\u00e9 o momento presente, a nova concep\u00e7\u00e3o?"], ["O ponto de partida para a observa\u00e7\u00e3o foram as tr\u00eas associa\u00e7\u00f5es de sin-"], ["tomas esquizofr\u00eanicos, cuja exist\u00eancia \u00e9 o fundamento do edif\u00edcio inteiro. Separ\u00e1-las \u00e9 tentar, em v\u00e3o, como j\u00e1 se fez, encontrar dentro da esquizo- frenia delimita\u00e7\u00f5es e separa\u00e7\u00f5es precisas das formas nosol\u00f3gicas. A escola de Kraepelin fez uma experi\u00eancia fundamental que, com a coleta e descri- \u00e7\u00e3o incans\u00e1vel dos fen\u00f4menos ocorridos nos casos individuais, consistiu em querer separar, desde o come\u00e7o da instala\u00e7\u00e3o da dem\u00eancia precoce, grupos particulares dentre a massa geral. Foram repetidas as ocasi\u00f5es em que isso pareceu lograr \u00eaxito moment\u00e2neo; as descri\u00e7\u00f5es cl\u00ednicas mostra- ram-se convincentes e os diagn\u00f3sticos se fizeram \u00e0 base das novas unida- des mais restritas. A seguir, por\u00e9m, apresentaram-se transi\u00e7\u00f5es e combi- na\u00e7\u00f5es, pelo que novamente se abandonaram as discrimina\u00e7\u00f5es encontra- das. Esta \u00e9 uma experi\u00eancia de dec\u00eanios, fazendo ver com cepticismo quaisquer tentativas novas que pretendam exceder descri\u00e7\u00f5es tipol\u00f3gicas de uma variedade fugidia de formas cl\u00ednicas. Com semelhante m\u00e9todo de dissolu\u00e7\u00e3o em muitos quadros m\u00f3rbidos especiais, teve-se a impress\u00e3o de trilhar, outra vez e ao infinito, a infrut\u00edfera senda da velha psiquiatria. Hoje, mais se exige do que a descri\u00e7\u00e3o cl\u00ednica de casos t\u00edpicos, quando se tem de delimitar uma unidade: tem-se de fornecer a prova mediante ob- serva\u00e7\u00e3o permanente de uma massa total de casos, mediante biografias concretamente estabelecidas, associadas a estat\u00edsticas; e tem-se, ao mesmo tempo, de alcan\u00e7ar certo resultado que, da\u00ed a um ano, n\u00e3o se der- rube, simplesmente, nem tacitamente se esque\u00e7a por meio de exemplos em contr\u00e1rio. Nesta linha de tentativas discriminativas, Schneider assume"], ["encargo novo, n\u00e3o pretendendo delimitar unidades nosol\u00f3gicas (nem divi- dir a esquizofrenia em subgrupos diagnostic\u00e1veis); nem ainda querendo descrever complexos sintom\u00e1ticos t\u00edpicos que apresentem transi\u00e7\u00f5es fugi- dias entre si e se fa\u00e7am significativos atrav\u00e9s de conex\u00e3o interna evidente. Mas espera, antes, apreender unidades associativas de fun\u00e7\u00f5es que estru- turem tanto a vida ps\u00edquica normal quanto a esquizofr\u00eanica e s\u00f3 sejam re- conhec\u00edveis, discriminativamente, no estado m\u00f3rbido que atinge, por forma seletiva, as associa\u00e7\u00f5es. Da\u00ed Schneider desprezar os esfor\u00e7os passa- dos como \u201cexperimenta\u00e7\u00e3o, ou separa\u00e7\u00e3o e ajuntamento incessantes de s\u00edndromes vari\u00e1veis em grupos nosol\u00f3gicos que se sup\u00f5em biologicamente fundados\u201d, ele pr\u00f3prio julgando-se no rastro de elementos biol\u00f3gicos reais. Apenas come\u00e7a, por\u00e9m. Quem nos diz que, por esta via, tamb\u00e9m a infini- tude n\u00e3o h\u00e1 de, dentro em pouco, fazer-se evidente em nova forma? Schneider considera a formula\u00e7\u00e3o das tr\u00eas associa\u00e7\u00f5es marcos iniciais. Mas observ\u00e1-las pelas comunica\u00e7\u00f5es de Schneider n\u00e3o me parece que conven\u00e7a. \u00c9 admiss\u00edvel que nem existam, no sentido em que ele fala."], ["Com a tese fundamental das tr\u00eas associa\u00e7\u00f5es de sintomas e de fun\u00e7\u00f5es"], ["entre si correspondentes, tese na qual se entrela\u00e7am a observa\u00e7\u00e3o cl\u00ednica e a teoria, o todo ergue-se e tomba. A observa\u00e7\u00e3o futura \u00e9 que ainda h\u00e1 de ensinar se as tr\u00eas associa\u00e7\u00f5es de sintomas existem como unidades sepa- r\u00e1veis em sentido que n\u00e3o seja o tipol\u00f3gico e, portanto, como realidades verdadeiramente diversas e conclu\u00eddas em si. Pode ela \u2014 a observa\u00e7\u00e3o \u2014 conforme se pronuncia Schneider, encontrar a prova por meio, apenas, de estat\u00edsticas (para o que, \u00e9 indispens\u00e1vel toda cr\u00edtica met\u00f3dica em rela\u00e7\u00e3o ao que se pode recensear e em rela\u00e7\u00e3o, ao significado das correla\u00e7\u00f5es). Nem a vis\u00e3o cl\u00ednica, nem a observa\u00e7\u00e3o m\u00e9dica, como tem acontecido at\u00e9 o presente, conseguem sozinhas fornecer demonstra\u00e7\u00e3o; nem ainda a cone- x\u00e3o com as muitas refer\u00eancias que se possam estabelecer da tese para a hist\u00f3ria evolutiva, a terapia, a viv\u00eancia hipnag\u00f3gica etc., visto que cada uma destas refer\u00eancias mostra por si uma possibilidade; e muitas incerte- zas se amontoam para que tenhamos seguran\u00e7a. Entre as observa\u00e7\u00f5es cl\u00ed- nicas, as experi\u00eancias da praxiterapia s\u00e3o de interesse b\u00e1sico especial, s\u00f3 elas permitindo ganhar novo tipo de fatos, ao passo que a observa\u00e7\u00e3o cl\u00ed- nica inativa das associa\u00e7\u00f5es de sintomas n\u00e3o possibilita, por si, a vis\u00e3o de quaisquer tipos novos de fatos."], ["N\u00e3o \u00e9, decerto, por acaso que, nesta teoria das associa\u00e7\u00f5es de sinto- mas esquizofr\u00eanicos, a escassez dos fatos ainda n\u00e3o se compare com a abund\u00e2ncia das discuss\u00f5es conceituais de princ\u00edpio. Uma maneira de"], ["pensar enuncia-se, acentuando sua novidade e desenvolvendo possibilida- des de pesquisa, sustentada pelo entusiasmo peculiar que acompanha a formula\u00e7\u00e3o de teorias de car\u00e1ter universal. Deve desenvolver-se uma \u201cpsi- quiatria biol\u00f3gica\u201d, biol\u00f3gico aqui significando: dirigido para o todo exis- tencial, e n\u00e3o para algumas de suas manifesta\u00e7\u00f5es, quer som\u00e1ticas, quer ps\u00edquicas. Schneider diz, com acerto: \u00c9 postulado injustificado afirmar que, no come\u00e7o da esquizofrenia, j\u00e1 se devem admitir altera\u00e7\u00f5es som\u00e1ti- cas; \u00e9 errado equiparar com demasiada presteza condi\u00e7\u00f5es funcionais ps\u00ed- quicas n\u00e3o vivenci\u00e1veis a altera\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas; e estas, por sua vez, con- ceber, prematuramente,- de modo apenas morfol\u00f3gico, ou materialmente mec\u00e2nico, ou, na melhor d\u00e1s hip\u00f3teses, energ\u00e9tico; temos de libertar-nos da ideia de que o som\u00e1tico atue, mediante causalidade global, por assim dizer, sobre o evento ps\u00edquico; a rela\u00e7\u00e3o biol\u00f3gica entre processos som\u00e1ti- cos e ps\u00edquicos \u00e9 inteiramente diversa daquela que, hoje, se julga dever admitir. Tudo isto parece-me verdadeiro sob o aspecto cr\u00edtico, mas cabe indagar, ent\u00e3o, que \u00e9 que se entende, aqui, por biol\u00f3gico. N\u00e3o \u00e9, evidente- mente, nada daquilo que a ci\u00eancia da biologia tem por objeto \u2014 a saber, quaisquer explorabilidades tang\u00edveis e, por isso, particulares \u2014 mas sim aquilo que se gostaria de apreender, de modo geral, mediante urna filoso- fia da vida; aquilo em que e a partir de que ocorre tudo quanto \u00e9 especial. Este todo n\u00e3o \u00e9, entretanto, objeto, e sim ideia, apenas, para a pesquisa; ou generalidade, para a apresenta\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica. Da\u00ed parecer-me a biologia desta \u201cpsiquiatria biol\u00f3gica\u201d express\u00e3o, certamente, do impulso de uma ideia, de uma tend\u00eancia filos\u00f3fica, que talvez ainda n\u00e3o se haja ainda pe- netrado, ela mesma; como objeto, por\u00e9m, do conhecimento que investiga, falta-lhe base."], ["A pesquisa s\u00f3 toma forma determinada, quando \u00e9 guiada por uma ideia, no caso em que, partindo das grandes linhas gerais, se aproxima e penetra nos fatos. Se as associa\u00e7\u00f5es de sintomas se, originam do dist\u00farbio de associa\u00e7\u00f5es de fun\u00e7\u00f5es biol\u00f3gicas particulares, tem-se de conceber fun- cionalmente, na associa\u00e7\u00e3o, a correla\u00e7\u00e3o dos fen\u00f4menos \u00e0 primeira vista heterog\u00eaneos. A quest\u00e3o \u00e9 a seguinte: Como \u00e9 que 'se h\u00e1 de conceber a co- nex\u00e3o dos sintomas na associa\u00e7\u00e3o? Como \u00e9 que eles se correlacionam? Falta a resposta. A fatualidade da respectiva coincid\u00eancia estat\u00edstica, uma> vez que, enfim, se confirmasse, s\u00f3 se tornaria fato reconhecido pelo conhecimento da maneira por que se correlacionam"], ["Apresenta\u00e7\u00f5es Particulares", "Nas apresenta\u00e7\u00f5es particulares que ora se seguem, apenas damos,", "uma sele\u00e7\u00e3o de exemplos, pelos quais se ter\u00e1 ideia do valor concreto que possuem os quadros tradicionais de complexos sintom\u00e1ticos; quadros que se t\u00eam firmado \u2014 n\u00e3o todos quantos se formularam, mas, sim, aqueles que se est\u00e3o sempre impondo:"], ["a) Complexos sintom\u00e1ticos org\u00e2nicos. Chamamos complexos sintom\u00e1ti- cos org\u00e2nicos aqueles que podemos atribuir, causalmente, a um processo som\u00e1tico tang\u00edvel localizado no c\u00e9rebro. Incluem-se entre eles os comple- xos af\u00e1sicos de sintomas, os tipos da dem\u00eancia org\u00e2nica. Complexo org\u00e2- nico desta ordem muito caracter\u00edstico \u00e9 a s\u00edndrome de Korsakov (complexo sintom\u00e1tico ou s\u00edndrome amn\u00e9sica), que se observa sobre a base do alcoo- lismo cr\u00f4nico, ou ap\u00f3s ferimentos graves da cabe\u00e7a, tentativas de estran- gulamento, e ainda em consequ\u00eancia de processos cerebrais senis (cha- mando-se, ent\u00e3o, presbiopfrenia); raramente tamb\u00e9m, no in\u00edcio da parali- sia geral. A s\u00edndrome pura pode consistir, sem dist\u00farbio intelectivo propri- amente dito, no simples dist\u00farbio da mem\u00f3ria e da capacidade de fixa\u00e7\u00e3o, com suas consequ\u00eancias necess\u00e1rias (desorienta\u00e7\u00e3o, preenchimento das lacunas por confabula\u00e7\u00f5es'). Os doentes esquecem tudo em tempo extre- mamente breve, n\u00e3o conhecendo ningu\u00e9m, nem o m\u00e9dico, nem os outros pacientes, repetindo a mesma narrativa, sempre convencidos de estarem contando coisas inteiramente novas; e cumprimentando o m\u00e9dico que j\u00e1 veio v\u00e1rias vezes como se fosse sempre a primeira. Ao mesmo tempo, com- portam-se de forma plenamente natural, conforme a situa\u00e7\u00e3o, com certa iniciativa, ordenados; pode acontecer que o leigo custe a perceber quanto o paciente est\u00e1 transtornado, inteiramente desorientado no tempo e no es- pa\u00e7o, tanto mais quanto o cabedal mn\u00eamico vai cada vez mais diminuindo e, ali\u00e1s, retrogradamente, a partir do presente. Quanto mais pr\u00f3ximo o tempo lembrado, menos se recorda. Ainda se acham presentes as reminis- c\u00eancias da primeira inf\u00e2ncia e da mocidade, de modo que uma velha octo- gen\u00e1ria talvez se julgue ainda uma jovem de 20 anos, declare seu nome de solteira, ignore de todo marido e filhos, fa\u00e7a contas com dinheiro fora de circula\u00e7\u00e3o etc. Acresce-se um fen\u00f4meno que chama a aten\u00e7\u00e3o: \u00e9 a segu- ran\u00e7a e a naturalidade com que os doentes produzem confabula\u00e7\u00f5es em lugar de recorda\u00e7\u00f5es reais, contando hist\u00f3rias inteiras, as quais aparecem com o aspecto de narrativas embara\u00e7adas visando a preencher falhas da mem\u00f3ria; \u00e9 frequente, no entanto, produzirem-se ricas e maci\u00e7as. Pronun- ciam-se ideias insensatas, desordenadas, sem que os pacientes sintam ne- cessidade sequer de corrigi-las, nem de cont\u00ea-las. Tamb\u00e9m podemos suge- rir- lhes viv\u00eancias como se as houvessem tido na realidade. Sem consci\u00ean- cia clara de seu defeito, sentem-se, todavia, obscuramente inseguros."], ["Como complexo sintom\u00e1tico org\u00e2nico, conhecem-se estados de fra- queza ap\u00f3s como\u00e7\u00e3o cerebral grave, que acarreta, primeiro, perda da cons- ci\u00eancia, podendo durar de minutos a horas: irritabilidade (acessos de raiva, incontin\u00eancia emocional), enfraquecimento da mem\u00f3ria e da capaci- dade de fixa\u00e7\u00e3o, incapacidade de concentra\u00e7\u00e3o (dispersividade), aumento da fatigabilidade, cefaleias, muitas vezes localizadas \u2014 principalmente quando a pessoa se dobra \u2014 vertiginosidade, sensibilidade ao calor, into- ler\u00e2ncia ao \u00e1lcool."], ["b) Os complexos sintom\u00e1ticos das altera\u00e7\u00f5es da consci\u00eancia. J\u00e1 tenta-", "mos distinguir a obnubila\u00e7\u00e3o, a turva\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia e a altera\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia. Estas tr\u00eas dire\u00e7\u00f5es em que a vida ps\u00edquica se altera prendem- se a outros in\u00fameros elementos para formar os quadros de estada extraor- dinariamente vari\u00e1veis a prop\u00f3sito dos quais nos referimos \u00e0 altera\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia em sentido mais amplo. Dentre os complexos sintom\u00e1ticos t\u00ed- picos destacamos o del\u00edrio, a am\u00eancia e o estado crepuscular. A todos s\u00e3o1 comuns, em grau diverso, a desorienta\u00e7\u00e3o, certa descontinuidade ou desconex\u00e3o, maior ou menor, da vida ps\u00edquica e alguma confus\u00e3o, tam- b\u00e9m maior ou menor, da mem\u00f3ria, uma vez decorrido' o estado."], ["1. O del\u00edrio caracteriza-se pela evas\u00e3o do paciente do mundo- externo real. O indiv\u00edduo vive em seu mundo delirioso, que lhe aparece em ilus\u00f5es, alucina\u00e7\u00f5es aut\u00eanticas, ideias delirantes. Muitas vezes, domina-o ansie- dade enorme, al\u00e9m de atividade impulsiva sem objeto algum. \u00c9 muito m\u00e1 a apreens\u00e3o: a consci\u00eancia apresenta- se em n\u00edvel baixo, quase sempre no limite do sono, que entretanto, n\u00e3o se consegue; quando a aten\u00e7\u00e3o est\u00e1 tensa ao m\u00e1ximo, pode-se- elev\u00e1-la de modo passageiro, melhorando, en- t\u00e3o, relativamente, a apreens\u00e3o e reaparecendo a viv\u00eancia delirante. A tur- va\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia no sentido da vida ps\u00edquica on\u00edrica, certa coer\u00eancia (\u201cilus\u00f5es teatrais\u201d), al\u00e9m da mistura de tra\u00e7os pr\u00f3prios \u00e0 obnubila\u00e7\u00e3o, ca- racterizam o del\u00edrio, distinguindo-o com a maior presteza da.", "2. Am\u00eancia. Se nos recordarmos de nosso esquema, no qual distingui-", "mos as conex\u00f5es associativas das s\u00ednteses atuativas que se estruturam sobre elas em in\u00fameras pir\u00e2mides, reconheceremos corno- fen\u00f4meno cen- tral deste tipo de complexo sintom\u00e1tico que \u00e9 a am\u00eancia a diminui\u00e7\u00e3o da s\u00edntese atuativa, chegando aos graus mais baixos das conex\u00f5es da mesma ordem; e, da\u00ed, \u00e0 incapacidade de praticar qualquer ato ideativo novo, de apreender qualquer rela\u00e7\u00e3o. Nem sequer s\u00e3o mais poss\u00edveis as s\u00ednteses atuativas simples que levam \u00e0 orienta\u00e7\u00e3o com refer\u00eancia \u00e0 situa\u00e7\u00e3o. O pa- ciente n\u00e3o \u00e9 capaz de combina\u00e7\u00e3o alguma; donde resulta a fragmenta\u00e7\u00e3o,"], ["por assim dizer, da vida ps\u00edquica em peda\u00e7os apenas esparsos, s\u00f3 ocor- rendo atos singulares casuais da consci\u00eancia objetiva, habituais e f\u00e1ceis para o indiv\u00edduo, sem rela\u00e7\u00e3o alguma com atos anteriores ou subsequen- tes. As \u00fanicas leis que governam, mecanicamente, a sequ\u00eancia dos conte- \u00fados da consci\u00eancia s\u00e3o as regras da associa\u00e7\u00e3o, a persevera\u00e7\u00e3o, o enca- deamento desconexo pela via das percep\u00e7\u00f5es sensoriais. Objetos que apa- recem, acidentalmente, no campo visual s\u00e3o notados, nomeados, n\u00e3o tar- dando, entretanto, a surgir no lugar deles outra ideia que talvez haja sido despertada por associa\u00e7\u00f5es absurdas; altera\u00e7\u00f5es, rimas e coisas seme- lhantes dominam o conte\u00fado verbal (diverso da fuga-de-ideias pela falta das associa\u00e7\u00f5es, que nesta se acumulam produtivamente). Repetem-se as perguntas do m\u00e9dico, sem nelas pensar e sem a elas responder; desregra- das, ocorrem ideias casuais, vindo \u00e0 consci\u00eancia em altern\u00e2ncia desencon- trada."], ["Nos graus menos graves destes estados \u2014 de h\u00e1bito, as oscila\u00e7\u00f5es s\u00e3o"], ["grandes, podendo chegar \u00e0 lucidez plena passageira \u2014 os doentes t\u00eam consci\u00eancia da altera\u00e7\u00e3o, notando que n\u00e3o conseguem pensar, nem pres- tar aten\u00e7\u00e3o; e que todo o ambiente se lhes apresenta enigm\u00e1tico; da\u00ed mer- gulharem em espanto perplexo\u2019. \u201cQue \u00e9 que est\u00e1 acontecendo? Onde \u00e9 que estou? Ainda sou a Sra. S.?\u201d Mesmo, por\u00e9m, que compreendam uma res- posta, n\u00e3o tardam a esquec\u00ea-la. Ao mesmo tempo e, principalmente, no in\u00edcio, os pacientes sentem-se estranhos, percebem que. a doen\u00e7a mental est\u00e1 para vir e que a consci\u00eancia se lhes transtorna enormemente. Estes sentimentos acentuam-se em ansiedade delirante, que, por sua vez, au- menta mais ainda pelas ideias delirantes e alucina\u00e7\u00f5es, estas acrescen- tando-se e logo desaparecendo; ali\u00e1s, sem conex\u00e3o alguma. Visto, entre- tanto, serem desordenadas e poderem apresentar-se tanto prazenteiras e jubilosas quanto indiferentes, o estado de \u00e2nimo alterna entre os contras- tes mais extremos."], ["As ideias deliroides e as falsas-percep\u00e7\u00f5es s\u00e3o, evidentemente, t\u00e3o in- coerentes quanto as percep\u00e7\u00f5es reais e os pensamentos que da\u00ed se origi- nam. Reflex\u00e3o alguma, ju\u00edzo algum \u00e9 poss\u00edvel; donde n\u00e3o haver tamb\u00e9m base para qualquer sistema; ao contr\u00e1rio, os doentes entregam-se passiva- mente \u00e0s ilus\u00f5es, vari\u00e1veis pelo conte\u00fado e pela dire\u00e7\u00e3o total. Nenhuma disposi\u00e7\u00e3o afetiva, nem rumo delirante preciso, nem complexos compreen- s\u00edveis d\u00e3o aos conte\u00fados qualquer unitariedade. Os pacientes referem a si mesmos o que h\u00e1 de mais extraordin\u00e1rio: que se puxe uma cortina, que uma. colher esteja colocada em certo lugar; os objetos conformam-se de"], ["maneira ilus\u00f3ria; de acordo com semelhan\u00e7as, p\u00f4r exemplo; podem ocor- rer, nesse \u00ednterim, alucina\u00e7\u00f5es aut\u00eanticas. Tudo se acumula sobre o paci- ente, obrigando-o, sem vontade, a ocupar-se com tudo, para abandonar- se, da\u00ed a pouco, a outra coisa diferente. Acontece, por persevera\u00e7\u00e3o mec\u00e2- nica, retornarem sempre conte\u00fados particulares, constru\u00e7\u00f5es verbais, fra- gmentos singulares da vida ps\u00edquica, sem possibilidade, todavia, de infe- rir-se apenas deles seja qual for conex\u00e3o; ainda que, por exemplo, durante dias e dias, o m\u00e9dico seja sempre confundido de certa maneira, ainda que o paciente o receba com perguntas sempre as mesmas."], ["Mesmo em graus acentuados do dist\u00farbio, podem-se constatar sinais de \u201cperplexidade\u201d na am\u00eancia. E Jacobi j\u00e1 observou, em estados com ela relacionados, a possibilidade de \u201ctrazer o paciente \u00e0 consci\u00eancia de si, du- rante alguns instantes, quando se apela para o sentimento individual de sua personalidade\u201d. A perplexidade e esta consci\u00eancia natural, peculiar da personalidade, embora absolutamente passageira, distinguem a am\u00eancia de todas as psicoses paranoicas. Ap\u00f3s o curso da doen\u00e7a, mais n\u00e3o existe do que recorda\u00e7\u00e3o sum\u00e1ria. Chama a aten\u00e7\u00e3o o fato de se pormenoriza- rem e nitidamente recordarem, \u00e0s vezes, impress\u00f5es sensoriais superfici- ais do tempo da psicose. Quase sempre existe lacuna mn\u00eamica plena, de longa dura\u00e7\u00e3o.", "3. Estado crepuscular. Caracteriza-se o estado crepuscular pela \u201caltera-", "\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia\u201d sem aparecimento not\u00e1vel de turva\u00e7\u00e3o, perplexidade ou incoer\u00eancia. Os estados crepusculares t\u00eam delimita\u00e7\u00e3o temporal es- trita, de tal modo que os doentes, por assim dizer, despertam deles; duram de horas a semanas. Enquanto subsistem, o comportamento \u00e9, em geral, relativamente ordenado, podendo os pacientes at\u00e9 viajar, chamando a aten\u00e7\u00e3o, por\u00e9m, ao lado de atos coerentes, certos procedimentos inespera- dos, espantosos, desconexos; \u00e0s vezes violentos. Os pacientes s\u00e3o domina- dos por sentimentos prim\u00e1rios anormais (ansiedade, disforias de toda sorte) e por ideias deliroides (persegui\u00e7\u00e3o, perigo, grandeza). Porque se mostram relativamente ordenados e l\u00facidos, os atos violentos s\u00e3o particu- larmente perigosos: um d\u00e1 um tiro na cabe\u00e7a para matar-se; outro, to- mado de f\u00faria devastadora, toca fogo na casa; outro ainda mata um com- panheiro. Ao despertar, o que h\u00e1 quase sempre \u00e9 uma recorda\u00e7\u00e3o lacunar. Os pacientes veem o estado e os atos que praticaram como coisa inteira- mente estranha. Para ilustrar, vamos descrever certo estado crepuscular observado em nossa cl\u00ednica (a maior parte dos casos decorre fora dos hos- pitais):"], ["Franz Rakutzky, cocheiro de' 41 anos, teve uma vertigem forte no dia", "15 de maio de 1908. Obrigado a deitar-se, embrulhou-se nas cobertas, co- me\u00e7ando a suar muito. Depois, p\u00f4de voltar ao trabalho. Da\u00ed a dez dias, tornou a sentir-se fraco, com cansa\u00e7o sobretudo nas pernas, vindo-lhe ou- tra vez a vertigem. Por este motivo, veio ter \u00e0 Cl\u00ednica M\u00e9dica, onde se mos- trou, passado tr\u00eas dias, inteiramente desorientado, fortemente agitado, in- tensamente ansioso.", "No dia seguinte de manh\u00e3, examinado na Cl\u00ednica Psiqui\u00e1trica, apre- sentou-se calmo, acess\u00edvel, mas declarou, sorrindo satisfeito e muito con- victo, ser major e chamar-se \u201cvon Rakutzky\u201d, de antiga e nobre ascend\u00ean- cia silesiana."], ["Dois tenentes, Ahlefeld e Fritz, tinham-no trazido, havia pouco, aqui ao Hotel da \u00c1guia, em Karlsruhe. As pessoas presentes eram soldados aquar- telados. Era julho de 1885. A perguntas sugestivas, respondeu, com preci- s\u00e3o, ganhar 10 marcos por dia; a perguntas ulteriores, aumentou a quan- tia para 100.000 marcos por ano. Solicitado por mim, emprestou-me 2.000 marcos, escrevendo um \"cheque\u201d ileg\u00edvel, que me possibilitaria rece- ber o dinheiro no Banco K., de Karlsruhe. Outras sugest\u00f5es ao acaso t\u00eam efeito imediato: esteve cem o gr\u00e3o-duque, ser\u00e1 nomeado general amanh\u00e3, possui alguns milh\u00f5es, tem 30 filhos. Quando lhe perguntam, se est\u00e1 sendo perseguido, declara em voz alta: \u201cEu perseguido! Mando avan\u00e7ar o regimento inteiro, se algu\u00e9m disser isto!\u201d N\u00e3o resolve problemas aritm\u00e9ti- cos: 6x6 = 20; 2x2 = 6; mas acerta em 1+1 = 2. Ap\u00f3s o exame, senta-se, tranquilamente num banco do corredor."], ["\u00c0 tarde do mesmo dia, o paciente est\u00e1 plenamente orientado; n\u00e3o sabe, em geral, que j\u00e1 falou comigo longamente, pela manh\u00e3. Nada sabe de suas narrativas e acha que s\u00e3o inacredit\u00e1veis. Tamb\u00e9m n\u00e3o sabe que esteve no banho, mas se lembra de haver sido trazido por duas pessoas e de ter sido tratado, nos \u00faltimos dias, por causa de acessos vertiginosos, na Cl\u00ednica M\u00e9dica. No caf\u00e9, \u00e0s 4 horas, sentiu-se, de repente, muito leve e forte. As- sim que se sentou na cama, viu que estava no hosp\u00edcio. Faz contas melhor do que pela manh\u00e3, mas ainda erra.", "No dia seguinte, o doente est\u00e1 muito bem disposto, respondendo com vivacidade e pertin\u00eancia. Acha que, na v\u00e9spera de noite, ainda n\u00e3o estava de todo bem, embora j\u00e1 soubesse que havia algo errado. Hoje, contudo, nada mais percebe. Resolve corretamente todas as contas.", "Sabe-se pelo doente que j\u00e1 teve dist\u00farbios semelhantes, e at\u00e9 de dura-"], ["\u00e7\u00e3o mais longa (confirma\u00e7\u00e3o pela hist\u00f3ria cl\u00ednica); mais ainda: que tem acessos de vertigem frequentes; que, \u00e0s vezes, e por alguns minutos, nota", "enrijecimento e insensibilidade da perna direita e do dedo indicador di- reito; que j\u00e1 tem mesmo adormecido sem querer (Diagn\u00f3stico: psicopata hist\u00e9rico)."], ["c) Os complexos sintom\u00e1ticos dos estados afetivos anormais.", "A variedade extraordin\u00e1ria dos quadros de estados apresentados pelos doentes afetivos encontra sua primeira classifica\u00e7\u00e3o na oposi\u00e7\u00e3o dos tipos muitos antigos que s\u00e3o a mania e a depress\u00e3o, exemplo de como os con- trastes se correspondem."], ["A mania pura caracteriza-se pela alegria e euforia prim\u00e1rias, imotiva- das, torrenciais; pela altera\u00e7\u00e3o do curso ps\u00edquico na dire\u00e7\u00e3o da fuga-de- ideias e do aumento das possibilidades associativas. O sentimento de pra- zer vital acompanha-se de exalta\u00e7\u00e3o de todos os est\u00edmulos; aumento da sexualidade, aumento do impulso motor; logorreia e impulso \u00e0 atividade aumentam, desde o mero gesticular vivaz at\u00e9 os estados de excita\u00e7\u00e3o. O curso ideo-fugitivo da vida ps\u00edquica faz que todas as atividades se iniciem com viveza, mas tamb\u00e9m n\u00e3o tardem a interromper-se e a mudar. Todos os est\u00edmulos prementes e todas as possibilidades novas \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o v\u00eam espont\u00e2neas e sem provoca\u00e7\u00e3o, fazendo o doente chistoso e divertido; mas, do mesmo passo, a impossibilidade de reter uma tend\u00eancia determinante o faz superficial e confuso. Sente-se, sob o aspecto som\u00e1tico e mental, enormemente sadio, forte, com a impress\u00e3o de possuir capacidades fora do comum. Seu otimismo inflex\u00edvel levam-no a ver todas as coisas, o mundo inteiro, o futuro com as cores mais brilhantes. Tudo reluz, tudo \u00e9 t\u00e3o venturoso quanto poss\u00edvel. Suas ideias e pensamentos acomodam-se compreensivelmente sob este ponto de vista; nem outras lhe acedem \u00e0 mente."], ["Sob todos os aspectos, constitui o contr\u00e1rio a depress\u00e3o pura, cujo n\u00fa- cleo \u00e9 formado por uma tristeza igualmente profunda, imotivada, a que se acrescenta a inibi\u00e7\u00e3o de todo o evento ps\u00edquico; inibi\u00e7\u00e3o que tanto se sente subjetivamente dolorosa quanto se pode determinar objetivamente. Abatem-se todos os est\u00edmulos impulsivos; em coisa alguma se apraz o en- fermo. A diminui\u00e7\u00e3o da impuls\u00e3o motora e atuativa transforma-se em completa imobilidade. N\u00e3o se pode tomar decis\u00e3o alguma, nem iniciar qualquer atividade. N\u00e3o h\u00e1 associa\u00e7\u00f5es de que se possa dispor. Os doen- tes em nada pensam; queixam-se do desarranjo total da mem\u00f3ria, sentem sua improdutividade e lamentam-se de insufici\u00eancia, insensibilidade, va- cuidade. A profunda taciturnidade, eles a experimentam como sensa\u00e7\u00e3o"], ["no peito e no corpo, como se fosse coisa tang\u00edvel, por assim dizer. A tris- teza profunda faz que o mundo lhes apare\u00e7a acinzentado, indiferente e in- consol\u00e1vel. De tudo quanto presenciam extraem o que \u00e9 desfavor\u00e1vel e malfadado. No passado, foram culpados de muitos erros (autorrecrimina- \u00e7\u00f5es, ideias de pecado). O presente s\u00f3 lhes oferece o mal (ideias de inferio- ridade); o futuro se lhes apresenta horr\u00edvel (ideias de empobrecimento etc.)."], ["Os complexos sintom\u00e1ticos da mania e da depress\u00e3o puras t\u00eam para n\u00f3s, em vista da conex\u00e3o compreens\u00edvel cont\u00ednua que une os tra\u00e7os indivi- duais, alguma coisa de extraordinariamente '\u201cnatural\u201d; n\u00e3o obstante o que, muitos dentre os doentes afetivos n\u00e3o correspondem, em absoluto, a esses complexos naturais, os' quais nada mais s\u00e3o do que forma\u00e7\u00f5es t\u00ed- pico-ideais. Chamam-se \u201cmistos\u201d todos estes estados que n\u00e3o correspon- dem, por forma plena, aos tipos. Concebem-se a mania e a depress\u00e3o par- tidas em componentes dos quais deriva, mediante combina\u00e7\u00e3o vari\u00e1vel, a multiplicidade ou diversidade dos quadros individuais. S\u00f3 se indaga que tipo de componentes existem e sob que aspectos se h\u00e1 de encontr\u00e1-los."], ["Kraepelin e \"Weygandt decompuseram a mania nos componentes ale- gria, fuga-de-ideias, impulso motor; a depress\u00e3o, em tristeza, inibi\u00e7\u00e3o do pensamento e inibi\u00e7\u00e3o motora; da\u00ed tirarem; alegria + inibi\u00e7\u00e3o do pensa- mento + impuls\u00e3o motora = \u201cmania improdutiva\u201d; alegria + inibi\u00e7\u00e3o do pensamento + inibi\u00e7\u00e3o motora = \u201cestupor man\u00edaco\u201d etc. A import\u00e2ncia es- sencial est\u00e1 na rela\u00e7\u00e3o diagn\u00f3stica (concep\u00e7\u00e3o de estados enigm\u00e1ticos como fases cur\u00e1veis em indiv\u00edduos que, quanto ao mais, se apresentam doentes de mania ou de depress\u00e3o). O processo \u00e9 amb\u00edguo, porque se em- pregaram, sem mais e simplesmente, elementos \u00abde conex\u00f5es compreens\u00ed- veis como componentes objetivos (poss\u00edveis de separar e, mecanicamente, de combinar) da vida ps\u00edquica (a t\u00e3o frequente confus\u00e3o da psicologia compreensiva com a psicologia objetivamente explicativa)."], ["A maneira por que se formam os componentes, pela a\u00e7\u00e3o conjunta dos quais se podem explicar os diversos estados afetivos m\u00f3rbidos, apresenta- se, portanto, inicialmente, obscura. Mediante an\u00e1lises sutis, \u00abm experi\u00ean- cias psicol\u00f3gicas, alguma coisa come\u00e7ou-se (por exemplo a separa\u00e7\u00e3o de inibi\u00e7\u00e3o associativa e inibi\u00e7\u00e3o de tend\u00eancias determinantes). Quase todas as experi\u00eancias d\u00e3o apenas descri\u00e7\u00e3o mais exata e estabelecem, quantita- tivamente, aquilo que mesmo sem elas se observou. Assim, por exemplo, Guttmann verificou, em testes de trabalho e de aten\u00e7\u00e3o (mandando o paci- ente riscar certas letras num texto), ser o rendimento menor nos man\u00edacos e nos depressivos; terem ambos de \u201ctreinar\u201d mais do que os indiv\u00edduos"], ["normais; da\u00ed ser melhor o .rendimento na segunda metade do teste e n\u00e3o terem as pausas o mesmo efeito favor\u00e1vel que com os indiv\u00edduos normais; mais ainda: os man\u00edacos trabalham quantitativamente melhor e qualitati- vamente pior que os despresivos; e fatigam-se mais depressa os depressi- vos.", "A an\u00e1lise de casos individuais h\u00e1 de considerar, quanto ao mais, os se-"], ["guintes aspectos: 1) Acrescentam-se \u00e0 altera\u00e7\u00e3o do humor outras altera- \u00e7\u00f5es prim\u00e1rias (fen\u00f4menos de despersonaliza\u00e7\u00e3o, estranheza do mundo perceptual, irritabilidade, hiperestesia ps\u00edquica etc.), as quais aumentam a extens\u00e3o do quadro. 2) Os fen\u00f4menos apresentam-se em grau mais alto, de modo que o quadro aumenta -de intensidade: a inibi\u00e7\u00e3o triste trans- forma-se em estupor; a alegria \u00eddeo-fugitiva transforma-se em excita\u00e7\u00e3o man\u00edaca. 3. No curso da doen\u00e7a, h\u00e1bitos casualmente surgidos ou rema- nescentes de estados mais graves enriquecem o quadro com estereotipias, fen\u00f4menos de petrifica\u00e7\u00e3o, de esvaziamento vivencial (caretas, movimen- tos, conte\u00fados logorreicos etc.)."], ["Dentre os in\u00fameros complexos sintom\u00e1ticos que se podem declarar ca- racter\u00edsticos e que recebem, no vocabul\u00e1rio psiqui\u00e1trico, variadas denomi- na\u00e7\u00f5es (\u201cmania querulante\u201d, \u201cdepress\u00e3o resmungona\u201d, \u201cmelancolia lamuri- enta\u201d), destacando-se, por todas estas tr\u00eas maneiras, do quadro \u201cpuro\u201d, um dos mais t\u00edpicos \u00e9 a melancolia, que ainda aqui se pode apresentar como exemplo:"], ["O estado \u00e9 tal que as ideias sobrevaloradas ou obsessivas se tornam deliroides, elaborando-se fantasticamente (os pacientes s\u00e3o culpados de toda a desgra\u00e7a universal; devem ser decapitados pelo diabo etc.) e che- gando a ser consideradas verdadeiras mesmo que o estado seja de lucidez relativa. Subjacentes \u00e0s viv\u00eancias, acrescem-se, sobretudo, sensa\u00e7\u00f5es cor- p\u00f3reas (que n\u00e3o tardam a levar a ideias deliroides hipocondr\u00edacas: os do- entes est\u00e3o cobertos de excrementos at\u00e9 a cabe\u00e7a; a comida lhes cai pelo corpo inteiramente vazio at\u00e9 o fundo etc.) ; mais ainda: presenciam-se os mais altos graus de despersonaliza\u00e7\u00e3o e estranheza perceptiva: j\u00e1 n\u00e3o h\u00e1 mundo algum; os pr\u00f3prios doentes j\u00e1 n\u00e3o existem, mas, tais quais pare- cem, ter\u00e3o de viver eternamente (ideias deliroides niilistas) ; enfim, surge a ansiedade mais intensa, da qual os pacientes buscam al\u00edvio com movi- menta\u00e7\u00e3o incessante, entregando-se a verborreia mon\u00f3tona, que se trans- forma quase em verbigera\u00e7\u00e3o: Ah! meu Deus! ah! que vai ser de mim tudo est\u00e1 acabalo, tudo est\u00e1 acabado.... que \u00e9 que vai acontecer.... Formas ci- n\u00e9ticas, express\u00e3o fision\u00f4mica e logorreia parecem manter-se mesmo com"], ["a diminui\u00e7\u00e3o da ansiedade e da depress\u00e3o, petrificando-se, por assim di- zer, at\u00e9 sobrevirem a cessa\u00e7\u00e3o definitiva da fase e a cura; muitas vezes, ap\u00f3s longo prazo.", "N\u00e3o se trata, absolutamente, de doen\u00e7as afetivas em todas as situa- \u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas que se apresentam como fases. H\u00e1, por exemplo, fases em que ocorrem despersonaliza\u00e7\u00e3o, pensamento obsessivo, inibi\u00e7\u00e3o etc., sem qualquer altera\u00e7\u00e3o afetiva prim\u00e1ria."], ["d) Os complexos sintom\u00e1ticos da vida ps\u00edquica \u201calienada\u201d.", "O que h\u00e1 de comum a estes complexos sintom\u00e1ticos s\u00e3o \u2019os tra\u00e7os da vida ps\u00edquica esquizofr\u00eanica. Profunda transforma\u00e7\u00e3o ocorreu na persona- lidade. O paciente vive em mundo irreal, por\u00e9m multiplamente conexo em si. Tanto num quanto noutro aspecto, 1 realiza-se, por assim dizer, uma \u201caliena\u00e7\u00e3o\u201d, ou \u201cdistor\u00e7\u00e3o\u201d do ponto de vista. A riqueza dos quadros de es- tado \u00e9 ainda maior do que nos dois grupos precedentes. Dentre os tipos mais assinalados, descrevemos, apenas, os complexos sintom\u00e1ticos para- noide e catat\u00f4nico."], ["1. O complexo sintom\u00e1tico paranoide n\u00e3o abrange, em absoluto, todos os tipos de forma\u00e7\u00f5es delirantes. Esta delimita\u00e7\u00e3o superficial da antiga pa- ranoia segundo \u201cju\u00edzos falsos, incorrig\u00edveis\u201d cedeu seu lugar \u00e0 \u00eanfase que se p\u00f5e nas viv\u00eancias subjetivas dos doentes, as quais constituem, a esta altura, a fonte da forma\u00e7\u00e3o* delirante (ideias delirantes aut\u00eanticas), ao passo que, noutros casos, os estados de humor, os desejos, os impulsos d\u00e3o origem a ideias, deliroides mais ou menos compreens\u00edveis (ideias so- brevaloradas). Os grupos vivenciais que coincidem s\u00e3o os seguintes: Por for\u00e7a de eventos in\u00fameros que se passam no ambiente e que excitam a aten\u00e7\u00e3o dos pacientes, despertam-se sentimentos desagrad\u00e1veis, dif\u00edceis para n\u00f3s de compreender. O evento aborrece, incomoda os doentes. \u00c0s ve- zes, \u201ctudo \u00e9 t\u00e3o forte\u201d, as conversas \u201cs\u00e3o demasiado estridentes\u201d; outras vezes, tudo quanto acontece os irrita, mesmo que n\u00e3o se produza ru\u00eddo al- gum. Parece sempre que \u00e9 a eles que se visa. Afinal, tudo se faz plena- mente claro aos pacientes, os quais \u201cobservam\u201d estar-se falando deles, es- tar-se querendo prejudic\u00e1-los. Com formula\u00e7\u00e3o racional, resulta destas vi- v\u00eancias o del\u00edrio de refer\u00eancia, em cuja vig\u00eancia dominam o paciente nu- merosos sentimentos que se definem como expectativa vaga, inquieta\u00e7\u00e3o, desconfian\u00e7a, tens\u00e3o, sentimento de perigo iminente, ang\u00fastia, pressenti- mentos, sem jamais conseguir-se, realmente, atingir um alvo certo. Acres- centam-se, formando j\u00e1 outro grupo, todas as viv\u00eancias de pensamentos", "feitos ou roubados. Os doentes n\u00e3o conseguem mais dominar o curso de suas ideias, at\u00e9 que, por fim, o quadro se completa com toda sorte de ilu- s\u00f5es sensoriais ou falsas- percep\u00e7\u00f5es (s\u00e3o frequentes as vozes, as pseudo- alucina\u00e7\u00f5es \u00f3pticas, as sensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas etc.). Quase sempre apresen- tam-se, simult\u00e2neos, os in\u00fameros tra\u00e7os pr\u00f3prios do complexo sintom\u00e1- tico neurast\u00e9nico. Apesar de tudo, n\u00e3o se desenvolve estado algum de psi- cose aguda propriamente dita. Os pacientes mostram-se sempre orienta- dos, l\u00facidos, acess\u00edveis, muitas vezes at\u00e9 laboriosos. Sempre e intensa- mente ocupados com os conte\u00fados de suas viv\u00eancias, o trabalho intelec- tual que produzem leva a um sistema refletivo e a numerosas ideias deli- rantes explicativas, a que eles pr\u00f3prios, ali\u00e1s, reconhecem, frequente- mente, car\u00e1ter apenas hipot\u00e9tico. Afinal, decorrido muito tempo, s\u00f3 vamos encontrar ainda os conte\u00fados delirantes racionalmente petrificados, sem a viv\u00eancia peculiar. Dois casos servir\u00e3o para ilustrar este complexo sintom\u00e1- tico; uma autodescri\u00e7\u00e3o e um quadro obtido pelo exame do paciente."], ["aa) O negociante Rollfink, condenado por\u2019 fraude, considerando a sen- ten\u00e7a absolutamente injusta, assumiu atitude querulante. Depois de pedir revis\u00e3o do processo, retirou-a, porque \u201cpessoas estranhas se meteram\u201d. Eis de que modo descreveu seu estado mental de ent\u00e3o, estado que se pro- longou com varia\u00e7\u00f5es durante muitos meses: \u201cO fato de haver sofrido in- justi\u00e7a t\u00e3o s\u00e9ria e de, entretanto, acreditar na justi\u00e7a, levou-me a crer, pri- meiramente, que estava chamado a ser alguma coisa especial. . Como, to- davia, n\u00e3o tinha plena confian\u00e7a em minha convic\u00e7\u00e3o, instalou-se em mim. uma d\u00favida torturante, que se associava a sentimentos ansiosos e ideias delirante. Esse estado foi piorando, apresentando-se mais grave \u00e0 tarde e \u00e0 noite, prejudicando de tal modo minha disposi\u00e7\u00e3o que ca\u00eda no ch\u00e3o, muitas vezes, desmaiado, ficando estirado, inconsciente, por muito tempo.... As ideias delirantes n\u00e3o eram raro tocarem o plano religioso, as- sumindo, por exemplo, a seguinte forma: \u00c0s vezes, acreditava ter chegado o fim do mundo. As singularidades mais insignificantes pareciam-me uma esp\u00e9cie de inspira\u00e7\u00e3o, a preparar-me para o fim do mundo. Todo movi- mento r\u00e1pido (por exemplo, ondula\u00e7\u00e3o de uma cortina ao vento) provo- cava-me sentimentos de pavor intenso; a cortina mexendo-se dava-me a impress\u00e3o de uma labareda poderosa, capaz de incendiar o mundo inteiro. \u2014 Doutra vez, julgava-me um m\u00e1rtir popular; parecia-me ter de sofrer cinco mart\u00edrios antes de a morte redimir-me.... Durante certo, tempo, ima- ginava que o padre cat\u00f3lico que me visitava em sua qualidade de sacerdote da pris\u00e3o, armara toda a situa\u00e7\u00e3o contra mim, a fim de poder influenciar- me, embora ele mesmo n\u00e3o deixasse de interessar-se no assunto, pois ti- nha em vista grandes reformas religiosas; a coisa precisava, no entanto,"], ["fazer-se de tal modo que eu, seu disc\u00edpulo, teria de morrer da mesma morte que o mestre. S\u00f3 se eu aderisse de plena vontade \u00e9 que se consegui- ria \u00eaxito. \u2014 Doutra vez ainda, julgava estar reservado \u00e0 mesma sorte que Andre Hofer.... De uma feita, quis dar um tiro num gato cinzento que mi- ara o dia inteiro, emitindo os sons mais lamurientos, por estar possu\u00eddo do dem\u00f4nio.... De outra feita, dirigia uma peti\u00e7\u00e3o ao Reichstag, solicitando um apan\u00e1gio de um milh\u00e3o.... Nessas ocasi\u00f5es, falava tal qual um homem sensato; e a v\u00e1rios momentos isso mesmo \u00e9 que eu era..."], ["bb) O paciente Kroll, casado e pai de v\u00e1rios filhos, foi-se modificando"], ["lentamente, durante anos. Come\u00e7ou com queixas neurast\u00e9nicas; peso na cabe\u00e7a, ins\u00f4nia e anorexia. Quando se levantava, vinham-lhe tonteiras. Tremiam-lhe as pernas, sentia pux\u00f5es da testa \u00e0 nuca. A fronte parecia- lhe vazia, como se nela nada existisse, ou como se tivesse hidrocefalia. De manh\u00e3, sente-se obtuso. S\u00e3o frequentes as tonteiras, a ponto de precisar segurar-se. Os pensamentos lhe escapam, esfria-lhe a cabe\u00e7a, os olhos fi- cam parados, precisa deter-se, a mem\u00f3ria lhe foge. Enfim, est\u00e1 inteira- mente prejudicada sua capacidade de pensar. Tudo parece haver-se dis- solvido, s\u00f3 lhe resta uma centelha de pensamento, sente-se muito inse- guro.... A isso acresceu-se um ci\u00fame sem base, chegando o paciente a ar- rolar testemunhas contra um presumido amante de sua mulher. A seguir, pretende que querem envenen\u00e1-lo; que vai ser encarcerado, que querem despoj\u00e1-lo de seus bens; a pol\u00edcia persegue-o de todos os lados. Pressente que horr\u00edvel mis\u00e9ria o amea\u00e7a a ele e toda a fam\u00edlia; e toma a decis\u00e3o, que n\u00e3o leva a cabo, no entanto, de matar todos os seus. A seu ver, tudo se re- laciona com o fato de haver verdadeira persegui\u00e7\u00e3o contra si; sente que contra si o mundo inteiro est\u00e1 conjurado; v\u00ea em todas as pessoas, instinti- vamente, um inimigo, um patife, um traidor. Os oper\u00e1rios fizeram a seu respeito observa\u00e7\u00f5es amb\u00edguas e escarninhas, tudo \u00e0 capucha, mas perce- beu claramente que \u00e9 a ele que se referem. De noite, ouviu baterem \u00e0 porta, um barulho no s\u00f3t\u00e3o; ouviu vozes, levantou-se, andou pela casa com uma vela, mas n\u00e3o encontrou ningu\u00e9m."], ["Da\u00ed a algum tempo, o doente acalmou-se, voltou \u00e0s suas ocupa\u00e7\u00f5es re- gulares, mas n\u00e3o tardou a recair, ouvindo vozes, ficando acordado noites inteiras, sentindo-se sempre vigiado, atormentado por sua vida interior: \u201cO corpo repousa, meus pensamentos trabalham. Fico fantasiando de olhos abertos. At\u00e9 dormindo ou\u00e7o tudo quanto se fala.,? \u00bbUm dia, fomos teste- munhas da seguinte viv\u00eancia, que pouco representa por si, mas \u00e9 psicolo- gicamente caracter\u00edstica: O paciente v\u00ea em cima da mesa da cozinha uma pe\u00e7a de roupa-de-cama; em cima do arm\u00e1rio, uma vela de estearina e um"], ["peda\u00e7o de sab\u00e3o. Fica apavorad\u00edssimo, angustiad\u00edssimo, convencido de que isso diz respeito \u00e0 si. De que modo chega a esta conclus\u00e3o n\u00e3o sabe dizer, mais parece-lhe claro que tem de referir-se \u00e0 sua pessoa. Isto ele conta-me espontaneamente, mostrando a maior inquieta\u00e7\u00e3o. Quase pula at\u00e9 o teto, de t\u00e3o assustado. O que \u00e9 que isso significa, o que \u00e9 que o paci- ente faz, n\u00e3o sabe ele pr\u00f3prio. \u201cQue se refere a mim sei perfeitamente\u201d. (Por que?). \u201cN\u00e3o sei...\u201d (Que \u00e9 que significa?)\u201d Tamb\u00e9m n\u00e3o sei...\u201d Acha, no entanto, a seguir, que talvez esteja enganado. \u201cAt\u00e9 eu mesmo j\u00e1 me ri de ter acreditado nisso. Mas, no momento, fico inteiramente fora de mim\u201d."], ["Acontece, por vezes, que a paranoia n\u00e3o puxe aquele que a experi- menta em todas as dire\u00e7\u00f5es, por assim dizer, como se d\u00e1 no \u00faltimo caso; mas que uma pessoa, uma coisa, um objetivo se situe no centro do del\u00edrio; em outras palavras, que o conte\u00fado se sistematize e tamb\u00e9m se esgote com o sistema. Todavia, a centraliza\u00e7\u00e3o num ponto n\u00e3o \u00e9 caracter\u00edstica destes complexos sintom\u00e1ticos paranoides aut\u00eanticos, mas, sim, das ideias sobrevaloradas e deliroides."], ["2. O complexo sintom\u00e1tico catat\u00f4nico. Este complexo caracteriza-se, ex- ternamente, ou pelo estupor, ou pela excita\u00e7\u00e3o motora, sem afetos conco- mitantes n\u00edtidos. Os caracteres externos apresentam-se em polaridades de movimento e imobilidade; ou verbi- gera\u00e7\u00f5es, estereotipias e maneirismos, ou posi\u00e7\u00f5es esquisitas fixas (rigidez em focinho etc.); mais ainda: apresen- tam-se na oposi\u00e7\u00e3o de resist\u00eancia desinibida e desinibida obedi\u00eancia; ou negativismo em todas as dire\u00e7\u00f5es, ou automatismo aos comandos. Inter- calam-se atos ou descargas motoras impulsivos, repentinos; os doentes tamb\u00e9m chamam a aten\u00e7\u00e3o pelo desasseio, pelo fato de untarem-se com excrementos, babarem, reterem energicamente fezes e urina, cuspirem, lamberem, baterem, morderem, arranharem. A se compreenderem estes sintomas externos por forma meramente objetiva, sem vis\u00e3o psicol\u00f3gica, configuram-se os mesmos como resultado derradeiro e o mais externo de eventos ps\u00edquicos variados: atitudes amaneiradas, repeti\u00e7\u00f5es de palavras, movimentos estereotipados, caretas etc.: tudo isto \u00e9 t\u00e3o frequente em psi- coses quanto ao mais inteiramente diversas que s\u00f3 se podem conceber os sintomas descritos como conglomerado de sinais objetivos, mas n\u00e3o carac- ter\u00edsticos. dizer palavra, sem dar por si sinal algum, compreens\u00edvel de eventos ps\u00ed- quicos, nenhuma rea\u00e7\u00e3o apresentam a qualquer tentativa de comunicar- nos com eles. Mant\u00eam-se horas num canto, agacham-se sob as cobertas, ficam deitados semanas inteiras, sem mudar de posi\u00e7\u00e3o na cama; noutros", "casos, mant\u00eam-se eretos por forma notavelmente natural, mexendo os de- dos sobre a coberta, ou brincando com elas. \u2014 Incluem-se, indubitavel- mente, entre estes caracteres do estupor certos estados que s\u00e3o, em es- s\u00eancia, diversos; por' exemplo: 1) a inibi\u00e7\u00e3o perplexa, o espanto perplexo de algumas psicoses cur\u00e1veis; 2) a inibi\u00e7\u00e3o depressiva, a simples parada de todas as fun\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas e mesmo da apreens\u00e3o, nos estados graves de depress\u00e3o estuporosa; 3) o estupor catat\u00f4nico, que se apresenta em forma ora de estupor relaxado, ora de estupor tenso (rigidez muscular)."], ["Se se quiser compreender, psicologicamente, o complexo sintom\u00e1tico catat\u00f4nico entre os casos que se consideram, sem mais, \u201ccl\u00e1ssicos\u201d, far-se- \u00e3o as observa\u00e7\u00f5es mais not\u00e1veis, mas nunca se chegar\u00e1, decerto, a resul- tado un\u00edvoco. Estes estados ps\u00edquicos s\u00e3o t\u00e3o misteriosos para o psiquia- tra quanto para o leigo, porque, de modo geral, n\u00e3o sabemos o que \u00e9 que sentem os pacientes; quase n\u00e3o possu\u00edmos autodescri\u00e7\u00e3o alguma. Se al- guns doentes se julgam a si mesmos \u2014 s\u00f3 no in\u00edcio \u2014 \u00e9 exprimindo-se com palavras que recordam conex\u00f5es compreens\u00edveis de nossa exist\u00eancia, mas que s\u00f3 se podem interpretar, muito provavelmente, como analogias: \u201cEstou t\u00e3o passivo\u201d; \u201cN\u00e3o posso dar de mim aquilo que gostaria\u201d; \u201cEstou com tanto sono\u201d; etc. Se tentarmos descrever o estado que observamos, s\u00f3 poderemos dar ideia aproximativa daquilo que nos impressiona, visto nos faltarem conhecimentos reais."], ["Se bem que neles exista cr\u00edtica excelente e se bem que nem ideias deli- rantes, nem alucina\u00e7\u00f5es tenham de desempenhar papel no complexo sin- tom\u00e1tico puro, estes pacientes n\u00e3o mostram compreens\u00e3o alguma da do- en\u00e7a. Os dist\u00farbios objetivos, o negativismo, o estupor, ou a excita\u00e7\u00e3o mo- tora podem alcan\u00e7ar grau elevado sem que eles pare\u00e7am, em geral, dar conta disso. Certo \u00e9 que, de modo- geral, sentem altera\u00e7\u00e3o; que se sentem, de modo geral, enfermos, formando, por\u00e9m, ideia absolutamente outra dos v\u00e1rios eventos; por exemplo: \u201cProcuro a culpa em mim\u201d; \u201cN\u00e3o posso acre- ditar em nenhuma doen\u00e7a\u201d. S\u00e3o observa\u00e7\u00f5es que se fazem quando se ini- cia este complexo sintom\u00e1tico."], ["Existe, no caso, tal qual nos est\u00e1dios ulteriores, dist\u00farbio da atividade. A apreens\u00e3o, orienta\u00e7\u00e3o, mem\u00f3ria est\u00e3o plenamente intactos; mas dist\u00far- bios an\u00e1logos se mostram quando n\u00e3o se realiza mero evento ps\u00edquico e, sim, normalmente, se vivencia um elemento de atividade, no pensamento, na constru\u00e7\u00e3o regular das ideias, na fala, na motilidade, na escrita; dis- t\u00farbios que consistem em verbigera\u00e7\u00e3o na fala, rabisca\u00e7\u00e3o na escrita, ati- tudes passivas, interrup\u00e7\u00e3o repentina dos movimentos, rigidez, interrup-"], ["\u00e7\u00e3o da fala no meio das frases, prosseguimento do discurso quando o in- terlocutor se afasta etc. N\u00e3o se pode tratar, aqui, em absoluto, de meros dist\u00farbios motores que o paciente encare, por mais complicados que se- jam, como alguma coisa estranha, apenas som\u00e1tica. O dist\u00farbio tem de estar situado muito mais alto no psiquismo, n\u00e3o se comparando, de modo algum, com os outros transtornos apr\u00e1xicos e af\u00e1sicos. N\u00e3o se podem va- lorar como \u201ccompreens\u00e3o do estado\u201d, dado que ocorrem, por forma inteira- mente irregular e rara, certas manifesta\u00e7\u00f5es ocasionais dos pacientes; por exemplo: \u201cN\u00e3o posso...\u201d. Outra coisa elas n\u00e3o fazem, do que tomar ainda mais misterioso o quadro de estado,"], ["Se confrontarmos a atividade na qual se representa, por assim dizer, a personalidade atual com a personalidade permanente (no sentido de moti- vos constantes ou est\u00edmulos impulsivos etc.), poder-se-\u00e1 dizer que n\u00e3o \u00e9 a personalidade permanente (o car\u00e1ter) que o complexo sintom\u00e1tico catat\u00f4- nico afeta, e sim, apenas, a personalidade atual (se bem que a personali- dade permanente seja afetada pela doen\u00e7a, que tamb\u00e9m cria o complexo). Tem-se, \u00e0s vezes, a impress\u00e3o de que o car\u00e1ter desaparece, simplesmente, sem ser substitu\u00eddo, no entanto, por um car\u00e1ter alterado; e sim por aquele evento mec\u00e2nico, meramente moment\u00e2neo, que justamente comp\u00f5e o complexo sintom\u00e1tico catat\u00f4nico. Com base nesta rela\u00e7\u00e3o, podemos, en- t\u00e3o, entender a falha de compreens\u00e3o do estado (a personalidade que po- deria ter a compreens\u00e3o desapareceu). H\u00e1 vezes em que os estados se apresentam tais que o paciente \u00e9, por assim dizer, sob o aspecto ps\u00edquico, uma m\u00e1quina fotogr\u00e1fica morta: v\u00ea tudo, ouve tudo, apreende, ret\u00e9m, mas n\u00e3o \u00e9 capaz de rea\u00e7\u00e3o alguma, de assumir atitude afetiva alguma, de pra- ticar ato algum. Est\u00e1 paralisado, a bem dizer, apesar de plenamente cons- ciente. Por vezes, diz: \u201cN\u00e3o penso em nada\u201d; \u201cN\u00e3o tenho pensamento al- gum\u201d; \u201cEstou t\u00e3o sem ideias!\u201d. Nem por isso, entretanto, se tomaram im- poss\u00edveis todos os processos ps\u00edquicos. S\u00e3o cotidianas as observa\u00e7\u00f5es do tipo de que se segue:"], ["A Srta. O. mant\u00e9m-se sentada na cama, inteiramente quieta, sem cha-", "mar a aten\u00e7\u00e3o, brincando com um pedacinho de pano; de quando em quando, d\u00e1 uma olhadela de vi\u00e9s para o lado em que est\u00e1 o m\u00e9dico. Quando lhe falam, chegar a olhar de lado para quem a interpela, res- pira uma vez profundamente, o rosto enrubesce-lhe de leve; n\u00e3o responde, po- r\u00e9m, nem sequer move os l\u00e1bios. Este quadro dura semanas. Se se lhe mostrar e 1er urna carta que a m\u00e3e escreveu ao m\u00e9dico, d\u00e1 impress\u00e3o clara de que se interessa pelo conte\u00fado da mesma; presta aten\u00e7\u00e3o, eviden- temente, mas n\u00e3o diz coisa alguma; nem responde, quando lhe perguntam", "se, atendendo ao desejo materno, n\u00e3o quer escrever. Ao mesmo tempo, correm-lhe l\u00e1grimas pelas faces; enxuga-as com o len\u00e7o de maneira natu- ral. Da\u00ed a cinco minutos, o quadro anterior se reproduziu: a Srta. O. brinca com o peda\u00e7o de pano, olhando de quando em quando \u00e0 sua volta, inexpressivamente."], ["Nem sequer semelhante estupor reage, em absoluto, quando os pais", "v\u00eam visit\u00e1-la. Mas depois que as visitas saem, v\u00ea-se a paciente solu\u00e7ar amargamente. Correspondendo a estas observa\u00e7\u00f5es (movimentos expressi- vos, enrubescimento, respira\u00e7\u00e3o profunda etc.), nota-se, quando se mede a press\u00e3o arterial ou se registram outros fen\u00f4menos som\u00e1ticos concomi- tantes, que, al\u00e9m de certos casos simplesmente vazios de qualquer rea\u00e7\u00e3o, outros existem em que s\u00e3o d\u00e3o oscila\u00e7\u00f5es intensas \u2014 por exemplo, da press\u00e3o arterial \u2014 \u00e0 produ\u00e7\u00e3o de quaisquer est\u00edmulos ps\u00edquicos."], ["Os complexos sintom\u00e1ticos catat\u00f4nicos apresentam-se com intensi- dade extremamente diversa. Em graus leves, por exemplo, os pacientes nada terminam, ficam deitados na cama, penteiam infindavelmente os ca- belos, fixam-se mecanicamente na atividade que hajam iniciado, olham sem express\u00e3o para o canto etc. Nem sempre \u00e9 f\u00e1cil distinguir estes sinais das manifesta\u00e7\u00f5es absolutamente semelhantes e muito mais frequentes que se notam nos neur\u00f3ticos e nos depressivos, de um lado; de outro, nos portadores de doen\u00e7a cerebral org\u00e2nica. Talvez se possa encontrar dife- ren\u00e7a, em rela\u00e7\u00e3o aos depressivos, no fato de faltar, a princ\u00edpio, a inibi\u00e7\u00e3o' geral, quando se trata do complexo sintom\u00e1tico catat\u00f4nico. Nos graus mais acentuados d\u00f3 estado, ocorrem, vez por outra, produtos \u00eddeo-fugiti- vos t\u00edpicos, logo surgindo, novamente, outros de todo incoerentes, em que n\u00e3o se percebe, de modo geral, elo associativo algum. Nos graus extremos, notam-se os quadros da excita\u00e7\u00e3o, totalmente irracional, da outrora cha- mada \u201cloucura furiosa\u201d; ou se presenciam estupores absolutamente r\u00edgi- dos e inacess\u00edveis."], ["A autodescri\u00e7\u00e3o que se segue mostra a maneira por que pode apresen-"], ["tar-se a viv\u00eancia subjetiva num tipo de excita\u00e7\u00e3o catat\u00f4nica:", "\u201cMeu estado de \u00e2nimo, durante a excita\u00e7\u00e3o, n\u00e3o era de f\u00faria; nem dis- posi\u00e7\u00e3o especial alguma afinal, que n\u00e3o fosse a de uma alegria motora pu- ramente animal; n\u00e3o era a excita\u00e7\u00e3o maligna, como, por exemplo, a de as- sassinar; muito longe disto! Era uma coisa de todo inocente. O impulso, entretanto, parecia uma compuls\u00e3o, uma obsess\u00e3o, t\u00e3o forte que mal po- dia conter a vontade de pular. S\u00f3 posso comparar a situa\u00e7\u00e3o com a de um cavalo selvagem.... No que diz respeito \u00e0 mem\u00f3ria, durante os estados de"], ["excita\u00e7\u00e3o, \u00e9 boa, em geral, n\u00e3o. chegando, por\u00e9m, na maior parte das ve- zes, ao ponto em que se come\u00e7ou. Desperta-se, a bem dizer, a fatores ex- ternos, como a frialdade do soalho, que faz voltar \u00e0 situa\u00e7\u00e3o real. Ent\u00e3o, a gente orienta-se; tudo v\u00ea, sem prestar, no entanto, aten\u00e7\u00e3o; pelo contr\u00e1rio, continua-se a dar curso \u00e0 excita\u00e7\u00e3o. Principalmente, n\u00e3o se d\u00e1 aten\u00e7\u00e3o, absolutamente, \u00e0s pessoas, apesar de v\u00ea-las e ouvi-las. Mas presta-se aten\u00e7\u00e3o, certamente, para n\u00e3o cair\u2014 Se nos fazem parar, se nos levam para a cama, ficamos muito espantados com o que est\u00e1 acontecendo de repente; magoam-nos, defendem-nos. O equivalente motor j\u00e1 n\u00e3o- se des- carrega, ent\u00e3o, em pulos, mas em arremessos, n\u00e3o significando, por\u00e9m, de modo algum, irrita\u00e7\u00e3o.... N\u00e3o existe constru\u00e7\u00e3o mental.... Por vezes, nal- guns instantes ordeiros, tem-se consci\u00eancia direta disso. Mas nem sem- pre! Embora se note que j\u00e1 n\u00e3o se sabe construir mais, frase alguma.... Tenho impress\u00e3o de que, \u00e0quele tempo, havia total decomposi\u00e7\u00e3o.... Ape- sar de tudo, n\u00e3o sentia perplexidade, nem insufici\u00eancia; n\u00e3o via desordem em mim; fora \u00e9 que o caos surgira, a\u00ed \u00e9 que estava.... Nunca senti ang\u00fas- tia. \u00c0 hora do banho, ainda me lembro dos numerosos movimentos de gi- n\u00e1stica, dos saltos mortais.... Tamb\u00e9m me lembro de haver tido muitas conversas longas, \u00e0 tarde; sobre o que, todavia, n\u00e3o me lembro mais. To- das as particularidades me escapam inteiramente.... ideias confusas: tudo quanto \u00e9 pensamento t\u00e3o empalidecido, t\u00e3o vago, sem nenhuma preci- s\u00e3o.... Sobre os estados de rigidez: \u201cN\u00e3o era por si mesmos que os m\u00fascu- los enrijeciam; eu \u00e9 que os distendia com todas as for\u00e7as que tinha\u201d (Kron- feld)."], ["\u00a7 4. A Classifica\u00e7\u00e3o Das Doen\u00e7as (Esquema Diagn\u00f3stico).", "Embora conhe\u00e7amos, no particular, certos fen\u00f4menos, rela\u00e7\u00f5es- cau- sais e conex\u00f5es significativas etc., apresentam-se-nos configura\u00e7\u00f5es das totalidades m\u00f3rbidas formando \u2014 pode-se dizer \u2014 um tecido infinito, inextrinc\u00e1vel. N\u00e3o deparamos com as configura\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas como se fos- sem plantas que classifiquemos num erv\u00e1rio. Pelo contr\u00e1rio, o que \u00e9 uma \u201cplanta\u201d \u2014 uma doen\u00e7a \u2014 mostra-se, a rigor, muito incerto.", "Quando se pergunta: Que \u00e9 que diagnosticamos? a pr\u00e1tica tem respon- dido, no correr do tempo, pela denomina\u00e7\u00e3o de sintomas particulares, pe- las conex\u00f5es individuais, pelos complexos sintom\u00e1ticos, rela\u00e7\u00e3o causais etc., at\u00e9 que a ideia de unidade nosol\u00f3gica veio a dar ao diagn\u00f3stico seu sentido significativo pr\u00f3prio e, tamb\u00e9m, irrealiz\u00e1vel. O diagn\u00f3stico deve"], ["atingir um evento m\u00f3rbido \u00fanico, incluindo todos os aspectos, evento que haja acometido certo indiv\u00edduo e que valha por si, sempre preciso, ao lado de outras unidades determinadas."], ["Quando projetamos um esquema total das psicoses (o esquema diag-", "n\u00f3stico), estamos querendo coordenar todos os pontos de vista que discu- timos como sendo particulares; todavia, mesmo assim esquematizando, notamos que n\u00e3o funciona; que classificamos tempor\u00e1ria e arbitraria- mente; que existem possibilidades diversas, as quais levam alguns pesqui- sadores a formular esquemas diferentes; que a classifica\u00e7\u00e3o sempre se afi- gura inconsistente, sob o aspecto quer l\u00f3gico, quer fatual."], ["Por que, ent\u00e3o, se est\u00e1 sempre fazendo e refazendo esta tentativa? Em primeiro lugar, porque queremos ver, para fins cognoscitivos, o que \u00e9 que alcan\u00e7amos com a ideia de unidade nosol\u00f3gica, no tocante \u00e0 vis\u00e3o total das doen\u00e7as ps\u00edquicas em causa: ainda que n\u00e3o tenhamos \u00eaxito, pelas discrep\u00e2ncias sempre radicais, ficamos conscientes do estado de nosso co- nhecimento. Em segundo lugar, toda apresenta\u00e7\u00e3o feita pela psiquiatria especial precisa fundar-se numa classifica\u00e7\u00e3o das psicoses, sem o qual es- quema n\u00e3o lhe \u00e9 poss\u00edvel dispor seu material. Em terceiro, porque um es- quema \u00e9 necess\u00e1rio, como meio de apreender, estatisticamente, grande n\u00famero de doentes."], ["a) Requisitos para o esquema diagn\u00f3stico.", "O esquema ideal tem de preencher os seguintes requisitos: H\u00e1 de ser tal que cada caso s\u00f3 se possa classificar num lugar; que cada caso encon- tre um lugar; que a classifica\u00e7\u00e3o seja objetivamente compulsiva, de modo que observadores diferentes concluam pela mesma classifica\u00e7\u00e3o dos ca- sos."], ["Semelhante esquema s\u00f3 seria poss\u00edvel se todo adoecimento da psique", "se pudesse dividir segundo esp\u00e9cies que se exclu\u00edssem, reciprocamente, no caso particular; que subsistissem, de acordo com sua ess\u00eancia, ao lado umas das outras; e realizassem a ideia de unidade nosol\u00f3gica. Porque este n\u00e3o \u00e9 o caso, t\u00eam-se de formular =os requisitos, tendo em vista aquele ideal, da seguinte maneira:", "As grandes linhas b\u00e1sicas, as simples linhas b\u00e1sicas h\u00e3o de apresen-"], ["tar-se decisivamente.", "A subdivis\u00e3o tem de ocorrer na medida da essencialidade para a con-", "ceitua\u00e7\u00e3o total.", "Aquilo que, cont\u00edguo, se afigura homog\u00eaneo precisa colocar-se no mesmo plano, conforme o significado que tiver (significado do fato, dos conceitos, da pesquisa met\u00f3dica). O que for heterog\u00eaneo ver-se-\u00e1 em opo- si\u00e7\u00e3o clara.", "N\u00e3o se pode encobrir coisa alguma que se ignore. O que for contradit\u00f3-", "rio h\u00e1 de destacar-se. Antes a decis\u00e3o e, da\u00ed, o est\u00edmulo do descontenta- mento do que a aquieta\u00e7\u00e3o num pseudo-saber da aproximatividade e da classifica\u00e7\u00e3o meramente l\u00f3gica."], ["Assim, pois, quando formulamos certo esquema diagn\u00f3stico, s\u00f3 pode- mos proceder renunciando a alguma coisa, de in\u00edcio. Em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 ideia de unidade nosol\u00f3gica, temos sempre de preferir um dos pontos de vista (causa, estrutura psicol\u00f3gica, achado anat\u00f4mico, curso e \u00eaxito); e temos, em oposi\u00e7\u00e3o aos fatos, de estabelecer limites onde n\u00e3o os h\u00e1; donde ser sempre provis\u00f3rio o valor ordenativo de semelhante classifica\u00e7\u00e3o. Esta \u00e9 uma fic\u00e7\u00e3o que preenche sua fun\u00e7\u00e3o, uma vez que, ao tempo, seja relati- vamente a mais correta. N\u00e3o existe sistema \u201cnatural\u201d em que se possam classificar todos os casos. At\u00e9 o mais experimentado dos psiquiatras est\u00e1 sempre deparando com in\u00fameras situa\u00e7\u00f5es que n\u00e3o conhece e que, de in\u00ed- cio, n\u00e3o pode classificar, seja qual for o esquema diagn\u00f3stico em que se baseie (foi o que reconheceram, por exemplo, Gaupp e Wernicke)."], ["b) Linhas de esquema diagn\u00f3stico.", "Se bem que haja muitos esquemas diagn\u00f3sticos, as varia\u00e7\u00f5es entre os mais recentes parecem reduzir-se. Certas concep\u00e7\u00f5es fundamentais se im- p\u00f5em com base em conhecimento mais real e talvez pelo efeito concomi- tante da tend\u00eancia moderna para as normaliza\u00e7\u00f5es convencionais. Tenta- rei resumir no seguinte esquema as ideias b\u00e1sicas atuais:", "Grupo I: As doen\u00e7as som\u00e1ticas conhecidas com dist\u00farbios ps\u00edquicos", "1. Doen\u00e7as cerebrais:", "Ferimentos cerebrais. \u2022 Tumores cerebrais. \u2022 \u2022", "Infec\u00e7\u00f5es agudas: meningite, encefalite let\u00e1rgica. Infec\u00e7\u00f5es cr\u00f4nicas: paralisia geral, lues cerebral. Escleroso m\u00falti- pla (?).", "Angiopatias: arteriosclerose, embolia, hemorragias cerebrais. \u2022 Atrofias sist\u00eamicas heredit\u00e1rias: coreia de Huntington, doen\u00e7a de Pick, doen\u00e7a de Parkinson.", "Destrui\u00e7\u00f5es org\u00e2nicas relacionadas com a idade: debilidade men- tal cong\u00eanita ou adquirida em consequ\u00eancia de processos cere- brais \u2014 Debilidade mental de tipo cong\u00eanito como defeito cere- bral. Da\u00ed originam-se transi\u00e7\u00f5es para varia\u00e7\u00f5es anormais da constitui\u00e7\u00e3o (Grupo III).", "Forma\u00e7\u00f5es regressivas da idade (involu\u00e7\u00e3o): dem\u00eancia senil, do- en\u00e7a de Alzheimer. Da\u00ed originam-se transi\u00e7\u00f5es para o envelheci- mento anormal, sem processo m\u00f3rbido espec\u00edfico.", "2. Doen\u00e7as som\u00e1ticas com psicoses sintom\u00e1ticas\u2019.", "Doen\u00e7as infecciosas. Doen\u00e7as end\u00f3crinas (por exemplo, tireog\u00ea- nicas: cretinismo, mixedema, Basedow). Uremia, eclampsia etc.", "3. Intoxica\u00e7\u00f5es:", "\u00c1lcool (estados de embriaguez, alcoolismo cr\u00f4nico, delirium tre- mens); morfina, -coca\u00edna etc. \u00f3xido de carbono etc.", "Grupo II: Os tr\u00eas c\u00edrculos das grandes psicoses"], ["1. Epilepsia verdadeira.", "2. Esquizofrenia (tipos: hebefrenia, catatonia, formas paranoides).", "3. Doen\u00e7as man\u00edaco-depressivas."], ["Grupo III: As psicopatias", "1. Rea\u00e7\u00f5es anormais aut\u00f4nomas, que n\u00e3o se baseiam em doen\u00e7as dos"], ["Grupos I e II.", "2. As neuroses e s\u00edndromes neur\u00f3ticas.", "3. Personalidades anormais e seus desenvolvimentos."], ["c) Explica\u00e7\u00f5es sobre o esquema.", "1. Caracteriza\u00e7\u00e3o dos tr\u00eas grupos:", "aa) As doen\u00e7as do Grupo I s\u00e3o processos som\u00e1ticos conhecidos, nelas", "se satisfazendo o impulso \u00e0 descoberta de \u201cunidades nosol\u00f3gicas reais\u201d. Mas a ideia kahlbaum-kraepeliniana de unidade nosol\u00f3gica coincide, aqui, com processos cerebrais e unidades som\u00e1ticas. Posta de lado a ideia, j\u00e1 se apreende o processo biol\u00f3gico- unit\u00e1rio de causa determinada como uni- dade nosol\u00f3gica satisfat\u00f3ria."], ["bb) O segundo grupo abrange as doen\u00e7as mentais e afetivas que conti-", "nuam a ser o grande problema capital da psiquiatria. Nelas se inclui a", "grande maioria dos pacientes internados em manic\u00f4mios. Provisoria- mente, colocam-se em tr\u00eas c\u00edrculos: as doen\u00e7as convulsivas que n\u00e3o per- tencem a processos som\u00e1ticos conhecidos (epilepsia), as aliena\u00e7\u00f5es (esqui- zofrenia) e as mol\u00e9stias afetivas (dist\u00farbios man\u00edaco-depressivos).", "O que h\u00e1 de comum a estes tr\u00eas grupos \u00e9, primeiramente: que da res-"], ["pectiva compreens\u00e3o se originou a ideia de unidade m\u00f3rbida. Estas mol\u00e9s- tias mostram-se ao simples olhar que apreenda o todo do evento ps\u00edquico- biol\u00f3gico. Se nos restringirmos a um fen\u00f4meno, quer de natureza som\u00e1- tica, quer de natureza psicol\u00f3gica, privamo-nos da vis\u00e3o desse todo pecu- liar que, no caso, ocorre; da\u00ed a explora\u00e7\u00e3o destes c\u00edrculos haver-se aproxi- mado mais da ideia de unidade nosol\u00f3gica, em vez de coincidir, como acontece no primeiro grupo. com um evento som\u00e1tico tang\u00edvel. Que a pa- ralisia geral haja servido de modelo de unidade nosol\u00f3gica resultou de ha- ver-se apreendido mal a ideia."], ["Comum aos tr\u00eas grupos \u00e9 ainda, em segundo lugar, o fato de os casos que neles se incluem n\u00e3o poderem situar-se entre as doen\u00e7as do primeiro grupo, nem entre os tipos do Grupo III. \u00ca de admitir-se, contudo, que mui- tas destas psicoses tenham fundamento som\u00e1tico, o qual h\u00e1 de vir a reco- nhecer-se; donde ser\u00e1 necess\u00e1rio transferir algumas doen\u00e7as deste grupo para o primeiro. Aproximam-se, especialmente, de doen\u00e7as org\u00e2nicas cer- tos casos do c\u00edrculo epil\u00e9ptico e tamb\u00e9m alguns da \u00e1rea esquizofr\u00eanica, cujo car\u00e1ter de doen\u00e7a som\u00e1tica e cerebral muitos psiquiatras quase n\u00e3o p\u00f5em em d\u00favida; os casos mais distantes, s\u00f3 se aproximando de maneira question\u00e1vel, quando muito, s\u00e3o as psicoses man\u00edaco-depressivas, as quais tamb\u00e9m s\u00e3o, decerto, de um modo ou outro, som\u00e1ticas, mas care- cem, at\u00e9 o momento, de quaisquer achados anat\u00f4micos cerebrais (fre- quentes na esquizofrenia, embora pouco caracter\u00edsticos e n\u00e3o gerais), de- vendo constituir evento muito menos radical do que a esquizofrenia."], ["Pode-se indagar se basta a classifica\u00e7\u00e3o de todas as doen\u00e7as ps\u00edquicas", "em doen\u00e7as som\u00e1ticas, org\u00e2nicas, de um lado, e varia\u00e7\u00f5es do existir hu- mano, de outro lado; caso em que todas as doen\u00e7as do grupo II, intermedi- \u00e1rio, ou se incluir\u00e3o no primeiro grupo (e, ent\u00e3o, provavelmente, em sua maior parte), ou ficar\u00e3o abrangidas pelo grupo III, constituindo varia\u00e7\u00f5es particularmente graves; ou pode-se indagar se o segundo grupo, interme- di\u00e1rio, n\u00e3o representa um corpo de fatos pr\u00f3prio, real. Nesse caso, n\u00e3o se- ria uma causa m\u00f3rbida oculta, ainda ignorada, de tipo som\u00e1tico (cerebral ou extra cerebral) que determinaria este grupo nosol\u00f3gico; e sim alguma especificidade que s\u00f3 ocorre no homem e que ter\u00e1 de reconhecer-se, a seu modo, de forma ainda muito mais n\u00edtida do que \u00e9 poss\u00edvel, em nossos"], ["dias. Na esquizofrenia, em particular, \u00e9 inevit\u00e1vel esta indaga\u00e7\u00e3o funda- mental. A favor de seu car\u00e1ter som\u00e1tico-org\u00e2nico falam: os achados som\u00e1- ticos; os estados som\u00e1ticos m\u00f3rbidos evidentemente graves, que se apre- sentam em certas cat\u00e1strofes metab\u00f3licas e epis\u00f3dios febris; a grande afi- nidade de muitos sintomas da embriaguez pela mescalina com os sinto- mas de estados esquizofr\u00eanicos agudos; o preconceito de que todas as mo- l\u00e9stias sejam, em \u00faltima inst\u00e2ncia, som\u00e1ticas. Falam em contr\u00e1rio: a dife- ren\u00e7a psicopatol\u00f3gica radical, por exemplo, entre a paralisia geral e a es- quizofrenia, ou entre a destrui\u00e7\u00e3o grosseira org\u00e2nica e a \u201caliena\u00e7\u00e3o\u201d; a ces- sa\u00e7\u00e3o das manifesta\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas nos processos prolongados; a falta de manifesta\u00e7\u00f5es org\u00e2nicas em muitos casos; a escassa probabilidade de a paranoia, por exemplo, basear-se no mesmo princ\u00edpio que as doen\u00e7as ca- tat\u00f4nicas com epis\u00f3dios febris agudos."], ["O n\u00facleo dos tr\u00eas c\u00edrculos talvez seja alguma coisa de \u00fanico dentro da patologia total. Trata-se de v\u00e1rias modalidades pelas quais se configura o evento org\u00e2nico total; trata-se de processos que s\u00e3o, ao mesmo tempo, so- m\u00e1ticos e ps\u00edquicos, sem predomin\u00e2ncia nem de um lado, nem de outro. N\u00e3o se encontra localiza\u00e7\u00e3o anat\u00f4mica; nem causa som\u00e1tica, nem causa ps\u00edquica. Os fen\u00f4menos s\u00e3o, em sua totalidade, relacionados uns com os outros e combinados de maneira infinitamente variada. O que mais apai- xona e mais penetrantemente se investiga. do ponto de vista psicol\u00f3gico, \u00e9 o c\u00edrculo esquizofr\u00eanico: n\u00e3o existe processo destrutivo org\u00e2nico grosseiro; o mecanismo de relojoaria n\u00e3o est\u00e1 rebentado, como se d\u00e1 na paralisia ge- ral, mas, sim, transtornado de maneira estranha e assustadora, sem dei- xar, no entanto, de andar. H\u00e1 produtividade espec\u00edfica nestas mol\u00e9stias. \u00c9 certo que acometem o indiv\u00edduo do mesmo modo que outras doen\u00e7as; ne- las, todavia, o homem afina com o evento m\u00f3rbido de forma absoluta- mente diversa da que se constata no primeiro grupo. Se se quiser caracte- rizar o que h\u00e1 de excepcional, na esquizofrenia, por exemplo, com base na grosseria de processos destrutivos, poder-se-\u00e1 falar em processos ps\u00edqui- cos ou processos biol\u00f3gicos; palavras com que se contorna o enigma, sem apreend\u00ea-lo."], ["Comum aos tr\u00eas c\u00edrculos, em terceiro lugar, \u00e9 que n\u00e3o s\u00e3o psicoses ex\u00f3genas, mas end\u00f3genas. A hereditariedade \u00e9 causa essencial do respec- tivo aparecimento; os c\u00edrculos heredit\u00e1rios constituem-lhes a realidade tang\u00edvel, n\u00e3o se apresentando n\u00edtidos ao lado uns dos outros, mas for- mando multiplicidade que confunde. Todavia, o fato de n\u00e3o se conhecer o que \u00e9 que se herda (os gens espec\u00edficos e as combina\u00e7\u00f5es de gens) deu ori- gem ao conceito provis\u00f3rio de classifica\u00e7\u00e3o dos c\u00edrculos heredit\u00e1rios.", "Em quarto lugar, \u00e9 comum: o fato de faltar um achado anat\u00f4mico cere- bral que mostre a ess\u00eancia de doen\u00e7a. Nas mol\u00e9stias man\u00edaco-depressivas, falta qualquer achado anat\u00f4mico cerebral; nas esquizofrenias, veem-se achados frequentes, por\u00e9m pouco caracter\u00edsticos e n\u00e3o gerais; nas epilep- sias, encontram-se achados anat\u00f4micos por les\u00f5es convulsivas (do corno de Amon e outros pontos); nenhuma correla\u00e7\u00e3o do processo m\u00f3rbido se v\u00ea, todavia."], ["Para compreender a significa\u00e7\u00e3o destes tr\u00eas c\u00edrculos, tem-se de saber por que forma eles surgiram, na hist\u00f3ria da ci\u00eancia. Kraepelin, que distin- guiu o segundo e o terceiro c\u00edrculos de maneira at\u00e9 hoje v\u00e1lida, foi quem apreendeu a diferen\u00e7a psicol\u00f3gica da vida ps\u00edquica natural e esquizofr\u00ea- nica pela diversidade no curso da mol\u00e9stia (progressivo e incur\u00e1vel, ou f\u00e1- sico e cur\u00e1vel).", "Esquizofrenia: Processo em que acontece alguma coisa que n\u00e3o se pode fazer retroceder, e que, portanto, \u00e9 incur\u00e1vel. \u2014 Comple- xos sintom\u00e1ticos da vida ps\u00edquica esquizofr\u00eanica \u2014 Tend\u00eancia \u00e0 dem\u00eancia.", "Doen\u00e7as man\u00edaco-depressivas: Fas.es, acessos e per\u00edodos da mo- l\u00e9stia com cura completa \u2014 Complexos sintom\u00e1ticos da mania e depress\u00e3o e dos estados mistos \u2014 \u00caxito sem dem\u00eancia.", "A epilepsia \u00e9 c\u00edrculo fundamentalmente diverso dos outros dois, com muito menos transi\u00e7\u00f5es para eles do que as que existem entre as doen\u00e7as esquizofr\u00eanicas e man\u00edaco-depressivas, se bem que convuls\u00f5es tamb\u00e9m ocorram na esquizofrenia. Por defini\u00e7\u00e3o, n\u00e3o existe epilepsia sem convul- s\u00e3o. Este c\u00edrculo nosol\u00f3gico caracteriza-se ainda pelos ataques de outros tipos (aus\u00eancias, pequeno-mal), pelos equivalentes (disforias) e pelas alte- ra\u00e7\u00f5es epil\u00e9pticas do car\u00e1ter (persevera\u00e7\u00e3o, lentifica\u00e7\u00e3o, explosividade, de- m\u00eancia). Apesar de serem essenciais a este c\u00edrculo os fen\u00f4menos psicol\u00f3gi- cos, n\u00e3o se baseia, absolutamente, o princ\u00edpio da delimita\u00e7\u00e3o num todo psicol\u00f3gico, tal qual \u00e9 a vida ps\u00edquica esquizofr\u00eanica; ou como s\u00e3o os esta- dos afetivos e temperamentais que se podem caracterizar nitidamente nas doen\u00e7as man\u00edaco-depressivas."], ["Os tr\u00eas c\u00edrculos destes grupos n\u00e3o s\u00e3o, pois, em absoluto, equivalen- tes, embora cont\u00edguos. N\u00e3o significam tr\u00eas processos, nem eventos, nem transforma\u00e7\u00f5es vitais da mesma esp\u00e9cie que s\u00f3 se diversifiquem em moda- lidades; s\u00e3o, sim, concebidos com base em princ\u00edpios diferentes."], ["cc) No terceiro grupo \u00e9 que as tentativas de classifica\u00e7\u00e3o empreendidas", "por v\u00e1rios pesquisadores menos coincidem. O diagn\u00f3stico perde-se na de- termina\u00e7\u00e3o de fatos particulares, mecanismos, estados, caracteres etc.", "Discutindo o assunto, destacamos, de um lado, as rea\u00e7\u00f5es, isto \u00e9, os"], ["estados reativos e os modos comportamentais; de outro lado as personali- dades t\u00edpicas em seus desenvolvimentos biogr\u00e1ficos e, intermediaria- mente, a quantidade de fen\u00f4menos ou manifesta\u00e7\u00f5es que chamamos neu- r\u00f3ticos, hist\u00e9ricos, psicast\u00eanicos, neurast\u00e9nicos etc. Nesse c\u00edrculo tipol\u00f3- gico m\u00e9dio, contam-se, sob o ponto de vista dos sintomas objetivos indivi- duais: as neuroses de \u00f3rg\u00e3os, tiques, gagueira, enurese noturna, h\u00e1bitos como a onicofagia, dist\u00farbios do comportamento, como a timidez etc.; sob o ponto de vista dos dist\u00farbios impulsivos: pervers\u00f5es sexuais, atos impul- sivos, masturba\u00e7\u00e3o anormal, v\u00edcios etc.; sob o ponto de vista de modos vi- venciais espec\u00edficos recentes e estados variados: neuroses obsessivas, fo- bias, neuroses de ang\u00fastia etc.; sob o ponto de vista de mecanismos pecu- liares: sintomas hist\u00e9ricos, psicast\u00eanicos etc."], ["Porque \u00e9 dif\u00edcil conseguir uma classifica\u00e7\u00e3o que se possa utilizar sob o aspecto diagn\u00f3stico, tendo em vista fen\u00f4menos que se confundem e se in- terpenetram ao infinito; e porque a realidade deles consiste para os psico- terapeutas, sobretudo, na resist\u00eancia que op\u00f5em \u00e0 cura, J. H. Schultz ten- tou obter, a partir dessa dificuldade e nessa resist\u00eancia mesma, os princ\u00ed- pios classificativos mais radicais. Primeiramente, visto que tanta coisa (quanto ao mais diversa) aparece no mesmo neur\u00f3tico, variando e mu- dando por forma qualitativa e gradual, distingue ele a personalidade geral- mente neur\u00f3tica das neuroses individuais, que aparecem relativamente isoladas (e, depois, se desenvolvem nitidamente conforme sua peculiari- dade, persistindo por longo tempo no mesmo paciente). Segundo: Porque muitos caracteres, neuroses, rea\u00e7\u00f5es resistem \u00e0s tentativas de cura e es- capam, permanentemente, a qualquer integra\u00e7\u00e3o na vida social, ao passo que outras perdem seus sintomas por si mesmos ou sob a influ\u00eancia psi- coterap\u00eautica, experimentando, no correr da exist\u00eancia, transforma\u00e7\u00f5es no sentido de o comportamento ajustar-se \u00e0 exist\u00eancia, Schultz distingue os psicopata# incur\u00e1veis das personalidades neur\u00f3ticas cur\u00e1veis: o crit\u00e9rio em que o diagn\u00f3stico se baseia \u00e9, portanto, o \u00eaxito curativo. \u2014 Ambas as diferencia\u00e7\u00f5es parecem-me constituir, como \u00e9 de presumir constituam para o pr\u00f3prio Schultz, simplifica\u00e7\u00f5es eficazes em vista de fins pr\u00e1ticos: para lidar com seres humanos, tudo precisa ter nome. Quando n\u00e3o sabe- mos, temos de proceder, provisoriamente, como se soub\u00e9ssemos. \u00c9 enge- nhoso e leg\u00edtimo, em toda pr\u00e1tica, tocar, mediante tautologia oculta (o in- cur\u00e1vel resulta da incurabilidade), em profundidades que ainda n\u00e3o s\u00e3o"], ["acess\u00edveis, ou que n\u00e3o o s\u00e3o de modo geral. A tautologia \u00e9 forma metodol\u00f3- gica b\u00e1sica em metaf\u00edsica. Em psicopatologia, \u00e9 inevit\u00e1vel, quando se quer exprimir a viv\u00eancia terap\u00eautica que escapa \u00e0 possibilidade de generaliza- \u00e7\u00e3o. Mas \u00e9, certamente, duvidoso haja alguma coisa de comum aos paci- entes nos quais a terap\u00eautica \u00e9 in\u00fatil al\u00e9m do insucesso m\u00e9dico (vale tam- b\u00e9m, em toda a medicina, o princ\u00edpio de que as classifica\u00e7\u00f5es nosol\u00f3gicas e os diagn\u00f3sticos pelo \u00eaxito terap\u00eautico levam ao erro). Schultz ira, por\u00e9m, a seguinte conclus\u00e3o de sua classifica\u00e7\u00e3o b\u00e1sica: considera os psicopatas hist\u00e9ricos e as personalidades hist\u00e9ricas essencialmente diversos, ao mesmo tempo que separa, dentro do campo total das neuroses, os indiv\u00ed- duos com dist\u00farbios impulsivos, os infantis, os pseudologistas etc. em psi- copatas incur\u00e1veis e neur\u00f3ticos cur\u00e1veis. As mesmas manifesta\u00e7\u00f5es, os mesmos fen\u00f4menos (neuroses, rea\u00e7\u00f5es, caracteres) podem constituir sin- tomas de um ou de outro."], ["J. H. Schultz ainda projetou uma classifica\u00e7\u00e3o das neuroses pelo ponto de vista da profundidade cora que se enra\u00edzam na personalidade. Assim \u00e9 que distingue neuroses ex\u00f3genas estranhas (de condicionamento essencialmente externo, facilmente cur\u00e1veis pela remo\u00e7\u00e3o da noxa \u2014 re- conforma\u00e7\u00e3o apropriada do espa\u00e7o vital); neuroses psicog\u00eanicas marginais (resultantes de conflitos somatops\u00edquicos) ; neuroses estruturais (ou de es- tratos'), que resultam de conflitos ps\u00edquicos internos; e, por fim, neuroses nucleares, que se enra\u00edzam no pr\u00f3prio car\u00e1ter e em seus conflitos \u201cau- tops\u00edquicos\u201d, s\u00f3 sendo cur\u00e1veis lenta e dificilmente pelo desenvolvimento caracterial. Em poucas palavras: o que se cura pela reconforma\u00e7\u00e3o das condi\u00e7\u00f5es vitais \u00e9 neurose estranha; o que se cura por sugest\u00e3o, exerc\u00edcio ou treinamento aut\u00f3geno \u00e9 neurose marginal; o que, al\u00e9m disso, precisa de psicocatarse e persuas\u00e3o \u00e9 neurose estrutural, ou neurose de estrato; quando, por\u00e9m, uma psicologia profunda (Freud, Jung) tem de transfor- mar o pr\u00f3prio homem, atrav\u00e9s de procedimento a longo prazo, a fim de cu- rar-lhe a neurose, nesse caso se trata de neuroses nucleares caracterog\u00ea- nicas (nas quais o homem n\u00e3o tem uma neurose, e sim \u00e9 ele pr\u00f3prio neu- r\u00f3tico) . \u2014 Mas tamb\u00e9m \u00e9 question\u00e1vel o diagn\u00f3stico que se funda nestas ideias, \u00e0s quais subjaz um ponto de visto muito geral, ainda relacionado com o \u00eaxito terap\u00eautico; ponto de vista passageiramente luminoso, mas que n\u00e3o possibilita sequer, por essa via, a qualquer pesquisa progredir com resultados tang\u00edveis, porque estas categorias se h\u00e3o de aplicar con- forme a medida arbitr\u00e1ria em que se explora o \u00a1paciente inteiro; e isso em vasta extens\u00e3o. Pela concep\u00e7\u00e3o de Schultz, todas as neuroses ser\u00e3o, afi- nal, de um modo ou outro, afinal, neuroses nucleares; e as neuroses mais s\u00e9rias tamb\u00e9m h\u00e3o de dar origem a meras neuroses estranhas."], ["dd) Os tr\u00eas grandes grupos s\u00e3o essencialmente diferentes. Falta-lhes o \u00fanico ponto de vista unificador supremo, no qual teria de basear-se a clas- sifica\u00e7\u00e3o sistem\u00e1tica dos tr\u00eas grupos nosol\u00f3gicos. Muda o ponto de vista para cada grupo: unidades som\u00e1ticas, unidades psicol\u00f3gicas e evolutivas, varia\u00e7\u00f5es da natureza humana, tamb\u00e9m mudando, concomitantemente, o pr\u00f3prio conceito de doen\u00e7a: em cada grupo individual, a ideia de unidade nosol\u00f3gica permanece sempre incompleta, em favor de um ponto de vista particular, que vem a tornar-se decisivo."], ["2. O sentido do diagn\u00f3stico nos tr\u00eas grupos. No primeiro grupo, \u00e9 poss\u00ed- vel diagn\u00f3stico exato, n\u00e3o havendo, em absoluto, transi\u00e7\u00f5es de morbidez para sa\u00fade. A doen\u00e7a ou \u00e9 paralisia geral, ou n\u00e3o \u00e9; o dist\u00farbio \u00e9 som\u00e1- tico. \u2014 No segundo grupo, tamb\u00e9m ainda n\u00e3o h\u00e1 limite preciso entre sa- \u00fade e morbidez. Os dois grupos delimitam-se entre si; sem precis\u00e3o, con- tudo. Variam as concep\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas no tocante \u00e0 extens\u00e3o e delimita\u00e7\u00e3o do c\u00edrculo em causa. O diagn\u00f3stico \u00e9 psicol\u00f3gico (no caso da epilepsia, pelo ataque convulsivo, associado ao diagn\u00f3stico psicol\u00f3gico). Na maioria dos casos, embora muitos outros ainda restem, \u00e9 claro o diagn\u00f3stico quanto ao c\u00edrculo em que se enquadra a doen\u00e7a. \u2014 No terceiro grupo, nem o li- mite entre os tipos \u00e9 n\u00edtido, nem existe, a cada caso, delimita\u00e7\u00e3o precisa entre sa\u00fade e morbidez. O diagn\u00f3stico vem a ser tipol\u00f3gico e pluridimensi- onal, abrangendo, pelo menos, a caracteriza\u00e7\u00e3o do tipo de personalidade, do tipo dos achados individuais existentes, dos estados e mecanismos. Resulta que diagn\u00f3stico propriamente dito s\u00f3 \u00e9 poss\u00edvel e necess\u00e1rio dentro do primeiro grupo. Dentro do segundo grupo, certamente, a maio- ria dos casos enquadrar-se-\u00e1 num dos tr\u00eas c\u00edrculos, conforme a concep\u00e7\u00e3o geral dos psiquiatras modernos, sem que, entretanto, o diagn\u00f3stico seja claro, no todo, e sem que a discuss\u00e3o quanto ao diagn\u00f3stico diferencial leve a qualquer resultado. Dentro do terceiro grupo, s\u00f3 tem valor a an\u00e1lise fenomenol\u00f3gica, geneticamente compreensiva e causal do caso, t\u00e3o com- pleta quanto poss\u00edvel; s\u00f3 vale a apreens\u00e3o t\u00e3o precisa quanto poss\u00edvel da personalidade, de suas rea\u00e7\u00f5es e biografia, seus desenvolvimentos; o diag- n\u00f3stico; por\u00e9m, abstra\u00edda a integra\u00e7\u00e3o em agrupamento tipol\u00f3gico m\u00falti- plo, \u00e9 imposs\u00edvel."], ["Por conseguinte, diagnostica-se, no primeiro grupo, de acordo com es-", "p\u00e9cies nosol\u00f3gicas, nas quais um caso se enquadra ou n\u00e3o; no terceiro grupo, a concep\u00e7\u00e3o baseia-se em tipos, muitos dos quais coincidem, se- gundo os pontos de vista, no mesmo caso. No segundo grupo, pensa-se em esp\u00e9cies nosol\u00f3gicas, se bem que se lhes- ignore a causa e a ess\u00eancia precisas; na realidade, por\u00e9m, ainda nos prendemos muito a tipos."], ["Conforme a esp\u00e9cie de diagn\u00f3stico poss\u00edvel \u2014 que s\u00f3 \u00e9 preciso' no pri-", "meiro grupo, referindo-se, nos outros dois, apenas a grandes c\u00edrculos e aos grupos totais \u2014 varia o peso que se d\u00e1 \u00e0 import\u00e2ncia do diagn\u00f3stico. Este, no primeiro grupo, permite apreens\u00e3o* exata por for\u00e7a do conheci- mento preciso; nos dois \u00faltimos grupos, o diagn\u00f3stico abre apenas espa\u00e7o a grandes c\u00edrculos, espa\u00e7o pelo qual, \u00e9 certo, se conduz a indaga\u00e7\u00e3o ulte- rior, sob determinados aspectos; mas no qual a atividade essencial ainda \u00e9 a an\u00e1lise do caso particular debaixo de todos os pontos de vista."], ["3. Primazia diagn\u00f3stica dos sintomas na s\u00e9rie grupal. O princ\u00edpio do di- agn\u00f3stico m\u00e9dico \u00e9 que todos os fen\u00f3menos m\u00f3rbidos devam ser abrangi- dos num diagn\u00f3stico \u00fanico. Se existem, concomitantes, v\u00e1rias manifesta- \u00e7\u00f5es ou fen\u00f4menos, indaga-se a quais se h\u00e1 de dar a primazia no diagn\u00f3s- tico, de modo a se considerarem os outros fen\u00f4menos relacionados, de- pendentes, secund\u00e1rios ou provis\u00f3rios. Para tanto, \u00e9 de import\u00e2ncia deci- siva que aqueles fen\u00f3menos que ocorrem aut\u00f4nomos nos grupos subse- quentes de nosso esquema tamb\u00e9m apare\u00e7am nos grupos anteriores e, de- pois, se reduzam ou a sintomas de outro processo b\u00e1sico, ou a fen\u00f3menos acess\u00f3rios. Assim \u00e9 que h\u00e1 neuroses frequentes nas doen\u00e7as org\u00e2nicas; o quadro inicial da esquizofrenia ou da doen\u00e7a man\u00edaco-depressiva \u00e9, por vezes, puramente neur\u00f3tico na apar\u00eancia; a doen\u00e7a obsessiva apresenta- se n\u00e3o s\u00f3 essencial nas psicopatias, como tamb\u00e9m acidental na esquizo- frenia, na encefalite let\u00e1rgica etc. Diz-se tamb\u00e9m que fen\u00f4menos neur\u00f3ti- cos se sobrep\u00f5em ao processo b\u00e1sico. Por conseguinte, quando se faz o di- agn\u00f3stico, \u00e9 sempre o grupo anterior que tem a primazia. Diagnosticam-se neuroses e personalidades psicop\u00e1ticas quando n\u00e3o se tem evid\u00eancia de processo; e quando n\u00e3o se encontram sintomas som\u00e1ticos de doen\u00e7a org\u00e2- nica em que se possa basear o todo; diagnostica-se processo \u201cesquizofr\u00ea- nico\u201d desde que faltem caracter\u00edsticas som\u00e1ticas. Mas se existirem estes sinais som\u00e1ticos, pensa-se, de in\u00edcio, em atribuir tudo- ao processo som\u00e1- tico (por exemplo, a encefalite). Podemos ilustrar pictorialmente a situa\u00e7\u00e3o da seguinte forma: Os sintomas som\u00e1ticos colocam-se \u00e0 maneira de pla- nos, uns por cima dos outros: em cima os sintomas neur\u00f3ticos (psicast\u00ea- nicos, hist\u00e9ricos); depois, os. man\u00edaco-depressivos; depois, os sintomas processuais (esquizofr\u00eanicos); finalmente, os sintomas org\u00e2nicos (ps\u00edqui- cos e som\u00e1ticos). O estrato mais baixo, ou mais profundo, que se alcan\u00e7a com a. explora\u00e7\u00e3o do caso particular, \u00e9 que decide o diagn\u00f3stico. O que a princ\u00edpio, pareceu histeria vem a ser esclerose m\u00faltipla; uma neurastenia, paralisia; uma depress\u00e3o melanc\u00f3lica, processo etc. Esta rela\u00e7\u00e3o primacial no valor diagn\u00f3stico dos sintomas coincide com", "um restringimento da significa\u00e7\u00e3o daquilo que se diagnostica: no primeiro grupo, \u00e9, apenas, um elemento da vida inteira, uma mol\u00e9stia som\u00e1tica, que nada representa sen\u00e3o um fato particular no meio de tudo quanto compreende a personalidade total, concebida em termos biogr\u00e1ficos e eido- l\u00f3gicos. Inversamente, \u00e9 na totalidade dos pontos de vista pelos quais se v\u00ea o terceiro grupo- que se realiza em mais extensa medida a revela\u00e7\u00e3o da pessoa total, embora tudo que \u00e9 particular possa ser sintoma de processos enquadrados no Grupo I."], ["4. Combina\u00e7\u00e3o de psicoses (psicoses mistas). A ideia de unidade noso- l\u00f3gica leva a esperar que n\u00e3o se possa diagnosticar, no indiv\u00edduo particu- lar, sen\u00e3o uma doen\u00e7a; devem ser exce\u00e7\u00f5es as combina\u00e7\u00f5es de psicoses. Ora, na maioria imensa dos casos, isso- s\u00f3 \u00e9 v\u00e1lido para os processos or- g\u00e2nicos cerebrais, havendo, contudo, tamb\u00e9m aqui, combina\u00e7\u00f5es aut\u00eanti- cas: por exemplo, paralisia geral mais tumor; paralisia mais lues cerebral etc. No caso, associam-se duas esp\u00e9cies m\u00f3rbidas. Pelo contr\u00e1rio, n\u00e3o s\u00f3 se admite, como se v\u00ea habitualmente, derivarem de v\u00e1rios tipos as carac- ter\u00edsticas de um caso; assim \u00e9 que, no mesmo indiv\u00edduo, se encontram ti- pos caracteriais diversos, rea\u00e7\u00f5es, neuroses. Pensamos, ent\u00e3o, no caso de haver processo esquizofr\u00eanico, em responsabiliz\u00e1-lo por todos os sintomas; o que \u00e9, no entanto, pressuposi\u00e7\u00e3o, ou hip\u00f3tese. Em princ\u00edpio, n\u00e3o se pode negar, absolutamente, estejam os tr\u00eas c\u00edrculos do segundo grupo re- lacionados uns com os outros por uma forma que n\u00e3o se compara nem \u00e0 exclusividade discriminativa do primeiro grupo, nem ao entrecruzamento quase arbitr\u00e1rio dos tipos que constituem o terceiro grupo. S\u00e3o insatisfa- t\u00f3rias todas as concep\u00e7\u00f5es que formamos at\u00e9 o momento, falhando a se- para\u00e7\u00e3o em unidades nosol\u00f3gicas ante os casos mistos indissol\u00faveis; o quadro de misturas e combina\u00e7\u00f5es fluidas de muitos gens desconhecidos torna-se, no entanto, falso quando se pensa nos tipos principais n\u00edtidos, que s\u00e3o maioria; seria irrealiz\u00e1vel o retomo \u00e0 ideia de psicose unit\u00e1ria no que diz respeito a este segundo grupo. \u00c9 imposs\u00edvel reduzir os quadros dos fen\u00f4menos psicol\u00f3gicos em suas formas cl\u00e1ssicas, e, bem assim, dos cursos da mol\u00e9stia, dos c\u00edrculos heredit\u00e1rios, das configura\u00e7\u00f5es som\u00e1ti- cas, fisiognom\u00f4nicas, constitucionais, caracterol\u00f3gicas, a uma unidade que tudo apreenda e inclua. Tal s\u00f3 se consegue com a exclus\u00e3o for\u00e7ada de certos fatos, sejam quais forem, ou com a cria\u00e7\u00e3o de um quadro apagado, no qual haja transi\u00e7\u00f5es de tudo para tudo. At\u00e9 o presente, n\u00e3o consegui- mos alcan\u00e7ar a rela\u00e7\u00e3o cont\u00ednua entre os fatos e as unidades nucleares essenciais da pr\u00f3pria realidade, porque ainda s\u00e3o misteriosas tanto a co- nex\u00e3o quanto a discrimina\u00e7\u00e3o dos tr\u00eas c\u00edrculos. S\u00e3o, exatamente, os psi- quiatras mais experimentados que t\u00eam afirmado com insist\u00eancia: o que \u00e9,", "de fato, a epilepsia, o que s\u00e3o os outros dois c\u00edrculos lhes parece haver-se tornado mais obscuro do que claro, embora haja aumentado o conheci- mento preciso das particularidades."], ["N\u00e3o \u00e9 de negar, absolutamente, em princ\u00edpio, que um processo .se possa combinar com a doen\u00e7a man\u00edaco-depressiva; ou uma encefalite, com uma esquizofrenia.", "Escreve Gaupp: \u201cTodos n\u00f3s conhecemos o fato de um paciente f\u00e1sico curar-se inteiramente, uma vez cessada a excita\u00e7\u00e3o, sem qualquer defeito que se possa comprovar; com plena compreens\u00e3o da doen\u00e7a, sem deterio- ra\u00e7\u00e3o da personalidade; e, depois, vir, novamente, a apresentar deteriora- \u00e7\u00e3o esquizofr\u00eanica. Tamb\u00e9m conhecemos o fato de um quadro aparente- mente catat\u00f4nico, ou esquizofr\u00eanico-dissociativo curar-se com rapidez, re- aparecer muitas vezes sob a mesma forma, curar-se de novo, sem nunca levar \u00e0 dem\u00eancia. Conhecemos os velhos circulares, que v\u00eam a ser, afinal, incur\u00e1veis, e os paranoicos, que jamais demenciam, do tipo de Strindberg."], ["Estes s\u00e3o os casos que fazem duvidar da discrimina\u00e7\u00e3o radical entre psicoses esquizofr\u00eanicas e man\u00edaco-depressivas, se bem que ela pare\u00e7a ocorrer, na maioria dos casos. Talvez seja poss\u00edvel explic\u00e1-la com base em combina\u00e7\u00e3o diversa dos gens, mistura dos gens provenientes dos dois c\u00edr- culos heredit\u00e1rios. Estamos, no entanto, muito longe da certeza.", "5. A significa\u00e7\u00e3o fecunda das discrep\u00e2ncias. \u00c9 quando mostra discre-", "p\u00e2ncias que o esquema diagn\u00f3stico mais interessante se torna. Se quiser- mos levar adiante a inquiri\u00e7\u00e3o, teremos de partir tanto dos casos que na? se localizam em ponto algum quanto dos grupos nosol\u00f3gicos sem localiza- \u00e7\u00e3o precisa; ou ainda daqueles em que v\u00e1rias localiza\u00e7\u00f5es do esquema di- agn\u00f3stico pretendem prender-se a um caso ou a um grupo. \u00c9, ent\u00e3o, de import\u00e2ncia pr\u00e1tica (sem relev\u00e2ncia para o conhecimento, todavia) saber se certos casos ocorrem raramente, ou se s\u00e3o frequentes. Neste sentido, continua em pauta a indaga\u00e7\u00e3o concernente \u00e0 delimita\u00e7\u00e3o -das doen\u00e7as ps\u00edquicas; e isso se deve, por exemplo, \u00e0 chamada paranoia, que tem im- port\u00e2ncia nosol\u00f3gica te\u00f3rica, embora sejam rar\u00edssimos esses casos. Krae- pelin definiu a paranoia como sendo \u201co desenvolvimento insidioso, resul- tante de causas internas, de um sistema delirante permanente, inabal\u00e1vel, com conserva\u00e7\u00e3o absoluta da clareza e ordem ideativa, volitiva e atuativa\u201d. \u00c0 indaga\u00e7\u00e3o quanto a se tais casos realmente ocorrem respondem uns poucos de modo afirmativo. H\u00e1, de fato, homens cuja vida inteira se obser- vou ao longo de v\u00e1rios dec\u00eanios, apresentando-se plenamente l\u00facidos, com del\u00edrio elaborado. Na tentativa de compreend\u00ea-los, a discuss\u00e3o de"], ["quase todos os princ\u00edpios que dizem respeito \u00e0 forma\u00e7\u00e3o de unidades no- sol\u00f3gicas resultou da dificuldade de situ\u00e1-los no esquema diagn\u00f3stico. De um lado, parecem existir transi\u00e7\u00f5es para desenvolvimentos da personali- dade; de outro, para processos esquizofr\u00eanicos. Sob o aspecto da estat\u00eds- tica familial, h\u00e1 correla\u00e7\u00e3o n\u00edtida com o c\u00edrculo heredit\u00e1rio esquizofr\u00eanico (Kolle). Contrariamente \u00e0 tend\u00eancia que alguns pesquisadores mostram no sentido de classificar esses paranoicos noutra posi\u00e7\u00e3o e faz\u00ea-los desapare- cer com a forma\u00e7\u00e3o de grupo \u00e0 parte, Gaupp mant\u00e9m-se fiel ao conceito de paranoia (principalmente, tendo em vista o caso Wagner, por ele estu- dado, se bem que um tio-av\u00f4 do paciente fosse esquizofr\u00eanico); assim pro- cede Gaupp, a meu ver, movido pelo instinto de verdadeira intui\u00e7\u00e3o \u2014 por assim dizer, defendendo a \u00faltima posi\u00e7\u00e3o de alguma coisa que teria de de- saparecer, mesmo com o aspecto de indaga\u00e7\u00e3o, se se optasse pela nivela- \u00e7\u00e3o da paranoia na massa dos grandes grupos nosol\u00f3gicos. N\u00e3o se resolve, a esta altura, problema algum, mas se mant\u00eam o espanto e a inquiri\u00e7\u00e3o. Escreve Gaupp: \u201cSe empatizei e compreendi Wagner, 'tal qual v\u00e1rios ou- tros delirantes, foi porque n\u00e3o era esquizofr\u00eanico, e sim paranoico; e foi porque, em seu caso, pude conhecer um indiv\u00edduo e sua vida inteira, at\u00e9 os derradeiros recessos de sua alma, pelo fato de ele. me haver defrontado, durante um quarto de s\u00e9culo, com raro vigor de auto-observa\u00e7\u00e3o, rara ca- pacidade de exprimir suas viv\u00eancias e rara confian\u00e7a em seu m\u00e9dico\u201d."], ["d) Trabalho estat\u00edstico com aux\u00edlio dos esquemas diagn\u00f3sticos.", "Motivo capital para que se projetassem os esquemas diagn\u00f3sticos foi o censo estat\u00edstico dos pacientes de institui\u00e7\u00f5es, policl\u00ednicas e consult\u00f3rios. Para que fazer esse censo? Em primeiro lugar, para obter objetiva\u00e7\u00e3o do material, com fins civis; em segundo, para confrontar, em entendimento rec\u00edproco, os tra\u00e7os b\u00e1sicos da situa\u00e7\u00e3o real de cada institui\u00e7\u00e3o; em ter- ceiro, para controlar a concep\u00e7\u00e3o total sempre v\u00e1lida e test\u00e1-la mediante sua aplica\u00e7\u00e3o; enfim, para estabelecer um ponto de partida que servisse \u00e0s pesquisas: quando se quer investigar um problema, devem-se poder en- contrar os casos relevantes no material imenso das hist\u00f3rias cl\u00ednicas."], ["Os problemas metodol\u00f3gicos podem resumir-se em poucas linhas: Que", "\u00e9 que se quer contar? A cifra inteira dos pacientes. \u2014 De acordo com que caracter\u00edsticas? \u2014 De acordo com a idade, sexo, proced\u00eancia etc.; de acordo com in\u00fameras manifesta\u00e7\u00f5es individuais poss\u00edveis de estabelecer. Assim fazendo, n\u00e3o se chega, por\u00e9m, a conclus\u00e3o alguma; quer-se contar de acordo com a totalidade das manifesta\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas como se f\u00f5sse o essencial; portanto, de acordo com unidades nosol\u00f3gicas. \u2014 Mas se n\u00e3o houver unidades nosol\u00f3gicas, de acordo com que se contar\u00e1? De acordo"], ["com concep\u00e7\u00f5es globais que mais se aproximem das unidades nosol\u00f3gi- cas. \u2014 Visto, por\u00e9m, serem estas de car\u00e1ter variado e heterog\u00eaneo, como \u00e9 que um esquema significativo h\u00e1 de surgir para fazer o censo? S\u00f3 um es- quema il\u00f3gico, inconsistente \u00e9 que se obter\u00e1, resultante da determina\u00e7\u00e3o alternativa daquilo que realmente se apreende e daquilo que fornecem os conhecimentos gerais eventuais. Se se quiser apreender e confrontar a massa dos pacientes de acordo com diagn\u00f3sticos nosol\u00f3gicos, ter-se-\u00e3o de admitir erros, visto ser claro que um esquema diagn\u00f3stico que se haja de aplicar e executar por forma, coerente, s\u00f3 se poder\u00e1 estender \u00e0s doen\u00e7as cerebrais tang\u00edveis, \u00e0s intoxica\u00e7\u00f5es em geral reconhecidas, \u00e0s psicoses so- m\u00e1ticas; enfim, ao primeiro grupo. Mais ainda: s\u00f3 no todo \u00e9 que se podem atingir, mediante apreens\u00e3o coerente, os grandes grupos; os grupos se- gundo e terceiro, apenas de certo modo e sem univocidade plena. As dis- crimina\u00e7\u00f5es mais, sutis oscilam entre limites bastante amplos."], ["Da\u00ed ser inevit\u00e1vel que queiramos estabelecer, embora constitua justifi- ca\u00e7\u00e3o insuficiente, um esquema relativamente \u201cutiliz\u00e1vel\u201d para fins \u201cpr\u00e1ti- cos\u201d; associar os diversos pontos de vista e promover um compromisso en- tre as concep\u00e7\u00f5es das v\u00e1rias escolas. Sempre que falhar a contagem de ci- fras id\u00eanticas, faltar\u00e1 firmeza \u00e0 estat\u00edstica. \u00ca, pois, compreens\u00edvel que, sempre falhos se apresentando os esquemas, sempre nos estejamos esfor- \u00e7ando por outros."], ["Vamos recordar os requisitos dos esquemas diagn\u00f3sticos.", "Em primeiro lugar: os esquemas diagn\u00f3sticos devem ordenar-se de forma l\u00f3gica e, pois, conter ou partes claras, ou enumera\u00e7\u00f5es simples e precisas. Qualquer mistura dos pontos de vista mais diversos leva a confus\u00e3o, obscurecendo o esquema. Todavia, em nossos esquemas diagn\u00f3sticos, a falta de clareza, l\u00f3gica e eleg\u00e2n- cia serve n\u00e3o s\u00f3 para conhecermos o que h\u00e1 na generalidade, mas tamb\u00e9m para conservarmos presente, de forma sens\u00edvel, aquilo que \u00e9 concreto. Todos os esquemas diagn\u00f3sticos h\u00e3o de ser um tormento para o cientista.", "Segundo: A estat\u00edstica s\u00f3 tem significa\u00e7\u00e3o relativamente \u00e0quilo que cada observador sempre reconhece e conta de maneira coe- rente. Se n\u00e3o for este o caso, como acontece nos c\u00edrculos dos se- gundo e terceiro grupos, s\u00f3 resta a esperan\u00e7a de atingir, entre- tanto, nos limites num\u00e9ricos consideravelmente flutuantes, certo n\u00facleo comum; de tal modo que as pesquisas baseadas em sele- \u00e7\u00f5es assim feitas dentre a massa dos pacientes tenham chances de encontrar neles o que procuram. \u2022 Terceiro: No esquema diagn\u00f3stico, cada caso s\u00f3 pode aparecer", "uma vez no lugar \u00fanico a que corresponde. Da\u00ed porque, como ru- brica diagn\u00f3stico-esquem\u00e1tica, s\u00f3 ser utiliz\u00e1vel aquilo que se apresenta, exclusivamente, no indiv\u00edduo particular (isto \u00e9, existe ou n\u00e3o). N\u00e3o sendo isso poss\u00edvel, tem-se de renunciar, em geral, ao censo nosol\u00f3gico. Se o esquema diagn\u00f3stico for deficiente, deve-se substitu\u00ed-lo por outros, em que cada caso possa aparecer com frequ\u00eancia, segundo diversos pontos de vista. Todos os da- dos que se possam apreender sujeitam-se a enumera\u00e7\u00e3o; mas j\u00e1 n\u00e3o se enumeram doen\u00e7as."], ["\u00c9 das estat\u00edsticas de cifras de pacientes fundadas nos esquemas diag- n\u00f3sticos que partem investiga\u00e7\u00f5es importantes-, principalmente, pesqui- sas gen\u00e9ticas, determina\u00e7\u00f5es demogr\u00e1ficas sociol\u00f3gicas, descri\u00e7\u00f5es nosol\u00f3- gicas com que se ocupa a psiquiatria especial. Em cada uma dessas inves- tiga\u00e7\u00f5es, elas n\u00e3o s\u00e3o mais, todavia, do que o ponto de partida, exigindo sempre determina\u00e7\u00f5es estat\u00edsticas novas e mais laboriosas.", "As investiga\u00e7\u00f5es feitas em torno da paralisia geral, estendendo-se ao curso da doen\u00e7a, \u00e0 dist\u00e2ncia entre infec\u00e7\u00e3o e come\u00e7o, \u00e0 distribui\u00e7\u00e3o et\u00e1- ria, bem como a certos grupos sociol\u00f3gicos etc., mostram quanto pode ser instrutivo e inobjet\u00e1vel o trabalho que se fa\u00e7a com processos cerebrais tang\u00edveis."], ["Se se seguirem as estat\u00edsticas hospitalares e os esquemas diagn\u00f3sticos nelas usados, no correr de v\u00e1rios dec\u00eanios, ter-se-\u00e1 um quadro instrutivo do estado da ci\u00eancia psiqui\u00e1trica, das flutua\u00e7\u00f5es extraordin\u00e1rias que t\u00eam sofrido as concep\u00e7\u00f5es dominantes e das incertezas consider\u00e1veis. Mas tamb\u00e9m se ver\u00e1 que se caminha no sentido da unifica\u00e7\u00e3o crescente das categorias. O acordo enriquece-se em saber essencial e- tamb\u00e9m em cog- ni\u00e7\u00e3o mais cr\u00edtica.", "4.2. A VARIEDADE GEN\u00c9RICA DO HOMEM (EIDOLOGIA)", "a) A ideia do eidos.", "A desigualdade dos seres humanos tem fundamento biol\u00f3gico: os ho-"], ["mens s\u00e3o diferentes conforme os sexos, conforme a ra\u00e7a e conforme a constitui\u00e7\u00e3o. Em vista deste fato que se constata no conjunto da humani- dade, pergunta-se: A infinita multiplicidade das diferen\u00e7as individuais s\u00f3 resulta de causas m\u00faltiplas, apenas diversamente distribu\u00eddas (os homens seriam agregados diversos de elementos casualmente atirados uns contra os outros); ou h\u00e1 um n\u00famero limitado de totalidades, nas quais a multipli- cidade das varia\u00e7\u00f5es se subordina, necessariamente, a elos conexos de configura\u00e7\u00f5es amplas em que a exist\u00eancia humana se apresenta? O prin- c\u00edpio destas totalidades j\u00e1 n\u00e3o seria um fator causal ao lado de outros; e sim alguma coisa que seria o tra\u00e7o essencial da totalidade humana. Certa- mente, podem fatores particulares atuar sobre todas as fun\u00e7\u00f5es, sobre as modalidades vivenciais e comportamentais do homem, continuando, po- r\u00e9m, a ser, apenas, fatores particulares ao lado de outros. A ideia (metodo- logicamente subjetiva) de uma totalidade \u00e9 que nos conduz, a fim de apre- ender o eidos (com que deparamos objetivamente) na constru\u00e7\u00e3o da uni- dade corpo-alma, como sendo o todo estrutural de uma essencialidade substancial; todo em que est\u00e3o contidos, ordenados e modificados os di- versos fatores individuais. Seria bom para uma biologia da personalidade ver esta totalidade humana enraizar-se no fundamento vital, que varia em poucas configura\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas de maior porte."], ["Esta alternativa \u2014 o homem \u00e9 agregado acidental de fatores individu- ais, ou todo originariamente espec\u00edfico? \u2014 n\u00e3o \u00e9 alternativa aut\u00eantica. O que h\u00e1, sim, \u00e9 que, em dois planos heterog\u00eaneos da pesquisa, ora vale, num, aquele pensamento racional afinal sempre mec\u00e2nico; noutro, esta intui\u00e7\u00e3o, guiada por ideias, de configura\u00e7\u00f5es ou formas. A realiza\u00e7\u00e3o cien- t\u00edfica da vis\u00e3o ideal relativamente \u00e0 totalidade dirige-se, entretanto, para a an\u00e1lise racional dos elementos; donde surge um movimento do conhecer, movimento no qual se tem de evitar o erro para ambos os lados: \u00e9 errado pensar que a an\u00e1lise de fatores elementares esgote o - respectivo objeto; e \u00e9 errado pensar que o todo da ideia seja, ele pr\u00f3prio, fator que se possa re- conhecer e dominar como tal.", "Indaguemos, pois: H\u00e1 uma unidade do todo em forma de s\u00e9rie finita de", "unidades diversas? A resposta \u00e9 a seguinte: H\u00e1 em forma de ideias, n\u00e3o"], ["em forma de s\u00e9ries finitas de ess\u00eancias reconhecidas como sendo tais.", "Indaguemos ainda: Os princ\u00edpios destas totalidades talvez n\u00e3o sejam", "mais do que achados individuais absolutizados, com for\u00e7a marcante espe- cialmente intensa para a quantidade de fen\u00f4menos ps\u00edquico-som\u00e1ticos? Ou s\u00e3o, em contraste com todos os achados individuais, princ\u00edpios de ori- gem pr\u00f3pria, a saber, princ\u00edpios do todo, sem mera peculiaridade, em ab- soluto? \u2014 A resposta \u00e9 a seguinte: Aquilo se encontra sempre pela an\u00e1lise causal, se se descobrir alguma coisa desta ordem (por exemplo, certos horm\u00f4nios sexuais, com seus efeitos fisiol\u00f3gicos e morfol\u00f3gicos); e o que ti- ver sido achado j\u00e1 n\u00e3o ser\u00e1 a totalidade; isto, por\u00e9m, continua sempre no limite da an\u00e1lise causal."], ["Entretanto, o que permanece no limite s\u00e3o os princ\u00edpios das totalida- des, princ\u00edpios que se deduzem das ideias; que s\u00e3o em si demonstr\u00e1veis. Tudo quanto se pode demonstrar diretamente foi discutido nas partes an- teriores do livro, de acordo com suas formas b\u00e1sicas. N\u00e3o se acrescenta, a esta altura, novidade alguma que seja diretamente demonstr\u00e1vel, e sim al- guma coisa que procuramos apenas pela ideia e que apreendemos, indire- tamente, pela coordena\u00e7\u00e3o do particular, ou individual.", "Por conseguinte, \u00e9 da natureza da coisa que, procurando o todo, s\u00f3 o apreendamos sempre pelo particular. O todo foge \u00e0 an\u00e1lise causal, conti- nua a ser ideia condutora; n\u00e3o se torna objeto que possuamos de modo cogniscitivo.", "\u00c9 por isto que, no presente cap\u00edtulo, nada pode aparecer de que j\u00e1 n\u00e3o"], ["saibamos ou possamos saber, como particular, gra\u00e7as a outros m\u00e9todos. O que h\u00e1 de novo \u00e9 que nos guiamos por ideias como se fossem pontos virtuais. Seguindo semelhante orienta\u00e7\u00e3o, n\u00e3o s\u00f3 se ver\u00e1, de maneira pe- culiarmente clara, uma rela\u00e7\u00e3o do muito que h\u00e1 de particular entre si, mas tamb\u00e9m se perceber\u00e3o, mediante a nova maneira de inquirir, muitas particularidades que, doutro modo, deixariam de considerar-se; particula- ridades que se podem estabelecer em si com os m\u00e9todos j\u00e1 discutidos.", "Chamaremos eidos do homem aquilo que procuramos pela ideia do"], ["todo."], ["b) Sexo, constitui\u00e7\u00e3o, ra\u00e7a."], ["O ser humano, como ser humano, \u00e9, certamente, de natureza igual no", "que diz respeito a estruturas essenciais b\u00e1sicas, quer seja mulher, quer seja homem; mongol ou branco, baixo e gordo ou alto e magro. Mas estas", "diferen\u00e7as s\u00e3o tais que o homem individual n\u00e3o pode ser tudo ao mesmo tempo; \u00e9 uma coisa, ou outra. Ou \u00e9 uma terceira coisa, que se chama m\u00e9- dia, mistura ou transi\u00e7\u00e3o e que pode ser, conforme as conex\u00f5es de seu destino vital nelas fundamentado, o inferior, degenerado, decadente, ou o superior, amplo, harm\u00f4nico-vivo; mais ainda: o que se desenvolve em sen- tido progressivo; da\u00ed chamar-se h\u00edbrido, bastardo ou mediano; ou ter de valer, exatamente, como ser humano pleno, com possibilidades aumenta- das.", "Se reduzirmos as diferen\u00e7as essenciais que existem no todo e tamb\u00e9m"], ["as concep\u00e7\u00f5es vitais a seus tipos b\u00e1sicos, tornaremos, mais uma vez, a partir de achados especiais, do sexo, da estrutura corp\u00f3rea (constitui\u00e7\u00e3o), dos grupos que, atrav\u00e9s dos s\u00e9culos, se engendraram no curso da histria (ra\u00e7a). Pelo que resulta, parece que s\u00f3 apreendemos, ainda aqui, o particu- lar em sua peculiaridade, e n\u00e3o o todo do existir biol\u00f3gico humano. O sexo n\u00e3o parece ser, entretanto, mais que a posse de certos \u00f3rg\u00e3os com as con- sequ\u00eancias que deles derivam; a estrutura corp\u00f3rea ser\u00e1 uma exteriori- dade condicionada por fatores causais individuais; a ra\u00e7a ser\u00e1 mero fato da varia\u00e7\u00e3o por for\u00e7a de circunst\u00e2ncias externas, processo reprodutivo que talvez se possa controlar e fazer reverter. Se bem que baste exprimir claramente estas ideias para ver-lhes a inconsist\u00eancia, n\u00e3o \u00e9 por meio de m\u00e9todos iguais, como se fossem achados individuais, que se prova haver na diferencia\u00e7\u00e3o sexual muito mais do que mera diversidade particular or- g\u00e2nica; que se prova n\u00e3o ser a estrutura corp\u00f3rea mera exterioridade aci- dental; que se prova ser a ra\u00e7a variedade da ess\u00eancia. Tudo isso est\u00e1 pre- sente no todo, se o investigarmos atrav\u00e9s da peculiaridade, sem jamais descobri-lo em definitivo."], ["O sexo \u00e9 uma polaridade b\u00e1sica de tudo quanto tem vida, fundada na profundidade existencial. A constitui\u00e7\u00e3o \u00e9 a cunhagem do tipo segundo al- guns rumos humanos b\u00e1sicos que, em geral, determinam no todo a ess\u00ean- cia eventual. A ra\u00e7a \u00e9 resultado sempre hist\u00f3rico da reprodu\u00e7\u00e3o, na trans- forma\u00e7\u00e3o muito lenta, mas constante, da corrente vital; cunhagem even- tual da variedade da ess\u00eancia, levando \u00e0 individualiza\u00e7\u00e3o hist\u00f3rico-vital do existir humano.", "As dificuldades que se encontram para esclarecer os tra\u00e7os essenciais do todo biol\u00f3gico s\u00e3o as mesmas quanto a sexo, constitui\u00e7\u00e3o, ra\u00e7a. Uma diferen\u00e7a existe, contudo: Quase todos os seres humanos \u2014 excetuados os raros hermafroditas \u2014 pertencem a um ou outro sexo. A grande maioria dos homens pertence, de maneira n\u00edtida, aos grandes grupos raciais dos brancos, pretos, amarelos, j\u00e1 havendo, por\u00e9m, muitos elos intermedi\u00e1rios"], ["(mesmo sem bastardiza\u00e7\u00e3o); mas de refer\u00eancia \u00e0 constitui\u00e7\u00e3o, pelo contr\u00e1- rio, n\u00e3o se reconhece a maioria dos homens como pertencentes, por forma clara e exclusiva, a esta ou \u00e0quela constitui\u00e7\u00e3o. N\u00e3o \u00e9, todavia, decisiva para a apreens\u00e3o dos tra\u00e7os b\u00e1sicos que os indiv\u00edduos se situem, nesta ou naquela classifica\u00e7\u00e3o; semelhante apreens\u00e3o \u00e9 igualmente incompleta quanto a. sexo, constitui\u00e7\u00e3o e ra\u00e7a.", "Se virmos a biologia da personalidade na unidade de corpo e alma, se a"], ["acompanharmos pelo sexo, constitui\u00e7\u00e3o e ra\u00e7a, perceberemos que os tr\u00eas se correlacionam estreitamente de acordo com o tipo da respectiva fatuali- dade. Podemos dizer, \u00e9 certo: o sexo e a constitui\u00e7\u00e3o s\u00e3o, em geral, huma- nos; o que lhes corresponde tem de encontrar-se em todas as ra\u00e7as; o que \u00e9 espec\u00edfico \u00e0 ra\u00e7a n\u00e3o pode ser espec\u00edfico \u00e0 constitui\u00e7\u00e3o; o que \u00e9 consti- tui\u00e7\u00e3o tem de aparecer nos dois sexos. Surgem, contudo, dificuldades, quando se quer fazer separa\u00e7\u00e3o absoluta, porque sexo, constitui\u00e7\u00e3o, ra\u00e7a s\u00e3o sempre, no indiv\u00edduo, um todo biol\u00f3gico. Embora se possa, com cer- teza, de modo estrito, separar os pontos de vista, a apresenta\u00e7\u00e3o concreta dos tra\u00e7os essenciais d\u00e1 impress\u00e3o de n\u00e3o ser raro confundir um com o outro. H\u00e1 tra\u00e7os essenciais do sexo que s\u00e3o, ao mesmo tempo, tra\u00e7os constitucionais (por exemplo, a proximidade do sexo feminino em rela\u00e7\u00e3o ao tipo p\u00edcnico). Certos tra\u00e7os constitucionais parecem coincidir com al- guns tra\u00e7os raciais (o tipo leptoss\u00f4mico e a ra\u00e7a \u201cn\u00f3rdica\u201d). O sexo e a ra\u00e7a s\u00e3o, por assim dizer, maneiras, ou modalidades da constitui\u00e7\u00e3o; o que n\u00e3o impede, quando se exp\u00f5e a mat\u00e9ria, que se fragmente o todo- em v\u00e1rias totalidades, cada uma das quais incluindo o homem individual em seu lu- gar."], ["As caracter\u00edsticas psicop\u00e1ticas, as neuroses e psicoses, t\u00eam rela\u00e7\u00e3o com as tr\u00eas grandes variedades essenciais do homem. Da\u00ed nossa exposi- \u00e7\u00e3o culminar sempre no problema: sexo e psicose; constitui\u00e7\u00e3o e psicose; ra\u00e7a e psicose."], ["c) Os m\u00e9todos da eidologia.", "O que determina esses m\u00e9todos \u00e9 o fato de n\u00e3o objetivarem qualquer singularidade tang\u00edvel, mas uma ideia. Da\u00ed terem de ser indiretos. Levan- tam-se, re\u00fanem-se, coordenam-se os achados particulares infinitos com base na ideia de serem manifesta\u00e7\u00f5es de um todo \u00fanico, todo este que abordamos, primeiro, pelo configuramento de tipos; segundo, pela indica- \u00e7\u00e3o de correla\u00e7\u00f5es entre os achados individuais."], ["1. Na eidologia, pensamos, propriamente, em entidades, mas s\u00e3o s\u00f3 ti- pos que sempre obtemos. O princ\u00edpio da constru\u00e7\u00e3o do tipo n\u00e3o \u00e9 o princ\u00ed- pio real da exist\u00eancia efetiva de um todo, mas a tentativa com a qual eu ainda indago at\u00e9 que ponto \u00e9 tamb\u00e9m efetivo aquilo que construo. Na eido- logia, pensa-se em entidades como totalidades da unidade corpo-alma, mas n\u00e3o nos \u00e9 poss\u00edvel apreender diretamente tais entidades. A eidologia serve-se da tipologia de modo a atingir, indiretamente, as entidades em que pensa. Enquanto as tipologias constituem constru\u00e7\u00f5es, a eidologia visa aos pontos de orienta\u00e7\u00e3o substancial com rela\u00e7\u00e3o \u00e0 realidade' mesma; usando tipologias variadas, que se est\u00e3o sempre projetando, proporcio- nando perspectivas diversas, a eidologia procura aproximar-nos das es- sencialidades totais; procura aproximar-nos das for\u00e7as prim\u00e1rias que se unificam em todos os fen\u00f4menos e, assim, os liga de maneira a formar to- talidades, dentro do existir humano que podemos apreender. O tipo \u00e9 sempre uma totalidade apenas relativa, partindo do princ\u00edpio eventual para a vis\u00e3o eventual de certo setor. O eidos pretende ser o pr\u00f3prio todo. Recordemo-nos da multiplicidade extraordin\u00e1ria, ou mesmo da infini- dade de tipologias poss\u00edveis. Sob o aspecto l\u00f3gico, pode-se apresent\u00e1-las em pares de contrastes, ou em triplicidades, ou de ainda mais dimens\u00f5es e respectivas combina\u00e7\u00f5es. \u2014 Sob o ponto de vista, material, podem-se projetar formas de vida, pela constru\u00e7\u00e3o do comportamento em rela\u00e7\u00e3o a setores culturais (ativo, contemplativo, te\u00f3rico, est\u00e9tico, pol\u00edtico-econ\u00f4- mico, metaf\u00edsico, religioso etc.); tamb\u00e9m pela constru\u00e7\u00e3o de rela\u00e7\u00f5es b\u00e1si- cas com o mundo e a transcend\u00eancia (na tipologia das filosofias); mais ainda: por tipos profissionais, tipos ambientais etc. A esta altura, estamos sempre construindo alguma coisa que se formou historicamente, alguma coisa intelectualmente criada em sua multiplicidade. Se quisermos, po- r\u00e9m, apreender as variedades origin\u00e1rias, precisaremos encontrar os fun- damentos biol\u00f3gicos n\u00e3o-hist\u00f3ricos de que prov\u00e9m o homem, abstra\u00e7\u00e3o feita dos conte\u00fados; para o que, teremos de contemplar forma e fun\u00e7\u00e3o; teremos de contemplar aquilo que se obt\u00e9m na estrutura corp\u00f3rea e em todo o somatismo, na experimenta\u00e7\u00e3o rendimental, na modalidade m\u00f3r- bida e em todas as objetividades presentes poss\u00edveis de investigar. Aqui se incluem os tipos que foram desenvolvidos do ponto de vista caracterol\u00f3- gico.", "H\u00e1 muitas tipologias. Quase todas, para aqueles que com elas, traba- lham e se acostumam, t\u00eam alguma coisa de acertado e c\u00f4modo. Litigam umas com as outras, mais por h\u00e1bito dos grupos cient\u00edficos, do que por efeito de convic\u00e7\u00e3o penetrante que leve a discuss\u00e3o proveitosa. Essencial \u00e9"], ["que dominemos a tipologia, n\u00e3o nos deixemos dominar por nenhuma de- las; e que determinemos o sentido da tipologia como meio auxiliar, sem nela ver conhecimento real de esp\u00e9cies em que se classifique o existir hu- mano.", "O que temos a fazer, ante a infinidade de tipologias poss\u00edveis, \u00e9 do- min\u00e1-las metodologicamente, visando \u00e0 unidade do homem individual e \u00e0 unidade do existir humano. Todos os tipos s\u00e3o poss\u00edveis em cada homem: cada homem \u00e9, potencialmente, o todo, com acentua\u00e7\u00e3o, hierarquia de- senvolvimento e degenera\u00e7\u00e3o que varia ao infinito de homem para homem. Perdem-se possibilidades com o devenir do curso existencial; possibilida- des que se acham limitadas, antecipadamente, na constitui\u00e7\u00e3o. Da\u00ed poder- se dizer tamb\u00e9m: nenhum homem \u00e9 tudo."], ["Se indagarmos por que umas tipologias nos impressionam e por que raz\u00e3o desprezamos outras, que se nos afiguram indiferentes, diremos que os padr\u00f5es de tipos concretos se imp\u00f5em devido \u00e0 experi\u00eancia resultante da for\u00e7a que tem a respectiva objetividade; que tipos m\u00faltiplos, projetados abstratamente mediante esquemas, atendem \u00e0 aspira\u00e7\u00e3o de ordem e pers- pectiva, quando fornecem os quadros concretos at\u00e9 ent\u00e3o adquiridos den- tro de uma conex\u00e3o sistem\u00e1tica. Acima de tudo, por\u00e9m, o que nos conduz, secretamente, \u00e9 o interesse pelas formas humanas'; \u00e9 certa concep\u00e7\u00e3o b\u00e1- sica do homem; \u00e9 a amplitude e plenitude da vis\u00e3o humana."], ["2. Ao passo que a tipologia faz sempre evidente ao nosso entendimento a conex\u00e3o necess\u00e1ria de muitos -fen\u00f4menos, movendo-se, por\u00e9m, no ideal a que a realidade s\u00f3 corresponde de maneira mais ou menos aproxima- tiva, o m\u00e9todo das correla\u00e7\u00f5es pretende estabelecer, empiricamente, o grau mais ou menos acentuado com que certos fen\u00f4menos se ligam entre si; isto \u00e9, com que frequ\u00eancia aparecem concomitantemente, se se medi- rem e contarem. Quando a frequ\u00eancia da coincid\u00eancia \u00e9 tal que existe em todos os casos (100%), d\u00e1-se ao coeficiente de correla\u00e7\u00e3o a grandeza 1; se a coincid\u00eancia for tal que corresponda por puro acaso \u00e0 frequ\u00eancia que \u00e9 de esperar, tem-se a grandeza 0; o grau de correla\u00e7\u00e3o exprime-se, pois, por cifras que v\u00e3o de 0 a 1. Estas correla\u00e7\u00f5es tamb\u00e9m podem ser compreens\u00edveis \u2014 por exemplo, entre qualidades caracteriais \u2014 ou podem dar-nos, incompreensivelmente, a impress\u00e3o de se correlacionarem alguns fen\u00f4menos que para n\u00f3s s\u00e3o heterog\u00eanos. Assim \u00e9 que se procurou encontrar a correla\u00e7\u00e3o entre quali- dades caracteriais pela via estat\u00edstica, contando a frequ\u00eancia com que ocorrem. Esta investiga\u00e7\u00e3o objetiva op\u00f5e-se, portanto, \u00e0quela subjetiva,", "compreensiva, constituindo alguma coisa heterog\u00eanea. Que pode ela ensi- nar-nos? Em primeiro lugar, a frequ\u00eancia da coincid\u00eancia real de qualida- des compreensivelmente conexas; em segundo, a frequ\u00eancia da coincid\u00ean- cia de qualidades que n\u00e3o s\u00e3o conexas para o nosso entendimento. Visto que a quest\u00e3o \u2014 o que \u00e9 \u201cqualidade\u201d \u2014 depende inteiramente do trabalho preliminar da psicologia compreensiva, o c\u00e1lculo da correla\u00e7\u00e3o, neste se- tor, s\u00f3 \u00e9 poss\u00edvel com base na mesma. Nos inqu\u00e9ritos feitos at\u00e9 o mo- mento, as personalidades que preenchem os question\u00e1rios s\u00e3o as em que se emprega a psicologia compreensiva; setor no qual o procedimento tem sido pouco seguido; \u00e9, entretanto, universalmente utiliz\u00e1vel, tendo sido usado em testes de intelig\u00eancia, a fim de descobrir a correla\u00e7\u00e3o ou inde- pend\u00eancia de v\u00e1rios rendimentos intelectivos; usa-se muito, hoje em dia, em pesquisas gen\u00e9ticas e \u00e9 tamb\u00e9m o procedimento com que se pretende provar, objetivamente, o que h\u00e1 de correlacionado nas constitui\u00e7\u00f5es."], ["O defeito do procedimento mostra-se quando se emprega durante muito tempo. As primeiras cifras correlacionais produzem quase sempre forte impress\u00e3o (ganham-se comprova\u00e7\u00f5es reais), mas esta n\u00e3o tarda a en- fraquecer, quando' se nota, dentro de breve prazo, a infinidade das corre- la\u00e7\u00f5es, as quais parecem, de um modo ou doutro, tudo ligar entre si. Per- cebe-se, ent\u00e3o, que as correla\u00e7\u00f5es s\u00e3o de bem pouca valia para o conheci- mento, a 'menos que se apresentem muito fortes. De fato, como tais, elas s\u00e3o vazias, pelo fato de sempre exigirem que se explique donde resulta- ram. S\u00f3 quando h\u00e1 possibilidades de responder \u00e0 indaga\u00e7\u00e3o sobre a base em que se funda a correla\u00e7\u00e3o \u00e9 que esta se torna interessante.", "As tipologias podem convencer pela vivacidade; desiludem pela irreali- dade. As correla\u00e7\u00f5es (na medida em que seja un\u00edvoco aquilo que se conta) convencem pela for\u00e7a probante real, desiludindo, entretanto, pela vacui- dade."], ["As correla\u00e7\u00f5es podem ser absolutas (coeficiente = 0), ou deste aproxi- mar-se \u2014 caso em que s\u00e3o, naturalmente, da maior significa\u00e7\u00e3o; ou po- dem ser relativas (entre 1 e 0) \u2014 caso em que se pode perguntar que signi- fica\u00e7\u00e3o t\u00eam. Podem basear-se em conex\u00e3o distante, que n\u00e3o se perceba, absolutamente como tal nos fatos; por exemplo, rela\u00e7\u00f5es end\u00f3crinas, pos- s\u00edveis de abordar, contudo, de outra forma. Como as correla\u00e7\u00f5es estat\u00edsti- cas entre testes individuais e achados individuais s\u00e3o, apenas, estat\u00edsti- cas, n\u00e3o significando v\u00ednculo necess\u00e1rio; e como s\u00e3o quase sempre de pouca for\u00e7a, descobrem-se subordina\u00e7\u00f5es, as quais se est\u00e3o sempre dis- solvendo, contudo; tanto mais quanto o sentido dos muitos achados indi- viduais n\u00e3o costuma ter o mesmo peso, nem se coloca no mesmo plano."], ["d) A colheita de achados.", "Todos os procedimentos pelos que se estabelecem fatos t\u00eam seu sen-", "tido na eidologia, quando os fatos s\u00e3o capazes de variar individualmente."], ["Especialmente, por\u00e9m, tem-se utilizado, mediante combina\u00e7\u00e3o de \u201ctes-"], ["tes\u201d, o m\u00e9todo das provas experimentais de rendimentos para encontrar tra\u00e7os essenciais elementares que sejam representativos. J\u00e1 Kraepelin chamava \u201cqualidades b\u00e1sicas da personalidade\u201d as qualidades que se po- diam estabelecer por meio de sua curva de trabalho (fatigabilidade, recu- perabilidade, impulsos etc.). Inquirem-se qualidades formais (n\u00e3o de con- te\u00fado) das fun\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas, como celeridade, persevera\u00e7\u00e3o, distraibi- lida.de; confrontam-se a capacidade de prestar aten\u00e7\u00e3o simult\u00e2nea a v\u00e1- rios objetos, a maneira de apreender: se se dirige mais para o todo, ou mais para o particular; a medida em que se confundem formas sob o as- pecto \u00f3ptico-geom\u00e9trico; o grau maior ou menor com que se faz o con- traste subjetivo entre as cores; a capacidade de reconhecer figuras noutra, conex\u00e3o configurativa; a apreens\u00e3o \u00e0 leitura taquistosc\u00f3pica: se se dirige mais para letras do que para quadros verbais no todo; a predile\u00e7\u00e3o de for- mas ou cores \u00e0 percep\u00e7\u00e3o, a capacidade eid\u00e9tica etc."], ["Neste particular, obt\u00eam-se sempre achados quantitativos e relacionam- se-os entre si e com outros. A inten\u00e7\u00e3o \u00e9 descobrir, mediante muitos acha- dos, alguma coisa que estabele\u00e7a correla\u00e7\u00e3o: \u201cformas radicais do existir humano\u201d, \u201cradicais da personalidade\u201d (Kretschmer). Procuram-se encon- trar qualidades b\u00e1sicas que sejam biol\u00f3gicas e, por isto, essencialmente iguais, n\u00e3o-hist\u00f3ricas, atrav\u00e9s dos mil\u00eanios; alguma coisa que seja pene- trante, presente em toda viv\u00eancia, comportamento e produ\u00e7\u00e3o do homem em causa, se bem que inteiramente inespec\u00edfica quanto ao conte\u00fado. Nes- tas investiga\u00e7\u00f5es, subsiste a quest\u00e3o fundamental: se, de fato, esbarramos nalguma coisa desta ordem, ou se giramos em preliminares infinitas, que alcan\u00e7am os instrumentos fisiol\u00f3gicos, mas de forma alguma o pr\u00f3prio ho- mem."], ["\u00a7 1. O Sexo"], ["Preliminares biol\u00f3gico-psicol\u00f3gicas"], ["a) O fen\u00f4meno prim\u00e1rio da sexualidade.", "A divis\u00e3o em dois sexos parece ser tra\u00e7o universal de toda vida."], ["Quando existem, em graus inferiores, esp\u00e9cies em que n\u00e3o se v\u00ea esta divi- s\u00e3o, d\u00e3o-se. no curso das gera\u00e7\u00f5es, processos de uni\u00e3o celular, correspon- dentes \u00e0 uni\u00e3o ulterior de \u00f3vulos e espermatozoides; processos em que universal \u00e9 s\u00f3 a polaridade como tal. H\u00e1 seres vivos inferiores nos quais os gametos podem funcionar, conforme a situa\u00e7\u00e3o, tanto como \u00f3vulos quanto como espermatozoides: por conseguinte, como gametos, ainda s\u00e3o bipola- res. N\u00e3o se prova, todavia, que o concurso da reprodu\u00e7\u00e3o sexual seja ne- cess\u00e1rio, por si, \u00e0 conserva\u00e7\u00e3o da vida. \u00c0 observa\u00e7\u00e3o da degenera\u00e7\u00e3o dos seres unicelulares (quando se faz cessar, atrav\u00e9s de muitas gera\u00e7\u00f5es por divis\u00e3o, a mistura celular) e ao florescimento imediato assim que se resta- belece a c\u00f3pula, op\u00f5e-se a