TÍTULO: Bruxedos LOCAL: Portugal - Roalde, Sabrosa, Vila Real DATA: 1995 INFORMANTE SEXO: M IDADE: 60 anos ESCOLARIDADE: Analfabeto PROFISSÃO: Agricultor OBSERVAÇÕES: O informante produz por vezes a forma arcaica do pronome indefinido "uma", com queda da consoante nasal e vogal inicial nasalizada; "chocolateira" é um recipiente para fazer chocolate, onde também se faziam feitiços. - ela, ela diz que gosta disto, das bruxas - é. - então não gosta -> u[...], uma ocasião... saí daqui de casa eram onze para meia noite. foi, foi em Junho. aos tantos não sei, mas isto já lá vai, ai, eu estava solteiro ainda. já lá vai há - hum. pois. -> sei lá! tinha para aí alguns dezoito anos, ou dezanove - há cinquenta anos, pronto. -> ainda não tinha ido para a tropa e, e eu tinha deixado os bois lá em baixo ao pé do Pinhão. e depois, ali para lá de Vilela eu, há ali, havia ali um atalho para baixo que ia, ia, chamavam-lhe os Muros, quando foi às tantas, aparece-me uma cabra a berrar. e eu digo assim "ah! que grande cabra ali anda. os pastores madrugaram hoje". como os pastores de Verão levavam a fouce e iam, ah, que estavam os pastos secos, iam cortar, eh, folhas aos castanheiros, aquelas pernadas, que era para o gado comer. ora bem, aquilo foi-se amarrando, amarrando, amarrando e eu... digo assim "ai! que cabra tão, tão bonita, se a agarrasse tenho lá em baixo a camboada, prendia-a lá e já, e já tinha uma, uma, uma cabra", eu assim. ora bem - [...] -> quando, quando ela foi-se amarrando a mim, amarrando a mim e eu olhava para trás, olhava para trás. quando está[...], está[...], havia ali uma fraga muito com[...], muito ao fundo e, e eu olhei para a frente, para descer a fraga, para chegar ao caminho largo, e olhava para trás. ela vai de trás, pimba! prega-me uma turra. e eu conforme pregou a turra viro-me para trás [...] não era nada, ela fugiu, olhe, quantos pinheiros, quantos castanheiros havia [...] baixo caiu tudo abaixo. era uma fim do mundo. caía t[...] abaixo tudo rrr, digo assim "ih Jesus, Maria". - caía porquê? -> não caiu nada. era o barulho - ah! -> era o, era o barulho que aquilo fazia. quando foi - [...] -> quando foi... - muito obrigada. - [...] -> quando foi que cheguei - muito obrigada, Deus lhe pague. -> quando cheguei à quinta, o caseiro, à noite cozía-me lá as batatas, fa[...], dava-me a sopa, eu andava lá a acartar so[...], solipas, travessas para as linhas do comboio - não sabe onde, q[...], onde a - sim, sim, sim. -> as linhas do, do - assentar. -> aquelas coisas de pau que se assentá[...], que, onde assentam na, as linhas, eu, a[...], eu acartei muito disso. à noite, quando foi à ceia, digo assim "ó tio Afonso, carambas, hoje, hoje é que vi uma cabra, tão linda, lá em cima, no, no atalho do cemitério de Vilela". e diz ele "era uma tal cabra!". "então, e então ela berrava, ti[...], tinha os chifres como uma cabra, e tudo, aí, ah, ainda me pregou uma turra" "e não tremeste? foi, foi o que, o que te valeu". pronto! era o diabo, sei lá. sei lá se era o diabo. bem, quando venho para cima estava tudo de pé na mesma. não, não caiu nada abaixo. - sim. -> mas eu f[...], eu fui logo para trás com uma pedra na mão, eh, ela botava para aí alguns cinco quilos, a pedra. e levava uma vara dos bois, des[...], destas varas enferradas como já, como já mostrei há b[...], bocado - sim. -> mas a vara parecia-me tão leve! peguei numa pedra, fui logo para trás, logo para trás, e aí eu depois fui-me embora. nunca, nunca mais vi nada. quando era que, hav[...], tínhamos aqui umas encruzilhadas, eh, uns caminhos que uns davam para São Martinho, outros davam Sorados, davam para aqui, e depois, de Verão íamos carregar de madrugada o, pinheiros ou cavacos ou rama ou estrume. os meus irmãos iam no carro, e não viam nada e eu adiante dos bois via a, via as bruxas, de branco a, a dançarem o fado, para aqui, para ali, e para além e, e eles não as viam e eu, e eu via-as. deixá[...] - [...] -> deixavam aos molhinhos de palha assim, no, nos caminhos com uma, com umas chocolateiras que a gente diz que era feitiços, sei lá! hav[...], havia, havia muito... - mas como é que eram? -> muito disso. eram, eram, aquilo nem que a gente, se quisesse amarrar aquilo, aquilo, desfazia-se. diz que eram, diz que eram as bruxas, sei lá! eu, eu, eu, aquilo nunca, aquilo não fazia mal nenhum a ninguém. o que é, se pudesse enganar a gente, enganava. duma vez, saí daqui com os bois e mais um irmão meu aí de cima, desse portão, e quando chegámos ali a uma mata, os bois desapareceram e nunca mais os vimos. e levavam a chocalhada. e a chocalhada parou de tocar e, e viemos a casa buscar os fachoqueiros, corremos aquela mata toda - era uma mata aí adiante, basta - e não se viam os bois. quando, quando depois tant[...], tanto andámos, tanto andámos, lá fo[...], fomos dar com os bois em cima ao, ao caminho e depois elas começavam-se a rir. riam-se, mas a gente só ouvia rir e fu[...], e iam-se embora, não se via era mais nada. e não faziam mal nenhum a ninguém. lá agarrámos os bois, apusemos ao carro e fomos, e fomos embora. doutra vez, ia a chegar ao Pinhão, com um carro de, de, de feno, e um irmão meu ia em cima, deitado. e elas soltaram-me um boi, ficaram as sog[...], as, as bolsas da soga na molhelha e caiu a molhelha ao chão e, e ia as sogas às voltas, conforme o meu irmão [...] assim, assim estavam. elas faziam qualquer coisa. quando foi co[...] - espantoso! -> a, a molhelha ficou debaixo do carro e ia o, e ia o, o carro parou. diz o meu irmão "o que é que foi?" "eu sei lá! o boi está solto". ele desceu para baixo, começou às carvalhadas, saiu de lá um melro do, duma, dumas, dumas silvas "tutchu, tutchu, tutchu". era, eram, eram elas. elas faziam coisas que era uma coisa por demais. - aí transformou-se em melro. -> [...] era um melro! mas o meu irmão depois dizia carvalhadas para lá a torto e a direito. assim, ai embora, mas a mim, a mim aconteceu-me muito disto. muito, muito, muito. - engraçado! - engraçado! -> diz que, diziam que quem, quem encontrasse as bruxas que lhe faltava a palavra do baptismo.