diff --git "a/metadata.csv" "b/metadata.csv" --- "a/metadata.csv" +++ "b/metadata.csv" @@ -1,31 +1,16781 @@ file_name,transcript -INF1.wav,"X, muito obrigada por ter acedido ao meu convite para participar nestetrabalho. Começaria por lhe perguntar: antes de entrar para a escola, tinha aprendidoo crioulo ou o português? mhm antes de entrar pa… pa… para a escola não tinha aprendido o crioulo --falava o crioulo - mas sem que tenha tenha… sem que o crioulo tenha sido… tenhasido objecto de… de um processo de ensino aprendizagem -- não tinha aprendido ocrioulo -mas falava o crioulo// Portanto falava o crioulo antes de entrar para a escola. E o português? falava - ou podia falar -- mas utilizava menos o português - porque o:: o meuconvívio de infância - portanto - na família e e e na comunidade - a língua maisutilizada na comunicação era o português -- de modo que… era o crioulo digo - demodo que falava mais o crioulo// Mas de qualquer forma ouvia o português? ouvia o português e utilizava o português nas circunstâncias em que tinha queo fazer --mas não era a língua que utilizava na… na… Antes de entrar para a escola, em que circunstâncias é que usava o português?Eu estoua falar da escola primária. utilizava português nas circunstâncias em que - por exemplo - eu tenha sidoabordado ou por pessoas que na comunidade e na ilha onde eu vivia falavam oportuguês e de uma forma ou outra me abordavam -- só nessas circunstâncias --pontualmente// Lembra-se de algumas dessas circunstâncias em concreto que me pudessereferir? pessoas do do do trabalho do meu pai por exemplo -havia portugueses - não é?do trabalho do meu pai - e e passando pelo trabalho do meu pai era era absolutamentenormal que alguns colegas - alguns chefes do trabalho dele me abordassem e e eufosse obrigado a:: utilizar o português para retribuir - digamos - a comunicação e aabordagem que me era feita -de certa forma// E nessa altura, como é que acha que falava o português? Ou seja, acha quefalava o português da mesma forma que falava o crioulo? não -- acho que não falava o português naturalmente da mesma forma comofalava o crioulo -- o crioulo era a minha língua de comunicação no dia a dia de modoque não podia de forma alguma falar o português como o fazia com o crioulo --inclusivamente exigia de mim algum algum esforço -- e e e pronto não se pode atédizer que falava o português -- tentava falar o português ou aportuguesar digamosum pouco a minha língua de comunicação do dia a dia que era o crioulo// E actualmente, em casa e com os seus amigos, usa normalmente o crioulo? Oque é que usa normalmente? eu acho que actualmente uso normalmente o crioulo ou português -- masutilizo muito mais o crioulodo que o português // Em casa, com a sua família? com a minha família utilizo normalmente o crioulo// Ecom os seus amigos? com os meus amigos… eu tenho um circuito de de amigos - grupos - ondeutilizo o crioulo -- são muitos mais estes grupos - não é? mas tenho também algum…um circuito de amigos -onde utilizo o português // Esses amigos com quem usa o português são cabo-verdianos? digamos que são cabo-verdianos que tenham passado por uma vivência de usocorrente do português -- cabo-verdianos que tenham vivido muito tempo em Portugale que se expressam melhor - ou pelo menos estão mais habituados a se expressaremem português do que em crioulo// Pode falar-me das circunstâncias em que conversa com essas pessoas emportuguês? no trabalho por exemplo -- mesmo fora do trabalho -- são pessoas que sendoembora cabo-verdianos - ou que falam - que podem também falar o crioulo - mascomo utilizam normalmente o português e preferem utilizar o português na suacomunicação comigo - eu também retribuo -- utilizo o português na comunicaçãocom essas pessoas// O que é que acha? Como é que avalia a sua proficiência em português, a suaproficiência geral, em português, e em crioulo? eu acho que… considero a minha proficiência em português boa -- porque éé…digamos que é a língua que eu…é a minha língua de trabalho - é a língua que euutilizo para para a para a minha produção - portanto para… para todos os meusescritos… para a minha comunicação formal… para a minha comunicação formal…e daí que que eu julgue ter alguma proficiência no uso do português -- o crioulo éuma língua que eu - que eu uso muito na minha comunicação oral com as pessoas quetrabalham comigo --se bem que também em circunstâncias menos informais -não é?ou em circunstâncias onde - digamos - haja outras pessoas que utilizam menos ocrioulo - eu uso muito o português mesmo a nível do trabalho - não é? normalmenteas reuniões de trabalho são feitas em português - de maneira que - julgo que - portodas essas razões… Mas de um modo geral, em qual é que acha que exprime melhor as suasideias? Crioulo, português, as duas igualmente? eu acho que consigo exprimir-me nas duas igualmente -- mas prefiro exprimi-las em português -- sobretudo as ideias que eu tenha que utilizar para fins de trabalhoou outros// De que é que depende, então, exprimir melhor as suas ideias em português ouem crioulo? depende do ambiente -- depende da - portanto - das circunstâncias em queessas ideias têm que ser exprimi… expressas// Quer falar um pouco sobre isso? existem algumas reflexões que eu faço com colegas que trabalham com… compessoas que trabalham comigo -- por serem reflexões que de alguma forma têm queser formatadas ou que têm que ser escritas ou que têm que ser reproduzidas nalgumdocumento - não é? faço logo o exercício de de de exprimir ou de fazer essas essasanálises - essas e:: e:: essas e:: e:: essas reuniões - essas reflexões em português -directamente -- daí que - daí que - digamos que do ponto de vista formal eu tenhodado alguma preferência ao uso do português - não é? sobretudo para para parareflexões - para debates - para discussões que de uma forma ou de outra acabam porou tenham que que ser reproduzidas - não é? em texto ou em algum trabalho escrito// E como é que se sente quando fala, quando fala português? sinto-me bem - sinto-me… Sente-se à vontade? Sinto-me à vontade// Sente-se mais à vontade, usando o português ou o crioulo? eu acho que sinto-me igualmente à vontade tanto no português como nocrioulo// E e e em termos de escrever? Também se sente à vontade quando escreve emcrioulo? não -- eu só escrevo em português -- eu não tenho nenhuma experiência deescrita em crioulo --não --não escrevo em crioulo// E portanto, crioulo apenas fala? crioulo é só falar// E leitura em crioulo? esquece -- não leio em crioulo -- portanto - não é comum - não é corrente euler em crioulo -- nem nas pequenas… nem no contacto com… com… nem por…portanto - com recurso aos novos meios de comunicação como o MSN -- eu costumocontactar-me com pessoaspor MSN que… que escrevem em crioulo - mas eu escrevosempre em português… não consigo// Mas gostaria de poder ler e escrever em crioulo? não --não tenho nenhuma preferência// Se gostaria de poder, não é ter nenhuma preferência. poder… acho… não é uma questão que eu… para a qual eu tenha eu tenhagrande preferência -- eu preferiria escrever ou dominar muito mais uma língua quefosse a um tempo um instrumento… um forte instrumento de trabalho - o inglês porexemplo -- mas eu - não… não… sinceramente não vejo porquê que eu… eu nãogostaria… é uma questão que nunca… que… quer dizer nunca chamou a minhaatenção - nunca // Mas porquê? penso que a questão do escrever em crioulo... Gosta de falar crioulo? gosto de falar crioulo// E não gostaria de poder escrever e ler em crioulo? gostaria de poder escrever e ler se isso tivesse sido um processo -- mas nãocreio que… com a experiência que tenho - com a idade que eu tenho - com o:: enfim- se calhar o tipo de de actividade que eu tenho - onde utilizo muito - muito - outraslínguas - em particular o inglês - eu acho que preferir… se eu tivesse mesmo quepreferir - escolher neste momento - uma língua para escrever bem - não seria ocrioulo -- teria alguma dificuldade -- eu gostaria - mas eu acho que como ferramenta -como instrumento de -enfim -de trabalho// Obrigada. Há bocado nós estávamos a falar da sua proficiência geral emportuguês e em crioulo… Habitualmente, quando fala crioulo, utiliza o crioulo de queilha? repare -- eu sou da ilha do Sal - o meu pai é de S. Vicente - a minha mãe é daBoa Vista - vivi durante três anos em S.Vicente e vivo há muitos anos em Santiago --de modo que eu não sei muito bem definir qual é o crioulo… não sei se se pode falarem crioulo de que ilha - mas eu às vezes esforço-me para falar o crioulo do Sal - ocrioulo que é utilizado no Sal - que acaba por ser o mais próximo de S. Vicente --utilizo mais o crioulo do Sal - Sal - S.Vicente e Boa Vista - algo misto destas trêsilhas// Obrigada. Diga-me, as pessoas com quem fala crioulo habitualmente, fora doseu circulo familiar… qual é o perfil dessas pessoas, com quem mais conversa forado seu circulo familiar? Perfil como? O que é que fazem? Em termos de idade, sexo, estrato social… percebi… são pessoas… Pessoas de que idade? mais ou menos da minha geração - da minha idade - não é? sexo masculino oufeminino - mas pessoas que… que têm… portanto - da da da média - da classe médiaalta da nossa da nossa sociedade - não é? são as que… enfim as pessoas com querelaciono no dia a dia - aliás isso por força também um pouco da - enfim - minhaactividade profissional -- pessoas que eu julgo… são pessoas que de uma forma ou deoutra podem ser tidas como pessoas que têm alguma influência de uma forma ou deoutra nesta sociedade// Diria que essas pessoas pertencem a que estrato social? e::são pessoas da… Funcionários do estado? são funcionários do estado… Altos funcionários do Estado…? altos funcionários do estado - pessoas que ocupam funções de muitaresponsabilidade a nível do estado// Pode pensar nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculofamiliar, no exercício da sua actividade. Digamos, pensando nessas três pessoas, tentedesenhar-me o seu perfil. são altos funcionários do estado - são pessoas com funções de altaresponsabilidade a nível das empresas - normalmente presidentes de conselho deadministração de empresas - directores gerais - eu tenho um contacto também muitogrande com… com estrangeiros - com estrangeiros residentes e que têm tambémfunções altas - eu diria elevadas - seja a nível de empresas - a nível da representaçãodiplomática// E essas pessoas são… têm a sua origem no interior da ilha, nas zonas rurais,ou são citadinas? a maioria tem origem no meio urbano - mas existem naturalmente muitas -algumas delas que… enfim são oriundas do meio rural - embora se tenham de certaforma distanciado da vivência do meio rural por terem estado fora também… seja emactividades ou em formações durante muito tempo// Com essas pessoas fala crioulo ou português? também depende da circunstância -- eu acho que essa questão do falar criouloou falar português depende da… varia em função do do grau de formalidade docontacto ou do assunto que… da oficialidade do assunto que se quer tratar -- achoque depende um pouco disso -- enfim nas relações mais informais - se essas pessoaspodem e falam crioulo - falamos crioulo -- mas nas relações formais e em funçãotambém do grau de de intimidade que se tem com as pessoas - fala-se mais oportuguês// Com essas pessoas com quem normalmente mais fala, qual é o tipo deassuntos? são assuntos que têm a ver com com... com… com a minha actividadeprofissional e com as funções que desempenho e com as funções que essas pessoas… Diria que são oficiais? oficiais -- assuntos oficiais - assuntos de de… sim -- digamos que são assuntosoficiais -- assuntos profissionais seja dessas pessoas seja… seja… sejam assuntos quedigam respeito à minha actividade profissional// O tipo de pessoas... há bocado falou na relação que tem com pessoas comquem fala português ou crioulo. Importa-se de especificar um pouco melhor o perfilou o tipo de contacto que tem com as pessoas com quem fala crioulo ou português? eu - da vivência que eu tenho - e da minha própria experiência eu julgo que...ao utilizar… utilizo o português sempre que pretendo conferir algum grau deformalismo ou algum grau de oficialidade - portanto - à conversa com o meuinterlocutor… acho que...que… Por exemplo, concretizando um pouco. Com familiares amigos, colegas usamais o crioulo ou o português? Com estranhos, superiores hierárquicos, autoridades,portanto esse tipo de perfil de pessoas faz-lhe seleccionar o português ou o crioulo?Que tipode, digamos…? eu acho que tem mais a ver com o perfil da relação ou o perfil - portanto - otipo de relacionamento ou de conteúdo que se pretende transmitir… Do assunto? do assunto - e… mais - portanto - do tipo de assunto do que do tipo de relação--porque eu posso ter um amigo… Por exemplo falaria com um familiar em português ou em crioulo dependendodo assunto? Falaria com um amigo em português ou em crioulo dependendo doassunto? Falaria com um estranho em português ou em crioulo dependendo doassunto? bom -se quisermos ir… Estou a falar do contacto, do nível de contacto com as pessoas: familiares,amigos, colegas, superiores, autoridades… com autoridades - com colegas - mas com colegas - com colegas - com quemnão tenho relação de amizade muito próxima… De colegas… está-me a falar de pessoas que trabalham, que dirige na suaorganização, portanto, na organização que dirige… está a tratá-los, a considerá-losneste momento de… na organização que eu dirijo - numa comunicação bilateral com as pessoas - ese ela fala crioulo ou utiliza o crioulo normalmente eu utilizo também o crioulonormalmente -- eu acho que na maior parte das vezes a nossa… nesse tipo decomunicação - é feita em crioulo -na comunicação bilateral - mas com… Com falantes do crioulo utiliza o crioulo? com falantes de crioulo eu utilizo o crioulo// Mesmo que seja uma autoridade, um superior hierárquico? sim -- mesmo que seja com autoridades - com superiores hierárquicos -- se éuma pessoa com quem tenho uma relação mínima eu eu falo o crioulo - mas não éuma opção calculada… Certo. falo o crioulo -- eu julgo que há a tendência de… se calhar eu próprio - quandoquando é um assunto que a gente queira considerar um pouco mais oficial - ou umpouco mais formal a genteutiliza o português// Mesmo com um amigo ou...? com um superior -- mesmo sendo amigo -- pronto mas existem algumascircunstâncias... Mas com um amigo, uma pessoa com quem se encontra predominantementeem situações informais, qual é…? em crioulo -- se é um amigo que fala crioulo a minha comunicação com ele éem crioulo -naturalmente// E se ele for um falante de português? se for um falante de português a comunicação é necessariamente também emportuguês// E diga-me… E com as pessoas das outras ilhas fala crioulo ou português? falo crioulo -- e aí - às vezes - às vezes - se calhar até existe algum esforçoadicional de de digamos de utilizar o crioulo da língua do meu… o crioulo maisutilizado - ou da ilha do meu interlocutor - não é? mas pronto… não há… isso écircunstancialmente -- normalmente utilizo o crioulo que utilizo no meu dia a dia - omeu crioulo - não é? mas também nalgum tipo de comunicação eu faço um esforçopara também reproduzir o crioulo do meu interlocutor ou vice-versa // E percebe? sim -- acho que percebo sem qualquer dificuldade o crioulo - portanto - deSanto Antão à Brava - salvo raríssimas excepções// Com as pessoas das ilhas de barlavento fala crioulo ou português? crioulo --falo sempre crioulo// Crioulo de que ilha? falo crioulo da minha ilha e eventualmente - como eu tenho uma vivência umpouco transversal do crioulo - vim de Barlavento - sou do Sal - vivi um pouco em SVicente e já vivo há algum tempo na Praia - é possível que eu utilize algumaspalavras soltas - aqui e ali que possam ser… que no meu entender são melhorpercebidas pelo meu interlocutor// E se forem pessoas das ilhas de sotavento? falo também crioulo - naturalmente -- e com as pessoas das ilhas de sotaventoe tendo em conta também que vivo na Praia há muito tempo acho que sai algumsotaque… pode sair… podem sair algumas palavras ou algum sotaque no crioulo desotavento // E vocês entendem-se? perfeitamente // Perfeitamente, sem…sem qualquer dificuldade? perfeitamente --sem qualquer dificuldade// Diga-me, normalmente de que assuntos fala com, por exemplo, os seusfamiliares, amigos, e colegas? de todos - de todos os assuntos -- eu acho que com a família - com familiares -nós falamos de todos os assuntos -- desde assuntos de de… alguns assuntos detrabalho - assuntos do dia a dia -- enfim de... eu acho que não há uma limitação deassuntos nem com familiares nem com colegas// Ser ou não ser uma pessoa… se o seu interlocutor é ou não é uma pessoainstruída isto leva-o a escolher o português ou crioulo em função disso? Vai falarcom uma pessoa que não tem instrução e vai falar com uma pessoa que tem instrução.Isto implica na escolha do crioulo ou do português? não -- eu acho que eu… eu prefiro - na medida do possível - adaptar-me àlíngua melhor… que é melhor utilizada pelo meu interlocutor - se eu puder…portanto - eu prefiro adaptar-me a… enfim - para tornar a comunicação mais fácilou mais fluente -- digamos que prefiro chegar a esse entendimento -independentemente da instrução ou da não instrução -- portanto - não -- não hánenhum pressuposto de partida -- portanto - há… é a língua que faz com que acomunicação seja mais fluida// Já falámos... já nos referimos a isto… mas gostaria que me especificasse umpouco mais as circunstâncias, os lugares e as circunstâncias em que usa crioulo ouportuguês, em casa… Estou a falar dos lugares portanto: casa, vizinhança, mercadolojas, enfim… eventos desportivos, locais religiosos cerimónias oficiais. Portanto,estou a falar de lugares e circunstâncias: lugares de lazer, festas, bailes, bares cafés,cinemas, discotecas ou outros lugares tipo restaurantes, banco, instituições públicas,digamos… todos esses lugares a que a que se refere são lugares onde os interlocutoresnormalmente falam crioulo -- portanto - quando os meus interlocutores falam criouloeu falo sempre o crioulo -- portanto crioulo é a língua que eu mais utilizo no dia a dia- no trabalho - em casa - nos círculos de amigos - nas festas - nas lojas - nosrestaurantes - não é? acho que o português é utilizado só nas circunstâncias um poucomais formais - não é? seja a nível do trabalho - seja a nível de reuniões formais -sejaa nível de…em circunstâncias de… nas circunstâncias oficiais em que efectivamentetenho… enfim… ou onde não há só apenas nacionais - pessoas que utilizam o crioulo-utilizo português como... E para outras finalidades do tipo… como exprimir sentimentos - namorar -rezar… qual utiliza? crioulo --tudo em crioulo// Convencer. Quando quer convencer alguém de alguma coisa? em crioulo --o crioulo é a línguaque me está mais a mão--em crioulo // Durante a última semana, acha que… qual é que acha que falou mais,Português ou crioulo? crioulo necessariamente// Necessariamente… e durante o dia, e quanto tempo? Estou a falar de durantemais horas seguidas no mesmo dia. neste momento - por sinal - tenho uma circunstância interessante que é oseguinte -- um dos meus colaboradores mais próximos é:: cabo-verdiano - masexprime-se normalmente em português pelo facto de ter vivido muito tempo emPortugal e e eventualmente até noutros países de língua portuguesa - mas mais tempoem Portugal... e exprime-se normalmente em português -- o meu colaborador é apessoa com quem mais falo durante o dia -- e às vezes falo com ele e com outroscolaboradores… e - nestas circunstâncias - utilizo também o português -- utilizo oportuguês porque ele exprime-se em português - portanto eu eu falo português -- nãoé que ele não entenda crioulo - mas mesmo que eu fale em crioulo ele - enfim -exprime-seem português -- de modo que eu tenho… tenho utilizado… por essa razãoé que nos últimos anos tenho utilizado muito o portugu��s como uma língua decomunicação corrente no trabalho -- mas quando é uma comunicação com outroscolaboradores ou outros colegas de trabalho que falam o crioulo - ali utilizo ocrioulo// Certo. Gostaria que me referisse três circunstâncias em que normalmente falacrioulo e três outras em que normalmente fala português// a::: no cumprimento das pessoas - na… com... pontuais? circunstânciaspontuais ou...? Como entender. Contextos, digamos, situações … mhm mhm --na minha comunicação com os meus subordinados - no trabalho -- se falam crioulo - a minha comunicação com eles normalmente é em crioulo - nãoé? portanto - no mercado… na minha relação com… com… mercado entendido deuma forma geral -- nas lojas - quando faço compras - enfim - na minha conversacom os amigos mais próximos -do dia a dia… É tudo em crioulo? é tudo em crioulo --eportuguês - em reuniões --acho que… que grande parte -a maior parte das reuniões mesmo que sejam… mesmo que os presentes sejamtodos… mesmo que todos os presentes falem crioulo - numa parte considerável dasreuniões que eu dirijo a::a:: a::eu faço em português// Diga-me, existe alguma circunstância em que habitualmente fala crioulo, masgostaria de falar português ou vice-versa: em que habitualmente fala português masgostaria de falar crioulo… ou de poder falar crioulo? não -- nunca tive essa… não tenho essa… essa… essa percepção -- eu achoque a grande limitação que se coloca é que o português é uma língua que eu falo eé alíngua que eu escrevo -- portanto - daí que o português tenha alguma… digamos -alguma… alguma preponderância - não é? no uso - para mim do que o crioulo - nãoé?portanto eu acho que essa é que é... essa é que é... Quando diz tem mais preponderância quer dizer que usa o português durantemais tempo, com mais frequência do que o crioulo? não -não -não// Preponderância… em que sentido? preponderância nas circunstâncias formais --nas circunstâncias formais// Ah! mhm quando eu - quando… quando por exemplo - digo - nas reuniões de trabalho -ou as reuniões de trabalho que são por mim conduzidas eu sempre utilizo o portuguêsé exactamente para… para…para facilitar alguma…algum registo - algumadocumentação da... Para além dessas circunstânciasformais, ouve o português onde? na rádio -- portanto - todos os meios de comunicação que eu utilizo - não é?portanto - a imprensa escrita - a imprensa falada… Ouvir. Estoua falar de ouvir o português. ouvir -- portanto - é toda em português… a… as estações de rádio que eu oiçoé tudo em português - não -não... mhm… mhm… Já me tinha dito que não costuma ler em crioulo... não// Nem escrever em crioulo. não// Existe alguma circunstância em que a fa… está a falar crioulo e sente-seimpelido a mudar para português, ou vice-versa? sim -- se eu a:: notar alguma dificuldade de… de entendimento por parte domeu ou dos meus interlocutores// Dificuldade de? de entendimento - de comunicação -- se eu notar que a comunicação nãoocorre com o meu interlocutor - eu naturalmente tento fazer o switch para a para alíngua que estiver mais ao alcance do meu interlocutor -- estou a falar entre essasduas línguas - crioulo ou português// Portanto. Imagine que está a falar com alguém e chega, por exemplo, umaautoridade. Está falar com alguém em crioulo e chega uma autoridade. Sente-seimpelido a mudar para português? de forma alguma// Ou vice-versa, estáa falar português e chega alguém que possa obrigá-lo, entreaspas, a mudar para o crioulo… não --não --de forma alguma// Mesmo que esteja por exemplo a falar português e chegar uma pessoa que nãopercebe português ou o contrário está a falar crioulo e chega uma pessoa que nãopercebe crioulo… bom -- repare -- aqui há há uma questão que... que se coloca que se calharnão… tem menos a ver com o facto de utilizar uma ou outra língua -- eu acho que ésempre constrangedor estar num círculo onde onde onde se fala - não é? é sempreconstrangedor haver alguma pessoa que… enfim - que não se sinta à vontade ou queesteja… ou que não esteja a perceber -- portanto - aí a gente procura utilizar a línguaque é… a língua que faz com que todas as pessoas… de facto participem -- todas aspessoas sesintam no na comunicação --portanto -aí acho que a:: opção deve ser - emprincípio - essa -- seja o português seja o francês -- tenho reuniões com pessoas… aprimeira coisa que… com estrangeiros… a primeira coisa que a gente pergunta é --qual a língua de trabalho? qual é a língua que é mais transversal?// E se for numa situação informal? mesmo numa situação informal -- mesmo numa situação informal - não é? ocritério aqui é - digamos - a língua que facilita ou que mais facilita a comunicaçãoentre os presentes -- esse que é o critério - independentemente de ser o crioulo ofrancês ou inglês -o:: português// Em algum caso, o tipo de assunto que está em pauta, far-lhe-ia mudar de umapara a outra língua? Em que casos por exemplo? Imagine, por exemplo: estar a falarde um problema familiar e depois de um problema técnico ligado à sua área. Isto ofaria mudar de língua? acho que sim -- acho que sim -- repare a:: eu já estive em reuniões de trabalho- por sinal na semana passada - começamos a reunião em crioulo -- portanto - comuma óptima e fluida comunicação entre as pessoas -- mas depois passámos a analisarum documento que estava necessariamente em português -- e aí acho que houve…e::: e::: enfim… tivemos que fazer… passar a falar português - para melhor tambémapreciar o documento - não é? acho que depende das circunstâncias -- depende dascircunstâncias -- normalmente - normalmente o crioulo é a língua… enfim - que émais utilizada - não é? mas digamos que - em função da das circunstâncias - do domeio em que se está… quando digo meio - refiro-me - digamos - meio em queexistam pessoas que não dominam - ou que não sejam capazes de também… de seexprimirem em crioulo - em português… a gente utiliza o crioulo -- acho que ocrioulo é a língua que efectivamente - que eu utilizo em todas as circunstâncias - nãoé? eu passo para o português sempre que eu entender que é mais producente - não é?que me faço entender melhor - ou que enfim… que a minha participação é melhor --portanto depende das circunstâncias// Diga-me. O que é que acha do crioulo? O que é que pensa do crioulo? bom -- eu tenho… tenho acompanhado e de certa forma com alguma atençãoesta questão da da língua e do crioulo em particular -- e eu… eu vejo estaproblemática… de duas ópticas - em… de dois pontos de vista -- eu acho que… euentendo essa discussão numa perspectiva cultural - ou de identidade -se quiser... Estou a falar do crioulo em si. O que acha dele? como língua?((…)) Acha que é uma língua, por exemplo? acho que sim -- se serve para comunicação - não é? não sou especialista nestaárea - não é? se eu falo português e as pessoas me entendem - falo francês e aspessoas me entendem -- francês ou português são línguas -- falo crioulo - não é? e aspessoas me entendem - eu acho que é uma língua// E do português o que é que acha? Naturalmente… é também uma língua --portanto --serve para comunicação é uma língua// Para si existe um verdadeiro crioulo? mhm… não sei o que é que seria um verdadeiro crioulo -- eu acho que umverdadeiro crioulo para mim é aquele que eu falo -- é o crioulo que eu utilizo queme… que me… que eu utilizo para a minha comunicação - não é? é o crioulo que…enfim…que me faz… é:: o instrumento que eu utilizo para comunicar com as pessoasque me rodeiam - não é? seja em casa - seja portanto com os amigos - seja notrabalho - em que circunstancia for - não é? eu acho que - portanto - esse é que é omeu crioulo verdadeiro// Se tivesse de distribuir ou atribuir o crioulo ou o português a pessoasconsideradas instruídas ou educadas, qual deles atribuiria a essas categorias? não percebi// Estou a considerar dois tipos de pessoas… um tipo de pessoas educadas,instruídas, e pessoas não instruídas, sem educação. Se tivesse que atribuir a umadessas categorias o crioulo ou o português como faria a distribuição? Atribuiria ocrioulo por exemplo às pessoas educadas e instruídas? não -- acho que não -- acho que… acho que… se calhar - tenho outrosparâmetros de de avaliação… Diga. não acho que a utilização do crioulo seja - digamos - algum elemento deavaliação do nível de educação das pessoas -- conheço pessoas bem educadas -muito bem educadas e muito bem instruídas que falam o crioulo e utilizam o crioulono seu dia a dia - não é? do mesmo passo que eu conheço pessoas muito bemeducadas muito bem instruídas que só utilizam português também - por acharem queo português - enfim - se calhar prestigia-os mais… portanto - mas eu não… eunão… eu pessoalmente não utilizaria - digamos - o crioulo como um elemento deavaliação do nível de instrução ou de educação das pessoas// mhm. E em função da sua utilidade, digamos assim, para o desenvolvimentode Cabo Verde// repare -- o crioulo é:: digamos - é:: que é a língua natural - corrente decomunicação entre as pessoas em Cabo Verde -- em primeiro lugar o crioulo - não é?em Cabo Verde -- a:: mas eu também tenho uma perspectiva de que hoje em dia - aquestão da comunicação… estamos na era da globalização - estamos enfim na era dainformação - na era do conhecimento e para se aceder à informação e aoconhecimento é preciso efectivamente um bom conhecimento - é preciso ter a língua-- a língua é uma ferramenta fundamental – eu… para mim - as pessoas têm é queutilizar as ferramentas que sejam mais fáceis ou mais poderosas -não é? para que elasestejam inseridas neste mundo de informação e de conhecimento - e nesta matéria euconsidero que o crioulo - naturalmente - e embora… sendo embora a nossa língua decomunicação - está longe de trazer vantagens competitivas - mesmo longe de trazervantagens competitivas -- porque mesmo aí o português que é uma língua muitofalada - ainda não está de modo a trazer grandes vantagens competitivas - muitomenos o crioulo -- portanto - daí eu a… se eu tivesse - no mundo de hoje - se tivesseque ensinar alguma língua à minha filha - não seria nem o crioulo -- claro que seria oinglês --o inglês que é uma língua que… que… enfim que... Desenhe-me essa sua alternativa linguística para Cabo Verde em termos docrioulo, do português, falou agora do inglês… desenhe-me essa alternativa quesugeriria para Cabo Verde. eu - eu acho que a:: do ponto de…do ponto de vista de… do desenvolvimentodo país - não é? se tivermos em conta que estamos na era da informação - na era dainformação e - portanto - o conhecimento hoje em dia é:: um - o factor - não é? deprodução mais eficaz para a nova economia - não é? se nós considerarmos tudo issoeu acho que… quando… a língua que nos leva ao mundo e que traz o mundo até nóse traz a comunicação e a informação até nós - ainda não é o crioulo -- o crioulo é…ainda é sobretudo falado - não é escrito -- eu não conheço uma página na internet emcrioulo por exemplo - não é? em português a gente já já tem milhões de páginas -não é? o acesso à informação em português é já importante - é já importante -- daíque… que… para o desenvolvimento do país a:: nessa - nesse mundo de globalizaçãoe na nova correlação económica eu não creio que o crioulo seja uma ferramentacompetitiva// E proporia então?((…)) eu -- acho que… a gente teria que a:: trabalhar a opção que estivesse mais aonosso alcance -- eneste caso seria o português -- mais ao nosso alcance -- portanto euacho que o português - portanto - a par do crioulo - é a língua que está mais ao nossoalcance -- podeser facilmente generalizada -não é? mais que outra língua// Portanto acha que se devia continuar a usar o crioulo em Cabo Verde? sim -- eu acho que… que… eu defendo o status quo -- como está -- portantoutilizar o crioulo - ir desenvolvendo o crioulo até que algum dia efectivamente possavir a ganhar alguma potencialidade - possa vir a constituir-se numa ferramenta dodesenvolvimento - não é? do desenvolvimento - mas num quadro de integração -num quadro de globalização - não é? nesse momento não é - naturalmente -- não éainda// Na sua opinião, o crioulo devia ser utilizado em Cabo Verde para quê, falar lerescrever? eu acho que para falar -- para falar -- não custa tentar e trabalhar para quepossa… sepossa escrever-- mas repare -a internacionalização de uma língua é... é... Em Cabo Verde… bom…em Cabo Verde eu acho que para falar - e para escrever -eventualmente - eu não sei -- eu tenho dúvidas relativamente a essa… a essaproblemática// Qual é a base das suas dúvidas em escrever o crioulo? Que dúvidas… a escritado crioulo lhe suscita? não --não suscita// Têm a ver com o crioulo em si? não -- não tem a ver com o crioulo -- eu acho que sendo uma língua que éfalada ela pode ser escrita -- ela tem… ao que parece ela até tem condições para isso -não é? eu… aqui - o meu raciocínio é mais da sua internacionalização - no mundo dainformação - não é? -mas acho que sim - acho que o crioulo deve serescrito// E acha que se devia aprender a ler e a escrever o crioulo nas escolas? acho que sim// Porquê? se o crioulo é a língua que a maioria dos cabo-verdianos utiliza na suacomunicação oral - acho que só por aí temos boas razões para a:: também a:: fazercom que ela passe a:: ser também língua escrita e eventualmente até a:: ganharexpressão - não é? portanto e assumir o lugar que o português utiliza - que oportuguês ocupa neste momento -- portanto - neste momento - nós - como é quefazemos? utilizamos o crioulo na nossa comunicação -- normalmente utilizamos ocrioulo na nossa comunicação - no nosso trabalho - no nosso dia a dia com os nossosamigos - não é? mas se tivermos que escrever um bilhete a um amigo - são muitopoucos aqueles que fazem… muito poucos ou se calhar insignificante - não é? umnúmero inexpressivo aqueles que o fazem em crioulo… fazem-no em português…acho que todos desejaríamos uma vez que - uma vez que a nossa comunicação oral éfeita em crioulo - conjuntamente poder também essa comunicação escrita tambémem crioulo// E nesse caso, deixar-se-ia de continuar a ler e a escrever em português emCabo Verde? isso seria um processo -- eu acho que o crioulo teria que conquistar também oseu espaço e acho que isso aconte… poderia acontecer com… essa essa transição…poderia acontecer sem qualquer dificuldade -- porque não? Como assim transição? Poderia ser mais explícito? transição no sentido de a:: o crioulo escrito - num processo de substituição -não é? paulatina do espaço que utiliza o português hoje em dia na comunicaçãoescrita// Portanto o português seria abolido da escrita. É isso? não diria abolido - diria substituído // Substituído completamente? Seria... não sei se completamente ou se não -- repare - as pessoas em todos os sítiosfalam e escrevem numa língua -- se é Portugal - fala português e escreve emportuguês -- em Cabo Verde você fala em crioulo - mas se tiver que pôr no papelaquilo que disse -normalmente fá-lo em português --normalmente// E neste caso… qual seria… nestas circunstâncias, qual seria o papel doportuguês ou que papel ficaria reservado ao português? O português deixaria de serensinado e usado em Cabo Verde? Como é que vê esta questão? repare -- eu - nesta matéria - preferiria não atribuir papel nenhum a nenhumalíngua-- eu preferia que o crioulo... Não… nestas circunstâncias em que me está a dizer que o crioulo substituiria oportuguês na escrita. Ora, nós falamos o crioulo. O crioulo substituiria o português naescrita. Como é que ficaria o português? Portanto passaríamos a falar... eu só queriaperceber bem o quadro que está a desenhar// na escrita - o português passava a ocupar o mesmo espaço que ocupa naoralidade - neste momento -- portanto normalmente fala-se em crioulo - não é? eraramente utiliza-se o português - não é? eu acho que esse quadro poderia sertransferido para a escrita// Ok. Oportuguês ficaria reservado a…? não seria -- o português não seria - pelo menos - a primeira língua escritacomo não é… não é a primeira língua falada// E nestas circunstâncias prevê o uso do crioulo em situações formais porexemplo? Estoua falar do oral, da fala… porque não? porque não? eu acho que desde que o crioulo se construísse ouocupasse o seu espaço como língua dominante - escrita e falada - naturalmente quetem todas as condições para... E acha que o crioulo tem essa potencialidade?((…)) isso tenho alguma dificuldade em… em… em responder -- eu acho que sim --que é uma língua que é falada --é uma língua que é falada --ela pode ser escrita// Há bocado disse-me que para si o verdadeiro crioulo era aquele que falava. mhm Porquê? Porque é que achaisso? eu acho que em Cabo Verde… não… não… aquilo que eu falo - porquê?porque:: eu tenho alguma dificuldade - à partida - em fazer a:: diferenças ou emmarcar as grandes diferenças - as grandes nuances - ou… não sei qual é a palavracerta… as grandes diferenças que existem - portanto - no crioulo das diferentes ilhas-- portanto - particularmente de barlavento e sotavento - de sotavento -- eu não…porque não tenho dificuldades em perceber - não é? o crioulo da Brava ou o crioulode Santo Antão - não é? e porque também nunca percebi que algum interlocutor meu- da Brava ou de Santo Antão - teve problemas em perceber-me eu acho que o meucrioulo… e o crioulo que eu utilizo - da mesma forma que eles - não é? e o que elesutilizam são… portanto - são… representa a minha autenticidade -- é o que eu seifalar// O que acha das pessoas que usam o crioulo?((…)) achar como? Oque pensa delas? acho que são pessoas normais -- pessoas que se expressam da forma a:: comose sentem - da forma que se sentem… se expressam da maneira como se sentem maisà vontade - não é? utilizando a língua que melhor sabem utilizar - não é? que é aferramenta que melhor utilizam para… para… para seexpressar -- portanto - eu achoque são pessoas a:: normais - como todo o mundo -- utilizam a língua que sabem -comunicam-se da forma que sabem// Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo? acho que sim -- acho que… acho que sim… que… que… da mesma formaque um francês utiliza o francês ou o português utiliza o português - o cabo-verdianoutiliza o crioulo -- é a sua língua -- é a língua que - em princípio - é a sua línguamaterna-- é a língua que em princípio saberá utilizar - se nasceu em Cabo Verde-- ocrioulo será naturalmente a língua que utilizou desde a sua infância - não é? ou pelomenos na sua infância --ou desde que nasceu --não sei --mas a:: Acha que e preciso saber crioulo para ser cabo-verdiano? não// Admite que um cabo-verdiano possa não saber crioulo? com certeza --perfeitamente// Em que circunstâncias? qualquer cabo-verdiano que… que… enfim… que por razões diversas - não é?a gente tem a questão de nacionalidade - da naturalidade --cabo-verdianos que vivemlá fora - mas que se identificam de certa forma com Cabo Verde - ou que seconsideram cabo-verdianos - não é? acho perfeitamente que sejam… e admito quesejam cabo-verdianos e bons cabo-verdianos - mesmo não falando o crioulo// E no caso de ele ter nascido aqui… e viver aqui? também -- também -- também acho natural que um cabo-verdiano que tenhanascido aqui que… não é que… não me repugna -- não me repugna que um cabo-verdiano que tenha nascido em Cabo Verde - vivido em Cabo Verde e que como…muitos que utilizam ou procuram utilizar o português por outras razoes - não é? terãolá as suas razões-- eu… não merepugna… Relativamente ao português, qual é a relação que estabelece entre ser cabo-verdiano e usar o português?((…)) também não me repugna o ser cabo-verdiano e utilizar o português -- não merepugna -- eu conheço muitos cabo-verdianos - são bons cabo-verdianos e que sóutilizam o português porque sentem-se melhor com o português -- viveram muitotempo fora ou por uma razão… ou por em casa falar-se mais português ou apreendeumelhor o português// E aceitaria por uma razão do tipo não gosto de crioulo? não --essa é uma razão que eu não… eu:: duvido que haja... O crioulo é uma língua para ignorantes. O crioulo não é uma língua.aceitaria… não... Aceitaria razões deste tipo? não -- eu não aceitaria de qualquer forma razões deste tipo e nunca… nuncaconfrontei-me… e nunca fui confrontado com uma razão desse tipo -- crioulo é umalíngua para ignorantes -- as pessoas utilizam o português porque sentem-se melhorcom o português - não é? masé:: possível que haja -- mas eu nunca... Não sabe porque é que as pessoas se sentem melhor com o português? bom - aqui existem… existirão várias explicações que se calhar - extravasarãoum pouco a:: digamos - o tema estrito da língua -- existirão outras razões - não é? épossível que existam pessoas que achem que… que… enfim… que a língua crioulanão seja… é possível não - existem de facto pessoas que acham que a língua crioulanão é prestigiada -- que se sente… que se sentem mais prestigiadas ou melhorcolocadas na na sociedade falando o português - não é? mas são… são… digamosque…haverá outras explicações para situações desta natureza que existemnaturalmente -não é? Mas acredita, tem conhecimento de que existe pessoas que optam pelo oportuguês por essas razões? sim sim -- tive um… disse que não tinha - mas tive - tive -- vivi dois anos emSão Vicente - em casa de uma senhora que fazia questão de falar o portuguêsexactamente por… a explicação era essa… o português é que era a língua de eliteque...que… que… Está a falar-medo tempo ainda colonial? colonial// Mas estou a falar de hoje. Actualmente. não --não// Achaque ainda existirão pessoas que consideram...? não -- não tenho conhecimento -- não me tenho confrontado com situaçõesdesta natureza// Com que tipo de pessoas acha adequado usar o português? eu pessoalmente acho adequado usar o português com pessoas que só sabemcomunicar em português - ou só sabem comunicar comigo em português -- portanto -se não sabem o crioulo - ou se não podem estabelecer uma comunicação comigo -enfim -em crioulo - só podem fazê-lo em português -eu acho correcto e curial que eutambém fale português// E porquê? não -- porque é a língua que ele percebe e que ele utiliza - não é? e:: nãopercebendo essa pessoa o crioulo acho que não… não julgo que… não serial curial ecorrecto falar com ela numa língua que não percebe e não entende// Algum tipo de pessoa com quem ache mais adequado falar o crioulo? sim --as pessoas que eu tenha a percepção nítida que não falam português// E assuntos que acha mais adequados para serem tratados em português ou emcrioulo?((…)) não creio --essa é uma questão mais de interlocutor// Diria o mesmo para as circunstâncias, os contextos, as situações?((…)) vamos lá ver -- com uma entidade oficial existem circunstâncias em que vocêfala… mais formais - mais oficiais - que… ao fim ao cabo o crioulo… o português éa língua oficial… e você utiliza o português como língua oficial que é - não é? mascom essas mesmas pessoas existem também circunstâncias em que a comunicação éfluente em crioulo// Mas, acharia adequado usar o crioulo nessas circunstâncias formais? porque não? é adequado --tenho-o feito// Certo. Há bocado falámos na questão do mundo actual e, digamos, daimplicação que isso tem para as línguas… O que é que acha mais comum no mundode hoje: saber só uma língua, mais que uma língua… o que acha mais natural? eu acho que no mundo de hoje - o mais natural é saber-se mais do que umalíngua e de preferência a língua que é universalmente mais utilizada na comunicação-- neste caso o inglês -- neste caso o inglês que é… que é sem duvida… e eu achoque existem… a estatística também diz isso - não é? que com a globalização - na erada informação - o inglês - não obstante todos os esforços que existem a nível dasregiões - dos países - na… ao tentar-se conferir maior importância ou preponderânciaa esta ou aquela língua - o inglês continua a ser - sem dúvida - a língua maistransversal e mais universal de todas -- e eu considero que hoje o inglês - portanto -no mundo de hoje é importante e é crucial… é muito importante… é uma língua demuita importância para a nova economia e para a era de hoje -- eu pessoalmentetenho ido… tenho ido a a várias…a muitas conferências internacionais - não é? onde- enfim - tenho-me sentido - francamente - só e isolado em boa parte dessasconferências - não é? inibido designadamente na minha participação - exactamentepelo facto de… de... enfim - de não… o inglês e em segundo lugar o francês - nãoserem as línguas… particularmente o inglês - que eu utilizo no meu dia a dia para acomunicação… línguas que eu domino com facilidade -- portanto - isso naturalmenteé um elemento muito - muito inibidor -- daí que eu ache que a língua deve sertambém encarada nesta perspectiva - nesta perspectiva - como um utility para odesenvolvimento// Então, o que acha de se usar crioulo e português em Cabo Verde?((…)) achar como? Desta situação, de se usar essas... não -- eu acho que que… nesta perspectiva… nesta perspectiva naturalmente oportuguês tem recursos maiores que o crioulo… é uma língua muito falada -- portanto- não é a mais falada - mas é uma língua falada por milhões de de pessoas… achoque é a nona ou a décima - não é? a língua mais falada no mundo… e o crioulo aindanão… nem sequer é falado por meio milhão de pessoas… ou se calhar por meiomilhão de pessoas… de maneira que naturalmente o português - nesta perspectiva -é uma melhor ferramenta a:: e uma melhor utititye mais competitiva// Então acha que se devia continuar a falar o crioulo e o português em CaboVerde? eu acho que sim - que se deve continuar a utilizar o crioulo e o português --deve-se desenvolver o crioulo de forma que o crioulo ganhe… continue a ganhar oseu espaço - não é? mas isso é um processo que eu acho que deve decorrernaturalmente - não é? sem… sem que… que não… que… não ser forçado - deve terum percurso normal - a:: e partilhado por todos -- sobretudo isso - partilhado portodos-partilhado e assumido por todos// Diga-me, na sua opinião, qual deles o crioulo ou o português deve ser usadonas nossas manifestações culturais incluindo a literatura//((…))Estoua falar das mornas, das coladeiras, batuque, funaná, teatro, cinema, … naturalmente o crioulo --eu pelo menos tenho preferência pelo crioulo// Porquê? eu acho que o crioulo… por isso é que eu disse há bocado que eu tenho duasperspectivas -- uma perspectiva de identidade - uma perspectiva cultural - ondenaturalmente o crioulo tem o seu espaço - e o crioulo… quer dizer… e digamos que oportuguês não tem -- é só ver na nossa cultura musical -- o português não tem espaçona nossa cultura musical -- o crioulo é que tem espaço -- eu acho que para aidentidade - para a nossa identidade - para a nossa expressão cultural - naturalmenteque o crioulo é a língua de todos -- é a língua que nos une - não é? eu quando faloque o português tem essas vantagens competitivas é no nosso relacionamento com omundo -não é? na nossa integração na… portanto - no… na sociedade de informação- no mundo da informação - no mundo do conhecimento -- o português é umaferramenta mais poderosa - que nos oferece maiores facilidades para essa integração- não é? facilidades que o crioulo ainda não oferece// Acha que o crioulo deveria ser usado na alfabetização de adultos?((…)) não -- acho que sim -- que o crioulo deve ser utilizado na alfabetização deadultos da mesmaforma que é utilizado também nas escolas// O crioulo? o crioulo ou o português? Perguntei o crioulo… é? Se o crioulo deveria ser usado na alfabetização de adultos?((…)) é utilizado na alfabetização de adultos em princípio --não? Os adultos são alfabetizados em português. Houve uma experiência dealfabetização bilingue mas que não avançou muito// eu não tenho uma posição fechada e formatada nesta matéria -- mas a minhaperspectiva é -- sem pressa - é sem pressa -- alfabetização para que? qual é a utilidadeda alfabetização? é fazer com que as pessoas a:: sejam mais integradas com outraspessoas --possuam - digamos - instrumentos - digamos - que lhes permitamsingrarou ter uma… na vida social e na vida económica ou particularmente na vidaeconómica -- eu acho que nesta perspectiva sem dúvida o crioulo… o português temmais potencialidades do que o crioulo// Essa possibilidade de o cabo-verdiano às vezes poder usar o crioulo e outrasvezes poder usar o português… o que é que pensa desta possibilidade que o cabo-verdiano tem? eu acho que é uma grande riqueza que a gente tem -- eu vejo isso como…como uma mais valia// E acha que o crioulo deve ser oficializado? sim --acho que o crioulo deve ser oficializado// Porquê? o crioulo é a língua que nos une -- é a língua que nós utilizamos na nossacomunicação - não é? eu não… não vejo porque é que não há de ser oficializado --eu se calhar acho até que vamos atrasados nisso// E ser oficializado para quê? ser a nossa língua --ser a nossa língua oficial// Para quê? Falar, ler, escrever? Para se usar onde? Em que circunstâncias? eu acho que deve ser oficializado como uma língua -- como uma língua -- nãose pode oficializar uma língua para ler - outra para falar -- é oficializada como língua-- é evidente que neste momento o crioulo é utilizado mais na fala - não é? e que sedesenvolvam… que sejam desenvolvidas… criadas as condições para que também sepasse a escrever o… que se chegue a um entendimento - e que sejam criadas ascondições para que o crioulo passe a ser também uma língua escrita// Gostaria de aprender a ler e escrever em crioulo? sim -- gostaria de de aprender a escrever em crioulo -- mas naturalmente aícolocar-se-ia uma outra questão -- esta é uma questão que deve ser consensual -consensualizada -- amplamente discutida - e amplamente consensualizada -- eu achoque todos gostaríamos - todos os cabo-verdianos gostariam de poder escrever emcrioulo// Diga-me uma coisa, no caso do crioulo ser oficializado, como é que ficaria,para si, a oficialidade do português? eu acho que… que… não há aqui incompatibilidade - ou... quer dizer não háaqui… umh… como é que eu hei de dizer? aqui não pode haver espaço… a entradade um não quer dizer necessariamente o afastamento do outro -- há países porexemplo que têm duas línguas oficiais -- os Camarões por exemplo têm duas línguasoficiais -- portanto - eu não vejo que a oficialização de uma língua tenha que implicarnecessariamente a secundarização de uma outra -- não acho que a via seja essa// Entendo. Diga-me, como é que os cabo-verdianos falam o português, de ummodo geral? de um modo geral, como é que os cabo-verdianos falam o português? eu acho que não falam tão bem o português como falam o crioulo --naturalmente porque utilizam na sua… no seu dia a dia o crioulo - não é? e é esta arazão -- portanto não falam tão bem o português como falam o crioulo - não é? masacho que fazem-se entender -- podem fazer-se entender em português - não é? semfalar correctamente na maior parte dos casos -- ou sem… sem utilizar a língua emtodas as suas potencialidades -fazem-seentender -- sem… sem falar correctamente// Quando diz correctamente qual é o seu parâmetro, referências? com regras - com todas as regras - escrever correctamente uma língua é…utilizar uma língua correctamente -julgo eu -não é? existem regras// Para si qual é o português padrão? a:: repare -- eu sempre procuro fugir a padrões -- mas o português que nósutilizamos como referência é o português de Portugal -não é? Certo. porque… pronto… E acha então que… se eu entendi bem…está a dizer que os cabo-verdianosdeviam falar assim? eu acho que no seu esforço… aqueles que falam utilizam - portanto - oportuguês de Portugal -- não é… está longe… não é - nem de perto nem de longe oportuguês que é utilizado no Brasil - que - digamos - que é a versão - em meuentender - um pouco mais vincada ou mais diferenciada da versão portuguesa - nãoé? se calhar a seguir à angolana… mas acho que tem mais a ver com o sotaque -- masa referência -naturalmente até esta -tem sido a do português de Portugal// E acha que os cabo-verdianos falam como os portugueses? não acho que falem como os portugueses -- eu acho que procuram falar comoos portugueses// Mas acha que devem procurar falar como os portugueses? não -- eu acho que devem procurar falar português -- não necessariamentecomo os portugueses -- os angolanos falam português mas não falam necessariamentecomo os portugueses - não é? acho que os guineenses falam português - mas nãonecessariamente como os portugueses -- devem procurar falar uma língua que temnaturalmente as suas regras… que tem - não é? mas ... Essas regras podem ser diferentes do português de Portugal? porque não? Quer acrescentar algum comentário, mais alguma coisa que acha que ficou pordizer e que gostaria de dizer? em especial nada -- acho que é uma questão complexa -- aliás essa entrevistaa:: permitiu-me também perceber que estamos diante de uma questão que é complexaem todas as suas dimensões -- quer seja a dimensão técnica - a dimensão linguística -a dimensão social - a dimensão económica -- e:: julgo que é uma questão que deveser tratada em todas essas dimensões -- deve ser problematizada - deve seramplamente discutida - para que efectivamente nós consigamos - sejamos capazes dedar… dar passos - não é? acho que todos esperam e querem que a sua língua materna- não é? seja - seja potenciada - e seja cada vez mais também não somente umelemento de referência cultural - mas um instrumento para o desenvolvimento dopaís// Muito obrigada X por ter respondido às minhas questões." -INF2.wav,"Dr. X, muito obrigada, antes de mais, por ter acedido a conceder-me estaentrevista que desde já eu agradeço. A primeira questão que eu lhe queria pôr erase antes de entrar para a escola se sabia… se falava o crioulo ou o português? era… falava era o crioulo -- porque eu fiz a primeira… a quarta classe naBoa Vista -- saí de lá com dez anos -- e durante estes dez anos - afora a classe -era o crioulo que efectivamente comandava a vida -- e só na escola - durante ainstrução primária - é que a professora - uma que outra vez - queria de nóspronúncia em português - mas isso era bem difícil - a gente - a maior parte dasvezes expressava-se -mesmo para ela - em crioulo// Mas já tinha tido algum contacto com o português? Assim, ouvido, ouvia oportuguês … algumatentativa de falar … antes de entrar para a escola? tentativa de falar… uma ou outra vez - sobretudo com com o pároco defreguesia --ele era indiano… o padre (?) o pároco como se dizia… era indiano - agente falava com ele em português -- claro - português de criança dos 10 anos -numa ilha como Boavista -- e também uma ou outra vez que a gente tivesseoportunidade de falar com… com o administrador ou com um ou outro destacadofuncionário… mas isto acontecia muito raramente - pelo menos naquela idade --mas ouvia sim -- ouvia os adultos -- as pessoas do povo ainda tinham a mania - oua noção - de que falar com altas entidades ou falar com o padre tinha que ser emportuguês - e lá se esforçavam por falar na medida do possível -- e… fora isso - agente era criança - portanto andava sempre por sítios onde houvesse movimento -a captar os movimentos sociais - e ouvia de facto a administração da ilha - naaltura os administradores - a falarem e a obterem também as respostas consoantesolicitados -- as pessoas lá iam dizendo o seu português - o português já se sabenão era o português de gramática-- houve quem também respondesse em crioulo --isto também existia -- de modo que… A comunicação social. Nessa altura tinha alguma … a comunicação nessa altura era rádio -- lembro-me… ainda era os temposde onda média --ainda não havia FM -não é? e era tudo só rádio// Mas não ouvia? ouvia sempre -- aliás nessa altura não havia a televisão - não havia outrosatractivos -- então - ao fim do dia - o pessoal fazia questão de se sentar ao pé deum aparelho de rádio -como se dizia na altura-para ouvir o… Então ouvia o português através da rádio? exactamente// Obrigada. E actualmente em casa, com os seus amigos mais próximos, comos seus amigos de um modo geral, e colegas, qual é que usa, o crioulo ou oportuguês? ambas as línguas -- mas devo dizer que o… a tendência é para a línguacabo-verdiana de facto comandar o mundo da comunicação -- isto acontecemesmo aqui na Assembleia Nacional… nas lides com… com os senhoresdeputados - com a maioria deles - e acontece aqui nos despachos com… quetenho com os directores -- a gente faz tudo em crioulo -- informalmente… ouentão - uma ou outra vez começa em português mas depois quando se dá conta -da consciência das coisas - já está a comunicar-se em crioulo -- de maneira que…acho que a totalidade das nossas comunicações aqui passa-se - passa-se emcrioulo// E o português então? o português tendencialmente está relegado para o mundo da escrita --apesar da resolução 48 já permitir que se possa fazer notas em crioulo ainda agente não teve coragem de dar… de dar este passo -- mas o resto da comunicaçãopassa-se em português… a não ser com… bom -- com o Presidente da AssembleiaNacional onde ainda… Queria dizer em crioulo? em crioulo -- em crioulo -- a não ser com o Presidente da AssembleiaNacional onde ainda vai sendo em português -- até ver -- mas com os outros -mesmo com os deputados e com o pessoal aqui - administrativo - o crioulo é quecomanda avida -- a língua cabo-verdiana… Como é que… qual é que considera ser a sua proficiência geral emportuguês e em crioulo?((toque telefone)) dizia… A sua proficiência geral em português e em crioulo… Gostaria que mefalasse disso… a sua capacidade geral de usar uma e outra língua… eu confesso que talvez me sinta à vontade numa ou noutra… numa ounoutra língua em virtude do hábito - da prática - da experiência -- isso não querdizer que isso seja a tendência… Falar, ler, escrever … gostaria que me fizesse um… a falar estou à vontade em qualquer uma delas// Certo. embora o crioulo tenha… a língua cabo-verdiana tenha o condão de serlíngua mãe// certo. é -- ao falar aquilo flúi -- ao passo que com o português a gente já fazaquele exercício de… de respeitar a gramática -- mas sim - a força do hábito e dospercursos lá vai -- a escrever… a escrever neste momento eu confesso que estou àvontade para escrever também qualquer uma delas em virtude dos exercícios quetenho feito// E em termos de preferência… qual é que prefere? falar em crioulo, falarem português, ler em crioulo, ler português… talvez de igual para igual --de igual para igual// E em termos… como é que se sente, em qual dos dois, o crioulo ou oportuguês, acha que exprime melhor as suas ideias? mhm -- eu penso que igualmente ahn? porque com o crioulo - está a ver -às vezes a gente trata assuntos de trabalho - assuntos de administração atéassuntos que exigem alguma especulação… e faz tudo em crioulo// E como é que se sente quando fala o português e o crioulo? Sente-se àvontade? Com … à vontade --à vontade// Tanto com o português como com o crioulo? uma é a língua mãe- e outra é a língua de formação// Com medo de errar? Nem sequer pensa nisso? não --vai evoluindo// Naturalmente. Portanto, não se sente mais ou menos à vontade em nenhumdos dois. Sente-se igualmente… sim --penso que é isso -- igualmente à vontade// Eu gostaria que a… atentasse nas pessoas… três pessoas com quem maisfala, com quem mais conversa fora do seu círculo familiar no exercício de… dassuas actividades, não é? e que buscasse caracterizar-me essas pessoas em termosdo seu perfil, assim em termos de idade, sexo, estrato social… mhm… pode ser no mundo laboral -não? Sim. No exercício das suas actividades. Não dentro do circulo familiar,mas … está certo -- bom -- em primeiro lugar eu tenho muita comunicação com opresidente da assembleia nacional e aí até por razão de formalidade a gente só sefala em português… nos despachos e nos assuntos de trabalho// Normalmente, com essa pessoa trata assuntos de trabalho? sim --assuntos de trabalho// E essa conversação passa-se em português. em ambiente de trabalho -- fora do trabalho temos a nossa amizade - isso éoutra coisa -- os assuntos de trabalho processam em língua portuguesa -- (?) maissobre ele? Sim. Se pudesse… portanto, é o presidente da assembleia nacional… é o presidente da assembleia nacional -- o que mais eu hei-de dizer? é umhomem culto -não é? é um homem…(…) Éuma pessoa que a gente conhece… sabe que ele é natural… sim --é uma figura mais que pública// É uma figura mais que pública aqui em Cabo Verde. Caracteriza-se por si.Digamos que… posso passar à segunda pessoa? Sim. Com certeza. À vontade. tenho o director dos serviços []… que é a pessoa com quem mais… queeu sou obrigado a:: lidar por inerência do cargo - e ali a comunicação passa-sequase toda ela em língua cabo-verdiana -- na ordem dos 95% -- às vezes a gentecomeça em português e quando se apercebe já passou para a língua cabo-verdianae toda a nossa comunicação processa-se assim -- portanto é uma senhora -- umaeconomista -- e tratamos assuntos de administração e da gestão corrente -sobretudo de ordem administrativa e financeira -- é relativamente jovem --portanto -um quadro ainda relativamente jovem --bom --a gente conversa… E digamos, enquanto… um pouco fora do círculo da Assembleia… dasoutras actividades que tem ou como musicólogo, como escritor… certamente quecontacta outras pessoas, não é? sim// Com essas pessoas, como é que se passa a comunicação? não fica muito tempo para isso - não é verdade? na maioria dos casos acomunicação é espontânea -- é em língua cabo-verdiana e quando calha - quandoacontece - é em torno de do mundo da cultura ou das pessoas ligadas ao mundo dacultura -- vai tudo em língua cabo-verdiana -- lido com músicos - lido comescritores - com pessoas que tenham alguma intervenção -- o meu círculo não émuito alargado porque da assembleia não me fica muito tempo para a vida social -- mas aquele pouco que tenho é mais ou menos neste quadro// Em resumo, qual diria… qual o perfil das pessoas com quem normalmentefala crioulo e fala português? Resumindo, porque eu acho que já disse, masgostaria que só sintetizasse isso… habitualmente - o meu universo de contacto é gente ou com bastanteinstrução ou… pessoa ou gente que já… que esteja no mundo da da cultura - dasartes da… e é em razão disso que nós nos encontramos e nos comunicamos -- emvirtude de conhecimento que a gente tem pelo desempenho artístico ou cultural nasociedade// mhm. Geralmente a língua que utiliza com essas pessoas…? é o crioulo// É o crioulo … é o crioulo -- a não ser que uma ou outra pessoa já já daquelas mais -mais… não digo mais resistentes ao crioulo - mas talvez menos permeáveis --porque também os há… O que é que acontece quando fala o seu crioulo com pessoas de outrasilhas? mhm -- eu adapto-me -- se estou com gente de Santiago - falo 1badiucorrentemente --se estou com gente de outras ilhas - do barlavento -falo o criouloda Boavista --a variante da Boavista// E qual é o grau de entendimento? o entendimento é bom// Digamos mesmo que fale o crioulo de Santiago com pessoas de Fogo,Brava ou… a gente comunica-se bem porque… é a variante que predomina ou que pelomenos acho (inidável?) para a variante dessas ilhas -- falo crioulo da Praia e elesrespondem pela mesma via --edentro desse contexto… Usam o a sua variante? usam asua variante// E percebe? percebo -- sem problema -- e eu falo a variante aqui da Praia e também elespercebem sem problema // Certo. a variante de Santiago//((pequena interrupção devido à entrada deuma pessoa no gabinete)) E:: embora o X tenha referido isto ao longo das da sua conversa vou-lhecolocar… vou-lhe colocar de novo a questão. Se podia precisar um pouco em quelugares e circunstâncias usa o crioulo, e em que lugares e circunstâncias usa oportuguês? Por exemplo em casa, com os vizinhos, no mercado, quando está naslojas… enfim… nos locais de culto religioso que eventualmente frequente, emcerimónias oficiais… portanto, essa diversidade de lugares que a gente tem quefalar … usa o crioulo, o português? mais uma vez - portanto… o:: é de facto o crioulo que comanda a vidaporque - quando estou com os artistas - com… com… mesmo os escritores cabo-verdianos - sobretudo aqueles que têm tendência… ali é inevitavelmente a línguacabo-verdiana -- na zona do culto - por exemplo - bom - ali - vou por sinal - masali não tenho contacto -- ali a gente ouve é as pessoas a fazerem a leitura em1 O habitante da região de sotavento e, por extensão, a variante de LCV falada por eles.língua portuguesa e depois a sua explicação em crioulo// Quem é que faz a explicação? os padres// Os padres fazem a explicação em crioulo, normalmente? Isto acontececorrentemente? quando são padres cabo-verdianos fazem a homilia em crioulo -- a prédicaé em crioulo -- e depois também tomo contacto com um ou outro cântico que seexecuta em língua cabo-verdiana -- nas lojas e no comércio e na vida lá fora…bom… Na administração publica… na administração públicahabitualmente… Como utente. sim -- como utente também tem sido em crioulo e:: sem dúvida alguma --nos poucos contactos que a gente faz - uma que outra vez - quando a gente sentedo outro lado - a sensibilidade ou a vontade vai mais para o português - a genteacomoda-se -adapta-se -- mas na maioria dos casos todo mundo está… permeávele receptível para que a língua portuguesa seja a língua para a comunicação naadministração -e é o que passa-se na maioria dos casos// Gostaria que me dissesse com que finalidade usa o crioulo ou o português.Eu estou a pensar em questões como exprimir os seus sentimentos, rezar ou orar,dar, pedir informações, namorar, convencer, reflectir ou discutir com alguémideias… qual a língua que usa nessas circunstancias? na maioria dessas… Nessas circunstâncias… é habitualmente de facto língua cabo-verdiana - em tudo isso quemencionou// Enoutras que eu não disse mas que… É um quadro global de relacionamento -- então - se calha ser fora doambiente formal - do trabalho - com maior razão ainda a língua - a vida -utilizando a expressão lá do brasileiro -decorre em crioulo - Jorge Amado // Diga-me uma coisa… nesta última semana, acha que falou, que usou maiso português ou o crioulo? muito mais -e de longe o crioulo// Num dia, usa mais o crioulo ou o português? Qual é que usa durante maistempo num dia, o crioulo ou o português? de longe a fatia maior cabe à língua cabo-verdiana// E porquê? está a ver -- a vida… em casa - indiscutivelmente - é em língua cabo-verdiana que a gente se comunica - no seio da família e com os vizinhos --a gentepassa a maior parte do tempo aqui no serviço - e aqui - com a maioria do pessoal -mesmo com as chefias - a comunicação é em língua cabo-verdiana -- com ossenhores deputados é a mesma coisa// Certo. Em que contextos… talvez seja uma pergunta redundante, mas …indique-me três contextos em que normalmente fala o crioulo e três ondenormalmente fala o português? o primeiro contexto é o familiar -em casa// Certo. Estamos a falar do crioulo. sim -- estamos a falar do crioulo -- em casa… o familiar -- o segundocontexto é aqui no ambiente de trabalho -- quando me dirijo ao pessoal que não échefia-isto sai automático e habitualmente… Já agora -podia referir-me e simultaneamente os tipos de assuntos… ? são ordens de serviço -- ou então sei lá… alguma incumbência pontual…sei lá… algum recado a fazer no exterior - ou de alguma missão a fazer noexterior ou mesmo aqui dentro -- bom -- um contexto é o familiar -- o outrocontexto é aqui com o pessoal administrativo - digamos assim - executante -- efora isso… quer com chefias… com estes faço uma área a parte -- com esses -parte em português - parte em língua cabo-verdiana -- mas com esses - como eudigo a gente começa em português e imperceptivelmente passa para a outralíngua// Alguma circunstância, ou algum contexto, em que normalmente falacrioulo, mas gostaria de falar português, ou vice-versa, fala português masgostaria de falar crioulo? não - não - não -- não se tem oferecido caso deste tipo de… porque está aver… a coisa passa-se de tal ordem que a gente não… não se apercebe -- mesmocom o presidente da assembleia nacional - onde a gente faz os despachos todosem português… quer dizer… a gente… a gente não se coloca este tipo dequestionamento - mas isto resulta um pouco - porque do lado dele há estapreocupação de formalidade - porque por mim a gente entender-se-iahibridamente e bilinguemente// Fora do contexto da assembleia… fora do contexto da assembleia - a gente fala o nosso crioulo -- quando agente se encontra fora do contexto… Não. Estoua dizer de um… de modo geral fora… na vida social? Sim. na vida social -de facto - em mais de 90% dos casos// Mas há algum caso, assim, na vida social que usa o crioulo mas gostaria deusar… não// O português ou vice-versa? não -- no primeiro caso não há -- no segundo caso em que eu uso oportuguês mas gostaria de usar o crioulo… isso nem sempre depende de mim -pois você na vida social encontra uma ou outra pessoa que é habituada a exprimir-se em português - e ali - mesmo que você fale com eles em crioulo - eles acabampor responder em português -- então - para não dificultar este jogo - eu tenho queme adaptar// Certo. mas isto é uma percentagem ínfima como… como já tinha dito -- estousempre a repetir// Pensemos agora no ouvir embora digamos julgue que está bastanterelacionado com o falar… Mas em termos de ouvir crioulo e português… estou…ouve habitualmente o crioulo e o português pelo que eu posso deduzir. Se euestiver errada corrija-me. Portanto a frequência tal como para o falar… suponhoque ouve mais o crioulo do que o português… mhm Mas, em termos de português, então. Pensemos então no português.Normalmente quando ouve o português, não é? É sobre que assuntos e em quecircunstancias? mhmbom… antes de mais nada… Portanto circunstancias em que normalmente ouve o português. bom - antes de mais nada pela comunicação social - que a nossa rádio e anossa televisão ainda trabalham quase em exclusivo com o português -- ponto um--segundo - as leituras -- não sei se a leitura conta ahn…? Sim. Sim. Habitualmente lê em português? em português// Costuma ler em crioulo? sim --também -- mas menos// O que é que lê em crioulo? sei lá… algum trabalho já produzido… de pessoas que escreveram… ouentão os meus próprios… estou sempre a produzir em crioulo// Ah é? Escreve bastante em crioulo? quando me resta algum tempo… fora do serviço -dou-me a este exercício// Portanto é escrita literária? literária// Ou de intervenção social…? não --não --apenas literária -sim// Então diga-me uma coisa… eu sei que não aprendeu a escrever o crioulona escola… portanto vou pôr-lhe a questão. Como é que o consegue escrever?Como é que escreve e como é que o consegue? primeiro tive que me familiarizar com o alfabeto - e tomei comoinstrumento o ALUPEC - que é uma proposta de alfabeto -- depois… iniciado edesencadeado o processo - eu vi que era um exercício interessante -- e esteexercício acabou por - em matéria de prazer e interesse - alimentar-se a si próprio--a gente vai escrevendo e vai tomando o gosto e depois faz daquilo um hobbie// Eu… eu gostaria que me falasse das suas três maiores dificuldades… quesente quando escreve o crioulo e como é que acha que essas dificuldadespoderiam ser superadas … mhm -- uma ou outra dificuldade ainda a gente encontra - se… sobretudo éna no mundo da colocação dos acentos -- vai escrevendo em crioulo - aquilo éuma correspondência directa entre o que se pronuncia e o alfabeto… portanto umacorrespondência unívoca entre o grafema e o fonema -- então isto cria uminteresse… juntando com as cargas idiomáticas da variante que eu utilizo - isso dáum certo prazer e… uma ou outra vez aparece um caso de dúvida -- aqui a gentepõe acento ou não põe acento? são coisinhas práticas do tipo que… eu nãoconsidero grandes problemas… porque devido ao facto desta correspondênciarigorosa entre a pronúncia e a escrita -a coisa fica imensamente facilitada// Problemas do tipo… por exemplo, desenvolvimento das ideias e e asegmentação no texto, paragrafação… onde… este tipo de questão… não --este tipo de questão… Este tipo de questão -mais do discurso do que da ortografia// acho que nesta parte do discurso - também não tenho tido problemas -porque consigo ordenar - organizar as ideias - não…enfim - vou arrumando otexto com os parágrafos consoante - consoante a lógica e o encadeamento… comose faz em português- ao fim e ao cabo// Serve-se dos seus conhecimentos doportuguês? Por exemplo…? deixa ver -- procuro evitar que nas duas línguas haja interferência abusivaduma na outra… Certo. isto em termos de de discurso gramatical e do pensamento -- agora aformatação do texto… bom isso também quando escrevo em francês - obedeço àmesma lógica -- a paragrafação… mudo de assuntos - ideias arrumadas…portanto -aí não acredito que ainterferência seja por aí além --ou a influência// Obrigada. Em alguma circunstância em que esteja a usar o crioulo ou oportuguês muda… a usar o português, muda para o crioulo ou a usar o crioulomuda para o português? Se sim o que é que o faria mudar? isto acontece muito:: RARAmente e não tenho visto momentos do tipo… anão ser aqui na assembleia e na comunicação entre os deputados na plenária - emque tanto um fala em português - o que vem a seguir lhe responde em crioulo - eo outro volta ao português - mas isso não… o que se passa ali em termos desociologia linguística - ali da plateia - não se passa comigo na vida individual --quando … quando começo em crioulo vou em crioulo - e quando começo emportuguês -vou em português --e pelo menos… Chega alguém a falar… se percebi bem … chega alguém a falar… está afalar… se está a falar em crioulo e chega alguém a falar português muda paraportuguês…? adapto-me- consoante as circunstâncias// Portanto,depende sempre do seu interlocutor? penso sempre no meu interlocutor -- e encontro alguns que por mais que agente coisa… eles não saem do português -- bom - ali neste caso - eu evito sequerapresentar o crioulo -- se vejo que o meu interlocutor só fala em português - ou sóquer exprimir-se em português -ali eu adapto-me e entendemo-nos// Outro ponto que o faz mudar do português para o crioulo ou do crioulopara o português… o tipo de assunto ou a relação com a pessoa…? acho que… é mais da relação com a pessoa -- porque quanto ao assuntoacho que… Tipo de relação… se é uma pessoa mais… mais familiar…? mais formal -- não -- menos familiar - no caso -- com o português - o queacontece… falo com pessoas aqui da nossa praça que são gente com quem tenhomenos… um relacionamento menos chegado// Com as pessoas menos chegadas…? exactamente// Usa…? o português -- ou então uma ou outra pessoa chegada - um ou outrodeputado por exemplo - mas a gente já sabe que o timbre dessa pessoa é exprimir-se sempre em português - bom… ali claro… eu mesmo quando lhe dirijo aconversatomo a iniciativa de no sentido disto já acontecer em português porque jásei que o interlocutor é… deste tipo// Mas o que é deste tipo? Como assim? quer dizer - que é uma pessoa que habitualmente fala o português e não…e é pouco flexível --também há pessoas dessas// Oque é que pensa do crioulo e do português? ((risos)) bom -- eu penso que são duas línguas -- no caso do português éuma língua não nacional - não materna -- mas é oficial -- é um património - que agente estima - ama e gosta de ver bem cultivada - bem conservada e bem tratada -- e nós todos sofremos quando vemos o português mal tratadinho… a começarmuitas vezes por Portugal -- é só ver os blocos noticiosos em que os pais em queos pais estão quase sempre furiosos com o Ministério da Educação por causa damatemática e da língua portuguesa…isso em Portugal -- portanto é um patrimónioque deve ser salvaguardado sobretudo pelo universo dos falantes que não é tãopequeno quanto isso - sendo para cima de duzentos milhões -- é portanto… é umpatrimónio que tem que ser acautelado--fora de questão// mhm a língua cabo-verdiana é a língua materna -- hoje ninguém lhe chamadialecto -- é língua -- tem regras -- tem a sua capacidade expressiva própria -- tema sua gramática -- a gente estima e traz essa língua no peito como… qualquercoisaque herdou com o leite materno… Certo. e gostaria de alguma vez vê-la oficializada - no uso - na administração -como na prática já acontece na comunicação oral// Certo. já acontece na comunicação oral… claro que há outros problemas que sepõem -- a gente vai escrever - mas vai escrever em qual variante? este é OUtroproblema…outro problema… Já agora, para si existe um verdadeiro crioulo? eu penso que sim… porque o … Qual? porque o crioulo… está a ver… o crioulo diz-se - e com muita razão que -como língua de fundo ela é una -- ela tem variantes que são variantes locais - quesão variantes de superfície// Qual dessas é o verdadeiro crioulo? qual delas ou qual deles é o verdadeiro? eu acho que todos são verdadeiros-- todos são verdadeiros -- não é por esta via -- todos são verdadeiros e todos sãosusceptíveis de serem escritas -- estas variantes todas -- eu fiz um exercício navariante da Boa Vista -- e aquilo é formidável como exercício -- e acredito que ode São Vicente - o de Santo Antão ou de qualquer outra ilha… agora temos a deSantiago -- bom -- é aquela que possivelmente estará mais bem estruturada emtermos de vocalização -- mas isto é um critério aleatório que em termos de umadecisão política - se ela vier a ser tomada alguma vez - poderá não relevar -- ali jáse mete para o mundo da da política -- e esta variedade não sei se é um bem ou seé um mal… quer dizer… e::: O que é que acha das pessoas que usam o crioulo e usam o português? as pessoas que conseguem fazer isso… Por exemplo, há bocado falou-me de pessoas que só falam em portuguêsembora sendo cabo-verdianas, não é? O que é que acha dessas pessoas? eu penso… bom… não tenho assim uma ideia acabada -- mas em princípiopode ser que se trate de hábito -- ou então pode dar-se o caso de junto de uma ououtra dessas pessoas - prevalecer uma certa mentalidade formal de que assuntossérios e assuntos de cultura - e assuntos de comunicação - têm que ser emportuguês -- bom --se isso acontecer - estaremos no foro das mentalidades// Certo. Mas é disso mesmo que eu… digamos… que eu gostaria deperceber um pouco… o que é que acha das mentalidades dessas pessoas, se achaalguma coisa,não é? acho que há quem faça isso... Ou pelo menos, digamos, quais seriam as motivações dessas pessoas? eu entendo que haja quem faça isso por… haja quem faça isso por… porconvicção e por entender que o crioulo não deve passar por além da do ram ramdo quotidiano informal -- e há quem faça isso também sem se dar conta -imperceptivelmente - porque a pessoa ou está habituada a… não… mas sabe - eunem sequer... acho que as pessoas que fazem isso sequer no mundo da famíliafalam a língua portuguesa - ali há qualquer coisa que ligo à mentalidade - à formade pensar -- assunto sério - de cultura ou de expressão - tem de ser em línguaportuguesa-- eu acho que é mais isso… um bocado de preconceito// Certo. preconceito e formalidade -- outras vezes isso pode não ter maldade - masser um mero comportamento formal -- forma de estar - talvez sem nenhum juízode valor -- tanto que esta pessoa - no momento seguinte- é capaz de lá em casa oucomigo ou porque me conhece e talvez por saber que sou do mundo da:::automaticamente expressa-se em português -- muito bem - a gente adapta-se --mas não acredito que a comunicação desta pessoa se passe todo o tempo emlíngua portuguesa - a menos que haja alguma percentagem - que mesmo sendocabo-verdiano-lá em casa fale português --não acredito muito nisso// Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo ou oportuguês? mhm--talvez diferenciássemos essas situações … porque veja... Pondo a questão de outra maneira. Acha que é preciso ser cabo-verdiano, épreciso falar cabo-verdiano para se ser cabo-verdiano? Admite que em algumacircunstância um cabo-verdiano possa não usar o crioulo? E mesmo… e mesmo…as mesmas questões poderia fazer em relação ao português… acha que se pode sercabo-verdiano e usar português? eu penso que sim -- não é por aí que se define a nacionalidade de umindivíduo -- um individuo pode ser cabo-verdiano e por opção ou porque estámais influenciado pela… em virtude da emigração ou por outras razões - ou atépor principio - ele quer falar o português - por mim não é por ali que ele serámenos cabo-verdiano do que os outros -- haverá as mais díspares razões - masnão creio que seja este… que seja esta uma razão fundamental e definitiva --talvez você vá encontrar lá em Portugal - aqueles que sempre que possam - falamo crioulo - até como expressão de afirmação identitária - até em reacção contra omeio - refúgio no ambiente de trabalho - ou no círculo da família fazem questão egala de se exprimir em crioulo - estando lá em Portugal -- por hipótese… não seise é por ai que... para mim o cabo-verdiano que - por principio - quer apostar noportuguês e deixar o crioulo para outros momentos - nem por isso o julgo menoscabo-verdiano// Entendo. e vice-versa -- aquele que também… que queira fazer do crioulo - da línguacabo-verdiana - o campo maior da sua capacidade expressiva… bom não é porisso que ele será menos português// Certo. mesmo que ele viva lá e tenha nacionalidade// Certo. nacionalidade de conveniência// O que é que acha desta situação, ou deste facto, de se usar o crioulo e oportuguês em Cabo Verde? temos uma situação que aparentemente seria bilingue -- entretanto sabemosque não é… porque a:: sabemos que não é bilingue -- temos uma situaçãodiglóssica - de diglossia - em que no mundo da informalidade e da convivênciaquotidiana - a maioria fala o crioulo e no momento da formalidade ou da grafia aspessoas refugiam-se no português -- isto resulta das duas línguas não terem omesmo estatuto- não terem o mesmo estatuto// Mas de qualquer modo nós temos esta possibilidade: de usar o crioulo ou oportuguês ou o crioulo e o português. O que é que acha enfim desta possibilidadeque nós temos? eu acho que é um enriquecimento -- é uma situação que à partida leva…pode levar a um enriquecimento -- agora - só que em termos de expressãonumérica e percentual - sabemos que quem fala o português é uma minoria - nocírculo da informalidade// O que acha ser mais comum no mundo, saber só uma língua ou mais doque uma língua e como é que relaciona isto com a situação que nós temos emCabo Verde? bom… hoje a tendência é para… é para as pessoas saberem mais do queuma língua -- e será recomendável sobre todos os pontos de vista - não é? nonosso caso - penso que… que o português já é um dado adquirido como língua deensino - tanto veicular como objecto -- penso - que o crioulo deveria vir pelamesma via - ser também língua veicular que já é - e estará sendo utilizada noensino - não sei em que percentagem - mas sei que há muita gente que se socorredo crioulo no ensino com alguma informalidade -- restar-lhe-ia passar a ser defacto língua objecto de ensino - além de língua veicular -- e além da língua cabo-verdiana e do português - penso que nós devíamos abrir-nos também àaprendizagem de outras línguas - principalmente àquelas que mais nos colocamno mundo da internacionalização -- o português dá aqui uma ajuda -mas em todosos blocos onde se agitam interesses hoje - por mais que o português seja já línguade trabalho de algumas organizações - para além daquelas onde (?) e estãofiliados… pode ser que esta razão - só por si - não baste para nos impedir deaprender outras línguas- mormente o francês e o inglês ou uma delas// Em resumo, para si qual era…qual seria a alternativa linguística para CaboVerde? a alternativa linguística --bom... O desenho, digamos. Qual seria a situação desejável? desejável seria com certeza o ensino da língua portuguesa e da cabo-verdiana --e também o ensino de pelo menos do francês e do inglês// Certo. Há bocado falámos disto mas eu gostaria de… de lhe pôr… devoltar a uma questão anterior para lhe perguntar directamente. Acha que… o queé que acha de um cabo-verdiano que não gosta do crioulo? mhm -- bom -- um cabo-verdiano que não goste do crioulo… eu não sei seexistirá ((risos) mas a existir… a existir… seria algo de estranho - não é? seriaalgo de estranho - e seria interessante a gente saber porque é que ele não gosta docrioulo -- se ele tem um fundo de pensamento racista - preconceituoso ou algumarazão válida ou até aceitável para que isso acontecesse nele -- mas acho que é umcaso - um caso um pouco teórico - porque todo o indivíduo que se preze - e quetem um pouco de consciência nacional - muito dificilmente descartará a sualíngua materna// Obrigada. Há bocado falou-me disso insistentemente… de que consideraque o crioulo deve ser ensinado nas escolas… E relativamente ao português, achaque se deve continuar a ler e a escrever em português? absolutamente -- o português é um património inquestionável de CaboVerde - até porque Cabo Verde está situado internacionalmente num bloco hojecada vez mais expressivo que é o bloco -da CPLP - sim - da CPLP… comunidadedos países… portanto é um bloco considerável à escala mundial -- e ali nós nãopodemos negligenciar -- e o português é um património que já dura para cima dequinhentos anos de convivência -- não é brincadeira -- portanto não se pode deânimo leve falar mal - nem menosprezar - nem desconhecer -- e nem vaiacontecer -- não acredito que isso venha a acontecer alguma vez -- seria umapolítica suicida e:: contra todas as correntes --isso não acontecerá --não// Acha que existem pessoas, circunstâncias e assuntos em que o português émais adequado? Por outro lado, outras pessoas, outros assuntos e outrascircunstâncias em que o crioulo é mais adequado? não -- acho que… em termos de linguística pura - não sei se se pode falardesta maneira -- agora em termos de sociolinguística - a gente habituou-se alidar… a ligar a língua portuguesa com as expressões - com os momentos deexpressão séria ou solene ou coisa parecida --mas isto é um fenómeno corrigível -corrigível - porque no momento de luto - ou de uma homilia - ou no momento deum brinde de casamento - eu posso dizer em crioulo tudo aquilo que diria emportuguês -- portanto - ali é um pouco mais a sociolinguística que talvez ajude aexplicar isto// Oque é que acha disso, pessoalmente? em termos de dissociação pura... Pessoalmente. e de formulação de que em português a gente consegue exprimir as ideiascom seriedade e com propriedade e em crioulo - não? não - acho que isto seriauma disfunção de juízo// Obrigada. E diga-me uma coisa. E nas manifestações culturais, incluindo aliteratura, qual deles acha que deve ser usado, o crioulo ou o português? literatura como? Morna… estou a falar de morna, coladeira… todas as nossas manifestaçõesculturais,incluindo a literatura escrita. Acha que deviam ser em crioulo…? bom... Em português.O que é que acha? não esta a referir-se com certeza à composição? Musical? sim// Não a... está a referir-se à pronúncia sobre... Estou a referir-me à língua, não é verdade? Um meio de expressão usado,por exemplo, para se exprimir nas letras das composições… do funaná. Estou apensar no teatro. Estou a pensar no cinema. Estou a pensar na literatura. Essasactividades culturais ou expressões culturais que usam a língua, não é? Ou umadada língua como objecto fundamental como é a literatura ou como... repare que… no domínio da literatura oral - e dentro dessa a composição -o mundo das composições musicais - a língua cabo-verdiana tem sido de facto aolongo dos tempos o suporte -- mhm - e ali cria-se uma verdadeira literatura -- umaverdadeira literatura -- literatura oral não interessa - mas uma verdadeira literatura--tanto é que na mornística ou na coladeirística ou no que quer que seja - não digoque haja uma forma própria - mas há um estilo - há um… há formas de… de secompositar-- portanto - há uma poesia... Por exemplo essa literatura ela é… eu sei bem… com raríssimasexcepções… ela é exclusivamente em crioulo. exclusivamente em crioulo// O que é que acha, por exemplo, de usar o português? O que acharia disso?Como veria isso? olhe -- nós temos - temos experiências -- o Fernando Queijas - por exemplo-- uma ou outra morna em português -- mas isto acontece numa percentagembastante reduzida dos casos - não fosse alguém concluir que a morna é incapaz epor isso recorre ao português -- então ela arriscar-se-ia a ser uma filha do fado --porque daí a dar-se o salto... Recorre ao português ou ao crioulo? não - não -- estou a falar agora é do… quer pelo facto da maioria dasmornas ser em crioulo// Certo. isto é um dado adquirido -- alguma que surgisse em português como defacto há… mas isto são excepções - são excepções bem contextualizadas -- oFernando Queijas por exemplo - serviu-se disso para ganhar mercado naqueletempo em que a comunidade ainda não era numerosa nem expressiva lá lá emPortugal -- serviu-se disso para ganhar mercado - para... mas na fase final - elefez… ele voltou aos primórdios -- portanto uma morna em português…imagine… o que é que isso faz lembrar? faz lembrar o fado - invoca o fado -nalguma medida -- e há ali uma quebra de identidade - uma… pelo menostendencialmente -- de modo que é quase… eu não diria impensável - mas em boaparte é impensável que isso aconteça// E … mas porquê? porque… está a ver… sendo uma… sendo o crioulo a língua materna docabo-verdiano e sendo a maioria dos trovadores gente habitualmente de nívelcultural médio baixo desenvolve-se ali um certo paradoxo -- essa gente - não digoque não (?) dar o português-mas não tem domínio// Certo. e os grandes vates que compuseram em crioulo - homens letrados comoEugénio Tavares e mesmo B. Léza - de que suporte musical - de que suportelinguístico eles se serviram? portanto este é um factor que é quase congénito…embora em termos de prática social não me escandalize com uma morna emportuguês… mas ela fica tão… por exemplo - o ó mar e terra sem fundo e semfim - ela está bem -- muito bem mesmo -- mas não é prática generalizada - nemque tenha alguma expressão em termos de... Eu sei que é escritor, que tem um romance escrito em crioulo. A questãoque eu lhe coloco é: como é que vê o futuro da literatura cabo-verdiana. Emcrioulo, em português, nos dois, como é que vê esta questão? eu vejo que a gente vai continuar com… com expressões nas duas línguas -porque o português é um dado adquirido -- haverá sempre escritores apronunciarem-se em português - e em crioulo acredito também - porque é cadavez maior o número de pessoas que vão pondo - que vão… que vão produzindoem língua cabo-verdiana -- mas há um outro dado interessante - mesmo asnovíssimas gerações - quando se comunicam entre si no MSN - utilizam é ocrioulo - utilizam é o crioulo - a língua cabo-verdiana -- vão grafando cada um daforma como sabe grafar// Certo. já tenho verificado - e já tem sido motivo de conversa com várias pessoasque chamaram a atenção para este facto - que eu também já verifiquei -- os nossosfilhos… mesmo os que estão lá no exterior - a gente às vezes entra na linha dacomunicação entre eles no MSN -está tudo a comunicar-se em crioulo// Em resumo, qual deles que acha que exprime melhor a cultura de CaboVerde o crioulo ou o português? aí se calhar é mesmo o crioulo -- na medida em que - portanto - por serlíngua mãe - língua veicular do quotidiano - língua de… língua em que seprocessa a maioria da comunicação - a vida cultural também decorre em crioulo…agora não esqueçamos que há os bilingues - ou aqueles que também por opçãofalam em português -- eu acredito que em POR-tuguês se possam dizer as maioressublimidades sobre a nossa realidade crioula - como aconteceu no passado - ecomo vem acontecendo em termos de interpretação - de projecção - e em termosde escrita como memória - como registo -- como também não se admiraria se euamanhã escrevesse sobre Portugal em crioulo - poderá vir a acontecer - porquenão? Acha que o crioulo deveria ser usado na alfabetização de adultos? sem dúvida --sem dúvida// Porquê? a começar pela sintaxe e a terminar na fonética -- pondo as pessoas a sefamiliarizarem com o alfabeto ou pelo menos com a proposta do alfabeto -- o queé que a gente teria como efeito? a gente teria como efeito - de facto - a tendênciapara a unificação da escrita -- porque o que se vê neste momento é que grandeparte do pessoal vai escrevendo à sua maneira -- uns por desconhecimento daproposta do alfabeto - outros por alguma relutância ainda em acolher essaproposta de alfabeto -- mas o grande déficit existe é na divulgação… que aindanão se fez// Mas estou a pensar nos adultos analfabetos… pois… que começam a ser alfabetizados. começa-se ali pela sintaxe e vai acabar depois na forma de escrever// Porque é que acha que eles deveriam ser alfabetizados em crioulo? porque eu penso que facilitaria imensamente o o processo de aprendizagem-- assim como no ensino formal nós temos disfunções que resultam da vidadecorrer em língua cabo-verdiana e do ensino formal decorrer em portuguêslimitando-se só àqueles momentos… isto cria alguma disfunção - sem dúvida - éprofessora - sabe isso melhor do que eu… acredito que para os alfabetizandos sese alfabetiza em língua cabo-verdiana está o caminho meio andado// E em termos sociais? Não no aspecto da aprendizagem em si, mas noaspecto social mais amplo … teria alguma vantagem, alguma desvantagem? eu penso que sim -- porque está a ver… sobretudo se isto coincidir com…com o crescente aumento do estatuto da língua - é cómodo para as pessoas atéterem o suporte psicológico - que estão a navegar numa língua que tem oreconhecimento social - que não é uma língua menor - que não é um apêndicetolerável -que não é um dialecto desprezível ou coisa que valha// Acha que o crioulo deve ser oficializado? eu penso que sim --sem dúvida --eu penso que sim --penso que sim// Porquê? Para quê? Gostaria que me falasse um pouco da sua perspectiva. porquê? bem… porque é de facto uma língua -- quer dizer hoje já ninguémde bom senso falaria do crioulo como dialecto - sem regra -- tem -tem regra - estácada vez mais provado -- tanto é que se alguém fala fora do cânone a gentecorrige - 2odja e ka si ki ta fladu - quer dizer que há qualquer padrão deaferimento - mesmo numa língua de predominância oral - portanto -- é língua - élíngua nacional -- o que é que impede que se lhe reconheça o estatuto? ainda quefosse para que uma ou outra vez - os nossos governantes nos pronunciassem umdiscurso em crioulo - em momentos de grande de grande audiência nacional emvirtude da importância do momento -em pé de igualdade com o português// Certo. claro que isto calaria fundo na consciência - na na psique das pessoas - emtodo o fenómeno envolvente social -- e ao dar o passo seguinte - passar para aescrita - vamos a ver… acho que a resolução 48 é um início -- é um acto decoragem -- mas pronto - ainda há muito trabalho por fazer -- eu acho que as coisasirão acontecer com o tempo// E como é que vê o português no caso do crioulo ser oficializado? as duas línguas coabitarão - coexistirão - com o mesmo estatuto -- e que ouso de uma ou de outra seja opcional -- eu sabendo que se quiser redigir uma notaem português ou fazer um artigo para o jornal em… redigir uma nota em criouloou mandar um artigo para o jornal em crioulo ou expressar-me nos ambientesacadémicos de comunicação - que o possa fazer em pé de igualdade com a línguaportuguesa -num verdadeiro exercício de bilinguismo// Como é que acha que os cabo-verdianos falam português? olhe - eu tenho uma certa tristeza ao ver que no cômputo dos falantes dalíngua portuguesa - no mundo dos CPLP - pelo menos a avaliar por aquilo queoiço na rádio e vejo na televisão - fica-me a percepção de que nós somos aquelesque ME-NOS BEM dominam a língua portuguesa// E este bem seria… ou seja, como é que acha que os cabo-verdianosdeveriam falar o português? mais fluidamente --mais correctamente --com mais gramática// Correctamente… qual seria o padrão? é é pelo menos que a linguagem corrente fosse fosse cuidada --não é bem ocaso -- veja bem - quando a nossa gente é entrevistada na rádio ou na televisão -mesmo os nossos académicos - aqueles que estudaram em Lisboa - muitos delestêm uma dificuldade ENORme em se exprimirem em português -- então quandose trata de lhes pedir algo - reduzi-lo a escrito - isto é um quebra cabeça --portanto - os meninos de Lisboa falam bom português - mas… veja o tipo deconstrução que a maioria usa -- é de interferência de todo o tipo reprováveis -- oufalam o português fazendo a tradução mental do crioulo para o português ou falamo crioulo fazendo tradução mental de expressões portuguesas para o crioulo -- istoé capaz de ser muito mau --é uma situação recorrente// Portanto, digamos, deveria ser... falar o português como o português e falar o crioulo como o crioulo// E esse português é o português de Portugal, é o português do Brasil? Queportuguês é esse, digamos, que acha que os cabo-verdianosdeviam falar? bom -- olhe -- em termos de exercício - acho que estamos mais maispróximos de português de Lisboa - se a gente quiser assim falar -- mas nãodevemos descurar hoje os influxos do Brasil através da novela - da música - e nãosó -- agora o resto acho que seria trabalho de unificação em termos dos acordosortográficos no mundo da escrita -- mas de momento é o português de Lisboa quenos domina quando a gente tiver de escrever// Tipo, os cabo-verdianos falarem o português à sua maneira? à sua maneira -não sei se existe -- porque nós aferimo-nos um pouco é peloportuguês de Lisboa -- nem sequer nos aferimos pelo brasileiro da novela --aferimo-nos pelo português de Lisboa -- que… pelo menos que tivéssemos essecomo referência e que a gente o falasse bem -- mas este - como digo - é mesmomaltradadinho lá em Portugal quanto mais aqui// Dr. X, gostaria de acrescentar algo às respostas anteriores, ou algo maisque eu não tenha trazido à discussão mas que acha importante e que queira dizerdizer-me… acho que a gente disse o essencial -- agora se quiser que eu fale do aspectoda política linguística… Qualquer comentário que queira acrescentar e que queira… é claro que este bilinguismo que a gente defende para nosso caso - tem-sedito e muito bem - com propriedade - que vai ser um bilinguismo em construção -- e não é difícil entender o que se quer com isso dizer -- portanto - enquanto faceao português estamos perante um dado adquirido - património - muito bem - ondeé mais fácil a gente relacionar-se com o mundo - já estabelecido -- no domínio docrioulo - vamos um pouco construir o nosso mundo - um mundo que o mulatocriou -- onde - ao longo dos tempos - ele também deu as cartas - tevedescendência -- Baltasar diz e bem que o reinol foi um linguisticamenteassimilado -- isto é um dado histórico que nos pode ajudar no resgate da nossalíngua nacional - na auto estima - na sua… até porque quando a gente começar aescrever bem o crioulo - com o domínio de alguma variante - eu acredito que vaihaver muito menos erros ortográficos e vai haver uma forma corrente - fluida…isso pode coexistir e deve coexistir com o português -- eu penso só… que asociedade só sai a ganhar em termos de cultura - de educação - de… e o resto épolítica linguística -- que tomem as decisões que bem entenderem - que os tomemcom pertinência- propriedade e coragem// Muito obrigada por ter acedido a ter esta conversa comigo. Os meussinceros agradecimentos. não tem de quê//" -INF3.wav,"Então muito bom dia. Muito obrigada por ter acedido ao convite, paraparticipar comigo nesta conversa. Uma primeira questão que eu lhe queriacolocar, é a seguinte: antes de entrar para a escola, falava o crioulo ou oportuguês? eu falava tudo -- eu falo habitualmente o crioulo -- uso o português quandofalo com pessoas que que não expressam em crioulo - ou na sala de aula -evidentemente -- na sala de aula ou ainda em actividades que o exigem - mascorrentemente falo em crioulo// Mas já tinha ouvido o português, já tinha aprendido, conhecido de algummodo o português, antes de entrar para a escola? sim - sim - sim -- isso é válido para qualquer cabo-verdiano -- não há cabo-verdiano que não ouça o português -- eu desde pequenino falo sempre… sou demeio rural - sou de Rui Vaz - digamos desde pequena infância - o que nós temosem termos práticos - no interior de Santiago é ir à missa - na missa - os padresrezam em português - era em português -- alias - nós em Cabo Verde - desde ainfância aprendemos a rezar em português (?) e o padre rezava… e o pai nosso e oave-maria aprendi em português -não em crioulo// Certo, portanto… e até se benze - já se aprende a persignar e a benzer em português -- eportanto… comecei a ouvir falar português muito antes -- no meu caso concreto -o meu avô - pai da minha mãe - mesmo nos finais de anos cinquenta e princípiode anos sessenta - ele já tinha quarta classe - o que era raro no rural - ele usavacom frequência… o hábito de falar em português - ele falava em português -- jános ensinava// Mas falava regularmente em casa ou…? em casa -- falava muitas vezes em português - não era sempre - pronto -falava o crioulo - mas usava muitas vezes o português// Em casa, muitas vezes. Em casa com… em casa - com o meu pai - com a minha avó - de modo que já ouviaportuguês// Há bocado dizia-me que usa o crioulo, usa várias vezes o crioulo… exacto - uso muito mais o crioulo no quotidiano// Com quem? com amigos -no bar - na rua -- fora da aula - falámos em crioulo// E o português? português utilizo na leitura - porque leio muita coisa em português -- naescrita -porque não sei escrever o crioulo -souum anti alupéquico-- não conheçonem estou interessado em aprender - porque para aprender outra língua… já nãovou aprender outro alfabeto - já não tenho idade para isso ((risos)) leio emportuguês - escrevo em português -- e na sala de aula falo sempre em português --eu não dou aula em crioulo - e quando faço as minhas intervenções na rádio e natelevisão geralmente faço em português -- há casos em que faço em crioulo -quando é necessário - porque normalmente eu participo em temas relacionadoscom o ambiente e cultura - são áreas com que eu trabalho - se for ambiente ecultura… cultura muitas vezes faço programas em crioulo -- programas deambiente regra geral faço em português - e quando eu faço análise de notíciasinternacionais faço em português// Disse que quando necessário fala em crioulo, e quando é que… se eupercebi bem… equando é que acha que é importante falar em crioulo? já tive casos - já tive casos de conferências que eu fiz em crioulo -- estoulembrado - há pouco tempo fiz duas conferências em crioulo - uma nos Picos eoutra nos Órgãos - no aniversário das municipalidades -- quando fui convidadoera para falar em português - mas o outro orador - havia mais um orador - falouem crioulo -- então fiz a minha adaptação -- entendemos que o auditório era maispropícioa uma comunicação em crioulo// Porquê? porque não inibia a participação -- porque nós queríamos era fazer acomunicação e depois ter as perguntas - perguntas de vários jovens -- até porque amaior parte do público… eu penso que toda a gente que estava na sala falavaportuguês - mas estava mais à vontade para pôr as questões em crioulo - por issofalámos em crioulo// E esse mais à vontade era em função de quê? em função da melhor capacidade de raciocínio e comunicação - quandovives em Cabo Verde - vês que geralmente nós em Cabo Verde pensamos emcrioulo -- porque se fazemos uma conferência em português - as pessoas têmmedo do vocábulo - acham o vocábulo em termos - rebuscado - em termos delinguagem técnico para poder fazer uma intervenção -- olha - são temasespecíficos - por exemplo sobre o ordenamento do território - mas se eu falar emcrioulo - as pessoas têm mais facilidade em utilizar termos do crioulo paradiscutira problem��tica do ordenamento do território// Como é que…? Há bocado disse-me que apenas fala o português… na sala de aula - e quando o ambiente o exige -- na sala de aula -evidentemente// E esse ambiente exige é em função de quê? em função de normas - de regras de comportamento social que não foramimpostas legalmente mas tradicionalmente -- quer dizer que - nós cá no ISE -ninguém nos obriga a dar aulas em português - mas - mas tradicionalmente damosas aulas em português -- se eu der uma aula em crioulo - os próprios alunos vãoreagir mal - parece-me que não é correcto dar aulas em crioulo -- é uma tradiçãoque nós introduzimos em Cabo Verde de dar aulas em português -- se estou numdebate na rádio - na televisão - em que estamos a discutir problemasinternacionais eu falo em português - porque regra geral estes programas são emportuguês -- salvo se for um programa… por exemplo - for um tema doquotidiano cabo-verdiano - e que o jornalista começa em crioulo - eu nesse casotambém respondo em crioulo// Portanto, falar português ou crioulo nessas circunstâncias é em função doauditório…? do auditório -- para mim é indiferente usar uma língua ou outra - neste casodepende do auditório// Neste caso é em função de quê? Do auditório e do interlocutor --depende das duas coisas// Edo assunto? não tanto -- porque mesmo que eu esteja a falar em crioulo… vamos ver seeu falo no tema do ambiente por exemplo - do tema do ambiente - evidentementevão faltar - vão faltar vocábulos em crioulo - porque estes temas são standardsusados no panorama internacional - e mesmo a língua portuguesa às vezes nãotem o termo -- nesse caso eu deduzo - como fazem os brasileiros - dentro docrioulo -- quando falo crioulo uso a palavra ecossistema por exemplo --ecossistema não é uma palavra do crioulo quotidiano - está a ver? uso no criouloecossistema -como se usa em todo o mundo// E em termos de falar, desculpe, de ler e de escrever o crioulo? eu leio muito mal -- ou seja - o meu domínio do crioulo é sobretudo oral --portanto eu não escrevo no crioulo - se escrever - utilizava a grafia tradicionalmas não tenho o hábito de escrever no crioulo// O que é que chama grafia tradicional? txe com t-c-h-e - é como se escrevia - ou seja - basicamente é usar agrafia portuguesa ou o alfabeto português para escrever o crioulo -- e umacuriosidade que eu vi no computador -- em tempos eu escrevi em crioulo nocomputador para ver como é que o word identificava a língua - e o wordidentificou a língua como sendo o espanhol tradicional// E costuma ler alguma coisa em crioulo? muito raro-muito raro --e quando está em ALUPEC -pior ainda// E quando acontece ler em crioulo trata-se do quê? poemas -- o máximo que eu leio em crioulo são poemas -- agora textoslongos - novelas ou romances… só se for textos o máximo duas ou três páginas --agora ler todo o livro em crioulo -também é um hábito que eu não tenho// Certo. Como é que… qual é que considera ser a sua proficiência geral emportuguês? O Sr. há bocado falou do domínio do crioulo… e do português… quedominava o crioulo oralmente e relativamente ao português? o português evidentemente mais do que o crioulo -- eu trabalho muito maisem português - porque a minha profissão obriga-me a ler muito -- sou obrigado aler muito - quer com o que eu faço correntemente no âmbito do meu trabalho noISE… também sou consultor - faço consultoria - todo mundo sabe disso -- o meutrabalho na consultoria é na área do ambiente - e sou obrigado a ler muitainformação na Internet - quer em suporte de papel -- de modo que sou obrigado aler dezenas de páginas por dia -- de modo que gasto muito mais - faço muito maisleitura em português do que em crioulo -- quando escrevo - escrevo sempre emportuguês - portanto o meu domínio do português como língua de trabalho - comomaterial de trabalho - é seguramente melhor que o crioulo - o crioulo é sobretudona fala -é coloquial// Erelativamente aos crioulos das outras ilhas? não -- eu entendo qualquer… eu não diria crioulos -- li um livro portuguêsque dizia o seguinte -- um livro produzido em Portugal para crianças portuguesas-- dizia - em Cabo Verde fala-se um crioulo em cada ilha -- eu tenho algumasreservas -- eu diria antes um crioulo com variantes insulares - punha mais emtermos de variantes -- definir cada variante como um crioulo autónomo… não é aminha especialidade evidentemente - salvo o facto de ser leigo na matéria - maseu punha muitas reservas em admitir essa hipótese// Ecomo é que...? eu falava em termos de variantes - variantes -- eu falo geralmente em badiu- o crioulo de Santiago - mas dialogo com qualquer ilha - aliás conheço qualquerilha --eu - a ilha que euconheço menos é Santa Luzia - estive lá três dias apenas// Também não tem gente... não tem gente… no caso - não tem gente fixa -- mas tem sempre gente - éum aspecto que geralmente no ordenamento do nosso território - as pessoasesquecem-se -- mas está sempre gente -- estive uns dias em Sta. Luzia - havia l��um grupo de pescadores de São Vicente - vão lá sempre -- havia cinquentapescadores! (?) havia cinquenta - é o mínimo que está lá habitualmente -cinquenta -- porque cada bote leva cinco pessoas - às vezes estão dez e quinzebotes - se é que… temos cinquenta a setenta pessoas habitualmente na ilha de deSanta Luzia -- aliás - até é sensível a presença humana - em termos de lixo -dejectos que deixam lá - até a caminhar… há os circuitos - estão lá - estãomarcados -há a picada dos circuitos que são seguidos habitualmente -- não é umailha sem presença humana// Mas quando fala com as pessoas das outras ilhas, portanto, fala o crioulo… eu falo o badiu - eu falo Santiago -- normalmente o que eu faço… oseguinte -- tento adaptar - ou falo mais devagar - ou uso vocábulos deles que quesão mais específicos dessa ilha para facilitar a comunicação -- nunca tiveproblemas! nunca tive problema de entendimento - quer com quadros - quer compessoas da da da de rua - quer pessoas da taberna - nunca tive qualquer problemade comunicação a nível dessas ilhas -e em qualquer ilha// Diga-me o que é que acha, que exprime melhor as suas ideias, em criouloou em português? por mim é indiferente -- a:: talvez se falarmos na época da minha infância -nos primeiros dez anos - eu exprimia melhor em crioulo -- mas nesse momentopara mim agora é indiferente -- como uso regularmente o português - para mim jánão a:: Sente-se mais à vontade quando usa o crioulo ou o português? a:: quando falo - na oralidade - para mim é igual -- agora na escrita - naescrita evidentemente uso o português -- na escrita uso o:. não uso o crioulo naescrita// As pessoas com quem conversa, com que tem mais...((interrupção para conversa telefónica do entrevistado))Ok. Retomando, eu gostaria que pensasse nas pessoas com quem maisconversa fora do seu círculo familiar, no contexto das suas diferentes actividades,e procurasse definir o perfil dessas pessoas, das três pessoas com quem maisconversa, em termos de idade, sexo, grupo e estrato social … a:: pois - geralmente com quem eu falo mais fora de casa são os meusalunos -geralmente-são os meus alunos// Com eles fala em português? em português sim --com eles falo sempre em português// Depois dos seus alunos, outras duas pessoas com quem mais…? depois dos alunos - são colegas - ou colegas do ISE - ou colegas em quetemos trabalhos em conjunto - aí usamos indiferentemente o português ou ocrioulo// E situações detrabalho e de...? situações de trabalho - situações de convívio// Indiferentemente? indiferentemente - sim// Efora do círculo de trabalho? fora do círculo de trabalho -no convívio - geralmente falamos em crioulo// Com os alunos naturalmente o tipo de assunto são...? não - tenho diversos -- porque porque eu falo com eles não só na sala deaula -mesmo fora de sala de aula -discutimos coisas mais díspares... Fora da sala de aula,fala com eles em português? geralmente falo com eles em português - mesmo quando eles vêm buscarum livro… Mesmo quando o assunto não seja matéria…? não - não é matéria de sala de aula -- aliás eu falo muito com os meusalunos -sobre temas mais diversos -desde a problemática da seca passando pela:: Efora do círculo do ISE...? fora do círculo do ISE... As pessoas com quem mais interage, interage com elas em português ouem crioulo? indiferente// Depende de quê? depende de quê -de quem - e do que é que estamos e discutir// Este quem depende por exemplo...? se a pessoa dirigir em português eu respondo em português - se falarcomigo em crioulo -respondo em crioulo --depende do interlocutor// Se for o primeiro a dirigir a palavra...? tanto faz -- depende do assunto que estamos a discutir// Depende do assunto. Pode concretizar um pouco essa questão? por exemplo - se o assunto que estamos a discutir é um tema técnico - sefor um tema técnico que vai exigir muitos termos em português - ou linguagemtécnico - geralmente baseamos no português - eu uso sempre o português -- se étema do quotidiano - se falar... convívio que… não interessa… nem linguagemtécnico --sempre falo em crioulo// Por exemplo, com os amigos e familiares já me disse que fala em crioulo, ecom colegas… mhm mhm Mas, por exemplo, digamos, com autoridades escolhe falar o crioulo ou oportuguês, se se dirige a pessoas instruídas ou não, falantes de outras línguas...? bom -- evidentemente falantes de outras línguas - se ele não dominar alíngua - eu pergunto qual é a língua que ele fala -- posso optar entre falar eminglês - em francês ou em espanhol -- se falo a língua - bem -- pronto - em crioulonão vale a pena -- a não ser se for um china - numa loja de chinês eu falo o crioulo-porque eu sei que os chineses dominam o crioulo//((interrupção para o entrevistado atender à porta)) Quando fala, quando se dirige a autoridades ou superiores hierárquicos,utiliza o crioulo ou o português? depende// Depende...? depende do tema e do do grau de confiança que eu tenho com a pessoa -- sea pessoa habitualmente fala comigo em português - eu falo com ele sempre emportuguês - e se habitualmente fala comigo em crioulo - eu falo com ele sempreem crioulo --depende do hábito// E de que assuntos? qualquer assunto - depende - para usar português depende do da digamos -da riqueza em termos de de vocábulos - portanto para usar o português… porquemesmo que seja o presidente da república - ou um ministro - ou o primeiro-ministro - se ele dirigir paramim - se habitualmente fala comigo em crioulo - falocom ele em crioulo -- se fala comigo em português - falo com ele em português --depende do hábito -dependedo que utilizar// Eu gostaria que me explicasse um pouco mais, nomeadamente, se forpossível, em que situações usa o crioulo ou o português. Estou a pensar emsituações do tipo casa, vizinhança, mercado, lojas, funções públicas, locais decultoreligioso, cerimónias oficiais… tudo é indiferente -- porque eu posso usar crioulo desde a assembleianacional - e à rádio e à igreja - ou a taberna ou à rua -- depende do interlocutor edo tema que estamos a discutir - porque eu já usei crioulo em todas estascircunstâncias - tanto como já usei português em todas estas circunstâncias --evidentemente se eu estiver a falar com um camponês do meio rural - regra geraljá me dirijo em crioulo - mas se ele falar português eu falo em português -- masnormalmente - circunstâncias como sala de reunião - conferências e:: dirigir a ummembro do governo - ou no conselho - ou no ministério - ou no trabalho doconselho de estado - porque eu já fui membro do conselho de estado - falar emportuguês ou em crioulo - depende do hábito que eu tenho de falar com cadapessoa -- portanto para mim não há momentos específicos que definam oportuguês ou o crioulo - porque mesmo na Igreja por exemplo - porque de factodurante a década de sessenta - estou a lembrar-me da minha infância - os padresrezavam a missa sempre em português - faziam a homilia sempre em português -e neste momento temos um cenário que as orações são feitas sempre em português- porque o missal - salvo na ilha do Fogo - única ilha em que os capuchinhostraduziram o evangelho - e eu não duvido da eficácia - eu não sou a favor nemcontra - para mim é indiferente -- mas na Praia por exemplo - todas as leituras sãofeitas em português - e a homilia é feita em crioulo - e os cânticos são em criouloe em português - só que neste momento a missa não define a língua - pode sertanto em crioulo como em português - salvo os (?) que estão no missal emportuguês -- mas os cânticos até são maioritariamente em crioulo nesse momento- e quando eu vejo por exemplo a homilia - eu vejo a maior parte dos padresnacionais geralmente falam em português - há excepções -- o bispo faz homiliaem crioulo quando não é momentos solenes -de modo que é indiferente// Pessoalmente quando reza, usa o português? eu uso o português - porque digamos se for na missa - for ler - o texto estáem português - se for em crioulo eu tenho dificuldades de ler -- como disse eu nãoleio em crioulo -tento soletrar// E sozinho? ali é indiferente-- o português ou o crioulo// Pararezar…? uso o português e o crioulo// E para...? as orações que - digamos - são típicas - formulárias - como Ave Maria ePadre Nosso - eu não os traduzo - leio em em em português -- mas se sou eu aimprovisar -eu então faço em crioulo// E para exprimir sentimentos, namorar...? uso o português ou o crioulo -paramim é indiferente// E, diga-me uma coisa, na última semana acha que usou mais o crioulo ou oportuguês? mantive sempre a (?) porque digamos - última semana - estou de férias -mas na prática estive sempre a trabalhar -- portanto - não trabalhei no ISE - mascomecei a trabalhar a:: num programa do ministério da educação - de modo quefiz reuniões sempre em português -- e tive reuniões de trabalho com a Cabo VerdeInvestimentos e trabalhámos sempre em português - e evidentemente que na rua -com colegas - falei sempre o crioulo -- por isso usei indiferentemente um ououtro// Não, não. Estou a falar em termos de… de maior volume - mas… Mas qual é que acha que usou mais, que falou durante mais tempo, ocrioulo ou o português, usou mais o crioulo...? nos encontros e reuniões de trabalho usei sempre o português - na rua e emcasa falei sempre o crioulo --falo … Mas, em termos de proporção, não…? eu ponho em média -50% // Em média … porque não há razão para ser mais um ou outro// Há alguma circunstância em que normalmente, habitualmente, escolhefalar o crioulo? pronto:: se eu estou num espaço de convívio - em que todo o mundo estejaa falar crioulo - eu falo sempre em crioulo - eu não vou usar a língua para medistinguir do grupo -falo sempre o crioulo// E o português? se todo o mundo estiver a falar em português -eu falo em português// Normalmente, em que contextos, ouve habitualmente o crioulo? na rua - a:: no quotidiano da rua - se estiver em espaços de convívio - emfamília ou a:. ouço sempre o crioulo// E em espaços mais oficiais, mais…? ouço o português ou o crioulo -- porque agora em Cabo Verde virou modafalar o português ou o crioulo em espaços oficiais -- ouço o português ou o crioulonos espaços oficiais - se não é uma reunião muito formal - em que se usou desde apartida o português como língua de trabalho -- mesmo que - digamos - que oconferencista ou que a reunião esteja a ser dirigida em português - ao lado haverásempre gente a falar crioulo// Normalmente quando se trata de assuntos oficiais ou de a:: esses assuntossão tratados em português ou em crioulo? das duas maneiras - em português e em crioulo// Equestões religiosas? também -sim// Questões políticas, em crioulo ou português? também a mesma coisa - oiço em crioulo e oiço em português - oiço asduas línguas -- vamos ver a nossa assembleia - por exemplo - há deputados quefalam sempre em crioulo - outros que falam sempre português -- há uns quecomeçam em português - passam para o crioulo - terminam em português ou vice-versa -portanto na mesma intervenção falam as duas línguas// Existe alguma circunstância em que usa de alguma forma o português, masgostaria de usar o crioulo ou vice-versa, usa o crioulo e gostaria de usar oportuguês? não -- isso nunca tive… porque pronto - se preferir usar crioulo - eu uso ocrioulo --nunca tive qualquer impedimento de usar crioulo ou português// Há alguma circunstância que o faz mudar para crioulo quando está a usar oportuguês ou vice-versa? já - já -- portanto se eu estou a fazer uma comunicação digamos emportuguês - se eu acho que a linguagem técnica poderá não chegar a:: nãotransmitir de facto a minha ideia - eu uso o crioulo - se o auditório é mais é maisacessível ao crioulo -- por exemplo com crianças ou… já fiz isso por exemplouma vez no liceu de São Filipe -- estava a fazer uma comunicação para alunos do12º em português - mas eu vi que alguns tinham dificuldades em em fazer aintervenção - fazer as perguntas em português - claro que mudamos de táctica - ea minha vontade foi fazer tudo em crioulo// E? mudamos para crioulo - aí usamos o crioulo e o português indiferentemente-portanto -já usei várias vezes esse comportamento// Dependendo…? depende do interlocutor// Sempre em função…? em função do interlocutor// Há bocado disse-me que não escreve em cri... não escrevo em crioulo// Que dificuldades …? não tenho esse hábito// Porquê? Que dificuldades teve...? porque ao escrever… pronto - toda a minha vida - em 49 anos - sempreescrevi em português -- e escrever em crioulo exigia um grande esforço detradução - de tradução do que eu estou a escrever do português para o crioulo --por isso não tenho o hábito de escrever em crioulo - não tenho o hábito de ler emcrioulo -- só leio poemas ou textos de uma página - duas páginas - pequenostextos -- mas um livro… estou a ver o caso do Oju D'Agu por exemplo - comeceia ler e nunca terminei a leitura - do livro do Manuel Veiga -- e os temas do ToméVarela - os vários temas que ele tem - recolhas - eu trabalhei com batuque - umtema que estou a trabalhar - o batuque de Cabo Verde - mas eu só uso - digamos olivro como material de trabalho - leitura pontuais - não faço leitura corrida - sóextractos do livro... E gostaria de aprender a ler e a escrever em crioulo? gostaria -- mas primeiro - não vou fazer este investimento -- não está nomeu propósito fazer esse investimento -- primeiro porque não tenho tempo - tenhomais que fazer -tenho outras prioridades// E não sente necessidade de...? não - não sinto necessidade-- não sinto necessidade porque… quer dizer hámuita coisa a aprender e eu tenho… priorizo as coisas --há outras prioridades// Acha que se deveria aprender a ler e a escrever crioulo na escola? eu acho que sim - eu acho que sim -- que se deve aprender - evidentementedesde o básico -- não agora… deveria ser estudado convenientemente -- não teráde ser necessariamente num alfabeto diferente -- há muita gente que... Acha que será possível…? eu não vejo razão de termos… de dois alfabetos -- bom -- é uma forma deatrapalhar! Como dois? Não percebi! bom -temos o a b c e temos o ALUPEC// O alfabeto português e o ALUPEC. temos dois - não se vê… não digo que é impossível - porque eu já viexperiências do uso de dois alfabetos - que acontece… confesso que ficoestupefacto -- estou a falar da Mauritânia -- na Mauritânia - as crianças aprendemo alfabeto francês e o árabe - e curiosamente o francês escreve da esquerda paradireita - e o árabe da direita para a esquerda -- o que significa que não só as letras- os caracteres são diferentes - mas a própria lógica da escrita é diferente -esquerda para a direita - direita para a esquerda -- mas as crianças… de factoqualquer aluno...qualquer aluno mauritano que termina a:: o básico sabe as duaslínguas - o francês e o árabe -- e escreve as duas línguas - o francês e o árabe --para crianças passa - mas agora para pessoas da minha idade - acredito que sejaextremamente complicado aprender - ainda por cima quando escrevem emsentidos opostos// (risos) Ok. E de qualquer modo��� E relativamente ao português, acha quese deve continuar a ler e a escrever português em Cabo Verde? acho que isso ninguém pôs em dúvida -- essa dúvida não foi posta --evidentemente que qualquer cidadão cabo-verdiano acha… Não. Não se trata de alguém ter posto… obviamente que qualquer cidadão acha que é isso -- quer dizer - é evidente!porque a língua oficial é o português -- e não interessa ao país deixar de ter umalíngua oficial com expressão internacional - o caso português -- por isso é óbvioque devemos continuar a estudar português -- embora eu acabe de reconhecer queo nosso português não é o português de Portugal - nem o português brasileiro -- enesse momento - em termos de standard internacional - é reconhecido oportuguês brasileiro e o português de Portugal -- e não é reconhecido o portuguêsdas outras parcelas - como por exemplo o que acontece por exemplo com oespanhol -- há o espanhol - e há mais de dez espanhóis nesse momento - (?) ocastelhano -- é como o francês - há o francês belga - há o francês das várias excolónias - há o senegalês - há o não sei quantos -- ou seja - reconheço que hávárias formas de expressar em francês - e o português - com o tempo terá de serreconhecido nesse aspecto - que o português angolano - moçambicano ou cabo-verdianonão é igual ao português português// Em resumo, como é que acha então que os cabo-verdianos deveriam falarou poderiam falar o português? é usar a língua portuguesa - estudar a língua portuguesa e acompanhar a suaevolução em Cabo Verde - porque a língua vai evoluindo// Ou seja, à sua maneira? à sua maneira sim -- é ver a evolução do português em Cabo Verde --evidente que está a ser feito… estudado por especialistas - ver como evolui -como o brasileiro fez// O que é que acha, o que pensa do crioulo? o crioulo é uma língua de expressão em Cabo Verde - que que merece serestudada evidentemente -- já há um programa - já há um plano - já há a ideia deum plano do seu estudo e integração na escola -- segundo essa ideia o crioulo seráestudado primeiramente ao nível do ensino superior - a universidade de CaboVerde e as outras universidades privadas terão evidentemente que fazer estudos deaprofundamento do conhecimento do crioulo - da da evolução - das variantes e -evidentemente - a partir daí nós e::: podemos passar ao seu ensino do superiorpara o terminal do secundário - ir para o secundário - e eventualmente chegar àprimária - quenão será nas próximas décadas -evidentemente// Porquê? Porque pensa isso? porque evidentemente não podemos ensinar na primária uma coisa que nósainda não padronizamos - não conhecemos -- portanto o estudo sério daintrodução no ensino - para o seu ensino terá que ser feito previamente - nãoexiste esse estudo - sobretudo nas circunstâncias que nós já temos uma línguaoficial que é utilizada não só na escrita e na documentação oficial - como nacomunicação internacional -- porque se se se nós estudarmos a história daoficialização da língua portuguesa ou da espanhola ou do francês - foi feito emoutras circunstâncias -- talvez não terão exigido o estudo prévio ou padronização- mas acabaram sendo padronizados -- mas evidentemente que no criouloactualmente - sobretudo num micro estado - tem de haver um estudo prévio -porque por isso é que a ideia da sua integração na escola começa pelo ensinosuperior -não é por acaso// Há bocado falou-me das variantes do crioulo. Para si, dentro dessasvariantes ou outra possibilidade, existe um verdadeiro crioulo, um criouloverdadeiro? acho que sim -- o crioulo verdadeiro é uma língua que tem variantes --como o português -- o ensino do português tem variantes -- quem viveu emPortugal - ao fim ao cabo a gente nota isso -- agora a escola… a função daescola… a escola - entre aspas - impõe um padrão - não impõe variantes - porquea língua portuguesa ou o francês não impôs - a escola francesa não impôs umavariante - padronizou -- e digamos a criança na escola aprende francês - aprende adizer quatre-vingts e não octante -- se… enquanto que o belga diz octante -soixante - octante e nonante - é permitido na Bélgica - é permitido - se bem quenão é permitido na França - quer dizer há uma padronização -- e no portuguêsaprende-se que não se deve dizer baca mas sim vaca -- são aspectos que devido àpadronização… e no crioulo será a mesma coisa - tem de haver padronização --nesse momento há um projecto de… podemos dizer que apesar de haver muitasvariantes insulares - estas variantes acabam por dar tendência em duas grandesáreas - duas grandes áreas de variantes - que é o sotavento e o barlavento -portanto não é muito difícil padronizar essas variantes -até porque a tendência - jáé audível - já é audível no quotidiano - que há tendência de maior contacto entreas ilhas -- digamos entre princípios do século dezoito - princípios do séculodezoito - século dezoito -e uma boa parte da primeira metade do século vinte - asilhas ficaram muito isoladas - a probabilidade de viajar entre Santo Antão e Bravae Santiago era extremamente difícil - portanto as variantes consolidaram-se -agora estão a diluir - já estão a usar termos de todas as ilhas - sobretudo no meiourbano - no meio urbano - e as canções que são ouvidas -- Lura é um exemplo -ora canta em Santo Antão porque a mãe é de Santo Antão - o pai é de Santiago -ela expôs… é mais conhecida porque canta batuque na ilha de Santiago -- JorgeNeto é um cantor de Santo Antão que fala a variante de Santo Antão e cantasempre na ilha de Santiago -- portanto isso demonstra que há essa plasticidade -- ocaso que teria interesse estudar - que é o único que eu conheço dentro do mundocabo-verdiano - é o caso do Senegal - em que os cabo-verdianos fundiram umavariante -- quer dizer - todos os cabo-verdianos que estão lá falam uma varianteque não é de nenhuma ilha - é uma mistura - uma mistura do Santo Antão àBrava - e depois com os termos do francês pelo meio - mas eu acredito que… aideia de variante… eu já ouvi muita conversa… já ouvi muita coisa sobre avariante - mas a minha experiência de deslocação a várias ilhas - de facto eu -todos os anos - visito várias ilhas - não todas mas várias ilhas - faço issoanualmente - e vejo que de facto as variantes não vão durar muito tempo - antesde oficializarmos o crioulo temos saudades das variantes// Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo? não necessariamente -- quer dizer é um elemento - a língua crioula - nossalíngua - é um elemento importante de identidade mas não é exclusiva -- porexemplo eu vejo Santo Antão - é a única ilha que tem um hábito que é de SantoAntão - por exemplo - na Ribeira Grande - na Ribeira Grande gente de posse -funcionários - homens de teres - falam sempre em português -- portanto há umadistinção nítida -quem fala crioulo é pobre ou subalterno -os funcionários - falamportuguês -mesmo na rua - com qualquer interlocutor -num bar - num restaurante-- falam sempre em português - funcionários e proprietários e pessoas que seconsideram homens de bens - e os pobres as pessoas subalternas falam sempre emcrioulo// E o que é que pensa disso? não tenho nada contra -- a:: é um hábito! para mim é um hábito --não tenhonada contra -- não vejo nem colonialismo - nem atitudes de superioridade -- achoum hábito normal - normal no cabo-verdiano… na verdade os funcionáriosquando falam com os colegas - na rua - falam em português - usam o português --e:: não deixam de ser cabo-verdianos -- até o português - se nós analisarmos comrigor é uma variante cabo-verdiana -- evidentemente - há outros elementos deidentidade - não só a língua - que identificam o cabo-verdiano -- há outras coisas -há o gosto estético - há o hábito alimentar - a forma de vestir - e toda a nossaatitude perante a natureza e perante as outras pessoas// Admite que se possa ser cabo-verdiano e não gostar do crioulo? é estranho -- de facto nunca vi casos - duvido que haja casos de cabo-verdianos que não gostam de crioulo -- é estranho que alguém exprima assim --ter razões de fundo para não gostar da sua língua materna -- não conheço caso nomundo - realmente não conheço caso no mundo -- poderá preferir falar emportuguês - como no caso que eu vi - de Santo Antão - porque é um distintivo declasse falar em português -- mas não gostar de crioulo - não acredito que hajacabo-verdiano -que se assuma como cabo-verdiano - que não goste de crioulo// Como… para si, qual seria o desenho linguístico adequado para CaboVerde, desejável para Cabo Verde? para mim desejável é usar as duas línguas - o português e o crioulo -- ouseja - é fazer aquilo que dizemos sempre e que não é rigorosamente - a questão dobilinguismo - a evolução de Cabo Verde para para mesmo para o bilinguismo -estou a ver este cenário -usar o português e o crioulo -indiferentemente// E para quê? a:: para tudo -para tudo - falar - escrever -- eu não escrevo -eu já não estounesse grupo - evidentemente -- mas usar as duas línguas indiferentemente - paraambas as circunstâncias -- porque para um relacionamento com o exterior - umcabo-verdiano para contactar um brasileiro ou um angolano - terá de usarnecessariamente o português - portanto é a língua que utilizamos no espaço oficiale com terceiros - o português -- o crioulo será a língua de comunicação do mundocabo-verdiano -portanto as ilhas e a diáspora// Existe algum tipo de pessoas com quem ache mais adequado falar ocrioulo? não-há casos -eu já vi casos em que claramente…Pessoalmente, o que acha?pessoalmente - para mim é indiferente -- mas por exemplo os cabo-verdianos que estão nos Estados Unidos - ou no Senegal - não sabem o português- mas sabem o crioulo -- a comunicação é muito mais fácil com os americanosporque eles aprendem inglês - em casa falam em crioulo e na escola usam o inglês- sobretudo as… gerações que nasceram lá -- neste caso usar o crioulo é mais fácil-inter comunica// E em português, com que pessoas acha mais adequado usar o português? se dirigimos para angolanos ou brasileiros ou portugueses é mais adequadofalar o português porque não há possibilidade de comunicar com o crioulo// E há assuntos específicos, algumas circunstâncias que ache mais correctousar o português? se de facto estamos a trabalhar em linguagem técnica - eu habitualmenteuso mais o português porque não tenho o domínio de transcrever de traduzir ostermos técnicos para crioulo// Por considerar mais adequado, digamos, ou por não dominar determinadostermos? por não dominar em crioulo -- mas para mim - desde que o interlocutorentenda o português - falo o português -- se entender melhor o crioulo - falocrioulo também// O X é também um investigador na área da cultura. Assim, a minha questãoé a seguinte: qual deles, o crioulo ou o português, acha… considera que deve serusado nas manifestações culturais? não - aqui em Cabo Verde as nossas manifestações culturais são feitas emcrioulo -- qualquer das manifestações festivas que já trabalhei - caso de tabanka -Festa das bandeiras - kolá S. Djon -ou batuque ou mesmo os santos populares emCabo Verde - são feitos em crioulo -- o cabo-verdiano prepara as suas festas em1língua di tera - como diz -- digamos - porque toda a evolução histórica dessasfestas são feitas em crioulo -- já agora - eu estive a ler documentos - documentosportugueses escritos em Cabo Verde - em Cabo Verde no século:: XVI - XVII -século XVIII - uma coisa que me chamou a atenção - é o facto do portuguêsutilizado nesses documentos - tem termos que hoje utilizamos correntemente nocrioulo -- portanto são termos… e a própria estrutura das frases é muito parecidocom o nosso crioulo quotidiano - e muitas vezes até na escrita - porque na altura -século XVIII - ainda não era… não estava ainda fixado como escrever -- nomesmo texto encontro por exemplo a palavra quaresma escrita com q e com ae com c - no mesmo texto - o autor usava - é pôr-se o som do ouvido no papele:: os termos utilizados são termos que usamos no crioulo quotidiano// Admite a possibilidade do português poder vir a ser usado nessasmanifestações culturais, como composições musicais, manifestações festivas ououtras? é possível - é possível -- sobretudo se passar pela tea… teatralização -- porexemplo a tabanka tem a tendência de se transformar mais num teatro - teatro derua evidente -- e com o turismo emergente em Cabo Verde - é bem possível quevenhamos a ter batuque ou tabanka ou kolá em português - voltado para omercado do turismo -- porque um grande problema da actualidade é as festas e::tradicionais e as manifestações festivas serem folclorizadas -- e na folclorizaçãopoderão aparecer na língua da sua comercialização -por exemplo - eu vejo músicacabo-verdiana (?) por exemplo - o funaná -- o funaná era muito cantado em wolofporque - digamos - o turismo - no Senegal começou a apreciar o funaná - e os (?)e os italianos que frequentam a zona costeira dos senegaleses consomem o funaná-- e os senegaleses começaram a produzir o funaná em wolof -- produzem emlíngua wolof com ritmo de funaná - portanto sabem que estão a cantar funaná masem wolof -- pois digamos que é um produto para o turismo - porque o funaná nãoé uma música senegalesa// Digamos, qual…? Ena literatura, literatura culta, poetas, escritores…? sim -- isso eu acredito que sim -- seguramente que vai haver crioulo -- euacredito -- aliás já há documentos científicos em crioulo -- aliás os textos - agramática do crioulo e os textos e documentos que analisam a língua crioula estãoem crioulo -- já há estudo científico -- e eu acredito que vão aparecendo mais -- ecom a oficialização seguramente vai haver muito mais documentação em crioulo// Finalmente… agora não sei se vai haver temas ou trabalhos -- por exemplo no ambiente --eu eu eu faço o estudo das manifestações festivas em português -- uso o criouloquando faço… dou o exemplo - se eu estou a falar do batuque - do batuque deNásia Gomi - não vou traduzir em português -- aliás há pouco tempo atrás tive detraduzir um batuque para o português - por causa de um filme - mas é umatradução quase impossível - é um trabalho complicado - traduzir a mensagempoética do batuque para o português - traduzi porque interessava - digamos - aorealizador do filme -mas eu quando faço estudos de… ponho em crioulo (?) Não percebi. eu ponho… faço a transcrição - copio em crioulo -- nesse caso quem lê olivro deve dominar português e crioulo -- faço isso em crioulo - mas eu nãoescrevo… E porquê? Porque está em crioulo -- Násia Gomi canta em crioulo - eu ponho emcrioulo// Mas quando escreve, usa o português? Sempre o português// E porquê? a:: porque tecnicamente domino melhor a língua portuguesa para a escritatécnica do do que o crioulo --neste caso para a escrita técnica// Mas qual deles, o crioulo ou português acha que exprime melhor a culturade Cabo Verde? pois - isso é discutível - evidentemente -- porque digamos se eu eu eudiscutir a cultura cabo-verdiana em termos de expressão linguística - é óbvio queo cabo-verdiano fala em crioulo - usa o crioulo como língua veicular - noquotidiano - no passeio - na rua - em casa - portanto é um elemento de identidade-- agora se eu estiver a fazer uma análise da língua cabo-verdiana - posso fazer emportuguês ou crioulo -- claro que quem faz a análise tem de conhecer o crioulo -isso é obvio -- mas posso escrever… agora vamos ver como exemplo - o livro deBaltazar Lopes está em português// Estou a falar em termos de expressão da cultura, da identidade cultural… para descrever um estudo etnográfico da cultura cabo-verdiana? Não, não. Um cabo-verdiano em si, não é? Quando se exprimeculturalmente, acha que ele exprime melhor essa cultura em português ou emcrioulo? não -- sem dúvida o crioulo - o crioulo é sua língua - a sua língua devivência é o crioulo -- é obvio -- o cabo-verdiano vive em crioulo - isso não temdúvida nenhuma// E o que acha dessa possibilidade de nós, enquanto cabo-verdianos,podermos usar o português e/ou o crioulo? eu acho que é uma vantagem -- e não é caso inédito -- há vários povos queusam várias línguas -- aliás há uma ideia muito errada que foi veiculada em CaboVerde de que os africanos - que quando chegavam a Cabo Verde - cada qualfalava o dialecto da sua tribo da sua tribo - uma ideia errada - extremamenteerrada -- e um desconhecimento da realidade africana - porque normalmente emÁfrica - tenho experiência de dez anos com o trabalho do CILCSS - Comité deLuta contra a Seca - de todos os Estados do Sahel - com excepção do Tchade - defacto foi uma surpresa - qualquer adulto no Senegal - qualquer adulto fala pelomenos três ou quatro línguas - fala várias línguas -- por exemplo quem fala wolof-fala o serer - o soninquê -uma língua mandinga - e o pulaar - aliás o pulaar é alíngua dos fulas ou (?) como dizem - é uma língua que é utilizada desde a ÁfricaOcidental até hoje -- quer dizer - as pessoas usam como alternativa a::: línguacorrente --dou o exemplo de um colega meu - chefe do projecto - ele é polígamo -tem duas mulheres - uma mulher é wolof - outra mulher é soninquê - e ele ésoninquê - é mandinga - ele fala soninquê - a mulher wolof -- em casa obriga osfilhos a falar também o wolof -senão falavam sempre soninquê - quer dizer que ascrianças já usam as duas línguas o wolof e o soninquê - porque aprendem ofrancês na escola -- mas eu vi que os adultos - as pessoas que já têm 18 -20 anos -como aqui os nossos 2manjacos - que estão aqui na Praia - são portanto pessoasque falam duas ou três línguas -- isso é o quotidiano em África para homens emulheres - dominam várias línguas -- por isso não acho estranho que venhamos ater o português e o crioulo como língua corrente// Então acha que o crioulo devia ser oficializado? eu acho que sim - devia ser oficializado - como língua oficial - acho quesim - e:: porque:: é a única forma do crioulo não continuar a evoluir eternamente -porque senão - se não houver oficialização - não há padronização -- porque apadronização é importante -- não há padronização e continuamos eternamente ainventar a língua -- eu dou um exemplo de uma coisa que eu vi num carro - e queeu uso para brincar - graçazadeus - com z - zadeus (?) escreve assim -- querdizer - se não há padronização cada um escreve à sua maneira -- escrever à suamaneira - não há em língua nenhuma -- se entendi bem - oficialização parapermitir a padronização como em todas as línguas - eu sei que a padronização trazgrandes polémicas -- o caso mais conhecido é o caso da Espanha - com aimposição do castelhano como a língua de Espanha -- que evidentemente terácriado traumas que ainda existem - e o francês evidentemente – mas vejo porexemplo um belga - um belga - tenho colegas belgas - conheço belgas que usamduas línguas de facto -o flamengo e o francês//2Designação de grupo étnico da Guiné-Bissau e usada pelos cabo-verdianos para designar os emigrantesoriundos dos países da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). No caso do crioulo ser oficializado, no seu entender ele seria oficializadopara quê? para ser usado na escrita – evidentemente -- as pessoas irão aprender aescrita - eu continuo a insistir que que convinha usarmos um único alfabeto para oportuguês e o crioulo -- sou contra a ideia de proliferação de alfabetos -- acho quenão vamos ganhar - vai atrapalhar - vai dificultar a aprendizagem - manter umúnico alfabeto e usar indiferentemente na literatura - e até permitiria odesenvolvimento da da da digamos da dimensão técnica - do texto técnico emcrioulo -o que nós não temos hoje em dia// E o português como ficaria então? como língua oficial - usamos as duas línguas oficiais -- há mais países queusam várias línguas oficiais - veja a Suiça por exemplo - a Suíça usa váriaslínguas oficiais - é um exemplo que eu conheço - e pelos documentos de Estadoestão em latim - estão em latim -- e eu ouvi dizer porque é que estão em latim -porque não beneficiam nenhuma língua oficial em particular -- é por isso que o (?)da Confederatio Elvetia da Suiça está em latim - que é o único país do mundo queusa o latim ainda - (?) da Confederação Helvética -- mas os cantões usamdiferentemente as suas línguas -- os documentos aparecem como evidentemente -em a:: em alemão - em francês ou em italiano -- não conheço bem o caso daÁfrica do Sul -- não sei se haverá intenções de utilizar como língua oficial oafrikans e o inglês mas quem (?) sabe que o afrikans é usado muitas vezes emdocumentos oficiais// Acha que o crioulo deveria ser usado na alfabetização de adultos? bom - a:: isso implicaria padronização porque eu - neste momento diria quenão -- diria que não porque não vejo como -- sei que nos Estados Unidos estão autilizar - utilizaram sobretudo variante de Brava - a variante da ilha da Brava --digamos trabalhado para ser do sotavento - porque na verdade acaba por ser daBrava - mas digamos - os técnicos que trabalharam com as pessoas tentaram quefosse mais abrangente - no âmbito das línguas das variantes do sotavento e usampara a para a escola - para o ensino da (?) -- mas eu acho de facto… não havendopadronização acho muito difícil -- quer dizer, faremos alfabetização escrevendopor exemplo 3katxupacom tch, com x, com thcq (?) X, eu gostaria que se sentisse à vontade para acrescentar algumcomentário… boa sorte no trabalho// Obrigada… para acrescentar algum comentário ou mesmo algo mais que…algo que não tenha sido abordado e que ache pertinente. eu acho que está tudo - falamos já bastante sobre ele… sobre tudo -- eusó… em relação ao crioulo - acho que nesse momento - estou de acordo que ocrioulo deve ser oficializado - que deve ser ensinado na escola -- mas esse ensinopassa pela padronização - senão não vale a pena -- não existe língua nenhuma nomundo que não tenha sido padronizada previamente -- mesmo quando se fala doswahali - o swahali é uma língua padronizada -- isso ninguém põe em dúvida - oswahali é a língua mais falada em África - uma língua que usa alfabeto árabe -mas vamos ver era língua (?) só que usava outro alfabeto// Qual variante que deveria ser padronizada? eu acho que nenhuma das variantes -- porque há uma tendência de trabalhar3Cachupa, prato nacional e tradicional cabo-verdiano.com duas variantes - temos a variante a partir de São Vicente - a partir deSantiago -- portanto usar essas duas variantes - com como base do padrão - depoisaproveitar os termos - porque se eu trabalho com base de... digamos de deSantiago - portanto não poderia deixar perder termos que são usadas no Fogo e naBrava e que não são conhecidos em Santiago - mas que deviam ser repescados -porque não há grandes problemas de comunicação entre essas duas ilhas desotavento -- porque por exemplo - qualquer rural - qualquer camponês - entendeperfeitamente crioulo de Brava e Fogo - mas há termos que são específicos - essestermos devem ser aproveitados -- devem ser aproveitados - da mesma forma queem São Vicente também não devem perder os termos de Santo Antão - até porquea base seria aí - na ilha de Santo Antão - do crioulo -- porque os linguistas - osespecialistas - até dizem que São Nicolau é uma variante do sotavento e não dobarlavento - mas isso não é… isso para mim não é… nem é área que me interessafazer pesquisa - mas são aspectos que devem ser levados em conta porque nãoseria má ideia ver a história da padronização de outras línguas -- porque eu vejoque a língua portuguesa - digamos padronizada no século XVIII - ainda énecessário o programa do bom português na televisão - porque ainda as pessoas -ainda têm muitas dúvidas em como escrever - aliás conheço o exemplo de umaanedota que eu vou contar -de um.. deum... Esteja à vontade. de um colega de Bragança - que diz que havia como… uma discussão a::num bar sobre a questão da da do uso do pão -- porque um homem entra na loja epede… diz que quer comprar uns pãos -- então o outro diz que em português nãose diz paõs diz-se pões - porque o plural de português de ão é ões - e então -depois de muita discussão entra um guarda de policia e diz - senhor guarda -afinal - deve ser pãos ou pões? diz - bom - vocês sabem - o português é muitocomplicado - se fosse espanhol é fácil - é panis e opinionis - mas sabem - como ascoisas são um bocado complicadas -em português depende das opiniães((risos))então - é essa a dificuldade -- os próprios portugueses gozam e divertemde… digamos - da questão da evolução do latim - a:: digamos no espaço dogalaico-português - acho que aí é que aparece essa língua - o galaico-português --porque - por exemplo a grafia - quem lê o galego actual - o galego moderno e oportuguês - a grafia é um desastre - porque não não chegaram a um acordo degrafia -temos o (?) o povo fala a mesma língua - e escreve de forma diferente --oMinho -quando vejo o Minho - o Minho - a fronteira do Minho e o sul da Galiza -o povo se entende -na oralidade -mas quando escrevem não se entendem// X, muito obrigado por esta entrevista. (?)" -INF4.wav,"X, muito obrigada por ter acedido a ter esta conversa comigo. Paracomeçar, gostaria que me dissesse… antes de entrar para escola se já tinhaaprendido o crioulo ou o português? eu sou mais bilingue que muitos cabo-verdianos -- vivi em Angola -portanto - eu me lembro… havia o crioulo dentro de casa - mas eu expressava-mefundamentalmente em português// Portanto, já ouvia o crioulo? sim através dos familiares - dos amigos - dos parentes - tudo isso… ocrioulo era uma língua familiar para mim - embora não fosse utente tout court jáque me expressava sobretudo em português -- praticamente - unicamente emportuguês -falando a verdade// Portanto… o crioulo, nessa altura, só ouvia e compreendia ou falavatambém? ouvia e compreendia --masfalar era português// E hoje em dia, normalmente… em casa e com os seus amigos o que é queusa normalmente? eu sou o que se pode dizer talvez um bilingue natural porque… expresso-me em português boa parte do tempo - e como também sou casado com umabrasileira - em casa geralmente a gente fala em português -- mas com amigoscolegas de trabalho eu me expresso em crioulo// Qual é que considera ser a sua proficiência geral em crioulo e emportuguês? eu para…dentro da língua… Estou afalar das diferentes capacidades falar, ler, escrever… eu - por causa da minha trajectória - eu considero que me expresso melhorem português// Expressa-se melhor como? Exprime melhor as suas ideias em português… sim --em português// Em qualquer circunstância, ou em alguma circunstância especial? em qualquer circunstância -- normalmente eu me expresso melhor emportuguês até por uma razão muito simples --sou muito mau em línguas// ((risos)) Fala crioulo… escolhe falar crioulo em alguma circunstância? sim// Pode especificar um pouco. por exemplo se estou a a lidar-me com alguém do povo - digamos assim -eu acho que é melhor falar em crioulo do que em português// Porquê? porque:: em primeiro para evitar a barreira social entre… que poderiaexistir entre este interlocutor - suposto interlocutor meu e eu -- portanto atravésda… portanto… sobretudo por causa disso eu expresso-me… procuro exprimir-me em crioulo nessas situações// Normalmente, usa crioulo de que ilha? São Vicente// E quando se desloca para outras ilhas que não sejam de barlavento, porexemplo? é o único crioulo que eu sei falar - portanto eu não consigo falar outro --apesar de hoje em dia - depois de estar a viver muitos anos na Praia - já háexpressões idiomáticas de Santiago que eu utilizo quase que naturalmentetambém// O que acontece quando se dirige a pessoas de outras ilhas usando o seucriolo de são Vicente? acho que não acontece nada --quer dizer… As pessoas compreendem perfeitamente? provavelmente sim -- embora não possa dizer que me compreendam a cempor cento -- mas… já por exemplo eu… tenho parentes em Santo Antão e sempreque vou a Santo Antão acho que nunca tive problemas deste tipo -- embora agente - às vezes - há momentos em que tendencialmente a gente procuraaproximar-se do crioulo da ilha onde se encontra… acho que é um fenómenonatural -- porque é natural que haja expressões que as pessoas das outras ilhas nãoentendam - então a gente procura se fazer entender -- por exemplo no caso deSanto Antão -- sempre que eu ia a Santo Antão - eu percebia que algum tempodepois o a a sonoridade do meu crioulo tendia-se a aproximar mais de SantoAntão --mas eram fenómenos ocasionais// É mais uma questão de precisão… lê,já leu em crioulo? eu tenho uma grande dificuldade para ler o crioulo até hoje -- eu nãoconsigo ler em crioulo -- a minha leitura em português é muito mais natural doque em crioulo --em crioulo exige-meum esforço mental que acaba por funcionarcomo uma espécie de ruído na comunicação que eu procuro através da leitura// Normalmente as pessoas com quem mais conversa fora do seu círculofamiliar… gostaria que me falasse dessas pessoas e que me tentasse esboçar o seuperfil em termos de idade, sexo, estrato social, espaço de origem… o quê? As pessoas com quem mais interage fora do seu círculo familiar… são amigos do dia a dia que eu conheço -- a gente se encontra - conversanormalmente --e esses diálogos tanto acontecem em português como em crioulo// Ser em crioulo ou em português depende de quê? depende da pessoa --há pessoas que… Como assim? sim -- isso que eu vou dizer… depende da pessoa -- há pessoas que…estou-me a lembrar de um velho amigo meu - X ((Informante 11)) que é umgrande amante do crioulo -- quando me encontro com ele a nossa tendência é falarem crioulo -- por exemplo - estou a lembrar-me de outro amigo - 1 F1 - o F1 -quando a gente se encontra tendemos a falar em em em português -- portanto sãocoisas - são situações -- por exemplo uma outra colega - a 2 F2 -- com ela a gentetanto fala em português como em crioulo// E consegue entender e explicar-me porque é que isto acontece? eu acho… tem a ver mais com o impulso que a pessoa… com o sinal que apessoa dá --quer dizer… Que o seu interlocutor dá? sim -- provavelmente -- acho que ele dá ou que nós dois damos -- nessescasos concretos// Por exemplo… nesses casos concretos… por exemplo com o X ((Informante 11)) um diálogo com ele em português1Correia e Silva, Reitor da Universidade de Cabo Verde2Filomena Silva, Directora do jornal semanal “A semana”é impensável -- porque é a maneira de ser dele -- ele é um amante fervoroso docrioulo -- então as nossas conversas saem naturalmente em crioulo -- e com o 1F1e outros do tipo dele a coisa acontece também em português - portanto -- e com a2F2 - como eu disse - tanto acontece em crioulo como em português -- quer dizer- é mesmo uma coisa involuntária// Estou a pensar numa pessoa como o Y a que referiu… depende do assunto,depende do lugar onde se encontram, ou… mmm acho que… outra pessoa é o pai dele -- quer dizer com o pai delenormalmente é sempre em português -- mas acho que é… não quer dizer que elenão fale em crioulo -- também -- há momentos em que a gente fala em crioulo -sim --sem dúvida// Eacha que, por exemplo, com ele,ser em crioulo ou português…? é irrelevante// Depende sensivelmente de quê? não -- é:: um fenómeno quase que involuntário - digamos assim -- querdizer… Não… não… tem nada a ver com… terá… não terá a ver com o grau deproximidade, com o estatuto social da pessoa… provavelmente sim --provavelmente sim// Ou não consegue distinguir bem essas nuances? não porque - repare -- muitos desses amigos… dos meus amigos sabem queeu… dessa minha trajectória -- portanto eles tendem naturalmente a falar comigoem em português -- por exemplo uma pessoa que não fala comigo noutra línguaque não seja o português é o 3F3 -- sempre que a gente se encontra falamos emportuguês - portanto está a ver -- da mesma forma que é impensável eu ir aomercado e falar com o meu interlocutor em português -- seria uma coisadeslocada// Nessas situações tipo mercado - lojas - qual é que usa o crioulo ou oportuguês? é o crioulo normalmente// Locais de lazer, festas, bailes… mais uma vez depende do interlocutor// Depende do interlocutor. Nas reuniões de trabalho? tanto numa língua como outra// Como outra… quando se dirige, por exemplo, às repartições públicas? tendo a falar crioulo// tende a falar crioulo. Normalmente para exprimir os seus sentimentosrezar, orar, namorar… que tipo… qual deles usa? portanto - a minha mulher - ela é brasileira -- portanto nós falamosportuguês -não é? Certo. normalmente - com as minhas filhas tende a ser em português -- embora asduas falem crioulo com com os colegas// Durante a última semana, acha que falou mais vezes o crioulo ou mais oportuguês? eu não faço ideia// ((risos)) Ou igualmente. acho que provavelmente as duas igualmente// E durante mais tempo por dia, o crioulo ou português, ou os doisigualmente? sim --sim --nunca me dei ao trabalho de fazer esta estatística// Pense em três contextos em que normalmente usa o crioulo. por exemplo - nos contactos com as pessoas no dia-a-dia -- por exemplo -se estou diante de um estranho - que não conheço - se vejo que é cabo-verdianotendo a falar crioulo -- se eu encontrar um estrangeiro - sei… não vou falar comele em crioulo --falo em português// Certo. são situações deste tipo// Em que contextos OUVE, ouve habitualmente o crioulo? ouço normalmente em… circulando pela rua - convivendo com pessoas -- ocrioulo está presente --domina mesmo - acho eu… E o português? o português nesses nesses contextos - é mais é mais protocolar ou oficial -não é? Como,por exemplo? por exemplo em acções de trabalho - geralmente -- sobretudo comindividualidades políticas - onde a formalidade impera - acaba por ser em crioulo- em português -- mas se for um contacto com uma pessoa que - de certa forma -faz parte das minhas relações -nós tendemos a falar em crioulo também// Há bocado disse-me, se percebi bem, disse que tem alguma dificuldade emler... em crioulo --sim// mas o que é que lê habitualmente em crioulo, ou o que é que já tentou ler? olhe - por exemplo - essas coisas que se publicam por aí… quer dizer -poesia -ficção - artigos nos jornais - isto para ler para mim é penoso// Lê até ao fim? não -- geralmente -geralmente não tenho paciência// Qual…? Qual…? Consegue especificar as suas dificuldades? é que repare… quem? geralmente quem…? a malta que mais escreve emCabo Verde em crioulo é a malta de Santiago -- então eu tenho que ler aquilo e aomesmo tempo ir fazendo a tradução para o meu… não sei que nome dar a isso…para para… tenho que fazer a tradução para o meu entendimento -- então achoque é uma leitura que não corre naturalmente e por esta razão tendo a a ainterromper a leitura ou a não praticar este tipo de leitura -digamos assim// E escrever, escreve em crioulo? em português// Exclusivamente? sim// Nunca tentou ou alguma vez tentou escrever...? uma ou outra palavra posso pôr em crioulo -- mas normalmente emportuguês// Certo. Há alguma razão que o faz mudar de crioulo para português ou vice-versa se está a usar um ou outro? por exemplo - se estou a falar com uma pessoa em português - ou viceversa - e a pessoa me responde em crioulo - eu tendo a falar em crioulo -- e seestou a falar em crioulo com uma pessoa e esta pessoa tende a me responder emportuguês -eu também passo a responder - a usar português// O assunto? independe// A chegada de uma pessoa com algum estatuto de autoridade ou umsuperior hierárquico, digamos assim, fá-lo mudar do crioulo para português ouvice-versa? depende do sinal que a pessoa me der também// Como assim? por exemplo - se estou a exprimir-me em crioulo - a pessoa chega etambém já se aproxima do grupo falando em crioulo - eu continuo em crioulo --mas se estou a conversar - a pessoa tende a me responder em crioulo - eu tambémpor uma questão de deferência… eu respondo em crioulo -português -também// Existe alguma circunstância em que usa o crioulo mas preferiria usar oportuguês ou vice-versa? várias vezes já me aconteceu isso// É capaz de dar alguns exemplos? Dois, três… porque… por exemplo - às vezes numa conversa de alguma complexidadeeu sinto que - por defeito meu - não por defeito da língua cabo-verdiana - eu sintoque exprimiria melhor se usasse português -- é nesses momentos que eu… achoque me sairia melhor se falasse o português// Circunstâncias de que tipo? por exemplo - numa conversa qualquer - por exemplo com algumacomplexidade - às vezes eu - por dificuldade na expressão - acho que a coisaficaria melhor no português… no íntimo sentiria... Qualé o grau de formalidade dessas situações? não --independe// Depende do assunto? acho que sim// E vice-versa, em crioulo? também -- porque… no fundo todo o… todo o processo de comunicação222 procura… como é que é? a transmissão damensagem -não é? Certo. e e então -se eu perceber que a mensagem passa melhor numa língua eu... Mas passa para quem -digamos? para o meu interlocutor// Exprime melhor… ah! para o seu... para o meu…em primeiro lugar para o meu interlocutor// Certo. mas às vezes acontece que… que… que por dificuldade ou de domíniosobretudo da língua - da minha parte - eu acho que me sentiria melhor se usasseuma determinada língua -uma outra língua em detrimento da outra// Certo. Diga-me agora, o que pensa do crioulo? o que é que eu penso do crioulo? ((risos)) E do português.O que acha do crioulo? Há muita gente que diz que é não éuma língua, que é uma língua... não --isso… não tenho esse tipo de… não -- não tenho esse tipo de… Que é mais fácil, que não é mais fácil, que é uma língua que só é adequadapara se usar em casa… esse tipo de… não -- não -- eu não tenho esse tipo de preconceito em relação ao crioulo --agora - o que acho é que há uma grande confusão - sobretudo dos poderespolíticos - em torno do crioulo -- quer dizer há muita confusão - há hesitações --portanto - nós já estamos… em primeiro lugar eu acho que o crioulo não dependeda sua oficialização para a sua sobrevivência - portanto - já chegamos a este pontosem a oficialização do crioulo e o crioulo está aí cada vez mais saudável e tudoindica que vai perdurar -- porque como disse Baltasar Lopes - é capaz de… écapaz de… tudo é capaz de desaparecer de Cabo Verde menos o crioulo -- eusubscrevo esta - eu tenho este ponto de vista -- agora o que acho - como disse - éque há muitas hesitações - muitas confusões em torno do crioulo -- e não perceboporque é que há… porque é que a coisa não marcha… talvez até porque…porquequem está no poder procura fazer a coisa certa - não é? e tem dúvidas se… se aoficialização do crioulo será a coisa certa -- basta ver portanto - que a últimasondagem que surgiu - num estudo que houve aí - dizia que 50% era a favor e50% era contra a oficialização -- e… e então há essa há essa coisa -- e por umlado também os estudiosos dizem que… que para uma criança - o tempo decrioulo - durante todo o tempo da sua existência em crioulo - de repente vai para aescola falar português - portanto - é traumatizante -- e se os estudiosos é quedizem isto - eu francamente - não tenho autoridade para duvidar - para dizer se éou não é traumatizante até porque eu não passei por estetrauma// Certo. tenho… tive a minha trajectória diferente não é? eu não passei por este…este processo… trauma -- mas isto não quer dizer que os outros não tenham ficadotraumatizados -- eu não sei se é um trauma que carregam para o resto da vida ouse este não é um problema que também está empolado por quem por quem seinteressa por este tipo de questão -- agora é verdade que a oficialização do crioulovai trazer grandes grandes… alguns problemas pelo menos trará -- mas enfim -quer dizer - o importante é que se decida o mais depressa possível em relação aocrioulo porque - sem dúvida - que é um elemento fundamental na identificação ouna identidade do cabo-verdiano e por esta razão é é incontornável -- e tambémse… se… se realmente o crioulo é é o que é - e se realmente há a necessidade dasua introdução nas escolas -entãoque se faça isso de uma vez por todas -não... Mas o que é que acha? o crioulo deve ser ensinado nas escolas? provavelmente sim --agora o que eu… Não tem certeza se deveria… sim -- porque repare - eu em determinadas coisas não gosto de serextremista --não gosto do categórico -- repare -nós chegamos até aos dias de hojecom provavelmente todo o mundo traumatizado por ter feito… ter saído docrioulo para aprender em português - mas nós continuamos vivos -- agora o certoé que eu acho que se é - que se é… se vem realmente ajudar a… o nível de ensinoem Cabo Verde - se é realmente importante - que se introduza de uma vez portodas -- não podemos passar o resto da vida a falar na introdução do crioulo noensino primário e a passar o resto da vida a falar na sua oficialização -- ou faz-seisso ou não se faz -e deixem-nos em paz// Certo. E no caso de ser oficializado, ele seria utilizado para quê? Temalguma... as pessoas é que têm de dizer se é útil -- não é o facto de meia dúzia depessoas que batalham para a sua oficialização que… de repente a coisa se torna…agora inclusive há agora um fenómeno que tem a ver com a introdução das novastecnologias em Cabo Verde que quanto a mim veio veio veio jogar a favor daoficialização do crioulo… que é o MSN -- a maior parte dos jovens que secomunicam através do MSN fazem-no em crioulo - o que prova que a… a…prova que a comunicação escrita em crioulo é talvez uma questão realmente de…tem a ver mais com o hábito do que outra coisa e neste aspecto também tenho defazer mea culpa -- eu vejo por exemplo a minha filha em casa - quando secomunica com os seus colegas - em crioulo - e nunca encontrou dificuldade -colegas da sua idade… eu é que não tenho essa facilidade - paciência -- agora - edaí que eu pergunto - até que ponto - eu… até que ponto a introdução talvez docrioulo nas escola não viria a ajudar nesse processo de comunicação na medidaem que viria talvez a estabelecer uma norma - uma grafia - para esses jovens --porque a sensação que eu tenho é que é que eles próprios usam uma grafia - tenhoimpressão que híbrida… são coisas por exemplo o 'k' e outras questões - mesmotambém códigos que eles próprios inventam -por isso acho que todo este processovai passar por uma sacudidela com a introdução das novas tecnologias// Certo. agora em relação ao português - eu acho também que em Cabo Verde… háduas coisas… ou oito ou oitenta - não é? portanto há um esforço por um lado napromoção do crioulo - não é? mas eu não vejo uma promoção da línguaportuguesa em Cabo Verde -o que para mim... Como assim? não há -- eu acho até que as duas… tanto o crioulo como o português sãovítimas de uma ausência de política de línguas em Cabo Verde -- portanto não hánão há não há não há essa preocupação -- quer dizer é uma tarefa de meia dúziadepessoas - uns por um lado a pôr o crioulo nos píncaros da glória… mas com asensação… mas fico com a sensação que é um processo feito em detrimento doportuguês -o que eu pessoalmente não considero a via mais correcta// E este em detrimento do português consistiria exactamente em quê, porexemplo? mesmo uma valorização -- uma tendência talvez de substituir o portuguêspelo crioulo - o que eu não concordo -- eu acho que o cabo-verdiano deve assumirque realmente… as autoridades fundamentalmente - devem assumir que somosum país bilingue - que o crioulo tem o seu lugar e o português também tem o seulugar// Qual seria…quais seriam esses lugares? ok -- para mim - por exemplo -- o crioulo como um elemento incontornávelno dia-a-dia do cabo-verdiano - como um elemento que toda a gente usa -- tende ausar naturalmente -- e por isso acho que merece ser devidamente valorizado e essavalorização passa pelo seu… passa pelo seu ensino nas escolas e inclusive…através do seu ensino - através da unificação do alfabeto instituído -- acabar comcada um utilizar o alfabeto como quer e como acha que deve ser -- há essavalorização -- mas ao mesmo tempo acho… que a língua portuguesa - nesteprocesso todo - não sei se por percepção minha ou não - o certo é que hoje eutenho impressão que se fala muito mais português que no passado -- mas fala-seportuguês com menos qualidade -- não sei se vocês que vivem com isso no dia-a-dia se têm ou não essa percepção// Procurando precisar um pouco essas suas percepções que são muitointeressantes, qual seria para si a alternativa linguística desejável em Cabo Verde? eu acho que… mais do que… nós devemos continuar a usar normalmente ocrioulo… devemos usar... Desculpe. Há bocado… usar normalmente o crioulo para si seriaexactamente usar o crioulo onde e para quê,em que circunstancias...? não -- onde as pessoas entenderem - e nas circunstancias que tambémentenderem -- ninguém me obriga a falar o português com um fulano - portanto…portanto é o… como eu disse é o impulso - é o sinal que a pessoa me dá… e euassim uso naturalmente… isso portanto… esta é esta é uma questão que achodevemos aceitar naturalmente - sem qualquer tipo de preconceito ou sem qualquertipo de estigma que não nos leva a nada -- mas como dizia - acho que devemosassumir o crioulo como como um património nosso normalmente - o portuguêstambém como um património nosso - e e e se possível acho que se deve dartambém atenção ao ensino das outras línguas -- porque nós somos um povopequeno - diasporizado - portanto… quanto mais línguas o cabo-verdianoconseguir falar melhor para nós todos// Ainda sobre o crioulo. Para si, o existe um verdadeiro crioulo e qual seriaele? não -- eu não tenho esse tipo de percepção -- não me preocupo -- eu achoque o crioulo da Brava não é menos verdadeiro que o crioulo de Santiago damesma forma que o de Santiago não é menos verdadeiro que o de São Vicente epor aí…e por aí adiante// Portanto essa questão para si é...? éirrelevante// Há bocado falou-me sobre a maneira como os cabo-verdianos falamportuguês. Gostaria que me falasse um pouco... basta ouvir -- basta a gente prestar… por exemplo há dias a 4OndinaFerreira escreveu um artigo num jornal qualquer sobre o tal crioulês - não é ?que... que... Já me falaram do artigo, mas ainda não o li. sim -- portanto que é realmente um fenómeno que existe… basta ouvir…como o exercício que ela fez - foi ouvir o debate da Assembleia Nacional e narádio… a gente vê que é uma… que há uma mistura… há uma mistura de uma eoutra língua -- provavelmente até é um fenómeno que vai continuar eprovavelmente daqui até poderá surgir aqui uma outra língua// O que acha disso? É disso mesmo que gostaria que me desse a suaopinião… Como é que acha que os cabo-verdianos deveriam falar português?Como os brasileiros, como os portugueses…? como os angolanos…? À maneira deles… repare que está aqui a tocar numa questão que que… normalmente toda agente diz que o brasileiro tem o seu português - que o angolano tem o seu… agorao cabo-verdiano - como o português é uma língua de sala de visita como dizia oBaltasar - conservou uma espécie de língua portuguesa que - aqui se aproximamais do padrão lusitano// Certo. ao passo que os outros como estão… usam a língua no dia a dia são muitomais criativos em relação a língua portuguesa do que nós - nós temos uma relaçãouma relação muito rígida ou quase padronal com a língua portuguesa -- só agora éque - como eu disse - a percepção que eu tenho é que há hoje mais utentes dalíngua portuguesa em Cabo Verde - é que as duas línguas começam a se misturar -e é provavelmente que a partir desta mistura venha a surgir aquilo que a Ondinachamou de crioulês -mas que... O que é que acha disso? não -- quer dizer - é… o que eu achar disso é a mesma coisa - é o mesmoque eu acho do aparecimento das outras línguas derivadas do Latim… portanto -está a ver - são fenómenos que por mais que se venha aqui combater - por maisque se... surjam decretos… ninguém vai conseguir travar -- portanto a coisa vaicaminhar naturalmente e e… é claro que alguns vão fazer… vão fazer misturasconscientes e outros - outros não -- quer dizer - quando… basta ver - quando agente pega um elemento do povo - vamos dizer um de Santo Antão que é maiscomum -quando um homem de Santo Antão vai falar português - a gente vê que éuma outra coisa -- nós que sabemos português e conhecemos também o crioulo -a gente vê que o homem está a fazer um esforço tremendo para falar português -mas está a usar toda a estrutura em crioulo -- portanto - e como este homem deSanto Antão - hoje há inúmeros espalhados por este país -- que dizer… basta ver -como eu disse - como nós temos o o… como normalmente nós falamos emcrioulo - quando a gente vai para os momentos solenes - nomeadamente naAssembleia - as pessoas esforçam-se a falar o português -- mas estão a falarportuguês com estrutura frásica - com estrutura mental em crioulo -- por isso nóstemos as situações -algumas situações anedóticas ou aberrantes -mas é… Diga-me uma coisa, estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano eusar o crioulo ou o português e/ou português? mais uma vez -não sou a melhor pessoa para responder a isso// Não. Até que, digamos, o seu perfil ajuda a esclarecer de uma outraperspectiva… porque - repare - eu… sim - eu acho que o cabo-verdiano é indissociável dasua cultura -- e o elemento fundamental é o crioulo -- mesmo - por exemplo - nomeu caso - mesmo… eu não me exprimia - não falava - mas em casa ouvia e…normalmente… e qualquer dos crioulos -- porque eu - curiosamente - como crieinum meio onde havia muitos cabo-verdianos - de várias ilhas - eu entendia -- eu -mesmo em miúdo - conseguia entender todos os crioulos -- do Fogo - Santiago -Santo Antão e não era problema nenhum -- o único problema era que não meconseguia exprimir -- não tinha essa esse essa necessidade-- talvez porque - comofalava português normalmente - e as pessoas me entendiam - eu nunca tive esseproblema --agora -a pergunta é? como é ser cabo-verdiano e… Ser cabo-verdiano e usar o crioulo. Por exemplo, admite que um cabo-verdiano não goste de crioulo? Admite que um cabo-verdiano use exclusivamenteo português, em que circunstâncias…? eu - mais uma vez - aceito isso com naturalidade -- acho que cada serhumano tem o direito de fazer as suas opções -- se um cabo-verdiano decide quesó se deve exprimir em português - ninguém deve ser contra isso -- devemosaceitar esta pessoa como ela - como ela decidiu ser e comunicarmos com ela semproblema nenhum -- para mim não há… não me causa espécie nenhuma que hajaum cabo-verdiano que decida comunicar-se apenas em português -- da mesmaforma - por exemplo - eu conheço casos de cantores ou pessoas que dizem - quecantam em crioulo normalmente - mas no dia a dia só se exprimem em português-- quer dizer aquilo pode até ser um contra censo - digamos assim - ou…mas euaceito essa pessoa comoela… se ela decide fazer isso -o problema é… É dela, digamos. Acha que não tem nada a ver…? sim -- não vamos agora atirar pedra nessa pessoa porque é um cabo-verdiano que decidiu só exprimir-se em português --não há problema nenhum// Acha que… qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhora cultura de Cabo Verde? olhe -- por exemplo -- eu dou-lhe cá um exemplo concreto -- para mim éinconcebível ver uma peça de teatro em Cabo Verdeque não seja em crioulo// mhm porque essa peça de teatro… o trabalho que o grupo Juventude em Marchafaz - tem de ser em crioulo -- porque caso contrário torna-se uma coisa artificialque… apenas uma encenação que… sem naturalidade -- portanto - a naturalidadenesta situação em concreto acho que se exprime melhor em crioulo -- portanto - éum caso concreto -- suponhamos - por exemplo - ao nível da morna ou dacoladeira ou do funaná// Exacto. imaginemos um funaná em português -- provavelmente aquilo nãofunciona… Não consegue… provavelmente é apenas (?) -- sim - suponho que sim -- se alguém quiserfazer - faz -- mas não vejo grande grande sucesso popular - acho - grande futuro --agora - ainda continuando no campo da arte - mas - um conto - um romance eutendo a ver isso melhor em português e não em crioulo -- é a minha… como eudisse é a minha dificuldade em ler em crioulo - tão simples quanto isso -- tãosimples quanto isso - e como vê já dei vários exemplos onde acho que uma coisafica melhor e não noutra -- mas também já vi poemas bem concebidos em crioulo- outros também bem concebidos em português -- agora curiosamente - ainda emrelação ao poema - um autor escreve um poema em crioulo - e ele declama essepoema - eu sou capaz de ouvir - ouvir e perceber este poema sem problema -agora eu pegar neste poema e ir ler -aí confesso que tenho dificuldade// Já agora, diga-me uma coisa, acha que o crioulo deve ser usado paradeterminadas funçõessociais e o português para outras? sim// Quais seriam…? por exemplo - neste momento - estamos com esta crise de paludismo aquina Praia -- imagine uma campanha de sensibilização para esta população emportuguês e em crioulo --na sua opinião qual é que seria melhor? mhmmhm em português ou em crioulo? Em crioulo. estáa ver --portanto eu acho que nós temos que apreender a… Mas, por exemplo na literatura já acha que seria em…? em português// Em português? mesmo que em português - por exemplo - acrioulado - como o BaltasarLopes e o António Aurélio Gonçalves e vários outros fizeram e continuam a fazer--eu acho que não há problema nenhum// E para o uso na… Germano Almeida também// E para o uso na interacção social? Sei lá… cerimónias oficiais, eventosdesportivos, eventos religiosos… faz alguma distinção, atribuiria funçõesespecíficas ao português e ao crioulo? uma missa - por exemplo -- eu acho que uma missa em Latim é melhor queem português -- ((risos)) nem que as pessoas não entendam -- é o que se passatambém - quer dizer… e aí - mais uma vez tudo depende da mensagem que sequer transmitir… por exemplo um padre lúcido - um sacerdote lúcido - se quertransmitir uma determinada mensagem - ele tem que ver qual é - quem é a suaplateia -- se é uma plateia de pessoas da classe média - classe alta - ele podeexprimir-se perfeitamente em crioulo que não há problema nenhum -- agora se éuma plateia do povo - no seu estado bruto - digamos assim - esse padre - se elequer transmitir uma mensagem - eu acho que ele vai ter a perspicácia suficientepara perceber que esta mensagem vai passar melhor em crioulo -- e isto aconteceem várias outras situações -- por exemplo - basta ver nas campanhas políticas emCabo Verde - nas campanhas eleitorais em Cabo Verde - é o momento em que oportuguês mais estáno top em Cabo Verde --porque raro é o político... O português? o crioulo - desculpe -- raro é o político que vai num comício de três quatromil pessoas que se vai exprimir em português -- geralmente - normalmente - elefaz isso em crioulo porque sabe que se… exprimindo-se em crioulo tem maispossibilidades de fazer passar a sua mensagem// Diria que o crioulo é para pessoas sem instrução, sem educação e oportuguês para pessoas com educação, com instrução? quase isso no fundo - embora seja politicamente incorrecto dizer isso -- masmais uma vez… quer dizer… a relação que o cabo-verdiano tem com o crioulo eo português é uma coisa completamente complicada… porque - por exemplo eucostumo ter outro outro exemplo de Onésimo Silveira -- ele é dos poucos políticosem Cabo Verde que faz comícios em português -- agora eu não sei se o Onésimoteria a mesma - a mesma… como é que é? a mesma chance de sucesso numa ilhacomo Santiago do que em São Vicente -- portanto está a ver… portanto - oOnésimo - pela sua trajectória - ele chegou a um determinado patamar numa ilhacom as características de São Vicente e então a percepção a percepção que eutenho é que ele ao usar o português para comunicar-se com os seus potenciaiseleitores - ele no fundo está a mostrar a essas pessoas que está valorizando essaspessoas utilizando o português e não o crioulo --esta a ver? Estou. portanto… por isso é que estou a dizer… agora - por exemplo Onésimo -acho eu que é uma das poucas pessoas que podem fazer isso em Cabo Verde -mais ninguém pode dar-se a esse luxo// O que é que acha desta situação actual de nós termos a possibilidade deusar o crioulo e o português? acho bom// o que é que... para mim não me faz espécie nenhuma --aceito isso com naturalidade// Acha que se devia continuar a usar o crioulo e o português em CaboVerde? com certeza --e outras línguas também --francês -inglês… para quê? sobretudo nos nossos contactos com o mundo -- nós não vamos a lugarnenhum se não conseguirmos dominar o inglês e o francês// Se pudesse, escolheria outra situação que não fosse crioulo e português? essa questão é muito complicada para mim… porque já cheguei… estouperto dos cinquenta anos -portanto é complicado// Passando à questão de leitura e escrita do crioulo. Gostaria, pessoalmente,gostaria de aprender a ler e a escrever crioulo? sim -- não que - digamos - tenha esta necessidade -- porque como… comoeu lhe disse… acho que se fizesse um esforço maior talvez provavelmenteconseguiria encarar isso com a maior das naturalidades--mas não tenho… Referindo às questões sociais do crioulo e do português… com que pessoasacha adequadas, pessoas, circunstâncias, assuntos, acha adequado usar o criouloou o português? como eu lhe disse - tudo depende do interlocutor que eu tenho e tudodepende do sinal que também tenho e que ele me dá -- mas não faz sentido comoeu já lhe disse ir ao mercado - ver uma vendedeira - e falar com ela em portuguêsacho que não faz sentido// Porquê? porque eu sei que que que o português não é uma coisa do dia:: do dia a diadela// mhm … e repare às vezes não é só uma questão de de um sinal que esta pessoatransmite de ser desta classe ou daquela classe -- por exemplo - eu - comojornalista - há pouco tempo estive no Fogo - quando - aquando do último aumentodo combustível e eu precisava de recolher um som em português para paramandar para a a BBC -- então - eu ouvi a notícia na rádio - num táxi - e estesenhor era todo… a gente via para esse esse taxista - era branco - branco mesmo -- caucasiano típico - se quiser -- branco -- e então - para mim eu achava que…taxista… seria… falar com esse senhor em português seria a coisa mais natural domundo -- então - o senhor vai me dar uma declaração sobre o que acha doaumento do combustível e tal… então - quando fui fazer a pergunta… falámosem crioulo primeiro… assim - então quando fui fazer a pergunta em português eledisse não - português é cansado -- quer dizer é a prova de que o crioulo muitasvezes em Cabo Verde não tem a ver com a classe social a que pertence -- porqueeste senhor - este taxista - é instruído -- é taxista --tem tem tem carta de conduçãoe e:: aparentemente devia ser uma pessoa que poderia falar portuguêsnormalmente e no entanto tive esse… esse… esse… Baque, digamos… baque que me deixou espantado -- quer dizer… eu depois - comentei comuma pessoa… realmente uma coisa incrível -- quer dizer - como é que uma pessoacom aquelas características e não conseguia exprimir-se em em em português?por exemplo - da mesma forma… usando da minha experiência… um dia namesma situação - eu… sobre uma coisa qualquer que tem a ver com os alunos -fui falar com um jovem que estava a estudar o décimo segundo ano - fui falar comele - ele queria… começou a falar em crioulo - e disse que não – tem que ser emportuguês - então ele - aquele jovem não conseguiu exprimir-se em português --eu fiquei assim também a pensar - como é possível um jovem a estudar o décimosegundo ano não conseguir falar português?  Certo. está a ver// Há bocado disse-me… falou sobre a oficialização do crioulo. A minhaquestão é: no caso de, em caso de oficialização do crioulo, como, para si, ficaria oportuguês? como quê? Como é que ficaria o português no caso da oficialização...? não -- aquilo que eu tenho lido e tenho ouvido é que as duas línguaspassariam a estar no mesmo patamar// Para si… para si. para mim - não me causa problema nenhum - porque com oficialização ousem oficialização eu vou continuar a exprimir-me em português - nascircunstâncias que entender --portanto isso não me causa espécie nenhuma// Certo. não tenho problema nenhum// Eu só vou pedir que acrescente algum comentário às questões anterioresque lhe pus… ou se há alguma questão que eu não tenha abordado, mas quequeira… que ache pertinente e relevante neste contexto, no contexto das questõesque lhe coloquei… alguma precisão… acho que já está tudo dito// Então, mais uma vez obrigada por ter acedido a este meu convite para estaentrevista.1Investigador e ensaísta2Jornalista3Escritor4Docente do ISE (LP)" -INF5.wav,"X, antes de mais, muito obrigada por ter acedido a este meu convite paraparticiparmos nesta… nesta conversa. A primeira… a minha primeira questão é aseguinte. Antes de entrar para a escola, quando criança, já tinha… tinha aprendidoo português ou o crioulo? as duas coisas -- porque eu sou filha de professora e apesar de ter tido umpai ligado à lavoura e à terra… o meu pai era dono de terra e trabalhador de terra-- era agricultor - nos primeiros anos da nossa vida de… de família… apesardesse conjunto - falava-se muito português -- o meu pai falava mais português emcasa do que a minha mãe -- apesar de que a minha mãe é que por profissãodeveria fazer isso já que ela era professora -- portanto eu criei mais ou menoshabituada… pelo menos a ouvir… porque nunca ninguém nos impôs falarportuguês - não é? em nenhum momento -nem antes de irmos para a escola - nemdepois --mas criou no meu ouvido -válá --aprendi a ler muito cedo… Detalhando melhor esta situação… portanto, a mãe falava crioulohabitualmente convosco... sim --com as crianças normalmente falava crioulo// O pai... o meu pai falava mais português// E vocês, o crioulo ou o português? nós -crioulo// Crioulo. E português… para além de ouvir o pai a falar, ouviam oportuguês de outra fonte, ou...? ouvíamos -- pronto - enfim - pessoas que iam lá a casa - de rádio … dessascoisas// Mas habitualmente falavam...? falávamos crioulo// Com o pai e com a mãe, com as outras pessoas...? sim --a gente falava crioulo --nunca nos impuseram falar português// E actualmente, em casa, com os seus amigos e pessoas mais próximas, usao português ou o crioulo? bem -- eu costumo às vezes dizer que eu vivo uma situação de bilinguismoindisciplinado porque muitas vezes eu começo uma frase numa língua e acabonoutra e volto à primeira e… enfim estou sempre nisso -- porque é uma taldeformação profissional se poderei dizer isso -- ou influência… devo dizer maisinfluência do que deformação… porque como eu fui sempre professora deportuguês - então a minha tendência é expressar-me em português -- mas - namaior parte dos casos - eu entendo que estou num contexto que é melhorexpressar-me em crioulo -- então - começo em crioulo depois passo paraportuguês mesmo sem dar por isso// Tem alguma ideia do que é que afaz mudar de crioulo para português? eu suponho que é mais o teor da conversa // mhm por exemplo - quando estou numa sala de aula - eu estou sempreexpressando em português com os meus alunos - a menos que eu tenha interesseem utilizar o crioulo por alguma razão -- muitas vezes também me acontece terinteresse em utilizar o crioulo para explicar qualquer coisa// Como professora, utilizou o crioulo muitas vezes numa sala de aula? sim --muitas vezes --muitas vezes// Em que… podia detalhar-me... quando nós temos situações específicas -- por exemplo - eu tive uma vezum aluno de Santo Antão que não conseguia… não conseguia expressar-se emportuguês correcto -- então o o miúdo… eu percebia que ele era esperto - que eleera habilidoso mas eu não conseguia fazê-lo expressar-se… então com essemenino - eu cheguei a falar crioulo várias vezes nas aulas -- cheguei até a inventaraulas de matérias que nem tinham nada a ver com curriculum mas apenas paraincluir esse garoto -- por exemplo ensinar a fazer um esteirado - não é? esse tipode coisas… ensinar a fazer uma funda - daquelas que se atiram pedras aos corvos-- foi uma das coisas que eu dei uma aula inteira disso -- porque aquele meninosabia muito bem essas coisas e ele poderia naquele naquela aula liderar a aulaensinando os seus colegas uma coisa que eles nunca tinham visto -- que erammeninos de São Vicente não sabem o que é atirar pedras aos corvos com funda --então nessas aulas a gente falava muito crioulo -- porqueo assunto puxava mesmopara isso --era nesse contexto// Voltando à situação actual. Em casa, com os seus familiares, fala, usahabitualmente o crioulo ou o português? habitualmente o crioulo -- de vez em quando eu:: falo em portuguêsevidentemente -- até as minhas filhas costumam dizer uma para a outra - cuidadoque mamã já começou a falar português -- quer dizer que o assunto é sério - elajá está quase zangada// O assunto sério em que sentido? é que normalmente - quando o assunto é sério - eu costumo expressar-meem português --por isso quando vou - por exemplo - dar uma entrevista ou dar umtestemunho sobre qualquer coisa na rádio - eu prefiro fazê-lo em português -- eufico mais à vontade --mas se me exigem o crioulo -eu também faço em crioulo// Estar mais à vontade… Exprime melhor as suas ideias em português ou emcrioulo...? acontece às vezes... Qual deles? exprimo-me melhor em português -- talvez porque eu tenha estudado emportuguês… porque… esse tipo de raciocínio que a gente tem de encadear asideias… observar ou tirar conclusões… tudo isto eu habituei-me a fazer emportuguês - não em crioulo -- então eu sinto-me mais à vontade quando éportuguês -- eu sinto-me muito mais tranquila -- mas se for preciso fazer emcrioulo -também o faço// Há bocado estava a dizer-me, portanto, que em casa fala habitualmente ocrioulo, com...? mais crioulo// Mais crioulo. Com os amigos também. Nessas situações usa o português …portanto, no fundo, falar português ou falar crioulo depende de quê? Das pessoas,do assunto, das situações … de tudo isto// Podia especificar…? depende também de tudo isso -- depende das pessoas -- depende das dassituações -- situações mais formais normalmente eu resolvo-as em português -- asmenos formais eu resolvo-as em crioulo -- aquelas situações do nosso dia-a-diaafectivo - eu faço em crioulo -- mas se for alguma coisa administrativa jánaturalmente me sai em português -- eu acho que isso acontece com toda a gente// Qual considera ser a sua proficiência geral em português e em crioulo? emtermos de falar, ler, escrever… comparativamente, português e crioulo? qual é que eu domino melhor -português...? Cada uma dessas habilidades… falar, ler, escrever? mhm mhm -- não -- eu não sei se eu entendi -- portanto qual é que eu façocom mais facilidade? Sim. Sim. em crioulo talvez seja o falar -- porque para escrever eu tenho imensasdificuldades -- para já eu não tenho nenhum domínio do ALUPEC -- eu escrevoaquele crioulo inventando que a gente sempre escreveu - etimológico -- agora…eu não posso falar - de resto porque como eu nunca aprendi o ALUPEC - eununca aprendi a utilizar...nem sei ler// Costuma ler em crioulo? muito pouco -- porque tenho muita dificuldade -- depende do crioulo --mesmo … de qualquer modo - quando encontro um texto em crioulo eu tenho unssegundos em que não reconheço -- não reconheço o que está lá -- ou então euposso reconhecer e reconhecer mal como há tempos alguém me deu um texto - euli… uhm… uhm -- isso deve ser crioulo de São Nicolau -- não - este é crioulo deNassau - um sítio que não tinha nada a ver… lá para as Índias Ocidentais… ousei lá onde… que os portugueses tinham lá estado numa situação similar àquelaque tivemos em Cabo Verde -- então eles têm um crioulo - um crioulo igual aonosso - parecido - parecidíssimo -- até ao ponto de eu confundir com o crioulo deSão Nicolau// Certo. Portanto, para além de textos, o que é que lê em crioulo quando temoportunidade? eu leio em crioulo mais poesia do que prosa -- eu leio melhor a poesia emcrioulo -- talvez porque estou habituada a ouvir nas músicas - eu tenho maisfacilidade em ler poesias -- agora ler um romance em crioulo - nunca me atrevi --eu já tentei e nunca passei de duas três páginas// Qual...? eu fico tão cansada de descodificar que não apanho o sentido -- tenho quevoltar ao início do livro umas quantas vezes -- tenho muita dificuldade nesseponto --eu sei que é uma questão de hábito -mas eu tenho ainda dificuldade... E escrever, já tentou alguma vez escrever alguma coisa em crioulo? já -- já tentei… mas… é uma vergonha ter de dizer isto - mas francamenteeu acho que este aqui não é o momento de eu estar a camuflar nada… eu escrevi otexto em português primeiro - depois eu passei para crioulo -- eu… eu fuiapresentar um livro de histórias infantis - histórias de Ti Lobo e Xibinho - escritona versão da ilha do Fogo e também na versão de Santiago -- portanto o escritorfez dois livros paralelos - com essas histórias que… elas têm variantes de localpara local… então as histórias eram escritas em crioulo - ele chamou-me para euapresentar o livro - eu achei que era uma vergonha ir apresentar um livro escritoem crioulo para ir fazer uma apresentação em português -- então eu resolvi fazer aapresentação mesmo em crioulo - no meu crioulo de 1sanpadjudo - porque eu nãoconhecia nem dominava bem… conhecer - conhecia - mas dominar bem - a pontode ir falar para um público já não… nem o da ilha do Fogo nem o de Santiago --então falei no meu crioulo --escrevi o texto em crioulo// Teve alguma… Digamos, quais foram as principais dificuldades quesentiu? o que eu sinto - quando estou a escrever em crioulo - é que falta mesmouma norma -- há muita necessidade disto -- porque eu escrevo por exemplo Es2fla-m de uma forma e dez linhas abaixo se eu tenho que escrever outra vez - Esfla-m - de novo - portanto… pode sair-me de outra forma -- porque eu estou aguiar-me pelo som da palavra - mas se estiver a terminar em ‘m’ ou em ‘n’ o sompara a leitura é o mesmo -- então eu sinto realmente que há falta de normas -- issoé verdade -- isto não quer dizer que eu seja adepta do ALUPEC - porque há umaou outra coisinha que eu não -que eu não gosto// E em termos de domínio dos vários crioulos… portanto fala que crioulo? eu falo o crioulo de São Vicente porque foi lá que eu me criei desdepequenininha// E quando se dirige a pessoas de outras ilhas? não - eu tento falar o crioulo das outras ilhas -- porque eu nasci em SantoAntão - de qualquer maneira - na minha casa o meu pai era de Santo Antão -minha mãe de São Vicente -- eu estava muito habituada a lidar com gente deSanto Antão -- passava as férias em Santo Antão -- eu tento fazer isso - mas maisde brincadeira -ou para pôr a pessoa à vontade// Por exemplo, se se desloca a uma outra ilha, seja de sotavento seja debarlavento? não -- eu falo o meu crioulo -- o meu crioulo de São Vicente -- aqui emSantiago é que eu tenho tentado - tenho feito um esforço enorme para conseguirfalar o crioulo como se fala aqui -- para já eu acho lindíssimo o crioulo deSantiago -- acho muito bonito -- eu não tenho é conseguido atingir a perfomanceque eu gostaria -- mas vai me servindo para fazer as compras - para trocarimpressões com as pessoas --e consigo// Quando se desloca às outras ilhas e usa o seu crioulo, como é que é oentendimento? não acho que seja mais difícil que aquele que eu tenho para os entender... As pessoas compreendem-na? aham -- aham -- compreendem -- é certo que de vez em quando apareceuma coisinha que não sabem e que me perguntam -- assim como eu também emrelação a elas - também faço esses mesmos reparos -ou perguntas -- porque sãocoisas que não estão no ouvido - apenas por isso -- mas eu acho que não háproblemas de entendimento// Já… como é que se sente quando usa o português e o crioulo? Em termosde, sentir-se à vontade, intimidada… tem medo de errar também, quando fala, usao português? bom -- é certo que eu também tive uma longa carreira a falar português emocasiões formais - e de ser absolutamente normal eu falar português -- pelocontrário - era escandaloso se eu me expressasse em crioulo -- portanto ninguémestranhará que eu tenha ainda sequelas desse desse tempo -- mas não me não mesinto intimidada - porque se eu sou bilingue - é normal que eu tenha esse tipo deinterferência das duas línguas --é normal -- eu considero isto normal// Eu gostaria que pensasse em… nas pessoas… nas três pessoas com quemmais fala, fora do seu círculo familiar. ah bom! E e tentasse definir o perfil dessas pessoas em termos de idade, sexo,estrato social … (…) Fora do seu círculo familiar… as pessoas com quem mais interage… o que é que eu falo com elas? se eu falo crioulo - ou... Não. O perfil dessas pessoas. Portanto… as pessoas que no exercício dasua actividade como escritora, jornalista, dos contactos que faz, não é? para… noexercício dessas actividades. Certamente há pessoas com quem mais dialoga, comquem mais interage… o perfil dessas pessoas? e este perfil pretende... Em termos de idade, sexo, estrato social… mhm --bom// E também se fala português ou crioulo com elas. pois - eu pensava se era nesse campo da língua -- idade - mais ou menos daminha - da minha idade -- um pouco mais - um pouco menos -- sexo pode pôr umsexo masculino -e dois feminino --qual o outro item? Estrato social… nível social… estrato social… São pessoas de classe média, alta…? quer dizer… é que sabe… isso em Cabo Verde - aqui isso é tudo maldefinido -- por exemplo na ilha de São Vicente - a gente não consegue distinguir -- praticamente - não consegue -- leva-se muito tempo para se conseguir distinguirse é média alta - média baixa - não sei quantos… porque ali é tudo tão igual… aspessoas movimentam-se de um lugar para o outro - duma… dum espaço para ooutro com a maior facilidade -- mas talvez noutras ilhas - em algumas ilhas - sejamais fácil conseguir esta estratificação -- eu eu não tenho na minha cabeça nadaque se relacione com esta estratificação --então eu tenho dificuldade em… mas... São pessoas instruídas? instruídas são -- nesse aspecto são… talvez media alta - se quiser dar umaclassificação// E com essas pessoas, fala português ou crioulo? com uma delas - falo muito crioulo -- mas com as outras duas… com umadessas do sexo feminino - são duas que eu indiquei - falo bastante crioulo --talvezpelos laços de intimidade que temos -- mas com essa outra - já falo maisportuguês --e com esta do sexo masculino -falo português mesmo// De quê é que depende falar português ou crioulo? sabe -- às vezes depende daquilo que a pessoa também utiliza -- porexemplo - quando é um estranho - eu falo português - por exemplo - a pessoa meresponde em crioulo - tudo bem -- mas se é um amigo - eu já sei se ele preferefalar em crioulo - então eu normalmente falo crioulo -- se eu sei que ele preferefalar português -eu falo português// Depende do assunto, do sexo…? não -- depende da preferência da pessoa -- depende da preferência dapessoa --nestes casos concretos - de falarcom os amigos// Obrigada. Normalmente em que circunstâncias interage com estas pessoas,em que lugares, em que situações? normalmente - em situações públicas -- mas também um pouco privadas --também// Essas pessoas, com quem mais interage… em situações públicas? mais públicas do que... (?) situações de cultura - de encontros culturais ou de encontros deassociações… esse tipo de coisa// Certo. Voltando ao perfil das pessoas com quem normalmente fala crioulo,há bocado disse-me que é uma questão de maior proximidade, não é? Alargandoum pouco... para conseguir proximidade -às vezes// Ah! às vezes é para conseguir a proximidade -- por exemplo - quando eu sei queem certos ambientes se eu começar a falar português - a pessoa se retrai e eu jánão consigo comunicação com ela -então eu começo por falar crioulo// Que ambientes são esses? por exemplo - com um jornalista -- eu fazia muitos 3programas educativospara um ministério -- e em várias ocasiões eu tive que fazer isso - chegar a umlugar e e e não conseguir uma abordagem em português ou perceber que aabordagem em português não iria resultar -- então fazia uma abordagem emcrioulo -- até mesmo em salas de aulas - já fiz isso porque eu senti que o professornão dominava o português bem -- então - ele sentia-se acanhado em… em dar umerro ou coisa assim -- então eu falei com ele em crioulo -- depois a gente passou afalar em português --mas a princípio a gente começou a falar em crioulo// Normalmente que assuntos fala em crioulo e que assuntos fala emportuguês? Existe alguma distinção a fazer? bom -- como eu já tinha dito anteriormente - são sempre… é uma questãode formalismo ou não formalismo -- se há formalismo - normalmente eu faloportuguês -- mas já aconteceu um ou outro caso em que havendo formalismo - eufui obrigada a falar crioulo --exactamente nesse caso que eu disse há pouco// Fale um pouco dessas situações formais, digamos, em que escolhe falarportuguês, deum modo geral, desenhe-me um pouco essas... bom em princípio… por exemplo - vou apresentar um livro --instintivamente - eu vou apresentar um livro - eu produzo um texto em portuguêse apresento o livro em português -- mas já me aconteceu produzir um texto emcrioulo e apresentar em crioulo --mas é uma raridade --é muito raro// Mas por exemplo, no mercado, nas lojas, repartições…? ali… nessas situações informais… há duas espécies de… porque euconsidero o mercado uma situação informal// Certo. mas já repartição - considero uma situação formal -- eu parto do princípioque quem me vai atender tem de me atender - ENTENder em português -- emuitas vezes eu faço isso para não dar lugar a confusões sobre aquilo que eu estoua pedir porque as normas que estão nas paredes sobre o que a gente deve pedir -tudo é em português -- então se eu chego lá e começo a chamar as coisas nonome em crioulo - pode ser que a pessoa não entenda -- então eu falo portuguêsnas repartições// E o que é que costuma falar para exprimir os seus sentimentos, rezar ouorar, conforme… manter contacto com um desconhecido, por exemplo, na rua… oque é que usa o crioulo ou o português? quase sempre crioulo -- quando eu não sei o que vou encontrar -- bom -quando eu falo com entidades divinas - eu falo de uma forma ou de outra -conforme for - conforme me der naquele momento -- oh Deus kuidode na kelmenine pa kel kor ka panhá-l4 ou posso também falar - rezar em português --normalmente as minhas orações são informais porque não sou católica - não tenhoorações padronizadas -- portanto as minhas - as minhas conversas com Deus sãomuito minhas// E são… podem ser em crioulo...? podem ser em crioulo ou em português - conforme aquele momento que euestiver a viver// E esse momento tem (?) tensão, menos tensão, mais tensão…? não depende disso -- eu nunca me dei ao trabalho de pensar que pudessedepender de tensão ou de qualquer outra coisa --eu sei que às vezes eu me dirijo aDeus em português --mas na maior parte dos casos é em crioulo// Pense na última semana… todas as vezes que falou. Usou mais o criouloou o português? mhm --isso implica uma revisão semanal que eu não sei se dá para fazer… De um modo geral. olha -- há um pormenor que eu não disse ainda - e que talvez possa ajudar afixar o… eu falo muito com os meus netos -- muito -- até a minha filha - a mãedeles - costuma dizer que eu falo com eles como se eles fossem dois adultos -- eeles - sozinhos - sem ninguém lhes dar nenhuma indicação - têm a mania de falarportuguês -- falam muito português -- o F - o mais velhinho - já está na escola --portanto - a professora dele fala português e ele chega a casa e começa a falarportuguês -- e começa a dizer - há dias ele me disse ó vovó - sabes que eu achoque português é muito mais bonito do que o crioulo -- eu disse ah! tu achas? 2não - tem umas coisas bonitas que eu gosto de ouvir -- se tu achas - falaportuguês quando tu quiseres -- pronto -- vovó fica a falar português contigo -- tuqueres?  então a gente fala muito português -- tanto com ele - como com airmãzinha mais pequenina que ouvindo essas conversas do mais velho pegatambém e vai fazendo… e eles já falam -- e a minha netinha - que tem três anos emeio - claro que o português dela é muito mais esquisito do que o do irmãoporque… há dias - ela - no meio de um português todo bem dito - bemexpressado… eu até dizia para a F - para a mãe -- imagina - os meninos passamàs vezes quatro cinco anos na escola para conseguirem esses tempos verbais queesta menina está aqui a fazer com a maior naturalidade -- mas nessa mesma hora -uma amiga que estavalá perdeu a chave dela e disse -onde está a minha chave?e ela respondeu vamos 5djober -- para ver como é que é esta história doportuguês -- é tudo muito natural -- é conforme aparece -- se o menino temvontade de se expressar em português… já começou a ler os livrinhos de contos -- com sete anos - já começou a ler livrinhos de contos - já começou a pôr osolhos nas legendas dos filmes que passam na televisão e a tentar ver as palavras…ele… puxa mais para falar português -- e eu ajudo naturalmente porque eu sei queisso vai ser bom para ele// Claro. Entendo. Portanto, acaba por... acabo por falar mais português do que do que crioulo - porque falo maiscom eles do que com outras pessoas// E… gosta… se fosse possível, gostaria que me indicasse três contextos emque normalmente fala crioulo e em que normalmente fala português. (…) bom -- acho que isto já está tudo mais ou menos nas entrelinhas do queeu disse -- mas a Amália não tem obrigação de ir de ir peneirar entrelinhas -- bom--como eu disse... (?) só para especificar... como eu disse… há pouco comecei por dizer que quando eu faço aapresentação de um livro expresso normalmente em português -- em 91 % - emmais de 90% em português -- quando eu vou a uma repartição - eu também emprincípio falo português -- só se a pessoa tiver uma grande dificuldade em meentender é que eu começo a mudar de língua// E o crioulo? o crioulo - por exemplo -falo com as minhas empregadas em crioulo -- vouao mercado - falo em crioulo também -- ou na rua quando eu tenho de perguntaronde é que fica tal sítio - falo em crioulo daqui de Santiago porque eu sei que apessoa vai ter -vai ser muito mais receptiva// Já falamos sobre a escrita do crioulo. Só gostaria que me dissesse umacoisa, há alguma circunstância em que usa o crioulo, mas gostaria de usar oportuguês ou vice-versa usa português mas gostaria de usar o crioulo? bom -- eu já usei português em situações formais - em situações… já useicrioulo em situações formais que eu não gostei de ter usado -- eu preferia terusado o português -- mas - por exemplo - quando vem um jornalista fazer umaentrevista… Pode falar um pouco disso, dessas situações em que... quando vem um jornalista fazer uma entrevista e me diz que prefere crioulo- eu fico sempre com uma dúvida -- esse jornalista está a preferir crioulo porquê?aquele assunto é um assunto de cultura - não estou a ver que especificidade queela - que pode ter a língua crioula neste assunto -- pode ser dito em português ouem crioulo indiferentemente -- mas se o jornalista está a preferir crioulo é porqueele deve ter uma fragilidade no uso da ferramenta que é o português -- e quando éassim eu não gosto de de de contemporizar --porque eu acho que o jornalista deveestar preparado para falar a nossa língua oficial -- eu acho -- pronto - mas quandoeles pedem - eu faço isso -- e já fiz -- mas não me sinto tão bem -- de vez emquando meto lá uma colherada de português no meio… eu aviso também comantecedência -não é? prepare-se para as colheradas porque vou meter muitas// O que é que a faz mudar de crioulo para português ou de português paracrioulo? dentro do mesmo assunto? Dentro do mesmo assunto ou da mesma circunstância. olha -- isto eu acho que está dentro daquilo que eu avisei no início - daminha indisciplina -- sou uma bilingue indisciplinada -- porque eu gosto destasduas línguas da mesma forma// Mesmo com a chegada de alguma pessoa, com algum estatuto especial … às vezes… às vezes é o uso de uma palavra ou de um conceito que eu tenhodificuldade em exprimir em crioulo -- se eu for exprimir em crioulo - vai sair umcrioulo muito postiço que eu não gosto -- eu prefiro falar português do que falarcrioulo postiço -- que é o tal crioulo que a gente passou a falar da independênciapara cá -- que aquilo é tudo menos crioulo -- eu lembro-me que…a Amália deve-se lembrar desse tipo de linguagem que que as pessoas adoptaram a seguir àindependência que era fingindo que se fala crioulo - mas falando português -- e euacho que aquilo é é desonesto -- então eu prefiro falar português do que falar essecrioulo fingido que não é nada// Certo. O que é que acha do crioulo, o que é que pensa sobre o crioulo? o crioulo é… para mim - é um bem que a natureza me deu - como me deu acor da pele -a cor dos olhos -- tudo o que eu sou --para mim ele é um dos bens --e e como tal - eu não gostaria muito de interferir com a natureza -- eu preferia nãome… não interferir --eu preferia deixar o crioulo caminhar --eu - se alguma coisadependesse de mim - eu deixaria que tudo caminhasse - sem grandesinterferências -- porque às vezes a interferência do homem na natureza é boa -mas raramente -- quase sempre - como dizia o Rousseau - não se deve estragaraquilo que sai perfeito… o homem não deve estragar o que sai perfeito das mãosde Deus -- isso - o crioulo não saiu necessariamente das mãos de Deus - mas foium conjunto de circunstâncias que o produziu -- e que… foi aquilo - e não podiaser outra coisa -- era aquilo mesmo que aquelas circunstâncias tinham queproduzir-- nós devemos encarar isso com mais naturalidade -- nós encaramos issode uma perspectiva política que é um assunto que eu sinto que é capaz até deestragar a nossa comunhão - a nossa maneira de viver - a nossa maneira de - denos relacionarmos uns com os outros -- eu não sei - mas eu sinto que há qualquercoisa aí que possa ser mau// , L 391-95, 400-404 Interferências de que tipo? eu acho que quando há… quando qualquer medida é feita por decisãopolítica -- eu acho que isto pode interferir na nossa maneira de viver - na nossamaneira de nos darmos uns com os outros -- porque - por exemplo há dias houveuma passeata em Mindelo sobre… não me lembro se era sobre a televisão do Pulú- de repente - no meio da passeata eu vejo um um cartaz que diz - 6anos nu ka tita ben fala crioulo de badiu - nos nô ka ti ta bem falá crioulo de badiu - era umcartaz de crioulo de São Vicente -- eu comecei a ficar preocupada - porque eu…não tinha nada a ver - não tinha absolutamente nada a ver -- e mais - o câmaraman teve o cuidado de fazer um close desse cartaz -- o que eu achei pior ainda doque fazer o cartaz foi fazer o close -- quer dizer - isso começa a criar um clima -uma certa intolerância -- porque este bairrismo que nós estamos sempre a dizernos discursos que não há - que não há - há sim -- há e muito -- latente -- e umacoisa que pode ameaçar tornar-se violenta -- então eu tenho a impressão que asinterferências são neste domínio -- da nossa intolerância de uns para com osoutros -- porque as pessoas estão achando que a oficialização do crioulo implicaoptar pelo crioulo de uma das ilhas -- mas eu acho que não é nada disso -- eu achoque não é nada disso -- nem poderia ser -- porque isso não iria acontecer -- entãoera criar uma lei que ninguém iria respeitar à partida -- talvez haja coisas queprecisam ser mais bem explicadas -- porque as pessoas ainda não entenderam quea escrita é uma coisa - a língua é outra - a escrita é apenas uma ferramenta que nospermite expressar no papel -- mas eu vou expressar aquilo que eu quiser -ninguém me vai obrigar a expressar em nenhuma outra língua… mas… ainda istonão foi entendido// Portanto, se fosse a X a escolher, ou a optar, qual era a situação quepreferiria? não -- eu não vou… eu não vou fazer isso porque eu não tenho nemconhecimentos de linguística -- nem conhecimentos de nada em especial parafazer este tipo de palpite - para dar este tipo de palpite -- mas eu sinto - como umfeeling--não produto de nenhum estudo -nem de nada// É precisamente… é isso mesmo que eu quero conhecer. é como um feeling -- que era melhor deixar o que a natureza fez - deixar anatureza trabalhar// Isto significaria? isto significaria que o processo seria para mim… significaria o seguinte --que o processo seria mais longo -mas mais natural e mais seguro// Mas o processo para quê? o processo para o crioulo se afirmar - e ter - digamos - uma igualdade depatamar com o português// Sei. não sei -- acho que mais estudos também -- todo este caminhar lentosignifica também estudar a língua -- significa também produzir ferramentas --significa também preparar pessoas - por exemplo os professores -- como é que agente vai oficializar o crioulo se não temos uma classe docente preparada paraensinar isso? é também… há uma coisa que faz muita confusão na cabeça daspessoas -- porque a gente não está a ver em termos faseados como é que isso vaiprocessar --enfim ainda ninguém percebeu// Então para si como é que deveria ser esta questão de oficialização ou nãodo crioulo? eu acho que esta oficialização devia aparecer mais naturalmente -- depoisde a gente ter produzido toda essa... todas essas fases que eu estou aqui dizendo --fase da nossa preparação - da nossa… de produção das ferramentas por técnicospreparados para isso -- a fase de preparação de uma classe docente em condiçõesde do ensino/aprendizagem -- só depois é que isso devia acontecer porque já seriauma coisa natural -- natural -- ela… esta língua -- já tem as ferramentas -- já temum espaço --já tem quem a ensine --então agora é só oficializar -não é? não --agente vai começar do fim para o princípio -- é o que parece -- porque parecehaver uma certa pressa -- para quê esta pressa? eu não consigo entender -- depoisvêm-me dizer… para me convencer - os políticos me dizem que é uma questão deidentidade -- eu não consigo ver nenhuma brecha na minha identidade por causadisso// Vê alguma relação entre falar crioulo, usar crioulo eser cabo-verdiano? mas eu falo crioulo - eu uso crioulo o tempo todo -- nós todos neste paísfazemos isto -- até estrangeiros Deus do céu -- até os chineses estão todos aí afalar crioulo --quer dizer - eu acho que é uma língua forte -- é uma língua que temuma força natural sozinha -- e às vezes esses empurrões que se vai dando - atravésda política são meio -meio desastrados -- a gente às vezes ao empurrar -pode darum empurrão demais -- imagina eu empurrar demais uma pessoa - a ponto de elacair numa linha de comboio -- mais vale deixá-la estar no sítio onde ela estava -não é? é a sensibilidade que eu tenho-- não... Obrigada. Mas para clarificar um pouco, acha que português deveria ser aúnica língua oficial? não -- não -- eu não acho isso -- eu acho que o crioulo também deve seruma língua com estatuto igual -- mas para chegar lá - não é saltando barreiras --não é não é aos saltos de de canguru que a gente deve chegar lá --devemos chegarlá de uma forma natural - de uma forma que não belisque a unidade nacional --isso para mim… realmente… a nossa forma de conviver - tirando todos essesaspectos que nós sabemos que vieram de fora - desses assaltos e 7cassu body -não sei quê… nós temos uma forma de conviver que é rara no mundo -- entãoisso a gente não deve deixar que ela seja beliscada de forma alguma -- acho eu --no meu entender devíamos preservar isso mais do que tudo// Voltando à questão do crioulo, existe para si algum crioulo que seja overdadeirocrioulo? mhm --não// Como é que…? eu acho que todos são verdadeiros -- todas as nossas variedades dialectaispara mim são verdadeiras -- porque afinal de contas as variedades são mais depronúncia do que outra coisa -- do que escrita -- de maneira que… se pode vir aescrever -- eu acho que… são todos verdadeiros - porque cada um se formoudentro do seu contexto… daquela ilha// Certo. e então cada uma delas tem que ser respeitada da mesma forma -- essa é …há hoje em dia uma teoria que pretende… eu tenho ouvido muitas pessoas aquiem Santiago verbalizar que esta ilha é quase um continente - que esta ilha temmais de metade da população do arquipélago - creio que… a insinuar que ocrioulo desta ilha deveprevalecer --eu não concordo - porque se isso acontecer eutenho a certeza que vai haver uma pulverização de sentimentos e de atitudes quevai ser muito mau para o país -- isso sim vai beliscar a nossa identidade -- emuito// Voltando à questão de ser cabo-verdiano e usar português ou crioulo,admite que um cabo-verdiano possa não gostar do crioulo? Possa usarexclusivamente o português, em alguma circunstância? Gostaria que me falasse… depende Amália -- depende das vivências que este cabo-verdiano tenha tido-- porque nós - quando dizemos o cabo-verdiano - a gente esquece que ele é umser multifacetado - com vivências pulverizadas por este mundo fora -- que nóstemos tantos cabo-verdianos que só falam inglês - tantos cabo-verdianos que sófalam francês -- ou que só falam sei lá o quê… espanhol - porque viveram -nasceram e viveram noutras terras e não puderam ter essa convivência familiar --que tem dado a vários cabo-verdianos oportunidade de de ter uma ligação de raizcom a sua a sua própria sua própria pátria que é Cabo Verde -- mas - na verdadeacho possível sim// Mas admite que algum cabo-verdiano possa não gostar do crioulo? eu acho possível -- por exemplo - eu sei de cabo-verdianos que têm umorgulho muito grande numa origemeuropeia lá longe -- europeia - quando eu digoeuropeia - não quero dizer propriamente da Europa - quero dizer branco - umaorigem de branco -- há cabo-verdianos que têm muito orgulho nisso e que então -por isso - nunca falam crioulo -- porque eu sou descendente de não sei quantos…nós temos de tudo neste país -não é? Mas, o que é que acha disso? bom -- eu acho piada -- eu acho piada porque para ouvir… falar uma línguapor causa de um antepassado que viveu há trezentos - quatrocentos anos… quechegou de uma terra qualquer há trezentos ou quatrocentos anos - francamenteacho que é um bocado de frescura - não é? eu - sinceramente - não vejo… nãoconsidero que este seja motivo -- mas eu sei de gente que tem esse tipo deatitude// Diga-me uma coisa, nós, em Cabo Verde, usamos o crioulo e o português.O que é que acha desta situação…? é a situação que nós temos… Desta possibilidade que nós temos, o que é que acha dela? eu costumo… eu dizia sempre aos meus alunos… nós somos mais ricos doque aqueles que falam só uma língua -- quanto mais línguas nós falarmos - maisricos nós somos -- era essa sempre a atitude que eu mostrava aos meus alunos --que por… falar as duas línguas - não devia nunca ser considerada uma dificuldade- nem um problema -- não -- não -- isto é um privilégio -- nós temos queconsiderar isto como um privilégio -- porque se a gente considerar isto como umadificuldade - então nós vamos viver em dificuldade sempre -- porque nós vamosser sempre bilingues --acho eu// Quando diz que nós vamos ser sempre bilingues, significa o quê, emtermos da previsão da situação...? nós vamos ter sempre essas duas línguas -- eu acho que sim - que vamos tersempre essas duas línguas -- porque eu acho que o português é uma língua quenos liga ao mundo - que nos liga ao conhecimento - que nos liga a muitas outrascoisas que o crioulo não poderá fazer -- o crioulo é é um contexto regional --quando digo regional - estou incluindo a diáspora evidentemente -- porque elestambém são cabo-verdianos que por contingência da vida estão fora// Acha que o crioulo deveria ser usado em função… seria mais adequadopara certas funções e o português para outras? olhe -- eu não gosto muito deste tipo de divisão -- não gosto -- porqueimediatamente estabelece uma hierarquia -- e as pessoas começam a secundarizaruma e a dar prioridade a uma primeira --eu não acho que isso... Como é que vê o uso dessas duas línguas em Cabo Verde, em função doquê? eu não sei… mas que tal deixarem as pessoas usarem aquilo que tiveremvontade? eu - estes cabrestos - estas amarras - me incomodam -- eu não gostodelas// Acha que alguma delas deveria ser usada só para ler, só para escrever eoutra para falar ou algo assim? não -- não -- não acho -- não concordo com este tipo de divisão -- o que euacho é que as pessoas todas devem ter oportunidades de formação - de educação -de contacto e de acesso a tudo - para poderem escolher livremente -- nestemomento falar português - naquele noutro momento falar crioulo - ou escrever --ou qualquer outra forma de expressão// Isto significaria aprender a ler e a escrever o crioulo nas escolas? sim -- também -- porque não? eu admito isso naturalmente - como umprocesso natural -- que é uma coisa que a gente já devia ter passado de blá blá bláe começar já a fazer alguma coisa concreta -- mas para isso há todo aqueletrabalho preparatório de que eu falei há pouco… daquelas fases - de fabricar essasferramentas - fabricar tudo o que a gente vai precisar manejar para pôr isto emcampo// Qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura deCabo Verde? naturalmente será o crioulo --sem dúvida// Mesmo na literatura, a escrita, a culta…? é porque a nossa literatura… não sei… a Amália é especialista - sabe dissomais do que eu -- a nossa literatura é muito mestiça - muito crioulizada - cabo-verdianizada - deixa-me dizer - porque hoje em dia parece que esta palavra -crioulo - já está a ficar com um sentido meio pejorativo -- porque o crioulo (?)por aí neste mundo -- nós somos cabo-verdianos - diz o Luís Romano8 -- somoscabo-verdianos -- não somos crioulos -- porque crioulos são os das Antilhas - sãoos daqui - são os de acolá -- e nós não somos daquelas terras - então nós somoscabo-verdianos --e parece que dentro desta linha… Estou a pensar nas composições… do batuque, do funaná … exacto -- claro -- já entendi -- é que nós temos… eu acho que todas associedades… todas as sociedades acabam por produzir uma cultura erudita e umacultura popular -- nós temos tudo isso também -- as várias nuances que vão de umaté outro -- e então eu acho que… para mim - cada criador de cultura vaiescolhendo a sua ferramenta que quer utilizar -- eu acho melhor… eu preferia teresta liberdade… e que ninguém me viesse dizer não - não -- desculpa lá -- masagora tu estás a fazer uma peça de teatro - por favor escreve em tal língua -- agora-estás a fazer um conto - faz favor … agora estás a fazer um batuque… não -- não-- eu não quero este direccionismo -- eu não gosto disso -- em nenhuma área daminha vida - eu gosto de ver este tipo de direccionismo -- mas sei lá … eu nãodecido nada --estou a falar só do meu feeling -como cidadã// Falámos do ensino do crioulo nas escolas. E na alfabetização de adultos,vê, considera viável o uso do crioulo na alfabetização de adultos? eu acho que sim -- tanto na alfabetização de adultos como de crianças ocrioulo pode ter uma grande utilidade -- pode ter uma grande utilidade -- porque édaí… vai partir do que a pessoa conhece para aquilo que ela não conhece -- oudaquilo que ele conhece melhor para aquilo que conhece menos -- e eu acho queisso qualquer…as mínimas regras de pedagogia mandam fazer isto - não é? partirdo conhecido para o desconhecido// Falou-me há bocado de… de… muito rapidamente, da maneira como oscabo-verdianos falam o português. Eu gostaria que aprofundássemos um poucoesta questão … que retomássemos… da maneira como falam -ou dos momentos em que falam? Não. Não. Do modo como os cabo-verdianos falam o português. Falou-me,por exemplo, em correcções, em … ahn -- isso eu estava a falar da minha opção - das escolhas que eu faço - devez em quando -- porque eu penso… quando faço as opções é que eu estouavaliando a situação do meu interlocutor// Agora estou a falar… de um modo geral, como é que acha que os cabo-verdianos falam o português? mal -- em princípio falamos mal o português -- falamos mal - se a gente forcomparar com o modelo padrão// Que é? queé o português português// Europeu? europeu claro -- mas tirando isso - é normal -- eu costumo dizer - eu nãotenho nada que falar como o Alexandre Herculano -- quando oiço alguém dizeruma coisa que está errada ou cometer um erro … nós temos uns erros de simpatiaem português … como o uso dos pronomes e o uso do conjuntivo -- são coisas emque nós temos muita dificuldade… eu costumo dizer… mas também nós nãosomos obrigados a falar como o Alexandre Herculano --porque é que a gente temde falar como o Alexandre Herculano? claro também eu posso dizer… nóspodemos falar como o José Lopes - falar como outros cabo-verdianos do passadoque falaram muito bem esta língua -- eu acho que dá trabalho Amália -- eu achoque dá trabalho dominar esta ferramenta que é a língua portuguesa -- éuma línguaque não é fácil - dá trabalho e implica muita leitura - implica muito estudo -- aspessoas não estão para isso -- não estão para isso - e então fazem formaçõesuniversitárias e muitas vezes não conseguem expressar-se em português correcto -- eu acho isso mau - porque se fosse inglês ou francês - eu também estavaachando mau -- Santo Deus - a pessoa estudar uma data de anos - e fazer… terdiplomas universitários com altas classificações e não poder dizer aquilo que quernaquela língua… eu acho mau// Portanto, se eu percebo bem, acha que os cabo-verdianos deviam procurarfalar como… pois -- como - não -- procurar falar o português correcto - não é comoninguém -é o português correcto// E esse português correcto, seria o quê? é o português correcto - não é Amália? é o português que não tem - que nãotem problemas com os conjuntivos - que não tem problema com o pronome lhe -que não tem problemas com o pronome reflexo// Digamos, com as regras do português europeu? leitura - leitura -- eu acho que português é um só -- é uma língua -- e é umsó -- nós podemos é usar palavras - construções talvez - expressões diferentes - deacordo com a nossa realidade - como no Brasil se usa e não sei quantos… sei queno Brasil - eles lá têm o português do Brasil que eles utilizam e que estáoficialmente decidido que é a língua padrão para eles -mas... Admite esta possibilidade...? mas nós não temos (?) nós podemos ter uma língua padrão nosso -- umportuguês padrão nosso -- nós podemos// Acha…? podemos sim -- admito -- se o Brasil tem - porque nós não podemostambém? Angola também tem um português bastante diferente donosso…diferente do de Portugal e diferente do do Brasil -- mais próximo do doBrasil que qualquer dos outros// Certo. portanto tudo isto é possível// Admite esta…? admito -- até porque na nossa literatura nós vemos qual é o português quenós escrevemos na nossa literatura -- o nosso português é um português mestiço -lindo por acaso --eu não tenciono abrir mão dele// Para terminar, eu deixo-a à vontade para fazer algum comentário sobre asquestões anteriores que eu lhe coloquei, ou mesmo se tem pensado em algumaquestão que eu possa não ter aflorado, mas que gostasse de tocar, pronto. Esteja àvontade. (?) pensar assim de repente… Se tiver, também… realmente os comentários que eu ia fazer parece-me que eu já toquei neles -- que era esta parte de deixar a língua sozinha -- deixá-la -- deixá-la sem muitanorma -sem muito decreto lei --normas -sim senhor -tem que ter porque língua -para ela avançar - ela tem de ir procurando as normas lá na sua própria maneiracomo vai avançando no terreno -- ela sozinha vai avançando -- a língua tem umadinâmica - uma dinâmica que vai aparecendo no decorrer da nossa vida - nodecorrer da evolução do nosso país -- em tudo isso a gente vai vendo a dinâmicaque a língua está está a passar -- eu preferia que tudo isso fosse deixado umpouco mais à vontade -- não é largado no mundo sem mais nem menos - não -- ostécnicos - os especialistas continuam a trabalhar -- eu até há tempos ouvi umacoisa que achei interessante que é começar pelas universidades -- eu acho óptimoesta - esta abordagem começar pelos técnicos - por aqueles que percebem delinguística - que sabem o que é que vão fazer -- sem pensar na política - sempensar nos votos - sem pensar nessas coisas -- isso é que eu gostaria que fossefeito -- uma coisa mais natural - mais de acordo com com o caminho normal quequalquer língua segue -- eu acho que qualquer língua - todas as línguas jápassaram por isso -- eu lembro-me de ler - ter estudado na História - quando numdado momento - não sei que rei foi aquele que decretou que a partir dali não seusava mais Latim - mas usava-se português - em Portugal -- e aquele portuguêsera um português esquisitíssimo - que nós ainda hoje quando pegamos - achamospiada por várias razões - inclusive pelas palavras parecidas com as nossas que agente encontra lá// Certo. mas eu acho que todas as línguas passam por este aspecto da formalização -quase obrigada - quase determinada por alguém -- enfim é uma fase que eu nãoacho tão interessante - que eu não acho tão agradável mas que parece inevitável --e parece que nós também vamos ter de passar por isso// Mas diga-me só uma coisinha… acha que esta questão linguística está a serpolitizada, ou não? eu acho difícil os políticos não politizarem as coisas -- acho muito difícil -que dizer - não é humano -- aliás - é humano ele politizar -- o político quando estáa fazer qualquer coisa - pensa em várias vertentes -- não está a pensar só no bempúblico -- nós todos sabemos disso --pensa no bem próprio também - ou da classe- digamos -- e:: acho que isso poderá ter - se for o caso… não vou confirmar -porque não tenho meios para fazer este tipo de afirmação -- se for o caso - eu achoque isto poderá ter interferências na nossa maneira de convivermos uns com osoutros --e isso eu jamais perdoaria ninguém// X, muito obrigada, mais uma vez, por ter acedido a esta conversa que foitão interessante.1Sanpadjudo é a designação em crioulo, do natural das ilhas de barlavento.3Omitida designação do ministério4Tradução para português: Ó Deus, cuide desse menino para que ele não seja atropelado por aquele carro!Da LCVdjobe, procurar em LP.variante de Santiago e a segunda na de barlavento.7Crioulização de “cash or body”, expressão utilizada, ao que se diz, por cabo-verdianos retornados dosEUAquando assaltam pessoas e estendida ao acto.8Escritor e ensaísta cabo-verdiano" -INF6.wav,"Senhor X, muito obrigada por ter acedido a este meu convite paraparticiparmos nesta conversa. Eu gostaria, em primeiro lugar, de saber se antes deentrar para a escola, já tinha aprendido o crioulo ou o português? não -- o crioulo era o que falávamos em casa - e que ainda hoje todo omundo fala -- por conseguinte - a língua portuguesa nós só aprendíamos na escola--a partir do momento em que entrávamos para a instrução primária// Mas já ouvia o português? sim -claro// Podia falar um pouco disso? Como é que ouvia, de onde e com quefrequência? porque como sabe - muito embora o cabo-verdiano se expresse - de ummodo geral - em crioulo - nós aprendemos a falar primeiro a língua portuguesa -que é aquela aquela aprendizagem musical -com os nossos pais// A língua portuguesa? sim -- com os nossos pais… os nossos pais sabiam falar português// Os seus pais falavam português consigo em casa? sim-falavam// E falavacom eles em português? falava português e crioulo --as duas coisas - conforme a maré -não é? E na comunicação social…Digamos então que aprendeu o crioulo e oportuguês ao mesmo tempo, em casa com... não -- não -- porque inicialmente - como todo o mundo aliás - nós falamosportuguês - crioulo -- depois é que o português aparece naturalmente -- viemospara a escola e toda a escola era processada em português// Mas já tinha contacto com o português antes de ir para a escola, em casa.Tinha percebido que falava com os seus pais... nem por isso -- nós aprendíamos a falar português verdadeiramente com osprofessores -- eu tinha um professor que era português - chamado ArcádioHenrique Fernandes --e:: os outros eram também portugueses// Neste momento, em casa e com os seus amigos o que é que usanormalmente? eu - por exemplo - falo ora crioulo ora - português -- depende do meuinterlocutor -- se é uma pessoa que se exprime em crioulo - eu falo com ela emcrioulo --se fala português - respondo em português// Mas normalmente, em casa,com os seus familiares...? em casa -com os familiares -falo crioulo// Normalmente? falo crioulo sim// E com os amigos? com os amigos depende -- depende do assunto -- e:: mas quando é umassunto muito sério a gente fala em português// É isso que eu estou a querer saber… quando é um assunto muito sério// Podia falar um pouco disso, digamos as suas (?), com quem e como é queescolhe? eu tenho um amigo - por exemplo que me diz -- eu - quando vou aointerior - da ilha - se quero ser bem atendido - só falo o português -- e de facto éuma coisa que dá resultado --eu já reparei nisso// Como assim? Fale-me um pouco disso… eu…sempre… a minha primeira abordagem é geralmente em português// Quando se dirige a alguém? sim -- é sempre em português -- vendo a pessoa como é - como não é - eassim posso continuar a falar português - ou falar crioulo -- quer dizer - eu não…eu não… eu não tenho o mínimo propósito de falar a língua portuguesa ou alíngua crioula -- não -- tudo depende das circunstâncias -- tudo depende dosinterlocutores// Queria que me falasse um pouco dessas circunstâncias e dessesinterlocutores de que depende falar uma ou outra. não -- mas - como eu digo -- a abordagem que eu faço é para um ou outroassunto -- eu posso falar em crioulo - para mim é indiferente falar o crioulo ou emportuguês -- mas como eu disse - geralmente a abordagem é feita em português --eu é que faço isso -- até porque - eu agora se falo muitas vezes a línguaportuguesa é porque eu estive 16 anos em Moçambique - onde tinha necessidademesmo de me servir da língua portuguesa -- sim - porque aí não se fala crioulo --e a língua nativa é TANTA que o indivíduo não… às tantas tem mesmo que falaro português// Certo. Como é que considera ser a sua proficiência, o seu domínio docrioulo e do português? Estou a pensar em falar, ler, escrever. bom -- eu para me expressar em crioulo ou em português não penso -- euconsidero-me uma pessoa bilingue - em qualquer circunstância -- tudodependendo - como disse - da pessoa com quem eu vou falar -- não penso paradizer -- às vezes nem sinto se estou a falar -- é um acto reflexo - se quiser -- nemsinto se estou a falar o português ou o crioulo -- sai -- se me vier perguntar - emque termos é que se dirigiu ao fulano de tal?  - não sei -- ou em crioulo ou emportuguês// Eler e escrever em crioulo? não --não escrevo// Nada? Nunca tentou escrever em crioulo? não --não escrevo//E ler em crioulo, já leu alguma coisa?comecei a ler -mas nunca terminei um livro// Que dificuldades é que teve? O que é que fez …? eu tinha de soletrar primeiro -- eu tinha de soletrar para depois ouvir o somdo que eu disse e depois compreender -- dava muita canseira -- lembro-me dum -do primeiro livro em crioulo que eu TENTEI ler -- não passei da segunda página -- o livro chamava-se Lzimparin1 - não consegui - pus de parte -- vários outroslivros - nunca consegui ler em crioulo -- NUNCA -- e muitas pessoas tambémexperimentam a mesma dificuldade -- sobretudo agora… agora tornou-se maisdifícil porque criaram um alfabeto… o::: OALUPEC. o tal ALUPEC -- sim -- com umas transcrições fonéticas esquisitas - emque tentam fugir da origem das palavras… Não… pode...esteja à vontade para falar sobre isso. não -- não -- eu não sei… eu parece-me que eu nunca escreverei emcrioulo// Mas porquê? escrever agora em crioulo é como se eu fosse agora aprender o russo -- écomparável -- bom -- é certo que escreveria em crioulo com mais facilidade doque russo -- mas - com a idade que eu tenho - digamos assim - não penso escreversenão na língua portuguesa// Certo. Fala… fala crioulo de que ilha? daqui da Praia --de Santiago// E quando se desloca às outras ilhas? continuo a falar crioulo ou português// Qual é o resultado…? Crioulo ou português. sim - crioulo ou português -- crioulo ou português -- tudo dependendo dapessoa// E quando fala em crioulo, como é que as pessoas das outras ilhas reagem?Têm dificuldade em compreender? Não têm? Como é que... ((risos)) eu vou lhe contar uma história interessante porque eu tomei partenuma grande polémica sobre a língua crioula -- muitas pessoas me apoiaram -- eum dia estando em São Vicente a tratar dos dentes com o doutor F1... Não. Acho que ele não é Z (apelido referido pelo informante. Não melembro. Mas sei. Conheço a pessoa… doutor F1 -- de São Vicente -- ele seguia de perto a polémica que o jornalreproduzia regularmente e disse-me assim: olhe - sabe ó X quem é que esteveaqui noutro dia - sentado onde você está?  eu disse -- não não -- F22 -- elevinha de Santo Antão e disse-me que uma senhora pediu-lhe uma audiência -- simsenhor -- a senhora começou...a senhora era de Santo Antão -- começou a falar nocrioulo de Santo Antão -- ele disse… disse o F2 para o médico -- eu não percebinada e tive de me socorrer do:: F33-- do::F3 -- ele acrescentou -- isso só paradizer que eu lhe dou todo o meu apoio nessa polémica que eu tenho seguido pelosjornais -- porque - de facto - não é fácil pôr… criar um crioulo padrão -- eu tenhopara mim que que é muito difícil estabelecer um crioulo padrão -- até porque se osfalares divergem de ilha para ilha …e se eu puser um indivíduo - suponhamos doEngenho - de Santa Catarina - a falar com uma pessoa de Garça - de Santo Antão- o entendimento seria difícil - ahn? -- seria difícil -- e nem sei mesmo se seentendiam// Pessoalmente já passou por alguma experiência difícil… de não sercompreendido… ao usar o crioulo de Santiago? não --não passei até porque... eu já ouvi pessoas da… do Engenho a falar --aquele crioulo fu::ndo que um indivíduo acaba por perceber só por causa comodirei - dos substantivos -- mas aquelas… as flexões verbais é que dão cabo detudo// Diga-me uma coisa, de um modo geral, acha que exprime melhor as suasideias em português ou em crioulo? é indiferente -- é indiferente -- eu não tenho dificuldade em me expressarem português ou em crioulo// Há bocado disse-me que isto não depende… Há bocado disse-me queescolhia falar em português ou em crioulo dependendo das pessoas, do assunto,dependendo das circunstâncias. sim --depende das pessoas e circunstâncias// Portanto, isto não se realiza relativamente à sua possibilidade de exprimirmelhor as suas ideias? Portanto, exprimir melhor as suas ideias não depende daspessoas, dos assuntos e das circunstâncias? não -- não -- eu - olhe - depois de muitos anos em Moçambique… eucheguei aqui e só falava português -- cheguei aqui com aquela embalagem deMoçambique -- mas decorrido tanto tempo sobre a minha chegada - falo - emregra -o crioulo --falo - em regra // E como é que se sente quando fala o crioulo? não --não sinto nada --estou à vontade // Igualmente para o português? sim --sim // Senhor X-eu gostaria que pensasse nas três pessoas... uhn? nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar… sepuder... se eu posso indicar? Pense. Pense nessas pessoas. E fale do seu perfil: idade, sexo, actividade,grupo social… olhe -- para já uma pessoa com quem estou falando ultimamente é o senhorF44// Normalmente...pessoas com quem mais interage normalmente… sim --o nome mesmo? Não. Não. O perfil. O perfil. Sexo, idade, grupo social. E se fala com essaspessoas, em português ou em crioulo? Fora do seu círculo familiar. aí que está -- eu não me lembro -- não me lembro porque tanto posso falarcrioulo como português -- eu estou por exemplo todos os dias no sítio onde meencontrou antes - naquela esplanada -- tem o F55- com quem trocamosimpressões… Em português ou em crioulo? muitas vezes… não -- quando tratamos de assuntos linguísticos nós sófalamos em português// Também é músico. Se calhar fala de música… sim -- eu tenho também... eu falo muito sobre música -- falo muito sobremúsica -- mas sinceramente - já não… não sei se falo em crioulo… quando falode aspectos linguísticos - por exemplo - construções de frases - obviamente nãovou falar em crioulo -- mas é muito difícil vir dizer agora quando é que eu falo emportuguês -quando é que eu falo em crioulo// Ainda pensando um poucos nessas pessoas, nas pessoas com quem maisfala -- já me disse que com o F46 fala de assuntos linguísticos e em português --pense nos assuntos de que fala com as pessoas... por exemplo - falo com o F6 de todos os assuntos -- ele é das pessoas comquem me privo diariamente -- falamos ora em crioulo ora em português -- comodigo -depende... depende … E, essa pessoa é cabo-verdiana? sim cabo-verdiana --sim --é primo do X// ((Informante 8)) Retomando a questão de falar crioulo ou português e pensando nas pessoas.Falar crioulo ou português com as pessoas depende do seu grau de familiaridade,da proximidade afectiva, do estatuto social dessas pessoas, ou não? sim -- porque - conforme disse - em regra falo crioulo -- falo em crioulo --só falo em português em casos transcendentes e que... por exemplo - com aempregada doméstica não vou falar português porque seria dificuldade para ela - eeu tenho de falar em crioulo -- com a minha irmã falo crioulo -- com todos só falogeralmente o crioulo// Então fale-me só um pouco dessas circunstâncias em que fala português? não -- eu - eu falo - eu falo português quando - por exemplo - há umaterceira pessoa que chega a casa - chega à minha casa e que - de qualquer maneira- a gente mal conheça e que… se exprime em português -- e aí pronto -estabelece-se a corrente e vamos falando // Certo. E existe um fim especial para o qual usa o português ou o crioulo?Estou a pensar em coisas como exprimir os sentimentos rezar ou orar, conforme asua... por exemplo quando discute alguma questão… bem - como sabe as orações são todas em português -- as orações são emportuguês -- aquelas orações que se ouve - que se aprende - são todas elas emportuguês// Num dia… pense na última semana. Falou mais português ou crioulo? mhm --mhm -- é muito difícil de avaliar// Igualmente? é muito difícilde avaliar// Num dia… normalmente… eu digo-lhe... se me perguntar se hoje falei português com alguém - eutenho que pensar muito --sim --pensar muito// Ok. Gostaria que me referisse três circunstâncias ou alguma circunstânciaem que habitualmente fala crioulo, mas gostaria de falar português, ou vice-versa.Acontecem situações dessas? não --não// Não? eu só lhe digo - quando eu estou falando de assuntos linguísticos eu nuncautilizo o crioulo // E assunto musicais? Quando discute questões musicais. Sei que é que émúsico. depende -- depende porque há músicos que são pessoas com poucainstrução - de forma que… eu - por exemplo - desloco-me a São Domingos - ondehá um grupo de rapazes que gostam de música e aí não falo o português -- só faloo crioulo com eles -- ontem - por exemplo - apareceram em minha casa duaspessoas que me pediram uma colaboração porque vão editar um livro sobre o Ano7Nobu - e falámos só em crioulo -- e nem fazia sentido que eu falasse com ele…com eles português// Quando discute com pessoas… é uma pessoa de intervenção, tem artigosnos jornais sobre questões sociais… quando discute questões sociais, ou dapolítica diária, digamos assim… quando discute, isso é em crioulo ou português? repare -- assuntos sérios geralmente é em português -- assuntos muitosérios// Certo. Voltando à questão de… se está a falar com alguém, em crioulo ouem português, diz que a chegada de uma outra pessoa o pode fazer mudar…depende… sim -- naturalmente -- naturalmente -- naturalmente porque - como eu disse- eu sou um indivíduo que fala indiferentemente o crioulo ou o português -- demaneira que tudo depende da ocasião -do assunto e da pessoa com quem falo// Eu só estou a querer que me detalhasse um pouco mais… como diz quedepende da pessoa, depende do assunto, se pudesse especificar um pouco paraclarificar… depende de que pessoa para que pessoa, depende de que de assuntopara que assunto… para eu entender melhor, agradecia… porque eu tenho uma coisa -- eu deixo a iniciativa da língua ao meuinterlocutor -- deixo a iniciativa -- se me falam em crioulo - falo em crioulo -- seme falam em português - falo em português// Senhor X muito obrigada. Eu vou lhe perguntar agora -o que é que acha docrioulo? o que eu acho do crioulo? Há muitas pessoas que fazem várias afirmações sobre o crioulo. eu adoptei uma posição crítica em relação ao crioulo porque até foi objectode comunicações// Fale-me disso. porque - por exemplo - dizem que actualmente na universidade de Aveirohá aulas de crioulo -- eu pergunto a mim mesmo qual é o critério dessas aulas emcrioulo --se a língua padrão não está ainda (?) -- não está estabelecido// Certo. em certas comunidades também o crioulo é falado -- nos Estados Unidos daAmérica// Ensinado, quer dizer? sim -- ensina-se -- ensina-se o crioulo -- estou-me a lembrar por exemploda F88… mhm. Conheço. também foi minha colega no [  ] - mas eu sei… eu gostaria de assistiruma aula para saber em que crioulo é que falam -- porque se é certo que o Dr.Baltasar disse uma vez que a língua que considera… considera mais rica nonosso mundo crioulo - é o crioulo de Santiago… mas… daí até dizer-se que se vaiimpor uma escrita do crioulo - crioulo de Santiago - uhn… não vejo como é queas pessoas de Barlavento encarariam esta situação... já uma vez falando com F99 apropósito desta minha posição - escrita - ele disse-me -- estive a ler aquele teuartigo e de facto - de facto isso de se falar - de obrigar um aluno numa escola aaprender o crioulo… um aluno em São Vicente a aprender o crioulo da Praia... X -tu tocaste aqui numa ferida que eu não sei// Certo. porque o F1010 é o é o grande e quiçá o único impulsionador da línguacrioula -- e é graças a ele que o crioulo tem conquistado alguns espaços -- mas vailevar muito tempo para a sua verdadeira progressão -- até porque… não havendoum crioulo padrão -não estando estabelecido - é difícil… Então acha que se deveria estabelecer um crioulo padrão? ah -- isso só os estudiosos na matéria é que poderiam dizer -- eu –sinceramente -não sei// Ainda sobre esta questão… tenho ouvido assim algumas afirmações… hápessoas que acham que o crioulo não tem gramática, não tem regras. Há outrosque, pelo contrário, acham que sim, que é uma língua. O que é que pensa disto?(…) eu vou lhe dizer isso e tenho dito isso… e tenho dito nas minhas tertúlias -aí pelos cafés -- eu digo -- olha - a gente ouve tantos erros ditos em português -que a melhor solução é de facto falar crioulo em que não há REGRAS e a gentefala como quer e ninguém vai dizer: eh - não se diz assim!  -- e como o cabo-verdiano gosta de facilidades -o crioulo está mesmo a calhar// Então para si o crioulo não tem regras? ainda não -- pelo menos não conheço -- não -- ainda não conheço -- para já- o F8 [  ] - ele está no seu direito -- ele desde que chegou a Cabo Verde temestado a trabalhar precisamente neste aspecto// Está a referir-se a[ ]? [  ] -- sim -- mas ele - quando publicou aquela gramática - ALUPEC -terá dito que em Cabo Verde só existe um crioulo// O que é que acha disso? o que é que eu acho? eu acho que é uma barbaridade dizer-se isso -- sóexiste um crioulo -- eu pergunto -- mas afinal o que é o crioulo? isso faz-melembrar a história daquela mãe que foi assistir a uma parada militar e reparou quesó o filho dela é que não tinha o passo trocado// Porque é que acha que não existe um só crioulo? não --sabemos --todo o mundo sabe que não existe um só crioulo// Fale disso, por favor… Qual é a sua opinião? não -- então -- em São Vicente fala-se de uma maneira - em Santiago fala-se doutra - no Fogo fala-se de outra maneira - na ilha Brava também fala-se -- eassim sucessivamente// Para si, algum desses crioulos será o verdadeiro crioulo? Batasar Lopes da Silva disse que o crioulo de Santiago é o mais rico -- epara qualquer estudo o crioulo de Santiago é que era o ideal// e o português? uhm? E o português? O que é que acha do português? olhe - a língua portuguesa para mim está em crise em Cabo Verde -- veja aquantidade de licenciados que regressam ao país -- ora - se muitos deles vãocursar - num país lusófono - está muito certo -- mas aqueles que vão estudarnoutros países - regressam com os conhecimentos da língua portuguesa quetinham quando daqui partiram -- e como fica mal um licenciado dar erros em…falando -- a melhor solução é falar crioulo -- é um escape -- é só ouvir umaentidade -estou a dizer entidade para não perceber qual é o sexo// Certo. eu já ouvi uma entidade que começa uma intervenção desta maneira -- ahonra que me cabeu… e essa entidade estava ligada aos serviços de educação --porque o… a língua portuguesa tem que ser estudada -- e hoje em dia - qual é oaluno que vai se debruçar sobre a língua portuguesa - para estudar o caso dasregências -o caso… mesmo das simples flexões verbais? não// Eu não percebi bem uma questão. Acha que as pessoas, então, estão apreferir falar o crioulo por não saberem o português, é isso? sim -- sim -- porque o português é difícil -- e com mais facilidadeexpressam-se em crioulo e pronto// Acha que o crioulo é mais fácil do que o português? sim// Voltando a esta questão de… da maneira como os cabo-verdianos falam oportuguês. Então, o que é que acha desta maneira como os cabo-verdianos falam oportuguês actualmente? não - mas (...) os cabo-verdianos não… não estudam - como disse há pouco- a língua portuguesa -- não estudam -- e de resto pode ver que as notas tambémsão fracas nos liceus -- eu vejo nos meus filhos -- porque muitas vezes o simplesfacto de se falar português já facilita muito -- hoje em dia… eu lembro… porexemplo - o meu filho… eu disse -- olha lá - hoje fui ao cinema -- analisasintacticamente esta expressão – começou -- hoje - não -- eu vou ao cinema --Sujeito - eu -- predicado - vou -- ao cinema - complemento directo -- eu disse –o quê?! complemento directo?! tu sabes o que é complemento directo? ele nãosabia// Para si… mas olhe - também não admira -- não admira porque há tempos eu fui re-writer de um jornal aqui - e eu perguntei a um jornalista se o verbo beneficiar eratransitivo ou não -- sabe qual foi a resposta? Senhor X troque-me isso pormiúdos -- está a ver? não -- não -- dantes via-se com pormenor -- estudava-setudo para saber o porquê das coisas// Resumindo, como é queacha que os cabo-verdianos falam o português? como é que falam? quando falam -falam mal// E o que é que seria para sifalar bom português? uhm -- é…basta seguir as regras gramaticais que existem -- aqui porexemplo - quando... eu noto - quando numa frase colocam - suponhamos - umadjectivo verbal no começo - esquecem-se da concordância -- sobretudo daconcordância que é uma coisa muito difícil -do particípio passado// Certo. há pessoas que não ligam a isso e têm a tendência para pôr TUdo nosingular masculino// Já esteve em Moçambique, conhece o português europeu, o portuguêsbrasileiro. Como é que acha que os cabo-verdianos deviam falar português? os cabo-verdianos quando vão ao Brasil - quando vão ao Brasil estudar -têm algumas dificuldades - talvez -- mas FELIZ-MENTE - como só falam ocrioulo entre eles - convivem com pessoas que falam português - falam português- brasileiro -- e já dão algum passo positivo -- mas o pior é quando - é quando umaluno vai a um país francófono - por exemplo -- regressa -- aprende sempre maisuma língua// Certo. mas quando chega aqui - como tem que falar o crioulo ou o português -opta por português nas repartições – etc. - etc. e comete erros -- comete errosporque também o nível de ensino da língua portuguesa cá não é tão elevado comose desejaria// Admite que os cabo-verdianos possam falar português como os brasileirosentão? Poderiam? Não percebi bem. podem -- evidentemente que podem -- é evidentemente que podem --porque um cabo-verdiano por exemplo que vai a Portugal frequenta auniversidade... Mas o ideal, qual seria? O ideal digamos…como é que seria o ideal de oscabo-verdianos falarem...? não -- o ideal é que estivesse numa casa onde se falasse só português -- eque apanhasse pelo menos a música -- e depois vai aprender porque é que se dizisto mais aquilo dessa maneira// Tem a ver com os sons, as regras? sim --sim --sim// Sons que não… que não se confundissem com o crioulo? pois -- eu tinha uma colega no Ministério de Negócios Estrangeiros que foitirar um curso de inglês - em Londres -- e ela dizia-me que teve dificuldades - écerto -para aprender o inglês -- mas o que é que fizeram? mhm mhm puseram-na numa casa de súbditos ingleses - de maneira que ela tinha -passe o termo - que se desenrascar em inglês -- e só assim é que aprendeu de factoa língua -- mas eu considero que uma pessoa só domina uma língua - quandoconseguir contar uma anedota --doutra forma (...) Ainda não… O que acha das pessoas que habitualmente falam o crioulo, sócrioulo? bom -- temos de ver que há dois tipos -- há um tipo de pessoas que sejulgam nacionalistas e falam só o crioulo -- e falam até um criouloaportuguesado// Certo. e há outro crioulo das pessoas de baixo nível -- porque todas as pessoas debaixo nível - social - intelectual - um camponês por exemplo - só fala o crioulo --o Ano Nobu - esse compositor musical que morreu há um ou dois anos - veio umdia perguntar-me se eu achava que os filhos fossem à escola para aprender a falarcrioulo -- ele disse -- porque o crioulo - aprendem connosco em casa -- eu queroque o meu filho vá à escola e que aprenda uma língua de comunicação para poderfalar lá fora com outras pessoas e não estar com o crioulo que só serve dentro decasa --eu disse --de facto - tem razão// senhor X, acha que o crioulo é para determinadas pessoas, paradeterminadas circunstâncias e o português para outras? sim// Fale-me um pouco disto. até certo ponto// Fale-me um pouco disto. porque eu… eu… como eu disse -- uma pessoa humilde - iletrada não sabefalar português -- quer dizer - entende -- mas tem dificuldade em falar -- porconseguinte… essas pessoas a gente encontra a qualquer momento -- desde anossa empregada… passando por outras pessoas que não falam o portuguêsporque não sabem de facto// Como é que vê o desenho desta situação, o crioulo ou o português em CaboVerde? não -- não -- eu para mim acho que temos de… de adoptar o bilinguismo --eu digo isso porque - quando tomei parte numa polémica sobre a língua crioula -eu tive acesso a um estudo que falava da erradicação da língua portuguesa emCabo Verde// Que estudo é esse? ahn? Que estudo é esse? eu tenho isto algures -- mas era um estudo cáustico --que punha em causa alíngua portuguesa e dizia mais ou isso – com este golpe desferido à línguaportuguesa...  quer dizer - aquilo funcionava com uma balança -- e o articulistanão admitia a coabitação - digamos assim - do crioulo e do português -- isso foinos… nos anos 80// Senhor X, o que é que pensa desta coabitação? Tem futuro? não -- eu acho que que que deve haver coabitação -- agora sermos radicaistambém não// Como é que seria esta coabitação? Como é que… a sua opinião…? não --deixar tudo ao arbítrio das pessoas// Como assim? agora -- fazer-se um estudo para a erradicação da língua portuguesa… sabecomo é que isso terminou? terminou porque [  ] nessa altura - que era o X((INF.8)) -disse não//[ ]sim -- estiveram -- porque quando... porque se falou na erradicação eestabeleceram um prazo para se consumar essa erradicação -- era o ano 2013 -- ouseja - daqui a 7 anos -- sabe - não sabe - quem é que escreveu isto? este estetrabalho é da autoria... oh my God! eu estou a ver o homem -- até pedi que memostrassem -- F1111--não sei se conhece? Conheço. Conheço. e esse texto está publicado -- mas isso há uns 20 anos pelo menos -- há unsanos pelo menos// Neste momento temos o crioulo, temos o português. Já percebi que achaque se devia continuar a usar o crioulo e o português em Cabo Verde. Só queriaque me detalhasse um pouco mais. Porquê e para quê? Para quê o crioulo e paraquê o português? porque... Falta alguma condição? ao fim e ao cabo… ao fim e ao cabo - eu digo devemos falar o crioulo -porque dizer que não - era como se tentássemos impedir que o rio corresse para omar -- e falar português -- português é uma língua que nos transporta para outroshorizontes -- porque - o crioulo nós vamos falar aqui na terra e nas comunidadeslá fora --enquanto que o português já nos dá novos horizontes// Certo. acho que é apenas esta questão// Acha que o crioulo deveria ser usado para ler e escrever? se penso…? O crioulo deveria ser usado para ler e escrever? pode -- porque seria uma maneira de enriquecer aquilo que nós chamámosdurante muito tempo por dialecto -- enriquecer// Acha que o crioulo é um dialecto? não -- foi um dialecto -- agora… AGORA aumentou de estádio -- agorapassou a ser língua// Porquê? Como é que se dá esta...? não -- por razões - por razões meramente políticas -- razões meramentepolíticas -- porque a gente compulsa textos antigos de Baltasar - da F1212 - equalquer deles fala da do crioulo como dialecto// Certo. qualquer deles -- agora - pode ter um estatuto diferente -- isso é… está noquerer// O que é que acha disso? que se eleve --que se eleve -- eu acho bem// Porquê? não em prejuízo… não em prejuízo da língua portuguesa - como sepretendeu// Certo. porque por exemplo - vamos à Holanda - o inglês é que é a língua que sefala ainda na hipótese de ninguém perceber holandês -- na escolarização éobrigatória a aprendizagem do inglês -- assim como eu fiquei… eu fiquei…estupefacto quando vi aquele artigo em que falava da erradicação pura e simplesda língua portuguesa// Entendo. Senhor X, estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano eusar o crioulo? que remédio -- que remédio -- o cabo-verdiano… o cabo-verdiano... o...depende também… mas - falo de um modo geral -- o cabo-verdiano para seidentificar - socorre-se do seu crioulo -- em qualquer ponto do globo onde esteja -- mas eu também conheço cabo-verdianos que nem admitem que se lhes lembre asorigens// Como assim? sim --porque só falam o português (?) O que acha dessas pessoas? não --isso eu não vou… Não quero nomes, naturalmente. De não gostar de falar crioulo? eu não me refiro sequer a citar nomes -- mas isso... depende dapersonalidade// E o que é que acha disso? eu acho que um indivíduo não deve negar aquilo que é -- não deve negar assuas origens --é como um indivíduo gostar de ser branco ou gostar de ser preto ougostar de ser isso ou aquilo… e não gostar do que é// E a questão inversa, ser cabo-verdiano e recusar falar português? isso depende geralmente do local em que o indivíduo esteja a residir --porque eu vejo no meu caso - eu estive muitos anos em Moçambique -- era eu e aminha mulher - depois começaram a crescer os meninos - nós só falávamos - sófalávamos português -- com o criado - com o cozinheiro - com os funcionáriosnossos colegas -- só podíamos falar português -- agora - numa comunidade - umindivíduo tem de falar ora a língua do sítio onde está - e quando encontra umconterrâneo... ah! -aquilo até cai bem// Acha que se deveria ensinar a ler e a escrever crioulo nas escolas? a partir do momento em que houvesse um crioulo padrão -- não é deixarcomo está -- porque para mim deixar como está não passa de arranjos cosméticosque desaparecem -de um momento paraoutro// Com que pessoas acha adequado falar o crioulo? eu já lhe disse -- já lhe… por uma questão de comunicação - se umapessoa... porque geralmente as pessoas iletradas só falam o crioulo// E assuntos, acha que há assuntos que só devem ser tratados em português? olhe --eu… eu -numa repartição pública - sempre falei português// E o que é que acha se, por exemplo...? sempre falei português -- isto é uma coisa que advém da… da estrutura queeu encontrei desde o tempo colonial -- numa repartição pública - a gente expressa-se em português// Portanto, acha que nas repartições públicas deveria ser o português, é isso? hoje em dia dizer-se também que devia ser o português é… é a mesmahistória -- era ir contra a corrente -- é ir contra a corrente -- porque da maneiracomo isso está - não vai mesmo regredir - isto é - impor... ninguém ia impor quese falasse em português -- se não cairia no ridículo -- as pessoas falam aquilo quebem entenderem// Acha que… já nos referimos vagamente a isto… mas queria que precisasseum pouco. Acha que o crioulo deve ser oficializado? já está -- o crioulo já está oficializado -- já está oficializado -- agora faltamaqueles retoques para... O que é que acha disso? mhm? O que é que acha disso? eu já tive a oportunidade de manifestar os meus pontos de vista sobre isso -- os livros didácticos… os livros didácticos seriam todos em português oupassariam a ser todos em crioulo? é a primeira coisa a fazer -- os diferentes livros- por exemplo - um compêndio de química - um compêndio de física - umcompêndio de filosofia e todos os diversos compêndios que existem - seriamtodos em crioulo? aí… isso vai… vai ser um caso sério// Porquê? os gastos --os gastos que isso vai ocasionar// Mas, noutros aspectos, teria alguma utilidade, ou não? seria? Em outros aspectos, de outros pontos de vista, teria alguma utilidade? Dealguma forma, os gastos valeriam a pena? não -- isso é só para… para que o nosso orgulho ficasse mais ou menosacalmado -- sim -- porque tudo o que há neste momento é que a língua crioulatenha um estatuto que a dignifique// Certo. acho muito bem -- agora - a sua não unificação não será para os nossos dias-não --não será para os nossos dias// E no caso da oficialização do crioulo, acha que o português deveriacontinuar com que estatuto? eu tenho muitas dúvidas se… se o crioulo devia destronar a línguaportuguesa --bom -- sim// Concretamente? quer dizer - para passar a ser a língua primeira em detrimento doportuguês// Como é que vê… desenha essa situação? O ideal para si…? que a coisa marche como está// Ou seja? ou seja - o português a língua… a língua oficial e o crioulo a línguasegunda --em vez de ser o contrário// Língua segunda significaria o quê exactamente? língua segunda… eu já fiz esta pergunta sobre a língua segunda -- querdizer… Quando diz, o crioulo como língua segunda... sim -- quando… quando digo língua segunda - quer dizer - que se pode - aomesmo nível do crioulo -fazer-se uma nota --eu até... Não percebi… ao nível do crioulo? eu já fiz essa pergunta -- se - sendo o crioulo uma língua segunda - se agente - por exemplo - pode fazer uma nota em crioulo -- em que se dizia… atéfizeram chacota com isso… porque em português a gente tem aqueles carimbos -chamemos assim - carimbos -- junto se envia -- 13olim ta envióbe - alim tamando’u -- até que ponto é que isso não provocaria um certo - uma certa chacota-na nossa língua? mhm mhm porque o cabo-verdiano gosta de fazer chacota -- agora imagine numarepartição fazer uma nota em crioulo para outra repartição - 14Ali N ta mando’u- ou - Ali’ N ta envia’u -- ou coisa parecida -- porque de qualquer maneira se o...mas disse-me há bocado que o crioulo já está oficializado - que não está? O senhor é que me disse que já está oficializado// sim --eu é que disse -- eu é que disse… Está a falar da última resolução? sim --o crioulo… Tem algumas disposições sobre o assunto. sim -- eu tenho um artigo publicado nesses termos -- em letras garrafais:Crioulo - Língua Oficial --Porquê e para quê? // Gostaria de ter cópia desse artigo. bem é isso--foi aqui que começou toda a… toda a guerra --de eu e o F15// Ainda voltando a essa questão. Se eu estou a perceber bem, digamos, parasi o ideal seria que o português se mantivesse como língua oficial, porque... comoúnica língua oficial... não -- podiam ser as duas línguas porque eu considero-me bilingue - ahn…e o português seria uma língua de comunicação ex… sobretudo - externa// Certo. ahn… porque é evidente que… bom -- os tempos mudam -- eu nãomandaria uma notadaqui para Portugal em crioulo// Com certeza. e quem diz Portugal diz qualquer outro país -- mas é claro - se um dia eumandasse uma nota - eu partiria do princípio que há tradutores -- que… enfim -que façam a tradução para português// Se percebi bem, também diz que ainda admite que fosse só o português,não o crioulo na administração pública, por exemplo? não --crioulo na administração pública para se falar -não é? Não para se escrever? eu disse --para se escrever vai dar origem a chacota// Então o crioulo ficaria reservado para quê? Só para clarificar… eu acho que o crioulo é assim como está// Ou seja, falar? fala-se - mas não se escreve -- mas como se pretende - com o ALUPEC -que ocrioulo tenha a sua escrita --daqui a uns anos não sei como será// Certo. E relativamente à alfabetização de adultos. Vê a possibilidade de ocrioulo ser utilizado na alfabetizaçãode adultos? ah -tem de ser --tem de ser porque vamos lidar... Do crioulo, estou a falar do crioulo// sim -- sim -- porque vamos tratar com pessoas analfabetas -- e falando comelas em português corremos orisco de não sermos percebidos// Estou a falar da alfabetização. da alfabetização -- alfabetiza-se em crioulo - mas logo com um trampolimimediato para o português -- é por isso… é por isso que eu digo que essas duaslínguas - que alguém condenou a sua coabitação… têm de andar de braço dado --pelo menos durante muito tempo// Para terminarmos, esteja à vontade para acrescentar algum comentário,fazer algum comentário, ou alguma coisa que sinta que é importante, mas que eunão tenha tocado nas minhas questões. deixa ver osapontamentos que eu tenho aqui… se falta… Sinta-se à vontade para acrescentar o que quiser -- como se diz nacomunicação social, os microfones estão à sua disposição. acho que abordamos tudo…(…)acho que abordamos tudo… Não há nenhum comentário que queira... então mais uma vez obrigada poresta conversa que me vai ser muito útil.1Romano, Luís. Negrume (Lzimparin). 19732Alta figura do Estado, à época3Alto dirigente de um dosmaiores partidos políticos de Cabo Verde e que desempenhou altos cargos nahierarquia do Estado4Antigo professor do ensino secundário5Poeta cabo-verdiano muito conceituado e apreciado6Primo do Informante 87Músico compositor popular da ilha de Santiago.8Linguista cabo-verdiana, professora de LCV9Alto dirigente de um dos maiores partidos políticos de Cabo Verde e que desempenhou altos cargos nahierarquia do Estado10Linguista cabo-verdiano11Outro linguista cabo-verdiano12Linguista cabo-verdiana15F10 bom dia! Muito obrigada, mais uma vez, por ter concordado em dar esta entrevistae…" -INF7.wav,"Dr. X, muito obrigada por ter acedido a ter esta esta conversa comigo. Aminha primeira questão tem… é a seguinte: antes de entrar para a escola, quandocriança, já tinha aprendido… já falava o crioulo ou o português? Como é que… comoé que se passou esta questão? eu confesso-lhe que… aqui em Cabo Verde - logicamente - por causa dosintervenientes - uma pessoa tem influência dos familiares - pais - mas também dasempregadas - digamos assim -- de modo - posso dizer que - no meu caso - aaprendizagem do crioulo e do português foi simultâneo -- porque - no caso doportuguês - dá-se a circunstância de que eu sou filho de pai português - e minha mãefalava também comigo o português - e claro que também o meu pai falava -- mas eutinha o contacto das pessoas de casa - como o contacto desde criança - na rua - agente convive sempre - de modo - eu posso dizer que aprendi as duas línguas aomesmo tempo// E, portanto… e ouvia as duas línguas? ah! e ouvia as duas línguas - está a ver - em minha casa ouvia normalmente oportuguês -quer dizer -só com a minha mãe e com o meu pai// E para além disso? mas havia mais pessoas sempre em casa -- e fora… não posso estar arememorar a minha infância para dizer -mas praticamente ouvia sempre o crioulo// Certo. E actualmente, com os seus amigos mais próximos, os seus familiares,qual é que usa, o português, o crioulo ou os dois? não - normalmente eu uso é a língua portuguesa -- e normalmente as pessoas -assim - com quem converso - etc. - também usam o português -- de modo…normalmente - a língua que eu falo é o português -- claro que sei falar o crioulo -quando me dirijo para um determinado tipo de pessoas - que eu vejo que a língua quenormalmente falam é o crioulo - eu naturalmente falo crioulo - porque também seifalar crioulo -mas o domínio da língua portuguesa -do uso da língua portuguesa -meé de longe superior ao… ao uso do crioulo// Dr. X, porque é que acha que as pessoas se dirigem a si em português,normalmente? portanto - repare - eu digo-lhe -- uma das circunstâncias - por exemplo - aquestão da casa não deixa de contar -- as pessoas sabem que o meu pai é português -que era português - e ouviam-me a falar também - com os meus - em português -- edeu-se a circunstância que depois - no decurso da vida - eu tive muitas vezes umexercício de função de funções de ensino -- aquilo que é uma uma classe que euadmiro muito - a que pouco pertenci - mas pertenci - e que é a classe de explicador --no meu tempo - eu aluno do liceu - nos últimos anos - dei explicações - fui professorno liceu da Praia - em acumulação com as minhas funções - e mais tarde até… a nívelaté mais elevado -- e de um modo geral - eu digo-lhe -- os meus companheiros deliceu - de várias ilhas - também de várias ilhas - mas mais das lhas de Barlavento -pois eu vivi o meu tempo de estudante foi em São Vicente - colegas de Santo Antãopor exemplo -de um modo geral falávamos -nós conversávamos em português// Em Português. Quando fa… se dirige às pessoas em crioulo, existe algumarazão para escolher o crioulo para falar com essas pessoas? por exemplo - eu se… se estou aqui… estou na rua - e me vou dirigir a a umapessoa - para lhe fazer uma pergunta ou… sim - chego a ter uma certa noção doindivíduo - o tipo do indivíduo com que estou a falar - e se eu vejo que é… vamosempregar as palavras com elas são - de uma determinada classe - eu dirijo-me emcrioulo porque sei que ele percebe bem o que eu digo - e é a língua que ele fala -- énessas circunstâncias// Há bocado disse-me, se percebi bem, que a língua em que se sente mais àvontade é o português? ah -é o português! a língua que me sinto mais à vontade é o português//((interrupção devido a chamada telefónica)) Estava a dizer-me que exprime melhor as suas ideias em português do que emcrioulo… sim - posso dizer-lhe que de longe - não é? exprimo-me muito melhor emportuguês do que me exprimo em crioulo -- não sei se é altura de lhe dizer - asdeficiências naturais que eu tenho no crioulo// Fale-me disso. além de - por razões familiares como lhe disse - falar normalmente o portuguêssempre- desde criança - dá-se a circunstâncias que a minha vida se dividiu no espaço-- eu fui um indivíduo que chegou ao liceu com dez anos - tendo estado… nasci naPraia - tendo estado dois anos na Brava - um ano na Boavista - um ano em Portugal -tudo isso (intermediário?? ) - depois chego em São Vicente - e vivi onze anosseguidos sem sair de São Vicente - depois é que vim - então como funcionário - paraPraia -- posso dizer que normalmente vivi na Praia - estive fora - estive três anos emLisboa - e mais um ano em Lisboa - mas isso já numa idade que não me afectaria --isto acontece… não sei se isto interessa… Não, esteja à vontade, esteja à vontade. isto acontece porque… eu no aspecto familiar - o meu pai era português -minha mãe - nascida na Praia - mas toda a ascendência da ilha do Fogo - e com umaconvivência que tivemos sempre - aliás até de vizinhança em São Vicente - durantetodo o tempo em que vivemos lá -com famílias do Fogo// Certo. a influência nas pessoas é tão grande que eu lhe digo o seguinte -- a X (esposado entrevistado) - que é do Sal e que depois viveu aqui na Praia - filha de pai e mãedo Sal -ela -às vezes - chama-me atenção - a dizer-me -estás no crioulo do Fogo -- quer dizer - ela acaba por receber de mim - que recebi também indirectamente -porque nunca vivi assim no Fogo - estive no Fogo um mês ou quê - mais nada --a X -por exemplo - diz isso - chama a atenção dela certas coisas que digo no crioulo doFogo// Como se sente quando está a falar crioulo, sente-se com medo de errar,intimidado, pouco à vontade? não -- nada - absolutamente nada! sinto-me absolutamente à vontade -confesso que… sinto-me absolutamente à vontade -- se há um crioulo padrão -digamos assim - é mais ou menos esse que eu falo - tenho a tendência… é acircunstância de ter vivido esses tais onze anos em São Vicente - eu fiz-me homemem S. Vicente - cheguei a São Vicente com dez anos - saí com vinte e um - fiz-mehomem em S. Vicente- tenho é a tendência -desde que esteja a falar com uma pessoade São Vicente - a minha tendência é imediatamente falar o crioulo de São Vicente --claro que o meu interlocutor deve notar muitas deficiências - mas eu falo assim -normalmente o crioulo de São Vicente -mesmo que esteja a falar com (?)// Certo. Dr. X, gostaria que me tentasse esboçar… já sei que fala normalmente oportuguês, já me disse. De qualquer forma, gostaria que me tentasse esboçar o perfildas pessoas com que mais conversa, fora do seu círculo familiar, naturalmente. Operfil dessas pessoas em termos de idade, sexo, estrato social, o tipo de assuntos queconversam… bem - eu digo-lhe -- as pessoas que com quem mais converso - pode-se dizer -por exemplo - que são mais ou menos pessoas do mesmo estrato… do mesmo estratosocial que é naturalmente corrente com as outras pessoas -- mas há um aspecto que euverifico - que eu verifico - parece-me que - principalmente depois da independência -no meio da (?) esse estrato social a que eu pertenço - está a exprimir-se normalmente- conversando em crioulo - portanto - mas comigo - reparo que têm a tendência defalar o português - e não - e não o crioulo -- eu sinto isso - não é? não posso deixarde … Claro e eu naturalmente também falo português -- em regra - quando falo com essaspessoas - eu - se inicio a conversa - é normalmente em português é que inicio -- masnoto que as pessoas - tenho notado por vezes - aproximar-me dum grupo de pessoasem que se está a falar… em que estão todos a falar em crioulo - em que eu entrotambém a falar em crioulo - e sinto que a conversa deriva para o português -- não sei- não sei explicar - mas parece-me que as pessoas não me consideram um individuocuja língua maternal -como agora se diz - seja o crioulo// Mas consigo nunca se passou isso, portanto, estar a falar português e mudarpara crioulo, em função de alguma…? não -por vezes sim -por vezes acontece// Fale-me disso, mas consigo. comigo - não - por vezes sim - por vezes acontece - eu mudo -- eu mudoporque estou dentro do assunto - e como tenho domínio suficiente da língua - e mudotambém para o…// Para o crioulo? para o crioulo -mudo -mas… Isto em função de quê, por exemplo? Portanto, numa situação em que está afalar portuguêse muda para crioulo, isto resulta de quê? O que é que o faz mudar? não - o que me leva a mudar é - por exemplo - acabar por ver - que as pessoasestão com a tendência sempre de falar o crioulo - deve ser isso é que me leva…como eu acho que domino perfeitamente o crioulo - falo também o crioulo - mas quehaveráa tendência para o regresso ao::: Ao português. ao português - é inegável --não vou fugir a isto -coisas dessas não se (?) Quando… quando usa o crioulo com pessoas de outras ilhas, já me disse que oseu crioulo é predominantemente do Fogo, mas quando fala com pessoas das outrasilhas, sotavento, barlavento, o que é que se passa? As pessoas compreendem-no, têmalguma dificuldade? não - não - eu não tenho… acho que não têm dificuldades nenhumas -- eu nãodirei que o meu crioulo seja predominantemente do Fogo - não - aliás penso que omeu crioulo seja mais da ilha de Santiago -- o que eu tenho é uma influência muitogrande do Fogo -que as pessoas notam// Já percebi, agora. eu vou lhe contar um facto - pode ser que lhe tenha contado anteriormente -mas aqui - para a entrevista - tem interesse -- é que aqui há tempos estivemos numareunião -estava-se a discutir Fernando Pessoa… Certo. e às tantas eu resolvi… eu já traduzi Fernando Pessoa para o crioulo - euresolvi ler na assistência - a minha tradução dum poema de Fernando Pessoa --quando acabei - duas senhoras do Fogo - uma médica e uma professora do InstitutoPedagógico - que são do Fogo - dirigiram-se a mim e disseram-me - mas você falanão é o crioulo da Praia - é o crioulo do Fogo - disseram-me isso -- claro que nãodirei que falo o crioulo do Fogo -mas a influência é tal que as pessoas… Percebem. que são do Fogo - notaram-me imediatamente essa influência do Fogo - (?)contar isso -mas a minha mulher diz -até ela diz -não (?) do Fogo// Já percebi, já percebi a diferença. Mas normalmente, quando fala o seucrioulo, portanto, as pessoas não têm dificuldades em o compreender e percebe bem ocrioulo das outras ilhas? não - não -- nenhuma -- muito bem - muito bem - percebo perfeitíssimamente- não tenho dificuldade nenhumas -- às vezes - por exemplo - mas isso mais emconversa - por brincadeira até com pessoas de Santos Antão - (?)certa dificuldade --mas eu não tenho dificuldade também em perceber as pessoas de Santo Antão -apesar daquela quebra dos átonos que se verifica tanto na fala de Santo Antão - masmesmo assim - aliás os meus colegas de liceu - sete anos inteiros do Gil Eanes - eramrapazes de Santo Antão// Certo, só uma precisão Dr. X. Normalmente que tipo de assuntos fala com aspessoas com quem fala em português e com as pessoas com quem em fala crioulo? Jáme explicou quais são esses tipos de pessoas, queria saber agora o assunto. na na generalidade - por exemplo - os amigos de convivência normal - etc. -nós falamos em português - eu falo em português e essas pessoas também falam emportuguês -- por vezes pode… com pessoas - digamos - que me parece - e vouempregar a expressão - pois a gente tem que dizer as coisas como elas são - que sãode um estrato social que normalmente se considerará que seja - por exemplo - inferiorao meu - e que não tenham o português no seu uso quotidiano - eu posso me dirigirassim - falar assim em crioulo - mas a quase generalidade da minha conversa - querseja eu o receptor -quer seja eu a pessoa que se dirige-é o português// Exacto. Digamos que esse crioulo que fala com as pessoas é assim tipo pedirumainformação, fazer um contacto, assuntos de… mais… sim - o que não significa contudo que eu não possa - num determinadoambiente -manter uma conversa -normalmente -em crioulo// Já percebi. Estou a falar de uma forma mais geral, nas lojas, mercado, cafés, jáé o português. sim -sim -pois -pois - normalmente// Diga-me uma coisa. Na última semana, acha que falou mais o português ou ocrioulo? Eu acho que deve ter sido o português, naturalmente…. com certeza -com certeza // E eu vou pôr-lhe… existe alguma circunstância em que habitualmente falaportuguês, mas que gostaria de falar crioulo ou vice-versa? não - quer dizer - dizer gostaria de falar o português - não -- para se expressarassim… há que inverter os termos// Não. O contrário. gostaria não… de falar crioulo - gostaria de falar crioulo -- porque confesso-lhe que me parece que normalmente - sendo necessário - sendo necessário quer dizer- se o grupo que se está… ou a pessoa a quem me dirijo - está normalmente a utilizaro crioulo - eu utilizo o crioulo sem vontade nenhuma de voltar ao português - porqueacho que me estou a expressar - e estou a perceber - e estou dentro do assuntoexposto pelo meu interlocutor ou pelos outros// Certo. E sobre… costuma ler em crioulo? Já leu…? bom - eu confesso-lhe que - aqui - agora não vou emitir opinião sobre o queacho - ou não acho - mas sobre o que acontece -- eu - leio - o crioulo - semdificuldade nenhuma -- eu leio Eugénio Tavares - eu sei - digo - recito EugénioTavares - o crioulo - normalmente -- eu leio o Pedro Cardoso - ainda que quanto aocaso do Pedro Cardoso - me pareça que o Pedro Cardoso (?) é menos literário -digamos -do que o crioulo - por exemplo - do Eugénio Tavares -eu leio o do Frusoniperfeitamente -- e digo-lhe por exemplo o seguinte -- eu já traduzi quatro poesias doFernando Pessoa para o crioulo - eu já traduzi o (?) não me recordo - um poeta quemorreu há pouco tempo - um poeta que tem um belíssimo - um belíssimo - umabelíssima poesia que serviu de letra a um fado que a Amália canta - era Fado Peniche- que era a prisão dos políticos em Portugal - mas que a Amália cantava como FadoAbandono -- eu fiz a tradução para o português - e digo-lhe - com franqueza - quegosto da tradução -não há bazófianisso - mas gostei da tradução… Para o crioulo? para o crioulo - da tradução que fiz -- mandei-lhe aliás aquilo compseudónimo - não veio resposta nenhuma - mandei ao próprio poeta - mandei atradução -- de modo que - quer dizer - até tenho um certo à vontade -- eu tenho umarelativa má vontade na leitura do crioulo que eu actualmente… actualmente vejo -com o… o… o ALUPEC? com o ALUPEC - por exemplo com o ALUPEC -- e também porque me pareceque a maior parte dos indivíduos que eu leio - e que também fazem traduções - nãosabem traduzir poesia - não têm a noção de que… determinadas palavras -determinados conceitos - determinadas imagens - etc. … porque há uma relação entrea ideia e a palavra - não é passá-la do português - por exemplo - para o crioulo -simplesmente utilizando o mesmo étimo - e o assunto está resolvido - é que se faz -daí um bocado da má vontade que eu tenho -- além disso tenho uma certa dificuldade- e para lhe comprovar isso - direi - eu nunca consegui ler o romance do ManuelVeiga -e eu nunca consegui ler o romance do Eutrópio// Certo.Entendo. ler todo -quer dizer -posso ler partes -mas assim… Eu sei que não aprendeu a escrever o crioulo na escola, digamos, formalmente,mas faz as traduções, tem experiência de escrever em crioulo. Diga-me como é quefaz, se… como é que faz para escrever o crioulo se não aprendeu formalmente aescrever em crioulo? Que dificuldades é que tem? dificuldades… oiça - por exemplo o problema da tradução - que eu estava adizer - mas… ((vai apanhar um livro da estante, enquanto explica que o vai usar parailustrar o que está a dizer)) para mim o problema da tradução é um problemaimportante - qualquer que seja a tradução - de uma língua para outra - não pode seraquilo a que se chamará -uma tradução à letra// Certo. porque uma coisa é uma poesia escrita em português - está numa linguagemliterária - poética portuguesa - se eu traduzo para o crioulo - sou obrigado a isso -por exemplo - este poema que eu me referi - era um poema de David Mourão Ferreira- o Mourão Ferreira - por exemplo - diz isso - o Mourão Ferreira diz - por exemplo--Foi de noite - numa noite de todas a mais sombria-- eu traduzi - Era nôti cimaagôro - nôti nmi ano di fome1 - quer dizer ��� pareceu-me que eu devia dar-lhe…procurei dar uma imagem que traduzisse em crioulo - aquilo que o Mourão Ferreiraestá a dizer em português -- se eu fosse dizer em crioulo - 2foi um noti, um noti ditudo noti, quel más sonbriu- etc. - não é? não podia - e é de um modo geral - o queeu vejo em muitos dos nossos tradutores -é como traduzem poesia Sim senhor. Dr. X, o que é que acha do crioulo? O que é que acha de… O queé que pensa do crioulo? oiça -eu penso do crioulo… é claro que a minha ideia do crioulo (?) dentro dosconceitos vulgarmente aceites - e não sob o ponto de vista científico - pois não tenhopreparação - como sabe o crioulo (?) um dialecto do português - era o quepensávamos -- tenho lido ultimamente - o que se tem escrito sobre esse assunto -sobre o conceito de dialecto ou sobre o conceito de crioulo - e compreendo e aceitoperfeitamente que de facto o crioulo é uma língua como outra qualquer -- nãotenho… sobre este aspecto não tenho restrição nenhuma// Certo. a questão que eu ponho é -- quando vai ser o confronto do crioulo com oportuguês? Certo. e a mim parece-me o seguinte -- uma coisa é uma língua falada - a língua…não só a língua falada - mas a língua a um nível - digamos popular - e outra coisa éuma língua que se… que é uma língua já tornada literária// Certo. é neste caso que eu vejo extremas dificuldades nessa transição do crioulo -- eparece-me que nesta altura o crioulo está com… a ser contrariada - está a sercontrariado -- e está a ser contrariado porquê? o desenvolvimento do país - odesenvolvimento do nível escolar do país - inclusivamente as próprias… acircunstância de os meios de comunicação como a rádio - como a televisão têm…começam a ter uma projecção tão grande aqui entre nós - e por outro lado - isso éfazer um pouco de futurologia - as circunstâncias em que me parece que Cabo Verde- pela sua posição estratégica - e pelas conveniências do mundo que a União europeiaterá -como os Estados Unidos terão - Cabo Verde acabou por estar numa posição nãosó geográfica - mas fundamentalmente estratégica - para ser uma… uma… um paísem que aquilo que será uma língua de civilização - para o caso o português - começaa ter uma preponderância muito grande entre nós - estou convencido -- e eu não soudaqueles que pensa que o crioulo pode morrer - mas também não vejo o crioulo aavan… quer dizer - a diminuir a sua… a sua identidade e - digamos - a ser absorvidopelo português - claro que cada um pensa o que quer - mas não - não vejo isso -- oque me parece - é que nós continuaremos a ter uma língua - mas que acaba por seruma língua secundariamente considerada - e que será da nossa convivência - da casa,etc. - mas uma língua - possivelmente o português - é pouco natural que não seja…que não seja o português - que acabará por dominar - por dominar o nosso meio -- éisso que estou a dizer -- eu digo isso na plena consciência de que essa minhafuturologia não tem base cientifica nenhuma - é uma coisa que eu sinto - não tenhoformação para isso// Não, mas é isso mesmo que eu quero, ouvir… Eu só quero conferir, para verse percebi bem. Portanto, admite, eventualmente, que o português seja substituído poruma língua de mais comunicação? não -não -não -eu admito que o português ganhe… Ganhe? em Cabo Verde uma… uma expansão muitíssimo maior - e isto reduzimediatamente a importância do crioulo -- e o próprio crioulo - e os meios decomunicação até - quanto a mim contribuem para isso - o próprio crioulo passa a serfortemente desbastado - digamos assim - pelo português -- eu vejo isso em pequenascoisas - eu estou a ver a maneira como o plural - por exemplo - está a ganhar - porexemplo -terreno aqui entre nós -quenão tinha - que não tinha// No crioulo, exacto. no crioulo - eu vejo mesmo na questão dos géneros -- e eu conto-lhe umahistória - lembro-me de ouvir a Cesária a cantar em São Vicente - em São Vicente -uma canção em que ela dizia - São Visente é pikinina - e eu lembro-me do (?) adizer - pikinina - não - São Vicente é motxe3  ((risos)) começo a notar entre nós -por exemplo -a questão da formação dos géneros// Certo. que não eram… quer dizer - ao contrário do que sempre se dizia - ah! ocrioulo prejudica o português - está-me a parecer que o português é que está aprejudicar o crioulo -- não sei até que ponto - mas como lhe disse nesta parte aqui…não estou a dizer… estou só a… não tenho formação para… (?) Diga-me uma coisa. Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usaro crioulo ou o português? Ou seja, acha que um cabo-verdiano pode não gostar docrioulo, acha que… se possa ser cabo-verdiano e não usar o crioulo? Pode-se sercabo-verdiano e usar… É uma pergunta que parece ser um bocado redundante emfunção daquilo que já me disse, mas para uma questão de… quer dizer - pode-se ser cabo-verdiano e não…? E não usar o crioulo. não usar o crioulo? E até mesmo não gostar do crioulo. não… não me compete a mim… isso não aceito -- eu direi que utilizará muitopouco - por exemplo - o crioulo - suponhamos - se está num meio que não é um meiocabo-verdiano - um indivíduo que imigre para Portugal - para a América ou para aHolanda - ou o quê -- o emigrante deixa de ter convivência com… com o…com ocabo-verdiano e acontece que não fala - não me parece que tenha (?) - mas falha --olhe permita-me que lhe conte uma história… Certo. havia um jogador de futebol em São Vicente - um do grandes jogadoresdaquele tempo - ele foi para Lisboa jogar no Sporting - parece que depois ele foi paraa Covilhã - para o Sporting da Covilhã - e acabou por se fixar na Covilhã - anos -acho que ele morreu na Covilhã - um dia encontro-me com o Roquinho num sítio - eestávamos a conversar -e em português… Roquinho? era Roquinho -- era muito conhecido por pessoas da minha idade por exemplo-- e entretanto - falamos sobre o crioulo - etc. -- ele disse - percebo muito bem ocrioulo - mas tenho grande dificuldade em falar crioulo -- o meu professor delinguística - eu tive uma cadeira de linguística ((risos)) o meu professor de linguística-o Morais Barbosa - eu contei essa história ao Morais Barbosa -a dizer --veja comoé que as pessoas às vezes - vêm para Portugal - ganham uma certa vaidade - e eledisse -- não - não - ele tem razão - disse-me o Morais Barbosa - ele tem razão --era na altura em que começavam as viagens espaciais… Certo (?) toda a gente pensaria que os russos seriam os primeiros a chegar à lua -- eeu lembro-me de o Morais Barbosa me ter dito - oiça - se os russos chegam à lua -epermanecerem - o grupo que lá chegar permanecer por um período relativamentelongo - na Rússia - quando chegarem novos russos à lua - os que lá estão têmdificuldade porque a língua deles foi-se modificando - têm dificuldade - nunca meesqueço desta frase que me foi dita por Morais Barbosa a propósito de um caso maisconcreto -do Roquinho -e do crioulo e do português// Dr. X, para si existe o verdadeiro crioulo? Temos os crioulos das várias ilhas,há quem fale de crioulo da cidade, crioulo do interior. Para si há, existe umverdadeiro crioulo? Qual deles seria o verdadeiro crioulo? qual devia ser o crioulo padrão? bom - eu tenho lido escritos sobre isso -- e ásvezes penso - como já li - vi escrito - que o crioulo de sotavento - digamosconcretamente - o crioulo da ilha de Santiago - teria mais condições em virtude daatonização das vogais que se verifica no crioulo de barlavento - então na sua ilha - nasua ilha não… Dos meus pais. o crioulo de Santo Antão é uma coisa… é uma coisa terrível -- de modo… daíque me parece que o crioulo de Sotavento - o crioulo falado aqui em Sotavento - temmenos hipóteses de aristocratização do que o de Barlavento// Certo. o crioulo de São Vicente é um crioulo muito mais aristocratizado do que é ocrioulo de… da ilha de Santiago// Aristocratizado porquê? aristocratizado - estou a dizer - mais próximo daquilo que se chamavaantigamente a língua mãe -é nesse sentido -não é? estou a usar nesse sentido// Sim. Percebo. de modo - o que me parece é que… ganhando - ganhando o crioulo o estatutode língua literária - e que… por conseguinte - em que todas essas vogais quedesaparecem muitas vezes no crioulo de São Vicente -e que a gente tende a substituirpor apóstrofe - que isto… quer dizer - o crioulo acabaria por ser um crioulo como -por exemplo - o de São Vicente - mas não há dúvida que a palavra grave com uma (?)do agudo - mas efectivamente dito - e não engolido - como entre nós se verifica - issopode acontecer -- eu não creio - que o crioulo de Cabo Verde - da ilha de Santiago -desculpe a expressão - mas -um bocado bruto… Daqui da…? da ilha de Santiago -de modo que… Bruto em que sentido? quer dizer - acaba por ser - para os hábitos - possivelmente das pessoas - sãolínguas que falam… suponho que mesmo um estrangeiro - um europeu - por exemplo-é capaz de não… não … Aderir? não adere assim -com esta facilidade - ao crioulo de Santiago - mas como sabesobre isto eu tenho dificuldade em me expressar - são coisas em que eu penso - masnão tenho formação para estar a pronunciar-me sobre isso// Não, não, está bom. eu… em são Vicente por exemplo - pronuncia-se - 4movimente mariteme -mas se o crioulo ganhar a… a…a força de língua literária - essa vogal átona da partedo final desaparecerá do crioulo de São Vicente - nós continuamos - eu continuaria afalar crioulo de São Vicente - mas já não diria mariteme - diria maritemu - comcerteza -quer dizer -pronunciaria a vogal final// Certo. não - o 'e' não se desfazia - como entre nós se faz -- sabe - eu sei que éatrevimento da minha parte estar a dizer essas coisas… Não. Não. Como atrevimento…?! mas a verdade é que em coisas dessas - eu tenho de ser sincero - eu nãoescrevo -não (?) - mas agora em conversa… ((risos)) Dr. X, já fizemos um pouco de futurologia ente aspas, mas fale-me agora dasituação actual. O que acha desta situação actual, de nós usarmos o crioulo e oportuguês, desta possibilidade que nós temos, o que é que acha disso? oiça -o problema está no seguinte --esta possibilidade - qual? Talvez de nós usarmos o crioulo e… a de nós termos duas línguas - mas a de ter duas línguas literárias - ou de teruma língua literária e uma língua que não é ainda uma língua literária -que não é? Eu quero ouvir a sua opinião sobre isso. É sobre isso… sobre esse aspecto - a evolução que se está a verificar por esse mundo - esseproblema de.. do que se chama agora de …como é? A globalização? a globalização -- esse problema globalização - é um problema que tem… queterá sem dúvidas - uma influência enorme na evolução das línguas - aqueles…aqueles países em que ainda é predominante uma língua… uma língua que sob certosaspectos é uma língua popular e não uma língua literária - o caso concreto CaboVerde - o caso concreto Cabo Verde - parece-me que a influência da língua - dachamada língua de civilização - o seu uso passará a ser tão grande aqui entre nós -que acaba por influenciar - não direi que faça desaparecer o crioulo - outras línguasdesapareceram - mas desapareceram em condições diferentes - porque - não pensocomo muitas vezes se diz - ah! o português para chegar a língua literária - o crioulonão chegou - o português para chegar a língua literária levou tantos anos - tantosséculos -- não é a mesma coisa -- o português levou séculos sem televisão - semrádio - sem coisa nenhuma - sem escrita até -- pode-se dizer - não é a mesma coisa -não é a mesmíssima coisa -- mas a mim parece-me isso - a mim parece-me que oportuguês acaba porse tornar a língua de uso// E nesse caso o português seria usado para quê e o crioulo para quê, nessa suaperspectiva? Estou a pensarem falar, ler, escrever… oiça - eu não sei se o exemplo que eu dou é mais um caso de prosódia do queoutra coisa - mas eu vejo - por exemplo - o madeirense - ou principalmente - oaçoriano - quando calha ouvir -- por exemplo… já ouvi - uma das melhores novelasque eu já vi apresentar aqui na televisão - quando começaram essas telenovelas - foiuma novela açoriana - belíssima - mas muito melhor do que as novelas feitas - se mepermite - em Portugal --mas por outro lado eu conheço o açoriano - e oiço açoriano afalar na televisão - na rádio - e eu noto imediatamente que há uma diferença entre oaçoriano que eu ouvia na telenovela… nas telenovelas… Açorianas. açorianas -- e o açoriano que normalmente vejo na televisão - que é (da sala?)de modo que em caso de… eu estou convencido que é… eu lembro-me - por exemploda Hélida - da Hélida -a mulher do… o médico…? Não estou a ver quem é. a Hélida… foi cá professora… Já sei, já estou a ver. riam-se às vezes com a Hélida por causa do português da Hélida -por causa doaçoriano -- era uma senhora licenciada - penso que em biologia -- eu nunca meesqueço duma história que a F me contou -de uma colega dela - açoriana - que disseque ficou reprovada num exame oral - a 5F1 disse que toda a gente notou a injustiça -do professor que não percebia a influência do açoriano no… no francês da senhora -da moça lá - da aluna - que sabia francês - mas o açoriano acabava por… ela perdeu oano - foi a F1 que me contou essa história uma vez -- o que eu quero dizer é oseguinte - haver duas línguas… eu acho isso um bocado… aliás repare uma coisa -isso nunca aconteceu muito em Cabo Verde -- fala-se o português em casa - nem quese fale o crioulo normalmente em casa - mas quando se está na rua - quando se estána repartição - fala-se o português e não o crioulo - fala-se o português e não ocrioulo -- hoje - é relativamente fácil falar crioulo nas repartições - antigamente nãoera -não era// Sim. Sim. Era proibido mesmo. era proibido -- mas repare - são proibições que se… se… são para não sercumpridas -ser cumpridas -- verificava-se esta tendência nas pessoas - falar - não é?a vossa geração é que me parece… a vossa geração é que começou a dar um certoprestigio de utilização - quer dizer - ao crioulo - nas repartições - etc. - porque aminha… eu no meu tempo - mesmo no liceu - entre nós alunos - falávamos emportuguês// Mesmo entre os alunos? mesmo entre os alunos - no meu tempo falava-se bastante - não é que não sefalasse o crioulo -não é isso… Certo. falava-se o crioulo -- hoje só se fala… eu vejo por exemplo - mesmo ali no ISE-ninguém fala português - fora da aula// Nem os professores. sim - nem os professores - nem os professores -- mas no meu tempo de liceu…eu estou a ver ali - por exemplo - os meus colegas de Santo Antão - 6o F2 - o F3- oF4 - praticamente da mesma turma - o F5 - normalmente entre nós falávamos eraportuguês -sabe? fora da aula// Dr. X, acha que o crioulo deve ser oficializado? tudo depende do sentido que se der a oficialização -- eu digo-lhe comfranqueza - (obrigatório?)… ser oficializado para ser obrigatório o ensino doportuguês - por exemplo - do crioulo -no início da instrução - no início da instrução -suponho que seria altamente prejudicial - isso se não tivesse também o ensino doportuguês -e não me parece que nós deixemos - que vamos deixar o ensino português- não me parece // O que é que acha disso? o… que eu acho de? De deixar o… dessa possibilidade. eu (?) o que a oficialização… oficializar às vezes… eu aí há tempos vi - li isso- há três ou quatro anos - que o mirandês tornou-se língua oficial - eu acho que oportuguês deixou - à vontade -- o mirandês deve-se ter delirado -- mas não temsignificado nenhum -não afecta o português em nada - não é o nosso caso - se… // Como éque é? se se oficializa o crioulo… há uma expressão que eu encontrei num… numtexto do Baltasar - o Baltasar põe… quando se fala na questão do crioulo - em regra -quando se centra - na questão do…do direito - nunca se põe a questão do dever -então Baltasar põe o problema nos seguintes termos -- é que se… desculpe - se defacto se tem… se tem a obrigação do uso do crioulo - porque é esta que - de facto - éa nossa língua - não é outra - esta é que é nossa - mas há o problema do dever - diziaele - como é que… isto também serve por causa do problema do crioulo e (?) falavasobre isso// Certo. ele dizia - como se coarctava a capacidade de expansão das ideias que o cabo-verdiano - que é… que era tirado para fora - num país com quinhentos milhabitantes? uma língua que - por exemplo - não tem de facto projecção -- e que nãotem capacidade de tradução - porque quem vai traduzir? não há tradutores de crioulo- e a haver serão os próprios cabo-verdianos -- mas o número é sempre restrito - seeu tivesse de escrever um manual de filosofia em crioulo - esse manual é lido por umnúmero restrito - e se eu trago uma ideia nova - terei dificuldade na expansão - demodo que esse problema -do modo como Baltasar o põe -dos deveres e dos direitos -o direito à língua - é minha - mas eu tenho o dever de expandir as minhas ideias - demodo… isso é que provoca a dificuldade -- é isso que eu estou a dizer -não tem nadaa ver com diminuir o crioulo - o que estou a dizer acaba por ser um direito adquirido -mas sob certos aspectos dificulta a expansão -a expansão das ideias// Admitiria a possibilidade de o português continuar como a única línguaoficial? não - não - não -- não é isso -- por isso é que eu lhe disse - tudo depende daforma como sedeterminar essa oficialização// E, para si, a oficialização deveria ser para quê? suponhamos - a língua é oficial -- em vez de dizer para quê - eu direi ocontrário// Porquê? a parte negativa -não a parte positiva// Certo. por exemplo - o ensino escolar desde o início --ou se nós misturarmos as duascoisas - ou se não ensinarmos o português - ou ensinarmos só o crioulo - parece-meque nos dois casos estamos a… é esse o aspecto// Certo. agora - não oficializar não - digo o contrário -- agora - aquilo que o 7F6acabou por propor - que era - a utilização… teria de ser do português literário - usooral e escrito - é por conseguinte - o português literário -- ser indistinto - nasrepartições -- o uso escrito do crioulo ou do português é (?) - aqui entre nós - (?)escreve em crioulo de Santo Antão - é o terceiro oficial que acompanha aqui com ocrioulo do Fogo - é o crioulo da Boa Vista que é o do Ministro a despachar (?) - porisso é que eu digo - oficializar - não oficializar de qualquer maneira -- temos de láchegar -porque é uma prioridade nossa não aceitarmos - não aceitarmos isso -- o queme parece - é o que eu lhe digo - não - eu não… ao oficializar - não significa dar-lheuma primazia que diminua -diminua o português// Acha, acha que por exemplo podia-se admitir uma situação em que oportuguês seria destinado para certas funções, para certas situações e o crioulo paraoutras? não vejo quaisquer hipóteses de que - por determinação - se pudesse fazer umacoisa dessas --a utilização da língua… são as circunstâncias é que determinam --nãoé fácil oficializar… a oficializar… se eu disser - por exemplo - o crioulo é língua…as línguas oficiais de Cabo Verde são - o crioulo e o português - mas eu só publicoo curriculum do ensino - claro até ao décimo segundo - do português - não publicoo do crioulo - a língua não deixa de ser oficial - eu é que não vou dar aspossibilidades que me parecem ser prejudiciais -- oiça uma coisa -- eu não sou umindivíduo sonhador - não sou um indivíduo sonhador - mas pela primeira vez - estoua ver - eu estou a ver - eu estou a ver Cabo Verde a tornar-se um país - efectivamente- um país com nível - estou a ver isso - porque nós estamos numa situação estratégica- privilegiada no continente africano -- o que se está a verificar no desenvolvimento -praticamente nós víamos a Europa - actualmente há uma União Europeia - há aAmérica do Norte - mas há o Brasil - há Angola que se desenvolverá - há tudo istoque se��� de modo - eu - neste meio - vejo Cabo Verde numa situação privilegiada --oiça - podíamos dizer - não - o que estão a fazer - o que estão a fazer agora - porexemplo - na questão do… dos imigrantes -(?) a NATO já aparece -tudo isso… (?)é o problema - quanto a mim - vá lá - de um certo grau de desenvolvimentointelectual que nenhum desses países - desta zona africana tem como o cabo-verdiano-8 bazofarianossa -digam o que disserem - mas é uma verdade - é uma verdade é --e é isto é que me faz sentir este sonho - que de facto Cabo Verde se está a tornar umpaís com… com… E nesse contexto, nessa perspectiva de globalização, perspectivas dedesenvolvimento de Cabo Verde, acha que há possibilidade de o crioulo poder serusado para ler, escrever…? usado em que sentido? não estou a perceber… O crioulo poder ser usado para ler, escrever…? ah - sim! naturalmente -- suponho que deve haver por esse mundo fora autilização de línguas segundas -digamos assim (?) Neste caso, o crioulo seria como uma língua segunda? pois com certeza - claro! acho que sim -nada poderia impedir isso agora… E o que significa o crioulo ser usado comolíngua segunda? não - estou a dizer que possivelmente noutros países - noutros países haverá autilização --isso é que eu queria dizer// Não, aqui? daí estou a apontar a possibilidade de duas línguas - de facto poderem coexistir-- este problema da língua é um problema (?) - veja o que se está a passar nosEstados Unidos - um dos grandes apoios que o crioulo teve a nível do ensino foi nosEstados Unidos// Certo. porquê? porque desde a independência dos Estados Unidos - uma dasdeterminações do governo dos Estados Unidos por esta altura - foi no sentido de dar oensino das línguas dos emigrantes -- daí que o espanhol - ou o italiano - começassema ganhar - a ganhar terreno -- (?) os Estados Unidos às tantas viram que (?) caíram --estava-se num país de língua inglesa - (?) nem é português - nem é espanhol - nem éitaliano - nada disso -- quer dizer - não tem nada a ver com o emigrante - quer dizer- agora - dar-lhe um apoio no ensino das suas línguas - quando querem que se fale oInglês - porque há muitos problemas de unidade no país? um dos problemas deunidade no país é a língua// Dr. X, se eu percebi bem, e se eu não tiver percebido bem corrija-me, hábocado disse que admite a possibilidade do crioulo ser ensinado nas escolas, tudodependia do momento em que fosse introduzido, e relativamente também aoportuguês… não - não - acho que não era bem isso é que eu dizia -- o que eu estou a dizer éque (?) Aprender a ler e escrever em crioulo? certo - o que eu não vejo é a oficialização neste sentido - do ensino doportuguês -ao mesmo tempo também que…? Do ensino do crioulo? do ensino do crioulo - ao mesmo tempo que a oficialização do ensino doportuguês// Não percebi bem. Portanto… não estou a ver uma criança de seis anos - a partir dos seis anos - está com oemprego de duas línguas que - diga-se o que se disser - se por ventura há algumadependência - há uma dependência do crioulo com relação ao português -- comrelação ao crioulo -eu não sei se… O que é que sugeriria, então? eu não sei - não sei se é dialecto -não sei se é o crioulo -o que quiserem - masque a origem é essa…! eu… confesso - eu gostei muito do título que Baltasar deu aum os seus trabalhos falando do crioulo - (?) o título de - Uma experiência românicanos trópicos - eu de facto suponho que o português - crioulo - é uma experiênciaromânica nos trópicos// Portanto acha que as crianças deviam aprender o português? ahn? Inicialmente na escola,deviam aprender o português. E o crioulo… se a evolução do paísse estiver a verificar como se está a verificar… Devem aprender o português. e não o crioulo// E não o crioulo. E na alfabetização de adultos? Na…? E na alfabetização de adultos, o crioulo deve ser implementado? acho que sim - até porque o adulto terá muito mais facilidade de compreensão-- o problema está… eu não sei como me pronunciar -- antigamente eraexpressamente proibida a utilizarão do crioulo - mas ele (?) uso oficial (?) -compreender por exemplo a autoridade - mesmo para o estudo - o português - ocrioulo era uma ajuda enorme -- agora sob o ponto de vista do que está a dizer - euacho que a nível do adulto - ele já está em condições de efectivamente poder fazeruso das duas línguas - poder fazer das duas línguas uma aprendizagem para umautilização correcta// Dr. X, finalmente, diga-me, como é que acha que os cabo-verdianos falam oportuguês ou estão a falar o português, neste momento. E como é que acha que elesdeveriam falar o português? não -isso é difícil de dizer-deveriam é extremamente difícil// Portanto, estou a pensar no modelo do português, brasileiro, há quem fale noportuguês de Angola, do português de Moçambique, é um pouco nesta perspectiva. não... eu… nesta perspectiva… Poderia falar-me se aceita, admite a possibilidade de existir um crioulo, umportuguês de Cabo Verde, de falarmos o português à nossa maneira, ou acha que nósdeveríamos seguir…? como Angola faz - como o Brasil é -- não - eu aqui neste caso - não é bem umproblema de eu achar - eu estou convencido que é o que vai acontecer ((risos)) tenhoplena convicção que nós falaremos um português aqui como (?) concluo que não sejao português de Angola - mas que é um português também - como… como o falado noBrasil - estruturalmente seja o português - português europeu - mas que não deixede… não deixe de ter as suas características próprias// E o que acha disso, acha normal? acho normal não - acho que é o que tem de acontecer - porquê que aconteceuno Brasil? Certo. é normal - eu não sei como é na América espanhola - mas suponho que seja amesma coisa em relação ao castelhano - o português tem uma vantagem - é que temuma unidade que o castelhano não tem - o castelhano está dividido pela Catalunha -pela Andaluzia - etc. - está dividido - o português tem uma vantagem - de facto tem –a não ser na prosódia - que há aquelas diferenças -- o que me parece é - digo-lhecom toda a franqueza - será… nós… se o português se tornar uma língua corrente -não é actualmente - se se tornar corrente entre nós - não é um português coimbrão((risos)) que alguns locutores ou locutoras da televisão ((risos)) que eu lhe digo comfranqueza - é uma coisa que me irrita solenemente - e eu digo -- mas porquê?  sim- porque eu desde criança… sou filho de português - e eu não tenho a mais pequenacoisa do Porto - do (?) ou do Alentejo ou do… (?) vão para Lisboa - estão emPortugal dois anos e voltam de lá nascidos numa das ruas de Coimbra ((risos)) Dr. X, esteja à vontade para acrescentar algum comentário às questões que eulhe coloquei… não -acho que não// Ou alguma coisa que ache que tenha a dizer, mas que eu não… não indaguei.Esteja à vontade. não - não -- o problema entre nós… se me permite - há sempre um problemaum bocado distorcido - por causa de questões de natureza política - de naturezapolítica -- é sempre um bocado - problemas de natureza política pesam muito -- écerto que a circunstância actual está a modificar um bocado as coisas -- aqui hátempos -vou lhe dar um exemplo –[] Certo. Dr. X, mais uma vez muito obrigada… nada -pelo amor de Deus… Por esta conversa. desculpe o atrevimento! Que nada! Foi muito bom! Muito obrigada, mais uma vez.1O verso original em Português é: «Foi de noite, numa noite de todas de todas a mais sombria.» Na versãopara a LCV, ‘noite sombria’ é traduzida para ‘noite de fome’, numa alusão às fomes cíclicas em Cabo Verde,antes da independência.2. Esta escrita é a utilizada3. Tradução: “Pequenina não, pois S. Vicente é macho”.4. Tradução para português: movimento marítimo5Professora de LP6Pessoas bem conhecidas do meio social cabo-verdiano e que foram colegas do informante no ensinosecundário7Linguista cabo-verdiano8.O mesmo que bazófia" -INF8.wav,"Dr. X, muito obrigada por ter aceite este meu convite para participar nestaentrevista. A primeira questão que eu lhe queria colocar é a seguinte. Antes deentrar para a escola, tinha aprendido oportuguês, o crioulo, os dois…? eu - antes de entrar para a escola falava só o crioulo -- eu nasci no campo eembora os meus pais tivessem escola - naquela altura… e de vez em quando -designadamente o meu pai - nos lesse livros para a gente ouvir e aprender algumascoisas - sobretudo regras de (?) - mas normalmente só falava crioulo -- e continueia falar// E… mas já ouvia o português, através da leitura. Só, ou de outras formas? não -- só através disso -- porque naquela altura não havia esses contactos quehá hoje --designadamente através da rádio - da televisão - etc. lá no meio onde nósvivíamos - etc. português raramente se ouvia - sobretudo sendo criança -- a não serquando fosse para a missa ouvir o padre a dizer as coisas em português e em latimque era na altura… E actualmente, em casa e com os seus amigos e pessoas mais próximas, oque é que usa crioulo ou o português? normalmente a gente fala… em casa - normalmente a gente fala em crioulo -- quer dizer - falo com a minha família em crioulo -- com os empregados em casafalo em crioulo -- e com os amigos falo em crioulo e em português -- eu sou aquiloa que se pode dizer - de facto - um verdadeiro bilingue - nesta matéria --designadamente nas minhas relações profissionais - nas minhas relações sociaiscom os amigos - falo indiferentemente em português ou em crioulo consoante for ointerlocutor -- e às vezes falámos em português e em crioulo - quer dizer -passamos de uma frase para outra em português e em crioulo - como de facto umverdadeiro bilingue -- mas em casa - normalmente e regularmente - quando estamossó nós em casa - nós família e os empregados - só falamos em crioulo -- e mesmoos meus filhos - desde pequeninos - também sempre fiz questão de falar com elessempre em crioulo -- eu devo assinalar até - que eu me lembro de alguns amigosmeus que… portugueses que vinham - quando chegavam lá a casa - professoresuniversitários - perguntavam-me sempre -- então - se não tínhamos receio de falarcom as crianças só em crioulo -- e eu dizia sempre - não - eu falo com eles criouloque é a sua língua materna - porque eles seguramente amanhã vão saber falar bemo português porque eu também nasci a falar crioulo - falei o crioulo sempre enão… e eu dizia - gozando até - e seguramente você não fala melhor portuguêsdo que eu -- e graças a Deus - todos os meus filhos falam bem português - apesarde falarem em casa desde sempre e até agora sempre crioulo// Uma pergunta, de rotina. Como é que considera ser a sua proficiência geralem português, o seu domínio do português? acho normal --eu posso dizer que domino o português tão bem como dominoo crioulo// Em relação ao domínio do crioulo… qual é o crioulo que domina, o deSantiago…? naturalmente que domino o crioulo de Santiago para falar -- mas entendoindiferentemente qualquer crioulo de Cabo Verde -- tanto o crioulo de Santo Antãoque é mais… às vezes - diz-se arrevesado - como qualquer crioulo -- da Brava -do Fogo - de São Vicente… bom -- de São Vicente - a gente tem mais contactopermanente de modo que… mas eu acho que… eu compreendo bem crioulo dequalquer ilha de Cabo Verde como eventualmente até poderei falar -- poderei falar -- nunca experimentei no sentido de fazer um esforço para falar -- mas se fornecessário - também posso falar -- mas eu tenho para mim que as pessoas como…um cabo-verdiano que sabe crioulo - compreende normalmente todo o crioulo --agora haverá uma ou outra palavra - uma expressão típica ou coisa típica… queacontecerá em qualquer outra língua - haver uma ou outra expressão que a gente… Diga-me uma coisa… o que é que acha que exprime… de um modo geral,acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? olhe - eu - para ser franco - eu acho que hoje em dia exprimoindiferentemente as minhas ideias - os meus pensamentos em crioulo… tanto emcrioulo como em português -- naturalmente que o meu crioulo - como o crioulo deda maioria de nós - chamado da… de alguma elite literária ou intelectual… muitasvezes é influenciado sobretudo pela terminologia técnica utilizada em português --mas este é o modo… é é a natureza do crioulo --o crioulo vai beber grande parte doseu vocabulário - principalmente vocabulário técnico - na língua portuguesa que é asua matriz -que é de ondevem -essencialmente// E como é que se sente quando fala o crioulo e o português? Ou seja, em qualdeles se sente mais à vontade? Quando fala o português ou o crioulo, tem algumapreocupação, algum medo de errar ou está…? não -- eu não tenho -- é aquilo que digo… eu considero-me como…considero toda essa gama de pessoas - portanto dessa… desse grupo - dessa elite…mas a mim particularmente - portanto - falo de mim… eu considero-me umverdadeiro bilingue -- quer dizer - para mim falar… eu falo outras línguas… massobretudo em crioulo e em português - sinto-me absolutamente à vontade para falarde… qualquer deles - começando numa e terminando noutra - e passando de umapara outra - indiferentemente// E quanto à leitura e à escrita? quanto… tenho mais facilidade - diga-se - em ler o crioulo - em ler oportuguês -- naturalmente - porque não existe essa… não tenho a prática da escritaem crioulo -- e mesmo hoje quando escrevo em crioulo - ainda escrevo utilizando oalfabeto antigo - o alfabeto… o alfabeto normal -- quer dizer - não… ainda não seiutilizar - porque não me dediquei -- a culpa portanto é minha -- não sei dizer queseja difícil ou fácil - o ALUPEC -- eu é que tenho que… como escrevo em crioulo -como já escrevia antes - mantive-me a escrever na língua -no alfabeto português// Dr. X, eu vou lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversafora do seu círculo familiar… e que me procurasse definir o perfil dessas pessoasem termos de idade, sexo, grupo, estrato social… isso já é muito complicado ((risos)) é muito complicado -- fora do meucírculo familiar… bom serão as pessoas que trabalham directamente comigo…as pessoas que trabalham directamente comigo são pessoas e::: desde o meucondutor - está a compreender? Passando pelas pessoas daqui, que trabalham consigo aqui no escritório, ouem casa, os empregados… fora da sua casa. exacto -- portanto - as pessoas com quem mais falo necessariamente são aspessoas aqui do… do… Do escritório. do escritório--sejam os advogados - sejam os funcionários do escritório// Com essas pessoas, os advogados e funcionários, fala crioulo ou português?E já agora de que tipo de assunto (?) falo normalmente e indiferentemente o português e o crioulo -- e isto advêmde uma certa vivência - e também de uma certa prática -- isto é - como sempre oportuguês foi adoptado como língua oficial - sempre que a pessoa se sente numaposição formal tem tendência para ir para o português -- portanto - estou seguro…não fiz a estatística mas que… normalmente - no meu relacionamento tanto aquicom as pessoas - aqui no escritório - sejam advogados - sejam empregados -falamos muito mais em português do que em crioulo -- mas falamos também asduas línguas -- mas falamos mais… mas vamos discutir um texto - vamos discutirum assunto - normalmente a discussão é feita em português -- dou uma orientaçãoaos empregados - isto é dado em português -- mas qualquer de nós - seja advogado- seja não… seja funcionário - quando nos falamos entre nós - assim… um assuntoque já não seja de trabalho estrito - que não seja muito formal - falamos em crioulotambém// Certo. Diga-me… há bocado estávamos a falar sobre o seu domínio docrioulo das outras ilhas… quando viaja para outras ilhas e contacta com pessoasdessas ilhas, usa o português ou o crioulo? Normalmente. uso o crioulo e o português -- depende -- há situações em que eu usoportuguês porque muitas vezes… eu também sou político… muitas vezes - porexemplo - eu vou… suponhamos que eu vou a Santo Antão… eu sei que as pessoasde Santo Antão gostam de falar português - eu falo com eles português -- falotambém crioulo -- falo crioulo -- mas como eu sinto o ambiente - sinto que atendência é querer falar português - eu falo português porque não tenho nenhum…como eu me considero rico nesta matéria - de ser um bilingue… para mim não devehaver luta - mas é uma complementaridade que nos enriquece… de modo quequando eu falo com eles - eu sei o que a pessoa quer falar - sente-se melhor… nãoporque está mais à vontade a falar - mas sente-se melhor e mais valorizado em falaro português - eu falo português indiferentemente -- porque eu tenho que perceberqual é a lógica das pessoas -- as pessoas… portanto - se eu for falar crioulo com ele- por causa deste complexo que existe e desta mentalidade - muitas vezes podepensar que estou a desvalorizá-lo--então -falo português// Dr. X, se estou a perceber bem, escolhe falar o crioulo ou o português, emfunção do seu interlocutor? não -- não é que eu escolha -- às vezes sinto necessidade e às vezes coiso…porque para mim… eu - para ser muito sincero… eu vou me encontrar agoraconsigo - com a Amália - e não vou pensar se vou falar português ou crioulo -- aconversa pode sair pelo crioulo ou pode sair pelo português -- independentementede eu saber se a Amália fala o crioulo da Praia - do Sal - de São Vicente ou coisano género -- eu - a conversa sai -- ou sai em crioulo e vamos em crioulo ou sai emportuguês e coiso… como podemos passar imediatamente de uma para outra línguaassim… normalmente assim é que eu me comporto -- eu sei - do conhecimento queeu tenho de Cabo Verde - por exemplo - se estou em Santo Antão - que as pessoasgostam de falar em português -- ali há este princípio - sobretudo se estão a falar comuma pessoa que eles julgam que - por função ou por formação - deve dominar oportuguês -- portanto a tendência é quererem que nós nos falemos em português -- edepois - nós ainda somos daquela geração que o português é que era a língua --estou convencido que a próxima geração terá tendência para falar muito mais…começar a falar em crioulo e eventualmente passar para português -- masnormalmente eu encontro-me com qualquer indivíduo ou porque já foi funcionárioou porque já ocupou um alto cargo - ele não lhe passa pela cabeça começar afalar…por exemplo - se está a falar comigo - começar a falar em crioulo -- já… éuma questão… bom… é a tal questão… é uma questão sociológica… a serestudada--mas eu sei que é assim --na realidade - eu sinto que é assim// E quando fala o crioulo com as pessoas das outras ilhas… já me disse… falacrioulo de Santiago normalmente. Como é a compreensão, a inter compreensão? normal -- normal -- eu compreendo perfeitamente os crioulos…olha eulembro-me desde quando eu era Y1… há longos anos… muitas vezes se discutia…tal… essa questão do crioulo… que as pessoas não se compreendiam… eu lembro-me… eu e o Abílio Duarte2 até… um dia estávamos a falar sobre isso… ecomentávamos… ainda no tempo da TVEC3 - televisão experimental… quandovíamos várias das entrevistas na rádio --na televisão --de pessoas - dos jornalistas -que é daqui ou de São Vicente ou de onde - a falar com pessoas de Santo Antão -a entrevistar e dar (?)vocês estão a ver? ele perguntou - outro respondeu -- não pôsnenhum problema -- um falou num crioulo outro respondeu noutro crioulo porque aessência é… e é isso que nós vemos ainda - agora a gente vê quotidianamente narádio e na televisão// Eu gostaria de aprofundar um pouco essa questão de falar crioulo eportuguês. Há circunstâncias… já me falou da formalidade das situações… queriaque me especificasse um pouco mais, se fosse possível, as circunstâncias em que…usa o crioulo e usa o português? quer dizer… nós estamos a falar aqui… por exemplo - esta entrevista está aser dada em português -- bom -- nós somos duas pessoas da chamada… dito da eliteintelectual -- começámos a falar em português - estamos a falar… talvez parafacilitar a transcrição etc. mas se nos encontrássemos fora da entrevista - semgravação - talvez falássemos em português -- mas podíamos nos encontrar numaoutra situação qualquer… eu - a Amália - o X ((marido da pesquisadora)) - a X((esposa de INF8)) etc. e a conversa se desenrolasse em crioulo - normalmente -bom -- por mim - e suponho que para nenhum de nós… nunca passaria pela cabeçaporque é que a gente está a falar em crioulo ou em português -- a conversa… estouconvencido que se tivéssemos uma hora juntos… a conversa passaria mais do queuma vez do crioulo para o português e vice versa… quer dizer -durante a conversa -seguramente que mudaríamos várias vezes o português e o crioulo - a conversar// Diga-me. Existem finalidades específicas para as quais usa o português ou ocrioulo? Estou a pensar em situações como rezar, orar, namorar… manter umcontacto, existe alguma situação? não --a:: eu acho que não --por exemplo - rezar… eu suponho que quando sevai fazer a oração formal - ela é em português porque assim é que a gente aprendeu-- e você decorou o Pai Nosso - o Credo - a Salve Rainha essas coisas todas emportuguês - não sabendo o que é que significava -- e você vai lá para fora encontraas pessoas todas - que não conhecem nenhuma daquelas palavras a dizer… por issoos (?) não têm sentido… se ouvir as pessoas a rezarem lá no interior -- por exemplo- aqui -- mas hoje em dia se eu for pedir a Deus qualquer coisa etc. normalmente omeu pensamento tanto pode sair em crioulo ou em português - dependendo doassunto - do momento e daquilo que eu esteja fazendo -- eu posso dizer - 4OhDeus, nhô djuda-m -- é uma oração -- é um pedido a Deus -- como se estivernoutra situação - em que o ambiente…eu estar a falar português - a pensar e:: a lerem português - eu digo Oh Deus - me perdoe -- quer dizer - não tenho momentosfixados -- agora se eu vou à missa - e o padre me diz vamos rezar o Pai…mesmo que ele diga em crioulo - 5 Nu reza kel orasão ki nos tudu insinadu - Pai-nosso que estais no Céu… eu não vou dizer… eles dizem em crioulo - pedem àspessoas para rezarem - pedem em crioulo - as pessoas que não sabem português -que falam só crioulo - rezam a oração em português porque assim é queapreenderam--têm aquilo decorado// Dr. X, pense nesta última semana. Acha que durante esta última semana,usou mais o português ou o crioulo? oh pá! eu acho que indiferentemente -- usei o nosso crioulo -- usei o criouloem casa - sempre -- falei com o meu condutor em crioulo - mas às vezes emportuguês -- usei mais português aqui no escritório -- falei com clientes - recebiclientes -- recebi e escrevi notas -- fiz notas -- ditei coisas para os funcionários -para passarem-- tudo isso é feito em português--está a compreender? Diga-me, existem circunstâncias em que habitualmente usa o crioulo, maspreferiria usar o português ou vice-versa? não -- não -- quer dizer - eu… eu… pessoalmente quando quero usar… anão ser - quer dizer - a não ser que seja numa situação muito formal -- mas nessassituações muito formais - eu posso fazê-lo em português - porque eu não tenho…eu - como não tenho nada contra - contra falar português ou não - de modo que euuso - se for necessário - num momento qualquer - etc. -- agora - há circunstânciasem que eu acho que seria melhor utilizar o crioulo -- suponhamos -- eu estou numadeterminada - num determinado tipo de cerimónia - com pessoas que eu sei que…não se sentem a vontade para dizerem tal coisa em português -- tal frase - paraagradecer - etc. uma cerimónia - por exemplo - de condecoração - por exemplo -em que a gente… os condecorados são pessoas do… pessoas ditas do povo --artistas - ou seja lá o que for -- vão ser condecorados pelo brilhantismo que fizeramna sua vida - designadamente (?) -- eu acho que esta cerimónia… eu dou-mecomigo a pensar -- esta gente estaria mais à vontade e haveria maior au…autenticidade de si próprios se estivessem a exprimir na sua própria língua em vezde estarem aí… e:: fazer aquele discurso -- não fazer um discurso que lhe derampara ler ou para dizer coisas que não sabem--está a compreender? E existe alguma circunstância em que estando a falar o crioulo muda para oportuguês ou vice-versa? Isto é feito em função de quê? isso - eu posso dizer que isso acontece-me muitas vezes -- por isso que eudigo que é a tal circunstância de ser bilingue -- como nós estamos a falar - se eu nãoestivesse por exemplo a dar a entrevista - poderíamos já ter passado sem sentir paracrioulo ou para português -- às vezes é uma palavra que puxa a conversa para acoisa e vice versa --posso estar a falar crioulo - de repente já estou em português// Estou a pensar em factores que podem, entre aspas, obrigar a isso. Sei lámudança de assunto, chegada de alguém… sim -- sim -- por exemplo - se eu… naturalmente -- se eu estou a falar comum grupo aqui… estamos a falar em crioulo -- chega uma pessoa que eu suponhonão compreender o crioulo -passo naturalmente - imediatamente para o português -- também se estou por exemplo - com convidados em casa - com amigos a falar --falamos em português -- entra o empregado ou entra pessoa… eu quero falar comele sabendo… eu passo para o crioulo para falar com ela - com a pessoa quechegou… ou para dar uma ordem - uma orientação - para pedir uma coisa - 6nhaba buska-m kel kopu d’agu --. nha ba faze-m tal kusa -- etc. -- eu volto a falarportuguês com a pessoa --volto a falar em crioulo com ela// Voltando a questão do ouvir, ler e escrever em crioulo… Habitualmente ouveo crioulo de que fonte, de onde? não -- não -- normalmente eu oiço através dos órgãos de comunicação social- para além de falar -- que eu falo muito crioulo -- portanto - todos os dias falocrioulo - pelas circunstâncias da vida -- mas oiço sobretudo o crioulo através dosórgãos de comunicação social - rádio - televisão e cd’s -- portanto estou a ouvirmúsica - e a nossa música é toda ela - quase todos os dias - em crioulo -- estou aouvir a rádio que tem programas em crioulo e em português -- e quando vejo atelevisão nacional - vejo gente falando crioulo e falando português --etc. E esses programas de rádio são sobre que assuntos? Esses que costuma ouvir. são diversos assuntos -- são sobre desporto -- sobre música -- sobre culturaem geral - e sobre outros assuntos -- há programas específicos sobre a saúde queeles fazem muita questão - às vezes - que seja em crioulo para que as pessoas - osdestinatários - possam entender --de modo que é nessa base// E a sua leitura em crioulo… do crioulo, incide sobre… em… que quematéria? a minha leitura em crioulo devo dizer que é muito fraca -- é muito fracaporque não existem muitos livros em crioulo e:: de modo que:: posso dizer que amaioria das minhas leituras é em língua portuguesa - é em português// E a escrita? Já me falou. Escreve… o que é que escreve normalmente emcrioulo? eu normalmente escrevo poemas em crioulo--escrevo poemas em crioulo// Dr. X, quando se desloca para o mercado, se se desloca… para lojas,repartições públicas… está em restaurantes, locais de lazer… o que é que usa nesseslocais? normalmente é o crioulo -- normalmente utilizo o crioulo -- a não ser emcircunstâncias especificas - posso falar em português -- mas normalmente uso ocrioulo// O que é que pensa do crioulo? eu acho que… para mim - o crioulo é uma das no… um dos nossos maioresvalores identitários - que é o que mais… nos identifica como um… como um povo --eu… o cabo-verdiano… quer dizer - você está no Brasil - ou está em Angola - ouestá em Portugal ou em França ou nos Estados Unidos… o que tem de comum -essencialmente mais do que tudo - é o nosso crioulo -- portanto - eu acho que é umelemento identitário forte -- depois - eu acho que é um grande valor - porque é umacriação pura nossa -- é uma criação -- quer dizer - o crioulo é como o cabo-verdiano-- assim como o cabo-verdiano resultou de vários cruzamentos -- de povos de raçase de culturas que se produziu o cabo-verdiano -- porque o cabo-verdiano a:: que éuma é uma… um grande handicap que nos era apontado mas que acho… que é umvalor - é uma riqueza -- quando nos dizem - vocês não são nem peixe nem carne --lembro-me do tempo de estudante… os outros tinham a vanglória de serem umaidentidade toda própria - autênticos -- ou são brancos ou são negros -- o cabo-verdiano tem essa riqueza de ter essa identidade que ressurgiu dessa mistura -- e ocrioulo - portanto - eu acho que é um valor -- portanto - eu dou muito valor aocrioulo porque… ele define - para mim - uma conquista da humanidade -- umacriação da humanidade -- o crioulo - nós os cabo-verdianos e o nosso crioulo -somos uma autêntica criação --uma nova criação que surgiu desse cruzamento// Digamos que estabelece… se estou a perceber bem… estabelece uma relaçãoentre ser cabo-verdiano e usar… sim--sim// Admite a possibilidade de um cabo-verdiano não gostar do crioulo, ou nãosaber crioulo? não -- eu - eu admito -- eu admito porque existe -- mas para que eu fale nocabo-verdiano e no crioulo não é preciso que todos digam a mesma coisas - estejamde acordo e falem a mesma coisa - porque em todas as coisas… eu posso dizer queo povo cabo-verdiano é um povo:: calmo - de brandos costumes - coiso… mas hámalcriados ((risos)) há indisciplinados - há violentos - há assassinos -- há tudoisso… mas em geral - o povo cabo-verdiano caracteriza-se por ser de uma certamaneira -- portanto - se você analisar - a maioria do povo cabo-verdiano - e cadavez vai ser mais assim felizmente - a maioria do povo cabo-verdiano gosta de sipróprio - gosta da sua língua - gosta da sua cultura - etc. -- porque cada vez que temmais consciência de si e da humanidade - o povo cabo-verdiano vai se dar a sipróprio mais valor -- já não tem vergonha de ser cabo-verdiano -- o cabo-verdianojá não vai sentir… de ser muito pequenino - muito pobre - que vive só da roça - daemigração - etc. -- vai sentir-se orgulhoso de ser um povo que se faz a si próprio -que cria a sua própria riqueza - que aumenta as suas capacidades - e que vaitransformando estas ilhas de pedras em ilhas afortunadas -- portanto… portanto -eu assim é que eu vejo - também -- agora - não me digam - não -- João - António -Maria não gostam disso --não --já isso é outra coisa// Há pessoas que acham que o crioulo… a:: ainda não é uma língua, que nãotem regras, que não tem gramática, que é uma deturpação do português… o que éque acha? não -- eu acho que isso é uma… para dizer a verdade - eu acho que umaleviandade -- é uma desculpa de mau pagador -- uma desculpa para não se valorizaro crioulo -- eu acho que o crioulo -- como todas as outras línguas que se formaram -desde o francês - o português… todas essas línguas existem - mas passaram pordiversas fases -- eu não digo que o crioulo seja hoje uma língua perfeita - comregras pré definidas - ou completamente definidas -- porque não é -- mas isto nãoimpede que se estabeleçam essas regras - se definam essas regras -- e se faça umestudo técnico da da língua -- da língua crioula -- eu… porque… porque é que emCoraçau - por exemplo - já existem… já… estas coisas e nós não temos? porqueeles lá assumiram a língua -- e fizeram e trabalharam para isso -- nós nãoassumimos ainda -- ou pelo menos temos alguma dificuldade -- e portanto - vai seandando -- e hoje os estudiosos aqui da língua já definiram que existem caminhostécnicos para se encontrar essa solução -- portanto - eu acho que ficamos numcírculo vicioso -- não se valoriza a língua porque não tem regras - não tem isto -não tem aqueloutro e portanto - não se valoriza - não se oficializa -- e não sedefinem as regras - não se faz isso porque não é a língua oficial e só se precisapreocupar com a língua oficial--é um círculo vicioso// E relativamente ao português, o que é que acha do português? eu acho que o cabo-verdiano deve ter a seguinte consciência -- que é umvalor e que é uma riqueza poder ter também português como a sua língua oficial --porque eu acho que… como dizia Amílcar Cabral… não porque Amílcar Cabraldizia… porque não quer dizer… não era Deus -- mas acho que ele tem razão quandodizia que a maior riqueza que o colonialismo estava a deixar à Guiné e a CaboVerde era a língua oficial… deixar às colónias -- era a língua portuguesa -- eu achoque a língua portuguesa é uma língua que nos interessa - que nos serve e quedevemos assumir como um património --e por isso dar-lhe um tratamento adequadoe de que é merecedora para… para nós todos -- agora quando eu digo isso - eu nãoquero dizer que a língua portuguesa é a nossa língua materna--porque não é// Certo. não é -- porque o cabo-verdiano - quando nasce… quando digo o cabo-verdiano -digo a generalidade do povo cabo-verdiano… você está aqui em Santiago- vai a São Vicente - vai a Santo Antão - a Boavista - ao Maio - ao Fogo e àBrava… a generalidade do povo cabo-verdiano nasce no berço e aprende com ospais a falar crioulo -- aprende em casa a falar -- haverá pequenas excepções que…de pessoas que obrigam os filhos a aprenderem português e a falarem português --mas é uma - é uma… é um numero ínfimo -- portanto -a generalidade do povo falacabo-verdiano -- portanto - a nossa língua materna - aquela que aprendemos desde oberço - com que convivemos permanentemente e no dia-a-dia - que utilizamos emtodas as circunstâncias possíveis e que a generalidade do povo usa na sua vidapermanente é o crioulo -- MAS nós devemos fazer os possíveis para que haja aquiloque eu costumo dizer… esta luta em sentido contrário… a valorização num sentidoe noutro das duas línguas -- é o crioulo deixar de ser língua que se utiliza quandovocê sai da sala e vai para o quintal e para a cozinha -- o crioulo tem de subirtambém para ser usado na sala - na sala de visitas - nos salões -- e o portuguêsdeixar de ser utilizado só em circunstâncias formais -- e utilizado só pelos… nossalões de importância e ser apreendido e utilizado pelo nosso povo -- para que onosso povo possa aperceber-se - assumir - apreender e poder falar e compreender -normalmente - o português -- o que eu quero dizer? eu - o meu sonho - aquilo queeu desejo e que penso que acontecerá no futuro - mais cedo ou mais tarde - dependeda velocidade com que nos propusermos a isso - é que o cabo-verdiano -tendencialmente - será bilingue -- isto é - todo o cabo-verdiano - com a escola -com a educação - com o acesso a :: aos liceus - ao ensino secundário -- portanto -não ficando nem analfabeto nem se resumindo ao ensino básico -- cada vez que ocabo-verdiano tem mais acesso à escola -estuda mais -lê mais - ouve mais a rádio -vê mais a televisão - e ele tem mais capacidades de compreender e de se exprimirem português -- e é ali que eu digo que nós seríamos bilingues -- portanto - nóssomos um povo tendencialmente bilingue e a tendência vai levar-nos… se oprocesso de desenvolvimento continuar como está indo - para sermos de factobilingues// Digamos que… se eu entendo bem… não distingue o uso do crioulo ou doportuguês em função das pessoas, ou seja, admite que há determinado tipo depessoas que devem… para quem o crioulo é adequado e outro tipo de pessoas paraquem…? não--eu… Ou assunto… ou circunstância…? não -- eu não faço essa distinção -- faço essa distinção actualmente -- mascomo projecto -- eu… o projecto que eu entendo para Cabo Verde é que amanhãCabo Verde possa vir a ter uma capacidade - o povo cabo-verdiano… umacapacidade… de normalmente - com mais fluência numa ou noutra coisa… enaturalmente com mais fluência em crioulo -- mas que o cabo-verdianonormalmente amanhã - possa utilizar e falar o português -- como eu estou aqui comos funcionários -- eu sei que os funcionários - a:: os empregados… que o meucondutor - a minha a:: portanto - a recepcionista etc. seguramente que no seuquotidiano fala crioulo -- mas eles não têm dificuldades em perceber se eu falar comeles em português - ou em me dirigir em português também -- portanto - eu vejoque Cabo Verde assim é que vai ser amanhã -- quando toda a gente tiver acesso aum determinado nível - a um determinado patamar de ensino - de educação e decultura assim é que vai ser// E… diga-me… e a leitura e a escrita? do quê? Do crioulo. não -- esse - esse é o tal processo de valorização do crioulo -- portanto ocrioulo tem que ser valorizado mediante o ensino da escrita// Nas escolas? nas escolas -- nas escolas porque de outra forma vai ser difícil -- é precisoque se introduza a escrita do crioulo para que aspessoas aprendam -- nós - se calharjá somos burros - burros velhos… para nós - quem não souber agora - vai terdificuldades -- mas pelo menos que as gerações vindouras possam escrever ocrioulo -- e então será muito mais fácil esta integração do crioulo e português --porque se você consegue aprender a escrever em inglês - francês - que nós nãoconhecemos nada -- e mesmo o português… se você consegue aventurar-se aaprender a escrever no russo - o árabe - o chinês… porquê que se vai pôr tantosproblemasa aprender a escrever crioulo? E na alfabetização de adultos, o que é acha do uso do crioulo? eu acho que é fundamental porque os adultos - os analfabetos são aquelesque só falam mesmo o crioulo -- que só falam mesmo o crioulo -- e normalmente -por serem adultos - terão mais dificuldades em apreender directamente o português--portanto a aprendizagem de… voilá… quase que científica do crioulo - a maneirade escrever etc. naturalmente vai ajudar a subir a outro patamar que facilitará acompreensão e a escrita do português também// Diga-me… qual deles, o português ou o crioulo, acha que exprime melhor acultura de Cabo Verde? manifestamente o crioulo -- o crioulo porque o crioulo… tanto mais porqueas nossas maiores expressões são todas em crioulo -- você canta em crioulo… vejao:: todas as músicas em Cabo Verde - seja a morna - seja a coladeira - seja funaná -seja batuque - seja… todas as expressões musicais em Cabo Verde são em crioulo --você encontra raramente uma… uma… uma morna em português -- está a ver?raramente -- agora - tudo está escrito em português -- você fala - exprime-senormalmente em crioulo -- e quando está… eu aliás - no meu escrito - no meu livroque eu lancei há tempos dizia isso… e você - quando chora - chora em crioulo --quando chora os seus mortos - chora em crioulo -- quando canta - canta em crioulo -- o padre quando dá a missa - quando reza a missa e faz as prédicas é em crioulo --o político -quando faz comícios - faz em crioulo -- passam todo o tempo a discursarno Conselho de Ministros -a falar português// Porque acha que isso acontece? acontece porque sabe que é onde ele exprime-se… exprime melhor os seussentimentos -- é aquilo que lhe vem da alma - do seu íntimo -- e ele sabe que aspessoas o entendem melhor --não faria sentido eu ir fazer um comício… está a ver -eu a fazer um comício - fosse aqui na Várzea - fosse lá no Monte Sossego ou emChã de Tanque ou quê em português - para os meus… para o auditório -- quer dizer- aquilo não traduz o meu âmago… nem está a condizer com o âmago daqueles…porque são… repare -- são momentos importantes de intimidade - são momentosimportantes de intimidade das duas partes -dos ouvintes e do falante - do pregador -- e esses momentos importantes são quando eu canto - exprimo o meu sentimento -de coiso… quando eu choro -- se chorar um morto - estou a chorar uma tristeza --quando peço que votem em mim - ou no meu partido - ou quando peço às pessoasque… para fazerem - para trabalharem para Deus -- é o padre na missa -- é opolitico a fazer comícios - a pedir votos - a convencer os seus eleitores -- é… soueu a chorar uma tristeza ou a cantar uma alegria ou um sentimento -- portanto -quando eu exprimo o que me vai na alma e as minhas preocupações mais profundas- utilizo o crioulo// Certo. Admite a possibilidade de funaná, batuque, morna em português?admite? não --não --proibido não é --mas acho que não dá --é como pensar em fazero fado em francês -- pode -- pode acontecer um fado -- mas o fado é tãogenuinamente em português que… que não estou a ver o fado em… coiso -- é comotambém dizer… haverá uma morna - haverá não - há mornas - mas veja que mesmoo Sérgio Frusoni - que era italiano - virou cabo-verdiano - sobretudo através dossentimentos - da música -- estáa compreender? Certo. E literatura… literatura culta, escrita… poesia, romance, conto…? não -- quer dizer - isso já é uma outra luta -- veja que eu que defendo ocrioulo - como a maioria daqueles que defendem - quase todos escrevem… eu - porexemplo -- nós escrevemos em português… mas em português porque fomoshabituados sempre a escrever em português e temos mais facilidade em escrever emportuguês -- essa é uma razão em escrever em português -- precisamente por causadessas regras de escrita que se diz e que de facto não estão completas definidas - enão fomos habituados a escrever - primeiro -- em segundo lugar - porque sabemosque escrevendo em português… se estamos a escrever - queremos que as pessoasleiam -- há muito mais gente que lê -- portanto a divulgação é muito mais facilitadado que se formos escrever crioulo… nós estamos naquela situação ainda que aescrita em crioulo é só para aqueles que estão a fazer quase que estudos ou adivulgação deestudos ou a promoção do crioulo -- e quando escrevo em português -não estou a promover português - a língua portuguesa -- estou a promover o meupensamento sobre determinadas coisas -- ao passo que ainda quando… estamosnaquela fase de crescimento do crioulo - de desenvolvimento do crioulo - tal - emque quando a gente tem a opção de escrever em crioulo - para lá de de dar aconhecer um pensamento - uma tese de desenvolvimento - ou o desenvolvimento deuma opção politica ideológica - você quer também promover o crioulo -a língua emque esta a escrever -- eu… quando escrevo sobre determinada… posso falar de umacoisa que eu quero… desenvolver literatura… mas quando estou a falar - estou afazer um ensaio - faço em português… porque me sinto à vontade para o fazer emportuguês - mas estou mais preocupado com exprimir o meu pensamento sobre amatéria - não em promover a língua portuguesa -- ao passo que ainda o crioulo estánaquela fase que quando você opta por escrever em crioulo - não é porque você nãosaiba escrever em outra língua -- você quer o crioulo porque você quer promover ocrioulo através do seu pensamento -através da escrita// Acha que o crioulo, em si, tem esta potencialidade? de? Ser usado na literatura. eu acho que sim -- perfeitamente -- acho que sim -- quem souber escrever emcrioulo… que pode… aliás alguns já escreveram --eu acho que sim -- eu acho que ocrioulo tem todas essas potencialidades de uma língua -- agora nós é que temosde… quando houver essa vontade clara -forte e firme -naturalmente// Acha que o crioulo deve ser oficializado? acho-- acho que o crioulo deve ser--eu acho que… Porquê? Para quê? eu acho que… eu entendo… já o disse também no meu livro -- que o crioulonem sequer precisa ser oficializado -- eu acho que o crioulo deve ser assumidocomo língua oficial -- parece que estou a dizer… que as duas coisas são a mesmacoisa - mas não são -- quer dizer - eu acho que a língua materna - numacircunstância como a nossa - de um país uniforme - isto é - um país que tem a graçade ter essa única língua materna - mesmo com as variantes - mas o tronco - a línguaé única -- o crioulo é único com… apesar das variantes -- eu acho que um país quetem essa felicidade - essa graça de ter uma língua materna - essa língua materna nãoprecisava de ser declarada como oficial -- ela devia pura e simplesmente - pornatureza - ser assumida como língua oficial -- por isso é que eu digo nesse meuartigo nesse livro - que eu acho que a constituição devia pura e simplesmente dizero seguinte -- em Cabo Verde é oficial além da língua materna a língua portuguesa --quer dizer - assumia-se - por natureza - por ser a língua natural - o crioulo comolíngua oficial e a língua portuguesa por opção - também -- teríamos as duas línguas--eu digo isso expressamente lá// Nesse caso, qual ou quais seriam as funções do português e do crioulo?Seriam usadas para quê, cada uma das línguas? não -- seriam utilizadas indiferentemente -- por serem línguas oficiais -seriam usadas indiferentemente -- quer dizer - cada um utilizaria a língua em quemelhor se sentia à vontade -- porque você não pode oprimir ou:: inibir a maioria dapopulação em se exprimir na sua própria língua porque a língua não é a sua línguaoficial -- você não pode dizer a um povo - a 90% de um povo - que a língua que elefala não é língua oficial -- que é língua dela - dele - que é sua língua -- você vaidizer -- olha a sua língua não é oficial - a língua oficial é aquela que vinte dez -vinte por cento - fala bem -- que é a língua portuguesa -- nem sei se chega a essapercentagem -- mas está a compreender o ridículo e o contraditório disso? você estáa dizer a um povo todo - a sua língua é essa -- você vem lá de Caibros de SantoAntão -lá de Rincon daqui -lá de não sei quê dali… você chega a um serviço - querfalar o seu crioulo - quer exprimir-se - quer dizer o que quer -- não -- aqui você temque falar português -- a língua oficial é português -- a sua língua serve só lá para oseu sitio --está a compreender? Estou. é isso que eu… é contra isso que eu… acho que se devia dar essa… só que ascircunstancias é que imporiam as regras… quer dizer - você vai a um determinadosítio… eu estou na Assembleia - numa sessão parlamentar - eu falo em português -eu falo em crioulo - consoante for a vontade -- eu não tenho que me sentir inibidopor falar crioulo - ou valorizado por falar português -- eu tenho é duas línguas paraoptar -- eu falo naquela que melhor me convier -- se eu me sinto melhor emportuguês -para poder exprimir o meu raciocínio -poder rebater - poder argumentaretc. e coiso eu não deixo para falar em crioulo só nos momentos de coiso assim -tal… que estou a mandar uma mensagem específica para o meu povo -- quandoquero que a rádio -que a rádio me oiça sobre determinados assuntos - eu passo paracrioulo -- no resto que é formal - que é coiso… para mostrar que eu sou importante- que nós somos os órgãos de soberania a decidir - falamos em português -- é isso oridículo// Tem-me falado dos vários crioulos… acha que… variantes, como disse.Acha que existe um verdadeiro crioulo? Ou seja…? o que é que significa isso? Há pessoas que acham que o verdadeiro crioulo é o crioulo do interior, háoutrosque acham que… não-- eu acho que… se eu defendo que nós estamos em criação permanente -nós somos uma criatura… Quando falamos de… só para… quando se fala de oficialização, coloca-sesempre a questão: qual crioulo, não é? Éum pouco nessa linha… sim -- sim -- não - não -- eu acho… quer dizer - isso já eu ia entrar numaquestão técnica que não domino - que não percebo - portanto não falo sobre isso --eu já disse isso -- que eu acho que os técnicos na matéria é que devem definir isso --e os técnicos da matéria - pelos menos os mais conhecidos - que já deram maiscoisas até hoje sobre o assunto - que é o Manuel Veiga - a Dulce Duarte e oBaltasar Lopes - todos defendem a mesma tese -- que devia-se tomar como base…aliás o F1 vai mais longe… que defende que devia haver duas bases - uma desotavento e outra de barlavento - sendo que a de Santiago seria mais para desotavento - e a de São Vicente mais para barlavento -- bom isso é uma questãotécnica - claramente -- eu faço fé naquilo queeles dizem -- a F2 antes já tinha dito -e o Baltasar ainda antes também tinha defendido a mesma coisa - portanto - elesdizem isso -- mas para mim - esta não é a questão fundamental -- porque você nãovai dizer que português deixa de ser português porque é falado de uma formabastante diferente nos Açores em relação ao continente - ou na Madeira em relaçãoao continente -- entre Açores e Madeira são diferentes -- e o norte e no sul sãodiferentes -- têm variantes - têm pronúncia - palavras - etc. mas não deixa de ser…mas você vai a França e encontra a mesma coisa… não deixa de ter… vai a Itália eencontra também as variantes entre diversas regiões - que eles chamam lá ospaeses -- portanto - não é essa a questão -- eu acho que tecnicamente - os técnicosda língua - os cientistas da língua encontrarão forma de definir um crioulo básico -aquilo que será o crioulo formal - oficial - etc. em que se vai ensinar -- e outro éaquela língua crioula que nós falamos no quotidiano -- e nós todos noscompreendemos uns aos outros sem que saibamos escrever bem ou mal -- assimcomo em português todos falam português em Portugal sem que tenham queescrever bem ou mal -- se calhar… se calhar não - seguramente - nós falamos eescrevemos melhor português que muitos portugueses - que a maioria dosportugueses// O que é que acha disso? Como é que os cabo-verdianos falam português?Como é que acha? eu acho que há cabo-verdianos que falam português bem - como nós - porexemplo - a nossa… a nossa camada -- e há aqueles que falam mal porque queremimitar… há os cabo-verdianos - por exemplo - que estiveram em São Tomé - quenormalmente falam mal -- porque são pessoas que não estão habituadas e foramobrigadas a ter de falar português -- e então falam português que é uma traduçãodirecta de crioulo - por exemplo --mas sem verbo - sem coiso -sem nada// O que é para si falar português bem? bom -- para mim falar português bem - ao contrário do que muita gente pensa- não é - não é falar com sotaque eh:: como se dizia antigamente - de… sotaquemetropolitano -- não -- falar português bem é falar um português compreensível -obedecendo às regras da língua portuguesa -- não tem a ver com… se não - emCabo Verde todos falávamos português mal - tirando aqueles que têm a línguamuito mais enrolada - para dizer coisas - para falar o português lisboeta -- só eles éque ficariam -- eu acho que o nosso português… é ali que eu acho que é o nossopatrimónio - é nós falarmos o português cumprindo as regras - mas à nossa maneiracabo-verdiana… como há o português do Brasil - há o português de Angola - há oportuguês de Moçambique -- nem um é mais correcto ou não do que o outro -- querdizer - há regras básicas do português -- há as regras básicas -- agora a pronúncia -o sotaque - depende de cada país e dentro de cada país - às vezes de cada região// Essas regras básicas seriam de que tipo? não -- eu estou a falar das regras gramaticais -- nessas regras gramaticaisque… há princípios de língua - a que todas as línguas estão sujeitas -- o francêstambém esta sujeito a regras -o inglês também --etc.// Certo. Dr. X, eu… esteja à vontade para fazer… acrescentar mais algumcomentário… ou se há alguma questão que, para si é pertinente, mas que eu nãotenha abordado… não -- eu… eu acho que já abordámos quase tudo aquilo que eu poderia…sobre que eu poderia falar ou que me sinto com algum à vontade para falar -- háoutras questões já que entram para o foro eminentemente técnico - de domínio daciência da língua -- naturalmente sobre isso eu não vou poder falar -- mas eu achoque é uma luta grande que o cabo-verdiano tem que fazer no sentido de se valorizar-- e eu não concebo o cabo-verdiano a valorizar-se - sem que valorize o seuprincipal elemento identificador e o principal produto da sua criação -- que é ocrioulo// Dr. X, mais uma vez obrigada por me ter concedido esta entrevista. de nada//1Indicaçãode alto cargo desempenhado2. Já falecido, foi Combatente da Liberdade da Pátria,primeiro Presidente da Assembleia de Cabo Verde,para além de compositore artista plástico.3Televisão Experimental de Cabo Verde" -INF9.wav,"Dr. X antes de mais nada, muito obrigada por ter aceite este meu convite paraparticipar neste trabalho, com esta entrevista. A primeira questão que eu tenho é seantes de entrar para a escola, quando criança, falava o crioulo ou português? crioulo e só crioulo//eu fui para a escola já com dez anos de idade - e até essa altura… essa alturanão -aliás sempre--mesmo depois só falava português em situações formais// E nessa altura ouvia… tinha ouvido o português? Tinha algum contacto com oportuguês? quando fui não -- quando fui para mim foi traumático uma vez que o professorfalava e eu não sabia o que é o professor estava dizendo -- e isto porque e:: eu já tinhaido no ano anterior -- portanto isso na escola primária - no ano anterior estive naescola particular e aí o professor falava em crioulo - embora explicasse a matéria emportuguês - portanto as leituras eram em… mas falava normalmente em crioulo demaneira que eu não tinha dificuldade -- quando no ano seguinte - passei à escolaoficial - o professor falava sempre em português -- e eu não sabia nada de nada - nãoentendia -- e o pior era quando ele me interrogava - eu não sabia o que é que eleestava a perguntar-me -- e muito menos o que eu tinha de responder - e foitraumático// Nem na comunicação social? na altura não havia -- na altura… repara eu nasci em cinquenta - fui para aescola com dez anos - portanto em sessenta - não havia -- não havia rádio - não havianada - não se ouvia -- mesmo lá no interior - eu me lembro… naquela zona dos meuspais - na casa dos meus pais foi a primeira vez que surgiu um relógio - um relógio demesa - de maneira que era todo o mundo a perguntar -- que horas são? que horas são?de maneira que não havia comunicação social - não havia nada - pelo menos nós naaltura desconhecíamos por completo// E actualmente, em casa e com os seus amigos e colegas mais próximos usa…qual é que usa? eu estaria agora a: usando o crioulo - se não tivesse iniciado a conversa emportuguês - porque eu detesto estar a falar em português para cabo-verdianos - mexecomigo -de maneira que… Já lhe tinha explicado… tenho que fazer a transcrição… teria de traduzir…. isso responde tudo -- portanto - com os meus filhos - eu não me lembro de terfalado com eles em português -- se uma ou outra vez - por qualquer razão - me tenhaocorrido tentar falar - eu mesmo me sinto inibido de tal maneira que não consigo --não consigo falar com os meus filhos que não seja em crioulo// Portanto, com os seus amigos mais próximos usa habitualmente o crioulo. só falo português normalmente em situações formais -- e essa situação quedevia ser informal que está sendo formal - já disse porquê… Sabe… como é que considera a sua… o seu domínio em português? olha… é uma pergunta que nunca me pus a mim -- posta assim… acho que mesinto à vontade como em crioulo -pelo menos isso// Em termos de… na escrita… eu costumo dizer - é uma questão de opção --se optar por escreverou falar em português - falo e escrevo em português -- se optar pelo crioulo - tambémfalo e escrevo em crioulo -- às vezes tenho uma certa e:: desconfiança que - quandofalo em crioulo - se calhar eu consigo transgredir a gramática mais vezes do que emportuguês -e acho que por influência do português// E o crioulo de outras ilhas conhece, domina? conheço - mas não domino nenhum outro -- neste momento estou trabalhandopor exemplo - sobre textos de tradições orais recolhidas no Fogo - aliás foi umaoperação que eu organizei em 1986 -neste momento estou transpondo… aliás já metitodas as histórias tradicionais recolhidas durante esta operação… trouxe (?) cassetesgravadas - neste momento está tudo no computador - com quinhentos e dezasseishistórias tradicionais entre outras coisas recolhidas durante aquela operação - eportanto como já… e pretendo fazer até ao fim deste ano… deixar pronto um volumedeste conjunto de histórias tradicionais que serão cinco volumes -- portanto isto querdizer que agora estou trabalhando um bocado sobre o crioulo do Fogo - não tantoquanto crioulo - mas expressões orais recolhidas… a variante do Fogo não domino -mas tenho de respeitar - pela gravação -por aquilo que oiço - mas a falar nãoconsigo-não consigo// Compreende o crioulo de…? compreendo o crioulo de qualquer das variantes -- mas só falo - sinto-me àvontade -na da ilha de Santiago// E em termos de leitura e escrita do crioulo? a:: não tenho problemanenhum --não tenho problema nenhum quanto à escrita– eu… e à leitura - leio qualquer -- independentemente da varian… da da doalfabeto// O que é que acha, exprime as suas ideias melhor em crioulo ou em português? eu creio ter respondido de alguma maneira a esta pergunta há bocado…quando me pôs a questão de opção… Depende dequê? Da pessoa com quem fala, do assunto, do lugar? não -- para mim - qualquer assunto - qualquer assunto com qualquer pessoa --só que normalmente não me sinto à vontade a falar português com cabo-verdiano((risos)) E porquê? Portanto, sente à vontade quando fala português e quando falacrioulo… sim -- mas quando falo com cabo-verdianos eu sinto mais à vontade falandoem crioulo com cabo-verdianos// Porquê? acho que… nunca pensei no assunto -- mas acho que é… porque… bom…parece-me que soa mais ao natural - somos todos cabo-verdianos temos uma línguacomum - uma capa… possibilidade de nos exprimirmos na nossa língua -- achoque… fico mais em Cabo Verde quando estou a falar em crioulo com cabo-verdianos--e isto mesmo lá fora --eu me lembro lá fora não conseguia -em Portugal tinha umadificuldade horrível em falar com cabo-verdianos que não fosse em crioulo -independentemente de falar… da variante que o meu interlocutor domina ou fala // Sobre essa questão de se exprimir em crioulo… quando… se sente mais àvontade, quando fala ou escreve crioulo, quando fala ou lê crioulo? bom… naturalmente a leitura ou a escrita já é:: uma coisa mais pensada --quando fala o indivíduo está mais solto --portanto - no fundo pretende é comunicar --não está atento àquilo que diz mas à passagem da mensagem -- acho que nestesentido são dois níveis diferentes// Relativamente … em comparação com o português, qual é que se sente mais àvontade: ler em português ou em crioulo, escrever em português ou escrever emcrioulo? (…) remeto de novo àquela pergunta - àquela pergunta e àquela resposta de hábocado - quer dizer não me… Igualmente. não - não consigo notar a diferença -- quando escrevo em português estou aescrever em português - o crioulo afasta-se -- se estou a escrever em crioulo - oportuguês afasta-se -- na fala a mesma coisa -- de maneira que eu nunca me apercebique… em qual dos terrenos me sinto mais à vontade - tanto na escrita como na fala -não me apercebi -- aliás não sei se é por questão de ter-me habituado tanto a falaruma coisa e outra - portanto se calhar eu não direi que me sinto mais à vontade emcabo-verdiano que em português - não direi isso -- mas em termos de publicação sim- em termos de publicação sim -- de maneira que não sei… francamente não sei… demomento não foi coisa que me passasse pela cabeça alguma vez pensar sobre isso --sinto-me à vontade quando opto por uma coisa ou por outra// Eu vou lhe pedir que pense nas três pessoas com quem mais conversa, fora doseu círculo familiar, no exercício das suas diferentes actividades, como investigador,agente cultural … No exercício dessas actividades, pense nas três pessoas que maisconversa … E se fosse possível gostaria que definisse elaborasse o perfil destaspessoas, em termos de estrato social, idade, se são pessoas … mhm -três pessoas (…) Se são colegas, vizinhos, colegas de trabalho, de… bom vou dizer um colega - colega de trabalho investigador - estou a ver umaprima que trabalha comigo em casa… Fora do círculo familiar…no trabalho… (…) no trabalho… (…) Como escritor, como político, na sua vizinhança… bom… estou a pensar em três pessoas… uma delas - como ia dizendo - é umacolega de trabalho… portanto… é uma pessoa… já é investigadora… portanto…embora com ela se passe o caso de mais vezes eu estar a falar em crioulo - e essapessoa em português - é cabo-verdiana - só que não nasceu em Cabo Verde - talvezpor isso --uma outra pessoa… Com essa pessoa aqui, fala normalmente de que assuntos? assuntos diversos - às vezes questões de trabalho - questão … questões ligadasà investigação -mas também situação social -política --portanto do nosso país// Com essa pessoa, se percebi bem, fala em crioulo, embora essa pessoa … talvez eu fale em português porque essa pessoa normalmente reagerespondendo-me em português -- mas normalmente falo falo em crioulo porque écabo-verdiana - essa pessoa -- e às vezes eu me dou conta que continuo crioulo e elaestá falando em português - então passo para português -- mas às vezes ela tambémfala - faz um esforço tentando falar em crioulo -- uma outra… uma segunda pessoa -ele também é um intelectual - um jurista de formação e:: como ele diz - e:: assuntosligados à literatura mas sobretudo ligados… assuntos ligados à política// E aí, qual é a língua, crioulo ou português? crioulo e português -crioulo e português// o X fala em…? em crioulo e em português -e essa pessoa também//mas houve uma fase que a gente falava mais em português - estamos naquelafala que a gente fala mais em crioulo -também é cabo-verdiana// E falar crioulo ou português com essa pessoa, depende de quê? depende do início da conversa -- se ela iniciar a conversa em português -continua em português -é mais isso// E a terceira pessoa? a terceira pessoa -interessante -estou a falar de pessoas com quem mais falo… Sim. Sim. engraçado… estou a ver que o meu círculo é muito… é muito restrito - porqueesta pessoa também é intelectual -- é é uma pessoa muito envolvida na política --actualmente até é ministro também -- mas com essa pessoa… também já foi háalguns anos… com essa pessoa… falamos normalmente em crioulo - embora aprincípio algumas vezes acontecia… talvez por ser dirigente… às vezes falavacomigo em português -e eu - mais por birra -continuava a falar em crioulo --passavatodo o tempo a falar crioulo e ele português - mas eu aí fazia conscientemente --não -não - eu vou falar a minha língua - que é a tua – e que deves usar -- não dizia nada -mas no fundo ela devia perceber… portanto… de maneira que estas pessoas têm umperfil muito semelhante - essas pessoas com quem eu mais falo -- outras é conversade ocasião --às vezes a gente fala crioulo -às vezes fala português// Ora o crioulo, ora o português. Qual é o perfil das pessoas com quemnormalmente fala crioulo? São familiares, colegas, autoridades, superioreshierárquicos, falantes de crioulo, de que nacionalidade? eu normalmente falo crioulo com todas as pessoas cabo-verdianas - sobretudoquando noto que a pessoa não domina por exemplo o português ou porque se sentemais à vontade a falar o crioulo - normalmente eu faço questão de me comunicar - eàs vezes de me situar ao nível do meu interlocutor - não tenho problema em escolherpessoas ou … Quando diz situar-se ao nível não percebo muito bem… situar-se ao nível doseu interlocutor … ao nível da pessoa - do meu interlocutor -- quer dizer se noto que a pessoasente mais à vontade a falar numa língua que é nesse caso a cabo-verdiana… ah! aíestou como peixe na água não é? mas se noto que a pessoa… porque eu noto quealgumas pessoas querem falar comigo em em português ou falam comigo emportuguês porque partem do princípio que não dominam a minha variante -- às vezessão pessoas de Barlavento - não dominam a minha variante - e não sei se é umpreconceito - de não querer fazer feio ou qualquer coisa - falam em português e eutambém - digamos por norma e educação - respondo também na língua em que apessoa se sente mais à vontade -- mas eu normalmente não… eu - como disse - comcabo-verdianos pretendo falar sempre em cabo-verdiano… mas já com dirigentes -nomeadamente os meus superiores hierárquicos - já tive alguns -- noto que algunsfazem questão de falar sempre em português… e às vezes - por deferência eu falo emportuguês -- mas de quando em vez - quando estou numa situação de intervir emnome dos outros eu faço em crioulo mesmo que embarace as pessoas --por exemplo -eu estive na presidência da república - normalmente falávamos em português com osenhor presidente -- mas por exemplo na ocasião em que se ia dar ou fazercumprimentos ao senhor presidente e eu era seleccionado para falar em nome dosfuncionários -eu falava em crioulo// Normalmente, os assuntos que fala com as pessoas com quem fala crioulo sãodiferentes dos assuntos das pessoas com quem fala português? Ou seja,… não - não faço este tipo de diferença -- eu falo sobre qualquer assunto - possofalar numa ou noutra língua -- mas a minha diferença tem em conta a situação - querdizer o interlocutor// Dê umexemplo. por exemplo se estou a falar com uma pessoa analfabeta - não me passa pelacabeça falar o português por exemplo - portanto não me passa pela cabeça -- ou seestou a falar com alguém que tem a sua 4ª classe - ou coisa assim ou pouco mais - oumesmo curso geral do liceu ou coisa… sinto muito mal - porque entre nós eu sei quequem tem o curso geral do liceu não domina o português - às vezes nem quem tem o12º ano de escolaridade - tem dificuldade em se exprimir… eu quero que o meuinterlocutor esteja à vontade - então eu falo normalmente a língua de todos nós -- eisso independentemente do assunto - aliás eu cheguei à conclusão que::: não tenholíngua para assuntos -- para mim… tenho a mesma língua para todos os assuntos --depende da pessoa com quem falo -do meu interlocutor// Há bocado referiu-se a isso, mas eu queria precisar um pouco. O que acontecequando fala o seu crioulo com pessoas de outras ilhas? Compreendem-se? Falo emtermos de compreensão. eu a esse propósito posso dizer-lhe que já estive em todas as ilhas habitadas etenho falado com pessoas dessas ilhas --eu não notei constrangimentos pelo menos…nem da parte das pessoas nem… como já disse também eu só domino a minhavariante -normalmente falo a minha variante// E as pessoas entendem? as pessoas… portanto as pessoas reagem e respondem -- e tenho notado daminha parte em relação às outras variantes - às vezes um ou outro interlocutor vem-me com um vocábulo que eu desconheço - eu anoto para depois perguntar a palavra --enfim eu suponho também que a mesma coisa deverá ter acontecido - às vezes - ointerlocutor disse isso… o que é isso?  mas é questão de vocábulos ou de léxico enão propriamente de da comunicação -da língua// Dr. X, e em relação às circunstâncias, ao lugar, se está em casa, no mercado,em eventos desportivos? Já me falou um pouco das cerimónias, mas estou a pensarem locais de lazer, festas bailes, cafés, cinemas… usa o crioulo ou o português? o crioulo - sempre o crioulo com crioulos ((risos)) sou crioulo em tudo comcrioulos -em princípio// Está bom! E diga-me, para exprimir os sentimentos, orar, rezar, namorar… ocrioulo ou o português? depende // Depende de quê? depende da pessoa - do ambiente em que estiver -- mas normalmente - aquientre nós -neste espaço - não me passa pela cabeça a não ser em crioulo// Ser em português depende do que? sempre do interlocutor ou o ambiente -- portanto em que a língua que se usaseja o português - mas normalmente eu faço questão de usar sempre o crioulo -- aliásé a minha grande luta// Dr. X, pense agora nesta última semana, e diga-me qual é que usou com maisfrequência o crioulo ou o português? ah!! não tenho dúvida -nem dápara pensar --crioulo// O crioulo. nem dá para pensar// E em termos de da duração, do tempo do número de vezes que falou, mais ocrioulo ou o português? éincomensuravelmente o crioulo -- é o crioulo// Porquê? porque estou na terra de crioulos - falo com crioulos - e eu sou crioulo --desculpe-me-parece uma brincadeira mas é… traduz o que eu sinto e é o que eu faço--e isto está-me sempre presente --quase inconscientemente presente// Existe alguma circunstância em que usou português, mas que teria preferidousar o crioulo? está a falar desta semana ou… Não. Não. Em geral… de um modo geral… na vida. Circunstancias em queusou o português, mas teria preferido usar o crioulo ou vice-versa usou o crioulo, masteria preferido usar o português? bom - esta última creio que não… que não tenha sido aplicável -- isto é - usei ocrioulo mas gostaria de ter usado português - não me lembro nunca -- mas o contrárioaconteceu-me diversas vezes --não posso contar … Pode dar um exemplo. por exemplo -eu vivi em Portugal durante oito anos… Não. Em Cabo Verde. ah! em Cabo Verde… só nas circunstancias oficiais -- só nestas circunstânciasem que eu era entre aspas obrigado a usar português mas gostaria de ter usado ocrioulo -- mas só nestas nestas circunstâncias - de resto eu tenho quase que um bicholá dentro a dizer que não --em crioulo// Vamos pensar um pouco nos contextos onde habitualmente ouve o crioulo…Onde é que ouve o crioulo? em todo o lado -- em casa - na rua e:: nos mercados -- até nessas cerimóniasoficiais enquanto não entra o acto cerimonioso - entre um e outro -- ouço o criouloem todo o lado// E o português? muito pouco// Mas onde, em que circunstâncias? normalmente só nestas circunstâncias cerimoniosas ou oficiais// Já me disse que não escolhe o crioulo ou português em função do assunto. Masnormalmente, quando ouve o português e o crioulo, que assuntos ouve em cada umdeles? É capaz de perceber… ? sim --acho que entendi -mas também aí não sei fazer… Por exemplo, assuntos de tipo oficial, político… nessas cerimónias… normalmente essas cerimónias passam-se em português --acho que não só pela língua ser oficial - mas também e:: por talvez tentativa detransmitir alguma solenidade - portanto -- porque já fui em situações… aliás eu melembro de recentemente… relativamente recente… participava numa reunião que eraà volta da cultura -- e:: que quem ia dirigir a reunião começou em português - euachei estranho - eu achei estranho - mas quando pedi a palavra para intervir -disse --bom -- eu creio que estamos num ambiente ideal para… estamos a falar da nossacultura - e sobre a nossa cultura - estamos a discutir sobre a nossa cultura - e pensoque quando se discute a nossa cultura - e penso que o maior instrumento (?) é usar anossa língua - a língua da nossa cultura -- até fiz este reparo - mas normalmente oportuguês aparece mais vezes - ou em situações de oficialidade ou cerimónias oficiais- ou então porque se pretende dar alguma solenidade à comunicação ou ao ambiente -- ou ainda - também - há dias estive a pensar nisso - há todo uma carga de alienaçãoque pensa que o português é prestigiante e o crioulo não é--portanto há tudo isso// Vamos pensar na leitura… Leu mais… nesta última semana, leu mais emcrioulo ou em português? infelizmente quando leio - leio mais em português porque não se produzpraticamente em crioulo -- para ler em crioulo teria muito que ler-me a mim mesmo -e eu não faço isso -- eu não faço isso -- de maneira que - infelizmente e:: os textosque me apresentam aparecem quase sempre em português - ou em outras línguas -mas não em crioulo// Digamos, em termos de crioulo não lêmuito, se estou aperceber bem. não -não leio muito --porque não me leio e os outros que escrevem em crioulosão tão poucos e tão raros// E em termos de escrita, escreve mais em crioulo ou em português ou os dois? e:: depende -- se escrevo coisas minhas faço em crioulo - normalmente -raramente - muito raramente - em português -- agora se estamos a tratar de coisasoficiais - infelizmente a língua oficial só temos uma - por enquanto -- então eu tenhoque escrever em português - portanto é essas duas situações e portanto - dependendode cada uma -eu uso mais uma ou outra língua// Portanto, já me disse, documento oficiais escreve em português e as pessoaisem crioulo, predominantemente, e também português. Quando é que é em criouloquando é que é em português? O que éque escreve em crioulo e o que… ah! quando são coisas minhas - poemas - ou comunicação por exemplo - paraapresentar em fórum dos cabo-verdianos - normalmente eu faço sempre em crioulo --agora em português - na questão de inspiração - isso aconteceu-me sobretudo emPortugal -- creio que em Cabo Verde veio me acontecendo até há algum tempo atrás -- aparece-me sempre uma inspiração em português - eu não escolho a varianteportuguês - sai em português -- quando estava fora de Cabo Verde - se calhar vinhamais vezes em português - mas depois de estar cá - o crioulo foi conquistando o seuterreno -naturalmente -- de tal maneira que eu hoje acho que não tenho inspiração emportuguês ((risos)) Diga -me… e textos que escreveu em crioulo, mas que gostaria de ter escritoem português e vice-versa. Disse… falou que escreve em português e crioulo, mas etextos que escreveu em crioulo e gostaria de ter escrito em português ou que escreveuem português e gostaria de ter escrito em crioulo? não - dos que tenho escrito em crioulo não há nenhum que eu gostaria de terescrito em português -- mas textos escritos em português - por mim eu gostaria de oster escrito em crioulo -- mas circunstâncias outras levaram-me a escrever…inclusivamente saiu no princípio deste ano um conjunto de comunicações feitas emcongressos, fóruns, etc. - em que alguns estão em português - são vinte e três entre osquais sete em português - e lá aparece - em nota de rodapé - porquê em português --houve um ou outro caso mal entendido - mas já… eu já cheguei a barafustar comalguém que queria que eu fizesse a comunicação em português e neguei-me --neguei-me terminantemente -- e acabou por me convencer a escrever - mas quandopediu-me outra comunicação - mas em português - mas quando me debrucei sobre opapel não saía em português - eu tive que escrever em crioulo e isso para mim é -- foia coisa que me chamou mais - que me chocou - e buliu comigo muito mais - quandofoi um texto sobre Sérgio Frusoni - num simpósio que houve em São Vicenteorganizado pelo colega João Varela - e ele convidou-me e eu aceitei - mas tinha queser em crioulo -- e ele - não - eu já estive consigo numa conferência e você aítambém apresentou uma comunicação em português - faça um esforço - apresentetambém em português -- está bem - vou abrir esta excepção - mas na altura daescrita não consegui - acabei escrevendo em crioulo -- mas como já tinhacompromisso com ele - tive que me dar ao trabalho - depois de estar tudo escritotraduzi para português -- quando lá fui - olha - aqui está o seu texto em português -mas o texto que vou apresentar é em crioulo - não - você não pode - não? eu vou- ou então não apresento comunicação nenhuma -- eu fiz uma barafunda ali na salaque teve que ir à votação para se saber em que língua eu faria a apresentação - e opúblico aceitou e pediu que fosse em crioulo - e eu fiquei satisfeito - e ele ficou piorque danado -- mas pronto - isso foi uma situação que podia levar a uma situaçãolimite -- em que eu já tinha feito o compromisso de escrever em português - mas nahora de fazer a coisa não consegui - não saiu -- isso porque veio-me uma imagem doSérgio Frusoni -- meu Deus - um homem que é cabo-verdiano porque praticamente…porque nasceu cá - mas filho de italianos e que escreveu sempre em crioulo - vai-sefazer uma homenagem a ele - e vai-se usar a língua… quando podíamosperfeitamente entre nós fazer… não sei -- tive que escrever em crioulo depoistraduzi… deixei a cópia com ele - mas para mim é o crioulo que vale - é o texto emcrioulo// X, escreve em crioulo, estudou o crioulo. Em termos de aprender a escrevercomo é que foi esse processo? sim… é uma coisa interessante… na primeira experiência de escrita - de tentarexprimir-me - do ponto de vista do sentimento - foram poemas e em português --andava a estudar na altura o quinto ano - a secção de letras do curso geral dos liceusna altura - enfim… depois fui para Portugal -- saí com uma necessidade enorme deescrever em crioulo -- estava em Portugal com uma necessidade enorme… mas antesde ir - nas férias e:: de fim de ano - daquele ano em que eu fui-me embora - lembrei-me das… dos contos tradicionais que eu ouvia em casa -- da minha avó - da minhamãe -- e fiz o registo das histórias do 1Ti Lobo e Xibinhu que eu conhecia -- eujulgava que tinha MUItas histórias… cheguei ao número dezassete -não tinha mais…fiquei decepcionado -- mas a verdade é que eu levei comigo aquele caderno de…coisa… com os textos em crioulo -- mas um belo dia voltava de uma saída que eutinha feito - a casa - e encontrei o meu irmão mais novo - o mais novo - o que ficoucomo 2kodê- a:: sentado à janela a ler para os senhores - ia-me aproximando -ouvi --mas sou eu -- então parei - continuei a ouvir - mas ele que nunca - mas nunca -tinha lido um texto em crioulo… e estava a ler em crioulo -- estranhei -- mas eutambém nunca tinha escrito e escrevi em crioulo - e ele leu -- bem e eu fiquei lá - eufiquei lá até ele acabar - para tomar o caderno porque que ele não tinha pedidoautorização - eu nem sabia que ele sabia do caderno - e depois… reparou nacircunstância? mhm mhm isto… estou a contar porque em Portugal depois de um ano e pouco - fuiconvidado para participar na… numa cerimónia religiosa -de cabo-verdianas que iamfazer votos religiosos - eu fui -- elas falavam em crioulo e eu não conseguia exprimirem crioulo - uma coisa fenomenal -- um ano e pouco depois de já estar em Portugal -já não conseguia falar em crioulo - porque só falava em português -- ela falava - euentendia - mas quando tentasse exprimir-me em crioulo não conseguia -- quer dizer -aí a língua quase que se amarrava à boca - não saía… riram-se de mim porque foramminhas ex-colegas no secundário - riram-se de mim à farra -- e eu senti-meenvergonhado como raras vezes tenho sentido em minha vida porque lá no fundo eudizia para mim -- falar (?) o português -- não é a minha língua -- mas a minha língua- a minha própria língua que desde miúdo até agora com vinte e três anospraticamente feitos… eu saí de Cabo Verde - e agora um ano depois já não consigofalar a minha língua -- como é que é?  então tomei a resolução de passar a escreveraos meus pais em crioulo -- a partir daí passei a escrever de Portugal para os meuspais em crioulo -- os meus pais eram analfabetos mas o meu irmão mais novo é quelia - sabia que ele já lia em crioulo portanto era uma forma de não perder a minhalíngua --a realização da minha língua --bom -portanto -quanto à questão da escrita -foi a partir dessa escrita das histórias de nho lobo esta necessidade de não perder arealização da minha língua - passei a escrever -- mas tinha um código próprio… bomeu já tinha lido alguns textos em crioulo - de escritores nossos e eu não estava deacordo com alguma representação e inventei umas coisas - por exemplo para o sujeitoda primeira pessoa do singular eu escrevia m maiúscula - quer dizer m maiúscula --depois agora ficou em N -- mas pronto foi assim -- e a minha… eu creio que o factode ter registado aquele contos me despertou para tradições orais - me envolver comtradições orais - eu fui fazer filosofia mas também fiz cultura e algumas disciplinasda de portanto de antropologia cultural -- e isso tudo me permitiu estar a navegarna… foi assim que começou -- depois passei a registar poemas em crioulo entãoquando se deu o colóquio de 1979 em Mindelo eu soube através da rádio lá… narádio que era movimentada pela embaixada nossa em Lisboa então -- escrevi aoMinistério a pedir tudo o que pudesse sair daquele colóquio -- curiosamente quem memandou esses documentos foi F13 que tinha regressado - que eu não conhecia - memandou e então começamos a trocar correspondência -- quando li os textos docolóquio - comecei a interessar imediatamente - a passar os textos que eu tinhaescrito - a fazer exercício -- de maneira que quando voltei já estava escrevendo - pelomenos utilizando bem --sem problemas -a proposta do colóquio de Mindelo// E actualmente, como é que escreve? Actualmente, o que é que utiliza, oALUPEC? não - não - o ALUPEC -- aliás eu fui e:: neste aspecto talvez eu fui algoprogressista -- porque o colóquio de Mindelo eu não tive… não me… foi para mimuma satisfação - uma luz -- enquanto outros escritores na altura barafustavam - essacoisa… para mim não - foi o lado prático da coisa que me falou - aquela capacidaderápida de representar… e uma representação praticamente universal - para cada somuma representação -- aquilo para aquilo foi fantástico -- depois eu tambémnaturalmente me identifiquei bastante com essa proposta -- em 1979 aparece o fórumde alfabetização de adultos aqui na Praia - que aparece com outra proposta a partir daproposta do colóquio do Mindelo -- fez algumas alterações - eu passei a exercitar-metambém na… com essa proposta… eh:: bom - depois tive a sorte ou a infelicidade deestar ligado ao ALUPEC - portanto aquele grupo… eu fiz parte do grupo que propôso ALUPEC -- e a partir daí eu comecei a exercitar -- eu acho que o ALUPEC jáatingiu o auge de todas as propostas havidas desde… Sente alguma dificuldade quando escreve Não estou a falar especificamente doalfabeto… mas sente alguma dificuldade quando escreve o crioulo? não -- poderei ter dificuldades em saber o que eu quero dizer mas nãopropriamente instrumento -- eu não tenho dificuldade nenhum -- e hoje mesmo oALUPEC… eu continuo usando o ALUPEC… mas eu creio que estarei chegandonuma fase mais avançada porque eu quis sempre exercitar-me e a:: encontrar algumacoisa que doutra forma seria melhor e coiso… de maneira que eu tenho propostas…nesta altura eu tenho propostas de alteração para ficarmos mais ao pé daquilo que sefala - e sem constrangimentos para para o leitor ou para o que vai escrever - porqueno fundo acaba por representar melhor -- nomeadamente porque o ALUPEC emmatéria de::. 'a' pretende que o 'a' seja sempre aberto -- mas há… há nuances -- hánuances -- por exemplo em baka4 - estamos em presença de dois 'a' -- mas nota-seque que o primeiro -em termos sonoros -o primeiro'a'é diferente do segundo// E, na escrita, acha que devia ter duas letras para… não - a mesma letra -- mas só que assim como para 'e' e 'o' se utiliza o acentoagudo para aberta - eu passei também a assinalar o 'a' assim aberto com acento agudo-- ora mas isto vai dar uma proliferação de diacríticos - mas eu prefiro estar maisperto daquilo… da realização sonora… quer dizer eu sacrifico a:: eu sacrificosacrifico a leveza da escrita -em função… em… a favor da da clareza do som// E em termos de organização do discurso, dos parágrafos, não sente…? não - não -- aí é uma outra coisa -- eu penso que é um trabalho que ainda nãose fez - mas vocês - linguistas (?) deverão pensar nisso - dar uma contribuição naquestão da estruturação da escrita -- nomeadamente na questão dos parágrafos - dossinais de pontuação nomeadamente a vírgula - ponto e virgula - dois pontos e essacoisa toda - porque eu noto que na utilização desse sinal de pontuação - eu suponhoque a minha influência vem sobretudo do português// Certo. acho que vem naturalmente porque foi o português que eu estudei -- eu nãoestudei a escrita do crioulo - porque nunca se ensinou -- ainda não se me ensinouconvenientemente -- mas eu pelo menos nunca ninguém me ensinou a escrever emcrioulo -- então eu penso que mesmo em crioulo há uma prosódia que talvez exijauma revisão uma adequação - melhor - desses sinais de pontuação a:: para respeitar aprosódia -- eu suponho - mas eu claro - como não sou linguista nem tenho pretensãode o ser… eu coiso… mas eu acho que teríamos algo a ganhar - e:: se tomássemos emconta a prosódia - para a partir daí verificar se não haveria uma adequação maiordando uma volta em… ou adequando melhor a escrita a esta prosódia -- suponho queseria uma contribuição muito boa -- porque eu vou ao francês - eu noto que…mesmo comparando com o português… eu noto que… talvez por causa daprosódia… mas eu noto que os sinais de pontuação que… eu utilizaria outros emportuguês para coiso… acho que isso é que me chamou a atenção -- também emcrioulo devemos fazer caminhar no sentido uma experimentação para ver em que dá// Obrigada Dr. X. Diga-me agora: quando está a falar crioulo numa determinadacircunstância, há algo que o obrigue, entre aspas, a mudar para o português, que ofaça mudar para o português?(…)Por exemplo a chegada de alguma pessoa ou a mudança de assunto também ofaz mudar de crioulo para português? a mudança de… a entrada de pessoa pode -mas a mudança de assunto não// Fale-me disso. a entrada de pessoa…nós estamos aqui… suponhamos a falar em crioulo -entra uma portuguesa ou um português - e que vai continuar aqui connosco… não -nós estamos numa esplanada - estamos os dois a falar em crioulo - aparece umportuguês que é amigo seu ou amigo meu e - bom - a gente convida para sentarconnosco - aí a gente tem de mudar de língua - porque senão ele não entenderia - enão ficaria bem -- neste caso sim -- mas não vejo nenhuma outra circunstância queme faria passar para português estando a falar em crioulo// E ao contrário, estar a falar em português e mudar para crioulo? também -- podia dar-se o caso -- mas aí teria que… portanto… suponhamospor exemplo - estava a falar com alguém - neste caso vamos pressupor um português- estava a falar em português naturalmente - porque já disse que com cabo-verdianoem princípio falo cabo-verdiano - estou a falar em português e aparece-me alguémque sei que não domina português -- e entretanto precisa conversar comigo -- dasduas uma -- ou peço licença à pessoa que estou a falar para atender rapidamente apessoa - e aí passo naturalmente para o crioulo e falo com a pessoa -- ou se apessoa… se a pessoa… não… acho que não se daria o caso de ter que se sentarconnosco para eu ter de falar em crioulo sabendo que essa pessoa que acaba de entrarnão fala português - mas também que a pessoa com quem eu estava falando não falacrioulo -- aí sim teria uma situação… coisa… de maneira que eu tinha de fazer umcorte -- ou pedia licença e ia falar com o outro - ou olha - falamos obre esse assunto- ou retomamos essa conversa noutra ocasião porque agora estou com a pessoa… ouentão - se a conversa com a outra tivesse… dizia – se não se importa - vamosretomar o assunto noutra ocasião - e continuaria a falar com a outra… mas para sairdo português e continuar em crioulo -não// E em termos de assunto, mudar de português para crioulo? não// Não? não - assunto não -- assunto não mexe comigo em questão da utilização dalíngua// Dr. X, o que é que pensa do crioulo e do português? o que é que eu penso? eu penso que… Diz-se muita coisa sobre o crioulo e o português em Cabo Verde… muito rapidamente… eu acho que bom… que o português que alguns… muitagente também já pensa que é um património nosso… eu tenho alguma dificuldade emaceitar assim de ânimo leve que seja de facto um património nosso -- a não ser queesse nosso tenha de ser restrito// Tenha de ser? tenha de ser restrito -restringido // Ou seja? portanto há aqueles que dominam o português ou cabo-verdianos que dominamo português -- porque há uma grande franja da população cabo-verdiana que nãodomina - portanto não pode ser um património que não utiliza -- de que não precisa -portanto nesse sentido -- mas eu penso que é um instrumento de que que nósprecisamos - de que nós precisamos porque é:: um instrumento de comunicação comoutros outros povos -- já não digo só com portugueses mas com todos os falantes deportuguês que não têm que ser só os portugueses de PALOP e brasileiros mas deoutras doutras nacionalidades que… acho que como instrumento… eu costumo dizerque um:: que ter o domínio de qualquer língua - seja ela qual for - é sempre umautilidade - sempre - é sempre bom para quem fala -- mas por isso eu penso que é umum instrumento de que nós precisamos -- podemos considerar património entre aspasporque é veiculo de muita coisa que já está integrada em nós enquanto povo -enquanto cultura -- mas eu -- o meu apego ao crioulo -- à língua cabo-verdiana épor… tem muitos motivos -- alguns… para já trata-se de uma criatura nossa - é umacriatura nossa -- o cabo-verdiano nunca inventou nada -- suponhamos - mas inventouuma língua -o crioulo é nossa criatura - nós a criamos// Certo. como língua ela é::: nossa -- por outro lado… ela exprime o que nos vai pordentro - ela é a voz da nossa alma - é a voz e a expressão da nossa cultura - é a línguatambém do nosso povo - é a língua desta nação que tem uma cultura própria com quese identifica - que se identifica também com ela -- com essa língua -- daí que paramim o crioulo é em grande parte minha alma// e::? o português é o meu… é um instrumento -- o crioulo é minha alma - é emgrande parte minha alma -- talvez por isso que eu me sinta à vontade… tenhodificuldade em falar com crioulos e crioulas que não seja em crioulo// O que é que acha então desta situação de nós, em Cabo Verde, usarmos ocrioulo e o português? eu penso que estamos a caminhar para lá - em termos duas línguas pelo menos- embora para nós - pela nossa pequenez - pelas necessidades que nós temos - sepudéssemos ter três ou quatro línguas oficiais era melhor ainda -- mas eu acho que ocrioulo e o português têm espaço - têm espaço próprio - têm terreno próprio - e têmuma caminhada a fazer -se calhar junto -juntas as duas línguas// Sabe me dizer qual é o espaço próprio do crioulo e do português? eu falo um bocadinho pelo português… é um instrumento de comunicação --a:: suponhamos que eu só soubesse falar crioulo -- deslocar-me-ia a Portugal - eraquase como se me deslocasse a França -- ou a Inglaterra -- por isso - se não falasse…se não falo - não domino a língua portuguesa - bom… estou perdido -- aí enquantoinstrumento de comunicação -- e é neste sentido que penso que preciso desta línguacomo instrumento de comunicação nomeadamente com Portugal com os outrosPALOPs com o Brasil -- portanto é muito útil -- se calhar muito útil ou necessário --portanto tem este espaço - nomeadamente este espaço extra país - extra nação - queeu preciso de ter domínio para estar à vontade neste espaço -- aqui dentro temos anossa escola que não fala a nossa língua -- a nossa escola fala a língua portuguesa -portanto a nossa escola falaestrangeiro ((risos)) e então sinto… mesmo aqui dentro…na escola para aprender eu preciso da língua portuguesa porque infelizmente apesardos trinta e um anos de independência ainda não demos ao trabalho de saber quantoestamos a pecar por não elevarmos ao estatuto de língua de língua nacional// Certo. é o que falta para passarmos a fazer todo o resto também na língua nacional --portanto quando estou a falar em crioulo falo com a nação - falo para… com a nação- falo para… mas quando falo em crioulo não posso pretender que esta fala - esteinstrumento - seja atingível - utilizável por portugueses -- alguns sim - algunsaprenderam como eu aprendi português - outros nem por isso -- portanto há umalimitação - no sentido de diminuir fronteiras de comunicação - e quanto ao espaço docrioulo acho que disse tudo -- é o espaço cabo-verdiano - é o espaço também até danossa diáspora -- nós sabemos que… hoje então vamos a Internet… creio que oscabo-verdianos diasporizados se comunicam entre si - independentemente do país daresidência em crioulo… quase todos… é fácil hoje encontrar textos e mensagens emcrioulo -cada um escreve à sua maneira mas vê-se que é o crioulo// Acha que existe um verdadeiro crioulo? Acha que é o crioulo de tal lugar, ocrioulo de tal pessoa, acha que existe? bom… verdadeiro crioulo… que é isso verdadeiro crioulo? para já - eu estou afalar em crioulo a pensar no cabo-verdiano - na língua cabo-verdiana -- mas comosabe melhor do que eu - há muitos crioulos - de ilhas e bases diferentes -- mas sabe ocrioulo de Cabo Verde -- temos uma base comum - mas temos as variantes todas quenós sabemos --e portanto em termos de língua… ah! temos um crioulo ou uma língua- que é a nossa língua cabo-verdiana - e acho que essa é igual -- não é por acaso queestando - como já estive - em várias ilhas - eu sempre me expressei na minha variantee a comunicação a mensagem passou sempre -- e também esses falantes das outrasvariantes - falando comigo - a mensagem passa sempre -- e:: de maneira que eu pensoque temos sim um crioulo - temos uma língua -- e temos variantes -- e talvez porquesomos ilhas - as variantes tenham que existir por direito próprio -- eu creio que asarestas… quer dizer cada vez as variantes estão perdendo de alguma forma -conteúdo - acho que há uma tendência para a uniformização bastante grande - epronto é um processo que diria… creio que nessa movimentação de pessoas dointerior do país por um lado - mas também com a escrita - com os programas de rádioem crioulo em diversas variantes - tudo isso pode estar a dar uma contribuição grandepara a uniformização -- já agora… estamos a falar das variantes… mas voltandoainda à questão do crioulo/português -- enquanto crioulo… por exemplo a questão devirem a ser as duas línguas oficiais - espero que… acho que está faltando menostempo para isso acontecer -- e:: eu penso que para o crioulo se tornar oficial agorafalta só uma decisão politica -acho que já fez uma caminhada… Acha que o crioulo deve ser língua oficial? acho --acho --mas isso não estou achando agora --sempre achei// E o português também se manteria? Deixe só entender. Manter-se-ia oportuguês como língua oficial? também --acho que sim// Nesse caso, para quê? para quê? Cada uma das línguas… por causa daquilo que eu disse há bocado -- há um espaço próprio para cada - enós teríamos ganhos - já temos o português como oficial - porquê perder aoficialidade do português - se nos é útil? portanto acho que temos a ganhar com amanutenção do português -- inclusivamente para a comunicação… uma certacomunicação internacional… uma certa comunicação internacional -- nós falamos…nós estamos em relações praticamente intensas com Portugal - com Brasil e com osoutros PALOPS -penso que teríamos muito a perder afastando o português Certo. quanto ao crioulo - que é a língua da nação - e porque a nação é cabo-verdiana- eu penso que mesmo que não houvesse mais razões só por isso devia seroficializado -- só por isso - porque é língua da nação -- se Amílcar Cabral dizia que aluta pela independência também era cultural então a:: por mais uma razão - que alíngua é cultura -- portanto - ainda mais por essa razão devia deve ser e eu suponhoque vai ser oficializada a nossa língua… já faltou mais tempo… acho que já faltoumais tempo// Nesta… ora com a oficialização do crioulo podíamos dar um salto qualitativo porquepsicologicamente nos libertaríamos enquanto povo nação -- julgo que até aomomento continuamos ainda manietados do ponto de vista psicológico precisamentepor essa não valorização suficiente da língua da nação -- porque é a língua que anação fala - é a língua em que a nação se expressa -- ora - enquanto não se fizer isso -a mensagem que se estará passando à nação é de que ela é uma língua menor ou deque ela não tem… no fundo estamos a diminuir a nação -- estamos a dizer à naçãoque ela… ela não tem… não tem prestígio - que ela não sabe falar -- no fundo é dizer-- você não fala -- a nação não fala -- é dizer à nação que ela não fala - que ela nãose comunica -- por isso essa libertação psicológica cria um motor para odesenvolvimento tão desejado - tão almejado - tão querido - mas que não se conseguechegar lá - porque a nação está amarrada -- precisamos de libertar a nação - aliberdade política tem que incluir a liberdade cultural - a liberdade cultural passa poressa liberdade de expressão -- quando qualquer um sabe que pode escrever - podemandar o seu filho para a escola para aprender a escrevera língua da nação… Isso seria o crioulo? não - não estou a dizer que o português não -- mas neste caso o crioulo nãoestá - o português está sempre - mas o crioulo não -- portanto é trazer a paridade - nofundo é dizer ao cabo-verdiano comum - ao cabo-verdiano analfabeto - que ele é tãoimportante quanto o português - o português pessoa - a pessoa portuguesa -- masenquanto não se fizer - ele acha que o português é mais pessoa do que ele -- não temque achar -- inconscientemente funciona assim - pior -- se achasse conscientementepodia… poderia libertar-se - mas como não acha conscientemente… mas issofunciona inconscientemente -fica amarrado// Entendo. fica amarrado -- não pode dar grandes saltos -- não pode avançar no seudesenvolvimento e quando vem o governo dizer - não - não - nós vamos fazer isso -nós vamos fazer aquilo - ele no fundo de si - inconscientemente diz isso -desarmara-me -- eu não posso fazer amarrado -- portanto eu penso que só teríamosa ganhar culturalmente - socialmente - psicologicamente - do ponto de vista daaprendizagem escolar - mas também no ponto de vista da nossa relação com o outro -com o estrangeiro -- porque no fundo estaríamos no mesmo patamar… vem umfrancês - vem um alemão a Cabo Verde - ele não se põe o problema de - como é quevou me desenrascar em Cabo Verde? eu vou - falo a minha língua - eles que se elesque se desenrasquem - eles que… mas nós cabo-verdianos - vamos a França –como é que eu vou fazer? como eu vou me comunicar? ai meu Deus - como é que euvou exprimir?  mas eles não têm este problema -- os alemães… os alemães sabempraticamente só a língua alemã - são raros aqueles que sabem mais outra língua - maseles não têm problema nenhum -- mas nós temos esse problema que é um tipoproblema de complexo de inferioridade -- por isto tudo… por isto tudo… quer dizereu - perante um português - tenho de falar em português - o português perante mimfala em português -mas porquê? porquê é que eu não falo crioulo com um português?porque ele não sabe? não - porque não fica bem -- passo a mensagem de que sou umburrinho - alguém que não sabe nada - um coitadinho -- no fundo isso são mensagenspsicológicas às vezes inconsciente -- e para mim são muito pior - são muito pioresestas mensagens do inconsciente de das que temos consciente - porque estas podemossuperar - as do inconsciente não -- portanto - precisávamos de fazer uma terapia --isso seria uma boa forma de fazer terapia --é é oficializando a nossa língua// Então, para si, qual seria a alternativa linguística desejável para Cabo Verde? alternativa? À situação que nós temos em Cabo Verde, temos neste momento… não - a de bilinguismo -- pelo menos essa… eu suponho que seria uma boaalternativa -- português já temos - e acho que não devemos perder o português - alíngua portuguesa -- o crioulo temos e não temos -- temos para o consumo interno -não temos para nada que seja oficial -- mais - não é língua oficial -- e com a suaoficialização há todo um trabalho que se vai fazer… assim como quando seoficializou o português - ainda continua-se a trabalhar o português - porque não?nunca… portanto a questão da língua - sendo viva - nunca está resolvida -- é sempreum processo -- portanto nós podíamos caminhar… nós daríamos um passo de gigantecom a oficialização - por que daí adviriam outros instrumentos - enquanto isso nãoacontecer… porque nós… costumo dizer isso - nós enquanto povo e naçãocontinuamos alienados - continuamos alienados -- e porque estamos alienados - senão formos acordados e despertados… e isso significaria a:: oficialização --enquanto isso não se fizer - vamos marcando passo -- não - ainda não estamospreparados -- ainda não estamos preparados -- mas ninguém se põe o problema de…bom… Cabo Verde ainda não estava preparado para ser independente - deviaaguardar até que estivesse preparado não? - não é problema que ninguém se coloca -HOJE -- na altura talvez sim - na altura da independência - eu sei que houve quemnão quisesse - mas prontos… mas se continuarmos a pensar - bom precisamos deconsciencializar isto para que todo o mundo aceite - todo o mundo queira -- a::provavelmente os meus netos ainda vão estar à espera// Dr. X, nesta questão que referiu como espaço para o português, espaço para oo crioulo, existe, distingue o uso do crioulo e do português, em função das pessoas?Ou seja, acha que há pessoas para quem o crioulo é que é adequado e pessoas paraquem o português é que é adequado? Estou a perguntar se acha, não se usa. Ouassuntos sobre os quais… não - não -- bom eu creio que isso é quase uma evidência -- há pessoas que…sei de pessoas que em circunstancias oficiais… naturalmente são intelectuais - porqueeu costumo dizer que os nossos intelectuais são muito mais alienados que os nossosanalfabetos… Mas do seu ponto de vista, o que é que o Dr. X acha? Que o crioulo éadequado para certas pessoas e não para outras? não - não -- do meu ponto de vista não há -- mas há pessoas que pensam que oportuguês é mais adequado para uma situação - inclusivamente pessoas que falamem casa para a família em crioulo mas que em circunstâncias e::: de crispação - diria- já passam a usar português como a querer impor-se -- e há pessoas que… mesmodirigentes -que podem estar a falar com subordinados em crioulo mas quando precisadar uma ordem - essa ordem já não é dada em crioulo - é dada em português --portanto há situações -- infelizmente há essa essas situações… existem entre nós… eeu creio… que pelo peso da nossahistoria alienante// E o que é que pensa desta situação? é uma situação a ser superada -vai a ser superada pelo… Quando? pela… quando se oficializar o crioulo// Como, em termos práticos? a::: em termos práticos diria que a situação passaria a ser de… semelhanteàquela situação em que eu me encontro - de falar português só nas circunstancias emque quase é uma exigência falar português -- e falar crioulo nas outras circunstancias-- no caso de o português for oficializado - mesmo assim… do crioulo foroficializado - o português fica a perder um pouco mais -- penso que ele ficará aperder por uma razão simples - porque o crioulo é língua nacional - nossa -- oportuguês não é -- o português é língua oficial -- estando numa situação deoficialidade idêntica ou paritária - as pessoas vão ter necessidade muito menos derecorrer ao português -- vão passar a recorrer muito mais ao crioulo - porque… bom -as duas línguas agora são iguais - eu domino esta melhor portanto falo a minha língua--e MAIS como português não é língua nacional -é língua que é ensinada na escola -os que vão à escola apreendem - mas a língua materna não é o português - é a nossalíngua -- ora - por ser língua materna - o crioulo ganhará uma força enorme - entãovai se ter que fazer um esforço no sentido de se tornar a língua portuguesa tambémmaterna -- e o processo para fazer com que a língua portuguesa passe a materna seráum processo longo// Materno, em que sentido? sentido que é materno - como a nossa língua -- que é ser falada desdepraticamente a nascença -desde quando se aprende a falar - falar as duas línguas// Prevê isso para o português? prevejo -- talvez isso possa acontecer -- mas exigirá um trabalho muito árduo ede anos e julgo que não será… com muito esforço e muito afinco não será em menosde quarenta anos -cinquenta// Há bo… porque é preciso tomar… como já temos uma língua materna nacional - aspessoas não precisarão - em princípio - do português nesta circunstância dematernalidade - nacionalidade -- então é preciso fazer um investimento - vamos fazercom que o português também seja língua nacional - o crioulo já é língua oficial agorao o o português vai-se se tornar língua nacional -- terá que haver toda uma pedagogia- todo um investimento para no decurso de anos ir-se implementando// Esta seria, digamos, a alternativa linguística para…. a situação mais desejável seria essa// Gostava… de termos duas línguas não só oficiais mas também maternas -- já não direinacionais porque - pronto… mas maternas -- e essa situação de maternidade para alíngua portuguesa suponho que é muito mais difícil// Há bocado falou-me do ensino do crioulo nas escolas e na alfabetização deadultos. O que é que pensa do uso de crioulo na alfabetização de adultos? creio que a experiência na sequência do fórum de alfabetização de adultos…fez-se uma experiência interessante - só creio que não teve continuidade -- mas eulembro-me que durante algum tempo - preparou-se um conjunto de monitores oualfabetizadores de do conselho da Praia - fez-se um recrutamento de X elementos eparticiparam numa formação que se não me engano foi dada pelo… que é… como éque ele se chama? não me lembro… mas também era um professor de filosofia…bom… deu-se durante um período relativamente curto… Ah! já sei quem é. um período relativamente curto --portanto eu - quando soube que ele é que iriadar matéria - eu fiquei estarrecido -- porquê? porque ele não consegue fazer umafrase em crioulo que não seja 5txapa txapa// Como assim? ou seja português crioulo - português crioulo - ou crioulo português -- querdizer - não consegue dizer uma frase em crioulo - pelo menos… como eu não tenhomemória dele a falar em crioulo - de uma frase que seja mesmo uma frase toda elaem crioulo -- ora e foi ele a dar essa coisa -- no fim ele passou-me o o quê? elepassou-me uns textos - quer dizer… pediu a esses alunos - a cada um desses alunosque escrevesse… 6F2 - foi F2… pediu a cada um que escrevesse ou um contotradicional que conhecesse ou contasse uma historia que tivesse passado consigo - eele passou… e ele passou-me estes tais textos para ver -- e eu fiquei embasbacado - apensar - mas como é que é possível? os textos usando aquela proposta - usandoaquela proposta já com aquelas rectificações admitidas feitas pela comissãoconsultiva que eu também fiz parte - uma coisa interessantíssima - os textos estavamdo ponto de vista do alfabeto utilizado muito bem escritos - e em crioulo - e nocrioulo -- portanto dos nossos analfabetos -- porque esse crioulo dos nossosanalfabetos é que é de facto um crioulo melhor mais cois… não tem o contágio denós que fomos escolarizados -- ora eu fiquei embasbacado com aquilo -- porquê? oprofessor não era capaz de escrever um texto - o professor deles não era capaz deescrever um texto idêntico -- entretanto os alunos foram excelentes -- depois dissopegaram nos melhores desses alunos… então para fazer a experiência -- só que já nãosei como… qual foi o resultado - mas imagino que a alfabetização é um espaço porexcelência de utilização da língua da de cabo-verdiana -- primeiro porquenormalmente são pessoas adultas que já dominam - vivem - vivenciam tudo em nalíngua -- depois seria muito mais fácil passar a mensagem usando a língua que jáfalam - que já dominam -- MAIS - essas pessoas mesmo podem dar um contributovalioso -do ponto de vista pedagógico para o avanço da coisa --daí que… Dr. X, já falámos disso… mas queria pedir-lhe para aprofundar: que relaçãoestabelece entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo e usar o português? a::: é uma coisa muito complicada - não é? bom - para já - ser cabo-verdiano eutilizar -usar -falar o crioulo - acho isso umanaturalidade - acho isso muito natural// Admite que possa existir algum cabo-verdiano que não goste de crioulo ou quenão use o crioulo? admito que há// Fale-me disso. isso por… pela nossa história… por uma questão de história nossa - dealienação - sobretudo pela sobrevalorização do português e do:: alheamento docrioulo -- portanto - quem for à escola como eu fui (?) traumatismo -- portanto (?) oprofessor sabia que eu não sabia português - entretanto me interrogava e queria queeu falasse - que respondesse em português -- mas como é que eu podia responder emportuguês? bom - portanto - por uma imposição histórica - há cabo-verdianos quecontinuam ainda profundamente alienados a ponto de - falar em crioulo - parece queé algo que adiam - portanto evitam quanto podem falar em crioulo -- econsequentemente o português ainda que muito mal falado… aliás há pessoas queacham que… porque não conhecem o português -- aliás não conhecem a gramática -não estudaram o português enquanto língua e portanto julgam que estão a falar emportuguês -- e não estão falando nem em português nem em crioulo -- eu já estive emsituações dessas - em que já tive de pedir ao meu interlocutor - para - por favor - falarem crioulo porque… bom sabendo que eu era um funcionário do estado - portantonão podiam falar comigo em crioulo - o tal desprestigio em que se encontra - seencontrava a nossa língua -- portanto queriam falar a língua de prestígio - a língua dofuncionário -- mas eu que comecei… que introduzi a conversa… foi em crioulo -mas não -- falavam em português - não queriam falar em cabo-verdiano --JULGAVAM que estavam a falar em português -- agora eu… nem a mensagempassava… portanto eu estive em algumas situações nomeadamente em recolha detradições orais de pedir - 7por favornhu fala -nha papia// Há mais alguma circunstância em que um cabo-verdiano…? isso é uma circunstância -- mas há a circunstância dos escolarizados -- que aí opeso da alienação ainda é maior - e então - o que é que acontece? então talvez porterem passado uma situação traumática conquanto a minha - então talvez otraumatismo não foi superado - não tenha sido superado e… então continuam com obloqueio de não conseguirem falar numa determinada circunstância a não ser emportuguês -- normalmente esses já falam português - então preferem falar portuguêspor várias razões -- primeiro por causa do bloqueio - mas segundo porque é língua deprestigio -- portanto há situações dessas - e infelizmente não são tão poucas quantoseriam desejadas// Outra questão. Há bocado também se referiu a isso… mas só quero retomar…Qual deles acha… o crioulo ou o português… acha que exprime melhor a cultura deCabo Verde? para mim esta é uma pergunta redundante -- para mim está... é evidente --estamos a falar de cultura cabo-verdiana que tendo uma língua própria penso que…não é questão de ser língua cabo-verdiana -- qualquer cultura - tendo uma línguaprópria - exprime-se melhor nela - aqui a questão é de dominar - ou na escrita -- masdo ponto de vista da fala por exemplo aqui não se põe a questão da escrita -- supondoa comunicação -daí que… Admite a possibilidade… Recolocando a questão de modo inverso… admite apossibilidade de algumas das nossas manifestações culturais poderem ser emportuguês? Mornas, coladeiras, manifestações festivas, … poder -poder aí podem -- mas não exprimem tão bem// Não?! não exprimem tão bem a naturalidade cultural -digamos assim// Também já me falou disso… cabo-verdianos que falam o português malfalado… O que quer dizer exactamente com isso de os cabo-verdianos falarem mal oportuguês? Acha que eles falam mal o português? incluindo eu -- primeiro porque não se tratando… bom primeiro porque háportugueses que falam mal a língua portuguesa por - nomeadamente… bom… falamé a língua… sabemos todos que a coloquialidade difere muito em qualquer língua daescrita e… coiso… mas no caso concreto falam mal por desconhecimento - regrageral -- hoje temos um problema que se calhar cada vez é mais bicudo -- quandoouvimos os nossos jornalistas a falar - na rádio - na televisão - é um Deus nos acudado ponto de vista da gramática da língua portuguesa// Fale-me um pouco sobre isso. ah!! para mim é um desconhecimento grave…porque eu admito que nós outrospodemos não ter o domínio da gramática da língua portuguesa… admito com algumanaturalidade -- mas já para um jornalista -- que sabe que tem como língua oficial oportuguês - exprimir-se mal - e nem se aperceber de que se está a exprimir mal…porque há… a gente exprime-se mal dá-se conta e corrige -- mas não - está tudo bem-- e repetem o mesmo erro todo o tempo - todos os dias - todos os meses -- (?) todo oano -- isto denota o desconhecimento grave da língua que é o instrumento de dojornalista - que é o seu instrumento de trabalho-- mais do que a caneta - é a coisa… éa língua enquanto tal -- e quando… portanto estamos a correr… estamos numasituação bicuda -- porque ouve-se na rádio -- e acontece isso - ouve-se a televisão… amesma coisa - mesmo na escrita dos jornais também temos coisas dessas - quer dizer- é normal -- ainda hoje estive a ouvir os carros que transporta as pessoas--francamente! 8na deskontra - na deskontra! ora isso é que eu digo falar mal pordesconhecimento da língua ou da gramática da língua - e há casos desses -- e hoje sãoabundantes -- eu creio que é uma lacuna que vem de trás - é nas escolas mesmo - eucreio que… bom… eu também me lembro de casos… estou-me a lembrar de às vezeso 9F2… comentando comigo… era o [ ] -e então… foi fazer visitas a umas escolasno interior -- e então presenciou uma aula dada por um professor - então ele contava-me  10X - odja mi n ka sabi kuze ki ta pasa - ma o ki bo ta oja ezamis ma prova dikes minis - si bu oia profesor - kuzas ki professor ta fla - abo bu só ta pode tra unkonkluzon - ma mininu sabi más ki prefesor - un alunu sabi más ki prufesor -- n taadimira mo ki kes alunus ta konsigi pasa na izami ku kes prufesor - ku kes profesor -- ora acontece um bocado infelizmente -- creio que isto está se propagando --professores mal preparados - ou preparados não convenientemente - que ensinam mal-- não sabem - portanto não podem ensinar - ou ensinam mal porque não sabem -- eentão continua sendo uma lástima - vem da escola primária ou do ensino básico -entra-se na… no liceu - hoje temos muitos professores que não estão vocacionadospara serem professores - mas que têm que ganhar o pão - têm que ganhar a vida - foio primeiro trabalho que lhes surgiu -ou o trabalho mais fácil -- estão lá -mas não têmpedagogia e não têm o domínio do instrumento -da língua que … Então, como é que acha que deveriam falar português? não - bom - eu não sou daqueles que também pensa que também há umportuguês de Portugal - um português de Cabo Verde - coiso… pode até haver umportuguês de Brasil que há - um português de Angola -- mas em Cabo Verde -infelizmente ou felizmente não há um português de Cabo Verde - um português cabo-verdiano -- temos um português de Europa - que ou se domina bem - ou não sedomina e fala-se mal - mas não é por ser este o português falado em Cabo Verde - éum português mal aprendido -consequentemente mal falado// Portanto, admite ou não a possibilidade de vir a existir um português de CaboVerde? bom - no mundo das possibilidades sempre é possível - sempre é possível tudo-- não sei se será… não sei se será desejável - não sei se será desejável -- agora oportuguês que se está falando - se continuarmos nessa - os jornalistas também criamuma opinião e acabam por criar uma certa… coisa… se continuarmos com esseportuguês assim - de tudo na boa - pode ser que venhamos a ter esse português que éum português que se aproxima do crioulo -- repare os carros que transporta aspessoas…os carros que transporta as pessoas- é como o verbo funciona em crioulo -o verbo não tem - não tem evidências - portanto para as pessoas -portanto é sempre amesma palavra - é o sujeito é que vai dizer se estamos perante uma pessoa dosingular ou do plural ou perante da segunda ou terceira pessoa - é o sujeito -- eestamos… o português que eu ouço falar pelos nossos jornalistas ou um bom númerodeles encaminha-se por aí - nomeadamente de não haver concordância às vezes é dosubstantivo como adjectivo e do do verbo com o sujeito// Então, pode-se dizer então, que os cabo-verdianos deveriam falar à moda dePortugal? bom - pelo menos… deixando - exceptuando portanto a:: dicção --exceptuando a dicção - o português que se falava em Cabo Verde era o português dePortugal// E acha que é esse que se deve continuar a falar, se entendo bem? é que nós não temos outro - ou se fala esse - ou não se fala -- ou inventa-seoutro -- se tivéssemos outro - então poderíamos optar - mas não temos outro - temosesse português que é de Portugal que ou se fala bem -ou não se fala// Certo. Dr. X, eu… esteja à vontade para acrescentar ou fazer algumcomentário, qualquer coisa que ache pertinente, que eu não tenha abordado e quequeira …gostaria de … nesta altura do campeonato -depois de quase duas horas de conversa… uma hora e meia ahn? de uma hora e meia meio-dia - dez e meia - onze e meia - sim - uma hora e meia -- estamos acaminhar para lá -- não sei se terei alguma coisa - até porque que eu estive aqui paraser usado --portanto ((risos)) Obrigada. creio que não há mais nada -- você pôs as suas questões… e devo dizer que mesurpreendeu com com várias delas… e acho que são pertinentes -- não sei se tereirespondido à altura - mas isso é o que eu penso -- que pode… que não é magisterdixit - não é nada portanto que amanha eu não possa rever - mas nesse momento foio que me ocorreu -- e muitas destas questões embora não previstas - aliás todas elasnão previstas - eu… muitas delas naturalmente por uma ou outra circunstância - ter-me-ão assomado à cabeça uma vez por outra - de maneira que foi simplesmente umaespécie de despertar-me para questões já de alguma forma ruminadas - oupresenciadas - ou vivenciadas -- daí que eu a parabenizo pelo trabalho que está apretender fazer - e acho que vai ser um magnifico trabalho -- espero que o seudoutoramento tenha uma distinção avaliativa// Muito obrigada, Dr. X, mais uma vez, por ter respondido às minhas questões epelas suas palavras.1Personagens de contos populares cabo-verdianos2Benjamim, o filho mais novo de um casal3Linguista cabo-verdiano4Vaca, pronúncia de sotavento5Chapa, chapa, isto é, remendo.6Professor do ensino secundário7Tradução para português: Por favor, fale, converse.8Traduçãopara português: descontraidamente.9Um ex-ministro da Educação10. Tradução para português: X, veja, não sei o que se passa… Mas quando se vê os exames e provas dessesmeninos, e se vê o professor, o que ele diz, só se pode tirar uma conclusão: os meninos sabem mais do que oprofessor, os alunos sabem mais do que o professor. Admira-me como esses alunos conseguem passar nosexames com esses professores." -INF10.wav,"Dr. X, muito obrigada por ter acedido ao meu convite para participar nestaconversa. A primeira questão é a seguinte: antes de ter entrado para a escola, o que éque usava, o crioulo ou o português? crioulo - maioritariamente crioulo - com alguns momentos… mais nacomunicação familiar… mais do meu pai… sobretudo do meu pai a:: falar comigoem crioulo - em português aliás -- havia momentos - os momentos consideradostalvez mais sérios - o meu pai… o meu pai falava connosco - comigo e com os meusdois irmãos em português -- mas a maior parte - maior parte da comunicação familiarera em crioulo// Não percebi bem… O seu pai falava convosco em português… em português em certos momentos mais… mais… digamos mais sérios - nosmomentos mais sérios -falava com a gente português// E nas outras circunstancias? normalmente em crioulo// O crioulo…Portanto já ouvia o português através do seu pai. E de que outrasformas? sobretudo… sobretudo em casa - com o meu pai -- bom… a rádio… a rádiomais… sobretudo isso// E actualmente, em casa com a sua família e com os seus amigos e colegasmais próximos usa o crioulo ou o português? maioritariamente o português -- diria esmagadoramente o português -- oh! ocrioulo -desculpe! o crioulo -em raras circunstâncias uso o português// Fale um pouco disso. Quando é que utiliza o português? às vezes… já me lembro pouco… às vezes numa discussão um pouco… eupoderia chamar mais técnico… um assunto um pouco mais técnico… ou um poucomais complexo -- já me lembro de falar com as minhas filhas em português… masmuito raras vezes -que já nem tenho memória de como é que isso acontece// Isto em casa, com a família. E fora? fora… falo português muito no parlamento… varias reuniões doparlamento… no grupo parlamentar - por exemplo - falamos ora português - oracrioulo -- na maior parte das vezes as minhas intervenções são em crioulo -- mas devez em quando o debate passa-se em português -- às vezes por indução de alguém…de alguém… o debate passa-se em português// Eu acho que houve um pequeno equívoco. Eu tinha-lhe perguntado se em casae com os seus amigos, usa o crioulo e não o português? crioulo - eu disse o crioulo -- o português - muito raramente -- no parlamentotambém nas sessões plenárias uso mais o português - mas de vez em quando uso ocrioulo// Essas circunstâncias… em casa com a sua família usa o crioulo. Podiaespecificar um pouco? équase tudo --quase toda a minha comunicação// O português, desculpe. ah! o português… isso é que eu… raras vezes… mais com as minhas filhas…mas raras vezes… nem posso contextualizar muito -- tenho a memória que de vez emquando… digamos a conversa passa para o português -tenho memória --mas é muito difícil… geralmente… acho que geralmente associado… racionalizandoum pouco… mais no discurso da autoridade… quando é um discurso maiscomplexo// Certo. Mas complexo em termos de assunto? mesmo de assunto -assunto sim --mas é uma coisa muito rara// Certo. Diga-me, como é que… como considera ser a sua proficiência geral noportuguês e no crioulo? Estou a pensar também na leitura e escrita. ah! eu acho que neste momento - não digo que escrevo o crioulo com a::digamos… com a ligeireza e com a tecnicidade do português - mas considero queposso comunicar com facilidade com o crioulo -- servindo-me do que eu chamo umremendo do do ALUPEC -- não domino todas as regras do ALUPEC - mas domino obásico para escrever com alguma fluência -- bom - aqui eu devo introduzir umainformação geral que ajuda a perceber -- é que eu fiz alguma… algum treino -durante algum tempo redigi programas radiofónicos em crioulo -- programaspolíticos em crioulo -- directamente em crioulo -- então ganhei alguma técnica deescrever rapidamente - cometendo erros que eu digo - até a brincar - que são erros decrioulo e não de português// Certo. E leitura em crioulo? leio - mas não leio em crioulo… longe… não como eu leio em português -- aleitura em crioulo - já porque a produção é reduzida - a minha leitura em crioulo euposso considerar - não digo residual - mas é muito reduzida face ao português - éínfima -- mas leitura enquanto tema - leitura enquanto prazer de escrita - da leitura…portando não me refiro à dificuldade - em relação à dificuldade - não tenhodificuldade em ler crioulo -leio com facilidade -independente da variante// Mas… não percebi bem… não tem prazer nessa leitura? não - não - tenho -- não tenho é uma leitura intensiva como o português - leiomuito mais em português do que leio em crioulo// Prefere ler e escrever… ler e escrever… prefere em crioulo ou em português? normalmente português// Por…? Português. Porquê? eu não sei se chega a ser uma preferência -- aliás eu acho que em rigor nãoposso dizer que é uma preferência porque… a minha vida social… como a de… digoque… noventa e nove por cento dos cabo-verdianos - não me exige nem me estimulaa uma prática - a uma opção --no fundo é quase que se eu não tivesse opção - é quaseque uma imposição externa -- porque o que eu leio - o que eu procuro - o que eutenho que ler como prazer ou como… por exemplo se eu tenho de ler obrasrelacionadas com a minha actividade parlamentar - vou os encontrar no mínimo emportuguês ou em outra língua - não os vou encontrar em crioulo - portanto é umaimposição --aqui é quase que uma determinação// De modo geral, acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou emportuguês? eu dantes pensava… dantes pensava que exprimia melhor as minhas ideiasem português - mas hoje em dia digo --de acordo com o conteúdo eacircunstância --há momentos em que o crioulo é de longe mais pertinente e mais eficaz nacomunicação e há momentos em que o português é mais// Fale-me desses momentos. por exemplo… por… sobretudo na actividade política isso é interessante --por exemplo na comunicação normal com os eleitores - em campanha ou fora dacampanha - com o cidadão comum - é evidente que o crioulo é mais fácil - é maisfácil -é mais comunicativo// Mas é mais comunicativo para si ou para os seus interlocutores? penso que para os dois - para os dois - eu consigo exprimir melhor aquilo queeu quero - o que eu quero ter como o objectivo da comunicação - e a pessoa meentende melhor - penso que entende melhor -- mas há momentos onde o português émais a::: é mais… quase que eu diria que sai naturalmente - por exemplo no debateparlamentar -- sempre… no meu caso concreto - isso em termos de honestidadeintelectual - sempre que eu falei em crioulo no parlamento - fi-lo intencionalmente --portanto tinha uma carga política -é uma opção política --não é partidária - política// Importa-se de me falar… uma opção política … eu… quer dizer - não era indiferente falar em criouloou em português -- por exemplo - às vezes há um deputado da oposição - ou dasituação - porque eu uso o crioulo desde quando… há um deputado da outra bancadaque intervém em crioulo - eu considero que… isso é… e no caso concreto doparlamento é uma instituição muito bem definida - eu faço… abro um parênteses -como as sessões são transmitidas - a utilização - o recurso ao crioulo é um recursoinstrumental e estratégico porque… pensando nós que há gente a ouvir-nos através darádio - então há uma ideia - uma pressuposição - que nós seremos melhor entendidose temos mais empatia usando o crioulo -- então às vezes - politicamente - eu acho queé mais pertinente responder também em crioulo -- considero que tenho algumafacilidade com as variantes - e eu tento responder - eu tenho utilizado quer o crioulode Santiago - quer o de São Vicente - quer a minha variante - digamos da minha ilhamaterna - digamos assim - vou dizer assim - quer a de Santiago -- mas é nessecontexto -- também já utilizei o crioulo em mensagens relativamente a::: quando setrata quando se trata de (?) reuniões no meu círculo eleitoral - por questão mesmo deafectividade - não é um calculismo politico -- senti que dizendo em crioulo estariadizendo melhor -com mais afectividade-- é nestes casos// E… diga-me, como é que se sente quando fala português e quando falacrioulo, comparativamente? Mais ou menos à vontade, mais ou menos intimidado? não - com à vontade -- naturalmente… quer dizer… há uma… há umaquestão que é… que é… que é evidente -- quando se fala… nós quando falamosportuguês - eu e qualquer outra pessoa em Cabo Verde - há sempre um aspecto que éa a aferição -- estamos a ser aferidos pelos interlocutores -- estamos a falar bom oumau português - estamos a dar calinadas - erros - ou não de português? não há essapreocupação em relação ao crioulo -- portando eu diria que mesmo estando à vontade- eu sinto que falo à vontade - eu tenho… digo que tenho esse distanciamento emrelação a mim mesmo -- sei sim que há momentos que eu estou a usar estratégias paraevitar ter de dar as tais barracas em português - por exemplo questão de conjuntivo -etc. -- sei - sinto que tenho essa estratégia - não tenho essa preocupação em crioulo --portanto - por mais à vontade - e eu tenho muita - acho que tenho muita à vontade afalar português - mas digamos que é um comunicar mais vigiado - ou auto vigiado -do que quando falo em crioulo --é -eu acho que há isso// Dr. X, eu vou lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversafora do seu círculo familiar, e que me procurasse definir essas pessoas, o perfil dessaspessoas, em termos de idade, sexo grupo, extracto social, se for possível. Fora? Fora do seu círculo familiar. Na sua actividade como politico, como… eu naturalmente falo…fora do meu círculo familiar… falo diariamente comos meus colaboradores mais próximos -- falo com um colaborador que eu tenho nopartido - e também neste momento está… é também deputado no parlamento -- é oquê? é um deputado - é um jovem quadro - aqui de Santiago - falamos quase…exclusivamente em crioulo - e encontramos em situações quer formais - querinformais -- normalmente as situações formais são reuniões onde falamos em crioulotambém - quer na comissão política onde… de que ele é membro - quer nosecretariado-geral - quer no grupo parlamentar - não… não posso… posso… nãoposso afirmar que uma vez ou outra - na situação de grupo não tenhamos ambosestado num dialogo em português - mas se aconteceu é praticamente umepifenómeno... é coisa… portanto é um desses casos -- ele é o quê? o perfil é esse - éum jovem quadro - formação superior na área de… estaticista - portanto estatística -ele é um dirigente partidário - ele é um deputado -- é esse o percurso dele -- tenho…tenho como… por exemplo - tenho uma secretária - falo com ela somente em crioulo-raras vezes falo com ela em português - raras vezes mesmo -- e eu converso com elatodos os dias na relação de trabalho… que é uma pessoa de nível… está a fazer umaformação superior no - no - no ISE - mas ela neste momento deve… tem o 12º - tem12º ano -não sei se tem alguma outra formação// É jovem? jovem - tem no máximo 30 anos -- tenho duas pessoas… fora do ambientefamiliar… tenho outros -outros colegas com quem eu falo praticamente diariamente -- outro colega - é outro colega - membro da mesa - também é o mesmo - falamossempre em crioulo - sempre crioulo -- ele é um jurista - está na mesa - ele é deputadotambém - édirigente partidário também - é já uma pessoa com mais idade - cinquenta- ele deve estar com cinquenta - cinquenta e cinco - cinquenta e seis anos - ou umpouco mais - ele é um quadro - é um quadro - mas é o mesmo - o que predomina é oportuguês - é o crioulo -- de vez em quando nos… nas reuniões da mesa ou noutrareuniões -em português claro -mas no dia a dia-no contacto diário é o português// Essas duas últimas pessoas a que referiu, os assuntos sobre os quaisconversam, qual é? assuntos variados - da política - do dia a dia -- como eu tenho funções degestão no parlamento - com a minha secretaria também falo sobre questões correntesdo dia a dia da gestão parlamentar - da gestão de… portanto são questões de trabalho-- e de vez em quando até questões - pronto - que não são de trabalho - algumapartilha de opinião - alguma ideia sobre um fait divers que tenha acontecido - masmaioritariamente questões de trabalho// Diga… e o perfil das pessoas com quem fala português. De um modo geral:Não com essas… de um modo geral - de um modo geral são aquilo a que chamamos quadros -porque acabo por usar o português sobretudo em situações formais - em situaçõesformais -- e de… e também por vezes - por vezes - mesmo com portugueses não é?eu trabalho com gente de língua portuguesa - que tenho que usar o português -- mascom os cabo-verdianos geralmente não -- geralmente em contexto formal - detrabalho -de trabalho tipo reunião - em contexto formal e:: são quadros -geralmente// E essas pessoas, que assuntos trata com elas normalmente? Essas pessoas comquem fala português. mais relacionada é com a política -- é o que eu faço -- mas também às vezesa:: eu vou a reuniões onde… que não são… há momentos onde há uma actividade…pode haver um momento formal que não seja tipicamente política - pode ser -- pode-se falar de outro tipo de matérias - tipo… mas no fundo relaciona-se -- quando vou aseminários ou a… ou a outros encontros representar o parlamento ou o grupoparlamentar -- antigamente quando eu ia com o grupo parlamentar - agora não possorepresentar o grupo parlamentar -quando eu ia era em português também// Há bocado disse-me que … se percebi bem, que quando fala com pessoas dasoutras ilhas usa a sua variante. De vez em quando - no parlamento eu posso… aqui em Santiago - de vez emquando eu falo o crioulo de Santiago -- sinto às vezes… há momentos… hámomentos por exemplo… há momentos mesmo na minha na minha vidapolítica…há momentos que eu sinto que a mensagem aqui em Santiago… eu sintoque falando o crioulo de barlavento - o crioulo de São Vicente - a comunicação não étão… não passou com tanta facilidade - não sou tão bem compreendido como quandoeu tento ou falo crioulo de Santiago -- claramente eu sinto isso - eu sinto nisso e vejonoutros -observo em outros também -claramente// Portanto, diria que quando usa a sua variante não é tão bem compreendidoaqui em Santiago? sim -sim --sobretudo quando o nível… eu chamaria o nível de instrução ou ograu de instrução do meu interlocutor não é tão elevado -- geralmente acontecequando tenho contactos - reuniões no campo - por exemplo no mundo rural -- não éque as pessoas não percebem - têm um pouco mais de dificuldade em perceber - têmmais equívocos de linguagem// Quando usa o crioulo de São Vicente para falar com essas pessoas? sim -sim// E qual é que usa para exprimir sentimentos, namorar, convencer alguém dealguma coisa… normalmente o que é que usa, o crioulo ou o português? o crioulo -o crioulo// Pense nesta última semana e diga-me se acha que falou mais o crioulo ouportuguês? mais o crioulo// E quanto à duração… o tempo… foi mais em crioulo ou o português? mais em crioulo - mais em crioulo -- tanto mais que a própria actividade doparlamento - isso também é uma característica - como está em defeso o parlamento -o meu tal relacionamento se limita praticamente às pessoas que estão no dia a dia -com quem eu tenho que contactar no meu dia a dia -é em crioulo// Existem contextos onde só fala crioulo? sim - sim -- há contextos onde eu só… por exemplo - eu nunca me lembro deter feito nenhuma reunião - nenhuma reunião política na base - em português --quando digo na base - não só em Santiago - mesmo em São Vicente - onde eu façotodas as campanhas ou grande parte - não me lembro de nenhuma reunião emportuguês // E o contrário, contextos onde só usa o português? contextos onde eu só uso o português? são… são esses contextos maisformais - estar num seminário - estar num colóquio ou numa mesa redonda --entretanto - ENTREtanto - por vezes nalguns nalguns desses contextos ainda possousar o crioulo - às vezes é uma espécie de provocação - já fiz isso nalguns - nalgunscasos// E já alguma vez usou o crioulo em alguma situação em que gostaria de terusado o português ou vice-versa? não me lembro// Ter usado o português em algum… ter sido obrigado entre aspas a usar oportuguês numa situação em que teria preferido…? provavelmente já ocorreu isso - provavelmente - ter de usar o português epreferir utilizar o crioulo -- provavelmente já ocorreu isso -- geralmente… já ocorreude certeza - antigamente --isso é um percurso - é claramente um percurso -- se calharhá trinta anos atrás ou vinte anos atrás eu teria dificuldade em utilizar o crioulo emdados contextos --eu não usaria de certeza --hoje eu tomo a liberdade de o fazer // E em termos de ouvir o crioulo, espaços, frequência e intensidade com queouve o crioulo e o português. Consegue fazer-me essa distinção.Não o falar, o ouvir. ouvir? Ouvir. maioritariamente eu oiço é o crioulo - maioritariamente - oiço o crioulo -- nodia a dia - na rua - só… digamos nos órgãos de comunicação social é que eu oiço…sobretudo quando… bom aqui há diferenças… porque… sei… há uma rádio quequando eu oiço é sempre crioulo que é a rádio Praia FM - e acho que há também aRádio Crioula -- mas a maior parte das vezes que eu oiço a rádio é em português --existem programas que oiço em português -- mas a maior parte do que eu oiço nosbancos -- pelo menos quando eu vou a esses sítios - quando vou aos bancos - vou aomercado vou ao super mercado - eu oiço é muito mais o crioulo - oiço o crioulo -sempre// Há bocado falávamos da leitura… que material é que lê ou já leu em crioulo? eu leio alguma poesia e li… a pouca prosa que existe - acho que li a maiorparte - a maior parte sim -- acho que li a grande parte - uma grande parte pelomenos// E falou-me também… disse-me que já tem… já teve uma experiência deescrever intensivamente em crioulo… sim - sim -- de escrever - de escrever digamos -- não é escreverintensivamente em crioulo// Durante algum período … ah! em relação a… em relação a coisa … sim… em relação ao tempo deantena -- e aí é preciso dizer … aí era uma experiência interessante porque escreviadirectamente no crioulo de Santiago - escrevia na variante de Santiago com… com…às vezes com a correcção de um colega… que é… que é falante de Santiago -- que éo 1F1 -- eu tinha… portanto fazíamos aquilo a dois - mas a dois no sentido de…. eupodia fazer… várias vezes fiz o programa na íntegra - e às vezes tinha tinha uma ououtra dúvida e ele corrigia a expressão - a expressão -- mas às vezes fazíamos a duasmãos -eu fazia uma parte e ele outra parte -ouíamos compondo os dois o texto// Para além dessa experiência, no seu dia a dia, escreve, utiliza o crioulo paraescrever? escrevo… escrevo uns poemas ((risos)) Uns poemas? uns poemas -mas aínão sei… não sei se isso tem algum interesse// Não. Claro que tem interesse. aí há uma coisa que eu devo confessar… que é… acho que na literatura agente diz que é um programa - e é mesmo um programa intencional -- eu comecei aescrever… e isso é uma coisa que eu acho interessante -- eu comecei a escrever emportuguês - comecei a escrever poemas em português - alguns amigos que viram ospoemas disseram-me que… a ideia era… mais ou menos simplificada era isso –tens jeito mas os teus poemas são um pouco prosaicos -- e eu cheguei à conclusãoque alguns eram prosaicos -- comecei a escrever em crioulo - variante… na minhavariante… na variante digamos de São Vicente - achei que tinham melhor conteúdopoético -- agora - vou confessar algo que não vou dizer depois a mais ninguém - nãovou dizer - que é -- fiz duas coisas intencionalmente -- um -- tentei não não fazerpoemas que são recolha da tradição oral -- portanto eu impus a mim mesmo que como crioulo… quer dizer o crioulo não tinha… não havia objectos menores para ocrioulo -- que o crioulo tinha… na poética o crioulo era capaz de abordar qualquerobjecto -- impus a mim mesmo isso -- e por isso não ia fazer … digamos - calafetar -calafetar a tradição oral em substituição da forma poética -- e outro - eu impus a mimmesmo escrever na variante dialectal de São… de barlavento - de São Vicente -escrever em crioulo de São Vicente -- mas tenho algumas incursões em crioulo deSantiago e crioulo de santo Antão -- mas isso é uma velha história - volta e meia omeu crioulo desliza para Santo Antão - por causa da minha infância -- eu sinto -desliza --sinto e eu gosto - eu faço a perfeita separação -ou tento fazer// Porquê? Aprendeu o crioulo…? eu tenho uma… eu cresci durante muitos anos com uma senhora que éramosprimas… prima do meu avô - que era de Janela de Paul e praticamente… há quantosanos? não sei… há dez anos… quer dizer muito recentemente - descobri… descobrique o meu imaginário é mais de Santo Antão -- que os meus contos de infância - osmeus contos tradicionais... as… as linguagens… etc. - alguns hábitos são de SantoAntão -- por exemplo - eu comecei a tomar aquilo a que se podia chamar uma bicaaos cinco anos - ela chamava-me e fazia um cafezinho de folha - numa caneca defolha e eu ia beber -- e eu descobri que a minha - portanto o meu imaginário e osmeus contos eram de Janela - e são contos antiquíssimos - eu ouvi o Bulimundo - oBulimundo esse conto… eu ouvia… eu era… tinha quatro - cinco - seis anos - secalhar// Portanto, deduzo que normalmente escreve em português no seu dia a dia. sim -escrevo em português // Algum desses textos, gostaria de os escrever em crioulo ou preferiria escrevê-los em crioulo? nunca… houve uma altura que tentei... tentei - mas… mas às vezes tenhoreceio -- por posição de principio eu acho que o crioulo… o crioulo é capaz de darconta de tudo - como a gente diz - não e? mas às vezes eu fico a pensar que porquenão há… porque não tem havido um bom tratamento literário do crioulo - escreveralgumas matérias em crioulo é quase que - é quase que fazer um recursoextraordinário ao português - em termos de léxico - de léxico -- e então não… nãotenho aventurado nisso -não tenho// Como é que se sente quanto escreve em crioulo? À vontade -sem medo de .. acho que à vontade// Eu sei que não estudou o crioulo na escola… não // Como é que consegue escrever? li… eu acho que aconteceu com o crioulo um pouco como aconteceu comigocom o português… com todas as línguas -- fui apanhando também um poucointuitivamente -- aconte… aliás eu funciono muito com as línguas intuitivamente -muito -- o meu francês… o meu francês formal é - digamos - de nível baixo -- detanto ler - tenho a estrutura -- falo - comunico - eu acho normalmente - dando…cometendo erros -- mas posso comunicar tudo--quer dizer… o meu interlocutor… sefor de língua francesa entende perfeitamente tudo -- até agora não houve matérianenhuma que eu me coibisse de falar porque não conseguir falar -- cometendo erros -acho que é um pouco o que acontece com o crioulo - com a vantagem de ser falado// E que dificuldade sente, se sente alguma, quando escreve em crioulo? acentuação -- com o ALUPEC é a acentuação -- porque não estudei - porpreguiça -- quer dizer fui adquirindo… fui adquirindo o crioulo dessa forma intuitivatambém -mesmo…li o ALUPEC -mas não estudei o ALUPEC - e então acho que oserros que eu cometo mais são erros mais… menos de ortografia e mais de acentuação-- embora tenha algumas dúvidas com as conjugações pronominais - como é que agente… tenho alguma dúvida -o traço -tenho alguma dúvida// Como é que tenta superaressas dificuldades? acho que… acho que agredindo um bocado a língua -- quer dizer… e aí estouraciocinando a quente - como não há… quer dizer… como não há um sensor… hávários sensores em relação ao português - todos os meus textos em português sãotextos submetidos a uma avaliação - ou como deputado ou para mandar a uma a umahierarquiasuperior ou… sei lá todos os textos estão sujeitos a avaliação --já o crioulonão está - o crioulo já pela utilização que se faz… e é por isso que eu lembro-me deter terminado a apresentação do livro da 2F2 dizendo que eu tinha cometido algunserros mas que estava mais feliz por terem sido erros de crioulo -- não havia… querdizer…aí - de certeza eu teria inibição - eu estaria inibido se estivesse num contextoonde o crioulo também era rigorosamente observado -- alguém ia dizer -- não - vocêanda a cometer erros - você escreve mal o crioulo -- quer dizer… aí… até dá amedida do que é o estatuto do crioulo - a gente pode fazer isso - a gente pode fazerisso -com o português não podemos// Entendo. Diga-me uma coisa, estando a falar o português, o que é que o fariamudar para o português? Ou vice-versa, estando a falar o crioulo o que e que o fariamudar para o português? estando a falar o português -ou crioulo e mudar para o português? A chegada de alguém, o assunto, o tipo de assunto…? às vezes acontece… às vezes acontece -- a:: talvez uma matéria que… que…em matérias que eu digo complexas - mais técnicas - começa-se por vezes a falar emem crioulo - num debate - mesmo às vezes informalmente - num debate - umadiscussão - começa-se a falar em crioulo - de repente é como se a estrutura doportuguês sobe - porque se estudou em português - porque se estudou muito aquiloem português -- eu digo que é isso porquê? porque... às vezes parece pedantismo…porque acontece com outra língua -- já aconteceu comigo ter de estudar coisas muitoem francês - por exemplo - estou a discutir - a falar com uma pessoa - vem o termoem francês - que parece-me algo fora do normal - fora de comum -- mas eu acho queé porque está… está lá… entrou mais em francês - li mais em francês - então vem emfrancês -- também acontece isso -- começa-se a discussão mas às tantas é a estruturado português é que sobe - que vem ao de cima - é isso que acontece -- o contrário -começar a falar em português e passar para o crioulo -- acho que é menos usual -menos usual -- bom… pode ser a entrada de um novo interlocutor e que só perceba oportuguês por exemplo - pode levar a isso -- já me aconteceu - eu já senti um certoconstrangimento de estar num grupo onde há pessoas que só entendem e falam oportuguês - ou entendem e falam o português - pelo menos como um do grupo queesta lá - e vejo a maior parte das pessoas a falar o crioulo - e eu sinto essa pressão efalo o português --isso também acontece// Em termos de estatuto, o estatuto da pessoa que chega provoca algumaalteração, do crioulo para o português ou do português para o crioulo? há contextos em que provoca -há contextos que pode provocar // Fale-me disso. por exemplo - no grupo parlamentar -- se estivermos a debater em crioulo -por vezes a entrada de uma intervenção - digamos… alguma intervenção discrepanteem relação a alguma outra posição e que seja feita em português de uma forma àsvezes mais… digamos uma forma mais substancial - pode conduzir automaticamentea que se fale em português para contrapor -- é quase que para igualar - eu estou apensar… eu estou a raciocinar sobre isso - parece-me que às vezes deve acontecer -por exemplo isso pode acontecer // Por exemplo, se está num grupo, num grupo a falar em crioulo, chega algumapessoa com um estatuto mais proeminente, uma autoridade, alguma entidade, issoleva-o a mudar para português, ou o contrário? não// Não? não acontece// Oque é que pensa do crioulo? E do Português? o que é que eu penso, como? Do estatuto. do estatuto? Do estatuto, o crioulo o que é… Há muitas pessoas que pensam… que pensamque o crioulo não é língua, não tem regras, não tem qualidade. Há algumas pessoasque acham que o português é um património nosso, outras acham que não. Como éque vê essa questão? eu acho… eu acho que tanto o português como o crioulo são património doscabo-verdianos -- não são… não são é património de… de… como é que pos… não é- de igual valor - até valor… não são é patrimónios igualmente valorizados eapreendidos por todos - pelas razões óbvias -- mas isso não quer dizer que - porexemplo - os poderes públicos não tenham a obrigação de fazer com que o portuguêsseja património para o mais… para o maior número possível de cabo-verdianos -idem para o crioulo -- agora - eu acho que o crioulo tem um percurso que ainda nãofez - acho que o crioulo tem um percurso que ainda não fez -- o crioulo sem dúvidaque é uma… que é uma… isso é um lugar comum … mas - sem dúvida o crioulo éum traço fundamental da nossa identidade -- mas eu pessoalmente tenho uma…uma… como é que eu posso dizer? tenho tido uma preocupação… que eu acho que ocrioulo vive um paradoxo - aliás a nossa identidade tem… vive um paradoxo - aomesmo tempo que… Fale-me disso dizendo até o que é que acha entre o ser cabo-verdiano e ocrioulo (?) não - é… o paradoxo é esse -- eu fiz uma vez uma comparação que é…como… o crioulo é como aquele parente pobre que a gente gosta muito dele - masque em dadas circunstâncias a gente deixa no quintal - a gente não quer que ele venhapara a sala estar junto com as outras pessoas// Porquê é que acha que isso acontece? isso é que é complicado -- acho que está na génese língua - eu acho que estána génese língua -- nós escamoteamos isso muito -- quer dizer… hoje em dia falámosmuitas vezes como… falamos muito normativamente - como se o crioulo não édiferente do português - eu acho que o crioulo tem um estatuto inferior ao português -tem mesmo --quer dizer… uma coisa é eu querer que tenham um estatuto igual -issoéoutra coisa --agora - factualmente o crioulo tem um estatuto inferior - porque se elenão estivesse… se não tivesse um estatuto inferior não tínhamos esse problema --havia paridade - havia paridade factual na sociedade e não tem - não tem -- édizermos que é língua de afecto… é só ver… é só ver como é que classificamos ocrioulo -- o crioulo é a língua do afecto - é a língua do amor - é o… é a língua dacomunicação dia a dia - é a língua do mercado - mas numa situação - digamos… paravaler - não é o crioulo - não é o crioulo -- e como… portanto… acho que é essa acontradição de fundo -- do crioulo ser ao mesmo tempo naturalmente amado - usado -e ao mesmo tempo não valorizado -- é esse paradoxo enorme que… eu acho que estáligado à génese do crioulo - à génese da nossa própria sociedade - e o… e … vai…vai… vai haver… vai custar muito ao crioulo libertar-se da ideia de ser umacorruptela do português -- penso que é aí que está a raiz de tudo -- mesmo queinconscientemente - mesmo inconscientemente - a maior parte das pessoasconsideram essa ideia - esse tema que ficou - o português mal falado - o portuguêsmal falado -- e como o português mal falado tem uma sanção social grande - parte denós… a gente vai ver que o crioulo é… bom… com uma mistura pelo meio… masisto é outra… outra teoria (?) -- agora as variantes -- eu acho que há uma hierarquiadas variantes// Fale-me disso. socialmente eu acho que há uma hierarquia das variantes -- eu ando a pensarultimamente o seguinte -- é a minha ideia… não fui eu que descobri isto… nempensar -- uma vez - a falar com o F3 - irmão do 3F4… ele é de Santa Catarina masviveu muito temo em São Vicente… é bom para contextualizar isso -- ele disse-me --desvalorizando a questão de…. as… os conflitos e as divergências regionais -sobretudo Praia - São Vivente - ele disse-me que o conflito Praia - São Vicente eraum conflito eminentemente rural - urbano -- o que eu acho nesse momento emrelação à questão de Santiago é o seguinte -- qual era - há quarenta - cinquenta anosatrás - quando eu era bem miúdo - qual era a representação que nós - no barlavento -nós em geral - todas as ilhas - tínhamos de Santiago? Santiago era representadopelo… pelo mercador… portanto na altura não se chamava 4rabidante - mas era umrabidante -- chamava-se negociante - se não me engano - mas era um rabidante --suponhamos São Vicente… era o rabidante que ia da Ribeira Barca… do interior -vestido à moda rural - com seu fato de casimira - muitas vezes pé descalço - com alíngua… com um crioulo… portanto diferente -- mas diferente consideradodesvalorizado porque é rural -- a imagem dele… a não urbanidade dele… o nãodominar o que é os códigos urbanos - e e eu acho que isso é que ficou… querepresentou o crioulo de Santiago como um crioulo mais de gente atrasada entreaspas -e o crioulo se São Vicente por exemplo como um crioulo de cidade - urbano--portanto um crioulo que até tinha frases… até tinha palavras inglesas -- um crioulonobilitado --as coisas mudaram - as coisas mudaram --e eu digo isto -tanto mais istoé assim - que a representação desvalorizante da língua está ligada… digamos… aoactor - tanto mais é assim que os próprios santiagueses da Praia - da pequenaburguesia -distanciavam-se dessa… desse homem rural… dizendo eu não sou badiu -eu sou da Praia - não sou badiu -- e falavam português -- na altura do tempo colonial- os filhos - os nossos… os meus colegas… os meus… digamos as pessoas quepodiam ser da minha classe social em São Vicente aqui da Praia falavam português --já para diferenciar - quanto a mim para se diferenciar - portando dessa… dessehomem rural com essa característica -- mudou tudo - uma coisa muito maiscomplicada - num processo que é a escola… para já a democratização do ensino --hoje já temos quadros licenciados - doutorados - mestrados - de toda a parte deSantiago -- já temos - portanto - já temos -- mas mudou muito com… como é queposso dizer? mudou o actor - perduram as representações -- perduram asrepresentações -- e por isso ficamos sempre com essa… com essa… acho que…sobretudo falo agora de São Vicente… fica sempre com essa representaçãodesvalorizada do santiaguense - que é preconceituosa -- é essa ideia - do homem rural- e esse homem praticamente já não existe -- praticamente já não existe -- ocontacto… acho que parte da explicação dessa questão dos crioulos… dessadiferenciação dos crioulos está aí um bocado -- e nessa hierarquia - claramente ocrioulo de são Vicente tendeu a ser hegemónico no Barlavento -- claramente tendeu aser// Como e que vê essa… como é que valoriza ou não essas diferentes variantes,como é que as encara pessoalmente? também eu acho que há aí qualquer coisa que se está a passar e que éinteressante -- e o que eu vou dizer é extremamente polémico -- acho que o… quepoderíamos chamar a inteligentia cabo-verdiana tem uma má consciência em relaçãoa Santiago - uma má consciência -- e a conjugação clara duma afirmação… o homemde Santiago neste momento afirma-se - tem uma grande afirmação -- e sobretudo…sobretudo essa geração… as gerações de… as gerações do tempo da independência -as gerações do pós independência -- acho que essa má consciência levou a que… se agente… há uma… houve uma grande focalização no que é a cultura de Santiago --quanto a mim muito positiva mas em desprimor também de não se conhecer toda ariqueza cultural de Santo Antão - do Fogo - São Nicolau - da Boavista -- e eu já nãofalo de São Vicente - porque São Vicente naturalmente se impôs enquanto centrourbano -- São Vicente teve uma historia - uma génese onde que… que… portanto…não… digamos - aguentou isso -- mas é ver… isso até tem reflexos nos própriossectores -- há um facto - nunca encontrei nenhum deputado de São Antão que tenhafalado crioulo de Santo Antão no parlamento -- nunca -- não me lembro -- pode terocorrido mas não me lembro -- se ocorreu é tão… é tão coiso que não me lembro --enquanto que se ouve frequentemente o crioulo de Santiago - já se ouve mui…umbocado o crioulo do Fogo e o de São Vicente -- não me lembro… por exemplo docrioulo de Santo Antão por parte dos deputados -- e há deputados… houve uma alturaem que o parlamento tinha muitos deputados - (?) legislatura - muitos mesmo -- nãome lembro -- esse é um exemplo concreto -- isso é para dizer que as atitudes que asos falantes têm em relação à sua própria fala - à sua variante - também écondicionada - de valorizar ou desvalorizar -- neste momento há claramente umatendência forte de valorização do crioulo de Santiago pelos próprios falantes -- não sevê ou vê-se muito pouco em relação a todas as outras ilhas -- não se vê osãonicolauensea afirmar o seu crioulo - desinibidamente e de forma descomplexada -e até… como hei de dizer? porquê que acontece muitas vezes com os santiaguenses -até celebrativa - não é? a celebrar o seu crioulo -- não se vê… e no Santo Antãomuito menos ainda -- acho que - acho que é a ilha que menos valoriza o seu crioulona prática - na prática -- e é por isso que 5Cordas do Sol é um autêntico programaquando ele diz 6Língua de sintanton e um sabura - é um autêntico programa -- vê-se que é intencional - a música deles - e e e é uma coisa interessante - este aspecto éinteressante -- por isso que eu digo que o crioulo para mim tem essa maturaçãodesigual - e temos muito que andar ainda -- eu não defendo que… não defendo apressa que se tem em relação ao crioulo nesse momento -- não por preconceito - maspor achar que há muitos passos quenão foram dados -- por exemplo eu massificaria oALUPEC - o ALUPEC está… o ALUPEC é vítima… no barlavento sobretudo… oALUPEC é vitima duma representação que se formou - eu tenho isso como claro - deque o ALUPEC é para escrever o badiu - é para escrever o badiu -- eu tive quinzeminutos com uma jornalista do barlavento - falei com ela - e eu não sou nenhumespecialista - e ela… dei-lhe exemplos para mostrar que o ALUPEC é uma meraferramenta para grafar-- eu dava-he … dizia -tal termo crioulo de Santiago - escrevoassim - este termo em São Vicente é assim - escrevia -- este termo em Santo Antão éassim -- olha … mas eu escrevi em ALUPEC… escrevi com a mesma coisa… com omesmo alfabeto - e ela disse mesmo - ah!!! portanto não há… o ALUPEC é vistocomo um alfabeto para escrever o crioulo de Santiago - e é prejudicado por isso --porque há preconceito em relação ao crioulo de Santiago -- às vezes não é sópreconceito - há uma coisa que é legítima -- o falante de São Vicente - ou o falante deSanto Antão -do Fogo ou de São Nicolau ou de outra ilha não quer perder a sua fala --isso é legítimo -normal - como o falante de Santiago não quer também // Há pessoas que às vezes defendem a existência do que seria o verdadeirocrioulo. Para si, existe esse, alguma variante que seja o verdadeiro crioulo? essa… eu acho que essa é… essa é uma… essa é uma teoria identitária… éuma teoria do essencialismo -- que é dizer que a nação começou em Santiago -começou na Cidade Velha - que… e começou em Santiago - começou em Santiagocom… com… sobretudo com escravos ou descendentes de escravos - praticamentesem ou quase sem misturas -- seria o núcleo duro - seria o núcleo puro - e o restoseria portanto - variações a partir portanto das origens que foram cultivadas --portanto temos uma cultura de essência - uma teoria do essencialismo - tanto nalíngua como na identidade em geral - na língua que é um factor - que é digamos umvector identitário - como no resto -- eu não concordo - eu não concordo -- eu nãoconcordo -- eu não concordo e acho que isso sim - isso seria uma visão muitohegemónica -e rapidamente podíamos cair numa visão rácica-- rapidamente// Entendo. agora o que eu acho… e é impossível não falarmos disso… ao fim ao cabo jáderivamos - mas é impossível não estar ligado à língua -- que é o seguinte -- eu hojeestou… disseram-me… não aprofundei totalmente o livro do Gabriel Fernandes -disseram-me que é a tese dele... mas eu hoje acho que devemos assumir que CaboVerde é… eu não diria multiracial… mas quer dizer Cabo Verde é tudo menoshomogéneo - naturalmente -- eu faço… eu estive há dias a discutir com um amigomeu aqui de Santiago - ele estava de acordo comigo -- eu faço a seguinte comparação- dou o seguinte exemplo - nós dois - eu - Dr.