reprodu\u00e7\u00e3o assexuada nalgumas plantas, que pode prosseguir pelo tempo que se queira sem risco de degenera\u00e7\u00e3o. A consequ\u00eancia nada mais \u00e9 do que a monotonia das formas, a macicez da mesmidade; por assim dizer, o nivelamento e a insipidez da vida, que sub- siste sem reprodu\u00e7\u00e3o sexuada e tamb\u00e9m sem movimento que lhe altere as formas. A sexualidade parece ser a fonte da criatividade; e a reprodu\u00e7\u00e3o sexuada, artif\u00edcio da natureza para crear variedade, para desenvolver a fantasia existencial na realiza\u00e7\u00e3o de possibilidades novas. Assim talvez se deva compreender que tudo quanto se relaciona com o sexo oferece opor- tunidades especiais, mas tamb\u00e9m traz perigos avultados. A bastardiza\u00e7\u00e3o leva \u00e0 re-cria\u00e7\u00e3o de formas vitais, mas tamb\u00e9m leva \u00e0 degenera\u00e7\u00e3o; por conseguinte, a mistura pode ser produtiva ou destrutiva. No ser humano, a sexualidade cria a inquieta\u00e7\u00e3o, a exalta\u00e7\u00e3o m\u00e1xima e a decad\u00eancia mais completa; impregna-lhe a vida de fidelidade ou deslealdade \u00e0 ess\u00eancia. A puberdade \u00e9 idade em que muitas doen\u00e7as se iniciam, especialmente; em que tanto o g\u00eanio quanto a hebefrenia come\u00e7am. Todos os fen\u00f4menos se- xuais associam-se a uma quantidade de mol\u00e9stias ps\u00edquicas."], ["Vamos recordar mais ainda a universalidade da rela\u00e7\u00e3o sexual. Sur- preende ver a multiplicidade com que ela se configura concretamente; so- bretudo, nas plantas. Os \u00f3rg\u00e3os sexuais mais n\u00e3o s\u00e3o do que efeito parti- cular da sexualidade, efeito pelo qual a reprodu\u00e7\u00e3o, dependendo do tipo das formas vitais, se realiza, tecnicamente, de maneira t\u00e3o diversa; sem- pre, no entanto, culminando na conjuga\u00e7\u00e3o de \u00f3vulo e espermatozoide. No espa\u00e7o biol\u00f3gico desta multiplicidade dos \u00f3rg\u00e3os sexuais, d\u00e1-se-nos uma contempla\u00e7\u00e3o que faz mais clara, indiretamente, a sexualidade do homem. O ponto essencial ao m\u00e1ximo \u00e9 o seguinte: todos os indiv\u00edduos cont\u00eam, em si, originariamente, a possibilidade dos 4ois sexos.", "Devem-se distinguir os caracteres sexuais de tipo prim\u00e1rio \u2014 as -cri- an\u00e7as j\u00e1 s\u00e3o nitidamente masculinas ou femininas, antes de funcionarem"], ["as gl\u00e2ndulas germinais \u2014 dos caracteres sexuais de tipo secund\u00e1rio, que resultam do funcionamento das gl\u00e2ndulas germinais e s\u00f3 aparecem no ho- mem \u00e0 puberdade. A morfologia e a fisiologia dos \u00f3rg\u00e3os sexuais n\u00e3o es- gota, por conseguinte, a sexualidade. A psicologia do impulso sexual e de suas consequ\u00eancias n\u00e3o esgota a psicologia da vida sexualmente polar.", "O que \u00e9, propriamente, a sexualidade n\u00e3o se pode dizer: Vida e sexua- lidade parecem correlacionar-se. Vemo-la em suas manifesta\u00e7\u00f5es, conse- qu\u00eancias e realiza\u00e7\u00f5es unilaterais, sem maior esclarecimento, por\u00e9m. N\u00e3o representam conhecimento as interpreta\u00e7\u00f5es que se baseiam em \u201cmetaf\u00ed- sica da sexualidade\u201d.", "b) Fatores biol\u00f3gicos das diferen\u00e7as sexuais."], ["Encontra-se entre os cromossomas um par de cromossomas sexuais, que se chama, na parte feminina, XX; na parte masculina, XY. Todos os \u00f3vulos, portanto, levam um cromossoma X; dos espermatozoides, pelo contr\u00e1rio, a metade leva um cromossoma X e a outra metade um cromos- soma Y. Da uni\u00e3o de um \u00f3vulo a um espermatozoide com cromossoma Y originam-se os machos; de um \u00f3vulo a um espermatozoide com cromos- soma X, as f\u00eameas. Homem e mulher distinguem-se at\u00e9 em cada c\u00e9lula: todas as c\u00e9lulas da mulher t\u00eam um par de cromossomas sexuais XX; to- das as c\u00e9lulas do homem, XY. Da\u00ed por que o homem tem em cada c\u00e9lula um cromossoma que falta \u00e0 mulher. A diferen\u00e7a dos sexos n\u00e3o est\u00e1, as- sim, somente, na diferen\u00e7a das gl\u00e2ndulas germinais, dos \u00f3rg\u00e3os sexuais e dos caracteres sexuais secund\u00e1rios, mas \u00e9 \u2014 em fator diminuto \u2014 univer- sal."], ["Doutro lado, os indiv\u00edduos de ambos os sexos cont\u00eam, em sua primeira", "constitui\u00e7\u00e3o (ou disposi\u00e7\u00e3o) todas. as possibilidades da esp\u00e9cie, as quais s\u00f3 se partem em dois sexos no curso do desenvolvimento. Ambos t\u00eam as disposi\u00e7\u00f5es para os dois tipos de \u00f3rg\u00e3os sexuais, para os dois tipos de gl\u00e2ndula germinais. S\u00f3 na evolu\u00e7\u00e3o embrion\u00e1ria \u00e9 que se forma uma das duas disposi\u00e7\u00f5es; a outra degenera a res\u00edduos \u00ednfimos. Esta evolu\u00e7\u00e3o pode faltar em casos raros, surgindo hermafroditas aut\u00eanticos (os quais pos- suem os dois tipos de \u00f3rg\u00e3os sexuais) ou pode acontecer \u2014 nos insetos, pelo menos \u2014 que, ap\u00f3s desenvolvimento inicialmente correto de uma f\u00ea- mea, se desenvolvam, no embri\u00e3o, a partir de certo momento, os \u00f3rg\u00e3os sexuais masculinos num corpo- que era, originariamente, feminino (ma- cho de transforma\u00e7\u00e3o).", "Assim, pois, n\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil, de modo algum, apreender a ess\u00eancia do sexo;"], ["ess\u00eancia que ora parece diferencia\u00e7\u00e3o absolutamente fundamental e dis- criminativa; ora desenvolvimento particular parcial de um todo que, basi- camente, \u00e9 suprassexual. Precavendo-nos de considerar penetrado o enigma do sexo, sabemos, no entanto, que as qualidades dos sexos \u2014 na estrutura corp\u00f3rea, nas fun\u00e7\u00f5es, nos impulsos \u2014 s\u00e3o reguladas, quando menos seja, por tr\u00eas fatores que dependem reciprocamente entre si, mas que n\u00e3o se podem reduzir a um s\u00f3 denominador \u2014 primeiro: o jogo de cro- mossomas das c\u00e9lulas; segundo, os horm\u00f4nios das gl\u00e2ndulas germinais (removendo, isto \u00e9, transplantando gl\u00e2ndulas germinais, Steinach trans- formou porquinhos da \u00edndia jovens de masculinos em femininos e vice- versa; n\u00e3o s\u00f3 se alteraram forma e for\u00e7a muscular, mas os machos femini- zados se tornaram t\u00edmidos e as f\u00eameas masculinizadas, combativas), asso- ciados aos horm\u00f4nios do lobo anterior da hip\u00f3fise e do c\u00f3rtex suprarrenal; terceiro: impulsos partidos do sistema nervoso central, que se mostram origin\u00e1rios do mesenc\u00e9falo (resultantes de tumores capazes de produzir puberdade precoce), ou representando efeitos distantes de processos ps\u00ed- quicos sobre o instinto sexual e seu configuramento."], ["O desenvolvimento sexual realiza-se em passos ou etapas, que consti-", "tuem \u00e9pocas no curso da vida; como \u00e9, sobretudo, a puberdade. Os hor- m\u00f4nios das. gl\u00e2ndulas germinais s\u00e3o os materiais que servem para cu- nhar os caracteres sexuais secund\u00e1rios (no homem, fixa\u00e7\u00e3o das formas corp\u00f3reas especificamente masculinas, crescimento dos \u00f3rg\u00e3os genitais externos, de pelos pubianos e da barba, mudan\u00e7a da voz). Na mulher, a hip\u00f3fise produz um horm\u00f4nio que estimula as gl\u00e2ndulas germinais a que produzam horm\u00f4nios sexuais. Se se remover a hip\u00f3fise de um animal, cessa o amadurecimento sexual. Por que \u00e9 que ocorre, a certo momento, esta etapa evolutiva e o que \u00e9 que a desencadeia, primariamente (pre- sume-se seja o mesenc\u00e9falo secundariamente) \u2014 n\u00e3o se sabe. \u00c9 o mist\u00e9rio do \u201crel\u00f3gio interno que acerta a hora\u201d."], ["O segundo grande passo ou etapa \u00e9 o climat\u00e9rio da mulher: a regres- s\u00e3o das gl\u00e2ndulas germinais e a cessa\u00e7\u00e3o da sexualidade, cuja causa deve estar no ov\u00e1rio. \u00c9 profunda a transforma\u00e7\u00e3o de toda a vida som\u00e1tica. Transforma-se a hip\u00f3fise, \u00e0 falha ovariana. A tempestade da desordem en- d\u00f3crina \u2014 fundamento frequente de mol\u00e9stias nessa \u00e9poca da exist\u00eancia \u2014 acalma-se em novo ajustamento da idade. \u2014 No homem, \u00e9 diferente: conservam-se at\u00e9 o fim da vida a libido e a pot\u00eancia, as quais diminuem, sem desaparecer, no entanto. O que o homem viv\u00eancia, em dist\u00farbios va- somotores, perturba\u00e7\u00f5es circulat\u00f3rias, diminui\u00e7\u00e3o da vitalidade (errada- mente chamado climat\u00e9rio masculino) \u00e9 o come\u00e7o da velhice."], ["c) Diferen\u00e7as sexuais som\u00e1ticas e psicol\u00f3gicas.", "O sexo \u00e9 o tipo de estrutura corp\u00f3rea e constitui\u00e7\u00e3o mais claro e mais definido, j\u00e1 se tendo descrito som\u00e1tica e psicologicamente. Embora influa, por forma ilimitada, sobre o psiquismo, certo \u00e9 que o homem traz em si, oculto e permanente, mais que seu sexo, seu ser inteiro, que se configura num sexo, sem, no entanto, coincidir, em ess\u00eancia, com este sexo. Da\u00ed es- tar-se sempre oscilando entre a sobre estima\u00e7\u00e3o e subestima\u00e7\u00e3o da impor- t\u00e2ncia que se deva dar ao sexo."], ["Tem-se esbo\u00e7ado a ess\u00eancia ps\u00edquica do masculino e do feminino; t\u00eam- se descrito o verdadeiro homem e a verdadeira mulher \u2014 estes s\u00e3o ideais cujo condicionamento derradeiro est\u00e1 no erotismo. Ou t\u00eam-se visto os dois polos como se fossem polos do existir, de tal forma que o ser humano par- ticular, quer homem, quer mulher, vem a ser mistura de qualidades mas- culinas e femininas. Da\u00ed resulta, figuradamente, a possibilidade, por exemplo, de algu\u00e9m com \u00f3rg\u00e3os sexuais femininos ter natureza masculina e feminina, tanto em cis\u00e3o inquieta quanto em s\u00edntese harmoniosa, que, s\u00f3 ela, comp\u00f5e a plenitude do existir humano."], ["Em oposi\u00e7\u00e3o a estas interpreta\u00e7\u00f5es \u2014 que com facilidade variam para o arbitrarismo \u2014 a esta vis\u00e3o art\u00edstica das formas, t\u00eam-se tentado, empiri- camente, determinar diferen\u00e7as pela observa\u00e7\u00e3o e pela enumera\u00e7\u00e3o, o que, diversamente dos tipos constitucionais, deveria afigurar-se f\u00e1cil, neste particular, porque quase todos os seres humanos se distinguem, sem possibilidade de d\u00favida, em homem e mulher, gra\u00e7as aos \u00f3rg\u00e3os se- xuais. O resultado \u00e9, todavia, pouco satisfat\u00f3rio, visto serem tipos ideais o tipicamente masculino e o tipicamente feminino, ideais sujeitos a transfor- ma\u00e7\u00f5es hist\u00f3ricas; jamais tipos m\u00e9dios que resultem da estat\u00edstica. No campo do psiquismo, n\u00e3o se demonstram nem diferen\u00e7as absolutas, que compreendam cada indiv\u00edduo, nem diversidades qualitativas, mas apenas quantitativas, as quais se mostram a cada um de n\u00f3s segundo a impres- s\u00e3o da experi\u00eancia existencial. A estat\u00edstica n\u00e3o tem conseguido acrescen- tar coisa alguma que seja novo, essencialmente, embora possa proporcio- nar ideias mais precisas. Diferen\u00e7a essencial para a psicopatologia \u00e9 a maior emocionalidade da mulher, a maior profundidade de sua capaci- dade vivencial."], ["Das diferen\u00e7as sexuais cujas ra\u00edzes se encontram na constitui\u00e7\u00e3o, ou disposi\u00e7\u00e3o, h\u00e3o de separar-se, naturalmente, as diversidades que repou- sam na situa\u00e7\u00e3o social eventual da mulher."], ["\u00c9 de chamar a aten\u00e7\u00e3o que a demarca\u00e7\u00e3o das diferen\u00e7as sexuais con-"], ["tinue a satisfazer t\u00e3o pouco o conhecimento. Quando cessa a forma\u00e7\u00e3o ideal, sujeita a varia\u00e7\u00f5es hist\u00f3ricas e individuais, da masculinidade e femi- nilidade com base na vis\u00e3o er\u00f3tica, para vantagem do conhecimento cien- t\u00edfico, uma quantidade de posi\u00e7\u00f5es diversas opostas surge, contradit\u00f3rias entre si e, afinal, abrangendo todas as polaridades da vida ps\u00edquica. O que se forma, por fim, \u00e9 um aspecto no qual a polaridade sexual vem a ser, psiquicamente, tal que n\u00e3o se distribui por dois indiv\u00edduos de modo a ex- cluir sempre o contraste, mas, sim, o indiv\u00edduo particular traz em si o con- traste inteiro. Certo \u00e9 que a realiza\u00e7\u00e3o unilateral desloca para segundo plano o outro lado, eventualmente diverso. Repousa, contudo, a tens\u00e3o vi- tal no fato de conservar-se a polaridade, sem a qual a monotonia, o nivela- mento, a estreiteza e a mesquinhez arru\u00ednam, por forma absolutamente unilateral, a pr\u00f3pria exist\u00eancia; pelo contr\u00e1rio, esta culmina quando a po- laridade inteira do indiv\u00edduo se mant\u00e9m em constante movimento."], ["d) O instinto sexual."], ["Libido, seja em que sentido for, como impulso som\u00e1tico ao prazer e ao estado de prazer que se relacione. com contatos cut\u00e2neos, existe desde o lactente at\u00e9 a morte. Mas o instinto sexual \u00e9 produzido, especificamente, pelos horm\u00f4nios das gl\u00e2ndulas germinais; da\u00ed ser radicalmente diverso antes e ap\u00f3s o desenvolvimento das mesmas (puberdade). A crian\u00e7a j\u00e1 apresenta estados de libido, com ideias correspondentes, mas s\u00e3o incom- pletas e qualitativamente diversas. No entanto, uma vez feita a experi\u00eancia do instinto sexual, parece este subsistir, mesmo que as gl\u00e2ndulas germi- nais cessem de funcionar. Entre os castrados tardios, existem alguns que conservam absolutamente o instinto sexual e a capacidade de realizar o ato sexual, conquanto aqueles que s\u00e3o castrados em tenra idade se sin- tam \u201cfrios\u201d sem exce\u00e7\u00e3o. Ninon de Lericlos dizem ter mantido atividade se- xual at\u00e9 os setenta anos. Da\u00ed resulta ser o instinto sexual condicionado, certamente, em sua ess\u00eancia, pelos horm\u00f4nios das gl\u00e2ndulas germinais, tendo, por\u00e9m, outras fontes e estrutura complexa. A libido tamb\u00e9m pode ser excitada, sem horm\u00f4nios, pelo sistema nervoso central e aut\u00f4nomo, bem como pela psique. De modo normal, contudo, esse ciclo hormonial \u2014 seu efeito sobre as gl\u00e2ndulas germinais e, principalmente, sobre a psique \u2014 funciona em estimula\u00e7\u00e3o rec\u00edproca, quando o ciclo \u00e9 excitado de qual- quer ponto. O estado de libido \u00e9 estado excitat\u00f3rio qualitativamente pecu- liar, que inclui o corpo inteiro; que o modifica em seu sentimento vital de si mesmo."], ["Coisa diversa da libido, que, em ess\u00eancia, \u00e9 sempre igual, vem a ser a", "dire\u00e7\u00e3o do instinto, a dire\u00e7\u00e3o segundo a qual ele atua e que depende de pensamentos e experi\u00eancias. Esta dire\u00e7\u00e3o do instinto e a maneira por que, principalmente, se fazem sentir os est\u00edmulos (a partir das zonas er\u00f3genas da pele, das sensa\u00e7\u00f5es visuais, auditivas, olfativas) variam de indiv\u00edduo para indiv\u00edduo. E a diversidade repousa em viv\u00eancias casuais, na fixa\u00e7\u00e3o de experi\u00eancias precoces e primeiras, em associa\u00e7\u00f5es, h\u00e1bitos; repousa tamb\u00e9m na modalidade dos recalques, talvez enraizando-se em toda a per- sonalidade som\u00e1tica e ps\u00edquica do homem particular."], ["Fen\u00f4meno b\u00e1sico ao homem \u00e9 o fato de que n\u00e3o possui, como os ani- mais, uma sexualidade que se satisfa\u00e7a impulsiva, desinibidamente, em certos per\u00edodos de cio; mas v\u00ea sua excitabilidade sexual existindo perma- nentemente, sujeita a ordens, inibi\u00e7\u00f5es, restri\u00e7\u00f5es for\u00e7adas, cujas formas variam \u2014 \u00e9 certo \u2014 extraordinariamente desde os povos naturais at\u00e9 to- dos aqueles civilizados, sempre presentes, contudo, de qualquer maneira. Existem, universalmente, discord\u00e2ncias radicais entre os impulsos que re- sultam do fato biol\u00f3gico e as exig\u00eancias sociais, morais e religiosas; discor- d\u00e2ncias certamente irremov\u00edveis. Suprimidas, reaparecem, imediatamente, sob outra forma."], ["Mas se sua sexualidade se realiza de modo puro, o homem tem ante si a totalidade de seu existir em corpo-alma. A unidade de corpo e alma, que, quanto ao mais, \u00e9 quase sempre problema para sua medita\u00e7\u00e3o, apresenta- se, aqui, sob. o aspecto de destino que o apreende, mas que tamb\u00e9m \u00e9 por ele sempre apreendido; mais importante e decisivo ainda do que mesmo uma doen\u00e7a que o modifique. Da sexualidade vital ao amor, passando pelo erotismo cultivado, uma conex\u00e3o existe, ligando as diferen\u00e7as de sentido. J\u00e1 se tem dito que a sexualidade \u00e9 universal em seu efeito sobre o corpo e a alma: o homem caracteriza-se, at\u00e9 as ramifica\u00e7\u00f5es mais remotas de sua vida ps\u00edquica, por sua sexualidade. Todas as concep\u00e7\u00f5es, pensamentos, rumos impulsivos, todas as viv\u00eancias podem tomar colorido er\u00f3tico; mas n\u00e3o h\u00e1, a\u00ed, evento meramente passivo, porque esta determinante universal continua a' ser, ao mesmo tempo, material da personalidade que mant\u00e9m sua composi\u00e7\u00e3o e efeito com base em fontes diversas das que se acham na sexualidade. \u00c9 da\u00ed que se origina, de um lado, a discord\u00e2ncia, permanente \u2014 oculta, durante certo tempo, na embriaguez e na felicidade moment\u00e2- neas \u2014 como tamb\u00e9m se origina uma quantidade de descarrilamentos, anormalidades, mol\u00e9stias; de outro lado, realiza-se um configuramento, que sabe ser erro qualquer isolamento, quer sexual, quer ideal; erro que se paga caro com sofrimentos, tumultos, paix\u00f5es m\u00f3rbidas e desenganos."], ["O instinto n\u00e3o pode ser igual nos dois sexos. Do mesmo modo que o corpo \u00e9 diferenciado sexualmente, assim tamb\u00e9m o \u00e9 a viv\u00eancia er\u00f3tico-se- xual.", "e) Hist\u00f3rico da investiga\u00e7\u00e3o concernente \u00e0 sexualidade e suas anormali-"], ["dades.", "A investiga\u00e7\u00e3o m\u00e9dica sexual s\u00f3 come\u00e7ou, realmente, na segunda me- tade do s\u00e9culo XIX. Seguindo-se a observa\u00e7\u00f5es particulares iniciais, s\u00f3 en- t\u00e3o \u00e9 que apareceram os estudos amplos e as descri\u00e7\u00f5es pormenorizadas (expostas nos trabalhos de Krafft-Ebing, Havelock Ellis, Moll, Furbringer, L\u00f5wenfeld, Bloch, Hirschfeld, Rohleder e outros); veio, depois a informa\u00e7\u00e3o etnol\u00f3gica: Kraus e outros, por fim, os psicanalistas. Ao lado disso tudo, foi s\u00f3 no s\u00e9culo atual que se realizou a pesquisa biol\u00f3gica dos fatos som\u00e1- ticos do sexo, com seus extraordin\u00e1rios resultados (pesquisas gen\u00e9ticas e hormoniais). Assim se conseguiram material copioso de fatos e perspecti- vas amplas sobre toda a sexualidade dos seres vivos, sobre a sexualidade humana e sobre o amor sexual."], ["Mais do que simples pesquisa existe nesses movimentos visando \u00e0 in- vestiga\u00e7\u00e3o. \u00c9 do que d\u00e1 testemunho a divulga\u00e7\u00e3o dos livros m\u00e9dicos sobre sexualidade, al\u00e9m do fato de isso tudo haver interessado vastos c\u00edrculos. A obscuridade, espec\u00edfica ao Ocidente crist\u00e3o, que velava tudo quanto fosse sexual engendrou, \u00e0 \u00e9poca em que a f\u00e9 esmorecia, embora ainda se con- servassem certas conven\u00e7\u00f5es provindas dos tempos religiosos, uma curio- sidade que caracteriza esta literatura do s\u00e9culo XIX; e com ansiedade de revela\u00e7\u00e3o que, pela psican\u00e1lise, se agitou em fantasias irreais. Esse movi- mento cient\u00edfico mesmo transformou-se em fator hist\u00f3rico da modalidade por que se realizou a vida sexual. Dissocia\u00e7\u00f5es, decep\u00e7\u00f5es, novas gratifica- \u00e7\u00f5es, liberta\u00e7\u00e3o dos instintos e configuramento dos mesmos segundos pontos de vista que se reconheceram, presumidamente, cient\u00edficos, relaci- onados com psicologismo subalterno, vieram a associar-se a esta litera- tura, que tem, em conjunto \u2014 \u00e9 certo \u2014 caracter\u00edsticas muito variadas, imposs\u00edveis de reduzir a um mesmo denominador, mas repulsivas em larga extens\u00e3o; caracter\u00edsticas das quais s\u00f3 em nossos dias se h\u00e3o de ex- trair, por forma esclarecedora, os verdadeiros resultados investigativos."], ["As anomalias e doen\u00e7as ps\u00edquicas relacionadas com o sexo devem apresentar-se conforme uma s\u00e9rie de pontos de vista essencialmente di- versos:", "a) A diversidade com que as doen\u00e7as ps\u00edquicas incidem nos dois"], ["sexos.", "Kraepelin determinou, mediante estat\u00edstica de longos anos concernente"], ["a interna\u00e7\u00f5es em sua cl\u00ednica, algumas revela\u00e7\u00f5es quantitativas n\u00e3o desti- tu\u00eddas de interesse. Em resumo, resulta, com refer\u00eancia \u00e0 idade: Entre 20 e 25 anos, adoecem mais mulheres do que homens (mais ou menos 60 para 40%); entre 40 e 45, mais homens do que mulheres (cerca de 40 para 60%); acima de 50 anos, a rela\u00e7\u00e3o \u00e9, aproximadamente, a mesma, at\u00e9 que, na idade avan\u00e7ada, as mulheres voltam a preponderar (por causa de sua maior longevidade, segundo Kraepelin). Quanto ao particular, os homens adoecem, preponderantemente, de alcoolismo, paralisia geral, epilepsia; em psicose man\u00edaco-depressiva, adoecem preponderantemente as mulhe- res (todavia, a mania \u00e9 mais frequente nos homens; a depress\u00e3o, nas mu- lheres), ao passo que, na esquizofrenia, a participa\u00e7\u00e3o \u00e9 a mesma. Kraepe- lin enfatiza a frequ\u00eancia e a gravidade consideravelmente maiores dos es- tados de excita\u00e7\u00e3o nas enfermarias femininas (avaliando-se pelo uso da escopolamina e pelo n\u00famero de banhos cont\u00ednuos); tamb\u00e9m enfatiza a fre- qu\u00eancia muito maior nas mulheres da recusa de alimento e da conse- quente necessidade de alimenta\u00e7\u00e3o por sonda."], ["Nas mulheres, s\u00e3o relativamente poucos os suic\u00eddios e poucos, os cri-", "mes. Nelas s\u00e3o mais frequentes os estados hist\u00e9ricos, as manifesta\u00e7\u00f5es re- ativas e neur\u00f3ticas.", "b) As fases et\u00e1rias da sexualidade e os fen\u00f4menos da reprodu\u00e7\u00e3o."], ["Determinam a puberdade, de forma decisiva, o desenvolvimento das", "gl\u00e2ndulas germinais e as respectivas consequ\u00eancias; revolu\u00e7\u00e3o esta da vida som\u00e1tico-ps\u00edquica que \u00e9 o in\u00edcio de doen\u00e7as mentais. Constitui dis- t\u00farbio especial a ocorr\u00eancia extempor\u00e2nea da puberdade. Existe uma pre- cocidade maturativa constitucional, valendo^ como base a ra\u00e7a, o clima, a disposi\u00e7\u00e3o individual. N\u00e3o \u00e9 doen\u00e7a que ocorre, a bem dizer, mas, antes, desenvolvimento normal, s\u00f3 que a tempo desacostumado. Outra \u00e9 a situa- \u00e7\u00e3o quando a causa da puberdade precoce reside na produ\u00e7\u00e3o prematura de horm\u00f4nios pelas gl\u00e2ndulas de secre\u00e7\u00e3o interna. Distinguem-se uma puberdade precoce hormonial, em caso de tumores das gl\u00e2ndulas germi- nais, das suprarrenais, e outra nervoso-central, quando h\u00e1 tumor da gl\u00e2n- dula pineal e do c\u00e9rebro. Nestes casos, o estado m\u00f3rbido caracteriza-se sempre pelo fato de a maturidade ps\u00edquica correspondente n\u00e3o acompa- nhar o amadurecimento som\u00e1tico no sentido do desenvolvimento sexual."], ["O climat\u00e9rio feminino acarreta, com a atrofia dos ov\u00e1rios, a cessa\u00e7\u00e3o da capacidade reprodutiva. O fen\u00f4meno determina ainda uma tempestade", "passageira no entrejogo das a\u00e7\u00f5es end\u00f3crinas rec\u00edprocas, pela falta dos horm\u00f4nios ovarianos; falta que influencia, retroativamente, a hip\u00f3fise e todo o sistema end\u00f3crino, este, por sua vez, influindo no funcionamento do sistema nervoso vegetativo. Da\u00ed ocorrem, nesse per\u00edodo, frequentes de- sordens do sistema nervoso vegetativo (dist\u00farbios vasomotores, \u201condas de calor\u201d, altera\u00e7\u00f5es da press\u00e3o arterial etc.). Ocasionalmente, desenvolvem- se caracter\u00edsticas masculinas: a voz engrossa, crescem pelos no queixo e no l\u00e1bio superior. Tamb\u00e9m \u00e9 frequente iniciarem-se psicoses, sem que as causas reais das mesmas estejam no climat\u00e9rio. Fazem-se mais intensas as manifesta\u00e7\u00f5es psicop\u00e1ticas. Decorridos os anos climateriais, melhoram as manifesta\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas.", "A cren\u00e7a popular sobre-estima demais os perigos do climat\u00e9rio. Ces-"], ["sam a capacidade de reprodu\u00e7\u00e3o e, ao mesmo tempo, a menstrua\u00e7\u00e3o, sem, entretanto, desaparecerem, de modo algum, todas as possibilidades er\u00f3ticas. O climat\u00e9rio n\u00e3o \u00e9, em absoluto, cat\u00e1strofe para a mulher, pois correspondem \u00e0 sua natureza novas possibilidades evolutivas.1 Nem \u00e9 \u201ccat\u00e1strofe biol\u00f3gica para a mulher\u201d (Kehrer). Parte consider\u00e1vel dos aba- los repousa no comportamento em rela\u00e7\u00e3o ao processo natural e \u00e0 suges- t\u00e3o da cren\u00e7a popular."], ["A vida sexual da mulher imp\u00f5e-lhe exig\u00eancias cont\u00ednuas, durante o pe- r\u00edodo da maturidade, ao contr\u00e1rio do que se d\u00e1 com o homem. Os per\u00edodos menstruais, manifestam-se, em muitos tipos de doen\u00e7as ps\u00edquicas e esta- dos psicop\u00e1ticos, pela piora dos sintomas; \u00e0s vezes, uma doen\u00e7a s\u00f3 existe em conex\u00e3o com o catam\u00eanio. Em transi\u00e7\u00f5es at\u00e9 a normalidade, a mens- trua\u00e7\u00e3o acarreta: mau- humor, irritabilidade, tend\u00eancias paranoides; alte- ra\u00e7\u00f5es nervosas geralmente transit\u00f3rias, logo desaparecendo com o in\u00edcio da menstrua\u00e7\u00e3o. Os processos da gesta\u00e7\u00e3o (gravidez, puerp\u00e9rio, lacta\u00e7\u00e3o), juntamente com as modifica\u00e7\u00f5es de todo o organismo, tamb\u00e9m acarretam dist\u00farbios ps\u00edquicos, vindo a constituir causa, por vezes, em mulheres predispostas, de verdadeiras psicoses. Segundo Kraepelin, mais de 14% de todos os dist\u00farbios mentais das mulheres s\u00e3o psicoses da gesta\u00e7\u00e3o, sendo 3% psicoses da gravidez, 6,8% psicoses do puerp\u00e9rio, 4,9% psicoses da lacta\u00e7\u00e3o. Ora se observam psicoses de tipo amencial, ora fases desenvolvi- das da loucura man\u00edaco-depressiva; por fim, conexos com o puerp\u00e9rio, processos demenciais em incep\u00e7\u00e3o. Devemos procurar a causa verdadeira destes fen\u00f4menos m\u00f3rbidos na constitui\u00e7\u00e3o. O puerp\u00e9rio tem, apenas, sig- nifica\u00e7\u00e3o de fator desencadeante. \u2014 Entre as anomalias da vida ps\u00edquica, durante a gravidez (hipersensibilidade olfativa, sentimentos de nojo, anti-"], ["patias, instabilidade do humor) e as psicoses grav\u00eddicas n\u00e3o existe transi- \u00e7\u00e3o, de modo que Steiner n\u00e3o notou efeito algum sobre a gravidez em mu- lheres psic\u00f3ticas que haviam emprenhado, e sim as mesmas anomalias que nas mulheres sadias.", "c) Dist\u00farbios do instinto sexual.", "A quantidade quase inumer\u00e1vel das anormalidades do instinto sexual,"], ["em virtude da dire\u00e7\u00e3o particular que toma em cada caso, e as formas em que se realiza d\u00e3o testemunho da import\u00e2ncia deste instinto e da capaci- dade inventiva do homem. Mas nenhuma das anormalidades se deve \u00e0 na- tureza das gl\u00e2ndulas germinais, e sim a um configuramento do instinto por outras conex\u00f5es; principalmente, ps\u00edquicas. \u00c9 o que prova o fato de a castra\u00e7\u00e3o nunca suprimir a pervers\u00e3o que dirige o instinto, mas apenas diminuir a intensidade da impuls\u00e3o, a libido. Em consequ\u00eancia da dimi- nui\u00e7\u00e3o da libido, a pervers\u00e3o talvez perca sua agressividade, a incontrola- bilidade, sem, no entanto, influenciar a pervers\u00e3o em si (Wolf). Dentre as m\u00faltiplas dire\u00e7\u00f5es que o instinto segue discutiremos, apenas, umas tantas manifesta\u00e7\u00f5es que t\u00eam import\u00e2ncia b\u00e1sica."], ["1. Masturba\u00e7\u00e3o. Quando o instinto sexual \u00e9 forte e n\u00e3o h\u00e1 possibili- dade de satisfa\u00e7\u00e3o natural, principalmente na juventude, a masturba\u00e7\u00e3o \u00e9 fen\u00f4meno normal (masturba\u00e7\u00e3o compensat\u00f3ria, Forel). O que se diz dos efeitos patol\u00f3gicos da masturba\u00e7\u00e3o \u00e9 errado. A masturba\u00e7\u00e3o excessiva n\u00e3o \u00e9 causa de doen\u00e7a, mas pode ser sintoma da mesma (por exemplo, na he- befrenia). A significa\u00e7\u00e3o da masturba\u00e7\u00e3o est\u00e1 nas conex\u00f5es compreens\u00ed- veis, na experi\u00eancia da derrota e perda da dignidade. Podem da\u00ed partir ideias persecut\u00f3rias e referenciais (como se os outros, estando informados, desprezassem, zombassem do indiv\u00edduo que se masturba); n\u00e3o \u00e9, por\u00e9m, a masturba\u00e7\u00e3o que causa estas ideias.", "2. Pervers\u00f5es. Fala-se em fetichismo quando a excita\u00e7\u00e3o sexual se liga", "a certos objetos, como sapatos, tran\u00e7as etc. Fala-se em sadismo e maso- quismo quando o prazer sexual depende do sofrimento que se inflige, ao mesmo tempo, ao parceiro ou do sofrimento que por ele \u00e9 infligido; da mesma forma se denominam muitas, outras pervers\u00f5es. Al\u00e9m disso, Freud afirmou a possibilidade de a libido transformar-se em impulsos e comportamentos aparentemente sem sentido algum, bem como sustentou haver conex\u00f5es entre pervers\u00e3o e conduta existencial (o er\u00f3tico-anal ser\u00e1 pedante, ordeiro, econ\u00f4mico, obstinado e obsessivamente asseado): uma quantidade de condutas humanas entendem-se como consequ\u00eancia de pervers\u00e3o do instinto sexual. Pode ser que seja. Todavia, o fato de todos os"], ["homens (com poucas exce\u00e7\u00f5es) terem instinto sexual atuante; de ocorre- rem dist\u00farbios com extraordin\u00e1ria frequ\u00eancia, dando a impress\u00e3o de des- vios e desarmonias, e, no entanto, as convers\u00f5es que chamam a aten\u00e7\u00e3o (complexo de parric\u00eddio etc.), com as doen\u00e7as nervosas correspondentes, serem raros \u2014 este fato prova que, na medida em que sejam verdadeiras as descri\u00e7\u00f5es freudianas, se trata de maneiras peculiares pelas quais se elaboram as viv\u00eancias sexuais; maneiras que n\u00e3o s\u00e3o caracter\u00edsticas da sexualidade humana, e sim de certas disposi\u00e7\u00f5es, personalidades, situa- \u00e7\u00f5es. N\u00e3o. se comprovam as generaliza\u00e7\u00f5es.", "As pervers\u00f5es n\u00e3o s\u00e3o, por\u00e9m, em si, inevitabilidades meramente con-"], ["g\u00eanitas, mas resultados. de experi\u00eancias, h\u00e1bitos, inclina\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas em certas personalidades. Da\u00ed serem de analisar- se conforme o caso par- ticular, corrig\u00edveis em parte, conexas n\u00e3o s\u00f3 com o instinto sexual, mas com o pr\u00f3prio destino existencial interno do homem. \u00c9 o que indica o fato de as pervers\u00f5es terem o car\u00e1ter de v\u00edcio (v. Gebsatel), apresentando-se, em geral, com muito mais for\u00e7a do que o impulso sexual normal."], ["Embora talvez existam casos em que a dire\u00e7\u00e3o pervertida do- instinto", "sexual n\u00e3o marque, necessariamente, a personalidade total, de forma a mudar-lhe a ess\u00eancia, certo \u00e9, entretanto, que, havendo disposi\u00e7\u00f5es sexu- ais anormais, j\u00e1 se constatam varia\u00e7\u00f5es profundas da constitui\u00e7\u00e3o essen- cial em algumas personalidades peculiarmente frias, assexuais, bem como nalguns homossexuais notavelmente sens\u00edveis, requintados, os quais veem, contudo, o mundo inteiro sob luz diferente."], ["3. Homossexualismo. N\u00e3o se pode \u2014 \u00e9 evidente \u2014 considerar os ho- mossexuais sob um denominador comum. Da homossexualidade aciden- tal, como compensa\u00e7\u00e3o (correspondendo \u00e0 masturba\u00e7\u00e3o compensat\u00f3ria), todas as transi\u00e7\u00f5es existem at\u00e9 os h\u00e1bitos, que se enra\u00edzam de forma a constituir pervers\u00e3o. A quest\u00e3o, entretanto, \u00e9 se existe, al\u00e9m desta, uma homossexualidade de natureza absolutamente diversa, que se baseie n\u00e3o na biografia e na pr\u00e1tica pervertida, e sim na complex\u00e3o som\u00e1tica da constitui\u00e7\u00e3o sexual. Haveria uma sexualidade prim\u00e1ria \u2014 ou origin\u00e1ria \u2014 que se manifes- taria na dire\u00e7\u00e3o do instinto para o sexo masculino ou feminino, indepen- dentemente de o indiv\u00edduo em causa ter gl\u00e2ndulas sexuais masculinas ou femininas. N\u00e3o s\u00e3o os horm\u00f4nios das gl\u00e2ndulas sexuais que orientam o instinto (apenas erotizam); a dire\u00e7\u00e3o do instinto deve ter fundamento na psique, ou na sexualidade, est\u00e1 a localizar-se no sistema nervoso central,", "se \u00e9 que se localiza. A quest\u00e3o, ent\u00e3o, \u00e9 se \u00e9 poss\u00edvel da esp\u00e9cie de gl\u00e2ndu- las sexuais separar a dire\u00e7\u00e3o do instinto; ao que responde a teoria dos in- tersexos de Goldschmidt. Admite este possu\u00edrem os fatores da masculini- dade e da feminilidade val\u00eancias diversamente fortes, as quais significam a for\u00e7a com que um ou outro fator da sexualidade prevalece no desenvolvi- mento som\u00e1tico-ps\u00edquico. Quando, ent\u00e3o, se cruzam ra\u00e7as com fatores de valor desigual, aparecem intersexos pelo fato de produzir-se, na evolu\u00e7\u00e3o embrion\u00e1ria precoce, uma invers\u00e3o de sexo, devido \u00e0 a\u00e7\u00e3o de uma val\u00ean- cia mais forte do fator de sexualidade oposto. Uma f\u00eamea origin\u00e1ria trans- forma-se, assim, em macho. O indiv\u00edduo tornou-se, ent\u00e3o, masculino em seus \u00f3rg\u00e3os sexuais, tendo, contudo, em suas c\u00e9lulas o jogo de cromosso- mas femininos (macho de transforma\u00e7\u00e3o). Conserva-se a feminilidade ori- gin\u00e1ria ou prim\u00e1ria, apesar de se desenvolverem \u00f3rg\u00e3os sexuais masculi- nos. A mistura de masculino e feminino depende do momento em que se deu a invers\u00e3o. Pode at\u00e9 acontecer, em casos raros, que se desenvolvam tanto uns quanto outros \u00f3rg\u00e3os sexuais (hermafroditismo de todos os graus). O homossexualismo aut\u00eantico que assim aparece \u00e9 coisa radical- mente diversa da altera\u00e7\u00e3o hormonialmente condicionada dos caracteres sexuais; por exemplo, o virilismo nas mulheres, ap\u00f3s doen\u00e7as das gl\u00e2ndu- las germinais ou das suprarrenais."], ["Que o homossexualismo n\u00e3o tenha base nas gl\u00e2ndulas germinais, nem", "seja hormonial \u00e9 certo; a castra\u00e7\u00e3o ou o tratamento com horm\u00f4nios sexu- ais n\u00e3o influi na dire\u00e7\u00e3o homossexual do instinto.", "Mas que a teoria de Goldschmidt \u2014 plaus\u00edvel para o objeto de suas pesquisas, os insetos \u2014 seja correta para o homem, n\u00e3o se prova. As in- vestiga\u00e7\u00f5es amplas de Theo Lang testaram-na com um resultado que, \u00e0 primeira impress\u00e3o, se afigura quase convincente, sem conclusividade ul- terior, por\u00e9m. Eis como pensa Lange:"], ["Se uma parte dos homossexuais masculinos s\u00e3o machos de transfor- ma\u00e7\u00e3o, deve haver entre os irm\u00e3os deles mais homens do que mulheres, visto que a propor\u00e7\u00e3o dos sexos \u00e9, em m\u00e9dia, de 100 meninas para 105 meninos. Os homens homossexuais que s\u00e3o machos de transforma\u00e7\u00e3o se- riam de contar-se, sob o aspecto gen\u00e9tico, entre os nascimentos femininos; nessas fam\u00edlias, parte dos indiv\u00edduos geneticamente femininos ocultar-se- ia no meio dos casos que, de princ\u00edpio, se consideram externamente mas- culinos; e estes faltariam, pois, na cifra das mulheres. A estat\u00edstica que ter\u00e1 tomado, como material inicial, homossexuais registrados em v\u00e1rias grandes cidades veio, ent\u00e3o, a mostrar, sem exce\u00e7\u00e3o, o forte deslocamento,"], ["que era de esperar conforme a teoria, da propor\u00e7\u00e3o entre os sexos dos ir- m\u00e3os para o lado dos homens; o que pareceu confirmar, brilhantemente, a teoria. Mas Lange pensou ainda da seguinte forma: Os machos de trans- forma\u00e7\u00e3o s\u00f3 podem ter filhos femininos, de acordo com sua f\u00f3rmula ger- minal XX (que h\u00e3o de ter como f\u00eameas prim\u00e1rias). Verificou os filhos de homossexuais casados: a propor\u00e7\u00e3o entre meninos e meninas mostrou-se, em contr\u00e1rio \u00e0 expectativa, plenamente normal. Isso se compreenderia, se os homossexuais casados fossem, sem exce\u00e7\u00e3o, homossexuais n\u00e3o-aut\u00ean- ticos, o que se exprimiria, a seu turno, no fato de seus irm\u00e3os n\u00e3o apre- sentarem o deslocamento da propor\u00e7\u00e3o sexual, como acontece com os ir- m\u00e3os dos homossexuais aut\u00eanticos. Lang verificou, entretanto, que, tam- b\u00e9m no caso, o deslocamento ocorria, embora n\u00e3o fosse t\u00e3o marcado; em certos casos, \u201caproximava-se muito da normalidade\u201d."], ["d) Efeitos da castra\u00e7\u00e3o.", "Chama-se esteriliza\u00e7\u00e3o a supress\u00e3o da capacidade reprodutiva pela in- terrup\u00e7\u00e3o cir\u00fargica dos condutos ovulares ou esperm\u00e1ticos. Nem se altera o ato sexual, nem se d\u00e3o, por via causal, consequ\u00eancias som\u00e1ticas ou ps\u00ed- quicas, visto permanecer intata a secre\u00e7\u00e3o interna das gl\u00e2ndulas sexuais. Chama- se castra\u00e7\u00e3o a remo\u00e7\u00e3o das pr\u00f3prias gl\u00e2ndulas sexuais. Experi\u00ean- cias extensas s\u00f3 h\u00e1 a respeito da castra\u00e7\u00e3o de homens, distinguindo- se os castrados precoces (remo\u00e7\u00e3o dos test\u00edculos antes da puberdade) e os cas- trados tardios (remo\u00e7\u00e3o ap\u00f3s a puberdade). Em ambos os casos, o efeito \u00e9 radicalmente diverso."], ["Castrados precoces. Suspendem-se a puberdade e todo o processo nor- mal de amadurecimento do menino em homem. A voz continua aguda, os pelos ficam os mesmos que no menino. N\u00e3o h\u00e1 libido, nem pot\u00eancia. O corpo, alterado o crescimento normal toma-se peculiarmente longo; bra\u00e7os e pernas, excessivamente longos (crescimento eunuc\u00f3ide); esbelto na mo- cidade, gordo na velhice. O desenvolvimento intelectual e mental n\u00e3o so- fre, mas um sentimento de inferioridade influi sobre o car\u00e1ter. Afirma-se que estes castrados se tornam desconfiados, ap\u00e1ticos, covardes e vingati- vos."], ["Castrados tardios: J\u00e1 terminado, o desenvolvimento da puberdade n\u00e3o", "retrocede pela castra\u00e7\u00e3o. Subsiste a libido quase sempre, embora forte- mente diminu\u00edda, a pot\u00eancia conserva-se, muitas vezes. As altera\u00e7\u00f5es ps\u00ed- quicas n\u00e3o s\u00e3o, de modo algum, un\u00edvocas. A atitude em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 castra- \u00e7\u00e3o involuntariamente sofrida, por for\u00e7a de les\u00f5es, ou afinal consentida", "desempenha grande papel. Wolf observou, com certa frequ\u00eancia, o se- guinte: irritabilidade \u2014 diminu\u00edda em 7 casos; aumentada, em 19; \u00e9 fre- quente melhorarem os estados nervosos, embora a castra\u00e7\u00e3o traum\u00e1tica os possa provocar. Wolf estabelece, baseado em suas numerosas observa- \u00e7\u00f5es, n\u00e3o ser exato que os castrados se mostrem, em geral, indolentes, ap\u00e1ticos e vegetativos; n\u00e3o existe tipo de castrado entre os que sofrem a opera\u00e7\u00e3o ap\u00f3s a puberdade, conquanto o m\u00e9dico os reconhe\u00e7a, muitas ve- zes, \u00e0 primeira vista."], ["\u00a7 2. Constitui\u00e7\u00e3o"], ["a) Conceito e ideia de constitui\u00e7\u00e3o."], ["Chama-se constitui\u00e7\u00e3o, em patologia som\u00e1tica, o todo da vida corp\u00f3rea", "de um indiv\u00edduo, ou de um tipo em sua peculiaridade, na medida em que este todo \u00e9 permanente. Todas as fun\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas t\u00eam rela\u00e7\u00f5es entre si; o todo infinito destas rela\u00e7\u00f5es, do qual cada fun\u00e7\u00e3o particular por sua vez depende, do mesmo modo que o condiciona, \u00e9 a ideia de constitui\u00e7\u00e3o. A express\u00e3o vis\u00edvel da constitui\u00e7\u00e3o \u00e9 o h\u00e1bito, o qual se comporta relativa- mente \u00e0 constitui\u00e7\u00e3o \u201ctal qual o complexo sintom\u00e1tico relativamente \u00e0 do- en\u00e7a\u201d (Wunderlich). A ideia de constitui\u00e7\u00e3o como um todo \u00e9 indestrut\u00edvel; de todas as an\u00e1lises de fun\u00e7\u00f5es particulares sempre a ela a pesquisa re- toma."], ["Se se quiser descrever uma constitui\u00e7\u00e3o ps\u00edquica, estar\u00e1 ela no todo que se experimenta em unidade indissol\u00favel com o corpo. A constitui\u00e7\u00e3o parece ter a mais estreita rela\u00e7\u00e3o com conceitos tais como o quanto da energia ps\u00edquica, a dissociabilidade das fun\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas, a excitabili- dade, a fatigabilidade, a for\u00e7a de resist\u00eancia, a modalidade reacional etc.; mais ainda, com conceitos tais como a intoler\u00e2ncia ao \u00e1lcool, a idiossin- crasia; mais ainda: com a consci\u00eancia de si mesmo baseada no corpo, com o humor b\u00e1sico; mais ainda: com o h\u00e1bito fisiognom\u00f4nico do corpo, com as modalidades de movimento e apresenta\u00e7\u00e3o, com o ritmo dos movimen- tos e dos processos internos.", "Estas indica\u00e7\u00f5es provis\u00f3rias necessitam, por\u00e9m, discuss\u00e3o mais deta-"], ["lhada.", "1. O todo \u00fanico. Se se quiser apreender a constitui\u00e7\u00e3o, s\u00f3 poder\u00e1 ser pelo particular. Quando se acredita haver apreendido um todo de fen\u00f4me- nos som\u00e1ticos ou ps\u00edquicos em sua estrutura, \u00e9 apenas um todo que se apreende, e n\u00e3o o todo, o qual parece retroceder quanto mais se penetra e", "quanto mais decisivamente se quisera apreend\u00ea-lo. Este todo vem a ser, por\u00e9m, exatamente, a ideia de constitui\u00e7\u00e3o, a unidade que cont\u00e9m todo o particular, que lhe d\u00e1 seu colorido e significa\u00e7\u00e3o espec\u00edficos. Os todos par- ciais j\u00e1 s\u00e3o, decerto, fatores ordenativos de muitas fun\u00e7\u00f5es particulares, eles pr\u00f3prios sendo, por sua vez, elementos da unicidade que tudo abrange, da constitui\u00e7\u00e3o \u00fanica. Se eu chamar constitui\u00e7\u00e3o \u201ca complex\u00e3o corp\u00f3rea que repousa na totalidade das caracter\u00edsticas e modalidades rea- tivas som\u00e1ticas e ps\u00edquicas, peculiar ao homem particular\u201d (Johannsen), ainda n\u00e3o terei, com isso, atingido aquilo que comp\u00f5e, a bem dizer, a uni- dade. Pode-se tentar determin\u00e1-la, expressamente, por exemplo, da se- guinte maneira:"], ["aa) A unidade corpo-alma. A unicidade n\u00e3o \u00e9 nem o som\u00e1tico, nem o ps\u00edquico, e sim o que em ambos se manifesta e o que n\u00e3o \u00e9 nem. som\u00e1- tico, nem ps\u00edquico, mas a pr\u00f3pria vida. Esta unicidade baseia-se no in- consciente, donde influi sobre todas as fun\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas e sobre a com- plex\u00e3o ps\u00edquica."], ["Entretanto, essa unidade nunca existe para n\u00f3s no todo. Sempre que", "experimentamos uma unidade de corpo e alma \u2014 na percep\u00e7\u00e3o compreen- siva da realidade m\u00edmica e fisiognom\u00f4nica, na interioridade imediata de nossa pr\u00f3pria exist\u00eancia, de nossos impulsos e realiza\u00e7\u00f5es, nos processos rec\u00edprocos de conex\u00f5es causais somatops\u00edquicas \u2014\u2018sempre \u00e9 uma unidade especial de tais experi\u00eancias, n\u00e3o a unidade de corpo e alma no todo. N\u00e3o s\u00f3 decompomos, inevitavelmente, na medida em que conhecemos, em corpo e alma, como decompomos tamb\u00e9m a unidade-corpo-alma inteira- mente indeterminada e indetermin\u00e1vel em modalidades eventuais especi- ais da unidade de ambas.", "Mas se decompomos, temos de sintetizar. E a s\u00edntese, por sua vez, ainda vem a ser sempre s\u00edntese particular, que n\u00e3o tarda a apontar outras coisas. O todo, entretanto, nunca se apresenta, afinal, como se fosse al- guma coisa de novo, que se apreenda diretamente, em que eu me apodere do objeto, por assim dizer, de um golpe."], ["bb) A unicidade que tudo penetra, ordena e conduz. Aquilo que faz a unidade, ou que, constituindo fator de dist\u00farbio ou ausente, impede a unidade no todo, \u00e9 sempre atuante em tudo quanto \u00e9 biol\u00f3gico. Os organi- zadores no desenvolvimento embrion\u00e1rio, a ordem dos gens do genoma, a regula\u00e7\u00e3o da vida pelo sistema nervoso e pelas secre\u00e7\u00f5es internas, produ- zem a unidade da vida corp\u00f3rea. Quanto ao psiquismo, s\u00e3o a consci\u00eancia", "do eu, os atos, os objetivos conscientes e inconscientes, as forma\u00e7\u00f5es con- figurativas da cria\u00e7\u00e3o, que comp\u00f5em a unidade.", "Todas estas unidades n\u00e3o s\u00e3o, por\u00e9m, as unidades do todo. O que se"], ["denomina acordo e harmonia da exist\u00eancia, e, em oposi\u00e7\u00e3o, desarmonia e dist\u00farbio tem de ser poss\u00edvel mediante uma unidade que conduza, por sua vez, todas as unidades poss\u00edveis de reconhecer. A esta altura, por\u00e9m, um campo se abre sempre \u00e0 pesquisa. N\u00e3o se pode apreender, certamente, a unidade. Ela n\u00e3o existe, em absoluto, na medida de nosso conhecimento. E se todas as unidades que se reconhecem se v\u00eam a mostrar \u201cabsurdas\u201d, em situa\u00e7\u00f5es inadequadas, j\u00e1 n\u00e3o conduzindo \u00e0 vida, mas fazendo-a su- cumbir, o que ocorre \u00e9 que a vida se apresenta ao l\u00e9u, em seu todo. \u00c9, no entanto, imposs\u00edvel que ela caminhe ao acaso e pela simples intera\u00e7\u00e3o das unidades \u201cabsurdas\u201d; se n\u00e3o imposs\u00edvel, inconceb\u00edvel.", "Esta unicidade que conduz bem poderia coincidir com a ideia de cons-"], ["titui\u00e7\u00e3o. Mas continua a ser ideia. S\u00f3 na Parte VI \u00e9 que discutiremos o fato de a unidade do \u201cmesmo\u201d e sua incondicionalidade, embora existencial- mente cognosc\u00edveis, n\u00e3o se poderem conhecer, por forma emp\u00edrica, a par- tir de qualquer origem; e de ainda existirem, antes da unidade, as modali- dades abrangedoras que escapam \u00e0 explora\u00e7\u00e3o direta.", "Caracter\u00edstica fundamental da unidade condutora \u00e9, em todos os n\u00ed- veis, o fato de ela poder conter as polaridades, contrastes, antinomias das for\u00e7as, impulsos, dire\u00e7\u00f5es e objetivos. Toda unidade que n\u00e3o seja a for\u00e7a criadora do impulso coeso para nova forma \u00e9 unidade morta, sem vida.", "Constitui\u00e7\u00e3o \u00e9 o todo; da\u00ed n\u00e3o ser, ela mesma, causa. As causas s\u00e3o sempre particulares. O que produzem \u00e9 condicionado pelo todo. O modo por que a vida decorre, por que as doen\u00e7as se experimentam, configura-se na constitui\u00e7\u00e3o, sem ser por ela causado.", "2. Diferen\u00e7a entre as constitui\u00e7\u00f5es. Quando se analisam os tipos de"], ["constitui\u00e7\u00e3o, utilizam-se algumas diferencia\u00e7\u00f5es das mais gerais:", "aa) A cada momento, o indiv\u00edduo \u00e9 uma unidade formada de origin\u00e1rio", "e adquirido, em sua complex\u00e3o constitucional. A partir das disposi\u00e7\u00f5es origin\u00e1rias, criam-se, no processo vital, atrav\u00e9s dos. eventos e viv\u00eancias, novas aptid\u00f5es ou disposi\u00e7\u00f5es. Modalidades reacionais transmitem-se por heran\u00e7a e estabelecem-se individualmente; mas a maneira pela qual se re- alizam, eventualmente, de acordo com o perimundo e o destino externo, isso as modifica por forma retroativa. Se a constitui\u00e7\u00e3o \u00e9 a modalidade de aptid\u00e3o reacional e, ao mesmo tempo, das capacidades de produ\u00e7\u00e3o e", "adapta\u00e7\u00e3o, tem-se que esta constitui\u00e7\u00e3o se modifica por sua atividade mesma. Mesmo que, da\u00ed, distingamos constitui\u00e7\u00e3o cong\u00eanita (herdada) de constitui\u00e7\u00e3o adquirida, ambas s\u00e3o, no entanto, a cada momento, um todo. A constitui\u00e7\u00e3o \u00e9 sempre a modifica\u00e7\u00e3o condicionada pelo destino e pelo perimundo no sentido da complex\u00e3o total atual."], ["bb) Os tipos constitucionais consideram-se, em sua multiplicidade, sa- dios. S\u00e3o universalmente recorrentes, n\u00e3o varia\u00e7\u00f5es \u00fanicas da esp\u00e9cie hu- mana dentro de certos limites. Chamam-se, por\u00e9m, m\u00f3rbidos quer nos ca- sos em que, por si, transtornam a vida, ou s\u00e3o incapazes de pleno desen- volvimento vital, quer nas circunst\u00e2ncias em que encerram maior aptid\u00e3o para certas mol\u00e9stias. O problema da constitui\u00e7\u00e3o transforma-se em pro- blema da patologia pelo fato de levar a que se compreendam as varia\u00e7\u00f5es anormais do existir humano &, da\u00ed, a que se torne poss\u00edvel pesquisar as disposi\u00e7\u00f5es para doen\u00e7as."], ["b) Hist\u00f3ria da ideia de constitui\u00e7\u00e3o.", "Durante s\u00e9culos, a ideia dos quatro temperamentos vigorou em varia- \u00e7\u00f5es, numerosas: mistura de sucos, estrutura corp\u00f3rea, h\u00e1bito, qualida- des caracteriais, destino, depend\u00eancia dos planetas tinham certa conex\u00e3o. Com Galeno, a ideia. ,\u00e9 a seguinte: predomina a b\u00edlis amarela (estrutura corp\u00f3rea t\u00easa, boa irriga\u00e7\u00e3o sangu\u00ednea \u2014 temperamento col\u00e9rico); predo- mina a b\u00edlis negra, (magreza, pele escura, olhar sombrio \u2014 temperamento melanc\u00f3lico) predomina' o sangue (apar\u00eancia saud\u00e1vel \u2014 temperamento sangu\u00edneo) predomina a fleuma (palidez, aspecto balofo \u2014 temperamento fleum\u00e1tico). Os artistas do Renascimento criaram representa\u00e7\u00f5es grandio- sas destes tipos."], ["Mas os artistas viam com mais clareza, ou viam mais do que- se podia fixar, teoricamente, nos antigos tipos. Tal qual viam e pintavam formas ne- bulosas, antes que uma tipologia cient\u00edfica as distinguisse, assim tamb\u00e9m pintavam as cabe\u00e7as e corpos humanos. Foi s\u00f3 a partir do in\u00edcio do s\u00e9culo XIX que os m\u00e9dicos descreveram, sob nomes diversos e por nova forma, aquilo que se via evidentemente ou que se apreendia, mais ou menos, com constru\u00e7\u00f5es verbais (\u201cTodos os homens s\u00e3o ou sapateiros^ ou alfaiates\u201d; isto \u00e9, hoje em dia: p\u00edcnicos ou ast\u00e9nicos). Sempre houve tr\u00eas tipos (por exemplo, respirat\u00f3rio, muscular, digestivo \u2014 ou cerebral, atl\u00e9tico, plet\u00f3- rico). Em quase todos se percebe, sob nomes diferentes, um \u00fanico con- traste da mesma ordem entre dois tipos (crescimento longitudinal ou"], ["transversal, t\u00f3rax, estreito ou largo, tipo ast\u00e9nico ou apopl\u00e9tico etc.). O ter- ceiro tipo ou. era intermedi\u00e1rio (entre dois extremos), ou constitu\u00eda forma pr\u00f3pria, de terceiro tipo, com caracter\u00edsticas novas (por exemplo, tipo musculoso, n\u00e3o segundo a largura e a altura da forma total, e sim con- forme o desenvolvimento muscular e \u00f3sseo mais ou menos acentuado). Se- guindo as descri\u00e7\u00f5es, notam-se estes pontos de vista: preponder\u00e2ncia de sistemas org\u00e2nicos (ossos, m\u00fasculos, abd\u00f4men, cabe\u00e7a, membros, caixa tor\u00e1cica) \u2014 gordo, magro e localiza\u00e7\u00e3o especial da gordura \u2014 crescimento longitudinal ou transversal \u2014 atitude e t\u00f4nus (t\u00f4nico ou hipot\u00f4nico, est\u00ea- nico ou ast\u00e9nico).", "Havia tr\u00eas possibilidades, segundo estas in\u00fameras tipologias."], ["1. O sentido da manifesta\u00e7\u00e3o vis\u00edvel da vida descreve e registra, atrav\u00e9s de numerosas observa\u00e7\u00f5es, a quantidade de varia\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas da forma e da fun\u00e7\u00e3o, das displasias e dos desvios causalmente determinados que se podem reconhecer. Se delas nos fazemos conscientes, agu\u00e7amos e exer- citamos a vista para as formas, cores e movimentos, bem como para as fun\u00e7\u00f5es fisiol\u00f3gicas vis\u00edveis do corpo. Enumeramos, para exemplificar: Forma, do cr\u00e2nio: por exemplo, cr\u00e2nio em torre, occiput ausente, tipo hidrocef\u00e1lico. \u2014 Forma, do rosto: arcos supra-orbitais fortes (como no cr\u00e2- nio do homem de Neandertal), zigomas fortemente proeminentes, perfil an- guloso, maxila inferior saliente, ou maxila inferior reduzida (aus\u00eancia de queixo). \u2014 Forma, das orelhas: em asas, desmedidamente grandes, ou pe- quenas, amorfamente grossas, l\u00f3bulo ausente, tub\u00e9rculos ausentes, ou tub\u00e9rculo de Darwin. \u2014 Forma do nariz: grosso e informe, desusadamente pontudo, ponte nasal fortemente retra\u00edda. \u2014 Formas do tronco e dos membros: cifose e lordose, dedos retorcidos, atrofias e disformidades, bra- \u00e7os e pernas excessivamente longos, m\u00e3os e dedos nodosos, articula\u00e7\u00f5es grossas. \u2014 Tecidos: turgor, flacidez e macicez, rosto intumescido, ou rosto ossudo, sem gordura. \u2014 Manifesta\u00e7\u00f5es vasomotoras e outras vegetativas: rosto acinzentado ou l\u00edvido, acrocianose, pele marm\u00f3rea, dermografia, suor. \u2014 Pigmenta\u00e7\u00e3o e pilosidade: nevos, falhas de pelos, sobrancelhas juntando-se. \u2014 Mais ainda: Manifesta\u00e7\u00f5es que s\u00f3 se veem com exames es- peciais: as in\u00fameras varia\u00e7\u00f5es e desvios fisiol\u00f3gicos, a forma das ramifica- \u00e7\u00f5es capilares, as impress\u00f5es digitais, o movimento dos gl\u00f3bulos sangu\u00ed- neos nos capilares, as anomalias dos reflexos e fun\u00e7\u00f5es psicof\u00edsicas (mo- dalidades da conserva\u00e7\u00e3o de imagens, capacidades eid\u00e9ticas, toda sorte de testes de rendimento)."], ["2. Reduziu-se o que h\u00e1 de id\u00eantico em todas as classifica\u00e7\u00f5es ao con-"], ["traste mais abstrato, ou seja, ao contraste entre crescimento longitudinal e transversal (leptoss\u00f4mico-euriss\u00f4mico). Foi assim que procedeu Weiden- reich, fazendo os dois tipos derivarem anatomicamente, tanto sob o ponto de vista morfol\u00f3gico, como sob o aspecto quantitativo, de uma polaridade que estaria presente em todas as ra\u00e7as humanas e at\u00e9 nos animais, \u201capre- sentando-se como formas evolutivas opostas de uma s\u00e9rie de formas quanto ao mais unit\u00e1ria\u201d. \u00c9 de maneira n\u00e3o fisiognom\u00f4nica, mas pura- mente racional e quantitativa que esta polaridade se mostra convincente nos grupos humanos, em todo o globo terrestre. Claro que, se nos limita- mos a este ponto de vista, o mesmo upo se designar\u00e1 ora como ra\u00e7a, ora como constitui\u00e7\u00e3o. O mesmo cientista mostra, com base na hist\u00f3ria: \u201cQuando demonstrados em certos grupos \u00e9tnicos, os referidos tipos sem- pre se interpretam, at\u00e9 o presente momento, como representantes de dois elementos raciais diversos\u201d; isto \u00e9, de um mais nobre e de um mais vulgar; isso quanto aos japoneses e quanto aos judeus etc. A an\u00e1lise, entretanto, por mais correta que seja, foge \u00e0 riqueza da vis\u00e3o total em favor de carac- ter\u00edsticas quantitativas formais, deixando inteiramente de lado a ideia de constitui\u00e7\u00e3o."], ["3. Da\u00ed haver-se tornado essencialmente mais fecunda a outra via, no sentido de descrever um tipo constitucional independentemente de qual- quer esquema pressuposto, mas com base na vis\u00e3o concreta, numa obser- va\u00e7\u00e3o que apreenda e estruture. Foi o que, de maneira not\u00e1vel, fez Stiller, que descreveu como astenia um todo que se caracteriza pelo aumento da fatigabilidade, com os fen\u00f4menos conhecidos pelo nome de queda (ente- roptose), atonia do est\u00f4mago e do intestino, obstipa\u00e7\u00e3o; mais: h\u00e1bito que predisp\u00f5e \u00e2 tuberculose. Julgou ele haver encontrado um sintoma carac- ter\u00edstico de todo o complexo na costa fluctuans decima (mobilidade n\u00e3o s\u00f3 das und\u00e9cima e duod\u00e9cima costelas, mas tamb\u00e9m da d\u00e9cima). Tamb\u00e9m se discutiu o tipo de infantilismo: a parada das formas e fun- \u00e7\u00f5es corp\u00f3reas no grau evolutivo infantil (por exemplo, amenorreia, h\u00e1bito infantil do corpo, crescimento defeituoso, hipoplasia dos \u00f3rg\u00e3os genitais), com manifesta\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas correspondentes.", "A descoberta do status dysraphicus por Bremer tem import\u00e2ncia escla- recedora, Bremer reconheceu a base de uma quantidade de anomalias, at\u00e9 ent\u00e3o vistas apenas em observa\u00e7\u00f5es esparsas de ordem morfol\u00f3gica e fun- cional, num dist\u00farbio do mecanismo embrion\u00e1rio de fechamento; princi- palmente, fechamento da medula."], ["Spina bif\u00edda oculta, encurvamento e fissuramento da coluna vertebral,"], ["t\u00f3rax em funil, p\u00e9s chatos e ocos, dedos retorcidos, membros demasiada- mente longos, com desenvolvimento excessivo dos bra\u00e7os, anomalias ma- m\u00e1rias, acrocianose, dist\u00farbios da sensibilidade e da reflexividade, enu- rese prolongada na inf\u00e2ncia, siringomielia. \u2014 Esta constitui\u00e7\u00e3o reconhece- se pela correla\u00e7\u00e3o acentuada de todas as referidas, caracter\u00edsticas entre si; muitas vezes, constatam-se, apenas, algumas. Se as tomarmos como ponto de partida e sinais condutores, encontraremos- tamb\u00e9m quase sem- pre alguma coisa diferente no mesmo indiv\u00edduo, bem como a respectiva ocorr\u00eancia na fam\u00edlia, com doen\u00e7as bem n\u00edtidas; do grupo neurop\u00e1tico correspondente aparecendo aqui e ali. \u2014 O status; dysraphicus, que desde logo se imp\u00f4s, por forma convincente, na medicina exige muito menos do que a apresenta\u00e7\u00e3o das constitui\u00e7\u00f5es humanas totais. Abrange, como constitui\u00e7\u00e3o particular (Martius), um1 c\u00edrculo circunscrito de caracter\u00edsti- cas individuais da complex\u00e3o corp\u00f3rea, que se devem atribuir a evento ab- solutamente determinado do desenvolvimento embrion\u00e1rio. O peito em fu- nil, por exemplo, considerado, noutros tempos, anormalidade singular, prova, hoje em dia, \u201cque a an\u00e1lise ampla, feita no sentido da biologia gen\u00e9- tica e visando \u00e0 hist\u00f3ria, evolutiva, classifica o sintoma individual, aparen- temente incompreens\u00edvel, em contexto biol\u00f3gico claro\u201d."], ["Enfim, caminhou adiante o conhecimento da secre\u00e7\u00e3o interna- em seus efeitos sobre numerosas manifesta\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas e ps\u00edquicas. Mas embora poss\u00edvel explicar um h\u00e1bito morfologicamente vis\u00edvel pelas anoma- lias end\u00f3crinas, j\u00e1 n\u00e3o tem sentido falar em' constitui\u00e7\u00e3o que abranja o todo infinito da vida som\u00e1tico-ps\u00edquica em. seus fundamentos incompre- ens\u00edveis. Estas anomalias que resultam de dist\u00farbios end\u00f3crinos s\u00e3o, por exemplo, a acromegalia (hip\u00f3fise), o mixedema (tireoide), o eunocoidismo (gonadas)."], ["Todas estas pesquisas circunscreveram-se a c\u00edrculos restritos, tendo sido Kretschmer, na psiquiatria, quem pela primeira vez fez- sens\u00edvel toda a profundidade e amplitude do problema e, ao mesmo- tempo, deu \u00e0 pes- quisa o impulso que at\u00e9 hoje se mant\u00e9m. Foi ele quem, audaciosa e inde- pendentemente, configurou em forma nova e revalorizou a significa\u00e7\u00e3o ampla da antiga teoria dos temperamentos, superando de longe o sentido das teorias mais restritas sustentadas por seus predecessores do s\u00e9culo passado. \u00c9 essencial que as concep\u00e7\u00f5es psicopatol\u00f3gicas apreendam a sig- nifica\u00e7\u00e3o positiva, o sentido e as limita\u00e7\u00f5es desta pesquisa, sem esquecer os erros que nela talvez haja."], ["c) Personalidade e psicose.", "Para a concep\u00e7\u00e3o kretschmeriana, ainda houve outra quest\u00e3o de im- port\u00e2ncia decisiva: a saber, o problema da rela\u00e7\u00e3o entre tipo de personali- dade e tipo de psicose. Noutros tempos, admitiu-se (Heinroth, Ideler) que as psicoses, derivassem da personalidade, por efeito ou de pecados, ou de paix\u00f5es exuberantes. Ulteriormente, \u00e0 \u00e9poca em que dominavam os con- ceitos anat\u00f4micos, o problema ficou completamente esquecido, at\u00e9 voltar a ser discutido intensamente, a partir dos primeiros anos, deste s\u00e9culo."], ["Para nos orientarmos, liquidaremos, primeiro, uns tantos pontos evi- dentes: que as psicoses humanas s\u00e3o diversas; que uma psicose aparece por forma at\u00edpica, isso e coisas semelhantes atribuem-se, com raz\u00e3o, a uma disposi\u00e7\u00e3o individual, a qual \u00e9, por\u00e9m, apenas postulada, sem que se possa demonstr\u00e1-la, absolutamente, de maneira precisa; esta disposi\u00e7\u00e3o extraps\u00edquica n\u00e3o precisa ter nada a ver com aquilo, que chamamos per- sonalidade. \u2014 Mais ainda: \u00e9 evidente que o conte\u00fado' de cada psicose de- pende do conte\u00fado das experi\u00eancias vitais anteriores; por exemplo, o del\u00ed- rio ocupacional do sapateiro \u00e9 diferente daquele de. um taverneiro. \u2014 Sa- bemos tamb\u00e9m que todas as psicoses s\u00e3o diferentes conforme o n\u00edvel de diferencia\u00e7\u00e3o da vida ps\u00edquica, conforme o grau de intelig\u00eancia, conforme o meio cultural e a esfera em que a pessoa vive. \u00c9 o que se nota at\u00e9 nas psicoses org\u00e2nicas mais graves, como nos casos de Maupassant e Nietzs- che. \u2014 Finalmente, toda doen\u00e7a e tamb\u00e9m toda psicose \u00e9, por assim dizer, elaborada pela personalidade em causa; o modo por que uma pessoa se comporta em rela\u00e7\u00e3o \u00e0. sua doen\u00e7a compreende-se pelo seu car\u00e1ter. \u2014 N\u00e3o \u00e9 disso que aqui se trata, mas da quest\u00e3o seguinte: existem conex\u00f5es entre certas esp\u00e9cies de personalidade que se possam demonstrar e certas psicos.es?\u2019"], ["Mesmo esta quest\u00e3o, contudo, ainda \u00e9 amb\u00edgua, porque cada persona-", "lidade se modifica no correr da vida. Podemos distinguir as quatro esp\u00e9- cies seguintes de altera\u00e7\u00f5es.", "1. Toda personalidade, enquanto cresce, passa pelos diversos per\u00edodos de vida e h\u00e1 de possuir, a cada momento, as peculiaridades, relacionadas com a idade respectiva. Na medida, em que concebemos estes tipos de personalidade como manifesta\u00e7\u00f5es daquela idade determinada, falamos em \u201ccrescimento da personalidade\u201d. 2. Sobre esta base, pois, realizam-se outros desenvolvimentos pesso- ais. Dependendo do ambiente, da biografia e de viv\u00eancias especiais, modi- ficam-se as personalidades humanas; muitas vezes, de maneira profunda,", "sem que se possa atribuir \u00e0 idade outro papel sen\u00e3o o de pr\u00e9-requisito. Chamamos estas modifica\u00e7\u00f5es que resultam da intera\u00e7\u00e3o de viv\u00eancias e peculiaridades \u201cdesenvolvimentos da personalidade\u201d. Servem de exemplos a amargura que se nota em pessoas dependentes, o embotamento dos que se d\u00e3o a trabalhos pesados, condicionados por uma sorte que pesa sobre o humor."], ["3. Independentes das fases et\u00e1rias, ainda h\u00e1 oscila\u00e7\u00f5es na forma por que a personalidade se manifesta, ocorrendo como' fases espont\u00e2neas (en- d\u00f3genas). De quando em quando, o temperamento altera-se sem motivo, aparece incapacidade de trabalhar ou, pelo contr\u00e1rio, atividade excessiva, ou ainda tend\u00eancia a manifesta\u00e7\u00f5es hist\u00e9ricas. S\u00e3o, por\u00e9m, fases passa- geiras que variam muito, ocorrendo com o aspecto \u00e0s vezes, mais de alte- ra\u00e7\u00f5es de fen\u00f4menos ps\u00edquicos individuais; outras vezes, de altera\u00e7\u00f5es de todo o h\u00e1bito da personalidade.", "4. H\u00e1 de distinguir-se de todos os casos descritos a altera\u00e7\u00e3o da perso-", "nalidade que se d\u00e1 para sempre, resultando de um processo, a certa \u00e9poca.", "Os \u201cdesenvolvimentos da personalidade\u201d e as \u201cfases\u201d passageiras po- dem chamar tanto a aten\u00e7\u00e3o e variar tanto do costumeiro que as conside- ramos m\u00f3rbidas no sentido de desenvolvimento patol\u00f3gico da personali- dade, ou de psicose.", "Da\u00ed dividir-se a quest\u00e3o, conforme a rela\u00e7\u00e3o entre personalidade e psi-"], ["cose, em tr\u00eas itens:"], ["1. A rela\u00e7\u00e3o da personalidade origin\u00e1ria com seu desenvolvimento m\u00f3r- bido: Do ci\u00fame desenvolve-se o del\u00edrio zelot\u00edpico; da inclina\u00e7\u00e3o para dispu- tas, o querulantismo; da desconfian\u00e7a, o del\u00edrio da persegui\u00e7\u00e3o. O conceito \u00e9 que o desenvolvimento de uma personalidade resulta, compreensivel- mente, da personalidade que se conhece em sua origem, havendo, por as- sim dizer, \u201chipertrofia do car\u00e1ter\u201d. Existe rela\u00e7\u00e3o entre um \u201ctipo sensitivo de car\u00e1ter\u201d e uma elabora\u00e7\u00e3o paranoica de viv\u00eancias. A frustra\u00e7\u00e3o sexual transforma-se, pela vergonha e pelo arrependimento, em ansiedade ante a possibilidade da divulga\u00e7\u00e3o; da\u00ed o del\u00edrio referencial e, finalmente, perse- cut\u00f3rio. A fraqueza sexual, a falta de contato com o perimundo trans- forma-se em del\u00edrio de influ\u00eancia e persegui\u00e7\u00e3o. A abstin\u00eancia sexual transforma-se em del\u00edrio erotomano e matrimonial. Apesar, no entanto, da compreensibilidade, a especificidade da rela\u00e7\u00e3o e da transforma\u00e7\u00e3o conti- nua a ser incompreens\u00edvel, n\u00e3o ocorrendo as mesmas em todos os indiv\u00ed- duos deste tipo caracterial, mas s\u00f3 nuns poucos.", "2. A rela\u00e7\u00e3o da personalidade com a fase. As fases apresentam-se desde manifesta\u00e7\u00f5es frequentes ligeiras at\u00e9 psicoses desenvolvidas de tipo man\u00edaco, depressivo ou outro. Quanto ao problema da rela\u00e7\u00e3o entre a per- sonalidade e determinado tipo de fase, possu\u00edmos o trabalho fundamental de Reiss, o qual constatou o seguinte: Formas circulares simples, peri\u00f3di- cas e aut\u00eanticas de doen\u00e7as afetivas, altera\u00e7\u00f5es afetivas de colorido psico- g\u00eanico, quadros de tipo melanc\u00f3lico e depress\u00f5es com inibi\u00e7\u00e3o apresen- tam-se da mesma maneira nos tipos mais diversos de disposi\u00e7\u00e3o afetiva. Reiss observou, de modo geral, o fato, quando a disposi\u00e7\u00e3o \u00e9 alegre, de predominarem os estados afetivos man\u00edacos; quando a disposi\u00e7\u00e3o \u00e9 mar- cadamente depressiva, predominam os estados de tristeza; sobretudo, as disposi\u00e7\u00f5es afetivas mais marcadas tendem, especialmente, \u00e0s psicoses da mesma natureza. As doen\u00e7as afetivas circulares, pelo contr\u00e1rio, indepen- dem inteiramente do humor e do temperamento habituais, dando a im- press\u00e3o de serem totalmente estranhas a estes,\u2019 sem qualquer correla\u00e7\u00e3o.", "3. A rela\u00e7\u00e3o da personalidade com o processo. A terceira quest\u00e3o \u00e9 se e", "em que extens\u00e3o a disposi\u00e7\u00e3o pessoal origin\u00e1ria se relaciona com o pro- cesso. Durante muito tempo, presumiu-se fossem os esquizofr\u00eanicos, fre- quentemente, antes da doen\u00e7a, fechados, dificilmente adapt\u00e1veis, sens\u00ed- veis a todas as realidades, egoc\u00eantricos (n\u00e3o necessariamente ego\u00edstas), t\u00ed- midos, sem equil\u00edbrio, auto- mortificadores, desconfiados, ranzinzas, inse- guros; muitas vezes, dados a entusiasmos, inclinados ao metafisicismo. Chamou, depois, a aten\u00e7\u00e3o o falo de outras pessoas sadias das fam\u00edlias em que alguns membros sofreram processo esquizofr\u00eanico terem car\u00e1ter aparentemente esquizofr\u00eanico (car\u00e1ter que Kretschmer veio a denominar esquizot\u00edmico, ou, mais pr\u00f3ximo \u00e0 psicose, esquizoide)."], ["Por via anamn\u00e9sica, Kunkel tentou mostrar a grande frequ\u00eancia de personalidades ou caracteres desacostumados na inf\u00e2ncia de esquizofr\u00eani- cos ulteriores, agrupando, de acordo com Kraepelin: 1) crian\u00e7as quietas, t\u00edmidas, retra\u00eddas, que vivem para si (autistas). 2) irrit\u00e1veis, sens\u00edveis, ex- citadas, nervosas e obstinadas (irrit\u00e1veis,). 3) pregui\u00e7osas, pouco inclina- das ao trabalho, inativas (associais). 4) d\u00f3ceis, bem-humoradas, escrupu- losas, crian\u00e7as-modelo aplicadas, avessas a quaisquer travessuras juvenis (pedantes). Que existam, aqui, correla\u00e7\u00f5es, sejam quais forem, n\u00e3o se pode negar, embora n\u00e3o seja l\u00edcito adscrever a certo tipo caracterial de de- terminada esp\u00e9cie qualquer probabilidade especial de fazer esquizofrenia. \u2014 Rela\u00e7\u00e3o entre processos cerebrais conhecidos (paralisia geral e outros) e a personalidade origin\u00e1ria n\u00e3o parece existir em caso algum (jamais con- fundir com a disposi\u00e7\u00e3o total)."], ["Al\u00e9m da rela\u00e7\u00e3o entre personalidade e psicose, pode-se indagar da re-", "la\u00e7\u00e3o entre tipos de personalidade e anomalias ps\u00edquicas particulares, como ideias obsessivas, fobias, alucina\u00e7\u00f5es etc. Friedmann pretende haver observado ideias obsessivas com frequ\u00eancia especial em indiv\u00edduos cr\u00edticos e de vontade fraca; Janet acredita haver a rela\u00e7\u00e3o mais estreita entre a personalidade psicast\u00eanica e todos os sintomas que atribui \u00e0 psicastenia. A rela\u00e7\u00e3o pr\u00f3xima entre o car\u00e1ter hist\u00e9rico e as manifesta\u00e7\u00f5es, resultantes de mecanismos hist\u00e9ricos, tanto som\u00e1ticas (estigmas) quanto ps\u00edquicas (estados crepusculares etc.) considera-se evidente, d\u00ea modo geral."], ["d) A teoria da constitui\u00e7\u00e3o de Kretschmer."], ["Kretschmer levou em conta todos os modos de ver acima para formular", "sua nova concep\u00e7\u00e3o. Primeiramente, relatarei sua teoria, sem cr\u00edtica. \u2014 Partindo das psicoses nos dois grandes c\u00edrculos da esquizofrenia e da lou- cura man\u00edaco-depressiva, veio ele a notar que se correlacionam com tipos de estrutura corp\u00f3rea. Os esquizofr\u00eanicos apresentavam, predominante- mente, o tipo leptoss\u00f4mico; os man\u00edaco-depressivos, ao contr\u00e1rio, o tipo p\u00edcnico. No terceiro grande c\u00edrculo, dos epil\u00e9pticos, Kretschmer observou a predomin\u00e2ncia do tipo atl\u00e9tico. Trata-se de rela\u00e7\u00e3o estat\u00edstica de frequ\u00ean- cia, de correla\u00e7\u00e3o. Os censos provenientes de diversas regi\u00f5es e pa\u00edses d\u00e3o, certamente, cifras bem diferentes. Em m\u00e9dia, servindo-se de dados de muitos autores, Mauz acha que as cifras percentuais a seguir confirmam, de modo geral, a tese kretschmeriana."], ["Relacionam-se com os tipos de estrutura corp\u00f3rea os tipos de persona- lidade, temperamento ou car\u00e1ter (esquizot\u00edmico, ciclot\u00edmico, viscoso); tipos estes que Kpetschmer descreveu com vivacidade e precis\u00e3o inesquec\u00edveis, revelando-se \u00e0 vis\u00e3o fisiognom\u00f4nica, segundo a corporeidade que lhes cor- responde. Kretschmer tamb\u00e9m procurou relacionar tanto os caracteres quanto as psicoses com os tipos de estrutura corp\u00f3rea segundo correla\u00e7\u00e3o", "estat\u00edstica; e reuniu, no quadro seguinte, as qualidades dos dois caracte- res principais:"], ["Psicastesia e humor:", "Ciclot\u00edmicos Propor\u00e7\u00e3o diat\u00e9sica entre exaltado (alegre) e de- pressivo (triste);", "Temperamento ps\u00edquico: Curva de temperamento oscilante entre a mobili- dade e a in\u00e9rcia;"], ["Psicomotilidade:"], ["Proporcional aos est\u00edmu- los; bonacheria, naturali- dade, moleza;"], ["Tipo de estrutura corp\u00f3- rea afim."], ["P\u00edcnico.", "Esquizot\u00edmicos Propor\u00e7\u00e3o psicast\u00e9sica en- tre hiperest\u00e9sico (sens\u00edvel) e anest\u00e9sico (frio); Curva de temperamento saltando da subitaneidade \u00e0 tenacidade; humor alter- nativamente meditativo e sentimental; Quase sempre despropor- cional aos est\u00edmulos; re- servado, inibido, trancado, r\u00edgido; Leptoss\u00f4mico, atl\u00e9tico, dis- pl\u00e1sico e suas misturas.", "Ainda se examinam estes tipos de estrutura corp\u00f3rea mediante testes", "psicol\u00f3gicos de rendimento, relativamente a celeridade, modalidades de apreens\u00e3o (mais no todo, ou mais no particular), persevera\u00e7\u00e3o, motrici- dade, destreza, afetividade etc. Encontram-se, por sua vez, correla\u00e7\u00f5es es- tatisticamente demonstr\u00e1veis, que se ajustam perfeitamente ao car\u00e1ter tal qual a exist\u00eancia da pessoa o revela, complementando-o e por ele se expli- cando. No quadro seguinte se reproduzem algumas destas diferen\u00e7as esta- t\u00edsticas:"], ["Leptoss\u00f4micos Maior sensibilidade \u00e0s formas. Mais tend\u00eancia \u00e0 persevera\u00e7\u00e3o. Associa\u00e7\u00f5es mais frequentes: mediatas e err\u00e1ticas. Associa\u00e7\u00f5es mais secas.", "P\u00edcnicos Maior sensibilidade as cores. Menos tend\u00eancia \u00e0 persevera\u00e7\u00e3o.", "Associa\u00e7\u00f5es mais emocionais d\u00e3o des- cri\u00e7\u00f5es mais pormenorizadas, descri- \u00e7\u00f5es mais objetivamente reais. Mais expansivos, objetivos, sint\u00e9ticos, f\u00e1ceis de abordar e modificar-se.", "Mais intensos, abstrativos, analitica- mente persistentes, com saltos estra- nhos de pensamento. Subjetivizantes. Emo\u00e7\u00f5es contidas. Maior celeridade na produ\u00e7\u00e3o.", "Objetivizantes. Emocionalidade ing\u00eanua. Menor celeridade (quando se bate com uma vara numa placa met\u00e1lica, em andamento que seja o mais c\u00f4modo. Dificuldade era apressar ou retardar a Facilidade em alterar a celeridade da"], ["produ\u00e7\u00e3o. Movimentos finos refletidos.", "Motricidade r\u00edgida, insegura, muitas ve- zes desajeitada.' Escrupulosidade apurada, mais tens\u00e3o ps\u00edquica.", "produ\u00e7\u00e3o. Desleixo e despreocupa\u00e7\u00e3o nas tarefas motoras. Motricidade fluida, arredondamento harmonioso dos movimentos.", "Vieram-se ainda a estabelecer, experimentalmente, correla\u00e7\u00f5es com o tipo de estrutura corp\u00f3rea em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s fun\u00e7\u00f5es fisiol\u00f3gicas e a rea\u00e7\u00e3o a medicamentos.", "Tamb\u00e9m se encontraram correla\u00e7\u00f5es entre a estrutura corp\u00f3rea e as", "predisposi\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas para certas doen\u00e7as; por exemplo, dos leptoss\u00f4- micos para a tuberculose, dos p\u00edcnicos para a artrite, o diabetes."], ["A constru\u00e7\u00e3o completa-se, enfim, quando se estabelece a correla\u00e7\u00e3o de todos estes achados no curso heredit\u00e1rio (coincid\u00eancia das formas fenom\u00ea- nicas nos parentes consangu\u00edneos mais pr\u00f3ximos). Psicose, personalidade total do paciente, individualidade dos familiares t\u00eam base comum. \u201cTudo isso tem f\u00f4rma comum. O que irrompe, catastroficamente, nas crises es- pasm\u00f3dicas e nos caprichos repentinos de nossos pacientes catat\u00f4nicos sob o aspecto de del\u00edrio de persegui\u00e7\u00e3o, sistemas absurdos, bloqueio de- sesperado, rigidez p\u00e9trea, autismo hostil, negativismo e mutismo, \u00e9 uma mesma coisa que impregna, tal qual esp\u00edrito de fam\u00edlia, nas mais diversas tonalidades, em variantes sadias e psicop\u00e1ticas, toda a estirpe dos pedan- tes, dos sovinas prudentes e escrupulosos, dos inst\u00e1veis que levam a vida aos saltos, dos inventores, dos meditativos, com sua ansiedade suave e atemorizada, sua desconfian\u00e7a, sua taciturnidade; sua misantropia irasc\u00ed- vel e ausente. \u2014 Se passarmos do ambiente das fam\u00edlias esquizofr\u00eanicas para o das circulares, estaremos saindo de uma ab\u00f3bada fria e cerrada para a claridade solar quente, aberta. Comuns \u00e0s fam\u00edlias circulares s\u00e3o certa bondade, cordialidade e brandura do humor; uma maneira franca, soci\u00e1vel, humana, que ora se apresenta mais alegre, bem disposta e jocunda, ativa e intensa, ora mais pacata, suave e quieta; que vai do polo hipoman\u00edaco- ao depressivo da forma circular, em transi\u00e7\u00e3o imediata\u201d."], ["S\u00f3 quando n\u00e3o se perde de vista a totalidade das rela\u00e7\u00f5es de car\u00e1ter e psicose com estrutura corp\u00f3rea e fun\u00e7\u00f5es quer som\u00e1ticas, quer ps\u00edquicas, \u00e9 que tudo se consegue compreender. Jamais poderemos abranger as psi- coses end\u00f3genas \u201csob o aspecto biol\u00f3gico, enquanto as considerarmos na delimita\u00e7\u00e3o de unidades nosol\u00f3gicas. isoladas, soltas de suas conex\u00f5es he- redit\u00e1rias naturais e comprimidas na estreiteza da sistem\u00e1tica cl\u00ednica\u201d."], ["Representaremos a conex\u00e3o do todo no esquema a seguir, onde os ris-"], ["cos significam as rela\u00e7\u00f5es multilaterais:", "\u00c9 assim que, segundo Kretschmer, se desenvolve o quadro de uma"], ["grande unidade.", "Todos os fen\u00f4menos psicopatol\u00f3gicos s\u00e3o tomados sucessivamente, de", "modo a integrar o todo. Mesmo o todo relativo da personalidade que se compreende por via puramente psicol\u00f3gica transforma-se em elemento de um todo vital amplo. O olhar procura uma regularidade biol\u00f3gica, o fator central, pelo qual se possa apreender, primariamente e de modo unit\u00e1rio, tudo quanto \u00e9 som\u00e1tico e tudo quanto \u00e9 ps\u00edquico, o sadio e o m\u00f3rbido; a constitui\u00e7\u00e3o real total do homem, cuja natureza se manifesta at\u00e9 nas qua- lidades, mais sublimes do car\u00e1ter, at\u00e9 nas fun\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas, todas elas. A ideia \u00e9 o todo da constitui\u00e7\u00e3o e sua varia\u00e7\u00e3o em todas as esp\u00e9cies do exis- tir humano, a estrutura corp\u00f3rea sempre centralizando a aten\u00e7\u00e3o; estru- tura que \u00e9 a objetividade em que tudo se ajusta, a tudo se refere, se nos mantemos fi\u00e9is ao fundamento da seguinte ideia do conhecimento antro- pol\u00f3gico: a constitui\u00e7\u00e3o manifesta-se na estrutura corp\u00f3rea."], ["A unidade \u2014 para n\u00f3s, a ideia de constitui\u00e7\u00e3o \u2014 Kretschmer a con-"], ["cebe como alguma coisa hipoteticamente tang\u00edvel; por exemplo:", "Existe alguma coisa comum, semelhante, que s\u00f3 se diversifica em grau, entre car\u00e1ter e psicose; por exemplo, entre o negativismo psic\u00f3tico e a obstina\u00e7\u00e3o caracterial. A psicose n\u00e3o se origina da conex\u00e3o existencial como se fosse novidade absoluta. \u201cPara o nosso modo de ver constitucio- nal, as psicoses ainda n\u00e3o s\u00e3o mais do que pontos nodais singulares, es- parsos em rede multiplamente ramificada de rela\u00e7\u00f5es constitucionais nor- mais, corp\u00f3reo-caracteriais\u201d; h\u00e1 \u201ctodas as transi\u00e7\u00f5es e matizes imagin\u00e1veis entre sa\u00fade e doen\u00e7a\u201d.", "Tamb\u00e9m se h\u00e1 de presumir uma unidade no gen\u00f3tipo da disposi\u00e7\u00e3o heredit\u00e1ria. Estrutura corp\u00f3rea, car\u00e1ter, psicose, predisposi\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas m\u00f3rbidas \u201cs\u00e3o, apenas, efeitos parciais da massa heredit\u00e1ria total\u201d. Deve- se admitir um \u201cgen\u00f3tipo total\u201d, b\u00e1sico \u00e0 forma\u00e7\u00e3o ramificada total dos fe- n\u00f4menos, ou manifesta\u00e7\u00f5es.", "Ora, a unitariedade deste quadro n\u00e3o se estabelece, em absoluto, na"], ["realidade, por forma imediata e completa. Pelo contr\u00e1rio, \u201cos casos cl\u00e1ssi- cos s\u00e3o raros\u201d. Da\u00ed Kretschmer delinear, de acordo com o quadro puro do todo, as causas das quais, na realidade, s\u00f3 derivam correla\u00e7\u00f5es; os casos variantes talvez sejam at\u00e9 os mais frequentes. Consideram-se estas causas baseadas na combina\u00e7\u00e3o das massas heredit\u00e1rias e na consequ\u00eancia das misturas:"], ["1. A mistura. Na estrutura p\u00edcnica, \u201cpodem apresentar-se variantes que v\u00e3o dos elementos formais ast\u00e9nicos aos atl\u00e9ticos\u201d. Chama-se a mistura de tipos \u201cliga constitucional\u201d. O conceito de liga aplica-se tanto \u201cao tipo ps\u00ed- quico de um indiv\u00edduo quanto, em geral, \u00e0 totalidade de suas disposi\u00e7\u00f5es heredit\u00e1rias e, pois, de sua constitui\u00e7\u00e3o\u201d. \u201cA parentela mais distante de quase todos os esquizofr\u00eanicos e circulares cont\u00e9m mistura dos dois c\u00edrcu- los de personalidade, sempre, no entanto, prevalecendo, em m\u00e9dia, nitida- mente, os tipos correspondentes de personalidade\u201d. Como quase sempre h\u00e1 mistura, acontece serem certos tra\u00e7os fundamentais mais claros nos parentes do que no enfermo. A liga pode ser, tanto no indiv\u00edduo particular quanto nas fam\u00edlias, de tal ordem que a estrutura corp\u00f3rea combine tra- \u00e7os p\u00edcnicos e leptoss\u00f4micos; ali\u00e1s, at\u00e9 por forma alternativa, de modo que no som\u00e1tico se apresente um tipo constitucional; no ps\u00edquico, outro; por exemplo, pode aparecer na estrutura p\u00edcnica uma psicose esquizofr\u00eanica. Kretschmer chama estas ligas \u201centrecruzamentos\u201d.", "2. As modalidades em que se realiza \u00f3 gen\u00f3tipo herdado. A intensidade e a dire\u00e7\u00e3o da manifesta\u00e7\u00e3o variam. Nem a estrutura corp\u00f3rea, nem o ca- r\u00e1ter, nem a psicose \u201cprecisam refletir, completamente, na maneira por que se apresentam, o gen\u00f3tipo que lhes subjaz\u201d. \u00c9 de acreditar \u201cque parte da disposi\u00e7\u00e3o genot\u00edpica penetre mais intensamente o fen\u00f3tipo ora na es- trutura corp\u00f3rea, ora na personalidade, ora na psicose\u201d. \u201cO mesmo agente biol\u00f3gico que se apresenta, num irm\u00e3o, quanto ao mais de estrutura p\u00edc- nica, apenas pelo nariz um pouco mais longo e pontudo, pode, digamos, tornar-se, clara e univocamente, fenot\u00edpico sob o aspecto de h\u00e1bito ast\u00e9- nico na irm\u00e3\u201d. \u201cNo correr da vida, primeiro uma, depois outra constitui\u00e7\u00e3o podem-se mostrar predominantes em misturas genot\u00edpicas\u201d. Kretschmer denomina mudan\u00e7a da domin\u00e2ncia esta transforma\u00e7\u00e3o do fen\u00f3tipo, mu- dan\u00e7a que possibilita a convers\u00e3o, no mesmo indiv\u00edduo, de um tipo no tipo oposto. H\u00e1 quase vinte anos, pouco ap\u00f3s a publica\u00e7\u00e3o do livro de Kretschmer,", "2. As modalidades em que se realiza \u00f3 gen\u00f3tipo herdado. A intensidade e a dire\u00e7\u00e3o da manifesta\u00e7\u00e3o variam. Nem a estrutura corp\u00f3rea, nem o ca- r\u00e1ter, nem a psicose \u201cprecisam refletir, completamente, na maneira por que se apresentam, o gen\u00f3tipo que lhes subjaz\u201d. \u00c9 de acreditar \u201cque parte da disposi\u00e7\u00e3o genot\u00edpica penetre mais intensamente o fen\u00f3tipo ora na es- trutura corp\u00f3rea, ora na personalidade, ora na psicose\u201d. \u201cO mesmo agente biol\u00f3gico que se apresenta, num irm\u00e3o, quanto ao mais de estrutura p\u00edc- nica, apenas pelo nariz um pouco mais longo e pontudo, pode, digamos, tornar-se, clara e univocamente, fenot\u00edpico sob o aspecto de h\u00e1bito ast\u00e9- nico na irm\u00e3\u201d. \u201cNo correr da vida, primeiro uma, depois outra constitui\u00e7\u00e3o podem-se mostrar predominantes em misturas genot\u00edpicas\u201d. Kretschmer denomina mudan\u00e7a da domin\u00e2ncia esta transforma\u00e7\u00e3o do fen\u00f3tipo, mu- dan\u00e7a que possibilita a convers\u00e3o, no mesmo indiv\u00edduo, de um tipo no tipo oposto. H\u00e1 quase vinte anos, pouco ap\u00f3s a publica\u00e7\u00e3o do livro de Kretschmer,", "fiz observa\u00e7\u00f5es cr\u00edticas, nesta \u201cPsicopatologia Geral\u201d; observa\u00e7\u00f5es que, abreviadas em certos pontos, refundidas e objetivamente esclarecidas, mas sem altera\u00e7\u00e3o, ainda reproduzo aqui:"], ["O objetivo de Kretschmer \u00e9 descobrir rela\u00e7\u00f5es regulares entre tipos complexos de estrutura corp\u00f3rea empiricamente encontrados e tipos ps\u00ed- quicos igualmente complexos; certamente, por via estat\u00edstica, mediante exibi\u00e7\u00e3o de correla\u00e7\u00e3o num\u00e9rica.", "Como \u00e9 que encontra estes tipos? N\u00e3o devem ser \u201ctipos ideais\u201d, mas ti-"], ["pos que se estabele\u00e7am segundo valores m\u00e9dios. Contando grande n\u00fa- mero de ast\u00e9nicos, p\u00edcnicos etc. com refer\u00eancia a todas as caracter\u00edsticas mensur\u00e1veis e vis\u00edveis, Kretschmer d\u00e1 um quadro m\u00e9dio. Mas como foi que selecionou os casos cuja m\u00e9dia tomou? Tomou aqueles casos em que, conforme diz, se podia acompanhar maior n\u00famero de identidades morfol\u00f3- gicas em maior n\u00famero de indiv\u00edduos. Portanto, pressup\u00f4s o tipo, intuiti- vamente. \u00c9 o que ele pr\u00f3prio testemunha quando diz dirigir-se sua descri- \u00e7\u00e3o tipol\u00f3gica, exatamente, n\u00e3o pelos casos frequentes e m\u00e9dios, e sim \u201cpelos casos mais bonitos\u201d; e serem estes \u201ccasos cl\u00e1ssicos\u201d \u201cquase resul- tantes do azar\u201d. \u00c9 o que testemunha, al\u00e9m disso, quando descreve: \u2018Tudo depende, \u00e9 certo, de adestramento art\u00edstico e seguro de nossa vis\u00e3o\u201d. \u201cN\u00e3o caminharemos para diante apenas colhendo medidas singulares, sem ideia e intui\u00e7\u00e3o da constru\u00e7\u00e3o total. A fita m\u00e9trica nada v\u00ea, porque com ela nunca chegaremos a apreender os quadros biol\u00f3gicos t\u00edpicos, o que \u00e9 nosso objetivo\u201d. Ou: \u201cA particularidade morfol\u00f3gica nunca \u00e9 importante se- n\u00e3o na moldura de grandes quadros totais da estrutura corp\u00f3rea, quadros dos quais emergem os tipos\u201d."], ["O que \u00e9 que Kretschmer recenseia? Primeiro, toma medidas de corpo e", "propor\u00e7\u00f5es, estabelecendo quadros relativamente a valores m\u00e9dios. Sabe- mos que a sele\u00e7\u00e3o dos casos medidos e reunidos \u00e9 condicionada pela in- tui\u00e7\u00e3o subjetiva do tipo pressuposto. Dentre certa massa total, dois obser- vadores independentes um do outro n\u00e3o selecionam os mesmos indiv\u00ed- duos, nem a mesma cifra total de p\u00edcnicos etc.... \u201cA classifica\u00e7\u00e3o dos casos fronteiri\u00e7os nunca pode ser exata\u201d, diz Kretschmer. Depois, nem sequer compara os valores num\u00e9ricos em todas as dire\u00e7\u00f5es, mas simplesmente estabelece os quadros, que da\u00ed por diante j\u00e1 n\u00e3o desempenham papel al- gum. Se o leitor os comparar por sua pr\u00f3pria iniciativa, deles n\u00e3o extrair\u00e1 coisa alguma espec\u00edfica, realmente. De mais a mais, Kretschmer n\u00e3o des- creve, apenas, \u201ccasos bonitos\u201d, mas acrescenta achados m\u00e9dios, a fim de enquadrar outros casos no tipo; altura esta a que se dilui sua intui\u00e7\u00e3o ini-"], ["cialmente clara de uma configura\u00e7\u00e3o unit\u00e1ria. Conta-se, a seguir, a fre- qu\u00eancia da coincid\u00eancia dos tipos de estrutura corp\u00f3rea com o car\u00e1ter e as psicoses. O diagn\u00f3stico da esquizofrenia e da loucura man\u00edaco-depres- siva pode vir a ser, em c\u00edrculo mais restrito, de certo modo id\u00eantico; em c\u00edrculos mais amplos, contudo, as perspectivas diagn\u00f3sticas diferem con- sideravelmente. Mas assim que Kretschmer inclui os extremamente pro- blem\u00e1ticos \u201cneurast\u00e9nicos esquizoides, psicopatas, degenerados\u201d, cessa qualquer enumera\u00e7\u00e3o em que se possa confiar, de modo geral."], ["S\u00f3 se enumeram, pois, totalidades: tipos de estrutura corp\u00f3rea, tipos"], ["caracteriais, tipos de psicoses; e n\u00e3o caracter\u00edsticas simples, que todos possam enumerar da mesma maneira. Mas a estat\u00edstica s\u00f3 tem sentido e obrigatoriedade quando observadores diferentes encontram as mesmas ci- fras usando o mesmo material; sem o que, n\u00e3o \u00e9 mais do que apar\u00eancia, quando se quer provar com ela alguma coisa e dependendo da intui\u00e7\u00e3o, a qual, neste caso, seria melhor usar diretamente. Quando se quer recen- sear, \u00e9 preciso ter n\u00e3o s\u00f3 caracter\u00edsticas seguramente tang\u00edveis que se possam contar na realidade, ou por serem nitidamente delimitadas ou por serem mensuravelmente graduadas e isso de modo a ter, seja qual for o caso, determinado valor num\u00e9rico \u2014 mas tamb\u00e9m se tem de proceder usando controles. De que modo assim fazer mostra o trabalho de Beringer e Duser, que diz respeito a problema semelhante. Estes dois autores con- taram caracter\u00edsticas displ\u00e1sicas em esquizofr\u00eanicos (o resultado \u00e9 claro, embora pouco produtivo). O confronto deste trabalho com o de Kretsch- mer \u00e9 instrutivo: em Kretschmer, vemos intui\u00e7\u00e3o elevada, que, entretanto, se oculta e pretende fazer-se valer, erradamente, gra\u00e7as a recursos exatos aplicados sem cr\u00edtica, como se fossem baseados na ci\u00eancia natural; em Beringer e Duser, o que vemos \u00e9 a mais clara cr\u00edtica e pesquisa cient\u00edfica, sem intui\u00e7\u00e3o. Certo \u00e9 que cabe\u00e7as como Kretschmer respondem que n\u00e3o se deve falar, e sim comprovar; ao que se pode replicar: Certamente; e se reconhecer\u00e3o os tipos de Kretschmer, porque s\u00e3o evidentes, concretos, mas n\u00e3o se come\u00e7ar\u00e1 a avaliar, apesar disso, porque a pondera\u00e7\u00e3o pura- mente metodol\u00f3gica sabe de antem\u00e3o, ser escassa a conclusividade das ci- fras que assim se obt\u00eam."], ["O censo de Kretschmer, embora condicionado subjetivamente, n\u00e3o \u00e9, entretanto, arbitr\u00e1rio. Mesmo para essa intui\u00e7\u00e3o, mostra a realidade casos que s\u00e3o quase probantemente objetivos e enumer\u00e1veis (os \u201ccasos bonitos) ; al\u00e9m de outros que n\u00e3o parecem ajustar-se, em absoluto (nem com a me- lhor intencionada das intui\u00e7\u00f5es) e da grande massa que existe entre todos"], ["os tipos. Dominar estas discrep\u00e2ncias reconhecidas \u00e9 tarefa que cabe \u00e0 in- terpreta\u00e7\u00e3o ulterior; e, ali\u00e1s, pela transposi\u00e7\u00e3o de conceitos oriundos da teoria da hereditariedade (entrecruza- mento, mudan\u00e7a, de domin\u00e2ncia), bem como pela ideia de liga de tipos; diferentes no mesmo indiv\u00edduo. Da\u00ed haver-se tornado imposs\u00edvel apresentar qualquer caso que n\u00e3o se possa interpretar. Caso algum se pode; opor, sob esta forma, \u00e0 teoria. A ser as- sim, tamb\u00e9m n\u00e3o poder\u00e1, contudo, a teoria provar-se pela realidade. H\u00e1 \u201cplausibilidade\u201d na combina\u00e7\u00e3o da biologia gen\u00e9tica, da teoria da estru- tura corp\u00f3rea, da psicopatologia, da caracterologia; combina\u00e7\u00e3o que n\u00e3o possui alicerce emp\u00edrico' firme, indubit\u00e1vel, mas sempre permite interpre- tar (sem car\u00e1ter impositivo, embora), o quadro que se haja formado intuiti- vamente, usando- de vocabul\u00e1rio supostamente cient\u00edfico.", "Nada haveria a objetar \u00e0s belas descri\u00e7\u00f5es kretschmerianas, criativas"], ["em sua configura\u00e7\u00e3o, se tudo n\u00e3o misturassem em roupagem cient\u00edfica pseudo-exata. Os recursos art\u00edsticos e a enumera\u00e7\u00e3o confundem-se e insi- nuam-se uns nos outros. Interessamo-nos no configuramento art\u00edstico; e o leitor versado em ci\u00eancias naturais, se for pouco cr\u00edtico, pode aquietar-se e dar-se por satisfeito com a roupagem, correta. O que se pretende \u00e9, de- certo, encontrar uma s\u00edntese em que se reconhe\u00e7a, a todo momento, um todo novo a partir da realidade. Mas. n\u00e3o se trata, aqui, de s\u00edntese, e sim de mistura de m\u00e9todos. O livro de Kretschmer n\u00e3o cont\u00e9m sopro algum de ci\u00eancia natural que distinga criticamente e se ajuste aos seus fundamen- tos."], ["Considero insustent\u00e1vel a teoria inteira (se bem que n\u00e3o absurda em suas origens), antecipa\u00e7\u00e3o ingenuamente desenvolta de um conhecimento dos fatores vitais derradeiros a que se subordina o homem particular \u2014 j\u00e1, agora, claro, se o virmos como caso. O que h\u00e1 de positivamente valioso no esfor\u00e7o de Kretschmer (feita abstra\u00e7\u00e3o da caracterologia e da fisiognomia), vejo-o na cria\u00e7\u00e3o do tipo p\u00edcnico de estrutura corp\u00f3rea, que representou novidade e desde logo se confirmou1 pela evid\u00eancia e pela experi\u00eancia (os outros dois j\u00e1 se conheciam, embora Kretschmer haja ensinado a v\u00ea-los de modo consideravelmente mais apurado)."], ["Ao anotar estas observa\u00e7\u00f5es, enganei-me num ponto: aquele concer- nente \u00e0 fecundidade da premissa e ao sentido da ideia da constitui\u00e7\u00e3o, quando pretende, seriamente, estender-se a todas as- conex\u00f5es causais e compreens\u00edveis. \u00c0quela \u00e9poca, s\u00f3 a valorei como rendimento da fisiogno- monia; mais do que isso, apenas percebi o entusiasmo. Considera exatas, ainda hoje, minhas observa\u00e7\u00f5es; insuficientes, por\u00e9m, n\u00e3o afinando, tais", "como as formulei, com o> novo esfor\u00e7o de Kretschmer. Tamb\u00e9m me enga- nei no fato de n\u00e3o haver previsto o largo efeito da teoria."], ["Isso talvez se possa \u2014 \u00e9 certo \u2014 compreender, em parte, pela circuns- t\u00e2ncia de existir, nos tempos modernos, necessidade maci\u00e7a, de m\u00e9todos concretos com os quais se realizem trabalhos cient\u00edficos- em s\u00e9rie e analo- gia, sem precisar recorrer a ideias pr\u00f3prias; e pela. circunst\u00e2ncia de haver tend\u00eancia a associar grandiosidade e pseudo- exatid\u00e3o \u00e0 apreens\u00e3o r\u00e1pida e c\u00f4moda da verdade. Foi neste sentido que, ent\u00e3o, escrevi a bem da por- menoriza\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica e da precis\u00e3o emp\u00edrica, opondo-me ao \u201cfalat\u00f3rio sobre possibilidades\u201d e-recordando os antigos naturalistas, os quais pre- tendiam reconhecer a \u201cess\u00eancia\u201d das coisas e aos quais Kepler respondeu, quando lhe censuravam reconhecer n\u00e3o a ess\u00eancia, mas a mera superf\u00ed- cie: \u201cApreendo, como dizes, a realidade pela cauda, mas seguro-a na m\u00e3o; tu, entretanto, queres tentar agarrar-lhe a cabe\u00e7a, mesmo que seja s\u00f3 em sonhos\u201d. Pode acontecer, at\u00e9 em \u00e9pocas cient\u00edficas, que uma ilus\u00e3o (preci- samente em roupagem cient\u00edfica e fora do campo especializado) venha a conquistar os mais vastos c\u00edrculos."], ["Sem ter sido, no entanto, decisivo, certo \u00e9 que operou o entusiasmo franco de uma ideia: o redespertar da antiga concep\u00e7\u00e3o do existir humano, profundamente arraigada, por for\u00e7a de seu configuramento numa plurali- dade de temperamentos. Basicamente, n\u00e3o h\u00e1 aqui ilus\u00e3o alguma. Qui- sera eu, hoje, compreender esta ideia e comprovar-lhe, criticamente, o efeito, afirmar-lhe o sentido positivo. Da\u00ed ser t\u00e3o necess\u00e1ria a an\u00e1lise cr\u00ed- tica quanto a apropria\u00e7\u00e3o positiva. Ali\u00e1s, vim a ter confirma\u00e7\u00e3o subse- quente de minha cr\u00edtica; mas creio ter chegado a confirma\u00e7\u00e3o clara, em- bora obscuro e insuficiente o ponto de que partira, gra\u00e7as \u00e0 fecundidade da pesquisa empreendida neste terreno. Da\u00ed n\u00e3o poder convencer-me do desacerto de minha cr\u00edtica metodol\u00f3gica; e poder achar-me ainda convicto da verdade da ideia inicial, a qual, sem d\u00favida, s\u00f3 compreendo na medida em que compreendo o sentido que tem o erro e esclare\u00e7o as invers\u00f5es fun- damentais realizadas na teoria kretschmeriana. \u00c9 por esta via que tam- b\u00e9m tendo apreender este fen\u00f4meno surpreendente: de os mesmos pesqui- sadores que aplicam os m\u00e9todos positivamente e com esfor\u00e7o infinito insi- nuarem, ao mesmo tempo, observa\u00e7\u00f5es cr\u00edticas que parecem destruir o sentido de tudo quanto fazem."], ["Em primeiro lugar, temos de repetir e complementar a criticar", "1. Cr\u00edtica da estat\u00edstica. As antigas obje\u00e7\u00f5es subsistem. Os. quadros to-", "tais que Kretschmer v\u00ea com arg\u00facia t\u00e3o evidente s\u00e3o' ou configura\u00e7\u00f5es fisi- ognom\u00f4nicas, que se ligam umas \u00e0s outras por vis\u00e3o essencial, ou confi- gura\u00e7\u00f5es morfol\u00f3gicas, ligadas por sentido biol\u00f3gico formal. Num caso como noutro, \u00e9 imposs\u00edvel recensear, tendo em vista a esp\u00e9cie de objeto \u2014 a multiplicidade fluida das formas humanas, a raridade das formas \u201cpu- ras\u201d, no sentido tipol\u00f3gico, o car\u00e1ter \u201cmisto\u201d ou intermedi\u00e1rio da maior parte dos indiv\u00edduos. N\u00e3o se pisa no solo firme das unidades que se pos- sam estabelecer identicamente em cada caso, nem medir quantitativa- mente pelo grau com que se apresentam. S\u00f3 se pode recensear aquilo que observadores diferentes reconhecem como id\u00eantico em presen\u00e7a de carac- ter\u00edsticas un\u00edvocas e da mesma maneira. Tais n\u00e3o s\u00e3o os tipos de estru- tura corp\u00f3rea em suas transi\u00e7\u00f5es flu\u00eddas; menos ainda os tipos caracteri- ais; as grandes psicoses diagnostic\u00e1veis \u2014 pelo menos, em limites mais estritos, s\u00e3o que mais se aproximam. Subsiste a falha em que a sele\u00e7\u00e3o dos fatos n\u00e3o se faz segundo crit\u00e9rio un\u00edvoco e id\u00eantico por parte dos di- versos pesquisadores."], ["Recenseou-se, contudo; ali\u00e1s, em trabalhos in\u00fameros, extraordinaria- mente cuidadosos, tanto na Alemanha quanto noutros pa\u00edses. Seguiram- se confirma\u00e7\u00f5es e refuta\u00e7\u00f5es; os que confirmaram foram, entretanto, mai- oria. S\u00e3o, por\u00e9m, os trabalhos cr\u00edticos, particularmente aqueles realizados com a m\u00e1xima precis\u00e3o, que convencem, porque associam a consci\u00eancia metodol\u00f3gica \u00e0 exatid\u00e3o processual.", "Os trabalhos confirmat\u00f3rios divergem muito, contudo, entre si. \u201cO que", "chama a aten\u00e7\u00e3o\u201d \u2014 escreve John Lange \u2014 \u201cs\u00e3o as diferen\u00e7as extraordi- nariamente grandes das cifras percentuais de que se d\u00e1 not\u00edcia... Trata-se de discrep\u00e2ncias t\u00e3o desmedidas que nem se podem atribuir de modo al- gum, a casualidades. Conclui-se, sim, n\u00e3o permitir o material c\u00e1lculos es- tat\u00edsticos da ordem dos que se apresentam\u201d."], ["Tendo em vista as grandes diverg\u00eancias, exige-se que os pesquisadores partam do mesmo ponto visando ao mesmo alvo. Kretschmer exige o ades- tramento da vis\u00e3o; fita m\u00e9trica e compasso n\u00e3o bastam. Vemos, entre- tanto, na raiz a antinomia insol\u00favel. Ou se relaciona o caso, pela vis\u00e3o adestrada e segundo a impress\u00e3o geral, a este ou \u00e0quele tipo de estrutura corp\u00f3rea \u2014 e, ent\u00e3o, o adestramento da vis\u00e3o imp\u00f5e que a verdade da pre- missa decorra do h\u00e1bito do mestre, vindo a tornar-se bastante indiferente a mensura\u00e7\u00e3o antropol\u00f3gica, que mais n\u00e3o ser\u00e1 do que ornamento cient\u00ed- fico \u2014 ou se confia na mensura\u00e7\u00e3o e se faz a- classifica\u00e7\u00e3o segundo os \u00edn- dices antropol\u00f3gicos un\u00edvocos que se hajam adotado (ou seja, as propor- \u00e7\u00f5es escolhidas para certas medidas entre si) \u2014 e, ent\u00e3o, j\u00e1 n\u00e3o se v\u00ea tipo"], ["de estrutura corp\u00f3rea algum; o que se pode medir tornou-se indiferente; e passa-se a vagar, desde logo, em meio a massas num\u00e9ricas infinitas, em correla\u00e7\u00f5es abstratas, sem vigor; perdem-se toda unidade, toda totalidade amplas.", "Nem o costume do mestre \u00e9, no entanto, un\u00edvoco: n\u00e3o \u00e9 identicamente transpon\u00edvel, nem \u00e9 sempre igual para ele sequer. Kolle descreve exemplos que mostram, em casos particulares, arbitrariedades dr\u00e1sticas.", "Assim, pois, parece imposs\u00edvel apreender estatisticamente os grandes"], ["grupos de estrutura corp\u00f3rea; a ponto de John Lange escrever: \u201cKolle mos- tra, de maneira plenamente convincente, quanta coisa \u00e9 entregue ao arbi- trarismo; de forma que j\u00e1 nem se pode compreender por que est\u00e1 sempre assumindo posi\u00e7\u00e3o antropol\u00f3gica\u201d. Isso \u00e9 devido a que, conforme Kolle mostra com seu esfor\u00e7o infatig\u00e1vel, nem tudo \u00e9 arbitr\u00e1rio, pois que certas correla\u00e7\u00f5es estat\u00edsticas surgiram por esta via, embora n\u00e3o exatas; e pelo confronto de grupos mais ou menos delimit\u00e1veis se descobriram diferen- \u00e7as que se fizeram claras e cuja verdade ou se reconhece, de maneira ge- ral, ou, quando menos, se aceita para discutir. Se se tomarem os grupos de maneira mais estrita \u2014 por exemplo, a cl\u00e1ssica psicose man\u00edaco-de- pressiva e as esquizofrenias mais graves \u2014 verifica-se que a estrutura p\u00edc- nica \u00e9 muito mais frequente nos man\u00edaco-depressivos do que nos esquizo- fr\u00eanicos e do que tamb\u00e9m nos indiv\u00edduos sadios. Mais ainda: que a pro- por\u00e7\u00e3o dos leptoss\u00f4micos na esquizofrenia \u2014 maior, certamente, do que nos man\u00edaco-depressivos \u2014 corresponde, mais ou menos, \u00e0 propor\u00e7\u00e3o da mesma estrutura corp\u00f3rea na popula\u00e7\u00e3o sadia. Quando o mesmo observa- dor faz confrontos desta ordem, as cifras absolutas n\u00e3o podem pretender validez alguma, mas as relativas podem; e, junto com elas, o quadro total, se o pesquisador houver procedido sem preven\u00e7\u00e3o. Da\u00ed Gruhle concluir, convincentemente, que Kretschmer s\u00f3 apanhou em seus esquizofr\u00eanicos o tipo da popula\u00e7\u00e3o geral, e n\u00e3o um grupo especial sob o aspecto som\u00e1tico; e que, ao contr\u00e1rio, existe, realmente, maior participa\u00e7\u00e3o do tipo p\u00edcnico na psicose man\u00edaco-depressiva; donde surgir um problema, qual seja: se temos de nos contentar em dizer, com Krisch, que o h\u00e1bito p\u00edcnico repre- senta para a psicose man\u00edaco-depressiva o mesmo papel que o tipo ast\u00e9- nico na tuberculose."], ["Todavia, as cifras talvez levem mais longe ainda, se n\u00e3o partirmos dos", "esquizofr\u00eanicos, em geral, mas dos grupos caracter\u00edsticos estritos que nesta constela\u00e7\u00e3o se incluem. Foi assim que procedeu Mauz, mostrando, em interessante trabalho, existir quantidade enorme de leptoss\u00f4micos nos hebefr\u00eanicos jovens graves que n\u00e3o tardam a demenciar; ao passo que, em", "geral, est\u00e1 ausente o tipo p\u00edcnico; da\u00ed resultando que a estrutura p\u00edcnica melhore o progn\u00f3stico para certo paciente. Estas e outras asser\u00e7\u00f5es de Mauz, que recordam facilmente ao psiquiatra casos semelhantes, foram por ele funda- mentadas sob o aspecto estat\u00edstico, de maneira que o resul- tado se afigura de todo poss\u00edvel, apesar das bases necessariamente inexa- tas. N\u00e3o parece existir confirma\u00e7\u00e3o igualmente apurada destas teses, pos- s\u00edvel, embora, que seja.", "N\u00e3o obstante os resultados que se podem avaliar positivamente, sub-"], ["siste, no todo, o seguinte quadro dos m\u00e9todos estat\u00edsticos, com refer\u00eancia ao campo da estrutura corp\u00f3rea-psicose (mais ainda quanto a estrutura corp\u00f3rea e car\u00e1ter): a uma premissa arbitr\u00e1ria seguiu- se procedimento al- tamente cr\u00edtico; a inexatid\u00e3o fundamental n\u00e3o pode, contudo, ser supri- mida pela exatid\u00e3o construtiva. Vale ainda, quanto aos tipos, o dito de Max Schmidt: Se bem que pare\u00e7am reconhecer-se cada vez mais, a signifi- ca\u00e7\u00e3o deles ainda \u00e9 duvidosa."], ["Na aplica\u00e7\u00e3o da teoria kretschmeriana da constitui\u00e7\u00e3o, h\u00e1 ainda ou- tras cifras de proveni\u00eancia exata, porque un\u00edvocas (tanto quanto se possa comprov\u00e1-lo, psicologicamente, por via experimental). A situa\u00e7\u00e3o \u00e9, aqui, a mesma que quando se parte de meras mensura\u00e7\u00f5es com refer\u00eancia \u00e0 es- trutura corp\u00f3rea. Correla\u00e7\u00f5es infinitas acumulam-se, que n\u00e3o d\u00e3o, por si, quadro algum e que, justamente por n\u00e3o serem em absoluto exatas, tam- b\u00e9m nenhuma impress\u00e3o avultada produzem. S\u00f3 mediante interpreta\u00e7\u00e3o que atinja um quadro caracterial e que sempre permanece pendente \u00e9 que os achados adquirem sentido, uma vez feita sele\u00e7\u00e3o adequada; particular- mente, em conex\u00e3o com a observa\u00e7\u00e3o total, tal qual a faz o experimenta- dor com seus casos. Tais observa\u00e7\u00f5es fornecem muito mais do que aquilo que resta para terceiros nas cifras dos resultados; \u00e9 s\u00f3 com elas que o pro- cedimento se faz realmente interessante para quem as utiliza.", "2. As interpreta\u00e7\u00f5es em vista das discrep\u00e2ncias (irrefutabilidade e im-", "probabilidade). Interpretam-se as exce\u00e7\u00f5es dos quadros e cifras que se preveem e que, de fato, s\u00e3o maioria, por hip\u00f3teses cujos conceitos se origi- nam da teoria da heran\u00e7a; bastardiza\u00e7\u00e3o (liga), mudan\u00e7a de domin\u00e2ncia, entrecruzamento."], ["Encontram-se as discrep\u00e2ncias na massa dos casos transicionais, im- poss\u00edveis de classificar por forma adequada; nos quadros que apresentam psicoses esquizofr\u00eanicas com estrutura corp\u00f3rea p\u00edcnica, ou psicoses cir- culares com estrutura ast\u00e9nica etc. (desde que os elementos que, no caso, se h\u00e3o de ter misturado se pressuponham realmente existentes). Tamb\u00e9m", "n\u00e3o se pode negar \u201chaja indiv\u00edduos que apresentam, na juventude, h\u00e1bito leptoss\u00f4mico e que, perto dos cinquenta, s\u00e3o p\u00edcnicos\u201d (Max Schmidt)."], ["A interpreta\u00e7\u00e3o que se baseia em ligas, entrecruzamentos e mudan\u00e7as de domin\u00e2ncia \u00e9, neste contexto, pura possibilidade ideativa. Estes concei- tos s\u00f3 t\u00eam realidade quando permitem chegar a experimentos que confir- mem ou refutem. Mais ainda: recorre- se, para interpretar, a efeitos de ou- tros gens da disposi\u00e7\u00e3o heredit\u00e1ria, os quais se acrescentam em sentido inibit\u00f3rio ou estimula- t\u00f3rio; e recorre-se tamb\u00e9m a influ\u00eancias ex\u00f3genas sobre o configuramento individual. A obje\u00e7\u00e3o nunca se dirige \u00e0 possibili- dade particular. Tudo isto \u00e9 poss\u00edvel, sim, na. realidade. A obje\u00e7\u00e3o \u00e9 que, se posso interpretar cada caso com tantos conceitos interpretativos, terei levado a interpreta\u00e7\u00e3o mesma ao absurdo, porque, se posso provar tudo, sou, certamente, irrefut\u00e1vel; em verdade, por\u00e9m, n\u00e3o fa\u00e7o mais do que ro- dar com uma quantidade de conceitos meramente repetitivos, sem progre- dir, apesar do movimento aparente.", "3. Tend\u00eancia \u00e0 obscuridade dos conceitos e m\u00e9todos. A teoria de", "Kretschmer tende, impressionantemente, a um configuramento hol\u00edstico do quadro, configuramento que se realiza de modo convincentemente pl\u00e1s- tico, acompanhado, por\u00e9m, da tend\u00eancia \u00e0 obscuridade l\u00f3gica, a ideias que mais n\u00e3o alcan\u00e7am sen\u00e3o aproximatividade imprecisa. Assim \u00e9 que se fala com desenvoltura em \u201cafinidade\u201d \u00abpiando se trata de mera correla\u00e7\u00e3o; por meio do que, a impress\u00e3o de rela\u00e7\u00e3o interna se insinua, pela escolha das palavras e inadvertidamente, numa correla\u00e7\u00e3o externa. \u00c9 certo que Kretschmer esclarece significar afinidade o fato da frequ\u00eancia comparati- vamente maior dessa coincid\u00eancia; e n\u00e3o lhe ser ainda poss\u00edvel, hoje, dizer coisa alguma sobre as condi\u00e7\u00f5es internas que a regulam (a estrutura p\u00edc- nica ser\u00e1 afim da loucura man\u00edaco-depressiva, em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 esquizofre- nia). D\u00favida n\u00e3o h\u00e1, contudo, de que a obra inteira visa \u00e0s conex\u00f5es inter- nas e de que a atra\u00e7\u00e3o poderosa da teoria repousa, exatamente, na im- press\u00e3o do todo significativo que emana da ideia de estrutura corp\u00f3rea e psicose. H\u00e1, n\u00f3 entanto, permanente mistura de uma coisa com outra; o que \u00e9 subjetivamente concreto no fisiognom\u00f4nico mistura-se com o que \u00e9 objetivamente mensur\u00e1vel, sem significado concreto no todo; a enumera- \u00e7\u00e3o de caracter\u00edsticas e medidas particulares que se podem estabelecer de maneira id\u00eantica, com a enumera\u00e7\u00e3o de totalidades que n\u00e3o se podem es- tabelecer de maneira id\u00eantica; a correla\u00e7\u00e3o que penetra ma afinidade, com a correla\u00e7\u00e3o que penetra no fundamento da correla\u00e7\u00e3o; o ps\u00edquico, com o som\u00e1tico; a vis\u00e3o inexata, com a execu\u00e7\u00e3o exata; a liberdade da perspec- tiva, com a obrigatoriedade de uma classifica\u00e7\u00e3o esquem\u00e1tica; a evid\u00eancia"], ["de vis\u00e3o fisiognom\u00f4nica ou morfol\u00f3gica, com a evid\u00eancia da mensura\u00e7\u00e3o cient\u00edfica; a estrutura corp\u00f3rea no sentido de express\u00e3o da totalidade de um ente humano, com a estrutura corp\u00f3rea como consequ\u00eancia de certos efeitos ou dist\u00farbios end\u00f3crinos; a observa\u00e7\u00e3o un\u00edvoca, com a interpreta- \u00e7\u00e3o mult\u00edvoca; a experi\u00eancia, com as possibilidades que n\u00e3o se podem pro- var.", "Da\u00ed por que a aplica\u00e7\u00e3o da teoria n\u00e3o representa s\u00edntese aut\u00eantica, quando se apreende o todo; e sim mistura de m\u00e9todos e confus\u00e3o de con- ceitos. Favorecendo a aparente clareza das ideias mais salientes e a cla- reza real dos quadros observados, deixa-se de superar a obscuridade das concep\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas; isso repousa, contudo, numa invers\u00e3o fundamental, que se tem sempre feito notar, h\u00e1 mil\u00eanios, na filosofia e que tamb\u00e9m ocorre no campo da psicopatologia.", "4. A invers\u00e3o fundamental: transforma\u00e7\u00e3o das ideias em entidades (hi-", "postase). Todo ser (ou ente) que se conhece e pode ser conhecido tem a forma de uma objetividade determinada, tang\u00edvel. As ideias, no entanto, vi- sam ao todo que se mostra no particular, sem poder ser, contudo, objeto, nem como evento que se conceba b\u00e1sico, nem como imagem. \u00c9 s\u00f3 como esquema da ideia que nos servimos de tipos, imagens, sistemas ideativos; os quais constituem por este motivo, recurso para a ilustra\u00e7\u00e3o da via que leva ao conhecimento no particular, mas sem significar conhecimento, ele pr\u00f3prio. Ora, se eu objetifico estes esquemas, imagens, ideias num ser, como se existissem tal qual um objeto, estou, ent\u00e3o \u201chipostasiando\u201d a ideia; donde perderem as ideias seu impulso como movimento do conheci- mento no sentido de uma abertura; ao mesmo\u00bb tempo, ganho certo pseu- doconhecimento que n\u00e3o tarda a mostrar- se \u201cinobjetivo\u201d, ou privado de objetividade."], ["Da\u00ed estar certo Kurt Schneider, quando diz que os tipos de Kretschmer n\u00e3o s\u00e3o realidade descobertas e quando lhes contesta a pretens\u00e3o a serem o suporte constitucional da teoria inteira da personalidade e da psicopatia. E tem raz\u00e3o Max Schmidt quando\u00bb opina servirem os tipos como conceito de trabalho e como ilustra\u00e7\u00e3o, mesmo n\u00e3o sendo s\u00ednteses fundamentadas, em absoluto.", "Se eu transformo a ideia em concep\u00e7\u00e3o hipostasiada do ser, sucumbo a uma apar\u00eancia natural, insuprim\u00edvel, que consigo, por\u00e9m, compreender e que, portanto, n\u00e3o me obriga a que me iluda (Kant), mesmo que subsista ante mim \u00e0 maneira de p\u00f3s-imagem.... Mas se me deixo iludir, corro o"], ["risco de perder a ideia a bem de uma entidade presumidamente conhe- cida. Come\u00e7o, ent\u00e3o, a tratar o conte\u00fado da ideia como objeto do entendi- mento; come\u00e7o a conceb\u00ea-lo em elementos que se combinam, se mistu- ram, se entrecruzara; come\u00e7o a assemelh\u00e1-lo cada vez mais a um meca- nismo \u2014 sem deixar, no entanto, de ainda poder ser movimento pela ver- dade da ideia, verdade que me convencer\u00e1 de n\u00e3o estar perseguindo fal- sas-imagens. O importante \u00e9 superar o auto-malentendido. S\u00f3 ent\u00e3o \u00e9 que n\u00e3o haver\u00e1 o que objetar n\u00e3o s\u00f3 ao que se v\u00ea, mas tamb\u00e9m \u00e0 formula\u00e7\u00e3o do que se v\u00ea; n\u00e3o s\u00f3 \u00e0 intui\u00e7\u00e3o, mas tamb\u00e9m ao m\u00e9todo da pesquisa que por ela se orienta. N\u00e3o poder\u00e3o, neste caso, quaisquer sucessores obtusos movimentar um mecanismo de pseudoconhecimentos, de maneira a esta- belecer classifica\u00e7\u00e3o r\u00e1pida e c\u00f4moda do ser humano. E tamb\u00e9m ser\u00e1 pos- s\u00edvel responder \u00e0 tese de n\u00e3o haver constitui\u00e7\u00e3o (excetuado o efeito parti- cularmente condicionado das gl\u00e2ndulas end\u00f3crinas sobre o corpo inteiro): N\u00e3o, n\u00e3o h\u00e1 constitui\u00e7\u00e3o como fato objetivo, mas como ideia necess\u00e1ria. Quem observar o homem sem ela ter\u00e1 perspectiva pobre e estreita."], ["Certa vez, querendo explicar a Goethe, com quem concordava, o sen- tido da planta prim\u00e1ria, Schiller disse que ela era verdadeira, mas era ape- nas uma ideia; e Goethe respondeu dizendo-se contente de ver a ideia, contente de que ela fosse realidade. Realmente, o \u201capenas\u201d aplica-se exclu- sivamente em contraposi\u00e7\u00e3o \u00e0 realidade determinada final dos objetos do entendimento que pesquisamos diretamente. Mas a ideia \u00e9 realidade que, sem a possuirmos, nos guia, nos aparece em imagens, nos atrai em pen- samentos e esquemas, d\u00e1 nexo e sentido ao nosso conhecimento.", "5. Concep\u00e7\u00f5es especiais b\u00e1sicas. Da consci\u00eancia de havermo-nos apos-", "sado da vis\u00e3o do todo origina-se a tend\u00eancia, de um lado, a ver o todo (como um em tudo) em meras transi\u00e7\u00f5es; de outro lado, a contemplar o todo no esquema. Entre as formula\u00e7\u00f5es da teoria kretschmeriana, aquele primeiro aspecto est\u00e1 na tese da transi\u00e7\u00e3o entre personalidade e psicose', o segundo, na tend\u00eancia a pensar como se houvesse, apenas, duas ou tr\u00eas esp\u00e9cies de tipos humanos. Nem um aspecto, nem outro est\u00e1 necessaria- mente ligado \u00e0 ideia de Kretschmer. Mas, por assim dizer, ambos depen- dem do mecanismo pelo qual se pensa, desde que se hipostasie a ideia."], ["aa) Personalidade e psicose. Pela observa\u00e7\u00e3o do car\u00e1ter pr\u00e9- m\u00f3rbido dos esquizofr\u00eanicos, acreditava-se haver encontrado uma caracterologia anormal frequente de esquizofr\u00eanicos ulteriores. Todavia, embora perma- necesse question\u00e1vel a ess\u00eancia da correla\u00e7\u00e3o e s\u00f3 se discutisse a exten- s\u00e3o da respectiva fatualidade, Kretschmer viu n\u00e3o s\u00f3 correla\u00e7\u00e3o imprecisa, mas transi\u00e7\u00e3o: A psicose ser\u00e1 aumento ou exagero de certa variedade", "constitucional da personalidade; o que significa muito mais do que predis- posi\u00e7\u00e3o de certos tipos de personalidade para determinadas psicoses.", "Kretschmer soube apresentar por forma sugestiva a similitude oculta"], ["de manifesta\u00e7\u00f5es heterog\u00eaneas. \u00c9 essencial, todavia, esclarecer por que m\u00e9todos tal acontece. Vamos dar um exemplo: Kretschmer exprime o tra\u00e7o comum b\u00e1sico entre qualidades fisiol\u00f3gicas, disposi\u00e7\u00f5es tempera- mentais, tra\u00e7os caracteriais e manifesta\u00e7\u00f5es psic\u00f3ticas em analogias. Tem de subsistir, no entanto, a quest\u00e3o quanto ao que \u00e9, ent\u00e3o, que se atinge como sendo id\u00eantico, seja em que sentido for, urna vez excedida a analogia ilustrativo-est\u00e9tica. Quando discute o temperamento viscoso e sua correla- \u00e7\u00e3o com a estrutura corp\u00f3rea atl\u00e9tica e com a epilepsia, Kretschmer diz: \u201cEsta viscosidade do curso ps\u00edquico aparece, a cada momento, noutras modalidades fenom\u00eanicas \u2014 nos movimentos comedidos e calmos, na lin- guagem parca, na fantasia limitada, na maior persist\u00eancia, na aten\u00e7\u00e3o te- naz, tanto quanto no equil\u00edbrio da vida emocional, na torpidez e na es- cassa afetividade, na pouca versatilidade, na atividade intelectual e social moderada, na fidelidade e na confiabilidade do comportamento social. H\u00e1 de considerar-se a viscosidade, o entorpecimento, tra\u00e7o comum b\u00e1sico dos atl\u00e9ticos\u201d. \u00c9 evidente que certa imagem sensorial \u2014 o entorpecimento \u2014 se ajusta a fatos absolutamente heterog\u00eaneos (quais sejam, a lentid\u00e3o dos movimentos do corpo e a fidelidade do car\u00e1ter) ; corretamente, nos dois casos, mas com sentido ilustrativo sempre diverso. N\u00e3o se exprime, por esta via, saber emp\u00edrico algum do existir humano em suas qualidades b\u00e1- sicas."], ["\u00c0s vezes, parece haver Kretschmer perdido o senso da diferen\u00e7a pro- funda que existe entre desenvolvimento da personalidade e psicose proces- sual. A considerar esta \u00faltima apenas culmina\u00e7\u00e3o do desenvolvimento da personalidade em certos pontos nodais de conex\u00f5es heredit\u00e1rias, ter-se-\u00e3o de admitir, ao mesmo tempo, os conceitos mais vagos poss\u00edveis. Do ho- mem esquizot\u00edmico m\u00e9dio uma s\u00e9rie de transi\u00e7\u00f5es levaria aos psicopatas esquizoides. Kurt Schneider, opondo-se a este apagamento de fronteiras mediante transi\u00e7\u00f5es, estabeleceu: Tivemos de admitir, com base na sim- ples experi\u00eancia cl\u00ednica, n\u00e3o se encontrarem semelhante transi\u00e7\u00f5es, con- quanto n\u00e3o se possa consider\u00e1-las, a priori, imposs\u00edveis em si, segundo analogia com certas doen\u00e7as som\u00e1ticas. Os casos em que se tem d\u00favida (se s\u00e3o anormalidade da personalidade, ou psicoses esquizofr\u00eanicas) s\u00e3o absolutamente rar\u00edssimos; mas tamb\u00e9m eles, com o tempo, se podem quase sempre determinar. Se existe correla\u00e7\u00e3o entre personalidade esqui- zoide e psicose, n\u00e3o h\u00e1, contudo, transi\u00e7\u00e3o, e sim salto, tal qual existe do"], ["estado do alcoolismo cr\u00f4nico para o delirium tremens. T\u00e3o decisivo \u00e9 o salto entre personalidade e psicose esquizofr\u00eanica processual quanto \u00e9 o salto entre personalidade e psicose man\u00edaco-depressiva. Se correla\u00e7\u00e3o existe, n\u00e3o \u00e9, contudo, tal que uma represente forma mais ligeira de outra.", "O modo de pensar que pretende apreender a unidade do evento psico-"], ["l\u00f3gico pela analogia ilustrativa, nela vendo identidade essencial, foi usado, de forma met\u00f3dica, por F. Minkowska, em sua an\u00e1lise estrutural (lugar ci- tado) relativamente \u00e0 constitui\u00e7\u00e3o epileptoide (viscosa ou gliscr\u00f3ide). En- tende ela por estrutura \u201cum princ\u00edpio configurativo que, em oposi\u00e7\u00e3o a to- das as formas da exist\u00eancia viva, \u00e9 uma primariedade que se externa, por isso, tanto no comportamento biol\u00f3gico quanto no caracterol\u00f3gico e no in- telecto-criativo, de maneira coincidente\u201d. Tra\u00e7o fundamental da constitui- \u00e7\u00e3o viscosa ser\u00e1 a lentifica\u00e7\u00e3o, a estase, a aglutina\u00e7\u00e3o (at\u00e9 nos capilares se lentifica a circula\u00e7\u00e3o, condicionando a cor da pele); do represamento surge o ataque motor. A mesma polaridade mostra-se no comportamento do ca- r\u00e1ter, sob. a forma, por um lado, de lentifica\u00e7\u00e3o viscosa, afetividade con- centrada, tenaz; por outro lado, de rea\u00e7\u00e3o explosiva e violenta. No car\u00e1ter (frequente, nas fam\u00edlias de epil\u00e9pticos, entre os membros sadios), predomi- nam os tra\u00e7os b\u00e1sicos da viscosidade na maneira por que estes indiv\u00edduos n\u00e3o se apartam da moldura que lhes \u00e9 origin\u00e1ria, apegando-se ao solo na- tal, preocupando-se com significados familiares e tradicionais, traba- lhando com escr\u00fapulo, mantendo-se uniformes, concentrando-se afetiva- mente, incapazes de libertar-se de seu mundo. Quando aparece a doen\u00e7a, a morosidade cede lugar \u00e0 excita\u00e7\u00e3o; e o represamento, que vai ao m\u00e1ximo ante os conflitos vivenciais, sem descarga e distens\u00e3o natural, leva a tur- va\u00e7\u00f5es repentinas da consci\u00eancia, com perda desta, ansiedade elementar, estados crepusculares, acompanhados da viv\u00eancia de for\u00e7as prim\u00e1rias, vi- s\u00f5es religiosas, fim-do- mundo. A psicose epil\u00e9ptica \u00e9 grau mais adiantado da manifesta\u00e7\u00e3o viscosa em sua polaridade de queda e eleva\u00e7\u00e3o. Mo ata- que motor, d\u00e3o-se a queda som\u00e1tica e a descarga motora; nas aus\u00eancias, nos estados crepusculares, na psicose, ocorre o decl\u00ednio mental, sob a forma de perda da consci\u00eancia, eleva\u00e7\u00e3o aos conte\u00fados religiosos e c\u00f3smi- cos. Esta polaridade atingiu a autorrepresenta\u00e7\u00e3o criativa no \u00faltimo qua- dro de Van Gogh (os corvos voando por sobre o trigal): o trigal quer elevar- se, a cat\u00e1strofe \u00e9 iminente. \u2014 N\u00e3o me parece que se descubra, nestas con- cep\u00e7\u00f5es, qualquer evento biol\u00f3gico ou psicol\u00f3gico b\u00e1sico; e sim jogo no qual a similitude dos v\u00e1rios fatos entre si, se bem que podendo servir, em parte, \u00e0 descri\u00e7\u00e3o verbal, se transforma, arbitrariamente, em identidade. \u00c9, precisamente, esta plausibilidade na vis\u00e3o vivamente imediata, associ-"], ["ada ao pressentimento sedutor de um fundamento vital profundo, que en- gana, neste ponto; o que n\u00e3o diminui a significa\u00e7\u00e3o das comprova\u00e7\u00f5es descritivas geneal\u00f3gicas.", "A correla\u00e7\u00e3o entre varia\u00e7\u00e3o caracterial e psicose processual \u00e9 problema", "extremamente dif\u00edcil S\u00f3 chamaremos a aten\u00e7\u00e3o para dois pontos:", "1. A fatualidade da correla\u00e7\u00e3o entre a esp\u00e9cie origin\u00e1ria de personali- dade e a psicose ulterior n\u00e3o \u00e9, de modo algum, absoluta. Por mais que se encontrem, entre os esquizofr\u00eanicos, caracteres anormais pr\u00e9-m\u00f3rbidos e caracteres parecidos na parentela, n\u00e3o se pode afirmar que qualquer tipo anormal de personalidade predisponha ou signifique, como tal, perigo de o indiv\u00edduo tornar-se esquizofr\u00eanico. Nem s\u00e3o raros os casos em que proces- sos psic\u00f3ticos afetam personalidades sadias.", "2. Quando se fazem investiga\u00e7\u00f5es geneal\u00f3gicas para descobrir a corre- la\u00e7\u00e3o entre car\u00e1ter e psicose, \u00e9 f\u00e1cil deixar-se envolver na ideia de chamar esquizoide certo tipo pelo fato de aparecer em fam\u00edlias nas quais h\u00e1 psico- ses esquizofr\u00eanicas; sem, entretanto, considerar o mesmo tipo esquizoide, caso n\u00e3o haja, na fam\u00edlia, psicose alguma. Assim \u00e9 que Luxenburger diz: \u201cO psicopata sem afetividade, se o considero como individuo, desligado dos la\u00e7os familiares, \u00e9 variante extrema, inferior, da personalidade pouco afe- tiva. Se eu descobrir que o pai dele era esquizofr\u00e9nico, nada impede que o julgue portador de disposi\u00e7\u00e3o esquizofr\u00eanica e o chame, sob o mesmo ponto de vista, psicopata esquizoide\u201d. Portanto, a mesma coisa que \u00e9, de uma feita, varia\u00e7\u00e3o da constitui\u00e7\u00e3o humana, \u00e9, de outra feita, manifesta- \u00e7\u00e3o da massa heredit\u00e1ria psic\u00f3tica. Ali\u00e1s, Luxenburger diz: \u201cA frieza afe- tiva dos doentes esquizofr\u00eanicos \u00e9, em ess\u00eancia, alguma coisa diversa da falta de afetividade dos psicopatas; diversa tamb\u00e9m da pobreza afetiva da personalidade correspondente normal\u201d. Mas \u00e9 s\u00f3 a investiga\u00e7\u00e3o geneal\u00f3- gica que parece mostrar o que existe no caso particular. Seja como for, se- gundo Luxenburger, \u201cn\u00e3o s\u00e3o de alinhar-se a esquisitice do psicopata, nem o retraimento do homem n\u00f3rdico com o autismo esquizofr\u00eanico\u201d. A esquizofrenia \u201cn\u00e3o \u00e9 variante de uma qualidade pessoal, mas sintoma de uma doen\u00e7a\u201d. bb) Dois ou tr\u00eas tipos de homens. A princ\u00edpio, deu impress\u00e3o de que a teoria kretschmeriana, admitindo duas ou tr\u00eas constitui\u00e7\u00f5es, visava a su- bordinar-lhes todos os seres humanos. N\u00e3o foi o que se pretendeu. Kretschmer pensa com base na sua observa\u00e7\u00e3o; e descreve os tipos que viu. Em princ\u00edpio, nada tem a objetar contra novos tipos, podendo at\u00e9 di- zer: Descrevam-mos, mostrem-mos! N\u00e3o se ergueria, certamente, contra", "formas novas. Na realidade, n\u00e3o foi do esquema e do sistema que partiu, mas de sua vis\u00e3o morfol\u00f3gica e fisiognom\u00f4nica. A seguir, contudo, o* es- quema tomou forma, inadvertidamente. E, da\u00ed por diante, \u00e9 com o es- quema que se trabalha, no mundo inteiro, como se representasse a classi- fica\u00e7\u00e3o de todas as variantes humanas."], ["f) Reconforma\u00e7\u00e3o da teoria psiqui\u00e1trica da constitui\u00e7\u00e3o por Conrad."], ["Mostrou-se, afinal, a fecundidade da concep\u00e7\u00e3o kretschmeriana no fato de uma teoria dela poder surgir, na qual viesse a fundir-se e superar- se a antiga. A teoria da constitui\u00e7\u00e3o entrou em nova fase gra\u00e7as \u00e0 obra ex- celente de Klaus Conrad. Embora seja certo que quase n\u00e3o traz qualquer investiga\u00e7\u00e3o nova, mas apenas nova interpreta\u00e7\u00e3o, nem por isso deixa de ser essencial relativamente ao setor problem\u00e1tico em que se concebem as totalidades, porque se pensa em iluminar caminhos pela vis\u00e3o do todo e em abrir espa\u00e7os pelas ideias. Na medida em que Conrad parte da teoria de Kretschmer, bem como dos fatos por ele afirmados, tamb\u00e9m se lhe aplica a cr\u00edtica que fazemos. Conrad, por\u00e9m, n\u00e3o s\u00f3 modificou, como re- conformou, radicalmente. Se bem que ruindo em conjunto a teoria, os achados e configuramentos concretos de Kretschmer permanecem; e tanto mais claros se apresentam em sua significa\u00e7\u00e3o concreta e em sua valiosa peculiaridade quanto n\u00e3o se exageram. Em primeiro lugar, Conrad critica a estat\u00edstica tipol\u00f3gica; em seguida, delineia novo esquema de tipos em po- laridades; por fim, d\u00e1 a este esquema sua significa\u00e7\u00e3o pr\u00f3pria, mediante constru\u00e7\u00e3o hipot\u00e9tica desenvolvimental. Tenho a impress\u00e3o de serem fal- sas todas as suas hip\u00f3teses gen\u00e9ticas, o que n\u00e3o impede devam interessar ao m\u00e1ximo, como novo \u201cesquema da ideia\u201d. Surgem quest\u00f5es de grande porte, conquanto continue pendente qualquer resposta que se possa pro- var. Relatarei a teoria da seguinte-forma:"], ["1. Discuss\u00e3o cr\u00edtica da estat\u00edstica tipol\u00f3gica. Concordando com minha cr\u00edtica, Conrad est\u00e1 persuadido de que a elabora\u00e7\u00e3o estat\u00edstica dos proble- mas tipol\u00f3gicos \u201c\u00e9 sempre quest\u00e3o de dois gumes\u201d. \u201cPorque estabelecemos o tipo como conceito classificativo mesmo, n\u00e3o podemos, naturalmente, tentar prov\u00e1-lo pela via estat\u00edstica. Por conseguinte, os valores tipol\u00f3gicos m\u00e9dios n\u00e3o t\u00eam valor probante, mas s\u00f3 ilustrativo\u201d; frase da qual se v\u00ea, uma vez mais, que se parte da forma vis\u00edvel, e n\u00e3o da medida quantitativa; donde a impossibilidade de querer deduzir das cifras provas exatas. Os valores m\u00e9dios, por\u00e9m, s\u00e3o irrelevantes em si, de modo geral, se- gundo Conrad. O que h\u00e1 de mais essencial no tipo s\u00e3o, para ele, os valores", "marginais entre os quais se firma. Mesmo estes valores marginais lhe pa- recem de pouca import\u00e2ncia como grandezas absolutas, visto estar sem- pre o significado do tipo em sua oposi\u00e7\u00e3o ao tipo contr\u00e1rio. Concebe-se, pois, o tipo numa extens\u00e3o relativa de valores marginais."], ["O tipo estende-se de um valor marginal externo a outro interno, isto \u00e9,"], ["entre o desenvolvimento ideal puro do tipo e o valor m\u00e9dio. Podem-se ver as cunhagens ideais (valor marginal externo) no caso particular cl\u00e1ssico; os valores m\u00e9dios (valor marginal interno) obt\u00eam-se \u201ccom base em c\u00e1lculos m\u00e9dios; ali\u00e1s, com base em coletivos de limites os mais largos poss\u00edveis\u201d (subsiste, aqui, a antiga quest\u00e3o: como decidiremos, no caso particular, que tomamos como coletivo, se ele deve enquadrar-se ou n\u00e3o?). Os limites, para Conrad, n\u00e3o s\u00e3o, em absoluto, r\u00edgidos; e visto \u201cn\u00e3o ter o tipo, absolu- tamente, limites r\u00edgidos, m\u00e9todo algum existe que permita encontr\u00e1-los. Trata-se, apenas, de conseguir, arbitrariamente, \u00e9 certo, mas por forma metodologicamente correta, qualquer delimita\u00e7\u00e3o?\u201d (sim, mas o arb\u00edtrio metodol\u00f3gico inicial pressup\u00f5e crit\u00e9rio inconfund\u00edvel para a classifica\u00e7\u00e3o dos casos particulares; ainda que arbitr\u00e1rio, este pr\u00f3prio crit\u00e9rio tem de funcionar da mesma maneira para todos os observadores que o apliquem)."], ["O que diz Conrad das cifras mensurais relativas aos tipos de estrutura corp\u00f3rea, ou seja, que t\u00eam valor ilustrativo, e n\u00e3o probante, estende-se \u2014 \u00e9 o que se h\u00e1 de pensar \u2014 a todas as cifras em que aparecem correla\u00e7\u00f5es dos tipos enumerados. Todos t\u00eam, apenas, valor ilustrativo; da\u00ed deverem avaliar-se conforme o possuam; isto \u00e9, conforme promovam ou n\u00e3o a vis\u00e3o convincente; porque n\u00e3o provam, s\u00e3o indiferentes as cifras meramente abstratas, as propor\u00e7\u00f5es percentuais, as correla\u00e7\u00f5es em si; \u00e9 o que se h\u00e1 de concluir. Toda a estat\u00edstica que aqui se aplica n\u00e3o constitui, a bem di- zer, estat\u00edstica.", "2. Novo esquema dos tipos em polaridades. Conrad est\u00e1 convencido de", "que todos os tipos s\u00e3o relativos, particulares e provis\u00f3rios. Assim \u00e9 que, sem preven\u00e7\u00e3o, v\u00ea a riqueza das formas humanas. N\u00e3o h\u00e1 esquema t\u00edpico que seja capaz de abranger, totalmente, a variabilidade enorme das formas corp\u00f3reas humanas segundo um s\u00f3 ponto de vista, ou mesmo segundo duas ou tr\u00eas formas t\u00edpicas."], ["Tal abrangimento \u00e9 tanto menos poss\u00edvel quanto as pr\u00f3prias formas significativas n\u00e3o s\u00e3o tipos, e sim, apenas, formas m\u00f3veis, que se h\u00e3o de conceber sob o ponto de vista de grandes princ\u00edpios polares de cresci- mento. N\u00e3o s\u00e3o as formas ideais existentes, mas os princ\u00edpios de que se originam, que devem, segundo Conrad, determinar a moldura do esquema", "t\u00edpico. 'As estruturas corp\u00f3reas leptoss\u00f4mica e p\u00edcnica s\u00e3o cunhagens re- sultantes de um princ\u00edpio de crescimento polarizado dentro de si. Para o atl\u00e9tico \u00e9 outro princ\u00edpio que se aplica. \u201cPor sua vez, outros tipos podem resultar de outros princ\u00edpios de crescimento\u201d."], ["Os tipos que vimos at\u00e9 o momento, inclusive os displ\u00e1sicos, eram, para", "Kretschmer, cont\u00edguos ou paralelos; situa\u00e7\u00e3o insatisfat\u00f3ria esta que ele elimina com uma classifica\u00e7\u00e3o gradual. O sentido dos tipos discrimina-se conforme os princ\u00edpios de crescimento que lhes subjazem; e exige-se que s\u00f3 se compare o que for compar\u00e1vel. Assim \u00e9 que, para Conrad, tr\u00eas gru- pos principais de estrutura corp\u00f3rea se apresentam. \u00c9 comum a todos o fato de representarem tend\u00eancias de crescimento, as quais se mostram na estrutura corp\u00f3rea total, ou a influenciam. \u201cAt\u00e9 na derradeira conforma- \u00e7\u00e3o da ponta do nariz, ou do pequeno encurvamento dos dedos manifes- tam- se tend\u00eancias desta ordem\u201d. Tamb\u00e9m lhes \u00e9 comum o fato de acarre- tarem manifesta\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas ou caracteriais espec\u00edficas e corresponden- tes. Todos os princ\u00edpios de crescimento aparecem em polaridades: entre os polos enfileiram-se as variantes. S\u00e3o os seguintes os tr\u00eas grupos principais de estrutura corp\u00f3rea:"], ["aa) Leptoss\u00f4mico (leptomorfo) e p\u00edcnico'. Tend\u00eancia ao crescimento lon-", "gitudinal \u00e0 custa da largura; ou ao crescimento transversal \u00e0 custa do comprimento; mais ainda: metromorfo, crescimento bem proporcionado, que n\u00e3o se concebe nem como mediano, nem como normal.", "bb) Hipopl\u00e1sico e hiperpl\u00e1sico (ou ast\u00e9nico e atl\u00e9tico}: Tend\u00eancias de crescimento que se relacionam com desenvolvimento' deficiente ou exces- sivo dos tecidos, m\u00fasculos e ossos. Hipopl\u00e1sico (ast\u00e9nico): nariz fino, pon- tudo; zigomas hipopl\u00e1sicos, mento fugidio; donde parte m\u00e9dia e inferior do rosto curta, ombros estreitos, m\u00e3os e p\u00e9s pequenos; al\u00e9m disso, pele fina e pilosidade escassa. \u2014 Hiperpl\u00e1sico (atl\u00e9tico): nariz grande e largo, zigomas acentuados, mento saliente; donde parte\u2019 inferior e m\u00e9dia do rosto com- prida; ombros largos, m\u00e3os e p\u00e9s grandes; pele grossa, pilosidade abun- dante. Tamb\u00e9m o. tipo metropl\u00e1sico se inclui nesta polaridade, represen- tando o crescimento bem proporcionado."], ["cc) Formas displ\u00e1sicas de crescimento, de origem end\u00f3crina (por exem- plo, obesidade ou emacia\u00e7\u00e3o, crescimento eunuc\u00f3ide em altura, constitui- \u00e7\u00e3o acromegal\u00f3ide etc.) e tend\u00eancias dism\u00f3rficas de crescimento (status dysraphicus, por exemplo; etc.).", "\u00c0 classifica\u00e7\u00e3o dos tipos de estrutura corp\u00f3rea, tanto em Conrad quanto em Kretschmer, associa-se quantidade correspondente de rea\u00e7\u00f5es"], ["fisiol\u00f3gicas e psicol\u00f3gicas (conforme se pode test\u00e1-las experimentalmente), al\u00e9m de descri\u00e7\u00f5es caracteriais.", "\u00c0 base destas classifica\u00e7\u00f5es, destacam-se, primeiramente, com o ter- ceiro grupo, todas as formas de crescimento patogenicamente determina- das que constituem doen\u00e7as de causa conhecida. No caso- delas, n\u00e3o se trata, a bem dizer, de caracteres constitucionais. Em segundo lugar, se- para-se o que, at\u00e9 o presente, se tem confundido: a saber, separa-se a forma de crescimento leptoss\u00f4mico, que, forma em si vigorosa, \u00e9 o polo oposto \u00e0 forma p\u00edcnica da forma ast\u00e9nica, que, forma em si d\u00e9bil, \u00e9 o polo oposto da atl\u00e9tica. Um hipopl\u00e1sico ainda n\u00e3o \u00e9, como tal, leptomorfo, mas pode vir a s\u00ea-lo, al\u00e9m de hipopl\u00e1sico. O leptomorfo hipopl\u00e1sico, embora chamado, at\u00e9 o presente, ast\u00e9nico, encerra uma tend\u00eancia de crescimento, a hipoplasia, que n\u00e3o se relaciona, em absoluto, de forma direta, com o leptomorfismo.", "Os tr\u00eas grupos n\u00e3o s\u00e3o cont\u00edguos, nem paralelos; mas, sim, cada indi-"], ["v\u00edduo se situa, primeiro, na polaridade leptoss\u00f4mico-p\u00edcnico; depois, na polaridade ast\u00e9nico-atl\u00e9tico; finalmente, pode ainda sofrer de uma das for- mas m\u00f3rbidas de crescimento do \u00faltimo grupo.", "Confrontando os grupos entre si, Conrad caracteriza-lhes a significado", "e encontra na polaridade leptoss\u00f4mico-p\u00edcnico uma rela\u00e7\u00e3o de exclus\u00e3o; assim, os sinais t\u00edpicos das variantes extremas n\u00e3o se combinam no caso particular, mas se suprimem uns aos outros, reciprocamente, como tipos. Ao contr\u00e1rio, os sinais t\u00edpicos podem combinar-se na popularidade ast\u00e9- nico-atl\u00e9tico. Impulsos de ambas as formas de crescimento podem encon- trar-se no mesmo indiv\u00edduo.", "Mais ainda: a polaridade leptoss\u00f4mico-p\u00edcnico permanece dentro dos limites da higidez, mesmo em suas formas extremas; ao passo que a pola- ridade ast\u00eanico-atl\u00e9tico pode apresentar transi\u00e7\u00e3o para a morbidez de am- bos os lados; isto \u00e9, para a fraqueza patol\u00f3gica e para a acromegalia."], ["Enfim: a polaridade leptoss\u00f4mico-p\u00edcnico penetra a esp\u00e9cie humana t\u00e3o profundamente que atinge o campo da rea\u00e7\u00e3o fisiol\u00f3gica e psicol\u00f3gica. Na polaridade ast\u00eanico-atl\u00e9tico, \u201co corte est\u00e1 longe de ser t\u00e3o profundo\u201d. O princ\u00edpio distintivo mostra-se, \u201csimplesmente, em certas constela\u00e7\u00f5es ca- racteriais, que s\u00f3 em grau insignificante codeterminam o todo da consti- tui\u00e7\u00e3o. A distin\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m n\u00e3o atinge com profundidade demasiada a es- fera ps\u00edquica. De distin\u00e7\u00e3o que compreenda a personalidade inteira em seus fundamentos quase nunca se pode falar\u201d."], ["Esta classifica\u00e7\u00e3o caracteriza-se pela simplicidade e clareza. Da\u00ed re- sulta, na certa, primeiramente, que s\u00f3 os tipos do terceiro grupo \u00e9 que res- tam, constituindo manifesta\u00e7\u00f5es realmente determinadas, compreensivel- mente delimitadas e, al\u00e9m disso, causalmente un\u00edvocas; em segundo lu- gar: a \u201ctransi\u00e7\u00e3o\u201d dos extremos do segundo grupo para formas m\u00f3rbidas (astenia como doen\u00e7a constitucional de Stiller e acromegalia como doen\u00e7a end\u00f3crina definida) \u00e9 question\u00e1vel e suscita d\u00favida quanto a esta polari- dade; em terceiro lugar: o primeiro grupo dissolve-se em rela\u00e7\u00e3o polar ge- ral, indubit\u00e1vel, tal qual a desenvolveu Weidenreich; ao mesmo tempo que se perdem a rica configura\u00e7\u00e3o fisiognom\u00f4nica e o car\u00e1ter propriamente dito de constitui\u00e7\u00e3o (donde Conrad dizer: o leptomorfo n\u00e3o \u00e9 tipo constitu- cional, e sim tend\u00eancia de crescimento)."], ["Com este esbo\u00e7o, entretanto, mais n\u00e3o demos sen\u00e3o o primeiro passo;", "nem atingimos, em absoluto, a ideia b\u00e1sica de Conrad, que s\u00f3 ela, pode dar a este esquema de classifica\u00e7\u00e3o sentido, confirma\u00e7\u00e3o ou discutibili- dade."], ["3. Fundamenta\u00e7\u00e3o do esquema mediante hip\u00f3tese desenvolvimental (ou evolucionista). Os tipos de estrutura corp\u00f3rea s\u00e3o express\u00e3o de tend\u00eancias de crescimento, as quais se devem distinguir: em primeiro lugar, conforme a profundidade com que determinam a vida no todo; Conrad denomina esta polaridade leptomorfo-p\u00edcnico \u201cvariante prim\u00e1ria\u201d do existir humano; a polaridade ast\u00eanico-atl\u00e9tico, \u201cvariante secund\u00e1ria\u201d. Isto deve significar que a posi\u00e7\u00e3o do indiv\u00edduo na primeira polaridade \u00e9 decidida mais cedo (portanto, mais profundamente) no desenvolvimento embrion\u00e1rio; a posi- \u00e7\u00e3o na segunda polaridade \u00e9 decidida mais tarde e n\u00e3o atinge a mesma profundidade. polaridade eventual; s\u00e3o polarmente opostas pelo objetivo ou alvo evolu- tivo que nelas se encerra por forma diversa. \u00c9 a\u00ed que est\u00e1 o fator decisivo."], ["O anatomista holand\u00eas Bolk explicou certos tipos de malforma\u00e7\u00f5es fe-", "tais de semelhan\u00e7a animal por um desenvolvimento levado ao excesso. Os animais representariam desenvolvimentos extremos que teriam ido dar num beco sem sa\u00edda; desenvolvimentos em oposi\u00e7\u00e3o aos quais o homem normal teria parado, como todo, em certo grau de conforma\u00e7\u00e3o que estaria mais pr\u00f3xima do embrion\u00e1rio. Da\u00ed por que n\u00e3o s\u00f3 o embri\u00e3o humano e o embri\u00e3o do macaco teriam muito mais afinidade do que o homem e o ma- caco, mas tamb\u00e9m o homem adulto estaria muito mais pr\u00f3ximo do em- bri\u00e3o do macaco que de um macaco adulto \u00e9 o que Bolk enuncia com a"], ["frase: O homem \u00e9, por assim dizer, um macaco que continua embrion\u00e1rio."], ["A ideia em que se baseia a teoria de Bolk consiste em admitir tend\u00ean- cias de crescimento que se caracterizam por seu objetivo: ou especializa- \u00e7\u00e3o, ou conserva\u00e7\u00e3o da flexibilidade, da plasticidade; noutros termos: ou prosseguimento ao extremo, ou parada em harmonia equilibrada e ampla. S\u00e3o as ideias b\u00e1sicas de que Conrad se serve, de maneira original, para compreender os tipos de estrutura corp\u00f3rea e as constitui\u00e7\u00f5es. O objetivo do desenvolvimento j\u00e1 se encerra, por forma diversamente remota, nas disposi\u00e7\u00f5es prim\u00e1rias entre limites extremos \u2014 entre o crescimento longi- tudinal e- o crescimento transversal, entre o desenvolvimento ast\u00e9nico e o atl\u00e9tico; isto \u00e9, num ou noutro dos dois limites extremos, ou nas possibili- dades medianas poss\u00edveis. Diferentemente, contudo, das malforma\u00e7\u00f5es fe- tais de Bolk, n\u00e3o se trata, aqui, quando se t\u00eam em vista os tipos constitu- cionais, de parada normal, nem de prosseguimento anormal exagerado, e sim de objetivos normais em certa amplitude de dadas varia\u00e7\u00f5es polares."], ["Com a estrutura corp\u00f3rea tamb\u00e9m se compreendem as qualidades ca- racteriais que lhe correspondem como sendo aquelas relacionadas com fa- ses mais precoces do desenvolvimento (tal qual, por exemplo, se pretendeu conceber a f\u00eamea da esp\u00e9cie, em oposi\u00e7\u00e3o ao macho, como sendo forma desenvolvimental anterior, mais pr\u00f3xima \u00e0 crian\u00e7a). Da\u00ed Conrad conceber uma grande unitariedade psicof\u00edsica, um todo estrutural de soma e psi- que, cujo tipo se define, geneticamente, em est\u00e1dio precoce do desenvolvi- mento embrion\u00e1rio, por v\u00e1rios saltos."], ["Segundo Conrad, as tend\u00eancias de crescimento normalmente variantes caracterizam-se nas respectivas polaridades pela diversidade do \u201ctempera- mento evolutivo\u201d (ou desenvolvimental) que lhes corresponde; tempera- mento que \u00e9 ou conservativo ou propulsivo. \u00ca a coincid\u00eancia com um ou outro temperamento que determina o objetivo estabelecido para a consti- tui\u00e7\u00e3o. O p\u00edcnico permanece mais pr\u00f3ximo a um est\u00e1dio precoce e tem afi- nidade com a crian\u00e7a, ao passo que o leptoss\u00f4mico caminha para est\u00e1dio desenvolvimental mais adiantado, distanciando-se da crian\u00e7a. Aquilo que se mostra nas propor\u00e7\u00f5es da estrutura corp\u00f3rea mostra-se, de maneira di- versa, mas paralela, na varia\u00e7\u00e3o ps\u00edquica do car\u00e1ter. O p\u00edcnico tem de ser ciclot\u00edmico, porque tanto uma coisa como outra, a estrutura corp\u00f3rea p\u00edc- nica e o temperamento ciclot\u00edmico, se aproximam mais do h\u00e1bito infantil. \u201cA estrutura corp\u00f3rea p\u00edcnica e a estrutura caracterial ciclot\u00edmica mais n\u00e3o s\u00e3o do que pontos correspondentes, no processo morfol\u00f3gico, do des- locamento ontogen\u00e9tico que as propor\u00e7\u00f5es sofrem; e, no processo psicol\u00f3-"], ["gico, da varia\u00e7\u00e3o ontogen\u00e9tica da individua\u00e7\u00e3o\u201d. Os dois tipos constitucio- nais polares s\u00e3o, apenas, modalidades desenvolvimentais diversas (ou seja: conservativa e propulsiva) da mudan\u00e7a de forma, de fun\u00e7\u00e3o e de es- trutura que ocorre na ontog\u00eanese. \u201cEstrutura corp\u00f3rea e car\u00e1ter t\u00eam de corresponder-se entre si, pelo fato de serem o resultado de evento evolu- tivo id\u00eantico\u201d."], ["Conrad compreende todos os tipos constitucionais em polaridades; e estas, por sua vez, distingue em polaridade da conservatividade e da pro- pulsividade; principalmente, as manifesta\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas: \u00e9 por isto que os tipos constitucionais endocrinamente condicionados resultam da rea\u00e7\u00e3o tissular a influxos hormoniais, frena- dores (conservativos) ou acelerado- res (propulsivos). O mesmo se d\u00e1 quanto \u00e0 predisposi\u00e7\u00e3o para certas do- en\u00e7as som\u00e1ticas: os tipos constitucionais h\u00e3o de conceber-se \u201ccomo sendo o meio genot\u00edpico especialmente favor\u00e1vel ou desfavor\u00e1vel para o fator pa- tog\u00eanico pr\u00f3prio\u201d. Eis a regra fundamental: \u201cAs doen\u00e7as do tipo diat\u00e9sico (isto \u00e9, rea\u00e7\u00f5es anormalmente aumentadas) mais frequentemente impri- mem-se no polo conservativo; as doen\u00e7as do tipo sist\u00eamico\u00bb (ou seja, todos os processos progressivamente destrutivos), no polo propulsivo das s\u00e9ries constitucionais\u201d."], ["Coroa esta considera\u00e7\u00e3o desenvolvimental uma \u00faltima ideia: Onde c"], ["que, pode-se indagar, est\u00e3o as maiores possibilidades de desenvolvi- mento? No temperamento conservativo ou no propulsivo? A resposta \u00e9 a seguinte: Em nenhum dos dois.- \u201cA variante constitucional picnomorfa-ci- clot\u00edmica, resultando de desenvolvimento conservativo, representa um \u2018es- t\u00e1dio juvenil\u2019 n\u00e3o-especializado, o qual, faltando um temperamento corres- pondente de desenvolvimento, n\u00e3o teve desenvolvimento ulterior; a vari- ante \u2018leptomorfa-esquizot\u00edmica\u2019 apresenta-se, ao rev\u00e9s, constituindo \u2018forma de velhice\u2019 propulsiva, altamente especializada, que, no entanto, atingiu semelhante especializa\u00e7\u00e3o por demais cedo; da\u00ed por que \u2014 fixando-se pre- cocemente demais \u2014 ter\u00e1 perdido suas possibilidades de desenvolvimento ulterior. S\u00e3o s\u00f3 as constitui\u00e7\u00f5es metromorfas-sint\u00edmicas, intermedi\u00e1rias aos dois polos, que representam aquelas formas que ter\u00e3o ainda alcan- \u00e7ado \u2014 ap\u00f3s as duas primeiras grandes etapas evolutivas das primeira e segunda mudan\u00e7as morfol\u00f3gicas (isto \u00e9, os seis-oito anos e a puberdade) \u2014 o grau da segunda harmoniza\u00e7\u00e3o, podendo, eventualmente, realizar eta- pas evolutivas ulteriores\u201d. Diz-se da estrutura corp\u00f3rea, em especial: \u201cEn- tre os dois extremos, s\u00f3 o metromorfo \u00e9 que ainda alcan\u00e7a o segundo equi- l\u00edbrio, ultrapassando a segunda mudan\u00e7a de forma (quer dizer, a puber- dade); e alcan\u00e7a, ao mesmo tempo, aquela simetria que se nos apresenta,"], ["no plano da estrutura corp\u00f3rea, constituindo o equil\u00edbrio ideal (o ideal hel\u00e9nico da beleza)\u201d."], ["Desta concep\u00e7\u00e3o desenvolvimental resulta uma vis\u00e3o biol\u00f3gica das po- tencialidades humanas que atinge os limites de toda vida. N\u00e3o \u00e9 vis\u00e3o con- creta que se baseie na perspectiva fisiognom\u00f4nica, nem na clarivid\u00eancia caracterol\u00f3gica de Kretschmer; mas vis\u00e3o especulativo-biol\u00f3gica, que opera com fatos j\u00e1 existentes e vistos, reunindo-os num todo conceptual e sistem\u00e1tico. De t\u00e3o clara, excelente, cativante, sedutoramente desenvol- vida, esta especula\u00e7\u00e3o convence o leitor, a cada passo, de sua veracidade. N\u00e3o nos iludamos, por\u00e9m. Em primeiro lugar, os fatos em que a interpre- ta\u00e7\u00e3o se fundamenta n\u00e3o s\u00e3o, em absoluto, t\u00e3o un\u00edvocos, nem coinciden- tes quanto a apresenta\u00e7\u00e3o sugere, apesar de todas as restri\u00e7\u00f5es cr\u00edticas; a plausibilidade, e mesmo a fascina\u00e7\u00e3o, biologicamente falando, do quadro, a consider\u00e1-lo de longe e no todo, desaparece quanto se tem acesso con- creto aos fatos. Em segundo lugar, trata-se n\u00e3o do resultado de qualquer pesquisa nova e convincente, e sim de interpreta\u00e7\u00e3o de car\u00e1ter hipot\u00e9tico, que se serve das mais recentes concep\u00e7\u00f5es biol\u00f3gicas; interpreta\u00e7\u00e3o que representa \u201cesquematiza\u00e7\u00e3o\u201d (no sentido kantiano) nova da ideia de consti- tui\u00e7\u00e3o. Podem- se fazer ao esquema, todavia (no caso em que se deva aceit\u00e1-lo como conhecimento real), as seguintes obje\u00e7\u00f5es:"], ["aa) \u201cDesenvolvimento\u201d ou significa o grande, indeterminado espa\u00e7o de possibilidades ilimitadas, ou constitui, pelo fato de representar evolu\u00e7\u00e3o definida, um todo realizado, com seus est\u00e1dios, dentro de um tempo dado. Quando falamos em est\u00e1dios, pressupomos um tipo definido de desenvol- vimento. Se distinguirmos deste tipo, a seu turno, novos tipos, n\u00e3o ser\u00e1 poss\u00edvel explicar corretamente a forma evolutiva que varia a cada mo- mento como etapa de sua pr\u00f3pria totalidade, ou seja, de cada tipo de tota- lidade a realizar-se. Ou ent\u00e3o, n\u00e3o ser\u00e1 poss\u00edvel conceber o objetivo do de- senvolvimento como est\u00e1dio do mesmo, nem o todo do desenvolvimento como etapa de si pr\u00f3prio. Qualquer parada de desenvolvimento (que se pode reconhecer como fixa\u00e7\u00e3o de um est\u00e1dio) \u00e9 patol\u00f3gica. O tipo constitu- cional n\u00e3o deve ser parada, mas desenvolvimento pleno, cujo tipo se ca- racteriza por um objetivo, que \u201ccorresponde\u201d a um est\u00e1dio deste desenvol- vimento; isto n\u00e3o \u00e9, por\u00e9m, mais do que compara\u00e7\u00e3o. O sexo feminino nem se deteve no desenvolvimento, nem est\u00e1 mais perto da crian\u00e7a que o sexo masculino, embora certas qualidades morfol\u00f3gicas e comprovadas por testes possam \u201ccorresponder\u201d \u00e0 crian\u00e7a; esta, por\u00e9m, se for do sexo masculino, estar\u00e1 mais longe de si mesma do que a mulher adulta. Pode- se comparar o sexo feminino com a crian\u00e7a, podem-se comparar tipos"], ["masculinos com a mulher, ou constitui\u00e7\u00f5es com sexos, com est\u00e1dios in- fantis, sem jamais esquecer, todavia, que \u00e9 s\u00f3 compara\u00e7\u00e3o que se faz, sem deduzir da compara\u00e7\u00e3o identidade essencial alguma, nem transformar a correspond\u00eancia em coincid\u00eancia. As compara\u00e7\u00f5es n\u00e3o geram conheci- mento causal, e sim concep\u00e7\u00f5es que resultam do entrejogo de ess\u00eancias diversas; no caso em discuss\u00e3o, nenhum conhecimento causal geram, e sim d\u00e3o plasticidade \u00e0 vis\u00e3o de totalidades imposs\u00edveis de apreender por forma precisa e definitiva.", "bb) A discrimina\u00e7\u00e3o entre temperamento conservativo e propulsivo \u00e9 amb\u00edgua. Devem ser extremos entre os quais est\u00e1 o mediano, o equilibra- do', s\u00e3o desvios que t\u00eam de deixar, entre si, espa\u00e7o livre ao todo, ao com- pleto, ao que tem futuro, mesmo que eles estagnem."], ["Ao impulso de Bolk e em conex\u00e3o com ideias biol\u00f3gicas amplas (Dac- qu\u00e9), chegou-se a uma concep\u00e7\u00e3o da vida que v\u00ea na criatura humana o ente \u00fanico porque ter\u00e1 conservado as possibilidades desenvolvimentais da exist\u00eancia plena, ao passo que os animais, em meio \u00e0 imensidade das pos- sibilidades, desceram, por assim dizer, e se firmaram em estruturas vitais singulares, j\u00e1 n\u00e3o mais transpon\u00edveis. O homem, ao contr\u00e1rio, sendo, em princ\u00edpio, equilibrado, flex\u00edvel, pl\u00e1stico, capaz de tudo conter, tem a vida sempre presente no todo, abrangendo-a em sua ess\u00eancia mesma \u2014 tal qual o ente existencial mais prim\u00e1rio, mais jovem, pode-se dizer. Esta con- cep\u00e7\u00e3o da vida, que lembra a filosofia natural rom\u00e2ntica n\u00e3o \u00e9, em abso- luto, saber, e sim vis\u00e3o imprecisa, exprimindo o pressentimento de mist\u00e9- rio abismal \u2014 Conrad transp\u00f5e-na para as constitui\u00e7\u00f5es da esp\u00e9cie hu- mana: fixa\u00e7\u00f5es que se desviam, digamos, para a esquerda e para a direita, para o leptoss\u00f4mico e o p\u00edcnico, para o ast\u00e9nico e o atl\u00e9tico; no meio, o rumo da vida criadora. A conserva\u00e7\u00e3o definitiva em est\u00e1dio precoce n\u00e3o \u00e9, segundo Conrad, conserva\u00e7\u00e3o das possibilidades de desenvolvimento ulte- rior, e sim ren\u00fancia prematura; a chegada a est\u00e1dio ulterior n\u00e3o \u00e9, em sua opini\u00e3o, realiza\u00e7\u00e3o, e sim envelhecimento que fixa o tipo. O mediano, po- r\u00e9m, o metromorfo e o metropl\u00e1stico, tamb\u00e9m n\u00e3o significa, no entanto \u2014 e isso pode-se objetar \u2014 por ser mediano, conserva\u00e7\u00e3o das possibilidades; n\u00e3o significa, por ser mediano, criatividade. N\u00e3o se pode compreender a maior plenitude, a maior vitalidade, som\u00e1tica ou psiquicamente, com base na medianidade. S\u00f3 uma fonte em absoluto diversa \u00e9 que anima com se- melhante sentido esta concep\u00e7\u00e3o conradiana: a experi\u00eancia dos desenvol- vimentos mentais e ps\u00edquicos atrav\u00e9s da contradi\u00e7\u00e3o, da cria\u00e7\u00e3o com base em contrastes, do equil\u00edbrio das antinomias, da dial\u00e9tica da mente."], ["Quando ouvimos falar no contraste entre os temperamentos conserva-", "t\u00f3rio e propulsivo, v\u00e1rios significados se podem deduzir e se usam com maior ou menor frequ\u00eancia:", "1. Se tomo a medida, em geral, num todo desenvolvimental impre- ciso, que n\u00e3o conhe\u00e7o, mas que talvez se sinta, obscuramente, como infinitamente realiz\u00e1vel \u2014 ent\u00e3o, o propulsivo \u00e9 ilimitado em suas possibilidades futuras.", "2. Se tomo a medida num todo desenvolvimental determinado, que conhe\u00e7o em suas configura\u00e7\u00f5es e est\u00e1dios \u2014 ent\u00e3o, o propulsivo \u00e9 um extremo (ele pr\u00f3prio, no entanto, limitado), que leva ao en- velhecimento e \u00e0 morte. H\u00e1 envelhecimento n\u00e3o s\u00f3 no indiv\u00edduo, mas no curso das gera\u00e7\u00f5es.", "3. Se tomo a medida num todo desenvolvimental determinado, mas que ainda se considera, ele pr\u00f3prio, configura\u00e7\u00e3o presente que \u00e9, transi\u00e7\u00e3o da vida para totalidades ulteriores, sempre capazes de transforma\u00e7\u00e3o \u2014 ent\u00e3o, o propulsivo, tanto quanto o conserva- tivo, s\u00e3o alguma coisa que fixa; e em rela\u00e7\u00e3o a eles h\u00e1 um medi- ano que n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 medianidade, \u00e9 vida que se protege contra tudo quanto \u00e9 externo, que se mant\u00e9m sempre equilibrada; que con- serva em si todas as possibilidades e, s\u00f3 por isto, encerra em si, atrav\u00e9s das gera\u00e7\u00f5es, o futuro do acr\u00e9scimo progressivo.", "Para Conrad, \u00e9 o terceiro significado que predomina; os dois outros,"], ["contudo, est\u00e3o sempre parecendo envolvidos.", "Assim, pois, a propuls\u00e3o do desenvolvimento (o temperamento propul-"], ["sivo) pode significar:", "1) o encaminhamento para diferencia\u00e7\u00e3o ulterior e conforma\u00e7\u00e3o ama-", "durecedora do indiv\u00edduo em leptoss\u00f4mico e atl\u00e9tico; ou", "2) o mesmo acontecimento na sucess\u00e3o das gera\u00e7\u00f5es (envelhecimento"], ["fil\u00e1tico), dando formas vitais que, super- diferenciadas e especializadas, afinal morrem; ou", "3) a conserva\u00e7\u00e3o das possibilidades e a re-forma\u00e7\u00e3o criadora no indiv\u00ed-", "duo (apesar do envelhecimento); ou", "4) o mesmo evento na sucess\u00e3o das formas vitais atrav\u00e9s das gera\u00e7\u00f5es", "(sem envelhecimento).", "Em tudo isso, a oposi\u00e7\u00e3o polar adicional, a op\u00e7\u00e3o por um est\u00e1dio pre- coce como objetivo definitivo (p\u00edcnico e ast\u00e9nico), o temperamento desen- volvimental conservativo, n\u00e3o significa, em absoluto, conserva\u00e7\u00e3o das pos- sibilidades de desenvolvimento ulterior, mas autolimita\u00e7\u00e3o, sem processo", "senescente, contudo, e, por isto, tanto mais constantemente vivo na su- cess\u00e3o das gera\u00e7\u00f5es. As probabilidades propriamente de vida est\u00e3o, para Conrad, nas tend\u00eancias evolutivas, a partir da conserva\u00e7\u00e3o das possibili- dades e da cria\u00e7\u00e3o da medianidade equilibrada.", "O fato de tocar-se, com a vis\u00e3o total, uma atitude vital interna que de"], ["imediato convence (a conjun\u00e7\u00e3o 'dial\u00e9tica dos contrastes, a ren\u00fancia \u00e0 tranquilidade na limita\u00e7\u00e3o, o risco do apoio no infinito) n\u00e3o nos impede de ver que o livro de Conrad deixa, em absoluto, de esclarecer esta atitude fi- los\u00f3fica vital; sobretudo, pesquisando fatos novos que conv\u00e9m adquirir, \u00e9 dif\u00edcil obt\u00ea-los mediante estes conceitos imprecisos, amplos e amb\u00edguos. O que se d\u00e1, aqui, afinal, \u00e9 transposi\u00e7\u00e3o de verdades b\u00e1sicas ps\u00edquico-inte- lectuais para o morfol\u00f3gico, o som\u00e1tico, o constitucional. Significativa como ideia, um tanto sum\u00e1ria, como saber esquematizado, a concep\u00e7\u00e3o conradiana, abrindo, embora, um espa\u00e7o e mostrando-se avessa a qual- quer dogmatismo estagnador, acarreta o perigo do dogmatismo da impre- cis\u00e3o pela hipostasia de sua ideia. \u00c9 errado admitir a imprecis\u00e3o da qual Conrad deduz, a todo momento, ju\u00edzos totais inteiramente definitivos como antidogm\u00e1tica."], ["4. Redu\u00e7\u00e3o da determina\u00e7\u00e3o constitucional eventual a um gen \u00fanico. \u00c0 frase de Max Schmidt: \u201cNenhum destes tipos pode reduzir-se, com alguma probabilidade, a qualquer fun\u00e7\u00e3o biol\u00f3gica simples, ou a qualquer princ\u00ed- pio biol\u00f3gico simples\u201d Conrad op\u00f5e: \u201cUm fator gen\u00e9tico \u00fanico decide se o desenvolvimento eventual ser\u00e1 conservativo ou propulsivo\u201d. As ideias que Conrad desenvolve, a esta altura, ainda s\u00e3o, decerto, puramente hipot\u00e9ti- cas, n\u00e3o servindo de base para investiga\u00e7\u00e3o alguma, mas dando, com os conceitos da gen\u00e9tica biol\u00f3gica, um quadro engenhoso de possibilidades. N\u00e3o h\u00e1 d\u00favida de que ele tem consci\u00eancia das dificuldades, quando in- daga: N\u00e3o h\u00e1 esperan\u00e7a, ante a quantidade enorme de presum\u00edveis gens em que se baseia um tipo constitucional, de pensar em explica\u00e7\u00e3o gen\u00e9- tica? A resposta funda-se na polaridade dos tipos constitucionais, polari- dade que se relacionar\u00e1 com a dualidade das caracter\u00edsticas gen\u00e9ticas. O genetista n\u00e3o pode usar caracter\u00edsticas isoladas, nem grupos de caracte- r\u00edsticas diversas. O que usa \u00e9 ou a alternativa do aparecimento, como tamb\u00e9m a aus\u00eancia de uma caracter\u00edstica; ou ent\u00e3o, usa s\u00e9ries variacio- nais bipolares, que explica pela altera\u00e7\u00e3o de um gen em alelos m\u00faltiplos. A alternatividade ou bipolaridade de todas as qualidades n\u00e3o \u00e9 requisito me- ramente metodol\u00f3gico, mas se funda, sim, objetivamente, em que a estru- tura heredit\u00e1ria dos organismos \u00e9 sempre emparelhada (cada organismo", "tem dois pais, n\u00e3o tr\u00eas) e em que t'odos os cromossomas se apresentam emparelhados. Os tipos constitucionais, na classifica\u00e7\u00e3o conradiana, s\u00e3o polares; ajustam-se, pois, \u00e0 subordina\u00e7\u00e3o ao ponto de vista gen\u00e9tico. O gen singular que se procura precisa ter o poder de determinar a posi\u00e7\u00e3o do indiv\u00edduo na polaridade dos tipos constitucionais."], ["Mas os tipos constitucionais s\u00e3o, sem d\u00favida, determinados por gens", "extraordinariamente numerosos. \u201cComo \u00e9 que todos estes gens \u2014 per- gunta Conrad \u2014 se ajustam de maneira assim t\u00e3o preferencial no genoma particular?\u201d \u201cN\u00e3o existe, em toda a gen\u00e9tica, exemplo de semelhante afini- dade de gens t\u00e3o numerosos no genoma particular\u201d (ao que se objeta: mas o fato desta afinidade n\u00e3o existe, absolutamente; o que existe \u00e9 o fato, ape- nas, de uma quantidade de correla\u00e7\u00f5es que, al\u00e9m do mais, nem s\u00e3o t\u00e3o fortes)."], ["O acoplamento de fatores (coincid\u00eancia dos gens no mesmo cromos- soma) n\u00e3o pode servir de base \u00e0 conjuga\u00e7\u00e3o das numerosas caracter\u00edsti- cas de um tipo constitucional, visto ser muito pouco prov\u00e1vel que o tipo constitucional se ancore num cromossoma \u00fanico; al\u00e9m do que, no acopla- mento, os fatores s\u00e3o \u201cilimitadamente separ\u00e1veis, o que n\u00e3o parece ser o caso, em absoluto, no que diz respeito \u00e0s constela\u00e7\u00f5es aqui existentes\u201d (a experi\u00eancia mostra, no entanto, o contr\u00e1rio, sempre que o coeficiente de correla\u00e7\u00e3o \u00e9 inferior a 1). Da\u00ed dever ser de outro car\u00e1ter o princ\u00edpio da uni- dade: \u00e9 um gen que, por via de decis\u00e3o ontogeneticamente precoce, deter- mina a efetividade de todos os outros gens. N\u00e3o \u00e9 um gen al\u00e9m de outros, e sim certo gen na ordem hier\u00e1rquica dos gens, que conduz a totalidade dos mesmo, isso fazendo pela determina\u00e7\u00e3o do temperamento desenvolvi- mental. A admitir \u201cum princ\u00edpio fatorial \u00fanico em que se baseie a forma- \u00e7\u00e3o dos tipos\u201d, chega- se \u00e0 hip\u00f3tese do gen singular determinante."], ["Conrad compara as caracter\u00edsticas conjuntas de uma constitui\u00e7\u00e3o t\u00ed-", "pica a um padr\u00e3o, que pode ser, digamos, o colorido da lagarta, ou o colo- rido das asas da borboleta; compara a base em que se formam os tipos constitucionais aos gens encontrados pelos biologistas relativamente \u00e0 di- re\u00e7\u00e3o segundo a qual se forma este padr\u00e3o pigmentar. Mais n\u00e3o \u00e9, entre- tanto, do que compara\u00e7\u00e3o, visto que a diversidade de sentido da distribui- \u00e7\u00e3o do pigmento \u2014 por mais que esta varie \u2014 e das qualidades caracteri- ais (como tamb\u00e9m das propor\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas) \u00e9 demasiado radical para que se possa falar, a esta altura, em alguma coisa que seja a mesma. A multiplicidade da esp\u00e9cie humana n\u00e3o pode desenrolar-se em series como os desenhos das lagartas; realmente, o que se tem n\u00e3o \u00e9 o padr\u00e3o cons- tantemente vari\u00e1vel, mas certa multiplicidade ilimitada, a se entrecruzar,"], ["de correla\u00e7\u00f5es mais ou menos marcadas de qualidades e formas. Pelas pr\u00f3prias assertivas iniciais de Conrad, as variedades t\u00edpicas das constitui- \u00e7\u00f5es humanas representariam, apenas, limites de casos ideais, de acordo com certos pontos, de vista firmados pelos pesquisadores. N\u00e3o se cobre, em absoluto, a multiplicidade fatual, que ent\u00e3o se observa, com estes pon- tos de vista; nem mesmo com a polaridade do temperamento desenvolvi- mental conservativo e propulsivo; temperamento que, por sua vez, no en- tanto, \u00e9 apenas compara\u00e7\u00e3o e interpreta\u00e7\u00e3o, n\u00e3o fato real.", "Enfim, o edif\u00edcio que Conrad construiu n\u00e3o se sust\u00e9m em seu todo; constitui sistema de hip\u00f3teses que se sustentam entre si, sem o alicerce de uma experi\u00eancia em que, de fato, se apoiem; nem t\u00eam levado a novas ex- peri\u00eancias. A constru\u00e7\u00e3o total h\u00e1 de ruir, provavelmente, sem deixar vest\u00ed- gios, apesar da habilidade com que se ergueu.", "g) Sobre o valor positivo das teorias da constitui\u00e7\u00e3o."], ["As teorias da constitui\u00e7\u00e3o incluem-se entre os grandes movimentos ocorridos na psicopatologia cuja import\u00e2ncia excede de muito- o campo especializado, parecendo confirmar-se por in\u00fameros trabalhos; n\u00e3o obs- tante o que, subsiste a controv\u00e9rsia em torno deles, de modo que, afinal, de t\u00e3o repetidos, j\u00e1 n\u00e3o despertam interesse, mas voltam \u00e0 discuss\u00e3o ap\u00f3s certo tempo; isto pelo fato de que portam um problema eterno. Da\u00ed poder- mos indagar: onde est\u00e1 a verdade em todos os esfor\u00e7os feitos \u2014 apesar de resultados seguros, progresso cient\u00edfico retil\u00edneo n\u00e3o existe; e: onde co- me\u00e7a o erro."], ["Resumiremos, mais uma vez, a resposta que damos:", "aa) Verdadeira \u00e9 a ideia de constitui\u00e7\u00e3o como sendo o todo da com- plex\u00e3o somatops\u00edquica. Errada \u00e9 a hip\u00f3stase da ideia num ente objetivo conhecido. Da\u00ed por que todo conhecimento se encontra pela via desta ideia, vindo a transformar-se em determinado conhecimento final, n\u00e3o em conhecimento do todo. \u00c9 imposs\u00edvel alcan\u00e7ar a ideia completa, ou. per- feita; ela continua a representar sempre, no entanto, uma tarefa a cum- prir. Assim, pois, cada totalidade concebida com clareza j\u00e1 n\u00e3o \u00e9 a totali- dade, e sim uma totalidade; sendo totalidade, \u00e9 particular e \u00e9 um fato al\u00e9m de outros. O todo, pelo contr\u00e1rio, retrocede, atraindo e orientando nosso conhecimento. Se o denominarmos \u201co todo eventual de uma consti- tui\u00e7\u00e3o individual\u201d, n\u00e3o estaremos errados, mas firmaremos um conceito que s\u00f3 negativamente permite compreender todas as outras totalidades tang\u00edveis como provis\u00f3rias."], ["Tudo quanto se conhece mais n\u00e3o \u00e9 do que particularidade, em rela\u00e7\u00e3o", "ao todo; jamais o pr\u00f3prio todo. Da\u00ed errarem todas as teorias da constitui- \u00e7\u00e3o, quando pretendem apreender o todo do existir humano; e quando jul- gam haver conhecido, radicalmente, o> homem individual pela aplica\u00e7\u00e3o direta (diagn\u00f3stica).", "bb) De modo especial, distinguimos verdade e erro nas seguintes dire- \u00e7\u00f5es: verdadeiras s\u00e3o a percep\u00e7\u00e3o morfol\u00f3gica e a vis\u00e3o- fisiognom\u00f4nica que atinge o psiquismo no morfol\u00f3gico; errada \u00e9 a hip\u00f3stase do que se v\u00ea em objetividades mensur\u00e1veis; \u00e9 a confus\u00e3o do que se observa com o que se conta; a aceita\u00e7\u00e3o de uma coisa pela outra e a dependentiza\u00e7\u00e3o de uma \u00e0 outra."], ["Verdadeiras s\u00e3o algumas formas que se podem fazer ver; verdadeiras", "s\u00e3o as categorias morfol\u00f3gicas e fisiognom\u00f4nicas que servem para am- pliar-nos a vis\u00e3o; erradas s\u00e3o as generaliza\u00e7\u00f5es em leis e valora\u00e7\u00f5es a que se querem subordinar casos particulares como se- fossem totalidades.", "Verdadeiros s\u00e3o os casos cl\u00e1ssicos apresentados em sua pureza, vi- sando a orientar-nos a contempla\u00e7\u00e3o; errados s\u00e3o os esquemas- que pre- tendem classificar tudo quanto ocorre num sistema de tipos- adquiridos."], ["2. A ideia leva a que se vejam fen\u00f4menos e fatos, os quais, constituindo enigmas concretos, apontam o todo sempre a recuar; constituindo no\u00e7\u00f5es finais, ampliam-nos o conhecimento. Toda a verdade da eidologia est\u00e1 na via das ideias. O que \u00e9 que se mostra na via da ideia de constitui\u00e7\u00e3o? Des- cobrimos rumos, modos de ver surgem, a aten\u00e7\u00e3o dirige-se para as corre- la\u00e7\u00f5es universais. Assim, os m\u00e9todos biom\u00e9tricos fornecem mais do que cifras e correla- \u00e7\u00f5es; deles resulta clareza em todas as \u00e1reas nas quais se podem estabele- cer, de modo geral, diversidades biom\u00e9tricas. E pela aplica\u00e7\u00e3o respectiva, surgem experi\u00eancias concretas que, sem estes m\u00e9todos, n\u00e3o se lograriam, embora venham a perder-se, a seu turno, no resultado num\u00e9rico, se o to- marmos meramente como tal.", "Com a ideia do todo, ganham-se os meios metodol\u00f3gicos da descri\u00e7\u00e3o essencial da estrutura corp\u00f3rea e do car\u00e1ter, bem como de todos os fen\u00f4- menos em que os homens se diversificam. Como m\u00e9todos individuais, cer- tamente, cabem, por exemplo, na fisiognom\u00f4nica, na psicologia das cone- x\u00f5es compreens\u00edveis etc.; mas \u00e9 pela ideia do todo que todos estes m\u00e9to- dos particulares se impulsionam, se fazem essenciais, se correlacionam entre si. Seguem-se os rumos nos quais se acham os pontos de vista para"], ["a apreens\u00e3o das mais profundas diferen\u00e7as, que nos ensinam a considerar o essencial e que conformam a multiplicidade em quadros, ou figuras."], ["Ganham-se totalidades, que, ali\u00e1s, por sua vez, n\u00e3o tardam a consti-", "tuir meros elementos particulares. A constitui\u00e7\u00e3o determinada j\u00e1 n\u00e3o \u00e9 a constitui\u00e7\u00e3o, afinal, mas fator parcial do todo somatops\u00edquico.", "Busca-se. o sistem\u00e1tico nas correla\u00e7\u00f5es universais. Descobrem- se \u00e0 vis\u00e3o do todo correla\u00e7\u00f5es poss\u00edveis ilimitadas. A observa\u00e7\u00e3o conjunta de estrutura corp\u00f3rea e car\u00e1ter, biologia gen\u00e9tica, endocrinologia, psicose e neurose abre o mais largo horizonte, da\u00ed resultando o conhecimento de correla\u00e7\u00f5es parciais e aspectos relativos na via que leva ao todo. Tudo se interrelaciona."], ["3. De caminho, formam-se conceitos e modos de ver, que representam perguntas, sem dar respostas-, perguntas que abrem os espa\u00e7os das pos- sibilidade, sem trazer conhecimento preciso. Abrimo-nos ao todo propria- mente dito naquilo que \u00e9 atualidade concreta dentro de uma experi\u00eancia que se aprofunda, como se tiv\u00e9ssemos, tangivelmente, esse todo; o qual, por\u00e9m, nos foge \u00e0 apreens\u00e3o, conquanto n\u00e3o resistindo \u00e0 penetra\u00e7\u00e3o e ao avan\u00e7o constantes. como todo, a esp\u00e9cie da exist\u00eancia, ou do ser, exceto sob aspectos eventu- ais e tendo em vista manifesta\u00e7\u00f5es particulares de sua ess\u00eancia. N\u00e3o se podem classificar os homens; cada ente humano, limitado empiricamente, de fato, na realiza\u00e7\u00e3o por suas disposi\u00e7\u00f5es heredit\u00e1rias e seu perimundo, \u00e9, primariamente, tudo, pelas possibilidades que tem."], ["\u00a7 3. Ra\u00e7a", "Preliminares biol\u00f3gicas."], ["Quando falamos em ra\u00e7a, n\u00e3o entendemos o conceito de vitalidade e", "vigor, mas o de uma variedade biologicamente especial, que se mostra na morfologia e na fisiognomia do corpo, nas peculiaridades de suas fun\u00e7\u00f5es e no tipo de sua vida ps\u00edquica. Por conseguinte, ra\u00e7a n\u00e3o \u00e9, segundo n\u00f3s, a ra\u00e7a vital (que se tem em vista quando se fala em \u201cracial\u201d como predi- cado valorativo), e sim a ra\u00e7a morfol\u00f3gica ou a ra\u00e7a t\u00edpica.", "Ra\u00e7a \u00e9 uma peculiaridade humana que se marca pela cria\u00e7\u00e3o fatual,", "mas inintencional, atrav\u00e9s de longos anos, dando tra\u00e7os b\u00e1sicos \u00e0 sua es- s\u00eancia eventual total; isso da maneira mais f\u00e1cil de apreender quando se"], ["alinham as diversidades mais acentuadas: brancos, mong\u00f3is, negros.", "Se se distinguirem as ra\u00e7as numa popula\u00e7\u00e3o mista \u2014 e toda popula- \u00e7\u00e3o hist\u00f3rica \u00e9 popula\u00e7\u00e3o mista \u2014 s\u00f3 poder\u00e1 isso significar que tais ra\u00e7as ter\u00e3o existido, algum dia, aut\u00f4nomas antes de misturarem-se. As diferen- \u00e7as dos tipos, que n\u00e3o se podem provar, neste sentido, como ra\u00e7as exis- tentes, s\u00e3o duvidosas. Podem ser ra\u00e7as que .se hajam deduzido a posteri- ori sem quaisquer ba_s.es absolutamente obrigat\u00f3rias; podem ser varia- \u00e7\u00f5es locais, que se tenham formado na popula\u00e7\u00e3o, sem. vir a transformar- se em ra\u00e7as separadas; podem ser tipos constitucionais."], ["\u00c9 f\u00e1cil definir a diferen\u00e7a entre ra\u00e7a e constitui\u00e7\u00e3o; mas nem sempre h\u00e1 diferen\u00e7a marcada, na aplica\u00e7\u00e3o concreta, entre tipos raciais e consti- tucionais. As ra\u00e7as s\u00e3o formas do existir humano historicamente forma- das com base em varia\u00e7\u00f5es e muta\u00e7\u00f5es isoladas da esp\u00e9cie humana. As constitui\u00e7\u00f5es s\u00e3o varia\u00e7\u00f5es que impregnam todas as ra\u00e7as, que t\u00eam car\u00e1- ter n\u00e3o-hist\u00f3rico, porque essas varia\u00e7\u00f5es se repetem em sua modalidade t\u00edpica.", "Preliminares metodol\u00f3gicas."], ["Sob o ponto de vista metodol\u00f3gico, existe afinidade entre a vis\u00e3o intui- tiva dos tipos raciais que existem numa popula\u00e7\u00e3o mista e a vis\u00e3o dos ti- pos constitucionais. Diversamente, por\u00e9m, dos tipos constitucionais, cujos casos puros representam um ideal e s\u00e3o, empiricamente, raros, existem ra\u00e7as que, na realidade, se separam por forma absoluta em sua massa; ra\u00e7as que se podem investigar sob o aspecto de uma psicologia racial. N\u00e3o se comparar\u00e3o, ent\u00e3o, decerto, ra\u00e7as puras relativamente ao tipo de dis- t\u00farbios ps\u00edquicos que nelas ocorrem, mas popula\u00e7\u00f5es geograficamente de- limitadas. Em certas condi\u00e7\u00f5es, podem-se confrontar, na mesma \u00e1rea, duas popula\u00e7\u00f5es que se tenham misturado relativamente pouco, como os judeus e a popula\u00e7\u00e3o circundante. Nesse caso, n\u00e3o haver\u00e1 d\u00favida quanto \u00e0 ra\u00e7a a que pertence a maioria dos indiv\u00edduos, na medida em ainda se queiram chamar ra\u00e7as, em geral, os grupos populacionais em sua diversi- dade."], ["Em primeiro lugar, pergunta-se: aquilo que \u00e9 geralmente humano e existe antes de qualquer separa\u00e7\u00e3o em ra\u00e7as impregna, por isto, todas as ra\u00e7as? Ensina a observa\u00e7\u00e3o que todas as doen\u00e7as org\u00e2nicas cerebrais \u2014 como a paralisia geral \u2014 s\u00e3o universais; al\u00e9m disso, as esquizofrenias, a epilepsia e a psicose man\u00edaco-depressivo ocorrem em toda parte. Se se trata de disposi\u00e7\u00f5es heredit\u00e1rias pr\u00f3prias \u00e0 humanidade inteira, ou de dis- posi\u00e7\u00f5es heredit\u00e1rias adquiridas por for\u00e7a de muta\u00e7\u00f5es, aparecendo em", "toda parte de maneira igual, n\u00e3o se sabe. Se h\u00e1 doen\u00e7as mentais que sur- giram em qualquer parte, historicamente, por for\u00e7a de muta\u00e7\u00f5es e, depois, se difundiram geneticamente tamb\u00e9m n\u00e3o se sabe.", "Indaga-se, em segundo lugar, se as mesmas formas nosol\u00f3gicas apre-"], ["sentam, em ess\u00eancia, manifesta\u00e7\u00f5es diversas conforme as ra\u00e7as. A res- posta n\u00e3o excede a evid\u00eancia: h\u00e1 desdobramento mais rico dos conte\u00fados nos ambientes culturais mais ricos; os conte\u00fados dependem da tradi\u00e7\u00e3o espiritual; assim \u00e9 que os chineses ouvem vozes de p\u00e1ssaros e de esp\u00edri- tos; as chinesas s\u00e3o engravidadas por drag\u00f5es; os europeus sofrem influ- enciamentos el\u00e9tricos ou telep\u00e1ticos.", "Em terceiro lugar, inquire-se a frequ\u00eancia diversa da morbilidade em geral e das v\u00e1rias doen\u00e7as nas diferentes ra\u00e7as. S\u00f3 se pode responder, \u00e0 falta de estat\u00edsticas suficientes, com base em impress\u00f5es cu em cifras que n\u00e3o bastam, metodologicamente."], ["Podem-se mencionar urnas tantas investiga\u00e7\u00f5es particulares. Quando se confrontam as popula\u00e7\u00f5es de \u00e1reas geograficamente diversas, a impor- t\u00e2ncia que tem a disposi\u00e7\u00e3o racial n\u00e3o pode ser separada do meio f\u00edsico, das condi\u00e7\u00f5es sociais e culturais. Possu\u00edmos uma quantidade de descri- \u00e7\u00f5es de psicoses e estados anormais \u2014 quase todas breves e pouco objeti- vas \u2014 de toda a superf\u00edcie da terra. Trata-se, na maior parte das vezes, de curiosidades e casualidades. Krapelin, por exemplo, observando os ma- laios de Java, notou muito raramente a depress\u00e3o na dem\u00eancia precoce em incep\u00e7\u00e3o; poucas alucina\u00e7\u00f5es auditivas e poucas ideias delirantes; fre- quente, no entanto, a deteriora\u00e7\u00e3o demencial ap\u00f3s excita\u00e7\u00e3o passageira; na loucura man\u00edaco-depressiva, quase que s\u00f3 manias; nenhuma depres- s\u00e3o. Alguns autores falam no chamado amok das \u00edndias Holandesas, isto \u00e9, acesso s\u00fabito de furor, com impulsos assassinos."], ["J\u00e1 s\u00e3o mais seguras as impress\u00f5es que se t\u00eam quanto \u00e0s diferen\u00e7as das popula\u00e7\u00f5es europeias entre si. Assim, por exemplo, chama a aten\u00e7\u00e3o a tend\u00eancia dos su\u00e1bios para os dist\u00farbios afetivos; diz-se tamb\u00e9m que os povos germ\u00e2nicos tendem mais para a melancolia do que os eslavos e lati- nos. S\u00e3o muito n\u00edtidas as diferen\u00e7as estat\u00edsticas em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 frequ\u00eancia do suic\u00eddio, para o qual existe pendor acentuado dos dinamarqueses e, na Alemanha, dos su\u00e1bios; entre os eslavos e latinos, o suic\u00eddio \u00e9 menos fre- quente. Kretschmer verificou que, em Hesse, ao contr\u00e1rio da Su\u00e1bia, quase n\u00e3o se encontram as doen\u00e7as man\u00edacas aut\u00eanticas, o que corres- ponde ao cunho pouco marcado dos fatores temperamentais hipoman\u00eda- cos na popula\u00e7\u00e3o hessiana."], ["O confronto das psicoses dos judeus e da popula\u00e7\u00e3o circundante pa- rece constituir, at\u00e9 o presente momento, o objeto que mais se presta a pes- quisas psiqui\u00e1tricas relacionadas com a ra\u00e7a. Sichel1 observou, entre os judeus, menos epilepsia e alcoolismo; muito mais loucura man\u00edaco-de- pressiva (dentre os internados, h\u00e1 quatro vezes mais judeus que n\u00e3o-ju- deus); mais casos de histeria e psicopatias diversas. Tamb\u00e9m acentuou a frequ\u00eancia dos casos \u201cat\u00edpicos\u201d entre os judeus, dando origem, errada- mente, a progn\u00f3stico desfavor\u00e1vel, quando, na realidade, se trata de psico- ses man\u00edaco-depressivas cur\u00e1veis; dados estes que a maior parte dos au- tores confirma; J. Lan- 'GE,1 por exemplo, a quem se deve descri\u00e7\u00e3o parti- cularmente bem fundada e objetiva da doen\u00e7a man\u00edaco-depressiva entre os judeus.", "1 Lange, Joh: Munchn. med. Wschr., vol. 68, p\u00e1g. 1.357 (1921).", "4.3. O CURSO DA VIDA (BIOGRAFIA)"], ["Toda vida ps\u00edquica \u00e9 um todo como forma temporal. Se quisermos apreender um indiv\u00edduo, temos de possuir a vis\u00e3o de sua vida desde o nascimento at\u00e9 a morte. O m\u00e9dico som\u00e1tico ocupa-se, como tal, apenas com doen\u00e7as passageiras ou cr\u00f4nicas; com uma variedade que pode ser o sexo ou a constitui\u00e7\u00e3o, e n\u00e3o com a personalidade total; os psiquiatras, no entanto, sempre lidam com a vida passada inteira de seus pacientes, em todas as rela\u00e7\u00f5es de natureza pessoal ou social. Toda hist\u00f3ria cl\u00ednica cor- reta vai d/ar na biografia. Enraizada no todo existencial, a doen\u00e7a ps\u00ed- quica n\u00e3o se pode, dele destacada, apreender. Chama-se bios do indiv\u00edduo esse todo e chama-se biografia a respectiva descri\u00e7\u00e3o (na linguagem co- mum, biografia do indiv\u00edduo chama-se seu pr\u00f3prio bios)."], ["a) O material da biografia.", "Abrange todos os fatos que se podem conhecer de refer\u00eancia a uma pessoa. N\u00e3o existe achado algum que n\u00e3o perten\u00e7a \u00e0 biografia; achado al- gum cujo lugar no tempo ou, quando menos seja, cujo car\u00e1ter de perma- n\u00eancia no curso da vida n\u00e3o seja relevante. Formam a imagem do indiv\u00ed- duo as datas calend\u00e1rias exatas de suas viv\u00eancias, acontecimentos, a\u00e7\u00f5es.", "b) A apreens\u00e3o do bios pela biografia."], ["A temporalidade dos achados biogr\u00e1ficos n\u00e3o significa, apenas, suces- s\u00e3o regular quantitativa; os membros componentes do bios configuram-se, sim, forma temporal que este \u00e9, de maneira qualitativa. Reconhece-se a configura\u00e7\u00e3o temporal, primeiro, no curso biol\u00f3gico-, depois, na hist\u00f3ria vital interna; por fim, no rendimento e na obra do homem. 1) Tudo quanto vive, seja de que esp\u00e9cie for e, pois, o homem, tem dura\u00e7\u00e3o existencial t\u00ed- pica que lhe \u00e9 correspondente \u2014 com amplitude consider\u00e1vel de flutua- \u00e7\u00f5es, mas dentro de limites extremos que nunca se podem exceder e com idades vitais e crises t\u00edpicas correspondentes. \u00c9 a configura\u00e7\u00e3o temporal da esp\u00e9cie humana, seu transformar-se como processo biol\u00f3gico. 2) Sobre a base deste se realiza um desdobramento interno que constitui desenvol- vimento \u00fanico, ligado aos prim\u00f3rdios, \u00e0s viv\u00eancias primeiras, \u00e0s experi\u00ean- cias marcantes. Cada desenvolvimento que parte da ilimitada possibili- dade inicial vai excluindo possibilidades at\u00e9 que se esgote a possibilidade"], ["da vida individual com a plena realiza\u00e7\u00e3o. Possibilidades rejeitadas, perdi- das, malogradas, cercam o territ\u00f3rio estreito daquilo que, realmente, se re- aliza. 3) Para a hist\u00f3ria vital interna, s\u00e3o essencialmente importantes os rendimentos, atos, obras, em que o homem se objetifica pela participa\u00e7\u00e3o na generalidade e validez. Todos estes desenvolvimentos ocorrem em deve- nir quieto, em crescimento e matura\u00e7\u00e3o, neles, por\u00e9m, dando-se as revolu- \u00e7\u00f5es cr\u00edticas, neles aparecendo a novidade repentina, neles realizando-se, aos saltos, os grandes passos."], ["A biografia, que sempre diz respeito a uma vida humana particular, \u00fanica, v\u00ea esta implantada em conex\u00f5es temporais abrangentes: biologica- mente, na heran\u00e7a; psiquicamente, na fam\u00edlia, comunidade, sociedade; mentalmente, numa tradi\u00e7\u00e3o objetiva da validez. Da\u00ed o aspecto biogr\u00e1fico levar a perspectiva hist\u00f3rica mais ampla que v\u00ea o homem atrav\u00e9s do evento abrangente; seu desenvolvimento ontogen\u00e9tico (do indiv\u00edduo parti- cular) no filogen\u00e9tico (da esp\u00e9cie); sua hist\u00f3ria pessoal, na tradi\u00e7\u00e3o da hu- manidade e da hist\u00f3ria dos povos. Seria bom ver a unidade que tudo com- preende; ver em que evolui o particular, em que participa, transformando- se, em que se transforma ele mesmo, isto \u00e9, aquilo que ele, por assim di- zer, representa, reflete, reproduz pela unidade de sua biografia. N\u00e3o te- mos, contudo, ci\u00eancia alguma da hist\u00f3ria filogen\u00e9tica da psique humana; quase n\u00e3o sabemos da pr\u00e9-hist\u00f3ria ps\u00edquica; apenas possu\u00edmos conheci- mento mais ou menos rico da hist\u00f3ria' de alguns mil\u00eanios e de nosso pr\u00f3- prio povo, al\u00e9m de no\u00e7\u00f5es relativas ao desenvolvimento das crian\u00e7as e a umas tantas conex\u00f5es heredit\u00e1rias. Os aspectos gen\u00e9ticos em grande es- cala concernentes a um quadro hist\u00f3rico que se expande na obscuridade pr\u00e9-hist\u00f3rica, bem como as afirma\u00e7\u00f5es quanto ao efeito que tem este mundo primitivo na psique atual s\u00e3o corretas, certamente, da maneira mais geral poss\u00edvel, constituindo, por\u00e9m, fantasias quando expressos de qualquer forma determinada. A biografia h\u00e1 de restringir-se ao particular, s\u00f3 dando, a cada momento, os fatos que iluminam a heran\u00e7a e a tradi\u00e7\u00e3o, no contexto imediato desta vida particular."], ["c) Os limites do bios e da biografia.", "Na medida em que procuramos a unidade, a conclus\u00e3o e a realiza\u00e7\u00e3o", "de um bios, poucas vidas se encerram, ou se concluem (quase todas as pessoas morrem prematuramente): vida alguma se completa. \u00c9 elucidativo o modo por que consideramos um indiv\u00edduo no momento em que morre. A definitividade transforma-nos sua imagem em totalidade e decisividade. Enquanto se vive, tudo vale, apenas, \u201cat\u00e9 agora\u201d; ainda h\u00e1 possibilidade,"], ["ainda h\u00e1 uma vida para o futuro, a partir da qual se pode interpretar de forma nova e diversa a realidade nova, a a\u00e7\u00e3o nova e tamb\u00e9m o que j\u00e1 passou. Diante do morto, sobressalta a concep\u00e7\u00e3o que temos da vida. Mas se concebemos um indiv\u00edduo vivo como se o contempl\u00e1ssemos conclu\u00eddo, acabado, temos uma inumanidade que suprime o contato adequado com ele. Por assim dizer, passamos um risco por baixo dele, comportamo-nos como se o enterr\u00e1ssemos ainda vivo (a mesma coisa se daria, se contem- pl\u00e1ssemos o que est\u00e1 acontecendo como se j\u00e1 fosse passado; ou se nos distanci\u00e1ssemos da vida como se j\u00e1 fosse hist\u00f3ria; ou se nos- transfer\u00edsse- mos da atividade da participa\u00e7\u00e3o vital para a passividade da contempla- \u00e7\u00e3o). Na idealiza\u00e7\u00e3o do homem que morre, sentimos uma duplicidade: a inconclusividade, particularmente quando estamos diante da morte pre- matura (\u201ca vida que n\u00e3o foi vivida agita-se e arde \u2014 C. F. Meyer) e a irrea- liza\u00e7\u00e3o-, vida alguma realiza todas suas possibilidades. Homem algum pode ser tudo; pode, sim, apenas, em pouco transformar-se, realizando-se; \u201ccompleto\u201d o homem s\u00f3 pode tornar-se na compreens\u00e3o, na contempla\u00e7\u00e3o e no amor de tudo quanto ele pr\u00f3prio n\u00e3o pode ser. A unidade e totalidade de um bios mais n\u00e3o \u00e9, portanto, do que ideia."], ["O que h\u00e1 numa vida, por\u00e9m, n\u00e3o se pode, de modo algum, conhecer no"], ["todo pela biografia. A biografia fatual \u00e9 infinita em sua efetividade, encer- rando em si tudo aquilo que pesquis\u00e1vamos em fatos particulares do psi- quismo, em conex\u00f5es compreens\u00edveis e causais particulares. Tal qual se funda em disposi\u00e7\u00f5es jamais poss\u00edveis de abranger, assim tamb\u00e9m se de- termina pelos azares da vida, pelas situa\u00e7\u00f5es em sua constante transfor- ma\u00e7\u00e3o, pelas oportunidades e pelos acontecimentos externos. \u00c9 a\u00ed que se d\u00e1 aquela elabora\u00e7\u00e3o interna, a apropria\u00e7\u00e3o ou turva\u00e7\u00e3o das coisas, a edi- fica\u00e7\u00e3o ou a destrui\u00e7\u00e3o da psique e de seu mundo, o abandono ou o pla- nejamento; atua\u00e7\u00e3o interna cuja dial\u00e9tica penetra a historicidade even- tual. Se tivermos de apreender semelhante vida no todo, precisaremos dis- tender ao m\u00e1ximo a moldura. Conhecimento algum excede, entretanto, a empiricidade em que, ao confim de quanto apreendemos claramente, nos perdemos no pressentimento sem objeto. Diz L. Binswanger, acertada- mente, pensando na maneira por que os fil\u00f3sofos de Plotino a Schope- nhauer consideraram a vida humana: \u201cEsbarramos, com eles, na ideia de uma ordem universal divina, na qual a hist\u00f3ria vital interna, a fun\u00e7\u00e3o vital e o acontecimento vital externo mais aparente est\u00e3o, de igual modo, prede- terminados e dirigidos. Restou \u00e0 nossa era desencantada a tarefa de inves- tigar racionalmente aqueles campos parciais da vida humana.... mas tam- b\u00e9m de pesquisar-lhes o sentido metodol\u00f3gico de forma t\u00e3o\u2019 aguda que compreendamos o que pretende a ci\u00eancia em cada um destes campos; o"], ["que \u00e9 que os faz, aqui, significativos\u201d. Noutras palavras: uma biografia ab- soluta daria a imagem da ess\u00eancia do indiv\u00edduo no todo existencial que o abrange e suporta. Mas n\u00e3o. nos \u00e9 poss\u00edvel, no conhecimento emp\u00edrico, obter biografia absoluta desta ordem que compreenda, enfim, a unicidade em sua eterna essencialidade b\u00e1sica mediante o aparecimento do que \u00e9 in- finitamente fatual atrav\u00e9s desta vida. A biografia emp\u00edrica que pretenda saber a respeito do homem, e, por assim dizer, o sumarize h\u00e1 de abrang\u00ea- lo em categorias biogr\u00e1ficas sempre particulares, que dar\u00e3o, a impress\u00e3o ilus\u00f3ria de conclud\u00eancia. Conhecendo, temos de ficar numa biografia aberta que deixe ainda livre, no todo, aquilo que for real e essencial; a sa- ber, as profundidades que j\u00e1 n\u00e3o se podem conhecer psicologicamente, que se podem iluminar filosoficamente. Na biografia em que se relata aquilo que corresponde ao indiv\u00edduo' \u00fanico \u00e9 que se consegue o extremo, porque o que n\u00e3o se pode saber talvez se fa\u00e7a sens\u00edvel pela narra\u00e7\u00e3o."], ["d) Pesquisa orientada pela ideia do bios."], ["Na via de uma biografia completa, absoluta, referente ao que \u00e9, afinal, \u00fanico, biografia que nunca se consegue alcan\u00e7ar, surgem-nos categorias espec\u00edficas do conhecimento: as categorias biogr\u00e1ficas, que nos permitem ver a totalidade relativa na configura\u00e7\u00e3o temporal da vida. S\u00e3o recursos de que disp\u00f5e nossa biografia e que esclarecem, dentro da biografia, a gene- ralidade. Da\u00ed nos comportarmos, no conhecimento biogr\u00e1fico, de maneira dupla: descrevemos aquilo que se faz acess\u00edvel na sucess\u00e3o de um conhe- cimento biogr\u00e1fico geral; a biografia transforma-se em caso \u2014 e tocamos, fazemos sens\u00edvel, participamos, internamente, no que este homem \u00fanico, ele pr\u00f3prio, \u00e9; este homem de quem falamos. Em seguida, j\u00e1 n\u00e3o \u00e9, ape- nas, caso, mas vem a ser vis\u00e3o insubstitu\u00edvel do existir humano em forma hist\u00f3rica; e, como tal, \u00e9 inesquec\u00edvel, realmente \u00fanica, tenha ou n\u00e3o signi- fica\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica objetiva, bastando que se mostre, tal qual \u00e9, \u00e0 nossa con- templa\u00e7\u00e3o amistosa. N\u00e3o h\u00e1, decerto, coisa alguma em que se pense que j\u00e1 n\u00e3o se haja tornado geral; mas a descri\u00e7\u00e3o, valendo-se destas formas de pensar, pode revelar aquilo que n\u00e3o se faz geral, e, sim, permanece sim- plesmente o que \u00e9."], ["As formas de apreens\u00e3o ou categorias especificamente biogr\u00e1ficas constituem o tema do presente cap\u00edtulo, possuindo uma peculiaridade que est\u00e1 no fato de serem d\u00faplices, porque encerram em si tanto os meios com que fornecem conhecimentos gerais quanto, a possibilidade de orientar a contempla\u00e7\u00e3o para a unicidade como tal."], ["\u00a7 1. M\u00e9todos Da Biografia", "a) Colheita do material, arruma\u00e7\u00e3o, apresenta\u00e7\u00e3o."], ["A coleta de material ajunta a totalidade dos fatos de uma vida: os de- poimentos dos pacientes, relatos, rendimentos, toda objetifica\u00e7\u00e3o existen- cial, quer imediata, quer imediatamente acess\u00edvel. N\u00e3o h\u00e1 coisa alguma dentre aquilo que informa sobre uma vida que n\u00e3o possa servir de mate- rial biogr\u00e1fico. \u2014 A arruma\u00e7\u00e3o deste material d\u00e1-se de formas variadas, vi- sando a tornar todas as particularidades prontamente acess\u00edveis, desco- br\u00edveis, dispon\u00edveis. Mas a arruma\u00e7\u00e3o especificamente biogr\u00e1fica \u00e9 a cro- nol\u00f3gica. Todo trabalho biogr\u00e1fico h\u00e1 de alicer\u00e7ar-se em acontecimentos, relatos, cartas etc., datados em arranjo cronol\u00f3gico; alicerce que ser\u00e1, a cada momento, o mais completo poss\u00edvel. \u2014 A apresenta\u00e7\u00e3o \u00e9 que \u00e9 o ver- dadeiro problema, de acordo com estas preliminares t\u00e9cnicas: em imagem abreviada, conformada, estruturada, a vida h\u00e1 de fazer-se vis\u00edvel em seu todo. Nem o simples aglomerado, nem o ajuntamento cronol\u00f3gico do mate- rial fornece imagem alguma. A quest\u00e3o \u00e9 a seguinte: como \u00e9 que se pode fazer presente o homem em seu todo, em seu mais \u00edntimo; corporeamente, por assim dizer? Mesmo aquele que est\u00e1 vivo em nossa presen\u00e7a s\u00f3 est\u00e1 presente nesse momento de sua exist\u00eancia, jamais corp\u00f3reo como todo; este todo s\u00f3 o contemplamos pela condensa\u00e7\u00e3o de uma totalidade tempo- ral, se o representamos tal qual o curso vital humano. \u2014 A coleta de mate- rial e a apresenta\u00e7\u00e3o se excluem reciprocamente. Se as- associarmos, cai- remos em confus\u00e3o tormentosa. Para cada indiv\u00edduo que nos interesse, duas coisas necessitamos: a coleta de material estar\u00e1 pronta para nova in- vestiga\u00e7\u00e3o em torno do mesmo objeto, o qual est\u00e1 acabado de uma vez por todas; e a apresenta\u00e7\u00e3o ser\u00e1 configuramento de cada instante, poss\u00edvel de repetir com base noutras ideias, de maneira que uma s\u00e9rie de apresenta- \u00e7\u00f5es se promovam e se complementem. Prejudica-se a apresenta\u00e7\u00e3o em que apare\u00e7a mero material; sofre a coleta de material que se interrompa com uma apresenta\u00e7\u00e3o. A arruma\u00e7\u00e3o da realidade j\u00e1 \u00e9 interpreta\u00e7\u00e3o e apresenta\u00e7\u00e3o, quando se faz segundo pontos de vista tecnicamente exter- nos de coleta e utiliza\u00e7\u00e3o"], ["b) Casu\u00edstica e biografia.", "Tem sentido inteiramente diverso a descri\u00e7\u00e3o de um paciente como", "caso de uma generalidade, ou como unicidade ele pr\u00f3prio. Se o que con- templo \u00e9 a generalidade, n\u00e3o preciso de biografias totais, mas sim dos fa- tos que importam a esta generalidade, fatos que descrevo, quanto poss\u00edvel,", "para v\u00e1rios casos. Se o que tenho em vista \u00e9 o homem particular, procuro representar o todo deste bios; a generalidade me serve como meio de apre- ens\u00e3o e apresenta\u00e7\u00e3o, n\u00e3o como fim. O amor do \u201ccaso\u201d n\u00e3o permite que este subsista mero caso. O espa\u00e7o interno da vis\u00e3o que tenho das formas vitais individuais apreende o indiv\u00edduo como hist\u00f3rico e insubstitu\u00edvel. A casu\u00edstica refere- se ao conhecimento geral; a biografia, ao indiv\u00edduo parti- cular."], ["Na casu\u00edstica, \u00e9 decisivo o ponto de vista que permite escolher aquilo que \u00e9 essencial e vale relatar nos fen\u00f4menos. Na biografia, a unidade do todo conexo do indiv\u00edduo \u00e9 que \u00e9 decisiva, permitindo optar pelo que, con- forme o ponto de vista, serve \u00e0 vis\u00e3o do todo.", "A significa\u00e7\u00e3o do indiv\u00edduo particular pode ser, ao mesmo tempo, his- t\u00f3rica. Entretanto, para o psicopatologista interessado num homem, o par- ticular apresenta-se sem qualquer significa\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica, sem validez obje- tiva. Talvez venha ele, ulteriormente, a parecer-lhe representativo, expri- mindo um tipo ideal."], ["c) O presente como ponto de partida."], ["O material biogr\u00e1fico obt\u00e9m-se, sobretudo, inquirindo e ajuntando do-"], ["cumentos. \u00c9 s\u00f3 de forma passageira que o observador consegue participar na vida do outro, em presen\u00e7a eventual. O m\u00e9dico tem seus pr\u00f3prios paci- entes diante de si, lida com eles, ajuda-os, acompanha-lhes o curso vital durante tempo mais ou menos longo; e o bios mostra-se-lhe na totalidade do devenir presente, se lhe \u00e9 dado perceber. Quanto mais pr\u00f3ximo lhe est\u00e1, tanto mais pleno e essencial ter\u00e1 de manifestar-se-lhe, tanto mais oportunidades ter\u00e1 de perceber o que \u00e9 decisivo. O que se apresenta e tem de ser inferido apenas, no todo da configura\u00e7\u00e3o temporal, do nascimento \u00e0 morte, isso se pode experimentar, corporeamente, no evento atual, desde que o m\u00e9dico, vendo o que acontece, se oriente para o todo da vida pas- sada e da vida ainda possivelmente futura. Von Weizs\u00e2cker chamou-nos a aten\u00e7\u00e3o para o fato de que a experi\u00eancia do acompanhamento total na ati- vidade psicoterap\u00eautica se torna tanto mais poss\u00edvel quanto o m\u00e9dico se transforma, como personalidade, em fator do curso que tomam os eventos internos da personalidade doente. O psicoterapeuta, transformando-se em co-ator, participa do destino existencial do paciente e experimenta-lhe. as crises na realidade da respectiva decis\u00e3o. Von Weizs\u00e2cker pretende aqui atingir \u201cc percep\u00e7\u00e3o biogr\u00e1fica\" que sirva de fundamento para nova apre- ens\u00e3o."], ["De modo geral, exprime da seguinte maneira a forma estil\u00edstica do evento biogr\u00e1fico: \u201cUma situa\u00e7\u00e3o ocorre, uma tend\u00eancia surge, eleva-se uma tens\u00e3o, agu\u00e7a-se uma crise, irrompe a doen\u00e7a;.com ela, depois dela, a decis\u00e3o toma-se: criou-se nova situa\u00e7\u00e3o, que se estabiliza.\u201d Aconteci- mento, drama, crise, decis\u00e3o s\u00e3o, para von Weizs\u00e4cker, categorias biogr\u00e1- ficas nas quais se compreende \u201cum evento total\u201d (chamado \u201cacaso\u201d, quanto ao mais), de que j\u00e1 n\u00e3o podemos mais alhear-nos e no qual doen- \u00e7as som\u00e1ticas (como a amigdalite, etc.) podem tamb\u00e9m desempenhar pa- pel essencial quanto \u00e0 respectiva localiza\u00e7\u00e3o temporal. Von Weizs\u00e4cker constata \u201co achado de que estas mol\u00e9stias est\u00e3o no ponto crucial de crises biogr\u00e1ficas, ou se emaranham, na crise' insidiosa de uma vida inteira\u2014; de que doen\u00e7a e sintoma assumem o valor de dist\u00farbios ps\u00edquicos, atitu- des morais, energias espirituais; de que, mediante isso, surge na biografia alguma coisa que parece ser a base comum da participa\u00e7\u00e3o corp\u00f3rea, ps\u00ed- quica e espiritual da pessoa humana\u201d. O mesmo autor estabelece e limita o sentido de sua percep\u00e7\u00e3o biogr\u00e1fica: \u201cN\u00e3o cabe aplicar as formas biogr\u00e1- ficas de considera\u00e7\u00e3o por atacado a toda e qualquer coisa que se encontre na anamnese ou no achado. O m\u00e9todo biogr\u00e1fico n\u00e3o \u00e9 explica\u00e7\u00e3o, mas uma esp\u00e9cie de percep\u00e7\u00e3o observadora. Com ele, n\u00e3o ganhamos, portanto, novos fatores ou subst\u00e2ncias, quais sejam, por exemplo, os raios X ou as vitaminas, que n\u00e3o se conheciam antigamente. O que se altera, sim, s\u00e3o as categorias fundamentais da pr\u00f3pria explica\u00e7\u00e3o A introdu\u00e7\u00e3o do sujeito no m\u00e9todo de pesquisa \u00e9 o ponto em que se instala o deslocamento das bases\u201d."], ["Algumas frases como as que se seguem mostram, no entanto, a que ponto a percep\u00e7\u00e3o biogr\u00e1fica pode levar a erro, quando pretende ver de modo quase arbitr\u00e1rio com material emp\u00edrico insuficiente: \u201cTamb\u00e9m se sabe e se reconhece que, nas epidemias, um indiv\u00edduo particular, psiqui- camente transtornado, \u00e9 facilmente acometido e morre, ao passo que ou- tros permanecem imunes; principalmente, no caso da c\u00f3lera. A morte de Hegel e Niebuhr por esta doen\u00e7a seguiu-se \u00e0 impress\u00e3o que tiveram da Revolu\u00e7\u00e3o Francesa de 1830.\u201d\u2019"], ["Se bem que n\u00e3o se possa deduzir \u201cresultado\u201d tang\u00edvel algum das expo- si\u00e7\u00f5es de von Weizs\u00e4cker \u2014 resultado que corresponda ao sentido consci- ente respectivo \u2014 em todo caso, este autor chamou a aten\u00e7\u00e3o, dentro da medicina, para um significado da hist\u00f3ria cl\u00ednica que os cientistas esque- cem facilmente. -H\u00e1 diferen\u00e7a radical entre o que, numa hist\u00f3ria cl\u00ednica, percebo como caso de uma generalidade (a via do conhecimento) e o que percebo como sendo aquilo que deparo com o aspecto de atualidade, de"], ["unicidade: o enigma que n\u00e3o posso utilizar em depoimentos gerais (a via da comunidade existencial, da experi\u00eancia vital e metaf\u00edsica), porque nisso est\u00e1 a ess\u00eancia da comunica\u00e7\u00e3o, limitando-se com o conhecimento que deriva da surpresa da experi\u00eancia: sou capaz de narrar; n\u00e3o, por\u00e9m, de ganhar um saber que se possa generalizar. Da\u00ed von Weizs\u00e4cker dizer que \u201cn\u00e3o se podem apreender, conceitual- mente, os est\u00edmulos mais importan- tes\u201d, embora diga, noutro passo: \u201cque n\u00e3o se pode omitir a defini\u00e7\u00e3o con- ceituai\u201d. Esta, no entanto, n\u00e3o lograr\u00e1 seu fim, se com ela se pretender qualquer conhecimento que se queira demonstrar como saber objetivo. A generalidade que aqui se mostra n\u00e3o \u00e9 a generalidade de uma compreen- s\u00e3o, mas, apenas, o comum, pelo qual a filosofia esclarece o que \u00e9 absolu- tamente hist\u00f3rico; ou s\u00e3o as categorias com que s\u00f3 pela narrativa se al- can\u00e7am estilo, tipo, forma em caso de \u00eaxito; de maneira sempre \u00fanica, po- r\u00e9m, n\u00e3o antecipat\u00f3ria."], ["Ainda h\u00e1 outra diferen\u00e7a radical entre a imparcialidade do pesquisa- dor, com a qual, n\u00e3o me deixando dominar por esquemas pressupostos, me entrego aos fatos, me confio \u00e0 intui\u00e7\u00e3o, depois levando-os \u00e0 perceptibi- lidade clara, e, doutro lado, a participa\u00e7\u00e3o do m\u00e9dico no destino do outro, situa\u00e7\u00e3o em que eu mesmo me comprometo com ele, com ele sou arras- tado; situa\u00e7\u00e3o em que acasos, singularidades, pressentimentos, possibili- dades ilimitadamente interpret\u00e1veis se tornam, no momento, un\u00edvocos, sob o aspecto metaf\u00edsico. O que contemplo n\u00e3o o vejo com olhos mera- mente emp\u00edricos da raz\u00e3o; donde s\u00f3 poder narrar e fazer sens\u00edvel na nar- rativa aquilo que me pareceu evidente, por\u00e9m inverific\u00e1vel, pois nunca sei se existe ou n\u00e3o; jamais posso prov\u00e1-lo. E a pr\u00f3pria pujan\u00e7a da narrativa enra\u00edza-se na excita\u00e7\u00e3o da vis\u00e3o atual: n\u00e3o posso narrar uma segunda vez da mesma maneira que consegui da outra.", "d) A ideia da unidade do bios."], ["N\u00e3o h\u00e1 d\u00favida de que o homem individual \u00e9 um em toda sua vida, com o mesmo corpo, embora a mat\u00e9ria constantemente se lhe altere, a forma e a fun\u00e7\u00e3o constantemente se lhe transformem; com a consci\u00eancia do eu que sabe sua unicidade e que recorda o passado como alguma coisa que lhe pertence. Mas n\u00e3o \u00e9 a estas unidades formais que visamos quando fa- lamos na unidade da vida humana; e sim, antes, \u00e0 unidade no contexto de todas as viv\u00eancias, acontecimentos, a\u00e7\u00f5es, na ess\u00eancia que se objetifica na totalidade das manifesta\u00e7\u00f5es do bios; unidade esta question\u00e1vel, por\u00e9m. O homem dispersa-se, deixa o que lhe acontece dissociar-se, os aconteci- mentos externos atingem-no como coisas estranhas; esquece, \u00e9 infiel para"], ["consigo mesmo, muda at\u00e9 em suas ra\u00edzes. Mas a biografia n\u00e3o pode com- portar-se, mesmo em presen\u00e7a de melhor unidade, sen\u00e3o separando aquilo que apresenta. Ligar o que \u00e9 diverso de modo a formar um todo n\u00e3o lhe \u00e9 poss\u00edvel. O que \u00e9, no entanto, unidade, pela qual o pr\u00f3prio homem existente luta, em redor da qual seu bi\u00f3grafo gira em imagens e ideias \u2014 isto n\u00e3o \u00e9, em caso algum, objeto, e sim ideia do conhecimento. A ideia de unidade mesma mais uma vez estrutura-se. Que ela seja atuante para o bi\u00f3grafo \u00e9 indispens\u00e1vel; mas que o bi\u00f3grafo medite sobre ela n\u00e3o \u00e9 neces- s\u00e1rio. Em todas suas modalidades, ela limita o conhecimento e, ao mesmo tempo, constitui-lhe a for\u00e7a propulsiva, mantendo-nos os olhos abertos, impedindo-nos de confinar-nos em unidades prematuras, como se nelas j\u00e1 possu\u00edssemos o todo."], ["e) As categorias biogr\u00e1ficas b\u00e1sicas.", "Conquanto a ideia de unidade n\u00e3o se transforme em objeto, a n\u00e3o ser"], ["nos esquemas formais, a come\u00e7ar pela configura\u00e7\u00e3o temporal, mostram- se, todavia, na via da ideia, as categorias sob as quais apreendemos, de modo geral, aquilo que se pode apresentar, metodicamente, como biogra- fia; n\u00e3o a unidade, decerto, mas unidades relativas; categorias que, em dois grupos, correspondem \u00e0s conex\u00f5es causais e compreens\u00edveis. No pri- meiro grupo, est\u00e3o as categorias biol\u00f3gicas do curso vital em suas diversas idades, nas sequ\u00eancias t\u00edpicas de fases e processos (\u00a72.). No segundo grupo, est\u00e3o as categorias hist\u00f3ricas, ou estritamente biogr\u00e1ficas; por exemplo, \u201cprimeira viv\u00eancia\u201d, \u201cadapta\u00e7\u00e3o\u201d, \u201ccrise\u201d, desenvolvimento de certa personalidade etc. (\u00a73.). Significam estas categorias a generalidade nas biografias sempre individuais. O que \u00e9 geral pode-se discutir; o que \u00e9 especial tem-se de descrever em concreto. A biografia n\u00e3o \u00e9 mero uso da generalidade, mas, sim, descobre a singularidade no ambiente esclarece- dor da generalidade. O que se pode reconhecer, em geral, nas categorias \u00e9 objeto do presente cap\u00edtulo relativo \u00e0 biografia."], ["f) Observa\u00e7\u00e3o a respeito da biografia liter\u00e1ria.", "As biografias liter\u00e1rias referem-se sempre a um mundo, a movimentos e eras espirituais, que num e com um homem se apresentam; ou a rendi- mentos e obras objetivamente relevantes pelas quais este homem inte- ressa. Com comportamento desta ordem, observa-se que os autores consi- deram, muitas vezes, indiferentes certas realidades psicol\u00f3gicas, as me- nosprezam, ignoram ou interpretam de modo irreal\u00edstico. N\u00e3o se trata"], ["aqui, entretanto, de biografias no sentido em que as entendemos, biogra- fias cujo objeto -e significado \u00e9 o bios de certo homem particular. J\u00e1 nos aproximamos dele mediante apresenta\u00e7\u00f5es que, mais do que a forma im- precisa das \u201cLife and Letters\u201d, representam materiais intercalados de co- ment\u00e1rios. Mas tamb\u00e9m elas s\u00e3o menosprezadas pelos literatos, que valo- ram a biografia apenas como sede da mente objetiva, de suas cria\u00e7\u00f5es, desprezando o que \u00e9 chamado \u201cparticular\u201d (no sentido de \u201cprivado\u201d). Da\u00ed a car\u00eancia espantosa de biografias aut\u00eanticas e real\u00edsticas."], ["Em compensa\u00e7\u00e3o, as humanidades s\u00e3o da maior import\u00e2ncia, no que diz respeito ao interesse biogr\u00e1fico, pelo material que oferecem. S\u00f3 de per- sonalidades hist\u00f3ricas existe documenta\u00e7\u00e3o viva. Nunca obtemos vis\u00e3o t\u00e3o ampla dos doentes, criminosos, indiv\u00edduos m\u00e9dios quanto a conseguimos em rela\u00e7\u00e3o a algumas figuras hist\u00f3ricas: Abstraindo inteiramente a pro- fundidade do conte\u00fado, Goethe, por exemplo, representa objeto insubsti- tu\u00edvel para a observa\u00e7\u00e3o biogr\u00e1fica capaz de realizar-se num caso exem- plar, tendo em vista a abund\u00e2ncia documental (obras, cartas, di\u00e1rios, con- versas, narrativas) e a comodidade dos recursos, que t\u00eam possibilitado \u00e0 literatura goetheana rever e dispor de tudo."], ["g) Rendimentos biogr\u00e1ficos na psicopatologia.", "O material mais abundante para a biografia est\u00e1, decerto, em persona-", "lidades que s\u00e3o, ao mesmo tempo, historicamente importantes. O apuro das hist\u00f3rias cl\u00ednicas modernas, os esfor\u00e7os das anamneses e catamneses t\u00eam contudo, possibilitado e tamb\u00e9m, em casos individuais, realizado bio- grafias de pacientes, biografias consideravelmente pujantes. A tarefa \u00e9 an- tiga. Ideler j\u00e1 escrevia \u201cBiografias de Doentes Mentais\u201d. S\u00e3o biografias aquelas hist\u00f3rias cl\u00ednicas que n\u00e3o pretendem mostrar um fen\u00f4meno, nem o mero indiv\u00edduo como caso m\u00f3rbido, e sim uma vida (neste sentido \u00e9 que Burger-Prinz chama com raz\u00e3o biografia sua patograf\u00eda de Langbehn). O ideal dos psicopatologistas s\u00e3o figuras vitais claras, evidentes, representa- tivas, que constituam tanto \u201ccasos\u201d quanto indiv\u00edduos; da\u00ed interessarem como ilustra\u00e7\u00e3o tanto de uma forma m\u00f3rbida quanto destes homens. O polo nosol\u00f3gico e o polo biogr\u00e1fico unificam-se."], ["Se se atentar para a s\u00e9rie de biografias psiqui\u00e1tricas e de hist\u00f3rias cl\u00ed-", "nicas, notar-se-\u00e1 quanto mudam os interesses que cada \u00e9poca tem e as formas culturais atrav\u00e9s das quais se observa e se apresenta. Assim \u00e9 que, em certo tempo, fascinaram as figuras sensacionais, principalmente os", "criminosos; ou, a outros momentos, as hist\u00f3rias cl\u00ednicas que diziam res- peito, apenas, \u00e0 generalidade eventualmente visada; donde virem a ser sempre deficientes; depois, a escola de Kraepelin introduziu as descri\u00e7\u00f5es do curso da doen\u00e7a (orientada pela ideia da unidade nosol\u00f3gica; o procedi- mento constitu\u00eda m\u00e9todo de investiga\u00e7\u00e3o nosol\u00f3gica e, sem querer, trans- formava-se em biografia); enfim, pesquisaram-se, nas patograf\u00edas, as ma- nifesta\u00e7\u00f5es constatadas em grandes homens e ampliou-se a vis\u00e3o psicopa- tol\u00f3gica com a rica discriminatividade que s\u00f3 nesses casos era poss\u00edvel."], ["At\u00e9 o momento, o interesse biogr\u00e1fico na psiquiatria tem tido- escasso desenvolvimento e nenhum reconhecimento que estimule. Poucas s\u00e3o as hist\u00f3rias cl\u00ednicas biogr\u00e1ficas. Mesmo as hist\u00f3rias cl\u00ednicas psicoterap\u00eauti- cas, que deveriam orientar-se, de modo especial, para a ideia biogr\u00e1fica, s\u00e3o deficientes, em geral. Abstraindo as dificuldades da publica\u00e7\u00e3o, quando o paciente ainda vive, o que se tem produzido, at\u00e9 o presente, \u00e9 in- satisfat\u00f3rio: muitas vezes, largo ao infinito; sem maleabilidade; limitado a preven\u00e7\u00f5es ou preconceitos te\u00f3ricos; de quando em quando, aned\u00f3tico; doutras feitas, relatos sensacionais breves, ou relatos, por assim dizer, de milagres terap\u00eauticos em acertos afortunados. A biografia tem de mostrar uma imagem vital positiva com base em vis\u00e3o total e sob todos os aspectos sequer poss\u00edveis; imagem que, sendo particular, seja, ao mesmo tempo, representativa e que oriente, pela observa\u00e7\u00e3o concreta, no sentido da reali- dade ating\u00edvel \u00e0 compreens\u00e3o psicopatol\u00f3gica. Se tiv\u00e9ssemos uma cole\u00e7\u00e3o de quadros biogr\u00e1ficos desta ordem, cuidadosamente conformados, pode- ria ela ser a melhor introdu\u00e7\u00e3o ao conhecimento psicopatol\u00f3gico. \u00c9 s\u00f3 pela apresenta\u00e7\u00e3o biogr\u00e1fica de casos abundantemente desenvolvidos que se faz vis\u00edvel aquilo que, segundo conceitos gerais, ainda cont\u00e9m um tra\u00e7o ar- bitr\u00e1rio e, de certo modo, vazio; aquilo que subsiste oculto no momento do contato humano temporalmente limitado; aquilo que n\u00e3o se desenvolve em casos m\u00e9dios..."], ["h) A arte de descrever hist\u00f3rias cl\u00ednicas.", "As hist\u00f3rias cl\u00ednicas que se apresentam nas publica\u00e7\u00f5es cient\u00edficas ser- vem sempre para provar teses gerais. \u00c9 de espantar a maneira descuidada por -que s\u00e3o, conscientemente, redigidas. Pesquisadores excelentes s\u00e3o, muitas vezes, negligentes em suas hist\u00f3rias; pelo que talvez n\u00e3o sejam in\u00fateis algumas indica\u00e7\u00f5es:", "\u00c9 importante formar-se para o leitor, a todo momento, uma imagem,", "ou um quadro, que se edifique passo a passo, frase a frase, par\u00e1grafo por"], ["par\u00e1grafo; donde os requisitos seguintes: a cada instante, configurar al- guma coisa pela apresenta\u00e7\u00e3o, mas sempre esgotando o que se tem de apresentar; n\u00e3o repetir a mesma coisa com outras palavras, e sim conden- sar as repeti\u00e7\u00f5es que resultarem do material; dar enumera\u00e7\u00f5es externas t\u00e3o poucas quanto poss\u00edvel (melhor \u00e9 diferen\u00e7ar o que se obt\u00e9m com cole- tas de material de toda sorte e o que se apresenta; n\u00e3o \u00e9 de boa t\u00e9cnica re- produzir, simplesmente, di\u00e1rios de pacientes sob cor de pseudo-objetivi- dade). A concis\u00e3o acentua a impress\u00e3o que se tem do quadro. Eventual- mente, podem-se acrescentar em formas tabelares cronologias e dados psicogr\u00e1ficos. Mas a apresenta\u00e7\u00e3o que valha ter\u00e1 de criar imagem que o leitor venha, depois, a ter sempre presente."], ["Conforme o tema de que se trate, difere a apresenta\u00e7\u00e3o. As dila\u00e7\u00f5es fe- nomenol\u00f3gicas, os desenvolvimentos compreensivos, a dramaticidade dos acontecimentos, o desenrolar dos c\u00edrculos fatuais dos quais emerge um. salto do curso vital, a exposi\u00e7\u00e3o de achados som\u00e1ticos \u2014 tudo isto se mo- dificar\u00e1 de acordo com o material existente e de acordo com os pontos de vista.", "A estrutura de uma hist\u00f3ria cl\u00ednica biogr\u00e1fica n\u00e3o pode planejar-se se- gundo qualquer esquema preconcebido; deve, sim, resultar do material. O conceito n\u00e3o \u00e9 sen\u00e3o uma via que leva \u00e0 apreens\u00e3o articulada, esta pres- supondo a entrega de quem observa \u00e0 realidade total do individuo em causa. A arte de contemplar, a compuls\u00e3o das imagens acarretam a dispo- si\u00e7\u00e3o naturalmente emergente; e mais: o sucesso da formula\u00e7\u00e3o acertada. De t\u00e3o pr\u00f3xima \u00e0 realidade, a apresenta\u00e7\u00e3o falar\u00e1 pela observa\u00e7\u00e3o. O con- ceito desempenha papel como instrumento de op\u00e7\u00e3o e como cogni\u00e7\u00e3o da- quilo que se apresenta."], ["E s\u00f3 a partir do todo e do presente completo que surge o particular. Da\u00ed o trabalho percorrer as etapas que, na coleta do material, passando pelos ordenamentos t\u00e9cnicos (cronol\u00f3gicos, psicogr\u00e1ficos), conduzem \u00e0 apresenta\u00e7\u00e3o acabada. Realizado o primeiro esquema, cresce a sensibili- dade para a compreens\u00e3o do material; da\u00ed a necessidade final de compro- va\u00e7\u00e3o e reformula\u00e7\u00e3o, com refer\u00eancia ao que se tiver esquecido, menospre- zado, pouco acentuado e n\u00e3o suficientemente registrado."], ["\u00a7 2. O Bios Como Evento Biol\u00f3gico", "A transforma\u00e7\u00e3o permanente do organismo em seu todo apresenta-se", "como consequente \u00e0s idades e manifesta-se em s\u00e9ries t\u00edpicas que consti- tuem um curso: ataques, fases, processos. No homem, o evento biol\u00f3gico,"], ["uma vez que se exteriorize psiquicamente, tamb\u00e9m se elabora sempre no psiquismo, representando condi\u00e7\u00e3o modificadora do evento ps\u00edquico e aparecendo no n\u00e3o-biol\u00f3gico, na mente, que o apreende; com isso, exalta- se ou inibe-se em seus efeitos. O que \u00e9 puramente biol\u00f3gico \u00e9 apenas mar- ginal \u00e0 explora\u00e7\u00e3o do psiquismo, s\u00f3 se compreendendo com ajuda de al- guma outra coisa. Por isto, se discutirmos o evento biol\u00f3gico, teremos sempre de atentar, primeiramente, para o n\u00e3o-biol\u00f3gico, do mesmo modo que, quando discutimos a hist\u00f3ria vital, precisamos dar um olhar retros- pectivo ao que \u00e9 biol\u00f3gico; biol\u00f3gico sem o qual n\u00e3o pode existir, um mo- mento sequer, realidade alguma da psique. O biol\u00f3gico, o ps\u00edquico e o mental, radicalmente diversos em seu significado, s\u00e3o, na realidade, indis- sol\u00faveis; os m\u00e9todos de pesquisa t\u00eam de distingui-los e correlacion\u00e1-los."], ["a) A idade.", "O fato da altera\u00e7\u00e3o end\u00f3gena do organismo mostra a diferen\u00e7a pro- funda entre o evento vivo e aquele meramente mec\u00e2nico na dire\u00e7\u00e3o ascen- dente do crescimento, do amadurecimento, na fase maturativa sempre lentamente transformando-se; e tamb\u00e9m na dire\u00e7\u00e3o por fim descendente da involu\u00e7\u00e3o. As idades sucessivas distinguem-se segundo qualidades morfol\u00f3gicas e funcionais do corpo, bem como pela modalidade da vida ps\u00edquica. Todas as doen\u00e7as assumem, correspondentemente, colorido pr\u00f3- prio de acordo com a idade em que aparecem; v\u00e1rias doen\u00e7as limitam-se, absolutamente, a certas idades."], ["1. As fases biol\u00f3gicas et\u00e1rias. Cada esp\u00e9cie de vida tem dura\u00e7\u00e3o que lhe corresponde tipicamente. As tartarugas gigantes podem chegar aos 300 anos; os elefantes, aos 200. O homem chega muito raramente aos 100; talvez, quando muito, aos 108; nunca aos 110 (Putter). A maior parte dos animais tem vida mais curta; o cavalo vive at\u00e9 os 40. A vida s\u00f3 \u00e9 imor- tal pela reprodu\u00e7\u00e3o. Todos os indiv\u00edduos vivos t\u00eam de acabar: os unicelu- lares, pela divis\u00e3o; os multicelulares, pela morte, que resulta da diferenci- a\u00e7\u00e3o unilateral para fins de divis\u00e3o do trabalho, porque as c\u00e9lulas perdem, diferenciando-se, sua capacidade de trabalho; as nervosas, sobretudo, perdem-na em absoluto. Todas as c\u00e9lulas incapazes de dividir-se morrem, por\u00e9m, ap\u00f3s certo tempo. \u00c9 como se houvesse no organismo um rel\u00f3gio interno regulando o processo biol\u00f3gico natural, rel\u00f3gio que, por exemplo, determina a forma\u00e7\u00e3o hormonial; que, na puberdade, faz desenvolverem- se as gl\u00e2ndulas germinais; ou que prende a certos prazos o uso das c\u00e9lu- las incapazes de dividir-se. N\u00e3o \u00e9 revers\u00edvel o processo das transforma\u00e7\u00f5es", "que sofrem as constitui\u00e7\u00f5es etariamente sucessivas. Nas crises, em espe- cial na puberdade, d\u00e1-se, por assim dizer, uma reorganiza\u00e7\u00e3o das qualida- des humanas. O que persiste, mudando as formas, n\u00e3o se pode determi- nar, pois isso mesmo que persiste sofre suas modifica\u00e7\u00f5es."], ["Tem-se dividido a totalidade da vida humana em sec\u00e7\u00f5es, cada uma delas abrangendo 7 anos (Hip\u00f3crates), 10, ou 18 (J. E. Erdmann), ou ou- tros grupos. Todas as divis\u00f5es distinguem, fundamentalmente, 3 sec\u00e7\u00f5es principais, cujo n\u00famero aumenta com as transi\u00e7\u00f5es entre elas e com as respectivas subdivis\u00f5es: crescimento, maturidade, involu\u00e7\u00e3o. Qu\u00e3o poss\u00ed- veis s\u00e3o as flutua\u00e7\u00f5es nas cifras anu\u00e1rias mostram os dados relativos \u00e0 menarca: entre 10 e 21 anos (14 em m\u00e9dia); \u00e0 menopausa, entre 36 e 56 (em m\u00e9dia 46)."], ["\u00c9 frequente descrever as se\u00e7\u00f5es de acordo com as caracter\u00edsticas ps\u00ed-"], ["quicas das v\u00e1rias idades.", "Inf\u00e2ncia. A vida ps\u00edquica da crian\u00e7a caracteriza-se pela rapidez do crescimento, pelo aparecimento de capacidades e senti- mentos vitais sempre novos, pela grande fatigabilidade, com capacidade de pronto resta- belecimento ap\u00f3s dist\u00farbios; mais: pela grande capacidade de aprender, grande influenciabilidade, fantasia extraordin\u00e1ria e mais escasso desen- volvimento de quaisquer inibi\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas; donde resulta que todo evento ps\u00edquico \u00e9 desmedido, os afetos s\u00e3o intensos, os impulsos incontro- l\u00e1veis. Quase todas as crian\u00e7as e adolescentes s\u00e3o dotadas de capacidades eid\u00e9ticas que desaparecem, de modo geral, com a idade."], ["O que tem, entretanto, de essencial a inf\u00e2ncia \u00e9 o fato de modificar-se rapidamente com o desenvolvimento; o qual n\u00e3o constitui evento regular, mon\u00f3tono, mas, sim, representa um todo que se organiza, que se mant\u00e9m coeso, mesmo ramificando-se, que tende a expandir-se e a concentrar-se. Quanto ao som\u00e1tico, distinguem-se os per\u00edodos de enchimento e estica- mento, observando-se mudan\u00e7a morfol\u00f3gica t\u00edpica entre os 6 e 7 anos e, depois, entre os 12 e 15. J\u00e1 na crian\u00e7a, o todo n\u00e3o \u00e9 apenas evento org\u00e2- nico decrescimento biol\u00f3gico; dentro deste, \u00e9 evento ps\u00edquico-mental de elabora\u00e7\u00e3o e transforma\u00e7\u00e3o do patrim\u00f4nio que j\u00e1 se haja adquirido, da au- torrefer\u00eancia que disciplina. Contudo, a diferen\u00e7a entre a elabora\u00e7\u00e3o e a conquista repentina de nova potencialidade, entre a exatividade mental e a possibilidade biol\u00f3gica, n\u00e3o permite, realmente, separar uma coisa da ou- tra."], ["Puberdade. Na fase de matura\u00e7\u00e3o sexual, um de cujos fatores \u00e9 o de- senvolvimento da sexualidade, transtorna-se o equil\u00edbrio- alcan\u00e7ado ao fim"], ["da inf\u00e2ncia. O desenvolvimento irregular das fun\u00e7\u00f5es e dos rumos existen- ciais, o impacto da novidade, a oscila\u00e7\u00e3o entre os extremos, manifestando- se pelo pendor ao desmedido, levam a que o indiv\u00edduo n\u00e3o se entenda a si mesmo, o mundo lhe pare\u00e7a problem\u00e1tico e de ambos se torne consciente. Distinguem-se, esquematicamente, v\u00e1rias fases: segundo Charlotte Buh- ler, a fase negativa (inquieta\u00e7\u00e3o, desgosto, excitabilidade, tend\u00eancia para os movimentos desgraciosos, nega\u00e7\u00e3o do inundo) e a fase da adolesc\u00eancia (afirma\u00e7\u00e3o da vida, alegria de viver e esperan\u00e7a no futuro, reatamento dos la\u00e7os com o mundo, culmin\u00e2ncias dos sentimentos, de felicidade \u2014 transi- \u00e7\u00e3o para a idade adulta). Tumlirz discrimina tr\u00eas fases: a idade da obsti- na\u00e7\u00e3o (nega\u00e7\u00e3o de tudo), os anos de maturidade (afirma\u00e7\u00e3o de si mesmo), os anos do mancebo e da donzela (afirma\u00e7\u00e3o do perimundo). Descrevem- se (como sendo transit\u00f3rios) muitos fen\u00f4menos da puberdade, quais sejam o com- prazimento em certos estados de \u00e2nimo, a mentira como prote\u00e7\u00e3o da personalidade etc."], ["Velhice. Quanto ao som\u00e1tico, notam-se empobrecimento l\u00edquido, au- mento da excre\u00e7\u00e3o, eleva\u00e7\u00e3o da press\u00e3o sangu\u00ednea, diminui\u00e7\u00e3o da for\u00e7a muscular, decr\u00e9scimo da capacidade vital dos pulm\u00f5es, diminui\u00e7\u00e3o da ve- locidade de cicatriza\u00e7\u00e3o de ferimentos, decr\u00e9scimo do tempo fisiol\u00f3gico in- terno: dentro do mesmo prazo, ocorre na crian\u00e7a mais do que no velho. Cada vez se fazem mais numerosos os vest\u00edgios da vida passada. Lentifica- se o metabolismo, porque \u201cquanto mais r\u00e1pidos o devenir e a morte das partes, tanto mais jovem o todo\u201d."], ["A vida ps\u00edquica da velhice \u00e9 quieta, contrariamente \u00e0 da crian\u00e7a: dimi- nuem as capacidades, substituem-se pelo grande estoque de patrim\u00f4nio s\u00f3lido. As inibi\u00e7\u00f5es, os ordenamentos vitais, o autodom\u00ednio d\u00e3o \u00e0 exist\u00ean- cia ps\u00edquica alguma coisa amortecida inabal\u00e1vel; ao mesmo tempo que acontece, muitas vezes, limitar-se o horizonte, perder-se a riqueza ps\u00ed- quica, restringirem-se os interesses; tende-se para o isolamento egoc\u00ean- trico, a diminui\u00e7\u00e3o das necessidades instintivas da vida cotidiana, a acen- tua\u00e7\u00e3o das disposi\u00e7\u00f5es prim\u00e1rias individuais, at\u00e9 ent\u00e3o escondidas por baixo dos impulsos da vida juvenil: por exemplo, a desconfian\u00e7a, \u00e1 ava- reza, o ego\u00edsmo.", "Idade e capacidade de rendimento. Conforme os pontos de vista da"], ["psicologia dos rendimentos, t\u00eam-se comparado entre si as capacidades das diversas idades; e tem-se concretizado a afirma\u00e7\u00e3o geral de que os rendimentos diminuem, conceituando-a, em parte, como altera\u00e7\u00e3o dos mesmos. Estabeleceu-se que a capacidade de adapta\u00e7\u00e3o r\u00e1pida j\u00e1 se re-", "duz a partir dos 28 anos; que a mem\u00f3ria diminui a partir dos 30; \u00e0 acui- dade sensorial e a agilidade f\u00edsica, a partir dos 38-40 j\u00e1 come\u00e7am a sofrer. Em testes de rendimento concernentes a experi\u00eancias profissionais e vitais (leitura de hor\u00e1rios de trens, prepara\u00e7\u00e3o de relatos, cumprimentos de or- dens), ocorre piora apenas muito lenta a partir dos 50 anos. Quanto mais papel desempenha a colabora\u00e7\u00e3o intelectual, mais se nota diferen\u00e7a entre o per\u00edodo biol\u00f3gico culminante e a efici\u00eancia rendimental. S\u00f3 no esporte \u00e9 que os dois coincidem; para os trabalhadores manuais, a efici\u00eancia \u00e9 m\u00e1- xima dez anos a contar do pico biol\u00f3gico; para os trabalhadores intelectu- ais, vinte anos."], ["2. Rela\u00e7\u00e3o biol\u00f3gica entre idade e doen\u00e7a ps\u00edquica. Toda doen\u00e7a modi- fica-se com a idade. V\u00e1rias prendem-se \u00e0 idade, os paranoicos, por exem- plo, nunca s\u00e3o adolescentes; as paralisias s\u00e3o poss\u00edveis a qualquer idade; as esquizofrenias s\u00e3o tanto mais raras na inf\u00e2ncia quanto mais novo for o indiv\u00edduo. As esquizofrenias que levam a dist\u00farbios da maior gravidade correspondem, preponderantemente, aos primeiros dec\u00eanios. A idade d\u00e1 um cunho a cada estado m\u00f3rbido. Estabelecem-se estatisticamente, as re- la\u00e7\u00f5es entre idade e psicose para os doentes internados, distribuindo pelas diversas idades as cifras de todos os casos, bem como os casos do v\u00e1rios grupos diagn\u00f3sticos; e comparando-os com a massa da popula\u00e7\u00e3o geral. Quase todas as doen\u00e7as mentais come\u00e7am entre 20 e 50 anos; ap\u00f3s os 55, a participa\u00e7\u00e3o percentual dos doentes de primeira vez vai decrescendo em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 popula\u00e7\u00e3o geral (Kraepelin). Certos grupos nosol\u00f3gicos acumu- lam-se em certos dec\u00eanios. Por que assim acontece \u00e9 raro estabelecer-se de modo un\u00edvoco. Em parte, n\u00e3o s\u00e3o causas biol\u00f3gicas que desempenham papel, e sim condi\u00e7\u00f5es vitais e estilos de vida a que o indiv\u00edduo est\u00e1 sub- metido por motivos sociol\u00f3gicos, nas diversas idades. Assim, resultam de condi\u00e7\u00f5es externas os traumas ps\u00edquicos que acar- reta para os jovens o abandono da casa paterna; a necessidade de manter- se e lutar pela vida com for\u00e7as insuficientes, nos primeiros anos. Tamb\u00e9m desempenham papel especial a maior tens\u00e3o de todas as energias, as pre- ocupa\u00e7\u00f5es e excita\u00e7\u00f5es, que a luta pela vida, dos vinte aos trinta anos, acarreta, at\u00e9 se conseguir seguran\u00e7a. Estes anos em que as for\u00e7as vitais s\u00e3o mais intensas tamb\u00e9m trazem consigo a maior parte das infec\u00e7\u00f5es lu\u00e9ticas e o alcoolismo-. Os conflitos matrimoniais e amorosos s\u00e3o fonte de perturba\u00e7\u00f5es afetivas e, afinal, tamb\u00e9m de fen\u00f4menos m\u00f3rbidos. Nos \u00falti- mos anos do terceiro dec\u00eanio e no quarto, n\u00e3o se pode negar import\u00e2ncia \u00e0s decep\u00e7\u00f5es, existenciais e suas consequ\u00eancias, que afligem quase todos os seres humanos; sobretudo, para as mulheres mal casadas, a idade", "pode s.er fonte simult\u00e2nea de decep\u00e7\u00f5es e v\u00e1rias doen\u00e7as nervosas. Por outro lado, o descanso da velhice, a exist\u00eancia segura para muitos indiv\u00ed- duos limita os fatores ps\u00edquicos morb\u00edgenos."], ["Toda doen\u00e7a modifica-se com a idade.", "Inf\u00e2ncia. S\u00f3 se podem compreender certos dist\u00farbios nervosos como exagero das caracter\u00edsticas ps\u00edquicas normais que correspondem a deter- minada idade. A crian\u00e7a, por exemplo, tende \u201c\u00e0s mentiras patol\u00f3gicas\u201d, que se originam de sua fantasia desinibida; em particular, tende aos me- canismos hist\u00e9ricos que correspondem \u00e0 sua ess\u00eancia; donde se poderem diagnosticar com benignidade em rela\u00e7\u00e3o \u00e0. vida ulterior. Talvez a perso- nalidade infantil ainda deva modificar-se fundamentalmente por for\u00e7a de doen\u00e7as som\u00e1ticas, ao contr\u00e1rio do adulto, que sofre esta transforma\u00e7\u00e3o apenas mediante psicoses processuais aut\u00eanticas.1 Nas crian\u00e7as, j\u00e1 po- dem dar-se, mesmo com infec\u00e7\u00f5es ligeiras, altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas s\u00e9rias; de- l\u00edrios e convuls\u00f5es, desaparecendo, por\u00e9m, habitualmente, com a mesma rapidez e curando-se de todo."], ["Puberdade e menopausa. T\u00eam import\u00e2ncia patog\u00eanica as \u00e9pocas da vida sexual, a puberdade e a menopausa, que mesmo normalmente se acompanham de dist\u00farbios not\u00e1veis do equil\u00edbrio som\u00e1tico e ps\u00edquico. A imensa maioria das psicoses end\u00f3genas n\u00e3o aparece antes da puberdade. Durante a puberdade, observam-se modifica\u00e7\u00f5es afetivas obscuras, passa- geiras, altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas marcadas, de bom progn\u00f3stico, dist\u00farbios passageiros do tipo de ataques, epileptiformes mesmo, mas tamb\u00e9m apa- recimento dos processos que se acompanham de altera\u00e7\u00e3o permanente da personalidade, com as fei\u00e7\u00f5es caracter\u00edsticas da \u201cidade ingrata\u201d (tolice, in- clina\u00e7\u00e3o para travessuras, comprazimento sentimental nos problemas universais). T\u00eam-se conceituado estes fen\u00f4menos, que, por vezes, decor- rem sem manifesta\u00e7\u00f5es psic\u00f3ticas agudas que exijam internamento, como parada do desenvolvimento na fase pubert\u00e1ria. Hecker, entretanto, j\u00e1 con- siderou estas manifesta\u00e7\u00f5es como sintomas de processo \u201chebefr\u00eanico\u201d pro- gressivo."], ["A menopausa, cessa\u00e7\u00e3o das regras e involu\u00e7\u00e3o dos genitais no sexo fe-", "minino, acompanha-se de queixas som\u00e1ticas e nervosas, al\u00e9m de altera- \u00e7\u00e3o da vida ps\u00edquica, mais acentuadas em certas mulheres. Vamos enu- merar os fen\u00f4menos principais:", "Palpita\u00e7\u00f5es, opress\u00e3o, \u201cfogacho\u201d na cabe\u00e7a, quenturas passageiras, cintila\u00e7\u00f5es, vertigens, transpira\u00e7\u00e3o anormal, tremores, sensa\u00e7\u00f5es desagra-", "d\u00e1veis in\u00fameras; estados de inquieta\u00e7\u00e3o e grande excitabilidade, ansie- dade, sentimentos de peso e atordoamento; ins\u00f4nia, aumento do impulso sexual e dist\u00farbios ps\u00edquicos associados (\u201ca idade perigosa\u201d); altera\u00e7\u00f5es do humor, tend\u00eancias \u00e0 depress\u00e3o etc."], ["De que o climat\u00e9rio se relacione, de um modo ou de outro, com psico- ses n\u00e3o se pode duvidar; \u00e9 obscura, por\u00e9m, a maneira por que se estabe- lece a conex\u00e3o. Descrevem-se como psicoses que aparecem no quinto de- c\u00eanio da vida, principalmente, as melancolias. T\u00eam-se descrito errada- mente como transtornos climat\u00e9ricos certas queixas nervosas passageiras que ocorrem, para os homens, na mesma fase. N\u00e3o existem dist\u00farbios cli- mat\u00e9ricos no homem. Trata-se ou de fen\u00f4menos relacionados com a ve- lhice, ou de transtornos neur\u00f3ticos naqueles indiv\u00edduos que n\u00e3o querem envelhecer."], ["Senectudes. O exagero das caracteriza\u00e7\u00f5es desfavor\u00e1veis da senectude", "parece levar, atrav\u00e9s de transi\u00e7\u00f5es \u2014 embora deva haver, seja de que modo for, um salto para a doen\u00e7a propriamente dita, como \u201cprocesso\u201d \u2014 dos anci\u00e3es resmung\u00f5es, tir\u00e2nicos, aos estados defectuais graves e \u00e0s des- trui\u00e7\u00f5es da dem\u00eancia senil."], ["\u00c9 clara a rela\u00e7\u00e3o entre altera\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas e a fase vital correspon- dente. Tal qual todos os \u00f3rg\u00e3os sofrem altera\u00e7\u00f5es regressivas, assim tam- b\u00e9m o c\u00e9rebro: atrofia das c\u00e9lulas, hiperpigmenta\u00e7\u00e3o, calcifica\u00e7\u00e3o, les\u00f5es gordurosas, focos de necrose \u2014 encontram-se em numerosos c\u00e9rebros de velhos. Todavia, n\u00e3o \u00e9 un\u00edvoca a rela\u00e7\u00e3o entre o decl\u00ednio ps\u00edquico da idade e a extens\u00e3o dessas altera\u00e7\u00f5es morfol\u00f3gicas cerebrais. Os graus de um e outra nem sempre se correspondem. A rela\u00e7\u00e3o, no caso, \u00e9 a mesma que no tocante \u00e0 correspond\u00eancia entre sinais som\u00e1ticos de degenera\u00e7\u00e3o e a dis- posi\u00e7\u00e3o psicop\u00e1tica. \u00c9 certo que quanto mais forem os sinais de degenera- \u00e7\u00e3o, mais prov\u00e1veis ser\u00e3o as anormalidades ps\u00edquicas, sem que, no en- tanto, se possam daqueles inferir com seguran\u00e7a. Quanto mais elevado \u00e9 o grau. de altera\u00e7\u00f5es cerebrais, tamb\u00e9m \u00e9 mais prov\u00e1vel o decl\u00ednio ps\u00edquico senil; entretanto, tamb\u00e9m se encontram c\u00e9rebros com altera\u00e7\u00f5es senis graves em anci\u00e3es que quase n\u00e3o apresentam transtornos ps\u00edquicos."], ["Deve-se distinguir a altera\u00e7\u00e3o especificamente arterioscler\u00f3tica da alte- ra\u00e7\u00e3o senil da subst\u00e2ncia \u2018cerebral; aquela tem, quanto ao psiquismo, as mesmas consequ\u00eancias que as doen\u00e7as org\u00e2nicas cerebrais, quando se chega \u00e0 destrui\u00e7\u00e3o secund\u00e1ria extensa da subst\u00e2ncia.", "Tanto o decl\u00ednio senil quanto a calcifica\u00e7\u00e3o peculiar \u00e0 idade podem ins- talar-se prematuramente. Em vez de evolu\u00e7\u00e3o lenta, \u00e9 poss\u00edvel assumirem", "car\u00e1ter absoluto de processo m\u00f3rbido grave, que leva a quadros semelhan- tes ao da paralisia geral. Nada sabemos sobre as causas dessa senilidade anormal."], ["Das doen\u00e7as devidas \u00e0 senectude h\u00e3o de distinguir-se as doen\u00e7as na senectude. Limitam-se cada vez -mais as psicoses que se podem atribuir, realmente, a processos senis. Talvez seja a dem\u00eancia senil a \u00fanica doen\u00e7a da velhice, resultando, principalmente, da heran\u00e7a; as demais doen\u00e7as ps\u00edquicas senis s\u00e3o \u201cem propor\u00e7\u00e3o predominante, padecimentos heredit\u00e1- rios de cunho especial\u201d. Entre os sintomas, preponderam ansiedade, de- press\u00e3o, estados hipocondr\u00edacos, inquieta\u00e7\u00e3o; s\u00e3o raros, no entanto, a ca- tatonia, as excita\u00e7\u00f5es furiosas, as manifesta\u00e7\u00f5es obsessivas. Na paralisia geral, descrevem-se o encurtamento do per\u00edodo de incuba\u00e7\u00e3o, a abrevia\u00e7\u00e3o da sobrevida, o aumento dos estados ansiosos, a uniformidade dos qua- dros hipocondr\u00edacos. Na loucura circular, s\u00e3o mais comuns as melanco- lias; menos frequentes as manias.", "b) S\u00e9ries t\u00edpicas de curso."], ["Na curva das idades sucessivas, assinalam-se oscila\u00e7\u00f5es tempor\u00e1rias do estado total (ataque, fase, per\u00edodo) e processos irruptivos, que tudo mo- dificam e s\u00e3o irrevers\u00edveis.", "A. Ataque, fase, per\u00edodo. A vida ps\u00edquica altera-se em fases que inter- rompem a exist\u00eancia. Quando estas fases se acentuam, costumam tornar- se objeto da investiga\u00e7\u00e3o psicopatol\u00f3gica; quando s\u00e3o breves (minutos a segundos), falamos em ataques; quando retornam a intervalos de tempo regulares, com a mesma forma, falamos em per\u00edodos. Ataque, fase e per\u00ed- odo s\u00e3o, conceitualmente, end\u00f3genos; ignora-se-lhes quase sempre a causa."], ["Tamb\u00e9m se fala em ataques, fases, quando s\u00e3o \u201cdesencadeados\u201d, isto \u00e9, quando surgem por for\u00e7a de uma causa externa, que, no entanto, \u00e9 de todo insuficiente tanto para nossa compreens\u00e3o quanto para nossa consi- dera\u00e7\u00e3o (o cansa\u00e7o, por exemplo). A partir da\u00ed, todavia, existem transi\u00e7\u00f5es at\u00e9 a rea\u00e7\u00e3o verdadeira; \u00e9 o caso, por exemplo, das transi\u00e7\u00f5es da depres- s\u00e3o puramente end\u00f3gena, apresentando-se com o aspecto de fase, at\u00e9 (ul- trapassando aquelas desencadeadas) as depress\u00f5es reativas que se se- guem a viv\u00eancias penosas.", "\u00c9 assim que definimos: fases s\u00e3o altera\u00e7\u00f5es da vida ps\u00edquica end\u00f3ge- nas ou resultantes de causas ocasionais de tipo inconveniente, durando de semanas a meses, desaparecendo, entretanto, a seguir, de modo que se", "restaura o estado anterior. Ataques s\u00e3o aquelas fases de dura\u00e7\u00e3o muito breve. As fases s\u00e3o peri\u00f3dicas quando \u00e0 origem end\u00f3gena se acresce um intervalo de tempo regular entre as v\u00e1rias fases individuais e quando existe grande semelhan\u00e7a das v\u00e1rias fases entre si."], ["\u00c9 frequente observar-se um indiv\u00edduo acometido por numerosos ata- ques e fases, estes sendo, por\u00e9m, muito diversos uns dos outros. Se h\u00e1 base para admitir que se trate do mesmos processos condicionado ou pela disposi\u00e7\u00e3o, ou por fatores patol\u00f3gicos, apenas variando em sua modali- dade fenom\u00eanica por for\u00e7a de circunst\u00e2ncias diversas, eventualmente acrescidas, falamos em equivalentes: conceito que, criado por SANp-2 para os ataques e fases da epilepsia, se transp\u00f4s para outros tipos de fa- ses e ataques; por exemplo: as altera\u00e7\u00f5es do humor e as doen\u00e7as afetivas. Tamb\u00e9m se consideram equivalentes (principalmente, na epilepsia) os ata- ques puramente som\u00e1ticos (pequeno-mal, estados hemicraniais etc.), que se admite, representem, por assim dizer, a convuls\u00e3o."], ["Varia a forma do in\u00edcio e termina\u00e7\u00e3o das fases. H\u00e1 vezes em que evolui lentamente; outras vezes, de s\u00fabito, durante a noite, inicia-se uma psicose aguda grave (sobretudo, com o car\u00e1ter de am\u00eancia); por vezes, o curso \u00e9 relativamente regular, talvez podendo representar-se por urna curva; ou ainda, notam-se oscila\u00e7\u00f5es pronunciadas, que v\u00e3o da confus\u00e3o completa a boas remiss\u00f5es, com plena lucidez e aparente sa\u00fade (lucida intervalla).", "Fases e ataques mais breves s\u00e3o denominados estados excepcionais, a", "fim de assinalar o fato de s\u00f3 haverem ocorrido altera\u00e7\u00f5es passageiras numa personalidade cujo estado permanente \u00e9 de outro tipo, normal ou anormal; especial, em todo caso.", "Ataques, fases e per\u00edodos t\u00eam conte\u00fado extraordinariamente diverso."], ["Daremos perspectiva esquem\u00e1tica desta multiplicidade.", "I. Ataques. Ocorrem ataques sob o aspecto de sintoma not\u00e1vel \u00fanico nas constitui\u00e7\u00f5es psicop\u00e1ticas; e ataques de toda sorte- s\u00e3o manifesta\u00e7\u00e3o frequente dos demais diversos processos m\u00f3rbidos.", "1. Nas constitui\u00e7\u00f5es psicop\u00e1ticas, nota-se ocorrerem, em forma de ata-", "ques, altera\u00e7\u00f5es do humor (estados disf\u00f3ricos) com in\u00fameros fen\u00f4menos tais como altera\u00e7\u00e3o do mundo perceptual, ideias obsessivas etc. Dando a impress\u00e3o de precipita\u00e7\u00e3o repentina em um estado anormal, n\u00e3o \u00e9 raro vi- venciar-se a altera\u00e7\u00e3o do humor, subjetivamente, com grande ansiedade. Janet descreveu esses estados com os nomes \u201ccrise de psycholepsie\u201d, ou \u201cchute mentale\u201d. Kurt Schneider descreve as altera\u00e7\u00f5es de humor de curta", "dura\u00e7\u00e3o, r\u00e1pidas tanto no aparecimento quanto no desaparecimento, que ocorrem nos \u201cpsicopatas afetivamente l\u00e1beis\u201d."], ["Da altera\u00e7\u00e3o do estado de \u00e2nimo resultam a vadia\u00e7\u00e3o sem sentido (es- tados de fuga), o alcoolismo (dipsomania peri\u00f3dica), o esbanjamento, talvez ainda a piromania, o roubo e outros atos criminosos em que o humor alte- rado se descarrega. Posteriormente, as pessoas veem a pr\u00f3pria impuls\u00e3o, quase insuper\u00e1vel no momento, como se lhes fosse estranha. Durante as altera\u00e7\u00f5es do humor, predomina a ang\u00fastia ou a atitude niilista (tudo \u00e9 in- diferente); ou um impulso impreciso, \u201ccomo se o sangue batesse\u201d. Podem seguir-se deser\u00e7\u00f5es, vagabundeamentos, excessos\u201d.", "2. Especialmente numerosos s\u00e3o aqueles estados do tipo de ataque", "nos quadros epil\u00e9pticos e epileptoides1."], ["Quanto ao soma, observam-se: o \u201cgrande-mal\u201d, o ataque convulsivo cl\u00e1ssico (irrup\u00e7\u00e3o repentina, imotivada, muitas vezes com um grito, in- consci\u00eancia absoluta; dura\u00e7\u00e3o de poucos minutos, amn\u00e9sia completa) ; \u201cpequeno-mal\u201d (sacudidelas breves em estados moment\u00e2neos de aliena- \u00e7\u00e3o) ; aus\u00eancias (ataques vertiginosos e perda moment\u00e2nea da consci\u00ean- cia, sem altera\u00e7\u00e3o da postura e sem queda) ; estados narcol\u00e9pticos (inca- pacidade de falar e incapacidade de mover-se com seguran\u00e7a, al\u00e9m de al- tera\u00e7\u00e3o moment\u00e2nea da consci\u00eancia, conservadas, por\u00e9m, a percep\u00e7\u00e3o e a apreens\u00e3o); ataques de sono simples; in\u00fameros tipos de sensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3- reas.", "Na \u00e1rea puramente ps\u00edquica est\u00e3o os estados crepusculares, as altera- \u00e7\u00f5es elementares do humor, os estados com apar\u00eancia de intoxica\u00e7\u00e3o, com viv\u00eancias e conte\u00fados semelhantes aos do envenenamento pela mescalina, al\u00e9m de algumas esquizofrenias agudas e dos ataques p\u00f3s-encefal\u00edticos, a se descreverem dentro em pouco."], ["3. As crises oculares p\u00f3s-encefal\u00edticas exemplificam os ataques que", "ocorrem em doen\u00e7as org\u00e2nicas conhecidas. Vejamos um caso?", "O corpo torna-se pesado; sensa\u00e7\u00e3o de afrouxamento. Os olhos v\u00e3o fi- cando, aos poucos, cada vez mais fixos. O paciente sente que seus movi- mentos se fazem mais lentos, bem como os das pessoas \u00e0 sua volta. Os impulsos cin\u00e9ticos det\u00eam-se, ou os atos iniciados n\u00e3o podem deter-se.", "1 Chamam-se epileot\u00f3ides os quadros m\u00f3rbidos que se caracterizam pelos ataques acima descritos e, sobretudo, por modifica\u00e7\u00f5es do humor breves, intensas, as quais n\u00e3o se enquadram na epilepsia essencial, levando \u00e0 altera- \u00e7\u00e3o da personalidade e \u00e0 dem\u00eancia: mas que tamb\u00e9m n\u00e3o se podem classificar noutro grupo nosol\u00f3gico conhe- cido. Trata-se de denomina\u00e7\u00e3o convencional."], ["Caem das m\u00e3os os objetos. O ambiente parece achatado, irreal, estranho. As pessoas movem-se r\u00edgidas feito marionetes; ou os objetos parecem aproximar-se distorcidos. O paciente v\u00ea os contornos dos objetos ' duplica- dos e confusos, brilhando com as cores do arco-\u00edris. Acercam-se, parecem crescer, oprimem-no, por assim dizer. As paredes do aposento ajuntam-se. O doente sente limites que quisera romper; vagueia pelo aposento sem prop\u00f3sito, tenta jogar-se de cabe\u00e7a contra a parede. \u00c9 como se um muro l\u00edquido o amea\u00e7asse. Torna-se agressivo contra as pessoas que o cercam, tenta o suic\u00eddio, \u00e0s vezes. \u2014 Enquanto dura o estado, sente vacuidade mental, obtusidade; ou mil pensamentos lhe voam pela cabe\u00e7a. \u2014 Pode achar que n\u00e3o \u00e9 ele pr\u00f3prio quem fala, mas outra pessoa de dento dele; \u201cSou eu que uso este nome? \u2014 Pouco antes de irromperem as crises, um tremor da espinha. O paciente mostra-se ansioso, receia enlouquecer.", "4. Enfim, s\u00e3o muitos os estados do tipo de ataque nos quadros esqui-"], ["zofr\u00eanicos. Por exemplo:"], ["Primeiro: Ataques de \u201cencantamento\u201d, de incapacidade de qualquer", "movimento, plenamente conservada a consci\u00eancia.", "Segundo: Kloos descreveu ataques breves de \u201croubo-do-pensamento\u201d", "com altera\u00e7\u00f5es concomitantes dos sentimentos corp\u00f3reo."], ["Um doente tombou de repente, enquanto conversava, levantou-se da\u00ed a", "3 segundos, imediatamente capaz de responder a perguntas: \u201cPerdi a ra- z\u00e3o subitamente, desligaram-se-me as ideias de um momento para outro, tal qual uma corrente el\u00e9trica, a cabe\u00e7a esvaziou-se de todo\u201d. O paciente teve a impress\u00e3o de que o corpo se lhe tornava muito leve, quase imponde- r\u00e1vel; esquecera, por isso, conforme declarou, a maneira de firmar-se nas pernas, como de costume; pelo contr\u00e1rio, deixara-as afrouxar; da\u00ed tombar. N\u00e3o perdeu em absoluto a consci\u00eancia; lembrava-se de todas as particula- ridades. \u2014 Outro doente jogou a bicicleta de encontro a um carro: De re- pente, sentira-se estranho, como se um raio o houvesse atingido; n\u00e3o pu- dera mais pensar nem fazer coisa alguma; mas n\u00e3o perdera absoluta- mente as faculdades mentais. \u2014 Esses ataques s\u00f3 acometeram os pacien- tes em est\u00e1dios agudos; quase sempre no come\u00e7o."], ["Terceiro: Ataques de altera\u00e7\u00e3o s\u00fabita de todo o estado som\u00e1tico e ps\u00ed-", "quico, durando um a dois dias, que doentes interpretam, muitas vezes, delirantemente, como envenenamentos. Os pacientes sentem a morte pr\u00f3- xima, desmaiam, jazem na cama desesperados, experimentam dores in- tensas, rolam banhados em suor, atormentados pelo sentimento de de- samparo. Certos doentes falam em \u201catordoamentos\u201d. Quarto: Em estados"], ["cr\u00f4nicos, ocorrem \u00e0 maneira de ataques, durando horas, gritos, furores, pancadas, prantos, manifesta\u00e7\u00f5es afetivas viv\u00edssimas: mais ainda: fen\u00f4me- nos \u201cfeitos\u201d, \u201cestados de rugido\u201d. Quinto: Com aspecto de taques, n\u00e3o \u00e9 raro aparecerem estados afetivos subjetivos; por exemplo: sentimento de beatitude, como se os pacientes estivessem cercados apenas de santos; como se algu\u00e9m estivesse atr\u00e1s deles, gerando o sentimento venturoso in- descrit\u00edvel; ou, ao rev\u00e9s, estados angustiosos, sentimentos de abandono, inquieta\u00e7\u00e3o torturante. Ao contr\u00e1rio de certos estados meramente psicop\u00e1- ticos, \u00e9 frequente notarem-se, ent\u00e3o, exalta\u00e7\u00e3o dos sentimentos, incapaci- dade de aguentar mais, al\u00e9m de estranheza peculiar. Doentes cr\u00f4nicos que, de h\u00e1bito, s\u00e3o absolutamente ordenados e l\u00facidos, t\u00eam, de quando em quando, estes ataques. Sexto: H\u00e1 ataques breves de ricas viv\u00eancias fant\u00e1sticas, com aliena\u00e7\u00e3o completa, mas plena vig\u00edlia, emergindo de esta- dos de lucidez normal e quase sempre cessando em um ou poucos minu- tos. Alguns exemplos ilustrar\u00e3o tais estados:"], ["O paciente Dr. Mendel teve uma esp\u00e9cie de sonho; n\u00e3o semiadorme- cido, e sim com os olhos fechados, plenamente vigil, com a consci\u00eancia exata de sua situa\u00e7\u00e3o corp\u00f3rea. Sentiu-se, de repente, tonto e confuso; percebeu uma \u201caltera\u00e7\u00e3o\u201d e viu, nesse estado de plena vig\u00edlia, em espa\u00e7o imagin\u00e1rio, de modo muito claro, que um criado entrava no quarto com um copo de vinho, que o paciente recusou. Outra \u201caltera\u00e7\u00e3o\u201d deu-se, vendo, ent\u00e3o, de olhos fechados, uma cabe\u00e7a de morto, que fitou, sorrindo para ela, sentindo, ao mesmo tempo, sua pr\u00f3pria for\u00e7a. A cabe\u00e7a de morto estourou, restou uma p\u00f3s-imagem, semelhante a um olho, n\u00e3o tardando a desaparecer. Teve a impress\u00e3o de que sua pr\u00f3pria cabe\u00e7a se tornava ca- be\u00e7a de morto. Sentiu sumir a pele do cr\u00e2nio; tremiam-lhe ossos e dentes. Observou tudo is.so sem medo, tal qual fen\u00f4meno interessante. Queria ver em que ia dar. Em. seguida, de todo repentinamente, tudo cessou. Abriu os olhos, igual ao que era antes. Todo este estado, com o paciente inteira- mente vigil, durou 30 segundo, no m\u00e1ximo."], ["Contou um paciente de K\u00f5ppe: \u201cMuitas vezes, vejo homens; de dia, pretos; de noite, cor de fogo. A coisa come\u00e7a sozinha; come\u00e7a a girar, e eu come\u00e7o a ver: homens que andam ao longo da parede, deslisando feito um funeral; n\u00e3o vejo, ent\u00e3o, as camas, nem as janelas; tudo est\u00e1 negro, os ho- mens cor de fogo; o c\u00e9u est\u00e1 negro tamb\u00e9m; as estrela, cor de fogo. Mo- vem-se atr\u00e1s umas das outras, fazendo caretas, acenando para mim, zom- bando de mim com momos; \u00e0s vezes, tamb\u00e9m pulam e dan\u00e7am, Parecem sempre girar em volta de mim, da direita para a esquerda. Tamb\u00e9m vejo cobras, que n\u00e3o s\u00e3o mais grossas do que uma palha, movendo-se com"], ["muita ordem; tamb\u00e9m cor de fogo, \u00e0 noite. Acontece tamb\u00e9m de dia: vejo, ent\u00e3o, os homens e as cobras pretos; mesmo quando estou aqui no quarto junto dos outros, eles me rodeiam. Dura alguns minutos, at\u00e9 eu saber, no- vamente, que estou aqui, no meio dos doentes. Quando vem, a raz\u00e3o fa- lha-me; s\u00f3 fica pela metade; vem de repente; de repente, sinto as veias pulsarem no pesco\u00e7o e no bra\u00e7o; pulsam at\u00e9 o m\u00e1ximo; escondo-me em baixo da cama, mas continuo a ver tudo isso. A cama, as cadeiras come- \u00e7am, ent\u00e3o, a rodar\u201d."], ["II. Fases. Em grau mais ligeiro, a disposi\u00e7\u00e3o ps\u00edquica total' oscila tanto"], ["de modo espont\u00e2neo quanto pela a\u00e7\u00e3o das viv\u00eancias e dos processos so- m\u00e1ticos. Assim \u00e9 que tamb\u00e9m oscila, permanentemente, a maneira por que internamente reagimos a impress\u00f5es e acontecimentos e por que varia nossa influenciabilidade diante de causas f\u00edsicas, quais sejam os venenos. Ora um desgosto nos leva ao desespero, ora nos deixa indiferentes; o \u00e1l- cool ora atua de forma excitante, ora nos faz mal-humorados e sentimen- tais. Na medida em que n\u00e3o t\u00eam base fisiol\u00f3gica (por exemplo, o \u00e1lcool atua menos intensamente enquanto se executa trabalho manual do que quando se est\u00e1 em repouso completo), estas diversidades devem resultar de oscila\u00e7\u00f5es das disposi\u00e7\u00f5es que s\u00e3o a base direta de nossa vida ps\u00edquica consciente. Se bem que oscila\u00e7\u00f5es ligeiras desta ordem n\u00e3o constituam objeto de tratamento psiqui\u00e1trico, delas, entretanto, existem transi\u00e7\u00f5es para as doen\u00e7as graves que aparecem numa ou mais fases, doen\u00e7as que de h\u00e1 muito se conhecem; sobretudo, na \u00e1rea da vida afetiva. Visto tratar- se de fases, o progn\u00f3stico final \u00e9. sempre favor\u00e1vel. T\u00eam-se observado do- en\u00e7as que duram at\u00e9 dez anos (melancolias) e ainda se curam. Certa- mente, as^ doen\u00e7as afetivas, os estados man\u00edacos e depressivos s\u00e3o as de- sordens f\u00e1sicas que mais chamam a aten\u00e7\u00e3o, sem que haja motivo para considerar essenciais apenas as altera\u00e7\u00f5es de humor que acompanham quase todas as fases. Assim \u00e9 que se notam fases nas quais s\u00e3o manifes- ta\u00e7\u00f5es obsessivas variadas, de modo geral, que ocupam o primeiro plano; ou a inibi\u00e7\u00e3o simples sem depress\u00e3o mais acentuada; ou queixas som\u00e1ti- cas sem altera\u00e7\u00e3o ps\u00edquica que chame a aten\u00e7\u00e3o; ou estados psicast\u00eanico- neurast\u00eanicos; ou estados afetivos que n\u00e3o se podem, a rigor, enquadrar na polaridade prazer-desprazer."], ["Embora se chamem \u201ccirculares\u201d, principalmente, as doen\u00e7as man\u00edaco-", "depressivas, as fases e per\u00edodos constituem parte formal do curso de quase todas as mol\u00e9stias.", "III. Per\u00edodos. Se formarmos o conceito de periodicidade de maneira es-", "trita, matem\u00e1tica, n\u00e3o haver\u00e1 um s\u00f3 curso psicopatol\u00f3gico que nele se in- clua. As v\u00e1rias fases n\u00e3o s\u00e3o em absoluto iguais; os intervalos nunca t\u00eam a mesma dura\u00e7\u00e3o temporal exata. Da\u00ed ser arbitr\u00e1rio, nos casos borderline, falar em periodicidade, ou em fases irregulares."], ["A periodicidade \u00e9 a forma por que decorre toda vida ps\u00edquica em grau quase impercept\u00edvel. As oscila\u00e7\u00f5es que a aten\u00e7\u00e3o est\u00e1 sempre sofrendo e que s\u00f3 se estabelecem pela experimenta\u00e7\u00e3o; as oscila\u00e7\u00f5es da produtivi- dade na curva di\u00e1ria (por exemplo, o m\u00e1ximo da produtividade pela ma- nh\u00e3 e \u00e0 tarde etc.); a oscila\u00e7\u00e3o peri\u00f3dica do humor vital e da efici\u00eancia que todo observador atento percebe em si mesmo \u2014 estes casos exemplificam a periodicidade s\u00f3 em parte conhecida da vida ps\u00edquica normal. A periodi- cidade do sexo feminino no contexto do funcionamento dos \u00f3rg\u00e3os sexuais \u00e9 o exemplo mais comum."], ["Em quase todos os processos ps\u00edquicos anormais, certa periodicidade"], ["se mostra; pelo menos em grau ligeiro. Vamos enumerar alguns exemplos: 1. Todas as anormalidades mentais psicop\u00e1ticas tendem \u00e0 periodicidade: os estados obsessivos, a pseudologia fant\u00e1stica, os estados disf\u00f3ricos etc. 2. As doen\u00e7as afetivas graves, que se afiguram, muitas vezes, fases irregu- lares, tamb\u00e9m ocorrem por forma peri\u00f3dica. Distinguem-se, ent\u00e3o, a folie \u00e0 double forme (mania, melancolia, intervalo; mania, melancolia, intervalo etc.), a folie alternante (mania, melancolia, mania melancolia etc.). 