ª Amália - Sal - São Vicente -- eu até…eu até… até digo que sou uma excepção - até aos… até aos dezanove anos eu nuncatinha ouvido um funaná -- fui ouvir o funaná - ferrinho - gaita e ferrinho - nem eusabia se era o funaná - ouvi essa música - esse género - fui ouvi-lo em - na PraçaEstrela -- trabalhadores cabo-verdianos que aos domingos se concentravam lá -maioritariamente quase todos de Santiago - alguns do Fogo mas maior parte deSantiago - iam com sua gaita e:: tocavam - e eu ouvi essa música tinha eu dezoito -dezanove anos// Em Portugal? em Portugal - Praça Estrela - Jardim da Estrela - aliás - em Portugal -- váriosoutros cabo-verdianos das ilhas de Barlavento ouviram o funaná tinham se calhartrinta ou quarenta anos -- outros nasceram e morreram sem ouvir - nunca - nem ofunaná - nem a tabanca - nem o batuque -- como vários cabo-verdianos de Santiagonasceram e morreram sem nunca terem ouvido o San Jon - saíamos… saíamos da erada televisão -saíamos de há trinta anos para aqui// Claro! então como é que é possível - quer dizer - como é que eu posso apreciar - elogo gostar - ou apreciar e sentir como sendo meu algo que eu nunca ouvi - nãocultivei? é como o jazz - eu não posso… às vezes eu posso… às vezes há quem ouveo jazz e à partida gosta -- mas geralmente aprende-se a gostar do jazz -- e nós nãolevamos isso em conta -- falamos de forma muito afirmativa - como se toda a gentetem que reagir de forma igualmente… como se um indivíduo do Picos -São Salvadordo Mundo -deve reagir frente a um San Jon igual a ele reage frente a… a um batuque-- não -- não -- agora - permita-me -- e acho que temos diferenças entre nós - temosmesmo… não chegamos a ter etnias - mas temos uma diferenciação mesmo emtermos de biótipo -temos--e devemos assumirisso como natural -natural// Voltando a questão da identidade, qual a relação que estabelece entre o criouloe ser cabo-verdiano? Por exemplo, o que é que pensa das pessoas que não usam ocrioulo, que não gostam do crioulo, ou que preferem usar o português? poucas pessoas não gostam do crioulo -- no fundo no fundo - quer dizer - eureparo o seguinte -- e isso é que eu chamo contradição -- há pessoas que usam ocrioulo - que até… até eu conheço algum… algum intelectual que até… até queele… há momentos que vê-se que ele usa o crioulo com algum sabor e com algumareminiscência… também quase como uma tentativa de identificação com o povo -usam isso - também -- uma espécie de romantismo - mas ao mesmo tempohipervalorizam o português -- não rejeitam o crioulo - hipervalorizam o português --eu acho que isso demonstra que o crioulo é quase como um traço - eu diria… nãochego a ponto de dizer - sem o crioulo não há cabo-verdiano - mas acho que é umtraço eminentemente constitutivo do ser cabo-verdiano -a língua -eu acho que é // Admite alguma…? agora eu acho que é possível que algum cabo-verdiano não fale o crioulo e sesinta cabo-verdiano -- senão eu negaria a existência de cabo-verdianos que nuncapuseram os pés em Cabo Verde e que se sentem como tal - por exemplo nos EstadosUnidos--e que são filhos de - ou netos de -portanto --mas a língua édecisivo// O que acha deste facto, dessa situação que nós vivemos, de usarmos crioulo eo português? bom - aí já estou a ser contaminado pelo que eu tenho lido e ouvido -- eupenso que é muito bom - nós estamos a explorar isso muito pouco -- ao que parece ascrianças que usam várias línguas têm um desenvolvimento intelectual extraordinário -- a:: há dias estive a ver um programa - era na Burkina Faso ou quê - era crianças queestavam a aprender… o ensino… na língua materna … o ensino da matemática - daaritmética em língua materna - numa das línguas do Burkina Faso - e o professor deuum testemunho… um professor primário… ele era formado… eu sabia - deu umtestemunho que o programa de aritmética em língua materna… eles estavam… bomsuponhamos - estavam no top 20 - e se fosse no programa francês estariam no top 4ou 5 -- estavam muito à frente - porque as crianças… e porque havia… eles tinhammesmo um método - as crianças progrediam a um ritmo extraordinário -- eu acho queo mesmo pode acontecer connosco - mas eu penso que aí também há armadilhas aevitar// Como por exemplo? eu posso… eu posso perceber imenso… suponhamos… eu vou… umraciocínio por absurdo - eu posso ser um grande físico nuclear em crioulo - quem éque vai compreender-me para além do cabo-verdiano? quem é que me vaicompreender? quem é que me vai compreender para além do cabo-verdiano? querdizer… a la limitetenho que arranjar um bom intérprete não é? um bom tradutor paraas minha obras - ou… quer dizer… há um problema que é… acho que é o problemade sempre… que é o problema que Baltasar levantou e ainda se mantém - que é oproblema da recepção - da recepção do que a gente produz em crioulo por exemplo -literariamente -- portanto há limites -- é normal -- agora…talvez porque… talvez…talvez é difícil… não é possível termos a pretensão - acho que é isso - termos apretensão de… igualar as duas línguas -- acho que tratamento igual não é igual aigualar -- porquê que eu digo igualar? eu não vou conseguir ter com a minhaprodução em crioulo o tratamento que o po… o tratamento que a minha produção emportuguês tem - no mundo -- não é em Cabo Verde - no mundo -- mas mesmo emCabo Verde - suponhamos que aqui em Cabo Verde fosse suplantado - no mundo nãovou ter - não vou ter -- aliás no mundo não tenho o tratamento de uma produção emportuguês - que eu tivesse se eu escrevesse em espanhol - não digo mais nada - nãochego nem no inglês -- se eu escrevesse em espanhol a recepção era de longe superiorao português -- portanto acho que aí não há… não é… não é uma… não é nenhumdrama-- só que alguns defensores do crioulo falam como se… é possível que o por…que o crioulo atinja este estatuto pleno -- não é possível quanto a mim - não épossível -- e é natural que assim seja -- se eu conseguir produzir uma obra -uma obraliterária extraordinária em crioulo - eu vou ter… é uma questão agora de mercado -eu vou ter de certeza financiamento para alguém passar para o português ou parainglês - para russo - para chinês -- mas é preciso produzir essa obra extraordinária emcrioulo - e para isso é preciso que eu trabalhe o crioulo como língua literária - e nãoestá -- está pouco trabalhado neste momento - está pouco trabalhado -- portanto essacoisa é assim// E como é que perspectiva esta situação, digamos, o desenho da alternativalinguística para Cabo Verde? vou responder primeiro pela negativa -- eu acho que toda a tentativa -excessivamente normativa para levar isto para a frente vai-se gorar - vai-se gorar -- evai… e se fizermos isso vamos… vamos ter muitos amargos de boca -- eu achopenso que… que… e já agora - eu pessoalmente como deputado quero fazer algumacoisa -- já agora… eu vou… isto agora é uma confissão - eu quero promover uma…quero promover… quero promover um atelier de escrita livre do crioulo em SãoVicente por exemplo -- e quero ver se eu consigo contagiar todos os meus colegas afazer em todos os círculos eleitorais - e quero fazer para estudantes - e homens emulheres de cultura que aceitarem - escritores por exemplo - dramaturgos - quem fazpeças de teatro - etc. de escrita do crioulo - uma oficina - um ateliezinho para aescrita do crioulo -- eu acho que temos que começar é por aí - começar pela base -começar por a… começar por naturalizar isso// O que é que acha da oficialização do crioulo? como processo… como processo - justamente isso -- eu acho que aí… aítemos que definir um programa - definir objectivos e ter uma estratégia em relação aocrioulo-- temos… temos um problema que é a diversidade -- temos um problema queé a diversidade… penso que… a primeira coisa quanto a mim é a padronização dagrafia -- acho que é - porque se conseguirmos padronizar a grafia - atenua… atenuaos preconceitos mútuos que todos temos -- é como uma distensão - ah! eu possoescrever a minha variante… e se calhar vou-me aventurar noutras variantes também-- e eu acho que… eu não tenho uma visão normativa em termos de padrão - emtermos de que crioulo vamos escrever -- eu acho que vai surgir naturalmente --primeiro começando por isso - por afirmar o crioulo como língua - com uma - comuma grafia - com um alfabeto -- e para isso eu não digo que tem de ser o ALUPEC --mas como há o ALUPEC - vamos fazer com que as pessoas conheçam o ALUPEC --eu penso… da minha experiência que eu tive há dias com essa tal jornalista… que eupenso que tinha muitos preconceitos… eu acho que é possível dizer às pessoas -vamos… quer dizer quase como uma negociação - não - não vais… tu não… isto -isto não e obrigatório -- não - este alfabeto não está… vais só aprender a usá-lo - edepois vais fazer a crítica -- mas aprende a usá-lo primeiro -- o que é que acontececom o ALUPEC? está-se a destruir o ALUPEC sem conhecer o ALUPEC -- há umarejeição sem conhecimento -quanto mais porque primeiro… tentar provocar… porque é que acha que isso acontece? acho que por preconceito -- é incrível -- é interessante o que acontece com oK - o K… eu acho que é isso - a representação social… é complicada -- o K éassociado ao crioulo de Santiago no barlavento -- e é associado… mas acho que oK… também há rejeição mesmo em Santiago às vezes… acho que há… é um bomestudo - é um bom estudo -- há mesmo - há -- e então o K - o K é muito associado àÁfrica -o K é muito associado à África--porquê? Porque? porquê ninguém sabe -- eu noto isso -- porque… é… ((tosse)) perdão -- éuma representação social -- é uma coisa que… era bom era saber como se despoletou-- como é que chegamos lá? mas sinceramente o K é Santiago - África -- o K… àsvezes eu brinco e digo à pessoa -o K do kingem inglês é isso não é? começa a pensar- quer dizer é tão… é tão… é tão… uma relação preconceituosa - é tão… umpreconceito que é feito - é um preconceito mesmo - que as pessoas se esquecem do Kde outras línguas ditas nobres - como o inglês - por exemplo -- então - eu começo adizer palavras em inglês que levam K - e eu vejo que as pessoas ficam um poucoembaraçadas - porque ao fim ao cabo - acabo por ser um pouco… acabo por ser umpouco… levar as pessoas a sentirem que têm um preconceito - e isso não é agradávelde facto -- mas voltando à ideia de divulgar o AL… é levar com que as pessoasaprendam o alfabeto para massificá-lo e surgir uma outra alternativa - se fornecessário// Sendo o crioulo oficializado, ele teria algumas funções específicas, e oportuguês teria outras? Como é que …? se o crioulo … uma boa questão -- se à partida o crioulo tivesse algumasfunções específicas predeterminadas - era uma anti… era uma política… digamosera uma anti política… era uma má política -- acho que… não sei bem como dizerisso… mas é como… a minha ideiaé… Estou a pensar em ler, escrever, determinadas … para falar com determinadaspessoasem determinadas circunstâncias… a minha ideia é um pouco… pode ser até um pouco… um pouco… como éque eu posso dizer? voluntarista ou mesmo anárquica -- era… é dar às pessoas osinstrumentos e depois… a coisa vai andar - vamos ver o que é que isso vai dar - écomo que ter um programa mínimo -- temos que ter um programa mínimo e depoisvemos o que vai dar -- por isso é que eu acho que não devemos ter pressa -- quandose diz neste momento que não devemos ter pressa há uma grande… há um… às vezeshá reacções terríveis à volta disso porque automaticamente - como raciocinamossempre oito ou oitenta - é tido como - esse indivíduo tem preconceitos em relação aocrioulo-(?) ele tem… ele tem… ele estácom… é um jogo defensivo -- eu atépossoadmitir… eu acho que acabamos todos por ter -- se calhar - eu posso até ter no meuinconsciente - e se calhar eu até posso ter - mas no meu consciente não tenho -- émemo a ideia de amadurecimento - porque aí também é um terreno muito minado --podemos criar problemas graves quanto a mim de… de… de… de… mesmo deconflito e de… de… de um certo divisionismo entre os cabo-verdianos se nãocuidarmos bem disso -- podemos criar -- acho que é isso -- repare o que aconteceucom o ALUPEC - uma equipa produziu o ALUPEC - não houve nenhuma medida defactode promoção do ALUPEC até hoje// Como é que explica isso? eu não explico - olhe - eu constato -- por exemplo - fez-se um fórum noparlamento e falou-se na ideia - há 3 anos ou quê - na ideia interessante de 15minutos de (?) na televisão - seria extraordinário - não se fez -- não se fez - porexemplo// Dr. X, acha que o crioulo deve ser ensinado nas escolas cabo-verdianas? eu acho que primeiro o crioulo deve ser ensinado aos professores -- primeiro -primeiro os professores -- eu aí defendo… há quem defenda isso muito bem que é o7F4 - eu recorro-me a ele porque acho que as posições dele são conhecidas - asminhas… neste aspecto são coincidentes -- aí… aí… que vale a pena começar decima -- vamos começar com quem tem os instrumentos… mas com uma formação asério… a sério -- eu até… eu até faria… eu faria… eu neste momento acho que osprofessores primários - por exemplo - seria importantíssimo se tivessem uma boaformação do crioulo -- uma boa formação do português - uma boa formação docrioulo -- teriam mais facilidade em lidar com os alunos na sala de aula - e teriammaior capacidade - acho - para levar os alunos a dominarem as duas línguas -- aí éque eu começaria -- e naturalmente teria que aparecer um momento onde o criouloentraria no currículo como veículo -- ainda há pouco estive a lembrar-me disso - faleicom um senhor - se não me engano de Seicheles - eu não sei os pormenores - eu atéqueria pesquisar - ele disse-me que… ele soube... acho que é Seicheles ouMaurícias… acho que é Seicheles -- ele soube dessa ideia nossa… ele disse-me queem Seicheles fizeram uma experiência… puseram… se calhar… não tenho ospormenores… mas se calhar sem as devidas precauções - o crioulo - mas o crioulocomo língua veicular - o crioulo para… o crioulo como veículo para aprender…aprender a física - etc. -- houve uma regressão no sistema de ensino -- o impacto foinegativíssimo - uns anos depois constataram que foi negativíssimo - a qualidade doensino caiu -- eu não tenho os pormenores … eu não sei bem… é algo que me… eagora eu digo - penso que… que não temos tido uma… vou ser mesmo muitoatrevido - não sou linguista -sociolinguista - mas a ciência é ciência - ciência não é…eu acho que não temos tido uma demarche- acho - muito científica nesse particular --em que sentido? temos usado muita ideologia nisso -- por exemplo eu acho que asnossas visitas de estudo nessa área deviam ter… devem ser orientadas para países quetêm experiências concretas -- mas não é para folclore - não é para folclore - não --que a gente prepare missões de estudo da experiência - e nesses países ouvirtambém… porque aí é que a gen… a gente só ouve os que são pró… a gente só ouveos mentores - quem é o mentor que vai falar mal da sua experiência? vai dizer queerrou mas -- vai dizer que houve um problema mas -- e vai dar-te sempre o lado bom-- não - nós devemos ir lá e ouvir todas as partes - saber… de certeza - eu nãoacredito - eu não acredito - em Curaçau - eu não acredito que… eu não acredito queem nenhum país onde há uma língua dita nobre - inglês - francês - castelhano ouportuguês - e há línguas nacionais ou há crioulos - e que essas línguas estãovalorizadas no sistemas de ensino - eu não acredito que isso… que isso tenha sidofeito sem conflito - eu não acredito - houve conflito de certeza -- e nós devemos é iraí - ver esse conflito -- com todas as partes -- dão-nos só a imagem boa - temos só aimagem boa -- fala-se - e vem gente do Curaçau e tal - fala-se só o lado bom dascoisas e nós para não cometermos erros temos de ver tudo -- aquilo que fizeram paraser assim mas não deu assim - deu assado - os bons -- tudo isso - deve ser feito -como visita de estudo a sério -- e é aí que eu digo que não temos sido muitocientíficos nisso -temos sido muito mais ideológicos// Há bocado tinha falado disso, mas vou retomar a questão. Como é que achaque os cabo-verdianos falam o português, e como é que acha que eles deveriam falaro português? não tenho uma posição sobre isso -- eu… eu prefiro falar com a fala dosoutros -- os portugueses… já… eu estive em varias situações… por exemplo - eu vicolegas meus - da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - portanto colegas desociologia que liam… nos anos oitenta - meados - finais dos anos oitenta - meadosdos anos oitenta - que leram… leram artigos… artigos de jornalistas… na altura dojornal Voz Povo e disseram -- vocês escrevem de forma muito rebuscada - a vossaescrita é muito rebuscada -- e tenho colegas cabo-verdianos que têm esse mesmotestemunho do português -- portanto é uma ideia generalizada em Portugal - se calharda generalidade das pessoas que têm contacto com a nossa escrita - sobretudo nodomínio da escrita - dizem que escrevemos muito formalmente - muito pesado - anossa… uma escrita é muito pesada -- não sei porquê - se é o uso de adjectivos - nãosei - se é formas verbais - mas dizem isso -- e tenho esse… esse testemunho decolegas meus -de colegas meus que têm esse testemunho também// E da fala, há bocado falava da censura, será? a fala… nós somos muito formais - e eu acho… quando eu comparo a nossafala com a do angolano ou o do brasileiro - vejo que nós… nós - nós somos dilectosaprendizes dos portugueses nesse aspecto -- dos portugueses quer dizer - dessa -talvez de uma ideia antiga da língua -- antiga… não estou a dizer antiga comodepreciativa -- antiga mesmo de… muit… de há muito tempo -- onde a língua… alíngua… tem de ser falada com propriedade - com rigor absoluto e com um purismoextraordinário -- para já era essa a ideia que tínhamos na instrução primária - osnossos pais foram educados assim e nós também - nós menos - eles muito mais -- e…e então… nós somos… bom… agora… a minha geração - não sei se ainda é assim -não sei se ainda é assim -- até à minha geração somos muito rigorosos com os errosde português - calinadas em português -- eu noto mesmo em mim - eu sinto isso -eu… quer dizer… é quase que a pessoa é classificada por causa de um erro deportuguês - é quase classificada… melhor é desclassificada - não é? com um erro deportuguês - somos muitíssimo rigorosos -- não se vê o mesmo em Angola - porexemplo -- a sensação que eu tenho é que no Brasil e em Angola são os dois casosque eu acho onde… que a língua é muito mais… muito mais… acho que em Angolae Brasil a línguaé mais… como é ? mais dúctil// Admite a possibilidade de nós, cabo-verdianos, virmos a falar o português anossa maneira? até agora não fizemos isso - e acho difícil - difícil -- só se mudarmos a nossaatitude para com a língua (…) acho… não digo que não - pode ser -- pode ser queisso entre pela via da literatura -- pode ser -- pode ser pela via de algum - porexemplo… Ou acha que nós devemos, segundo entendo, a ter o mesmo… como modelo oportuguês da Europa? não -para mim não -para mim não// Qual seria a…? por exemplo… por exemplo para mim … há uma pessoa … já agora um autorque eu acho que tem um português diferente - Germano Almeida -- eu acho que… aprosa que eu leio de Germano Almeida… não sei o que é - mas é diferente -- e euacho que é intencional - mesmo a conversa dele - a fala dele - ele… os artigos dosjornais - é… é uma outra forma de escrever - de tratar o português - o Germano -- e éperto… é perto de algum… do que se chamava um pouco o português claridoso - nãoé? nalgumas coisas -- mas o Germano - acho o Germano…é um exemplo… é quaseque um exemplo único - o Germano - a maneira como ele escreve - e a maneiracomo ele fala -- por exemplo o Germano fala quase que exclusivamente o português -não sei se re…o Germano fala um português - a gente diz - muito claro - toda a genteentende -- portanto eu acho qu… ele habi… ele tem um português que não érebuscado - não é gongórico - um português muito claro -- é esse português muitoclaro acho que está… está um pouco encostado à estrutura do crioulo - talvez à nossarealidade - está um pouco encostado à nossa realidade -- isso são só feelings -- eu nãosei se… Certo. Eu não tenho mais questões, mas eu gostaria que, se por acaso, senteque há alguma questão que eu não tenha abordado, algum… algum aspecto quegostaria de precisar na… no contexto desta conversa, esteja à vontade. não - não me lembro - assim… não -- por acaso é uma matéria que eu gostode falar e de reflectir sobre isso - mas não me lembro -- acabei por - acabei porabordar os meus temas preferidos ((risos)) já sabia que ia acabar por abordar - mas hácoisas…há coisas interessantes -não -não tenho - assim… Então, eu agradeço uma vez mais a sua disponibilidade.1Deputado e dirigente partidário.2Linguista cabo-verdiana3Músico e compositor cabo-verdianoe também poeta (LCV)4Designação do comerciante informal de produtos diversos5Grupo musical dessa ilha, e que usa a variante de Santo Antão da LCV6Tradução para português: A língua de Santo Antão é bem agradável7Ex Ministro da Educação" -INF11.wav,"X, muito obrigada por me conceder esta entrevista. A minha primeiraquestão é a seguinte: quando apreendeu a falar, o que é que aprendeu? Portuguêsou crioulo, ou os dois? só--só -- só crioulo// E… já… antes de entrar para a escola,só falava o crioulo? antes de entrar para a escola só falava o crioulo -- a:: e na escola - que eutenho memória - eh - as minhas professoras - porque foram cinco professoras naprimária -e::falavam também crioulo --falavam crioulo// Isto onde? falavam crioulo -- isso em Santo Antão - na ilha de Santo Antão -- Pontado Sol… Ribeira Grande… Paul… e tenho memória de uma professora que falavaportuguês - só na Praia -- isso em 1978 - quando estudava a quarta classe -- tenhoessa memória -- embora em casa - a minha mãe tenha tentado fazer um esforçopara nos incentivar a falar - a usar de vez em quando o português em casa -- masnós nunca alinhamos -- e ela mesmo nunca falou português em casa - não é?((risos)) Mas… o português… então já tinha contacto com o português antes deentrar para a escola? não -- não -- não -- não tenho memória disso -- falou-se em minha casa -sempre -não// Mesmo fora de casa… na rádio… ouvia, tinha algum contacto com oportuguês? olha -- ouvia-se rádio em minha casa -- mas a ideia que eu tenho é quenão entendia absolutamente nada do que se dizia na rádio -- não sei se pelaidade… Idade? pela minha idade - minha (?) -- mas não entendia absolutamente nada doque se dizia na rádio// Portanto, na escola primária, os professores falavam o crioulo? essa ideia que eu tenho// E oX falava com elas também em crioulo? não sei -- a memória falha um bocado -- mas eu tenho a ideia que nósusávamos - os alunos usavam o crioulo também -- embora se fosse - digamos - sefosse uma pergunta - digamos - como se pode dizer… se fosse uma pergunta -uma questão relacionada com… com a classe… uma pergunta de História ou deMatemática - a gente tentava responder em português - não é? mas os assuntosextracurriculares - digamos assim - que eram extracurriculares - vírgula - eramfalados em crioulo - não é? e se a professora pedia qualquer coisa - ou mandarcalar -- tenho memória que as professoras usavam -- e tenho uma dúvida grandeque essas minhas professoras soubessem falar ((risos)) tivessem um certo domínio- um domínio razoável do português -- porque… uma das professoras acho quetinha segunda ou terceira classe na altura --ou qualquer coisa do género// E nas provas…vocês faziam provas? Estavam em português// As provas estavam em português? eram em português - sim -- a nível de escrita foi sempre em português// E actualmente, em casa, com os seus amigos, com os seus colegas, qual éque usa normalmente? exclusivamente o crioulo// Exclusivamente o crioulo. Em que circunstâncias fala o português? a:: olhe - com os cabo-verdianos nunca -- absolutamente nunca -- a::neste momento falo o português eventualmente com um estrangeiro que não tenhao domínio do cabo-verdiano - da língua cabo-verdiana -- e uso o português -- maséa única situação em que eu -pessoalmente -faço uso da língua portuguesa// Mas, por exemplo, quando fala com autoridades, superiores hierárquicos,usa o português? não -- nunca -- mesmo quando fui professor no liceu -- nas reuniões -com o Ministro - com a Directora - eu fiz uso… quando fiz uso da palavra… useisempre a língua cabo-verdiana// Porquê X? e:: pessoalmente - porque… digamos… digamos… eu vou chamar-lheuma forma de resistência// mhm porque eu penso que a situação linguística em Cabo Verde é uma situaçãoum tanto ou quanto injusta -- para não dizer muito injusta em relação a línguacabo-verdiana - não é? foi uma forma… primeiro porque eu acho que devo ter odireito de usar - pelo menos no território cabo-verdiano - em circunstância que for- devo ter o direito - aliás - tenho o direito de usar a minha língua - não é? nãopode haver situações em que um cabo-verdiano não possa - ou seja proibido deusar a língua cabo-verdiana em Cabo Verde -- isso é um absurdo -- então foi umaforma que eu encontrei de dizer isso às pessoas - de mostrar isso às pessoas -- etambém de incentivá-las a fazer o mesmo -- porque muitas vezes estamos numareunião - não é? fala-se crioulo o tempo todo - não é? e chega… quando começa-se a reunião - passa-se para a língua portuguesa -- eu fiz… usei sempre de umatáctica para mudar as coisas -- pedia a palavra e dizia qualquer coisa em português- desculpe - crioulo - só para mudar as coisas -- e geralmente a reunião ganhava…mudava de língua -- imediatamente - as pessoas passavam a falar em crioulo e areunião acontecia em crioulo -- nem sempre - nem sempre - não é? nem sempre --mas noutras circunstâncias pedia simplesmente a palavra - falava em crioulo -outros seguiam o exemplo -- mas a maior parte – quando… reuniões grandes -com directores - com ministros - a maior parte do pessoal fala português pelosmotivos que mais ou menos já conhecemos E agora, como é que acha que é a sua prof… o seu domínio do português,como é que é? a: olhe eu depois de estar seis anos… depois de estar em Portugal - eu vique o meu português não é tão mau quanto eu pensava -- depois de convivermesmo com portugueses - descobri que o meu português é um portuguêsrazoável// mhm eu - não… na hora de falar - eu tenho pouca prática -- então eu tenhotenho tenho de pensar para falar -- medir as coisas - fazer as concordâncias - parapoder exprimir razoavelmente bem ou para não cometer erros de gramática quenormalmente em Cabo Verde é o que mais tentamos evitar - não é? isso devido àmetodologia que aprendemos o português - não é? aquela paranóia de falarsempre correctinho --usa-se o português mas… Como éque se sente quando fala o português? já senti-memelhor - acho ((risos)) Com naturalidade, com medo de errar? Pareceu-me… não -- já não -- já não porque fiz um exercício interiormente - sim -- maseu hoje admito -- não tenho problemas de errar -- já não tenho esse problema --até certa altura tinha - porque em Cabo Verde há uma mania que temos de falarportuguês gramaticalmente muito correcto - não é? hoje eu vejo português comouma ferramenta - que eu uso para atingir um determinado fim - se falhar – falhei -- vou tentar corrigir - ser melhor na próxima vez -- mas hoje já não tenho esseproblema de cometer erros --sei que os cometo -- portanto -assumo isto// E lêe escreve em crioulo? leio e escrevo em crioulo - sim --sim// E quando é que se sente mais à vontade, quando fala, lêou escreve crioulo? falar evidentemente é é à parte… falar e escrever - não é? falar e escrever-- falo -- parece incrível mas escrevo melhor que leio - não é? mas também ler--ler é uma questão de hábito - não é? é uma questão de ganhar - digamos - amemória - digamos visual das palavras e ler -- eu li agora que reeditamos o1Xatiadu Si - não é? reparei que a minha leitura voltou a ser fluente - não é? mashavia algum tempo já que já não lia muita coisa por não haver muitas publicações- então agora que tenho de fazer exame de escrita - leitura - reedição de outrostextos em crioulo - adaptação do ALUPEC -- então de repente - começo a ternovamente uma boa memória visual das palavras e a minha leitura volta a fluir --mas escrevo melhor em crioulo do que leio// Há bocado dizia-me que se sentia à vontade quando falava português. Masonde é que se sente mais à vontade, português ou crioulo ou igualmente àvontade? não --não há comparação ((risos)) Fale-me disso. crioulo eu falo naturalmente -- falo crioulo -- falo naturalmente -- nãofaço… hoje faço vigilância e recomendo que se faça porque também temos de darum pouco de atenção ao crioulo -- senão ele vai descarrilar completamente - nãoé? e perder a sua própria alma a sua própria alma -- mas o português não consigofalar sem fazer uma certa vigilância - uma certa vigilância um pouco apertada até- não é? enquanto que o crioulo falo naturalmente -- não há nenhuma comparação--com o português -costumo dizer que se falar muito dói-me a cabeça// E acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? não --não --em crioulo --em crioulo// X, vou lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversa forado seu círculo familiar, certo? As três pessoas com quem mais conversa, e meprocurasse definir o perfil dessas pessoas em termos de idade, sexo, o estratosocial… eu não sei se tenho três pessoas com quem converso -- olhe - a pessoacom quem mais eu converso - com quem mais eu estou é o 2F1 - não é? que émais ou menos da minha idade -40 anos -- não ele é mais velhoum pouquinho // Não preciso de nomes, só do perfil das pessoas. ah! sim - ele éprofessor… (…) Professor do ensino secundário? professor do ensino secundário - FPS -- tenho-o como pessoa muitoíntegra -- amiga - coerente na sua forma de estar na vida -- para mim isso éimportante nas minhas amizades… Ele é cabo-verdiano não é? ele é cabo-verdiano -- uma pessoa também na minha opinião - uma pessoamuito inteligente e perspicaz// E a outra? E as outras pessoas? ah! uma outra pessoa com quem converso… Do seu trabalho,da sua actividade de promoção do crioulo…(…)Com essa primeira pessoa fala crioulo ou português? exclusivamente crioulo --nunca… Sobre que assuntos? nós… a: nós falamos… falamos de assuntos pessoais -- falamos do dia adia - dos assuntos sociais - problemas da sociedade - alguns problemas políticos -essencialmente conversa muito pessoal// E em que circunstâncias, em que lugares e contextos? não - normalmente é uma pessoa que quando eu saio geralmente é com eleque eu saio - não é? ou num bar ou num… em casa dele - mais em casa dele doque na minha casa -não é? -ou na praça -normalmente conversamos aí…// Não me consegue falar da segunda e da terceira pessoas? ((risos)) bem eu vou falar duma amiga -- que é uma pessoa que euconsidero amiga -mas que é uma pessoa confusa - uma pessoa confusa… Queria que me definisse o perfil em termos de idade, sexo, estrato social… ah! ok -- está bom -- é uma pessoa amiga -- tem mais ou menos a minhaidade --tem 40 anos --ela étécnico… Superior? não terminou a universidade -- não sei qual a qualificação que tem -- faltaum ano para terminar a universidade -falta um ano --éfuncionaria aí da câmara// Com ela,fala em crioulo ou em português? em crioulo// Em crioulo. Sobre que assuntos e em que circunstâncias? a:: é uma pessoa um pouco mais amiga - não é? então a:: nós falamos domeu trabalho - do trabalho dela - falamos um pouco de assuntos do jornal -- quetambém falo mais com outro amigo -- falamos um pouco de mim - um poucodela -falamos muito sobre os problemas da Praia e da cidade Ok. A terceira pessoa? não sei --não sei encontrar uma pessoa// Não necessariamente amigas. não necessariamente amigas… (…) não pode ser um familiar-não é? Fora do seu círculo de casa.(…)Vou retomar a questão. Há alguém ou algumas pessoas com quem usa oportuguês? Só para eu… vou fazer uma confissão -- há uma pessoa com quem eu uso o português--mais do que (?) é uma… não é bem um cliente - trabalha com um dos clientes --ela é estrangeira - ela é estrangeira mas fala crioulo -- e estou sempre a queixarcom ela - és é a única pessoa que me obriga a falar português-- mas eunaturalmente… ela fala sempre português -- então como ela normalmente não falacrioulo - embora fale e entenda - eu não sei porquê - tenho uma tendência a falarportuguês com… português com ela - falo… falo crioulo - mas falo muito maisportuguês com ela do que crioulo -- realmente é… parece-me que é a única pessoacom quem quem convivo e uso o português// Estácerto. porque mesmo pessoas com o INF7 - 3F2 - que falam português eu falocrioulo com eles --e estes também já falam um bocado crioulo comigo// Ok. Diga-me uma coisa. Fala crioulo… já estamos… já percebi…falaquase que exclusivamente em crioulo se eu… excepto com esta pessoa… para mim nem é uma questão de opção --é a realidade// mhm Agora diga-me. E ouvir o crioulo, onde é que ouve o crioulo assimem Cabo Verde? todas as circunstâncias - todas as circunstâncias -- em casa - na rua -transporte público - nos bares -- sei lá - mesmo na… mesmo em reuniões - aspessoas antes de começarem reuniões falam em crioulo--todas as circunstâncias// E o português? o português é essencialmente na comunicação social - nalgumas reuniões -nalgumas reuniões (?) e nalgumas reuniões que quando começa a reunião aspessoas mudam para o português-mudam automaticamentepara o português// Diga-me… algumas circunstâncias em que ouve o português, mas gostariade estar a ouvir o crioulo naquelas circunstâncias? na comunicação social -- gostaria de poder ver por exemplo legenda - éoutra coisa - construir legendas em crioulo -- mas gostaria de ver nas situaçõesoficiais - comunicações do presidente - do primeiro-ministro - nas reuniões ou nonoticiário -- eu gostaria de ver também… digamos - ver nestas circunstânciastambém…também em crioulo// Passando para a leitura, costuma ler em crioulo. Já me falou disso. O que éque lê habitualmente? a produção é é pequena -- em termos de obras publicadas - não é? -- sãopoemas - contos - o romance de Manuel Veiga -- expressão cultural li quase tudoque existe editado em crioulo eu li -- ah! também na troca de e-mails - também -normalmente agora com o pessoal então mais jovem usa-se muito para fazer chats- conversação na Internet - hoje em dia usa-se geralmente o crioulo -- e são essascircunstâncias --porque infelizmente publicação em crioulo é coisa pouca// Nessa última semana… a:: leumais o crioulo ou o português? de uma forma geral leio mais português -- português tem mais tem maishá mais bibliografia em português do que em crioulo// E ouvir,ouve mais o crioulo ou o português? oiço mais o crioulo// Em relação à escrita, escreve em crioulo. Já me falou disso. O que é queescreve em crioulo? só não escrevo em crioulo um requerimento que sou obrigado a fazer emportuguês -- o resto - cartas a:: as minhas notas - de uma forma geral -- não voudizer que nunca tomo uma nota em em português -- faço -- mas talvez cinco porcento das vezes faço em português -- mas geralmente as minhas notas - aorganização do meu trabalho - os meus relatórios pessoais - faço faço em crioulo--eu costumo dizer que o crioulo é a minha língua oficial// Diga-me agora, o que é que escreve em português? Já me falou derequerimentos. Mas para além disso,escreve mais alguma coisa em português? a:: eu geralmente… geralmente não uso o português na escrita -praticamente não uso o português na escrita// Alguma coisa… só um documento… por exemplo as minhas facturas - um projecto - umrelatório para um cliente - um requerimento numa repartição pública -- souobrigado a fazer em português - então faço -- mas… geralmente geralmente nãoescrevo… Teria preferido fazer esses…? embora andei escrevendo uma carta em português no outro dia… Carta pessoal? sim -- sim -- carta pessoal -- apeteceu-me escrever em português - escreviem português// Diga-me… desses textos… esses textos que escreve em português… teriapreferido escrevê-losem crioulo? eu quando… como escrevo muito pouco em português… eu se escrevouma coisa em português não é por… não posso dizer que preferia… no momentoapeteceu-me escrever em português ou só se tiver algum motivo -- às vezes équando… Estáa falar desses projectos,relatórios, etc.? não - esses aí eu gostaria de poder fazê-los em crioulo -- é o meu sonho - époder… Mas estava a falar de documentos que também escreve em portuguêsporque lhe apeteceescrever… sim - às vezes tomo uma nota - mando um e-mail para um amigo -- possofazê-lo em português -- mas normalmente… na hora apeteceu-me -- por exemplo- esta carta - talvez tive a necessidade de ser muito claro com a pessoa que escrevia carta - embora não seja uma carta de trabalho nem nada do género - ser algopessoal - e essa pessoa talvez não domine tão bem o crioulo - o crioulo escrito -não é? então eu talvez por isso fiz em português - pus em português - talvez porisso// Onde e como aprendeu a escrever o crioulo? onde e como? - olhe - data em 90 -- acho que foi em noventa -- 1990 --mandei… estava em Portugal - mandei vir um catalogo dos livros da 4ICLD -sublinhei todos os livros que havia em crioulo e… e pedi que me mandassem paraPortugal-- li todos -- e comecei a fazer… ainda escrevi… era a escrita de 79 -- ecomecei a fazer o meu exercício -- escrevia qualquer coisa que vinha à cabeça -depois rasgava e deitava fora como forma de ganhar prática no exercício deescrita -- e a partir daí comecei - depois ganhar prática… porque é cansativoescrever com um alfabeto - ou numa língua que não temos o domínio da escrita -ganhei esse domínio digamos assim - um certo domínio - e passei desde aí -desde noventa portanto -já lá vãoquase 16 anos// E actualmente, como é que escreve? uso o ALUPEC// E sente alguma dificuldade? a::praticamente - não// Usa o ALUPEC. E na estruturação de texto… na organização…? a:: já está a fluir um bocado -- não sou homem da escrita - como lhe disse-- mas já está a fluir -- já escrevo assim com uma certa fluidez - principalmente seé um texto pessoal para um amigo - ou um e-mail -- eu acho que já não sintomuita dificuldade -- eu acho que já escrevo com tanta naturalidade em crioulocomo já escrevia em português// Quando estáa falar, ou a falar o crioulo, em algum momento ou em algumacircunstância,teve de mudar,mudou para português? não-não// Chegada de alguém, mudança de assunto…? não -- não - não -- eu posso - eu posso eventualmente - por uma questãode precisão - recorrer uma palavra do português para dar ênfase -- mas da mesmaforma - quando falo em português - falo em português - vou buscar a palavra emcrioulo que dá mais precisão -- também vou buscar uma palavra em crioulo paradar para dar ênfase -- fiz isso muito quando fui professor no liceu -- quando fuiprofessor no liceu - fui professor no liceu e dava aulas nas duas línguas e recorriaàs duas para… Nas aulas? Para quê? Usava o crioulo nas aulas para quê? usava o crioulo nas aulas para os miúdos poderem entender o conteúdopara…para entenderem aquilo que estava a explicar// Portanto, era para fazer explicaçõesda matéria? para fazer entender - exacto -- para explicar a matéria -- para acabar comas dúvidas a:: eu usava o crioulo -- usava o crioulo porque - com o crioulo osalunos realmente assimilavam - compreendiam a matéria -- com o português -ficavam com uma noção - um bocado vaga - depois decoravam e vinham evinham para o exercício// E como é que era depois, ter de fazer provas em português? eu eu dava a mesma aula nas duas línguas - não é? Na mesma…? na mesma aula// Na mesma aula? era na mesma aula -- eu repetia a aula - fazia a aula - muitas vezes emportuguês - depois perguntava - claro - quem tem dúvidas?  ((risos)) ok -- eacabava com as dúvidas usando o crioulo -- acabava com as dúvidas -- e seexplicasse primeiro em crioulo - depois se algum dos alunos tinha dúvida -era umnúmero mínimo mesmo -- a:: mas mesmo que explicasse primeiro em em emcrioulo e que não houvessem mais dúvidas - eu explicava em português com oobjectivo de familiarizar o:: os alunos - não é? a definirem o assunto com a língua- não é? também fazê-los ouvir o assunto em português, - não é? de forma a quequando chegassem - fossem estudar houvesse - a:: é mesmo a palavra - desculpa -familiaridade com a linguagem usada e a língua usada para coiso -- daí quequando chegassem aos testes - normalmente eles não escreviam - eram testes tipoamericano// Vou pôr-lhe uma questão muito directa. Imagine que está numa situação,com umas pessoas, a falar o crioulo. Chega uma autoridade. Muda para oportuguês? as pessoas têm tendência para mudar --mas eu naturalmente - não mudo// Imagine que está num grupo, a falar sobre um assunto social ou familiar edepois muda para um assunto técnico. Tem tendência para mudar para oportuguês? não - hoje … E ao contrário, mudar de português para o crioulo, isto alguma vezaconteceu? certamente falei o português tão pouco ultimamente -- normalmente falo oportuguês com uma pessoa que não domina o crioulo - não domina o crioulo - nãoé? não domina o crioulo - então - e daí que aquela mudança quase que não faziasentido// O que é que pensa do crioulo? éuma língua a::: Do crioulo. agora- é assim… como língua? Em si. Sim. eu… o crioulo para além de ser a minha língua - eu acabei de dizer - ocrioulo é uma língua - na minha óptica - com muitas vantagens -- porque - paraalém de ser um sistema de significados - também tem uma forma simplificada dedizer as coisas - de uma forma directa -- daí até corro o risco de dizer que ocrioulo será uma óptima língua - ou é uma óptima língua para tratar assuntostécnicos -- por exemplo - sou técnico de informática - leio muito em inglês - nãoé? mas não tenho o domínio falado - nem de ouvir o inglês - não falo nem oiço -compreendo o inglês falado - mas leio -- mas estou a ler todos os assuntostécnicos - eu vejo aquilo -- da forma directa - a minha facilidade é que eu vejoaquilo em crioulo - tudo -- está a entender? aquilo me fascinou - quando comeceifiquei fascinado - e disse - meu Deus - as coisas estão facilitadas - é fáciltraduzir do inglês para o crioulo - pelo menos na parte técnica -- é uma línguamuito… que tem essa abertura - que tem essa (?) económica -- acho que é umalíngua muito flexível - capaz de adaptar às circunstâncias - inclusivamentecientíficas técnicas - é uma questão só de ir buscar as palavras apropriadas oucriá-las - conforme for o caso -- mas eu acho que o crioulo é uma óptima língua -como disse o5F3é uma língua muito moderna -na sua estrutura - não é? E do português, o que é que pensa do português? uma língua bonita - tem a sua beleza - não é? mas é… é complicado - éenrolado é:: é enrolado -- tem a sua beleza para a literatura - mas não paraquestões técnicas -- lamento dizer - mas eu não vejo o português como uma boalíngua para questões - questões técnicas -- agora… ou está-me a perguntar dasituação linguística? Sim. O que é que acha disso, de se se usar o crioulo e o português em CaboVerde? eu… vou dizer o que eu penso -- é assim a minha posição - eu vejo oportuguês como uma mera ferramenta - sou técnico - tenho uma chave de fendas -quando preciso chave fendas - recorro a chave -- recorro a chave de fendas paratirar dele um partido -- e é assim que eu vejo o português - eu pessoalmente uso oportuguês - eu… e eu acho que em Cabo Verde o português devia ser uminstrumento - instrumento de trabalho - instrumento para suprimir - ou para apoiarnuma determinada necessidade -- e não da forma como… não na situaçãolinguística como vivemos -- porque nós temos uma língua - que nós nascemos -crescemos - aprendemos nessa língua - essa língua se for trabalhada - não é? sefor dada uma determinada atenção - responde cabalmente às nossas necessidades -pessoais - sociais - técnicas - científicas - responde de certeza - estou certo disso –a:: daí que… acho que este é o caminho -- e as outras línguas… o portuguêspoderá continuar língua oficial se for uma necessidade - poderá continuar noensino se é uma necessidade -mas tem de ser vista… não pode ser vista como umfim - porque em Cabo Verde neste momento a língua portuguesa é um fim - nãoé? é visto como um fim em si - e na minha perspectiva não é esse o caminho --tem de ser… a língua portuguesa tem de ser - tem de entrar como umcomplemento - embora não acredite que seja -- neste momento há umcomplemento entre o português e o crioulo - porque no português eu tenho…tenho os livros - a parte escrita - tenho a informação - não é? que ainda não tenhoem crioulo - eu vou buscar na língua portuguesa -- é aí a ideia da ferramenta - nãoé? eu tenho os livros em português - tenho domínio da língua - como também voubuscar na língua inglesa ou na língua espanhola também - para a leitura - tenhoum certo domínio - logo eu vou buscar - eu uso como um instrumento - não é?mas eu não posso substituir nenhuma outra língua pela língua cabo-verdiana -- euacho um absurdo - na minha palavra… na minha opinião - eu acho um absurdoque haja esta substituição que aconteceu nesses últimos 31 anos de independência-que o português ganhou - ganhou espaço em Cabo Verde - ganhou espaço nessesúltimos anos - agora não sou contra esse espaço do português -é a forma como … Como assim, o português ganhou espaço? ganhou espaço porque antes não tinha utilização// O português não tinha utilização? o português não tinha utilização -- hoje - a ideia que tenho - é que tinhauma certa… é:: o português ficava exclusivamente na escola - não é? é a ideiaque tenho - é a ideia que eu tenho -- posso estar enganado -- depois de eu deixarde morar no 6plateau eu aprendi muita coisa - e circulando pelos bairros - oportuguês não faz escola nos bairros no interior da cidade… É isso… não estou a perceber. Diz que o português ganhou espaço, masestáa dizer-me agora que não faz escola … não estou a perceber… ganhou… ok - vou tentar explicar -- mas ganhou espaço - já fez menosescola -- por exemplo - hoje o português tem um certo prestígio - o portuguêssempre teve um certo prestígio -- mas as pessoas que dominavam o portuguêseram uma pequeníssima minoria - dominava o português -- talvez as outraspessoas por não dominarem o português mantivessem o português de lá -- mashoje - com a massificação - a pseudo democratização do ensino - e hoje todos nósarriscamos a falar um pouco português -- então - vê-se na televisão - na rádio -pessoas que são entrevistadas que não têm o domínio - vê-se claramente que nãotêm o domínio mínimo da língua - mas que arriscam - não é? arriscam -- arriscamporque são bombardeados pela televisão - pelas rádios - em campanhas e outrascircunstâncias - pela língua -- então eles ganham… só de ouvir ganham uma certacompetência na língua e arriscam - arriscam a falar - arriscam a falar - e todo omundo quer - digamos - tirar um certo prestígio disso - não é? mostrar que…porque falar português em Cabo Verde ainda dá… é um sinónimo de status - ésinónimo de de de uma certa erudição - digamos assim - de quem tem cultura - dequem conhece -quem estudou - não é? ainda há esse aspecto -não é? Mas acha isso das pessoas que usam o português? eu acho isso muito… eu acho -vou lhe dizer uma coisa–há pessoas … Pensa que o português dástatus? dá status - dá status sim -- pelo menos na cabeça das pessoas dá status --vamos a uma repartição pública - ou pelo telefone - se reparar - as pessoas têmtendência a começar uma conversa - mesmo… o primeiro momento é emportuguês - mesmo que depois passem para o crioulo -- porque o facto de falaremem português automaticamente muda - muda o clima - muda a intimidade - não é?muda a relação entre as pessoas - aquele respeito - falou em português? não équalquer um que está do outro lado - está-me a entender? significa logo que temesta sensação -- logo eu sou obrigado a fazer um… um exercício digamos derespeito - e uma certa atenção à pessoa -- isto acontece mesmo nas repartiçõespúblicasainda -embora eu acredite que cada vez menos isto está a acontecer -nãoé? e o crioulo está a ganhar espaço - nesta área também - não é? mas as pessoasantigamente - não é? olhe - já eu me socorri duas vezes ao português para melivrar de uma si … um problema qualquer - com um policial não sei que mais --estava numa bicha qualquer e veio um polícia com um case-tête a bater não seique mais -- recorro a uma palavra a uma língua - recorro ao português e à palavracamarada - e ele parou - ficou estagnado - saí da bicha e ele continuou o trabalhodele -- a ideia é - não é qualquer um que esta a falar -- ainda há isso -- e nessemomento há pessoas que… vejamos uma coisa - se sair nos cafés - agora há uma -se sair - vai aos cafés? (?) ((risos)) - agora pede-se uma bica -- pede-se um galão -não se pede um café com leite - não é? e já não se pede um 7cleps - pede-se umaimperial -- olha eu estudei - eu estive três anos em Portugal - eu voltei e retomei omeu crioulo - e a minha linguagem - não é? coisa que as pessoas de hoje dizem -há uma tendência nos restaurantes - sim - temos cachupa guizada ((risos)) - nãoé? é nesse aspecto que está a ganhar uma certa… e estão a introduzir palavras doportuguês no crioulo ou aportuguesar o crioulo só para mostrarem que têm umacerta cultura - que conhecem a língua portuguesa - não é? então modificam ocrioulo -- como costumo brincar - dão um sotaque de Lisboa ao crioulo parapoderem mostrar que têm status - que ocupam uma determinada posição nasociedade - não é? recorrem a isso -- e a explicação que eu tenho para isso derivado prestigio - não é? desse status que o domínio ou o conhecimento da línguaportuguesa infelizmente ainda confere -ainda confere aos cabo-verdianos// E as pessoas que usam o crioulo? é a maior parte das pessoas // Digamos… o que é que pensa delas, o que é que acha que as pessoaspensam delas? não - queusam o crioulo nessas circunstâncias? mhmmhm olhe-há circunstâncias em Cabo Verde - essas circunstâncias oficiais… Sei lá… Estou a pensar por exemplo que pode achar que as pessoas queusam o crioulo são pessoasque têm menos educação,que são menos instruídas... a:: há uma… na grande parte sim -- vejamos no caso das entrevistas - nãoé? um jornalista vai ao treinador - dirige ao treinador - dirige ao treinador -normalmente uma pessoa que tem um pouco mais de cultura - dirige ao treinadorem português -- vira para o lado e dirige ao jogador - dirige ao jogador em crioulo- na mesma entrevista - no mesmo momento - não é? depois volta para opresidente da equipa - volta a falar português -- volta para um jogador… acho quetudo isso é significativo -não é? quer dizer eleele ele … Como é que se entende isso? eledá a ideia de que crioulo está reservado às pessoas que não sabem falarportuguês - que a opção no fim é falar o português - não é? a ideia era falarportuguês - fala crioulo quem não sabe - não é? ou é abordado em crioulo - quemnão sabe ou quem não domina o português// O que acha disso? isso é horrível - isso é horrível -- isso é uma forma de discriminação - éuma forma de… mesmo que seja inconsciente de atacar - de atacar o prestígio dada própria língua cabo-verdiana - uma forma de dizer às pessoas - não? o criouloé coisa de gente ignorante - o crioulo é coisa de quem não tem cultura - de quemnão tem cultura académica-não é? Está claro. de quem não… de quem não sabe - não é ? isso é horrível -- isso é umacoisa que devia ser mais ou menos… quanto a mim proibida - porque é alienante -não é? ela é alienante -- isso distorce - distorce a verdade em detrimento dalíngua e da cultura cabo-verdiana // Acha que se deve continuar… que o português deve continuar em CaboVerde? olhe - eu vou-lhe dizer uma coisa - eu acho que não deve é haverimposição da língua portuguesa em CaboVerde -- enquanto houver espaço para oportuguês ele deve continuar - porque enquanto… é o que eu digo - enquantohouver espaço - porque enquanto for necessário - porque o português também temaquela função - aquela função de complementaridade que lhe disse - não é? eupreciso de livros - não é? tenho-os em português - mas não os tenho em crioulo -daí dou graças de ter um certo domínio do português porque posso ir buscar asinformações que eu tenho… é uma ferramenta útil - acho que deve continuarsempre -- há um acervo bibliográfico - não é? até acerca de Cabo Verde -histórico - que nós até temos interesse e nós temos aquilo… que ainda nãotraduzimos para coiso -- deve continuar - mas deve continuar naturalmente - nãoé? as pessoas devem ter opção - não é? devem ter opção de uma coisa e de outra -deve haver democracia na língua - não é? temos uma situação de ditaduralinguística -deve haver… Como assim? ditadura - porque há imposição de uma língua - impõe-se o português --cada vez menos porque as pessoas vão batendo com o pé -- mas eu vou-lhe dizeruma coisa - uma directora - no ano de 95 se não estou em erro - chamou-me edisse-me que não me renovaria o contrato se eu não prometesse deixar… quedeixava de dar aulas em crioulo// E foi isso que aconteceu? foi -- foi porque - tinha… tinha filhos - precisava daquele salário -- dei-lhea minha palavra - cumpri -- cumpri durante esse ano -- na primeira oportunidade -dei-lhe a resposta certa -- ela baixou guarda e no ano seguinte voltei - retomei ocrioulo -- isso foi no meio do ano - mas como havia prometido e dado a minhapalavra - cumpri até ao fim -- não levei - não levei o crioulo para dentro da sala -não dei aulas em crioulo nesse ano -os alunos se queixaram -mas olha! Pelo que eu percebi, se eu percebi bem, acha que o crioulo, o português,deve ser usado em Cabo Verde só para ler. Ler esses livros que não sãopublicados em crioulo… quer dizer - bom eu acho que as pessoas devem ter opção - o direito - sehouver alguém que quiser falar português que fale - não é? até temos umasituação neste momento - no nosso contexto - o português também é a línguaoficial - e como língua oficial - e como língua também de trabalho - as pessoasdevem ter o direito de se exprimirem inclusivamente na comunicação social doestado - neste caso têm o direito de escrever - falar - é um direito que têm -- agorao que não é… o que não se pode… o que não é justo - é criar circunstâncias emque o crioulo não possa ser usado// E no futuro, para si, também o português continuaria…? eu acho que o português deve impor-se por si mesmo -- isto é impor-sepela… como é que se pode dizer? se for útil o português - se nós tivermosnecessidade do português - ele continua naturalmente -- mas se amanhã ouperdermos o interesse ou a necessidade - não é? as pessoas acharem que não - quequerem o crioulo ou outra língua - eu acho que o português não deve ser impostoem Cabo Verde-deve ser uma opção das pessoas// Acha que ele deve manter-se como língua oficial? enquanto for necessário sim - mas se algum dia deixar de ser necessário -eu acho que deve deixar de ser// E deixaria de ser necessário como, porquê? deixaria - se as pessoas… se o crioulo passar a preencher essa… esse ladode… que é complementar - não é? com o português - e se as pessoas perderem ointeresse pela língua portuguesa por exemplo - nós vamos ter uma línguafantasma que as pessoas não usam… Como é que vê…? não tiram partido - nãoé? Como é que, digamos, desenha mentalmente a alternativa linguística paraCabo Verde? Para si qual é que seria a alternativa linguística desejável? falar de coração? ((risos)) Sim. Sim. De coração… de coração e de cabeça também -- é de cabeça também porque eu…português tem um papel que já expliquei -- deve continuar no ensino - nósdevemos ensinar - tem o seu interesse -- mas se pudesse decidir - eu decidia umaopção de três línguas para Cabo Verde -- eu acho que primeira língua seria ocrioulo - não é? que é a língua nacional - que é a língua dos cabo-verdianos --acho que é uma forma de valorizar a nação cabo-verdiana - de… e até de ajudar acombater o insucesso escolar - e uma série de outros factores como a::inclusivamente traumas e complexos coloniais que talvez venham do tempo daescravatura - quer o sentimento de inferioridade que o cabo-verdiano tem emrelação ao europeu - e essa falta de confiança que ele tem no que ele produz - noque ele faz -no que o outro - não é? o que o branco faz estásempre certo - o que oque cabo-verdiano faz nós duvidamos - até o dia que chega um branco e diz que ébom - aí passa a ser passa a ser bom -- ainda temos muito disso - não vale a penatapar o sol com a peneira porque aí não vamos a sitio nenhum -- essa é a minhasensação -- tenho uma outra situação também - que talvez seja romântica masque… é importante… Falou-me em três línguas: o crioulo… eu acho que os países africanos - e Cabo Verde como país africano… euacho que os países africanos deviam ter uma língua (?) eleger uma língua - teruma segunda língua de todos os africanos - não é? isso ajudaria na integraçãoafricana e ajudaria na comunicação comunicação e consequentemente na nodesenvolvimento económico e social e cultural e científico de da África -- e essalíngua traria prestígio para a África - seria uma língua uma língua falada por todosos africanos -seria uma segunda língua de todos os africanos -mundialmente teriaum peso - seria língua nas Nações Unidas -- quer dizer o africano podia dar aoluxo de… ser lá onde fosse - não é? usar uma língua africana - nesse caso essalíngua comum (?) e inevitavelmente seria oinglês// Então, excluiria o português? não - não excluiria as outras línguas - são três línguas -- olha - o russo éuma boa língua -tem um acervobibliográfico enorme// Digamos, em termos de oficialidade… eu não estou a dizer que essas três línguas seriam oficiais -- seriam línguasprioritárias no ensino --fala-se em globalização - fala-se em… E continuar-se-ia, por exemplo, a ensinar,o português nas escolas? acho que sim - porque não? desde que seja necessário porque não? seriamais uma língua -- eu acho que é como disse alguém - se eu falasse todas aslínguas do mundo - não é? inclusivamente a minha - teria a dimensão cultural deum Deus - mas se eu falasse todas as línguas do mundo excepto a minha - eu teriaa dimensão cultural de uma besta -- portanto isto só para… só para vincar anecessidade de… O que é que… que relação estabelece entre ser cabo-verdiano e usar ocrioulo? é fundamental - não é? eu acho que ser cabo-verdiano sem o crioulo - nãoexiste esse cenário -- o a digamos assim - a:: o aspecto identitário mais forte docabo-verdiano é a língua -- é a coisa que… melhor coisa que ele criou nessesquinhentos anos de existência -- a:: foi a língua cabo-verdiana - que é uma línguasimples no bom sentido - económica - não é? e:: flexível - uma língua viável - seapostarmos nela e não deixarmos… não a:: deixarmos na situação que está nestemomento - não é? acho que temos uma língua forte - que as pessoas aprendemcom a maior facilidade… um americano vem aqui - em quinze dias recebe aulasde crioulo - fala com uma fluência extraordinária - outro - veja - o cabo-verdianoseja lá onde - em Portugal - na Holanda - fala o crioulo - enquanto muitas outrasnações mudam - e deixam de falar as línguas que falam - deixam de falar aspróprias línguas para falar as línguas daquela nação - mas o cabo-verdiano não --e mais - o cabo-verdiano - para além de falar a sua língua no estrangeiro - aindahá gente daquele país que passa… também aprende e passa a usar a língua cabo-verdiana -- isto aí mostra a facilidade - não é? e isso diz tudo - que é uma línguaviável - é uma língua que se soubermos aproveitar - não é? podemos usá-la - epode ser usada no::utros sítios - sem ser problema -- aí ao lado - a a Guiné Bissau- o crioulo da Guiné Bissau e o crioulo de Cabo Verde não tem grandes diferenças- mesma coisa o Curaçau - não é? há uma comunidade crioula -- acho que fugi àquestão -- acho que não existe - o cabo-verdiano - a nação cabo-verdiana sem alíngua cabo-verdiana-dissolve -desaparece- de certeza// Admite a possibilidade de um cabo-verdiano não gostar do crioulo, de umcabo-verdianonão saber o crioulo, de um cabo-verdianonão usar o crioulo? olhe… isso é ridículo -isso entre aspas -- cada um tem o direito de usar ounão - mas a:: eu acho que… ((toca o telemóvel)) desculpe - eu deveria terdesligado… Não há problema. certamente há cabo-verdianos que não falam crioulo -- mas eu tenho essadificuldade - dificuldades sentimentais - dificuldade em termo emocionais -dificuldades de imaginar um cabo-verdiano que não fala crioulo - chega a:: umcabo-verdiano - diz - sou cabo-verdiano - não falo crioulo -- é esquisito -- claroque existe este cenário - não é? existe este cenário - claro que existe esse cenário -embora hoje em dia exista cabo-verdiano da nação e cabo-verdiano do Estado --ter um passaporte - ter um passaporte cabo-verdiano não significa ser cabo-verdiano -- pode-se ter os mesmos direitos - mas isso não faz… faz dele umcidadão -mas não faz dele um membro da nação cabo-verdiana// Diáspora? não -- não estou a falar da diáspora -- diáspora - olhe a diáspora são filhosde cabo-verdianos -- são cabo-verdianos -- nascidos nos Estados Unidos - sejaonde for -são cabo-verdianos// Admite a possibilidade de eles não saberem ou ou não darem …. há há// É desses que me está a falar? não - há essa… não… há essa possibilidade -- vejamos uma coisa - umcabo-verdiano que não fala crioulo - chega em Cabo Verde - e sente umestrangeiro - mesmo que fale o português -- quer dizer há qualquer coisa demágico - não é? que o crioulo... que flúi no crioulo e que não flúi nas outraslínguas - não é? qualquer coisa mágico do ser cabo-verdiano - não é? ser cabo-verdiano - a maneira de expressar - de viver - não é? eu aceito essa pessoa - maseu não perco essa sensação de ele ser um estranho - não é? ele continua umestranho -- eu não estou a excluir ninguém - a ideia não é excluir ninguém - nãoé? vejamos uma coisa -- uma vez em Lisboa encontrei três rapazes - falavam umbadiu extraordinário -- deviam ter quinze anos - 14 - 15 anos -- eu perguntei paraeles - que zona de Santiago vocês são?  eles riram - riram - disseram - nós nãoconhecemos Cabo Verde -- mas eu não posso dizer que eles não são cabo-verdianos - porque a maneira de falar - a maneira de sentir - a maneira comodiziam - dizia que eles são cabo-verdianos sim -- não interessa o passaporte ou osítio onde nasceram - penso que isso - isso hoje em dia - infelizmente - vale maisdo que outra coisa - o documento que nós trazemos - mas não muda a naturezadas pessoas// Há bocado falou-me das variantes do crioulo. Como é que vê esta questão?Para si, háalgum deles que seja o verdadeiro crioulo, alguma dessas variantes? há gente... deixa fugir um pouco do assunto - há gente que usa o facto deexistirem variantes para combaterem a oficialização - a escrita - ou odesenvolvimento do crioulo - porque infelizmente há gente em Cabo Verde - egente que constitui… que assumem posições ou atitudes de intelectuais - queestão contra o crioulo - infelizmente -- gente que deveriam estar na luta para aafirmação da nação cabo-verdiana - para a sobrevivência da nação cabo-verdianano mundo - acho que estão mais preocupados com a sobrevivência da naçãoportuguesa - não é? da nação ou do grande império Portugal - império entre aspas- não é? - no mundo -- porque a língua portuguesa transporta a cultura de Portugal- também do Brasil ou da Luanda e Maputo - mas não veicula - não veicula acultura do cabo-verdiano -- tanto é verdade que o cabo-verdiano que vive emPortugal há não sei quantos anos - continua a usar o crioulo - e serve-se doportuguês - quer dizer a língua não substitui - não substitui na expressão -digamos na idiossincrasia do cabo-verdiano - não é? a língua portuguesa não fazparte da:. idiossincrasiado cabo-verdiano -- mas eu perdi agora a questão.. A questão das variantes… ese alguma delas seria o verdadeiro crioulo… a:: eu acho que todos são verdadeiros - não é? de um ponto de vistahistórico tudo indica… Por exemplo… Há gente que acha que o verdadeiro crioulo é aquele que sefala no interior de… vou lhe dizer - o crioulo da cidade… pelo que li - não é? das coisas queoutras pessoas escreveram - e das a:: das experiências sociolinguísticas de outrospaíses - em todos os países foi-se à raiz buscar a estrutura da língua - a estruturada língua - a estrutura forte da língua para se avivar - para dotar a coisa -- achoque mesmo em França - e provavelmente em Portugal tinham feito isso -- porqueo que se fala na cidade hoje é uma mistura do português com crioulo - quer dizerfala-se - usa-se duas estruturas gramaticais -- mas não julgo que seja coerente --nós devíamos adoptar uma forma de falar que tenha duas estruturas - ou que agente venha a adoptar um sistema - não é? só porque a classe que foi para a escola- não é? não domina a outra variante -- e essa nem chega a ser variante - o que sefala hoje na Praia - acho que a Dona 8F4 chamou de crioulês - não é? é umamistura de português e de crioulo -- eu não vou dizer que toda a gente na Praia -mas uma certa elite - mas nós temos de começar a admitir uma coisa - hoje todo omundo acha que domina o crioulo -- não é verdade -- nós não fomos para a escola- não sentamos atrás de um livro a aprender o crioulo - portanto é normal que agente não domine o crioulo - portanto -- e se nós virmos entrar nesta discussão - éuma discussão perigosa - porque mesmo dentro da Praia - as pessoas não falam amesma coisa -- não vão buscar no português as mesmas influências - não é? unsvieram de Boa Vista - outros vieram do interior de Santiago -- nós não podemoster 300 mil pessoas e 400 mil línguas em Cabo Verde - isso não é possível -- masisso é um trabalho dos linguistas - dos cientistas - não é? eu aqui sou leigo - masos cientistas para fazer um estudo e dizer o que é melhor -- mas eu na minhaposição de leigo -eu digo -acho que nós devemos ir à matriz -não é? Qual é essa matriz? eu acho que ela deve estar com as pessoas mais velhas que não foram paraa escola -- têm uma estrutura mais coerente - uma estrutura que sobreviveudurante trezentos quatrocentos ou quantos ano - não é? é uma estrutura coerente -é uma estrutura única - não é? é uma estrutura lógica que amadureceu - não é? queamadureceu - e que neste momento está-se a perder -- eu acho que esta estruturaque tem 400 anos é mais válida do que uma estrutura que tem 10 ou 15 ou 20 anos-- é o que eu penso -- eu penso que em sítio nenhum - adopta-se os asmodificações que a língua sofra do dia para a noite// Diga-meuma coisa. Acha que o crioulo deve ser ensinado nas escolas? claro - evidentemente -- eu acho uma violência que as crianças vão para aescola aprender numa língua que não dominam - eu acho que isso assusta -- issoassusta as crianças// E na alfabetização de adultos? essa é outra questão - essa é outra questão -- eu acho que em Cabo Verdetemos… temos uma grande percentagem daquilo que se chama analfabetismo deretorno - não é? as pessoas vão para a escola - aprendem o código - aprendem aler - mas não sabem interpretar o que está atrás do que lêem -- para quê é queserve? eu também uma vez aprendi a ler alemão - mas lia - se houvesse umalemão ao lado ele entendia - mas eu não entendia - eu aprendi o código -- e emcerta medida é o que acontece - mas não acontece só na alfabetização - aconteceno liceu -- eu - com o livro de 9homem ambiente - com uma linguagemextremamente simples - eu tinha que abrir aquilo e explicar parágrafo porparágrafo o que estava ali no terceiro ou quarto ano do liceu - primeiro - segundoano - porque os alunos não entendiam -- mandava - leia aquele paragrafo - elenão explicava -- portanto em questão da alfabetização de adultos - essapercentagem da analfabetos que dão é muito superior a do analfabetismo real -porque as pessoas aprendem a conhecer as letras mas não sabem ler o que há atrásdas letras - não sabemdescodificar a mensagem - então para quêé que serve? Acha então que o português em Cabo Verde deveria ficar reservado paracertas pessoas,certos assuntos e certas circunstâncias? e:: eu não diria isso -- eu acho que o português devia ser ensinado numaetapa - numa etapa posterior -- os alunos deviam ir para a escola - aprender ocrioulo - dominar o crioulo e depois fazia-se a introdução - com metodologia dade língua segunda - não é? como se tem hoje em dia - de forma a que pudessemfazer uma boa aprendizagem do português - não é? e que ao fim - quandoterminassem o liceu - tivessem condições de usar - de usar esta língua como uminstrumento - não é? para a vida deles - para a vida profissional - quando forem àuniversidade para fazerem consultas - mesmo no liceu - porque nós - no liceu…eu tenho ainda memória clara disso - as pessoas estudam pelos apontamentos - eos apontamentos não são textos - são definições que os professores dão - que osalunos são obrigados a… que os alunos decoram - e depois vão ao teste - oprofessor pergunta -- o que é a amplitude térmica?  - é a diferença entre atemperatura máxima e e::  - mas mesmo que não entendem - a maior parte deles -o aluno nem quer… a maior parte das vezes o aluno nem está preocupado ementender o que está aí - está preocupado em decorar o conteúdo -- daí que… daíque o resultado do nosso ensino não seja o que deveria ser - na minha óptica --porque temos os alunos com 12º ano - mas que eles continuam - desculpeignorantes - não é? quer dizer fazem o 12º ano mas … saem dali mas não sabemnada - não é? porque não sabem articular o conhecimento da escola com a vida -não conseguem aplicar porque… Tendo aprendido o português nas escolas, o português seria usado paraquê? a: mas é que se ele - se ele aprende o crioulo e depois aprende bem oportuguês - ele pode até usar o português para conversar -- porque ele tem umdomínio inteiro do que está a dizer - não é? ele vai usar o português no que elebem entender - no que ele bem entender -- mas eu… essencialmente - eu acreditoque essencialmente que ele vai optar por usar o português como… para ler - parabuscar informação - para estudar - naquilo que o crioulo não - para complementar-como complemento do crioulo -não é? é o que eu acredito// (?) não - não -- neste momento é o que eu defendo - não é? a o que acredito éque há necessidade… porque vai acontecer -- neste momento eu defendo issotambém - mas estou a dizer… aí estou a fazer um pouco de futurologia -- é o quevai acontecer se o crioulo for introduzido na escola -- o português é útil sim -porque vai servir de complemento - de complemento do crioulo - não é? ele vaibuscar no português o que ele não tem no crioulo - e com o tempo - com odesenvolvimento do crioulo - e com mais bibliografia - certamente ele vaidiminuindo o que ele vai buscar - nessa função de complementaridade - esse pesocomplementar do português vai diminuir -mas isso é futurologia// Muito bem. Diga-me uma coisa. Já se referiu a isso, mas eu vou retomar aquestão para falarmos um pouco mais. Qual deles, o crioulo ou o português, achaque exprime melhor a cultura de Cabo Verde? acho que exprime melhor não - acho que exprime a cultura de Cabo Verdeé o crioulo --português não exprime a cultura de Cabo Verde// Fale-me disso. ((risos)) é é::: aquela mágica - a tal magia que eu disse que havia nocrioulo -- nós nascemos crescemos numa língua -- nós temos de admitir uma coisa- é só admitir que o português é a língua oficial - não é? mas é uma língua pordecreto -- o português não é língua dos cabo-verdianos -- pode vir a ser um dia -não sei - mas neste momento não é língua dos cabo-verdianos -- não sendo línguados cabo-verdianos - não é? uma língua que eles dominam - que eles conhecem -que… eu não vejo como exprimir a cultura - não é? como exprimir a cultura numalíngua que não domina - que não domina -- acho que a vida decorre-se em crioulo- não é? acho que esta frase é do Jorge Amado - se não estou em erro quando eleesteve em Cabo Verde -- a vida decorre-se em crioulo quer dizer todas asmanifestações culturais decorrem em crioulo - não é? desde as coisas maissimples até às mais complexas como … não sei se queria mais alguma coisa? Literatura... Estou a pensar em todas as manifestações culturais, literatura,teatro… nós temos uma literatura em português - tudo bem -- nós temos umaliteratura em português -- acho que temos bons escritores - não é? mas sãoescritores que tiveram uma formação excelente - não é? foi em português - nalíngua portuguesa -- na altura só gente dominava a língua portuguesa - gentemuito culta - não é? muito erudita - e que a partir daí conseguiu produzir umaliteratura com sabor cabo-verdiano na língua portuguesa -- mas eu penso que essamesma literatura podia ser produzida numa outra língua - não é? desde que o o::autor dominasse bem - não é? tivesse um grande domínio dessa língua e dacultura cabo-verdiana claro -- eu penso que são dois factores - não é? essenciaispara que isso aconteça -- é o domínio - conhecer ou fazer parte da cultura cabo-verdiana - e também ter um domínio - um bom domínio da outra língua - e pensoaí - que aí as coisas já flúem melhor - mas quando falamos no povo - da vivênciado dia a dia… Admite a possibilidade de a morna, funaná…? há mornas em português - há mornas em português -- eu não vejo umfunaná em português -- morna é mais lento … e com habilidade -- há mornasbonitas em português - 10Maria Bárbara tem uma parte em português - e quandoeu oiço Maria Bárbara eu esqueço que é o português que está aí - está bemconcebido - está muito bem concebido -- mas também não é cantado por umportuguês - é cantado por um cabo-verdiano daí que soa mesmo a morna -- masisso são quase excentricidades// De qualquer modo, o que é que acha dessa possibilidade que os cabo-verdianos … vão utilizando ora o crioulo ora o português? é::: olhe… eu acho que as coisas seriam interessantes se as coisasfossem…se houvesse aquela tal democracia - houvesse igualdade decircunstâncias -- todos pudessem aprender o crioulo - todos pudessem aprender oportuguês - e que fosse exprimido numa língua ou outra de forma livre - semcondicionalismos psicológicos ou normas sociais - não é? podia ser interessante -podia ser um fenómeno interessante - mas sem imposições -- nestas circunstânciaseu acho que português… não sei… acho que não tem muita chance desobrevivência --e daí o medo// Como assim? daí o medo -- eu acho que se o crioulo ganhar estatuto social - etambém… e se ganhar dinâmica nas escolas - tiver bibliografia - dificilmente osalunos vão escolher o português em detrimento do crioulo - porque o crioulo émais fácil - têm… o domínio é maior - e… eu não sei se… não é para não assustaras pessoas… mas eu acho que o português vai recuar com… vai recuarnaturalmente com o avanço do crioulo// Recuar em que sentido? vai perder… vai perder terreno… e vai deixar de ser tão… vai deixar deimpor… vai perder aquela imposição - que podia ser natural - não é? as pessoasnão vão escolher tanto o português como se pode pode pensar -- eu duvido que osalunos prefiram ter aulas de matemática - de história - em português do que emcrioulo - não é? seria preciso fazer um… ter um sistema de ensino muito bom emcrioulo para que os alunos tivessem uma um bom conhecimento - uma boaaprendizagem do português - para que o português ganhasse espaço -- acho queaté… vou lhe dizer uma coisa - acho até que para que o português ganhe espaço -o espaço pretendido pelos defensores e cultores do português em Cabo Verde -eles deviam incentivar o ensino em crioulo - porque se não houver ensino emcrioulo - se o cabo-verdiano não conseguir distinguir onde é que começa… onde éque termina o crioulo e onde é que começa o português - ele nunca vai dominar oportuguês --e pior ele está a deixar de dominar o crioulo também// Há bocado já me falou disso e também de certo modo agora … Como éque acha que os cabo-verdianos falam português, bem, mal, muito bem, à maneirados portugueses? os cabo-verdianos ((risos)) isto é assim…estou a rir porque eu abro atelevisão e ouço o culto do sotaque lisboeta - que até um culto que eu digoridículo porque… não por ser lisboeta - mas porque cria ruído na comunicação --e às vezes tenho dificuldade em entender --o a:: o que ela queria dizer? qual é apalavra - não é? porque em Cabo Verde nós aprendemos português emborafalemos muito pouco - nas aulas -- acho que hoje os alunos estão mais abertos -com a televisão - com as rádios - então com as novelas brasileiras e outrosprogramas em português - as pessoas vão ganhando fluência e capacidade deexpressão em português - então os alunos já são mais desinibidos que no meutempo// Falam mais português? acho que sim -- acho que os alunos estão mais à vontade - estão mais àvontade - principalmente as turmas como A B C D que são onde estão asclasses… filhos das pessoas mais favorecidas no bom sentido -- gente que temapoio em casa-aquela coisa - mas para mim… perdi-me … Estava afalar da maneira como os cabo-verdianos falam português. ah! tudo bem -- então o que há? há aquele culto de sotaque lisboeta… nãosei… que eu acho desnecessário - na minha opinião - não é? desnecessário porquesó cria ruído na comunicação -- eu acho que o cabo-verdiano tem um sotaque -normal -que é um sotaque derivado da sua língua - não é? fala crioulo - quem falainglês ou francês é normal que transporte um sotaque - não há essa necessidade decultivar o modo de falar do Brasil ou coiso - não porque - não quer dizer que euesteja a dizer que haja um português de Cabo Verde - não - eu não acho isso - não-- agora o cabo-verdiano deve falar naturalmente - deve falar naturalmente oportuguês -- mas quem domina o português ainda é uma classe - uma quantidadeainda pequena - já maior mas pequena das pessoas - nós ouvimos na rádio natelevisão - que são circunstâncias que temos… de que as pessoas fazem mais -tem maior uso do português - e como dizem - o português do cabo-verdiano está11lebi lebi// Eu só quero verificar se percebi bem. Portanto, para além do sotaquedeveriam falar com… segundo o padrão europeu, exceptuando o sotaque ou oportuguês de Cabo Verde? não - não -- eu acho que não há um português de Cabo Verde -- eu achoque devem abandonar o culto a qualquer um sotaque -- mas digo… eu quandofalo português… falo português - eu não vou atrás de sotaque nenhum - eu voumais ou menos por aquilo que está escrito - a forma que eu aprendi a ler - não é? efaço uma leitura mais ou menos de acordo com aquilo que eu entendo - não vouatrás de sotaque --eu tenho o meu sotaque// Então. Pondo de lado o sotaque (?) o sotaque acho que não é língua - é outra coisa -- europeu - de Brasil -Angola - eu acho que o cabo-verdiano tem uma coisa interessante - tem dado aconhecer um pouco o português de Portugal – e também do Brasil -- eu acho queacaba misturando um pouco - não é? fala mais para Portugal - não é? até porqueo português de Portugal tem mais prestígio - está a ganhar neste momento emCabo Verde o do Brasil - mas eu acho que quando falamos português metemosmuita coisa do Brasil por causa das influências// Isso não seria uma forma própria de os cabo-verdianos falarem oportuguês,portanto não seria assim o português de Cabo Verde? isso… isso pode vir a transformar num português de Cabo Verde -- seamanhã vier a aparecer um português de Cabo Verde - acho que este português deCabo Verde vai ter um componente… para além das influências do crioulo - nãoé? se nós assumirmos isso sem complexos - teria teria influências do Brasil e dePortugal// O que é que acha disso, dessapossibilidade? eu acho que as pessoas normalmente adoptam aquilo que… que lhesservem melhor - não é? eu penso que se surgir essa possibilidade é porque é afórmula que serve melhor o cabo-verdiano para se exprimir - não é? porquevejamos uma coisa - o português de Portugal é difícil de pronunciar - o do Brasiltem uma forma mais fácil de exprimir - até mais parecida com o crioulo do que oportuguês de Portugal -daí que talvez as pessoas recorram… Mas para si, essa maneira dos cabo-verdianos falarem o português,envolvendo uma mistura de Portugal com Brasil é bom, é mau,é desejável? Vamos ver … O que pensa disso? eu não estou preocupado com a língua portuguesa ((risos)) a sério - se ébom -se é mau --eu já disse - eu acho que nem é bom nem é mau -- é a forma queencontraram - de acordo com a necessidade - é a fórmula que lhes servem melhor-- e se realmente o português é português no Brasil e é português em Portugal -então essa fórmula - não é? não vejo mal nenhum nessa fórmula - não vejo malnenhum nessa fórmula -- mas é - pronto - se vier a surgir um português em CaboVerde - talvez seja isso - com a influencia dessas três… do crioulo - da variantede Brasil e de Portugal -não é? Eu não tenho mais questões. Mas se quiser acrescentar algum comentário,alguma questão que eu não tenha… não - só há uma coisa que eu queria dizer - não sei se interessa para o…para aquilo que quer… mas é o seguinte -- há um fenómeno interessante queacontece em… interessante e desinteressante ao mesmo tempo - que acontece -que é o ensino - o ensino decorre numa língua - e a vida - o quotidiano decorenoutra língua -- e há uma tendência para quando o aluno sair do liceu ficar …deixar ficar o conteúdo - não é? juntamente com a língua -- sai do liceu ou sai dasaulas - sai das aulas e deixa o conteúdo juntamente com a língua - não é? isso émau porque ele não consegue transpor cá - para a sociedade … para asociedade… valor… certos valores e conhecimentos que serão extremamenteúteis para o desenvolvimento social - e ele não consegue articular essesconhecimentos porque ele não assimila - na minha óptica ele não assimila nem alíngua nem os conteúdos - por conseguinte nem os conteúdos transitam para asociedade -- só a partir de um determinado nível - não? é que isso começa aacontecer -- isso explica muito coisa que não vou comentar - pelo menos poragora// Não. Esteja àvontade… Não quero comentar isso - isso é um assunto que a gente pode falar maistarde// Estábem. Muito obrigada X, mais uma vez.1Jornal mensal em crioulo de que foram editados 2 ou 3 números2Professor do ensino secundário3Reputado poeta cabo-verdiano com mais de 70 anos.4Instituto Cabo-Verdiano do Livro e do Disco, já extinto5Falecido professor do ensino secundário que escreveu vários artigos nos jornais sobre a LCV6Parte central, histórica, da cidade da Praia.7Nome genérico para as bebidas em LCV, usado, por exemplo, em “tomar um cleps”, ou seja, tomar um“drink”; posteriormente esta palavra foi transferida para a cerveja de preesão8Linguista cabo-verdiana9Disciplina curricular do Ensino Secundário10Título de uma morna11Tradução para português: bastante leve" -INF12.wav,"Dr. X, muito obrigada por ter podido participar comigo nesta conversa. Aminha primeira questão tem a ver com o seguinte: quando aprendeu a falar,aprendeu o crioulo, o português, os dois? e:: eu só comecei a ter contacto com o português - quando fui para aescola para a primeira classe -- e eu tinha uma grande dificuldade - porque de umamaneira geral - a gente fala a língua da casa - a língua de brincadeira - e quandochega a escola já não sente à vontade nem para responder as coisas que sabe -nem para brincar - ou nem para comentar… falar qualquer coisa com a professoraporque não domina o português -- foi aí o meu primeiro contacto - na primeiraclasse// mas dantes, digamos, não tinha mesmo ouvido o português, em nenhumacircunstância? isso… nós…nós ouvíamos - porque… eu sou de uma geração em que aspessoas mais velhas - os funcionários falavam português -- eu tinha vizinhos -tinha vizinhas que… pessoas com um certo estatuto - eu tinha um vizinho quefalava português com os filhos - portanto -eu ouvia - mas responder… E na comunicaçãosocial…? na comunicação social… eu não me lembro - porque em casa nós nãotínhamos rádio… Na igreja…? nessa altura eu não frequentava igreja - não tinha nenhum contacto -nenhum contacto com o português// E actualmente em casa, com os seus familiares, e com os seus amigos ecolegas, utiliza o crioulo ou o português? eu acho que eu estou numa fase de bilinguismo - com a minha mulher…portanto com a minha actual família - mulher e filha que são portuguesas - e osfamiliares - eu falo português -- com os meus filhos do primeiro casamento quesão cabo-verdianos - eu falo o cabo-verdiano -- com a diferença… com o maisvelho - eu falo a variante de São Vicente - e com o outro eu falo a variante deSantiago - apesar de ambos serem de Santiago -- não sei bem porquê - nem seiexplicar - a partir de uma determinada altura é que eu comecei a tomarconsciência de que eu faço essa diferença ao falar -- com os colegas -normalmente eu falo… o… a língua cabo-verdiana -- nas relações de trabalho faloo português - e para as pessoas que eu sei que normalmente falam português eufalo português - mas sem qualquer preocupação de que eu vou falar portuguêscom esta pessoa ou o cabo-verdiano // Diga-me, como considera ser a sua proficiência geral em português, emcrioulo, em termos não só do falar, mas também do ler e escrever? hoje… eu acho que eu caminho para um bilinguismo quase perfeito --com toda a influência de de da minha família… e preocupei-me - sobretudo emtomar consciência de como… da gramática explicita da língua cabo-verdiana --vivendo fora -comparando sobretudo com o português e tomando consciência quemuito do cabo-verdiano - é o português arcaico -- e às vezes achava que… haviadeterminados vocábulos - que eu achava que eram essencialmente cabo-verdianos- confrontando com minha mulher - mas isso é português - fala-se nas beiras -portanto eu acho que eu estou nesta situação// Lê e escreve crioulo? sim -perfeitamente! perfeitamente! Como é que… em qual deles, em português ou em crioulo, acha queexprime melhor as suas ideias? eh:: por causa da instrução toda feita em língua portuguesa - eu exprimo…quando tenho algum assunto para tratar - mais científico - expressar coisas que euconsidero mais do fórum intelectual -é essencialmente em português// Portanto, depende do assunto…? sim -sim// O português ou o crioulo…? sim -sim -- sim/ E como é que se sente quando fala o português e quando fala o crioulo?Mais ou menos à vontade, com mais ou menos preocupação de errar, ou nãopensa…? não - não -- não penso -- sobretudo cá em Cabo Verde e pelas funções --eu fazia questão de em situações formais falar sempre em português - pelasfunções -- mas… eu… para as circunstancias - eu não tenho problemas emportuguês ou crioulo// Eem crioulo, falar, ler ou escrever, qual é que se sente mais àvontade? eu sinto mais à vontade ao falar - porque a escrita ainda há essa questãoque na minha cabeça não está resolvida - que é a grafia de… ou segundo osistema português etimológico ou a proposta de alfabeto ALUPEC -- nessa… eutenho alguma resistência - mas eu acho que não é tanta dificuldade da escrita - émais sociolinguístico - propriamente dito -- porque eu tenho alguma algumaresistência nesse sentido - de… como dá algum trabalho - eu tenho que meconcentrar mais - e por falta de prática - então não dou muita atenção - e então euprefiro o português - e ao falar… e em relação à língua cabo-verdiana eu prefiroem termos da fala -do que propriamente a escrita// Consegueexplicitar assuas resistências ao ALUPEC ou…? sim -- primeira coisa - fica um bocado difícil… a questão das regras --comecei por estudar o fonético-fonológico - agora… ainda não tenho consolidadoa nova proposta que é a mistura das duas - e depois há a questão de EU ACHARque - se nós temos - se a língua cabo-verdiana é uma língua neolatina - nósdevíamos manter - em termos da própria história da língua - a evolução da língua- manter a nossa ligação com o etimológico -- essa de… introdução de… portantoessa visão mais do fonético-fonológico - ou agora dessa proposta - e:: eu acho queperde - essa proposta vem reconciliar um pouco… a actual - mas perde essaquestão - porque eu preocupo-me com a história das palavras - querer perceber aetimologia… entender… deve ser também a deformação da formação// Entendo. Depois deste… Vou-lhe pedir para pensar nas três pessoas comquem mais conversa, fora do seu círculo familiar, no exercício das suas diferentesactividades, e me definisse o perfil dessas pessoas, em termos de idade, sexo,grupo, extracto social… ah::: vou dar… primeiro… Diga-me se fala crioulo ou português com essas pessoas… só que eu tenho mais convivência fora do serviço - no serviço só faloportuguês --fora… a família… a família… a minha irmã… sobrinhas…eu falo… Eu preferia fora do seu círculo familiar. a:: fora do círculo familiar… os amigos cá de Praia já… os amigos daPraia são gente de há vários anos - e nós nos relacionamos sempre em crioulo deSantiago -- e um grande amigo e defensor acérrimo da posição do crioulo é o X(INF 9) -- falamos bastante e falamos em crioulo de Santiago -- ele deve estar nafaixa dos 58 anos - é licenciado - investigador… nós conhecemos o X… este éuma das pessoas… Fala com ele em crioulo? em crioulo - de tudo - de tudo -- desde as questões culturais… os livros -ele dá-me sempre os livros - eu tenho alguma - alguma falta de disposição paraler os livros dele - em termos da escrita - principalmente quando era só… erasó… fonético-fonológico -- há pessoas de outro relacionamento - do tempo deSão Vicente… Com essa pessoa encontra-se em que circunstâncias? informais -- normalmente é informais -- ou passo no gabinete dele ou elevai lá a minha casa com alguma regularidade -- pessoas desse… desse nível queeu conheço - nós fomos colegas de estudo cá na Praia - eu falo razoavelmentebem o crioulo de Santiago -- há pessoas que eu tenho amizade do tempo de SãoVicente - também é gente com nível de formação superior e falo com essaspessoas crioulo de São Vicente -- eu sei que faço essa divisão - se é gente deSantiago que eu tenho um relacionamento - eu só … eu falo o crioulo de Santiago-portanto a variante de Santiago… Sobre que assuntos? de tudo -- de uma maneira geral eu não falo português -- prontos - é estaque é a questão! de uma maneira geral não falo português -- sobretudo porque…quando uma pessoa vive fora - tem essa necessidade de falar - eu falo pouco -porque em casa - com a minha família - que por acaso não esta cá agora - em casacom a minha família eu só falo português -- portanto - saindo de casa - com aspessoas eu só falo o crioulo -- em algumas circunstâncias - eu falo o portuguêscom pessoas que eu não conheço nas repartições - mas respondem-me sempre emcrioulo -insisto um pouco - mas depois eu entro nisso e também falo o crioulo// Essas pessoas com quem… Para além das repartições e fora do seu círculofamiliar, com que tipo de pessoas usa habitualmente o português? as pessoas mais velhas que eu tenho uma relação mais formal -- porexemplo eu nunca falo - nunca digo nada ao X ((Inf. 7)) em crioulo -- mas quandoeu vou ao à biblioteca - mesmo para falar de livros e publicações - com opresidente - eu falo o crioulo - e a variante de São Vicente -- já nós éramosamigos antes - temos essa relação da proximidade -- as pessoas mais velhas queeu já sei que tradicionalmente falam português -- há pessoas que às vezes -começamos… depende… as pessoas que normalmente têm a prática e falamportuguês - o primeiro contacto é em português e depois passamos para o criouloe depois eu vejo que a pessoa insiste em português e contínuo// Alguma razão para mudar de crioulo para português ou de português paracrioulo, em função do assunto, chegada de alguém? chegada de alguém para poder acompanhar a conversa - porque eu notoque nós cabo-verdianos - fazemos um certo gueto em termos da nossa cultura elíngua esquecendo que há outras pessoas que não falam o cabo-verdiano --depende do círculo - e então eu mudo de registo - se chega… e se eu estou afalar… se estamos a conversar de uma determinada coisa - chega uma pessoa -uma terceira pessoa que só fala português ou se é mesmo português - então eumudo para o português// E em termos de uma autoridade, alguma entidade, distingue… leva amudança do crioulo para o português ou vice-versa? a questão é a seguinte -- as pessoas que estão nessas funções - ministros…que são gente conhecida - normalmente eu espero uma primeira reacção e comosou eu … quando sou eu a tomar a iniciativa - dependendo do relacionamento eucomeço em português ou em cabo-verdiano -e eu espero ver a reacção da pessoa -e aí fica tacitamente definido qual é a língua em que vamos conversar ou quevamos tratar -- se está na… em funções - está no gabinete - eu aí já me dirijo emportuguês - ali é uma coisa mental - deve ser da questão da autoridade - daformalidade -e depois a gente fala… Fale-me desse relacionamento… disse que o relacionamento impõe que aconversa seja em português ou crioulo... por exemplo… com… nunca fui muito próximo - apesar de nosconhecermos - era uma situação um tanto ou quanto de uma certa hierarquia naigreja… a ministra de [] --eu não falo com a ministra de [] em crioulo - porexemplo - não é? mas eu… eu só falo o crioulo com o ministro de [ ] - mesmoquando é assunto de trabalho - só falamos crioulo porque nós vivemos juntos namesma casa - temos um relacionamento de há muito tempo -- entãodependendo… Disse-me que fala crioulo de Santiago, o crioulo de barlavento, de SãoVicente. Quando viaja para as outras ilhas como é que percebe… ou quandocontacta com pessoas…? há uma coisa que é -se é para ilha de barlavento ou gente de barlavento euuso o crioulo de São Vicente -- se é para ilha de sotavento - gente de sotavento -eu uso o de Santiago -- mas eu gosto muito de brincar - e às vezes as pessoasbaralham porque eu misturo muito com… eu não faço muito bem a diferençaentre Boavista e São Nicolau - então eu tenho alguma influência - eu faloalguma…eu falo o crioulo da Boavista um bocado -por brincadeira - e as pessoasacham piada e gostam -- mas de uma maneira geral eu faço essa divisão porregião// E como é que é a compreensão do crioulo de Santiago com pessoas dasoutras ilhas que não Santiago…? por exemplo do Maio - Fogo e Brava… eu não tenho tido problemanenhum - e também procuro adaptar-me por causa da vivência -- tenho nafamília… tive… tive na família gente da Brava - a minha primeira mulher é deascendência da Brava -- procuro também falar - para as pessoas sentiremvalorizadas e mais próximas falando as suas variantes - as pessoas apreciam -então eu faço -isso é uma coisa que procuro fazer mais conscientemente// Crioulo ou português… em função de assunto, faz alguma diferença? faz - faz -- quando é um assunto mais elaborado - científico - que é maisacadémico – digamos assim - eu falo português em vez de crioulo - porque senãoo meu crioulo fica um bocado tradução de … daquilo que penso em português// Porquê é que acha que isso acontece? eu acho que é o nível da escolaridade também - a prática também -- nãoé… não é que os mesmos conceitos não possam ser passados em crioulo - emcrioulo -- eu tenho mais facilidade e não tenho feito esse esforço porque a pessoacom quem vou falar esse assunto percebe -- então como já sei que há umentendimento - eu não faço nenhum esforço - mas se eu tiver de falar com aspessoas que têm outro nível - eu baixo o nível -- então já não uso esta linguagem ejá não há necessidade de usar o português// Dr X, vou retomar a questão do uso do crioulo e do português para precisaralgumas questões. Já me disse, há bocado, que basicamente usa o crioulo, oportuguês em alguns lugares, alguns contextos. Gostaria que especificasse umpouco mais detalhadamente… primeira coisa - só para questão da entrevista… que eu acho que não épreciso… mas só para questão da entrevista - eu sou de… o meu crioulo maternoé de São Vivente - o meu pai é de Santiago - eu vivi cá e fiz alguns anos deescolaridade cá em Santiago - e vivi no Santiago - e no interior do Santiago -Santa Catarina e Tarrafal - depois é que eu vim para Praia - desde a altura daindependência -- portanto a esta altura se eu for contabilizar o dia-a-dia - eu falomais o crioulo de Santiago que o crioulo de São Vicente -- quando tenhonecessidade de ter uma intervenção pública - como há tempos houve umprograma que é feito em crioulo - eu fiz questão de falar o meu crioulo materno --o meu entrevistador - o 1F1 - falava em crioulo de Santiago - e eu fiz questão defalar em crioulo de São Vicente -- fazer questão porque se ele está a falar ocrioulo dele eu não vou falar o crioulo dele - eu falo o meu crioulo - porque defacto o meu é este apesar de eu falar o outro --mas a pergunta era sobre…? Sobre conversar com a vizinhança, no mercado, lojas, repartições publicas,eventos oficiais… eventos oficiais …. Falantes de outras… eventos oficiais eu falo o português - eu falo o português -- usei há temposuma expressão - que fico escandalizado a:: ver nos estabelecimentos de ensino -sobretudo de formação de professores - falar em língua cabo-verdiana -- não -não - não consigo e não concebo fazer uma palestra para estudantes - onde háprofessores também - fazer isso em crioulo -- o português está tão mal tratado e odomínio é tão deficiente - que eu acho que qualquer oportunidade que a gente temde ajudar a consolidar… não há problemas em termos de língua cabo-verdiana - éuma questão de identidade usar isso - e fazemos questão -- mas em termos dedomínio… e de língua de escolaridade e para a continuação em termos de leitura etudo isso… é tudo em português - então eu faço questão que seja… e não conceboisso -- a minha relação com… com os estudantes - muitas vezes é porque é umarelação de hierarquia - então usa-se o português - mas não é isso - eu acho que alíngua que deve ser utilizada é a língua da escolaridade - e se a língua daescolaridade é o português - então eu falo português - até porquê como eles têmpoucas oportunidades de falar - no dia-a-dia - em casa - com os colegas - aqueleespaço - eu considero que é um espaço da língua portuguesa -- não um espaço dalíngua cabo-verdiana - o espaço da língua cabo-verdiana é capaz de ser noventapor cento - então aqueles dez fica reservado ao português para ajudarprecisamente isso -- em termos oficiais - normalmente eu faço… a não ser quevenha haver… ou que haja alguma questão do nível das pessoas para algumaactividade -- eu estou-me a lembrar… houve uma actividade comemorativa deaniversário da independência da Guiné-Bissau - eu fiz a apresentação que eu tinhaque fazer - em nome da CPLP - em português -- terminado isso nós falamos todoo tempo - eu a falar o crioulo do Santiago e eles a falar o crioulo de Guiné-Bissau--quando é questão oficial… eeu sinto mais à vontade também… há isso// E para rezar orar, namorar, exprimir os seus sentimentos… é em crioulo ouem português? bom - hoje em dia… eu tenho que confessar que eu não oro -- mas atradição da igreja - do nazareno - tudo isso - é o português -- eventualmente eupenso em português - eu… quando é… não sei se é correcto… sonhar emportuguês - mas tenho muita essa influência -- mas em termos de amor - como aminha mulher é portuguesa… ((risos)) mas eu exprimo-me melhor em termos desentimentos é em crioulo - é o afecto - a emoção -- quando passa pelo intelectopela razão é o português -- agora com a minha mulher eu tenho de fazer esteesforço - apesar dela perceber -- hoje já… já usamos uma linguagem que é mista -estas questões mais afectivas ela pode não usar -mas eu uso -mais da emoção// Pense nesta última semana. Usou mais o crioulo ou mais o português? eu… mais o crioulo --o… é que.. a não ser que… é a situação normal usarmais o crioulo -- a não ser que eu tenha actividades profissionais que meobriguem a isso -o que não foi o caso - mas de uma maneira geral… Porque é que acha que isso acontece, usar mais o crioulo que o português? a informalidade do relacionamento com as pessoas -- penso que ésobretudo isto - a informalidade -- ou o nível - que é… pessoas das lojas…mesmo das repartições porque eu acho que eles não dominam muito bem oportuguês e por isso falam em crioulo --eu acho que é isso essencialmente// Alguma circunstância ou circunstâncias em que falou crioulo, mas teriapreferido falar português ou vice-versa? só em circunstâncias de eu me dirigir a uma pessoa em crioulo e eleresponder-me em português// Aí? aí há uma reacção -- porque... eu esperava que era um tanto quantoinformal por causa do relacionamento ou proximidade - que houvesse umaretribuição do mesmo nível - e acabo por sentir que é um nível superior -- não équestão da língua - é porque o português é usado mesmo para mostrar isso - pôrdistância -mostrar um domínio da superioridade - então nessa… Acha que o português é usado para exprimir superioridade? às vezes sim - com os funcionários - às vezes sim -- não como regra - eutenho consciência disso - eu usava… E no seu trabalho, é isso? sim -- por exemplo - com o motorista - e a encarregada de limpeza - comoeu sei que não dominam muito bem o português - às vezes começam emportuguês e passam para o crioulo - com eles a regra é outra -- portanto… com osoutros funcionários - também tenho como chefe de secretaria uma antigaprofessora - velha guarda da administração pública - apesar do relacionamentopróximo de amizade de há muitos anos - ela sempre fala português e eu semprefalo português -- e no serviço - por causa destas funções também eu acho… atendência da outra funcionaria é falar o crioulo -mas eu falo sempre o português// Onde é que habitualmente ouve o crioulo, para além da rua? Estou a pensarnoutros eventos, noutros espaços que não seja a rua, mercado… Ouve o criouloem outros espaços? fora disso… eh:: estou-me a lembrar sobretudo na televisão… Crioulo… estou a falar do crioulo. sim - sim -- na televisão - que tem dois programas em crioulo -- por regraeu não estou em casa na hora da rádio - por regra não oiço rádio - só oiçonoticiários -- mas eu sei que há rádio em crioulo - mas eu não gosto - não é porser em crioulo -eu não gosto pelo tipo de música--então… Rádio FM…? sim - sim -- a Rádio Praia FM -- então por acaso eu quando oiço… queé… passa muito na rádio em termos de crioulo e não oiço -- mas não é qualquerresistência - é pelo tipo de música -- e o noticiário eu oiço em português - que é aRádio Nacional ou a Rádio Comercial -- é nessas circunstâncias queessencialmente ouço… com amigos - colegas -- o português é como… como eudisse// Que tipo de assuntos é que ouve a serem tratados no crioulo? normalmente não são assuntos considerados complexos - não sãointelectuais -- por exemplo - numa apresentação de um livro - só se o livro for emcrioulo -- mas mesmo sendo o livro em crioulo - o apresentador algumas vezes oumuitas vezes apresenta em português --só nessas circunstâncias// Há bocado disse-me que lia o crioulo. O que é que habitualmente lê emcrioulo? não - não os artigos que saem nos jornais -- há uma resistência - estou adizer… Qual é o material de leitura que tem lido em crioulo? a poesia -- porque não existe de facto em termos de livros publicados… eesses que existem - como têm essa mistura em termos da grafia - ou fonéticofonológico ou ALUPEC - há uma resistência -- eu tenho livros - mas não leio --mas como não há muito escrito em português - crioulo - só os que mais…sobretudo os que eu tenho necessidade em termos de trabalho - antes daindependência etc. - eu não tenho encontrado assim muito… por exemplo - atradução que foi feito do evangelho de Lucas para o crioulo - o 2F2 participou -ofereceu-me um exemplar - eu não passei da primeira página - porque eu tenho deestar… exige-me mais esforço de concentração - só por isso -- mas não é nenhumpreconceito - é essa de de resistência - que eu tenho de ultrapassar - porque épreciso prática// Romances em crioulo… assim… tem lido alguma coisa? não -- eu li na altura quando foi publicado - isto é - há 20 anos - o OjuD'Agu -- eu não li por exemplo - o romance que é recente do Eutrópio Lima daCruz -- quando há livros escritos em crioulo eu compro - ponho lá - mais oumenos à espera de -algum dia que eu tiver tempo - calma -paciência para ler// Já leu alguma coisa em crioulo que gostaria de ter lido em português evice-versa, escrito em português que teria preferido que fosse escrito em crioulo? assim não me lembro -- quando há traduções - quando é apresentado… eucheguei a fazer isso também… quando é apresentado originalmente em crioulo etraduzido para português eu acho que sempre… que perde -- é extremamentedifícil fazer essa essa mudança -- se está escrito em crioulo - eu não tenhodificuldade para além dessa resistência - dificuldade de leitura - eu prefiro ser emcabo-verdiano que em português -- porque deforma sempre a tradução… otradutor… mas de uma maneira geral - não! eu preferia… ah! - por exemplo -quem escreve e publica em crioulo - eu não gostava de ver o que eles escrevemem português - eu não gostava - porque eu acho que… que… não é dizer que nãodominam bem o português - mas eu acho que não têm a mesma facilidade e àvontade para fazer isso em português -e é por isso que fazem em crioulo// E o inverso, há alguma coisa em português… que eu gostava de ver em crioulo? Sim. o cabo-verdiano de uma maneira geral - por uma questão de identidadenão se expressa… em português quando tem um instrumento do crioulo - mesmomesmo gente como o X ((INF7) - tivemos a conversar há dias - sobre a línguacabo-verdiana - a posição dele - que ele manifestou ao ministro da cultura -terminou em crioulo com uma expressão do Fogo -- eu achei curioso - porque eleé um homem que… que eu saiba não fala crioulo - em nenhuma circunstância --mas ele usou isso - eu achei - com propriedade -- fica completamente diferente -completamente diferente -e traduzido não dava! E os assuntos… que esse material que tem lido em crioulo trata,tipicamente…? não é nada científico - é essencialmente ou ficção ou poesia// Passando à escrita… já me disse que escreve em crioulo. O que é queescreve em crioulo, que tipos de texto escreve em…? não - é mais… é mais… hoje em dia usamos muito - em termos de MSNcom os filhos -- mas como também sei que eles dominam bem o português eupasso… mas é mais coisas curtas -- a nossa amiga - 3F3 - que domina muitíssimobem e faz questão de falar e escrever bem o crioulo - mas também ela vive nosEstados Unidos - que é um outro meio - eu respondo-lhe em português porque euestou mais à vontade - e é mais depressa -- então a velocidade do dia-a-dia - exigeque a pessoa domine bem a língua em que está a escrever para despachar emtermos da mensagem - essa é a razão -- mas na Internet… MSN… eu falo… e háuma situação curiosa - com o meu filho que teve menos escolaridade emportuguês - nos Estados Unidos - eu também não escrevo em crioulo porque euacho que para ele é tanto esforço ler em português como ler em crioulo - entãopara mim é mais cómodo -- ele ele responde-me em inglês - isso é outra coisa -mas eu falo em português -- eu uso muito pouco muito pouco a escrita em crioulo-é mais para situações pontuais - e curto! Certo. Existem textos que escreve em português, mas gostaria de ter àvontade e poder escrevê-los em crioulo? ainda não senti… não senti essa necessidade - porque… eh:: não sou umescritor no sentido de escrever ficção ou escrever poesia -- mas é sobretudo textosou da área da da literatura ou alguma coisa em termos de da cultura - e eu façoisso em português// E não sente necessidade? não - não - não -- e se houver necessidade de alguma coisa… que tambémpenso que passa… o que eu escrevo não seria escrito por um português -- a pessoapercebe que quem escreve isso… é um português que tem expressões ouconstrução que não é o português clássico - vamos dizer assim - isto percebe -se --e eu faço isto -de uma certa forma consciente - de uma certa forma consciente// Qual é o tipo de escrita que adopta quando escreve o crioulo? não… crioulo eu não… de uma maneira geral não uso -- eu tenhodificuldades em pensar em português - porque tenho influencia - e depois escreverisso em crioulo -- eventualmente poderei é escrever em português e depois falarcom base nesse texto em português - em crioulo - eventualmente isso é quepoderá acontecer -- mas há di… eu tomei consciência nesse programa - que eufalei - que eu disse que eu falei - quando me fui ouvir - o meu crioulo hoje estámuito eruditizado - erudito - por causa da minha influência do uso do português -da escolaridade -- uma amiga brasileira disse-me - eu não percebi muito bemtudo o que o entrevistador disse - mas eu percebi perfeitamente o que tu disseste- e eu disse - claro! para além de ser a variante de São Vicente - estava carregadode português - deu para perceber -- eu tenho essa consciência -- quando falo ocrioulo de Santiago não tenho tanta mistura - tanta … mas como é crioulo de SãoVicente -fica muito mais próximo - e o meu crioulo fica assim// Nesses momentos em que usa o crioulo na escrita sente algumadificuldade? eu tenho sim - eu tenho porque como não tenho interiorizado as regras -há hesitações - mas eu tenho alguma dificuldade…também é uma razão porquenão uso… Como é que escreve então…? procuro… procuro fazer o ALUPEC e uma mistura - portanto oetimológico mais … coiso… eu uso… que já não é o fonético-fonológico -- maseu procuro… eu fiz alguma traduções para o meu trabalho que estava emportuguês para se poder perceber - mas está nessa do ALUPEC - mas é um … sãocoisas pontuais (?) - quando houve necessidade de fazer tradução… do Fogo…por exemplo - o 4Kurkutisan - eu tinha pedido à 5F4 e ao próprio 6Dr. Teixeira deSousa - porque são falantes nativos - e Dr. Teixeira de Sousa porque tinha sido oautor e fez-me essa essa tradução - vamos dizer assim - essa passagem para oportuguês -- eu não faço isso - eu… coisas pontuais - mas eu procuro seguir oALUPEC (?) - porque concilia as posições e dá alguma oportunidade em termosda compreensão - mas isso é só porque… como eu defendo a questão daidentidade e eu acho que é uma coisa fundamental em termos da nossa identidade- quando tenho que fazer qualquer coisa… de apresentar… isso então apresento --mas não faço isso como uma coisa sistemática// Há bocado falamos da mudança do crioulo para português, e do portuguêspara o crioulo em função da chegada de uma pessoa por exemplo. E em função doassunto, a mudança de assunto implica…? eu não tenho consciência -- o que eu acho é que pode é ficar num crioulocom muito mais termos em português… Conceitos…? conceitos… Quando está a abordar que tipo de assuntos? eu não queria dizer assuntos mais técnicos - de nível mais intelectual --com a as pessoas… começa a falar em crioulo e… porque também sei que apessoa domina isso - então mantenho o registo de crioulo - mas é um crioulomuito… muito aportuguesado por causa dos termos - nesse sentido// Sim senhor. O que é que pensa do crioulo, o que é que acha do crioulo? é fundamental para o cabo-verdiano como a questão da nossa identidade --sem isso não seríamos o que nós somos - mas essa pergunta…? A relação que estabelece entre o ser cabo-verdiano e usar o crioulo.Gostaria que me falasse um pouquinho… eu falo do crioulo em termos de identidade - da mesma forma que tambémfalo do português -como uma questão de identidade --sendo nós… Do crioulo e do português? do português -- sendo nós… tendo nós uma cultura compósita de toda ainfluencia europeia - portuguesa e africana - e depois elaboramos a nossa culturae a nossa língua - isto é nosso - tem as duas componentes -- valorizar uma semvalorizar a outra - nós ficamos numa situação de desequilíbrio - precisamos terisso - para termos um equilíbrio -- o que tem havido - e que teve uma certareacção - é… a língua cabo-verdiana resistiu até agora… por uma questão danossa identidade - uma questão cultural - não é - não é um decreto que vai alterarisso - que vai preservar - o crioulo não está em perigo -- eu penso que o que estáde facto em perigo é o português - essa que é a questão -- não é que não se devavalorizar - e em termos da escrita - a oficialização - já devia ser -- mas ao mesmotempo - valorizar o português - porque o português é que é a língua que nos podepôr em comunicação com duzentos… incluindo os cabo-verdianos - duzentos evinte milhões de habitantes - de falantes - vamos dizer assim - enquanto que alíngua cabo-verdiana é mais interno - nosso - no sentido dos cabo-verdianos queestão cá e da diáspora -- eu entendo - por exemplo que os cabo-verdianos dasegunda e terceira geração precisam da língua cabo-verdiana para se comunicarcom outros cabo-verdianos -- portanto - esta é a nossa língua - e o portuguêstambém é nosso! é nossa língua! podemos hoje trabalhar isso - sobretudo porquenós somos ilhas - nós somos uma população reduzida - nós ainda não temosuniversidade - temos instituições superiores - mas não temos universidade - emuitos que estudam fora - quando chegam em Portugal - aonde temos o grosso deestudantes - ou no Brasil - têm dificuldade -- mas isto já é falar com quem sabemelhor que eu - em termos da didáctica - em termos dos resultados a nível deensino - o sucesso seria maior se dominassem o português - porque é preciso alíngua - o domínio do português para as outras disciplinas - se você nãocompreender o texto - ou… que… a solicitação da pergunta - não consegueexplicar isso em matemática - filosofia ou qualquer outra coisa - podes falar eenfim explicar em crioulo - mas isto é tudo feito em termos de pergunta de umtexto - e a nossa comunicação no exterior -- portanto - a minha posição é - ocrioulo é nosso sim - vamos preservá-lo - vamos valorizá-lo cada vez mais - masisso não quer dizer que vamos dar como adquirido o português - ou que é a línguado colonizador - já foi! nós somos todos condóminos hoje em dia em termos deportuguês -portanto eu ponho isto no mesmo pé de igualdade -neste… E o crioulo, em si? não - eu estou a falar é da língua de Cabo Verde como o crioulo em si -que eu defendo - que isto é nosso - é nossa identidade - defender… defendendotambém o português// E do crioulo enquanto código, enquanto sistema … há pessoas que achamque ele ainda não tem qualidade… ah! não - não - não é nesse sentido -- tem havido estudos precisamentepara provar… as pessoas - a maior parte das pessoas não tem consciência dagramática explícita da língua - (?) é uma língua que não tem gramática - se nãotem gramática - não é língua -- não é nesse sentido - eu sei que não é verdade - épreciso continuar a fazer isso -- o que tem ficado… é que começou uma posiçãonacionalista - fechada - um tanto quanto chauvinista - posições radicais - e entãohá resistência hoje em termos de aceitar isso -- e é um número muito reduzido delinguistas - e sobretudo que fazem investigação da língua africana -- então é umaou outra pessoa -- [] e quando houver mais gente a estudar e outras pessoase tal- então eu acho que isto… com o tempo… é uma situação… e como mexetambém com variantes - as pessoas ainda não perceberam que quando se fala docrioulo ou a língua cabo-verdiana não se está a falar das variantes em termos desocialização -- eu estou (?) - mas se eu sou do Barlavento fica este bairrismo dedizer - mas não vai ser o crioulo do Santiago - tem de ser o meu crioulo - ou aocontrário -com alguma resistência -é mais por causa disto// O que é que pensa desta questão das variantes? As pessoas discutem qual éo verdadeiro crioulo. O que éque pensa…? eu… eu acho que esta questão… os argumentos que são apresentados emtermos de argumentos linguísticos são sobretudo argumentos políticos - são extralinguísticos - de que a maior parte - mais de metade da população reside nointerior de Santiago - que o crioulo o crioulo do Santiago é mais próximo daslínguas africanas - isto pode ser eventualmente linguístico - mas há questão decada um querer usar a língua que o identifica - o que nos faz… nesta diversidadeo que nos faz um povo único… portanto - nesta homogeneidade da cultura e dalíngua cabo-verdiana - nós temos essa… nossa diversidade das variantes -- edentro das variantes - o crioulo do interior de Santiago não é o crioulo da Praia -portanto há essas diferenças - é a mesma coisa em português -- mas eu acho queesta é uma questão que não devia ser discutida - da variante -- isto é uma coisasecundária - mas é a questão da língua em si - no todo - mas mistura-se o todo porestas partes que são a especificidade das variantes -- se eu for a São Vicente numafunção oficial e ter de falar o crioulo - é lógico que eu vou é falar o crioulo de sãoVicente - porque eu falo o crioulo de São Vicente! mas se eu sou de Santiago - eunão vou macaquear o crioulo de São Vicente - fica horrível - ridículo! eu nãoconsigo imaginar uma pessoa - um político - devo dizer que acontece mais comessas pessoas que são de Santiago e que estão em São Vicente - para agradar a::São Vicente vão querer falar São Vicente - e fala mal! fala crioulo de Santiago emSão Vicente ou fala crioulo de São Vicente em Santiago -nós entendemo-nos// Voltando à questão de crioulo/identidade, admite a possibilidade de umcabo-verdiano não gostar do crioulo…? não! De um cabo-verdiano não usar o crioulo, de usar exclusivamente oportuguês, ou usar mais o português? Como é que vê… o facto de ser cabo-verdiano… eu penso que… o cabo-verdiano… para ocabo-verdiano está implícito… tem (?) em termos da cultura -- pode é nãodominar porque já vai na segunda e terceira geração - mas… pelo menos emtermos activo - mas passivo… porque o crioulo dentro de casa já vai ficandodistante -- mas esta é a coisa fundamental da cultura - senão… se se retirar isto -deixa de ser cabo-verdiano - é fundamental - é como a respiração… as outrascoisas… eu posso gostar mais ou menos dos pratos regionais - mas os básicostodos nós temos - e todos nós apreciamos - é mais ou menos em termos dalíngua// Certo. O que é que acha, o que é que pensa desta situação actual, de nóspodemos usar o crioulo e o português? eu acho que… cria situações complicadas nas repartições -- não foipreciso e não é preciso haver um decreto para dizer que se deve usar o crioulo nasrepartições - já se usa! agora oficializar e se dizer que se vai passar para a escrita -quando as pessoas já não falam… escrevem bem o português - e não aprenderama escrever o crioulo -- eu estou a imaginar uma situação - 7senhor ministro n sata scribe nhô pa N pidi nhô pa nhô autoriza-m pa N faze tal kuza - alguém doFogo pega isto e dá um parecer - um terceiro oficial -  ami n ta konkonkorda Kukel kuza ki fra-bu li di riba - vai para outra pessoa de São Vicente -  N taabsolutamente d’akordu - ministru pode desidi ke mim, es k’ê nha puzisão - istopode vir a acontecer -- mas eu estou a achar que isto complica - quando nós temosa língua que facilita que é a língua da escolaridade - que é a língua das repartições-pelo menos oficiais… Mas não percebi bem … eu tentei explicar - tentei pôr as diferentes variantes… uma pessoa lá deSanto Antão recebe este despacho - com estes diferentes pareceres - de Santiago -do Fogo e de São Vicente - fica baralhado! tem outra variante -- então porque éque a gente vai complicar isto? posso… posso estar a ridicularizar - a exagerar emtermos disso - a caricaturar - mas… mas é uma possibilidade -- com a mobilidadeque há em temos da nossa administração pública e das pessoas - isto podeacontecer! Como vê a questão… o desenho das alternativas… como é que vê o criouloe o português no futuro? E para si, qual seria a alternativa linguística para CaboVerde? desejável é caminhamos para lá - é um bilinguismo -- esse é que é odesejável -caminhamos para lá --com… Quais seriam as funções do crioulo/português, os espaços do crioulo e doportuguês? não - não na diglossia -- de haver espaço e funções para uma língua oupara outra - que é muito o que vai acontecendo hoje - não -- usar em pé deigualdade - numa circunstância ou outra -- mas isto leva tempo - e não é decreto -etem que haver uma conjugação… Neste ideal, o crioulo seria utilizado também para escrever, por exemplo? sim -- isto é o futuro - o futuro não imediato - com cálculos - dizer - nestalegislatura - na próxima legislatura - vamos fazer isto -- as coisas vão acontecendo- precisamos de ter gente que estude - que seja introduzido… isso reforçando oportuguês que é o imediato - o imediato é o português - eu acho que devemoscaminhar - ou vamos caminhar no sentido - sem fazer futurologia - no sentido dobilinguismo// Acha que as duas línguas, se entendi bem, teriam as mesmas funções? sim - sim -- esse é que seria… as mesmas funções e sem qualquer cargade que uma é mais importante que a outra -- essa diferença de eu me dirigir a umapessoa em crioulo e ele responder-me em português - por exemplo -- ou eu adirigir em português… dirijo em português - domina o português - responde emportuguês -- dirijo em crioulo - domina o crioulo - responde em crioulo -- semqualquer carga ou eventualmente ideológica… portanto -que possa existir// Acha que se poderia ensinar o crioulo nas escolas e continuar a ensinar emportuguês? eh:: sim - para crianças sobretudo - nos primeiros anos -- eu acho que já sefaz um bocado - a aproximação - se têm dificuldade passam para o crioulo -- eunão sei se começam nos primeiros anos - mas eu tive dificuldade - quandoacompanhei os meus filhos nos primeiros anos de escolaridade -- falavam muitopouco na escola porque como não podiam falar ou estar à vontade em dominar oportuguês - então preferiam não falar -- eu experimentei falar o… em casa - oportuguês - e eu vi que não dava - eu desisti - para podermos ficar à vontade --porque como não tem… não se fala português em casa - não se fala português narua - é um choque começar - não só a falar em português mas logo a aprender emportuguês -- se bem que hoje em dia o jardim o jardim de infância já vai ajudarensinar nessa aprendizagem - que tem as canções - as histórias e algumas coisas -mas eu acho que sim// Como é que vê… a preocupação maior para mim é a questão da escrita -- a criança tem deaprender os dois códigos - agora eu não sei… não domino isto… não é minha áreade especialidade// E na alfabetização de adultos? isso eu defendo que seja em crioulo// Porquê? precisamente - têm toda uma experiência - toda uma vivência - que nãoconseguem passar se for em em português -- que seja em crioulo mas também emportuguês --estou a ver em termos de prioridade - em termos de prioridade - e queaprendam -- e esses já não têm problema no domínio do código que começa logocom a proposta que for oficial// Acha que o crioulo deve ser oficializado? sim -não tenho … no sentido de co-oficialização -sim// Para quê? é mais uma questão de estatuto -- não é questão de uso - porque na práticao que acontece nas repartições é usado - porque está muito ligado… Na oralidade… na oralidade - eu ia dizer -- o conceito de oficial está muito ligado àescrita - à formalização - porque na informalidade - na oralidade já é de facto --portanto é um reconhecer de facto o que já é visto - mas não o incentivo da escrita-- eu não me repugna que - por exemplo - o hino nacional tenha uma versão emcrioulo e outra em português - nada -- quer dizer é o cantar -- e certas coisasdestas -- mas na constituição dá oportunidade para ver as duas - eu acho que sim --- eu dei um exemplo - que de facto nós estamos a discutir tanta coisa - o hinonacional é em português… É. e nunca ninguém disse ah! então vamos ter o mesmo hino em crioulo -então -estou a pensar em termos de oficialização - essas coisas// Falamos de oficializar o crioulo. E porquê oficializar o crioulo? eu acho que… o que tem havido em termos políticos… nós somos umpaís independente há mais de 30 anos -- nós usamos… nós temos duas línguas --essa unidade com essas duas componentes - oficializamos apenas uma - evalorizamos essa - não valorizamos a outra -- para mim esta é que é a questão -- évalorizar aquela outra que não está -- mas não… não no sentido de dizer que émais importante - porque eu acho que tem havido uma certa confusão - é dar essaideia que o subvalorizado vai ficar sobrevalorizado - essa é que pode (?) não -vamos elevar ao nível do outro -mas o outro muito bem também// O outro…? muito bem! o outro é que é o português - muito bem também -- eu achoque não só nas situações informais se fala cada vez menos o português porque égente mais velha é que usa em situações informais - como nas situações formaisse usa cada vez mal o português --mesmo gente formada - com formação superior- temos gente formada em muitos países - saíram de Cabo Verde com aescolaridade feita em português mas mau português - então fizeram a formaçãoem outros países - outras línguas - e quando voltam é aquele português que…então também se sentem mais à vontade em falar em crioulo do que falarportuguês -- eu acho que muita gente que defende e que fala totalmente o criouloé que não domina tão bem o português -- essa pode ser forte - mas esta é umaopinião// Esta questão de…de como nós falamos o português. O que é que… o quepensa sobreisso? Como é que acha que os cabo-verdianos falam português, de ummodo geral? quando eu falo num bom português eu… não falo em português padrão -pelo menos com as regras - o português gramatical - estas estruturas em termos deportuguês que eu acho que se deve falar -- mas vai havendo tendência - que euacho muito bom - a regionalização - há realidades que não são as realidades dalíngua portuguesa originária - então introduzimos isso - que isto é que expressa --Angola faz isso -Moçambique faz isso - e nós já vamos percebendo isso// Mas em Angola eMoçambique também há regras…? sim - sim há regras diferentes - eles têm outras línguas - outros tipos defrases// Admite essa possibilidade para o português falado em Cabo Verde? o português de Cabo Verde? Sim. se nós prestarmos atenção - estivermos muito atentos - o nosso o nossoportuguês não é o português de Portugal -não é o português do Brasil// E o que acha disso? eu acho… eu acho que se caminha para lá -- que poderá vir a ser umacoisa… que é uma questão de identidade - que nos identifica dentro… a nossadiversidade - dentro dessa unidade da língua portuguesa -- mas temos que…temos que conhecer bem as regras gramaticais -- depois de conhecermos bempoderemos introduzir… e eu não estou a falar que pode haver… e que por causado substrato… das línguas africanas que nós temos no crioulo - haver - terinterferências em termos de estruturas// Isso não aceita? não - pode ser -- mas eu estou a falar sobretudo em termos de vocabulário-- por exemplo - os clíticos - os pronomes complementos - é uma luta perdidafazer segundo as regras gramaticais com as excepções antes do verbo - e a regra -depois do verbo - é uma luta perdida porque já… já no nosso substrato já nãousamos muito isso - e também há a influência brasileira - que também que nóstemos - que é um peso -- portanto isso é um exemplo em termos de estrutura -mas em termos de vocabulário -é isso que eu estou a dizer -a pessoa… Mas quando diz que é uma luta perdida, está a lamentar ou aceita isto? não - não -- eu aceito - não -- é uma luta perdida no sentido de que… euposso querer corrigir… a minha filha sim - que é portuguesa e que estuda lá - mascom os meus filhos eu não consegui fazer nada - porque é preciso dominar asregras -- mas a minha filha ouve - ouve o que está bem e o que não está bem -- éuma coisa diferente - porque ela não aprendeu o português não é? é a língua dela -não teve que aprender -- mas os meus filhos tiveram que aprender - e como nãoaprenderam como deve ser - e não dominam todas as regras - não percebem seestá certo se está errado - não ouvem - vamos dizer -- mesmo eu… eu tenho queestar muito consciente na escrita - na escrita - porque eu sei quais são as regrasque atraem para antes do verbo - no meio do verbo - sobretudo se é no meio doverbo que é a questão dos futuros -- as pessoas não dominam - gente comformação superior (?)// Uma última questão é: qual deles, o português ou o crioulo, acha queexprime melhor a cultura de Cabo Verde? as duas ((risos)) não - eu brinquei -- como o homem cabo-verdiano temessas duas componentes - quer dizer… mas de facto a cultura cabo-verdiana éexpressa em língua cabo-verdiana -- eu brinquei a dizer as duas porque oportuguês entra… mas essencialmente é isso… não consigo… para as outraspessoas poderem perceber - por exemplo - a nossa música - fez-se um esforço - efoi muito criticado na altura mas foi óptimo - a morna em português ou coisasdessas - mas é assim - é a língua cabo-verdiana - essa é que é a nossa - é nela quenós expressamos a nossa cultura -é nela que nós somos nós - portanto é isso// E na literatura escrita, culta… mas também estou a pensar no funaná, nobatuque... como é que vê o crioulo, o português? literatura popular eu aceito a cabo-verdiana e eu acho que sim -- mas aculta - eu acho que… eu não verei isso -- é uma coisa que poderá vir a acontecerno futuro distante - a literatura culta - não vejo isso -- para além de que umaedição em língua cabo-verdiana terá de ser muito reduzida - para nós - a ediçãoportuguesa já é mil exemplares - fica cada vez mais caro -- não - eu estouconvencido que… Quer dizer que… é só por essa questão prática ou…? esta é uma questão - é uma questão prática -- as pessoas que poderãoescrever - fazer uma literatura culta em crioulo e que poderão ler essa literatura -são as pessoas que dominam dominam… perfeitamente o português -- então essaquestão prática acaba por ser importante -- por exemplo - uma tese que édefendida … vamos ver um caso concreto - o Dr. Manuel Veiga defendeu a tesede doutoramento dele - sobre a língua cabo-verdiana - em francês - eu acho queele não tem que traduzir isso para o português porque as pessoas que seinteressam por isso e que queiram ler são pessoas que dominam o francês - fazerisso para o português não é para o grande público - é para um público restrito - énesse aspecto que eu estou a dizer -acaba por ser a esse nível// Dr. X, eu não tenho mais questões, mas se o senhor quiser acrescentaralgum comentário, algum aspecto que tem em mente e que eu não tenha tocado eque acha que seria… não -eu acho que fui exaustivo… Esteja à vontade. e são opiniões pessoais -- algumas dessas questões eu tenho reflectidosobre elas - outras surgiram agora - mas eu assumo perfeitamente o que eu digocomo posição pessoal -- pode ser que daqui a alguns anos eu venha mudar deopinião -pode ser// Com certeza. mas neste momento é a minha convicção -isto que eu acabei de dizer// Então eu só tenho que agradecer, mais uma vez, a sua colaboração. Tudo bem. Obrigada.1Poeta cabo-verdiano que escreve em LCV2Parente do entrevistado3Linguista cabo-verdiana4Poesia popular típica da ilha do fogo, tipo cantiga de escárnio e maldizer5Linguista cabo-verdiana6Reputado escritor cabo-verdiano, já falecido7Senhor Ministro, a finalidade desta é solicitara devida autorização para… Concordo com o que foi ditoacima. Estou totalmente de acordo. À decisão do Ministro." -INF13.wav,"Dr. X, obrigada por ter acedido a ter esta conversa comigo. A primeiraquestão que eu gostaria de lhe colocar é a seguinte: quando aprendeu a falar,aprendeu o crioulo, o português, os dois? Antes de entrar para a escola, portanto. antes de entrar para a escola aprendi apenas o crioulo - na escolacomecei a aprender o português -- em casa os meus pais… a minha mãe falava ocrioulo - o meu pai falava - pelo menos frequentemente - o português -- falavacrioulo mas falava também frequentemente português -- de maneira que oportuguês que ouvia em casa era mais do lado do meu pai - que me parece umasituação muito frequente -- na rua sempre falei crioulo com os meus colegas efalava português com os professores - um português mais ou menos discursadopara cumprir// Portanto se entendi bem, falar falava crioulo antes de entrar para a escola. sim// Mas já tinha contacto com o português através do seu pai. Só do seu paiou ouvia o português de outras fontes? não -- antes de entrar para a escola eu… não posso agora precisar setinha contacto com o português através do meu pai porque falava sempre crioulo-- eu acho que o meu pai falava connosco nessa altura - com os filhos - sempreem crioulo também -- depois de entrarmos para a escola - creio eu que um poucocomo um projecto de nos ir habituando ao português - ele frequentemente falavaconnosco português -- com as outras pessoas eu falava… acho eu - até entrarpara o liceu salvo uma outra situação - aquelas situações formais que a genteachava que devia falar em português - eu falava em crioulo com os colegas -com toda a gente -- eu tinha colegas metropolitanos na altura com quemnaturalmente falava português - mas sempre com aquela preocupação de falar oportuguês correcto - que me pesava sobre a língua - sobre a consciência de ter defalar o português correcto -e é isso -mas eu expressava-me em crioulo// E o seu contacto com o português antes de entrar para a escola? Ouvia oportuguês? Se sim, de que fontes? eu antes de entrar para a escola acho que também que meu avô - comquem eu cresci até entrar para a escola - acho que o meu avô - que era de SantoAntão - falava de vez em quando o português também -- mas não connosco - eramais… ele lia… lembro-me que ele lia um bocado e tal - uma e outracircunstância… ele tinha entonação de português interessante - assim muitodeclamada e tal - mais nas leituras - eu acho que era mais nas leituras - mas elefalava também no crioulo// E na rádio, na igreja? antes de entrar para a escola não me lembro de ouvir muito rádio --igreja… antes de entrar para a escola também não me lembro de ir à igreja -- naigreja - de facto - protestante que eu frequentei durante já o tempo da escola - aífalava-se português - mas entre os colegas era sempre em crioulo - os pastoresfalavam português// E actualmente em casa, com os seus amigos e colegas mais próximos qualé que usa normalmente? quase sempre o crioulo - quase sempre -- não só com os meus amigosmais próximos mas… acho que eu às vezes falo crioulo quando… emcircunstâncias em que as pessoas esperam de mim português -- é frequente euquase que esforçar um bocadinho a barra - vá lá - para a conversa se travar emcrioulo -- talvez por eu ser advogado - há pessoas que acham que o meu estatutode advogado devem falar comigo em português -- e há outras circunstâncias -por exemplo - quando eu falo com alguém a nível do estado por exemplo - secomeça a chegar no nível de director geral - sente-se que o director geral já quer- de um modo geral - falar é português -- se for um ministro é português quasecerto - salvo aquelas circunstâncias em que… digamos… que o ministro estádescontraído - digamos assim - já ultrapassou… há um ou outro caso assim --mas quando falo sobre director geral - ministro - quer dizer - quanto mais se vaisubindo na hierarquia do estado - mais dá impressão que é assim que as pessoasquerem - falar em português e não em crioulo -- quer dizer para dar um ar maisoficial - menos intimista à conversa -- e especialmente nessas situações em que -de alguma forma - vão ter de decidir sobre uma questão que é pessoal - paraobter distanciamento - eu sinto que nestas circunstâncias as pessoas falam…preferem português -- e eu mesmo - para não dar impressão que eu queroqualquer aproximação - e quando o meu problema é pessoal em relação a essaidentidade ou em relação ao estado -ou algo pessoal - eu falo português// Como é que considera a sua proficiência, o seu domínio geral do crioulo edo português? bom - no que respeita ao crioulo - o meu crioulo habitual é o crioulo davariante de barlavento ou de São Vicente -- falo… se eu estiver num ambienteem que as pessoas estejam a falar o crioulo de Santo Antão - por exemplo -entendo bem -- acho que falo com relativa à vontade - mas não tenho à vontadepara falar -- quer dizer eu poderei falar com à vontade quando falo - por exemplo- a imitar - em casa - e sinto que falo o crioulo de Santo Antão com à vontademas não tenho à vontade para falar - porque é algo que é um pouco fictício emrelação à minha espontaneidade que é o crioulo de São Vicente -- também falocom relativa à vontade o crioulo de Santiago -- se eu estiver a jogar futebol porexemplo - ou numa actividade desportiva com pessoas de Santiago etc. - sempensar no assunto - eu falo -- e eu acho que há circunstancias em que nem sequerse nota… e há muita gente que fica a pensar que eu sou daqui de Santiago -- masnaturalmente - normalmente falo no crioulo - na variante de São Vicente - e aífalo bem// E leitura e escrita em crioulo? leitura e escrita em crioulo…olha eu li - por exemplo - o livro Ojud´Agude Eugénio Veiga… Manuel. Manuel Veiga - perdão -- e e adorei a leitura a leitura - digamos… estara ler - de repente eu senti que estava a ler o crioulo aqui de Santiago - como seeu estivesse a ler português - quer dizer aquilo saiu-me como uma… já a partirda metade para o fim do livro - eu lia como se estivesse a ler um livro emportuguês - e eu adorei aquela situação -- quer dizer foi uma situação inéditapara mim -- de Santo Antão por exemplo - também ler os livros em crioulo de deLuís Romano - crioulo de Santo Antão -- é um crioulo de Santo Antão puro -autêntico - digamos já com expressões muito fora da época - já muito antiquadas- mas aquela dinâmica própria do crioulo de Santo Antão - aquela imagéticaprópria do Santo Antão está aí -- e também adorei ler esse livro -- os poemas porexemplo do Sérgio Frusoni que são escritos em crioulo de São Vicente - de…também… digamos é adorável lê-los - é adorável estar a ler esses poemas -- háum estrato dos Lusíadas - não me lembro agora qual foi o autor - é escrito emcrioulo também de Santo Antão -- há uma passagem de Lusíadas em que… aparte em que os navegadores estão a chegar à ilha de Santiago… eu lembrode… digamos… de ler isso com a mesma entonação - eu gosto de ler Lusíadas -com a mesmo entonação - o mesmo ritmo - a mesma… sem perderabsolutamente nada… como se eu estivesse a ler Lusíadas -- e a minhaexpressividade em português -de como me expresso em português… E a escrita em crioulo? escrita…? Costuma escrever em crioulo? eu não costumo escrever em… quer dizer eu mesmo já escrevi já escreviem crioulo - já escrevi poemas em crioulo -- quer dizer poemas para mim - nãotenho publicado -- eu escrevi - por exemplo - um poema que é 1Regrese deTanha que é… Tanha é uma pessoa que entra para a prostituição… tudo emcrioulo - em crioulo de São Vicente -- eu tenho escrito algumas coisas emcrioulo de São Vicente - eu sinto que… digamos que me dá satisfação… dá-mesatisfação - já escrevi em crioulo de São Vicente -- já escrevi também emcrioulo de Santiago - eu até tenho de cor algumas passagens do que eu escrevi edeu-me satisfação -- senti que saiu com naturalidade -- a verdade é que - porexemplo - o que eu escrevi em crioulo de São Vicente - não foi só aquele tema -é um poema - que não é apenas um tema de amor - letra para morna digamosassim -- não é - embora seja um poema - embora não - é um poema - mas nãoligado àquele sentimento puramente intimista - às vezes um bocadinho meiopiegas para a morna -é um tema em que eu estou a dizer algo de… Diga-me uma coisa, em termos de leitura em crioulo, para além da poesiae romances escritos em crioulo que já leu, tem lido mais alguma coisa emcrioulo? eh:: não -- há um dicionário - não é? mas isso não é leitura propriamente-- comunicações por exemplo - que alguém tenha comunicado comigo emcrioulo - nunca -- que eu tenha comunicado com alguém em crioulo tambémnunca -- é apenas… em crioulo - o que já li - é de facto algumas coisas em prosaou em poesia// Certo. E também em termos de escrever… poemas que tem escrito… nãotem mais nenhuma experiência de escrita em crioulo? não - nunca… nunca escrevi nada em termos de prosa -- é só algunspoemas -que escrevi em crioulo… Mesmo apontamentos que… toma notas…? não - porque eu não tenho destreza - eu não sei escrever - mesmos essesque eu escrevi - eu sinto que… eu não sei escrever - quer dizer - é uma questãode familiarização com o alfabeto -não é? Nesses casos como é que escreve? eu escrevo mais a escrita fonética - acho que é fonética - não é?... que éessa a expressão -não é o… Queria que me dissesse como é que escreve, quando escreve em crioulo.Como é que…? quando escrevo em crioulo - eu acompanho o som -- por exemplo - eu…quando… fonético - por exemplo… não é o ALUPEC -- eu não me familiarizeicom… para isso é preciso habituar-se com a escrita mesmo -- e também nãotenho hábito mesmo de escrever em crioulo - quer dizer - em algumascircunstâncias -eu escrevi… Lembra-se das dificuldades que sentiu quando escreveu em crioulo? digamos… vinda a ideia… por exemplo… só um pequeno estrato - sópara ver -- eu tenho um poema que diz assim - 2Tanha - txam expresóbe umrezon --ke mágua na kurason N ta flo-be - bá mdjer -ba largóde na mund paquêvida n’e pa jente de nós rasa -- bo sabé - Tanha - ke jente de nos kulidade - kefome na bariga e ignorânsia na Kabesa - pa vivê ten ke dá sê korpu - e bo ten keda-l kontente-- digamos - isso é um incentivo para alguém entrar na prostituição- por essas razões de (?)… e escrever este poema… claro que o poema é muitomais longo - está inserido dentro de uma peça de teatro que é… a peça que é Regrese de Tanha -- Tanha vai como prostituta e regressa já como todo umpovo a regenerar-se -- essa era a ideia do poema que deu origem a uma peça deteatro - mas aí para os idos para os idos de setenta e sete ou quê -- e… de factofoi escrito praticamente… essa peça foi escrita também quase toda em crioulo --ainda há tempos escrevi uma outra peça também - que é Nôs realidadimas queeu nem publiquei - nem… mas que é… é também escrita em crioulo - quetem… que tem… que tem… enfim… uma série de alegorias em crioulo que éNôs realidadi -- que é alguém a falar da nossa realidade - e ao fim ao cabocom total desprezo por essa realidade - pela maneira como a elogia e como atrata --e nossa realidade está aí sempre a agradecer - é uma personagem no palcosempre a agradecer - é uma peça de teatro - mas que é praticamente escrita emcrioulo - mas em crioulo e português -- entra em determinados momentos ocrioulo e em outros momentos português -- e quando eu a posteriori - euconfesso que é mesmo a posteriori - fiz um exame disso - porquê é que temparte em crioulo e parte em português - eu cheguei à conclusão - é a conclusãoque eu chego - que eu mesmo estaria alienado -- ou seja eu meti determinadaspartes em português - terei metido - porque as pessoas exigiriam aquelas partesem português ou porque exigiria eu mesmo aquelas partes em português? enão… digamos… não obtive… nestas coisas - eu acho que é difícil nestas coisasobter-se a resposta clara -- quando a gente pensa que a gente faz porque é assim -muitas vezes é porque é assim que os outros querem - é assim que nós queremostambém instintivamente -- mas… portanto - eu tenho dificuldades na escrita docrioulo - que às vezes são superados… as dificuldades acabam por ser superadasquando a gente tem um ímpeto para expressar - no sentido de expressar umaideia -- e praticamente nestas circunstâncias eu ligo pouca importância ao…pormenor como um… se a ideia me sai bem assim - às vezes até um próprioverbo por exemplo - uma expressão que… as pessoas gozam muito quandodizem… uma determinada pessoa disse - cabeu em vez de coube -- para mimisto é muito pouco significante - porque cabeu até é mais simples - é maisdirecto -- é evidente que há erros - eu não estou a dizer que esteja certo ou queesteja errado - a verdade é que… mais importante - digamos - é que as pessoaspassem as suas mensagens de forma clara e inequívoca… depois… ospormenores de escrita - eu acho que são importantes porque atrapalham paraquem vai ler a escrita depois - porque a escrita é diferente da mensagem oral - épreciso que de facto esteja aí muito claro - codificado - para se entender bem --mas eu estava no momento anterior - no momento em que eu estou-me aexpressar -e digamos aquele pormenor não me não me atrapalha muito -- mas eusinto que não tenho domínio desta escrita - eu sinto que depois poderá terdificuldade em alguém ir ler - mas como eu escrevo é para mim - são coisas queeu não tenho publicado - porque se eu tivesse publicado eu teria de actualizar dealguma forma - procurar alguém que me auxiliasse nomeadamente -- mas comoé para mim - ou às vezes é para dizer até verbalmente - e ao dizer as pessoasentendem perfeitamente a mensagem -- agora ao escrever - eu acompanho o somda palavra - eu digo por exemplo - 3motxe - t-c-h - t-c-h - quando existe umcarácterespecífico para explicitar este som no ALUPEC - não é? Segue o alfabeto português, ao fim ao cabo? sim -eu sigo o alfabeto português// E em termos de… qual é que sente, prefere… ou se sente mais à vontadea falar, ler ou escrever crioulo? falar - ler ou escrever… eu adoro ler crioulo mas depois de umdeterminado tempo - para eu me ambientar com a leitura porque quando começoeu tenho de… um pouco… soletrar - depois eu entro no ritmo de cruzeiro -- afalar estou à vontade - a escrever é o que eu já disse -- eu priorizo a minha… aexpressão - eu ponho… ponho da maneira… mas eu tenho sempre algumasdificuldades porque mesmo assim para expressar eu acho que há sempre umadificuldade em… em transferir da… do pensamento para a escrita -- a escrita àsvezes quebra um pouco a linha de… do pensamento - porque a escrita é maislenta - e às vezes - quem é impaciente como é o meu caso - depois não consegueexpressar na escrita o que pensou - quanto mais então se a escrita tiver algumaspeias -eu gosto de expressar em crioulo… Em crioulo…? peias da escrita -- eu gosto de me expressar em crioulo - mas a escrita…o facto de eu não escrever bem trava-me -- e acho que trava também o próprio odesenvolvimento literário -o MEU desenvolvimento literário em crioulo// E em português? e em português? eu expresso-me em português - da seguinte maneira --esta que está aqui -- mas eu lembro que em Santa Catarina eu fiz um… comoadvogado… Estou a falar no seu domínio, como é que é o seu domínio do portuguêsem termos de falar…? é isto que estou a dizer -- em Santa Catarina - como advogado eu fiz umaintervenção - um belo dia - e depois um indivíduo veio - e tal - e disse-me simsenhor - eu gostei - nós de Santo Antão… e eu disse -  então…porquê SantoAntão?  ele disse não - o senhor andou a falar - eu ouvi - não é de SantoAntão?  ou seja - o senhor descobriu claramente que eu era de Santo Antãoatravés do meu português -- isso em relação à fonética- não é? acho que é isso --eu acho que… pronto… eu expresso-me à vontade em português - eu nãotenho… já não estou naquela fase - de escolher as palavras e… e até porquetambém há certas preocupações que algumas pessoas têm que eu não tenho - deperfeccionismo -- e:: eu expresso-me da forma como eu souber e como me forsaindo -- qualquer pessoa a falar português ou o crioulo - a gente sempre detectaalguns erros -- a pessoa não nota muitas vezes mas é extremamente difícil não…mesmo pessoas… portugueses com muita formação - a gente acaba por notar --até porque muitas vezes eu acho que pode haver - em certas circunstanciasuma… vá lá - decalage entre a norma e aquilo que é a realidade - que acaba porimpor-se -- se a norma me diz que há um singular - como é que é? colectivo -não é? e depois eu devo pôr o verbo é no singular ou plural - mas depois… oquotidiano muitas vezes acaba por funcionar de forma completamente diferenteà norma -- como é? é todo o exército que tem de marcar passo de acordo comum soldado ou o soldado que tem de…? entre norma e a realidade acaba por…eu… eu não me preocupo muito com isso -- eu acho que… eu consigo ordenar asminhas ideias em português - esforço-me também… tal como as ordeno emcrioulo e… eventualmente… eu não sei - não sei se ousaria dizer isso -- que emportuguês - digamos - eu me obrigo… e aí já é um bocadinho de esforçoconsciente - a um raciocínio lógico - muito mais seguro do que em crioulo -talvez porque quando falo português - é em determinadas circunstancias comoesta em que estou agora - e que quero expressar conteúdos que estão para alémdo quotidiano imediato em termos de conteúdo - para além de - como já referihá bocado - em termos de situações mais… até mais relacionadas às vezes - masmuito raramente - com as pessoas que exigem esse português -- mas hásituações… também porque naturalmente o mercado - entre aspas - do crioulo émuito mais reduzido que o mercado do português -- quando digo o mercado… omercado do crioulo é mais ou menos interno -- às vezes a gente fala para…mesmo no interesse do país - no interesse nosso de ter uma audiência maior - enessas circunstancias a gente expressa-se em português -- e eu quando falomercado -é mais ou menos isso que eu estou a… E a leitura escrita em português? se tenho leitura e escrita em português? Como avalia a sua proficiência em português, de um modo geral, leitura eescrita? acho que eu escrevo em português… tenho um problema que é sempre -como eu disse há bocado - transferir o que eu penso para a escrita - nunca meagrada o que eu escrevo e eu tenho sempre de voltar para trás - acho que isso éuma virtude ou defeito - talvez mais defeito que virtude -- eu consigo expressarpor escrito o que eu penso mas é sempre com algum esforço com algum esforço-- depois de escrever - eventualmente até se poderá pensar - ele expressou -se deuma forma tão… tão fácil - porque também - ser fácil - ser imediatamentecompreendido pelas pessoas é uma grande preocupação minha - é umapreocupação que às vezes eu tenho impressão - que de vez em quando excede oslimites do razoável - ou seja - mas para isso eu tenho de fazer um ENORmeesforço -- as pessoas lêem o que eu escrevo - e que eventualmente está simples -não imaginam o sacrifício que muitas vezes eu tive de fazer para pôr aquilosimples - para pôr aquilo directo - pensando num determinado público -portanto… ou seja… eu escrevo para o público presente - para as pessoas queestão aqui a ouvir-me -- muitas vezes a o a linguagem cientifica… às vezes nãose compadece com isso - não sei - duvido que seja assim - que não se compadeçacom isso -mas pelo menos ouve-se muito dizer isso// Diga-me, como é que… quando é que se sente mais à vontade, quandofala ou escreve português, ou crioulo? digamos eu falo crioulo durante noventa e tal porcento do dia -naturalmente que a conversa que me sai em crioulo sai directamente semqualquer interferência de inteligência - ou seja - num certo sentido -- ao passoque aquilo que eu digo em português - apesar do que eu disse há bocado - nãotem determinados tipos de preocupações - mas acaba por…acho é próprio daformalidade às vezes da situação - da pessoa… da preocupação de saber se apessoa quer que eu… enfim - se não seria… às vezes falo português com osentido que eu podia estar a falar crioulo -quer dizer eu estou a colocar… Fale-me disso… de algumas circunstâncias em que usou crioulo,querendo usar o português ou vice-versa? há uma ou outra circunstância -- por exemplo na comunicação social eujá usei crioulo - numa circunstância em que eu achei que era preferível usarportuguês// Porquê? porquê? bom - é extremamente complexo -- eu vivo… a sociedade emque eu vivo é a sociedade praiense - o lugar para o qual eu contribuo para o beme para o mal - é a cidade da Praia - eu sou um cidadão da Praia - entre aspas --mesmo que eu tenha nascido em Santo Antão - estudado em São Vicente - averdade é que estou na Praia - há aqui tantos anos - é aqui que eu faço a minhavida - é o meu centro e há determinadas circunstâncias em que… se eu estiver afalar algo relativo à cidade da Praia - fica-me a impressão que é… pelo menos nacircunstância… foi essa que eu falei no crioulo de São Vicente… e eu sentinecessidade de mudar para o crioulo da Praia -- eu não mudei porque pareceriafictício - e naquela altura eu ansiei pelo português - eu não sei se seria omomento ideal para fazer a fuga para o português e não me lembro agora se eufiz a fuga ou não -- essa é uma circunstância em que o português me surgiu umpouco como a tábua de salvação neutral nessa circunstância// E o contrário? o contrário? o contrário…é infinito o número de vezes em que eu já faleiportuguês quase que me violando -- porque eu já falei português em muitascircunstâncias com pessoas que gatinham para encontrar uma palavra emportuguês - para encontrar uma expressão em português - e esforçam-se parafalar português comigo e eu falo crioulo - e as pessoas trazem novamenteportuguês -- eu arranjo mil artifícios para levar a conversa para o crioulo e àsvezes eu consigo e sinto que a pessoa se descontraiu - e agora consigo entender oque a pessoa queria dizer -essa é uma circunstancia// Circunstância de trabalho como advogado…? sim - circunstâncias de trabalho como advogado - e algumas outrascircunstâncias - na rua e que a pessoa - em virtude de uma… uma ocorrênciaqualquer - ou porque estou… por exemplo - muito bem vestido - a pessoa dirige-se para mim a falar de determinado assunto - sabe também que eu souadvogado… quer dizer… cria um ambiente formal para falar comigo -- etambém a própria pessoa quer mostrar que não é qualquer um - ao fim ao caboisto ainda está no espírito das pessoas - e começa a falar português - e muitasvezes é um assunto que eu gostaria de facto de conversar com a pessoa - e entãoaí eu torço para chegarmos ao crioulo -- e às vezes aborrece - aborrece - mas eucompreendo porque eu também não posso dizer às pessoas -  não - fala crioulo-eu acho que não se deve --mas há outras circunstâncias em que também eu faloportuguês…. a:: com uma pessoa muito conhecida minha - agora… olha ontempor acaso aconteceu-me uma situação dessas - não vou dizer o nome como éóbvio - mas eu estava a falar com a pessoa em português - de repente olhavaassim para ela… e depois lá saía a conversa da pessoa em português e tal -depois eu consegui - de repente - passar a conversa para o crioulo - porque eu jánão suportava que eu estivesse a dialogar com a pessoa em português só porquea situação dela a nível do estado - digamos quase que requeria aqueleformalismo -- uma pessoa com quem eu dialogo no quotidiano… quando emcircunstâncias normais - só em crioulo - não me lembro de ter falado com essapessoa em português - e nós estivemos a falar português -- digamos é umaconversa que… que… é como se houvesse um microfone na minha boca - a falar- e um microfone na boca dele - e nos dois ouvidos também… quer dizer… háqualquer coisa entre nós - que está instalada entre nós - um tradutor doportuguês para o crioulo que não funciona - que não deixa o diálogo sairespontaneamente -- essa pessoa domina e fala muito bem o português -normalmente - eu expresso-me bem em português - normalmente - mas naquelacircunstância - uma quebra tremenda! e essa é uma das circunstâncias - entrevárias outras do género// Eu acho que nos ficou para trás a questão de falar, ler e escrever emportuguês ou crioulo. Em qual é que sente mais à vontade, com menos medo deerrar? falando em crioulo - não tenho medo de errar nunca -- porque dá aimpressão que… digamos… que o crioulo não tem norma - nenhuma norma --uma norma não - não sei - há que ter uma norma com certeza - porque eu - paraeu falar… quando digo que não tem norma - quer dizer - que não tem regras queeu conheça - fixas - exigíveis ou exigidas -- a gente vai falando e as pessoasentendem muito bem -- o problema é depois - como eu disse - se alguém de foraestuda o crioulo e depois quer ver… se estuda é porque também existe norma -existe uma forma concreta de falar e de compreender e de escrever -- em relaçãoao crioulo… portanto a pergunta era…? Escrever em crioulo… se escreve melhor em português ou crioulo, se falamelhor…? eu escrevo melhor em português - eu leio melhor em português - eu falomelhor o crioulo - quando digo melhor - estou a referir-me à descontracção e àfacilidade de expressão --é neste sentido que eu queria dizer// Exprime melhor as suas ideias de um modo geral em crioulo ou emportuguês, ou exprimir melhor em português ou em crioulo depende de algumacoisa…? eu acho… Da pessoa com quem fala, do assunto ou da circunstância? esta pergunta é extremamente complexa e… e para dizer a verdade -respondê-la exigiria determinados conhecimentos - mas eu vou expor a minhaignorância -- acho que há… há expressões a que nós nos habituamos com oportuguês - há momentos emocionais - especialmente da expressão escrita - queé tida como mais nobre - tem que ser em português - digamos… nós nãoencontramos alguma tradução directa para o crioulo -- eu não sei se vem dahistória da… dos estratos populacionais em Cabo Verde -o português e o crioulo- que vivências de cada um - que situações - e o que é que se pode… o quepassa para o crioulo - cada vez é… é mais ténue essa diferença -- mas háalgumas expressões que saem mais facilmente - porque são expressõesconsagradas - a expressão 'amor'- em crioulo - eu oiço muito pouco - e sai… emcrioulo é uma expressão que sai com… não sei… não sai espontânea -- mas nãosó palavras - como outras - digamos - há qualquer hiato entre português ecrioulo que eu não sei expressar bem - mas eu sinto que há um hiato - há umazona que é um bocadinho reservada ao português - uma zona de expressão - eoutra zona de expressão que é todo o nosso quotidiano - que é para o crioulo --só que quando nós queremos enxertar nesse crioulo que tem em si - digamos -todos os elementos de expressividade - queremos enxertar - e temos muitasvezes necessidade disso - um sentimento que é tipicamente expressado emportuguês - não encontramos muitas vezes no crioulo esse… a tradução directa -e então é complicado -- eu não sei… e também é complicado expressar isso -acho que não consegui explicar-me bem -mas a ideia é essa// Eu estava a querer saber, por exemplo, se dependendo do assunto,consegue… Imagine, por exemplo, um assunto de tipo familiar ou íntimo, não é? ah! exacto… Ou assunto técnico ou político… exprime melhor…. em função doassunto, exprime-se melhor em português ou crioulo? exactamente… se fala… exprime -se melhor em português ou em crioulo dependendo dapessoa… sei lá com um intimo, com uma pessoa da sua intimidade, umpróximo… exprime-se melhor emcrioulo, já com uma autoridade…? já - agora… já talvez me sintonize mesmo até melhor -- repare umacoisa -por exemplo -tecnicamente -linguagem técnica… Se depende do assunto, da pessoa, da circunstância…? eu falo à vontade - todas as questões da minha profissão em crioulo comas pessoas - eu explico tudo -- é evidente quando eu estou a falar com alguém - eeu falo da usucapião - eu não traduzo a palavra - eu falo em crioulo e nãotraduzo usucapião - por exemplo -- a palavra usucapião… não temos ou eu nãoconheço - eu não sei… eventualmente… digamos dentro da dinâmica própria docrioulo pode-se encontrar a forma de dizer usucapião em crioulo -- e há outrasexpressões que eu vou dizendo… eu vou falando às pessoas usando essasexpressões e explicando o seu conteúdo - porque também um português não sabeo que é a palavra usucapião - de um modo geral - a gente tem de explicar -- maseu uso esta palavra - que é tipicamente portuguesa -u-su-ca-pi-ão - e eu não digousekapion - ou arranjo… não arranjo artificio para pôr em crioulo - eu uso estapalavra -- e há uma série de outras palavras técnicas que eu uso - mas istotambém acontece acho eu do… por exemplo - quem usa o computador fala dodelete - parece que no Brasil usam deletar ou qualquer palavra assim -- mas oinglês também impõe-se no plano técnico - já é um outro plano e dessa forma…e acho que Portugal reivindica um bocado ter-se essa expressão portuguesa -portanto ter as expressões portuguesas -- aqui - em crioulo não há essa… aquiem Cabo Verde não há essa reivindicação - ainda - e o português impõe-setambém nesse plano - isso que eu estava a dizer - por exemplo -o plano técnico -mas isso também não me impede - como eu disse - de falar com as pessoas emcrioulo -- mas se eu vou… agora… falar sobre o código penal - numaconferência com magistrados e com advogados etc. - vai haver uma conferênciajá no próximo mês sobre o código penal e sobre uma séries de coisas - de certezaque as pessoas vão exigir e preferiam que eu falasse português - esta que é agrande verdade -- porquê? porque vão considerar aí que vou ter de usardeterminadas expressões técnicas em determinadas circunstâncias - e usar essasexpressões num contexto de crioulo fica um bocadinho… como que um pé nomar outro na terra - não fica um discurso coerente -coeso -é essa a questão… Dr. X, eu vou pedir - lhe o seguinte: pense nas três pessoas com quemmais conversa, fora do seu círculo familiar, não é? e que me procurasse definir operfil dessas pessoas em termos de idade, sexo, grupo, estrato social… se falacom essas pessoas em crioulo ou em português, sobre que assuntos e em quecircunstâncias. As três pessoas com quem mais conversa, fora do seu círculofamiliar. Preciso dizer o nome? Não, não. Nem a personalidade. Só o estrato social… uma já pensei - que é talvez a pessoa com quem mais eu converso forado meu círculo familiar - que é dentro do meu círculo profissional -- falamosexclusivamente em crioulo - os dois nunca falamos em português - em nenhumacircunstância -- discutimos todas as questões técnicas - e temos o hábito dediscutir questões técnicas - em crioulo - sem nenhuma dificuldade -- a pessoapertence a um estrato social - eu diria elevado - em termos culturais - deeducação - em termos económicos - estrato médio - alto - digamos assim -- éuma pessoa mais ou menos da minha idade e do sexo feminino - pronto - essa éuma pessoa -no plano profissional// Os vossos assuntos são estritamente profissionais ou também pessoais,íntimos…? também pessoais - políticos - profissionais - políticos e… e tambémassuntos pessoais - de trivialidades da vida quotidiana - trivialidades pessoais --portanto é a pessoa com quem - fora do meu círculo familiar - eu tenho de factoum convívio mais alargado -- e aliás - nessas circunstâncias esta talvez sejaportanto… a pessoa com quem… mas tenho mais pessoas dentro desse perfil -do sexo feminino - ou dentro do sexo masculino -- eu usaria duas pessoas - masesta é mais emblemática -- fora do círculo estritamente profissional tenho - deixaver… outra pessoa…outra pessoa (…) do sexo masculino - um pouco mais idosado que eu - também de um nível cultural relativamente elevado pela suaformação pelo menos mas… com quem praticamente é sempre em crioulo queeu converso - mas é já sobretudo trivialidades - é do sexo masculino - e algumasquestões de natureza política - e conversamos sempre - sempre em crioulo --deixa ver… mais uma pessoa… Mais uma pessoa, desculpe por insistir. uma pessoa com quem… E essa segunda pessoa, em que circunstâncias é que conversam? Não é notrabalho, portanto, é na rua? é - na rua - nos cafés - no desporto -- e ainda uma terceira pessoa…também… portanto… dum nível cultural relativamente bem… bem elevadodigamos - literário -- e expressamo-nos indistintamente em crioulo e emportuguês - mas mais frequentemente em português -- eu sinto que é também…digamos… é uma forma normal dessa pessoa se expressar - ela expressa-se emcrioulo de São Vicente e em português - mas tem mais hábito de se expressar emportuguês -- é mais… conversamos mais é sobre… portanto… questõesnacionais - questões políticas - questões literárias -- mas essa não é doquotidiano porque nem sequer vive aqui na cidade da Praia - quando falo…estou a falar num diálogo - no fundo mais intenso - embora não tão frequente - édo sexo masculino - e é mais velho do que eu// Consegue… ou pode fazer a distinção precisa do perfil das pessoas comquem normalmente fala o crioulo e com quem normalmente fala português? Seexiste… se existe um perfil… estou a falar, em termos da sua proximidade comessas pessoas, e em termos do estatuto destas pessoas? não - eu… de um modo geral - eu falo crioulo para além daquelassituações que muita gente espera crioulo -- quer dizer - aquelas situações em quealgumas pessoas amigas com quem eu convivo esperam ouvir português - ouvemde mim crioulo -frequentemente --logo que eu sinto que eu estou a… de algumaforma - a violentar um bocadinho - passo para o português -- a minha primeiraabordagem das pessoas com quem eu cruzo - melhor - com as pessoas com quemeu convivo - converso - seja qual for a:: posição - é em crioulo -- por exemplo -eu dou um exemplo só - eu… a minha abordagem com o presidente da repúblicaé em crioulo - é uma pessoa que eu conheço - portanto… e quando falo com eleem português é já… digamos naquelas situações em que eu também não querocriar… porque há pessoas por perto - há uma forma de expressar e não se vaicriar um maneirismo especial--mas eu falo com ele em português… Em crioulo? em crioulo - em crioulo -- ao falar por exemplo há tempos - enquantoprimeiro-ministro -falei com o primeiro-ministro José Maria Neves - eu comeceia falar português e depois a conversa estendeu-se um bocadinho e eu já estava nocrioulo -- portanto o meu círculo de conversas é fundamentalmente em crioulo -mas eu tenho de… Eu vou lhe colocar a questão… embora já me tenha falado um poucosobre isso… mas quando fala o crioulo com pessoas de outras ilhas… já disseque usa o seu crioulo mas pode usar outros… como é que é a compreensão?Como é que isso se passa quando se dirige a pessoas de outras ilhas? Que criouloé que usa e como é que se passa a compreensão? se eu falo com pessoas aqui de Santiago - de repente eu falo crioulo deSantiago - normal -- e a compreensão é perfeita de um lado e de outro - não é?talvez também um pouco pela minha profissão - eu já ouvi em crioulo pessoasdo interior - do mais longínquo - com aquelas expressões típicas e mais afastadasde português e:: não tenho dificuldade nenhuma// E elas? e essas pessoas - quando eu falo com essas pessoas - também euamaneiro um pouco o meu crioulo - que é o crioulo mais aqui da cidade da Praia-eu aproximo digamos -eu tenho instrumentos… Só para verificar se eu estou a perceber bem. Quando fala com pessoasdaqui de Santiago, usa o crioulo de Santiago? uso o crioulo de Santiago -- às vezes uso o crioulo de São Vicente - porexemplo - as pessoas que já me conhecem e que no meu quotidiano - sabem queeu falo crioulo de São Vicente - eu falo com elas… mas com uma pessoa deSantiago… por exemplo - eu entro num táxi - falo com o condutor - falo crioulode Santiago de forma natural -- eu vou jogar uma partida de futebol - as pessoasque estão a…eu falo o crioulo de Santiago - mas volta e meia lá sai crioulo deSão Vicente// E quando usa o crioulo de barlavento com pessoas de sotavento, como éque é a compreensão? entendem perfeitamente - perfeitíssimamente -- aqui em Santiago - hojeem dia -digamos - em Cabo Verde - eu acho que o crioulo já se entende por todoo lado// E quanto se desloca a outras ilhas? a outras ilhas… quando eu me desloco a São Vicente - eu falo crioulo deSão Vicente -como é óbvio// Naturalmente. quando eu vou a Santo Antão - eu falo também o crioulo de São Vicenteque é perfeitamente entendido em santo Antão -- às vezes as pessoas de SãoVicente não entendem bem o crioulo de Santiago - eu sei - mas isso já não éuma situação pessoal - porque eu falo em São Vicente o crioulo de São Vicente-- quando eu vou à ilha do Fogo… o crioulo do Fogo é um crioulo que temduas… as pessoas entendem perfeitamente o crioulo de São Vicente - temalgumas semelhanças -- tem muita semelhança com o crioulo da Praia -entendem tudo// Os dois? O de barlavento, São Vicente, Santiago e Fogo? os do Fogo entendem quer o crioulo de Santiago - quer o crioulo de SãoVicente bem - é o que eu tenho… é que… me deslocado às ilhas - em todas asilhas - eu tenho contactado pessoas - com a minha profissão é assim - na Brava amesmíssima coisa - e não me apercebi de haver em Cabo Verde qualquer - masqualquer problema de língua -- como eu… como eu disse - e agora não é umasituação já pessoal - isto agora é uma avaliação - eu sei que muitas vezes aspessoas aqui de Santiago quando falam… se forem pessoas do interior - 4 dentukaiku - dentu kai - ku - expressões assim - 5 na txada ta bai - 6  na txadakabesa - na achada da cabeça - expressões do género - que são expressõestípicas do interior da ilha - ainda há pessoas de São Vicente por exemplo quenão entendem bem - ou pessoas de outras ilhas - já pessoas daqui da capital - daPraia - já entendem - porque é uma mesma sonoridade - é uma questão muitohabitual -- mas afora estes aspectos daqui do interior de Santiago - algumasexpressões - mas que são apenas expressões - porque a conversa geral… querdizer - passando uns minutos da conversa acho que as pessoas vão entrando --portanto cá em Cabo Verde não há - a meu ver - eu não sinto - nenhum problemade comunicação entre comunidades - em virtude de língua - esse problema nãoexiste// Já me falou disso, mas eu vou retomar ainda para aprofundar um pouco.Disse-me que na maior parte das vezes, das circunstâncias e com a maior partedas pessoas fala o crioulo. Eu vou lhe perguntar em que lugares e circunstânciasusa o português e com que pessoas? eu uso o português - para determinados conteúdos - às vezes hádeterminados conteúdos… eu uso o português - para determinadas situações - euuso o português -para determinada pessoas// Fale-me de conteúdos. conteúdos -- como eu disse - numa… se eu estiver numa palestra a falarde questões técnicas - expresso-me em português - porque é o que as pessoasesperam - a empatia está em português - deslocou-se para o português -- eutambém espero das pessoas assim -- aí não é propriamente o ambiente - nem sãoas pessoas - é o conteúdo em si que… é o conteúdo - pelo menos naquelascircunstâncias - porque aquele mesmo conteúdo - se eu estiver a debater a dois -com um colega ou uma colega - e:: eu posso discutir esse conteúdo também emcrioulo - portanto há alguma influência do ambiente - mas eu diria… chamariaisso conteúdo -- há determinadas circunstâncias e ambientes… há bocado eudisse que não é propriamente o ambiente - ambiente e pessoas misturam-se -- àsvezes - às vezes a mesma pessoa com quem eu falo habitualmente o crioulo -chega determinadas circunstâncias - determinado ambiente - e não é só oambiente - também porque pode haver pessoas que não entendem… enquantoportuguês toda a gente entende - pode haver pessoas que não entendem bem ocrioulo - portanto se houver um português - um inglês - ou um francês - eu estoua excluí-los da conversa se eu falo crioulo - porque crioulo seguramente que nãosabem - português ainda poderão saber - eu posso não saber falar francês - elespodem entender alguma coisa em português - mas em crioulo não - crioulo écompletamente marginal em relação a isso -- portanto essa situação… nessasituação - por exemplo - também eu acho que é… eu acho que se deve falarportuguês - e se eu sei português - e eu falo português - é exactamente para meexpressar e comunicar sem problemas - assim -- e pessoas - pessoas é mais…digamos… quando eu sinto que a pessoa exige -- ou às vezes também - eudesculpo-me dizendo que a pessoas exige - mas eu é que em relação a essapessoa - não tenho o à vontade - e aí vem… renasce tudo - agora em relação amim para falar crioulo nessas circunstâncias -- eu não tenho o à vontade - eumais facilmente desculpo-me dizendo que essa pessoa é que não tem à vontadepara me ouvir em crioulo - eu é que não tenho à vontade - eu não sei qual é --mas há aí um problema qualquer que me parece nesta circunstância um poucocomo uma disfunção -- ou seja - o normal seria em relação a essa pessoa tambémeu falar port… em crioulo - porque esta circunstância não tem nada de especifico- nem em termos de ambiente - nem em termos de conteúdo - absolutamentenada que exige que eu me expresse em português -- mas sou eu que (…) nãoquerendo muitas vezes admitir que está em mim - não é? que eu aí… nestacircunstancia… quase que atribuo uma espécie de complexo - mas eu sei queessas coisas são complexas - e que têm a sua explicação e a sua justificação -histórica - muitas vezes psicológica - psicossocial e não sei quantos - mas euatribuo à pessoa// Certo. E diga-me com que finalidade, usa o crioulo e o português. Estou apensar em questões do tipo, expressar os seus sentimentos, rezar, orar,namorar…? bom, eu namoro ((risos)) Em crioulo. à crioula -digamos… argumentar… agora… em situações muito íntimas o português não sai -- o português…digamos… há certas situações - imaginando as mais íntimas - o portuguêssurgiria quase como um humor descabido na circunstância -- não faria sentido -desmotivaria (…) portanto essa é uma circunstância - circunstâncias maisintimas --mas a pergunta era… Argumentar…convencer alguém… para argumentar… convencer alguém… argumentar - eu sinto-me àvontade em argumentar em crioulo -- mas eu reconheço também que hádeterminado tipo - que eu não sei explicitar neste momento exactamente qualargumentação - que me sai mais facilmente em português -- talvez - por exemplo- quando tenha que usar digamos - a lógica aristotélica - que é a lógica daargumentação - eu começo com a palavra - lógica aristotélica - e já estou a falarportuguês - lógica aristotélica já é português -- e quando eu… digamos…organizo o meu raciocínio em termos lógico-aristotélico - digamos assim - euposso perfeitamente expressar-me em crioulo -- mas há alguns momentos - queeu não sei expressar agora - dizer agora - bom talvez não… não tenha palavraspara dizer quais - mas eventualmente quando eu tenho de usar um um…demasiado conteúdo técnico - de palavras técnicas - sem tradução para o crioulo-- eu teria sempre de ficar a meter uma espécie de  aspas na minha conversaem crioulo --então é mais fácil eu colocar tudo em português// Na última semana, considerando a última semana, em termosprofissionais, qual éque usou mais e ouviu mais, o crioulo ou português? bom - mesmo considerando esta conversa que está a ter lugar emportuguês - eu acho que na última semana eu devo ter usado noventa por centode crioulo - senão mais -- acontece que por acaso - eu tenho estado uma boaparte do tempo em casa - tenho… dialoguei ontem um bocado em português - e::de um modo geral acho que noventa por cento - incluindo esta conversa -noventa -noventa e tal porcento -na última semana foi em crioulo// Já me falou um pouco disso, mas de qualquer modo vou retomar.Circunstancias em que está… a conversa está a decorrer em crioulo, mas muda-se para português, ou vice-versa. E a conversa está a decorrer em português emuda-se para o crioulo. O que faz… o que provoca esta mudança… da suaparte? quando eu estou a ouvir alguém? Muitas vezes obriga… pessoalmente, faz com que a conversa mude deuma língua para outra, não é? bom… não…. eu vejo por exemplo - às vezes as pessoas estão a falarcomigo em português e:: se o meu gesto… a minha… está descontraído aouvir… mesmo a ouvir… e eu faço uma brincadeira - faço um gesto qualquer -de arremessar uma coisinha qualquer e tal - de repente a pessoa que está aexpressar-se em em português - um pouco penosamente - de repente já estánovamente em crioulo -- e eu digo bom! óptimo!  - outras vezes eu sinto quepassou naturalmente -- a pessoa esqueceu-se e passou -- ainda há bocado - nósaqui nessa conversa - eu disse uma palavra em crioulo que passou despercebida -- quer dizer… estava a falar em português e de repente eu disse uma palavratotalmente em crioulo -- agora já… neste momento eu já não me lembro qual apalavra - mas foi assim -- e há circunstâncias que eu sinto que há… passanaturalmente - outras vezes passa também do crioulo para o português - essa équando… é das circunstancias em que as pessoas querem dar um toque deautoridade por exemplo -  mas isto eu não admito - a::  isto eu não admito -pode ser também eseN ka ta admiti-l - mas muitas vezes quer-se vincar bemque a coisa é mesmo séria - então isso eu não admito sai em português deforma mais… então a pessoa passa muitas vezes - um estrato em português - edepois continua// Mas por exemplo a chegada de uma pessoa, de uma entidade, de umaautoridade leva a mudar do crioulo para o português ou do português para ocrioulo? Ou mudança, por exemplo, de um assunto familiar ou mais íntimo paraum assunto mais técnico, faria mudar… faz mudar de crioulo para português oudo português para o crioulo? não - se estão duas pessoas a conversar… estou a conversar com umapessoa e depois chega alguém que é uma autoridade - qual é…? eventualmentede forma instintiva a:: gente dirige-se para esta autoridade em português porquenão é momento de discutir - se… se… se… vai aceitar português ou crioulo --instintivamente quase que sem pensar  ah:: senhor ministro... o…a…! mashoje em dia é cada vez mais recuado - quer dizer - tem que estar muito lá emcima - para acontecer isso - já com o director geral - digamos - a partir dedeterminados níveis para cima - praticamente --ou então… quando há pessoas…há pessoas que em si têm um ar mesmo de… digamos… querem dar um ar derigor e de… e às vezes conseguem ligar isso a um rigor no seu trabalho - equando falam só português… e aí naturalmente - e instintivamente também - agente está na mesma onda de rigor -- mas é essa ideia de rigor - talvez rigorporque o português é ligado a regras conhecidas - regras… também há isso… euacho que há isso… esse ambiente… atira-se para esse ambiente - o portuguêstem regras conhecidas - estabelecidas -- tem escrita - formalizada - e se eu faloportuguês - estou neste ambiente de rigor também -- eu já… não na conversa quepode dar para um lado ou para o outro -- há bocado eu disse que eu falo bem ocrioulo - eu não sei… eu em crioulo eu falo à vontade… expresso-me àvontade… se falo bem - qual é a norma - qual é a regra? ao passo que emportuguês há balizas - e aí a gente começa a pensar mais - prestar bem atenção -para expressar bem em português e tal - e já se está dentro do ambiente do rigor -da norma - e da regra -- e quando eu estou a lidar com pessoas que têm a vercom a regra - com a norma - a lei - com a… imposição - digamos - aí - oportuguês também acho que entra nesse ambiente de forma mais directa -- ocrioulo é para o discurso vulgar -- se for o populista serve o crioulo - oportuguês já não serve para o discurso populista por exemplo -- o português équando se quer o rigor - e é por isso que muitas vezes quando… se entra umaentidade - e quando se passa para uma situação mais formal - passa-se para oportuguês - porque nós ligamos também o português à ideia de norma - à ideiade regra - à ideia de rigor - à ideia de uma escrita que tem de haver aquelaconcordância porque no crioulo a:: concordância não existe - mas no inglêstambém não existe - por exemplo - o que não quer dizer que não haja norma --mas a verdade é que nós interpretamos isso não como o inglês que é assim - mascomo o crioulo que não tem norma -- na verdade eu entendo perfeitamente - todaa gente entende… e isso é suficiente… o que se diz - mas como não há normas ehá outras circunstâncias em que eventualmente a norma faria… a norma não -não… não falaria da norma - é uma maneira de escrever - é uma… uma certaestandardização para se saber exactamente como é que são as coisas… para quehaja uniformização - não falo já de norma talvez - mas da uniformização -- agente pode expressar-se de mil maneiras diferentes em crioulo e todas elas sãoentendidas -- mesmo o crioulo de São Vicente - eu expresso-me de váriasmaneiras no crioulo de São Vicente - Ribeira bote - etc. e tal - e todas sãoentendidas -- portanto todas têm de ter - acho eu - e aqui não estou a falar comotécnico -portanto têm de ter uma norma subjacente que me leva ao entendimento- agora obviamente que se eu estivesse a falar crioulo - língua enquanto tal -língua enquanto tal - penso que tem de ter uma estandardização clara - mesmoque seja por variante - mas cada variante tem de ter a sua estandardização - clarae inequívoca// Diria que o crioulo não é uma língua? O que é que acha do crioulo? é… é uma afirmação complicada -- como é que eu posso dizer que não éuma língua se… então eu não… eu não ando a falar todos os dias? se eu digoque noventa por cento da minha expressão é em crioulo - então não me expressonuma língua? agora lá os técnicos podem dizer - isto não é bem uma língua - istoé outra… bom… pode ser - porque… acho que é uma língua - mas todas aslínguas têm… digamos… vão-se tornando mais… vão melhorando no sentidode… portanto avançar para a escrita - com uma escrita regulada - clara - sejapara uma variante central ou para outras variantes -- agora uma língua que mepermite expressar todos os conteúdos que eu quiser verbalmente - com certezaque permite também por escrito -- que é língua é -- agora - qual é a suaprojecção? eu acho que é língua - eu acho que é língua - mas não estou a falar nosentido técnico porque eu não gosto de entrar por áreas que eu não… eu estou afalar no sentido de… para mim língua é quando qualquer comunidade consegueexpressar todos os conteúdos que quiser verbalmente - sempre poderá pôr porescrito - agora haverá aí a necessidade de… em termos da escrita - a necessidadede… mas já temos um alfabeto - há normas que têm de ser estudadasnaturalmente e que… já tem algum estudo - há uma gramática - masnaturalmente também… o português… há pessoas que falam português mal - porisso é que existe gramática para… eu não saberei responder tecnicamente deuma forma… Não… é o que pensa, o que é que acha… eu sinto que… eu sinto que o crioulo é língua - com várias variantesnaturalmente -o que complica e facilita ao mesmo tempo - não é? Como assim? porque… para a compreensão no exterior - porque hoje em dia também omundo… o mundo é globalizado -- o mundo é globalizado não significa que háchancepara todos e nem para todas as línguas - há línguas que dominam -- assimcomo o mundo é globalizado -há um monopólio que domina o mundo todo - e oque é pequeno até tende a desaparecer - quer dizer esta é que é a grande verdadeda globalização -- e a língua está dentro de… digamos… há mercados culturais -mercados linguísticos - digamos assim… não… eu se escrever uma obra agoraem crioulo - esse… isso… essa obra poderá ser lida aqui em Cabo Verde poralguns - poucos - lá fora praticamente não tem mercado - eventualmente nosEstados Unidos onde já existe algum estudo do crioulo entre a diáspora e tal -mas a verdade é essa -- mas isso já não é um problema em sim - intrínseco dalíngua - esse já é um problema do mercado de língua - de… mas essas… euacho que isso tudo acaba por relacionar-se - quer dizer - quando investimos nalíngua -- nós precisamos… eu acho que quanto melhor eu me expressar emcrioulo em termos de poder escrever… mas é uma realidade… que eu sinto quenão é tão simples… eu sinto que… eu acho que expresso-me bem em crioulo afalar mas a escrever não - logo há uma parte de mim que falha - se aquilo que euposso expressar verbalmente não consigo traduzi-lo de forma… por escrito --embora eu mantenha que eu consigo - só tenho problemas - de facto - mas comoa escrita é exactamente isso - esses problemas atrapalham -- enquanto eu estouconcentrado - a saber como é que eu escrevo aqui… a ideia já se foi – o… aemoção também já se foi - agora estou concentrado nesta… portanto é precisoque haja uma linha directa entre o pensamento e a escrita - como me acontececom o português - mas também não é tão directa como isso! que eu tenho depensar muito para escrever simples -- mas isso já é uma outra exigência -escrever simples// Falando das variantes do crioulo, ou das várias maneiras de falar ocrioulo, por exemplo, em São Vicente, Ribeira Bote, etc. Para si alguma destasvariantes, alguma destas maneiras de falar é o verdadeiro crioulo? vamos lá ver - há um um novo… não se pode também… por exemploquando eu penso no português - é evidente que o português de Bragança podeaté nem ser bem entendido em Lisboa - o português de Algarve também tem ..mas o português não é o português de Bragança - não é o português do Algarve -claro que há um português… digamos… central ou estandardizado - portantonão vou considerar que é o crioulo de Ribeira Bote ou de Fundo Craquinha - etc.etc. -- eventualmente tem-se procurado pelo menos um grande espaço -barlavento por exemplo - porque o próprio português de… mas mesmo assimnão se consegue uniformização -- por exemplo dentro do português debarlavento -eventualmente eu acho que … Crioulo. dentro do crioulo de barlavento - o crioulo de santo Antão estará aí -entretanto com um… uma tonalidade muito diferente de São Vicente// Estará aí, como? dentro dessa variante de barlavento - de uma variante única - eu sinto ocrioulo de santo Antão dentro dessa variante - assim como o de São Vicentedentro de… uma mesma variante -estar em… numa mesma variante… Não percebo bem… está a propor a construção de uma variante debarlavento? não estou a propor - estou a dizer que eu sinto assim -- porque… vamossupor - uma variante - de barlavento - não é possível por exemplo - a escrever aspessoas falarem numa língua - e escreverem noutra -- quem falar o crioulo deSão Vicente e escrever aquilo… a mesma língua que Manuel Veiga escreveu -estar a falar numa língua e a escrever noutra - é o que eu sinto -- écompletamente diferente - de facto - portanto quem fala o crioulo de São Vicentetem de escrever esse crioulo de São Vicente - tem de escrever o crioulo debarlavento -- porque é que eu digo barlavento? é que também o crioulo de SantoAntão e de São Vicente - e de são Nicolau - têm semelhanças tais que podemfacilmente - a meu ver - sem violentação da pessoa que se expressa no crioulo deSão Vicente - escrever - e a pessoa que se expressa no crioulo de Santo Antão -escrever a mesma escrita - sem violentação -- ou seja - que não há um cortesignificativo entre o que a pessoa expressa verbalmente e põe no papel - assimcomo também - quando se diz uma baca em Portugal e se põe vaca - não háum corte significativo -- quer dizer… está a falar - fala de uma maneira - eescrever - há alguma diferença -- mas já quando alguém fala o crioulo de SãoVicente e vem escrever como o livro de Manuel Veiga por exemplo - que euadorei - que é em crioulo de Santiago - aí já está um corte significativo - a meuver -entre a expressão verbal e a escrita// Imagine uma criança que começa a escola, em São Vicente, e a meio de…da sua escola primária, por exemplo vem para Santiago, como é que ficaria? a criança começa… A escolarização em S. Vicente… portanto, está ali a aprender a ler e aescrever na variante de São Vicente, certo? mhm Depois tem de fazer a terceira e a quarta aqui em Santiago, como éque…? bom - esta questão está colocada a nível de um país - poderia respondercom outra pergunta - começa em Inglaterra vai para Portugal depois -- dir-me-ia- são dois países -- eu falaria da globalização - que nós somos uma aldeia global-- mas - deixando essa retórica de globalização - de aldeia global - parece-me oseguinte -- a criança está em São Vicente começa a aprender a variante de SãoVicente ou de barlavento se for isso - não é? vem para Santiago - aprende avariante porque está em Santiago - e facilmente vai aprender a falar este crioulode Santiago - e aprende a variante de Santiago também// A escrever? a escrever - e e e… porque é uma escrita… a criança até pode começara falar rapidamente - assim como a criança vai aprender eventualmente inglês -só que não vai ser igual ao inglês - porquê? porque existe umaintercomunicabilidade entre as ilhas - NESTE MOMENTO - nesse momento -que já permite a compreensão fácil -- mas dentro… da compreensão fácil àexpressão fácil - à transição fácil da expressão para a escrita - de uma mesmapessoa que se expressa… que a sua oralidade é na variante de barlavento ou emcrioulo de São Vicente - para vir expressar em crioulo de Santiago - aí sim - aí jáhá um corte! eu estou a dizer… repare numa coisa - a sua expressãoquotidiana… está a escrever uma carta - por exemplo - a pessoa tem de terinstrumentos - se está a pensar… e se toda a sua estrutura é no crioulo de SãoVicente ou de barlavento tem de ter instrumentos para escrever uma carta -- sequer escrever isto em carta - mandar um bilhete a uma namorada - por exemplotem de poder mandar - não faz sentido - N ta gosta di bô - alguém lá de SãoVicente a mandar uma cartinha ou um bilhetinho para a namorada - N ta gostadi bô - N ta gostá d’bô -- se estiver aqui em Santiago não empobrece nematrapalha - só enriquece -- tem de aprender esta variante aqui de Santiago porquetambém convive… há intercomunicabilidade grande - digamos - nós temosaqui… a nossa… este mundo pequeno também já é muito - há uma osmosegrande já - que eventualmente no futuro não se sabe onde é que vai chegar - mashá aproximação - há muita aproximação mesmo a nível lexical - eu acho que…mas o estádio actual que eu sinto é isto - digamos - falando sem projectos - semprojectos apenas -o que eu sinto// Dr. X, e o português, oque é que pensa do português? eu penso o seguinte -- vamos lá ver… nós somos fruto do português e decrioulo -- alguns de nós somos mais descendentes de portugueses aqui de CaboVerde - outros mais descendentes de africanos - outros já não sabem se sãodescendentes de quem - porque é todo uma mistura - uma osmose que se deunestas ilhas -- tudo que seja - a meu ver - afastar a história - e afastar aquilo queestá no passado e que constitui o nosso presente - sem muitas vezes darmos porisso - é uma atitude teórica e que muitas vezes é quase ditatorial -- quer dizer -eu acho que quem domina bem o português tem melhores instrumentos para ocrioulo - quem domina bem o crioulo tem melhores instrumentos para oportuguês// Como assim? quem domina qualquer língua - qualquer estrutura - quer em termos deexpressão quer em termos de escrita - primeiro facilita o raciocínio porque nósraciocinamos é através da palavra -- em parte - podemos… mas mesmo quandonão a dizemos - em geral verbalizamos cá dento -- a palavra condensa muitacoisa - e um conjunto de palavras em escrita ou em expressão verbal - tambémnos ajuda a construir ideias porque sem elas não vamos a lado nenhum --portanto eu acho que o ser humano que conhecemos hoje em dia - avança -expressa-se e constrói-se por palavras - pronunciadas ou não - mas por palavras-- então eu acho que quem domina qualquer língua - as estruturas de gramática -mesmo instintivamente - não é que tenha de saber - necessariamente -complemento directo - aquilo - aqueloutro - e sabe expressar - tem facilidadecom outras línguas - e o crioulo naturalmente -- quem souber - quem não tiveresta frustração que eu tenho - de ter as dificuldades - depois na hora de escrever -estar ali a buscar palavrinhas que é um corte adicional às minhas ideias e que medesistimula - e eu ponho de lado -- se eu pudesse escrever crioulo assim comoescrevo o português - naturalmente que eu escreveria muito em crioulo porqueeu tenho muitas ideias -- é evidente que… porque nem tudo o que eu escrevo épara um mercado vasto - digamos internacional -- eu escrevo para a minhacomunicação também - e para as pessoas cá dentro etc. -- agora o português temo seu espaço - sem dúvida - quer em termos… portanto de… estritamente deformação psicológica -- de respeito pela história que a gente não conseguedesrespeitar mesmo que queira - a história… não sei se… não estou a dizer oconceito de história - oficial - eu estou a dizer - digamos - aquilo que somos -pronto! etimologicamente -- se se quiser - quer em termos de conveniênciasglobais -- quer em em termos de conveniências globais… quer dizer - o boletimoficial por exemplo - deve-se… é uma pergunta -- deve-se continuar emportuguês ou deve-se passar para o crioulo? o nosso boletim oficial, não é? deveser em crioulo ou em português? a pergunta é complicada - ou deve ter umaversão em português - uma versão em crioulo? que essa é a pior ideia que há -versão em português - versão em crioulo - ou bem se decide pôr em crioulo - oufica em português -- mas eu penso que o boletim oficial está bem em português -porque o crioulo não tem também ainda todos os… nós tínhamos que pôr muitasaspas - há bocado eu disse que... escrevendo o boletim oficial em crioulo - aindanão tem neste momento - todos os instrumentos necessários para que se tenhaum boletim oficial em… está-se a falar de gasóleo - e todas estas expressões…já se tem muita coisa em inglês… nos boletins oficiais - consegue consultar - jáse encontra muito inglês lançado aí - mas… e até chegar a pôr tudo em criouloseria extremamente complicado para o entendimento - para além de que se temdepois as leis que se entrosam umas nas outras - há lei anteriores - com palavrasem português com um conteúdo preciso que se tem de relacionar - que vêmdesde antes da independência - leis que a todo o momento a gente cita - que setem de relacionar com outras palavras idênticas cuja evolução científica vai numdeterminado sentido - queiramos ou não - neste aspecto o crioulo ainda nãoconsegue reflectir esta complexidade// Certo. O que é que acha de se usar o crioulo e o português em CaboVerde? E como é que vê a continuidade do crioulo e do português em CaboVerde? eu acho que o crioulo vai continuar a existir e o português vai continuar aexistir -- são duas línguas que vão continuar a existir lado a lado// Para quê? Para quê? mhm mhm para a expressão quotidiana - para… o crioulo - portanto eu acho que énoventa porcento da expressão quotidiana de toda a gente que vive em CaboVerde -- e inclusive há muitos estrangeiros que acabam por…e isto éimportante… a força centrípeta ou de atracão do crioulo como qualquer outralíngua em qualquer meio em que se está - muitos estrangeiros chegam cá ecomeçam a falar o crioulo em pouco tempo -- portanto não é também nadaintragável - não é um conjunto de sons sem articulação - é de facto uma língua -e que as pessoas entendem a sua dinâmica - a sua mensagem - a sua sonoridade -a sua fonética - tudo isso -- portanto o crioulo - não há dúvida que… a meu vernão seria possível nenhum decreto evitar que o crioulo continuasse a progredir ea melhorar -- depois - há determinados tipos de complexos que pouco a poucovão desaparecendo -- eu - por exemplo - como estudante - quando eu vinhapassar férias - eu falava crioulo como um sinal de reivindicação deindependência no fundo - digamos assim - muito resumidamente - reivindicaçãocultural - etc. -- um estudante universitário a falar crioulo aqui em Cabo Verde -era o que acontecia na minha geração - todos nós vínhamos de férias e tal -falávamos aqui só crioulo - só um ou outro falava em português - e curiosamenteera quase sempre a:: sua identificação como o estrato… com um estrato que nãopretenderia a independência - essa que é a grande verdade portanto -- e éevidente que eu - como os da minha geração - nós mantemos… de algumaforma… por exemplo - não se liberta das ideias e dos sentimentos de forma tãofácil - mantemos um bocadinho isso - mantemos -- eu acho que essa ideiatambém isso permanece - também que é uma reivindicação da independência --ora - eu estou a ligar o crioulo à independência - a minha identidade com ocrioulo - mas então pergunta-se - então a minha identidade também não éportuguês? sim - só que - a identidade que eu tenho como português - de algumaforma é uma identidade contraditória - é a identidade que recusa a minhaidentidade historicamente -- quer dizer - o português enquanto imposição aoestrato -- nós assumimos uma filosofia libertária no fundo - aliás hoje em dia -digamos todo mundo vai assumindo… quer dizer o homem tem tendência aassumir uma filosofia libertária - a filosofia que nos transforma em homens - e épor isso… não é que o português não esteja -está também -aqui -entre nós// Há quem ache que o português é um património nosso hoje em dia. eu acho que é um património nosso - eu acho que é um património nosso-- ou seja - por mais que - digamos… eu defendo as coisas num ponto de vista -digamos - sociológico - não de… num ponto de vista meramente político - detraçar imposições - de traçar normas que… que quase sempre têm um conteúdopolítico - e quase sempre um interesse por detrás -- sociologicamente - eu achoque é quase… é impossível negar que o português é um património nosso - nósestamos aqui a falar há tanto tempo em português - eu eu acho que estaentrevista foi em português - porque há algumas dificuldades em relação aocrioulo - ou seja - não há dúvida de que o português tem um estatuto que jáperdeu e outro que não pode perder… Também por uma questão prática… prática -- mas o português tem um estatuto que não pode perder e temoutro que já perdeu - ou que vai perdendo -- aquele estatuto - contra o qual nósreivindicávamos - a minha geração - aquilo vai-se perdendo a pouco a pouco - epraticamente hoje em dia - com a nova realidade que nós temos - em quePortugal… Cabo Verde tem relação com todo mundo - Portugal significa maisum parceiro - não é? agora sim - agora funciona o que existe em nós - e o que éque existe em nós? o português existe ou não em nós? existe -- lá no campo… aspessoas que falam o crioulo mais arredado… mais afastado do português -encontra-se nessas pessoas um carinho pelo português - um… um… ou haveráuma parte que a gente poderá chamar complexo - mas usar estas expressões écomplicado mas a verdade é que o português está dentro - de uma forma ou deoutra - por uma razão ou por outra está - e se está - pertence à sua identidade --portanto - está um bocadinho no seu código - é diferente do inglês - é diferentedo… não - o português está - e o português pertence à nossa identidade -- oprocesso histórico trouxe-nos algumas coisas negativas contra o português - portudo o que estar contra este português simbolizava em termos universais// Certo. mas que existe - existe - e que continua a existir - continua - e que é útil- é útil -- e se nós vamos a Angola - a Moçambique - saindo de Cabo Verde - oque nós vamos ver é que o português é também um ponto de união - que esse éum outro aspecto - o português é ponto de união também -- nós… o e oportuguês de Cabo Verde… aliás não sei se devo falar do português de CaboVerde - mas é um português sem aquele sotaque metropolitano - antigo -- é umportuguês que não é igual ao português cantado angolano - nem igual aobrasileiro - nem igual ao moçambicano -- tem no fundo… tem um toqueespecial - que é um português seco sem… sem… sem especiais fonéticas ouespeciais sonoridades - é um português quase que gramatical - eu acho que ocabo-verdiano preocupa-se com a gramática - porque também o cabo-verdiano écolocado numa posição em relação aos outros… às outras antigas colónias --Cabo Verde - digamos procura estar… também o seu processo é diferente… jáno princípio do século Cabo Verde tinha muito mais devia existir muito maisgente instruída do que todas as colónias juntas - e a instrução processava-se emportuguês - e o nosso processo libertário vem de gente que se aproximou dosportugueses - em termos de status social - em termos de… e não ao contrário - enão uma revolução proletária - não -- é pessoas que se esforçaram em português- que reivindicaram um espaço ao lado dos portugueses - não inferior ao dosportugueses - mas por aquele lado -- mas a nossa própria filosofia libertária étributária de português - e:: por exemplo - 7Osvaldo Alcântara com a sua poesiaem português - é uma poesia libertária - para mim fortissimamente libertária -em português -- o Jorge Barbosa - que hoje eu considero uma fortíssimapoesia… para além de humanista - fortissimamente libertária - tudo isso -- massão pessoas que se expressavam em português e que a sua expressividade emportuguês contribuiu para nós… dentro do nosso estilo libertário - contribuiutambém -imenso// Dr. X, abordou várias questões e eu vou pedir-lhe desculpa, mas eu vouretomar muitas delas para aprofundar. Uma delas tem a ver exactamente comesta questão ser cabo-verdiano e usar crioulo, portanto a nossa identidade. Já sereferiu a isto, mas eu vou lhe perguntar especificamente: admite a possibilidadede alguém ser cabo-verdiano e não gostar do crioulo, de usar exclusivamente oportuguês, admite alguma circunstância em que o cabo-verdiano pode não usar ocrioulo? quando estava a falar do… da minha vivência em casa - eu disse que omeu pai falava muitas vezes em português e nós encontramos isso em muitasfamílias -e o cabo-verdiano… Gostaria que relacionasse isso também com a questão da identidade docabo-verdianoque me referiu há bocado… mhm - o funcionário público... o funcionário público… nós encontramosmuitas famílias em que a mãe exprime a autenticidade - exprime não - digamos -a conveniência - mas apenas em termos de autenticidade -- e o pai exprimeoutras conveniências -- e ao falar português com os filhos - primeiro vai… temtodo um projecto… naquele tempo o pai era funcionário público por exemplo -um funcionário público já era um estatuto de rigor - hoje em dia já não é - eraum estatuto… a verdade é que era um estatuto - antes de mais - de rigor - e decumprimento de normas - que era em português -- e educavam os filhos…encontramos muitos pais que falavam com os filhos em português… dentro dedo projecto de se singrar na estrutura colonial - e ser alguém -- e é exactamentenesse processo - singrar na estrutura colonial - é a partir deste processo - aliás selermos obras várias - de Teixeira de Sousa - e de outros - e:: há uma obraextremamente interessantes que eu li - do Gomes dos Anjos - sociólogo - sobreesta… esta questão -- nós… quer dizer - nós vemos que… vemos que é a partirdaí que - de facto vai formar-se essa elite - e que essa elite começa a sentir quechega o português - o português tem todas as hipóteses - etc. -- mas elesaprenderam o português - dominaram bem… sabem dominar as… as leis - osboletins oficiais - e na administração pública são grandes quadros - e nãocompreendem como é que chega aqui um português - um militar - muitas vezesnão percebe absolutamentenada --portanto chegou aquela fase em que aconteciaisso - e têm todo um estatuto de superioridade - e então - é na disputa doportuguês - falar bem o português - de dominar bem as normas - e o rigor e asregras que são em português - é que os pais vão educando os filhos -- o pai -porque a mãe de um modo geral era doméstica - educando os filhos a falar oportuguês - e também a exigir rigor de normas - sentar-se à mesa àquela hora -tal - tal - tal - que de um modo geral é mais um rigor que vinha mais do lado dospais do que das mães - do pai do que da mãe -- eu acho que é daí - de facto - é detoda essa que nós temos… e daí depois vai surgir - vão surgir os literatos -Amílcar Cabral - como literato - tem poemas que eu considero lindos - bons -escritos de alto nível -- Osvaldo Alcântara - enfim… mesmo antes dos claridosos- todo uma série de pessoas se expressavam em português - que eramportugueses até ao último que se pudesse imaginar - queriam mostrar-se atémais portugueses do que os da metrópole - mas que eram autenticamentereivindicadores - ao fim ao cabo - de um estatuto de identidade para Cabo Verde-- portanto - o estatuto de identidade para Cabo Verde - e os mais humanistasentre eles expressavam-se em crioulo - como é o caso de Eugénio Tavares -expressavam-se em português e em crioulo com a mesma facilidade - escreviamos seus artigos em português - expressavam-se em crioulo - e portanto… querdizer… o português e o crioulo estiveram neste terreno - nesta trincheira de lutapara a liberdade - e também o português esteve - esteve nessa trincheira - não ésó o crioulo-não é só o crioulo// Certo. e então nós temos essa… eu digo… eu digo é que nós temos toda essa…essa amálgama conjunta dentro da nossa identidade - e mesmo o lado libertárioutilizou as estruturas… utilizou essas estruturas do português - utilizou o crioulo- utilizou… nesta disputa que é - uma primeira fase - uma disputa entre elites eque depois vai… acho eu que… depois - digamos - vai transformar-se - estafilosofia - portanto - agora depois é luta da libertação - etc. etc. -- a dizer que jánão é uma disputa só entre elites -mas que acaba por ser - continua a ser tambémentre elites -- Amílcar Cabral pertencia a uma elite - e aqueles que aqui de CaboVerde estiveram na luta de certo modo - pertenciam a uma elite - no fundo - umaelite que se expressava em português - é por isso que eu digo… que eu sinto oportuguês e o crioulo como a… se se proibisse o português em Cabo Verde -escrever o português - isso seria impossível -- seria tão impossível como proibiro crioulo --bom -quase tão impossível como proibir o crioulo - porque -bom - ocrioulo sai espontaneamente - as pessoas falariam aqui o crioulo - continuariam aexpressar-se em crioulo - à vontade -- mas no momento de… escrever uma carta- as pessoas sentiriam saudades de algumas expressões em português - sentiriamnecessidade de se expressar em português se se impusesse que a expressão fosseem crioulo -- isso -portanto - para dizer que o português e o crioulo… Admite, por exemplo, que haja um cabo-verdiano que não goste docrioulo ou um cabo-verdiano que se recuse a usar o crioulo? eh:: sim… eu admito… que haja cabo-verdianos que se recusam a usar ocrioulo -- pode ser por habituação - por exemplo cabo-verdianos que… cabo-verdianos… encontra-se muito disso - muitos cabo-verdianos que falam sóportuguês - especialmente aqueles que viveram na imigração ou que foramquadros no mundo exterior - não é bem na imigração não - muitos… aqueles queforam quadros dentro… do âmbito colonial -- habituaram-se a falar o portuguêse eles - para si - porque de modo geral também foram bons quadros daadministração colonial - eles ligam a ideia do português à ideia de rigor - sãopuristas do português - muito fortes - são muito críticos de todo o português malfalado - e acreditam que eles dominam o português - acreditam que dominam…acreditam que… é neste quadro -- mas mesmo dessa gente é raríssimo aqueleque não… que não… que não fale o crioulo -- eu não sei se haverá um ou outrocaso - de pessoas que só falam português - eu não sei quantas pessoas falamportuguês em Cabo Verde - se só falam português - porque desdenham o crioulo-ou só falam português porque têm o hábito de falar// Acha que o crioulo deve ser ensinado nas escolas? sim// e usado na alfabetização de adultos? Fale-me disso. sim - eu acho que sim - eu acho que sim -- eu sou defensor de se ensinaro crioulo nas escolas - é complicado dizer que… que se tem de ter calma emrelação a isso - ou seja - calma no sentido de se discutir muito esta questão --porque a pior coisa que há é ter de imediato estar a fazer imposições em relaçãoà língua - se há uma coisa que ninguém consegue impor é em relação à língua --a gente pode impor tudo - pode impor toda a espécie de ditadura - mas emrelação à forma de a agente se expressar! na escola até se pode… por exemplo -vamos lá ver - de imediato… de imediato… de imediato pode-se começar… aquestão é… de imediato - pode se começar na escola um programa de quê? deensino de crioulo como língua quê? como língua… como mais uma disciplina -ensinar o crioulo como mais uma disciplina - eu acho muito bem ensinar ocrioulo como uma disciplina// A ler, escrever, falar, ou…? ler - escrever - e falar -- claro! se se ensina a escrever - tem-se queensinar a ler - para que o aluno possa passar da sua expressão oral - para aexpressão escrita - com à vontade -- nunca esquecendo - por exemplo - volto adizer - que se um aluno de São Vicente… ensinar um aluno de São Vicente adizer - 8N Kre-bu txeu… até a expressão N Kre-bu txeu… provém da morna- e este é um factor aglutinante da coisa - é uma expressão que até cai bem - masoutras expressões do crioulo do Santiago… ou vice-versa - vir aqui - em SantaCatarina - 9a mose - bô sabê - e tal… aí não dá - porque há um cortedemasiado forte - entre a expressão oral e a escrita - logo… logo… logo - aquipõe-se - primeiro - a soluç��o dum problema - isto é um problema - sem dúvida -- é preciso que haja pessoas que saibam uma variante e outra variante - mas épreciso saber que variantes -- e como - por exemplo - digamos - estas variantenão podem ser também… digamos - tem de haver um estudo prévio sobre isso -se é o momento adequado? eu acho que quando se começa nunca é momentoadequado - nunca -- o momento adequa-se por se ter começado - o caminho faz-se andando -o importante… E na alfabetização de adultos? na alfabetização de adultos? eu acho que sim também -- mas e::: eu naalfabetização de adultos talvez começasse a alfabetização de adultos emportuguês - pelo seguinte - o adulto vai encontrar maior quantidade de materialem português - com que possa lidar para além da escola -- se a gente que vaifazer uma alfabetização de adultos - para que as aulas bastem por si - não épreciso lá fora - o professor fica contente - o estado fica contente - porque sealfabetizou alunos em crioulo - e o aluno fica analfabeto - porque aprendeuaquele conteúdo em crioulo e cá fora não tem instrumentos… não podemostambém… é como eu digo - de facto eu acho que o caminho faz-se andando -nunca é momento adequado para começar - depois daqui a uns anos é que sevem dizer parabéns por se ter começado - mas mesmo assim tem-se que pensarna hora de começar - para não começar também mal -- por exemplo - muitasvezes começa-se mal e depois de começar mal - desacredita-se o projecto enunca mais// Acha que o crioulo deve ser oficializado? depende do que se entende por oficializar - eh:: eu neste momento - estapalavra oficializar o crioulo… se me disser - ensinar nas escolas como disciplina-já me disse algo concreto// Quando diz, ensinar nas escolas como disciplina, está a pensar no ensinodas outras disciplinas em que língua? eu estou a pensar no ensino das outras disciplinas em português -- euestou a falar de ensinar - numa primeira fase - ensinar o crioulo -- depois vamosver como é que é - se o crioulo escrito singra com a mesma performance docrioulo falado -- eu não sei qual é o futuro ainda do crioulo escrito -- como é queé aceite - como é que é dominado -- há cartinhas escritas em crioulo - ou ascartas de amor do Luís Romano - por exemplo - são escritas em português - mascom um português que a gente lê e depois fica a perguntar se é português ou se écrioulo - que é aquela forma de amoldar o português com determinadosentimento e estrutura crioula -- quando eu leio um poema de Corsino Fortes -em português - é um pouco como quando eu ouço a falar - eu sinto o crioulo aí -é a estrutura total do crioulo - mas é em português - escrita em português -- masé em crioulo - é crioulo puro - aquelas expressões duras - aquela forma é crioulo-- quando a gente entra naquele… na poesia de Corsino Fortes… eu - porexemplo - de uma determinada vez - a pensar nas pessoas escrevem em crioulo -pensei em Corsino Fortes - mas eu disse - espera - ele até é que me disse –não - ah! sim - é verdade!  -- ou seja - quer dizer que há um português comperformance do crioulo muito forte - nestas cartinhas de amor de coiso… e ocrioulo escrito vai ter a mesma performance que o crioulo falado? ou pelocontrário - vai ser uma coisa que as pessoas não… se em relação ao crioulo doSantiago digo que - pessoalmente - li  Oju d’Agu e gostei - porque eu já estavaa ler como se estivesse a ler português - mas eu gostei só por isso - por estar a lercomo se estivesse a ler português - mas Manuel Veiga é que escreveu - e outraspessoas escreveriam - teriam aquela… porque Cabo Verde não é só ManuelVeiga - e o quotidiano? e este - claro - é com tempo - com anos e anos deexperiência - e portanto ensinar uma disciplina para este efeito - está bem – masagora pôr a escrever textos de geografia - resposta de geografia em crioulo - naaula de geografia -eu não estaria de acordo// Porquê? umh? Porquê? essa aqui é que é a pergunta mais complicada -- falar é fácil - masjustificar é mais complicado -- porquê? porque é aventurar-se precipitadamenteno desconhecido - ou seja - porque eu não sei ainda quais os problemas que issopossa trazer - porque sequer está ainda definido claramente - para as pessoas -como é que vai ser este crioulo a ensinar - e nós estamos a resolver váriosproblemas ao mesmo tempo e não resolvemos nenhum - eu acho que primeiro écomeçar - e depois… eu talvez se viesse pensar - encontraria vários problemas -mas acho que… começa-se com segurança -naquilo que é possível// Voltando à questão da oficialização do crioulo, tinha começado a dizer…o termo oficialização… a discutiressa questão… não - eu estava a dizer - depende do que se entenda por… se me falar daoficialização… em coisas concretas… a oficialização ao nível das línguas e ossimpósios que se fazem - isso… são muito úteis para os linguistas - são muitoúteis para… mas quem escreve no quotidiano não tem em conta isso -- depois agente pouco a pouco vai-se corrigindo - ah! não - isto agora - segundo o acordoortográfico - faz-se assim - e a pouco e pouco as pessoas vão corrigindo isto -mas também se esses acordos ortográficos forem muito teóricos - muito fora darealidade - ninguém vai respeitar - e o acordo… depois virá um acordo a alteraro acordo -- se me disser que oficialização é publicar nos boletins oficiais emcrioulo -eu diria quenão estaria de acordo… Não. É tornar o crioulo uma língua oficial tal… Actualmente o portuguêsé a únicalíngua oficial em Cabo Verde. ou seja - as entidades possam se expressar em português ou em crioulo -indistintamente -em toda e qualquercircunstancia? Mas também poderia dizer que o crioulo ficaria para determinadasfunções e circunstâncias e português para outras, dependeria dos termos… pois é - por isso é que eu digo - tudo dependo dos termos - quer dizer eunão sei exactamente do que é que… Mas, para si? Como é que vê…? eu… a medida que eu vejo neste momento - que eu vejo de útil nocrioulo é continuar com estudos e ensinar nas escolas -- saber exactamente comoé - discutir inclusive com os alunos - para os alunos terem também a consciênciado valor da língua e o que é língua - porque todos nós temos… há umaconcepção errada entre nós sobre a ideia de língua - língua é aquilo que aspessoas estabeleceram lá nos simpósios etc. -- se me… se me disserem que vãooficializar o crioulo no sentido de dizer - ser ensinado nas escolas - no sentido dese dever - ou ter de falar - e ter de usar em determinadas circunstânciasnecessariamente - não concordo -- em nenhuma circunstância se pode impor quese fale - porque o português… não se impôs que se falasse - português é umaimposição antiga - e não se deve… não é com duas ditaduras que se resolve umaditadura - não -- é aquela ditadura que vai-se desfazendo - o nascimentoespontâneo - o crescimento - não só espontâneo - mas para o caso de uma ououtra… isto é um pouco como a questão das quotas - a questão das quotas… seeu concordo ou não com quotas -pronto -há argumentos vários… Vou pôr a questão um pouco ao contrário: acha que o português devecontinuar a ser a únicalíngua oficial de Cabo Verde? vou pedir desculpas - de não poder responder - ou ter de fugir a estaquestão - porque eu ainda não tenho o conteúdo - quer dizer - o conteúdoconcreto - do que se quereria para uma oficialização do crioulo - porque para aoficialização do português… o português está oficializado independentementedo que esteja escrito -- o português ocupa um espaço oficial - e agora qual é oespaço oficial que se quer que o Cabo Verde que o crioulo ocupe? o espaçooficial sociológico… O que é que acha… sendo oficializado, ele devia ser oficializado paraquê? para o ensino nas escolas - por exemplo - e para ser aceite em qualquercircunstância - para se poder falar em qualquer circunstância -- e escrevertambém? mas se ainda não fizemos o ensino da escrita! repare - esta parte - serfalado em qualquer circunstância - já existe - já se fala em todo e qualquercircunstância! eu - se quiser falar com o primeiro ministro em crioulo - ele decerteza que não me vai pedir para falar em português -- se eu estiver a falar comum inglês - eu falo em português ou inglês - ou o inglês possível -- escreverboletim oficial? mas isto já estamos no plano da escrita - é que quando a gentefala da língua - há língua falada e língua escrita - e a língua escrita - eu já disseque acho que se deve ensinar nas escolas - e a partir daí vamos ver! ou seja -vamos caminhar - não vamos impor… impor - porque tudo pode ser imposição -a democracia pode ser imposição - a liberdade pode ser imposição - a escritapode ser imposição também// Dr. X, temos estado a falar de falar crioulo e português. E em relação aoouvir, diga-me, muito rapidamente, quais são os contextos em que habitualmenteouve o crioulo e ouve o português. na rua ouço o crioulo - quando passa por mim uma pessoa e mecumprimenta - de um modo geral é em crioulo - raramente em português -- naadministração - digamos - que eu falo muito com… quando lido com aadministração falo muito em crioulo - falo também em português -- eu sinto quehá pessoas digamos de um nível cultural mais baixo do que eu - digamos - comum estatuto - ou status - mais baixo - a quem eventualmente não se dá oatrevimento de falar o crioulo - em que se espera que fale português - digamosque há… há qualquer coisa que… agora - a norma de facto da minha relação éque eu ouço também… que me falam -falam também muito crioulo// E na comunicação social? Tem ouvido o crioulo na comunicação social? na comunicação social - há qualquer coisa que é interessante - nacomunicação social aí é que se nota… de facto há coisas que parecem mesmoderivar de complexos -- quer dizer - em determinadas circunstâncias - nósouvimos discursos perfeitamente ridículos na comunicação social - em que coma mesma pessoa - falando com a mesma pessoa - o comunicador - a pessoa queestá�� o jornalista - fala crioulo - de repente passa para o português - paraentonar uma determinada situação - aí é a mesma pessoa - o mesmo contexto --ou então - às vezes - nota-se que a pessoa quer uma (?) mensagem também maisimpessoal -- num dialogo com alguém - está cá no telefone e tal - e está a falar etal - 10ma bô ka … -  não - mas isto agora nós temos que … - e isto - é bomesclarecer aos senhores ouvintes - e a pessoa passa logo para português -- masde um modo geral - a comunicação social também é em português - o noticiárioé em português - e agora pergunta-me - e o noticiário podia ser no crioulo? euacho que sim - perfeitamente - o noticiário em crioulo perfeitamente -- só quetambém aqui se põe um problema - porque todos os problemas têm umaconotação politica - queira-se ou não - em que crioulo? seria no crioulo… nonoticiário nacional… agora no noticiário nacional - aí é que está um espaço emque o português tem um bocadinho o papel de união - em que resolve esteproblema -portanto não há problema -- pode-se se dar um noticiário em crioulo -na variante de Santiago por exemplo -seria o crioulo padrão eventualmente -nãosei… ou com tendência para se padronizar - porque parece que os estudosindicam que… esta variante de Santiago é aquela que tem - digamos - mais…estrutura mais sólida em termos de identidade -- mas isto já é outra questão queeu não toco nisto - não sei - mas progressivamente - poderia portanto chegar-se auma situação dessas - mas de momento o noticiário - eu acho que é normal dar onoticiário em crioulo - mas digamos - ora em crioulo de… ora em crioulovariante de barlavento - ora variante de sotavento - por exemplo - seria umaforma de… em determinados dias usar uma variante - e em determinados diasoutras variantes -- seguramente toda a gente entenderia - mas isso exigiria dequalquer forma a descodificação das mensagens que eles recebem na rádio -recebem em português das agências que consultam - passar para o crioulorapidamente - porque lá fora os mercados são de língua inglesa - portuguesa -etc. - e o crioulo… Diga-me, independentemente de estudos, o que é que acha daoficialização de uma… da variante de Santiago ou da variante de São Vicente?Como é que sente esta questão? neste momento eu não vejo… como é que eu hei de dizer? haveria umpouco como uma imposição - sem alcance - e sem muito caminho para andar -oficialização de uma determinada variante… Porquê? primeiro - porque a palavra oficialização é vaga - inclui uma série desituações que implicaria - primeiro - quer dizer - nós estamos a… a vir de cimapara baixo - pôr o chapéu e avançar depois - eu disse - primeiro ensinar o crioulonas escolas - se isso ainda não existe -- e se ainda não existe - nós vamos esperara oficialização num sentido muito vago que cria confusão e que não se sabeexactamente o quê -- e quando digo ensinar o crioulo na escola - também estou areferir às variantes - porque - como digo - impor a barlavento o crioulo desotavento - ou… seria uma imposição sem caminho para andar - as pessoasque… dariam por não - eu acho que seria um corte muito violento - é assim queeu sinto -as pessoas não admitiriam// Diga-me uma coisa, qual é que acha crioulo ou português exprime melhora cultura de Cabo Verde? o crioulo ou português, vamos lá ver… Mesmo na literatura… vamos lá ver… mesmo na literatura… Estou a pensar no teatro, mas também na morna, na funaná… nestas coisas a experiência pessoal conta muito -- como eu disse - eu porexemplo - escrevi uma peça de teatro que é Nôs realidadi em crioulo - NôsRealidaDI - crioulo de Santiago -- senti essa peça… eu… falo crioulo de SãoVicente - mas eu tenho um contexto muito especial - mas aí é que está - tambémeu já sou o produto de toda essa aglutinação - de toda essa osmose -- eu escreviem crioulo de Santiago - mas com extractos em português - ou seja - eu quisescrever ou saiu-me essa escrita -- se… se eu puder dizer assim - com algumaespontaneidade - sem problemas de saber porque é que está a sair - ora emportuguês - ora em crioulo - eu senti que saía mais autêntico assim - portantoportuguês e crioulo -- como eu tenho essa ideia de que a nossa identidadecontém ambas as coisas - eu acho que uma grande parte da expressividade agrande parte é em crioulo porque como eu disse - acho que a maior parte daspessoas aqui em Cabo Verde - noventa por cento - é de expressão em crioulo - éo que me parece - mas o português interfere mesmo nessa… no nosso crioulo - oportuguês interfere aí - mesmo expressando em crioulo - e há determinadas áreasem que o português quer entrar mesmo (?) - um português amaneirado - etc. -mas é quase em português -- portanto eu acho que todas expressam a identidade- essas línguas… o português também contribui - expressa - historicamentecontribui e actualmente - sociologicamente - psicologicamente também contribui-- o facto de nós não falarmos português no quotidiano - não significanecessariamente que nós não tivemos estruturas e que não tivemos até um certotipo de emoções específicas ligadas ao português// Admite, por exemplo, morna, funaná, batuque, tudo em crioulo? a:: em português -não é? Sim. É em português. não - repare -- por exemplo o batuque - o batuque quase que o portuguêstruncaria o batuque -- eu acho que o batuque nasce de um contexto desobrevivência cultural - revolta - e o português é o símbolo de dominador -batuque não teria sentido nenhum em português -- já a morna por exemplo -temos - Ó Mar Eterno - temos algumas mornas em português - FernandoQueijas - e essas mornas em português - acho que são sentidas - Maria Bárbaracanta mais uma morna - acho que são sentidas como morna - ou seja - com omesmo sentimento que o cabo-verdiano sente quando ouve a morna -- ou seja -há mornas escritas em português - tudo em português - ou seja o próprioportuguês dessas mornas é também um português… é o que eu digo também -esse português é muitas vezes - sem a gente saber - notar - já um portuguêsinfiltrado - como Maria Bárbara canta mais uma morna - essa maneira de… decantar e de dizer isso - já está… o Fernando Queijas - não é? - imbuído de umdeterminado tipo de sentimento também - então já na morna - eu admito que sepossa -- mas não há dúvida que as manifestações culturais em Cabo Verde - nóstemos por exemplo - em Santo Antão ah:: como é que se chama aquilo? aqueleque vai… em francês - vel - vel - vel - não sei quantos - etc. - é francês - mas é- digamos - adaptado ao contexto de Santo Antão - esse tipo de dança e deconvívio - agora o crioulo expressa sem dúvida - em termos quantitativos emesmo em termos de profundidade - mais facilmente - e - digamos - e maisintensamente - o sentimento popular - sem dúvida - o que estou a dizer é ocontributo -o próprio português tem contributo -é isto que estou a dizer// E a literatura culta, por exemplo, em crioulo, romances, poesia, como éque vê? eu não vejo de maneira nenhu… de nenhuma maneira - porque eu nãoconheço -- eu… eu… eu vejo… por exemplo - eu quando li o livro de LuísRomano -acho que é Lzimparim- também há Famintos-mas em crioulo deSanto Antão - eu vi que é um livro em que ele expõe situações muito típicas deSanto Antão - coisas que eu vivi - e que eu até… eu lembro-me - quando… acheique - bom - aquilo - aquelas situações assim reais - de vida - quer dizer - acheique situações reais tão concretas que eu vivi no interior - então tinham dignidadepara livro? então fiquei até engrandecido por ter aquilo em livro -- mas emtermos de… mas não há muito mais do que isso - há pouca coisa -- portanto nósnão podemos… eu não posso avaliar aquilo que eu não conheço - de facto eu nãoconheço a literatura em crioulo - praticamente não há - não há -- e não há hábitosde leitura em crioulo - eu não comento com as pessoas - as pessoas não medizem - eu gostei - eu deixei de gostar - o fulano de tal… depois - a expressãopor exemplo - em português - de vez em quando a gente diz - o Eça de Queirós- expressa-se assim - de uma determinada forma - ou então o português de Eçade Queirós… em português diz-se - Eça de Queirós… agora aqui em CaboVerde nós não temos literatura em crioulo - e não temos sequer referências paradizer - olha - expressou-se assim - o fulano expressou-se dessa maneira - e éisto tudo que liga as pessoas a uma certa literatura -- nós não temos… eu nãoposso dizer… não posso avaliar como mau ou bom - aquilo que eu não conheço -- agora - o que eu digo é que é possível - é possível - eu admito perfeitamentepossível - e quando eu ligo… por exemplo - torno a pegar estes dois livros - umdo crioulo de Santo Antão - outro do crioulo de São Vicente - e quando eu leioos poemas de… do de São Vicente - que eu disse há bocado - o italiano que eu jáesqueci o nome… Sim, sim. Frusoni. Frusoni -- eu sinto que eu consigo ligar com… depois de um esforço deleitura - e ultrapassado depois a fase de esforço - eu consigo ligar - um conjuntode sentimentos agradáveis e tal - avaliar se o livro é bom - se eu gostei dahistória - se… e viver determinados momentos de emoção - eu consigo issonuma literatura em crioulo -- agora - como ela não existe ainda - é precisoensinar nas escolas - é preciso tal - tal -- tal - para se criar esse hábito - e para secriar… mas isto é… quer dizer - sem pressas e com pressa ao mesmo tempo --ou seja - sem pressas para impor qualquer coisa - mas com pressa para traçar ocaminho - quer dizer - vamos ensinar - essas coisas - etc. - e vai fluirnaturalmente - sem que as pessoas… acho que há coisas que flúem naturalmente- é como a questão de quotas que para mim - eu digo - eu sou contra quotas -não… em uma ou outra circunstância - quota pode ser uma solução de força -que às vezes apetece mas a:: digamos - o prisma de igualdade ou de… eu não seise a expressão é essa - mas já se ouve falar de complexo de igualdade de maneiraque é complicado - mas de humanidade na relação - alcança-se por outroscaminhos mais profundos e mais de fundo - e não por impressões pontuais - desuperfície// Há bocado falou-me do modo como os cabo-verdianos falam o português.O que pensa deste modo que…? sim - eu acho que o cabo-verdiano… que… fala o português que foiensinado nas escolas -- e portanto isso tem a sua influência na… em tentar seguiruma linha gramatical - não é? de um modo geral o cabo-verdiano… acho quefala português bem - em termos da pronúncia - o português do cabo-verdianotalvez seja mais vernáculo do que a maior parte do português que se fala emPortugal onde... eu não sei se chamarei a isso de distorções - mas osregionalismos são tantos e tão afastados que qualquer cabo-verdiano falaportuguês mais próximo do português vernáculo do que um algarvio - do queum bragantino ou… tanta a gente aí de interior de Portugal -- porque tambémCabo Verde - digamos - é um meio pequeno em que sempre tudo foi ao mesmotempo mais difícil e mais fácil - em Cabo Verde -- mais difícil em algunsaspectos em virtude da pequenez - e de haver ilhas etc. - mas tudo aquilo que sequiser fazer mesmo veicular - acaba por veicular-se da forma mais eficiente -não havendo resistências étnicas - não havendo resistências… talvez por ser…Cabo Verde sempre foi um meio muito aberto ao contacto com o mundo lá fora -talvez… Cabo Verde é aberto - o cabo-verdiano é aberto - o cabo-verdiano falainglês - encontramos aqui gente que fala tantas línguas -- porque temos maisgente lá fora do que cá// Mas o que é que acha dessa maneira específica, acha que é assim que oscabo-verdianos devem falar… acha que deveriam falar de outro modo? quer dizer - por exemplo - o brasileiro é um português específico -parece ter uma norma é um bocadinho diferente da norma específica (?) -- aquiem Cabo Verde acho que… digamos - a nossa norma… estou a usar umaexpressão que não sei se é… assim pela rama -aproxima-se mais do português:: Europeu? europeu - europeu - português de Portugal -- ah:: com… desde que seuse - digamos - determinadas expressões - não no sentido apenas do exotismo -mas digamos… porque há uma adaptação do português ao crioulo no sentidoapenas do exotismo - como quem oferece um produto exótico para o estrangeiroconsumir -- agora - só que actualmente - actualmente - o português já flui defacto de forma natural - quem fala o português fala de forma natural - sem aescrita do português - já não vejo aquela escrita com muito maneirismo como atentar aproximar do… do crioulo - acho que isso… eu já não sei se é mesmo umesforço consciente -- por exemplo - os claridosos - viu-se um bocadinho… umesforço consciente nesse sentido - que eu achei interessante -- em 11Chiquinho éclaríssimo isso - não é? é um esforço consciente conseguido sem finalidadeexótica - eu acho que é um esforço conseguido - ou seja - dizendo - o português12sima... da nossa maneira… Concorda com isso? Acha que deve ser isso? Deve ser essa a opção? português sim - mas à nossa maneira… acho que isso foi numdeterminado tempo -hoje vai-se esbatendo… Neste momento acha que deve ser à moda de Portugal? Incentivar oportuguês falado em Portugal ou português do Brasil, ou há que cultivar esta…? eu:: a resposta mais honesta seria que eu não sei responder a isto - eu nãotenho uma resposta - que… eu acho que isso talvez atirasse para planostécnicos… Não. Trata-se do que pensa. Como é que sente…? eu sinto que… que… será preciso estabelecer um português de CaboVerde -não? digamos estabelecer alguma… Não é estabelecer. É se sente que seestá a caminhar, neste sentido… de estabelecer um português para Cabo Verde? De construir… o que é que pensa disso? não - eu acho que não -- eu acho que não se está a caminhar nestesentido - eu não vejo um caminhar neste sentido - bom - porque este caminharseria um caminhar consciente - um caminhar de luta - um caminhar de lutapolitica e humana - que neste momento as preocupações são outras - e tirandoestas preocupações - eu não vejo no português que se escreve aqui em CaboVerde… Fala... e que se fala aqui em Cabo Verde - nenhuma preocupação especifica -consciente… e não… Não estou a falar em termos de preocupação, mas em termos daquilo queacontece efectivamente, o modo como os cabo-verdianos falam o português. é como eu digo - o modo como os cabo-verdianos falam o portuguêsparece-me que é… é o modo português falado em Portugal… e::: mas com…com mais preocupação gramatical - porque em Portugal sempre dizem - a mimme parece… E isto é uma questão natural… é normal que assim seja ou…? eu acho que no nosso percurso é normal que assim seja - porque - porexemplo - como digo - em português diz-se - a mim me parece que… estaperífrase ou como se diz - a entonação - a mim me parece que… - é umconjunto de coisas que aqui nós não usamos - em Cabo Verde nós não usamos -nós usamos o português seco - gramatical - seco - quer dizer - chegamos até lá -mais nada -- agora - a partir deste português não conseguimos floreados - porqueisso já são floreados - não conseguimos floreados à volta da língua - quem estátranquilo faz todo esse floreado - mas a estrutura gramatical que nós seguimos éidêntica à do português de Portugal - e eu não vejo nenhuma especificidade - e…eu não vejo - digamos - um português adaptado ao crioulo ou aproximado docrioulo - não é o que eu vejo - não é essa evolução que eu vejo - ou seja - não é aevolução posta no Chiquinho que eu vejo… Mas eu estou a falar disto que está a dizer… desta maneira como os cabo-verdianos falam o português… se acha que esse é que é o caminho, se sente queeste é que é o caminho para o português em Cabo Verde, digamos que ele vaitomar este caminho ou se devemos… Acha que deveríamos, cultivar o falar àmoda de Portugal? não - não -- eu acho que o caminho é este - porque é este o caminho quese fez -- quer dizer - e como esse caminho que se fez não é nenhum caminhonegativo - onde não se deturpa absolutamente nada - é isto que eu estou a dizer -não se deturpa absolutamente nada - segue-se à risca a gramática portuguesa --só que é um caminho feito por pessoas que no seu quotidiano - como é o meucaso - falam noventa por cento em crioulo e depois vêm falar português - e nomomento de falar português - por mais à vontade que eu tenha - osfloreadozinhos ficam de lado - eu preocupo-me com o conteúdo - e o nossoportuguês é feito neste sentido - e portanto - falar português correcto a:: a que eunão ligo demasiadas emoções ao falar - as emoções eu deixo para quando estivera falar em crioulo - portanto acaba por ter o seu campo específico - um camponão directamente emocional - quando eu falo em português - estou apenas aexpressar conteúdos racionais - e portanto não há aqueles floreadozinhos - emesmo quando eu me descontraio - eu começo a gozar - etc. - então eu passopara o crioulo - onde estou mais à vontade -- e eu não corro o risco de dizercabeu em vez de coube e esta história toda - porque se for em Portugal - istoacontecer - passa -- porque eles dizem isso como um erro natural já - onde istoacontece - acontece como um erro natural - e que ninguém está aquipreocupado com ele - aqui não - aqui um erro de português é grave - de maneiraque eu tenho essa pressão sobre mim - portanto eu acho que o português - talcomo está - tem um estatuto - relativamente até - se se quiser - acanhado nesteaspecto - que é o estatuto que tem - porque o verdadeiro estatuto nobre é docrioulo -- agora pergunto - então porquê é que o português ocupa o espaçonobre? mas é um espaço nobre? - porque é que é espaço nobre? espaço noboletim oficial? é que o português é enxuto e claro - e vai para o boletim oficial- e vai para estes espaços -- porque queiramos ou não - a língua tem duasvertentes - a falada e a escrita - e nós não temos a vertente escrita do crioulo -agora vamos investir no crioulo escrito sem preocupações de imporabsolutamente nada e de… porque também há nisso… o crioulo… há digamos -agora deixe-me sair deste plano específico mas que tem a ver - há muitademagogia em relação à língua - exactamente porque a língua é um ponto forte eporque noventa por cento falam crioulo - numa sociedade democrática não sepode esquecer o noventa por cento - e há que falar destes noventa por cento - emuitas vezes com um pendor… algo na voz// Dr. X, não tenho mais nenhuma questão, mas se tem algum comentárioque queira acrescentar, alguma ideia que eu não tenha abordado mas que tenhana mente e que queira aflorar, esteja à vontade. ((risos)) não -é tudo// Muito obrigada, então.1Tradução para português: Regresso de Tanha (nome de uma mulher)2Tradução para português: Tanha, deixa que te diga uma verdade, embora com mágoa no coração: vaimulher, sai para o mundo! Porque as pessoas da nossa raça, sabes Tanha, gente da nossa qualidade, comfome na barriga e ignorância na cabeça, para viver tem de oferecer o corpo, e fazê-lo com gosto!3Tradução para português: macho4Tradução para português: ideia formada, constituída, firme (tradução literal da expressão idiomática:dentro do cálculo)5Tradução para português: indo com avanço (tradução literal da expressão idiomática: ir no meio daAchada)6Tradução para português: no alto da cabeça (tradução literal da expressão idiomática: na achada dacabeça)7Pseudónimo literário de Baltasar Lopes da Silva8Tradução para português: Amo-te9Tradução para português: Sabes, rapaz10Tradução para português: Mas tu não…11Da autoria de Baltasar Lopes da Silva, trata-se de um romance em português que é um ícone daliteratura cabo-verdiana de12Tradução para português: como, à moda de" -INF14.wav,"Dra. X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A primeiraquestão que eu gostaria de lhe colocar é a seguinte: antes de entrar para a escola, oque é que aprendeu a falar? O crioulo… o português… não - eu antes de entrar para a escola só falava crioulo em casa - comecei afalar português a partir do momento em que entrei na escola - na antiga escolaprimária - portanto da primeira à admissão - portanto a língua portuguesa como…mais com conversa com professores -essencialmente com professores// Mas tinha contactos com o português antes. Por que via? Na comunicaçãosocial, igreja… na altura… Outras pessoas… antes de entrar para a escola. antes de entrar para a escola -algumas pessoas --quer dizer -muito limitado -portanto - na altura - na Praia… na altura ainda não… não tínhamos televisão emCabo Verde - portanto - essencialmente - provavelmente era rádio - portanto ouvia-seatravés de rádio ou com uma ou outra pessoa - o meu pai também de vez em quandofalava português -- portanto daí algum contacto - mas fora isso - muito pouco ealgumas pessoas que falavam português// E actualmente, em casa com os seus familiares, com os seus amigos colegasmais próximos? com colegas mais… bom -depende --também em casa é crioulo// E os mais próximos, não tão próximos. em casa é crioulo -- com colegas normalmente também - a não ser que sejamcolegas com pouca ligação - com qual não tenha muita ligação - se houver umconhecimento no âmbito do trabalho então pode ter ficado aquele hábito - mashabitualmente com colegas... também se forem colegas cabo-verdianos -em crioulo// E com os amigos? também crioulo// Também em crioulo. Diga-me… excepcionalmente um ou outro - se for uma pessoa que habitualmente nãofala crioulo - portanto em Cabo Verde o número dessas pessoas já é muito reduzido -com essas pessoas em português -mas é um número muito limitado// Como é que avalia a sua proficiência geral em português e em crioulotambém? Estou a pensar em ler, falar, escrever. bom… eu… portanto… ler leio muito pouco em crioulo - tenho algumadificuldade em ler um texto em crioulo - bom posso ler e acabar por perceber - maslevo mais tempo - por exemplo - a ler em crioulo do que a ler em português -- falarsem problemas -- mas penso que já é um crioulo urbano - com fortes… se calhar commuita influência urbana -citadina - mas pronto - falar- acho que não há problema // E escrever crioulo? escrever não - escrever também não escrevo – eu… o que eu penso - é que omeu crioulo é essencialmente umcrioulo falado// E o português? Falar, ler, escrever. portanto - escrever escrevo habitualmente em português -- ler também leiomuito - pronto - já é um hábito desde criança - jornais - revistas… eu - por norma -leio tudo o que me aparece à mão - romances - livros didácticos… portanto - ler leiomuito -- escrever também só escrevo em português -- falar quando for necessário -em situações em que haja necessidade de utilizar a língua portuguesa - utilizo línguaportuguesa -- por exemplo dependendo do…da pessoa com que esteja a falar - podeser em português ou em crioulo -mas pronto -aí não há problemas// Diga-me, gosta não gosta de falar crioulo prefere falar crioulo ou português. Jápercebi que prefere ler em português e escrever em português. E em termos de falar? de falar… eu habitualmente falo em crioulo --não falo português em regra - anão ser em determinadas situações - numa situação de trabalho por exemplo - euutilizo a língua portuguesa -- bom - aqui eu excluo o trabalho político - se for otrabalho político até pode ser o crioulo mais vezes do que a língua portuguesa// Trabalho politico, como…? por exemplo… No terreno ou mesmo… bom - no terreno é essencialmente crioulo --se a gente for fazer alguma visitaa algum bairro -aqui na Praia ou Santa Catarina -ou outro sítio qualquer é em crioulo-- mas também por exemplo - eu já fui []- tive de fazer alguns contactos - já naqualidade de 1Y - e aí - quando são contactos - por exemplo com militantes ou compessoas do partido - também é em crioulo porque habitualmente as próprias reuniõespartidárias são feitas - a maior parte das vezes em crioulo - a não ser que seja aapresentação de algum tema - aí vai-se para a língua portuguesa -- mas há pessoasque mesmo a apresentar temas - têm aquilo em português - fazem a projecção - masvão utilizando o crioulo - aí varia - depende das pessoas - mas se for a apresentaçãode algum tema -vai-se para a língua portuguesa// Mas a Dra. X, quando tem deapresentar um tema, como é que faz? não -eu vou para a língua portuguesa também --a não ser… por exemplo –aíhá tempos - fomos para São Miguel - falar com as senhoras - portanto aí sim - aí oambiente não justificava o uso da língua portuguesa - portanto aí é crioulo -- portantodepende de… se fosse nesse caso - dependeria do nível das pessoas com as quais ia…o encontro se realizar// Nível de…? Social…? nível de formação inclusivamente -- pronto - se for com pessoas de nível deescolaridade baixa - a gente quer atingir maior número de pessoas - usamos o crioulo- se for (?) de trabalho político… se for deste tipo de trabalho - mais crioulo -- mas jáse for - por exemplo - por exemplo na assembleia - geralmente não utilizo o crioulo -uso mais o português -- há pessoas no parlamento que - por exemplo - nas sessões -umas falam mais em crioulo outras mais em português - mas no parlamentogeralmente utilizo a língua portuguesa - crioulo se calhar tenho utilizado muito -muito pouco -muito poucas vezes// Acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? Oudepende? não sei - às vezes depende --mas penso que não tenho dificuldades em… masagora se for algo escrito… como é escrito em português - se calhar vai dar maistempo… tenho que estar a ler rapidamente e passar para o crioulo -- mas pronto se forescrito em português para dizer em português - aí vai sem… sem problemas - querdizer -não… dificilmente poderia haver// Há bocado, digamos, esteve a contar-me alguns contextos em que prefere ouusa, ou escolhe falar português ou crioulo, por exemplo, dependendo das pessoas.Fale-me um pouco desta questão que… estou a falar… é uma questão de exprimirmelhor as suas…? às vezes… às… pode não ser bem uma questão de exprimir melhor - masuma questão de ser mais… mais fácil para as pessoas com a qual… a quem aconversa é dirigida -- às vezes o nível de escolaridade das pessoas - o tipo deencontro - às vezes até mesmo quando o nível é mais alto - em alguns encontros - àsvezes é mais fácil - e como é mais utilizada a língua… portanto o crioulo do que oportuguês -então a gente vai para ocrioulo// E como é que se sente quando fala o crioulo e fala o português? Sente-seintimidada, tem mais preocupação em não cometer erros, ou pensa mais napossibilidade de cometer erros, crioulo português…? bom … Mais à vontade, mais intimidada...? em crioulo nunca penso de… em cometer erros porque se calhar tomo…((risos)) é uma língua que a gente está habituada - utiliza diariamente - geralmentenão tem… não há este problema de cometer ou não erros -- português… eu penso que-quando é falado eu… bom… geralmente eu tenho a preocupação de… tentar falar omais correctamente possível -- às vezes escapa - não é? às vezes a gente comete errosmas pronto - mas pronto - penso que quando é a falar - sem ter alguma coisa escrita -não é que hajaessa intimidação - mas depende… Monitoriza a sua fala? se calhar na seria bem monitorização - por exemplo vamos supor dependedo… das situações -- pronto… por exemplo - eu se estiver na assembleia - estiver adizer alguma coisa em português… mas eu - por norma - gosto de fazer isso - anotomais ou menos aquilo que quero dizer para depois falar - e tenho essa preocupação detentar falar o mais correctamente possível -- quando é por escrito também tenhoalguma preocupação de ver se de facto estou a escrever correctamente - tentar ver…às vezes ficam algumas dúvidas - tentar esclarecer - porque eu geralmente não… eu -quando falo ou escrevo em português - mas mais quando escrevo - tenho sempre apreocupação de evitar que as coisas estejam mal - e tentar ver qual é a melhor forma -qual é a melhor maneira de dizer -há sempre essa preocupação// Dra. X vou lhe pedir que pense em três pessoas, nas três pessoas com quemmais interage fora do seu círculo familiar e que me procurasse definir o perfil dessaspessoas, não os seus nomes evidentemente, mas o perfil delas em termos de idade,sexo, naturalidade, estrato social. E que me dissesse se fala com elas em português ouem crioulo, que tipo de assunto, normalmente, e em que circunstâncias. Pode pensarem termos de pessoa um, pessoa dois, pessoa três. No exercício das suas diferentesactividades, funções… poderíamos ir para uma com mais cerca de 50 anos -quer sexo também? Se é feminino ou masculino. sexo masculino --mais? Grupo e estrato social… Classe media a::: Pessoa de origem urbana ou rural? origem urbana// Urbana. Cabo-verdiana? cabo-verdiana// Fala com ela crioulo ou português? crioulo// Normalmente, que tipos de assuntos? Familiares, íntimos, pessoais, detrabalho… assuntos políticos -essencialmente --a::: mais? em que lugares e circunstâncias é que interagem? pronto ah:: tipo de…? Trabalho… casa… trabalho - trabalho - café ah:: geralmente trabalho e café -- por telefone -telemóvel habitualmente -e geralmente em crioulo// Em crioulo. A segunda pessoa? a segunda pessoa… com mais de 50 anos – homem… Homem. Grupo social… estrato social… também classe média -origem rural - mas há muito tempo na cidade// Essa pessoa um tem instrução superior,ou não? tem -- esta também tem -- está há muito tempo na cidade mas é de origemrural - estudou já com… se calhar com mais de trinta anos começou a estudar -- éuma pessoa com quem eu gosto muito de falar - é uma pessoa que começou a estudartarde - vê-se que é uma pessoa que fez um grande esforço para fazer uma licenciatura--está preocupada - quer fazer um mestrado -é uma pessoa muito interessada - é umapessoa que gosta também da língua portuguesa - habitualmente… nós muitas vezesestamos a conversar… eu às vezes se tenho alguma coisa escrita - dou para ler - queela dá opiniões - começa a discutir - se está bem escrito - se é assim não é assim -conversamos muito - é uma pessoa que diz habitualmente… a:: eu - quandoconversamos falamos de todos os assuntos - habitualmente é assuntos políticos -assuntos de gerais -sociais -assuntos variados// Pessoais também? Pessoais -por vezes// E fala em crioulo ou em português? também em crioulo// E em que contextos? habitualmente em casa -- é uma pessoa que… frequenta a minha casa -conversamos muito - trocamos muitas impressões - e habitualmente falamos emcrioulo// Certo. Pessoa três? bom… vamos para a pessoa três ((…)) bom também iria para uma pessoacom mais de cinquenta - sexo - feminino - formação superior -- habitualmenteconversamos sobre vários assuntos quando nos encontramos - mas agora já há algumtempo que a gente não se encontra - mas sempre que há algum assunto familiar querequeira alguma atenção… alguma questão… podemos entrar em contacto -- mastambém falamos em crioulo// Sobre que tipo de assuntos? vários -- portanto - com esta também pode ser assuntos familiares - assuntossociais -assuntos políticos// O estrato social dessa pessoa é? também é classe média -e é origem urbana// Origem urbana. Diga-me uma coisa, normalmente com que pessoas… qual é operfil das pessoas com quem fala português e fala crioulo: nível de instrução, a:: bom… varia um bocado… Pessoas mais conhecidas mais distantes, com quem mantém mais ou menoscontacto, pessoas instruídas pessoas sem instrução, superiores hierárquicos, pessoascom quem tem o mesmo nível de hierarquia, …? sim… sim… varia um bocado -- pronto - eu… por exemplo aí há uns tempos- trabalhei no ministério de educação - e nessa altura no trabalho essencialmenteutilizávamos era língua portuguesa independentemente da… pelo menos com amaioria das pessoas com quem lidava no dia a dia com questões de trabalho - oucolegas… bom excluindo alguns colegas - mas com… com as pessoas quetrabalhavam comigo -subordinados -geralmente era o crioulo// O crioulo? não - sim - língua portuguesa -- com alguns colegas tinha assim mais ligação-aí utilizávamos o crioulo// Mas isso portanto, num …num encontro frente a frente ou mais público? com subordinados não - mesmo num encontro frente à frente -- não erampessoas com quem tinha conhecimento antes - portanto - a gente começou a conviverfoi numa situação de trabalho - então na situação de trabalho utilizávamosessencialmente a língua portuguesa -- alguns colegas utilizávamos ou a línguaportuguesa ou o crioulo - dependendo do tipo de relacionamento -- alguns colegasque já conhecia há muitos anos - trabalhávamos juntos -não sei que mais - aí a genteutilizava o crioulo - outros que habitualmente não utilizavam o crioulo - pessoas quenão falavam o crioulo - falavam mais a língua portuguesa - utilizávamos a línguaportuguesa -- com superiores hierárquicos dependia um pouco da pessoa também -portanto - tratando-se - por exemplo - de um superior hierárquico que habitualmenteutiliza a língua portuguesa - falávamos em português - superiores hierárquicos quenormalmente em situação de trabalho utilizam o crioulo - utilizávamos crioulo -- masno… em situações de trabalho - portanto… deste género - mais institucionais - nãotrabalho político -- mas por exemplo - a nível da escola por exemplo - tambémessencialmente a língua portuguesa - mas se pensar com colegas de escola - já… porexemplo - no liceu Domingos Ramos - aí - com colegas - a gente já falavaessencialmente era crioulo e não a língua portuguesa -- a não ser que fosse um colegaque falasse português - se fosse um colega que habitualmente só falava crioulo -utilizava crioulo -- agora com alunos utilizávamos também sempre a línguaportuguesa// A língua portuguesa mesmo nos intervalos, na cantina? com colegas? Com alunos. com alunos geralmente a língua portuguesa// Alguma vez… quando foi professora…. Se ainda se lembra… alguma vez sedirigiu em crioulo aos seus alunos na sala de aula? não me lembro de ter utilizado o crioulo na sala de aula - habitualmente nãoutilizo o crioulo na sala de aula -- utilizava geralmente a língua portuguesa -- agora -só para vermos uma situação interessante -- eu aí há alguns anos - no ministério daeducação - estava a falar com alguns… jovens que tinham concluído o 12º ano e iamao ministério à procura de vaga para leccionarem enquanto estavam à espera de umaformação… e alguns tinham alguma dificuldade em utilizar a língua portuguesa emuitas vezes diziam - não - vamos falar em crioulo - eu dizia -  não - vocês estão acandidatar-se para ser professores - então vamos é utilizar a língua portuguesa e não ocrioulo-- eu habitualmente em situações de trabalho utilizo a língua portuguesa -eu… foi como disse há pouco - entretanto no trabalho… quando comecei a fazer umtrabalho já mais pol��tico - aí o crioulo às vezes é mais utilizado do que a línguaportuguesa// E os seus alunos dirigiam-se a si ou dirigiram-se a si alguma vez em crioulo? já// Já. Para quê, em que contexto? bom -às vezes dependia um pouco do relacionamento… Estou a falar da sala de aula… sim - na sala de aula utilizavam - mas pouco -- mas às vezes dependia atédo… do tipo de relacionamento que estabeleciam comigo -- quando… e houvealgumas situações - quando tinham comigo uma relação que já estava a ficar muitofamiliar utilizavam a:::: O crioulo. começávamos a utilizar o crioulo. Na sala de aula? na sala de aula - mas poucas vezes -- e se calhar eu até… não me lembro deter utilizado - mas lembro-me de há uns tempos - um deles ter dito que eu utilizei - demodo que até é provável que nessas situações de uma relação já com alunos… que seaproximava de muita familiaridade - é muito provável que tanto eu como os alunostenhamos utilizado o crioulo// Diga-me… não… antes… vou partir do princípio que fala o crioulo aqui deSantiago. sim -crioulo de Santiago// Só… ou? só // E quando se dirige a pessoas de outras ilhas, mais concretamente debarlavento, o que é que utiliza? varia -- geralmente… há muitas pessoas que eu conheço de barlavento e quetemos uma relação… também começou no trabalho - então aí às vezes é línguaportuguesa -- mas com pessoas de barlavento posso utilizar o crioulo - mas eu nuncafaço o esforço para utilizar outro crioulo - inclusive porque não sei falar outro crioulo-então eu utilizo normalmente o crioulo de Santiago// Como é… o que se passa… como é a compreensão? eu penso que a compreensão é boa - porque eu também não tenho um criouloque seja de difícil compreensão -- às vezes as pessoas até podem dizer que nãocompreendem uma ou outra coisa - pedem para falar mais devagar - mas penso quedá para se ter uma boa conversação// Obrigada. Já me referiu alguns contextos e circunstâncias em que usa o criouloe o português, mas gostaria ainda que me referisse a situações do tipo mercado, lojas,repartições públicas, locais de lazer… restaurantes, bancos… usa o crioulo ou oportuguês? bom - no mercado - lojas - é habitualmente o crioulo -- repartições depende -geralmente de… inclusive do próprio interlocutor - mas habitualmente - nestemomento… Depende de quê? da pessoa com quem esteja a falar numa repartição -- mas habitualmenteneste… pelo menos nos últimos tempos - essencialmente também o crioulo - porquehabitualmente são pessoas que entendem - portanto há… é fácil pôr qualquer questãoem crioulo -habitualmente também repartições -em crioulo// Locais de culto religioso, associações, no seu partido já me referiu que usa… utilizo muito a língua… o crioulo// Locais de lazer… bom estou a pensar em festas discotecas etc. crioulo// Crioulo. Diga-me, qual deles crioulo ou português, usa para exprimir umsentimento, rezar, orar, namorar, quando está a falar de algo que a emociona ouirrita… Com essas finalidades, usa o crioulo ou o português? ((risos)) bom - rezar habitualmente - bom… dependerá - se calhar - do tipode oração -- às vezes há… há um tipo de oração que utiliza… alguns… bom -aquelestermos próprios da oração - aí já está escrito - é assim - é assim - quase que… seriaem português -- mas pronto - quando a pessoa está a pensar - e está a pedir algo - enão sei quê -já não utiliza termos - aí é mais espontâneo -é crioulo// Convencer alguém de alguma coisa, quando está a argumentar… aí dependeria da pessoa portanto - e do contexto -- pronto se for com umapessoa que habitualmente fala em crioulo - utilizo o crioulo - se fosse uma pessoacom a qual falaria em português - seria em português// Falar duma questão que a irrita ou emociona? em crioulo habitualmente -- mas eu penso que a utilização muitas vezesdepende da pessoa com quem esteja a falar -- se for com uma pessoa com quemhabitualmente falo em crioulo -portanto seria sempre em crioulo// Diria que falar português ou o crioulo depende fundamentalmente da pessoado assunto ou da circunstância? muitas vezes da pessoa -- eu por exemplo - eu tenho um colega - em algumassituações estamos lado a lado - quando estamos lado a lado - como ele fala emportuguês - então falo com ele em português - porque ele habitualmente fala emportuguês - então conversamos em português -- mas tenho outros que habitualmentefalam crioulo - com estes falo crioulo -- eu há tempos também reparei que comalguns antigos alunos a gente tem algum hábito… quer dizer ficou esse hábito defalar português - então continuamos a falar quando nos encontramos - agora - secalhar mais de vinte anos depois - a gente encontra-se e utiliza o português -- comoutros - houve alguma evolução - ficou alguma relação de amizade - algumaafectividade e a gente já utiliza -em muitas situações -o crioulo// Quanto às pessoas, dependerá estritamente do grau de instrução, do estratosocial, da proximidade, do contacto, do estatuto da pessoa? depende -- quer dizer - às vezes… às vezes há pessoas que estão habituadas afalar mais em português - habitualmente usam o português --então com essas pessoas(?) como elas falam em português a tendência é responder em português e falamosem português -- com outras seria mais em crioulo - bom - eu… estou mais ou menosnuma fase em que estou a utilizar até se calhar mais o crioulo do que o português - doque habitualmente aí há uns anos// Pense na última semana, na semana que terminou já. Acha que falou mais ocrioulo ou o português? bom… nessa semana que terminou se calhar falei português muito poucasvezes porque foi uma semana com pouco de institucional -- tive… portanto - saí decasa poucas vezes - não me encontrei com pessoas que utilizam muito o português -se calhar - não… não saberia nem dizer quantas vezes devo ter utilizado o português -na última semana foi essencialmente crioulo// Mas se for uma semana com muita actividade institucional? vamos supor - por exemplo - eu - quando venho para a assembleia - quandohá sessões e faço alguma intervenção - aí essas intervenções são sempre emportuguês -- muito excepcionalmente - se calhar respondendo a alguma intervençãode um colega que também teria utilizado o crioulo - pode ser -- mas eu habitualmentenas intervenções no parlamento não utilizo crioulo - faço sempre intervenções emportuguês - mas há… como disse há pouco - se for o contacto com pessoas já no dia adia -na rua -não sei quê - aí é tudo em crioulo// Diga-me eventualmente onde é que ouve o crioulo? Não falar, mas ouvir.Habitualmente onde é que ouve o crioulo? bom - em casa - na rua se estiver… bom… eu não vou a cafés muitas vezes -mas pronto - se a gente for a um café também ouve crioulo - aqui na assembleiatambém ouve-se muito porque o crioulo é muito - muito -muito utilizado// Em que contexto, fora das sessões? fora das sessões - as pessoas falam - a maior parte pelo menos - as pessoasfalam entre si em crioulo -- nas sessões umas fazem em português outras fazem emcrioulo - aí as pessoas… e às vezes há pessoas que até começam em português epassam para o crioulo e depois passam para o português - fazem uso um pouco deindistinto das… das duas línguas -- mas essencialmente - portanto - é portanto - emcasa - na rua - em cafés - na igreja -- agora - na igreja - também utiliza-se muitomuito o crioulo -porque - por exemplo - os padres fazem… habitualmente nas missasfazem as orações em português - mas quando fazem a homilia - é em crioulo -- amaior parte dos padres cabo-verdianos usam… fazem as homilias em crioulo// Comunicação social, costuma ouvir o crioulo? comunicação social em Cabo Verde…utiliza-se pouco o crioulo nacomunicação social - portanto ouve-se muito pouco -- tem um noticiário quehabitualmente eu não oiço que é das dezanove horas - que é o noticiário em crioulo -mas eu oiço mais é a RCV - quer dizer… portanto - porque eu habitualmente rádiooiço é a rádio… portanto -é à uma hora - o jornal das treze… Que é em português. sim - que é em português -- não oiço o das dezanove horas - a menos queesteja num carro e que esteja a rádio ligado para ouvir -- depois se houver algumoutro programa - tipo quarta à noite - ou sexta feira - há um programa na rádio quetambém é em português - são esses programas da rádio que eu oiço habitualmente --a televisão… é o jornal das vinte - é em português -- depois - o que é que tem mais?tem…agora não há muitos debates - a maioria das vezes tem sido em português - emcrioulo muito pouco - aliás a televisão de Cabo Verde utiliza pouco - pouco - poucoo crioulo -- o Ti Ver também - eu tenho estado a ver mas é mais… são séries - pronto- mas acho que eu há dias vi sim um programa em crioulo - as pessoas estavam afalar crioulo - mas pronto depois é a RTP África ou a SIC - portanto aí é mais línguaportuguesa// Diga-me uma coisa. Já se referiu a isso, mas só para precisar a questão daleitura. Habitualmente, já percebi, lê em português, mas também já leu alguma coisaem crioulo ocasionalmente ou tem alguma frequência de leitura em crioulo? não -eu - crioulo leio muito muito muito pouco// Ocasionalmente mesmo? ocasionalmente// E escrever também? escrever - muito muito raramente -- quase que nunca escrevi -- eu já vi que osjovens - por exemplo - as minhas filhas mandam mensagens de telemóvel - pelaInternet - utilizam crioulo -- mas eu habitualmente respondo em português - oumando mensagens de telemóvel ou e-mail -mando tudo em português// Há bocado disse que os deputados começam a falar crioulo mas mudam paraportuguês ou vice-versa. Mas pessoalmente, para si, estando a falar crioulo o que éque a faria mudar para português? Estou a pensar em chegada de alguma pessoa,portanto, no contexto ou mudança de assunto. E o contrário, estando a falar portuguêso que é que a faria mudar para o crioulo? bom… eu se… por exemplo - se estivesse a falar em português - pode chegaruma pessoa com a qual habitualmente utilizo o crioulo - aí seria um poucocomplicado - porque falaria com a pessoa que chegou em crioulo e não em português-- portanto a chegada da pessoa levaria a essa mudança -- o assunto talvez não -porque… a não ser que estivesse a falar com uma pessoa… mas eu habitualmente nãofaço muito essas mudanças a não ser que… estou a falar com uma pessoa - chegauma terceira - com essa falo crioulo - aí há tendência - porque às vezes… eu tenhoreparado que com algumas pessoas não é fácil falar em português - para algumaspessoas também - algumas pessoas - pela proximidade e pelo hábito também desempre falarmos o crioulo -- por exemplo - se pensar em algumas pessoas comalguma relação de amizade muito estreita - com essas pessoas já não é fácil falar emportuguês - aí é o crioulo -- então com a chegada de alguma pessoa desse génerotornaria difícil utilizar o português// E por causa do assunto? Estou a pensar, por exemplo, estando a falar com umapessoa um assunto íntimo ou pessoal ou mais familiar, se passarem a falar de umassunto mais político ou social ou… não - aí seria sempre em… se a gente tivesse começado em crioulo seriasempre em crioulo -dificilmente faríamos essa mudança// E o contrário, de português para crioulo por causa do assunto? De um assuntomais sério para um mais familiar ou pessoal? eu vejo um pouco difícil assim - porque eu… utilizar uma língua ou não -para mim é mais em função da pessoa com quem eu esteja a falar -- e às vezes - eutenho notado que - com algumas pessoas… é difícil falar português com algumaspessoas// Gostaria que me indicasse três circunstâncias em que habitualmente falacrioulo ou que fala crioulo mas gostaria de falar português nestas circunstâncias ou aocontrário circunstância em que fala português, mas gostaria de falar crioulo nestacircunstância. não teria muitas… mas por exemplo - a::: às vezes - em termos de falar numcomício - ou numa reunião com muitas pessoas - às vezes até poderia preferir falarem português em vez do crioulo porque o crioulo geralmente… pronto -num comícioa gente não vai utilizar o português - é difícil - ou numa reunião com grande númerode pessoas - reunião que não fosse - vá lá - uma coisa institucional - que saia doâmbito politico - uma reunião de âmbito político utilizaria o crioulo - mas emalgumas situações - se calhar eu até preferi falar em português do que em crioulo --mas são situações em que… Porquê? quer dizer - para maior compreensão das pessoas - facilitar a proximidade -facilitar a comunicação -- para ser melhor entendida a gente utiliza habitualmente ocrioulo - seriam circunstâncias que também - por vezes poderia preferir ou nãopoderia preferir a língua portuguesa// Diga-me, o que é que pensa do crioulo? Há umas pessoas que acham que éuma língua, outras que é um dialecto, umas que tem gramática, outras que não temgramática, umas que tem qualidade não tem qualidade. Pessoalmente, o que é quepensa? eu penso que é uma língua -- em termos de gramática sei que há regras - háprovavelmente -- pessoalmente - eu também conheço… não conheço o suficiente dasregras - mas tenho a pré disposição de aprender - pronto eu estaria sempre aberta asaber mais - a conhecer mais - a aprofundar - ler… se calhar seria uma questão defazer alguma… pronto… tentar ler mais vezes -conhecer melhor as regras// Gostaria de aprender a ler e escrever em crioulo? não - à von… sem problemas -- sem problemas - desde que tivesse… àsvezes é uma questão de arranjar tempo e disponibilidade para aprofundar um poucomais e perceber -- ler e escrever - eu não teria preconceitos - por exemplo - em falarou em escrever em crioulo -- aí há uns tempos - por exemplo mandaram um e-mail -eu achei engraçado - até guardei - que era portanto crioulo de Santiago e vinha umteste para a gente fazer - eu depois posso até mostrar… havia uns termos… mas quesão termos… no início falamos da influência urbana ou não - a gente fazia o teste nofim dão a resposta - então havia lá um comentário - não - a bô bô Kriolu é lébi -não sei quantos - porque são termos… eram termos... muitos que eu não conhecia --eu até achei engraçado - que um dia dei a um colega que é de Santa Catarina parafazer e um outro que é dos Órgãos - eles já conheciam muito mais os termos do queeu - são termos pouco utilizados - a:: que eu de facto não conhecia - mas acheiengraçado - eu de vez em quando… dei a outras pessoas para fazerem - que erainteressante até para a gente ver o pouco que conhece do crioulo -- eu tenho umdicionário - acho que é de Napoleão - sim do Napoleão - tenho um outro do NicolasQuint -de vez em quando - talvez por curiosidade - passa umas pessoas - a gente querver um termo - lá vamos ver - pronto - mas há essa abertura também para saber umpouco mais// Crioulo lébi, crioulo mais fundo, crioulo de influência urbana. Para si, qual éo verdadeiro crioulo? eu penso que há toda a evolução - que a gente não teria de falar em�� numverdadeiro crioulo - mas que há uma língua - com as suas influências -provavelmente algumas pessoas por terem… até pelo meio em que vivem - a:: pelomeio em que vivem têm todas as condições de falar um… portanto - têm maisinfluencia - outras têm menos - mas que… é o mesmo que se passa também com alíngua portuguesa// Como assim? por exemplo - para já mesmo a língua portuguesa - se a gente for ver - oportuguês falado no Brasil ou o português falado em Portugal ou em regiõesdiferentes - há várias outras influências que a língua sofre - portanto eu veria ocrioulo mais nesse sentido// Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e o crioulo? Admite algumapossibilidade, alguma circunstância em que um cabo-verdiano não goste ou não saibao crioulo? eu penso que não há… bom… cabo-verdianos que não sabem crioulo existem-- há pessoas que viveram fora de Cabo Verde - não tiveram essa possibilidade - mas- vá lá - pelas ligações - culturalmente são cabo-verdianas -- podem saber menos -mas penso que… quer dizer - não é obrigatório também ser cabo-verdiano e sabercrioulo - há cabo-verdianos que podem não saber crioulo -- mas penso que é umaspecto importante - da língua - inclusivamente a gente vê muitas situações… aí - eulembro-me de há um ano - há uns dois anos ou quê - num desses encontros dosquadros cabo-verdianos da diáspora - que tínhamos cabo-verdianos por exemplo -provenientes de vários países - tinham… a língua comum acabava por ser o crioulo -porque uns falavam português - outros inglês - outros italiano - holandês etc. - aíera… a união era através da do crioulo - aí a gente vê que - de facto - que é umaspecto… um aspecto importante -- verificamos também que há pessoas que até estãolonge há muito tempo - mas que continuam a falar crioulo - e têm toda a satisfaçãoem falar quando tem essa oportunidade -- há outras pelo contrário que evitam falar -mas aí também varia -depende das pessoas// E varia com quê, esse não gostar? eu não sei se seria não gostar - mas são - pronto - pessoas que já estão hámuitos anos fora e que acabam por utilizar menos vezes -- eu estou a lembrar-me deuma amiga que eu tenho - e que está há muitos anos fora - de vez em quando vem - eque há tempos contava que chegou a Cabo Verde - entretanto estava no mercado afalar português - as pessoas (?) - e depois ela acabou por dizer que não - que utilizouo crioulo para mostrar que ela era uma pessoa dos Órgãos -- acho que teria pedidotorresmo no mercado - 2ah ! ê bo! portuguesa ta Kumê toresma!  - então ela acaboupor dizer - 3não - mi e lá di Órgãos - mas ela esta há mais de trinta anos fora deCabo Verde - e vem de vez em quando - por períodos curtos - mas penso que - pronto- a língua seria uma união -e um elemento importante da identidade cabo-verdiana// E quanto ao português, estabelece esta mesma relação? que tipo de relação? de ser… De alguma representatividade do português ou alguma relação do portuguêscom a identidade cabo-verdiana. aí seria essencialmente mais para pessoas que sempre viveram em CaboVerde-ou que saíram - mas que têm uma forte ligação com Portugal -- se calhar parapessoas que tiveram uma vivência igual ao que eu tenho - o português tem essarepresentatividade - veria muito esta representatividade - mas… mas há outras - secalhar para essas não - porque - por exemplo - se pensar numa pessoa que saiu deCabo Verde - depois emigrou para os Estados Unidos da América - e que não tem…deixou de ter contacto com a língua portuguesa -aí ficaria um pouco… Mas assim de um modo geral, pessoalmente, acha que o português representaalguma coisa no ser cabo-verdiano ou não estabelece…? Há bocado disse-me que ocrioulo é um factoridentitário dos cabo-verdianos. sim -sim -sim// Em relação ao português, considera isto mesmo ou…? não - veria um pouco… quer dizer - seria uma situação um pouco diferente -veria um pouco a língua portuguesa também a fazer-nos esta ligação que nós temoscom Portugal -com outros países africanos de língua portuguesa - veria mais a línguaportuguesa nesse sentido// Percebi. O que é pensa desta situação que nós vivemos actualmente, depodermos usar o crioulo e o português. O que é que acha dessa situação? eu vejo com naturalidade essa possibilidade de se poder usar tanto a línguaportuguesa como o crioulo - penso que entretanto há necessidade de… há poucofalávamos dessa preocupação com erros - eu - com o crioulo - nunca tive essapreocupação de ver se cometo erros ou não… aliás… mas -pronto -temos que ter umbom domínio das duas línguas - tanto da língua cabo-verdiana como da línguaportuguesa -- nós reparamos que agora - ultimamente - temos muitas situações emque de facto vemos que temos jovens já formados - temos jovens estudantes - comdificuldades na utilização da língua portuguesa - penso que se deve dar uma melhoratenção ao ensino da língua portuguesa - a:: provavelmente os problemas que nóstemos com a língua portuguesa é também porque falamos menos a língua portuguesa- portanto daí essas dificuldades que nós temos - aqui em Cabo Verde - com autilização da língua portuguesa - portanto veria mais ou menos nesse aspecto -- maspenso que nós temos é de criar condições para que de facto tenhamos um bomdomínio tanto da língua portuguesa como da língua cabo-verdiana// E como é que… o que é que acha… acha que se deveria continuar o crioulo eo português em Cabo Verde? sim - eu penso que sim - e que… eu vejo um pouco… às vezes as pessoas -em algumas situações - perguntam - pode ser em crioulo? pode ser em português? ou então há algumas reuniões onde chega e as pessoas perguntam qual a língua quenós vamos utilizar? eu penso que temos de ter situações em que as pessoas possamutilizar indistintamente a língua portuguesa ou a língua cabo-verdiana// Por uma escolha pessoal, ou…? sim - eu penso que sim - que se pode ter… dependendo da escolha pessoal --ainda há poucos dias - no parlamento - alguém disse - e lembro-me de o presidenteter dito - não - aqui as pessoas escolhe a língua com que querem expressar-se-portanto tem… há essa liberdade de se utilizar ou a língua portuguesa ou a línguacabo-verdiana -- penso que sim -- eu na educação… se falássemos já em termos deuma situação de sala de aula -penso que eu aí utilizaria mais a língua portuguesa --secalhar até pela necessidade de os alunos terem a… de se exprimirem em português -expressarem as suas ideias -porque inclusivamente - a:: eu… esta parte institucional -se calhar vejo muito a língua portuguesa nessas situações institucionais - então emalgumas dessas situações -se calhar ainda seria a língua portuguesa// Acha que o crioulo é mais adequado para determinadas circunstâncias e oportuguês para outras? como?Contextos, circunstâncias…ah! provavelmente haveria essa questão - embora eu pense que não devemosficar presos a essa questão de circunstâncias - então ir-se-ia mais para a situação defacto - de uma pessoa utilizar uma ou outra língua -- mas também nós temos de terem conta que há ambientes por exemplo - onde pode haver pessoas que não entendamo crioulo - e aí nós temos de criar um ambiente em que todos possam expressar -poderíamos perfeitamente utilizar a língua portuguesa// Mas, por exemplo, contextos mais formais, mais oficiais, acha… Qual delesacha que é mais adequado? bom - em contextos formais - oficiais - dependendo das situações - eu iriamais para a língua portuguesa - embora não excluísse de todo a utilização de… emsituações formais - se utilizar o crioulo -- eu já fui a encontros formais - eram compessoas que entendiam o crioulo - todos - só pessoas cabo-verdianas - e que era umencontro formal -mas a língua utilizada foi o crioulo// Porquê a prioridade do português para contextos mais formais? não sei se teria… vá lá - alguma razão de ser - e se é justificável ou não --pessoalmente…? Pessoalmente, sim. Pessoalmente, vejo mais… O que é que sente? se calhar por sentir um pouco a língua portuguesa com mais formalidade -mais em situações de trabalho - e portanto - se calhar até pela própria profissão -sinto um pouco essa ligação… essa ligação língua portuguesa com formalidade - comtrabalho -- e vejo o crioulo mais com afectividade - com a proximidade - coisas dogénero -- mas eu quando há proximidade - como disse há pouco - às vezes tenhoamigos que só falam português - eu também falo português com eles - embora…embora elas entendam também - porque eu falo só em crioulo - elas falam emportuguês - a gente conversamos -- mas por norma - quando é assim - utilizamos alíngua portuguesa// Nesse caso, continuando o português e o crioulo em Cabo Verde, o portuguêsseria usado para quê e o crioulo para quê, do seu ponto de vista? eu… portanto disse há pouco… portanto vejo na educação a utilização dalíngua portuguesa -portanto -nas escolas… Quando diz isso, está a…? eu não excluo que se utilize a… o… vá lá… crioulo em situação de sala deaula - até pode-se utilizar - inclusivamente eu já vi e há professores que já disseramisso - que em algumas situações tiveram de utilizar o crioulo para tornar a explicaçãomais fácil - se bem que nós temos também de criar uma situação de domínio dalíngua que o aluno perceba aquilo que se está a explicar - mesmo utilizando-se alíngua portuguesa -- portanto - eu - numa situação de sala de aula - veria bem… paramim seria a língua portuguesa não excluindo essa possibilidade - nem ser totalmentecontra a utilização do crioulo -- mas de qualquer forma advogaria sempre que secriassem situações em que os alunos nas escolas utilizassem a língua portuguesa -inclusivamente porque nós utilizamos o português poucas vezes -- se deixarmos deutilizar na sala de aula - ainda reduzimos mais as oportunidades que os alunos teriamde utilizar a língua portuguesa - aí seria a língua portuguesa -- em algumas situaçõesoficiais dependendo da do grau - aí também veria a língua portuguesa - aliás - se nósrepararmos bem… vamos supor - se estivéssemos algumas… em muitas cerimóniasoficiais em Cabo Verde - utiliza-se a língua portuguesa - excepcionalmente às vezeso crioulo - o crioulo - mas em situações oficiais muitas vezes é… a língua portuguesa-- portanto eu veria muito para essas situações de formalidade a língua portuguesa -mas nunca excluindo também a possibilidade de se utilizar o crioulo// Quando fala na utilização do português, do crioulo, nas escolas, podemosdizer… já me disse que não é contra a utilização do crioulo nas escolas, na sala deaula, não de todo… mas pensa no crioulo, digamos, como uma disciplina que seensina, como a língua em que se ensina as outras disciplinas…? não - eu não… eu não veria como língua em que se ensinaria outrasdisciplinas -- por exemplo - eu penso que para ensinar geografia - físico-química -matemática -que deveríamos utilizar a língua portuguesa// Porquê? eu vejo mais até para facilitar a nossa comunicação com outras pessoas - nósnão vamos fazer uma comunicação só entre cabo-verdianos - fazemos umacomunicação com outros povos e com países - pessoas que falam outras línguas -então seria uma possibilidade que temos… utilizando a língua portuguesa temos…alargamos o âmbito da das nossas relações - muito mais - de modo que eu veria muitoessa utilização da língua portuguesa para ensinar outras disciplinas -- poder-se-ia teruma disciplina de crioulo - porque não? inclusivamente lá no início a gente falavano… do desconhecimento de regras -- eu… por acaso… eu leio muito - mashabitualmente não tenho lido… não tenho lido… se calhar tenho essa falha… nãotenho lido muito sobre o crioulo enquanto língua - se calhar tenho lido pouco - muitopouco mesmo -mas pronto -veria um pouco como disciplina// Ainda falando sobre, digamos, esta situação linguística, falar, ler, escrever,continuidade do crioulo e do português em Cabo Verde… falar, ler, escrever, como éque veria essa distribuição dessas funções, crioulo, português? o quê? em termos de utilizar uma ou outra…? não - eu vejo que… nóstemos… como a gente dizia há pouco… portanto - penso que - pegando no crioulo -nós temos situações em que as pessoas falam… A minha pergunta é um pouco assim… Vou concretizar melhor: deveríamoscontinuar a ler e escrever em crioulo, português, e falar em crioulo ou deveria…prevê uma outra situação? ah! ok -- eu penso que… ler - escrever em português… eu sou por essa opção-ler escrever… E falar…? falar - nas situações em que vimos que há esta necessidade - em que a pessoaopta por falar -- mas - por isso é que há pouco a gente falava no crioulo como umadisciplina - também ler - escrever - falar - em crioulo -- eu vejo que pode ser umasituação em que temos o domínio tanto escrito - falado - ou da capacidade de ler nasduas línguas -- portanto podemos é criar essa situação em que de facto todo o cabo-verdiano - pelo menos os residentes aqui - teriam essa possibilidade de ler falar ouescrever -ou em português ou em crioulo// E o crioulo escrito seria usado para quê? bom… podemos ter jornais -- aí há tempos… não me lembro do nome dojornal - distribuíam na rua - ou acho que vendiam - pelo menos eu vi um número oudois - em crioulo -- podemos ter jornais - há livros - portanto escritores que podiamescrever em crioulo também - mas aí limitaria também um pouco - teria de fazertradução para pessoas que não entendessem o crioulo -- mas veria um pouco nestasituação -- aí há tempos uma pessoa estava a falar… estávamos a falar daoficialização do crioulo e houve uma pessoa até que disse - ah agora vamos terboletins oficiais então em crioulo e em português - e provavelmente - não é? se agente fosse para uma situação de oficialização - a gente até teria de ver em que é queconsiste esta oficialização - mas pronto nós dizemos que de facto é uma línguaoficial// O que é que pensa disso? Acha que o crioulo deve ser oficializado? Em queconsistiria essa oficialização? não - eu penso que… que deve ser -- a gente já tem isso inclusivamente naconstituição - devem criar as condições - temos que trabalhar mais - trabalhar defacto para essa oficialização - não sou contra -- agora - se calhar é algo que ainda nãose reflectiu o suficiente - mas teríamos de reflectir um pouco - em quê é que de facto- consiste essa oficialização - só que nessa altura alguém dizia se calhar agora osboletins oficiais vão ser em português e crioulo ((risos)) provavelmente - não é?porque seria… portanto - nós teríamos uma língua oficial - porque neste momentotemos uma situação em que a gente pergunta - é oficial? não é oficial? estamos numasituação em que nós utilizamos quando queremos - ninguém nos proíbe deutilizarmos em várias situações aqui em Cabo Verde - só a falarmos com pessoas queentendem -seria algo a aprofundar um pouco mais - essa questão da oficialização// Acha que há assuntos que são mais… é mais adequado serem tratados emportuguês do que em crioulo? não - em termos de assuntos… bom provavelmente poderia haver um ououtro assunto - mas penso que… são as tais questões que nós vemos… se calharalgum assunto… se fossemos para uma palestra - alguns temas mais específicos -vamos supor - em áreas científicas - provavelmente -- mas também podem ser feitasem crioulo - nada exclui - mas até chegamos a uma situação em que o próprio criouloé um crioulo que tem muitos termos da língua portuguesa - é nessas situações - masnão… não excluoessa utilização// Para além do crioulo e do português, ou melhor ainda, como é que vê odesenho da situação linguística de Cabo Verde, futura? Crioulo, português comolínguas oficiais mas outras línguas, só o português como língua oficial e o crioulo nasituação em que está…como é que desenha… bom… eu - em termos de línguas oficiais seria português e o crioulo que agente (?) vamos criar condições para oficializar o crioulo -- para além disso - eupenso que é… neste momento todos têm mais ou menos essa posição - ou pelo menosa maior parte das pessoas tem essa posição - Cabo Verde… Cabo Verde tambémdeve procurar que haja um domínio de outras línguas - particularmente da línguainglesa - ou francês -- eu penso que isso é necessário - nós estamos num país que falamuito em turismo - há essa necessidade de facto de termos um maior domínio delíngua inglesa e da língua francesa -- se houver outras possibilidades - também -porque não? mas pelo menos mais essas duas línguas penso que seria óptimo paraCabo Verde// O que é que acha ser mais comum no mundo, saber apenas uma língua mais doque uma língua? O que acha das pessoas que sabem mais do que uma língua? eu penso que neste momento justifica-se que as pessoas saibam mais que umalíngua -- isto está claro! nós - por exemplo - com o português vemos que temos muitalimitação porque também -por exemplo - se a gente for para encontros oficiais -aí defacto o português é pouco utilizado -- por exemplo - nós vamos às reuniões aí emAbuja - do parlamento da 4CEDAO - só… portanto português é só Cabo Verde eGuiné-Bissau -- mas inclusivamente a gente tem algumas situações interessantes -porque há alguns tradutores que vão de Cabo Verde para trabalhar na CEDEAO - háum senegalês - há pessoas também do Senegal que fazem tradução para português - eque também ficam preocupados quando mesmo cabo-verdianos… por exemplo - nóstemos colegas que viveram nos Estados Unidos da América e que têm um bomdomínio do inglês - mas que não gosta das pessoas que não utilizam português -porque senão ficam sem trabalho… Ah bom…! e então fazem uma pressão junto aos deputados para utilizaremprioritariamente na CEDAO a língua portuguesa - mesmo quando a pessoa… e nóstemos estado um pouco a fazer esse… esse esforço - mesmo quando a pessoa viveumuitos anos em países francófonos ou anglófonos - mas para fazer intervenções emportuguês - porque senão o português se calhar nem é ouvido na CEDAO - porque ésó Cabo Verde e Guiné-Bissau - os outros ou são anglófonos ou francófonos -- entãoficaríamos muito limitados - mas penso que é sempre bom porque de qualquermaneira a gente tem uma situação em que as outras pessoas não falam o português -portanto quem fala português é que tem que ter esse domínio de uma terceira línguaainda - ou de uma segunda neste caso - para ter maior contacto com colegas nessasreuniões ou noutros encontros -- quem fala da CEDAO fala de outros encontrosinternacionais onde de facto o português é menos utilizado - utiliza-se mais é inglêsou francês -- e eu penso que neste momento é muito importante - então o domínio dalíngua inglesa é extremamente importante -facilita bastante// Há bocado falamos do crioulo nas escolas. E na alfabetização de adultos, achaque o crioulo poderia ou deveria ser utilizado na alfabetização de adultos? eu penso que sim - que é uma situação… aliás acho que já é utilizado - pensoque se começa muitas vezes por se fazer essa primeira abordagem… quando sãoadultos já começa pelo… pelo crioulo -- eu acho que é um situação que se devemanter - inclusive… tendo em conta inclusivamente muitas vezes a própria idade daspessoas - que são pessoas que não tiveram muito contacto com a língua portuguesa --e que se pode começar… provavelmente poder-se-ia pensar também se no ensinobásico - no primeiro ano do ensino básico - não se começaria com o crioulo - paradepois se começar a introduzir a língua portuguesa - à semelhança do que já faz naeducação de adultos// Qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura deCabo Verde? Estou a pensar nas diferentes manifestações culturais, mesmo as maispopulares, batuque, funaná, morna… mas também cinema, literatura, teatro… bom aí é mais o crioulo - particularmente se a gente for para a música -- se agente for para a música cabo-verdiana - o que vemos é que pelo menos músicas cabo-verdianas em português é… o número é extremamente limitado// Mas acha que faria sentido? eu penso que… não sei se a gente falaria em fazer sentido ou não -- maspoderíamos dizer que se calhar as pessoas… as pessoas pela pela formação - pelavivência - a questão da afectividade que temos estado a falar - têm mais… estão maispreparadas e em melhor condições de comporem em crioulo do que em português --se formos ver - composições em português - cabo-verdianas - temos muito pouco -(?) do crioulo - se a gente for para música -- a literatura aí a situação já é inversa -literatura temos muita literatura em… é utilizado o português - penso esse aí nãohá… não haveria grandes problemas// Mas o que é que acha, que a literatura escrita, ficção, poesia,… acha que eladeveria ser em crioulo em português? não - eu não falaria em dever ser em crioulo ou em português -- mas eu pensoque depende do escritor e das condições que ele tem de se expressar melhor - ou dainspiração que tiver - das condições que tiver para fazer em português ou em crioulo -- mas o que nós vemos também… como ainda se lê muito pouco em crioulo - seformos ver se calhar nem há muita saída neste momento de livros escritos em crioulo-e em português a gente tem mais saídas// Teatro, cinema… teatro eu vejo muito o crioulo - já no teatro -- em cinema também veria muitoo crioulo// Comunicação social… eu penso que a comunicação social até deve criar condições de maiorutilização do crioulo -utiliza pouco// Há bocado falou-me da sua preocupação em falar um português correcto. Oque é para si o português correcto? ((risos)) bom eu sei que… a gente sabe que há regras - há regras gramaticaisque devem ser respeitadas - há o termo mais adequado a utilizar - um pouco nessapreocupação// Como é que acha que os cabo-verdianos falam português? Como… há bocadose referiu a isso… em termos de português de Angola de Brasil de Portugal, não é?Português mais ou menos correcto, como é que acha de um modo geral os cabo-verdianos falam português? em termos de correcção? Em termos de correcção, sim, em termos de aproximação ou não ao portuguêseuropeu… Acha que eles falam de uma forma própria, específica? a:: depende - já tiveram situações em que tínhamos um português certo - quese aproximava mais da de… depende - se calhar essa aproximação dos europeus variaum pouco - nós temos… vemos que às vezes até depende da ilha de origem da pessoa- se é urbana ou se é rural - nós vemos muitas vezes - por exemplo - pessoas… secalhar às vezes até ao falar português consegueum pouco ver de que ilha a pessoa é -pelo menos se é barlavento ou sotavento - se calhar até conseguimos ver pela formacomo fala português - nem sempre - mas em algumas situações sim - consegue-se -não é? mhm penso que o português que nós falamos é muito marcado pela nossa ilha deorigem - pelo tipo de crioulo que falamos -nós vemos por exemplo que às vezes -emtermos de utilização do i ou do e temos algumas dificuldades - a pronúncia do r é é…varia muito -nós vemos que pessoas que estudaram em Portugal - acabam por ter umportuguês um pouco diferente dos que estudaram no Brasil - as pessoas que foramestudar em países de língua inglesa ou francesa - alguns acabam por ter um portuguêstambém um pouco diferente -varia um pouco - penso que neste momento a gente temuma situação até de grande variedade// Diria que temos um português cabo-verdiano, que o cabo-verdiano falaportuguês a maneira dele? não sei se… diria… falaria de um português cabo-verdiano -- talvez falassede um português… porque… mesmo… eu vejo um pouco que mesmo em CaboVerde - o português que nós falamos aqui em Cabo Verde - também tem… é… háuma grande diversidade -se é pessoa urbana ou rural -e a ilha dessa pessoa// O que pensa disso, se é bom, que deveria ser assim não deveria ser assim,como é que deveria ser…? não - eu penso que há algumas situações em que temos de nos esforçar parafalar um pouco melhor - não é? por exemplo - quando nós temos algumasdificuldades em palavras - quando há um e a gente vê muitas vezes essa tendência doi ou e trocados - não sei quantos - aqui penso que a gente poderia fazer um poucomais de esforço - mas às vezes também a gente comete erros e se não há ninguémpara chamar a atenção - para avisar - para mostrar como é que é - então acaba-se porficar com essas dificuldades -- porque se a pessoa não procura por ela própriamelhorar - aqui em Cabo Verde acaba-se por ter alguma dificuldade porque não háninguém que chame a atenção - que diga ah não é assim - não sei que mais - vê-seque falta um pouco isso - mas eu penso que deveríamos um pouco… em algumassituações -melhorar o português que falamos// Melhorar significa falar mais próximo do português europeu? eu se calhar seja um pouco marcada por esse português europeu - mas pronto- eu vejo… e:: utilizei… falei de falar correctamente… mas eu penso que a gentedeveria ter melhor… maior... ter mais facilidade de expressão - ter melhor capacidadede comunicação - e por exemplo utilizar… às vezes a gente vê que nós temos algumadificuldade - utilizar verbos da forma mais correcta -- quando é conjuntivo - a gentenão está a utilizar conjuntivo - estamos a utilizar outros tempos - penso um pouco…aprendermos isso um pouco mais -- eu penso que se calhar - também nas escolas nãose está a ensinar nessa via - não sei como é que está a ser o ensino da línguaportuguesa - mas talvez haja um pouco essa dificuldade - aí há uns tempos porexemplo - eu estive a ver… há neste momento… a RTP África tem dois programasde… não sei se já viste alguma vez? Sim. Sim. sobre língua portuguesa - há um que é com o Diogo Infante - muitointeressante - que é Tento na Língua - inclusive… por acaso ultimamente não tenhoconseguido apanhar porque eu às vezes perco o… a hora do programa - e como elesnão põem a hora também - neste momento nem sei a que horas é - mas é umprograma muito interessante -- inclusivamente houve um dia em que ele dedicou oprograma ao português… a Cabo Verde -- então foi para um local - devia ser umaassociação ou quê - comeu cachupa - e lá foi utilizando algumas palavras - falou comumas pessoas e dizia… e utilizava alguns termos - em crioulo como é que é? emportuguês como é que é? falava com a senhora -foi muito interessante// Já sei. e eu tinha visto por exemplo um outro em que era o português da Madeira -mas também em que se via… inclusivamente acabaram por mostrar - tal palavraem… na Madeira diz-se assim - em Portugal é assim - em Portugal quer dizercontinente - no continente é assim -- deram vários exemplos - inclusivamente umafrase inteira alguém não entendia nada - porque tem outros termos específicos -- jáfoi uma comparação entre o português falado no Brasil e o português falado em… emPortugal -- eu tenho estado a ver - pelo menos nos últimos dias vi um à noite - já nãome estou a lembrar… acho que é Bom Português - há esse - Bom Português -- há umoutro programa também - que eu tenho estado a ver - também sobre a línguaportuguesa - eu até penso que em Cabo Verde deveria haver coisas deste género --inclusivamente penso que deveria haver provavelmente uma colaboração entre a RTPÁfrica e a televisão de Cabo Verde - para passarem programas desse… desse género- porque mesmo o Brasil tem algo do género - eu até - já tive a oportunidade de ver aTV Globo - e a TV Globo tem um tipo de programa também - que pergunta àspessoas na rua - o que é que é mais correcto -é dizer isto ou isto?  - eles perguntama várias pessoas - e depois põem a forma mais correcta - tipo do Bom Português -penso que a gente até poderia ter programas desse… desse género// Dra. X, eu não tenho mais questões… não sei se fui útil Não, muito útil. Se tiver algum comentário às questões que tratamos, se quiseracrescentarmais alguma coisa que tenha querido dizer e que eu… não - penso que foi possível a gente falar um pouco sobre a questão docrioulo -- aliás eu de facto uso - em termos de utilizar no dia a dia - como já disse -desde o início - é mais o crioulo - mas eu gosto de falar português quando fornecessário - com pessoas com quem deva - deva… não é dever falar - mas compessoas que ou só falam português ou não entendem o crioulo -então a gente utiliza oportuguês - eu gosto -- tenho um pouco a tendência de aprender e tentar saber umpouco mais das coisas - portanto um pouco esta abertura -- agora – espero ter sidoútil// Não, com certeza. Muito obrigada mais uma vez.1Indicação de um alto cargo político.2Tradução para português: Ah! Um português a comer torresmo!3Tradução para português: Não, sou dos Órgãos!4Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental" -INF15.wav,"Dra. X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A primeiraquestão que eu lhe queria colocar era a seguinte: antes de entrar para a escolaaprendeu a falar o crioulo, o português os dois? aprendi a falar português ainda no pré-escolar - na escola dominicana -nazareno -igreja nazareno// Mas, em casa…? e também em casa// Também. Em casa apreendeu a falar só o português ou…? os dois// aprendeu a falar os dois? aprendi a falar os dois// E ouvia o crioulo onde, com quem? o crioulo com a empregada -e com a minha mãe também// E o português? o português ouvia mais da parte do meu pai -e dos professores com quem… Não. Antes de entrar para a escola… sim -sim -frequentei portanto a escola Dominica -pré-escolar … Aqui em Santiago? aqui em Santiago -na Praia// E ouvia o português aí? Que idade tinha nessa altura? Era… seis -tinha cinco seis anos// mas antes de entrar para a escola, essa escola dominicana, tinha aprendido…? também o português e o crioulo -em casa// E actualmente, em casa, com os seus familiares e os colegas e amigos maispróximos, usa oportuguês ou o crioulo? uso mais o crioulo -em casa mais o crioulo// Mais? Em casa, falar português ou crioulo depende de quê, do assunto …? muitas vezes do assunto -mas continuo usando mais o crioulo em casa// E que tipo de assunto é que em casa fala português e com quem? bom - em princípio falamos português quando é para explicar - digamosassim -como meio de… eu diria até de convencer qualquer coisa - quando se discutequalquer coisa// Em casa? em casa// Com os seus filhos…? com os filhos - com… às vezes uso o português para exprimir melhor - maspronto - o corriqueiro é falar crioulo no dia a dia// Podia falar-me um pouco mais clara… especificamente disso, o português emcasa com quem com que finalidades, o crioulo em casa com quem com quefinalidades? por exemplo - usamos o português pronto - quando ele tem de apresentaralgum trabalho-a gente discute em português// Quando o ajuda a fazer os trabalhos? quando o ajudo a fazer os trabalhos a gente discute em português e - porexemplo -quando ele pretende entender as coisas// O seu filho, está-me a falar do seu filho? sim -é com quem mais -portanto -falo o português em casa// E diga-me, como é que considera a sua … o seu domínio do português, de ummodo geral, falar ler e escrever? E também no crioulo, falar, ler, escrever. Lê eescreve em crioulo? muito pouco - a escrita… bom - para mim crioulo é mais verbal - uso mais nacomunicação -- a escrita - embora acredite que se tentar consigo - mas como não háuma caligrafia -ou uma ortografia estabelecida - eu não… não utilizo crioulo// E ler, costuma ler alguma coisa em crioulo? Já leu, assim, ainda queesporadicamente? não - só se tiver alguma coisa escrita - assim um anúncio ou… mas procurarum livro em crioulo para ler -não// E escrever, nunca tentou escrever em crioulo? não// E falar? Fala o crioulo de que ilha? Desta ilha, de Santiago. Mas fala o crioulodemais alguma ilha? pouco -- eu falo o crioulo de São Vicente mas só para me fazer entender - nãoé rotina// E para se fazer entender com que tipo de pessoas? pela profissão - a gente às vezes recebe pessoas doutra ilha - e tentamoscomunicar nos outros crioulos -mas… Diga-me, aqui, quando atende os seus pacientes, usa o crioulo ou o português? normalmente crioulo - mas quando vem um paciente - portanto estrangeirosobretudo quandoé um brasileiro -ou alemão -ou… aí usamos o português// Mas com os…as pacientes cabo-verdianas? cabo-verdianos -normalmente o crioulo// Normalmente o crioulo. E se forem pessoas de barlavento, aí usa…? uso às vezes o crioulo de barlavento// E se for de sotavento? não -sotavento// Disse-me que às vezes… Quando usa o crioulo de sotavento com pacientes debarlavento,como é que é a compreensão? dependendo - digamos - da escolaridade -- porque se for uma doméstica - àsvezes tenho mesmo que recorrer ao crioulo de barlavento para me fazer entender// Com todas as suas pacientes usa o crioulo ou em algumas circunstâncias oportuguês, para além das estrangeiras, estou a falar das cabo-verdianas. às vezes - os cabo-verdianos - quando são técnicos superiores gostam…depende da introdução - se o paciente começar a consulta em português - a gente falaportuguês -- quando é técnico superior ou quadro - às vezes sim - usam o portuguêsna consulta// E já aí…? a consulta é feita em português// E em termos do português, prefere falar ler ou escrever? Qual é que sente maisà vontade, a falar, ler ou escrever o português? bom… a escrita eu acho que domino - e a falar também -- a leituraultimamente leio menos o português// Lê noutras línguas? sim// E como é que se sente quando fala português? Sente-se à vontade, ficapreocupada com a forma como diz, tem medo… dúvidas, tem medo de errar ou nempor isso? nem por isso// Então sente-se à vontade. Dra. X, vou-lhe pedir para pensar nas três pessoascom quem mais conversa fora do seu círculo familiar, e que me definisse o perfildessas pessoas. Naturalmente que eu não quero a identidade delas, quero o perfil, emtermos de idade, sexo, estrato social, que língua fala com essas pessoas, crioulo ouportuguês? fora do círculo familiar? Fora do círculo familiar, no trabalho e outras actividades. portanto… Associações a que eventualmente pertence… sim - sim -- associação - por exemplo - tenho… pertenço à associação APonte - que é dos doentes mentais - a gente tem reuniões periódicas - e aí falamos oportuguês -portanto -habitualmente// Eu estou a pensar nas pessoas, exactamente com quem… digamos, são aspessoascom quem mais interage, com quem mais conversa… isso -portanto… Independente de onde é que elas estejam. a minha colega -digamos -de profissão - que é um técnico superior… Sexo feminino? sexo feminino// Idade, mais ou menos? cinquenta e dois cinquenta e dois// Com ela fala em crioulo…? falamos mais o crioulo// Sobre que tipos de assuntos?(…)Assuntos de trabalho, pessoais, íntimos, familiares, políticos … mais de trabalho// Mais de trabalho…? mais de trabalho// E em crioulo? em crioulo// Em alguma circunstância usou o português? muito raramente// Muito raramente. E a segunda pessoa? a segunda pessoa -digamos -seria vizinha// ViziNHA…? vizinha - também falamos pouco português - é mais crioulo - também étécnico superior// Tipo de assuntos? é mais social - aí já entra mais o social do que…. é vizinha - nós não temosmuita coincidência no trabalho -émais social// Terceira pessoa? bom… terceira pessoa… ((risos)) Fala com…? sexo masculino - colega de trabalho - técnico superior -- a gente fala umpouco pessoal e do trabalho// E é…? idade cinquenta e dois// Crioulo, português? mais crioulo// Mais crioulo? mais crioulo// Normalmente, qual é o perfil das pessoas, o tipo de pessoas com quem falacrioulo? Estou a pensar no tipo de contacto que tem com essas pessoas, mais familiarmais distanciado, se é um familiar, colega, desconhecido, superior hierárquico, umaautoridade…? contacto tem mais - digamos -social ou familiar -- superior hierárquico muitopouco// Autoridades? autoridades… (…) Diga-me, aqui no trabalho, na relação com superiores hierárquicos,eventualmente, enfermeiros, com outros médicos, crioulo, português? superior hierárquico às vezes português - com colegas de trabalhocontinuamos falando crioulo// Em crioulo. Que tipo de assunto fala com os seus colegas de trabalho? Èestritamente profissional ou também pessoal, social…? E há alguma mudança decrioulo para português quando mudam do tipo de assunto? às vezes quando é o social a gente utiliza o português// E…? no trabalho - nós acabamos sempre por fazer… bilinguismo - porque como aescrita é em português - somos obrigados a fazer a tradução - digamos - on line-embora… Com as enfermeiras usa o crioulo ou o português? não - também uso português porque dou aulas de formação -- uso o portuguêstambém -às vezes// Não nas aulas, estou a dizer nas relações aqui, de apoio, assistência, troca… nas relações é mais o crioulo// Mais o crioulo. Quando viaja para outras ilhas também muda? Barlavento …crioulo de Santiago - crioulo de barlavento, conforme a ilha a que se desloca, ou nempor isso? mais o barlavento -porque nas outras ilhas eu falo o crioulo da Praia// Mas quando vai a ilhas de barlavento… barlavento -Sal -Santo Antão -São Vicente// Já, em alguma circunstância, falou o crioulo de Santiago nessas ilhas? E comoé que foi a compreensão? eu (?) restritiva - aí falo logo o crioulo de barlavento sabendo que… ondeestá… com pessoas do barlavento -então eu… Usa crioulo de São Vicente. Os lugares, os ambientes, as circunstâncias levam-na a usar o crioulo ou o português? Poderia falar-me um pouco disso? Estou a pensarem lugares como mercado, as lojas, repartições públicas, bares, restaurantes. em princípio -afora as repartições públicas -eu uso sempre o crioulo// Quando vai a uma repartição pública… numa repartição pública uso mais o português// Porquê? me parece um pouco força de hábito - sei lá - institucionalização - porquecomo vamos sempre tratar algum assunto -a gente utiliza mais o português// Há bocado disse-me que usa o português com o seu filho quando o querconvencer de alguma coisa. Mas quando quer, por exemplo, exprimir um sentimento,ou falar de algo que a emociona ou irrita, namorar… usa o crioulo? Rezar orar, usa ocrioulo ou o português? o português// Português? para rezar ou quando algo me irrita ((risos)) é em português// Namorar? as duas coisas// Pense na última semana. Falou mais crioulo ou português? mais crioulo// Mais crioulo. E durante mais tempo seguido, crioulo ou português? também// Também o crioulo. O português? não -o crioulo// O crioulo. Em alguma situação já lhe aconteceu usar crioulo mas ter preferidousar português? Ou, ao contrário, usar português mas ter preferido usar crioulonaquela circunstância? Pensar: eu preferiria ter usado…ou ter este sentimento? não// E ouvir, habitualmente qual é que ouve mais, crioulo ou português? crioulo// Ouve portuguêsde onde, para além da rua, não…? rádio -e às vezes o telejornal// Português? português// E o crioulo? o crioulo em todo o lado -na rua -no convívio// E que tipo de assuntos ouve habitualmente as pessoas a falarem em português,as pessoas a falarem em crioulo? bom -português - normalmente a gente ouve menos// As pessoas… normalmente quando escuta as pessoas a falar o português e ocrioulo, habitualmente qual é o tipo de assunto que é abordado numa e noutra? o português é mais - assim - social ou do trabalho - assuntos de trabalho ousocial -se for académico também é em português -- o crioulo é o dia a dia// Já me disse que não costuma ler e escrever em crioulo. Mas, estando numadeterminada circunstância, num determinado ambiente, a falar crioulo, o que é que afaria mudar para português? Chegada de alguém, que tipo de pessoa? A mudança deassunto, de quetipo de assunto para que tipo de assunto? talvez as recomendações - sei lá - estamos numa discussão - discussãoacadémica ou discussão laboral… Isto ocorre em? no ambiente de trabalho -mas quando chega a … Está a decorrer em crioulo? em crioulo -- mas quando chega a recomendação - a gente troca paraportuguês// E porquê? continua sendo a forma -digamos -oficial// Porque vai ser escrito ou mesmo que não vá ser escrito, essa recomendação? eu acho que é uma forma mesmo - uma postura - as pessoas têm essatendência quando é algo mais… digamos -mais oficial -e mais… Mais sério? mais sério -é em português// Em português. E ao contrário, estar a falar português e mudar para crioulo? às vezes acontece - sobretudo quando estamos com um paciente - temos … aapresentação de algum tema -o tema normalmente é feito em português// Exacto. mas para… pronto - responder as questões - as pessoas às vezes põem emcrioulo// Em reuniões de médicos? reuniões de trabalho - ou mesmo na comunidade -- as reuniões são feitas emportuguês mas há… Só para perceber a distinção. Nas reuniões académicas, digamos, entremédicos como é que as coisas se passam? E na comunidade, com as mães aqui noPMI, como é que as coisas se passam? aqui - por exemplo - a gente faz a apresentação - breefing do tema - emportuguês// Mesmo para… mesmo para médicos// Entre médicos ou entre… com as mães ou…? mesmo com os pacientes falamos o português - introduzimos o tema - edepois deixamos as pessoas à vontade -- a grande maioria prefere colocar as questõesem crioulo -- e aí somos quase que obrigados a fazer a tradução e desenvolver o temaem crioulo - portanto - passamos da apresentação - para a discussão em crioulo --muitas das vezes - no final - as recomendações vêm de novo em português - porqueas pessoas vão encontrar - ou vão ouvir os spots e os lemas todos em português --temos… quase que somos obrigados a pensar em - crioulo portanto - mas nacomunidade -portanto académico - a gente prefere o português -as discussões a níveldos médicos -sobretudo de trabalho - é tudo em português// Aqui mesmo? mesmo aqui - quando fazemos congressos - reuniões de trabalho - é tudo emportuguês// Mas aqui, digamos, no dia a dia, portanto, é crioulo. Dra. X, o que é que pensado crioulo? Há pessoas que dizem que não é uma língua, que não tem gramática, édialecto não é dialecto, tem qualidade não tem qualidade… a Dra. X, pessoalmente oque é que pensa disso? eu acho que é um dialecto -língua ainda não é// Porquê? porque… é assim - talvez por essa dificuldade em escrever - não há umalfabeto// Há um alfabeto oficial, o ALUPEC? oficial -ahé? mhm mhm mas pronto - não está tão divulgado - digamos assim -- para mim ainda ocrioulo não é língua -- eu tenho sérias dificuldades de me expressar totalmente emcrioulo - eu não encontro o termo - eu uso o português -- e digamos - a matemática -as ciências - continua não havendo em crioulo -- pode até ser que haja quem trabalhebem em crioulo -mas eu ainda não me sinto à vontade// Que dificuldades é que sente? Já me disse as palavras… palavras// Técnicas, se percebi bem. Tem mais alguma dificuldade? e às vezes mesmo - digamos - a abordagem - a forma de se expressar - muitasdas vezes faltam alguns encaixes -a gente fica mais à vontade no português// Exprime melhor as suas ideias emcrioulo ou em português? em português// Em qualquer circunstância, casa, trabalho? no trabalho mais o português// Exprime melhor… O que é que acha das pessoas que usam o crioulo, achaque… Recolocando a questão: acha que o crioulo é adequado, mais adequado, paracerto tipo de pessoas e o português para um outro tipo de pessoas, o crioulo éadequado para um certo tipo de assuntos e o português para outros, para certoslugares… como é que vê essa questão? eu via essa questão mais em termos de lugares - acho que todos podem falar ocrioulo -mas há lugares em que… Há quem entenda, por exemplo, que o crioulo é uma língua ou dialecto, seja oque for que as pessoas pensem, mais para as pessoas sem instrução, sem educação… não - eu não diria isso -- eu acho que todos podemos falar o crioulo - atéporque… é só ver quando se juntam dois ou quatro crioulos - é a língua quepredomina - mesmo que haja estrangeiros no meio a gente fala em crioulo - atéporque lá fora a gente encontra… e o crioulo predomina -- mas há ambientes - porexemplo -exposições e reuniões -continua sendo… o português ainda prevalece// Mas porquê? me parece que fica mais sério -o clima dá uma sensação de autoridade - sei lá- oficial -- porque exprimir completamente em crioulo… há sempre aquela tendênciade banalização - eu continuo a defender isso - quando se exprime em crioulo - àsvezes a gente envereda por caminhos - digamos - menos sérios do que se for emportuguês// Mas a brincar ou…? não é só a brincar - o termo que utilizam - muitas vezes… é até às vezesofensivo - e… quando é em português - pensa-se um pouco antes de dizer os termos-quando é em crioulo -tudo é permitido - a concordância… Em termos de relações humanas? isso - em termos de relações humanas e em termos de conteúdo também --tipo quando você diz algo em crioulo - muitas das vezes o conteúdo fica muitosuperficial -não vai à essência -se diz em português fica dito// Mas porquê que isso acontece? me parece que é de novo a questão de escrita - porque nós quando falamos -já estamos a pensar em colocar aquilo por escrito - ou deixar um registo - então aspessoas procuram as palavras e a forma de se expressar -por forma a ficar registado -quando é em crioulo há uma certa dificuldade -me parece isso// Há bocado disse-me que quando os cabo-verdianos se encontram falam crioulonaturalmente, instintivamente. Que relações estabelece entre ser cabo-verdiano e usaro crioulo? eu acho que isso é uma bandeira -o cabo-verdiano se identifica com o crioulo- é cultural - é:: étnico - digamos -- o cabo-verdiano… até vemos isso na segunda -terceira geração -há sempre essa preocupação de aprender o crioulo - mesmo que nãoseja falar -masentender -portanto há… cria… Admite a possibilidade de um cabo-verdiano não gostar ou não saber ocrioulo? não gostar -não diria -- mas não saber -admito// Em que circunstâncias? portanto um cabo-verdiano que… não diria de raízes - mas pronto que nãotem porquê falar crioulo -- esta lá fora - é imigrante e para sobreviver… portanto foipara lá… e é casado ou vive com estrangeiros -não tem essa necessidade// Certo. E em relação ao português, ser cabo-verdiano e falar português, gostarde português? O que é que o português significa para…? eu acho que todo o cabo-verdiano sente que tem essa linha portuguesa - masnão… portanto… não sente… pronto… na obrigação de falar português -- enquantoque o crioulo não - todo o cabo-verdiano sente obrigado - digamos - a falar crioulo -mas pode não falar português - mas se identifica com… lusofonia - o facto de sercabo-verdiano// Diria que o português é uma língua, digamos, de identidade, tal como o criouloou vê alguma diferença? eu até -até ousaria dizer que sim// Em pé de igualdade? em pé de igualdade - embora… embora… quer dizer - a crioulidade é maisvinculativa - digamos -- portanto - você pode não falar o português - mas fala crioulosendo cabo-verdiano// Como é que vê a… digamos, a situação linguística de Cabo Verde no futuro?Acha que se deveria continuar a usar o crioulo e o português? Para quê, falar ler eescrever? eu acho que se deve investir um pouco mais no crioulo// Como assim? amadurecer… a escrita - sobretudo a escrita - porque vejo a nova geração -eles mandam e-mails - é tudo em crioulo - e já que estão mais familiarizados -digamos assim - com o crioulo -- mas não descoro a hipótese ou… do portuguêscontinuar a ser a nossa língua// E o português… Em termos de oficialização, crioulo, português, os dois?Como é que vê essa questão da oficialização das línguas? aí -eu aposto num futuro breve - na oficialização dos dois// E nesse caso, para ler e escrever… estou a pensar nas três habilidadeslinguísticas, falar ler e escrever. Vê alguma distinção entre o crioulo e o português?Seriam usados em que domínios, em que circunstâncias? Há bocado disse-me, porexemplo, que acha que o português é mais adequado para circunstâncias mais sérias.Veria… como é que vê, digamos, esta engenharia? não - se o crioulo ganhar a dimensão de língua oficial - eu não vejo - nenhuminconveniente em - escrita - fala - e crioulo e português em pé de igualdade -- maspara isso o crioulo tem que amadurecer// Com todas as pessoas, em todos os lugares e circunstâncias? sim -sim --o crioulo tem de amadurecer um pouco mais// Acha que se devia ensinar o crioulo nas escolas? também acho// Bom…duas questões: como uma disciplina, não é? Ensinar… os alunos teremaula do crioulo, para aprenderem a ler, escrever e falar crioulo, e ou o crioulo ser alíngua de ensino, ensinar a matemática, ensinar geografia… Como vê a questão doportuguês, desculpe, do crioulo, no ensino? acho que o crioulo ainda -para ensino não responde// E responderia se…?(…)No caso de haver desenvolvimento do crioulo, como é que veria…? isso ainda está muito longe// Não veria…? ainda não vejo muito bem// E na alfabetização de adultos, tem alguma percepção se o crioulo deveria oupoderia ser usado na alfabetização de adultos? eu continuo achando que tudo o que seja ensino - o crioulo ainda não… nãoamadureceu -não responde -mesmo na alfabetização// Qual é que, para si, exprime melhor a cultura de Cabo Verde, o crioulo ou oportuguês? o crioulo -o crioulo exprime melhor a cultura// Admite a possibilidade de mornas, coladeiras, funaná, ser em português? ((risos)) não sei… nunca pensei nisso -- mas acho que… bom - ainda ocrioulo na expressão artística -exprime melhor// E no teatro, cinema, literatura escrita, poesia e romance? aí já… o português aí já exprime -- bom - cada um exprime como pode - maso português pode muito bem exprimir a via artística em termos de romance e poesia -eu acho que o cabo-verdiano se exprime também em português// O que é que acha dessa situação que nós termos, de às vezes usarmos ocrioulo, às vezes usarmos o português? O que é que acha dessa situação? bom… eu acho que às vezes… embora as pessoas - sobretudo as criançasquando aprendem - às vezes fazem alguma confusão - o facto de a gente ter essa…essas duas línguas// Confusão em termos de…? de se exprimirem - você… quando fala com uma criança que está a começara apreender// Ok. E em termos de uso, acha que nós sabemos sempre com quem, onde equando usar uma língua ou outra? É natural termos de usar essas duas… o crioulo e oportuguês? Como é que vê esta circunstância, em termos de uso? eu acho que as pessoas distinguem -sim// Elas distinguem, sabem sempre quando…? acho que sim// Não têm embaraço. Há bocado falámos na oficialização do crioulo. No caso daoficialização do crioulo, não é? Qual o crioulo que seria oficializado? Para si existealgum crioulo que seja o crioulo verdadeiro, mais adequado para ser oficializado? é a tal história - continua a parecer que o crioulo da Praia é o crioulo -digamos - genuíno - e que daí tenha derivado os outros - mas há quem defendatambém o crioulo de barlavento - por ser mais próximo do português -- às vezes - aífica um pouco… Mais genuíno porquê, o crioulo de Santiago? o crioulo de Santiago - me parece que - em todas as ilhas a gente sempreconsegue encontrar algum termo que é crioulo de Santiago - com as nuances - de ilhapara ilha -mas quer dizer - a construção… embora esteja a pensar agora no crioulo deSanto Antão que é completamente diferente - fica complicado realmente eleger umcrioulo -- eu continuo achando que a escrita devia ser - quer dizer o alfabeto… mas aescrita com as nuancesregionais -ou de cada ilha// De cada ilha? escolher um crioulo -continua sendo bem difícil// O que é que acha ser mais comum no mundo actual, ter apenas uma língua, ter,saber apenas uma língua ou mais que uma língua? mais do que uma língua -inclusive por exemplo -se a gente pegar aí -a Suiça- falam francês e inglês correctamente -- eu acho que para além do crioulo - para nós-o que o futuro nos reserva é crioulo e português// O que é que pensa das pessoas que falam mais que uma língua? Acha que sãomais inteligentes, têm mais possibilidades de avançar? não - têm mais possibilidades - ficam mais abertas -- o facto de conhecer aslínguas são uma abertura até para… para o aprendizado - se você só sabe uma língua-está limitado -está mais fechado// Como é que acha que os cabo-verdianos falam português? ainda falam mal o português - horroroso -- me parece um pouco por termosessa mania ou esse hábito de falar o crioulo em tudo - e cada vez se utiliza mais ocrioulo - agora se utiliza nos parlamentos - começa a se utilizar nas escolas - e entãoisso faz com que as pessoas falem mal o português - também a leitura - e escrevemum pouco// Para si, o que seria falar bem o português?Seria falar… diga, diga. não - talvez a expressão… quer dizer - no trabalho por exemplo - se aspessoas falassem mais o português no trabalho - se dirigissem umas às outras emportuguês… E? e nas escolas// Não, estou a dizer em termos mais de língua. Falar bom português é falar quetipo de português, sei lá… português à moda do Brasil, à moda de Portugal, à modade Cabo Verde, à maneira mesmo de Cabo Verde? É meter palavras do crioulo noportuguês, é não produzir sons que confundem com sons do crioulo,.. Esse tipo dequestões. bom - talvez seria falar o português de Portugal - falar o mais próximo desseportuguês -- porque eu vejo que agora se utiliza muito ou se confunde muito oportuguês brasileiro das novelas - e pela influência -- com o português de Portugal -primeiro -- segundo - as terminologias - como temos o crioulo - há uma tendência acrioulizar o nosso português - isso se nota quando as pessoas falam - a concordânciagramatical - a ordem - e às vezes até o termo - utilizam termos que - a rigor - nãoexiste em português -mas pronto -pensa-se que está-se a falar o português// Acha que, digamos, essa maneira de falar pode-se pensar que seja umportuguês de Cabo Verde, assim como existe o português do Brasil, por exemplo? acho que é o português mal falado -- eu não… eu não diria que é o crioulo deCabo Verde -- mesmo o que se diz - o português do angolano - o português do são-tomense - eu acho que português é português de Portugal - e o português do Brasil -não vejo muito essas nuanceslusófonas -ou de PALOP// Dra. X, eu não tenho mais questões, mas se quiser acrescentar algumcomentário, mais alguma coisa que ache que seja interessante, esteja à vontade. não - eu continuo admitindo que nós herdamos… essa herança… a língua éportuguesa - herdamos - e portanto faz parte - mesmo que se desenvolva o crioulo - oportuguês se identifica com Cabo Verde// Está bom. Então, mais uma vez, muito obrigada." -INF16.wav,"Bom dia, professor X. de nada -não é? Que eu agradeço. A minha primeira pergunta é a seguinte: antes de entrarpara a escola, portanto quando criança, aprendeu a falar primeiro o crioulo ou oportuguês? primeiro o crioulo// E já tinha ouvido falar o português? claro - já tinha ouvido falar o português -- normalmente costumava ouvirleitura das cartas que as minhas famílias escreviam para os meus pais - não é? e omeu pai sabia ler na altura e normalmente… normalmente - tinha hábito de ouvirportuguês -- tinha irmãos também em casa - que estudavam - não é? faziamleituras - o meu pai obrigava-os a fazerem leitura em casa - preparar a leitura emcasa para apresentar em casa - não é? mais ou menos essa foi a primeiraconvivência que eu tive com a língua portuguesa// Comunicação social, rádio, igreja…? claro! também! a comunicação social também - o meu pai tinha umrádio… um receptor em casa - e também frequentava a igreja - nos Órgãos -antigamente - praticamente todo o mundo era religioso na altura - então a missana altura era dada - por assim dizer - em língua portuguesa - os padres falavamsempre na língua portuguesa -- daí que foi mais ou menos isso que me despertoupela língua portuguesa// E actualmente, em casa e com os seus amigos e colegas,qual é que fala? normalmente - em casa falo o português - e falo o crioulo -- sim hácolegas que… Em casa, com os familiares? em casa… normalmente eu moro… recentemente é que adquiri família -mas morava sozinho - nós… discutimos - não é? eu morava sozinho e tenhovários amigos - de acordo com o nível - há alguns que exigem mesmo falarportuguês - para que possamos treinar mesmo a língua - porque convivo dentro deum meio de professores - amigos - principalmente de professores - quenormalmente sentem essa necessidade de aperfeiçoar a língua portuguesa - e nós -falamos sobre isso -é mesmo de propósito - para que possamos treinar a língua// Então, com os familiares…? com os familiares normalmente é com a língua crioula// Pronto. Ecom os amigos…? sim// Falar crioulo ou o português depende de quê? depende normalmente do nível// Nível…? nível de escolaridade dos amigos// E… poderia ser mais claro? eu normalmente tenho uns amigos… os meus amigos são professores -- enormalmente quando estamos a discutir qualquer assunto - falamos a línguaportuguesa// Portanto, depende do assunto, falar português ou crioulo? sim - do assunto - depende mais do assunto -- porque quando o assunto émais académico sempre falamos a língua portuguesa - não é? quando o assunto éum assunto de convivência - assim de divertimento - falamos a língua crioula -normalmente// Está bom. Como é que avalia a sua competência geral em português e emcrioulo? bom - em crioulo não tenho problemas - não é? tenho certeza -- é a minhalíngua materna - não é? é a língua de berço -- quanto à língua portuguesa - sintoque normalmente posso ter algumas dificuldades - porque às vezes uma pessoapossa estar distraída - pode entrar na sua língua materna - não é? por isso…quanto à sala de aula não sinto que tenho tanto problema assim - sim - comoprofessor na sala de aula não tenho… E crioulo doutra… fala crioulo de outras ilhas? sim - falo crioulo das outras ilhas - porque eu estive dois anos na ilha doSal - por estar no serviço militar - também estive dois anos e tal em São Vicente -não é? eu resido aqui na Praia - e nasci nos Órgãos - então o meu crioulo é assimum crioulo mais ou menos… já consigo entrelaçar as línguas --praticamente… Está bem. E qual é que gosta mais de falar, crioulo ou português? bom a principio gosto de falar mais a língua crioula - não é? é a minhalíngua -obviamente -não é? E escrever e ler? bom - escrever é em língua portuguesa -- e ler também - eu gosto de lerlivros em língua portuguesa// Prefere ler e escrever em português do que ler e escrever em crioulo!? sim// E o que é que… em qual delas exprime melhor as suas ideias, emportuguês ou em crioulo? bom -- depende - não é? depende -- se eu estiver a falar com uma pessoaassim - de um nível… uma pessoa mais escolarizada - assim de um nívelacadémico avançado... eu prefiro falar normalmente a língua portuguesa - prefirofalar na língua portuguesa --se for… Porquê? eu sinto que consigo transmitir mais ou menos a minha… assim - aquiloque eu quero dizer para uma pessoa na língua portuguesa se a pessoa tem nívelmuito elevado de conhecimento - e que consigo mais transmitir aquilo que eupretendo dizer na língua portuguesa do que na língua crioula -- porque às vezes -empregando a língua crioula - eu sinto que não estou a dizer aquilo que eupretendo dizer para a pessoa// Então, fundamentalmente, depende da pessoa? da pessoa -do interlocutor// Ecomo é que se sente quando fala oportuguês e quando fala o crioulo? eu me sinto normal// Não tem…? depende do lugar - não é? há momentos que eu sinto que falando a línguacrioula ou a língua… Sente-se à vontade, sente-se intimidado…? sim -- há lugares que nós frequentamos que temos de falar a línguaportuguesa - por exemplo -- mas quando eu falo a língua portuguesa eu nãosinto… me sinto intimidado -sinto normal// E crioulo, quando lê ou escreve crioulo? o crioulo��� quanto à leitura da língua crioula - eu não consigo ler assim…de uma forma rápida a língua crioula como a língua portuguesa -- é óbvio - não é?nós temos problemas aqui em Cabo Verde quanto a isso - não é? Está bom! eu acho// Senhor X, eu vou lhe pedir o seguinte: que pense no perfil das três pessoascom quem mais fala, com quem mais conversa. Estou a falar do perfil em termosde sexo, da idade dessas pessoas, se são de uma zona rural ou de uma zonaurbana, o seu nível cultural, social…? bom -a primeira pessoa é o… Não. Não preciso do nome. Só do perfil… só o perfil -não é para dizer quem é a pessoa... Não é para dizer quem é a pessoa. Só o perfil dela. A idade… a pessoa com quem eu mais me comunico durante o dia - é uma pessoaque tem aproximadamente trinta anos// Sexo? sexo feminino// Grupo social? ela é professora - ela é licenciada em geografia - não é? ela morava nointerior e agora vive aqui na Praia// Então ela é natural do interior e vive agora aqui na Praia. E a nacionalidadeé qual? ela é cabo-verdiana// esta é a primeira pessoa? é a primeira pessoa// E a segunda? e quanto à segunda pessoa… é do sexo masculino -é do sexo masculino -tem 42 anos - 42 anos -- ele é professor também - ele é professor -- ele é formadona história - não é? veio também do interior - da Assomada e vive aqui na Praiahá vários anos -vários anos -- de nacionalidade cabo-verdiano --é isso -não é? Sim. Já me disse o sexo. Já me disse o grupo social… Vamos à terceirapessoa? e a terceira pessoa tem quase trinta e oito anos - não me lembro bem -- elemora aqui na Praia - ele é polícia - polícia de ordem pública -- sexo masculino -veio do interior… Écabo-verdiano também? é cabo-verdiano// Agora diga-me, com qual é que fala com cada uma dessas pessoas, criouloou português? a primeira pessoa nós falamos normalmente a língua crioula… às vezes … Sobre que assuntos? assuntos íntimos - falamos na língua na língua crioula -- mas hámomentos que nós falamos a língua portuguesa// Que momentos? porque às vezes nós falamos de coisas… bem da escola - não é? assuntosacadémicos - temos a mesma profissão - não é? quando estamos entre… quandoestamos a preparar a aula por assim dizer -falamos a língua portuguesa// E em que lugar e circunstâncias vocês costumam falar? normalmente é em minha casa -na minha casa// Pessoa dois? pessoa dois… falamos também português e crioulo - ele é professor - nãoé? então quando estamos a falar assuntos académicos - ou tudo a ver com a escola- com a aula - aqueles assuntos assim meio científico - nós falamos a línguaportuguesa precisamente para treinarmos - não é? o objectivo é isto -- e a terceirapessoa… E onde é que vocês se encontram, normalmente? encontramos num espaço dentro da minha casa - tenho um espaço commesa -tem plantas - assim… e nós sentamos ali normalmente para conversarmos -não é? E a pessoa três? a pessoa 3 falamos normalmente a língua crioula - normalmente a línguacrioula// Sobre que assuntos? qualquer assunto assim do dia a dia - mesmo assuntos que tem a ver como trabalho falamos a língua crioula// E encontram-se em que circunstâncias? encontramos na minha casa - na casa dele - normalmente - somos muitosamigos// E diga-me uma coisa, com que tipode pessoas… há bocado disse-me que ocrioulo ou o português depende muito do tipo de pessoas. Com que tipo depessoas fala crioulo e com que tipo de pessoas fala o português? Estou a pensarem familiares, amigos, colegas…? falo português com a minha família - normalmente com a primeira pessoaque eu tinha dado dados -não é? falo português -falo crioulo com ela// Com os seus familiares já me disse que fala…? não -- com os meus familiares - lá do interior - porque os meus pais vivemainda no interior - lá eu tenho que falar em crioulo - sim o crioulo -- porque a nãoser outrora que o meu pai exigia que a gente lesse a língua portuguesa - mesmo alíngua portuguesa - mas agora não -- agora nós falamos totalmente em crioulo -em qualquer circunstância -juntamente com eles// E com os seus colegas? com os meus colegas - professores - normalmente - falamos português -falamos crioulo --há uns que não gostam// De? de falar português -- quando nós estamos… assim… no meio…geralmente com outros professores - que não são professores da língua portuguesa- são professores de outras áreas - matemática - física - química - essesprofessores não gostam -- dizem que não gostam de falar na língua portuguesa -porque não conseguem expressar bem na língua portuguesa - que nós professoresda língua portuguesa temos hábito de falar português - não é? é mais ou menosisso// Diga-me, pessoas instruídas, sem instrução, opta por falar qual? quando uma pessoa é instruída - por assim dizer -tem um nível académicomuito elevado - licenciatura ou mesmo bacharelato de professores… quandoestamos… depende do lugar - não é? quando estamos estritamente sozinhos -estamos juntos - falamos a língua portuguesa - mas normalmente estamos nummeio que há varias pessoas - então nós falamos a língua crioula - porque já sabe -somos cabo-verdianos - quem não falar a língua… porque… e nós fazemosbem… E com autoridades, superiores hierárquicos? normalmente - na escola às vezes falamos a língua portuguesa - às vezesfalamos a língua crioula - com o director da escola - com o subdirectorpedagógico… depende da circunstância// E com os pais com os alunos? sim - com pais… há pais que nós sentimos obrigados a falar a línguaportuguesa -- por exemplo nós - no primeiro contacto perguntamos à pessoa qualé a língua que a pessoa pretende falar - nesse primeiro contacto -- se a pessoapretende falar português connosco então aceito normal falar a língua portuguesacom a pessoa -- mas normalmente eu tento… tenho de fazer um diagnóstico nasprimeiras palavras… tenho que saber se na verdade o pai exige em português ou opai exige em crioulo// E com os seus alunos, fora da sala de aula? fora da sala de aula - normalmente falamos a língua portuguesa - falamosa língua portuguesa -- há alunos que não gostam - não é? mas fala comigo alíngua crioula - mas minha gente - nós não temos problemas com a línguacrioula - não temos? - então vamos treinar a língua portuguesa que temos maisproblemas-é assim// E normalmente que tipo de assuntos é que fala com essas pessoas? Com ossuperiores, com os alunos fora da sala de aula? normalmente falamos de assuntos da sala de aula -- com os meus alunos -normalmente na rua eu gosto de aproveitar um bocadinho de tempo para falarmosde assuntos que têm a ver com a escola// Por exemplo, disse-me que com a directora às vezes fala o crioulo, às vezesfala o português. Com que assuntos fala com ela em português e que assuntos falacom ela em crioulo? não - quando estamos a fazer um trabalho - um trabalho que tem a ver…um trabalho de escola por assim dizer - nós fazemos o trabalho na línguaportuguesa -- inclusive na coordenação - com a minha coordenadora - temoshábito de falar a língua portuguesa -várias vezes// Sempre? nem sempre - mas quando estamos a falar de assuntos que não têmpraticamente a ver com a aula - com as aulas por assim dizer - então falamos alíngua crioula - que é mais divertido -não é? ((risos) E quando viaja para outras ilhas? E quando está em outras ilhas, fala ocrioulo de Santiago? eu… normalmente… quando… na ilha do Sal - eu tentei falar a língua…ocrioulo do Sal -para ter melhor… mais aceitação// Mas no início? no início -enfim - tive dificuldades -mas… Tinha quando falava o crioulo de Santiago? E qual era o nível decompreensão? eu acho que as pessoas na altura compreendiam - porque eu - devido queeu estou aqui na Praia desde onze de idade - então tenho um crioulo mais claro…assim… sinto que quando estou a falar rápido as pessoas não conseguemcompreender de uma forma clara… assim… mas falo normalmente pausadamentepara que essas pessoas podiam compreender// Há bocado disse que… falou-me que muitas vezes depende dascircunstâncias… circunstâncias -sim// Poderia explicitar-me em que circunstancias, em que lugares fala criouloou português? eu diria que… estou a pensar em casa vizinhança, bares, lojas, etc. quando estamos num meio - não é? que temos… não há problema emfalar a língua portuguesa -- quer dizer há como se fosse uma marginalização --quando o meio é favorável - quando estou reunido com os meus amigos - não é?na minha casa - por exemplo - quando sabemos que estamos a falar a línguaportuguesa - que ninguém interfere - falamos a língua portuguesa -- mas quandosentimos que podemos ter interferências de outras pessoas - aí então falamos alíngua crioula - usamos a língua crioula -- também quando estamos mesmo a::quando vamos a um restaurante por assim dizer -falamos a língua crioula// E nasrepartições públicas? nas repartições publicas - eu gosto de falar a língua portuguesa - porqueeu me lembro - num belo dia - eu fui ao registo civil - a senhora praticamentecomo que marginalizava as pessoas - quando a gente fala a língua portuguesa temmais aceitação// Que quer dizer com isso que temos mais aceitação? eu não sei… o nível de atendimento varia -se nós falarmos um crioulo - ládo interior - muito fundo - com ar de gente que vem lá de longe - muitas vezessentimos que as atenções divergem -- quando falamos a língua portuguesa -entramos num lugar falamos a língua portuguesa - normalmente a pessoa comquem vamos falar…tenta… assim… E aqui no local de trabalho, na cantina, e trabalho das aulas? normalmente - na cantina… no intervalo… depende -- quando estou afalar com os professores - mais ou menos com os meus alunos - com os meusalunos eu gosto de falar a língua portuguesa - sei - com os professores da línguaportuguesa também -- o professor da língua… costumamos falar normalmente alíngua portuguesa - não é? há professores estrangeiros também - aqui - quegostam de falar a língua portuguesa para treinar - e temos vários professoresestrangeiros aqui - eles não sabem falar a língua portuguesa bem - têmdificuldades - então - fala connosco língua portuguesa para treinar - e com osmeus alunos também -o propósito… o meu propósito é treinar… é treinar// Diga-me uma coisa, com que finalidades usa o crioulo e o português?Estou a pensar em coisas como exprimir um sentimento, rezar ou orar, namorar… rezar -quando estou a rezar… falar de um assunto que o emociona ou quando pragueja, diz asneiras… sei - normalmente quando… quando estou a rezar… eu gosto de rezartambém na língua portuguesa - assim que eu sei - não é? quando estou a falar compessoas íntimas… namoradas… eu namoro na língua crioula - quando é crioula -não é? normalmente - também com os meus amigos - quando não estamos afalar… como eu tinha dito… quando estamos a falar assuntos… mas que não dápara pensar - divertidos - quando no entretenimento - quando estamos noentretenimento falamos a língua crioula - quando estamos já a falar de assuntosque não tem nada a ver com entretenimento - tem a ver com algo que PASSA dereal - algo CIENTÍ- FICO - falamos a língua portuguesa - se estamos a falar depolítica… Estou a pensar em algo assim… nos objectivos, por exemplo, se pretendeconvencer alguém de alguma coisa quando diz asneiras ou está irritado… quer dizer… Falar de um assunto que o emociona. depende -depende da pessoa// Ah! Depende da pessoa?! depende da pessoa - se a pessoa é… tem um nível - conforme eu tinhadito - muito elevado - eu acho que mesmo que fosse asneiras - eu preferia utilizarlíngua… preferia usar língua portuguesa// Pense nessa… eu me lembro - eu me lembro… costumo ter complicações aqui - tivepequenos problemas com o próprio antigo director daqui -- mas eu senti que naaltura eu tinha que falar a língua portuguesa - sempre que falo com ele a línguacrioulo não surtia… efeito -- então quando estou a falar assuntos sérios - eu achoque devo falar a língua portuguesa// Porquê? exprimo… eu consigo dizer coisa com coisa em língua portuguesa -quando a pessoa tem um nível muito elevado - eu me lembro também notribunal… testemunhei em tribunal - às vezes a gente fala… quem esta látestemunha? faz uma declaração - então tive de falar a língua portuguesa - porquenotei que o escrivão tinha de fazer a tradução quando a pessoa fala na línguacrioula - então sinto-me melhor a falar a língua portuguesa -- há meios - não é?lugares… Pense na última semana. A semana que já passou. Acha que falou maiscrioulo, português? acho que falei mais crioulo -porque… Não considere sala de aula. sei --porque passei toda a semana passada - passei segunda a sábado… Hoje é sexta. não -a semana anterior… Ok. Está bom. a semana anterior - a semana anterior - passei lá no interior - juntamentecom as pessoas do campo -passei… Ok. E esta semana aqui? está semana aqui já falei um pouco o português - falei um pouco - masreduzidamente -é que eu… Continua a ser mais crioulo? sim mais crioulo - porque há assuntos… há assuntos de conversa - já sãoassuntos mais divertidos - quando assuntos são divertidos eu prefiro falar crioulo -para contar anedotas - não é? coisas do género - quando estamos… num meioassim de divertimento - prefiro falar a língua crioula - agora - sempre quando oassunto é sério -normalmente eu gosto de falar a língua portuguesa// Diga-me, durante… o crioulo ou português… durante mais horas seguidas,qual é que fala? mais crioulo -mais crioulo// Porque é que prefere assim ou porque é que acontece assim? são as pessoas com quem nós estamos em contacto - exige -- temos que…nós não podemos fugir - quando entramos em contacto com uma pessoa que fala alíngua crioula - por exemplo que não goste da língua portuguesa ou tem váriasdificuldades em expressar a língua portuguesa - então sentimo-nos obrigado afalar com a pessoa a língua crioula - não é? é normal - eu acho que é mais issomesmo// Diga-me, três circunstâncias em que normalmente fala só crioulo e trêscircunstâncias em que normalmente fala só português. quando estou juntamente com pessoas de camada mais baixa assim - narua - não é? na rua - num bar por assim dizer - nós falamos - eu gosto de falar alíngua crioula - não é? quando eu estou a falar também com crianças - não é?com crianças - assim - amigos - vizinhos eu gosto de falar crioulo -- quando euestou a falar com a pessoa… assim que tem a ver… com a situação… que dá parapensar - assim - mais elevado - ali eu falo português com a pessoa -- mas depende-antes… depende da pessoa com quem estou a falar// Em algum momento falou crioulo e gostaria de ter podido falar o português- ou vice-versa falou português, mas querendo naquela circunstancia que fosse ocrioulo? sim -às vezes// Pode falar-me disso? aqui em Cabo Verde normalmente acontece - há circunstâncias que nós…temos mais vontade de falar a língua portuguesa - mas que não dá para falar -- porexemplo às vezes - nós… eu… se eu costumo falar com uma pessoa línguaportuguesa -  fala crioulo! ah qual língua portuguesa! vamos falar a línguacrioula! nós somos cabo-verdianos - quando é assim a gente é obrigado a falar alíngua crioula - mas há… em que circunstância eu sinto vontade de falar a línguaportuguesa? normalmente quando estou a enfrentar uma pessoa que sei que tem acapacidade intelectual mais elevada - assim que gosta de falar… eu sei que hápessoas que gostam de falar a língua portuguesa - então - com essas pessoasnormalmente eu não vou introduzir a minha conversa na língua crioula - eu vouintroduzir a minha conversa na língua portuguesa -- com essas pessoas eu sintoque esperam mesmo - não é? que já sabem que eu sou professor de línguaportuguesa - há pessoas que sabem que professores de português gostam de falara língua portuguesa// De que tipo sãoestas pessoas? Qual é o perfil destas pessoas? normalmente são pessoas carecidas - são pessoas carecidas -- há pais… hápais que falam a língua portuguesa e falam a língua crioula - mas como há paisque já sabem que o professor X ((o próprio)) é professor de língua portuguesa -então - automaticamente - falam com professor X ((o próprio)) na línguaportuguesa -- há alunos também - há alunos que já saíram do liceu - que entraramem contacto comigo - já sabem que eu gosto de falar o português - falamportuguês - mas há alunos também que não gostam - professor agora vamos falara língua crioula -não temos nada a ver com a língua portuguesa// Diga-me uma coisa. Alguma vez já usou o crioulo para se dirigir aos seusalunos na sala de aula? e::: eu costumo utilizar crioulo -- em que circunstância? normalmente háalunos que não gostam de falar a língua portuguesa -- quando um aluno fala alíngua crioula - na sala de aula - há alunos que fazem troça - (?) por assim dizer --eu costumo utilizar a mesma linguagem do aluno que fala a língua crioula parafazer a tradução na língua portuguesa -- normalmente utilizo o mesmo aluno -quando um aluno fala crioulo comigo - tudo bem - às vezes fica marginalizadoperante a turma -- então eu utilizo mais um aluno para traduzir a mesma frase nalíngua portuguesa - normalmente é assim -- mas quando estou a falar dentro dasala de aula - normalmente não uso a língua portuguesa - não uso a língua crioula-somente a língua portuguesa -eu acho… Mesmo quando os alunos se dirigem… sim// em crioulo. só para fazer a tradução para a língua portuguesa -mas de resto não// Vamos pensar agora não na fala, mas no ouvir … no ouvir -sim// Onde é que, habitualmente… onde é que ouve o crioulo, onde é que ouve oportuguês? eu -mais… E qual é que ouve mais, crioulo ou português? bom - normalmente - eu tenho hábito de ouvir a língua portuguesa nosmeios de comunicação social - eu passo o dia inteiro com rádio - com televisão -em casa - para ver… divirto-me muito- ouvindo a língua portuguesa --normalmente na comunicaçãosocial - praticamente// E o crioulo? o crioulo na rua// Na rua? na rua sim -- e conforme eu tinha dito - com a primeira pessoa que eutinha dado identificação -- com a primeira pessoa quando estamos a divertir -quando estamos lá numa boa - falamos na língua crioula -- mas quando estamos atratar de assuntos que têm a ver com assuntos académicos - falamos na línguaportuguesa --mas estritamente quando estamos a falar assuntos académicos// Já ouviu o crioulo nalgum lugar em que, digamos, gostaria que naquelelugar tivesse ouvido o português, ou ao contrário? sim -sim// Pode falar-me disso? frequentemente - às vezes - costumamos estar aqui no meio de pessoasque… mesmo às vezes o chefe - costumam falar connosco na língua crioula e…eu… eu sinto assim… que devia falar a língua portuguesa -- há momentos que…quando…às vezes também… também na assembleia nacional - eu costumo ouvirpessoas - deputados - que falam a língua crioula - não é? deputados que falam alíngua portuguesa - eu acho que é… tendo em conta que temos a línguaportuguesa - a língua oficial - nesses lugares toda a gente devia falar a línguaportuguesa// E agora diga-me, a ler e escrever… Já me tinha falado disto. Costuma lerem crioulo… costumo ler em crioulo// O que? poemas// De escritores cabo-verdianos? deescritores cabo-verdianos sim -normalmente// Tem alguma dificuldade? sim -sinto mais dificuldade em ler em crioulo… O crioulo? o crioulo do que a língua portuguesa -o português// E escrever, costuma escrever em crioulo? costumo escrever - mas raramente - eu sinto dificuldade - eu costumoescrever poema - eu gosto de escrever poema - quando estou a fim - costumoescrever poema na língua crioula - mas sinto que na língua crioula eu não consigoexpressar -não é? por escrito como na língua portuguesa// Quais as dificuldades que sente? tenho problemas - tenho problemas de 'n' - temos problemas de…entonar… assim… para… são problemas que eu sinto no momento para escrever-- sinto que não consigo pôr correctamente - às vezes tenho que rever a situaçãopara escrever melhor// Como… como é que…? Estudou alguma vez o crioulo? sim -sim estudei - sim// Estudou no…? no ISE -mas superficial - eu acho que superficial// Quando está a falar crioulo, o que é que o faz mudar para português, ouvice-versa, está a falar português, o que é que o faria mudar para o crioulo? costumo mudar sim -- normalmente quando estou a falar a língua crioulacom uma pessoa que eu sei que a pessoa está num nível assim… num nível decompreensão elevado - se sinto… quando sinto-me zangado com a pessoa - sintoraiva ou estou um bocadinho com raiva - eu costumo falar portuguêsautomaticamente// Ah bom…! porque eu acho que muitas vezes na língua crioula - a gente… a pessoa…fica assim… será que a pessoa está me compreendendo bem? Portanto, imagine que está num lugar, numa circunstância, a falar crioulo.A chegada de alguma pessoa o faz mudar para o português? não -isso não// Se chega um superior hierárquico ou uma pessoa de grande instrução… normalmente… ou uma entidade? depende - depende da exigência -- normalmente a gente sente de momento-- eu - se a falar com uma pessoa a língua crioula - eu acho que não devo mudarpara a língua portuguesa - lá porque temos a pessoa presente - não é? é umapessoa estranha - por exemplo - se a pessoa… a pessoa estranha que chega…que encontramos… fala português - então falo com a pessoa a língua… a línguaportuguesa -posso ver então se… Como assim? se a pessoa ao princípio começa - ah - bom dia - não é? na línguaportuguesa - então automaticamente eu sinto que tenho que corresponder a pessoana língua portuguesa -- mas a outra pessoa que eu tinha antes - não é? eu tenhoque falar com a pessoa ou a língua portuguesa ou a língua crioula -- agoradepende do nível - se a pessoa não compreende a língua portuguesa - a línguacrioula -- muitas vezes… por exemplo - com os portugueses - eles gostam de falara língua portuguesa - se a pessoa não compreende bem a língua crioula - então eusinto obrigado a falar a língua portuguesa -- agora temos outras circunstâncias - osoutros… com pessoas estrangeiras - que fala a língua francesa que fala a línguacrioula - mas não falam a língua portuguesa - por exemplo - nessa circunstânciaeu não… Eu não estou a falar no caso de pessoas que não percebem. Estou a falar nocaso das pessoas que percebem o crioulo o português. Portanto, a chegada dealguma pessoa o faz mudar de assunto, faz mudar de língua? Ou muda de línguapor causa do assunto? Por exemplo, está a falar de um assunto familiar, de repentepassam a falar de outro assunto, em crioulo, muda para o português? não - isso agora - depende -- depende do grau de afinidade com a pessoaque estamos a falar -- porque - se estou a falar um assunto familiar com a pessoa -o assunto tem a ver com a nossa vida familiar - assim… eu acho que não devomudar - não deva mudar - lá porque temos uma pessoa estranha -- agora se naverdade eu sinto que a pessoa estranha - não é? exige em português - eu vou verse a pessoa com que eu tinha antes - consegue ficar no meio da nossa conversa -então - naquela circunstância - não vou falar a língua portuguesa -- se a pessoaadmite que não tem - vou falar - mas caso contrário não posso -- eu acho que nãodevo -não é? Diga-me uma coisa. O que é que pensa do crioulo e do português? bom -quanto à língua crioula… Há pessoas que acham que não é uma língua… é uma língua - eu acho que é uma língua - porque a gente compreende -não é? a gente consegue transmitir todas as informações necessárias - é umalíngua -- agora - o problema é quanto à escrita do crioulo - não é? eu acho que nósnão temos - assim… uma escrita clara - uniformizada - eu acho assim -- e quantoà língua portuguesa - nós temos uma supremacia em termos da língua portuguesa- pessoas que mostram claramente… como é a língua oficial - não é? que nofundo muda as pessoas// Qual é a relação que estabelece entre o português e o crioulo? há uma su… Estabelece uma relação de hierarquia? sim - eu acho que há alguma relação de hierarquia - estranho - por assimdizer// Estou a falar também das línguas em si// em si…? Ou seja, o português tem mais qualidade que o crioulo…? quer dizer - eu não acho que o português tem mais qualidade que o crioulo-- mas no fundo tem - porque há coisas que nós pretendemos falar - há assuntosque nós queremos falar que normalmente - faltamos… faltam palavras na línguacrioula - não é? - nós - ao estudarmos a língua portuguesa - temos basicamentetodos os manuais da língua portuguesa… nós aprendemos a língua portuguesa naescola - muitas vezes quando nós pretendemos expressar coisa com coisa -sentimos que devemos expressar na língua portuguesa - não é? mas há pessoasque não gostam de ir na mesma linha comigo - porque se fosse uma pessoa poucoescolarizada -por assim dizer -nunca admite isso// Há bocado disse que não há uma escrita uniformizada do crioulo. sim// Para si, existe algum crioulo que seja o verdadeiro crioulo? eu não acho que temos um verdadeiro crioulo - aqui - ou em são Vicente -em qualquer lugar - eu acho que temos um crioulo -- agora há variantes - nóssentimos -- mas que no fundo a gente … eu acho que… que há um crioulo -- porexemplo - o crioulo de São Nicolau - eu acho que é um crioulo assim - perto dailha de Santiago - perto de são Vicente -- uma pessoa de Santiago comunicamais… com mais facilidade com uma pessoa de São Nicolau de que com umapessoa de São Vicente - eu sinto isso -- me lembro na tropa… quando estava aprestar serviço militar - normalmente nós reunimos em grupo – propositadamente- não é? há pessoas que não conseguem comunicar - por exemplo - quando nóspegamos um crioulo lá do fundo de Engenhos com o crioulo da Garça - de SantoAntão - é difícil - essas pessoas não conseguem comunicar rapidamente - é sócomunicar devagarzinho - falando devagarzinho que eles conseguem comunicar --mas se fosse de uma forma rápida nunca que eles iriam comunicar - quer dizer -normalmente -mas com grande dificuldade// Diga-me uma coisa. Qual a relação que estabelece entre falar crioulo e sercabo-verdiano? Admite a possibilidade de um cabo-verdiano não falar ou nãogostar do crioulo? Acha que um cabo-verdiano pode gostar do português e falar oportuguês? eu acho que um cabo-verdiano normalmente gosta da língua crioula -gosta da língua crioula -- mas há circunstâncias que o cabo-verdiano - mesmogostando da língua crioula - mas deve falar a língua portuguesa - não é? sãocircunstâncias que já tinha referido anteriormente// Que tipo de pessoas acha que falam o crioulo e que falam o português? normalmente - aqui em Cabo Verde - eu acho que todas as pessoasfalam… todos os cabo-verdianos falam a língua crioula - não é? falam a línguacrioula -- mas nem todos os cabo-verdianos falam a língua portuguesa -conseguem ouvir a língua portuguesa - até compreender a língua portuguesa - masfalar a língua portuguesa - muita gente não consegue falar com uma certaperfeição - saber mesmo -- há pessoas que não gostam de falar a línguaportuguesa - eu me lembro - há alunos que - oh professor - eu não gosto dalíngua portuguesa -- porque é que não gostas da língua portuguesa?  eu gostoda nossa língua crioula - mas tens hábito de ver telenovela - compreende atelenovela - e gosta da telenovela? - então - normalmente nós temos telenovela nalíngua portuguesa - não é? há telenovelas portuguesas - telenovelas brasileiras -mas normalmente entendemos -- então… - nessa circunstância eu acho que todosos cabo-verdianos gostam de ouvir português -não é? acho assim// Crioulo…? a língua crioula também - eu acho que todos os cabo-verdianos gostam docrioulo// O que é que acha disto, de se usar o crioulo e o português aqui em CaboVerde? bom - eu acho que… normalmente… não é estranho utilizar a línguaportuguesa aqui em Cabo Verde - qualquer pessoa pode utilizar a línguaportuguesa aqui em Cabo Verde - não é? com mais perfeição - com menosperfeição -depende// Acha normal? Acha que…? acho que é normal// E acha que…? eu acho que é normal - e eu acho que… normal - e cada dia - eu acho queé ainda mais normal -- porque temos a necessidade - temos a necessidade de…quando um individuo compreende bem a língua portuguesa - normalmente temmenos dificuldade - em todas as circunstâncias - eu acho -- a não ser lá no interior- lá no campo a gente não sente a dificuldade - não sente tanta necessidade dalíngua portuguesa - mas aqui na cidade eu acho que toda a gente sentenecessidade da língua portuguesa -- nem em todas as circunstâncias - masnormalmente qualquer crioulo aqui da Praia - enfrenta… enfrenta lugares queprecisa da língua portuguesa - agora não utiliza - porque não domina - assim -pode ser// Então, acha que se deveria continuar a usar o crioulo e o português emCabo Verde? eu acho -sim// Porquê? porque acho que não podemos abrir mão da língua portuguesa - parapegarmos somente a língua crioula -- acho que podemos ter as duas línguas - como mesmo estatuto -- por exemplo - eu acho que a língua crioula pode seroficializada - e a língua portuguesa já é a língua oficial - não é? - não há problema-eu acho que não há problema// Ficariam as duas línguas? as duas línguas// E o crioulo…seriam usadas para quê, essas duas línguas, no seu entender?Falar, ler, escrever…? Em que circunstâncias? eu acho que… em qualquer circunstância -- a gente pode estar a falarportuguês -pode passar para o crioulo// Isso dependeria de quê? não -quando as duas línguas estiverem oficiais// Falar português ou crioulo, dependeria de quê? eu acho que depende de… eu acho que depende da pessoa -- eu acho quedepende da pessoa - que não podemos martirizar uma pessoa lá porque falaconnosco a língua crioula ou lá porque fala connosco a língua portuguesa// E seriam usadas para quê essas duas línguas? normalmente// Normalmente? agora vamos ter outro problema -na sala de aula// Acha que se deveria ensinar o crioulo nas escolas? eu acho que sim --o crioulo// Porquê? porque… eu já tinha dito - eu sou cabo-verdiano - eu sou um crioulo - maseu sinto… eu tenho dificuldade - mesmo quando pretendo escrever um poema nalíngua crioula -não é? eu acho que todos os alunos deveriam ter aula de crioulo// Porquê? para evitar esse problema// De compreensão? de compreensão - de poema - de escrever também - não é? na línguacrioula -eu acho que é mais ou menos isso// Diga-me uma coisa. Como é que vê a então a situação? Se fosse você adecidir sobre esta questão da língua em Cabo Verde, como é que…? bom -aí… Qual é que seria a alternativa, digamos, linguística, para Cabo Verde? para Cabo Verde? bilinguismo// Ou seja? as duas línguas oficiais -a língua crioula e a língua portuguesa// Para falar, ler…? falar - ler - normal -- eu acho que é normal isso - que não vamos ternenhum problema// E no mundo em geral, o que é que acha que as pessoas… O que é que achaque é mais comum no mundo, que as pessoas sabem só uma língua ou mais queuma língua? eu acho que as pessoas devem saber mais do que uma língua -normalmente as pessoas devem falar mais do que uma língua// E com que pessoas acha que é adequado falar crioulo, e com que pessoasacha que é adequado falar português? bom - quando… pessoa assim… eu acho que quando nós estamos nummeio… que as pessoas têm assim - um nível muito baixo de escolaridade - nósdevemos falar com essas pessoas língua crioula -- porquê? porque quando nósfalamos assim - com a pessoa - a língua crioula - a língua de berço - lá do interior- fala assim - a pessoa sente assim mais à vontade - mais à vontade - conseguedizer tudo - não é? mas aqui na cidade não -- nós… há momentos que temos defalar com a pessoa a língua portuguesa// Que assuntos acha que devem ser tratados na língua portuguesa e assuntosque devem ser tratados em crioulo? bom - eu acho que… académicos - não é? são assuntos que devem sertratados na língua portuguesa -até agora// Porquê até agora? até agora porque temos manuais na língua portuguesa -- nós temos… setemos vontade de ler um livro na língua crioula - não encontramos - nãoencontramos -- temos os livros que estão em língua portuguesa - então como éque vamos fazer? necessariamente então - eu acho que assuntos académico - elesdevem ser tratados na língua portuguesa - eu acho -- por exemplo - aqui háprofessores que não gostam… E diga-me, há alguma circunstância em que acha que se devia falar sóportuguêse outras circunstâncias em que acha que deveríamos falar só o crioulo? por exemplo - professor - eu acho que um professor normalmente - tendoa língua oficial portuguesa - deve falar com os alunos sempre a língua portuguesa-essa a minha opinião// Com os alunos? com os alunos// Pessoas. E circunstâncias? sim -lá fora -noutros lugares -por assim dizer - quando… Por exemplo, nas cerimonias oficiais…? nas cerimonias oficiais… Acha que se deve falar … que é adequado falar qual? eu acho que é adequado falar português -- sim - eu acho que sim - eu achoque sim// Há bocado disse-me que acha que o crioulo devia ser oficializado. sim// E disse-me que era para usar em todas as circunstâncias. sim -quando estiver oficializado// Ah! Quando tiver oficializado, seria usado em que circunstâncias e comque pessoas? nas cerimonias oficias// O crioulo? o português -e uma pessoa -noutros lugares … Portanto, as duas seriam oficias, o crioulo e o português. E sendo oficiais, oportuguês seria utilizado para quê e o crioulo para quê? sim -eu acho que… Para quê e com quem? as duas línguas podem ser oficializadas - normalmente -- agora quando -por exemplo - um presidente da república - por exemplo - pretende fazer umdiscurso à nação - eu acho que esse discurso DEVE ser na língua portuguesa -- seo presidente da república pretende falar nas campanhas - por exemplo - eu achoque ele pode falar a língua crioula// Mas porquê? oficialmente - eu acho que… porquê? porque há pessoas que sentem àvontade - não é? ouvir e falar a língua crioula - pessoas quando estão a falar…assim - pessoas de camadas mais baixas da sociedade… essas pessoas quepertencem à camada mais baixa na sociedade gostam de ouvir e falar o crioulo -sentem mais à vontade - não é? porque se nós estamos a falar com uma pessoa decamada mais baixa - utilizando a língua portuguesa - e essa pessoa não éescolarizada -a pessoa fica deprimida - fica (?) // E… acha que o crioulo poderia ser usado na alfabetização de adultos? e:::eu acho que sim// Porquê? para que eles possam ter a noção como se escreve o crioulo -- acho quesim - porque normalmente falamos uma língua e… eu acho que nós devemostambém escrever a nossa língua -não é? mas… A nossa língua é o crioulo? sim - a língua crioula - estamos a falar da nossa língua crioula - a línguamaterna - não é? porque sabemos que a nossa língua - de uma forma geral - anossa língua materna é a língua crioula -- isso não podemos fugir - não podemosfugir -em qualquer ilha… Diga. em qualquer ilha é a língua crioula - é a língua crioula a nossa línguamaterna -- agora há pessoas que costumam ouvir a língua portuguesa desde oberço -aí eu entendo -- mas normalmente -de porta para fora -qualquer crioulo… Diga-me uma coisa, qual, o crioulo ou o português, acha que exprimemelhor a nossa cultura, a cultura de Cabo Verde? Sei lá… eu estou a pensar emmornas, coladeiras, batuque funaná, teatro, cinema, literatura… quanto à literatura - é um outro problema - não é? é um outro problema --mas as outras formas de manifestação cultural - por exemplo - eu acho que varia -- morna - eu acho que quando estamos a ouvir morna - nós sentimos que a mornadeve ser cantada na língua crioula -ou não? mhm mhm batuque… assim também -- mas quanto à literatura não -- deve ser… éhabito -não? nós temos hábito de ler assuntos de… mesmo assuntos que têm a vercom a nossa cultura - mas eu acho que gente sente -- para mim - eu consigoentender melhor a escrita na língua portuguesa do que a escrita crioula -- nãoconsigo -tenho problemas mesmo// Como é que acha que os cabo-verdianos falam crioulo, bem, mal, àmaneira deles? os cabo-verdianos falam - crioulo - assim - acho bem - bem sim -- bem --agora temos um problema - podemos falar crioulo bem aqui na Praia - um bomcrioulo por assim dizer - mas vamos para o interior encontramos um bom lá nointerior… Queria dizer português… ah! português? Estou a falar de português. Como é que acha que os cabo-verdianos falamo português? mhm -o português --há cabo-verdianos que falam português// Bem ou mal? bem - há cabo-verdianos que falam o português bem - mas há tambémcabo-verdianos que não conseguem falar o português bem -- acho que os cabo-verdianos que conseguem falar o português assim… melhor - por assim dizer -são os cabo-verdianos que leccionam - pelo menos eu acho que são os cabo-verdianos que leccionam -- eu - normalmente - quando estou a ouvir discursospolíticos - não é? discurso que tem a ver com política - por assim dizer - então eufaço assim como… uma avaliação da pessoa -- eu penso assim – porque é que osenhor esta falando - assim um português carregado de erros?  - penso que - nomomento que a pessoa costuma dar aulas - por exemplo - toma um discurso parafalar - eu costumo assistir a reunião de política lá nos Órgãos - há professores quenormalmente - mesmo falando no meio daquela gente a língua portuguesa... mashá políticos que a área - da área de engenharia por assim dizer - eles não sentem àvontade - não sentem à vontade - começam na língua portuguesa - terminam nalíngua crioula - não é? então eu sinto que os cabo-verdianos que falam melhorlíngua portuguesa - eu acho que são os cabo-verdianos que leccionam - osprofessores// O que é para si falar bom português? falar um bem português para mim -para mim é muita coisa - não é? Diga, tem a ver com o vocabulário, tem a ver com produzir sons que nosconfundem com o crioulo? eu acho que… tem aver com frases? eu acho que falar bom português muitas vezes tem a ver com som -quando uma pessoa fala assim - com um som muito claro - não é? eu sinto que apessoa muitas vezes tem arte em falar a língua portuguesa - acho que domina alíngua portuguesa -- mas muitas vezes - há pessoas que utilizam um som claro -um som agradável - assim de ouvir - para se dizer - mas comete erros - não é?sabemos -- então eu acho que não podemos tomar somente sons - mas tambémcoordenação das palavras - eu acho que a coordenação das palavras… eu achoque… E usar palavras do crioulo quando se fala português? isso é frequente// E o que é que acha disso? é frequente -- eu acho que… bom quando estamos a falar uma línguadevemos falar essa língua - não é? ou falar uma língua ou falar outra língua -- masinfelizmente acontece - acontece inconscientemente -- às vezes a gente fala alíngua portuguesa mas mete um bocadinho de crioulo no meio - há circunstânciasque as pessoas utilizam propositadamente - não é? fala a língua portuguesa masmete um bocadinho da língua crioula às vezes para pôr… para divertir por assimdizer - ou para falar ao pé da letra - quando estamos a falar assuntos que têm a vercoma a nossa realidade cabo-verdiana falamos a língua portuguesa - mas hámomentos que temos que dizer - que reproduzir a fala por exemplo da pessoa -por exemplo - então vamos dizer taxativamente na língua crioula - como nóstínhamos ouvido - eu acho que nestas circunstâncias -são normais// Senhor X, eu terminei. Esteja à vontade para acrescentar algumcomentário, algo que queira dizer e que eu não tenha abordado e que achainteressante. Esteja à vontade se quiser acrescentar... eu não tenho muita coisa para acrescentar - mas eu queria focar quanto aoficialização da língua crioula// Diga. temos aqui polémica - não é? quanto à oficialização da língua crioula --ninguém sabe qual é o crioulo que deve ser oficializado// O que é que acha disso? eu acho que - pronto é um investimento - assim - muito duro para os cabo-verdianos -- porque normalmente eu acho que deveria ser oficializado crioulo debarlavento e crioulo de sotavento - num primeiro passo por assim dizer -futuramente - as coisas podem mudar - as coisas podem mudar -- mas agora euacho que não podemos dizer - vamos oficializar o crioulo de Santiago - ou vamosoficializar o crioulo do Sal -ou de são Vicente -não é? devemos pôr… Porquê? eu acho que é mais difícil - eu acho que seria difícil mesmo - oficializar ocrioulo de Santiago -e os outros - não é? eu acho que seria difícil mesmo// O que é que aconteceria? eu acho que - fazendo justiça - devíamos oficializar crioulo sim - mastemos padrão sotavento - padrão barlavento// Qual é que escolheria como padrão? Qual crioulo… eu acho que devia ser crioulo de barlavento e crioulo de sotavento –juntos// Ok. Os dois. reproduzir mais manuais… Mas de barlavento seria de que ilha, sotavento seria de que ilha? eu acho que de barlavento deveria ser de são Nicolau -bom não sei// E de sotavento? sotavento pode ser de Santiago// Porquê? bom… De são Nicolau já me explicou… sim… E de Santiago porquê? Santiago eu acho porque temos no Maio um crioulo perto de Santiago - aspessoas do Fogo - uma - falam crioulo do Fogo - mas conseguem rapidamenteimpregnar crioulo de Santiago - eu sinto isso -- pelo menos na minha zona tenhopessoas do Fogo -mas já estão a falar crioulo de Santiago normal// Está bom. eu sinto que as pessoas de são Vicente - têm mais dificuldades em falarcrioulo de Santiago -de que as pessoas do Fogo ou da Brava --era isso// Mais alguma coisa? não tenho nada para acrescentar -- eu só gostaria que de momento que asenhora vai apresentar o::: O trabalho. o trabalho -eu estivesse presente// Ah! O senhor estará com certeza. Ok. Então muito obrigada, mais uma vez,por esta entrevista. que pode ser bem ou mal conseguido -- bom… mas o crioulo é semprebem conseguido -- se for para alguém que não seja cabo-verdiano - então - querdizer o português é mais acessível à comunicação das pessoas - porque é um… émais do que o crioulo uma língua do mundo -é uma questão de acessibilidade// A minha última pergunta tem a ver com o seguinte: como é que acha queos cabo-verdianos falam o português, bem, muitobem, àmaneira deles?" -INF17–realizadanodia28.07.07–comaduraçãode1.16.55.wav,"Professor X, muito obrigada por ter-me dado esta entrevista que eu desdejá volto a agradecer. A primeira questão é a seguinte: antes de entrar para a escola,quando aprendeu a falar, aprendeu a falar o crioulo, o português, os dois?" -INF17.wav,"aprendi a falar o crioulo - mas desde cedo tomei contacto com a línguaportuguesa // Onde? na Boa Vista - porque a língua portuguesa era considerado uma línguachique - então as pessoas que se encontra… que se consideravam minimamenteescolarizada tinham o prazer de falar a língua portuguesa - discutir a gramática ediscutir os textos - e chegava a ser conversa de bares - debaixo da alfândega -aonde era… é… era zona de estacionamento e diversão - passatempopropriamente dito - da intelectualidade entre aspas da ilha - dos marinheirosreformados - pescadores já inactivos - marinheiros não activos - pescadores nãoactivos -trabalhadores normal -toda a gente tinha de fazer isso… E ouvia então a língua portuguesa aí, nesse convívio, ou em outrascircunstâncias? correntemente// Mas onde,por exemplo? em casa// Com os seus pais? com a minha avó mais precisamente - porque o meu pai praticamente nãoparava em casa - era um condutor -- o meu tio F1 - que era emigrante - circuloupara o mundo todo -e era um… Então, se estou a perceber bem, em sua casa falava-se portuguêscorrentemente? até porque a minha avó leccionava - não é? era das chamadas professorasparticulares - e entrei em contacto cedo com o livro - comecei a ler antes - decomeçar… antes de entender - o que eu lia -- eu já sabia ler - lia Eça de Queirós -Antero de Quental - Almeida Garrett - Camões - quer dizer - era tipo uma leiturarobotizada - chamemos-lhe assim - porque eu não percebia nada do que andava aler - e quando eu lia a minha avó ia escutando - porque a minha avó também eraalfaiate - e nos períodos de festa ela tinha um problema de… talvez um princípiode cancro - que lhe veio causar a morte - e tinha dificuldade em dar a roda damáquina - e aos quatros anos eu era já um tipo de motor humano da máquina - eenquanto isso eu ia soletrando as letras - depois comecei a formar as palavrascomo deve ser - passei a ler correntemente - e só depois eu comecei a tentarentender os textos que eu lia// E actualmente, em casa, com a sua família, com os seus amigos e colegas,o que é que usa normalmente? bom em casa eu uso o crioulo - não é? uma mistura do crioulo debarlavento com o crioulo de Santiago - não é? na rua com os meus alunos acomunicação é sempre em português - porque devido ao facto de eu ter… de euprocurar criar na sala de aula um espaço de expressão da língua portuguesa - osmeus alunos não sentem à vontade em falar crioulo comigo normalmente - entãoaí - troca de opiniões em português -- na escola com os meus colegas eu falo ocrioulo - mas com estranhos normalmente eu recebo e falo com eles emportuguês// Estranhos quer dizer com os encarregados de educação? encarregados de educação - quaisquer outras pessoas que vão a escola porqualquer razão - tratar qualquer assunto - e que por ventura entrem em contactocomigo// Está bom. Neste momento, como é que avalia a sua proficiência geral emcrioulo e em português? bom… neste momento eu falo mais crioulo do que português porque euestou num período de férias// Não. Eu estou a dizer a sua competência em crioulo e em português. não tenho problema nenhum -em princípio não tenho problema nenhum// Falar, ler…? falar -reflectir --ler -escrever// Em português? em português ou crioulo para mim é a mesma coisa - porque é algo a queme… a que me habituei a realizar desde cedo // Falar, ler e escrever em crioulo ou em português. Qual é que prefere, qual éque gosta mais, falar crioulo ou português? Ler crioulo ou português? eu gosto das duas coisas - normalmente quando… à primeira eu costumousar crioulo - até porque as pessoas com quem contacto sentem-se mais à vontadedo que… assim -- mas eu para escrever - para tomar os meus apontamentos…quer dizer - depende muito de::: do estado de espírito do momento - eu faço ouem crioulo ou em português -- também depende do destino da escrita - se é paraeu falar o crioulo - normalmente eu escrevo o crioulo - se é para eu falar emportuguês - claro - eu escrevo em português - evito o trabalho de traduçõesdesnecessárias // Acha que exprime… de um modo geral, exprime melhor as suas ideias emcrioulo ouem português ou nos dois igualmente? nunca tive necessidade de procurar uma das línguas em especial paraexprimir qualquer coisa - eu consigo sempre dizer aquilo que eu pretendo - querem português quer em crioulo// Portanto,igualmente? sem problema -- eu tenho um um… léxico… léxico variado nas duaslínguas que me permitem sentir à vontade nelas// Equal é que sente mais à vontade,num deles ou os dois igualmente? sem problema -sem problema -sem problema// Diga-me,sente mais à vontade quando fala, lê ou escreve crioulo? bom - aqui vamos… nós estamos a entrar num campo um bocadinho maiscomplicado porque - como a escrita do crioulo não está oficialmente padronizado- as escritas em crioulo variam - e há pessoas que introduzem variantes aindadesnecessários que… não sei se eles pretendem complicar ou mostrarintelectualidade - ou se é outra coisa - ou se é por uma questão literária também --mas o que eu penso - o que eu sinto é que - há alguns escritos do crioulo em queme sinto à vontade - e há outros em que eu tenho de parar - ler primeiro - fazeruma leitura silenciosa primeiro - para ler depois em voz alta por causa da variaçãoortográfica// Isso na leitura. Ena escrita, escrever? a escrever… normalmente eu escrevo à minha maneira - não é? e nãotenho problemas nenhum -- como eu escrevo é para eu ler… quando eu escrevopara outra pessoa eu tenho a preocupação de escolher uma das escritas e utilizá-la- mas quando é para mim - eu escrevo à minha maneira - eu às vezes nem escrevopalavras completas-não é? Naturalmente que se sente à vontade quando fala o crioulo. Eo português? não tenho problema - não -- eu nunca me senti acanhado em falarportuguês -atéporque… Não tem medo de errar? não - nunca tive medo de errar -- e esta é uma questão que eu tenho lutadocom os meus alunos - porque um dos principais problemas que nós temos naaprendizagem da língua portuguesa é o receio que o aluno tem de errar -- querdizer - eu procuro fazer-lhes ver que o receio de errar é um entrave para aaprendizagem - e que eles quando sentirem na necessidade de errar - porque têmque errar - que devem errar para poderem ser corrigidos e aprenderem como é queé que devem dizer as coisas// Muito bem. Senhor X, eu vou-lhe pedir para pensar nas três pessoas comquem mais conversa fora do seu círculo familiar. Que pense nestas pessoas. Nãolhe estou a pedir nomes, mas vou lhe pedir o perfil dessas pessoas, em termos deidade, sexo, grupo, estrato social e nacionalidade. Pense nessas três pessoas e fale-me delas em termos do seu perfil. do meu ou delas? Do perfil delas. Decada uma delas, pessoa 1, pessoa 2 e pessoa 3. esta questão é um pouco difícil - porque eu sou uma pessoa extremamenteaberta… Por isso é que é fácil((risos)) não - é difícil -- eu falo com toda a gente - eu estou em todos os ambientese de maneira que eu me sinto à vontade de falar com todas essas pessoas -- só queaqui - em Santiago em particular - nota-se uma dificuldade porque as pessoas sempensar que (?) num relacionamento com outras pessoas - que eles julgam que têmqualquer nível intelectual superior - e então tentam desnecessariamentemenosprezar essa diferença para poderem impor - etc. - e às vezes até eu chego ater início de choque com algumas pessoas - e recuo// Então, pense assim. Nesses diferentes ambientes onde, digamos, circula, epenseassim em três pessoas. perfil de…? Idade, sexo, nível social cultural e nacionalidade. a nível de idade… Fale-me da pessoa 1, pessoa 2, pessoa3. a pessoa que eu normalmente faço questão de conversar com ela - é osenhor F2… Não preciso dos nomes… não interessa - não interessa -- ex dirigente do Sporting - já é um senhorde oitenta e tal anos - tem deficiências motoras - tem dificuldade em exprimir oque pensa - já não está a conseguir enquadrar devidamente o raciocínio -- eu:: eusinto que ele tem necessidade de conversar com alguém - e às vezes está sentado àporta da casa sozinho - não é? a acompanhar os movimentos - irritado com ocomportamento das crianças -e procuro aproximar-me sempre que possível// Ecom essa pessoa, fala em crioulo ou em português? em crioulo -em crioulo// Sobre que assuntos? a gente fala de futebol -fala de educação… Problemas sociais? temas sociais - da escola - e quando falamos de temas sociais - o problemaincide essencialmente sobre a questão da educação da juventude actual --educação - quer dizer - entre aspas -- e aí ele às vezes… ele irrita-se - e tenho queestar a acalmar -oi… oiça -não se irrite -procure desligar// Está bom. Vamos ver então a pessoa 2. Outra pessoa. bom - outra pessoa que eu costumo contactar-me com ele também - é umsenhor já dos seus 65 anos - ano é? é da Brava - mas vive em Santiago há muitosanos - tem muitos filhos - é uma pessoa que já trabalhou muito - tem uma vidaestável digamos assim -- e que eu vou procurar nas férias para jogarmos uril - e àsvezes a gente passa HO::ras a falar - conversas sem nexo - ele diz uma - e eudigo-lhe outra… Em crioulo? em crioulo - ele faz a mistura do crioulo da Brava com o crioulo deSantiago - e eu faço a minha mistura com o crioulo de são Vicente com o criouloda Boavista -e estamos aí - HO::ras// Mistura crioulo de S. Vicente com crioulo da Boavista? sim - eu misturo o crioulo de são Vicente com o crioulo da Boa Vista -porque quando fui para São Vicente - eu tinha 8 anos e meio - e eu não falava --durante o tempo que eu estive em São Vicente neguei falar o crioulo de SãoVicente -porque havia uma questão de tentar impor as pessoas a falar o crioulo deSão Vicente - eu não aceitei -- vim para a Praia e as pessoas tentaram fazer omesmo - naturalmente o crioulo de são Vicente surgiu misturado com o crioulo deBoavista -e deixei… fui… normalmente// Ea pessoa 3? a pessoa 3…(...) Essapessoa 2 é funcionária do Estado? não - ele é… foi um homem de múltiplos ofícios - a pessoa 1 é que foifuncionário da polícia marítima - sabe qual - não é? bom aqui é mais difícil - apessoa com quem eu mais falo é com a minha mulher… Eu estava a pensar fora do seu círculo familiar// fora do meu círculo familiar -eu falo com os meus alunos… Na sala de aula? não -na rua// Na rua? na rua -às vezes vão ter comigo… Eem português, já me disse. sempre em português - põem-me problemas pessoais e às vezes costumamdizer - professor eu não consigo explicar tal assunto em português - e eu digo -diz em crioulo e depois vemos como é que se diz… como é que se poderia dizerem português - e eu faço este trabalho de apoiar linguisticamente - moralmente -não é? e isso acontece muitas vezes - com muita frequência -- isso para diferentesfaixas etárias -- mas eu falo com muita gente - eu tenho dificuldade em definircom quem eu falo mais - porque eu levo uma vida muito - digamos assim - caseirae quando eu saio de casa - eu falo com toda a gente - estou com toda a gente -convivo com toda gente -não é? não tenho assim (…) Já me disse que fala crioulo e português. Eu gostaria de perceber com quetipo de pessoas fala crioulo e com que tipo de pessoas fala português. Se poderespecificar um pouco mais… eu tenho - eu tenho um senhor que eu falo sempre português - porque eleveio de Angola ele fala sempre português e eu falo português com ele - ele équase de família - mantemos o contacto frequente -- com os meus alunos na salade aula --portanto eu -se estou em qualquer fórum… Oficial? não - mesmo oficioso alguém faz questão de se expressar em português -ali… Autoridades, pessoas instruídas…? autoridades - exacto -- pessoas instruídas não -- há pessoas instruídas comquem eu falo crioulo - normal - portanto -- já com quem eu nunca falo crioulo écom o Dr. X ((INF 7) e com o Sr. F1 - F - com eles eu falo sempre português -porque eles não dão espaço para falar crioulo - não é? mas de uma regra geral eufalo crioulo -ou… depende// Depende de quê? do assunto - da motivação - da origem - do local - das companhias -depende-o português surge naturalmente - não é nada escolhido// Pode falar-me um pouco disso, dessas circunstâncias, desses momentos.Como é que é isso, de falar o português ou o crioulo? às vezes por exemplo - eu estou a falar com o 2Sr. F3 - não me lembro doapelido dele - ele agora está de férias// X, eu acho. não sei -- é uma pessoa amiga - ele e o meu pai trabalharam juntos - eletrabalhou na pesca - foi muitas vezes à Boavista - e eu na altura estava lá - a genteestabeleceu um contacto interessante - agora passamos a ser vizinhos - e a genteconversa todos os dias -- e ele às vezes começa a falar crioulo depois passa para oportuguês - é aquele hábito - não é? e eu vou lhe acompanhando conforme…como dizia a minha avó - conforme é o toque assim é o baile - a dança aliás -melhor dizendo// Mas acha que falar crioulo ou português depende da pessoa, do assunto, domomento, digamos, o que é que o motivamais a escolher uma ou outra? bom -nunca pensei nisso// Pense agora((risos)) enfim - eu nunca pensei nisso porque é algo que surge assim -espontaneamente e que… quer dizer… como eu já disse - à primeira -- falarportuguês não nasceu da minha formação - não é? quando eu me formei - quandoeu iniciei a minha formação - eu já falava português - e nas mesmascircunstâncias que eu faço agora - porque quando eu iniciei a minha formação eujá era professor de português - então - quer dizer - de per si - o figurino não sealterou em nada// Diga-me uma coisa, quando viaja para outras ilhas, normalmente falacrioulo de que ilha? Já me disse,Boavista misturado com… se eu estou na Boavista eu falo de Boavista -- se eu estou com as pessoasde Boavista eu falo Boavista - mas uma palavra ou outra de crioulo de são Vicente-isso chamei meu discurso… E quando vai para outras ilhas? quando eu vou para as outras ilhas normalmente eu faço umas mistura dasduas línguas -não é? E como é, por exemplo, é essa compreensão? Por exemplo, aqui emSantiago? aqui em Santiagohá pessoas que não compreendem// Têm dificuldade em…? então eu explico no crioulo de Santiago// Então as pessoas que estão aqui em Santiago não compreendem ocrioulo… De um modo geral, acha que se entendem que não se entendem, de ummodo geral? quer dizer - vamos tentar situar as coisas no tempo -- quando eu vim paraSantiago- nos primórdios da independência - eu tinha dificuldades em comunicar-me com as pessoas de Santiago -- bem - quando a rádio começou a emitirprogramas em crioulo - as pessoas de Santiago começaram a ouvir o crioulo dasoutras… as variantes das outras ilhas e então como as variantes ficaram-lhes noouvido e começaram a interiorizar determinadas expressões e as entenderem - einclusive alguns por as acharem chique - começaram a utilizar essas expressõeschique - era assim -- mas depois nós estamos numa situação de… bom - podemoschamar de diglossia - não é? geral das variantes do crioulo onde hoje a maiorparte das pessoas de Santiago falam e entendem - inclusive o crioulo deSantiago… a não ser algumas palavras muito bem escolhidas - e o inversotambém é verdadeiro - actualmente -- é claro que há determinadas zonas deSantiago - que se forem para Santo Antão - ou se as pessoas de Santo Antãovierem para aqui - de determinadas zonas - eles vão continuar… eles vãocontinuar com determinadas dificuldades -mas isso é normal - porque são pessoasque não tiveram muitos contactos - que não saíram muito - e continuaramfechados no seu espaço linguístico -mas na… regra geral há uma abertura - há umcontacto - há barcos - há aviões… eu penso que nós estamos a caminharmosrapidamente para uma… um resultante dessas variantes -- é o que eu pensoconcretamente - mas nessas coisas - como é prematuro dizer qualquer coisa semum trabalho sério - eu não faço afirmações - nem assumo essa posição - é umaideia minha -muito empírica// Já falamos disso, mas eu gostaria que me dissesse um pouco mais. Lugarese circunstâncias em que usa o crioulo ou o português. Em casa já me disse quefala o crioulo, mas eu estou a pensar na vizinhança, mercado, lojas, repartiçõespúblicas… Também já me falou do local de trabalho… nas lojas - só se quem estiver a atender na loja for português - ou então seele fizer questão de falar português -- eu nunca parto do princípio… quer dizer -eu não inicio nunca o meu discurso em português - nas lojas -eu acho// Enas repartições públicas? nas repartições públicas sim - mas nem todos - nem com toda a gente --com as pessoas que eu tenho amizade - liberdade - contacto - a gente arranca aconversa com o crioulo e acabou-se a história - não e? bom - com quem eu falavasempre… Lugares de diversão. Por exemplo, restaurantes, bares, cinema, discotecas,reuniões…? difícil -difícil -- o crioulo predomina no meu contacto com as pessoas// Reuniõesde associações e ou de grupos…? eu fui por exemplo - durante muitos anos - presidente de váriasassociações na Boavista -e nós utilizamos sempre o crioulinho de Boavista // Bom, agora diga-me, com que finalidades… as finalidades com que falauma ou outra, por exemplo, estou a pensar em coisas como rezar, orar dar e pedirinformações, quando… namorar, convencer alguém de alguma coisa, quando querfalar de um assunto que o emociona ou o irrita, quando pragueja ou diz asneiras…coisas desse tipo? interessante -que eu nunca tinha parado para pensar nisso// Mas…? quando eu rezava eu tinha duas posições - se eu estivesse na igreja… se euestivesse a rezar em voz alta juntamente com outras pessoas - eu rezava emportuguês - se eu estivesse a rezar sozinho de modo improvisado eu rezavasempre em crioulo// Muito bem… agora eu não rezo ((risos)) mas na altura era o que eu fazia -- quanto anamorar - eu sou um indivíduo que prezo muito o facto de não ter nenhumainfluência racista - não é? mas enfim - mas namorar eu fui racista -inconscientemente -eu sempre escolhia namoradas cabo-verdianas// Portanto, namorar é em crioulo. Mas quando está a falar de um assunto queo irrita ou que o emociona…? também continua - de vez em quando eu sou descontrolado - o crioulo éque flúi - não é? o português… eu sirvo-me do português para circunstânciaspontuais - de momentos que normalmente são-me impostos ou por razão detrabalhoou… não é? Então diga-me, por exemplo, três circunstâncias em que falou portuguêsmas gostaria de ter podidofalar o crioulo, e vice-versa? não// Não? nunca tive necessidade disso -- mas sabe… quer dizer… quando umapessoa fala numa língua e sente necessidade de expressar-se noutra - é porqueessa pessoa não tem um domínio da língua - e não conseguiu envolver essa línguanas… nas suas emoções - nos seus sentimentos - nos seus pensamentos - e nãoconsegue reflectir profundamente - pensar correctamente -- e ele… chega umaaltura que sente necessidade de voltar à língua materna para poder de facto - deuma forma poderosa - exprimir aquilo que realmente sente -- mas comigo - comoeu digo - desde criança quando comecei a ouvir o crioulo já ouvia o português emminha casa - não era dirigido para mim - mas era dirigido a outras pessoas - eentão olha… e a minha avó tinha o bom ou o mau hábito de falar portuguêssempre que as circunstâncias lhe favorecia para tal - e ela era vaidosa do domínioque tinha da língua portuguesa quer oral quer escrita e por… gostava de exibir-se-quer dizer era uma exibição sadia -não é? mas não deixava de ser// Já…alguma vez na sala de aula dirigiu-se aos seus alunos em crioulo? já me aconteceu// Porquêe para quê? já me aconteceu algumas vezes - estar embalado na conversa informalcom os meus alunos - porque eu não considero - eu nunca fiz a sala de aula umespaço formal - algo formal exclusivo - porque eu penso que a::: o aluno parapoder sentir-se à vontade no uso de qualquer língua - ele tem que ser capaz de sesentir descontraído - então às vezes a gente fica numa descontracção pa::: sópara… e por duas vezes deixei escapar uma ou outra frase em crioulo - mas euagarro-as imediatamente - quer dizer - deixando-as fluir eu estaria a ir contra aintenção real que eu pretendo na sala de aula - de fazer da sala de aula um espaçode expressão da língua portuguesa - porque o aluno não tem outro espaço onde defacto exprime em português// Está bem. Eos seus alunos, alguma vez dirigiram-sea si em crioulo? fazem isso frequentemente -tentam isso a todo o custo -- fugir// Mas para quê que eles usam…? para qualquer coisa - para qualquer coisa - qualquer motivo para eles éválido para fugir da língua portuguesa que eles consideram - se me permitir aexpressão - entre aspas - uma chatice -- aliás - mas é que têm razão -- 50% dosalunos vêm de escolas onde os professores - ao longo da escola primáriapraticamente falou o crioulo com eles// Ah é?! se normalmente temos… um bom aluno diz - professor eu não fuihabituado a falar português - e eu o teu professor …? - falava crioulo -ensina-vos em crioulo?  - sim ensina-nos em crioulo - há algum exagero nisso- mas há um bocadinho de verdade - porque eu já me aproximei de algumasescolas - no interior de Santiago - e não só - onde o professor estádescontraidamente a leccionar em crioulo - aliás nós temos aqui em Santiago - epenso que nas outras ilhas porque ele não pode ser exclusivo em Santiago -professores no liceu que leccionam matemática - filosofia - geografia - história -em crioulo - e outras disciplinas de área cientifica em crioulo -- só que uma dasrazões que tem levado o aluno ao insucesso escolar prende com esse facto - oaluno recebe a matéria em crioulo - e depois o teste é apresentado em português -ele não tem o domínio dos conceitos e por isso ele não consegue responder -realmente ele encontra-se perante um teste em português - ele não sabe o que estáa ler - ele não entende - não compreende - não é? e::: depois - quer dizer - háaquele problema -- se quiser… é pena - porque podia ter aproveitado o períododos exames - para tentar acompanhar alguns exames para ver como é que osalunos levantam questões que não têm razão de existir - está fora do nível deles -mas eles levantam essas questões - mas porquê? de tão habituados que estão emresolver testes em português sobre matérias que eles aprenderam na língua cabo-verdiana - e de não entenderem os enunciados - criaram o mau hábito de fazerperguntas desnecessárias -des-ne-ce-ssárias// Sim senhor. Agora eu vou lhe pedir que pense nesta semana que findou, ediga-me com que frequência ouviu o crioulo e o português ou falou o crioulo e oportuguês. Ou seja, falou mais crioulo ou o português durante esta semana? durante esta semana… Esta que passou, que acabou de passar. durante esta semana… não me lembro de ter falado uma hora deportuguês// Está bem. pode ser que tenha acontecido -não é? Sim. Mas não se lembra? porque como as aulas acabaram -os testes acabaram -não me lembro// Vamos pensar no ouvir. Habitualmente, em que contextos ouve o crioulo eouve o português? eu oiço no noticiário… Oportuguês? o português - português e brasileiro -- eu acompanho os programasquando estou em casa - e::: em crioulo sempre que a nossa televisão apresentaalgum programa em crioulo - o que é muito difícil - não é? e na rua - estoupraticamente em contacto diário e permanente -em casa com o crioulo// E diga-me, que assuntos ouve habitualmente em crioulo e em português?Assuntos íntimos, familiares, oficiais, políticos, sociais. Habitualmente qual é queouve em português e qual é que ouve em crioulo? bom - isto vai depender - não é? da pessoa com quem estou a falar - dolocal e do tema -mas… De um modo assim, muito geral. de um modo muito geral -eu falo de tudo// Não, não. Ouve. Ouve. oiço de tudo -em crioulo// Em português? de tudo -efectivamente// Assuntos oficiais em crioulo…? tudo -tudo// Algum contexto, alguma circunstância em que ouve as pessoa a falarcrioulo, mas preferiria que elas… ouvir português ou vice-versa, o português maspreferiria ouvir crioulo naquela circunstância? sim - há pessoas que quando falam português - criouloguês - ficamquase… quase que a gente não consegue compreender - porque nós ficamos numasituação de ambiguidade extrema - porque comem os acentos - 'mais'passou a seradvérbio e conjunção adversativa ao mesmo tempo - empregam o 'de'desnecessariamente - regra geral não há… há um problema grave de utilizaçãodas preposições e das formas verbais que acabam por tornar o discurso incoerente- quer dizer - não dá vontade - não dá muita vontade de ouvir as pessoas a falaremdesta maneira - porque há aquela tendência - há aquele:: hábito profissional decorrigir e há pessoas que eu não posso -que eu não devo - e eu fico na… Passando à leitura, costuma ler em crioulo e ou em português, ou as duascoisas? eu leio qualquer um -crioulo -português… Com que frequência lêemcrioulo e que material de leitura? tudo -porque eu às vezes… Oque é que acha, encontra escrito em crioulo? O que lê? bom - a linguística - a gramática - romances - poemas - alguns artigos -quer dizer -há uma variedade de documentação// Nesta última semana,leu em crioulo? não// Leu mais em crioulo ou português? não -nesta última semana não li -porque há uns meses… Ocrioulo ou…? há uns meses que eu praticamente reduzi a minha leitura na preparaçãodas aulas - porque estou numa situação de mudança de casa e então os meus livrosestão todos encaixotados - e inclusive a minha sala de trabalho neste momentoestá uma lixeira - é guerra com a minha mulher (?) - mas a verdade é que eunormalmente leio muito -leio muito// Mas mais em crioulo ou em português? devido… a minha razão… à minha profissão - leio mais em português -porque eu tenho que preparar as aulas - eu tenho…mas eu leio muito ocriouloguês também -porque eu corrijo os trabalhos dos alunos ((risos)) Ea escrever, escreve em crioulo, escreve em português, os dois? depende// Os dois? Diga-me o que é que escreve num, o que é que escreve noutro? inclusive para preparar as aulas - às vezes eu escrevo em crioulo e depoiseu vou fazer a redacção em português - porque normalmente quando eu estou apreparar uma aula eu tomo os meus apontamentos e depois… Efaz isso em crioulo? e:: depende do estado de espírito do momento -- não há em mim umaintenção - quer dizer - a priori - de tal coisa tem que ser em português - tal coisatem que ser em crioulo - não para mim// Então diga-me, assim, que tipos de textos escreve em crioulo e que escreveem português? Já me tinha dito que, por exemplo, os e-mails ora em português,ora em crioulo… sim -os e-mails// Mensagens de telemóvel, bilhetes, cartas…? engraçado - eu não faço esse tipo de mensagens -- eu não enviomensagens por telemóvel - porque nunca tive paciência… apanhar o mecanismode mensagem - porque faz-me perder muito tempo - e não tenho muita paciênciapara isso - e então sai-me mais prático telefonar e acabou-se a história - e por issoàs vezes eu gasto um dinheirão em telefones - mas paciência -- de maneira que…dizer assim quais são os textos que eu faço - difícil - difícil -- como eu lhe disse éuma coisa arbitrária -espontânea - e que eu não registo// Ok. Como é que consegue escrever em crioulo? Segue o ALUPEC? Seique estudou o crioulo no seu curso. Segue o ALUPEC? Como é que consegueescrever? olha - eu faço de todas as formas -- é como eu lhe disse - eu não tenho…depende - vai depender da finalidade - não é? e::: espera lá! como é que se chamaa escrita que a gente utilizava antigamente no crioulo -não é? Fonético-fonológica? não -tem outro nome --não me lembro agora… Etimológica? etimológica -- regra geral eu utilizo mais a escrita etimológica quando euescrevo e-mail - quando eu faço e-mail -- o ALUPEC não é conhecido lá fora - anão ser por umas pessoas muito específicas - e mesmo em Cabo Verde não temassim - não tem… o ALUPEC não tem assim ainda uma divulgação porque…como ainda não está oficializado -e vários alfabetos… Foi publicado no B. O. foi publicado no B. O. - mas ainda não está divulgado - e vários outrosandaram assim naquela fase do chove não molha - e as pessoas estão à espera quea coisa se estabilize então depois para… penso que se vai ser já devia estar // E que dificuldades é que tem quando escreve crioulo? quando eu escrevo o ALUPEC às vezes eu tenho de ir ver algum valor dealgumas letras porque - por falta de hábito permanente - a gente esquece - e aí nãohá analogia com o português -com a fonética portuguesa// Diga-me, estando a falar crioulo, numa determinada circunstância, com umgrupo de pessoas, o que é que o faz mudar para o português? Ou vice-versa, seestá a falar português numa determinada circunstância - o que é que o faz mudarpara o crioulo? intenção de gozo -por exemplo// Por exemplo,se estiver a falar… ou então se eu estiver a fazer uma citação// Portanto, estáa falar o quê? se eu estou a falar crioulo - eu faço uma citação em português com umaintenção - ou então quando essa intenção… pode ser… geralmente é lúdica - paragozar -porque… Para gozar, usa o português? não - que dizer - nós temos algumas expressões que no português tem umsignificado - e que no crioulo tem outro - e quando elas aparecem euhabitualmente costumo gozar com as pessoas- não é? Mas por exemplo, poderia estar a falar com uma pessoa em crioulo, chegauma pessoa, um superior hierárquico, uma identidade oficial, ou há uma mudançade assunto. Isto também o faz mudar para o português? se eu estiver a falar com aquela criança em crioulo - chega o presidente darepública - eu falo é o crioulo - normalmente eu falo o crioulo -- eu não tenhocomplexos nenhuns com o crioulo - com o português -- para mim o crioulo e oportuguês são duas línguas que têm o seu espaço - quando eu estiver no espaçoespecífico de um eu o utilizo - quando eu estiver no espaço do outro - eu utilizo ooutro - quando eu estou num espaço aonde eu posso utilizar qualquer um deles -vai depender do meu interlocutor - outras vezes do meu estado de espírito - maisnada// Oque é que pensa do crioulo e do português? Como? Há pessoas por exemplo que acham que o crioulo é um dialecto - hápessoas pelo contrário acham que é uma língua. O X, o que é que pensa? tenho obrigação de sentir que é uma língua -não é? Mas em relação, comparativamente ao português, o que é que acha docrioulo? enquanto língua? Língua. o crioulo está para o português assim como o português está para o latim -se o crioulo não é língua então o português também não é - então nós estamostodos a falar latim - que por sua vez fala uma outra língua - e assimsucessivamente -- eu penso que… quer dizer… já é altura de pararmos com essadiscussão de empurra - de jogo de empurra - que não nos leva a lado nenhum - eassumir as coisas como elas são -- o crioulo é uma língua - tem capacidadessuficientes para se exprimir como qualquer outra língua - e também talvez devidoao seu enriquecimento de (?) ter-se… consigo exprimir em crioulo com maiorfacilidade do que em outras línguas -- nós vamos ter de parar de tentarsubcatologar a nossa língua - não é? e:: há uma necessidade de fazer umadivulgação ampla do crioulo - eu nunca - eu nunca pensei e quis pensar que ocrioulo pudesse alguma vez na vida ser língua oficial aqui em Cabo Verde -porque nós temos a necessidade de contacto com o exterior - e se fecharmos nanossa língua crioula - reduzimos o nosso impacto no mundo -- acho muito bem -quer dizer… CPLP - lusofonia e o mais fonias que quiserem - eu acho muito bem- porque abre-nos um leque de manobra maior - e eu acho muito bem que oportuguês continue sendo uma língua de elite em Cabo Verde - mas eu também eupenso - que já é altura de nós pegarmos no nosso crioulo e introduzir o crioulo nasescolas como língua de ensino - porque aí nós íamos eliminar vários factores deinibição da aprendizagem - porque o aluno considera o português como umalíngua cansativa desnecessária e dispensável - para além de que serve só para lhescomplicar a vida -- a partir do momento em que eles sentirem a necessidade deaprender o português - em pé de igualdade com a língua inglesa - não é? - porexemplo - inglês com informática - português para comunicação - não é? mastendoa língua base que é a língua crioula - eu penso que vamos ganhar muito comisso em todos os aspectos// Deixa ver, verificar se percebi bem. Portanto, acha que tanto o crioulocomo o português deviamser oficiais em Cabo Verde? temos espaço-têm espaço// Sendo as duas oficiais, elas seriam usadas para quê? Falou-me… disse queo português deveria continuar a serlíngua de elite. de contacto - de contacto - de contacto internacional -- contactointernacional// Ok. Então, diga-me, se as duas fossem oficiais, elas seriam usadas paraquê? Estou a pensarem falar,ler, escrever… comunicar -- o crioulo servirá para a comunicação interna e para ainstrução -- e o português serviria para as relações internacionais com Angola -com Portugal - com Moçambique - com Guiné - com S. Tomé - com o Brasil eoutras comunidades que falem português e que já são muitas - e que já é um lequeenorme -- porque nós teríamos aquilo que os chineses fazem - eles têm o chinêscomo a língua oficial - mas todo o mundo começa desde o jardim a aprender oinglês - que é a língua de comunicação internacional -- e é isso que penso tendoem conta a nossa situação dentro do contexto africano -não é? Mas falou-me do inglês. Portanto, como é que desenha… como é que faz odesenho da situação linguística em Cabo Verde? Ocrioulo,o português… e o inglês -- o inglês é uma língua necessária - nós não podemos… e ofrancês - nós não podemos fugir ao inglês e ao francês - ao francês porque é alíngua da tecnologia - ao inglês e ao francês -- nós estamos inseridos na 3CEDAOonde fala-se essencialmente o francês - quer queiramos… mesmo que a nossainserção - possível inserção - como é que eu diria - baldio da comunidadeeuropeia ((risos)) desculpe a expressão - antes - nós continuaremos de qualquermaneira - sendo CEDAO - CEDAO - isso é uma verdade -- bom agora as coisasestão-se a complicar - o italiano já é uma língua de força em Cabo Verde - oespanhol também -quer dizer o cabo-verdiano… quer dizer a nossa educação temcriado condições para transformar o cabo-verdiano em poliglota - nós somosforçados a ser poliglotasporque a própria história transformou-nos num… bolo decontacto internacional -nós não podemos fugir a isso - com mais ou menos… Falou-me do ensino do crioulo nas escolas. E na alfabetização de adultos, oque é que acha do uso do crioulo? olha - eu tenho um irmão que foi para a escola - ele não fez nada -- adulto- já com trinta e tal anos - ele teve a necessidade de fazer a alfabetização - porqueera… deixou de ser pescador - passou para guarda bancário e tinha de saber (?) -ele rapidamente aprendeu o crioulo - e do crioulo houve uma transição rápida parao português// Ele foi alfabetizadoem crioulo? ele foi alfabetizado em crioulo - fez uma transição rápida para o português- ele hoje já escreve os seus bilhetinhos e tudo mais - tranquilamente -tranquilamente -- coisas que muitos dos nossos alunos não fazem - porque euchego... ó Deus! - isto faz-me mágoa - mas é verdade! nós chegamos a ter nodecimo segundo ano -alunos que nunca se aprovaramna língua portuguesa// Há bocado disse-me que acha que o crioulo deve ser oficializado. E, nestecaso,qual crioulo? bom -- também é meter em polémicas ((risos)) eu vou lhe dizer uma coisa- eu penso que não estou habilitado a dar uma opinião objectiva sobre esta matéria-porque a oficialização de uma variante como a língua de um país… Mas eu estou a querer colocá-lo na perspectiva de falante, não é? Portantoé falante do crioulo, é cidadão deste país, o crioulo vai ser oficializado. Qual é oseu sentimento? eu estou numa situação privilegiada - para mim qualquer variante serve -porque… agora não - mas houve uma altura que eu tinha uma boa performanceem todas as variantes de Cabo Verde - eu sou da ilha da Boavista que é (?) desangue - convivi com pessoas de Santo Antão e de São Nicolau - Fogo e Brava -quando fui para S. Vicente estudar -- bem - depois eu tive uma mulher que era daBrava - estabeleci contacto muito estreito com pessoas do Fogo - e eu trabalheium ano na ilha do Maio - eu estou há 19 anos na Praia -- que dizer - eu não estouna posição predilecta para fazer escolhas -- para mim qualquer um serve -- agora -eu poderia…poderia falar numa óptica geral da questão… É isso. Geral. despessoalizando a coisa - porque eu penso que cabe às entidades assumiruma atitude - e determinar o quê que vai determinar - é o núcleo populacional - éa força cultural - é o económico - é o religioso - qual? e definir -- e então criarcondições para partirmos para isso na 4diskontra - vai haver polémica? sim senhor-- houve em Portugal - houve em França - houve em Itália - ainda há em Espanha- porque não pode haver em Cabo Verde? anh? o importante é que a gente avance-- agora ficar parado - à espera que… desculpe a expressão mais uma vez - que avaca tussa… desculpe lá -mas… Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar mais o portuguêse o crioulo? Admite alguma circunstância em que um cabo-verdiano não goste docrioulo, ou não saiba falar crioulo? o cabo-verdiano - por natureza - não é que não goste do português - temmedo de falar o português porque na maior parte não sabe expressar-sedevidamente em português - o cabo-verdiano tem a mania do perfeccionismo - ocabo-verdiano enquanto si - tem orgulho da sua língua cabo-verdiana - e falarcrioulo é uma conquista - é um orgulho adquirido desde os anos 50 - não é?porque eu… eu acompanhei atrajectória dos anos 60 já em São Vicente - o núcleocultural era em são Vicente - indiscutivelmente - eu criança - um poucomaiorzinho que ele-eu já ouvia … esqueci o nome dele-o (…) Não percebi. o Erol Flyn cabo-verdiano -o (…) Não insista. mas é uma vergonha eu esquecer-me o nome dele - de são Nicolau - não éBaltazar (…) João Lopes? ele vivia em Moçambique// Mesquitela Lima? o autor de (…) Não tem problema. Daqui a pouco lembra-se. Continue… sim - ele utilizava o cabelo a Erol Flyn - o bigode a Erol Flyn - então nóstínhamos uma paixão louca por ele - e aonde ele estava - nós estávamos -- eouvíamos o que ele dizia - a gente não entendia muito bem - mas há uma coisaque ia… que nos apaixonava - saber que éramos cabo-verdianos com cabo-verdianos -nós tínhamos um… Continue. Continue. nós tínhamos um lugar no mundo -- ter um lugar no mundo para nós eraimportante - nós não sabíamos porquê - mas sentíamos isso - e isso foi evoluindono meu ego - foi evoluindo de tal modo que eu tinha o prazer de dizer - eu souportuguês - MAS cabo-verdiano-- e depois quer dizer - eu ouvia o 5BaltasarLopes da Silva - menos - porque ele normalmente estava em local onde ascrianças não entravam - só raras vezes é que eu tinha contacto com ele - eu falavamuito com o Aurélio Gonçalves - o nosso querido Ti Roque - e::: mais pessoas daelite cabo-verdiana - que residia em São Vicente - a gente conversava - ouvia -quer dizer - a gente não conversava - ouvia-os falar - a conversar - e depois - querdizer - quando começamos a crescer - começamos a criar as nossa pequenastertúlias - não é? na Praça Nova - na praça do liceu - na escadinha - onde semisturavam… 6F4 - F5 - F6 - F7 e companhia limitada – F8 - que conversavam -e que discutiam -- e eu era um menino de recado - e às vezes até ganhava umasapostas - porque eu era um aluno bastante razoável - e quando metiam discussõesde escola - entrava geografia e história - um ou outro dizia alguma coisa errada eeu dizia - não - não é assim - é assim - e quando começava a discussão - vamosa uma aposta - eu não tinha dinheiro e o outro apostava por mim - e eu ganhava -isso é coisas mesmo do ambiente de São Vicente na na naqueletempo// Há alguma circunstânciaem que aceita, admite a possibilidade de um cabo-verdiano não saber crioulo, ou não gostar do crioulo,ou recusar falar crioulo? se me contarem eu irei escutar para ver - se me contarem eu irei escutarpara ver - porque o crioulo é DE FACTO o bilhete de identidade de um cabo-verdiano -- a meu ver - o nosso bilhete de identidade é a nossa língua - nãointeressa que ele seja de Djô de Txica - de Serra Malagueta ou de Ponta Chicharro-não interessa -o nosso crioulo é a nossa língua-- Gabriel Mariano - é ele// Ah! sei! Diga-me uma coisa, acha que há pessoas, lugares, circunstâncias,assuntos que são adequados, ou melhor, que o português é adequado para certaspessoas, certos assuntos, certas circunstancias, lugares e o crioulo para outros?Quais? Com que pessoas acha que se deve falar crioulo, com que pessoas achaque se deve falar português, sobre que assuntos? eu vou passar - eu vou passar - porque eu considero qualquer resposta aessa pergunta perigosa ou inexacta - porque eu não acredito que essa situação seponha -não acredito// Portanto acha que qualquer é adequado para qualquer… oh -sim! O que é que acha disso, de nós termos essa possibilidade de usar o criouloe o português, assim…para qualquer lugar ou circunstancia? Tem algumadificuldade em escolher entre o português e o crioulo? eu vou responder esta pergunta com uma outra - porquê que o cicerone desão Vicente era um indivíduo 7bazofu? Eu não sei. dominava várias línguas// Ou seja? comunicava com muitas pessoas// Então acha que…? quanto maior for o leque de comunicação possível - mais em grandecírculo nós nos sentimos// Pessoalmente sabe sempre que língua usar, com uma determinada pessoa,sobre um assunto ou uma circunstância, ou tem dificuldade em escolher? nunca parei para fazer isso// Mas nunca teve dificuldades? não// Ok. Qual deles, crioulo ou português, acha que deve ser usado… queexprime melhor a cultura de Cabo Verde? Estou a pensar em mornas, coladeira efunaná, mas também estou a pensar no teatro, no cinema, jornalismo, rádiotelevisão,literatura escrita… isto é fácil// Diga. eu posso simplesmente utilizar a expressão 8sabe e exprimir muita coisa -exprimir os vários sentidos que esta expressão… as diferentes conotações que elatem - no crioulo - na língua crioula -- eu queria que isso… gostava de ver nalíngua portuguesa e talvez consiga -- então - quer dizer eu penso que não éessencial esta expressão - que há outras - que pela facilidade com que se adaptam- e se conotam dentro de determinados contextos - são suficientes para dizeremque… a::: exprimir em crioulo é total para nós -- mas se estivermos a exprimir emportuguês - espero não ter fugido à sua pergunta - se nós não utilizamos estaspalavrinhas - vamos procurar - rebuscar na língua portuguesa - a gente vaiencontrar -de certeza - ou então simplesmente - entre aspas// Mas, por exemplo, mornas feitas em português, funanás em português,coladeirasem português também, cinema,teatro em crioulo? eu admito porque existe// Não, mas o que existe é um número reduzido. Estou a dizer, assim, tantofaz… Brada Maria não deixa de ser uma boa morna porque está escrito emportuguês// 50%/ 50% por exemplo, mornas em crioulo…? é claro que a beleza da língua cabo-verdiana sobrepõe-se à línguaportuguesa - nós temos uma língua muito mais harmoniosa - mais adaptada àpoesia do que a língua portuguesa - e depois a nossa própria modalidade deexpressão é muito… mais bem concebida - e a diferença é aquilo que nos atrai nobrasileiro - não é? que nós temos no nosso crioulo - que é o que a línguaportuguesa corta - apesar de os espanhóis considerarem que a língua portuguesa éuma língua mais apropriada para o romantismo - mas o brasileiro e o cabo-verdiano conseguiramultrapassar a língua portuguesa -a meu ver// Em que aspecto? melodioso -e que… nós conseguimos -nós conseguimos rimas mais (?)// Não pode ser um pouco mais concreto, por exemplo, teatro, cinema,literatura escrita…? aí nós vamos pôr duas situações -- se nós fazemos teatro para nós - é alíngua cabo-verdiana que expressa mais a nossa realidade autêntica - o portuguêsé um esforço que nós estamos a aplicar sobre a nossa cultura// E? eu vou ser atrevido se me permitir// Esteja àvontade. eu acho que nós temos um português de Cabo Verde - e que precisa ser(repescado?)// Como assim? nós temos a nossa forma própria de falar português - forma essa que foinascendo - desenvolvendo - foi amadurecendo no seio popular e que a nossaintelectualidade tem rejeitado cada vez mais -- olhe - no dia que nós aceitarmosque há uma (posposição?) pronominal - a posição do verbo - é uma verdade doportuguês cabo-verdiano - e outras circunstâncias que agora eu podia apresentarmas eu não vim preparado para isto de maneira que eu não vou… mas essa émais frequente - nós vamos deixar de tentar imitar o português de Portugal - etentar falar o nosso português - e aí será mais fácil nós conseguirmos corrigir asdeficiências gramaticais e de pronúncia -- aplicar uma variante gramatical dentrodo português que existe em Cabo Verde - é uma verdade - é um facto -- os alunos- nos trabalhos deles vêm reivindicando esta variante - eles só escrevem dentrodaquela variante - eles reflectem naquela variante - ela que é verdadeira - ela queé nossa - a outra é importada -- até quando nós vamos continuar a importar? eis aquestão - pode não concordar comigo - mas sabe que eu estou a dizer uma grandeverdade// Porque é que acha que eu…? eu não sei -as pessoas normalmente não querem aceitar isso// Esteja à vontade se quiser acrescentar mais alguma coisa que acha que eunão tenha abordado e que… sobre oqual tem pensado, seja algum comentário… em se tratando do problema crioulo/português - eu penso que torna-senecessário reforçar a institucionalização do crioulo nas escolas -- porque nósassim iremos de facto eliminar vários factores que têm contribuído para oinsucesso escolar dos alunos -- a presença do inspector nas escolas - capaz - umtrabalho condigno para ajudar os professores a fugirem desta tendência deleccionarnuma língua e avaliar noutra -- outro aspecto que eu queria - era que nós- de facto - debruçássemos sobre a nossa variante do português e fazê-la emergirde facto - porque ela tem influência de todas as variantes do crioulo de CaboVerde - nós temos um português de Santo Antão que é eterno e que nãodesaparece nunca mais - nós temos um português do Fogo que é eterno e que nãodesaparece nunca mais - nós temos um português da Brava - nós temos umportuguês do Sal - tá tá tá… consoante a variante - nós temos um português a:::semelhante ou fruto da interferência desta variante na língua portuguesa -- bom -nós podíamos tentar padronizar também esta variante - nalguns aspectosfundamentais da gramática e não só - para que ele possa fluir -- eu penso que onosso… mundo literário sairia a ganhar - penso que sim -- porque se nós vermoscomo é que Manuel Lopes é feliz quando ele introduz as interferências de SantoAntão - como é que Baltazar introduz as interferências de são Nicolau e de sãoVicente - não é? eu penso que em Santiago também podia-se fazer a mesma coisa- eu acredito que Germano ((Almeida)) poderia ter sentido melhor se ele sedeixasse levar mais pelas influências do boavistense na língua portuguesa - que éalgo que já está - que existe mesmo - de facto - de há longa data -- quer dizer eupenso que nós podíamos conseguir muita coisa bonita -- MAS eu continuodefendendo que já chegou a altura de nós darmos ao crioulo o seu espaço semcoarctar o espaço da língua portuguesa - porque o português é a língua que nós defacto precisamos para contactos internacionais e que a língua crioulo não vaipoder substituir - não vejo como - porque uma língua é mais rica - é mais valiosaconsoante o número de sujeitos falantes que ela tem -bom -é isso// Obrigada mais uma vez,senhor X,por esta entrevista. 9es ka nada -es ka nada -na Boa Vista no ta dezê es ka nada//1Pessoa com mais de 70 anos, reformado da administração pública onde exerceu altos cargos, desde aaadministração colonial2Também pessoa de estrato médio-alto, em situação idêntica3Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental4Tradução para português: descontraidamente5Baltasar Lopes da Silva e Aurélio Gonçalves são escritores consagrados da literatura cabo-verdiana emlíngua portuguesa6Trata-se de pessoas de algum modo públicas, da idade do entrevistado.7Tradução para português: vaidoso8Palavra muito difícil de traduzir, devido às suas várias conotações e acepções, sendo que algumas delassão: bom (tempo…); doce, saboroso (comida, bebida), agradável (pessoa, ambiente);9Tradução para português: de nada, em Boa Vista dizemos “de nada”" -INF18.wav,"Sr. X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A primeira questãoque eu colocaria é a seguinte: antes de entrar para a escola falava o crioulo, oportuguês, qual deles? bom -se refere à escola básica…? Escola básica. falava o português -o crioulo// Quando aprendeu a falar, aprendeu o crioulo. o crioulo é a minha língua materna// Mas já tinha ouvido o português antes de entrar para a escola, tinha algumcontacto…? suponho que não - suponho que não - porque na altura nem rádio havia aqui -- portanto a única língua que se falava no seio familiar - na comunidade - era ocrioulo// Não tinha… nem com a comunicação social, a igreja? a igreja na altura - não -- quer dizer - eu frequentava a igreja sim - mas aigreja não tinha assim muita influência em termos de português - porque ainda era notempo que davam aquelas missas quase tudo em latim - não havia assim muitainfluência -não passei pelas catequeses -essas coisas todas// E actualmente em casa, com os seus amigos, com os seus familiares e amigosmais próximos, usa o crioulo ou o português? o crioulo -- o português… agora - com pessoas… por exemplo - estamosagora neste momento - pessoa que conheço… quando se trata de colegas de profissãoou em reuniões assim de trabalho -falo português// Como é que considera a sua… o seu domínio do português e do crioulo? bom - certamente que o domínio do crioulo está em primeira…é o mais… é oque mais domino - não é? que é a língua materna - a língua que conheço melhor eque sinto melhor e… portanto… mas - eu considero que eu domino o portuguêsrazoavelmente// Estou a pensar… fala o crioulo aqui de Santiago. E o domínio do crioulo deoutras ilhas? compreendo - posso até simular - mas não é grande coisa -- mascompreendo// Diga-me, falar, ler, escrever crioulo e português. Prefere falar crioulo, lercrioulo, escrever em crioulo, qual é que prefere? eu não sou muito bom em ler crioulo -- confesso que ler eu tento - leio atéalgumas vezes porque gosto de estar em… eu adoro o crioulo// E escrever crioulo? se calhar até um dia vou fazer alguma coisa neste mundo -- não sei… mas…confesso que ainda a escrita do crioulo não domino muito bem// Certo. E português, falar, ler, escrever? português eu… eu… eu procuro falar com…o melhor que puder e a escrita…a escritafaço sempre com mais cuidado --então acho que na escrita se calhar saio-mesempre melhor// Mas prefere falar, ler ou escrever português? olhe - depende das circunstâncias -- eu gosto muito de ler -- leio muito - já limuito -- mas - não sei… não sei se prefiro -- essas três… essas três… como é que eudigo? Capacidades? essas três capacidades - eu… não sei --eu acho que falo razoavelmente bem eescrevo também --acho que escrevo… E qual é que… como é… qual é que se sente mais à vontade, a falar crioulo ouportuguês? Mais à vontade. claro que é… o crioulo --é materno -portanto -não há dúvida que… Acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? é… depende do que… com quem eu falo e depende do… portanto do… nãodiria até do assunto - ou até - não é? mas o objectivo da comunicação que querofazer… porque há coisas que… por exemplo - se eu estiver numa… numa… nummomento de usar a língua com a sua função lúdica - acho que o crioulo tem muitomais… por ser o crioulo - por ser cabo-verdiano acho que sabia muito melhor --conseguiria expressar muito melhor -- mas - o expressar melhor depende também doreceptor - não é? portanto - se a comunicação dá-se melhor ou não - portanto - se hámelhor ou não recepção -- mas eu… eu acho que depende… depende do objectivo dacomunicação// Certo. Eu vou lhe pedir uma coisa. Que pense nas três pessoas com quem maisconversa, fora do seu círculo familiar, certo? E que me faça o perfil dessas pessoas.Não quero os nomes, só quero o perfil, em termos de idade, sexo, grupo, estratosocial, se é do meio rural ou do meio urbano… Pode falar em termos de pessoa 1,pessoa 2, pessoa 3// o português? Não. As pessoas. o crioulo --falar o português… Não. Pense nas pessoas, depois diga-me se fala com elas… Faça-me o perfildelas e depois a língua que fala com elas. primeiro eu penso nos meus filhos// Não. Fora do seu círculo familiar. fora do meu círculo familiar -- olhe - fora do meu círculo familiar são osmeus alunos - com quem mais falo -- amigos - tenho alguns amigos - mas são bempoucos - sou uma pessoa que não tem muitos amigos -- e falo mais é com os meusalunos --e… em terceiro lugar -se calhar estão os meus colegas da… da mesma… Com os seus alunos fala? falo o português// Na sala de aula? Na sala de aula e forada sala// Fora da sala de aula. eu sou um professor assim marcado - um pouco marcado na minha escola -nas escolas que eu trabalho - porque - os alunos até costumam confundir-me --dizem-me que… este professor é angolano - ou é moçambicano - ou é de São Tomé-- parece que não fala crioulo - ou tem manias?  não - eu sou professor de português- tento ensinar o português e procuro falar sempre - testar os meus alunos - procurarsempre… procuro sempre dar oportunidade aos meus alunos para exercitar --por issoeu falo sempre português com os meus alunos -- quer na aula - quer fora de aula -- àsvezes também eles estranham - mas já estão também habituados - mesmo quando meencontram fora da escola falam comigo -dirigem-se para mim em português// E depois? depois -eu posso citar os colegas de… os colegas de… (…) De profissão? de profissão// Comeles fala? com eles sempre que precisamos - portanto - discutir um assunto… há sempreaquela… aquele risco de estarmos a falar o português e às tantas entra o crioulo - nãoé? acontece sempre --mas -são as pessoas com quem mais eu… Com essas… com os seus colegas preferencialmente falam em? Não percebise era o português. português -- falamos em português várias vezes - sobretudo quando estamosem… em reuniões de trabalho// E fora das reuniões de trabalho? mas fora de… não -fora -conversamos em crioulo// Fora das reuniões de trabalho, então, também na escola? na escola - às vezes fora - fora de escola - conversamos em crioulo -- ocrioulo… eu não sei… quer dizer… eu tenho notado que mesmo entre osfuncionários -entre os colegas -a tendência é para falar crioulo// Com os seus alunos, fora da sala de aula, que tipo de assuntos trata com eles?Em português, não é? olhe - os assuntos variam -- depende do… depende do momento - doambiente… do… enfim… daquilo que… enfim - vir à tona na conversa// Mas assuntos pessoais dos alunos ou só assuntos relacionados com a escola? pessoais -- há casos de assuntos pessoais porque eu tenho essa… os alunoscostumam-se dirigir muito a mim para colocar os seus problemas pessoais// E mesmo assim é em português? é em português - mesmo assim é em português -- eu só costumo deixá-losfalar o crioulo quando… porque há vezes em que estão em estado mesmo de…emocionam-se - e aí… e aí eu deixo-os falar em… em crioulo - mas eu respondo emportuguês --portanto -já é um hábito// Um hábito. Portanto, disse-me que com os seus familiares, amigos maispróximos, colegas, falava crioulo. E com os seus alunos português. E com superioreshierárquicos, autoridades, entidades oficiais? aí uso sempre português// Sempre português. nunca… eu não sei se é… às vezes até costumo reflectir nisso… costumopensar - será que há algum complexo nisso?!  - não - da minha parte não sintocomplexo nenhum -- mas é já um hábito que eu tenho -- se vou a um lugar - tenhoque dirigir a alguém… sou assim -quer dizer -dirijo em português - nunca… Com, digamos, pessoas mais velhas, faz alguma distinção, português, crioulo? as pessoas mais velhas normalmente eu procuro… como é que se diz? aquelatentativa de adequar a linguagem -- de… depende de pessoas mais velhas - porque hápessoas mais velhas que a gente pode logo… Do nível de instrução…? depende do nível de instrução// Pode concretizar um pouco? do conhecimento que tem da língua - do hábito que tem da utilização doportuguês - ou não -- quando é assim - se se trata de pessoas que estão por dentro dalíngua e que têm conhecimento da língua… Usa o? uso o português// O português. E, com essas pessoas… já me disse com os seus alunos, os seuscolegas, com os superiores hierárquicos, autoridades… normalmente, que tipo deassuntos é que conversa com elas, assuntos oficiais, de trabalho…? assuntos oficiais - não oficiais - assuntos que… há… há pessoas com quemtenho motivos de conversa… às vezes falamos de coisas da vida - cultura geral -política… E este… quando é este tipo de assunto… por exemplo, há um tipo de assuntoem que preferencialmente usa o crioulo e o português? há// Por exemplo? há casos -- por exemplo - falando da política - normalmente falando dapolítica há sempre aquela…como é que eu digo? Tendência? aquela… aquela animação - aquela euforia que às vezes - só a língua maternadá ((risos)) e muitas vezes juntamos as duas língua -usamos as duas línguas// Quando viaja para as outras ilhas ou fala com pessoas naturais, cabo-verdianasnaturais de outras ilhas, usa o crioulo ou o português? o crioulo// E como é que…? dependendo da pessoa - conforme -- se a pessoa tem… às vezes depende dalíngua que a pessoa escolher -mas… Como assim? há pessoas que - por dificuldade de usar - por exemplo o crioulo de Santiagopodem dirigir em português - usar o português -- se for assim… mas… compessoas… normalmente com as pessoas menos letradas - pessoas com menosconhecimento da língua -a gente usa o crioulo -não é? E como é que… o que é que acontece? Compreendem-se, não secompreendem…? compreende-se -- há uma ou outra expressão - por exemplo - que por vezes…mas - não há - não há dificuldade na comunicação com pessoas de outras ilhas -- eunão tenho esta… Há bocado disse-me que falar crioulo ou português depende da finalidade. Eugostaria que me explicitasse isso um pouco mais. depende - depende da finalidade -- por exemplo… e da pessoa com quem sefala - não é? se vou falar com alguém que…um superior hierárquico ou com uma…uma pessoa com um determinado estatuto// Estatuto elevado? elevado -- ou que tenha… que eu tenha certeza de que a pessoa domina alíngua e que é possível se calhar - em português - portanto - falar com mais… como éque se diz? com mais requinte - com mais riqueza - com mais… então - usa-se oportuguês -- mesmo para… para dar mais nível à comunicação -- mas - se se for… sese tratar também de uma situação formal - aí uso o português -- mas -se tratar de umasituação informal e dependendo da pessoa -desde que não haja… não haja problemasema pessoa comunicar em crioulo// É capaz de me dar alguns exemplos dessas circunstâncias, formais e nãoformais? por exemplo - eu costumo encontrar-me com o secretário de estado deeducação que é… portanto - somos - relativamente amigos… e por vezes falamoscrioulo -- encontramos e começamos aí… mas - se o assunto for algo… algo que tema ver com o trabalho - com a educação - com ensino - com aquilo que diz respeito ànossa profissão - e dependendo da forma como ele se dirige também – depende -- porisso que eu digo - depende da escolha que se fizer no momento e - se calhar até doobjectivo da conversa// Ainda um pouco nas circunstâncias. Há bocado disse nas repartições públicas,mas estou a pensar, por exemplo, na vizinhança, no mercado, nas lojas, bares,restaurantes, o que é que escolhe falar? é o crioulo -- com o povo é o crioulo -- não há… aí nunca… eu nuncachegaria ali num bairro - ou num bar - ou no mercado e dirigir a uma pessoa emportuguês -- não - nunca faria isso - mesmo porque seria… seria estranho - digamosassim -- porque as pessoas - a nossa gente gosta de ser interpelada em crioulo - nalíngua que entende -- agora - o português surge nas situações mais… digamos assim -com mais… Ainda na escola, por exemplo, na cantina, nos intervalos, com os alunos, falacrioulo, com os professores, com os colegas… não -com os alunos eu falo português// Ah! Desculpe. Português. Com os colegas nos intervalos? com os colegas eu posso… falo… O crioulo? há quem… eu… há uma professora por exemplo - lá na minha escola - quenunca falamos crioulo --nunca --seja onde estivermos - nunca falamos crioulo// Mas porquê? Por causa da idade? Por causa de…? eu não sei -- talvez porque ela… ela é…de origem angolana - e tem o hábitode usar - de falar português -- e eu - como sei também que ela é angolana - e… massei também que ela fala o crioulo - mas sempre falamos em português// Agora a questão das finalidades. Poderia especificar um pouco? Eu estou apensar em coisas como, por exemplo, rezar, orar, namorar… não -não -não - não// Quando quer convencer alguém de alguma coisa, está na rua, pede umainformação… isso é aquilo que chamaria viver -- viver em crioulo -- a vida - eu vivo emcrioulo - penso em crioulo - e aquilo que eu faço é em crioulo -- agora - quandoestou em situações específicas que pode exigir - ou que pode ser conveniente usar oportuguês -eu uso português// Quer falar um pouco disso? Que situações é que exigem e é conveniente falarportuguês? situações que exigem… por exemplo - suponhamos que eu vou a uma… euposso encontrar-lhe numa festa - não é? encontramo-nos numa festa -- encontramo-nos numa festa - eu sei que a senhora é uma pessoa culta - que entende da língua -que domina a… às vezes até por uma questão de… de… de… de… eu não digotreinar - mas é uma oportunidade para usar a língua - não é? e quando é assim -encontro com pessoa que eu sei que domina a língua -nós falamos// Esta semana que passou falou mais português ou crioulo? ah! isso agora! ((risos)) olhe - eu estou quase em férias se eu lhe dizer quefalei mais português esta semana se calhar estaria a mentir -- como eu já lhe disse eufalo mais português com os meus alunos// Certo. E durante mais tempo? Horas seguidas. Costuma falar mais o crioulo ouportuguês? Não estou a pensar nas aulas, porque já me disse que fala português fora das aulas… fora das aulas falo mais crioulo do que português// E porque é que escolhe falar mais o crioulo? Porque é que acha que falamais… usa mais o crioulo do que o português? não é o querer -- não é querer -- é uma questão de… primeiro… o crioulo ématerno - é a língua materna - é a língua que quase… que todo o mundo entende --portanto - a maioria das pessoas com quem eu falo são pessoas que dominam bem ocrioulo e que usam o crioulo no seu dia-a-dia// Já alguma vez usou o crioulo querendo usar o português naquela circunstância,ou o contrário, usou português mas querendo usar crioulo naquela circunstância?Pode falar-me disso? por exemplo em aulas -- por exemplo em aulas -- eu muitas vezes nas minhasaulas - quando por exemplo… eu - no ano passado - tive um aluno… uma aluna - quevinha totalmente bloqueada -não conseguia exprimir nada em português -- eu quandodescobri isso comecei - portanto - comecei a investigar a aluna - a criar motivos paraconversarmos -- mas vi que de nenhuma maneira ela se desbloqueava -- então - eutive que pedir à aluna que falasse em crioulo -- mas mesmo assim ela não… eu tiveque falar crioulo com ela - para ver se ela arrancava - não é? e ela lá conseguiu dizeralguma coisa e os colegas até disseram-me assim -- não professor - ela não costumafalar português e não tem… tem vergonha de falar português - é por isso é que elanão fala -- então eu usei - tive que usar o crioulo - para depois fazer com que aprópria - portanto - dissesse a mesma coisa em - português -- bom - não foi fácil --não foi fácil -- portanto - eu normalmente não costumo usar o crioulo nas aulas --agora… Nunca se dirigiu… aconteceu dirigir-se a um aluno em crioulo, para alémdessa circunstância? só quando… quando há por exemplo - às vezes há uma palavra que…estamos a discutir um texto - por exemplo - surge uma palavra em que - às vezes - agente explica - explica - explica mas o aluno não entende -- aí eu utilizo a expressãocorrespondente em crioulo -- olha - em crioulo diz-se assim - é o que se diz emcrioulo assim -é isso -em português quer dizer isto// E o contrário, os seus alunos dirigirem-se a si em crioulo? a:: isso acontece -- várias vezes -- há alunos que sempre a gente tem que dizer- não - fala português - porque sempre querem é falar crioulo -- há alunos que atédizem que - 1não - profesor - mim ka ta papia português - ami e kriolu -- é precisoinsistir para poderem… Falar? falar português// Já falamos um pouco disso, mas eu vou retomar para poder precisar melhor. Aquestão do ouvir. Habitualmente onde é que ouve português, onde é que ouvecrioulo? não - o crioulo - todos os dias na comunidade estou ouvindo o crioulo -- emcasa - mesmo na escola - escuto o crioulo todos os dias -- agora - o português - oportuguês é em… na escola quando nas aulas - nas reuniões de trabalho - telejornal -falando com pessoas que… Há alguma circunstância onde habitualmente ouve só o crioulo, mas gostariade ouvir o português, ou o contrário? Na aula já me falou disso, mas… olhe - eu… que eu gostaria talvez não - mas… eu - uma vez - por exemplo -ia a… das poucas vezes que ia à igreja - eu comigo mesmo muitas vezes dizia - masporquê que essas missas que são dadas aí…? -- isso já faz algum tempo - porqueagora tenho notado que os padres têm estado a usar o crioulo na… nas suas sessões -sem problemas -- e… mas isso era uma questão de querer ver o crioulo a ser usadopara o povo -para aqueles que entendem o crioulo// Na missa, na…? na televisão também -- na comunicação social - sobretudo na televisão e narádio -- há certos programas por exemplo - que dão em português - que eu muitasvezes pergunto -mas porquê que não falam em crioulo - se o povo entende?  Como por exemplo? por exemplo - há certas campanhas que fazem para… por exemplo -campanhas de educação - a higiene - em relação às questões do lixo - água - àviolência doméstica e outras questões -- muitas vezes estão falando para o povo - emvez de usarem o crioulo - usam o português -- eu - quando é assim - costumoperguntar: mas porquê?! -porque é que não usam o crioulo?  Percebo. aí -eu sinto a vontadeque se falasse o crioulo em vez de português// E o contrário, o português em vez de crioulo? o português… bom - há vezes em que… por exemplo - muitas vezes nasnossas festas escolares… porque uma vez tinha… tinha… nas festas escolares - nassessões que se fazem nas escolas - sessões culturais - sessões dos discursos - tudo oque se diz… num ambiente -digamos -num ambiente que eu considero…(…) Descontraído? um ambiente de intelectualidade - não é? eu acho que nesses ambientes deve-se falar o português -- quer dizer… para dar mais… como é que eu diria? porque ocrioulo ainda… apesar de eu ser defensor do crioulo - eu gosto do crioulo - amo ocrioulo e… mas há… infelizmente ainda há coisas que nós temos que usar oportuguês para podermos dar mais… pelo menos quando queremos dar maisintelectualidade àquilo que… sobretudo nas escolas -- acho as festas escolares - hojeem dia - muito… muito banalizadas - com programas muito… como é que se diz?pouco… com pouco nível intelectual -não é?quer dizer… Mas porquê? Porque se usa crioulo nessas festas? não é porque se usa crioulo -- mas é porque se dá mais… como é que euexplicaria isso? uso do crioulo também - não é? porque normalmente quando se usa ocrioulo - quando nós pomos as crianças aí a usar o crioulo para fazer aquelas festas -aquelas cenas todas e usam o crioulo - não sei… eu considero que… aí eu sintovontade -não sei se é porque no meu tempo fazia-se de uma formamais… e eu fiqueicom esse hábito - mas eu sinto vontade que… que as crianças aí falem o portuguêsmesmo para… para aplicarem - para se ver quem aprendeu mais - quem aplicou mais- quem sabe usar melhor o português e… e depois fico com a sensação de que dámais nível de intelectualidade nas coisas// Há bocado falou-me disso e volto a repor a questão. Já leu alguma coisa emcrioulo? já -já li// O que é que já leu? por exemplo - eu li as pesquisas do Tomé Varela em relação ao batuque deNha Nasia Gomi - acho que é mais sobre Nha Nasia Gomi - mas ele fala também deoutras batucadeiras -- eu já li alguma coisa do… do Spínola - em crioulo - e… quemmais li? acho que é por ai --eu não tenho muito…muito (…) Muito hábito de leitura? muita leitura do crioulo// Mas porquê? Sente alguma dificuldade? na leitura menos --menos do que na escrita// Não escreve em crioulo? eu escrevo -- mas só que o que eu escrevo - quer dizer - pode fugir um pouco-às vezes -de… daquilo que é… Que dificuldades é que sente ao escrever? dificuldade na medida em que não tenho… não há… não há um padrão -assim - estandardizado já - e que… tenho sempre a sensação de que estou a escrevererrado - estou a dizer qualquer coisa que não… Mas há o ALUPEC// há o ALUPEC - mas o ALUPEC ainda é… eu acho que ainda é muitoinconsistente// Não usa o ALUPEC, então? eu uso// E domina a escrita? eu uso -mas não domino --não domino// Mas estudou o crioulo? estudei// Estudou no… na forma… no ISE, não é? estudei --estudei - e tive boas notas --eu até domino bem o crioulo - não é? Estou a dizer a escrita. sei muito bem as coisas do crioulo - mas a escrita é um bocadinho mais… aescrita… Mas quais as dificuldades que sente? Consegue indicar pelo menos trêsdificuldades na… Na escrita? Sim. Das mais importantes que sente. a escrita - a escrita do crioulo… há muita… como é que eu diria? as palavrasque… os sons que usam… como é que se diz? porexemplo o 'dj'-o 'tchau' -o… Englobam… esses sons que por vezes englobam três fonemas ou mais -não é?a questão dos acentos -- a questão do… mesmo do… como é que eu diria? éassunto… isso já é assunto… por exemplo - 2'bo' ou 'nha' - o 'nho' - portanto -escrevemos… eu tenho notado muitos escritores - por exemplo - que escrevem o'nha' -assim -n -h -a// N -H -A . Sim. o 'nho'- N-H-O-só --há outros que dizem nhôfechado -nhô// Com acento circunflexo. com acento circunflexo -- o uso do acento agudo - por exemplo -- há casos desílabas que são… na pronúncia nós dizemos o som aberto - não é? mas na escrita -por vezes - limitam apenas a usar o… a vogal - que fica normal - sem nenhumaacentuação// Como é que acha que essas dificuldades poderiam ser superadas? olhe - isto é algo que carece de um estudo muito cuidadoso e só com… comse calhar - a definição… a estandardização clara de uma escrita que deve-se tomar…deve-se estudar e deve-se usar --talvez com o estudo a gente vai… vamos chegar lá -um dia vamos acabar todos aprendendo a escrever o crioulo correctamente// Nesta última semana que passou, leu ou escreveu alguma coisa em crioulo? não -eu não li nada em crioulo// E escrever? nem escrever// Há algum tipo de texto que habitualmente escreve em crioulo? O que é queescreve em crioulo? não - normalmente eu não escrevo textos em crioulo -- eu - sempre que tentoescrever -procuro escrever sempre emcrioulo// Em crioulo? em português -- eu tenho notado… eu tenho notado - por exemplo nostelemóveis - nas mensagens - muita gente - hoje em dia - está mandando mensagensem crioulo --eu ainda não apanhei esse hábito// Uma coisa. Imagine que está num lugar, numa circunstância a falar com umapessoa em crioulo. O que é que o faria mudar para português? Há bocado falou-medisso, que às vezes falamos em crioulo e mudamos para português. O que é que o fazmudar do crioulo para português, ou doportuguês para crioulo? olhe - eu não sei bem o que é -- eu não tenho essa consciência exacta do que éque pode fazer-me mudar -mas suponho que no meu… comigo - às vezes é a questãodo hábito - do hábito -- há coisas - há expressões - há formas… determinadas formasde dizer as coisas que muitas das vezes já tenho… já tenho na mente - com muito usoe já temos o hábito - e às vezes sai -- espontaneamente sai -- não sei porquê -- com ocrioulo se calhar já é mais… já é mais… é o hábito do crioulo mesmo - não é? achoque é a força da língua materna// E Portanto, se está a falar português muda para crioulo? às vezes sim// Mas, por exemplo, é chegada… uma coisa… Diga. uma coisa que tenha mais graça - sobretudo quando estamos no meio decolegas -de amigos -não é? ou então quando faço uma// Desculpe. Não percebi. Se está a falar com amigos e colegas em …? em português// Exacto. e surge uma expressão que em crioulo tenha mais… Expressividade? expressividade -- então aí - uso o crioulo -- ou então quando faço… muitasvezes quando faço… em vez de fazer o discurso indirecto - quero dizer que alguémdisse… por exemplo - há bocado eu disse que os meus alunos muitas vezes diziamassim -eu estava a falar consigo português -não é? Ah! Ok. mas em vez de dizer assim - bom - a aluna me disse - não professor - ela nãofala português porque tal - tal - tal  - 3não profesor - e ten vergonha di fala… --às vezes para dar mais autenticidade -mais vida… eu não sei --não sei explicar// Quando está a falar crioulo com um colega e entretanto chega o director ouchega alguma autoridade do ministério de educação, isto fá-lo mudar para português? não porque… acho que não porque… dependendo… se eu estou a dirigir-mea alguém que… estou a falar com alguém - se chega alguém - uma autoridade… achoque isso não me faria mudar de… (…) Por exemplo, se está falar de um assunto trivial com um colega e depoismudam para um assunto que tem a ver com… técnico. Isto fá-lo mudar, por exemplo,do crioulo para português? depende - depende -- depende da expressão - por exemplo - que se tiver queusar -- há coisas que às vezes… há expressões que a gente usa… às vezes é maisconveniente usar em português -- mesmo porque por vezes procuramos em crioulo aexpressão -não encontramos// Certo. acontece -- agora - existe aquela interferência do crioulo no português que àsvezes a gente não sabe porquê --aquilo deve ser força mesmo da língua materna// Interferência como assim? às vezes estamos falando português e - de vez em quando - surge uma…dizemos qualquer coisa que não… fazemos como que… uma interrupção doportuguês// Mas acha que isso acontece porquê? a única explicação que eu vejo é… às vezes… porque adoramos mais aexpressão dita em crioulo do que em português -ou porque…(…) não sei// O que é pensa do crioulo? ah! o crioulo é uma língua fantástica -- eu… apesar de estar no estádio emque está -- mas eu - como crioulo - eu sempre adorei o crioulo e se fosse por mimmesmo - toda a comunicação social já estaria a dar os seus programas em crioulo -com excepção do jornal que não pode estar à vontade// Em que estádio é que está o crioulo para si? eu acho que está… já está…já está… já desabrochando - não é? mas temainda muito caminho para andar// Em que aspectos? sobretudo no aspecto teórico - porque o prático já temos -- mas - o aspectoteórico - da ciência da língua - acho que há muita coisa por fazer - não é? e… nóscabo-verdianos -sobretudo no domínio da escrita -da história -não é? ainda há muitopor fazer -sobre o crioulo// Há pessoas que acham que há um crioulo mais verdadeiro, mais puro do queoutros. Tem alguma opinião a esse respeito? Para si existe o verdadeiro crioulo? olhe - eu acho que todo e qualquer crioulo de Cabo Verde é crioulo -- écrioulo nas suas diferentes variantes --agora…(…) Alguma dessas variantes seria o verdadeiro crioulo para si? olha - isso é muito questionado -- eu não… eu não diria… se nós formos vero crioulo - o primeiro crioulo - nasceu em Santiago - isso não resta dúvida -- é deSantiago que foi parar ao Fogo - depois do Fogo transformou-se - depois para asoutras ilhas e assim sucessivamente -- tudo bem -- agora - será que é por isso quevamos considerar o crioulo de Santiago o melhor crioulo - ou o crioulo verdadeiro?não - porque… veja - dentro… aqui na ilha de Santiago - o crioulo fala-se… ocrioulo… fala-se diferentes variantes do crioulo - aqui na Praia falamos um crioulomais influenciado… mais… pelas línguas estrangeiras - vamos aí no… no… aquiperto -nesta zona… como é que chama? Fonton? Porto Mosquito - e essa zona de… já encontramos um crioulo um poucomais… com outro sotaque -- é de Santiago -- vamos ao Tarrafal - ai à Ribeira dasPratas - um pouco mais além - encontramos um sotaque ligeiramente diferente -vamos nos Engenhos encontramos um sotaque diferente -- quer dizer - entãoperguntamos - qual é? onde é que está o melhor crioulo - o crioulo verdadeiro? eunão sei… eu não… eu não ousaria dizer qual �� o crioulo verdadeiro - qual é… euacho que há diferentes variantes do crioulo// Há pessoas que… O que é que acha das pessoas que usam o crioulo, dos cabo-verdianos que só falam o crioulo… ou melhor, que tipo de pessoas acha que usamexclusivamente o crioulo, aqui em Cabo Verde? olhe - todo o povo iletrado - a massa camponesa sobretudo - mas… todo opovo que não tem o mínimo de instrução - com o mínimo de… usa o crioulo - não é?para eles não existe outra… (…) Mas acha que o crioulo só é adequado para esse tipo de pessoas? não - não é adequado só para esse tipo de pessoa -- o crioulo é adequado paratodas as classes sociais -em Cabo Verde// E o português? o português já é… já tem mais restrição -- portanto - o português… usaportuguês as pessoas que têm conhecimento do português - que andaram na escola -que estudaram e… mesmo as pessoas que estudaram - usam o português quandoestão em situações que acham que devem usar português// Acha que existe alguma relação entre ser cabo-verdiano e gostar e usar ocrioulo? Admite que algum… ou o inverso, admite alguma circunstância em que umcabo-verdiano não goste do crioulo, ou não saiba usar o crioulo? olhe - cabo-verdiano nato e que cresceu nessa realidade com toda essacaboverdianidade nossa - eu não acredito que nenhum cabo-verdiano não saiba falarcrioulo -- agora - existem cabo-verdianos… digo - alienados - não é? existem -infelizmente existem - que acham menosprezo falar crioulo -- acham que seriammais… pessoas mais consideradas - mais escutadas - mais bem tratadas - se falassemo português -- mas - acho que isso é uma… é uma… um desvio de… sei lá - deconsciência - de… infelizmente existem pessoas assim -- agora menos - agora muitomenos - porque eu acho que o cabo-verdiano já… já se conscientizou de que ocrioulo é a nossa… não há como negar// O que é que acha disso, de nós podermos usar o crioulo e o português emCabo Verde? não - isto é muito bom na medida em que nós que sabemos - já estudamos umpouco - sabemos que só com o crioulo ainda não vamos muito longe - não é? nósprecisamos do português// Para? nós precisamos do português para… sim - há muita coisa -- ainda - nodomínio da escrita é o português que nos serve - ainda é -- eu nem diria para asrelações internacionais - não - porque hoje em dia os estrangeiros tentam adaptar-seao crioulo - se calhar até melhor do que ao português - não é? eu acho até quegostam mais do crioulo do que do português -- não sei se é porque ouvem maiscrioulo quando chegam cá - mas o certo é que notamos que… eu costumo citar a… oexemplo dos professores do Corpo da Paz - não são só professores - profissionais doCorpo da Paz que vêm a Cabo Verde - depois de alguns anos - falam o crioulolindamente -- não… mesmo os portugueses - que às vezes têm a mania de que ocrioulo é língua de… que não é língua - mas muitos portugueses que cá vêm - passamo tempo que passam cá - e vão dominando o crioulo -- portanto - não é uma línguadifícil de se entender - aprende-se facilmente e quando as pessoas dominam - achoaté que usam com… com bom à vontade -- pelo menos as pessoas que eu conheço -estrangeiros que… E para nós cabo-verdianos, o que é que acha disso, da gente poder usar ocrioulo e o português? é bom - para nós é bom -- dependendo daquilo que estamos a fazer… porexemplo - se estamos a tratar de assunto culturais - expressamente tradicionais -digamos assim - achava melhor em crioulo - sem dúvida - não é? seria escandalosofazer um batuque em português - por exemplo -- o cabo-verdiano não ia fazer umbatuque em português -- seria escândalo -- mas - sabe bem o batuque em crioulo –não é? dá mais… tem mais… agora… O senhor X sabe sempre quando usar o crioulo e quando usar o português, outem dificuldades às vezes em escolher? Ou se não há problema nenhum, sabesempre…? eu não tenho assim muitas dificuldades em passar do português para o crioulo- do crioulo para o português - dependendo da situação -- como eu já lhe disse -não… não… essas situações não são assim bem definidas - mas… portanto…acontecem -no momento// Acha então que se deveria continuar a usar o crioulo e o português em CaboVerde? eu acho que sim -- nós devemos continuar a usar o português e o crioulo emCabo Verde// Para quê? e acho que o português já não… jamais deixará de ser usado em Cabo Verde// Porquê? porque é uma língua que já tem… já tem uma história em Cabo Verde -- etem uma utilidade também - que seria difícil dispensar -- é… primeiro porque aindanão temos… o nosso crioulo ainda não… falta-nos atingir aquele nível… como é queeu diria? ganhamos já o estatuto… aquele estatuto social - não é? digamos - a nívelsocial - muita gente - a maioria do povo usa - assim - muito bem -- mas… o estatutocultural também - posso dizer que está bom -- mas no domínio das ciências - dapolítica - das relações externas - produção de documentos - a escrita - de um modogeral -ainda nós temos dificuldades// Então, mas usaria o crioulo para falar e o português para ler e escrever? não -- eu acho que a nossa preocupação tem que ser desenvolver oportuguês… o crioulo nas duas vertentes - escrita e… porque nós precisamos que ocrioulo ganhe mais… seja mais valorizado digamos -- ou seja - nos aspectos queainda não atingiu aqueles patamares desejáveis - que atinja esses patamaresdesejáveis --que -talvez no futuro -cheguemos àquele patamar de dizer –bom -nóssomos bilingues - em plena… na plenitude - usamos - o português - o crioulo -quando bem entendermos - sem ter em conta as circunstâncias - ah! aqui é melhor euusar o português ou o crioulo!  -- não - portanto - para isso - teremos que fazer aindamuito - no domínio de estudos - de pesquisas - de… sei lá - criar as estruturas quepossam permitir esse uso indiferenciado -não é? mas -acho que ainda não… Esta situação linguística que prevê para Cabo Verde, seria só com o crioulo e oportuguês em igualdade de circunstância, ou tem outro desenho para a situaçãolinguística de Cabo Verde? Ou seja, para si qual é que seria a situação linguísticadesejável para Cabo Verde? bom - Cabo Verde - cosmopolita que é - eu acho que tem que ter o domíniodas línguas -pelo menos das línguas mais… mais usadas// Que seriam, no caso? não podemos deixar o português de fora - o inglês - o francês - pelo menos --o espanhol que… mas - eu acho que a preocupação… a questão que se põe - apreocupação maior que temos que ter - é fazer com que o crioulo atinja aquele nívelque possa ser… como é que eu diria? que deixaria de sofrer o prejuízo - digamosassim -em termos de uso -em relação ao português// Percebo. E acha que o crioulo deve ser ensinado nas escolas? sim -- no seu devido tempo - sim -- no seu devido tempo - porque acho queainda as coisas não estão preparadas para ensinar o crioulo nas escolas// O que é que seria necessário? por… a escrita -- a escrita ainda… não está… não está… é preciso fazer-semais ainda - para que se possa ensinar o crioulo nas escolas -- pelo menos nasescolas… em todas as escolas… básicas -- acho que ainda falta muito -- é desejávelque as nossas escolas passem a usar o crioulo nas aulas -- é desejável -- eu concordocom isso --mas -isso vai levar… O que é que está a faltar, para além da escrita? falta sobretudo a escrita e a definição de - que crioulo? qual o padrão a usar?sem isso… porque não iríamos usar… ensinar o crioulo nas suas diferentes variantes--tem que haver um padrão// Falamos da escola. E na alfabetização de adultos, acha que o crioulo deveriaou poderia ser utilizado? Deve ser utilizado// Porquê? na alfabetização de adulto eu acho que DE-VE ser utilizado o crioulo -- creioque a alfabetização tem… tem características um pouco diferentes -- e se temos quepartir da realidade das pessoas - das suas necessidades - das suas vivências - entãonão podemos deixar o crioulo para trás -- penso que no ensino de adultos - aalfabetização - dava mais jeito - ajudava mais… conseguiríamos - se calhar… como éque eu diria? conseguir apanhar mais o interesse das pessoas e assim poder enquadrá-las melhor na aprendizagem que… portanto - o crioulo seria… digamos que seria alíngua auxiliar -não é? Há bocado falamos sobre se achava que havia pessoas com quem era adequadofalar o crioulo e outras pessoas com quem o português seria mais adequado. Masagora ponho-lhe a questão sobre assuntos e circunstâncias. Acha que há assuntos quedevem ser abordados exclusivamente em… quer dizer… é mais adequado tratá-losem português ou em crioulo? E há circunstâncias em que acha que o português é maisadequado que o crioulo ou o crioulo é mais adequado que o português? por exemplo - hoje em dia - eu acho que as autoridades políticas já repararamisso -- nós podemos usar - tanto em… em situações formais como informais - usartanto o crioulo como o português -- agora - existem situações - formais sobretudo -em que por exemplo - seja necessário firmar um documento - não é? aí já seria bom ouso do português -- ou nas situações em que há pessoas que mal dominam - porexemplo - o crioulo e:: aí sim - pode-se usar o português - que é a língua… já quetodos entendemos - então não vale a pena ir para o crioulo -- uma questão deconveniência na comunicação e a conveniência da produção de um documento - quepossa resultar numa determinada conferência - numa determinada reunião - ou numadeterminada… eu acho que é conveniente usar o português// Há bocado disse-me que não imagina um batuque em crioulo, não é? em português// Em português, sim. Em português. E outras manifestações culturais, morna,funaná, teatro,cinema, literatura escrita, digamos. isso pode ser nas duas línguas// O quê? morna -coladeira -teatro… agora -só que há uma coisa… o teatro… Acha que tanto o crioulo como o português servem bem para exprimir acultura de Cabo Verde? exprimem - mas o crioulo seria muito mais expressivo -- por exemplo - numapeça de teatro há coisas que… há expressões que o crioulo nos permite usar eacompanhado de gestos de movimentos que - se calhar em português… não sei… nãoconseguíramos fazer// Teatro em crioulo…? o teatro// E morna, coladeira, tanto faz? morna e coladeira acho que… morna e coladeira é coisa que pode-se fazertanto no crioulo como em português -- embora a coladeira… a morna mais… é umpouco maisadaptada -pode-se fazer melhor em português do que a coladeira// E a literatura escrita, poesia, romances…? literatura… literatura tem o problema da escrita que eu já disse -- porque oproblema da escrita ainda é… constitui um obstáculo a muita gente - e::: umaliteratura em crioulo não deixa de ter o seu valor - não deixa de ter o seu… mas emtermos de recepção acho que tem menos… tem menos acolhimento do que… Porque as pessoas não gostam de romances…? não é que não gostam - não estão habituados a ler crioulo -- as pessoas nãoestão habituados a ler crioulo - então - dá muito mais maçada ler em crioulo do queler em português// Ok. Acha que o crioulo deve ser oficializado? na sua devida altura sim -- na sua devida altura… é o que eu digo - quando ocrioulo ganhar o nível - aquele patamar em que podemos dizer assim - bom - agora jásomos… somos bilingues e… podemos usar tanto o português como o crioulo - semprejuízo nenhum// E para atingir esse patamar, o que é que seria preciso, no seu entender? bom - primeiro teríamos que estudar o crioulo por longos anos - não é?mesmo depois de encontrar este padrão - a escrita definida - é preciso longos anos deestudo do crioulo - escrita - oralidade… até que o crioulo passe a ser também umalíngua intelectual -uma língua para qualquer assunto - para qualquer momento// Há bocado falou-me disso, mas se tivesse que escolher um crioulo para seroficializado, escolheria qual? não -aí eu não…(…) Qual é que acha que deve ser? como eu disse - eu não ousaria - neste momento eu não ousaria escolhernenhum… nenhuma variante -- eu sei que a variante do… de Santiago - está na base -- isto é certo -- agora - se deve ter a variante de Santiago como padrão - acho que osestudos… (…) Dirão. dirão// Então acha que o português deve continuar a ser a única língua oficial? ainda - até este momento e acho que ainda por alguns anos vai continuar a ser- porque a língua oficial… dizer que uma língua é oficial não é só dizer -- dizer alíngua é oficial - dar tudo por legal - não -- ela tem que funcionar de facto comolíngua oficial// E quando o crioulo atingisse esse tal patamar e fosse oficializado, como é queficariam o crioulo e o português? o desejável é que ficassem em pé de igualdade -- em termos de uso - não é?quer - em termos de estatuto - que ficassem em pé de igualdade -- não haveria… nãohaveria… (…) Distinção? distinção - é -- são duas línguas diferentes - mas que poderiam ser utilizadasem situações… nas mesmas situações sem nenhum tipo de complexo// Certo. Como é que acha que os cabo-verdianos falam o português, bem,mal…? razoavelmente bem -- pelo menos pelo português que eu tenho observado -que eu conheço dos PALOP - eu acho que em Cabo Verde os intelectuais falam bem--eles usam bem o português --temos… há algumas… (…) Só os intelectuais? particularidades - sim -- de vez em quando há aqueles… há algumascaracterísticas muito específicas -mas eu acho que o cabo-verdiano… Essa características, como é que… qual seria a solução para elas? Devemser… acho que são coisas que não têm solução mesmo -- portanto - é umaquestão… é adaptação mesmo da própria… do próprio português ao ambientesociocultural cabo-verdiano// Então, está-me a dizer que acha que há uma maneira… um português própriode Cabo Verde? équase isso --quase isso// Isso é bom? embora não seja muito - muito acentuado - mas é quase isso - porque háaquelas características que por mais que a gente faça reparo - tenta corrigir… tenta…mas são coisas que existem por simples facto do português estar num meiosociocultural que é cabo-verdiano// Mas acha que os cabo-verdianos devem falar assim esse português à maneiradeles ou que devem falar outro português, o português europeu? eu acho feio imitar -- as pessoas que simulam o sotaque lá - lisboeta ouaqueles sotaques que acham melhor - eu acho feio -- eu acho que a língua deve serusada naturalmente -- quer dizer - a pessoa segundo o seu contexto cultural - social eo seu nível cultural use-o… procure usar com correcção a língua -sim - mas… (…) O que é um português correcto, para si? Falar um português correcto, não é? Falar o português correcto para mim não é falar o… Aqui em Cabo Verde, naturalmente… é falar de forma gramatical -não é? portanto -não atropelar a gramaticalidade- eu diria das frases -- sotaque não… eu não dou assim muita importância ao sotaque--dou mais importância à estrutura -à concordância… (…) E som? Usar palavras do crioulo quando se fala português, por exemplo? há contextos em que até fica bem - não é? depende de como é usado --porquenós podemos usar o crioulo e intencionalmente - num contexto… num discurso emportuguês -podemos usar o crioulo de forma correcta// E quanto à estrutura gramatical a seria mesmo… sem… não -não --em termos de o crioulo e português -não -- estrutura é… E sons? Sons de por… de crioulo? mesmo som -- mesmo som -- (?) nós também há coisas que… porque há…eu acho que é diferente sim -- é diferente -- em termos de som - as duas línguas - édiferente - é -- agora - isso não impede que tanto… sobretudo quando é o cabo-verdiano a falar o português que o… o ritmo - aquela sonoridade do crioulo interfiranum ou noutro ponto… no discurso em português// Certo. Senhor X, eu não tenho mais questões. Mas se quiser tocar algumaspecto que ache relevante e que eu não tenha abordado, fazer algum comentário,esteja à vontade. olhe - eu não sei se… se o que eu disse ou que possa ter a dizer - não é? se éalgo que possa lhe ser útil --porque pelo que eu estou compreendendo isso vai ser umtrabalho de alto nível e requer - se calhar - opiniões muito… muito - se calhar atécom mais níveis… Não. Não. mais nível -- eu estou assim - apanhado de surpresa - não - não estou a dizernada que seja algo… pronto - estou a dizer o que eu acho - assim de formaespontânea - e com toda a simplicidade - digamos - que me é característico -- agora -o que é que poderia ter dito -não sei -- não sei - em relação ao crioulo e o português -eu não tenho assim nada… Nada a acrescentar? se calhar a acrescentar -- acho que eu estou com… o certo é que… o que euposso dizer é que o cabo-verdiano é - de um modo geral - de todas as ilhas - semexcepção - nós nos sentimos melhor com o crioulo do que o português -- isso éindiscutível// Sentimo-nos? melhor - com o nosso crioulo do que com o português -- nós usamos oportuguês -- quando precisamos usar - usamos -- ou quando… às vezes até há quemusa para mostrar que sabe… que conhece a língua ou que quer ser um pouco maissofisticado ou mais… quando quer dizer algoque… para ser sentido - para ser… comuma vivência mais autêntica - acho que é o crioulo - para todo o mundo -- não háexcepção// Ok. E, mais uma vez muito obrigada por esta entrevista. de nada --só espero que alguma coisa que eu tenha dito seja útil// Vai ser com certeza.1Tradução para português: Não, professor, não falo português. Só o crioulo.2Tradução para português:o ‘tu’ ou ‘senhora’ - o ‘senhor’3Tradução para português: Não, professor, ela tem é vergonha de falar." -INF19.wav,"Professora X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. Eugostaria de começar por lhe colocar a seguinte questão: antes de entrar para aescola aprendeu a falar o crioulo ou o português? aprendi a falar primeiramente o crioulo - enquanto minha língua materna -- mas também aprendi a falar o português - em casa pouquíssimas vezes - mas naescola comecei a aprender português -- em casa tive algum… algum contacto coma língua portuguesa uma vez que os meus pais viveram em Angola e já tinham umcerto hábito de falar português -por isso… Mas aprendeu a falar português em casa,antes de entrar para a escola? sim - porque os meus pais sempre tiveram o cuidado - antes de entrarmospara a escola primária - dar-nos aqueles rudimentos - assim - corrigir-nos - assimaqueles erros… Mas falavam português em casa,com eles? não -crioulo-- algumas vezes// O seu contacto com o português antes de entrar para a escola, portanto, eracom os seus pais? sim// E eles falavam entre si português? não - em crioulo -- raras vezes falávamos em português -- mas sempretiveram aquela preocupação de quando estávamos a falar português corrigir oserros que cometíamos// E em que circunstâncias é que falava português, nessa altura? quando tínhamos uma pessoa que falava português -- nesse contexto -assim uma hora ou outra a brincar -às vezes// Portanto eu estava a perguntar-lhe, para além desse contacto através dosseus pais, ouvia o português onde? Em que meios? Via rádio, televisão? via rádio - televisão - livros -- sempre tive o hábito de leitura desdepequena-- os meus pais ofereciam-nos livros e… Liam para si? sim// E actualmente, em casa, com os seus amigos… Em casa com os seusfamiliares, e com os seus amigos e colegas mais próximos, qual é que falanormalmente, ocrioulo ou o português? predominantemente falo em crioulo -- mas em contextos bastante formaisé que costumo usar o português// Então vamos voltar a esta questão. Neste momento, qual é que consideraser o seu domínio do português e do crioulo? acho que tenho uma boa fluência de ambas as línguas - português ecrioulo// Falar, ler, escrever? acho que sim// Fala crioulo, fala português. Escreve português… escreve portuguêsnaturalmente. E crioulo, lê e escreve? crioulo - tenho mais dificuldade em escrever em crioulo -- mas escrevo --só que quando escrevo em crioulo - tenho mais necessidade de concentrar-me -pensar antes de escrever - muito mais do que quando escrevo em português -- jáem português a minha escrita é mais automática - quase que automática -- mas jáem crioulo não-- exige mais cuidado -mais paragens ao longo da escrita// Qual é que prefere? Ler e escrever… Prefere ler e escrever em crioulo ouem português? prefiro as duas coisas… prefiro as duas coisas -- mas confesso que aindatenho algumas dificuldades em escrever em crioulo// E ler? ler nem tanto--ler nem tanto// De um modo geral, acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ouem português? em ambas as línguas// E com é que se sente quando fala português e crioulo? À vontade… sinto-me à vontade// Qualquer delas, crioulo e português? sim -quer em crioulo quer em português// Sente mais à vontade quando fala crioulo ou quando fala português? é claro que me sinto mais à vontade quando falo em crioulo -- por ser aminha língua materna - a língua com a qual eu convivo diariamente… em todas ascircunstâncias - sinto-me mais à vontade -- mas não… em situações que tenha queusar também o português não me sinto inibida// Está bom. X, eu vou-lhe pedir que pense nas três pessoas com quem maisconversa fora do seu círculo familiar. Pense nessas pessoas e no seu perfil. Nãolhe estou a pedir nomes. No seu perfil em termos de idade, sexo, grupo, estratosocial, se são cabo-verdianos ou não, se são pessoas da zona… da cidade ou doespaço rural e fale-me de cada uma delas. Pode pensar um bocadinho se quiser… Tenho que identificar esses três grupos? Não. Não. Não. Só o perfil. Eu não quero nomes. Portanto são as trêspessoas com quem mais conversa, fora do seu… da sua… círculo familiar, não é? fora do meu círculo familiar posso identificar o grupo que faz parte domeu ambiente laboral -- é um grupo com o qual eu tenho sempre uma relaçãoformal - procuro sempre ter uma relação - além de formal - profissional -- nessegrupo o contacto é feito em em língua portuguesa - e às vezes também em línguacabo-verdiana// Desse grupo, essa pessoa… há alguém com quem mais conversa nessegrupo de pessoas -seus colegas? há - há -- há uma pessoa que já tem uma longa experiência na área doensino -com quem muitas vezes… Sexo feminino, masculino? sexo masculino… E idade? já é uma pessoa que está quase a ir para casa -- já está quase a reformar-se-- é uma pessoa que pela experiência - muitas vezes tento aproximar-me da pessoapara adquirir experiências -pedir sugestões -esclarecer dúvidas e… E com essa pessoa fala em crioulo ou em português? em crioulo ou em português -- depende de contexto - da situação dacomunicação, do conteúdo… Pode especificar um pouco mais? às vezes conversamos em crioulo// Sobre o quê? Em que circunstâncias? mesmo tratando de assunto profissional - quando quero esclarecer dúvidas-- mas tratando-se de uma situação concreta em que temos que - por exemploperante um… um assunto que se relaciona com a língua portuguesa - por exemplo-já neste caso falamos em português// Portanto, se for uma discussão técnica… técnica -falamos em português// Falam em português. Vocês costumam conversar onde? Aqui, fora daescola… aqui - fora - mas mais vezes aqui na escola porque não temos muitocontacto fora do ambiente laboral -conversamos mais aqui// Pode falar-me então dasegunda pessoa com quem mais conversa? acho que… eu sei… não sei - eu tenho poucos grupos além do meu grupofamiliar e o meu grupo de… (…) Profissional? profissional -- tenho um grupo de amigos - bastante restrito - que tambémfalamos -basicamente… (…) Desses amigos pode escolher um? Aquele mais… com quem maisconversa? sim// Aquele ou aquela. sim - é uma amiga -- falamos sobre assuntos relacionados com o trabalho-com a vida quotidiana - assuntos diversos// Pessoais, íntimos? pessoais e basicamente em crioulo-- aí já falamos em crioulo// E em que lugares, em que circunstâncias é que vocês se encontram? em ambientes informais basicamente// Está bom. Então essas duas pessoas são cabo-verdianas? são cabo-verdianas// Dá para falar da terceira pessoa? acho que não tem… assim… a terceira pessoa seria o meu grupofamiliar… Está bom. e para ser sincera é o grupo com o qual eu tenho mais contacto -- no grupofamiliar discutimos assuntos - principalmente relacionados com a vidaprofissional - com a vida quotidiana - o que se passa no mundo -- discutimosvárias coisas - e em relação à situação do ensino em Cabo Verde - no meu grupofamiliar discutimos isso sempre// Está bom. Agora diga-me, com que tipo de pessoas é que normalmente falacrioulo e com tipo de pessoas é que normalmente fala português? Já me disse comos familiares, amigos basicamente é crioulo. Com os colegas especificamente éportuguês. E… estou a pensar em pessoas… pessoas que a conhecem que aabordam, autoridades, superiores hierárquicos… geralmente é… Pessoas que são instruídas, pessoas que não têm muita instrução. O que éque fala com elas? quando… quando dirijo-me por exemplo a uma instituição - ou tenho quedirigir-me a um dirigente ou uma pessoa - dirijo-me à pessoa primeiramente emcrioulo -- mas se à partida a pessoa responder em português - já continuo aconversa em português -- vai depender de como a comunicação se efectivar - àprimeira -- então - a partir daí estabeleço comunicação em português ou emcrioulo--vai depender// Por iniciativa sua? não sei -- às vezes nós temos aquela impressão de - à partida - logo queaproximamos de uma pessoa - com essa pessoa vou falar português -- ou com estapessoa vou falar em crioulo// Mas, acerta sempre? às vezes sim -- quase sempre - quase sempre -- porque - não sei… àsvezes também depende do nível da pessoa porque quando vamos ao encontro deuma pessoa penso que já conhecemos o perfil académico - profissional da pessoae -tendo em conta esse perfil académico -social… Que tipo de perfil escolhe para falar português? ((risos)) é complicado -- geralmente as pessoas que… estão… porexemplo intelectuais -- já com os intelectuais prefiro expressar-me em crioulo --não quero dizer que tenha… Em crioulo? em português -- não quer dizer que tenha complexo ou sinto-me maisreduzida falando em crioulo - porque podemos começar a conversar em portuguêse depois continuarmos em crioulo -- porque como já disse a comunicação emcrioulo ou em português depende de como a comunicação se efectivar e de…como…aopção dos dois elementos em comunicação// E assuntos? Que tipo de assuntos fala com essas pessoas em crioulo, emportuguês? basicamente assuntos relacionados com a vida profissional - assuntosbastante complexos// Com esses intelectuais? sim// Assuntos profissionais? sim - ou que seja um assunto pontual do meu interesse ou do interesse dapessoa// E com os seus familiares, amigos fala em crioulo… com os meus familiares falo de tudo -- falamos de tudo -- assuntosdiversos--sinto-me muito à vontade porque temos uma… Quando viaja para outras ilhas ou quando contacta com pessoas de outrasilhas, o que é que fala com elas? falo em crioulo// Crioulo de? evariante de Santiago// E como é… o que é que se passa, em termos de compreensão? às vezes há… não há intercompreensão -- por exemplo - aconteceu-me noISE - durante os anos que eu estive a estudar - tive colegas da ilha de Santo Antãoe quase sempre havia momentos que tinha que parar para solicitar - se calhar -esclarecimento do que a pessoa dizia ou ela pedia-me para explicar o que é que eudizia// E, nessas circunstâncias, alguma vez vocês se socorreram ao português? não -sempre procurávamos fazer com que a comunicação se estabelecessede forma mais clara possível - em crioulo -- fazíamos explicações -esclarecimentos -quando não entendíamos uma expressão ou outra// Há bocado disse-me que crioulo ou português muitas vezes depende dolugar e das circunstâncias. Podia ser um pouco mais específica e falar-me disso? penso que neste momento - em Cabo Verde - já podemos usar o criouloem qualquer circunstância -- só que ainda sinto que há grupos que ainda têm umpouco de complexo-de complexo quando usam o… a língua cabo-verdiana// Que grupos? principalmente grupos de intelectuais -- ainda resistem estabelecer acomunicação em crioulo -- principalmente o grupo de intelectuais -- eu sinto quehá um certo complexo// Em que circunstâncias é que acha que o crioulo está a ser usado agora eque antes não era usado? por exemplo no Parlamento -- já é um grande avanço -- nos fóruns - nosencontros de reflexão… A X usa o crioulo para falar em circunstâncias… em que circunstâncias? eu seria capaz de usar o crioulo - por exemplo no parlamento -- ou numfórum - num workshop -- como já disse - muitas vezes a opção vai depender dequem der o primeiro passo// Eu estou a pensar em lugares como… lugares e circunstâncias como lojas,mercados, repartições públicas. aí eu falo em… nesses lugares eu falo em crioulo// Repartições públicas? também// E aqui na escola? aqui - com os meus colegas - falo em crioulo -- em outra… numa situaçãoou outra - falo em português - depende também da língua também que o colega oua colega usa -- porque temos também aqui colegas de nacionalidade portuguesa emuitas vezes com essas colegas ou esses colegas eu falo em português// E com o director da escola? com o director da escola eu também falo em crioulo// E com os seus alunos nos intervalos? com os meus alunos basicamente em português -- nos intervalos tambémprocuro falar com eles em português -mas também em crioulo// Falar com os alunos português ou crioulo, depende …? Na sala de aula nunca uso o crioulo// Nunca se dirigiu aos seus alunos em crioulo? a não ser em situações -assim -informais que tenha surgido… uma… Na aula? na aula// Podia especificar? por exemplo - quando eu trabalhei com o nono ano -- o manual do nonoano - muitas vezes nós tínhamos momentos que tínhamos que tratar de aspectosrelacionados com a língua cabo-verdiana -- nesses momentos eu recorria-me àlíngua cabo-verdiana para fazer algumas explicações -- ou até textos em línguacabo-verdiana -- já tive até momentos que eu solicitei alunos que tivessemtrabalho em língua cabo-verdiana e principalmente para ver - para tentar ver essadificuldade que os alunos têm na escrita// Esses trabalhos eram sobre quê? Em língua cabo… Trabalhos livres -como elaboração de textos// Em língua cabo-verdiana? em língua cabo-verdiana--poemas - contos… Com que finalidade? Para? mais para ver o domínio que os alunos têm da língua cabo-verdiana etentar também comparar com textos que escrevem em português -- ver até queponto dominam a língua portuguesa e a língua cabo-verdiana na escrita// E os seus alunos, já se dirigiram alguma vez a si em crioulo na sala deaula? na maioria das vezes -- é uma grande dificuldade que temos em fazer comque os alunos na sala de aula comuniquem basicamente em língua cabo-verdiana -em língua portuguesa -- acho que os alunos sentem-se mais à vontadeexpressando-se em crioulo -- mas - uma vez que estamos numa aula de línguaportuguesa - eu sempre procuro fazer com que eles vejam que estando numa aulade língua portuguesa têm que falar em língua portuguesa -- havendo erros -procuramos corrigir// X, com que finalidades comunicativas usa o crioulo ou o português? Estoua pensar em finalidades como exprimir o sentimento, rezar, orar, namorar, quandoestá zangada, falar num assunto que a emociona -ou que a irrita. em todas essas situações eu seria capaz de utilizar a língua cabo-verdianacom muito à vontade// Mas habitualmente,qual é que usa? penso que em todas essas situações eu uso a língua cabo-verdiana// Pense na última… na semana que passou. Acha que falou mais o crioulo ouo português? na semana que passou falei mais o crioulo ((risos)) falei mais crioulo doque português// Durante mais tempo seguido? Durante mais horas seguidas falou crioulo ouportuguês? crioulo também// E porquê? o contexto -- primeiro porque neste momento já não estou a trabalhar comturmas--já não tenho turmas// Já começaram as férias. já começaram as férias e estou mais a… no meu grupo de colegas -amigos - grupo familiar -- e aí - mesmo tratando-se de assunto laboral ou assuntofamiliar ou outro qualquer -falo em crioulo// Diga-me. Três circunstâncias em que normalmente escolhe falar crioulo etrês circunstâncias em que escolhe falar português. acho que eu… falaria em crioulo em todas as circunstâncias -- a não serque estivesse numa circunstância em que o meu interlocutor não compreenda ocrioulo -- aí eu seria obrigada a falar em português -- em inglês não porque nãofalo inglês nem francês -- francês mais ou menos - mas procuro falar portuguêscaso o meu interlocutor não falar crioulo -- mas - tendo um interlocutor que falecrioulo eu sentir-me-ia à vontade em usar a língua cabo-verdiana// E português? português também -- também -- aconteceria a mesma coisa se tivesse uminterlocutor que também não compreendesse o português// Em alguma circunstância já falou crioulo, mas achando que deveria estar afalar português, naquela circunstância? Ou alguma circunstância em quehabitualmente fala português, mas gostaria de falar crioulo? acho que sim// Pode especificar? acho que sim -- não sei -- a sensação que me fica é que há ainda um certogrupo que… sinto que quando falamos em português - parece que somos maisrespeitados// Não prefere especificar? Que tipo de grupo? ou a pessoa fica com outra impressão de nós -- não sei - principalmenteem instituições - certas instituições - com um certo grupo de intelectuais -- aindasinto que quando falamos em português… em crioulo - não nos dão tantaimportância como quando falamos em português// Porque é que acha que isso acontece? é o tal complexo que ainda existe -- a não-aceitação da língua cabo-verdiana como uma língua que pode ser utilizada em todas as situações - em todosos contextos -- há ainda uma certa reticência por parte de alguns grupos --embora esse complexo esteja a diminuir - a cada ano - a cada dia - mas aindasentimos -- esse grupo já é bastante restrito - se compararmos com anos anteriores-- se calhar daqui a anos não vamos ter nem sequer esse grupinho a perturbar ou acausar esse… a deixar essa impressão de que existe um certo complexo// Vamos pensar no ouvir. Onde é que habitualmente ouve crioulo e ouveportuguês? ouço crioulo em todas as circunstâncias -- na rua -na escola - em casa - notrabalho// E o português? o português - mais em ambientes formais -- em instituições - lugares ondetemos mesmo grupos que sentem-se obrigados a comunicar em em português// Normalmente que assuntos ouve em crioulo? todos os assuntos praticamente -- da vida quotidiana ouço em crioulo --nos ambientes que eu costumo frequentar--todos os assuntos// E em português? em português - poucas vezes - ouço discussões em português -- a não serem grupos bastante específicos --sempre grupos bem identificados -- por exemplonum café - muitas vezes grupos de amigos - de pessoas… e normalmente reparoque são grupos de profissionais ou pessoas que… que têm um certo estatuto --quetêm um certo estatuto// E quanto à comunicação social? acho que na comunicação social também há predominância da línguaportuguesa - ainda -- no telejornal há predominância da língua portuguesa -embora - por exemplo nas rádios - nas estações radiofónicas já haja uma… maisabertura para a divulgação da língua cabo-verdiana -- mas ainda na televisão essadivulgação está quase que nula// E ler X, costuma ler em crioulo? poucas vezes-- gosto -mas poucas vezes leio em crioulo// O que é que já leu ou costuma ler? costumo ler mais livros de autores como o Tomé Varela - o Dani Spínola -o Manuel Veiga--esses autores muitas vezes leio// E como é que consegue ler? Sem dificuldade, tem alguma dificuldade? depende de autor -- por exemplo - o Tomé Varela acho que ele tem umaescrita um pouco diferente dos outros e tenho… Como assim? tenho mais dificuldades em ler livros do Tomé Varela do que… não sei -como se diz… ele tem um crioulo… parece-me que ele tem um crioulo… eleescreve um crioulo mais genuíno- mais profundo -o Tomé Varela// O que é um crioulo profundo? não sei -- é como se diz - aqui na ilha de Santiago -- ele ainda… notamosainda aquele crioulo de fora - como se diz aqui em Santiago -- já nos outrosescritores notamos que o crioulo é mais leve - é mais leve -- se calhar acompanhaa própria dinâmica que o crioulo tem sofrido -- penso que o Tomé Varela muitasvezes ele procura não… na sua escrita - ele não deixa transparecer essa… essadinâmica que o crioulo… essa renovação da língua cabo-verdiana - se assimpodemos dizer// Este crioulo levecaracteriza-se por o quê? eu - quando falo… não sei se a expressão leve é a expressão mais correcta-- linguisticamente - é claro que não -- mas - se calhar é o crioulo dos nossos dias-- está sujeito a mutações - a renovações - devido a contacto com outras línguas -e neste caso é o crioulo que… já eu não seria capaz de falar o crioulo dos meusavós -- é claro -- a língua é viva - está em permanente evolução e temos queaceitar essa evolução - essa inovação que ocorre na língua -- e penso que isso énormal// E escrever, escreve habitualmente em crioulo ou em português? poucas vezes - poucas vezes - uma hora ou outra -- quando começo aescrever sinto muita dificuldade -- confesso que ainda para começar a escrever emcrioulo eu tenho que ter um longo período de treino - de assimilaçãoprincipalmente do alfabeto -- e ainda temos essa discórdia do alfabeto - essa…qual vai ser a variante que deverá ser adoptada para a escrita ou não -- e penso queessa confusão ainda também… isso acaba também por gerar uma certa confusão -- é claro que ao escrever - claro - eu vou escrever na variante que eu falo -- optopor escrever na variante que eu falo -- mas mesmo escrevendo na variante que eufalo - eu sinto uma certa dificuldade -- e acredito que outros que não tiveram porexemplo uma formação como eu tive - por exemplo em língua cabo-verdiana -linguística cabo-verdiana… já tenho algum conhecimento que me permite ter umanoção da escrita -- como escrever em língua cabo-verdiana - mas outros que nãotiveram -se calhar terão maiores dificuldades do que eu// Quais as principaisdificuldades que sente? muitas -- por exemplo - eu ainda… é uma dificuldade que eufrequentemente tento interiorizar -- é na hora de escrever o 'q' ou o 'k' - porexemplo -- é uma das dificuldades -- dois 's' ou um 's' - por exemplo -- nessashoras eu tenho que parar um pouco para raciocinar e relembrar as coisas queaprendi e decidir como escrever// Na última semana ouviu mais crioulo ou português? mais crioulo// Mais crioulo, não é? mais crioulo// Imagine que está num lugar, numa circunstância, numa conversa compessoas em crioulo. O que é que a faria mudar para português? Chegada de umapessoa, mudança de assunto, …? podia ser a chegada de uma pessoa que… que chegasse e começasse afalar em português - por exemplo -- aí - para fazer com que a pessoa se sintatambém mais à vontade… Mudaria para português? mudaria para português -- ou também - estando num grupo - se de repenteum elemento optasse por mudar de crioulo para português - eu também - secalhar… (…) Acompanharia…? acompanharia a pessoa// E relativamente a assunto? Isto faz mudar de português para crioulo ou decrioulo para português? penso que não// Não? não -- a não ser que… durante a conversa sobre um determinado assuntohaja situações em que teria que usar termos que - por exemplo - não encontrariaum vocábulo específico em em língua cabo-verdiana para expressar -- ou nãoconseguiria expressar aquilo que eu queria em crioulo -- mas penso que isso nãoacontece -- penso que já em língua cabo-verdiana poderemos falar de todos osassuntos// E a falar português, o que é que a faria mudar para crioulo? acho que há expressões que dizendo em crioulo - mesmo estando a falarem português - há expressões que nós não deveríamos traduzir para português --devíamos usar em crioulo mesmo -- por exemplo há dias estive a ver uminventário… Um? um inventário que fizeram - e estava ali uma referência bidão -- apessoa… bidon - que chamamos em… aquilo não caiu-me bem -- eu disse - euescreveria a palavra em crioulo -- colocaria entre aspas por exemplo -- masaquela expressão - bidão - acho que não existe em português -- e não soa bemmesmo -- acho que há expressões que mesmo estando a falar em português temosque deixar em crioulo -como está// Mas mudar. Por exemplo, deixar de falar crioulo e passar a falar… Oumelhor, deixar de falar português e passar a falar crioulo, na mesma circunstânciae com as mesmas pessoas// Desde que… desde que as pessoas que estivessem a comunicar comigonão tivessem dificuldade em compreender… Não mudaria? eu mudaria -- acho que mudaria - de crioulo para… tendo iniciado acomunicação em crioulo… Não. Agora estou a falar de português. Estando a falar português, o que éque a faria mudar para o crioulo? Não usar expressões, mas mudar. Passar a falarcrioulo. por de repente os elementos do grupo decidissem continuar acomunicação -por exemplo em crioulo// Para si o que é o crioulo? O que é que pensa do crioulo? penso… é uma língua que… primeiramente - a nossa língua materna - quenos identifica enquanto um povo - culturalmente -- e como tal - deverá serassumida como língua -- não só como uma língua materna - mas já há… pensoque o crioulo tem condições de ser também assumida como uma língua oficial -- éclaro que há ainda muita coisa a fazer… mas penso que o crioulo… Como, por exemplo? por exemplo em termos de formação de quadros que possam ensinar ocrioulo - porque é claro que se queremos que o crioulo se torne numa língua comoa língua portuguesa temos que preparar quadros que possam estar preparados paraensinar também a língua cabo-verdiana -- aliás - há até quem defenda queinicialmente nós devemos começar… devemos ter o ensino em crioulo ou oensino do crioulo -- penso que as duas coisas -- as duas coisas -- é claro que temque ser paulatinamente -- não pode ser assim - de um momento para outro -- maspenso que o crioulo já tem condições// O que… depende de quê? formação de quadros -decisões políticas bem definidas// Sobre o quê? sobre o estatuto que o crioulo deverá assumir em paridade - em relação àlíngua portuguesa - e a partir do momento que ela se torne uma língua oficial -- edepois passar a ser implementada como uma língua de ensino// Há bocado disse-me se nós queremos que o crioulo seja uma língua comoo português. O que é que isso quer dizer? O que é que quis dizer com isso? penso que já é… já é… e se calhar está a tornar-se numa língua maisassumida do que o próprio português// Como assim? porque antes havia algumas restrições -- por exemplo - nas instituiçõesnós não sentíamos à vontade em falar a língua cabo-verdiana - mas hoje não --hoje já não sentimos - nos círculos académicos por exemplo - já não há essarestrição -- e pouco a pouco penso que os próprios falantes já estão a determinarque o crioulo é uma língua que pode ser usada em qualquer contexto -- é umalíngua que tem condições de ser falada - mas também de ser escrita -- de ser usadaem círculos académicos - em todos os contextos -em todas as situações// E do português, o que é que pensa? penso que o português - mesmo assumindo o crioulo como uma línguaoficial - o português deverá continuar como uma língua que sempre existiu -porque também o português fez parte da nossa história// E qual seria o estatuto dessas duas línguas, o crioulo, o português? Como éque vê a situação linguística desejável para Cabo Verde? penso que… lidando com os alunos sinto que os alunos estão a dominarmenos o português - pelo menos em termos de expressão oral e escrita - do que ocrioulo -- mas o crioulo ainda também vamos enfrentar dificuldades a nível daescrita--por isso é que temos que preparar --mas em termos de expressão - pensoque já não temos muita dificuldade--não temos// Em termos de português. Há bocado falou-me de português, crioulo,crioulo fundo, crioulo leve. Para si qual é o verdadeiro crioulo? Se existe umverdadeiro crioulo… não sei se existe o verdadeiro crioulo -- porque - a língua - como já disse -ela é viva - e necessariamente tem que passar por fases de renovação permanente --e temos que aceitar essa renovação da língua// Certo. e…é claro que - havendo renovação permanente - vamos notar que hádiferenças entre o crioulo fundo e o crioulo leve -- e isso tem que ser aceitenaturalmente -- aliás - são os próprios falantes que acabam por determinar essamudança-- e temos que aceitar// Estabelece alguma relação entre ser-se cabo-verdiano e usar o crioulo, ser-se cabo-verdiano e usar o português? Admite alguma circunstância em que umcabo-verdiano não goste ou não saiba usar crioulo e só goste e saiba usarportuguês? acho que não -- sendo cabo-verdiano acho que em nenhuma circunstânciaele diria que não gosta de usar crioulo - enquanto sua língua materna -- e umacoisa - eu tenho notado que um cabo-verdiano - a partir do momento que ele -passar a viver fora de Cabo Verde - acho que ele sente ainda mais apegado à sualíngua do que estando em Cabo Verde -- e quando - por exemplo - se comunicacom os familiares que estão aqui - os próprios familiares - mesmo estando o outroelemento fora -acabam por descobrir - que se calhar também passou a gostar maisda sua língua -- eu notei isso porque eu tenho irmãos que estão fora e - porexemplo - quando comunico-me através de uma carta com os meus irmãos - tinhapor hábito escrever sempre em português -- mas a partir de um determinadomomento passamos a escrever as cartas em crioulo// Ah, bom?! e aquilo passou a dar-me mais gosto -- e… só que tive… tenho sempreaquela dificuldade -- por exemplo na internet - quando comunicamos - eles nuncaescrevem em português quando comunicam-se comigo -- eu sempre escrevo emportuguês - por uma questão de rapidez -- mas eles escrevem - e às vezesescrevem em crioulo muito mais rápido -- é claro que quando escrevem - eumuitas vezes tenho aquela atenção de reparar que estão a escrever correctamente -- e essa preocupação muitas vezes como não consigo acompanhar muitas vezesdigo - espera aí - deixa-me escrever em português porque escrevo mais rápido --mas sinto que sentem mais gosto em expressar-se em língua cabo-verdiana - queratravés da oralidade -quer através da escrita// O que é que acha de se usar o crioulo e português em Cabo Verde? Destasituação. usar como? Nós temos… temos esta possibilidade de usar as duas línguas. de usar as duas línguas// O que é que pensa disso? penso que seria uma boa oportunidade// E tem sempre… a X pessoalmente sabe sempre quando usar o crioulo ou oportuguês? Nunca… temos que ter essa separação mesmo - e fazer com que os alunos tambémvejam essa separação -- por exemplo - acabei de dizer - estando numa aula delíngua portuguesa - temos que fazer com que os nossos alunos vejam que estamosnuma aula de língua portuguesa e têm que falar em português -- estando numaaula de língua cabo-verdiana - estão numa aula de língua cabo-verdiana - devemfalar em língua cabo-verdiana -- fazer essa separação para também não haver essaconfusão linguística - não é? agora - o que eu penso que nenhum professor delíngua portuguesa ou língua cabo-verdiana - pode permitir é - estando numa aulade língua portuguesa permitir que os alunos se expressem em crioulo - falem emcrioulo// Com que pessoas acha adequado que se use o crioulo e que se use oportuguês? acho… dependendo do contexto em que se efectivar a comunicação// Então, que contextos são adequados para usar português e que contextossão adequados para se usar crioulo? Neste momento eu penso que - sinceramente - definir um contexto exactoque eu tenho que usar português… Não. É o que é que acha. O que é que acha? Acha que há contextos quesão… e circunstâncias e lugares que são mais adequados… em que é maisadequado usar o português do que o crioulo, e vice-versa, usar o crioulo? não sei… acho que ainda em determinados ambientes - em determinadasinstituições… acho que isso acabou por ser mais uma questão de hábito -porque… tínhamos aquele hábito de sempre dirigirmos a uma instituição usando alíngua portuguesa--mas hoje já não// E pessoalmente o que é que a X pensa disso? penso que isso depende da forma como somos recebidos pela pessoa quenos recebe num determinado lugar -- porque nem sempre… por exemplo - umapessoa dirige-se a uma instituição ou a um local para falar com uma pessoa e podenão saber expressar-se em português - mas a pessoa que a recebe fala somenteportuguês - e aí a comunicação tem que se efectivar -- muitas vezes não dependesomente do contexto -mas também do nível académico da pessoa// O que é que acha ser mais comum no mundo de hoje, usar só uma línguaou mais do que uma, saber só uma língua ou mais do que uma? no mundo de hoje é comum mais do que uma língua// Se pudesse… se pudesse, digamos, desenhar a situação linguística idealpara Cabo Verde, como é que ela seria? Crioulo… português? neste momento…? Não. O futuro. Digamos, o ideal, asituação ideal para si, qual seria? seria uma situação em que teríamos as duas línguas - mas com apredominância da língua cabo-verdiana// O que é que significa esta predominância? se calhar a línguacabo-verdiana seria mais usada// Para? em todos os contextos - do que a língua portuguesa// Falar, ler? falar --mais falar do que escrever ou ler// Escrever ou ler seria? aí é que seria necessário uma aprendizagem -- traçar uma política para oensino da língua - para que as pessoas pudessem estar preparadas para ler eescrever em língua cabo-verdiana// Mas o que …? Acha que as pessoas deveriam… ou dever-se-ia continuar afalar em crioulo e ler e escrever em português? Falar o crioulo em todas ascircunstâncias, mas ler e escrever em português, é isso? não// Não? Não percebi então. seria as duas coisas -- falar e ler em português e também falar e ler emlíngua cabo-verdiana// Então usar o crioulo e o português na escrita e na oralidade dependeria dequê? da assunção da língua cabo-verdiana também como uma língua oficial eposteriormente a sua implementação como língua do ensino// Então as duas línguas seriam oficiais? oficiais// E elas seriam usadas para quê? para fins comuns// Em caso de oficialização do crioulo, qual é… que… o crioulo que acha quedeveria ser oficializado? aí é que está… o grande dilema -- eu sinceramente - não por ser deSantiago - eu acho que a variante que deveria ser adoptada deveria ser a deSantiago// Porquê? não sei -- em termos de definição de um modelo para escrita - não sei --mas parece-me que as raízes do crioulo - sendo a história do crioulo - as raízes docrioulo têm mais a ver com o crioulo de Santiago -- agora - na oralidade - aí seriaà escolha dos falantes// Qual das duas línguas, crioulo ou português, acha que deve ser usado nasmanifestações culturais? Morna, funaná, batuque, …? não percebi esta questão// Qual das línguas, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor acultura cabo-verdiana? sinceramente -a língua cabo-verdiana --o crioulo// E qual deles acha que poderia ser usado no batuque, funaná, morna,coladeira? também a língua cabo-verdiana// Teatro? a língua cabo-verdiana// Cinema, literatura escrita? língua cabo-verdiana -- literatura escrita isso podia ser quer em línguacabo-verdiana quer em língua portuguesa// E porquê língua cabo-verdiana? E porquê as duas? tratando-se da cultura cabo-verdiana porque… é a questão por exemplo daleitura - da leitura e da escrita que ainda está em causa -- e aí - se calharencontraríamos pessoas que teriam alguma dificuldade em ler e interpretar textosem língua cabo-verdiana -- mas - é claro que tratando-se duma morna - se calharnos toca mais ouvindo-a em língua cabo-verdiana do que em língua portuguesa// Como é que acha que os cabo-verdianos falam o português? se calhar -eu não diria que falam bem o português// Falam como,então? Hum? Como é que falam? têm um nível razoável--temos aliás - um nível razoável// O que é que chama um nível razoável? bom - pelo menos na oralidade -- do que eu tenho visto e ouvido - atravésdos meios de comunicação social - através de conversas… não sei - penso que oscabo-verdianos cometem muitos erros -ao usarem a língua portuguesa// Que tipo de erros? erros de concordância… principalmente de concordância --principalmente de concordância// Como é que acha que eles deveriam… que nós deveríamos falar oportuguês? não sei -- penso que… não devemos falar o português como osportugueses -é claro// Ou seja? nós somos diferentes - tivemos uma história diferente - e penso que aforma como usamos a língua portuguesa tem um pouco a ver também com aprópria… o próprio contexto em que nós aprendemos a língua ca… a línguaportuguesa -- e por isso não se pode exigir que os cabo-verdianos tenham amesma fluência ao usarem a língua portuguesa que um português - por exemplo --porque o português - além de ser a sua língua materna - é também a sua línguaoficial e nós não temos o português como língua materna -- não é uma língua coma qual nós convivemos diariamente em todas as situações - apenas em situaçõespontuais -- e é uma língua que… aprendemo-la em contextos formais -- e é claroque quando aprendemos uma coisa em contextos formais é muito diferente dequando aprendemo-la num contexto informal -- acho que aprendizagem informaldá mais gosto -- a pessoa sente sempre mais à vontade -- e é natural que os cabo-verdianos não falem correctamente a língua portuguesa// E o que é que acha disso? O que é que acha de… digamos - os cabo-verdianos falarem o português à maneira deles? O que é que pensa disso? à maneira deles também não acho correcto porque toda a língua tem a suaregra -- temos que seguir as regras da língua e não podemos também violar asregras da língua -- e por isso - muitas vezes depende também do nível académicoda pessoa -- mas o que tenho notado é que mesmo pessoas que já têm um certonível académico cometem erros// Mas que tipo de erros é que acha aceitável, que já acha que não é tãoaceitável? Há bocado disse-me que nós não podemos falar o português… Estou aquerer entender um pouco melhor porque há bocado disse-me que nós nãopodemos falar como os portugueses. nem os… penso que nem os portugueses falam também correctamente asua língua - porque eles também cometem erros -- eles cometem erros -- nem elesfalam… Então o que é falar bom português? O que é falar bem o português? bom -penso que quando falar… O que é que seria… é respeitar primeiramente as regras da língua// Regras de que nível? De que… da gramática e… portanto - regras da língua -- principalmente dagramática -- regras da gramática -- penso que aí nós não podemos violar -- essasregras existem - têm que ser respeitadas -- mas - uma pessoa que não tenha tidouma… um… uma aprendizagem - não tenha passado por exemplo por uma…situação formal de aprendizagem numa escola - penso que essa pessoa nãoconhece essas regras - não domina essas regras - e não dominando é natural queela cometa certos erros// X, eu não tenho mais perguntas. Mas se tiver algum comentário, quiseracrescentar alguma coisa, esteja à vontade. Alguma coisa que ache importante eque eu não tenha abordado, algum comentário… agora não me ocorre -- penso que já fizemos uma recorrência sobre osaspectos essenciais -- agora - o que… acho bom que haja… haja estudos quetragam subsídios para que se possa estudar e traçar que política teremos… quepolítica linguística teremos que adoptar para Cabo Verde - e como implementar alíngua cabo-verdiana -- porque eu sou a favor da implementação da língua cabo-verdiana - mas não deve ser também algo feito assim de um dia para o outro --têm que ser criadas as condições necessárias para tal e…defendo primeiramente…o primeiro passo seria a oficialização - e da oficialização agora teríamos quepercorrer um outro caminho para que haja essa transição até que alcancemos aimplementação plena da língua cabo-verdiana -- e penso que os trabalhos queforem feitos nesse sentido trarão de certeza subsídios que poderão ser discutidospara que depois no futuro…que adoptem melhor política… não sei… para aoficialização e implementação da língua cabo-verdiana - sem contudo colocarmosem segundo plano a língua portuguesa// Ok. Então, mais uma vez, obrigada, X, pela sua entrevista. sempre às ordens//" -INF20.wav,"Muito bom dia X. Muito obrigada por me ter concebido esta entrevista. Eugostaria que me dissesse antes de entrar para a escola, tinha … falava português, ocrioulo ou os dois? falava português - porque eu vivi em Angola - com a minha mãe - osmeus familiares até os oito anos -que eu estive aqui em Cabo Verde… Veio para Cabo Verde aos 8 anos… e crioulo, já tinha ouvido ou não ouviao crioulo? sim - o meu pai é cabo-verdiano - ouvia de vez em quando - porque meupai gostava muito da língua portuguesa e ele falava connosco a línguaportuguesa// Mas ouvia o crioulo de que… ouvia o crioulo? sim… Onde? Em que circunstância? em Angola? mhm mhm poucas circunstâncias -- normalmente era o meu avô que é de Santo Antão- que várias vezes falava crioulo - ou o meu pai -- mas na totalidade era a línguaportuguesa// E em casa, com os seus amigos, actualmente…? Actualmente, não é? Emcasa com os seus familiares, amigos mais próximos, o que é que fala? falo o crioulo - mas também falo a língua portuguesa com os meu filhos --tenho dois filhos - tem um que vai para escola este ano - então - no jardim - jáentraram com a língua portuguesa - e tento ver as pequenas frases e corrigir… ecom a minha filha que está na 5ª classe - o problema da mais velha - é que elamanifestou à professora - que é filha de uma professora de português - mas queela não gosta da língua portuguesa - e então eu tento ver se consigo mudar -- masnão sei se é porque ela gosta mais de matemática - mas ela mostra que não gostamuito da língua portuguesa - e sendo a língua portuguesa fundamental - então eutento ver -se consigo criar aquele gosto// Como é que … E com os seus amigos? com os amigos - com os colegas da língua portuguesa - há situações quenós falamos português -- na coordenação ou então na sala de professores - mas namaioria é o crioulo// E amigos de um modo geral, sem ser colegas professores? crioulo -crioulo// Como que acha que é a sua proficiência geral em português e em crioulo?Como é que avalia o seu domínio do português, o seu domínio do crioulo? eu acho que eu tenho domínio bom a nível da língua portuguesa - bom - edo crioulo acho que é suficiente - eu não sei se é o facto de ter os primeiros anoscontacto primeiro com a língua portuguesa -- segundo alguns amigos e familiarescostumam dizer que… eu não sei falar o crioulo - porque há palavras que eu nãodigo correctamente// Há já quantos anos vive aqui? há 26 anos -- não sei… há palavras que eles dizem que não é crioulo - eque eu uso a pronúncia que não é totalmente do crioulo - por exemplo eu tive umprofessor no curso que disse que ao dizer 'trinta e um'-que ele viu logo que eu nãofalava totalmente o crioulo porque trinta e um - uma pessoa que fala crioulo nãodiz trinta-e-um - diz trintium ou… eu acho que eu domino mais o português doque o crioulo// Fala o crioulo daqui deSantiago ou …? Santiago -Santiago-- não gosto muito do crioulo de barlavento// Não gosta…? eu gosto daqui de Santiago// então só fala o crioulo de Santiago? sim --só de Santiago// E falar, ler e escrever português…? Falar já me disse. Ler e escreverportuguês? eu também… eu não tenho problemas - eu não tenho problemas -- mesmoo meu passatempo preferido é a leitura - gosto muito de ler -- e eu tenho… fazparte de mim - (?) das outras línguas - quer o francês quer o inglês - são línguasque frequentei a escolaridade -mas com um nível muito baixo// E o crioulo, ler e escrever o crioulo? eu acho que eu sou fraca - não domino -- ler sim - ler - consigo ler comdificuldade - perceber -- tivemos uma cadeira no ISE - cultura cabo-verdiana -mas a escrita para mim é difícil// Cultura cabo-verdiana? sim - língua cabo-verdiana - cultura não - língua cabo-verdiana - com aprofessora Adelaide -- agora escrever eu acho que é difícil porque há aqueleproblema - tem que usar o 'c' tem que usar o ' k' - onde é que é apóstrofe -- euacho que ao nível da escrita do crioulo eu acho que é difícil para mim// Diga-me, exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português ouigualmente nos dois? há momentos que eu consigo me exprimir melhor em português -- porexemplo - eu às vezes fico a pensar com a minha pessoa - eu digo… muitas vezeseu penso em português -- estou a pensar - faço as ideias em português - porque eugosto de ter uma ideia e escrever - por exemplo - se tenho algo para fazer amanhã- ou se eu tenho um debate ou qualquer coisa - no dia anterior eu já tenho asminhas ideias e tento escrever - e isso eu faço em língua portuguesa -- agora hásentimentos por exemplo -tristeza -isso eu já eu faço melhor em crioulo// Diria que exprimir melhor as suas ideias em português ou em crioulodepende da pessoa com quem está a falar, do assunto, das circunstancias…? da situação// Como assim da situação? por exemplo se eu estou a pensar em algo que é a nível da escola - a nívelda coordenação -se é uma coisa que eu quero - por exemplo - expor ao meu grupo- porque eu sou a coordenadora - ao expor ao grupo eu penso em português -coloco tudo ali -- mas tem algo em relação… por exemplo - os meus filhos - já eutenho que descer aquele nível e com a língua crioulo -que é mais fácil para eles// E como é que se sente quando fala português? eu… ((risos)) Não está à vontade, tem algum receio? não - embora sabendo que a nível da língua portuguesa nós temos queestar sempre a pesquisar - a cultivar - porque há muitas regras - muitas vezes euposso infringir alguma regra -mas eu gosto --eu gosto// E a falar crioulo, como é que se sente? Tem medo de errar, sente-se àvontade…? não// Como no português? estou à vontade - porque também o crioulo para mim eu falo é em casa -com os amigos e familiares - porque se eu estou aqui na escola eu prefiro a línguaportuguesa// Mesmo com os colegas, nos intervalos…? embora… não sei se é complexo ou o quê que há a nível da línguaportuguesa - porque há um grupo de professores da língua inglesa ou francesa afalar o francês ou o inglês ninguém acha aquilo diferente - mas quando há umgrupo e estamos a falar português - já a pessoa acha que estamos a tentar serdiferentes// Diferentes como? eu não sei - eu acho que há um complexo… para mim eu acho que quandouma pessoa está a falar português a outra pessoa já pensa que a pessoa quer sersuperior - mas acho que isto é próprio do cabo-verdiano - é só uma pessoa falarportuguês -- ah! - que a pessoa quer… quer-se mostrar - e geralmente nósfalamos a língua portuguesa com os colegas mesmo da disciplina - com osoutros// Eu vou-lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversafora do seu círculo familiar, não é? No exercício das suas actividades, as trêspessoas com quem mais conversa. Pensasse nessas pessoas em termos do seuperfil. Não quero nomes, não quero identificar as pessoas, mas eu gostaria de ter aidade, o sexo, o grupo social, não é? A nacionalidade, se é cabo-verdiano ou não.Vamos pensar nelas como pessoa um, pessoa dois, pessoa três… Diga, entãopessoa um, idade, sexo… a pessoa 1 -idade eu acho que… Mais ou menos… 36 - dois anos mais velha que eu - 36 -- é angolana - é minha colega detrabalho - é uma pessoa muito culta… Portanto, é professora aqui na escola também…? sim é uma professora aqui na escola -- é muito culta - paciente - gostomuito de dialogar com ela -- não sei - talvez porque ela é mulher de um pastor -tem todos os lados // Vocês falam em crioulo ou em português? falamos em crioulo e português// Vocês falam alguns assuntos em português e outros… que assuntos vocêsfalam em português e que assuntos vocês falam em crioulo? em português falamos mais sobre os assuntos académicos - da escola - ousobre a disciplina - ou sobre algum um conteúdo - ou alguma dificuldade que…uma de nós temos a nível de qualquer… a nível de qualquer conteúdo a leccionar-- e crioulo falamos mais quando estamos a falar dos filhos - de como é que foi odia de ontem--mas nós falamos mais a língua portuguesa// Vocês encontram-se aqui na escola, sempre, ou em outras circunstancias? em outras mas poucas -a maior parte é aqui na escola// Está bem… uma segunda pessoa - é a subdirectora pedagógica que trocamos ideiasconstantemente -- eu acho que ela deve ter trinta e dois anos - é uma pessoainteligente também - que dialogamos muito porque sabe acatar as ideias - evalorizar as ideias dos outros - falamos em crioulo sempre -- falamos sempre emcrioulo// E sempre aqui na escola…? sim -sempre aqui na escola// Ela é professora também? é professora mas não está a leccionar aqui na escola - e é de outra área -de geografia// E outra pessoa …? É cabo-verdiana? é cabo-verdiana -- a outra pessoa tem uma média de trinta anos - é delíngua portuguesa também - trabalha aqui de manhã - falamos em nível dosconteúdos de língua portuguesa - das dificuldades - sempre em português --assuntos fora da língua portuguesa - tratamos em crioulo - também é uma pessoaque tem sempre ideias - acho que é isso// Com que tipo de pessoas fala crioulo,normalmente? sempre? Sim. Já me disse que com os familiares… e os vizinhos - principalmente com aqueles que eu sei que têm um nívelde escolaridade muito baixa - eu moro numa rua em que a média de escolaridade éfraca - então com os vizinhos - principalmente -- com os familiares nem todos -porque tenho alguns familiares com… uma média de… duas professoras umadvogado… já com eles eu falo a língua portuguesa -mas com os outros já eu falo-falo crioulo// Digamos… mesmo com os familiares, aqueles que são instruídos, usa alíngua portuguesa? sim//Com os que têm uma escolaridade mais baixa…? já usamos o crioulo -mas não quer dizer que não usamos o crioulo mesmo com os escolarizados -estamos sempre ali - mas há sempre aquele momento que passamos para a línguacrioula -enfim… E com autoridades, com superiores hierárquicos…? falo sempre português// Sempre português? sempre em português - porque eu sou a favor de as instituições - nóstemos de ter um certo… embora muitas vezes por exemplo - há bocado fui para aCaixa Económica - eu dirigi a senhora em português - e ela respondeu-me emcrioulo// E aí, passou a falar o quê? logo eu passei a falar o crioulo -- sim - porque eu acho que ela deviaresponder-me em português - se ela está na recepção - e eu já falei a línguaportuguesa -ela devia… E com pessoas das ilhas de barlavento, fala crioulo ou português? falo o crioulo// De? Santiago// E como é que é a compreensão? do crioulo deles? Como é que vocês se entendem. mesmo assim -eu com o meu -e eles ali… Entendem-se sem dificuldades, com alguma dificuldade? eu acho que sem alguma dificuldade -- tenho aqui colegas que são de SãoVicente - já trabalhamos há muitos anos e eu falo o crioulo daqui - e eles odialecto de S. Vicente -mas não há problemas// E esses seus familiares com quem fala português, raramente… disse-meque também pode falar com eles em crioulo. Falar com eles crioulo ou portuguêsdepende do quê? eu acho que éda situação// Como assim? por exemplo - se estamos a brincar - ou a contar uma anedota - alipassamos para o crioulo -acho que tem mais piada nisto// E português acontece …? a cumprimentar - a falar de um assunto ou a discutir um tema… Que tipo de assunto? Intimo, pessoal…? mais a nível da sociedade -do trabalho// Pode especificar um pouco mais esses lugares e circunstâncias? Falou-mede instituições, repartições públicas, por exemplo. Pode falar um pouco maisdisso? Disse que na vizinhança usa crioulo. E em lojas, restaurantes, em locais delazer, no mercado, aqui na escola, no gabinete da directora, nos intervalos, nacantina..? Portanto, esses… se usa o crioulo,o português…? por exemplo - na cantina - nós temos a cantina … a cantina é dos alunos -estou ali com uma colega - estamos a falar o crioulo - mas quando chega umaluno - passo logo para a língua portuguesa - porque eu falo com os alunos - querdentro da sala - quer fora da sala - eu uso sempre o português -- no gabinete como director - ou com a subdirectora pedagógica - ou com um outro membro dadirecção - eu uso sempre o crioulo -- geralmente eles já começam a dirigir-se emcrioulo passamos logo para o crioulo -- nas instituições eu sempre - sempre chegolá com a língua portuguesa - e volto ao mesmo assunto - acho que há aquelecomplexo em relação a língua portuguesa - eu sinto a sensação que muita gentepensa que a pessoa é mais bem atendida quando usa a língua portuguesa do quequando usa o crioulo// Já teve essa experiência? eu já … não comigo exactamente -- mas eu já vivi isso no hospital -- euestava à espera - então eu vi a médica ali a gritar - a gritar num senhor que tinhauma criança - mas quando eu entrei - eu entrei já com a língua portuguesa - eentão não… não vi aquela situação que eu estava a ouvir -- eu acho já que há umcerto nível de respeito em relação… quando a pessoa se dirige em línguaportuguesa -- embora há… há instituições em que eu não acho correcto - porexemplo - no ministério de educação -- um professor chega lá com a línguaportuguesa - eu acho que somos mal recebidos com o crioulo - etc. etc. -- eu achoque ali tinham de falar português - uma pessoa - se está numa instituição é porquetem um certo nível - por ter um certo grau de escolaridade - pelo menos não paradominar o português como um professor - como um… mas o mínimo -- pensoassim - dar uma informação - dar uma… como fazer um documento etc. mas euacho que dirigem totalmente em crioulo -- eu não sei se precisam de reciclagemou de informação - o quê - mas eu acho há qualquer coisa que tem de se fazer anível dessas instituições - não só a nível de educação - mas nas finanças -qualquer lugar// E nas lojas, mercado? no mercado público uso sempre o crioulo - porque eu penso… não sei - euacho que a maior parte das pessoas que estão aí a vender têm um nível baixo deescolaridade - mesmo assim há pessoas que - como se diz - são freguesas - já eubrinco com elas - já brinco com elas - outras dirigem… sabem que eu souprofessora - dirigem para mim em português - mal falado mas … e eu respondosempre -a brincar corrijo a frase e respondo -mas frequente é o crioulo// E nas reuniões aqui na escola, reuniões de coordenação …? Eu acho que jáme falou sobre isso… sim - reuniões nós fazemos em português - mas não impede uma anedotaou outra ali em crioulo -- nas reuniões gerais - a direcção começa a reunião - amaior parte - já em crioulo -- e só que eu reparo… e há colegas também quedefendem isso - por exemplo - no conselho pedagógico tivemos uma reunião emque a direcção começou em crioulo e então uma colega - não é professora deportuguês - de francês - ela disse que ela ia falar português - porque ela acha queseria melhor --mas eu acho que a direcção já… E a reunião decorreu em português? não -a intervenção dela foi em português -- foi em português// ok. Para … com que finalidades usa o crioulo ou o português? Eu estou apensar em coisas como exprimir um sentimento, rezar ou orar, dar ou pedirinformações na rua, namorar, quando está a falar de um assunto que a emocionaou a irrita, usa o crioulo ou o português? o crioulo - eu uso o crioulo… por exemplo - com o meu marido não uso ocrioulo// Ele é cabo-verdiano? eu não… eu não uso o português -- ele tem um nível de escolaridadeinferior ao meu - portanto quando eu uso o português - porque eu quero mostrarsuperior Ah, ok! ele já mostra uma barreira - raras vezes eu uso o português -- por exemplose estamos a ver o telejornal e aquele jornalista fica sempre a dar erros - então eudigo para ele - ele não devia falar assim - devia falar assim - e ele diz - ah tugostas de corrigir - tens o mau hábito de estar sempre a corrigir - então com ele -porque ele já vê o português ali como algo que nos afasta - então com elefrequentemente eu uso o crioulo -- mas expressar - por exemplo - a rezar - eu nãoconsigo rezar em crioulo - eu não sei se é porque aprendi a rezar com base emdocumentos -em livros etc. -mas eu sempre estou a rezar em português// Mesmo que esteja a usar as suas próprias palavras? há momentos por exemplo - momentos de muita tristeza - ali umapessoa… a frase é curta - (?) eu expresso em crioulo - mas nos outros momentoseu acho que consigo expressar sempre em português// E quando está irritada ou está a falar de um assunto que a emociona, …? quando estou irritada - se é em casa ou com um familiar muito próximo -eu uso o crioulo -- mas se é aqui na escola não - se é aqui na escola eu consigomesmo mostrar a minha indignação ou satisfação usando a língua… a línguaportuguesa// Diga-me uma coisa. Nesta última semana que passou, falou mais portuguêsou falou mais crioulo?(…)De um modo geral. eu acho que é o crioulo// Mais o crioulo. E mais tempo seguido o português ou o crioulo? Durantemais horas seguidas. o crioulo// O crioulo. porque os meus filhos já estão de férias - e já posso passar a maior partedo tempo com eles - das onze… vinha trabalhar e ia para a casa às 11 até a noite -estava constantemente com eles - a brincar - para recuperar o muito tempoperdido -mais é o crioulo// Eu gostaria que me apontasse, assim, três circunstâncias onde normalmentefala o crioulo e três circunstâncias onde normalmente fala o português. na sala de aula -sempre em português// Nunca usou o crioulo para se dirigir aos seus alunos? não// E nunca nenhum dos seus alunos se dirigiu a si em crioulo? sim -estão sempre a… onde está… Porquê? Para quê é que os alunos… quando os seus alunos se dirigem a siem crioulo na sala de aula é para quê? desde o início eu crio regras - e uma das regras é falar em línguaportuguesa - então quando estão a tentar falar em crioulo - eu digo - eu não estoua ver - eu não percebo -- mas há aquele aqueles momentos que eu acho que édifícil para eles expressar-se… expressar em português - é quando estão zangados- quando um colega faz algo e querem contar - então se o professor quer que elesparem de falar é só dizer - falem a língua portuguesa - então quando hápequenas rixas entre colegas começam em língua portuguesa - mas no meio já eudigo - mas vai falar o quê - português ou o crioulo?  - e voltam de novo a…não… com os meus alunos eu uso sempre a língua portuguesa// Vamos pensar nas diferentes capacidades, ouvir, falar… já falamos dofalar… ouvir, ler e escrever. Habitualmente onde é que ouve o crioulo e oportuguês? o português aqui na escola - na escola portanto -- o crioulo - por exemplo-ouço na minha rua - na minha rua raras vezes podemos ouvir a língua portuguesaou outra língua -ali o domínio é do crioulo// E na comunicação social costuma ouvir o quê? a língua portuguesa e o crioulo -- mas por exemplo - a Praia FM - eu achoque… não sei - eu penso que tem totalmente o crioulo - que não há nenhummomento - não há nenhum programa - não há nada que valoriza a línguaportuguesa ou que fala a língua portuguesa// E nas cerimónias oficiais e religiosas, normalmente o que é que ouve? misturam as duas línguas -- há pessoas que falam em português mas amaioria fala em crioulo -mesmo os dirigentes… Nas cerimónias oficiais? sim -- costumam falar -- fazer os discursos em crioulo - mas eu pensotambém que isto tem a ver com a situação -- por exemplo eu acho que - porexemplo - o primeiro ministro quando vai ali a uma zona do interior - eu acho quese ele usar a língua portuguesa a mensagem não passa - não passa da forma queele queira// Normalmente, que assuntos ouve em crioulo? assuntos banais -- por exemplo - na minha rua gostam muito de discutirpolítica e futebol -e ali é só o domínio do crioulo// E em português, que tipo de assuntos é que ouve habitualmente emportuguês? no parlamento… não me lembro de outros casos// Ler, costuma ler em crioulo? não - eu posso ler uma ou outra frase ali - mas por exemplo se eu tenho …há dias eu estava com um livro na mão - de cinquenta poetas africanos - (…)então eu estou a ler - leio em crioulo e já passo o poema para o português - é maisfácil também ler em português// E o que é que já leu em crioulo? Poesia? poesia// Habitualmente não lê o crioulo? não// Porquê? Não gosta, tem dificuldades…? porque tenho dificuldades - eu prefiro o português - assim eu leio epercebo logo// Que dificuldades é que tem, quando lê o crioulo? eu estou a ler - às vezes e eu acho que eu não percebo a frase - então eutenho que voltar a ler - porque eu acho que há uma grande distância - essa é aminha opinião pessoal - há uma grande distância entre o falar e escrever o crioulo- eu acho que não fica com o mesmo peso -- a nível da oralidade a expressão édiferente - é mais forte - e então eu não consigo ver tudo isso na escrita docrioulo// E costuma escrever em crioulo? Já escreveu alguma coisa? raras vezes -- quando eu estava no ISE havia trabalhos que eu tinha deescrever mas (…) E não escreve porquê? Não gosta? Não consegue? eu acho que é as duas coisas - não é o não gostar na totalidade mas asdificuldades que eu enfrento… já prefiro refugiar-me na língua portuguesa// Há bocado disse-me que às vezes, na coordenação, estão em portuguêsdepois mudam para o crioulo. Gostaria que me falasse um pouco disso. Digamos,estando a falar o português, o que a faz mudar para o crioulo? Estando a falarcrioulo, o que a faz mudar para o português? A chegada de uma pessoa, amudança de assunto…? não - eu acho que é a mudança de assunto -- porque eu - geralmentequando estou na coordenação - há visita da directora pedagógica ou do grupo deapoio - ou de algum… este ano temos colegas que não são da nossa escola - vêmde outras escolas mas estavam aqui - mas depende da situação -- quando estamosa falar da dos conteúdos nós usamos a língua portuguesa - então um colega querdar uma anedota - passamos para o crioulo - mas quando eu quero voltar de novoeu digo - bom - chega - nós vamos parar - e passamos de novo para o português-e para continuar… Mas por exemplo com os seus familiares. Imagine que está com… a falarcom esses familiares com quem fala em crioulo - chega um outro familiar… com ele falo o português… Com quem fala o português. Pode mudar para o português com a chegadade…? eu mudo constantemente - eu posso falar com essa pessoa mas ao mesmotempo estou a falar em crioulo com… O português com uma e o crioulo com outra? sim - por exemplo - numa fala eu posso falar com aquela pessoa comquem estou a falar a língua portuguesa - mas quero dirigir a uma pessoa maispequena - já dirijo em crioulo -- depois passo para outra pessoa - passo de novo afalar a língua portuguesa -acho que eu não tenho problemas -enfim // O que é que a faz mudar, é a pessoa, é o assunto? Predominantemente. nesses casos é a pessoa -eu acho que é a pessoa// Ok. Que tipo de pessoas acha que é adequado falar o crioulo e com quetipo de pessoas que acha que é adequado falar português? o crioulo eu penso que é adequado falar com as pessoas que têm o nívelde escolaridade fraco - para que haja a compreensão -- com as crianças - mas nemem todas as situações - por exemplo eles têm a língua materna - dominam ocrioulo - eu acho que há situações que nós temos de recorrer ao crioulo para que amensagem passe correctamente - agora o português eu acho que deve serfrequente na escola e nas instituições// Então, acha que o português é adequado para as escolas e para asinstituições? sim// E o crioulo? em casa -e na comunidade// Porquê? eu acho que tem a ver mesmo com o nível da escolaridade das pessoas --eu parto do princípio que numa escola ou numa instituição - a pessoa tem que terum certo grau de escolaridade - o que não acontece na comunidade - nacomunidade -com os velhos e crianças - e que têm um nível mais baixo// O que é que pensa do crioulo?(…)Há pessoas que acham que não é uma língua. Há outras pessoas queacham que é uma língua ainda não suficientemente desenvolvida etc. etc. etc. E aX, o que é que pensa do crioulo? eu gosto do crioulo -- eu acho que é uma língua desenvolvida - nãototalmente trabalhada - para se tornar … para se expandir a nível das escolas e asoutras instituições -- eu penso que é uma língua que já tem toda a sua autoridadeao nível da oralidade - mas que precisa ser trabalhada ao nível da escrita -- paramim o crioulo é a língua dos sentimentos porque eu acho que o cabo-verdianoexpressa bem oralmente usando o crioulo - mas não pode ser uma língua que nóspodemos tornar uma língua oficial// Porquê? porque ainda não está trabalhada ao nível da escrita - o próprio cabo-verdiano não sabe - não estou a falar de todos - mas não sabe escrever - não sabeler a sua própria língua -então isso eu acho que dificulta// Se eu entendi bem, põe como condição. Acha que o crioulo deve seroficializado? acho que não -eu acho que não por causa… Nunca? se ganhar maturidade a nível da escrita -da leitura - eu acho que sim - masantes eu acho que não// E do português? Para si existe um crioulo que seja o verdadeiro crioulo? Diz das ilhas? mhm mhm para mim é o de Santiago - foi o primeiro - foi o primeiro - e eu acho queé aquele que sofre menos - que sofreu menos transformações -- por exemplo - euquando estou a falar com uma pessoa do Fogo - eu fico com a sensação que elesabrem muito a boca - e o crioulo de Santiago não é assim -- do Maio eu acho quetem de fechar a boca - não sei … do barlavento - eu acho que há omissão devogais - então para mim o crioulo que deve ser usado em Cabo Verde é o crioulode Santiago// Por ser mais perfeito? não -o que disse --mais antigo e mais perfeito// E que relações pode haver entre ser cabo-verdiano e o crioulo, ser cabo-verdiano e o português? Admite que um cabo-verdiano não goste de falar ocrioulo ou não saiba falar crioulo? Ou admite que um cabo-verdiano useexclusivamente o português…? eu acho que há uma ligação intima entre o cabo-verdiano e crioulo - écabo-verdiano tem que saber falar o crioulo// Em qualquer circunstância? sim - é uma das condições -- ser cabo-verdiano para mim é saber falarcrioulo -- porque repare - há uma criança que está nos Estados Unidos - é filho decabo-verdianos - ele é cabo-verdiano -- eu não acho… eu acho que ele tinha queter contacto com a raiz - tem que ter o contacto com o crioulo - embora há ocontacto - mas eu acho fraco - eu acho que o domínio do crioulo é uma dascaracterísticas do cabo-verdiano// E o português? Saber português, usar português? o cabo-verdiano deve saber (levar?) mas não ter aquele domínio 100% -porque o português sempre é a língua do colono e sempre é… há um sempre (?)ali// mas o que é que acha dessa possibilidade que nós temos em Cabo Verde deusar o crioulo e o português? as duas línguas? mhm mhm eu acho correcto -- o que eu não acho correcto é o cabo-verdiano passar ausar só a língua portuguesa - porque eu acho que deixa de ser cabo-verdiano sedeixar de usar o crioulo - mas as duas línguas sim - e saber em que situação usarcada uma delas// Acha que o cabo-verdiano sabe sempre? A X sabe sempre quando usaruma ou outra? sim - sim -- mas eu acho que a maioria não -- por exemplo - é o caso dasinstituições - se uma pessoa está lá - devia saber que devia usar a línguaportuguesa e não estar… não sei se não sabem ou que se querem aplicar porque eupenso também que o cabo-verdiano tem medo de errar// E o que é que acha ser mais no mundo de hoje, ter só uma língua ou termais que uma língua? mais de que uma// E como é que vê a alternativa linguística para Cabo Verde? Digamosescolheria que situação…? acho que há muito que fazer -eu acho que há muito que fazer// Ficaria só o português como língua oficial? sim -já é difícil para o cabo-verdiano… Então acha que o português devia ser a única língua oficial em CaboVerde. sim// Nesse caso, o crioulo devia ser utilizado para quê? é a nossa língua materna - é a nossa língua de contacto - é a nossa línguade expressão - eu acho que as duas ficariam bem - sendo o português a línguaoficial// E porquê? não sei… talvez porque foi o meu primeiro contacto com… eu aprendi emportuguês… o crioulo foi só… eu passei a falar crioulo a partir dos 8 e 9 anos -mas foi difícil - há 26 anos - numa escola aqui de Cabo Verde - sozinha a falarportuguês com os colegas aí…// E para ler e escrever? em língua portuguesa? Não. Estou a dizer em Cabo Verde. O português na sua opinião deviamanter-se como uma única língua oficial. E a ler e a escrever, continuar-se-ia a lere escrever em português? sim - em português// E a falar crioulo? sim// E o crioulo seria ensinado nas escolas? O que é que acha, do crioulo serensinado nas escolas…? eu acho que não é preciso -- ou pode ser como uma disciplina - paramostrar as regras etc. mas toda a gente sabe falar o crioulo - eu penso que todossabemos falar o crioulo// Mas todos os portugueses sabem falar o português e ensina-se o portuguêsnas escolas. são as regras - a maior parte é colocar cada coisa no seu lugar - mas euacho que ensinar a falar o crioulo não - ter o crioulo como uma disciplina - porqueuma pessoa que vem para a escola - um cabo-verdiano - para uma aula de crioulo- ele não (?) nada - ele já tem uma base - portanto eu acho que é uma pessoaorientá-la parafalar correctamente// E a ler e a escrever? aí seria um trabalho// Devia-se ensinar a ler e a escrever crioulo nas escolas, ou não? eu não sei -eu acho que não// Acha que não, porque? Consegue dizer o porquê? eu não sei - há aquela relação entre o crioulo e a língua de casa - para mimhá aquela relação -há aquela relação que português é a língua da escola// Qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura deCabo Verde? o crioulo// E para ser usado assim na morna, funaná, batuque, literatura escrita,cinema, jornais, revistas… acha que deveria ser o crioulo ou o português? a nível da música - eu acho que é o crioulo -- mas a nível da literatura eupreferia o português// Literatura escrita. E teatro, cinema? também em teatro eu acho que… em crioulo a mensagem passa melhor --porque se tens uma peça ou uma anedota em crioulo ao tentares transformá-la nalíngua portuguesa não fica com… com a mesma dose de cómico - então acho queali devia ser o crioulo// E porque é que acha que na literatura seria mais adequado o português? a literatura escrita -deixe (…) Está bom. Enquanto pensa, diga-me… há bocado já abordou isso… Comoé que acha que os cabo-verdianos falam português? Disse-me há bocado que elesnão deviam falar 100% bem, não é? sim// Gostaria que me falasse um pouco disso. Como é que acha que eles falam oportuguês? em nível da pronúncia…? Da pronúncia, da gramática, das palavras, dos sons, … ? sim - eu acho que o cabo-verdiano - ao falar português - a nível dagramática - um cabo-verdiano que teve uma escolaridade - usa correctamente agramática -- eu acho que a dificuldade maior é a nível da pronúncia -- no anopassado eu fui para Angola - então eu falava e o meu irmão também foi daqui deCabo Verde -quando eu estava a falar com um familiar meu -então eu ficava ali aescutar a diferença - era totalmente diferente a pronúncia - mas os dois estavam afalar em português - então eu ficava assim a pensar - mas quem que está a falarerrado?  - e - por exemplo os meus familiares em Angola têm a percepção de…que o cabo-verdiano fala mal o português - eu disse - não - o cabo-verdiano nãofala mal o português - para nós também é o angolano que não sabe falar oportuguês correctamente - ou o brasileiro que não respeita as regras - eu pensoque o cabo-verdiano - a maior dificuldade mesmo é ao nível da pronúncia - porexemplo - eu estou constantemente a falar com os meus alunos - eles dizementon - o som 'ão' colocam em crioulo -- estou a corrigir um aluno aqui - chegona terceira carteira - repete o erro - eu já mandei repetir - várias vezes - maspassam para outra frase - já na terceira frase o aluno já dá… eu acho que adificuldade maior é ao nível da pronúncia - porque eu penso que em Cabo Verdeaté respeitam -respeitam as regras// O que é para si… qual seria o português correcto para si ou falar bemportuguês, o que é que seria? Falar como o português europeu, como umangolano...? eu preferiria o de Lisboa que é considerado norma// Acha que os cabo-verdianos deveriam falar assim? se é a nossa língua oficial - se nós estamos a estudar na escola - mas achoque é difícil para nós por causa do contacto constante com o crioulo// Qual é a solução, se é difícil? ((risos)) um outro problema -- por exemplo em relação ao crioulo … oque eu acho que é mais correcto para mim é o falado aqui em Cabo Verde e emAngola também - mas já no Brasil eu acho que é muita… a fuga é grande emrelação àquele que é considerado norma de Lisboa// Então não acha, por exemplo, que os cabo-verdianos poderiam falarportuguês à maneira deles? mas nós falamos à nossa maneira// Mas isto é errado, para si. sim porque a pronúncia não é correcta - e eu acho que isso é próprio docabo-verdiano - porque eu quando estou a trabalhar com os meus alunos - asvariações - eu digo - quando uma pessoa chega aqui - bate à porta - e elacumprimenta - nem é preciso dizer que essa pessoa é brasileira - só pela frase queela utiliza nós sabemos - se é angolana nós sabemos - se é um cabo-verdiano nóssabemos - eu acho que cada um já tem a sua característica própria que para mimessa pronúncia é errada em relação ao que todos esperamos// E de… se um cabo-verdiano constrói, assim, frases com estruturas que seconfundem com o crioulo, o que é que acha disso? é errado// Há bocado ficamos com aquela questão da literatura escrita… sim -sim// O que é que acha, então? Já consegue responder porque se deve usar oportuguês na literatura escrita? eu penso que é um arquivo -- uma memória - que vamos ter ali - temos deusar a escrita - e não só - para além de… tornam-se memórias - nós temos que tera literatura escrita para ter a base de documentos para trabalhar - eu acho nessenível -mas a nível do teatro -do dia a dia -devemos usar é o crioulo// X, eu não tenho mais questões, mas se tiver algum comentário, algumacoisa que queira acrescentar eu agradecia. eu acho que é tudo// Então, mais uma vez, muito obrigada." -INF21.wav,"X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A primeira questãoque eu queria colocar é a seguinte, antes de entrar para a escola, aprendeu o…tinha aprendido o português ou o crioulo? antes-tinha aprendido o crioulo// E tinha contactos com o português antes de entrar para escola? Ouvia oportuguês, falava…? na rádio - na televisão -- mas - no meu caso - eu nunca fui para o jardim -- eu entrei logo na primeira classe - eu tive contacto… assim… com a escrita ecom falar português foi primeiramente na escola- na primeira classe// E diga-me, actualmente em casa com os seus familiares e com os seusamigos e colegas mais próximos, fala o português ou o crioulo? em casa - com os meus amigos eu falo - crioulo -- mas - por exemplo - noliceu… no trabalho - quando eu estou a falar com um professor de inglês eu faloinglês - para tentar treinar - com o professor de francês eu falo francês --curiosamente com os professores de português eu falo crioulo// Está bom. Como é que acha que é a sua… o seu domínio do português e docrioulo? Como é que avalia, o seu domínio geral do português e do crioulo? eu acho que tenho bom nível de português -- nível alto -- tanto portuguêscomo do crioulo - até porque eu escrevo muito em crioulo -- escrevo muito -- àsvezes - se eu estou a escrever… por exemplo - há pessoas que me pedem parafazer poemas - acrónimos - eu… às vezes… se é uma pessoa culta - eu escrevo -usando o ALUPEC - dependendo do nível que tem -- mas se for uma pessoa quenão sabe ainda o que seja ALUPEC - eu escrevo aquele crioulo com aquele… aescrita que se usava antigamente// E falar, ler, escrever crioulo, português, qual é que faz melhor? eu faço… eu faço melhor em tudo -- o crioulo eu leio e escrevo -- às vezesaté fico admirado como consigo ler crioulo - às vezes rapidamente -- o meu únicoproblema é o crioulo de Barlavento - que eu tenho dificuldades em ler - mas ocrioulo de Sotavento eu consigo… tanto doMaio como de Santiago- consigo ler// E português, falar, ler, escrever? falar-ler - escrever não tenho problemas --eu domino-modéstia à parte// Falou-me de pessoas de Barlavento. Quando fala com pessoas de outrasilhas usa que crioulo? eu quando estou fora - estou lá… com eles - na sua ilha natal - eu tento -eu esforço-me sempre a falar o seu crioulo - para poderem me entender --inclusive - quando eu fui para São Vicente uma vez - tentei falar o crioulo de SãoVicente com uma senhora - a senhora quase me deu bofetada porque pensou queeu estava a gozar com ela -- estava a perguntar nome de zonas - ela disse que…parece… que eu sou… sou 1xuxanti - como no crioulo - não é? a gozar com elaporque… ela disse que se eu estou a falar São Vicente - é claro que eu conheçoSão Vicente -- eu não conhecia - só estava a tentar falar para entender… para elapoder entender - mas - eu gosto… quando eu estou a falar com uma pessoa deFogo - às vezes - fico a brincar -- as pessoas dizem… uma vez uma aluna medisse que de tanto ficar a repetir as expressões da ilha do Fogo - agora - até jáesqueci falar badiu// Então fala crioulo de que ilhas? eu… Maio… eu falo de Maio -- com gente de Maio falo Maio - mas aquina Praia falo sempre em badiu -- às vezes até quando eu falo badiu -dizem que eunão sou de Maio-porque eu falo mais badiu do que Maio// E qual é a sua proficiência no crioulo doutra ilha… dessas outras ilhas,acha que é… O seu domínio desses crioulo? eu entendo -- eu até esforço para entender - porque acho que é uma formade eu me igualar a eles - para poder entender -- porque se eu… se sou… acaracterística do badiu quando vai para Barlavento é falar só badiu -- a gente deSão Vicente - quando vem para Praia também fala só crioulo de Barlavento --mas eu tento esforçar-me a tentar falar mesma… o mesmo crioulo dessas ilhas -para poder ser entendido e também entender -- assim vou aprender mais - maisvocabulário-- mais… as expressões que não conheço-assim fica mais fácil// E de um modo geral, acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ouem português? quando eu estou a falar - em crioulo eu expresso melhor -- mas quando euestou a escrever -eu expresso melhor em… em… em português// E como é que se sente quando fala crioulo e quando fala português, mais àvontade, tem menos medo de errar, não se preocupa, crioulo, português…? não - se for um espaço onde eu já for conhecido - por exemplo - com osamigos- assim - eu não tenho problemas// Com o crioulo ou português? De que está a falar? em português// Em português. mas se eu estou em meio de pessoas estranhas ou pessoas que não… tenhopouco contacto ou amizade assim - já vem aquele nervosismo - aquele medo deerrar porque - acima de tudo sou professor - ainda por cima de português -- então- qualquer erro… eu mesmo antes de falar - começo já a imaginar os possíveiserros que eu posso dar -- mas - com a embalagem eu perco esse medo - essereceio// Há bocado… E crioulo? crioulo eu não tenho problemas// Há bocado disse-me que se sentia igualmente à vontade ao ler… falar, ler eescrever português. E crioulo? crioulo também eu não tenho problemas em falar// Falar não. X, eu vou lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem maisconversa, fora do seu círculo familiar. OK? Pense nessas pessoas. Eu não queronomes, mas gostaria que me desse o perfil dessas pessoas, em termos de idade,sexo, grupo social, não é? E me dissesse o que é que fala com essas pessoas,crioulo ou português, e qual… quais os assuntos? Que tipo de assuntos, não é? a minha namorada -- ela vai no primeiro ano de ISE -- porque eu não soudaqui - tenho pouco contacto com as pessoas - mas como sou uma pessoa deIgreja - contacto com muitas pessoas -- talvez pode ser considerada a minhamelhor amiga e… Mas falam em crioulo ou em português? falamos em crioulo -- inclusive ela é natural de Angola - mas tem muitotempo aqui-fala crioulo --outra pessoa -deixa ver - talvez um homem - mas… Portanto, do sexofeminino. Que idade ela tem? 19 anos// Ela é estudante do ISE, não é? não --ela vai fazer teste este ano para entrar// E ela trabalha ou ainda não trabalha? hum -hum ((diz que não com a cabeça)) Que idade,mais ou menos, ela tem? 19// 19. Portanto, para além de assuntos pessoais, tratam outro tipo de assuntos,político, social? falamos de tudo -- falamos assim… de familiar - falamos… assim… decoisas do dia-a-dia-do que acontece// E sempre em crioulo? sempre em crioulo// E encontram-se em todas as circunstâncias ou só em situações maisinformais? praticamente em todas as circunstâncias// E mesmo nessas circunstâncias menos informais, usam o crioulo? não - sempre -- sempre crioulo// E a segunda pessoa? a segunda pessoa… uma amiga - minha vizinha - mas mora mais afastado-- no fim do dia ela vem - nós conversamos - assim… se está a precisar de algumacoisa -- falamos… muitas vezes nós falamos mais da minha namorada que é… elatem um bocado de génio, não é? então - falamos disto - sobre… do seu futuro -que ela devia estudar… está a estudar - deixar de paródia - sempre a falar aconversar -e outras coisas// Que idade essa senhora tem? tem 20 anos// E é estudante, trabalha? já terminou --ela não sabe ainda o que é que vai fazer// Terminou o quê? o12º// Terminou o 12º. E é cabo-verdiana? énatural de Angola - mas… Essa segunda pessoa, também é natural de Angola? aham - mas acho que veio criança ainda para Cabo Verde - e sabe ocrioulo// E falam crioulo ou português? eu falo com ela crioulo porque eu conheci ela a falar crioulo - nem… nãosabia se ela era angolana -- só depois que começamos a conversar - conversarmos-é que ela me… fiquei a saber que ela é natural de Angola// E só têm esses assuntos pessoais e íntimos ou abordam outros assuntos? pessoais -- a maioria dos assuntos que tratamos… são problemas pessoais-- ela também… E a terceira pessoa? aterceira pessoa… numa lista - a terceira pessoa fica difícil encontrar// Ahé? a terceira pessoa… é que eu moro sozinho - não é? praticamente nãotenho contacto com as pessoas -- de manhã e de tarde estou na escola - de noiteestou em casa sozinho -- talvez… não estou a ver -- são tantas pessoas que eu nãosei quem é que vai ficar em terceira posição -- eu não sei quem é que vou pôr aqui- em terceira posição -- não estou a ver uma pessoa - talvez o meu vizinho…talvez o meu vizinho que é de Guiné-Bissau -- ele é… até porque o meuvizinho… ele é curandeiro - as pessoas de Guiné têm essas manias de curandeiro -então - de vez em quando eu falo com ele - assim - mas é sempre conversastriviais -- eu entro - falo com ele - depois - quando tiver tempo - também falo comele - à noite - quando estiver assim - na varanda - ele também mora ao lado -ficamos a conversar - assim… inclusive - quando vem um amigo dele - eleexplica o trabalho dele - porque ele nunca me explicou o trabalho… explica -mas - enfim - por alto - não é? fico com curiosidade - saber como é que ele fazaquelas coisas -- mas como ele é da Guiné-Bissau - fala só crioulo - então -quando transmite - ele pede para explicar aquela palavra - se é assim que se diz -se não é assim que se diz// Ele fala… usa crioulo aqui de Santiago? fala crioulo de Santiago// Portanto, em casa com os seus amigos e os seus familiares usa o crioulo. Jáme tinha começado a dizer que… com os seus colegas na escola… Poderia ser umpouco mais específico? Em que lugares e circunstâncias usa o crioulo e oportuguês? crioulo em todas as situações -- situações… no meio cabo-verdiano… usoo crioulo -- português - utilizo por exemplo quando falo com os meus professoresdo ISE que falam sempre português -- com os meus alunos - inclusive no trabalhoeles zangam porque eu… se calhar de professor de português - sou único que falaportuguês -- inclusive até há professores que utilizam crioulo na aula e dizem queé mais fácil eles entenderem o crioulo… a matéria - do que em português --portanto - o professor de português - fala sempre português -- o aluno cabo-verdiano tem essa tendência de não gostar muito de língua portuguesa -- então -quando o professor de português fala português - acham que é uma forma dedistanciar o aluno -- então o aluno acha que o professor de português tem mania -como se diz - está armado em mais importante - não é? mas eu tento falar com osmeus alunos mesmo no trabalho - na rua - até dizem que - professor só na escola- na rua não é professor -- mas eu digo que não - é assim que tem que ser -- hápessoas que me entendem - quando o aluno chama ó professor - eles dizem não- professor não - professor é na escola - aqui na… -- mas eu sala de aula ésempre português-sempre português// Nunca se dirigiu aos seus alunos em crioulo na sala de aula? às vezes… há situações em que uma explicação ou… Para dar uma explicação? uma explicação no sentido de… uma expressão… assim… quer dizer -uma expressão para alunos que não estão a entender uma matéria - um conceito…ir ao crioulo para fazer-lhes entender - ou há uma situação engraçada na sala deaula - ou uma indisciplina - então - para o professor não perder tempo - então…assim um comentário - assim tipo uma anedota em crioulo só para os alunos…para a situação de indisciplina não passar despercebida ou contagiar a turma --então uma anedota-uma expressão em crioulo -assim… meio interessante// Portanto, se eu percebi bem, para dar uma explicação, fazer umcomentário… sim comentário - no momento exacto - assim… com aquele sorriso… sópara os alunos ficarem mais…assim… eles passarem a… E os seus alunos, já alguma vez se dirigiram a si em crioulo, na sala deaula? há alunos que… alunos que até agora… dirigem-se a mim em português --mas há alunos que descaradamente só crioulo-só crioulo// Mas porquê? Na sala de aula? inclusive na sala de aula-- na sala de aula eu aceito só português// Mas e os alunos, dirigem-se a si em crioulo na sala de aula? é que eu costumo… eu fiz uma metodologia - que é marcar mais oumenos na caderneta -- então no final do trimestre eu digo -- dou mais um valorquem fala português -- às vezes tem alunos que têm dificuldades em falarportuguês - não é? têm muita dificuldade - então - fazem esforço quando falamportuguês comigo - inclusive os colegas ficam a troçar - a rir do seu português --eu digo não -- por isso ele vai ter mais um valor na OEA - porque ele pelo menostenta - não fala - mas tenta falar -- então os outros acompanham - eu tambémfalo português- então vão… E no mercado, nas lojas, nas repartições públicas, quando fala… está nogabinete do director, na cantina… É que eu faço uma brincadeira que é o seguinte -eu quando… nos bares, discotecas, portanto, nesses lugares… sempre é crioulo -- mas - nas repartições eu tenho reparado o seguinte -como eu sei que se eu dirigir em crioulo não sou muito bem atendido… porexemplo no banco - no centro de telecomunicações - nas repartições - assim - nassecretarias - mesmo ao telefone - se eu falar em crioulo - normalmente sou malatendido - não é? então - até às vezes quando vou ao banco - por exemplo - eu seeu dirigir em crioulo - normalmente não sou muito bem atendido -- então façoquestão de falar sempre em português -- eu reparei - por exemplo quando eutelefono para Telecom - eu peço conta - do mês - se eu dirigir em crioulo levammais tempo a dar-me a resposta -- mas quando eu falar em português eu soutratado de senhor -- eu posso ser uma criança - mas eu sou tratado por senhor enão demoram muito a dar a conta -- eu vou para o banco - por exemplo - se eufalar em português - me atendem rapidamente - mas se eu falar crioulo - às vezesfico aí parado - a funcionária levanta - vai tratar de outro assunto - depois volta --mas se eu… se eu chego lá e começo a falar em português a pessoa logo prestaatenção e dá melhor apoio possível -- é por isso que eu falo português nasrepartições// Na sua escola, nos intervalos, já me disse. Na cantina por exemplo, quandofala com o director da escola,usa o crioulo ou o português? a directora… eu falo com ela sempre em… é que ela dirige sempre emportuguês - não - em crioulo -- então - não é necessário falar em português --inclusive eu falava sempre em português - mas depois eu vi que ela insiste emfalar em crioulo- então eu falo com ela em crioulo// Portanto, já me disse que nos bares, discotecas, etc. fala… fala o crioulo. Eusa o crioulo e o português para quê? Já me disse que com a sua namorada…Portanto, para namorar usa o crioulo. Mas quando quer convencer alguém dealguma coisa, exprimir um sentimento, rezar, orar, não sei… falar de algo que oemociona, quando diz asneiras, usa o crioulo ou o português? sempre em crioulo -- mas - inclusive quando eu falo com pessoas porexemplo - de São Tomé - de Angola - eu falo sempre português -- sei que elesentendem crioulo - às vezes querem até falar o crioulo para poderem treinar ocrioulo- mas eu falo sempre com eles em português// Mas eu estou a perguntar a finalidade. Por exemplo, rezar, orar, exprimirum sentimento… rezar geralmente é… maior parte das vezes é em português -- exprimirsentimento também é em crioulo// Exprimir um sentimento? é em crioulo -sim// E quando está… quando quer convencer alguém de alguma coisa? também é em crioulo// Pense na última semana. Nesta última semana, usou mais… falou maiscrioulo ou português? mais crioulo// E durante mais horas seguidas, o crioulo ou português? crioulo// Agora vamos pensar no ouvir. Habitualmente,onde é que ouve o crioulo? em casa, na rua… no trabalho também oiço muito crioulo -- nas reuniõesde associações religiosas --na rua já disse -não é? Diga-me só uma coisa. Porque é que usa mais o crioulo do que oportuguês? Porqueé que fala mais crioulo do que português porque geralmente eu contacto mais com pessoas que tendencialmentefalam crioulo -- então - esse hábito de falar sempre o crioulo… até porque se eufalar português já é visto com outros olhos//E qual é que ouve mais, o crioulo ou o português, ou os dois igualmente?quando estou em casa… eu moro sozinho - oiço mais o português -- masse eu sair de casa… porta fora... já… Em casa,sozinho, ouve o português,onde? sim --na rádio - na televisão// Mas, se sai para a rua? oiço sempre o crioulo// Ouve sempre o crioulo. Na última semana, ouviu mais crioulo ouportuguês? em casa eu oiço sempre mais português -- mas na rua sempre maiscrioulo// Nas repartições ouve muito crioulo? muito - sim -- até… por causa disso que expliquei… que quando eu queroser bem atendido eu recorro a português para… sempre tenhobons resultados// Diga-me três contextos em que habitualmente ouve o crioulo, mas gostariade ouvir o português, ou vice-versa, ouve o português, mas gostaria de ouvir ocrioulo. por exemplo - nos intervalos -- na escola - nos intervalos - gostaria deouvir português - mas oiço mais crioulo -- nas reuniões de coordenação de… comos professores de português - só crioulo// Ah bom! gostaria que fosse em português - mas é sempre em crioulo -- e nasrepartições também - gostaria que falassem sempre português -- eu tenhoexperiência -quando falam português - o serviço é bem feito// E portanto acha… gostaria que fosse em português// Gostaria que fosse em português nas repartições? sim// Normalmente que assuntos ouve as pessoas a tratarem, a falarem emcrioulo e em português? Na escola? Não, de um modo geral. que assuntos? assuntos pessoais -trabalho… Em português ou em crioulo, de trabalho? de trabalho - em crioulo -sim// Em crioulo. assuntos familiares// Assuntos sérios, oficiais, em crioulo ou em português? oficiais no sentido de Estado? Sim, sim, sim, sim. às vezes há em português - há em crioulo// Os dois, não é? inclusive os governantes às vezes dão entrevista em crioulo// Disse-me que lê crioulo. O que é que costuma ler em crioulo? eu costumo ler mais aquilo queeu escrevo// Ah! Ok. Portanto, o material de leitura do crioulo é aquilo que escreve? sim -- também não há muitas publicações em crioulo// Diga-me três… alguns materiais que gostaria de poder ler em crioulo e quenão lê? Porque não há ouporque…? já vi um livro - que é chamado… acho que é de Manuel Veiga - que é OjuD’Agu-- mas eu não tenho esse livro -eu gostaria de ter esse livro para ler// Já leu romances de escritores cabo-verdianos em crioulo, livros de recolhade tradição oral em crioulo? Já leu esse material, não? Livros de poesia? livros de poesia sim - letras de músicas -- quando eu apanho um CD - porexemplo - e estou numa música… numa linda música - eu tento sempre ver… sefor em crioulo - eu tento ver se na… na… na… naquelas folhas do CD - se háletras em crioulo para poder… ver se consigo entender - porque há expressões queutilizam… na música as sílabas juntam - a pessoa não entende qual é a le… qual éa palavra -- gosto sempre de recorrer a isso - a folhetos para ver se consigoentender a letra… a letra da música// Diga-me uma coisa, disse-me que escreve… E em português, o que é quelê em português? leio de tudo-- manuais… Lê bastante? manuais - livros romances - livros técnicos -- leio bastantes livros --costumo ler religiosos também - manuais de religião - de catecismo - eu soucatequista- então há vários livros que leio em português// E lê com que frequência? Bastante…? há períodos que leio bastante - há períodos que leio menos -- quandotenho muito trabalho… até porque todos os meus trabalhos exigem leitura -- quercomo catequista - presidente de associação religiosa - como professor - comoaluno -- então exige sempre leitura - eu não posso estar sem leitura - porque euestou sempre a precisar de leitura -- qualquer coisa que eu faço é mesmo com aleitura// Como… Enquanto presidente dessa associação que referiu agora, usa maiso crioulo ou o português? já é… sempre em português… nas leituras é sempre em português - masconversa -a explicação - é tudo em crioulo// Explicação de quê? De…? há uma parte que é leitura de um texto - depois da leitura tenho queexplicar a leitura feita// A leitura é em português… leitura em português - explicação em crioulo// A explicação é em crioulo. E é reuniões com muita gente? sim, 10 ou 15 pessoas// E as pessoas que estão lá, falam consigo em crioulo? em crioulo sim// Portanto, estávamos a falar da escrita. Disse-me que escrevia em crioulo.O que é que costuma escrever em crioulo? poemas// Poemas? E escreve bastante, durante muito tempo? sim -- há períodos em que eu escrevo muito -- quando vou dormir a partirda meia-noite - custa a cama às vezes - eu tenho inspiração e começo a escrever --ou quando estou triste eu escrevo// Como é que escreve em crioulo? eu escrevo - eu utilizo… não sei… eu utilizo o ALUPEC geralmente -mas quando… há casos em que eu tenho que recorrer também aquela escrita quese utilizava antes -se uma pessoa for ler… Escrita… Que tipo de escrita concretamente? sem aquelas definições - de que não se deve utilizar 'ch' - de que não sedeve utilizar 'k'… O antigo alfabeto? sim -- o antigo alfabeto -sim -- então -quando há casos eu escrevo… Mas como é que… O alfabeto fonético-fonológico? por exemplo - não se deve - por exemplo… agora não escrevo 'tch' -escrevo um 'x' -- quer dizer - em vez de 'c' - escrevo sempre 'k' - em vez de 'qu'escrevo sempre 'k' -- mas é… utilizo sempre -- mas… há variações - não é? achoque nem todas as pessoas conhecem ainda essa história do ALUPEC- então - façouma mistura// Mas aprendeu crioulo? Aprendeu a estudar… aprendeu crioulo… aescrever crioulo? eu - quando eu comecei a escrever em crioulo ainda nem… não tinhavindo para o ISE -- escrevia assim - aquele crioulo… tipo um criouloaportuguesado - não é? mas… agora não -- agora quando eu escrevo crioulo ésempre crioulo… O que aprendeu no ISE, não é? sim// E tem… Que dificuldades é que sente quando escreve o crioulo? praticamente não tenho muitas dificuldades --não vejo dificuldades// De nenhum tipo? só que às vezes - há expressões que não sei como é que eu vou colocar --às vezes - se eu estou a pensar em português - encontro uma expressão - querocolocar essa expressão em crioulo - eu não encontro essa expressão em crioulo// O que é que faz nessas circunstâncias? Eu tento crioulizar - eu tento crioulizar esse português - assim para ficarmais… Diga-me, estando numa determinada circunstância a falar crioulo, o que éque o faz mudar para português? Ou, o contrário, numa dada circunstância a falarportuguês, o que é que o faria mudar para o crioulo? por exemplo - se eu estou na… na aula - eu estou a falar português -quando acontece um caso de indisciplina - então - aquele momento em que osalunos já perdem a atenção - a concentração - então - tenho que dar volta porcima nesse caso de indisciplina - então eu tento utilizar tipo anedota - não é? paraos alunos rir daquela situação para nós passarmos à frente -- então - tento contaruma anedota em crioulo - assim - só para os alunos ficarem mais familiarizadoscom o crioulo- assim para desanuviar o ambiente e passar para…à frente// Mas por exemplo, imagine outras circunstâncias. Digamos, está a falarcrioulo com alguém, chega uma autoridade, por exemplo, ou um superiorhierárquico. Isso faria com que mudasse para o português? A chegada de alguém,de alguma pessoa, faria com que mudasse para o português? se a pessoa vier dirigir a mim em português - eu logo passo para português- mas se chegar e não… não me contactar - acho que continuo a falar mesmocrioulo// E o contrário? Chegada de alguma pessoa faria com que mudasse de… deportuguês… de crioulo… de português para o crioulo? Imagine que está a falarportuguês com uma pessoa, chega… chegadade alguém… se a pessoa for analfabeta e não entende português até… fico a explicarum para português - outro para crioulo -- não tenho problema nisso -- falo com osdois -- nas duas línguas// E a mudança de assunto também poderia implicar a mudança de crioulopara português, ou português para crioulo? não -- acho que não// Suponhamos que está a falar de um assunto familiar com alguém. Derepente passam a abordar uma questão política ou social, isso faria com… ou umaquestão técnica,como professor, isso faria com que mudasse para o português// acho que não// Não? não -- até porque - mais propriamente nas coordenações - às vezes nósbrigamos porque nós que somos professores de português nós tratamos assuntosde português sempre em crioulo// Diga-me uma coisa, habitualmente escreve… ou durante a última semanaescreveu mais crioulo ou português? escrevi mais português// Eleu mais crioulo ou português? li mais português// leu mais português. O que é que acha do crioulo? O que é que pensa docrioulo? eu compartilho da opinião que se deve oficializar o crioulo -- mas - não éjá -porque ainda não estamos preparados para oficialização do crioulo// Como assim? porque esta questão de oficialização sempre há prós e contras - então - sedeve é dar tempo -- se diz dar tempo ao tempo -- porque a oficialização de umalíngua tem que ser uma coisa pensado a médio e longo prazo -- porque não échegar e implementar -- porque há sempre resistentes - há barreiras que devem sersuperadas para ser… Que barreiras acha que devem ser… que precisam de ser superadas? as questões regionais - por exemplo -- por exemplo - eu acho que hápessoas que defendem que se deve oficializar o crioulo… que se está a oficializaro crioulo de Santiago - o badiu -- quando se explica… uma pessoa de Sotavento -aliás de Barlavento - e se estiver a dar uma aula de crioulo - como é que vaiexplicar? vai em Barlavento - em crioulo de Barlavento - ou em crioulo deSotavento? então - são estas questões que devemos aprimorar - não é? para assim-chegar num ponto em que… E o que é que acha? Qual, em caso de oficialização do crioulo, qual é queseria oficializado? geralmente deve ser oficializada… é a minha visão - não é? quando seoficializa uma língua - oficializa-se a língua da capital do país -- porque no… éem capital que há maior aglomeração de todas as variantes - então é uma forma deapanhar todas as variantes numa só -- sim porque vejo que quando se oficializa -como há várias variantes -então… Acha que a de Santiago, ou da Praia, melhor dito, engloba todos… todas asvariantes? acho que… da Praia - porque é o único espaço em Cabo Verde em que sepode encontrar todas as variantes-- de pessoas de todas as ilhas// Masseria só a de Santiago… a da Praia, é que seria oficializada? é como… por exemplo - como em Portugal por exemplo -- se nósrepararmos há um… um português que se fala no Alentejo que é diferente domirandês do… do… do Norte - de Açores - de Madeira -- então… mas… oportuguês que podemos dizer oficial é de Lisboa e Coimbra - não é? onde aspessoas falam um português já mais culto-- acho que… Diga-me, relativamente ainda ao crioulo, há pessoas que acham que ocrioulo ainda não é uma língua, o que é que… qual é a sua opinião sobre ocrioulo? não - o crioulo é uma língua -- já passamos a fase de… as fases atéchegarmos ao crioulo -- toda a língua tem a sua evolução - não é? a língua nãoé… não é uma instrumento morto - não é? portanto - sofre evolução -- nasce -evolui - expande -- o crioulo sofreu essa… esse processo -- o pidjin - depoisproto-criuolo - até agora - até o crioulo -- acho que com o tempo - seoficializarmos o crioulo- não é… não está mal// E para isso, o que é que tinha que ser feito, para se oficializar o crioulo?Para além de escolher uma das variantes? o trabalho é longo - mas não sei - assim especificamente o que é quedeveria ser feito -- mas só que acho que agora - neste momento - é muitoapressado// Ok. E o crioulo que seria oficializado, quando fosse oficializado, seriaoficializado para quê? Para que usos? uma forma de… por exemplo - nós… porque o crioulo é nossa língua - alíngua faz parte da nossa cultura -- então uma pessoa quando vem… se nósrepararmos por exemplo - quando uma pessoa vai para um país - a primeira coisaque aprende é a língua - e a lei - não é? então - por exemplo - um chinês quandovem para Cabo Verde - por mais que não queira falar crioulo - ele tem queaprender crioulo que é para comunicar com os seus clientes -- então se houveroficialização do crioulo - por exemplo pode haver um ensino do crioulo para osestrangeiros-- assim como uma pessoa quando vai… um jogadorvai para um país- que não sabe essa língua - o clube - a primeira coisa que faz é colocá-lo naescola a aprender a língua desse país onde ele está -- assim como o crioulo - nãoé? porque uma pessoa quando vem para Cabo Verde - não sabe falar crioulo -todos os dias em contacto com pessoas que não sabem falar português - só sabemfalar crioulo-então é uma forma de… de uma aproximação a essas pessoas// Portanto, o crioulo devia ser oficializado por causa dos estrangeiros? também// E seria usado só com os estrangeiros? não --essa é uma das razões--porque… há outras razões -porque… Quais? Pode… não estou a ver mais -- acho que… assim - já que nós falamos crioulo -toda a gente entende o crioulo - era bom que nós oficializássemos o crioulo porforma a… porque - por exemplo - uma pessoa… a… enfim - temos… às vezesutilizamos… há expressões em crioulo - na literatura - e por exemplo - umapessoa quando lê - um português ou um francês lê uma obra de um autor cabo-verdiano - e há expressões que estão em crioulo - se calhar nós não vamos… atépodiam estar lá expressões em crioulo - mas na rodapé até podia dizer a traduçãopara- por exemplo - em francês -- estão a traduzir a sua língua para… a sua obrapara francês -- acho que o crioulo devia estar lá - e na rodapé a tradução -- umaforma de valorização da língua// E no caso…Ou quando o crioulo fosse… for oficializado, no seuentendimento,como é que ficaria o português? aí nós podíamos falar em… aí nós podíamos falar em… pode ser faladoem estado de… podemos até passar para um estado de bilinguismo - não é? umapessoa já escreve e fala crioulo - escreve e fala português - já podemos passarde… podemos passar de diglossia para bilinguismo// E nesse… As duas seriam oficiais, se eu percebo bem. E o português seriausado para quê e o crioulo para quê? O português seria adequado para quecircunstâncias e para que pessoas e para que assuntos e o crioulo para quepessoas, circunstâncias e assuntos? o português seria mais para as relações internacionais - porque nóssabemos que o crioulo em si - ninguém vai-se interessar para esforçar paraaprender o crioulo para quando vier para Cabo Verde para falar o crioulo -- massabe-se que a língua portuguesa é língua internacional - não é? uma pessoa quefala português já a nível internacional - internacionalmente - pode sercompreendido - mas o crioulo… uma pessoa que fala crioulo jamais serácompreendido -- então é uma forma de valorizar a nossa língua - porque umapessoa quando vem - sabe que tem que aprender o crioulo - porque é uma línguaoficial assim como o português// Há bocado falou-me das variantes do crioulo. Para si existe um verdadeirocrioulo? Um crioulo que seja o crioulo verdadeiro? se existe? mhm mhm isto é difícil de dizer porque até há pessoas que acham que… porexemplo… se formos ver dizem crioulo de Santiago - crioulo de São Vicente --mas - por exemplo - o crioulo de Santiago - aquele crioulo vernáculo - aquelecrioulo que chamamos crioulo puro - não é da Praia - é do interior de Santiago --então - aqui há uma contradição - porque o verdadeiro crioulo do badiu é aqueledo interior de Santiago - que nós chamamos crioulo fundo -- então - assim - achoque… Esse é que é o verdadeiro crioulo? do badiu - não é? esse é do interior de Santiago -- mas nós sabemos que alíngua sofre evoluções e na cidaDE - na cidade da Praia principalmente - em quehá maior… como vou dizer? maior concentração de… De pessoas…? de pessoas -- e as variantes acabam por juntarem - e esse crioulo deSantiago vai sofrendo evoluções -- até porque uma pessoa do interior de Santiagoque fala esse crioulo que nós chamamos crioulo fundo- quando vem para Praia…até eu tinha entrevistado um colega que o seu irmão deu-lhe lista de algumaspalavras que ele devia aprender para quando for para a Praia - as expressões queele utiliza que as pessoas nem entendem -- então tem que… até ele trouxe - comoum dicionário - para tentar falar o crioulo da cidade -- há expressões - há palavrasque dizem no interior que na Praia a gente não entende -- então tem que sofreressa evolução -- é por isso que eu digo - na cidade da Praia - que há essa… esseaglomerado de pessoas… aglomerado de línguas// E acha que o crioulo é adequado para que tipo de pessoas? E o portuguêsseria… é adequadopara que tipo de pessoas? o português é mais para as situações formais - não é? nas conferências -nas reuniões - nos aspectos de… assim… em termos internacionais - projecção deCabo Verde - não é? o português é mais aceitável -- mas o crioulo - como eu disse- crioulo é uma língua que até ser… até ser oficializada ainda não chegou a essepatamar de… que nós podemos chamar de importante -- quando é que se deveutilizar mais…? geralmente é mais no dia-a-dia - no quotidiano que se utiliza ocrioulo--é uma forma das pessoas…enfim… estar mais à vontade// E diga-me, acha que há assuntos que devem ser tratados em crioulo eassuntos que devem ser tratados em português? eu acho que… sempre há… podemos chamar de distribuição -- porqueuma pessoa… um médico - quando fala com um paciente que não sabe falarportuguês - o próprio nome da doença tem que ser levado ao… ser traduzido aocrioulo que essa pessoa entende -porque uma pessoa vai… assim -não sei como éque se diz… doença tem vários nomes - não é? mas uma pessoa… um médico -não vai dizer a um paciente que tem - por exemplo - enxaqueca - ainda mais umapessoa que não sabe o que é enxaqueca - não entende - não é? mas se disser quetem dor de cabeça já é facilmente compreendido -- então - é isso que eu digo -tem que haver essa tradução - não é? para uma forma mais simples - porque onível de língua não é… não é muito elevado -- então - se for uma pessoa cultapode dizer… usar expressões que… própria medicina- que em português a pessoaentende-- mas se for uma pessoa pouco culta não entende- tem que dizer… Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo e oportuguês? Tipo por exemplo, admite que um cabo-verdiano não saiba ou nãogoste do crioulo, ou prefira usar exclusivamente o português? se bem percebi a pergunta - há pessoas que acham que… por exemplo -aquelas pessoas que defendiam que Cabo Verde não devia ser independente - queantes falavam português - então - se calhar não vêm com bons olhos aoficialização do crioulo -- mas nós que viemos depois nós ficamos… sempreficamos gratos se isso for possível -- então a oficialização do crioulo é uma formade valorizar a nossa cultura principalmente-porque falar de uma cultura sem falarda sua língua-acho que não é… Se entendo bem, acha que o cabo-verdiano que não goste de crioulo ou nãofale crioulo não é patriota? É isso? não --ocabo-verdiano… Pode-se ser cabo-verdiano e não gostar de crioulo e não falar crioulo? acho que a língua é o traço - não é? da nossa identidade - porque eu nãovejo… até por exemplo - há aqueles imigrantes - por exemplo - de segunda outerceira geração - esforçam em falar crioulo - porque muitos desses imigrantesvêm para Cabo Verde e não sabem falar o crioulo - não é? até ficam com pena denão saber porque já estão num outro ambiente - falo de imigrantes dos EstadosUnidos que falam inglês - na França - francês -- então ficam com essa vontade defalar crioulo -sobretudo quando a gente vem - gostam de falar a língua dos avós-para ser melhor compreendidos -- mas acho que até pode ser que nessa terceirageração de imigrantes já não se sentem cabo-verdianos - não é? mas nós sabemosque há comunidades em que a língua é preservada// E o português, estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usarportuguês? para quem está cá -sim --mas para quem vive… Ou seja, quem é cabo-verdiano tem que falar português? sim -- pelo menos para… conhecer… saber uma língua internacional, nãoé? porque estar cá e não saber falar português e ir para Portugal - por exemplo -é… uma pessoa - se souber falar português - ainda que esteja fora de Cabo Verde- ainda é sempre alguma coisa que liga a Portugal - mas uma pessoa que não sabefalar o português e vai para Portugal -sente duplamente estrangeiro - não é? O que é que acha dessa situação, de nós em Cabo Verde podermos usar ocrioulo e o português? Acha que é fácil, acha que é bom, que é normal? acho normal -- é normal porque… até porque até pensamos que se nósensinamos o crioulo e o português nos primeiros nos de escola o aluno não vaientender muito -- eu acho que não porque até para a própria criança é mais fácilentender… aprender duas ou três línguas de que um adulto - não é? acho que nãovai haver dificuldade… E no mundo em geral, acha que é mais comum saber só uma língua oumais do que uma? com essa… como é que se diz? Globalização? globalização - não é? é sempre bom saber mais -- saber mais… como sediz - saber não ocupa lugar -- quanto mais línguas- melhor -- mas… por exemplouma pessoa pode saber falar todas as línguas - mas não saber falar inglês - não é?é como uma pessoa que tem muitos conhecimentos - mas não sabe usarcomputador// Então para si qual é que seria a alternativa linguística desejável para CaboVerde? Continuar com o crioulo e o português? Para quê? não - devemos continuar com o nosso português… nós fomos colonizadospelos portugueses - devemos continuar… até porque o crioulo de Cabo Verde…tem a participação da língua portuguesa -- então - também - o crioulo tem essa…acho que estou - não sei se estou errado - mas acho que 90% do léxico cabo-verdiano é do português -- então - não podemos fugir a isso -- então - oportuguês… a língua portuguesa está intimamente ligada ao crioulo -- nós nãopodemos - se oficializarmos o crioulo - deixar o português de lado - ou acharmosque o crioulo já não é língua… assim… há quem considere que já não é línguapara ser oficializada - acho que não -- acho que as duas línguas devem caminharlado a lado- para o cabo-verdiano- lado a lado// Só as duas? oficialmente - sim -- claro que se uma pessoa quiser aprender outra - jádepende da opção da pessoa// E acha que se deveria ensinar o crioulo nas escolas? sim// Porquê? porque uma pessoa pode falar uma língua - mas tem que saber ler eescrever -- porque uma pessoa… se souber escrever - souber falar - já é… umapessoa já… como eu vou dizer? uma pessoa… enfim - uma pessoa… como dizer?capaz - não é? capaz - domina essa língua -- uma pessoa que só fala - só fala - sófala - mas se lhe mandar ler o que está escrito não sabe ler - ou mandar escrevernão sabe escrever… é fundamental aprender a ler e a escrever porque só assimuma pessoa fala melhor-- se é uma pessoa que sabe ler e escrever -fala melhor// Acha que o português é uma língua… é uma das nossas línguas, é umalíngua nossa ao mesmo título que o crioulo? sim -- porque acho que toda a história de Cabo Verde passa intimamenteligada à língua portuguesa - porque nós não podemos… é como… é como se nósdesprezássemos os descobrimentos portugueses - porque os portugueses quandovieram para Cabo Verde uma das primeiras coisas que eles trouxeram foi língua -não é? então não podemos discordarmos disso -- porque acho que a língua é… alíngua acompanhou toda a evolução - toda a expansão - toda… todo o processo dedescobrimento dos portugueses -- então a língua… uma das primeiras coisas queos portugueses se calhar nos trouxe foi a língua// E na alfabetização de adultos, acha que se devia usar o crioulo ou oportuguês? Ou os dois? dizem que… diz-se que… não sei se a expressão é crioulo ou quê -- 2burubedju ka ta prendi língua -- os adultos já é mais difícil de aprender a ler eescrever o crioulo -- leva mais tempo -- já não têm aquela capacidade - aquelaânsia de aprender como uma criança--mas -deve-se tentar-- porquenão tentar? E qual deles, o crioulo ou o português, acha que deve ser usado nasmanifestações culturais, incluindo a literatura? Estou a pensar no funaná, morna,batuque, teatro, cinema… como eu disse - a língua é traço cultural de um país -- acho que nasmanifestações culturais deve-se… deve-se utilizar o crioulo// Mesmo na literatura escrita, morna, digo, romances, poesia? escrever um romance em crioulo? pode ser - mas acho que já não émuito… assim… não sei… uma pessoa pode até ler aquela obra - mas se fosseem português a pessoa ia apegar mais ao livro//Acha?sim -- mas se for mais… depois da oficialização - ter uma obra em crioulo- acho que isso não constitui novidade --mas neste momento… Neste momento? Mas porquê? Porque acha que as pessoas não gostam deromances em crioulo, ou porque é difícil ler o crioulo, porque o crioulo não é umalíngua adequada para a literatura? Porquê? uma pessoa… como já não… não há essa oficialização do crioulo - apessoa não se sente obrigada - não é? a ler um livro inteiro em crioulo - a pessoanão se sente atraída a ler uma obra inteira em crioulo -- é a minha visão - não sei -- mas uma pessoa está sempre acostumada a ler jornais… Mas morna, batuque, funaná, acha que… em crioulo - sim// Teatro, cinema? tudo-- tudo em crioulo --acho que… Teatro, cinema? sim-- é uma forma também de valorizar a língua// E qual é que acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde, o criouloou o português? crioulo// Crioulo. Como é que acha que os cabo-verdianos falam o português? Bem,mal, à maneira deles, como os portugueses? neste caso já… como dizia a minha colega uma vez - uma pessoa do Fogotem tendência a falar o português… assim - com um certo sotaque do crioulo de…do Fogo -- uma pessoa de Santiago - principalmente do interior - mas aqui naPraia também há esses casos - em que se fala o português com um certo sotaquedo badiu - crioulo de Santiago -- Barlavento também tem essa tendência -- emfalar… E o que é que acha disso? acho que há essa influência mesmo do crioulo - mesmo na línguaportuguesa// E o que é que acha dessa influência? É bom, é mau, é normal, é natural?Devia-se evitar e falar português com… devia-se evitar porque - uma pessoa do interior de Santiago a falarportuguês e outra de… por exemplo do Fogo ou de Barlavento - não é? parece quehá três português-- engraçado -não é? E como é que então acha que os cabo-verdianos deveriam falar português? devemos falar o português mais português possível - não é? E o que é esse português? Que seria esse português? É o português dePortugal? sim --talvez sim// Que português é esse? até… quando o cabo-verdiano fala português - nós notamos que esteportuguêsjá não é português de Portugal - é um português cabo-verdiano// E acha isso bom, natural, normal que haja um português cabo-verdiano? sim -- pode até ser uma forma de diferenciar - por exemplo - de umportuguês falado na Guiné - em São Tomé -- um angolano quando fala portuguêsvê-se logo que é angolano -pela forma de falar// Mas o que é que pensa disso? Acha que isso é que é normal, ou o normalseria… o normal, o desejável seria que nós falássemos como os portugueses daEuropa, os europeus, portuguêseuropeu? falar o português europeu - não sei se isso seria a expressão maisadequada - mas é uma forma de ver que esse crioulo… esse português é umportuguês que não é europeu - mas sim um português cabo-verdiano - de CaboVerde// Portanto, é isso que acha que é desejável, que nós deveríamos falar à nossamaneira, um português à nossa maneira, à maneira dos cabo-verdianos? em princípio não devia ser à nossa maneira - mas uma forma de nósfalarmos que diferencie de outro português// E quais… Em que é que consistiria esse português? Quais seriam as suasmarcas? aquele… aquele tique - não é? crioulo -- tique crioulo que se introduz noportuguês -- isso que diferencia - que… que… é uma marca desse português -chamado português cabo-verdiano// E isso é que acha que seria normal? Desejável? não é desejável - mas é o normal// Não é desejável, mas é o que acontece? éo que acontece// E o que é que seriadesejável? É isso que estou a tentar… é falar um português mais europeu// Portanto, para si quanto mais próximo do português europeu melhor? sim// Ok. Eu não tenho mais questões, mas se tiver algum comentário ou sequiser acrescentar alguma coisa que eu não tenha abordado, eu agradecia imenso. a professora abordou… abarcou todos os itens -- não estou a ver assim…por hora não estou a ver - talvez… Ok. Então, muito obrigada, mais uma vez, pela sua entrevista.1Tradução para português: trocista2Tradução para português: Burro velho não aprende línguas" -INF22.wav,"X, muito obrigada por me ter dado esta entrevista. Eu gostaria de lheperguntar, para começar, antes de entrar para a escola, o que é que aprendeu afalar, crioulo ou português? antes de entrar para a escola… da… para a primeira classe? sim. é o crioulo -- eu falava o crioulo// Tinha contacto com o português? Já tinha ouvido o português? já tinha ouvido -- a minha mãe é professora -- é professora do ensinobásico e por isso-ouvia portanto alguma coisa-de vez em quando// Mas em casa ela falava em português? não --talvez quando eu ia à escola onde ela trabalha… sei lá… E mais? Rádio? não-rádio não// Igreja? sim-na igreja-sim -- na igreja eu ouvia o português// E hoje em dia, em casa, com os seus amigos mais próximos e tambémcolegas,o que é que fala normalmente, o português ou o crioulo? em casa -com os amigos - falo crioulo// Em casa,com os familiares. sim-com os familiares falo crioulo// E com os seus amigos e colegas mais próximos. tudo em crioulo// Também em crioulo. tenho um tio que fala português e com ele eu falo português -- ele já falaportuguês desde… não sei… desde o início porque o pai dele - que era o meu avô- era professor e falava português em casa com os seus filhos -- então - com essemeu tio eu falo português// E fala frequentemente com ele? não--de vez em quando --quando eu vou de férias -vou visitá-lo// Como é que acha que é o seu domínio, de um modo geral, a suaproficiência em português? Acha que fala bem o português? eu acho que eu falo… ((risos)) é razoável -- não sei… eu escrevia…quando eu fui estudar em São Vicente - eu escrevia muitas cartas à minha mãepara dizer como é que estava - portanto eu habituei-me a escrever português -- euacho que não dou muitos erros em português// E no crioulo? no crioulo…crioulo… Falar, ler e escrever em crioulo. escrever em crioulo não -- só um pouquinho -- aprendi quando estava nocurso-- aprendialguma coisa com o professorManuel Veiga// E ler? ler… a ler crioulo não sou lá muito… Boa leitora? sim// Diga-me, falar, ler e escrever, português ou crioulo, qual é que prefere?Falar crioulo ou… qual é que se sente mais à vontade, falar crioulo ou falarportuguês? com os meus amigos e pessoas mais íntimas - eu acho que é em crioulo --mas com os meus alunos-por exemplo -eu não me sinto bem a falar crioulo// Com? com os meus alunos por exemplo - mesmo quando os encontro na rua - eumesinto bem a falar em português// Porquê? não sei -- porque me habituei a falar português com eles na sala de aula -por isso// Prefere ler em crioulo…crioulo ou português? Escrever crioulo ouportuguês? prefiro o português// Ler e escrever prefere o português. E de um modo geral, exprime melhor assuas ideias em crioulo, em português ou nas duas igualmente? O que é que acha? oralmente -quer dizer? Sim. oralmente é em crioulo// E por escrito? Escrito em português. Como é que se sente quando fala português? Sente-se à vontade, tem medode errar, não pensa que está a falar português? Como é que lida com isto? Quando estou a falar português? Sim. não-acho que não tenho muito medo// Não tem. Sente-se à vontade. E quando fala crioulo? agora - eu misturo os crioulos -- às vezes tenho uma certa dificuldade --misturo o crioulo de Santo Antão-de São Vicente -de Santiago// Isto perturba? mhm-perturba// Eu vou-lhe pedir, portanto, as três pessoas com quem mais conversa forado seu círculo familiar. Três pessoas? As três pessoas com quem mais conversa, fora do seu círculo familiar. Pode ser vizinho? Vizinho, colega de trabalho, ou de alguma associação, ou de algumaorganização em que está inscrita, ou qualquer coisa. Eu não quero os nomes,naturalmente, mas queria o perfil dessas pessoas em termos de idade, sexo,nacionalidade. Mais ou menos… fora do círculo familiar--há uma vizinha// Essa vizinha mais ou menos que idade tem? tem a mesma idade que eu// A mesma idade. E qual o assunto, os assuntos… que tipos de assuntosconversam, pessoais, íntimos, vida familiar? pessoais e íntimos --são assuntos pessoais e íntimos// Política? Falam de… não-política não --falamos sobre os nossos filhos// E normalmente falam em crioulo ou português? em crioulo// Em crioulo. Essa pessoa é cabo-verdiana? É cabo-verdiana. Qual é a profissão dela? não tem// É doméstica? é doméstica -- sei lá -- não trabalha porque tem uma pensão -- o seumarido era holandês - recebe uma boa pensão - portanto - não tem necessidade detrabalhar// E a segunda pessoa? segunda pessoa… Colega. Algum colega com quem troca sempre ideias. uma amiga--uma amiga íntima também// Não é colega de trabalho? não é colega de trabalho -- trabalha no Ministério de Defesa -- masconversamos às vezes quandovou à casa dela -e por telefone// Ela que idade tem? Mais ou menos. uns 45 -por aí// E ela é…qual é a profissão dela? fez administração-qualquer coisa assim// Funcionária do Ministério de Defesa? Ministério de Defesa// Que tipo de assuntos vocês falam? assuntos também é pessoais// Pessoais…? sim pessoais// Efamiliares? sobre as nossas famílias -- a minha mãe e a mãe dela - eram amigas -colegas -professoras// E falam em crioulo ou em português. em crioulo// Sempre em crioulo? sim-sempre em crioulo// Consegue falar numa terceira pessoa ou…? está difícil --anão ser o marido dela também -que é X// E falam em crioulo? também// Sobre que tipo de assuntos? Com ele falo assuntos familiares e falamos também da sua vida políticaporque ele é um membro lá de… E normalmente essas pessoas que são 1, 2, 3 vocês encontram-se em quecircunstâncias? Nas vossas casas? nas nossas casas-às vezes… mais é nas nossas casas// E as pessoas com quem normalmente fala português, que tipo de pessoassão? Estou a pensar no vosso grau de intimidade ou no vosso nível de contacto,proximidade. São familiares, amigos, colegas? Com que tipo de pessoas?Superiores hierárquicos, autoridades? Com que tipo de pessoas fala normalmenteo português? Com os seus alunos já me disse que fala português. com os meus alunos sim -- eu falo com eles em português -- também…tanto quanto… assim como… bom… superior hierárquico é… com o meudirector -normalmente não falo muito// Quando fala com o director da sua escola, fala o quê, português, crioulo? com esse director eu falo crioulo -- não tenho problema em falar com eleem crioulo--mas já houve um director em que eu já falava em português// Já houve directores com quem falava português? sim -- este aqui - talvez porque nós éramos mais próximos -- nós éramoscolegas do mesmo ano do… do mesmo ano de português - por isso… do mesmogrupo - das mesmas disciplinas - por isso… e também quando vou a… vou a…quando tenho necessidade de me dirigir a um director de uma empresa ou umainstituição - por exemplo o Ministério de Educação - se eu for lá fazer algumacoisa -ou resolver algum assunto -eu vejo a posição da pessoa… Portanto falar crioulo ou português depende da posição da pessoa? sim -- às vezes sim -- muitas vezes respondo tendo em conta… como voudizer… o cargo… portanto… que ocupa -- às vezes o cargo que ocupa leva-nos afalar emportuguês// Quando viaja para as outras ilhas ou quando encontra pessoas…normalmente fala o crioulo? Aqui emSantiago, fala que crioulo? aqui - já disse - eu falo um crioulo misturado -- uma mistura do… decrioulo de Santo Antão - São Vicente e Santiago -- são as ilhas onde eu estivemais -onde eu… Mas fala sempre assim? Ou quando, por exemplo, vai a Santo Antão, o queé que fala? não -- quando vou a Santo Antão falo… agora o crioulo de Santo Antãomais fluído -- mas de vez em quando eu meto umas palavras do crioulo deSantiago// Geralmente quando fala com pessoas de outras ilhas, que crioulo é quefala? Fala o português ou…? não-não --falo o crioulo muitas vezes -- mas como já eu disse -eu falo jácom umas palavras do crioulo de Santiago// E como é que… o que é que acontece? As pessoas compreendem, têmdificuldades em compreender? não--compreendem// Quando veio para Santiago e falava crioulo de Santo Antão, como é queera? Eheh…há alguns anos// Há já alguns anos. há alguns anos -- em noventa -- bom - da minha parte eu é que nãopercebia muitas coisas-- não sei se os outrosme entendiam// Já me disse que falar crioulo ou português com as pessoas depende do seucargo e da sua posição. E, digamos, os contextos em que escolhe falar crioulo efalar português? Vizinhança, mercado, lojas, lugares de diversão… a falar português? Sim. em muitos lugares eu não faloo português// Na escola por exemplo. Nas aulas fala português? sim-nas aulas falo sempre português// E nos intervalos, na cantina, com os colegas? com os colegas falo crioulo// E nas reuniões de coordenação? nas reuniões de coordenação - falamos também em crioulo -- só que devez em quando -dizemos umas coisinhas em português -mas mais é em crioulo// Já alguma vez usou crioulo na sala de aula para se dirigir aos seus alunos? raras vezes -- não - se calhar nenhuma -- não costumo utilizar o crioulo --não tenho hábito de meter o crioulo// E os seus alunos, já alguma vez se dirigiram a si em crioulo? sim// Para quê? eles falam sempre em… aliás eles não estão habituados muito a falar emportuguês -- por isso - quando precisam de alguma de alguma coisa falam sempreem crioulo--eu é que tenho que ficar a… E que tipo de coisa? para traduzir alguma coisa - para fazer uma queixa dum colega -- mesmo -às vezes - para responder - mesmo para responder qualquer coisa que o professorpergunta-- eu é que tenho que ficar a controlar-dizer… Com muita frequência, isso acontece? sim - com muita frequência -- tenho que dizer para falar português porqueestão numa aula// Para quê é que usa o crioulo e o português? Estou a pensar em situações dotipo de dar ou pedir uma informação na rua, rezar ou orar, conforme… namorar,quando está zangada, quando diz asneiras, o que é que usa, o crioulo ou oportuguês? conforme - às vezes… para rezar por exemplo - rezo em português -- sóde vez em quando é que rezo em crioulo// O que é que faz a diferença em crioulo ou em português? às vezes fica… as orações normalmente estão em português - aquelas queeu aprendi… Ah, ok!O que estáem português diz em português? sim// E quando é espontânea, não são as escritas? às vezes uso o crioulo - mas também o português// Mas também o português. sim-mas também o português --mesmo para dizer -ó Deus me ajuda é… É português? sim -português sim. E para namorar? Crioulo ou português? crioulo// E quando está assim a falar num dado tema que emociona? Se fica muitoemocionada ou muito irritada, o que é que usa, o crioulo ou o português? crioulo// Crioulo. Diga-me uma coisa… Pense nesta última semana, esta semana quepassou, acha que falou mais crioulo ou português? falei mais crioulo - acho que é crioulo// Durante mais tempo seguido, crioulo ou português? Mais horas seguidas. é crioulo// Crioulo. Diga-me três circunstâncias em que habitualmente fala crioulo,mas gostaria de falar português. Fala português, mas gostaria de falar crioulo. Três? Algumas circunstâncias. não…(…) Habitualmente ouve o crioulo ou o português? habitualmente oiço… Ouve assim mais o crioulo ou o português? no dia-a-dia? crioulo// O crioulo. E onde é que ouve o crioulo? onde? Rua…? sim-na rua--sei lá… ao redor de casa… Na vizinhança? na vizinhança// Porque é que acha que isso acontece, que ouve mais o crioulo do que oportuguês. porque é a nossa língua materna -- é a língua que nós aprendemos desdecriança e por isso- estamos mais habituados a falar// Normalmente que assuntos ouve em crioulo? Ouve serem tratados emcrioulo. portanto… Que tipos de assunto? Familiar, íntimo, social, político, desportivo,cultural? familiares// Em crioulo. E em português? em português? bom -a não ser que estás a… falar mesmo-não ouvir? Ouvir, ouvir as pessoas. Ouvir as pessoas a falar de um determinadoassunto. Ouvir as pessoas? Sim. Não é… não é a X a falar. É quando ouve. éem crioulo// E em português, que tipo de assuntos ouve serem abordados em português? pode ser em relação à televisão? Por exemplo. Ouve português da televisão? sim - da televisão sim -- no telejornal por exemplo -- portanto - ésempre… em português -- mas há - às vezes - pessoas que são entrevistadas e quefalam em crioulo--mas é… E ler? Costuma ler em crioulo ou em português? Já tínhamos falado disso. ler é em português// Não costuma ler crioulo? sim// Já leu alguma coisa em crioulo? já li alguma coisa - mas quando estava no curso superior -nas aulas// Nas aulas. Era material das aulas? sim-era material das aulas// E escrever? Escreve em crioulo? não// Não costuma escrever. Porquê? Porque é que não lê nem escreve emcrioulo? acho que ainda não temos bagagem para escrever ((risos)) para escreverprecisava ainda uma ortografia- sei lá… Conhece o ALUPEC? isso é -já ouvi falar --mas não tenho… Não tem conhecimento. Portanto não tem o hábito de escrever nada emcrioulo? não// Não. Diga-me uma coisa, estando a falar crioulo com alguém, emdeterminado contexto, o que é que a faria mudar para o português? Chegada dealguma pessoa, mudança de assunto? estando a falar com alguém em português? Sim. Em português. Imagine-se numa circunstância a falar com alguém emcrioulo, não é? O que é que a faria mudar para português? Chegada de… sim-a chegada de uma pessoa --sim… Que tipo de pessoa? uma pessoa que eu soubesse que já fala português, portanto… falaportuguês no seu dia-a-dia ou… sei lá…um… E se estivesse… Diga. não sei... Imagine por exemplo que está a falar, em crioulo, um assunto familiar comum colega. De repente chega… e mudam de assunto, passam a discutir umaquestão técnica do ensino de português. Isso faria com que mudasse paraportuguês? Mudariam para português por causa desse assunto? umaquestão de quê é que disse? Está a falar com um colega, um amigo ou um colega, um assunto pessoalou familiar, não é? E de repente passam a falar de uma questão técnicarelacionada com o ensino do português. Isso faria com que vocês mudassem docrioulo para português? podia ser// Acontece? Já aconteceu? já aconteceu// Ou está a falar com um colega, chega um superior hierárquico ou umaautoridade. Isso faria com que mudasse para português? sim -podia ser// Também acontece? Porque é que acha que acontece? não-eu ia dizer- isso mais ou menos às vezes… fica entre… Mas porque é que acha que isso acontece? às vezes um assunto… esse assunto mesmo leva-me a… o assunto -portanto -exige portanto o… não sei… leva-nos a falar português -para… Mas porquê? Porque é que o assunto leva a falar português? Acha que háassuntos que são próprios para serem tratados em português e assuntos… não--não sei… talvez é o…(…) O hábito? ohábito-pode ser// Ok. X, o que é que acha do crioulo? Há pessoas que acham que o crioulonão é uma língua, é um dialecto. Há outras que acham que é uma língua. A X oque é que acha do crioulo? bom - segundo aquilo que eu estudei - o crioulo é uma língua -- mas…(…) Mas…? O que é que acha pessoalmente? Quais são os seus sentimentos? sentimento de ser uma língua - não muito -- mas os especialistas é quedevem dizer -- mas eu gostaria… eu gostaria que… sei lá… melhor - vou dizer -não gostaria de ficar a falar na sala de aula com os meus alunos em crioulo// Não gostaria. Gostaria de continuar a… sim// E porquê? não sei… não… deve ser como eu disse ainda há pouco - o hábito - ohábito sempre de falar português// Mas o que é que acha? Acha que o crioulo não é uma língua? É umalíngua? Ainda tem baixa qualidade ou não tem qualidade mesmo? O que é queacha? talvez seja…(…) Que é difícil? Que é fácil? O que é que acha do crioulo? não há…(…) Digamos… que não é uma língua adequada para todas as circunstâncias epara todas as pessoas. O que é que pensa do crioulo? sim -- também não há uma estrutura simples - uniformizada - para sesaber qual é o melhor crioulo - por exemplo - a ser utilizado -- a melhor variante -melhor dizendo// Acha que há uma variante melhor do que as outras? melhor não sei// Qual é que seria? não sei ((risos)) Não sabe. Não tem ideia formada sobre isso?(…)Há bocado nós estávamos a falar disso. Acha que o crioulo é adequadopara certas pessoas e o português para outras pessoas? não - não acho -- não acho que seja a questão de adequar-se -- é conforme-portanto-a formação da… a formação que tiver// Como assim? Quem tem mais formação fala o quê? quem tem mais formação - portanto - está mais apto a falar português --não é que seja… portanto… que seja adequado a ele e só ele - e não a outro… éque o outro tem talvez… o com menos nível de escolaridade - por exemplo - nãoestá muito habituado a falar// E assuntos? Há assuntos que acha que devem ser tratados em crioulo eoutros e outros que devem ser tratados em português? não// Acha que o crioulo é adequado para todos os assuntos? Pode-se tratar todosos assuntos em crioulo? bom-isso depende dada… enfim… situação-do lugar onde estiver// Fale-me um pouco disso. Que lugares acha que é bom falar português e ébom falar crioulo, é adequado falar português? bom-estávamos a falar dos assuntos -não é? Sim, digamos… então-portanto… (…) A X estava a dizer que depende do lugar… depende do assunto e do lugar-estava a dizer// Sim. por exemplo - um gabinete de ministro - quando uma pessoa vai lá tratarde um assunto de… sei lá…(…) Aí deve-se falar crioulo ou português? deve falar português// Nas repartições públicas de um modo geral, o que é que acha, deve-se falarcrioulo ou português? nas repartições públicas deve-se… bom - não sei… isso que eu estou adizer - eu - para mim - se eu… quando eu vou a… se eu tiver necessidade de ira… ao gabinete da ministra de educação - por exemplo - eu vou falar emportuguês// Mas porquê? Porque se sente melhor ou porque acha que se deve falarportuguês aí? sim - talvez porque já eu… não sei - talvez eu me sinto melhor -- aprenditambém que… nós sempre aprendemos que quando vamos a esses lugares -portanto… Mas o que é que acha disso? De nós termos que falar o português emalgumas circunstâncias e o crioulo noutras? O que é que pensa disso? Acha que énormal? Que é bom assim? O que é que pensa? ébom - acho que é bom// Então acha que o crioulo é adequado para certos lugares e circunstâncias eo português para outros?(…) em relação aos lugares… lugares eu acho que sim -- que há lugares onde agente - portanto… estamos habituados - não sei -- para mim sinto que é umhábito… Que tipo de lugares? nos lugares que estava a dizer -- portanto - no gabinete do ministro - porexemplo -- do presidente de uma empresa - sei lá -- se calhar não tenho muitaintimidade com ele - portanto - se eu não tiver muita intimidade com ele eu faloem português com certeza -- não vou ter muito à vontade - muita à vontade - parafalar crioulo -- é talvez o à vontade - não sei… porque já aprendi… já… portanto- que quando se dirige a uma… a uma entida… sei lá - a uma pessoa que ocupaum cargo superior -portanto - deve-se dirigir em português-acho que é isso// O que é que acha de… estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano eusar o crioulo? Por exemplo, admite que um cabo-verdiano não goste ou não saibafalar crioulo? Aceita isso? não// Que relação estabelece entre ser cabo-verdiano e… a não ser se for um cabo-verdiano que nasceu… mas também porque…pode ter nascido aqui -mas que viveu a maior parte do tempo fora// Só nessa circunstância? sim// E que não goste do crioulo? ((risos)) que não goste do crioulo? Um cabo-verdiano que não goste do crioulo… que use só o português. eu tenho o meu tio-como eu lhe disse fala só português--ele desde… Mas acha isso normal, natural? não sei… cresceu também com o pai a falar português-que é o meu avô// Pronto. O que acha ser mais comum no mundo? Saber apenas uma línguaou mais do que uma língua? mais comum? Mais comum no mundo, hoje em dia. as pessoas querem aprender outras línguas -não é? Sim. E acha isso bom, natural? é bom// Diga-me uma coisa, acha que se devia continuar a utilizar o crioulo e oportuguês em Cabo Verde? devia-se -sim// Para quê? Estou a pensar em ler, falar, ler, escrever, crioulo e português.Porquê as duas? Porquê crioulo e português? eu estava a pensar em… no… em utilizar - portanto - o português para…para… sei lá-instituições -estas coisas-- e o crioulo para falar - como nós… Em casa, com a família? sim// Acha que devia continuar assim? devia continuar assim// Então acha que se devia ensinar o crioulo nas escolas? crioulo podia-se ensinar - mas ensinar no ensino - no ensino superior -ensino superior -- pelo menos em primeiro… em primeiro lugar - para completaro ensino superior-- como eu - aprendi alguma coisa// Mas para quê X? Porquê o português, o crioulo só para falar, em casa, e oportuguês para ler e escrever,tudo? não sei -- é que nós ficamos habituados -- fomos habituados - portanto -com o português--desde então… Enão consegue ver as coisas doutra maneira, não é? Não consegue? não -- não consigo ver -- portanto - as pessoas - a ensinar em crioulo nasala de aula -- às vezes critico - eu às vezes critico - por exemplo - quando elesdizem - professor tal- esse aluno…  Eu não estou… não estou a falar de… de falar crioulo numa aula deportuguês. Estou a pensar em ensinar crioulo na escola, aprender crioulo na escolacomo disciplina. ah-como disciplina -sim// Ter uma…aprender o crioulo na escola, como se aprende o português. assim está bem// Acha que o crioulo deve ser ensinado na escola? pode - pode ser -- pode ser ensinado - mas não para… como umadisciplina -como uma disciplina -- não para se usar o crioulopara… por exemplo-para escrever - para fazer um teste - um teste de ciências por exemplo --um testede geografia…é o que eu acho// E porquê? Porque é que acha que não devia ser assim? bom - porque nós já temos as duas línguas - não é? portanto - ficamosmais ricos com duas línguas em vez de ficar só com uma -- em vez de - porexemplo - de vir pôr o crioulo como língua oficial e tirar o português - porexemplo// Qual é que acha que devia ser então? O crioulo não devia ser oficializado,devia ser oficializado, não acha que devia? não…(…) Portanto, acha que o crioulo não devia ser oficializado? Certo? oficializado… se for oficializado quer dizer que tem que se falar - tem quese escrever é o crioulo-- tinha que se escrever-não é? Não. O que é que acha? Deve-se… Acha que deve ou não deve seroficializado e se for oficializado seria oficializado para quê? Qual é a sua opiniãosobre isso? bom… aí… aí…(…) Devia… Então vou pôr a questão de outra maneira. Acha que só oportuguês devia continuar como língua oficial, que a única língua oficial deve sero português? eu acho// Que deve ser o português. Porquê? écomo eu disse-- já estou acostumada// Qual deles, crioulo ou português, acha que exprime melhor a cultura deCabo-Verde? acultura é em crioulo --o crioulo exprime mais// Em que manifestações culturais? em áreas… por exemplo - no batuque - mesmo nas mornas e… portantoatravés da música-portanto// Cinema, teatro, literatura escrita, acha que deve sero crioulo ou português? bom… o teatro sim -podia ser em crioulo-dá mais… Dá mais? não sei--dá mais ênfase à nossa cultura- à língua// O teatro em crioulo. E a literatura escrita? a literatura - a literatura escrita… a literatura escrita também podia -mas… Estou a pensar poesia, prosa, ficção… Em crioulo ou em português? pode ser em… tanto pode ser em crioulo também - mas mais emportuguês--nas duas línguas// Mais em crioulo ou em português? Acha que a produção deve ser a maiorparte em crioulo ou a maior parte em português? não estava a pensar…(…) Em quantidade. estava a pensar é mais em… na poesia -- poesia em crioulo - porque fica -não sei - acho que fica melhor -- mas literatura - portanto em relação a romances eessas coisas-já em português// Em português. Ok. E como é que acha que os cabo-verdianos falam oportuguês? Bem, mal, suficiente? suficiente// Porquê? Porquê suficiente? não falam… não falam - portanto - em todas as horas - portanto - falam sóenquanto… Em termos de quantidade, não é? E em termos de qualidade, como é queracha que eles falam português? em termos de qualidade… Falam bom português, não falam bom português? sim - eu sei -- em termos de qualidade é conforme o nível académico dapessoa e… (…) Há pessoas… Diga.(…)Há pessoas que falam de um português de Cabo Verde. O que é que achadisso? Ou seja, um português à nossa maneira. O que é que acha disso? agora já andam a dizer que… portanto… deve-se falar o português deCabo Verde… há português de Cabo Verde - há português de Guiné - não seiquantos - mas eu acho que devia haver um português - portanto - um portuguêsnorma// Esse português norma qual seria? O português europeu? (…) talvez// Ou seja, nós deveríamos falar como? O português europeu? À moda dosbrasileiros? À moda dos angolanos? Como é que acha que os cabo-verdianosdeveriam falar português? acho que deviam falar português… norma-de Portugal// Português? de Portugal. Português de Portugal? sim// Porquê o português…? nós… não sei -- parece que nós em Cabo Verde não temos um… não vejoque temos um português assim… nunca tivemos um português assim… dizerportuguês cabo-verdiano// Acha que não? nós seguimos mais a… seguimos sempre mais a norma de Portugal// E o que é que acha disso? eu acho que é…que é bom -que é assim que deve ser// X não tenho mais perguntas. Mas se tiver algum comentário ao que foi ditoe se quiser acrescentar alguma coisa,eu ficaria agradecida.(…)Não tem nenhum comentário? não// Então, muito obrigada, mais uma vez." -INF23.wav,"X, muito obrigada por ter aceite conceder-me esta entrevista. Uma primeiraquestão é: antes de entrar para a escola,aprendeu a falar o crioulo ou o português? aprendi a falar o crioulo -- vim aprender a falar o português com a entradaexactamente na escola// Na escola? pois// Mas já tinha contacto com o português, antes…? não// Ouvia o português? não -não// Rádio, igreja… não - não ouvia -- porque nós éramos… vivíamos… nós éramos… muitopobres - não tínhamos aquele… os instrumentos que agora temos -- o meu pai tinhauma rádio -que ouvia o seu relato -era só isso mais ou menos que nós… Está bom. E actualmente, em casa com os seus familiares, amigos maispróximos, colegas, o que é que usa, o crioulo ou o português? uso o crioulo - mas agora… também… tenho uma… minha filha que é muitocuriosa - gosta de falar português - que é a mais pequena -- ela de vez em quandopede que falemos em português - para que ela possa treinar para poder falar na escolacom os colegas -- se calhar eu uso… já agora eu uso o português… uso o crioulo euso também um bocadinho de português -- e com alguns colegas - tambémdependendo do ambiente - se estivermos no trabalho - falamos o português - e se meencontrarem também a falar com os meus alunos - falamos em português -- nestescontextos que nós falamos em português// Como é que avalia o seu domínio do português? não sei … Acha que fala bem…? se calhar dá para desenrascar -- se calhar se eu tivesse… porque eu não tiveum estudo… assim alinhado -- eu estudei já depois de grande - porque eu eravendedeira - não sei se a professora se lembra - mas eu era vendedeira - vendia naporta do cinema -- sempre - agora - gostei muito de ler - sempre gostei muito de ler -e lia muitos quadradinhos - lia Júlia - as Sabrinas -- então isso se calhar despertou-meinteresse pelo estudo -e estudei já grande -aí eu tive aquela… Ok. E crioulo? falo bem acho -acho ((risos)) Crioulo doutra ilha, fala? não - não falo - mas entendo muito bem -- não tenho problemas em entender -desde sempre// Ok. E gosta… Qual é que prefere, falarcrioulo, falar português? crioulo -- sinto-me muito mais à vontade -- agora - dependendo do contexto -dependendo com quem eu estiver a falar - eu falo conforme for a necessidade --mas… quer dizer… eu gosto do português - gosto - isso eu gosto - sempre gostei --agora -eu sinto-me muito mais à vontade em falar crioulo -é a língua materna// Como é que se sente quando fala português? olha - se calhar eu não sinto… eu sinto à vontade -- bom - dou erros econtinuo -- eu - se calhar… eu sinto-me à vontade em falar - não é que eu fale bem -porque não falo bem - isso tenho a certeza que não - mas eu sinto-me à vontade emfalar// Ler e escrever, crioulo, português? isso -mais à vontade em escrever português// E a ler? também -- aí… se calhar… quer dizer… eu leio muito mais rapidamente emportuguês que em crioulo -- não é que eu não goste de ler em crioulo - gosto - mas eugosto muito mais... sinto-me muito mais à vontade a ler em português --se calhar é… E escrever? também -- mesmo estando a escrever crioulo - sem sentir já meto lá oportuguês// Exprime… Acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou emportuguês? depende do do contexto --se eu estiver a escrever -em português -- mas se euestiver a falar - em crioulo - os meus sentimentos saem muito mais… prefiro ocrioulo a falar -- mas agora para escrever - eu escrevo… se calhar porque escrevimuitos cadernos em português -costumo ter// X, eu vou lhe pedir que pense nas três pessoas com quem mais conversa forado seu círculo familiar e que me definisse o perfil dessas pessoas. Portanto, eu nãoquero nomes não é? O perfil dessas pessoas em termos de idade, sexo, grupo social… eu falo com… tenho a minha vizinha - que nós estamos sempre em contacto -ela tem 38 anos - é uma mulher - e quanto ao nível de escolaridade só tem 6ª classe --tenho uma… Qual é a profissão dela? é doméstica --tem uma que é professora… Esta vizinha, vocês falam em crioulo ou em português? falamos em crioulo// E sobre que assuntos? falamos… ((interrupção por alguém que entra na sala)) Eu estava a perguntar sobre que tipo de assuntos. falamos… se calhar… não - falamos de assuntos caseiros - domésticos -falamos sobre os filhos -e não mais do que isso// E em que circunstânciasé que falam? sentamos para fazer renda - professora -- sentamos para fazer renda e aíentão -falamos// Em sua casa, na casa dela? na minha casa - na casa dela - na rua - nas nossas ruas -- sentamos e falamosde assuntos… assuntos… não diria banais -masassuntos familiares -pessoais… Familiares, pessoais. E a segunda pessoa? a segunda pessoa é uma vizinha minha também -- essa agora é professora doensino básico - também já há 19 anos - nós também… com ela falo de tudo - temosassuntos íntimos - e temos também assuntos de trabalho -- não sei se a professorasabe - mas os professores quando se juntam - falam é dos alunos - portanto com elanós falamos tanto do trabalho como também dos assuntos domésticos - e de fórumíntimo também// Questões políticas? questões políticas também falamos -com ela falamos de tudo// Já me disse a idade dela? ela fez 40 anos hoje ((risos)) fez 40 anos hoje - e dei-lhe parabéns antes devir// Ela é professora? é professora do ensino básico// E vocês falam em crioulo ou em português? falamos em crioulo// Todos os assuntos? todos os assuntos - quer dizer - se eu for lhe encontrar na sala - se eu for atésala dela - como ela também é professora da minha filha - na sala de aula dela - nósfalamos em português// Ah! se calhar… este impulso de professor -- nós falamos até para os alunos veremnão é? falamos em português - mas fora de sala - nós falamos sempre em crioulo -falamos só crioulo// E a terceira pessoa, X? a terceira pessoa… estava a pensar mesmo na… estava a pensar numa outravizinha também - que é professora - e falamos de tudo -- mas não falamos de politica--porque somos de partidos diferentes - nós falamos de tudo também - mas evitamoster essas… A idade dela a idade dela… ela tem 45 anos// É professora primária? é professora primária também -já há um bom tempo também// Falam de tudo, menos de política…? falamos de tudo menos de politica - falamos de política mas não discutimos -falamos ao de leve para não entrarmos em choque// Claro. E com ela, fala em crioulo ou em português? falamos sempre em crioulo// Sempre em crioulo. Com que tipo de pessoas, normalmente, fala português efala crioulo? com todosos meus professores// Fala em crioulo? falamos em português - até sinto-me mal em falar consigo em crioulo - eufalo português com os meus professores - e também com os meus colegas - nasituação sala de aula - e na situação coordenação -na situação coordenação e tambémse eu for falar com o chefe -nesse caso com a chefe --se estiver alguém -falamos emportuguês -mas se não estiver -eu falo crioulo// E com os seus alunos, na sala de aula? falamos em português -e eu tento falar com eles também na rua// Nunca se dirige aos seus alunos em…? não// Nunca se dirigiu aos seus alunos em crioulo? eu não diria nunca -- a professora… eu sou… como sou cabo-verdiana - devez em quando há coisas que eu digo melhor em crioulo - então - se calhar - de vezem quando eu meto aí os pés pelas mãos - de vez em quando -- eu sei -porque de vezem quando dou erro -e quando dou erro eu repito - eu repito em português - e depoiseu digo… exactamente por causa disso - ao explicar o meu erro - se calhar eu falocrioulo - mas eu evito falar crioulo com os meus alunos - para poderem praticarmesmo// Mas assim, dirigir-se a eles logo de início em português? não -- não sinto… não me lembro -- eu posso até ter feito - mas não melembro// E ao contrário, os seus alunos dirigirem-se a si…? há aqueles que dirigem em português - e há aqueles que dirigem em crioulo --a maior parte dirigem a mim em crioulo// Em crioulo? sim -- na sala de aula fazem tudo por tudo para… na sala de aula não -- maslá no pátio -sim// E fala com eles…? eu respondo em português - mesmo às vezes sendo um bocado… mas eu falocom eles em português// Há bocado disse-me… com superiores hierárquicos fala o português. Nível deinstrução faz escolher português ou crioulo? não -isso não// A idade das pessoas? não creio que isso me influencia// Normalmente, que tipo de assuntos fala com os superiores hierárquicos, asautoridades? Assuntos oficiais certamente… se calhar são assuntos oficiais// Pode falar-me um pouco de das dos contextos em que usa crioulo e usaportuguês? é como eu disse anteriormente - com os meus professores - com os meusprofessores - superiores hierárquicos - eu se calhar na situação… se calhar oficial -não é? oficial? Formal? formal -- em situação formal - nós falamos… eu falo com eles todos emportuguês --sei lá… se calhar sinto-me mais… se calhar é por respeito - se calhar eucomeço português como respeito pelo meu superior -- sem dar conta disso eu façoisso -- eu falo… sinto-me mais… eu acho que se calhar estou a ser mais formal - nãodiria mais educada - não - porque isso não - mas eu diria sentir-me… eu sinto-memuito mais à vontade em falar com os professores em português// Na escola, no seu local de trabalho, já me disse. Nos intervalos, os alunosdirigem-se a si em crioulo e fala com eles em português. E os colegas? falamos em crioulo na maior parte das vezes -- agora se eu estiver a falar…tanto eu como os meuscolegas… No trabalho. sim - mesmo também se nós estivermos a falar… por exemplo - se nósestivermos a falar… se eu estou a falar com o meu aluno - chega um colega deportuguês - de português - porque os outros não - se chegar um colega de portuguêsjunto… para falar comigo - fala comigo em português - porque estou a falar com umaluno em português// E com outros colegas, de outras disciplinas? não -porque não fazem questão também// Não como? não falam em português -- eu não falo com eles em português - porque nãosabem me responder em português// E nos locais de lazer, cinemas, discotecas, bares, restaurantes…? há um bom tempo que eu não vou ((risos)) eu falo crioulo -- se eu encontrarcom um professor falo com ele em português - se for os meus colegas falamos emcrioulo// Repartições públicas, bancos hospitais…? dependendo da pessoa que for atendida à frente de mim -- porque há pessoasque são muito abusadas -- e se a gente dirigir em português - vem essa pessoacomo… dependendo do atendimento da pessoa que me anteceder// Ah, bom…! ah pois! isso eu faço// Como é que é…? é assim --se chega uma pessoa… como é que eu digo isto? Ela fala em crioulo… essa pessoa fala em crioulo - e se ela for mal atendida - eu faço questão defalar português -- isto se calhar… não sei se é complexo de superioridade ouinferioridade - não sei definir isso muito bem -- mas se a pessoa falar em português émelhor atendida - então como isso funciona assim - de vez em quanto eu faço issotambém para mostrar -- quer dizer - há muita gente que me conhece vendendo naporta de cinema -então não reconhece em mim aquilo que eu sou hoje --por isso -devez em quando - eu uso o português exactamente para mostrar que eu não parei ali -eu estudei -para mostrar mesmo// Ah! Com que finalidade usa o crioulo e usa o português? Eu estou a pensar emcoisas como exprimir um sentimento, em rezar ou orar, falar de um assunto que aemociona, que a irrita, dizer asneiras, namorar …? isso tudo… quer dizer… isso tudo na língua de terra - professora - é muitomais gostoso ((risos)) agora rezar - se calhar - como nós todos sabemos - as rezas sãotodas em português - nós rezamos em português - agora exprimir sentimentos - secalhar exprimir sentimentos ((barulho da rua)) se calhar é melhor fechar a janela --tanto amorosos como outros tipos de sentimentos -na língua de terra faz-se melhor// Quandorezaem português,as orações escritas, mas quando não são…? quando eu peço - eu falo com Ele em crioulo -- quando é para fazer pedidos -já é em crioulo// Pense nesta última semana. Acha que falou mais crioulo ou mais português? mais crioulo// Mais crioulo. E durante mais horas seguidas, mais horas no mesmo dia,crioulo ou português? crioulo -já para começar porque estou de férias// É capaz de me falar de três circunstâncias em que habitualmente fala crioulo ehabitualmente fala português? crioulo - com os meus… com as minhas filhas - com as minhas vizinhas - secalhar com os meus amigos -- e português - situação sala de aula - situação professoraluno -eu como aluna -e eu os meus superiores hierárquicos// E contextos, ambientes? Se calhar ambientes… ambientes formais para o português - e informais parao crioulo// Habitualmente, onde é que ouve o crioulo? Em que lugares, circunstâncias,contextos? nos lugares onde eu vou - os mercados - com os meus vizinhos - navizinhança -nas lojas onde eu vou - se calhar… E sobre que assuntos? quer dizer… eu quando falo… se calhar quando falo… É ouvir. ouvir assuntos familiares - assuntos amorosos - sentimentais - e assuntos denegócios também -porque eu oiço isso também -nas lojas -assuntos de negócios// E português, que tipo de assuntos ouve em português? português -se calhar… Ouve português a partir de que fonte, onde? comunicação social - e nestas… nesses últimos dias… comunicação social -telejornal - esses programas que a televisão passa - porque não me lembro de terestado em nenhum lugar que se fala português// Diga-me… É capaz de me dizer algumas circunstâncias em que ouve crioulo,mas gostaria de ouvir português naquela circunstância e vice-versa ouve portuguêsmas gostaria de ouvir o crioulo?(…) por incrível que pareça não estou a ver -não estou a ver -por isso… Costuma… Já leu alguma coisa em crioulo? O que é que leu, que tipo dematerial? eu gosto de dos… se calhar… dos livros de Spínola - dos livros também dosenhor - o homem que estava doente aí nos Estados Unidos - ministro de cultura -- eagora de vez em quando - estou também em contacto com poemas em crioulo - nojornal Artiletra - então eu gosto muito de ir ver - para poder também falar com osmeus alunos e com as minhas filhas - mas eu não estou a ver se eu gostaria de lerestes poemas em português -não estou a ver --apanhei um ataque de tosse… Descontraia-se um bocadinho. não nem estou… estou bem - mas se calhar é… de vez em quando dá-me esseataque// Portanto, estávamos a falar sobre leitura, ler em crioulo ou em português. Eportuguês, o que é que lê? agora estou a ler os livros que comprei há já um monte de anos - estou a lertambém livros de.. Está a falar de romances, livro de trabalho? não -não// Poesia? agora estou a tentar acabar mesmo o… Có… Da Vinci// O Código Da Vinci. Código Da Vinci que eu aindanão terminei -o dono está a querer tomar o seulivro -e eu… Portanto é romance, de ficção. enfim… ficção - e estou a tentar também ler mais um livro de Dan Brown -neste também… Alguma coisa que lê… Já me disse que não gostaria de ler aqueles poemas emportuguês, mas há alguma coisa que já leu em crioulo, mas gostaria de ler emportuguês vice-versa, leu em português e gostaria de ter lido em crioulo? não - se calhar não gostaria -- mas de vez em quando digo 1 - keli go si erana kriolu e ta flaba midjor - de vez em quando eu vejo algumas frases que eu digoisso -- mas agora aqueles que eu li não estou a ver - não gostaria de lê-los emcrioulo// E escrever, costuma escrever em crioulo ou em português? escrevo em português --de vez em quando - escrevo em crioulo// O que é que escreve em crioulo? há dias eu deixei um recado à minha filha -- e ela diz porque não escrevo emportuguês -deixei uma folha de caderno em crioulo -e ela brigou comigo// Mas porquê? porque ela não entendeu - até eu fui apanhar aquele pedaço de jornal que mefoi dado no bacharel para mostrar que em crioulo também se escreve - porque disseque não entendeu nada - e a mais pequena que leu - 2bu ka intendi ma bu ka krê-claro// Agora… portanto… Mas normalmente escreve mais em crioulo ou emportuguês? escrevo mais em português - escrevo mais// Habitualmente escreve… habitualmente escreve em crioulo alguma coisa? não -não me lembro -não// Esporadicamente? esporadicamente -- agora de vez em quando os meus alunos gostam deperguntar-me - como é que se escrevia tal coisa em crioulo - então eu escrevo paradeixar lá com observação - para depois ver se esta correcto - isso eu faço de vez emquando// Como é que escreve em crioulo? escrevo utilizando o::: O ALUPEC? o APLUPEC -utilizando o ALUPEC// Estudou na disciplina de linguística cabo-verdiana? exactamente --então eu escrevo e consulto - exactamente para não estar a darmuitos erros// E tem… Que dificuldades sente quando escreve o crioulo? sinto que escrevo fluentemente em português - agora já em crioulo tenho queescrever e depois voltar para ver - porque meto sempre o português -- se calhar acoisa sairia melhor em português - para passar para o crioulo -- tenho de saber…tenho de ver no ALUPEC como é que é para poder escrever em condições - casocontrário escrevo… não escrevo muito bem// Quando está a falar crioulo… Imagine que está num determinado contexto afalar o crioulo, o que é que a faria mudar para português? Chegada de alguém,mudança de assunto? chegada de alguém -- mudança de assunto não diria tanto - mas chegada dealguém -sim// Como assim? se eu estiver a falar por exemplo com o meu colega - e de repente entra umprofessor -dirige-me o professor logo em português - eu tenho… não sei se é respeito-não sei explicar muito bem o que é que é - mas eu não me sinto à vontade de dirigir-me ao meu professor em… mesmo os meus professores de Básico - e chamam-me aatenção quanto a isso - os meus professores do Básico - porque nós… nósantigamente não falávamos com o professor em crioulo// Certo. então eu fiquei com essa - não diria mania - mas é o hábito - eu falo mesmocom os meus professores do Básico em português -- agora eles é que dizem… eles éque vão dizer agora se eu devo… dependendo da resposta que me derem - seresponderem em crioulo - agora continuo - mas se não - eu falo em portuguêsmesmo// Chegada de um professor, de um …? superior hierárquico também - falo português com ele -- eu digo superiorhierárquico porquê? a directora da minha escola fala mais o português que o crioulo -então - com ela eu sinto… eu acho que devo falar o português - acho -- devo falar oportuguês - então falo português com a pessoa em português - mas de outra formanão via - a não ser que estaria a citar qualquer coisa de alguém - mas de outra formanão// E a falar português e mudar para o crioulo? se estiver a falar com um colega - um professor em crioulo - em português -para meter o crioulo - teria de chegar também alguém que… como uma das minhasvizinhas que lhe disse que não percebia muito bem o português - então eu dirigia-mea essa pessoa em crioulo// Alguma circunstância a faria mudar de português para crioulo ou de crioulopara português por causa do assunto? não estou a ver// Por exemplo, se está a falar sobre um problema pessoal ou de vida e de repentemuda, começa a falar de assunto técnico, de ensino, muda para o português? Issofaria com que mudasse? dependendo da pessoa com quem estivesse a falar -- caso a pessoa com queeu estiver a falar não… Nesta última semana que passou escreveuleu alguma coisa em crioulo? não// Escreveu alguma coisa em crioulo? escrevi -o tal… ((risos)) O tal recado. sim// Sim senhora. O que é que acha do crioulo? O que é que pensa sobre o crioulo? eu acho que o crioulo também deve ter o seu espaço - quer dizer… como…não sei se a professora está a perguntar-me da… sobre a sua oficialização - masacho que… Também. Pronto. Estou a pensar assim: que há pessoas que acham que ocrioulo não é uma língua, que é um dialecto, que não tem qualidade… esse tipo de… não -- eu acho que o crioulo é uma língua que tem… com todos os seusparâmetros que tem - como qualquer língua -- e por isso eu respeito muito também ocrioulo -assim como respeito o português// O que é que acha do português? também respeito o português - também eu respeito muito porque tem tudodaquilo que uma língua deve ter - e é exactamente por isso que eu também respeito ocrioulo como língua -- respeito o crioulo como língua - e não como dialecto -- e achoque deve ter… pronto… deve conquistar o seu espaço - assim como a línguaportuguesa - eu penso que a língua crioula e a língua portuguesa que deviam estar aomesmo nível - embora conhecendo a dificuldade do país - não é? porque isto secalhar devia ser feito desde a independência não é? respeito - mas acho que o crioulotambém deve ter o seu espaço - deve ser oficializado deve ter… nós devemos tertambém os documentos para… O que é que significa para si o crioulo e o português? já agora se calhar significam a mesma coisa - antes não diria tanto - masagora eu digo que significam a mesma coisa -pronto// Como assim a mesma coisa? se calhar -eu:: Como é que se sente em relação ao crioulo, como é que se sente em relação aoportuguês? eu gosto muito do crioulo - como dizem as crianças - gosto muito do crioulo -- também gosto do português - gosto do português - e desde sempre gostei -- secalhar foi por isso que estudei português -porque gosto mesmo do português -- eu… Há bocado falou-me da oficialização do crioulo. O que é que acha, o crioulodevia ser oficializado? acho que sim// porquê? exactamente para ter o seu espaço como a língua portuguesa -- exactamentepor isso -- porque eu… quer dizer já… eu tenho a dificuldade que tenho agora emfalar… em falar português - em falar não - a escrever o crioulo - exactamente porqueeu não não labutei com a língua crioula como labutei com a língua portuguesa -- eulia muito mesmo quando já tinha acabado a quarta classe - e depois da quarta classeparei durante muito tempo - então eu lia - lia muito - mas tudo que lia era emportuguês -- talvez se houvesse algum documento também em crioulo para ler - eunão teria a dificuldade que tenho agora em escrever no crioulo// Certo. E para quê é que o crioulo seria oficializado e como é que ficaria oportuguês? ah não! tinham que andar orelha a orelha - tinham que ir… tanto o crioulocomo a língua portuguesa tinham que ter os seusespaços próprios// Como assim? e por exemplo - agora vou falar com exemplo -- os meus alunos - de vez emquando - dizem-me que há assuntos que se fossem em crioulo entenderiam melhor -então.. mas que não… isso não é muito possível porque nós não temos nada emcrioulo -e eu estou de acordo// Não temos nada? não temos documentos de ensino -- podem saber dizer mas não sabemescrever - porque não têm a lição em crioulo - e se calhar estou de acordo com eles --mas de acordo com a sua pergunta - eu não quero que o português saia da cena - issonão - nunca -- eu queria que a língua crioula fosse oficializada exactamente para ir deencontro às necessidades// Então, como seria o desenho, o cenário linguístico? nós teríamos o português - teríamos as aulas de língua portuguesa - efalávamos o português nas disciplinas por exemplo como a matemática e por aí afora-- mas também teríamos a língua crioula e alguns documentos -- tambémpoderíamos… Documentos para a disciplina… a língua cabo-verdiana seria encarada comodisciplina? exactamente// E não como língua de ensino das outras disciplina? eu não diria tanto - porque - caso contrário - o português seria já… cairia -não diria muito -mas se calhar começava a sair de cena// E, na comunicação social, falar, ler, escrever? podíamos fazer tudo - tanto em português como… dependendo dadependendo -secalhar -do gosto de cada qual// Portanto, falar ler ou escrever em crioulo ou português ficaria dependendo deda vontade de cada um? da pessoa - da vontade de cada um -- mas era bom que soubéssemos as duasao mesmo tempo--acho// Ok. Acha que o crioulo seria… é adequado para certas pessoas, para certosassuntos e para certas circunstâncias e o português para outros? Como é que vê essadistinção não --eu não pensei muito nisso - mas não acho que seja assim -pessoa a vercom língua e com… não// Como é que seria então? Todas…? sim - a pessoa é que escolheria aquilo que melhor… na altura decidiria qualera… Se o crioulo fosse oficializado ou em caso da oficialização do crioulo, qualseria o crioulo a oficializar? ((risos)) tenho que ir agora para o banco da escola// A sua opinião pessoal… osentimento… É mais o que sente. não -- é porque nós temos dois grupos de ilhas - então nesse caso teria queter… teríamos que ter… teria que ser escolhido - escolher - escolhido? o crioulo debarlavento - o crioulo de sotavento - para um melhor entendimento -- isso porquê?porque há quem diga que não entende bem esse falar - por exemplo - de Santo Antão--então - se não se entende muito bem -para barlavento era melhor escolher o de SãoVicente -que é o mais - acho eu --mais simples// Maissimples? acho -- e para barlavento teria de ser escolhido… para sotavento devia serescolhido o de Santiago// O de Santiago? mas as duas seriam… E porquê? para facilitar também o entendimento// Porque é mais simples também? acho --não sei se é porque falo - se é porque sou daqui - mas… Mais simples, como assim? mais simples do que o do Fogo -por exemplo// Mas em termos de quê, mais simples? em termos de escrever - em termos de escrever acho que é mais simples - énormal que uma pessoa do Fogo também dissesse que do Fogo seria mais simples// Quando fala com pessoas do barlavento ou mesmo das outras ilhas desotavento, fala o crioulo de Santiago? falo// Como é que é oentendimento? eu percebo muito bem essas pessoas// De barlavento? sim// E elas percebem-na? acho -- nós conversamos sem problemas - é porque nós nos entendemosmuito bem -EU A-CHO// Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e gostar do crioulo, usar ocrioulo? Admite alguma circunstância que um cabo-verdiano não goste ou não saibafalar crioulo? não -acho que não// Para ser cabo-verdiano é preciso saber crioulo? não// Então, como é que é? isso agora teríamos que ir à diáspora - porque há muitos cabo-verdianos quevivem na diáspora que não sabem falar o crioulo// E continuam a ser cabo-verdianos? e continuam a ser cabo-verdianos// E em Cabo Verde? acho queaqui todo o mundo sabe falar -acho// E admite que um cabo-verdiano diga que não goste do crioulo? isso -já ouvi isso// Já? já// E aceita? não - eu não aceito -- eu não aceito -- tanto é que eu tenho uma colega - secalhar mora aqui em Palmarejo mesmo - ela fala com o seu filho sempre emportuguês - então eu perguntei porquê que ela não fala com o filho em crioulo que…portanto é a língua de socialização - ela respondeu - ah! crioulo não é língua - e elaé uma professora -- nós tivemos uma discussão muito pesada mesmo - portanto - elasente complexo em falar em falar o crioulo -- mas isso se calhar é muitoindividualizado - é muito particular dela - se além de nós… há mais pessoas quetenham… e mesmo assim não há um número que justifique eu estar a dizer que hápessoas que não queiram falar o crioulo -porque sentem inferiorizado com o crioulo// O que é que acha dessa situação de nós termos a possibilidade de usar ocrioulo ou o português? quer dizer… eu acho que… nós utilizarmos o crioulo e o português? eu achoque nós temos que… principalmente quando eu falo - eu falo com… estou a pensarnos meus alunos - nós temos que estabelecer um parâmetro - porque caso contrário -não vamos ter nenhum aluno quase a falar o português// Como assim? porque eu trabalho numa zona muito pobre - a zona de Achada são Filipe -agora que está a ser… as pessoas aí põem os seus filhos mais… em outras escolasmesmo - porque acham que a escola ali é muito pobre - não conhecem… nãoconhecem a escola - porque se conhecessem não fariam isso -- quer dizer… então háesses alunos que nós temos… a maior parte -se nós lhes largarmos a corda - eles nãovão aprender português porque acham… primeiro dizem que os professores deportuguês são chatos - se nós deixarmos… se nós deixarmos avançar para falaremportuguês e crioulo - é claro que vão optar para o crioulo -- é por isso que eu digo queo português e o crioulo devem andar de mãos dadas - mas não deixar mesmo escapar-temos de estabelecer parâmetros porque há que falar o português também - é a nossalíngua oficial - é a língua que nós… mas eu acho que deve… e depois há muitacoisa… O português deve continuar a ser língua oficial? eu acho que deve -deve -acho que deve// E o crioulo seria…? eu… o crioulo -acho que deve ganhar também seu espaço// A X sabe sempre quando usar o crioulo e quando usar o português ou algumavez já teve problemas em…? quer dizer ((risos)) às vezes - começa-se a falar o português com uma pessoaque se pensa que se devia falar o português - e a pessoa responde em crioulo - e àsvezes -torna-se constrangedor isso// Ah é? por isso às vezes é bom que… eu - muitas vezes - já deixo que essa pessoafale primeiro -para ver o que é que a pessoa fala -para eu poder acompanhar// Está bom! E no mundo, o que é que acha que é mais comum, saber só umalíngua,saber mais que uma língua? é lógico que temos que ter… temos que conhecer muitas línguas - nomundo… Nós, em Cabo Verde? nós também - porque a informática por exemplo utiliza o inglês - então nóstemos que saber várias línguas// Em Cabo Verde quais… como é que seria, crioulo, português e outra ou outraslínguas? o crioulo -o português -e outras línguas// Outras, quais seriam? inglês - francês - eu… quer dizer… penso assim - que devíamos coabitaressas línguas// Em relação às manifestações culturais, batuque, funaná, portanto, as cançõesdas músicas, teatro, cinema, literatura escrita, crioulo ou português? tanto o crioulo como o português// Ah! Como assim? para o batuque - para o funaná - e para algumas peças teatrais - o crioulotransmite melhor aquilo que nós pensamos -- agora - o português também transmite -mas não tanto como… dependendo da situação - e dependendo mesmo do contexto -do assunto que está a ser transmitido - por exemplo numa peça teatral -- agora nobatuque e no funaná tem que ser o crioulo ((risos))// E na literatura escrita, poesia, ficção…? na literatura escrita tanto crioulo como o português - tanto o crioulo como oportuguês --porque há… Acha então que escritores e poetas podem…? podem utilizar as duas línguas - eu acho que sim - há sentimentos quetransmitidos em crioulo saem-se melhor -não é? Então, qual acha que exprime melhor a nossa cultura, o crioulo ou oportuguês? as duas// As duas, as duas línguas. as duas línguas -- as duas línguas - porque a nossa cultura é transmitidaatravés do batuque e do funaná - mas também através de literatura - de poemas --então… as duas línguas transmitem// Acha que o crioulo poderia ser usado na alfabetização de adultos? também// Porquê? também - porque os adultos estão mais em contacto com o crioulo - então -saber escrever em crioulo - acho que ajudaria um bocadinho - mas também nãodescurar o português --eu acho que as duas línguas devem ser ensinadas// X, como é que acha que os cabo-verdianos falam o português, bem, nem porisso? eu não pensei nisso -eu não pensei nem sequer… De um modo geral. cada um fala como fala - não é? por isso eu posso dizer que uma pessoa falamal o crioulo -e também… Não. O português. O português. ah! o português não -- há uma coisa que é assim - o pronunciar o português -cada um se calhar pronuncia de acordo com a sua origem - onde mora -- agora paradizer… falar português - a classe social média alta - aquela classe que estuda - queestá em contacto com os livros - falam - eu acho que falam bem o português -- euacho isto - comparando com os outros países do PALOP - eu faço essa comparaçãode vez em quando -agora a sociedade em si… Fale-me dessa comparação, como é que é, não me apercebi bem essacomparação com os outros PALOP. eu acho que nós - os cabo-verdianos - mesmo os que… mesmo os do interior- nós falamos… e já agora incluo-me também - nós falamos o português… e… masse calhar - mesmo que não seja melhor do que os outros países do PALOP - mas onosso soa melhor para o meu ouvido do que os outros países -- por exemplo os são-tomenses e os angolanos por exemplo - falam muito aberto - abrem as palavras - eeu não… eu acho que os cabo-verdianos quanto a isso falam melhor mesmo -- estousempre a comparar - não sei se estou a fazer bem ou mal - mas estou sempre acomparar esse… a pronúncia// Mas é só uma questão de pronúncia? não - não é -- porque às vezes você encontra uma pessoa que tenha muitosestudos - mesmo dizem-se doutor - e falam mal mesmo o português -- mas os cabo-verdianos não - os cabo-verdianos quando primam para falar - falam -- embora cadaum de acordo com a sua classe social// O que é que chama de falar bom português? falar um bom português -um bom português ((risos)) É falar com palavras do crioulo, é falar sem sons que se confundem com ocrioulo, sem…? sim -- porque quando se fala o crioulo - fala-se o crioulo -- mas quandofalamos o português -devemos falar o português// Queria falar como quem, por exemplo? Como os portugueses, como osbrasileiros, como os angolanos…? ah não! como os portugueses -como os portugueses// Então acha que os cabo-verdianos deveriam procurar falar português como osportugueses? não -- não é que devam falar como os portugueses - mas é falar um portuguêsque não se confunde -por exemplo// Com?(…)Com o crioulo? com o crioulo -- e falar um português… quando falamos português - falamosportuguês -- quando falamos crioulo - falamos o nosso crioulo -- não devíamos eramisturar - mas há quem misture - e eu não tiro-me também - porque eu tambémmisturo -- se calhar é a força do hábito - mas a:: eu acho os cabo-verdianos - aquelesquefalam o português -falam bem -acho// Digamos que há… Podemos falar… Acha que podemos falar de um portuguêsde Cabo Verde? Acha isso aceitável? ((risos)) eu não entendi esse caso// Ou seja, nós devíamos falar o português à nossa maneira? é que - se nós formos falar um português também à nossa maneira…imaginemos - por exemplo - uma pessoa da cidade da Praia - e uma pessoa de SantaCatarina a falar o português - se se falarmos um português cabo-verdiano - então nãoteríamos um português - não é? não estou a ver porque uma… por exemplo - aspronúncias por exemplo do do som são - do ão - coração - eu acho que isso não sedeve misturar - eu não creio -- se calhar é bom que nós continuemos a falar oportuguês que eu aprendi -que a professora aprendeu// A norma europeia? sim - a norma europeia - a norma africana também ainda não acho que exista-- não existe -a norma africana não ((risos)) X, há bocado estávamos a falar do crioulo e da oficialização do crioulo. Para siexiste um verdadeiro crioulo, o crioulo verdadeiro? daquilo que eu conheço… se calhar é… para mim se calhar é este overdadeiro crioulo// Qual? não sei… o crioulo que nós falamos - mas agora… Nós, aqui em Santiago? não -estou a dizer - cada um de acordo com… Mas há algum que para si seja melhor do outro? O crioulo da Praia, o crioulodo interior…? eu acho que isso é… isto é discutível - não é? porque… para dizer que algo…se eu digo que o crioulo de Santiago é o melhor - é o verdadeiro crioulo - os de SantoAntão dizem isso mesmo -- então - se calhar isso… é bom que se estude isso commuito cuidado - para poder definir… haver um… mas eu - puxando a brasa paraminha sardinha - eu diria que… Santiago ((risos)) então - eu acho que isso deve serbem estudado para não haja… para que não haja… não é confusão - mas para quenão haja… Acha que isso pode dar confusão? não é dar confusão - mas é… se nós… se se oficializar - por exemplo - só ocrioulo de Santiago - é claro que todos os alunos iriam aprender porque era ensinadona escola -- mas um professor de Santo Antão não teria a mesma facilidade que umprofessor de Santiago por exemplo e vice-versa - então é bom que se… é bom que seque se pegue nisso para poder misturar… para poder sair uma coisa… Misturar o quê? misturar o barlavento e o sotavento para poder sair… mas é bom que setenha… se calhar - como disse 3Manuel Varela -é bom que se tome um de barlaventoe um de sotavento -para poder… Mas seria um de barlavento e um de sotavento ou seria uma média, umamistura, como estava a dizer há bocado? se calhar tinha de ser… porque uma mistura não estou a ver como - o que eudisse é que tem de haver estudos - não estou a ver… era tomar um de barlavento - umde sotavento - e fazer com que todos nós aprendamos as duas variantes - acho queseria melhor// X, eu não tenho mais perguntas, mas se tiver algum comentário, alguma coisaque queira acrescentar eu agradecia muito.(…)Não tem nenhum comentário, nenhum ponto que achou que não falámos, masque acha que seria interessante? não - não tenho -- mas eu só diria - de acordo com… quer dizer… é bom - émuito bom que…com o estudo que a professora está a fazer - veja em todos… que aprofessora terá -se calhar -que pegar em todos os crioulos -mesmo-- trago aqui umapor exemplo - eu… devia por exemplo apanhar um leque de coisas que são ditas porexemplo na ilha do Fogo - era bom que se levasse em conta isso de regionalismo -embora eu saiba que é muito caro fazer isso - mas estou a pensar nisso para o futuro -eu compraria o livro ((risos)) Muito obrigada mais uma vez por me ter dado essa entrevista. Espero que tenha servido.1Tradução para português: Isto, dito em crioulo, ficaria melhor2Tradução para português: Não entendeste porque não quiseste.3. Deve ter querido dizer Manuel Veiga" -INF24.wav,"Professor X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. Antes demais eu gostaria de perguntar: antes de entrar para a escola, o que é que tinhaaprendido a falar, o crioulo, o português, os dois? muito bom dia também - não é? devo cumprimentá-la - é um prazer estaraqui consigo - portanto - para esta entrevista -- mas primeiramente devo dizer quedesde criança falo o crioulo e a língua portuguesa -- portanto em minha casa… aeducação que nós recebemos - eu e os meus irmãos - era de que deveríamos falartanto quanto possível a língua portuguesa - à parte naturalmente da nossa línguamaterna que é o crioulo --sinto-me bem hoje -não é? Portanto, antes de entrar para a escola já falavao português? sim-sim --já tinha alguma noção -digamos - pré requisitos - quando… Mas falava português…? sim falava -- porque o nosso pai era uma pessoa muito… quer dizer… nãodigo académica - mas pronto - pautava-se um pouco por isso - escreviarazoavelmente bem - e fez com que nós de facto tivéssemos na nossa - na nossaagenda - digamos na nossa bagagem de educação - esse principio de falar oportuguês -- lembro-me perfeitamente de… eu - antes de ir para a escola - elepreparava-nos - não é? ensinava-nos algumas coisas - quando fui - por exemplo -para a 1ª classe - para a 1ª classe - eu já levava alguns conhecimentos - os prérequisitos - não é? que ele de facto nos transmitia - portanto tinha desde criançaessa preocupação - e ele ensinou-nos - falava - e também fazia questão que nósfalássemos um pouco em casa -a língua portuguesa// Portanto, falavam em casa… o português com o seu pai? sim-sim -de vez em quando -com o meu pai -com os meus irmãos… Com a mãe…? exactamente -- a nossa mãe também - mas quem se preocupava mais comisso era o nosso pai-de modo que eu já dominava -a língua … E, para além disso, de falar em casa com o pai e a mãe, os irmãos, ouvia oportuguês de outras fontes? bom… como sabe - naquela época - nasci na ilha do Sal - e havia de factoalguma influência de pessoas estrangeiras - particularmente os portugueses - osmilitares - não é? e então éramos confrontados com essa necessidade - não é? quetínhamos - de vez em quando - de falar o português - foi isso - portanto - foi nadécada… eu nasci - portanto em 53 - está a ver? durante algum período houve -um período até de muita conturbação por parte dos militares - não é? de modo quenós tínhamos… até lembro-me que nós íamos à consulta - não é? por vezes noquartel - porque havia escassez de médicos - era no Sr. Dr. Ramiro - não é? edepois os militares - lembro-me do Dr. Rosário por exemplo - também que era ummédico militar com quem a gente tinha de dialogar// E actualmente, em casa com os seus familiares, amigos, colegas, o que éque usa habitualmente, o crioulo ou o português? tanto um como outro - quer dizer… por exemplo - eu devo confessar-lhe -modéstia à parte - gosto da minha língua - materna - mas também tenho alguma -digamos alguma paixão pela língua portuguesa porque foi a nossa… digamos - anossa língua - aliás administrativa - a nossa língua - digamos de comunicaçãoescrita - com a qual temos que trabalhar no nosso labor como profissional - mastambém apraz-me imenso a nossa língua// Falar então crioulo ou português com os amigos, familiares depende dequê? bom-falardepende - digamos da pessoa com a qual…. Em casa? em casa eu falo o crioulo - com os meus amigos falo crioulo também --mas sempre que alguém me aborde em português - lá vou eu responder-lhe damesma forma// Habitualmente, com os familiares…? habitualmente com os familiares - com os meus familiares nem tanto - àsvezes falamos português - não é? falamos a língua portuguesa -- os meus filhos -por exemplo - eu procuro incutir-lhes essa preocupação - não é? de falarem oportuguês - mas quando estamos assim num meio digamos - entre amigos -falamos o crioulo-outras vezes também abordamos a língua portuguesa - não é? Estar com os amigos e falar português depende de quê? bom - isto já depende - digamos do conhecimento da língua da pessoa - sea pessoa também se sente motivada para o fazer -- mas se ela se expressar - seessa pessoa se expressar em português - a língua portuguesa - lá vamos nóstambém fazer o mesmo - se falar connosco a língua materna - faremosigualmente// Como é que avalia a sua proficiência geral em crioulo? bom… a minha… Estou a pensar em falar, mas também ler e escrever. exactamente… Em crioulo…? exactamente isso - eu falo a língua materna - o crioulo - com fluideznaturalmente - acho que isso acontece com todos os cabo-verdianos -- mas já paraescrever - não obstante os conhecimentos científicos que eu adquiri durante aminha formação - já não tenho essa fluidez -- portanto - na escrita - portanto omesmo já não acontece em relação à escrita// E ler? ler -leio também - mas com alguma dificuldade -alguma reserva - não é? Eo português? bom - já com o português não tenho essa dificuldade - eu penso que… soumuito comunicativo ou - vá lá - razoavelmente comunicativo - não tenho assimgrandes problemas -- mas escrevo também razoavelmente -- falo com algumafluidez - aliás as pessoas - já me disseram - inclusive durante o… dois estágiosque eu fiz -- portanto - quer do bacharelato quer da licenciatura - eu fui conotadocomo sendo uma pessoa que fala de facto com fluidez -a língua portuguesa// Prefere falar o crioulo ou o português? bom - acho que… tanto faz - não é? tanto faz -- não tenho - digamos -problema nenhum-preferência - falar uma ou outra língua// Eler e escrever? bom… ler e escrever - já preferiria dizer a língua portuguesa - seriamais… teria mais à vontade para o fazer// Fala crioulo de que ilha? bom… o meu crioulo - o genuíno é do da ilha do Sal - mas eu não tenhoproblemas também em expressar-me no crioulo dosotavento// Concretamente, de que ilha? odo Santiago-ilha do Santiago. De um modo geral acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ouemportuguês? não… não tenho problemas em exprimi-las - tanto numa como noutra --penso que não tenho esse problema - não se coloca esse problema em relação àminha pessoa// E como é que se sente quando fala português? sinto-me bem -- gosto muito da língua portuguesa -- tanto é que fiz aminha formação nessa área – não é? quer do bacharelato quer da licenciatura --desde os primórdios - desde a minha vida - digamos – a::: como profissional - dafunção publica - que eu fui - adorei sempre a língua portuguesa - portantoescrevia… portanto fazia… enfim - toda a minha correspondência - que fossenecessária na altura - e sentia-me me bem -- hoje posso dizer que sinto-me bem -não me sinto arrependido em ter feito esta formação// Equando fala crioulo? bom - quando falo crioulo - já não posso afirmar categoricamente - aquiloque eu faço em relação à língua portuguesa -sinto-me bem também - não é? sinto-me bem-é a nossa língua materna-mas… Enão pode afirmar porquê? porque à vontade que me sinto com língua portuguesa - essa à vontade eujá não tenho com… na escrita - não é? na escrita - estou a falar da escrita - já nãoa tenho em relação à língua materna// Sente-se mais à vontade, portanto, quando fala crioulo? sim - o crioulo é a nossa língua -- portanto é…digamos que é a língua decomunicação - de aproximação entre as pessoas - quer dizer - que são cabo-verdianos - não é? mesmo estando além das fronteiras - fora do país - a gente seencontra - e fala o crioulo - come uma cachupa - toca viola - sente-se portanto naterra -não é? portanto faz parte da nossa cultura// Professor X, eu vou-lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem maisconversa forado seu círculo familiar… e::: Só para pensar. Eu não quero nomes, mas eu gostaria que me desse o perfildessas pessoas em termos de idade,de sexo, estrato social, nacionalidade... sim - bom - isso é complicado porque eu falo com muita gente -não é?assim de rompante… Veja se consegue seleccionar as três com quem mais fala. assim de rompante… Veja assim de diferentes tipos… bom - estou a pensar numa pessoa - já pensei numa -- pertence umacamada… um senhor - portanto - tem… anda à volta… penso - de trinta anos -não faz parte da minha família - naturalmente - mas é a pessoa com quem… eutenho - portanto - trabalhado - trabalha comigo -- o grau académico - a nívelacadémico-não é assim muito elevado … Ensino básico, ensino secundário? acho que é ensino básico - é motorista - portanto - trabalha comigo -- asegunda pessoa… Com essa pessoa fala crioulo ou português? o crioulo -falo o crioulo naturalmente -- porque são questões profissionaise eletem dificuldade em expressar-se em português// Portanto o tipo de assuntos que abordam é questões profissionais? sim - questões profissionais - questões profissionais -- portantorelativamente ao carro - assim - como é que vão as coisas -as tarifas - essas coisas-e tal// Ok. deixe-me ver… uma segunda pessoa - bom são aqui colegas - professores-não é? já o nível académico-portanto -já é outro -não é? Élicenciado? sim -é licenciado// Cabo-verdiano? licenciada - cabo-verdiana - não é? é uma pessoa de facto muito culta nãoé? é dinâmica -dinâmica… Idade? idade… noutro dia ela esteve a dizer-me - portanto vinte e seis anosparece-me-se amemoria não me falha-26 anos --e tenho… E com essa pessoa, fala crioulo ou português? falamos as duas línguas - porque ela inclusive é formada em línguaportuguesa também -falamos os dois idiomas// Falar crioulo ou portuguêscom ela depende de quê? para nós… depende da disposição -do assunto - não é? que tipo de assunto falam em crioulo? questões profissionais - questões também ligadas… questões particulares -falamos… As particulares falam em que língua? falamos em crioulo// Equestões profissionais? questões profissionais - muitas vezes - portanto - também em crioulo --uma vez ou outra falamos também em português// Efalam as questões pessoais em português? sim-quando estamos a brincar -às vezes - não é? a gente mete lá algumascoisas --porque essa pessoa também é muito divertida// De um modo geral, falam…? de um modo geral falamos mais a língua… o crioulo// Questões pessoais ou…? tanto profissionais - como pessoais -- mas abordamos também… falamosa língua portuguesa -- deixe-me ver… uma terceira pessoa - também daqui -portanto essa já é - tem um nível de bacharel - também uma senhora - falamos devarias questões - falamos - portanto - de questões profissionais - e questõesparticulares - e expressamos mais vezes em crioulo - quer em questões de carácterparticular - quer em questões de carácter profissional -- a idade… a idade -cinquenta e… não - não - não - quarenta e oito anos - tem mais ou menos 48 anos-e é uma pessoa também muito comunicativa-não é? Diga-me, qual é… com que tipo de pessoas, habitualmente fala o crioulo efala o português? bom - a gente quando vai falar tem de ter em conta - digamos - o nívelacadémico do nosso interlocutor -- se eu sei que o meu interlocutor não tem -digamos - não tem arcaboiço - passe o termo - para me entender em português --naturalmente falarei em crioulo// Portanto, com pessoas instruídas…? exacto - com pessoas instruídas - eu falo a língua portuguesa - porque eugosto -- como eu já lhe disse gosto de… digamos - que são poucas asoportunidades que nós temos de nos expressarmos em língua portuguesa -aproveitamo-lasempre quando ela aparece -não é? Eos superiores hierárquicos, entidades…? sim - os superiores hierárquicos - se não tenho nenhuma familiaridade - lávou eu a falar a língua portuguesa -- bom também dependendo da forma como apessoa se dirigir a mim// Como assim? se ela falar em língua portuguesa - vou responder em língua portuguesa -por uma forma questão até de ética-de educação- não é? E com os seus colegas,aqui, na escola? bom - com os colegas normalmente falamos o crioulo - normalmentefalamos o crioulo// Mesmo nos intervalos …? se - uma ou outra vez - for abordado em português - como eu já disse -responderei também da mesma forma// Com essas pessoas, digamos, que fala crioulo ou português, qual é o papeldo assunto? Ou, o assunto faz mudar para o crioulo ou português, superioreshierárquicos, familiares,colegas? o assunto normalmente é profissional - tratando-se de colegas - não é?mas uma ou outra vez - não é? podemos - muito particularmente - abordar umaquestão de… de outro carácter// Disse-me que fala o crioulo aqui de Santiago e o crioulo da ilha do Sal.Escolhe um desses crioulos para falar com pessoas de barlavento, desotavento, ouusa-os indiferentemente? eu vou explicar-me melhor -- quer dizer - eu senti muita necessidade -quando vim nos primórdios - para a ilha do Santiago - de tentar - no mínimo -dominar a língua - porque quando eu expressava na minha língua - que é o crioulodo Sal - às vezes as pessoas brincavam - e até troçavam - não me entendiam -porque naquelaaltura éramos poucos… Isso foi em que ano? isso foi em setenta e um - quando vim para a Praia - nos finais de setenta eum -- então - mesmo no trabalho - eu tive algumas contendas com algumaspessoas - porque gozavam - não é? da nossa língua - não nos entendiam -- outrosaté iam mais além - então eu disse - bom… é como a gente - quando vai lá para oestrangeiro-vai ao estrangeiro -a gente tem de aprender a língua… Portanto, na altura, a compreensão não era fácil? não era fácil -- as pessoas troçavam -- eu dizia 1besote - portanto a genteno Sal diz besote - 2boses como se diz em S. Vicente - quando dizia besote aspessoas gozavam - não é? então eu disse - bom… eu disse cá para os meus botões- eu vou tentar dominar essa língua -- e de facto consegui dominá-la -- hojeexpresso-me razoavelmente bem no crioulo da ilha de Santiago - sem desprimor -naturalmente - para a minha língua - portanto - que é a língua da ilha do Sal - queeu gosto - eu gosto - não é? eu acho que é por essa razão que eu tenteiaperfeiçoar-me no crioulo de Santiago// Ehoje em dia, como é que utiliza esses dois crioulos? quando falo com uma pessoa - por exemplo como a senhora - não é? quefala o crioulo do Sal - posso expressar-me também -- se falar com uma pessoa dailha do Santiago - falo também o crioulo de Santiago -- portanto não tenho pejonenhum em fazer… Depende da pessoa, portanto? exacto// E a questão dos contextos, em que contextos normalmente usa o crioulo eusa o português? bom - é claro que - eu utilizo a língua portuguesa quando… como eudisse… Em casatambém… em casa -às vezes… Na vizinhança, mercado lojas, repartições publicas, locais de lazer, qualdeles? bom - sim - nas repartições - por uma questão de… digamos de ética - edependendo da pessoa que nos vai atender - procuro sempre usar a línguaportuguesa-não é? Quando diz a pessoa que atende, o que é que… quer ser mais específico? não - se a pessoa que me for atender - que está no guichet - eu vou aoguichet - a pessoa falar comigo em português - expresso em português - está aperceber? na vizinhança normalmente a gente fala é o crioulo - normalmente é ocrioulo- porque é a nossa língua -sentimos mais à vontade em dominá-la - muitasvezes os nossos interlocutores não têm - digamos - esse domínio - domínio dalíngua portuguesa -portanto falam mais vezes o crioulo -então somosforçados… Mercado, lojas? nas lojas e nosmercados também é o crioulo// E locais de lazer, bares, discotecas, restaurantes…? bom - bares e discotecas - eu não sou muito - não é? não os frequentomuito -por isso não posso dizer// Festas? nas festas-normalmente é o crioulo -quando estamos entre amigos// Reuniõesprofissionais? bom - nas reuniões profissionais - algumas vezes abordamos a línguaportuguesa// Quer dizer que algumas vezes é em crioulo? sim// Efalar crioulo e português depende de quê? quando estamos entre nós - não é? por exemplo quando fazemos reuniõesdo concelho directivo nós nos expressamos na língua materna - na língua materna-- mas também falamos a língua portuguesa - quando temos - por exemplo - apresença de um terceiro - que não faz parte do grupo - vá lá - um funcionário doministério - não é? se vier e se dirigir a nós em português - nós falaremos a línguaportuguesa// E com que finalidades …? Estou a falar de objectivos comunicativos nocrioulo e no português. Estou a pensar em coisas como exprimir sentimentos,rezar, orar, namorar, falar de assuntos que o emocionam, praguejar, dizerasneiras… quando estáirritado, exprimir a sua irritação…? mais vezes no crioulo - mais vezes no crioulo - mas outras vezes tambémem português -não é? Pode dizer quando acontece um ou outro? às vezes - quando a gente está irritada - há umas coisas que saem nocrioulo - outras vezes saem em português - porque como eu disse no início -fizemos aquela educação caseira - em que também utilizamos o português - háalgumas expressões que saem mesmo em português -- eu por exemplo quandochego em casa - estou a brincar com os meus filhos - ou até o meu cão - muitasvezes eu faço-o em língua portuguesa - eu faço uso de algumas expressões que eugosto -não é? Estasemana que passou, falou mais vezes crioulo ou português? olhe - eu falei muito mais vezes o crioulo - porque eu estava numaactividade - uma actividade com qual as pessoas falam mais o crioulo - não é?falei o francês também - fiz… vá lá… eu tive de trabalhar também - numa certaaltura com um francês - transportei - falamos - conversamos em francês - masfalei muito mais em crioulo// E durante mais horas seguidas, o crioulo ou o português? o crioulo// E porquê? porque as pessoas falam mais - não é? é a língua mais utilizada no nossocírculo-no nosso meio// Existe alguma circunstância em que, normalmente, ou contexto, em quenormalmente fala crioulo, mas que gostaria de estar a falar português, ou vice-versa? sim -- dependendo do contexto - dependendo das circunstâncias -dependendo do nosso interlocutor - pelo menos no meio em que nós nosencontramos - nos encontrávamos - não é? mas eu… eu… eu adoro a minhalíngua - é o crioulo como disse - mas sempre que eu possa - eu falo o portuguêstambém -porque gosto da língua portuguesatambém - desde sempre gostei// Considera o português como sua língua também? sim - uma segunda língua - sim -- se me vierem perguntar - a seguir aocrioulo - qual seria a sua língua?  naturalmente - eu diria a língua portuguesa --depois -se calhar o inglês - não é? também gosto -não é? Já alguma vez usou o crioulo na sala de aula para se dirigir aos seusalunos? naturalmente que sim -- quer dizer - quando o aluno tem algumadificuldade - manifesta dificuldades na compreensão - digamos - dos conteúdosem língua portuguesa - lá vamos nós - quer dizer - tentar dissipar a dificuldade -usando esse meio// Portanto, para fazer explicações? para fazer explicações - orientar mesmo o aluno -- porque às vezes elestêm dificuldades em se expressar - não é? na língua portuguesa - e utilizammesmo o crioulo -então nós temos de… Com que frequência isso acontece? não - isso acontece várias vezes - até com os níveis mais baixos - querdizer - no sétimo ano particularmente - isso acontece muito - não é? no primeiroano do liceu// E o contrário, os seus alunos alguma vez se dirigiram a si em crioulo? sim - aconteceu - aconteceu - aconteceu no sétimo e no oitavo ano - háalunos que vão até o nono ano com muitas dificuldades - não é? no uso da línguaportuguesa-não é? E dirigem-se a si…? sim - às vezes dirigem-se ao professor em crioulo -- e a gente lá vaidizendo - olhe - procure falar a língua portuguesa - muito embora está-se poroficializar a utilização do crioulo na sala de aula// E eles utilizam… nesses casos utilizam o crioulo para quê? Responder àsperguntas, dirigir-seespontaneamente ou para dizer alguma coisa ao professor? em todos os casos -- fazem isso em todos os casos - quer dizer - às vezesespontaneamente - às vezes para formularem perguntas - outras vezes pararesponder as questões colocadas pelos professores - portanto isso acontece emqualquer circunstância// Vamos situar-nos no ouvir. Habitualmente, de onde é que ouve crioulo e oportuguês? bom - hoje em dia ouve-se o crioulo e o português quase que de todos oslados-pelarádio - pela televisão -enfim… quer dizer… se calhar… Ouve o crioulo pela televisão? há programas - quer dizer - que se fazem - a rádio então - rádio utilizamuito mais o crioulo em relação à televisão - mas também na sociedade emgeral… Há programas de televisão em crioulo,exclusivamente? sim -- eu estou a lembrar-me de Há Mar, Há Terra - não se recorda?havia portanto - enfim - há outros programas ligados - portanto - ao campo - àagricultura - ao mar - para que as pessoas possam entender - se calhar - com maisfacilidade em relação…querdizer -no crioulo// Na rádio,na televisão? sim - aí também - havia notícias - há algum tempo - notícias na rádio emcrioulo - não é? pronto - rádio - televisão utiliza menos o crioulo - mas a rádioutiliza mais - penso eu - é a minha opinião -- bom já não poderei falar dacomunicação social - aí já não podemos integrar - portanto - os jornais - não é?naturalmente - mas a rádio penso que é o meio de comunicação social que maisutiliza o crioulo - a par da língua portuguesatambém - fala-se// Digamos, para além da comunicação social, ouve o português onde? bom - no trabalho - como eu disse - não é? às vezes falamos em português-- nas repartições - não é? nos tribunais - não é? - nos tribunais também se falamuito o português -quem vai lá assistir as audiências… na igreja -não é? tambémse aborda - há abordagens que se fazem em crioulo - mas muitas deles são feitasem português -- portanto - enfim - penso que nos sítios… quer dizer - de ummodo geral// De um modo geral, ouve mais o crioulo ou o português? não - eu ouço mais - ouço mais o crioulo -- mas ouço também - eu ouço -eu tenho por exemplo-há os sítios que eu frequento… Ouve? a genteouve sempre a língua portuguesa// Como por exemplo? portanto - eu tenho a minha componente espiritual - a doutrina que euacredito -eu e a minha família -e aí de facto falamos a língua portuguesa --é umaquestão que eu já me ia esquecendo - eu - todos os dias - portanto - ouço a línguaportuguesa -praticamente todos os dias por causa disso // Eler? Costuma ler em crioulo? muito pouco -infelizmente// Mas já leu alguma coisa em crioulo? sim - já li -tenho alguns livros -sempre que possa compro// Que tipos de livros já leu em crioulo? bom - temos o ALUPEC - não é? temos… portanto - toda a literatura -digamos - crioulo - escrita em crioulo -- quando aparece um outro escritor queescreva - também em crioulo - lá vou eu comprar os meus livrinhos - não é?sempre que possa -enfim - quer dizer -é isso -resume-se a isso// E como é que se sente quando lê o crioulo? ah! já não me sinto tão à vontade como quando leio a língua portuguesa -naturalmente- eu jálhe tinha dito isto// E escrever? Costuma escrever em crioulo? também muito pouco -também muito pouco // Há alguma coisa que,assim, tenha escrito? tenho… tenho alguma dificuldade -- eu escrevi quando andávamos aestudar-portanto -no bacharelato -na licenciatura// Diga-me uma coisa, estando a falar crioulo, numa determinadacircunstância,com algumas pessoas, o que é que o faria mudar para o português? bom… A chegada de alguém, a mudança de assunto…? às vezes eu estou a falar o crioulo com as pessoas e sem querer - semquerer - já estou a meter aí expressões da língua portuguesa - não é? ou umamudança brusca-vai depender também da forma como reagir o meu interlocutor -quer dizer - uma pessoa pode estar a falar comigo - e às tantas mudar também odiscurso para português - então aí terei de fazer o mesmo - mas como eu disse hábocado - há sempre aquela tendência de a gente se situar um pouco na línguaportuguesa - estamos habituados a ela desde os primórdios - quer dizer do nosso -da nossa vida profissional - e não há por onde fugir - não é? embora tenhamos aconsciência plena de que falamos mais vezes o crioulo - mas também há -digamos -um espaço… Desculpe mas, quando está com os colegas a falar o crioulo, e entretantochega um superior hierárquico ou uma autoridade, isto o faria mudar para oportuguês? sim - por uma questão de princípio - de respeito de ética -- quer dizer senós estamos habituados a falar com aquela pessoa - e aquela pessoa intervir defacto na conversa -temos de o fazer// E, pelo contrário, por exemplo, se está a falar crioulo, a falar português,que tipo de pessoa que chegasse entretanto o faria mudar para o crioulo? uma pessoa que não entenda - o português -- por uma questão de educaçãotambém - não é? nós não devemos nunca conversar num idioma - numa línguaque saibamos - de antemão - que a pessoa que lá está - lá estiver - nãocompreenda-não compreenda- aí teríamos de mudar -certamente// Se, por exemplo, está a falar crioulo sobre um assunto pessoal ou familiar,e entretanto, muda para um assunto técnico relacionado com a sua profissão, ouum assunto oficial, isto faria com que mudassedo crioulo para o português? não -- acho que… não necessariamente -- porque se eu notar que a pessoaterá dificuldades em compreender-me na língua portuguesa - naturalmente eu tereique o fazer em crioulo - por uma questão de facilitar mesmo a comunicação - nãoé? Senhor X, diga-me uma coisa, o que é que pensa do crioulo? eu penso que é a nossa língua - não é? a nossa língua - é a nossa línguamaterna -- mas deverá ser trabalhada - deverá ser - digamos - divulgada - não é?respeitada - não é? e que esteja também - digamos - lado a lado com a línguaportuguesa -- quer dizer - não podemos estar - digamos - sentir-nos digamosfrustrados - não é? estarmos a falar - digamos a língua portuguesa - sem quetenhamos em conta a nossa língua materna -- penso que há um projecto - não é?para se introduzir o crioulo nas escolas// Acha que o crioulo deve ser ensinado nas escolas? acho que sim - mas com a seguinte condição - que os professores -primeiramente - acima de tudo - tenham formação nessa base - para que tambémpossam transmitir os conhecimentos científicos sobre as matérias aos discentes -os alunos-não é? mas não é trabalho… não é tarefa fácil// Mas quando diz que o crioulo deve ser ensinado nas escolas, está a dizercomo disciplina …? estou a falar da escrita - fundamentalmente da forma como escrever - nãoé? E ter o crioulo, por exemplo, como língua de ensino, por exemplo damatemática, da física? bom -- isso não será - penso eu - na minha perspectiva - fácil - não seráfácil -- a evolução do crioulo nas escolas não será tarefa fácil - será tarefa árdua -digamos assim -- não vai ser fácil - mesmo com os professores - não é? mesmopara os professores - não é? agora como qualquer língua - qualquer idioma - senós aprendemos a língua portuguesa - que não era nossa - penso que tambémestaremos - portanto - habilitados - não é? ou aptos a trabalhar para isso - para quepossamos de facto abraçar a nossa língua - o crioulo - não é? a nossa línguamaterna// Há bocado disse-me que o crioulo precisa de ser trabalhado. Em quesentido? sim - porque de facto há poucas gramáticas - não é? há tempos eu estava aouvir alguém a dizer isso - não é? os alunos sabiam aquilo que se fezrelativamente ao ALUPEC - não é? o senhor Tomé Varela - o senhor Manuel daVeiga - pronto - e é isso -- penso que deverá haver mais pessoas interessadas noestudo dessa língua - a levá-la - portanto - além fronteiras até - de uma forma…como literatura mesmo - como literatura mesmo - não é? e divulgá-la através dosmeios de comunicação social - preparar pessoas para leccioná-la - enfim - criartodo um sistema de circuito -não é? como as outras línguas - não é? relativamenteao crioulo-valorizar… Acha que o crioulo é uma língua? não -quer dizer - não é uma língua-não é uma língua-mas deve… Então,não é uma língua? essencialmente não porque - terá de ter - portanto - os requisitos técnico -científico-não é? Para quê? trabalhados-para lá chegar -não é? Então,neste momento, o que é, para si, ainda? penso que é - digamos que é qualquer coisa que está… que deverámerecer a transformação - não é? foi por isso que eu disse que terá que sertrabalhado -não é? e divulgado - não é? Eo português? bom -o português já é uma língua -não é? Eo que é que significa para si? bom - é a nossa segunda língua - é a nossa língua administrativa - não é?com a qual nós nos comunicamos por escrito - não é? trabalhamos com ela na salade aula - e não só - faz parte do nosso dia a dia - da nossa comunicação oral - nãoé? como nós - bem - dissemos no início -- mas é essencialmente a nossa língua decomunicação escrita - não é? se eu pretendo fazer uma carta - vou fazê-la portantona língua portuguesa-não vou fazê-la no crioulo - portanto a diferença reside aí// Mas porquê? Acha que é assim que deve ser ou há alguma razão para queisso aconteça? não - não é que eu ache que é assim que deva ser -- o problema é - tendoem conta os condicionalismos - não é? estamos condicionados a isso - não é? nanossa língua… temos dificuldades em expressar no crioulo - não é? de modo quefá-lo-emos é na língua portuguesa - não é? portanto - é por essa razão - por isso éque o crioulo terá de… estou em crer que o crioulo chegará - portanto - a bomporto - e que venha a estar de facto… venha a estar de igual para igual com alíngua portuguesa-portanto são votos que eu faço// Há bocado falou-me do crioulo genuíno. Para si, qual é o verdadeirocrioulo, ocrioulo genuíno? é complicado - eu quando me referi ao genuíno - eu estava a dizer… querdizer o crioulo que eu vi… quer dizer que me viu nascer - lá na ilha do Sal - ondenasci - não é? não é que eu esteja a privilegiar o crioulo do Sal - em detrimento docrioulo da ilha de Santiago ou de qualquer ilha - eu quis - quando eu usei o termo- não é? era precisamente para fazer saber que - não é? o crioulo que eu mehabituei desde criança - portanto - na ilha do Sal - eu até apresentei essa diferença-dos besot// Mas,para si, existe um verdadeiro crioulo? bom isso agora - são aspectos culturais -históricos que o dirão - quer dizer-quem estudou a história de Cabo Verde sabe// Mas diga a sua opinião, qual é…? não - penso que o crioulo aqui de Santiago é muito mais profundo - talvezpor razões históricas que nós sabemos - do que os outros - das outras ilhas -- nãoquero aprofundar muito isso - porque não sou historiador - são portanto questõesque se colocam - quer dizer - eu não quero entrar na ceara alheia - não é? meter afoice na ceara alheia -como se costuma dizer -passe o termo// Diga-me uma coisa senhor X, estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano, e gostar e saber falar o crioulo? Admite alguma circunstância em queum cabo-verdiano não goste ou não saiba falar crioulo? bom isso de facto é um pouco complicado -- há quem questione --portanto - um cabo-verdiano nunca deve perder a sua raiz - não é? a nossa línguafaz parte da nossa cultura - assim como a nossa cachupa - o nosso violão - a nossamorna - a nossa coladeira -- e eu entendo de facto - que o cabo-verdiano devadefender esses princípios - são princípios culturais - porque… nenhum cabo-verdiano deva de facto prescindir - mesmo lá aonde estivermos - mais longe - naChina vá lá - não devemos de facto nunca esquecer o nosso crioulo -fundamentalmente o nosso crioulo -- enfim - poderei não ter acesso a umacachupa - não é? uma cachupada - não é? mas a minha língua - devo preservá-lasempre - faz parte da minha cultura - portanto - como a nossa moeda - enfim - anossa cachupa - como já disse - as nossas músicas - a nossa bandeira - a nossanacionalidade-não é? em suma - portanto -devemos preservá-la// Eo português? bom - o português - claro - já é um pouco contas de outro rosário - masque também faz parte da nossa história - não é? já não faz da nossa cultura - faz -até que faz um pouco -- não é? acho que faz - faz parte um pouco da nossa cultura- porque nós fomos - digamos - durante muitos anos - não é? colonizados - maspenso que todo o cabo-verdiano deverá ter em conta que a língua portuguesa é anossa segunda língua -queiramos ou não queiramos// O que é que acha, dessa possibilidade que nós temos, em Cabo Verde, deusar o crioulo e o português, o que é que pensa desta situação? quer dizer - é bom de um lado - mas pode ser menos bom doutro -principalmente para as nossas crianças - quer dizer - principalmente aquelas quenão têm acesso à língua portuguesa em casa - quando vêm para a escola - querdizer - confrontam com a língua portuguesa - e claro - terão naturalmente maisdificuldades - em relação à criança que vive em casa - que domina o crioulo que éa sua língua materna - mas também fala o português de forma… com algumafluidez - e aí é que eu encontro de facto… ou então um fulano qualquer que nãoestude - não é? que se vê diariamente confrontado… a falar o crioulo - não é? edepois depara-se com alguém com o qual queira falar a língua portuguesa - lá vaiter de facto imensas dificuldades - por isso que o problema se coloca nesseprojecto// E em relação ao português, o que é bom, o aspecto positivo…? o aspecto positivo… bom - é que enquanto não tenhamos - a nossa língua- o crioulo - como disse - devidamente trabalhada - para podermos servir-nos delade todas as formas - como fazemos com a língua portuguesa - temos de ter - denos servir da língua portuguesa para fazer - digamos - aquilo que temos - digamos- aquilo que temos no dia a dia - por exemplo a comunicação escrita - na rádio --às vezes no parlamento - por exemplo - muitas vezes os deputados de facto sãoobrigados a expressar-se - na língua portuguesa - que é também a nossa línguaoficial - não é? porque há gente que não entende crioulo - não é? portanto há essanecessidade// Então acha que se devia continuar a usar o crioulo e o português em CaboVerde? Como é que vê a alternativa linguística desejável para Cabo Verde? não - eu vejo assim - nós vamos trabalhar o crioulo - mas não esquecendoa língua portuguesa - manter se calhar as duas - não é? teríamos essas duaspossibilidades -se conseguirmos elevar… Qual delas seria a língua oficial? o tempo dirá - eu penso que aí o tempo dirá -- se conseguirmos elevar ocrioulo ao nível da língua portuguesa - no futuro - não vamos precisar o tempo -não sei quantos anos é que… quantas décadas é que serão precisas -- mas se umdia conseguirmos elevar o crioulo - ao nível - académico - digamos assim - dalíngua portuguesa - acho que não haveria inconveniência nenhuma em manteressas duas línguas - só tínhamos a ganhar - não é? penso - na minha opinião -penso que talvez… Neste momento temos as duas. temos as duas// Então…? mas quando - quando soubermos dominar perfeitamente o crioulo - comodominamos agora a língua portuguesa - eu não sei se é viável pegar da línguaportuguesa - e desculpe lá a expressão - e coloca-la no caixote de lixo -- pensoque não-porque ela faz parte da nossa cultura -a história diz isso// Certo. Diga-me uma coisa, acha que o crioulo deve ser oficializado? ((risos)) esta é que é uma grande pergunta - não é? sim - a priori - diriasim - não é? agora temos é de ter a consciência - digamos - das nossas limitaçõese dos constrangimentos que iremos encontrar nesta caminhada - não é? nestaestrada longa - não é? que é - digamos - trabalhar - preparar o crioulo - para quede facto toda a gente tenha acesso - a uma forma - até académica - de língua --dominá-la convenientemente tanto do ponto de vista escrito como de… da leitura- não é? mas penso que sim - quer dizer - penso que sim - a resposta seria sim -tendo em conta -naturalmente - esses condicionalismos -essas dificuldades// Senhor X, eu quero perceber melhor uma coisa. Há bocado disse-me que ocrioulo tem de estar ao nível do português ou que poderá ser trabalhado para ficar.Este nível quer dizer o quê, é a língua em si, é o uso,é o estatuto? penso que de todas as formas - de todas as formas -- o estatuto - não é?fundamentalmente -- o uso não é? também o uso - para que ela de facto tenhatambém o estatuto devido - é preciso que saibamos usá-la - utilizá-la - não é? quehaja uma competência - digamos - linguística - de todos os falantes - e a talperformance - não é? de modo que… eu penso que… terá de preencher todos osrequisitos - mas não podemos é dizer que vai ser daqui a 5 anos - ou 10 anos - ouanos-isso eu considero imprevisível -o tempo dirá// Em se mantendo o uso do português e o crioulo em Cabo Verde, o criouloseria usado para quê, e o português para quê? bom… Estou a pensar no falar, ler escrever…? eu penso que a melhor resposta para isto - seria deixar que as pessoas…aliás que o tempo falasse por si -- que dizer - digamos que os falantes agoraqueriam falar - iriam fazer… estando as duas ao mesmo nível - cada um faria asua escolha -não é? em função das suas necessidades -e do contexto também// Acha que o crioulo é adequado para certo tipo de pessoas e o portuguêspara que tipode pessoas? estamos a falar de… o cabo-verdiano não é? Do cabo… Daqui, do que acontece aqui em Cabo Verde. bom - calculo que é do conhecimento de todos - que há gente que temmais tendência para falar - mesmo sendo cabo-verdiano - tem mais tendência parafalar o português de que falar o crioulo -- mas o contrário também acontece - nãoé? o contrário também acontece - e se calhar acontece com maior incidência - hápessoas que adoram mais falar o crioulo do que o português - não é? mas hágente também que seja cabo-verdiana - mas que prefira muitas vezes falar oportuguês - se calhar em detrimento do crioulo - não é? não sei - agora - asrazões// Eu estava a pensar numa coisa do tipo: há quem ache, por exemplo, que ocrioulo é mais adequado para falar com pessoas que não têm instrução, e oportuguês parapessoas instruídas, por exemplo. sim - naturalmente - quando é… o que nós dissemos no início -- quandovamos falar com o nosso interlocutor - e saibamos que ele de facto - não tem -digamos - conhecimento da língua - o uso dessa língua - não vamos forçá-lo porexemplo - sabendo de antemão que ele não vai poder responder - mas se eu voufalar com uma pessoa - que eu já sei de antemão que essa pessoa domina - alíngua- falo em português-mas… E acha que é assim é que deve ser? não - não necessariamente -- se a pessoa… se manifestar interesse emfalar o crioulo comigo - eu falo também o crioulo com ela - não é? dependendo docontexto - dependendo das circunstâncias -- quer dizer - se a pessoa se dirigir amim - mesmo que eu saiba que ela sabe falar a língua portuguesa - mas se ela sedirigir a mim em crioulo - por uma questão de educação - eu vou tambémresponder em crioulo-se fizer o contrário- farei o contrário-não é? Diga-me, e circunstâncias, há circunstâncias em que acha que é maisadequado falar o crioulo e circunstâncias em que é mais adequado falar oportuguês? sim - naturalmente que há circunstâncias -- por exemplo se eu vá falarcom o primeiro ministro - não é? trata-se de uma personalidade com a qual -mesmo que nós tenhamos alguma relação de amizade - por uma questão formal -terei de falar - expressar-me em língua portuguesa quer dizer - que é a nossalíngua - como disse - administrativa - não é? - mas sejamos amigos - se somosamigos - se formos amigos - e estivermos numa festa - e ele primeiro ministro -dirigir a mim em crioulo-eu fá-lo-ei também em crioulo// E assuntos, há assuntos que acha que são melhortratados…? bom - seja lá o que for -- se for assuntos profissionais - e ele se dirigir amim em crioulo -eu também responderei em crioulo// Qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura deCabo Verde? bom - acho que naturalmente é o crioulo - não é? não há dúvidas - querdizer - o crioulo - está patente já no sangue - não é? do cabo-verdiano - aí não hádúvidas-não é? Estou a pensar em actividades ou manifestações culturais de tipo morna,batuque, funaná, teatro, cinema, literatura escrita… crioulo ou português, o que éque acha? não - não - da cultura cabo-verdiana - não há duvidas que éfundamentalmente - o crioulo - não é que não haja indícios também da línguaportuguesa - mas o crioulo - está na tabanca - está nas mornas - está no batuque -está no funaná -enfim… é uma marca- é uma marca profunda da nossa cultura// Admitiria, estasmanifestações em português? Morna… bom… sim - até porque também já temos algumas mornas que sãocantadasem português- não é? Funaná…? sim - pode haver -- há alguns portugueses que já - enfim - já não digoplagiaram - mas que tiveram alguma convivência - enfim com alguns músicosnossos - estou a lembrar de alguns… daquele senhor - foge-me o nome - que erado Ribatejo - que era amigo do malogrado Ildo Lobo - que… ele uma vez esteveaqui em Cabo Verde - ele imitava o Ildo Lobo - e nós imitávamos algumasmúsicas dele -até punha uma boina - não sei se está a ver a pessoa? Não… o Ildo utilizava uma boina - uma boina preta - esse homem tambémutilizava uma boina preta - enfim - esteve aqui uma vez em Cabo Verde - portanto--está a ver? há essa correlação -na cultura -na música// Mas o que eu estou a querer esclarecer, é o seguinte: para si, morna,coladeira, batuque e funaná, tanto faz ser em português serem crioulo? não - para ter o sentido realmente - mesmo da nossa cultura - terá de serforçosamente em crioulo// Eo teatro, cinema a literatura escrita? também-também -também-também-- acho que sim-mas… Também… não percebo… também terá de ser em crioulo// Mesmo aliteratura escrita…? sim - evidentemente -- não é que não possa ser transportada também paraa língua portuguesa-mas terá maior impacto se for…. Poesia, romance…? sim -o maior impacto será em crioulo// No caso do crioulo ser oficializado, qual crioulo acha que deveria ser? esta é que é uma grande questão// Há bocado falou-me do crioulo de Santiago… pois é! aí há variante de sotavento - variante de barlavento - isso agora -eu não sei - quer dizer - é muito complicado de responder - penso que mereceráum estudo profundo - não é? para ver qual das variantes poderá ser de factoaplicada… E segundo os critérios que pensa… para si quais são seriam os critérios ater em contana escolha? bom - os estudos dirão - não é? falarão por si naturalmente -- mas eupenso que a história mostra que o crioulo de Santiago - de sotavento - talvez sejamais profundo - não é? traga mais raízes - portanto - da nossa essência - da nossacultura - enfim - da nossa razão de ser - do cabo-verdiano de hoje - não é? tendoem conta o passado - a escravatura - essas coisas todas -- bom - eu não sou umespecialista nessa matéria - penso que haverá gente melhor posicionada para sepronunciar sobre isso -não é? Mas neste momento, para si, o português deve continuar como a únicalíngua oficial…? sim-não temos outra// Até que o crioulo se desenvolva? evidentemente até que o crioulo seja de facto… atinja de facto o estatutodesejado -não é? Há bocado, falamos do crioulo nas escolas e, na alfabetização de adultos,acha que o crioulo devia ser utilizado, ou poderia ser utilizado na alfabetização deadultos? bom - vai depender do que nós entendemos como alfabetização de adultos-- quer dizer se estamos a preparar um adulto para que de facto ele aprenda osmeandros da vida portuguesa - penso que não fará sentido fazê-la de outra forma -senão em língua portuguesa// Porquê? porque a pessoa está sendo preparada para entrar na máquinaadministrativa - e a nossa língua administrativa é a língua portuguesa - penso queé analisando a questão neste prisma// Senhor X, como é que acha que os cabo-verdianos falam o português?Falam bomportuguês,razoável? os que estão cá? Sim. os residentes - penso que sim - que há um domínio bastante satisfatório dalíngua portuguesa -- quer dizer… acho que se reparar - modéstia à parte - e semintenção nenhuma de ferir ninguém - nem de escusar ninguém - mas se puser aquium cabo-verdiano a falar a língua portuguesa - e colocar também ao lado - vá lá -um outro patrício - desta nossa África lusófona - vai ver que o cabo-verdiano nãofica atrás - quer dizer - tem bom domínio - tem bom sotaque - se afigura mesmomelhor comunicador// Oque é para si falar bom português? aplicar as regras - ter uma boa dicção - falar com fluidez - não é? édominar as regras gramáticas - quer dizer - ter sempre cuidado no emprego - nãoé? do… eu vejo que… uma coisa que eu estou sempre a reflectir-me sobre isso -muita gente quando utiliza o conjuntivo - aliás aplica o 'que' - esquece que o'que'pede conjuntivo - modéstia à parte - encontramos isso até em pessoas quemuitas vezes não esperávamos -- quer dizer - é preciso ter cuidado - isso é um dosgrandes cuidados - quando aplicarmos a… também os advérbios de dúvida -devemos ter cuidado- eu entendo que quem domina minimamente a língua terá depreencher -digamos - essas lacunas// Admite a possibilidade de os cabo-verdianos falarem o português àmaneira dos cabo-verdianos? acho que sim -- quer dizer - o angolano também fala português à suamaneira - há um português angolano como sabe - não é? de modo que o cabo-verdiano também deverá ter a sua maneira - independentemente daquela maneirauniversal de se falar a língua portuguesa// Como é que vê essa maneira? bom - isto agora é um pouco complicado - porque a maneira - é a maneirade cada um -- quer dizer aí nós não podemos assumi-la - mas pronto - se aparecerum português de cariz cabo-verdiano - como há um de Angola - há aquele sotaque-aquela coisa toda… Então, neste momento não existe, para si? não -não existe// E os cabo-verdianos falam…? nós falamos aquilo que devemos falar ou que saibamos falar - tendo emconta - tendo em conta o que aprendemos - não é? associado de certa formaàquilo que ouvimos// Acha que os cabo-verdianos seguem o português europeu? não - não é que sigam o português europeu - quer dizer - tentamaproximar-se do português europeu -mas não quer dizer… E acha que deve ser assim? não - não necessariamente - quer dizer - volto a dizer - o tempo dirá -- nãoas pessoas… eu disse há bocado -quer dizer - falar o português - tem a ver com asexpressões que eu fiz alusão - quer dizer - é o domínio da gramática - saber porque razão é que estamos a empregar esta ou aquela frase - essa expressão - falar -quer dizer - saber falar com fluidez - e haja boa dicção - enfim são esses aspectosé que se encontram// Eu não tenho mais questões, mas se quiser acrescentar algum comentário,alguma… algo que ache que não foi abordado, mas que ache relevante, esteja àvontade. muito bem - eu acho que fizemos uma abordagem -quer dizer - dentro dasnossas limitações - não é? - não tenho - assim - digamos - muita coisa aacrescentar para além daquilo que eu já disse -- gostei imenso - de facto - daforma como colocou as perguntas - portanto - digamos - do seu guião - do seudialogo-só me resta desejar felicidades-não é? Obrigada. digamos - na sua tese de doutoramento - e penso que terá feito uma boaescolha - não é? portanto será um bom tema - de muito interesse - portanto - paraCabo Verde - muito particularmente para os cabo-verdianos que precisam sabermuito sobre o crioulo - portanto - e a língua portuguesa - naturalmente - acorrelação que as duas fazem - não é? que as duas fazem -- masfundamentalmente dizer que para que haja equilíbrio - o tão esperado equilíbrio -é necessário de facto que os especialistas trabalhem o crioulo - não é? da mesmaforma que a língua portuguesa também fora trabalhada - para que ambos estejamdigamos no futuro - no futuro próximo - de lado a lado na nossa sociedade --muito obrigado// Obrigada eu,mais uma vez.2Idem" -INF25.wav,"X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista que agradeço, antes demais. Gostaria que me dissesse, quando aprendeu a falar, antes de entrar para aescola, falava o crioulo ou o português? eu - portanto - falava crioulo -- comecei em casa - portanto - com a minhafamília - aprendi praticamente a língua crioula -- português - só depois de estar emcontacto com o ensino básico mesmo// Mas não tinha qualquer contacto com o português ou já ouvia…? ouvia algumas palavras// De onde? portanto - bom - com familiares que vinham de Portugal - não é? portanto -irmãos da minha mãe que vinham de vez em quanto de férias - eu ouvia uma ououtras palavras - mas formar frases - ou mesmo - portanto - usar a língua portuguesamesmo -construindo frases -assimde forma… correctas e completas não// Comunicação social, igreja…? também -exactamente -alguns contactos// E, actualmente, em casa, com os seus familiares, amigos, colegas…? falamos sim -sim… Colegas mais próximos? eu tenho mais contacto com a língua portuguesa mesmo é - digamos - naescola -- mas saindo do recinto - com amigos - digamos - praticamente falo ocrioulo// Na escola, com os colegas, fala português? com os meus amigos - colegas falo crioulo -- mas com os meus alunossempre português -mesmo fora da sala de aula -sempre português// Está bom. Como é que avalia a sua proficiência geral em português, o seudomínio do português? é assim - ainda considero - admito - que cometo alguns erros de concordância- se calhar prática da língua - quer dizer - digo que ainda não está muito fluente - nãoé? mas para o ensino - não é? tendo em conta o nível dos meus alunos - acho quetenho um bom nível// Falar, ler, escrever? falo-falo// Qual que… sente-se… gosta mais…? sinto-me muito mais à vontade - portanto - com a oralidade - e consigo meexpor - falar assim - de forma aberta - sem problemas - consigo me expressar --mesmo -acho que… considero… admito que falo muito mais do que escrever// E leitura? leitura faço--gosto muito de ler -principalmente obras literárias// E o crioulo? crioulo ((risos)) Falar, ler, escrever… crioulo não - acho que não tenho muito hábito -- houve altura portanto que eutinha interesse de fazer qualquer trabalho - lembro-me - portanto - do tema que era -A interferência do crioulo na aprendizagem do português - eu estava a estudar naaltura - e também - ah! e portanto - Os efeitos do contacto entre as duas línguas --porque eu tinha interesse nessa altura tive oportunidade de ler alguns textos emcrioulo - mas não é fácil -- também já tive uma cadeira que é Língua cabo-verdiana- tive oportunidade de estar mais em contacto com o crioulo// Mas não tem…? Prefere falar, ler ou escrever, português…? prefiro falar -- até que eu sou da opinião de que há necessidade de haver maisobras literárias -- já houve momentos que eu me interessei por essa área - para podertrabalhar - se calhar enveredar por esse caminho - ou escrever qualquer texto emcrioulo -mas depois não fiz mais nada -- mas eu gosto// Mas, prefere… digamos, em termos de português, prefere falar a ler eescrever? não -prefiro mesmo falar// E crioulo? crioulo -pronto já estou em contacto -é uma língua mais familiar// Mas prefere escrever, falar, ler? eu - se calhar prefiro as duas línguas - mas muito mais o português - porqueeu sei que ganho muito mais com a língua portuguesa - tendo em conta os meusobjectivos -mesmo fora do país// Não percebi. Prefere a língua portuguesa… como assim? prefiro - quer dizer - prefiro trabalhar muito mais a língua portuguesa -porque eu sei que de acordo com os meus objectivos… Estudarmais, não é? estudar mais -sim -se calhar ganho muito mais// Acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? ah! creio que em crioulo -acabo por expressar muito mais em crioulo// A falar. E a escrever? a falar -- escrever -em português com certeza -porque não domino… E como é que se sente quando fala português? Sente-se a vontade…? sinto-me à vontade// Tem medo de errar, está atenta? é assim - se calhar depende da situação - com quem converso -- se for na salade aula - com os meus alunos - sinto-me muito à vontade -- mas depende - se estou -portanto - a conversar assim - digamos - com pessoas idosas - pessoas assim com umgrau de conhecimento muito mais elevado - se calhar fico um pouco nervosa - masquando começo a falar -fico mais à vontade -e portanto… E quando fala crioulo? em crioulo? Como é que se sente? sinto à vontade também-- não -não há problemas// Domina o crioulo de Santiago, suponho. de Santiago// E crioulo de outras ilhas? doutras ilhas - portanto - Santo Antão que é mais difícil -- mas de são Vicenteeu consigo usar - portanto - consigo falar com mais facilidade -- do Fogo também - osotaque… Consegue falar… fala crioulo de…? sim - porque eu já fui a essas ilhas - portanto já fui à ilha do Fogo - ilha desão Vicente - portanto - tenho amigos - colegas de trabalho - etc. torna mais difícilcomunicar com essaspessoas// Diga-me, sente-se mais à vontade quando fala crioulo ou português, lê criouloou português, escreve crioulo ou português? sim -sim// A falar, sente mais àvontade com…? sim -a falar sinto-me à vontade// Mais com o crioulo ou o português? ((risos)) acho que com crioulo -não é? A ler e a escrever já sei. Já me disse com o português. sim -português// X, vou lhe pedir para pensar nas três pessoas, com quem mais conversa, foraseu círculo familiar, não é? E que me procurasse definir o perfil dessas pessoas emtermos de idade, sexo, estrato social nacio… naturalidade. Não preciso dos nomes,portanto, é mesmo o perfil dessas pessoas. portanto -fora da… além dos familiares? Sim. Fora do círculo familiar. sim - normalmente converso com vizinhos - com colegas portanto de trabalho-são pessoas com quem me sinto… De entre os vizinhos,pode escolher aquele com quem mais conversa? portanto -tenho que dizer o sexo… Sexo, idade… tenho amigos - portanto - pessoas do sexo masculino - aqui do vizinho - háuma pessoa com quem converso muito - é uma pessoa amiga - não é? mas a idade…já estána fase adulta -digamos assim// Idade, mais ou menos? idade dos quarenta e tal -sim// E sexo? masculino// Masculino. E ela é natural de…? é um homem --é mesmo de Santiago -Cabo Verde// Encontram-se onde? aqui na minha casa - ou na casa dele - ou mesmo em convívios aqui mesmona vizinhança// Certo. Efalam em crioulo ou em português? em crioulo// Que tipo de assuntos? portanto - assuntos se calhar familiares - coisas do dia a dia - questão dedesporto -telejornal -assuntos de notícias - coisas do tipo// Assuntos assim mais oficiais, tipo política…? de vez em quando -um comentário// Mas sempre em crioulo? sempre em crioulo// Pode falar-me duma segunda pessoa? a segunda pessoa pode ser… portanto -tenho uma colega de trabalho - ela poracaso já trabalhou aqui - é portuguesa - já não vai trabalhar nos próximos anos –portanto -mas é uma pessoa com quem converso muito - é do sexo feminino (/risos)) Idade? está na… trinta… trinta e poucos - trinta e poucos - portanto - é uma pessoahumilde -muito profissional -se calhar é esta parte que me cativa mais// É portuguesa? portuguesa// Mas falavam em…? só português -ela não sabe -não fala// E encontram-se onde? na escola// Sempre na escola? naescola// Que tipo de assunto? vamos juntas - voltamos juntas - também falamos por telefone mesmoassuntos profissionais - a minha vida pessoal - eu desabafo com ela - pronto - coisasassim -há uma intimidade// Uma terceira pessoa? bem -fora da minha família? digamos -se calhar o namorado -não? ((risos)) Não, namorado é familiar. bom - amigos - eu tenho em todos os níveis - mas se calhar não há assim umaintimidade - de desabafo - de coisas íntimas - falamos de outros assuntos - não merecordo// Está bom… mas esses… com esses que são cabo-verdianos é usando a língua crioula// Certo. Normalmente, com que tipo de pessoas escolhe falar crioulo ouportuguês? Familiares, amigos, colegas, superiores hierárquicos, autoridades, pessoasinstruídas, sem instrução…? sim// Com que tipo de pessoas escolhe falar crioulo ou português? portanto - falo crioulo com amigos - mesmo colegas de trabalho - portanto sefor à frente dos meus alunos - eu prefiro falar português - se calhar é porque o meuobjectivo é fazer com que eles também gostem e usem essa língua - a línguaportuguesa -- crioulo - eu normalmente falo com os meus amigos - e mesmo com osmeus familiares - mesmo com pessoas que já têm determinado cargo - estão nos seuspostos de trabalho - mas temos uma intimidade - assim nós falamos crioulo - depende- não é? mas falo português - falo com falantes de português - pessoas que sãofalantes da língua portuguesa - ou então em situações formais - com pessoasdesconhecidas -com quem estou a falar pela primeira vez// Está bom! E de que assuntos fala, normalmente, com essas pessoas? Porexemplo, disse-me pessoas… autoridades nos seus postos de trabalho, com pessoasestranhas, familiares… portanto - se tenho a intenção de fazer uma solicitação - um pedido - não deforma formal -assim… Oralmente? oralmente - falo crioulo - não é? tendo em conta que já nos conhecemos -posso telefonar - fazer um pedido - mesmo que seja assuntos de trabalho - váriasvezes já tentei ter… se calhar para ter um trabalho extra - qualquer coisa assim - faloà vontade na língua crioula com essas pessoas - e também pessoas que têm cargo -mas que também são meus familiares - ou mesmo um cunhado - ou uma cunhada - játenho uma certa intimidade -e eu falo crioulo// E se não for da sua intimidade? não -já falo português -porque assim… Quando viaja… Disse-me há bocado que fala crioulo de… De São Vicente// De Santiago, São Vicente, Fogo. Quando viaja para outras ilhas, não é? Porexemplo, ilhas de barlavento, fala que crioulo? falo crioulo// De São Vicente? Qual? com essas pessoas - às vezes mesmo brincando - eu tenho esse hábito -- porexemplo eu já estive na ilha do Fogo - e a tendência - mesmo brincando - falo ocrioulo da ilha da ilha do Fogo - e aqui também já falei muitas vezes - mesmo com omeu filho - porque o pai dele é da ilha do Fogo - então de vez em quando - brincando- eu falo crioulo de Fogo - São Vicente - portanto - tenho amigos que trabalham naTACV e falo crioulo… crioulo de são Vicente com eles// E como é que é a compreensão? não -com facilidade -não tenho… Compreende? sim -sim -sim// E as pessoas? mesmo eu -consigo falar sem problemas// Há bocado disse-me que falar crioulo ou português muitas vezes depende dascircunstâncias. sim -sim// Importa-se de me falar um pouco disso? Os lugares e circunstâncias que usa ocrioulo e oportuguês? quando - por exemplo - eu telefono - hoje mesmo de manhã eu liguei para aTelecom para saber a minha conta de telefone - eu não conheço a pessoa - então eufalei português -- normalmente - quando faço esses telefonemas para sítios - mesmopara local informal - costumo me dirigir à pessoa - já falando em português - ésempre assim// Mercado, lojas…? mercado - normalmente - portanto - eu sinto que a língua que se usa é ocrioulo -- então uma ou outra expressão - assim olha - por favor - isso já sai emportuguês -mas outras coisas acabo por falar crioulo com a pessoa// Nas repartições públicas…? não -nas repartições públicas… Assim, tipo hospital…? falo português -- quando me dirijo às pessoas por exemplo - é a minhatendência - acho mesmo por questão de respeito - e:: as primeiras palavras acabampor sair sempre em português -se calhar também do habito// Na escola, com os seus a… Na sala de aula, com os seus alunos, já me disseque fala português. E nos intervalos das…? com os alunos - nos intervalos continuo a falar português -- agora -desafiando mesmo - tenho estado a despertar nos colegas que também… digo que háesta necessidade// Alguma vez usou o crioulo na sala de aula para se dirigir aos seus alunos? a:: usando como recurso - digamos assim -- porque trabalhando uma obraliterária por exemplo - pode haver situações em que uma palavra - por exemplo - oaluno não entenda aquilo - temos que dar um exemplo - em crioulo diz-se assim --mesmo para explicar situações - quando há situações de interferência - construção defrase em que o aluno escreve - o aluno transfere aquela estrutura do crioulo paraportuguês - fica tal e qual crioulo - não é? então há necessidade de dar umaexplicação ao aluno -- mesmo para fazer… quando digo recurso - estou a falar dumapalavra que é dita em crioulo - que aparece numa obra em crioulo - muitas vezesdizemos em português como é que se diz -ou então vice versa// E assim… para fazer uma explicação, manter um dialogo com o aluno…? não - tudo em crioulo não - nunca fiz -- usando como recurso - mesmo paratraduzir uma palavra - para dizer como é que se diz - em crioulo diz-se assim - parafazer com que o aluno compreenda --mas… E os seus alunos, dirigem-se…? sempre em português - sempre -- desde o primeiro dia de aula que eu definoisso - fica claro - e nós falamos mesmo português - eu sei… é claro uma maioria temdificuldades ((risos)) mas eu continuo a exigir// Certo. Diga-me uma coisa. Na escola ainda, mas não com os alunos, comcolegas, funcionários, etc. director, etc. fala crioulo ou português? falo crioulo - falo crioulo - mesmo quando vou à direcção -- eu acho que issojá esta imposta - não sei - é questão de hábito - mesmo a directora dirige-se para osprofessores em crioulo - a não ser em reuniões - quando temos conselhospedagógicos -ou encontros com os coordenadores - aí falamos a língua portuguesa// Reuniões de coordenação? reuniões de coordenação também falamos português -- mas agora numasituação informal -aí com a directora -falamos crioulo - eu falo crioulo// Pense na última semana, nesta semana que passou. Acha que falou maiscrioulo ou português? não -mais crioulo// E durante mais tempo por dia, crioulo ou português? a:: também crioulo// É capaz de me dizer três circunstâncias em que habitualmente fala crioulo,mas gostaria de falar português? E vice-versa, fala português mas gostaria de poderfalar português nessa circunstância? a:: é assim - acho que… já passei por esses momentos -- quando eu estava -portanto - em Portugal - eu estava a defender um trabalho - lembro-me bem que é –análise morfo-sintáctica entre as duas línguas - estava a fazer apresentação daqueletrabalho - então - houve um momento… os meus colegas colocavam-me DÚvidas -eles tinham aquela ficha - mas estavam a seguir a minha apresentação - mas houveum momento em que eles… eu sentia mesmo vontade de explicar aquilo em crioulo -porque se calhar explicando em crioulo - falando crioulo… mas eles nãocompreendiam - mas eu senti mesmo vontade de expressar - de explicar tudo aquilomesmo a falar crioulo - mas não era possível porque não acompanhavam - mas nessemomento senti -- às vezes na sala de aula também há situações em que - para que oaluno compreenda se calhar há necessidade -- inclusive há colegas que já defenderamisso - defenderam - e dizem até que falam crioulo para fazer com que o aluno entenda-mas eu não… não…. não defendo a mesma opinião// Embora tenha sentido como que essa necessidade? ah sim! sim -sim// Vamos pensar no ouvir. Habitualmente onde é que ouve crioulo, onde é queouve português? crioulo - na rua -- portanto - nas paragens de autocarro - mesmo no cinema -praia de mar - esses sítios todos -- mesmo aqui em casa - o crioulo… portanto… oiçoo crioulo nas escolas -mas já nos intervalos -sala dos professores - basicamente// Sobre que tipos de assuntos é que ouve falar em crioulo, é que ouve as pessoasa falar em crioulo? assuntos… portanto… assuntos variados - é o desporto - portanto - mesmoum comentário - aquele noticiário - no telejornal - oiço… as pessoas fazemcomentários falando crioulo - mesmo aqui em casa com os meus irmãos - portanto -falo crioulo -oiço crioulo -acho que oiço mais o crioulo do que o português// Alguma circunstância… ouve mais crioulo? oiço - a não ser que eu esteja a escutar a rádio - por exemplo - aí oiçoportuguês ou mesmo a seguir a RTP -não é? que eu… Não ouve crioulo na rádio, na televisão? não -na rádio sim -há aquele programa crioulo que é… O noticiário? noticiário - exactamente - noticiário -- mas de vez em quando - DE VEZ emquando -- mas falar - nos momentos que eu abro para ouvir - não é? o noticiário dauma - de manhã acordo - logo ligo a seguir o telejornal não é? não - sim - a RTP -oiço - sigo aquele programa Universidade Aberta - também fala-se português - querdizer -nos restantes programas fala-se português - então estou mais em contacto… Na televisão portuguesa? portuguesa sim -RTP// E na televisão cabo-verdiana? à noite oiço é telejornal - depois do telejornal oiço a telenovela - assim - paradistrair também é português -brasileiro -mas pronto// Na televisão cabo-verdiana ouve crioulo? crioulo - a não ser um ou outro comentário -- quando há um programa - assimdaqueles… mas eu acho que agora há mais programas em… portanto usa-se oportuguês do que o crioulo - a não ser aquele programa de Matilde que… mas achoque já não há -já não se faz esse programa--sim// Bom. E ler? ler agora -em português// Só português? só português -- mesmo porque -eu tenho aqui fichas - textos em crioulo - nãoé? mas tenho muitas fichas em crioulo - com textos mesmo - mas não tenho essehábito - não me passa pela cabeça - vou apanhar esse texto em crioulo para ler-isso não -está fora de questão// Mas porquê? se calhar é porque… não sei - eu gostaria mesmo de fazer isso - mas a não serque eu tenha uma necessidade - mas eu gosto de… se calhar mais tarde fazer algumtrabalho em crioulo - e defendo que esta língua merece ser mais trabalhada - maisvalorizada// E escrever, escreve? Costuma escrever em crioulo? não - dificilmente - difícil -- por exemplo quando envio uma mensagem - porexemplo - por telemóvel - que eu faço sempre - mas em português - isso já sai - saiassim// Não costuma escreverem crioulo, portanto? não - costumo escrever - costumo escrever -- mesmo tendo aquele ALUPECem que vejo - portanto - a versão a parte fonética - mas aquilo não sai de uma formaprática// O que é que costuma escrever em crioulo, que tipo de textos? Bilhetes,cartas…? não -bilhetes não// O quê? não - quando eu… se começar a escrever - aquilo sai já naturalmente - e saiem português// Não percebi. Disse-me que escreve em crioulo. Então, o quê? não -estou a dizer - por exemplo -se escrevo uma ou outra coisa… Ah! Consegue escrever em crioulo? consigo escrever - mas quando penso escrever - sai naturalmente emportuguês --a não ser quando… Uma ou outra vez que escreveu em crioulo, que dificuldades é que sentiu? dificuldades… é assim - aquela parte fonética - sentir o som - tenho que ver agrafia - será que é assim? - depois eu tenho que consultar para não trocar o fónicocom outra consoante - é isso -mas já… X, quando está a falar crioulo, numa dada circunstância, o que é que a fariamudar para o português? Estou a pensar em chegada de alguém, mudança de assunto,por exemplo. sim - já me aconteceu -- por exemplo - na escola - portanto - estava aconversar com uma colega -de trabalho… Em crioulo? em crioulo - exactamente -- mesmo na sala dos professores - estava aconversar -então chegou uma aluna e disse -professora - eu precisava falar consigo- então eu mudei logo - porque falo sempre no português com os meus alunos - entãoobrigatoriamente mudei para português// E, por exemplo, se chega um superior hierárquico, uma autoridade? também -também -por uma questão de respeito - tratamento na terceira// Ah! Porquê respeito? Acha que…? se calhar é assim - se for um desconhecido - ou mesmo que seja uma pessoacom quem estou a manter contacto pela primeira vez - parece-me já uma situaçãomais formal - então eu já faço um tratamento na terceira - e mesmo português - naterceira// E vice-versa, está a falar português, o que é que a faz mudar para o crioulo? depende - uma pessoa… mesmo que seja uma colega de trabalho - não é?mudo imediatamente - estou mais à vontade e portanto… se calhar tambémdepende… se a pessoa… se for uma pessoa que não tem hábito de falar português -ou mesmo não sabe mesmo o português -eu falo crioulo com a pessoa// E por causa do assunto? O assunto tem alguma influência nesta mudança deportuguês para crioulo ou crioulo para português? Sei lá assunto íntimo, pessoal,familiar ou assunto mais oficial, mais sério. Isto tudo tem alguma influência namudança de…? acho que também dependente da pessoa com quem falo -- se estou a falarcom… com uma pessoa - portanto - digamos assim - a conversa foi iniciada emportuguês - portanto estando… estando a conversar com esta pessoa em português -e chegando mais uma ou outra que também fala - ou sente à vontade no assunto -também será melhor expressada - digamos assim - em português - eu prefirocontinuar -- mas se for uma pessoa que não entende - eu mudo para a língua crioula -para fazer com que essa pessoa entenda - mesmo que eu esteja a mudar ((risos)) deuma língua para outra -mas desde que haja compreensão -sim// Há bocado começou a dizer-me a sua opinião sobre o crioulo. O que é quepensa do crioulo, o que é que acha do crioulo? eu gosto… gosto do crioulo - e acho que e:: o crioulo deve ser valorizado -não é? é uma língua que deve ser valorizada -- e realmente… como eu estou emcontacto com os meus alunos - eu sinto na pele - portanto - esta necessidade - porqueos alunos escrevem com com muitos erros - erros de interferência - portanto - comoeu disse há bocado - eles transferem aquela estrutura do crioulo para português -então se calhar é porque não conhecem bem a língua crioula - e não sabem escrever -e também não dominam o português -então eles preferem escrever o português comose fosse o crioulo -- agora - sei que… pronto - é uma questão de tempo - não é? éuma questão de tempo - e uma questão de política de língua para ser adoptada -e levamuito tempo ainda -mas eu acho que devia ser valorizada// Mas porquê? Porquê leva tempo? Para quê esse tempo? tempo para que o aluno entenda as duas coisas -- portanto - para ser como…há bem pouco tempo estavam - portanto - estavam a tentar lutar para que a língua sejaoficializada - havendo - portanto - acontecendo isso - se calhar - ou passando a serensinada a língua crioula nas escolas - se calhar os alunos teriam oportunidade de veras duas coisas de forma mais clara -mas isso leva tempo// Vamos lá ver. Acha que o crioulo deve ser oficializado? sim - sim - acho -- porque e:: estando oficializada - é como se estivessetambém valorizada - é uma forma de ver a língua - como também - como a línguaportuguesa -não é? Também? estando oficializada - ver esta língua como se fosse a língua portuguesa - éver a língua crioula valorizada como se fosse a língua portuguesa também -- querdizer - passa a ser ensinada – então o aluno - desde muito pequeno - o aluno tem…tem… vê as duas coisas em pé de igualdade -pelo menos aqui -não é? No caso do crioulo ser oficializado, como é que ficaria o português? não - para mim o português mantinha - portanto o português fica como está -tem que ser língua… continua a ser língua oficial - língua de ensino - língua veicular- continua a ser a mesma coisa -- mas o crioulo passa a ser conhecido - o aluno passaa conhecer as estruturas - passa a escrever - sabe - conhece as regras de escrita docrioulo -não é? Portanto, passaria a ser ensinado nas escolas como disciplina? nas escolas -como disciplina// E, por exemplo, ser língua de ensino de matemática, física…? não - língua de ensino o português -- se calhar vendo o aluno - mais tarde eletem de sair do país - tem de ir fazer seu curso - e ele não carrega consigo a línguacrioula - não é? para ir estudar fora - então se calhar aqui - é como se estivesse a ver alíngua crioula como um recurso mesmo à aprendizagem// Então, diga-me, portanto o crioulo e o português seriam as duas línguasoficiais? oficiais// E seriam usados para quê, com que funções? ah! o crioulo como - digamos - como uma disciplina em que o aluno aprendeas regras de escrita do crioulo e… o que vai - portanto - lhe facilitar a compreensãodo próprio português - porque ele já não confunde as duas coisas - vê as regras daescrita de cada uma das línguas - e o português continua no seu lugar - portanto -como uma língua oficial - língua de ensino - língua que é usada na sala de aula nãoé? E para escrever correntemente? o crioulo? Estou a perguntar, crioulo ou português? portanto -se ele aprende o crioulo -ele aprende a ler e aprende a escrever e… Mas, por exemplo, sei lá… estou a pensar em jornais, revistas, por exemplo… ah pois! não… Administração… veria o crioulo ou o português? aí pronto - aí se calhar - a pessoa vai adoptando -- o português continua a serutilizado nas situações formais - e pode haver colunas - digamos mesmo nos jornais -colunas - uma parte para o crioulo - e as notícias - portanto - podem ser divulgadasem português - não é? por uma questão de… de fazer com que a língua não perca -portanto - a sua identidade - o crioulo também - pode haver partes - momentos - oumesmo uma notícia dita em português pode ser traduzida para o crioulo - não é? E por exemplo, se um cidadão se dirige a uma entidade pública por escrito,seriaem crioulo ou em português? pode continuar a ser em português - pode ser em português - mas porexemplo… Pode ser quer dizer que poderia também ser em crioulo ou deve ser emportuguês? Ou tanto faz crioulo ou português? poderia… se calhar - isso tanto faz -- porque estando numa equipa ou numgrupo - se decidirem que a língua de comunicação - portanto - seja naquele momentoo crioulo -tudo bem -falam o crioulo// Em caso de oficialização do crioulo, qual crioulo seria oficializado? eu… sinceramente -não sei// Para si, qual é o verdadeiro crioulo? como a minha… a minha língua é o crioulo de Santiago - estou mais àvontade -se calhar nesse sentido eu defendo que seja o crioulo de Santiago ((risos)) Por essa razão? por essa razão - enfim para me ser mais fácil a compreensão -- mesmo aescrita - porque - das outras ilhas se calhar é mais difícil - mesmo a parte fonética -ou pronúncia -é mais difícil -teria que aprender muita coisa// Diga-me… digamos… como é que vê o desenho da situação linguísticadesejável para Cabo Verde? Só… crioulo e português já percebi. Só crioulo eportuguês ou mais línguas? Como é que vê esse desenho? portanto… eu… estou a ver… não sei… não sei se entendi a pergunta - odesejo do próprio cabo-verdiano - como é que eu vejo neste momento a situaçãolinguística em Cabo Verde -ou mesmo pensando numa situação futura? Numa situação futura. Digamos se pudesse dizer, em Cabo Verde vai passar aser assim: crioulo, português… outras línguas// Só crioulo, só português, crioulo e português, crioulo, português e russo, comoé que vê…? não - eu estou a ver o português - portanto - cada vez mais há uma tendênciade valorizar muito mais o português - as pessoas aprenderem - 1ai se N pudeba - emesmo penso que se está a fazer trabalho nesse sentido - do crioulo - do português -ser muito mais falado -e o português vai continuar a ocupar esse terreno -esse lugar -e cada vez mais vai-se trabalhar nesse sentido -- agora o crioulo - ainda por muitotempo - estou a ver essa luta de oficialização - e continua a ser essa língua informal -essa língua de comunicação -mais usada -não ��? nas situações informais -na rua// Mas o que é que pensa disso? Acha que deve continuar a ser assim, o que éque deve mudar, como? penso que tudo pode continuar - quer dizer - deve continuar -- mas tambémtem que haver mais amor para a língua portuguesa - é preciso aprender mais - épreciso trabalhar mais porque senão… A língua portuguesa? a língua portuguesa// E o crioulo? e o crioulo - mesmo estando oficializado - mas é preciso fazer entender aspessoas - é… vai ser oficializada para ser valorizada - para a identi… fazer com queo povo seja identificado por essa língua - por esse elemento cultural - mas é umadisciplina - não é uma língua assim de comunicação -- a não ser que as pessoasadoptem esse meio - a não ser que as pessoas queiram utilizar em situações - mesmoque sejam formais - mas que queiram utilizar o crioulo - mas que o português nuncaperca o seu lugar de língua (?)