3. Tam- b\u00e9m com base em processos m\u00f3rbidos progressivos desenvolve-se a perio- dicidade de alguns sintomas. O in\u00edcio' peri\u00f3dico dos processos esquizofr\u00ea- nicos leva, vez por outra, a erros diagn\u00f3sticos. Mesmo nos estados cr\u00f4ni- cos terminais se notam excita\u00e7\u00f5es peri\u00f3dicas, ataques alucinat\u00f3rios etc. Em princ\u00edpio, certamente, se bem que n\u00e3o no caso particular, pode-se dis- tinguir semelhante periodicidade da s\u00e9rie de brotos do processo, o qual permite remiss\u00f5es entre os brotos (melhoras) ou intermiss\u00f5es (curas apa- rentemente completas)."], ["B. Processo. Quando, em contr\u00e1rio ao desenvolvimento existencial que", "at\u00e9 o momento se verificou, surge alguma coisa nova, resultando de alte- ra\u00e7\u00e3o da vida ps\u00edquica, pode ser uma fase. Quando se trata, no entanto, de altera\u00e7\u00e3o permanente da vida ps\u00edquica, chamamos o evento processo. N\u00e3o esta ainda provado, em absoluto, mas se aceita, provisoriamente, como princ\u00edpio heur\u00edstico, que se fa\u00e7a distin\u00e7\u00e3o principiai entre fases pas- sageiras e processos que levam a altera\u00e7\u00e3o permanente. Justifica a distin- \u00e7\u00e3o o fato de serem tamb\u00e9m permanentes, em muit\u00edssimos casos, as alte- ra\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas que se apresentam com tra\u00e7os esquizofr\u00eanicos. Talvez", "seja sempre este o caso. Nos processos, distinguir-se-\u00e1 a varia\u00e7\u00e3o, trans- forma\u00e7\u00e3o e distor\u00e7\u00e3o singular da personalidade, que cria novo estado, da progress\u00e3o cont\u00ednua, esta \u00faltima, contudo, cessando num momento ou noutro e passando para o \u201cestado terminal\u201d."], ["Por enquanto, cingir-nos-emos ao esquema que separa processo e fa- ses cur\u00e1veis. Chamamos brotos aqueles eventos agudos que produzem a altera\u00e7\u00e3o permanente (muitas vezes, em meio a manifesta\u00e7\u00f5es tempestuo- sas) e tamb\u00e9m todos os eventos ulteriores que ainda v\u00eam refor\u00e7ar essa al- tera\u00e7\u00e3o. Permanecendo a altera\u00e7\u00e3o, no intervalo entre os brotos, que re- presentam, de certo modo, nova constitui\u00e7\u00e3o e nova disposi\u00e7\u00e3o, fases e re- a\u00e7\u00f5es ocorrem, de modo absolutamente an\u00e1logo ao comportamento dos indiv\u00edduos normais; fases e rea\u00e7\u00f5es que, em princ\u00edpio, certamente, mas n\u00e3o em todos os casos particulares, se h\u00e3o de distinguir dos brotos."], ["Os processos abrangem vasto grupo de doen\u00e7as mentais, grupo com- posto de formas em si diversas, essencialmente. Os processos resultantes de doen\u00e7as cerebrais org\u00e2nicas seguem curso de forma unit\u00e1ria, em certo sentido. Entre eles incluem-se os j\u00e1 conhecidos processos cerebrais, mais uma quantidade de mol\u00e9stias do grupo da dem\u00eancia precoce que ainda n\u00e3o se podem discriminar. O curso- de tais processos \u00e9 total e unicamente dependente dos processos cerebrais; os conte\u00fados ps\u00edquicos s\u00e3o muito va- riados; mas com um- tra\u00e7o comum, que consiste em surgirem numa vida ps\u00edquica grosseiramente destru\u00edda. Nesses processos cerebrais, remiss\u00f5es, paradas; nalguns casos, talvez, curas."], ["Ainda s\u00e3o numerosos os processos restantes, formando um grupo que"], ["tem alguma coisa comum em oposi\u00e7\u00e3o a todos os demais processos cere- brais, a saber: a altera\u00e7\u00e3o da vida ps\u00edquica sem destrui\u00e7\u00e3o, com ocorr\u00ean- cia de uma quantidade de conex\u00f5es compreens\u00edveis. Nada sabemos que possamos considerar causa, nesses processos. Ao passo que, nos proces- sos org\u00e2nicos, existe mistura confusa de fen\u00f4menos ps\u00edquicos que n\u00e3o po- demos compreender psicologicamente, aqui descobrimos tanto mais cone- x\u00f5es quanto mais nos aprofundamos em certo caso; da\u00ed por que se desta- cam, em contraste com os processos org\u00e2nicos, que seguem, sob o ponto de vista psicol\u00f3gico, curso arbitr\u00e1rio e acidental, conex\u00f5es relativas ao curso- psicologicamente t\u00edpicas. Nas formas mais ligeiras dos processos, tem-se a impress\u00e3o de que, uma vez apenas na vida, a determinado mo- mento, o desenvolvimento do curso existencial inteiro do indiv\u00edduo haja dado uma volta, por assim dizer, enquanto a exist\u00eancia normal prossegue em linha reta \u2014 pode-se dizer \u2014 e os processos org\u00e2nicos se confundem inextrincavelmente, suprimido qualquer desenvolvimento. Sem estabelecer"], ["qualquer teoria, mas para dizer uma palavra que sirva de designa\u00e7\u00e3o geral e justifique o fato de nos ser poss\u00edvel abordar estes processos sob o as- pecto psicol\u00f3gico, chamamo-los, em oposi\u00e7\u00e3o aos processos org\u00e2nicos, processos ps\u00edquicos, entendendo o conceito marginal, n\u00e3o genericamente. Em lugar de \u201cprocesso ps\u00edquico\u201d, tamb\u00e9m se poder\u00e1 dizer \u201cevento biol\u00f3gico total\u201d, se biol\u00f3gico n\u00e3o se empregar no sentido de cognoscibilidade deter- minada. As palavras exprimem o enigma, sem explic\u00e1-lo, por\u00e9m."], ["N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel dar descri\u00e7\u00e3o geral destes casos, tal qual se descrevem, doutra parte, os quadros cl\u00ednicos. Mais n\u00e3o se pode do- que reunir casos semelhantes e formar tipos. Na maioria das vezes, encontram-se altera\u00e7\u00e3o not\u00e1vel da personalidade e altera\u00e7\u00e3o da vida ps\u00edquica, correspondendo em in\u00fameros casos \u2014 mas n\u00e3o em todos, absolutamente \u2014 ao tipo da esqui- zofrenia bleuleriana. H\u00e1 casos- em que, no trato do indiv\u00edduo, nada se nota, mesmo \u00e0 investiga\u00e7\u00e3o correta. Entretanto, do fato de o indiv\u00edduo aderir a um conte\u00fado- delirante sem aplicar-lhe tra\u00e7o cr\u00edtico algum; da maneira por que esse del\u00edrio desempenha papel, do modo por que o paci- ente se comporta em rela\u00e7\u00e3o a uma fase aguda anterior \u2014 tem-se de con- cluir pela altera\u00e7\u00e3o geral da personalidade e da vida ps\u00edquica (\u00e9 o que acontece, por exemplo, nos casos supracitados de del\u00edrio zelot\u00edpico)."], ["Ao passo que, nos processos cerebrais org\u00e2nicos, a incurabilidade n\u00e3o \u00e9, em primeiro lugar, geral, nem representa, em segundo lugar, distin\u00e7\u00e3o b\u00e1sica relativamente \u00e0s doen\u00e7as cur\u00e1veis, podemos postular, em princ\u00edpio e com mais raz\u00e3o, para os processos ps\u00edquicos uma altera\u00e7\u00e3o permanente \u2014 que talvez seja t\u00e3o necess\u00e1ria e fundada, analogamente, no processo quanto \u00e9 certo, por exemplo, que o anci\u00e3o n\u00e3o pode voltar a ser jovem, em seu desenvolvimento- vital. Aquilo que se haja desenvolvido, quer na su- cess\u00e3o existencial natural, quer na prolifera\u00e7\u00e3o e no desvio anormais, j\u00e1 n\u00e3o pode retroceder; a esta altura, contudo, perdemo-nos em \u00e1reas da psi- quiatria inteiramente virgens e inexploradas."], ["\u00a7 3. O Bios Como Hist\u00f3ria Da Vida", "O homem tem sempre um passado atr\u00e1s de si. O que aconteceu ao corpo, toda doen\u00e7a \u2014 deixa vest\u00edgios. O que aconteceu \u00e0 psique, isto \u00e9, o que se tomou consciente, o que se fez e o que se pensou baseia, como re- corda\u00e7\u00e3o, o que se segue. A cada momento, somos o resultado de nossa hist\u00f3ria at\u00e9 ent\u00e3o vivida. E certo \u00e9 que o homem a instante algum deixa de ter pr\u00e9-hist\u00f3ria; jamais, \u00e9 come\u00e7o no todo; nem objetivamente para a con-"], ["sidera\u00e7\u00e3o biol\u00f3gica, que lhe aprofunda a pr\u00e9-hist\u00f3ria at\u00e9 as conex\u00f5es ge- n\u00e9ticas, nem subjetivamente para sua consci\u00eancia; a partir d\u00f3 primeiro ato- de sua consci\u00eancia de si existe, para ele um antes, tal qual sabemos de um antes quanto despertamos do sono. O que foi atua no- homem, so- maticamente e pela mem\u00f3ria; o homem \u00e9 levado e acorrentado por seu passado; mesmo pelo passado esquecido. No que ele se transforma, \u00e9 esse passado que determina, mas tamb\u00e9m a maneira por que ele o elabora, visto que o homem \u00e9, a cada momento, tanto resultado quanto in\u00edcio e ori- gem de sua hist\u00f3ria. Levado por seu passado, apreende possibilidades de seu futuro. O bios como perman\u00eancia \u00e9, certamente, sempre passado que se transformou em imagem. O bios como realidade \u00e9 igualmente futuro que ainda h\u00e1 de reiluminar, reapropriar, reinterpretar tudo quanto \u00e9 pas- sado."], ["a) As categorias b\u00e1sicas da hist\u00f3ria existencial.", "A compreens\u00e3o hist\u00f3rica do indiv\u00edduo v\u00ea, em primeiro lugar, no seu de- senvolvimento, elementos que se diversificam pelo significado (o desenvol- vimento no todo \u00e9, al\u00e9m do processo biol\u00f3gico, a hist\u00f3ria existencial ps\u00ed- quica, \u00e9 movimento autorrefletido, tem fundamento existencial); em se- gundo lugar, esta compreens\u00e3o utiliza urna s\u00e9rie de categorias especiais (como \u201cprimeira vivencia\u201d, adapta\u00e7\u00e3o, crise etc.).", "1. Os elementos do desenvolvimento no todo. Distinguimos, em primeiro", "lugar, o processo vital biol\u00f3gico-, em segundo lugar, a hist\u00f3ria existencial ps\u00edquica, que ainda n\u00e3o se pode, ela pr\u00f3pria, ver; em terceiro, a consci\u00ean- cia autorrefletida, com a qual a hist\u00f3ria existencial se ilumina, pela qual se move e, criativa, produz; em quarto, o fundamento existencial da decis\u00e3o e aceita\u00e7\u00e3o do que \u00e9 dado para a apropria\u00e7\u00e3o penetrante. O primeiro foi ob- jeto do par\u00e1grafo anterior; o segundo \u00e9 a hist\u00f3ria existencial, tal qual pode entend\u00ea-la o observador; o terceiro \u00e9 a maneira pela qual ela se compre- ende a si mesma, na qual se realiza e desenvolve; o quarto s\u00f3 se pode to- car marginalmente pela compreens\u00e3o psicol\u00f3gica, n\u00e3o se pode conhecer, nem fundamentar, nem postular com boas inten\u00e7\u00f5es, nem fazer, nem efe- tivar; s\u00f3 filosoficamente \u00e9 que se pode recordar a exist\u00eancia poss\u00edvel e para ela apelar mediante o esclarecimento. Os quatro elementos est\u00e3o, na reali- dade, indissoluvelmente ligados em um s\u00f3, em solidariedade rec\u00edproca, na qual se excitam modos de ser com significados diversos, mas de tal forma que s\u00f3 na esfera m\u00e9dia preenchem um espa\u00e7o compreens\u00edvel; e este con- fina com o incompreens\u00edvel, entre a biologia e a exist\u00eancia; mas tamb\u00e9m de modo tal que a exist\u00eancia ainda se mostra no biol\u00f3gico e o biol\u00f3gico"], ["ainda fundamenta a exist\u00eancia. Sempre tendemos a compreender e a ex- plicar por forma demasiadamente simples >e objetivamente o que o ho- mem \u00e9, faz e sabe. Devemos precaver-nos deste pendor errado, pensando, sim, no enigma b\u00e1sico; principalmente, na transforma\u00e7\u00e3o do vital no exis- tencial; isto \u00e9, de que maneira a originalidade existencial faz da vitalidade coisa inteiramente diversa; ou devemos pensar na transforma\u00e7\u00e3o das cri- ses em metamorfoses internas; ou no desenvolvimento da produtividade mental a partir da autorreflex\u00e3o; ou ainda na consci\u00eancia hist\u00f3rica da exist\u00eancia, da qual resulta, pela mem\u00f3ria, o futuro.", "2. Categorias desenvolvimentais particulares. As estruturas do curso", "existencial, encaradas separadamente, permitem esclarecer seu signifi- cado mediante todos os quatro elementos que acabamos de nomear. Como tais estruturas, reaparecem com conex\u00f5es que discutimos sob o aspecto de compreensibilidade e de causalidade. Destacamos, a esta altura, breve- mente, algumas categorias que podem ter validez especificamente biogr\u00e1- fica."], ["aa) A consci\u00eancia como meio de aquisi\u00e7\u00e3o de novos automatismos. A consci\u00eancia \u00e9 sempre estreita; s\u00f3 pode apreender pouca coisa, \u00e1 cada mo- mento que a aten\u00e7\u00e3o se irradia. Todavia, aquilo que acontece consciente- mente pode passar para o inconsciente, pela repeti\u00e7\u00e3o e pela pr\u00e1tica, en- t\u00e3o acontecendo automaticamente, a est\u00edmulos correspondentes, sem novo trabalho consciente. O que experimentamos, quando aprendemos a andar, quando andamos de bicicleta, quando escrevemos a m\u00e1quina, acontece analogamente nos eventos ps\u00edquicos. A seguran\u00e7a da base in- consciente, resultante da orienta\u00e7\u00e3o interna, da confian\u00e7a e da execu\u00e7\u00e3o cotidiana, \u00e9 que nos suporta a vida presente. Pelo que ora sou, sou res- pons\u00e1vel. atrav\u00e9s de atos in\u00fameros de minha consci\u00eancia, no curso de mi- nha vida; respons\u00e1vel no sentido de que atos livres, em certo momento, s\u00e3o causa de meu ser-assim atual."], ["A consci\u00eancia \u00e9, a todo instante, por assim dizer, a fachada de nossa vida, na qual nos expandimos; ela pr\u00f3pria, no entanto, mais n\u00e3o \u00e9 do que confim estreito no reino do inconsciente. O que est\u00e1 sempre ocorrendo nesse confim \u00e9 simples e \u00e9 trabalho realizado no que se apreende com simplicidade. O que da\u00ed resulta no inconsciente, estruturando-o com o correr do tempo, \u00e9 infinitamente complicado; \u00e9 o reino de nosso existir e de nosso poder, que guarda aquilo que se adquiriu na fachada da consci\u00eancia e aumenta o que nela, a partir da\u00ed, se torna poss\u00edvel. Nessa medida, a consci\u00eancia \u00e9 tanto fun\u00e7\u00e3o do come\u00e7o permanente, no qual se conquista a novidade, quanto o espelho do que sempre se est\u00e1 alcan\u00e7ando, o degrau e"], ["o fundamento para o progresso. O curso vital \u00e9 transi\u00e7\u00e3o que vai do in- consciente para novo inconsciente. O confim esclarecedor da consci\u00eancia transforma-se, por esta forma, em suas possibilidades. Crescem a possibi- lidade esclarecedora do momento presente, a amplitude da experi\u00eancia, a profundeza do que \u00e9 vivenci\u00e1vel.", "bb) Forma\u00e7\u00e3o do mundo e cria\u00e7\u00e3o da obra. Assim que desperta, o ho-"], ["mem n\u00e3o quer viver, simplesmente, da\u00ed por diante, mas existir para al- guma coisa. Quer experimentar um sentido, ou um significado de sua vida. Da\u00ed por que o mundo n\u00e3o lhe \u00e9, apenas, perimundo que deva aturar, e sim tarefa a configurar; da\u00ed por que produz, no que lhe \u00e9 dado, seu mundo, e mais aquilo que, mesmo sem ele, h\u00e1 de existir para outros. Sua vida ultrapassa sua exist\u00eancia biol\u00f3gica. O homem cria obras, que conti- nuam a atuar. O trabalho cotidiano \u2014 servir \u00e0 tarefa do dia \u2014 e esta no contexto profissional, isto \u00e9, da continuidade rendimental, realizam-se na a\u00e7\u00e3o, guiados por ideias espirituais; da\u00ed se originando a realiza\u00e7\u00e3o da. es- s\u00eancia humana. Na tarefa e na determina\u00e7\u00e3o, ele sabe-se, ao mesmo tempo, ativamente criador e submisso ao servi\u00e7o. Ele pr\u00f3prio determina o caminho em que se sabe determinado. O comportamento b\u00e1sico do ho- mem, sua determina\u00e7\u00e3o existencial dependem do \u00eaxito dessa integra\u00e7\u00e3o de sua atividade na coer\u00eancia das coisas. O homem preenche-se quando vem a encontrar-se num mundo que ele mesmo cria. A unidade e totali- dade de seu bios prende-se \u00e0 unidade e totalidade desse mundo."], ["O curso da vida estrutura-se pela edifica\u00e7\u00e3o do rendimento, do mundo e da obra humanos. O bios do homem determina-se, da maneira mais pro- funda, pelas possibilidades de sua a\u00e7\u00e3o construtiva no mundo em que cresce. A amplitude de seus horizontes, a solidez de seu solo, os abalos do todo prov\u00eam do mundo do homem, mundo em que nasceu; \u00e9 da\u00ed que re- sultam a medida em que ele se torna consciente e o conte\u00fado de sua expe- ri\u00eancia existencial. As idades t\u00eam nesse processo seu significado caracte- r\u00edstico. A inf\u00e2ncia estabelece o fundamento: o que nela se perdeu e falhou jamais se pode recuperar; o que nela se destruiu no todo dificilmente se cura; o que se adquiriu em conte\u00fados n\u00e3o se pode perder. O que suporta a velhice \u00e9 a veracidade da longa experi\u00eancia existencial; se esta se reali- zou com seriedade, a velhice pode ganhar, consciente que esteja, nas transforma\u00e7\u00f5es do mundo, uma estabilidade e, ao mesmo tempo, uma profundidade de sofrimento que s\u00e3o, ambas, estranhas \u00e0 inf\u00e2ncia."], ["cc) Irrup\u00e7\u00f5es e adapta\u00e7\u00e3o. Chama-se adaptatividade a apropria\u00e7\u00e3o de formas vitais para determinado perimundo est\u00e1vel; adaptabilidade que se", "pode processar com danos vitais, tal como ocorre nas formas degenerati- vas, por exemplo, dos insetos \u00e1pteros, que sobrevivem em ilhas tempestu- osas melhor do que os alados. Essa adaptatividade repousa na sele\u00e7\u00e3o; os processos adaptativos d\u00e3o-se biologicamente atrav\u00e9s de muitas gera\u00e7\u00f5es. A capacidade humana de adapta\u00e7\u00e3o ao perimundo f\u00edsico tem limites biol\u00f3- gicos, tal qual a de toda vida; as ra\u00e7as que vivem nos diversos climas adaptam-se de modo diverso. Mas a capacidade, adaptativa do homem \u00e9 quase ilimitada, do ponto de vista ps\u00edquico-espiritual, pois lhe \u00e9 poss\u00edvel superar a estreiteza biol\u00f3gica mediante o planejamento e a organiza\u00e7\u00e3o."], ["N\u00e3o \u00e9 est\u00e1vel o mundo do homem. Mudam situa\u00e7\u00f5es e ocasi\u00f5es; a situ- a\u00e7\u00e3o sociol\u00f3gica varia e pode tornar-se catastr\u00f3fica, em qualquer vida, por efeito de irrup\u00e7\u00f5es, mediante as quais os acontecimentos e as tarefas alte- ram a- situa\u00e7\u00e3o. Se quiser conservar sua exist\u00eancia, se quiser preench\u00ea-la, o homem particular tem de adaptar-se. A capacidade adaptativa varia muito conforme o indiv\u00edduo: desde o ajustamento \u00e0s circunst\u00e2ncias, man- tendo-se uma igualdade essencial interna que se apresenta indestrutivel- mente constante, at\u00e9 a transforma\u00e7\u00e3o do pr\u00f3prio car\u00e1ter. Algumas nature- zas, semelhantemente a rochedos inabal\u00e1veis, d\u00e3o a impress\u00e3o de have- rem superado todas as tormentas; outras, pelo contr\u00e1rio, inteiramente desprovidas de firmeza, parecem mais nada ser do que eco do ambiente eventual e das situa\u00e7\u00f5es. S\u00e3o raras as condi\u00e7\u00f5es em que a vida pode reali- zar-se constante em certas \u00e1reas vitais, profiss\u00f5es, mundos laborativos; \u00e9 mais frequente a necessidade de transforma\u00e7\u00e3o. O que conforma o bios \u00e9 a maneira por que o homem se adapta a um mundo absolutamente l\u00e1bil; ou \u00e9 sua passagem por uma s\u00e9rie de perimundos alternantes. A mesma disposi\u00e7\u00e3o heredit\u00e1ria pode manifestar-se em personalidades inteiramente diversas, dependendo do mundo, da tradi\u00e7\u00e3o, das viv\u00eancias, acontecimen- tos e tarefas. Tem-se observado a transforma\u00e7\u00e3o caracterial pelo efeito de altera\u00e7\u00e3o radical da situa\u00e7\u00e3o vital; \u00e9 comum mudar a letra, como expres- s\u00e3o do car\u00e1ter, quando se atinge a autonomia profissional."], ["dd) Primeira viv\u00eancia. A historicidade da vida significa a irrevocabili-", "dade daquilo que, uma vez, se vivenciou, se fez, se experimentou. O que aconteceu n\u00e3o pode reverter. \u00c9 pelas trilhas que se percorreram que a vida se faz real; e, especialmente, pela repeti\u00e7\u00e3o, quer seja mero costume, quer seja acentua\u00e7\u00e3o do sentido na mesma coisa, mediante apropria\u00e7\u00e3o, apro- fundamento e fidelidade no que se repete. Historicamente, tudo tem uma primeira vez. A primeira viv\u00eancia n\u00e3o se pode repetir com seu car\u00e1ter origi- nal; \u00e9 \u00fanica sua luminosidade reveladora; \u00e9 espec\u00edfica sua seriedade; a tudo quanto, \u00e9 primeiro, uma possibilidade desaparece, porque, a partir"], ["da\u00ed, existe uma realidade que exclui outras possibilidades. Diz-se, \u00e9 certo: Uma vez n\u00e3o \u00e9 costume, acentuando, com raz\u00e3o, o significado espec\u00edfico que tem a segunda vez, repeti\u00e7\u00e3o e definitividade propriamente que \u00e9. Mas a frase \u201cUma vez n\u00e3o \u00e9 costume\u201d, literalmente, \u00e9 errada, porque todas as primeiras viv\u00eancias t\u00eam significado decisivo. \u201cUma viv\u00eancia que pela pri- meira vez d\u00e1 a experi\u00eancia de certo afeto cria, por assim dizer, a respectiva capacidade afetiva para toda a vida\u201d (Bleuler). Essa sequ\u00eancia autom\u00e1tica constitui o alicerce do significado existencial, que se desenvolve mediante a sele\u00e7\u00e3o do que se vivencia e mediante a aceita\u00e7\u00e3o.", "Como tal, a primeira viv\u00eancia n\u00e3o se h\u00e1 de compreender isoladamente,"], ["mas no contexto biogr\u00e1fico. Seu p\u00f3s-efeito depende mais de seu signifi- cado que da intensidade moment\u00e2nea dos afetos. O que lhe determina as consequ\u00eancias v\u00eam a ser tamb\u00e9m o tipo de experi\u00eancias que o homem haja tido, a fase evolutiva e o per\u00edodo maturativo em que ela (a primeira vi- v\u00eancia) se d\u00e1 finalmente, sua incid\u00eancia em fases end\u00f3genas anormais ou na ocorr\u00eancia de altera\u00e7\u00f5es da consci\u00eancia. S\u00e3o s\u00f3 as primeiras viv\u00eancias existencialmente decisivas que alteram, ao mesmo tempo que o homem, seu mundo. Toda a modalidade vivencial muda, o passado ilumina-se sob novo aspecto, o futuro mergulha em atmosfera diferente. Chamam-se traumatismos ps\u00edquicos as viv\u00eancias profundas que v\u00eam puramente de fora e que se assemelham, em seus efeitos, a corpos estranhos na psique."], ["ee) Crise. No curso do desenvolvimento, chama-se crise o momento em que o todo sofre mudan\u00e7a da qual o homem emerge transformado; ou com decis\u00e3o rec\u00e9m-originada, ou deca\u00eddo. A biografia n\u00e3o segue sua marcha temporal regular, mas estrutura qualitativamente seu tempo e leva o de- senvolvimento vivencial ao extremo em que \u00e9 preciso decidir. S\u00f3 lutando contra o desenvolvimento c que o homem pode tentar, v\u00e3mente, deter-se no extremo da decis\u00e3o sem decidir, porque, nesse caso, a progress\u00e3o fa- tual da exist\u00eancia dele decidir\u00e1. A crise tem seu tempo. N\u00e3o se pode ante- cip\u00e1-la, nem esquiv\u00e1-la; como tudo na vida, tem de amadurecer. N\u00e3o pre- cisa aparecer como cat\u00e1strofe aguda, mas pode realizar-se em curso tran- quilo, externamente inaparente, decisiva em definitivo."], ["ff) O desenvolvimento mental. A conforma\u00e7\u00e3o pelo desenvolvimento \u00e9 evento mental no qual o homem elabora o que tem experimentado e o que tem feito. Cada um de seus presentes baseia-se num passado, cujo efeito configura, inconsciente ou tal qual recorda\u00e7\u00e3o orientadora, a vida ulterior. Cada presente resulta de sedimenta\u00e7\u00f5es numerosas, quer estas consti- tuam lastro paralisante, quer conduzam a ascens\u00e3o ulterior, ou se tornem", "molas do impulso ascensional. A conforma\u00e7\u00e3o interna tamb\u00e9m \u00e9 ordena- mento permanente de realidades que j\u00e1 foram, de in\u00edcio, desinibidas; e \u00e9 ganho de uma constitui\u00e7\u00e3o interna pelo configuramento hier\u00e1rquico de impulsos vitais, recorda\u00e7\u00f5es, conhecimentos e s\u00edmbolos."], ["Forma b\u00e1sica de desenvolvimento mental \u00e9 o movimento polar, que, pelos contrastes, leva \u00e0 s\u00edntese ou \u00e0 op\u00e7\u00e3o; enfim, o desenvolvimento dia- l\u00e9tico. O desenvolvimento dial\u00e9tico exalta a ess\u00eancia do homem: suas reali- za\u00e7\u00f5es infinitas, na medida em que a elas adere, limitam-no, mas, em con- tr\u00e1rio a esses becos de irrevers\u00edvel fixa\u00e7\u00e3o, parte o caminho que leva \u00e0 li- berdade das realiza\u00e7\u00f5es amplas, gra\u00e7as \u00e0 parada entre os contrastes, que o homem suporta inteiramente, mas em si unifica, em sua tens\u00e3o.", "Mentalmente, podem-se abranger todos os contrastes; sob o aspecto existencial, por\u00e9m, \u00e9 decisivo o ponto em que o homem tem consci\u00eancia desses contrastes, que n\u00e3o pode encerrar, mas entre os quais, sim, opta; o ponto em que a delimita\u00e7\u00e3o n\u00e3o restringe, mas aprofunda a historicidade da exist\u00eancia; em que a perda de possibilidades vem a ser condi\u00e7\u00e3o para ascender \u00e0 realidade propriamente dita."], ["b) Alguns problemas especiais.", "Dentre os in\u00fameros problemas biogr\u00e1ficos selecionamos uns tantos."], ["1. Import\u00e2ncia das \u00e9pocas de lact\u00e2ncia e primeira inf\u00e2ncia. Os psicana- listas t\u00eam investigado a \u201cpr\u00e9-hist\u00f3ria\u201d do homem, ou seja, sua vida antes da recorda\u00e7\u00e3o consciente, como \u00e9poca que fundamenta e determina toda a vida ulterior. N\u00e3o t\u00eam objeto e, pois, s\u00e3o fant\u00e1sticas aquelas ideias que dizem res- peito \u00e0 \u00e9poca embrion\u00e1ria. N\u00e3o conhecemos nem sinais objetivos de vida ps\u00edquica do embri\u00e3o, nem recorda\u00e7\u00e3o respectiva. O nascimento, como ca- t\u00e1strofe corp\u00f3rea, na qual a crian\u00e7a rec\u00e9m-nascida recebe a vida, repenti- namente, pela respira\u00e7\u00e3o, na qual tem de modificar sua circula\u00e7\u00e3o e atu- rar os efeitos dolorosos do novo perimundo, deve ser viv\u00eancia ps\u00edquica igualmente incisiva, a qual se exprime no grito com que se assinala a en- trada no mundo. Sob o ponto de vista som\u00e1tico, muita coisa acontece nessa cat\u00e1strofe; les\u00f5es do parto podem dar origem a defeitos permanen- tes. Mas ningu\u00e9m sabe de viv\u00eancia em que se fundem a determina\u00e7\u00e3o existencial e a atitude para com o mundo; ningu\u00e9m recorda coisa alguma desta natureza."], ["O mesmo n\u00e3o se d\u00e1 quanto \u00e0 \u00e9poca de lact\u00e2ncia, \u00e0 qual recorda\u00e7\u00e3o al-", "guma chega; deve-se observ\u00e1-la; deve-se atentar para a express\u00e3o do rosto, o comportamento, o humor dos lactentes. N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel sobresti- mar a import\u00e2ncia da atmosfera de amor humano. As crian\u00e7as que vivem mesmo em institui\u00e7\u00f5es muito bem dirigidas, entregues aos cuidados de amas, j\u00e1 se desenvolvem, mentalmente, a partir dos quatro meses, pior que aquelas entregues aos cuidados essencialmente mais irracionais da pr\u00f3pria m\u00e3e. Nota-se a express\u00e3o indizivelmente atormentada, vazia, dos petizes criados em casas de expostos, regular e higienicamente organiza- das. A repercuss\u00e3o desses primeiros meses sobre a vida ulterior inteira, hipot\u00e9tica embora, \u00e9 poss\u00edvel."], ["\u00c9 prov\u00e1vel que os primeiros anos de vida tenham influ\u00eancia inevit\u00e1vel e determinante, conforme sejam as condi\u00e7\u00f5es e evid\u00eancias sociol\u00f3gicas em que se desenvolvem. Crian\u00e7as que s\u00e3o, por exemplo, propositadamente ex- ploradas, desde cedo, mais treinadas que educadas; que crescem, priva- das da amplitude de uma tradi\u00e7\u00e3o rica, em horizontes estreitos, jamais po- der\u00e3o ter, a seguir, aquela recorda\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica estimulante e poderosa em que, noutras condi\u00e7\u00f5es, a vida se baseia. Todo o esquema inconsciente de uma antecipa\u00e7\u00e3o existencial da inf\u00e2ncia e da juventude s\u00f3 pode realizar- se em condi\u00e7\u00f5es relativamente seguras e livres, na seriedade de uma grande tradi\u00e7\u00e3o que se haja pr\u00e9-vivenciado no perimundo."], ["Outra quest\u00e3o \u00e9 a import\u00e2ncia das viv\u00eancias individuais mais antigas e das modalidades comportamentais. Freud acentuou muito o efeito das im- press\u00f5es da primeira inf\u00e2ncia (do per\u00edodo pr\u00e9-hist\u00f3rico aos quatro anos). Desvios precoces levariam ao abandono, -ao malogro, \u00e0 impossibilita\u00e7\u00e3o do curso vital normal. At\u00e9 que ponto isso \u00e9 correto, at\u00e9 que ponto se po- dem, aqui, atribuir disposi\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas a aquisi\u00e7\u00f5es nos primeiros tem- pos de vida, em vez que atribu\u00ed-las a uma disposi\u00e7\u00e3o inalter\u00e1vel e \u00e0 he- ran\u00e7a \u2014 n\u00e3o se explica, em absoluto. Este problema \u2014 suscitado por Freud \u2014 das reminisc\u00eancias infantis, se bem que abra perspectivas, tem sido, at\u00e9 o momento, resolvido quase sem cr\u00edtica e de maneira pouco con- vincente, em quase todos os casos individuais. A import\u00e2ncia ou a signifi- ca\u00e7\u00e3o de viv\u00eancias pret\u00e9ritas, principalmente da inf\u00e2ncia, de um modo ou outro acess\u00edveis \u00e0 mem\u00f3ria, pode a personalidade sobre-estim\u00e1-la com in- tensidade, retrospectivamente. Conflitos e dificuldades atuais reativar\u00e3o viv\u00eancias h\u00e1 muito esquecidas e, anteriormente, insignificantes; carrega- das de valores afetivos intensos, revivenciar-se-\u00e3o como s\u00edmbolos sugesti- vos para as dificuldades atuais; a consci\u00eancia de a dificuldade atual ser"], ["determinada, irremissivelmente, pelo passado talvez traga at\u00e9 al\u00edvio. A es- cola de Freud chama essa \u201creocupa\u00e7\u00e3o\u201d de Viv\u00eancias h\u00e1 muito esquecidas com afetos e sua sobrevalora\u00e7\u00e3o err\u00f4nea como fatores causais \u201cregress\u00e3o\u201d (em consequ\u00eancia da ideia metaf\u00f3rica do refluxo da energia mental para conte\u00fados anteriores da vida ps\u00edquica). Jung esclareceu a g\u00eanese da so- brevalora\u00e7\u00e3o te\u00f3rica dos traumatismos ps\u00edquicos passados por parte de m\u00e9dicos e pacientes."], ["2. Rela\u00e7\u00e3o biogr\u00e1fica da psique com as fases et\u00e1rias. O animal realiza inconscientemente as fases biol\u00f3gicas et\u00e1rias; o homem sabe sua idade e comporta-se de acordo com ela, isso fazendo de maneira muito diversa. Certa valora\u00e7\u00e3o t\u00edpica prefere a mocidade como se fosse a vida propria- mente dita e menospreza a velhice como decad\u00eancia; nem sempre, por\u00e9m, foi assim, em absoluto. Para os romanos, o pleno amadurecimento, valia e dignidade humanos come\u00e7avam aos 40 anos; na ind\u00fastria moderna, en- tretanto, \u00e9 frequente considerar inferior quem j\u00e1 tem mais de 40 anos. In- fluenciam a valora\u00e7\u00e3o os movimentos em voga, tais como \u201ca revolu\u00e7\u00e3o da juventude\u201d, o \u201cs\u00e9culo da crian\u00e7a\u201d. A concep\u00e7\u00e3o que vigora, em m\u00e9dia, tem- se exprimido na frase: Todos querem chegar a ser velhos, mas ningu\u00e9m quer ser velho. \u00c9 o contr\u00e1rio que diz a senten\u00e7a: Cada idade tem seu valor pr\u00f3prio, valor que s\u00f3 a ela corresponde. O homem tem uma consci\u00eancia de sua idade, daquilo que nela cabe e nela n\u00e3o cabe (infeliz ou enfermo, quando lhe esbarra de encontro). A quem n\u00e3o realiza o significado peculiar de sua idade mais n\u00e3o resta sen\u00e3o perceber os padecimentos respectivos. H\u00e1- diferen\u00e7a radical entre o homem apenas sofrer, desejar, experimentar e apropriar o que lhe \u00e9 dado, realiz\u00e1-lo e conform\u00e1-lo. N\u00e3o h\u00e1 acesso, psi- cologicamente falando, \u00e0 origem desta \u00faltima decis\u00e3o na exist\u00eancia, se bem que compreendamos os fen\u00f4menos dela resultantes. Envelhecendo, o homem cai na disposi\u00e7\u00e3o b\u00e1sica segundo a qual j\u00e1 n\u00e3o pode haver novidade essencial para a vida. Preenchido de sua reali- dade adquirida, que lhe representa o. paradigma de todo existir humano, tem de contentar-se com ela. Se n\u00e3o se esclarece o caminho que leva \u00e0 re- aliza\u00e7\u00e3o, surgem, por exemplo, a inquieta\u00e7\u00e3o, que busca ainda outra coisa diversa, a coisa verdadeira; ou a recusa da velhice, ou a desilus\u00e3o, que, simplesmente, com coisa alguma se satisfaz, porque nada espera; que v\u00ea em toda parte insucesso, fal\u00eancia, culpa; que se irrita, se amargura, se en- furece contra o mundo e os homens. Crescem, para quem envelhece, o medo da morte, o medo de perder a efici\u00eancia, o menosprezo que da\u00ed se h\u00e1 de esperar, a inveja dos que triunfam, a cobi\u00e7a sexual, a hipocondria etc.", "No entanto, o que mede a realidade' alcan\u00e7ada \u00e9 a extens\u00e3o da atuali- dade que recorda a exist\u00eancia inteira; o que leva o homem ao mais alto n\u00ed- vel \u00e9 a profundidade com que recorda. Dissipa-se, ao contr\u00e1rio, a vida na pobreza mn\u00eamica, na estreiteza do horizonte existencial, limitado a sema- nas e meses, apenas, sem passado, nem presente. Desde que a realiza\u00e7\u00e3o, por\u00e9m, ocorra, as crises da idade originam a exalta\u00e7\u00e3o humana. A alma cresce ao longo do curso biol\u00f3gico.1 A mulher \u201ctorna-se, com os anos, mais bela\u201d, gra\u00e7as \u00e0 sua express\u00e3o espiritual, enquanto some o encanto juvenil; a qual subsiste vital, entretanto, em pleno fulgor. O ser humano torna-se '\u201cs\u00e1bio\u201d, \u201cprudente\u201d; \u00e9 na idade mais avan\u00e7ada que o homem con- quista a perfei\u00e7\u00e3o nova e derradeira."], ["A hist\u00f3ria existencial, com o decorrer das fases et\u00e1rias, \u00e9 \u00fanica, em to- dos os casos; n\u00e3o se pode conduzir segundo planos ou programas, mas se h\u00e1 de adquirir a partir da exist\u00eancia poss\u00edvel. N\u00e3o h\u00e1 psicologia, nem sa- ber, nem vis\u00e3o que possa abranger este fundamento. O insucesso, todavia, mostra-se em fen\u00f4menos psicol\u00f3gicos in\u00fameros, aparecendo os quais sob o aspecto de dist\u00farbios, se chamam neuroses."], ["3. A viv\u00eancia do desenvolvimento. Elemento b\u00e1sico da viv\u00eancia biogr\u00e1- fica est\u00e1 em o homem correr o risco de nela entrar, ou em a ela opor-se. Tudo quanto vive, e tamb\u00e9m o ente humano, tem de progredir constante- mente, at\u00e9 mesmo pela necessidade biol\u00f3gica das fases et\u00e1rias; processo este no qual, entretanto, o desenvolvimento intelectual da psique \u00e9 que \u00e9 o humano, podendo-se formular, em geral, de v\u00e1rias maneiras: aa) O homem tem de entrar nos contrastes, tem de comer da \u00e1rvore do conhecimento, de distinguir o bem e o mal, o verdadeiro e o falso; tem de perder sua inoc\u00eancia. No que o obriga, biologicamente, a' crescer, a ama- durecer, a tornar-se ente sexual, ai est\u00a3 a via que o leva a esses espa\u00e7os intelectuais.", "bb) Pelo desenvolvimento se chega da possibilidade infinita da moci- dade \u00e0 realiza\u00e7\u00e3o finita, restritiva, que exclui possibilidades. A vida tem de decidir-se, a n\u00e3o ser que paire no nada de possibilidades infinitas, fa- lhando realmente, pois."], ["cc) Realiza-se no desenvolvimento uma resolu\u00e7\u00e3o do que \u00e9 apenas in- consciente; desse fundamento amplo e dominador do pr\u00f3prio existir; e isso se d\u00e1 pelo esclarecimento, pela elabora\u00e7\u00e3o e- supera\u00e7\u00e3o, pela rejei\u00e7\u00e3o e vi- ol\u00eancia."], ["O ente humano enfrenta por forma muito diversa esse desenvolvi- mento, que resulta, era terreno biol\u00f3gico e por interm\u00e9dio da mente, das decis\u00f5es existenciais. A grande conclus\u00e3o realizativa. pode afigurar-se se- rena quietude em que urna vida se desdobra e amplia, ou apossamento que, s\u00fabito, se instala na crise \u2014 trazendo, inteira, a insatisfa\u00e7\u00e3o, que aguilhoa para o progresso, alguma coisa que \u00e9 sossego e contentamento profundos, mas tamb\u00e9m a. dor de possibilidades perdidas. A viv\u00eancia da pura vitalidade acarreta o impulso do \u00eaxito progressivo, sob o aspecto ren- dimental, er\u00f3tico, social, orat\u00f3rio, criativo; a vitalidade acarreta tamb\u00e9m, no. entanto, a viv\u00eancia do retrocesso vital, dos preju\u00edzos, da fal\u00eancia, a n\u00e3o ser que se instale uma metamorfose da ess\u00eancia; ou que se- possibilite, a partir de motivos existenciais, nova cria\u00e7\u00e3o que n\u00e3o se baseie em funda- mento meramente vital.", "Contra todo esse desenvolvimento alguma coisa no homem luta, que, a"], ["tornar-se predominante, d\u00e1 origem a efeitos vitais ominosos. Luta o ente humano para n\u00e3o ser adulto, para n\u00e3o envelhecer, para n\u00e3o ser velho, porque o a que aspira \u00e9 persistir, parar, demorar-se; \u00e9 a eternidade que re- presenta a dura\u00e7\u00e3o do nunc stans. N\u00e3o querendo perder as possibilidades infinitas, luta contra a realiza\u00e7\u00e3o que restringe. N\u00e3o quer arriscar os con- trastes, mas conservar\" a unida\u00ab e tranquila, inquestion\u00e1vel; n\u00e3o quer per- der o inconsciente protetor e, pois, n\u00e3o quer esclarecer-se. Porque, no en- tanto, o desenvolvimento s\u00e9 realiza sempre, na realidade, surge a resist\u00ean- cia, o anseio de retorno \u00e0 inf\u00e2ncia, em sentimentos, gestos, conte\u00fados (re- gress\u00e3o, retour \u00e0 1\u2019enfance) \u2014 retorno ao inconsciente perdido. Quer-se deixar a individualiza\u00e7\u00e3o, largar tarefas e rendimentos, decis\u00e3o e conclu- s\u00e3o; quer-se ser tal qual as plantas e os animais; ou mesmo tal qual a exist\u00eancia anorg\u00e2nica; quer-se a entrega, o desaparecimento, de qualquer maneira, na subordina\u00e7\u00e3o e na obedi\u00eancia."], ["c) A quest\u00e3o psicopatol\u00f3gica fundamental: desenvolvimento de uma per-"], ["sonalidade ou processo?", "A investiga\u00e7\u00e3o do evento biol\u00f3gico b\u00e1sico e do desenvolvimento biogr\u00e1- fico compreens\u00edvel culmina em urna distin\u00e7\u00e3o a fazer-se nos tipos de bios: ou seja, entre o desenvolvimento unit\u00e1rio de uma personalidade (com base em curso biol\u00f3gico normal das idades e das fases eventuais) e o car\u00e1ter n\u00e3o-unit\u00e1rio de uma vida, que se rompe em duas se\u00e7\u00f5es pelo fato de, a certo tempo, haver intervindo um processo no evento biol\u00f3gico; processo que altera, com a interrup\u00e7\u00e3o do curso biol\u00f3gico existencial, a vida ps\u00ed- quica, por forma irrevers\u00edvel, incur\u00e1vel."], ["S\u00e3o crit\u00e9rios biogr\u00e1ficos de processo: o aparecimento da novidade em espa\u00e7o de tempo curto, temporalmente localiz\u00e1vel, a concomit\u00e2ncia de sin- tomas conhecidos variados a esse tempo, a aus\u00eancia de causa desencade- adora ou de viv\u00eancia suficientemente baseada. Falamos, ao contr\u00e1rio, em desenvolvimento de uma personalidade, desde que possamos compreen- der, no conjunto das categorias biogr\u00e1ficas, o que veio a acontecer, pres- supondo a normalidade biol\u00f3gica do evento b\u00e1sico. O que \u00e9 decisivo para a compreens\u00e3o s\u00e3o viv\u00eancias, causas, acontecimentos suficientes; e mais: a aus\u00eancia de complexos sintom\u00e1ticos temporalmente localiz\u00e1veis, conheci- dos, de um processo."], ["O todo \u2014 que chamamos desenvolvimento de uma personalidade, em oposi\u00e7\u00e3o a processo \u2014 origina-se, apenas, naquela disposi\u00e7\u00e3o espec\u00edfica que realiza seu curso existencial, sem fases end\u00f3genas not\u00e1veis e sem des- vios incompreens\u00edveis dos quais resultem novidades, atrav\u00e9s da s\u00e9rie de per\u00edodos et\u00e1rios. Vamos representar, mais uma vez, os seguintes elemen- tos:", "1) A disposi\u00e7\u00e3o cresce, evolui, altera-se pelas \u00e9pocas cronol\u00f3gicas, em sucess\u00e3o cont\u00ednua. As trilhas em que flui a exist\u00eancia humana s\u00e3o certas necessidades encravadas no organismo total, insuscet\u00edveis de subordina- \u00e7\u00e3o a umas tantas formas determinadas e delimit\u00e1veis, como s\u00e3o os pro- cessos m\u00f3rbidos; mas sim alternantes numa quantidade de varia\u00e7\u00f5es.", "2) Esta disposi\u00e7\u00e3o est\u00e1, a cada momento, em intera\u00e7\u00e3o com o meio, as-", "sumindo configura\u00e7\u00e3o especial, pelo seu destino, de um modo- que pode- mos compreender, se tivermos conhecimento exato das particularidades.", "3) Em particular, a disposi\u00e7\u00e3o reage a viv\u00eancias. em correspond\u00eancia \u00e0", "sua natureza espec\u00edfica permanente; e elabora-as da forma que lhe \u00e9 pe- culiar. \u00c9 por esta via que compreendemos as concep\u00e7\u00f5es formadas, as opi- ni\u00f5es, as modalidades afetivas; por exemplo, a amargura, o orgulho, o querulantismo, o ci\u00fame."], ["Ao produto destes fatores d\u00e1-se o nome de \u201cdesenvolvimento de uma", "personalidade\u201d. \u2014 Assim \u00e9 que conhecemos os desenvolvimentos paranoi- des do querulante e do ciumento, que, noutros tempos, se confundiram com processos a eles muito semelhantes, mas que s\u00e3o, por sua ess\u00eancia, inteiramente diversos. Numa personalidade hipoman\u00edaca, Reiss mostrou como \u00e9 poss\u00edvel compreender, pela altera\u00e7\u00e3o das condi\u00e7\u00f5es ambientais e pela perda prematura da pot\u00eancia sexual, a transforma\u00e7\u00e3o de uma exis- t\u00eancia de comerciante bem sucedido em pregador ambulante frugal, psic\u00f3- tico, isso ocorrendo com o aspecto, por assim dizer, de mera modifica\u00e7\u00e3o"], ["da fachada, conservado o car\u00e1ter."], ["H\u00e1 grande multiplicidade de bios: Os desenvolvimentos prematuros ou tardios; os infantilismos negativos que se apresentam sob o aspecto de pa- rada em etapa mental anterior do desenvolvimento, ou de falha da matu- ra\u00e7\u00e3o, ou de esfor\u00e7o contra a realiza\u00e7\u00e3o, de omiss\u00e3o; e os infantilismos po- sitivos, com o aspecto de conserva\u00e7\u00e3o do germe e da potencialidade, de produtividade permanente, de plasticidade da psique que se mant\u00e9m aberta; as crian\u00e7as-prod\u00edgio que v\u00eam a decepcionar pela decad\u00eancia; os que se paralisam na luta pela vida, que se nivelam na adapta\u00e7\u00e3o, que fa- lham \u00e0 sua origem (indaga-se o que \u00e9 perda vital e o que resulta da nega- \u00e7\u00e3o da conclus\u00e3o existencial; em outras palavras: o que \u00e9 curva existencial end\u00f3gena e o que \u00e9 que a decis\u00e3o historicamente livre p\u00f5e em movimento); as convers\u00f5es, em que se baseia uma vida inteiramente nova; as transfor- ma\u00e7\u00f5es caracteriais que ocorrem quando se modificam a situa\u00e7\u00e3o social e as condi\u00e7\u00f5es gerais.' Observam-se altera\u00e7\u00f5es catastr\u00f3ficas que as pessoas sofrem por for\u00e7a de fatalidades radicais e que se desenvolvem, quase im- perceptivelmente, a partir de come\u00e7o diminuto, at\u00e9 configurar consequ\u00ean- cias totais. A personalidade de cujo desenvolvimento nos ocupamos \u2014 di- versamente do processo \u2014 tem de ser pensada, de maneira ampla, como sendo o todo das conex\u00f5es compreens\u00edveis, unificado com as incompreen- sibilidades sadias, de car\u00e1ter biol\u00f3gico geral."], ["Notemos, enfim, que todos estes conceitos s\u00e3o esquem\u00e1ticos e consti- tuem mais pressupostos momentaneamente vivos que resultados da pes- quisa. No caso particular, \u00e9 frequente encontrarmos grandes dificuldades. Aparecem-nos, por exemplo, indiv\u00edduos, cujo curso existencial inteiro ofe- rece o quadro de um desenvolvimento da personalidade; mas indicam, em tra\u00e7os particulares, ligeiro processo, o qual d\u00e1 tonalidade anormal a esse desenvolvimento. Casos desta ordem, que n\u00e3o s\u00e3o t\u00e3o raros, n\u00e3o permi- tem resolver a d\u00favida: trata-se de mero desenvolvimento da personalidade ou de processo tamb\u00e9m?", "Na discuss\u00e3o destes problemas, t\u00eam-se assumido posi\u00e7\u00f5es t\u00edpicas, que", "n\u00e3o chegam a tocar no ponto nuclear, ponto que est\u00e1 na diferen\u00e7a entre processo e desenvolvimento da personalidade. O que t\u00eam de comum \u00e9 que estendem o significado de \u201cdesenvolvimento da personalidade\u201d al\u00e9m de seus limites e nele incluem, tanto quanto poss\u00edvel, muita coisa que per- tence aos processos."], ["1. Tend\u00eancia a \u2018'compreender\u2019\u2019 o processo. \u00c9 imposs\u00edvel compreender", "um del\u00edrio aut\u00eantico em sua g\u00eanese. O conte\u00fado do del\u00edrio pode ser com- preens\u00edvel com base na disposi\u00e7\u00e3o, no ambiente, na viv\u00eancia, mas o car\u00e1- ter delirante da viv\u00eancia ainda \u00e9 a novidade espec\u00edfica que, a certo mo- mento da vida, se h\u00e1 de acrescentar. \u00c9 incompreens\u00edvel o mecanismo pa- ranoico. Nem sempre \u00e9 f\u00e1cil estabelecer a que momento se inicia a para- noia; presume-se, talvez, uma predisposi\u00e7\u00e3o paranoica cong\u00eanita no car\u00e1- ter original, tendo-se sempre mostrado como h\u00e1bito paranoico e prolife- rando, afinal, com base em viv\u00eancias e assumindo a dire\u00e7\u00e3o da pr\u00f3pria exist\u00eancia. Sejam quais forem as dificuldades no caso particular, devemos precaver-nos de estender a compreens\u00e3o al\u00e9m do campo daquilo que \u00e9, re- almente, compreens\u00edvel. O que aqui se v\u00ea \u00e9 alguma coisa do tipo de con- vic\u00e7\u00e3o psiqui\u00e1trica b\u00e1sica; donde a paix\u00e3o pol\u00eamica. No contexto de todas as tentativas de compreens\u00e3o da esquizofrenia, tende-se, aqui, a atenuar o fato processual em sua especificidade."], ["2. Tend\u00eancia a conceber o processo como neurose. Quando pensamos, por exemplo, em neuroses compulsivas \u2014 e o mesmo se d\u00e1 nas neuroses sexuais \u2014 n\u00e3o \u00e9 raro notar, biograficamente, uma progress\u00e3o, na qual certa sintomatologia, a princ\u00edpio particular, se vai aos poucos apoderando da exist\u00eancia inteira e acorrentando a personalidade. Um fen\u00f4meno que \u00e9 em si estranho \u00e0 personalidade domina-a a ela pr\u00f3pria. Trata-se, na reali- dade, de evento progressivo, em cuja ess\u00eancia n\u00e3o penetramos; talvez de doen\u00e7a com fundamento biol\u00f3gico. Entretanto, aqui n\u00e3o ocorre o que cha- mamos \u201cprocesso\u201d em oposi\u00e7\u00e3o a \u201cdesenvolvimento da personalidade\u201d. Para isso, a doen\u00e7a n\u00e3o teria de prosperar a partir de uma sintomatologia particular, e sim de realizar-se no n\u00facleo da exist\u00eancia. Os processos n\u00e3o s\u00e3o neuroses. Mas \u2014 assim se pensa \u2014 as neuroses, que J. H. Schulz de- nomina neuroses nucleares (diversas das neuroses marginais) s\u00e3o doen- \u00e7as da pr\u00f3pria personalidade, que evoluem nos conflitos desta consigo mesma; que progridem e, compreens\u00edveis em larga medida, ainda se apre- sentam no todo como sendo, apenas, evento incompreens\u00edvel dado na dis- posi\u00e7\u00e3o. Dever-se-ia interpretar o processo por analogia com estas neuro- ses nucleares. Tamb\u00e9m a esta altura, contudo, subsiste radical distin\u00e7\u00e3o, dif\u00edcil de apreender em conceitos definit\u00f3rios e crit\u00e9rios particulares, em- bora seja imediatamente evidente \u00e0 intui\u00e7\u00e3o do todo: a neurose \u00e9 compre- ens\u00edvel em sentido fundamentalmente diverso daquele em que se compre- ende o processo.", "3. Tend\u00eancia a interpretar o processo como transforma\u00e7\u00e3o existencial. A", "incompreensibilidade do processo \u00e9 o limite da compreens\u00e3o; n\u00e3o como exist\u00eancia que porta e realiza a vida, e sim como evento b\u00e1sico, que se h\u00e1"], ["de pensar, \u00e0 derradeira, em termos biol\u00f3gicos. O conceito filos\u00f3fico de exist\u00eancia \u00e9 inaplic\u00e1vel \u00e0 pesquisa psicopatol\u00f3gica objetiva, visto perder, imediatamente, assim aplicado, seu significado pr\u00f3prio e profundo. Trans- forma\u00e7\u00e3o do existir humano n\u00e3o \u00e9 transforma\u00e7\u00e3o da exist\u00eancia mesma. A transforma\u00e7\u00e3o do Homem todo e seu mundo por for\u00e7a do evento biol\u00f3gico, quando um curso vital se distorce, e a transforma\u00e7\u00e3o pela decis\u00e3o incon- dicionada da exist\u00eancia s\u00e3o heterog\u00eaneas; colocam-se em planos diversos. N\u00e3o existe esta \u00faltima, em absoluto, para o conhecimento psicopatol\u00f3gico. A irrup\u00e7\u00e3o na personalidade, durante um processo, causa a loucura, mas n\u00e3o leva \u00e0 incondicionalidade existencial."], ["\u00c9 comum a todas as tr\u00eas tend\u00eancias o fato de negar-se como problema, numa s\u00e9rie de casos, o evento biol\u00f3gico b\u00e1sico, bem como de n\u00e3o reconhe- cer-se a impress\u00e3o b\u00e1sica do louco. O problema processual deslisa para a esfera do compreens\u00edvel, ou do neuroticamente incompreens\u00edvel, ou do fi- losoficamente existencial. Perde-se de vista o fato, em todos os casos, para conceber o homem como compreensibilidade, como portador de neurose ou de exist\u00eancia; mas se deixa desaparecer, sempre, a especificidade do processo. O que importa \u00e0 clareza do saber emp\u00edrico \u00e9 n\u00e3o alargar o con- ceito de desenvolvimento de uma personalidade al\u00e9m da compreensibili- dade, mas reconhecer a incompreensibilidade em sua heterogeneidade m\u00faltipla e apreend\u00ea-la metodologicamente, de maneira que corresponda \u00e0 sua ess\u00eancia eventual. Uma destas incompreensibilidades \u00e9 o processo.", "De grande interesse \u00e9 a vis\u00e3o biol\u00f3gica daqueles casos que, pelo menos"], ["at\u00e9 hoje, n\u00e3o permitem apreens\u00e3o alternativa clara: desenvolvimento da, personalidade ou processo? S\u00e3o as paranoias raras, chamadas \u201cverdadei- ras\u201d, as doen\u00e7as obsessivas progressivas, as \u201cloucuras\u201d sem os sintomas elementares (falsas-percep\u00e7\u00f5es, dist\u00farbios do pensamento, viv\u00eancias deli- rantes prim\u00e1rias, fen\u00f4menos feitos, roubo-de-pensamento etc.); mas talvez com bloqueios, negativismos (que nem sempre se podem distinguir clara- mente dos fen\u00f4menos \u00a1neur\u00f3ticos por efeito de complexos). Se, nesses ca- sos, n\u00e3o se depara com a distor\u00e7\u00e3o biogr\u00e1fica, com o in\u00edcio de s\u00edndrome conhecida, costumam contrapor-se os diagn\u00f3sticos, mesmo de especialis- tas experimentados. Onde um v\u00ea neurose ou desenvolvimento de um anancasta, ou psicastenia, outro v\u00ea esquizofrenia. Sob o aspecto diagn\u00f3s- tico, op\u00f5em-se psicopatia e processo, personalidade notavelmente anormal e transforma\u00e7\u00e3o esquizofr\u00eanica de uma ess\u00eancia antes diversa; mas op\u00f5em-se de tal forma que n\u00e3o s\u00f3 se constatam casos dif\u00edceis, mas se tor- nam question\u00e1veis, por for\u00e7a destes casos, os conceitos b\u00e1sicos; e se lhes percebem os limites, em cada um \u00abdeles."], ["Betzendahl d\u00e1 o quadro impressionante de uma paciente que atraiu parentes e conhecidos para o seu mundo obsessivo e delirante, sem que jamais tivesse havido diagn\u00f3stico com base no quadro de \u00abestado, porque faltavam os sintomas elementares. A afirma\u00e7\u00e3o de sua modalidade exis- tencial infantil, consistindo em resist\u00eancia a quaisquer novidade, ali\u00e1s em forma de pensamento religioso e rituais supersticiosos, levou, ajudada pe- los advogados e m\u00e9dicos com os quais aprendeu, desde o in\u00edcio, \u00e0 luta pe- los seus direitos e sua sa\u00fade, luta que se fez para ela primordial. A paci- ente subordinou a si mesma todas as pessoas, sem estas mesmas sequer o perceberem: \u201cO marido deixou-se ludibriar pela reflex\u00e3o de seu pr\u00f3prio racioc\u00ednio; advogados impressionaram-se com a apreens\u00e3o erudita dos ar- gumentos formais que eles pr\u00f3prios expunham; ginecologistas e internis- tas viram pelas lentes de suas especialidades\u201d. Foi s\u00f3 a vis\u00e3o biogr\u00e1fica do psiquiatra que conseguiu formar um quadro global, sem dizer, no entanco, de que doen\u00e7a, realmente, se tratava. Os leigos consideravam-na absolu- tamente sadia; tomavam seu partido ou zangavam-se com ela. Betzendahl diagnosticou esquizofrenia (por conseguinte, processo)."], ["Em sua patograf\u00eda de Langbehn, Burger-Prinz diagnosticou desenvolvi-", "mento da personalidade, depois de hav\u00ea-la descrito, anos antes como es- quizofrenia cl\u00e1ssica."], ["PARTE 5. A PSIQUE ANORMAL NA SOCIEDADE E NA HIST\u00d3RIA"], ["(Sociologia e Hist\u00f3ria das Psicoses e Psicopatias)"], ["a) Heran\u00e7a e tradi\u00e7\u00e3o."], ["A medicina som\u00e1tica ocupa-se com o homem sob o aspecto, apenas, de"], ["ente natural, investigando-lhe e pesquisando-lhe o corpo tal qual se tra- tasse de um corpo de animal. A psicopatologia depara, constantemente, o fato de o homem ser, al\u00e9m disso, um ente cultural. Se o homem tem, de um lado, suas predisposi\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas e ps\u00edquicas por efeito da heran\u00e7a, \u00e9, doutro lado, no entanto, pela tradi\u00e7\u00e3o, apenas, que adquire sua vida ps\u00edquica real; tradi\u00e7\u00e3o que o atinge pelo perimundo da sociedade humana. Ser\u00edamos inteiramente ignorantes, mudos, se cresc\u00eassemos sem tradi\u00e7\u00e3o. Os surdos-mudos, aos quais falta o \u00f3rg\u00e3o sensorial que possibilita o rece- bimento de influ\u00eancias ps\u00edquicas, permanecem na etapa do psiquismo idi- ota, enquanto n\u00e3o recebem ensino lingu\u00edstico que se lhes ajuste; ensina- dos, por\u00e9m, tornam-se homens plenamente v\u00e1lidos, do ponto de vista ps\u00ed- quico. \u00c9 s\u00f3 pelo que aprendemos, pelo que adquirimos, pelo que imitamos, pela nossa educa\u00e7\u00e3o e pelo nosso ambiente que, afinal vimos a ser ho- mens, psiquicamente."], ["Mas n\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil, em absoluto, determinar onde est\u00e1 o limite entre he- ran\u00e7a e tradi\u00e7\u00e3o. Diz-se que s\u00e3o s\u00f3 as fun\u00e7\u00f5es e capacidades que se her- dam; e toda realiza\u00e7\u00e3o, todo conte\u00fado v\u00eam do perimundo. S\u00e3o extensos os meios da tradi\u00e7\u00e3o, que n\u00e3o abrange, apenas; a l\u00edngua, mas sim, tudo tem, por assim dizer, uma linguagem: as ferramentas., a casa, o tipo de traba- lho, a paisagem, as formas sociais, os costumes, os gestos, as atitudes, as coisas e uso antigos. Para exemplificar quanto \u00e9 dif\u00edcil delimitar, pense-se no \u201cinconsciente coletivo\u201d de Jung: inconsciente de que se origina o mundo dos mitos e s\u00edmbolos, como se fosse alguma coisa universalmente humana; e que aparece sempre no sonho e nas psicoses, mudando, histo- ricamente, na consci\u00eancia p\u00fablica e nas cren\u00e7as. Esse inconsciente cole- tivo \u00e9 fen\u00f4meno hist\u00f3rico ou biol\u00f3gico? Parece hist\u00f3rico, visto que porta a especificidade humana e que seus conte\u00fados t\u00eam significado hist\u00f3rico. Vale, contudo, a obje\u00e7\u00e3o impressionante de Bumke contra todas estas ideias, a saber: n\u00e3o se herdam qualidades adquiridas; portanto, caem por terra todas as afirma\u00e7\u00f5es no sentido da aquisi\u00e7\u00e3o pr\u00e9-hist\u00f3rica e hist\u00f3rica de tais s\u00edmbolos, que viriam a emergir, sem tradi\u00e7\u00e3o, do inconsciente. \u2014"], ["Mas se o inconsciente coletivo nada mais \u00e9 do que o fundamento biol\u00f3gico das potencialidades humanas, que se desenvolveriam historicamente, tem-se, ent\u00e3o, pretendendo encontrar a universalidade humana, de igno- rar a historicidade \u2014 o que \u00e9 imposs\u00edvel \u2014 quando se confrontam os s\u00edm- bolos e mitos de todos os povos. \u00c9 s\u00f3 formalmente, n\u00e3o em termos de con- te\u00fado, que se pode conceber uma universalidade humana n\u00e3o-hist\u00f3rica, ou pr\u00e9-hist\u00f3rica. Se excedermos estas lindes, formaremos ideias obscuras; por exemplo, a afirma\u00e7\u00e3o de haver efeitos ecol\u00f3gicos e clim\u00e1ticos de car\u00e1- ter ps\u00edquico, capazes de determinar, a partir de profundidades, o conte\u00fado essencial dos homens que vivem no local; assim, a alma \u00edndia existiria em todo americano. \u2014 Mas se o inconsciente coletivo \u00e9, apenas, nome com que se designem as necessidades objetivas mentais a partir das quais tal- vez haja surgido o fogo, se tenham fabricado ferramentas semelhantes em diversos lugares da superf\u00edcie terrestre e se hajam formado ideias perti- nentes da mesma ordem \u2014 nesse caso, entraremos na velha discuss\u00e3o dos etn\u00f3logos : o que \u00e9 que, pertencente ao patrim\u00f4nio cultural, repousa em elementariedades humanas universais e o que \u00e9 que repousa em mi- gra\u00e7\u00f5es hist\u00f3ricas de pa\u00eds a pa\u00eds."], ["S\u00e3o duas coisas diversas, embora n\u00e3o se possa tra\u00e7ar o limite, pr\u00e0tica- mente, por forma t\u00e3o clara quanto na teoria: a propaga\u00e7\u00e3o per heran\u00e7a e a propaga\u00e7\u00e3o pela hist\u00f3ria. O que se herda propaga-se no homem, tal qual no animal, de modo inconsciente e casualmente necess\u00e1rio: o que se herda pode permanecer tranquilo, \u00e0 falta de est\u00edmulos ambientais corres- pondentes, mas torna-se vis\u00edvel, novamente, ap\u00f3s in\u00fameras gera\u00e7\u00f5es, desde que o perimundo o ponha em funcionamento; no contexto heredit\u00e1- rio, n\u00e3o h\u00e1 \u201cesquecimento\u201d. Pelo contr\u00e1rio, aquilo que tem base hist\u00f3rica precisa da tradi\u00e7\u00e3o, da apropria\u00e7\u00e3o continuada, mediante a consci\u00eancia que redesperta; somos aquilo em que, como homem, nos tornamos com base no fundamento hist\u00f3rico real; fundamento que foi colocado, de uma vez por todas, que \u00e9 este e nenhum outro; que n\u00e3o \u00e9 universalidade hu- mana; essa historicidade, por\u00e9m, 4 suscet\u00edvel de perder-se; esquece-se, quando a tradi\u00e7\u00e3o perece e tamb\u00e9m quando as gera\u00e7\u00f5es ulteriores j\u00e1 n\u00e3o disp\u00f5em de pontos de refer\u00eancia em restos, documentos, obras. As fun- \u00e7\u00f5es podem dormir pela falta de uso e, talvez, reviver na psicose e no so- nho. 0& conte\u00fados hist\u00f3ricos, entretanto, podem ser esquecidos, s\u00f3 se tor- nando adquir\u00edveis mediante nova conex\u00e3o com uma tradi\u00e7\u00e3o fatual. H\u00e1, decerto, a cada momento, possibilidades existenciais humanas que res- suscitam; mas a forma por que podem despertar, difere, radicalmente, no que diz respeito \u00e0 heran\u00e7a e \u00e0 tradi\u00e7\u00e3o. Para o que a esta pertence, ocorre,"], ["sem d\u00favida, esquecimento absoluto, perda irrevers\u00edvel, no contexto hist\u00f3- rico."], ["b) Comunidade.", "A tradi\u00e7\u00e3o, tal qual a vida inteira, do homem, realiza-se em comuni- dade. O indiv\u00edduo encontra sua realiza\u00e7\u00e3o, sua atitude e significado, sua tarefa, por interm\u00e9dio da comunidade em que vive. Suas tens\u00f5es com a comunidade s\u00e3o uma das origens pelas quais se podem compreender os dist\u00farbios ps\u00edquicos. A cada momento, o homem sente a presen\u00e7a atuante de sua comunidade. Se esta se faz consciente, racionalizada, organizada e conformada, fala-se em sociedade."], ["A vida ps\u00edquica humana, na medida em que a comunidade e a socie- dade a condicionam, na medida tamb\u00e9m em que cria, na intera\u00e7\u00e3o social', forma\u00e7\u00f5es especiais, constitui objeto da psicologia social, a qual descreve ou as etapas evolutivas da vida ps\u00edquica humana, desde o estado natural at\u00e9 a cultura 1; ou vai adiante, construindo tipos, ideais, mediante a apre- senta\u00e7\u00e3o, em cada sociedade de rela\u00e7\u00f5es recorrentes que s\u00e3o necess\u00e1rias \u00e0 nossa compreens\u00e3o gen\u00e9tica (domina\u00e7\u00e3o e subordina\u00e7\u00e3o, diferencia\u00e7\u00e3o social etc.); ou ainda d\u00e1 quadros concretos de certos povos. \u2014 S\u00f3 se trata de psicologia social quando se discutem viv\u00eancias de indiv\u00edduos particula- res, que exercem ou experimentam efeitos no contata de outros homens. A investiga\u00e7\u00e3o cient\u00edfica verdadeira n\u00e3o conseguiu estabelecer, conforme \u00e9 de desejar, a separa\u00e7\u00e3o n\u00edtida entre esta considera\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica e a soci- ologia, a qual busca forma\u00e7\u00f5es certamente surgidas na sociedade, mas n\u00e3o constituindo conte\u00fado vivencial de seus membros. A sociologia e a psicologia colocam-se no mesmo plano, confundindo-se uma com a outra, pr\u00e0ticamente."], ["c) A amplia\u00e7\u00e3o da psicopatologia desde anamnese social at\u00e9 a elabora\u00e7\u00e3o"], ["de material hist\u00f3rico.", "O meio social em que vive o homem difere extraordinariamente; que se admita a mesma predisposi\u00e7\u00e3o, a vida ps\u00edquica em desenvolvimento varia conforme a diversidade mesol\u00f3gica. Assim tamb\u00e9m h\u00e3o de variar, de acordo com a sociedade e o ambiente cultural em que aparecem, a mani- festa\u00e7\u00e3o da predisposi\u00e7\u00e3o humana anormal e a modalidade fenom\u00eanica das psicoses. Da\u00ed por que o psiquiatra precisar\u00e1 sempre, diversamente do somatiatra, fazer anamnese social fundamental de seus pacientes. S\u00f3"], ["quando souber de onde vem o doente, que azares o atingiram, em que si- tua\u00e7\u00e3o se acha, que influ\u00eancias sofreu, \u00e9 que poder\u00e1 compreender o caso especial, o qual, tendo em vista sua predisposi\u00e7\u00e3o, talvez seja id\u00eantico a outro em absoluto diverso, aparentemente. Se quiser apreender a base destas conex\u00f5es, no caso particular, o psiquiatra necessitar\u00e1 de conheci- mentos concernentes \u00e0s v\u00e1rias condi\u00e7\u00f5es ambientais de que seus pacien- tes prov\u00eam; necessitar\u00e1 penetrar em todas as camadas e meios sequer poss\u00edveis para a vida humana. Faltando-lhe vis\u00e3o adequada, ajud\u00e1-lo-\u00e3o as autobiografias que frequentemente se publicam, sobretudo nos meios. oper\u00e1rios. Atualmente, estes meios, quantitativamente predominantes, ocupam o primeiro plano do interesse. \u00ca evidente, no entanto, que outros grupos reclamar\u00e3o, do mesmo modo, o interesse do psiquiatra, conforme o tipo de seus pacientes."], ["Desse conhecimento precisa sempre o psiquiatra, se quiser compreen-"], ["der os pacientes que encontra na cl\u00ednica. Mas a psicopatologia cada vez mais se interessa pelos fen\u00f4menos ps\u00edquicos anormais que raramente ou mesmo nunca se podem estudar nos. hospitais. Ampliando seu funda- mento experimental, procura informar-se dos fen\u00f4menos ps\u00edquicos anor- mais que ocorrem fora do hospital, na vida p\u00fablica e nos diversos meios sociais humanos, que a hist\u00f3ria humana lhe apresenta. Nisso reside a am- plia\u00e7\u00e3o recente da \u00e1rea experimental da psicopatologia. H\u00e1 um s\u00e9culo, preocupava-se ela, quase exclusivamente, com os loucos em sentido mais estrito e com os dementes. No- momento, lotam-se os frenoc\u00f4mios n\u00e3o s\u00f3 com estes, mas com doentes afetivos, psicopatas, anormais. J\u00e1 n\u00e3o existe fronteira entre a psicopatologia de personalidades anormais e a caractero- logia. Nem a ci\u00eancia psicopatol\u00f3gica se restringe mais, todavia, ao material experimental das cl\u00ednicas, e sim, busca experi\u00eancias, que n\u00e3o pode fazer dentro dos muros hospitalares, no material fornecido pelo passado e nas manifesta\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas que o presente oferece fora dos nosoc\u00f4mios. De m\u00e3os dadas com a psicologia, o que ela quer \u00e9 alargar seus, conhecimen- tos al\u00e9m de todo o campo das realidades ps\u00edquicas, vari\u00e1veis de indiv\u00edduo para indiv\u00edduo."], ["Dentre os fen\u00f4menos sociais atuais, a psicopatologia tem-se interes- sado, sobretudo, com o estudo dos criminosos, meretrizes, vagabundos e adolescentes desamparados."], ["Raramente \u00e9 que se tem estudado o material hist\u00f3rico. Considerando-", "a significa\u00e7\u00e3o te\u00f3rica da tarefa e por causa dos conflitos surgidos entre historiadores e psiquiatras, tentaremos esclarecer a situa\u00e7\u00e3o: Toda. pes-"], ["quisa psicol\u00f3gica e psicopatol\u00f3gica tende a cindir-se em dois rumos diver- sos. Ap\u00f3s a confus\u00e3o obscura inicial entre a investiga\u00e7\u00e3o. compreensiva e a causai, muitos foram os pesquisadores. \u2014 psiquiatras, sobretudo \u2014 que pugnaram pelas explora\u00e7\u00f5es exclusivamente causais (biol\u00f3gicas), conside- rando-as, a elas s\u00f3, v\u00e1lidas. Para eles, o que vale s\u00e3o, apenas, os proces- sos cerebrais, a constitui\u00e7\u00e3o, a fisiologia; mais, ainda: os experimentos pu- ramente fisiol\u00f3gicos (que excluem ao m\u00e1ximo- poss\u00edvel a vida ps\u00edquica) da psicologia objetiva, bem como a terminologia que apreende em categorias biol\u00f3gicas os fen\u00f4menos mentais. Outros pesquisadores \u2014 principalmente humanistas \u2014 viram com desprezo essa psicologia sem alma, \u201cmateria- lista\u201d, voltando-se, de modo exclusivo, para a compreens\u00e3o das viv\u00eancias reais em sua plenitude. Apesar de todos os malentendidos rec\u00edprocos, a batalha, conduziu ao esclarecimento da diversidade (que j\u00e1 se apresentava teoricamente) das tarefas. Veio o momento em que, n\u00e3o obstante qualquer discrimina\u00e7\u00e3o pura de princ\u00edpios e m\u00e9todos, se fez poss\u00edvel unificar a pro- mo\u00e7\u00e3o de ambas as ci\u00eancias, ou de ambos os rumos investigativos (tal qual ocorre na psicopatologia). A investiga\u00e7\u00e3o compreensiva sempre en- contra limita\u00e7\u00e3o e complementa\u00e7\u00e3o em achados causais, ao passo que a investiga\u00e7\u00e3o causal pode estender-se a \u00e1reas em que unidades significati- vas (s\u00f3 ent\u00e3o) lhes podem dar, afinal, os elementos, da inquiri\u00e7\u00e3o causal (por exemplo, quando se investiga a conex\u00e3o entre certos tipos de persona- lidade, certas psicoses e certos tipos mentais de cria\u00e7\u00e3o). Limitada a um dos dois rumos, toda psicopatologia corre o risco de transformar-se ou em fantasia irreal, ou em fisiologia sem alma."], ["A psicopatologia compreensiva origina-se, empiricamente, em primeira"], ["linha, no contato pessoal com gente viva. A cl\u00ednica lhe \u00e9 fundamento in- compar\u00e1vel, em confronto com o qual s\u00e3o pobres todos os fundamentos da psicologia normal. Mas na h\u00e1 psicologia compreensiva, nem psicopatolo- gia, que se detenha nessa experi\u00eancia pessoal. \u00c9 espec\u00edfico a toda psicolo- gia compreensiva o fato de ela voltar-se para o material da hist\u00f3ria hu- mana, a fim de ganhar a vis\u00e3o da exist\u00eancia humana verdadeira, em toda sua amplitude. N\u00e3o obstante a dificuldade de lidar competentemente com material hist\u00f3rico e encontrar, enfim, o material adequado, alguns psico- patologistas tentaram seguir esse rumo com insucesso evidente. Aqui existe, no entanto, tarefa de import\u00e2ncia infinita. Conquanto a psicopato- logia ainda n\u00e3o tenha obtido, de. um modo ou doutro, com base em mate- rial hist\u00f3rico, qualquer conhecimento positivo essencial, n\u00e3o deixa de ser saud\u00e1vel, em todo caso, para as concep\u00e7\u00f5es, globais do psiquiatra, a cons- ci\u00eancia dos problemas e dos limites de nossa compreens\u00e3o. Quando nos"], ["impressionamos diante de antigos mitos e os defrontamos, tal qual defron- tamos processos psicop\u00e1ticos ou anormalidades caracteriais, com a con- vic\u00e7\u00e3o de haver, aqui, alguma coisa vivencialmente compreens\u00edvel e, entre- tanto, infinitamente remota, temos, pelo menos, a possibilidade de con- templar com mais profundidade, e, talvez, formar representa\u00e7\u00e3o viva; fica- mos, ent\u00e3o, precavidos de classifica\u00e7\u00f5es compreensivas err\u00f4neas e simples no que toca aos nossos pacientes; e precavidos dos r\u00f3tulos vazios que uma compreens\u00e3o mal orientada possa dar ao estado ps\u00edquico de \u00e9pocas intei- ras.", "d) Significado do conhecimento hist\u00f3rico-sociol\u00f3gico."], ["A investiga\u00e7\u00e3o dos fen\u00f4menos psicopatol\u00f3gicos na sociedade e na his- t\u00f3ria tem significado pela vis\u00e3o realista da fatualidade humana total. V\u00ea-se a significa\u00e7\u00e3o da vida ps\u00edquica anormal para a sociedade, para os fen\u00f4me- nos hist\u00f3ricos de massas, para a hist\u00f3ria da civiliza\u00e7\u00e3o para certas perso- nalidades que influenciaram a hist\u00f3ria etc. Antes de mais nada, entre- tanto, ela importa \u00e0 pr\u00f3pria psicopatologia, permitindo ver a significa\u00e7\u00e3o que t\u00eam as circunst\u00e2ncias sociais, dos grupos culturais e das situa\u00e7\u00f5es, para o tipo e a ocorr\u00eancia das anormalidades da vida ps\u00edquica; ganham-se experi\u00eancias com as biografias individuais, experi\u00eancias a que quase n\u00e3o tem acesso a pr\u00e1tica m\u00e9dica, e com as realidades que j\u00e1 n\u00e3o se apresen- tam sob o mesmo aspecto em nossa \u00e9poca; exercita-se a concep\u00e7\u00e3o que se tem do homem como homem, quando visto em sua evolu\u00e7\u00e3o e em sua condicionalidade hist\u00f3ricas. O horizonte hist\u00f3rico-sociol\u00f3gico retroage \u00e0 concep\u00e7\u00e3o do caso particular, observado na cl\u00ednica, favorecendo-a."], ["e) M\u00e9todos."], ["Os m\u00e9todos que se utilizam nas pesquisas sociol\u00f3gicas e hist\u00f3ricas s\u00e3o", "os mesmos que servem \u00e0 psicopatologia, em geral. De modo especial, con- tudo, pressup\u00f5em-se aqui os m\u00e9todos cr\u00edticos no trato do material hist\u00f3- rico. E, assim sendo, m\u00e9todo importante \u00e9 o comparativo: compara\u00e7\u00e3o de povos, formas culturais, grupos populacionais diversos; este \u00e9 o campo es- pecial da estat\u00edstica.", "S\u00e3o dois os objetivos da estat\u00edstica. Em primeiro lugar, estabelece, sim- plesmente, pelo censo de manifesta\u00e7\u00f5es conhecidas, a respectiva frequ\u00ean- cia; achados estes que t\u00eam import\u00e2ncia descritiva e valor pr\u00e1tico, mas que s\u00e3o, quanto ao mais, escassamente interessantes. Em segundo lugar,"], ["busca relacionar entre si, mediante compara\u00e7\u00e3o de s\u00e9ries de cifras diver- sas, v\u00e1rios fen\u00f4menos; quais sejam, a frequ\u00eancia de certos tipos caracteri- ais entre aqueles que cometem determinados tipos de crimes etc. Busca, desta forma, apreender os fatores de que depende certo fen\u00f4meno; inquire as causas respectivas. Correlacionados, os dados estat\u00edsticos d\u00e3o regulari- dades iniciais externas, as quais indicam conex\u00f5es causais b\u00e1sicas; mas estas ainda n\u00e3o- se demonstram pela regularidade estat\u00edstica."], ["Os m\u00e9todos estat\u00edsticos gozam, presentemente, de grande favor. S\u00e3o, todavia, dif\u00edceis de manejar e s\u00f3 podem usar-se, quando se espera que ve- nham a fornecer dados confi\u00e1veis, com grande prud\u00eancia e esp\u00edrito cr\u00edtico. Quando se faz investiga\u00e7\u00e3o estat\u00edstica, formulamos as seguintes indaga- \u00e7\u00f5es: 1) Que \u00e9 que se conta? 2) De onde se obteve o material contado? 3) Com que se v\u00e3o comparar as cifras encontradas? 4) Como \u00e9 que se inter- pretar\u00e1 a regularidade eventualmente encontrada nas correla\u00e7\u00f5es num\u00e9ri- cas?", "Exemplo: Contam-se todos os suic\u00eddios (1) de certas regi\u00f5es: Baviera,"], ["Sax\u00f4nia etc. (2); comparam-se as cifras suicidais de v\u00e1rios meses e encon- tra-se a mais alta cifra no come\u00e7o do ver\u00e3o; comparam-se regi\u00f5es diversas e encontram-se, por exemplo, na Sax\u00f4nia, proporcionalmente \u00e0 popula- \u00e7\u00e3o, mais suic\u00eddios que na Baviera etc (3); enfim, procura-se interpretar a regularidade: o in\u00edcio da esta\u00e7\u00e3o estival, segundo se presume, atua, por fa- tores m\u00faltiplos, como est\u00edmulo sobre a vida ps\u00edquica, de maneira que esta se vivencia, segundo os rumos nos quais \u00e9 originalmente predisposta, com mais intensidade, mais liberdade, mais atividade: verifica-se que tamb\u00e9m os atentados sexuais, os crimes contra os costumes etc. s\u00e3o mais frequen- tes nessa esta\u00e7\u00e3o; donde confirmar-se a presun\u00e7\u00e3o mencionada. Inter- preta-se a diferen\u00e7a entre a Baviera e a Sax\u00f4nia como diversidade de cons- titui\u00e7\u00e3o racial (4). Em rela\u00e7\u00e3o aos quatro problemas da inxestiga\u00e7\u00e3o esta- t\u00edstica, ainda se h\u00e3o de fazer, em particular, os seguintes coment\u00e1rios:"], ["1. Que \u00e9 que se conta? Naturalmente, para obter resultados exatos, s\u00f3", "se pode contar o que for, conceitualmente, t\u00e3o precisamente delimit\u00e1vel que qualquer observador saiba a rigor o que \u00e9 que se conta; s\u00f3 se pode contar o que se puder reconhecer ou excluir, com suficiente seguran\u00e7a, no caso particular. Maximamente adequadas, -s\u00e3o- as manifesta\u00e7\u00f5es objeti- vas: atos (suic\u00eddios, crimes) fatos sociais (casamento, profiss\u00e3o etc.), condi- \u00e7\u00f5es ambientais (lugar de nascimento, situa\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica dos pais, ilegi- timidade de nascimento etc.); mais ainda: idade, sexo, etc. Esta estat\u00edstica apoia-se em dados puramente objetivos, fatos externos, sem considerar os"], ["indiv\u00edduos particulares; outras estat\u00edsticas, no entanto, procuram apreen- der, em seus censos e confrontos, todo o indiv\u00edduo com suas qualidades ps\u00edquicas (estat\u00edstica individual em oposi\u00e7\u00e3o a estat\u00edstica de massa). A esta altura, torna-se muito dif\u00edcil delimitar e determinar aquilo que se deve contar. \u00c9 necess\u00e1rio um trabalho psicopatol\u00f3gico pr\u00e9vio dos mais apura- dos \u2014 quer no que toca a delimita\u00e7\u00f5es fenomenol\u00f3gicas, quer se trate de an\u00e1lises da intelig\u00eancia e dos tipos de personalidade, quer ainda se cogite de certas conex\u00f5es geneticamente compreens\u00edveis \u2014 se se quiser esclare- cer, em geral, quais s\u00e3o os objetos a contar; assim \u00e9, por exemplo, quando se quer formar ideia num\u00e9rica no tocante \u00e0 correla\u00e7\u00e3o entre certos tipos caracteriais e certas categorias criminais."], ["2. De onde prov\u00e9m, o material? \u00c9 s\u00f3 em casos raros que se pode su- bordinar \u00e0 estat\u00edstica, com base em dados objetivos dos mais grosseiros (suic\u00eddios), um grupo populacional inteiro. Quase sempre tem-se de fazer sele\u00e7\u00e3o (muitas vezes, de grupos muito pequenos), tomando como material os pacientes de um hospital, os internados num frenoc\u00f4mio, os r\u00e9us que comparecem a ju\u00edzo, etc. Se for comparado' a outro correspondente, esse material valer\u00e1 corno amostra, revelando, em pequena escala, as mesmas correla\u00e7\u00f5es que revelariam, em grande escala, o componente patol\u00f3gico, criminal, etc. da popula\u00e7\u00e3o geral. Na maior parte das vezes, entretanto, ser\u00e1 um material selecionado em determinada dire\u00e7\u00e3o, n\u00e3o permitindo se tirem, sem mais, quaisquer conclus\u00f5es gerais. Da\u00ed a cr\u00edtica do material constituir um dos fundamentos mais importantes para o julgamento de trabalhos estat\u00edsticos.", "3. Com que \u00e9 que se compara? Podem-se comparar, por exemplo, as", "cifras suicidiais da Baviera e da Sax\u00f4nia; mas n\u00e3o (\u00e9 claro) as cifras abso- lutas, e sim, apenas, as percentagens em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 popula\u00e7\u00e3o total. Nes- ses casos simples, \u00e9 dif\u00edcil errar; em casos complicados, por\u00e9m, \u00e9 necess\u00e1- rio ponderar bem aquilo que se h\u00e1 de comparar."], ["4. Como \u00e9 que se interpreta? S\u00f3 quando se interpretam as cifras \u00e9 que come\u00e7a, a rigor, nosso interesse cient\u00edfico. As cifras nos ser\u00e3o tanto mais valiosas quando mais convincentes falem a favor de certa interpreta\u00e7\u00e3o. As interpreta\u00e7\u00f5es sempre subsistem, por\u00e9m, at\u00e9 certo ponto, como pre- sun\u00e7\u00f5es, podendo seguir duas vias. Em primeiro lugar, podem ser cau- sais: a frequ\u00eancia maior de filhos de alcoolistas entre os adolescentes cri- minosos explicar-se-\u00e1, em geral, pelo fato de o alcoolismo paterno, medi- ante les\u00e3o germinal, inferiorizar o filho; ou pela heran\u00e7a, ou pela disposi- \u00e7\u00e3o psicop\u00e1tica, em que se baseou, no pai, o alcoolismo. Em segundo lu-", "gar, as interpreta\u00e7\u00f5es podem ser geneticamente compreensivas: outros au- tores \u201ccompreendem\u201d o fato estat\u00edstico com fundamento no meio alcoo- lista; pelo que a crian\u00e7a v\u00ea, pela falta de educa\u00e7\u00e3o, vem-lhe a deprava\u00e7\u00e3o, que a conduz, pouco a pouco, a um estado ps\u00edquico do qual resulta, com- preensivelmente, o crime."], ["A cr\u00edtica que se dirige \u00e0 interpreta\u00e7\u00e3o causal e aquela compreensiva s\u00e3o absolutamente diversas. Vamos dar exemplos que esclare\u00e7am. Pre- tende-se que o humor sombrio dos dias chuvosos outonais seja causa compreens\u00edvel de suic\u00eddios, de moda presumir ocorram quase todos os suic\u00eddios no outono. Mas a estat\u00edstica mostra cifra muito mais elevada no in\u00edcio do ver\u00e3o. Nem por isso, contudo, \u00e9 errada, no primeiro caso, a cone- x\u00e3o compreens\u00edvel presumida. No caso particular, pode-se provar, com base na compreens\u00e3o da personalidade global, que um outono sombria ve- nha a dar o \u00faltimo golpe. Presumiu-se, por\u00e9m, erradamente, a frequ\u00eancia dessa conex\u00e3o. Em termos gerais: n\u00e3o se demonstram conex\u00f5es compre- ens\u00edveis (por exemplo, as influ\u00eancias ambientais, em sua maior parte) por via estat\u00edstica, e sim pela compreens\u00e3o do caso particular; a estat\u00edstica apenas demonstra a frequ\u00eancia com que elas ocorrem. Entretanto, quando se fazem essas investiga\u00e7\u00f5es patol\u00f3gico-sociais, as conex\u00f5es causais nunca se demonstram existentes, de modo geral, pelo caso particular, mas, sim, mediante censos avultados e mediante propor\u00e7\u00f5es num\u00e9ricas que suportem cr\u00edtica. Se uma les\u00e3o germinal, devida ao alcoolismo pa- terno, pode levar a degenera\u00e7\u00e3o heredit\u00e1ria, \u00e9 quest\u00e3o aberta que s\u00f3 se provar\u00e1 com correla\u00e7\u00f5es estat\u00edsticas abundantes e convincentes. Nenhum caso individual pode pesar na balan\u00e7a, nesse sentido. Admitamos, por\u00e9m (n\u00e3o existem pesquisas deste tipo), que se hajam recenseado 500 fam\u00edlias de alcoolistas; que metade dos filhos tenham nascido antes da irrup\u00e7\u00e3o de alcoolismo paterno, metade depois. Aqueles v\u00eam a revelar-se semelhantes \u00e0 popula\u00e7\u00e3o m\u00e9dia; estes, no entanto, nascidos ap\u00f3s a irrup\u00e7\u00e3o do alcoo- lismo e confrontados com a outra metade, apresentam-se, por suas quali- dades e seu estilo de vida, extraordinariamente mais anormais, inferiores, criminosos etc. \u2014 Neste caso \u2014 ali\u00e1s, inveross\u00edmil \u2014 ter-se-ia demons- trado les\u00e3o germinal pelo \u00e1lcool."], ["Os exemplos estat\u00edsticos a se darem daqui por diante, nesta Parte, n\u00e3o se subordinam, em particular, a qualquer cr\u00edtica do tipo que acabamos de fazer, pois isso nos levaria longe demais. Os exemplos mais n\u00e3o preten- dem ser do que exemplos. Para qualquer estudo mais exato, remitimos o leitor, aqui como sempre, aos trabalhos especiais.", "Em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 hist\u00f3ria, dupla \u00e9 a tarefa da psicopatologia. 1. No tocante"], ["ao caso particular, quando se cogita de estados e fen\u00f4menos psiquica- mente anormais, o psiquiatra tem de dar seu parecer. 2. No tocante \u00e0 tota- lidade do material hist\u00f3rico, tem de ver se pode, por essa via, adquirir co- nhecimentos de ordem geral que por outra via n\u00e3o se adquirem. Da\u00ed os trabalhos existentes sobre esta quest\u00e3o terem, em parte, o car\u00e1ter de pare- ceres hist\u00f3ricos: s\u00f3 se aplicam conhecimentos existentes para apreender um fen\u00f4meno que interessa por outros motivos. Em parte, no entanto, os trabalhos afetaram um problema psicopatol\u00f3gico novo, com caracter\u00edsticas pr\u00f3prias (por exemplo, a degenera\u00e7\u00e3o; a significa\u00e7\u00e3o criativa das psicoses)."], ["\u00a7 1. A Significa\u00e7\u00e3o Da Situa\u00e7\u00e3o Sociol\u00f3gica Da Doen\u00e7a", "a) Efeitos causais do ambiente civilizado.", "A civiliza\u00e7\u00e3o cria condi\u00e7\u00f5es f\u00edsicas que, do mesmo modo que outras condi\u00e7\u00f5es naturais, geram estados ps\u00edquicos anormais por interm\u00e9dio do corpo.", "Principalmente, a oferta dos estimulantes e drogas. Discute-se, muito, neste particular, se o alcoolismo e, com ele, as psicoses alco\u00f3licas t\u00eam au- mentado. Em \u00e9poca mais recente, parece haver-se constatado, pelo con- tr\u00e1rio, diminui\u00e7\u00e3o do alcoolismo. Jeske viu diminui\u00e7\u00e3o consider\u00e1vel do n\u00famero de transtornados em Breslau, relacionada com a taxa\u00e7\u00e3o da aguardente de 1909 e com o boicote das bebidas alco\u00f3licas pela social-de- mocracia. \u00c9 claro que as doen\u00e7as variam conforme o tipo dos estimulantes localmente consumidos; pelos europeus, quanto ao \u00e1lcool; pelos orientais, quanto ao haxixe; pelos chineses, quanto ao \u00f3pio."], ["Quanto a saber se, em per\u00edodos mais longos \u2014 posta de lado, inicial- mente, a extens\u00e3o em que influem, neste particular, as condi\u00e7\u00f5es cultu- rais \u2014 se alteram em suas modalidades fenom\u00eanicas as formas nosol\u00f3gi- cas precisamente delimit\u00e1veis, \u00e9 quest\u00e3o que, decerto, s\u00f3 se pode investi- gar naquelas doen\u00e7as cujo diagn\u00f3stico se aceita do modo universalmente v\u00e1lido e unit\u00e1rio, de acordo com caracter\u00edsticas n\u00edtidas. \u00c9 o caso da parali- sia geral como doen\u00e7a org\u00e2nica cerebral e tamb\u00e9m geral, somaticamente falando. Joachim, que a investigou estatisticamente, na Als\u00e1cia-Lorena, durante os primeiros dec\u00eanios do s\u00e9culo XX, com refer\u00eancia \u00e0 modifica\u00e7\u00e3o de sua ocorr\u00eancia e seu curso, notou varia\u00e7\u00e3o na distribui\u00e7\u00e3o das parali- sias masculinas pelos diversos distritos da regi\u00e3o: pequeno aumento da doen\u00e7a nas camadas populares inferiores; ligeiro ralenta- mento da dura- \u00e7\u00e3o respectiva; aumento de formas demenciais em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s agitadas e"], ["depressivas; maior frequ\u00eancia das remiss\u00f5es. S\u00e3o bastante incertos os fa- tos \u00e0 base dos quais se tem querido relacionar o aumento da paralisia ge- ral com o aumento da s\u00edfilis ou com o incremento da civiliza\u00e7\u00e3o. Apesar do trabalho de Monkm\u00f5ller, ainda s\u00e3o de todo obscuras as correla\u00e7\u00f5es cau- sais. A s\u00edfilis sozinha n\u00e3o pode ser a causa, nem a civiliza\u00e7\u00e3o por si s\u00f3. Para saber se j\u00e1 havia paralisia geral na antiguidade, temos de saber se j\u00e1 havia s\u00edfilis, ou se esta foi importada da Am\u00e9rica. Kirchhoff, baseado nal- gumas fontes, considera prov\u00e1vel a ocorr\u00eancia na antiguidade.", "\u00c9 claro que cada situa\u00e7\u00e3o social tamb\u00e9m cria condi\u00e7\u00f5es f\u00edsicas peculia-", "res, as quais, por sua vez \u2014 do mesmo modo, no entanto, que quaisquer circunst\u00e2ncias naturais. \u2014 influem sobre a sa\u00fade. \u00c9 evidente que certas profiss\u00f5es s\u00e3o mais amea\u00e7adas do que outras pelo perigo da intoxica\u00e7\u00e3o (chumbo, \u00f3xido de carbono, sulfureto de carbono etc.)."], ["A tecniza\u00e7\u00e3o da vida em geral, no \u00faltimo meio s\u00e9culo, tem causado \u2014 pelo menos, nas condi\u00e7\u00f5es metropolitanas \u2014 tal dissolu\u00e7\u00e3o do ambiente natural, num perimundo cada vez mais artificial, que as condi\u00e7\u00f5es vitais psicof\u00edsicas se modificam com efeitos que ainda n\u00e3o se podem perceber; a ponto de Jores poder dizer, relativamente \u00e0s endocrinopatias humanas: \u201cA pessoa vegetativa do homem j\u00e1 n\u00e3o se ajusta \u00e0s condi\u00e7\u00f5es existenciais completamente alteradas. Da\u00ed resultar o homem nervoso atual, com sua disposi\u00e7\u00e3o especial para dist\u00farbios das regula\u00e7\u00f5es end\u00f3crinas. As doen\u00e7as resultantes destas desregula\u00e7\u00f5es s\u00e3o, pois, se n\u00e3o exclusiva, pelo menos predominantemente, doen\u00e7as da civiliza\u00e7\u00e3o\u201d."], ["Ainda est\u00e1 por esclarecer se \u00e9 pass\u00edvel de modifica\u00e7\u00e3o a constitui\u00e7\u00e3o", "(tal qual se apresenta na estrutura corp\u00f3rea, em condi\u00e7\u00f5es vitais que per- manecem iguais durante muitas gera\u00e7\u00f5es) mediante sele\u00e7\u00e3o e mediante qualquer forma vital f\u00edsica dantes existente. A constitui\u00e7\u00e3o corp\u00f3rea lep- toss\u00f4mica parece haver predominado nas camadas aristocr\u00e1ticas do an- tigo Egito, do Jap\u00e3o e do Oriente; bem assim, parece ter sido considerada a mais nobre (Weidenreich)."], ["b) Situa\u00e7\u00f5es t\u00edpicas para o indiv\u00edduo."], ["S\u00e3o in\u00fameras; e sirvam de exemplos: a dura press\u00e3o das condi\u00e7\u00f5es so-", "ciais desesperan\u00e7adas, dos sofrimentos cr\u00f4nicos; o encargo permanente, pesando sobre a psique, das preocupa\u00e7\u00f5es insuper\u00e1veis e da luta pelo p\u00e3o de cada dia, sem energia, sem impulso, sem objetivo, sem ideal, leva, mui- tas vezes, a estados de apatia, indiferen\u00e7a, pobreza ps\u00edquica extrema. Caso especial \u00e9 o tipo do criminoso sempre reincidente, que carrega sua sorte", "indiferente, sem esperan\u00e7a, apenas mostrando rancor obtuso e nega\u00e7\u00e3o desprazerosa a todas as solicita\u00e7\u00f5es que se lhe fazem.", "O desenraizamento? tem-se tornado fatalidade cada vez mais frequente"], ["em nosso mundo atual.", "Os psicanalistas t\u00eam reconhecido o efeito marcante do contexto fami- lial. O exemplo, o modelo, o ensinamento s\u00e3o atuantes, mas, al\u00e9m disso, a \u201ccoletividade\u201d, a psique grupai com seu poder impositivo. O inconsciente dos pais influencia os filhos, sem que estes o percebam. \u201cH\u00e1 um evento uniforme no contexto corpo-alma- fam\u00edlia, tal qual fossem vasos comuni- cantes\u201d. Por exemplo: \u201cA vida que os pais deveriam viver, se n\u00e3o fossem covardes, frouxos, transforma-se em encargo para os filhos\u201d.", "A for\u00e7a dos instintos varia com as situa\u00e7\u00f5es. Em condi\u00e7\u00f5es de vida as-", "segurada, com prevalecimento da moral sexual, o instinto sexual pode crescer desmedidamente; na mis\u00e9ria, diminui a fome; esta e o instinto se- xual, quando a vida est\u00e1 exposta a perigo prolongado, decrescem at\u00e9 ex- tinguir-se."], ["c) \u00c9pocas de seguran\u00e7a, de revolu\u00e7\u00e3o, de guerra.", "Tra\u00e7o fundamental da exist\u00eancia anterior a 1914 serviu para interpre-"], ["tar alguns fen\u00f4menos anormais: a maior seguran\u00e7a da vida, que havia em compara\u00e7\u00e3o com quase todas as \u00e9pocas anteriores. Exagerando: antes, azares radicais, exist\u00eancia perigosa, cada um cuidando de si; agora, pressa angustiosa e ego\u00edstica de conseguir vantagens meramente econ\u00f4- micas, mesmo estando a vida assegurada e protegida pelas institui\u00e7\u00f5es p\u00fablicas; antes, difus\u00e3o da vida laborativa natural, com participa\u00e7\u00e3o da personalidade humana; agora, de um lado, a press\u00e3o tem\u00edvel e suportada com ressentimento consciente do trabalho f\u00edsico obtuso; de outro lado, in- div\u00edduos abastados, ociosos, sem obriga\u00e7\u00f5es nem objetivos; em toda parte, insatisfa\u00e7\u00e3o com a vida. O v\u00e1cuo existencial gera a simula\u00e7\u00e3o da vida, a pseudovida sensacional; enfim, o advento do tipo de personalidade hist\u00e9- rica. \u00c1 depend\u00eancia ansiosa de normas morais e convencionais substitui os valores adquiridos na exist\u00eancia real; gera repress\u00e3o dos instintos e dos sentimentos naturais; e a partir da\u00ed, suscita, naquelas pessoas predispos- tas, sintomas hist\u00e9ricos."], ["S\u00e3o inteiramente diversos deste quadro os fen\u00f4menos de que temos re-", "latos quanto \u00e0 vida ps\u00edquica em \u00e9pocas de exalta\u00e7\u00e3o: ap\u00f3s a peste do s\u00e9- culo XIV, durante a Revolu\u00e7\u00e3o Francesa e depois da Revolu\u00e7\u00e3o Russa. Parte dos fen\u00f4menos tamb\u00e9m se observou, em nosso pa\u00eds, a partir de"], ["1918. Esses abalos afetivos profundos que atingem a generalidade parecer ter efeitos absolutamente diversos dos abalos que ocorrem no indiv\u00edduo. Notaram-se, de modo amplo, grande indiferen\u00e7a pela vida (aumento dos duelos, despreocupa\u00e7\u00e3o com situa\u00e7\u00f5es perigosas, ren\u00fancia \u00e0 vida sem as- pira\u00e7\u00f5es ideais), enorme sede de prazeres e desinibi\u00e7\u00e3o sem freio. Dizia-se, noutros tempos, que a cifra de psicoses e suic\u00eddios diminui em tempo de guerra. No come\u00e7o, fala-se menos em nervosismo. \u201cQuando a vida est\u00e1 em jogo, o nervosismo cessa\u201d (His). Bonhoeffer observou, de refe- r\u00eancia aos internamentos na Charit\u00e9, que os dist\u00farbios alco\u00f3licos diminu\u00ed- ram acentuadamente e que algumas psicopatias masculinas aumentaram durante a guerra; aumento este que mostra \u2014 como diz Bonhoeffer \u2014 atingir poucas exce\u00e7\u00f5es o acr\u00e9scimo de rea\u00e7\u00f5es psicop\u00e1ticas, relativa- mente aos milh\u00f5es de seres humanos sujeitos \u00e0s mesmas influ\u00eancias. A imensa maioria das pessoas n\u00e3o adoece, devendo a constitui\u00e7\u00e3o desempe- nhar papel decisivo. Quanto \u00e0s depress\u00f5es, Kehrer notou que \u201co acr\u00e9scimo inaudito de preocupa\u00e7\u00f5es, priva\u00e7\u00f5es, lutos e pavores que atuou, durante a guerra, sobre os que ficaram em casa n\u00e3o levou a qualquer aumento dos estados depressivos\u201d."], ["Durante a Primeira Guerra Mundial, fizeram-se in\u00fameras observa\u00e7\u00f5es"], ["no ex\u00e9rcito. Tornou-se a estabelecer a. evid\u00eancia de que n\u00e3o h\u00e1 psicoses de guerra nem neuroses de guerra espec\u00edficas. Foram s\u00f3 as turva\u00e7\u00f5es agu- das da consci\u00eancia e as neuroses em geral que ocorreram, suscitando dis- cuss\u00e3o animada e intensa. Viu-se, por forma dr\u00e1stica e em n\u00famero jamais observado, o efeito do desgaste ps\u00edquico, do medo, al\u00e9m dos efeitos da exa- ust\u00e3o. Se bem que o n\u00famero de doen\u00e7as deste tipo fosse, percentual- mente, pequeno, a cifra absoluta foi, no entanto, elevada. A discuss\u00e3o re- feriu-se, sobretudo, \u00e0 distin\u00e7\u00e3o entre o psicog\u00eanico e o meramente som\u00e1- tico; por tr\u00e1s dela, existiu, conforme os pontos de vista filos\u00f3ficos, a ten- d\u00eancia a descobrir culpa e m\u00e1-vontade, ou o pendor a admitir tudo como doen\u00e7a sem culpa alguma. P\u00f4de-se ver a cegueira de um para tudo quanto fosse extra- consciente, causalmente necess\u00e1rio; o humanitarismo senti- mental impelindo outro, que mal percebia as for\u00e7as semiconscientes ou inconscientes em fuga para a doen\u00e7a; outros ainda analisavam, tranquila- mente objetivos, com base em todos os pontos de vista, as conex\u00f5es: A im- port\u00e2ncia do fator ps\u00edquico nas neuroses se v\u00ea do fato de n\u00e3o haver (ou de s\u00f3 haver muito poucas) neuroses entre os prisioneiros de guerra, abstra- \u00e7\u00e3o feita daquela distimia t\u00edpica que se descreve com os nomes de \u201cp\u00e1s- saro cinzento\u201d, \u201cdoen\u00e7a do arame farpado\u201d. \u2014 Wittig mostra, exemplifi-"], ["cando-o com autonarra\u00e7\u00f5es, o efeito da guerra sobre jovens eticamente in- feriores.", "d) Neuroses de renda.", "As neuroses de renda servem para exemplificar, de certo modo, com a"], ["seguran\u00e7a que a experi\u00eancia possibilita, o fato de poderem certas condi- \u00e7\u00f5es sociol\u00f3gicas darem origem a determinadas doen\u00e7as. S\u00f3 ap\u00f3s a legisla- \u00e7\u00e3o de acidentes dos anos 80 do s\u00e9culo XIX \u00e9 que essas doen\u00e7as teriam aparecido; n\u00e3o teriam existido sem tal legisla\u00e7\u00e3o; apenas o desejo de obter (indeniza\u00e7\u00e3o \u00e9 que se traduziria em toda sorte de queixas, ap\u00f3s les\u00f5es li- geiras, fossem quais fossem, ou ap\u00f3s acidentes graves, em pessoas predis- postas e com ajuda dos mecanismos hist\u00e9ricos; mecanismos que \u2014 in- conscientes para o indiv\u00edduo \u2014 visariam, apenas, \u00e0 obten\u00e7\u00e3o de uma renda ou indeniza\u00e7\u00e3o (histeria de renda). Liquidada em definitivo a ques- t\u00e3o, as queixas desapareceriam. A quest\u00e3o n\u00e3o \u00e9, por\u00e9m, t\u00e3o simples, em absoluto. Sob o nome de \u201cneuroses de renda\u201d resumem-se queixas de tipo muito diverso, que s\u00f3 t\u00eam em comum o fato de aparecerem em seguida a acidentes; principalmente, les\u00f5es cranianas. Entre elas h\u00e1 uma quanti- dade em que n\u00e3o se pode constatar desempenhe papel o desejo de indeni- za\u00e7\u00e3o como fator causai; quantidade que ocorre exatamente da mesma maneira, ainda que n\u00e3o se cogite, em absoluto, de indeniza\u00e7\u00e3o (no caso de pessoas que n\u00e3o t\u00eam seguros, ou de pacientes de meios abastados). Entre as demais, certo \u00e9 que o desejo de indeniza\u00e7\u00e3o desempenha papel; papel de um fator entre outros, por\u00e9m. Haveria neuroses de renda mesmo sem legisla\u00e7\u00e3o de acidentes; seriam, entretanto, menos numerosas e menos se cogitaria delas; esse fator do desejo de indeniza\u00e7\u00e3o n\u00e3o coloriria o quadro; e alguns indiv\u00edduos n\u00e3o adoeceriam, absolutamente; outros se curariam mais depressa. O estudo das neuroses de renda tem para o cl\u00ednico mo- derno interesse especial. A vasta literatura, com as diversidades opinativas inconcili\u00e1veis, ensina por que modo, na ci\u00eancia m\u00e9dica, uma maneira de ver puramente som\u00e1tica se op\u00f5e ao racioc\u00ednio psicol\u00f3gico; e por que ma- neira os preconceitos que pretendem tudo explicar com demasiada simpli- cidade, \u00e0 base de certo ponto de vista, conflitam com o discernimento ana- l\u00edtico."], ["Nos \u00faltimos dec\u00eanios, o problema \u2014 que, ao tempo em que se escreve- ram as linhas acima, era ocasional \u2014 veio se tomando cada vez mais pre- mente. Von Weizs\u00e4cker declarou: A neurose de renda ou neurose jur\u00eddica \u00e9 fen\u00f4meno social de primeira ordem; \u00e9 cena que faz parte do advento de nova sociedade; trata-se de doen\u00e7a mais social que qualquer outra."], ["e) Trabalho."], ["A capacidade de trabalho e a disposi\u00e7\u00e3o para o trabalho s\u00e3o seria- mente afetadas pelas doen\u00e7as ps\u00edquicas. A curva de trabalho mede a ca- pacidade individual de produ\u00e7\u00e3o. A terapia pelo trabalho \u00e9 um meio de modelar por forma t\u00e3o favor\u00e1vel quanto poss\u00edvel os fen\u00f4menos ps\u00edquicos. Hoje em dia, as quest\u00f5es relacionadas com a aptid\u00e3o para o trabalho se tornaram problemas pr\u00e1ticos de import\u00e2ncia (testes de aptid\u00e3o para certas profiss\u00f5es). H\u00e1 pesquisas que se ocupam com a quest\u00e3o da aptid\u00e3o de cer- tos grupos humanos do tipo anormal para determinadas tarefas profissio- nais. Da mesma forma por que a psicologia, como psicologia aplicada, se coloca a servi\u00e7o de objetivos vitais t\u00e9cnicos \u2014 quest\u00f5es de voca\u00e7\u00e3o, au- mento da capacidade de trabalho \u2014 assim tamb\u00e9m pode a psicopatologia apresentar-se \u201caplicada\u201d, quando, por exemplo, responde a indaga\u00e7\u00f5es so- bre se certos tipos humanos \u2014 digamos, crian\u00e7as expostas \u2014 s\u00e3o aptas para o servi\u00e7o militar; ou sobre como valorar a capacidade que t\u00eam certos tipos de pacientes para trabalhar ou para ganhar a vida."], ["f) Educa\u00e7\u00e3o."], ["A import\u00e2ncia evidentemente grande das situa\u00e7\u00f5es e condi\u00e7\u00f5es sociais"], ["para a vida ps\u00edquica, a utiliza\u00e7\u00e3o terap\u00eautica destas possibilidades d\u00e1 sempre interesse \u00e0 velha quest\u00e3o do significado e dos limites da educa\u00e7\u00e3o. \u00c9 indubit\u00e1vel que a imagem ps\u00edquica de uma \u00e9poca e dos homens que comp\u00f5em uma popula\u00e7\u00e3o se determina, de maneira ampla, pela educa\u00e7\u00e3o, conforme a cada momento se realize. De tempos imemoriais se t\u00eam con- traposto ambas as posi\u00e7\u00f5es extremas e erradas, no tocante a esse fato, que s\u00f3 se formula de maneira geral: \u201cTudo resulta da educa\u00e7\u00e3o\u201d e \u201cTudo \u00e9 inato\u201d. \u2014 Ou ent\u00e3o: \u201cPode-se fazer tudo do homem pela educa\u00e7\u00e3o\u201d e \u201cS\u00f3 se pode fazer do homem uma coisa diferente atrav\u00e9s da heran\u00e7a, na sequ\u00ean- cia das gera\u00e7\u00f5es\u201d. \u2014 \u201cDai-nos a educa\u00e7\u00e3o\u201d, dizia Lessing, \u201ce mudaremos o car\u00e1ter da Europa em menos de um s\u00e9culo\u201d. A isso op\u00f5e-se a concep\u00e7\u00e3o de que o que \u00e9 inato \u00e9 inalter\u00e1vel; e de que a educa\u00e7\u00e3o apenas pode dissi- mular. \u2014 Evidentemente, por\u00e9m, nenhum dos dois lados tem raz\u00e3o. A educa\u00e7\u00e3o s\u00f3 consegue, \u00e9 certo, desenvolver aquilo que existe na disposi- \u00e7\u00e3o, segundo a possibilidade; n\u00e3o pode modificar a ess\u00eancia inata. Nin- gu\u00e9m conhece, por\u00e9m, as potencialidades humanas que dormem na cons- titui\u00e7\u00e3o. Da\u00ed poder uma educa\u00e7\u00e3o fazer aparecer aquilo que ningu\u00e9m ja- mais suspeitara. O efeito que qualquer educa\u00e7\u00e3o nova produz \u00e9, por isto, imprevis\u00edvel; e ela h\u00e1 de ter efeitos em que nunca se pensara. O fato b\u00e1- sico de que o homem se torna aquilo que \u00e9, a cada momento, pela tradi\u00e7\u00e3o"], ["e de que a manifesta\u00e7\u00e3o da disposi\u00e7\u00e3o supostamente igual se pode modifi- car, extraordinariamente em poucos s\u00e9culos, pela modalidade da consci- \u00eancia; de que, tamb\u00e9m, povos inteiros parecem modificar seu car\u00e1ter \u2014 tudo isso d\u00e1 alto significado \u00e0 educa\u00e7\u00e3o. Seus limites n\u00e3o se podem tra\u00e7ar antecipadamente, mas sim observar, a cada momento, no caso concreto."], ["\u00a7. 2, Investiga\u00e7\u00f5es Sobre Popula\u00e7\u00f5es, Profiss\u00f5es, Classes, Grupos Urbanos, Rurais E Outros.", "A popula\u00e7\u00e3o total. A demografia estabelece quantos doentes e quantos dentre os grupos nosol\u00f3gicos particulares se encontram dentro da popula- \u00e7\u00e3o total. Na Alemanha, verificou-se (Lenz, 1936): 2-3% de d\u00e9beis mentais, 1/2% de imbecis, 1/4% de idiotas; ao todo, portanto, 3-4% de retardados entre todos os nascimentos; destes, mais ou menos 20-30% tendo resul- tado de noxas externas. Na popula\u00e7\u00e3o total, encontra-se (Luxenburger) 0,9% de esquizofr\u00eanicos (a metade internada); 0,4%-0,5% de man\u00edaco-de- pressivos. Como fen\u00f4meno coletivo, pois, \u00e9 a debilidade mental que de- sempenha o papel mais importante; depois, a esquizofrenia."], ["A distribui\u00e7\u00e3o pelos estratos sociais. As fam\u00edlias dos man\u00edaco-depressi- vos pertencem, percentualmente, mais aos estratos superiores; as dos d\u00e9- beis mentais e epil\u00e9pticos, mais aos estratos inferiores; as dos esquizofr\u00ea- nicos est\u00e3o entre uns e outros, mais perto dos estratos superiores. Os ti- pos de constitui\u00e7\u00e3o atl\u00e9tica sup\u00f5e-se sejam mais frequentes nos estratos inferiores.", "A investiga\u00e7\u00e3o estat\u00edstica sobre a distribui\u00e7\u00e3o da intelig\u00eancia apoia-se em boletins escolares e testes mentais. Quanto mais baixo o estrato social, menor \u00e9, em m\u00e9dia, o rendimento escolar (Brem); s\u00e3o os filhos de universi- t\u00e1rios e professores prim\u00e1rios que det\u00eam, em m\u00e9dia, as gradua\u00e7\u00f5es mais altas."], ["A interpreta\u00e7\u00e3o dos achados cinge-se, sobretudo, \u00e0 sele\u00e7\u00e3o do patrim\u00f4- nio heredit\u00e1rio. D\u00e1-se, segundo Conrad, um \u201cprocesso de afrouxamento\u201d: Os epil\u00e9pticos descem e o patrim\u00f4nio heredit\u00e1rio deles acumula-se nos es- tratos populacionais inferiores. O epil\u00e9ptico tende a decair socialmente, for\u00e7ado a escolher o c\u00f4njuge, quase sempre, entre os defeituosos de qual- quer tipo; da\u00ed acumularem-se as cargas, as quais, em conjunto, formam um c\u00edrculo condicionado sociol\u00f3gica, n\u00e3o biologicamente; n\u00e3o um \u201cc\u00edrculo constitucional\u201d, e sim um \u201cc\u00edrculo conubial\u201d (os epil\u00e9pticos das classes in-", "feriores t\u00eam em sua prole muito mais tipos defectuais \u2014 debilidade men- tal, psicoses, status dysraphicus etc. \u2014 do que os epil\u00e9pticos das classes superiores)."], ["Enquanto aqueles cuja aptid\u00e3o excede a m\u00e9dia ascendem, os estratos inferiores cada vez se- apresentam mais pobres no que diz respeito a indi- v\u00edduos que partilhem do cabedal heredit\u00e1rio. As classes superiores repro- duzem-se menos; as inferiores, mais. Subsistindo os demais fatores, pois, h\u00e1 tend\u00eancia do patrim\u00f4nio heredit\u00e1rio excelente a reduzir-se cada vez mais, na popula\u00e7\u00e3o total, baixando o n\u00edvel geral."], ["Profiss\u00f5es. A particularidade dos fen\u00f4menos ps\u00edquicos anormais resul- tantes da profiss\u00e3o e da atividade existencial nunca foi investigada de ma- neira exata. Assim como se conhecem os tipos profissionais entre as per- sonalidades normais; assim como se pode ^reconhecer como tal, de imedi- ato, um m\u00e9dico, um negociante, um oficial, um professor; assim como a respectiva peculiaridade se revela na escrita \u2014 assim tamb\u00e9m as manifes- ta\u00e7\u00f5es assumem colorido peculiar nas psicoses do cl\u00e9rigo, do professor, do oficial. \u2014 tamb\u00e9m se podem considerar bastante evidentes as altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas que se originam da excita\u00e7\u00e3o dos neg\u00f3cios banc\u00e1rios e bols\u00edsti- cos (a grande tens\u00e3o, a necessidade de tomar decis\u00f5es r\u00e1pidas, apesar do risco avultado), da posi\u00e7\u00e3o oprimida das preceptoras, da exist\u00eancia prole- t\u00e1ria etc. H\u00e1 estudos sobre as psicoses no ex\u00e9rcito e na marinha, bem como no proletariado. Os censos de R\u00f6mer mostram ser no meio rural que menos ocorrem doen\u00e7as; pais, entre aqueles que se dedicam, independen- tes, \u00e0s profiss\u00f5es-liberais."], ["Estado civil. O estado civil tem rela\u00e7\u00e3o com a cifra nosol\u00f3gica (estat\u00eds-", "tica das interna\u00e7\u00f5es), visto que, percentualmente, adoecem muito mais solteiros do que casados, ao passo que os divorciados e vi\u00favos, contados em conjunto, excedem s\u00f3 um pouco a m\u00e9dia; dentre os divorciados, po- r\u00e9m, muitos adoecem em percentagem not\u00e1vel.", "Meios urbano e rural. O confronto da frequ\u00eancia relativa das formas no- sol\u00f3gicas particulares na grande cidade e no meio\u00ab rural mostra, especial- mente, duas diferen\u00e7as (confronto da cifra das interna\u00e7\u00f5es): os danos ma- teriais da grande cidade geram aumento anormal das psicoses alco\u00f3licas e da paralisia geral (sequela da s\u00edfilis); as condi\u00e7\u00f5es dif\u00edceis de vida, com suas noxas ps\u00edquicas, originam frequ\u00eancia muito maior de psicopatas (his- teria etc.). Entretanto, os frenoc\u00f4mios das regi\u00f5es agr\u00edcolas superlotam-se com as doen\u00e7as essencialmente end\u00f3genas do grupo de dem\u00eancia precoce e da loucura man\u00edaco-depressiva. Tamb\u00e9m chama a aten\u00e7\u00e3o o fato \"de se"], ["internarem nas grandes cidades relativamente muito mais epil\u00e9pticos e re- lativamente mais dementes (dem\u00eancia -senil, arteriosclerose, idiotia).", "Cepas e povos. A distribui\u00e7\u00e3o nas \u00e1reas geogr\u00e1ficas mostra diferen\u00e7as consider\u00e1veis; mais na doen\u00e7a man\u00edaco-depressiva que na esquizofrenia. Segundo Luxenburger, os man\u00edaco-depressivos, s\u00e3o raros na Su\u00ed\u00e7a, nas regi\u00f5es setentrionais da Alemanha, na Escandin\u00e1via; frequentes, entre- tanto, na Franc\u00f4nia, na Ren\u00e2nia, na It\u00e1lia, em partes dos Estados Unidos. Kretschmer quase n\u00e3o encontrou doen\u00e7a man\u00edaco-depressiva entre os hessianos, ao contr\u00e1rio dos su\u00e1bios.", "Religi\u00f5es. O censo relativo \u00e0s religi\u00f5es mostra que a maior cifra de do-", "en\u00e7as est\u00e1 entre os adeptos' das v\u00e1rias cren\u00e7as.8"], ["\u00a7 3. Comportamento Associai E Antissocial", "A atitude social \u00e9 considerada, acertadamente, tra\u00e7o b\u00e1sico do ente humano; a respectiva modalidade, tra\u00e7o caracterial relacionado com a \u00edn- dole individual. Considera-se polaridade importante a extrovers\u00e3o, a socia- bilidade, a franqueza em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 introvers\u00e3o, ao retraimento (autismo), \u00e0 taciturnidade.", "Jung fala em extrovertidos e introvertidos: Kretschmer prop\u00f5e o car\u00e1- ter ciclot\u00edmico ao esquizot\u00edmico. Do lado ciclot\u00edmico, viu, por sua vez, pola- ridade entre a confian\u00e7a em si ing\u00eanua, com iniciativa ampla, e a mod\u00e9stia com indecis\u00e3o; do lado esquizot\u00edmico, entre o pensamento idealista e o comportamento brutal, antissocial, aquele indo da conduta reformista, or- ganizat\u00f3rio-sistem\u00e1tica \u00e0 atitude obstinada, caprichosa, suspeitosa, a ponto de tornar-se misantr\u00f3pica."], ["O comportamento social dos doentes mentais e dos indiv\u00edduos psiqui- camente anormais n\u00e3o \u00e9, pois, absolutamente unit\u00e1rio, nem pass\u00edvel de redu\u00e7\u00e3o a f\u00f3rmulas. At\u00e9 dentro da mesma forma nosol\u00f3gica, os indiv\u00edduos comportam-se de maneiras inteiramente diversas. Um psic\u00f3tico grave, um indiv\u00edduo atacado de processo m\u00f3rbido pode ainda isolar-se completa- mente de todo conv\u00edvio humano e terminar sua exist\u00eancia vegetativa iso- lada. Mas quase todos os indiv\u00edduos que consideramos psiquicamente anormais costumam ser tamb\u00e9m anormais em seu comportamento social; o que tem at\u00e9 servido de crit\u00e9rio do conceito de doen\u00e7a. A grande maioria das pessoas psiquicamente anormais \u00e9 associai; relativamente poucas s\u00e3o antissociais."], ["a) O comportamento associal.", "Das v\u00e1rias formas do comportamento associai destacamos dois tipos:"], ["1. Para o grande c\u00edrculo dos loucos em sentido mais estrito, que se classificam, conjuntamente, como esquizofr\u00eanicos, \u00e9 caracter\u00edstico, de certo modo, o fato de desligarem-se da sociedade humana, seja de que maneira for. Constroem dentro de si um mundo novo, no qual vivem a maior parte do tempo; mesmo que ao observador superficial pare\u00e7am mo- ver-se no mundo real. Partilhar com quem quer que seja \u00f3 reino dos senti- mentos, viv\u00eancias, ideias delirantes que s\u00f3 a ele s\u00e3o pr\u00f3prios n\u00e3o lhes \u00e9, em absoluto, necess\u00e1rio. S\u00e3o autossuficientes, cada vez mais desligando- se dos outros homens; nem com outras pessoas sofrendo da mesma forma nosol\u00f3gica se relacionam melhor. Tem-se dito, com raz\u00e3o, que esses doen- tes nos s\u00e3o mais estranhos do que um selvagem distante. No entanto, o paciente n\u00e3o \u00e9, em geral, absolutamente consciente de sua associabili- dade, vivendo em seu mundo com a consci\u00eancia de viver em mundo real. Esses homens que se desligam \u2014 em casos t\u00edpicos \u2014 sem perceb\u00ea-lo e sem sofrer com isso, sempre formaram grupo social morto. Em graus mais ligeiros do dist\u00farbio, vegetam como vagabundos, quando prov\u00eam de clas- ses desfavorecidas; como exc\u00eantricos, no caso de serem abastados.", "2. Tipo inteiramente diverso de associabilidade, que se combina, ali\u00e1s, nos processos em incep\u00e7\u00e3o, com aquele acima descrito, desenvolve-se sob a forma de incapacidade, subjetivamente sentida com muito padecimento, de tratar com outras pessoas, de ajustar-se, de movimentar-se sem cons- trangimento, de acordo com a situa\u00e7\u00e3o. Todo conv\u00edvio \u00e9 torturante, de modo que o indiv\u00edduo prefere retrair-se, prefere ficar inteiramente s\u00f3; o que o atormenta muito, porque conserva o impulso social, anseia pela conviv\u00eancia, pela comunidade, pelo amor. Sua incapacidade social tam- b\u00e9m chama, (entretanto, a aten\u00e7\u00e3o alheia. Pela sua maneira de ser, ora canhestra, t\u00edmida, ora excessiva, grosseira, informal, descontrolada, choca a todos, a ponto, porque sente a rea\u00e7\u00e3o, de retrair-se ainda mais. Esta forma de associabilidade tem muitas conex\u00f5es compreens\u00edveis depende de uma s\u00e9rie de \u201ccomplexos\u201d; pode desaparecer em condi\u00e7\u00f5es favor\u00e1veis, ou levar ao isolamento pleno num aposento, do qual nunca mais se sai, tal qual acontece em processos demenciais. Ocorre em todos os tipos caracte- riais: tanto em naturezas realmente grosseiras, indiferenciadas, quanto naquelas delicadas, capazes de sentimentos profundos; liga-se a muitas outras fraquezas ps\u00edquicas e pode existir quer como fase transit\u00f3ria, quer como aspecto da constitui\u00e7\u00e3o permanente; pode desenvolver-se esponta- neamente, ou representar rea\u00e7\u00e3o clara a situa\u00e7\u00f5es desfavor\u00e1veis; enfim,"], ["aparece como express\u00e3o das formas nosol\u00f3gicas mais diversas.", "b) O comportamento antissocial.", "Deparamos com os doentes antissociais quando vemos os criminosos,", "a maioria pertencendo \u00e0s constitui\u00e7\u00f5es anormais; a minoria, aos proces- sos m\u00f3rbidos. Entre os doentes de esquizofrenias, aparecem \u2014 principal- mente, no in\u00edcio \u2014 elementos antissociais; bem assim, entre os portadores de paralisia geral. \u00c9 muito raro haver antissociais no grupo da loucura man\u00edaco-depressiva.", "A investiga\u00e7\u00e3o do crime tem-se desenvolvido em tr\u00eas fases, que, no mo-"], ["mento atual, significam outros tantos rumos de inquiri\u00e7\u00e3o legitimamente paralelos. De in\u00edcio, inquiriram-se criminosos individuais, os quais davam impress\u00e3o de anormalidades, desvios da m\u00e9dia, casos raros. Primeiro, aprendeu-se, por esta forma, o encadeamento dos processos ps\u00edquicos, com a respectiva caracteriza\u00e7\u00e3o cl\u00e1ssica, sempre repetindo-se menos n\u00ed- tida, menos desenvolvida; depois, apreenderam-se tamb\u00e9m conex\u00f5es de tipo psicologicamente compreens\u00edvel, raramente ocorrendo e quase sempre entendendo-se erradamente \u2014 de maneira demasiado intelectualista (psi- cologia das envenenadoras, das criminosas nost\u00e1lgicas etc.); finalmente, investigou-se a maneira por que o processo m\u00f3rbido influencia o i caso particular. Em muitas das descri\u00e7\u00f5es, a simplicidade da compreens\u00e3o psi- col\u00f3gica, pr\u00f3pria do autor, deixa de satisfazer o leitor. Leva a erro, princi- palmente, muitas vezes, a redu\u00e7\u00e3o a um instinto, (a uma paix\u00e3o, tal qual a interpreta\u00e7\u00e3o intelectualista, de bom grado praticada, que de simboliza- \u00e7\u00f5es e complexos pretende elevar a pensamento consciente demasiadas coisas da vida ps\u00edquica e dos encadeamentos n\u00e3o-percebidos dos instin- tos. Todavia, tem-se sedimentado material extraordinariamente valioso, in- substitu\u00edvel, em muitas dessas descri\u00e7\u00f5es. Tamb\u00e9m se tem procurado configurar a psicologia compreensiva do delinquente, praticada e ampliada em descri\u00e7\u00f5es individuais, de maneira geral e sistem\u00e1tica; sirva de exem- plo o livro por demais subestimado de Krauss."], ["A segunda fase afastou-se do estudo compreensivo individual. Caracte- rizada pelo m\u00e9todo estat\u00edstico, procurou investigar as causas e correla\u00e7\u00f5es dependenciais do crime mediante o estabelecimento de propor\u00e7\u00f5es regula- res de grandes s\u00e9ries num\u00e9ricas. Forma especial .\u00a1que \u00e9 de aplica\u00e7\u00e3o da estat\u00edstica moral, ela investiga, sobretudo, com base no material num\u00e9rico das grandes estat\u00edsticas oficiais, as rela\u00e7\u00f5es do delito e certas formas de- linquenciais com a esta\u00e7\u00e3o do ano, a idade, os pre\u00e7os do trigo etc.8 Delas"], ["se depreende, por exemplo, serem o roubo e a fraude mais frequentes no inverno; todos os crimes para os quais contribuem a excitabilidade e a irri- tabilidade ps\u00edquica (atentados sexuais, agress\u00f5es f\u00edsicas, ultrajes), s\u00e3o mais frequentes no ver\u00e3o; entre o n\u00edvel dos pre\u00e7os do trigo e a frequ\u00eancia dos roubos existe certo paralelismo etc. \u00c9 quase sempre dif\u00edcil ajuizar e in- terpretar estas correla\u00e7\u00f5es num\u00e9ricas. Ao pendor a explic\u00e1-las de forma demasiada simples \u00e9 adversa a cr\u00edtica que aponta para a grande multipli- cidade de fatores coadjuvantes e que n\u00e3o permite ajustar qualquer parale- lismo, de maneira simples e absoluta, a depend\u00eancias causais. \u00c9 bem pos- s\u00edvel que a depend\u00eancia bilateral de uma s\u00e9rie de fatores ignorados d\u00ea ori- gem a uma rela\u00e7\u00e3o regular."], ["A interpreta\u00e7\u00e3o \u00e9 dif\u00edcil porque s\u00f3 se enumeram fatos, sem coisa al- guma saber dos delinquentes. No desejo de atingir as conex\u00f5es reais, pro- fundamente situadas, buscaram-se inquirir, por sua vez, em terceira fase, os pr\u00f3prios criminosos, os indiv\u00edduos todos. J\u00e1 n\u00e3o se selecionaram, po- r\u00e9m, como na primeira fase, casos individuais, raros, de cunho cl\u00e1ssico, e sim tomaram-se para investigar todos os doentes internados de um hospi- tal e outro material como um todo, a fim de conhecer os criminosos m\u00e9- dios, os delinquentes habituais, que s\u00e3o os mais importantes para a pol\u00ed- tica criminal. :Estes trabalhos, embora operem, necessariamente, com ci- fras muito menores, t\u00eam a vantagem de saber exatamente o que recen- seiam e de poder inquirir muito mais correla\u00e7\u00f5es, porque os inqu\u00e9ritos de individualidades inteiras \u00e9 que fundamentam os censos {estat\u00edstica indivi- dual, em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 estat\u00edstica coletiva da segunda fase). Gruhle tentou, aqui, investigar e contar n\u00e3o s\u00f3 as caracter\u00edsticas at\u00e9 ent\u00e3o habituais, tan- g\u00edveis, objetivas, mas tamb\u00e9m trazer ao campo da estat\u00edstica (estat\u00edstica da personalidade) o tipo caracterial, a disposi\u00e7\u00e3o pessoal, a compreens\u00e3o psicol\u00f3gica, a fim de ver se a base da associabilidade seria o meio ou a dis- posi\u00e7\u00e3o."], ["O psiquiatra interv\u00e9m, a fim de pronunciar-se, pela comunica\u00e7\u00e3o dos", "fatos, em quest\u00f5es de pol\u00edtica criminal, institui\u00e7\u00e3o de penas, penitencia- rismo. Os fins a se alcan\u00e7arem s\u00e3o estabelecidos pelas sociedades e pelas concep\u00e7\u00f5es predominantes; a psicologia aplicada tem de dizer se e por que vias se atingir\u00e3o esses fins.", "Cientista que \u00e9, o psiquiatra tamb\u00e9m h\u00e1 de dar a informa\u00e7\u00e3o- franca que for verdadeira, quando parecer imposs\u00edvel qualquer \u2018\"solu\u00e7\u00e3o\u201d de difi- culdades indesej\u00e1veis da vida real. Tr\u00e1gico ser\u00e1 o quadro derradeiro, sem possibilidade de ajustamento harm\u00f4nico. \u00c9 o que me parece ter Wetzel"], ["apontado, de maneira singularmente clara, com refer\u00eancia a uma perso- nalidade anormal, um \u201cquerulante\u201d. Uma luta pelo direito que durou deze- nas de anos e em que as autoridades foram insuportavelmente importuna- das, o queixoso \u00e0s vezes ilegalmente tratado, e em que a pretens\u00e3o do ho- mem anormal nada tinha de criminosa, terminou com seu suic\u00eddio, que foi por ele assim anunciado nos jornais: \u201cVon Hausen quis, a vida inteira, ser \u00fatil \u00e0 p\u00e1tria. Destino indizivelmente penoso extinguiu-lhe, sem \u00eaxito, a exist\u00eancia\u201d."], ["\u00a7 4. Psicopatologia Da Mente", "A mente n\u00e3o pode adoecer e nesta medida \u00e9 absurdo o t\u00edtulo- acima. Mas a mente \u00e9 levada pela exist\u00eancia. As doen\u00e7as existenciais t\u00eam conse- qu\u00eancias para a realiza\u00e7\u00e3o da mente, a qual pode ser inibida, deslocada, transtornada; pode tamb\u00e9m ser favorecida e- possibilitada de maneira sin- gular.", "Mais ainda: os fen\u00f4menos ps\u00edquicos anormais s\u00e3o interpretados a par-"], ["tir da mente, cuja apreens\u00e3o os modifica. \u00c9 muito diverso- se sei que es- tou submetido a minhas paix\u00f5es, como passiones animae naturais; ou se me reconhe\u00e7o culpado, interpretando o que fa\u00e7o e sinto como mau e peca- minoso; ou se creio estar exposto \u00e0 a\u00e7\u00e3o de deuses e dem\u00f4nios, por eles possu\u00eddo; ou se penso estar perturbado, enfeiti\u00e7ado, magicamente, por ou- tras pessoas. Assim tamb\u00e9m, o comportamento segundo o qual o homem domina seus dist\u00farbios ps\u00edquicos diverge, fundamentalmente conforme a interpreta\u00e7\u00e3o que sua mente d\u00e1 ao que faz: como expia\u00e7\u00e3o, como autoedu- ca\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica, como ato ritual, como ora\u00e7\u00e3o, como inicia\u00e7\u00e3o- em mist\u00e9- rios."], ["As conex\u00f5es e a unidade do mundo mental est\u00e3o fora da psicologia. A psicopatologia mais n\u00e3o pode do que pesquisar alguns aspectos dos fen\u00f4- menos de realiza\u00e7\u00e3o mental sob v\u00e1rios pontos de vista; aspectos que agru- pamos da seguinte maneira: primeiro, notamos as investiga\u00e7\u00f5es emp\u00edricas concernentes a material concreto* particular (patograf\u00edas e pesquisa dos efeitos de devo\u00e7\u00f5es); segundo, discutimos algumas quest\u00f5es gerais que da\u00ed emergem; terceiro, damos uma olhada a um setor que est\u00e1 sempre no pri- meiro plano do interesse: psicopatia e religi\u00e3o."], ["a) Investiga\u00e7\u00f5es emp\u00edricas."], ["1. Patograf\u00edas: Chamam-se patograf\u00edas aquelas biografias cuja finali- dade \u00e9 apresentar ao psicopatologista aspectos interessantes do psiquismo e esclarecer-lhe a significa\u00e7\u00e3o dessas manifesta\u00e7\u00f5es e fen\u00f4menos para a g\u00eanese das cria\u00e7\u00f5es do indiv\u00edduo em causa. Entre as in\u00fameras patogra- f\u00edas, destacam-se as obras de Moebius e Lange; mesmo as quais, entre- tanto, excedem os pr\u00f3prios limites, quando interpretam, com recursos in- suficientes, o valor do rendimento art\u00edstico, ou seja, quase sempre dimi- nuindo-o. Embora haja probabilidade de descobrir tra\u00e7os catat\u00f4nicos num poema, n\u00e3o se conclui da\u00ed seja o poema ruim e incompreens\u00edvel. Se o psi- copatologista julga a respeito, est\u00e1 dando, como diletante, seu ju\u00edzo subje- tivo, que talvez n\u00e3o interesse a quem quer que seja, mas irrita alguns. A patografia \u00e9 assunto delicado. Conhecimentos que mere\u00e7am confian\u00e7a exi- gem introvis\u00e3o psicopatol\u00f3gica b\u00e1sica e capacidade para fazer cr\u00edtica hist\u00f3- rica; bem assim, respeito e certa prud\u00eancia, que n\u00e3o significam, no en- tanto, sil\u00eancio s\u00e3o requisitos que n\u00e3o se devem desprezar de qualquer apresenta\u00e7\u00e3o patogr\u00e1fica. \u00ca rid\u00edculo trabalhar em patografia com material deficiente (por exemplo, sobre Jesus, Maom\u00e9). O que se fica sabendo pela patografia de homens importantes e, sobre- tudo, mediante o vulto do material biogr\u00e1fico concreto que s\u00f3 assim se ob- t\u00e9m, \u00e9 importante, retrospectivamente, para a pr\u00f3pria psicopatologia. Pela patografia, que promove e aprofunda a observa\u00e7\u00e3o, se pode ver o que n\u00e3o aparece nos pacientes comuns e naqueles internados. \u00c9 aconselh\u00e1vel que todo psicopatologista forme conhecimento concreto de certas exist\u00eancias importantes pela leitura de boas patograf\u00edas.", "2. Exerc\u00edcios devotos. Em todas as grandes culturas, chinesa, indu, ocidental, os m\u00edsticos, os fil\u00f3sofos e os santos desenvolveram certa pr\u00e1tica espiritual que, apesar de suas ricas dimens\u00f5es e da extraordin\u00e1ria diversi- dade de seu conte\u00fado, t\u00eam em comum certos tra\u00e7os fundamentais de me- canismos ps\u00edquicos. Existe uma t\u00e9cnica de atividade \u00edntima no estado de consci\u00eancia, que consiste em praticar a reconforma\u00e7\u00e3o e transforma\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia; pr\u00e1tica que J. H. Schultz investigou usando padr\u00f5es emp\u00edri- cos modernos. Distinga-se desta base empiricamente universal a f\u00e9 que movimenta esses mecanismos, f\u00e9 que, s\u00f3 ela, lhes d\u00e1 significado efetivo, quer hist\u00f3rico, quer pessoal; e distinga-se tamb\u00e9m a auto- concep\u00e7\u00e3o dessa realidade atrav\u00e9s de certa metaf\u00edsica que, por sua vez, vem- a deter- minar, retroativamente, os conte\u00fados da viv\u00eancia. Os procedimentos psi- qui\u00e1tricos modernos consistem, em parte, nos mesmos m\u00e9todos, mas pre- tendendo encontrar neles, dentro de um mundo sem f\u00e9, apenas t\u00e9cnicas", "cuja base imediata \u00e9 a \u201cf\u00e9\u201d na ci\u00eancia; a se interpretarem, pois, atrav\u00e9s de teorias psicol\u00f3gicas."], ["b) Quest\u00f5es gerais.", "1. A quest\u00e3o da significa\u00e7\u00e3o criadora da doen\u00e7a. \u00c9 de inquirir empiri-", "camente que formas nosol\u00f3gicas t\u00eam significa\u00e7\u00e3o positiva, e n\u00e3o mera- mente destrutiva. Nas patograf\u00edas de personagens eminentes, sempre se indaga se as cria\u00e7\u00f5es respectivas se produziram apesar da doen\u00e7a, ou me- diante ela, entre outros fatores (por exemplo, os rendimentos das fases hi- poman\u00edacas, os conte\u00fados art\u00edsticos que se notam nos estados depressi- vos, as experi\u00eancias metaf\u00edsicas das viv\u00eancias esquizofr\u00eanicas). Da\u00ed o pro- blema que surge nos acontecimentos hist\u00f3ricos: o processo m\u00f3rbido foi, apenas, destrutivo, ou contribuiu para uma cria\u00e7\u00e3o positiva."], ["2. Conex\u00e3o entre forma m\u00f3rbida e conte\u00fados mentais. Veem-se na his- t\u00f3ria cosmologias mentais para cuja exist\u00eancia e desenvolvimento concreto talvez contribuam certas doen\u00e7as ps\u00edquicas< espec\u00edficas, afins com elas, conforme mesmo hoje se pode observar. \u00c9 verdade que essas cosmologias mentais podem ocorrer muito bem sem que haja qualquer enfermidade. Mas talvez os produtos m\u00f3rbidos cooperem na respectiva evolu\u00e7\u00e3o fatual. Conquanto n\u00e3o se possa prov\u00e1-lo em caso algum, por falta de material, tem-se, no entanto, impress\u00e3o de que o mundo gn\u00f3stico se relaciona com viv\u00eancias dos doentes compulsivos. As narrativas que se fazem, no mundo inteiro, de viagens da alma atrav\u00e9s dos universos celestes e infernais lem- bram experi\u00eancias esquizofr\u00eanicas. \u00c9 certo que, atualmente, semelhantes estados esquizofr\u00eanicos n\u00e3o t\u00eam import\u00e2ncia. As pessoas afetadas va- gueiam sem influenciar quem quer que seja com suas viv\u00eancias m\u00f3rbidas; e todos as desprezam, considerando-as malucos, criaturas inc\u00f4modas, que melhor estariam internadas. Talvez haja sido diferente, outrora, numa ou noutra \u00e9poca. Por vezes, certas ideias mitol\u00f3gicas e supersticiosas d\u00e3o impress\u00e3o de que n\u00e3o poderiam ter surgido, em absoluto, se n\u00e3o se co- nhecessem essas formas vivenciais peculiares da dem\u00eancia precoce. E tamb\u00e9m certas forma\u00e7\u00f5es mentais que se agrupam em torno do del\u00edrio m\u00e1gico fazem pensar em parte nisso, faltando, por\u00e9m, qualquer investiga- \u00e7\u00e3o a respeito de tais quest\u00f5es.", "3. Avalia\u00e7\u00e3o dos indiv\u00edduos doentes no curso da hist\u00f3ria da civiliza\u00e7\u00e3o. \u00c9 fora de d\u00favida haverem alguns doentes desempenhado papel hist\u00f3rico', haverem sido respeitados e usados como xam\u00e3s, ou venerados como san-", "tos; terem sido vistos com temor, como se fossem possu\u00eddos de Deus; ha- verem servido de guias, porque considerados excepcionais, altamente apreciados. Mesmo em \u00e9pocas recentes t\u00eam-se visto, em \u00e1reas rurais, do- entes do grupo da dem\u00eancia precoce representar papel, gra\u00e7as \u00e0s suas vi- v\u00eancias psic\u00f3ticas, como fundadores de seitas religiosas (Maliovanni na R\u00fassia). De modo algum esses indiv\u00edduos s\u00e3o considerados \u201cdoentes\u201d; pelo contr\u00e1rio, aquilo que chamamos m\u00f3rbido se interpreta como sendo dom espiritual puro. Mas tamb\u00e9m h\u00e1 vezes em que os indiv\u00edduos da mesma ca- tegoria s\u00e3o desprezados como tolos, afastados e eliminados como posses- sos perigosos; ou passam despercebidos."], ["O mesmo n\u00e3o se d\u00e1 na poesia e na arte, onde o doente \u00e9 apresentado", "frequentemente como enfermo e, ao mesmo tempo, desenvolvido como s\u00edmbolo de profundo mist\u00e9rio humano. Filocteto, Ajax, H\u00e9rcules realizam sua trag\u00e9dia na loucura; Lear, Of\u00e9lia s\u00e3o loucos; Hamlet simula a loucura; Dom Quixote \u00e9 quase um esquizofr\u00eanico t\u00edpico. De modo especial se repre- senta com insist\u00eancia a viv\u00eancia do s\u00f3sia (E. T. A. Hoffmann, E. A. Poe, Dostoievski). Mas em Goethe a loucura quase n\u00e3o tem papel e, quando aparece, \u00e9 figurada irrealisticamente (Margarida no c\u00e1rcere), se a compa- ramos com o realismo de Shakespeare e Cervantes.", "Vel\u00e1squez pintou idiotas. Os \u201cbobos\u201d eram mantidos nas cortes princi-", "pescas e. falavam livremente. Durer gravou a melancolia; Hans Baldung Grien desenhou o homem saturnino como tipo da tortura melanc\u00f3lica."], ["Podem-se multiplicar consideravelmente os exemplos, mas n\u00e3o \u00e9 pos- s\u00edvel subordin\u00e1-los a interpreta\u00e7\u00e3o \u00fanica, comum e exaustiva. Certo, no entanto, \u00e9 haver, muitas vezes, qualquer background oculto que correlaci- ona a doen\u00e7a e as possibilidades humanas mais- profundas; que correlaci- ona a loucura e a sabedoria."], ["c) Psicopatia e religi\u00e3o.", "Podem-se investigar os tipos nosol\u00f3gicos e ver que viv\u00eancias religiosas", "neles se observam. Assim \u00e9 que se mostram os fen\u00f4menos contempor\u00e2- neos. Ou v\u00ea-se, na hist\u00f3ria, quais foram os homens religiosos importantes que apresentaram tra\u00e7os anormais; e de que modo a doen\u00e7a mental e a histeria desempenharam papel; especialmente, de que maneira se h\u00e3o de conceber, sob o aspecto psicol\u00f3gico, alguns fen\u00f4menos. religiosos. Ou in- quire-se o comportamento pr\u00e1tico de padres e pastores em rela\u00e7\u00e3o a indi- v\u00edduos cuja atitude religiosa se enra\u00edza, e se colore segundo a mol\u00e9stia; in-"], ["quire-se que ajuda a religi\u00e3o d\u00e1 aos doentes. Enfim, superado o empi- rismo, pode-se indagar de que modo se realizaria um significado interno na coincid\u00eancia entre religi\u00e3o e loucura; pode haver interpreta\u00e7\u00f5es no sen- tido de que, quando se discute o extremo do existir humano, tamb\u00e9m possa, a extremidade de seu estado existencial vital basear experi\u00eancias- significativas. Pode-se salientar o fato de todos os movimentos religiosos e de todas as igrejas atuantes se caracterizarem, justamente, sob o ponto de vista emp\u00edrico-sociol\u00f3gico, de modo quase sempre inconsciente, raras ve- zes consciente, pela absurdez dos conte\u00fados m\u00edsticos (Kierkegaard acen- tuou o Credo quia absurdum de Tertuliano; o luteranismo rejeita a raz\u00e3o e tende \u00e0 promo\u00e7\u00e3o do absurdo; ao passo que o catolicismo, desde S\u00e3o To- m\u00e1s de Aquino, repudia o absurdo e nega sejam absurdos seus conte\u00fados m\u00edsticos; pelo contr\u00e1rio, o que supera a raz\u00e3o, o conte\u00fado revelacional, de- ve' distinguir-se daquilo que contraria a raz\u00e3o, isto \u00e9, o absurdo)."], ["\u00a7 5. Aspectos Hist\u00f3ricos", "No s\u00e9culo XIX, quando as comunica\u00e7\u00f5es no globo terrestre acarreta- ram conhecimento mais \u00edntimo de todos os povos e ao mesmo tempo que o interesse hist\u00f3rico procurou apreender os estados do passado e o passado como tal, investigando-lhe as tradi\u00e7\u00f5es de mais remoto alcance, tamb\u00e9m se esbo\u00e7ou um quadro hist\u00f3rico- geogr\u00e1fico das doen\u00e7as, quadro geral, abrangendo, num todo, clima, ra\u00e7a, g\u00eanio local e regional, destino hist\u00f3- rico. A partir da\u00ed, vieram a destacar-se, ulteriormente, os estudos geopsi- col\u00f3gicos e psicol\u00f3gico-raciais, al\u00e9m da investiga\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica (por exem- plo, se a s\u00edfilis apareceu pela primeira vez no s\u00e9culo XV, se j\u00e1 n\u00e3o existia, se veio da Am\u00e9rica); mais ainda, surgiram alguns aspectos hist\u00f3ricos e umas tantas considera\u00e7\u00f5es de ordem universal concernentes ao destino biol\u00f3gico do homem."], ["A an\u00e1lise das condi\u00e7\u00f5es sociais e hist\u00f3ricas em que os homens vivem mostra que os fen\u00f4menos -ps\u00edquicos mudam com a altera\u00e7\u00e3o dessas con- di\u00e7\u00f5es. Deve-se pensar numa hist\u00f3ria das doen\u00e7as que se ajusta \u00e0 mol- dura da hist\u00f3ria social e cultural, ensinando de que maneira mudam os quadros das mol\u00e9stias cientificamente id\u00eanticas; sobretudo, de que ma- neira as neuroses t\u00eam seu estilo temporal, florescendo em certas situa\u00e7\u00f5es e noutras quase n\u00e3o ocorrendo. A vis\u00e3o d\u00e1 transforma\u00e7\u00e3o fundamental- mente poss\u00edvel j\u00e1 se volta para as descri\u00e7\u00f5es concretas de casos m\u00f3rbidos individuais, para as biografias vindas de outras \u00e9pocas. Mesmo sem esta- belecer confronto met\u00f3dico, o psiquiatra entrega-se, simplesmente, aos"], ["quadros concretos em que mais sente do que sabe no tocante \u00e0 diversi- dade dos tempos. N\u00e3o \u00e9 s\u00f3 o modo por que uma forma m\u00f3rbida se apre- senta em personalidades diferenciadas e mais altamente dotadas que aqui se v\u00ea plenamente v\u00edvido, mas tamb\u00e9m a maneira por que se manifesta em personalidades cujas condi\u00e7\u00f5es se desconhecem, cuja situa\u00e7\u00e3o \u00e9 estranha. Infelizmente, \u00e9 escasso o material desta ordem.", "O interesse hist\u00f3rico dos estudos psicopatol\u00f3gicos vai de par com o in- teresse pelas regras gerais do evento humano. Comparam- se as \u00e9pocas, comparam-se os povos civilizados e os povos primitivos, a fim de, primei- ramente, reconhecer o que \u00e9 comum, o que \u00e9 cont\u00ednuo, n\u00e3o obstante ma- nifestar-se diversamente (por exemplo, a histeria); em seguida, a fim de apreender a especificidade de certos estados (por exemplo, daqueles arcai- cos); finalmente, a fim de pesquisar rumos b\u00e1sicos do processo hist\u00f3rico (por exemplo, o problema de degenera\u00e7\u00e3o)."], ["a) A cultura e a situa\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica como determinantes do conte\u00fado da"], ["doen\u00e7a ps\u00edquica.", "\u00c9 evidente que o conte\u00fado das psicoses prov\u00e9m do patrim\u00f4nio espiri- tual daquele grupo humano em que o doente surge. Noutros tempos, o de que mais se falava, no del\u00edrio, eram transforma\u00e7\u00f5es em animais (licantro- pia), demoniomania (del\u00edrio de possess\u00e3o) etc.; hoje em dia, mais se fala em telefone, telegrafia sem fio, hipnose e telepatia. Antigamente, o diabo cutucava as costelas; hoje, os doentes s\u00e3o maltratados por aparelhos el\u00e9- tricos. As viv\u00eancias delirantes de um fil\u00f3sofo culto assinalam-se pela ri- queza e profundidade dos significados, ao passo que as de um homem simples se movimentam no territ\u00f3rio da conforma\u00e7\u00e3o fant\u00e1stica de f\u00e1bulas e supersti\u00e7\u00f5es.", "Certos conte\u00fados ideativos e m\u00edsticos que, no mundo da civiliza\u00e7\u00e3o", "t\u00e9cnica moderna, se t\u00eam de considerar sintomas prov\u00e1veis de doen\u00e7a mental n\u00e3o o s\u00e3o, em absoluto, nos meios rurais de amigas tradi\u00e7\u00f5es; pelo contr\u00e1rio, constituem objeto do folclore.", "O ambiente espiritual, as concep\u00e7\u00f5es e valora\u00e7\u00f5es dominantes t\u00eam sig-"], ["nificado que consiste no fato de engendrarem certas anormalidades ps\u00ed- quicas e n\u00e3o permitirem que outras se desenvolvam. Determinados tipos de personalidade ajustam-se a uma \u00e9poca e ajustam-se entre si. Nota-se de que modo se agrupam as personalidades nervosas ou hist\u00e9ricas. Al- guns grupos caracterizam-se, precisamente, pela associa\u00e7\u00e3o de anormais"], ["e doentes mentais: a Legi\u00e3o Estrangeira, as col\u00f4nias naturistas e vegetari- anas, as uni\u00f5es de fan\u00e1ticos da sa\u00fade, esp\u00edritas, ocultistas, te\u00f3sofos. Nos grupos da Gr\u00e9cia antiga em que se praticava o culto dionis\u00edaco, tamb\u00e9m \u00e9 de presumir que se atra\u00edssem os portadores de dons hist\u00e9ricos, tal qual estes sempre s\u00e3o chamados a desempenhar papel, quando elementos org\u00ed- acos se propagam a c\u00edrculos mais amplos. Krapelin atribui a quantidade das autorrecrimina\u00e7\u00f5es infundadas observadas em nossos pacientes oci- dentais e raramente ocorrendo nos javaneses ao n\u00edvel cultural europeu, em que o sentimento de responsabilidade representa papel mais relevante.", "A certas \u00e9pocas, em situa\u00e7\u00f5es que promovam a comunidade masculina", "e a exaltam por for\u00e7a de concep\u00e7\u00f5es filos\u00f3ficas, o homossexualismo de- sempenha papel que, noutras \u00e9pocas e situa\u00e7\u00f5es, \u00e9 de todo indiferente, ou se despreza, ou se condena."], ["Os fen\u00f4menos hist\u00e9ricos, que, na Idade M\u00e9dia, tiveram significa\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica de n\u00e3o pequena monta, cada vez mais retrocedem no mundo mo- derno. Inversamente, as esquizofrenias jamais tiveram maior import\u00e2ncia nos tempos medievais, pelo que at\u00e9 o momento sabemos; nos \u00faltimos s\u00e9- culos, entretanto, t\u00eam assumido maior relevo (Swedenborg, H\u00f6lderlin, Strindeberg, Van Gogh).", "Os anos pr\u00f3ximos a 1918 agu\u00e7aram a vis\u00e3o da import\u00e2ncia que t\u00eam os", "psicopatas em tempos agitados. Nas \u00e9pocas revolucion\u00e1rias, certas perso- nalidades anormais destacam-se, passageiramente, em maior n\u00famero. N\u00e3o s\u00e3o elas, decerto, que fazem a revolu\u00e7\u00e3o, nem que constroem seja o que for; as situa\u00e7\u00f5es, sim, s\u00e3o tais que permitem se desdobrem com certa liberdade essas predisposi\u00e7\u00f5es, durante alguns momentos. \u201cNos tempos frios, n\u00f3s as submetemos a per\u00edcias; nos tempos quentes, elas nos domi- nam\u201d, diz Kretschmer?"], ["b) Hist\u00f3ria da histeria.", "A histeria tem uma hist\u00f3ria; e suas manifesta\u00e7\u00f5es dr\u00e1sticas, atrav\u00e9s de", "convuls\u00f5es, altera\u00e7\u00f5es da consci\u00eancia (sonambulismo), realiza\u00e7\u00f5es tea- trais, atingem pontos culminantes no correr dos tempos \u2014 manifesta\u00e7\u00f5es estas que se modificam na forma de acordo com as situa\u00e7\u00f5es e com as concep\u00e7\u00f5es gerais. Os fen\u00f4menos grandiosos que Charcot e seus disc\u00edpu- los, no s\u00e9culo passado, detalhadamente observados (e tamb\u00e9m engendra- dos, contudo, inconscientemente), s\u00e3o vistos rara histeria foi claramente reconhecido. Mostra a hist\u00f3ria como fen\u00f4meno b\u00e1sico o uso de um meca- nismo em si mesmo permanente (mecanismo que aparece numa minoria"], ["de indiv\u00edduos, sob a forma de doen\u00e7a ou de dom hist\u00e9rico), o qual \u00e9 posto a servi\u00e7o de movimentos, concep\u00e7\u00f5es, fins culturais de natureza muito di- versa. Da\u00ed por que h\u00e1 muito mais do que a mera histeria a observar na to- talidade eventual desses fen\u00f4menos hist\u00f3ricos; mesmo dentre as manifes- ta\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas atuantes a histeria desempenha o papel principal, ape- nas; seguem-se-lhe, vez por outra, a esquizofrenia e outras manifesta\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas. Nos fatos hist\u00f3ricos que consideramos, trata-se de tudo quanto se chama, conforme o ponto de vista, supersti\u00e7\u00e3o e magia, milagre ou en- cantamento; possess\u00e3o, epidemias ps\u00edquicas, bruxaria, institui\u00e7\u00e3o artifi- cial de estados org\u00edacos, espiritismo."], ["1. Possess\u00e3o. Todos os povos e todas as \u00e9pocas acreditaram na possi- bilidade de esp\u00edritos (dem\u00f4nios e anjos, diabos e deuses) entrarem nos ho- mens e deles se apoderarem. As doen\u00e7as do corpo explicavam-se, ent\u00e3o, por influ\u00eancia dos dem\u00f4nios; principalmente, as mentais e, nesse caso, mais que quaisquer outras, aquelas em que o homem parecia transfor- mar-se noutra pessoa; em que a voz, a atitude, a express\u00e3o do rosto e o conte\u00fado do que dizia davam impress\u00e3o de outra personalidade; em que essa altera\u00e7\u00e3o cessava tamb\u00e9m repentinamente. No sentido pr\u00f3prio e mais estrito, fala-se, entretanto, em possess\u00e3o quando o pr\u00f3prio doente vivencia o fato de ser, ao mesmo tempo, duas criaturas, de realizar duas modalida- des emocionais absolutamente heterog\u00eaneas, com dois eus. Entende-se ainda como possess\u00e3o a viv\u00eancia daquelas personalidades alucinat\u00f3rias estranhas que se dirigem ao enfermo falando e gesticulando; enfim, tam- b\u00e9m se consideram possess\u00e3o certos fen\u00f4menos obsessivos e tudo quanto se sente como estranho. \u00c9 claro que a possess\u00e3o n\u00e3o passa de teoria pri- mitiva e que a realidade em que se fundamenta esta ideia varia considera- velmente. Em particular, os estados de possess\u00e3o com altera\u00e7\u00f5es (posses- s\u00e3o son\u00e2mbula) s\u00e3o muito diversos daqueles em que a consci\u00eancia se mant\u00e9m clara (possess\u00e3o l\u00facida); no primeiro caso,\u2019 o que h\u00e1 \u00e9 quase sem- pre histeria; no segundo, esquizofrenia.", "2. Epidemias ps\u00edquicas. J\u00e1 de h\u00e1 muito se conhece e espanta o fen\u00f4-", "meno das epidemias ps\u00edquicas da Idade M\u00e9dia, fen\u00f4meno a que, em tem- pos modernos, coisa alguma parece corresponder de maneira absoluta. S\u00f3 se lhes podem comparar os fen\u00f4menos que ocorrem em todos os povos primitivos da Terra, os quais s\u00e3o acess\u00edveis, por efeito de sua grande su- gestibilidade, a epidemias ps\u00edquicas. Nas cruzadas de crian\u00e7as, milhares de petizes agruparam-se (dizem que at\u00e9 30.000), puseram-se a vagar, bus- cando a Terra Santa, abandonando o lar e os pais com uma paix\u00e3o que freio algum p\u00f4de conter; e acabaram miseravelmente dentro de pouco"], ["tempo. Foi, sobretudo, nas \u00e9pocas que se seguiram \u00e0s grandes epidemias de peste do s\u00e9culo XIV, mas tamb\u00e9m noutras, que irrompeu, em diversas partes da Europa, o frenesi coreico a que in\u00fameras pessoas n\u00e3o tardaram a sucumbir. Tratava-se de estados de excita\u00e7\u00e3o convulsiva, de dan\u00e7as or- g\u00edacas com viv\u00eancias teatrais alucinat\u00f3rias, seguidas de amn\u00e9sia parcial ou total; por vezes, acompanhadas de timpanismo abdominal, que se com- batia mediante forte compress\u00e3o com panos. \u2014 Enfim, nos s\u00e9culos XVI e XVII, disseminaram-se as epidemias dos conventos, em que se viram frei- ras possu\u00eddas, coletivamente, pelo diabo, assumindo evolu\u00e7\u00e3o dram\u00e1tica com a agita\u00e7\u00e3o dos exorcismos e do retorno demon\u00edaco. Quando o bispo ordenava a interdi\u00e7\u00e3o do convento e a segrega\u00e7\u00e3o das monjas, a epidemia cessava sem mais tardar, espalhando-se c\u00e9lere, por\u00e9m quando combatida em p\u00fablico pelos padres exorcistas. Todas essas epidemias podem identifi- car-se, conforme os sintomas 'individuais nelas descritos, com fen\u00f4menos essencialmente hist\u00e9ricos, de conte\u00fado vari\u00e1vel segundo o ambiente e as concep\u00e7\u00f5es vigentes. Por que \u00e9 que as houve em certos tempos e n\u00e3o em todos? Por que \u00e9 que j\u00e1 n\u00e3o mais ocorrem? Pode-se responder que essas epidemias 'ainda ocorrem atualmente, se bem que em medida m\u00ednima; mas que j\u00e1 n\u00e3o se espalham; pelo contr\u00e1rio, sufocam-se no germe pelo fato de que n\u00e3o lhes correspondem as concep\u00e7\u00f5es e expectativas das mul- tid\u00f5es, nem quaisquer cren\u00e7as ou temores supersticiosos. ~\u00c9 certo existi- rem pequenos grupos esp\u00edritas nos quais se d\u00e3o fen\u00f4menos hist\u00e9ricos; mas o p\u00fablico em geral apenas sorri, com superioridade racional\u00edstica, de tais abus\u00f5es. S\u00e3o certas \u00e9pocas particulares \u2014 podemos admitir \u2014 que, por for\u00e7a de suas viv\u00eancias peculiares, de suas concep\u00e7\u00f5es religiosas e dos impulsos e finalidades -que elas ateiam \u2014 s\u00e3o certas \u00e9pocas particulares \u2014 diz\u00edamos \u2014 que desencadeiam mecanismos, tranquilos noutras, os quais se transformam em instrumento utilizado por determinadas \u00e1reas culturais, subsistindo, entretanto, noutras ocasi\u00f5es, como fen\u00f4menos con- siderados meramente m\u00f3rbidos e isolados."], ["3. Bruxaria. O pesadelo da ca\u00e7a \u00e0s bruxas pesou sobre a Europa du- rante tr\u00eas s\u00e9culos, desde o fim da Idade M\u00e9dia. Num mundo dominado pelo medo, as ideias oriundas de tempos remotos ganharam for\u00e7a que hoje nos \u00e9 dif\u00edcil compreender; isso pela influ\u00eancia da pol\u00edtica eclesi\u00e1stica do combate \u00e0 heresia (tanto do lado dos cat\u00f3licos quanto dos protestantes) e sob o est\u00edmulo do sadismo. A realiza\u00e7\u00e3o de procedimentos baseados em puras irrealidades s\u00f3 foi poss\u00edvel mediante as realidades da histeria e da sugest\u00e3o. Sempre existiram, no entanto, homens que percebiam a verdade atrav\u00e9s do del\u00edrio, pois n\u00e3o h\u00e1 esp\u00edrito de \u00e9poca que a todos se imponha. Quando, por\u00e9m, alguma coisa se transforma em fen\u00f4meno maci\u00e7o, nada", "consegue o poder do indiv\u00edduo esclarecido e honesto. H\u00e1 certas insinua- \u00e7\u00f5es culturais e pol\u00edticas dif\u00edceis de compreender, nas quais os mecanis- mos b\u00e1sicos, sempre presentes, da sugestibilidade, da histeria, do impulso \u00e0 mortifica\u00e7\u00e3o alheia e \u00e0 automortifica\u00e7\u00e3o, ao sofrimento e \u00e0 aniquila\u00e7\u00e3o, pela gratifica\u00e7\u00e3o mesma que proporcionam, vencem todas as resist\u00eancias."], ["4. Institui\u00e7\u00e3o artificial de estados org\u00edacos. Relacionados, certamente, pelo respectivo mecanismo psicol\u00f3gico, s\u00e3o os estados org\u00edacos intencio- nalmente induzidos que se observam, particularmente difundidos, em to- das as partes do mundo e em certas \u00e9pocas. Os estados ext\u00e1ticos dos cu- randeiros e bruxos, o furor dos derviches, as orgias dos b\u00e1rbaros, bem como os ritos dionis\u00edacos dos gregos e coisas do mesmo jaez, tudo s\u00e3o fe- n\u00f4menos que se interrelacionam, de algum modo, sob o ponto de vista psi- col\u00f3gico. Talvez haja entre' eles tipos diversos, mas \u00e9 s\u00f3 o que podemos di- zer. Por enquanto, temos de satisfazer-nos com a observa\u00e7\u00e3o de fen\u00f4me- nos individuais concretos. de que a investiga\u00e7\u00e3o meramente psicol\u00f3gica de um fen\u00f4meno n\u00e3o \u00e9 deci- siva nem para a respectiva influ\u00eancia hist\u00f3rica, nem para o valor que lhe atribu\u00edmos. O fen\u00f4meno ext\u00e1tico que \u00e9, psicologicamente, igual ou seme- lhante pode afigurar-se-nos, de um ponto de vista; revela\u00e7\u00e3o profund\u00eds- sima da religiosidade humana; doutro, processo indiferente, inibit\u00f3rio, \"meramente\u201d patol\u00f3gico; tal qual, noutro campo, o mesmo fato psicol\u00f3gico ora representa o fundamento de cria\u00e7\u00f5es espirituais valiosas, ora constitui a base de \u201cideias sobrevaloradas\u201d; por exemplo, a convic\u00e7\u00e3o de haver-se inventado o motu-cont\u00ednuo. Compare-se a admir\u00e1vel exposi\u00e7\u00e3o que Nitzs- che fez sobre a embriaguez dionis\u00edaca em sua obra \u201cGeburt der Trag\u00f6die\u201d (Nascimento da Trag\u00e9dia).", "5. Espiritismo. Os fatos ps\u00edquicos subsistiram com outra forma no cep- ticismo do mundo moderno, onde a supersti\u00e7\u00e3o j\u00e1 n\u00e3o mais se insere em conex\u00f5es religiosas e onde os possessos e as bruxas j\u00e1 n\u00e3o se submetem a exorcismos, nem a processos judiciais. De acordo com o car\u00e1ter cient\u00edfico da \u00e9poca, passaram a interessar \u00e0 medicina, incluindo-se, por vezes, no mundo da histeria, ou valendo como conte\u00fado de pseudoci\u00eancias \u2014 ocul- tismo, parapsicologia, espiritismo, que pretendem investigar a realidade do sobrenatural como se fosse coisa natural. Da\u00ed os antigos fen\u00f4menos have- rem sofrido dupla transforma\u00e7\u00e3o: como fatos psicol\u00f3gicos, foram pesquisa- dos cientificamente com a confus\u00e3o permanente entre evento fisiol\u00f3gico- psicol\u00f3gico espont\u00e2neo e artefatos criados pela situa\u00e7\u00e3o ou pelo observa- dor; e vieram a dar, simultaneamente, em expediente para a pesquisa de", "um sobremundo que se ajusta ao esp\u00edrito da \u00e9poca, sobremundo de esp\u00edri- tos, dem\u00f4nios, efeitos distantes ocultos, clarivid\u00eancia etc."], ["c) Psicologia das massas.", "Aquilo que se apresenta, de forma especialmente dr\u00e1stica, na epidemia"], ["ps\u00edquica, bem como em fen\u00f4menos corp\u00f3reos \u2014 a difus\u00e3o de atitudes ps\u00ed- quicas pelo cont\u00e1gio inconsciente \u2014 \u00e9 o que sempre ocorre nos fen\u00f4menos de massa da f\u00e9, do comportamento, da a\u00e7\u00e3o, na \u201copini\u00e3o p\u00fablica\u201d. Temos aqui um setor em que os fatos exercem efeito hist\u00f3rico extraordin\u00e1rio, efeito que se exp\u00f5e, b\u00e1sica e exemplificativamente, num livro excelente. \u00c9 evento fronteiri\u00e7o \u00e0 morbidez, pela supress\u00e3o de inibi\u00e7\u00f5es, pelo apaga- mento da cr\u00edtica, nivelando atos ps\u00edquicos, levando o indiv\u00edduo, tal qual material de for\u00e7as despersonalizadas, a a\u00e7\u00f5es criminosas ou heroicas ex- tremas, a ilus\u00f5es e alucina\u00e7\u00f5es comuns, a cegueira inconceb\u00edvel. A massa n\u00e3o pensa, nem quer, mas vive em imagens e paix\u00f5es. Esses poderes das massas op\u00f5em-se \u00e0 comunidade, porque, na massa, o homem desaparece e nem compreende, a seguir, ele pr\u00f3prio, como foi poss\u00edvel haver colabo- rado no evento fugaz, moment\u00e2neo; na comunidade, um povo configura-se que se desenvolve consciente de si mesmo, construindo uma continuidade hist\u00f3rica. Os poderes da massa, utilizados como meio, podem descontro- lar-se e sobrepujar aquele que os desencadeia, se n\u00e3o tiver presen\u00e7a de esp\u00edrito que lhe permita governar, tal qual o hipnotizador, os meios de su- gest\u00e3o."], ["A massa \u00e9 uma \u201cpsique coletiva\u201d, com sentimentos e impulsos comuns do indiv\u00edduo que, como personalidade, desaparece. Nela vivencia-se o \u201cn\u00f3s todos\u201d, sem \u201ceu\u201d. Na pr\u00e1tica de atos comuns, -ela possui a viol\u00eancia irre- sist\u00edvel do momento; \u00e9 cr\u00e9dula, n\u00e3o critica, n\u00e3o tem sentimento algum de responsabilidade; mas \u00e9 tamb\u00e9m influenci\u00e1vel e rapidamente mut\u00e1vel, propensa a \u201cpsicoses de massas\u201d, a excita\u00e7\u00f5es desmedidas, a a\u00e7\u00f5es violen- tas (p\u00e2nico, saques, assassinatos). Como membro da massa, o homem comporta-se e procede por forma de que jamais seria capaz tendo em vista sua individualidade pessoal e sua tradi\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica. Transforma-se em aut\u00f4mato sem vontade, com sentimento de for\u00e7a exaltado. \u201cO c\u00e9ptico torna-se crente; o honrado, criminoso; o covarde, her\u00f3i\u201d."], ["d) Estados ps\u00edquicos arcaicos.", "Nos poucos mil\u00eanios da hist\u00f3ria, t\u00eam ocorrido, certamente, altera\u00e7\u00f5es marcadas das condi\u00e7\u00f5es gerais, dos conte\u00fados religiosos, dos ambientes,", "dos costumes, do saber e do poder. Apesar de tudo, a disposi\u00e7\u00e3o b\u00e1sica do homem n\u00e3o parece haver-se modificado, atrav\u00e9s dos tempos, de maneira que se possa demonstrar. Diferen\u00e7a muito mais profunda existe em rela- \u00e7\u00e3o aos povos primitivos, que t\u00eam permanecido fora das grandes culturas, China, \u00edndia e Ocidente; e cujos restos os etn\u00f3logos t\u00eam estudado durante o respectivo decl\u00ednio definitivo. Pretende-se ver, aqui, uma exist\u00eancia hu- mana que deve relacionar-se com aquela que precedeu nossa hist\u00f3ria. N\u00e3o se pode duvidar de que toda a nossa hist\u00f3ria repousa em fundamentos co- locados na pr\u00e9-hist\u00f3ria; de que se desenvolveu a partir de realiza\u00e7\u00f5es ar- caicas, as quais ainda a dominam. Em que consistem, todavia, \u00e9 dif\u00edcil conceber."], ["Exemplo: N\u00e3o existe a avers\u00e3o ao incesto (rejei\u00e7\u00e3o do com\u00e9rcio sexual entre pais e filhos e entre irm\u00e3os) entre os animais; s\u00f3 existe na humani- dade; universalmente, por\u00e9m (com poucas exce\u00e7\u00f5es, que v\u00eam a ser infra- \u00e7\u00e3o consciente da veda\u00e7\u00e3o em. si geral: em certas fam\u00edlias soberanas). Donde prov\u00e9m essa avers\u00e3o? Evidentemente, associa-se aos pr\u00f3prios fun- damentos do existir humano tanto quanto a comunidade, a linguagem e o pensamento, a legalidade dos usos e costumes. N\u00e3o h\u00e1 observa\u00e7\u00e3o emp\u00ed- rica que atinja essas origens do existir humano."], ["A pr\u00e9-hist\u00f3ria do homem j\u00e1 pressup\u00f5e esses fundamentos. Por longo tempo, no entanto, deve haver vigorado um estado ps\u00edquico muito remoto relativamente ao nosso, isto \u00e9, \u00e0quele que tem vigorado atrav\u00e9s dos poucos mil\u00eanios hist\u00f3ricos; estado ps\u00edquico cuja analogia com o dos povos primiti- vos se julgou encontrar. Etn\u00f3logos e soci\u00f3logos que os t\u00eam estudado1 pro- curaram evidenciar, pela apresenta\u00e7\u00e3o de dois tipos de pensamento e consci\u00eancia, o que \u00e9 que distingue do nosso esse mundo dos primitivos. Enquanto n\u00f3s pensamos de maneira determinada, claramente conscien- tes, nitidamente delimitados, distinguindo tudo de tudo \u2014 objeto e sujeito, realidade e fantasia, as coisas entre si etc. \u2014 com refer\u00eancia permanente \u00e0 realidade emp\u00edrica, existe um \u201cpensar\u201d diverso, al\u00f3gico, pr\u00e9-l\u00f3gico, -que \u00e9 imag\u00edstico, intuitivo, significativo, simb\u00f3lico; que substitui tudo por tudo, representativamente; um pensar que mistura imagens, de modo que fen\u00f4- menos de origem a mais heterog\u00eanea se transformam, infindavelmente m\u00f3veis, em imagens; um pensar que toma a decompor o que \u00e9 empirica- mente particular em rela\u00e7\u00f5es e significados heterog\u00eaneos; enfim, essa al- tern\u00e2ncia proteiforme das configura\u00e7\u00f5es vem a constituir a realidade mesma, desaparecendo como realidades tanto o espa\u00e7o quanto o tempo, ou antes, nem sequer tendo ainda nascido, como ainda n\u00e3o nasceram as categorias da realidade e do pensamento l\u00f3gico."], ["Mas, se confrontarmos os conte\u00fados concretos da viv\u00eancia psic\u00f3tica,", "os modos de pensar, as categorias peculiares dos objetos, todos estes fan- tasmas em sua confus\u00e3o \u00e0 primeira vista ca\u00f3tica, todo esse simbolismo, essa magia e essa imag\u00edstica, depararemos com paralelos assombrosos dos mitos, ideias e maneira de pensar dos primitivos. Uma coisa e outra t\u00eam, por sua vez, afinidade com o sonho, o que levou Nietzsche a escrever: \u201cArbitr\u00e1rio e confuso, o sonho est\u00e1 sempre alternando as coisas, com base nas semelhan\u00e7as mais fugazes; com a mesma arbitrariedade e confus\u00e3o, no entanto, os povos criaram suas mitologias po\u00e9ticas.... Todos n\u00f3s nos assemelhamos, no sonho, a esses selvagens.... no sono e no sonho, torna- mos a percorrer os caminhes da humanidade primitiva\u201d.", "Emminghaus, em seu tempo, tratou sucintamente dos \u201cequivalentes"], ["\u00e9tnico-psicol\u00f3gicos dos dist\u00farbios ps\u00edquicos\u201d, citando vasta bibliografia et- nol\u00f3gica, arqueol\u00f3gica e psicopatol\u00f3gica. A escola de Freud (Jung, sobre- tudo) comparou o mito com a psicose. A seguir, Reiss e Storch tentaram o mesmo confronto \u2014 sempre no caso da esquizofrenia. Existem, decerto, semelhan\u00e7as impressionantes no conte\u00fado, na conex\u00e3o significativa dos conte\u00fados e imagens. Seria bom que pud\u00e9ssemos compreender a doen\u00e7a ps\u00edquica a partir do psiquismo dos primitivos e, por sua vez, compreender esse psiquismo com base no doente que, hoje, observamos. Para tanto, de- veria ajudar a teoria segundo a qual a doen\u00e7a (como o- sonho) consiste na supress\u00e3o de inibi\u00e7\u00f5es; da\u00ed resultaria que a primitividade, por sua vez, ha- via de emergir das camadas mais profundas do inconsciente. N\u00e3o se reali- zaram, contudo, as grandes esperan\u00e7as que se tinham posto nesta ordem de considera\u00e7\u00f5es. O pensamento arcaico do estado de consci\u00eancia primi- tivo \u00e9 alguma coisa essencialmente diversa da doen\u00e7a ps\u00edquica. \u00c9 o resul- tado de uma evolu\u00e7\u00e3o coletiva e serve \u00e0 comunidade fatual, ao passo que o pensamento esquizofr\u00eanico isola o homem e o segrega da comunidade. O pensamento imag\u00edstico dos primitivos ocorre na comunidade de uma cul- tura que ainda se acha escassamente evolu\u00edda como- pensamento racio- nal; o pensamento esquizofr\u00eanico realiza-se a despeito de suas possibilida- des ideativas racionais existentes na civiliza\u00e7\u00e3o a que o doente pertence. O confronto que vem a encontrar analogias entre o primitivo e o esquizofr\u00ea- nico s\u00f3 seria fecundo se permitisse ver e reconhecer a especificidade n\u00e3o s\u00f3 de ambos os estados, mas daquilo que caracteriza todo ato do pensa- mento imag\u00edstico, bem como o conte\u00fado das imagens. Reconhecer-se-ia tanto- a heterogeneidade do estado de consci\u00eancia do esquizofr\u00eanico, da primitivo, daquele que sonha (heterogeneidade que, quanto ao mais, \u00e9 clara), como tamb\u00e9m a diversidade entre os conte\u00fados e os atos, do psi-"], ["quismo. Neste particular, todavia, coisa alguma se ganhou. A mera enu- mera\u00e7\u00e3o das semelhan\u00e7as n\u00e3o tarda a fazer-se tediosa, ap\u00f3s o espanto ini- cial; tanto mais quanto do mesmo passo, em cada caso particular, se per- cebe a dissemelhan\u00e7a."], ["Temos, pois, de indagar:", "1) As viv\u00eancias esquizofr\u00eanicas foram uma das fontes de concep\u00e7\u00f5es e"], ["ideias, primitivas? N\u00e3o se pode, de modo algum, responder.", "2) De que modo se compara o pensamento dos primitivos com o dos esquizofr\u00eanicos? Sadio, evidentemente, falta-lhe a caracter\u00edstica das viv\u00ean- cias esquizofr\u00eanicas prim\u00e1rias, ou dos processos ps\u00edquicos esquizofr\u00eani- cos.", "3) Que \u00e9 que se chama \u201cre-emerg\u00eancia\u201d de imagens arcaicas, mitos, s\u00edmbolos, possibilidades e for\u00e7as enterrados, perdidos na civiliza\u00e7\u00e3o? \u00c9 te- oria muito vaga, imposs\u00edvel de verificar-se; ou \u00e9 conex\u00e3o que, at\u00e9 o mo- mento, n\u00e3o se pode explorar mais do que se tem explorado; afirma\u00e7\u00e3o magn\u00edfica e infundada, que se repete com material sempre diverso, sem progressos para o conhecimento. Se se conceber o pensamento dos primitivos tal qual o apresentam os etn\u00f3logos, ter-se-\u00e1 um esquema capaz de prestar tamb\u00e9m servi\u00e7o \u00e0 descri- \u00e7\u00e3o do pensamento esquizofr\u00eanico. Podem-se, por essa via, encontrar pa- ralelos not\u00e1veis tamb\u00e9m entre os rendimentos, as viv\u00eancias situacionais que ocorrem quando h\u00e1 debilidade mental por efeito de les\u00f5es cranianas e o pensamento dos primitivos; mas n\u00e3o se poder\u00e1 encontrar, realmente, al\u00e9m da descri\u00e7\u00e3o baseada em categorias semelhantes, qualquer significa- \u00e7\u00e3o que implique conex\u00e3o verdadeira entre a primitividade e a doen\u00e7a."], ["e) A psicopatologia nas diversas culturas.", "Na medida em que se conhecem, os fen\u00f4menos psicopatol\u00f3gicos s\u00e3o os", "mesmos nas tr\u00eas grandes culturas da \u00c1sia Oriental, \u00edndia e Ocidente. Muda o conte\u00fado de acordo com as concep\u00e7\u00f5es vigentes. As manifesta\u00e7\u00f5es s\u00e3o id\u00eanticas mesmo nos desvios neur\u00f3ticos individuais."], ["f) O mundo moderno e o problema da degenera\u00e7\u00e3o.", "H\u00e1 mais de um s\u00e9culo surgiram as vis\u00f5es de decad\u00eancia que previam o", "fim da cultura ocidental, o decl\u00ednio da Europa e dos europeus, ou a deca- d\u00eancia do homem, em geral. Dentro deste contexto, cabe \u00e0 psicopatologia", "ver: 1) O que \u00e9 que se pode determinar, no mundo moderno, de refer\u00eancia a altera\u00e7\u00f5es das manifesta\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas. \u2014 2) Se h\u00e1 qualquer coisa que se possa chamar \u201cdegenera\u00e7\u00e3o\u201d e se \u00e9 de estabelecer-se que haja crescido, no mundo moderno.", "T\u00eam-se obtido resultados estat\u00edsticos sobre o aumento do n\u00famero de", "doentes ps\u00edquicos internados, dos suic\u00eddios e da criminalidade."], ["1. Pela estat\u00edstica dos Estados civilizados europeus duplicou ou tripli- cou em toda a parte, desde 1850, a cifra das pacientes internados, calcu- lada percentualmente em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 popula\u00e7\u00e3o total. N\u00e3o se segue da\u00ed haja crescido a cifra relativa das doen\u00e7as mentais que tenham ocorrido em ge- ral. Nunca se internaram em hospitais, nem hoje se internam, absoluta- mente, todos os doentes mentais. Talvez o aumento da cifra dos pacientes internados se relacione, apenas, com o fato de que, atualmente, se inter- nam mais psic\u00f3ticos; as doen\u00e7as mentais teriam permanecido, percentual- mente, as mesmas em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 popula\u00e7\u00e3o total. Embora n\u00e3o seja poss\u00edvel resposta decisiva, a maioria dos psiquiatras considera mais prov\u00e1vel esta \u00faltima interpreta\u00e7\u00e3o. Romer observou haver-se verificado em Bad\u00e9n, nos anos 1904-910, aumento consider\u00e1vel de todas as interna\u00e7\u00f5es, sem au- mento relativo mais acentuado, contudo, das primeiras. Os motivos que explicam a maior frequ\u00eancia de interna\u00e7\u00f5es s\u00e3o os seguintes: a) A possibi- lidade vital para os indiv\u00edduos mentalmente menos dotados e para as per- sonalidades anormais \u00e9 muito mais dif\u00edcil nas condi\u00e7\u00f5es de uma cultura t\u00e9cnica adiantada do que naquelas em que se oferecem possibilidades vi- tais mais f\u00e1ceis, ou seja, nas- culturas menos adiantadas, tecnicamente; ao que corresponde o fato de se internarem, hoje em dia, nas grandes ci- dades, relativamente mais psic\u00f3ticos do que no campo; al\u00e9m de constatar- se aumento das interna\u00e7\u00f5es correlacionado com a densidade demogr\u00e1fica. Onde a vida \u00e9 mais dif\u00edcil e onde exige mais do indiv\u00edduo, os familiares li- vram-se de seus doentes mentais mais depressa que no campo, onde um imbecil pode ser alimentado e mantido com mais facilidade; e pode at\u00e9 produzir trabalho \u00fatil, vez por outra. \u00c0s mesmas circunst\u00e2ncias, \u00e0s exi- g\u00eancias maiores da exist\u00eancia, \u00e0 difus\u00e3o da instru\u00e7\u00e3o prim\u00e1ria pode atri- buir-se o papel t\u00e3o grande hoje desempenhado nas discuss\u00f5es pelos d\u00e9- beis mentais e pelas crian\u00e7as retardadas, ao passo que a frequ\u00eancia da de- bilidade mental parece n\u00e3o se haver notado, em absoluto, noutras \u00e9pocas. \u2014 Al\u00e9m deste motivo principal, talvez ainda interfiram: a melhoria dos hospitais, o aumento da confian\u00e7a neles, a extens\u00e3o crescente da no\u00e7\u00e3o de doen\u00e7a ps\u00edquica conforme a aju\u00edzam c\u00edrculos mais amplos da popula\u00e7\u00e3o, o decr\u00e9scimo do temor que inspiram os psiquiatras, os quais s\u00e3o muito", "mais procurados, sobretudo nas cidades, pelo homem moderno- do que pelo homem de outras \u00e9pocas, o qual via na consulta uma esp\u00e9cie de sen- ten\u00e7a de morte."], ["2. O suic\u00eddio, como tal, n\u00e3o \u00e9, certamente, sinal de anormalidade ps\u00ed- quica, mas a maioria dos suicidas pertence aos tipos de personalidade es- tudados pela psicopatologia, ou sofre de doen\u00e7as tang\u00edveis; donde resulta que a estat\u00edstica suicidai mede, em certo grau, a frequ\u00eancia dos estados ps\u00edquicos anormais. A partir de 1820, a cifra dos suic\u00eddios em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 ci- fra da popula\u00e7\u00e3o total aumentou de mais de 50%; al\u00e9m do que, a curva da frequ\u00eancia mostra oscila\u00e7\u00f5es: aumenta com o encarecimento da vida, du- rante as crises econ\u00f4micas etc.; diminui nos tempos de guerra. A presun- \u00e7\u00e3o que mais se ajusta \u00e0 interpreta\u00e7\u00e3o destas rela\u00e7\u00f5es num\u00e9ricas \u00e9 a se- guinte: os indiv\u00edduos cuja constitui\u00e7\u00e3o n\u00e3o se tenha diferenciado sofrem, quando se alteram as condi\u00e7\u00f5es culturais, maior quantidade de golpes; golpes tais que s\u00e3o presa de estados afetivos desesperados e desvalidos, sucumbindo a psicoses reativas, depressivas e outras; \u00e9 mais frequente precipitarem-se em situa\u00e7\u00f5es nas quais a vida se afigura, da\u00ed por diante, vazia, desesperan\u00e7ada, insuport\u00e1vel. As altera\u00e7\u00f5es culturais fazem que se manifestem com mais frequ\u00eancia as formas reativas dependentes da cons- titui\u00e7\u00e3o. Para 1 milh\u00e3o de almas, os suic\u00eddios chegaram ao seguinte, na Pr\u00fas-"], ["sia:", "Os suic\u00eddios s\u00e3o coisa muito rara na popula\u00e7\u00e3o judia da Europa. Ori-", "ental que permanece em sua terra e entre os judeus da Europa Ocidental antes da emancipa\u00e7\u00e3o. As cifras mostram a forte influ\u00eancia do meio (exemplificando-se, em parte, pela religi\u00e3o, que obstaria o suic\u00eddio).", "3. Justificam-se as mesmas interpreta\u00e7\u00f5es em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 curva ascen- dente do aumento da criminalidade. O aumento das necessidades sociais, levando a que se manifestem certas constitui\u00e7\u00f5es criminosas, a aplica\u00e7\u00e3o mais estrita das leis e coisas parecidas parecem bastar como explica\u00e7\u00e3o. A estat\u00edstica s\u00f3 pode apreender os sinais mais grosseiros de altera\u00e7\u00e3o", "do psiquismo; pelo que, ora nos voltamos para o confronto de \u00e9pocas di- versas, dizendo respeito mais ao qualitativo, ou repousando na mera im- press\u00e3o de. altera\u00e7\u00f5es frequenciais. A esta altura, apenas nos \u00e9 dado indi- car, com alguns exemplos, o que cabe fazer, quando assim se investiga; em vez de expor os resultados respectivos \u2014 que quase h\u00e3o existem."], ["Muito se discute a modifica\u00e7\u00e3o de todo o estilo de vida que o desenvol-", "vimento da cultura t\u00e9cnica, no s\u00e9culo XIX, acarretou: em toda a parte, acelera\u00e7\u00e3o do ritmo, agita\u00e7\u00e3o pressurosa, desassossego e ansiedade sem- pre carregados de responsabilidade (sem qualquer car\u00e1ter metaf\u00edsico, po- r\u00e9m); falta de aprofundamento meditativo, substitu\u00eddo pela \u00e2nsia fatigada de gozos, que produzem novos e fortes est\u00edmulos, sem p\u00f3s-efeito ps\u00edquico \u00edntimo; grande aumento das exig\u00eancias que se fazem \u00e0 capacidade de tra- balho e \u00e0 resist\u00eancia etc. Os indiv\u00edduos envolvidos nessa mudan\u00e7a do es- tilo de vida sofrer\u00e3o, mais que antigamente, de cansa\u00e7o cr\u00f4nico e dos sin- tomas neurast\u00e9nicos que o acompanham. Mesmo que a disposi\u00e7\u00e3o origi- n\u00e1ria n\u00e3o lhes mude, os homens tomam-se, no presente, manifestamente neurast\u00e9nicos, ao passo que, nas condi\u00e7\u00f5es pret\u00e9ritas^ mais quietas, aquela disposi\u00e7\u00e3o permanecia latente."], ["Da\u00ed repetir-se muito, nos primeiros anos do s\u00e9culo XX, ser o nervo- sismo a forma nosol\u00f3gica t\u00edpica da \u00e9poca, a qual apareceria com frequ\u00ean- cia enorme relativamente a outros tempos. O norte-americano Be\u00e4rd foi o primeiro a descrev\u00ea-lo, resumindo-lhe as formas, sob o nome de neuraste- nia. Nada se pode dizer, em termos num\u00e9ricos, sobre a frequ\u00eancia das ma- nifesta\u00e7\u00f5es neurast\u00e9nicas no passado e no presente. A leitura de antigos escritores m\u00e9dicos, mostra que os sintomas particulares tamb\u00e9m se co- nheciam com outros nomes, noutros tempos.", "A impress\u00e3o geral, hoje em dia, de refer\u00eancia \u00e0s neuroses, \u00e9 a seguinte:", "as histerias t\u00eam diminu\u00eddo acentuadamente; muitas manifesta\u00e7\u00f5es hist\u00e9- ricas quase desapareceram (ataques e contraturas); as neuroses obsessi- vas, pelo contr\u00e1rio, aumentam enormemente."], ["A teoria da degenera\u00e7\u00e3o: Tentamos indicar, no pressuposto de uma constitui\u00e7\u00e3o ou disposi\u00e7\u00e3o inalterada, a significa\u00e7\u00e3o que tem, conforme a \u00e9poca -e o ambiente cultural, a mudan\u00e7a de condi\u00e7\u00f5es sociais para o fato"], ["da diversidade das anormalidades ps\u00edquicas. Resta, por\u00e9m, a quest\u00e3o: N\u00e3o se modifica tamb\u00e9m \u2014 sob a influ\u00eancia da cultura, ou sem essa influ\u00eancia \u2014 no curso das gera\u00e7\u00f5es, a pr\u00f3pria ra\u00e7a, em sua disposi\u00e7\u00e3o ps\u00edquica? Para o psicopatologista, \u00e9 particularmente importante a indaga\u00e7\u00e3o espec\u00ed- fica seguinte: No curso das gera\u00e7\u00f5es, a disposi\u00e7\u00e3o heredit\u00e1ria para a anor- malidade ps\u00edquica e para a doen\u00e7a mental diminui ou aumenta? Uma ra\u00e7a \u201cdegenera\u201d sob a influ\u00eancia da evolu\u00e7\u00e3o cultural? N\u00e3o h\u00e1 degenera- \u00e7\u00e3o quando, sob a influ\u00eancia de certo ambiente, os indiv\u00edduos desenvol- vem plenamente sua predisposi\u00e7\u00e3o nervosa sempre existente. S\u00f3 h\u00e1 dege- nera\u00e7\u00e3o quando esse desenvolvimento mais pleno se transmite, hereditari- amente, \u00e0 prole, independente do ambiente. Mas se a prole, eventual- mente transferida para outras condi\u00e7\u00f5es de vida, se mostrar tal qual as gera\u00e7\u00f5es anteriores, ter-se-\u00e1 uma prova contra a degenera\u00e7\u00e3o. Bumke pro- vou que n\u00e3o somos obrigados a admitir qualquer degenera\u00e7\u00e3o crescente sob o efeito de condi\u00e7\u00f5es culturais especiais. Trata-se sempre, apenas, de in-, flu\u00eancias sobre os indiv\u00edduos vivos, influ\u00eancias que atingem a estes, mas n\u00e3o se transmitem."], ["O exemplo mais saliente que faz sempre pensar na exist\u00eancia da dege- nera\u00e7\u00e3o sob influ\u00eancias culturais \u00e9 o destino das fam\u00edlias de educa\u00e7\u00e3o su- perior. As opini\u00f5es divergem de maneira marcada. De um lado, pretende- se n\u00e3o ocorrer degenera\u00e7\u00e3o heredit\u00e1ria; trata-se do efeito ambiental, que afeta toda gera\u00e7\u00e3o ulterior j\u00e1 a partir da inf\u00e2ncia; ao amolecimento, esqui- van\u00e7a a esfor\u00e7os, indol\u00eancia, vida irregular, limita\u00e7\u00e3o deliberada da prole, acasos etc. atribuir-se-ia o resultado. Doutro lado, pretende-se que se trate de altera\u00e7\u00f5es heredit\u00e1rias: tal qual certos animais n\u00e3o procriam em cativeiro, o mesmo se daria com as fam\u00edlias a que aludimos: t\u00eam base real os romances que apresentam uma constitui\u00e7\u00e3o nervosa inata a crescer de uma gera\u00e7\u00e3o para outra. Mas, atualmente, \u00e9 imposs\u00edvel decidir a quest\u00e3o.", "Outro exemplo de degenera\u00e7\u00e3o humana pela cultura poderia ser o caso"], ["raro em que se v\u00ea, numa ra\u00e7a, a transi\u00e7\u00e3o r\u00e1pida para condi\u00e7\u00f5es sociais inteiramente diversas. Seria o caso dos negros americanos ap\u00f3s a aboli\u00e7\u00e3o da escravatura. Antes da liberta\u00e7\u00e3o, supunham-se 169-175 doentes men- tais para um milh\u00e3o de negros; poucos anos ap\u00f3s a liberta\u00e7\u00e3o, 367; da\u00ed a vinte anos, 886.1 Interpreta\u00e7\u00e3o plaus\u00edvel afigura-se imposs\u00edvel, tendo em vista o material escassamente conhecido e tamb\u00e9m a impossibilidade de comprov\u00e1-lo criticamente."], ["O problema da degenera\u00e7\u00e3o como acr\u00e9scimo heredit\u00e1rio de fen\u00f4menos", "patol\u00f3gicos relaciona-se com aquele das causas que modificam os povos primitivos pelo contato com a civiliza\u00e7\u00e3o. Fala-se nos efeitos do \u00e1lcool, do", "amolecimento, do fastio vital, do suic\u00eddio, dos abortos etc. Ra\u00e7as diversas parecem haver reagido de modo inteiramente diverso. Extinguir-se n\u00e3o \u00e9 a mesma coisa que degenerar.", "\u00c9 \u00e0 pesquisa gen\u00e9tica que cabe responder em que medida a teoria de degenera\u00e7\u00e3o tem base real. N\u00e3o se consegue discernir um processo total e inevit\u00e1vel que se possa chamar degenera\u00e7\u00e3o; processo este que constitui ideia fant\u00e1stica, antecipadora de investiga\u00e7\u00e3o ulterior."], ["PARTE 6. O TODO DO EXISTIR HUMANO", "\u00c0s asser\u00e7\u00f5es emp\u00edricas das cinco primeiras partes acrescentamos uma", "sexta e \u00faltima, que n\u00e3o nos aumenta o conhecimento, mas suscita refle- x\u00f5es sobre quest\u00f5es filos\u00f3ficas b\u00e1sicas; reflex\u00f5es que parecem t\u00e3o impor- tantes que n\u00e3o se podem omitir. Embora j\u00e1 n\u00e3o se insiram no dom\u00ednio do conhecimento psicopatol\u00f3gico mesmo, n\u00e3o deixam de relacionar-se com a psicopatologia."], ["\u00a7 1. Retrospecto \u00c0 Psicopatologia"], ["a) Obje\u00e7\u00f5es ao plano de minha psicopatologia", "H\u00e1 obje\u00e7\u00f5es poss\u00edveis que, de fato, implicam aceita\u00e7\u00e3o, embora expri-"], ["mam de forma negativa o que tem para n\u00f3s sentido positivo.", "1. \u201cEsta psicopatologia n\u00e3o d\u00e1 quadro algum do todo que seja con- creto, objetivo; pelo contr\u00e1rio, tudo se desmembra ou se -mant\u00e9m rigida- mente cont\u00edguo; a multiplicidade do material e dos pontos de vista con- funde; n\u00e3o se v\u00ea surgir quadro algum do existir humano m\u00f3rbido.\u201d Esta forma da estrutura fundamental resulta, por\u00e9m, do fato de n\u00e3o nos dei- xarmos levar por ponto de vista algum que n\u00e3o tenha validez geral; grupo algum de fatos que n\u00e3o seja a realidade pr\u00f3pria. Em contr\u00e1rio \u00e0 tend\u00eancia de uma dogm\u00e1tica do existir que se exprime numa edifica\u00e7\u00e3o do todo, rea- lizamos uma sistem\u00e1tica metodol\u00f3gica. O que nos parece constituir a quest\u00e3o significativa \u00e9 se a estrutura respectiva \u00e9 clara e o modo por que se pode melhorar.", "2. \u201cS\u00e3o incessantes as discuss\u00f5es l\u00f3gicas, em lugar da apresenta\u00e7\u00e3o, simplesmente, da pr\u00f3pria coisa. Carrega-se a investiga\u00e7\u00e3o de materiais su- p\u00e9rfluos e improdutivos, investiga\u00e7\u00e3o que, emp\u00edrica, deveria subsistir me- lhor.\u201d \u2014 Mas estas discuss\u00f5es servem, precisamente, \u00e0 clareza emp\u00edrica, ensinando a fazer distin\u00e7\u00f5es, a fim de possibilitar o reconhecimento claro da diversidade em rela\u00e7\u00f5es rec\u00edprocas. A pr\u00f3pria empiricidade s\u00f3 se faz n\u00ed- tida quando tenho consci\u00eancia l\u00f3gica e metodol\u00f3gica de sua apreens\u00e3o. 3. \u201cFala-se tanto em compreensibilidades; esta compreens\u00e3o psicol\u00f3- gica n\u00e3o \u00e9 ci\u00eancia; foge \u00e0 prova, visto tratar-se de discuss\u00f5es n\u00e3o-emp\u00edri- cas de possibilidades psicol\u00f3gicas. E fala-se sempre na incompreensibili- dade e, afinal, na incognoscibilidade; ali\u00e1s, de modo tal que parece estar", "nisso o essencial\u201d. \u2014 Mas \u00e9, claramente, a consci\u00eancia metodol\u00f3gica que permite tomar consciente cada m\u00e9todo, determinar-lhe o sentido cient\u00edfico em si e aquele que resulta da apresenta\u00e7\u00e3o de sua realiza\u00e7\u00e3o na pesquisa; e ainda caracterizar, afinal, os m\u00e9todos filos\u00f3ficos que j\u00e1 n\u00e3o pertencem ao tema, eles mesmos, porque deles n\u00e3o se origina, de maneira imediata, qualquer resultado investigativo emp\u00edrico. Para n\u00f3s, a quest\u00e3o significativa \u00e9 se conseguimos evitar, em geral, as confus\u00f5es e as misturas; e se conse- guimos manter-nos alertas para a pluridimensionalidade dos esfor\u00e7os ci- ent\u00edficos, bem como para o pr\u00f3prio ser humano, no todo. O fato de subsis- tir, afinal, \u00e0 margem de nosso saber uma consci\u00eancia do existir a que, pre- cisamente, s\u00f3 um esclarecimento filos\u00f3fico acede vem a ser a base tran- quila de uma posi\u00e7\u00e3o fundamental met\u00f3dica, sistem\u00e1tica, em vez de trans- formar- se em coroamento do saber total puramente dogm\u00e1tico; base que, indiretamente, se esclarece na investiga\u00e7\u00e3o multilateral. Quando conhece- mos, estabelecemos aquilo mesmo que, marginal ao conhecimento, n\u00e3o \u00e9 acess\u00edvel ao conhecimento; mas que s\u00f3 pelo conhecimento \u00e9 sens\u00edvel."], ["As poss\u00edveis obje\u00e7\u00f5es que enumeramos prov\u00eam de padr\u00f5es aos quais"], ["nosso livro se op\u00f5e.", "b) A necessidade de integra\u00e7\u00e3o de nosso conhecimento do homem e o"], ["quadro da psicopatologia."], ["A ci\u00eancia exige abordagem sistem\u00e1tica e hol\u00edstica, recusando o que \u00e9", "esparso. Infinitos que s\u00e3o os achados psicopatol\u00f3gicos, infinita que \u00e9 a multiplicidade terminol\u00f3gica das linguagens que usam os pesquisadores \u2014 chegando \u00e0 incompreensibilidade m\u00fatua \u2014 tanto mais urgente se faz mostrar o que \u00e9 que sabemos, realmente, no todo.", "N\u00e3o se atende \u00e0 necessidade de integra\u00e7\u00e3o com refer\u00eancias resumitivas", "dos conhecimentos especializados, porque os mesmos n\u00e3o se acham em plano sem\u00e2ntico comum, nem pressup\u00f5em qualquer moldura de conheci- mento b\u00e1sico comum."], ["Tamb\u00e9m n\u00e3o se atende a essa necessidade mediante um esquema, por", "assim dizer, da edifica\u00e7\u00e3o do existir humano, para mostrar, depois, por que forma tudo que sabemos se insere como conhecimentos de partes ou membros desse edif\u00edcio do existir humano. O homem \u00e9 incompleto em sua ess\u00eancia; nele mesmo, \u00e9 inacess\u00edvel ao conhecimento.", "A integra\u00e7\u00e3o, ou s\u00edntese, s\u00f3 \u00e9 pertinentemente poss\u00edvel pela estrutura- \u00e7\u00e3o de nosso conhecimento do homem conforme se desenvolvem as moda- lidades b\u00e1sicas de nossas concep\u00e7\u00f5es, de nosso pensamento e respectivas"], ["categorias; isto \u00e9, de nossos m\u00e9todos. Em esquema metodol\u00f3gico desta or- dem, a ci\u00eancia alcan\u00e7a os objetos na medida em que, como tais, s\u00e3o aces- s\u00edveis. Todavia, se quisermos atingir tal limite, teremos de sentir-nos \u00e0 vontade al\u00e9m dele. Porque \u00e9 s\u00f3 por n\u00f3s mesmos que experimentamos o que o homem \u00e9 \u2014 ou seja, em nosso trato com seres humanos e o mundo, com a filosofia e as ci\u00eancias, com a hist\u00f3ria \u2014 ou porque \u00e9 necess\u00e1ria em n\u00f3s uma base de que vivemos, quando investigamos seres humanos, essa base \u2014 n\u00f3s mesmos \u2014 h\u00e1 de estar presente, a todo momento, como ins- trumento de nosso conhecimento; base que decide do espa\u00e7o, da pleni- tude, da profundidade a que vai nosso saber. \u00c9 erro querer organizar tec- nicamente, no todo, o conhecimento do homem, como se qualquer um pu- desse t\u00ea-lo, sem mais; como se semelhante conhecimento fosse poss\u00edvel de nivelar-se a um plano. O que se organiza, sim, \u00e9 o conhecer, a fim de apre- ender o homem em todas suas dimens\u00f5es, a todos os planos poss\u00edveis da cognoscibilidade. Essa estrutura\u00e7\u00e3o buscar\u00e1 salientar, certamente, quanto puder, a simplicidade dos grandes tra\u00e7os b\u00e1sicos, as ideias condu- toras fundamentais pelas quais o saber particular se articula coerente- mente e se faz acess\u00edvel \u00e0 observa\u00e7\u00e3o."], ["Nesta conformidade se h\u00e1 de configurar, necessariamente, o quadro da"], ["psicopatologia cient\u00edfica. O conhecimento que temos \u00e9 fragment\u00e1rio quando termina em enumera\u00e7\u00f5es e paralelismos esparsos; ainda \u00e9 frag- ment\u00e1rio na multiplicidade das totalidades. A multiplicidade bruxuleante, n\u00f3s n\u00e3o a toleramos, por\u00e9m, e, sim, buscamos ordenar o que n\u00e3o \u00e9 poss\u00ed- vel abranger, do mero agrupamento ao conhecimento causal (s\u00f3 este \u00e9 que possibilita a modifica\u00e7\u00e3o eficaz, o destaque, o impedimento, a predi\u00e7\u00e3o) e \u00e0 vis\u00e3o compreensiva. Nas vias diversas que levam ao espa\u00e7o ilimitado do ser humano real, vamos encontrar determinados fatos que objetificam uma realidade humana; relacionamos uns aos outros os fatos encontrados e vemos que, apesar de toda distin\u00e7\u00e3o radical do sentido que t\u00eam, eles ainda devem ligar-se num fundamento comum, visto serem relacion\u00e1veis uns aos outros; vemos os intrinca- mentos e correla\u00e7\u00f5es infind\u00e1veis da fa- tualidade. Aquilo que, sob certo ponto de vista, \u00e9 elementar ser\u00e1 composto sob outro aspecto. Tal qual n\u00e3o existe um todo singular, tamb\u00e9m n\u00e3o exis- tem elementos absolutos; o que se afigura simples talvez se origine de con- di\u00e7\u00f5es complicadas; o que se desenvolve por forma complicada talvez afi- nal se esclare\u00e7a, em sua simplicidade, a quem pesquisa."], ["Para saber de que modo se edifica, se ordena e se articula todo este co-", "nhecimento, \u00e9 necess\u00e1ria a s\u00edntese de tudo quanto conhecemos; e esta s\u00edntese \u2014 repetimos \u2014 s\u00f3 \u00e9 poss\u00edvel metodologicamente, e n\u00e3o como teoria", "do existir humano; \u00e9 s\u00edntese que n\u00e3o se assemelha ao mapa de um conti- nente, e sim, ao plano que permita explor\u00e1-lo. Mas o homem como todo, ao contr\u00e1rio do continente geogr\u00e1fico, n\u00e3o est\u00e1 \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o de nosso co- nhecimento, porque se distingue da exist\u00eancia de qualquer objeto, por maior que seja, pelo fato de sua excepcionalidade, em toda a natureza, como ser livre. Da\u00ed haver, afinal, um ordenamento sistem\u00e1tico dos m\u00e9to- dos, e n\u00e3o um esquema total. \u00c0s modalidades conceituais de todos os ca- p\u00edtulos deste livro n\u00e3o introduzem s\u00edntese tal que apreendam, em seu con- junto, o homem no todo; n\u00e3o resulta, afinal, existir humano b\u00e1sico que empiricamente se reconhe\u00e7a; o que antes subsiste em aberto \u00e9 o pr\u00f3prio existir humano, bem como c conhecimento a seu respeito."], ["Da\u00ed julgarmos errado procurar estabelecer e fixar, na psicopatologia, cientificamente, um princ\u00edpio do todo como ponto de partida para o conhe- cimento e a pr\u00e1tica, em vez de reconhecer, por uma vis\u00e3o b\u00e1sica de f\u00e9, o espa\u00e7o infinito da cognoscibilidade. Por exemplo, Tu Binswanger erra, filo- s\u00f3fica e cientificamente, quando pretende investigar o homem pelo aspecto de determinada ideia; quando rejeita o \u201cconceito conglomerativo\u201d do ser humano como unidade corp\u00f3rea- ps\u00edquica-mental que consistiria na s\u00edn- tese de v\u00e1rios m\u00e9todos (ou seja, das ci\u00eancias naturais, da psicologia, da fi- losofia) e exige uma \u201cideia pr\u00e9-ordenada\u201d, que, para ele, \u00e9 \u201ca ideia ontol\u00f3- gico-fundamental da existencialidade\u201d. Em primeiro lugar, esta formula\u00e7\u00e3o confunde o m\u00e9todo do esclarecimento existencial com o conhecimento, ao mesmo tempo privando-o de sua ess\u00eancia elevada, compuls\u00f3ria, conjura- t\u00f3ria; em segundo lugar, estatui para a psicopatologia uma base absoluta- mente inadequada. N\u00e3o erra menos Prinzhom, quando diz: \u201cN\u00e3o s\u00e3o os m\u00e9todos, e sim os tra\u00e7os fundamentais de uma teoria que diga respeito \u00e0 vida, \u00e0 constitui\u00e7\u00e3o, \u00e0 heran\u00e7a e \u00e0 personalidade que devem ser familiares ao m\u00e9dico, de tal modo que o determinem em seu trato com os seres hu- manos\u201d. Prinzhorn pretende, com isso, erigir em princ\u00edpio do conheci- mento total e da pr\u00e1tica certas modalidades particulares do conhecimento, que absolutiza em sentido filos\u00f3fico; o terreno \u00e9, no entanto, por demais estreito; a filosofia, question\u00e1vel."], ["c) Retrospecto \u00e0s totalidades e a quest\u00e3o do todo singular.", "Em todas as partes e cap\u00edtulos deste livro, o objeto de nossa investiga-", "\u00e7\u00e3o foi sempre a polaridade de fatos particulares e de um todo a que o fato se relaciona. N\u00e3o h\u00e1 coisa alguma singular que n\u00e3o mude por efeito de ou- tra singularidade e do todo; nem h\u00e1 coisa alguma inteira qu\u00ea n\u00e3o exista por efeito da singularidade. O todo \u00e9 o fundo; \u00e9, realmente, a medida que", "orienta e limita tudo quanto \u00e9 particular; \u00e9 condi\u00e7\u00e3o de que necessitamos para conceber, objetivamente, a particularidade. Essas totalidades n\u00e3o se apresentaram de forma \u00fanica, e sim, se especificaram em cada campo da investiga\u00e7\u00e3o. Recapitularemos sucintamente:"], ["1. O todo moment\u00e2neo, no qual ocorrem os fen\u00f4menos vivenciados, foi o estado de consci\u00eancia. O todo rendimental repousou na uni- dade integrativa do organismo, tornou-se, sob forma de pensa- mento, \"consci\u00eancia geral\", chamou-se fun\u00e7\u00e3o b\u00e1sica, chamou-se forma atual do curso da vida ps\u00edquica e, com o aspecto de totali- dade das capacidades rendimentais, intelig\u00eancia. \u2014 O todo da unidade corpo-alma (em estruturas neurol\u00f3gicas, hormoniais, morfol\u00f3gicas) constitui pressuposto da an\u00e1lise som\u00e1tica. \u2014 Para a psicologia da express\u00e3o, o todo \u00e9 linguagem de uma ess\u00eancia, que se caracteriza por seu n\u00edvel de forma ou de desenvolvimento; o mundo e a mente existem como totalidades em que participam a a\u00e7\u00e3o e o comportamento individual, bem como a obra.", "2. O todo das conex\u00f5es compreens\u00edveis foi o car\u00e1ter. 3. O todo das conex\u00f5es causais foi apreendido nas teorias. 4. As totalidades da apreens\u00e3o cl\u00ednica foram as ideias; da unidade nosol\u00f3gica, do eidos (constitui\u00e7\u00e3o etc.), do bios (como todo da configura\u00e7\u00e3o vital temporal).", "5. O todo da comunidade e hist\u00f3ria do homem foram o estado so- cial, as formas objetivas da cultura, a \u00e9poca, o esp\u00edrito comunal tal qual se apresenta no povo, no Estado, na massa.", "Se contemplarmos esta s\u00e9rie de esquemas b\u00e1sicos do todo, o que, pri-"], ["meiro, nos chama a aten\u00e7\u00e3o \u00e9 a multiplicidade; nenhum todo \u00e9 o todo; cada totalidade \u00e9 uma entre outras, \u00e9 uma totalidade relativa. Em segundo lugar, vemos o pendor universal a absolutilizar a totalidade eventual, a nela atingir o existir ps\u00edquico pr\u00f3prio; ou, quando menos, seu centro, sua onidomin\u00e2ncia. H\u00e1 em toda absolutiza\u00e7\u00e3o uma verdade que s\u00f3 \u00e9 destru\u00edda pela absolutiza\u00e7\u00e3o. O todo eventual tende a valer como o todo derradeiro. A psique \u00e9 consci\u00eancia e mais nada \u2014 o todo rendimental \u00e9 a \u00fanica objeti- vidade, o \u00fanico objeto da ci\u00eancia; a unidade corpo-alma \u00e9 a realidade mesma; o mundo e a mente s\u00e3o o absoluto, no qual participar\u00e1 a reali- dade ps\u00edquica; o car\u00e1ter \u00e9 a ess\u00eancia da psique; sua compreensibilidade \u00e9 seu existir; as teorias, apreendem a verdadeira realidade; as conex\u00f5es cau- sais s\u00e3o a subst\u00e2ncia das coisas; o corpo \u00e9 tudo e a alma mais n\u00e3o \u00e9 que epifen\u00f4meno dos processos cerebrais; o homem \u00e9, apenas, esta\u00e7\u00e3o inter- medi\u00e1ria das conex\u00f5es heredit\u00e1rias \u2014 a realidade da cl\u00ednica s\u00e3o as unida- des nosol\u00f3gicas, as constitui\u00e7\u00f5es, o todo vital temporal como unidade; o homem \u00e9 fun\u00e7\u00e3o da sociedade e da hist\u00f3ria."], ["Como tais, s\u00e3o err\u00f4neas todas estas absolutiza\u00e7\u00f5es. A mera multiplici- dade, se a representamos efetiva e concretamente, mostra bem claro que uma totalidade da vida ps\u00edquica jamais \u00e9 o pr\u00f3prio todo. Conhecer o ho- mem \u00e9 a mesma coisa que viajar pelo oceano infinito para descobrir conti- nentes; cada vez que se toca uma praia, uma ilha, aprendem-se certos fa- tos, mas se suprime o conhecimento ulterior com a afirma\u00e7\u00e3o de estar, por assim dizer, no centro das coisas; e as teorias s\u00e3o exatamente bancos de areia nos quais, encalhamos sem ganhar, de fato, terra firme. Da\u00ed por que, em nossa exposi\u00e7\u00e3o, sempre fizemos sentir os limites da totalidade even- tual; as totalidades s\u00e3o sempre perspectivas particulares no existir hu- mano, s\u00e3o aspectos individuais de sua manifesta\u00e7\u00e3o. Que \u00e9, todavia, o todo do existir humano, o todo \u00fanico ou singular? As. muitas totalidades ajuntam-se para edific\u00e1-lo? Ou o todo do existir humano n\u00e3o passa de uma palavra sem objeto? Responderemos que o todo singular do existir humano n\u00e3o vem a ser para n\u00f3s objeto; e que a reflex\u00e3o filos\u00f3fica escla- rece por que raz\u00e3o isso n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel. Dentro em pouco, tentaremos dar algumas indica\u00e7\u00f5es a respeito, nos par\u00e1grafos concernentes \u00e0 ess\u00eancia do homem. Falha o esquema de um existir humano no todo; revela-se-lhe logo* a particularidade na medida em que \u00e9 real; revela-se em nova forma a fragmentariedade do homem, embora este pare\u00e7a \u00fanico. Todas as totali- dades s\u00e3o tipos de totalidades em sua fragmentariedade. Em v\u00e3o se tenta apreender o homem no todo, todo no qual se clarifiquem, teoricamente, to- das as totalidades at\u00e9 o momento- apreendidas como elementos e mem- bros. De cada vez que apreendemos o todo, ele mesmo esquiva-se e o que nos resta \u00e9 um esquema especial de todo, uma modalidade total entre ou- tras. Eis porque \u00e9 err\u00f4nea n\u00e3o s\u00f3 a absolutiza\u00e7\u00e3o de uma totalidade, mas tamb\u00e9m a absolutiza\u00e7\u00e3o que pretenda abranger o todo humano real com todas as totalidades que, at\u00e9 agora, apreendemos."], ["Da\u00ed resulta considerarmos errada a pretens\u00e3o de qualificar como ter- reno especial de pesquisa e ensino o todo do existir humano. A cognoscibi- lidade esgota-se em particularidades e nas totalidades sempre especiais. N\u00e3o h\u00e1 antropologia que a isso acrescente qualquer conhecimento novo; nem pode haver \u201cteoria espec\u00edfica do homem para uso do m\u00e9dico\u201d \u2014 an- tropologia m\u00e9dica, que, afinal, equivale \u00e0 antropologia filos\u00f3fica, esta n\u00e3o sendo teoria que apresente objeto adequado, mas processo infinito de nosso pr\u00f3prio esclarecimento, a que tamb\u00e9m servem aquelas investigabili- dades particulares do ser humano que nos ocupam neste livro.", "A unidade do indiv\u00edduo total, no que diz respeito ao conhecimento, em", "nada mais reside sen\u00e3o procurar rela\u00e7\u00f5es entre tudo quanto se conhece"], ["no homem; ou seja, na ideia da totalidade das rela\u00e7\u00f5es cognosc\u00edveis."], ["d) Retrospecto aos enigmas concretos.", "Em quase todos os. cap\u00edtulos, deparamos com enigmas, isto \u00e9, n\u00e3o quest\u00f5es provis\u00f3rias e sim enigmas fundamentais para o nosso m\u00e9todo de conhecimento. Aquilo que \u00e9 misterioso mede-se por uma compreensibili- dade. N\u00e3o se explica um fato com base nessa compreensibilidade, porque talvez se insira noutro tipo de compreensibilidades para o qual haja outros mist\u00e9rios. Da\u00ed cada mist\u00e9rio levar a que se reconhe\u00e7a a fal\u00eancia de uma modalidade de compreens\u00e3o e, do mesmo passo, a que se busque outra modalidade para a qual aquele fato n\u00e3o \u00e9 misterioso, mas b\u00e1sico de uma compreens\u00e3o. Os enigmas est\u00e3o sempre no limite de uma modalidade cog- noscitiva."], ["Estes enigmas s\u00e3o a caracter\u00edstica de todo conhecimento. Todo saber desvela uma ignor\u00e2ncia que n\u00e3o \u00e9 provis\u00f3ria, mas espec\u00edfica. Assim nas ci\u00eancias inorg\u00e2nicas: por exemplo, as leis e achados gerais da qu\u00edmica n\u00e3o explicam a distribui\u00e7\u00e3o fatual da mat\u00e9ria no espa\u00e7o; digamos, a circuns- t\u00e2ncia de o enxofre acumular-se na Sic\u00edlia. O mesmo quanto \u00e0s ci\u00eancias biol\u00f3gicas: as conex\u00f5es f\u00edsico-qu\u00edmicas vitais (fisiologia) n\u00e3o explicam a forma (morfologia) no todo, a intimidade de uma viv\u00eancia, a finalidade, e vice-versa. Existe um todo, que, no entanto, n\u00e3o se explica pelo conheci- mento da particularidade. Mais ainda \u2014 h\u00e1 um enigma na compreens\u00e3o das conex\u00f5es teleol\u00f3gicas de todas as fun\u00e7\u00f5es biol\u00f3gicas necess\u00e1rias \u00e0 exist\u00eancia e reprodu\u00e7\u00e3o da esp\u00e9cie: a inutilidade das estruturas formais que s\u00e3o muito mais variadas, nas plantas, do que \u00e9 necess\u00e1rio \u00e0 adapta- \u00e7\u00e3o topogr\u00e1fica (G\u00f5bel). As conex\u00f5es biol\u00f3gicas (fisiol\u00f3gicas e morfol\u00f3gicas) n\u00e3o explicam o fen\u00f4meno prim\u00e1rio da express\u00e3o dos animais (o fato de uma interioridade transformar-se em exterioridade compreens\u00edvel); por sua vez, a finalidade biol\u00f3gica n\u00e3o explica a casualidade de numerosos fe- n\u00f4menos expressivos."], ["Temos interesse pelos enigmas concretos que dizem respeito ao conhe- cimento do homem, no qual reaparecem, em geral, os enigmas da vida; a esta altura, por\u00e9m, da vida que constitui fundamento do existir humano. Alguns exemplos:", "1. Curtius e Siebeck falam no enigma da constitui\u00e7\u00e3o. \u201cA constitui\u00e7\u00e3o", "\u00e9 conceito amplo, que encerra, ao mesmo tempo, um ju\u00edzo' m\u00e9dico e um Ju\u00edzo sobre a personalidade total e sua situa\u00e7\u00e3o. N\u00e3o se pode compor a"], ["constitui\u00e7\u00e3o a partir de fragmentos que se destaquem da rela\u00e7\u00e3o do do- ente com seu perimundo. Da\u00ed n\u00e3o poder a considera\u00e7\u00e3o constitucional acompanhar nossa investiga\u00e7\u00e3o costumeira de an\u00e1lise e inquiri\u00e7\u00e3o gen\u00e9- tico-causal. Uma tens\u00e3o existe que n\u00e3o se pode resolver.... A considera\u00e7\u00e3o constitucional jamais poder\u00e1 reduzir a investiga\u00e7\u00e3o que nos leva a procu- rar causas e conex\u00f5es individuais tang\u00edveis; deve, sim, ensinar-nos a si- tuar corretamente todas as rela\u00e7\u00f5es individuais que estabele\u00e7amos. \u00c9 as- sim que nos mostra a limita\u00e7\u00e3o do diagn\u00f3stico bacteriol\u00f3gico, cuja impor- t\u00e2ncia, todavia, nunca lhe \u00e9 l\u00edcito desconhecer.\u201d Avulta o enigma da cons- titui\u00e7\u00e3o quando pretende abranger a personalidade total e n\u00e3o apenas o evento som\u00e1tico."], ["2. Os limites da investiga\u00e7\u00e3o gen\u00e9tica novos enigmas apresentam. Tudo \u00e9 heredit\u00e1rio, na medida em que a disposi\u00e7\u00e3o (ou constitui\u00e7\u00e3o) here- dit\u00e1ria represente o fator decisivo para a vida ps\u00edquica total do homem, juntamente com o perimundo. A explica\u00e7\u00e3o esbarra, todavia, concreta- mente, em certas limita\u00e7\u00f5es:", "1) \u201cComo \u00e9 que os gens s\u00e3o capazes de produzir, no desenvolvimento", "individual, aqueles fen\u00f4menos dos quais constituem a base heredit\u00e1ria \u2014 n\u00e3o se sabe (embora se conhe\u00e7am alguns efeitos hormoniais). Mesmo, po- r\u00e9m, que se encontre o v\u00ednculo entre a gen\u00e9tica e a hist\u00f3ria desenvolvi- mental (a ontogenia), entre os gens e os organizadores, ainda assim se apreendem, apenas, conex\u00f5es dentro dos pressupostos da vida; pressu- postos que t\u00eam. car\u00e1ter mec\u00e2nico, que n\u00e3o s\u00e3o, eles mesmos, vivos; mas n\u00e3o se apreende a pr\u00f3pria vida. Como \u00e9 que os gens s\u00e3o capazes de pro- duzir fen\u00f4menos ps\u00edquicos que se inserem, entretanto, em sua totalidade, no contexto da tradi\u00e7\u00e3o e da educa\u00e7\u00e3o, da exist\u00eancia cultural e hist\u00f3rica \u2014 isso foge sequer a presun\u00e7\u00f5es. N\u00e3o h\u00e1 quem duvide, certamente, de que a realidade mental se enra\u00edze at\u00e9 suas derradeiras ramifica\u00e7\u00f5es em funda- mentos biol\u00f3gicos; mas estes jamais explicam o que \u00e9 em si mental, ainda que seja clara sua rela\u00e7\u00e3o com a psique e a mente."], ["2) A unidade do indiv\u00edduo pressup\u00f5e a unidade do todo de um equipa-", "mento gen\u00e9tico, alguma coisa que j\u00e1 n\u00e3o se pode apreender como gen; o que se apreende nas conex\u00f5es heredit\u00e1rias \u00e9, por assim dizer, um material do evento biol\u00f3gico, mas n\u00e3o a unidade eventual.", "3) H\u00e1 constitui\u00e7\u00f5es que n\u00e3o s\u00e3o herdadas, nem herd\u00e1veis, apesar de cong\u00eanitas. Pertence ao indiv\u00edduo alguma coisa que n\u00e3o se encontra nas conex\u00f5es heredit\u00e1rias.", "4) Contemplando o car\u00e1ter pessoal do homem, sua liberdade e espiri- tualidade, sentimos\u2019 um \u201cser ele mesmo\u201d insubstitu\u00edvel; seja como for, um indiv\u00edduo \u00fanico. Em certo ponto decisivo, a partir de uma origem pr\u00f3pria, por assim di- zer, teologicamente falando, cada homem \u00e9 \u201ccriado\u201d; n\u00e3o \u00e9, apenas, inter- mediariedade da modifica\u00e7\u00e3o de qualquer material heredit\u00e1rio. Ainda que se conceba a mente como realidade objetiva, mesmo no contexto de fatos naturais (fam\u00edlia altamente prendada), n\u00e3o se pode conceb\u00ea-la como resul- tado desses fatos. E o homem, como indiv\u00edduo \u2014 pelo menos, segundo en- sina a filosofia alem\u00e3 desde Nikolaus Cusanus \u2014 espelha o todo, a atuali- dade do mundo em pequena escala, insubstitu\u00edvel e ^singular. Em vez de diluir-se numa soma de fatores heredit\u00e1rios (o que \u00e9 correto relativamente ao material de seus pressupostos e requisitos), o indiv\u00edduo \u00e9 \u201ccriado por Deus diretamente\u201d.", "3. Quando concebemos a vida ps\u00edquica em seus rendimentos, o ho- mem como sendo a totalidade de suas capacidades produtivas, esbarra- mos em uma limita\u00e7\u00e3o que consiste na circunst\u00e2ncia do haver alguma coisa que perturba a regularidade das conex\u00f5es rendimentais, que lhes restringe a calculabilidade. Abstra\u00e7\u00e3o feita de uns tantos testes rendimen- tais cujo sentido \u00e9 puramente fisiol\u00f3gico (relacionados com a psicologia da percep\u00e7\u00e3o, da fatigabilidade, da mem\u00f3ria), quase todos os rendimentos se realizam em forma de execu\u00e7\u00f5es mentalmente condicionadas. Mas quando, ao rev\u00e9s, queremos compreender os rendimentos como mentais, esbarramos no limite de condi\u00e7\u00f5es biol\u00f3gicas que suportam, restringem, perturbam uma realiza\u00e7\u00e3o suscet\u00edvel de imaginar-se por forma puramente mental. Se, fazendo psicologia, mentamos um evento natural, \u00e9 s\u00f3 medi- ante realidades mentais e ps\u00edquicas que o atingimos; realidades as quais, no entanto, n\u00e3o se mentam como elas mesmas, e sim como \u00edndices de ou- tro evento. Em toda realidade que a psicologia apreende j\u00e1 h\u00e1 a presen\u00e7a da mente e do esp\u00edrito; da\u00ed sempre resulta o enigma concreto: o que' \u00e9 a mente, como atua? As respostas que se lhe d\u00e3o mais n\u00e3o fazem do que acentu\u00e1-lo, sem resolv\u00ea-lo. Assim, podemos dizer: A mente, que \u00e9 alguma coisa transcendente \u00e0 natureza, serve-se do corpo para realizar-se atrav\u00e9s dele, para atrav\u00e9s dele falar e desenvolver-se no mundo; est\u00e1 separada (Arist\u00f3teles) do todo corpo-alma, mas n\u00e3o existe separada; existe, sim, apenas, na exterioriza\u00e7\u00e3o pelo corpo, usando o sistema nervoso como -ins- trumento; ou \u00e9 (segundo Klages) o dem\u00f4nio que destr\u00f3i a vida. 4. Discutimos os limites da compreens\u00e3o em rela\u00e7\u00e3o ao evento biol\u00f3-", "gico e em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 exist\u00eancia. Em toda compreens\u00e3o da realidade do ho- mem existe o enigma concreto, consistindo em que o compreens\u00edvel, apa- rentemente ilimitado em si, em si concluso, \u00e9 permanentemente condicio- nado em sentido inverso, apontando para algo outro, que nem o origina, nem o limita."], ["5. A unidade de um bios prende-se aos in\u00famero acasos, que o afetam no correr do tempo. Compreendemos o homem pela sua aptid\u00e3o, pela ma- neira por que apreende as oportunidades ocorrentes, por que as utiliza. O limite vem a ser sempre, contudo, o acaso, que introduz interpreta\u00e7\u00e3o ab- solutamente diversa, inverific\u00e1vel no sentido de validez geral: como destino e provid\u00eancia, como linguagem mult\u00edvoca da divindade (por exemplo, na autocompreens\u00e3o de Kierkegaard). Menta-se a unidade do bios fundada num todo a que pertencem, como membros, os acasos.", "6. O enigma concreto \u2014 mentados em separado que sejam corpo e alma \u2014 existe em todo movimento dos bra\u00e7os. Quando quero pegar na pena, como \u00e9 que consigo que o bra\u00e7o e os dedos fa\u00e7am os movimentos correspondentes? Alguma coisa que \u00e9 puramente ps\u00edquica, exprime-se na motricidade; \u00e9 a \u00fanica situa\u00e7\u00e3o do mundo em que \u201ca magia\u201d <\u00e9 real: tra- du\u00e7\u00e3o imediata, direta, do mental no sens\u00f3rio-espacial. O enigma da ex- press\u00e3o \u2014 a exterioriza\u00e7\u00e3o de uma interioridade, e isso em forma compre- ens\u00edvel \u2014 e tamb\u00e9m o enigma da linguagem v\u00e3o-se acrescendo \u00e0 medida que se constatam esses fen\u00f4menos. E no confim dos mesmos fatos que s\u00e3o, por sua vez, tang\u00edveis, est\u00e1 a interioridade, que n\u00e3o se exprime, mas talvez se comunique; e a interioridade que tamb\u00e9m n\u00e3o se exprime em co- munica\u00e7\u00e3o alguma \u00e9 real naquilo que, sendo \u00fanico, n\u00e3o se pode objetificar nem repetir, n\u00e3o existindo, pois, para o conhecimento, embora sendo real. Se contemplarmos a totalidade dos enigmas concretos, deduziremos, abstratamente, alguns princ\u00edpios: a saber, as maneiras por que sempre se encontra a alteridade no limite; alteridade que chamamos o infinito, o in- div\u00edduo, o abrangente.", "1. Surge o enigma, no limite eventual da investiga\u00e7\u00e3o, pela investi- ga\u00e7\u00e3o mesma; ou seja, naquele ponto em que seu objeto sofre combina\u00e7\u00f5es in\u00fameras, infinitas.", "2. O enigma \u00e9 o limite que representa o indiv\u00edduo como tal; indiv\u00ed- duo que se tem de explicar em fun\u00e7\u00e3o de si, e n\u00e3o de outro. Nem no todo se pode aprend\u00ea-lo: individuum est ineffabile. Embora articulado, como ente biol\u00f3gico, em conex\u00f5es heredit\u00e1rias e, como ente psicol\u00f3gico, na comunidade e na tradi\u00e7\u00e3o cultural \u2014", "por assim dizer, na intersec\u00e7\u00e3o de duas linhas, o cabedal heredi- t\u00e1rio e o perimundo \u2014 ele n\u00e3o \u00e9 mera etapa destes, e, sim, de um modo ou doutro, ele mesmo, \u00fanico, por si, concretamente hist\u00f3rico como plenitude do presente, como onda incompar\u00e1vel singular na infinidade do mar e, ao mesmo tempo, espelho do todo."], ["3. O enigma \u00e9 o limite nunca transformado em objeto como- se fosse o abrangente; em que e a partir de que, entretanto, est\u00e1 aquilo que vemos como objeto.", "N\u00e3o \u00e9 s\u00f3 do conhecimento do existir humano que emergem estes tr\u00eas", "limites, diversos pelo sentido; limites com que deparamos, \u00e1 pesquisa, quando percebemos a nitidez dos enigmas concretos. Mas \u00e9 no homem que coincidem e se preenchem, de maneira peculiar, com aquilo que cha- mamos liberdade. Conhecemos, em n\u00f3s pr\u00f3prios o que, entretanto, n\u00e3o re- conhecemos, nem experimentamos alhures a n\u00e3o ser pela comunica\u00e7\u00e3o com outros indiv\u00edduos. O que n\u00e3o existe para o conhecimento torna-se, no entanto, indiretamente sens\u00edvel no conhecimento do existir humano medi- ante incalculabilidades, irregularidades, dist\u00farbios que inquirimos quando queremos. apreender o homem de maneira suficiente, puramente objetiva. Mas \u00e9 para a liberdade autoexperimentada que se volta o esclarecimento filos\u00f3fico. Faremos aqui os seguintes coment\u00e1rios, apenas:"], ["1. Na medida em que o evento emp\u00edrico \u00e9 necessariamente cognosc\u00edvel", "segundo certas regras e na medida em que se podem apontar empirica- mente certos fatos, n\u00e3o- h\u00e1 liberdade. A nega\u00e7\u00e3o- da liberdade \u00e9 significa- tiva, empiricamente, mas tamb\u00e9m limitada ao terreno da objetividade em- piricamente cognosc\u00edvel. \u00c9 in\u00fatil \u2014 e faz suspeitar da pr\u00f3pria liberdade \u2014 tentar provar a liberdade com base na experi\u00eancia obrigat\u00f3ria. A liberdade n\u00e3o e objeto do conhecimento investigativo. A alternativa n\u00e3o \u00e9 eu assi- nal\u00e1-la empiricamente ou n\u00e3o, e sim eu querer ou n\u00e3o assumir a respon- sabilidade pela frase \u201cN\u00e3o h\u00e1 liberdade alguma\u201d e suas consequ\u00eancias.", "2. O homem n\u00e3o vive e viv\u00eancia apenas, mas sabe disso. Na atitude em", "rela\u00e7\u00e3o a si mesmo pode a si mesmo ultrapassar-se. O que eu sei j\u00e1 n\u00e3o sou meramente; mas, sim, pelo meu saber, aquilo que eu sei de mim mesmo torna-se outro. Todo existir emp\u00edrico, que eu sou, tem de esclare- cer-se de refer\u00eancia \u00e0 minha liberdade: de que modo esta nele existe; de que modo ele pode transformar-se pela apropria\u00e7\u00e3o; de que maneira atua para servir ou limitar a liberdade."], ["3. A liberdade est\u00e1, formalmente, presente em toda compreensibili- dade. Tanto quanto compreendo, reconhe\u00e7o liberdade impl\u00edcita. A nega\u00e7\u00e3o"], ["radical da liberdade levaria a renunciar \u00e0 compreens\u00e3o.", "4. A experi\u00eancia dos limites e o reconhecimento da liberdade t\u00eam ocor-", "rido com frequ\u00eancia, mas ao mesmo tempo, t\u00eam vindo a transformar-se em ponto de partida para novo erro: para a convers\u00e3o da liberdade em ob- jeto ulterior do conhecimento, em fator do evento. Ideler, por exemplo, for- mulou, com acerto, que \u201ca liberdade moral \u00e9 conceito originado da raz\u00e3o, antecedente a toda experi\u00eancia e nascido de uma necessidade interna; conceito que est\u00e1 fora do campo da investiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica.\u201d Mas Ideler aplicou erradamente esta frase filos\u00f3fica, pretendendo conceber a origem e a evolu\u00e7\u00e3o das doen\u00e7as mentais com base na luta entre a livre autodeter- mina\u00e7\u00e3o e a paix\u00e3o; o que fez foi objetificar a liberdade em fator dentro do evento natural. Desta forma, contrapondo-se ao princ\u00edpio que, por um mo- mento, reconhecera verdadeiro, n\u00e3o s\u00f3 restringiu a liberdade, como a in- verteu, com todas as consequ\u00eancias para um psiquiatra que se extravia em sua concep\u00e7\u00e3o do ser humano. \u00c9 errado colocar lado a lado natureza e liberdade (vida e mente) como se fossem fatores no mesmo plano; como se ambos interatuassem um sobre o outro. O que acontece, realmente, \u00e9 que uma forma conceituai sempre encontra limites: seja ci\u00eancia natural, seja compreens\u00e3o e, junto com esta, ilumina\u00e7\u00e3o; n\u00e3o, entretanto, para incorpo- rar novos fatores de esclarecimento, e sim para perceber sua pr\u00f3pria limi- ta\u00e7\u00e3o, no todo, ante o existir. Assim \u00e9 que a causalidade esbarra na liber- dade e vice-versa; assim \u00e9 que a compreens\u00e3o esbarra na incompreensibi- lidade, quer se trate da causalidade biol\u00f3gica, quer da exist\u00eancia mesma."], ["\u00a7 2. A Quest\u00e3o Da Ess\u00eancia Do Homem", "Os retrospectos \u00e0 psicopatologia levaram \u00e0 quest\u00e3o da ess\u00eancia do ho- mem, quest\u00e3o a que t\u00eam respondido a biologia, a antropologia, a teologia, e a filosofia. Tema vast\u00edssimo, limitar-nos-emos a coment\u00e1-lo com umas poucas observa\u00e7\u00f5es, que tiro de outros escritos meus, nos quais se encon- tram a exposi\u00e7\u00e3o e a fundamenta\u00e7\u00e3o do que vai aqui brevemente esbo- \u00e7ado.1"], ["a) A atitude filos\u00f3fica b\u00e1sica."], ["Vamos expor, numa s\u00e9rie de frases curtas, os pressupostos sob os", "1 Para esclarecer a ideia da ess\u00eancia do homem, s\u00e3o importantes, sobretudo, Plat\u00e3o, Sto. Agostinho, Pascal, Kant,", "Kierkegaard, Nietzsche.", "quais (e s\u00f3 sob eles), se pode representar de forma significativa a ess\u00eancia do homem.", "1. Dizemos, por exemplo: O homem existe, a qualquer momento, como", "um todo. Caminha, como indiv\u00edduo, pelo mundo, \u00e9 uma coisa \u2014 este corpo \u2014 no espa\u00e7o; isso constitui, por\u00e9m, a modalidade conceituai mais externa. Se eu trato, digamos, o homem como sendo esse todo corp\u00f3reo, aniquilo o pr\u00f3prio homem, que se transforma, corpo que \u00e9, num peda\u00e7o de mat\u00e9ria, a qual preenche o espa\u00e7o; alguma coisa que pode servir, talvez, como pe\u00e7a de uma m\u00e1quina etc. Mas se eu vejo o homem como esse corpo particular, sou levado, sem mais tardar, mesmo concebendo biologica- mente o todo corp\u00f3reo, por uma quantidade de tangibilidades que nunca s\u00e3o o todo. Nada no homem \u00e9 diferente do que ocorre em qualquer ente vivo, mesmo uma planta, mesmo o mundo total. Assim que se concebam para fins de conhecimento, todos esses objetos se dilaceram. O todo mais n\u00e3o \u00e9 do que ideia e muitas- ideias existem."], ["2. Ter\u00edamos o todo singular se pud\u00e9ssemos preencher o sentido de uni- dade; sentido este que, entretanto, \u00e9 m\u00faltiplo; por exemplo: o objeto singu- lar \u00e9 o objeto que tenho, a qualquer momento, quando penso, diante de mim (a unidade formal de tudo quanto se possa pensar). \u2014 O indiv\u00edduo singular \u00e9 uma unidade infinita: se tivermos de conhec\u00ea-lo, ele se partir\u00e1 em muitas modalidades de individualidade; quando o conhecermos, per- der\u00e1 sua unidade em favor dessas unidades que \u00e9. \u2014 A exist\u00eancia singular \u00e9 pensamento filos\u00f3fico que, em idea\u00e7\u00e3o transcendente, usa a singulari- dade no esclarecimento da incondicionalidade da exist\u00eancia. Quando co- nhecemos, apreendemos unidades; nunca, entretanto, a unidade final, nem a do indiv\u00edduo, nem a da exist\u00eancia.", "3. Quando conhecemos, possu\u00edmos todo o existir na cis\u00e3o sujeito-ob-", "jeto, apenas, isto \u00e9, como objeto de nossa consci\u00eancia, tal qual se apre- senta, cindido, a esta consci\u00eancia em geral; e n\u00e3o tal qual \u00e9 em si. \u00c9 por isto que, na realidade emp\u00edrica, s\u00f3 temos o existir na forma por que se nos apresenta, dentro das categorias da consci\u00eancia, como fen\u00f4meno que ocorre nas muitas modalidades b\u00e1sicas da experi\u00eancia, da explicabilidade, da compreensibilidade."], ["4. Porque conhecemos fen\u00f4menos e n\u00e3o o existir em si mesmo, esbar- ramos, quando conhecemos, em limites que fazemos sens\u00edveis mediante conceitos marginais. Os conceitos marginais (por exemplo, \u201cexistir em si\u201d) n\u00e3o s\u00e3o vazios, e sim podem preencher- se mediante uma realidade pre- sente; n\u00e3o dizem respeito a um objeto, mas \u00e0quilo que me suporta e me"], ["abrange com toda a objetividade.", "5. As modalidades daquilo que \u00e9 abrangente n\u00e3o se conhecem, decerto,", "mas se esclarecem. O abrangente \u00e9 o existir em si (mundo e transcend\u00ean- cia), ou o abrangente que n\u00f3s somos. Inverte-se nossa ideia basicamente quando queremos transformar o abrangente em objeto e, por sua vez, trat\u00e1-lo como alguma coisa poss\u00edvel de conhecer. Nosso pensamento pode tocar e representar mais do que lhe \u00e9 poss\u00edvel transformar em objeto do conhecimento; representa\u00e7\u00e3o esta que n\u00e3o nos aumenta o saber objetivo, mas nos ensina a ver em seus limites o sentido e a aplicabilidade desse saber. \u00c9 do abrangente que emerge diante de n\u00f3s, vem a nosso encontro, toda objetividade, mostrando o existir em perspectivas e aspectos de tipo necess\u00e1rio e geralmente v\u00e1lido; por conseguinte, cognosc\u00edvel. Mas o abran- gente, mostrando-se no fen\u00f4meno do conhecimento progressivo cada vez mais rico e mais variado, sempre reflui e permanece inobjetivo em si mesmo."], ["6. O abrangente que temos de esclarecer \u00e9 de variados tipos (o existir em si e o existir que somos). Representar o abrangente que somos (existir, consci\u00eancia em geral, mente \u2014 raz\u00e3o e exist\u00eancia mesma) \u00e9 fundamental para a filosofia do existir humano.", "7. A consci\u00eancia do abrangente recalca para a profundidade o conheci- mento do fen\u00f4meno. O cognosc\u00edvel, movendo-se sempre no fen\u00f4meno, \u00e9 de primeiro ou segundo plano. Para a consci\u00eancia filos\u00f3fica, todo cognosc\u00edvel possui, por assim dizer, uma linguagem, uma esp\u00e9cie de c\u00f3digo, cuja es- cuta impulsiona para diante nossa \u00e2nsia de saber. \u201c\u00c9 assim\u201d, \u201cIsso acon- teceu\u201d, \u201cH\u00e1 isso\u201d s\u00e3o express\u00f5es que manifestam este espanto quando se ouve.", "8. Como em todas as ci\u00eancias, tamb\u00e9m na psicopatologia nos cabe fa- zer sens\u00edveis os limites, ver os enigmas concretos, a fim de, por uma parte, percebermos o espa\u00e7o livre multilateral da investiga\u00e7\u00e3o cient\u00edfica em cada um de seus m\u00e9todos poss\u00edveis; e a fim de, por outro lado, n\u00e3o ultrapassar- mos os limites da ci\u00eancia, quando avaliamos e utilizamos os respectivos resultados. S\u00f3 ent\u00e3o, exatamente pela ci\u00eancia, \u00e9 que podemos, quando es- barramos nos limites, sentir o abrangente de maneira \u00fanica, insubstitu\u00ed- vel, al\u00e9m de evitar a esquematiza\u00e7\u00e3o por sua vez erroneamente racional desse abrangente. para a teoria e a pr\u00e1tica quando lidamos com o homem."], ["b) A imagem, do homem.", "Nos m\u00e9todos de investiga\u00e7\u00e3o do existir humano, n\u00e3o emerge qualquer imagem unit\u00e1ria do homem, e sim muitas imagens, cada uma com for\u00e7a que lhe \u00e9 peculiar, impositiva. A investiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica, a apreens\u00e3o com- preensiva do homem, o esclarecimento filos\u00f3fico t\u00eam sentido diverso. \u00c9 erro proceder, quando se conhece o homem, como se todos os conheci- mentos a seu respeito estivessem num s\u00f3 plano, como se tiv\u00e9ssemos antes n\u00f3s o homem como objeto, que seria singular e cujo existir conhecer\u00edamos como um todo, em suas causas e efeitos.", "Quando se indaga se a multiplicidade do conhecimento do homem \u00e9"], ["provis\u00f3ria e se pode, em princ\u00edpio, ser elevada a uma vasta unidade abrangente, a resposta \u00e9: A investiga\u00e7\u00e3o fatual tem ensinado que a multi- plicidade metodol\u00f3gica s\u00f3 se separa com mais nitidez, de refer\u00eancia \u00e0 sua diversidade de significa\u00e7\u00e3o, pela experi\u00eancia dos respectivos resultados; mais ainda: ensina que o que, decerto, se procura e se encontra, quando se pesquisa, s\u00e3o rela\u00e7\u00f5es multilaterais daquilo que se diversifica; n\u00e3o \u00e9, entretanto, o princ\u00edpio da unidade que se descobre, e sim apenas emergem ideias de unidades relativas. Tudo isso \u00e9, filosoficamente, conceb\u00edvel, por- que, na medida em que se pode investigar, empiricamente, o homem como objeto do conhecimento, n\u00e3o h\u00e1 liberdade humana. Mas, na medida em que vivenciamos, atuamos, investigamos, somos livres em nossa autocer- teza e, por isso, h\u00e1 mais coisas' investig\u00e1veis do que aquelas acess\u00edveis \u00e0 nossa investiga\u00e7\u00e3o. O pr\u00f3prio doente, transformado em objeto, n\u00e3o \u00e9 livre, como tal, mas vive, como ele mesmo, se aceitamos a liberdade num sen- tido ou noutro. Noutras palavras: Se houvesse conclus\u00e3o emp\u00edrica do ho- mem, divis\u00e3o completa de seu existir como existir poss\u00edvel de investigar, liberdade alguma haveria. Se, tendo em vista as divis\u00f5es que estamos sempre fazendo do homem em partes, componentes, membros, fatores, in- dagamos por que \u00e9 que as h\u00e1, s\u00f3 estas e n\u00e3o outras, a resposta \u00e9 a se- guinte: Talvez haja ainda v\u00e1rias outras; h\u00e1, certamente, outras divis\u00f5es. A multiplicidade dos m\u00e9todos e aspectos, a fragmenta\u00e7\u00e3o do existir humano como objeto da investiga\u00e7\u00e3o, a inconclusividade \u00e9 a verdade fundamental do conhecimento do homem no todo. Falha quem tentar apreender o ho- mem no todo de maneira conclusiva e geral, porque cada coisa que se apreende \u00e9 finita, isolada, n\u00e3o \u00e9 o pr\u00f3prio homem."], ["T\u00eam surgido muitas imagens do existir humano: A consci\u00eancia como palco em que ocorrem certos fen\u00f4menos, capaz, palco que \u00e9, de apresentar v\u00e1rios estados, ou cenas. \u2014 A estrutura\u00e7\u00e3o da psique vivenciante em per- cep\u00e7\u00e3o, representa\u00e7\u00e3o, idea\u00e7\u00e3o, sentimento, instinto, vontade (ou em mais"], ["ou menos membros). \u2014 A vida como arco reflexo, que a est\u00edmulos externos responde para fora, afinal, com retroefeitos, numa edifica\u00e7\u00e3o interna com- plicada, mediante -sele\u00e7\u00e3o e transforma\u00e7\u00e3o. \u2014 O todo como aparelho pro- dutivo. \u2014 A vida num mundo que, com ela, se configura num todo. \u2014 A ess\u00eancia b\u00e1sica do homem como auto-objetifica\u00e7\u00e3o pela express\u00e3o, pelos atos, pelo mundo, pela obra. \u2014 Sua estrutura como unidade de conex\u00f5es compreens\u00edveis ou causais. \u2014 Seu existir como existir biol\u00f3gico (antropo- logia), como configuramento cultural (hist\u00f3ria), como materializa\u00e7\u00e3o hist\u00f3- rica do indiv\u00edduo (esclarecimento existencial). \u2014 O todo formado de corpo e alma (dualismo), de corpo, alma, mente (trialismo), da unidade corpo- alma (monismo). \u2014 As varia\u00e7\u00f5es das possibilidades humanas b\u00e1sicas numa multiplicidade de constitui\u00e7\u00f5es e caracteres.", "c) Esquema filos\u00f3fico do abrangente que n\u00f3s somos"], ["A quest\u00e3o concernente ao que \u00e9, propriamente, o homem sempre le- vou, dentro da psicopatologia, \u00e0s totalidades. Entretanto, cada totalidade que se nos apresenta, no processo investigativo, se a medimos pelo abran- gente do existir humano, \u00e9 um fen\u00f4meno; assim se d\u00e1 com rela\u00e7\u00e3o \u00e0 per- sonalidade, quando falamos nela como car\u00e1ter compreens\u00edvel, t\u00edpico. Os esquemas \u2014 todos eles \u2014 do existir humano que vemos de maneira obje- tiva e com que operamos cientificamente n\u00e3o s\u00e3o o abrangente, mas nele se cont\u00eam, por ele s\u00e3o envolvidos.", "A tend\u00eancia moderna da psicopatologia \u00e9 afrouxar todas as unidades e"], ["totalidades. A questionabilidade da unidade nosol\u00f3gica foi o primeiro passo. As unidades das constitui\u00e7\u00f5es e dos bios s\u00e3o igualmente question\u00e1- veis. Mas que \u00e9 que podem substituir as ideias, antigamente v\u00e1lidas, da totalidade? \u00c9 in\u00fatil falar em elementos novos, componentes, radicais, \u00e1to- mos, gens ps\u00edquicos, pois n\u00e3o se chega ao todo como constru\u00e7\u00e3o destes elementos, sempre surgindo uma realidade ulterior no espa\u00e7o do abran- gente. Se esclarecermos esse espa\u00e7o do abrangente, realizaremos uma in- terioriza\u00e7\u00e3o daquilo que somos e podemos ser, mas n\u00e3o ficaremos sa- bendo o que \u00e9. Se falarmos nisso, poderemos ser tentados a tomar, por sua vez, aquilo que se disse como teoria dos componentes do existir 'hu- mano. Vamos assinalar, brevemente, para o fim de precaver-nos desta ilu- s\u00e3o, quanto \u00e9 inobjetivo apreender o abrangente que somos pela multipli- cidade dos espa\u00e7os em que nos encontramos."], ["Independentes de n\u00f3s, s\u00e3o reais o abrangente do mundo (segundo o conceituou Kant, o mundo n\u00e3o \u00e9 objeto, mas ideia; o que conhecemos est\u00e1", "no mundo, nunca \u00e9 o mundo) e o abrangente da transcend\u00eancia. Nesse abrangente, o homem atinge o existir, que \u00e9 real mesmo sem ele, mesmo que n\u00e3o saiba desse existir; mas s\u00f3 \u00e9 real conforme lhe aparece em geral, na cis\u00e3o sujeito- objeto da consci\u00eancia e conforme lhe fala. Tem outro sen- tido o abrangente entendido como o abrangente que somos n\u00f3s pr\u00f3prios:"], ["1. Somos exist\u00eancia, isto \u00e9, somos vida num mundo, como tudo quanto vive. O abrangente daquilo que vive torna-se objeto nos produtos da vida, nos quais, por\u00e9m \u2014 quer seja forma corp\u00f3rea, fun\u00e7\u00e3o fisiol\u00f3gica, conex\u00e3o estrutural de base heredit\u00e1ria da vida inteira, quer seja ferra- menta, a\u00e7\u00e3o, constru\u00e7\u00e3o humanas \u2014 a vida mesma nunca se esgota; e sim subsiste o abrangente do qual tudo isso se origina. O existir preenche- se em sua manifesta\u00e7\u00e3o pelo fato de nele se introduzirem, por ele serem portadas ou sujeitas a seu servi\u00e7o as modalidades do abrangente que se seguem.", "2. Somos consci\u00eancia em geral, isto \u00e9, participamos na validez geral, que permite ao sujeito saber em formas, na cis\u00e3o do existir em sujeito e objeto, toda a objetividade. S\u00f3 o que aparece nessa consci\u00eancia \u00e9 que \u00e9 existir para n\u00f3s. Somos abrangente no qual tudo que existe pode ser men- tado, sabido, conhecido, tocado, ouvido, dentro das formas objetivas.", "3. Somos mente, isto \u00e9, a totalidade eventual, que as ideias- guiam, de conex\u00f5es compreens\u00edveis em n\u00f3s mesmos e naquilo que produzimos, faze- mos e pensamos. Estas tr\u00eas modalidades do abrangente que somos engrenam-se entre si, mas sem coincidir, apenas ro\u00e7ando uma na outra. S\u00e3o as modalidades em que constitu\u00edmos puras iman\u00eancias; na objetifica\u00e7\u00e3o e subjetifica\u00e7\u00e3o deste abrangente aparecemos, adequada e empiricamente, como objeto da investiga\u00e7\u00e3o biol\u00f3gica e psicol\u00f3gica; com o que, entretanto, n\u00e3o nos esgo- tamos, porque vivemos a partir de uma origem que ultrapassa a exist\u00ean- cia, \u00e0 medida que esta se torna, empiricamente, objetiva; que ultrapassa a consci\u00eancia em geral e a mente; e isso como exist\u00eancia poss\u00edvel e como ra- z\u00e3o propriamente. Essa origem de nosso ser, que escapa \u00e0 investiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica de toda sorte e s\u00f3 se esclarece pelo autoesclarecimento filos\u00f3fico, manifesta-se: 1) na insufici\u00eancia que o homem experimenta em si, porque nele h\u00e1 permanente inadapta\u00e7\u00e3o \u00e0 sua exist\u00eancia, ao seu saber, ao seu mundo mental; 2) na incondicionalidade a que ele se submete como se fosse seu pr\u00f3prio ser, ou como se fosse aquilo que a este ser \u00e9 compreens\u00ed- vel, \u00e9 v\u00e1lido, \u00e9 dito; 3) no impulso incessante para a unidade, porque o ho- mem nunca est\u00e1 satisfeito com certa modalidade do abrangente por si,", "nem com todas elas juntas; aspira \u00e0 unidade b\u00e1sica, \u00e0 unidade que, s\u00f3 ela, \u00e9 existir e eternidade; 4) na consci\u00eancia de uma recorda\u00e7\u00e3o inapreen- s\u00edvel, como se houvesse existido desde o come\u00e7o da cria\u00e7\u00e3o, como \u201cse par- tilhasse de uma ci\u00eancia com a cria\u00e7\u00e3o\u201d (Schelling); ou ainda como se pu- desse lembrar-se de alguma coisa vista antes de qualquer existir universal (Plat\u00e3o); na consci\u00eancia da imortalidade, que n\u00e3o \u00e9 sobreviv\u00eancia em outra forma, mas ocultamente atemporal na eternidade, a qual se lhe apresenta com o aspecto de modo de prosseguimento cont\u00ednuo no tempo."], ["d) A incompletabilidade do homem.", "Nem o esclarecimento filos\u00f3fico leva a qualquer esquema un\u00edvoco do homem. Pelo contr\u00e1rio, na interioriza\u00e7\u00e3o transcendente do abrangente, ele se mostra sempre atrav\u00e9s de v\u00e1rias origens; da\u00ed permanecer sua aspira\u00e7\u00e3o \u00e0 singularidade que ele n\u00e3o \u00e9, nem possui. \u00c9 nisso que reside o incomple- tamento ou a fragmentariedade do homem, esta impondo complementa\u00e7\u00e3o a partir de outra origem que fundamente e inteire, em oposi\u00e7\u00e3o a todas as origens abrangentes do indiv\u00edduo. \u00c9 o que n\u00e3o se consegue, temporal- mente, sen\u00e3o pelas desilus\u00f5es antecipativas, porque a imposi\u00e7\u00e3o s\u00f3 pode realizar-se no tempo mediante uma f\u00e9 que n\u00e3o possui, n\u00e3o v\u00ea, mas confia, no contexto' da tradi\u00e7\u00e3o religiosa dos entes que o indiv\u00edduo ama e venera."], ["Pelas modalidades do abrangente \u2014 em cada uma delas, a possibili- dade ilimitada \u2014 e pela multiplicidade respectiva, compreendemos a aber- tura do existir humano, que \u00e9, ao mesmo tempo, sua incompletabilidade. N\u00e3o \u00e9 no esquema objetivo de sua ess\u00eancia, e sim nesta sua possibilidade infinita, em suas lutas inevit\u00e1veis, em suas insolubilidades, que vemos a ess\u00eancia do homem.", "1. O homem como possibilidade aberta. O homem \u00e9 \u201co animal n\u00e3o defi-", "nido\u201d (Nietzsche), o que deve significar: Os animais realizam sua vida em trilhas pr\u00e9-designadas, uma gera\u00e7\u00e3o tal qual a outra, bem equipada na es- pecializa\u00e7\u00e3o de sua forma vital peculiar. Mas o homem n\u00e3o \u00e9 for\u00e7ado a uma trilha definitiva fatal; \u00e9 sim, pl\u00e1stico e capaz de transforma\u00e7\u00f5es infini- tas. Ao passo que os animais vivem seguros em sua exist\u00eancia, confiante- mente levados por seus instintos onipotentes, o homem porta em si uma inseguran\u00e7a. Porque nenhuma modalidade vital absolutamente definitiva o predetermina, ele tem oportunidades e riscos, engana-se, s\u00e3o poucos seus instintos, \u00e9, por assim dizer, \u201cdoente\u201d, deixado^ a uma op\u00e7\u00e3o que tem de fazer livremente."], ["\u00c9 como se todos os animais, desde tempos remotos e mediante- rendi-", "mentos especializados culminantes, tivessem entrado num beco do qual n\u00e3o mais pudessem sair, por assim dizer, enquanto o homem teria conser- vado a possibilidade total. Da\u00ed dizer-se a seu respeito que \u00e9, basicamente, tudo (Arist\u00f3teles escreve que a alma, a bem dizer, \u00e9 tudo). Nele sempre ainda pode atuar o fundamento mais distante de que proveio. Se, por for\u00e7a dessa plasticidade, \u00e9 incompleto, nem por isso sua imperfei\u00e7\u00e3o deixa de conter algum futuro. O homem ainda \u00e9 capaz, pelo seu fundamento, de al- guma coisa que n\u00e3o sabe; pode, ludicamente, antecipar e iluminar o cami- nho a seguir com objetivos verdadeiros, fant\u00e1sticos e ut\u00f3picos.", "Capaz de tudo abranger em sua possibilidade, n\u00e3o se determina em", "sua ess\u00eancia. N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel reduzi-lo a um denominador^ visto n\u00e3o obe- decer a qualquer especializa\u00e7\u00e3o. N\u00e3o se pode subordin\u00e1-lo a uma esp\u00e9cie, porque, a rigor, esp\u00e9cie alguma se lhe assemelha."], ["Sempre que se determina, deixa de ser, determinado que \u00e9, o homem inteiro. Em tudo quanto se determina, o homem coloca- se em situa\u00e7\u00e3o tal que \u00e9 como se fizesse certa tentativa de que pudesse retroceder, pelo fato de subsistir a possibilidade na base de sua ess\u00eancia; n\u00e3o no indiv\u00edduo particular, \u00e9 certo, naquele que se identifica com sua realiza\u00e7\u00e3o, quando possui conte\u00fado, mas no indiv\u00edduo como ente que se sucede atrav\u00e9s das gera\u00e7\u00f5es."], ["2. O homem, na luta consigo mesmo. O fato de o homem n\u00e3o ser um ente definido, que realiza univocamente seus c\u00edrculos predeterminados, mostra-se na maneira por que est\u00e1 em luta consigo mesmo. Ele n\u00e3o \u00e9 a mera s\u00edntese necess\u00e1ria de contrastes, conforme esta se realiza em tudo quanto vive; n\u00e3o \u00e9, apenas, o movimento sint\u00e9tico-dial\u00e9tico, necess\u00e1rio e, como tal, compreens\u00edvel, da mente; \u00e9, sim, luta radical a partir de suas origens mesmas. Por conseguinte, h\u00e3o de ver-se configuramentos de sua luta numa s\u00e9rie de passos que correspondem a toda vida, chegando, por fim, \u00e0 humanidade propriamente dita: mundo, subst\u00e2ncia e forma, interioridade e exterioridade.", "bb) O homem, na sociedade, est\u00e1 nas tens\u00f5es entre vontade individual", "e vontade coletiva; esta \u00faltima, na tens\u00e3o entre vontade humana e von- tade social.", "cc) O homem, como pensamento, est\u00e1 na tens\u00e3o entre sujeito e objeto,", "si-mesmo e coisa, bem como nas antinomias inevit\u00e1veis em que a raz\u00e3o"], ["falha.", "dd) O homem, como esp\u00edrito ou mente, est\u00e1 no movimento construtivo", "que se faz atrav\u00e9s de contrastes. A contradi\u00e7\u00e3o \u00e9 o aguilh\u00e3o que impulsi- ona seu movimento criativo; contradi\u00e7\u00e3o em todos os modos da viv\u00eancia, da experi\u00eancia e do pensamento. A negatividade impregna sua manifesta- \u00e7\u00e3o mental, sem ser, no entanto, destrui\u00e7\u00e3o, mas forma de produ\u00e7\u00e3o pelas supera\u00e7\u00f5es e s\u00ednteses do devenir em evolu\u00e7\u00e3o.", "ee) Como vida, pensamento e esp\u00edrito, o homem planeja, ordena com", "consci\u00eancia, disciplina-se. Sua vontade permite-lhe fazer de seu peri- mundo e de si mesmo o que quer; vontade que, em luta permanente com a resist\u00eancia, destr\u00f3i quando, vontade formal, mecaniza e apaga a vida mesma das origens. Estando a servi\u00e7o dos conte\u00fados abrangentes, o ho- mem transforma-se, grandeza da vontade, em manifesta\u00e7\u00e3o do indiv\u00edduo que se produz na luta."], ["ff) Nem no mundo, nem para o indiv\u00edduo existe a s\u00edntese de todas as possibilidades. Antes, pelo contr\u00e1rio, toda realiza\u00e7\u00e3o genu\u00edna prende-se, de um modo ou doutro, a uma decis\u00e3o. Medida pela seriedade de seme- lhante decis\u00e3o \u2014 que, optando, tamb\u00e9m exclui e que faz do homem, ao decidir, alguma coisa incondicionada \u2014 qualquer outra luta \u00e9 tal qual mero primeiro plano, como se fosse jogo vital na rica plenitude de seus movimentos. S\u00f3 quando o homem domina, pela decis\u00e3o, uma resolu\u00e7\u00e3o que se incorpora \u00e0 sua ess\u00eancia \u00e9 que \u00e9 \u2014 existencialmente \u2014 homem."], ["gg) O autoesclarecimento da decis\u00e3o pode exprimir-se, apenas, pela consci\u00eancia em geral e pela mente, nas ant\u00edteses do pensamento. Mas a via da decis\u00e3o n\u00e3o est\u00e1 na op\u00e7\u00e3o entre duas possibilidades iguais que se t\u00eam \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o; e, sim, na op\u00e7\u00e3o com o aspecto de escolha j\u00e1 feita; as ant\u00edteses mais n\u00e3o s\u00e3o do que meio de interpreta\u00e7\u00e3o. Entretanto, a via da decis\u00e3o n\u00e3o \u00e9, apenas, s\u00edntese que equilibre possibilidades; n\u00e3o \u00e9 concilia- \u00e7\u00e3o no todo, mas conquista na luta contra alguma coisa diferente. \u00c9 a his- toricidade concreta, que haja fixado base e objetivo antes e depois de quaisquer contrastes, contrastes nos quais ela, interpretando-se, tenha separado o existir, durante um momento.", "Estas ant\u00edteses de sentido existencial s\u00e3o aquelas da f\u00e9 e da descren\u00e7a,", "do abandono e da obstina\u00e7\u00e3o, da lei do dia e da paix\u00e3o da noite,1 da von- tade de viver e da \u00e2nsia de morrer."], ["Na decis\u00e3o sempre h\u00e1, absoluto, o contraste entre bom e mau, verda-", "deiro e falso. N\u00e3o se questionam, aqui, no que diz respeito \u00e0 temporali- dade, estes contrastes (porque exprimem a incondicionalidade). Entre- tanto, n\u00e3o os concebemos como o absolutamente derradeiro no pr\u00f3prio existir; mas, apenas, como o derradeiro para o homem na exist\u00eancia tem- poral; o homem pode, todavia, sentir os seus limites e, interiormente, ten- der para aquele ponto em que cessa tudo quanto o obriga \u00e0 decis\u00e3o incon- dicionada no fen\u00f4meno temporal; isto \u00e9, tender para esse s\u00edmbolo e essa garantia do existir eterno no tempo."], ["3. A finitude do homem e seu autoesclarecimento. Em parte alguma o homem est\u00e1 por si s\u00f3, mas dependendo de alguma coisa outra. Como exis- t\u00eancia, depende de seu perimundo e de sua proced\u00eancia. Quando conhece, precisa da vis\u00e3o que deve ter-lhe sido dada (o mero pensar permanece va- zio). Quando realiza seu existir, est\u00e1 preso a tempo limitado, a for\u00e7a limi- tada, a resist\u00eancias; tem de apreender a finitude para tornar-se real, tem, por esta forma, de especializar-se, nunca pode completar-se. Tem de apar- tar-se da vida, depois de criar os pressupostos que lhe s\u00e3o necess\u00e1rios para sequer poder come\u00e7ar. Sendo si-mesmo, n\u00e3o se cria a si pr\u00f3prio: tem de ser presenteado, sem saber de onde. N\u00e3o \u00e9 livre por si mesmo, mas \u00e9 mediante a liberdade que sabe da transcend\u00eancia pela qual \u00e9 livre no mundo. O homem s\u00f3 pode produzir-se apreendendo alguma coisa dife- rente; s\u00f3 pode conhecer- se mentando e conhecendo alguma outra coisa; s\u00f3 pode confiar em si confiando nalguma outra coisa, a transcend\u00eancia; da\u00ed por que o tipo de homem se determina pelo que ele sabe, pelo que cr\u00ea. si mesmo como ente finito. Quanto mais claramente sabe, quanto mais profundamente vivencia, experimenta a finitude e, ao mesmo tempo, a fa- lha radical de toda forma de sua exist\u00eancia e sua atua\u00e7\u00e3o. Igualmente n\u00e3o lhe bastam, como tais, todas as outras coisas finitas, que, em suma, se chamam mundo. Todo existir mundano, por mais fundamente que o apre- enda, por mais intensamente que nele participe, o deixa, entretanto, insa- tisfeito.", "Todavia, o fato de o homem sentir em toda parte essa finitude e de ela n\u00e3o lhe bastar, indica uma possibilidade oculta em sua ess\u00eancia: deve ha- ver uma raiz de seu existir outra que n\u00e3o seja a raiz apenas de sua fini- tude. Se n\u00e3o tivesse pr\u00e9-ci\u00eancia daquilo que n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel saber, faltar- lhe-ia o anseio da procura. O homem procura o pr\u00f3prio existir, a infini- tude, a alteridade. S\u00f3 pode satisfaz\u00ea-lo o fato de que isso existe."], ["J\u00e1 o existir humano pode dar-lhe esta satisfa\u00e7\u00e3o, desde que uma infi-", "nitude se manifeste no fen\u00f4meno finito. O homem conhece a satisfa\u00e7\u00e3o profunda da experi\u00eancia mundana, do trato com a natureza; sabe ler o seu c\u00f3digo, satisfaz-se penetrando no conhecimento do cosmos, encon- trando o ser-assim. O mundo existe sem o eu, embora ele seja sempre, na medida em que sei, fen\u00f4meno que se apresenta entre as condi\u00e7\u00f5es do exis- tir para a consci\u00eancia."], ["Na dire\u00e7\u00e3o transcendente da certeza existencial, vale para ele, de uma", "forma ou de outra, a frase: Deus existe. A hist\u00f3ria da religi\u00e3o equivale \u00e0 hist\u00f3ria das ideias pelas quais o homem procurou atingir a divindade; e nada mais nos pode ensinar sen\u00e3o estas ideias como tais. O pr\u00f3prio ho- mem sabe, no entanto, que n\u00e3o cria com suas ideias, mas que subsiste aquela primeira afirmativa: Deus existe. Em suas falhas, foi o que bastou ao homem, como no caso de Jeremias. A finitude humana aquieta-se com a f\u00e9 na exist\u00eancia de Deus.", "Perder-se-ia, entretanto, a consci\u00eancia de si mesmo na dial\u00e9tica errada que em si se conclua: o homem \u00e9 Deus criador, criado por Deus; esta afir- mativa permanece no c\u00edrculo da iman\u00eancia para a qual \u00e9 v\u00e1lida a frase er- rada: o homem \u00e9 tudo.", "4. O infinito no finito e a falha de qualquer finitude do homem. A cons-", "ci\u00eancia de sua finitude impele o homem a romper atrav\u00e9s de tudo quanto \u00e9 finito. Mas cada passo que d\u00e1 \u00e9 condicionado pela finitude; \u00e9 s\u00f3 na medida em que busca a finitude e a apreende que se torna real. No entanto, sendo falsa para ele, ao mesmo tempo, toda finitude, n\u00e3o \u00e9 dado fix\u00e1-la, mas tem de ultrapass\u00e1-la. N\u00e3o h\u00e1 d\u00favida de que pode retroceder de qualquer fini- tude particular \u2014 este \u00e9 o sinal formal de sua infinitude; mas precisa sem- pre permanecer, decididamente, numa finitude (a finitude que brilha na sua decis\u00e3o e que, simult\u00e2nea, se toma mais do que finita) \u2014 este \u00e9 o sinal de sua finitude; e s\u00f3 ela lhe permite realizar sua exist\u00eancia no tempo."], ["H\u00e1 para ele, ent\u00e3o, uma duplicidade: a possibilidade infinita fala no homem, partindo de seus fundamentos, protege-o contra que se perca em sua finitude; mas tamb\u00e9m lhe imp\u00f5e a encarna\u00e7\u00e3o na finitude, encarna- \u00e7\u00e3o que realiza sua decis\u00e3o de fixar-se em identifica\u00e7\u00e3o absoluta no tempo.", "N\u00e3o h\u00e1 unifica\u00e7\u00e3o do homem com seu mundo, sua atua\u00e7\u00e3o, seu pen- samento, sua finitude que n\u00e3o ultrapasse esta \u00faltima, ao mesmo tempo. O fato de ele estar preso a uma finitude leva a que toda finitude como tal deva falhar em rela\u00e7\u00e3o ao homem. Vamos dar exemplos:"], ["aa) Os conte\u00fados de f\u00e9 religiosos e filos\u00f3ficos. O homem s\u00f3 pode com-", "preender sua vincula\u00e7\u00e3o \u00e0 exist\u00eancia mediante ideias e pensamentos; mesmo, por\u00e9m, o que se lhe afigura conte\u00fado de suas ideias e pensamen- tos n\u00e3o \u00e9, como tal, o existir. O que ele cr\u00ea tem de mostrar-se-lhe atrav\u00e9s de ideias e pensamentos; sem os quais afunda no niilismo. Todos os pen- samentos e ideias precisam, no entanto, decompor-se, por sua vez, por- que, como tais, o iludem."], ["Assim, pois, n\u00e3o h\u00e1 f\u00e9 religiosa sem esteios sensoriais tang\u00edveis, sem assertivas dogm\u00e1ticas. Quem n\u00e3o vive com estas, considerando-as verda- deiras e reais, n\u00e3o cr\u00ea; n\u00e3o basta ver em tudo s\u00edmbolo e interpreta\u00e7\u00e3o, se estes n\u00e3o forem uma realidade mais efetiva, se n\u00e3o forem a realidade mesma em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 realidade meramente emp\u00edrica do existir no mundo. Entretanto, basta que os conte\u00fados sensoriais e dogm\u00e1ticos se enrije\u00e7am em realidade fixa, como se fossem a realidade emp\u00edrica, para que se su- prima a f\u00e9 viva, porque a substitui um saber ilus\u00f3rio. Dar finitude aos conte\u00fados de f\u00e9 \u00e9 t\u00e3o indispens\u00e1vel quanto \u00e9 necess\u00e1rio elevar essas fini- tudes a alguma coisa que as transcende, alguma coisa pela qual -elas se decomp\u00f5em, finitudes que s\u00e3o."], ["\u00c9 desta forma que a f\u00e9 filos\u00f3fica se exprime em senten\u00e7as, ou frases. Toda filosofia que se realiza acaba reduzindo a possibilidade infinita do ho- mem \u00e0 finitude das posi\u00e7\u00f5es (pontos de vista). \u00c9 por isto que, desde Pla- t\u00e3o, a filosofia viva se exprime pela finitude de posi\u00e7\u00f5es, finitude que as penetra e atravessa como tais, movimentando-se de maneira a superar to- das as posi\u00e7\u00f5es."], ["bb) Idade e morte. Como ser vivo, o homem est\u00e1 sujeito \u00e0s fases do crescimento, matura\u00e7\u00e3o, envelhecimento e, bem assim, \u00e0 morte. Mas esta sequ\u00eancia das idades pode conter no homem, do mesmo passo, o processo de sua liberdade que aparece no tempo, pois que, diversamente do arre- dondamento em c\u00edrculo, encerrando-se o qual o homem morre farto de vi- ver, h\u00e1, simult\u00e2neo, um evento que, embora ligado ao processo biol\u00f3gico, n\u00e3o termina em si, e sim pode afigurar-se progressivo, por mais avan\u00e7ada que seja a idade. O velho, decadente sob o ponto de vista biol\u00f3gico, pode ser, essencialmente, \u201cjuvenil\u201d; pode estar ainda come\u00e7ando, empreen- dendo, esperando, escutando. Portanto, a vida do homem finito asseme- lha-se, pelo fundamento de sua infinitude, a um processo ps\u00edquico purifi- cat\u00f3rio. Seguem-se \u00e0 percep\u00e7\u00e3o criativa e ao esquecimento f\u00e1cil da moci- dade a cautela da maturidade que se recorda e a pureza potencial da ve- lhice. Todas as idades n\u00e3o s\u00e3o mais do que meio para lograr essa percep-"], ["\u00e7\u00e3o, edificando-se umas sobre as outras, n\u00e3o se dissolvendo, mas se con- solidando por uma unidade que a todas transcende. A percep\u00e7\u00e3o do existir pela realiza\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica de uma psique que enfrenta riscos desde o pri- meiro passo na realidade, que se engana e se recupera, que sempre se faz mais clara, mais profunda, mais resoluta \u2014 esta \u00e9 a vida que n\u00e3o se con- clui com a sequ\u00eancia das idades, mas as atravessa, levando-as \u00e0 consci\u00ean- cia daquilo que, de fato, as abrange.", "O homem acha-se com sua finitude na infinitude. N\u00e3o pode subsistir duradoura no tempo coincid\u00eancia alguma de uma e outra; \u00e9 s\u00f3 o momento que constitui as sedes onde ambas se encontram, a fim de saltar, nova- mente e sem demora, para o fen\u00f4meno finito. \u00c9 por isto que todo procedi- mento e pensamento humano nunca deixa de estar a servi\u00e7o de alguma coisa que n\u00e3o pode apreender, alguma coisa sobre a qual atua e pela qual \u00e9 absorvido e subjugado, quer se chame destino, quer provid\u00eancia."], ["\u00c9 arrog\u00e2ncia da filosofia querer penetrar essa alteridade, querer buscar", "uma via pela qual o homem consiga, por assim dizer, peg\u00e1-la, primeiro co- nhecendo-a e, depois, planejando e agindo.", "Pela filosofia, o homem pode ver os estigmas do existir mundano e de si mesmo, a inconclusividade e incompletabilidade; n\u00e3o pode, entretanto, transformar em finitude aquilo que para ele \u00e9 sempre infinitude, nela per- manecendo, aceitando a finitude e falhando porque existe nessa situa\u00e7\u00e3o."], ["e) Resumindo em poucas palavras nossas discuss\u00f5es."], ["I. Princ\u00edpios relativos ao existir humano", "1. O homem n\u00e3o \u00e9, apenas, uma esp\u00e9cie animal, nem uma esp\u00e9cie de criatura puramente espiritual que n\u00e3o conhecemos e que, em tempos pas- sados, se julgava ang\u00e9lica. Antes, pelo contr\u00e1rio, \u00e9 \u00fanico, participando da s\u00e9rie dos entes vivos e da s\u00e9rie dos anjos, pertencente a ambas e de ambas diverso. Tem sua posi\u00e7\u00e3o pr\u00f3pria que a teologia e a filosofia sempre afir- maram e que s\u00f3 nos tempos modernos se negaram. Nas manifesta\u00e7\u00f5es de sua exist\u00eancia, vai at\u00e9 a animalidade; na base de sua ess\u00eancia, at\u00e9 a divin- dade, como transcend\u00eancia pela qual se sabe dado em liberdade.", "2. O homem \u00e9 o abrangente que n\u00f3s somos: exist\u00eancia, consci\u00eancia em geral, mente \u2014 raz\u00e3o e exist\u00eancia. E \u00e9 a via que leva \u00e0 unidade de todas as modalidades desses abrangentes. 3. O homem \u00e9 possibilidade aberta, incompleta e incomplet\u00e1vel. Da\u00ed ser sempre mais alguma coisa e outra coisa que n\u00e3o aquilo que realizou"], ["por si.", "4. O homem realiza-se em determinados fen\u00f4menos, atos, pensamen- tos, s\u00edmbolos; e volta-se sempre, por sua vez, contra cada um destes fen\u00f4- menos que se tornaram determinados, contra suas pr\u00f3prias determina- \u00e7\u00f5es. Quando j\u00e1 n\u00e3o rompe as formas fixadas, passa a nivelar-se a uma esp\u00e9cie de medianidade e abandona o rumo do existir humano.", "5. Op\u00f5em-se \u00e0 ascens\u00e3o do homem, em seu \u00edntimo, tr\u00eas formas de re- sist\u00eancia: 1) A mat\u00e9ria que lhe \u00e9 interior, sentimentos, estados, instintos, alguma coisa dada que tende a subjug\u00e1-lo. 2) Um processo permanente de encobrimento e distor\u00e7\u00e3o de tudo quanto sente, pensa, quer. 3) Uma va- cuidade da n\u00e3o-realiza\u00e7\u00e3o. \u2014 Contra estes tr\u00eas tipos de resist\u00eancia ele luta: Como material, submete-se a um trabalho interno, conformando, disciplinando, praticando-, habituando-se. Ao processo de ocultamento e distor\u00e7\u00e3o op\u00f5e o esclarecimento, a claridade e luminosidade interna. Pro- cura esquivar-se \u00e0 vacuidade pela a\u00e7\u00e3o interna, isto \u00e9, estabelecendo para si mesmo bases da decis\u00e3o, que, repetindo-se, pode fixar-se, mesmo em tempos dif\u00edceis. mento do existir humano", "1. O que o homem \u00e9 mostra-se em tr\u00eas n\u00edveis: a) Nos rumos de sua in- vestigabilidade objetiva, como criatura que aparece no mundo, mostra-se como realidade emp\u00edrica, b) Nas modalidades do abrangente, esclarece-se pelas suas origens, c) Na unidade \u2014 procurando e falhando \u2014 toma-se consciente de onde prov\u00e9m e para onde vai. S\u00f3 no primeiro n\u00edvel \u00e9 que \u00e9 acess\u00edvel \u00e0 investiga\u00e7\u00e3o cient\u00edfica.", "2. Para fins de investiga\u00e7\u00e3o emp\u00edrica, o homem \u00e9 constru\u00eddo, teorica- mente, em fatores, partes, elementos, componentes, fun\u00e7\u00f5es, for\u00e7as, nas quais consiste. Se, al\u00e9m disso, \u00e9 poss\u00edvel um esclarecimento filos\u00f3fico do existir humano, pode o mesmo constituir um fundo para aquele conheci- mento sempre particular do existir humano emp\u00edrico, sem ser, por\u00e9m, co- nhecimento em si mesmo. Tratar as ideias esclarecedoras como conheci- mento objetivo \u00e9 distor\u00e7\u00e3o b\u00e1sica da filosofia em pseudoci\u00eancia.", "3. Ao passo que em parte alguma do mundo h\u00e1 para o nosso- conheci-", "mento um existir em si, o homem est\u00e1 certo de si mesmo. Diversamente do cosmo inorg\u00e2nico, cujo conhecimento ainda paira, em princ\u00edpio, tanto quanto a psicologia do homem (embora mais unit\u00e1rio e mais sistem\u00e1tico"], ["do que esta \u00faltima, sob o ponto de vista metodol\u00f3gico), o homem tem sem- pre consci\u00eancia de si mesmo, ultrapassando qualquer conhecimento que adquira de si. Ao passo que o conhecimento esbarra em limites de todos os lados, limites nos quais j\u00e1 coisa alguma se pode apreender, d\u00e1-se que, quando nos conhecemos a n\u00f3s mesmos, esbarramos em limites nos quais, com base noutra origem, alguma coisa \u00e9 acess\u00edvel, que ser\u00e1 a realidade ig- norada.", "4. Quando investigamos o homem, n\u00e3o somos apenas espectadores de", "alguma coisa que nos \u00e9 estranha, mas seres humanos mesmos. Somos n\u00f3s pr\u00f3prios que investigamos, quando investigamos o outro. N\u00e3o inte- ressa somente saber de umas tantas coisas, mas o fato \u00e9 que s\u00f3 ficamos sabendo pelo nosso pr\u00f3prio existir humano. A exist\u00eancia em si do homem est\u00e1 sensivelmente presente quando chegamos ao limite da cognoscibili- dade, tanto naquele que conhece quanto naquele que \u00e9 conhecido. O li- mite entre o saber cient\u00edfico e o esclarecimento filos\u00f3fico est\u00e1 naquele ponto em que o objeto j\u00e1 n\u00e3o se menta como realidade psicol\u00f3gica, e sim torna-se meio de uma transcend\u00eancia para o inobjetivo. \u00c9, por exemplo, o limite entre a psicologia compreensiva e o esclarecimento existencial."], ["5. O homem como todo nunca se torna objeto do conhecimento. N\u00e3o h\u00e1 sistema do existir humano. Seja qual for a totalidade em que pensemos apreender o homem, este nos escapa. Todo conhecimento do homem ocorre em aspectos particulares; de cada vez, mostra uma realidade, n\u00e3o, por\u00e9m, a realidade do homem; \u00e9 flutuante, n\u00e3o definitivo.", "6. O homem \u00e9 sempre mais do que sabe e pode saber de si e do que", "qualquer outro sabe dele.", "7. Homem algum se pode abranger inteiramente', n\u00e3o h\u00e1 um s\u00f3 de que", "se possa fazer ju\u00edzo definitivo total. O que \u00e9 indispens\u00e1vel, pr\u00e0ticamente, no trato com os indiv\u00edduos e para fins sociais, porque se tem de tomar de- cis\u00f5es, vale em tais situa\u00e7\u00f5es, em tais rela\u00e7\u00f5es de autoridade; vale para fins de responsabilidade, mas por si s\u00f3 n\u00e3o representa base que valha para o conhecimento. Por exemplo: eu n\u00e3o posso passar um tra\u00e7o, diga- mos assim, embaixo de um indiv\u00edduo e fazer a soma que me permita co- nhec\u00ea-lo tal qual \u00e9. Encarar um ser humano como se fosse um objeto, apreend\u00ea-lo no todo pelo conhecimento cient\u00edfico equivale a prejulgar. Da\u00ed dizermos: \u201cProuvera a n\u00f3s n\u00e3o perder a consci\u00eancia da inexaustibilidade e da misteriosidade de cada indiv\u00edduo psic\u00f3tico particular, mesmo em rela- \u00e7\u00e3o aos casos que pare\u00e7am os mais corriqueiros.\u201d"], ["\u00a7 3. Psiquiatria E Filosofia"], ["a) O que \u00e9 ci\u00eancia.", "S\u00f3 \u00e9 pura a psicopatologia na medida em que permanece ci\u00eancia. Mas \u00e9 evidente que, desde tempos remotos, a psicopatologia tem dado lugar a discuss\u00f5es, asser\u00e7\u00f5es, requisitos e modalidades pr\u00e1ticas de conduta que, embora sob a roupagem da ci\u00eancia, carecem de car\u00e1ter cient\u00edfico. \u00c9 em vista desta situa\u00e7\u00e3o que o psiquiatra indaga: O que \u00e9 ci\u00eancia?"], ["A ci\u00eancia \u00e9 conhecimento geralmente v\u00e1lido, impositivo. Funda-se em", "m\u00e9todos conscientes, poss\u00edveis de ser comprovados por quem quer que seja; e refere-se sempre a objetos particulares. Quando tem um resultado, este se estabelece factualmente; n\u00e3o pela mera aceita\u00e7\u00e3o que a moda im- ponha, mas de maneira geral e permanente. O que se conhece cientifica- mente pode demonstrar-se e provar-se de tal maneira que nenhum ser pensante capaz de apreender a situa\u00e7\u00e3o em geral consiga fugir \u00e0 compul- s\u00e3o da verdade. Mas h\u00e1 malentendidos que perturbam esta clareza dos fa- tos cient\u00edficos."], ["1. Em nome da ci\u00eancia, h\u00e1 quem se satisfa\u00e7a, erradamente, com a mera conceitualidade, com o procedimento l\u00f3gico-met\u00f3dico, o simples es- clarecimento das ideias. Estes s\u00e3o, decerto, requisitos necess\u00e1rios da ci\u00ean- cia, mas, uma vez existentes, ainda n\u00e3o constituem ci\u00eancia real, plena, porque falta a objetividade de uma fatualidade experimentada. Quando se confunde o mero pensamento com o conhecimento objetivamente preen- chido, a ci\u00eancia se perde em elucubra\u00e7\u00e3o vazia e, ao mesmo tempo, na in- finitude das possibilidades.", "2. Identificam-se, erradamente, ci\u00eancia e ci\u00eancia natural. Alguns psi-", "quiatras, particularmente, acentuam o car\u00e1ter cient\u00edfico-natural da meto- dologia que adotam, principalmente nos setores em que falta esse car\u00e1ter: na compreens\u00e3o fisiogn\u00f4mica, nas conex\u00f5es compreens\u00edveis, na caractero- logia. Ora, a ci\u00eancia natural limita-se \u00e0 natureza como fen\u00f4meno som\u00e1tico que se faz causalmente tang\u00edvel. Certo \u00e9 que a ci\u00eancia natural serve de base e constitui elemento essencial da psicopatologia, como servem, igual- mente, as ci\u00eancias humanas; nem por isso deixa a psicopatologia de ser cient\u00edfica; \u00e9 cientifica, sim, de outra maneira."], ["A ci\u00eancia assume formas extraordinariamente diversas: conforme o m\u00e9todo, variam o objeto e o significado. \u00ca erro opor um ao outro, \u00e9 erro exigir de um o que s\u00f3 o outro pode dar. A atitude cient\u00edfica inclina-se para", "qualquer das vias, apenas impondo aqueles crit\u00e9rios gerais: validez univer- sal, introvis\u00e3o convincente (demonstrabilidade), clareza met\u00f3dica, discuti- bilidade significativa.", "b) As modalidades da ci\u00eancia na psicopatologia."], ["Nas diferentes partes e cap\u00edtulos deste livro, caminhamos em planos cient\u00edficos diversos. Respondemos nos quatro cap\u00edtulos da primeira parte, \u00e0 indaga\u00e7\u00e3o cient\u00edfica que fizemos quanto aos fatos demonstr\u00e1veis; o tipo heterog\u00eaneo destas objetividades, tentamos v\u00ea-lo discriminativamente. Em seguida, mostramos o abismo que h\u00e1 entre a psicologia compreensiva e as ci\u00eancias naturais, quando separamos a compreens\u00e3o gen\u00e9tica (Segunda Parte) e a explica\u00e7\u00e3o causal (Terceira Parte). Foi poss\u00edvel esclarecer a con- ceitua\u00e7\u00e3o das totalidades mediante ideias pelas quais se podem apreender fatos especificamente objetivos em novos contextos.", "O todo do existir humano, se queremos conhec\u00ea-lo, exige a aplica\u00e7\u00e3o"], ["de todos estes m\u00e9todos, se bem que com todos eles n\u00e3o se o abranja. Qualquer fixa\u00e7\u00e3o da abordagem cient\u00edfica em determinado tipo de de- monstratibilidade restringiria a psicopatologia. N\u00e3o \u00e9 l\u00edcito pretender nive- lar a ci\u00eancia a um s\u00f3 plano de cognoscibilidade regular. Conhecimento de car\u00e1ter cient\u00edfico \u00e9 poss\u00edvel seja por que via for de m\u00e9todo espec\u00edfico."], ["c) A filosofia na psicopatologia.", "Mas onde \u00e9 que ficam as discuss\u00f5es in\u00fameras, n\u00e3o cient\u00edficas, quer da", "psicopatologia tradicional, quer da contempor\u00e2nea? Vamos elimin\u00e1-las simplesmente, por incab\u00edveis? De modo algum, pois exprimem alguma, coisa que \u00e9 inevit\u00e1vel, ou seja, a filosofia influencia toda ci\u00eancia viva; sem filosofia a ci\u00eancia s\u00f3 pode ser est\u00e9ril, inver\u00eddica; quando muito, correta."], ["H\u00e1 psiquiatras que dizem n\u00e3o querer sobrecarregar-se de filosofia, que afirmam n\u00e3o ter sua ci\u00eancia nada a ver com a filosofia. Nada h\u00e1 que dizer em contr\u00e1rio, na medida em que a corre\u00e7\u00e3o das no\u00e7\u00f5es cient\u00edficas em ge- ral \u2014 mesmo na psiquiatria \u2014 n\u00e3o se baseia, nem se nega pela filosofia. Mas a exclus\u00e3o da filosofia seria funesta para a psiquiatria. Primeiro: Aquele que n\u00e3o tem consci\u00eancia de uma filosofia cai, sem perceber, em seu pensamento e vocabul\u00e1rio cient\u00edficos, confundindo-os quer cient\u00edfica, quer filosoficamente. Segundo: Porque o conhecimento cient\u00edfico n\u00e3o \u00e9 de um s\u00f3 tipo (principalmente na psicopatologia), \u00e9 preciso distinguir as mo- dalidades cognicionais, esclarecer os m\u00e9todos, o sentido que tem a validez"], ["das asser\u00e7\u00f5es, bem como os crit\u00e9rios da experimenta\u00e7\u00e3o \u2014 e isso exige l\u00f3- gica filos\u00f3fica. Terceiro: Para ordenar o conhecimento num todo e esclare- cer o existir total, do qual emergem os objetos investig\u00e1veis, \u00e9 preciso sem- pre orientar-se pelo pensamento filos\u00f3fico. Quarto: S\u00f3 pela clareza da cor- rela\u00e7\u00e3o entre a compreens\u00e3o psicol\u00f3gica (como meio de investiga\u00e7\u00e3o emp\u00ed- rica) e o esclarecimento filos\u00f3fico existencial (como meio de apelar para a liberdade e conjurar a transcend\u00eancia) \u00e9 que pode surgir uma psicopatolo- gia cient\u00edfica pura que preencha todo seu alcance poss\u00edvel, sem, no en- tanto, exceder seus limites. Quinto: O destino do existir humano, ve\u00edculo de interpreta\u00e7\u00e3o metaf\u00edsica, permite sentir a exist\u00eancia e ler o c\u00f3digo da transcend\u00eancia, mas qualquer argumento que se baseie em uma discus- s\u00e3o sempre indemonstr\u00e1vel nesse campo (discuss\u00e3o que pode ser da maior import\u00e2ncia para o homem) \u00e9 estranho \u00e0 ci\u00eancia e turva a psicopa- tologia cient\u00edfica. Sexto: A pr\u00e1tica do trato com os indiv\u00edduos e, pois, tam- b\u00e9m da psicoterapia exige mais do que conhecimento cient\u00edfico. A atitude interior do m\u00e9dico depende do tipo e do grau de seu autoesclarecimento; da for\u00e7a e da clareza de seu desejo de comunica\u00e7\u00e3o; da presen\u00e7a de uma f\u00e9 substancial que oriente, que se comunique, que tenha conte\u00fado."], ["Por conseguinte, a filosofia cria o espa\u00e7o no qual todo saber se realiza,", "ganha medida e limite, encontra terreno em que manter-se e tornar-se pr\u00e1tico, al\u00e9m de receber conte\u00fado e significa\u00e7\u00e3o."], ["O psicopatologista, se quiser conservar livre esse espa\u00e7o e firmar-se, tem de precaver-se contra as absolutiza\u00e7\u00f5es que pretendem considerar \u00fanicos v\u00e1lidos certos m\u00e9todos de pesquisa; e que pretendem ver em certas objetividades o existir propriamente dito; portanto, tem de tomar partido pela compreens\u00e3o gen\u00e9tica contra o biologismo, o mecanicismo, o tecni- cismo, sem ignor\u00e1-los no quadro da validez que possuem. Mas tamb\u00e9m h\u00e1 de precaver-se da absolutiza\u00e7\u00e3o do conhecimento cient\u00edfico no todo, a fim de conservar livre a consci\u00eancia e, ao mesmo tempo, a possibilidade atu- ante das origens que d\u00e3o sentido \u00e0 pr\u00e1tica. Assim colocando-se, estar\u00e1 do lado das discrimina\u00e7\u00f5es, oposto \u00e0s confus\u00f5es; estar\u00e1 do lado das s\u00ednteses, oposto aos isolamentos. Estar-se-\u00e1 opondo \u00e0s confus\u00f5es entre ci\u00eancia e fi- losofia, m\u00e9dico e salvador; mas tamb\u00e9m estar\u00e1 opondo-se ao isolamento, que n\u00e3o discrimina, mas joga uma coisa contra outra.", "Em resumo: Quem pretender excluir a filosofia e deix\u00e1-la de lado por"], ["irrelevante, ser\u00e1 obscuramente vencido por ela, da\u00ed resultando aquela massa de ruim filosofia que aparece nos estudos psicopatol\u00f3gicos. S\u00f3 quem sabe e domina os fatos \u00e9 que pode manter a ci\u00eancia pura e, ao mesmo tempo, dentro do contexto da exist\u00eancia humana que se exprime"], ["na filosofia."], ["d) As posi\u00e7\u00f5es filos\u00f3ficas b\u00e1sicas.", "A reflex\u00e3o filos\u00f3fica parte, n\u00e3o s\u00f3 dos enigmas fundamentais que se apresentam ao conhecimento emp\u00edrico (\u00a71), como das insolubilidades da pr\u00e1tica (\u00a75). Tanto a veridicidade quanto a origem do filosofar imp\u00f5em a considera\u00e7\u00e3o destas insolubilidades, ao passo que o pressuposto inquesti- onado de que tudo se pode conhecer e calcular de forma ordenada, ou, em todo caso, ajustada, em princ\u00edpio, com boa vontade e conhecimento pro- gressivo, n\u00e3o s\u00f3 constitui antifilosofia, como falta de cr\u00edtica cient\u00edfica con- sequente.", "Como \u00e9 que se realiza o filosofar, isso n\u00e3o se pode mostrar na psicopa-", "tologia mesma. S\u00f3 quero apontar, mais uma vez, umas tantas posi\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas, que n\u00e3o s\u00e3o acess\u00edveis, certamente, \u00e0 comprova\u00e7\u00e3o cient\u00edfica no sentido emp\u00edrico e matem\u00e1tico, mas se inserem no setor filos\u00f3fico, que permanece formal; da\u00ed alcan\u00e7ar validez universal. Nem desenvolvemos aqui estas bases, mas apenas damos as posi\u00e7\u00f5es como tais:"], ["1. O existir mesmo n\u00e3o \u00e9 objetividade que se apreende adequada e su- ficientemente; \u00e9, sim, o abrangente sempre inobjetivo, a partir do qual es- tes objetos se nos apresentam \u00e0 consci\u00eancia na cis\u00e3o sujeito-objeto.", "2. A ci\u00eancia est\u00e1 restrita \u00e0 objetividade. A filosofia realiza-se em pensa-", "mentos objetivos, que n\u00e3o se referem a estes objetos como tais, mas, transcendendo, se tornam conscientes do abrangente.", "3. O abrangente \u00e9 ou o que somos (como seres humanos, consci\u00eancia", "em geral, mente, raz\u00e3o e exist\u00eancia mesma), ou o existir no todo (mundo e Deus).", "4. As ci\u00eancias fornecem, pelos seus conhecimentos, o trampolim para", "os pensamentos transcendentes, s\u00f3 no saber cient\u00edfico mais completo \u00e9 que se experimenta o n\u00e3o-saber real; e no n\u00e3o-saber a transcend\u00eancia se realiza mediante m\u00e9todos filos\u00f3ficos espec\u00edficos. As ci\u00eancias, por\u00e9m, ten- dem a encobrir, pelas cognoscibilidades, o existir mesmo; tendem a fixar- nos nos primeiros planos, nas infinitudes; a produzir a absolutiza\u00e7\u00e3o de concep\u00e7\u00f5es finitas em suposto conhecimento do existir mesmo; a levar- nos a esquecer o essencial, a restringir-nos a vis\u00e3o livre de fen\u00f4menos, vi- v\u00eancias, imagens e ideias atrav\u00e9s de determina\u00e7\u00f5es racionais; a paralisar- nos a psique com os elementos conceituais fixos, por for\u00e7a de excessivo es-"], ["tudo e conhecimento. \u00c9 errado, todavia, queixar-nos de que sabemos de- mais, de que o saber paralisa a vida. N\u00e3o precisa ser assim, a menos que as ci\u00eancias sejam mal compreendidas e distorcidas.", "5. O erro fundamental de nosso conhecimento \u00e9 a invers\u00e3o de ideias fi-", "los\u00f3ficas em saber supostamente objetivo de alguma coisa; invers\u00e3o que ocorre tanto no pensamento cotidiano quanto nas ci\u00eancias; por exemplo, quando se inverte o esclarecimento existencial em saber psicol\u00f3gico, ou a liberdade em fator de exist\u00eancia emp\u00edrica; ou quando se processa a err\u00f4- nea tematiza\u00e7\u00e3o do existir humano no todo, visto que este continua a ser sempre o abrangente que somos, retrocedendo para tr\u00e1s de qualquer obje- tifica\u00e7\u00e3o ou sistematiza\u00e7\u00e3o mesmo nas totalidades mais amplas, que se transformam em conte\u00fado cognicional. N\u00e3o podemos, contudo, mentar, arbitrariamente, o abrangente como se fossem objetos nas categorias do evento, da causalidade, da subst\u00e2ncia, da for\u00e7a etc., apesar de nos servir- mos, usualmente, quando falamos nelas, destas express\u00f5es que devem ser ressalvadas desde logo."], ["e) A confus\u00e3o filos\u00f3fica.", "Se nos deixarmos dominar, inadvertidamente, pela filosofia, confundi- remos o conhecimento cient\u00edfico e, do mesmo passo, a atitude mental in- terna. S\u00e3o confus\u00f5es infinitas, que, por isso, s\u00f3 discutiremos de forma exemplificativa."], ["1. Quando se d\u00e1 aquela invers\u00e3o das ideias concernentes ao transcen- dimento filos\u00f3fico (que pode ser transcendimento especula- tico em consci- entiza\u00e7\u00e3o existencial, ou esclarecimento existencial, ou apelo \u00e0 transcen- d\u00eancia) em opini\u00e3o objetiva e determina\u00e7\u00e3o, em indica\u00e7\u00f5es e finalidades declaradas, o que acontece \u00e9 que, por exemplo, as ideias relativas \u00e0 vida que se processa em contrastes se transformam em sofistica descaracteri- zada; a auto-observa\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica se transforma, pelo esclarecimento existencial, em egocentrismo subjetivo; os c\u00f3digos existenciais transcen- dentemente lidos tornam-se objetos sensoriais \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o da supersti- \u00e7\u00e3o; a medita\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica sobre a eternidade vem a dar na inconsist\u00eancia da nega\u00e7\u00e3o temporal e hist\u00f3rica etc. O transcendimento verdadeiro ocorre sempre na eleva\u00e7\u00e3o daquilo que \u00e9 objetivamente significativo ao que \u00e9 transcendente; na eleva\u00e7\u00e3o da inverdade deca\u00edda ao objeto finalmente co- nhecido e ao movimento mental processando-se na infinitude do que \u00e9 fi- nito.", "De quando em quando, surge na psicopatologia um movimento intelec- tual que pretende for\u00e7ar o conhecimento no todo mediante esquema gran- dioso, pelo qual se presumem a apreens\u00e3o das energias ps\u00edquicas mais profundas e o conhecimento dos fen\u00f4menos em seus fundamentos. Sob o aspecto de constru\u00e7\u00f5es particulares, estes esquemas, chamados teorias, representam meios limitados que auxiliam o esclarecimento; sob o aspecto de concep\u00e7\u00f5es globais, com pretens\u00e3o a valor aut\u00f4nomo, s\u00e3o, realmente, filosofia. Vestidos com a roupagem pr\u00f3pria \u00e0s ci\u00eancias naturais e \u00e0 psico- logia, de acordo com o car\u00e1ter positivista do s\u00e9culo passado, todos eles consistem, do ponto de vista metodol\u00f3gico, em elabora\u00e7\u00e3o interpretativa de toda realidade; fugindo a quaisquer alternativas da decis\u00e3o, n\u00e3o po- dem, por isto mesmo, provar-se, nem refutar-se. S\u00e3o pr\u00f3prias de tais m\u00e9- todos, em primeiro lugar, a repeti\u00e7\u00e3o infinita das mesmas coisas (tautolo- gia); em segundo lugar, a circularidade dos argumentos (c\u00edrculo vicioso); por fim, o fato de se basearem em arb\u00edtrio eventual que, por sua vez, se pode sempre admitir, para o caso concreto, com fundamento nos princ\u00ed- pios gerais. Ora, chama a aten\u00e7\u00e3o o fato de estas formas l\u00f3gicas, que n\u00e3o podem ter enquadramento cient\u00edfico, por serem err\u00f4neas, poderem, no en- tanto, constituir, do mesmo passo, formas met\u00f3dicas de exposi\u00e7\u00e3o da ver- dade filos\u00f3fica. Porque o que dizem \u00e9 inacess\u00edvel \u00e0 comprova\u00e7\u00e3o cient\u00edfica, o crit\u00e9rio de verdade que acaso tenham est\u00e1 alhures: n\u00e3o pretendem elas possuir, exatamente quando s\u00e3o verdadeiras, qualquer conhecimento ob- jetivo, nem qualquer saber impositivo; comprovam-se pelo existir humano que nelas se compreende; caracterizam-se pelo conte\u00fado que se exprime circularmente (toda grande filosofia pensa desta maneira, mas tamb\u00e9m toda aquela desvaliosa, qual seja a materialista: o inundo \u00e9, como fen\u00f4- meno, produto do c\u00e9rebro; o c\u00e9rebro \u00e9 parte do mundo; portanto, o c\u00e9re- bro produz-se a si mesmo); firmam sua verdade no caminhar criativo que, atrav\u00e9s da infinitude, ruma para a atualidade historicamente concreta do existir."], ["f) Concep\u00e7\u00e3o do mundo na roupagem do conhecimento.", "N\u00e3o s\u00e3o os psiquiatras, mas os psicoterapeutas que sucumbem, fre- quentemente, \u00e0 tenta\u00e7\u00e3o de transformar sua doutrina em movimentos m\u00edsticos; e suas escolas, em seitas, por assim dizer. H\u00e1, decerto, os psico- terapeutas importantes, absolutamente independentes, livres; mas para a maior parte a coes\u00e3o \u00e9 necessidade, porque s\u00f3 ela lhes permite ganhar al- guma coisa que se assemelhe a autoridade objetiva em cujo nome atuem e mediante a qual consigam formar o sentimento de conhecimento absoluto", "e de superioridade em rela\u00e7\u00e3o a outras seitas. O exemplo c\u00e9lebre do pas- sado \u00e9 Freud, com o movimento por ele fundado e orientado.", "Em 1919, caracterizei este movimento da seguinte maneira: Na medida"], ["em que a psican\u00e1lise cont\u00e9m algum sentimento de autenticidade e veraci- dade, Freud influencia a concep\u00e7\u00e3o que muitos t\u00eam do mundo. Mas nos grandes reveladores de si mesmos (Nietzsche, Kierkegaard), eles experi- mentam esse sentimento de modo mais profundo, mais espiritual. Freud n\u00e3o se pode comparar com os referidos psic\u00f3logos; mantendo-se, pessoal- mente, em plano posterior, deixa de envolver-se, quando diz que devemos analisar nossos sonhos e que tal ser\u00e1 a maneira pela qual se h\u00e1 de com- preender a psican\u00e1lise; quando interpreta sonhos alheios e continua a ser, ele mesmo, uma personalidade inescrut\u00e1vel, se bem que, em sua principal obra sobre os sonhos, informe sobre sonhos pr\u00f3prios in\u00f3cuos e os inter- prete dentro de certos limites. 