// Como é que seria a valorização do crioulo? Em que aspectos investiria maisconcretamente? é portanto valorizar no sentido de dar voz - no sentido de ocupar um lugar -não é? que ainda não ocupa na escola - como uma disciplina - de aprender essasregras - de o cabo-verdiano mesmo saber - conhecer as regras de escrita da suaprópria língua - não é só usá-la oralmente como nós usamos -- eu estou a dizer umapalavra em crioulo - mas ao fim e ao cabo - não sei escrever esta palavra - então euacho que por direito o cabo-verdiano deve saber escrever -- imagina um estrangeiropergunta - a palavra x como é que se escreve?  então - ele não sabe porque ele nãoconhece a parte de escrita - não conhece a grafia dessa palavra - daí que eu queria vero crioulo - portanto a ser valorizado - não é? mas desde que o português não perca -as pessoas… eu acho que as pessoas temem que o crioulo venha a ser oficializado - eas pessoas esqueçam o português - e prefiram o crioulo porque é mais fácil - porquejá sabemos falar -- mas é preciso trabalhar nesse sentido - de modo que seja umadisciplina digamos assim -mas não uma língua que venha substituir o português// Há bocado falou-me da identidade do cabo-verdiano. Que relação estabeleceentre o crioulo e ser cabo-verdiano? pronto -o crioulo - mesmo havendo essas variantes - mas é já… é uma língua- não é? uma língua com as suas características - então o cabo-verdiano é conhecidocomo cabo-verdiano por causa do seu próprio crioulo -não é? da sua língua// Admite por exemplo que um cabo-verdiano não goste ou não saiba falarcrioulo? eu acho que todo o cabo-verdiano sabe - sabe falar crioulo - embora havendo- portanto aquela variedade toda - isto de o crioulo que dizemos o crioulo mais fundo- eu não… por exemplo - eu sei falar crioulo de Santiago - não domino o crioulo dasoutras ilhas muito bem - também mesmo aqui em Santiago não consigo falar crioulopor exemplo de Txon di Tanki-portanto da Assomada -das outras localidades// Mas esse crioulo fundo, esse crioulo aqui da Praia, qual é o verdadeirocrioulo? esse é que é o problema ((risos)) para dizer o verdadeiro - se calhar - digamos- se formos ver a origem ((risos))- é complicado - é complicado porque a língua estáem constante transformação - então vemos a origem - nós sabemos portanto - ocrioulo passou por fases - mas mesmo dizendo que agora estamos na sua fasepropriamente ditacrioula - mas… verdadeiro é complicado// Estivemos a falar do crioulo… o que é que acha deste momento actual, emCabo Verde, de nós podermos usar o crioulo e o português? O que é que acha dessasituação? de nós podermos utilizar as duas ao mesmo tempo? Sim. sim -acho que… portanto… É uma situação normal, natural, desejável…? sim - é - é normal -- e é assim - eu acho que tem a ver com a preferência daspessoas - não é? porque já se fala as duas línguas - as pessoas vão falando - não hánada de obrigatório -então cada um opta pela língua que sabe mais// A X sabe sempre quando usar uma e usar outra? sim - sim eu sei -- por exemplo eu estou com amigos - com pessoas comquem tenho uma relação íntima por exemplo - por exemplo uma situação - brincando-- muitas vezes já me ocorreu isso - estando aí na escola já falei por exemplo crioulode São Vicente - só porque a pessoa com quem estou a conversar é da ilha de SãoVicente - então os meus colegas dizem - ah! agora deste para falar crioulo de SãoVicente!  - hoje por exemplo - é crioulo do Fogo - mas se me apetecer falar oportuguês -eu falo português// E como com que finalidades, normalmente, usa o crioulo e o português? Estoua pensar em coisas como namorar, pedir uma informação… sim -sim -exacto// rezar, orar, convencer alguém de algumacoisa, ou quando está irritada? exactamente - pois - portanto rezar já… se estou a ler - a fazer uma oraçãoque já está escrita - uma coisa já fixa na língua -tudo bem - aí é decorado - é chegar edizer// É português, não? português - como está na língua -- mas se eu estou a falar - tendo em conta asminhas intenções -os meus pedidos - só falo crioulo// Fala crioulo. falo crioulo - também situações de namoro - normalmente falo português -existe situações que já falei em inglês por exemplo - escrevendo uma mensagem -escrevendo uma coisinha assim -simples// Disse-me namorar, com o seu namorado, português? nãoassim -não conversando -se pretendo mandar uma mensagem// Não pessoalmente? pessoalmente -crioulo// Quando está irritada ou fala…? quando estou irritada acho que falo crioulo - falo crioulo - não - falo crioulomesmo// Bom e relativamente ao português, para si o que é que o português representa? para mim é uma língua muito interessante - uma língua portanto - outra vez -portanto tenho os meus objectivos com esta língua porque já é uma língua decomunicação - portanto já é uma língua veicular - eu preciso saber esta língua - eupreciso dominar mais -tenho os meus objectivos -de estudo// O que quer dizer com língua veicular? portanto - eu estou a dizer no sentido… quer dizer língua que é usada - línguaque funciona - estando na escola é a língua de uso para ensinar as outras disciplinas -não é? logo tem que ser a língua de uso para funcionar para tudo -quer dizer que é… Estabelece alguma relação entre o português e a identidade do cabo-verdiano? português - a não ser a questão histórica que nós conhecemos - mas havendoportanto o português… a:: porque há - nós sabemos - quer dizer - o nosso crioulo - anossa língua crioula é já uma língua que tem aquela base lexical portuguesa - querdizer que há - digamos - que há encontros ((risos)) encontros - palavras semelhantes -não é? mesmo a nível fonético// Para si, digamos. Para a sua… digamos assim: considera o português comouma das suas línguas, como a sua língua, na mesma… ao mesmo título que o crioulo,faz alguma diferença? tendo em conta que já não me identifico - não me consigo identificar como…quer dizer… a língua portuguesa é minha -- como sendo aquela língua materna - aprimeira - isso não - já não vejo as coisas desta forma -- mas eu vejo - continuo a vera língua portuguesa como a língua - portanto oficial - língua de aprendizagem - comquem ainda - com a qual vou continuar a manter as minhas relações porque voucontinuar a estudar - preciso continuar a utilizar a língua portuguesa - etc. - mas nãouma questão de identidade// E no mundo de hoje, o que é que acha mais normal, mais comum, saber umalíngua ou mais que uma língua? mais que uma língua -- uma questão mesmo de necessidade - é mesmo…porque hoje em dia estamos… portanto - em contacto com povos - portanto pessoasde varias nacionalidades - não é? então há essa interacção entre pessoas - anecessidade mesmo de fazer amigos - às vezes há situações em que eu fico tristeporque - por exemplo - não sei o espanhol - às vezes eu saio - por exemplo com aminha irmã que é medica - estudou em Cuba - então ela está a falar espanhol com osseus colegas - e eu fico lá fico a ouvir - com vontade - é uma língua bonita - não é?gosto daquela pronúncia - mas não consigo porque não sei espanhol - então é ofrancês e por aí em diante -outras línguas - então há mesmo essa necessidade// Diga-me uma coisa, X, acha… Com que tipo de pessoas acha adequado falarportuguês e com que tipo de pessoas acha adequado falar o crioulo? bem - a primeira eu acho que - portanto - estando com um português - poruma questão de respeito pela língua - porque a pessoa não entende a nossa línguacrioula -eu devo mesmo falar português -não é? Portanto, o português é adequado para pessoas que não percebem o crioulo? não percebem crioulo - não é? exactamente -- também estando numa situaçãoformal acho que devo falar o português - não é? situações formais -- estando numasala de aula também - tendo em conta que já é língua - como disse há bocado -veicular - língua de uso - não é? devo falar português - uma forma de valorizar estalíngua - uma forma de fazer com que o aluno também use a língua - tenha… umaforma de despertar mais gosto -mais amor a esta língua// Diria então que o português é mais adequado a situações formais do que ocrioulo? sim - quer dizer - é o que… já estou habituada a situações do tipo - vejo ascoisas desta forma - portanto - embora… e:: eu acabo por falar mesmo o crioulo -mesmo estando nessas situações - sinto-me mais à vontade - bom - como eu disse hábocado -se calhar por uma questão de respeito - sai mesmo o português// Mas acha que deve ser assim, que se deve continuar assim? não - não tem que ser assim - uma regra - não tem que ser uma regra - nãotem de ser imposta -- depende - se a pessoa… às vezes - à primeira - há quem diz - apessoa com quem converso - mesmo sendo uma pessoa que desempenha um cargo -ou estando numa situação formal - diz - esteja à vontade - fala crioulo - ou mesmose a pessoa iniciar a falar crioulo -já eu também falo// E assuntos, X. Acha que há assuntos que devem ser tratados só em português eassuntos que devem ser tratados só em crioulo? ((risos)) não -acho que não -- mesmo isso depende// Depende de? mesmo sendo… por exemplo se for uma notícia - agora estou a pensar é nanotícia - sendo uma notícia - estamos a ler a notícia - estamos a fazer um comentárioda notícia - acho que esse comentário podia ser tanto feito em crioulo como emportuguês - não tem… agora depende da pessoa com quem eu estou a fazer essecomentário -não é? Portanto, o assunto, português ou crioulo…? tanto faz// Depende da pessoa? depende da pessoa// Diga-me uma coisa, qual deles o crioulo ou português, acha que exprimemelhor a cultura de Cabo Verde? a cultura? ((risos)) Estou a pensar nas manifestações culturais, por exemplo batuque, morna,funaná… não - isso agora - se calhar eu digo que é a língua crioula - acho que o crioulo-através do crioulo// Acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? sim -sim -acho que sim// Cinema, teatro… não -isso -cinema -teatro… Literatura? português -é já o português// Poesia, prosa? e::: eu… se calhar é porque já estou mais habituada a ler na língua portuguesa- se calhar defendo a língua portuguesa - mas também… havendo… se calhartambém falta trabalhos em crioulo - trabalhos literários em crioulo - já não… não seisinceramente - português mais - acho que através do português expressa-se melhor acultura -mas em crioulo fica chata já a parte literária// E na alfabetização de adultos, acha que o crioulo deveria ser usado? a:: na alfabetização de adultos, o português deve ser usado? O crioulo. o crioulo - se calhar na mesma óptica que eu disse há bocado - portanto - elestambém - se calhar estando mais em contacto com o crioulo - para já estão mais emcontacto com o crioulo - já conhecem porque falam - devem aprender também -devem aprender o crioulo -como se escreve o crioulo// Mas e o português? o português também// Então, devem ser alfabetizados nas duas línguas? as duas línguas -alfabetização em geral// Como é que acha que os cabo-verdianos falam o português? português? Bem, mal, à maneira deles? eu acho que os cabo-verdianos -é uma minoria… De um modo geral. acho que é uma minoria que tem um certo domínio -- a maioria não - porcausa da falta de prática - não há comunicação já em casa - que eu… como convivocom os alunos - com os pais dos alunos - quando eles vão à escola - então nóssentimos… sentimos isso - não há o uso da língua portuguesa - não há hábito mesmode falar português// E então, falam mal, falam bem, falam à nossa maneira, o que é que pensa? eu acho que o português ainda não está bem falado - assim - pela maioria--a:: é uma minoria mesmo que fala - e fala bem - portanto - pessoas - digamos - comum nível de escolaridade alto - não é? professores e nem… até depende… mesmo osprofessores ainda têm… não falam bem o português// O que é, para si, falar bem, bom português? é saber -portanto -palavras -sem cometer erros// Que tipos de erros? erros de concordância - porque às vezes nós não sabemos - às vezes nós nãosabemos - aqueles erros mesmo de competência - não sabemos -- às vezes é um lapso- por exemplo - mas corrige-se logo -- mas falar bem - é falar - portanto - semcometer erros - é fazer concordância - é usar portanto vocabulários - não é?adequados -não é? fazer… haver uma certa coerência -uma coesão mesmo// Diga-me uma coisa. Por exemplo, falar português usando palavras do criouloou sons quese confundem com o crioulo, para si isso…? também isso considero incorrecto// Incorrecto? sim - por exemplo tenho colegas - por exemplo professores - que dizem emvez de coração -dizem 2korasonpor exemplo a:: fazer então isso já é incorrecto// Fala-se, por exemplo, de português europeu, português do Brasil, português deAngola. Acha que os cabo-verdianos devem falar como? Como o português europeu,português brasileiro, português cabo-verdiano… o que é que acha? eu defendo sempre que nós aprendemos a língua portuguesa - a oficial - alíngua padrão - não é? de acordo com a norma - eu acho que nós - os cabo-verdianosdevemos continuar a aprender esta - não é? e continuar a falar mesmo esta língua - aeuropeia// Porquê? ((risos)) nunca pensei nesse aspecto - mas tendo… uma questão devalorizar… uma questão de falar a língua… se calhar é a língua correcta - é a norma -é a que esta padronizada - então devemos continuar a seguir essa norma -- agora falaras outras - se calhar em situações em que nos apetece - ou mesmo para mostrar quesabemos - ou mesmo para explicar - por exemplo há um conteúdo que se trabalha no10º ano - que é - a variedade do português - o aluno fica a saber que existe essasvariedades - tanto a nível fonético - semântico -etc. então aí podemos recorrer - fazerum levantamento dessas palavras - e trabalhar a fonética - o significado - mas nãopara usar -- não posso estar a falar o português - por exemplo com os meus alunos - eestar a fazer uma pronúncia brasileira - porque senão faço passar algo que não écorrecto - ele não deve aprender esse português como sendo o português padrão -temque aprender o correcto - que já foi definido - que é o correcto mesmo - mas agorasaber que existem as outras variedades// E admite, por exemplo, que exista ou venha a existir uma variedade cabo-verdiana do português? por exemplo que venha - e venha ser utilizada mesmo - seja imposta? eu achoque agora - na comunicação oral - isso já acontece -- porque - por exemplo - nósfalamos - na oralidade vamos admitir esses erros - ou então a pessoa usa uma palavra-por exemplo -já do crioulo// O que acha disso, dessa maneira de falar? ((risos)) essa maneira… quer dizer - sabemos que na oralidade vai-se admitir- não é? mas eu prefiro… acho que as pessoas deviam é sempre fazer passar ocorrecto - porque as crianças aprendem - vão ouvindo - se calhar há quem fique comdúvida - há um estrangeiro que fica com dúvida - afinal - qual é o correcto? -então… X, não tenho mais perguntas, mas se tiver algum comentário, alguma questãoque eu não abordei que ache relevante e que queira tocar, esteja à vontade. do crioulo -acho que não -por enquanto// Crioulo, português. por enquanto não// Então, mais uma vez, muito obrigada. Obrigada, eu.1Tradução para português: Ah, se eu pudesse!2Tradução para português: coração" -INF26.wav,"Professora X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A primeirapergunta que eu lhe quero colocar é a seguinte: antes de entrar para a escola, tinhaaprendido o crioulo, o português, os dois?(…)Já sabia falar o crioulo, o português? Como, professora? Antes de entrar para a escola, como… criancinha. ainda só crioulo// Só crioulo? só crioulo// Só falava crioulo. Mas já tinha ouvido o português? já// E ouvia de onde?(…)Onde é que ouvia? eu… acompanhava os meus irmãos que iam para a escola - ouvia osprofessores a falar o português// Igreja, rádio..? na igreja - na missa ouvia o português -- quando era criancinha - ainda nãotinha o hábito de ouvir rádio -naquela altura... Portanto, só quando acompanhava os irmãos à escola… ou na missa// E hoje, em casa com os seus familiares? ainda continuamos a falar o crioulo lá em casa// falam crioulo --e com os seus amigos? com os meus amigos - quando começarem a falar em português - claro quetemos de dialogar em português -mas caso contrário falamos em crioulo// E com os colegas de escola, os colegas de trabalho? normalmente falamos o crioulo -normalmente o crioulo// Diga-me, como é que avalia, como é que acha que é o seu domínio doportuguês? Bom, muito bom, a falar, a ler, escrever? a ler - ler o português - eu considero muito bom porque procuro lerexactamente como está escrito -- a falar - já não digo em termos de som - dado aquelehábito de falar mais o crioulo - mas procuro falar um português - posso garantir que ébom// E a escrever, como é que acha que escreve? a escrever -escrevo melhor do que falar// O português? melhor a escrita -sai sempre melhor// E o crioulo? falar -o crioulo// Falar, ler, escrever? falar o crioulo sim -- mas ler já há alguma dificuldade - mais que ler oportuguês - porque tenho mais o hábito de ler em português - escrever em português --o crioulo é mais na oralidade// E diga-me, falar português falar, crioulo… Qual é que gosta mais, qual é queprefere, qual é que se sente mais à vontade? sinto-me à vontade em falar o crioulo// E gosta mais de falar português ou crioulo? gosto mais de falar o crioulo - porque consigo espelhar - exprimir - tudoaquilo que sinto// Acha que exprime melhor as suas ideias em…? em crioulo// Em crioulo. E a ler, melhor? a ler prefiro o português porque o crioulo não estou habituada a… a verpalavras em crioulo -- leio - mas português com mais desembaraço - com maisfacilidade// E a escrever, também…? a escrever é o português// Disse-me que fala… exprime melhor as suas ideias em crioulo do que emportuguês. E como é que se sente quando fala o português? Sente-se intimidada, temmedo de errar ou está absolutamente à vontade? às vezes não estou assim muito à vontade - porque - de vez em quando - agente pode errar -ou pode cometer erros// Mas fala com medo de errar ou…? falo -falo às vezes se sair qualquer coisa incorrecto -volto para trás -corrijo -e avanço para a frente// E sente sempre quando isso acontece? Dáconta? acho que dou conta// eu vou-lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversa fora dasua família, não é? As suas… pessoas da vizinhança, colegas… pessoas com quemmais conversa fora do seu círculo familiar. Eu não preciso de nomes, naturalmente,mas que me falasse dessas pessoas em termos da sua idade, sexo. o que é que elasfazem como actividade, se são cabo-verdianas ou não… as pessoas com quem mais falo… há uma mais ou menos da minha idade… Sexo feminino? sexo feminino -- eu não sei… tenho intimidade mais com pessoas do sexofeminino de que com pessoas do sexo masculino// Certo. e há uma outra… Qual é a profissão dela, dessa pessoa? há uma que é professora// esta… que acabou de falar? essas são todas professoras --uma fizemos o curso -o primeiro curso… Uma de cada vez. Fale-me de uma de cada vez. Essa primeira pessoa que disseque é mais ou menos da sua idade… esta nós fizemos o curso e… ao mesmo tempo - antes tivemos habituadas aestudar… Bacharel? bacharel -- estivemos a estudar disciplinas do curso complementar - apreparar para os exames -e mesmo nas actividades… Diga-me, esta pessoa, vocês encontram-se onde, em… no trabalho, em casa,na vizinhança…? no trabalho -às vezes nas reuniões do grupo que não têm nada a ver com… Que tipo de grupo? grupo… Grupo religioso? grupo religioso -- e vou a casa dela - ela vai à minha casa - encontramos nocaminho// Ela é professora também, do ensino secundário? ela é professora do ensino secundário// Vocês falam em crioulo ou português? só o crioulo// E que tipos de assuntos vocês falam? assuntos pessoais - assuntos íntimos - assuntos relacionados com o trabalho -vários assuntos// Assuntos da vida diária, da política? diária -politica muito pouco - mas… E quando vocês se encontram nas actividades do grupo religioso, vocês falamo quê, português, crioulo? sempre em crioulo// Sempre em crioulo? sempre crioulo// Segunda pessoa? segunda pessoa… se calhar esta a era a primeira -era a primeira - mas… Fala mais com esta que vai dizer agora? não mais -- é assim - foi primeira - mas se calhar ficou um pouco maisafastada - ficou um pouco mais afastada -- ela é mais velha do que mim - um pouco -um pouquinho - mas fizemos o primeiro curso - e… e no mesmo ano -- e trabalhamosna mesma zona - íamos juntamente para o trabalho - voltamos juntamente - era ali nointerior - no Rui Vaz - eu era a directora da escola onde eu trabalhava - ela tambémera directora da escola dela - vínhamos para Praia tratar de assuntos relacionados como trabalho - o concelho naquela altura era concelho da Praia - vínhamos para a Praiatratar de assuntos relacionados com o trabalho - até ela dormia comigo em casa dosmeus pais quando vínhamos à tardinha - só voltávamos de manhã para ir retomar otrabalho - e no domingo íamos à missa - eu ia para casa dela porque eu morava umpouco mais afastada… Eram vizinhas, portanto, também? não era assim bem bem vizinhas - não sei - não era assim muito distanciado -mas eu considero vizinhas pessoas que moram na mesma redondeza - podem sair aténa rua - falar com a outra - sim - ela morava um pouco mais distante -- só que eu saíada minha casa - passava por casa dela - e íamos juntas no caminho - voltávamosjuntamente -e tínhamos uma grande relação -uma grande relação mesmo// Mas actualmente, não? ainda continuamos com aquela intimidade - mas só que dada aresponsabilidade -ela com a sua família em casa -eu com a minha família -já… Com essa pessoa fala português ou crioulo? sempre crioulo// Sempre crioulo. Que tipo de assuntos? e:: assuntos MUIto íntimos - muito íntimos - relacionado com o trabalho -relacionado também com a vida religiosa porque somos da mesma religião - tambémparticipamos em grupos religiosos - no mesmo grupo religioso - e falamos das nossasdificuldades -das nossas aventuras -dos nossas problemas -falamos de tudo// Está bom. E uma terceira pessoa, consegue dizer-me? uma terceira? actual? Actual. Uma terceira, mas actual, actualmente. actualmente -- ela também é professora - mas é mais nova -- a nossa amizadecomeçou na preparação para exame para as disciplinas do… acho que é do ensino…do curso complementar - estávamos a estudar - encontrávamos de noite para estudarem locais - mesmo de dia para preparar o exame - ficamos com aquela amizade --depois ela fez… fez o bacharelato - também ela fez a formação em francês - fez alicenciatura também - agora está a dar aula - vamos fazer a caminhada juntamente -eu levanto-me normalmente às cinco horas - preparo-me - vou apanhá-la às cinco emeia -nós damos uma volta - duas - nós as duas - damos volta - conversamos duranteo caminho -voltamos para casa -ela chega primeiro - depois… Continua. E vocês, falam em crioulo ou em português? crioulo -só crioulo// todo o tipo de assunto? todos os assuntos// Digamos sociais, da vida social, da política, religião…? social - política - religião - política - mesmo da vida íntima - tudo - só emcrioulo// Normalmente, com que tipo de pessoas é que fala português? quando… por exemplo - na sala de aula - eu não consigo falar o crioulo comos alunos na sala de aula - mas desde o EBI - não me sinto bem a falar o crioulo comum aluno - com qualquer aluno na sala de aula -- e mesmo no EBI - quando comeceia trabalhar - naquela altura era escola primária - mesmo na rua - eu falava com osmeus alunos em português - mesmo no caminho - que eles encontravam no caminho -já fora do tempo de aulas - eu falava com os meus alunos em português - e obrigavaeles a responder também em português -- agora também no ensino secundário -- nasala de aula - falo com os alunos… mas há alunos que são rebeldes! são teimosos!falam crioulo na mesma! mesmo comigo - mas eu exijo sempre - digo sempre que nasala de aula o nosso diálogo deve ser sempre em português - porque o crioulo - jásabem o crioulo - já dominam o crioulo - estão na escola para aprender - mesmo quefor um bocadinho - de português -- é falando que aprende a falar - portanto insistocom os meus alunos na turma para falarem em português - também se eu encontraruma pessoa que não fala o crioulo - mesmo que fala crioulo - se falar comigo oportuguês -a nossa conversa é em português -normalmente// E com superiores hierárquicos, autoridades fala o quê? o português - o português - às vezes há aqueles que podem optar por crioulo -falamos o crioulo -- mas se começarem a falar o português - a nossa conversa vai serem português// Portanto, digamos que crioulo fala com amigos, familiares… amigos -familiares… Colegas? colegas// E o português já com os alunos…? o português com os alunos - com pessoas que preferem o português - ou quefalam exclusivamente o português// Com pessoas mais instruídas, fala o crioulo ou o português? isto depende - isto depende -- há pessoas que optam pelo português - pronto -tenho que falar o português -- se alguém falar comigo em português - pronto - temque ser só no português --mas se falar comigo em crioulo… AX fala crioulo daqui de Santiago? crioulo de Santiago// Só? só - às vezes posso experimentar - ver qualquer coisa relacionado com obarlavento --mas… Quando fala com pessoas de barlavento, fala o crioulo de Santiago? eu falo crioulo de Santiago// Como é que é a compreensão? eu penso que… normalmente são pessoas que se calhar compreendem umbocadinho de crioulo de Santiago - mas às vezes uso alguns termos do crioulo delespara poderem… Mas porque não percebem, porque há dificuldade de compreensão? De ummodo geral, como é a compreensão quando fala com pessoas de barlavento, usandocrioulo de Santiago? eu penso que assim como não entendo exactamente aquilo que elas dizem nomomento - isto é - às vezes é necessário repetir para eu poder compreender - damesma maneira também as pessoas têm dificuldade em entender exactamente// E então usa o português? Alguma vez já usou, falou o português para falarcom pessoas de barlavento, por exemplo? às vezes utilizo algumas palavras em português -mas não assim… Só palavras, não conversa mesmo. Com com pessoas de sotavento, usa ocrioulo de Santiago? crioulo de Santiago// E como é que é a compreensão com essas pessoas? quando falo crioulo de Santiago? mhm mhm tudo fica claro// Compreendem? mesmo com aquelas pessoas que falam o crioulo profundo - há um criouloprofundo e há um crioulo… não sei se posso dizer quase aportuguesado - que usamuitos termos em português -não há dificuldade de compreensão// Mesmo que seja…? Não percebi bem. há pessoas que falam o crioulo profundo -usam por exemplo… E nesse caso compreende bem? eu compreendo -- eu compreendo - mas eu não uso - só para não usar essecrioulo assim - porque eu considero que é um crioulo bastante atrasado em relação aoportuguês// Diga-me uma coisa. Normalmente, escolhe falar o português ou crioulo emfunção de um assunto? Por exemplo, com os familiares fala crioulo. Mas que tipo deassunto fala com os seus familiares em crioulo? acho que qualquer assunto// Qualquer assunto. E com um superior hierárquico fala…? falo só português - porque eles também respondem em português - preferemportuguês// Normalmente, que tipo de assuntos? normalmente é assunto relacionado com… como é que eu posso dizer?portanto - se vou ao ministério normalmente vou tratar de assuntos relacionados como meu enquadramento - saber desta história - da situação - da carreira - a minhasituação no ministério// Ok. E quanto aos lugares e contextos onde fala português e crioulo? Porexemplo, em casa, já me disse que é o crioulo, com… na vizinhança é o crioulo. Masmercado, lojas, repartições públicas, lugares de lazer tipo restaurantes ou cinema,festas, o que é que usa o crioulo ou o português? normalmente quando vou a repartições públicas - se alguém que me está aatender-me prefere o crioulo - às vezes eu começo a falar - entendo que a pessoa estáa falar o português -logo falamos português// Mas normalmente… quando está numa repartição, começa a falar o quê? às vezes eu começo por fazer uma introdução em português - mas se a pessoaresponder em crioulo - vamos falar em crioulo -- se me responder em português entãofalamos português// Na escola, nos intervalos… já me disse que com os alunos fala portuguêssempre, mesmo nos intervalos, mas com os colegas, com o director da escola,coordenador, etc.? normalmente falamos o crioulo// Só o crioulo? normalmente falamos o crioulo// Nas associações, nos grupos religiosos de que participa, fala crioulo ouportuguês? falamos crioulo// Falam em crioulo? falamos em crioulo// E cinemas, cafés,restaurantes…? normalmente é com os amigos-assim-falamos o crioulo// Crioulo, não é? a não ser que no meio haja alguma pessoa que não entende o crioulo - vamosfalar o português// Alguma vez, na sala de aula, usou o crioulo para se dirigir aos seus alunos? há algumas situações em que já costumo usar o crioulo -um pouco -- às vezesexplico uma coisa em português - mas verifico que os alunos não querem entender -às vezes eu sinto um bocadinho de complexo ao transformar aquele assunto numbocadinho de crioulo para o aluno poder entender - olha - aquilo que estamos a dizerem português - em crioulo diz-se assim - assado - para ver se o aluno entendemelhor -- às vezes temos essa necessidade porque vejo que há muitos alunos que…apesar de tanta insistência - preferem falar o crioulo - às vezes eu finjo que não estoua entender - diga lá - mais uma vez - o que tu queres dizer?  - não estou acompreender - e o aluno entende que não quero ouvir o crioulo - então tenta dizer oportuguês -- eu digo - devem falar o português - mesmo que mal falado - eu estouaqui para vos ajudar -a corrigir -a falar um português melhor// Mas diga-me uma coisa. Portanto, já usou o crioulo na sala de aula por suainiciativa, para fazerexplicações, é isso? é sim -mas isto -raras vezes// Raras vezes? porque não me sinto bem na sala de aula em dirigir para um aluno emcrioulo// Mas porquê, falar ou não…? porque depois que comecei a trabalhar - depois da formação - comecei atrabalhar sempre… eu ensino em português - procuro que os alunos dialoguemcomigo em português - e não me sinto à vontade - acho que é um espaço quedevemos dar prioridade ao português -não ao crioulo// Uma coisa: usa o crioulo para quê, com que objectivos? Estou a pensar emcoisas como exprimir os sentimentos, rezar, dar ou pedir uma informação, manter umcontacto, namorar, convencer alguém de alguma coisa, falar num assunto que aemociona, portanto, nisso. Com essas finalidades, usa o crioulo ou o português? ao rezar - normalmente nós aprendemos a rezar em português - e temos todaaquela história -tudo em português// Mas as orações já escritas ou mesmo que seja uma oração espontânea? às vezes - oração espontânea acabo por fazer em português -- nem sempre -mas na maioria das vezes -sai em português// Certo. Namorar …? ((risos)) namorar - se calhar às vezes pode vir uma ou outra palavra emportuguês -se calhar para exibir - mas normalmente em crioulo// Em crioulo. em crioulo// E quando estáirritada ou emocionada? isso só se for na sala de aula com os alunos - para usar o português -- seestiver em casa -logo faço em crioulo// Diga-me uma coisa. Pense nesta semana que já terminou, já passou. Faloumais crioulo ou português? ouvi mais o crioulo// Falar, falar. falei mais o crioulo// E durante mais horas seguidas, crioulo ou português? crioulo// Sempre crioulo. Porquê? porque as pessoas com quem falei e:: preferiam o crioulo -- são pessoas quemuitas sabem o português - mas falam o crioulo -- de vez em quando há algumapessoa que eu encontro na rua - que tem aquela mania de falar o português -- não seise não conseguem exprimir em crioulo - falamos português -- mas isso é muitopouco// Diga-me três contextos onde habitualmente fala o crioulo. crioulo? Casa? em casa -- às vezes em grupos religiosos - normalmente - sou catequista - nãosai tudo -tudoem crioulo -porque usamos textos bíblicos escritos em português// Mas quando estáa fazer a catequese às crianças, é em crioulo? a catequese -normalmente se utilizar uma passagem bíblica em português - àsvezes acabamos por fa… comentar aquela passagem em crioulo -- em crioulo porquemesmo as crianças sentem mais à vontade falando o crioulo// Claro. acabamos por falar o crioulo// Outra. mas as orações - as orações que nós aprendemos em português - semprerezamos emportuguês - mesmo na catequese// Mais uma circunstância em que fala crioulo? Casa, já me disse, actividadereligiosa… mesmo na rua// Rua? ao encontrar pessoas conhecidas -falamos// E o português? falamos em crioulo - só no caso daquelas pessoas que têm o hábito… porquealgumas pessoas… não sei se viveram mais em países onde o crioulo é diferente donosso crioulo - ou estão - estavam habituados a falar o português - preferem falar oportuguês - encontramo-nos no caminho - falamos português -- mas não umaconversa longa porque não são pessoas de tanta intimidade - mas aquilo que falamosé em português// E português, circunstância em que fala praticamente só português? Na sala deaula… por exemplo - na sala de aula - por exemplo em férias em Portugal - às vezeshá situações que não nos permite falar o crioulo// Não. Estou a dizer aqui em Cabo Verde. ah! aqui em Cabo Verde -- na sala de aula - o lugar onde o português domina-há mais hábito// Diga-me uma coisa. Em alguma circunstância falou crioulo, mas achando quedevia estar a falar português, ou ao contrário, falou o português, achando que lá deviaestar a falar crioulo? isto é quando… como eu disse - às vezes ao explicar um assunto aos alunosna sala de aula - acho que os alunos - pela expressão eu entendo que os alunos nãoestão a compreender -- explico -explico - às tantas digo assim - agora vou dizer issoem crioulo para verem que não é assim coisa de outro mundo// Portanto, aqui falou crioulo mas querendo falar… sim// Mas acha que devia estar a falar português? eu acho que devia estar a falar o português - mas achei que era necessário e::para os alunos comparar aquilo que eu disse em português com aquilo que nós demosem crioulo -para poderem entender// E o contrário, falar português, achando que devia estar a falar crioulo, naquelacircunstância? quando falo o português - é porque acho que de facto tem de ser portuguêsnaquela circunstância// Naquela circunstância. Vamos pensar no ouvir. Crioulo. Onde é que ouvehabitualmente o crioulo? em casa - ao andar na rua - nas nossas actividades religiosas - quando falamoso crioulo// Ouve mais o crioulo ou o português? mais -mais o crioulo// Mais o crioulo. a não ser na rádio// Rádio. Comunicação social de um modo geral…? rádio -normalmente// Crioulo ou português? mais o português// Mais o português. mas na televisão - estamos habituados a ouvir de tudo - mas se calhar há umpredomínio do português// Para além de rádio, televisão, onde é que ouve… sala de aula, onde é que ouveo português? em Cabo Verde? Em Cabo Verde, sim. portanto há assembleias onde já participei em que a exposição - tudo é feitoem português// Reuniões oficiais, digamos? relacionado com o português// Diga-me uma coisa, nas reuniões de coordenação, crioulo ou português? nas reuniões de coordenação falamos o português - e de vez em quando - háaquele hábito -aquele vício de falar o crioulo// Porquêvício? se calhar é porque conseguimos expressar-nos melhor - melhor em crioulo// E ler, costuma ler em crioulo? claro -costumo ler em crioulo// O que é que habitualmente lê em crioulo? às vezes há aquele livro de… acho que de Tomé Varela -aqueles livros assimescritos em crioulo - ou que têm tipo de poesia - coisas semelhantes - há pequenashistórias ou anedotas em crioulo// Romances, poesia…? poesia -mas romance em crioulo…! Nunca leu? Como é que… Mas lê frequentemente ou já leu? não -já li// Mas não lê frequentemente em crioulo? não -se calhar… Porquê? não encontro -se encontrar… E escrever, costuma escrever em crioulo? costumo escrever em crioulo// Habitualmente? não -não// Ou já escreveu em crioulo? já escrevi em crioulo -às vezes// Já escreveu em que circunstância? e…quer dizer quando… costumo mandar mensagens// Net, telemóvel…? telemóvel - para os meus filhos -- em princípio eu estava habituada a dizertudo em português - eles respondem-me em crioulo - às tantas passei a mandar essasmensagens em crioulo// Telemóvel e e-mail? telemóvel// E aqui escreve em português, sempre? E portanto, é só nessas circunstânciasque habitualmente escreve em crioulo? sim -sim// E escreve usando o ALUPEC ou… escreve… Como é que escreve?INFF26: eu procuro seguir um pouquinho daquilo que aprendi - aprendi -- mas secalhar não…Durante o curso, não é? durante o curso - mas não com tanta rigorosidade - porque basta dar paraentender -avançamos// Isto… sente alguma dificuldade em escrever o crioulo? sim -português para mim é mais fácil - o crioulo é mais… Que tipo de dificuldades é que sente quando escreve o crioulo? e… como é que eu digo? combinação de letras para formar sílabas -- às vezesparo um pouco para pensar - como é que escreve tal som? que letras uso paraescrever tal som?-às vezes// Mais alguma dificuldade? penso que não// Como é que é … Imagine que está a falar crioulo. Numa situação qualquerestá a falar crioulo com umas pessoas, num contexto X. O é que é que a faria mudarpara português? Deixar de falar crioulo e passar a falar português? a não ser dentro do contexto - estou-me me a recordar… qualquer mensagempertinente em português -eu posso repetiraquela mensagem -mas às tantas… Portanto, para repetir uma coisa já dita. É isso? mhm mhm Mas por exemplo, imagine que está com uns colegas. Chega um superiorhierárquico, uma autoridade. Está com as pessoas a falar crioulo, não é? Chega umaautoridade, um superior hierárquico. Isso faria com que mudasse para português? isso não aconteceu nunca -mas a sociedade -é muito capaz// Ok. Imagine que está com essas pessoas a falar em crioulo, sobre um assuntodo dia a dia, um assunto trivial, digamos assim. Entretanto passam a falar de umaquestão técnica do ensino do português ou uma questão oficial ou da escola. Isso fariacom que mudasse para o português? penso que…(…) Por causa do assunto, por exemplo de um assunto comum, íntimo, pessoal,familiar para um assunto oficial? há casos em que há necessidade de passar para o português -há casos// Fale-me disso. Que casos em que… Quando é que isso acontece, mudar docrioulo para…? por exemplo -podemos estar a falar de um assunto -de repente… Tipo de assunto? e:: assunto nas reuniões de coordenação - podemos recordar de… algunspequenos textos escritos em português - há necessidade de repetir o texto - entãorepete-se o texto em português - repete-se o texto em português - porque traduzir otexto para repetir o texto já não faz sentido// Muito bem. Diga-me X, o que é que acha do crioulo, o que é que pensa sobre ocrioulo, para si o que é o crioulo, como é que se sente em relação ao crioulo? falar - eu me sinto-me bem em relação ao crioulo - e depois como já ouvidizer na possibilidade de oficializar o crioulo - eu penso sempre - felizmente - nessaaltura eu já estarei fora do trabalho// Porquê? porque acho que vai ser muito difícil trabalhar o crioulo com os alunos - falarsim - mas quando chegamos no contexto da escrita - acho que vai ser uma miséria - oportuguês é mais fácil// O português é mais fácil de escrever de que o crioulo? acho que é mais fácil - eu não sei se é porque eu aprendi desde o início aescrever em português. Ah! Mas acha ou não que se deve ensinar a ler e escrever o crioulo nasescolas? eu - da minha parte - francamente eu acho que deve-se ensinar… continuar aensinar o português -acho// Então acha que não se devia ensinar o crioulo nas escolas? acho que não se devia// Porquê X? acho que vai ser mais difícil - pelo menos para os professores que játrabalharam vários anos ensinando em português - agora voltar para o crioulo vai sermuito difícil mesmo - talvez para um que tenha iniciado em crioulo - tudo seriadiferente// Há bocado falava-me da oficialização do crioulo. Acha que o crioulo deve seroficializado? eu -da minha parte…(…) Acha que não? acho que não// Porquê? acho que não - porque eu penso que… eu imagino um professor a trabalhartudo - a ensinar tudo - a transmitir tudo em crioulo -- até oralmente vamos - masquando chegar na altura de escrever -penso que isso não vai sair bem -porque… Mas os professores não poderiam… ou a própria X, não gostaria de apreendera escrever em crioulo, a ler em crioulo? por acaso nas aulas que eu tive e:: portanto - durante a formação - tivemos aoportunidade de falar o crioulo -- até acho muito piada - num ambiente onde se falanormalmente - normalmente - o português - a gente começar a falar o crioulo - achoisso com muita piada -com muita piada -- e aprendi -aprendi algo de novo no crioulo- tanto a escrever - a ler - mas eu prefiro - fazer tudo isso em português do que emcrioulo// Diga-me uma coisa. Há pessoas que acham .. algumas pessoas dizem que ocrioulo é uma língua, outras dizem que não é uma língua, é um dialecto; outras dizemque tem qualidade, outras dizem que não tem qualidade. A X o que é que pensadisso? em primeiro lugar eu penso que as pessoas que usam o crioulo - se calhar nãoaplicam nenhuma regra -não aplicam nenhuma regra// Mas é o crioulo que não tem regras ou as pessoas é que não usam regras? o crioulo tem regra - tem regra sim - mas a pessoa… as pessoas nãoconhecem as regras - não aplicam a regra -- se utilizarem o crioulo sem utilizar aregra - eu acho que o crioulo não passa de um dialecto - e não pode ser uma língua -eu acho que só pode ser considerado uma língua - quando os… a gente aplica asregras -- quando falamos o português procuramos aplicar a regra - a regra - para sairum português correcto - quando se fala português - tem regra - penso… isto é aminha opinião// O que é preciso para… Acha que o crioulo pode transformar-se numa língua?O que é que seria preciso? acho que é necessário ter o conhecimento das regras - do bem falar crioulo -para todos poderem falar um crioulo correctamente// Mas então o crioulo tem regras ou não? e:: por aquilo que nós aprendemos durante aquele tempo de formação - háregra -há regra// Mas as pessoas não usam essas regras a falar? pessoas que usam o crioulo como linguagem materna - língua queaprenderam lá em casa com os pais - com os familiares - falam com os amigos -falam o crioulo de qualquer maneira - porque quando nós falamos o crioulo - eu nãofalo um crioulo puro -porque eu uso muitas palavras em português// Então, para si, qual seria o verdadeiro crioulo? De facto, o crioulo é qual? o verdadeiro crioulo eu acho que é aquele crioulo que é utilizado comaplicação -com respeito às regras do crioulo// Mas esse crioulo, por exemplo, não podia ser oficializado e ensinado nasescolas? até que pode ser - até que pode ser oficializado -- mas para mim - mesmo -agora aprender aquele crioulo - como língua - eu acho que vai ser um pouco difícil -um pouco difícil// Bom. Mas pronto, sem ser só para si. De um modo geral, para os cabo-verdianos de um modo geral, os jovens, os menos jovens…? cada pessoa tem a sua opinião -- os jovens - se calhar acham que escrever -estudar em crioulo - é mais fácil - porque acham que é aquele crioulo que usam nodia a dia -- nós usarmos o crioulo como uma língua de facto - não é aquele queusamos no dia a dia -usamos de qualquer maneira - penso isso// Para si existe alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo?(…)Admite…? eu penso que… quando… por exemplo - já passei férias em lugares comvários amigos - ao ouvir uma pessoa falar o crioulo de Cabo Verde - logo sei que apessoa é cabo-verdiana - eu identifico a pessoa pela língua que ela usa -- eu nunca melembro - por exemplo - de inglês eu entendo muito pouco para não dizer nada - paranão dizer nada - se eu precisar de alguma informação - encontrei alguém no caminhoe comecei a perguntar a alguém se falava o crioulo - começou a falar a sua língua -logo eu entendi que ele não entendia o crioulo - não entendia o crioulo - portantoquando uma pessoa fala o crioulo - logo - o crioulo de Cabo Verde - temos umapessoa cabo-verdiana// E admite que algum cabo-verdiano possa não gostar do crioulo ou não sabercrioulo? e:: bom podem existir cabo-verdianos que não… não falam correctamente ocrioulo - porque… pessoas que foram educadas desde o… portanto - da nascença - aouvir o português dos pais - falam português - porque há pessoas… há cabo-verdianos - MUIto pouco - mas que falam o português -- os pais falam com os filhoso português em casa - os filhos respondem em português - e já quando falam… e parafalarem o crioulo - há uma mistura - e bem nítida - do crioulo com o português - nãoconseguem falar o crioulo que nós falamos -e já não falam também o português// E o português, o que é que acha do português, como é que considera oportuguês? eu acho o português uma língua interessante -- eu não sei se estou a dizererrado - mas uma língua se calhar civilizada - porque normalmente - mesmo aspessoas que usam crioulo - falam um pouquinho do português - quando falam oportuguês usam uma certa… deixam transparecer uma certa civilização - e quandofalam o crioulo se calhar estão mais disponíveis a a mostrar que não são assim tãobem educados// X, diria que o crioulo é para… mais para pessoas sem educação, sem instruçãoe o português mais para pessoas com educação, com instrução? não - não é isso - não é isso que eu quero dizer -- se calhar quando disse issohá bocadinho - foi para dizer - em português… como não dominam o português - nãoconseguem mostrar a má educação falando o português// Ah, ok! falta expressão para mostrar a falta de educação em português// E relativamente ao português e ser cabo-verdiano? Há bocado disse que ouveuma pessoa a falar crioulo, identifica logo essa pessoa como cabo-verdiana, certo? Eo português tem alguma relação com o ser cabo-verdiano? Admite… eu acho que tem relação com o ser cabo-verdiano// Como assim? porque apesar da nossa língua materna é o crioulo - mesmo aquelas criançasque não ouvem falar o português lá em casa - quando vão para a escola - ouvem oportuguês// E então? apreendem o português - falam o português - apesar de existir uma diferençaentre a pronúncia de um português e um cabo-verdiano - e um português mesmo --mas diferença na pronúncia -entendemos logo// A X diria que o português é uma língua nossa tanto como o crioulo, em igualpé…? não - eu acho que o crioulo é uma língua nossa mais do que o português -porque se fosse o português a língua nossa - nós usaríamos mais o português nosnossos contactos - na nossa comunidade -- se agarramos no crioulo mais - é porque ocrioulo é mais cabo-verdiano que o português// O que é que acha desta situação de nós usarmos o crioulo e o português emCabo Verde? O que é que pensa desta situação? Acha que é normal, que é natural,traz problemas? eu acho que não traz problemas - eu acho que é normal -- o crioulo em CaboVerde se calhar é uma língua primeira -- é uma língua primeira -- o português apesarde ser a língua oficial para os cabo-verdianos -é uma língua segunda// Vê alguma utilidade, alguma vantagem nesta situação, nesta possibilidade denós termos de usar o crioulo e o português? Há alguma vantagem nesta situação denós podermos, de nós termos essa possibilidade de usar o crioulo ou português? Vêalguma vantagem nisso? eu acho que tem vantagem - porque muitas vezes falamos o português - comoestamos mais habituados a falar o crioulo - às tantas faltam TERmos - faltam termosque se calhar - mesmo na conversa ou na escrita - nós abrimos aspas e usamos umaexpressão em crioulo -eu acho que é bom -é bom// Para quê? Para quê é bom falar o crioulo e o português? para… tentar expressar ou esclarecer algo que pensamos que só com oportuguês não fica bem explicado - não fica bem compreendido// Acha que saber português aumenta a formação da pessoa, abre maispossibilidades? aumenta -aumenta sim// Como assim? aumenta sim -- o português - eu não considero como o inglês - porque oinglês é a língua mais falada que o português -- mas às vezes - se estivermos emsituação de comunicar com alguém que não entende nada de crioulo - podemos atéusar um bocadinho de português -e sermos entendido por alguém// Diria que aumenta… digamos, o português permite-nos ser compreendidos porum maior número de pessoas? É isso? penso que sim -penso que sim// E no mundo de hoje, o que é que acha ser mais comum: saber só uma línguaou mais que uma língua? saber várias línguas -- porque há necessidade em que - como a história de1Nhô Puxim - estive a ouvir uma há bem pouco tempo - ou anedota - em que eleesteve na situação - à frente de alguém - que eles não se compreendiam por causa delíngua - ele disse -2e:: algen ku língua dentu boka ka ta sirbi pa nada-- é bom sabervárias línguas - porque nesta situação - quando alguém não entender o português - ouaté não entender o crioulo - se souber outras línguas - nem vou para o inglês - sesoubermos o português - o cabo-verdiano fala português - tem o português - até oespanhol - que às vezes tem alguma semelhança com o português - mas se a gentenão tem o hábito de falar o espanhol - não compreende - não consegue dialogar com apessoa que fala em espanhol - a não ser que sabe um bocadinho de português -porque os espanhóis entendem um bocadinho de português - entendem// Acha que se devia continuar a usar o crioulo e o português em Cabo Verde, ousó o crioulo só o português, crioulo, português e outras línguas, o que é que pensadisso? eu acho que é muito bom// Usar? parto do princípio que oralmente dominamos o crioulo - mas é bom usaroutras línguas porque há momentos em que nós temos a necessidade de comunicarcom pessoas - pessoas que não entendem - não entendem o crioulo - então sesoubermos a língua que a pessoa compreende -usamos essa língua// Usaríamos o crioulo e o português em Cabo Verde para quê? Estou a pensarem falar, ler, escrever. o crioulo - para mim - é falado - na oralidade -- o português tanto oralidadecomo a escrita// E em que circunstâncias, para que assuntos, o crioulo e o português? bem -o crioulo se calhar com pessoas amigas -para tratar de assuntos íntimosou relacionadas com as actividades de diferentes grupos em que as pessoasparticipam - essas pessoas participam - se calhar - mas penso que nas repartições -para falar com autoridades - superiores - eu acho que deve ser português - já que énossa língua oficial// E porquê? Porque é a nossa língua oficial? eu acho que é o mais correcto -seria o mais correcto// Acha que o português devia ser a única língua oficial? eu acho que é mais fácil ter uma língua que é oficial -porque se houver váriaslínguas oficiais -às vezes pode então haver algum problema// Se fosse a X a escolher, escolheria o português ou o crioulo? eu -nessa altura da minha idade -já andei com o português desde os sete anosaté agora que estou prestes a completar cinquenta e dois anos de idade - eu optariapelo português// Porquê X? porque em termos de leitura - de escrita - acho que já domino o português - jádomino o português -- agora - falando de crioulo - se o crioulo for oficializado - teriaque estudar a sério de novo -para poder falar em português -aplicando as regras// O crioulo, portanto// ou seja o português - aplicando… ou seja - o crioulo aplicando as regrascorrectamente -do crioulo// Qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura deCabo Verde? o crioulo -o crioulo exprime melhor a cultura de Cabo Verde// Está a pensar em que manifestações culturais? Morna, batuque, funaná… morna - batuque - funaná - finason -- as pessoas… os artistas…principalmente de batuque - de finason - usam o crioulo -- e muitas vezes usamaquele crioulo profundo - eu… eu acho muita piada ao ouvir esse crioulo - porque nasconversas do dia a dia - com os meus amigos - nós não usamos esse crioulo profundo-ando a ouvir uma cantoria de uma casa -duma vizinha nossa - com essas pessoas alide Santiago - usam aquele crioulo profundo que muitas vezes os meus filhos achampiada porque… E diga-me, teatro, cinema a:: poesia, romances, contos, crioulo ou português? eu … às vezes quando oiço um poema em crioulo - eu mesma fico curiosa emapreciar a letra -em apreciar a letra// Mas oquê, gosta não gosta? Qual é a apreciação que faz? gosto de ouvir - gosto de ouvir -- gosto de ouvir - até ler a letra se possível -para ver como é que essas pessoas escrevem// Então, para si, a poesia devia de ser em crioulo ou em português? há situações que ouvir em crioulo é bom -- mas ter sempre… ter usotambém… ter poesias em português -- nós que trabalhamos a língua portuguesa - nósnão ensinamos o crioulo às crianças - é o português -temos de conhecer e de dominarpoesias em português// Não. Estou a dizer os escritores cabo-verdianos, os poetas cabo-verdianos.Acha que eles deviam escrever em… as suas poesias, os seus romances, os seuscontos, em português ou em crioulo? eu penso que devem escrever em português - escrever em português - porquepenso que até à presente data -o português é a língua oficial// Portanto, poesia em crioulo, romance em crioulo… eu posso dizer - existir uma ou outra poesia - um ou outro romance emcrioulo -se calhar a gente lêcom prazer -como piada -como passatempo - mas… Ah, ok! Percebi. caso contrário… E teatro? teatro - às vezes quando ouvimos o teatro em crioulo - também é uma coisaque fica interessante - porque ouvimos poucas vezes - poucas vezes -- como porexemplo - há aquele artista - como é que ele se chama? agora está nos EstadosUnidos… Não me lembro do nome. a mulher -quando ele estava em Cabo Verde -era Pinotxa- e ele… Mas o teatro, acha que deve ser em português? acho - em português sim -- de vez em quando ter um ou outro teatro emcrioulo -também seria interessante -a gente varia -não ouve sempre a mesma coisa// Diga-me uma coisa. Na alfabetização de adultos, acha que eles deviam seralfabetizados em português ou em crioulo? bom - não costumo trabalhar assim na alfabetização - mas eu acho que devemser alfabetizados em português// Porquê? o crioulo é uma linguagem oral - da fala - mas o português ainda é a línguaoficial - é a língua dos documentos -- se forem alfabetizados em crioulo - como é quepodem ler um documento em português? Como é que acha que os cabo-verdianos falam crioulo, bem, muito bem, nempor isso, à maneira deles? eu acho que cada zona fala o crioulo à sua maneira// Zona como? Ilha ou…? ilha - mesmo dentro de Santiago - por exemplo aqui na Praia - estamos quasea falar o português em crioulo -não é? mas vamos para o interior… estamos quase a falar…? o português em crioulo - quer dizer que usamos mais vocábulos do portuguêsdo que vocábulos propriamente do crioulo// Isto quando falamos crioulo? quando falamos o crioulo aqui na Praia -mas se formos para o interior… E quando falamos português? E aqui na Praia como é que é quando se fala oportuguês? eu acho que as pessoas que falam o português - normalmente são as pessoasque têm um domínio sobre o português// Então, falam bem o português? falam mais ou menos -- não digo assim tão bem porque sempre queescutamos uma pessoa a falar o português - a pessoa está a ouvir - sentimos algumasfalhas -algumas falhas// O que é, para si, falar bom português? falar bom português - é ter a consciência daquilo que nós dizemos - não darassim tantos erros - portanto é expressar bem utilizando a regra - a regra do falar bemportuguês -eu acho// Você quando fala português… Há bocado falou-me disso, sons do crioulo.Acha que isso…? e::: Há bocado disse-me: as pessoas falam português com sons do crioulo.  quer dizer - quando uma pessoa está a ouvir falar o português - entendemospela fala -pela pronúncia -que a pessoa é cabo-verdiana// Isso é bom ou é mau? se calhar é bom - para identificar o cabo-verdiano -- é diferente de ouvir umapessoa que é mesmo de Portugal - que tem o hábito de falar o português - mesmo oportuguês incorrecto - mesmo ali em Portugal - todos não falam o português correcto-mas aquela pronúncia é diferente// Há pessoas que acham que existe ou devia existir um português à moda deCabo Verde, um português cabo-verdiano. O que é que acha disso? então não é o português// Ou qual…? português -ou é português ou não é português// Português, qual é que é o bom português para si? eu acho que o bom português é o português que usa as regras - as regraspróprias do… Então falar bom português, seria falar como os portugueses em …na Europa? não digo como os portugueses em Europa - porque - eu não sei…há aquelamusicalidade que usam ao falar o português - a musicalidade cabo-verdiana édiferente -mas há que respeitar as regras - portanto… Que tipo de regras? as regras… De? da gramática portuguesa - da gramática portuguesa -- aplicar bem - mesmocom aquela musicalidade do cabo-verdiano - mas é um português claro - é umportuguês correcto// X, eu não tenho mais questões, mas se tiver alguma coisa, algum comentário,algo que queira acrescentar, esteja à vontade. não - neste momento não tenho assim coisas novas - não estou inspiradapara… ((risos)) Então, mais uma vez, muito obrigada por esta entrevista.1Humorista cabo-verdiano que usa a LCV ele é de Santiago -- então às vezes ele dizia coisas - eu achava estranho -então eu gozava com ele - e ele também - quando eu dizia - ele achava estranho - elegozava comigo// Mas tinham problemas de compreensão?" -INF27.wav,"X, muito obrigada por me ter concebido esta entrevista. A minha primeirapergunta é a seguinte: antes de entrar para a escola, aprendeu a falar o crioulo ou oportuguês? crioulo// Falava o crioulo. E tinha algum contacto com o português? não -nenhum // Não ouvia em casa, na igreja, rádio…? rádio sim - mas igreja - eu não frequentava igreja -- e em casa - os meus paistambém não falavam português -era sempre em crioulo// Portanto, o seu primeiro contacto com o português…? portanto português foi na escola - na primeira classe - a partir da primeiraclasse// Está bem. E actualmente, em casa, com os seus familiares, amigos maispróximos, colegas, fala crioulo ou português? em ambiente de escola - eu falo sempre português -- mesmo com os meusalunos nos intervalos - ou na rua - eu faço questão sempre de falar português comeles --mas em casa -normalmente -não falo português// Com os colegas? com os colegas -em determinadas situações -nem sempre// O quê, crioulo? ah! sim -com colegas falamos mais crioulo// Portanto, em casa… em casa normalmente eu não falo português// Com amigos? com amigos assim -também chegados - tambémnão -só crioulo// Como é que avalia o seu domínio do português, falar, ler, escrever? eu penso que é razoável// Razoável como? ((risos)) E em crioulo? em crioulo também -eu acho que falo razoavelmente bem o meu crioulo// Qual é o seu crioulo? o meu crioulo é de são Vicente - mas eu falo também crioulo de Santiago -presentemente falo só o crioulo de Santiago// Neste caso, como é que avalia a sua proficiência no crioulo de Santiago? eu acho que é bom// Quando fala com pessoas de barlavento, usa…? normalmente crioulo de são Vicente// E de sotavento? de sotavento -eu falo crioulo de sotavento// De Santiago? de Santiago// Quando veio para aqui teve problemas em ser compreendida, quando chegou? a:: aqui na Praia não -- portanto - por exemplo - eu ia ao mercado fazercompras - eu falava e as pessoas entendiam -- mas em Santo Antão - quando euconheci o meu marido - então passávamos a vida a gozar um com o outro - ele faziatroça do meu crioulo -eu fazia troça do crioulo dele… Ele é de que ilha? não -não -compreensão não// Prefere falar, ler, ou escrever português? Qual é que gosta mais? eu gosto de falar// Português? português// Ler e escrever? ler e escrever - também português -- agora escrever -eu às vezes - se eu tenhoque escrever alguma coisa que eu acho que é de responsabilidade -- então eu ficomuito preocupada -tenho que fazer muito cuidado// E em crioulo? em crioulo… Fala, lê, escreve? não - eu falo e leio -- mas escrever - também não gosto muito - eu me lembroainda até quando eu estava na formação de… para ser professora de português -tínhamos aulas de crioulo -então eu tinha muita dificuldade quando o professor fazia-nos ortografia -eu não gostava -porque ficava atrapalhada a ver se… Diga-me uma coisa: falar crioulo ou português, qual é que prefere? eu prefiro falar português// A falar crioulo? mhm mhm Mas em todas as circunstâncias gosta mais de falar português que crioulo? por exemplo - se eu estiver com pessoas - suponhamos em reuniões comencarregados de educação -eu prefiro falar português// Porquê? porque - como eu não sou de Santiago - às vezes pode sair alguma coisa quenão seja exactamente como se diz aqui em Santiago - e também porque eu sinto-memais à vontade em falar português -- não sei se pelo hábito do trabalho - eu consigoficar mais à vontade falando português// Mas isso em qualquer circunstância ou só em circunstâncias de trabalho? em trabalho -em reuniões com encarregados de educação// E noutras circunstâncias? noutras circunstâncias -eu falo português -prefiro falar português// Português? sim - situações de… por exemplo - se for uma reunião na escola - comcoordenadores -com colegas -eu falo português// Portanto, em que circunstâncias é que fala português e em que circunstâncias éque fala crioulo? crioulo -falo em casa// Em casa. na rua -uma situação de festas -por exemplo// E o português? o português é sempre em situação de trabalho -- por exemplo - se eu vou auma repartição também --tratar de algum documento - eu falo sempre em português// Mesmo que as pessoas…? mesmo que se dirijam a mim em crioulo -eu falo português// Porquê? talvez por hábito -- porque… eu não sei - por causa - se calhar do tempocolonial - eu vivi nessa altura - e era hábito quando a pessoa ia às repartições usarportuguês -então fiquei - se calhar -com esse hábito// Está bom. E crioulo prefere falar, ler ou escrever? falar// Escrever e ler…? ler eu leio - embora quando tenho que ler alguma coisa em crioulo deSantiago -é um bocadinho mais complicado// Acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo, em português, nas duas? conforme as situações -- conforme as situações -- se for numa situação detrabalho eu falo em português - e eu não tenho problemas em expressar as minhasideias -- agora se for em casa - numa situação familiar ou num encontro de amigos -eu prefiro falar em crioulo// Então digamos que exprimir melhor as suas ideias em crioulo ou português,depende de quê? Da pessoa…? depende… também da pessoa - e da situação - e se calhar também doassunto// Pode ser um pouco mais específica? por exemplo - se eu estiver… anteontem por exemplo - encontrei-me com umaluno - ele pediu-me para lhe fazer um requerimento - que era para ele pedir umavaga no liceu -- mas quando ele se dirigiu a mim - ele falou comigo em crioulo - e eutambém a princípio falei em crioulo - mas quando ele me pediu para fazer-lhe orequerimento -já para saber os dados - eu falei em português// E como é que se sente quando fala português, sente-se à vontade, sem medo deerrar, não pensa nisso? na oralidade - eu… não penso - se calhar sai automaticamente - mas se euestiver a escrever - eu tenho que ficar muito tempo a pensar para escrever –portanto…não cometer erros// E quando fala crioulo? crioulo não -é mais automático// Seja de barlavento, seja de são Vicente, seja de Santiago. sim - Santiago -- agora - por exemplo - quando eu vou para São Vicente - eufaço sempre questão de falar em crioulo de são Vicente -- mesmo com os meus pais -ou pessoas conhecidas -na rua -eu faço questão de falar em crioulo de são Vicente// E quando se dirige de um modo geral a pessoas de barlavento? normalmente em crioulo de São Vicente // X, eu vou pedir-lhe para pensar nas três pessoas com quem mais conversa forado seu círculo familiar e que me falasse do perfil dessas pessoas em termos de idade,sexo, estrato social, nacionalidade… três pessoas? Três pessoas. Não quero nomes, mas situações das pessoas, o seu perfil geral. mesmo que a nossa comunicação seja em crioulo? Em crioulo ou em português. Pense nas pessoas, prioritariamente,independentemente de… ok// Portanto, a primeira pessoa, idade, sexo, mais ou menos… idade - mais ou menos - portanto - a primeira pessoa deve ter mais ou menosa minha idade -cerca de cinquenta -deve estar quase a ter cinquenta - feminino// Ela trabalha? trabalha sim -também é professora// É professora. Tem formação superior? tem -tem// E é cabo-verdiana? cabo-verdiana// Vocês falam em crioulo ou em português? em crioulo// Em crioulo. Sobre que assuntos? diferentes assuntos -- por exemplo - quando vou a casa dela falamos de tudoum pouco - mas sempre em crioulo -- se estivermos a falar de alguma coisa - porexemplo -ligado à nossa profissão -falamos em português// Pode me falar… Encontram-se em casa dela e…? às vezes em minha casa -outras vezes em casa dela// No trabalho? trabalho não -trabalhamos em lugares diferentes// Segunda pessoa. Também qual é a idade, sexo…? é masculino - cinquenta e um anos - também é professor - e falamos às vezesem crioulo - ou em português - também dependendo daquilo que estivermos a tratar --se for por exemplo assuntos de escola - em português -e em minha casa// Assuntos pessoais, íntimos, etc. familiares…? em crioulo - mas se por exemplo - se estivermos a tratar de aulas - ou a fazeruma exposição - ou a fazer um requerimento - aí falamos em crioulo - e ajudamo-nosmutuamente - quando ele tem dúvida me pergunta - quando eu também tenhopergunto// E aí é em português? em português// Terceira pessoa? ah::: Sexo, idade… é feminino -também deve ser mais ou menos da minha idade// Também é professora? a:: também é professora - embora neste momento não esteja a exercer o cargode professor -- às vezes - quando são assuntos assim pessoais - eu falo com ela emcrioulo e ela também fala comigo em crioulo - mas tratando de assuntos do trabalho -é sempre em português// Assuntos de trabalho quer dizer assuntosrelacionados com? relacionados com o ensino// Pode… Portanto, às vezes fala crioulo, às vezes fala português. Com que tipode pessoas fala crioulo e com que tipo de pessoas fala português? Estou a pensarfamiliares, amigos, já me falou, colegas, mas autoridades, superiores hierárquicos,pessoas mais instruídas, menos instruídas? menos instruídas - normalmente é em crioulo -- mas com pessoas - assim -com uma determinada instrução -eu falo português// Sempre? sempre - sim -- e principalmente se eu estiver a tratar de algum assunto assim-oficial -que exige falar português// Com falantes de outras… Normalmente com falantes de outras línguas,pessoas que não sejam cabo-verdianas, fala português ou crioulo? posso exemplificar com familiares? Sim. eu - por exemplo - quando eu vou de férias para os Estados Unidos - eu…ok -entendo um pouco de inglês -eu não consigo falar grande coisa - e então o meu irmão- por exemplo - ele recomenda sempre aos meus sobrinhos para falarem comigo emcrioulo - porque eu não sei falar inglês - e então falo sempre em crioulo de SãoVicente com eles - porque eles nasceram nos Estados Unidos - não sabem falarportuguês// Na escola fala…? português// Sempre com os alunos, com colegas, …. sim -com colegas… Com o director, funcionários, os contínuos…? com os funcionários - com os contínuos normalmente eu falo em crioulo -com os contínuos// Mas com os colegas? com colegas falo português// Mesmo nos intervalos, na can…? não - nos intervalos não - nos intervalos - na cantina - falamos sempre emcrioulo// E com familiares também em crioulo, amigos crioulo? mhm mhm// Portanto, mercado, lojas…? sim// Crioulo? sim - em crioulo -- só se eu for a alguma loja em que por exemplo - aspessoas falem português -- por exemplo quando eu vou à padaria Pão Quente - lá sãoportugueses - praticamente é só português - quando me dirijo a eles falo emportuguês --mas se forem os empregados cabo-verdianos -eu falo em crioulo// Na escola, na sala de aula, já alguma vez utilizou o crioulo para se dirigir aosseus alunos? não - nunca -- mesmo que os alunos tenham dificuldades em compreenderportuguês - eu nunca falo crioulo com eles - nem para tentar explicar alguma coisa --eu faço questão sempre de falar em português - se é alguma matéria que é complicada- se eles não entenderem - eu procuro explicar de uma forma mais simples - para verse eles chegam àquilo que eu pretendo// E eles já se dirigiram a si em português, na sala de aula? alguns - mas a maioria - principalmente os alunos do 7º ano de escolaridade -dirigem-se sempre em crioulo// Ah é? sempre em crioulo// Sempre? aqueles que têm mais dificuldades - que é a grande maioria - é sempre emcrioulo// Como é que depois se passam as coisas? não - eu digo - tu estás na aula de português - tens de falar português -- fala -- se errares - eu corrijo para poderes aprender - e aí eles falam -- aqueles que têmmais receio - que são mais inibidos - porque às vezes os colegas podem gozar - eudigo - ninguém goza aqui - ninguém faz troça - porque se fizerem troça - eu ralhocom eles -eles não podem fazer troça de ninguém// Ese encontra os seus alunos nos intervalos, na cantina? eu falo sempre em português// E com os colegas? com os meus colegas professores - se estivermos - por exemplo - numasituação de um aluno chegar para conversar connosco - para tratar de algum assunto -é sempre em português - mas se somos só colegas - estamos a lanchar - eu falo ésempre em crioulo// Nos restaurantes, bancos, locais de lazer? se as pessoas que atendem falam crioulo - normalmente eu falo crioulo --masse forem pessoas que falam português -eu falo português// Com que finalidades usa o crioulo e o português? Estou a pensar em coisascomo exprimir os sentimentos, rezar ou orar, quando está irritada, quando fala de umassunto que a emociona. também depende do local -- por exemplo - eu - se estou na escola - se estouna sala de aula - se eu tenho que ralhar com algum aluno - ou chamar a atenção assimcom mais força - para mostrar a imposição - eu falo em português -- mas se for emcasa é sempre em crioulo - porque em crioulo eu acho que sai melhor - aquilo que eutenho que transmitir - não é? eu por exemplo - como sou racionalista cristão - quandoeu faço a minha irradiação é sempre em português - mesmo em casa é em portuguêsque eu faço - e quando vou ao Centro também é em português que fazemos asirradiações// Sempre? sempre em português// E quando está assim, irritada, e pragueja ou diz asneiras? às vezes sai em crioulo - automaticamente - mesmo que a pessoa não queira -sai em crioulo -e normalmente sai-me em crioulo de São Vicente// X, fale-me assim de três circunstâncias onde habitualmente fala crioulo, masgostaria de falar português e onde habitualmente fala português mas gostaria de poderfalar crioulo em naquelas circunstâncias? por exemplo - se eu estou numa reunião de trabalho - às vezes dá-me vontadede falar em crioulo - porque penso que aquilo que eu tenho que transmitir sai-memelhor -- e às vezes - se calhar com receio de me enganar - apesar de ter muitos anosde trabalho - mas como o português não é a minha língua materna - sempre a pessoafica assim um pouco receosa - não é? para não dizer alguma asneira - porque às vezes- mesmo estando com atenção - pode sair alguma coisa em crioulo -- eu me lembro -por exemplo quando eu estava a fazer o Magistério Primário - depois de uma aula -dei uma aula - e depois fomos para a aula de crítica e autocrítica - então saiu-me umacoisa em crioulo -era vassoura e eu disse 1basora// E falar português… e fala crioulo, mas gostaria de falar português naquelacircunstância? portanto -disse uma situação…? Portanto, a situação que acabou de descrever é uma situação em que falaportuguês… ah! mas eu gostaria de dizer em crioulo? Ao contrário. o contrario… não sei… portanto -falando em crioulo - não é? Falando em crioulo, mas gostaria de, naquela circunstância, falar emportuguês? falar em português -eu acho que não -nunca aconteceu// Não? nunca me aconteceu// Vamos pensar no ouvir. Habitualmente onde é que ouve o crioulo e onde e queouve o português? português -normalmente eu oiço no trabalho -oiço na televisão -e na rádio// Crioulo ou português? português - eu… portanto - no trabalho - televisão e rádio -- e crioulo em casa- na rua - de vez em quando na televisão - quando aparecem programas feitos emcrioulo// Ouve mais o crioulo ou mais o português? se calhar é mais ou menos igual -- eu - por exemplo - faço questão sempre deouvir os noticiários -e eu oiço de Cabo Verde… Na comunicação social ouve mais português? e eu oiço da nossa televisão -e gosto de ouvir de RTP-África// E fora da comunicação social, na via social? navida social -acho que muito pouco porque eu … Muito pouco..? eu oiço português pouco - porque eu também saio pouco de casa - eu não soumuito de sair -não é? eu vou ao meu trabalho - e uma vez ou outra -eu tenho saído… Geralmente que assuntos ouve serem tratados em crioulo e que assuntos ouveserem abordados em português? coisas do dia a dia -não matérias assim -especificas// Em crioulo ou em português? numa língua e noutra - e há poucos dias atrás - em Junho-Julho - eu quasetodos os dias encontrava-me com um senhor - na Achada - na casa de uma amiga -que… esse senhor é português - então ele veio cá para fazer um trabalho - acho comPolícia Judiciária - então ele é mestre de (?) então ele ia lá trabalhar com essa senhora- então eu fui lá algumas vezes - e sempre eu falei com ele em português - às vezesmesmo falando com a dona da casa - a Y- eu falava em crioulo - mas quando eu tinhaque falar com o Z -eu falava sempre em português com ele// Que tipo de assuntos normalmente ouve em português? Também todo o tipode assuntos ou assuntos mais… de outro tipo, diferentes? bom -eu às vezes vejo programas de televisão em português… Não. Assim… fora da comunicação social. fora da comunicação social muito raras vezes// Português… mais sociais, sérios, crioulo mais íntimo, familiar…? mais crioulo - mais crioulo -- português - mesmo só em situações de trabalho-situações oficiais// E::: em alguma circunstância ouviu as pessoas a falarem crioulo, mas gostariaque elas estivessem a falar português ou vice-versa? às vezes na comunicação social - por exemplo na Assembleia - quando aspessoas estão reunidas nas sessões parlamentares - eu gostaria muitas vezes de ouviraquelaspessoas que falam em crioulo que falassem em português// Porquê? porque eu acho… não somos só nós a ouvir essas sessões - há outras pessoastambém que se interessam e que querem saber desse assunto - não é? como épolítica… (?) sim -como é em crioulo -não percebem// E o contrário, as pessoas a falar português, ouve português, mas gostaria deestar a ouvir crioulo naquela circunstância? não -não// Não. Não lhe ocorre? E ler? Já me disse que tem alguma dificuldade em ler ocrioulo. Lê habitualmente em crioulo ou já leu alguma coisa em crioulo? não - de vez em quando - eu às vezes leio -- por exemplo - se no jornalhouver algum artigo em crioulo - eu gosto de ler - já li livros de Tomé Varela - emcrioulo// Mas digamos, diariamente, habitualmente, lê em crioulo? não// Tem dificuldade em ler em crioulo? mhm -principalmente se for crioulo de Santiago// Mas que tipo de dificuldade? e:: às vezes - no primeiro contacto - eu não consigo entender por exemplo -aquela palavra - não é? então depois - com cuidado - lendo a frase outra vez - euconsigo perceber o que é que a palavra quer dizer// E escrever, costuma escrever em crioulo? não -nem um pouco --já tentei - já tentei escrever// Mas habitualmente não escreve em crioulo? não - habitualmente não -- lembro-me de ter feito um trabalho em crioulo -quando eu estava na formação -no bacharel// Mas gostaria de aprender ou de puder ler em crioulo? não - eu gostaria -- eu gostaria de poder escrever correntemente - como euescrevo em português -com algum desembaraço// Porquê? para poder dominar as duas línguas - tanto na vertente escrita como navertente oral // Que dificuldades… É capaz de me dizer que dificuldades sente quandoescreve o crioulo ou como não costuma escrever…? eu - das vezes que eu já tentei escrever - às vezes fico com dificuldade emescrever determinadas palavras -- deixe-me ver… há dias eu vi qualquer coisa escritaem crioulo -e então eu fiz um comentário… deixa ver se eu consigo recordar qual eraa palavra (…) não me consigo lembrar da palavra - só que estava escrito de umaforma - e eu achava que assim não devia ser - daquela forma - porque podiaconfundir com português - porque às vezes acontece isso - em algumas palavrasescritas em crioulo - e então o comentário que eu faço - assim a pessoa pensa que éportuguês - por exemplo - se for um português que não conhece o crioulo - vai leraquela palavra como se fosse uma palavra portuguesa -sim// E gostaria que isso não acontecesse? sim// Há bocado disse-me que quando está, por exemplo, com um colega aconversar em crioulo, e entretanto chega um aluno, muda para português. Gostariaque me falasse mais desse aspecto de mudar de crioulo para português ou deportuguês para crioulo. Digamos a chegada de um aluno, está a falar crioulo, achegada de um aluno faz mudar para português. A chegada de que outro tipo depessoas pode fazer isso também? se for por exemplo uma pessoa que habitualmente - habitualmente fala emportuguês - mudamos para português -- e em relação a um aluno - é para que elepossa ouvir português - porque já sabemos que eles ouvem português - muitas vezes -só naqueles cinquenta minutos de aula // E se chega uma autoridade, um superior hierárquico? se for por exemplo a nossa directora - se estivermos a falar em crioulocontinuamos a falar em crioulo - porque ela também fala em crioulo connosco -- masse for exemplo o primeiro ministro - ou a ministra da educação - eu acho quemudaríamos para português// E o assunto fá-la mudar de crioulo para português…? não -eu acho que não// Imagine que está a falar com um colega, um assunto trivial, de repente passama falar de um assunto técnico, profissional, isto faria com que mudasse? não -às vezes discutimos mesmo em crioulo// Nas reuniões de coordenação? nas reuniões de coordenação - às vezes falamos crioulo - mesmo estando adiscutir a programação// Às vezes, quer dizer que também acontece em português? mhm -sim// Mas acontece todo o tempo em português, passam para o crioulo? não - parte falamos em crioulo - parte falamos em português -- quandoestamos a definir os objectivos - por exemplo - fazemos sempre em português -- naoralidade e na escrita -- mas se estamos ainda - por exemplo - a escolher os conteúdos- a escolher um texto - falamos em crioulo -- mas quando vamos para a preparaçãomesmo -discutimos em português// E o contrário, estando a falar português e mudar para crioulo?(…)Chegada de alguém, por exemplo. Esta a falar português. Que tipo de pessoa afaria mudar para crioulo? só se for uma pessoa muito familiar// Muito familiar. E assunto? assunto -se calhar mudaríamos de assunto// Como assim? Não estou a perceber. Está a falar de um assunto em… de trabalho… De trabalho, em português. E passa a falar um outro tipo de assunto. Isso fariacom que mudasse para o crioulo? depende -se calhar da pessoa - dependendo da pessoa// O que é que pensa do crioulo? Uns acham que é língua outros acham quenão… eu acho que é uma língua - bonita -- agora eu tenho uma opinião pessoal - porexemplo -acerca da implementação do crioulo nas escolas// Diga. porque eu acho que é uma coisa que não se deve fazer da noite para o dia -porque é algo que implica muito material - não é? muito dinheiro - é muitoinvestimento -- e teria que se fazer uma preparação - preparar professores para fazeresse trabalho - eu por exemplo… eu pessoalmente - não me sinto preparada para irensinar crioulo na escola// Digamos, admite que se deve ensinar o crioulo nas escolas, mas…? sim -mas com o trabalho necessário que deve ser feito atempadamente// E esse trabalho seria nomeadamente o quê? preparação de professores - manuais - todo o material que seja necessáriopara se ensinar uma língua - não é? para português precisamos de gramáticas -dicionários - e livros -- também para o crioulo eu penso que são os mesmosmateriais// Mas o crioulo em si, digamos como um meio de comunicação. Acha que…Quer dizer, há muitas opiniões. Há pessoas que acham que não é uma língua, que éum dialecto, não tem regras, uns que ainda não é uma língua… O que é que a Xpensa disso? eu acho que é língua - e que se for possível utilizarmos a nossa língua tantona comunicação social como na escola -eu penso que seria normal// Na escola, seria como uma disciplina ou como língua de ensino? Ou seja, seriauma disciplina…? eu penso que como língua de ensino não - língua de ensino não -- porquedevemos pensar nos nossos alunos que vão estudar fora - embora nem sempre o paísde acolhimento seja Portugal - não é? porque às vezes eles vão para França - podemir para um país que fale inglês - mas a::: penso que se souberem - por exemplo - falarbem ou minimamente o português - eles têm menos dificuldades em continuar com alíngua francesa ou a língua inglesa - não é? porque saindo para fora - para ir estudar -eles não irão encontrar crioulo em nenhuma parte do mundo - crioulo é só aqui --agora podia aparecer como uma disciplina curricular -não como língua de ensino// E na alfabetização de adultos, acha que se poderia ou se deveria usar o crioulona alfabetização de adultos? numa primeira fase acho que sim -- para as pessoas ficarem mais à vontade -não é? mas depois podia-se ensinar o português// Porquê? eu acho que é uma língua como qualquer outra língua - as pessoas acabampor aprender - e ficam em vantagem porque aprendem mais uma língua - para alémdo crioulo// E o português, o que é que pensa do português? Como língua, ou::: Vou reformular. Que relação estabelece entre ser cabo-verdiano e o crioulo?Admite, por exemplo, que haja pessoas que não gostem do crioulo ou cabo-verdianosque não saibam o crioulo, não gostem do crioulo? hápessoas que têm essa postura - não é? talvez pela educação que tiveram emcasa - habituadas a falar português - e estando nisso há muito tempo - podem acharque - se calhar - não vale a pena saber falar o crioulo - não é? mas como cabo-verdianos que somos - eu penso que toda a gente deve ter orgulho em saber a sualíngua - e utilizar a sua língua - não é? porque é a nossa língua materna - é a primeiraque a pessoa aprende ao começar a falar - eu acho que toda a pessoa devia-seorgulhar disso -- eu gosto - por exemplo - do crioulo e - por exemplo - quando eu vouao estrangeiro de férias - é uma alegria quando nós encontramos um cabo-verdiano eque fala crioulo -nós sentimos como se estivéssemos em casa// E que sentimentos tem relativamente ao português? Esse mesmo tipo desentimento? eu acho que sim - português faz parte da nossa cultura - é uma herançacultural -- eu acho que como língua - é sempre bom saber mais que uma língua - nãoé? e eu já ouvi pessoas a reclamar - já ouvi alunos a reclamar - por exemplo - quandoeles não dominam o português - não fazem também um esforço para aprender - elesficam a reclamar - ah! português não é minha língua - porque é que eu tenho queaprender a utilizar o português? -não é? mas eu acho que não é por aí// X, acha que o português é sua línguaao mesmo título que o crioulo? sim - eu sinto - eu sinto que se calhar é minha segunda língua - não é? apesarde ser língua utilizada só em situação de trabalho - eu sinto em relação ao portuguêscomo ao crioulo// O que é que acha desta situação de nós podermos, aqui em Cabo Verde, usarora o crioulo ora o português? eu acho que é bom - a pessoa não fica presa a uma língua - e tem a liberdadede escolher conforme a situação -não é? Acha então que se deveria então, continuar a usar o português e o crioulo emCabo Verde? eu acho que sim// Porquê? é uma riqueza// Riqueza em que sentido? é uma riqueza cultural - permite-nos estar em contacto com os outros paísesque também como nós utilizam o português - não é? ler os seus livros - conhecer asua cultura -as tradições -música… E acha que o crioulo deve ser oficializado ou que o português deve continuar aser a única língua oficial? eu acho que podiam ser as duas línguas// E em caso de serem as duas línguas, se continuarem as duas línguas, ambasoficiais, elas seriam utilizadas para quê? Estou a pensar em falar, ler, escrever… eu acho que sim - para estas duas situações - no trabalho - na comunicaçãosocial -- e a pessoa ficaria com liberdade de escolher - não é? usar a língua que secalhar tem mais à vontade de utilizar// E o português seria adequado para determinadas pessoas e o crioulo paraoutras pessoas, o crioulo para determinados assuntos e circunstâncias, e o portuguêspara outras ou…? eu acho que não se devia fazer separação - eu acho que não - que ficava aocritério da pessoa -- agora só que aquelas pessoas que - por exemplo - não têminstrução - teriam dificuldades em utilizar o português - e aí - se calhar seria maisfácil para este tipo de gente utilizar o crioulo -não é? Portanto, se eu entendo bem, tanto o crioulo como o português seriamutilizados em quaisquer circunstâncias. sim -eu acho que sim// E seria a pessoa…? seria a pessoa a escolher// Para além do crioulo e do português, dessa continuidade, vê outra… Digamos,qual é o desenho linguístico ideal para si em Cabo Verde? Há bocado falou-me doinglês, do francês… não - não como línguas aqui em Cabo Verde -- eu não sei se - por exemplo -se a língua francesa ou a língua inglesa - algum dia poderão vir a ocupar o lugar quepor exemplo o português tem -- eu acho que não - apesar de serem línguas ensinadasnas escolas -mas penso que não chegará ao estatuto que o português tem// E qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura deCabo Verde? se calhar dependendo das situações - não é? por exemplo - eu acho que numasituação em que as pessoas estão a dançar o batuque ou a cantar o batuque - se calharo crioulo exprime melhor do que o português -- agora se for por exemplo um livro -eu acho que tanto uma coisa como outra// Teatro, cinema…? teatro e cinema também// Portanto crioulo ou português? Preferencial crioulo ou português? não para mim tanto faz - e a:: nesta situação pontual - se calhar de batuque -funaná - Kolá S. Djon - morna - se calhar o crioulo expressa melhor o sentimento daspessoas// E comunicação social, jornais, revistas, português oucrioulo? na comunicação social já se faz um pouco crioulo - não é? mas mesmofazendo só em português - eu penso que as pessoas não têm dificuldades em entender- porque mesmo uma pessoa que… em relação aos jornais se calhar não - mas nacomunicação social - televisão e rádio - as pessoas entendem - pode escapar uma ououtra coisa - mas o essencial a pessoa acaba por entender -- eu costumo dizer aosmeus alunos que - há gente que não… nunca falou português - nunca aprendeuportuguês - mas fala-se português junto dessas pessoas e elas entendem - conseguemperceber o que se diz - se calhar é algo que mostra a estrutura do crioulo e doportuguês não são muito diferentes - não é? já que essas pessoas - mesmo sem saberfalar português entendem na oralidade aquilo que se diz - porque ouvem o noticiário -por exemplo -- lembro-me quando era criança - que havia um tipo de novela que eratransmitido na rádio - na altura não havia televisão - então todas as pessoas corriampara casa daquelas que tinham um rádio para ir ouvir - mas era dito em português - eentendiam tudo -depois vinham contar em crioulo para quem não ouviu// Este uso que já se faz do crioulo na comunicação social, para si e bom ésuficiente? O que é que acha disso? eu acho que se calhar ainda é pouco - porque há aquela franja da populaçãoque se calhar gostaria de ouvir mais em crioulo do que em português -principalmenteas pessoas que não são escolarizadas// Há bocado disse-me que acha que o crioulo deve ser oficializado. Que crioulo,qual crioulo? bom se calhar eles têm de decidir qual - não é? por aquilo que eu tenhoouvido dizer - normalmente é escolhido pelo número de pessoas que falam essavariante - não é? se calhar é o crioulo de Santiago que devia ser escolhido porque éSantiago que tem mais gente - há mais gente a falar o crioulo de Santiago - se calharescolher-se-ia o crioulo de Santiago// Para si existe um verdadeiro crioulo, o crioulo mais fundo ou mais leve comoas pessoas dizem? Há algum crioulo que, para si, seja o verdadeiro crioulo? não acho que há um que seja o verdadeiro - não é? agora que há diferenças -não é? há algumas diferenças entre os crioulos - há -- porque - por exemplo - umapessoa que tem instrução - se calhar já não fala um crioulo tão puro como uma pessoalá do interior - que não está em contacto com a língua portuguesa - não é? porque hádeterminadas coisas que se calhar uma pessoa lá do interior - de Engenho - diz que jáaqui na cidade -já não é habitual a pessoa utilizar// Mas portanto…? eu acho que o crioulo é o mesmo - mas há pequenas diferenças - tendo emconta se calhar o meio rural e o meio urbano// Como é que acha que os cabo-verdianos falam português? Acha que falambem, mal, razoável? há uma minoria que se calhar fala bem -- agora a grande maioria falaportuguês… muitos têm dificuldades// De um modo geral, acha que as pessoas falam bem, razoável? Para alémdessas pessoas que têm dificuldades, por escolarização, não é? As pessoasescolarizadas que falam o português? mesmo as pessoas escolarizadas -o português deixa muito a desejar// Que tipo de erro acha que as pessoas cometem? eros de concordância -não é? utilização correcta de dos modos verbais… E como é que acha que os cabo-verdianos deveriam falar português? Estou apensar em português europeu, português brasileiro, a:: português de Cabo Verde, deAngola… Os cabo-verdianos como é que acha que deveriam falar português? se calhar português de Cabo Verde -ou o português europeu// Entre os dois, falar o português europeu ou haver um português de CaboVerde, o que é que pensa dessa questão? se calhar o português europeu em determinadas situações - porque se forportuguês de Cabo Verde - aquele que é exterior a esse crioulo - se calhar temdificuldade em entender alguma coisa// Esse português de Cabo Verde… fala-me dele. O que é que está a chamar…? eu não sei… talvez determinadas expressões ou palavras que eram usadas sóem crioulo - não é? e que às vezes as pessoas metem quando estão a falar português -e se calhar pelo hábito passa a fazer parte daquilo que podemos chamar crioulo deCabo Verde// Mas por exemplo essas questões de concordância, uso dos modos verbais…? não - concordância e modo verbal… eu penso que já a gramática… há regraspara isso - deve-se utilizar como as regras mandam - é a minha maneira de pensar --não podemos vir aqui arranjar uma coisa nossa - não é? se o nosso português vem doportuguês europeu -eu penso que não devemos estar a deturpar aquilo que já existe// X, eu já não tenho mais questões, mas se tiver algum comentário, alguma coisaque queira acrescentar às suas respostas ou alguma coisa que eu não tenha abordadomas que ache pertinente, esteja à vontade. acho que não// Então, mais uma vez, muito obrigada. não tem que agradecer//1Tradução para português: vassourapara implicar melhor o cabo-verdiano - se for em crioulo identifica-selogo -que se trata-se de um povo cabo-verdiano - de uma pessoa cabo-verdiana// Deixe-me ver se eu percebo bem, X. Acha que o crioulo exprime melhor aidentidade de Cabo Verde. É, digamos… é a língua em que se exprime melhor …a que exprime melhor a cultura de Cabo Verde. Certo?" -INF28.wav,"X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A primeirapergunta que eu gostaria de lhe colocar é a seguinte: o que é que aprendeu a falarantes de entrar para a escola? Antes de entrar para a escola primária, tinhaaprendido a falar o português ou crioulo? o crioulo -o crioulo -- o crioulo de Cabo Verde -ilha de Santiago// O crioulo. Sim. Mas, com certeza que já tinha ouvido o português, ou não?Antes de entrar para a escola já tinha…? antes de entrar para a escola eu acho que não - porque os meus paisfalavam crioulo em casa --depois… Fale o mais alto que puder, está bem? está// Os seus paisfalavam crioulo em casa… sim -puro crioulo// Igreja, rádio… é só na Igreja - igreja… normalmente naquele tempo - o padre eraportuguês -faziam homilia em português - então - é só na igreja - antes de ir paraescola// Nem rádio, nem nada? não havia rádio// E actualmente em casa com os seus amigos, em casa com os seusfamiliares, com os seus amigos mais próximos, e colegas, fala crioulo ouportuguês? normalmente em casa é sempre crioulo// Em casa é crioulo. a não ser que… se for lá alguma pessoa falar comigo português pararesponder também em português// Familiares, de um modo geral, é português? não -familiares é tudo crioulo// Crioulo. E com os amigos mais próximos…? também nós falamos crioulo// Com os colegas daescola, colegas de trabalho? tudo é… falamos em crioulo// Como é que avalia o seu domínio, de um modo geral, não é? O seudomínio do português. Falar, ler, escrever. Acha que fala bem, muito bem,suficiente? Lê bem, muito bem, suficiente? Escreve bem, muito bem…? ((risos)) eu normalmente… acho que falo mais ou menos bem - e tambémleio bem - muita gente gosta da minha leitura - tenho hábito de fazer leituras naigreja - portanto - sou sempre escolhida para fazer essa leitura… acho que leiobem// E escrever? escrevo também -bem// Qual é que gosta mais, de falar, ler ou escrever português? eu gosto mais de escrever português -e ler também// E falar, prefere falar o quê? eu prefiro falar o crioulo// E ler e escrever, crioulo ou português? escrever português// Prefere ler e escrever em português? português -sim// Diga-me qual é que… escrever e ler crioulo. Acha que domina escrever eler em crioulo? não - não domino -- eu tenho dificuldades em… tanto em ler como emescrever crioulo// Sente dificuldades em ler e em escrever crioulo. De um modo geral,exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? acho que eu exprimo as minhas ideias melhor em…em crioulo// Em crioulo. estou mais habituada a falar em crioulo -- eu exprimo melhor -- mas se forpara explicar uma coisa a uma certa pessoa - então eu exprimo melhor emportuguês do que em crioulo// Que tipo de coisas é que exprime melhor em português do que em crioulo? por exemplo - coisas relacionadas com assuntos da escola - eu exprimomelhor… Do trabalho? do trabalho…eu exprimo melhor em português// Porquê é que acha que isso acontece? eu não sei - deve ser por causa do hábito de falar com os alunos sempreportuguês - então eu tenho melhor aptidão em explicar essas coisas emportuguês// Portanto, há assuntos… se eu estou a perceber bem, há assuntos queexprime melhor em português do que em crioulo? sim - há -- por exemplo - assunto de trabalho - assunto de… conteúdoscientíficos// Exprime melhor em português? melhor em português// Como é que se sente quando fala português? Sente-se muito à vontade,mais ou menos, com medo de errar, não pensa nessa possibilidade…? eu sinto-me bem - só que às vezes - ao falar… eu encontro às vezes…sinto que falho às vezes - isso por causa da… do crioulo -- às vezes eu sintomesmo uma falha ao falar// E como é que se sente quando se dá conta dessas falhas? às vezes finjo despercebida para poder… ficar mais à vontade// E… sente-se mais à vontade quando fala crioulo, já me disse, não é? Masquando lê e escreve é português. Já me falou disso também. X, vou lhe pedir parapensar nas três pessoas… em três pessoas com quem mais conversa, fora do seucírculo familiar, fora da sua família, não é? Vai pensar nessas três pessoas e dizer-me como é que essas pessoas são, o seu perfil. Não preciso dos nomes, daidentidade das pessoas, em termos de idade, sexo, o que é que elas fazem comotrabalho, não é? O que é que vocês conversam, se em crioulo se em português,esse tipo de coisas. Pode pensar um bocadinho depois a gente começa. (…)Pessoa 1, pessoa 2, pessoa 3. (…) Já pensou? Portanto, uma pessoa. (…) Umcolega de trabalho, um vizinho ou uma amiga. (…) Três pessoas das… de entre aspessoas com quem mais conversa, com quem mais fala.(…) pensei// Pensou? Então vamos lá ver. A pessoa 1 é… sexo masculino ou feminino? feminino// Feminino. Mais ou menos que idade? cinquenta e quatro ano// Cinquenta e quatro anos.(…)Ela trabalha ainda ou…? não -ela não… trabalhava - mas já há muitos anos que não trabalha// Trabalhava na sua…? trabalhava… acho que em Casa Serbam// Era empregada comercial? sim --mas há muitos anos que não trabalha// Empregada comercial. Ela é do meio rural ou urbano? é do meio urbano// É cabo-verdiana? sim// Com essa pessoa a X fala em crioulo ou em português? não -não --nós… nós falamos em português - em crioulo// Em crioulo? sim// Que tipo de assuntos? Estou a pensar assuntos íntimos, mais pessoais,familiares, problemas da vida, problemas sociais, política… nós? em principio nós falamos problemas… de assunto familiares -pessoais -assuntos íntimos// Política? É uma pessoa que nós… não -independentemente de política// Falam de política ou não? às vezes sim -às vezes não --algumas vezes// Menos vezes? sim// E assuntos sociais, do dia-a-dia, que acontecem na cidade? sim -esses assuntos// E falam em crioulo ou em português? falamos em crioulo// Falam em crioulo. E onde é que vocês se encontram? nós moramos numa casa que fica mesmo pegada// É da vizinhança, portanto. sim -ela mora ao meu lado// Pessoa 2? pessoa 2 também é uma pessoa amiga -nós somos colegas de trabalho// Feminino ou masculino? é feminino// Idade? tem a minha idade - 52 anos -- e… nós trabalhamos juntos - e…fizemos… ela fez o magistério antes de mim - mas no ano seguinte eu fiz --fizemos o bacharelato juntos e… depois trabalhamos também juntos - somos…somos todos de São Domingos -e somos amicíssimas// E portanto, vocês falam em crioulo ou português? falamos em crioulo// Que tipo de assunto? normalmente falamos de… são os assuntos de trabalho - assunto defamília -assuntos pessoais - sociais… E tudo em crioulo? tudo em crioulo// E vocês encontram-se também na vizinhança? não --nós moramos um pouco afastado - mas… Convivem no trabalho? sim -e visitamos… visitamos uns aos outros// OK. E a terceira pessoa? terceira pessoa também é uma colega de trabalho - é também professora -mas professora do EBI - morávamos na mesma casa - ela no rés-do-chão e eu noprimeiro andar - e… somos amigas desde há muitos anos - relacionamo-nos bem -e falamos diversos assuntos também// Familiares…? portanto -assuntos familiares -assunto pessoal - assuntos íntimos… Política…? assuntos sociais -política// E falam em português ou em crioulo? nós falamos em crioulo// Sempre em crioulo? sempre em crioulo --é nossa língua materna… E vocês encontram-se onde, em casa uma da outra, na…? nós encontramos em casa uma da outra -- agora ela mora longe de mim -mas ela vem visitar-me - eu também vou visitá-la -- somos mesmo amigasdesde… Está bom. Obrigada. Diga-me uma coisa, normalmente em que… em quelugares usa crioulo… lugares e circunstâncias… usa o crioulo e usa o português? crioulo eu uso -posso dizer - em todos os lugares… onde me encontro// Estou a pensar… casa já me disse que em português… vizinhança,mercado, lojas, lugar de trabalho… em todos esses lugares eu falo crioulo -- em casa - na rua - no mercado -nas lojas -- a não ser que eu encontro com uma pessoa que falasse comigoportuguês para também responder em português -- só que no trabalho - com osalunos -normalmente eu falo sempre o português// Na sala de aula? na sala de aula e mesmo fora da sala de aula -- algumas vezes falo comeles na rua o crioulo - mas normalmente tenho hábito de falar com os meus alunossempre em português// E com os colegas professores? com os colegas professores normalmente nós falamos… como há algunsprofessores estrangeiros que falam português -nós falamos português -mas… Com os cabo-verdianos? na altura de falar com os cabo-verdianos - uso sempre o crioulo// Quando foi directora do liceu, no seu gabinete, falava com os professores efuncionários, crioulo ou português? sempre é… quando trabalhei como directora falava sempre com os meusprofessores em crioulo// Com os alunos, na sala de aula, crioulo. Nunca … alguma vez se dirigiuaos seus alunos em portu… em… desculpe. Alguma vez se dirigiu aos seus alunosem crioulo, na sala de aula? não -normalmente não --na sala de aula… Nunca aconteceu? estou habituada a falar português -então… E os seus alunos, dirigiram-se a si alguma vez? às vezes dirigem em crioulo - há sempre um -- mas como professora deportuguês eu tenho sempre hábito de exigir que eles falassem em português// Normalmente, eles dirigem-se a si em crioulo para quê? para perguntar alguma coisa ou para dizer alguma coisa - às vezes parafazer uma crítica contra o colega -- mas eu chamo sempre atenção porque exijosempre que falem em português na sala de aula// Para além dos alunos, com que outro tipo de pessoa é que fala o português?Familiares já sei que não. Amigos, colegas. Mas, por exemplo, superioreshierárquicos, autoridades, pessoas instruídas, pessoas sem instrução, fala com elasportuguês ou crioulo? normalmente aos meus superiores hierárquicos eu dirijo-me para elessempre em português -- às vezes também há alguns professores que sempre nóstínhamos o hábito de falar o português -eu falo o português// Falar com esses professores em português ou em crioulo depende de quê?Do lugar onde se encontram, do assunto, ou não…? às vezes depende do lugar onde nos encontramos ou às vezes também doassunto -- eu também tenho hábito de falar português às vezes quando vou trataralgum assunto numa repartição -- para melhor ser atendida - eu dirijo-me àspessoas em português -- às vezes -a pessoa é atendida com mais facilidade// Mas como é que isso acontece? Dirige-se sempre em português ao… àpessoa que está lá, ou ela fala em crioulo consigo…? fala em crioulo - mas eu dirijo sempre em português -- depois de falarcomigo em crioulo eu tenho que falar em crioulo - mas se me responder emportuguês -eu continuo a falar em português// E nos locais, assim de divertimento, festas, restaurantes, cinema, crioulo ouportuguês? nesses lugares é sempre o crioulo// Sempre crioulo. E nas cerimónias oficiais, nos locais de culto religioso…? normalmente isso depende de… do ambiente em que decorre o culto - porexemplo… portanto - se uma pessoa começar às vezes em português - às vezes aoutra pessoa é obrigada também a dirigir-se em português -- mas depende doinício do… Fala crioulo aqui de Santiago, certo? sim// e quando fala com pessoas de outras ilhas, que não de Santiago, qual é ocrioulo que utiliza? Como é que fala com essas pessoas? normalmente eu utilizo sempre… para falar com pessoas das outras ilhaseu utilizo o crioulo de Santiago -- mas às vezes… algumas vezes custa-me aentender o crioulo das outras ilhas --por exemplo… Barlavento, Sotavento? às vezes Barlavento é mais fácil para mim// Barlavento? sotavento -sim// Sotavento. Sim Barlavento torna-se mais difícil -- por exemplo eu tinha uma… uma alunaque estudava em minha casa -- falava connosco - nós nos entendíamos muitobem… Ela falava crioulo de…? ela falava crioulo… ela é de Boa Vista - ela falava crioulo de Boa Vista --mas depois - com intervenção do nosso crioulo também… então nós entendíamoso que ela nos dizia -- mas quando - por exemplo - ela falava com o pai ou com amãe -nós não entendíamos o que é que… Não entendiam mesmo? raras vezes -para entendermos… Alguma vez por exemplo a falar com pessoas de Barlavento, para se fazercompreender, ou para que elas se fizessem compreender, usaram o português?Houve necessidade disso? Alguma vez aconteceu? não -normalmente quando é crioulo… Vai em crioulo mesmo? sim// Há assuntos que prefere falar em crioulo e assuntos que prefere falar emportuguês? normalmente como falo crioulo - qualquer assunto eu prefiro sempre falarem crioulo// Sim senhora. Diga-me uma coisa. Normalmente, com que finalidades usa ocrioulo e usa o português? Estou a pensar em coisas como orar, rezar, exprimirum sentimento, falar de assuntos que a emocionam, que a irritam… Nessascircunstâncias… para esses fins… namorar… para esses fins, usa o crioulo ouportuguês? ocrioulo// Mesmo para rezar é em crioulo? a não ser que as orações se encontram no livro por exemplo - então eu leioaquelas orações como se encontram no livro - em português -- mas - normalmente-para fazer as minhas preces - eu faço sempre em crioulo// Normalmente, fala mais em crioulo ou em português? falo mais em crioulo do que português// Nesta semana que passou, a última semana que passou, por exemplo, faloumais crioulo ou português? mais crioulo// E durante mais tempo seguido, crioulo ou português? é sempre em crioulo - crioulo mais do que português -- português eu uso -na maioria de vezes -é sempre na escola e no trabalho// Portanto, português é quase sempre na escola, no trabalho, de resto é…? é crioulo// Crioulo. Sim. Para… mesmo quando se dirige a superiores hierárquicos,autoridades, aí fala…? não -- quando dirijo a superiores hierárquicos ou então alguma…identidade-assim -eu dirijo-me em português// E nas repartições públicas também…? Sim// Portanto, é nessas circunstâncias que utiliza o português. Diga-me umacoisa. Alguma vez usou o português nalguma circunstância, mas sentiu vontadede falar crioulo naquela circunstância? Ou circunstância onde fala o português,mas pensa podia estar a falar crioulo, ou gostaria de estar a falar crioulo nestemomento? não - normalmente quando começo a falar português com uma pessoa nãosinto - assim -vontade de falar crioulo// E o contrário, estar a falar crioulo e vontade de… achar que naquelacircunstância devia usar português? também acho que é a mesma coisa -- estou a falar o crioulo - eu sinto-meà vontade em crioulo// Vamos pensar no ouvir. Habitualmente, onde é que ouve o crioulo? em casa -na rua - no mercado -nas lojas… Sobre que assuntos ouve as pessoas a falar em crioulo? assunto familiar - assuntos pessoais -brincadeiras… E português, onde é que ouve o português? português - às vezes… é sempre que aparecer um estrangeiro - ou então sefor a uma repartição… ou … nesses lugares// Rádio, comunicação social, igreja, ouve o crioulo ou o português? não - normalmente na rádio nós ouvimos o crioulo - e ouvimos também oportuguês// Mais crioulo ou mais português? Acho que nós ouvimos mais o português do que o crioulo// E na televisão? na televisão também --dão notícia sempre em português// Ouve bastante televisão e rádio em portuguêsou em crioulo? em português// Em português. E ler, costuma ler em crioulo ou em português? leio sempre em português --crioulo - leio muito mal// Já leu alguma coisa em crioulo? já li// Em que circunstância? O quê? e… às vezes… já costumo ler livros de… publicados por algumas pessoasamigas --costumo ler crioulo -- mas normalmente -não gosto de ler crioulo// Não gosta de ler. Sente…? sinto dificuldade em ler o crioulo --tanto em ler -como em escrever// Então, não costuma escrever crioulo também? não -costumo escrever -mas tenho dificuldades// Quando diz que costuma escrever é assim, escreve alguma coisa, váriasvezes, ou já escreveu em crioulo alguma coisa? não -- é algumas vezes -- por exemplo - a minha mãe há cerca de dez anosque é surda -- então - muitas vezes para falar com ela eu escrevo -- às vezesescrevo em português -mas escrevo várias vezes em crioulo// Hoje em dia? Sim// Ah bom! ela tem quarta classe antiga - então - sabe ler bem - sabe escrever - entãoentende tanto o crioulo como o português escrito// E ela consegue… entende bem o crioulo quando escreve? entende sim// Como é que faz para escrever o crioulo? com os conhecimentos que adquiri na formação então… Mas usa o ALUPEC, ou…? oALUPEC// Usa o ALUPEC. sim// E que dificuldades é que sente quando escrevecrioulo, se sente alguma? às vezes sinto dificuldades por exemplo no som de algumas letras// Imagine…vamos imaginar o seguinte: está numa situação a falar crioulocom umas pessoas, não é? O que é que a faria mudar, passar a falar português?(…)Estou a pensar no seguinte: por exemplo, imagine que está com amigos a falarcrioulo. Chega uma autoridade ou um superior hierárquico, ou um aluno. Issofaria com que mudasse, passasse a falar português? em princípio sim -- se eu estiver a falar crioulo com uma pessoa - chegarum superior hierárquico ou uma pessoa que eu tenho hábito sempre de falar comessa pessoa em português -então eu dirijo para essa pessoa em português// Porquê, X? isso é devido ao hábito adquirido anteriormente// E o contrário? Imagine que está a falar português, por exemplo com osalunos. Chega um colega, isso faria com que mudasse para crioulo? também -- é a mesma coisa -- eu mudo para crioulo -- se a pessoa falarcomigo em crioulo -também falo com ela em crioulo// Mas, por exemplo, em caso de mudança de assunto. Imagine que está afalar com uma pessoa um assunto pessoal, familiar. Entretanto passam a falar deum assunto de trabalho. Isso faria com que mudasse do crioulo para português? não -continuamos em crioulo// Então, mudar de português para crioulo depende de quê? depende de situação// Podia tentar definir-me isto um bocadinho melhor? eu acho que depende de uma situação pontual -- como acabei de dizer - sechegar uma pessoa - um superior hierárquico - que eu tenho hábito de falarsempre com essa pessoa em português - e essa pessoa sempre dirige para mim emportuguês - eu desligo do crioulo e passo para… logo para português -- nessascircunstâncias que eu passo do crioulo para português// Então depende fundamentalmente da pessoa? sim// Ou do assunto? Ou do ambiente? eu acho que depende de todas essas coisas ((risos)) se calhar mais dapessoa e também do ambiente -- às vezes podemos estar num ambiente que fala sóportuguês// Que tipo de ambiente é que normalmente se fala só o português? por exemplo - uma reunião -- numa reunião - às vezes - o dirigente dareuniãofala português - então nós também somos obrigados a falar português// X, há quem ache que o crioulo não é uma língua, que é uma língua queainda não tem gramática ou que é ainda um dialecto. A X, o que é que acha docrioulo? eu acho que o crioulo é uma língua - só que não está oficializado e porisso torna-se difícil a compreensão dessa língua -- na… tanto na escrita como naoralidade// Como assim? por exemplo - ainda muitas pessoas - incluindo eu por exemplo - não…não conhecemos ainda bem as regras gramaticais que se utiliza no crioulo --apesar que temos dicionários - temos gramáticas - mas o crioulo ainda dificultamuito// E acha que o crioulo deve ser oficializado? oficializado não digo -- porque passar do português para oficializar - porexemplo - o crioulo -para ficar a utilizar apenas o crioulo -não é? O que é que acha? Devia ser só o crioulo, o crioulo e o português…? eu acho que nós já estamos habituados tanto com o português - que sepassarmos a utilizar só a língua crioula como a língua oficial - a experiência nãovai… da língua vai ter fracasso// Mas então, o que é que acha? Tanto o crioulo como o português deviam seroficiais? O português devia continuar como única língua oficial? O que é queacha? na minha maneira de ver - acho que o português deve continuar como alíngua oficial// Única língua oficial? sim// Portanto, o crioulo não deve ser oficializado? acho que o crioulo deve ser introduzido nas escolas porque é a nossalíngua materna - acho que nós devemos ter conhecimento dessa língua -- devemosaprender essa língua -aprender as regras da escrita// Se o português deve continuar como a única língua oficial, o crioulo seriausado para quê, então? para melhor aprendizagem - para a comunicação - tanto oral comoescrita// E na escrita seria usada em que circunstâncias? Nas repartições, seria oportuguês que é a língua oficial. O crioulo seria usado para quê? acho que… por exemplo - sempre que uma pessoa precisar de utilizar ocrioulo então - nessa circunstância - utiliza o crioulo -- às vezes há pessoas… háescritores - por exemplo - que utilizam o crioulo para escrever os seus livros --então é nessas circunstâncias que acho que o crioulo deve ser aprendido naescola// Quando diz aprendido, não imagina… imagina por exemplo que o ensinoseja feito em crioulo? Por exemplo, matemática, física, etc., tudo ensinado emcrioulo? não - estou a… acho que tudo em crioulo fica mais… eu acho que… sóque… deve ensinar a língua por exemplo - como se utiliza para o francês e oinglês//((A entrevistada atende o telemóvel)) E do português, o que é que pensa do português? o português - eu acho que é uma língua que não é fácil - mas já estamoscom certo hábito -- já estamos habituados a falar - a escrever - a ouvir essa língua- por isso eu acho que deve continuar nas escolas -- deve continuar como línguaoficial --é a minha opinião pessoal// Claro, claro. É isso que… é isso mesmo que eu quero. o crioulo - eu acho que deve ser ensinado também para os alunosaprenderem a ler - a escrever - como se ensina na escola a língua francesa e alíngua inglesa// Mas porquê? Porquê o português assim e o crioulo assim? não -- eu acho que o crioulo… como é a nossa língua materna - nósfalamos o crioulo -- acho que devíamos também aprender a escrever - e aprenderas regras -as normas// OK. Nós aprendíamos. E aprendíamos para quê? Para usar o crioulo onde,com que pessoas, para falar ou escrever sobre que assuntos? Ou seja, o portuguêsficaria reservado para certas pessoas, para certos assuntos, para certascircunstâncias e o crioulo para outras. Quais? bom --eu na minha maneira de ver -eu estou - por exemplo… Como é que vê isto? estou a pensar -- o ensino do crioulo torna-se muito difícil porque nóstemos muitas variantes em crioulo -- por exemplo - eu sou da ilha de Santiago -falo o crioulo -- mas o crioulo por exemplo de Santa Catarina - já é diferente docrioulo de Praia -- depois - nas ilhas também - o crioulo de… mesmo debarlavento… entre barlavento - o crioulo é diferente -- por isso - acho que tornamuito difícil… Qual seria então crioulo que se poderia ensinar nas escolas? isso agora -não pensei ainda// Não faz ideia? mas se calhar eu penso… tem-se que se ensinar o crioulo mais usado embarlavento e o crioulo mais usado em sotavento -os dois tipos de crioulo… Seria? Seria? Qual é o crioulo mais usado…? barlavento e sotavento// Qual é o mais usado em Barlavento e o mais usado em Sotavento? isso agora também -não tenho muito conhecimento disso// Diga-me uma coisa. O que é que representa o crioulo para si? Ou seja, qualé a relação que estabelece entra ser cabo-verdiano e o crioulo? Imagina um cabo-verdiano que não saiba falar crioulo ou não goste do crioulo?(…) bom - eu - para mim… nasci numa família que fala crioulo - aprendi afalar o crioulo -portanto - acho bem usar o crioulo// E o português? Há pessoas que acham que o português é uma língua nossa,ao mesmo nível que o crioulo. Há outras pessoas que acham que não, não é bemassim, apesar do português ser também nossa língua. A X o que é que pensadisso? eu por exemplo não considero português como nossa língua -- eu estudei -aprendi que o português veio desde a… com a colonização - e por isso nósficamos a utilizar… fomos colonizados - então ficamos a utilizar o português --eunão considero português a nossa língua - mas nós aprendemos na… é a nossalíngua da escola - depois nós aprendemos e continuamos a falar o português - àsvezes mais do quecrioulo// Mas acha que se devia continuar a usar…? Portanto, neste momento emCabo Verde temos o crioulo e o português, não é? O que é que pensa destasituação, de nós podermos usar, ora o crioulo, ora o português? Acha que é umasituação natural? Que acontece sem problemas ou tem alguns problemas? falar o português e falar o crioulo? eu acho que não é nenhum mal -- massó que - o crioulo às vezes dificulta a aprendizagem do português -- como estamoshabituados a falar o crioulo - às vezes ao falar o português há interferências docrioulo no português -- às vezes - mesmo ao falar - sentimos dificuldades porcausa do crioulo// Então acha que se devia passar a usar só o português? não -acho que deve-se usar as duas línguas// Qual é a solução, então, para evitar esta interferência do crioulo noportuguês? eu acho que… se calhar com a introdução da língua crioula nas escolas -vai melhorar o estudo do português -ou então… não sei// Se se continuar a usar o crioulo e o português em Cabo Verde, como achaque se deve, não é? O crioulo seria usado para quê, e o português para quê? o crioulo normalmente é utilizado na… Não é… não é o que acontece. É o que é que acha que devia acontecer.Portanto, acha que o crioulo deveria ser usado para quê, e o português para quê?Ou, acha que deve ser como está? eu acho que o crioulo -na escola deve ser usado como… Como disciplina? como disciplina - escrita e oral -- mas como língua de comunicação - achoque deve continuar o português// De comunicação, na escola? na escola -- e… porque eu vejo que há pessoas que estudam - e o crioulonão interfere na língua portuguesa --isso depende de pessoa para pessoa// Falar, ler, escrever. Nós devíamos passar a escrever o crioulo como usamoso português para escrever ou devemos continuar a usar o crioulo só para falar, epara ler e escrever, o português? O que é que acha disso? isso na escola? Não, de um modo geral. Na escola já acabou de me dizer. Agora estou adizer de um modo geral, na vida social. eu acho que se deve continuar a utilizar o português para escrever - paraler e escrever --o crioulo dever ser aprendido para algumas situações// Como por exemplo? por exemplo - quando uma pessoa quiser dirigir-se a uma pessoa… a umaoutra pessoa em crioulo - então essa pessoa já está habilitada para dirigir-se a essapessoa em crioulo -- tem conhecimento suficiente para dirigir-se correctamenteem crioulo --porque às vezes nós não falamos o crioulo correctamente// Como é que vê a evolução da situação linguística de Cabo Verde? Para siqual seria o ideal, a situação ideal em Cabo Verde? eu acho que está-se a lutar para a oficialização do crioulo -- mas - naminha maneira de ver -acho o crioulo um pouco difícil// Mas é uma língua difícil? sim - uma língua difícil de ler e escrever -- não sei se é por causa dopouco conhecimento que ainda se tem sobre o crioulo ou… E, portanto, não se devia oficializar o crioulo. não se devia oficializar o crioulo// Qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura deCabo Verde? Estou a pensar em manifestações culturais. Morna, batuque, funaná,kolá SanJon, teatro, cinema, literatura escrita,poesia, romances, contos… eu acho que o crioulo identifica-se melhor com… os aspectos culturais dopovo cabo-verdiano -- tanto no batuque como no funaná - mesmo nas outrasactividades -o crioulo identifica-se mais com o povo cabo-verdiano// E devia ser usado… quer dizer no teatro, cinema, acha que se devia usar ocrioulo ou o português? no teatro - no cinema - nas comédias - nessas coisas - acho que o crioulofica melhor para a identidade cabo-verdiana// E na literatura escrita, poesia, romances, contos, crioulo ou português? sim// Mas entretanto, acha que o crioulo não deve ser oficializado. Porquê?Porquê…? porque acho que dificulta a aprendizagem das outras disciplinas -- porquenormalmente as outras disciplinas utilizam a língua portuguesa… E não se poderia passar utilizar o crioulo nessas disciplinas? eu acho que nessa circunstância torna-se um pouco difícil -- é a minhaopinião pessoal// Porquê? Difícil porquê? porque o crioulo… acho que o crioulo não é fácil -- não é assim muitofácil de aprender -- por exemplo - uma pessoa que já estudou - já acabou deestudar -agora para voltar ao crioulo acho que… E os jovens? já para as crianças de que… entram na escola pela primeira vez - depoisos jovens… acho que a aprendizagem torna-se mais… mais fácil// Diga-me uma coisa. Como é que acha que os cabo-verdianos falam oportuguês? Falam bem, não muito bem, falam… o que é que acha? eu acho que os cabo-verdianos falam português… uns falam muitos bem -outros falam bem -há uns que falam de uma forma suficiente// Há quem ache que cada vez… os cabo-verdianos estão a falar o portuguêsà cabo-verdiana. Ou seja, que poderia… poderíamos ter um português de CaboVerde. O que é que acha disso? Ou acha que nós deveríamos falar como oportuguês … à moda dos portugueses daEuropa? O que é que acha? nesse caso eu acho que -se calhar -as duas coisas juntas// Como assim? por exemplo - nós… o português tem o seu… tem a sua maneira própriade falar que às vezes dificulta o cabo-verdiano - custa o cabo-verdiano falar -- amaneira por exemplo de pronunciar uma palavra - o som que sai -- acho que háuma certa diferença -- mesmo por exemplo acontece com as pessoas que estão aviver em Portugal - às vezes - durante muitos anos - tentam imitar… há uns queconseguem - mas há outros que não conseguem -- falam o português - mas umportuguês crioulizado// E, como é então que nós deveríamos esforçar-nos por falar, todos os cabo-verdianos, de uma maneira geral? À moda de… O que é que acha? eu acho que… já temos um início com o português e devemos continuar… A falar…? sim// À moda de…? À maneira dos portugueses, de Portugal? sim -- é com os portugueses que nós aprendemos - por isso acho que nósdevemos continuar// X, não tenho mais… Ah! Eu tenho mais uma pergunta, que eu já tinhafeito. A X acha que o português é mais adequado para que tipo de pessoas? Ouseja, há pessoas com quem se deve falar o português e há pessoas com quem sedeve falar o crioulo? Que tipo de pessoas? eu acho que o português é mais adequado para as pessoas que têm maisescolaridade - pessoas mais cultas - assim -- mas há pessoas que nós temosnecessidade mesmo de falar o crioulo// Que tipo de pessoas? por exemplo - as pessoas que não são… as pessoas analfabetas - porexemplo --há necessidade defalar com essas pessoas em crioulo// E assuntos? Há assuntos que são melhor tratados em crioulo do que emportuguês, ou melhor em português do que em crioulo?(…) não estou a perceber muito bem// Por exemplo, que tipo de…sei lá, um assunto familiar. É melhor falar sobreum assunto familiar em português do que em crioulo? Mas já um assunto técnicoou um assunto político, seria melhor tratá-lo em português? eu acho que assunto técnico - político e científico fica melhor emportuguês// E o que é que fica melhor em crioulo, que tipo de assunto? assunto familiar, assuntos sociais … Porquê? porque a nossa família - acho que é uma família… temos a maioria dasfamílias que são poucos habilitadas - têm poucos anos de escolaridade - que essesassuntos familiares -assuntos sociais - fica melhor em crioulo// E lugares? E contextos? Há contextos onde é melhor usar o português doque o crioulo? Por exemplo, disse-me que usa… nas repartições públicas usa oportuguês. Acha que nas repartições… o português é mais adequado àsrepartições do que o crioulo? não - acho que nas repartições - por exemplo - quando uma pessoa dirigir- a pessoa que trabalha nessa repartição - quando dirigir em português - então apessoa é melhor atendida do que se dirigir em crioulo -- sempre que umapessoa… há mais atenção para uma pessoa que fala o português do que para umapessoa que fala o crioulo --eu notei// Porque é que acha que isso acontece? porque eu já notei isso em várias circunstâncias// Já notou. Mas porque é que acha que as pessoas agem assim? Porque é queacha que as pessoas dão mais atenção, tratam melhor quem fala português do quequem fala crioulo? eu acho que… se calhar porque a pessoa pensa que é uma pessoa maisculta - ou é uma pessoa mais inteligente - ou é… acha que é uma pessoa - assim -especial --então -por isso -atende com mais facilidade// E a X acha que o português é uma língua de pessoas mais inteligentes,mais cultas, mais especiais? Acha isso? não -não é isso --disse -assim é que eu pensei que as pessoas pensam// Mas e a X não pensa assim? Pessoalmente, pensa assim ou não? não… às vezes penso -mas às vezes também não// Fica na dúvida, não é? Ok. X, não tenho mais perguntas. Se quiser fazeralgum comentário às suas respostas anteriores, ou se quiser acrescentar maisalguma coisa, esteja à vontade. Está bem? Tem mais alguma coisa que queiraacrescentar? não -eu não tenho nada a acrescentar// Não? Pronto. Então, mais uma vez… espero que o trabalhoda professora Amália corra bem// Muito obrigada. e tenha sucesso// Muito obrigada. Também desejo a si tudo de bom. e espero também que as minhas opiniões sirvam de apoio para… Vão servir. Vão servir.Vão servir com certeza e muito obrigada." -INF29.wav,"Sr. Xmuito obrigada… vou fechar a porta… Muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A minha primeiraquestão é a seguinte: antes de entrar para a escola, já tinha aprendido o português,ou só ouvia? não -só crioulo// Mas já tinha ouvido o português? tinha - tinha porque na minha casa havia dois professores - um irmão meue uma outra irmã - eram os dois professores - de maneira que - mais ou menos -já tinha ouvido o português - mas não no sentido de falar o português - mas ouvirjá tinha ouvido// Ouvia-os a falar entre si ou de vez em quando falavam consigo português?Como é que é? não - entre si -entre si// Rádio, igreja…? também na igreja - não é? frequentava a igreja desde tenra idade -não é? amissa era sempre rezado -naquele tempo -em português//AM Ecomunicação social,rádio,ouvia?eu passei a ouvir a rádio com mais frequência a partir do… duma certaidade// Certo. E actualmente, em casa, com os seus amigos e colegas maispróximos, o que é que usa,o crioulo ou o português? com os meus amigos e os meus colegas mais próximos uso o crioulo -normalmente -- de quando em vez - o português - quando os amigos tambémfalam português -muitos não são de cá - falam normalmente português// Mas com amigos e colegas só se eles não são cabo-verdianos é que vocêfala português, é isso? exacto// E em casa..? em casa - eu… usamos mais o crioulo - não é? mas às vezes - tenho defalar o português com a minha filha que está a estudar para poder também… parapoder apreender -mas - grosso modo -nósfalamos o crioulo// Digamos então, se eu percebi bem, em casa, português, é só com a suafilha, com esse objectivo, de aprendizagem? exacto// Certo. Como é que avalia a sua proficiência em crioulo e em português,falar,ler escrever… falar, ler,ler escrever? não estou a entender bem a… Portanto, o senhor tem domínio do crioulo e do português… ah!já percebi… Nas diferentes habilidades: ler,escrever, falar… ler, escrever a::: Falar. falar - falar -não é? também na vertente escrita// Falar… falar e escrever -- ali tenho mais domínio -- ler é uma questãoprofissional// Vamos lá ver. Falar, crioulo ou português? ahan Acha que domina mais o crioulo falado? Como é que domina o crioulofalado e o português falado? Como é que acha que? eu naturalmente tenho dominado mais o crioulo que é a minha línguamaterna -e o português por uma questão profissional// prefere falar crioulo ou falar português? eu…falo as duas línguas -não é? falo as duas línguas - mas a::: Qual é que gosta mais de falar? gostaria de falar mais o crioulo -não é? do que o português// Eler? bom… ler é uma questão de aprendizagem - não é? leio mais emportuguês do que em crioulo// Elê melhor em crioulo ou em português? eu leio melhor curiosamente em português -não em crioulo// E escrever? também escrevomelhor em português// Escreve melhor em português. E acha que exprime melhor as suas ideiasem crioulo ou em português? a:: para certos casos… não que sejam ideias que requerem uma maiorelaboração - eu utilizo o crioulo - acho que o crioulo é melhor -- mas para certoscasos -casos em que há maior elaboração mental - eu uso o português// Porque é que isso acontece? eu… talvez tenha a ver com a própria aprendizagem - nós aprendemos apensar em certos aspectos - não é? a pensar mais em português - quando digopensar - digo fazer determinadas operações mentais etc. etc. - não é? de maneiraque estou mais àvontade nesse aspecto// É de reflexão intelectual mesmo que me estáa falar? exacto -reflexão intelectual// Diga-me então, exprimir melhor as suas ideias depende de… em portuguêsou em crioulo,depende da pessoa,do assunto,do lugar, da circunstância? exactamente -exactamente// Exactamente, pessoa, assunto, circunstância? exactamente - se eu estou aqui no liceu - por uma questão profissional enão só - porque a língua oficial de ensino é português - não é? passamos durante odia ou grande parte do dia - maior parte do dia - a falar português -- mas pronto -se estou lá fora com os amigos e não só - numa situação informal - utilizo ocrioulo -- quando faço reflexão profunda sobre um determinado assunto - escreverpor exemplo - um artigo ou um poema - qualquer coisa - utilizo-me a línguaportuguesa// Vamos lá ver uma coisa: aqui no liceu, com os seus colegas, aqui no liceuhabitualmente qual a língua éque usa? nós -a:: Não estou a falar das aulas. Estou a falar daqui, com os colegas, na sala dosprofessores,com a directora…? aqui há professores novos - e há professores com uma certa idade - estãocá há muito tempo -- normalmente - por uma questão até de tradição - não é? nósfalamos o português - normalmente com esses professores mais adultos - não é?que inclusivamente já foram professores nossos - entre nós ou então na camadaem que há professores mais novos - não é? ouve-se mais o crioulo do que oportuguês// E com a directora,com os contínuos,as empregadas de limpeza? com a nossa directora - e com os directores que têm passado por cá -temos procurado falar o português - mas também depende da directora - hádirectores que por vezes querem falar crioulo connosco - sentimos mais abertos afalar o crioulo - mas há uns que só usam também o português - ali falamos oportuguês com eles -- com os contínuos - grosso modo - a não ser em certassituações -nós falamos o crioulo// Em que situação é que falam português com os contínuos? a:: numa situação… por exemplo de… eu - numa situação mais delicada -não é? se eu quero dar uma ordem - no sentido de… não é só de acatar - não é? eupor vezesutilizo mais o português do que o crioulo// Porque é que isso acontece? o português é uma língua de respeito - não é? é uma língua de respeito --eu sinto que a mesma ordem dada em português - a mesma ordem dada emcrioulo -não é? pode não surtir o mesmo efeito// Certo. as pessoas obedecem mais - acatam mais - quando… quando damos umaordem em português// E com os alunos? com os meus alunos - eu falo - por uma questão profissional - eu faloapenas língua portuguesa// Na sala de aula e forada sala? na sala de aula - mesmo no intervalo - aliás mesmo fora do liceu -- é umprocesso de relação aluno…professor/aluno - então falamos sempre em português-mesmo fora do liceu// Na sala de aula,alguma vez se dirigiua algum aluno em crioulo? na sala de aula… não me lembro// Eo contrário,os seus alunos dirigirem-se a si em crioulo? em certas turmas sim -em certas turmas// Para quê é que eles utilizam o crioulo, em que circunstâncias? em certas turmas sim - alunos com mais problemas em termos deportuguês - de falar português - então esses alunos por vezes utilizam o crioulo -utilizam o crioulo - não sei - profissionalmente - a nós não sai espontaneamente -o que é certo é que utilizam o crioulo nesse caso// Na sala de aula? na sala de aula -por vezeshá situações em que… Mas é para quê que eles utilizam o crioulo, para pedir alguma explicação,para…? por vezes falam espontaneamente - por vezes quando não conseguemdizer qualquer coisa em português -eles dizem em crioulo// Acha que é por não saberem…? eu penso que sim - eu penso que sim// Diga-me uma coisa, como é que se sente quando fala português e quandofala crioulo, mais ou menos à vontade, mais intimidado, com medo de errar ounem pensa nisso? não - penso - penso sempre -- sou muito sincero nisto - sinto-me mais ávontade quando falo o crioulo -não é? Porquê? é a língua materna - sai espontaneamente - mesmo sendo professor delíngua portuguesa - não é? tenho certo cuidado em falar o português - para nãoerrar (?)// Ler e escrever,prefere português? naturalmente// Agora, diga uma coisa. Fala o crioulo de Santiago, naturalmente? eu falo o crioulo de Santiago que é a minha ilha - o meu dialecto -- mas eufalo também vários outros dialectos -aliás quase todos// Mesmo de barlavento? mesmo de barlavento// Quais é que fala? por uma questão… é o dialecto mais conhecido entre nós - o crioulo deSão Vicente tem mais peso - não é? tem mais peso - tem mais peso - não é? nãosei se posso dizer mais peso social - temos por hábito falar - quando queremoscomunicar com pessoa debarlavento// Então, usa o crioulo de Santiago com pessoas de sotavento - e usa crioulode barlavento com pessoas de barlavento? exacto -mais ou menos isso// Equando usa o crioulo de Santiago com pessoas de barlavento, como é queé a compreensão? eu… acho que não há grandes problemas de incompreensão -- a não serem certos casos -certos casos - não é? Certos casos, como assim? em termos… termos… lexicais por exemplo -- palavras que podem nãoter o mesmo significado - ali tenho de recorrer ao vocabulário tanto do norte comodo sul - mas acho que há uma compreensão razoável - MES-MO para casos depessoas que sejam de Santo Antão - não é? a nossa tendência é dizer que o crioulode Santo Antão é mais difícil - mesmo para esses casos - eu acho que há umacompreensão razoável-razoável// Professor x, eu vou-lhe pedir o seguinte: pense nas três pessoas com quemmais conversa fora do seu círculo familiar. E eu gostaria que me definisse o perfildessas pessoas, não quero nomes, naturalmente, mas quero o perfil, em termos deidade, sexo, grupo e estrato social e para me dizer o que é que fala com essaspessoas,habitualmente, crioulo ou português, sobre que assuntos e em que lugarese circunstancias. Portanto, vamos pensar na pessoa um, pessoa dois e pessoatrês… vamos ver - eu falo…fora do meu círculo familiar - falo com a minhamãe… Também continua a ser do seu círculo familiar. sim - exacto -- mas eu estava a pensar na família nuclear -- tenho… háuma pessoa amiga com quem estou sempre a falar… Sexo feminino ou…? Masculino// Mais ou menos de que idade? tem mais ou menos quarenta anos - sim - gosta muito de falar crioulo -defende muito o crioulo - não é? e estamos constantemente a falar sobre temasque têm a ver com o crioulo - mas também a reflectir sobre certos temas maiscomplicados -mas em crioulo// Temas de politica,social, cultural, …? política -social - cultural -e outros -não é? Qual é a formação dessa pessoa, a sua profissão? essa pessoa tem… não tem o curso completo universitário - mas esteve ládurante três anos - tem quase o universitário completo -- e é técnico…actualmente é técnico informático - não é? empresário também - tem umaempresa do ramo// Portanto, comessa pessoa fala em crioulo? falo-falo// Habitualmente? habitualmente -e mesmo por uma questão de::: de::: Mesmo de princípio? exacto -em principio - só falacrioulo// E, portanto, só falam em crioulo.Ok sim -sim// Eonde é que vocês se encontram? a:: na minha casa - por vezes em casa dele - não é? algum bar - espaçosculturais aqui da cidade -não é? Muito bem. E a segunda pessoa? bom - a segunda pessoa - fora do círculo familiar - não é? deixe-me ver…o problema… Aprimeira pessoa é cabo-verdiana? é cabo-verdiana - é cabo-verdiana -- a segunda pessoa mais importante…bom (…) tenho também alguns colegas - dentro desses colegas - um dessescolegas -tenho um que estamos constantemente a conversar// Idade,sexo? é também sexo masculino -não é? Idade? tem mais ou menos a minha idade// Éprofessor de formação também? também -professor de formação// Cabo-verdiano? cabo-verdiano// É aqui da Praia ou meio rural,meio urbano? éde meio rural - mas agora estáa viver aqui// Com essa pessoa, fala em crioulo ou em português? quase…nósfalamos por vezes em português -por vezes em crioulo// Pode especificar de que é que depende falar em português,onde…? nós somos… quando estamos a discutir um assunto - sobretudo em certosmeios -mais académicos - quer aqui no liceu quer fora -falamos em português// Que tipos de assuntos? Sociais, políticos, pessoais, familiares? Que tipo deassuntos em português? e:: assunto tem mais a ver com a literatura - assuntos da nossa vidaprofissional -da nossa vida profissional// Isso,só falam em português? também em crioulo - mas tudo depende -- estamos a falar crioulo - e derepentea gente fala o português -depois voltamos ao crioulo - uma mistura// Ah! Ok. Certo. por vezes sem querer// Estábom. E vocês encontram-se onde? Aqui? aqui - em alguns cafés - por vezes em pequena paródia - não é? ediscutimos - discutimos -por vezesem português - em crioulo// Não me lembro se me falou da idade dessa pessoa. tem mais ou menos a minha idade -tem 43 ou 44 anos// Mais ou menos, sim. E a terceira pessoa? a terceira pessoa com quem falo sempre - com quem falo sempre - é umapessoa da minha zona-não é? minha zona// Seu vizinho? meu vizinho - tem um minimercado - tem um minimercado - vou lá fazeras compras - e aproveito também para falarmos de coisas - não é? não diria maisbanais -coisas do quotidiano - não é? não tem nada a ver com a vida académica// Efalam em crioulo ou em português? só em crioulo// Só em crioulo? crioulo// Qual é a formação dela? a::: Mais ou menos. tem mais ou menos… não deve ter mais do que o liceu-incompleto// Muito obrigada. Já me falou um pouco disso, mas eu vou aprofundar. Jáme disse que em casa praticamente não fala português, já me falou daqui daescola, mas e, digamos, no mercado, lojas que por acaso frequenta, nos locais delazer, cafés, bar etc. discotecas, qual é que�� normalmente, o crioulo ouportuguês? uso… uso - não é? grosso modo… uso mais o crioulo do que o português- o português… depende também da do ambiente - e da própria… por vezes daprópria pessoa que está à frente de uma determinada instituição// Como assim? por exemplo - se eu vou ao supermercado - e se a pessoa falar comigo -por razões diversas - o português - por uma questão até de educação - respondoem português - não é? mas pronto - se eu constatar que o ambiente é mesmo docrioulo -eu entro logo -falo crioulo -atépara estar mais à vontade// E nas repartições públicas? eu… Banco,hospital, serviços do estado… eu tenho… tenho… em certos serviços eu falo o português - falo oportuguês// Porquê? atépara ser mais bem atendido// É?! por exemplo - eu… quando eu vou à administração central - o nossoministério - já fiz essa experiencia - não é? eles não sabem que eu sou professor -mas eu identifico - mas eu vejo que quando falo crioulo com certos funcionários -sou… sou… não sou bem atendido - da mesma forma quando falo o português --então vou com espírito já preparado - não é? preparado para falar o português -então chego - boa tarde - e falo o português com eles - era isso - assim –assim - não é? e sou mais bem atendido - e uso essa estratégia também para sermais bem atendido// Certo. Há bocado disse-me que fala português com a sua filha para,digamos, ajudar, colaborar na aprendizagem. E para outras finalidades como, porexemplo, exprimir um sentimento, rezar orar, dar ou pedir uma informação,namorar, falar de um assunto que emociona ou irrita, praguejar, dizer asneiras, …em crioulo ou o português? o crioulo -o crioulo// Rezar,orar,namorar…? exacto -o crioulo// Eo português, já me disse, para reflectir intelectualmente… sim - sim - sim - por exemplo - eu - quando vou à biblioteca - ou à feirado livro - compro livros em português - não é? tenho essa preocupação - mesmosem querer - tenho que pensar… também não há muita oferta em crioulo - não é?quase não existe - isso para ajudá-la também a aprender mais o português - maisvocabulário -etc. -mas por vezes até inconscientemente -inconscientemente // Na última semana, portanto, na semana que passou, falou mais crioulo ouportuguês? na última semana - estou de ferias - falei muito mais crioulo - queportuguês -muito mais crioulo// Todas as vezes que falou foi crioulo ou…? algumas vezes falei português -mas falei mais o crioulo// Edurante mais horas seguidas, o crioulo ou o português? é o crioulo// O crioulo. Porque é que issoaconteceu? um - porque eu estava de férias -- e quando estou de férias - normalmenteprefiro me libertar um pouco - não é? e então - eu tenho quase uma necessidadede falar crioulo com as pessoas - cumprimentar as pessoas - ouvir o crioulo parafalar também -é um tipo de libertação de espírito -digamos assim// Certo. Alguma vez falou o crioulo em algum lugar, mas que gostaria denesse lugar ou nessa circunstância ter falado o português, ou vice-versa falouportuguês,desejando nessa circunstância falar crioulo? é:: já aconteceu - já aconteceu comigo -- ainda há dias - ainda há dias - eunão lembro bem do sítio -mas eu… Tipo de sitio,local de lazer, repartição pública, …? repartição pública - falei o crioulo com a pessoa - mas eu - ao mesmotempo - eu achei que devia falar português - naquele contexto devia falar - pronto-também -às vezeso crioulo sai espontaneamente// Porque acha que o português é adequado para repartições públicas? é mais formal - até esta é língua - eu não diria a língua mais adequada -mas é a língua que se usa - que se usa nas repartições públicas - tanto mais que osdocumentos que lá estão são escritos - estão em português - não é? o processotodo - então eu quando estou nas repartições públicas e não só - eu tento - porhábito -falar o português -sobretudo se eu não conheço o meu interlocutor// Habitualmente, onde é que ouve o crioulo?(…)Casa, dos familiares,café vizinhança…e que mais? exacto --no autocarro - no autocarro fala-se habitualmente em crioulo// Palestras, comícios, comunicação social, …? nas campanhas políticas então… ((risos)) Na última semana, falou mais crioulo que português, já me disse. E durantemais horas seguidas crioulo ou português? crioulo-o crioulo// Que tipo de assuntos… quando ouve as pessoas a falarem em crioulo, quetipo de assuntos é que eles abordam, elas, assuntos tipo familiares, íntimo, social,problemas de vida,oficial, político, religioso…? depende de… depende mais da categoria das pessoas - não é? há pessoasque pertencem à camada mais baixa - normalmente o tema tem mais a ver com oquotidiano - com a vida deles - com os problemas sociais - etc. mas há pessoas jácom… camada mais baixa - mais alta da sociedade - que usam o crioulo também -já com uma certa preocupação -de uma forma mais intelectual - já falam de certostemas - não é? que deviam ser também abordados - que nós abordamosnormalmente em português// Mas tem ouvido esses assuntos também serem tratados em crioulo? em crioulo -também// Já me falou disso, digamos, já… se percebi bem, já leu alguma coisa emcrioulo,esporadicamente, é isso? já -eu…não há muita produção em crioulo -- eu já…normalmente leio asproduções aqui -em crioulo// Aquelas que existem, já leu? aquelas que existem - mas pronto - acho que não é muito substancial - háuma pouca produção em crioulo mesmo// Leu alguma coisa em crioulo, na semana que passou? por acaso não li - não li// Não leu. passeia vida a ler emportuguês// Já leu algum material em crioulo, mas que gostaria que esse materialtivesse sido escrito em português ou vice-versa algum material que já leu ou quelê habitualmente em português, mas que gostaria que esse material estivesse emcrioulo? sim -certos… certos… certos assuntos// Como, por exemplo? determinados temas tratados mesmo a nível político - económico - nívelpolítico e não só -se fossem tratados -mesmo a nível da escrita -em crioulo… Está a falar de artigos de jornais? exacto - exacto -- teria maior impacto - maior impacto -- conheço oproblema das pessoas também - saberem ler em crioulo - de todo o modo aspessoas fazem um esforço paraaprender// E como é que é a escrita em crioulo, costuma escrever em crioulo? de quando em vez -escrevo umas coisinhas// De que tipo? mais poemas - é mais poemas -- já tentei escrever um artigo de fôlego -uma crónica -ou qualquer coisa em crioulo -mas é mais difícil -acho// Quais são as dificuldades que sente? exigem… esses géneros exigem maior elaboração intelectual - não é?talvez uma grande prática da escrita em crioulo - mas não tenho - não é? porqueeu aprendi a escrever em português - não é? e o que tenho escrito - fi-lo emportuguês - de maneira que sinto uma certa dificuldade - ao contrário de falar - deescrever o crioulo -mesmo o meu dialecto// Alguma dificuldade concreta, específica por causa do alfabeto ou…? a nível… não só por causa do ALUPEC - até porque eu digamos… quedomino - mais ou menos -- é essa pratica de escrita - que eu não tenho - quer dizer- sinto que falta-mequalquer coisa - talvez dever ser alfabetizado em crioulo - nãofui -não sou -não fui - não é? Diga-me uma coisa, se está a falar crioulo, num determinado lugar,circunstância, com algumas pessoas, o que é que o faria mudar para português?Assunto, mudança de assunto,chegada de uma pessoa…? depende mais do interlocutor -não é? se sei que… Imagine que estácom uma pessoa a falar crioulo… sim - se sei que a pessoa entende o português - falo crioulo - por vezesmudo - falando de certos temas - posso tratá-lo em português - agora dependemais da pessoa Portanto, está a falar com uma pessoa em crioulo, havendo uma mudançade assunto, podem falar em português. Mudança de que assunto, para queassunto? normalmente de assunto… assuntos mais académicos - digamos assim --assuntos mais académicos - em que há… uma pessoa tem de… tem de… tem deter um determinado vocabulário - até para expressar esse assunto -- então - ali - euterei que mudar quase que obrigatoriamente para o português - às vezes falo compalavras -mesmo em crioulo// Acha que…? Não percebi bem. Fala…? faltam-me palavras// Faltam palavras. faltampalavras - termos mais técnicos// E se chegar, assim, um superior hierárquico, uma pessoa mais instruída,mais educada…? atendência é falar a língua portuguesa// É mudar para o português. E o contrário, esta a falar português, o que é queo faria mudar para o crioulo em termos de assunto,pessoa…? se chegar uma pessoa que não entende bem o português - eu prefiro falaremcrioulo -por uma questão de comunicação// Equanto ao assunto? e:: por vezes - até assunto - assunto - assuntos de carácter mais cientifico -assuntos que requerem uma certa elaboração mental - mas já trato desse assuntoduma forma muito mais fácil - não é? tento falar duma forma muito mais fácil -mesmo em crioulo - para a pessoa poder entender -- mas mesmo assim eu vejoque… por vezes não… não consigo dizer exactamente o que eu queria dizerquando falo de um determinado assunto// Certo. Obrigada. Há bocado disse-me que fala um dialecto do crioulo. Mashá quem pense que o crioulo é um dialecto. O X o que é que pensa disso, o queacha do crioulo? eu - por uma questão…uma questão de formação - não é? aliás eu aprendimuitas coisas de linguística com a senhora - eu acho o crioulo é uma língua -- alíngua cabo-verdiana - uma língua com os seus dialectos - como o português temtambém os seus -e outras línguas -para mim é uma língua como qualquer outra// Para si… Falou-me dos dialectos do crioulo, para si algum deles seria overdadeiro crioulo? linguisticamente - chamar - um dialecto do crioulo pode não ser muitoexacto - muito exacto - não é? porque todos os dialectos são importantes dentroduma língua - agora - neste processo há que se fazer escolhas - e fazer escolhas émuito difícil - não é? e por vezes não depende apenas do dialecto em si - da línguaem si -- há vários factores que podem interferir nessa escolha - inclusive até opolitico - não é? até o factor político// Como assim? mas eu não vejo nenhum dialecto como sendo o - digamos - o verdadeirocrioulo - o verdadeiro crioulo - mas há - digamos - dialectos força - dialectos quetêm mais força// Quais seriam? no contexto nacional - aqui em Cabo Verde - sobretudo na parte sul doarquipélago - o dialecto de Santiago tem mais força - não é? por várias razões -históricas - sociológicas - cultural -- talvez seja o que tenha mais força a nívelnacional --agora a nível do norte - o crioulo curiosamente segue a nossa geografia- não é? o crioulo… acho que o crioulo de são Vicente - apesar de se formar -mais tarde tem mais peso a nível de barlavento -- tanto mais que quase todas aspessoas de barlavento falam bem o crioulo de são Vicente// Há bocado disse-me que o crioulo, para si, é uma língua. E já me tinha ditoque, por exemplo, nas repartições públicas, acha mais adequado falar o crioulo, oportuguês. E já me tinha dito que, por vezes, quando tem de reflectir sobre algumacoisa prefere o português porque lhe falta alguma coisa em crioulo. Então voupôr-lhe a seguinte questão: acha que o crioulo é uma língua que é adequadaapenas para determinadas circunstâncias, por exemplo, usar em casa, na família, eque o crioulo é uma língua que não tem qualidade ou que ainda não temqualidade,o que é que pensa dessas questões? eu acho que crioulo é uma língua - como já disse - como qualquer outra -não é? e pode vir a ter o estatuto que a língua portuguesa tem actualmente - eoutras línguas que nós conhecemos -- mas isso são questões históricas e tambémde tradição - não é? isso tem a ver com a história - a nossa própria história -- oportuguês foi sempre língua - digamos - a língua de dominação - de dominação - econsequentemente - mesmo depois da independência - herdamos essa línguacomo língua oficial - língua oficial - sem deixar de lado o nosso crioulo -- mas ocrioulo nunca teve - ao longo da nossa história - o prestígio que o português teve -não é? o português não é só língua de administração - como também é língua deensino -está a ver? a língua de ensino tem -tem muita força - nesse aspecto -- e aspessoas foram habituadas -ocrioulo como uma língua com menos prestígio -- nãoé? menos prestígio - eu não diria - como o outro - língua de escravos - diria línguacom menos prestígio -- e isso entra na mentalidade das pessoas - acaba por sertambém uma coisa cultural -língua… Mas, pessoalmente, o X, o que é que pensa disso? Também está de acordoque o crioulo não é uma língua de prestígio ou…? não tem - até esta data não tem - embora haja grupos de defensores docrioulo - ainda não tem o prestígio que o português tem - mesmo actualmente -isso quer dizer que - temos de fazer muitas coisas para que o crioulo atinja oestatuto - o prestígio que o português tem - não é? porque se não se investir muitoa sério - não é? no estudo do crioulo - um estudo sistematizado do crioulo -não é?oficializando o crioulo no sentido da sua introdução na escola - porque naescola…eu aprendi o português na escola -não é? Certo. continuaremos a ter esse problema em Cabo Verde - porque nós tambémnão vamos abrir mão da língua portuguesa - vamos fazer mais investimentos nalíngua portuguesa - ca-da VEZ MAIS - não é? então - se não se fizer isso - atéfazer uma discriminação positiva relativamente ao crioulo - nós continuaremos ater esse problema -- um exemplo - um exemplo - por mais que se defenda ocrioulo - por mais que haja corrente defensor do crioulo - os escritores continuam-grosso modo a escrever em português// Certo. está a ver? sobretudo géneros como o romance - o género mais difícil - ogénero mais difícil que existe - não é? mesmo a nível da produção poética - ospoetas - os poetas cabo-verdianos - continuam - grosso modo - a escrever emportuguês -está a ver? salvo… Mas diga-me, pessoalmente, pessoalmente, acha que o crioulo não é umalíngua? O que é que pensa disso? Acha que o crioulo não é adequado para aliteratura, por exemplo, pessoalmente? E também acha o crioulo uma língua que émais adequada ou mais próxima das pessoas sem instrução? a:: é pode ser uma língua adequada à literatura - na medida em que hápessoas que já fizeram essa experiencia - não é? já fizeram essa experiência --mas eu diria que a escrita tem uma tradição - não é? um professor dizia que umalfabeto não escreve - não escreve -- temos que… ensinar o crioulo às pessoas -alfabetizar as pessoas em crioulo -- se quiser - nós temos que ensinar o crioulo naescola - desde o jardim infantil - como se faz com o português - ou desde o 1EBIaté à universidade - não é? para que as pessoas tenham o hábito da escrita emcrioulo -- como é que uma pessoa de repente escreve o crioulo - se nunca fez umaredacção em crioulo? ainda que fosse a redacção a vaca bebe água - não é? éessa tradição - tradição da escrita em crioulo é que falta -- alguns escritores que euconheço - fazem um esforço para escrever - mas só uma meia dúzia de pessoas!uma escrita maciça do… da língua crioula - mas eu diria até - diria até mais - nãosó em termos de literatura - em termos de ensaio - diversas áreas - não é? teria quepassar necessariamente por isso - que é ensinar o crioulo nas escolas -- teria queser um processo longo - até as pessoas aprenderem a escrever - a escrever emcrioulo// Diga-me uma coisa. Que relação é que estabelece entre ser cabo-verdiano eo crioulo e o português? ser cabo-verdiano e ser…? Crioulo e ser crioulo? Perdão. Usar o crioulo, saber o crioulo, gostar do crioulo e, ao contrário,não saber o crioulo, não gostar do crioulo e só gostar do português, usar oportuguês? bom - ser cabo-verdiano e utilizar o crioulo - diria que é quase imperativo- não é? portanto - o crioulo - de certa forma espelha a nossa alma - nossa alma -não é? porque há certos aspectos profundos da nossa maneira de ser - da nossaalma - que só com o crioulo vêm à tona -- dou um exemplo - a nossa música -salvo certas mornas em português - não é? eu não vejo nenhuma morna cantadaem crioulo - nenhum funaná cantado em crioulo - em português aliás - e poucas…coladeiras cantadas - não conheço nenhuma cantada em português - está a ver?nesse aspecto - nesse aspecto diria que o crioulo - a nossa língua - é também anossa alma// E o português não é uma das nossas línguas? O que é para si o português? eu… para mim é a minha segunda língua - a minha segunda língua -- euacho também que para nós todos - porque de todo modo… a:: eu não diria quepodemos passar sem a língua portuguesa - podemos até adoptar outra línguaoficial - mas o português é mais do que uma língua estrangeira em Cabo Verde --há uns anos atrás eu defendia o contrário - achava que o português era uma línguaestrangeira - mas eu - por uma questão profissional e não só - não é? tambémquestão de reflectir mais sobre este assunto - eu acho que o português é também anossa língua - a nossa segunda língua -- nossa segunda língua - e deve coabitaraqui em Cabo Verde -ao lado do nosso crioulo// Admite alguma circunstância que um cabo-verdiano não saiba ou não gostedo crioulo? não sei…não me lembro bem o nome de… Não. O que é que acha disso? quer dizer - pode haver casos - embora não possa ilustrar - não é? podehaver casos - pode haver cabo-verdianos que - por uma questão de educação - nãoé? porque foi educado - porque tiveram educação essencialmente em português eà portuguesa - em português e à portuguesa - por hábito continuam a falar oportuguês - não é? e não gostam de falar - em nenhuma situação - a língua cabo-verdiana-mas são casos raros - esses -entre nós// O que é que acha disso, de nós, em Cabo Verde, podermos usar o crioulo eo português?(…)Acha que é útil, é necessário, que é natural, que sabe sempre… acha quesabemos sempre quando usar uma e outra língua…? as duas línguas - mas eu acho até que o ideal não é isso - já disse que é umprocesso que requer muitas coisas -- o ideal seria que utilizássemos as duaslínguas em pé de igualdade - não é? em qualquer situação de comunicação - maspronto - como até ainda não se verificou isso - ao menos que o cabo-verdianosaiba - as situações concretas em que utilizar as duas línguas - mas o ideal seriaque o cabo-verdiano utilizasse as duas línguas em pé de igualdade - em qualquercontexto comunicacional// Mas neste momento o que é que pensa da situaçãovigente? eu acho que - apesar de toda a defesa do crioulo - etc. etc. - não é? aindacontinuamos a utilizar o crioulo - salvo em certas situações - não é? emcomunicação mais informal -mais informal// Diga-me uma coisa, e no mundo hoje, actual, o que acha mais comum, aspessoas saberem apenas uma língua ou mais que uma língua? O que é pensa daspessoas que sabem mais que uma língua? eu acho necessário - eu acho necessário -- eu acho necessário as pessoasapreenderem várias línguas -várias línguas -não é? Para? para terem acesso ao saber - ao saber - não é? para comunicarem mais -não é? para poder fazer parte deste mundo que nós chamamos mundo globalizado- até uma aldeia global - é bom que as pessoas saibam várias línguas - e no nossocaso - é bom que os cabo-verdianos saibam não só o português e o crioulo - comotambém outras línguas- não é? Oportuguês tem esse papel? o português…? Nesse contexto, do mundo globalizado,para nós,naturalmente. para nós tem porque - digamos que - neste momento é - digamos que é - anossa porta de saída para o exterior -- mas não é por… em certos contextos temosde apreender outras línguas que não o português - quando - numa atmosfera anível mundial - não se utiliza o português como língua de trabalho - o cabo-verdiano devia estar apto para apreender o francês - o inglês - outras línguas que anível mundial se utiliza como línguade trabalho - por exemplo// Há bocado disse-me que acha que se devia continuar com o português emCabo Verde. Continuar como? O crioulo e o português, qual deles, qual delasseria língua oficial? Usadas para quê? eu acho que se deve investir tanto no crioulo como no português --investir no crioulo de maneira a torná-la língua oficial também - mas isso requermuito estudo - não é? e eu quero crer - também financiamento - não é? mas deve-se fazer isso - ao menos pensar em fazer isso - de maneira que o crioulo tenha oestatuto de língua oficial - não é? ao lado da língua portuguesa - mas tambéminvestir na língua portuguesa - não é? investir na língua portuguesa para que ocabo-verdiano conheça - saiba bem e fale bem o crioulo - conheça e saiba bem asua segunda língua -a língua portuguesa// E o crioulo, seria utilizado para quê, para que funções, em quecircunstâncias? quando o crioulo se tornar uma língua oficial - para todas as funções - nãoé? para todas as circunstâncias mesmo as mais formais -- mesmo as mais formais-não é? Para escrita e leitura seria o português ou o crioulo? quando chegarmos a esse patamar - o cabo-verdiano utilizará - tanto naescrita como na leitura - para qualquer situação comunicativa - o português e ocrioulo - e o português - ou tem o poder de escolha - o poder de escolha - não é? opoder de escolha - utilizar tanto uma como outra língua - uma pessoa pode terduas línguas-duas línguas// Há bocado falou-me disso, de se ensinar o crioulo nas escolas. Ensinar ocrioulo nas escolas como uma disciplina ou o ensino, digamos a língua de ensino,seria o crioulo ou o português? diria o ensino no seu todo -- agora - põe-se um problema - ter duas línguasno ensino// Não percebi. Seria em crioulo ou em português? eu diria… nós tivemos uma cadeira de língua portuguesa - isso é pouco --todo o ensino ser estruturado - para também ser administrado em crioulo - emcrioulo -- já agora em crioulo e em português -- são duas línguas que adoptadas -poderão ter o mesmoestatuto// Por exemplo, o ensino da matemática, da física, seria em crioulo ou emportuguês? pode-se - com estudo - com estudo -- naturalmente não pode acontecernem numa década - nem em duas - não é? leva um certo tempo -- poder-se a vir aensinar tanto a matemática - como a física - ciências naturais - em crioulo - emcrioulo// Certo. Falou-me há bocado de alfabetização de adultos. Disse-me que aspessoas têm de ser alfabetizadas em crioulo. exacto -exacto// Para quê, porquê? Gostaria que falasse um pouco desse assunto// eu - quando disse alfabetizar as pessoas eu não falei inclusive só emtermos adultos - eu disse alfabetizar o cabo-verdiano duma forma geral -- eu - porexemplo - não sou alfabetizado em crioulo - falo crioulo - é a minha línguamaterna -não é? mas eu não… a minha língua escolar -foi sempre o português// Percebi. isso… é alfabetizar todo o mundo - todo o mundo em crioulo - e não teresse problema// Já percebi. E na alfabetização de adultos, acha que se poderia ou se deveriausar o crioulo? eu acho… aliás já há uma experiência nesse sentido -- parece queutilizam… não conheço bem o sistema que utilizam -as duas línguas// Oque é que acha disso? eu acho muito importante -muito importante// Porquê? porque não se deve - de repente - ensinar o português a um adulto - quenunca ouviu o português na sua vida - não é? ensinar qualquer coisa apenas emportuguês -- eu até diria mais - eu acho que se deve partir do crioulo - e só depoisintroduzir a língua portuguesa na alfabetização de adultos -- isso poderá ter maissucesso -mais impacto - em termos de aprendizagem// O que é que, pessoalmente, acha. Pensa que o crioulo é uma línguaadequada apenas para certas pessoas, para certas circunstâncias, certos assuntos,quais? Não éo que acontece, é o que acha. bom - pessoalmente eu acho que o crioulo pode… pode também ser usado- não é? com mais esforço - com mais esforço - pode ser usado em outrassituações mais formais -- pode ser utilizado mesmo a nível cientifico - não é? etc.etc. - só que - para que isso aconteça - é preciso que invistamos mais no crioulo -não é? façamos mais estudos do crioulo - porque até esta - digamos que não tem obackground -não é? que lhe permite desempenhar esse papel// Certo. Já me falou disso, mas eu vou retomar a questão do crioulo, doportuguês e das nossas manifestações culturais. Já me disse, morna, coladeira,batuque e funaná acha que o crioulo é mais adequado, mas estou a pensar tambémem teatro, cinema, literatura … Disse-me que na literatura as pessoas continuam aescrever em português. Mas o que é que acha, teatro, cinema, literatura, ficção,poesia…? já a nível da literatura - sobretudo da poesia - já há uma certa produção -não é? em crioulo -não é? falta é a produção a nível de ficção// Qual é que acha que devia ser usado,o crioulo ou o português? ali depende mais da escolha da pessoa que escreve -da pessoa que escreve- não é? agora - a minha opinião pessoal - eu acho que se deve utilizar as duaslínguas - as duas línguas - e para que… uma questão de justiça também - não é?devemos passar a escrever mais em crioulo// Teatro,cinema…? teatro… cinema… bom - teatro temos alguma experiência - não é? comcinema já não temos muita experiência em crioulo// Mas o que é que acha? devíamos também investir - não é? claro// Qual deles é que acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde, ocrioulo ou o português? inevitavelmente o crioulo -o crioulo --o crioulo exprime a nossa cultura// Eo português? o português também exprime a nossa cultura - mas não tanto como ocrioulo --quando falo da cultura -falo de algo que vem do fundo da alma - não é?ali -o crioulo temmais peso// Já me disse que acha que o crioulo deve ser oficializado, não é? Nessecaso, qual crioulo e oficializado para quê,para que funções? bom - oficializar o crioulo para todas as funções - não é? naturalmenterequer um estudo - um estudo apurado - muito apurado - não é? aturado e apuradosobre o crioulo -- requer muitas… é um processo que tem o seu tempo - não é? etem também as suas implicações -- por exemplo - oficializar o crioulo não é sódizer oficializar o crioulo -- há este problema de padronização do crioulo -- não ésó criar o ALUPEC - não é? as pessoas continuam a não escrever o crioulosegundo o ALUPEC - ou por não saberem - não é? ou porque gostam mais doalfabeto português -- é padronizar o crioulo - é só padronizando o crioulo é que sedeve oficializar o crioulo - aqui… não estou… quando falo da oficialização docrioulo - não falo da padronização do crioulo - está a ver? é uma coisa que devevir antes -padronizar-se e depois oficializar-se// Primeiro padronizar e depois… exacto - agora nesta história de padronização - há que escolher - é umaescolha difícil -há que escolher um dialecto base do crioulo// Para si,se fosse o X a escolher, qual escolheria? eu escolheria … bom - eu até sou suspeito porque eu sou de Santiago -mas inevitavelmente que eu escolheria o dialecto de Santiago// Porquê? porque é o mais antigo - mais antigo - não é? diria mãe de todos osdialectos - não é? esta ilha tem quase a metade da população cabo-verdiana - é umdialecto que tem um peso cultural sofrível - dentro do contexto nacional - porqueos outros não têm - e por uma outra razão também - pelo facto de acreditar queCabo Verde está situado aqui em Santiago - sobretudo a cidade capital é CaboVerde em miniatura - há uma confluência de vários dialectos - vários dialectos --nesse aspecto - eu… é uma questão de (?) é um dialecto que - eu não diria quesofreu menos influência - também sofreu - mas a nível da escrita - sobretudo anível da escrita -é o dialecto que oferece mais possibilidades// Como assim? Porque mais possibilidades? e:: em termos de… o dialecto de Santiago… sobretudo em termos lexicais-no dialecto de Santiago - por exemplo as palavras - conservaram as suas sílabas -não é? - é diferente do dialecto de barlavento - não é? as vogais - certas sílabas -não aparecem -- aqui não - aqui salva-se… salvo raras excepções - as palavraspermaneceram quase intactas - não é? em termos lexicais - não é? então é maisfácil fixar a escrita a partir do dialecto de Santiago - não é? do que - penso - apartir de outros dialectos -- agora - esse dialecto poderá ter sido com maiscontribuição dos outros dialectos -- há uma proposta - inclusive do Dr. Veiga -que diz que se deve partir de dois dialectos força - Santiago e São Vicente - maseu não concordo com essa proposta - senão nunca mais damos o passo necessáriopara padronizar a língua - está a ver? assim é como se houvesse dois crioulos emCabo Verde - o crioulo de Sotavento e o crioulo de Barlavento -- aliás há quemdefenda isso - não é? que existem duas línguas em Cabo Verde - o que é muitocomplicado// Certo. Só… algo que ficou um bocadinho para trás. Quando se dirige aautoridades, superiores hierárquicos, usa o crioulo ou o português? Prefere usar ocrioulo ou o português? eu utilizo o português -- eu quando vou ao gabinete da directora - daminha directora - não utilizo… falo português -- com ela - só falo o crioulo - seela falar crioulo comigo -- uma questão comunicacional inclusive - respondo emcrioulo - mas como já sei que não… raras vezes falo crioulo - também por umaquestão de estatuto aqui -não é? eu não falo com ela em crioulo// Estatuto como? não - como director - como chefe -- e quando vou ao ministério - tambémfaço a mesma coisa -a não ser que o meu chefe fale comigo em crioulo// Diga-me uma coisa, como é que acha que os cabo-verdianos falamportuguês,bem, mal, àmaneira deles? isto ((risos)) é uma questão discutível -não é? mas eu… Há quem diga que falam muito mal o português. eu acho que o português falado aqui não é o mais desejável// Como assim? Qual é o problema? umdos problemas é exactamente no ensino -não é? Não, na maneira como as pessoas falam. ah! na maneira… Tipo: é o facto de que falam português com palavras em crioulo, frases quese parecemcom o crioulo, onde é que estáo problema? grosso modo - nós falamos o português aqui em Cabo Verde com umaforte influência -interferência do crioulo// Interferência a que nível? interferência a nível lexical, digamos, fonético-fonológico - não é? einterferência a nível - por vezes também a nível sintáctico -- isso é mais grave -não é? ali é mais grave - porque trata-se de um desconhecimento também dasintaxe das duas línguas -- agora eu acho que a interferência mais visível é a nívelfonético-fonológico - a forma como produzimos ou como realizamos fonético-fonologicamente a língua portuguesa - não sei se isto é devido ao nosso aparelhofonador - não é? eu mesmo - que sou professor de língua portuguesa - tenho essasdificuldades// E o que é que acha? Acha que isso é natural, é indesejável, como é queachaque os cabo-verdianos deveriam falar o português? para mim -o ideal é que falassem o português razoavelmente -não é? O que é falar o portuguêsrazoavelmente? falar o português… não diria apenas com sotaque português - isso já édiscutível -mas falar o português com menos erros possíveis -não é? Erros de que tipo? sobretudo erros sintácticos - não é? sobretudo erros sintácticos - e tambémtentar mesmo a nível fonético e fonológico - tentar pronunciar melhor as palavrasda língua portuguesa// Melhor significa à moda do português de Portugal? eu:: o mais aproximado da norma// E a norma é? no nosso caso -da norma europeia - eu acho que sim// E admite a possibilidade de haver uma norma cabo-verdiana do português?um português de Cabo Verde? este é assunto queandamos a discutir aqui no liceu - não é? há anose maisanos// E então,pessoalmente, o que é que acha? eu… sim - possivelmente poderá haver essa tendência - não é? de amanhãtermos um português nosso - o tal português cabo-verdiano - açoriano - portuguêsangolano - moçambicano - brasileiro já há - mas… ainda não -- o que se nota aquientre nós - não é? são vários casos diferentes - talvez devido a uma aprendizagemda própria língua portuguesa -- agora eu estou em crer que mais tarde ou maiscedo - ou talvez mais cedo que mais tarde - teremos o nosso português - umportuguês tipicamente cabo-verdiano// E isso vai depender de quê? O que é necessário para passar a existir esse,digamos, português de Cabo Verde? esse português de Cabo Verde depende - depende não - está relacionadocom com a nossa cultura - a nossa forma de ser - e também com o facto de termos- paralelamente a língua portuguesa - não é? o a nossa língua materna -- esseportuguês será um português com muito sabor crioulo - digamos assim - entreaspas -futuramente// Eu queria perceber o seguinte: acha que neste momento não temos umcrioulo de Cabo Verde… oh! desculpe, um português de Cabo Verde, maspoderemos vir a ter. É isso? exacto// Eu só quero perceber porque é que hoje ainda não temos, mas podemos vira ter? E o que é que acha dessa possibilidade, acha que é uma possibilidadeinevitável que é natural ou seria desejável? seria… é quase inevitável - é quase inevitável - não é? o português não vaidesaparecer -- mesmo a nível da nossa política de ensino - a vontade é cada vezmais de reforçar a língua portuguesa - mesmo com a ajuda de Portugal - que nãoquer perder espaço fonético - não é? e é desejável - desejável porque - àsemelhança de Angola - amanhã vamos ter um grupo - ou aliás uma larga camadasocial em Cabo Verde que já tem - está a ver? português como língua materna -não é? já não tem português apenas como língua segunda - cedo ou tarde teremos- teremos uma larga camada aqui em Cabo Verde com o português como línguamaterna// Mas porquê, acha que estáa desenhar-se essa tendência? já há - já há - já há certos casos -- eu nunca fiz um estudo do género -também não… é um estudo mais da área da doutora - sociolinguística - não é?mas eu acho que em certas famílias - as famílias mais abastadas em Cabo Verde -em muitas dessas famílias - o português já não é uma língua segunda - é umalíngua materna - língua materna - não é? as crianças aprendem desde a tenra idadea língua portuguesa - usam em pé de igualdade - e por vezes usam mais do que ocrioulo -- nessas famílias da alta burguesia falam mais português que o crioulo -por diversas razões -não é? Então,digamos, acha que esseportuguês de Cabo Verde nasceria daqui? naturalmente// Neste momento ainda não temos? ainda não - na minha opinião ainda não temos - ainda não temos -- bastavermos aqui os alunos -- vêem cá - durante… quase por imposição falam oportuguês connosco - isso é uma imposição mesmo - não é? entre aspas - saindodas aulas - não é? passam logo para o crioulo - e durante o intervalo só falam ocrioulo entre si - entre si -- o que quer dizer que ainda não sentem - não têm oportuguês como língua materna -- mas amanhã - passarão a ter - e quando issoacontecer - não é? falarão naturalmente o português aqui - e quando saírem desseespaço - por exemplo na rua - no autocarro - em situações também informais -porque aqui em Cabo Verde ainda não (?) usar o português em situaçõesinformais e o crioulo em situações formais - há essa disparidade - e é isso quetemos de ver - daqui… não sei o espaço de tempo - futuramente devemos ter oportuguês cabo-verdiano - a semelhança de Angola e Moçambique porque emAngola - sobretudo nas cidades - agora têm o português como língua materna - oportuguês angolano - não é? Moçambique também - não é? em São Tomé também- o que não se verifica aqui em Cabo Verde - e Guiné-Bissau - curiosamente onosso país irmão tem esse problema de crioulo também - e não só crioulo e outraslínguas também// Professor X não tenho mais questões, mas se tiver algum comentário,alguma coisa que eu não tenha… que ache relevante, algo que queiraacrescentar… não sei - parece-me que disse tudo - disse mais ou menos o que tinha adizer - duma forma concisa -- o que eu quero reforçar nesse aspecto linguístico -isso me preocupa como professor - é reforçar o português - para que o portuguêsseja cada vez mais bem falado em Cabo Verde - e aprendido - não é? e deixar demuitas cantigas - muitas teorias a nível do crioulo - e passar à pratica - passartambém através de um estudo mais aprofundado do crioulo - a introduzir o crioulono ensino - mas não é a língua crioula - é uma disciplina de língua crioula - que oensino também faz falta de ser ministrado em crioulo - desde o EBI até àuniversidade - ou às universidades - que já temos - hoje em dia - já temos três oumais// Certo// isso é a minha preocupação// Então, mais uma vez muito obrigada. obrigada também por esta oportunidade - também de expressar - outroassunto- não é?" \ No newline at end of file +INF1.wav,"X, muito obrigada por ter acedido ao meu convite para participar neste trabalho. Começaria por lhe perguntar, antes de entrar para a escola, tinha aprendido o crioulo ou o português? + +mhm antes de entrar pa… pa… para a escola não tinha aprendido o crioulo. falava o crioulo, mas sem que tenha tenha… sem que o crioulo tenha sido… tenha sido objecto de… de um processo de ensino aprendizagem. não tinha aprendido o crioulo, mas falava o crioulo. + +Portanto falava o crioulo antes de entrar para a escola. E o português? + +falava, ou podia falar. mas utilizava menos o português, porque o... o meu convívio de infância, portanto, na família e e e na comunidade, a língua mais utilizada na comunicação era o português. de modo que… era o crioulo digo, de modo que falava mais o crioulo. + +Mas de qualquer forma ouvia o português? + +ouvia o português e utilizava o português nas circunstâncias em que tinha que o fazer. mas não era a língua que utilizava na… na… + +Antes de entrar para a escola, em que circunstâncias é que usava o português? Eu estoua falar da escola primária. + +utilizava português nas circunstâncias em que, por exemplo, eu tenha sido abordado ou por pessoas que na comunidade e na ilha onde eu vivia falavam o português e de uma forma ou outra me abordavam. só nessas circunstâncias. pontualmente. + +Lembra-se de algumas dessas circunstâncias em concreto que me pudesse referir? + +pessoas do do do trabalho do meu pai por exemplo, havia portugueses, não é? do trabalho do meu pai, e e passando pelo trabalho do meu pai era era absolutamente normal que alguns colegas, alguns chefes do trabalho dele me abordassem e e eu fosse obrigado a... utilizar o português para retribuir, digamos, a comunicação e a abordagem que me era feita, de certa forma. + +E nessa altura, como é que acha que falava o português? Ou seja, acha que falava o português da mesma forma que falava o crioulo? + +não. acho que não falava o português naturalmente da mesma forma como falava o crioulo. o crioulo era a minha língua de comunicação no dia a dia de modo que não podia de forma alguma falar o português como o fazia com o crioulo. inclusivamente exigia de mim algum algum esforço. e e e pronto não se pode até dizer que falava o português. tentava falar o português ou aportuguesar digamos um pouco a minha língua de comunicação do dia a dia que era o crioulo. + +E actualmente, em casa e com os seus amigos, usa normalmente o crioulo? O que é que usa normalmente? + +eu acho que actualmente uso normalmente o crioulo ou português. mas utilizo muito mais o crioulodo que o português . + +Em casa, com a sua família? + +com a minha família utilizo normalmente o crioulo. + +Ecom os seus amigos? + +com os meus amigos… eu tenho um circuito de de amigos, grupos, onde utilizo o crioulo. são muitos mais estes grupos, não é? mas tenho também algum… um circuito de amigos, onde utilizo o português . + +Esses amigos com quem usa o português são cabo-verdianos? + +digamos que são cabo-verdianos que tenham passado por uma vivência de uso corrente do português. cabo-verdianos que tenham vivido muito tempo em Portugal e que se expressam melhor, ou pelo menos estão mais habituados a se expressarem em português do que em crioulo. + +Pode falar-me das circunstâncias em que conversa com essas pessoas em português? + +no trabalho por exemplo. mesmo fora do trabalho. são pessoas que sendo embora cabo-verdianos, ou que falam, que podem também falar o crioulo, mas como utilizam normalmente o português e preferem utilizar o português na sua comunicação comigo, eu também retribuo. utilizo o português na comunicação com essas pessoas. + +O que é que acha? Como é que avalia a sua proficiência em português, a sua proficiência geral, em português, e em crioulo? + +eu acho que… considero a minha proficiência em português boa. porque é é…digamos que é a língua que eu…é a minha língua de trabalho, é a língua que eu utilizo para para a para a minha produção, portanto para… para todos os meus escritos… para a minha comunicação formal… para a minha comunicação formal… e daí que que eu julgue ter alguma proficiência no uso do português. o crioulo é uma língua que eu, que eu uso muito na minha comunicação oral com as pessoas que trabalham comigo. se bem que também em circunstâncias menos informais, não é? ou em circunstâncias onde, digamos, haja outras pessoas que utilizam menos o crioulo, eu uso muito o português mesmo a nível do trabalho, não é? normalmente as reuniões de trabalho são feitas em português, de maneira que, julgo que, por todas essas razões… + +Mas de um modo geral, em qual é que acha que exprime melhor as suas ideias? Crioulo, português, as duas igualmente? + +eu acho que consigo exprimir-me nas duas igualmente. mas prefiro exprimi- las em português. sobretudo as ideias que eu tenha que utilizar para fins de trabalho ou outros. + +De que é que depende, então, exprimir melhor as suas ideias em português ou em crioulo? + +depende do ambiente. depende da, portanto, das circunstâncias em que essas ideias têm que ser exprimi… expressas. + +Quer falar um pouco sobre isso? + +existem algumas reflexões que eu faço com colegas que trabalham com… com pessoas que trabalham comigo. por serem reflexões que de alguma forma têm que ser formatadas ou que têm que ser escritas ou que têm que ser reproduzidas nalgum documento, não é? faço logo o exercício de de de exprimir ou de fazer essas essas análises, essas e... e... essas e... e... essas reuniões, essas reflexões em português, directamente. daí que, daí que, digamos que do ponto de vista formal eu tenho dado alguma preferência ao uso do português, não é? sobretudo para para para reflexões, para debates, para discussões que de uma forma ou de outra acabam por ou tenham que que ser reproduzidas, não é? em texto ou em algum trabalho escrito. + +E como é que se sente quando fala, quando fala português? + +sinto-me bem, sinto-me… + +Sente-se à vontade? + +Sinto-me à vontade. + +Sente-se mais à vontade, usando o português ou o crioulo? + +eu acho que sinto-me igualmente à vontade tanto no português como no crioulo. + +E e e em termos de escrever? Também se sente à vontade quando escreve em crioulo? + +não. eu só escrevo em português. eu não tenho nenhuma experiência de escrita em crioulo. não. não escrevo em crioulo. + +E portanto, crioulo apenas fala? + +crioulo é só falar. + +E leitura em crioulo? + +esquece. não leio em crioulo. portanto, não é comum, não é corrente eu ler em crioulo. nem nas pequenas… nem no contacto com… com… nem por… portanto, com recurso aos novos meios de comunicação como o MSN. eu costumo contactar-me com pessoaspor MSN que… que escrevem em crioulo, mas eu escrevo sempre em português… não consigo. + +Mas gostaria de poder ler e escrever em crioulo? + +não. não tenho nenhuma preferência. + +Se gostaria de poder, não é ter nenhuma preferência. + +poder… acho… não é uma questão que eu… para a qual eu tenha eu tenha grande preferência. eu preferiria escrever ou dominar muito mais uma língua que fosse a um tempo um instrumento… um forte instrumento de trabalho, o inglês por exemplo. mas eu, não… não… sinceramente não vejo porquê que eu… eu não gostaria… é uma questão que nunca… que… quer dizer nunca chamou a minha atenção, nunca . + +Mas porquê? + +penso que a questão do escrever em crioulo... + +Gosta de falar crioulo? + +gosto de falar crioulo. + +E não gostaria de poder escrever e ler em crioulo? + +gostaria de poder escrever e ler se isso tivesse sido um processo. mas não creio que… com a experiência que tenho, com a idade que eu tenho, com o... enfim - se calhar o tipo de de actividade que eu tenho, onde utilizo muito, muito, outras línguas, em particular o inglês, eu acho que preferir… se eu tivesse mesmo que preferir, escolher neste momento, uma língua para escrever bem, não seria o crioulo. teria alguma dificuldade. eu gostaria, mas eu acho que como ferramenta, como instrumento de, enfim, de trabalho. + +Obrigada. Há bocado nós estávamos a falar da sua proficiência geral em português e em crioulo… Habitualmente, quando fala crioulo, utiliza o crioulo de que ilha? + +repare. eu sou da ilha do Sal, o meu pai é de S. Vicente, a minha mãe é da Boa Vista, vivi durante três anos em S.Vicente e vivo há muitos anos em Santiago. de modo que eu não sei muito bem definir qual é o crioulo… não sei se se pode falar em crioulo de que ilha, mas eu às vezes esforço-me para falar o crioulo do Sal, o crioulo que é utilizado no Sal, que acaba por ser o mais próximo de S. Vicente. utilizo mais o crioulo do Sal, Sal, S.Vicente e Boa Vista, algo misto destas três ilhas. + +Obrigada. Diga-me, as pessoas com quem fala crioulo habitualmente, fora do seu circulo familiar… qual é o perfil dessas pessoas, com quem mais conversa fora do seu circulo familiar? + +Perfil como? O que é que fazem? + +Em termos de idade, sexo, estrato social… + +percebi… são pessoas… + +Pessoas de que idade? + +mais ou menos da minha geração, da minha idade, não é? sexo masculino ou feminino, mas pessoas que… que têm… portanto, da da da média, da classe média alta da nossa da nossa sociedade, não é? são as que… enfim as pessoas com que relaciono no dia a dia, aliás isso por força também um pouco da, enfim, minha actividade profissional. pessoas que eu julgo… são pessoas que de uma forma ou de outra podem ser tidas como pessoas que têm alguma influência de uma forma ou de outra nesta sociedade. + +Diria que essas pessoas pertencem a que estrato social? + +e...são pessoas da… + +Funcionários do estado? + +são funcionários do estado… + +Altos funcionários do Estado…? + +altos funcionários do estado, pessoas que ocupam funções de muita responsabilidade a nível do estado. + +Pode pensar nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar, no exercício da sua actividade. Digamos, pensando nessas três pessoas, tente desenhar-me o seu perfil. + +são altos funcionários do estado, são pessoas com funções de alta responsabilidade a nível das empresas, normalmente presidentes de conselho de administração de empresas, directores gerais, eu tenho um contacto também muito grande com… com estrangeiros, com estrangeiros residentes e que têm também funções altas, eu diria elevadas, seja a nível de empresas, a nível da representação diplomática. + +E essas pessoas são… têm a sua origem no interior da ilha, nas zonas rurais, ou são citadinas? + +a maioria tem origem no meio urbano, mas existem naturalmente muitas, algumas delas que… enfim são oriundas do meio rural, embora se tenham de certa forma distanciado da vivência do meio rural por terem estado fora também… seja em actividades ou em formações durante muito tempo. + +Com essas pessoas fala crioulo ou português? + +também depende da circunstância. eu acho que essa questão do falar crioulo ou falar português depende da… varia em função do do grau de formalidade do contacto ou do assunto que… da oficialidade do assunto que se quer tratar. acho que depende um pouco disso. enfim nas relações mais informais, se essas pessoas podem e falam crioulo, falamos crioulo. mas nas relações formais e em função também do grau de de intimidade que se tem com as pessoas, fala-se mais o português. + +Com essas pessoas com quem normalmente mais fala, qual é o tipo de assuntos? + +são assuntos que têm a ver com com... com… com a minha actividade profissional e com as funções que desempenho e com as funções que essas pessoas… + +Diria que são oficiais? + +oficiais. assuntos oficiais, assuntos de de… sim. digamos que são assuntos oficiais. assuntos profissionais seja dessas pessoas seja… seja… sejam assuntos que digam respeito à minha actividade profissional. + +O tipo de pessoas... há bocado falou na relação que tem com pessoas com quem fala português ou crioulo. Importa-se de especificar um pouco melhor o perfil ou o tipo de contacto que tem com as pessoas com quem fala crioulo ou português? + +eu, da vivência que eu tenho, e da minha própria experiência eu julgo que... ao utilizar… utilizo o português sempre que pretendo conferir algum grau de formalismo ou algum grau de oficialidade, portanto, à conversa com o meu interlocutor… acho que...que… + +Por exemplo, concretizando um pouco. Com familiares amigos, colegas usa mais o crioulo ou o português? Com estranhos, superiores hierárquicos, autoridades, portanto esse tipo de perfil de pessoas faz-lhe seleccionar o português ou o crioulo? Que tipode, digamos…? + +eu acho que tem mais a ver com o perfil da relação ou o perfil, portanto, o tipo de relacionamento ou de conteúdo que se pretende transmitir… + +Do assunto? + +do assunto, e… mais, portanto, do tipo de assunto do que do tipo de relação --porque eu posso ter um amigo… + +Por exemplo falaria com um familiar em português ou em crioulo dependendo do assunto? Falaria com um amigo em português ou em crioulo dependendo do assunto? Falaria com um estranho em português ou em crioulo dependendo do assunto? + +bom, se quisermos ir… + +Estou a falar do contacto, do nível de contacto com as pessoas, familiares, amigos, colegas, superiores, autoridades… + +com autoridades, com colegas, mas com colegas, com colegas, com quem não tenho relação de amizade muito próxima… + +De colegas… está-me a falar de pessoas que trabalham, que dirige na sua organização, portanto, na organização que dirige… está a tratá-los, a considerá-los neste momento de… + +na organização que eu dirijo, numa comunicação bilateral com as pessoas, e se ela fala crioulo ou utiliza o crioulo normalmente eu utilizo também o crioulo normalmente. eu acho que na maior parte das vezes a nossa… nesse tipo de comunicação, é feita em crioulo, na comunicação bilateral, mas com… + +Com falantes do crioulo utiliza o crioulo? + +com falantes de crioulo eu utilizo o crioulo. + +Mesmo que seja uma autoridade, um superior hierárquico? + +sim. mesmo que seja com autoridades, com superiores hierárquicos. se é uma pessoa com quem tenho uma relação mínima eu eu falo o crioulo, mas não é uma opção calculada… + +Certo. + +falo o crioulo. eu julgo que há a tendência de… se calhar eu próprio, quando quando é um assunto que a gente queira considerar um pouco mais oficial, ou um pouco mais formal a genteutiliza o português. + +Mesmo com um amigo ou...? + +com um superior. mesmo sendo amigo. pronto mas existem algumas circunstâncias... + +Mas com um amigo, uma pessoa com quem se encontra predominantemente em situações informais, qual é…? + +em crioulo. se é um amigo que fala crioulo a minha comunicação com ele é em crioulo, naturalmente. + +E se ele for um falante de português? + +se for um falante de português a comunicação é necessariamente também em português. + +E diga-me… E com as pessoas das outras ilhas fala crioulo ou português? + +falo crioulo. e aí, às vezes, às vezes, se calhar até existe algum esforço adicional de de digamos de utilizar o crioulo da língua do meu… o crioulo mais utilizado, ou da ilha do meu interlocutor, não é? mas pronto… não há… isso é circunstancialmente. normalmente utilizo o crioulo que utilizo no meu dia a dia, o meu crioulo, não é? mas também nalgum tipo de comunicação eu faço um esforço para também reproduzir o crioulo do meu interlocutor ou vice-versa . + +E percebe? + +sim. acho que percebo sem qualquer dificuldade o crioulo, portanto, de Santo Antão à Brava, salvo raríssimas excepções. + +Com as pessoas das ilhas de barlavento fala crioulo ou português? + +crioulo. falo sempre crioulo. + +Crioulo de que ilha? + +falo crioulo da minha ilha e eventualmente, como eu tenho uma vivência um pouco transversal do crioulo, vim de Barlavento, sou do Sal, vivi um pouco em S Vicente e já vivo há algum tempo na Praia, é possível que eu utilize algumas palavras soltas, aqui e ali que possam ser… que no meu entender são melhor percebidas pelo meu interlocutor. + +E se forem pessoas das ilhas de sotavento? + +falo também crioulo, naturalmente. e com as pessoas das ilhas de sotavento e tendo em conta também que vivo na Praia há muito tempo acho que sai algum sotaque… pode sair… podem sair algumas palavras ou algum sotaque no crioulo de sotavento . + +E vocês entendem-se? + +perfeitamente . + +Perfeitamente, sem…sem qualquer dificuldade? + +perfeitamente. sem qualquer dificuldade. + +Diga-me, normalmente de que assuntos fala com, por exemplo, os seus familiares, amigos, e colegas? + +de todos, de todos os assuntos. eu acho que com a família, com familiares, nós falamos de todos os assuntos. desde assuntos de de… alguns assuntos de trabalho, assuntos do dia a dia. enfim de... eu acho que não há uma limitação de assuntos nem com familiares nem com colegas. + +Ser ou não ser uma pessoa… se o seu interlocutor é ou não é uma pessoa instruída isto leva-o a escolher o português ou crioulo em função disso? Vai falar com uma pessoa que não tem instrução e vai falar com uma pessoa que tem instrução. Isto implica na escolha do crioulo ou do português? + +não. eu acho que eu… eu prefiro, na medida do possível, adaptar-me à língua melhor… que é melhor utilizada pelo meu interlocutor, se eu puder… portanto, eu prefiro adaptar-me a… enfim, para tornar a comunicação mais fácil ou mais fluente. digamos que prefiro chegar a esse entendimento, independentemente da instrução ou da não instrução. portanto, não. não há nenhum pressuposto de partida. portanto, há… é a língua que faz com que a comunicação seja mais fluida. + +Já falámos... já nos referimos a isto… mas gostaria que me especificasse um pouco mais as circunstâncias, os lugares e as circunstâncias em que usa crioulo ou português, em casa… Estou a falar dos lugares portanto, casa, vizinhança, mercado lojas, enfim… eventos desportivos, locais religiosos cerimónias oficiais. Portanto, estou a falar de lugares e circunstâncias, lugares de lazer, festas, bailes, bares cafés, cinemas, discotecas ou outros lugares tipo restaurantes, banco, instituições públicas, digamos… + +todos esses lugares a que a que se refere são lugares onde os interlocutores normalmente falam crioulo. portanto, quando os meus interlocutores falam crioulo eu falo sempre o crioulo. portanto crioulo é a língua que eu mais utilizo no dia a dia - no trabalho, em casa, nos círculos de amigos, nas festas, nas lojas, nos restaurantes, não é? acho que o português é utilizado só nas circunstâncias um pouco mais formais, não é? seja a nível do trabalho, seja a nível de reuniões formais, seja a nível de…em circunstâncias de… nas circunstâncias oficiais em que efectivamente tenho… enfim… ou onde não há só apenas nacionais, pessoas que utilizam o crioulo -utilizo português como... + +E para outras finalidades do tipo… como exprimir sentimentos, namorar, rezar… qual utiliza? + +crioulo. tudo em crioulo. + +Convencer. Quando quer convencer alguém de alguma coisa? + +em crioulo. o crioulo é a línguaque me está mais a mão--em crioulo . + +Durante a última semana, acha que… qual é que acha que falou mais, Português ou crioulo? + +crioulo necessariamente. + +Necessariamente… e durante o dia, e quanto tempo? Estou a falar de durante mais horas seguidas no mesmo dia. + +neste momento, por sinal, tenho uma circunstância interessante que é o seguinte. um dos meus colaboradores mais próximos é... cabo-verdiano, mas exprime-se normalmente em português pelo facto de ter vivido muito tempo em Portugal e e eventualmente até noutros países de língua portuguesa, mas mais tempo em Portugal... e exprime-se normalmente em português. o meu colaborador é a pessoa com quem mais falo durante o dia. e às vezes falo com ele e com outros colaboradores… e, nestas circunstâncias, utilizo também o português. utilizo o português porque ele exprime-se em português, portanto eu eu falo português. não é que ele não entenda crioulo, mas mesmo que eu fale em crioulo ele, enfim, exprime-seem português. de modo que eu tenho… tenho utilizado… por essa razão é que nos últimos anos tenho utilizado muito o português como uma língua de comunicação corrente no trabalho. mas quando é uma comunicação com outros colaboradores ou outros colegas de trabalho que falam o crioulo, ali utilizo o crioulo. + +Certo. Gostaria que me referisse três circunstâncias em que normalmente fala crioulo e três outras em que normalmente fala português. + +a..., no cumprimento das pessoas, na… com... pontuais? circunstâncias pontuais ou...? + +Como entender. Contextos, digamos, situações … + +mhm mhm. na minha comunicação com os meus subordinados, no trabalho, - se falam crioulo, a minha comunicação com eles normalmente é em crioulo, não é? portanto, no mercado… na minha relação com… com… mercado entendido de uma forma geral. nas lojas, quando faço compras, enfim, na minha conversa com os amigos mais próximos, do dia a dia… + +É tudo em crioulo? + +é tudo em crioulo. eportuguês, em reuniões. acho que… que grande parte, a maior parte das reuniões mesmo que sejam… mesmo que os presentes sejam todos… mesmo que todos os presentes falem crioulo, numa parte considerável das reuniões que eu dirijo a...a... a...eu faço em português. + +Diga-me, existe alguma circunstância em que habitualmente fala crioulo, mas gostaria de falar português ou vice-versa, em que habitualmente fala português mas gostaria de falar crioulo… ou de poder falar crioulo? + +não. nunca tive essa… não tenho essa… essa… essa percepção. eu acho que a grande limitação que se coloca é que o português é uma língua que eu falo eé a língua que eu escrevo. portanto, daí que o português tenha alguma… digamos, alguma… alguma preponderância, não é? no uso, para mim do que o crioulo, não é?portanto eu acho que essa é que é... essa é que é... + +Quando diz tem mais preponderância quer dizer que usa o português durante mais tempo, com mais frequência do que o crioulo? + +não, não, não. + +Preponderância… em que sentido? + +preponderância nas circunstâncias formais. nas circunstâncias formais. + +Ah! mhm + +quando eu, quando… quando por exemplo, digo, nas reuniões de trabalho, ou as reuniões de trabalho que são por mim conduzidas eu sempre utilizo o português é exactamente para… para…para facilitar alguma…algum registo, alguma documentação da... + +Para além dessas circunstânciasformais, ouve o português onde? + +na rádio. portanto, todos os meios de comunicação que eu utilizo, não é? portanto, a imprensa escrita, a imprensa falada… + +Ouvir. Estoua falar de ouvir o português. + +ouvir. portanto, é toda em português… a… as estações de rádio que eu oiço é tudo em português, não, não... + +mhm… mhm… Já me tinha dito que não costuma ler em crioulo... + +não. + +Nem escrever em crioulo. + +não. + +Existe alguma circunstância em que a fa… está a falar crioulo e sente-se impelido a mudar para português, ou vice-versa? + +sim. se eu a... notar alguma dificuldade de… de entendimento por parte do meu ou dos meus interlocutores. + +Dificuldade de? + +de entendimento, de comunicação. se eu notar que a comunicação não ocorre com o meu interlocutor, eu naturalmente tento fazer o switch para a para a língua que estiver mais ao alcance do meu interlocutor. estou a falar entre essas duas línguas, crioulo ou português. + +Portanto. Imagine que está a falar com alguém e chega, por exemplo, uma autoridade. Está falar com alguém em crioulo e chega uma autoridade. Sente-se impelido a mudar para português? + +de forma alguma. + +Ou vice-versa, estáa falar português e chega alguém que possa obrigá-lo, entre aspas, a mudar para o crioulo… + +não. não. de forma alguma. + +Mesmo que esteja por exemplo a falar português e chegar uma pessoa que não percebe português ou o contrário está a falar crioulo e chega uma pessoa que não percebe crioulo… + +bom. repare. aqui há há uma questão que... que se coloca que se calhar não… tem menos a ver com o facto de utilizar uma ou outra língua. eu acho que é sempre constrangedor estar num círculo onde onde onde se fala, não é? é sempre constrangedor haver alguma pessoa que… enfim, que não se sinta à vontade ou que esteja… ou que não esteja a perceber. portanto, aí a gente procura utilizar a língua que é… a língua que faz com que todas as pessoas… de facto participem. todas as pessoas sesintam no na comunicação. portanto, aí acho que a... opção deve ser, em princípio, essa. seja o português seja o francês. tenho reuniões com pessoas… a primeira coisa que… com estrangeiros… a primeira coisa que a gente pergunta é. qual a língua de trabalho? qual é a língua que é mais transversal?. + +E se for numa situação informal? + +mesmo numa situação informal. mesmo numa situação informal, não é? o critério aqui é, digamos, a língua que facilita ou que mais facilita a comunicação entre os presentes. esse que é o critério, independentemente de ser o crioulo o francês ou inglês, o... português. + +Em algum caso, o tipo de assunto que está em pauta, far-lhe-ia mudar de uma para a outra língua? Em que casos por exemplo? Imagine, por exemplo, estar a falar de um problema familiar e depois de um problema técnico ligado à sua área. Isto o faria mudar de língua? + +acho que sim. acho que sim. repare a... eu já estive em reuniões de trabalho - por sinal na semana passada, começamos a reunião em crioulo. portanto, com uma óptima e fluida comunicação entre as pessoas. mas depois passámos a analisar um documento que estava necessariamente em português. e aí acho que houve… e..., e..., enfim… tivemos que fazer… passar a falar português, para melhor também apreciar o documento, não é? acho que depende das circunstâncias. depende das circunstâncias. normalmente, normalmente o crioulo é a língua… enfim, que é mais utilizada, não é? mas digamos que, em função da das circunstâncias, do do meio em que se está… quando digo meio, refiro-me, digamos, meio em que existam pessoas que não dominam, ou que não sejam capazes de também… de se exprimirem em crioulo, em português… a gente utiliza o crioulo. acho que o crioulo é a língua que efectivamente, que eu utilizo em todas as circunstâncias, não é? eu passo para o português sempre que eu entender que é mais producente, não é? que me faço entender melhor, ou que enfim… que a minha participação é melhor. portanto depende das circunstâncias. + +Diga-me. O que é que acha do crioulo? O que é que pensa do crioulo? + +bom. eu tenho… tenho acompanhado e de certa forma com alguma atenção esta questão da da língua e do crioulo em particular. e eu… eu vejo esta problemática… de duas ópticas, em… de dois pontos de vista. eu acho que… eu entendo essa discussão numa perspectiva cultural, ou de identidade, se quiser... + +Estou a falar do crioulo em si. O que acha dele? + +como língua? ((…)) + +Acha que é uma língua, por exemplo? + +acho que sim. se serve para comunicação, não é? não sou especialista nesta área, não é? se eu falo português e as pessoas me entendem, falo francês e as pessoas me entendem. francês ou português são línguas. falo crioulo, não é? e as pessoas me entendem, eu acho que é uma língua. + +E do português o que é que acha? Naturalmente… + +é também uma língua. portanto. serve para comunicação é uma língua. + +Para si existe um verdadeiro crioulo? + +mhm… não sei o que é que seria um verdadeiro crioulo. eu acho que um verdadeiro crioulo para mim é aquele que eu falo. é o crioulo que eu utilizo que me… que me… que eu utilizo para a minha comunicação, não é? é o crioulo que… enfim…que me faz… é... o instrumento que eu utilizo para comunicar com as pessoas que me rodeiam, não é? seja em casa, seja portanto com os amigos, seja no trabalho, em que circunstancia for, não é? eu acho que, portanto, esse é que é o meu crioulo verdadeiro. + +Se tivesse de distribuir ou atribuir o crioulo ou o português a pessoas consideradas instruídas ou educadas, qual deles atribuiria a essas categorias? + +não percebi. + +Estou a considerar dois tipos de pessoas… um tipo de pessoas educadas, instruídas, e pessoas não instruídas, sem educação. Se tivesse que atribuir a uma dessas categorias o crioulo ou o português como faria a distribuição? Atribuiria o crioulo por exemplo às pessoas educadas e instruídas? + +não. acho que não. acho que… acho que… se calhar, tenho outros parâmetros de de avaliação… + +Diga. + +não acho que a utilização do crioulo seja, digamos, algum elemento de avaliação do nível de educação das pessoas. conheço pessoas bem educadas, muito bem educadas e muito bem instruídas que falam o crioulo e utilizam o crioulo no seu dia a dia, não é? do mesmo passo que eu conheço pessoas muito bem educadas muito bem instruídas que só utilizam português também, por acharem que o português, enfim, se calhar prestigia-os mais… portanto, mas eu não… eu não… eu pessoalmente não utilizaria, digamos, o crioulo como um elemento de avaliação do nível de instrução ou de educação das pessoas. + +mhm. E em função da sua utilidade, digamos assim, para o desenvolvimento de Cabo Verde. + +repare. o crioulo é... digamos, é... que é a língua natural, corrente de comunicação entre as pessoas em Cabo Verde. em primeiro lugar o crioulo, não é? em Cabo Verde. a... mas eu também tenho uma perspectiva de que hoje em dia, a questão da comunicação… estamos na era da globalização, estamos enfim na era da informação, na era do conhecimento e para se aceder à informação e ao conhecimento é preciso efectivamente um bom conhecimento, é preciso ter a língua -- a língua é uma ferramenta fundamental – eu… para mim, as pessoas têm é que utilizar as ferramentas que sejam mais fáceis ou mais poderosas, não é? para que elas estejam inseridas neste mundo de informação e de conhecimento, e nesta matéria eu considero que o crioulo, naturalmente, e embora… sendo embora a nossa língua de comunicação, está longe de trazer vantagens competitivas, mesmo longe de trazer vantagens competitivas. porque mesmo aí o português que é uma língua muito falada, ainda não está de modo a trazer grandes vantagens competitivas, muito menos o crioulo. portanto, daí eu a… se eu tivesse, no mundo de hoje, se tivesse que ensinar alguma língua à minha filha, não seria nem o crioulo. claro que seria o inglês. o inglês que é uma língua que… que… enfim que... + +Desenhe-me essa sua alternativa linguística para Cabo Verde em termos do crioulo, do português, falou agora do inglês… desenhe-me essa alternativa que sugeriria para Cabo Verde. + +eu, eu acho que a... do ponto de…do ponto de vista de… do desenvolvimento do país, não é? se tivermos em conta que estamos na era da informação, na era da informação e, portanto, o conhecimento hoje em dia é... um, o factor, não é? de produção mais eficaz para a nova economia, não é? se nós considerarmos tudo isso eu acho que… quando… a língua que nos leva ao mundo e que traz o mundo até nós e traz a comunicação e a informação até nós, ainda não é o crioulo. o crioulo é… ainda é sobretudo falado, não é escrito. eu não conheço uma página na internet em crioulo por exemplo, não é? em português a gente já já tem milhões de páginas, não é? o acesso à informação em português é já importante, é já importante. daí que… que… para o desenvolvimento do país a... nessa, nesse mundo de globalização e na nova correlação económica eu não creio que o crioulo seja uma ferramenta competitiva. + +E proporia então? ((…)) + +eu. acho que… a gente teria que a... trabalhar a opção que estivesse mais ao nosso alcance. eneste caso seria o português. mais ao nosso alcance. portanto eu acho que o português, portanto, a par do crioulo, é a língua que está mais ao nosso alcance. podeser facilmente generalizada, não é? mais que outra língua. + +Portanto acha que se devia continuar a usar o crioulo em Cabo Verde? + +sim. eu acho que… que… eu defendo o status quo. como está. portanto utilizar o crioulo, ir desenvolvendo o crioulo até que algum dia efectivamente possa vir a ganhar alguma potencialidade, possa vir a constituir-se numa ferramenta do desenvolvimento, não é? do desenvolvimento, mas num quadro de integração, num quadro de globalização, não é? nesse momento não é, naturalmente. não é ainda. + +Na sua opinião, o crioulo devia ser utilizado em Cabo Verde para quê, falar ler escrever? + +eu acho que para falar. para falar. não custa tentar e trabalhar para que possa… sepossa escrever-- mas repare, a internacionalização de uma língua é... é... + +Em Cabo Verde… + +bom…em Cabo Verde eu acho que para falar, e para escrever, eventualmente, eu não sei. eu tenho dúvidas relativamente a essa… a essa problemática. + +Qual é a base das suas dúvidas em escrever o crioulo? Que dúvidas… a escrita do crioulo lhe suscita? + +não. não suscita. + +Têm a ver com o crioulo em si? + +não. não tem a ver com o crioulo. eu acho que sendo uma língua que é falada ela pode ser escrita. ela tem… ao que parece ela até tem condições para isso, não é? eu… aqui, o meu raciocínio é mais da sua internacionalização, no mundo da informação, não é?, mas acho que sim, acho que o crioulo deve serescrito. + +E acha que se devia aprender a ler e a escrever o crioulo nas escolas? + +acho que sim. + +Porquê? + +se o crioulo é a língua que a maioria dos cabo-verdianos utiliza na sua comunicação oral, acho que só por aí temos boas razões para a... também a... fazer com que ela passe a... ser também língua escrita e eventualmente até a... ganhar expressão, não é? portanto e assumir o lugar que o português utiliza, que o português ocupa neste momento. portanto, neste momento, nós, como é que fazemos? utilizamos o crioulo na nossa comunicação. normalmente utilizamos o crioulo na nossa comunicação, no nosso trabalho, no nosso dia a dia com os nossos amigos, não é? mas se tivermos que escrever um bilhete a um amigo, são muito poucos aqueles que fazem… muito poucos ou se calhar insignificante, não é? um número inexpressivo aqueles que o fazem em crioulo… fazem-no em português… acho que todos desejaríamos uma vez que, uma vez que a nossa comunicação oral é feita em crioulo, conjuntamente poder também essa comunicação escrita também em crioulo. + +E nesse caso, deixar-se-ia de continuar a ler e a escrever em português em Cabo Verde? + +isso seria um processo. eu acho que o crioulo teria que conquistar também o seu espaço e acho que isso aconte… poderia acontecer com… essa essa transição… poderia acontecer sem qualquer dificuldade. porque não? + +Como assim transição? Poderia ser mais explícito? + +transição no sentido de a... o crioulo escrito, num processo de substituição, não é? paulatina do espaço que utiliza o português hoje em dia na comunicação escrita. + +Portanto o português seria abolido da escrita. É isso? + +não diria abolido, diria substituído . + +Substituído completamente? Seria... + +não sei se completamente ou se não. repare, as pessoas em todos os sítios falam e escrevem numa língua. se é Portugal, fala português e escreve em português. em Cabo Verde você fala em crioulo, mas se tiver que pôr no papel aquilo que disse, normalmente fá-lo em português. normalmente. + +E neste caso… qual seria… nestas circunstâncias, qual seria o papel do português ou que papel ficaria reservado ao português? O português deixaria de ser ensinado e usado em Cabo Verde? Como é que vê esta questão? + +repare. eu, nesta matéria, preferiria não atribuir papel nenhum a nenhuma língua-- eu preferia que o crioulo... + +Não… nestas circunstâncias em que me está a dizer que o crioulo substituiria o português na escrita. Ora, nós falamos o crioulo. O crioulo substituiria o português na escrita. Como é que ficaria o português? Portanto passaríamos a falar... eu só queria perceber bem o quadro que está a desenhar. + +na escrita, o português passava a ocupar o mesmo espaço que ocupa na oralidade, neste momento. portanto normalmente fala-se em crioulo, não é? e raramente utiliza-se o português, não é? eu acho que esse quadro poderia ser transferido para a escrita. + +Ok. Oportuguês ficaria reservado a…? + +não seria. o português não seria, pelo menos, a primeira língua escrita como não é… não é a primeira língua falada. + +E nestas circunstâncias prevê o uso do crioulo em situações formais por exemplo? Estoua falar do oral, da fala… + +porque não? porque não? eu acho que desde que o crioulo se construísse ou ocupasse o seu espaço como língua dominante, escrita e falada, naturalmente que tem todas as condições para... + +E acha que o crioulo tem essa potencialidade? ((…)) + +isso tenho alguma dificuldade em… em… em responder. eu acho que sim. que é uma língua que é falada. é uma língua que é falada. ela pode ser escrita. + +Há bocado disse-me que para si o verdadeiro crioulo era aquele que falava. + +mhm + +Porquê? Porque é que achaisso? + +eu acho que em Cabo Verde… não… não… aquilo que eu falo, porquê? porque... eu tenho alguma dificuldade, à partida, em fazer a... diferenças ou em marcar as grandes diferenças, as grandes nuances, ou… não sei qual é a palavra certa… as grandes diferenças que existem, portanto, no crioulo das diferentes ilhas -- portanto, particularmente de barlavento e sotavento, de sotavento. eu não… porque não tenho dificuldades em perceber, não é? o crioulo da Brava ou o crioulo de Santo Antão, não é? e porque também nunca percebi que algum interlocutor meu - da Brava ou de Santo Antão, teve problemas em perceber-me eu acho que o meu crioulo… e o crioulo que eu utilizo, da mesma forma que eles, não é? e o que eles utilizam são… portanto, são… representa a minha autenticidade. é o que eu sei falar. + +O que acha das pessoas que usam o crioulo? ((…)) + +achar como? + +Oque pensa delas? + +acho que são pessoas normais. pessoas que se expressam da forma a... como se sentem, da forma que se sentem… se expressam da maneira como se sentem mais à vontade, não é? utilizando a língua que melhor sabem utilizar, não é? que é a ferramenta que melhor utilizam para… para… para seexpressar. portanto, eu acho que são pessoas a... normais, como todo o mundo. utilizam a língua que sabem, comunicam-se da forma que sabem. + +Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo? + +acho que sim. acho que… acho que sim… que… que… da mesma forma que um francês utiliza o francês ou o português utiliza o português, o cabo-verdiano utiliza o crioulo. é a sua língua. é a língua que, em princípio, é a sua língua materna-- é a língua que em princípio saberá utilizar, se nasceu em Cabo Verde-- o crioulo será naturalmente a língua que utilizou desde a sua infância, não é? ou pelo menos na sua infância. ou desde que nasceu. não sei. mas a... + +Acha que e preciso saber crioulo para ser cabo-verdiano? + +não. + +Admite que um cabo-verdiano possa não saber crioulo? + +com certeza. perfeitamente. + +Em que circunstâncias? + +qualquer cabo-verdiano que… que… enfim… que por razões diversas, não é? a gente tem a questão de nacionalidade, da naturalidade. cabo-verdianos que vivem lá fora, mas que se identificam de certa forma com Cabo Verde, ou que se consideram cabo-verdianos, não é? acho perfeitamente que sejam… e admito que sejam cabo-verdianos e bons cabo-verdianos, mesmo não falando o crioulo. + +E no caso de ele ter nascido aqui… e viver aqui? + +também. também. também acho natural que um cabo-verdiano que tenha nascido aqui que… não é que… não me repugna. não me repugna que um cabo- verdiano que tenha nascido em Cabo Verde, vivido em Cabo Verde e que como… muitos que utilizam ou procuram utilizar o português por outras razoes, não é? terão lá as suas razões-- eu… não merepugna… + +Relativamente ao português, qual é a relação que estabelece entre ser cabo- verdiano e usar o português? ((…)) + +também não me repugna o ser cabo-verdiano e utilizar o português. não me repugna. eu conheço muitos cabo-verdianos, são bons cabo-verdianos e que só utilizam o português porque sentem-se melhor com o português. viveram muito tempo fora ou por uma razão… ou por em casa falar-se mais português ou apreendeu melhor o português. + +E aceitaria por uma razão do tipo não gosto de crioulo? + +não. essa é uma razão que eu não… eu... duvido que haja... + +O crioulo é uma língua para ignorantes. O crioulo não é uma língua. aceitaria… + +não... + +Aceitaria razões deste tipo? + +não. eu não aceitaria de qualquer forma razões deste tipo e nunca… nunca confrontei-me… e nunca fui confrontado com uma razão desse tipo. crioulo é uma língua para ignorantes. as pessoas utilizam o português porque sentem-se melhor com o português, não é? masé... possível que haja. mas eu nunca... + +Não sabe porque é que as pessoas se sentem melhor com o português? + +bom, aqui existem… existirão várias explicações que se calhar, extravasarão um pouco a... digamos, o tema estrito da língua. existirão outras razões, não é? é possível que existam pessoas que achem que… que… enfim… que a língua crioula não seja… é possível não, existem de facto pessoas que acham que a língua crioula não é prestigiada. que se sente… que se sentem mais prestigiadas ou melhor colocadas na na sociedade falando o português, não é? mas são… são… digamos que…haverá outras explicações para situações desta natureza que existem naturalmente, não é? + +Mas acredita, tem conhecimento de que existe pessoas que optam pelo o português por essas razões? + +sim sim. tive um… disse que não tinha, mas tive, tive. vivi dois anos em São Vicente, em casa de uma senhora que fazia questão de falar o português exactamente por… a explicação era essa… o português é que era a língua de elite que...que… que… + +Está a falar-medo tempo ainda colonial? + +colonial. + +Mas estou a falar de hoje. Actualmente. + +não. não. + +Achaque ainda existirão pessoas que consideram...? + +não. não tenho conhecimento. não me tenho confrontado com situações desta natureza. + +Com que tipo de pessoas acha adequado usar o português? + +eu pessoalmente acho adequado usar o português com pessoas que só sabem comunicar em português, ou só sabem comunicar comigo em português. portanto, se não sabem o crioulo, ou se não podem estabelecer uma comunicação comigo, enfim, em crioulo, só podem fazê-lo em português, eu acho correcto e curial que eu também fale português. + +E porquê? + +não. porque é a língua que ele percebe e que ele utiliza, não é? e... não percebendo essa pessoa o crioulo acho que não… não julgo que… não serial curial e correcto falar com ela numa língua que não percebe e não entende. + +Algum tipo de pessoa com quem ache mais adequado falar o crioulo? + +sim. as pessoas que eu tenha a percepção nítida que não falam português. + +E assuntos que acha mais adequados para serem tratados em português ou em crioulo? ((…)) + +não creio. essa é uma questão mais de interlocutor. + +Diria o mesmo para as circunstâncias, os contextos, as situações? ((…)) + +vamos lá ver. com uma entidade oficial existem circunstâncias em que você fala… mais formais, mais oficiais, que… ao fim ao cabo o crioulo… o português é a língua oficial… e você utiliza o português como língua oficial que é, não é? mas com essas mesmas pessoas existem também circunstâncias em que a comunicação é fluente em crioulo. + +Mas, acharia adequado usar o crioulo nessas circunstâncias formais? + +porque não? é adequado. tenho-o feito. + +Certo. Há bocado falámos na questão do mundo actual e, digamos, da implicação que isso tem para as línguas… O que é que acha mais comum no mundo de hoje, saber só uma língua, mais que uma língua… o que acha mais natural? + +eu acho que no mundo de hoje, o mais natural é saber-se mais do que uma língua e de preferência a língua que é universalmente mais utilizada na comunicação -- neste caso o inglês. neste caso o inglês que é… que é sem duvida… e eu acho que existem… a estatística também diz isso, não é? que com a globalização, na era da informação, o inglês, não obstante todos os esforços que existem a nível das regiões, dos países, na… ao tentar-se conferir maior importância ou preponderância a esta ou aquela língua, o inglês continua a ser, sem dúvida, a língua mais transversal e mais universal de todas. e eu considero que hoje o inglês, portanto, no mundo de hoje é importante e é crucial… é muito importante… é uma língua de muita importância para a nova economia e para a era de hoje. eu pessoalmente tenho ido… tenho ido a a várias…a muitas conferências internacionais, não é? onde - enfim, tenho-me sentido, francamente, só e isolado em boa parte dessas conferências, não é? inibido designadamente na minha participação, exactamente pelo facto de… de... enfim, de não… o inglês e em segundo lugar o francês, não serem as línguas… particularmente o inglês, que eu utilizo no meu dia a dia para a comunicação… línguas que eu domino com facilidade. portanto, isso naturalmente é um elemento muito, muito inibidor. daí que eu ache que a língua deve ser também encarada nesta perspectiva, nesta perspectiva, como um utility para o desenvolvimento. + +Então, o que acha de se usar crioulo e português em Cabo Verde? ((…)) + +achar como? + +Desta situação, de se usar essas... + +não. eu acho que que… nesta perspectiva… nesta perspectiva naturalmente o português tem recursos maiores que o crioulo… é uma língua muito falada. portanto - não é a mais falada, mas é uma língua falada por milhões de de pessoas… acho que é a nona ou a décima, não é? a língua mais falada no mundo… e o crioulo ainda não… nem sequer é falado por meio milhão de pessoas… ou se calhar por meio milhão de pessoas… de maneira que naturalmente o português, nesta perspectiva, é uma melhor ferramenta a... e uma melhor utititye mais competitiva. + +Então acha que se devia continuar a falar o crioulo e o português em Cabo Verde? + +eu acho que sim, que se deve continuar a utilizar o crioulo e o português. deve-se desenvolver o crioulo de forma que o crioulo ganhe… continue a ganhar o seu espaço, não é? mas isso é um processo que eu acho que deve decorrer naturalmente, não é? sem… sem que… que não… que… não ser forçado, deve ter um percurso normal, a... e partilhado por todos. sobretudo isso, partilhado por todos-partilhado e assumido por todos. + +Diga-me, na sua opinião, qual deles o crioulo ou o português deve ser usado nas nossas manifestações culturais incluindo a literatura. ((…)) Estoua falar das mornas, das coladeiras, batuque, funaná, teatro, cinema, … + +naturalmente o crioulo. eu pelo menos tenho preferência pelo crioulo. + +Porquê? + +eu acho que o crioulo… por isso é que eu disse há bocado que eu tenho duas perspectivas. uma perspectiva de identidade, uma perspectiva cultural, onde naturalmente o crioulo tem o seu espaço, e o crioulo… quer dizer… e digamos que o português não tem. é só ver na nossa cultura musical. o português não tem espaço na nossa cultura musical. o crioulo é que tem espaço. eu acho que para a identidade, para a nossa identidade, para a nossa expressão cultural, naturalmente que o crioulo é a língua de todos. é a língua que nos une, não é? eu quando falo que o português tem essas vantagens competitivas é no nosso relacionamento com o mundo, não é? na nossa integração na… portanto, no… na sociedade de informação - no mundo da informação, no mundo do conhecimento. o português é uma ferramenta mais poderosa, que nos oferece maiores facilidades para essa integração - não é? facilidades que o crioulo ainda não oferece. + +Acha que o crioulo deveria ser usado na alfabetização de adultos? ((…)) + +não. acho que sim. que o crioulo deve ser utilizado na alfabetização de adultos da mesmaforma que é utilizado também nas escolas. + +O crioulo? + +o crioulo ou o português? + +Perguntei o crioulo… + +é? + +Se o crioulo deveria ser usado na alfabetização de adultos? ((…)) + +é utilizado na alfabetização de adultos em princípio. não? + +Os adultos são alfabetizados em português. Houve uma experiência de alfabetização bilingue mas que não avançou muito. + +eu não tenho uma posição fechada e formatada nesta matéria. mas a minha perspectiva é. sem pressa, é sem pressa. alfabetização para que? qual é a utilidade da alfabetização? é fazer com que as pessoas a... sejam mais integradas com outras pessoas. possuam, digamos, instrumentos, digamos, que lhes permitamsingrar ou ter uma… na vida social e na vida económica ou particularmente na vida económica. eu acho que nesta perspectiva sem dúvida o crioulo… o português tem mais potencialidades do que o crioulo. + +Essa possibilidade de o cabo-verdiano às vezes poder usar o crioulo e outras vezes poder usar o português… o que é que pensa desta possibilidade que o cabo- verdiano tem? + +eu acho que é uma grande riqueza que a gente tem. eu vejo isso como… como uma mais valia. + +E acha que o crioulo deve ser oficializado? + +sim. acho que o crioulo deve ser oficializado. + +Porquê? + +o crioulo é a língua que nos une. é a língua que nós utilizamos na nossa comunicação, não é? eu não… não vejo porque é que não há de ser oficializado. eu se calhar acho até que vamos atrasados nisso. + +E ser oficializado para quê? + +ser a nossa língua. ser a nossa língua oficial. + +Para quê? Falar, ler, escrever? Para se usar onde? Em que circunstâncias? + +eu acho que deve ser oficializado como uma língua. como uma língua. não se pode oficializar uma língua para ler, outra para falar. é oficializada como língua -- é evidente que neste momento o crioulo é utilizado mais na fala, não é? e que se desenvolvam… que sejam desenvolvidas… criadas as condições para que também se passe a escrever o… que se chegue a um entendimento, e que sejam criadas as condições para que o crioulo passe a ser também uma língua escrita. + +Gostaria de aprender a ler e escrever em crioulo? + +sim. gostaria de de aprender a escrever em crioulo. mas naturalmente aí colocar-se-ia uma outra questão. esta é uma questão que deve ser consensual, consensualizada. amplamente discutida, e amplamente consensualizada. eu acho que todos gostaríamos, todos os cabo-verdianos gostariam de poder escrever em crioulo. + +Diga-me uma coisa, no caso do crioulo ser oficializado, como é que ficaria, para si, a oficialidade do português? + +eu acho que… que… não há aqui incompatibilidade, ou... quer dizer não há aqui… umh… como é que eu hei de dizer? aqui não pode haver espaço… a entrada de um não quer dizer necessariamente o afastamento do outro. há países por exemplo que têm duas línguas oficiais. os Camarões por exemplo têm duas línguas oficiais. portanto, eu não vejo que a oficialização de uma língua tenha que implicar necessariamente a secundarização de uma outra. não acho que a via seja essa. + +Entendo. Diga-me, como é que os cabo-verdianos falam o português, de um modo geral? de um modo geral, como é que os cabo-verdianos falam o português? + +eu acho que não falam tão bem o português como falam o crioulo. naturalmente porque utilizam na sua… no seu dia a dia o crioulo, não é? e é esta a razão. portanto não falam tão bem o português como falam o crioulo, não é? mas acho que fazem-se entender. podem fazer-se entender em português, não é? sem falar correctamente na maior parte dos casos. ou sem… sem utilizar a língua em todas as suas potencialidades, fazem-seentender. sem… sem falar correctamente. + +Quando diz correctamente qual é o seu parâmetro, referências? + +com regras, com todas as regras, escrever correctamente uma língua é… utilizar uma língua correctamente, julgo eu, não é? existem regras. + +Para si qual é o português padrão? + +a... repare. eu sempre procuro fugir a padrões. mas o português que nós utilizamos como referência é o português de Portugal, não é? + +Certo. + +porque… pronto… + +E acha então que… se eu entendi bem…está a dizer que os cabo-verdianos deviam falar assim? + +eu acho que no seu esforço… aqueles que falam utilizam, portanto, o português de Portugal. não é… está longe… não é, nem de perto nem de longe o português que é utilizado no Brasil, que, digamos, que é a versão, em meu entender, um pouco mais vincada ou mais diferenciada da versão portuguesa, não é? se calhar a seguir à angolana… mas acho que tem mais a ver com o sotaque. mas a referência, naturalmente até esta, tem sido a do português de Portugal. + +E acha que os cabo-verdianos falam como os portugueses? + +não acho que falem como os portugueses. eu acho que procuram falar como os portugueses. + +Mas acha que devem procurar falar como os portugueses? + +não. eu acho que devem procurar falar português. não necessariamente como os portugueses. os angolanos falam português mas não falam necessariamente como os portugueses, não é? acho que os guineenses falam português, mas não necessariamente como os portugueses. devem procurar falar uma língua que tem naturalmente as suas regras… que tem, não é? mas ... + +Essas regras podem ser diferentes do português de Portugal? + +porque não? + +Quer acrescentar algum comentário, mais alguma coisa que acha que ficou por dizer e que gostaria de dizer? + +em especial nada. acho que é uma questão complexa. aliás essa entrevista a... permitiu-me também perceber que estamos diante de uma questão que é complexa em todas as suas dimensões. quer seja a dimensão técnica, a dimensão linguística, a dimensão social, a dimensão económica. e... julgo que é uma questão que deve ser tratada em todas essas dimensões. deve ser problematizada, deve ser amplamente discutida, para que efectivamente nós consigamos, sejamos capazes de dar… dar passos, não é? acho que todos esperam e querem que a sua língua materna - não é? seja, seja potenciada, e seja cada vez mais também não somente um elemento de referência cultural, mas um instrumento para o desenvolvimento do país. + +Muito obrigada X por ter respondido às minhas questões." +INF2.wav,"Dr. X, muito obrigada, antes de mais, por ter acedido a conceder-me esta entrevista que desde já eu agradeço. A primeira questão que eu lhe queria pôr era se antes de entrar para a escola se sabia… se falava o crioulo ou o português? + +era… falava era o crioulo. porque eu fiz a primeira… a quarta classe na Boa Vista. saí de lá com dez anos. e durante estes dez anos, afora a classe, era o crioulo que efectivamente comandava a vida. e só na escola, durante a instrução primária, é que a professora, uma que outra vez, queria de nós pronúncia em português, mas isso era bem difícil, a gente, a maior parte das vezes expressava-se, mesmo para ela, em crioulo. + +Mas já tinha tido algum contacto com o português? Assim, ouvido, ouvia o português … algumatentativa de falar … antes de entrar para a escola? + +tentativa de falar… uma ou outra vez, sobretudo com com o pároco de freguesia. ele era indiano… o padre (?) o pároco como se dizia… era indiano, a gente falava com ele em português. claro, português de criança dos 10 anos, numa ilha como Boavista. e também uma ou outra vez que a gente tivesse oportunidade de falar com… com o administrador ou com um ou outro destacado funcionário… mas isto acontecia muito raramente, pelo menos naquela idade. mas ouvia sim. ouvia os adultos. as pessoas do povo ainda tinham a mania, ou a noção, de que falar com altas entidades ou falar com o padre tinha que ser em português, e lá se esforçavam por falar na medida do possível. e… fora isso, a gente era criança, portanto andava sempre por sítios onde houvesse movimento, a captar os movimentos sociais, e ouvia de facto a administração da ilha, na altura os administradores, a falarem e a obterem também as respostas consoante solicitados. as pessoas lá iam dizendo o seu português, o português já se sabe não era o português de gramática-- houve quem também respondesse em crioulo, -isto também existia. de modo que… + +A comunicação social. Nessa altura tinha alguma … + +a comunicação nessa altura era rádio. lembro-me… ainda era os tempos de onda média. ainda não havia FM, não é? e era tudo só rádio. + +Mas não ouvia? + +ouvia sempre. aliás nessa altura não havia a televisão, não havia outros atractivos. então, ao fim do dia, o pessoal fazia questão de se sentar ao pé de um aparelho de rádio, como se dizia na altura-para ouvir o… + +Então ouvia o português através da rádio? + +exactamente. + +Obrigada. E actualmente em casa, com os seus amigos mais próximos, com os seus amigos de um modo