'Sobretudo, por\u00e9m, as dedu\u00e7\u00f5es freudianas compreens\u00edveis s\u00e3o particularmente desprovidas de espiritualidade: \u00e9 quase sempre com base no que h\u00e1 de mais grosseiro que a psican\u00e1lise compreende. A maioria dos seres humanos, aqueles meramente sensuais, o homem metropolitano de psiquismo ca\u00f3tico reconhecem-se na psicologia de Freud. Em vez de recorrer para a vitalidade e a sexualidade, pode-se re- correr para a espiritualidade do homem e desta forma desenvolver sua psi- cologia. Freud v\u00ea o que resulta do recalque sexual; por vezes, de maneira extraordinariamente aguda; jamais, no entanto, inquire o que resulta do recalque espiritual."], ["Entre a psicologia compreensiva e a personalidade que para ela se volta existe conex\u00e3o estreita. O de que sempre se indaga, neste particular, \u00e9 o homem que v\u00ea, que afirma, que rejeita. A luta das concep\u00e7\u00f5es compre- ensivas torna-se luta de personalidades, que \u201cse compreendem\u201d mutua- mente e, por esta via, pretendem apreender e, ao mesmo tempo, destruir as teorias err\u00f4neas alheias. O pr\u00f3prio Freud lan\u00e7a m\u00e3o disso, quando julga da seguinte maneira a resist\u00eancia dos psic\u00f3logos e psiquiatras \u00e0s suas teorias: \u201cA psican\u00e1lise pretende promover o reconhecimento consci- ente daquilo que est\u00e1 recalcado no psiquismo; todo aquele que a aju\u00edza \u00e9, ele pr\u00f3prio, um indiv\u00edduo que possui esses recalques, que talvez s\u00f3 a custo os contenha. Da\u00ed por que na psican\u00e1lise h\u00e1 de suscitar nele a mesma re- sist\u00eancia que desperta no doente, resist\u00eancia que facilmente se disfar\u00e7a na rejei\u00e7\u00e3o intelectual. Tal qual se d\u00e1 em nossos pacientes, podemos consta- tar, muitas vezes, em nossos advers\u00e1rios um influenciamento afetivo muito vis\u00edvel da capacidade de julgar no sentido de menosprezo.\u201d Este pro- cedimento estrat\u00e9gico insere-se na psicologia compreensiva. Assim \u00e9 que"], ["um psiquiatra respondeu \u2014 conquanto de modo incomparavelmente mais vulgar \u2014 que a psican\u00e1lise \u00e9 supersti\u00e7\u00e3o e psicose de massas. A luta em que se procura penetrar mutuamente no psiquismo pessoal podo ser mali- ciosa; talvez constitua luta pelo ganho de poder e superioridade. Tamb\u00e9m pode ser luta dentro do amor, pode vir a criar a mais profunda rela\u00e7\u00e3o in- terumana. A psicologia freudiana parece adaptar-se, predominantemente, \u00e0quele primeiro tipo de luta. O que importa \u00e9 quem \u00e9 que, na situa\u00e7\u00e3o psi- canal\u00edtica, se imp\u00f5e ao outro; a comunica\u00e7\u00e3o n\u00e3o se faz, na realidade, em n\u00edvel igual."], ["Dever-se-ia aplicar a psican\u00e1lise ao pr\u00f3prio Freud; dever-se-ia penetrar"], ["nessa personalidade, a fim de compreender o mundo intelectual de seme- lhante psicologia; o que \u00e9 imposs\u00edvel. N\u00e3o se v\u00ea o homem com nitidez em suas obras. Os seus escritos mostram uma personalidade retra\u00edda, em oposi\u00e7\u00e3o ao exagero franco de alguns dentre seus disc\u00edpulos, aos quais, no entanto, foi ele quem forneceu o material. N\u00e3o renega esses disc\u00edpulos \u00e9 responsabiliza-se em parte por eles. \u00c9 comedido em compara\u00e7\u00e3o com eles, por mais que as teses do pr\u00f3prio Freud surpreendam e arrisquem. Sua ex- posi\u00e7\u00e3o \u00e9 elegante, por vezes fascinante. Evitando qualquer recurso \u00e0 filo- sofia, Freud, que jamais se apresenta como profeta, suscitou, realmente, interesse filos\u00f3fico universal. Para alguns neur\u00f3ticos, gozadores est\u00e9ticos, fan\u00e1ticos e para quantos aspiram \u00e0 superioridade mediante a psicologia, conv\u00e9m tuna vis\u00e3o do mundo que resida na liberdade de certos grilh\u00f5es em que outros se criem, na permissividade, no cepticismo e na resigna\u00e7\u00e3o. \u00c9 preciso ver os freudianos para compreender que forea-se tend\u00eancias se ocultam nas respectivas obras. Mas o pr\u00f3prio Freud mant\u00e9m-se pessoal- mente inescrut\u00e1vel; \u00e9 sempre um psic\u00f3logo compreensivo que, ao contr\u00e1- rio de todos os outros grandes psic\u00f3logos da hist\u00f3ria, se mant\u00e9m oculto."], ["Sociologicamente, pela modalidade de sua organiza\u00e7\u00e3o associativa, pela anatematiza\u00e7\u00e3o dos disc\u00edpulos renegados, o freudianismo assumiu, em geral, a forma de institui\u00e7\u00e3o sect\u00e1ria; transformou-se em f\u00e9 enroupada na ci\u00eancia; e com uma f\u00e9 n\u00e3o se discute. Mas \u00e9 poss\u00edvel aprender alguma coisa em indiv\u00edduos com os quais n\u00e3o se pode discutir. Em seu todo, o freudianismo \u00e9 um fato pelo qual se toma geralmente claro o seguinte: as seitas psicoterap\u00eauticas t\u00eam de transformar-se, como tais, nalguma coisa do tipo de suced\u00e2neos religiosos, sua doutrina, vindo a dar em dogma de salva\u00e7\u00e3o, sua terapia em reden\u00e7\u00e3o. Seitas desta ordem entram em concor- r\u00eancia injustificada, porque enganadora, primeiro, com a ci\u00eancia medica- mente baseada e, segundo, com aquele amor humano n\u00e3o sect\u00e1rio, que, quase sempre de fundamentos crist\u00e3os, pretende ajudar a tolos, a mostrar"], ["um caminho a desamparados, jamais renunciando \u00e0 esperan\u00e7a, apesar do realismo com que encara o homem; que quisera ser ben\u00e9fico no terreno da possibilidade e considera at\u00e9 o imposs\u00edvel poss\u00edvel por obra de Deus; ter- ceiro, concorrem com a filosofia aut\u00eantica, com a seriedade de a\u00e7\u00e3o in- terna, cujas vias Kierkegaard e Nietzsche n\u00e3o provaram (isto \u00e9 imposs\u00edvel), mas esclareceram. Essas seitas, vistas no contexto hist\u00f3rico, s\u00e3o indife- rentes, porque impotentes. Dentro da psicopatologia s\u00e3o perigosas sob o aspecto filos\u00f3fico: seus efeitos tendem ora para o niilismo, ora para o fana- tismo violento, ora para o arbitrarismo c\u00e9ptico; sempre, afinal, t\u00eam in- flu\u00eancia desastrosa, existencialmente falando. N\u00e3o \u00e9, por\u00e9m, em absoluto necess\u00e1rio que a psicoterapia se apoie em concep\u00e7\u00f5es que levem a forma- \u00e7\u00f5es sect\u00e1rias. Ao contr\u00e1rio, para uma psicoterapia que tenha suporte ci- ent\u00edfico e filos\u00f3fico \u00e9 vital n\u00e3o se deixar seduzir por seja qual for funda- menta\u00e7\u00e3o sect\u00e1ria."], ["Cr\u00edtica interessante de Freud (afigura-se-me aparentada, objetiva- mente, com a minha, fazendo, por\u00e9m, valora\u00e7\u00e3o inversa) foi desenvolvida por Kunz, o qual reconhece em Freud uma forma metodologicamente nova de conhecimento psicol\u00f3gico, forma \u201cque, \u00e9 certo, Nietzsche, j\u00e1 usara\u201d. \u201cNela a \u2018humanidade\u2019 do homem j\u00e1 fora questionada, metodicamente, de um. modo que s\u00f3 ocorrera, at\u00e9 ent\u00e3o, indireto e n\u00e3o-sistem\u00e1tico, nas obras de Kierkegaard e Nietzsche. Duvida-se, fundamentalmente, da ver- dade e da evid\u00eancia da autointrospec\u00e7\u00e3o; e em seu lugar se coloca o que se poderia chamar preserva\u00e7\u00e3o existencial\u201d. N\u00e3o se trata daquilo que al- gu\u00e9m sabe de si e declara, nem de que maneira algu\u00e9m se \u2018interpreta\u2019 a si mesmo \u2014 tanto mais quanto \u00e9 pr\u00f3prio do homem, universalmente, enga- nar-se a seu pr\u00f3prio respeito sem delibera\u00e7\u00e3o \u2014 e, sim, daquilo que \u2018ele \u00e9\u2019. E o 'existir humano\u2019 n\u00e3o \u00e9, em absoluto, un\u00edvoco, transparente, claro, mas, antes, por seus fundamentos mesmos, question\u00e1vel, amb\u00edguo, obs- curo. Da\u00ed por que o conhecimento adequado se teria de obter pela supera- \u00e7\u00e3o da resist\u00eancia. Ora, esta realidade b\u00e1sica da psican\u00e1lise teria sido mal compreendida pelo pr\u00f3prio Freud, na interpreta\u00e7\u00e3o que deu \u00e0 sua obra. \u00c9 por a\u00ed que se h\u00e1 de apreender o papel peculiar da teoria psicanal\u00edtica; pri- meiramente, sua for\u00e7a persuasiva, que n\u00e3o \u00e9 a de um conhecimento biol\u00f3- gico nem emp\u00edrico\u201d. \u201cComo os psicanalistas experimentam a verdade da an\u00e1lise por modo que excede de muito em pujan\u00e7a e for\u00e7a persuasiva a evid\u00eancia usual das concep\u00e7\u00f5es logicamente formuladas \u2014 porque a ver- dade existencial, experimentada na comunica\u00e7\u00e3o pessoal atua com for\u00e7a que tudo supera \u2014 torna-se-lhes dif\u00edcil renunciar a elas em presen\u00e7a da evid\u00eancia l\u00f3gico-formal incomparavelmente menor\u201d. Mas tamb\u00e9m \u00e9 fato"], ["que os psicanalistas n\u00e3o s\u00e3o mais propensos que seus advers\u00e1rios a dei- xar desenvolver-se a realidade b\u00e1sica, a qual tenta fazer-se aqui evidente: \u201cN\u00e3o podem suportar o fato que tem lugar em toda an\u00e1lise: o afrouxa- mento da exist\u00eancia humana inteira; da\u00ed precisarem de nova seguran\u00e7a, e esta fun\u00e7\u00e3o \u00e9 a limita\u00e7\u00e3o do conte\u00fado te\u00f3rico da doutrina que preenche.\u201d Kunz distingue ainda entre Freud e o conjunto dos analistas que s\u00e3o seus disc\u00edpulos ortodoxos: \u201c\u00c9 por acaso seja sempre apenas o Freud \u2018n\u00e3o anali- sado\u2019 que abra o horizonte da psican\u00e1lise, jamais os adeptos \u2018analisados\u2019... Por que \u00e9 que s\u00e3o perseguidos t\u00e3o acerbamente os disc\u00edpulos que ousam ter opini\u00e3o pr\u00f3pria? As necessidades e primeiros planos objetivos n\u00e3o po- dem encobrir inteiramente a tend\u00eancia ao dom\u00ednio que se oculta na an\u00e1- lise. Toda soberania- na atitude que se toma em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 psican\u00e1lise h\u00e1 de levar, for\u00e7osamente, \u00e0 questionabilidade; quer dizer, \u00e0 perda do poder, coisa, portanto, que nem Freud, nem seus disc\u00edpulos suportam.\u201d A dog- matiza\u00e7\u00e3o da teoria serve n\u00e3o s\u00f3, por conseguinte, \u00e0 seguran\u00e7a em face do evento que aqui se introduza \u2014 como em toda psicologia e filosofia exis- tencial \u2014 mas, sobretudo, de instrumento para o impulso ao poder, o qual n\u00e3o se relaciona em si, necessariamente, com a psicologia, nem com a ten- d\u00eancia existencial. E a consequ\u00eancia \u00e9 a seguinte: \u201cO conte\u00fado da teoria psicanal\u00edtica n\u00e3o tem sequer metade da seguran\u00e7a a que os analistas \u2014 Freud excetuado \u2014 sempre, a cada momento, pretendem em face de paci- entes e advers\u00e1rios e dentro de seus pr\u00f3prios c\u00edrculos.\u201d"], ["N\u00e3o posso acompanhar Kunz, quando reconhece a psican\u00e1lise como evento existencial na comunica\u00e7\u00e3o pessoal. Ao ocupar-se com Freud deta- lhadamente, h\u00e1 alguns dec\u00eanios, encontrei, apenas, o princ\u00edpio inexisten- cial, niil\u00edstico, que se me afigurou, ao mesmo tempo, anticient\u00edfico e antifi- los\u00f3fico. Posteriormente, s\u00f3 li Freud e seus adeptos uma vez ou outra, em amostras que confirmaram minha opini\u00e3o. \u00c9 dif\u00edcil, entretanto, convencer outras pessoas com estas valora\u00e7\u00f5es penetrantes. Quem quer que seja ca- paz de ver em geral v\u00ea de um golpe, por assim dizer."], ["g) Filosofia existencial e psicopatologia.", "O desejo de que a psicopatologia n\u00e3o perca de vista o existir humano", "tem atra\u00eddo a aten\u00e7\u00e3o para os impulsos existenciais ou dissolutivos da exist\u00eancia que operam nos movimentos sect\u00e1rios da psicoterapia. Quando se estudam esses movimentos m\u00edsticos, n\u00e3o se indaga do que \u00e9 correto e errado (indaga\u00e7\u00e3o que \u00e9 discut\u00edvel), mas do que \u00e9 verdadeiro ou n\u00e3o; neste caso (discutindo-se superficialmente e, de fato, em v\u00e3o), responde-se \u00e0 in-"], ["daga\u00e7\u00e3o pela decis\u00e3o da f\u00e9 pr\u00f3pria ou pela convic\u00e7\u00e3o de ideias. Talvez al- guns psiquiatras sejam por demais tolerantes quando admitem; outros, demasiado apressados quando rejeitam sem esclarecimento. Num caso e noutro, trata-se de quest\u00f5es para as quais a psicopatologia n\u00e3o tem res- posta, mas apenas pode apreender, essencialmente, e distinguir da ci\u00ean- cia. Outra coisa \u00e9 quando, depois de voltar-se para os esfor\u00e7os atuais da filosofia expressamente existencialista, o psiquiatra utiliza ideias filos\u00f3fico- existencialistas como meio de conhecimento psicopatol\u00f3gico e as eleva a elemento da pr\u00f3pria psicopatologia. Este \u00e9 um erro cient\u00edfico.", "1. Esclarecimento existencial e psicologia compreensiva. Discutimos a", "posi\u00e7\u00e3o intermedi\u00e1ria da psicologia compreensiva, da qual resulta que ideias psicol\u00f3gicas compreensivas se tornam amb\u00edguas; podem constituir a via pela qual se chega a um conhecimento emp\u00edrico-psicol\u00f3gico; e este mais n\u00e3o serve do que para permitir estabelecer fatos, dispor de um co- nhecimento e com ele alcan\u00e7ar efeitos pela aplica\u00e7\u00e3o a certas organiza- \u00e7\u00f5es; ou podem ser a via que leva a esquemas de possibilidades significati- vas, que nos permitam apelar, despertar, gra\u00e7as a um espelho, o que co- chila inconsciente e proceder pela incita\u00e7\u00e3o a realiza\u00e7\u00f5es mentais, a atos internos, \u00e0 compreens\u00e3o de s\u00edmbolos. No primeiro caso, procedemos cien- t\u00edfica, impessoalmente; no segundo, filos\u00f3fica, pessoalmente. As ideias psi- col\u00f3gicas nunca s\u00e3o, como tais, a forma de comunica\u00e7\u00e3o de conte\u00fados m\u00edsticos; s\u00e3o recursos da filosofia como esclarecimento existencial; e dei- xam de s\u00ea-lo na filosofia, quando apelam para a transcend\u00eancia."], ["O pensamento que esclarece a exist\u00eancia \u2014 voltado para a psicologia compreensiva \u2014 \u00e9, ele mesmo, impulso a esta psicologia. Inversamente, todo psic\u00f3logo faz, na pr\u00e1tica, filosofia esclarecedora da exist\u00eancia num ou noutro momento, queira ou n\u00e3o, saiba ou n\u00e3o, embora a filosofia existen- cial n\u00e3o seja, de modo algum, campo da psicologia."], ["2. Ontologia e teoria psicol\u00f3gica da estrutura. Na corrente do pensa- mento esclarecedor da exist\u00eancia, a partir de Kierkegaard e Nietzsche, Hei- degger tentou criar uma moldura ideol\u00f3gica s\u00f3lida, que qualificou como \u201contologia fundamental\u201d e elaborou ramificando-a nos \u201cexistentialia\u201d (em analogia com as \u201ccategorias\u201d das objetividades existentes); existentialia es- tes \u2014 o estar- no-mundo, o estado de \u00e2nimo, a ansiedade, a preocupa\u00e7\u00e3o ou o cuidado \u2014 que se referem ao \u00f4ntico; e este constituir\u00e1 o pressuposto de que vivenciamos (e como vivenciamos). e nos comportamos \u2014 quer es- tejamos pr\u00f3ximos \u00e0s origens propriamente ditas, quer tudo se passe em modalidade dissimulada, dilu\u00edda, distorcida do \u201chomem\u201d comum, inaut\u00ean- tico.", "N\u00e3o obstante o valor das explana\u00e7\u00f5es heideggerianas concretas, tenho para mim que, em princ\u00edpio, sua tentativa \u00e9 erro filos\u00f3fico. De fato, Heide- gger leva quem o l\u00ea n\u00e3o a que filosofe, mas a que descubra o esquema to- tal do existir humano; estrutura te\u00f3rica que n\u00e3o serve para ajudar a exis- t\u00eancia historicamente real do indiv\u00edduo (para eleva\u00e7\u00e3o e preserva\u00e7\u00e3o de uma pr\u00e1tica existencial em que confie); e, sim, para velar as coisas, a seu turno; o que vem a ser tanto mais funesto quanto a exist\u00eancia real se pode frustrar e perder a seriedade com o uso de frases o mais pr\u00f3ximas poss\u00edvel da exist\u00eancia."], ["O que aqui nos interessa, todavia, \u00e9 que aplicar esta ontologia da exis- t\u00eancia \u00e0 psicologia pode ter, quando muito, o valor da teoria (inquirindo o que com ela se possa ganhar em conhecimento emp\u00edrico), ou de eventual constru\u00e7\u00e3o para conex\u00f5es compreens\u00edveis particulares; n\u00e3o, entretanto, o valor de teoria psicol\u00f3gica da estrutura referente ao ente humano; teoria que possa absorver, iluminar e ordenar todo nosso conhecimento psicopa- tol\u00f3gico.", "Quando Kunz considera \u201ca psicologia existencial capaz tanto de uma", "teoriza\u00e7\u00e3o quanto de uma objetiviza\u00e7\u00e3o\u201d, eu lhe oponho o seguinte: o exis- tencial, precisamente, n\u00e3o se torna objetivo; se se tornar objetivo, estar\u00e1 falsificado, filosoficamente. Mas quando sa\u00fada \u201cno enraizamento existen- cial, a indaga\u00e7\u00e3o cient\u00edfica da ess\u00eancia humana\u201d, concordo com Kunz, que, a esta altura, est\u00e1 exigindo do pesquisador, e n\u00e3o dos m\u00e9todos e con- te\u00fados da pesquisa.", "A psicologia faz do psiquismo objeto, exist\u00eancia; a ontologia, por\u00e9m, faz"], ["tamb\u00e9m a mesma coisa, factualmente; e isso na medida de sua solidez conceituai; tanto mais, ao rev\u00e9s, quanto ela mesma fez da inobjetividade um princ\u00edpio. Quanto mais dominam a ontologia a demonstra\u00e7\u00e3o, a expo- si\u00e7\u00e3o, a estrutura\u00e7\u00e3o, e n\u00e3o o m\u00e9todo do espelhamento esclarecedor, da penetra\u00e7\u00e3o evocativa na liberdade, da suspens\u00e3o inst\u00e1vel na conceitua\u00e7\u00e3o de um c\u00edrculo \u201cir\u00f4nico\u201d \u2014 tanto mais ela vem a ser teoria do existente."], ["As obras dos autores que aplicam esta ontologia \u00e0 psicopatologia pare- cem-me, decerto, tocar, por sua vez, no que \u00e9 filosoficamente essencial \u2014 tratando-o, por\u00e9m, como objetificado, conhecido e descoberto; com o que a filosofia se perde, sem que adquiramos conhecimento real algum. A meu ver, ocorre, por vezes, um teologizar e um filosofar de f\u00f4lego curto, que se extravia em conhecimento suposto. O que n\u00e3o encontro a\u00ed, todavia, \u00e9 a re- a\u00e7\u00e3o decisiva \u00e0s ideias e m\u00e9todos que encobrem, filosoficamente, o existir humano, o destroem, at\u00e9 excluem; rea\u00e7\u00e3o, enfim, ao \u201cdiabo\u201d na psicologia."], ["3. Distin\u00e7\u00e3o de quatro \u00e1reas de pensamento metodicamente espec\u00edfi-"], ["cas. Resumindo, teremos de distinguir:"], ["aa) Esquemas de possibilidades da psicologia compreensiva (cf. Cap. 1"], ["da Segunda Parte); s\u00e3o amb\u00edguos."], ["bb) Levam pela compreens\u00e3o, atrav\u00e9s de fatos significativos objetivos", "(express\u00e3o, atos, comportamento, obras) a conhecimentos de conex\u00f5es ge- n\u00e9ticas da fatualidade emp\u00edrica."], ["cc) Ou levam, como meio de pensamento esclarecedor, ao ap\u00ea- lo filo-"], ["s\u00f3fico (via que tamb\u00e9m na pr\u00e1tica m\u00e9dica se segue)."], ["dd) Com express\u00f5es psicol\u00f3gicas e admitindo um transcendi- mento fi-", "los\u00f3fico \u00e0s origens do que existe no existir, ganha-se uma ontologia, a qual falsifica pela ambiguidade o filosofar, embora sempre realize o apelo \u00e0 transcend\u00eancia numa dogm\u00e1tica do existir; leva erradamente, por\u00e9m, me- diante um pseudo-saber, a que se perca, se contorne, se combata, de fato, o filosofar vivo, respons\u00e1vel; esta ontologia extravia a psicologia, quando se pensa haver com ela adquirido um saber b\u00e1sico para a concep\u00e7\u00e3o do exis- tir humano e de todos os fatos psicol\u00f3gicos. Em verdade, no dec\u00eanio e meio destas tentativas de aplica\u00e7\u00e3o, a psicopatologia n\u00e3o lucrou qualquer conhecimento novo, excetuadas algumas boas descri\u00e7\u00f5es."], ["4. A quest\u00e3o objetiva n\u00e3o \u00e9 quest\u00e3o de inst\u00e2ncia. A necessidade de fa- zer estas distin\u00e7\u00f5es significa que o pesquisador n\u00e3o deve misturar os m\u00e9- todos e finalidades, de maneira a atingir, seja por que via for, onde poss\u00ed- vel, a clareza m\u00e1xima e o conhecimento inquestion\u00e1vel. N\u00e3o quer dizer que, por exemplo, o psicologista deva renunciar ao esclarecimento existen- cial, nem o fil\u00f3sofo \u00e0 psicopatologia. N\u00e3o se trata de roubar a uma ci\u00eancia certa parte que a integre, mas da clareza dentro desta ci\u00eancia. Da\u00ed n\u00e3o de- verem quest\u00f5es terminol\u00f3gicas desviar nossa aten\u00e7\u00e3o da ess\u00eancia da coisa: pode-se mesmo chamar psicologia grande parte da filosofia; o que, ent\u00e3o, importa \u00e9, s\u00f3 e decisivamente, a diferen\u00e7a dos m\u00e9todos, do sentido e do objetivo dentro do campo inteiro da \u201cpsicologia\u201d. Assombra-nos o fato das psicoses. S\u00e3o enigmas do pr\u00f3prio existir hu-", "4. A quest\u00e3o objetiva n\u00e3o \u00e9 quest\u00e3o de inst\u00e2ncia. A necessidade de fa- zer estas distin\u00e7\u00f5es significa que o pesquisador n\u00e3o deve misturar os m\u00e9- todos e finalidades, de maneira a atingir, seja por que via for, onde poss\u00ed- vel, a clareza m\u00e1xima e o conhecimento inquestion\u00e1vel. N\u00e3o quer dizer que, por exemplo, o psicologista deva renunciar ao esclarecimento existen- cial, nem o fil\u00f3sofo \u00e0 psicopatologia. N\u00e3o se trata de roubar a uma ci\u00eancia certa parte que a integre, mas da clareza dentro desta ci\u00eancia. Da\u00ed n\u00e3o de- verem quest\u00f5es terminol\u00f3gicas desviar nossa aten\u00e7\u00e3o da ess\u00eancia da coisa: pode-se mesmo chamar psicologia grande parte da filosofia; o que, ent\u00e3o, importa \u00e9, s\u00f3 e decisivamente, a diferen\u00e7a dos m\u00e9todos, do sentido e do objetivo dentro do campo inteiro da \u201cpsicologia\u201d. Assombra-nos o fato das psicoses. S\u00e3o enigmas do pr\u00f3prio existir hu-", "mano e sua realidade interessa a todo homem. Que isso exista, que o mundo e o existir humano sejam tais que isso venha a ser poss\u00edvel e ne- cess\u00e1rio n\u00e3o s\u00f3 nos espanta, mas nos horroriza. Esta perplexidade \u00e9 uma das fontes de nossa \u00e2nsia de saber psicopatol\u00f3gico."], ["Interpreta\u00e7\u00e3o metaf\u00edsica da doen\u00e7a n\u00e3o \u00e9 conhecimento psicopatol\u00f3- gico. Se se compreende, religiosa e moralmente, como culpa e explica\u00e7\u00e3o; se se valora como extravio da natureza no mundo (\u201cSe Deus houvesse pre- visto isso, n\u00e3o teria criado o mundo\u201d); se se interpreta como teste confir- mat\u00f3rio, sinal constante da fraqueza humana, como lembrete de sua nuli- dade \u2014 tudo isso s\u00e3o maneiras de exprimir a perplexidade, e n\u00e3o de com- preender. Tais interpreta\u00e7\u00f5es se fazem para sossegar o homem a respeito do fato realmente insuport\u00e1vel; algumas servem para a autovalora\u00e7\u00e3o de uns tantos pacientes, ou consolando-os, ou agravando-lhes o estado."], ["Ora, h\u00e1 interpreta\u00e7\u00f5es, principalmente das altera\u00e7\u00f5es esquizofr\u00eanicas, que variam entre a descri\u00e7\u00e3o das viv\u00eancias reais e a respectiva interpreta- \u00e7\u00e3o metaf\u00edsica, de modo que quem l\u00ea as tentativas neste sentido tem de distinguir: O que \u00e9 descri\u00e7\u00e3o real, o que se pensa, teoricamente, como fun- damental, o que \u00e9 interpreta\u00e7\u00e3o metaf\u00edsica e existencial? Percebem-se a flutua\u00e7\u00e3o entre empirismo, teoria e filosofia, bem como o que h\u00e1 de pene- trante e exasperador nessa confus\u00e3o pelo seguinte exemplo:"], ["No come\u00e7o da esquizofrenia \u2014 assim \u00e9 que fala o autor \u2014 o doente \u00e9 arrebatado do abrigo da comunidade a nova, insubstancial modalidade existencial. Da\u00ed compreender-se que um deles diga: \u201cO mais primitivo sen- timento de ser eu mesmo est\u00e1 perdido\u201d; ele sente-se \u201cescorra\u00e7ado, funda- mentalmente, de seu pr\u00f3prio corpo\u201d. \u201cO pensamento \u00e9 ilimitado, o eu \u00e9 mero espectador\u201d. \u201cOs pensamentos assumem vida pr\u00f3pria\u201d. O autor, ap\u00f3s a descri\u00e7\u00e3o, d\u00e1 a seguinte interpreta\u00e7\u00e3o: O mundo anterior \u00e9 arrancado ao paciente, j\u00e1 coisa alguma significa para ele. A altera\u00e7\u00e3o do humor b\u00e1sico, express\u00e3o de altera\u00e7\u00e3o do estar-no-mundo, abre-lhe um mundo novo, en- quanto declina aquele que havia antes. O doente vivencia o nada, a menos que encontre uma casa no abrigo do del\u00edrio. A nova realidade do mundo que se constitui em alucina\u00e7\u00f5es e del\u00edrios \u00e9 peculiarmente insubstancial; da\u00ed n\u00e3o valer para o enfermo como real no sentido da realidade anterior. Na verdade, por\u00e9m, este mundo faz-se existencialmente significativo para ele, na medida em que lhe pare\u00e7a efetivo. A vida suspende-se para o indi- v\u00edduo, o futuro ainda se desenvolve apenas como se fosse vida on\u00edrica an- tecipada, e n\u00e3o como perspectiva de autorrealiza\u00e7\u00e3o. A vida ainda pode fluir em revela\u00e7\u00f5es e \u00eaxtases, mas j\u00e1 n\u00e3o se desdobra para o futuro. S\u00f3 resta ainda exist\u00eancia como- percep\u00e7\u00e3o profunda de si mesmo no insula- mento de uma vida que se tornou descont\u00ednua. Entre-: - tanto, o paciente ainda compreende, de um modo ou doutro, alguma coisa que n\u00e3o \u00e9 com- preendida, mas \u00e9 esclarecida pelo pr\u00f3prio passado. Assim \u00e9 que o esquizo-"], ["fr\u00eanico tem sua exist\u00eancia numa irrealidade insubstancial. Sua modali- dade existencial, pairando oniricamente, arremessou-o do mundo em que confiava para um mundo inst\u00e1vel. J\u00e1 n\u00e3o tem abrigo, nem na comuni- dade, nem no estar-em-si-mesmo, vivenciando o aniquilamento de sua exist\u00eancia hist\u00f3rica como aniquilamento de seu sentido vital, como derro- cada universal.", "Quem reflete na situa\u00e7\u00e3o fatual e no destino radical do doente, tal qual", "um e outro se afiguram ao indiv\u00edduo sadio, subordina-se, pelas declara- \u00e7\u00f5es individuais de certos pacientes e pelos conte\u00fados de suas viv\u00eancias delirantes, a uma compreens\u00e3o global que n\u00e3o representa, em absoluto, a autocompreens\u00e3o real ou verdadeira dos enfermos, mas desenvolve o que h\u00e1 de terr\u00edfico no quadro, conforme o indiv\u00edduo sadio o v\u00ea."], ["\u00a7 4. Os Conceitos Sa\u00fade E Doen\u00e7a", "a) A questionabilidade do conceito de doen\u00e7a.", "Toda a gente usa, os conceitos, sadio e doente, para julgar fen\u00f4menos vitais, rendimentos, entes humanos. Espantam, muitas vezes, a ing\u00eanua seguran\u00e7a com que se usam estes dois conceitos e, ao mesmo tempo, a avers\u00e3o ansiosa que inspiram. As pessoas arrogam- se a faculdade de usar, escarninhas, as categorias psiqui\u00e1tricas e- acoimar os psiquiatras de ignorantes natos, os quais constituiriam uma esp\u00e9cie de \u201cInquisi\u00e7\u00e3o\u201d ape- nas sem o sanguinarismo desta. Por vezes, afigura-se de bom tom encarar com desprezo \u201co aspecto psiqui\u00e1trico\u201d; mas aquele mesmo que proclama seu menosprezo pode falar, de outra feita, em \u201cdegenerado\u201d e \u201cm\u00f3rbido\u201d, referindo-se a certas personalidades, fen\u00f4menos ps\u00edquicos ou rendimentos intelectuais."], ["Se se ajuntarem os exemplos que ilustram este tipo de aplica\u00e7\u00e3o do conceito \u201cdoente\u201d, menos ainda se saber\u00e1 quanto ao que significam sadio e doente. Quem emprega estes conceitos, quem se v\u00ea acuado por perguntas, costuma, afinal, apontar para a medicina, a qual estabelece e tem estabe- lecido, emp\u00edrica e cientificamente, o que \u00e9 \u201cdoente\u201d. N\u00e3o \u00e9 disto, por\u00e9m, que se trata. O que 'significa sadio e doente, em geral, \u00e9 o que menos preo- cupa o m\u00e9dico, o qual lida, cientificamente, com in\u00fameros processos vitais e com doen\u00e7as definidas. O que significa doente em geral depende menos do ju\u00edzo m\u00e9dico que do ju\u00edzo do paciente, bem como daquelas concep\u00e7\u00f5es que vigoram no ambiente cultural particular, isto n\u00e3o se percebe na grande massa das doen\u00e7as som\u00e1ticas, mas se percebe muito nas doen\u00e7as"], ["ps\u00edquicas. O mesmo estado ps\u00edquico leva certo indiv\u00edduo, com o r\u00f3tulo de doente, ao psiquiatra; outro, com o r\u00f3tulo de culpa, pecado, ao confessio- n\u00e1rio. Os m\u00e9dicos t\u00eam discutido, ardorosamente, a quest\u00e3o de doen\u00e7a ou sa\u00fade, se se trata ou n\u00e3o de' doen\u00e7a, no que diz respeito \u00e0s chamadas neuroses traum\u00e1ticas, aos estados que se seguem a acidentes, a se ressar- cirem com indeniza\u00e7\u00f5es. Em casos tais, o ju\u00edzo \u201cdoente\u201d do indiv\u00edduo inte- ressado\u2019 conflita, pelo jogo de interesses materiais, com o ju\u00edzo \u201csadio\u201d da sociedade; e este contraste debate-se na cabe\u00e7a dos m\u00e9dicos periciais; afi- nal de contas, sem resultado."], ["b) Conceito de valor e conceito de m\u00e9dia.", "Se, dentre a massa de aplica\u00e7\u00f5es que o conceito de doen\u00e7a tem encon-", "trado, procurarmos o que h\u00e1 de comum no conte\u00fado conceituai, jamais veremos um mesmo existir, ou um mesmo evento que se chame doente. Pelo contr\u00e1rio, o fato de assim exprimir-se um ju\u00edzo de valor \u00e9 a \u00fanica coisa que h\u00e1 de comum. Doente implica a ideia de nocivo, indesejado, infe- rior, sob um ponto de vista ou-, outro, o qual nunca \u00e9, entretanto, de modo algum, o mesmo.", "Se se quiser afastar o conceito de valor e evitar ju\u00edzos valorativos, ter-", "se-\u00e1 de procurar um conceito existencial emp\u00edrico; como tal h\u00e1 o conceito de m\u00e9dia; isto \u00e9, o que \u00e9 pr\u00f3prio da maioria, o que \u00e9-m\u00e9dio \u2014 isso \u00e9 sadio; o que \u00e9 raro, o que varia ou se desvia em certa medida da m\u00e9dia \u2014 isso \u00e9 doente. Ver-se-\u00e1, no entanto, que o conceito de m\u00e9dia n\u00e3o resolve em ab- soluto o problema."], ["c) O conceito de doen\u00e7a na medicina som\u00e1tica.", "Nos processos som\u00e1ticos, \u00e9 relativamente simples a situa\u00e7\u00e3o concreta; vida, longevidade, capacidade reprodutiva, capacidade f\u00edsica de produzir, for\u00e7a, fatigabilidade escassa, nenhuma dor, um estado no qual se percebe, constantemente, o menos poss\u00edvel do corpo, a n\u00e3o ser o sentimento praze- roso da exist\u00eancia \u2014 tudo isso \u00e9, evidentemente, t\u00e3o desejado por todos que o conceito de doen\u00e7a no somatismo \u00e9 amplo e constante. Ora, a ci\u00ean- cia m\u00e9dica n\u00e3o consiste, apenas, em elaborar estes conceitos de valor e formular qualquer conceito geral de doen\u00e7a, do mesmo modo que n\u00e3o lhe cabe o encargo de inventar um rem\u00e9dio para todos os casos. O m\u00e9dico n\u00e3o se torna absolutamente mais h\u00e1bil pelo fato de alguma coisa, seja o que for significar, em geral, doente. Seu trabalho consiste, sim, em estabelecer"], ["o que \u00e9 que existe, quando se apresenta certo estado e certo evento con- creto, de que \u00e9 que depende, de que forma \u00e9 que decorre, por que \u00e9 que \u00e9 influenciado. Em vez do conceito geral de doen\u00e7a, que \u00e9 mero conceito de valor, ele cria certa quantidade de conceitos existenciais e eventuais (por exemplo, les\u00e3o, infec\u00e7\u00e3o, tumor, diminui\u00e7\u00e3o ou aumento de secre\u00e7\u00f5es en- d\u00f3crinas etc.). Porque a indaga\u00e7\u00e3o proveio, originariamente, do conceito geral de valor e porque se lhe associa, permanentemente, pela tarefa tera- p\u00eautica do m\u00e9dico, este denomina doen\u00e7as todos os conceitos existenciais por ele criados e dos quais se exclui, a rigor, qualquer valora\u00e7\u00e3o."], ["A transposi\u00e7\u00e3o do conceito de doen\u00e7a, como conceito de valor, para uma s\u00e9rie de conceitos existenciais levou, afinal, regressivamente, a despir tamb\u00e9m quanto poss\u00edvel o conceito geral de doen\u00e7a de qualquer valorativi- dade. \u00c9 conceito existencial emp\u00edrico o conceito de m\u00e9dia: chamar-se-\u00e1 \u201csadio\u201d a m\u00e9dia; os desvios da m\u00e9dia \u2014 a\u00ed dando-se \u00e0 m\u00e9dia certa ampli- tude convencional \u2014 chamarise-\u00e1 \u201cdoente\u201d. Esta ser\u00e1 uma considera\u00e7\u00e3o existencial pura. Porque se v\u00ea a vida, primeiro, como estado e, depois, como processo (totalidade do curso vital), assim se distinguir\u00e3o, entre os desvios da m\u00e9dia, de um lado, aqueles que dizem respeito ao estado (por exemplo, anomalias anat\u00f4micas, como malforma\u00e7\u00f5es, falta de pigmento da \u00edris, etc., al\u00e9m de anomalias fisiol\u00f3gicas, como pen- tos\u00faria); doutro lado, aqueles que se relacionam com o curso da vida (ser\u00e3o os processos m\u00f3bi- dos propriamente ditos). Nesta medida estar\u00e1 exclu\u00edda qualquer valora\u00e7\u00e3o e poder-se-\u00e1 separar o conceito de doen\u00e7a do paciente, como mero con- ceito de valor, daquele da medicina, que \u00e9 uma soma de conceitos existen- ciais, baseados na ideia de m\u00e9dia. Talvez fosse \u00fatil, tendo em vista sempre a pr\u00e1tica, a reintrodu\u00e7\u00e3o do conceito de valor numa divis\u00e3o secund\u00e1ria, conforme resultado do seguinte diagrama (baseado em ALBRECHET)."], ["No momento, pois, o conflito conceituai parece resolvido satisfatoria-", "mente; n\u00e3o, contudo, definitivamente, por causa das seguintes dificulda- des l\u00f3gicas:", "1) H\u00e1 fen\u00f4menos vitais na maioria dos homens, como, por exemplo, a"], ["c\u00e1rie dent\u00e1ria, que, embora sejam medianos, se chamam doen\u00e7a.", "2) H\u00e1 desvios da m\u00e9dia na longevidade, na for\u00e7a f\u00edsica e na capacidade de resist\u00eancia pouco habitual que, entretanto, nunca se chamam doen\u00e7a. Ao lado de \u201cdoente\u201d e \u201cdesvio indiferente\u201d, ter-se-ia de introduzir terceira categoria, ou seja, a \u201csuper-sa\u00fade\u201d.", "3) Na realidade, quase nunca se estabelece a m\u00e9dia na vida do corpo humano. Determina\u00e7\u00f5es medianas desta ordem restringem-se a medidas anat\u00f4micas e quase mais nada. O que \u00e9 m\u00e9dia quase nunca se sabe. Se refletirmos no exposto e lembrarmo-nos daquilo em que o m\u00e9dico pensa, n\u00e3o poderemos deixar de reconhecer o seguinte: Quando o m\u00e9dico, pensando cientificamente, fala em \u201cdesvios\u201d, quase nunca quer referir-se, realmente, \u00e0 m\u00e9dia, e sim a um conceito ideal. Ele n\u00e3o pressup\u00f5e, por exemplo, conceito normativo definido de sa\u00fade; mas orienta-se por uma ideia normativa, quando chama doen\u00e7a, por exemplo, a c\u00e1rie dent\u00e1ria. \u00c9 conceito normativo desta ordem, e n\u00e3o conceito de m\u00e9dia, que o conceito de sa\u00fade vem a ser por sua vez; quer dizer, ele \u00e9, ao mesmo tempo, con- ceito de valor. O conhecimento do corpo humano n\u00e3o pressup\u00f5e, por\u00e9m, este conceito de valor, mas o tem diante de si como ideia: quanto mais se conhecem, no particular, as correla\u00e7\u00f5es entre \u00f3rg\u00e3os, estruturas, fun\u00e7\u00f5es, tanto mais aquele que tem conhecimento apreende a ideia. Conhec\u00ea-la completamente seria a mesma coisa que conhecer completamente a vida. A sa\u00fade \u00e9, em primeiro lugar, um conceito de car\u00e1ter grosseiro, de valor a\u00e7\u00f5es derradeiras, quais sejam a vida, a efici\u00eancia etc. Quanto mais perce- bemos as conex\u00f5es final\u00edsticas na vida do corpo \u2014 o conhecimento biol\u00f3- gico propriamente dito, tanto mais caminhamos da teleologia grosseira para uma teleologia mais refinada e tanto mais claro se faz o conceito de sa\u00fade como conceito biol\u00f3gico normativo, sem que este se esclare\u00e7a por completo.", "A origem da medicina emp\u00edrica a partir de um conceito geral de valor e"], ["o objetivo colocado em conceitos existenciais empiricamente encontrados v\u00eam, de quando em quando, a conflitar, como \u00e9 natural. Isso acontece, so- bretudo, em virtude do fen\u00f4meno b\u00e1sico pelo qual o homem se sente do- ente, sabe de seu estado m\u00f3rbido (ou quer saber)\u2019 e toma atitudes em rela- \u00e7\u00e3o \u00e0 sua doen\u00e7a. Certo \u00e9 que, falando mais amplamente, o sentir-se-do- ente coincide com um achado som\u00e1tico objetivo. O fato de, ao mesmo"], ["tempo, se seguir uma atitude do doente: o fato de ocorrer um salto de sua percep\u00e7\u00e3o de qualquer dist\u00farbio \u2014 que menospreza como indiferente \u2014 para a forma\u00e7\u00e3o do ju\u00edzo \u201cEstou doente\u201d; e o fato de este, por sua vez, po- der referir-se a uma defici\u00eancia local particular de sa\u00fade no todo, ou expri- mir uma consci\u00eancia da doen\u00e7a no todo \u2014 tais s\u00e3o fatos biograficamente importantes, mas incidentais para a doen\u00e7a som\u00e1tica. S\u00e3o s\u00f3 os casos fronteiri\u00e7os que acarretam o conflito. Das duas uma: ou o achado sem consci\u00eancia da doen\u00e7a, ou sem consci\u00eancia correspondente da doen\u00e7a (carcinoma g\u00e1strico inicial, glioma da retina): neste caso, \u00e9 s\u00f3 pela colabo- ra\u00e7\u00e3o do ju\u00edzo cl\u00ednico que o doente forma a compreens\u00e3o m\u00e9dica, sem que haja base suficiente no sentimento, na disposi\u00e7\u00e3o, na percep\u00e7\u00e3o pr\u00f3pria; ou o sentimento da doen\u00e7a sem achado; neste caso, procuram o m\u00e9dico pessoas que se sentem gravemente enfermas; o m\u00e9dico nada encontra, chama-as nervosas e manda-as ao psiquiatra. Em todos esses casos fron- teiri\u00e7os, nos quais o cl\u00ednico n\u00e3o v\u00ea coincidirem tipo e grau do achado e tipo e grau do sentimento da doen\u00e7a, apresenta-se o encargo solucion\u00e1vel, em princ\u00edpio, de encontrar a consci\u00eancia adequada da doen\u00e7a pela coopera\u00e7\u00e3o do ju\u00edzo m\u00e9dico."], ["Inteiramente diversa e realmente problem\u00e1tica \u00e9 a situa\u00e7\u00e3o das doen-", "\u00e7as mentais: ou falta achado som\u00e1tico, ou a inadequa\u00e7\u00e3o da atitude do paciente insere-se na ess\u00eancia da mol\u00e9stia; ou mesmo o desejo da doen\u00e7a d\u00e1 origem a sintomas espec\u00edficos."], ["d) O conceito de doen\u00e7a da psiquiatria.", "As discuss\u00f5es sobre o conceito de doen\u00e7a apresentam bem pouca im- port\u00e2ncia na medicina som\u00e1tica; s\u00e3o reflex\u00f5es para quem goste de ques- t\u00f5es de princ\u00edpio. Na psiquiatria, contudo, estas quest\u00f5es assumem grande import\u00e2ncia para a teoria e a pr\u00e1tica.", "1. Aplica\u00e7\u00e3o de conceito de valor e conceito de m\u00e9dia. No campo ps\u00ed- quico, multiplicam-se os conceitos de valor, de modo que, afinal, abran- gem todos os valores sequer poss\u00edveis, estes mesmos se tornando proble- m\u00e1ticos. Aqui muito menos ainda do que no som\u00e1tico se pode falar em conceito unit\u00e1rio de \u201cdoente\u201d. Tamb\u00e9m \u00e9 poss\u00edvel \u2014 e tem-se feito isso \u2014 pensar na vida ps\u00edquica em termos de m\u00e9dia, excluindo qualquer valora- \u00e7\u00e3o. No campo ps\u00edquico, entretanto, nunca se conhece, realmente, a m\u00e9- dia sen\u00e3o pelos resultados finais os mais grosseiros, tais como rendimen- tos escolares. Quando ajuizamos se alguma coisa \u00e9 \u201cdoente\u201d partimos da", "m\u00e9dia, no terreno ps\u00edquico, muito menos ainda do que no som\u00e1tico. En- tretanto, se formularmos os conceitos normativos, estaremos falando, al\u00e9m daqueles biol\u00f3gicos (da conserva\u00e7\u00e3o da vida e da esp\u00e9cie, libera\u00e7\u00e3o da dor etc.), naqueles outros que s\u00e3o: proveito social (utilidade, adaptabili- dade, disciplina), capacidade de ser feliz e contente, integridade pessoal, acordo de qualidades, const\u00e2ncia de atributos, desenvolvimento perfeito, acorde e harmonioso."], ["A multiplicidade destes conceitos de valor leva a que o limite daquilo que se concebe como \u201cpsiquicamente doente\u201d esteja sujeito a flutua\u00e7\u00f5es muito maiores do que a delimita\u00e7\u00e3o quase constante, pelo contr\u00e1rio, do somaticamente doente. J\u00e1 a aplica\u00e7\u00e3o do conceito de doen\u00e7a em geral ao psiquismo se tem feito em muito menor escala que em rela\u00e7\u00e3o ao soma. N\u00e3o seriam fen\u00f4menos naturais, a se conhecerem emp\u00edrica e causalmente, que aqui existiriam, e sim dem\u00f4nios, ou culpa e expia\u00e7\u00e3o. A seguir, conce- beram-se como doentes, apenas, idiotas e furiosos; mais adiante ainda, melanc\u00f3licos; no decorrer dos \u00faltimos s\u00e9culos, todavia, alargou-se mais ainda o c\u00edrculo e, certamente, de maneira decisiva, conforme o ponto de vista da utilidade social. O aumento enorme que sofreu o n\u00famero de fre- noc\u00f4mios funda-se em que certos homens j\u00e1 n\u00e3o podem viver nas condi- \u00e7\u00f5es mais evolu\u00eddas da civiliza\u00e7\u00e3o moderna, a qual exige cada vez mais rendimentos sociais; poderiam ser alimentados, colaborar uma vez ou ou- tra, sem o jugo, por\u00e9m, da aparelhagem social. Da\u00ed por que este ponto de vista psicologicamente externo, acrescido aos pendores antissociais de cer- tos indiv\u00edduos, passou a ser -decisivo para a administra\u00e7\u00e3o policial, no to- cante \u00e0 delimita\u00e7\u00e3o da doen\u00e7a. Outros limites residem no tocante \u00e0 situa- \u00e7\u00e3o econ\u00f4mica dos doentes, em cl\u00ednicas psiqui\u00e1tricas, sanat\u00f3rios, consul- t\u00f3rios m\u00e9dicos."], ["Assim \u00e9 que o conceito \u201cdoente\u201d abrangeu e abrange as realidades ps\u00ed- quicas mais heterog\u00eaneas. \u201cDoente\u201d \u00e9 conceito depreciativo, geral, compre- endendo todos os valores negativos poss\u00edveis. Quando se diz \u201cdoente\u201d, de maneira ampla, coisa alguma se implica no terreno ps\u00edquico, porque a ex- press\u00e3o abrange o idiota e o g\u00eanio; abrange todos, os homens; e n\u00e3o nos ensina que certo indiv\u00edduo esteja psiquicamente enfermo, a n\u00e3o ser que vejamos determinadas manifesta\u00e7\u00f5es e fen\u00f4menos concretos que se pas- sem, em sua psique.", "O, fato de sempre se confundirem na palavra doen\u00e7a conceitos de valor", "e conceitos existenciais leva a enganos aparentemente quase inevit\u00e1veis: em primeiro lugar, designa-se como doente alguma coisa que representa valor negativo; a seguir, emerge a consci\u00eancia de que a doen\u00e7a \u00e9 um modo"], ["de existir e o ju\u00edzo assume car\u00e1ter emp\u00edrico-diagn\u00f3stico. Entre os leigos, particularmente, vigora sempre a ideia grosseira de o indiv\u00edduo ser doente ou n\u00e3o (res\u00edduo da antiga teoria demon\u00edaca sob forma racional); com o ju- \u00edzo doente, que repousa em mera valora\u00e7\u00e3o subjetiva, julga-se, ap\u00f3s algum tempo, possuir conhecimento real.", "Wilmanns exprimiu em conversa, com uma frase jocosa, a natureza paradoxal do conceito de doen\u00e7a: \u201cNormalidade \u00e9 a debilidade mental li- geira\u201d. Logicamente expresso, isso quer dizer: Segundo um conceito nor- mativo de aptid\u00e3o intelectual, a maioria dos seres humanos \u00e9 ligeiramente d\u00e9bil mental. A m\u00e9dia, o atributo da maioria \u00e9 que \u00e9, por\u00e9m, o padr\u00e3o de sanidade; portanto, a debilidade mental ligeira \u00e9 sa\u00fade. Mas a debilidade mental \u00e9 designa\u00e7\u00e3o que se aplica \u00e0 morbidez. Portanto, o m\u00f3rbido \u00e9 nor- mal; portanto, sadio = doente. Da\u00ed concluir-se pela dissolu\u00e7\u00e3o deste par de conceitos, se tiver de repousar em conceito de valor e em conceito de m\u00e9- dia."], ["Por fim, o conceito de doen\u00e7a ps\u00edquica, que vem a ser, no entanto, con- ceito de defici\u00eancia, surpreende pelo fato de abranger fen\u00f4menos que s\u00e3o de valorar-se e se valoram de maneira positiva. A an\u00e1lise patogr\u00e1fica de certas personalidades destacadas mostra que a doen\u00e7a n\u00e3o s\u00f3 interrompe e destr\u00f3i; que, apesar dela, n\u00e3o s\u00f3 alguma coisa se produz, mas que a do- en\u00e7a \u00e9 requisito de certos rendimentos e que nela se podem apresentar a profundidade e a abismalidade do existir humano."], ["N\u00e3o exporei as demais paradoxalidades do conceito doen\u00e7a, resultan- tes da compreens\u00e3o de \u201cdoente\u201d, com acento valorativo negativo, no campo ps\u00edquico, de um todo unit\u00e1rio. Cientistas que somos, queremos saber: que fen\u00f4menos s\u00e3o poss\u00edveis na psique humana? M\u00e9dicos, indagamos: que meios h\u00e1 para promover o que h\u00e1 \u2014 e \u00e9 muito variado \u2014 de desej\u00e1vel na vida ps\u00edquica? Nem num caso, nem no outro precisamos do conceito de \u201cdoente em geral\u201d; e a esta altura j\u00e1 sabemos que coisa alguma existe desta ordem que seja geral e unit\u00e1ria."], ["O que foi dito pode resumir-se da seguinte maneira: Na concep\u00e7\u00e3o ge- ral, muito costumeira at\u00e9 entre m\u00e9dicos, concep\u00e7\u00e3o que atribui import\u00e2n- cia fatual \u00e0 indaga\u00e7\u00e3o \u201cIsto \u00e9 m\u00f3rbido?\u201d um res\u00edduo existe daquelas anti- gas ideias, segundo as quais as doen\u00e7as eram entidades especiais que se apoderavam dos homens. Pode-se dizer: ser\u00e1 isto um fen\u00f4meno desfavor\u00e1- vel sob tal ou qual ponto de vista? Ou: ser\u00e1 isto um fen\u00f4meno que, presu- mida ou seguramente, acarretar\u00e1 outros mais desfavor\u00e1veis ainda (o co- me\u00e7o de um processo que leve \u00e0 morte, a perda de capacidade etc.)? O fato", "de eu chamar \u201cm\u00f3rbida\u201d, em geral, alguma coisa n\u00e3o me faz, por\u00e9m. pro- gredir. N\u00e3o obstante o que, a indaga\u00e7\u00e3o geral \u201cIsto \u00e9 m\u00f3rbido?\u201d ainda con- tinua a formular-se frequentemente, a fim de valorar a resposta, negativa como aquietamento e a resposta afirmativa, simplesmente, como escusa moral; ou a fim de reduzir certo valor; em ambos os casos, de maneira igualmente err\u00f4nea."], ["2. Ideias especulativas sobre doen\u00e7a e sa\u00fade em geral. Embora sa- bendo que a simples doen\u00e7a e a simples sa\u00fade n\u00e3o s\u00e3o conceitos que se possam preencher de modo un\u00edvoco, deter-nos-emos, um instante, em certas ideias que operam com estes conceitos gerais. N\u00e3o possuem elas, decerto, qualquer valor cognoscitivo, mas nos abrem espa\u00e7o e atitude que n\u00e3o nos podem ser indiferentes, quando pensamos no todo do existir hu- mano. aa) Doen\u00e7a no horizonte biol\u00f3gico e doen\u00e7a no homem. Se nos colocar- mos no horizonte biol\u00f3gico mais amplo, veremos a origem das doen\u00e7as: 1) no fato de todos os seres vivos viverem uns dos outros, atacando-se e de- vorando-se, conforme se nota, entre outros exemplos, na exist\u00eancia dos parasitas e bact\u00e9rias; 2) nas altera\u00e7\u00f5es radicais do perimundo, pelas quais um tipo de vida se v\u00ea sujeito a exig\u00eancias excessivas, sem possibilidade de ajustamento; nas muta\u00e7\u00f5es, que se apresentam desfavor\u00e1veis em certa si- tua\u00e7\u00e3o. Na vida como tal insere-se o estado de doen\u00e7a. O perigo- para a vida resulta de sua permanente prova\u00e7\u00e3o; prova\u00e7\u00e3o que origina sua exal- ta\u00e7\u00e3o e enriquecimento de maneira ilimitadamente- m\u00faltipla. Entretanto, a semelhante prova\u00e7\u00e3o h\u00e3o de ajustar-se as perdas que se d\u00e3o no decl\u00ednio da realiza\u00e7\u00e3o, nas feiuras e preocupa\u00e7\u00f5es est\u00e1veis (porque se ajustam a certo perimundo, mas s\u00f3 a este), na fal\u00eancia mesmo do mais belo \u00eaxito moment\u00e2neo. Pelo- estado de doen\u00e7a n\u00e3o se encontram apenas as exce- \u00e7\u00f5es vitais que discriminam; mas, sim, ele \u00e9 parte da pr\u00f3pria vida como elemento de sua ascens\u00e3o, como risco super\u00e1vel. Tal qual se desenvolve, a vida experimenta a simultaneidade constante de \u00eaxito e fal\u00eancia, acerto e desacerto."], ["\u00c9 neste todo biol\u00f3gico que reside o especificamente humano. O homem", "\u00e9 exce\u00e7\u00e3o dentre os seres vivos. \u00c9 a maior abertura da possibilidade, a oportunidade m\u00e1xima e, no entanto, ao mesmo tempo, o maior perigo. Os pensadores t\u00eam sempre concebido o existir humano no todo como estado de doen\u00e7a, quer mol\u00e9stia vital, quer desordem e les\u00e3o primevas de sua na- tureza, provenientes do- pecado original. Concordam Nietzsche e os te\u00f3lo- gos, embora em sentido muito diverso."], ["N\u00e3o \u00e9, pois, acaso hajam os poetas representado em forma de loucura e s\u00edmbolos a ess\u00eancia do existir humano, suas possibilidades m\u00e1ximas e mais tem\u00edveis, sua grandeza e sua decad\u00eancia; por exemplo, Cervantes em Don Quixote, Ibsen em Peer Gynt, Dostoievski no \u201cIdiota\u201d, Shakespeare no Rei Lear e Hamlet (os poetas extraem tra\u00e7os reais da esquizofrenia, da his- teria, da debilidade mental, das psicopatias); nem \u00e9 acaso reconhe\u00e7a o mundo inteiro haver uma sensatez dos loucos. Certas frases de psiquia- tras como Luxenburger mostram alguma coisa do conhecimento que, pelo estado de doen\u00e7a, se obt\u00e9m a respeito daquilo que \u00e9 especificamente hu- mano: \u201cA esquizotimia \u00e9 a problem\u00e1tica humana em si. E isso tudo est\u00e1 na amplitude com que varia a norma, sem exageros que teriam de cha- mar-se psicop\u00e1ticos, nem distor\u00e7\u00f5es, que teriam de chamar-se psic\u00f3ticas\u201d. J\u00e1 se v\u00ea, de modo geral, o otimismo em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 sa\u00fade como sendo a es- s\u00eancia humana, da qual se realizam, normalmente, a harmonia, a medida, a corre\u00e7\u00e3o e a perfei\u00e7\u00e3o."], ["Chama a aten\u00e7\u00e3o o fato de a loucura haver despertado n\u00e3o s\u00f3 horror, mas venera\u00e7\u00e3o. O \u201cmal sagrado\u201d \u2014 epilepsia \u2014 foi considerado efeito de- mon\u00edaco ou divino. Diz Plat\u00e3o: \u201cOra, os maiores benef\u00edcios, n\u00f3s os recebe- mos de uma loucura que, no entanto, devemos ao fator divino... Segundo o testemunho dos antigos, a loucura divina \u00e9 muito mais espl\u00eandida que o mero entendimento humano\u201d. Nietzsche despreza os indiv\u00edduos que escar- necem e lastimam, conscientes de sua pr\u00f3pria sa\u00fade, os euros b\u00e1quicos dos gregos, a embriaguez dionis\u00edaca, considerando-os \u201cdesordens popula- res\u201d: \u201cNem imaginam os infelizes quanto a sa\u00fade deles pareceria cadav\u00e9- rica, espectral, aos homens de ent\u00e3o\u201d. E \u00e9 assim que o mesmo pensador julga os procedimentos do filisteu culto: \u201cPor fim, inventa ainda para seus h\u00e1bitos, opini\u00f5es, avers\u00f5es e pendores a f\u00f3rmula universal \u201csa\u00fade\u201d, rejei- tando, por suspeit\u00e1-lo de enfermi\u00e7o e excitado, tudo quanto lhe perturba o sossego\u201d. \u201cQuer dizer, \u00e9 circunst\u00e2ncia fatal que o esp\u00edrito costume descer com simpatia especial at\u00e9 os doentes e os insanos, ao passo que o filisteu filosofa quase sempre sem esp\u00edrito, se bem que de forma absolutamente sadia\u201d. Plat\u00e3o e Nietzsche n\u00e3o se referem \u00e0 doen\u00e7a como sendo menos que a sa\u00fade, apenas destruindo; e, sim, como sendo acr\u00e9scimo, exalta\u00e7\u00e3o, cri- atividade. Esta loucura \u00e9 mais que sa\u00fade. Pergunta Nietzsche: N\u00e3o haver\u00e1 neurose da sa\u00fade? Entretanto, se atentarmos para a abismalidade que h\u00e1 no homem; se n\u00e3o nos preocuparmos com quaisquer pressupostos da possibilidade de uma ordem c\u00f3smica correta, de um existir humano ideal- mente perfeito, de uma vis\u00e3o do mundo que seja a \u00fanica verdadeira, nesse caso a loucura e a psicopatia adquirem significado humano; e s\u00e3o uma re-"], ["alidade em que se mostram essas possibilidades; possibilidades que o in- div\u00edduo sadio a si mesmo oculta; de que se esquiva; de que se preserva. Mas o indiv\u00edduo sadio cuja psique se haja aberto ao que \u00e9 marginal inves- tiga dentro do psicopatol\u00f3gico o que ele pr\u00f3prio pode ser; ou o que lhe \u00e9 essencial na dist\u00e2ncia, na estranheza, e lhe parece ser a linguagem que vem dos confins. O temor e a venera\u00e7\u00e3o de certas modalidades da doen\u00e7a n\u00e3o constituem apenas fato hist\u00f3rico da supersti\u00e7\u00e3o, mas t\u00eam permanente significado."], ["Disse Novalis: \u201cNossas doen\u00e7as s\u00e3o fen\u00f4menos que constituem eleva- \u00e7\u00e3o de uma sensa\u00e7\u00e3o, a qual pretende adquirir mais for\u00e7as\u201d. E um psiqui- atra moderno escreveu: \u201cA neurose n\u00e3o \u00e9 simples fraqueza, mas pode re- presentar, veladamente, o predicado de nobreza do homem\u201d (G. R. Heyer). O amor de um administrador nosocomial pelos doentes entregues \u00e0 sua guarda talvez se possa compreender, em conex\u00e3o com a ideia da significa- \u00e7\u00e3o da doen\u00e7a humana, com a seguinte descri\u00e7\u00e3o, t\u00e3o paradoxal, feita por Jessen numa reuni\u00e3o de cientistas realizada em Kiel, a 21 de agosto de 1846: \u201cJ\u00e1 conheci e tratei, como m\u00e9dico, de 1.500 doentes mentais; tenho vivido entre eles e com eles mais do que com gente s\u00e3. Se tivesse de ajui- zar o valor moral dos loucos em compara\u00e7\u00e3o com o daqueles que passam por sadios, seria em favor dos primeiros. Declaro, livremente, que tenho mais estima pelos doentes mentais em geral do que por outras pessoas; - que me apraz viver entre eles; que, na sociedade deles, n\u00e3o me faz falta o conv\u00edvio das pessoas s\u00e3s; e digo mesmo que me parecem, em parte, mais naturais e sensatos do que julgo serem os indiv\u00edduos em geral\u201d. S\u00f3 poderia adoecer da mente, em geral, quem possu\u00edsse sentimentos profundos, na opini\u00e3o do mesmo m\u00e9dico. Da\u00ed a certeza \u201cde que \u00e9 muito mais honroso que vexat\u00f3rio para qualquer pessoa ser acometido por doen\u00e7as mentais\u201d."], ["bb) Sa\u00fade. Estabelecer um conceito de sa\u00fade parece n\u00e3o ter sentido se se pensa no ente humano como existir inconcluso. H\u00e1 uma s\u00e9rie de defini- \u00e7\u00f5es gerais:", "A mais antiga \u00e9 a de Alcme\u00f3n e de muitos que se lhe seguiram, at\u00e9 hoje: sa\u00fade \u00e9 a harmonia de for\u00e7as opostas. Para C\u00edcero, \u00e9 a rela\u00e7\u00e3o rec\u00ed- proca correta dos estados d\u2019alma. Hoje em dia, tem-se visto a sa\u00fade, reite- radamente, na via que medeia entre os contrastes, via na qual estes se mant\u00eam ligados uns aos outros unidos em sua tens\u00e3o.", "Em oposi\u00e7\u00e3o a tudo quanto pende para o entusiasmo, a exce\u00e7\u00e3o, o pe-", "rigo, os estoicos e epicuristas d\u00e3o valor supremo \u00e0 sa\u00fade. Para o epicu- rista, ela est\u00e1 no contentamento absoluto, dentro da satisfa\u00e7\u00e3o moderada", "de todas as necessidades. Os estoicos consideravam doen\u00e7a qualquer pai- x\u00e3o, qualquer ardor dos sentimentos; a doutrina moral deles era, em certa extens\u00e3o, terapia, que consistia em destruir as doen\u00e7as da alma em bem de uma ataraxia sadia."], ["Os psiquiatras contempor\u00e2neos veem a sa\u00fade na capacidade \u201cde reali-", "zar a possibilidade inata do destino humano (von Weizs\u00e4cker) \u2014 mas seria preciso saber o que \u00e9 isso; ou identicamente: no encontro de si mesmo, na autorrealiza\u00e7\u00e3o, no ordenamento completo c harmonioso dentro da socie- dade."], ["A estas defini\u00e7\u00f5es de sa\u00fade correspondem as concep\u00e7\u00f5es de doen\u00e7a;", "1) como decomposi\u00e7\u00e3o em contrastes, isolamento de contrastes, desar-"], ["monia de for\u00e7as;", "2) como afeto e suas consequ\u00eancias;", "3) como inverdade; por exemplo, fuga para a doen\u00e7a, evas\u00e3o, oculta-"], ["mento (esta \u00faltima concep\u00e7\u00e3o, sobretudo, tem sido muito discutida)."], ["V. von Weizs\u00e4cker escreve: \u201cQuando o indiv\u00edduo tem de fazer da do- en\u00e7a uma virtude, quando a rea\u00e7\u00e3o moral se torna sintoma patol\u00f3gico, ocorre uma esp\u00e9cie de falsifica\u00e7\u00e3o de sentido, que estimula a cr\u00edtica a nossa consci\u00eancia da verdade\u201d. \u201cO neur\u00f3tico realiza um ocultamento, que revela pelo seu sentimento de culpa. Em doentes org\u00e2nicos n\u00e3o-neur\u00f3ti- cos, temos visto, muitas vezes, acenderem-se sentimentos de culpa; por exemplo, no est\u00e1gio prodr\u00f4mico, pela maneira por que lutam consigo mes- mos para ver se podem ceder ou n\u00e3o; na convalescen\u00e7a, para saber se ainda est\u00e3o doentes\u201d. Da\u00ed achar o mesmo autor \u201cque a sa\u00fade tem a ver com a verdade; a doen\u00e7a, com a inverdade\u201d. Faz lembrar as ideias dos psi- quiatras antigos: S\u00f3 a culpa enlouquece, jamais a inoc\u00eancia (Heinroth); a perfei\u00e7\u00e3o moral e a sa\u00fade mental seriam a mesma coisa (Groos), isto \u00e9, quando o impulso inato para o bem se desenvolve livremente, evento so- m\u00e1tico algum d\u00e1 lugar \u00e0 doen\u00e7a mental. Aqui tamb\u00e9m se insere a concep- \u00e7\u00e3o de Klages: A psicopatia \u00e9 o sofrimento causado por autodecep\u00e7\u00f5es vi- talmente necess\u00e1rias."], ["A estas maneiras de ver contrap\u00f5e-se a frase de Nietzsche: \u201cSa\u00fade em si n\u00e3o existe\u201d; mais ainda, a desconfian\u00e7a nietzscheana em rela\u00e7\u00e3o a todo conceito de sa\u00fade que seja un\u00edvoco, retil\u00edneo, otimista. Von Weizs\u00e4cker d\u00e1 a entender alguma coisa no sentido da paradoxalidade dos adoecimento humano, quando se refere a que \u201ca doen\u00e7a grave significa, muitas vezes, a revis\u00e3o de toda uma \u00e9poca vital\u201d; vale dizer, aquilo que a doen\u00e7a \u00e9 pode", "ter, noutro contexto, significado \u201ccurativo\u201d, \u201ccriativo\u201d; ou quando, doutro lado, \u201cacentua a lei segundo a qual a supress\u00e3o de um mal abre espa\u00e7o para outro\u201d A harmonia dos contrastes \u00e9 um ideal que, ao mesmo tempo, restringe; n\u00e3o \u00e9 conceito do existir, nem possibilidade realiz\u00e1vel. Da atara- xia e do contentamento resulta um empobrecimento ps\u00edquico; como resul- tam dist\u00farbios daquilo que se menosprezou e deixou passar.", "3. A estrutura\u00e7\u00e3o do conceito psiqui\u00e1trico de doen\u00e7a. N\u00e3o h\u00e1 \u201cloucos\u201d", "como esp\u00e9cimes pr\u00f3prios, disse Griesinger. Em vez de considerar sumaria- mente o adoecimento ps\u00edquico em geral, deve-se, antes, estrutur\u00e1-lo. \u00c9 por isto que o psiquiatra n\u00e3o d\u00e1 valor algum ao ju\u00edzo corrente \u201cdoente\u201d. As re- alidades heterog\u00eaneas com que depara, ele as ordena segundo conceitos existenciais, como, por exemplo, aquele que distingue, em certo quadro, entre estado permanente ou est\u00e1dio de um processo. No consult\u00f3rio m\u00e9- dico e no frenoc\u00f4mio, tratam-se numerosas pessoas que n\u00e3o sofrem de qualquer processo m\u00f3rbido, e sim de varia\u00e7\u00e3o desfavor\u00e1vel da respectiva constitui\u00e7\u00e3o; que sofrem do respectivo car\u00e1ter. A esta altura, nossa ci\u00eancia come\u00e7a, realmente, com a caracterologia e no campo do \u201cnormal\u201d. Desde que designemos certas personalidades como doentes no campo ps\u00edquico, mais n\u00e3o nos resta sen\u00e3o estabelecer um limite pr\u00e1tico em rela\u00e7\u00e3o a todas as varia\u00e7\u00f5es individuais."], ["aa) Os pontos de partida para a defini\u00e7\u00e3o do adoecimento ps\u00edquico. O", "conceito de doen\u00e7a caracteriza-se, no campo ps\u00edquico, pelo fato de a ati- tude do paciente em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 doen\u00e7a, seu sentimento da doen\u00e7a, sua consci\u00eancia da doen\u00e7a, ou a aus\u00eancia absoluta de uma coisa e outra n\u00e3o constitu\u00edrem dado adicional, relativamente f\u00e1cil de corrigir, como no caso das mol\u00e9stias puramente som\u00e1ticas; mas constitu\u00edrem, sim, certo ele- mento sempre peculiar do pr\u00f3prio adoecimento. Em muitos casos \u00e9 s\u00f3 o observador que considera doente os indiv\u00edduos em causa, n\u00e3o este a si mesmo.", "Para o observador, o ponto de partida est\u00e1 em seja qual for modalidade"], ["da incompreensibilidade; quer se d\u00ea transposi\u00e7\u00e3o de conex\u00f5es compreen- s\u00edveis mediante mecanismos anormais; quer ocorra \u201caliena\u00e7\u00e3o\u201d, isto \u00e9, ruptura radical das possibilidades de comunica\u00e7\u00e3o, ou amea\u00e7a derivada de motivos incompreens\u00edveis. As discrimina\u00e7\u00f5es diagn\u00f3sticas baseiam-se na distin\u00e7\u00e3o do tipo de incompreensibilidade: sintomas leves, que ainda n\u00e3o parecem m\u00f3rbidos em absoluto ao leigo, podem indicar processo des- trutivo dos mais graves; manifesta\u00e7\u00f5es muito s\u00e9rias (estados de excita\u00e7\u00e3o, a que se d\u00e1 o nome de f\u00faria) podem ser sintomas de histeria relativamente in\u00f3cua,"], ["Para o doente, o ponto de partida \u00e9 um sofrimento, ou de seu pr\u00f3prio", "existir, ou de alguma coisa que, afigurando-se estranha, na exist\u00eancia lhe irrompe. Mas indaga-se: a forma por que se d\u00e1 esse comportamento do do- ente em rela\u00e7\u00e3o a si mesmo \u00e9 universalmente humana para todos os indi- v\u00edduos, no sentido de saber se e como ele se dominar\u00e1? Para o indiv\u00edduo em causa, a morbidez est\u00e1 num desvio dessa anormalidade, resultando da novidade (n\u00e3o existia antes), bem como do conte\u00fado e tipo da viv\u00eancia.", "N\u00e3o se pode confiar nesses pontos de partida para a defini\u00e7\u00e3o do adoe-"], ["cimento. N\u00e3o existe coincid\u00eancia alguma entre as manifesta\u00e7\u00f5es inicial- mente percebidas e a ess\u00eancia, a gravidade, o rumo que toma o evento pa- tol\u00f3gico. Da\u00ed por que o psicopatologista penetra em fundamentos mais profundos pela multiplicidade metodol\u00f3gica de suas observa\u00e7\u00f5es, consta- tando a ocorr\u00eancia simult\u00e2nea das manifesta\u00e7\u00f5es, a modalidade em que evolui a doen\u00e7a etc. Afinal, tr\u00eas conceitos de doen\u00e7as emergem, atual- mente (vimo-los na classifica\u00e7\u00e3o tripartite do esquema diagn\u00f3stico da p\u00e1g. 741).", "bb) Os tr\u00eas tipos do conceito psiqui\u00e1trico de doen\u00e7a. Define-se a do- en\u00e7a: 1) como processo som\u00e1tico; 2) como evento s\u00e9rio, que pela primeira vez irrompe numa vida sadia, alterando o psiquismo; evento para o qual se presume, mas n\u00e3o se conhece base som\u00e1tica; 3) como varia\u00e7\u00e3o do existir humano, muito distante da m\u00e9dia e, decerto, inoportuna, de um modo ou doutro, para o doente ou seu ambiente; por conseguinte, exigindo trata- mento."], ["1. O psiquiatra parece livre das dificuldades do conceito de doen\u00e7a; quando encontra, essencial \u00e0 enfermidade, um processo som\u00e1tico que se pode estabelecer e definir como tal. \u00ca a atitude m\u00e9dica que, fundada nas ci\u00eancias naturais, s\u00f3 conta com o som\u00e1tico para decidir. A psicopatologia mais n\u00e3o \u00e9 que meio de encontrar sintomas do f\u00edsico; \u00e9 \u00e0 fisiologia que a pesquisa m\u00e9dica visa, n\u00e3o \u00e0 psicologia. Como m\u00e9dicos, temos a ver com o corpo. \u201cSe houvesse alguma coisa que fosse doen\u00e7a da mente, nada pode- r\u00edamos fazer para remedi\u00e1-la\u201d (Hughlings Jackson, citado segundo Sittig). S\u00f3 ser\u00e3o m\u00f3rbidos aqueles fen\u00f4menos ps\u00edquicos que repousam em proces- sos cerebrais m\u00f3rbidos. H\u00e1, de fato, um setor das mol\u00e9stias cerebrais or- g\u00e2nicas em que \u00e9 necess\u00e1rio investigar fundamentos som\u00e1ticos; e em que o sintoma ps\u00edquico \u00e9, ele mesmo, sintoma de dist\u00farbio f\u00edsico. Subsistem, entretanto, as dificuldades, que n\u00e3o s\u00e3o poucas. Nem na quarta parte dos pacientes internados conhecemos o fundamento org\u00e2nico da doen\u00e7a. N\u00e3o existe coincid\u00eancia entre a gravidade das altera\u00e7\u00f5es cerebrais e a -gravi- dade da mol\u00e9stia. E h\u00e1 doen\u00e7as som\u00e1ticas muito s\u00e9rias em que a mente e"], ["o psiquismo se conservam claros at\u00e9 a morte."], ["2. A maior parte das psicoses nos tr\u00eas c\u00edrculos heredit\u00e1rios n\u00e3o apre- senta doen\u00e7a som\u00e1tica de tal natureza que por ela se possa diagnosticar a pr\u00f3pria psicose. Por isto, o conceito de doen\u00e7a se liga, neste particular, prim\u00e1ria e exclusivamente, \u00e0s altera\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas. \u00c9 certo serem muitos os casos em que se encontram fen\u00f4menos som\u00e1ticos fundamentando a presun\u00e7\u00e3o de que o todo resulte de qualquer evento som\u00e1tico a descobrir- se um dia ou outro. Faltam, no entanto, tais fen\u00f4menos em muitos casos. Da\u00ed ser prov\u00e1vel que certas doen\u00e7as som\u00e1ticas se venham a excluir desse campo e a subordinar-se ao conceito do primeiro grupo. Subsistir\u00e1, con- tudo, um campo que se ter\u00e1 de conceber aut\u00f4noma e, pois, talvez mais claramente que hoje. Quando investigamos essas doen\u00e7as, prazer-nos-ia \u2014 tal qual seria o caso do primeiro grupo \u2014 descobrir \u201cfun\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas\u201d do evento ps\u00edquico cujo transtorno permitisse compreender a multiplicidade das manifesta- \u00e7\u00f5es. N\u00e3o se descobriria, certamente, por essa via, o processo som\u00e1tico, mas se encontraria o que h\u00e1 de espec\u00edfico e, em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 sa\u00fade, o que h\u00e1 de novo; principalmente, na esquizofrenia. Usando recursos puramente psicol\u00f3gicos, descobrir-se-ia alguma coisa da ess\u00eancia da doen\u00e7a (n\u00e3o se poderia deixar de recorrer a ideias te\u00f3ricas). \u201cEsta considera\u00e7\u00e3o pura- mente funcional da vida ps\u00edquica, que, al\u00e9m de beneficiar a investiga\u00e7\u00e3o da esquizofrenia, constitui fundamento novo para a psicopatologia, n\u00e3o tem precedente na hist\u00f3ria da psiquiatria\u201d (Gruhle). Se, desta forma, se conseguissem resultados indubit\u00e1veis, definir-se-ia o conceito de doen\u00e7a deste grupo pelo transtorno de fun\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas. N\u00e3o se alcan\u00e7ou, at\u00e9 o momento, semelhante objetivo, subsistindo uma quantidade de teorias ao lado das descri\u00e7\u00f5es.", "3. Pela terceira modalidade do conceito de doen\u00e7a \u2014 as varia\u00e7\u00f5es que importunam o existir humano \u2014 nada se encontra e nada se espera que seja fundamento som\u00e1tico em forma de doen\u00e7a org\u00e2nica. O corpo repre- senta a\u00ed o mesmo papel que em qualquer psiquismo sadio. Nem \u00e9 essa morbidez, em princ\u00edpio \u2014 apesar do abismo que separa a sa\u00fade e o meca- nismo neur\u00f3tico \u2014 novidade alguma, relativamente ao estado h\u00edgido ante- rior, se bem que possa introduzir desenvolvimentos ruinosos para o psi- quismo. S\u00e3o atributos fundamentais da exist\u00eancia humana, que na exce- \u00e7\u00e3o se mostram mais clara, mais efetiva, mais temivelmente do que na maioria dos casos. Deste campo foi que se originou a frase: \u201cO existir hu- mano \u00e9 doen\u00e7a\u201d. (Ou: \u201cExistir \u00e9 estar doente\u201d.).", "Se se conhece de forma concreta o terceiro grupo, tamb\u00e9m se esclare- cem, retroativamente, as doen\u00e7as ps\u00edquicas de causa org\u00e2nica. ;Em tudo o existir humano participa como tal; as concep\u00e7\u00f5es fundadas nas ci\u00eancias naturais s\u00e3o indispens\u00e1veis, mas n\u00e3o bastam; e aqui se percebe um abismo entre o homem e o animal."], ["\u00a7 5. O Significado Da Pr\u00e1tica M\u00e9dica", "Este livro ocupa-se com o conhecimento psicopatol\u00f3gico. Cabe ainda refletir sobre o significado da pr\u00e1tica m\u00e9dica, quando se pensa no todo do existir humano: Que \u00e9 que ela pode ser em rela\u00e7\u00e3o ao existir humano?"], ["a) Correla\u00e7\u00e3o entre conhecimento e pr\u00e1tica.", "Exige-se da psicopatologia que sirva \u00e0 pr\u00e1tica m\u00e9dica; e n\u00e3o \u00e9 raro re-", "crimin\u00e1-la por n\u00e3o faz\u00ea-lo. Deve-se ajudar o homem doente, o m\u00e9dico existe para curar; sua miss\u00e3o prejudica-se muito facilmente, se pensar apenas na pura ci\u00eancia, porque o conhecimento em si de nada servir\u00e1; e do mero conhecimento resultar\u00e1 o niilismo terap\u00eautico. A quest\u00e3o ser\u00e1, apenas, saber que fen\u00f4meno ocorre, reconhec\u00ea-lo e predizer-lhe mais ou menos o curso, deixando o paciente entregue a quaisquer cuidados, sem esperan\u00e7a de poder realmente ajud\u00e1-lo. Ser\u00e1 um perigo em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s psi- coses graves e \u00e0s varia\u00e7\u00f5es inatas da personalidade.", "A isso op\u00f5e-se a vontade otimista que quer ajudar. Sejam quais forem"], ["as circunst\u00e2ncias, alguma coisa deve-se fazer e tentar. Acredita-se na cura. N\u00e3o interessa o conhecimento que n\u00e3o sirva a fins curativos. Fa- lhando a ci\u00eancia, confia-se na arte pr\u00f3pria, na sorte, e, pelo menos, cria-se uma disposi\u00e7\u00e3o de cura, mesmo que n\u00e3o passe, talvez, de atividade tera- p\u00eautica vazia.", "Tanto o niilismo quanto o \u00eaxtase terap\u00eautico s\u00e3o irrespons\u00e1veis. Em ambos os casos, falta o esp\u00edrito cr\u00edtico: quando a passividade se justifica erradamente com a alega\u00e7\u00e3o de que nada se pode fazer e, bem assim, quando uma atividade cega pretende possam a vontade e o entusiasmo, apenas, produzir benef\u00edcio; o que interessa \u00e0 pr\u00e1tica m\u00e9dica \u00e9 poder, e n\u00e3o saber. Todavia, a pr\u00e1tica eficaz s\u00f3 pode fundar-se, afinal, no conhecimento que seja o mais claro poss\u00edvel.", "Inversamente, a pr\u00e1tica m\u00e9dica vem a tornar-se meio para aquisi\u00e7\u00e3o de conhecimento, n\u00e3o produzindo s\u00f3 aquilo que, eventualmente, se pre- tende, mas tamb\u00e9m aquilo que n\u00e3o se espera. Assim \u00e9 que certas escolas"], ["terap\u00eauticas criam, sem querer, os fen\u00f4menos que elas curam. No tempo de Charcot, houve uma quantidade de fen\u00f4menos hist\u00e9ricos que quase de- sapareceram do mundo quando se desvaneceu o interesse por eles; do mesmo modo, foi quando predominava a terapia hipn\u00f3tica, originada de Nancy, que se viram na Europa os fen\u00f4menos de hipnose com abund\u00e2ncia jamais constatada a partir da\u00ed. A cada escola psicoterap\u00eautica, com suas maneiras de ver filos\u00f3ficas, t\u00e9cnicas, psicol\u00f3gicas correspondem os pacien- tes que lhe s\u00e3o t\u00edpicos; Os sanat\u00f3rios d\u00e3o origem a produtos da vida sana- torial. N\u00e3o se pretende nada disso; o que se quer \u00e9 corrigir, assim que se percebem essas conex\u00f5es."], ["Resta o fato b\u00e1sico de que a interven\u00e7\u00e3o e a experi\u00eancia terap\u00eauticas de efeito e contraefeito no contato dos doentes possibilitam formar conhe- cimentos que de modo algum seriam poss\u00edveis \u00e0 mera observa\u00e7\u00e3o, quando se temem os riscos da tentativa terap\u00eautica. \u201cTemos de tratar para ganhar conhecimento mais profundo\u201d, diz von Weizs\u00e3cker.", "Pelas inten\u00e7\u00f5es curativas e pelas experi\u00eancias formadas s\u00f3 na ativi- dade terap\u00eautica logra-se um esquema psicopatol\u00f3gico que orienta, anteci- padamente, os conhecimentos no sentido do objetivo pr\u00e1tico; que com base neste avalia e ordena. \u00c9 por isto que os comp\u00eandios de psicoterapia s\u00e3o, em parte, comp\u00eandios de psicopatologia; limitados, \u00e9 certo, pelo hori- zonte pr\u00e1tico, mas complementando, essencialmente, a psicopatologia te\u00f3- rica na medida em que informam sobre experi\u00eancias."], ["b) As rela\u00e7\u00f5es dependenciais de toda pr\u00e1tica m\u00e9dica.", "A terapia, a psicoterapia e, mais, todo o comportamento m\u00e9dico em re-", "la\u00e7\u00e3o ao doente e aos indiv\u00edduos anormais dependem do Estado, da reli- gi\u00e3o, das condi\u00e7\u00f5es sociol\u00f3gicas, das tend\u00eancias culturais que vigoram em certa \u00e9poca, como dependem, prim\u00e1ria, mas n\u00e3o unicamente, das condi- \u00e7\u00f5es dos conhecimentos cient\u00edficos aceitos."], ["O Estado fundamenta ou conforma, com sua pol\u00edtica, as rela\u00e7\u00f5es hu- manas b\u00e1sicas, a organiza\u00e7\u00e3o dos socorros, dos seguros, da utiliza\u00e7\u00e3o dos recursos, al\u00e9m de dar; e recusar direitos. Se n\u00e3o fosse o Estado, n\u00e3o exis- tiria interdi\u00e7\u00e3o, nem interna\u00e7\u00e3o de pacientes em institui\u00e7\u00f5es fechadas. Toda pr\u00e1tica m\u00e9dica acompanha-se de uma vontade que deriva, afinal, de confirma\u00e7\u00f5es e requisitos legais. Em todo consult\u00f3rio m\u00e9dico h\u00e1 uma situ- a\u00e7\u00e3o de autoridade efetiva que, acentuada pela cl\u00ednica, depende da autori- dade legal. Se o Estado n\u00e3o- estatui, sempre resta a necessidade de um poder resultante de autoridade, o qual se ganha pessoalmente."], ["A religi\u00e3o ou a falta desta \u00e9 requisito para o estabelecimento de objeti- vos no contato' terap\u00eautico. Quando se associam na mesma cren\u00e7a, o m\u00e9- dico e o paciente reconhecem uma inst\u00e2ncia de que emanam decis\u00f5es der- radeiras, ju\u00edzos, rumos a seguir: que condiciona a possibilidade de certas medidas psicoterap\u00eauticas. Faltando esse v\u00ednculo, substitui-se \u00e0 religi\u00e3o uma filosofia secular; o m\u00e9dico assume fun\u00e7\u00f5es sacerdotais, forma-se, por assim dizer, a ideia de confiss\u00e3o mundana, de consulta p\u00fablica a respeito de assuntos espirituais. Derrubada a inst\u00e2ncia objetiva, a psicoterapia ar- risca-se a deixar de constituir um meio, apenas, para tornar-se produto de uma filosofia mais ou menos obscura; absoluta ou camaleonicamente cambiante: s\u00e9ria ou teatral \u2014 sempre, no entanto, pessoal e privada."], ["A comunidade nalguma coisa objetiva \u2014 s\u00edmbolos, cren\u00e7as, convic\u00e7\u00f5es"], ["filos\u00f3ficas de qualquer grupo \u2014 \u00e9 requisito para a coes\u00e3o profunda entre os indiv\u00edduos. \u00c9 muito raro que os homens confiem uns nos outros, pes- soalmente, de maneira inabal\u00e1vel; que experimentem sua sorte como sendo a transcend\u00eancia a mostrar-se na comunidade do destino. Iludem- se muitos setores da psicoterapia moderna que, tendo em vista, precisa- mente, as neuroses e psicopatias, julgam poss\u00edvel esperar o m\u00e1ximo: a re- aliza\u00e7\u00e3o de um ser- si-mesmo pr\u00f3prio, o desenvolvimento amplo da raz\u00e3o, a plena humanidade harm\u00f3nica em forma pessoal. A psicoterapia vincula- se \u00e0 realidade de uma cren\u00e7a ou convic\u00e7\u00e3o comum; faltando a qual e, da\u00ed, precisando o indiv\u00edduo particular valer-se ao m\u00e1ximo de si mesmo, a psi- coterapia torna-se sup\u00e9rflua para todo aquele a quem bastam seus rendi- mentos; deixando o indiv\u00edduo de corresponder, dentro de uma atmosfera de descren\u00e7a, \u00e9 f\u00e1cil ela transformar-se em expediente que encobre a reali- dade."], ["Das condi\u00e7\u00f5es sociol\u00f3gicas dependem as in\u00fameras situa\u00e7\u00f5es dos indi- v\u00edduos. O n\u00edvel financeiro de certa camada, por exemplo, influi nas medi- das terap\u00eauticas que custam tanto dinheiro como tempo, pelo fato de exi- girem aprofundamento demorado no psiquismo do doente em causa.", "A ci\u00eancia cria o pressuposto do conhecimento, que, s\u00f3 ele, permite al- can\u00e7ar os fins desejados; mas a ci\u00eancia mesma n\u00e3o os fundamenta, em- bora forne\u00e7a os meios de realiz\u00e1-los. Se for aut\u00eantica, suas afirma\u00e7\u00f5es t\u00eam validez geral e s\u00e3o, ao mesmo tempo, cr\u00edticas, porque ela sabe o que sabe e o que n\u00e3o sabe. A execu\u00e7\u00e3o da pr\u00e1tica m\u00e9dica, mas n\u00e3o a fixa\u00e7\u00e3o de seus objetivos, depende da ci\u00eancia.", "A pr\u00e1tica m\u00e9dica pode ser tentada a esquivar-se a essa situa\u00e7\u00e3o, ou seja, \u00e0 depend\u00eancia da ci\u00eancia e \u00e0 insufici\u00eancia desta como fundamento"], ["\u00fanico da a\u00e7\u00e3o. Numa \u00e9poca em que vigora a supersti\u00e7\u00e3o da ci\u00eancia, esta serve para encobrir fatos insol\u00faveis. Casos em que a decis\u00e3o depende da responsabilidade s\u00e3o resolvidos pela ci\u00eancia, que diz o que \u00e9 correto, com base num conhecimento geralmente v\u00e1lido, mesmo que n\u00e3o saiba, na rea- lidade: nela se fundamenta aquilo que deve depender de outras conting\u00ean- cias. \u00c9 o que acontece quando o m\u00e9dico n\u00e3o estabelece distin\u00e7\u00f5es n\u00edtidas e quando n\u00e3o se exprime com clareza, em muitos casos de neurose por acidente, em v\u00e1rias per\u00edcias relacionadas com a responsabilidade, em muitas diretivas terap\u00eauticas."], ["Pode acontecer que, sob a forma de pseudoci\u00eancia, se exprima aquilo que n\u00e3o se sabe, mas apenas se quer; aquilo que apenas se pretende, se deseja e se acredita. A ci\u00eancia adapta-se aos fins da pr\u00e1tica m\u00e9dica. Da\u00ed resultam esquemas conceituais dentro da pr\u00e1tica que aquieta, obscurece e assegura, levando a uma terapia que aju\u00edza, decide, permite e veda. A con- forma\u00e7\u00e3o da ci\u00eancia torna-se convencional, ajusta-se ao cientificismo no procedimento terap\u00eautico, tal qual o teologismo de outros tempos.", "Assim, pois, dentro de toda pr\u00e1tica m\u00e9dica, encontraremos limite entre aquilo que se fundamenta suficientemente nos pressupostos em geral v\u00e1li- dos do conhecimento e que \u00e9 poss\u00edvel fazer (al\u00e9m de dever ser, realmente, reconhecido e vigente) \u2014 de um lado \u2014 e aquilo que se baseia numa reli- gi\u00e3o (concep\u00e7\u00e3o do mundo, filosofia), ou na sua aus\u00eancia, de outro lado: da\u00ed parte a diretiva ou a falta de diretiva da a\u00e7\u00e3o, seu estilo ou sua indeci- sividade, sua atmosfera ou seu colorido espec\u00edfico."], ["c) A pr\u00e1tica m\u00e9dica externa (medidas e ajuizamento) e a pr\u00e1tica interna.", "Os doentes mentais podem romper toda ordem, podem aterrorizar ou alarmar as pessoas que vivem \u00e0 sua volta. Tem-se de fazer alguma coisa com eles. S\u00e3o de duas naturezas as atitudes que se adotam em rela\u00e7\u00e3o a eles. No interesse da sociedade, t\u00eam-se de torn\u00e1-los inofensivos; no inte- resse dos doentes, tem-se de tentar-lhes a cura."], ["A seguran\u00e7a p\u00fablica imp\u00f5e, em muitos casos, a interna\u00e7\u00e3o dos pacien-", "tes, a fim de impedir que pratiquem atos violentos, al\u00e9m do desejo de afast\u00e1-los de nossas vistas. Diversificam-se as formas de segrega\u00e7\u00e3o, pro- curam-se maneiras humanit\u00e1rias de realiz\u00e1-la, para aquietar os parentes e a consci\u00eancia social. A conceitua\u00e7\u00e3o e interpreta\u00e7\u00e3o da loucura, que \u00e9 fato b\u00e1sico dentre as realidades humanas, tenta encobri-la, involuntaria- mente. Certas institui\u00e7\u00f5es e concep\u00e7\u00f5es visam \u00e0 simplifica\u00e7\u00e3o e \u00e0 elimina- \u00e7\u00e3o, de modo a libertar dessa realidade a vis\u00e3o adequada, a substituir-lhe", "uma interpreta\u00e7\u00e3o acomodat\u00edcia e a harmonizar tudo de acordo com as possibilidades.", "O interesse do paciente exige uma terapia. Por si mesma, a interna\u00e7\u00e3o", "\u00e9 necess\u00e1ria; por exemplo, a fim de impedir que se suicide, a fim de ali- ment\u00e1-lo e, mais adiante, a fim de executar as medidas terap\u00eauticas poss\u00ed- veis."], ["\u00c9 pac\u00edfico, na pr\u00e1tica, o pressuposto de que se sabe o que \u00e9 doente e o que \u00e9 sadio. Quando isso, realmente, tem validez geral, quando se compre- ende de forma id\u00eantica, na maioria das doen\u00e7as som\u00e1ticas, nas psicoses org\u00e2nicas, como a paralisia geral, e nas formas psic\u00f3ticas mais grosseiras e graves \u2014 n\u00e3o existe problema; este existe, por\u00e9m, no vasto campo dos casos mais ligeiros e, sobretudo, das psicopatias e neuroses.", "No caso particular, quando se tem de tomar decis\u00e3o pr\u00e1tica, c de im- port\u00e2ncia especial saber se deve julgar-se certo indiv\u00edduo doente ou sadio. Da maneira por que as coisas ocorrem nas diversas \u00e9pocas e situa\u00e7\u00f5es, isso \u00e9 problema de poder, al\u00e9m de subordinar-se \u00e0 extens\u00e3o dos conheci- mentos cient\u00edficos em vigor."], ["A quest\u00e3o assume, regularmente, import\u00e2ncia especial quando se trata"], ["de julgar \u201ca livre determina\u00e7\u00e3o da vontade dos criminosos\u201d. \u00c9 sempre de ordem pr\u00e1tica a demarca\u00e7\u00e3o precisa da livre determina\u00e7\u00e3o da vontade, ou responsabilidade. N\u00e3o pode a ci\u00eancia manifestar-se sobre a liberdade com base num conhecimento t\u00e9cnico; s\u00f3 pode manifestar-se a respeito de fatos emp\u00edricos; por exemplo, se um doente sabe o que faz, e se tem conheci- mento de que isso ou aquilo \u00e9 proibido; por conseguinte, se existe nele ar- b\u00edtrio para a a\u00e7\u00e3o e consci\u00eancia da punibilidade. No tocante \u00e0 livre deter- mina\u00e7\u00e3o da vontade, a ci\u00eancia s\u00f3 pode ajuizar de acordo com regras, con- vencionais determinadas, que recusam ou concedem liberdade a certos es- tados ps\u00edquicos poss\u00edveis de estabelecer empiricamente. A prop\u00f3sito do significado de liberdade, Damerov escrevia em 1853: \u201cPoucos dentre os loucos (1.100) que, segundo se sabe, estiveram no hosp\u00edcio local, at\u00e9 agora, eram ou s\u00e3o absolutamente respons\u00e1veis, a qualquer tempo, por seus atos.\u201d Segundo esta opini\u00e3o, s\u00f3 a an\u00e1lise individual do estado de fato \u00e9 que permitiria excluir a livre determina\u00e7\u00e3o da vontade; jamais o simples diagn\u00f3stico nosol\u00f3gico. Mas pelas regras convencionais o procedimento \u00e9 diverso. Assim, por exemplo, mesmo na embriaguez alco\u00f3lica normal das mais s\u00e9rias, considera-se respons\u00e1vel o indiv\u00edduo; na embriaguez anor- mal, n\u00e3o. O diagn\u00f3stico de paralisia geral em si exclui a responsabilidade."], ["Ilustrarei as dificuldades pr\u00e1ticas com dois breves exemplos de minha pr\u00f3- pria atividade pericial, antes da primeira Grande Guerra."], ["Um carteiro rural, que sempre cumprira regularmente suas obriga- \u00e7\u00f5es, cometeu pequeno furto. Tendo-se ouvido dizer que estivera uma vez internado, foi submetido a exame m\u00e9dico. A considera\u00e7\u00e3o da hist\u00f3ria m\u00f3r- bida anterior levou a concluir no sentido de broto esquizofr\u00eanico n\u00edtido. Porque disp\u00f4s dessa hist\u00f3ria anterior, a per\u00edcia p\u00f4de reconhecer com segu- ran\u00e7a que certos sintomas era esquizofr\u00eanicos. O diagn\u00f3stico era claro. Pela lei em vigor, a esquizofrenia (dem\u00eancia precoce), tal qual a paralisia geral, era motivo bastante para afastar a responsabilidade (ainda n\u00e3o exis- tiam as confus\u00f5es em torno do conceito de esquizofrenia e de sua evolu\u00e7\u00e3o para a normalidade). O perito, com base no seu diagn\u00f3stico, considerou doente o carteiro, que se apresentava l\u00facido, mas indubitavelmente en- fermo, merecendo, pois, enquadramento no art. 151 do C\u00f3digo Penal. O Procurador P\u00fablico indignou-se, para espanto de todos, inclusive do pe- rito, mas o automatismo da lei vigente levou \u00e0 absolvi\u00e7\u00e3o."], ["Um pseudologista t\u00edpico, sujeito a acessos de suas capacidades fanta- sistas, havia cometido, mais uma vez, uma s\u00e9rie de fraudes. No tribunal, de que participava o c\u00e9lebre criminalista von Lilienthal, descrevi, durante tr\u00eas quartos de hora, o curso da vida romanesca e dos crimes do r\u00e9u; mos- trei tamb\u00e9m que o comportamento delituoso se limitava a certos per\u00edodos; que dores-de-cabe\u00e7a acompanhavam os acessos, etc.; conclui tratar-se de um hist\u00e9rico, que representaria uma varia\u00e7\u00e3o da natureza humana, mas n\u00e3o sofreria de processo m\u00f3rbido. Em seu caso, n\u00e3o se poderia excluir a responsabilidade; pelo menos, no in\u00edcio da pr\u00e1tica fraudulenta. Entre- tanto, a impress\u00e3o de necessidade interna, talvez atuando sobre a sensibi- lidade do tribunal pelo vigor da descri\u00e7\u00e3o, levou os ju\u00edzes a absolver o r\u00e9u, contra o parecer do perito."], ["De todas estas medidas e ajuizamentos, h\u00e1 de distinguir-se a psicote- rapia, a tentativa de ajudar o individuo pela comunica\u00e7\u00e3o ps\u00edquica, de in- vestigar-lhe a intimidade da maneira mais profunda poss\u00edvel, de encontrar rumos que levem \u00e0 cura. Procedimento outrora incidental, a psicoterapia tornou-se, de alguns dec\u00eanios para c\u00e1, problema cl\u00ednico de vasto alcance. \u00c9 necess\u00e1rio firmar princ\u00edpios claros antes de julgar, quer negativamente, quer com entusiasmo excessivo.", "d) Vincula\u00e7\u00e3o com os est\u00e1dios do tratamento m\u00e9dico geral.", "O significado da a\u00e7\u00e3o cl\u00ednica desenvolve-se em diversos planos. Vamos", "pensar nos est\u00e1dios em que se realiza a a\u00e7\u00e3o terap\u00eautica. Cada est\u00e1dio es- barra num limite em que falha o efeito e em que, por isso, \u00e9 necess\u00e1rio saltar para outro est\u00e1dio."], ["aa) O m\u00e9dico remove, cirurgicamente, um tumor; abre um fur\u00fanculo, d\u00e1 quinino contra a mal\u00e1ria, salvaram contra a s\u00edfilis; casos estes em que trata t\u00e9cnico-causalmente, restabelece, por meios mec\u00e2nicos e qu\u00edmicos, conex\u00f5es da organiza\u00e7\u00e3o vital transtornadas. \u00c9 o campo da terapia mais eficaz e poss\u00edvel de penetrar em seus efeitos, limitada pela vida no todo.", "bb) O m\u00e9dico submete a vida a certas condi\u00e7\u00f5es diet\u00e9ticas, ambientais, de repouso ou esfor\u00e7o, exerc\u00edcio, etc. Nestes casos, organiza a situa\u00e7\u00e3o de modo que o indiv\u00edduo se ajude a si mesmo, no todo. Trata do paciente como se fosse um jardineiro, cuidando, estimulando e, isso fazendo, expe- rimentando, modificando seu procedimento conforme o resultado. \u00c9 o caso da terapia como arte racionalmente regulada, baseada em senti- mento vital instintivo, limitada pelo fato n\u00e3o s\u00f3 de ocorrer uma vida no ho- mem, mas de este ser uma psique que pensa."], ["cc) Em vez de apenas recuperar o corpo, individualmente, com sua t\u00e9c-", "nica, sua terap\u00eautica, o m\u00e9dico v\u00ea no doente um ente racional. N\u00e3o trata dele como objeto, mas com ele se comunica. O paciente tem de saber o que lhe est\u00e1 acontecendo para ajudar o m\u00e9dico a corrigir a doen\u00e7a como se fosse alguma coisa estranha; a doen\u00e7a torna-se objeto para o m\u00e9dico e o paciente em comum; como ele mesmo, aquele que \u00e9 tratado fica fora do jogo, embora promova, juntamente com o cl\u00ednico, o \u00eaxito do tratamento causai e da terapia organizada. Mas o paciente tamb\u00e9m quer saber o que lhe est\u00e1 acontecendo. Considera parte de sua dignidade informar- se. O m\u00e9dico reconhece esse direito e comunica sem reserva o que sabe e o que pensa, deixando que o cliente aplique e elabore esse conhecimento da forma que queira. O limite est\u00e1 no fato de o homem n\u00e3o ser um ente em cuja raz\u00e3o se possa confiar, mas uma psique que pensa, cujas ideias influ- enciam profundamente a exist\u00eancia vital do corpo."], ["O temor e a expectativa, a opini\u00e3o e a observa\u00e7\u00e3o, t\u00eam efeito incalcul\u00e1- vel sobre a vida corpo, O homem n\u00e3o enfrenta seu corpo de maneira sim- ples e livre. Por isso \u00e9 que o m\u00e9dico, informando o paciente, influencia o pr\u00f3prio corpo. \u00c9 caso ideal raro aquele que ocorre quando certo indiv\u00edduo influencia apenas favoravelmente o pr\u00f3prio corpo, apesar de todas as in- forma\u00e7\u00f5es e possibilidades opinativas que se lhe d\u00e3o. Da\u00ed resulta n\u00e3o po- der o m\u00e9dico dizer, simplesmente, ao enfermo o que sabe e pensa, mas,", "sim, deve subordinar as informa\u00e7\u00f5es que d\u00e1 \u00e0 considera\u00e7\u00e3o de que n\u00e3o le- sem o paciente, n\u00e3o o deixem indefeso, n\u00e3o o levem a fazer delas uso tal que o prejudique vitalmente.", "O caso ideal do indiv\u00edduo que possa saber tudo preencher\u00e1 os seguin-"], ["tes requisitos: ter a capacidade de suspender, criticamente, o conheci- mento objetivo, n\u00e3o o deixando tornar-se absoluto: ou seja, o indiv\u00edduo deve ver naquilo que se presume inevit\u00e1vel o que ainda resta de discut\u00edvel e poss\u00edvel, tal qual ocorre em rela\u00e7\u00e3o a tudo quanto \u00e9 emp\u00edrico; naquela evolu\u00e7\u00e3o que se presume quase certamente favor\u00e1vel, ainda deve perceber o que resta de arriscado. Sabendo da amea\u00e7a permanente, deve poder pla- nejar para o futuro tudo quanto tem base correta, sem deixar de viver o presente, mesmo tendo em vista o decl\u00ednio. A ansiedade, ou o medo n\u00e3o podem domin\u00e1-lo, quando, doente, o homem \u00e9 capaz de saber o que saber \u00e9 poss\u00edvel. Como isso \u00e9 excepcional, se \u00e9 que sequer ocorre, o m\u00e9dico vem a defrontar outras tarefas terap\u00eauticas: em vez de manter-se em comuni- ca\u00e7\u00e3o absoluta com o paciente, mediante a informa\u00e7\u00e3o, ter\u00e1 de v\u00ea-lo na to- talidade de sua unidade corpo-alma."], ["dd) O tratamento dos indiv\u00edduos enfermos como unidade corpo-alma leva a aporias constantes. O paciente \u00e9 um ente humano e, como tal, tem direito a saber, mediante comunica\u00e7\u00e3o desconstrangida, o que lhe est\u00e1 acontecendo. Falha, por\u00e9m, por causa de sua ansiedade, que inverte todo o sentido do seu conhecimento e se torna funesta, desastrosa por seus efeitos; com o que, o homem perde o direito de saber. Essa situa\u00e7\u00e3o distor- cida n\u00e3o \u00e9, por\u00e9m, definitiva, teoricamente; o homem talvez possa amadu- recer a ponto de vir a constituir aquela exce\u00e7\u00e3o capaz de adquirir o aut\u00ean- tico conhecimento. \u00c9 da\u00ed que a psicoterapia h\u00e1 de ajudar, quando o paci- ente se v\u00ea colocado entre a sujei\u00e7\u00e3o e o verdadeiro existir humano."], ["Semelhante psicoterapia pode realizar-se inconscientemente para o m\u00e9dico e o paciente: aquele restringe suas informa\u00e7\u00f5es e lhes d\u00e1 cunho autoritativo; este obedece, n\u00e3o pondera, confia cegamente na certeza do que lhe \u00e9 dito. A autoridade e a obedi\u00eancia removem a ansiedade, isso tanto no m\u00e9dico quanto' no paciente. Ambos aquietam-se numa pseudo- seguran\u00e7a. O m\u00e9dico pode, consciente da relatividade de todo conheci- mento objetivo, sentir-se inseguro; donde adv\u00e9m preju\u00edzo imediato para sua autoridade, cuja m\u00e1scara lhe protege o sentimento de seguran\u00e7a. Mas se o m\u00e9dico, que tem posi\u00e7\u00e3o superior, comunica criticamente seu saber e seu poder, assim renunciando \u00e0 sua autoridade, aumenta a ansiedade do enfermo e o terapeuta j\u00e1 n\u00e3o poder\u00e1 trabalhar nessa situa\u00e7\u00e3o particular,"], ["se for absolutamente honesto. \u00c9 por isto que, instintivamente, tanto o m\u00e9- dico quanto o paciente aderem \u00e0 autoridade como sendo alguma coisa que tranquiliza. A sensibilidade, do m\u00e9dico, quando neste n\u00e3o se cr\u00ea e se se- gue de maneira absoluta, e a sensibilidade do doente, quando o m\u00e9dico n\u00e3o se apresenta inteiramente seguro, condicionam-se reciprocamente."], ["O estado inconsciente em que se realiza esta psicoterapia pela autori- dade torna-se consciente, quando o m\u00e9dico dirige seus planos no sentido do todo unit\u00e1rio corpo-alma e s\u00f3 ent\u00e3o desenvolve uma psicoterapia multi- lateral. Deixa de haver a comunica\u00e7\u00e3o sem reserva entre duas criaturas pensantes; e o m\u00e9dico interrompe-a, sem que o doente perceba, para o bem mesmo deste, porque a limita. O terapeuta distancia-se internamente (sem mostr\u00e1-lo, porque n\u00e3o lhe \u00e9 l\u00edcito), transforma, novamente, o ser hu- mano total em objeto seu, visando \u00e0quilo que considera ser o tratamento eficaz, no qual toda palavra \u00e9 controlada. O m\u00e9dico j\u00e1 n\u00e3o diz livremente ao enfermo o que sabe e pensa, mas toda frase, todo plano, toda a\u00e7\u00e3o tera- p\u00eautica h\u00e1 de calcular-se, em princ\u00edpio, conforme seu efeito ps\u00edquico. O m\u00e9dico passa a estar absolutamente distante do enfermo, enquanto este julga sentir-se t\u00e3o pr\u00f3ximo a ele quanto a qualquer outro ente humano. O m\u00e9dico transforma-se em. fun\u00e7\u00e3o do processo terap\u00eautico."], ["As modalidades desse procedimento desenvolvem-se com amplitude", "extraordin\u00e1ria, indo de recursos rudes a planos filos\u00f3ficos sublimes. A chamada \u201cterapia derrubadora\u201d, o malabarismo el\u00e9trico, a imposi\u00e7\u00e3o de mudan\u00e7a de ambiente, como tamb\u00e9m a hipnose e, por fim, os comandos autorit\u00e1rios constituem receitas de ataque dr\u00e1stico e de \u00eaxito frequente em rela\u00e7\u00e3o a certos sintomas. Entretanto, estes procedimentos s\u00f3 t\u00eam na pr\u00e1- tica utilizabilidade restrita, incapazes que s\u00e3o de maior desenvolvimento e aprofundamento. Nos m\u00e9todos da psicologia profunda, da \u201cpsican\u00e1lise e da psicoss\u00edntese\u201d e suas variantes, empregam-se procedimentos sublima- dos, cujo efeito sempre dissimula alguma coisa baseada na cren\u00e7a da ver- dade de uma teoria."], ["O limite de todas estas psicoterapias est\u00e1, em primeiro lugar, na im- possibilidade fatual para o m\u00e9dico de distanciar-se simplesmente, porque sempre interfere a subjetividade (pela simpatia ou pela antipatia); e h\u00e1 tamb\u00e9m o fato de que, presente para o fim do influenciamento ps\u00edquico mesmo, ele tem de estar presente vitalmente e com sua energia mental pr\u00f3pria; tem, portanto, de mais ou menos acreditar naquilo que o paciente cr\u00ea. Em segundo lugar, temos a impossibilidade fundamenta] de objetificar o homem como- todo e de transform\u00e1-lo em objeto do tratamento. Aquilo em que o homem se transforma, quando se objetifica, nunca \u00e9 ele pr\u00f3prio."], ["Mas aquilo que ele \u00e9 e se torna vem a ser, afinal, essencial para o desen- volvimento ou a cura de suas manifesta\u00e7\u00f5es neur\u00f3ticas. Em rela\u00e7\u00e3o ao pr\u00f3prio ente humano, \u00e0 sua exist\u00eancia poss\u00edvel, o m\u00e9dico s\u00f3 pode atuar dentro da realidade hist\u00f3rica, na qual o paciente deixa de ser um caso, mas na qual um destino se realiza com e por seu esclarecimento. O ho- mem transformado em objeto pode ser tratado pela t\u00e9cnica, pela enferma- gem, pela arte; mas o homem como ele mesmo s\u00f3 pode descobrir-se na co- munidade do destino."], ["ee) Da\u00ed haver, derradeiramente, para a rela\u00e7\u00e3o m\u00e9dico-paciente, a co- munica\u00e7\u00e3o existencial, que excede qualquer terapia, isto \u00e9, qualquer coisa que se planeje e metodicamente se encene. Portanto, todo tratamento \u00e9 absorvido e limitado por uma comunidade de dois \u201ceus\u201d como entes racio- nais, que vivem uma exist\u00eancia poss\u00edvel. Por exemplo, nem se colocam en- tre as regras que resultam da suposta vis\u00e3o do homem em geral o sil\u00eancio e a fala, nem estes s\u00e3o deixados ao seu pr\u00f3prio sabor, como se o ente hu- mano pudesse simplesmente ouvir e, depois, ser entregue a si mesmo. Em plena liberdade, ambas as partes indagam e inquirem a realidade concreta da situa\u00e7\u00e3o, sem suscitar qualquer tutela, nem imposi\u00e7\u00e3o abstrata. A esta altura, \u00e9 culpado tanto quem se cala como quem fala, quando vigora a pura raz\u00e3o e n\u00e3o a comunidade de destinos. M\u00e9dico e paciente s\u00e3o ambos seres humanos; e como tais, s\u00e3o companheiros de destino. O m\u00e9dico n\u00e3o \u00e9 simples t\u00e9cnico, nem mera autoridade, mas exist\u00eancia mesma, criatura humana transit\u00f3ria, tal qual seu paciente. J\u00e1 n\u00e3o h\u00e1 solu\u00e7\u00f5es definitivas."], ["O limite est\u00e1 em que os homens como companheiros de destino s\u00f3 o s\u00e3o no conte\u00fado de um existir que se chama transcend\u00eancia. N\u00e3o \u00e9 a exis- t\u00eancia apenas subjetiva que liga os seres humanos, n\u00e3o \u00e9 a exist\u00eancia como tal, visto que a exist\u00eancia \u00e9, no homem, aquilo que, decerto, est\u00e1 li- vre no mundo, mas que em si depende da transcend\u00eancia que lhe d\u00e1 ori- gem."], ["Se se pensar no significado da terapia m\u00e9dica dentro da s\u00e9rie dos est\u00e1- dios discutidos, at\u00e9 aquele ponto a que ela para em bem de um comporta- mento que abranja todos os homens, comportamento que oriente a tera- pia, mas n\u00e3o a conduza, a ela mesma \u2014 o conhecimento e o comporta- mento do psiquiatra (psicoterapeuta) ganham significa\u00e7\u00e3o pr\u00f3pria no todo da arte m\u00e9dica. \u00c9 s\u00f3 ele que, por for\u00e7a de sua especialidade, considera o homem consciente e metodicamente: o homem como um todo, n\u00e3o um todo de seus \u00f3rg\u00e3os corp\u00f3reos, nem o corpo total, sem aten\u00e7\u00e3o para o res- tante. S\u00f3 ele \u00e9 que se habitua a considerar a situa\u00e7\u00e3o social, o ambiente, o destino e as viv\u00eancias do paciente; e a pensar em todos, conscientemente,", "quando estabelece seu plano terap\u00eautico. Na medida em que sejam psiqui- atras, os m\u00e9dicos est\u00e3o \u00e0 altura de seu encargo total."], ["O que, final \u00e9 decisivo, ocorre no doente chama-se \u201crevela\u00e7\u00e3o\u201d. O paci- ente pode esclarecer-se sobre si mesmo, primeiro, recebendo a comunica- \u00e7\u00e3o de seu conhecimento e sabendo particularidades a seu pr\u00f3prio res- peito; segundo, vendo-se, por assim dizer, num espelho e aprendendo a conhecer-se; terceiro, fazendo-se transparente, na a\u00e7\u00e3o interna, pelo ma- nifestar-se; quarto, preservando e cumprindo sua revela\u00e7\u00e3o na comunica- \u00e7\u00e3o existencial. O processo esclarecedor \u00e9 tra\u00e7o essencial b\u00e1sico da psico- terapia, mas n\u00e3o pode ser simplificado, porque constitui um todo estrutu- rado, que leva a erro quem tomar um est\u00e1dio por outro. E esse processo, como revela\u00e7\u00e3o do ente humano, ultrapassa de muito aquilo a que a psi- coterapia tem acesso; leva \u00e0 realiza\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica do homem."], ["Numa formula\u00e7\u00e3o extrema, a terapia diversifica-se, radicalmente, con- forme o m\u00e9dico se guie pelo que o indiv\u00edduo \u00e9, de fato; conforme procure promover em todos os graus o processo de esclarecimento e atue como parceiro de uma revela\u00e7\u00e3o na comunica\u00e7\u00e3o; ou segundo dirija seus esfor- \u00e7os curativos, com a ajuda das ci\u00eancias naturais, som\u00e1tica ou psicologica- mente, para os mecanismos m\u00f3rbidos. Pode dar-se que do esclarecimento resulte a cura dos mecanismos m\u00f3rbidos, pelo fato de estes talvez s\u00f3 atua- rem quando o processo humano interno tem suas possibilidades existen- ciais falsificadas. Mas os mecanismos m\u00f3rbidos podem atuar mesmo fora desse contexto, ou at\u00e9 no contexto de uma ascens\u00e3o aut\u00eantica \u2014 ent\u00e3o necessitando, fundamentalmente, de pontos de ataque que n\u00e3o sejam aqueles da psicologia profunda, nem da psicoterapia."], ["A polaridade mais profunda dentro da terapia \u00e9, portanto, a seguinte: ou o m\u00e9dico se volta para o evento biol\u00f3gico que as ci\u00eancias naturais per- mitem investigar; ou visa \u00e0 liberdade do homem. Erra o m\u00e9dico que, cui- dando do existir humano total e contemplando o homem, o submerge no evento biol\u00f3gico, do mesmo modo que erra quem inverte a liberdade hu- mana num ser-assim t\u00e3o emp\u00edrico quanto a natureza, poss\u00edvel de usar-se, tecnicamente, como recurso terap\u00eautico. Da vida eu posso tratar; para a liberdade apenas posso apelar."], ["e) Os tipos de resist\u00eancia no homem.", "A decis\u00e3o do doente de submeter-se \u00e0 psicoterapia. Existe no homem", "uma resist\u00eancia tr\u00edplice, que \u00e9, primeiro, a resist\u00eancia absoluta de alguma coisa que n\u00e3o se pode modificar, mas apenas conformar-se externamente;"], ["segundo, a resist\u00eancia de uma coisa que \u00e9 internamente plasm\u00e1vel; ter- ceiro, a resist\u00eancia do que \u00e9, originariamente, tal qual. Ao primeiro tipo pode dirigir-se alguma coisa que se assemelha ao adestramento dos ani- mais; ao segundo, a educa\u00e7\u00e3o e a disciplina; ao terceiro, a comunica\u00e7\u00e3o existencial. Todo homem esbarra, dentro de si mesmo, com essas resist\u00ean- cia, adestra-se, educa-se, contempla-se em comunica\u00e7\u00e3o esclarecedora. Mas se entra em rela\u00e7\u00e3o com outra pessoa, esta ser\u00e1, na primeira modali- dade (adestramento), mero objeto; na segunda (educa\u00e7\u00e3o), acha-se o ho- mem em comunica\u00e7\u00e3o relativamente franca, se bem que a dist\u00e2ncia, da qual resulta um comportamento planejat\u00f3rio, educativo; na terceira, ele est\u00e1 presente, como ele mesmo, em n\u00edvel de igualdade e reciprocidade com o outro, ao qual se associa plenamente pela comunidade de destinos. O adestramento \u00e9 manobra que n\u00e3o tem em vista a alma; a educa\u00e7\u00e3o serve- se dos conte\u00fados espirituais, dos motivos que residem numa discuss\u00e3o em condi\u00e7\u00f5es autorit\u00e1rias. A comunica\u00e7\u00e3o existencial \u00e9 esclarecimento na reciprocidade, cujo germe permanece hist\u00f3rico, n\u00e3o implicando qualquer no\u00e7\u00e3o geral que se aplique ao caso individual; mesmo que seja real, n\u00e3o se pode utilizar como instrumento terap\u00eautico de que se possa dispor de qualquer modo que se queira."], ["H\u00e1 no homem, apesar de necessitado de ajuda, avers\u00e3o n\u00e3o- s\u00f3 relati- vamente \u00e0 psicoterapia, mas tamb\u00e9m em rela\u00e7\u00e3o a qualquer tratamento m\u00e9dico. Existe nele alguma coisa que preferiria autoajudar-se. Essas re- sist\u00eancias internas quisera ele vencer sozinho. Da\u00ed haver dito Nietzsche: \u201cQuem d\u00e1 conselhos a um doente adquire- um sentimento de superiori- dade em rela\u00e7\u00e3o a ele, quer sejam aceitos, quer sejam menosprezados. \u00c9 por isto que certos doentes irasc\u00edveis e orgulhosos detestam quem os aconselha mais ainda do que a pr\u00f3pria doen\u00e7a\u201d."], ["As coisas facilitam-se sempre que o paciente, em comum com o m\u00e9- dico, trabalha sobre a doen\u00e7a como se fosse qualquer coisa alheia a am- bos, porque, ent\u00e3o, sua consci\u00eancia de si mesmo se equipara \u00e0 do m\u00e9dico relativamente ao dist\u00farbio. Mas se a psique tem de declarar-se precisada de tratamento, a rejei\u00e7\u00e3o torna-se fundamental. Psiquicamente, o homem sente-se diverso em absoluto do que se sente quanto ao soma. A resist\u00ean- cia da individualidade disp\u00f5e-se a entrar em comunica\u00e7\u00e3o amistosa, em- bora combativa, com outra individualidade, n\u00e3o se submetendo, por\u00e9m, a qualquer depend\u00eancia ou diretiva capaz de determinar-lhe a vida interna sem que ela mesma o perceba (diversamente da diretiva que se aceita, quando se trata da maneira externa de atuar e produzir). Tal tratamento pressup\u00f5e ou a consci\u00eancia da fraqueza humana, que sabe precisar, em"], ["geral, dessa diretiva interna e a que n\u00e3o repugna entregar-se \u00e0 pessoa de um guia espiritual de sua pr\u00f3pria individualidade: assim pensando, o indi- v\u00edduo n\u00e3o se rebaixa em absoluto, quando permite acontecer aquilo de que todos os entes humanos necessitam; ou o tratamento pressup\u00f5e uma consci\u00eancia espec\u00edfica da doen\u00e7a: por julgar que minha psique est\u00e1 do- ente, estou resolvendo tratar-me psiquicamente, porque quem adoece pre- cisa de terapia.", "Sabemos, entretanto, da multivocidade do conceito de doen\u00e7a. Julgar", "estar doente pode significar, por exemplo: n\u00e3o poder superar um evento ps\u00edquico, expor-se a falhas rendimentais, sofrimentos, incapacidade de responsabilizar-se pelas respectivas falhas, impulsos, sentimentos, atos.", "A decis\u00e3o que leva o indiv\u00edduo a reconhecer-se psiquicamente enfermo"], ["implica, a bem dizer, capitis diminutio. Aquelas manifesta\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas que, sob este aspecto, s\u00e3o question\u00e1veis n\u00e3o se assemelham ao resfriado, \u00e0 pneumonia, nem \u00e0 paralisia geral, aos tumores cerebrais; nem \u00e0 dem\u00ean- cia precoce ou \u00e0 epilepsia; mas, sim, ainda permanecem no dom\u00ednio da li- berdade. A necessidade de tratamento importa aqui em reconhecimento da perda da liberdade, quando, de fato, a liberdade se mant\u00e9m, ao mesmo tempo que afirma, contraditoriamente, seus direitos. No entanto, se, ao fim de uma s\u00e9rie de fen\u00f4menos ps\u00edquicos, a irresponsabilidade vem a re- sultar da escravid\u00e3o da vontade, limita-se, necessariamente, desde o in\u00ed- cio, a possibilidade de confiar no indiv\u00edduo em causa, de entregar-lhe qualquer tarefa importante, de colaborar com ele por forma sensata. Da\u00ed a repulsa natural que todo homem aut\u00f4nomo, realista ou crente, op\u00f5e \u00e0s di- retivas psicoterap\u00eauticas que penetrem na profundidade da alma e visem ao ente humano total. Quando, por\u00e9m, s\u00e3o poss\u00edveis certas t\u00e9cnicas psico- terap\u00eauticas, o homem total n\u00e3o parece atingido, como acontece na hip- nose, no treinamento aut\u00f3geno, na gin\u00e1stica e v\u00e1rios outros processos; nesses casos, n\u00e3o se tem em vista a alma humana, e sim, realmente, um recurso psicot\u00e9cnico sem qualquer outro objetivo que se apresente como final (por exemplo, a remo\u00e7\u00e3o de certas queixas som\u00e1ticas). Mesmo ent\u00e3o, todavia, cabe indagar, tendo em vista o lado ps\u00edquico dessas t\u00e9cnicas, se o recato e a autoestima individual permitem o uso de tais recursos."], ["Em todo caso, n\u00e3o se pode negar que implica, realmente, uma decis\u00e3o aquela que leva o indiv\u00edduo a submeter-se \u00e0 psicoterapia; implica uma op- \u00e7\u00e3o existencial, quer para o mal, quer para o bem."], ["f) Objetivos e limites da psicoterapia."], ["Que \u00e9 que o doente quer quando vai ao psiquiatra? Qual \u00e9 para o m\u00e9- dico o objetivo do tratamento? A \u201csa\u00fade\u201d, em sentido indeterminado. \u201cSa- \u00fade\u201d, para uns, \u00e9 disposi\u00e7\u00e3o vital despreocupada, otimista, serena; para outros, \u00e9 consci\u00eancia da presen\u00e7a divina constante, com o sentimento de repouso e abandono, de confian\u00e7a no mundo e no futuro; outros ainda sentem-se sadios quando toda a mis\u00e9ria de suas vidas, todos os atos que eles mesmos menosprezam, embora praticando-os, todo o v\u00edcio de suas si- tua\u00e7\u00f5es se acham dissimulados por ideais enganosos e interpreta\u00e7\u00f5es que embelezam. E talvez n\u00e3o seja pequeno o n\u00famero daqueles cuja sa\u00fade e fe- licidade dependem, sobretudo, do tipo de tratamento que o Doutor Relling (no Pato Selvagem, de Ibsen) usava, assim se referindo a um de seus paci- entes: \u201cMinha preocupa\u00e7\u00e3o \u00e9 conservar nele a mentira vital\u201d; ou, quando escarnecia a \u201cfebre de justificar-se\u201d: \u201cTirem do homem comum a mentira vital, e tirar-lhe-\u00e3o, ao mesmo tempo, a felicidade\u201d. Se bem que a veraci- dade seja uma das vias da terapia recomend\u00e1vel \u2014 ponto de vista que adoto sem restri\u00e7\u00f5es \u2014 \u00e9 errado supor que a inveracidade leve \u00e0 doen\u00e7a. H\u00e1 indiv\u00edduos cuja vitalidade prospera de maneira excelente atrav\u00e9s da in- veracidade em rela\u00e7\u00e3o a si mesmos e ao mundo. Da\u00ed tornar-se tanto mais basicamente necess\u00e1rio meditar sobre o que \u00e9 cura e tamb\u00e9m sobre quais s\u00e3o os limites de quaisquer esfor\u00e7os psicoterap\u00eauticos, embora imposs\u00edvel responder em definitivo a estas indaga\u00e7\u00f5es."], ["1. A quest\u00e3o de o que \u00e9 cura. Toda terapia pressup\u00f5e, tacitamente, que se sabe o que \u00e9 cura. Nas doen\u00e7as som\u00e1ticas, n\u00e3o h\u00e1 problema, em geral, neste particular; a situa\u00e7\u00e3o, entretanto, \u00e9 inteiramente outra quanto \u00e0s neuroses e psicoses, relacionando-se a cura, insol\u00favel, mas n\u00e3o univoca- mente, em absoluto (e contendo verdade e falsidade), com aquilo que se chama f\u00e9, concep\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica, moral. \u00c9 fict\u00edcio limitar-se o m\u00e9dico ao que vigora em comum para todas as concep\u00e7\u00f5es filos\u00f3ficas e religi\u00f5es como sendo o valor objetivamente desej\u00e1vel, a sa\u00fade. Exemplo: J. H. Schultz discute a finalidade da terapia a prop\u00f3sito dos \u201cestados aut\u00f3genos de relaxamento\u201d que investigou e que \u201cindependeriam da atitude filos\u00f3fica\u201d, visto que, para a psicoterapia, o homem, \u00e9 a medida de todas as coisas\u201d; os estados aut\u00f3genos de relaxamento serviriam \u201c\u00e0 au- torrealiza\u00e7\u00e3o peculiar, adequada \u00e0 vida\u201d; \u201ca autorrealiza\u00e7\u00e3o do paciente\u201d, \u201co desenvolvimento e configuramento do status humano pleno, livremente harm\u00f4nico\u201d seria a principal tarefa da psicoterapia; o relaxamento aut\u00f3- geno promoveria \u201cpela introvis\u00e3o autodeterminada, o trabalho pessoal-", "mente adequado sobre a personalidade de cada um\u201d. Como s\u00e3o question\u00e1- veis, mult\u00edvocas semelhantes formula\u00e7\u00f5es! Esses estados de relaxamento praticam-se, h\u00e1 mil\u00eanios, na t\u00e9cnica da ioga, em todos os m\u00e9todos de me- dita\u00e7\u00e3o m\u00edstica, nos exerc\u00edcios devotos dos jesu\u00edtas. A diferen\u00e7a est\u00e1, en- tretanto, no seguinte: O significado existencial de uma experi\u00eancia, al- guma coisa incondicionada e absoluta \u00e9 que era o objetivo, n\u00e3o uma t\u00e9c- nica psicol\u00f3gica, nem o homem em sua constitui\u00e7\u00e3o emp\u00edrica, que se pres- sup\u00f5e imanentemente aperfei\u00e7o\u00e1vel. Deixando de lado todo conte\u00fado m\u00eds- tico dessa ordem, Schultz conserva, apenas, a t\u00e9cnica (que, por causa disso, foi o primeiro a investigar empiricamente, de forma pura e met\u00f3- dica); da\u00ed perder de vista os efeitos profundos sobre a consci\u00eancia existen- cial do homem, bem como a origem das experi\u00eancias metaf\u00edsicas; ainda mais: o entusiasmo vital, a seriedade amarga da exist\u00eancia. Todavia, limi- tando-se ao efeito cl\u00ednico emp\u00edrico, Schultz usa, sem querer, aquelas f\u00f3r- mulas do objetivo terap\u00eautico que, substituindo antigos impulsos m\u00edsti- cos, pressup\u00f5em certa concep\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica (a qual seria, mais ou menos, a do individualismo burgu\u00eas, desviada do plano do humanismo, goetheano, de que J. H. Schultz se distancia muito, certamente). As formula\u00e7\u00f5es schultzianas visam, enfim, ao homem, conquanto de maneira realmente vaga."], ["Se a isso opusermos a frase de van Weizs\u00e4cker: \u201cJustamente, o destino final do homem jamais pode ser objeto da terapia; seria blasf\u00eamia\u201d, estare- mos ante a imprecis\u00e3o do objetivo, assim expressa: \u201cPodemos fazer muito, quando conseguimos deter o evento m\u00f3rbido em certos limites, em deter- minadas trilhas\u201d; ,e von Weizs\u00e4cker sabe que n\u00e3o se determina o objetivo terap\u00eautico s\u00f3 pela ci\u00eancia, ou s\u00f3 pelo humanismo, mas, sim, e de ma- neira muito tang\u00edvel, por coisa diversa, ao dizer: \u201cSe quisermos assumir a atitude puramente humana, os limites desta tocar\u00e3o na ordem social\u201d.", "O objetivo dos esfor\u00e7os psicoterap\u00eauticos tamb\u00e9m se designam pelas express\u00f5es sa\u00fade, capacidade de trabalho, capacidade de produ\u00e7\u00e3o e ca- pacidade de g\u00f4zo (Freud); integra\u00e7\u00e3o na comunidade (Adler); alegria cria- tiva, capacidade de ser feliz. A imprecis\u00e3o e a multiplicidade das formula- \u00e7\u00f5es mostra, exatamente, quanto s\u00e3o discut\u00edveis."], ["Os procedimentos psicoterap\u00eauticos n\u00e3o podem abstrair os motivos fi-", "los\u00f3ficos, quando fixam seus objetivos. Pode-se dissimul\u00e1-los, pode-se confundi-los caoticamente, mas n\u00e3o se consegue desenvolver procedi- mento terap\u00eautico algum puramente m\u00e9dico por direito e com fundamento pr\u00f3prios; e isso se aplica at\u00e9 quando se t\u00eam em vista fen\u00f4menos isolados. Por exemplo: em geral, considera-se objetivo evidente da cura a elimina\u00e7\u00e3o", "da ansiedade; ao que se op\u00f5e a frase muito justa de von Gebsattel; \u201cSe \u00e9 certo que desejamos uma vida sem medo, \u00e9 duvidoso que desejemos, real- mente, uma vida sem ansiedade. A nosso ver, muitos homens vivem livres de ansiedade precisamente por falta de fantasia e, a bem dizer, por po- breza interior; mas essa liberdade significa o avesso- de uma perda mais profunda da liberdade, de modo que o homem possuidor do eros paidago- gos talvez deva encarregar-se de despertar a ansiedade e, desta forma, uma humanidade intensa\u201d."], ["Em Prinzhorn, encontramos finalidades fixadas de modo diverso,"], ["quando, a certa altura, afirma a indispensabilidade do car\u00e1ter sect\u00e1rio das escolas psicoterap\u00eauticas (doutra feita, entretanto, v\u00ea o futuro da psicote- rapia fundindo-se na pr\u00e1tica da medicina interna). Prinzhom declarou im- poss\u00edvel uma psicoterapia que fosse filosoficamente aut\u00f4noma. Atribuindo ao psicoterapeuta. encargos dos mais elevados, considera-o- \u201cmediador entre o insulamento ansioso e o todo existencial, a nova comunidade, o mundo, talvez Deus\u201d; mas esse mediador o psicoterapeuta pode ser ou por singularidade pessoal, afigurando-se independente, inobjetivo, sem autori- dade em cujo nome atue ou fale; ou pode s\u00ea-lo- por \u201csua participa\u00e7\u00e3o numa comunidade fechada, cultural, de tipo eclesi\u00e1stico, nacional, pol\u00ed- tico\u201d \u00fanica capaz de dar resposta decisiva quando se inquire a autoridade. \u201cA despersonaliza\u00e7\u00e3o s\u00f3 se logra pela invoca\u00e7\u00e3o a um poder superior em cujo nome atua o terapeuta. O car\u00e1ter sect\u00e1rio das escolas psicoterap\u00eauti- cas n\u00e3o representa, pois, desvio, e sim realiza\u00e7\u00e3o de um desenvolvimento inevit\u00e1vel\u201d."], ["2. Limites da psicoterapia. O objetivo do tratamento tem de determi-", "nar-se segundo aquilo que \u00e9 poss\u00edvel obter. A psicoterapia tem limites in- super\u00e1veis; dois s\u00e3o os principais:", "aa) A terapia n\u00e3o pode substituir o que s\u00f3 a pr\u00f3pria vida traz. Por exemplo, \u00e9 s\u00f3 pela comunica\u00e7\u00e3o amorosa num destino vital comum, atra- v\u00e9s das fases et\u00e1rias, que se consegue a transpar\u00eancia da autorrealiza\u00e7\u00e3o, enquanto o esclarecimento que se d\u00e1 no processo psicoterap\u00eautico se mant\u00e9m objetivo, restrito, te\u00f3rico e autoritativo. S\u00f3 a integra\u00e7\u00e3o na reci- procidade \u00e9 capaz de realizar aquilo que jamais se consegue pelo exerc\u00edcio da atividade profissional repetida em favor de muitas pessoas. Mais ainda: a vida mesmo \u00e9 que traz consigo tarefas de responsabilidade, trabalho s\u00e9- rio que terapia alguma pode dispor artificialmente.", "bb) A terapia tem em vista o ser-assim origin\u00e1rio de um homem que", "ela n\u00e3o pode modificar. Enfrento meu ser-assim, em minha liberdade,"], ["como sendo alguma coisa que posso modificar ou transformar aceitando- a; mas a terapia do outro h\u00e1 de contar com alguma coisa que n\u00e3o \u00e9 modi- fic\u00e1vel. H\u00e1 uma caracter\u00edstica da ess\u00eancia permanente: aquilo que \u00e9 inato. \u00c9 verdade que n\u00e3o podemos dizer em definitivo, no caso particular, o que \u00e9 isso; mas \u00e9 experi\u00eancia b\u00e1sica do m\u00e9dico o fato de haver uma resist\u00eancia insuper\u00e1vel contra a qual, na medida em que o ser-assim constitui 'sofri- mento, falha toda tentativa terap\u00eautica; toda ela \u00e9 in\u00fatil em rela\u00e7\u00e3o a esse ser-assim. A atitude psicoterap\u00eautica s\u00f3 pode ser honesta quando reco- nhece tal situa\u00e7\u00e3o. Esclarecer o que \u00e9 imodific\u00e1vel, reconhec\u00ea-lo e al\u00e7\u00e1-lo ao plano da diagnosticabilidade \u00e9 o que impulsiona sempre o psicopatolo- gista s\u00e9rio, quando se mant\u00e9m tenso entre o que tem de aceitar como fato e o que pode eliminar por sua a\u00e7\u00e3o; no que, entretanto, resta um vasto territ\u00f3rio para o comportamento relativamente ao ser-assim: ou ele se vela, se encobre (a terapia visa ao aquietamento e ao engodo); tomam-se medi- das \u201cut aliquid fiat\u201d; n\u00e3o se cura uma doen\u00e7a; cria-se a atmosfera de ajuda compassiva, ajuda-se a mentira vital, evita-se \u201ca proximidade excessiva\u201d do homem; ou ent\u00e3o, adota-se conduta franca, procura-se fazer que o ho- mem em seu ser-assim se compreenda de maneira que lhe convenha; n\u00e3o se pensa em redimi-lo, mas em esclarec\u00ea-lo; o a que se visa \u00e9 encontrar uma forma de vida, mesmo para o psicopata, para qualquer tipo de perso- nalidade. Quando a anormalidade \u00e9, realmente, essencial, talvez se apli- que a frase de Nietzsche: \u201cA cada ente humano, a cada desventurado, a cada malvado, a cada exist\u00eancia excepcional corresponde uma filosofia pr\u00f3pria\u201d. Do ponto de vista terap\u00eautico, vem a resigna\u00e7\u00e3o final \u00e0 paci\u00eancia, mesmo em rela\u00e7\u00e3o aos indiv\u00edduos mais estranhos e furibundos: a \u201cbran- dura psiqui\u00e1trica\u201d."], ["Se tivermos em mente a realidade do perimundo e a fatualidade do ser-", "assim pr\u00f3prio como limites dos esfor\u00e7os terap\u00eauticos, veremos a terapia tornar-se, afinal, tarefa filos\u00f3fica. Preferindo o esclarecimento \u00e0 dissimula- \u00e7\u00e3o, ela tem de ensinar a mod\u00e9stia e a ren\u00fancia, bem como a aceita\u00e7\u00e3o das possibilidades positivas: tarefa que n\u00e3o se pode executar nem psicol\u00f3- gica, nem medicamente, e sim mediante atitude de cren\u00e7a filos\u00f3fica na qual se associem m\u00e9dico e paciente.", "g) O papel pessoal do m\u00e9dico.", "No trato do m\u00e9dico com o paciente, realiza-se, conforme vimos, uma si-", "tua\u00e7\u00e3o de autoridade, que pode ser ben\u00e9fica. Nos raros casos em que se alcan\u00e7a a comunica\u00e7\u00e3o aut\u00eantica, esta logo se perde outra vez, se n\u00e3o se"], ["renunciar de modo absoluto \u00e0 autoridade. Entretanto, quando a autori- dade \u00e9 conveniente, como se d\u00e1 quase sempre, jamais poder\u00e1 o m\u00e9dico transformar em superioridade absoluta aquela que resulta de sua situa\u00e7\u00e3o f\u00edsica, sociol\u00f3gica, psicol\u00f3gica, como se o paciente j\u00e1 n\u00e3o fosse um ente humano tal qual ele pr\u00f3prio. A atitude de autoridade, exatamente como qualquer atitude cient\u00edfica, \u00e9 parte apenas, n\u00e3o o todo da atitude cl\u00ednica em rela\u00e7\u00e3o ao doente.", "Quando se trata de psicoterapia, a necessidade do envolvimento pes- soal do m\u00e9dico \u00e9 t\u00e3o s\u00e9ria que s\u00f3 se satisfaz em casos isolados, se \u00e9 que jamais se satisfaz. Von Weizs\u00e4cker formula-a da seguinte maneira: \u201cS quando a natureza do m\u00e9dico \u00e9 tocada, infectada, excitada, assustada, abalada; s\u00f3 quando a doen\u00e7a se transfere para ele, nele continua, se refere por sua consci\u00eancia a si mesmo, s\u00f3 quando isso acontece e nessa exten- s\u00e3o, \u00e9 que ele pode super\u00e1-la\u201d."], ["Mas a comunica\u00e7\u00e3o se distorce quase sempre pelas necessidades t\u00edpi- cas do paciente. Uma das maneiras pelas quais se estabelecem as rela\u00e7\u00f5es interpessoais, maneira que vem a ser importante para o psiquiatra, \u00e9 aquela que Freud chamou \u201ctransfer\u00eancia\u201d: transfer\u00eancia de sentimentos respeitosos, amig\u00e1veis, mas tamb\u00e9m hostis, para o m\u00e9dico. No tratamento psicoterap\u00eautico, essa transfer\u00eancia \u00e9 inevit\u00e1vel, constituindo escolho peri- goso, quando n\u00e3o se reconhece e se supera. Muitos m\u00e9dicos se aprazem na situa\u00e7\u00e3o de superioridade que os pacientes lhes outorgam; o esfor\u00e7o de muitos outros no sentido de eliminar toda essa transfer\u00eancia, essa sub- miss\u00e3o e depend\u00eancia, essa unilateralidade de um relacionamento que toma colorido er\u00f3tico, quando querem criar aquele que \u00e9 o \u00fanico desej\u00e1vel \u2014 da comunica\u00e7\u00e3o compreensiva ao mesmo n\u00edvel \u2014 falha ante as necessi- dades elementares dos doentes que querem um salvador amado."], ["O psiquiatra que sente sua responsabilidade far\u00e1 de sua pr\u00f3pria psico- logia (a psicologia do m\u00e9dico) objeto de reflex\u00e3o consciente. N\u00e3o h\u00e1, certa- mente, entre m\u00e9dico e paciente relacionamento un\u00edvoco: a informa\u00e7\u00e3o t\u00e9c- nica, a ajuda amistosa ao mesmo n\u00edvel, a autoridade das prescri\u00e7\u00f5es, tudo isso tem significado vari\u00e1vel, essencialmente. \u00c9 frequente haver luta entre m\u00e9dico e paciente: \u00e0s vezes, luta pela supremacia; \u00e0s vezes, luta pela cla- reza. S\u00f3 \u00e9 poss\u00edvel qualquer esclarecimento profundo quando parte de uma autoridade absoluta, em que se cr\u00ea, ou que se funde na reciproci- dade, de modo que o m\u00e9dico deva investigar-se a si mesmo tanto quanto investiga o paciente.", "N\u00e3o \u00e9 mediante exposi\u00e7\u00e3o te\u00f3rica objetiva que se dir\u00e1 o que- pode ser o"], ["psiquiatra atual. N\u00e3o poder\u00e1 deixar de ser fil\u00f3sofo; e o \u00e9 consciente ou in- conscientemente, disciplinada ou caoticamente, met\u00f3dica ou acidental- mente; s\u00e9ria ou ludicamente; de maneira absoluta ou dependendo de con- junturas sociol\u00f3gicas. O modo por que- ele \u00e9 s\u00f3 se explica pelo exemplo, e n\u00e3o pela teoria; n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel subordinar a regras a arte da a\u00e7\u00e3o terap\u00eau- tica, do com\u00e9rcio com o doente, da gesticula\u00e7\u00e3o e da atitude. Nem se ante- cipa de que- maneira se mostram historicamente e se tornam eficazes a raz\u00e3o- e o humanitarismo, a discri\u00e7\u00e3o e a franqueza. A possibilidade- mais ampla de todas exprime-se na senten\u00e7a hipocr\u00e1tica: iatros philosophos isotheos."], ["h) Tipos de atitude psiqui\u00e1trica.", "A \u00edndole do psiquiatra bem sucedido corresponde, for\u00e7osamente, \u00e0s ne-", "cessidades e exig\u00eancias dos indiv\u00edduos \u201cnervosos\u201d, porque \u00e9 a massa dos pacientes que decide quem \u00e9 \u201cbem sucedido\u201d, e n\u00e3o \u201co valor\u201d, nem \u201ca exa- tid\u00e3o\u201d da conduta e da opini\u00e3o cl\u00ednicos; da\u00ed n\u00e3o haverem sido os psiquia- tras, e sim os bruxos, sacerdotes e fundadores de seitas, curandeiros, con- fessores e guias espirituais, que mais sucesso lograram no passado.", "Citem-se como exemplos os \u201cexercitia spiritualia\u201d de \u00eaxito t\u00e3o marcado,"], ["institu\u00eddos por Santo In\u00e1cio de Loiola, verdadeiro tratamento ps\u00edquico, vi- sando a dominar pela vontade todas as emo\u00e7\u00f5es., afetos, pensamentos, bem como a provoc\u00e1-los e recalc\u00e1-los. S\u00e3o de efeito extraordin\u00e1rio a t\u00e9c- nica da ioga e os exerc\u00edcios budistas de medita\u00e7\u00e3o. Modernamente, \u201co mo- vimento da cura espiritual\u201d, nos Estados Unidos, e as curas de Lourdes ti- veram \u201csucesso\u201d (na opini\u00e3o popular) bem maior do que todos os esfor\u00e7os psiqui\u00e1tricos. A alguns \u2014 e s\u00e3o poucos \u2014 ajuda a filosofia estoica, fortifi- cando-lhes a \u201csa\u00fade\u201d pr\u00f3pria; a outros \u2014 menos numerosos ainda \u2014 a impiedosa honestidade nietzscheana para consigo mesmos."], ["Todos esses movimentos assinalam tamb\u00e9m insucessos, al\u00e9m de \u00eaxi- tos. Relatam-se casos de \u201cloucura religiosa\u201d resultantes dos \u201cexercitia spi- ritualia\u201d; sobe-se que pessoas n\u00e3o adequadamente constitu\u00eddas podem descarrilar com as teorias de Nietzsche. A psican\u00e1lise freudiana leva a fra- cassos vis\u00edveis, piora de sintomas, sofrimentos tormentosos, mas isso \u00e9 pr\u00f3prio a todos os m\u00e9todos psicoter\u00e1picos que se aplicam- por atacado: para certo tipo de paciente conv\u00e9m tal m\u00e9todo, para outro, outro. Aquilo que tem \u00eaxito em certa \u00e9poca caracteriza os indiv\u00edduos que vivem nela.", "Caracteriza-se a \u00e9poca atual pelo fato de os psiquiatras fazerem o que outrora se realizava com base na f\u00e9. O fundamento m\u00e9dico, \u00e9 certo, d\u00e1 o"], ["colorido permanente, com seu cabedal derivado das ci\u00eancias naturais, mas o m\u00e9dico sempre exerce tamb\u00e9m, queira ou n\u00e3o, efeito psicol\u00f3gico e moral. Hoje em dia, a tend\u00eancia \u00e9 atribuir ao m\u00e9dico cada vez mais encar- gos; estes cabiam, noutras \u00e9pocas, aos sacerdotes e aos fil\u00f3sofos; da\u00ed ha- verem surgido diversos tipos de m\u00e9dico. Faltando a unidade de uma f\u00e9, as necessidades dos pacientes e dos cl\u00ednicos d\u00e3o lugar a muitas possibilida- des, dependendo a conduta do m\u00e9dico n\u00e3o s\u00f3 de suas concep\u00e7\u00f5es filos\u00f3fi- cas e daquilo que pretende, nelas baseado, alcan\u00e7ar, como tamb\u00e9m da press\u00e3o que a \u00edndole do doente sobre ele exerce, sempre sem que o per- ceba. Da\u00ed existirem, evidentemente, diversos tipos de psicoterapeutas."], ["Podemos destacar certo grupo como formado por tipos extraviados. As- sim \u00e9 que h\u00e1 o cabe\u00e7udo cr\u00e9dulo que, seja qual for o caso, jura pelos seus m\u00e9todos sem base (eletricidade, hipnose, hidroterapia, p\u00f3s e p\u00edlulas) e que logra \u00eaxito universal pelo efeito de sua personalidade en\u00e9rgica, nas situa- \u00e7\u00f5es em que \u00e9 poss\u00edvel a sugest\u00e3o grosseira. H\u00e1 tamb\u00e9m o embusteiro, que, desonesto para consigo mesmo e para com os doentes, satisfaz em si e nos clientes, dentro do relacionamento psicoterap\u00eautico, todas as neces- sidades poss\u00edveis (sentimento de poder, impulsos er\u00f3ticos, sensaciona- lismo). Tom e estilo peculiar se notam nas obras que prov\u00eam desse grupo: teorias fant\u00e1sticas que menosprezam todas as opini\u00f5es alheias; orgulho derivado da posse ing\u00eanua ou atrevidamente afirmada da verdade pr\u00f3pria; tend\u00eancia ao pateticismo e \u00e0 magnific\u00eancia, repeti\u00e7\u00e3o infinita de asser\u00e7\u00f5es simples, maneira de formular senten\u00e7as definitivas que liquidam qualquer contradi\u00e7\u00e3o."], ["H\u00e1 ainda o m\u00e9dico honesto, que se restringe, conscientemente, ao so- m\u00e1tico e, no entanto, sem querer, gra\u00e7as \u00e0 raz\u00e3o, atua educativamente; e tanto melhor quanto n\u00e3o pensa nisso. Temos ainda o c\u00e9ptico, que, de for- ma\u00e7\u00e3o cient\u00edfica multilateral, v\u00ea a verdade sem disfarce, mas sempre duvi- dando dos conhecimentos que possui; este \u00e9 um m\u00e9dico que aconselha, alivia, instrui, sem penetrar muito, sem revolver profundezas."], ["Caracter\u00edstico do psiquiatra que, nesta era das ci\u00eancias naturais, deve ter o \u00eaxito mais decisivo, permanecendo entre as paradoxalidades de suas fun\u00e7\u00f5es, mas tocando em todas as dimens\u00f5es ps\u00edquicas, vejo o seguinte quadro: Sua base firme s\u00e3o a medicina som\u00e1tica, a fisiologia e as ci\u00eancias naturais; da\u00ed vigorar, em rela\u00e7\u00e3o ao paciente, uma atitude de observa\u00e7\u00e3o emp\u00edrica e de valo ra\u00e7\u00e3o objetiva; de maneira geral, uma concep\u00e7\u00e3o racio- nal da realidade. Esse m\u00e9dico n\u00e3o sucumbir\u00e1 \u00e0 mistifica\u00e7\u00e3o, nem se aban- donar\u00e1 a qualquer dogma, fanatismo, a coisa alguma que seja definitiva. Nem ter\u00e1 convic\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas, como n\u00e3o ter\u00e1 saber do saber; pelo que, h\u00e1"], ["de tratar todas as frases, fatos, procedimentos, terminologias de forma a v\u00ea-los, em geral, num plano uniforme da ci\u00eancia; n\u00e3o pensar\u00e1 com base em qualquer sistema r\u00edgido; e isso considerar\u00e1 uma vantagem, descul- pando-se com sua atitude emp\u00edrica ou com o valor presumidamente heu- r\u00edstico mesmo de certas ideias arbitr\u00e1rias. A autoridade da ci\u00eancia com- pensar\u00e1 para ele a perda de quaisquer outras. Vivendo em atmosfera de concilia\u00e7\u00e3o multilateral e toler\u00e2ncia, desfeita s\u00f3 em casos raros, nos quais se rebela assim que alguma for\u00e7a lhe ameace a profiss\u00e3o, n\u00e3o existe para ele afirmativa que seja plenamente absoluta. Na toler\u00e2ncia de uma dispo- si\u00e7\u00e3o c\u00e9ptica fundamental, o que lhe \u00e9 essencial \u00e9 o gesto eficaz; e a pr\u00f3- pria ci\u00eancia torna-se gesto; as ideias cient\u00edficas testam-se pelo sucesso que tenham no perimundo, com os pacientes, da\u00ed resultando a op\u00e7\u00e3o pela apli- ca\u00e7\u00e3o respectiva. O m\u00e9dico atua, pois, como se fosse aut\u00eantico ator, em- bora inconsciente, mas ajustado \u00e0 situa\u00e7\u00e3o. Em rela\u00e7\u00e3o ao peso das posi- \u00e7\u00f5es filos\u00f3ficas, uma lhe parece verdadeira, mas a outra tamb\u00e9m utiliz\u00e1- vel, n\u00e3o menos verdadeira, O cepticismo profundo permite-lhe, conforme o caso e a situa\u00e7\u00e3o, deixar ao ente humano pobre, necessitado, enfermo al- gum espa\u00e7o mesmo para o sonho que rejubila e para os conte\u00fados m\u00edsti- cos; o pr\u00f3prio embuste \u00e9 visto, porque inevit\u00e1vel, como poss\u00edvel de contro- lar e at\u00e9 usar sensatamente. Da\u00ed a atitude solene a que se acresce o sor- riso c\u00e9ptico, a dignidade com ironia, a cordialidade que encanta, a aten\u00e7\u00e3o a tudo quanto \u00e9 alheio. M\u00e9dicos deste tipo constituem transi\u00e7\u00e3o do mundo passado da f\u00e9 e da cultura para a vida positivista, materialista: naquele, ainda se acomodam \u00e0 tradi\u00e7\u00e3o, vivendo, por isso, de um capital que cada vez mais mingua; na exist\u00eancia nova, por\u00e9m, sabem encontrar seus ru- mos; raz\u00e3o pela qual n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel em absoluto subordin\u00e1-los a qualquer princ\u00edpio; aparentemente, contudo, talvez se possa enquadr\u00e1-los nos pres- supostos contempor\u00e2neos: \u00eaxito, utilidade, cientificismo, procura de t\u00e9cni- cas e gestos sempre eficazes; hesitamos quando julgamos v\u00ea-los n\u00e3o como eles mesmos, ,e sim apenas como profissionais, no trabalho intenso, sem envolvimento absoluto. \u00c9 como se uma centelha do conhecimento infinito ganhasse forma neles, \u201cno pr\u00f3prio centro do tempo\u201d, na transi\u00e7\u00e3o de uma \u00e9poca para outra."], ["Se se buscar o ideal do psiquiatra, ou um tipo que associe a base cien- t\u00edfica do c\u00e9ptico \u00e0 for\u00e7a de uma personalidade atuante e \u00e0 seriedade da f\u00e9 existencial, poder-se-\u00e1 pensar nas palavras de Nietzsche, embora se sinta nelas alguma coisa de equ\u00edvoco:", "\u201cN\u00e3o h\u00e1, atualmente, profiss\u00e3o que permita elevar-se tanto quanto a"], ["do m\u00e9dico; principalmente, depois que os m\u00e9dicos do esp\u00edrito, os. chama- dos \u201cguardas de almas\u201d j\u00e1 n\u00e3o ganham com suas artes conjura- t\u00f3rias o aplauso geral e os indiv\u00edduos cultos os evitam. Hoje em dia, para alcan\u00e7ar a forma\u00e7\u00e3o intelectual mais alta, n\u00e3o basta ao m\u00e9dico conhecer os m\u00e9to- dos melhores e mais modernos, nem estar exercitando neles, nem saber tirar conclus\u00f5es sutis quanto a causas e efeitos, conclus\u00f5es das quais ad- v\u00e9m a celebridade para quem faz diagn\u00f3sticos. Al\u00e9m disso, o m\u00e9dico pre- cisa ter eloqu\u00eancia que se ajuste a cada indiv\u00edduo e lhe ilumine o cora\u00e7\u00e3o; virilidade cuja presen\u00e7a afugente' a pusilanimidade (verme que devora to- dos os enfermos); flexibilidade- diplom\u00e1tica com que atue entre aqueles que precisam de alegria para curar-se e aqueles, que devem (e podem) dar alegria quando se acham s\u00e3os; o m\u00e9dico precisa ter ainda a esperteza de um detetive e de um advogado; precisa compreender os segredos da alma sem tra\u00ed-los \u2014 enfim, o bom m\u00e9dico h\u00e1 de possuir, atualmente, os artif\u00ed- cios e os privil\u00e9gios de todas as outras classes profissionais. Assim equi- pado \u00e9 que ser\u00e1 capaz de ser um benfeitor para a sociedade inteira\u201d."], ["N\u00e3o depende da forma\u00e7\u00e3o cient\u00edfica o tipo de psiquiatra que um m\u00e9-"], ["dico vem a tornar-se, nem aquele tipo que se considera \u201cideal\u201d. Absoluta- mente indispens\u00e1vel ao psiquiatra \u00e9 uma forma\u00e7\u00e3o somato-m\u00e9dica e psi- copatol\u00f3gica que seja cient\u00edfica tanto numa dire\u00e7\u00e3o quanto noutra; base esta sem a qual ser\u00e1 mero charlat\u00e3o; com a qual, entretanto, ainda n\u00e3o ser\u00e1 psiquiatra. A ci\u00eancia mais n\u00e3o \u00e9 do que meio auxiliar, muita coisa tendo de acrescer-se. Entre os pr\u00e9-requisitos pessoais, desempenham pa- pel a amplitude do horizonte, bem como a capacidade de saber, vez por outra, menosprezar qualquer julgamento de valor; de sacrificar-se, de n\u00e3o ter preconceito algum (capacidade s\u00f3 encontrada em certos indiv\u00edduos que, quanto ao mais, possuem valores origin\u00e1rios s\u00f3lidos e personalidade marcada); finalmente, o psiquiatra ser\u00e1 humanamente caloroso e essenci- almente bondoso. Claro que um bom psiquiatra s\u00f3 pode ser fen\u00f4meno raro; e mesmo ent\u00e3o costuma ser bom apenas para certo c\u00edrculo de pes- soas \u00e0s quais se ajusta. N\u00e3o h\u00e1 um psiquiatra para todos: mas as circuns- t\u00e2ncias obrigam o m\u00e9dico, imp\u00f5em-lhe o dever de tratar de todos aqueles que nele confiam, fato este que n\u00e3o o levar\u00e1 \u00e0 imod\u00e9stia."], ["i) A nocividade da atmosfera psicol\u00f3gica.", "Aqueles que t\u00eam uma f\u00e9 ou uma filosofia realizam seu esclarecimento, inintencionalmente, dentro do contexto de seu desempenho objetivo, guia- dos por conte\u00fados e ideias, pela verdade e por Deus. A reflex\u00e3o sobre si", "mesmo pode constituir um meio, quando se segue essa via; mas nunca re- presenta for\u00e7a aut\u00f4noma, e, sim, faz-se efetiva mediante, apenas, o existir que apreende esse meio. Mas se a autorreflex\u00e3o, como considera\u00e7\u00e3o psico- l\u00f3gica, se transformar em atmosfera vital, faltar\u00e1 ao homem a base em que se firme, porque a realidade de sua vida ps\u00edquica n\u00e3o \u00e9, em si, o- existir, e sim a- sede de sua experi\u00eancia. A psicoterapia tende, \u00e0s vezes, perigosa- mente, a fazer do homem particular, em sua realidade ps\u00edquica, objetivo final. O indiv\u00edduo que faz de sua alma um Deus, por ter perdido mundo e Deus, encontra, afinal, o nada."], ["Ficar\u00e1 faltando a pujan\u00e7a arrebatadora das coisas, dos conte\u00fados m\u00eds- ticos, das imagens e s\u00edmbolos, das tarefas, do absolutismo do mundo. Pela via da autorreflex\u00e3o psicol\u00f3gica, \u00e9 imposs\u00edvel alcan\u00e7ar aquilo que s\u00f3 a en- trega ao existir permite. Da\u00ed a diferen\u00e7a radical entre a efic\u00e1cia dos exerc\u00ed- cios ps\u00edquicos de objetivos psicol\u00f3gicos, praticados pelos psiquiatras, e os exerc\u00edcios historicamente dirigidos a Deus ou \u00e0 exist\u00eancia conforme os praticam os sacerdotes, os m\u00edsticos, os fil\u00f3sofos de todos os tempos; da\u00ed a diferen\u00e7a entre as confid\u00eancias e. revela\u00e7\u00f5es que se fazem ao m\u00e9dico e a confiss\u00e3o ante o padre. A realidade transcendente \u00e9 decisiva, a esta al- tura. Nunca h\u00e1 conhecimento psicol\u00f3gico, tal qual \u00e9 poss\u00edvel \u00e0 alma pos- suir, nem h\u00e1 esfor\u00e7o dirigido \u00e0 cria\u00e7\u00e3o de alguma coisa almejada que a re- alize em mim mesmo. O homem tem de preocupar-se com as coisas, e n\u00e3o consigo mesmo (ou consigo mesmo apenas como meio); com Deus, e n\u00e3o com a f\u00e9; com o existir, e n\u00e3o com o pensar; com aquilo que ama, e n\u00e3o com o amor; com o desempenho, e n\u00e3o com a viv\u00eancia; com a realiza\u00e7\u00e3o, e n\u00e3o com as possibilidades \u2014 a segunda alternativa h\u00e1 de ser sempre tran- si\u00e7\u00e3o, nunca objetivo em si mesma."], ["Na atmosfera psicol\u00f3gica, desenvolve-se uma atitude vital egoc\u00eantrica, mesmo quando se pensa e se quer o conte\u00fado; o homem como sujeito de tudo isso torna-se medida de todas as coisas. Uma relativiza\u00e7\u00e3o existen- cial resulta da absolutiza\u00e7\u00e3o do conhecimento psicol\u00f3gico, que constitui, ent\u00e3o, conhecimento suposto do pr\u00f3prio evento."], ["O que da\u00ed resulta \u00e9 um descaramento espec\u00edfico, um pendor a alargar", "as entranhas da alma; uma possibilidade de dizer aquilo que no pr\u00f3prio dizer se destr\u00f3i; uma curiosidade em rela\u00e7\u00e3o a certas viv\u00eancias, uma ne- cessidade de impor-se ao outro indiv\u00edduo, que \u00e9 tomado como realidade psicol\u00f3gica."], ["Percebe-se o desasseio existente na atmosfera psicol\u00f3gica em oposi\u00e7\u00e3o", "ao asseio do m\u00e9dico que lida, apenas, com as ci\u00eancias naturais; que, igno- rando o psiquismo, perde muita coisa, certamente; mas que faz terapia clara e eficaz, em seu campo; aquele desasseio op\u00f5e-se tamb\u00e9m ao asseio da f\u00e9 pujante, que faz o poss\u00edvel dentro do cognosc\u00edvel, levando e subme- tendo a Deus o que resta, sem presun\u00e7\u00e3o de conhecimento psicol\u00f3gico, sem viol\u00eancia, nem desonra.", "Entretanto, tem-se de conhecer o perigo que h\u00e1 na psicologia, a fim de", "super\u00e1-lo. Sem constituir jamais finalidade em si mesma, quanto ao que estudam e ao que pretendem, a psicologia e a psicoterapia s\u00e3o uma via a seguir, desde que a consci\u00eancia se ache altamente desenvolvida."], ["j) A organiza\u00e7\u00e3o p\u00fablica da psicoterapia."], ["A hospitaliza\u00e7\u00e3o dos doentes mentais levou a que se formassem peque- nos mundos, de s\u00e9culo e meio para c\u00e1. Os psiquiatras pensaram em redu- zir o mal ao m\u00ednimo, tanto para os pacientes-quanto para a sociedade. Da\u00ed tomarem-se as doen\u00e7as do sistema nervoso objeto dos cuidados de cl\u00edni- cas pr\u00f3prias e de neurologistas. Rela\u00e7\u00e3o mais estreita entre as neuroses e psicoses end\u00f3genas, de um lado, e as mol\u00e9stias neurol\u00f3gicas conhecidas, de outro lado, n\u00e3o existe, entretanto; muito menos, na pr\u00e1tica, existe rela- \u00e7\u00e3o com quaisquer outras doen\u00e7as som\u00e1ticas. A psicoterapia, sem ordem, nem princ\u00edpio, come\u00e7ou a ser praticada, acidentalmente, por psiquiatras, neurologistas, internistas. S\u00f3 h\u00e1 alguns dec\u00eanios \u00e9 que, de fato, se fez da psicoterapia tarefa vital. Surgiu o status dos psicoterapeutas, quase sem- pre m\u00e9dicos, assistidos por psic\u00f3logos, de outra forma\u00e7\u00e3o cultural. Come- \u00e7aram a aparecer revistas de psicoterapia especializadas e houve congres- sos de psicoterapeutas com mais de 500 participantes. Foi novidade b\u00e1- sica a cria\u00e7\u00e3o, em Berlim, no ano de 1936, do \u201cDeutsches Institut fur psychologische Forschung und Psychotherapie\u201d (Instituto Alem\u00e3o de Pes- quisa e Psicoterapia Psicol\u00f3gica), sob a dire\u00e7\u00e3o de M. H. G\u00f5ring. Da\u00ed cami- nhou a psicoterapia para sua institucionaliza\u00e7\u00e3o."], ["Realizando-se publicamente, a psicoterapia h\u00e1 de manter-se como parte aut\u00f4noma da pr\u00e1tica m\u00e9dica \u2014 o que imp\u00f5e as seguintes condi\u00e7\u00f5es: o exerc\u00edcio da profiss\u00e3o se sujeita a requisitos que lhe assegurem o melhor cumprimento; possibilitam-se a forma\u00e7\u00e3o e o ensino; promovem-se os co- nhecimentos psicol\u00f3gicos necess\u00e1rios, em conex\u00e3o met\u00f3dica com a cl\u00ednica. Segue-se da\u00ed: unificam-se os esfor\u00e7os at\u00e9 o momento esparsos; o que se haja aprendido de in\u00edcio, trabalhando em separado, o que se tenha desen-"], ["volvido em pequenos c\u00edrculos ou escolas, configura-se num todo. O Insti- tuto busca promover o interc\u00e2mbio e a reciprocidade de todos os esfor\u00e7os do conhecimento e das possibilidades psicoterap\u00eauticas. Harmonizam-se contrastes, elabora-se o que h\u00e1 de comum em toda psicoterapia, ou seja, a unidade de pensamento. Uma policl\u00ednica atende cada vez mais \u00e0s necessi- dades da pr\u00e1tica m\u00e9dica, formando base ampla para pesquisa pela elabo- ra\u00e7\u00e3o regular das hist\u00f3rias cl\u00ednicas. Grande n\u00famero de biografias real- mente psicoterap\u00eauticas talvez se possa obter, desta maneira, pela pri- meira vez.", "A falha principal dessa institui\u00e7\u00e3o est\u00e1 em que se afasta da cl\u00ednica psi-"], ["qui\u00e1trica. Os psicoterapeutas que n\u00e3o tenham, por experi\u00eancia pr\u00f3pria, conhecimento fundamental das psicoses e do trato respectivo, nos hospi- tais e na sociedade, podem cometer erros fatais de diagn\u00f3stico, al\u00e9m de sucumbir facilmente \u00e0s fantasias e absurdidades t\u00e3o abundantes na lite- ratura. Se n\u00e3o houver informa\u00e7\u00e3o bem fundamentada sobre a realidade das psicoses, se n\u00e3o se buscar conhec\u00ea-las com paix\u00e3o, toda imagem do homem e, pois, toda antropologia ser\u00e1 falha em face d\u00e1 realidade, pois que a compreens\u00e3o do ser humano nos obriga tanto a parar ante \u00e0 realidade impenetr\u00e1vel do que \u00e9 incompreens\u00edvel quanto a abrir-nos \u00e0 liberdade pos- s\u00edvel. S\u00f3 perceberemos aquela limita\u00e7\u00e3o pela psiquiatria; e s\u00f3 pela filosofia nos libertaremos para esta abertura. N\u00e3o pode a psicoterapia viver de sua pr\u00f3pria origem."], ["Vimos que, embora enraizada na medicina, a psicoterapia fato hist\u00f3-", "rico transborda do campo m\u00e9dico, constituindo fen\u00f4meno de\u2019 uma \u00e9poca sem f\u00e9, no sentido da tradi\u00e7\u00e3o eclesi\u00e1stica. Hoje em dia, a psicoterapia n\u00e3o se ocupa s\u00f3 com os neur\u00f3ticos, mas com >o homem em dificuldades espi- rituais e pessoais. N\u00e3o pela tradi\u00e7\u00e3o, decerto, mas pelo significado, relaci- ona-se com a confiss\u00e3o, a catarse mental, a guia espiritual das eras da f\u00e9, impondo e prometendo a todos, em geral. N\u00e3o sabemos ainda em que ir\u00e1 dar.", "Como toda empresa humana, a psicoterapia tamb\u00e9m acarreta riscos espec\u00edficos: em vez de apontar ao aflito os caminhos da cura, pode trans- formar-se numa esp\u00e9cie de religi\u00e3o, semelhante \u00e0s seitas gn\u00f3sticas de h\u00e1 mil\u00eanio e meio. Pode vir a constituir a sede em que se instale o suced\u00e2neo da metaf\u00edsica e do erotismo, da f\u00e9 e da vontade de poder, da realiza\u00e7\u00e3o de impulsos inescrupulosos. Aparentando exigir muito, pode, realmente, ni- velar e trivializar a psique."], ["Apesar de todos os riscos, a psicoterapia disp\u00f5e, entretanto, para de- fender-se, do significado ou sentido de seu conhecimento, porque o psico- terapeuta consciente percebe com a m\u00e1xima clareza seus erros e, pois, \u00e9 tanto mais culpado quando a eles sucumbe. Todavia, s\u00f3 a institucionaliza- \u00e7\u00e3o \u00e9 que pode desenvolver f\u00f3rmulas de desenvolvimento, estabelecer esta- tutos e prescri\u00e7\u00f5es, mediante os quais n\u00e3o s\u00f3 se realize, de modo amplo, a tradi\u00e7\u00e3o da teoria e da arte, mas tamb\u00e9m se previnam os riscos.", "\u00c9 de esperar que, com o tempo, uma ideia constru\u00edda \u00e0 base da pr\u00e1tica"], ["e da reflex\u00e3o se elabore no concernente \u00e0 realidade psicoterap\u00eautica insti- tucionalmente conformada. Isso compete \u00e0queles que participam ativa- mente na psiquiatria. A esta altura cabem, apenas, umas tantas observa- \u00e7\u00f5es fragment\u00e1rias que incitem \u00e0 medita\u00e7\u00e3o. Conscientes que somos das extraordin\u00e1rias possibilidades oferecidas pela psicoterapia, procuramos estabelecer distin\u00e7\u00f5es precisas. N\u00e3o se pode esbo\u00e7ar quadro algum de qualquer realidade tal qual seja ou haja sido; s\u00f3 \u00e9 poss\u00edvel apontar alguns pontos de que parta a constru\u00e7\u00e3o \u2014 com o que se tocam possibilidades extremas; s\u00f3 o pensamento que se desenvolva ao m\u00e1ximo segundo linhas diretivas simplificadas \u00e9 que pode servir de instrumento para a inquiri\u00e7\u00e3o da realidade eventual."], ["A dificuldade fundamental est\u00e1 em que, nessa pr\u00e1tica visando ao todo do existir humano, o m\u00e9dico tem de ser mais do que m\u00e9dico apenas, de . modo que a medita\u00e7\u00e3o se oriente por um ponto de vista radicalmente di- verso e mais amplo do que aquele puramente psicopatol\u00f3gico."], ["1. A necessidade de autoesclarecimento do psicoterapeuta. Seria er- rado exigir do m\u00e9dico que fa\u00e7a em si mesmo o que deve fazer no doente, que prove sua arte em sua pr\u00f3pria pessoa \u2014 isso quanto \u00e0s doen\u00e7as so- m\u00e1tico-causais; o m\u00e9dico pode tratar excelentemente de uma nefrite num paciente seu, sem deixar de ser bom pelo fato de menosprez\u00e1-la e trat\u00e1-la mal em si mesmo. No terreno ps\u00edquico, as coisas s\u00e3o, diferentes. O psico- terapeuta que n\u00e3o se esclarece a si mesmo tamb\u00e9m n\u00e3o poder\u00e1 esclarecer acertadamente o enfermo, porque a maneira, segundo a qual atua estar\u00e1 deixando que atuem dentro de si, permanentes, impulsos n\u00e3o percebidos, inobjetivos. Esta a raz\u00e3o por que, de h\u00e1 muito, se exige que o m\u00e9dico se investigue psicologicamente, conforme foi erigido em. requisito b\u00e1sico, de algum tempo para c\u00e1. Jung formulou-o da seguinte maneira (abreviada- mente): \u201cA rela\u00e7\u00e3o entre m\u00e9dico e paciente \u00e9 rela\u00e7\u00e3o pessoal dentro do quadro", "impessoal do tratamento m\u00e9dico.... O tratamento resulta de influencia- mento rec\u00edproco. Nele tem lugar o encontro de dois entes humanos que, al\u00e9m de sua consci\u00eancia talvez determinada, trazem consigo uma esfera imprecisamente extensa de inconsci\u00eancia.... Se, enfim, se formar uma as- socia\u00e7\u00e3o, ambos mudam.... Inconscientemente, o enfermo influencia o m\u00e9- dico e produz modifica\u00e7\u00f5es no inconsciente deste.... Efeitos que n\u00e3o se po- dem formular sen\u00e3o pela velha ideia da transfer\u00eancia da doen\u00e7a para uma pessoa sadia, a qual, ent\u00e3o, ter\u00e1 de dominar, com sua sa\u00fade, o dem\u00f4nio da enfermidade.... Foi reconhecendo este fato que o pr\u00f3prio Freud admitiu o requisito por mim estabelecido: de que o pr\u00f3prio m\u00e9dico deve ser anali- sado: requisito que implica estar o m\u00e9dico na an\u00e1lise tanto quanto o paci- ente.... A psicologia anal\u00edtica exige, pois, aplica\u00e7\u00e3o retroativa ao pr\u00f3prio m\u00e9dico do sistema no qual ele acredita; e isso com o mesmo rigor, firmeza e tenacidade que o m\u00e9dico imp\u00f5e ao paciente.... \u00c9 impopular o requisito de que o m\u00e9dico se modifique para ser capaz de modificar tamb\u00e9m o doente, porque se afigura impratic\u00e1vel, em primeiro lugar; depois, ocupar-se con- sigo mesmo implica certa preven\u00e7\u00e3o; em terceiro lugar, custa muito, \u00e0s ve- zes, ao m\u00e9dico preencher \u2014 ele mesmo \u2014 todas aquelas expectativas que dirige aos seus pacientes. . O desenvolvimento mais recente da psicologia anal\u00edtica destaca a personalidade do pr\u00f3prio m\u00e9dico como fator curativo ou seu reverso.... O m\u00e9dico j\u00e1 n\u00e3o pode >esquivar-se \u00e0s suas pr\u00f3prias difi- culdades pelo fato de tratar das dificuldades alheias\u201d."], ["Da\u00ed surgiu o requisito da an\u00e1lise did\u00e1tica. Quem n\u00e3o se tiver subme- tido, obstinadamente, \u00e0 an\u00e1lise psicol\u00f3gica profunda por outro m\u00e9dico \u2014 mais ou menos 100/150 horas durante um ano ou mais \u2014 n\u00e3o estar\u00e1 ca- pacitado para discutir como especialista, nem para praticar a psicoterapia. \u201cN\u00e3o queremos aprender nos pacientes, e sim em n\u00f3s. N\u00e3o queremos des- cobrir e conduzir aquilo que \u00e9 o que o homem possui, afinal, de mais im- portante sem nos conhecermos e nos esclarecermos, de certo modo. Deve- mos isso aos nossos pacientes\u201d. Da\u00ed por que a an\u00e1lise did\u00e1tica se torna parte essencial da forma\u00e7\u00e3o dos futuros terapeutas. Defende-se com desu- sada intensidade este requisito, embora existam psiquiatras not\u00e1veis que, ao que se saiba, jamais se sujeitaram a qualquer an\u00e1lise psicol\u00f3gica pro- funda. A este respeito, cabe distinguir:"], ["aa) O autoesclarecimento \u00e9 requisito verdadeiro, indispens\u00e1vel. Indaga- se, apenas, de que modo ele pode realizar-se e se h\u00e1 necessidade imediata da ajuda alheia, isto \u00e9, dada por algu\u00e9m que promova, profissionalmente, mediante honor\u00e1rios, o desvelamento das profundezas ps\u00edquicas. N\u00e3o \u00e9 l\u00ed- cito confundir a autorrevela\u00e7\u00e3o com. m\u00e9todos interpessoais de an\u00e1lise."], ["Nem se pode assegurar o que resultar\u00e1 da exist\u00eancia. N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel con- trolar, nem atestar o que ocorre, \u00fanico e singular, na a\u00e7\u00e3o interna. Da\u00ed pa- recer conveniente ponderar se o requisito da realiza\u00e7\u00e3o do autoesclareci- mento n\u00e3o se deve cingir ao m\u00e1ximo a possibilidades optativas. O indiv\u00ed- duo h\u00e1 de decidir se se confiar\u00e1 \u00e0 an\u00e1lise psicol\u00f3gica profunda feita por outro, ou se receber\u00e1 est\u00edmulos indiretos, no contato interpessoal; ou se, em conex\u00e3o com as grandes constru\u00e7\u00f5es revelacionais (por exemplo \u201cKrankheit zum Tode\u201d, de Kierkegaard), conseguir\u00e1 o esclarecimento de sua exist\u00eancia hist\u00f3rica; ou ainda, se far\u00e1 tudo ao mesmo tempo. No caso de poder transformar-se o que h\u00e1 mais \u00edntimo nalguma coisa poss\u00edvel de controlar; no caso de aderir-se ao pressuposto de haver sempre, entre os psicoterapeutas autorizados, alguns aos quais um jovem se queira abrir e confiar em absoluto, existe o perigo de indiv\u00edduos muito categorizados se absterem dessa profiss\u00e3o; e talvez sejam os mais independentes, os mais humanos, os mais sadios, capazes de fazer progredir a psicoterapia te\u00f3rica e pr\u00e1tica. Os fundadores da forma\u00e7\u00e3o psicoterap\u00eautica institucional de- vem indagar de si mesmos (o que fazendo, h\u00e3o de libertar sua aspira\u00e7\u00e3o ao autoesclarecimento psicol\u00f3gico da respectiva tradi\u00e7\u00e3o escolar) se, quando reclamam a an\u00e1lise did\u00e1tica, n\u00e3o escondem, \u00e0s vezes, a imposi\u00e7\u00e3o de uma afirma\u00e7\u00e3o de f\u00e9, e tamb\u00e9m qualquer coisa que remonta \u00e0s forma- \u00e7\u00f5es sect\u00e1rias; isso, e n\u00e3o a ideia de uma efic\u00e1cia terap\u00eautica geral, p\u00fa- blica. Ou ainda: talvez aqui se interprete mal a ideia do autoesclareci- mento necess\u00e1rio, permanente, do psicoterapeuta, na fixa\u00e7\u00e3o a determi- nada f\u00f3rmula que, a seu turno, varia entre a an\u00e1lise, com a presen\u00e7a im- pessoal do psicoterapeuta colocado por detr\u00e1s, e a comunica\u00e7\u00e3o pessoal frente a frente. Confirmar-se-ia o que presumo, se se viesse a exigir a an\u00e1- lise _ ou tratamento did\u00e1tico de acordo com esta ou aquela escola e de acordo com as diversas modalidades terap\u00eauticas, dentre as quais o estu- dante optasse. Far-se-iam as pazes com a mesma caracter\u00edstica dos trata- dos de toler\u00e2ncia interconfessionais, onde cada uma das seitas espera, se- cretamente, tornar-se a \u00fanica verdadeira, afinal, e tamb\u00e9m a \u00fanica domi- nante. Ficaria, assim, claramente exposta a peculiaridade filos\u00f3fica da an\u00e1lise did\u00e1tica em causa; e o procedimento inteiro viria a constituir suce- d\u00e2neo de movimentos m\u00edsticos."], ["Se se quiser fugir \u00e0 estreiteza de concep\u00e7\u00f5es filos\u00f3ficas afinal privadas,", "exigir-se-\u00e1, certamente, a an\u00e1lise did\u00e1tica, mas n\u00e3o a sua. indispensabili- dade como requisito da forma\u00e7\u00e3o psicoterap\u00eautica. Restar\u00e1, ent\u00e3o, ape- nas, com car\u00e1ter obrigat\u00f3rio o autoesclarecimento do psicoterapeuta, pro- cesso que, no entanto, n\u00e3o pode ser controlado, objetivamente, nem com-", "provado ou estabelecido por outros. O conte\u00fado da. teoria institucional- mente transmitida estar\u00e1 naquilo que \u00e9 em geral acess\u00edvel, objetivamente v\u00e1lido, embora tudo dependa, na pr\u00e1tica e de maneira decisiva, das perso- nalidades que manejam a teoria."], ["Toda profiss\u00e3o requer a prote\u00e7\u00e3o de certa tradi\u00e7\u00e3o. Uma profiss\u00e3o que se est\u00e1 formando tem suas possibilidades abertas ou limitadas pela op\u00e7\u00e3o de sua organiza\u00e7\u00e3o inicial. A meu ver, a op\u00e7\u00e3o pela an\u00e1lise did\u00e1tica como crit\u00e9rio discriminativo, logo de in\u00edcio, para admiss\u00e3o na estreiteza de v\u00e1- rias escolas que se excluem e s\u00f3 por oportunismo se toleram, levaria, afi- nal de contas, a que se extinguisse1 essa profiss\u00e3o. \u00c9 vital para a psicote- rapia conseguir alcan\u00e7ar a profundidade, em que possa basear-se, da tra- di\u00e7\u00e3o relativa ao conhecimento pr\u00e1tico do ente humano, desde Plat\u00e3o at\u00e9 Nietzsche, a fim de exceder os limites, de profiss\u00e3o estritamente m\u00e9dica. Noutras palavras: Todo movimento intelectual tem seu conte\u00fado determi- nado pelos homens aos quais se refere como sendo seus fundadores. Win- ckelmann criou o n\u00edvel a que se mant\u00e9m at\u00e9 hoje a arqueologia, se bem que- a maior parte de suas teses haja caducado: a nobreza de sua perso- nalidade, a profundidade de suas ideias foram decisivas. Mas n\u00e3o- pode- mos iludir-nos: sobre Freud, Adler, Jung, movimento algum pode- fundar- se capaz de colocar-se no plano que se requer da psicoterapia. Nem supe- rando-os. se consegue encontrar o caminho a seguir (porque- se depende daquilo que se combate); este s\u00f3 se encontra, sim, pela apreens\u00e3o positiva da verdade contida na antiga tradi\u00e7\u00e3o. A experi\u00eancia atual permitiria \u00e0 pr\u00e1tica psicoterap\u00eautica, que ora est\u00e1 fundamentando- a transi\u00e7\u00e3o deci- siva, reconhecer e apossar-se dessa tradi\u00e7\u00e3o. Os psicoterapeutas t\u00eam de criar uma obra que ainda n\u00e3o existe como totalidade de qualquer teoria com pretens\u00e3o a validez. Enfim, n\u00e3o existe apelo a viv\u00eancias, nem a certo n\u00famero de tipos humanos aos quais correspondam m\u00e9todos diversos, dado o fato de colapsar, nessa singeleza imprecisa, a cria\u00e7\u00e3o compreensiva que v\u00ea e mostra a verdade. Essa verdade, desde que apreendida na pro- fundidade da tradi\u00e7\u00e3o e realizada com configura\u00e7\u00e3o moderna, revelaria, por si mesma, o que h\u00e1 de v\u00e1lido, de insuficiente, de acidental, de destru- tivo nos autores das velhas gera\u00e7\u00f5es, que ainda influenciam bastante a psicoterapia moderna, por eles movimentada an\u00f4nima ou expressamente."], ["bb) Tem-se de distinguir entre psicologia profunda esclarecedora e t\u00e9c- nicas psicol\u00f3gicas. A pr\u00e1tica da psicologia profunda implica envolvimento com rela\u00e7\u00e3o a conte\u00fados e concep\u00e7\u00f5es cuja viv\u00eancia se marca filosofica- mente e sempre atua de modo inconscientemente sugestivo, haja ou n\u00e3o haja consci\u00eancia plena; a pr\u00e1tica como tal j\u00e1 envolve- consentimento. Pelo"], ["contr\u00e1rio, as t\u00e9cnicas psicol\u00f3gicas que se aplicam com fins curativos (hip- nose, treinamento aut\u00f3geno, exerc\u00edcios, etc.) d\u00e3o lugar a experi\u00eancias es- pec\u00edficas, que, por assim dizer, se ganham mediante instrumento novo. \u00c9 l\u00edcito exigir que as t\u00e9cnicas psicol\u00f3gicas que eu pretendo aplicar a outras pessoas eu as experimente e execute comigo mesmo; e, decerto, com a co- labora\u00e7\u00e3o e dire\u00e7\u00e3o de um especialista. Mas quando essas t\u00e9cnicas s\u00e3o postas de lado em bem do contato hist\u00f3rico-pessoal, que, tendo em vista seu significado, n\u00e3o se pode tornar arbitr\u00e1rio (nem, portanto, jamais cons- tituir t\u00e9cnica, propriamente dita, sejam quais forem as reflex\u00f5es metodol\u00f3- gicas), temos inversamente de tomar o m\u00e1ximo cuidado para n\u00e3o confun- dir uma coisa e outra. Seremos circunspectos ante a profundidade do in- consciente, se quisermos realizar trabalho proveitoso, fecundo; evitare- mos- a tecniciza\u00e7\u00e3o de modo, a manter contato com a nossa pr\u00f3pria natu- reza. N\u00e3o nos \u00e9 l\u00edcito esperar que os requisitos pessoais da profiss\u00e3o psico- terap\u00eautica resultem do aprendizado formal, porque eles imp\u00f5em muito mais coisas, entre as quais algumas que est\u00e3o certamente fora de qual- quer aprendizado."], ["2. Indiv\u00edduos neur\u00f3ticos e indiv\u00edduos sadios. No lugar citado sobre a"], ["necessidade de o m\u00e9dico retroanalisar-se, Jung prossegue:", "\u201cA autocr\u00edtica e autoinvestiga\u00e7\u00e3o, que se associa, indissoluvelmente, \u00e0 quest\u00e3o em tela, exigir\u00e1 concep\u00e7\u00e3o da alma inteiramente diversa, daquela que vigorava at\u00e9 agora, meramente biol\u00f3gica, porque a alma, humana.... n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 o doente, mas tamb\u00e9m o m\u00e9dico, n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 o objeto, mas tamb\u00e9m o sujeito.... O que era, antigamente, terap\u00eautica m\u00e9dica torna-se m\u00e9todo de autoeduca\u00e7\u00e3o.... assim, a psicologia, anal\u00edtica rompa os grilh\u00f5es que a acorrentavam, at\u00e9 nossos dias, ao consult\u00f3rio m\u00e9dico- \u2014 para preencher aquela grande lacuna que sempre constituiu a inferioridade espiritual das culturas ocidentais. em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s orientais. Mais n\u00e3o conhec\u00edamos do que submiss\u00e3o, sujei\u00e7\u00e3o ps\u00edquica.... Quando toma o pr\u00f3prio m\u00e9dico para ob- jeto, a psicologia originariamente m\u00e9dica deixa de ser mero processo tera- p\u00eautico para doentes. Agora, ela trata de gente sadia, cuja doen\u00e7a pode ser, quando muito, o sofrimento que a todos n\u00f3s atormenta\u201d."], ["Jung falava, \u00e9 claro, de alguma coisa que j\u00e1 acontecia. Tudo, por\u00e9m,", "que podia afigurar-se fraqueza ou erro da terapia, o psiquiatra su\u00ed\u00e7o transmudava em for\u00e7a e tarefa. Tanto mais urge, por conseguinte, n\u00e3o es- quecer certas diversidades radicais de significado.", "aa) Diferen\u00e7a entre neurose e sa\u00fade. S\u00f3 pequena minoria de pessoas", "s\u00e3o neur\u00f3ticas; a maioria \u00e9 sadia."], ["Em sua obra sobre os indiv\u00edduos inibidos, Schultz-Heneke descreve al- guma coisa que \u00e9 universal, quando distingue manifesta\u00e7\u00f5es de natureza mais grosseira: \u201cS\u00f3 uma fra\u00e7\u00e3o dos seres humanos as conhece: significam sofrimento; quase sempre se sentem como m\u00f3rbidas.... Talvez cada ho- mem em dez vivencie uma vez (pelo menos; de maneira rudimentar), essa consequ\u00eancia m\u00f3rbida da inibi\u00e7\u00e3o; quase sempre, contudo, num ou nou- tro breve per\u00edodo de sua vida. H\u00e1 bem uma d\u00fazia dessas manifesta\u00e7\u00f5es. Em regra, o homem normal sofre- uma s\u00f3 delas, quando pertence \u00e0queles dez em cem. Por conseguinte, sempre h\u00e1, dentre cem indiv\u00edduos, um que conhece certa viv\u00eancia m\u00f3rbida, a qual j\u00e1 ter\u00e1 estado nele uma vez, transi- toriamente.... \u00c9 por isto que pouco adianta aquele que sofre falar em suas manifesta\u00e7\u00f5es m\u00f3rbidas: ningu\u00e9m as compreende.... O doente tem de ir ao m\u00e9dico\u201d. Schultz-Hencke avalia \u201cem meio-milh\u00e3o, talvez, os alem\u00e3es aos quais s\u00f3 se pode dar assist\u00eancia com artilharia pesada\u201d."], ["Estas frases sobre a frequ\u00eancia das neuroses visam a avaliar a gran- deza aproximada da respectiva incid\u00eancia. Implicam elas as seguintes con- clus\u00f5es:", "Existe diversidade essencial entre o fen\u00f4meno neur\u00f3tico e o psiquismo", "sadio, acess\u00edvel a todos. A maior parte dos homens ignora os fen\u00f4menos neur\u00f3ticos por experi\u00eancia pr\u00f3pria; da\u00ed n\u00e3o compreend\u00ea-los.", "H\u00e1 transi\u00e7\u00f5es entre neurose e sa\u00fade, na medida em que manifesta\u00e7\u00f5es neur\u00f3ticas individuais tamb\u00e9m ocorrem numa minoria de pessoas sadias; e, ali\u00e1s, quase sempre episodicamente. N\u00e3o significa, pois, esta transi\u00e7\u00e3o serem todos os homens um pouco neur\u00f3ticos, mas, sim e apenas, haver manifesta\u00e7\u00f5es isoladas passageiras em indiv\u00edduos que quanto ao mais s\u00e3o sadios; diga-se, tamb\u00e9m, contudo, o seguinte: fen\u00f4menos neur\u00f3ticos espo- r\u00e1dicos afetam s\u00f3 pequena minoria de indiv\u00edduos; a maior parte dos ho- mens n\u00e3o os conhece, em geral, e aqueles poucos que os conhecem po- dem, al\u00e9m disso, ser considerados sadios, na maior parte das vezes."], ["D\u00favida essencial n\u00e3o cabe, a bem dizer, quanto a qualquer destas te- ses; mas a terceira afirma\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 indubit\u00e1vel no mesmo sentido: os fe- n\u00f4menos neur\u00f3ticos seriam consequ\u00eancia de dificuldades ps\u00edquicas que todo indiv\u00edduo sadio conhece e supera. As ang\u00fastias psicol\u00f3gico-existen- ciais seriam, afinal, humanas e n\u00e3o neur\u00f3ticas. \u00c9 incontest\u00e1vel que as di- ficuldades gerais da vida desempenham papel essencial na maior parte das neuroses. Mas da fal\u00eancia ante a ang\u00fastia vital, da falta de autoescla- recimento, da desonestidade e autoilusionamento, da pr\u00e1tica de atos re- prov\u00e1veis \u2014 n\u00e3o resultam, em absoluto, neuroses, e, sim, inferioridades"], ["individuais caracter\u00edsticas; h\u00e1 diferen\u00e7a entre os in\u00fameros homens exis- tencialmente deteriorados, que s\u00e3o, no entanto, sadios, e os neur\u00f3ticos; ou entre baixeza e doen\u00e7a. Para a neurose ocorrer, tem de acrescer-se alguma coisa decisiva, espec\u00edfica da neurose: a disposi\u00e7\u00e3o especial dos mecanis- mos ps\u00edquicos, s\u00f3 dos quais resulta a neurose pela fal\u00eancia ante a ang\u00fas- tia vital; e os quais possibilitam a neurose mesmo que haja autoesclareci- mento e sinceridade. Pode-se dizer, \u00e0s vezes, de um neur\u00f3tico: \u201c\u00c9 nervoso, mas com dec\u00eancia\u201d. N\u00e3o \u00e9 s\u00f3 a baixeza extrema, mas tamb\u00e9m a seriedade aut\u00eantica da ascens\u00e3o que pode ocasionar fen\u00f4menos neur\u00f3ticos, quando funcionam certos mecanismos."], ["bb) Diferen\u00e7a entre terapia e assist\u00eancia na ang\u00fastia. Todos os homens precisam autoesclarecer-se e, ao mesmo tempo, auto- aquietar-se na a\u00e7\u00e3o interna; superar as dificuldades vitais, renunciar e recusar livremente, aceitar a realidade existencial que lhes \u00e9 dada. Mas \u00e9 s\u00f3 aquela minoria neur\u00f3tica que precisa de terapia. \u00c9 diverso o sentido, de um lado, entre a liquida\u00e7\u00e3o de problemas vitais, o amadurecimento, o existencializar-se e, de outro lado, a cura de uma neurose; na mesma ordem de ideias entre a assist\u00eancia que se d\u00e1 ao angustiado e a terapia m\u00e9dica.", "O encontro de rumos na ang\u00fastia, o comportamento em rela\u00e7\u00e3o a si"], ["mesmo \u2014 isso \u00e9 tarefa que pode caber a qualquer indiv\u00edduo sadio; sendo maiores as dificuldades, o outro indiv\u00edduo \u2014 mesmo ma figura do psicote- rapeuta \u2014 pode iluminar os caminhos. A cura dos fen\u00f4menos neur\u00f3ticos, por\u00e9m, exige medidas especificamente m\u00e9dicas, dentro das quais aquela modalidade de assist\u00eancia humana comum pode ter significado incalcul\u00e1- vel: em certos fen\u00f4menos neur\u00f3ticos, o processo de autorrealiza\u00e7\u00e3o pode levar, do mesmo passo, \u00e0 cura da neurose. A psicologia profunda coincide em seus limites com o esclarecimento existencial; e precisa da proximi- dade e amizade pessoais numa singularidade hist\u00f3rica de cada momento. A psicoterapia medicamente limitada, pelo contr\u00e1rio, representa a aplica- \u00e7\u00e3o de t\u00e9cnicas de certo tipo; permanece largamente impessoal, pode-se repetir e aprender."], ["Ao passo que entre os indiv\u00edduos sempre se d\u00e1 e pode dar-se a comu- nica\u00e7\u00e3o independente de qualquer manipulabilidade ou disponibilidade ci- ent\u00edfica, comunica\u00e7\u00e3o na qual a realiza\u00e7\u00e3o individual se faz pela revela\u00e7\u00e3o, o psicoterapeuta tem, nas neuroses, menos e mais a fazer; menos do que comunica\u00e7\u00e3o existencial (por mais ben\u00e9fica que seja esta para o neur\u00f3tico e por mais que lhe seja humanamente indispens\u00e1vel, se tiver de curar-se), porque n\u00e3o \u00e9 de processar-se conforme plano ou prop\u00f3sito, nem profissio- nalmente; e mais do que comunica\u00e7\u00e3o existencial, na medida em que", "atuem medidas comprovadas pela experi\u00eancia, al\u00e9m de t\u00e9cnica especiali- zada.", "A esta altura, cabe uma indaga\u00e7\u00e3o pr\u00e1tica. Seria rid\u00edculo receber hono-"], ["r\u00e1rios pela presta\u00e7\u00e3o da comunica\u00e7\u00e3o existencial, porque os honor\u00e1rios t\u00eam raz\u00e3o de ser quando se cogita de servi\u00e7os baseados em certo conheci- mento e em capacidade ensin\u00e1vel poss\u00edveis de aplicar geralmente e repetir do mesmo modo. Em qualquer terapia m\u00e9dica \u00a1todavia, pode acontecer \u2014 s\u00e3o raros os casos \u2014 que uma comunica\u00e7\u00e3o existencial venha a estabele- cer-se, sem inten\u00e7\u00e3o nem prop\u00f3sito definidos, entre m\u00e9dico e paciente; a mesma coisa se passa, em princ\u00edpio, na psicoterapia. A comunica\u00e7\u00e3o \u00e9, em tais casos, alguma coisa que se acresce, que n\u00e3o se pode buscar nem dar por dinheiro. Da\u00ed n\u00e3o ser poss\u00edvel transformar em princ\u00edpio nem fim da psicoterapia tudo quanto acontece entre dois entes humanos, frente a frente, na aplica\u00e7\u00e3o da psicologia profunda, ou no esclarecimento existen- cial. Existe algo que \u00e9 poss\u00edvel em todas as rela\u00e7\u00f5es humanas; algo que as sustenta, quando se tornam essenciais e vitais; algo, por\u00e9m, que est\u00e1 fora do do ut des (eu dou para que tu d\u00eas),"], ["cc) Universaliza\u00e7\u00e3o da psicoterapia. As discrimina\u00e7\u00f5es acima n\u00e3o im- pedem de considerar adequada a presta\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o terap\u00eautico a quais- quer indiv\u00edduos que se achem envolvidos em dificuldades profissionais ou transtornos familiares, domiciliares; que n\u00e3o saibam resolver, ou se vejam incapazes de solucionar problemas educacionais concernentes aos filhos. Mesmo para pessoas sadias h\u00e1 complica\u00e7\u00f5es que precisam resolver-se. O conhecimento met\u00f3dico e a capacidade t\u00e9cnica manejados por indiv\u00edduos capazes podem ser \u00fateis, ainda que n\u00e3o se tenham em vista fen\u00f4menos psicopatol\u00f3gicos: por vezes, de maneira mais feliz e mais duradoura que- no caso das neuroses. Tal qual faz milagres uma palavra sensata, no mo- mento justo; tal qual, vez por outra, a introvis\u00e3o pode fazer cair escamas dos olhos, assim tamb\u00e9m um guia de almas- talvez consiga prestar servi\u00e7o consider\u00e1vel, at\u00e9 mesmo dentro de contextos institucionais. O que pode ocorrer nessas situa\u00e7\u00f5es \u00e9 imprevis\u00edvel."], ["Isso acontecendo, entretanto, sai-se da psicoterapia m\u00e9dica e- inter- v\u00e9m-se nas dificuldades que afetam os indiv\u00edduos sadios, na medida em que \u00e9 poss\u00edvel dar-lhes a assist\u00eancia; da\u00ed ser indispens\u00e1vel esclarecer, afi- nal, o significado ou o sentido dessa interven\u00e7\u00e3o. H\u00e1 um dito que mostra a avers\u00e3o atual de todo indiv\u00edduo sadio a\u00a1 qualquer tratamento; dito empre- gado quando se quer ajudar a algu\u00e9m que se recusa: \u201cSe ele tivesse sequer um sintoma (isto \u00e9, manifesta\u00e7\u00e3o neur\u00f3tica) pelo qual se pudesse trat\u00e1-lo em geral!"], ["Seria um risco para a clareza psicoterap\u00eautica, se se viesse a. estabele-"], ["cer a necessidade b\u00e1sica da psicoterapia para todos os seres, humanos, deixando ela de constituir apenas uma solu\u00e7\u00e3o, ou sa\u00edda, em 'caso de an- g\u00fastia: a ang\u00fastia que a psicoterapia envolve seriai comum a todos os ho- mens. Semelhante concep\u00e7\u00e3o levaria ao descomedimento, porque o ser humano se assiste a si mesmo na comunica\u00e7\u00e3o com o pr\u00f3ximo, com os entes mais queridos, dentro do- contexto de seus conte\u00fados m\u00edsticos, tais quais o mundo lhe oferece. S\u00f3 na ang\u00fastia \u2014 por exemplo, quando lhe falta a comunica\u00e7\u00e3o aut\u00eantica, quando rompe com o perimundo, quando perde toda a f\u00e9 dentro de um mundo esvaziado \u2014 s\u00f3 nessa ang\u00fastia \u00e9 que resolve voltar-se para um estranho, pagando-lhe honor\u00e1rios, revelando-se- lhe de um modo que lhe viola o recato, este s\u00f3 se suspendendo por for\u00e7a da situa\u00e7\u00e3o angustiante. Ainda n\u00e3o se resolveu o problema da conforma- \u00e7\u00e3o segundo a qual se realizar\u00e1 a institucionaliza\u00e7\u00e3o da assist\u00eancia psico- terap\u00eautica, quando se tem em vista distinguir a psicoterapia m\u00e9dica do aconselhamento e orienta\u00e7\u00e3o\u00bb ps\u00edquicos, no sentido humano universal; ou seja, universalizar-s\u00e9-\u00e1. a psicoterapia como tratamento espiritual para to- dos? Ou se estabelecer\u00e3o limites para a psicoterapia, restringindo-a \u00e0s neuroses e? pressupondo o ju\u00edzo \u201cdoente\u201d?"], ["3. A personalidade do psicoterapeuta. Muito se requer do psicotera- peuta: sabedoria superior, bondade esclarecida, esperan\u00e7a inextingu\u00edvel deve possuir. S\u00f3 o autoesclarecimento constante de personalidades basi- camente ricas pode levar a este ideal, pelo qual se mant\u00e9m a humildade do saber quanto \u00e0s limita\u00e7\u00f5es do existir humano e \u00e0s pr\u00f3prias. Assim que a psicoterapia se institucionalizar, que assumir status por for\u00e7a de um treinamento e uma forma\u00e7\u00e3o, ter-se-\u00e1 de indagar o que fazer e de criar oportunidades para a atua\u00e7\u00e3o de personalidades eminentes. A forma\u00e7\u00e3o, a sele\u00e7\u00e3o, o controle h\u00e3o de criar restri\u00e7\u00f5es; ao menos, para eliminar os in- capazes. Isso \u00e9 tanto mais necess\u00e1rio quanto indiv\u00edduos transtornados, neur\u00f3ticos, curiosos, podem invadir essa profiss\u00e3o que ainda se est\u00e1 for- mando, que ainda n\u00e3o se acha consolidada por tradi\u00e7\u00e3o s\u00f3lida alguma. aa) Estabelecimento do padr\u00e3o. Se \u00e9 que h\u00e1 futuro para a psicoterapia, contemplar-se-\u00e1 de que maneira ela se realiza ao m\u00e1ximo segundo figuras humanas representativas. A personalidade desempenha papel central na psicoterapia, papel de uma especificidade que a distingue de outras ativi- dades. Mas n\u00e3o existe ainda o modelo pessoal; e mesmo este teria suas defici\u00eancias e limita\u00e7\u00f5es, peculiares; nunca seria de imitar-se, podendo, sim, constituir orienta\u00e7\u00e3o e origem de est\u00edmulo para os psicoterapeutas que se lhe seguissem. Porque falta, ent\u00e3o, o modelo pessoal como exemplo", "p\u00fablico, modelo cuja vida inteira se possa acompanhar, tem-se de discutir em abstrato o que \u00e9 que se h\u00e1 de exigir. Tratamos disso nos par\u00e1grafos acima; agora, destacaremos, exemplificativamente, alguns requisitos espi- rituais e \u00e9ticos."], ["Contra o sectarismo. A psicoterapia precisa fundar-se na f\u00e9, mas ela mesma n\u00e3o a cria. Este o motivo por que o psicoterapeuta h\u00e1 de ser t\u00e3o sincero que, em primeiro lugar, resista ao pendor \u2014 quase inevit\u00e1vel, con- forme ensina a experi\u00eancia \u2014 de formar com base na psicoterapia uma te- oria filos\u00f3fica e constituir comunidades sect\u00e1rias a partir do c\u00edrculo de psi- coterapeuta, disc\u00edpulos e pacientes."], ["De certa feita, perguntei ao m\u00e9dico que tratava de uma hist\u00e9rica, se n\u00e3o convinha chamar um psicoterapeuta; e ele me respondeu: \u201cN\u00e3o, mi- nha paciente \u00e9 uma crist\u00e3 praticante\u201d. Esta alternativa n\u00e3o vale, certa- mente, de maneira t\u00e3o absoluta, mas vale em rela\u00e7\u00e3o a tudo quanto tem caracter\u00edstica filos\u00f3fica nos escritos psicoterap\u00eauticos. A psicoterapia que se torna sect\u00e1ria n\u00e3o pode vir a constituir qualquer- tratamento publica- mente institucional: configurar-se-\u00e1, durante certo' tempo, nalguns c\u00edrcu- los privados, mas se desvanecer\u00e1, a menos que certo psicoterapeuta se torne fundador triunfante de nova religi\u00e3o. S\u00f3 um padr\u00e3o subsiste que se possa opor \u00e0 forma\u00e7\u00e3o de seitas, ao agrupamento em redor de mestres ve- nerados com exclus\u00e3o de quaisquer outros, \u00e0s tend\u00eancias psicoterap\u00eauti- cas m\u00edsticas; e este padr\u00e3o- \u00e9 o seguinte: clareza quanto \u00e0 seculariza\u00e7\u00e3o da cren\u00e7a que vigora, em geral, a certo tempo; reconhecimento das gran- des tradi\u00e7\u00f5es religiosas, na medida em que ainda sobrevivem; cultivo den- tro de si mesmo de uma atitude filos\u00f3fica b\u00e1sica, que servir\u00e1 para adquirir conhecimento em geral, vis\u00e3o do mundo e capacidade; clareza quanto ao fato de essa atitude dever visar \u00e0 autocria\u00e7\u00e3o em cada psicoterapeuta indi- vidual. O psicoterapeuta tem de ser um homem que confie em si mesmo."], ["Contra o desprezo dos homens. \u00c9 bem poss\u00edvel que o tipo de suas ex-", "peri\u00eancias e a necessidade de certas, medidas levem o psicoterapeuta a desprezar os outros homens, passando, ent\u00e3o, a sentir-se tal qual um do- mador de feras, que hipnotiza os pacientes e exercita os relutantes. Pode haver duas situa\u00e7\u00f5es: de um lado, os neur\u00f3ticos cuja doen\u00e7a se configura de modo a compor a nobreza de um homem e cujo desejo de tratar-se \u00e9 puro e decente, porque n\u00e3o visa a, fins ocultos (possibilita que se amem os neur\u00f3ticos nos quais se manifesta um existir humano profundo) ; doutro lado, os neur\u00f3ticos que n\u00e3o se tornam eles mesmos, que se mant\u00eam medi- ante uma mentira vital, que n\u00e3o conhecem realidades nem valores, mas os usam e abusam com vistas a obter outras coisas (podem inspirar avers\u00e3o"], ["pelo ser humano, em casos extremos). O psicoterapeuta s\u00f3 pode salvar-se do desprezo pelo homem mediante sua atitude b\u00e1sica de disposi\u00e7\u00e3o a aju- dar os outros indiv\u00edduos como seres humanos; serve-lhe a consci\u00eancia das fraquezas e descarrilamentos pr\u00f3prios, das pr\u00f3prias falhas que tem sem- pre presentes \u00e0 mem\u00f3ria; sem excluir, no entanto, o conhecimento das possibilidades de \u00eaxito, das probabilidades origin\u00e1rias que salvam e liber- tam. Quem escolhe a profiss\u00e3o de psicoterapeuta h\u00e1 de saber quanto s\u00e3o dif\u00edceis as experi\u00eancias a enfrentar; h\u00e1 de estar certo de seu amor pela hu- manidade."], ["Contra a unilateralidade alienadora do tratamento. Existe risco de o m\u00e9dico ver no cliente de quem est\u00e1 tratando alguma coisa diversa do que ele mesmo \u00e9; de trabalhar nele como se fosse um objeto da natureza com o qual nada tem a ver. Mas o homem s\u00f3 pode ajudar com o que possui den- tro de si quando se encontra a si mesmo, psiquicamente, no outro. Por isto, o psicoterapeuta ter\u00e1 de fazer-se a .si mesmo objeto de sua psicolo- gia; na mesma extens\u00e3o e na mesma profundidade, pelo menos, em que as requer do paciente.", "bb) Admiss\u00e3o \u00e0 forma\u00e7\u00e3o. Tendo em vista a dificuldade da profiss\u00e3o e o"], ["n\u00edvel dos requisitos pessoais, conv\u00e9m que o acesso \u00e0 psicoterapia se su- jeite a condi\u00e7\u00f5es t\u00e3o rigorosas de ensino, experi\u00eancia existencial, valida\u00e7\u00e3o pr\u00e1tica quanto \u00e0quelas a que se subordina o exerc\u00edcio da profiss\u00e3o m\u00e9- dica, da qual a psicoterapia em geral n\u00e3o dever\u00e1 separar-se. Para realizar a tarefa de ajudar a quem sofre psiquicamente, n\u00e3o pode manter-se, toda- via, o requisito da forma\u00e7\u00e3o m\u00e9dica como base \u00fanica poss\u00edvel. Todas as profiss\u00f5es que promovam trabalho intelectual e autodisciplina intensa, ex- peri\u00eancia vital e simpatia humana, podem valer como fundamento; mas s\u00f3 indiv\u00edduos amadurecidos podem ocupar-se com a psicoterapia. Que o tra- tamento som\u00e1tico das neuroses compete aos m\u00e9dicos \u00e9 fato t\u00e3o certo quanto aquele de que eles podem pedir ajuda a indiv\u00edduos n\u00e3o-m\u00e9dicos; e de que, com a amplia\u00e7\u00e3o da psicoterapia a pessoas sadias, tamb\u00e9m os in- div\u00edduos sem forma\u00e7\u00e3o m\u00e9dica poder\u00e3o granjear import\u00e2ncia crescente."], ["cc) A forma\u00e7\u00e3o. Parece essencial indagar sobre que tradi\u00e7\u00e3o espiritual se h\u00e1 de basear um estudo psicoterap\u00eautico, al\u00e9m da experi\u00eancia pr\u00e1tica a adquirir de maneira imediata. \u00c9 prov\u00e1vel que a psicoterapia s\u00f3 venha a al- can\u00e7ar o plano que lhe cabe quando voltar \u00e0s fontes profundas do conhe- cimento do homem, al\u00e9m de abastecer-se nos psicoterapeutas do meio-s\u00e9- culo passado, os quais, de modo geral, se restringiram \u00e0s neuroses e pouco m\u00e9rito filos\u00f3fico tiveram: a imagem do homem \u00e9 de formar-se em", "antropologia que se alimente na filosofia grega, em Santo Agostinho, Kier- kegaard, Kant, Hegel e Nietzsche. Ainda n\u00e3o se firmou, at\u00e9 hoje, padr\u00e3o intelectual e psicol\u00f3gico; oscila ainda extraordinariamente o n\u00edvel. S\u00e3o os maiores dentre os homens que podem determinar a imagem do homem e cunhar a modalidade segundo a qual se fale em alma; s\u00e3o eles que t\u00eam de ensinar e usar os conceitos com que o indiv\u00edduo possa esclarecer-se a si mesmo."], ["dd) Controle. Qualquer organiza\u00e7\u00e3o ou institui\u00e7\u00e3o pode, quando muito, exercer controle externo, para impedir que os psicoterapeutas se extraviem e, ulteriormente, exclui aqueles que n\u00e3o servem.", "1. Dando oportunidades, a institucionaliza\u00e7\u00e3o opor-se-\u00e1 ao nivela- mento de conven\u00e7\u00f5es rec\u00edprocas e \u00e0 dissipa\u00e7\u00e3o dos esfor\u00e7os individuais esparsos. Deve-se facilitar a solid\u00e3o circunspecta de que resulta a quali- dade, deixando espa\u00e7o o mais livre poss\u00edvel \u00e0 iniciativa individual; a vali- da\u00e7\u00e3o resultar\u00e1 da porfia sensata entre os psicoterapeutas, os quais de- vem verificar aquilo que fazem (na medida em que \u00e9 verific\u00e1vel); devem conversar entre si, explicar-se pela discuss\u00e3o, submeter-se \u00e0 cr\u00edtica de seus trabalhos e esquemas cient\u00edficos e exerc\u00ea-la sem restri\u00e7\u00e3o.", "2. A intimidade da psicoterapia acarreta riscos espec\u00edficos que nin- gu\u00e9m v\u00ea mais claros do que o pr\u00f3prio psicoterapeuta. Rumores mal\u00e9volos ocasionais podem, uma vez comprovados, revelar deslises individuais; mas bastar\u00e3o para testar o requisito seguinte: \u00e0quele que, uma vez sequer, no contexto de sua pr\u00e1tica psicoterap\u00eautica, tiver com\u00e9rcio sexual com qual- quer paciente j\u00e1 n\u00e3o ser\u00e1 l\u00edcito praticar a psicoterapia. Outro requisito poderia fazer-se: Aquele que, homem ou mulher, faz psicoterapia com pessoas do outro sexo deveria ser casado: o que talvez seja poss\u00edvel ao sacerdote cat\u00f3lico pela autoridade de uma transcend\u00eancia m\u00edstica nem sempre \u00e9 de esperar-se, em m\u00e9dia, dos psicoterapeutas secu- lares. Semelhante requisito parece pretender resolver o problema de ma- neira demasiado simples, pois o casamento n\u00e3o garante a moral; e o celi- bat\u00e1rio pode ser irrepreens\u00edvel. O n\u00edvel ps\u00edquico que se h\u00e1 de exigir do psi- coterapeuta n\u00e3o se pode considerar decisivo pelo fato de ele ser casado, se bem que o matrim\u00f4nio talvez o estimule.", "O problema que, a esta altura, defrontamos mais se toca do que se dis-"], ["cute na teoria psicoterap\u00eautica da \u201ctransfer\u00eancia\u201d. A pessoa do psicotera- peuta n\u00e3o pode deixar, em absoluto, de assumir fun\u00e7\u00e3o decisiva em rela- \u00e7\u00e3o ao paciente, dentro do processo ps\u00edquico. Sua tarefa consiste em asso- ciar essa fun\u00e7\u00e3o pessoal a uma dist\u00e2ncia inabal\u00e1vel; consiste em manter a"], ["objetividade e a exclus\u00e3o da pessoa privada do psicoterapeuta dentro da indiscri\u00e7\u00e3o peculiar e inevit\u00e1vel do esclarecimento psicol\u00f3gico profundo. O que h\u00e1 de atuar pessoalmente \u00e9 uma impessoalidade. Mesmo o contato social do psicoterapeuta com o paciente \u00e9 prejudicial; o relacionamento entre ambos, para realizar-se limpidamente, limitar-se-\u00e1 ao trato psicote- rap\u00eautico; e os riscos s\u00e3o evidentes, se n\u00e3o se conseguir tal distancia- mento. Tudo se perde assim que a venera\u00e7\u00e3o pelo portador da orienta\u00e7\u00e3o espiritual salvadora se contamina com elementos de desejo er\u00f3tico ou atra\u00e7\u00e3o particular m\u00fatua. Se jamais, surgir uma teoria segundo a qual a uni\u00e3o carnal da mulher com o psicoterapeuta, este encarregando-se de sa- tisfaz\u00ea-la, constitua a alavanca para a cura (em termos corriqueiros: cons- titua a transfer\u00eancia mais eficaz e a respectiva solu\u00e7\u00e3o), nesse caso a psi- coterapia se transformar\u00e1 no mais requintado expediente de sedu\u00e7\u00e3o. O estudo hist\u00f3rico das seitas gn\u00f3sticas mostra as transforma\u00e7\u00e3o infinitas que sofre o papel do psicoterapeuta como m\u00e9dico, salvador ou amante."], ["AP\u00caNDICE"], ["Discutidos que foram, sistematicamente, os pontos de vista sob \u00abos", "quais se conhecem as anormalidades da vida ps\u00edquica, procuraremos ainda formar, em ap\u00eandice, brev\u00edssima vis\u00e3o de coisas pr\u00e1ticas e hist\u00f3ri- cas. Falaremos do exame dos doentes, do tratamento respectivo, do prog- n\u00f3stico; feito o que, daremos uma vista \u00bf\u2019olhos ao passado da ci\u00eancia psi- copatol\u00f3gica."], ["\u00a7 1. Do Exame dos Doentes", "a) Generalidades. Quando se examinam doentes, t\u00eam-se de combinar", "coisas opostas: de um lado, entregar-se \u00e0 individualidade do paciente e deix\u00e1-lo que a exprima verbalmente tal qual \u00e9; de outro lado, examinar com base em pontos de vista firmes e visando a alvos definidos. Se se des- cuidar isto, mergulhar-se-\u00e1 num caos de particularidades; se se descuidar aquilo, encaixar-se-\u00e3o os casos m\u00f3rbidos individuais nos poucos quadros petrificados que se aprenderam, j\u00e1 n\u00e3o se ver\u00e1 nada de novo, for\u00e7ar-se-\u00e3o as situa\u00e7\u00f5es. O ideal para quem pesquisa \u00e9 riqueza de pontos de vista fir- mes, sem deixar de saber adaptar-se ao caso individual."], ["Da\u00ed resulta que quem examina n\u00e3o pode estar preso a question\u00e1rios pr\u00e9-fabricados que apenas se executam, conquanto para certos objetivos umas tantas perguntas fixas facilitem o exame. Os question\u00e1rios s\u00e3o re- cursos para o principiante que precisa escrever hist\u00f3rias cl\u00ednicas sem dis- por de conhecimentos gerais suficientes; tamb\u00e9m servem como refer\u00eancias mn\u00eamicas. O que h\u00e1, por\u00e9m, de melhor e mais importante para o m\u00e9dico \u00e9 o est\u00edmulo que o doente presente e seus sintomas exercem sobre ele. O m\u00e9dico tem de variar suas perguntas. Aquilo que se v\u00ea num indiv\u00edduo, o que at\u00e9 o momento se notou, ao acaso ou propositadamente, a situa\u00e7\u00e3o\u00ab cm que \u00f2 paciente se acha, seu estado de consci\u00eancia e outras coisas exi- gem, at\u00e9 certo grau, que, examinando o paciente, se recriem as perguntas apropriadas. Da\u00ed n\u00e3o se dever abordar o doente com esquemas pr\u00e9-fabri- cados de perguntas; e, sim, saber, apenas, sobre que particularidades ca- ber\u00e1, de um modo ou doutro, esclarecer-se, que pontos de vista se h\u00e3o de considerar, quando se faz o exame. \u00c9 o que nos ensinam toda a psicopato- logia geral e, sobretudo, a an\u00e1lise de tipos m\u00f3rbidos individuais na psiqui- atria especial. As perguntas s\u00f3 s\u00e3o boas quando se tem riqueza de conhe- cimentos gerais; os esquemas conceituais e o arcabou\u00e7o de nosso saber conceituai s\u00e3o verdadeiros \u00f3rg\u00e3os sensoriais que orientam o nosso interro- gat\u00f3rio. Se, por um lado, a varia\u00e7\u00e3o do exame individual \u00e9 uma arte e,"], ["pois, de recriar-se para cada caso, de outro lado se estabelecer\u00e1 que a co- munica\u00e7\u00e3o daquilo que se encontra, caso tenha validez, \u00e9 ci\u00eancia, reque- rendo conceitos firmes, a se usarem constantemente. Por conseguinte, \u00e9 erro grave formar ad hoc, para cada caso, conceitos psicopatol\u00f3gicos pr\u00f3- prios, sem nitidez natural, a se esquecerem logo no caso seguinte. Criador, sempre mudando no exame de um indiv\u00edduo para outro, o psicopatolo- gista h\u00e1 de aderir, contudo, quando comunica aquilo que encontrou, a conceitos s\u00f3lidos, s\u00f3 estabelecendo novos com prud\u00eancia e disposto a que perdurem."], ["b) Os m\u00e9todos de exame. O primeiro e sempre o mais importante m\u00e9- todo de exame \u00e9 a conversa com o doente, que se realiza de maneira muito variada. A capacidade de conduzi-la sistematicamente, adaptando-a, de maneira sempre nova, ao caso individual, \u00e9 um dos requisitos do psiquia- tra habilidoso. S\u00f3 sabe perguntar bem aquele que exclui sua atitude pr\u00f3- pria n\u00e3o s\u00f3 na express\u00e3o verbal, mas tamb\u00e9m em todo seu comporta- mento. Aquele que pretende \u201cconservar\u201d sua \u201cposi\u00e7\u00e3o\u201d, sua autoridade \u201cm\u00e9dica\u201d; aquele que usa os gestos do saber superior quase nunca obt\u00e9m a necess\u00e1ria simpatia. \u00c9 preciso ter personalidade bastante para poder en- tregar-se completamente e colaborar, de certo modo, com o paciente. \u00c9 preciso saber renunciar ao \u201cponto de vista\u201d pr\u00f3prio, tanto ao falar como em todo o comportar-se, em toda a atitude. Se se quiser fazer bom interro- gat\u00f3rio, tamb\u00e9m se deve dizer o menos poss\u00edvel, deixando que o doente fale. Enquanto se conversa, d\u00e1-se aten\u00e7\u00e3o \u00e0 conduta e aos gestos do paci- ente: \u00e0s muitas manifesta\u00e7\u00f5es expressivas, ao tom da voz, a um sorriso, a um olhar, a tudo quanto, inconscientemente, vem a formar nossa impres- s\u00e3o. Utiliza-se a primeira impress\u00e3o que se teve no encontro com o indiv\u00ed- duo, alguma coisa que nunca mais se repetir\u00e1, alguma coisa que \u00e9 repen- tina, \u00fanica; que, \u00e0s vezes, nos d\u00e1 uma sensa\u00e7\u00e3o s\u00f3 mais tarde confirmada. A psican\u00e1lise procura enriquecer os resultados pelo relato de sonhos e pela livre-associa\u00e7\u00e3o, observando-se todas- as manifesta\u00e7\u00f5es expressivas simult\u00e2neas."], ["O trato com indiv\u00edduos mentalmente anormais tem de ser aprendido.", "Ao come\u00e7ar um exame, o m\u00e9dico evitar\u00e1 tudo quanto- possa inspirar aver- s\u00e3o ou repulsa ao paciente. Usar-se-\u00e1 de amabilidade neutra, ouvir-se-\u00e1 com aten\u00e7\u00e3o, ajudar-se-\u00e1 o paciente nalguns cursos de ideias e julgamen- tos, sem deixar que interfiram opini\u00f5es pr\u00f3prias; n\u00e3o se rejeitar\u00e1 como sem import\u00e2ncia coisa alguma que o doente considere relevante. Os valo- res que o m\u00e9dico- possuir ser\u00e3o inteiramente postos de lado."], ["Al\u00e9m dos m\u00e9todos da conversa simples, que t\u00eam o mais alto- signifi- cado, assumem import\u00e2ncia especial diversos meios auxiliares. Procura-se formar material objetivo pela anamnese dos familiares e do ambiente; tam- b\u00e9m se procura obter biografia confi\u00e1vel com base em documentos de toda sorte e testemunhos. \u00ca ainda muito valioso; \u00e0s vezes, o exame de cartas, autobiografias e outros- produtos dos doentes. Se estes t\u00eam disposi\u00e7\u00e3o e capacidade, pede-se-lhes que descrevam por escrito suas viv\u00eancias psic\u00f3ti- cas. Para complementar os resultados da conversa, serve o teste de inteli- g\u00eancia segundo determinado esquema: descri\u00e7\u00e3o de figuras, repeti\u00e7\u00e3o' de pequenas hist\u00f3rias etc. Em casos raros, aplicam-se experi\u00eancias psicol\u00f3gi- cas verdadeiras. O exame f\u00edsico \u00e9, naturalmente, necess\u00e1rio em todos os casos, embora seja raro levar a resultados essenciais para o julgamento da doen\u00e7a ps\u00edquica; por exemplo, quando h\u00e1 dist\u00farbios cerebrais org\u00e2nicos ou psicoses sintom\u00e1ticas."], ["c) Os objetivos do exame. Mediante dados objetivos e, bem assim, narrativas dos pacientes, procuramos formar biografia completa do ho- mem total, com refer\u00eancias ps\u00edquicas, sociol\u00f3gicas, som\u00e1ticas; tamb\u00e9m procuramos obter conhecimentos dos conte\u00fados de seu psiquismo. Sem levar o doente a que se auto-observe, sem faz\u00ea-lo, em geral, pensar em si nem em sua psique, esfor\u00e7amo-nos por que a conversa se oriente de tal modo que se fiquem sabendo suas ideias, seus conceitos, suas convic\u00e7\u00f5es, suas maneiras de ver a situa\u00e7\u00e3o relativamente ao meio em que vive. Sem- pre se busca, aquilo que \u00e9 essencial sob qualquer aspecto psicopatol\u00f3gico; por exemplo, aquilo que indica persegui\u00e7\u00e3o, preju\u00edzo. Todo pormenor que talvez pare\u00e7a insignificante ao doente e que este s\u00f3 produz acessoriamente pode vir a ser, uma vez ou. outra, ponto de partida para a inquiri\u00e7\u00e3o cor- reta."], ["A biografia e os conte\u00fados s\u00e3o o que o principiante costuma investigar espontaneamente. Sabemos que ainda nos falta, talvez, a metade mais im- portante do exame. Para conseguir clareza fenomenol\u00f3gica, temos de ori- entar os pacientes, na medida em que sejam capazes, para a forma de suas viv\u00eancias ps\u00edquicas; conduzi-los \u00e0 auto-observa\u00e7\u00e3o, a fim de saber al- guma coisa sobre as modalidades subjetivas de suas' viv\u00eancias, n\u00e3o ape- nas sobre os conte\u00fados destas. Estimula-se o doente a confrontar estados vivencia- dos diversos. Utilizamos o ju\u00edzo psicol\u00f3gico dos pacientes, que s\u00e3o, a esta altura, os verdadeiros observadores; assim se obt\u00eam dados, por exemplo, sobre alucina\u00e7\u00f5es, viv\u00eancias delirantes, anomalias da consci\u00ean- cia da personalidade etc.", "S\u00f3 se atingem todos os objetivos at\u00e9 o momento descritos quando os"], ["pacientes se acham relativamente l\u00facidos; eles t\u00eam de querer informar e t\u00eam de poder fixar-se. Se a lucidez n\u00e3o for completa, defrontar-nos-\u00e1, \u00e9 claro, a tarefa que temos de cumprir, seja qual for o caso, em todo exame: a descri\u00e7\u00e3o e a an\u00e1lise do estado moment\u00e2neo, do quadro de estado. O es- tado de consci\u00eancia, a aten\u00e7\u00e3o, o curso das ideias etc., tudo isso procura- remos estabelecer por meio de perguntas adequadas, recursos experimen- tais (por exemplo, mostrando figuras)1. N\u00e3o ser\u00e3o raras as vezes em que tenhamos de contentar-nos com o registro das manifesta\u00e7\u00f5es espont\u00e2neas dos pacientes e com a descri\u00e7\u00e3o do respectivo comportamento, quando n\u00e3o logramos formar, em caso de psicoses agudas, um relacionamento propriamente dito com o enfermo.", "d) Pontos de vista sob os quais se aju\u00edzam os resultados do exame."], ["Sempre indagamos se os dados fornecidos pelos doentes s\u00e3o corretos, se s\u00e3o confi\u00e1veis. \u00c9 frequente constatar serem falsos os dados que obtemos. A desonestidade intencional, as deforma\u00e7\u00f5es despercebidas da mem\u00f3ria, os recalques inadvertidos desempenham papel destacado, de maneira que, sempre que poss\u00edvel, devemos controlar objetivamente os dados. Os ele- mentos fenomenol\u00f3gicos sofrem com a incapacidade psicol\u00f3gica dos paci- entes, com o escasso interesse que mostram; da\u00ed termos de renunciar, na maioria dos casos, ao esclarecimento completo. A simula\u00e7\u00e3o de doen\u00e7a mental \u00e9 rara. Pelo contr\u00e1rio, os componentes simulat\u00f3rios influem, sobre- tudo, nas psicoses hist\u00e9ricas (por exemplo, nalgumas psicoses carcer\u00e1rias reativas); componentes que desaparecem com a evolu\u00e7\u00e3o da psicose. Mais frequente \u00e9 a dissimula\u00e7\u00e3o, o oculta- mento de sintomas m\u00f3rbidos: o pa- ranoico cr\u00f4nico protege seu sistema delirante, porque sabe que todos o consideram m\u00f3rbido; o melanc\u00f3lico esconde o desespero profundo sob apar\u00eancia quieta, sorridente, a fim de parecer curado e conseguir ocasi\u00e3o para o suic\u00eddio."], ["Quando se examina o doente, as perguntas sugestivas desempenham", "papel especial. S\u00e3o as perguntas cujo conte\u00fado j\u00e1 encerra o que se quer saber; perguntas, a que s\u00f3 se precisa responder \u201csim\u201d ou \u201cn\u00e3o\u201d (por exem- plo: \u201c\u00c0s vezes, quando acorda, tem impress\u00e3o de que foi despertado por al- gu\u00e9m?\u201d). Em sentido mais estrito, s\u00e3o perguntas nas quais j\u00e1 se sugere a resposta \u201csim\u201d ou \u201cn\u00e3o\u201d (por exemplo: \u201cTem dores de cabe\u00e7a?\u201d). T\u00eam-se proibido, formalmente, perguntas desta ordem. O que se tem aconselhado \u00e9 fazer apenas perguntas de ordem geral: Como \u00e9 que o doente se sente, que foi que vivenciou, como foi, o que aconteceu depois; de cada vez que o paciente d\u00ea alguma coisa positiva, \u00e9 s\u00f3 usando essas perguntas de ordem"], ["geral que se deve estimul\u00e1-lo a que conte mais. Este \u00e9, certamente, em nu- merosos casos, o \u00fanico meio de exame cujos resultados se comprovem; n\u00e3o em todos os casos, por\u00e9m. Tal qual acontece em muitas outras situa- \u00e7\u00f5es, o correto, nesta, n\u00e3o est\u00e1 em evitar um instrumento perigoso, e sim em utiliz\u00e1-lo de acordo com o fim visado. Tem-se de saber utiliz\u00e1-lo, quando se fazem perguntas sugestivas, e t\u00eam-se de avaliar as respostas criticamente. Todavia, quem quiser examinar sem perguntas sugestivas fi- car\u00e1 sabendo muito menos. Abstra\u00eddo o caso em que se pretende investi- gar diretamente a sugestionabilidade, \u00e9 poss\u00edvel, em muitos casos (por exemplo, com esquizofr\u00eanicos), indagar tranquilamente dos diversos fen\u00f4- menos que ocorrem nas alucina\u00e7\u00f5es, do estado de consci\u00eancia em geral, dos sentimentos etc., sem precisar recear respostas sugeridas. Muitos do- entes n\u00e3o s\u00e3o simplesmente sugestion\u00e1veis; e conforme o grau de sugesti- onabilidade se h\u00e1 de usar de mais ou menos prud\u00eancia. \u00c9 claro que com indiv\u00edduos pronunciadamente sugestion\u00e1veis, sobretudo os hist\u00e9ricos, se evitar\u00e3o quase por completo as perguntas sugestivas."], ["Ao final do. exame e valorando todos os resultados, procura-se chegar ao diagn\u00f3stico de um grupo nosol\u00f3gico particular. S\u00f3 a psiquiatria especial poder\u00e1 ensinar quais s\u00e3o aqui os numerosos elementos a considerar. Cita- remos, exemplificativamente, um ponto geral, que desempenha papel quando se diagnosticam processos incur\u00e1veis e que, sobretudo, diz res- peito \u00e0 t\u00e9cnica do exame.", "Deixa-se que os doentes contem detalhadamente suas vicissitudes e vi-"], ["v\u00eancias, inquirem-se pontos obscuros, assim percorrendo a vida e, sobre- tudo, os anos que fazem suspeitar de uma doen\u00e7a em incep\u00e7\u00e3o. Partici- pando interna e compreensivamente, notam-se conex\u00f5es sem nitidez, que v\u00eam, afinal, a fazer-se incompreens\u00edveis. Anotam-se, confrontam-se umas com as, outras, tornam-se- compreens\u00edveis, mais adiante, ou acumulam- se e acabam coincidindo a certas alturas. Ter-se-\u00e1, ent\u00e3o, encontrado a caracter\u00edstica mais v\u00edvida e mais not\u00e1vel da doen\u00e7a mental propriamente dita; caracter\u00edstica que n\u00e3o se exibe em sintoma claro, mas que se apre- ende a posteriori, de maneira impressionante, formando lacuna sens\u00edvel do entendimento. Mesmo que dessa \u201cviv\u00eancia da incompreensibilidade\u201d j\u00e1 resulte relativa seguran\u00e7a subjetiva de um \u201cprocesso\u201d, procurar-se-\u00e3o sin- tomas elementares individuais que confirmem e comprovem; achar-se-\u00e3o em quase todos os casos. Os. \u201cprocessos silenciosos\u201d, os processos assin- tom\u00e1ticos nunca permitem, seguran\u00e7a de diagn\u00f3stico correto."], ["Com base no exame, escrever-se-\u00e1 a hist\u00f3ria cl\u00ednica. Quanto ao modo"], ["por que escrev\u00ea-la, variam muito as opini\u00f5es. O requisito geral \u00e9 que se- jam objetivas. N\u00e3o se formular\u00e3o ju\u00edzos e conclus\u00f5es vazias, nem catego- rias esquem\u00e1ticas, mas se reproduzir\u00e3o os fatos de maneira v\u00edvida e con- creta. D\u00e1-se, entretanto, que qualquer descri\u00e7\u00e3o de certo indiv\u00edduo, para ser completa, constituir\u00e1 tarefa infind\u00e1vel e, pois, insol\u00favel; da\u00ed ter-se de fazer sele\u00e7\u00e3o quando se descreve. Uma boa hist\u00f3ria cl\u00ednica que se oriente pela sele\u00e7\u00e3o correta nos fornece o caso individual concreto, no-lo esclarece multilateralmente; as hist\u00f3rias cl\u00ednicas mal feitas obrigam-nos, antes de mais nada, a abstrair coisas dispens\u00e1veis, sup\u00e9rfluas, indiferentes, a eli- minar o refugo das observa\u00e7\u00f5es irrelevantes, a fim de formar a custo, com o resto, qualquer quadro. Ora, a sele\u00e7\u00e3o, embora dependendo, em grande parte, da arte pessoal, \u00e9 favorecida pelo estudo consciente dos pontos de vista psicopatol\u00f3gicos, uma vez que os m\u00e9dicos partilhem os mesmos con- ceitos. Quanto mais claros os pontos de vista, mais ser\u00e1 multilateral a his- t\u00f3ria - cl\u00ednica, ao passo que, obscuros aqueles, ser\u00e1 f\u00e1cil o psiquiatra afundar em suas descri\u00e7\u00f5es e exposi\u00e7\u00f5es, vindo, afinal, a escrever hist\u00f3- rias cl\u00ednicas infind\u00e1veis, talvez menosprezando o que houver de mais es- sencial, sob o aspecto psicopatol\u00f3gico. Uma boa hist\u00f3ria cl\u00ednica h\u00e1 de ser sempre longa, mas uma longa hist\u00f3ria nem sempre \u00e9 boa. Al\u00e9m da pr\u00e1- tica, s\u00f3 h\u00e1 um meio de aprender a escrever hist\u00f3rias cl\u00ednicas: o estudo multilateral da psicopatologia cient\u00edfica. O psicopatologista mostra o que \u00e9 na hist\u00f3ria que redige. O que sabe, o que apreende, a forma por que reage, o que inquire n\u00e3o lhe caracteriza s\u00f3 o entendimento, mas a pr\u00f3pria \u00edndole."], ["\u00a7 2. Das Tarefas Psicoterap\u00eauticas"], ["O objetivo do trabalho cient\u00edfico \u00e9, al\u00e9m de satisfazer a necessidade de conhecimento, a aplica\u00e7\u00e3o pr\u00e1tica dos resultados \u00e0 melhoria dos recursos com que alcan\u00e7ar nossas finalidades vitais. Da\u00ed se origina o impacto vio- lento das ci\u00eancias naturais, impacto que n\u00e3o deriva tanto do aprofunda- mento conceituai, nem do acr\u00e9scimo de nosso conhecimento quanto da import\u00e2ncia que t\u00eam seus resultados para podermos dominar a causali- dade natural, quando visamos a objetivos pr\u00e1ticos; seria bom conseguir coisa id\u00eantica com os estudos psicol\u00f3gicos e psicopatol\u00f3gicos. Na reali- dade, por\u00e9m, pouco \u00e9 o que fazemos em confronto com as ci\u00eancias natu- rais. Conquanto os conhecimentos psicopatol\u00f3gicos constituam, real- mente, um dos pr\u00e9-requisitos da terapia psiqui\u00e1trica, n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 e preponde- rantemente que esta, para fins did\u00e1ticos, deriva de tais conhecimentos; mas \u00e9, antes, uma parte que se serve da ci\u00eancia como meio. A arte pode, sim, ser desenvolvida e enriquecida; pode transmitir-se pelo contato pes- soal; mas quanto a seus recursos t\u00e9cnicos \u00e9 s\u00f3 em extens\u00e3o restrita que se"], ["pode apreender e aplicar identicamente.", "Do \u00eaxito de uma terapia \u00e9 de concluir-se que ela pr\u00f3pria realizou o efeito desejado; e, mais ainda: do efeito terap\u00eautico se inferir\u00e1 o tipo da do- en\u00e7a. Infelizmente, por\u00e9m, ambas as conclus\u00f5es s\u00e3o ilus\u00f3rias.", "Ensina a experi\u00eancia que quase todos os recursos ajudam, durante certo tempo, num sentido ou noutro. Aplica-se, em geral, o que Gruhle es- tabelece, no tocante ao \u00eaxito curativo da trepana\u00e7\u00e3o na epilepsia essencial, quando v\u00ea serem t\u00e3o frequentes os resultados fatais quanto os favor\u00e1veis:"], ["\u201cQuando se abre o cr\u00e2nio, muitos epil\u00e9ticos reagem bem, isto \u00e9, ra- reiam os ataques e tamb\u00e9m melhora a vitalidade ps\u00edquica geral, que \u00e9, muitas vezes, baix\u00edssima. Mas foi a impaci\u00eancia de certos operadores am- biciosos que deu publicidade por demais precipitada a essas experi\u00eancias. Quer dizer, dentro de algum tempo, os ataques reapareceram, na grande maioria dos casos. A mera trepana\u00e7\u00e3o \u2014 \u00e9 f\u00e1cil compreender \u2014 n\u00e3o re- move a causa, mas diminui a irritabilidade e, pois, a disposi\u00e7\u00e3o convul- siva, naqueles casos em que as oscila\u00e7\u00f5es tensionais t\u00eam efeito especial... Noutros casos, o efeito da trepana\u00e7\u00e3o \u00e9 id\u00eantico, apenas, ao de qualquer outra opera\u00e7\u00e3o; ou seja, \u00e9 frequente observar que toda opera\u00e7\u00e3o (por exemplo, de apendicite) tem efeito favor\u00e1vel sobre a evolu\u00e7\u00e3o da epilepsia. M\u00e9dicos experimentados sabem muito bem que mesmo em casos anti- gos... de quando em quando, se pode determinar al\u00edvio essencial dos pade- cimentos com qualquer interven\u00e7\u00e3o.... com dieta hiposs\u00f3dica, puramente vegetariana; com o tratamento vigoroso pela \u00e1gua fria; com uma purga\u00e7\u00e3o forte durante uns cinco dias, uma sangria pesada, uma purga\u00e7\u00e3o associ- ada a restri\u00e7\u00e3o alimentar etc.... mas s\u00f3 por breve per\u00edodo\u201d."], ["Se se indagar por que \u00e9 que quase se pode acreditar em \u00eaxitos- tera- p\u00eauticos arbitr\u00e1rios, v\u00e1rias respostas s\u00e3o poss\u00edveis: Tende-se, muitas ve- zes, a acentuar os casos favor\u00e1veis e a esquecer os insucessos. Ocorrem os efeitos quando uma doen\u00e7a, ou uma fase est\u00e1, declinando, seja qual for o caso. N\u00e3o se pode sobre estimar a propor\u00e7\u00e3o em que atua a sugest\u00e3o, mesmo que nem m\u00e9dico, nem paciente nela pensem. Al\u00e9m dos belos efei- tos terap\u00eauticos que se podem repetir e calcular, porque se lhes conhece a conex\u00e3o, h\u00e1 os- efeitos terap\u00eauticos baseados em golpes felizes, os quais logram \u00eaxito uma vez, mas n\u00e3o se podem repetir identicamente. Isso re- sulta do seguinte:", "Nem sequer a conex\u00e3o causai do evento biol\u00f3gico constitui efeito unili- near, mas, sim, ocorre em processos circulares que se intrincam, que sub-"], ["jazem a diretivas complicadas, mas que se edificam em estratos- e hierar- quias, por assim dizer. Assemelham-se-lhes as conex\u00f5es compreens\u00edveis do psiquismo, que se desenvolvem em polaridades e c\u00edrculos. Em rela\u00e7\u00e3o a esse evento que nunca se visualiza no seu todo, \u00e9 frequente comportarmo- nos, terapeuticamente, apesar de todo nosso saber, tal qual amadores em rela\u00e7\u00e3o a um aparelho que n\u00e3o entendemos, realmente: tenta-se movi- ment\u00e1-lo, nota-se um defeito, consegue-se resultado com um golpe feliz; muitas vezes, ap\u00f3s in\u00fameras manobras mal sucedidas; outras vezes, ao primeiro instante. Assim tamb\u00e9m, quando se observa o indiv\u00edduo doente, apreende-se, de s\u00fabito, uma perspectiva plena, de possibilidades, talvez fundada em qualquer conhecimento, escapando, por\u00e9m, ao c\u00e1lculo que se possa repetir exatamente. Afinal, n\u00e3o se pode dizer como foi, nem qual foi o ponto decisivo que determinou o \u00eaxito. Nem uma vez se consegue repetir a mesma coisa que j\u00e1 se fez. Observando criticamente, sente-se espanto com o sucesso obtido, porque n\u00e3o se sabe como foi que se fez. Necessaria- mente, faltam os testes controlativos. Na terapia desta ordem, todo saber \u00e9 influenciado por um instinto, que cont\u00e9m mais pressentimento do que sa- ber consciente."], ["\u00c9, pois, extremamente ilus\u00f3rio utilizar o \u00eaxito terap\u00eautico* como meio de conhecimento; sobretudo, na psicoterapia. A senten\u00e7a dos m\u00e9dicos an- tigos de que n\u00e3o se devem formar conclus\u00f5es com base em resultados feli- zes tem validez tanto maior na psicoterapia. A pesquisa exige a considera- \u00e7\u00e3o desapaixonada do insucesso tanto- quanto do sucesso; o que \u00e9 evi- dente, na certa, em toda medicina. Na psicoterapia, entretanto, \u00e9 de dese- jar uma publicidade decisivamente mais clara do insucesso. \u00c9 em demasia que se leem julgamentos aproximativos e se veem, al\u00e9m dos casos brilhan- tes, as estat\u00edsticas baseadas em categorias vagas; por exemplo, \u201cmelho- rado\u201d etc."], ["Daremos uma vista d\u2019olhos \u00e0 a\u00e7\u00e3o m\u00e9dica com base em alternativa tr\u00ed- plice: a a\u00e7\u00e3o visa ao indiv\u00edduo e sua cura (terapia propriamente dita); ou \u00e0 prole atrav\u00e9s das gera\u00e7\u00f5es (eugenia); a terapia \u00e9 ou som\u00e1tica ou ps\u00edquica; realiza-se voluntariamente (terapia consultorial, ou ambulatorial), ou em institui\u00e7\u00f5es fechadas (terapia hospitalar).", "a) Terapia e eugenia. Aquilo que o homem se toma \u00e9 condicionado por", "sua disposi\u00e7\u00e3o ou constitui\u00e7\u00e3o e por seu perimundo. O que depende do perimundo no indiv\u00edduo sofre a influ\u00eancia da terapia; o que depende da constitui\u00e7\u00e3o sofre a influ\u00eancia da eugenia."], ["Quase tudo quanto \u00e9 condicionado pela disposi\u00e7\u00e3o precisa do peri- mundo para realizar-se; por isto, a terapia estende-se \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o na me- dida em que esta depende do perimundo. \u00c9 o caso, em certa extens\u00e3o, mesmo nas psicoses end\u00f3genas, conforme se v\u00ea pelos g\u00eameos univitelinos: quando um deles \u00e9, por exemplo, esquizofr\u00eanico, o outro n\u00e3o se toma es- quizofr\u00eanico, apesar disso, em pequeno n\u00famero de casos. Tem de haver no perimundo aquilo que exalta ou inibe uma disposi\u00e7\u00e3o dessa ordem. Se se pudesse distinguir uma coisa da outra, orientar-se-ia o tratamento de tal maneira que n\u00e3o aparecesse disposi\u00e7\u00e3o alguma indesej\u00e1vel; o que \u00e9 ideal ut\u00f3pico. Na realidade, a terapia vem a encontrar seu limite factualmente intranspon\u00edvel no ser-assim do indiv\u00edduo particular, em sua disposi\u00e7\u00e3o, que \u00e9, em grande parte, patrim\u00f4nio heredit\u00e1rio. Nas psicoses end\u00f3genas graves, esse limite \u00e9 t\u00e3o insuper\u00e1vel que nele se baseia a desesperan\u00e7a es- pec\u00edfica sempre a irromper na terapia das psicoses e a criar o niilismo te- rap\u00eautico. Embora nada se possa fazer, em in\u00fameros casos, pelos homens nascidos com essa disposi\u00e7\u00e3o, pode-se, contudo, pensar no que ser\u00e1 de fa- zer-se para que nas\u00e7am quanto menos poss\u00edvel homens assim. Foi Galton quem projetou um programa no sentido de assegurar a subst\u00e2ncia heredi- t\u00e1ria melhor poss\u00edvel das gera\u00e7\u00f5es futuras; programa que chamou \u201ceuge- nia\u201d. Se bem que apenas acessoriamente, Nietzsche j\u00e1 pensara nos m\u00e9di- cos como \u201cbenfeitores de toda sociedade\u201d, porque \u201ccriadores de uma aris- tocracia da mente e do corpo (pelo fato de promoverem ou impedirem ca- samentos.)\u201d S\u00f3 o poder de Estado \u00e9 que pode tomar medidas efetivas para orientara a procria\u00e7\u00e3o: medidas segundo as quais os m\u00e9dicos teriam auto- ridade para aplicar os resultados confi\u00e1veis da pesquisa gen\u00e9tica; isto \u00e9, para impedir que procriassem os portadores das piores disposi\u00e7\u00f5es heredi- t\u00e1rias. \u00ca de presumir que isso nunca passe de tentativa: o dano da\u00ed resul- tante ser\u00e1 pior do que a vantagem conseguida."], ["Tamb\u00e9m \u00e9 s\u00f3 pela interven\u00e7\u00e3o do Estado que se logram medidas pre- ventivas realmente eficazes e significativas na luta contra o \u00e1lcool, as dro- gas t\u00f3xicas (morfina, coca\u00edna etc.) e a s\u00edfilis.", "b) Tratamento som\u00e1tico. H\u00e1 diferen\u00e7a de sentido entre a terapia so-", "m\u00e1tica e a ps\u00edquica. Quando se tratam doen\u00e7as som\u00e1ticas, o objetivo \u00e9 claro: a recupera\u00e7\u00e3o no sentido biol\u00f3gico; os pontos de vista da medicina som\u00e1tica n\u00e3o mudam, quer se pense num animal, quer no ente humano. Mas assim que pretendemos atuar sobre a psique humana, o objetivo deixa de ter a mesma clareza; e temos de indagar, conscientemente: Que \u00e9 que queremos obter, realmente, neste caso? \u2014 Mais ainda: os m\u00e9todos de tratamento som\u00e1tico utilizam conex\u00f5es causais extraconscientes, a fim de"], ["atuar sobre os fundamentos da vida ps\u00edquica e, por meio deles, sobre esta mesma; os m\u00e9todos de tratamento ps\u00edquico visam \u00e0 psique, guiando-se pelas conex\u00f5es geneticamente compreens\u00edveis e tamb\u00e9m podendo produ- zir, indiretamente, modifica\u00e7\u00f5es som\u00e1ticas.", "Na pr\u00e1tica, \u00e9 comum os dois m\u00e9todos unificarem-se, porque' um acar-", "reta o outro; mas \u00e9 radical a diversidade de sentido."], ["Naturalmente, o m\u00e9dico trata, em primeiro lugar, as causas som\u00e1ticas", "dos dist\u00farbios ps\u00edquicos, desde que lhe sejam conhecidas e acess\u00edveis \u00e0 interven\u00e7\u00e3o. Consideram-se, ent\u00e3o, n\u00e3o s\u00f3 processos com sede no c\u00e9rebro e no sistema nervoso, mas tamb\u00e9m todas as queixas org\u00e2nicas e estados som\u00e1ticos gerais.", "Selecionando exemplos de tratamento som\u00e1tico, mencionamos a epi-", "lepsia, cujos ataques se atenuam com os brometos, o luminal etc.; a arte- riosclerose cerebral, que se trata, a igual da arteriosclerose de outros \u00f3r- g\u00e3os, com medidas higi\u00eanicas e diet\u00e9ticas; a s\u00edfilis cerebral, que melhora \u00e0s vezes, essencialmente, com a terapia espec\u00edfica. As curas de engorda e as medidas diet\u00e9ticas com que se tratam indiv\u00edduos ast\u00e9nicos tamb\u00e9m melhoram, certas vezes, o estado ps\u00edquico. Atenuam-se com os opi\u00e1ceos os estados de ansiedade; com escopolamina, os de excita\u00e7\u00e3o etc.", "\u00c9 extremamente dif\u00edcil ajuizar, criticamente, o efeito do tratamento so-"], ["m\u00e1tico.", "Nos neur\u00f3ticos, o tratamento som\u00e1tico n\u00e3o s\u00f3 \u00e9 question\u00e1vel neste sentido, muitas vezes, como nem sequer \u00e9 indiferente. N\u00e3o \u00e9 raro o perigo de o m\u00e9dico sugerir ao paciente, sem querer, uma aten\u00e7\u00e3o desmesurada para o corpo; da\u00ed n\u00e3o ser pouco frequente certos tratamentos meramente som\u00e1ticos provocarem pioras de estados psicop\u00e1ticos e neur\u00f3ticos (\u201cO m\u00e9- dico como causa de doen\u00e7a\u201d, \u201cdoen\u00e7a iatrog\u00eanica\u201d)."], ["Do m\u00e1ximo interesse foram, nos \u00faltimos tempos, os recentes m\u00e9todos som\u00e1ticos de tratamento das psicoses graves. A paralisia geral, at\u00e9 ent\u00e3o incur\u00e1vel, pode ser detida e curada (com defeito) mediante a terapia da inocula\u00e7\u00e3o da mal\u00e1ria, introduzida por Wagner-Jauregg. Para diversos ou- tros estados m\u00f3rbidos tem-se mostrado \u00fatil a convulsoterapia (terapia pelo choque): exemplo, o eletrochoque (Cerletti-Roma); que produz uma convul- s\u00e3o com \u00eaxito terap\u00eautico. Cura-se a esquizofrenia, assombrosamente, usando o processo desenvolvido met\u00f3dica e cuidadosamente que consiste no choque pela insulina ou pelo cardiazol; ainda n\u00e3o s\u00e3o un\u00edvocas as pu-"], ["blica\u00e7\u00f5es; sobretudo, quanto a efeitos que perdurem. As depress\u00f5es circu- lares curam-se com o choque cardiaz\u00f3lico. Na terapia da paralisia geral, pode ser que as altas temperaturas do corpo destruam os espiroquetas da s\u00edfilis, ou pode haver a\u00e7\u00e3o espec\u00edfica do plasm\u00f3dio. Quanto ao efeito da convulsoterapia, ainda \u00e9 obscuro. O que se ousa tentar, hoje, em mat\u00e9ria de meios radicais, v\u00ea-se na remo\u00e7\u00e3o cir\u00fargica, em casos de esquizofrenia, de parte do lobo frontal, da\u00ed resultando aquietarem-se os doentes, alguns trabalharem, outros apassivarem-se por fraqueza dos impulsos."], ["Digno de nota \u00e9 o que diz Bonhoeffer, em seu estudo hist\u00f3rico das m\u00e1- quinas girat\u00f3rias, curas revulsivas, queimaduras a ferro aquecido ao rubro e muitos outros processos coercitivos aplicados terapeuticamente em prin- c\u00edpios do s\u00e9culo XIX. \u201cN\u00e3o duvidemos do efeito real desses tratamentos vi- olentos. \u00c9 prov\u00e1vel que se tratasse de efeitos convulsivos semelhantes aos que ora se conseguem por via medicamentosa com a insulina e o cardi- azol\u201d. Bonhoeffer considera os psiquiatras de ent\u00e3o t\u00e3o h\u00e1beis e cr\u00edticos quanto os atuais; e acha que esses m\u00e9todos se baseavam na desesperan\u00e7a relativamente aos doentes agitados e \u00e0s condi\u00e7\u00f5es insuficientes de inter- namento; tais m\u00e9todos representariam tentativas \u201cde harmonizar m\u00e9todos medievais de compuls\u00e3o e castigo com a considera\u00e7\u00e3o m\u00e9dica e humana que pouco a pouco progredia\u201d; seriam \u201cmedidas coercitivas tomadas den- tro de uma atitude fundamental humana\u201d. \u2014 Da\u00ed resulta que a desespe- ran\u00e7a da psicoterapia atual, na era da quimioterapia, tenta ao m\u00e1ximo ver o que se pode obter, dentro de configura\u00e7\u00e3o diferente. \u2014 Boss rastreia atrav\u00e9s dos tempos dois princ\u00edpios b\u00e1sicos da terapia das psicoses: ou a energia, os est\u00edmulos positivos, a sedu\u00e7\u00e3o da vida, o embelezamento do ambiente; ou ent\u00e3o: interven\u00e7\u00f5es dr\u00e1sticas, o apavoramento at\u00e9 a beira da morte, m\u00e9todos que amea\u00e7avam a vida, tentativas de sufoca\u00e7\u00e3o, submer- s\u00e3o a ponto de p\u00f4r em perigo a vida, torturas-chibatadas, escaldamentos, esfomeamento, purga\u00e7\u00f5es, provoca\u00e7\u00e3o de v\u00f4mitos. Na \u00faltima s\u00e9rie dos m\u00e9- todos com os quais se espera intensificar tanto mais \u201co instinto de conser- va\u00e7\u00e3o dos pacientes\u201d quanto mais se amea\u00e7a o organismo, Bonhoeffer ali- nha o choque insul\u00ednico."], ["S\u00e3o escassos os meios de que dispomos para tratamentos som\u00e1ticos curativos eficazes, visto n\u00e3o sabermos coisa alguma a respeito de causas som\u00e1ticas decisivas, na imensa maioria das anormalidades e doen\u00e7as mentais.", "c) Psicoterapia. Chama-se psicoterapia todos os m\u00e9todos de trata- mento que atuam sobre a psique ou o soma, usando de recursos dirigidos \u00e0 psique e sempre requerendo a coopera\u00e7\u00e3o da vontade dos pacientes. O", "campo da psicoterapia estende-se \u00e0 grande massa dos psicopatas e dos doentes mentais ligeiros; a todos os indiv\u00edduos que se sentem enfermos e que sofrem com seus estados ps\u00edquicos; quase sempre tamb\u00e9m \u00e0s doen- \u00e7as som\u00e1ticas a que \u00e9 t\u00e3o frequente se sobreporem sintomas nervosos em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s quais a personalidade tem de assumir uma atitude interna. Em todos estes casos, dispomos dos seguintes modos de influenciamento ps\u00ed- quico:", "1. M\u00e9todos de sugest\u00e3o. Sem apelar para a personalidade do doente,", "utilizamos os mecanismos da sugest\u00e3o a fim de produzir certos efeitos concretos: elimina\u00e7\u00e3o de sintomas particulares e sequelas som\u00e1ticas, me- lhora do sono etc. Em estado hipn\u00f3tico, ou em vig\u00edlia, fazemos o paciente acess\u00edvel \u00e0 sugest\u00e3o e convencemo-lo daquilo que queremos obter. Tudo depende da vivacidade e intensidade das ideias a que se estimula o do- ente; bem como da compuls\u00e3o vital exercida pelo m\u00e9dico. A f\u00e9 do paciente ajuda e resultados reais n\u00e3o tardam a alcan\u00e7ar-se."], ["Incluem-se no influenciamento sugestivo, embora muitas vezes sem", "que m\u00e9dico nem paciente saibam, grande n\u00famero de medidas medica- mentosas, eletro-terap\u00eauticas e outras com as quais, de h\u00e1 muito, se ob- t\u00eam resultados brilhantes em pacientes ps\u00edquicos e nervosos. \u00c9 ' indife- rente prescrever \u00e1gua com a\u00e7\u00facar, \u00e1gua colorida de azul, p\u00edlulas t\u00f4nicas; fazer, realmente, passar uma corrente el\u00e9trica pelo corpo, ou apenas apa- rentar a manobra, mediante aparelhagem complicada. O paciente tem de estar convencido da significa\u00e7\u00e3o da medida; \u00e9 s\u00f3 o que importa. Tem de acreditar no poder da ci\u00eancia, ou na capacidade e saber da personalidade m\u00e9dica forte, autorit\u00e1ria."], ["2. M\u00e9todos cat\u00e1rticos. Na medida em que os pacientes sofrem do p\u00f3s- efeito de suas viv\u00eancias e na medida em que seus sintomas particulares s\u00e3o manifesta\u00e7\u00f5es desse p\u00f3s-efeito, os afetos que d\u00e3o origem \u00e0s queixas t\u00eam de ser trazidos, de uma maneira ou de outra, \u00e0 \u201cabrea\u00e7\u00e3o\u201d. Breuer e Freud desenvolveram esse tratamento psicanal\u00edtico, dele fazendo um m\u00e9- todo cuja elabora\u00e7\u00e3o posterior, feita por Freud, n\u00e3o precisa ser aceita, no particular, se se reconhecer o princ\u00edpio b\u00e1sico. Deixamos que os pacientes falem, ajudamo-los a seguir o rumo certo, quando parecem calar alguma coisa essencial, mostramo-nos compreensivos e damos-lhes a garantia de que n\u00e3o os julgaremos moralmente. Tais \u201cconfiss\u00f5es\u201d aliviam, muitas ve- zes. H\u00e1 casos individuais nos quais viv\u00eancias inteiramente esquecidas (cindidas) podem tornar-se conscientes; e nas quais cessa, desde logo, certo sintoma anormal, som\u00e1tico ou ps\u00edquico. Frank elaborou um m\u00e9todo pelo qual, em meio-sono hipn\u00f3tico, se despertam e se trazem \u00e0 abrea\u00e7\u00e3o"], ["viv\u00eancias esquecidas pelos pacientes.", "3. M\u00e9todos de exerc\u00edcios. Assim se chamam certas pr\u00e1ticas pela repeti- \u00e7\u00e3o das quais o doente trabalha sobre si mesmo, de acordo com determi- nadas prescri\u00e7\u00f5es, levando, indiretamente, a modifica\u00e7\u00f5es desejadas da atitude ps\u00edquica, al\u00e9m da aquisi\u00e7\u00e3o de capacidades. aa) Gin\u00e1stica. Divulgam-se, hoje em dia, v\u00e1rias formas de exerc\u00edcios f\u00ed- sicos. Sobre o psiquismo inconsciente, sobre as atitudes involunt\u00e1rias e os estados internos atuam ou a vontade e a consci\u00eancia \u2014 quase sempre - com escassa for\u00e7a \u2014 ou o desempenho de certas atividades (ritos m\u00e1gicos, atos religiosos, solenidades etc.). Procuram-se produzir essas modifica\u00e7\u00f5es do psiquismo inconsciente mediante uma modalidade objetiva, ajustada \u00e0 descren\u00e7a moderna, ou seja, mediante exerc\u00edcios f\u00edsicos. Pelo relaxamento e afrouxamento, ou pela tens\u00e3o e afirma\u00e7\u00e3o da corporeidade em que vive uma alma, esta mesma tamb\u00e9m se modifica.", "Para os ocidentais atormentados, em constante atividade, vivendo em tens\u00e3o exagerada, os exerc\u00edcios relaxadores s\u00e3o da m\u00e1xima import\u00e2ncia. Muitos terapeutas d\u00e3o valor aos exerc\u00edcios respirat\u00f3rios: a respira\u00e7\u00e3o, na inspira\u00e7\u00e3o e na expira\u00e7\u00e3o, \u00e9, por assim dizer, s\u00edmbolo da aceita\u00e7\u00e3o do peri- mundo e da irradia\u00e7\u00e3o nele; a pr\u00e1tica respirat\u00f3ria consciente deve libertar a psique, faz\u00ea-la confiar-se ao mundo."], ["bb) O treinamento aut\u00f3geno, metodizado por J. H. Schultz, visa a um efeito da vontade sobre a vida som\u00e1tica e ps\u00edquica do pr\u00f3prio indiv\u00edduo; primeiro, pela comuta\u00e7\u00e3o do estado de consci\u00eancia; depois, pela autossu- gest\u00e3o no \u201cautorrelaxamento concentrativo\u201d.", "4. M\u00e9todos de educa\u00e7\u00e3o. Quanto mais o paciente se submete, por ne- cessidade, \u00e0 'autoridade e dire\u00e7\u00e3o do m\u00e9dico, tanto mais a rela\u00e7\u00e3o m\u00e9dico- paciente pode assumir o car\u00e1ter de educa\u00e7\u00e3o. Leva-se o paciente de seu ambiente habitual para um hospital, balne\u00e1rio, sanat\u00f3rio. Certa disciplina realiza-se, diretamente, gra\u00e7as a medidas orientadas por uma autoridade, dando-se ao paciente regulamenta\u00e7\u00e3o completa de seu modo de vida. Ele tem de saber, hora por hora, o que h\u00e1 de fazer, cumprindo estritamente o programa.", "5. M\u00e9todos que se dirigem \u00e0 pr\u00f3pria personalidade. Quando a responsa- bilidade pelo efeito do tratamento \u00e9 colocada na personalidade do doente, ele mesmo devendo tomar decis\u00f5es finais, segundo julgue melhor, e sendo direta sua atua\u00e7\u00e3o, o m\u00e9todo \u00e9 fundamentalmente diverso de todos at\u00e9", "agora expostos. Mais simples na forma, \u00e9, no entanto, humanamente fa- lando, mais significativo do que todos acima mencionados; \u00e9 o que menos se sujeita a regras, dependendo de tato e nuan\u00e7as."], ["aa) O m\u00e9dico comunica seu conhecimento psicopatol\u00f3gico, instrui o paciente sobre o que, realmente, h\u00e1 com ele. Se o doente \u2014 por exemplo, ciclot\u00edmico \u2014 se esclarece sobre o car\u00e1ter f\u00e1sico de suas queixas, serve-lhe isso para livrar-se de falsos temores e serve-lhe para compreender a causa extraconsciente de fen\u00f4menos que talvez o atormentem de modo exclusi- vamente moral.", "bb) O m\u00e9dico fundamenta e convence: atua sobre as valo- ra\u00e7\u00f5es e concep\u00e7\u00e3o do mundo que tem o paciente. Fala-se, ent\u00e3o, em m\u00e9todos de persuas\u00e3o.", "cc) O m\u00e9dico dirige-se \u00e0 vontade. Num caso, estimula o esfor\u00e7o de von-"], ["tade; noutro, estimula a rejei\u00e7\u00e3o de um autodom\u00ednio mal colocado. O co- nhecimento discriminativo entre os fen\u00f4menos que, em certa extens\u00e3o, s\u00e3o acess\u00edveis ao autodom\u00ednio aqueles que n\u00e3o o s\u00e3o (por exemplo, mani- festa\u00e7\u00f5es obsessivas) \u00e9 decisivo. Para o observador consciencioso, \u00e9 obs- curo, n\u00e3o poucas vezes, distinguir, de um lado, quando a vontade pode e deve intervir e quando, de outro lado, essa interven\u00e7\u00e3o piorar\u00e1 a situa\u00e7\u00e3o, seja de que modo for; caso em que o relaxamento talvez seja mais necess\u00e1- rio.", "Sabemos que nossa vida consciente mais n\u00e3o \u00e9, por assim dizer, que a"], ["camada superior de um reino vasto e profundo do evento sub- e extra- consciente. Influenciar essa vida ps\u00edquica inconsciente, conduzir seus efei- tos, dar-lhes livre curso ou inibi-los \u2014 \u00e9 nisso que consiste a autoeduca- \u00e7\u00e3o. Conforme o tipo de vida ps\u00edquica, fazem-se necess\u00e1rios m\u00e9todos opos- tos. De um lado, relativamente a inibi\u00e7\u00f5es e influxos oriundos de princ\u00ed- pios de tipo convencional, h\u00e3o de estimular-se o abandono ao inconsci- ente, a capacidade de esperar, a obedi\u00eancia a instintos e sentimentos; h\u00e3o de desenvolver-se germes que cochilam no inconsciente. Ou ter-se-\u00e1, pelo contr\u00e1rio, de educar a vontade de modo a criar inibi\u00e7\u00f5es e recalques, quanto certas - \u00e1reas do inconsciente se hajam ampliado a custo de ou- tras e desequilibrado o indiv\u00edduo. Assim \u00e9 que influenciamos, de um lado, no sentido da atividade, do esfor\u00e7o; doutro, lado, no sentido do abandono, da distens\u00e3o, da confian\u00e7a no inconsciente pr\u00f3prio."], ["Quase sempre o homem est\u00e1 colocado ante si mesmo, ante seu pr\u00f3prio inconsciente. \u00c9 raro um paciente estar identificado plenamente, por assim", "dizer, com seu inconsciente, com seus instintos e sentimentos. O mais co- mum \u00e9 a personalidade achar-se em luta com seus pr\u00f3prios fundamentos. A compreens\u00e3o, no caso particular, deste antagonismo da personalidade relativamente ao pr\u00f3prio inconsciente \u00e9 indispens\u00e1vel quando se quer exercer influenciamento claro. N\u00e3o v\u00eam ao psiquiatra aqueles indiv\u00edduos cujo inconsciente se assinale pela regularidade, pela seguran\u00e7a, pela pu- jan\u00e7a de sentimentos e impulsos emergentes; e que sabem estar em har- monia com seu inconsciente; mas, sim, aqueles cujo inconsciente se acha confuso, inseguro; que se encontram em luta com seu inconsciente, con- sigo mesmos; que, por assim dizer, est\u00e3o sentados em cima de um vulc\u00e3o."], ["dd) O autoesclarecimento \u00e9 requisito do comportamento inteligente e eficaz para consigo mesmo. O m\u00e9dico quer ajudar o paciente a compreen- der-se, caso no qual se fala em m\u00e9todos anal\u00edticos; s\u00e3o, quando menos, in\u00f3cuos; muitas vezes, excitantes; por vezes, traumatizantes. H\u00e1 ocasi\u00f5es em que se pergunta: Quem \u00e9 que pode arriscar-se a iluminar a alma indi- vidual at\u00e9 os seus fundamentos, se n\u00e3o tem seguran\u00e7a antecipada de que o indiv\u00edduo \u00ea capaz de n\u00e3o perder o equil\u00edbrio, de viver de sua pr\u00f3pria ori- gem, quando libertado; ou de que, no caso de impot\u00eancia humana, pode dispor de meios providenciais benfazejos, oriundos de uma inst\u00e2ncia obje- tiva, prontos para ajud\u00e1-lo?", "Neste caso, sendo a raz\u00e3o filos\u00f3fica que orienta, tudo depende da per- sonalidade do psiquiatra e de sua vis\u00e3o do mundo. Da\u00ed resultam, por\u00e9m, dificuldades e conflitos tais que o m\u00e9dico individual tem de tomar decis\u00f5es apenas por for\u00e7a de convic\u00e7\u00f5es instintivas, e n\u00e3o com fundamenta\u00e7\u00e3o ci- ent\u00edfica."], ["J\u00e1 que relanceamos uma vista pelos m\u00e9todos psicoterap\u00eauticos, tente- mos ainda uma considera\u00e7\u00e3o comparativa; primeiramente, quanto \u00e0 ma- neira por que se procura promover a cura pela modifica\u00e7\u00e3o da situa\u00e7\u00e3o vi- tal.", "O procedimento mais grosseiro e mais extenso \u00e9 a mudan\u00e7a, de meio. O doente \u00e9 tirado do ambiente habitual, subtra\u00eddo aos atritos e dificulda- des cotidianos que se acumularam em seu mundo, exposto a novos est\u00ed- mulos e impress\u00f5es. V\u00ea-se se adianta, de o paciente ganha for\u00e7as e, de- pois, melhora, pelo descanso e pela medita\u00e7\u00e3o, pela mudan\u00e7a e liberta\u00e7\u00e3o tempor\u00e1ria do mundo que o atormenta. O m\u00e9dico n\u00e3o tem atua\u00e7\u00e3o interna alguma.", "A ergo terapia ou laborterapia coloca a psique e o soma em condi\u00e7\u00f5es", "vitais naturais \u2014 ao contr\u00e1rio da exist\u00eancia vazia, do abandono a si", "mesmo \u2014 que ligam o doente ao mundo; as energias que o doente possui h\u00e3o de consertar, pela atividade, as fun\u00e7\u00f5es transtornadas."], ["A assist\u00eancia social, desde que realmente poss\u00edvel, modifica a situa\u00e7\u00e3o vital pela diminui\u00e7\u00e3o dos danos. Ajuda, al\u00e9m dela e quando n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel, o aconselhamento com refer\u00eancia \u00e0 situa\u00e7\u00e3o vital e ao comportamento de todos os interessados.", "Em segundo lugar compararemos a maneira por que os pacientes vi- venciam os conte\u00fados, no trato com o psicoterapeuta. A simples tomada- de-conhecimento, medita\u00e7\u00e3o e pondera\u00e7\u00e3o do que se disse n\u00e3o produz efeito algum. Os conte\u00fados, interpreta\u00e7\u00f5es, conceitos, finalidades t\u00eam de ser vivenciados, sob pena de n\u00e3o atuarem. E isso ocorre de v\u00e1rias manei- ras.", "As ideias transformam-se, como se fossem imagens, em modo de pen- sar v\u00edvidos; s\u00f3 assim atuam na sugest\u00e3o vigil e na hipnose. Quem sugere deve conseguir que tome forma aquilo que diz; que interesse \u00e0 imagina\u00e7\u00e3o."], ["Os objetivos devem ser desejados. Alguma coisa compulsiva, irrejeit\u00e1- vel, h\u00e1 de surgir na tend\u00eancia a comportar-se de tal ou qual maneira. Isso se d\u00e1 pela solicita\u00e7\u00e3o impositiva, pelo comando coercitivo; eventualmente, de modo grosseiro, pela ordem mais breve poss\u00edvel, pelo grito.", "Deve-se crer nos s\u00edmbolos como imagens arcaicas e t\u00ea-los presentes como conte\u00fados. A satisfa\u00e7\u00e3o espec\u00edfica que resulta da revela\u00e7\u00e3o da indivi- dualidade real fortalece a base da consci\u00eancia existencial; base esta que modela a atitude interna e a disposi\u00e7\u00e3o vital. O terapeuta transforma-se em profeta de uma f\u00e9, quando segue esta via.", "Quando se aconselha e se instrui o paciente sobre o conceito da reali-"], ["dade, do mundo que o cerca e de si mesmo, \u00e9 importante que seja ele quem decide \u201csim\u201d ou \u201cn\u00e3o\u201d. N\u00e3o adianta saber; adianta, sim, ver as coisas e querer domin\u00e1-las; haver reconhecimento e aceita\u00e7\u00e3o. \u00c9 a responsabili- dade que decide o que o indiv\u00edduo apropria e o que rejeita. Sua decis\u00e3o existencial \u00e9 a origem derradeira de qualquer rumo vital. Nenhum psicote- rapeuta verdadeiro \u00e9 capaz de fazer isso. O mais que consegue \u00e9 desenvol- ver, na comunica\u00e7\u00e3o e mediante o interc\u00e2mbio da conversa, as possibili- dades de que derivam oportunidades incalcul\u00e1veis para o despertar do pa- ciente."], ["Em Macbeth, o m\u00e9dico exprime simplesmente uma verdade rude.", "Quando aquele, lhe pergunta pela rainha:", "\u201cComo vai a doente, doutor?\u201d:", "O M\u00e9dico: Est\u00e1 menos enferma. Senhor, Do que atormentada por fantasias densas, Que o sossego lhe roubam. Macbeth: Expulsa-as... N\u00e3o podes medicar um esp\u00edrito que sofre? Arrancar da mem\u00f3ria um pesar arraigado? M\u00e1goas apagar escritas no c\u00e9rebro? E mediante qualquer doce ant\u00eddoto Fazer que se olvidem, varrer do seio abafado a subst\u00e2ncia venenosa Que o cora\u00e7\u00e3o oprime? O M\u00e9dico: Nesse caso, \u00e9 o doente Que tem de medicar a si mesmo...", "d) Interna\u00e7\u00e3o e tratamento hospitalar. Tendo em vista a grande quantidade de doentes mentais em sentido estrito, o que se pretende n\u00e3o \u00e9, propriamente, a cura racional, e sim a prote\u00e7\u00e3o do enfermo e da socie- dade mediante o internamento e cuidados terap\u00eauticos dentro das possibi- lidades."], ["\u00c9 comum dar-se o internamento contra a vontade dos doentes; a\u00ed, o psiquiatra j\u00e1 assume posi\u00e7\u00e3o diferente da dos outros m\u00e9dicos em rela\u00e7\u00e3o ao paciente. Pela \u00eanfase consciente de seu ponto de vista puramente m\u00e9- dico ante este, procurar\u00e1 o cl\u00ednico reduzir ao m\u00ednimo a diferen\u00e7a. O doente acha-se, por\u00e9m, convencido, de que est\u00e1 sadio, em muitos casos; avesso, pois, aos esfor\u00e7os psiqui\u00e1tricos.", "Fora do hospital, ponderar-se-\u00e3o, sobretudo, o risco de suic\u00eddio e a pe- riculosidade social do paciente. Destes dois elementos, em primeiro lugar, e, depois, das condi\u00e7\u00f5es familiais, da possibilidade da presta\u00e7\u00e3o de cuida- dos \u00e9 que depender\u00e1 a decis\u00e3o: o paciente fica em casa, ou \u00e9 levado para um hospital? O que lhe conv\u00e9m \u00e9 um hospital fechado ou aberto? Se ficar em casa, \u00e9 necess\u00e1rio instruir e orientar os parentes.", "No hospital, realizam-se os m\u00e9todos som\u00e1ticos de tratamento, cujo ob-"], ["jetivo \u00e9 a cura: o tratamento acima mencionado da paralisia geral, da es- quizofrenia e tamb\u00e9m o tratamento das doen\u00e7as org\u00e2nicas. N\u00e3o \u00e9 grande, por\u00e9m, a extens\u00e3o das possibilidades curativas. N\u00e3o sendo poss\u00edvel a cura direta, o m\u00e9dico cria, indiretamente, condi\u00e7\u00f5es quanto poss\u00edvel favor\u00e1veis; n\u00e3o \u00e9 raro esgotar-se-lhe a atividade em cuidados de solidariedade hu- mana. As- medidas que toma podem classificar-se em dois grupos:", "1. J\u00e1 desde o internamento, o m\u00e9dico pensa na situa\u00e7\u00e3o social do paci-", "ente e reflete nos passos que h\u00e1 de dar para o bem dele e da fam\u00edlia."], ["2. Nos estados agudos, principalmente quando h\u00e1 excita\u00e7\u00e3o, o m\u00e9dico", "procura aliviar a situa\u00e7\u00e3o do paciente com calmantes. O repouso prolon- gado no leito, os diversos medicamentos, o banho- cont\u00ednuo t\u00eam-se mos- trado \u00fateis. A elimina\u00e7\u00e3o de qualquer est\u00edmulo abranda os sintomas da fase aguda. Mas n\u00e3o se demonstra aceleramento da cura com o uso des- ses recursos indiretos. Frequentemente, no entanto, se reduzem as rea- \u00e7\u00f5es patol\u00f3gicas pela transfer\u00eancia para outro ambiente.", "3. Nos estados cr\u00f4nicos das doen\u00e7as mentais, a tarefa consiste em sal-", "var o mais que for poss\u00edvel o psiquismo do paciente, desde que a influ\u00ean- cia ambiental o permita. Noutros tempos, quando apenas se trancavam e acorrentavam os doentes, criavam-se estados demenciais dos mais graves, altera\u00e7\u00f5es animalescas, estados caricaturais, os quais n\u00e3o ocorrem quando se d\u00e1 ao paciente l\u00facido oportunidade para confirmar suas res- tantes fun\u00e7\u00f5es ps\u00edquicas. Da\u00ed por que, modernamente e em larga medida, se encaminham os doentes mentais para o trabalho; sobretudo, trabalho agr\u00edcola e manual. Fundam-se col\u00f4nias, nas quais se cria uma maneira de viver suport\u00e1vel e tamb\u00e9m \u00fatil para aqueles estados terminais incapazes de servir \u00e0 vida social. Os doentes movimentam-se dentro dos limites de suas possibilidades ps\u00edquicas; normalmente, a bem dizer, sem chegar mais aos estados extremos que se observavam dantes e que comp\u00f5em para o leigo o quadro da loucura. \u201cN\u00e3o \u00e9 na cura dos cur\u00e1veis, mas nos cuidados que elevam e estimulam a mente dispensados aos incur\u00e1veis que est\u00e1 a mais bela caracter\u00edstica dos frenoc\u00f4mios\u201d, disse Schule. Atribui-se ao trabalho, quanto \u00e9 poss\u00edvel, import\u00e2ncia destacada, a ponto de dizer-se: O trabalho forma, pela fixa\u00e7\u00e3o de objetivos, um sentimento de obriga\u00e7\u00e3o; fortifica-o sentimento de si mesmo, conduz o impulso inquieto dos doentes por vias tranquilas, estabelece as inibi\u00e7\u00f5es necess\u00e1rias e preserva do afun- damento nos estados de \u00e2nimo m\u00f3rbidos. (Nitzsche)."], ["4. Kl\u00e3si elaborou e habilmente aplicou medidas especiais para fazer to- mar acess\u00edveis certos doentes que se isolavam, para resolver algumas obs- tina\u00e7\u00f5es empedernidas e para modificar estados terminais aparentemente imposs\u00edveis de mudan\u00e7as. O que importa \u00e9 levar ao doente alguma corsa nova que o estimule. Foi assim que aquele psiquiatra conseguiu remover bloqueios catat\u00f4nicos por meio de situa\u00e7\u00f5es surpreendentes. Teve bom \u00eaxito com suas nercose cont\u00ednua. A psicoterapia intensiva n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel nas doen\u00e7as mentais em sen- tido estrito. Temos de limitar-nos ao tratamento ben\u00e9volo do paciente e \u00e0s artes exemplarmente desenvolvidas e expostas por Kl\u00e3si. Isto fazendo, \u00e9 importante saber que, nos psic\u00f3ticos agudos, aparentemente inacess\u00edveis,", "fechados em si, existe, vez por outra, extraordin\u00e1ria sensibilidade e capaci- dade de apreender nuan\u00e7as; entretanto, h\u00e1 in\u00fameros outros casos nos quais a indiferen\u00e7a dos pacientes \u00e9 t\u00e3o grande que vem a ser ilus\u00f3rio qual- quer relacionamento ps\u00edquico com eles; falha qualquer tentativa de con- tato amistoso. Nesses casos, seria rid\u00edcula a psicoterapia."], ["5. Quest\u00e3o frequentemente dif\u00edcil \u00e9 o momento da alta. Na esquizofre-", "nia, acontece terem as altas precoces efeito surpreendentemente favor\u00e1- vel;1 mas n\u00e3o se lhes pode prever o resultado. S\u00e3o especialmente perigo- sas as melancolias que se curam; ao que parece, os doentes est\u00e3o sadios, apresentam aspecto propositadamente jovial, insistem pela alta, para se- suicidarem assim que liberados.", "6. Com os d\u00e9beis mentais, psicopatas, abandonados ocupam- se a pe-", "dagogia curativa e a educa\u00e7\u00e3o assistencial. Os hospitais s\u00e3o por si um mundo, possuindo \u201cmentalidade\u201d, ou \u201cesp\u00edrito\u201d, que depende da atitude dos diretores e m\u00e9dicos, bem como da tradi\u00e7\u00e3o correspondente \u00e0s ideias b\u00e1sicas em vigor; o ambiente hospitalar cria um mundo. A ordem que nele prevalece determina a figura que as doen\u00e7as assumem. H\u00e1 diferen\u00e7a mar- cada entre os antigos hospitais rurais, aos quais um m\u00e9dico vinha de quando em quando para controle, ficando os pacientes entregues a seu mundo pr\u00f3prio, e os enormes frenoc\u00f4mios modernos, higi\u00eanicos, sim, mas n\u00e3o proporcionando aos doentes, apesar de seu asseio, sequer um espa\u00e7o ps\u00edquico pessoal. H\u00e1 diferen\u00e7a real entre os hospitais onde a massa dos pacientes fica entregue \u00e0 inatividade e aqueles que d\u00e3o ocupa\u00e7\u00e3o quase a cada internado. Seria interessante uma descri\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica concreta des- ses mundos hospitalares; como tamb\u00e9m interessaria uma cole\u00e7\u00e3o de ob- serva\u00e7\u00f5es feitas pelos pacientes relativamente ao efeito que sobre eles o hospital exerce."], ["Subsiste sempre o fato b\u00e1sico da coa\u00e7\u00e3o. Tem-se de suprimir o risco que oferecem os doentes violentos, agitados, furiosos. Antigamente, conse- guia-se isso com grilh\u00f5es e trancamento, al\u00e9m de outras medidas que lem- bram mais torturas do que terapia. Embora se considere grande passo \u00e0 frente o fato de Pinel haver \u201clibertado os doidos das correntes\u201d, embora o desenvolvimento do tratamento hospitalar, no s\u00e9culo XIX, tenha, certa- mente, eliminado quadros repulsivos, viram-se, no entanto, substitu\u00edrem- se \u00e0s correntes as inje\u00e7\u00f5es de escopolamina e os banhos cont\u00ednuos; nem se suprimiram inteiramente as camas gradeadas e as c\u00e9lulas solit\u00e1rias. Jogou-se fora o velho acervo de instrumentos de tortura, modificou-se o esp\u00edrito do hospital; mas n\u00e3o se aboliu o princ\u00edpio b\u00e1sico da coa\u00e7\u00e3o.", "O poema de uma paciente (encefal\u00edtica, 1924, relatado por M. Dorer em 1939) d\u00e1 ideia da atmosfera de uma cl\u00ednica, numa sec\u00e7\u00e3o moderna destinada a agitados."], ["L\u00edvido clar\u00e3o irradia do teto, Iluminando rostos p\u00e1lidos, suarentos; Espelha-se em luzidias ma\u00e7anetas, Tornando fant\u00e1sticas as cortinas. Frases soltas, murm\u00farios, gemidos, Breves gritos, rugidos de furor, esc\u00e1rneos... Dentre esse caos sinistro de vozes, A voz que ainda pode consolar soa, \u00e0s vezes, de uma enfermeira."], ["\u00a7 3. O Progn\u00f3stico", "Predizer o que acontecer\u00e1 com um paciente \u00e9 pr\u00e0ticamente importante.", "Os circunstantes querem sab\u00ea-lo, \u00e9 da\u00ed que partir\u00e1 a orienta\u00e7\u00e3o para a conduta a tomar. Nem no mundo, nem na psiquiatria \u00e9 poss\u00edvel predizer de modo concreto e, ao mesmo tempo, seguro o que h\u00e1 de acontecer no caso particular. \u00c0s vezes, contudo, somos capazes de fazer predi\u00e7\u00f5es pr\u00e0ti- camente importantes, com probabilidade preponderante a seu favor; pre- di\u00e7\u00f5es estas que se baseiam nos conhecimentos da psiquiatria especial; e que seriam tanto mais n\u00edtidas quanto mais dispus\u00e9ssemos de casos an\u00e1lo- gos poss\u00edveis de acompanhar biograficamente. Existem, entretanto, alguns pontos de vista gerais para o progn\u00f3stico."], ["a) Perigo de vida. Em primeiro lugar, pergunta-se: O paciente sofre de doen\u00e7a cerebral que se possa estabelecer, somaticamente, pelos sintomas neurol\u00f3gicos? Neste caso, o progn\u00f3stico depende da doen\u00e7a som\u00e1tica. Na paralisia geral, a morte sobrev\u00e9m \u00e0 doen\u00e7a a qualquer momento; em m\u00e9- dia, ap\u00f3s cinco anos do in\u00edcio; muitas vezes, antes disso; outras ainda, de- corrido muito mais tempo. Hoje em dia, det\u00e9m-se a paralisia geral pela malarioterapia, conquanto n\u00e3o seja poss\u00edvel fazer retroagir certas les\u00f5es destrutivas j\u00e1 evolu\u00eddas.", "No caso de psicose sintom\u00e1tica, o progn\u00f3stico depende tamb\u00e9m da do-"], ["en\u00e7a som\u00e1tica, da mol\u00e9stia infecciosa, da intoxica\u00e7\u00e3o etc.", "Tratando-se de psicoses agudas, admite-se, em geral, que a morte pode", "nelas ocorrer quando existem doen\u00e7as som\u00e1ticas concomitantes; princi- palmente, cardiopatias. Os esfor\u00e7os dos estados de excita\u00e7\u00e3o, a piora de queixas som\u00e1ticas resultante dos estados depressivos relacionam-se com a situa\u00e7\u00e3o. A morte resulta, \u00e0s vezes, da pr\u00f3pria psicose aguda (no grupo", "da esquizofrenia). \u00c0 dissec\u00e7\u00e3o, causa alguma se encontra; ou se encontra, por exemplo, edema cerebral; ou se ter\u00e1 observado antes emagrecimento excessivo."], ["Em todos os estados melanc\u00f3licos, o progn\u00f3stico \u00e9 determinado pelo"], ["perigo de suic\u00eddio; perigo que s\u00f3 o tratamento hospitalar consciencioso pode suprimir.", "b) Cur\u00e1vel ou incur\u00e1vel. Quando o progn\u00f3stico n\u00e3o implica o \u00eaxito le- tal em consequ\u00eancia da mol\u00e9stia, ter-se-\u00e1 de saber se o paciente se curar\u00e1, ou se \u00e9 incur\u00e1vel; ou se s\u00e3o de esperar as recidivas."], ["Entre as doen\u00e7as n\u00e3o-neurol\u00f3gicas, distinguem-se os grandes c\u00edrculos dos processos e das psicoses man\u00edaco-depressivas. Os processos s\u00e3o, por sua ess\u00eancia, incur\u00e1veis; o estado anterior nunca se restabelece, por mais que as manifesta\u00e7\u00f5es agudas retrocedam; sempre subsiste um res\u00edduo de altera\u00e7\u00e3o permanente. As psicoses man\u00edaco-depressivas s\u00e3o cur\u00e1veis, em princ\u00edpio; a personalidade anterior pode restabelecer-se. Pr\u00e0ticamente, po- r\u00e9m, esta distin\u00e7\u00e3o implica muito pouco, no caso individual, com rela\u00e7\u00e3o \u00e0 dire\u00e7\u00e3o do curso da doen\u00e7a. Certos esquizofr\u00eanicos restabelecem-se, algu- mas vezes, de tal maneira que se podem considerar pr\u00e0ticamente sadios, mesmo ap\u00f3s psicoses agudas muito graves; pelo contr\u00e1rio, pode acontecer que doentes man\u00edaco-depressivos fiquem \u2014 e n\u00e3o \u00e9 raro \u2014 t\u00e3o mal que n\u00e3o se recuperem, necessitando hospitaliza\u00e7\u00e3o longa. Bleuler distinguiu, por isso \u2014 e com muito acerto \u2014 o progn\u00f3stico de dire\u00e7\u00e3o e o progn\u00f3stico de extens\u00e3o. Embora possamos presumir a que dire\u00e7\u00e3o o curso da doen\u00e7a tende, n\u00e3o podemos dizer at\u00e9 que ponto ele ir\u00e1 nessa dire\u00e7\u00e3o, nem com que rapidez prosseguir\u00e1. A psiquiatria kraepeliniana cometeu, no passado, o erro pr\u00e1tico de conceber logo o progn\u00f3stico de dire\u00e7\u00e3o por forma t\u00e3o de- sesperan\u00e7ada que levou a surpresas quanto ao curso real da doen\u00e7a; erro que vinha a ser maior ainda, quando, num caso, por exemplo, de cicloti- mia benigna, se diagnosticava uma hebefrenia."], ["A dura\u00e7\u00e3o das psicoses agudas de alguns meses a metade de um ano \u00e9 habitual; frequente at\u00e9 um ano. Quanto mais se prolonga a psicose, pior o progn\u00f3stico. H\u00e1 casos, entretanto, em que os doentes se restabelecem ape- sar da longa dura\u00e7\u00e3o do estado m\u00f3rbido. Chama a aten\u00e7\u00e3o o fato de as melancolias involutivas ainda poderem curar-se ap\u00f3s dez anos, segundo as pesquisas de Dreyfus. Em certos casos, h\u00e1 curas tardias surpreenden- tes; por vezes, no climat\u00e9rio; por vezes, ligadas a doen\u00e7as som\u00e1ticas graves (erisipela e outras infec\u00e7\u00f5es de todos os tipos).", "Para o progn\u00f3stico do curso da esquizofrenia, h\u00e1 uma s\u00e9rie de indica- \u00e7\u00f5es particulares. Tem validez quanto \u00e0s psicoses agudas o dito: Quando o peso corp\u00f3reo aumenta regularmente e quando, nas mulheres, a menstru- a\u00e7\u00e3o se reinstaura, sem que se apresente melhora consider\u00e1vel do com- portamento ps\u00edquico, significa isso transi\u00e7\u00e3o para um estado cr\u00f4nico incu- r\u00e1vel."], ["Mauz estabeleceu uma s\u00e9rie de fatos impressionantes quanto ao prog- n\u00f3stico. Chamou \u201ccat\u00e1strofe esquizofr\u00eanica\u201d a desintegra\u00e7\u00e3o grave defini- tiva dentro de dois a tr\u00eas anos ap\u00f3s a irrup\u00e7\u00e3o da doen\u00e7a; desintegra\u00e7\u00e3o que s\u00f3 ocorre em 15% dos internamentos esquizofr\u00eanicos; quase exclusi- vamente, na idade de 16 a 25 anos. O tipo de estrutura corp\u00f3rea p\u00edcnico exclui essa desintegra\u00e7\u00e3o catastr\u00f3fica; o ast\u00eanico refor\u00e7a a possibilidade respectiva. Quase todas as dem\u00eancias graves aparecem, ao mais tardar, tr\u00eas a quatro anos ap\u00f3s a irrup\u00e7\u00e3o da doen\u00e7a (98%). A desintegra\u00e7\u00e3o defi- nitiva d\u00e1-se quase sempre com o terceiro broto. Se n\u00e3o se der ap\u00f3s o ter- ceiro broto, quase n\u00e3o ser\u00e1 de esperar a demencia\u00e7\u00e3o grave. BRINER en- controu a perspectiva melhor de boa remiss\u00e3o nos catat\u00f4nicos agitados (um ter\u00e7o, por\u00e9m, morre no ataque agudo); a perspectiva pior, nos casos de paranoia.", "Para o progn\u00f3stico da histeria e das neuroses, a probabilidade de me-"], ["lhora existe na idade avan\u00e7ada. KRAEPELIN enumera da seguinte ma- neira a idade de seus hist\u00e9ricos, no come\u00e7o do tratamento:", "Da\u00ed resulta que s\u00f3 poucos come\u00e7am a tratar-se na idade mais avan- \u00e7ada. Como os hist\u00e9ricos quase sempre tornam \u00e0 vida comum, Kraepelin deduz que os dist\u00farbios respectivos se ajustam, em larga extens\u00e3o, na idade mais madura; seja como for, \u00e9 s\u00f3 em pequena escala que ainda exi- gem tratamento frenocomial."], ["\u00a7 4. Hist\u00f3ria da Psicopatologia como Ci\u00eancia", "N\u00e3o \u00e9 na hist\u00f3ria da assist\u00eancia psiqui\u00e1trica e dos hospitais; nem ainda na pr\u00e1tica m\u00e9dica que vamos falar \u2014 mas, sim, na hist\u00f3ria da ci\u00ean- cia psiqui\u00e1trica, das forma\u00e7\u00f5es conceituais e dos rumos investigativos que visaram ao conhecimento da realidade ps\u00edquica, sem preocupa\u00e7\u00e3o com as necessidades pr\u00e1ticas.", "Nas ci\u00eancias naturais, os trabalhos de tempos passados t\u00eam interesse", "quase puramente hist\u00f3rico. Est\u00e3o superados; com eles nada mais se aprende. Nas ci\u00eancias humanas, os trabalhos mais importantes t\u00eam, al\u00e9m do valor puramente hist\u00f3rico, um valor permanente, que n\u00e3o se pode su- perar. Dentro da psiquiatria, vamos \u2018encontrar de forma menos n\u00edtida o contraste quanto \u00e0 import\u00e2ncia que tem a hist\u00f3ria da ci\u00eancia para a ci\u00ean- cia contempor\u00e2nea."], ["Enquanto se refere \u00e0 ci\u00eancia das doen\u00e7as cerebrais, \u00e0 anatomia, \u00e0s pa-"], ["ralisias, a hist\u00f3ria da psiquiatria constitui mera hist\u00f3ria, interessando apenas aos amadores. Mas quando se ocupa com a evolu\u00e7\u00e3o da psicopato- logia propriamente dita, quando descobre as teorias que, outrora, existiam de refer\u00eancia \u00e0 fenomenologia, \u00e0s conex\u00f5es compreens\u00edveis, aos caracteres t\u00edpicos, \u00e0s formas fenom\u00eanicas objetivas da loucura etc., a hist\u00f3ria da psi- quiatria pode oferecer alguma coisa permanentemente significativa. Diver- samente de quem pesquisa na medicina som\u00e1tica, o psicopatologista n\u00e3o pode deixar de estudar as produ\u00e7\u00f5es mais importantes do passado; e o far\u00e1, muitas vezes, com a consci\u00eancia de estar aprendendo o que n\u00e3o se acha em livro algum dos mais recentes, ou, pelo menos, exposto de melhor maneira; estar\u00e1, ent\u00e3o, vendo que vale mais a pena ler o psiquiatra emi- nente do que a bibliografia em geral. Considerar a hist\u00f3ria sob este as- pecto e \u2014 tanto quanto podemos conhec\u00ea-la \u2014 apresentar as melhores obras dos antigos psiquiatras \u00e9 ao que visa o retrospecto aqui tentado, que subsiste incompleto quanto ao mais."], ["At\u00e9 fins do s\u00e9culo XVIII, a psiquiatria tem interesse quase apenas his- t\u00f3rico, ou filos\u00f3fico, constituindo parte da hist\u00f3ria da medicina. O s\u00e9culo XVIII j\u00e1 produz uma quantidade de obras; a quase todas, no entanto, s\u00e3o precursoras, conquanto j\u00e1 mostrem conhecimento surpreendentemente grande.", "\u00c9 digno de nota o fato de os doentes mentais, atrav\u00e9s de mil\u00eanios de"], ["alta civiliza\u00e7\u00e3o intelectual e no contexto de todo adoeci- mento espiritual, n\u00e3o haverem constitu\u00eddo nem problema espec\u00edfico- para o conhecimento, nem tarefa com que a pr\u00e1tica m\u00e9dica se haja ocupado de maneira met\u00f3- dica. Adotaram-se medidas relativamente a dist\u00farbios mais s\u00e9rios, bem como uma terapia do caso individual, sem apreender as quest\u00f5es no todo. \u00c9 s\u00f3 de dois s\u00e9culos para c\u00e1 que a realidade das doen\u00e7as mentais \u2014 esse limite do existir humano \u2014 se apreende em sua gravidade; realidade ora reconhecida metodicamente por forma que excede de muito e em muitos aspectos todas aquelas vigorantes no passado; percebida em seu signifi- cado filos\u00f3fico para a concep\u00e7\u00e3o do mundo; e apresentada concretamente, na multiplicidade de fatos impressionantes."], ["a) Pr\u00e1tica m\u00e9dica e conhecimento. Quase todos os conhecimentos da psicopatologia partiram da pr\u00e1tica. O que se v\u00ea e se faz na cl\u00ednica psi- qui\u00e1trica, na atividade psicoterap\u00eautica, nos consult\u00f3rios m\u00e9dicos \u2014 n\u00e3o \u00e9 o que fornece, decerto, o material inteiro de nosso conhecimento a respeito do indiv\u00edduo anormal. Mas \u00e9 a\u00ed que se concretizam e verificam todos os co- nhecimentos essenciais. As situa\u00e7\u00f5es em que ocorre uma realidade e os fins objetivos a que se visa, quando elas s\u00e3o tratadas, bem como as tarefas que se prop\u00f5em condicionam a possibilidade do conhecimento. As concep- \u00e7\u00f5es gerais vigentes ao tempo d\u00e3o a moldura e, bem assim, os preconcei- tos que impulsionam o conhecimento em certa dire\u00e7\u00e3o e o limitam noutra. Cada ci\u00eancia caracteriza-se por sua sociologia pr\u00f3pria, isto \u00e9, pela maneira por que se realiza a pesquisa, segundo as condi\u00e7\u00f5es sociais e os respecti- vos objetivos. O caso \u00e9 o mesmo, em larga medida, para a psicoterapia. O desejo de proteger e ajudar levam \u00e0 pr\u00e1tica e nesta s\u00f3 \u00e9 que se forma o co- nhecimento. Institui\u00e7\u00f5es, hospitais, cl\u00ednicas, certas tarefas subvenciona- das produzem a ci\u00eancia e a literatura cient\u00edfica, tanto imediatamente para um fim particular quanto mediatamente, constituindo alicerce intelectual da atividade aut\u00f4noma. Basta ir a um congresso psiqui\u00e1trico para notar quanto as tarefas relativas a profiss\u00e3o e status \u2014 certamente com raz\u00e3o \u2014 ocupam o primeiro plano e despertam o interesse, se bem que os docu- mentos tenham conte\u00fado puramente cient\u00edfico; e quanto a paix\u00e3o aut\u00f4- noma do pr\u00f3prio conhecimento ocupa somente a poucos."], ["1. Psiquiatria hospitalar e psiquiatria universit\u00e1ria. Em s\u00e9culos passa- dos, os doentes mentais \u2014 somente enfermos graves, agitados perigosos \u2014 foram internados junto com criminosos e vagabundos. O ponto de vista puramente m\u00e9dico e o objetivo a que visava \u2014 a cura poss\u00edvel e a assist\u00ean- cia humanit\u00e1ria \u2014 s\u00f3 veio a realizar-se por completo, na Europa, durante o s\u00e9culo passado, conquanto tenha havido precursores no s\u00e9culo XVIII. O princ\u00edpio chegou a tal extremo que acabou tomando-se discut\u00edvel e exi- gindo delimita\u00e7\u00e3o: A absolutiza\u00e7\u00e3o do conhecimento m\u00e9dico-cient\u00edfico do homem, que passou a constituir conhecimento do homem total, levou, por forma gradual, a que se inclu\u00edsse todo existir humano no campo dessa avalia\u00e7\u00e3o; e levou a que se fosse cada vez mais alargando o c\u00edrculo daque- les que eram exculpados por motivo de exclus\u00e3o da responsabilidade. Na pr\u00e1tica, jamais conseguiu a terapia constituir procedimento exclusivo: a disciplina e a seguran\u00e7a continuaram a ser consideradas indispens\u00e1veis, realmente. Mas foi apenas o princ\u00edpio da concep\u00e7\u00e3o m\u00e9dica e da humani- za\u00e7\u00e3o do tratamento psiqui\u00e1trico que conduziu \u00e0 funda\u00e7\u00e3o dos hospitais especializados; com o que, p\u00f4de prosseguir, metodicamente, a evolu\u00e7\u00e3o da ci\u00eancia psiqui\u00e1trica.", "Com o aspecto de psiquiatria hospitalar desenvolveu-se nossa ci\u00eancia durante o s\u00e9culo XIX, fomentada pelos mais eminentes m\u00e9dicos; fato esse que d\u00e1 \u00e0 maioria das personalidades psiqui\u00e1tricas dos primeiros dois ter- \u00e7os do s\u00e9culo certo colorido comum, apesar de todas as diversidades filo- s\u00f3ficas. Em todos os escritos deles se nota certo humanitarismo, dando, \u00e0s vezes, impress\u00e3o de sentimentalismo; certa acentua\u00e7\u00e3o da tarefa assis- tencial, curativa e, de quando em quando, uma dignidade pastoral; de par, entretanto, com efici\u00eancia robusta no trato das dificuldades da psiquiatria e da administra\u00e7\u00e3o hospitalar. Esses psiquiatras que, longe do conv\u00edvio social, viviam, em comum com seus pacientes, possu\u00edam certo n\u00edvel geral de forma\u00e7\u00e3o intelectual, sem, todavia, profundidade verdadeira. Aderiam de bom grado a ideias e conceitos dos fil\u00f3sofos e psic\u00f3logos, elaborando-os na psiquiatria de forma obscura; do que resultaram pontos de vista vagos, sim, mas grandiosos, al\u00e9m de grande experi\u00eancia, embora desordenada. Essa psiquiatria hospitalar acabou com a escola de Illenauer (Schule, Kra- fft-Ebing). A partir da\u00ed, deixou de existir qualquer rumo cientificamente pr\u00f3prio nas publica\u00e7\u00f5es hospitalares, exclus\u00e3o feita, talvez, de umas tan- tas personalidades conhecidas apenas em c\u00edrculos estreitos. No correr do s\u00e9culo XIX, o trabalho psiqui\u00e1trico cient\u00edfico foi produzido, pelos m\u00e9dicos, de forma crescente, nas universidades e respectivas cl\u00ednicas, o que veio dar \u00e0 ci\u00eancia colorido novo. Preponderantemente fomentada por homens que j\u00e1 n\u00e3o viviam de manh\u00e3 \u00e0 noite com seus doentes, entrou nos labora- t\u00f3rios, quer de anatomia cerebral, quer de psicopatologia experimental, tornando-se mais fria, detalhada, impessoal, inculta, perdendo-se em nu- merosas particularidades, mensura\u00e7\u00f5es, enumera\u00e7\u00f5es, achados, despo- jando-se do que tinha de pl\u00e1stico e configurado. Subsistiram, no entanto, certas vantagens: a saber, que se tornou ci\u00eancia mais pura; que se enca- minhou, em muitos setores, para uma evolu\u00e7\u00e3o cont\u00ednua; e que se am- pliou extraordinariamente o campo da pesquisa. Ao passo que a psiquia- tria de h\u00e1 cem anos se preocupava, havia s\u00e9culos, essencialmente, apenas com idiotas, dementes graves e loucos, a psiquiatria subsequente de tal modo estendeu o campo da vida ps\u00edquica, por ela estudado, que, no mo- mento atual, inclui em suas tarefas investigativas at\u00e9 as varia\u00e7\u00f5es indivi- duais da personalidade humana. A psiquiatria ultrapassou os estabeleci- mentos fechados, passando para os consult\u00f3rios m\u00e9dicos e pretendendo cooperar com trabalhos valiosos at\u00e9 em problemas sociol\u00f3gicos. Corres- pondendo a essa extens\u00e3o do setor da pesquisa, tamb\u00e9m se alargaram as rela\u00e7\u00f5es com outras ci\u00eancias. Dantes, a psicopatologia restringia-se, so- bretudo, a pesquisas puramente m\u00e9dicas; interessava-se pelo c\u00e9rebro e"], ["g\u00e2nglios abdominais; dava-se paralelamente a especula\u00e7\u00f5es est\u00e9reis, influ- enciadas por ideias metaf\u00edsico-filos\u00f3ficas: nos \u00faltimos tempos, pelo contr\u00e1- rio, as rela\u00e7\u00f5es com as pesquisas psicol\u00f3gicas ampliaram-se. De in\u00edcio, era quase s\u00f3 \u00e0 psicologia experimental que se prestava aten\u00e7\u00e3o. Desde o co- me\u00e7o do s\u00e9culo XX, iniciaram-se as experi\u00eancias no sentido de garantir \u00e0 psicologia n\u00e3o s\u00f3 essa influ\u00eancia limitada, mas tamb\u00e9m outra que atin- gisse multilateralmente a psiquiatria. As rela\u00e7\u00f5es sociol\u00f3gicas come\u00e7aram a tornar-se mais vivas nas pesquisas criminal\u00edsticas; e continuam ainda a ampliar-se. \u2014 N\u00e3o se pode dizer o que advir\u00e1, futuramente, dessas modifi- ca\u00e7\u00f5es revolucion\u00e1rias da ci\u00eancia psiqui\u00e1trica, com base nas rela\u00e7\u00f5es en- tre a psiquiatria universit\u00e1ria e a psiquiatria hospitalar. Os pr\u00f3prios hospi- tais t\u00eam-se modificado extraordinariamente, com a emerg\u00eancia de proble- mas administrativos e tarefas t\u00e9cnicas. De qualquer modo, a psiquiatria hospitalar, conforme forem seus recursos e seu material, ser\u00e1 chamada a prestar trabalho cient\u00edfico cuja import\u00e2ncia n\u00e3o levar\u00e1 desvantagem em rela\u00e7\u00e3o ao seu passado glorioso; s\u00f3 ela poder\u00e1 formar, no conv\u00edvio estreito, regular, prolongado com os doentes, as personalidades capazes de forne- cer, baseadas em sua rica observa\u00e7\u00e3o, biografias mais sutilmente apura- das dos pacientes; capazes tamb\u00e9m de desenvolver uma empatia que pe- netre e apreenda mais fundamente as conex\u00f5es ps\u00edquicas m\u00f3rbidas."], ["2. Psicoterapia. S\u00f3 com o desejo de ajudar \u00e9 que se v\u00ea o que, real- mente, existe, haja resist\u00eancia, haja sucesso. O resultado \u00e9, decerto, mul- t\u00edvoco e, por isso, n\u00e3o pode fundamentar qualquer conhecimento n\u00edtido sem investiga\u00e7\u00e3o mais s\u00e9ria. O sono no templo da antiguidade, no Egito, na China, curava; como curavam a imposi\u00e7\u00e3o das m\u00e3os e outras pr\u00e1ticas m\u00e1gicas, no mundo inteiro. Mas o que se cura, como se d\u00e1 a cura, quando \u00e9 que o procedimento falha \u2014 para responder a estas indaga\u00e7\u00f5es \u00e9 neces- s\u00e1ria a pesquisa met\u00f3dica, a qual s\u00f3 veio a ter \u00eaxito duradouro no s\u00e9culo XIX. A partir da\u00ed, muitos conhecimentos se devem \u00e0 pr\u00e1tica psicoterap\u00eau- tica. No s\u00e9culo XIX, houve um fen\u00f4meno que, retrospectivamente, ainda se afigura grandioso e instrutivo: o desenvolvimento dos conhecimentos rela- tivos ao hipnotismo, rejeitados, embora, por quase todos os eruditos. Com o pressuposto errado da exist\u00eancia de um fluido, que devia transmitir-se tal qual magnetismo animal, desenvolveu-se a teoria de Mesmer; teoria er- rada, mas levando a efeitos curativos realmente grandes. Um disc\u00edpulo de Mesmer, Puys\u00e9gur, chamou o estado de sono provocado por passes mag- n\u00e9ticos \u201csonambulismo\u201d (1784). Faria descobriu que a simples fixa\u00e7\u00e3o dos olhos e a voz imperiosa de outra pessoa produziam esse sono (1819).", "Braid reconheceu que o estado de sono ent\u00e3o criado era semelhante ao sono natural e achou que era de atribuir-se n\u00e3o a um fluido, mas ao can- sa\u00e7o sensorial (1841); enfim, Li\u00e9bault ensinou que o sono e a hipnose s\u00e3o de ess\u00eancia semelhante e que a hipnose n\u00e3o era provocada nem por fluido magn\u00e9tico algum, nem pelo cansa\u00e7o sensorial, e sim pela sugest\u00e3o. Char- cot concebeu os estados hipn\u00f3ticos como histeria artificial, ao passo que Li\u00e9bault e sua escola de Nancy os consideravam mecanismo comum a to- dos os seres humanos. O hipnotismo tornou-se popular (se bem que a ci- \u00eancia acad\u00eamica continuasse a t\u00ea-lo como charlatanismo) nos anos 80, quando b hipnotista dinamarqu\u00eas Hansen apareceu em p\u00fablico. Foi com Forel e outros que o hipnotismo veio a ganhar considera\u00e7\u00e3o cient\u00edfica. Os achados fatuais a que levou t\u00eam sido, desde ent\u00e3o, reconhecidos e enri- quecidos."], ["At\u00e9 hoje, a psicoterapia suscita ideias novas. De tempos remotos, man- t\u00e9m-se-lhe o tra\u00e7o pr\u00f3prio: a saber, procurar conhecimento cient\u00edfico, com o desejo simult\u00e2neo de ajudar, mas sempre pendendo a amea\u00e7a da sedu- \u00e7\u00e3o do charlatanismo e do curandeirismo cr\u00e9dulo de profetas e milagrei- ros. At\u00e9 hoje, ela ensina fatos que a atitude m\u00e9dica mais atenta \u00e0 terapia som\u00e1tica se esquece de relacionar com a psique.", "b) De Esquirol a Kraepelin (s\u00e9culo XIX). A psiquiatria do s\u00e9culo XIX,", "que se prolongou at\u00e9 o s\u00e9culo XX \u2014 \u201ca velha psiquiatria\u201d \u2014 afigura-se- nos, hoje em dia, alguma coisa historicamente encerrada. Depois de ter assentado o fundamento sobre o qual se firma, at\u00e9 o presente, toda a psi- copatologia j\u00e1 n\u00e3o \u00e9 mais, em seu todo, a nossa psiquiatria, porque certas evid\u00eancias comuns a todos os rumos daquela era deixaram de valer para n\u00f3s. Entretanto, no que diz respeito \u00e0 impon\u00eancia da vis\u00e3o geral e \u00e0 quan- tidade de descobertas emp\u00edricas, n\u00e3o temos, at\u00e9 hoje, nada que se- lhe compare."], ["1. Esquirol. Nos prim\u00f3rdios do desenvolvimento cont\u00ednuo\u2019 da ci\u00eancia psiqui\u00e1trica, destaca-se a personalidade de Esquirol. cujos pontos de vista e observa\u00e7\u00f5es dominaram por muito tempo a psiquiatria. Em primeira li- nha, narrador excelente, fino observador, homem que vivia com os doen- tes, foi quem, al\u00e9m disso, colocou os fundamentos da estat\u00edstica habitual (idade, sexo, rela\u00e7\u00f5es com as esta\u00e7\u00f5es do ano, mortalidade etc.); tamb\u00e9m descobriu uma s\u00e9rie de regularidades que at\u00e9 hoje se aceitam: o curso da psicose em remiss\u00f5es e intermiss\u00f5es, a import\u00e2ncia do peso do corpo (di- minui\u00e7\u00e3o do peso nas psicoses agudas, aumento na cura, progn\u00f3stico mau quando o peso aumenta sem cura concomitante da doen\u00e7a ps\u00edquica). Esquirol foi diretor do grande manic\u00f4mio de Charenton, perto de Paris."], ["Vamos rever o desenvolvimento ulterior da psiquiatria n\u00e3o cronologica-"], ["mente, mas expondo algumas tend\u00eancias opostas e intersecionantes."], ["2. Narradores e analisadores. Atrav\u00e9s da hist\u00f3ria da psiquiatria, nota- se o contraste avultado de duas tend\u00eancias: uns tiram sua for\u00e7a da descri- \u00e7\u00e3o, ou narra\u00e7\u00e3o; outros, da an\u00e1lise. Os que fazem descri\u00e7\u00f5es: Esquirol, Griesinger, Kraepelin ajuntam-se sob este ponto de vista, da mesma forma que se agrupam os analisadores: Spielmann, Nemmann, Wernecke. \u00c9 claro que n\u00e3o existe contraste absoluto entre os pesquisadores: Wernicke tamb\u00e9m produziu excelentes descri\u00e7\u00f5es, como Kraepelin deu an\u00e1lises; n\u00e3o obstante o que, o contraste das tend\u00eancias subsiste. O narrador procura comunicar ao leitor uma imagem v\u00edvida, concreta, servindo-se da lingua- gem corriqueira, sem elabora\u00e7\u00e3o conceituai. H\u00e1 em seu m\u00e9todo alguma coisa de art\u00edstico: trabalha com conceitos que lhe foram proveitosos, mas que n\u00e3o podem ser levados adiante de maneira sistem\u00e1tica. Foi assim que Hecker e Kahlbaum viram a hebefrenia; foi assim que Kraepelin deu o quadro da personalidade hist\u00e9rica; e Bleuler, da esquizofrenia. O analisa- dor n\u00e3o projeta quadro algum: pressup\u00f5e que se tenha a vis\u00e3o clara; mas n\u00e3o quer essa vis\u00e3o geral, que se esmiu\u00e7a em transi\u00e7\u00f5es para todos os la- dos; quer, sim, conceitos firmes dos fen\u00f4menos ps\u00edquicos anormais; quer decompor o quadro e possibilitar, por este meio, a caracteriza\u00e7\u00e3o segura do caso individual, al\u00e9m do reconhecimento e identifica\u00e7\u00e3o exatos. Pensa mais do que apenas v\u00ea e tudo quanto v\u00ea elabora, de imediato, mental- mente. Mata o evento ps\u00edquico vivo, a fim de obter conceitos t\u00e3o n\u00edtidos quanto pedras esculpidas. Para conseguir isso, tudo quanto adquire \u00e9 base sobre a qual possa trabalhar met\u00f3dica, sistematicamente. Depende, \u00e9 certo, de concep\u00e7\u00f5es, mas estas se conformam, para ele, em conex\u00f5es sis- tem\u00e1ticas, ao passo que o narrador, depois de apresentar a vida ps\u00edquica conforme a v\u00ea, cria, sim, um quadro pl\u00e1stico, sem colocar, por\u00e9m, base al- guma que sirva para edifica\u00e7\u00e3o ulterior. Da\u00ed n\u00e3o tardar a parar, enquanto o analisador conserva sempre suas tarefas sistem\u00e1ticas, sempre est\u00e1 inda- gando mais. As descri\u00e7\u00f5es qualquer um pode compreender de imediato e apreender com facilidade, enquanto as an\u00e1lises j\u00e1 exigem prepara\u00e7\u00e3o pe- nosa para serem compreendidas; sobretudo para quem nelas quer colabo- rar. Da\u00ed o \u00eaxito amplo dos narradores e o insucesso dos analisadores. Na hist\u00f3ria da psiquiatria, est\u00e1 sempre emergindo a necessidade de conceitos claros. Quem os procura \u2014 e s\u00e3o a \u00fanica fonte de pesquisa fecunda \u2014 pratica de todos os lados, quando visa \u00e0 an\u00e1lise met\u00f3dica, psicologia e filo- sofia. A incompreens\u00e3o vulgar mostra-se na busca de uma terminologia comum, constante, como se esta n\u00e3o fosse evidente e singela quando ape-", "nas aquilo que se tem de nomear se apresenta claro \u00e0 observa\u00e7\u00e3o e ao ra- cioc\u00ednio."], ["Entre os narradores est\u00e3o muitos dentre os antigos psiquiatras hospi- talares: Damerov, Jesen (pai e filho), Zeller e outros. O. mais brilhante, o que mais sucesso teve foi o cl\u00ednico Griesinger. Passando de leve pelos pro- blemas verdadeiros, em exposi\u00e7\u00e3o \u00e1gil e eloquente, d\u00e1, sobretudo, descri- \u00e7\u00f5es e produz apenas elucubra\u00e7\u00f5es breves, f\u00e1ceis de apreender. S\u00e3o v\u00edvi- dos, seus quadros totais, mas sem an\u00e1lises claras nem precisas. As pala- vras servem-lhe de material com que edifica e anima suas concep\u00e7\u00f5es; conceito firme algum se lhes associa. Os representantes mais importantes da escola de Illenauer s\u00e3o Schule e von Krafft-Ebing (este \u00faltimo manteve- se fiel \u00e0 psiquiatria hospitalar, apesar de haver-se tornado professor uni- versit\u00e1rio). Schule escreve com certo sentimento, o sentimento da cultura, e o sentimento da personalidade curativa do m\u00e9dico. Sua linguagem ima- ginosa \u00e9 semeada de observa\u00e7\u00f5es filos\u00f3ficas. Agradam-lhe as palavras es- trangeiras bem escolhidas e \u00e9 frequente exprimir suas opini\u00f5es em s\u00edmbo- los conceituais complicados. Baseado em experi\u00eancia extraordin\u00e1ria do trato di\u00e1rio com os pacientes, sabe descrever os quadros sintomatol\u00f3gico de um modo que resvala, muitas vezes, para o detalhamento; n\u00e3o s\u00f3 apre- senta tipos, mas uma quantidade de nuan\u00e7as, varia\u00e7\u00f5es, transi\u00e7\u00f5es. Kra- fft-Ebing \u00e9 mais s\u00f3brio, mais \u00e1gil, partilhando as opini\u00f5es b\u00e1sicas de Schule."], ["3. Somatistas e psicologistas. Outro contraste configura- se variada-", "mente atrav\u00e9s de toda a hist\u00f3ria da psiquiatria: de um lado, houve abor- dagem puramente m\u00e9dica, inteiramente firmada sobre o. corp\u00f3reo: de ou- tro lado, atitude preponderantemente psicol\u00f3gica. Ambas as tend\u00eancias ainda eram, h\u00e1 cem anos, cheias de constru\u00e7\u00f5es dogm\u00e1ticas. O ponto de vista m\u00e9dico edificou mitologias em torno da rela\u00e7\u00e3o entre os fen\u00f4menos ps\u00edquicos e certos processos som\u00e1ticos imagin\u00e1rios; sobre o ponto de vista psicol\u00f3gico pesava uma considera\u00e7\u00e3o filos\u00f3fica, moralizante. Uma e outra tend\u00eancias foram-se purificando cada vez mais, \u00e0 medida que se desenvol- viam, dos seus acess\u00f3rios construtivos e filos\u00f3ficos; tanto quanto a descri- \u00e7\u00e3o e a an\u00e1lise, as atitudes somatistas mant\u00eam-se, atualmente, lado a lado."], ["Preso inteiramente a v\u00ednculos filos\u00f3fico-metaf\u00edsicos e teol\u00f3gicos, vemos Heinroth, com sua teoria dos dist\u00farbios mentais como resultantes do \u201cpe- cado\u201d. Ideler \u201ccompreendeu\u201d *a loucura por forma demasiado psicol\u00f3gica; muitas vezes, de maneira trivial; concebeu a maior parte dos dist\u00farbios mentais como \u201cpaix\u00f5es exuberantes\u201d, \u00e0s quais op\u00f4s parte menor, que seria", "de etiologia som\u00e1tica. Spielmann tenta uma an\u00e1lise psicol\u00f3gica com base na psicologia de Herbart. Nele os elementos construtivos j\u00e1 retrocedem um pouco mais. Psic\u00f3logo arguto e cr\u00edtico foi, enfim, Hagen, que encarou cer- tos problemas com um \u00eaxito tal que alguns de seus ensaios ainda s\u00e3o fun- damentais."], ["Quanto \u00e0 abordagem som\u00e1tica \u2014 que pretendia, por exemplo, explicar"], ["a melancolia a partir de dist\u00farbios dos g\u00e2nglios abdominais \u2014 passare- mos; por ela de alto. O primeiro psiquiatra que fez do corpo, por forma cr\u00ed- tica e significativa, objeto principal de seu interesse foi Jakobi. Na sua opi- ni\u00e3o \u2014 segundo a qual o processo cerebral, materialmente percept\u00edvel (e, em todos os casos, presumido) \u00e9 o \u201cessencial\u201d das doen\u00e7as mentais \u2014 na opini\u00e3o de Jakobi, diz\u00edamos, todos os processos ps\u00edquicos, todas as for- mas de loucura, tipos de personalidade etc. s\u00e3o, apenas, \u201csintomas\u201d; por este modo de ver, n\u00e3o existe estado de loucura aut\u00f4nomo. H\u00e1, somente, doen\u00e7as cerebrais e de doen\u00e7as cerebrais s\u00f3 temos conhecimentos reais na medida em que se reconhecem como sintomas de mol\u00e9stias do c\u00e9rebro. Porque sabia muito pouco deste \u00faltimo, Jakobi voltou suas observa\u00e7\u00f5es, principalmente, para todas as demais fun\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas, a que atribuiu import\u00e2ncia extraordin\u00e1ria, excessiva na g\u00eanese da loucura. O ponto de vista som\u00e1tico foi, posteriormente, sustentado com veem\u00eancia por Mey- nert, cientista que nos enriqueceu os conhecimentos reais da estrutura do c\u00e9rebro, sobre ela, por\u00e9m, criando uma constru\u00e7\u00e3o fant\u00e1stica da conex\u00e3o dos sintomas psicol\u00f3gicos com destrui\u00e7\u00f5es de fibras, afluxo sangu\u00edneo aos vasos cerebrais etc. Pelas mesmas trilhas movem-se as teorias construti- vas de Wemicke, teorias com as quais este cientista sobrecarregou suas excelentes an\u00e1lises psicol\u00f3gicas. Em. nossos dias, tem-se esclarecido cada vez mais que a pesquisa do c\u00e9rebro segue seu rumo puramente emp\u00edrico pr\u00f3prio, pelo qual se rejeitam todas as constru\u00e7\u00f5es desta ordem. A ques- t\u00e3o da rela\u00e7\u00e3o entre altera\u00e7\u00f5es- cerebrais conhecidas e altera\u00e7\u00f5es ps\u00edqui- cas, conhecidas (teoria da localiza\u00e7\u00e3o) \u00e9, atualmente, investigada de modo meramente emp\u00edrico, nos poucos setores em que \u00e9 l\u00edcito formul\u00e1-la; mas de maneira alguma constitui fundamento da psicologia cient\u00edfica."], ["4. Wernicke e Kraepelin. H\u00e1 meio s\u00e9culo, Emminghaus1 recapitulou e conciliou os diversos rumos psiqui\u00e1tricos e a quantidade dos fatos e opini- \u00f5es at\u00e9 ent\u00e3o encontrados. A Allgemeine Psychopathologie deste autor ainda continua a ser o trabalho de refer\u00eancia mais \u00fatil a quem quiser ori- entar-se a respeito da literatura passada. Com as exposi\u00e7\u00f5es gerais de Emminghaus, Schule e Krafft-Ebing, poderia parecer que a psicopatologia atingira certa conclus\u00e3o. A impress\u00e3o \u00e9 que, baseada, nelas, se introduzira", "at\u00e9 certa mediocridade em muitos c\u00edrculos da psiquiatria cient\u00edfica. As ca- tegorias estabelecidas eram c\u00f4modas; e tudo quanto se observava podia-se reduzir a elas."], ["O novo movimento intelectual partiu, de um lado, de Wernicke; de ou- tro lado, de Kraepelin. Quando estes surgiram, o mundo psiqui\u00e1trico tra- dicional fechou-se-lhes. Os movimentos novos parecem, de in\u00edcio, aos que defendem os antigos pontos de vista constituir altera\u00e7\u00f5es meramente for- mais do conhecimento j\u00e1 existente, com o acr\u00e9scimo de argumentos insus- tent\u00e1veis. Costumam-se eles dizer: O que a\u00ed \u00e9 novo n\u00e3o \u00e9 exato; o que \u00e9 exato n\u00e3o \u00e9 novo. O rendimento produtivo que consiste em conceber aquilo que se conhece de maneira mais profunda e mais conexa, sob no- vos aspectos, d\u00e1-lhes a impress\u00e3o de mero reagrupamento do que j\u00e1 se sabe. A evolu\u00e7\u00e3o ulterior inverteu, por\u00e9m, a rela\u00e7\u00e3o. As antigas aquisi\u00e7\u00f5es s\u00f3 se transmitem na forma pela qual Wernicke e Kraepelin as admitiram. Um e outro impuseram-se; e o comp\u00eandio de Kraepelin tornou-se o mais lido de todos os livros sobre psiquiatria. Suas concep\u00e7\u00f5es foram as primei- ras a colocar o pensamento psiqui\u00e1trico em base comum. Um acaso (aci- dente) p\u00f4s fim prematuro, infelizmente, \u00e0 atividade de Wernicke, esp\u00edrito superior que poderia ter elevado a discuss\u00e3o psiqui\u00e1trica em geral a n\u00edvel mais alto. Desta forma, Kraepelin foi aumentando sua influ\u00eancia, de ano para ano, sem advers\u00e1rio e sem corre\u00e7\u00e3o equivalente; e estendendo-a a quase todos os campos da psiquiatria."], ["Wernicke foi o criador de obra brilhantemente elaborada, talvez das mais importantes da psiquiatria pela sua altitude intelectual. Sua estru- tura b\u00e1sica tirou-a, \u00e9 certo, da psicologia da associa\u00e7\u00e3o e da teoria da afa- sia, que enriqueceu com suas descobertas e estabeleceu sobre nova teoria geral. No entanto, gra\u00e7as a uma vis\u00e3o originalmente pujante e anal\u00edtica, enriqueceu a psicopatologia com muitos conceitos, hoje incontroversos, como a capacidade de fixa\u00e7\u00e3o, a perplexidade, o del\u00edrio de explica\u00e7\u00e3o, as ideias sobrevaloradas etc.; e com complexos sintom\u00e1ticos nitidamente es- truturados; como a presbiofrenia etc. O que diz \u00e9 quase sempre original e estimulante, preciso\u2019 e desafiador.", "Kraepelin sustentou com desusada energia a ideia, baseada em Kahl-"], ["baum, da unidade nosol\u00f3gica; durante algum tempo, conseguiu fazer que se lhe reconhecesse a validez. Foi ele quem estabeleceu um dos rumos mais fecundos de investiga\u00e7\u00e3o no estudo da biografia completa dos doen- tes mentais. Seu m\u00e9rito consistiu em introduzir, com base nos trabalhos de Wundt, a psicologia experimental na psicopatologia; e, sobretudo, em haver fundado a farmacopsicologia, bem como a pesquisa e an\u00e1lise da", "\u201ccurva de trabalho\u201d. O pensamento kraepeliniano b\u00e1sico manteve-se sem- pre, por\u00e9m, som\u00e1tico, pensamento que Kraepelin, como a maioria dos m\u00e9- dicos, considera o \u00fanico poss\u00edvel, em medicina; n\u00e3o s\u00f3 o primacial, mas o absoluto. Nas discuss\u00f5es psicol\u00f3gicas de seu comp\u00eandio \u2014 parte delas ex- celente \u2014 acertou, por assim dizer, sem querer: considerou-as buchas provis\u00f3rias, \u00e0 espera de que a experimenta\u00e7\u00e3o, a microscopia e o tubo de ensaio tornassem tudo objetivamente investig\u00e1vel.", "5. Figuras individuais independentes. O brilho das concep\u00e7\u00f5es psiqui\u00e1-", "tricas gerais que tiveram efic\u00e1cia hist\u00f3rica ligada \u00e0 posi\u00e7\u00e3o social impor- tante e \u00e0 atividade prolongada de seus criadores sempre se associa a cer- tas preven\u00e7\u00f5es. Como fatores corretivos, apontam-se, no desenvolvimento cient\u00edfico, grandes individualidades, \u201coutsiders\u201d, que disseram, cr\u00edticos in- dependentes implac\u00e1veis, o que havia, realmente; e fizeram, de seu lado, descobertas \u00e0s vezes muito importantes. Neste sentido, a hist\u00f3ria da psi- quiatria \u2014 \u00e0 qual faltam, em geral, personalidades geniais, na qual s\u00e3o ra- ras aquelas significativas \u2014 h\u00e1 de lembrar um homem que se manteve fora da linha oficial de desenvolvimento \u2014 P. J. M\u00f5bius; aut\u00eantico s\u00e1bio, com pontos de vista not\u00e1veis; observador dotado de capacidade psicol\u00f3gica marcada, al\u00e9m de experi\u00eancia neurol\u00f3gica saliente, M\u00f5bius viu uma s\u00e9rie de tipos nosol\u00f3gicos (por exemplo, a acinesia algera), fomentou a teoria da degenera\u00e7\u00e3o, criou a patografia. Sobretudo, no entanto, foi cr\u00edtico honesto e eficaz, que lutou contra a mitologia cerebral e contra a pseudo-exatid\u00e3o, inclinando-se, antes de mais nada, para o concreto e possuindo o senso do que importa e do que n\u00e3o importa. Intelectualmente, tai- vez haja sido ch\u00e3o, de quando em quando, devido ao sentimento- de seguran\u00e7a do m\u00e9- dico realista que considera cientificamente objetivos mesmo seus ju\u00edzos valorativos de tipo subjetivo, restrito; como se percebe, por exemplo, em sua patografia de Nietzsche."], ["6. A psiquiatria alem\u00e3 e francesa. Falamos da psiquiatria alem\u00e3; da es-", "trangeira, a que se lhe segue em import\u00e2ncia \u00e9 a francesa, essencialmente. Talvez a melhor maneira de compreender a diferen\u00e7a entre a psiquiatria alem\u00e3 e a francesa consiste em voltar ao contraste entre os narradores e os analisadores. Aqueles precisam ter mais intui\u00e7\u00e3o v\u00edvida, mais plastici- dade art\u00edstica; estes, mais intelecto penetrante, mais autorreflex\u00e3o cr\u00edtica. \u00c9 com estes pr\u00e9-requisitos psicol\u00f3gicos que talvez se relacione, no tocante aos dois rumos investigativos, o fato de os franceses haverem produzido coisa mais fina na narra\u00e7\u00e3o; e os alem\u00e3es, coisa mais profunda na an\u00e1lise. Como a psiquiatria descritiva, no entanto, prevaleceu largamente na Ale- manha, da\u00ed resulta a grande significa\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica da psiquiatria francesa,"], ["\u00e0 qual muito deve a alem\u00e3. Esquirol assentou a base da psiquiatria descri- tiva de maneira modelar. Dele derivam, direta ou indiretamente, as descri- \u00e7\u00f5es dos psiquiatras que v\u00e3o de Griesinger a Kraeft-Ebing, e mesmo Krae- pelin. Morel e Magnan apreenderam por forma menos precisa, conceitual- mente falando, do que intuitiva a import\u00e2ncia da hereditariedade e da de- genera\u00e7\u00e3o; viram os tipos de dist\u00farbios mentais degenerativos e encontra- ram, do mesmo passo, a diferen\u00e7a fundamental entre psicoses end\u00f3genas e ex\u00f3genas. A psiquiatria francesa mais recente alicer\u00e7ou, de modo geral, a psicopatologia das neuroses (histeria, psicastenia, neurastenia). Quem mais brilhantemente a promoveu foi Janet."], ["Todos os trabalhos franceses exerceram influ\u00eancia na Alemanha; in- flu\u00eancia que, entretanto, sempre foi de natureza a estimular o trabalho pr\u00f3prio. A descoberta origin\u00e1ria dos aspectos novos \u00e9 de atribuir-se aos franceses; mas a autocr\u00edtica escassa que lhes \u00e9 pr\u00f3pria e lhes possibilita desenvolver com mais facilidade pontos de vista gerais em cria\u00e7\u00f5es liter\u00e1- rias fez suas obras ficarem sempre incompletas, no sentido cient\u00edfico. Os alem\u00e3es aderiram-lhes \u00e0s ideias, limparam-nas de acess\u00f3rios fantasistas, aprofundaram os conceitos, realizaram pesquisas objetivamente fecundas. Apesar de tudo, por\u00e9m, continuaram devedores dos franceses pelas gran- des revolu\u00e7\u00f5es que estes lhes apontaram."], ["Na preocupa\u00e7\u00e3o com os conceitos, na min\u00facia da investiga\u00e7\u00e3o paci- ente, na coer\u00eancia realista e no arrebatamento ideativo, os alem\u00e3es deram sua contribui\u00e7\u00e3o, A pureza metodol\u00f3gica de Jakobi, Spielmann, Neumann, a arg\u00facia anal\u00edtica de Wernicke, a concep\u00e7\u00e3o kahlbaumiana sobre a uni- dade nosol\u00f3gica n\u00e3o vieram da Fran\u00e7a, nem tiveram contrapartida nesse pa\u00eds.", "c) A psiquiatria moderna. N\u00e3o se pode ver historicamente a cena atual, mas pode-se sentir a profundidade da lenta revolu\u00e7\u00e3o- que tem ocorrido nos \u00faltimos dec\u00eanios."], ["Entre uma \u00e9poca e outra, encontram-se homens eminentes, que, por- tadores da tradi\u00e7\u00e3o, se mostram, entretanto, especificamente modernos pela imparcialidade e disposi\u00e7\u00e3o a aceitar todas as possibilidades. Alta- mente cultos e dotados de capacidade cr\u00edtica apurada, representam, por assim dizer, uma consci\u00eancia sempre presente dos. tempos: promovem a atitude cient\u00edfica, a ades\u00e3o \u00e0 experi\u00eancia, sem. deixar, por\u00e9m, de encorajar o pensamento e a investiga\u00e7\u00e3o pr\u00f3prios, sem privar de autonomia seus disc\u00edpulos. Lucidamente c\u00e9pticos e, pois, tolerantes, nem por isso deixam de entusiasmar-se pelos movimentos que recriam o todo. Possuem, enfim,", "personalidade marcada; da\u00ed n\u00e3o terem sucessores. Em vez de meus pr\u00f3- prios mestres \u2014 Nissl e Welmanns \u2014 nomearei dois homens que me s\u00e3o, pessoalmente, remotos."], ["Bonhoeffer, dotado de vis\u00e3o segura, inclinado ao empirismo' detalhado", "e atento aos tra\u00e7os b\u00e1sicos essenciais, criou numerosos conhecimentos novos; muitos dentre, seus trabalhos t\u00eam valor per- durativo (psicoses al- co\u00f3licas, psicoses sintom\u00e1ticas, esclarecimento do psicogenismo etc.). \u00c9 caracter\u00edstico o fato de que jamais apresentou o setor total, como quase todos os psiquiatras eminentes, mais antigos; seus trabalhos s\u00e3o impreg- nados de humildade ante os enigmas de maior porte."], ["Gaupp, disc\u00edpulo tanto de Wernicke quanto de Kraepelin, aberto desde", "o in\u00edcio a todos os rumos da pesquisa, n\u00e3o \u00e9 de conhecer-se apenas por seus livros, mas por seus in\u00fameros artigos e cr\u00edticas, com os quais acom- panhou a marcha da psiquiatria durante quase meio s\u00e9culo; a meu ver, sua influ\u00eancia excede de muito aquela que de imediato se percebe. Sua clareza e apuro estil\u00edsticos, sua cr\u00edtica positiva, que apanha tudo quanto \u00e9 digno de considera\u00e7\u00e3o, foram ben\u00e9ficas. Seu pensamento atuou, em certa medida, atrav\u00e9s de seus disc\u00edpulos."], ["N\u00e3o se pode ordenar de maneira unit\u00e1ria tudo quanto ocorreu, em ma- t\u00e9ria de ci\u00eancia, nos \u00faltimos quarenta anos. Por volta de 1900, come\u00e7ou a sentir-se o efeito da psican\u00e1lise freudiana. As observa\u00e7\u00f5es e tend\u00eancias v\u00e1- lidas que chamavam a aten\u00e7\u00e3o para o inconsciente e o subconsciente fo- ram defendidas e promovidas por Bleuler, que, com sua penetra\u00e7\u00e3o e pu- reza cr\u00edticas, salvou e incorporou \u00e0 consci\u00eancia geral da psiquiatria cient\u00ed- fica o que havia de sustent\u00e1vel nas teorias de Freud.", "Os grandes movimentos de pesquisa biol\u00f3gica (gen\u00e9tica, endocrinolo- gia) ampliaram o horizonte e conquistaram consider\u00e1vel quantidade de fa- tos novos.", "Desde o aparecimento de \u201cK\u00f6rperbau und Charakter\u201d, de Kretschmer"], ["(1921), remodelou-se o conceito da constitui\u00e7\u00e3o humana\".", "Mas todas estas refer\u00eancias individuais, por mais importante que lhes", "seja o conte\u00fado, n\u00e3o chegam a caracterizar suficientemente a era da psi- quiatria moderna. Coisas novas se encontram, por\u00e9m atrav\u00e9s de dispers\u00e3o extraordin\u00e1ria dos interesses, com fragmenta\u00e7\u00e3o cada vez maior em de- partamentos que pouco se interessam uns pelos outros. \u00c9 no aspecto so- m\u00e1tico e c\u00e9rebro- patol\u00f3gico que se fazem as descobertas mais importan-"], ["tes. Ao esp\u00edrito antipsicol\u00f3gico, que cada vez mais avulta a partir da\u00ed, con- trap\u00f5e-se uma rea\u00e7\u00e3o en\u00e9rgica -e, por sua vez, de quando em quando ex- cessiva, no sentido de esfor\u00e7os psicol\u00f3gico-metaf\u00edsicos. N\u00e3o vigoram abso- lutiza\u00e7\u00f5es de sistemas te\u00f3ricos amplos, mas vigoram, aqui e ali, absoluti- za\u00e7\u00f5es de alguns pontos de vista e conte\u00fados cognitivos deles originados. Desaparecem as personalidades eminentes dos pesquisadores cujas- esco- las hajam marcado a ci\u00eancia. \u00c9 cada vez mais dif\u00edcil manter-se em dia com o aumento enorme da literatura em revistas e livros dos in\u00fameros autores; como \u00e9 cada vez mais dif\u00edcil acompanhar essa atividade gigantesca, que n\u00e3o chega a configurar um todo. S\u00f3 a uma cr\u00edtica escolada na produ\u00e7\u00e3o geral da psiquiatria antiga \u00e9 que ser\u00e1 poss\u00edvel descobrir o que h\u00e1 de boa qualidade no fluxo da produ\u00e7\u00e3o inculta."], ["Percebe-se a falta de uma vis\u00e3o geral que prevale\u00e7a (e que se poderia impor dentro dos livros de texto) na contestabilidade da reedi\u00e7\u00e3o do com- p\u00eandio de Kraepelin; sobretudo, no volume Allgemeine Psychiatrie de Joh. Lange (1927). Apesar da melhor vontade e dos conhecimentos gerais que possu\u00edmos, parece imposs\u00edvel inserir os novos movimentos psicopatol\u00f3gi- cos na moldura do passado."], ["O que h\u00e1 de novo na situa\u00e7\u00e3o s\u00e3o a imparcialidade e a amplitude hoje poss\u00edveis. Pode-se abstrair qualquer teoria, qualquer ponto de vista; pode- se experimentar ilimitadamente, sob qualquer \u00e2ngulo. Luta-se contra o passado, contra as evid\u00eancias tradicionais; as pesquisas tornam-se ousa- das e desinibidas, indo at\u00e9 as terapias surpreendentes, novas e eficazes, da paralisia geral e da esquizofrenia. A falha que a situa\u00e7\u00e3o apresenta, pela aus\u00eancia de vis\u00e3o global, \u00e9 apenas caracter\u00edstica negativa do que h\u00e1 de positivo. Fundamental \u00e9 a quest\u00e3o seguinte: surgir\u00e1 nova vis\u00e3o global dogm\u00e1tica, ou que \u00e9 que aparecer\u00e1 em seu lugar? O que pretendi, desde 1913, foi contribuir mediante sistematiza\u00e7\u00e3o metodol\u00f3gica."], ["d) Impulsos e formas do progresso cient\u00edfico. Tal qual as demais ci- \u00eancias, a psicopatologia n\u00e3o progride a passos regulares. N\u00e3o se instalam automaticamente, em absoluto, as ideias. Por exemplo, Kant (em sua an- tropologia) reconheceu a impossibilidade de explicar psicologicamente as psicoses (o indiv\u00edduo teria \u201cenlouquecido de amor\u201d): seria erro imaginar como adquirido aquilo que se herdou, \u201ccomo se o pr\u00f3prio desgra\u00e7ado ti- vesse culpa\u201d. Sem falar sequer nas confus\u00f5es em que incorreram m\u00e9dicos mais recentes, as pr\u00f3prias opini\u00f5es de Esquirol quanto \u00e0 etiologia ps\u00edquica constituem, de algum modo, retrocesso.", "Faz-se aos saltos o progresso do conhecimento: de um momento para"], ["outro, percebem-se novos campos de pesquisas e, dentro de tempo relati- vamente curto, atinge-se um limite que, a princ\u00edpio, n\u00e3o se ultrapassa. As- sim \u00e9 que as situa\u00e7\u00f5es intelectuais em que os interessados julgam poder dispor \u00e0 vontade dos novos conhecimentos, bastando estender a m\u00e3o, al- ternam com outras situa\u00e7\u00f5es em que tudo se suspende e outra coisa n\u00e3o se faz sen\u00e3o repetir o que se sabe."], ["1. Impulsos e objetivos. O desejo da novidade em si, da originalidade, \u00e9 quase sempre infecundo. A novidade \u00e9 dom que aparece de um momento para o outro, oferecendo-se \u00e0quele que trabalha com tenacidade e contem- pla, espontaneamente vivo, tudo que depara, \u201cem que pensa sem cessar\u201d. Necess\u00e1ria, em primeiro lugar, \u00e9 a apropria\u00e7\u00e3o da tradi\u00e7\u00e3o, porque ningu\u00e9m jamais inicia, mas se exercita na confirma\u00e7\u00e3o reiterada do que j\u00e1 se conhece; da\u00ed \u00e9 que para a gera\u00e7\u00e3o subsequente surge, sem querer, a novidade, aquilo que s\u00f3 agora \u00e9 poss\u00edvel. Essa apropria\u00e7\u00e3o da tradi\u00e7\u00e3o h\u00e1 de sempre ocorrer em extens\u00e3o total, reconhecido que seja seu conte\u00fado em material m\u00f3rbido presente: \u00e9 assim que se aprofunda e se amplia a tradi\u00e7\u00e3o, tal qual desperta a vis\u00e3o pr\u00f3pria. O ajustamento com os cientis- tas passados, como se estes fossem um presente \u00fanico, leva o conheci- mento total ao n\u00edvel que s\u00f3 ent\u00e3o lhe \u00e9 poss\u00edvel alcan\u00e7ar.", "Novidade real \u00e9 a abertura de um mundo de fatos a que, at\u00e9 o mo- mento, n\u00e3o se tinha acesso; \u00e9 a inven\u00e7\u00e3o de um m\u00e9todo aplic\u00e1vel e fe- cundo. \u00c9 m\u00e1xima a ascens\u00e3o quando esta trilha da descoberta \u00e9 a pri- meira que se percorre. O fato de realizar-se, ent\u00e3o, uma sobrevalora\u00e7\u00e3o da novidade \u00e9 condi\u00e7\u00e3o psicol\u00f3gica da investiga\u00e7\u00e3o."], ["Da cr\u00edtica resulta impulso ulterior: ou seja, aquele que consiste em", "querer familiarizar-se com todas as possibilidades e com todos os fatos, tradicionais e presentes. Procura-se o contato com todo saber em sua pe- culiaridade; e procura-se compreender o conhecimento da respectiva espe- cialidade dentro do contexto do conhecimento global. Dois objetivos s\u00e3o, ent\u00e3o, v\u00e1lidos: Quer-se possuir, conscientemente presente, em seus tra\u00e7os fundamentais, o todo eventual da psicopatologia; isto \u00e9, quer-se a forma- \u00e7\u00e3o cient\u00edfica na profiss\u00e3o, e n\u00e3o apenas certa soma de conhecimentos. Busca-se realizar, conscientemente, a. atitude filos\u00f3fica b\u00e1sica, que funda- menta e suporta o conhecimento. Aqui se inserem, entre outras coisas, o conhecimento dos m\u00e9todos, a discrimina\u00e7\u00e3o do sentido das inquiri\u00e7\u00f5es, a informa\u00e7\u00e3o sobre a rela\u00e7\u00e3o entre o conhecimento e a pr\u00e1tica e entre a pr\u00e1- tica e as motiva\u00e7\u00f5es extracient\u00edficas.", "2. A origem dos movimentos cient\u00edficos. As concep\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas que t\u00eam"], ["posto em novo movimento a ci\u00eancia n\u00e3o costumam ser, em absoluto, cla- ras, de in\u00edcio. H\u00e1 uma confus\u00e3o de m\u00e9todos e temas, cujo intrincamento talvez lhes condicione a for\u00e7a. Da\u00ed resulta uma rela\u00e7\u00e3o multilateral entre a concep\u00e7\u00e3o e os fatos at\u00e9 ent\u00e3o sabidos. A aspira\u00e7\u00e3o total e mais a obscuri- dade l\u00f3gica e metodol\u00f3gica produzem um efeito de feiti\u00e7o: \u00e9 o caso da uni- dade nosol\u00f3gica de Kraepelin, da teoria da esquizofrenia de Bleuler, da psican\u00e1lise freudiana e da teoria kretschmeriana da constitui\u00e7\u00e3o. Caracte- riza-as e caracteriza a ess\u00eancia de nossas tentativas esclarecedoras o fato de todas estas teorias aparecerem em v\u00e1rias passagens de nosso livro; e de a respectiva totalidade haver precisado desmembrar-se em seus compo- nentes l\u00f3gicos."], ["Tudo quanto \u00e9 criativo costuma ser absolutizante. Mas quem cria ex- perimenta o entusiasmo, a fecundidade; a ru\u00edna, n\u00e3o. S\u00e3o s\u00f3 os sucesso- res que pagam pelo entusiasmo; que se esvaziam, se tornam fan\u00e1ticos, se interessam pelo patrim\u00f4nio e pela disputa em si mesmos; pelo poder que se conquista com um saber de f\u00e1cil aquisi\u00e7\u00e3o."], ["Outro tipo de pesquisador \u00e9 aquele que se mant\u00e9m razo\u00e1vel, que deixa", "o espa\u00e7o livre. Pequeno pela for\u00e7a criativa, quando descobre conhecimen- tos radicalmente novos e quando cria um movimento mental -vigoroso, \u00e9 capaz de formar a atmosfera em que prospera a criatividade. Sua capaci- dade de ver o que \u00e9 positivo, sua imparcialidade cr\u00edtica, sua esquivan\u00e7a a quaisquer absolutiza\u00e7\u00f5es s\u00e3o alentadoras. E \u00e9 estrito em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 veraci- dade e \u00e0 condi\u00e7\u00e3o humana; \u00e9 a m\u00e9dia que serve de padr\u00e3o."], ["Ideal raro \u00e9 o pesquisador criativo cuja capacidade de descobrir n\u00e3o lhe paralisa a cr\u00edtica, mas a exalta, porque suas pr\u00f3prias descobertas s\u00e3o met\u00f3dicas e porque seu saber o faz modesto no tocante ao significado do que descobre. Pesquisador desta ordem foi Fr. Nissl, a quem devo n\u00e3o s\u00f3 a oportunidade de ter podido ver como um pesquisador aut\u00eantico vive, pensa, procede; mas tamb\u00e9m o fato de haver-me dado possibilidade de trabalhar, embora avesso aos meus esfor\u00e7os; de ter-se interessado por eles, se bem que apaixonadamente adverso; e de haver-se deixado em parte convencer, al\u00e9m de n\u00e3o regatear-me consenso, quando eu obtinha \u00eaxito. Em sua cl\u00ednica, aprendi que nada h\u00e1 de mais importante para quem se esfor\u00e7a por saber do que o esp\u00edrito de um lugar, ou de uma casa. Quando uns poucos homens interessados em discutir se re\u00fanem constan- temente, surge movimento real, desde que o chefe, pela sele\u00e7\u00e3o ou sorte, encontre os indiv\u00edduos cujos padr\u00f5es inabal\u00e1veis sejam o respeito natural, o tato seguro, a honestidade; padr\u00f5es que, n\u00e3o sendo est\u00e1veis, facilmente"], ["se perdem, quer seja tir\u00e2nica a dire\u00e7\u00e3o da cl\u00ednica, quer a discuss\u00e3o se es- tabele\u00e7a em liberdade, de igual para igual.", "3. Correntes cient\u00edficas correspondentes \u00e0 \u00e9poca. Quando se comparam", "os comp\u00eandios do \u00faltimo meio-s\u00e9culo, \u00e9 espantoso ver que enorme mu- dan\u00e7a podem sofrer as concep\u00e7\u00f5es gerais e a linguagem, dentro de tempo relativamente curto. Mas, em meio a toda a confus\u00e3o dos numerosos es- for\u00e7os, sempre h\u00e1 uma linguagem predominante \u2014 o que depende, em parte, das concep\u00e7\u00f5es cient\u00edficas em vigor e em parte da linguagem co- mum \u00e0 \u00e9poca e aos seus interesses (a maneira de descrever dificuldades de vida e conflitos difere inteiramente de 1900 para 1930). Da\u00ed dever-se distinguir, tamb\u00e9m na psicopatologia, o que \u00e9 conhecimento real, perma- nente, em sentido cient\u00edfico (conhecimento que tem de ser tanto compulsi- vamente exato quanto essencial e importante); o que, pelo contr\u00e1rio, mais n\u00e3o \u00e9 do que maneira de falar vari\u00e1vel com a moda (neste caso, a modifi- ca\u00e7\u00e3o do jarg\u00e3o vale por progresso do conhecimento e as forma\u00e7\u00f5es ver- bais valem por ideias novas); e o que constitui atitude b\u00e1sica na concep\u00e7\u00e3o do homem e do mundo (na consci\u00eancia filos\u00f3fica). Parte dos esfor\u00e7os cien- t\u00edficos n\u00e3o resulta, em absoluto, de interesse pelo saber. A cren\u00e7a que os contempor\u00e2neos t\u00eam na ci\u00eancia \u00e9 que vem a servir de padr\u00e3o, quando para o \u00eaxito na profiss\u00e3o m\u00e9dica tamb\u00e9m se exige comprova\u00e7\u00e3o pelo traba- lho cient\u00edfico pr\u00f3prio. Para satisfazer essa necessidade sociol\u00f3gica, h\u00e1 indi- v\u00edduos menos honestos que produzem trabalho cient\u00edfico puramente deco- rativo."], ["4. Medicina e filosofia. N\u00e3o se pode duvidar de que as ideias filos\u00f3ficas (e teol\u00f3gicas) vigorantes sempre hajam exercido influ\u00eancia modeladora so- bre a ci\u00eancia. Muitos psiquiatras da primeira metade do s\u00e9culo XIX adota- ram a filosofia natural de Schelling, com sua teoria da polaridade e da analogia entre os \u00f3rg\u00e3os e a psique; Spielmann inspirou-se em Herbart; psiquiatras ulteriores sujeitaram-se \u00e0 filosofia materialista e positivista. Hoje em dia, toda a medicina percebe essa depend\u00eancia ou rela\u00e7\u00e3o. Lei- brand exp\u00f5e, historicamente, a teologia m\u00e9dica. Schumacher, em seus es- tudos sobre a medicina da antiguidade, parte da seguinte posi\u00e7\u00e3o: Cada \u00e9poca da medicina tem sua maneira de pensar pr\u00f3pria; e esta maneira de pensar \u00e9 determinada, parcialmente, pelo conte\u00fado, forma e express\u00e3o das tend\u00eancias filos\u00f3ficas que vigoram a cada momento. \u2014 S\u00f3 se pode compreender a medicina de uma \u00e9poca se se reconhecer quanto \u00e9 pene- trada pelo cabedal espiritual filos\u00f3fico. Por mais verdadeira que seja esta posi\u00e7\u00e3o para a concep\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica, nem por isso se deixa de acentuar, novamente, a autonomia da ci\u00eancia por", "si mesma em rela\u00e7\u00e3o \u00e0quela posi\u00e7\u00e3o. A medida real da investiga\u00e7\u00e3o cient\u00ed- fica h\u00e1 de ser o fato substancial v\u00e1lido e permanente. Podemos indagar at\u00e9 que ponto os pressupostos filos\u00f3ficos ter\u00e3o jamais levado a descobertas ou as ter\u00e3o obstado; ainda mais: podemos indagar que \u00e9pocas e tend\u00eancias se ter\u00e3o caracterizado pela depend\u00eancia filos\u00f3fica, em vista de descoberta alguma se haver realizado com elas vigentes; enfim, com que extens\u00e3o a linguagem corrente de uma \u00e9poca, a discuss\u00e3o do que se haja aprendido n\u00e3o-cientificamente, as maneiras de pensar e proceder ter\u00e3o estilo unit\u00e1rio que as impregne; e at\u00e9 que ponto este foi determinado pelas grandes filo- sofias ou nelas culminou. N\u00e3o podemos evitar uma atitude filos\u00f3fica b\u00e1- sica em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 ci\u00eancia em geral; mas isto n\u00e3o implica que devamos ficar parados numa filosofia. Certos conhecimentos, uma vez adquiridos, s\u00e3o independentes de qualquer filosofia; e conhecimento cient\u00edfico s\u00f3 \u00e9 aquilo que, independente da filosofia, da opini\u00e3o e da vis\u00e3o do mundo, vale para todos, \u00e9 geral e obrigat\u00f3rio. O importante, pois, \u00e9 se existe na atitude filo- s\u00f3fica b\u00e1sica a vontade absoluta de saber, assim impelindo a que se sigam as vias da ci\u00eancia, ou se h\u00e1 filosofia que sujeite o saber a certas condi\u00e7\u00f5es; as quais inibir\u00e3o ou. aniquilar\u00e3o, infalivelmente, a marcha das descober- tas cient\u00edficas."], ["SUM\u00c1RIO", "PREF\u00c1CIO ............................................................................................................................................................. 3"], ["INTRODU\u00c7\u00c3O ....................................................................................................................................................... 9 \u00a7 1. Delimita\u00e7\u00e3o Da Psicopatologia Geral ........................................................................................................ 9 a) Psiquiatria como profiss\u00e3o pr\u00e1tica e psicopatologia como ci\u00eancia .......................................................................... 9 b) Psicopatologia e psicologia ....................................................................................................................................... 11 c) Psicopatologia e medicina som\u00e1tica. ........................................................................................................................ 12 d) Metodologia, Filosofia. .............................................................................................................................................. 13 \u00a7 2. Alguns Conceitos Fundamentais .............................................................................................................. 15 a) Homem e animal. ....................................................................................................................................................... 15 b) A objetiva\u00e7\u00e3o da alma. .............................................................................................................................................. 18 c) A consci\u00eancia e o inconsciente. ................................................................................................................................. 18 d) Mundo interior e mundo ambiente. ........................................................................................................................ 21 e) A diferencia\u00e7\u00e3o da vida ps\u00edquica. .............................................................................................................................. 23 f) Vis\u00e3o retrospectiva. .................................................................................................................................................... 26 \u00a7 3. Preconceitos E Pressuposi\u00e7\u00f5es. ................................................................................................................ 26 a) Preconceitos. .............................................................................................................................................................. 27 b) Pressuposi\u00e7\u00f5es. .......................................................................................................................................................... 33 \u00a7 4. M\u00e9todos .................................................................................................................................................... 35 a) M\u00e9todos t\u00e9cnicos. ..................................................................................................................................................... 36 b) M\u00e9todos l\u00f3gico-concretos de apreens\u00e3o e pesquisa. ............................................................................................ 39 c) Desvios l\u00f3gico-formais inevit\u00e1veis, que constantemente t\u00eam de ser vencidos. ................................................... 45 d) A depend\u00eancia dos m\u00e9todos psicopatol\u00f3gicos de outras ci\u00eancias. ....................................................................... 52 e) Exig\u00eancia impostas aos m\u00e9todos; cr\u00edtica metodol\u00f3gica e metodologias inadequadas. ...................................... 53 \u00a7 5. A Tarefa De Uma Psicopatologia Geral E Sinopse Do Presente Livro. .................................................. 55"], ["PARTE 1. OS FATOS PARTICULARES DA VIDA PS\u00cdQUICA ................................................................................. 72 1.1. OS FEN\u00d4MENOS SUBJETIVOS DA VIDA PS\u00cdQUICA M\u00d3RBIDA (FENOMENOLOGIA) .................................. 74 SE\u00c7\u00c3O 1. FEN\u00d4MENO PARTICULARES DA VIDA PS\u00cdQUICA ANORMAL. ............................................................ 77 a) A estrutura\u00e7\u00e3o do contexto de rela\u00e7\u00f5es dos fen\u00f4menos. ...................................................................................... 77 b) Forma e conte\u00fado dos fen\u00f4menos. ......................................................................................................................... 78 c) Transi\u00e7\u00f5es entre os fen\u00f4menos. ............................................................................................................................... 79 d) A divis\u00e3o dos grupos de fen\u00f4menos. ....................................................................................................................... 80 \u00a7 1. Consci\u00eancia Do Objeto .............................................................................................................................. 80 a) Anomalias da percep\u00e7\u00e3o. .......................................................................................................................................... 81 b) Caracteres anormais da percep\u00e7\u00e3o. ......................................................................................................................... 83 c) Divis\u00e3o da percep\u00e7\u00e3o. ................................................................................................................................................ 85 d) Falsas-percep\u00e7\u00f5es ...................................................................................................................................................... 86 e) Anomalias de representa\u00e7\u00e3o; falsas-recorda\u00e7\u00f5es................................................................................................... 99 f) Cogni\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas. ............................................................................................................................................... 103 \u00a7 2. Viv\u00eancia Do Espa\u00e7o E Do Tempo. .......................................................................................................... 104 a) O espa\u00e7o. .................................................................................................................................................................. 106 b) O tempo.................................................................................................................................................................... 108 c) O movimento............................................................................................................................................................ 115 \u00a7 3. A Consci\u00eancia Corp\u00f3rea. ......................................................................................................................... 116 a) Membros amputados. ............................................................................................................................................. 118 b) Dist\u00farbios neurol\u00f3gicos. .......................................................................................................................................... 118"], ["c) Sensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas, percep\u00e7\u00f5es da forma do corpo, alucina\u00e7\u00f5es dos sentidos corp\u00f3reos etc. .................... 119 d) S\u00f3sia. ......................................................................................................................................................................... 122 \u00a7 4. Consci\u00eancia Da Realidade E Ideias Delirantes. ..................................................................................... 123 a) O conceito de del\u00edrio. ............................................................................................................................................... 125 b) Viv\u00eancia delirantes prim\u00e1rias. ................................................................................................................................. 128 c) A incorrigibilidade. ................................................................................................................................................... 136 d) Elabora\u00e7\u00e3o delirante................................................................................................................................................ 139 e) Ideias delirantes aut\u00eanticas e ideias deliroides. .................................................................................................... 139 f) O problema das ideias delirantes metaf\u00edsicas. ....................................................................................................... 140 \u00a7 5. Sentimentos E Estados De \u00c2nimo .......................................................................................................... 141 a) Altera\u00e7\u00f5es dos sentimentos corp\u00f3reos.................................................................................................................. 144 b) Altera\u00e7\u00e3o dos sentimentos de energia e rendimento .......................................................................................... 145 c) Apatia ........................................................................................................................................................................ 145 d) O sentimento da falta de sentimento. ................................................................................................................... 146 e) Altera\u00e7\u00e3o da tonalidade afetiva na apreens\u00e3o de objetos. .................................................................................. 146 f) Sentimentos sem objetos. ....................................................................................................................................... 148 g) Como nascem mundos de sentimentos sem objeto. ........................................................................................... 151 \u00a7 6. Impulso, Instinto E Vontade. .................................................................................................................. 153 a) A\u00e7\u00f5es impulsivas. ..................................................................................................................................................... 153 b) Consci\u00eancia da inibi\u00e7\u00e3o da vontade. ...................................................................................................................... 156 c) Consci\u00eancia de impot\u00eancia da vontade e sentimento de for\u00e7a. .......................................................................... 156 \u00a7 7. Consci\u00eancia Do Eu. .................................................................................................................................. 158 a) Atividade do eu. ....................................................................................................................................................... 159 b) Unidade do eu. ......................................................................................................................................................... 163 c) Identidade do eu. ..................................................................................................................................................... 164 d) Consci\u00eancia do eu em oposi\u00e7\u00e3o ao exterior. ......................................................................................................... 165 e) Consci\u00eancia de personalidade. ............................................................................................................................... 166 f) Personifica\u00e7\u00f5es dissociadas (cindidas). ................................................................................................................... 168 \u00a7 8. Fen\u00f4menos Reflexivos. ........................................................................................................................... 171 a) Vida ps\u00edquica elementar e vida ps\u00edquica mediada pelo pensamento.................................................................. 172 b) Dist\u00farbios dos instintos e das fun\u00e7\u00f5es org\u00e2nicas. ................................................................................................. 173 c) Fen\u00f4menos compulsivos. ........................................................................................................................................ 174 SE\u00c7\u00c3O 2. O TODO MOMENT\u00c2NEO: O ESTADO DE CONSCI\u00caNCIA ................................................................... 180 \u00a7 1. Aten\u00e7\u00e3o E Oscila\u00e7\u00f5es Da Consci\u00eancia ................................................................................................... 184 a) Aten\u00e7\u00e3o. .................................................................................................................................................................... 184 b) Oscila\u00e7\u00f5es da consci\u00eancia. ...................................................................................................................................... 187 c) Turva\u00e7\u00f5es da consci\u00eancia. ....................................................................................................................................... 188 d) Aumentos da consci\u00eancia. ...................................................................................................................................... 188 \u00a7 2. Sono E Hipnose........................................................................................................................................ 189 a) Sonho. ....................................................................................................................................................................... 189 b) Adormecer e despertar. .......................................................................................................................................... 191 c) Hipnose. .................................................................................................................................................................... 192 \u00a7 3. Altera\u00e7\u00f5es Psic\u00f3ticas Da Consci\u00eancia .................................................................................................... 192 a) Designamos por torpor os estados intermedi\u00e1rios que v\u00e3o da consci\u00eancia \u00e0 inconsci\u00eancia. ........................... 193 b) Turva\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia: ........................................................................................................................................ 193 c) Altera\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia. ........................................................................................................................................ 193 d) O estado de consci\u00eancia que assinala a aura, antes dos ataques epil\u00e9pticos..................................................... 194 \u00a7 4. As Formas Das Conex\u00f5es Vivenciais Fant\u00e1sticas .................................................................................. 194 1.2. OS RENDIMENTOS OBJETIVOS DA VIDA PS\u00cdQUICA (PSICOLOGIA DO RENDIMENTO) ............................ 204 a) Psicologia subjetiva e objetiva. ............................................................................................................................... 204"], ["b) O esquema neurol\u00f3gico b\u00e1sico do arco reflexo e o esquema psicol\u00f3gico b\u00e1sico de tarefa e rendimento. .... 204 c) O antagonismo dos dois esquemas b\u00e1sicos. .......................................................................................................... 208 d) Psicologia da associa\u00e7\u00e3o, do ato e da configura\u00e7\u00e3o. ............................................................................................. 211 e) A sequ\u00eancia das totalidades.................................................................................................................................... 216 f) A experimenta\u00e7\u00e3o na psicopatologia? .................................................................................................................... 217 SE\u00c7\u00c3O 1. OS RENDIMENTOS INDIVIDUAIS ....................................................................................................... 222 \u00a7 1. Percep\u00e7\u00e3o ................................................................................................................................................ 222 \u00a7 2. Apreens\u00e3o E Orienta\u00e7\u00e3o......................................................................................................................... 225 \u00a7 3. Mem\u00f3ria .................................................................................................................................................. 227 a) Amn\u00e9sias. ................................................................................................................................................................. 229 b) Dist\u00farbios da capacidade de reprodu\u00e7\u00e3o, do cabedal mn\u00eamico e da capacidade de fixa\u00e7\u00e3o. ......................... 230 c) Falsifica\u00e7\u00f5es da mem\u00f3ria. ....................................................................................................................................... 234 \u00a7 4. Motricidade ............................................................................................................................................. 235 a) Dist\u00farbios motores neurol\u00f3gicos. ........................................................................................................................... 235 b) Apraxias .................................................................................................................................................................... 236 c) Dist\u00farbios motores psic\u00f3ticos. ................................................................................................................................ 236 \u00a7 5. Linguagem ............................................................................................................................................... 242 a) Dist\u00farbios articulat\u00f3rios. ......................................................................................................................................... 244 b) Afasias. ...................................................................................................................................................................... 245 c) Dist\u00farbios psic\u00f3ticos da fala .................................................................................................................................... 250 \u00a7 6. Pensamento E Ju\u00edzo ................................................................................................................................ 255 a) Como rendimento psicol\u00f3gico ................................................................................................................................ 256 b) Fenomenologicamente ........................................................................................................................................... 257 c) Em conex\u00f5es geneticamente compreens\u00edveis....................................................................................................... 257 d) O del\u00edrio apresenta-se, em seu todo. ..................................................................................................................... 257 SE\u00c7\u00c3O 2. O TODO DOS RENDIMENTOS ............................................................................................................. 260 \u00a7 1. A Base Psicof\u00edsica Dos Rendimentos ..................................................................................................... 260 a) Fun\u00e7\u00f5es psicof\u00edsicas b\u00e1sicas. ................................................................................................................................... 261 b) O Rendimento Laborativo. ...................................................................................................................................... 267 c) Tipos de Rendimentos Individualmente Vari\u00e1veis. ............................................................................................... 269 \u00a7 2. O Curso Presente Da Vida Ps\u00edquica........................................................................................................ 271 a) Fuga-de-ideias e Inibi\u00e7\u00e3o do Pensamento. ............................................................................................................ 271 b) A Confus\u00e3o. .............................................................................................................................................................. 277 \u00a7 3. A Intelig\u00eancia........................................................................................................................................... 278 a) An\u00e1lise da Intelig\u00eancia. ............................................................................................................................................ 278 b) Tipos de dem\u00eancia. .................................................................................................................................................. 281 c) Exame da Intelig\u00eancia .............................................................................................................................................. 286 1.3. OS SINTOMAS DA VIDA PS\u00cdQUICA NOS FEN\u00d4MENOS SOM\u00c1TICOS CONCOMITANTES E CONSECUTIVOS (SOMATOPSICOLOGIA)................................................................................................................................. 289 Observa\u00e7\u00f5es Preliminares Sobre Corpo E Alma ........................................................................................... 289 a) A separa\u00e7\u00e3o de corpo e alma .................................................................................................................................. 289 b) A correla\u00e7\u00e3o de corpo e alma ................................................................................................................................. 290 c) A integra\u00e7\u00e3o de corpo e da alma em geral. ........................................................................................................... 291 d) A coincid\u00eancia de corpo e alma, como fato poss\u00edvel de investigar. ..................................................................... 293 e) As \u00e1reas de pesquisa em que se v\u00ea a rela\u00e7\u00e3o corpo-alma. .................................................................................. 295 \u00a7 1. Os Fatos Psicossom\u00e1ticos B\u00e1sicos ......................................................................................................... 296 a) Sensa\u00e7\u00f5es corp\u00f3reas. .............................................................................................................................................. 296 b) Fen\u00f4menos som\u00e1ticos concomitantes permanentes. ......................................................................................... 298 c) Sono .......................................................................................................................................................................... 302"], ["d) Efeitos som\u00e1ticos da hipnose. ................................................................................................................................ 306 \u00a7 2. Os Dist\u00farbios Som\u00e1ticos Em Sua Rela\u00e7\u00e3o Com A Psique. .................................................................... 307 a) Grupos principais dos dist\u00farbios som\u00e1ticos psiquicamente condicionados. ...................................................... 308 b) Origem dos dist\u00farbios som\u00e1ticos. .......................................................................................................................... 314 \u00a7 3. Achados Som\u00e1ticos Nas Psicoses .......................................................................................................... 321 a) Peso do corpo. .......................................................................................................................................................... 321 b) Cessa\u00e7\u00e3o das regras. ................................................................................................................................................ 322 c) Achados de dist\u00farbios end\u00f3crinos. ......................................................................................................................... 323 d) Pesquisas fisiol\u00f3gicas sistem\u00e1ticas para conhecimento de quadros somatopatol\u00f3ficos t\u00edpicos. ..................... 323 1.4. OS FATOS OBJETIVOS SIGNIFICATIVOS ...................................................................................................... 327 SE\u00c7\u00c3O 1. EXPRESS\u00c3O DA PSIQUE NO CORPO E NOS MOVIMENTOS (PSICOLOGIA DA EXPRESS\u00c3O) ........... 331 a) Fen\u00f4meno som\u00e1tico concomitante e express\u00e3o ps\u00edquica. .................................................................................. 331 b) A compreens\u00e3o da express\u00e3o. ................................................................................................................................ 333 c) T\u00e9cnicas de investiga\u00e7\u00e3o. ........................................................................................................................................ 336 d) Revis\u00e3o...................................................................................................................................................................... 338 \u00a7 1. Fisiognomia ............................................................................................................................................. 338 \u00a7 2. M\u00edmica. .................................................................................................................................................... 350 a) Tipos de movimentos corp\u00f3reos. ........................................................................................................................... 350 b) Princ\u00edpios da compreens\u00e3o m\u00edmica. ...................................................................................................................... 352 c) Observa\u00e7\u00f5es psicopatol\u00f3gicas. ............................................................................................................................... 353 \u00a7 3. Escrita. ..................................................................................................................................................... 355 SE\u00c7\u00c3O 2. A EXIST\u00caNCIA DO HOMEM EM SEU MUNDO (PSICOLOGIA DO MUNDO) ..................................... 357 \u00a7 1. Achados Individuais Do Comportamento No Mundo. ......................................................................... 359 a) Comportamento. ..................................................................................................................................................... 359 b) Conforma\u00e7\u00e3o do mundo. ........................................................................................................................................ 361 c) Modo de vida. ........................................................................................................................................................... 362 d) Atos. .......................................................................................................................................................................... 362 \u00a7 2. A Transforma\u00e7\u00e3o Do Mundo. ................................................................................................................ 364 a) O mundo esquizofr\u00eanico. ........................................................................................................................................ 367 b) O inundo do doente obsessivo. .............................................................................................................................. 369 c) O mundo dos homens com \u201cfuga-de-ideias\u201d. ........................................................................................................ 372 SE\u00c7\u00c3O 3. OBJETIVA\u00c7\u00c3O NO CONHECIMENTO E NA OBRA (PSICOLOGIA DA OBRA) ..................................... 374 \u00a7 1. Achados Individuais Das Obras Criativas. ............................................................................................. 375 a) A fala. ........................................................................................................................................................................ 375 b) Os produtos liter\u00e1rios dos doentes ........................................................................................................................ 377 c) Desenhos, arte, trabalhos manuais. ....................................................................................................................... 379 \u00a7 2. A Totalidade Da Mente Na Concep\u00e7\u00e3o Do Mundo .............................................................................. 381 a) Realiza\u00e7\u00f5es radicais. ................................................................................................................................................ 382 b) Perspectivas espec\u00edficas dos doentes. ................................................................................................................... 382 c) Observa\u00e7\u00f5es de relev\u00e2ncia filos\u00f3fica dos doentes. ............................................................................................... 385"], ["PARTE 2. AS CONEX\u00d5ES COMPREENS\u00cdVEIS DA VIDA PS\u00cdQUICA ................................................................... 387 a) Compreens\u00e3o e explica\u00e7\u00e3o. .................................................................................................................................... 388 b) Evid\u00eancia da compreens\u00e3o e da realidade (compreens\u00e3o e interpreta\u00e7\u00e3o). ..................................................... 389 c) Compreens\u00e3o racional e emp\u00e1tica. ........................................................................................................................ 390 d) Limites da compreens\u00e3o, ilimita\u00e7\u00e3o da explica\u00e7\u00e3o. .............................................................................................. 391 e) Compreens\u00e3o e inconsciente.................................................................................................................................. 392 f) A pseudocompreens\u00e3o. ........................................................................................................................................... 393 g) Sobre os tipos da compreens\u00e3o, em conjunto (compreens\u00e3o intelectual, existencial, metaf\u00edsica). ................ 394"], ["h) De que modo a compreensibilidade psicol\u00f3gica se move entre as objetividades compreens\u00edveis e o"], ["incompreens\u00edvel. ................................................................................................................................................... 398 i) Tarefas da psicopatologia compreensiva. ............................................................................................................... 401 2.1. CONEX\u00d5ES COMPREENS\u00cdVEIS .................................................................................................................... 403 \u00a7 1. As Fontes De Nossa Capacidade De Compreender E A Tarefa Da Psicopatologia Compreensiva. .. 403 \u00a7 2. Conex\u00f5es Compreens\u00edveis Do Conte\u00fado ............................................................................................... 406 a) Os impulsos, seu desenvolvimento e transforma\u00e7\u00e3o ps\u00edquicos. ......................................................................... 406 b) O indiv\u00edduo no mundo. ............................................................................................................................................ 417 c) Os s\u00edmbolos do conhecimento b\u00e1sico. ................................................................................................................... 423 \u00a7 3. Formas Da Compreensibilidade ............................................................................................................. 434 a) A tens\u00e3o contrastante da psique e a dial\u00e9tica do respectivo movimento. ......................................................... 434 b) C\u00edrculos da vida e da compreensibilidade. ............................................................................................................. 440 \u00a7 4. A Autorreflex\u00e3o ....................................................................................................................................... 443 a) A reflex\u00e3o e o inconsciente. .................................................................................................................................... 443 b) A autorreflex\u00e3o impulsionadora da dial\u00e9tica ps\u00edquica. ......................................................................................... 445 c) Estrutura da autorreflex\u00e3o. ..................................................................................................................................... 446 d) Exemplos de autorreflex\u00e3o no efeito respectivo. ................................................................................................. 447 \u00a7 5. As Leis Fundamentais Da Compreens\u00e3o Psicol\u00f3gica E Da Compreensibilidade. ............................... 452 a) A compreens\u00e3o emp\u00edrica \u00e9 interpreta\u00e7\u00e3o. ............................................................................................................ 453 b) A compreens\u00e3o realiza-se no c\u00edrculo hermen\u00eautico. ........................................................................................... 454 c) O que se op\u00f5e \u00e9 de imediato compreens\u00edvel. ....................................................................................................... 455 d) A compreens\u00e3o \u00e9 inconclusiva. .............................................................................................................................. 455 e) A interpretabilidade infinita. ................................................................................................................................... 456 f) A compreens\u00e3o \u00e9 ilumina\u00e7\u00e3o e desmascaramento. .............................................................................................. 457 2.2. CONEX\u00d5ES COMPREENS\u00cdVEIS EM MECANISMOS ESPEC\u00cdFICOS .............................................................. 463 a) Conceito de mecanismo extraconsciente. ............................................................................................................. 463 b) Conte\u00fado compreens\u00edvel e mecanismos. .............................................................................................................. 464 c) Mecanismos gerais constantemente presentes e mecanismos que s\u00e3o postos em movimentos por viv\u00eancias"], ["ps\u00edquicas................................................................................................................................................................. 464 d) Mecanismos normais e anormais. ......................................................................................................................... 466 SE\u00c7\u00c3O 1. MECANISMOS NORMAIS ................................................................................................................... 467 a) Rela\u00e7\u00f5es vivenciais. .................................................................................................................................................. 467 b) P\u00f3s-efeito de viv\u00eancias anteriores.......................................................................................................................... 470 c) Os conte\u00fados on\u00edricos. ............................................................................................................................................ 474 d) Sugest\u00e3o. .................................................................................................................................................................. 479 e) Hipnose. .................................................................................................................................................................... 481 SEC\u00c7\u00c3O 2. MECANISMOS ANORMAIS .............................................................................................................. 485 \u00a7 1. Rea\u00e7\u00f5es Vivenciais Patol\u00f3gicas ............................................................................................................. 488 a) Distin\u00e7\u00e3o entre rea\u00e7\u00e3o, fase e broto. ..................................................................................................................... 489 b) A tr\u00edplice dire\u00e7\u00e3o da compreensibilidade das rea\u00e7\u00f5es.......................................................................................... 490 c) Discuss\u00e3o dos estados reativos. .............................................................................................................................. 495 d) O efeito curativo dos traumatismos emocionais. ................................................................................................. 499 \u00a7 2. P\u00f3s-Efeito Anormal De Viv\u00eancias Anteriores ........................................................................................ 500 a) H\u00e1bitos anormais. .................................................................................................................................................... 500 b) Efeitos dos complexos. ............................................................................................................................................ 502 c) Compensa\u00e7\u00f5es. ........................................................................................................................................................ 503 d) Tend\u00eancias desintegrativas e integrativas. ............................................................................................................ 505 \u00a7 3. Sonhos Anormais .................................................................................................................................... 506 a) Os sonhos das doen\u00e7as som\u00e1ticas. ......................................................................................................................... 506"], ["b) Os sonhos anormais das psicoses........................................................................................................................... 506 c) O conte\u00fado dos sonhos anormais. ......................................................................................................................... 508 \u00a7 4. A Histeria ................................................................................................................................................. 509 \u00a7 5. Conte\u00fados Compreens\u00edveis Das Psicoses .............................................................................................. 518 a) Ideias deliroides. ...................................................................................................................................................... 519 b) Ideias delirantes na esquizofrenia. ......................................................................................................................... 519 c) A incorrigibilidade. ................................................................................................................................................... 520 d) Classifica\u00e7\u00e3o dos conte\u00fados delirantes. ................................................................................................................. 521 2.3. A ATITUDE DO PACIENTE EM RELA\u00c7\u00c3O \u00c0 DOEN\u00c7A .................................................................................. 525 a) Comportamento compreens\u00edvel \u00e0 irrup\u00e7\u00e3o da psicose aguda (perplexidade, consci\u00eancia da altera\u00e7\u00e3o). ...... 525 b) Elabora\u00e7\u00e3o ap\u00f3s o curso da psicose aguda. ........................................................................................................... 527 c) Elabora\u00e7\u00e3o da enfermidade em estados cr\u00f4nicos................................................................................................. 528 d) O Ju\u00edzo do doente a respeito de sua doen\u00e7a. ........................................................................................................ 532 e) A vontade de adoecer (o desejo da doen\u00e7a). ........................................................................................................ 538 f) Sobre o significado e as possibilidades da atitude em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 doen\u00e7a. ............................................................ 540 2.4. O TODO DAS CONEX\u00d5ES COMPREENS\u00cdVEIS (CARACTEROLOGIA) ........................................................... 543 \u00a7 1. A Limita\u00e7\u00e3o Do Conceito ........................................................................................................................ 543 a) O ser do car\u00e1ter........................................................................................................................................................ 543 b) O devenir do car\u00e1ter. ............................................................................................................................................... 545 c) O car\u00e1ter compreens\u00edvel e a incompreensibilidade. ............................................................................................. 545 \u00a7 2. Os M\u00e9todos Da An\u00e1lise Caracterol\u00f3gica............................................................................................... 547 a) Consci\u00eancia das possibilidades de descri\u00e7\u00e3o verbal. ............................................................................................. 548 b) Os conceitos da caracterologia s\u00e3o aqueles da psicologia compreensiva. ......................................................... 549 c) Tipologia como m\u00e9todo. .......................................................................................................................................... 550 \u00a7 3. Tentativas De Classifica\u00e7\u00e3o Caracterol\u00f3gica B\u00e1sica. ........................................................................... 551 a) Figuras singulares, individuais. ................................................................................................................................ 552 b) Tipos ideais. .............................................................................................................................................................. 552 c) Constru\u00e7\u00e3o do car\u00e1ter de modo geral. ................................................................................................................... 553 d) Tipos reais. ................................................................................................................................................................ 555 \u00a7 4. Personalidades Normais E Anormais .................................................................................................... 556 I. Varia\u00e7\u00f5es Do Existir Humano. .................................................................................................................... 557 a) Varia\u00e7\u00f5es das constitui\u00e7\u00f5es caracterol\u00f3gicas b\u00e1sicas. .......................................................................................... 557 b) Varia\u00e7\u00f5es da energia ps\u00edquica (neurast\u00e9nicos e psicast\u00eanicos). .......................................................................... 559 c) Car\u00e1teres reflexivos.................................................................................................................................................. 561 Ii. Transforma\u00e7\u00e3o Da Personalidade Em Consequ\u00eancia De Processos. ..................................................... 564 a) Dem\u00eancia por processo org\u00e2nico cerebral. ........................................................................................................... 564 b) Dem\u00eancia epil\u00e9tica. ................................................................................................................................................. 565 c) Dem\u00eancia esquizofr\u00eanica. ....................................................................................................................................... 565"], ["PARTE 3. AS CONEX\u00d5ES CAUSAIS DA VIDA PS\u00cdQUICA (PSICOLOGIA EXPLICATIVA) ..................................... 567 a) A simples rela\u00e7\u00e3o causal e sua dificuldade. ........................................................................................................... 567 b) Mecanismo e organismo. ........................................................................................................................................ 569 c) Causas end\u00f3genas e ex\u00f3genas. ............................................................................................................................... 571 d) Evento causal como evento extraconsciente. ....................................................................................................... 574 e) Contra a absolutiza\u00e7\u00e3o do conhecimento causal. ................................................................................................. 579 f) Revis\u00e3o do conhecimento causal. ........................................................................................................................... 581 3.1. EFEITOS DO PERIMUNDO E DO CORPO SOBRE A VIDA PS\u00cdQUICA ............................................................ 582 \u00a7 1. Efeitos Do Perimundo ............................................................................................................................. 582 a) Hora do dia, esta\u00e7\u00e3o, tempo, clima. ....................................................................................................................... 583 b) Fadiga e esgotamento. ............................................................................................................................................ 584"], ["\u00a7 2. Venenos (T\u00f3xicos) ................................................................................................................................... 586 \u00a7 3. Doen\u00e7as Org\u00e2nicas ................................................................................................................................. 589 a) Doen\u00e7as internas. .................................................................................................................................................... 589 b) As doen\u00e7as end\u00f3crinas. ........................................................................................................................................... 591 c) As psicoses sintom\u00e1ticas. ......................................................................................................................................... 596 d) O morrer. .................................................................................................................................................................. 599 \u00a7 4. Processos Cerebrais ................................................................................................................................ 600 a) As doen\u00e7as cerebrais org\u00e2nicas. ............................................................................................................................. 600 b) Sintomas gerais e espec\u00edficos.................................................................................................................................. 600 c) Hist\u00f3ria do problema da localiza\u00e7\u00e3o. ...................................................................................................................... 602 d) Os grupos de fatos essenciais concernentes ao problema da localiza\u00e7\u00e3o. ......................................................... 605 e) As quest\u00f5es fundamentais do problema da localiza\u00e7\u00e3o....................................................................................... 617 f) A questionabilidade da localiza\u00e7\u00e3o do psiquismo .................................................................................................. 620 3.2. HERAN\u00c7A ..................................................................................................................................................... 623 \u00a7 1. As Antigas Ideias B\u00e1sicas E Seu Esclarecimento Pela Genealogia E Pela Estat\u00edstica ......................... 623 a) O fato b\u00e1sico da hereditariedade. .......................................................................................................................... 623 b) A vis\u00e3o geneal\u00f3gica. ................................................................................................................................................ 624 c) Estat\u00edstica. ................................................................................................................................................................. 624 d) Heran\u00e7a constante e inconstante. .......................................................................................................................... 627 e) A quest\u00e3o das causas do primeiro ou novo aparecimento de doen\u00e7as mentais. .............................................. 629 \u00a7 2. O Novo Impulso Dado Pela Teoria Biol\u00f3gica Da Heran\u00e7a (Gen\u00e9tica) ................................................. 634 a) Estat\u00edstica da varia\u00e7\u00e3o. ............................................................................................................................................ 635 b) Gen\u00f3tipo e fen\u00f3tipo. ............................................................................................................................................... 636 c) As leis de Mendel. .................................................................................................................................................... 637 d) A subst\u00e2ncia heredit\u00e1ria est\u00e1 nas c\u00e9lulas. ............................................................................................................. 639 e) A muta\u00e7\u00e3o. ............................................................................................................................................................... 641 f) Limita\u00e7\u00f5es cr\u00edticas. .................................................................................................................................................... 642 g) Resumo dos mais importantes conceitos b\u00e1sicos. ................................................................................................ 642 \u00a7 3. A Aplica\u00e7\u00e3o Da Gen\u00e9tica \u00c0 Psicopatologia. .......................................................................................... 644 a) As ideias diretivas b\u00e1sicas. ....................................................................................................................................... 644 b) Dificuldades metodol\u00f3gicas. ................................................................................................................................... 648 c) Investiga\u00e7\u00f5es sobre a hereditariedade das psicoses. ............................................................................................ 650 d) Investiga\u00e7\u00f5es em torno da hereditariedade dos fen\u00f4menos ps\u00edquicos. ............................................................. 652 e) A ideia dos c\u00edrculos heredit\u00e1rios. ............................................................................................................................ 653 f) A investiga\u00e7\u00e3o dos g\u00eameos. ..................................................................................................................................... 658 g) A quest\u00e3o da les\u00e3o germinal. .................................................................................................................................. 660 h) A import\u00e2ncia da aplica\u00e7\u00e3o da gen\u00e9tica \u00e0 psicopatologia, apesar dos resultados at\u00e9 o momento negativos. 661 \u00a7 4. O Retorno A Uma Estat\u00edstica Emp\u00edrica De Car\u00e1ter Provis\u00f3rio ............................................................. 662 3.3. SOBRE O SENTIDO E O VALOR DAS TEORIAS .............................................................................................. 665 \u00a7 1. Caracteriza\u00e7\u00e3o Das Teorias .................................................................................................................... 665 a) A ess\u00eancia das teorias. ............................................................................................................................................. 665 b) As ideias fundamentais em psicopatologia. .......................................................................................................... 666 \u00a7 2. Exemplos De Forma\u00e7\u00f5es Te\u00f3ricas Em Psicopatologia ......................................................................... 670 a) Wernicke................................................................................................................................................................... 670 b) Freud. ........................................................................................................................................................................ 674 c) Psicopatologia gen\u00e9tico-construtiva....................................................................................................................... 677 d) Confronto das teorias acima relatadas. ................................................................................................................. 684 \u00a7 3. Cr\u00edtica Do Pensamento Te\u00f3rico Em Geral ............................................................................................. 685 a) O modelo das teorias cient\u00edfico-naturais. .............................................................................................................. 685"], ["b) O esp\u00edrito do pensamento te\u00f3rico. ........................................................................................................................ 686 c) Os erros fundamentais das teorias. ........................................................................................................................ 688 d) Inevitabilidade das ideias te\u00f3ricas em psicopatologia. ......................................................................................... 689 e) A atitude metodol\u00f3gica em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s teorias. ..................................................................................................... 690"], ["PARTE 4. A CONCEP\u00c7\u00c3O DA TOTALIDADE DA VIDA PS\u00cdQUICA ..................................................................... 692 a) A tarefa. .................................................................................................................................................................... 693 b) A ramifica\u00e7\u00e3o em tr\u00eas tarefas. ................................................................................................................................ 694 c) O que se alcan\u00e7a quando se tenta cumprir a tarefa e o que n\u00e3o se consegue. .................................................. 695 d) O entusiasmo pelo todo e o erro. ........................................................................................................................... 696 e) O conhecimento do homem como caminho para a abertura do existir humano, propriamente dito. ........... 697 f) A pesquisa guiada por ideias.................................................................................................................................... 698 g) M\u00e9todos da tipologia. .............................................................................................................................................. 698 h) O psicograma. .......................................................................................................................................................... 700 4.1. A S\u00cdNTESE DOS QUADROS M\u00d3RBIDOS (NOSOLOGIA) .............................................................................. 701 \u00a7 1. Pesquisa Guiada Pela Ideia De Unidade Nosol\u00f3gica ............................................................................ 702 \u00a7 2. As Distin\u00e7\u00f5es Fundamentais No Campo Geral Das Doen\u00e7as Mentais ................................................ 713 I. Diferen\u00e7as de Estado ................................................................................................................................................ 713 II. Diferen\u00e7as conforme a Ess\u00eancia ............................................................................................................................. 714 \u00a7 3. Os Complexos Sintom\u00e1ticos ................................................................................................................... 724 a) Quadro de estado e complexo sintom\u00e1tico........................................................................................................... 724 b) Pontos de vista pelos quais se formam complexos sintom\u00e1ticos. ....................................................................... 724 c) Significa\u00e7\u00e3o real dos complexos sintom\u00e1ticos. ...................................................................................................... 728 d) A teoria de Carl Schneider das associa\u00e7\u00f5es de sintomas esquizofr\u00eanicos. ......................................................... 729 Apresenta\u00e7\u00f5es Particulares ......................................................................................................................................... 736 c) Os complexos sintom\u00e1ticos dos estados afetivos anormais. ................................................................................ 742 d) Os complexos sintom\u00e1ticos da vida ps\u00edquica \u201calienada\u201d. ..................................................................................... 745 \u00a7 4. A Classifica\u00e7\u00e3o Das Doen\u00e7as (Esquema Diagn\u00f3stico). ......................................................................... 752 a) Requisitos para o esquema diagn\u00f3stico................................................................................................................. 753 b) Linhas de esquema diagn\u00f3stico. ............................................................................................................................. 754 c) Explica\u00e7\u00f5es sobre o esquema. ............................................................................................................................. 755 4.2. A VARIEDADE GEN\u00c9RICA DO HOMEM (EIDOLOGIA) ................................................................................. 768 a) A ideia do eidos. ....................................................................................................................................................... 768 b) Sexo, constitui\u00e7\u00e3o, ra\u00e7a. .......................................................................................................................................... 769 c) Os m\u00e9todos da eidologia. ........................................................................................................................................ 771 d) A colheita de achados.............................................................................................................................................. 775 \u00a7 1. O Sexo ...................................................................................................................................................... 775 a) O fen\u00f4meno prim\u00e1rio da sexualidade. ................................................................................................................... 775 b) Fatores biol\u00f3gicos das diferen\u00e7as sexuais. ............................................................................................................ 777 c) Diferen\u00e7as sexuais som\u00e1ticas e psicol\u00f3gicas. ......................................................................................................... 779 d) O instinto sexual. ..................................................................................................................................................... 780 e) Hist\u00f3rico da investiga\u00e7\u00e3o concernente \u00e0 sexualidade e suas anormalidades..................................................... 782 \u00a7 2. Constitui\u00e7\u00e3o ............................................................................................................................................ 789 a) Conceito e ideia de constitui\u00e7\u00e3o. ............................................................................................................................ 789 b) Hist\u00f3ria da ideia de constitui\u00e7\u00e3o. ........................................................................................................................... 792 c) Personalidade e psicose........................................................................................................................................... 796 d) A teoria da constitui\u00e7\u00e3o de Kretschmer. ................................................................................................................ 799 e) Cr\u00edtica da investiga\u00e7\u00e3o constitucional kretschmeriana. ........................................................................................ 803 f) Reconforma\u00e7\u00e3o da teoria psiqui\u00e1trica da constitui\u00e7\u00e3o por Conrad. .................................................................... 817 g) Sobre o valor positivo das teorias da constitui\u00e7\u00e3o. ............................................................................................... 829"], ["\u00a7 3. Ra\u00e7a ......................................................................................................................................................... 831 4.3. O CURSO DA VIDA (BIOGRAFIA).................................................................................................................. 835 a) O material da biografia. ........................................................................................................................................... 835 b) A apreens\u00e3o do bios pela biografia. ....................................................................................................................... 835 c) Os limites do bios e da biografia. ............................................................................................................................ 836 d) Pesquisa orientada pela ideia do bios. ................................................................................................................... 838 \u00a7 1. M\u00e9todos Da Biografia ............................................................................................................................ 839 a) Colheita do material, arruma\u00e7\u00e3o, apresenta\u00e7\u00e3o. .................................................................................................. 839 b) Casu\u00edstica e biografia. .............................................................................................................................................. 839 c) O presente como ponto de partida. ....................................................................................................................... 840 d) A ideia da unidade do bios. ..................................................................................................................................... 842 e) As categorias biogr\u00e1ficas b\u00e1sicas. ........................................................................................................................... 843 f) Observa\u00e7\u00e3o a respeito da biografia liter\u00e1ria. .......................................................................................................... 843 g) Rendimentos biogr\u00e1ficos na psicopatologia. ......................................................................................................... 844 h) A arte de descrever hist\u00f3rias cl\u00ednicas. .................................................................................................................... 845 \u00a7 2. O Bios Como Evento Biol\u00f3gico ............................................................................................................... 846 a) A idade. ..................................................................................................................................................................... 847 b) S\u00e9ries t\u00edpicas de curso. ............................................................................................................................................ 853 \u00a7 3. O Bios Como Hist\u00f3ria Da Vida ................................................................................................................ 861 a) As categorias b\u00e1sicas da hist\u00f3ria existencial. ......................................................................................................... 862 b) Alguns problemas especiais. ................................................................................................................................... 867 c) A quest\u00e3o psicopatol\u00f3gica fundamental: desenvolvimento de uma personalidade ou processo? .................. 871"], ["PARTE 5. A PSIQUE ANORMAL NA SOCIEDADE E NA HIST\u00d3RIA ................................................................... 877 a) Heran\u00e7a e tradi\u00e7\u00e3o. .................................................................................................................................................. 877 b) Comunidade. ............................................................................................................................................................ 879 c) A amplia\u00e7\u00e3o da psicopatologia desde anamnese social at\u00e9 a elabora\u00e7\u00e3o de material hist\u00f3rico. ..................... 879 d) Significado do conhecimento hist\u00f3rico-sociol\u00f3gico. ............................................................................................. 882 e) M\u00e9todos. .................................................................................................................................................................. 882 \u00a7 1. A Significa\u00e7\u00e3o Da Situa\u00e7\u00e3o Sociol\u00f3gica Da Doen\u00e7a ............................................................................. 886 a) Efeitos causais do ambiente civilizado. .................................................................................................................. 886 b) Situa\u00e7\u00f5es t\u00edpicas para o indiv\u00edduo. ......................................................................................................................... 887 c) \u00c9pocas de seguran\u00e7a, de revolu\u00e7\u00e3o, de guerra. .................................................................................................... 888 d) Neuroses de renda. ................................................................................................................................................. 890 e) Trabalho. ................................................................................................................................................................... 891 f) Educa\u00e7\u00e3o. .................................................................................................................................................................. 891 \u00a7. 2, Investiga\u00e7\u00f5es Sobre Popula\u00e7\u00f5es, Profiss\u00f5es, Classes, Grupos Urbanos, Rurais E Outros. ................ 892 \u00a7 3. Comportamento Associai E Antissocial ................................................................................................. 894 a) O comportamento associal. .................................................................................................................................... 895 b) O comportamento antissocial. ............................................................................................................................... 896 \u00a7 4. Psicopatologia Da Mente ....................................................................................................................... 898 a) Investiga\u00e7\u00f5es emp\u00edricas. .......................................................................................................................................... 899 b) Quest\u00f5es gerais........................................................................................................................................................ 900 c) Psicopatia e religi\u00e3o. ................................................................................................................................................ 901 \u00a7 5. Aspectos Hist\u00f3ricos ................................................................................................................................. 902 a) A cultura e a situa\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica como determinantes do conte\u00fado da doen\u00e7a ps\u00edquica................................... 903 b) Hist\u00f3ria da histeria. .................................................................................................................................................. 904 c) Psicologia das massas. ............................................................................................................................................. 908 d) Estados ps\u00edquicos arcaicos. ..................................................................................................................................... 908 e) A psicopatologia nas diversas culturas. .................................................................................................................. 911"], ["f) O mundo moderno e o problema da degenera\u00e7\u00e3o. .............................................................................................. 911"], ["PARTE 6. O TODO DO EXISTIR HUMANO ....................................................................................................... 917 \u00a7 1. Retrospecto \u00c0 Psicopatologia ................................................................................................................ 917 a) Obje\u00e7\u00f5es ao plano de minha psicopatologia ......................................................................................................... 917 b) A necessidade de integra\u00e7\u00e3o de nosso conhecimento do homem e o quadro da psicopatologia. .................. 918 c) Retrospecto \u00e0s totalidades e a quest\u00e3o do todo singular. .................................................................................... 920 d) Retrospecto aos enigmas concretos. ..................................................................................................................... 923 \u00a7 2. A Quest\u00e3o Da Ess\u00eancia Do Homem ....................................................................................................... 928 a) A atitude filos\u00f3fica b\u00e1sica. ....................................................................................................................................... 928 b) A imagem, do homem. ............................................................................................................................................ 931 c) Esquema filos\u00f3fico do abrangente que n\u00f3s somos ............................................................................................... 932 d) A incompletabilidade do homem. .......................................................................................................................... 934 e) Resumindo em poucas palavras nossas discuss\u00f5es. ............................................................................................. 940 \u00a7 3. Psiquiatria E Filosofia.............................................................................................................................. 943 a) O que \u00e9 ci\u00eancia. ........................................................................................................................................................ 943 b) As modalidades da ci\u00eancia na psicopatologia. ...................................................................................................... 944 c) A filosofia na psicopatologia. ................................................................................................................................... 944 d) As posi\u00e7\u00f5es filos\u00f3ficas b\u00e1sicas. ............................................................................................................................... 946 e) A confus\u00e3o filos\u00f3fica. ............................................................................................................................................... 947 f) Concep\u00e7\u00e3o do mundo na roupagem do conhecimento. ....................................................................................... 948 g) Filosofia existencial e psicopatologia. ..................................................................................................................... 952 h) Interpreta\u00e7\u00e3o metaf\u00edsica do adoecimento. ........................................................................................................... 955 \u00a7 4. Os Conceitos Sa\u00fade E Doen\u00e7a ................................................................................................................ 957 a) A questionabilidade do conceito de doen\u00e7a.......................................................................................................... 957 b) Conceito de valor e conceito de m\u00e9dia. ................................................................................................................. 958 c) O conceito de doen\u00e7a na medicina som\u00e1tica. ....................................................................................................... 958 d) O conceito de doen\u00e7a da psiquiatria. ..................................................................................................................... 961 \u00a7 5. O Significado Da Pr\u00e1tica M\u00e9dica ........................................................................................................... 971 a) Correla\u00e7\u00e3o entre conhecimento e pr\u00e1tica. ............................................................................................................ 971 b) As rela\u00e7\u00f5es dependenciais de toda pr\u00e1tica m\u00e9dica. ............................................................................................. 972 c) A pr\u00e1tica m\u00e9dica externa (medidas e ajuizamento) e a pr\u00e1tica interna. ............................................................. 974 d) Vincula\u00e7\u00e3o com os est\u00e1dios do tratamento m\u00e9dico geral. .................................................................................. 976 e) Os tipos de resist\u00eancia no homem. ........................................................................................................................ 981 f) Objetivos e limites da psicoterapia. ........................................................................................................................ 984 g) O papel pessoal do m\u00e9dico. .................................................................................................................................... 987 h) Tipos de atitude psiqui\u00e1trica. .................................................................................................................................. 989 i) A nocividade da atmosfera psicol\u00f3gica. .................................................................................................................. 992 j) A organiza\u00e7\u00e3o p\u00fablica da psicoterapia. ................................................................................................................... 994"], ["AP\u00caNDICE ....................................................................................................................................................... 1009", "SUM\u00c1RIO ....................................................................................................................................................... 1048"]]