geral, e colegas, qual é que usa, o crioulo ou o português? + +ambas as línguas. mas devo dizer que o… a tendência é para a língua cabo-verdiana de facto comandar o mundo da comunicação. isto acontece mesmo aqui na Assembleia Nacional… nas lides com… com os senhores deputados, com a maioria deles, e acontece aqui nos despachos com… que tenho com os directores. a gente faz tudo em crioulo. informalmente… ou então, uma ou outra vez começa em português mas depois quando se dá conta, da consciência das coisas, já está a comunicar-se em crioulo. de maneira que… acho que a totalidade das nossas comunicações aqui passa-se, passa-se em crioulo. + +E o português então? + +o português tendencialmente está relegado para o mundo da escrita. apesar da resolução 48 já permitir que se possa fazer notas em crioulo ainda a gente não teve coragem de dar… de dar este passo. mas o resto da comunicação passa-se em português… a não ser com… bom. com o Presidente da Assembleia Nacional onde ainda… + +Queria dizer em crioulo? + +em crioulo. em crioulo. a não ser com o Presidente da Assembleia Nacional onde ainda vai sendo em português. até ver. mas com os outros, mesmo com os deputados e com o pessoal aqui, administrativo, o crioulo é que comanda avida. a língua cabo-verdiana… + +Como é que… qual é que considera ser a sua proficiência geral em português e em crioulo? ((toque telefone)) + +dizia… + +A sua proficiência geral em português e em crioulo… Gostaria que me falasse disso… a sua capacidade geral de usar uma e outra língua… + +eu confesso que talvez me sinta à vontade numa ou noutra… numa ou noutra língua em virtude do hábito, da prática, da experiência. isso não quer dizer que isso seja a tendência… + +Falar, ler, escrever … gostaria que me fizesse um… + +a falar estou à vontade em qualquer uma delas. + +Certo. + +embora o crioulo tenha… a língua cabo-verdiana tenha o condão de ser língua mãe. + +certo. + +é. ao falar aquilo flúi. ao passo que com o português a gente já faz aquele exercício de… de respeitar a gramática. mas sim, a força do hábito e dos percursos lá vai. a escrever… a escrever neste momento eu confesso que estou à vontade para escrever também qualquer uma delas em virtude dos exercícios que tenho feito. + +E em termos de preferência… qual é que prefere? falar em crioulo, falar em português, ler em crioulo, ler português… + +talvez de igual para igual. de igual para igual. + +E em termos… como é que se sente, em qual dos dois, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor as suas ideias? + +mhm. eu penso que igualmente ahn? porque com o crioulo, está a ver, às vezes a gente trata assuntos de trabalho, assuntos de administração até assuntos que exigem alguma especulação… e faz tudo em crioulo. + +E como é que se sente quando fala o português e o crioulo? Sente-se à vontade? Com … + +à vontade. à vontade. + +Tanto com o português como com o crioulo? + +uma é a língua mãe- e outra é a língua de formação. + +Com medo de errar? Nem sequer pensa nisso? + +não. vai evoluindo. + +Naturalmente. Portanto, não se sente mais ou menos à vontade em nenhum dos dois. Sente-se igualmente… + +sim. penso que é isso. igualmente à vontade. + +Eu gostaria que a… atentasse nas pessoas… três pessoas com quem mais fala, com quem mais conversa fora do seu círculo familiar no exercício de… das suas actividades, não é? e que buscasse caracterizar-me essas pessoas em termos do seu perfil, assim em termos de idade, sexo, estrato social… + +mhm… pode ser no mundo laboral, não? + +Sim. No exercício das suas actividades. Não dentro do circulo familiar, mas … + +está certo. bom. em primeiro lugar eu tenho muita comunicação com o presidente da assembleia nacional e aí até por razão de formalidade a gente só se fala em português… nos despachos e nos assuntos de trabalho. + +Normalmente, com essa pessoa trata assuntos de trabalho? + +sim. assuntos de trabalho. + +E essa conversação passa-se em português. + +em ambiente de trabalho. fora do trabalho temos a nossa amizade, isso é outra coisa. os assuntos de trabalho processam em língua portuguesa. (?) mais sobre ele? + +Sim. Se pudesse… portanto, é o presidente da assembleia nacional… + +é o presidente da assembleia nacional. o que mais eu hei-de dizer? é um homem culto, não é? é um homem… (…) + +Éuma pessoa que a gente conhece… sabe que ele é natural… + +sim. é uma figura mais que pública. + +É uma figura mais que pública aqui em Cabo Verde. Caracteriza-se por si. Digamos que… + +posso passar à segunda pessoa? + +Sim. Com certeza. À vontade. + +tenho o director dos serviços []… que é a pessoa com quem mais… que eu sou obrigado a... lidar por inerência do cargo, e ali a comunicação passa-se quase toda ela em língua cabo-verdiana. na ordem dos 95%. às vezes a gente começa em português e quando se apercebe já passou para a língua cabo-verdiana e toda a nossa comunicação processa-se assim. portanto é uma senhora. uma economista. e tratamos assuntos de administração e da gestão corrente, sobretudo de ordem administrativa e financeira. é relativamente jovem. portanto, um quadro ainda relativamente jovem. bom. a gente conversa… + +E digamos, enquanto… um pouco fora do círculo da Assembleia… das outras actividades que tem ou como musicólogo, como escritor… certamente que contacta outras pessoas, não é? + +sim. + +Com essas pessoas, como é que se passa a comunicação? + +não fica muito tempo para isso, não é verdade? na maioria dos casos a comunicação é espontânea. é em língua cabo-verdiana e quando calha, quando acontece, é em torno de do mundo da cultura ou das pessoas ligadas ao mundo da cultura. vai tudo em língua cabo-verdiana. lido com músicos, lido com escritores, com pessoas que tenham alguma intervenção. o meu círculo não é muito alargado porque da assembleia não me fica muito tempo para a vida social, - mas aquele pouco que tenho é mais ou menos neste quadro. + +Em resumo, qual diria… qual o perfil das pessoas com quem normalmente fala crioulo e fala português? Resumindo, porque eu acho que já disse, mas gostaria que só sintetizasse isso… + +habitualmente, o meu universo de contacto é gente ou com bastante instrução ou… pessoa ou gente que já… que esteja no mundo da da cultura, das artes da… e é em razão disso que nós nos encontramos e nos comunicamos. em virtude de conhecimento que a gente tem pelo desempenho artístico ou cultural na sociedade. + +mhm. Geralmente a língua que utiliza com essas pessoas…? + +é o crioulo. + +É o crioulo … + +é o crioulo. a não ser que uma ou outra pessoa já já daquelas mais, mais… não digo mais resistentes ao crioulo, mas talvez menos permeáveis. porque também os há… + +O que é que acontece quando fala o seu crioulo com pessoas de outras ilhas? + +mhm. eu adapto-me. se estou com gente de Santiago, falo 1badiu correntemente. se estou com gente de outras ilhas, do barlavento, falo o crioulo da Boavista. a variante da Boavista. + +E qual é o grau de entendimento? + +o entendimento é bom. + +Digamos mesmo que fale o crioulo de Santiago com pessoas de Fogo, Brava ou… + +a gente comunica-se bem porque… é a variante que predomina ou que pelo menos acho (inidável?) para a variante dessas ilhas. falo crioulo da Praia e eles respondem pela mesma via. edentro desse contexto… + +Usam o a sua variante? + +usam asua variante. + +E percebe? + +percebo. sem problema. e eu falo a variante aqui da Praia e também eles percebem sem problema . + +Certo. + +a variante de Santiago. ((pequena interrupção devido à entrada deuma pessoa no gabinete)) + +E... embora o X tenha referido isto ao longo das da sua conversa vou-lhe colocar… vou-lhe colocar de novo a questão. Se podia precisar um pouco em que lugares e circunstâncias usa o crioulo, e em que lugares e circunstâncias usa o português? Por exemplo em casa, com os vizinhos, no mercado, quando está nas lojas… enfim… nos locais de culto religioso que eventualmente frequente, em cerimónias oficiais… portanto, essa diversidade de lugares que a gente tem que falar … usa o crioulo, o português? + +mais uma vez, portanto… o... é de facto o crioulo que comanda a vida porque, quando estou com os artistas, com… com… mesmo os escritores cabo- verdianos, sobretudo aqueles que têm tendência… ali é inevitavelmente a língua cabo-verdiana. na zona do culto, por exemplo, bom, ali, vou por sinal, mas ali não tenho contacto. ali a gente ouve é as pessoas a fazerem a leitura em 1 O habitante da região de sotavento e, por extensão, a variante de LCV falada por eles. língua portuguesa e depois a sua explicação em crioulo. + +Quem é que faz a explicação? + +os padres. + +Os padres fazem a explicação em crioulo, normalmente? Isto acontece correntemente? + +quando são padres cabo-verdianos fazem a homilia em crioulo. a prédica é em crioulo. e depois também tomo contacto com um ou outro cântico que se executa em língua cabo-verdiana. nas lojas e no comércio e na vida lá fora… bom… + +Na administração publica… + +na administração públicahabitualmente… + +Como utente. + +sim. como utente também tem sido em crioulo e... sem dúvida alguma. nos poucos contactos que a gente faz, uma que outra vez, quando a gente sente do outro lado, a sensibilidade ou a vontade vai mais para o português, a gente acomoda-se, adapta-se. mas na maioria dos casos todo mundo está… permeável e receptível para que a língua portuguesa seja a língua para a comunicação na administração, e é o que passa-se na maioria dos casos. + +Gostaria que me dissesse com que finalidade usa o crioulo ou o português. Eu estou a pensar em questões como exprimir os seus sentimentos, rezar ou orar, dar, pedir informações, namorar, convencer, reflectir ou discutir com alguém ideias… qual a língua que usa nessas circunstancias? + +na maioria dessas… + +Nessas circunstâncias… + +é habitualmente de facto língua cabo-verdiana, em tudo isso que mencionou. + +Enoutras que eu não disse mas que… + +É um quadro global de relacionamento. então, se calha ser fora do ambiente formal, do trabalho, com maior razão ainda a língua, a vida, utilizando a expressão lá do brasileiro, decorre em crioulo, Jorge Amado . + +Diga-me uma coisa… nesta última semana, acha que falou, que usou mais o português ou o crioulo? + +muito mais, e de longe o crioulo. + +Num dia, usa mais o crioulo ou o português? Qual é que usa durante mais tempo num dia, o crioulo ou o português? + +de longe a fatia maior cabe à língua cabo-verdiana. + +E porquê? + +está a ver. a vida… em casa, indiscutivelmente, é em língua cabo- verdiana que a gente se comunica, no seio da família e com os vizinhos. a gente passa a maior parte do tempo aqui no serviço, e aqui, com a maioria do pessoal, mesmo com as chefias, a comunicação é em língua cabo-verdiana. com os senhores deputados é a mesma coisa. + +Certo. Em que contextos… talvez seja uma pergunta redundante, mas … indique-me três contextos em que normalmente fala o crioulo e três onde normalmente fala o português? + +o primeiro contexto é o familiar, em casa. + +Certo. Estamos a falar do crioulo. + +sim. estamos a falar do crioulo. em casa… o familiar. o segundo contexto é aqui no ambiente de trabalho. quando me dirijo ao pessoal que não é chefia-isto sai automático e habitualmente… + +Já agora, podia referir-me e simultaneamente os tipos de assuntos… ? + +são ordens de serviço. ou então sei lá… alguma incumbência pontual… sei lá… algum recado a fazer no exterior, ou de alguma missão a fazer no exterior ou mesmo aqui dentro. bom. um contexto é o familiar. o outro contexto é aqui com o pessoal administrativo, digamos assim, executante. e fora isso… quer com chefias… com estes faço uma área a parte. com esses, parte em português, parte em língua cabo-verdiana. mas com esses, como eu digo a gente começa em português e imperceptivelmente passa para a outra língua. + +Alguma circunstância, ou algum contexto, em que normalmente fala crioulo, mas gostaria de falar português, ou vice-versa, fala português mas gostaria de falar crioulo? + +não, não, não. não se tem oferecido caso deste tipo de… porque está a ver… a coisa passa-se de tal ordem que a gente não… não se apercebe. mesmo com o presidente da assembleia nacional, onde a gente faz os despachos todos em português… quer dizer… a gente… a gente não se coloca este tipo de questionamento, mas isto resulta um pouco, porque do lado dele há esta preocupação de formalidade, porque por mim a gente entender-se-ia hibridamente e bilinguemente. + +Fora do contexto da assembleia… + +fora do contexto da assembleia, a gente fala o nosso crioulo. quando a gente se encontra fora do contexto… + +Não. Estoua dizer de um… de modo geral fora… + +na vida social? + +Sim. + +na vida social, de facto, em mais de 90% dos casos. + +Mas há algum caso, assim, na vida social que usa o crioulo mas gostaria de usar… + +não. + +O português ou vice-versa? + +não. no primeiro caso não há. no segundo caso em que eu uso o português mas gostaria de usar o crioulo… isso nem sempre depende de mim, pois você na vida social encontra uma ou outra pessoa que é habituada a exprimir- se em português, e ali, mesmo que você fale com eles em crioulo, eles acabam por responder em português. então, para não dificultar este jogo, eu tenho que me adaptar. + +Certo. + +mas isto é uma percentagem ínfima como… como já tinha dito. estou sempre a repetir. + +Pensemos agora no ouvir embora digamos julgue que está bastante relacionado com o falar… Mas em termos de ouvir crioulo e português… estou… ouve habitualmente o crioulo e o português pelo que eu posso deduzir. Se eu estiver errada corrija-me. Portanto a frequência tal como para o falar… suponho que ouve mais o crioulo do que o português… + +mhm + +Mas, em termos de português, então. Pensemos então no português. Normalmente quando ouve o português, não é? É sobre que assuntos e em que circunstancias? + +mhmbom… antes de mais nada… + +Portanto circunstancias em que normalmente ouve o português. + +bom, antes de mais nada pela comunicação social, que a nossa rádio e a nossa televisão ainda trabalham quase em exclusivo com o português. ponto um --segundo, as leituras. não sei se a leitura conta ahn…? + +Sim. Sim. Habitualmente lê em português? + +em português. + +Costuma ler em crioulo? + +sim. também. mas menos. + +O que é que lê em crioulo? + +sei lá… algum trabalho já produzido… de pessoas que escreveram… ou então os meus próprios… estou sempre a produzir em crioulo. + +Ah é? Escreve bastante em crioulo? + +quando me resta algum tempo… fora do serviço, dou-me a este exercício. + +Portanto é escrita literária? + +literária. + +Ou de intervenção social…? + +não. não. apenas literária, sim. + +Então diga-me uma coisa… eu sei que não aprendeu a escrever o crioulo na escola… portanto vou pôr-lhe a questão. Como é que o consegue escrever? Como é que escreve e como é que o consegue? + +primeiro tive que me familiarizar com o alfabeto, e tomei como instrumento o ALUPEC, que é uma proposta de alfabeto. depois… iniciado e desencadeado o processo, eu vi que era um exercício interessante. e este exercício acabou por, em matéria de prazer e interesse, alimentar-se a si próprio --a gente vai escrevendo e vai tomando o gosto e depois faz daquilo um hobbie. + +Eu… eu gostaria que me falasse das suas três maiores dificuldades… que sente quando escreve o crioulo e como é que acha que essas dificuldades poderiam ser superadas … + +mhm. uma ou outra dificuldade ainda a gente encontra, se… sobretudo é na no mundo da colocação dos acentos. vai escrevendo em crioulo, aquilo é uma correspondência directa entre o que se pronuncia e o alfabeto… portanto uma correspondência unívoca entre o grafema e o fonema. então isto cria um interesse… juntando com as cargas idiomáticas da variante que eu utilizo, isso dá um certo prazer e… uma ou outra vez aparece um caso de dúvida. aqui a gente põe acento ou não põe acento? são coisinhas práticas do tipo que… eu não considero grandes problemas… porque devido ao facto desta correspondência rigorosa entre a pronúncia e a escrita, a coisa fica imensamente facilitada. + +Problemas do tipo… por exemplo, desenvolvimento das ideias e e a segmentação no texto, paragrafação… onde… este tipo de questão… + +não. este tipo de questão… + +Este tipo de questão, mais do discurso do que da ortografia. + +acho que nesta parte do discurso, também não tenho tido problemas, porque consigo ordenar, organizar as ideias, não…enfim, vou arrumando o texto com os parágrafos consoante, consoante a lógica e o encadeamento… como se faz em português- ao fim e ao cabo. + +Serve-se dos seus conhecimentos doportuguês? Por exemplo…? + +deixa ver. procuro evitar que nas duas línguas haja interferência abusiva duma na outra… + +Certo. + +isto em termos de de discurso gramatical e do pensamento. agora a formatação do texto… bom isso também quando escrevo em francês, obedeço à mesma lógica. a paragrafação… mudo de assuntos, ideias arrumadas… portanto, aí não acredito que ainterferência seja por aí além. ou a influência. + +Obrigada. Em alguma circunstância em que esteja a usar o crioulo ou o português muda… a usar o português, muda para o crioulo ou a usar o crioulo muda para o português? Se sim o que é que o faria mudar? + +isto acontece muito... RARAmente e não tenho visto momentos do tipo… a não ser aqui na assembleia e na comunicação entre os deputados na plenária, em que tanto um fala em português, o que vem a seguir lhe responde em crioulo, e o outro volta ao português, mas isso não… o que se passa ali em termos de sociologia linguística, ali da plateia, não se passa comigo na vida individual. quando … quando começo em crioulo vou em crioulo, e quando começo em português, vou em português. e pelo menos… + +Chega alguém a falar… se percebi bem … chega alguém a falar… está a falar… se está a falar em crioulo e chega alguém a falar português muda para português…? + +adapto-me- consoante as circunstâncias. + +Portanto,depende sempre do seu interlocutor? + +penso sempre no meu interlocutor. e encontro alguns que por mais que a gente coisa… eles não saem do português. bom, ali neste caso, eu evito sequer apresentar o crioulo. se vejo que o meu interlocutor só fala em português, ou só quer exprimir-se em português, ali eu adapto-me e entendemo-nos. + +Outro ponto que o faz mudar do português para o crioulo ou do crioulo para o português… o tipo de assunto ou a relação com a pessoa…? + +acho que… é mais da relação com a pessoa. porque quanto ao assunto acho que… + +Tipo de relação… se é uma pessoa mais… mais familiar…? + +mais formal. não. menos familiar, no caso. com o português, o que acontece… falo com pessoas aqui da nossa praça que são gente com quem tenho menos… um relacionamento menos chegado. + +Com as pessoas menos chegadas…? + +exactamente. + +Usa…? + +o português. ou então uma ou outra pessoa chegada, um ou outro deputado por exemplo, mas a gente já sabe que o timbre dessa pessoa é exprimir- se sempre em português, bom… ali claro… eu mesmo quando lhe dirijo a conversatomo a iniciativa de no sentido disto já acontecer em português porque já sei que o interlocutor é… deste tipo. + +Mas o que é deste tipo? Como assim? + +quer dizer, que é uma pessoa que habitualmente fala o português e não… e é pouco flexível. também há pessoas dessas. + +Oque é que pensa do crioulo e do português? + +((risos)) bom. eu penso que são duas línguas. no caso do português é uma língua não nacional, não materna. mas é oficial. é um património, que a gente estima, ama e gosta de ver bem cultivada, bem conservada e bem tratada, - e nós todos sofremos quando vemos o português mal tratadinho… a começar muitas vezes por Portugal. é só ver os blocos noticiosos em que os pais em que os pais estão quase sempre furiosos com o Ministério da Educação por causa da matemática e da língua portuguesa…isso em Portugal. portanto é um património que deve ser salvaguardado sobretudo pelo universo dos falantes que não é tão pequeno quanto isso, sendo para cima de duzentos milhões. é portanto… é um património que tem que ser acautelado--fora de questão. + +mhm + +a língua cabo-verdiana é a língua materna. hoje ninguém lhe chama dialecto. é língua. tem regras. tem a sua capacidade expressiva própria. tem a sua gramática. a gente estima e traz essa língua no peito como… qualquer coisaque herdou com o leite materno… + +Certo. + +e gostaria de alguma vez vê-la oficializada, no uso, na administração, como na prática já acontece na comunicação oral. + +Certo. + +já acontece na comunicação oral… claro que há outros problemas que se põem. a gente vai escrever, mas vai escrever em qual variante? este é OUtro problema…outro problema… + +Já agora, para si existe um verdadeiro crioulo? + +eu penso que sim… porque o … + +Qual? + +porque o crioulo… está a ver… o crioulo diz-se, e com muita razão que, como língua de fundo ela é una. ela tem variantes que são variantes locais, que são variantes de superfície. + +Qual dessas é o verdadeiro crioulo? + +qual delas ou qual deles é o verdadeiro? eu acho que todos são verdadeiros -- todos são verdadeiros. não é por esta via. todos são verdadeiros e todos são susceptíveis de serem escritas. estas variantes todas. eu fiz um exercício na variante da Boa Vista. e aquilo é formidável como exercício. e acredito que o de São Vicente, o de Santo Antão ou de qualquer outra ilha… agora temos a de Santiago. bom. é aquela que possivelmente estará mais bem estruturada em termos de vocalização. mas isto é um critério aleatório que em termos de uma decisão política, se ela vier a ser tomada alguma vez, poderá não relevar. ali já se mete para o mundo da da política. e esta variedade não sei se é um bem ou se é um mal… quer dizer… e...: + +O que é que acha das pessoas que usam o crioulo e usam o português? + +as pessoas que conseguem fazer isso… + +Por exemplo, há bocado falou-me de pessoas que só falam em português embora sendo cabo-verdianas, não é? O que é que acha dessas pessoas? + +eu penso… bom… não tenho assim uma ideia acabada. mas em princípio pode ser que se trate de hábito. ou então pode dar-se o caso de junto de uma ou outra dessas pessoas, prevalecer uma certa mentalidade formal de que assuntos sérios e assuntos de cultura, e assuntos de comunicação, têm que ser em português. bom. se isso acontecer, estaremos no foro das mentalidades. + +Certo. Mas é disso mesmo que eu… digamos… que eu gostaria de perceber um pouco… o que é que acha das mentalidades dessas pessoas, se acha alguma coisa,não é? + +acho que há quem faça isso... + +Ou pelo menos, digamos, quais seriam as motivações dessas pessoas? + +eu entendo que haja quem faça isso por… haja quem faça isso por… por convicção e por entender que o crioulo não deve passar por além da do ram ram do quotidiano informal. e há quem faça isso também sem se dar conta, imperceptivelmente, porque a pessoa ou está habituada a… não… mas sabe, eu nem sequer... acho que as pessoas que fazem isso sequer no mundo da família falam a língua portuguesa, ali há qualquer coisa que ligo à mentalidade, à forma de pensar. assunto sério, de cultura ou de expressão, tem de ser em língua portuguesa-- eu acho que é mais isso… um bocado de preconceito. + +Certo. + +preconceito e formalidade. outras vezes isso pode não ter maldade, mas ser um mero comportamento formal. forma de estar, talvez sem nenhum juízo de valor. tanto que esta pessoa, no momento seguinte- é capaz de lá em casa ou comigo ou porque me conhece e talvez por saber que sou do mundo da...: automaticamente expressa-se em português. muito bem, a gente adapta-se. mas não acredito que a comunicação desta pessoa se passe todo o tempo em língua portuguesa, a menos que haja alguma percentagem, que mesmo sendo cabo-verdiano-lá em casa fale português. não acredito muito nisso. + +Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo ou o português? + +mhm--talvez diferenciássemos essas situações … porque veja... + +Pondo a questão de outra maneira. Acha que é preciso ser cabo-verdiano, é preciso falar cabo-verdiano para se ser cabo-verdiano? Admite que em alguma circunstância um cabo-verdiano possa não usar o crioulo? E mesmo… e mesmo… as mesmas questões poderia fazer em relação ao português… acha que se pode ser cabo-verdiano e usar português? + +eu penso que sim. não é por aí que se define a nacionalidade de um indivíduo. um individuo pode ser cabo-verdiano e por opção ou porque está mais influenciado pela… em virtude da emigração ou por outras razões, ou até por principio, ele quer falar o português, por mim não é por ali que ele será menos cabo-verdiano do que os outros. haverá as mais díspares razões, mas não creio que seja este… que seja esta uma razão fundamental e definitiva. talvez você vá encontrar lá em Portugal, aqueles que sempre que possam, falam o crioulo, até como expressão de afirmação identitária, até em reacção contra o meio, refúgio no ambiente de trabalho, ou no círculo da família fazem questão e gala de se exprimir em crioulo, estando lá em Portugal. por hipótese… não sei se é por ai que... para mim o cabo-verdiano que, por principio, quer apostar no português e deixar o crioulo para outros momentos, nem por isso o julgo menos cabo-verdiano. + +Entendo. + +e vice-versa. aquele que também… que queira fazer do crioulo, da língua cabo-verdiana, o campo maior da sua capacidade expressiva… bom não é por isso que ele será menos português. + +Certo. + +mesmo que ele viva lá e tenha nacionalidade. + +Certo. + +nacionalidade de conveniência. + +O que é que acha desta situação, ou deste facto, de se usar o crioulo e o português em Cabo Verde? + +temos uma situação que aparentemente seria bilingue. entretanto sabemos que não é… porque a... sabemos que não é bilingue. temos uma situa��ão diglóssica, de diglossia, em que no mundo da informalidade e da convivência quotidiana, a maioria fala o crioulo e no momento da formalidade ou da grafia as pessoas refugiam-se no português. isto resulta das duas línguas não terem o mesmo estatuto- não terem o mesmo estatuto. + +Mas de qualquer modo nós temos esta possibilidade, de usar o crioulo ou o português ou o crioulo e o português. O que é que acha enfim desta possibilidade que nós temos? + +eu acho que é um enriquecimento. é uma situação que à partida leva… pode levar a um enriquecimento. agora, só que em termos de expressão numérica e percentual, sabemos que quem fala o português é uma minoria, no círculo da informalidade. + +O que acha ser mais comum no mundo, saber só uma língua ou mais do que uma língua e como é que relaciona isto com a situação que nós temos em Cabo Verde? + +bom… hoje a tendência é para… é para as pessoas saberem mais do que uma língua. e será recomendável sobre todos os pontos de vista, não é? no nosso caso, penso que… que o português já é um dado adquirido como língua de ensino, tanto veicular como objecto. penso, que o crioulo deveria vir pela mesma via, ser também língua veicular que já é, e estará sendo utilizada no ensino, não sei em que percentagem, mas sei que há muita gente que se socorre do crioulo no ensino com alguma informalidade. restar-lhe-ia passar a ser de facto língua objecto de ensino, além de língua veicular. e além da língua cabo- verdiana e do português, penso que nós devíamos abrir-nos também à aprendizagem de outras línguas, principalmente àquelas que mais nos colocam no mundo da internacionalização. o português dá aqui uma ajuda, mas em todos os blocos onde se agitam interesses hoje, por mais que o português seja já língua de trabalho de algumas organizações, para além daquelas onde (?) e estão filiados… pode ser que esta razão, só por si, não baste para nos impedir de aprender outras línguas- mormente o francês e o inglês ou uma delas. + +Em resumo, para si qual era…qual seria a alternativa linguística para Cabo Verde? + +a alternativa linguística. bom... + +O desenho, digamos. Qual seria a situação desejável? + +desejável seria com certeza o ensino da língua portuguesa e da cabo- verdiana. e também o ensino de pelo menos do francês e do inglês. + +Certo. Há bocado falámos disto mas eu gostaria de… de lhe pôr… de voltar a uma questão anterior para lhe perguntar directamente. Acha que… o que é que acha de um cabo-verdiano que não gosta do crioulo? + +mhm. bom. um cabo-verdiano que não goste do crioulo… eu não sei se existirá ((risos) mas a existir… a existir… seria algo de estranho, não é? seria algo de estranho, e seria interessante a gente saber porque é que ele não gosta do crioulo. se ele tem um fundo de pensamento racista, preconceituoso ou alguma razão válida ou até aceitável para que isso acontecesse nele. mas acho que é um caso, um caso um pouco teórico, porque todo o indivíduo que se preze, e que tem um pouco de consciência nacional, muito dificilmente descartará a sua língua materna. + +Obrigada. Há bocado falou-me disso insistentemente… de que considera que o crioulo deve ser ensinado nas escolas… E relativamente ao português, acha que se deve continuar a ler e a escrever em português? + +absolutamente. o português é um património inquestionável de Cabo Verde, até porque Cabo Verde está situado internacionalmente num bloco hoje cada vez mais expressivo que é o bloco, da CPLP, sim, da CPLP… comunidade dos países… portanto é um bloco considerável à escala mundial. e ali nós não podemos negligenciar. e o português é um património que já dura para cima de quinhentos anos de convivência. não é brincadeira. portanto não se pode de ânimo leve falar mal, nem menosprezar, nem desconhecer. e nem vai acontecer. não acredito que isso venha a acontecer alguma vez. seria uma política suicida e... contra todas as correntes. isso não acontecerá. não. + +Acha que existem pessoas, circunstâncias e assuntos em que o português é mais adequado? Por outro lado, outras pessoas, outros assuntos e outras circunstâncias em que o crioulo é mais adequado? + +não. acho que… em termos de linguística pura, não sei se se pode falar desta maneira. agora em termos de sociolinguística, a gente habituou-se a lidar… a ligar a língua portuguesa com as expressões, com os momentos de expressão séria ou solene ou coisa parecida. mas isto é um fenómeno corrigível, corrigível, porque no momento de luto, ou de uma homilia, ou no momento de um brinde de casamento, eu posso dizer em crioulo tudo aquilo que diria em português. portanto, ali é um pouco mais a sociolinguística que talvez ajude a explicar isto. + +Oque é que acha disso, pessoalmente? + +em termos de dissociação pura... + +Pessoalmente. + +e de formulação de que em português a gente consegue exprimir as ideias com seriedade e com propriedade e em crioulo, não? não, acho que isto seria uma disfunção de juízo. + +Obrigada. E diga-me uma coisa. E nas manifestações culturais, incluindo a literatura, qual deles acha que deve ser usado, o crioulo ou o português? + +literatura como? + +Morna… estou a falar de morna, coladeira… todas as nossas manifestações culturais,incluindo a literatura escrita. Acha que deviam ser em crioulo…? + +bom... + +Em português.O que é que acha? + +não esta a referir-se com certeza à composição? + +Musical? + +sim. + +Não a... + +está a referir-se à pronúncia sobre... + +Estou a referir-me à língua, não é verdade? Um meio de expressão usado, por exemplo, para se exprimir nas letras das composições… do funaná. Estou a pensar no teatro. Estou a pensar no cinema. Estou a pensar na literatura. Essas actividades culturais ou expressões culturais que usam a língua, não é? Ou uma dada língua como objecto fundamental como é a literatura ou como... + +repare que… no domínio da literatura oral, e dentro dessa a composição, o mundo das composições musicais, a língua cabo-verdiana tem sido de facto ao longo dos tempos o suporte. mhm, e ali cria-se uma verdadeira literatura. uma verdadeira literatura. literatura oral não interessa, mas uma verdadeira literatura --tanto é que na mornística ou na coladeirística ou no que quer que seja, não digo que haja uma forma própria, mas há um estilo, há um… há formas de… de se compositar-- portanto, há uma poesia... + +Por exemplo essa literatura ela é… eu sei bem… com raríssimas excepções… ela é exclusivamente em crioulo. + +exclusivamente em crioulo. + +O que é que acha, por exemplo, de usar o português? O que acharia disso? Como veria isso? + +olhe. nós temos, temos experiências. o Fernando Queijas, por exemplo -- uma ou outra morna em português. mas isto acontece numa percentagem bastante reduzida dos casos, não fosse alguém concluir que a morna é incapaz e por isso recorre ao português. então ela arriscar-se-ia a ser uma filha do fado. porque daí a dar-se o salto... + +Recorre ao português ou ao crioulo? + +não, não. estou a falar agora é do… quer pelo facto da maioria das mornas ser em crioulo. + +Certo. + +isto é um dado adquirido. alguma que surgisse em português como de facto há… mas isto são excepções, são excepções bem contextualizadas. o Fernando Queijas por exemplo, serviu-se disso para ganhar mercado naquele tempo em que a comunidade ainda não era numerosa nem expressiva lá lá em Portugal. serviu-se disso para ganhar mercado, para... mas na fase final, ele fez… ele voltou aos primórdios. portanto uma morna em português… imagine… o que é que isso faz lembrar? faz lembrar o fado, invoca o fado, nalguma medida. e há ali uma quebra de identidade, uma… pelo menos tendencialmente. de modo que é quase… eu não diria impensável, mas em boa parte é impensável que isso aconteça. + +E … mas porquê? + +porque… está a ver… sendo uma… sendo o crioulo a língua materna do cabo-verdiano e sendo a maioria dos trovadores gente habitualmente de nível cultural médio baixo desenvolve-se ali um certo paradoxo. essa gente, não digo que não (?) dar o português-mas não tem domínio. + +Certo. + +e os grandes vates que compuseram em crioulo, homens letrados como Eugénio Tavares e mesmo B. Léza, de que suporte musical, de que suporte linguístico eles se serviram? portanto este é um factor que é quase congénito… embora em termos de prática social não me escandalize com uma morna em português… mas ela fica tão… por exemplo, o ó mar e terra sem fundo e sem fim, ela está bem. muito bem mesmo. mas não é prática generalizada, nem que tenha alguma expressão em termos de... + +Eu sei que é escritor, que tem um romance escrito em crioulo. A questão que eu lhe coloco é, como é que vê o futuro da literatura cabo-verdiana. Em crioulo, em português, nos dois, como é que vê esta questão? + +eu vejo que a gente vai continuar com… com expressões nas duas línguas, porque o português é um dado adquirido. haverá sempre escritores a pronunciarem-se em português, e em crioulo acredito também, porque é cada vez maior o número de pessoas que vão pondo, que vão… que vão produzindo em língua cabo-verdiana. mas há um outro dado interessante, mesmo as novíssimas gerações, quando se comunicam entre si no MSN, utilizam é o crioulo, utilizam é o crioulo, a língua cabo-verdiana. vão grafando cada um da forma como sabe grafar. + +Certo. + +já tenho verificado, e já tem sido motivo de conversa com várias pessoas que chamaram a atenção para este facto, que eu também já verifiquei. os nossos filhos… mesmo os que estão lá no exterior, a gente às vezes entra na linha da comunicação entre eles no MSN, está tudo a comunicar-se em crioulo. + +Em resumo, qual deles que acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde o crioulo ou o português? + +aí se calhar é mesmo o crioulo. na medida em que, portanto, por ser língua mãe, língua veicular do quotidiano, língua de… língua em que se processa a maioria da comunicação, a vida cultural também decorre em crioulo… agora não esqueçamos que há os bilingues, ou aqueles que também por opção falam em português. eu acredito que em POR-tuguês se possam dizer as maiores sublimidades sobre a nossa realidade crioula, como aconteceu no passado, e como vem acontecendo em termos de interpretação, de projecção, e em termos de escrita como memória, como registo. como também não se admiraria se eu amanhã escrevesse sobre Portugal em crioulo, poderá vir a acontecer, porque não? + +Acha que o crioulo deveria ser usado na alfabetização de adultos? + +sem dúvida. sem dúvida. + +Porquê? + +a começar pela sintaxe e a terminar na fonética. pondo as pessoas a se familiarizarem com o alfabeto ou pelo menos com a proposta do alfabeto. o que é que a gente teria como efeito? a gente teria como efeito, de facto, a tendência para a unificação da escrita. porque o que se vê neste momento é que grande parte do pessoal vai escrevendo à sua maneira. uns por desconhecimento da proposta do alfabeto, outros por alguma relutância ainda em acolher essa proposta de alfabeto. mas o grande déficit existe é na divulgação… que ainda não se fez. + +Mas estou a pensar nos adultos analfabetos… + +pois… + +que começam a ser alfabetizados. + +começa-se ali pela sintaxe e vai acabar depois na forma de escrever. + +Porque é que acha que eles deveriam ser alfabetizados em crioulo? + +porque eu penso que facilitaria imensamente o o processo de aprendizagem -- assim como no ensino formal nós temos disfunções que resultam da vida decorrer em língua cabo-verdiana e do ensino formal decorrer em português limitando-se só àqueles momentos… isto cria alguma disfunção, sem dúvida, é professora, sabe isso melhor do que eu… acredito que para os alfabetizandos se se alfabetiza em língua cabo-verdiana está o caminho meio andado. + +E em termos sociais? Não no aspecto da aprendizagem em si, mas no aspecto social mais amplo … teria alguma vantagem, alguma desvantagem? + +eu penso que sim. porque está a ver… sobretudo se isto coincidir com… com o crescente aumento do estatuto da língua, é cómodo para as pessoas até terem o suporte psicológico, que estão a navegar numa língua que tem o reconhecimento social, que não é uma língua menor, que não é um apêndice tolerável, que não é um dialecto desprezível ou coisa que valha. + +Acha que o crioulo deve ser oficializado? + +eu penso que sim. sem dúvida. eu penso que sim. penso que sim. + +Porquê? Para quê? Gostaria que me falasse um pouco da sua perspectiva. + +porquê? bem… porque é de facto uma língua. quer dizer hoje já ninguém de bom senso falaria do crioulo como dialecto, sem regra. tem, tem regra, está cada vez mais provado. tanto é que se alguém fala fora do cânone a gente corrige, 2odja e ka si ki ta fladu, quer dizer que há qualquer padrão de aferimento, mesmo numa língua de predominância oral, portanto. é língua, é língua nacional. o que é que impede que se lhe reconheça o estatuto? ainda que fosse para que uma ou outra vez, os nossos governantes nos pronunciassem um discurso em crioulo, em momentos de grande de grande audiência nacional em virtude da importância do momento, em pé de igualdade com o português. + +Certo. + +claro que isto calaria fundo na consciência, na na psique das pessoas, em todo o fenómeno envolvente social. e ao dar o passo seguinte, passar para a escrita, vamos a ver… acho que a resolução 48 é um início. é um acto de coragem. mas pronto, ainda há muito trabalho por fazer. eu acho que as coisas irão acontecer com o tempo. + +E como é que vê o português no caso do crioulo ser oficializado? + +as duas línguas coabitarão, coexistirão, com o mesmo estatuto. e que o uso de uma ou de outra seja opcional. eu sabendo que se quiser redigir uma nota em português ou fazer um artigo para o jornal em… redigir uma nota em crioulo ou mandar um artigo para o jornal em crioulo ou expressar-me nos ambientes académicos de comunicação, que o possa fazer em pé de igualdade com a língua portuguesa, num verdadeiro exercício de bilinguismo. + +Como é que acha que os cabo-verdianos falam português? + +olhe, eu tenho uma certa tristeza ao ver que no cômputo dos falantes da língua portuguesa, no mundo dos CPLP, pelo menos a avaliar por aquilo que oiço na rádio e vejo na televisão, fica-me a percepção de que nós somos aqueles que ME-NOS BEM dominam a língua portuguesa. + +E este bem seria… ou seja, como é que acha que os cabo-verdianos deveriam falar o português? + +mais fluidamente. mais correctamente. com mais gramática. + +Correctamente… qual seria o padrão? + +é é pelo menos que a linguagem corrente fosse fosse cuidada. não é bem o caso. veja bem, quando a nossa gente é entrevistada na rádio ou na televisão, mesmo os nossos académicos, aqueles que estudaram em Lisboa, muitos deles têm uma dificuldade ENORme em se exprimirem em português. então quando se trata de lhes pedir algo, reduzi-lo a escrito, isto é um quebra cabeça. portanto, os meninos de Lisboa falam bom português, mas… veja o tipo de construção que a maioria usa. é de interferência de todo o tipo reprováveis. ou falam o português fazendo a tradução mental do crioulo para o português ou falam o crioulo fazendo tradução mental de expressões portuguesas para o crioulo. isto é capaz de ser muito mau. é uma situação recorrente. + +Portanto, digamos, deveria ser... + +falar o português como o português e falar o crioulo como o crioulo. + +E esse português é o português de Portugal, é o português do Brasil? Que português é esse, digamos, que acha que os cabo-verdianosdeviam falar? + +bom. olhe. em termos de exercício, acho que estamos mais mais próximos de português de Lisboa, se a gente quiser assim falar. mas não devemos descurar hoje os influxos do Brasil através da novela, da música, e não só. agora o resto acho que seria trabalho de unificação em termos dos acordos ortográficos no mundo da escrita. mas de momento é o português de Lisboa que nos domina quando a gente tiver de escrever. + +Tipo, os cabo-verdianos falarem o português à sua maneira? + +à sua maneira, não sei se existe. porque nós aferimo-nos um pouco é pelo português de Lisboa. nem sequer nos aferimos pelo brasileiro da novela. aferimo-nos pelo português de Lisboa. que… pelo menos que tivéssemos esse como referência e que a gente o falasse bem. mas este, como digo, é mesmo maltradadinho lá em Portugal quanto mais aqui. + +Dr. X, gostaria de acrescentar algo às respostas anteriores, ou algo mais que eu não tenha trazido à discussão mas que acha importante e que queira dizer dizer-me… + +acho que a gente disse o essencial. agora se quiser que eu fale do aspecto da política linguística… + +Qualquer comentário que queira acrescentar e que queira… + +é claro que este bilinguismo que a gente defende para nosso caso, tem-se dito e muito bem, com propriedade, que vai ser um bilinguismo em construção, - e não é difícil entender o que se quer com isso dizer. portanto, enquanto face ao português estamos perante um dado adquirido, património, muito bem, onde é mais fácil a gente relacionar-se com o mundo, já estabelecido. no domínio do crioulo, vamos um pouco construir o nosso mundo, um mundo que o mulato criou. onde, ao longo dos tempos, ele também deu as cartas, teve descendência. Baltasar diz e bem que o reinol foi um linguisticamente assimilado. isto é um dado histórico que nos pode ajudar no resgate da nossa língua nacional, na auto estima, na sua… até porque quando a gente começar a escrever bem o crioulo, com o domínio de alguma variante, eu acredito que vai haver muito menos erros ortográficos e vai haver uma forma corrente, fluida… isso pode coexistir e deve coexistir com o português. eu penso só… que a sociedade só sai a ganhar em termos de cultura, de educação, de… e o resto é política linguística. que tomem as decisões que bem entenderem, que os tomem com pertinência- propriedade e coragem. + +Muito obrigada por ter acedido a ter esta conversa comigo. Os meus sinceros agradecimentos. + +não tem de quê." +INF3.wav,"Então muito bom dia. Muito obrigada por ter acedido ao convite, para participar comigo nesta conversa. Uma primeira questão que eu lhe queria colocar, é a seguinte, antes de entrar para a escola, falava o crioulo ou o português? + +eu falava tudo. eu falo habitualmente o crioulo. uso o português quando falo com pessoas que que não expressam em crioulo, ou na sala de aula, evidentemente. na sala de aula ou ainda em actividades que o exigem, mas correntemente falo em crioulo. + +Mas já tinha ouvido o português, já tinha aprendido, conhecido de algum modo o português, antes de entrar para a escola? + +sim, sim, sim. isso é válido para qualquer cabo-verdiano. não há cabo- verdiano que não ouça o português. eu desde pequenino falo sempre… sou de meio rural, sou de Rui Vaz, digamos desde pequena infância, o que nós temos em termos práticos, no interior de Santiago é ir à missa, na missa, os padres rezam em português, era em português. alias, nós em Cabo Verde, desde a infância aprendemos a rezar em português (?) e o padre rezava… e o pai nosso e o ave-maria aprendi em português, não em crioulo. + +Certo, portanto… + +e até se benze, já se aprende a persignar e a benzer em português. e portanto… comecei a ouvir falar português muito antes. no meu caso concreto, o meu avô, pai da minha mãe, mesmo nos finais de anos cinquenta e princípio de anos sessenta, ele já tinha quarta classe, o que era raro no rural, ele usava com frequência… o hábito de falar em português, ele falava em português. já nos ensinava. + +Mas falava regularmente em casa ou…? + +em casa. falava muitas vezes em português, não era sempre, pronto, falava o crioulo, mas usava muitas vezes o português. + +Em casa, muitas vezes. Em casa com… + +em casa, com o meu pai, com a minha avó, de modo que já ouvia português. + +Há bocado dizia-me que usa o crioulo, usa várias vezes o crioulo… + +exacto, uso muito mais o crioulo no quotidiano. + +Com quem? + +com amigos, no bar, na rua. fora da aula, falámos em crioulo. + +E o português? + +português utilizo na leitura, porque leio muita coisa em português. na escrita, porque não sei escrever o crioulo, souum anti alupéquico-- não conheço nem estou interessado em aprender, porque para aprender outra língua… já não vou aprender outro alfabeto, já não tenho idade para isso ((risos)) leio em português, escrevo em português. e na sala de aula falo sempre em português. eu não dou aula em crioulo, e quando faço as minhas intervenções na rádio e na televisão geralmente faço em português. há casos em que faço em crioulo, quando é necessário, porque normalmente eu participo em temas relacionados com o ambiente e cultura, são áreas com que eu trabalho, se for ambiente e cultura… cultura muitas vezes faço programas em crioulo. programas de ambiente regra geral faço em português, e quando eu faço análise de notícias internacionais faço em português. + +Disse que quando necessário fala em crioulo, e quando é que… se eu percebi bem… equando é que acha que é importante falar em crioulo? + +já tive casos, já tive casos de conferências que eu fiz em crioulo. estou lembrado, há pouco tempo fiz duas conferências em crioulo, uma nos Picos e outra nos Órgãos, no aniversário das municipalidades. quando fui convidado era para falar em português, mas o outro orador, havia mais um orador, falou em crioulo. então fiz a minha adaptação. entendemos que o auditório era mais propícioa uma comunicação em crioulo. + +Porquê? + +porque não inibia a participação. porque nós queríamos era fazer a comunicação e depois ter as perguntas, perguntas de vários jovens. até porque a maior parte do público… eu penso que toda a gente que estava na sala falava português, mas estava mais à vontade para pôr as questões em crioulo, por isso falámos em crioulo. + +E esse mais à vontade era em função de quê? + +em função da melhor capacidade de raciocínio e comunicação, quando vives em Cabo Verde, vês que geralmente nós em Cabo Verde pensamos em crioulo. porque se fazemos uma conferência em português, as pessoas têm medo do vocábulo, acham o vocábulo em termos, rebuscado, em termos de linguagem técnico para poder fazer uma intervenção. olha, são temas específicos, por exemplo sobre o ordenamento do território, mas se eu falar em crioulo, as pessoas têm mais facilidade em utilizar termos do crioulo paradiscutir a problemática do ordenamento do território. + +Como é que…? Há bocado disse-me que apenas fala o português… + +na sala de aula, e quando o ambiente o exige. na sala de aula, evidentemente. + +E esse ambiente exige é em função de quê? + +em função de normas, de regras de comportamento social que não foram impostas legalmente mas tradicionalmente. quer dizer que, nós cá no ISE, ninguém nos obriga a dar aulas em português, mas, mas tradicionalmente damos as aulas em português. se eu der uma aula em crioulo, os próprios alunos vão reagir mal, parece-me que não é correcto dar aulas em crioulo. é uma tradição que nós introduzimos em Cabo Verde de dar aulas em português. se estou num debate na rádio, na televisão, em que estamos a discutir problemas internacionais eu falo em português, porque regra geral estes programas são em português. salvo se for um programa… por exemplo, for um tema do quotidiano cabo-verdiano, e que o jornalista começa em crioulo, eu nesse caso também respondo em crioulo. + +Portanto, falar português ou crioulo nessas circunstâncias é em função do auditório…? + +do auditório. para mim é indiferente usar uma língua ou outra, neste caso depende do auditório. + +Neste caso é em função de quê? + +Do auditório e do interlocutor. depende das duas coisas. + +Edo assunto? + +não tanto. porque mesmo que eu esteja a falar em crioulo… vamos ver se eu falo no tema do ambiente por exemplo, do tema do ambiente, evidentemente vão faltar, vão faltar vocábulos em crioulo, porque estes temas são standards usados no panorama internacional, e mesmo a língua portuguesa às vezes não tem o termo. nesse caso eu deduzo, como fazem os brasileiros, dentro do crioulo. quando falo crioulo uso a palavra ecossistema por exemplo. ecossistema não é uma palavra do crioulo quotidiano, está a ver? uso no crioulo ecossistema, como se usa em todo o mundo. + +E em termos de falar, desculpe, de ler e de escrever o crioulo? + +eu leio muito mal. ou seja, o meu domínio do crioulo é sobretudo oral. portanto eu não escrevo no crioulo, se escrever, utilizava a grafia tradicional mas não tenho o hábito de escrever no crioulo. + +O que é que chama grafia tradicional? + +txe com t-c-h-e, é como se escrevia, ou seja, basicamente é usar a grafia portuguesa ou o alfabeto português para escrever o crioulo. e uma curiosidade que eu vi no computador. em tempos eu escrevi em crioulo no computador para ver como é que o word identificava a língua, e o word identificou a língua como sendo o espanhol tradicional. + +E costuma ler alguma coisa em crioulo? + +muito raro-muito raro. e quando está em ALUPEC, pior ainda. + +E quando acontece ler em crioulo trata-se do quê? + +poemas. o máximo que eu leio em crioulo são poemas. agora textos longos, novelas ou romances… só se for textos o máximo duas ou três páginas. agora ler todo o livro em crioulo, também é um hábito que eu não tenho. + +Certo. Como é que… qual é que considera ser a sua proficiência geral em português? O Sr. há bocado falou do domínio do crioulo… e do português… que dominava o crioulo oralmente e relativamente ao português? + +o português evidentemente mais do que o crioulo. eu trabalho muito mais em português, porque a minha profissão obriga-me a ler muito. sou obrigado a ler muito, quer com o que eu faço correntemente no âmbito do meu trabalho no ISE… também sou consultor, faço consultoria, todo mundo sabe disso. o meu trabalho na consultoria é na área do ambiente, e sou obrigado a ler muita informação na Internet, quer em suporte de papel. de modo que sou obrigado a ler dezenas de páginas por dia. de modo que gasto muito mais, faço muito mais leitura em português do que em crioulo. quando escrevo, escrevo sempre em português, portanto o meu domínio do português como língua de trabalho, como material de trabalho, é seguramente melhor que o crioulo, o crioulo é sobretudo na fala, é coloquial. + +Erelativamente aos crioulos das outras ilhas? + +não. eu entendo qualquer… eu não diria crioulos. li um livro português que dizia o seguinte. um livro produzido em Portugal para crianças portuguesas -- dizia, em Cabo Verde fala-se um crioulo em cada ilha. eu tenho algumas reservas. eu diria antes um crioulo com variantes insulares, punha mais em termos de variantes. definir cada variante como um crioulo autónomo… não é a minha especialidade evidentemente, salvo o facto de ser leigo na matéria, mas eu punha muitas reservas em admitir essa hipótese. + +Ecomo é que...? + +eu falava em termos de variantes, variantes. eu falo geralmente em badiu - o crioulo de Santiago, mas dialogo com qualquer ilha, aliás conheço qualquer ilha. eu, a ilha que euconheço menos é Santa Luzia, estive lá três dias apenas. + +Também não tem gente... + +não tem gente… no caso, não tem gente fixa. mas tem sempre gente, é um aspecto que geralmente no ordenamento do nosso território, as pessoas esquecem-se. mas está sempre gente. estive uns dias em Sta. Luzia, havia lá um grupo de pescadores de São Vicente, vão lá sempre. havia cinquenta pescadores! (?) havia cinquenta, é o mínimo que está lá habitualmente, cinquenta. porque cada bote leva cinco pessoas, às vezes estão dez e quinze botes, se é que… temos cinquenta a setenta pessoas habitualmente na ilha de de Santa Luzia. aliás, até é sensível a presença humana, em termos de lixo, dejectos que deixam lá, até a caminhar… há os circuitos, estão lá, estão marcados, há a picada dos circuitos que são seguidos habitualmente. não é uma ilha sem presença humana. + +Mas quando fala com as pessoas das outras ilhas, portanto, fala o crioulo… + +eu falo o badiu, eu falo Santiago. normalmente o que eu faço… o seguinte. tento adaptar, ou falo mais devagar, ou uso vocábulos deles que que são mais específicos dessa ilha para facilitar a comunicação. nunca tive problemas! nunca tive problema de entendimento, quer com quadros, quer com pessoas da da da de rua, quer pessoas da taberna, nunca tive qualquer problema de comunicação a nível dessas ilhas, e em qualquer ilha. + +Diga-me o que é que acha, que exprime melhor as suas ideias, em crioulo ou em português? + +por mim é indiferente. a... talvez se falarmos na época da minha infância, nos primeiros dez anos, eu exprimia melhor em crioulo. mas nesse momento para mim agora é indiferente. como uso regularmente o português, para mim já não a... + +Sente-se mais à vontade quando usa o crioulo ou o português? + +a... quando falo, na oralidade, para mim é igual. agora na escrita, na escrita evidentemente uso o português. na escrita uso o:. não uso o crioulo na escrita. + +As pessoas com quem conversa, com que tem mais... ((interrupção para conversa telefónica do entrevistado)) Ok. Retomando, eu gostaria que pensasse nas pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar, no contexto das suas diferentes actividades, e procurasse definir o perfil dessas pessoas, das três pessoas com quem mais conversa, em termos de idade, sexo, grupo e estrato social … + +a... pois, geralmente com quem eu falo mais fora de casa são os meus alunos, geralmente-são os meus alunos. + +Com eles fala em português? + +em português sim. com eles falo sempre em português. + +Depois dos seus alunos, outras duas pessoas com quem mais…? + +depois dos alunos, são colegas, ou colegas do ISE, ou colegas em que temos trabalhos em conjunto, aí usamos indiferentemente o português ou o crioulo. + +E situações detrabalho e de...? + +situações de trabalho, situações de convívio. + +Indiferentemente? + +indiferentemente, sim. + +Efora do círculo de trabalho? + +fora do círculo de trabalho, no convívio, geralmente falamos em crioulo. + +Com os alunos naturalmente o tipo de assunto são...? + +não, tenho diversos. porque porque eu falo com eles não só na sala de aula, mesmo fora de sala de aula, discutimos coisas mais díspares... + +Fora da sala de aula,fala com eles em português? + +geralmente falo com eles em português, mesmo quando eles vêm buscar um livro… + +Mesmo quando o assunto não seja matéria…? + +não, não é matéria de sala de aula. aliás eu falo muito com os meus alunos, sobre temas mais diversos, desde a problemática da seca passando pela... + +Efora do círculo do ISE...? + +fora do círculo do ISE... + +As pessoas com quem mais interage, interage com elas em português ou em crioulo? + +indiferente. + +Depende de quê? + +depende de quê, de quem, e do que é que estamos e discutir. + +Este quem depende por exemplo...? + +se a pessoa dirigir em português eu respondo em português, se falar comigo em crioulo, respondo em crioulo. depende do interlocutor. + +Se for o primeiro a dirigir a palavra...? + +tanto faz. depende do assunto que estamos a discutir. + +Depende do assunto. Pode concretizar um pouco essa questão? + +por exemplo, se o assunto que estamos a discutir é um tema técnico, se for um tema técnico que vai exigir muitos termos em português, ou linguagem técnico, geralmente baseamos no português, eu uso sempre o português. se é tema do quotidiano, se falar... convívio que… não interessa… nem linguagem técnico. sempre falo em crioulo. + +Por exemplo, com os amigos e familiares já me disse que fala em crioulo, e com colegas… + +mhm mhm + +Mas, por exemplo, digamos, com autoridades escolhe falar o crioulo ou o português, se se dirige a pessoas instruídas ou não, falantes de outras línguas...? + +bom. evidentemente falantes de outras línguas, se ele não dominar a língua, eu pergunto qual é a língua que ele fala. posso optar entre falar em inglês, em francês ou em espanhol. se falo a língua, bem. pronto, em crioulo não vale a pena. a não ser se for um china, numa loja de chinês eu falo o crioulo -porque eu sei que os chineses dominam o crioulo. ((interrupção para o entrevistado atender à porta)) + +Quando fala, quando se dirige a autoridades ou superiores hierárquicos, utiliza o crioulo ou o português? + +depende. + +Depende...? + +depende do tema e do do grau de confiança que eu tenho com a pessoa. se a pessoa habitualmente fala comigo em português, eu falo com ele sempre em português, e se habitualmente fala comigo em crioulo, eu falo com ele sempre em crioulo. depende do hábito. + +E de que assuntos? + +qualquer assunto, depende, para usar português depende do da digamos, da riqueza em termos de de vocábulos, portanto para usar o português… porque mesmo que seja o presidente da república, ou um ministro, ou o primeiro- ministro, se ele dirigir paramim, se habitualmente fala comigo em crioulo, falo com ele em crioulo. se fala comigo em português, falo com ele em português. depende do hábito, dependedo que utilizar. + +Eu gostaria que me explicasse um pouco mais, nomeadamente, se for possível, em que situações usa o crioulo ou o português. Estou a pensar em situações do tipo casa, vizinhança, mercado, lojas, funções públicas, locais de cultoreligioso, cerimónias oficiais… + +tudo é indiferente. porque eu posso usar crioulo desde a assembleia nacional, e à rádio e à igreja, ou a taberna ou à rua. depende do interlocutor e do tema que estamos a discutir, porque eu já usei crioulo em todas estas circunstâncias, tanto como já usei português em todas estas circunstâncias. evidentemente se eu estiver a falar com um camponês do meio rural, regra geral já me dirijo em crioulo, mas se ele falar português eu falo em português. mas normalmente, circunstâncias como sala de reunião, conferências e... dirigir a um membro do governo, ou no conselho, ou no ministério, ou no trabalho do conselho de estado, porque eu já fui membro do conselho de estado, falar em português ou em crioulo, depende do hábito que eu tenho de falar com cada pessoa. portanto para mim não há momentos específicos que definam o português ou o crioulo, porque mesmo na Igreja por exemplo, porque de facto durante a década de sessenta, estou a lembrar-me da minha infância, os padres rezavam a missa sempre em português, faziam a homilia sempre em português, e neste momento temos um cenário que as orações são feitas sempre em português - porque o missal, salvo na ilha do Fogo, única ilha em que os capuchinhos traduziram o evangelho, e eu não duvido da eficácia, eu não sou a favor nem contra, para mim é indiferente. mas na Praia por exemplo, todas as leituras são feitas em português, e a homilia é feita em crioulo, e os cânticos são em crioulo e em português, só que neste momento a missa não define a língua, pode ser tanto em crioulo como em português, salvo os (?) que estão no missal em português. mas os cânticos até são maioritariamente em crioulo nesse momento - e quando eu vejo por exemplo a homilia, eu vejo a maior parte dos padres nacionais geralmente falam em português, há excepções. o bispo faz homilia em crioulo quando não é momentos solenes, de modo que é indiferente. + +Pessoalmente quando reza, usa o português? + +eu uso o português, porque digamos se for na missa, for ler, o texto está em português, se for em crioulo eu tenho dificuldades de ler. como disse eu não leio em crioulo, tento soletrar. + +E sozinho? + +ali é indiferente-- o português ou o crioulo. + +Pararezar…? + +uso o português e o crioulo. + +E para...? + +as orações que, digamos, são típicas, formulárias, como Ave Maria e Padre Nosso, eu não os traduzo, leio em em em português. mas se sou eu a improvisar, eu então faço em crioulo. + +E para exprimir sentimentos, namorar...? + +uso o português ou o crioulo, paramim é indiferente. + +E, diga-me uma coisa, na última semana acha que usou mais o crioulo ou o português? + +mantive sempre a (?) porque digamos, última semana, estou de férias, mas na prática estive sempre a trabalhar. portanto, não trabalhei no ISE, mas comecei a trabalhar a... num programa do ministério da educação, de modo que fiz reuniões sempre em português. e tive reuniões de trabalho com a Cabo Verde Investimentos e trabalhámos sempre em português, e evidentemente que na rua, com colegas, falei sempre o crioulo. por isso usei indiferentemente um ou outro. + +Não, não. Estou a falar em termos de… + +de maior volume, mas… + +Mas qual é que acha que usou mais, que falou durante mais tempo, o crioulo ou o português, usou mais o crioulo...? + +nos encontros e reuniões de trabalho usei sempre o português, na rua e em casa falei sempre o crioulo. falo … + +Mas, em termos de proporção, não…? + +eu ponho em média, 50% . + +Em média … + +porque não há razão para ser mais um ou outro. + +Há alguma circunstância em que normalmente, habitualmente, escolhe falar o crioulo? + +pronto... se eu estou num espaço de convívio, em que todo o mundo esteja a falar crioulo, eu falo sempre em crioulo, eu não vou usar a língua para me distinguir do grupo, falo sempre o crioulo. + +E o português? + +se todo o mundo estiver a falar em português, eu falo em português. + +Normalmente, em que contextos, ouve habitualmente o crioulo? + +na rua, a... no quotidiano da rua, se estiver em espaços de convívio, em família ou a:. ouço sempre o crioulo. + +E em espaços mais oficiais, mais…? + +ouço o português ou o crioulo. porque agora em Cabo Verde virou moda falar o português ou o crioulo em espaços oficiais. ouço o português ou o crioulo nos espaços oficiais, se não é uma reunião muito formal, em que se usou desde a partida o português como língua de trabalho. mesmo que, digamos, que o conferencista ou que a reunião esteja a ser dirigida em português, ao lado haverá sempre gente a falar crioulo. + +Normalmente quando se trata de assuntos oficiais ou de a... esses assuntos são tratados em português ou em crioulo? + +das duas maneiras, em português e em crioulo. + +Equestões religiosas? + +também, sim. + +Questões políticas, em crioulo ou português? + +também a mesma coisa, oiço em crioulo e oiço em português, oiço as duas línguas. vamos ver a nossa assembleia, por exemplo, há deputados que falam sempre em crioulo, outros que falam sempre português. há uns que começam em português, passam para o crioulo, terminam em português ou vice- versa, portanto na mesma intervenção falam as duas línguas. + +Existe alguma circunstância em que usa de alguma forma o português, mas gostaria de usar o crioulo ou vice-versa, usa o crioulo e gostaria de usar o português? + +não. isso nunca tive… porque pronto, se preferir usar crioulo, eu uso o crioulo. nunca tive qualquer impedimento de usar crioulo ou português. + +Há alguma circunstância que o faz mudar para crioulo quando está a usar o português ou vice-versa? + +já, já. portanto se eu estou a fazer uma comunicação digamos em português, se eu acho que a linguagem técnica poderá não chegar a... não transmitir de facto a minha ideia, eu uso o crioulo, se o auditório é mais é mais acessível ao crioulo. por exemplo com crianças ou… já fiz isso por exemplo uma vez no liceu de São Filipe. estava a fazer uma comunicação para alunos do 12º em português, mas eu vi que alguns tinham dificuldades em em fazer a intervenção, fazer as perguntas em português, claro que mudamos de táctica, e a minha vontade foi fazer tudo em crioulo. + +E? + +mudamos para crioulo, aí usamos o crioulo e o português indiferentemente -portanto, já usei várias vezes esse comportamento. + +Dependendo…? + +depende do interlocutor. + +Sempre em função…? + +em função do interlocutor. + +Há bocado disse-me que não escreve em cri... + +não escrevo em crioulo. + +Que dificuldades …? + +não tenho esse hábito. + +Porquê? Que dificuldades teve...? + +porque ao escrever… pronto, toda a minha vida, em 49 anos, sempre escrevi em português. e escrever em crioulo exigia um grande esforço de tradução, de tradução do que eu estou a escrever do português para o crioulo. por isso não tenho o hábito de escrever em crioulo, não tenho o hábito de ler em crioulo. só leio poemas ou textos de uma página, duas páginas, pequenos textos. mas um livro… estou a ver o caso do Oju D'Agu por exemplo, comecei a ler e nunca terminei a leitura, do livro do Manuel Veiga. e os temas do Tomé Varela, os vários temas que ele tem, recolhas, eu trabalhei com batuque, um tema que estou a trabalhar, o batuque de Cabo Verde, mas eu só uso, digamos o livro como material de trabalho, leitura pontuais, não faço leitura corrida, só extractos do livro... + +E gostaria de aprender a ler e a escrever em crioulo? + +gostaria. mas primeiro, não vou fazer este investimento. não está no meu propósito fazer esse investimento. primeiro porque não tenho tempo, tenho mais que fazer, tenho outras prioridades. + +E não sente necessidade de...? + +não, não sinto necessidade-- não sinto necessidade porque… quer dizer há muita coisa a aprender e eu tenho… priorizo as coisas. há outras prioridades. + +Acha que se deveria aprender a ler e a escrever crioulo na escola? + +eu acho que sim, eu acho que sim. que se deve aprender, evidentemente desde o básico. não agora… deveria ser estudado convenientemente. não terá de ser necessariamente num alfabeto diferente. há muita gente que... + +Acha que será possível…? + +eu não vejo razão de termos… de dois alfabetos. bom. é uma forma de atrapalhar! + +Como dois? Não percebi! + +bom, temos o a b c e temos o ALUPEC. + +O alfabeto português e o ALUPEC. + +temos dois, não se vê… não digo que é impossível, porque eu já vi experiências do uso de dois alfabetos, que acontece… confesso que fico estupefacto. estou a falar da Mauritânia. na Mauritânia, as crianças aprendem o alfabeto francês e o árabe, e curiosamente o francês escreve da esquerda para direita, e o árabe da direita para a esquerda. o que significa que não só as letras - os caracteres são diferentes, mas a própria lógica da escrita é diferente, esquerda para a direita, direita para a esquerda. mas as crianças… de facto qualquer aluno...qualquer aluno mauritano que termina a... o básico sabe as duas línguas, o francês e o árabe. e escreve as duas línguas, o francês e o árabe. para crianças passa, mas agora para pessoas da minha idade, acredito que seja extremamente complicado aprender, ainda por cima quando escrevem em sentidos opostos. + +(risos) Ok. E de qualquer modo… E relativamente ao português, acha que se deve continuar a ler e a escrever português em Cabo Verde? + +acho que isso ninguém pôs em dúvida. essa dúvida não foi posta. evidentemente que qualquer cidadão cabo-verdiano acha… + +Não. Não se trata de alguém ter posto… + +obviamente que qualquer cidadão acha que é isso. quer dizer, é evidente! porque a língua oficial é o português. e não interessa ao país deixar de ter uma língua oficial com expressão internacional, o caso português. por isso é óbvio que devemos continuar a estudar português. embora eu acabe de reconhecer que o nosso português não é o português de Portugal, nem o português brasileiro. e nesse momento, em termos de standard internacional, é reconhecido o português brasileiro e o português de Portugal. e não é reconhecido o português das outras parcelas, como por exemplo o que acontece por exemplo com o espanhol. há o espanhol, e há mais de dez espanhóis nesse momento, (?) o castelhano. é como o francês, há o francês belga, há o francês das várias ex colónias, há o senegalês, há o não sei quantos. ou seja, reconheço que há várias formas de expressar em francês, e o português, com o tempo terá de ser reconhecido nesse aspecto, que o português angolano, moçambicano ou cabo- verdianonão é igual ao português português. + +Em resumo, como é que acha então que os cabo-verdianos deveriam falar ou poderiam falar o português? + +é usar a língua portuguesa, estudar a língua portuguesa e acompanhar a sua evolução em Cabo Verde, porque a língua vai evoluindo. + +Ou seja, à sua maneira? + +à sua maneira sim. é ver a evolução do português em Cabo Verde. evidente que está a ser feito… estudado por especialistas, ver como evolui, como o brasileiro fez. + +O que é que acha, o que pensa do crioulo? + +o crioulo é uma língua de expressão em Cabo Verde, que que merece ser estudada evidentemente. já há um programa, já há um plano, já há a ideia de um plano do seu estudo e integração na escola. segundo essa ideia o crioulo será estudado primeiramente ao nível do ensino superior, a universidade de Cabo Verde e as outras universidades privadas terão evidentemente que fazer estudos de aprofundamento do conhecimento do crioulo, da da evolução, das variantes e, evidentemente, a partir daí nós e..., podemos passar ao seu ensino do superior para o terminal do secundário, ir para o secundário, e eventualmente chegar à primária, quenão será nas próximas décadas, evidentemente. + +Porquê? Porque pensa isso? + +porque evidentemente não podemos ensinar na primária uma coisa que nós ainda não padronizamos, não conhecemos. portanto o estudo sério da introdução no ensino, para o seu ensino terá que ser feito previamente, não existe esse estudo, sobretudo nas circunstâncias que nós já temos uma língua oficial que é utilizada não só na escrita e na documentação oficial, como na comunicação internacional. porque se se se nós estudarmos a história da oficialização da língua portuguesa ou da espanhola ou do francês, foi feito em outras circunstâncias. talvez não terão exigido o estudo prévio ou padronização - mas acabaram sendo padronizados. mas evidentemente que no crioulo actualmente, sobretudo num micro estado, tem de haver um estudo prévio, porque por isso é que a ideia da sua integração na escola começa pelo ensino superior, não é por acaso. + +Há bocado falou-me das variantes do crioulo. Para si, dentro dessas variantes ou outra possibilidade, existe um verdadeiro crioulo, um crioulo verdadeiro? + +acho que sim. o crioulo verdadeiro é uma língua que tem variantes. como o português. o ensino do português tem variantes. quem viveu em Portugal, ao fim ao cabo a gente nota isso. agora a escola… a função da escola… a escola, entre aspas, impõe um padrão, não impõe variantes, porque a língua portuguesa ou o francês não impôs, a escola francesa não impôs uma variante, padronizou. e digamos a criança na escola aprende francês, aprende a dizer quatre-vingts e não octante. se… enquanto que o belga diz octante, soixante, octante e nonante, é permitido na Bélgica, é permitido, se bem que não é permitido na França, quer dizer há uma padronização. e no português aprende-se que não se deve dizer baca mas sim vaca. são aspectos que devido à padronização… e no crioulo será a mesma coisa, tem de haver padronização. nesse momento há um projecto de… podemos dizer que apesar de haver muitas variantes insulares, estas variantes acabam por dar tendência em duas grandes áreas, duas grandes áreas de variantes, que é o sotavento e o barlavento, portanto não é muito difícil padronizar essas variantes, até porque a tendência, já é audível, já é audível no quotidiano, que há tendência de maior contacto entre as ilhas. digamos entre princípios do século dezoito, princípios do século dezoito, século dezoito, e uma boa parte da primeira metade do século vinte, as ilhas ficaram muito isoladas, a probabilidade de viajar entre Santo Antão e Brava e Santiago era extremamente difícil, portanto as variantes consolidaram-se, agora estão a diluir, já estão a usar termos de todas as ilhas, sobretudo no meio urbano, no meio urbano, e as canções que são ouvidas. Lura é um exemplo, ora canta em Santo Antão porque a mãe é de Santo Antão, o pai é de Santiago, ela expôs… é mais conhecida porque canta batuque na ilha de Santiago. Jorge Neto é um cantor de Santo Antão que fala a variante de Santo Antão e canta sempre na ilha de Santiago. portanto isso demonstra que há essa plasticidade. o caso que teria interesse estudar, que é o único que eu conheço dentro do mundo cabo-verdiano, é o caso do Senegal, em que os cabo-verdianos fundiram uma variante. quer dizer, todos os cabo-verdianos que estão lá falam uma variante que não é de nenhuma ilha, é uma mistura, uma mistura do Santo Antão à Brava, e depois com os termos do francês pelo meio, mas eu acredito que… a ideia de variante… eu já ouvi muita conversa… já ouvi muita coisa sobre a variante, mas a minha experiência de deslocação a várias ilhas, de facto eu, todos os anos, visito várias ilhas, não todas mas várias ilhas, faço isso anualmente, e vejo que de facto as variantes não vão durar muito tempo, antes de oficializarmos o crioulo temos saudades das variantes. + +Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo? + +não necessariamente. quer dizer é um elemento, a língua crioula, nossa língua, é um elemento importante de identidade mas não é exclusiva. por exemplo eu vejo Santo Antão, é a única ilha que tem um hábito que é de Santo Antão, por exemplo, na Ribeira Grande, na Ribeira Grande gente de posse, funcionários, homens de teres, falam sempre em português. portanto há uma distinção nítida, quem fala crioulo é pobre ou subalterno, os funcionários, falam português, mesmo na rua, com qualquer interlocutor, num bar, num restaurante -- falam sempre em português, funcionários e proprietários e pessoas que se consideram homens de bens, e os pobres as pessoas subalternas falam sempre em crioulo. + +E o que é que pensa disso? + +não tenho nada contra. a... é um hábito! para mim é um hábito. não tenho nada contra. não vejo nem colonialismo, nem atitudes de superioridade. acho um hábito normal, normal no cabo-verdiano… na verdade os funcionários quando falam com os colegas, na rua, falam em português, usam o português. e... não deixam de ser cabo-verdianos. até o português, se nós analisarmos com rigor é uma variante cabo-verdiana. evidentemente, há outros elementos de identidade, não só a língua, que identificam o cabo-verdiano. há outras coisas, há o gosto estético, há o hábito alimentar, a forma de vestir, e toda a nossa atitude perante a natureza e perante as outras pessoas. + +Admite que se possa ser cabo-verdiano e não gostar do crioulo? + +é estranho. de facto nunca vi casos, duvido que haja casos de cabo- verdianos que não gostam de crioulo. é estranho que alguém exprima assim. ter razões de fundo para não gostar da sua língua materna. não conheço caso no mundo, realmente não conheço caso no mundo. poderá preferir falar em português, como no caso que eu vi, de Santo Antão, porque é um distintivo de classe falar em português. mas não gostar de crioulo, não acredito que haja cabo-verdiano, que se assuma como cabo-verdiano, que não goste de crioulo. + +Como… para si, qual seria o desenho linguístico adequado para Cabo Verde, desejável para Cabo Verde? + +para mim desejável é usar as duas línguas, o português e o crioulo. ou seja, é fazer aquilo que dizemos sempre e que não é rigorosamente, a questão do bilinguismo, a evolução de Cabo Verde para para mesmo para o bilinguismo, estou a ver este cenário, usar o português e o crioulo, indiferentemente. + +E para quê? + +a... para tudo, para tudo, falar, escrever. eu não escrevo, eu já não estou nesse grupo, evidentemente. mas usar as duas línguas indiferentemente, para ambas as circunstâncias. porque para um relacionamento com o exterior, um cabo-verdiano para contactar um brasileiro ou um angolano, terá de usar necessariamente o português, portanto é a língua que utilizamos no espaço oficial e com terceiros, o português. o crioulo será a língua de comunicação do mundo cabo-verdiano, portanto as ilhas e a diáspora. + +Existe algum tipo de pessoas com quem ache mais adequado falar o crioulo? + +não-há casos, eu já vi casos em que claramente… Pessoalmente, o que acha? pessoalmente, para mim é indiferente. mas por exemplo os cabo- verdianos que estão nos Estados Unidos, ou no Senegal, não sabem o português - mas sabem o crioulo. a comunicação é muito mais fácil com os americanos porque eles aprendem inglês, em casa falam em crioulo e na escola usam o inglês - sobretudo as… gerações que nasceram lá. neste caso usar o crioulo é mais fácil -inter comunica. + +E em português, com que pessoas acha mais adequado usar o português? + +se dirigimos para angolanos ou brasileiros ou portugueses é mais adequado falar o português porque não há possibilidade de comunicar com o crioulo. + +E há assuntos específicos, algumas circunstâncias que ache mais correcto usar o português? + +se de facto estamos a trabalhar em linguagem técnica, eu habitualmente uso mais o português porque não tenho o domínio de transcrever de traduzir os termos técnicos para crioulo. + +Por considerar mais adequado, digamos, ou por não dominar determinados termos? + +por não dominar em crioulo. mas para mim, desde que o interlocutor entenda o português, falo o português. se entender melhor o crioulo, falo crioulo também. + +O X é também um investigador na área da cultura. Assim, a minha questão é a seguinte, qual deles, o crioulo ou o português, acha… considera que deve ser usado nas manifestações culturais? + +não, aqui em Cabo Verde as nossas manifestações culturais são feitas em crioulo. qualquer das manifestações festivas que já trabalhei, caso de tabanka, Festa das bandeiras, kolá S. Djon, ou batuque ou mesmo os santos populares em Cabo Verde, são feitos em crioulo. o cabo-verdiano prepara as suas festas em 1língua di tera, como diz. digamos, porque toda a evolução histórica dessas festas são feitas em crioulo. já agora, eu estive a ler documentos, documentos portugueses escritos em Cabo Verde, em Cabo Verde no século... XVI, XVII, século XVIII, uma coisa que me chamou a atenção, é o facto do português utilizado nesses documentos, tem termos que hoje utilizamos correntemente no crioulo. portanto são termos… e a própria estrutura das frases é muito parecido com o nosso crioulo quotidiano, e muitas vezes até na escrita, porque na altura, século XVIII, ainda não era… não estava ainda fixado como escrever. no mesmo texto encontro por exemplo a palavra quaresma escrita com q e com a e com c, no mesmo texto, o autor usava, é pôr-se o som do ouvido no papel e... os termos utilizados são termos que usamos no crioulo quotidiano. + +Admite a possibilidade do português poder vir a ser usado nessas manifestações culturais, como composições musicais, manifestações festivas ou outras? + +é possível, é possível. sobretudo se passar pela tea… teatralização. por exemplo a tabanka tem a tendência de se transformar mais num teatro, teatro de rua evidente. e com o turismo emergente em Cabo Verde, é bem possível que venhamos a ter batuque ou tabanka ou kolá em português, voltado para o mercado do turismo. porque um grande problema da actualidade é as festas e... tradicionais e as manifestações festivas serem folclorizadas. e na folclorização poderão aparecer na língua da sua comercialização, por exemplo, eu vejo música cabo-verdiana (?) por exemplo, o funaná. o funaná era muito cantado em wolof porque, digamos, o turismo, no Senegal começou a apreciar o funaná, e os (?) e os italianos que frequentam a zona costeira dos senegaleses consomem o funaná -- e os senegaleses começaram a produzir o funaná em wolof. produzem em língua wolof com ritmo de funaná, portanto sabem que estão a cantar funaná mas em wolof. pois digamos que é um produto para o turismo, porque o funaná não é uma música senegalesa. + +Digamos, qual…? Ena literatura, literatura culta, poetas, escritores…? + +sim. isso eu acredito que sim. seguramente que vai haver crioulo. eu acredito. aliás já há documentos científicos em crioulo. aliás os textos, a gramática do crioulo e os textos e documentos que analisam a língua crioula estão em crioulo. já há estudo científico. e eu acredito que vão aparecendo mais. e com a oficialização seguramente vai haver muito mais documentação em crioulo. + +Finalmente… + +agora não sei se vai haver temas ou trabalhos. por exemplo no ambiente. eu eu eu faço o estudo das manifestações festivas em português. uso o crioulo quando faço… dou o exemplo, se eu estou a falar do batuque, do batuque de Násia Gomi, não vou traduzir em português. aliás há pouco tempo atrás tive de traduzir um batuque para o português, por causa de um filme, mas é uma tradução quase impossível, é um trabalho complicado, traduzir a mensagem poética do batuque para o português, traduzi porque interessava, digamos, ao realizador do filme, mas eu quando faço estudos de… ponho em crioulo (?) + +Não percebi. + +eu ponho… faço a transcrição, copio em crioulo. nesse caso quem lê o livro deve dominar português e crioulo. faço isso em crioulo, mas eu não escrevo… + +E porquê? + +Porque está em crioulo. Násia Gomi canta em crioulo, eu ponho em crioulo. + +Mas quando escreve, usa o português? + +Sempre o português. + +E porquê? + +a... porque tecnicamente domino melhor a língua portuguesa para a escrita técnica do do que o crioulo. neste caso para a escrita técnica. + +Mas qual deles, o crioulo ou português acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? + +pois, isso é discutível, evidentemente. porque digamos se eu eu eu discutir a cultura cabo-verdiana em termos de expressão linguística, é óbvio que o cabo-verdiano fala em crioulo, usa o crioulo como língua veicular, no quotidiano, no passeio, na rua, em casa, portanto é um elemento de identidade -- agora se eu estiver a fazer uma análise da língua cabo-verdiana, posso fazer em português ou crioulo. claro que quem faz a análise tem de conhecer o crioulo, isso é obvio. mas posso escrever… agora vamos ver como exemplo, o livro de Baltazar Lopes está em português. + +Estou a falar em termos de expressão da cultura, da identidade cultural… + +para descrever um estudo etnográfico da cultura cabo-verdiana? + +Não, não. Um cabo-verdiano em si, não é? Quando se exprime culturalmente, acha que ele exprime melhor essa cultura em português ou em crioulo? + +não. sem dúvida o crioulo, o crioulo é sua língua, a sua língua de vivência é o crioulo. é obvio. o cabo-verdiano vive em crioulo, isso não tem dúvida nenhuma. + +E o que acha dessa possibilidade de nós, enquanto cabo-verdianos, podermos usar o português e/ou o crioulo? + +eu acho que é uma vantagem. e não é caso inédito. há vários povos que usam várias línguas. aliás há uma ideia muito errada que foi veiculada em Cabo Verde de que os africanos, que quando chegavam a Cabo Verde, cada qual falava o dialecto da sua tribo da sua tribo, uma ideia errada, extremamente errada. e um desconhecimento da realidade africana, porque normalmente em África, tenho experiência de dez anos com o trabalho do CILCSS, Comité de Luta contra a Seca, de todos os Estados do Sahel, com excepção do Tchade, de facto foi uma surpresa, qualquer adulto no Senegal, qualquer adulto fala pelo menos três ou quatro línguas, fala várias línguas. por exemplo quem fala wolof -fala o serer, o soninquê, uma língua mandinga, e o pulaar, aliás o pulaar é a língua dos fulas ou (?) como dizem, é uma língua que é utilizada desde a África Ocidental até hoje. quer dizer, as pessoas usam como alternativa a..., língua corrente. dou o exemplo de um colega meu, chefe do projecto, ele é polígamo, tem duas mulheres, uma mulher é wolof, outra mulher é soninquê, e ele é soninquê, é mandinga, ele fala soninquê, a mulher wolof. em casa obriga os filhos a falar também o wolof, senão falavam sempre soninquê, quer dizer que as crianças já usam as duas línguas o wolof e o soninquê, porque aprendem o francês na escola. mas eu vi que os adultos, as pessoas que já têm 18, 20 anos, como aqui os nossos 2manjacos, que estão aqui na Praia, são portanto pessoas que falam duas ou três línguas. isso é o quotidiano em África para homens e mulheres, dominam várias línguas. por isso não acho estranho que venhamos a ter o português e o crioulo como língua corrente. + +Então acha que o crioulo devia ser oficializado? + +eu acho que sim, devia ser oficializado, como língua oficial, acho que sim, e... porque... é a única forma do crioulo não continuar a evoluir eternamente, porque senão, se não houver oficialização, não há padronização. porque a padronização é importante. não há padronização e continuamos eternamente a inventar a língua. eu dou um exemplo de uma coisa que eu vi num carro, e que eu uso para brincar, graçazadeus, com z, zadeus (?) escreve assim. quer dizer, se não há padronização cada um escreve à sua maneira. escrever à sua maneira, não há em língua nenhuma. se entendi bem, oficialização para permitir a padronização como em todas as línguas, eu sei que a padronização traz grandes polémicas. o caso mais conhecido é o caso da Espanha, com a imposição do castelhano como a língua de Espanha. que evidentemente terá criado traumas que ainda existem, e o francês evidentemente – mas vejo por exemplo um belga, um belga, tenho colegas belgas, conheço belgas que usam duas línguas de facto, o flamengo e o francês. 2Designação de grupo étnico da Guiné-Bissau e usada pelos cabo-verdianos para designar os emigrantes oriundos dos países da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). + +No caso do crioulo ser oficializado, no seu entender ele seria oficializado para quê? + +para ser usado na escrita – evidentemente. as pessoas irão aprender a escrita, eu continuo a insistir que que convinha usarmos um único alfabeto para o português e o crioulo. sou contra a ideia de proliferação de alfabetos. acho que não vamos ganhar, vai atrapalhar, vai dificultar a aprendizagem, manter um único alfabeto e usar indiferentemente na literatura, e até permitiria o desenvolvimento da da da digamos da dimensão técnica, do texto técnico em crioulo, o que nós não temos hoje em dia. + +E o português como ficaria então? + +como língua oficial, usamos as duas línguas oficiais. há mais países que usam várias línguas oficiais, veja a Suiça por exemplo, a Suíça usa várias línguas oficiais, é um exemplo que eu conheço, e pelos documentos de Estado estão em latim, estão em latim. e eu ouvi dizer porque é que estão em latim, porque não beneficiam nenhuma língua oficial em particular. é por isso que o (?) da Confederatio Elvetia da Suiça está em latim, que é o único país do mundo que usa o latim ainda, (?) da Confederação Helvética. mas os cantões usam diferentemente as suas línguas. os documentos aparecem como evidentemente, em a... em alemão, em francês ou em italiano. não conheço bem o caso da África do Sul. não sei se haverá intenções de utilizar como língua oficial o afrikans e o inglês mas quem (?) sabe que o afrikans é usado muitas vezes em documentos oficiais. + +Acha que o crioulo deveria ser usado na alfabetização de adultos? + +bom, a... isso implicaria padronização porque eu, neste momento diria que não. diria que não porque não vejo como. sei que nos Estados Unidos estão a utilizar, utilizaram sobretudo variante de Brava, a variante da ilha da Brava. digamos trabalhado para ser do sotavento, porque na verdade acaba por ser da Brava, mas digamos, os técnicos que trabalharam com as pessoas tentaram que fosse mais abrangente, no âmbito das línguas das variantes do sotavento e usam para a para a escola, para o ensino da (?). mas eu acho de facto… não havendo padronização acho muito difícil. quer dizer, faremos alfabetização escrevendo por exemplo 3katxupacom tch, com x, com thcq (?) + +X, eu gostaria que se sentisse à vontade para acrescentar algum comentário… + +boa sorte no trabalho. + +Obrigada… para acrescentar algum comentário ou mesmo algo mais que… algo que não tenha sido abordado e que ache pertinente. + +eu acho que está tudo, falamos já bastante sobre ele… sobre tudo. eu só… em relação ao crioulo, acho que nesse momento, estou de acordo que o crioulo deve ser oficializado, que deve ser ensinado na escola. mas esse ensino passa pela padronização, senão não vale a pena. não existe língua nenhuma no mundo que não tenha sido padronizada previamente. mesmo quando se fala do swahali, o swahali é uma língua padronizada. isso ninguém põe em dúvida, o swahali é a língua mais falada em África, uma língua que usa alfabeto árabe, mas vamos ver era língua (?) só que usava outro alfabeto. + +Qual variante que deveria ser padronizada? + +eu acho que nenhuma das variantes. porque há uma tendência de trabalhar 3Cachupa, prato nacional e tradicional cabo-verdiano. com duas variantes, temos a variante a partir de São Vicente, a partir de Santiago. portanto usar essas duas variantes, com como base do padrão, depois aproveitar os termos, porque se eu trabalho com base de... digamos de de Santiago, portanto não poderia deixar perder termos que são usadas no Fogo e na Brava e que não são conhecidos em Santiago, mas que deviam ser repescados, porque não há grandes problemas de comunicação entre essas duas ilhas de sotavento. porque por exemplo, qualquer rural, qualquer camponês, entende perfeitamente crioulo de Brava e Fogo, mas há termos que são específicos, esses termos devem ser aproveitados. devem ser aproveitados, da mesma forma que em São Vicente também não devem perder os termos de Santo Antão, até porque a base seria aí, na ilha de Santo Antão, do crioulo. porque os linguistas, os especialistas, até dizem que São Nicolau é uma variante do sotavento e não do barlavento, mas isso não é… isso para mim não é… nem é área que me interessa fazer pesquisa, mas são aspectos que devem ser levados em conta porque não seria má ideia ver a história da padronização de outras línguas. porque eu vejo que a língua portuguesa, digamos padronizada no século XVIII, ainda é necessário o programa do bom português na televisão, porque ainda as pessoas, ainda têm muitas dúvidas em como escrever, aliás conheço o exemplo de uma anedota que eu vou contar, de um.. deum... + +Esteja à vontade. + +de um colega de Bragança, que diz que havia como… uma discussão a... num bar sobre a questão da da do uso do pão. porque um homem entra na loja e pede… diz que quer comprar uns pãos. então o outro diz que em português não se diz paõs diz-se pões, porque o plural de português de ão é ões, e então, depois de muita discussão entra um guarda de policia e diz, senhor guarda, afinal, deve ser pãos ou pões? diz, bom, vocês sabem, o português é muito complicado, se fosse espanhol é fácil, é panis e opinionis, mas sabem, como as coisas são um bocado complicadas, em português depende das opiniães ((risos)) então, é essa a dificuldade. os próprios portugueses gozam e divertem de… digamos, da questão da evolução do latim, a... digamos no espaço do galaico-português, acho que aí é que aparece essa língua, o galaico-português. porque, por exemplo a grafia, quem lê o galego actual, o galego moderno e o português, a grafia é um desastre, porque não não chegaram a um acordo de grafia, temos o (?) o povo fala a mesma língua, e escreve de forma diferente. o Minho, quando vejo o Minho, o Minho, a fronteira do Minho e o sul da Galiza, o povo se entende, na oralidade, mas quando escrevem não se entendem. + +X, muito obrigado por esta entrevista. + +(?)" +INF4.wav,"X, muito obrigada por ter acedido a ter esta conversa comigo. Para começar, gostaria que me dissesse… antes de entrar para escola se já tinha aprendido o crioulo ou o português? + +eu sou mais bilingue que muitos cabo-verdianos. vivi em Angola, portanto, eu me lembro… havia o crioulo dentro de casa, mas eu expressava-me fundamentalmente em português. + +Portanto, já ouvia o crioulo? + +sim através dos familiares, dos amigos, dos parentes, tudo isso… o crioulo era uma língua familiar para mim, embora não fosse utente tout court já que me expressava sobretudo em português. praticamente, unicamente em português, falando a verdade. + +Portanto… o crioulo, nessa altura, só ouvia e compreendia ou falava também? + +ouvia e compreendia. masfalar era português. + +E hoje em dia, normalmente… em casa e com os seus amigos o que é que usa normalmente? + +eu sou o que se pode dizer talvez um bilingue natural porque… expresso- me em português boa parte do tempo, e como também sou casado com uma brasileira, em casa geralmente a gente fala em português. mas com amigos colegas de trabalho eu me expresso em crioulo. + +Qual é que considera ser a sua proficiência geral em crioulo e em português? + +eu para…dentro da língua… + +Estou afalar das diferentes capacidades falar, ler, escrever… + +eu, por causa da minha trajectória, eu considero que me expresso melhor em português. + +Expressa-se melhor como? Exprime melhor as suas ideias em português… + +sim. em português. + +Em qualquer circunstância, ou em alguma circunstância especial? + +em qualquer circunstância. normalmente eu me expresso melhor em português até por uma razão muito simples. sou muito mau em línguas. ((risos)) + +Fala crioulo… escolhe falar crioulo em alguma circunstância? + +sim. + +Pode especificar um pouco. + +por exemplo se estou a a lidar-me com alguém do povo, digamos assim, eu acho que é melhor falar em crioulo do que em português. + +Porquê? + +porque... em primeiro para evitar a barreira social entre… que poderia existir entre este interlocutor, suposto interlocutor meu e eu. portanto através da… portanto… sobretudo por causa disso eu expresso-me… procuro exprimir- me em crioulo nessas situações. + +Normalmente, usa crioulo de que ilha? + +São Vicente. + +E quando se desloca para outras ilhas que não sejam de barlavento, por exemplo? + +é o único crioulo que eu sei falar, portanto eu não consigo falar outro. apesar de hoje em dia, depois de estar a viver muitos anos na Praia, já há expressões idiomáticas de Santiago que eu utilizo quase que naturalmente também. + +O que acontece quando se dirige a pessoas de outras ilhas usando o seu criolo de são Vicente? + +acho que não acontece nada. quer dizer… + +As pessoas compreendem perfeitamente? + +provavelmente sim. embora não possa dizer que me compreendam a cem por cento. mas… já por exemplo eu… tenho parentes em Santo Antão e sempre que vou a Santo Antão acho que nunca tive problemas deste tipo. embora a gente, às vezes, há momentos em que tendencialmente a gente procura aproximar-se do crioulo da ilha onde se encontra… acho que é um fenómeno natural. porque é natural que haja expressões que as pessoas das outras ilhas não entendam, então a gente procura se fazer entender. por exemplo no caso de Santo Antão. sempre que eu ia a Santo Antão, eu percebia que algum tempo depois o a a sonoridade do meu crioulo tendia-se a aproximar mais de Santo Antão. mas eram fenómenos ocasionais. + +É mais uma questão de precisão… lê,já leu em crioulo? + +eu tenho uma grande dificuldade para ler o crioulo até hoje. eu não consigo ler em crioulo. a minha leitura em português é muito mais natural do que em crioulo. em crioulo exige-meum esforço mental que acaba por funcionar como uma espécie de ruído na comunicação que eu procuro através da leitura. + +Normalmente as pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar… gostaria que me falasse dessas pessoas e que me tentasse esboçar o seu perfil em termos de idade, sexo, estrato social, espaço de origem… + +o quê? + +As pessoas com quem mais interage fora do seu círculo familiar… + +são amigos do dia a dia que eu conheço. a gente se encontra, conversa normalmente. e esses diálogos tanto acontecem em português como em crioulo. + +Ser em crioulo ou em português depende de quê? + +depende da pessoa. há pessoas que… + +Como assim? + +sim. isso que eu vou dizer… depende da pessoa. há pessoas que… estou-me a lembrar de um velho amigo meu, X ((Informante 11)) que é um grande amante do crioulo. quando me encontro com ele a nossa tendência é falar em crioulo. por exemplo, estou a lembrar-me de outro amigo, 1 F1, o F1, quando a gente se encontra tendemos a falar em em em português. portanto são coisas, são situações. por exemplo uma outra colega, a 2 F2. com ela a gente tanto fala em português como em crioulo. + +E consegue entender e explicar-me porque é que isto acontece? + +eu acho… tem a ver mais com o impulso que a pessoa… com o sinal que a pessoa dá. quer dizer… + +Que o seu interlocutor dá? + +sim. provavelmente. acho que ele dá ou que nós dois damos. nesses casos concretos. + +Por exemplo… nesses casos concretos… + +por exemplo com o X ((Informante 11)) um diálogo com ele em português 1Correia e Silva, Reitor da Universidade de Cabo Verde 2Filomena Silva, Directora do jornal semanal “A semana” é impensável. porque é a maneira de ser dele. ele é um amante fervoroso do crioulo. então as nossas conversas saem naturalmente em crioulo. e com o 1F1 e outros do tipo dele a coisa acontece também em português, portanto. e com a 2F2, como eu disse, tanto acontece em crioulo como em português. quer dizer - é mesmo uma coisa involuntária. + +Estou a pensar numa pessoa como o Y a que referiu… depende do assunto, depende do lugar onde se encontram, ou… + +mmm acho que… outra pessoa é o pai dele. quer dizer com o pai dele normalmente é sempre em português. mas acho que é… não quer dizer que ele não fale em crioulo. também. há momentos em que a gente fala em crioulo, sim. sem dúvida. + +Eacha que, por exemplo, com ele,ser em crioulo ou português…? + +é irrelevante. + +Depende sensivelmente de quê? + +não. é... um fenómeno quase que involuntário, digamos assim. quer dizer… + +Não… não… tem nada a ver com… terá… não terá a ver com o grau de proximidade, com o estatuto social da pessoa… + +provavelmente sim. provavelmente sim. + +Ou não consegue distinguir bem essas nuances? + +não porque, repare. muitos desses amigos… dos meus amigos sabem que eu… dessa minha trajectória. portanto eles tendem naturalmente a falar comigo em em português. por exemplo uma pessoa que não fala comigo noutra língua que não seja o português é o 3F3. sempre que a gente se encontra falamos em português, portanto está a ver. da mesma forma que é impensável eu ir ao mercado e falar com o meu interlocutor em português. seria uma coisa deslocada. + +Nessas situações tipo mercado, lojas, qual é que usa o crioulo ou o português? + +é o crioulo normalmente. + +Locais de lazer, festas, bailes… + +mais uma vez depende do interlocutor. + +Depende do interlocutor. Nas reuniões de trabalho? + +tanto numa língua como outra. + +Como outra… quando se dirige, por exemplo, às repartições públicas? + +tendo a falar crioulo. + +tende a falar crioulo. Normalmente para exprimir os seus sentimentos rezar, orar, namorar… que tipo… qual deles usa? + +portanto, a minha mulher, ela é brasileira. portanto nós falamos português, não é? + +Certo. + +normalmente, com as minhas filhas tende a ser em português. embora as duas falem crioulo com com os colegas. + +Durante a última semana, acha que falou mais vezes o crioulo ou mais o português? + +eu não faço ideia. ((risos)) + +Ou igualmente. + +acho que provavelmente as duas igualmente. + +E durante mais tempo por dia, o crioulo ou português, ou os dois igualmente? + +sim. sim. nunca me dei ao trabalho de fazer esta estatística. + +Pense em três contextos em que normalmente usa o crioulo. + +por exemplo, nos contactos com as pessoas no dia-a-dia. por exemplo, se estou diante de um estranho, que não conheço, se vejo que é cabo-verdiano tendo a falar crioulo. se eu encontrar um estrangeiro, sei… não vou falar com ele em crioulo. falo em português. + +Certo. + +são situações deste tipo. + +Em que contextos OUVE, ouve habitualmente o crioulo? + +ouço normalmente em… circulando pela rua, convivendo com pessoas. o crioulo está presente. domina mesmo, acho eu… + +E o português? + +o português nesses nesses contextos, é mais é mais protocolar ou oficial, não é? + +Como,por exemplo? + +por exemplo em acções de trabalho, geralmente. sobretudo com individualidades políticas, onde a formalidade impera, acaba por ser em crioulo - em português. mas se for um contacto com uma pessoa que, de certa forma, faz parte das minhas relações, nós tendemos a falar em crioulo também. + +Há bocado disse-me, se percebi bem, disse que tem alguma dificuldade em ler... + +em crioulo. sim. + +mas o que é que lê habitualmente em crioulo, ou o que é que já tentou ler? + +olhe, por exemplo, essas coisas que se publicam por aí… quer dizer, poesia, ficção, artigos nos jornais, isto para ler para mim é penoso. + +Lê até ao fim? + +não. geralmente, geralmente não tenho paciência. + +Qual…? Qual…? Consegue especificar as suas dificuldades? + +é que repare… quem? geralmente quem…? a malta que mais escreve em Cabo Verde em crioulo é a malta de Santiago. então eu tenho que ler aquilo e ao mesmo tempo ir fazendo a tradução para o meu… não sei que nome dar a isso… para para… tenho que fazer a tradução para o meu entendimento. então acho que é uma leitura que não corre naturalmente e por esta razão tendo a a a interromper a leitura ou a não praticar este tipo de leitura, digamos assim. + +E escrever, escreve em crioulo? + +em português. + +Exclusivamente? + +sim. + +Nunca tentou ou alguma vez tentou escrever...? + +uma ou outra palavra posso pôr em crioulo. mas normalmente em português. + +Certo. Há alguma razão que o faz mudar de crioulo para português ou vice- versa se está a usar um ou outro? + +por exemplo, se estou a falar com uma pessoa em português, ou vice versa, e a pessoa me responde em crioulo, eu tendo a falar em crioulo. e se estou a falar em crioulo com uma pessoa e esta pessoa tende a me responder em português, eu também passo a responder, a usar português. + +O assunto? + +independe. + +A chegada de uma pessoa com algum estatuto de autoridade ou um superior hierárquico, digamos assim, fá-lo mudar do crioulo para português ou vice-versa? + +depende do sinal que a pessoa me der também. + +Como assim? + +por exemplo, se estou a exprimir-me em crioulo, a pessoa chega e também já se aproxima do grupo falando em crioulo, eu continuo em crioulo. mas se estou a conversar, a pessoa tende a me responder em crioulo, eu também por uma questão de deferência… eu respondo em crioulo, português, também. + +Existe alguma circunstância em que usa o crioulo mas preferiria usar o português ou vice-versa? + +várias vezes já me aconteceu isso. + +É capaz de dar alguns exemplos? Dois, três… + +porque… por exemplo, às vezes numa conversa de alguma complexidade eu sinto que, por defeito meu, não por defeito da língua cabo-verdiana, eu sinto que exprimiria melhor se usasse português. é nesses momentos que eu… acho que me sairia melhor se falasse o português. + +Circunstâncias de que tipo? + +por exemplo, numa conversa qualquer, por exemplo com alguma complexidade, às vezes eu, por dificuldade na expressão, acho que a coisa ficaria melhor no português… no íntimo sentiria... + +Qualé o grau de formalidade dessas situações? + +não. independe. + +Depende do assunto? + +acho que sim. + +E vice-versa, em crioulo? + +também. porque… no fundo todo o… todo o processo de comunicação 222 procura… como é que é? a transmissão damensagem, não é? + +Certo. + +e e então, se eu perceber que a mensagem passa melhor numa língua eu... + +Mas passa para quem, digamos? + +para o meu interlocutor. + +Exprime melhor… ah! para o seu... + +para o meu…em primeiro lugar para o meu interlocutor. + +Certo. + +mas às vezes acontece que… que… que por dificuldade ou de domínio sobretudo da língua, da minha parte, eu acho que me sentiria melhor se usasse uma determinada língua, uma outra língua em detrimento da outra. + +Certo. Diga-me agora, o que pensa do crioulo? + +o que é que eu penso do crioulo? ((risos)) + +E do português.O que acha do crioulo? Há muita gente que diz que é não é uma língua, que é uma língua... + +não. isso… não tenho esse tipo de… não. não tenho esse tipo de… + +Que é mais fácil, que não é mais fácil, que é uma língua que só é adequada para se usar em casa… esse tipo de… + +não. não. eu não tenho esse tipo de preconceito em relação ao crioulo. agora, o que acho é que há uma grande confusão, sobretudo dos poderes políticos, em torno do crioulo. quer dizer há muita confusão, há hesitações. portanto, nós já estamos… em primeiro lugar eu acho que o crioulo não depende da sua oficialização para a sua sobrevivência, portanto, já chegamos a este ponto sem a oficialização do crioulo e o crioulo está aí cada vez mais saudável e tudo indica que vai perdurar. porque como disse Baltasar Lopes, é capaz de… é capaz de… tudo é capaz de desaparecer de Cabo Verde menos o crioulo. eu subscrevo esta, eu tenho este ponto de vista. agora o que acho, como disse, é que há muitas hesitações, muitas confusões em torno do crioulo. e não percebo porque é que há… porque é que a coisa não marcha… talvez até porque…porque quem está no poder procura fazer a coisa certa, não é? e tem dúvidas se… se a oficialização do crioulo será a coisa certa. basta ver portanto, que a última sondagem que surgiu, num estudo que houve aí, dizia que 50% era a favor e 50% era contra a oficialização. e… e então há essa há essa coisa. e por um lado também os estudiosos dizem que… que para uma criança, o tempo de crioulo, durante todo o tempo da sua existência em crioulo, de repente vai para a escola falar português, portanto, é traumatizante. e se os estudiosos é que dizem isto, eu francamente, não tenho autoridade para duvidar, para dizer se é ou não é traumatizante até porque eu não passei por estetrauma. + +Certo. + +tenho… tive a minha trajectória diferente não é? eu não passei por este… este processo… trauma. mas isto não quer dizer que os outros não tenham ficado traumatizados. eu não sei se é um trauma que carregam para o resto da vida ou se este não é um problema que também está empolado por quem por quem se interessa por este tipo de questão. agora é verdade que a oficialização do crioulo vai trazer grandes grandes… alguns problemas pelo menos trará. mas enfim, quer dizer, o importante é que se decida o mais depressa possível em relação ao crioulo porque, sem dúvida, que é um elemento fundamental na identificação ou na identidade do cabo-verdiano e por esta razão é é incontornável. e também se… se… se realmente o crioulo é é o que é, e se realmente há a necessidade da sua introdução nas escolas, entãoque se faça isso de uma vez por todas, não... + +Mas o que é que acha? o crioulo deve ser ensinado nas escolas? + +provavelmente sim. agora o que eu… + +Não tem certeza se deveria… + +sim. porque repare, eu em determinadas coisas não gosto de ser extremista. não gosto do categórico. repare, nós chegamos até aos dias de hoje com provavelmente todo o mundo traumatizado por ter feito… ter saído do crioulo para aprender em português, mas nós continuamos vivos. agora o certo é que eu acho que se é, que se é… se vem realmente ajudar a… o nível de ensino em Cabo Verde, se é realmente importante, que se introduza de uma vez por todas. não podemos passar o resto da vida a falar na introdução do crioulo no ensino primário e a passar o resto da vida a falar na sua oficialização. ou faz-se isso ou não se faz, e deixem-nos em paz. + +Certo. E no caso de ser oficializado, ele seria utilizado para quê? Tem alguma... + +as pessoas é que têm de dizer se é útil. não é o facto de meia dúzia de pessoas que batalham para a sua oficialização que… de repente a coisa se torna… agora inclusive há agora um fenómeno que tem a ver com a introdução das novas tecnologias em Cabo Verde que quanto a mim veio veio veio jogar a favor da oficialização do crioulo… que é o MSN. a maior parte dos jovens que se comunicam através do MSN fazem-no em crioulo, o que prova que a… a… prova que a comunicação escrita em crioulo é talvez uma questão realmente de… tem a ver mais com o hábito do que outra coisa e neste aspecto também tenho de fazer mea culpa. eu vejo por exemplo a minha filha em casa, quando se comunica com os seus colegas, em crioulo, e nunca encontrou dificuldade, colegas da sua idade… eu é que não tenho essa facilidade, paciência. agora, e daí que eu pergunto, até que ponto, eu… até que ponto a introdução talvez do crioulo nas escola não viria a ajudar nesse processo de comunicação na medida em que viria talvez a estabelecer uma norma, uma grafia, para esses jovens. porque a sensação que eu tenho é que é que eles próprios usam uma grafia, tenho impressão que híbrida… são coisas por exemplo o 'k' e outras questões, mesmo também códigos que eles próprios inventam, por isso acho que todo este processo vai passar por uma sacudidela com a introdução das novas tecnologias. + +Certo. + +agora em relação ao português, eu acho também que em Cabo Verde… há duas coisas… ou oito ou oitenta, não é? portanto há um esforço por um lado na promoção do crioulo, não é? mas eu não vejo uma promoção da língua portuguesa em Cabo Verde, o que para mim... + +Como assim? + +não há. eu acho até que as duas… tanto o crioulo como o português são vítimas de uma ausência de política de línguas em Cabo Verde. portanto não há não há não há não há essa preocupação. quer dizer é uma tarefa de meia dúziade pessoas, uns por um lado a pôr o crioulo nos píncaros da glória… mas com a sensação… mas fico com a sensação que é um processo feito em detrimento do português, o que eu pessoalmente não considero a via mais correcta. + +E este em detrimento do português consistiria exactamente em quê, por exemplo? + +mesmo uma valorização. uma tendência talvez de substituir o português pelo crioulo, o que eu não concordo. eu acho que o cabo-verdiano deve assumir que realmente… as autoridades fundamentalmente, devem assumir que somos um país bilingue, que o crioulo tem o seu lugar e o português também tem o seu lugar. + +Qual seria…quais seriam esses lugares? + +ok. para mim, por exemplo. o crioulo como um elemento incontornável no dia-a-dia do cabo-verdiano, como um elemento que toda a gente usa. tende a usar naturalmente. e por isso acho que merece ser devidamente valorizado e essa valorização passa pelo seu… passa pelo seu ensino nas escolas e inclusive… através do seu ensino, através da unificação do alfabeto instituído. acabar com cada um utilizar o alfabeto como quer e como acha que deve ser. há essa valorização. mas ao mesmo tempo acho… que a língua portuguesa, neste processo todo, não sei se por percepção minha ou não, o certo é que hoje eu tenho impressão que se fala muito mais português que no passado. mas fala-se português com menos qualidade. não sei se vocês que vivem com isso no dia-a- dia se têm ou não essa percepção. + +Procurando precisar um pouco essas suas percepções que são muito interessantes, qual seria para si a alternativa linguística desejável em Cabo Verde? + +eu acho que… mais do que… nós devemos continuar a usar normalmente o crioulo… devemos usar... + +Desculpe. Há bocado… usar normalmente o crioulo para si seria exactamente usar o crioulo onde e para quê,em que circunstancias...? + +não. onde as pessoas entenderem, e nas circunstancias que também entenderem. ninguém me obriga a falar o português com um fulano, portanto… portanto é o… como eu disse é o impulso, é o sinal que a pessoa me dá… e eu assim uso naturalmente… isso portanto… esta é esta é uma questão que acho devemos aceitar naturalmente, sem qualquer tipo de preconceito ou sem qualquer tipo de estigma que não nos leva a nada. mas como dizia, acho que devemos assumir o crioulo como como um património nosso normalmente, o português também como um património nosso, e e e se possível acho que se deve dar também atenção ao ensino das outras línguas. porque nós somos um povo pequeno, diasporizado, portanto… quanto mais línguas o cabo-verdiano conseguir falar melhor para nós todos. + +Ainda sobre o crioulo. Para si, o existe um verdadeiro crioulo e qual seria ele? + +não. eu não tenho esse tipo de percepção. não me preocupo. eu acho que o crioulo da Brava não é menos verdadeiro que o crioulo de Santiago da mesma forma que o de Santiago não é menos verdadeiro que o de São Vicente e por aí…e por aí adiante. + +Portanto essa questão para si é...? + +éirrelevante. + +Há bocado falou-me sobre a maneira como os cabo-verdianos falam português. Gostaria que me falasse um pouco... + +basta ouvir. basta a gente prestar… por exemplo há dias a 4Ondina Ferreira escreveu um artigo num jornal qualquer sobre o tal crioulês, não é ? que... que... + +Já me falaram do artigo, mas ainda não o li. + +sim. portanto que é realmente um fenómeno que existe… basta ouvir… como o exercício que ela fez, foi ouvir o debate da Assembleia Nacional e na rádio… a gente vê que é uma… que há uma mistura… há uma mistura de uma e outra língua. provavelmente até é um fenómeno que vai continuar e provavelmente daqui até poderá surgir aqui uma outra língua. + +O que acha disso? É disso mesmo que gostaria que me desse a sua opinião… Como é que acha que os cabo-verdianos deveriam falar português? Como os brasileiros, como os portugueses…? + +como os angolanos…? + +À maneira deles… + +repare que está aqui a tocar numa questão que que… normalmente toda a gente diz que o brasileiro tem o seu português, que o angolano tem o seu… agora o cabo-verdiano, como o português é uma língua de sala de visita como dizia o Baltasar, conservou uma espécie de língua portuguesa que, aqui se aproxima mais do padrão lusitano. + +Certo. + +ao passo que os outros como estão… usam a língua no dia a dia são muito mais criativos em relação a língua portuguesa do que nós, nós temos uma relação uma relação muito rígida ou quase padronal com a língua portuguesa. só agora é que, como eu disse, a percepção que eu tenho é que há hoje mais utentes da língua portuguesa em Cabo Verde, é que as duas línguas começam a se misturar, e é provavelmente que a partir desta mistura venha a surgir aquilo que a Ondina chamou de crioulês, mas que... + +O que é que acha disso? + +não. quer dizer, é… o que eu achar disso é a mesma coisa, é o mesmo que eu acho do aparecimento das outras línguas derivadas do Latim… portanto, está a ver, são fenómenos que por mais que se venha aqui combater, por mais que se... surjam decretos… ninguém vai conseguir travar. portanto a coisa vai caminhar naturalmente e e… é claro que alguns vão fazer… vão fazer misturas conscientes e outros, outros não. quer dizer, quando… basta ver, quando a gente pega um elemento do povo, vamos dizer um de Santo Antão que é mais comum, quando um homem de Santo Antão vai falar português, a gente vê que é uma outra coisa. nós que sabemos português e conhecemos também o crioulo, a gente vê que o homem está a fazer um esforço tremendo para falar português, mas está a usar toda a estrutura em crioulo. portanto, e como este homem de Santo Antão, hoje há inúmeros espalhados por este país. que dizer… basta ver, como eu disse, como nós temos o o… como normalmente nós falamos em crioulo, quando a gente vai para os momentos solenes, nomeadamente na Assembleia, as pessoas esforçam-se a falar o português. mas estão a falar português com estrutura frásica, com estrutura mental em crioulo. por isso nós temos as situações, algumas situações anedóticas ou aberrantes, mas é… + +Diga-me uma coisa, estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo ou o português e/ou português? + +mais uma vez, não sou a melhor pessoa para responder a isso. + +Não. Até que, digamos, o seu perfil ajuda a esclarecer de uma outra perspectiva… + +porque, repare, eu… sim, eu acho que o cabo-verdiano é indissociável da sua cultura. e o elemento fundamental é o crioulo. mesmo, por exemplo, no meu caso, mesmo… eu não me exprimia, não falava, mas em casa ouvia e… normalmente… e qualquer dos crioulos. porque eu, curiosamente, como criei num meio onde havia muitos cabo-verdianos, de várias ilhas, eu entendia. eu, mesmo em miúdo, conseguia entender todos os crioulos. do Fogo, Santiago, Santo Antão e não era problema nenhum. o único problema era que não me conseguia exprimir. não tinha essa esse essa necessidade-- talvez porque, como falava português normalmente, e as pessoas me entendiam, eu nunca tive esse problema. agora, a pergunta é? como é ser cabo-verdiano e… + +Ser cabo-verdiano e usar o crioulo. Por exemplo, admite que um cabo- verdiano não goste de crioulo? Admite que um cabo-verdiano use exclusivamente o português, em que circunstâncias…? + +eu, mais uma vez, aceito isso com naturalidade. acho que cada ser humano tem o direito de fazer as suas opções. se um cabo-verdiano decide que só se deve exprimir em português, ninguém deve ser contra isso. devemos aceitar esta pessoa como ela, como ela decidiu ser e comunicarmos com ela sem problema nenhum. para mim não há… não me causa espécie nenhuma que haja um cabo-verdiano que decida comunicar-se apenas em português. da mesma forma, por exemplo, eu conheço casos de cantores ou pessoas que dizem, que cantam em crioulo normalmente, mas no dia a dia só se exprimem em português -- quer dizer aquilo pode até ser um contra censo, digamos assim, ou…mas eu aceito essa pessoa comoela… se ela decide fazer isso, o problema é… + +É dela, digamos. Acha que não tem nada a ver…? + +sim. não vamos agora atirar pedra nessa pessoa porque é um cabo- verdiano que decidiu só exprimir-se em português. não há problema nenhum. + +Acha que… qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? + +olhe. por exemplo. eu dou-lhe cá um exemplo concreto. para mim é inconcebível ver uma peça de teatro em Cabo Verdeque não seja em crioulo. + +mhm + +porque essa peça de teatro… o trabalho que o grupo Juventude em Marcha faz, tem de ser em crioulo. porque caso contrário torna-se uma coisa artificial que… apenas uma encenação que… sem naturalidade. portanto, a naturalidade nesta situação em concreto acho que se exprime melhor em crioulo. portanto, é um caso concreto. suponhamos, por exemplo, ao nível da morna ou da coladeira ou do funaná. + +Exacto. + +imaginemos um funaná em português. provavelmente aquilo não funciona… + +Não consegue… + +provavelmente é apenas (?). sim, suponho que sim. se alguém quiser fazer, faz. mas não vejo grande grande sucesso popular, acho, grande futuro. agora, ainda continuando no campo da arte, mas, um conto, um romance eu tendo a ver isso melhor em português e não em crioulo. é a minha… como eu disse é a minha dificuldade em ler em crioulo, tão simples quanto isso. tão simples quanto isso, e como vê já dei vários exemplos onde acho que uma coisa fica melhor e não noutra. mas também já vi poemas bem concebidos em crioulo - outros também bem concebidos em português. agora curiosamente, ainda em relação ao poema, um autor escreve um poema em crioulo, e ele declama esse poema, eu sou capaz de ouvir, ouvir e perceber este poema sem problema, agora eu pegar neste poema e ir ler, aí confesso que tenho dificuldade. + +Já agora, diga-me uma coisa, acha que o crioulo deve ser usado para determinadas funçõessociais e o português para outras? + +sim. + +Quais seriam…? + +por exemplo, neste momento, estamos com esta crise de paludismo aqui na Praia. imagine uma campanha de sensibilização para esta população em português e em crioulo. na sua opinião qual é que seria melhor? + +mhmmhm + +em português ou em crioulo? + +Em crioulo. + +estáa ver. portanto eu acho que nós temos que apreender a… + +Mas, por exemplo na literatura já acha que seria em…? + +em português. + +Em português? + +mesmo que em português, por exemplo, acrioulado, como o Baltasar Lopes e o António Aurélio Gonçalves e vários outros fizeram e continuam a fazer --eu acho que não há problema nenhum. + +E para o uso na… + +Germano Almeida também. + +E para o uso na interacção social? Sei lá… cerimónias oficiais, eventos desportivos, eventos religiosos… faz alguma distinção, atribuiria funções específicas ao português e ao crioulo? + +uma missa, por exemplo. eu acho que uma missa em Latim é melhor que em português. ((risos)) nem que as pessoas não entendam. é o que se passa também, quer dizer… e aí, mais uma vez tudo depende da mensagem que se quer transmitir… por exemplo um padre lúcido, um sacerdote lúcido, se quer transmitir uma determinada mensagem, ele tem que ver qual é, quem é a sua plateia. se é uma plateia de pessoas da classe média, classe alta, ele pode exprimir-se perfeitamente em crioulo que não há problema nenhum. agora se é uma plateia do povo, no seu estado bruto, digamos assim, esse padre, se ele quer transmitir uma mensagem, eu acho que ele vai ter a perspicácia suficiente para perceber que esta mensagem vai passar melhor em crioulo. e isto acontece em várias outras situações. por exemplo, basta ver nas campanhas políticas em Cabo Verde, nas campanhas eleitorais em Cabo Verde, é o momento em que o português mais estáno top em Cabo Verde. porque raro é o político... + +O português? + +o crioulo, desculpe. raro é o político que vai num comício de três quatro mil pessoas que se vai exprimir em português. geralmente, normalmente, ele faz isso em crioulo porque sabe que se… exprimindo-se em crioulo tem mais possibilidades de fazer passar a sua mensagem. + +Diria que o crioulo é para pessoas sem instrução, sem educação e o português para pessoas com educação, com instrução? + +quase isso no fundo, embora seja politicamente incorrecto dizer isso. mas mais uma vez… quer dizer… a relação que o cabo-verdiano tem com o crioulo e o português é uma coisa completamente complicada… porque, por exemplo eu costumo ter outro outro exemplo de Onésimo Silveira. ele é dos poucos políticos em Cabo Verde que faz comícios em português. agora eu não sei se o Onésimo teria a mesma, a mesma… como é que é? a mesma chance de sucesso numa ilha como Santiago do que em São Vicente. portanto está a ver… portanto, o Onésimo, pela sua trajectória, ele chegou a um determinado patamar numa ilha com as características de São Vicente e então a percepção a percepção que eu tenho é que ele ao usar o português para comunicar-se com os seus potenciais eleitores, ele no fundo está a mostrar a essas pessoas que está valorizando essas pessoas utilizando o português e não o crioulo. esta a ver? + +Estou. + +portanto… por isso é que estou a dizer… agora, por exemplo Onésimo, acho eu que é uma das poucas pessoas que podem fazer isso em Cabo Verde, mais ninguém pode dar-se a esse luxo. + +O que é que acha desta situação actual de nós termos a possibilidade de usar o crioulo e o português? + +acho bom. + +o que é que... + +para mim não me faz espécie nenhuma. aceito isso com naturalidade. + +Acha que se devia continuar a usar o crioulo e o português em Cabo Verde? + +com certeza. e outras línguas também. francês, inglês… + +para quê? + +sobretudo nos nossos contactos com o mundo. nós não vamos a lugar nenhum se não conseguirmos dominar o inglês e o francês. + +Se pudesse, escolheria outra situação que não fosse crioulo e português? + +essa questão é muito complicada para mim… porque já cheguei… estou perto dos cinquenta anos, portanto é complicado. + +Passando à questão de leitura e escrita do crioulo. Gostaria, pessoalmente, gostaria de aprender a ler e a escrever crioulo? + +sim. não que, digamos, tenha esta necessidade. porque como… como eu lhe disse… acho que se fizesse um esforço maior talvez provavelmente conseguiria encarar isso com a maior das naturalidades--mas não tenho… + +Referindo às questões sociais do crioulo e do português… com que pessoas acha adequadas, pessoas, circunstâncias, assuntos, acha adequado usar o crioulo ou o português? + +como eu lhe disse, tudo depende do interlocutor que eu tenho e tudo depende do sinal que também tenho e que ele me dá. mas não faz sentido como eu já lhe disse ir ao mercado, ver uma vendedeira, e falar com ela em português acho que não faz sentido. + +Porquê? + +porque eu sei que que que o português não é uma coisa do dia... do dia a dia dela. + +mhm + +… e repare às vezes não é só uma questão de de um sinal que esta pessoa transmite de ser desta classe ou daquela classe. por exemplo, eu, como jornalista, há pouco tempo estive no Fogo, quando, aquando do último aumento do combustível e eu precisava de recolher um som em português para para mandar para a a BBC. então, eu ouvi a notícia na rádio, num táxi, e este senhor era todo… a gente via para esse esse taxista, era branco, branco mesmo, - caucasiano típico, se quiser. branco. e então, para mim eu achava que… taxista… seria… falar com esse senhor em português seria a coisa mais natural do mundo. então, o senhor vai me dar uma declaração sobre o que acha do aumento do combustível e tal… então, quando fui fazer a pergunta… falámos em crioulo primeiro… assim, então quando fui fazer a pergunta em português ele disse não, português é cansado. quer dizer é a prova de que o crioulo muitas vezes em Cabo Verde não tem a ver com a classe social a que pertence. porque este senhor, este taxista, é instruído. é taxista. tem tem tem carta de condução e e... aparentemente devia ser uma pessoa que poderia falar português normalmente e no entanto tive esse… esse… esse… + +Baque, digamos… + +baque que me deixou espantado. quer dizer… eu depois, comentei com uma pessoa… realmente uma coisa incrível. quer dizer, como é que uma pessoa com aquelas características e não conseguia exprimir-se em em em português? por exemplo, da mesma forma… usando da minha experiência… um dia na mesma situação, eu… sobre uma coisa qualquer que tem a ver com os alunos, fui falar com um jovem que estava a estudar o décimo segundo ano, fui falar com ele, ele queria… começou a falar em crioulo, e disse que não – tem que ser em português, então ele, aquele jovem não conseguiu exprimir-se em português. eu fiquei assim também a pensar, como é possível um jovem a estudar o décimo segundo ano não conseguir falar português?  + +Certo. + +está a ver. + +Há bocado disse-me… falou sobre a oficialização do crioulo. A minha questão é, no caso de, em caso de oficialização do crioulo, como, para si, ficaria o português? + +como quê? + +Como é que ficaria o português no caso da oficialização...? + +não. aquilo que eu tenho lido e tenho ouvido é que as duas línguas passariam a estar no mesmo patamar. + +Para si… para si. + +para mim, não me causa problema nenhum, porque com oficialização ou sem oficialização eu vou continuar a exprimir-me em português, nas circunstâncias que entender. portanto isso não me causa espécie nenhuma. + +Certo. + +não tenho problema nenhum. + +Eu só vou pedir que acrescente algum comentário às questões anteriores que lhe pus… ou se há alguma questão que eu não tenha abordado, mas que queira… que ache pertinente e relevante neste contexto, no contexto das questões que lhe coloquei… alguma precisão… + +acho que já está tudo dito. + +Então, mais uma vez obrigada por ter acedido a este meu convite para esta entrevista. 1Investigador e ensaísta 2Jornalista 3Escritor 4Docente do ISE (LP)" +INF5.wav,"X, antes de mais, muito obrigada por ter acedido a este meu convite para participarmos nesta… nesta conversa. A primeira… a minha primeira questão é a seguinte. Antes de entrar para a escola, quando criança, já tinha… tinha aprendido o português ou o crioulo? + +as duas coisas. porque eu sou filha de professora e apesar de ter tido um pai ligado à lavoura e à terra… o meu pai era dono de terra e trabalhador de terra -- era agricultor, nos primeiros anos da nossa vida de… de família… apesar desse conjunto, falava-se muito português. o meu pai falava mais português em casa do que a minha mãe. apesar de que a minha mãe é que por profissão deveria fazer isso já que ela era professora. portanto eu criei mais ou menos habituada… pelo menos a ouvir… porque nunca ninguém nos impôs falar português, não é? em nenhum momento, nem antes de irmos para a escola, nem depois. mas criou no meu ouvido, válá. aprendi a ler muito cedo… + +Detalhando melhor esta situação… portanto, a mãe falava crioulo habitualmente convosco... + +sim. com as crianças normalmente falava crioulo. + +O pai... + +o meu pai falava mais português. + +E vocês, o crioulo ou o português? + +nós, crioulo. + +Crioulo. E português… para além de ouvir o pai a falar, ouviam o português de outra fonte, ou...? + +ouvíamos. pronto, enfim, pessoas que iam lá a casa, de rádio … dessas coisas. + +Mas habitualmente falavam...? + +falávamos crioulo. + +Com o pai e com a mãe, com as outras pessoas...? + +sim. a gente falava crioulo. nunca nos impuseram falar português. + +E actualmente, em casa, com os seus amigos e pessoas mais próximas, usa o português ou o crioulo? + +bem. eu costumo às vezes dizer que eu vivo uma situação de bilinguismo indisciplinado porque muitas vezes eu começo uma frase numa língua e acabo noutra e volto à primeira e… enfim estou sempre nisso. porque é uma tal deformação profissional se poderei dizer isso. ou influência… devo dizer mais influência do que deformação… porque como eu fui sempre professora de português, então a minha tendência é expressar-me em português. mas, na maior parte dos casos, eu entendo que estou num contexto que é melhor expressar-me em crioulo. então, começo em crioulo depois passo para português mesmo sem dar por isso. + +Tem alguma ideia do que é que afaz mudar de crioulo para português? + +eu suponho que é mais o teor da conversa . + +mhm + +por exemplo, quando estou numa sala de aula, eu estou sempre expressando em português com os meus alunos, a menos que eu tenha interesse em utilizar o crioulo por alguma razão. muitas vezes também me acontece ter interesse em utilizar o crioulo para explicar qualquer coisa. + +Como professora, utilizou o crioulo muitas vezes numa sala de aula? + +sim. muitas vezes. muitas vezes. + +Em que… podia detalhar-me... + +quando nós temos situações específicas. por exemplo, eu tive uma vez um aluno de Santo Antão que não conseguia… não conseguia expressar-se em português correcto. então o o miúdo… eu percebia que ele era esperto, que ele era habilidoso mas eu não conseguia fazê-lo expressar-se… então com esse menino, eu cheguei a falar crioulo várias vezes nas aulas. cheguei até a inventar aulas de matérias que nem tinham nada a ver com curriculum mas apenas para incluir esse garoto. por exemplo ensinar a fazer um esteirado, não é? esse tipo de coisas… ensinar a fazer uma funda, daquelas que se atiram pedras aos corvos -- foi uma das coisas que eu dei uma aula inteira disso. porque aquele menino sabia muito bem essas coisas e ele poderia naquele naquela aula liderar a aula ensinando os seus colegas uma coisa que eles nunca tinham visto. que eram meninos de São Vicente não sabem o que é atirar pedras aos corvos com funda. então nessas aulas a gente falava muito crioulo. porqueo assunto puxava mesmo para isso. era nesse contexto. + +Voltando à situação actual. Em casa, com os seus familiares, fala, usa habitualmente o crioulo ou o português? + +habitualmente o crioulo. de vez em quando eu... falo em português evidentemente. até as minhas filhas costumam dizer uma para a outra, cuidado que mamã já começou a falar português. quer dizer que o assunto é sério, ela já está quase zangada. + +O assunto sério em que sentido? + +é que normalmente, quando o assunto é sério, eu costumo expressar-me em português. por isso quando vou, por exemplo, dar uma entrevista ou dar um testemunho sobre qualquer coisa na rádio, eu prefiro fazê-lo em português. eu fico mais à vontade. mas se me exigem o crioulo, eu também faço em crioulo. + +Estar mais à vontade… Exprime melhor as suas ideias em português ou em crioulo...? + +acontece às vezes... + +Qual deles? + +exprimo-me melhor em português. talvez porque eu tenha estudado em português… porque… esse tipo de raciocínio que a gente tem de encadear as ideias… observar ou tirar conclusões… tudo isto eu habituei-me a fazer em português, não em crioulo. então eu sinto-me mais à vontade quando é português. eu sinto-me muito mais tranquila. mas se for preciso fazer em crioulo, também o faço. + +Há bocado estava a dizer-me, portanto, que em casa fala habitualmente o crioulo, com...? + +mais crioulo. + +Mais crioulo. Com os amigos também. Nessas situações usa o português … portanto, no fundo, falar português ou falar crioulo depende de quê? Das pessoas, do assunto, das situações … + +de tudo isto. + +Podia especificar…? + +depende também de tudo isso. depende das pessoas. depende das das situações. situações mais formais normalmente eu resolvo-as em português. as menos formais eu resolvo-as em crioulo. aquelas situações do nosso dia-a-dia afectivo, eu faço em crioulo. mas se for alguma coisa administrativa já naturalmente me sai em português. eu acho que isso acontece com toda a gente. + +Qual considera ser a sua proficiência geral em português e em crioulo? em termos de falar, ler, escrever… comparativamente, português e crioulo? + +qual é que eu domino melhor, português...? + +Cada uma dessas habilidades… falar, ler, escrever? + +mhm mhm. não. eu não sei se eu entendi. portanto qual é que eu faço com mais facilidade? + +Sim. Sim. + +em crioulo talvez seja o falar. porque para escrever eu tenho imensas dificuldades. para já eu não tenho nenhum domínio do ALUPEC. eu escrevo aquele crioulo inventando que a gente sempre escreveu, etimológico. agora… eu não posso falar, de resto porque como eu nunca aprendi o ALUPEC, eu nunca aprendi a utilizar...nem sei ler. + +Costuma ler em crioulo? + +muito pouco. porque tenho muita dificuldade. depende do crioulo. mesmo … de qualquer modo, quando encontro um texto em crioulo eu tenho uns segundos em que não reconheço. não reconheço o que está lá. ou então eu posso reconhecer e reconhecer mal como há tempos alguém me deu um texto, eu li… uhm… uhm. isso deve ser crioulo de São Nicolau. não, este é crioulo de Nassau, um sítio que não tinha nada a ver… lá para as Índias Ocidentais… ou sei lá onde… que os portugueses tinham lá estado numa situação similar àquela que tivemos em Cabo Verde. então eles têm um crioulo, um crioulo igual ao nosso, parecido, parecidíssimo. até ao ponto de eu confundir com o crioulo de São Nicolau. + +Certo. Portanto, para além de textos, o que é que lê em crioulo quando tem oportunidade? + +eu leio em crioulo mais poesia do que prosa. eu leio melhor a poesia em crioulo. talvez porque estou habituada a ouvir nas músicas, eu tenho mais facilidade em ler poesias. agora ler um romance em crioulo, nunca me atrevi. eu já tentei e nunca passei de duas três páginas. + +Qual...? + +eu fico tão cansada de descodificar que não apanho o sentido. tenho que voltar ao início do livro umas quantas vezes. tenho muita dificuldade nesse ponto. eu sei que é uma questão de hábito, mas eu tenho ainda dificuldade... + +E escrever, já tentou alguma vez escrever alguma coisa em crioulo? + +já. já tentei… mas… é uma vergonha ter de dizer isto, mas francamente eu acho que este aqui não é o momento de eu estar a camuflar nada… eu escrevi o texto em português primeiro, depois eu passei para crioulo. eu… eu fui apresentar um livro de histórias infantis, histórias de Ti Lobo e Xibinho, escrito na versão da ilha do Fogo e também na versão de Santiago. portanto o escritor fez dois livros paralelos, com essas histórias que… elas têm variantes de local para local… então as histórias eram escritas em crioulo, ele chamou-me para eu apresentar o livro, eu achei que era uma vergonha ir apresentar um livro escrito em crioulo para ir fazer uma apresentação em português. então eu resolvi fazer a apresentação mesmo em crioulo, no meu crioulo de 1sanpadjudo, porque eu não conhecia nem dominava bem… conhecer, conhecia, mas dominar bem, a ponto de ir falar para um público já não… nem o da ilha do Fogo nem o de Santiago. então falei no meu crioulo. escrevi o texto em crioulo. + +Teve alguma… Digamos, quais foram as principais dificuldades que sentiu? + +o que eu sinto, quando estou a escrever em crioulo, é que falta mesmo uma norma. há muita necessidade disto. porque eu escrevo por exemplo Es 2fla-m de uma forma e dez linhas abaixo se eu tenho que escrever outra vez, Es fla-m, de novo, portanto… pode sair-me de outra forma. porque eu estou a guiar-me pelo som da palavra, mas se estiver a terminar em ‘m’ ou em ‘n’ o som para a leitura é o mesmo. então eu sinto realmente que há falta de normas. isso é verdade. isto não quer dizer que eu seja adepta do ALUPEC, porque há uma ou outra coisinha que eu não, que eu não gosto. + +E em termos de domínio dos vários crioulos… portanto fala que crioulo? + +eu falo o crioulo de São Vicente porque foi lá que eu me criei desde pequenininha. + +E quando se dirige a pessoas de outras ilhas? + +não, eu tento falar o crioulo das outras ilhas. porque eu nasci em Santo Antão, de qualquer maneira, na minha casa o meu pai era de Santo Antão, minha mãe de São Vicente. eu estava muito habituada a lidar com gente de Santo Antão. passava as férias em Santo Antão. eu tento fazer isso, mas mais de brincadeira, ou para pôr a pessoa à vontade. + +Por exemplo, se se desloca a uma outra ilha, seja de sotavento seja de barlavento? + +não. eu falo o meu crioulo. o meu crioulo de São Vicente. aqui em Santiago é que eu tenho tentado, tenho feito um esforço enorme para conseguir falar o crioulo como se fala aqui. para já eu acho lindíssimo o crioulo de Santiago. acho muito bonito. eu não tenho é conseguido atingir a perfomance que eu gostaria. mas vai me servindo para fazer as compras, para trocar impressões com as pessoas. e consigo. + +Quando se desloca às outras ilhas e usa o seu crioulo, como é que é o entendimento? + +não acho que seja mais difícil que aquele que eu tenho para os entender... + +As pessoas compreendem-na? + +aham. aham. compreendem. é certo que de vez em quando aparece uma coisinha que não sabem e que me perguntam. assim como eu também em relação a elas, também faço esses mesmos reparos, ou perguntas. porque são coisas que não estão no ouvido, apenas por isso. mas eu acho que não há problemas de entendimento. + +Já… como é que se sente quando usa o português e o crioulo? Em termos de, sentir-se à vontade, intimidada… tem medo de errar também, quando fala, usa o português? + +bom. é certo que eu também tive uma longa carreira a falar português em ocasiões formais, e de ser absolutamente normal eu falar português. pelo contrário, era escandaloso se eu me expressasse em crioulo. portanto ninguém estranhará que eu tenha ainda sequelas desse desse tempo. mas não me não me sinto intimidada, porque se eu sou bilingue, é normal que eu tenha esse tipo de interferência das duas línguas. é normal. eu considero isto normal. + +Eu gostaria que pensasse em… nas pessoas… nas três pessoas com quem mais fala, fora do seu círculo familiar. + +ah bom! + +E e tentasse definir o perfil dessas pessoas em termos de idade, sexo, estrato social … + +(…) + +Fora do seu círculo familiar… as pessoas com quem mais interage… + +o que é que eu falo com elas? se eu falo crioulo, ou... + +Não. O perfil dessas pessoas. Portanto… as pessoas que no exercício da sua actividade como escritora, jornalista, dos contactos que faz, não é? para… no exercício dessas actividades. Certamente há pessoas com quem mais dialoga, com quem mais interage… o perfil dessas pessoas? + +e este perfil pretende... + +Em termos de idade, sexo, estrato social… + +mhm. bom. + +E também se fala português ou crioulo com elas. + +pois, eu pensava se era nesse campo da língua. idade, mais ou menos da minha, da minha idade. um pouco mais, um pouco menos. sexo pode pôr um sexo masculino, e dois feminino. qual o outro item? + +Estrato social… nível social… + +estrato social… + +São pessoas de classe média, alta…? + +quer dizer… é que sabe… isso em Cabo Verde, aqui isso é tudo mal definido. por exemplo na ilha de São Vicente, a gente não consegue distinguir, - praticamente, não consegue. leva-se muito tempo para se conseguir distinguir se é média alta, média baixa, não sei quantos… porque ali é tudo tão igual… as pessoas movimentam-se de um lugar para o outro, duma… dum espaço para o outro com a maior facilidade. mas talvez noutras ilhas, em algumas ilhas, seja mais fácil conseguir esta estratificação. eu eu não tenho na minha cabeça nada que se relacione com esta estratificação. então eu tenho dificuldade em… mas... + +São pessoas instruídas? + +instruídas são. nesse aspecto são… talvez media alta, se quiser dar uma classificação. + +E com essas pessoas, fala português ou crioulo? + +com uma delas, falo muito crioulo. mas com as outras duas… com uma dessas do sexo feminino, são duas que eu indiquei, falo bastante crioulo. talvez pelos laços de intimidade que temos. mas com essa outra, já falo mais português. e com esta do sexo masculino, falo português mesmo. + +De quê é que depende falar português ou crioulo? + +sabe. às vezes depende daquilo que a pessoa também utiliza. por exemplo, quando é um estranho, eu falo português, por exemplo, a pessoa me responde em crioulo, tudo bem. mas se é um amigo, eu já sei se ele prefere falar em crioulo, então eu normalmente falo crioulo. se eu sei que ele prefere falar português, eu falo português. + +Depende do assunto, do sexo…? + +não. depende da preferência da pessoa. depende da preferência da pessoa. nestes casos concretos, de falarcom os amigos. + +Obrigada. Normalmente em que circunstâncias interage com estas pessoas, em que lugares, em que situações? + +normalmente, em situações públicas. mas também um pouco privadas. também. + +Essas pessoas, com quem mais interage… em situações públicas? + +mais públicas do que... + +(?) + +situações de cultura, de encontros culturais ou de encontros de associações… esse tipo de coisa. + +Certo. Voltando ao perfil das pessoas com quem normalmente fala crioulo, há bocado disse-me que é uma questão de maior proximidade, não é? Alargando um pouco... + +para conseguir proximidade, às vezes. + +Ah! + +às vezes é para conseguir a proximidade. por exemplo, quando eu sei que em certos ambientes se eu começar a falar português, a pessoa se retrai e eu já não consigo comunicação com ela, então eu começo por falar crioulo. + +Que ambientes são esses? + +por exemplo, com um jornalista. eu fazia muitos 3programas educativos para um ministério. e em várias ocasiões eu tive que fazer isso, chegar a um lugar e e e não conseguir uma abordagem em português ou perceber que a abordagem em português não iria resultar. então fazia uma abordagem em crioulo. até mesmo em salas de aulas, já fiz isso porque eu senti que o professor não dominava o português bem. então, ele sentia-se acanhado em… em dar um erro ou coisa assim. então eu falei com ele em crioulo. depois a gente passou a falar em português. mas a princípio a gente começou a falar em crioulo. + +Normalmente que assuntos fala em crioulo e que assuntos fala em português? Existe alguma distinção a fazer? + +bom. como eu já tinha dito anteriormente, são sempre… é uma questão de formalismo ou não formalismo. se há formalismo, normalmente eu falo português. mas já aconteceu um ou outro caso em que havendo formalismo, eu fui obrigada a falar crioulo. exactamente nesse caso que eu disse há pouco. + +Fale um pouco dessas situações formais, digamos, em que escolhe falar português, deum modo geral, desenhe-me um pouco essas... + +bom em princípio… por exemplo, vou apresentar um livro. instintivamente, eu vou apresentar um livro, eu produzo um texto em português e apresento o livro em português. mas já me aconteceu produzir um texto em crioulo e apresentar em crioulo. mas é uma raridade. é muito raro. + +Mas por exemplo, no mercado, nas lojas, repartições…? + +ali… nessas situações informais… há duas espécies de… porque eu considero o mercado uma situação informal. + +Certo. + +mas já repartição, considero uma situação formal. eu parto do princípio que quem me vai atender tem de me atender, ENTENder em português. e muitas vezes eu faço isso para não dar lugar a confusões sobre aquilo que eu estou a pedir porque as normas que estão nas paredes sobre o que a gente deve pedir, tudo é em português. então se eu chego lá e começo a chamar as coisas no nome em crioulo, pode ser que a pessoa não entenda. então eu falo português nas repartições. + +E o que é que costuma falar para exprimir os seus sentimentos, rezar ou orar, conforme… manter contacto com um desconhecido, por exemplo, na rua… o que é que usa o crioulo ou o português? + +quase sempre crioulo. quando eu não sei o que vou encontrar. bom, quando eu falo com entidades divinas, eu falo de uma forma ou de outra, conforme for, conforme me der naquele momento. oh Deus kuidode na kel menine pa kel kor ka panhá-l4 ou posso também falar, rezar em português. normalmente as minhas orações são informais porque não sou católica, não tenho orações padronizadas. portanto as minhas, as minhas conversas com Deus são muito minhas. + +E são… podem ser em crioulo...? + +podem ser em crioulo ou em português, conforme aquele momento que eu estiver a viver. + +E esse momento tem (?) tensão, menos tensão, mais tensão…? + +não depende disso. eu nunca me dei ao trabalho de pensar que pudesse depender de tensão ou de qualquer outra coisa. eu sei que às vezes eu me dirijo a Deus em português. mas na maior parte dos casos é em crioulo. + +Pense na última semana… todas as vezes que falou. Usou mais o crioulo ou o português? + +mhm. isso implica uma revisão semanal que eu não sei se dá para fazer… + +De um modo geral. + +olha. há um pormenor que eu não disse ainda, e que talvez possa ajudar a fixar o… eu falo muito com os meus netos. muito. até a minha filha, a mãe deles, costuma dizer que eu falo com eles como se eles fossem dois adultos. e eles, sozinhos, sem ninguém lhes dar nenhuma indicação, têm a mania de falar português. falam muito português. o F, o mais velhinho, já está na escola. portanto, a professora dele fala português e ele chega a casa e começa a falar português. e começa a dizer, há dias ele me disse ó vovó, sabes que eu acho que português é muito mais bonito do que o crioulo. eu disse ah! tu achas?  2não, tem umas coisas bonitas que eu gosto de ouvir. se tu achas, fala português quando tu quiseres. pronto. vovó fica a falar português contigo. tu queres?  então a gente fala muito português. tanto com ele, como com a irmãzinha mais pequenina que ouvindo essas conversas do mais velho pega também e vai fazendo… e eles já falam. e a minha netinha, que tem três anos e meio, claro que o português dela é muito mais esquisito do que o do irmão porque… há dias, ela, no meio de um português todo bem dito, bem expressado… eu até dizia para a F, para a mãe. imagina, os meninos passam às vezes quatro cinco anos na escola para conseguirem esses tempos verbais que esta menina está aqui a fazer com a maior naturalidade. mas nessa mesma hora, uma amiga que estavalá perdeu a chave dela e disse, onde está a minha chave? e ela respondeu vamos 5djober. para ver como é que é esta história do português. é tudo muito natural. é conforme aparece. se o menino tem vontade de se expressar em português… já começou a ler os livrinhos de contos, - com sete anos, já começou a ler livrinhos de contos, já começou a pôr os olhos nas legendas dos filmes que passam na televisão e a tentar ver as palavras… ele… puxa mais para falar português. e eu ajudo naturalmente porque eu sei que isso vai ser bom para ele. + +Claro. Entendo. Portanto, acaba por... + +acabo por falar mais português do que do que crioulo, porque falo mais com eles do que com outras pessoas. + +E… gosta… se fosse possível, gostaria que me indicasse três contextos em que normalmente fala crioulo e em que normalmente fala português. + +(…) bom. acho que isto já está tudo mais ou menos nas entrelinhas do que eu disse. mas a Amália não tem obrigação de ir de ir peneirar entrelinhas. bom --como eu disse... + +(?) só para especificar... + +como eu disse… há pouco comecei por dizer que quando eu faço a apresentação de um livro expresso normalmente em português. em 91 %, em mais de 90% em português. quando eu vou a uma repartição, eu também em princípio falo português. só se a pessoa tiver uma grande dificuldade em me entender é que eu começo a mudar de língua. + +E o crioulo? + +o crioulo, por exemplo, falo com as minhas empregadas em crioulo. vou ao mercado, falo em crioulo também. ou na rua quando eu tenho de perguntar onde é que fica tal sítio, falo em crioulo daqui de Santiago porque eu sei que a pessoa vai ter, vai ser muito mais receptiva. + +Já falamos sobre a escrita do crioulo. Só gostaria que me dissesse uma coisa, há alguma circunstância em que usa o crioulo, mas gostaria de usar o português ou vice-versa usa português mas gostaria de usar o crioulo? + +bom. eu já usei português em situações formais, em situações… já usei crioulo em situações formais que eu não gostei de ter usado. eu preferia ter usado o português. mas, por exemplo, quando vem um jornalista fazer uma entrevista… + +Pode falar um pouco disso, dessas situações em que... + +quando vem um jornalista fazer uma entrevista e me diz que prefere crioulo - eu fico sempre com uma dúvida. esse jornalista está a preferir crioulo porquê? aquele assunto é um assunto de cultura, não estou a ver que especificidade que ela, que pode ter a língua crioula neste assunto. pode ser dito em português ou em crioulo indiferentemente. mas se o jornalista está a preferir crioulo é porque ele deve ter uma fragilidade no uso da ferramenta que é o português. e quando é assim eu não gosto de de de contemporizar. porque eu acho que o jornalista deve estar preparado para falar a nossa língua oficial. eu acho. pronto, mas quando eles pedem, eu faço isso. e já fiz. mas não me sinto tão bem. de vez em quando meto lá uma colherada de português no meio… eu aviso também com antecedência, não é? prepare-se para as colheradas porque vou meter muitas. + +O que é que a faz mudar de crioulo para português ou de português para crioulo? + +dentro do mesmo assunto? + +Dentro do mesmo assunto ou da mesma circunstância. + +olha. isto eu acho que está dentro daquilo que eu avisei no início, da minha indisciplina. sou uma bilingue indisciplinada. porque eu gosto destas duas línguas da mesma forma. + +Mesmo com a chegada de alguma pessoa, com algum estatuto especial … + +às vezes… às vezes é o uso de uma palavra ou de um conceito que eu tenho dificuldade em exprimir em crioulo. se eu for exprimir em crioulo, vai sair um crioulo muito postiço que eu não gosto. eu prefiro falar português do que falar crioulo postiço. que é o tal crioulo que a gente passou a falar da independência para cá. que aquilo é tudo menos crioulo. eu lembro-me que…a Amália deve- se lembrar desse tipo de linguagem que que as pessoas adoptaram a seguir à independência que era fingindo que se fala crioulo, mas falando português. e eu acho que aquilo é é desonesto. então eu prefiro falar português do que falar esse crioulo fingido que não é nada. + +Certo. O que é que acha do crioulo, o que é que pensa sobre o crioulo? + +o crioulo é… para mim, é um bem que a natureza me deu, como me deu a cor da pele, a cor dos olhos. tudo o que eu sou. para mim ele é um dos bens. e e como tal, eu não gostaria muito de interferir com a natureza. eu preferia não me… não interferir. eu preferia deixar o crioulo caminhar. eu, se alguma coisa dependesse de mim, eu deixaria que tudo caminhasse, sem grandes interferências. porque às vezes a interferência do homem na natureza é boa, mas raramente. quase sempre, como dizia o Rousseau, não se deve estragar aquilo que sai perfeito… o homem não deve estragar o que sai perfeito das mãos de Deus. isso, o crioulo não saiu necessariamente das mãos de Deus, mas foi um conjunto de circunstâncias que o produziu. e que… foi aquilo, e não podia ser outra coisa. era aquilo mesmo que aquelas circunstâncias tinham que produzir-- nós devemos encarar isso com mais naturalidade. nós encaramos isso de uma perspectiva política que é um assunto que eu sinto que é capaz até de estragar a nossa comunhão, a nossa maneira de viver, a nossa maneira de, de nos relacionarmos uns com os outros. eu não sei, mas eu sinto que há qualquer coisa aí que possa ser mau. , L 391-95, 400-404 + +Interferências de que tipo? + +eu acho que quando há… quando qualquer medida é feita por decisão política. eu acho que isto pode interferir na nossa maneira de viver, na nossa maneira de nos darmos uns com os outros. porque, por exemplo há dias houve uma passeata em Mindelo sobre… não me lembro se era sobre a televisão do Pulú - de repente, no meio da passeata eu vejo um um cartaz que diz, 6anos nu ka ti ta ben fala crioulo de badiu, nos nô ka ti ta bem falá crioulo de badiu, era um cartaz de crioulo de São Vicente. eu comecei a ficar preocupada, porque eu… não tinha nada a ver, não tinha absolutamente nada a ver. e mais, o câmara man teve o cuidado de fazer um close desse cartaz. o que eu achei pior ainda do que fazer o cartaz foi fazer o close. quer dizer, isso começa a criar um clima, uma certa intolerância. porque este bairrismo que nós estamos sempre a dizer nos discursos que não há, que não há, há sim. há e muito. latente. e uma coisa que pode ameaçar tornar-se violenta. então eu tenho a impressão que as interferências são neste domínio. da nossa intolerância de uns para com os outros. porque as pessoas estão achando que a oficialização do crioulo implica optar pelo crioulo de uma das ilhas. mas eu acho que não é nada disso. eu acho que não é nada disso. nem poderia ser. porque isso não iria acontecer. então era criar uma lei que ninguém iria respeitar à partida. talvez haja coisas que precisam ser mais bem explicadas. porque as pessoas ainda não entenderam que a escrita é uma coisa, a língua é outra, a escrita é apenas uma ferramenta que nos permite expressar no papel. mas eu vou expressar aquilo que eu quiser, ninguém me vai obrigar a expressar em nenhuma outra língua… mas… ainda isto não foi entendido. + +Portanto, se fosse a X a escolher, ou a optar, qual era a situação que preferiria? + +não. eu não vou… eu não vou fazer isso porque eu não tenho nem conhecimentos de linguística. nem conhecimentos de nada em especial para fazer este tipo de palpite, para dar este tipo de palpite. mas eu sinto, como um feeling--não produto de nenhum estudo, nem de nada. + +É precisamente… é isso mesmo que eu quero conhecer. + +é como um feeling. que era melhor deixar o que a natureza fez, deixar a natureza trabalhar. + +Isto significaria? + +isto significaria que o processo seria para mim… significaria o seguinte. que o processo seria mais longo, mas mais natural e mais seguro. + +Mas o processo para quê? + +o processo para o crioulo se afirmar, e ter, digamos, uma igualdade de patamar com o português. + +Sei. + +não sei. acho que mais estudos também. todo este caminhar lento significa também estudar a língua. significa também produzir ferramentas. significa também preparar pessoas, por exemplo os professores. como é que a gente vai oficializar o crioulo se não temos uma classe docente preparada para ensinar isso? é também… há uma coisa que faz muita confusão na cabeça das pessoas. porque a gente não está a ver em termos faseados como é que isso vai processar. enfim ainda ninguém percebeu. + +Então para si como é que deveria ser esta questão de oficialização ou não do crioulo? + +eu acho que esta oficialização devia aparecer mais naturalmente. depois de a gente ter produzido toda essa... todas essas fases que eu estou aqui dizendo. fase da nossa preparação, da nossa… de produção das ferramentas por técnicos preparados para isso. a fase de preparação de uma classe docente em condições de do ensino/aprendizagem. só depois é que isso devia acontecer porque já seria uma coisa natural. natural. ela… esta língua. já tem as ferramentas. já tem um espaço. já tem quem a ensine. então agora é só oficializar, não é? não. a gente vai começar do fim para o princípio. é o que parece. porque parece haver uma certa pressa. para quê esta pressa? eu não consigo entender. depois vêm-me dizer… para me convencer, os políticos me dizem que é uma questão de identidade. eu não consigo ver nenhuma brecha na minha identidade por causa disso. + +Vê alguma relação entre falar crioulo, usar crioulo eser cabo-verdiano? + +mas eu falo crioulo, eu uso crioulo o tempo todo. nós todos neste país fazemos isto. até estrangeiros Deus do céu. até os chineses estão todos aí a falar crioulo. quer dizer, eu acho que é uma língua forte. é uma língua que tem uma força natural sozinha. e às vezes esses empurrões que se vai dando, através da política são meio, meio desastrados. a gente às vezes ao empurrar, pode dar um empurrão demais. imagina eu empurrar demais uma pessoa, a ponto de ela cair numa linha de comboio. mais vale deixá-la estar no sítio onde ela estava, não é? é a sensibilidade que eu tenho-- não... + +Obrigada. Mas para clarificar um pouco, acha que português deveria ser a única língua oficial? + +não. não. eu não acho isso. eu acho que o crioulo também deve ser uma língua com estatuto igual. mas para chegar lá, não é saltando barreiras. não é não é aos saltos de de canguru que a gente deve chegar lá. devemos chegar lá de uma forma natural, de uma forma que não belisque a unidade nacional. isso para mim… realmente… a nossa forma de conviver, tirando todos esses aspectos que nós sabemos que vieram de fora, desses assaltos e 7cassu body, não sei quê… nós temos uma forma de conviver que é rara no mundo. então isso a gente não deve deixar que ela seja beliscada de forma alguma. acho eu. no meu entender devíamos preservar isso mais do que tudo. + +Voltando à questão do crioulo, existe para si algum crioulo que seja o verdadeirocrioulo? + +mhm. não. + +Como é que…? + +eu acho que todos são verdadeiros. todas as nossas variedades dialectais para mim são verdadeiras. porque afinal de contas as variedades são mais de pronúncia do que outra coisa. do que escrita. de maneira que… se pode vir a escrever. eu acho que… são todos verdadeiros, porque cada um se formou dentro do seu contexto… daquela ilha. + +Certo. + +e então cada uma delas tem que ser respeitada da mesma forma. essa é … há hoje em dia uma teoria que pretende… eu tenho ouvido muitas pessoas aqui em Santiago verbalizar que esta ilha é quase um continente, que esta ilha tem mais de metade da população do arquipélago, creio que… a insinuar que o crioulo desta ilha deveprevalecer. eu não concordo, porque se isso acontecer eu tenho a certeza que vai haver uma pulverização de sentimentos e de atitudes que vai ser muito mau para o país. isso sim vai beliscar a nossa identidade. e muito. + +Voltando à questão de ser cabo-verdiano e usar português ou crioulo, admite que um cabo-verdiano possa não gostar do crioulo? Possa usar exclusivamente o português, em alguma circunstância? Gostaria que me falasse… + +depende Amália. depende das vivências que este cabo-verdiano tenha tido -- porque nós, quando dizemos o cabo-verdiano, a gente esquece que ele é um ser multifacetado, com vivências pulverizadas por este mundo fora. que nós temos tantos cabo-verdianos que só falam inglês, tantos cabo-verdianos que só falam francês. ou que só falam sei lá o quê… espanhol, porque viveram, nasceram e viveram noutras terras e não puderam ter essa convivência familiar. que tem dado a vários cabo-verdianos oportunidade de de ter uma ligação de raiz com a sua a sua própria sua própria pátria que é Cabo Verde. mas, na verdade acho possível sim. + +Mas admite que algum cabo-verdiano possa não gostar do crioulo? + +eu acho possível. por exemplo, eu sei de cabo-verdianos que têm um orgulho muito grande numa origemeuropeia lá longe. europeia, quando eu digo europeia, não quero dizer propriamente da Europa, quero dizer branco, uma origem de branco. há cabo-verdianos que têm muito orgulho nisso e que então, por isso, nunca falam crioulo. porque eu sou descendente de não sei quantos… nós temos de tudo neste país, não é? + +Mas, o que é que acha disso? + +bom. eu acho piada. eu acho piada porque para ouvir… falar uma língua por causa de um antepassado que viveu há trezentos, quatrocentos anos… que chegou de uma terra qualquer há trezentos ou quatrocentos anos, francamente acho que é um bocado de frescura, não é? eu, sinceramente, não vejo… não considero que este seja motivo. mas eu sei de gente que tem esse tipo de atitude. + +Diga-me uma coisa, nós, em Cabo Verde, usamos o crioulo e o português. O que é que acha desta situação…? + +é a situação que nós temos… + +Desta possibilidade que nós temos, o que é que acha dela? + +eu costumo… eu dizia sempre aos meus alunos… nós somos mais ricos do que aqueles que falam só uma língua. quanto mais línguas nós falarmos, mais ricos nós somos. era essa sempre a atitude que eu mostrava aos meus alunos. que por… falar as duas línguas, não devia nunca ser considerada uma dificuldade - nem um problema. não. não. isto é um privilégio. nós temos que considerar isto como um privilégio. porque se a gente considerar isto como uma dificuldade, então nós vamos viver em dificuldade sempre. porque nós vamos ser sempre bilingues. acho eu. + +Quando diz que nós vamos ser sempre bilingues, significa o quê, em termos da previsão da situação...? + +nós vamos ter sempre essas duas línguas. eu acho que sim, que vamos ter sempre essas duas línguas. porque eu acho que o português é uma língua que nos liga ao mundo, que nos liga ao conhecimento, que nos liga a muitas outras coisas que o crioulo não poderá fazer. o crioulo é é um contexto regional. quando digo regional, estou incluindo a diáspora evidentemente. porque eles também são cabo-verdianos que por contingência da vida estão fora. + +Acha que o crioulo deveria ser usado em função… seria mais adequado para certas funções e o português para outras? + +olhe. eu não gosto muito deste tipo de divisão. não gosto. porque imediatamente estabelece uma hierarquia. e as pessoas começam a secundarizar uma e a dar prioridade a uma primeira. eu não acho que isso... + +Como é que vê o uso dessas duas línguas em Cabo Verde, em função do quê? + +eu não sei… mas que tal deixarem as pessoas usarem aquilo que tiverem vontade? eu, estes cabrestos, estas amarras, me incomodam. eu não gosto delas. + +Acha que alguma delas deveria ser usada só para ler, só para escrever e outra para falar ou algo assim? + +não. não. não acho. não concordo com este tipo de divisão. o que eu acho é que as pessoas todas devem ter oportunidades de formação, de educação, de contacto e de acesso a tudo, para poderem escolher livremente. neste momento falar português, naquele noutro momento falar crioulo, ou escrever. ou qualquer outra forma de expressão. + +Isto significaria aprender a ler e a escrever o crioulo nas escolas? + +sim. também. porque não? eu admito isso naturalmente, como um processo natural. que é uma coisa que a gente já devia ter passado de blá blá blá e começar já a fazer alguma coisa concreta. mas para isso há todo aquele trabalho preparatório de que eu falei há pouco… daquelas fases, de fabricar essas ferramentas, fabricar tudo o que a gente vai precisar manejar para pôr isto em campo. + +Qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? + +naturalmente será o crioulo. sem dúvida. + +Mesmo na literatura, a escrita, a culta…? + +é porque a nossa literatura… não sei… a Amália é especialista, sabe disso mais do que eu. a nossa literatura é muito mestiça, muito crioulizada, cabo- verdianizada, deixa-me dizer, porque hoje em dia parece que esta palavra, crioulo, já está a ficar com um sentido meio pejorativo. porque o crioulo (?) por aí neste mundo. nós somos cabo-verdianos, diz o Luís Romano8. somos cabo-verdianos. não somos crioulos. porque crioulos são os das Antilhas, são os daqui, são os de acolá. e nós não somos daquelas terras, então nós somos cabo-verdianos. e parece que dentro desta linha… + +Estou a pensar nas composições… do batuque, do funaná … + +exacto. claro. já entendi. é que nós temos… eu acho que todas as sociedades… todas as sociedades acabam por produzir uma cultura erudita e uma cultura popular. nós temos tudo isso também. as várias nuances que vão de um até outro. e então eu acho que… para mim, cada criador de cultura vai escolhendo a sua ferramenta que quer utilizar. eu acho melhor… eu preferia ter esta liberdade… e que ninguém me viesse dizer não, não. desculpa lá. mas agora tu estás a fazer uma peça de teatro, por favor escreve em tal língua. agora -estás a fazer um conto, faz favor … agora estás a fazer um batuque… não. não -- eu não quero este direccionismo. eu não gosto disso. em nenhuma área da minha vida, eu gosto de ver este tipo de direccionismo. mas sei lá … eu não decido nada. estou a falar só do meu feeling, como cidadã. + +Falámos do ensino do crioulo nas escolas. E na alfabetização de adultos, vê, considera viável o uso do crioulo na alfabetização de adultos? + +eu acho que sim. tanto na alfabetização de adultos como de crianças o crioulo pode ter uma grande utilidade. pode ter uma grande utilidade. porque é daí… vai partir do que a pessoa conhece para aquilo que ela não conhece. ou daquilo que ele conhece melhor para aquilo que conhece menos. e eu acho que isso qualquer…as mínimas regras de pedagogia mandam fazer isto, não é? partir do conhecido para o desconhecido. + +Falou-me há bocado de… de… muito rapidamente, da maneira como os cabo-verdianos falam o português. Eu gostaria que aprofundássemos um pouco esta questão … que retomássemos… + +da maneira como falam, ou dos momentos em que falam? + +Não. Não. Do modo como os cabo-verdianos falam o português. Falou-me, por exemplo, em correcções, em … + +ahn. isso eu estava a falar da minha opção, das escolhas que eu faço, de vez em quando. porque eu penso… quando faço as opções é que eu estou avaliando a situação do meu interlocutor. + +Agora estou a falar… de um modo geral, como é que acha que os cabo- verdianos falam o português? + +mal. em princípio falamos mal o português. falamos mal, se a gente for comparar com o modelo padrão. + +Que é? + +queé o português português. + +Europeu? + +europeu claro. mas tirando isso, é normal. eu costumo dizer, eu não tenho nada que falar como o Alexandre Herculano. quando oiço alguém dizer uma coisa que está errada ou cometer um erro … nós temos uns erros de simpatia em português … como o uso dos pronomes e o uso do conjuntivo. são coisas em que nós temos muita dificuldade… eu costumo dizer… mas também nós não somos obrigados a falar como o Alexandre Herculano. porque é que a gente tem de falar como o Alexandre Herculano? claro também eu posso dizer… nós podemos falar como o José Lopes, falar como outros cabo-verdianos do passado que falaram muito bem esta língua. eu acho que dá trabalho Amália. eu acho que dá trabalho dominar esta ferramenta que é a língua portuguesa. éuma língua que não é fácil, dá trabalho e implica muita leitura, implica muito estudo. as pessoas não estão para isso. não estão para isso, e então fazem formações universitárias e muitas vezes não conseguem expressar-se em português correcto, - eu acho isso mau, porque se fosse inglês ou francês, eu também estava achando mau. Santo Deus, a pessoa estudar uma data de anos, e fazer… ter diplomas universitários com altas classificações e não poder dizer aquilo que quer naquela língua… eu acho mau. + +Portanto, se eu percebo bem, acha que os cabo-verdianos deviam procurar falar como… + +pois. como, não. procurar falar o português correcto, não é como ninguém, é o português correcto. + +E esse português correcto, seria o quê? + +é o português correcto, não é Amália? é o português que não tem, que não tem problemas com os conjuntivos, que não tem problema com o pronome lhe, que não tem problemas com o pronome reflexo. + +Digamos, com as regras do português europeu? + +leitura, leitura. eu acho que português é um só. é uma língua. e é um só. nós podemos é usar palavras, construções talvez, expressões diferentes, de acordo com a nossa realidade, como no Brasil se usa e não sei quantos… sei que no Brasil, eles lá têm o português do Brasil que eles utilizam e que está oficialmente decidido que é a língua padrão para eles, mas... + +Admite esta possibilidade...? + +mas nós não temos (?) nós podemos ter uma língua padrão nosso. um português padrão nosso. nós podemos. + +Acha…? + +podemos sim. admito. se o Brasil tem, porque nós não podemos também? Angola também tem um português bastante diferente do nosso…diferente do de Portugal e diferente do do Brasil. mais próximo do do Brasil que qualquer dos outros. + +Certo. + +portanto tudo isto é possível. + +Admite esta…? + +admito. até porque na nossa literatura nós vemos qual é o português que nós escrevemos na nossa literatura. o nosso português é um português mestiço, lindo por acaso. eu não tenciono abrir mão dele. + +Para terminar, eu deixo-a à vontade para fazer algum comentário sobre as questões anteriores que eu lhe coloquei, ou mesmo se tem pensado em alguma questão que eu possa não ter aflorado, mas que gostasse de tocar, pronto. Esteja à vontade. + +(?) pensar assim de repente… + +Se tiver, também… + +realmente os comentários que eu ia fazer parece-me que eu já toquei neles, - que era esta parte de deixar a língua sozinha. deixá-la. deixá-la sem muita norma, sem muito decreto lei. normas, sim senhor, tem que ter porque língua, para ela avançar, ela tem de ir procurando as normas lá na sua própria maneira como vai avançando no terreno. ela sozinha vai avançando. a língua tem uma dinâmica, uma dinâmica que vai aparecendo no decorrer da nossa vida, no decorrer da evolução do nosso país. em tudo isso a gente vai vendo a dinâmica que a língua está está a passar. eu preferia que tudo isso fosse deixado um pouco mais à vontade. não é largado no mundo sem mais nem menos, não. os técnicos, os especialistas continuam a trabalhar. eu até há tempos ouvi uma coisa que achei interessante que é começar pelas universidades. eu acho óptimo esta, esta abordagem começar pelos técnicos, por aqueles que percebem de linguística, que sabem o que é que vão fazer. sem pensar na política, sem pensar nos votos, sem pensar nessas coisas. isso é que eu gostaria que fosse feito. uma coisa mais natural, mais de acordo com com o caminho normal que qualquer língua segue. eu acho que qualquer língua, todas as línguas já passaram por isso. eu lembro-me de ler, ter estudado na História, quando num dado momento, não sei que rei foi aquele que decretou que a partir dali não se usava mais Latim, mas usava-se português, em Portugal. e aquele português era um português esquisitíssimo, que nós ainda hoje quando pegamos, achamos piada por várias razões, inclusive pelas palavras parecidas com as nossas que a gente encontra lá. + +Certo. + +mas eu acho que todas as línguas passam por este aspecto da formalização, quase obrigada, quase determinada por alguém. enfim é uma fase que eu não acho tão interessante, que eu não acho tão agradável mas que parece inevitável. e parece que nós também vamos ter de passar por isso. + +Mas diga-me só uma coisinha… acha que esta questão linguística está a ser politizada, ou não? + +eu acho difícil os políticos não politizarem as coisas. acho muito difícil, que dizer, não é humano. aliás, é humano ele politizar. o político quando está a fazer qualquer coisa, pensa em várias vertentes. não está a pensar só no bem público. nós todos sabemos disso. pensa no bem próprio também, ou da classe - digamos. e... acho que isso poderá ter, se for o caso… não vou confirmar, porque não tenho meios para fazer este tipo de afirmação. se for o caso, eu acho que isto poderá ter interferências na nossa maneira de convivermos uns com os outros. e isso eu jamais perdoaria ninguém. + +X, muito obrigada, mais uma vez, por ter acedido a esta conversa que foi tão interessante. 1Sanpadjudo é a designação em crioulo, do natural das ilhas de barlavento. 3Omitida designação do ministério 4Tradução para português, Ó Deus, cuide desse menino para que ele não seja atropelado por aquele carro! Da LCVdjobe, procurar em LP. variante de Santiago e a segunda na de barlavento. 7Crioulização de “cash or body”, expressão utilizada, ao que se diz, por cabo-verdianos retornados dos EUAquando assaltam pessoas e estendida ao acto. 8Escritor e ensaísta cabo-verdiano" +INF6.wav,"Senhor X, muito obrigada por ter acedido a este meu convite para participarmos nesta conversa. Eu gostaria, em primeiro lugar, de saber se antes de entrar para a escola, já tinha aprendido o crioulo ou o português? + +não. o crioulo era o que falávamos em casa, e que ainda hoje todo o mundo fala. por conseguinte, a língua portuguesa nós só aprendíamos na escola --a partir do momento em que entrávamos para a instrução primária. + +Mas já ouvia o português? + +sim, claro. + +Podia falar um pouco disso? Como é que ouvia, de onde e com que frequência? + +porque como sabe, muito embora o cabo-verdiano se expresse, de um modo geral, em crioulo, nós aprendemos a falar primeiro a língua portuguesa, que é aquela aquela aprendizagem musical, com os nossos pais. + +A língua portuguesa? + +sim. com os nossos pais… os nossos pais sabiam falar português. + +Os seus pais falavam português consigo em casa? + +sim-falavam. + +E falavacom eles em português? + +falava português e crioulo. as duas coisas, conforme a maré, não é? + +E na comunicação social…Digamos então que aprendeu o crioulo e o português ao mesmo tempo, em casa com... + +não. não. porque inicialmente, como todo o mundo aliás, nós falamos português, crioulo. depois é que o português aparece naturalmente. viemos para a escola e toda a escola era processada em português. + +Mas já tinha contacto com o português antes de ir para a escola, em casa. Tinha percebido que falava com os seus pais... + +nem por isso. nós aprendíamos a falar português verdadeiramente com os professores. eu tinha um professor que era português, chamado Arcádio Henrique Fernandes. e... os outros eram também portugueses. + +Neste momento, em casa e com os seus amigos o que é que usa normalmente? + +eu, por exemplo, falo ora crioulo ora, português. depende do meu interlocutor. se é uma pessoa que se exprime em crioulo, eu falo com ela em crioulo. se fala português, respondo em português. + +Mas normalmente, em casa,com os seus familiares...? + +em casa, com os familiares, falo crioulo. + +Normalmente? + +falo crioulo sim. + +E com os amigos? + +com os amigos depende. depende do assunto. e... mas quando é um assunto muito sério a gente fala em português. + +É isso que eu estou a querer saber… + +quando é um assunto muito sério. + +Podia falar um pouco disso, digamos as suas (?), com quem e como é que escolhe? + +eu tenho um amigo, por exemplo que me diz. eu, quando vou ao interior, da ilha, se quero ser bem atendido, só falo o português. e de facto é uma coisa que dá resultado. eu já reparei nisso. + +Como assim? Fale-me um pouco disso… + +eu…sempre… a minha primeira abordagem é geralmente em português. + +Quando se dirige a alguém? + +sim. é sempre em português. vendo a pessoa como é, como não é, e assim posso continuar a falar português, ou falar crioulo. quer dizer, eu não… eu não… eu não tenho o mínimo propósito de falar a língua portuguesa ou a língua crioula. não. tudo depende das circunstâncias. tudo depende dos interlocutores. + +Queria que me falasse um pouco dessas circunstâncias e desses interlocutores de que depende falar uma ou outra. + +não. mas, como eu digo. a abordagem que eu faço é para um ou outro assunto. eu posso falar em crioulo, para mim é indiferente falar o crioulo ou em português. mas como eu disse, geralmente a abordagem é feita em português. eu é que faço isso. até porque, eu agora se falo muitas vezes a língua portuguesa é porque eu estive 16 anos em Moçambique, onde tinha necessidade mesmo de me servir da língua portuguesa. sim, porque aí não se fala crioulo. e a língua nativa é TANTA que o indivíduo não… às tantas tem mesmo que falar o português. + +Certo. Como é que considera ser a sua proficiência, o seu domínio do crioulo e do português? Estou a pensar em falar, ler, escrever. + +bom. eu para me expressar em crioulo ou em português não penso. eu considero-me uma pessoa bilingue, em qualquer circunstância. tudo dependendo, como disse, da pessoa com quem eu vou falar. não penso para dizer. às vezes nem sinto se estou a falar. é um acto reflexo, se quiser. nem sinto se estou a falar o português ou o crioulo. sai. se me vier perguntar, em que termos é que se dirigiu ao fulano de tal? , não sei. ou em crioulo ou em português. + +Eler e escrever em crioulo? + +não. não escrevo. + +Nada? Nunca tentou escrever em crioulo? + +não. não escrevo. E ler em crioulo, já leu alguma coisa? comecei a ler, mas nunca terminei um livro. + +Que dificuldades é que teve? O que é que fez …? + +eu tinha de soletrar primeiro. eu tinha de soletrar para depois ouvir o som do que eu disse e depois compreender. dava muita canseira. lembro-me dum, do primeiro livro em crioulo que eu TENTEI ler. não passei da segunda página, - o livro chamava-se Lzimparin1, não consegui, pus de parte. vários outros livros, nunca consegui ler em crioulo. NUNCA. e muitas pessoas também experimentam a mesma dificuldade. sobretudo agora… agora tornou-se mais difícil porque criaram um alfabeto… o...: + +OALUPEC. + +o tal ALUPEC. sim. com umas transcrições fonéticas esquisitas, em que tentam fugir da origem das palavras… + +Não… pode...esteja à vontade para falar sobre isso. + +não. não. eu não sei… eu parece-me que eu nunca escreverei em crioulo. + +Mas porquê? + +escrever agora em crioulo é como se eu fosse agora aprender o russo. é comparável. bom. é certo que escreveria em crioulo com mais facilidade do que russo. mas, com a idade que eu tenho, digamos assim, não penso escrever senão na língua portuguesa. + +Certo. Fala… fala crioulo de que ilha? + +daqui da Praia. de Santiago. + +E quando se desloca às outras ilhas? + +continuo a falar crioulo ou português. + +Qual é o resultado…? Crioulo ou português. + +sim, crioulo ou português. crioulo ou português. tudo dependendo da pessoa. + +E quando fala em crioulo, como é que as pessoas das outras ilhas reagem? Têm dificuldade em compreender? Não têm? Como é que... + +((risos)) eu vou lhe contar uma história interessante porque eu tomei parte numa grande polémica sobre a língua crioula. muitas pessoas me apoiaram. e um dia estando em São Vicente a tratar dos dentes com o doutor F1... + +Não. Acho que ele não é Z (apelido referido pelo informante. Não me lembro. Mas sei. Conheço a pessoa… + +doutor F1. de São Vicente. ele seguia de perto a polémica que o jornal reproduzia regularmente e disse-me assim, olhe, sabe ó X quem é que esteve aqui noutro dia, sentado onde você está?  eu disse. não não. F22. ele vinha de Santo Antão e disse-me que uma senhora pediu-lhe uma audiência. sim senhor. a senhora começou...a senhora era de Santo Antão. começou a falar no crioulo de Santo Antão. ele disse… disse o F2 para o médico. eu não percebi nada e tive de me socorrer do... F33-- do...F3. ele acrescentou. isso só para dizer que eu lhe dou todo o meu apoio nessa polémica que eu tenho seguido pelos jornais. porque, de facto, não é fácil pôr… criar um crioulo padrão. eu tenho para mim que que é muito difícil estabelecer um crioulo padrão. até porque se os falares divergem de ilha para ilha …e se eu puser um indivíduo, suponhamos do Engenho, de Santa Catarina, a falar com uma pessoa de Garça, de Santo Antão - o entendimento seria difícil, ahn?. seria difícil. e nem sei mesmo se se entendiam. + +Pessoalmente já passou por alguma experiência difícil… de não ser compreendido… ao usar o crioulo de Santiago? + +não. não passei até porque... eu já ouvi pessoas da… do Engenho a falar. aquele crioulo fu...ndo que um indivíduo acaba por perceber só por causa como direi, dos substantivos. mas aquelas… as flexões verbais é que dão cabo de tudo. + +Diga-me uma coisa, de um modo geral, acha que exprime melhor as suas ideias em português ou em crioulo? + +é indiferente. é indiferente. eu não tenho dificuldade em me expressar em português ou em crioulo. + +Há bocado disse-me que isto não depende… Há bocado disse-me que escolhia falar em português ou em crioulo dependendo das pessoas, do assunto, dependendo das circunstâncias. + +sim. depende das pessoas e circunstâncias. + +Portanto, isto não se realiza relativamente à sua possibilidade de exprimir melhor as suas ideias? Portanto, exprimir melhor as suas ideias não depende das pessoas, dos assuntos e das circunstâncias? + +não. não. eu, olhe, depois de muitos anos em Moçambique… eu cheguei aqui e só falava português. cheguei aqui com aquela embalagem de Moçambique. mas decorrido tanto tempo sobre a minha chegada, falo, em regra, o crioulo. falo, em regra . + +E como é que se sente quando fala o crioulo? + +não. não sinto nada. estou à vontade . + +Igualmente para o português? + +sim. sim . + +Senhor X-eu gostaria que pensasse nas três pessoas... + +uhn? + +nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar… se puder... + +se eu posso indicar? + +Pense. Pense nessas pessoas. E fale do seu perfil, idade, sexo, actividade, grupo social… + +olhe. para já uma pessoa com quem estou falando ultimamente é o senhor F44. + +Normalmente...pessoas com quem mais interage normalmente… + +sim. o nome mesmo? + +Não. Não. O perfil. O perfil. Sexo, idade, grupo social. E se fala com essas pessoas, em português ou em crioulo? Fora do seu círculo familiar. + +aí que está. eu não me lembro. não me lembro porque tanto posso falar crioulo como português. eu estou por exemplo todos os dias no sítio onde me encontrou antes, naquela esplanada. tem o F55- com quem trocamos impressões… + +Em português ou em crioulo? + +muitas vezes… não. quando tratamos de assuntos linguísticos nós só falamos em português. + +Também é músico. Se calhar fala de música… + +sim. eu tenho também... eu falo muito sobre música. falo muito sobre música. mas sinceramente, já não… não sei se falo em crioulo… quando falo de aspectos linguísticos, por exemplo, construções de frases, obviamente não vou falar em crioulo. mas é muito difícil vir dizer agora quando é que eu falo em português, quando é que eu falo em crioulo. + +Ainda pensando um poucos nessas pessoas, nas pessoas com quem mais fala. já me disse que com o F46 fala de assuntos linguísticos e em português. pense nos assuntos de que fala com as pessoas... + +por exemplo, falo com o F6 de todos os assuntos. ele é das pessoas com quem me privo diariamente. falamos ora em crioulo ora em português. como digo, depende... depende … + +E, essa pessoa é cabo-verdiana? + +sim cabo-verdiana. sim. é primo do X. ((Informante 8)) + +Retomando a questão de falar crioulo ou português e pensando nas pessoas. Falar crioulo ou português com as pessoas depende do seu grau de familiaridade, da proximidade afectiva, do estatuto social dessas pessoas, ou não? + +sim. porque, conforme disse, em regra falo crioulo. falo em crioulo. só falo em português em casos transcendentes e que... por exemplo, com a empregada doméstica não vou falar português porque seria dificuldade para ela, e eu tenho de falar em crioulo. com a minha irmã falo crioulo. com todos só falo geralmente o crioulo. + +Então fale-me só um pouco dessas circunstâncias em que fala português? + +não. eu, eu falo, eu falo português quando, por exemplo, há uma terceira pessoa que chega a casa, chega à minha casa e que, de qualquer maneira - a gente mal conheça e que… se exprime em português. e aí pronto, estabelece-se a corrente e vamos falando . + +Certo. E existe um fim especial para o qual usa o português ou o crioulo? Estou a pensar em coisas como exprimir os sentimentos rezar ou orar, conforme a sua... por exemplo quando discute alguma questão… + +bem, como sabe as orações são todas em português. as orações são em português. aquelas orações que se ouve, que se aprende, são todas elas em português. + +Num dia… pense na última semana. Falou mais português ou crioulo? + +mhm. mhm. é muito difícil de avaliar. + +Igualmente? + +é muito difícilde avaliar. + +Num dia… normalmente… + +eu digo-lhe... se me perguntar se hoje falei português com alguém, eu tenho que pensar muito. sim. pensar muito. + +Ok. Gostaria que me referisse três circunstâncias ou alguma circunstância em que habitualmente fala crioulo, mas gostaria de falar português, ou vice-versa. Acontecem situações dessas? + +não. não. + +Não? + +eu só lhe digo, quando eu estou falando de assuntos linguísticos eu nunca utilizo o crioulo . + +E assunto musicais? Quando discute questões musicais. Sei que é que é músico. + +depende. depende porque há músicos que são pessoas com pouca instrução, de forma que… eu, por exemplo, desloco-me a São Domingos, onde há um grupo de rapazes que gostam de música e aí não falo o português. só falo o crioulo com eles. ontem, por exemplo, apareceram em minha casa duas pessoas que me pediram uma colaboração porque vão editar um livro sobre o Ano 7Nobu, e falámos só em crioulo. e nem fazia sentido que eu falasse com ele… com eles português. + +Quando discute com pessoas… é uma pessoa de intervenção, tem artigos nos jornais sobre questões sociais… quando discute questões sociais, ou da política diária, digamos assim… quando discute, isso é em crioulo ou português? + +repare. assuntos sérios geralmente é em português. assuntos muito sérios. + +Certo. Voltando à questão de… se está a falar com alguém, em crioulo ou em português, diz que a chegada de uma outra pessoa o pode fazer mudar… depende… + +sim. naturalmente. naturalmente. naturalmente porque, como eu disse - eu sou um indivíduo que fala indiferentemente o crioulo ou o português. de maneira que tudo depende da ocasião, do assunto e da pessoa com quem falo. + +Eu só estou a querer que me detalhasse um pouco mais… como diz que depende da pessoa, depende do assunto, se pudesse especificar um pouco para clarificar… depende de que pessoa para que pessoa, depende de que de assunto para que assunto… para eu entender melhor, agradecia… + +porque eu tenho uma coisa. eu deixo a iniciativa da língua ao meu interlocutor. deixo a iniciativa. se me falam em crioulo, falo em crioulo. se me falam em português, falo em português. + +Senhor X muito obrigada. Eu vou lhe perguntar agora, o que é que acha do crioulo? + +o que eu acho do crioulo? + +Há muitas pessoas que fazem várias afirmações sobre o crioulo. + +eu adoptei uma posição crítica em relação ao crioulo porque até foi objecto de comunicações. + +Fale-me disso. + +porque, por exemplo, dizem que actualmente na universidade de Aveiro há aulas de crioulo. eu pergunto a mim mesmo qual é o critério dessas aulas em crioulo. se a língua padrão não está ainda (?). não está estabelecido. + +Certo. + +em certas comunidades também o crioulo é falado. nos Estados Unidos da América. + +Ensinado, quer dizer? + +sim. ensina-se. ensina-se o crioulo. estou-me a lembrar por exemplo da F88… + +mhm. Conheço. + +também foi minha colega no [  ], mas eu sei… eu gostaria de assistir uma aula para saber em que crioulo é que falam. porque se é certo que o Dr. Baltasar disse uma vez que a língua que considera… considera mais rica no nosso mundo crioulo, é o crioulo de Santiago… mas… daí até dizer-se que se vai impor uma escrita do crioulo, crioulo de Santiago, uhn… não vejo como é que as pessoas de Barlavento encarariam esta situação... já uma vez falando com F99 a propósito desta minha posição, escrita, ele disse-me. estive a ler aquele teu artigo e de facto, de facto isso de se falar, de obrigar um aluno numa escola a aprender o crioulo… um aluno em São Vicente a aprender o crioulo da Praia... X, tu tocaste aqui numa ferida que eu não sei. + +Certo. + +porque o F1010 é o é o grande e quiçá o único impulsionador da língua crioula. e é graças a ele que o crioulo tem conquistado alguns espaços. mas vai levar muito tempo para a sua verdadeira progressão. até porque… não havendo um crioulo padrão, não estando estabelecido, é difícil… + +Então acha que se deveria estabelecer um crioulo padrão? + +ah. isso só os estudiosos na matéria é que poderiam dizer. eu – sinceramente, não sei. + +Ainda sobre esta questão… tenho ouvido assim algumas afirmações… há pessoas que acham que o crioulo não tem gramática, não tem regras. Há outros que, pelo contrário, acham que sim, que é uma língua. O que é que pensa disto? (…) + +eu vou lhe dizer isso e tenho dito isso… e tenho dito nas minhas tertúlias, aí pelos cafés. eu digo. olha, a gente ouve tantos erros ditos em português, que a melhor solução é de facto falar crioulo em que não há REGRAS e a gente fala como quer e ninguém vai dizer, eh, não se diz assim! . e como o cabo- verdiano gosta de facilidades, o crioulo está mesmo a calhar. + +Então para si o crioulo não tem regras? + +ainda não. pelo menos não conheço. não. ainda não conheço. para já - o F8 [  ], ele está no seu direito. ele desde que chegou a Cabo Verde tem estado a trabalhar precisamente neste aspecto. + +Está a referir-se a[ ]? + +[  ]. sim. mas ele, quando publicou aquela gramática, ALUPEC, terá dito que em Cabo Verde só existe um crioulo. + +O que é que acha disso? + +o que é que eu acho? eu acho que é uma barbaridade dizer-se isso. só existe um crioulo. eu pergunto. mas afinal o que é o crioulo? isso faz-me lembrar a história daquela mãe que foi assistir a uma parada militar e reparou que só o filho dela é que não tinha o passo trocado. + +Porque é que acha que não existe um só crioulo? + +não. sabemos. todo o mundo sabe que não existe um só crioulo. + +Fale disso, por favor… Qual é a sua opinião? + +não. então. em São Vicente fala-se de uma maneira, em Santiago fala- se doutra, no Fogo fala-se de outra maneira, na ilha Brava também fala-se. e assim sucessivamente. + +Para si, algum desses crioulos será o verdadeiro crioulo? + +Batasar Lopes da Silva disse que o crioulo de Santiago é o mais rico. e para qualquer estudo o crioulo de Santiago é que era o ideal. + +e o português? + +uhm? + +E o português? O que é que acha do português? + +olhe, a língua portuguesa para mim está em crise em Cabo Verde. veja a quantidade de licenciados que regressam ao país. ora, se muitos deles vão cursar, num país lusófono, está muito certo. mas aqueles que vão estudar noutros países, regressam com os conhecimentos da língua portuguesa que tinham quando daqui partiram. e como fica mal um licenciado dar erros em… falando. a melhor solução é falar crioulo. é um escape. é só ouvir uma entidade, estou a dizer entidade para não perceber qual é o sexo. + +Certo. + +eu já ouvi uma entidade que começa uma intervenção desta maneira. a honra que me cabeu… e essa entidade estava ligada aos serviços de educação. porque o… a língua portuguesa tem que ser estudada. e hoje em dia, qual é o aluno que vai se debruçar sobre a língua portuguesa, para estudar o caso das regências, o caso… mesmo das simples flexões verbais? não. + +Eu não percebi bem uma questão. Acha que as pessoas, então, estão a preferir falar o crioulo por não saberem o português, é isso? + +sim. sim. porque o português é difícil. e com mais facilidade expressam-se em crioulo e pronto. + +Acha que o crioulo é mais fácil do que o português? + +sim. + +Voltando a esta questão de… da maneira como os cabo-verdianos falam o português. Então, o que é que acha desta maneira como os cabo-verdianos falam o português actualmente? + +não, mas (...) os cabo-verdianos não… não estudam, como disse há pouco - a língua portuguesa. não estudam. e de resto pode ver que as notas também são fracas nos liceus. eu vejo nos meus filhos. porque muitas vezes o simples facto de se falar português já facilita muito. hoje em dia… eu lembro… por exemplo, o meu filho… eu disse. olha lá, hoje fui ao cinema. analisa sintacticamente esta expressão – começou. hoje, não. eu vou ao cinema. Sujeito, eu. predicado, vou. ao cinema, complemento directo. eu disse – o quê?! complemento directo?! tu sabes o que é complemento directo? ele não sabia. + +Para si… + +mas olhe, também não admira. não admira porque há tempos eu fui re- writer de um jornal aqui, e eu perguntei a um jornalista se o verbo beneficiar era transitivo ou não. sabe qual foi a resposta? Senhor X troque-me isso por miúdos. está a ver? não. não. dantes via-se com pormenor. estudava-se tudo para saber o porquê das coisas. + +Resumindo, como é queacha que os cabo-verdianos falam o português? + +como é que falam? quando falam, falam mal. + +E o que é que seria para sifalar bom português? + +uhm. é…basta seguir as regras gramaticais que existem. aqui por exemplo, quando... eu noto, quando numa frase colocam, suponhamos, um adjectivo verbal no começo, esquecem-se da concordância. sobretudo da concordância que é uma coisa muito difícil, do particípio passado. + +Certo. + +há pessoas que não ligam a isso e têm a tendência para pôr TUdo no singular masculino. + +Já esteve em Moçambique, conhece o português europeu, o português brasileiro. Como é que acha que os cabo-verdianos deviam falar português? + +os cabo-verdianos quando vão ao Brasil, quando vão ao Brasil estudar, têm algumas dificuldades, talvez. mas FELIZ-MENTE, como só falam o crioulo entre eles, convivem com pessoas que falam português, falam português - brasileiro. e já dão algum passo positivo. mas o pior é quando, é quando um aluno vai a um país francófono, por exemplo. regressa. aprende sempre mais uma língua. + +Certo. + +mas quando chega aqui, como tem que falar o crioulo ou o português, opta por português nas repartições – etc., etc. e comete erros. comete erros porque também o nível de ensino da língua portuguesa cá não é tão elevado como se desejaria. + +Admite que os cabo-verdianos possam falar português como os brasileiros então? Poderiam? Não percebi bem. + +podem. evidentemente que podem. é evidentemente que podem. porque um cabo-verdiano por exemplo que vai a Portugal frequenta a universidade... + +Mas o ideal, qual seria? O ideal digamos…como é que seria o ideal de os cabo-verdianos falarem...? + +não. o ideal é que estivesse numa casa onde se falasse só português. e que apanhasse pelo menos a música. e depois vai aprender porque é que se diz isto mais aquilo dessa maneira. + +Tem a ver com os sons, as regras? + +sim. sim. sim. + +Sons que não… que não se confundissem com o crioulo? + +pois. eu tinha uma colega no Ministério de Negócios Estrangeiros que foi tirar um curso de inglês, em Londres. e ela dizia-me que teve dificuldades, é certo, para aprender o inglês. mas o que é que fizeram? + +mhm mhm + +puseram-na numa casa de súbditos ingleses, de maneira que ela tinha, passe o termo, que se desenrascar em inglês. e só assim é que aprendeu de facto a língua. mas eu considero que uma pessoa só domina uma língua, quando conseguir contar uma anedota. doutra forma (...) + +Ainda não… O que acha das pessoas que habitualmente falam o crioulo, só crioulo? + +bom. temos de ver que há dois tipos. há um tipo de pessoas que se julgam nacionalistas e falam só o crioulo. e falam até um crioulo aportuguesado. + +Certo. + +e há outro crioulo das pessoas de baixo nível. porque todas as pessoas de baixo nível, social, intelectual, um camponês por exemplo, só fala o crioulo. o Ano Nobu, esse compositor musical que morreu há um ou dois anos, veio um dia perguntar-me se eu achava que os filhos fossem à escola para aprender a falar crioulo. ele disse. porque o crioulo, aprendem connosco em casa. eu quero que o meu filho vá à escola e que aprenda uma língua de comunicação para poder falar lá fora com outras pessoas e não estar com o crioulo que só serve dentro de casa. eu disse. de facto, tem razão. + +senhor X, acha que o crioulo é para determinadas pessoas, para determinadas circunstâncias e o português para outras? + +sim. + +Fale-me um pouco disto. + +até certo ponto. + +Fale-me um pouco disto. + +porque eu… eu… como eu disse. uma pessoa humilde, iletrada não sabe falar português. quer dizer, entende. mas tem dificuldade em falar. por conseguinte… essas pessoas a gente encontra a qualquer momento. desde a nossa empregada… passando por outras pessoas que não falam o português porque não sabem de facto. + +Como é que vê o desenho desta situação, o crioulo ou o português em Cabo Verde? + +não. não. eu para mim acho que temos de… de adoptar o bilinguismo. eu digo isso porque, quando tomei parte numa polémica sobre a língua crioula, eu tive acesso a um estudo que falava da erradicação da língua portuguesa em Cabo Verde. + +Que estudo é esse? + +ahn? + +Que estudo é esse? + +eu tenho isto algures. mas era um estudo cáustico. que punha em causa a língua portuguesa e dizia mais ou isso – com este golpe desferido à língua portuguesa...  quer dizer, aquilo funcionava com uma balança. e o articulista não admitia a coabitação, digamos assim, do crioulo e do português. isso foi nos… nos anos 80. + +Senhor X, o que é que pensa desta coabitação? Tem futuro? + +não. eu acho que que que deve haver coabitação. agora sermos radicais também não. + +Como é que seria esta coabitação? Como é que… a sua opinião…? + +não. deixar tudo ao arbítrio das pessoas. + +Como assim? + +agora. fazer-se um estudo para a erradicação da língua portuguesa… sabe como é que isso terminou? terminou porque [  ] nessa altura, que era o X ((INF.8)), disse não. [ ] sim. estiveram. porque quando... porque se falou na erradicação e estabeleceram um prazo para se consumar essa erradicação. era o ano 2013. ou seja, daqui a 7 anos. sabe, não sabe, quem é que escreveu isto? este este trabalho é da autoria... oh my God! eu estou a ver o homem. até pedi que me mostrassem. F1111--não sei se conhece? + +Conheço. Conheço. + +e esse texto está publicado. mas isso há uns 20 anos pelo menos. há uns anos pelo menos. + +Neste momento temos o crioulo, temos o português. Já percebi que acha que se devia continuar a usar o crioulo e o português em Cabo Verde. Só queria que me detalhasse um pouco mais. Porquê e para quê? Para quê o crioulo e para quê o português? + +porque... + +Falta alguma condição? + +ao fim e ao cabo… ao fim e ao cabo, eu digo devemos falar o crioulo, porque dizer que não, era como se tentássemos impedir que o rio corresse para o mar. e falar português. português é uma língua que nos transporta para outros horizontes. porque, o crioulo nós vamos falar aqui na terra e nas comunidades lá fora. enquanto que o português já nos dá novos horizontes. + +Certo. + +acho que é apenas esta questão. + +Acha que o crioulo deveria ser usado para ler e escrever? + +se penso…? + +O crioulo deveria ser usado para ler e escrever? + +pode. porque seria uma maneira de enriquecer aquilo que nós chamámos durante muito tempo por dialecto. enriquecer. + +Acha que o crioulo é um dialecto? + +não. foi um dialecto. agora… AGORA aumentou de estádio. agora passou a ser língua. + +Porquê? Como é que se dá esta...? + +não. por razões, por razões meramente políticas. razões meramente políticas. porque a gente compulsa textos antigos de Baltasar, da F1212, e qualquer deles fala da do crioulo como dialecto. + +Certo. + +qualquer deles. agora, pode ter um estatuto diferente. isso é… está no querer. + +O que é que acha disso? + +que se eleve. que se eleve. eu acho bem. + +Porquê? + +não em prejuízo… não em prejuízo da língua portuguesa, como se pretendeu. + +Certo. + +porque por exemplo, vamos à Holanda, o inglês é que é a língua que se fala ainda na hipótese de ninguém perceber holandês. na escolarização é obrigatória a aprendizagem do inglês. assim como eu fiquei… eu fiquei… estupefacto quando vi aquele artigo em que falava da erradicação pura e simples da língua portuguesa. + +Entendo. Senhor X, estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo? + +que remédio. que remédio. o cabo-verdiano… o cabo-verdiano... o... depende também… mas, falo de um modo geral. o cabo-verdiano para se identificar, socorre-se do seu crioulo. em qualquer ponto do globo onde esteja, - mas eu também conheço cabo-verdianos que nem admitem que se lhes lembre as origens. + +Como assim? + +sim. porque só falam o português (?) + +O que acha dessas pessoas? + +não. isso eu não vou… + +Não quero nomes, naturalmente. De não gostar de falar crioulo? + +eu não me refiro sequer a citar nomes. mas isso... depende da personalidade. + +E o que é que acha disso? + +eu acho que um indivíduo não deve negar aquilo que é. não deve negar as suas origens. é como um indivíduo gostar de ser branco ou gostar de ser preto ou gostar de ser isso ou aquilo… e não gostar do que é. + +E a questão inversa, ser cabo-verdiano e recusar falar português? + +isso depende geralmente do local em que o indivíduo esteja a residir. porque eu vejo no meu caso, eu estive muitos anos em Moçambique. era eu e a minha mulher, depois começaram a crescer os meninos, nós só falávamos, só falávamos português. com o criado, com o cozinheiro, com os funcionários nossos colegas. só podíamos falar português. agora, numa comunidade, um indivíduo tem de falar ora a língua do sítio onde está, e quando encontra um conterrâneo... ah!, aquilo até cai bem. + +Acha que se deveria ensinar a ler e a escrever crioulo nas escolas? + +a partir do momento em que houvesse um crioulo padrão. não é deixar como está. porque para mim deixar como está não passa de arranjos cosméticos que desaparecem, de um momento paraoutro. + +Com que pessoas acha adequado falar o crioulo? + +eu já lhe disse. já lhe… por uma questão de comunicação, se uma pessoa... porque geralmente as pessoas iletradas só falam o crioulo. + +E assuntos, acha que há assuntos que só devem ser tratados em português? + +olhe. eu… eu, numa repartição pública, sempre falei português. + +E o que é que acha se, por exemplo...? + +sempre falei português. isto é uma coisa que advém da… da estrutura que eu encontrei desde o tempo colonial. numa repartição pública, a gente expressa- se em português. + +Portanto, acha que nas repartições públicas deveria ser o português, é isso? + +hoje em dia dizer-se também que devia ser o português é… é a mesma história. era ir contra a corrente. é ir contra a corrente. porque da maneira como isso está, não vai mesmo regredir, isto é, impor... ninguém ia impor que se falasse em português. se não cairia no ridículo. as pessoas falam aquilo que bem entenderem. + +Acha que… já nos referimos vagamente a isto… mas queria que precisasse um pouco. Acha que o crioulo deve ser oficializado? + +já está. o crioulo já está oficializado. já está oficializado. agora faltam aqueles retoques para... + +O que é que acha disso? + +mhm? + +O que é que acha disso? + +eu já tive a oportunidade de manifestar os meus pontos de vista sobre isso, - os livros didácticos… os livros didácticos seriam todos em português ou passariam a ser todos em crioulo? é a primeira coisa a fazer. os diferentes livros - por exemplo, um compêndio de química, um compêndio de física, um compêndio de filosofia e todos os diversos compêndios que existem, seriam todos em crioulo? aí… isso vai… vai ser um caso sério. + +Porquê? + +os gastos. os gastos que isso vai ocasionar. + +Mas, noutros aspectos, teria alguma utilidade, ou não? + +seria? + +Em outros aspectos, de outros pontos de vista, teria alguma utilidade? De alguma forma, os gastos valeriam a pena? + +não. isso é só para… para que o nosso orgulho ficasse mais ou menos acalmado. sim. porque tudo o que há neste momento é que a língua crioula tenha um estatuto que a dignifique. + +Certo. + +acho muito bem. agora, a sua não unificação não será para os nossos dias -não. não será para os nossos dias. + +E no caso da oficialização do crioulo, acha que o português deveria continuar com que estatuto? + +eu tenho muitas dúvidas se… se o crioulo devia destronar a língua portuguesa. bom. sim. + +Concretamente? + +quer dizer, para passar a ser a língua primeira em detrimento do português. + +Como é que vê… desenha essa situação? O ideal para si…? + +que a coisa marche como está. + +Ou seja? + +ou seja, o português a língua… a língua oficial e o crioulo a língua segunda. em vez de ser o contrário. + +Língua segunda significaria o quê exactamente? + +língua segunda… eu já fiz esta pergunta sobre a língua segunda. quer dizer… + +Quando diz, o crioulo como língua segunda... + +sim. quando… quando digo língua segunda, quer dizer, que se pode, ao mesmo nível do crioulo, fazer-se uma nota. eu até... + +Não percebi… ao nível do crioulo? + +eu já fiz essa pergunta. se, sendo o crioulo uma língua segunda, se a gente, por exemplo, pode fazer uma nota em crioulo. em que se dizia… até fizeram chacota com isso… porque em português a gente tem aqueles carimbos, chamemos assim, carimbos. junto se envia. 13olim ta envióbe, alim ta mando’u. até que ponto é que isso não provocaria um certo, uma certa chacota -na nossa língua? + +mhm mhm + +porque o cabo-verdiano gosta de fazer chacota. agora imagine numa repartição fazer uma nota em crioulo para outra repartição, 14Ali N ta mando’u - ou, Ali’ N ta envia’u. ou coisa parecida. porque de qualquer maneira se o... mas disse-me há bocado que o crioulo já está oficializado, que não está? + +O senhor é que me disse que já está oficializado. + +sim. eu é que disse. eu é que disse… + +Está a falar da última resolução? + +sim. o crioulo… + +Tem algumas disposições sobre o assunto. + +sim. eu tenho um artigo publicado nesses termos. em letras garrafais: Crioulo, Língua Oficial. Porquê e para quê? . + +Gostaria de ter cópia desse artigo. + +bem é isso--foi aqui que começou toda a… toda a guerra. de eu e o F15. + +Ainda voltando a essa questão. Se eu estou a perceber bem, digamos, para si o ideal seria que o português se mantivesse como língua oficial, porque... como única língua oficial... + +não. podiam ser as duas línguas porque eu considero-me bilingue, ahn… e o português seria uma língua de comunicação ex… sobretudo, externa. + +Certo. + +ahn… porque é evidente que… bom. os tempos mudam. eu não mandaria uma notadaqui para Portugal em crioulo. + +Com certeza. + +e quem diz Portugal diz qualquer outro país. mas é claro, se um dia eu mandasse uma nota, eu partiria do princípio que há tradutores. que… enfim, que façam a tradução para português. + +Se percebi bem, também diz que ainda admite que fosse só o português, não o crioulo na administração pública, por exemplo? + +não. crioulo na administração pública para se falar, não é? + +Não para se escrever? + +eu disse. para se escrever vai dar origem a chacota. + +Então o crioulo ficaria reservado para quê? Só para clarificar… + +eu acho que o crioulo é assim como está. + +Ou seja, falar? + +fala-se, mas não se escreve. mas como se pretende, com o ALUPEC, que ocrioulo tenha a sua escrita. daqui a uns anos não sei como será. + +Certo. E relativamente à alfabetização de adultos. Vê a possibilidade de o crioulo ser utilizado na alfabetizaçãode adultos? + +ah, tem de ser. tem de ser porque vamos lidar... + +Do crioulo, estou a falar do crioulo. + +sim. sim. porque vamos tratar com pessoas analfabetas. e falando com elas em português corremos orisco de não sermos percebidos. + +Estou a falar da alfabetização. + +da alfabetização. alfabetiza-se em crioulo, mas logo com um trampolim imediato para o português. é por isso… é por isso que eu digo que essas duas línguas, que alguém condenou a sua coabitação… têm de andar de braço dado. pelo menos durante muito tempo. + +Para terminarmos, esteja à vontade para acrescentar algum comentário, fazer algum comentário, ou alguma coisa que sinta que é importante, mas que eu não tenha tocado nas minhas questões. + +deixa ver osapontamentos que eu tenho aqui… se falta… + +Sinta-se à vontade para acrescentar o que quiser. como se diz na comunicação social, os microfones estão à sua disposição. + +acho que abordamos tudo… (…) acho que abordamos tudo… + +Não há nenhum comentário que queira... então mais uma vez obrigada por esta conversa que me vai ser muito útil. 1Romano, Luís. Negrume (Lzimparin). 1973 2Alta figura do Estado, à época 3Alto dirigente de um dosmaiores partidos políticos de Cabo Verde e que desempenhou altos cargos na hierarquia do Estado 4Antigo professor do ensino secundário 5Poeta cabo-verdiano muito conceituado e apreciado 6Primo do Informante 8 7Músico compositor popular da ilha de Santiago. 8Linguista cabo-verdiana, professora de LCV 9Alto dirigente de um dos maiores partidos políticos de Cabo Verde e que desempenhou altos cargos na hierarquia do Estado 10Linguista cabo-verdiano 11Outro linguista cabo-verdiano 12Linguista cabo-verdiana 15F10 + +bom dia! + +Muito obrigada, mais uma vez, por ter concordado em dar esta entrevista e…" +INF7.wav,"Dr. X, muito obrigada por ter acedido a ter esta esta conversa comigo. A minha primeira questão tem… é a seguinte, antes de entrar para a escola, quando criança, já tinha aprendido… já falava o crioulo ou o português? Como é que… como é que se passou esta questão? + +eu confesso-lhe que… aqui em Cabo Verde, logicamente, por causa dos intervenientes, uma pessoa tem influência dos familiares, pais, mas também das empregadas, digamos assim. de modo, posso dizer que, no meu caso, a aprendizagem do crioulo e do português foi simultâneo. porque, no caso do português, dá-se a circunstância de que eu sou filho de pai português, e minha mãe falava também comigo o português, e claro que também o meu pai falava. mas eu tinha o contacto das pessoas de casa, como o contacto desde criança, na rua, a gente convive sempre, de modo, eu posso dizer que aprendi as duas línguas ao mesmo tempo. + +E, portanto… e ouvia as duas línguas? + +ah! e ouvia as duas línguas, está a ver, em minha casa ouvia normalmente o português, quer dizer, só com a minha mãe e com o meu pai. + +E para além disso? + +mas havia mais pessoas sempre em casa. e fora… não posso estar a rememorar a minha infância para dizer, mas praticamente ouvia sempre o crioulo. + +Certo. E actualmente, com os seus amigos mais próximos, os seus familiares, qual é que usa, o português, o crioulo ou os dois? + +não, normalmente eu uso é a língua portuguesa. e normalmente as pessoas, assim, com quem converso, etc., também usam o português. de modo… normalmente, a língua que eu falo é o português. claro que sei falar o crioulo, quando me dirijo para um determinado tipo de pessoas, que eu vejo que a língua que normalmente falam é o crioulo, eu naturalmente falo crioulo, porque também sei falar crioulo, mas o domínio da língua portuguesa, do uso da língua portuguesa, me é de longe superior ao… ao uso do crioulo. + +Dr. X, porque é que acha que as pessoas se dirigem a si em português, normalmente? + +portanto, repare, eu digo-lhe. uma das circunstâncias, por exemplo, a questão da casa não deixa de contar. as pessoas sabem que o meu pai é português, que era português, e ouviam-me a falar também, com os meus, em português. e deu-se a circunstância que depois, no decurso da vida, eu tive muitas vezes um exercício de função de funções de ensino. aquilo que é uma uma classe que eu admiro muito, a que pouco pertenci, mas pertenci, e que é a classe de explicador. no meu tempo, eu aluno do liceu, nos últimos anos, dei explicações, fui professor no liceu da Praia, em acumulação com as minhas funções, e mais tarde até… a nível até mais elevado. e de um modo geral, eu digo-lhe. os meus companheiros de liceu, de várias ilhas, também de várias ilhas, mas mais das lhas de Barlavento, pois eu vivi o meu tempo de estudante foi em São Vicente, colegas de Santo Antão por exemplo, de um modo geral falávamos, nós conversávamos em português. + +Em Português. Quando fa… se dirige às pessoas em crioulo, existe alguma razão para escolher o crioulo para falar com essas pessoas? + +por exemplo, eu se… se estou aqui… estou na rua, e me vou dirigir a a uma pessoa, para lhe fazer uma pergunta ou… sim, chego a ter uma certa noção do indivíduo, o tipo do indivíduo com que estou a falar, e se eu vejo que é… vamos empregar as palavras com elas são, de uma determinada classe, eu dirijo-me em crioulo porque sei que ele percebe bem o que eu digo, e é a língua que ele fala. é nessas circunstâncias. + +Há bocado disse-me, se percebi bem, que a língua em que se sente mais à vontade é o português? + +ah, é o português! a língua que me sinto mais à vontade é o português. ((interrupção devido a chamada telefónica)) + +Estava a dizer-me que exprime melhor as suas ideias em português do que em crioulo… + +sim, posso dizer-lhe que de longe, não é? exprimo-me muito melhor em português do que me exprimo em crioulo. não sei se é altura de lhe dizer, as deficiências naturais que eu tenho no crioulo. + +Fale-me disso. + +além de, por razões familiares como lhe disse, falar normalmente o português sempre- desde criança, dá-se a circunstâncias que a minha vida se dividiu no espaço -- eu fui um indivíduo que chegou ao liceu com dez anos, tendo estado… nasci na Praia, tendo estado dois anos na Brava, um ano na Boavista, um ano em Portugal, tudo isso (intermediário?? ), depois chego em São Vicente, e vivi onze anos seguidos sem sair de São Vicente, depois é que vim, então como funcionário, para Praia. posso dizer que normalmente vivi na Praia, estive fora, estive três anos em Lisboa, e mais um ano em Lisboa, mas isso já numa idade que não me afectaria. isto acontece… não sei se isto interessa… + +Não, esteja à vontade, esteja à vontade. + +isto acontece porque… eu no aspecto familiar, o meu pai era português, minha mãe, nascida na Praia, mas toda a ascendência da ilha do Fogo, e com uma convivência que tivemos sempre, aliás até de vizinhança em São Vicente, durante todo o tempo em que vivemos lá, com famílias do Fogo. + +Certo. + +a influência nas pessoas é tão grande que eu lhe digo o seguinte. a X (esposa do entrevistado), que é do Sal e que depois viveu aqui na Praia, filha de pai e mãe do Sal, ela, às vezes, chama-me atenção, a dizer-me, estás no crioulo do Fogo, - quer dizer, ela acaba por receber de mim, que recebi também indirectamente, porque nunca vivi assim no Fogo, estive no Fogo um mês ou quê, mais nada. a X, por exemplo, diz isso, chama a atenção dela certas coisas que digo no crioulo do Fogo. + +Como se sente quando está a falar crioulo, sente-se com medo de errar, intimidado, pouco à vontade? + +não. nada, absolutamente nada! sinto-me absolutamente à vontade, confesso que… sinto-me absolutamente à vontade. se há um crioulo padrão, digamos assim, é mais ou menos esse que eu falo, tenho a tendência… é a circunstância de ter vivido esses tais onze anos em São Vicente, eu fiz-me homem em S. Vicente, cheguei a São Vicente com dez anos, saí com vinte e um, fiz-me homem em S. Vicente- tenho é a tendência, desde que esteja a falar com uma pessoa de São Vicente, a minha tendência é imediatamente falar o crioulo de São Vicente. claro que o meu interlocutor deve notar muitas deficiências, mas eu falo assim, normalmente o crioulo de São Vicente, mesmo que esteja a falar com (?). + +Certo. Dr. X, gostaria que me tentasse esboçar… já sei que fala normalmente o português, já me disse. De qualquer forma, gostaria que me tentasse esboçar o perfil das pessoas com que mais conversa, fora do seu círculo familiar, naturalmente. O perfil dessas pessoas em termos de idade, sexo, estrato social, o tipo de assuntos que conversam… + +bem, eu digo-lhe. as pessoas que com quem mais converso, pode-se dizer, por exemplo, que são mais ou menos pessoas do mesmo estrato… do mesmo estrato social que é naturalmente corrente com as outras pessoas. mas há um aspecto que eu verifico, que eu verifico, parece-me que, principalmente depois da independência, no meio da (?) esse estrato social a que eu pertenço, está a exprimir-se normalmente - conversando em crioulo, portanto, mas comigo, reparo que têm a tendência de falar o português, e não, e não o crioulo. eu sinto isso, não é? não posso deixar de … + +Claro + +e eu naturalmente também falo português. em regra, quando falo com essas pessoas, eu, se inicio a conversa, é normalmente em português é que inicio. mas noto que as pessoas, tenho notado por vezes, aproximar-me dum grupo de pessoas em que se está a falar… em que estão todos a falar em crioulo, em que eu entro também a falar em crioulo, e sinto que a conversa deriva para o português. não sei - não sei explicar, mas parece-me que as pessoas não me consideram um individuo cuja língua maternal, como agora se diz, seja o crioulo. + +Mas consigo nunca se passou isso, portanto, estar a falar português e mudar para crioulo, em função de alguma…? + +não, por vezes sim, por vezes acontece. + +Fale-me disso, mas consigo. + +comigo, não, por vezes sim, por vezes acontece, eu mudo. eu mudo porque estou dentro do assunto, e como tenho domínio suficiente da língua, e mudo também para o…. + +Para o crioulo? + +para o crioulo, mudo, mas… + +Isto em função de quê, por exemplo? Portanto, numa situação em que está a falar portuguêse muda para crioulo, isto resulta de quê? O que é que o faz mudar? + +não, o que me leva a mudar é, por exemplo, acabar por ver, que as pessoas estão com a tendência sempre de falar o crioulo, deve ser isso é que me leva… como eu acho que domino perfeitamente o crioulo, falo também o crioulo, mas que haveráa tendência para o regresso ao...: + +Ao português. + +ao português, é inegável. não vou fugir a isto, coisas dessas não se (?) + +Quando… quando usa o crioulo com pessoas de outras ilhas, já me disse que o seu crioulo é predominantemente do Fogo, mas quando fala com pessoas das outras ilhas, sotavento, barlavento, o que é que se passa? As pessoas compreendem-no, têm alguma dificuldade? + +não, não, eu não tenho… acho que não têm dificuldades nenhumas. eu não direi que o meu crioulo seja predominantemente do Fogo, não, aliás penso que o meu crioulo seja mais da ilha de Santiago. o que eu tenho é uma influência muito grande do Fogo, que as pessoas notam. + +Já percebi, agora. + +eu vou lhe contar um facto, pode ser que lhe tenha contado anteriormente, mas aqui, para a entrevista, tem interesse. é que aqui há tempos estivemos numa reunião, estava-se a discutir Fernando Pessoa… + +Certo. + +e às tantas eu resolvi… eu já traduzi Fernando Pessoa para o crioulo, eu resolvi ler na assistência, a minha tradução dum poema de Fernando Pessoa. quando acabei, duas senhoras do Fogo, uma médica e uma professora do Instituto Pedagógico, que são do Fogo, dirigiram-se a mim e disseram-me, mas você fala não é o crioulo da Praia, é o crioulo do Fogo, disseram-me isso. claro que não direi que falo o crioulo do Fogo, mas a influência é tal que as pessoas… + +Percebem. + +que são do Fogo, notaram-me imediatamente essa influência do Fogo, (?) contar isso, mas a minha mulher diz, até ela diz, não (?) do Fogo. + +Já percebi, já percebi a diferença. Mas normalmente, quando fala o seu crioulo, portanto, as pessoas não têm dificuldades em o compreender e percebe bem o crioulo das outras ilhas? + +não, não. nenhuma. muito bem, muito bem, percebo perfeitíssimamente - não tenho dificuldade nenhumas. às vezes, por exemplo, mas isso mais em conversa, por brincadeira até com pessoas de Santos Antão, (?)certa dificuldade. mas eu não tenho dificuldade também em perceber as pessoas de Santo Antão, apesar daquela quebra dos átonos que se verifica tanto na fala de Santo Antão, mas mesmo assim, aliás os meus colegas de liceu, sete anos inteiros do Gil Eanes, eram rapazes de Santo Antão. + +Certo, só uma precisão Dr. X. Normalmente que tipo de assuntos fala com as pessoas com quem fala em português e com as pessoas com quem em fala crioulo? Já me explicou quais são esses tipos de pessoas, queria saber agora o assunto. + +na na generalidade, por exemplo, os amigos de convivência normal, etc., nós falamos em português, eu falo em português e essas pessoas também falam em português. por vezes pode… com pessoas, digamos, que me parece, e vou empregar a expressão, pois a gente tem que dizer as coisas como elas são, que são de um estrato social que normalmente se considerará que seja, por exemplo, inferior ao meu, e que não tenham o português no seu uso quotidiano, eu posso me dirigir assim, falar assim em crioulo, mas a quase generalidade da minha conversa, quer seja eu o receptor, quer seja eu a pessoa que se dirige-é o português. + +Exacto. Digamos que esse crioulo que fala com as pessoas é assim tipo pedir umainformação, fazer um contacto, assuntos de… mais… + +sim, o que não significa contudo que eu não possa, num determinado ambiente, manter uma conversa, normalmente, em crioulo. + +Já percebi. Estou a falar de uma forma mais geral, nas lojas, mercado, cafés, já é o português. + +sim, sim, pois, pois, normalmente. + +Diga-me uma coisa. Na última semana, acha que falou mais o português ou o crioulo? Eu acho que deve ter sido o português, naturalmente…. + +com certeza, com certeza . + +E eu vou pôr-lhe… existe alguma circunstância em que habitualmente fala português, mas que gostaria de falar crioulo ou vice-versa? + +não, quer dizer, dizer gostaria de falar o português, não. para se expressar assim… há que inverter os termos. + +Não. O contrário. + +gostaria não… de falar crioulo, gostaria de falar crioulo. porque confesso- lhe que me parece que normalmente, sendo necessário, sendo necessário quer dizer - se o grupo que se está… ou a pessoa a quem me dirijo, está normalmente a utilizar o crioulo, eu utilizo o crioulo sem vontade nenhuma de voltar ao português, porque acho que me estou a expressar, e estou a perceber, e estou dentro do assunto exposto pelo meu interlocutor ou pelos outros. + +Certo. E sobre… costuma ler em crioulo? Já leu…? + +bom, eu confesso-lhe que, aqui, agora não vou emitir opinião sobre o que acho, ou não acho, mas sobre o que acontece. eu, leio, o crioulo, sem dificuldade nenhuma. eu leio Eugénio Tavares, eu sei, digo, recito Eugénio Tavares, o crioulo, normalmente. eu leio o Pedro Cardoso, ainda que quanto ao caso do Pedro Cardoso, me pareça que o Pedro Cardoso (?) é menos literário, digamos, do que o crioulo, por exemplo, do Eugénio Tavares, eu leio o do Frusoni perfeitamente. e digo-lhe por exemplo o seguinte. eu já traduzi quatro poesias do Fernando Pessoa para o crioulo, eu já traduzi o (?) não me recordo, um poeta que morreu há pouco tempo, um poeta que tem um belíssimo, um belíssimo, uma belíssima poesia que serviu de letra a um fado que a Amália canta, era Fado Peniche - que era a prisão dos políticos em Portugal, mas que a Amália cantava como Fado Abandono. eu fiz a tradução para o português, e digo-lhe, com franqueza, que gosto da tradução, não há bazófianisso, mas gostei da tradução… + +Para o crioulo? + +para o crioulo, da tradução que fiz. mandei-lhe aliás aquilo com pseudónimo, não veio resposta nenhuma, mandei ao próprio poeta, mandei a tradução. de modo que, quer dizer, até tenho um certo à vontade. eu tenho uma relativa má vontade na leitura do crioulo que eu actualmente… actualmente vejo, com o… o… + +o ALUPEC? + +com o ALUPEC, por exemplo com o ALUPEC. e também porque me parece que a maior parte dos indivíduos que eu leio, e que também fazem traduções, não sabem traduzir poesia, não têm a noção de que… determinadas palavras, determinados conceitos, determinadas imagens, etc. … porque há uma relação entre a ideia e a palavra, não é passá-la do português, por exemplo, para o crioulo, simplesmente utilizando o mesmo étimo, e o assunto está resolvido, é que se faz, daí um bocado da má vontade que eu tenho. além disso tenho uma certa dificuldade - e para lhe comprovar isso, direi, eu nunca consegui ler o romance do Manuel Veiga, e eu nunca consegui ler o romance do Eutrópio. + +Certo.Entendo. + +ler todo, quer dizer, posso ler partes, mas assim… + +Eu sei que não aprendeu a escrever o crioulo na escola, digamos, formalmente, mas faz as traduções, tem experiência de escrever em crioulo. Diga-me como é que faz, se… como é que faz para escrever o crioulo se não aprendeu formalmente a escrever em crioulo? Que dificuldades é que tem? + +dificuldades… oiça, por exemplo o problema da tradução, que eu estava a dizer, mas… ((vai apanhar um livro da estante, enquanto explica que o vai usar para ilustrar o que está a dizer)) para mim o problema da tradução é um problema importante, qualquer que seja a tradução, de uma língua para outra, não pode ser aquilo a que se chamará, uma tradução à letra. + +Certo. + +porque uma coisa é uma poesia escrita em português, está numa linguagem literária, poética portuguesa, se eu traduzo para o crioulo, sou obrigado a isso, por exemplo, este poema que eu me referi, era um poema de David Mourão Ferreira - o Mourão Ferreira, por exemplo, diz isso, o Mourão Ferreira diz, por exemplo-- Foi de noite, numa noite de todas a mais sombria-- eu traduzi, Era nôti cima agôro, nôti nmi ano di fome1, quer dizer – pareceu-me que eu devia dar-lhe… procurei dar uma imagem que traduzisse em crioulo, aquilo que o Mourão Ferreira está a dizer em português. se eu fosse dizer em crioulo, 2foi um noti, um noti di tudo noti, quel más sonbriu- etc., não é? não podia, e é de um modo geral, o que eu vejo em muitos dos nossos tradutores, é como traduzem poesia + +Sim senhor. Dr. X, o que é que acha do crioulo? O que é que acha de… O que é que pensa do crioulo? + +oiça, eu penso do crioulo… é claro que a minha ideia do crioulo (?) dentro dos conceitos vulgarmente aceites, e não sob o ponto de vista científico, pois não tenho preparação, como sabe o crioulo (?) um dialecto do português, era o que pensávamos. tenho lido ultimamente, o que se tem escrito sobre esse assunto, sobre o conceito de dialecto ou sobre o conceito de crioulo, e compreendo e aceito perfeitamente que de facto o crioulo é uma língua como outra qualquer. não tenho… sobre este aspecto não tenho restrição nenhuma. + +Certo. + +a questão que eu ponho é. quando vai ser o confronto do crioulo com o português? + +Certo. + +e a mim parece-me o seguinte. uma coisa é uma língua falada, a língua… não só a língua falada, mas a língua a um nível, digamos popular, e outra coisa é uma língua que se… que é uma língua já tornada literária. + +Certo. + +é neste caso que eu vejo extremas dificuldades nessa transição do crioulo. e parece-me que nesta altura o crioulo está com… a ser contrariada, está a ser contrariado. e está a ser contrariado porquê? o desenvolvimento do país, o desenvolvimento do nível escolar do país, inclusivamente as próprias… a circunstância de os meios de comunicação como a rádio, como a televisão têm… começam a ter uma projecção tão grande aqui entre nós, e por outro lado, isso é fazer um pouco de futurologia, as circunstâncias em que me parece que Cabo Verde - pela sua posição estratégica, e pelas conveniências do mundo que a União europeia terá, como os Estados Unidos terão, Cabo Verde acabou por estar numa posição não só geográfica, mas fundamentalmente estratégica, para ser uma… uma… um país em que aquilo que será uma língua de civilização, para o caso o português, começa a ter uma preponderância muito grande entre nós, estou convencido. e eu não sou daqueles que pensa que o crioulo pode morrer, mas também não vejo o crioulo a avan… quer dizer, a diminuir a sua… a sua identidade e, digamos, a ser absorvido pelo português, claro que cada um pensa o que quer, mas não, não vejo isso. o que me parece, é que nós continuaremos a ter uma língua, mas que acaba por ser uma língua secundariamente considerada, e que será da nossa convivência, da casa, etc., mas uma língua, possivelmente o português, é pouco natural que não seja… que não seja o português, que acabará por dominar, por dominar o nosso meio. é isso que estou a dizer. eu digo isso na plena consciência de que essa minha futurologia não tem base cientifica nenhuma, é uma coisa que eu sinto, não tenho formação para isso. + +Não, mas é isso mesmo que eu quero, ouvir… Eu só quero conferir, para ver se percebi bem. Portanto, admite, eventualmente, que o português seja substituído por uma língua de mais comunicação? + +não, não, não, eu admito que o português ganhe… + +Ganhe? + +em Cabo Verde uma… uma expansão muitíssimo maior, e isto reduz imediatamente a importância do crioulo. e o próprio crioulo, e os meios de comunicação até, quanto a mim contribuem para isso, o próprio crioulo passa a ser fortemente desbastado, digamos assim, pelo português. eu vejo isso em pequenas coisas, eu estou a ver a maneira como o plural, por exemplo, está a ganhar, por exemplo, terreno aqui entre nós, quenão tinha, que não tinha. + +No crioulo, exacto. + +no crioulo, eu vejo mesmo na questão dos géneros. e eu conto-lhe uma história, lembro-me de ouvir a Cesária a cantar em São Vicente, em São Vicente, uma canção em que ela dizia, São Visente é pikinina, e eu lembro-me do (?) a dizer, pikinina, não, São Vicente é motxe3  ((risos)) começo a notar entre nós, por exemplo, a questão da formação dos géneros. + +Certo. + +que não eram… quer dizer, ao contrário do que sempre se dizia, ah! o crioulo prejudica o português, está-me a parecer que o português é que está a prejudicar o crioulo. não sei até que ponto, mas como lhe disse nesta parte aqui… não estou a dizer… estou só a… não tenho formação para… (?) + +Diga-me uma coisa. Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo ou o português? Ou seja, acha que um cabo-verdiano pode não gostar do crioulo, acha que… se possa ser cabo-verdiano e não usar o crioulo? Pode-se ser cabo-verdiano e usar… É uma pergunta que parece ser um bocado redundante em função daquilo que já me disse, mas para uma questão de… + +quer dizer, pode-se ser cabo-verdiano e não…? + +E não usar o crioulo. + +não usar o crioulo? + +E até mesmo não gostar do crioulo. + +não… não me compete a mim… isso não aceito. eu direi que utilizará muito pouco, por exemplo, o crioulo, suponhamos, se está num meio que não é um meio cabo-verdiano, um indivíduo que imigre para Portugal, para a América ou para a Holanda, ou o quê. o emigrante deixa de ter convivência com… com o…com o cabo-verdiano e acontece que não fala, não me parece que tenha (?), mas falha. olhe permita-me que lhe conte uma história… + +Certo. + +havia um jogador de futebol em São Vicente, um do grandes jogadores daquele tempo, ele foi para Lisboa jogar no Sporting, parece que depois ele foi para a Covilhã, para o Sporting da Covilhã, e acabou por se fixar na Covilhã, anos, acho que ele morreu na Covilhã, um dia encontro-me com o Roquinho num sítio, e estávamos a conversar, e em português… + +Roquinho? + +era Roquinho. era muito conhecido por pessoas da minha idade por exemplo -- e entretanto, falamos sobre o crioulo, etc.. ele disse, percebo muito bem o crioulo, mas tenho grande dificuldade em falar crioulo. o meu professor de linguística, eu tive uma cadeira de linguística ((risos)) o meu professor de linguística -o Morais Barbosa, eu contei essa história ao Morais Barbosa, a dizer. veja como é que as pessoas às vezes, vêm para Portugal, ganham uma certa vaidade, e ele disse. não, não, ele tem razão, disse-me o Morais Barbosa, ele tem razão. era na altura em que começavam as viagens espaciais… + +Certo + +(?) toda a gente pensaria que os russos seriam os primeiros a chegar à lua. e eu lembro-me de o Morais Barbosa me ter dito, oiça, se os russos chegam à lua, e permanecerem, o grupo que lá chegar permanecer por um período relativamente longo, na Rússia, quando chegarem novos russos à lua, os que lá estão têm dificuldade porque a língua deles foi-se modificando, têm dificuldade, nunca me esqueço desta frase que me foi dita por Morais Barbosa a propósito de um caso mais concreto, do Roquinho, e do crioulo e do português. + +Dr. X, para si existe o verdadeiro crioulo? Temos os crioulos das várias ilhas, há quem fale de crioulo da cidade, crioulo do interior. Para si há, existe um verdadeiro crioulo? Qual deles seria o verdadeiro crioulo? + +qual devia ser o crioulo padrão? bom, eu tenho lido escritos sobre isso. e ás vezes penso, como já li, vi escrito, que o crioulo de sotavento, digamos concretamente, o crioulo da ilha de Santiago, teria mais condições em virtude da atonização das vogais que se verifica no crioulo de barlavento, então na sua ilha, na sua ilha não… + +Dos meus pais. + +o crioulo de Santo Antão é uma coisa… é uma coisa terrível. de modo… daí que me parece que o crioulo de Sotavento, o crioulo falado aqui em Sotavento, tem menos hipóteses de aristocratização do que o de Barlavento. + +Certo. + +o crioulo de São Vicente é um crioulo muito mais aristocratizado do que é o crioulo de… da ilha de Santiago. + +Aristocratizado porquê? + +aristocratizado, estou a dizer, mais próximo daquilo que se chamava antigamente a língua mãe, é nesse sentido, não é? estou a usar nesse sentido. + +Sim. Percebo. + +de modo, o que me parece é que… ganhando, ganhando o crioulo o estatuto de língua literária, e que… por conseguinte, em que todas essas vogais que desaparecem muitas vezes no crioulo de São Vicente, e que a gente tende a substituir por apóstrofe, que isto… quer dizer, o crioulo acabaria por ser um crioulo como, por exemplo, o de São Vicente, mas não há dúvida que a palavra grave com uma (?) do agudo, mas efectivamente dito, e não engolido, como entre nós se verifica, isso pode acontecer. eu não creio, que o crioulo de Cabo Verde, da ilha de Santiago, desculpe a expressão, mas, um bocado bruto… + +Daqui da…? + +da ilha de Santiago, de modo que… + +Bruto em que sentido? + +quer dizer, acaba por ser, para os hábitos, possivelmente das pessoas, são línguas que falam… suponho que mesmo um estrangeiro, um europeu, por exemplo -é capaz de não… não … + +Aderir? + +não adere assim, com esta facilidade, ao crioulo de Santiago, mas como sabe sobre isto eu tenho dificuldade em me expressar, são coisas em que eu penso, mas não tenho formação para estar a pronunciar-me sobre isso. + +Não, não, está bom. + +eu… em são Vicente por exemplo, pronuncia-se, 4movimente mariteme, mas se o crioulo ganhar a… a…a força de língua literária, essa vogal átona da parte do final desaparecerá do crioulo de São Vicente, nós continuamos, eu continuaria a falar crioulo de São Vicente, mas já não diria mariteme, diria maritemu, com certeza, quer dizer, pronunciaria a vogal final. + +Certo. + +não, o 'e' não se desfazia, como entre nós se faz. sabe, eu sei que é atrevimento da minha parte estar a dizer essas coisas… + +Não. Não. Como atrevimento…?! + +mas a verdade é que em coisas dessas, eu tenho de ser sincero, eu não escrevo, não (?), mas agora em conversa… ((risos)) + +Dr. X, já fizemos um pouco de futurologia ente aspas, mas fale-me agora da situação actual. O que acha desta situação actual, de nós usarmos o crioulo e o português, desta possibilidade que nós temos, o que é que acha disso? + +oiça, o problema está no seguinte. esta possibilidade, qual? + +Talvez de nós usarmos o crioulo e… + +a de nós termos duas línguas, mas a de ter duas línguas literárias, ou de ter uma língua literária e uma língua que não é ainda uma língua literária, que não é? + +Eu quero ouvir a sua opinião sobre isso. É sobre isso… + +sobre esse aspecto, a evolução que se está a verificar por esse mundo, esse problema de.. do que se chama agora de …como é? + +A globalização? + +a globalização. esse problema globalização, é um problema que tem… que terá sem dúvidas, uma influência enorme na evolução das línguas, aqueles… aqueles países em que ainda é predominante uma língua… uma língua que sob certos aspectos é uma língua popular e não uma língua literária, o caso concreto Cabo Verde, o caso concreto Cabo Verde, parece-me que a influência da língua, da chamada língua de civilização, o seu uso passará a ser tão grande aqui entre nós, que acaba por influenciar, não direi que faça desaparecer o crioulo, outras línguas desapareceram, mas desapareceram em condições diferentes, porque, não penso como muitas vezes se diz, ah! o português para chegar a língua literária, o crioulo não chegou, o português para chegar a língua literária levou tantos anos, tantos séculos. não é a mesma coisa. o português levou séculos sem televisão, sem rádio, sem coisa nenhuma, sem escrita até. pode-se dizer, não é a mesma coisa, não é a mesmíssima coisa. mas a mim parece-me isso, a mim parece-me que o português acaba porse tornar a língua de uso. + +E nesse caso o português seria usado para quê e o crioulo para quê, nessa sua perspectiva? Estou a pensarem falar, ler, escrever… + +oiça, eu não sei se o exemplo que eu dou é mais um caso de prosódia do que outra coisa, mas eu vejo, por exemplo, o madeirense, ou principalmente, o açoriano, quando calha ouvir. por exemplo… já ouvi, uma das melhores novelas que eu já vi apresentar aqui na televisão, quando começaram essas telenovelas, foi uma novela açoriana, belíssima, mas muito melhor do que as novelas feitas, se me permite, em Portugal. mas por outro lado eu conheço o açoriano, e oiço açoriano a falar na televisão, na rádio, e eu noto imediatamente que há uma diferença entre o açoriano que eu ouvia na telenovela… nas telenovelas… + +Açorianas. + +açorianas. e o açoriano que normalmente vejo na televisão, que é (da sala?) de modo que em caso de… eu estou convencido que é… eu lembro-me, por exemplo da Hélida, da Hélida, a mulher do… o médico…? + +Não estou a ver quem é. + +a Hélida… foi cá professora… + +Já sei, já estou a ver. + +riam-se às vezes com a Hélida por causa do português da Hélida, por causa do açoriano. era uma senhora licenciada, penso que em biologia. eu nunca me esqueço duma história que a F me contou, de uma colega dela, açoriana, que disse que ficou reprovada num exame oral, a 5F1 disse que toda a gente notou a injustiça, do professor que não percebia a influência do açoriano no… no francês da senhora, da moça lá, da aluna, que sabia francês, mas o açoriano acabava por… ela perdeu o ano, foi a F1 que me contou essa história uma vez. o que eu quero dizer é o seguinte, haver duas línguas… eu acho isso um bocado… aliás repare uma coisa, isso nunca aconteceu muito em Cabo Verde. fala-se o português em casa, nem que se fale o crioulo normalmente em casa, mas quando se está na rua, quando se está na repartição, fala-se o português e não o crioulo, fala-se o português e não o crioulo. hoje, é relativamente fácil falar crioulo nas repartições, antigamente não era, não era. + +Sim. Sim. Era proibido mesmo. + +era proibido. mas repare, são proibições que se… se… são para não ser cumpridas, ser cumpridas. verificava-se esta tendência nas pessoas, falar, não é? a vossa geração é que me parece… a vossa geração é que começou a dar um certo prestigio de utilização, quer dizer, ao crioulo, nas repartições, etc., porque a minha… eu no meu tempo, mesmo no liceu, entre nós alunos, falávamos em português. + +Mesmo entre os alunos? + +mesmo entre os alunos, no meu tempo falava-se bastante, não é que não se falasse o crioulo, não é isso… + +Certo. + +falava-se o crioulo. hoje só se fala… eu vejo por exemplo, mesmo ali no ISE -ninguém fala português, fora da aula. + +Nem os professores. + +sim, nem os professores, nem os professores. mas no meu tempo de liceu… eu estou a ver ali, por exemplo, os meus colegas de Santo Antão, 6o F2, o F3- o F4, praticamente da mesma turma, o F5, normalmente entre nós falávamos era português, sabe? fora da aula. + +Dr. X, acha que o crioulo deve ser oficializado? + +tudo depende do sentido que se der a oficialização. eu digo-lhe com franqueza, (obrigatório?)… ser oficializado para ser obrigatório o ensino do português, por exemplo, do crioulo, no início da instrução, no início da instrução, suponho que seria altamente prejudicial, isso se não tivesse também o ensino do português, e não me parece que nós deixemos, que vamos deixar o ensino português - não me parece . + +O que é que acha disso? + +o… que eu acho de? + +De deixar o… dessa possibilidade. + +eu (?) o que a oficialização… oficializar às vezes… eu aí há tempos vi, li isso - há três ou quatro anos, que o mirandês tornou-se língua oficial, eu acho que o português deixou, à vontade. o mirandês deve-se ter delirado. mas não tem significado nenhum, não afecta o português em nada, não é o nosso caso, se… . + +Como éque é? + +se se oficializa o crioulo… há uma expressão que eu encontrei num… num texto do Baltasar, o Baltasar põe… quando se fala na questão do crioulo, em regra, quando se centra, na questão do…do direito, nunca se põe a questão do dever, então Baltasar põe o problema nos seguintes termos. é que se… desculpe, se de facto se tem… se tem a obrigação do uso do crioulo, porque é esta que, de facto, é a nossa língua, não é outra, esta é que é nossa, mas há o problema do dever, dizia ele, como é que… isto também serve por causa do problema do crioulo e (?) falava sobre isso. + +Certo. + +ele dizia, como se coarctava a capacidade de expansão das ideias que o cabo- verdiano, que é… que era tirado para fora, num país com quinhentos mil habitantes? uma língua que, por exemplo, não tem de facto projecção. e que não tem capacidade de tradução, porque quem vai traduzir? não há tradutores de crioulo - e a haver serão os próprios cabo-verdianos. mas o número é sempre restrito, se eu tivesse de escrever um manual de filosofia em crioulo, esse manual é lido por um número restrito, e se eu trago uma ideia nova, terei dificuldade na expansão, de modo que esse problema, do modo como Baltasar o põe, dos deveres e dos direitos, o direito à língua, é minha, mas eu tenho o dever de expandir as minhas ideias, de modo… isso é que provoca a dificuldade. é isso que eu estou a dizer, não tem nada a ver com diminuir o crioulo, o que estou a dizer acaba por ser um direito adquirido, mas sob certos aspectos dificulta a expansão, a expansão das ideias. + +Admitiria a possibilidade de o português continuar como a única língua oficial? + +não, não, não. não é isso. por isso é que eu lhe disse, tudo depende da forma como sedeterminar essa oficialização. + +E, para si, a oficialização deveria ser para quê? + +suponhamos, a língua é oficial. em vez de dizer para quê, eu direi o contrário. + +Porquê? + +a parte negativa, não a parte positiva. + +Certo. + +por exemplo, o ensino escolar desde o início. ou se nós misturarmos as duas coisas, ou se não ensinarmos o português, ou ensinarmos só o crioulo, parece-me que nos dois casos estamos a… é esse o aspecto. + +Certo. + +agora, não oficializar não, digo o contrário. agora, aquilo que o 7F6 acabou por propor, que era, a utilização… teria de ser do português literário, uso oral e escrito, é por conseguinte, o português literário. ser indistinto, nas repartições. o uso escrito do crioulo ou do português é (?), aqui entre nós, (?) escreve em crioulo de Santo Antão, é o terceiro oficial que acompanha aqui com o crioulo do Fogo, é o crioulo da Boa Vista que é o do Ministro a despachar (?), por isso é que eu digo, oficializar, não oficializar de qualquer maneira. temos de lá chegar, porque é uma prioridade nossa não aceitarmos, não aceitarmos isso. o que me parece, é o que eu lhe digo, não, eu não… ao oficializar, não significa dar-lhe uma primazia que diminua, diminua o português. + +Acha, acha que por exemplo podia-se admitir uma situação em que o português seria destinado para certas funções, para certas situações e o crioulo para outras? + +não vejo quaisquer hipóteses de que, por determinação, se pudesse fazer uma coisa dessas. a utilização da língua… são as circunstâncias é que determinam. não é fácil oficializar… a oficializar… se eu disser, por exemplo, o crioulo é língua… as línguas oficiais de Cabo Verde são, o crioulo e o português, mas eu só publico o curriculum do ensino, claro até ao décimo segundo, do português, não publico o do crioulo, a língua não deixa de ser oficial, eu é que não vou dar as possibilidades que me parecem ser prejudiciais. oiça uma coisa. eu não sou um indivíduo sonhador, não sou um indivíduo sonhador, mas pela primeira vez, estou a ver, eu estou a ver, eu estou a ver Cabo Verde a tornar-se um país, efectivamente - um país com nível, estou a ver isso, porque nós estamos numa situação estratégica - privilegiada no continente africano. o que se está a verificar no desenvolvimento, praticamente nós víamos a Europa, actualmente há uma União Europeia, há a América do Norte, mas há o Brasil, há Angola que se desenvolverá, há tudo isto que se… de modo, eu, neste meio, vejo Cabo Verde numa situação privilegiada. oiça, podíamos dizer, não, o que estão a fazer, o que estão a fazer agora, por exemplo, na questão do… dos imigrantes, (?) a NATO já aparece, tudo isso… (?) é o problema, quanto a mim, vá lá, de um certo grau de desenvolvimento intelectual que nenhum desses países, desta zona africana tem como o cabo-verdiano -8 bazofarianossa, digam o que disserem, mas é uma verdade, é uma verdade é. e é isto é que me faz sentir este sonho, que de facto Cabo Verde se está a tornar um país com… com… + +E nesse contexto, nessa perspectiva de globalização, perspectivas de desenvolvimento de Cabo Verde, acha que há possibilidade de o crioulo poder ser usado para ler, escrever…? + +usado em que sentido? não estou a perceber… + +O crioulo poder ser usado para ler, escrever…? + +ah, sim! naturalmente. suponho que deve haver por esse mundo fora a utilização de línguas segundas, digamos assim (?) + +Neste caso, o crioulo seria como uma língua segunda? + +pois com certeza, claro! acho que sim, nada poderia impedir isso agora… + +E o que significa o crioulo ser usado comolíngua segunda? + +não, estou a dizer que possivelmente noutros países, noutros países haverá a utilização. isso é que eu queria dizer. + +Não, aqui? + +daí estou a apontar a possibilidade de duas línguas, de facto poderem coexistir -- este problema da língua é um problema (?), veja o que se está a passar nos Estados Unidos, um dos grandes apoios que o crioulo teve a nível do ensino foi nos Estados Unidos. + +Certo. + +porquê? porque desde a independência dos Estados Unidos, uma das determinações do governo dos Estados Unidos por esta altura, foi no sentido de dar o ensino das línguas dos emigrantes. daí que o espanhol, ou o italiano, começassem a ganhar, a ganhar terreno. (?) os Estados Unidos às tantas viram que (?) caíram. estava-se num país de língua inglesa, (?) nem é português, nem é espanhol, nem é italiano, nada disso. quer dizer, não tem nada a ver com o emigrante, quer dizer - agora, dar-lhe um apoio no ensino das suas línguas, quando querem que se fale o Inglês, porque há muitos problemas de unidade no país? um dos problemas de unidade no país é a língua. + +Dr. X, se eu percebi bem, e se eu não tiver percebido bem corrija-me, há bocado disse que admite a possibilidade do crioulo ser ensinado nas escolas, tudo dependia do momento em que fosse introduzido, e relativamente também ao português… + +não, não, acho que não era bem isso é que eu dizia. o que eu estou a dizer é que (?) + +Aprender a ler e escrever em crioulo? + +certo, o que eu não vejo é a oficialização neste sentido, do ensino do português, ao mesmo tempo também que…? + +Do ensino do crioulo? + +do ensino do crioulo, ao mesmo tempo que a oficialização do ensino do português. + +Não percebi bem. Portanto… + +não estou a ver uma criança de seis anos, a partir dos seis anos, está com o emprego de duas línguas que, diga-se o que se disser, se por ventura há alguma dependência, há uma dependência do crioulo com relação ao português. com relação ao crioulo, eu não sei se… + +O que é que sugeriria, então? + +eu não sei, não sei se é dialecto, não sei se é o crioulo, o que quiserem, mas que a origem é essa…! eu… confesso, eu gostei muito do título que Baltasar deu a um os seus trabalhos falando do crioulo, (?) o título de, Uma experiência românica nos trópicos, eu de facto suponho que o português, crioulo, é uma experiência românica nos trópicos. + +Portanto acha que as crianças deviam aprender o português? + +ahn? + +Inicialmente na escola,deviam aprender o português. E o crioulo… + +se a evolução do paísse estiver a verificar como se está a verificar… + +Devem aprender o português. + +e não o crioulo. + +E não o crioulo. E na alfabetização de adultos? + +Na…? + +E na alfabetização de adultos, o crioulo deve ser implementado? + +acho que sim, até porque o adulto terá muito mais facilidade de compreensão -- o problema está… eu não sei como me pronunciar. antigamente era expressamente proibida a utilizarão do crioulo, mas ele (?) uso oficial (?), compreender por exemplo a autoridade, mesmo para o estudo, o português, o crioulo era uma ajuda enorme. agora sob o ponto de vista do que está a dizer, eu acho que a nível do adulto, ele já está em condições de efectivamente poder fazer uso das duas línguas, poder fazer das duas línguas uma aprendizagem para uma utilização correcta. + +Dr. X, finalmente, diga-me, como é que acha que os cabo-verdianos falam o português ou estão a falar o português, neste momento. E como é que acha que eles deveriam falar o português? + +não, isso é difícil de dizer-deveriam é extremamente difícil. + +Portanto, estou a pensar no modelo do português, brasileiro, há quem fale no português de Angola, do português de Moçambique, é um pouco nesta perspectiva. + +não... eu… nesta perspectiva… + +Poderia falar-me se aceita, admite a possibilidade de existir um crioulo, um português de Cabo Verde, de falarmos o português à nossa maneira, ou acha que nós deveríamos seguir…? + +como Angola faz, como o Brasil é. não, eu aqui neste caso, não é bem um problema de eu achar, eu estou convencido que é o que vai acontecer ((risos)) tenho plena convicção que nós falaremos um português aqui como (?) concluo que não seja o português de Angola, mas que é um português também, como… como o falado no Brasil, estruturalmente seja o português, português europeu, mas que não deixe de… não deixe de ter as suas características próprias. + +E o que acha disso, acha normal? + +acho normal não, acho que é o que tem de acontecer, porquê que aconteceu no Brasil? + +Certo. + +é normal, eu não sei como é na América espanhola, mas suponho que seja a mesma coisa em relação ao castelhano, o português tem uma vantagem, é que tem uma unidade que o castelhano não tem, o castelhano está dividido pela Catalunha, pela Andaluzia, etc., está dividido, o português tem uma vantagem, de facto tem – a não ser na prosódia, que há aquelas diferenças. o que me parece é, digo-lhe com toda a franqueza, será… nós… se o português se tornar uma língua corrente, não é actualmente, se se tornar corrente entre nós, não é um português coimbrão ((risos)) que alguns locutores ou locutoras da televisão ((risos)) que eu lhe digo com franqueza, é uma coisa que me irrita solenemente, e eu digo. mas porquê?  sim - porque eu desde criança… sou filho de português, e eu não tenho a mais pequena coisa do Porto, do (?) ou do Alentejo ou do… (?) vão para Lisboa, estão em Portugal dois anos e voltam de lá nascidos numa das ruas de Coimbra ((risos)) + +Dr. X, esteja à vontade para acrescentar algum comentário às questões que eu lhe coloquei… + +não, acho que não. + +Ou alguma coisa que ache que tenha a dizer, mas que eu não… não indaguei. Esteja à vontade. + +não, não. o problema entre nós… se me permite, há sempre um problema um bocado distorcido, por causa de questões de natureza política, de natureza política. é sempre um bocado, problemas de natureza política pesam muito. é certo que a circunstância actual está a modificar um bocado as coisas. aqui há tempos, vou lhe dar um exemplo – [] + +Certo. Dr. X, mais uma vez muito obrigada… + +nada, pelo amor de Deus… + +Por esta conversa. + +desculpe o atrevimento! + +Que nada! Foi muito bom! Muito obrigada, mais uma vez. 1O verso original em Português é, «Foi de noite, numa noite de todas de todas a mais sombria.» Na versão para a LCV, ‘noite sombria’ é traduzida para ‘noite de fome’, numa alusão às fomes cíclicas em Cabo Verde, antes da independência. 2. Esta escrita é a utilizada 3. Tradução, “Pequenina não, pois S. Vicente é macho”. 4. Tradução para português, movimento marítimo 5Professora de LP 6Pessoas bem conhecidas do meio social cabo-verdiano e que foram colegas do informante no ensino secundário 7Linguista cabo-verdiano 8.O mesmo que bazófia" +INF8.wav,"Dr. X, muito obrigada por ter aceite este meu convite para participar nesta entrevista. A primeira questão que eu lhe queria colocar é a seguinte. Antes de entrar para a escola, tinha aprendido oportuguês, o crioulo, os dois…? + +eu, antes de entrar para a escola falava só o crioulo. eu nasci no campo e embora os meus pais tivessem escola, naquela altura… e de vez em quando, designadamente o meu pai, nos lesse livros para a gente ouvir e aprender algumas coisas, sobretudo regras de (?), mas normalmente só falava crioulo. e continuei a falar. + +E… mas já ouvia o português, através da leitura. Só, ou de outras formas? + +não. só através disso. porque naquela altura não havia esses contactos que há hoje. designadamente através da rádio, da televisão, etc. lá no meio onde nós vivíamos, etc. português raramente se ouvia, sobretudo sendo criança. a não ser quando fosse para a missa ouvir o padre a dizer as coisas em português e em latim que era na altura… + +E actualmente, em casa e com os seus amigos e pessoas mais próximas, o que é que usa crioulo ou o português? + +normalmente a gente fala… em casa, normalmente a gente fala em crioulo, - quer dizer, falo com a minha família em crioulo. com os empregados em casa falo em crioulo. e com os amigos falo em crioulo e em português. eu sou aquilo a que se pode dizer, de facto, um verdadeiro bilingue, nesta matéria. designadamente nas minhas relações profissionais, nas minhas relações sociais com os amigos, falo indiferentemente em português ou em crioulo consoante for o interlocutor. e às vezes falámos em português e em crioulo, quer dizer, passamos de uma frase para outra em português e em crioulo, como de facto um verdadeiro bilingue. mas em casa, normalmente e regularmente, quando estamos só nós em casa, nós família e os empregados, só falamos em crioulo. e mesmo os meus filhos, desde pequeninos, também sempre fiz questão de falar com eles sempre em crioulo. eu devo assinalar até, que eu me lembro de alguns amigos meus que… portugueses que vinham, quando chegavam lá a casa, professores universitários, perguntavam-me sempre. então, se não tínhamos receio de falar com as crianças só em crioulo. e eu dizia sempre, não, eu falo com eles crioulo que é a sua língua materna, porque eles seguramente amanhã vão saber falar bem o português porque eu também nasci a falar crioulo, falei o crioulo sempre e não… e eu dizia, gozando até, e seguramente você não fala melhor português do que eu. e graças a Deus, todos os meus filhos falam bem português, apesar de falarem em casa desde sempre e até agora sempre crioulo. + +Uma pergunta, de rotina. Como é que considera ser a sua proficiência geral em português, o seu domínio do português? + +acho normal. eu posso dizer que domino o português tão bem como domino o crioulo. + +Em relação ao domínio do crioulo… qual é o crioulo que domina, o de Santiago…? + +naturalmente que domino o crioulo de Santiago para falar. mas entendo indiferentemente qualquer crioulo de Cabo Verde. tanto o crioulo de Santo Antão que é mais… às vezes, diz-se arrevesado, como qualquer crioulo. da Brava, do Fogo, de São Vicente… bom. de São Vicente, a gente tem mais contacto permanente de modo que… mas eu acho que… eu compreendo bem crioulo de qualquer ilha de Cabo Verde como eventualmente até poderei falar. poderei falar, - nunca experimentei no sentido de fazer um esforço para falar. mas se for necessário, também posso falar. mas eu tenho para mim que as pessoas como… um cabo-verdiano que sabe crioulo, compreende normalmente todo o crioulo. agora haverá uma ou outra palavra, uma expressão típica ou coisa típica… que acontecerá em qualquer outra língua, haver uma ou outra expressão que a gente… + +Diga-me uma coisa… o que é que acha que exprime… de um modo geral, acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? + +olhe, eu, para ser franco, eu acho que hoje em dia exprimo indiferentemente as minhas ideias, os meus pensamentos em crioulo… tanto em crioulo como em português. naturalmente que o meu crioulo, como o crioulo de da maioria de nós, chamado da… de alguma elite literária ou intelectual… muitas vezes é influenciado sobretudo pela terminologia técnica utilizada em português. mas este é o modo… é é a natureza do crioulo. o crioulo vai beber grande parte do seu vocabulário, principalmente vocabulário técnico, na língua portuguesa que é a sua matriz, que é de ondevem, essencialmente. + +E como é que se sente quando fala o crioulo e o português? Ou seja, em qual deles se sente mais à vontade? Quando fala o português ou o crioulo, tem alguma preocupação, algum medo de errar ou está…? + +não. eu não tenho. é aquilo que digo… eu considero-me como… considero toda essa gama de pessoas, portanto dessa… desse grupo, dessa elite… mas a mim particularmente, portanto, falo de mim… eu considero-me um verdadeiro bilingue. quer dizer, para mim falar… eu falo outras línguas… mas sobretudo em crioulo e em português, sinto-me absolutamente à vontade para falar de… qualquer deles, começando numa e terminando noutra, e passando de uma para outra, indiferentemente. + +E quanto à leitura e à escrita? + +quanto… tenho mais facilidade, diga-se, em ler o crioulo, em ler o português. naturalmente, porque não existe essa… não tenho a prática da escrita em crioulo. e mesmo hoje quando escrevo em crioulo, ainda escrevo utilizando o alfabeto antigo, o alfabeto… o alfabeto normal. quer dizer, não… ainda não sei utilizar, porque não me dediquei. a culpa portanto é minha. não sei dizer que seja difícil ou fácil, o ALUPEC. eu é que tenho que… como escrevo em crioulo, como já escrevia antes, mantive-me a escrever na língua, no alfabeto português. + +Dr. X, eu vou lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar… e que me procurasse definir o perfil dessas pessoas em termos de idade, sexo, grupo, estrato social… + +isso já é muito complicado ((risos)) é muito complicado. fora do meu círculo familiar… bom serão as pessoas que trabalham directamente comigo… as pessoas que trabalham directamente comigo são pessoas e..., desde o meu condutor, está a compreender? + +Passando pelas pessoas daqui, que trabalham consigo aqui no escritório, ou em casa, os empregados… fora da sua casa. + +exacto. portanto, as pessoas com quem mais falo necessariamente são as pessoas aqui do… do… + +Do escritório. + +do escritório--sejam os advogados, sejam os funcionários do escritório. + +Com essas pessoas, os advogados e funcionários, fala crioulo ou português? E já agora de que tipo de assunto (?) + +falo normalmente e indiferentemente o português e o crioulo. e isto advêm de uma certa vivência, e também de uma certa prática. isto é, como sempre o português foi adoptado como língua oficial, sempre que a pessoa se sente numa posição formal tem tendência para ir para o português. portanto, estou seguro… não fiz a estatística mas que… normalmente, no meu relacionamento tanto aqui com as pessoas, aqui no escritório, sejam advogados, sejam empregados, falamos muito mais em português do que em crioulo. mas falamos também as duas línguas. mas falamos mais… mas vamos discutir um texto, vamos discutir um assunto, normalmente a discussão é feita em português. dou uma orientação aos empregados, isto é dado em português. mas qualquer de nós, seja advogado - seja não… seja funcionário, quando nos falamos entre nós, assim… um assunto que já não seja de trabalho estrito, que não seja muito formal, falamos em crioulo também. + +Certo. Diga-me… há bocado estávamos a falar sobre o seu domínio do crioulo das outras ilhas… quando viaja para outras ilhas e contacta com pessoas dessas ilhas, usa o português ou o crioulo? Normalmente. + +uso o crioulo e o português. depende. há situações em que eu uso português porque muitas vezes… eu também sou político… muitas vezes, por exemplo, eu vou… suponhamos que eu vou a Santo Antão… eu sei que as pessoas de Santo Antão gostam de falar português, eu falo com eles português. falo também crioulo. falo crioulo. mas como eu sinto o ambiente, sinto que a tendência é querer falar português, eu falo português porque não tenho nenhum… como eu me considero rico nesta matéria, de ser um bilingue… para mim não deve haver luta, mas é uma complementaridade que nos enriquece… de modo que quando eu falo com eles, eu sei o que a pessoa quer falar, sente-se melhor… não porque está mais à vontade a falar, mas sente-se melhor e mais valorizado em falar o português, eu falo português indiferentemente. porque eu tenho que perceber qual é a lógica das pessoas. as pessoas… portanto, se eu for falar crioulo com ele - por causa deste complexo que existe e desta mentalidade, muitas vezes pode pensar que estou a desvalorizá-lo--então, falo português. + +Dr. X, se estou a perceber bem, escolhe falar o crioulo ou o português, em função do seu interlocutor? + +não. não é que eu escolha. às vezes sinto necessidade e às vezes coiso… porque para mim… eu, para ser muito sincero… eu vou me encontrar agora consigo, com a Amália, e não vou pensar se vou falar português ou crioulo. a conversa pode sair pelo crioulo ou pode sair pelo português. independentemente de eu saber se a Amália fala o crioulo da Praia, do Sal, de São Vicente ou coisa no género. eu, a conversa sai. ou sai em crioulo e vamos em crioulo ou sai em português e coiso… como podemos passar imediatamente de uma para outra língua assim… normalmente assim é que eu me comporto. eu sei, do conhecimento que eu tenho de Cabo Verde, por exemplo, se estou em Santo Antão, que as pessoas gostam de falar em português. ali há este princípio, sobretudo se estão a falar com uma pessoa que eles julgam que, por função ou por formação, deve dominar o português. portanto a tendência é quererem que nós nos falemos em português. e depois, nós ainda somos daquela geração que o português é que era a língua. estou convencido que a próxima geração terá tendência para falar muito mais… começar a falar em crioulo e eventualmente passar para português. mas normalmente eu encontro-me com qualquer indivíduo ou porque já foi funcionário ou porque já ocupou um alto cargo, ele não lhe passa pela cabeça começar a falar…por exemplo, se está a falar comigo, começar a falar em crioulo. já… é uma questão… bom… é a tal questão… é uma questão sociológica… a ser estudada--mas eu sei que é assim. na realidade, eu sinto que é assim. + +E quando fala o crioulo com as pessoas das outras ilhas… já me disse… fala crioulo de Santiago normalmente. Como é a compreensão, a inter compreensão? + +normal. normal. eu compreendo perfeitamente os crioulos…olha eu lembro-me desde quando eu era Y1… há longos anos… muitas vezes se discutia… tal… essa questão do crioulo… que as pessoas não se compreendiam… eu lembro- me… eu e o Abílio Duarte2 até… um dia estávamos a falar sobre isso… e comentávamos… ainda no tempo da TVEC3, televisão experimental… quando víamos várias das entrevistas na rádio. na televisão. de pessoas, dos jornalistas, que é daqui ou de São Vicente ou de onde, a falar com pessoas de Santo Antão, a entrevistar e dar (?)vocês estão a ver? ele perguntou, outro respondeu. não pôs nenhum problema. um falou num crioulo outro respondeu noutro crioulo porque a essência é… e é isso que nós vemos ainda, agora a gente vê quotidianamente na rádio e na televisão. + +Eu gostaria de aprofundar um pouco essa questão de falar crioulo e português. Há circunstâncias… já me falou da formalidade das situações… queria que me especificasse um pouco mais, se fosse possível, as circunstâncias em que… usa o crioulo e usa o português? + +quer dizer… nós estamos a falar aqui… por exemplo, esta entrevista está a ser dada em português. bom. nós somos duas pessoas da chamada… dito da elite intelectual. começámos a falar em português, estamos a falar… talvez para facilitar a transcrição etc. mas se nos encontrássemos fora da entrevista, sem gravação, talvez falássemos em português. mas podíamos nos encontrar numa outra situação qualquer… eu, a Amália, o X ((marido da pesquisadora)), a X ((esposa de INF8)) etc. e a conversa se desenrolasse em crioulo, normalmente, bom. por mim, e suponho que para nenhum de nós… nunca passaria pela cabeça porque é que a gente está a falar em crioulo ou em português. a conversa… estou convencido que se tivéssemos uma hora juntos… a conversa passaria mais do que uma vez do crioulo para o português e vice versa… quer dizer, durante a conversa, seguramente que mudaríamos várias vezes o português e o crioulo, a conversar. + +Diga-me. Existem finalidades específicas para as quais usa o português ou o crioulo? Estou a pensar em situações como rezar, orar, namorar… manter um contacto, existe alguma situação? + +não. a... eu acho que não. por exemplo, rezar… eu suponho que quando se vai fazer a oração formal, ela é em português porque assim é que a gente aprendeu -- e você decorou o Pai Nosso, o Credo, a Salve Rainha essas coisas todas em português, não sabendo o que é que significava. e você vai lá para fora encontra as pessoas todas, que não conhecem nenhuma daquelas palavras a dizer… por isso os (?) não têm sentido… se ouvir as pessoas a rezarem lá no interior. por exemplo - aqui. mas hoje em dia se eu for pedir a Deus qualquer coisa etc. normalmente o meu pensamento tanto pode sair em crioulo ou em português, dependendo do assunto, do momento e daquilo que eu esteja fazendo. eu posso dizer, 4Oh Deus, nhô djuda-m. é uma oração. é um pedido a Deus. como se estiver noutra situação, em que o ambiente…eu estar a falar português, a pensar e... a ler em português, eu digo Oh Deus, me perdoe. quer dizer, não tenho momentos fixados. agora se eu vou à missa, e o padre me diz vamos rezar o Pai… mesmo que ele diga em crioulo, 5 Nu reza kel orasão ki nos tudu insinadu, Pai- nosso que estais no Céu… eu não vou dizer… eles dizem em crioulo, pedem às pessoas para rezarem, pedem em crioulo, as pessoas que não sabem português, que falam só crioulo, rezam a oração em português porque assim é que apreenderam--têm aquilo decorado. + +Dr. X, pense nesta última semana. Acha que durante esta última semana, usou mais o português ou o crioulo? + +oh pá! eu acho que indiferentemente. usei o nosso crioulo. usei o crioulo em casa, sempre. falei com o meu condutor em crioulo, mas às vezes em português. usei mais português aqui no escritório. falei com clientes, recebi clientes. recebi e escrevi notas. fiz notas. ditei coisas para os funcionários, para passarem-- tudo isso é feito em português--está a compreender? + +Diga-me, existem circunstâncias em que habitualmente usa o crioulo, mas preferiria usar o português ou vice-versa? + +não. não. quer dizer, eu… eu… pessoalmente quando quero usar… a não ser, quer dizer, a não ser que seja numa situação muito formal. mas nessas situações muito formais, eu posso fazê-lo em português, porque eu não tenho… eu, como não tenho nada contra, contra falar português ou não, de modo que eu uso, se for necessário, num momento qualquer, etc.. agora, há circunstâncias em que eu acho que seria melhor utilizar o crioulo. suponhamos. eu estou numa determinada, num determinado tipo de cerimónia, com pessoas que eu sei que… não se sentem a vontade para dizerem tal coisa em português. tal frase, para agradecer, etc. uma cerimónia, por exemplo, de condecoração, por exemplo, em que a gente… os condecorados são pessoas do… pessoas ditas do povo. artistas, ou seja lá o que for. vão ser condecorados pelo brilhantismo que fizeram na sua vida, designadamente (?). eu acho que esta cerimónia… eu dou-me comigo a pensar. esta gente estaria mais à vontade e haveria maior au… autenticidade de si próprios se estivessem a exprimir na sua própria língua em vez de estarem aí… e... fazer aquele discurso. não fazer um discurso que lhe deram para ler ou para dizer coisas que não sabem--está a compreender? + +E existe alguma circunstância em que estando a falar o crioulo muda para o português ou vice-versa? Isto é feito em função de quê? + +isso, eu posso dizer que isso acontece-me muitas vezes. por isso que eu digo que é a tal circunstância de ser bilingue. como nós estamos a falar, se eu não estivesse por exemplo a dar a entrevista, poderíamos já ter passado sem sentir para crioulo ou para português. às vezes é uma palavra que puxa a conversa para a coisa e vice versa. posso estar a falar crioulo, de repente já estou em português. + +Estou a pensar em factores que podem, entre aspas, obrigar a isso. Sei lá mudança de assunto, chegada de alguém… + +sim. sim. por exemplo, se eu… naturalmente. se eu estou a falar com um grupo aqui… estamos a falar em crioulo. chega uma pessoa que eu suponho não compreender o crioulo, passo naturalmente, imediatamente para o português, - também se estou por exemplo, com convidados em casa, com amigos a falar. falamos em português. entra o empregado ou entra pessoa… eu quero falar com ele sabendo… eu passo para o crioulo para falar com ela, com a pessoa que chegou… ou para dar uma ordem, uma orientação, para pedir uma coisa, 6nha ba buska-m kel kopu d’agu. . nha ba faze-m tal kusa. etc. -- eu volto a falar português com a pessoa. volto a falar em crioulo com ela. + +Voltando a questão do ouvir, ler e escrever em crioulo… Habitualmente ouve o crioulo de que fonte, de onde? + +não. não. normalmente eu oiço através dos órgãos de comunicação social - para além de falar. que eu falo muito crioulo. portanto, todos os dias falo crioulo, pelas circunstâncias da vida. mas oiço sobretudo o crioulo através dos órgãos de comunicação social, rádio, televisão e cd’s. portanto estou a ouvir música, e a nossa música é toda ela, quase todos os dias, em crioulo. estou a ouvir a rádio que tem programas em crioulo e em português. e quando vejo a televisão nacional, vejo gente falando crioulo e falando português. etc. + +E esses programas de rádio são sobre que assuntos? Esses que costuma ouvir. + +são diversos assuntos. são sobre desporto. sobre música. sobre cultura em geral, e sobre outros assuntos. há programas específicos sobre a saúde que eles fazem muita questão, às vezes, que seja em crioulo para que as pessoas, os destinatários, possam entender. de modo que é nessa base. + +E a sua leitura em crioulo… do crioulo, incide sobre… em… que que matéria? + +a minha leitura em crioulo devo dizer que é muito fraca. é muito fraca porque não existem muitos livros em crioulo e... de modo que... posso dizer que a maioria das minhas leituras é em língua portuguesa, é em português. + +E a escrita? Já me falou. Escreve… o que é que escreve normalmente em crioulo? + +eu normalmente escrevo poemas em crioulo--escrevo poemas em crioulo. + +Dr. X, quando se desloca para o mercado, se se desloca… para lojas, repartições públicas… está em restaurantes, locais de lazer… o que é que usa nesses locais? + +normalmente é o crioulo. normalmente utilizo o crioulo. a não ser em circunstâncias especificas, posso falar em português. mas normalmente uso o crioulo. + +O que é que pensa do crioulo? + +eu acho que… para mim, o crioulo é uma das no… um dos nossos maiores valores identitários, que é o que mais… nos identifica como um… como um povo, -eu… o cabo-verdiano… quer dizer, você está no Brasil, ou está em Angola, ou está em Portugal ou em França ou nos Estados Unidos… o que tem de comum, essencialmente mais do que tudo, é o nosso crioulo. portanto, eu acho que é um elemento identitário forte. depois, eu acho que é um grande valor, porque é uma criação pura nossa. é uma criação. quer dizer, o crioulo é como o cabo-verdiano -- assim como o cabo-verdiano resultou de vários cruzamentos. de povos de raças e de culturas que se produziu o cabo-verdiano. porque o cabo-verdiano a... que é uma é uma… um grande handicap que nos era apontado mas que acho… que é um valor, é uma riqueza. quando nos dizem, vocês não são nem peixe nem carne. lembro-me do tempo de estudante… os outros tinham a vanglória de serem uma identidade toda própria, autênticos. ou são brancos ou são negros. o cabo- verdiano tem essa riqueza de ter essa identidade que ressurgiu dessa mistura. e o crioulo, portanto, eu acho que é um valor. portanto, eu dou muito valor ao crioulo porque… ele define, para mim, uma conquista da humanidade. uma criação da humanidade. o crioulo, nós os cabo-verdianos e o nosso crioulo, somos uma autêntica criação. uma nova criação que surgiu desse cruzamento. + +Digamos que estabelece… se estou a perceber bem… estabelece uma relação entre ser cabo-verdiano e usar… + +sim--sim. + +Admite a possibilidade de um cabo-verdiano não gostar do crioulo, ou não saber crioulo? + +não. eu, eu admito. eu admito porque existe. mas para que eu fale no cabo-verdiano e no crioulo não é preciso que todos digam a mesma coisas, estejam de acordo e falem a mesma coisa, porque em todas as coisas… eu posso dizer que o povo cabo-verdiano é um povo... calmo, de brandos costumes, coiso… mas há malcriados ((risos)) há indisciplinados, há violentos, há assassinos. há tudo isso… mas em geral, o povo cabo-verdiano caracteriza-se por ser de uma certa maneira. portanto, se você analisar, a maioria do povo cabo-verdiano, e cada vez vai ser mais assim felizmente, a maioria do povo cabo-verdiano gosta de si próprio, gosta da sua língua, gosta da sua cultura, etc.. porque cada vez que tem mais consciência de si e da humanidade, o povo cabo-verdiano vai se dar a si próprio mais valor. já não tem vergonha de ser cabo-verdiano. o cabo-verdiano já não vai sentir… de ser muito pequenino, muito pobre, que vive só da roça, da emigração, etc.. vai sentir-se orgulhoso de ser um povo que se faz a si próprio, que cria a sua própria riqueza, que aumenta as suas capacidades, e que vai transformando estas ilhas de pedras em ilhas afortunadas. portanto… portanto, eu assim é que eu vejo, também. agora, não me digam, não. João, António, Maria não gostam disso. não. já isso é outra coisa. + +Há pessoas que acham que o crioulo… a... ainda não é uma língua, que não tem regras, que não tem gramática, que é uma deturpação do português… o que é que acha? + +não. eu acho que isso é uma… para dizer a verdade, eu acho que uma leviandade. é uma desculpa de mau pagador. uma desculpa para não se valorizar o crioulo. eu acho que o crioulo. como todas as outras línguas que se formaram, desde o francês, o português… todas essas línguas existem, mas passaram por diversas fases. eu não digo que o crioulo seja hoje uma língua perfeita, com regras pré definidas, ou completamente definidas. porque não é. mas isto não impede que se estabeleçam essas regras, se definam essas regras. e se faça um estudo técnico da da língua. da língua crioula. eu… porque… porque é que em Coraçau, por exemplo, já existem… já… estas coisas e nós não temos? porque eles lá assumiram a língua. e fizeram e trabalharam para isso. nós não assumimos ainda. ou pelo menos temos alguma dificuldade. e portanto, vai se andando. e hoje os estudiosos aqui da língua já definiram que existem caminhos técnicos para se encontrar essa solução. portanto, eu acho que ficamos num círculo vicioso. não se valoriza a língua porque não tem regras, não tem isto, não tem aqueloutro e portanto, não se valoriza, não se oficializa. e não se definem as regras, não se faz isso porque não é a língua oficial e só se precisa preocupar com a língua oficial--é um círculo vicioso. + +E relativamente ao português, o que é que acha do português? + +eu acho que o cabo-verdiano deve ter a seguinte consciência. que é um valor e que é uma riqueza poder ter também português como a sua língua oficial. porque eu acho que… como dizia Amílcar Cabral… não porque Amílcar Cabral dizia… porque não quer dizer… não era Deus. mas acho que ele tem razão quando dizia que a maior riqueza que o colonialismo estava a deixar à Guiné e a Cabo Verde era a língua oficial… deixar às colónias. era a língua portuguesa. eu acho que a língua portuguesa é uma língua que nos interessa, que nos serve e que devemos assumir como um património. e por isso dar-lhe um tratamento adequado e de que é merecedora para… para nós todos. agora quando eu digo isso, eu não quero dizer que a língua portuguesa é a nossa língua materna--porque não é. + +Certo. + +não é. porque o cabo-verdiano, quando nasce… quando digo o cabo- verdiano, digo a generalidade do povo cabo-verdiano… você está aqui em Santiago - vai a São Vicente, vai a Santo Antão, a Boavista, ao Maio, ao Fogo e à Brava… a generalidade do povo cabo-verdiano nasce no berço e aprende com os pais a falar crioulo. aprende em casa a falar. haverá pequenas excepções que… de pessoas que obrigam os filhos a aprenderem português e a falarem português. mas é uma, é uma… é um numero ínfimo. portanto, a generalidade do povo fala cabo-verdiano. portanto, a nossa língua materna, aquela que aprendemos desde o berço, com que convivemos permanentemente e no dia-a-dia, que utilizamos em todas as circunstâncias possíveis e que a generalidade do povo usa na sua vida permanente é o crioulo. MAS nós devemos fazer os possíveis para que haja aquilo que eu costumo dizer… esta luta em sentido contrário… a valorização num sentido e noutro das duas línguas. é o crioulo deixar de ser língua que se utiliza quando você sai da sala e vai para o quintal e para a cozinha. o crioulo tem de subir também para ser usado na sala, na sala de visitas, nos salões. e o português deixar de ser utilizado só em circunstâncias formais. e utilizado só pelos… nos salões de importância e ser apreendido e utilizado pelo nosso povo. para que o nosso povo possa aperceber-se, assumir, apreender e poder falar e compreender, normalmente, o português. o que eu quero dizer? eu, o meu sonho, aquilo que eu desejo e que penso que acontecerá no futuro, mais cedo ou mais tarde, depende da velocidade com que nos propusermos a isso, é que o cabo-verdiano, tendencialmente, será bilingue. isto é, todo o cabo-verdiano, com a escola, com a educação, com o acesso a ... aos liceus, ao ensino secundário. portanto, não ficando nem analfabeto nem se resumindo ao ensino básico. cada vez que o cabo-verdiano tem mais acesso à escola, estuda mais, lê mais, ouve mais a rádio, vê mais a televisão, e ele tem mais capacidades de compreender e de se exprimir em português. e é ali que eu digo que nós seríamos bilingues. portanto, nós somos um povo tendencialmente bilingue e a tendência vai levar-nos… se o processo de desenvolvimento continuar como está indo, para sermos de facto bilingues. + +Digamos que… se eu entendo bem… não distingue o uso do crioulo ou do português em função das pessoas, ou seja, admite que há determinado tipo de pessoas que devem… para quem o crioulo é adequado e outro tipo de pessoas para quem…? + +não--eu… + +Ou assunto… ou circunstância…? + +não. eu não faço essa distinção. faço essa distinção actualmente. mas como projecto. eu… o projecto que eu entendo para Cabo Verde é que amanhã Cabo Verde possa vir a ter uma capacidade, o povo cabo-verdiano… uma capacidade… de normalmente, com mais fluência numa ou noutra coisa… e naturalmente com mais fluência em crioulo. mas que o cabo-verdiano normalmente amanhã, possa utilizar e falar o português. como eu estou aqui com os funcionários. eu sei que os funcionários, a... os empregados… que o meu condutor, a minha a... portanto, a recepcionista etc. seguramente que no seu quotidiano fala crioulo. mas eles não têm dificuldades em perceber se eu falar com eles em português, ou em me dirigir em português também. portanto, eu vejo que Cabo Verde assim é que vai ser amanhã. quando toda a gente tiver acesso a um determinado nível, a um determinado patamar de ensino, de educação e de cultura assim é que vai ser. + +E… diga-me… e a leitura e a escrita? + +do quê? + +Do crioulo. + +não. esse, esse é o tal processo de valorização do crioulo. portanto o crioulo tem que ser valorizado mediante o ensino da escrita. + +Nas escolas? + +nas escolas. nas escolas porque de outra forma vai ser difícil. é preciso que se introduza a escrita do crioulo para que aspessoas aprendam. nós, se calhar já somos burros, burros velhos… para nós, quem não souber agora, vai ter dificuldades. mas pelo menos que as gerações vindouras possam escrever o crioulo. e então será muito mais fácil esta integração do crioulo e português. porque se você consegue aprender a escrever em inglês, francês, que nós não conhecemos nada. e mesmo o português… se você consegue aventurar-se a aprender a escrever no russo, o árabe, o chinês… porquê que se vai pôr tantos problemasa aprender a escrever crioulo? + +E na alfabetização de adultos, o que é acha do uso do crioulo? + +eu acho que é fundamental porque os adultos, os analfabetos são aqueles que só falam mesmo o crioulo. que só falam mesmo o crioulo. e normalmente, por serem adultos, terão mais dificuldades em apreender directamente o português --portanto a aprendizagem de… voilá… quase que científica do crioulo, a maneira de escrever etc. naturalmente vai ajudar a subir a outro patamar que facilitará a compreensão e a escrita do português também. + +Diga-me… qual deles, o português ou o crioulo, acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? + +manifestamente o crioulo. o crioulo porque o crioulo… tanto mais porque as nossas maiores expressões são todas em crioulo. você canta em crioulo… veja o... todas as músicas em Cabo Verde, seja a morna, seja a coladeira, seja funaná, seja batuque, seja… todas as expressões musicais em Cabo Verde são em crioulo. você encontra raramente uma… uma… uma morna em português. está a ver? raramente. agora, tudo está escrito em português. você fala, exprime-se normalmente em crioulo. e quando está… eu aliás, no meu escrito, no meu livro que eu lancei há tempos dizia isso… e você, quando chora, chora em crioulo. quando chora os seus mortos, chora em crioulo. quando canta, canta em crioulo, - o padre quando dá a missa, quando reza a missa e faz as prédicas é em crioulo. o político, quando faz comícios, faz em crioulo. passam todo o tempo a discursar no Conselho de Ministros, a falar português. + +Porque acha que isso acontece? + +acontece porque sabe que é onde ele exprime-se… exprime melhor os seus sentimentos. é aquilo que lhe vem da alma, do seu íntimo. e ele sabe que as pessoas o entendem melhor. não faria sentido eu ir fazer um comício… está a ver, eu a fazer um comício, fosse aqui na Várzea, fosse lá no Monte Sossego ou em Chã de Tanque ou quê em português, para os meus… para o auditório. quer dizer - aquilo não traduz o meu âmago… nem está a condizer com o âmago daqueles… porque são… repare. são momentos importantes de intimidade, são momentos importantes de intimidade das duas partes, dos ouvintes e do falante, do pregador, - e esses momentos importantes são quando eu canto, exprimo o meu sentimento, de coiso… quando eu choro. se chorar um morto, estou a chorar uma tristeza. quando peço que votem em mim, ou no meu partido, ou quando peço às pessoas que… para fazerem, para trabalharem para Deus. é o padre na missa. é o politico a fazer comícios, a pedir votos, a convencer os seus eleitores. é… sou eu a chorar uma tristeza ou a cantar uma alegria ou um sentimento. portanto, quando eu exprimo o que me vai na alma e as minhas preocupações mais profundas - utilizo o crioulo. + +Certo. Admite a possibilidade de funaná, batuque, morna em português? admite? + +não. não. proibido não é. mas acho que não dá. é como pensar em fazer o fado em francês. pode. pode acontecer um fado. mas o fado é tão genuinamente em português que… que não estou a ver o fado em… coiso. é como também dizer… haverá uma morna, haverá não, há mornas, mas veja que mesmo o Sérgio Frusoni, que era italiano, virou cabo-verdiano, sobretudo através dos sentimentos, da música. estáa compreender? + +Certo. E literatura… literatura culta, escrita… poesia, romance, conto…? + +não. quer dizer, isso já é uma outra luta. veja que eu que defendo o crioulo, como a maioria daqueles que defendem, quase todos escrevem… eu, por exemplo. nós escrevemos em português… mas em português porque fomos habituados sempre a escrever em português e temos mais facilidade em escrever em português. essa é uma razão em escrever em português. precisamente por causa dessas regras de escrita que se diz e que de facto não estão completas definidas, e não fomos habituados a escrever, primeiro. em segundo lugar, porque sabemos que escrevendo em português… se estamos a escrever, queremos que as pessoas leiam. há muito mais gente que lê. portanto a divulgação é muito mais facilitada do que se formos escrever crioulo… nós estamos naquela situação ainda que a escrita em crioulo é só para aqueles que estão a fazer quase que estudos ou a divulgação deestudos ou a promoção do crioulo. e quando escrevo em português, não estou a promover português, a língua portuguesa. estou a promover o meu pensamento sobre determinadas coisas. ao passo que ainda quando… estamos naquela fase de crescimento do crioulo, de desenvolvimento do crioulo, tal, em que quando a gente tem a opção de escrever em crioulo, para lá de de dar a conhecer um pensamento, uma tese de desenvolvimento, ou o desenvolvimento de uma opção politica ideológica, você quer também promover o crioulo, a língua em que esta a escrever. eu… quando escrevo sobre determinada… posso falar de uma coisa que eu quero… desenvolver literatura… mas quando estou a falar, estou a fazer um ensaio, faço em português… porque me sinto à vontade para o fazer em português, mas estou mais preocupado com exprimir o meu pensamento sobre a matéria, não em promover a língua portuguesa. ao passo que ainda o crioulo está naquela fase que quando você opta por escrever em crioulo, não é porque você não saiba escrever em outra língua. você quer o crioulo porque você quer promover o crioulo através do seu pensamento, através da escrita. + +Acha que o crioulo, em si, tem esta potencialidade? + +de? + +Ser usado na literatura. + +eu acho que sim. perfeitamente. acho que sim. quem souber escrever em crioulo… que pode… aliás alguns já escreveram. eu acho que sim. eu acho que o crioulo tem todas essas potencialidades de uma língua. agora nós é que temos de… quando houver essa vontade clara, forte e firme, naturalmente. + +Acha que o crioulo deve ser oficializado? + +acho-- acho que o crioulo deve ser--eu acho que… + +Porquê? Para quê? + +eu acho que… eu entendo… já o disse também no meu livro. que o crioulo nem sequer precisa ser oficializado. eu acho que o crioulo deve ser assumido como língua oficial. parece que estou a dizer… que as duas coisas são a mesma coisa, mas não são. quer dizer, eu acho que a língua materna, numa circunstância como a nossa, de um país uniforme, isto é, um país que tem a graça de ter essa única língua materna, mesmo com as variantes, mas o tronco, a língua é única. o crioulo é único com… apesar das variantes. eu acho que um país que tem essa felicidade, essa graça de ter uma língua materna, essa língua materna não precisava de ser declarada como oficial. ela devia pura e simplesmente, por natureza, ser assumida como língua oficial. por isso é que eu digo nesse meu artigo nesse livro, que eu acho que a constituição devia pura e simplesmente dizer o seguinte. em Cabo Verde é oficial além da língua materna a língua portuguesa. quer dizer, assumia-se, por natureza, por ser a língua natural, o crioulo como língua oficial e a língua portuguesa por opção, também. teríamos as duas línguas --eu digo isso expressamente lá. + +Nesse caso, qual ou quais seriam as funções do português e do crioulo? Seriam usadas para quê, cada uma das línguas? + +não. seriam utilizadas indiferentemente. por serem línguas oficiais, seriam usadas indiferentemente. quer dizer, cada um utilizaria a língua em que melhor se sentia à vontade. porque você não pode oprimir ou... inibir a maioria da população em se exprimir na sua própria língua porque a língua não é a sua língua oficial. você não pode dizer a um povo, a 90% de um povo, que a língua que ele fala não é língua oficial. que é língua dela, dele, que é sua língua. você vai dizer. olha a sua língua não é oficial, a língua oficial é aquela que vinte dez, vinte por cento, fala bem. que é a língua portuguesa. nem sei se chega a essa percentagem. mas está a compreender o ridículo e o contraditório disso? você está a dizer a um povo todo, a sua língua é essa. você vem lá de Caibros de Santo Antão, lá de Rincon daqui, lá de não sei quê dali… você chega a um serviço, quer falar o seu crioulo, quer exprimir-se, quer dizer o que quer. não. aqui você tem que falar português. a língua oficial é português. a sua língua serve só lá para o seu sitio. está a compreender? + +Estou. + +é isso que eu… é contra isso que eu… acho que se devia dar essa… só que as circunstancias é que imporiam as regras… quer dizer, você vai a um determinado sítio… eu estou na Assembleia, numa sessão parlamentar, eu falo em português, eu falo em crioulo, consoante for a vontade. eu não tenho que me sentir inibido por falar crioulo, ou valorizado por falar português. eu tenho é duas línguas para optar. eu falo naquela que melhor me convier. se eu me sinto melhor em português, para poder exprimir o meu raciocínio, poder rebater, poder argumentar etc. e coiso eu não deixo para falar em crioulo só nos momentos de coiso assim, tal… que estou a mandar uma mensagem específica para o meu povo. quando quero que a rádio, que a rádio me oiça sobre determinados assuntos, eu passo para crioulo. no resto que é formal, que é coiso… para mostrar que eu sou importante - que nós somos os órgãos de soberania a decidir, falamos em português. é isso o ridículo. + +Tem-me falado dos vários crioulos… acha que… variantes, como disse. Acha que existe um verdadeiro crioulo? Ou seja…? + +o que é que significa isso? + +Há pessoas que acham que o verdadeiro crioulo é o crioulo do interior, há outrosque acham que… + +não-- eu acho que… se eu defendo que nós estamos em criação permanente, nós somos uma criatura… + +Quando falamos de… só para… quando se fala de oficialização, coloca-se sempre a questão, qual crioulo, não é? Éum pouco nessa linha… + +sim. sim. não, não. eu acho… quer dizer, isso já eu ia entrar numa questão técnica que não domino, que não percebo, portanto não falo sobre isso. eu já disse isso. que eu acho que os técnicos na matéria é que devem definir isso. e os técnicos da matéria, pelos menos os mais conhecidos, que já deram mais coisas até hoje sobre o assunto, que é o Manuel Veiga, a Dulce Duarte e o Baltasar Lopes, todos defendem a mesma tese. que devia-se tomar como base… aliás o F1 vai mais longe… que defende que devia haver duas bases, uma de sotavento e outra de barlavento, sendo que a de Santiago seria mais para de sotavento, e a de São Vicente mais para barlavento. bom isso é uma questão técnica, claramente. eu faço fé naquilo queeles dizem. a F2 antes já tinha dito, e o Baltasar ainda antes também tinha defendido a mesma coisa, portanto, eles dizem isso. mas para mim, esta não é a questão fundamental. porque você não vai dizer que português deixa de ser português porque é falado de uma forma bastante diferente nos Açores em relação ao continente, ou na Madeira em relação ao continente. entre Açores e Madeira são diferentes. e o norte e no sul são diferentes. têm variantes, têm pronúncia, palavras, etc. mas não deixa de ser… mas você vai a França e encontra a mesma coisa… não deixa de ter… vai a Itália e encontra também as variantes entre diversas regiões, que eles chamam lá os paeses. portanto, não é essa a questão. eu acho que tecnicamente, os técnicos da língua, os cientistas da língua encontrarão forma de definir um crioulo básico, aquilo que será o crioulo formal, oficial, etc. em que se vai ensinar. e outro é aquela língua crioula que nós falamos no quotidiano. e nós todos nos compreendemos uns aos outros sem que saibamos escrever bem ou mal. assim como em português todos falam português em Portugal sem que tenham que escrever bem ou mal. se calhar… se calhar não, seguramente, nós falamos e escrevemos melhor português que muitos portugueses, que a maioria dos portugueses. + +O que é que acha disso? Como é que os cabo-verdianos falam português? Como é que acha? + +eu acho que há cabo-verdianos que falam português bem, como nós, por exemplo, a nossa… a nossa camada. e há aqueles que falam mal porque querem imitar… há os cabo-verdianos, por exemplo, que estiveram em São Tomé, que normalmente falam mal. porque são pessoas que não estão habituadas e foram obrigadas a ter de falar português. e então falam português que é uma tradução directa de crioulo, por exemplo. mas sem verbo, sem coiso, sem nada. + +O que é para si falar português bem? + +bom. para mim falar português bem, ao contrário do que muita gente pensa - não é, não é falar com sotaque eh... como se dizia antigamente, de… sotaque metropolitano. não. falar português bem é falar um português compreensível, obedecendo às regras da língua portuguesa. não tem a ver com… se não, em Cabo Verde todos falávamos português mal, tirando aqueles que têm a língua muito mais enrolada, para dizer coisas, para falar o português lisboeta. só eles é que ficariam. eu acho que o nosso português… é ali que eu acho que é o nosso património, é nós falarmos o português cumprindo as regras, mas à nossa maneira cabo-verdiana… como há o português do Brasil, há o português de Angola, há o português de Moçambique. nem um é mais correcto ou não do que o outro. quer dizer, há regras básicas do português. há as regras básicas. agora a pronúncia, o sotaque, depende de cada país e dentro de cada país, às vezes de cada região. + +Essas regras básicas seriam de que tipo? + +não. eu estou a falar das regras gramaticais. nessas regras gramaticais que… há princípios de língua, a que todas as línguas estão sujeitas. o francês também esta sujeito a regras, o inglês também. etc.. + +Certo. Dr. X, eu… esteja à vontade para fazer… acrescentar mais algum comentário… ou se há alguma questão que, para si é pertinente, mas que eu não tenha abordado… + +não. eu… eu acho que já abordámos quase tudo aquilo que eu poderia… sobre que eu poderia falar ou que me sinto com algum à vontade para falar. há outras questões já que entram para o foro eminentemente técnico, de domínio da ciência da língua. naturalmente sobre isso eu não vou poder falar. mas eu acho que é uma luta grande que o cabo-verdiano tem que fazer no sentido de se valorizar -- e eu não concebo o cabo-verdiano a valorizar-se, sem que valorize o seu principal elemento identificador e o principal produto da sua criação. que é o crioulo. + +Dr. X, mais uma vez obrigada por me ter concedido esta entrevista. + +de nada. 1Indicaçãode alto cargo desempenhado 2. Já falecido, foi Combatente da Liberdade da Pátria,primeiro Presidente da Assembleia de Cabo Verde, para além de compositore artista plástico. 3Televisão Experimental de Cabo Verde" +INF9.wav,"Dr. X antes de mais nada, muito obrigada por ter aceite este meu convite para participar neste trabalho, com esta entrevista. A primeira questão que eu tenho é se antes de entrar para a escola, quando criança, falava o crioulo ou português? + +crioulo e só crioulo. eu fui para a escola já com dez anos de idade, e até essa altura… essa altura não, aliás sempre--mesmo depois só falava português em situações formais. + +E nessa altura ouvia… tinha ouvido o português? Tinha algum contacto com o português? + +quando fui não. quando fui para mim foi traumático uma vez que o professor falava e eu não sabia o que é o professor estava dizendo. e isto porque e... eu já tinha ido no ano anterior. portanto isso na escola primária, no ano anterior estive na escola particular e aí o professor falava em crioulo, embora explicasse a matéria em português, portanto as leituras eram em… mas falava normalmente em crioulo de maneira que eu não tinha dificuldade. quando no ano seguinte, passei à escola oficial, o professor falava sempre em português. e eu não sabia nada de nada, não entendia. e o pior era quando ele me interrogava, eu não sabia o que é que ele estava a perguntar-me. e muito menos o que eu tinha de responder, e foi traumático. + +Nem na comunicação social? + +na altura não havia. na altura… repara eu nasci em cinquenta, fui para a escola com dez anos, portanto em sessenta, não havia. não havia rádio, não havia nada, não se ouvia. mesmo lá no interior, eu me lembro… naquela zona dos meus pais, na casa dos meus pais foi a primeira vez que surgiu um relógio, um relógio de mesa, de maneira que era todo o mundo a perguntar. que horas são? que horas são? de maneira que não havia comunicação social, não havia nada, pelo menos nós na altura desconhecíamos por completo. + +E actualmente, em casa e com os seus amigos e colegas mais próximos usa… qual é que usa? + +eu estaria agora a, usando o crioulo, se não tivesse iniciado a conversa em português, porque eu detesto estar a falar em português para cabo-verdianos, mexe comigo, de maneira que… + +Já lhe tinha explicado… tenho que fazer a transcrição… teria de traduzir…. + +isso responde tudo. portanto, com os meus filhos, eu não me lembro de ter falado com eles em português. se uma ou outra vez, por qualquer razão, me tenha ocorrido tentar falar, eu mesmo me sinto inibido de tal maneira que não consigo. não consigo falar com os meus filhos que não seja em crioulo. + +Portanto, com os seus amigos mais próximos usa habitualmente o crioulo. + +só falo português normalmente em situações formais. e essa situação que devia ser informal que está sendo formal, já disse porquê… + +Sabe… como é que considera a sua… o seu domínio em português? + +olha… é uma pergunta que nunca me pus a mim. posta assim… acho que me sinto à vontade como em crioulo, pelo menos isso. + +Em termos de… + +na escrita… eu costumo dizer, é uma questão de opção. se optar por escrever ou falar em português, falo e escrevo em português. se optar pelo crioulo, também falo e escrevo em crioulo. às vezes tenho uma certa e... desconfiança que, quando falo em crioulo, se calhar eu consigo transgredir a gramática mais vezes do que em português, e acho que por influência do português. + +E o crioulo de outras ilhas conhece, domina? + +conheço, mas não domino nenhum outro. neste momento estou trabalhando por exemplo, sobre textos de tradições orais recolhidas no Fogo, aliás foi uma operação que eu organizei em 1986, neste momento estou transpondo… aliás já meti todas as histórias tradicionais recolhidas durante esta operação… trouxe (?) cassetes gravadas, neste momento está tudo no computador, com quinhentos e dezasseis histórias tradicionais entre outras coisas recolhidas durante aquela operação, e portanto como já… e pretendo fazer até ao fim deste ano… deixar pronto um volume deste conjunto de histórias tradicionais que serão cinco volumes. portanto isto quer dizer que agora estou trabalhando um bocado sobre o crioulo do Fogo, não tanto quanto crioulo, mas expressões orais recolhidas… a variante do Fogo não domino, mas tenho de respeitar, pela gravação, por aquilo que oiço, mas a falar nãoconsigo -não consigo. + +Compreende o crioulo de…? + +compreendo o crioulo de qualquer das variantes. mas só falo, sinto-me à vontade, na da ilha de Santiago. + +E em termos de leitura e escrita do crioulo? + +a... não tenho problemanenhum. não tenho problema nenhum quanto à escrita – eu… e à leitura, leio qualquer. independentemente da varian… da da do alfabeto. + +O que é que acha, exprime as suas ideias melhor em crioulo ou em português? + +eu creio ter respondido de alguma maneira a esta pergunta há bocado… quando me pôs a questão de opção… + +Depende dequê? Da pessoa com quem fala, do assunto, do lugar? + +não. para mim, qualquer assunto, qualquer assunto com qualquer pessoa. só que normalmente não me sinto à vontade a falar português com cabo-verdiano ((risos)) + +E porquê? Portanto, sente à vontade quando fala português e quando fala crioulo… + +sim. mas quando falo com cabo-verdianos eu sinto mais à vontade falando em crioulo com cabo-verdianos. + +Porquê? + +acho que… nunca pensei no assunto. mas acho que é… porque… bom… parece-me que soa mais ao natural, somos todos cabo-verdianos temos uma língua comum, uma capa… possibilidade de nos exprimirmos na nossa língua. acho que… fico mais em Cabo Verde quando estou a falar em crioulo com cabo-verdianos --e isto mesmo lá fora. eu me lembro lá fora não conseguia, em Portugal tinha uma dificuldade horrível em falar com cabo-verdianos que não fosse em crioulo, independentemente de falar… da variante que o meu interlocutor domina ou fala . + +Sobre essa questão de se exprimir em crioulo… quando… se sente mais à vontade, quando fala ou escreve crioulo, quando fala ou lê crioulo? + +bom… naturalmente a leitura ou a escrita já é... uma coisa mais pensada. quando fala o indivíduo está mais solto. portanto, no fundo pretende é comunicar. não está atento àquilo que diz mas à passagem da mensagem. acho que neste sentido são dois níveis diferentes. + +Relativamente … em comparação com o português, qual é que se sente mais à vontade, ler em português ou em crioulo, escrever em português ou escrever em crioulo? + +(…) remeto de novo àquela pergunta, àquela pergunta e àquela resposta de há bocado, quer dizer não me… + +Igualmente. + +não, não consigo notar a diferença. quando escrevo em português estou a escrever em português, o crioulo afasta-se. se estou a escrever em crioulo, o português afasta-se. na fala a mesma coisa. de maneira que eu nunca me apercebi que… em qual dos terrenos me sinto mais à vontade, tanto na escrita como na fala, não me apercebi. aliás não sei se é por questão de ter-me habituado tanto a falar uma coisa e outra, portanto se calhar eu não direi que me sinto mais à vontade em cabo-verdiano que em português, não direi isso. mas em termos de publicação sim - em termos de publicação sim. de maneira que não sei… francamente não sei… de momento não foi coisa que me passasse pela cabeça alguma vez pensar sobre isso. sinto-me à vontade quando opto por uma coisa ou por outra. + +Eu vou lhe pedir que pense nas três pessoas com quem mais conversa, fora do seu círculo familiar, no exercício das suas diferentes actividades, como investigador, agente cultural … No exercício dessas actividades, pense nas três pessoas que mais conversa … E se fosse possível gostaria que definisse elaborasse o perfil destas pessoas, em termos de estrato social, idade, se são pessoas … + +mhm, três pessoas (…) + +Se são colegas, vizinhos, colegas de trabalho, de… + +bom vou dizer um colega, colega de trabalho investigador, estou a ver uma prima que trabalha comigo em casa… + +Fora do círculo familiar…no trabalho… + +(…) no trabalho… (…) + +Como escritor, como político, na sua vizinhança… + +bom… estou a pensar em três pessoas… uma delas, como ia dizendo, é uma colega de trabalho… portanto… é uma pessoa… já é investigadora… portanto… embora com ela se passe o caso de mais vezes eu estar a falar em crioulo, e essa pessoa em português, é cabo-verdiana, só que não nasceu em Cabo Verde, talvez por isso. uma outra pessoa… + +Com essa pessoa aqui, fala normalmente de que assuntos? + +assuntos diversos, às vezes questões de trabalho, questão … questões ligadas à investigação, mas também situação social, política. portanto do nosso país. + +Com essa pessoa, se percebi bem, fala em crioulo, embora essa pessoa … + +talvez eu fale em português porque essa pessoa normalmente reage respondendo-me em português. mas normalmente falo falo em crioulo porque é cabo-verdiana, essa pessoa. e às vezes eu me dou conta que continuo crioulo e ela está falando em português, então passo para português. mas às vezes ela também fala, faz um esforço tentando falar em crioulo. uma outra… uma segunda pessoa, ele também é um intelectual, um jurista de formação e... como ele diz, e... assuntos ligados à literatura mas sobretudo ligados… assuntos ligados à política. + +E aí, qual é a língua, crioulo ou português? + +crioulo e português, crioulo e português. + +o X fala em…? + +em crioulo e em português, e essa pessoa também. mas houve uma fase que a gente falava mais em português, estamos naquela fala que a gente fala mais em crioulo, também é cabo-verdiana. + +E falar crioulo ou português com essa pessoa, depende de quê? + +depende do início da conversa. se ela iniciar a conversa em português, continua em português, é mais isso. + +E a terceira pessoa? + +a terceira pessoa, interessante, estou a falar de pessoas com quem mais falo… + +Sim. Sim. + +engraçado… estou a ver que o meu círculo é muito… é muito restrito, porque esta pessoa também é intelectual. é é uma pessoa muito envolvida na política. actualmente até é ministro também. mas com essa pessoa… também já foi há alguns anos… com essa pessoa… falamos normalmente em crioulo, embora a princípio algumas vezes acontecia… talvez por ser dirigente… às vezes falava comigo em português, e eu, mais por birra, continuava a falar em crioulo. passava todo o tempo a falar crioulo e ele português, mas eu aí fazia conscientemente. não, não, eu vou falar a minha língua, que é a tua – e que deves usar. não dizia nada, mas no fundo ela devia perceber… portanto… de maneira que estas pessoas têm um perfil muito semelhante, essas pessoas com quem eu mais falo. outras é conversa de ocasião. às vezes a gente fala crioulo, às vezes fala português. + +Ora o crioulo, ora o português. Qual é o perfil das pessoas com quem normalmente fala crioulo? São familiares, colegas, autoridades, superiores hierárquicos, falantes de crioulo, de que nacionalidade? + +eu normalmente falo crioulo com todas as pessoas cabo-verdianas, sobretudo quando noto que a pessoa não domina por exemplo o português ou porque se sente mais à vontade a falar o crioulo, normalmente eu faço questão de me comunicar, e às vezes de me situar ao nível do meu interlocutor, não tenho problema em escolher pessoas ou … + +Quando diz situar-se ao nível não percebo muito bem… situar-se ao nível do seu interlocutor … + +ao nível da pessoa, do meu interlocutor. quer dizer se noto que a pessoa sente mais à vontade a falar numa língua que é nesse caso a cabo-verdiana… ah! aí estou como peixe na água não é? mas se noto que a pessoa… porque eu noto que algumas pessoas querem falar comigo em em português ou falam comigo em português porque partem do princípio que não dominam a minha variante. às vezes são pessoas de Barlavento, não dominam a minha variante, e não sei se é um preconceito, de não querer fazer feio ou qualquer coisa, falam em português e eu também, digamos por norma e educação, respondo também na língua em que a pessoa se sente mais à vontade. mas eu normalmente não… eu, como disse, com cabo-verdianos pretendo falar sempre em cabo-verdiano… mas já com dirigentes, nomeadamente os meus superiores hierárquicos, já tive alguns. noto que alguns fazem questão de falar sempre em português… e às vezes, por deferência eu falo em português. mas de quando em vez, quando estou numa situação de intervir em nome dos outros eu faço em crioulo mesmo que embarace as pessoas. por exemplo, eu estive na presidência da república, normalmente falávamos em português com o senhor presidente. mas por exemplo na ocasião em que se ia dar ou fazer cumprimentos ao senhor presidente e eu era seleccionado para falar em nome dos funcionários, eu falava em crioulo. + +Normalmente, os assuntos que fala com as pessoas com quem fala crioulo são diferentes dos assuntos das pessoas com quem fala português? Ou seja,… + +não, não faço este tipo de diferença. eu falo sobre qualquer assunto, posso falar numa ou noutra língua. mas a minha diferença tem em conta a situação, quer dizer o interlocutor. + +Dê umexemplo. + +por exemplo se estou a falar com uma pessoa analfabeta, não me passa pela cabeça falar o português por exemplo, portanto não me passa pela cabeça. ou se estou a falar com alguém que tem a sua 4ª classe, ou coisa assim ou pouco mais, ou mesmo curso geral do liceu ou coisa… sinto muito mal, porque entre nós eu sei que quem tem o curso geral do liceu não domina o português, às vezes nem quem tem o 12º ano de escolaridade, tem dificuldade em se exprimir… eu quero que o meu interlocutor esteja à vontade, então eu falo normalmente a língua de todos nós. e isso independentemente do assunto, aliás eu cheguei à conclusão que..., não tenho língua para assuntos. para mim… tenho a mesma língua para todos os assuntos. depende da pessoa com quem falo, do meu interlocutor. + +Há bocado referiu-se a isso, mas eu queria precisar um pouco. O que acontece quando fala o seu crioulo com pessoas de outras ilhas? Compreendem-se? Falo em termos de compreensão. + +eu a esse propósito posso dizer-lhe que já estive em todas as ilhas habitadas e tenho falado com pessoas dessas ilhas. eu não notei constrangimentos pelo menos… nem da parte das pessoas nem… como já disse também eu só domino a minha variante, normalmente falo a minha variante. + +E as pessoas entendem? + +as pessoas… portanto as pessoas reagem e respondem. e tenho notado da minha parte em relação às outras variantes, às vezes um ou outro interlocutor vem- me com um vocábulo que eu desconheço, eu anoto para depois perguntar a palavra. enfim eu suponho também que a mesma coisa deverá ter acontecido, às vezes, o interlocutor disse isso… o que é isso?  mas é questão de vocábulos ou de léxico e não propriamente de da comunicação, da língua. + +Dr. X, e em relação às circunstâncias, ao lugar, se está em casa, no mercado, em eventos desportivos? Já me falou um pouco das cerimónias, mas estou a pensar em locais de lazer, festas bailes, cafés, cinemas… usa o crioulo ou o português? + +o crioulo, sempre o crioulo com crioulos ((risos)) sou crioulo em tudo com crioulos, em princípio. + +Está bom! E diga-me, para exprimir os sentimentos, orar, rezar, namorar… o crioulo ou o português? + +depende . + +Depende de quê? + +depende da pessoa, do ambiente em que estiver. mas normalmente, aqui entre nós, neste espa��o, não me passa pela cabeça a não ser em crioulo. + +Ser em português depende do que? + +sempre do interlocutor ou o ambiente. portanto em que a língua que se usa seja o português, mas normalmente eu faço questão de usar sempre o crioulo. aliás é a minha grande luta. + +Dr. X, pense agora nesta última semana, e diga-me qual é que usou com mais frequência o crioulo ou o português? + +ah!! não tenho dúvida, nem dápara pensar. crioulo. + +O crioulo. + +nem dá para pensar. + +E em termos de da duração, do tempo do número de vezes que falou, mais o crioulo ou o português? + +éincomensuravelmente o crioulo. é o crioulo. + +Porquê? + +porque estou na terra de crioulos, falo com crioulos, e eu sou crioulo. desculpe-me-parece uma brincadeira mas é… traduz o que eu sinto e é o que eu faço --e isto está-me sempre presente. quase inconscientemente presente. + +Existe alguma circunstância em que usou português, mas que teria preferido usar o crioulo? + +está a falar desta semana ou… + +Não. Não. Em geral… de um modo geral… na vida. Circunstancias em que usou o português, mas teria preferido usar o crioulo ou vice-versa usou o crioulo, mas teria preferido usar o português? + +bom, esta última creio que não… que não tenha sido aplicável. isto é, usei o crioulo mas gostaria de ter usado português, não me lembro nunca. mas o contrário aconteceu-me diversas vezes. não posso contar … + +Pode dar um exemplo. + +por exemplo, eu vivi em Portugal durante oito anos… + +Não. Em Cabo Verde. + +ah! em Cabo Verde… só nas circunstancias oficiais. só nestas circunstâncias em que eu era entre aspas obrigado a usar português mas gostaria de ter usado o crioulo. mas só nestas nestas circunstâncias, de resto eu tenho quase que um bicho lá dentro a dizer que não. em crioulo. + +Vamos pensar um pouco nos contextos onde habitualmente ouve o crioulo… Onde é que ouve o crioulo? + +em todo o lado. em casa, na rua e... nos mercados. até nessas cerimónias oficiais enquanto não entra o acto cerimonioso, entre um e outro. ouço o crioulo em todo o lado. + +E o português? + +muito pouco. + +Mas onde, em que circunstâncias? + +normalmente só nestas circunstâncias cerimoniosas ou oficiais. + +Já me disse que não escolhe o crioulo ou português em função do assunto. Mas normalmente, quando ouve o português e o crioulo, que assuntos ouve em cada um deles? É capaz de perceber… ? + +sim. acho que entendi, mas também aí não sei fazer… + +Por exemplo, assuntos de tipo oficial, político… + +nessas cerimónias… normalmente essas cerimónias passam-se em português. acho que não só pela língua ser oficial, mas também e... por talvez tentativa de transmitir alguma solenidade, portanto. porque já fui em situações… aliás eu me lembro de recentemente… relativamente recente… participava numa reunião que era à volta da cultura. e... que quem ia dirigir a reunião começou em português, eu achei estranho, eu achei estranho, mas quando pedi a palavra para intervir, disse. bom. eu creio que estamos num ambiente ideal para… estamos a falar da nossa cultura, e sobre a nossa cultura, estamos a discutir sobre a nossa cultura, e penso que quando se discute a nossa cultura, e penso que o maior instrumento (?) é usar a nossa língua, a língua da nossa cultura. até fiz este reparo, mas normalmente o português aparece mais vezes, ou em situações de oficialidade ou cerimónias oficiais - ou então porque se pretende dar alguma solenidade à comunicação ou ao ambiente, - ou ainda, também, há dias estive a pensar nisso, há todo uma carga de alienação que pensa que o português é prestigiante e o crioulo não é--portanto há tudo isso. + +Vamos pensar na leitura… Leu mais… nesta última semana, leu mais em crioulo ou em português? + +infelizmente quando leio, leio mais em português porque não se produz praticamente em crioulo. para ler em crioulo teria muito que ler-me a mim mesmo, e eu não faço isso. eu não faço isso. de maneira que, infelizmente e... os textos que me apresentam aparecem quase sempre em português, ou em outras línguas, mas não em crioulo. + +Digamos, em termos de crioulo não lêmuito, se estou aperceber bem. + +não, não leio muito. porque não me leio e os outros que escrevem em crioulo são tão poucos e tão raros. + +E em termos de escrita, escreve mais em crioulo ou em português ou os dois? + +e... depende. se escrevo coisas minhas faço em crioulo, normalmente, raramente, muito raramente, em português. agora se estamos a tratar de coisas oficiais, infelizmente a língua oficial só temos uma, por enquanto. então eu tenho que escrever em português, portanto é essas duas situações e portanto, dependendo de cada uma, eu uso mais uma ou outra língua. + +Portanto, já me disse, documento oficiais escreve em português e as pessoais em crioulo, predominantemente, e também português. Quando é que é em crioulo quando é que é em português? O que éque escreve em crioulo e o que… + +ah! quando são coisas minhas, poemas, ou comunicação por exemplo, para apresentar em fórum dos cabo-verdianos, normalmente eu faço sempre em crioulo. agora em português, na questão de inspiração, isso aconteceu-me sobretudo em Portugal. creio que em Cabo Verde veio me acontecendo até há algum tempo atrás, - aparece-me sempre uma inspiração em português, eu não escolho a variante português, sai em português. quando estava fora de Cabo Verde, se calhar vinha mais vezes em português, mas depois de estar cá, o crioulo foi conquistando o seu terreno, naturalmente. de tal maneira que eu hoje acho que não tenho inspiração em português ((risos)) + +Diga, me… e textos que escreveu em crioulo, mas que gostaria de ter escrito em português e vice-versa. Disse… falou que escreve em português e crioulo, mas e textos que escreveu em crioulo e gostaria de ter escrito em português ou que escreveu em português e gostaria de ter escrito em crioulo? + +não, dos que tenho escrito em crioulo não há nenhum que eu gostaria de ter escrito em português. mas textos escritos em português, por mim eu gostaria de os ter escrito em crioulo. mas circunstâncias outras levaram-me a escrever… inclusivamente saiu no princípio deste ano um conjunto de comunicações feitas em congressos, fóruns, etc., em que alguns estão em português, são vinte e três entre os quais sete em português, e lá aparece, em nota de rodapé, porquê em português. houve um ou outro caso mal entendido, mas já… eu já cheguei a barafustar com alguém que queria que eu fizesse a comunicação em português e neguei-me. neguei-me terminantemente. e acabou por me convencer a escrever, mas quando pediu-me outra comunicação, mas em português, mas quando me debrucei sobre o papel não saía em português, eu tive que escrever em crioulo e isso para mim é. foi a coisa que me chamou mais, que me chocou, e buliu comigo muito mais, quando foi um texto sobre Sérgio Frusoni, num simpósio que houve em São Vicente organizado pelo colega João Varela, e ele convidou-me e eu aceitei, mas tinha que ser em crioulo. e ele, não, eu já estive consigo numa conferência e você aí também apresentou uma comunicação em português, faça um esforço, apresente também em português. está bem, vou abrir esta excepção, mas na altura da escrita não consegui, acabei escrevendo em crioulo. mas como já tinha compromisso com ele, tive que me dar ao trabalho, depois de estar tudo escrito traduzi para português. quando lá fui, olha, aqui está o seu texto em português, mas o texto que vou apresentar é em crioulo, não, você não pode, não? eu vou - ou então não apresento comunicação nenhuma. eu fiz uma barafunda ali na sala que teve que ir à votação para se saber em que língua eu faria a apresentação, e o público aceitou e pediu que fosse em crioulo, e eu fiquei satisfeito, e ele ficou pior que danado. mas pronto, isso foi uma situação que podia levar a uma situação limite. em que eu já tinha feito o compromisso de escrever em português, mas na hora de fazer a coisa não consegui, não saiu. isso porque veio-me uma imagem do Sérgio Frusoni. meu Deus, um homem que é cabo-verdiano porque praticamente… porque nasceu cá, mas filho de italianos e que escreveu sempre em crioulo, vai-se fazer uma homenagem a ele, e vai-se usar a língua… quando podíamos perfeitamente entre nós fazer… não sei. tive que escrever em crioulo depois traduzi… deixei a cópia com ele, mas para mim é o crioulo que vale, é o texto em crioulo. + +X, escreve em crioulo, estudou o crioulo. Em termos de aprender a escrever como é que foi esse processo? + +sim… é uma coisa interessante… na primeira experiência de escrita, de tentar exprimir-me, do ponto de vista do sentimento, foram poemas e em português. andava a estudar na altura o quinto ano, a secção de letras do curso geral dos liceus na altura, enfim… depois fui para Portugal. saí com uma necessidade enorme de escrever em crioulo. estava em Portugal com uma necessidade enorme… mas antes de ir, nas férias e... de fim de ano, daquele ano em que eu fui-me embora, lembrei- me das… dos contos tradicionais que eu ouvia em casa. da minha avó, da minha mãe. e fiz o registo das histórias do 1Ti Lobo e Xibinhu que eu conhecia. eu julgava que tinha MUItas histórias… cheguei ao número dezassete, não tinha mais… fiquei decepcionado. mas a verdade é que eu levei comigo aquele caderno de… coisa… com os textos em crioulo. mas um belo dia voltava de uma saída que eu tinha feito, a casa, e encontrei o meu irmão mais novo, o mais novo, o que ficou como 2kodê- a... sentado à janela a ler para os senhores, ia-me aproximando, ouvi. mas sou eu. então parei, continuei a ouvir, mas ele que nunca, mas nunca, tinha lido um texto em crioulo… e estava a ler em crioulo. estranhei. mas eu também nunca tinha escrito e escrevi em crioulo, e ele leu. bem e eu fiquei lá, eu fiquei lá até ele acabar, para tomar o caderno porque que ele não tinha pedido autorização, eu nem sabia que ele sabia do caderno, e depois… reparou na circunstância? + +mhm mhm + +isto… estou a contar porque em Portugal depois de um ano e pouco, fui convidado para participar na… numa cerimónia religiosa, de cabo-verdianas que iam fazer votos religiosos, eu fui. elas falavam em crioulo e eu não conseguia exprimir em crioulo, uma coisa fenomenal. um ano e pouco depois de já estar em Portugal, já não conseguia falar em crioulo, porque só falava em português. ela falava, eu entendia, mas quando tentasse exprimir-me em crioulo não conseguia. quer dizer, aí a língua quase que se amarrava à boca, não saía… riram-se de mim porque foram minhas ex-colegas no secundário, riram-se de mim à farra. e eu senti-me envergonhado como raras vezes tenho sentido em minha vida porque lá no fundo eu dizia para mim. falar (?) o português. não é a minha língua. mas a minha língua - a minha própria língua que desde miúdo até agora com vinte e três anos praticamente feitos… eu saí de Cabo Verde, e agora um ano depois já não consigo falar a minha língua. como é que é?  então tomei a resolução de passar a escrever aos meus pais em crioulo. a partir daí passei a escrever de Portugal para os meus pais em crioulo. os meus pais eram analfabetos mas o meu irmão mais novo é que lia, sabia que ele já lia em crioulo portanto era uma forma de não perder a minha língua. a realização da minha língua. bom, portanto, quanto à questão da escrita, foi a partir dessa escrita das histórias de nho lobo esta necessidade de não perder a realização da minha língua, passei a escrever. mas tinha um código próprio… bom eu já tinha lido alguns textos em crioulo, de escritores nossos e eu não estava de acordo com alguma representação e inventei umas coisas, por exemplo para o sujeito da primeira pessoa do singular eu escrevia m maiúscula, quer dizer m maiúscula. depois agora ficou em N. mas pronto foi assim. e a minha… eu creio que o facto de ter registado aquele contos me despertou para tradições orais, me envolver com tradições orais, eu fui fazer filosofia mas também fiz cultura e algumas disciplinas da de portanto de antropologia cultural. e isso tudo me permitiu estar a navegar na… foi assim que começou. depois passei a registar poemas em crioulo então quando se deu o colóquio de 1979 em Mindelo eu soube através da rádio lá… na rádio que era movimentada pela embaixada nossa em Lisboa então. escrevi ao Ministério a pedir tudo o que pudesse sair daquele colóquio. curiosamente quem me mandou esses documentos foi F13 que tinha regressado, que eu não conhecia, me mandou e então começamos a trocar correspondência. quando li os textos do colóquio, comecei a interessar imediatamente, a passar os textos que eu tinha escrito, a fazer exercício. de maneira que quando voltei já estava escrevendo, pelo menos utilizando bem. sem problemas, a proposta do colóquio de Mindelo. + +E actualmente, como é que escreve? Actualmente, o que é que utiliza, o ALUPEC? + +não, não, o ALUPEC. aliás eu fui e... neste aspecto talvez eu fui algo progressista. porque o colóquio de Mindelo eu não tive… não me… foi para mim uma satisfação, uma luz. enquanto outros escritores na altura barafustavam, essa coisa… para mim não, foi o lado prático da coisa que me falou, aquela capacidade rápida de representar… e uma representação praticamente universal, para cada som uma representação. aquilo para aquilo foi fantástico. depois eu também naturalmente me identifiquei bastante com essa proposta. em 1979 aparece o fórum de alfabetização de adultos aqui na Praia, que aparece com outra proposta a partir da proposta do colóquio do Mindelo. fez algumas alterações, eu passei a exercitar-me também na… com essa proposta… eh... bom, depois tive a sorte ou a infelicidade de estar ligado ao ALUPEC, portanto aquele grupo… eu fiz parte do grupo que propôs o ALUPEC. e a partir daí eu comecei a exercitar. eu acho que o ALUPEC já atingiu o auge de todas as propostas havidas desde… + +Sente alguma dificuldade quando escreve Não estou a falar especificamente do alfabeto… mas sente alguma dificuldade quando escreve o crioulo? + +não. poderei ter dificuldades em saber o que eu quero dizer mas não propriamente instrumento. eu não tenho dificuldade nenhum. e hoje mesmo o ALUPEC… eu continuo usando o ALUPEC… mas eu creio que estarei chegando numa fase mais avançada porque eu quis sempre exercitar-me e a... encontrar alguma coisa que doutra forma seria melhor e coiso… de maneira que eu tenho propostas… nesta altura eu tenho propostas de alteração para ficarmos mais ao pé daquilo que se fala, e sem constrangimentos para para o leitor ou para o que vai escrever, porque no fundo acaba por representar melhor. nomeadamente porque o ALUPEC em matéria de.... 'a' pretende que o 'a' seja sempre aberto. mas há… há nuances. há nuances. por exemplo em baka4, estamos em presença de dois 'a'. mas nota-se que que o primeiro, em termos sonoros, o primeiro'a'é diferente do segundo. + +E, na escrita, acha que devia ter duas letras para… + +não, a mesma letra. mas só que assim como para 'e' e 'o' se utiliza o acento agudo para aberta, eu passei também a assinalar o 'a' assim aberto com acento agudo -- ora mas isto vai dar uma proliferação de diacríticos, mas eu prefiro estar mais perto daquilo… da realização sonora… quer dizer eu sacrifico a... eu sacrifico sacrifico a leveza da escrita, em função… em… a favor da da clareza do som. + +E em termos de organização do discurso, dos parágrafos, não sente…? + +não, não. aí é uma outra coisa. eu penso que é um trabalho que ainda não se fez, mas vocês, linguistas (?) deverão pensar nisso, dar uma contribuição na questão da estruturação da escrita. nomeadamente na questão dos parágrafos, dos sinais de pontuação nomeadamente a vírgula, ponto e virgula, dois pontos e essa coisa toda, porque eu noto que na utilização desse sinal de pontuação, eu suponho que a minha influência vem sobretudo do português. + +Certo. + +acho que vem naturalmente porque foi o português que eu estudei. eu não estudei a escrita do crioulo, porque nunca se ensinou. ainda não se me ensinou convenientemente. mas eu pelo menos nunca ninguém me ensinou a escrever em crioulo. então eu penso que mesmo em crioulo há uma prosódia que talvez exija uma revisão uma adequação, melhor, desses sinais de pontuação a... para respeitar a prosódia. eu suponho, mas eu claro, como não sou linguista nem tenho pretensão de o ser… eu coiso… mas eu acho que teríamos algo a ganhar, e... se tomássemos em conta a prosódia, para a partir daí verificar se não haveria uma adequação maior dando uma volta em… ou adequando melhor a escrita a esta prosódia. suponho que seria uma contribuição muito boa. porque eu vou ao francês, eu noto que… mesmo comparando com o português… eu noto que… talvez por causa da prosódia… mas eu noto que os sinais de pontuação que… eu utilizaria outros em português para coiso… acho que isso é que me chamou a atenção. também em crioulo devemos fazer caminhar no sentido uma experimentação para ver em que dá. + +Obrigada Dr. X. Diga-me agora, quando está a falar crioulo numa determinada circunstância, há algo que o obrigue, entre aspas, a mudar para o português, que o faça mudar para o português? (…) Por exemplo a chegada de alguma pessoa ou a mudança de assunto também o faz mudar de crioulo para português? + +a mudança de… a entrada de pessoa pode, mas a mudança de assunto não. + +Fale-me disso. + +a entrada de pessoa…nós estamos aqui… suponhamos a falar em crioulo, entra uma portuguesa ou um português, e que vai continuar aqui connosco… não, nós estamos numa esplanada, estamos os dois a falar em crioulo, aparece um português que é amigo seu ou amigo meu e, bom, a gente convida para sentar connosco, aí a gente tem de mudar de língua, porque senão ele não entenderia, e não ficaria bem. neste caso sim. mas não vejo nenhuma outra circunstância que me faria passar para português estando a falar em crioulo. + +E ao contrário, estar a falar em português e mudar para crioulo? + +também. podia dar-se o caso. mas aí teria que… portanto… suponhamos por exemplo, estava a falar com alguém, neste caso vamos pressupor um português - estava a falar em português naturalmente, porque já disse que com cabo-verdiano em princípio falo cabo-verdiano, estou a falar em português e aparece-me alguém que sei que não domina português. e entretanto precisa conversar comigo. das duas uma. ou peço licença à pessoa que estou a falar para atender rapidamente a pessoa, e aí passo naturalmente para o crioulo e falo com a pessoa. ou se a pessoa… se a pessoa… não… acho que não se daria o caso de ter que se sentar connosco para eu ter de falar em crioulo sabendo que essa pessoa que acaba de entrar não fala português, mas também que a pessoa com quem eu estava falando não fala crioulo. aí sim teria uma situação… coisa… de maneira que eu tinha de fazer um corte. ou pedia licença e ia falar com o outro, ou olha, falamos obre esse assunto - ou retomamos essa conversa noutra ocasião porque agora estou com a pessoa… ou então, se a conversa com a outra tivesse… dizia – se não se importa, vamos retomar o assunto noutra ocasião, e continuaria a falar com a outra… mas para sair do português e continuar em crioulo, não. + +E em termos de assunto, mudar de português para crioulo? + +não. + +Não? + +não, assunto não. assunto não mexe comigo em questão da utilização da língua. + +Dr. X, o que é que pensa do crioulo e do português? + +o que é que eu penso? eu penso que… + +Diz-se muita coisa sobre o crioulo e o português em Cabo Verde… + +muito rapidamente… eu acho que bom… que o português que alguns… muita gente também já pensa que é um património nosso… eu tenho alguma dificuldade em aceitar assim de ânimo leve que seja de facto um património nosso. a não ser que esse nosso tenha de ser restrito. + +Tenha de ser? + +tenha de ser restrito, restringido . + +Ou seja? + +portanto há aqueles que dominam o português ou cabo-verdianos que dominam o português. porque há uma grande franja da população cabo-verdiana que não domina, portanto não pode ser um património que não utiliza. de que não precisa, portanto nesse sentido. mas eu penso que é um instrumento de que que nós precisamos, de que nós precisamos porque é... um instrumento de comunicação com outros outros povos. já não digo só com portugueses mas com todos os falantes de português que não têm que ser só os portugueses de PALOP e brasileiros mas de outras doutras nacionalidades que… acho que como instrumento… eu costumo dizer que um... que ter o domínio de qualquer língua, seja ela qual for, é sempre uma utilidade, sempre, é sempre bom para quem fala. mas por isso eu penso que é um um instrumento de que nós precisamos. podemos considerar património entre aspas porque é veiculo de muita coisa que já está integrada em nós enquanto povo, enquanto cultura. mas eu. o meu apego ao crioulo. à língua cabo-verdiana é por… tem muitos motivos. alguns… para já trata-se de uma criatura nossa, é uma criatura nossa. o cabo-verdiano nunca inventou nada. suponhamos, mas inventou uma língua, o crioulo é nossa criatura, nós a criamos. + +Certo. + +como língua ela é..., nossa. por outro lado… ela exprime o que nos vai por dentro, ela é a voz da nossa alma, é a voz e a expressão da nossa cultura, é a língua também do nosso povo, é a língua desta nação que tem uma cultura própria com que se identifica, que se identifica também com ela. com essa língua. daí que para mim o crioulo é em grande parte minha alma. + +e...? + +o português é o meu… é um instrumento. o crioulo é minha alma, é em grande parte minha alma. talvez por isso que eu me sinta à vontade… tenho dificuldade em falar com crioulos e crioulas que não seja em crioulo. + +O que é que acha então desta situação de nós, em Cabo Verde, usarmos o crioulo e o português? + +eu penso que estamos a caminhar para lá, em termos duas línguas pelo menos - embora para nós, pela nossa pequenez, pelas necessidades que nós temos, se pudéssemos ter três ou quatro línguas oficiais era melhor ainda. mas eu acho que o crioulo e o português têm espaço, têm espaço próprio, têm terreno próprio, e têm uma caminhada a fazer, se calhar junto, juntas as duas línguas. + +Sabe me dizer qual é o espaço próprio do crioulo e do português? + +eu falo um bocadinho pelo português… é um instrumento de comunicação. a... suponhamos que eu só soubesse falar crioulo. deslocar-me-ia a Portugal, era quase como se me deslocasse a França. ou a Inglaterra. por isso, se não falasse… se não falo, não domino a língua portuguesa, bom… estou perdido. aí enquanto instrumento de comunicação. e é neste sentido que penso que preciso desta língua como instrumento de comunicação nomeadamente com Portugal com os outros PALOPs com o Brasil. portanto é muito útil. se calhar muito útil ou necessário. portanto tem este espaço, nomeadamente este espaço extra país, extra nação, que eu preciso de ter domínio para estar à vontade neste espaço. aqui dentro temos a nossa escola que não fala a nossa língua. a nossa escola fala a língua portuguesa, portanto a nossa escola falaestrangeiro ((risos)) e então sinto… mesmo aqui dentro… na escola para aprender eu preciso da língua portuguesa porque infelizmente apesar dos trinta e um anos de independência ainda não demos ao trabalho de saber quanto estamos a pecar por não elevarmos ao estatuto de língua de língua nacional. + +Certo. + +é o que falta para passarmos a fazer todo o resto também na língua nacional. portanto quando estou a falar em crioulo falo com a nação, falo para… com a nação - falo para… mas quando falo em crioulo não posso pretender que esta fala, este instrumento, seja atingível, utilizável por portugueses. alguns sim, alguns aprenderam como eu aprendi português, outros nem por isso. portanto há uma limitação, no sentido de diminuir fronteiras de comunicação, e quanto ao espaço do crioulo acho que disse tudo. é o espaço cabo-verdiano, é o espaço também até da nossa diáspora. nós sabemos que… hoje então vamos a Internet… creio que os cabo-verdianos diasporizados se comunicam entre si, independentemente do país da residência em crioulo… quase todos… é fácil hoje encontrar textos e mensagens em crioulo, cada um escreve à sua maneira mas vê-se que é o crioulo. + +Acha que existe um verdadeiro crioulo? Acha que é o crioulo de tal lugar, o crioulo de tal pessoa, acha que existe? + +bom… verdadeiro crioulo… que é isso verdadeiro crioulo? para já, eu estou a falar em crioulo a pensar no cabo-verdiano, na língua cabo-verdiana. mas como sabe melhor do que eu, há muitos crioulos, de ilhas e bases diferentes. mas sabe o crioulo de Cabo Verde. temos uma base comum, mas temos as variantes todas que nós sabemos. e portanto em termos de língua… ah! temos um crioulo ou uma língua - que é a nossa língua cabo-verdiana, e acho que essa é igual. não é por acaso que estando, como já estive, em várias ilhas, eu sempre me expressei na minha variante e a comunicação a mensagem passou sempre. e também esses falantes das outras variantes, falando comigo, a mensagem passa sempre. e... de maneira que eu penso que temos sim um crioulo, temos uma língua. e temos variantes. e talvez porque somos ilhas, as variantes tenham que existir por direito próprio. eu creio que as arestas… quer dizer cada vez as variantes estão perdendo de alguma forma, conteúdo, acho que há uma tendência para a uniformização bastante grande, e pronto é um processo que diria… creio que nessa movimentação de pessoas do interior do país por um lado, mas também com a escrita, com os programas de rádio em crioulo em diversas variantes, tudo isso pode estar a dar uma contribuição grande para a uniformização. já agora… estamos a falar das variantes… mas voltando ainda à questão do crioulo/português. enquanto crioulo… por exemplo a questão de virem a ser as duas línguas oficiais, espero que… acho que está faltando menos tempo para isso acontecer. e... eu penso que para o crioulo se tornar oficial agora falta só uma decisão politica, acho que já fez uma caminhada… + +Acha que o crioulo deve ser língua oficial? + +acho. acho. mas isso não estou achando agora. sempre achei. + +E o português também se manteria? Deixe só entender. Manter-se-ia o português como língua oficial? + +também. acho que sim. + +Nesse caso, para quê? + +para quê? + +Cada uma das línguas… + +por causa daquilo que eu disse há bocado. há um espaço próprio para cada, e nós teríamos ganhos, já temos o português como oficial, porquê perder a oficialidade do português, se nos é útil? portanto acho que temos a ganhar com a manutenção do português. inclusivamente para a comunicação… uma certa comunicação internacional… uma certa comunicação internacional. nós falamos… nós estamos em relações praticamente intensas com Portugal, com Brasil e com os outros PALOPS, penso que teríamos muito a perder afastando o português + +Certo. + +quanto ao crioulo, que é a língua da nação, e porque a nação é cabo-verdiana - eu penso que mesmo que não houvesse mais razões só por isso devia ser oficializado. só por isso, porque é língua da nação. se Amílcar Cabral dizia que a luta pela independência também era cultural então a... por mais uma razão, que a língua é cultura. portanto, ainda mais por essa razão devia deve ser e eu suponho que vai ser oficializada a nossa língua… já faltou mais tempo… acho que já faltou mais tempo. + +Nesta… + +ora com a oficialização do crioulo podíamos dar um salto qualitativo porque psicologicamente nos libertaríamos enquanto povo nação. julgo que até ao momento continuamos ainda manietados do ponto de vista psicológico precisamente por essa não valorização suficiente da língua da nação. porque é a língua que a nação fala, é a língua em que a nação se expressa. ora, enquanto não se fizer isso, a mensagem que se estará passando à nação é de que ela é uma língua menor ou de que ela não tem… no fundo estamos a diminuir a nação. estamos a dizer à nação que ela… ela não tem… não tem prestígio, que ela não sabe falar. no fundo é dizer -- você não fala. a nação não fala. é dizer à nação que ela não fala, que ela não se comunica. por isso essa libertação psicológica cria um motor para o desenvolvimento tão desejado, tão almejado, tão querido, mas que não se consegue chegar lá, porque a nação está amarrada. precisamos de libertar a nação, a liberdade política tem que incluir a liberdade cultural, a liberdade cultural passa por essa liberdade de expressão. quando qualquer um sabe que pode escrever, pode mandar o seu filho para a escola para aprender a escrevera língua da nação… + +Isso seria o crioulo? + +não, não estou a dizer que o português não. mas neste caso o crioulo não está, o português está sempre, mas o crioulo não. portanto é trazer a paridade, no fundo é dizer ao cabo-verdiano comum, ao cabo-verdiano analfabeto, que ele é tão importante quanto o português, o português pessoa, a pessoa portuguesa. mas enquanto não se fizer, ele acha que o português é mais pessoa do que ele. não tem que achar. inconscientemente funciona assim, pior. se achasse conscientemente podia… poderia libertar-se, mas como não acha conscientemente… mas isso funciona inconscientemente, fica amarrado. + +Entendo. + +fica amarrado. não pode dar grandes saltos. não pode avançar no seu desenvolvimento e quando vem o governo dizer, não, não, nós vamos fazer isso, nós vamos fazer aquilo, ele no fundo de si, inconscientemente diz isso, desarmara-me. eu não posso fazer amarrado. portanto eu penso que só teríamos a ganhar culturalmente, socialmente, psicologicamente, do ponto de vista da aprendizagem escolar, mas também no ponto de vista da nossa relação com o outro, com o estrangeiro. porque no fundo estaríamos no mesmo patamar… vem um francês, vem um alemão a Cabo Verde, ele não se põe o problema de, como é que vou me desenrascar em Cabo Verde? eu vou, falo a minha língua, eles que se eles que se desenrasquem, eles que… mas nós cabo-verdianos, vamos a França – como é que eu vou fazer? como eu vou me comunicar? ai meu Deus, como é que eu vou exprimir?  mas eles não têm este problema. os alemães… os alemães sabem praticamente só a língua alemã, são raros aqueles que sabem mais outra língua, mas eles não têm problema nenhum. mas nós temos esse problema que é um tipo problema de complexo de inferioridade. por isto tudo… por isto tudo… quer dizer eu, perante um português, tenho de falar em português, o português perante mim fala em português, mas porquê? porquê é que eu não falo crioulo com um português? porque ele não sabe? não, porque não fica bem. passo a mensagem de que sou um burrinho, alguém que não sabe nada, um coitadinho. no fundo isso são mensagens psicológicas às vezes inconsciente. e para mim são muito pior, são muito piores estas mensagens do inconsciente de das que temos consciente, porque estas podemos superar, as do inconsciente não. portanto, precisávamos de fazer uma terapia. isso seria uma boa forma de fazer terapia. é é oficializando a nossa língua. + +Então, para si, qual seria a alternativa linguística desejável para Cabo Verde? + +alternativa? + +À situação que nós temos em Cabo Verde, temos neste momento… + +não, a de bilinguismo. pelo menos essa… eu suponho que seria uma boa alternativa. português já temos, e acho que não devemos perder o português, a língua portuguesa. o crioulo temos e não temos. temos para o consumo interno, não temos para nada que seja oficial. mais, não é língua oficial. e com a sua oficialização há todo um trabalho que se vai fazer… assim como quando se oficializou o português, ainda continua-se a trabalhar o português, porque não? nunca… portanto a questão da língua, sendo viva, nunca está resolvida. é sempre um processo. portanto nós podíamos caminhar… nós daríamos um passo de gigante com a oficialização, por que daí adviriam outros instrumentos, enquanto isso não acontecer… porque nós… costumo dizer isso, nós enquanto povo e nação continuamos alienados, continuamos alienados. e porque estamos alienados, se não formos acordados e despertados… e isso significaria a... oficialização. enquanto isso não se fizer, vamos marcando passo. não, ainda não estamos preparados. ainda não estamos preparados. mas ninguém se põe o problema de… bom… Cabo Verde ainda não estava preparado para ser independente, devia aguardar até que estivesse preparado não?, não é problema que ninguém se coloca, HOJE. na altura talvez sim, na altura da independência, eu sei que houve quem não quisesse, mas prontos… mas se continuarmos a pensar, bom precisamos de consciencializar isto para que todo o mundo aceite, todo o mundo queira. a... provavelmente os meus netos ainda vão estar à espera. + +Dr. X, nesta questão que referiu como espaço para o português, espaço para o o crioulo, existe, distingue o uso do crioulo e do português, em função das pessoas? Ou seja, acha que há pessoas para quem o crioulo é que é adequado e pessoas para quem o português é que é adequado? Estou a perguntar se acha, não se usa. Ou assuntos sobre os quais… + +não, não. bom eu creio que isso é quase uma evidência. há pessoas que… sei de pessoas que em circunstancias oficiais… naturalmente são intelectuais, porque eu costumo dizer que os nossos intelectuais são muito mais alienados que os nossos analfabetos… + +Mas do seu ponto de vista, o que é que o Dr. X acha? Que o crioulo é adequado para certas pessoas e não para outras? + +não, não. do meu ponto de vista não há. mas há pessoas que pensam que o português é mais adequado para uma situação, inclusivamente pessoas que falam em casa para a família em crioulo mas que em circunstâncias e..., de crispação, diria - já passam a usar português como a querer impor-se. e há pessoas que… mesmo dirigentes, que podem estar a falar com subordinados em crioulo mas quando precisa dar uma ordem, essa ordem já não é dada em crioulo, é dada em português. portanto há situações. infelizmente há essa essas situações… existem entre nós… e eu creio… que pelo peso da nossahistoria alienante. + +E o que é que pensa desta situação? + +é uma situação a ser superada, vai a ser superada pelo… + +Quando? + +pela… quando se oficializar o crioulo. + +Como, em termos práticos? + +a..., em termos práticos diria que a situação passaria a ser de… semelhante àquela situação em que eu me encontro, de falar português só nas circunstancias em que quase é uma exigência falar português. e falar crioulo nas outras circunstancias -- no caso de o português for oficializado, mesmo assim… do crioulo for oficializado, o português fica a perder um pouco mais. penso que ele ficará a perder por uma razão simples, porque o crioulo é língua nacional, nossa. o português não é. o português é língua oficial. estando numa situação de oficialidade idêntica ou paritária, as pessoas vão ter necessidade muito menos de recorrer ao português. vão passar a recorrer muito mais ao crioulo, porque… bom, as duas línguas agora são iguais, eu domino esta melhor portanto falo a minha língua --e MAIS como português não é língua nacional, é língua que é ensinada na escola, os que vão à escola apreendem, mas a língua materna não é o português, é a nossa língua. ora, por ser língua materna, o crioulo ganhará uma força enorme, então vai se ter que fazer um esforço no sentido de se tornar a língua portuguesa também materna. e o processo para fazer com que a língua portuguesa passe a materna será um processo longo. + +Materno, em que sentido? + +sentido que é materno, como a nossa língua. que é ser falada desde praticamente a nascença, desde quando se aprende a falar, falar as duas línguas. + +Prevê isso para o português? + +prevejo. talvez isso possa acontecer. mas exigirá um trabalho muito árduo e de anos e julgo que não será… com muito esforço e muito afinco não será em menos de quarenta anos, cinquenta. + +Há bo… + +porque é preciso tomar… como já temos uma língua materna nacional, as pessoas não precisarão, em princípio, do português nesta circunstância de maternalidade, nacionalidade. então é preciso fazer um investimento, vamos fazer com que o português também seja língua nacional, o crioulo já é língua oficial agora o o o português vai-se se tornar língua nacional. terá que haver toda uma pedagogia - todo um investimento para no decurso de anos ir-se implementando. + +Esta seria, digamos, a alternativa linguística para…. + +a situação mais desejável seria essa. + +Gostava… + +de termos duas línguas não só oficiais mas também maternas. já não direi nacionais porque, pronto… mas maternas. e essa situação de maternidade para a língua portuguesa suponho que é muito mais difícil. + +Há bocado falou-me do ensino do crioulo nas escolas e na alfabetização de adultos. O que é que pensa do uso de crioulo na alfabetização de adultos? + +creio que a experiência na sequência do fórum de alfabetização de adultos… fez-se uma experiência interessante, só creio que não teve continuidade. mas eu lembro-me que durante algum tempo, preparou-se um conjunto de monitores ou alfabetizadores de do conselho da Praia, fez-se um recrutamento de X elementos e participaram numa formação que se não me engano foi dada pelo… que é… como é que ele se chama? não me lembro… mas também era um professor de filosofia… bom… deu-se durante um período relativamente curto… + +Ah! já sei quem é. + +um período relativamente curto. portanto eu, quando soube que ele é que iria dar matéria, eu fiquei estarrecido. porquê? porque ele não consegue fazer uma frase em crioulo que não seja 5txapa txapa. + +Como assim? + +ou seja português crioulo, português crioulo, ou crioulo português. quer dizer, não consegue dizer uma frase em crioulo, pelo menos… como eu não tenho memória dele a falar em crioulo, de uma frase que seja mesmo uma frase toda ela em crioulo. ora e foi ele a dar essa coisa. no fim ele passou-me o o quê? ele passou-me uns textos, quer dizer… pediu a esses alunos, a cada um desses alunos que escrevesse… 6F2, foi F2… pediu a cada um que escrevesse ou um conto tradicional que conhecesse ou contasse uma historia que tivesse passado consigo, e ele passou… e ele passou-me estes tais textos para ver. e eu fiquei embasbacado, a pensar, mas como é que é possível? os textos usando aquela proposta, usando aquela proposta já com aquelas rectificações admitidas feitas pela comissão consultiva que eu também fiz parte, uma coisa interessantíssima, os textos estavam do ponto de vista do alfabeto utilizado muito bem escritos, e em crioulo, e no crioulo. portanto dos nossos analfabetos. porque esse crioulo dos nossos analfabetos é que é de facto um crioulo melhor mais cois… não tem o contágio de nós que fomos escolarizados. ora eu fiquei embasbacado com aquilo. porquê? o professor não era capaz de escrever um texto, o professor deles não era capaz de escrever um texto idêntico. entretanto os alunos foram excelentes. depois disso pegaram nos melhores desses alunos… então para fazer a experiência. só que já não sei como… qual foi o resultado, mas imagino que a alfabetização é um espaço por excelência de utilização da língua da de cabo-verdiana. primeiro porque normalmente são pessoas adultas que já dominam, vivem, vivenciam tudo em na língua. depois seria muito mais fácil passar a mensagem usando a língua que já falam, que já dominam. MAIS, essas pessoas mesmo podem dar um contributo valioso, do ponto de vista pedagógico para o avanço da coisa. daí que… + +Dr. X, já falámos disso… mas queria pedir-lhe para aprofundar, que relação estabelece entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo e usar o português? + +a..., é uma coisa muito complicada, não é? bom, para já, ser cabo-verdiano e utilizar, usar, falar o crioulo, acho isso umanaturalidade, acho isso muito natural. + +Admite que possa existir algum cabo-verdiano que não goste de crioulo ou que não use o crioulo? + +admito que há. + +Fale-me disso. + +isso por… pela nossa história… por uma questão de história nossa, de alienação, sobretudo pela sobrevalorização do português e do... alheamento do crioulo. portanto, quem for à escola como eu fui (?) traumatismo. portanto (?) o professor sabia que eu não sabia português, entretanto me interrogava e queria que eu falasse, que respondesse em português. mas como é que eu podia responder em português? bom, portanto, por uma imposição histórica, há cabo-verdianos que continuam ainda profundamente alienados a ponto de, falar em crioulo, parece que é algo que adiam, portanto evitam quanto podem falar em crioulo. e consequentemente o português ainda que muito mal falado… aliás há pessoas que acham que… porque não conhecem o português. aliás não conhecem a gramática, não estudaram o português enquanto língua e portanto julgam que estão a falar em português. e não estão falando nem em português nem em crioulo. eu já estive em situações dessas, em que já tive de pedir ao meu interlocutor, para, por favor, falar em crioulo porque… bom sabendo que eu era um funcionário do estado, portanto não podiam falar comigo em crioulo, o tal desprestigio em que se encontra, se encontrava a nossa língua. portanto queriam falar a língua de prestígio, a língua do funcionário. mas eu que comecei… que introduzi a conversa… foi em crioulo, mas não. falavam em português, não queriam falar em cabo-verdiano. JULGAVAM que estavam a falar em português. agora eu… nem a mensagem passava… portanto eu estive em algumas situações nomeadamente em recolha de tradições orais de pedir, 7por favornhu fala, nha papia. + +Há mais alguma circunstância em que um cabo-verdiano…? + +isso é uma circunstância. mas há a circunstância dos escolarizados. que aí o peso da alienação ainda é maior, e então, o que é que acontece? então talvez por terem passado uma situação traumática conquanto a minha, então talvez o traumatismo não foi superado, não tenha sido superado e… então continuam com o bloqueio de não conseguirem falar numa determinada circunstância a não ser em português. normalmente esses já falam português, então preferem falar português por várias razões. primeiro por causa do bloqueio, mas segundo porque é língua de prestigio. portanto há situações dessas, e infelizmente não são tão poucas quanto seriam desejadas. + +Outra questão. Há bocado também se referiu a isso… mas só quero retomar… Qual deles acha… o crioulo ou o português… acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? + +para mim esta é uma pergunta redundante. para mim está... é evidente. estamos a falar de cultura cabo-verdiana que tendo uma língua própria penso que… não é questão de ser língua cabo-verdiana. qualquer cultura, tendo uma língua própria, exprime-se melhor nela, aqui a questão é de dominar, ou na escrita. mas do ponto de vista da fala por exemplo aqui não se põe a questão da escrita. supondo a comunicação, daí que… + +Admite a possibilidade… Recolocando a questão de modo inverso… admite a possibilidade de algumas das nossas manifestações culturais poderem ser em português? Mornas, coladeiras, manifestações festivas, … + +poder, poder aí podem. mas não exprimem tão bem. + +Não?! + +não exprimem tão bem a naturalidade cultural, digamos assim. + +Também já me falou disso… cabo-verdianos que falam o português mal falado… O que quer dizer exactamente com isso de os cabo-verdianos falarem mal o português? Acha que eles falam mal o português? + +incluindo eu. primeiro porque não se tratando… bom primeiro porque há portugueses que falam mal a língua portuguesa por, nomeadamente… bom… falam é a língua… sabemos todos que a coloquialidade difere muito em qualquer língua da escrita e… coiso… mas no caso concreto falam mal por desconhecimento, regra geral. hoje temos um problema que se calhar cada vez é mais bicudo. quando ouvimos os nossos jornalistas a falar, na rádio, na televisão, é um Deus nos acuda do ponto de vista da gramática da língua portuguesa. + +Fale-me um pouco sobre isso. + +ah!! para mim é um desconhecimento grave…porque eu admito que nós outros podemos não ter o domínio da gramática da língua portuguesa… admito com alguma naturalidade. mas já para um jornalista. que sabe que tem como língua oficial o português, exprimir-se mal, e nem se aperceber de que se está a exprimir mal… porque há… a gente exprime-se mal dá-se conta e corrige. mas não, está tudo bem -- e repetem o mesmo erro todo o tempo, todos os dias, todos os meses. (?) todo o ano. isto denota o desconhecimento grave da língua que é o instrumento de do jornalista, que é o seu instrumento de trabalho-- mais do que a caneta, é a coisa… é a língua enquanto tal. e quando… portanto estamos a correr… estamos numa situação bicuda. porque ouve-se na rádio. e acontece isso, ouve-se a televisão… a mesma coisa, mesmo na escrita dos jornais também temos coisas dessas, quer dizer - é normal. ainda hoje estive a ouvir os carros que transporta as pessoas-- francamente! 8na deskontra, na deskontra! ora isso é que eu digo falar mal por desconhecimento da língua ou da gramática da língua, e há casos desses. e hoje são abundantes. eu creio que é uma lacuna que vem de trás, é nas escolas mesmo, eu creio que… bom… eu também me lembro de casos… estou-me a lembrar de às vezes o 9F2… comentando comigo… era o [ ], e então… foi fazer visitas a umas escolas no interior. e então presenciou uma aula dada por um professor, então ele contava- me  10X, odja mi n ka sabi kuze ki ta pasa, ma o ki bo ta oja ezamis ma prova di kes minis, si bu oia profesor, kuzas ki professor ta fla, abo bu só ta pode tra un konkluzon, ma mininu sabi más ki prefesor, un alunu sabi más ki prufesor. n ta adimira mo ki kes alunus ta konsigi pasa na izami ku kes prufesor, ku kes profesor - - ora acontece um bocado infelizmente. creio que isto está se propagando. professores mal preparados, ou preparados não convenientemente, que ensinam mal -- não sabem, portanto não podem ensinar, ou ensinam mal porque não sabem. e então continua sendo uma lástima, vem da escola primária ou do ensino básico, entra-se na… no liceu, hoje temos muitos professores que não estão vocacionados para serem professores, mas que têm que ganhar o pão, têm que ganhar a vida, foi o primeiro trabalho que lhes surgiu, ou o trabalho mais fácil. estão lá, mas não têm pedagogia e não têm o domínio do instrumento, da língua que … + +Então, como é que acha que deveriam falar português? + +não, bom, eu não sou daqueles que também pensa que também há um português de Portugal, um português de Cabo Verde, coiso… pode até haver um português de Brasil que há, um português de Angola. mas em Cabo Verde, infelizmente ou felizmente não há um português de Cabo Verde, um português cabo- verdiano. temos um português de Europa, que ou se domina bem, ou não se domina e fala-se mal, mas não é por ser este o português falado em Cabo Verde, é um português mal aprendido, consequentemente mal falado. + +Portanto, admite ou não a possibilidade de vir a existir um português de Cabo Verde? + +bom, no mundo das possibilidades sempre é possível, sempre é possível tudo -- não sei se será… não sei se será desejável, não sei se será desejável. agora o português que se está falando, se continuarmos nessa, os jornalistas também criam uma opinião e acabam por criar uma certa… coisa… se continuarmos com esse português assim, de tudo na boa, pode ser que venhamos a ter esse português que é um português que se aproxima do crioulo. repare os carros que transporta as pessoas…os carros que transporta as pessoas- é como o verbo funciona em crioulo, o verbo não tem, não tem evidências, portanto para as pessoas, portanto é sempre a mesma palavra, é o sujeito é que vai dizer se estamos perante uma pessoa do singular ou do plural ou perante da segunda ou terceira pessoa, é o sujeito. e estamos… o português que eu ouço falar pelos nossos jornalistas ou um bom número deles encaminha-se por aí, nomeadamente de não haver concordância às vezes é do substantivo como adjectivo e do do verbo com o sujeito. + +Então, pode-se dizer então, que os cabo-verdianos deveriam falar à moda de Portugal? + +bom, pelo menos… deixando, exceptuando portanto a... dicção. exceptuando a dicção, o português que se falava em Cabo Verde era o português de Portugal. + +E acha que é esse que se deve continuar a falar, se entendo bem? + +é que nós não temos outro, ou se fala esse, ou não se fala. ou inventa-se outro. se tivéssemos outro, então poderíamos optar, mas não temos outro, temos esse português que é de Portugal que ou se fala bem, ou não se fala. + +Certo. Dr. X, eu… esteja à vontade para acrescentar ou fazer algum comentário, qualquer coisa que ache pertinente, que eu não tenha abordado e que queira …gostaria de … + +nesta altura do campeonato, depois de quase duas horas de conversa… + +uma hora e meia + +ahn? + +de uma hora e meia + +meio-dia, dez e meia, onze e meia, sim, uma hora e meia. estamos a caminhar para lá. não sei se terei alguma coisa, até porque que eu estive aqui para ser usado. portanto ((risos)) + +Obrigada. + +creio que não há mais nada. você pôs as suas questões… e devo dizer que me surpreendeu com com várias delas… e acho que são pertinentes. não sei se terei respondido à altura, mas isso é o que eu penso. que pode… que não é magister dixit, não é nada portanto que amanha eu não possa rever, mas nesse momento foi o que me ocorreu. e muitas destas questões embora não previstas, aliás todas elas não previstas, eu… muitas delas naturalmente por uma ou outra circunstância, ter- me-ão assomado à cabeça uma vez por outra, de maneira que foi simplesmente uma espécie de despertar-me para questões já de alguma forma ruminadas, ou presenciadas, ou vivenciadas. daí que eu a parabenizo pelo trabalho que está a pretender fazer, e acho que vai ser um magnifico trabalho. espero que o seu doutoramento tenha uma distinção avaliativa. + +Muito obrigada, Dr. X, mais uma vez, por ter respondido às minhas questões e pelas suas palavras. 1Personagens de contos populares cabo-verdianos 2Benjamim, o filho mais novo de um casal 3Linguista cabo-verdiano 4Vaca, pronúncia de sotavento 5Chapa, chapa, isto é, remendo. 6Professor do ensino secundário 7Tradução para português, Por favor, fale, converse. 8Traduçãopara português, descontraidamente. 9Um ex-ministro da Educação 10. Tradução para português, X, veja, não sei o que se passa… Mas quando se vê os exames e provas desses meninos, e se vê o professor, o que ele diz, só se pode tirar uma conclusão, os meninos sabem mais do que o professor, os alunos sabem mais do que o professor. Admira-me como esses alunos conseguem passar nos exames com esses professores." +INF10.wav,"Dr. X, muito obrigada por ter acedido ao meu convite para participar nesta conversa. A primeira questão é a seguinte, antes de ter entrado para a escola, o que é que usava, o crioulo ou o português? + +crioulo, maioritariamente crioulo, com alguns momentos… mais na comunicação familiar… mais do meu pai… sobretudo do meu pai a... falar comigo em crioulo, em português aliás. havia momentos, os momentos considerados talvez mais sérios, o meu pai… o meu pai falava connosco, comigo e com os meus dois irmãos em português. mas a maior parte, maior parte da comunicação familiar era em crioulo. + +Não percebi bem… O seu pai falava convosco em português… + +em português em certos momentos mais… mais… digamos mais sérios, nos momentos mais sérios, falava com a gente português. + +E nas outras circunstancias? + +normalmente em crioulo. + +O crioulo…Portanto já ouvia o português através do seu pai. E de que outras formas? + +sobretudo… sobretudo em casa, com o meu pai. bom… a rádio… a rádio mais… sobretudo isso. + +E actualmente, em casa com a sua família e com os seus amigos e colegas mais próximos usa o crioulo ou o português? + +maioritariamente o português. diria esmagadoramente o português. oh! o crioulo, desculpe! o crioulo, em raras circunstâncias uso o português. + +Fale um pouco disso. Quando é que utiliza o português? + +às vezes… já me lembro pouco… às vezes numa discussão um pouco… eu poderia chamar mais técnico… um assunto um pouco mais técnico… ou um pouco mais complexo. já me lembro de falar com as minhas filhas em português… mas muito raras vezes, que já nem tenho memória de como é que isso acontece. + +Isto em casa, com a família. E fora? + +fora… falo português muito no parlamento… varias reuniões do parlamento… no grupo parlamentar, por exemplo, falamos ora português, ora crioulo. na maior parte das vezes as minhas intervenções são em crioulo. mas de vez em quando o debate passa-se em português. às vezes por indução de alguém… de alguém… o debate passa-se em português. + +Eu acho que houve um pequeno equívoco. Eu tinha-lhe perguntado se em casa e com os seus amigos, usa o crioulo e não o português? + +crioulo, eu disse o crioulo. o português, muito raramente. no parlamento também nas sessões plenárias uso mais o português, mas de vez em quando uso o crioulo. + +Essas circunstâncias… em casa com a sua família usa o crioulo. Podia especificar um pouco? + +équase tudo. quase toda a minha comunicação. + +O português, desculpe. + +ah! o português… isso é que eu… raras vezes… mais com as minhas filhas… mas raras vezes… nem posso contextualizar muito. tenho a memória que de vez em quando… digamos a conversa passa para o português, tenho memória. mas é muito difícil… geralmente… acho que geralmente associado… racionalizando um pouco… mais no discurso da autoridade… quando é um discurso mais complexo. + +Certo. Mas complexo em termos de assunto? + +mesmo de assunto, assunto sim. mas é uma coisa muito rara. + +Certo. Diga-me, como é que… como considera ser a sua proficiência geral no português e no crioulo? Estou a pensar também na leitura e escrita. + +ah! eu acho que neste momento, não digo que escrevo o crioulo com a... digamos… com a ligeireza e com a tecnicidade do português, mas considero que posso comunicar com facilidade com o crioulo. servindo-me do que eu chamo um remendo do do ALUPEC. não domino todas as regras do ALUPEC, mas domino o básico para escrever com alguma fluência. bom, aqui eu devo introduzir uma informação geral que ajuda a perceber. é que eu fiz alguma… algum treino, durante algum tempo redigi programas radiofónicos em crioulo. programas políticos em crioulo. directamente em crioulo. então ganhei alguma técnica de escrever rapidamente, cometendo erros que eu digo, até a brincar, que são erros de crioulo e não de português. + +Certo. E leitura em crioulo? + +leio, mas não leio em crioulo… longe… não como eu leio em português. a leitura em crioulo, já porque a produção é reduzida, a minha leitura em crioulo eu posso considerar, não digo residual, mas é muito reduzida face ao português, é ínfima. mas leitura enquanto tema, leitura enquanto prazer de escrita, da leitura… portando não me refiro à dificuldade, em relação à dificuldade, não tenho dificuldade em ler crioulo, leio com facilidade, independente da variante. + +Mas… não percebi bem… não tem prazer nessa leitura? + +não, não, tenho. não tenho é uma leitura intensiva como o português, leio muito mais em português do que leio em crioulo. + +Prefere ler e escrever… ler e escrever… prefere em crioulo ou em português? + +normalmente português. + +Por…? + +Português. + +Porquê? + +eu não sei se chega a ser uma preferência. aliás eu acho que em rigor não posso dizer que é uma preferência porque… a minha vida social… como a de… digo que… noventa e nove por cento dos cabo-verdianos, não me exige nem me estimula a uma prática, a uma opção. no fundo é quase que se eu não tivesse opção, é quase que uma imposição externa. porque o que eu leio, o que eu procuro, o que eu tenho que ler como prazer ou como… por exemplo se eu tenho de ler obras relacionadas com a minha actividade parlamentar, vou os encontrar no mínimo em português ou em outra língua, não os vou encontrar em crioulo, portanto é uma imposição. aqui é quase que uma determinação. + +De modo geral, acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? + +eu dantes pensava… dantes pensava que exprimia melhor as minhas ideias em português, mas hoje em dia digo. de acordo com o conteúdo eacircunstância. há momentos em que o crioulo é de longe mais pertinente e mais eficaz na comunicação e há momentos em que o português é mais. + +Fale-me desses momentos. + +por exemplo… por… sobretudo na actividade política isso é interessante. por exemplo na comunicação normal com os eleitores, em campanha ou fora da campanha, com o cidadão comum, é evidente que o crioulo é mais fácil, é mais fácil, é mais comunicativo. + +Mas é mais comunicativo para si ou para os seus interlocutores? + +penso que para os dois, para os dois, eu consigo exprimir melhor aquilo que eu quero, o que eu quero ter como o objectivo da comunicação, e a pessoa me entende melhor, penso que entende melhor. mas há momentos onde o português é mais a..., é mais… quase que eu diria que sai naturalmente, por exemplo no debate parlamentar. sempre… no meu caso concreto, isso em termos de honestidade intelectual, sempre que eu falei em crioulo no parlamento, fi-lo intencionalmente. portanto tinha uma carga política, é uma opção política. não é partidária, política. + +Importa-se de me falar… + +uma opção política … eu… quer dizer, não era indiferente falar em crioulo ou em português. por exemplo, às vezes há um deputado da oposição, ou da situação, porque eu uso o crioulo desde quando… há um deputado da outra bancada que intervém em crioulo, eu considero que… isso é… e no caso concreto do parlamento é uma instituição muito bem definida, eu faço… abro um parênteses, como as sessões são transmitidas, a utilização, o recurso ao crioulo é um recurso instrumental e estratégico porque… pensando nós que há gente a ouvir-nos através da rádio, então há uma ideia, uma pressuposição, que nós seremos melhor entendidos e temos mais empatia usando o crioulo. então às vezes, politicamente, eu acho que é mais pertinente responder também em crioulo. considero que tenho alguma facilidade com as variantes, e eu tento responder, eu tenho utilizado quer o crioulo de Santiago, quer o de São Vicente, quer a minha variante, digamos da minha ilha materna, digamos assim, vou dizer assim, quer a de Santiago. mas é nesse contexto. também já utilizei o crioulo em mensagens relativamente a..., quando se trata quando se trata de (?) reuniões no meu círculo eleitoral, por questão mesmo de afectividade, não é um calculismo politico. senti que dizendo em crioulo estaria dizendo melhor, com mais afectividade-- é nestes casos. + +E… diga-me, como é que se sente quando fala português e quando fala crioulo, comparativamente? Mais ou menos à vontade, mais ou menos intimidado? + +não, com à vontade. naturalmente… quer dizer… há uma… há uma questão que é… que é… que é evidente. quando se fala… nós quando falamos português, eu e qualquer outra pessoa em Cabo Verde, há sempre um aspecto que é a a aferição. estamos a ser aferidos pelos interlocutores. estamos a falar bom ou mau português, estamos a dar calinadas, erros, ou não de português? não há essa preocupação em relação ao crioulo. portando eu diria que mesmo estando à vontade - eu sinto que falo à vontade, eu tenho… digo que tenho esse distanciamento em relação a mim mesmo. sei sim que há momentos que eu estou a usar estratégias para evitar ter de dar as tais barracas em português, por exemplo questão de conjuntivo, etc.. sei, sinto que tenho essa estratégia, não tenho essa preocupação em crioulo. portanto, por mais à vontade, e eu tenho muita, acho que tenho muita à vontade a falar português, mas digamos que é um comunicar mais vigiado, ou auto vigiado, do que quando falo em crioulo. é, eu acho que há isso. + +Dr. X, eu vou lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar, e que me procurasse definir essas pessoas, o perfil dessas pessoas, em termos de idade, sexo grupo, extracto social, se for possível. + +Fora? + +Fora do seu círculo familiar. Na sua actividade como politico, como… + +eu naturalmente falo…fora do meu círculo familiar… falo diariamente com os meus colaboradores mais próximos. falo com um colaborador que eu tenho no partido, e também neste momento está… é também deputado no parlamento. é o quê? é um deputado, é um jovem quadro, aqui de Santiago, falamos quase… exclusivamente em crioulo, e encontramos em situações quer formais, quer informais. normalmente as situações formais são reuniões onde falamos em crioulo também, quer na comissão política onde… de que ele é membro, quer no secretariado-geral, quer no grupo parlamentar, não… não posso… posso… não posso afirmar que uma vez ou outra, na situação de grupo não tenhamos ambos estado num dialogo em português, mas se aconteceu é praticamente um epifenómeno... é coisa… portanto é um desses casos. ele é o quê? o perfil é esse, é um jovem quadro, formação superior na área de… estaticista, portanto estatística, ele é um dirigente partidário, ele é um deputado. é esse o percurso dele. tenho… tenho como… por exemplo, tenho uma secretária, falo com ela somente em crioulo -raras vezes falo com ela em português, raras vezes mesmo. e eu converso com ela todos os dias na relação de trabalho… que é uma pessoa de nível… está a fazer uma formação superior no, no, no ISE, mas ela neste momento deve… tem o 12º, tem 12º ano, não sei se tem alguma outra formação. + +É jovem? + +jovem, tem no máximo 30 anos. tenho duas pessoas… fora do ambiente familiar… tenho outros, outros colegas com quem eu falo praticamente diariamente, - outro colega, é outro colega, membro da mesa, também é o mesmo, falamos sempre em crioulo, sempre crioulo. ele é um jurista, está na mesa, ele é deputado também, édirigente partidário também, é já uma pessoa com mais idade, cinquenta - ele deve estar com cinquenta, cinquenta e cinco, cinquenta e seis anos, ou um pouco mais, ele é um quadro, é um quadro, mas é o mesmo, o que predomina é o português, é o crioulo. de vez em quando nos… nas reuniões da mesa ou noutra reuniões, em português claro, mas no dia a dia-no contacto diário é o português. + +Essas duas últimas pessoas a que referiu, os assuntos sobre os quais conversam, qual é? + +assuntos variados, da política, do dia a dia. como eu tenho funções de gestão no parlamento, com a minha secretaria também falo sobre questões correntes do dia a dia da gestão parlamentar, da gestão de… portanto são questões de trabalho -- e de vez em quando até questões, pronto, que não são de trabalho, alguma partilha de opinião, alguma ideia sobre um fait divers que tenha acontecido, mas maioritariamente questões de trabalho. + +Diga… e o perfil das pessoas com quem fala português. De um modo geral: Não com essas… + +de um modo geral, de um modo geral são aquilo a que chamamos quadros, porque acabo por usar o português sobretudo em situações formais, em situações formais. e de… e também por vezes, por vezes, mesmo com portugueses não é? eu trabalho com gente de língua portuguesa, que tenho que usar o português. mas com os cabo-verdianos geralmente não. geralmente em contexto formal, de trabalho, de trabalho tipo reunião, em contexto formal e... são quadros, geralmente. + +E essas pessoas, que assuntos trata com elas normalmente? Essas pessoas com quem fala português. + +mais relacionada é com a política. é o que eu faço. mas também às vezes a... eu vou a reuniões onde… que não são… há momentos onde há uma actividade… pode haver um momento formal que não seja tipicamente política, pode ser. pode- se falar de outro tipo de matérias, tipo… mas no fundo relaciona-se. quando vou a seminários ou a… ou a outros encontros representar o parlamento ou o grupo parlamentar. antigamente quando eu ia com o grupo parlamentar, agora não posso representar o grupo parlamentar, quando eu ia era em português também. + +Há bocado disse-me que … se percebi bem, que quando fala com pessoas das outras ilhas usa a sua variante. + +De vez em quando, no parlamento eu posso… aqui em Santiago, de vez em quando eu falo o crioulo de Santiago. sinto às vezes… há momentos… há momentos por exemplo… há momentos mesmo na minha na minha vida política…há momentos que eu sinto que a mensagem aqui em Santiago… eu sinto que falando o crioulo de barlavento, o crioulo de São Vicente, a comunicação não é tão… não passou com tanta facilidade, não sou tão bem compreendido como quando eu tento ou falo crioulo de Santiago. claramente eu sinto isso, eu sinto nisso e vejo noutros, observo em outros também, claramente. + +Portanto, diria que quando usa a sua variante não é tão bem compreendido aqui em Santiago? + +sim, sim. sobretudo quando o nível… eu chamaria o nível de instrução ou o grau de instrução do meu interlocutor não é tão elevado. geralmente acontece quando tenho contactos, reuniões no campo, por exemplo no mundo rural. não é que as pessoas não percebem, têm um pouco mais de dificuldade em perceber, têm mais equívocos de linguagem. + +Quando usa o crioulo de São Vicente para falar com essas pessoas? + +sim, sim. + +E qual é que usa para exprimir sentimentos, namorar, convencer alguém de alguma coisa… normalmente o que é que usa, o crioulo ou o português? + +o crioulo, o crioulo. + +Pense nesta última semana e diga-me se acha que falou mais o crioulo ou português? + +mais o crioulo. + +E quanto à duração… o tempo… foi mais em crioulo ou o português? + +mais em crioulo, mais em crioulo. tanto mais que a própria actividade do parlamento, isso também é uma característica, como está em defeso o parlamento, o meu tal relacionamento se limita praticamente às pessoas que estão no dia a dia, com quem eu tenho que contactar no meu dia a dia, é em crioulo. + +Existem contextos onde só fala crioulo? + +sim, sim. há contextos onde eu só… por exemplo, eu nunca me lembro de ter feito nenhuma reunião, nenhuma reunião política na base, em português. quando digo na base, não só em Santiago, mesmo em São Vicente, onde eu faço todas as campanhas ou grande parte, não me lembro de nenhuma reunião em português . + +E o contrário, contextos onde só usa o português? + +contextos onde eu só uso o português? são… são esses contextos mais formais, estar num seminário, estar num colóquio ou numa mesa redonda. entretanto, ENTREtanto, por vezes nalguns nalguns desses contextos ainda posso usar o crioulo, às vezes é uma espécie de provocação, já fiz isso nalguns, nalguns casos. + +E já alguma vez usou o crioulo em alguma situação em que gostaria de ter usado o português ou vice-versa? + +não me lembro. + +Ter usado o português em algum… ter sido obrigado entre aspas a usar o português numa situação em que teria preferido…? + +provavelmente já ocorreu isso, provavelmente, ter de usar o português e preferir utilizar o crioulo. provavelmente já ocorreu isso. geralmente… já ocorreu de certeza, antigamente. isso é um percurso, é claramente um percurso. se calhar há trinta anos atrás ou vinte anos atrás eu teria dificuldade em utilizar o crioulo em dados contextos. eu não usaria de certeza. hoje eu tomo a liberdade de o fazer . + +E em termos de ouvir o crioulo, espaços, frequência e intensidade com que ouve o crioulo e o português. Consegue fazer-me essa distinção.Não o falar, o ouvir. + +ouvir? + +Ouvir. + +maioritariamente eu oiço é o crioulo, maioritariamente, oiço o crioulo. no dia a dia, na rua, só… digamos nos órgãos de comunicação social é que eu oiço… sobretudo quando… bom aqui há diferenças… porque… sei… há uma rádio que quando eu oiço é sempre crioulo que é a rádio Praia FM, e acho que há também a Rádio Crioula. mas a maior parte das vezes que eu oiço a rádio é em português. existem programas que oiço em português. mas a maior parte do que eu oiço nos bancos. pelo menos quando eu vou a esses sítios, quando vou aos bancos, vou ao mercado vou ao super mercado, eu oiço é muito mais o crioulo, oiço o crioulo, sempre. + +Há bocado falávamos da leitura… que material é que lê ou já leu em crioulo? + +eu leio alguma poesia e li… a pouca prosa que existe, acho que li a maior parte, a maior parte sim. acho que li a grande parte, uma grande parte pelo menos. + +E falou-me também… disse-me que já tem… já teve uma experiência de escrever intensivamente em crioulo… + +sim, sim. de escrever, de escrever digamos. não é escrever intensivamente em crioulo. + +Durante algum período … + +ah! em relação a… em relação a coisa … sim… em relação ao tempo de antena. e aí é preciso dizer … aí era uma experiência interessante porque escrevia directamente no crioulo de Santiago, escrevia na variante de Santiago com… com… às vezes com a correcção de um colega… que é… que é falante de Santiago. que é o 1F1. eu tinha… portanto fazíamos aquilo a dois, mas a dois no sentido de…. eu podia fazer… várias vezes fiz o programa na íntegra, e às vezes tinha tinha uma ou outra dúvida e ele corrigia a expressão, a expressão. mas às vezes fazíamos a duas mãos, eu fazia uma parte e ele outra parte, ouíamos compondo os dois o texto. + +Para além dessa experiência, no seu dia a dia, escreve, utiliza o crioulo para escrever? + +escrevo… escrevo uns poemas ((risos)) + +Uns poemas? + +uns poemas, mas aínão sei… não sei se isso tem algum interesse. + +Não. Claro que tem interesse. + +aí há uma coisa que eu devo confessar… que é… acho que na literatura a gente diz que é um programa, e é mesmo um programa intencional. eu comecei a escrever… e isso é uma coisa que eu acho interessante. eu comecei a escrever em português, comecei a escrever poemas em português, alguns amigos que viram os poemas disseram-me que… a ideia era… mais ou menos simplificada era isso – tens jeito mas os teus poemas são um pouco prosaicos. e eu cheguei à conclusão que alguns eram prosaicos. comecei a escrever em crioulo, variante… na minha variante… na variante digamos de São Vicente, achei que tinham melhor conteúdo poético. agora, vou confessar algo que não vou dizer depois a mais ninguém, não vou dizer, que é. fiz duas coisas intencionalmente. um. tentei não não fazer poemas que são recolha da tradição oral. portanto eu impus a mim mesmo que com o crioulo… quer dizer o crioulo não tinha… não havia objectos menores para o crioulo. que o crioulo tinha… na poética o crioulo era capaz de abordar qualquer objecto. impus a mim mesmo isso. e por isso não ia fazer … digamos, calafetar, calafetar a tradição oral em substituição da forma poética. e outro, eu impus a mim mesmo escrever na variante dialectal de São… de barlavento, de São Vicente, escrever em crioulo de São Vicente. mas tenho algumas incursões em crioulo de Santiago e crioulo de santo Antão. mas isso é uma velha história, volta e meia o meu crioulo desliza para Santo Antão, por causa da minha infância. eu sinto, desliza. sinto e eu gosto, eu faço a perfeita separação, ou tento fazer. + +Porquê? Aprendeu o crioulo…? + +eu tenho uma… eu cresci durante muitos anos com uma senhora que éramos primas… prima do meu avô, que era de Janela de Paul e praticamente… há quantos anos? não sei… há dez anos… quer dizer muito recentemente, descobri… descobri que o meu imaginário é mais de Santo Antão. que os meus contos de infância, os meus contos tradicionais... as… as linguagens… etc., alguns hábitos são de Santo Antão. por exemplo, eu comecei a tomar aquilo a que se podia chamar uma bica aos cinco anos, ela chamava-me e fazia um cafezinho de folha, numa caneca de folha e eu ia beber. e eu descobri que a minha, portanto o meu imaginário e os meus contos eram de Janela, e são contos antiquíssimos, eu ouvi o Bulimundo, o Bulimundo esse conto… eu ouvia… eu era… tinha quatro, cinco, seis anos, se calhar. + +Portanto, deduzo que normalmente escreve em português no seu dia a dia. + +sim, escrevo em português . + +Algum desses textos, gostaria de os escrever em crioulo ou preferiria escrevê- los em crioulo? + +nunca… houve uma altura que tentei... tentei, mas… mas às vezes tenho receio. por posição de principio eu acho que o crioulo… o crioulo é capaz de dar conta de tudo, como a gente diz, não e? mas às vezes eu fico a pensar que porque não há… porque não tem havido um bom tratamento literário do crioulo, escrever algumas matérias em crioulo é quase que, é quase que fazer um recurso extraordinário ao português, em termos de léxico, de léxico. e então não… não tenho aventurado nisso, não tenho. + +Como é que se sente quanto escreve em crioulo? À vontade, sem medo de .. + +acho que à vontade. + +Eu sei que não estudou o crioulo na escola… + +não . + +Como é que consegue escrever? + +li… eu acho que aconteceu com o crioulo um pouco como aconteceu comigo com o português… com todas as línguas. fui apanhando também um pouco intuitivamente. aconte… aliás eu funciono muito com as línguas intuitivamente, muito. o meu francês… o meu francês formal é, digamos, de nível baixo. de tanto ler, tenho a estrutura. falo, comunico, eu acho normalmente, dando… cometendo erros. mas posso comunicar tudo--quer dizer… o meu interlocutor… se for de língua francesa entende perfeitamente tudo. até agora não houve matéria nenhuma que eu me coibisse de falar porque não conseguir falar. cometendo erros, acho que é um pouco o que acontece com o crioulo, com a vantagem de ser falado. + +E que dificuldade sente, se sente alguma, quando escreve em crioulo? + +acentuação. com o ALUPEC é a acentuação. porque não estudei, por preguiça. quer dizer fui adquirindo… fui adquirindo o crioulo dessa forma intuitiva também, mesmo…li o ALUPEC, mas não estudei o ALUPEC, e então acho que os erros que eu cometo mais são erros mais… menos de ortografia e mais de acentuação -- embora tenha algumas dúvidas com as conjugações pronominais, como é que a gente… tenho alguma dúvida, o traço, tenho alguma dúvida. + +Como é que tenta superaressas dificuldades? + +acho que… acho que agredindo um bocado a língua. quer dizer… e aí estou raciocinando a quente, como não há… quer dizer… como não há um sensor… há vários sensores em relação ao português, todos os meus textos em português são textos submetidos a uma avaliação, ou como deputado ou para mandar a uma a uma hierarquiasuperior ou… sei lá todos os textos estão sujeitos a avaliação. já o crioulo não está, o crioulo já pela utilização que se faz… e é por isso que eu lembro-me de ter terminado a apresentação do livro da 2F2 dizendo que eu tinha cometido alguns erros mas que estava mais feliz por terem sido erros de crioulo. não havia… quer dizer…aí, de certeza eu teria inibição, eu estaria inibido se estivesse num contexto onde o crioulo também era rigorosamente observado. alguém ia dizer. não, você anda a cometer erros, você escreve mal o crioulo. quer dizer… aí… até dá a medida do que é o estatuto do crioulo, a gente pode fazer isso, a gente pode fazer isso, com o português não podemos. + +Entendo. Diga-me uma coisa, estando a falar o português, o que é que o faria mudar para o português? Ou vice-versa, estando a falar o crioulo o que e que o faria mudar para o português? + +estando a falar o português, ou crioulo e mudar para o português? + +A chegada de alguém, o assunto, o tipo de assunto…? + +às vezes acontece… às vezes acontece. a... talvez uma matéria que… que… em matérias que eu digo complexas, mais técnicas, começa-se por vezes a falar em em crioulo, num debate, mesmo às vezes informalmente, num debate, uma discussão, começa-se a falar em crioulo, de repente é como se a estrutura do português sobe, porque se estudou em português, porque se estudou muito aquilo em português. eu digo que é isso porquê? porque... às vezes parece pedantismo… porque acontece com outra língua. já aconteceu comigo ter de estudar coisas muito em francês, por exemplo, estou a discutir, a falar com uma pessoa, vem o termo em francês, que parece-me algo fora do normal, fora de comum. mas eu acho que é porque está… está lá… entrou mais em francês, li mais em francês, então vem em francês. também acontece isso. começa-se a discussão mas às tantas é a estrutura do português é que sobe, que vem ao de cima, é isso que acontece. o contrário, começar a falar em português e passar para o crioulo. acho que é menos usual, menos usual. bom… pode ser a entrada de um novo interlocutor e que só perceba o português por exemplo, pode levar a isso. já me aconteceu, eu já senti um certo constrangimento de estar num grupo onde há pessoas que só entendem e falam o português, ou entendem e falam o português, pelo menos como um do grupo que esta lá, e vejo a maior parte das pessoas a falar o crioulo, e eu sinto essa pressão e falo o português. isso também acontece. + +Em termos de estatuto, o estatuto da pessoa que chega provoca alguma alteração, do crioulo para o português ou do português para o crioulo? + +há contextos em que provoca, há contextos que pode provocar . + +Fale-me disso. + +por exemplo, no grupo parlamentar. se estivermos a debater em crioulo, por vezes a entrada de uma intervenção, digamos… alguma intervenção discrepante em relação a alguma outra posição e que seja feita em português de uma forma às vezes mais… digamos uma forma mais substancial, pode conduzir automaticamente a que se fale em português para contrapor. é quase que para igualar, eu estou a pensar… eu estou a raciocinar sobre isso, parece-me que às vezes deve acontecer, por exemplo isso pode acontecer . + +Por exemplo, se está num grupo, num grupo a falar em crioulo, chega alguma pessoa com um estatuto mais proeminente, uma autoridade, alguma entidade, isso leva-o a mudar para português, ou o contrário? + +não. + +Não? + +não acontece. + +Oque é que pensa do crioulo? E do Português? + +o que é que eu penso, como? + +Do estatuto. + +do estatuto? + +Do estatuto, o crioulo o que é… Há muitas pessoas que pensam… que pensam que o crioulo não é língua, não tem regras, não tem qualidade. Há algumas pessoas que acham que o português é um património nosso, outras acham que não. Como é que vê essa questão? + +eu acho… eu acho que tanto o português como o crioulo são património dos cabo-verdianos. não são… não são é património de… de… como é que pos… não é - de igual valor, até valor… não são é patrimónios igualmente valorizados e apreendidos por todos, pelas razões óbvias. mas isso não quer dizer que, por exemplo, os poderes públicos não tenham a obrigação de fazer com que o português seja património para o mais… para o maior número possível de cabo-verdianos, idem para o crioulo. agora, eu acho que o crioulo tem um percurso que ainda não fez, acho que o crioulo tem um percurso que ainda não fez. o crioulo sem dúvida que é uma… que é uma… isso é um lugar comum … mas, sem dúvida o crioulo é um traço fundamental da nossa identidade. mas eu pessoalmente tenho uma… uma… como é que eu posso dizer? tenho tido uma preocupação… que eu acho que o crioulo vive um paradoxo, aliás a nossa identidade tem… vive um paradoxo, ao mesmo tempo que… + +Fale-me disso dizendo até o que é que acha entre o ser cabo-verdiano e o crioulo (?) + +não, é… o paradoxo é esse. eu fiz uma vez uma comparação que é… como… o crioulo é como aquele parente pobre que a gente gosta muito dele, mas que em dadas circunstâncias a gente deixa no quintal, a gente não quer que ele venha para a sala estar junto com as outras pessoas. + +Porquê é que acha que isso acontece? + +isso é que é complicado. acho que está na génese língua, eu acho que está na génese língua. nós escamoteamos isso muito. quer dizer… hoje em dia falámos muitas vezes como… falamos muito normativamente, como se o crioulo não é diferente do português, eu acho que o crioulo tem um estatuto inferior ao português, tem mesmo. quer dizer… uma coisa é eu querer que tenham um estatuto igual, isso éoutra coisa. agora, factualmente o crioulo tem um estatuto inferior, porque se ele não estivesse… se não tivesse um estatuto inferior não tínhamos esse problema. havia paridade, havia paridade factual na sociedade e não tem, não tem. é dizermos que é língua de afecto… é só ver… é só ver como é que classificamos o crioulo. o crioulo é a língua do afecto, é a língua do amor, é o… é a língua da comunicação dia a dia, é a língua do mercado, mas numa situação, digamos… para valer, não é o crioulo, não é o crioulo. e como… portanto… acho que é essa a contradição de fundo. do crioulo ser ao mesmo tempo naturalmente amado, usado, e ao mesmo tempo não valorizado. é esse paradoxo enorme que… eu acho que está ligado à génese do crioulo, à génese da nossa própria sociedade, e o… e … vai …vai… vai haver… vai custar muito ao crioulo libertar-se da ideia de ser uma corruptela do português. penso que é aí que está a raiz de tudo. mesmo que inconscientemente, mesmo inconscientemente, a maior parte das pessoas consideram essa ideia, esse tema que ficou, o português mal falado, o português mal falado. e como o português mal falado tem uma sanção social grande, parte de nós… a gente vai ver que o crioulo é… bom… com uma mistura pelo meio… mas isto é outra… outra teoria (?). agora as variantes. eu acho que há uma hierarquia das variantes. + +Fale-me disso. + +socialmente eu acho que há uma hierarquia das variantes. eu ando a pensar ultimamente o seguinte. é a minha ideia… não fui eu que descobri isto… nem pensar. uma vez, a falar com o F3, irmão do 3F4… ele é de Santa Catarina mas viveu muito temo em São Vicente… é bom para contextualizar isso. ele disse-me. desvalorizando a questão de…. as… os conflitos e as divergências regionais, sobretudo Praia, São Vivente, ele disse-me que o conflito Praia, São Vicente era um conflito eminentemente rural, urbano. o que eu acho nesse momento em relação à questão de Santiago é o seguinte. qual era, há quarenta, cinquenta anos atrás, quando eu era bem miúdo, qual era a representação que nós, no barlavento, nós em geral, todas as ilhas, tínhamos de Santiago? Santiago era representado pelo… pelo mercador… portanto na altura não se chamava 4rabidante, mas era um rabidante. chamava-se negociante, se não me engano, mas era um rabidante. suponhamos São Vicente… era o rabidante que ia da Ribeira Barca… do interior, vestido à moda rural, com seu fato de casimira, muitas vezes pé descalço, com a língua… com um crioulo… portanto diferente. mas diferente considerado desvalorizado porque é rural. a imagem dele… a não urbanidade dele… o não dominar o que é os códigos urbanos, e e eu acho que isso é que ficou… que representou o crioulo de Santiago como um crioulo mais de gente atrasada entre aspas, e o crioulo se São Vicente por exemplo como um crioulo de cidade, urbano-- portanto um crioulo que até tinha frases… até tinha palavras inglesas. um crioulo nobilitado. as coisas mudaram, as coisas mudaram. e eu digo isto, tanto mais isto é assim, que a representação desvalorizante da língua está ligada… digamos… ao actor, tanto mais é assim que os próprios santiagueses da Praia, da pequena burguesia, distanciavam-se dessa… desse homem rural… dizendo eu não sou badiu, eu sou da Praia, não sou badiu. e falavam português. na altura do tempo colonial - os filhos, os nossos… os meus colegas… os meus… digamos as pessoas que podiam ser da minha classe social em São Vicente aqui da Praia falavam português. já para diferenciar, quanto a mim para se diferenciar, portando dessa… desse homem rural com essa característica. mudou tudo, uma coisa muito mais complicada, num processo que é a escola… para já a democratização do ensino. hoje já temos quadros licenciados, doutorados, mestrados, de toda a parte de Santiago. já temos, portanto, já temos. mas mudou muito com… como é que posso dizer? mudou o actor, perduram as representações. perduram as representações. e por isso ficamos sempre com essa… com essa… acho que… sobretudo falo agora de São Vicente… fica sempre com essa representação desvalorizada do santiaguense, que é preconceituosa. é essa ideia, do homem rural - e esse homem praticamente já não existe. praticamente já não existe. o contacto… acho que parte da explicação dessa questão dos crioulos… dessa diferenciação dos crioulos está aí um bocado. e nessa hierarquia, claramente o crioulo de são Vicente tendeu a ser hegemónico no Barlavento. claramente tendeu a ser. + +Como e que vê essa… como é que valoriza ou não essas diferentes variantes, como é que as encara pessoalmente? + +também eu acho que há aí qualquer coisa que se está a passar e que é interessante. e o que eu vou dizer é extremamente polémico. acho que o… que poderíamos chamar a inteligentia cabo-verdiana tem uma má consciência em relação a Santiago, uma má consciência. e a conjugação clara duma afirmação… o homem de Santiago neste momento afirma-se, tem uma grande afirmação. e sobretudo… sobretudo essa geração… as gerações de… as gerações do tempo da independência, as gerações do pós independência. acho que essa má consciência levou a que… se a gente… há uma… houve uma grande focalização no que é a cultura de Santiago. quanto a mim muito positiva mas em desprimor também de não se conhecer toda a riqueza cultural de Santo Antão, do Fogo, São Nicolau, da Boavista. e eu já não falo de São Vicente, porque São Vicente naturalmente se impôs enquanto centro urbano. São Vicente teve uma historia, uma génese onde que… que… portanto… não… digamos, aguentou isso. mas é ver… isso até tem reflexos nos próprios sectores. há um facto, nunca encontrei nenhum deputado de São Antão que tenha falado crioulo de Santo Antão no parlamento. nunca. não me lembro. pode ter ocorrido mas não me lembro. se ocorreu é tão… é tão coiso que não me lembro. enquanto que se ouve frequentemente o crioulo de Santiago, já se ouve mui…um bocado o crioulo do Fogo e o de São Vicente. não me lembro… por exemplo do crioulo de Santo Antão por parte dos deputados. e há deputados… houve uma altura em que o parlamento tinha muitos deputados, (?) legislatura, muitos mesmo. não me lembro. esse é um exemplo concreto. isso é para dizer que as atitudes que as os falantes têm em relação à sua própria fala, à sua variante, também é condicionada, de valorizar ou desvalorizar. neste momento há claramente uma tendência forte de valorização do crioulo de Santiago pelos próprios falantes. não se vê ou vê-se muito pouco em relação a todas as outras ilhas. não se vê o sãonicolauensea afirmar o seu crioulo, desinibidamente e de forma descomplexada, e até… como hei de dizer? porquê que acontece muitas vezes com os santiaguenses, até celebrativa, não é? a celebrar o seu crioulo. não se vê… e no Santo Antão muito menos ainda. acho que, acho que é a ilha que menos valoriza o seu crioulo na prática, na prática. e é por isso que 5Cordas do Sol é um autêntico programa quando ele diz 6Língua de sintanton e um sabura, é um autêntico programa. vê- se que é intencional, a música deles, e e e é uma coisa interessante, este aspecto é interessante. por isso que eu digo que o crioulo para mim tem essa maturação desigual, e temos muito que andar ainda. eu não defendo que… não defendo a pressa que se tem em relação ao crioulo nesse momento. não por preconceito, mas por achar que há muitos passos quenão foram dados. por exemplo eu massificaria o ALUPEC, o ALUPEC está… o ALUPEC é vítima… no barlavento sobretudo… o ALUPEC é vitima duma representação que se formou, eu tenho isso como claro, de que o ALUPEC é para escrever o badiu, é para escrever o badiu. eu tive quinze minutos com uma jornalista do barlavento, falei com ela, e eu não sou nenhum especialista, e ela… dei-lhe exemplos para mostrar que o ALUPEC é uma mera ferramenta para grafar-- eu dava-he … dizia, tal termo crioulo de Santiago, escrevo assim, este termo em São Vicente é assim, escrevia. este termo em Santo Antão é assim. olha … mas eu escrevi em ALUPEC… escrevi com a mesma coisa… com o mesmo alfabeto, e ela disse mesmo, ah!!! portanto não há… o ALUPEC é visto como um alfabeto para escrever o crioulo de Santiago, e é prejudicado por isso. porque há preconceito em relação ao crioulo de Santiago. às vezes não é só preconceito, há uma coisa que é legítima. o falante de São Vicente, ou o falante de Santo Antão, do Fogo ou de São Nicolau ou de outra ilha não quer perder a sua fala, -isso é legítimo, normal, como o falante de Santiago não quer também . + +Há pessoas que às vezes defendem a existência do que seria o verdadeiro crioulo. Para si, existe esse, alguma variante que seja o verdadeiro crioulo? + +essa… eu acho que essa é… essa é uma… essa é uma teoria identitária… é uma teoria do essencialismo. que é dizer que a nação começou em Santiago, começou na Cidade Velha, que… e começou em Santiago, começou em Santiago com… com… sobretudo com escravos ou descendentes de escravos, praticamente sem ou quase sem misturas. seria o núcleo duro, seria o núcleo puro, e o resto seria portanto, variações a partir portanto das origens que foram cultivadas. portanto temos uma cultura de essência, uma teoria do essencialismo, tanto na língua como na identidade em geral, na língua que é um factor, que é digamos um vector identitário, como no resto. eu não concordo, eu não concordo. eu não concordo. eu não concordo e acho que isso sim, isso seria uma visão muito hegemónica, e rapidamente podíamos cair numa visão rácica-- rapidamente. + +Entendo. + +agora o que eu acho… e é impossível não falarmos disso… ao fim ao cabo já derivamos, mas é impossível não estar ligado à língua. que é o seguinte. eu hoje estou… disseram-me… não aprofundei totalmente o livro do Gabriel Fernandes, disseram-me que é a tese dele... mas eu hoje acho que devemos assumir que Cabo Verde é… eu não diria multiracial… mas quer dizer Cabo Verde é tudo menos homogéneo, naturalmente. eu faço… eu estive há dias a discutir com um amigo meu aqui de Santiago, ele estava de acordo comigo. eu faço a seguinte comparação - dou o seguinte exemplo, nós dois, eu, Dr.ª Amália, Sal, São Vicente. eu até… eu até… até digo que sou uma excepção, até aos… até aos dezanove anos eu nunca tinha ouvido um funaná. fui ouvir o funaná, ferrinho, gaita e ferrinho, nem eu sabia se era o funaná, ouvi essa música, esse género, fui ouvi-lo em, na Praça Estrela. trabalhadores cabo-verdianos que aos domingos se concentravam lá, maioritariamente quase todos de Santiago, alguns do Fogo mas maior parte de Santiago, iam com sua gaita e... tocavam, e eu ouvi essa música tinha eu dezoito, dezanove anos. + +Em Portugal? + +em Portugal, Praça Estrela, Jardim da Estrela, aliás, em Portugal. vários outros cabo-verdianos das ilhas de Barlavento ouviram o funaná tinham se calhar trinta ou quarenta anos. outros nasceram e morreram sem ouvir, nunca, nem o funaná, nem a tabanca, nem o batuque. como vários cabo-verdianos de Santiago nasceram e morreram sem nunca terem ouvido o San Jon, saíamos… saíamos da era da televisão, saíamos de há trinta anos para aqui. + +Claro! + +então como é que é possível, quer dizer, como é que eu posso apreciar, e logo gostar, ou apreciar e sentir como sendo meu algo que eu nunca ouvi, não cultivei? é como o jazz, eu não posso… às vezes eu posso… às vezes há quem ouve o jazz e à partida gosta. mas geralmente aprende-se a gostar do jazz. e nós não levamos isso em conta. falamos de forma muito afirmativa, como se toda a gente tem que reagir de forma igualmente… como se um indivíduo do Picos, São Salvador do Mundo, deve reagir frente a um San Jon igual a ele reage frente a… a um batuque -- não. não. agora, permita-me. e acho que temos diferenças entre nós, temos mesmo… não chegamos a ter etnias, mas temos uma diferenciação mesmo em termos de biótipo, temos--e devemos assumirisso como natural, natural. + +Voltando a questão da identidade, qual a relação que estabelece entre o crioulo e ser cabo-verdiano? Por exemplo, o que é que pensa das pessoas que não usam o crioulo, que não gostam do crioulo, ou que preferem usar o português? + +poucas pessoas não gostam do crioulo. no fundo no fundo, quer dizer, eu reparo o seguinte. e isso é que eu chamo contradição. há pessoas que usam o crioulo, que até… até eu conheço algum… algum intelectual que até… até que ele… há momentos que vê-se que ele usa o crioulo com algum sabor e com alguma reminiscência… também quase como uma tentativa de identificação com o povo, usam isso, também. uma espécie de romantismo, mas ao mesmo tempo hipervalorizam o português. não rejeitam o crioulo, hipervalorizam o português. eu acho que isso demonstra que o crioulo é quase como um traço, eu diria… não chego a ponto de dizer, sem o crioulo não há cabo-verdiano, mas acho que é um traço eminentemente constitutivo do ser cabo-verdiano, a língua, eu acho que é . + +Admite alguma…? + +agora eu acho que é possível que algum cabo-verdiano não fale o crioulo e se sinta cabo-verdiano. senão eu negaria a existência de cabo-verdianos que nunca puseram os pés em Cabo Verde e que se sentem como tal, por exemplo nos Estados Unidos--e que são filhos de, ou netos de, portanto. mas a língua édecisivo. + +O que acha deste facto, dessa situação que nós vivemos, de usarmos crioulo e o português? + +bom, aí já estou a ser contaminado pelo que eu tenho lido e ouvido. eu penso que é muito bom, nós estamos a explorar isso muito pouco. ao que parece as crianças que usam várias línguas têm um desenvolvimento intelectual extraordinário, - a... há dias estive a ver um programa, era na Burkina Faso ou quê, era crianças que estavam a aprender… o ensino… na língua materna … o ensino da matemática, da aritmética em língua materna, numa das línguas do Burkina Faso, e o professor deu um testemunho… um professor primário… ele era formado… eu sabia, deu um testemunho que o programa de aritmética em língua materna… eles estavam… bom suponhamos, estavam no top 20, e se fosse no programa francês estariam no top 4 ou 5. estavam muito à frente, porque as crianças… e porque havia… eles tinham mesmo um método, as crianças progrediam a um ritmo extraordinário. eu acho que o mesmo pode acontecer connosco, mas eu penso que aí também há armadilhas a evitar. + +Como por exemplo? + +eu posso… eu posso perceber imenso… suponhamos… eu vou… um raciocínio por absurdo, eu posso ser um grande físico nuclear em crioulo, quem é que vai compreender-me para além do cabo-verdiano? quem é que me vai compreender? quem é que me vai compreender para além do cabo-verdiano? quer dizer… a la limitetenho que arranjar um bom intérprete não é? um bom tradutor para as minha obras, ou… quer dizer… há um problema que é… acho que é o problema de sempre… que é o problema que Baltasar levantou e ainda se mantém, que é o problema da recepção, da recepção do que a gente produz em crioulo por exemplo, literariamente. portanto há limites. é normal. agora…talvez porque… talvez… talvez é difícil… não é possível termos a pretensão, acho que é isso, termos a pretensão de… igualar as duas línguas. acho que tratamento igual não é igual a igualar. porquê que eu digo igualar? eu não vou conseguir ter com a minha produção em crioulo o tratamento que o po… o tratamento que a minha produção em português tem, no mundo. não é em Cabo Verde, no mundo. mas mesmo em Cabo Verde, suponhamos que aqui em Cabo Verde fosse suplantado, no mundo não vou ter, não vou ter. aliás no mundo não tenho o tratamento de uma produção em português, que eu tivesse se eu escrevesse em espanhol, não digo mais nada, não chego nem no inglês. se eu escrevesse em espanhol a recepção era de longe superior ao português. portanto acho que aí não há… não é… não é uma… não é nenhum drama-- só que alguns defensores do crioulo falam como se… é possível que o por… que o crioulo atinja este estatuto pleno. não é possível quanto a mim, não é possível. e é natural que assim seja. se eu conseguir produzir uma obra, uma obra literária extraordinária em crioulo, eu vou ter… é uma questão agora de mercado, eu vou ter de certeza financiamento para alguém passar para o português ou para inglês, para russo, para chinês. mas é preciso produzir essa obra extraordinária em crioulo, e para isso é preciso que eu trabalhe o crioulo como língua literária, e não está. está pouco trabalhado neste momento, está pouco trabalhado. portanto essa coisa é assim. + +E como é que perspectiva esta situação, digamos, o desenho da alternativa linguística para Cabo Verde? + +vou responder primeiro pela negativa. eu acho que toda a tentativa, excessivamente normativa para levar isto para a frente vai-se gorar, vai-se gorar. e vai… e se fizermos isso vamos… vamos ter muitos amargos de boca. eu acho penso que… que… e já agora, eu pessoalmente como deputado quero fazer alguma coisa. já agora… eu vou… isto agora é uma confissão, eu quero promover uma… quero promover… quero promover um atelier de escrita livre do crioulo em São Vicente por exemplo. e quero ver se eu consigo contagiar todos os meus colegas a fazer em todos os círculos eleitorais, e quero fazer para estudantes, e homens e mulheres de cultura que aceitarem, escritores por exemplo, dramaturgos, quem faz peças de teatro, etc. de escrita do crioulo, uma oficina, um ateliezinho para a escrita do crioulo. eu acho que temos que começar é por aí, começar pela base, começar por a… começar por naturalizar isso. + +O que é que acha da oficialização do crioulo? + +como processo… como processo, justamente isso. eu acho que aí… aí temos que definir um programa, definir objectivos e ter uma estratégia em relação ao crioulo-- temos… temos um problema que é a diversidade. temos um problema que é a diversidade… penso que… a primeira coisa quanto a mim é a padronização da grafia. acho que é, porque se conseguirmos padronizar a grafia, atenua… atenua os preconceitos mútuos que todos temos. é como uma distensão, ah! eu posso escrever a minha variante… e se calhar vou-me aventurar noutras variantes também -- e eu acho que… eu não tenho uma visão normativa em termos de padrão, em termos de que crioulo vamos escrever. eu acho que vai surgir naturalmente. primeiro começando por isso, por afirmar o crioulo como língua, com uma, com uma grafia, com um alfabeto. e para isso eu não digo que tem de ser o ALUPEC. mas como há o ALUPEC, vamos fazer com que as pessoas conheçam o ALUPEC. eu penso… da minha experiência que eu tive há dias com essa tal jornalista… que eu penso que tinha muitos preconceitos… eu acho que é possível dizer às pessoas, vamos… quer dizer quase como uma negociação, não, não vais… tu não… isto, isto não e obrigatório. não, este alfabeto não está… vais só aprender a usá-lo, e depois vais fazer a crítica. mas aprende a usá-lo primeiro. o que é que acontece com o ALUPEC? está-se a destruir o ALUPEC sem conhecer o ALUPEC. há uma rejeição sem conhecimento, quanto mais porque primeiro… tentar provocar… + +porque é que acha que isso acontece? + +acho que por preconceito. é incrível. é interessante o que acontece com o K, o K… eu acho que é isso, a representação social… é complicada. o K é associado ao crioulo de Santiago no barlavento. e é associado… mas acho que o K… também há rejeição mesmo em Santiago às vezes… acho que há… é um bom estudo, é um bom estudo. há mesmo, há. e então o K, o K é muito associado à África, o K é muito associado à África--porquê? + +Porque? + +porquê ninguém sabe. eu noto isso. porque… é… ((tosse)) perdão. é uma representação social. é uma coisa que… era bom era saber como se despoletou -- como é que chegamos lá? mas sinceramente o K é Santiago, África. o K… às vezes eu brinco e digo à pessoa, o K do kingem inglês é isso não é? começa a pensar - quer dizer é tão… é tão… é tão… uma relação preconceituosa, é tão… um preconceito que é feito, é um preconceito mesmo, que as pessoas se esquecem do K de outras línguas ditas nobres, como o inglês, por exemplo. então, eu começo a dizer palavras em inglês que levam K, e eu vejo que as pessoas ficam um pouco embaraçadas, porque ao fim ao cabo, acabo por ser um pouco… acabo por ser um pouco… levar as pessoas a sentirem que têm um preconceito, e isso não é agradável de facto. mas voltando à ideia de divulgar o AL… é levar com que as pessoas aprendam o alfabeto para massificá-lo e surgir uma outra alternativa, se for necessário. + +Sendo o crioulo oficializado, ele teria algumas funções específicas, e o português teria outras? Como é que …? + +se o crioulo … uma boa questão. se à partida o crioulo tivesse algumas funções específicas predeterminadas, era uma anti… era uma política… digamos era uma anti política… era uma má política. acho que… não sei bem como dizer isso… mas é como… a minha ideiaé… + +Estou a pensar em ler, escrever, determinadas … para falar com determinadas pessoasem determinadas circunstâncias… + +a minha ideia é um pouco… pode ser até um pouco… um pouco… como é que eu posso dizer? voluntarista ou mesmo anárquica. era… é dar às pessoas os instrumentos e depois… a coisa vai andar, vamos ver o que é que isso vai dar, é como que ter um programa mínimo. temos que ter um programa mínimo e depois vemos o que vai dar. por isso é que eu acho que não devemos ter pressa. quando se diz neste momento que não devemos ter pressa há uma grande… há um… às vezes há reacções terríveis à volta disso porque automaticamente, como raciocinamos sempre oito ou oitenta, é tido como, esse indivíduo tem preconceitos em relação ao crioulo-(?) ele tem… ele tem… ele estácom… é um jogo defensivo. eu atéposso admitir… eu acho que acabamos todos por ter. se calhar, eu posso até ter no meu inconsciente, e se calhar eu até posso ter, mas no meu consciente não tenho. é memo a ideia de amadurecimento, porque aí também é um terreno muito minado. podemos criar problemas graves quanto a mim de… de… de… de… mesmo de conflito e de… de… de um certo divisionismo entre os cabo-verdianos se não cuidarmos bem disso. podemos criar. acho que é isso. repare o que aconteceu com o ALUPEC, uma equipa produziu o ALUPEC, não houve nenhuma medida de factode promoção do ALUPEC até hoje. + +Como é que explica isso? + +eu não explico, olhe, eu constato. por exemplo, fez-se um fórum no parlamento e falou-se na ideia, há 3 anos ou quê, na ideia interessante de 15 minutos de (?) na televisão, seria extraordinário, não se fez. não se fez, por exemplo. + +Dr. X, acha que o crioulo deve ser ensinado nas escolas cabo-verdianas? + +eu acho que primeiro o crioulo deve ser ensinado aos professores. primeiro, primeiro os professores. eu aí defendo… há quem defenda isso muito bem que é o 7F4, eu recorro-me a ele porque acho que as posições dele são conhecidas, as minhas… neste aspecto são coincidentes. aí… aí… que vale a pena começar de cima. vamos começar com quem tem os instrumentos… mas com uma formação a sério… a sério. eu até… eu até faria… eu faria… eu neste momento acho que os professores primários, por exemplo, seria importantíssimo se tivessem uma boa formação do crioulo. uma boa formação do português, uma boa formação do crioulo. teriam mais facilidade em lidar com os alunos na sala de aula, e teriam maior capacidade, acho, para levar os alunos a dominarem as duas línguas. aí é que eu começaria. e naturalmente teria que aparecer um momento onde o crioulo entraria no currículo como veículo. ainda há pouco estive a lembrar-me disso, falei com um senhor, se não me engano de Seicheles, eu não sei os pormenores, eu até queria pesquisar, ele disse-me que… ele soube... acho que é Seicheles ou Maurícias… acho que é Seicheles. ele soube dessa ideia nossa… ele disse-me que em Seicheles fizeram uma experiência… puseram… se calhar… não tenho os pormenores… mas se calhar sem as devidas precauções, o crioulo, mas o crioulo como língua veicular, o crioulo para… o crioulo como veículo para aprender… aprender a física, etc.. houve uma regressão no sistema de ensino. o impacto foi negativíssimo, uns anos depois constataram que foi negativíssimo, a qualidade do ensino caiu. eu não tenho os pormenores … eu não sei bem… é algo que me… e agora eu digo, penso que… que não temos tido uma… vou ser mesmo muito atrevido, não sou linguista, sociolinguista, mas a ciência é ciência, ciência não é… eu acho que não temos tido uma demarche- acho, muito científica nesse particular. em que sentido? temos usado muita ideologia nisso. por exemplo eu acho que as nossas visitas de estudo nessa área deviam ter… devem ser orientadas para países que têm experiências concretas. mas não é para folclore, não é para folclore, não. que a gente prepare missões de estudo da experiência, e nesses países ouvir também… porque aí é que a gen… a gente só ouve os que são pró… a gente só ouve os mentores, quem é o mentor que vai falar mal da sua experiência? vai dizer que errou mas. vai dizer que houve um problema mas. e vai dar-te sempre o lado bom -- não, nós devemos ir lá e ouvir todas as partes, saber… de certeza, eu não acredito, eu não acredito, em Curaçau, eu não acredito que… eu não acredito que em nenhum país onde há uma língua dita nobre, inglês, francês, castelhano ou português, e há línguas nacionais ou há crioulos, e que essas línguas estão valorizadas no sistemas de ensino, eu não acredito que isso… que isso tenha sido feito sem conflito, eu não acredito, houve conflito de certeza. e nós devemos é ir aí, ver esse conflito. com todas as partes. dão-nos só a imagem boa, temos só a imagem boa. fala-se, e vem gente do Curaçau e tal, fala-se só o lado bom das coisas e nós para não cometermos erros temos de ver tudo. aquilo que fizeram para ser assim mas não deu assim, deu assado, os bons. tudo isso, deve ser feito, como visita de estudo a sério. e é aí que eu digo que não temos sido muito científicos nisso, temos sido muito mais ideológicos. + +Há bocado tinha falado disso, mas vou retomar a questão. Como é que acha que os cabo-verdianos falam o português, e como é que acha que eles deveriam falar o português? + +não tenho uma posição sobre isso. eu… eu prefiro falar com a fala dos outros. os portugueses… já… eu estive em varias situações… por exemplo, eu vi colegas meus, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, portanto colegas de sociologia que liam… nos anos oitenta, meados, finais dos anos oitenta, meados dos anos oitenta, que leram… leram artigos… artigos de jornalistas… na altura do jornal Voz Povo e disseram. vocês escrevem de forma muito rebuscada, a vossa escrita é muito rebuscada. e tenho colegas cabo-verdianos que têm esse mesmo testemunho do português. portanto é uma ideia generalizada em Portugal, se calhar da generalidade das pessoas que têm contacto com a nossa escrita, sobretudo no domínio da escrita, dizem que escrevemos muito formalmente, muito pesado, a nossa… uma escrita é muito pesada. não sei porquê, se é o uso de adjectivos, não sei, se é formas verbais, mas dizem isso. e tenho esse… esse testemunho de colegas meus, de colegas meus que têm esse testemunho também. + +E da fala, há bocado falava da censura, será? + +a fala… nós somos muito formais, e eu acho… quando eu comparo a nossa fala com a do angolano ou o do brasileiro, vejo que nós… nós, nós somos dilectos aprendizes dos portugueses nesse aspecto. dos portugueses quer dizer, dessa, talvez de uma ideia antiga da língua. antiga… não estou a dizer antiga como depreciativa. antiga mesmo de… muit… de há muito tempo. onde a língua… a língua… tem de ser falada com propriedade, com rigor absoluto e com um purismo extraordinário. para já era essa a ideia que tínhamos na instrução primária, os nossos pais foram educados assim e nós também, nós menos, eles muito mais. e… e então… nós somos… bom… agora… a minha geração, não sei se ainda é assim, não sei se ainda é assim. até à minha geração somos muito rigorosos com os erros de português, calinadas em português. eu noto mesmo em mim, eu sinto isso, eu… quer dizer… é quase que a pessoa é classificada por causa de um erro de português, é quase classificada… melhor é desclassificada, não é? com um erro de português, somos muitíssimo rigorosos. não se vê o mesmo em Angola, por exemplo. a sensação que eu tenho é que no Brasil e em Angola são os dois casos que eu acho onde… que a língua é muito mais… muito mais… acho que em Angola e Brasil a línguaé mais… como é ? mais dúctil. + +Admite a possibilidade de nós, cabo-verdianos, virmos a falar o português a nossa maneira? + +até agora não fizemos isso, e acho difícil, difícil. só se mudarmos a nossa atitude para com a língua (…) acho… não digo que não, pode ser. pode ser que isso entre pela via da literatura. pode ser. pode ser pela via de algum, por exemplo… + +Ou acha que nós devemos, segundo entendo, a ter o mesmo… como modelo o português da Europa? + +não, para mim não, para mim não. + +Qual seria a…? + +por exemplo… por exemplo para mim … há uma pessoa … já agora um autor que eu acho que tem um português diferente, Germano Almeida. eu acho que… a prosa que eu leio de Germano Almeida… não sei o que é, mas é diferente. e eu acho que é intencional, mesmo a conversa dele, a fala dele, ele… os artigos dos jornais, é… é uma outra forma de escrever, de tratar o português, o Germano. e é perto… é perto de algum… do que se chamava um pouco o português claridoso, não é? nalgumas coisas. mas o Germano, acho o Germano…é um exemplo… é quase que um exemplo único, o Germano, a maneira como ele escreve, e a maneira como ele fala. por exemplo o Germano fala quase que exclusivamente o português, não sei se re…o Germano fala um português, a gente diz, muito claro, toda a gente entende. portanto eu acho qu… ele habi… ele tem um português que não é rebuscado, não é gongórico, um português muito claro. é esse português muito claro acho que está… está um pouco encostado à estrutura do crioulo, talvez à nossa realidade, está um pouco encostado à nossa realidade. isso são só feelings. eu não sei se… + +Certo. Eu não tenho mais questões, mas eu gostaria que, se por acaso, sente que há alguma questão que eu não tenha abordado, algum… algum aspecto que gostaria de precisar na… no contexto desta conversa, esteja à vontade. + +não, não me lembro, assim… não. por acaso é uma matéria que eu gosto de falar e de reflectir sobre isso, mas não me lembro. acabei por, acabei por abordar os meus temas preferidos ((risos)) já sabia que ia acabar por abordar, mas há coisas…há coisas interessantes, não, não tenho, assim… + +Então, eu agradeço uma vez mais a sua disponibilidade. 1Deputado e dirigente partidário. 2Linguista cabo-verdiana 3Músico e compositor cabo-verdianoe também poeta (LCV) 4Designação do comerciante informal de produtos diversos 5Grupo musical dessa ilha, e que usa a variante de Santo Antão da LCV 6Tradução para português, A língua de Santo Antão é bem agradável 7Ex Ministro da Educação" +INF11.wav,"X, muito obrigada por me conceder esta entrevista. A minha primeira questão é a seguinte, quando apreendeu a falar, o que é que aprendeu? Português ou crioulo, ou os dois? + +só--só. só crioulo. + +E… já… antes de entrar para a escola,só falava o crioulo? + +antes de entrar para a escola só falava o crioulo. a... e na escola, que eu tenho memória, eh, as minhas professoras, porque foram cinco professoras na primária, e...falavam também crioulo. falavam crioulo. + +Isto onde? + +falavam crioulo. isso em Santo Antão, na ilha de Santo Antão. Ponta do Sol… Ribeira Grande… Paul… e tenho memória de uma professora que falava português, só na Praia. isso em 1978, quando estudava a quarta classe. tenho essa memória. embora em casa, a minha mãe tenha tentado fazer um esforço para nos incentivar a falar, a usar de vez em quando o português em casa. mas nós nunca alinhamos. e ela mesmo nunca falou português em casa, não é? ((risos)) + +Mas… o português… então já tinha contacto com o português antes de entrar para a escola? + +não. não. não. não tenho memória disso. falou-se em minha casa, sempre, não. + +Mesmo fora de casa… na rádio… ouvia, tinha algum contacto com o português? + +olha. ouvia-se rádio em minha casa. mas a ideia que eu tenho é que não entendia absolutamente nada do que se dizia na rádio. não sei se pela idade… + +Idade? + +pela minha idade, minha (?). mas não entendia absolutamente nada do que se dizia na rádio. + +Portanto, na escola primária, os professores falavam o crioulo? + +essa ideia que eu tenho. + +E oX falava com elas também em crioulo? + +não sei. a memória falha um bocado. mas eu tenho a ideia que nós usávamos, os alunos usavam o crioulo também. embora se fosse, digamos, se fosse uma pergunta, digamos, como se pode dizer… se fosse uma pergunta, uma questão relacionada com… com a classe… uma pergunta de História ou de Matemática, a gente tentava responder em português, não é? mas os assuntos extracurriculares, digamos assim, que eram extracurriculares, vírgula, eram falados em crioulo, não é? e se a professora pedia qualquer coisa, ou mandar calar. tenho memória que as professoras usavam. e tenho uma dúvida grande que essas minhas professoras soubessem falar ((risos)) tivessem um certo domínio - um domínio razoável do português. porque… uma das professoras acho que tinha segunda ou terceira classe na altura. ou qualquer coisa do género. + +E nas provas…vocês faziam provas? + +Estavam em português. + +As provas estavam em português? + +eram em português, sim. a nível de escrita foi sempre em português. + +E actualmente, em casa, com os seus amigos, com os seus colegas, qual é que usa normalmente? + +exclusivamente o crioulo. + +Exclusivamente o crioulo. Em que circunstâncias fala o português? + +a... olhe, com os cabo-verdianos nunca. absolutamente nunca. a... neste momento falo o português eventualmente com um estrangeiro que não tenha o domínio do cabo-verdiano, da língua cabo-verdiana. e uso o português. mas éa única situação em que eu, pessoalmente, faço uso da língua portuguesa. + +Mas, por exemplo, quando fala com autoridades, superiores hierárquicos, usa o português? + +não. nunca. mesmo quando fui professor no liceu. nas reuniões, com o Ministro, com a Directora, eu fiz uso… quando fiz uso da palavra… usei sempre a língua cabo-verdiana. + +Porquê X? + +e... pessoalmente, porque… digamos… digamos… eu vou chamar-lhe uma forma de resistência. + +mhm + +porque eu penso que a situação linguística em Cabo Verde é uma situação um tanto ou quanto injusta. para não dizer muito injusta em relação a língua cabo-verdiana, não é? foi uma forma… primeiro porque eu acho que devo ter o direito de usar, pelo menos no território cabo-verdiano, em circunstância que for - devo ter o direito, aliás, tenho o direito de usar a minha língua, não é? não pode haver situações em que um cabo-verdiano não possa, ou seja proibido de usar a língua cabo-verdiana em Cabo Verde. isso é um absurdo. então foi uma forma que eu encontrei de dizer isso às pessoas, de mostrar isso às pessoas. e também de incentivá-las a fazer o mesmo. porque muitas vezes estamos numa reunião, não é? fala-se crioulo o tempo todo, não é? e chega… quando começa- se a reunião, passa-se para a língua portuguesa. eu fiz… usei sempre de uma táctica para mudar as coisas. pedia a palavra e dizia qualquer coisa em português - desculpe, crioulo, só para mudar as coisas. e geralmente a reunião ganhava… mudava de língua. imediatamente, as pessoas passavam a falar em crioulo e a reunião acontecia em crioulo. nem sempre, nem sempre, não é? nem sempre. mas noutras circunstâncias pedia simplesmente a palavra, falava em crioulo, outros seguiam o exemplo. mas a maior parte – quando… reuniões grandes, com directores, com ministros, a maior parte do pessoal fala português pelos motivos que mais ou menos já conhecemos + +E agora, como é que acha que é a sua prof… o seu domínio do português, como é que é? + +a, olhe eu depois de estar seis anos… depois de estar em Portugal, eu vi que o meu português não é tão mau quanto eu pensava. depois de conviver mesmo com portugueses, descobri que o meu português é um português razoável. + +mhm + +eu, não… na hora de falar, eu tenho pouca prática. então eu tenho tenho tenho de pensar para falar. medir as coisas, fazer as concordâncias, para poder exprimir razoavelmente bem ou para não cometer erros de gramática que normalmente em Cabo Verde é o que mais tentamos evitar, não é? isso devido à metodologia que aprendemos o português, não é? aquela paranóia de falar sempre correctinho. usa-se o português mas… + +Como éque se sente quando fala o português? + +já senti-memelhor, acho ((risos)) + +Com naturalidade, com medo de errar? Pareceu-me… + +não. já não. já não porque fiz um exercício interiormente, sim. mas eu hoje admito. não tenho problemas de errar. já não tenho esse problema. até certa altura tinha, porque em Cabo Verde há uma mania que temos de falar português gramaticalmente muito correcto, não é? hoje eu vejo português como uma ferramenta, que eu uso para atingir um determinado fim, se falhar – falhei, - vou tentar corrigir, ser melhor na próxima vez. mas hoje já não tenho esse problema de cometer erros. sei que os cometo. portanto, assumo isto. + +E lêe escreve em crioulo? + +leio e escrevo em crioulo, sim. sim. + +E quando é que se sente mais à vontade, quando fala, lêou escreve crioulo? + +falar evidentemente é é à parte… falar e escrever, não é? falar e escrever -- falo. parece incrível mas escrevo melhor que leio, não é? mas também ler-- ler é uma questão de hábito, não é? é uma questão de ganhar, digamos, a memória, digamos visual das palavras e ler. eu li agora que reeditamos o 1Xatiadu Si, não é? reparei que a minha leitura voltou a ser fluente, não é? mas havia algum tempo já que já não lia muita coisa por não haver muitas publicações - então agora que tenho de fazer exame de escrita, leitura, reedição de outros textos em crioulo, adaptação do ALUPEC. então de repente, começo a ter novamente uma boa memória visual das palavras e a minha leitura volta a fluir. mas escrevo melhor em crioulo do que leio. + +Há bocado dizia-me que se sentia à vontade quando falava português. Mas onde é que se sente mais à vontade, português ou crioulo ou igualmente à vontade? + +não. não há comparação ((risos)) + +Fale-me disso. + +crioulo eu falo naturalmente. falo crioulo. falo naturalmente. não faço… hoje faço vigilância e recomendo que se faça porque também temos de dar um pouco de atenção ao crioulo. senão ele vai descarrilar completamente, não é? e perder a sua própria alma a sua própria alma. mas o português não consigo falar sem fazer uma certa vigilância, uma certa vigilância um pouco apertada até - não é? enquanto que o crioulo falo naturalmente. não há nenhuma comparação --com o português, costumo dizer que se falar muito dói-me a cabeça. + +E acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? + +não. não. em crioulo. em crioulo. + +X, vou lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar, certo? As três pessoas com quem mais conversa, e me procurasse definir o perfil dessas pessoas em termos de idade, sexo, o estrato social… + +eu não sei se tenho três pessoas com quem converso. olhe, a pessoa com quem mais eu converso, com quem mais eu estou é o 2F1, não é? que é mais ou menos da minha idade, 40 anos. não ele é mais velhoum pouquinho . + +Não preciso de nomes, só do perfil das pessoas. + +ah! sim, ele éprofessor… (…) + +Professor do ensino secundário? + +professor do ensino secundário, FPS. tenho-o como pessoa muito íntegra. amiga, coerente na sua forma de estar na vida. para mim isso é importante nas minhas amizades… + +Ele é cabo-verdiano não é? + +ele é cabo-verdiano. uma pessoa também na minha opinião, uma pessoa muito inteligente e perspicaz. + +E a outra? E as outras pessoas? + +ah! uma outra pessoa com quem converso… + +Do seu trabalho,da sua actividade de promoção do crioulo… (…) Com essa primeira pessoa fala crioulo ou português? + +exclusivamente crioulo. nunca… + +Sobre que assuntos? + +nós… a, nós falamos… falamos de assuntos pessoais. falamos do dia a dia, dos assuntos sociais, problemas da sociedade, alguns problemas políticos, essencialmente conversa muito pessoal. + +E em que circunstâncias, em que lugares e contextos? + +não, normalmente é uma pessoa que quando eu saio geralmente é com ele que eu saio, não é? ou num bar ou num… em casa dele, mais em casa dele do que na minha casa, não é?, ou na praça, normalmente conversamos aí…. + +Não me consegue falar da segunda e da terceira pessoas? + +((risos)) bem eu vou falar duma amiga. que é uma pessoa que eu considero amiga, mas que é uma pessoa confusa, uma pessoa confusa… + +Queria que me definisse o perfil em termos de idade, sexo, estrato social… + +ah! ok. está bom. é uma pessoa amiga. tem mais ou menos a minha idade. tem 40 anos. ela étécnico… + +Superior? + +não terminou a universidade. não sei qual a qualificação que tem. falta um ano para terminar a universidade, falta um ano. éfuncionaria aí da câmara. + +Com ela,fala em crioulo ou em português? + +em crioulo. + +Em crioulo. Sobre que assuntos e em que circunstâncias? + +a... é uma pessoa um pouco mais amiga, não é? então a... nós falamos do meu trabalho, do trabalho dela, falamos um pouco de assuntos do jornal. que também falo mais com outro amigo. falamos um pouco de mim, um pouco dela, falamos muito sobre os problemas da Praia e da cidade + +Ok. A terceira pessoa? + +não sei. não sei encontrar uma pessoa. + +Não necessariamente amigas. + +não necessariamente amigas… (…) não pode ser um familiar-não é? + +Fora do seu círculo de casa. (…) Vou retomar a questão. Há alguém ou algumas pessoas com quem usa o português? Só para eu… + +vou fazer uma confissão. há uma pessoa com quem eu uso o português --mais do que (?) é uma… não é bem um cliente, trabalha com um dos clientes. ela é estrangeira, ela é estrangeira mas fala crioulo. e estou sempre a queixar com ela, és é a única pessoa que me obriga a falar português-- mas eu naturalmente… ela fala sempre português. então como ela normalmente não fala crioulo, embora fale e entenda, eu não sei porquê, tenho uma tendência a falar português com… português com ela, falo… falo crioulo, mas falo muito mais português com ela do que crioulo. realmente é… parece-me que é a única pessoa com quem quem convivo e uso o português. + +Estácerto. + +porque mesmo pessoas com o INF7, 3F2, que falam português eu falo crioulo com eles. e estes também já falam um bocado crioulo comigo. + +Ok. Diga-me uma coisa. Fala crioulo… já estamos… já percebi…fala quase que exclusivamente em crioulo se eu… excepto com esta pessoa… + +para mim nem é uma questão de opção. é a realidade. + +mhm Agora diga-me. E ouvir o crioulo, onde é que ouve o crioulo assim em Cabo Verde? + +todas as circunstâncias, todas as circunstâncias. em casa, na rua, transporte público, nos bares. sei lá, mesmo na… mesmo em reuniões, as pessoas antes de começarem reuniões falam em crioulo--todas as circunstâncias. + +E o português? + +o português é essencialmente na comunicação social, nalgumas reuniões, nalgumas reuniões (?) e nalgumas reuniões que quando começa a reunião as pessoas mudam para o português-mudam automaticamentepara o português. + +Diga-me… algumas circunstâncias em que ouve o português, mas gostaria de estar a ouvir o crioulo naquelas circunstâncias? + +na comunicação social. gostaria de poder ver por exemplo legenda, é outra coisa, construir legendas em crioulo. mas gostaria de ver nas situações oficiais, comunicações do presidente, do primeiro-ministro, nas reuniões ou no noticiário. eu gostaria de ver também… digamos, ver nestas circunstâncias também…também em crioulo. + +Passando para a leitura, costuma ler em crioulo. Já me falou disso. O que é que lê habitualmente? + +a produção é é pequena. em termos de obras publicadas, não é?. são poemas, contos, o romance de Manuel Veiga. expressão cultural li quase tudo que existe editado em crioulo eu li. ah! também na troca de e-mails, também, normalmente agora com o pessoal então mais jovem usa-se muito para fazer chats - conversação na Internet, hoje em dia usa-se geralmente o crioulo. e são essas circunstâncias. porque infelizmente publicação em crioulo é coisa pouca. + +Nessa última semana… a... leumais o crioulo ou o português? + +de uma forma geral leio mais português. português tem mais tem mais há mais bibliografia em português do que em crioulo. + +E ouvir,ouve mais o crioulo ou o português? + +oiço mais o crioulo. + +Em relação à escrita, escreve em crioulo. Já me falou disso. O que é que escreve em crioulo? + +só não escrevo em crioulo um requerimento que sou obrigado a fazer em português. o resto, cartas a... as minhas notas, de uma forma geral. não vou dizer que nunca tomo uma nota em em português. faço. mas talvez cinco por cento das vezes faço em português. mas geralmente as minhas notas, a organização do meu trabalho, os meus relatórios pessoais, faço faço em crioulo --eu costumo dizer que o crioulo é a minha língua oficial. + +Diga-me agora, o que é que escreve em português? Já me falou de requerimentos. Mas para além disso,escreve mais alguma coisa em português? + +a... eu geralmente… geralmente não uso o português na escrita, praticamente não uso o português na escrita. + +Alguma coisa… + +só um documento… por exemplo as minhas facturas, um projecto, um relatório para um cliente, um requerimento numa repartição pública. sou obrigado a fazer em português, então faço. mas… geralmente geralmente não escrevo… + +Teria preferido fazer esses…? + +embora andei escrevendo uma carta em português no outro dia… + +Carta pessoal? + +sim. sim. carta pessoal. apeteceu-me escrever em português, escrevi em português. + +Diga-me… desses textos… esses textos que escreve em português… teria preferido escrevê-losem crioulo? + +eu quando… como escrevo muito pouco em português… eu se escrevo uma coisa em português não é por… não posso dizer que preferia… no momento apeteceu-me escrever em português ou só se tiver algum motivo. às vezes é quando… + +Estáa falar desses projectos,relatórios, etc.? + +não, esses aí eu gostaria de poder fazê-los em crioulo. é o meu sonho, é poder… + +Mas estava a falar de documentos que também escreve em português porque lhe apeteceescrever… + +sim, às vezes tomo uma nota, mando um e-mail para um amigo. posso fazê-lo em português. mas normalmente… na hora apeteceu-me. por exemplo - esta carta, talvez tive a necessidade de ser muito claro com a pessoa que escrevi a carta, embora não seja uma carta de trabalho nem nada do género, ser algo pessoal, e essa pessoa talvez não domine tão bem o crioulo, o crioulo escrito, não é? então eu talvez por isso fiz em português, pus em português, talvez por isso. + +Onde e como aprendeu a escrever o crioulo? + +onde e como?, olhe, data em 90. acho que foi em noventa. 1990. mandei… estava em Portugal, mandei vir um catalogo dos livros da 4ICLD, sublinhei todos os livros que havia em crioulo e… e pedi que me mandassem para Portugal-- li todos. e comecei a fazer… ainda escrevi… era a escrita de 79. e comecei a fazer o meu exercício. escrevia qualquer coisa que vinha à cabeça, depois rasgava e deitava fora como forma de ganhar prática no exercício de escrita. e a partir daí comecei, depois ganhar prática… porque é cansativo escrever com um alfabeto, ou numa língua que não temos o domínio da escrita, ganhei esse domínio digamos assim, um certo domínio, e passei desde aí, desde noventa portanto, já lá vãoquase 16 anos. + +E actualmente, como é que escreve? + +uso o ALUPEC. + +E sente alguma dificuldade? + +a...praticamente, não. + +Usa o ALUPEC. E na estruturação de texto… na organização…? + +a... já está a fluir um bocado. não sou homem da escrita, como lhe disse -- mas já está a fluir. já escrevo assim com uma certa fluidez, principalmente se é um texto pessoal para um amigo, ou um e-mail. eu acho que já não sinto muita dificuldade. eu acho que já escrevo com tanta naturalidade em crioulo como já escrevia em português. + +Quando estáa falar, ou a falar o crioulo, em algum momento ou em alguma circunstância,teve de mudar,mudou para português? + +não-não. + +Chegada de alguém, mudança de assunto…? + +não. não, não. eu posso, eu posso eventualmente, por uma questão de precisão, recorrer uma palavra do português para dar ênfase. mas da mesma forma, quando falo em português, falo em português, vou buscar a palavra em crioulo que dá mais precisão. também vou buscar uma palavra em crioulo para dar para dar ênfase. fiz isso muito quando fui professor no liceu. quando fui professor no liceu, fui professor no liceu e dava aulas nas duas línguas e recorria às duas para… + +Nas aulas? Para quê? Usava o crioulo nas aulas para quê? + +usava o crioulo nas aulas para os miúdos poderem entender o conteúdo para…para entenderem aquilo que estava a explicar. + +Portanto, era para fazer explicaçõesda matéria? + +para fazer entender, exacto. para explicar a matéria. para acabar com as dúvidas a... eu usava o crioulo. usava o crioulo porque, com o crioulo os alunos realmente assimilavam, compreendiam a matéria. com o português, ficavam com uma noção, um bocado vaga, depois decoravam e vinham e vinham para o exercício. + +E como é que era depois, ter de fazer provas em português? + +eu eu dava a mesma aula nas duas línguas, não é? + +Na mesma…? + +na mesma aula. + +Na mesma aula? + +era na mesma aula. eu repetia a aula, fazia a aula, muitas vezes em português, depois perguntava, claro, quem tem dúvidas?  ((risos)) ok. e acabava com as dúvidas usando o crioulo. acabava com as dúvidas. e se explicasse primeiro em crioulo, depois se algum dos alunos tinha dúvida, era um número mínimo mesmo. a... mas mesmo que explicasse primeiro em em em crioulo e que não houvessem mais dúvidas, eu explicava em português com o objectivo de familiarizar o... os alunos, não é? a definirem o assunto com a língua - não é? também fazê-los ouvir o assunto em português,, não é? de forma a que quando chegassem, fossem estudar houvesse, a... é mesmo a palavra, desculpa, familiaridade com a linguagem usada e a língua usada para coiso. daí que quando chegassem aos testes, normalmente eles não escreviam, eram testes tipo americano. + +Vou pôr-lhe uma questão muito directa. Imagine que está numa situação, com umas pessoas, a falar o crioulo. Chega uma autoridade. Muda para o português? + +as pessoas têm tendência para mudar. mas eu naturalmente, não mudo. + +Imagine que está num grupo, a falar sobre um assunto social ou familiar e depois muda para um assunto técnico. Tem tendência para mudar para o português? + +não, hoje … + +E ao contrário, mudar de português para o crioulo, isto alguma vez aconteceu? + +certamente falei o português tão pouco ultimamente. normalmente falo o português com uma pessoa que não domina o crioulo, não domina o crioulo, não é? não domina o crioulo, então, e daí que aquela mudança quase que não fazia sentido. + +O que é que pensa do crioulo? + +éuma língua a...: + +Do crioulo. + +agora- é assim… como língua? + +Em si. Sim. + +eu… o crioulo para além de ser a minha língua, eu acabei de dizer, o crioulo é uma língua, na minha óptica, com muitas vantagens. porque, para além de ser um sistema de significados, também tem uma forma simplificada de dizer as coisas, de uma forma directa. daí até corro o risco de dizer que o crioulo será uma óptima língua, ou é uma óptima língua para tratar assuntos técnicos. por exemplo, sou técnico de informática, leio muito em inglês, não é? mas não tenho o domínio falado, nem de ouvir o inglês, não falo nem oiço, compreendo o inglês falado, mas leio. mas estou a ler todos os assuntos técnicos, eu vejo aquilo. da forma directa, a minha facilidade é que eu vejo aquilo em crioulo, tudo. está a entender? aquilo me fascinou, quando comecei fiquei fascinado, e disse, meu Deus, as coisas estão facilitadas, é fácil traduzir do inglês para o crioulo, pelo menos na parte técnica. é uma língua muito… que tem essa abertura, que tem essa (?) económica. acho que é uma língua muito flexível, capaz de adaptar às circunstâncias, inclusivamente científicas técnicas, é uma questão só de ir buscar as palavras apropriadas ou criá-las, conforme for o caso. mas eu acho que o crioulo é uma óptima língua, como disse o5F3é uma língua muito moderna, na sua estrutura, não é? + +E do português, o que é que pensa do português? + +uma língua bonita, tem a sua beleza, não é? mas é… é complicado, é enrolado é... é enrolado. tem a sua beleza para a literatura, mas não para questões técnicas. lamento dizer, mas eu não vejo o português como uma boa língua para questões, questões técnicas. agora… ou está-me a perguntar da situação linguística? + +Sim. O que é que acha disso, de se se usar o crioulo e o português em Cabo Verde? + +eu… vou dizer o que eu penso. é assim a minha posição, eu vejo o português como uma mera ferramenta, sou técnico, tenho uma chave de fendas, quando preciso chave fendas, recorro a chave. recorro a chave de fendas para tirar dele um partido. e é assim que eu vejo o português, eu pessoalmente uso o português, eu… e eu acho que em Cabo Verde o português devia ser um instrumento, instrumento de trabalho, instrumento para suprimir, ou para apoiar numa determinada necessidade. e não da forma como… não na situação linguística como vivemos. porque nós temos uma língua, que nós nascemos, crescemos, aprendemos nessa língua, essa língua se for trabalhada, não é? se for dada uma determinada atenção, responde cabalmente às nossas necessidades, pessoais, sociais, técnicas, científicas, responde de certeza, estou certo disso – a... daí que… acho que este é o caminho. e as outras línguas… o português poderá continuar língua oficial se for uma necessidade, poderá continuar no ensino se é uma necessidade, mas tem de ser vista… não pode ser vista como um fim, porque em Cabo Verde neste momento a língua portuguesa é um fim, não é? é visto como um fim em si, e na minha perspectiva não é esse o caminho. tem de ser… a língua portuguesa tem de ser, tem de entrar como um complemento, embora não acredite que seja. neste momento há um complemento entre o português e o crioulo, porque no português eu tenho… tenho os livros, a parte escrita, tenho a informação, não é? que ainda não tenho em crioulo, eu vou buscar na língua portuguesa. é aí a ideia da ferramenta, não é? eu tenho os livros em português, tenho domínio da língua, como também vou buscar na língua inglesa ou na língua espanhola também, para a leitura, tenho um certo domínio, logo eu vou buscar, eu uso como um instrumento, não é? mas eu não posso substituir nenhuma outra língua pela língua cabo-verdiana. eu acho um absurdo, na minha palavra… na minha opinião, eu acho um absurdo que haja esta substituição que aconteceu nesses últimos 31 anos de independência -que o português ganhou, ganhou espaço em Cabo Verde, ganhou espaço nesses últimos anos, agora não sou contra esse espaço do português, é a forma como … + +Como assim, o português ganhou espaço? + +ganhou espaço porque antes não tinha utilização. + +O português não tinha utilização? + +o português não tinha utilização. hoje, a ideia que tenho, é que tinha uma certa… é... o português ficava exclusivamente na escola, não é? é a ideia que tenho, é a ideia que eu tenho. posso estar enganado. depois de eu deixar de morar no 6plateau eu aprendi muita coisa, e circulando pelos bairros, o português não faz escola nos bairros no interior da cidade… + +É isso… não estou a perceber. Diz que o português ganhou espaço, mas estáa dizer-me agora que não faz escola … não estou a perceber… + +ganhou… ok, vou tentar explicar. mas ganhou espaço, já fez menos escola. por exemplo, hoje o português tem um certo prestígio, o português sempre teve um certo prestígio. mas as pessoas que dominavam o português eram uma pequeníssima minoria, dominava o português. talvez as outras pessoas por não dominarem o português mantivessem o português de lá. mas hoje, com a massificação, a pseudo democratização do ensino, e hoje todos nós arriscamos a falar um pouco português. então, vê-se na televisão, na rádio, pessoas que são entrevistadas que não têm o domínio, vê-se claramente que não têm o domínio mínimo da língua, mas que arriscam, não é? arriscam. arriscam porque são bombardeados pela televisão, pelas rádios, em campanhas e outras circunstâncias, pela língua. então eles ganham… só de ouvir ganham uma certa competência na língua e arriscam, arriscam a falar, arriscam a falar, e todo o mundo quer, digamos, tirar um certo prestígio disso, não é? mostrar que… porque falar português em Cabo Verde ainda dá… é um sinónimo de status, é sinónimo de de de uma certa erudição, digamos assim, de quem tem cultura, de quem conhece, quem estudou, não é? ainda há esse aspecto, não é? + +Mas acha isso das pessoas que usam o português? + +eu acho isso muito… eu acho, vou lhe dizer uma coisa–há pessoas … + +Pensa que o português dástatus? + +dá status, dá status sim. pelo menos na cabeça das pessoas dá status. vamos a uma repartição pública, ou pelo telefone, se reparar, as pessoas têm tendência a começar uma conversa, mesmo… o primeiro momento é em português, mesmo que depois passem para o crioulo. porque o facto de falarem em português automaticamente muda, muda o clima, muda a intimidade, não é? muda a relação entre as pessoas, aquele respeito, falou em português? não é qualquer um que está do outro lado, está-me a entender? significa logo que tem esta sensação. logo eu sou obrigado a fazer um… um exercício digamos de respeito, e uma certa atenção à pessoa. isto acontece mesmo nas repartições públicasainda, embora eu acredite que cada vez menos isto está a acontecer, não é? e o crioulo está a ganhar espaço, nesta área também, não é? mas as pessoas antigamente, não é? olhe, já eu me socorri duas vezes ao português para me livrar de uma si … um problema qualquer, com um policial não sei que mais. estava numa bicha qualquer e veio um polícia com um case-tête a bater não sei que mais. recorro a uma palavra a uma língua, recorro ao português e à palavra camarada, e ele parou, ficou estagnado, saí da bicha e ele continuou o trabalho dele. a ideia é, não é qualquer um que esta a falar. ainda há isso. e nesse momento há pessoas que… vejamos uma coisa, se sair nos cafés, agora há uma, se sair, vai aos cafés? (?) ((risos)), agora pede-se uma bica. pede-se um galão, não se pede um café com leite, não é? e já não se pede um 7cleps, pede-se uma imperial. olha eu estudei, eu estive três anos em Portugal, eu voltei e retomei o meu crioulo, e a minha linguagem, não é? coisa que as pessoas de hoje dizem, há uma tendência nos restaurantes, sim, temos cachupa guizada ((risos)), não é? é nesse aspecto que está a ganhar uma certa… e estão a introduzir palavras do português no crioulo ou aportuguesar o crioulo só para mostrarem que têm uma certa cultura, que conhecem a língua portuguesa, não é? então modificam o crioulo. como costumo brincar, dão um sotaque de Lisboa ao crioulo para poderem mostrar que têm status, que ocupam uma determinada posição na sociedade, não é? recorrem a isso. e a explicação que eu tenho para isso deriva do prestigio, não é? desse status que o domínio ou o conhecimento da língua portuguesa infelizmente ainda confere, ainda confere aos cabo-verdianos. + +E as pessoas que usam o crioulo? + +é a maior parte das pessoas . + +Digamos… o que é que pensa delas, o que é que acha que as pessoas pensam delas? + +não, queusam o crioulo nessas circunstâncias? + +mhmmhm + +olhe-há circunstâncias em Cabo Verde, essas circunstâncias oficiais… + +Sei lá… Estou a pensar por exemplo que pode achar que as pessoas que usam o crioulo são pessoasque têm menos educação,que são menos instruídas... + +a... há uma… na grande parte sim. vejamos no caso das entrevistas, não é? um jornalista vai ao treinador, dirige ao treinador, dirige ao treinador, normalmente uma pessoa que tem um pouco mais de cultura, dirige ao treinador em português. vira para o lado e dirige ao jogador, dirige ao jogador em crioulo - na mesma entrevista, no mesmo momento, não é? depois volta para o presidente da equipa, volta a falar português. volta para um jogador… acho que tudo isso é significativo, não é? quer dizer eleele ele … + +Como é que se entende isso? + +eledá a ideia de que crioulo está reservado às pessoas que não sabem falar português, que a opção no fim é falar o português, não é? a ideia era falar português, fala crioulo quem não sabe, não é? ou é abordado em crioulo, quem não sabe ou quem não domina o português. + +O que acha disso? + +isso é horrível, isso é horrível. isso é uma forma de discriminação, é uma forma de… mesmo que seja inconsciente de atacar, de atacar o prestígio da da própria língua cabo-verdiana, uma forma de dizer às pessoas, não? o crioulo é coisa de gente ignorante, o crioulo é coisa de quem não tem cultura, de quem não tem cultura académica-não é? + +Está claro. + +de quem não… de quem não sabe, não é ? isso é horrível. isso é uma coisa que devia ser mais ou menos… quanto a mim proibida, porque é alienante, não é? ela é alienante. isso distorce, distorce a verdade em detrimento da língua e da cultura cabo-verdiana . + +Acha que se deve continuar… que o português deve continuar em Cabo Verde? + +olhe, eu vou-lhe dizer uma coisa, eu acho que não deve é haver imposição da língua portuguesa em CaboVerde. enquanto houver espaço para o português ele deve continuar, porque enquanto… é o que eu digo, enquanto houver espaço, porque enquanto for necessário, porque o português também tem aquela função, aquela função de complementaridade que lhe disse, não é? eu preciso de livros, não é? tenho-os em português, mas não os tenho em crioulo, daí dou graças de ter um certo domínio do português porque posso ir buscar as informações que eu tenho… é uma ferramenta útil, acho que deve continuar sempre. há um acervo bibliográfico, não é? até acerca de Cabo Verde, histórico, que nós até temos interesse e nós temos aquilo… que ainda não traduzimos para coiso. deve continuar, mas deve continuar naturalmente, não é? as pessoas devem ter opção, não é? devem ter opção de uma coisa e de outra, deve haver democracia na língua, não é? temos uma situação de ditadura linguística, deve haver… + +Como assim? + +ditadura, porque há imposição de uma língua, impõe-se o português. cada vez menos porque as pessoas vão batendo com o pé. mas eu vou-lhe dizer uma coisa, uma directora, no ano de 95 se não estou em erro, chamou-me e disse-me que não me renovaria o contrato se eu não prometesse deixar… que deixava de dar aulas em crioulo. + +E foi isso que aconteceu? + +foi. foi porque, tinha… tinha filhos, precisava daquele salário. dei-lhe a minha palavra, cumpri. cumpri durante esse ano. na primeira oportunidade, dei-lhe a resposta certa. ela baixou guarda e no ano seguinte voltei, retomei o crioulo. isso foi no meio do ano, mas como havia prometido e dado a minha palavra, cumpri até ao fim. não levei, não levei o crioulo para dentro da sala, não dei aulas em crioulo nesse ano, os alunos se queixaram, mas olha! + +Pelo que eu percebi, se eu percebi bem, acha que o crioulo, o português, deve ser usado em Cabo Verde só para ler. Ler esses livros que não são publicados em crioulo… + +quer dizer, bom eu acho que as pessoas devem ter opção, o direito, se houver alguém que quiser falar português que fale, não é? até temos uma situação neste momento, no nosso contexto, o português também é a língua oficial, e como língua oficial, e como língua também de trabalho, as pessoas devem ter o direito de se exprimirem inclusivamente na comunicação social do estado, neste caso têm o direito de escrever, falar, é um direito que têm. agora o que não é… o que não se pode… o que não é justo, é criar circunstâncias em que o crioulo não possa ser usado. + +E no futuro, para si, também o português continuaria…? + +eu acho que o português deve impor-se por si mesmo. isto é impor-se pela… como é que se pode dizer? se for útil o português, se nós tivermos necessidade do português, ele continua naturalmente. mas se amanhã ou perdermos o interesse ou a necessidade, não é? as pessoas acharem que não, que querem o crioulo ou outra língua, eu acho que o português não deve ser imposto em Cabo Verde-deve ser uma opção das pessoas. + +Acha que ele deve manter-se como língua oficial? + +enquanto for necessário sim, mas se algum dia deixar de ser necessário, eu acho que deve deixar de ser. + +E deixaria de ser necessário como, porquê? + +deixaria, se as pessoas… se o crioulo passar a preencher essa… esse lado de… que é complementar, não é? com o português, e se as pessoas perderem o interesse pela língua portuguesa por exemplo, nós vamos ter uma língua fantasma que as pessoas não usam… + +Como é que vê…? + +não tiram partido, nãoé? + +Como é que, digamos, desenha mentalmente a alternativa linguística para Cabo Verde? Para si qual é que seria a alternativa linguística desejável? + +falar de coração? ((risos)) + +Sim. Sim. De coração… + +de coração e de cabeça também. é de cabeça também porque eu… português tem um papel que já expliquei. deve continuar no ensino, nós devemos ensinar, tem o seu interesse. mas se pudesse decidir, eu decidia uma opção de três línguas para Cabo Verde. eu acho que primeira língua seria o crioulo, não é? que é a língua nacional, que é a língua dos cabo-verdianos. acho que é uma forma de valorizar a nação cabo-verdiana, de… e até de ajudar a combater o insucesso escolar, e uma série de outros factores como a... inclusivamente traumas e complexos coloniais que talvez venham do tempo da escravatura, quer o sentimento de inferioridade que o cabo-verdiano tem em relação ao europeu, e essa falta de confiança que ele tem no que ele produz, no que ele faz, no que o outro, não é? o que o branco faz estásempre certo, o que o que cabo-verdiano faz nós duvidamos, até o dia que chega um branco e diz que é bom, aí passa a ser passa a ser bom. ainda temos muito disso, não vale a pena tapar o sol com a peneira porque aí não vamos a sitio nenhum. essa é a minha sensação. tenho uma outra situação também, que talvez seja romântica mas que… é importante… + +Falou-me em três línguas, o crioulo… + +eu acho que os países africanos, e Cabo Verde como país africano… eu acho que os países africanos deviam ter uma língua (?) eleger uma língua, ter uma segunda língua de todos os africanos, não é? isso ajudaria na integração africana e ajudaria na comunicação comunicação e consequentemente na no desenvolvimento económico e social e cultural e científico de da África. e essa língua traria prestígio para a África, seria uma língua uma língua falada por todos os africanos, seria uma segunda língua de todos os africanos, mundialmente teria um peso, seria língua nas Nações Unidas. quer dizer o africano podia dar ao luxo de… ser lá onde fosse, não é? usar uma língua africana, nesse caso essa língua comum (?) e inevitavelmente seria oinglês. + +Então, excluiria o português? + +não, não excluiria as outras línguas, são três línguas. olha, o russo é uma boa língua, tem um acervobibliográfico enorme. + +Digamos, em termos de oficialidade… + +eu não estou a dizer que essas três línguas seriam oficiais. seriam línguas prioritárias no ensino. fala-se em globalização, fala-se em… + +E continuar-se-ia, por exemplo, a ensinar,o português nas escolas? + +acho que sim, porque não? desde que seja necessário porque não? seria mais uma língua. eu acho que é como disse alguém, se eu falasse todas as línguas do mundo, não é? inclusivamente a minha, teria a dimensão cultural de um Deus, mas se eu falasse todas as línguas do mundo excepto a minha, eu teria a dimensão cultural de uma besta. portanto isto só para… só para vincar a necessidade de… + +O que é que… que relação estabelece entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo? + +é fundamental, não é? eu acho que ser cabo-verdiano sem o crioulo, não existe esse cenário. o a digamos assim, a... o aspecto identitário mais forte do cabo-verdiano é a língua. é a coisa que… melhor coisa que ele criou nesses quinhentos anos de existência. a... foi a língua cabo-verdiana, que é uma língua simples no bom sentido, económica, não é? e... flexível, uma língua viável, se apostarmos nela e não deixarmos… não a... deixarmos na situação que está neste momento, não é? acho que temos uma língua forte, que as pessoas aprendem com a maior facilidade… um americano vem aqui, em quinze dias recebe aulas de crioulo, fala com uma fluência extraordinária, outro, veja, o cabo-verdiano seja lá onde, em Portugal, na Holanda, fala o crioulo, enquanto muitas outras nações mudam, e deixam de falar as línguas que falam, deixam de falar as próprias línguas para falar as línguas daquela nação, mas o cabo-verdiano não. e mais, o cabo-verdiano, para além de falar a sua língua no estrangeiro, ainda há gente daquele país que passa… também aprende e passa a usar a língua cabo- verdiana. isto aí mostra a facilidade, não é? e isso diz tudo, que é uma língua viável, é uma língua que se soubermos aproveitar, não é? podemos usá-la, e pode ser usada no...utros sítios, sem ser problema. aí ao lado, a a Guiné Bissau - o crioulo da Guiné Bissau e o crioulo de Cabo Verde não tem grandes diferenças - mesma coisa o Curaçau, não é? há uma comunidade crioula. acho que fugi à questão. acho que não existe, o cabo-verdiano, a nação cabo-verdiana sem a língua cabo-verdiana-dissolve, desaparece- de certeza. + +Admite a possibilidade de um cabo-verdiano não gostar do crioulo, de um cabo-verdianonão saber o crioulo, de um cabo-verdianonão usar o crioulo? + +olhe… isso é ridículo, isso entre aspas. cada um tem o direito de usar ou não, mas a... eu acho que… ((toca o telemóvel)) desculpe, eu deveria ter desligado… + +Não há problema. + +certamente há cabo-verdianos que não falam crioulo. mas eu tenho essa dificuldade, dificuldades sentimentais, dificuldade em termo emocionais, dificuldades de imaginar um cabo-verdiano que não fala crioulo, chega a... um cabo-verdiano, diz, sou cabo-verdiano, não falo crioulo. é esquisito. claro que existe este cenário, não é? existe este cenário, claro que existe esse cenário, embora hoje em dia exista cabo-verdiano da nação e cabo-verdiano do Estado. ter um passaporte, ter um passaporte cabo-verdiano não significa ser cabo- verdiano. pode-se ter os mesmos direitos, mas isso não faz… faz dele um cidadão, mas não faz dele um membro da nação cabo-verdiana. + +Diáspora? + +não. não estou a falar da diáspora. diáspora, olhe a diáspora são filhos de cabo-verdianos. são cabo-verdianos. nascidos nos Estados Unidos, seja onde for, são cabo-verdianos. + +Admite a possibilidade de eles não saberem ou ou não darem …. + +há há. + +É desses que me está a falar? + +não, há essa… não… há essa possibilidade. vejamos uma coisa, um cabo-verdiano que não fala crioulo, chega em Cabo Verde, e sente um estrangeiro, mesmo que fale o português. quer dizer há qualquer coisa de mágico, não é? que o crioulo... que flúi no crioulo e que não flúi nas outras línguas, não é? qualquer coisa mágico do ser cabo-verdiano, não é? ser cabo- verdiano, a maneira de expressar, de viver, não é? eu aceito essa pessoa, mas eu não perco essa sensação de ele ser um estranho, não é? ele continua um estranho. eu não estou a excluir ninguém, a ideia não é excluir ninguém, não é? vejamos uma coisa. uma vez em Lisboa encontrei três rapazes, falavam um badiu extraordinário. deviam ter quinze anos, 14, 15 anos. eu perguntei para eles, que zona de Santiago vocês são?  eles riram, riram, disseram, nós não conhecemos Cabo Verde. mas eu não posso dizer que eles não são cabo- verdianos, porque a maneira de falar, a maneira de sentir, a maneira como diziam, dizia que eles são cabo-verdianos sim. não interessa o passaporte ou o sítio onde nasceram, penso que isso, isso hoje em dia, infelizmente, vale mais do que outra coisa, o documento que nós trazemos, mas não muda a natureza das pessoas. + +Há bocado falou-me das variantes do crioulo. Como é que vê esta questão? Para si, háalgum deles que seja o verdadeiro crioulo, alguma dessas variantes? + +há gente... deixa fugir um pouco do assunto, há gente que usa o facto de existirem variantes para combaterem a oficialização, a escrita, ou o desenvolvimento do crioulo, porque infelizmente há gente em Cabo Verde, e gente que constitui… que assumem posições ou atitudes de intelectuais, que estão contra o crioulo, infelizmente. gente que deveriam estar na luta para a afirmação da nação cabo-verdiana, para a sobrevivência da nação cabo-verdiana no mundo, acho que estão mais preocupados com a sobrevivência da nação portuguesa, não é? da nação ou do grande império Portugal, império entre aspas - não é?, no mundo. porque a língua portuguesa transporta a cultura de Portugal - também do Brasil ou da Luanda e Maputo, mas não veicula, não veicula a cultura do cabo-verdiano. tanto é verdade que o cabo-verdiano que vive em Portugal há não sei quantos anos, continua a usar o crioulo, e serve-se do português, quer dizer a língua não substitui, não substitui na expressão, digamos na idiossincrasia do cabo-verdiano, não é? a língua portuguesa não faz parte da:. idiossincrasiado cabo-verdiano. mas eu perdi agora a questão.. + +A questão das variantes… ese alguma delas seria o verdadeiro crioulo… + +a... eu acho que todos são verdadeiros, não é? de um ponto de vista histórico tudo indica… + +Por exemplo… Há gente que acha que o verdadeiro crioulo é aquele que se fala no interior de… + +vou lhe dizer, o crioulo da cidade… pelo que li, não é? das coisas que outras pessoas escreveram, e das a... das experiências sociolinguísticas de outros países, em todos os países foi-se à raiz buscar a estrutura da língua, a estrutura da língua, a estrutura forte da língua para se avivar, para dotar a coisa. acho que mesmo em França, e provavelmente em Portugal tinham feito isso. porque o que se fala na cidade hoje é uma mistura do português com crioulo, quer dizer fala-se, usa-se duas estruturas gramaticais. mas não julgo que seja coerente. nós devíamos adoptar uma forma de falar que tenha duas estruturas, ou que a gente venha a adoptar um sistema, não é? só porque a classe que foi para a escola - não é? não domina a outra variante. e essa nem chega a ser variante, o que se fala hoje na Praia, acho que a Dona 8F4 chamou de crioulês, não é? é uma mistura de português e de crioulo. eu não vou dizer que toda a gente na Praia, mas uma certa elite, mas nós temos de começar a admitir uma coisa, hoje todo o mundo acha que domina o crioulo. não é verdade. nós não fomos para a escola - não sentamos atrás de um livro a aprender o crioulo, portanto é normal que a gente não domine o crioulo, portanto. e se nós virmos entrar nesta discussão, é uma discussão perigosa, porque mesmo dentro da Praia, as pessoas não falam a mesma coisa. não vão buscar no português as mesmas influências, não é? uns vieram de Boa Vista, outros vieram do interior de Santiago. nós não podemos ter 300 mil pessoas e 400 mil línguas em Cabo Verde, isso não é possível. mas isso é um trabalho dos linguistas, dos cientistas, não é? eu aqui sou leigo, mas os cientistas para fazer um estudo e dizer o que é melhor. mas eu na minha posição de leigo, eu digo, acho que nós devemos ir à matriz, não é? + +Qual é essa matriz? + +eu acho que ela deve estar com as pessoas mais velhas que não foram para a escola. têm uma estrutura mais coerente, uma estrutura que sobreviveu durante trezentos quatrocentos ou quantos ano, não é? é uma estrutura coerente, é uma estrutura única, não é? é uma estrutura lógica que amadureceu, não é? que amadureceu, e que neste momento está-se a perder. eu acho que esta estrutura que tem 400 anos é mais válida do que uma estrutura que tem 10 ou 15 ou 20 anos -- é o que eu penso. eu penso que em sítio nenhum, adopta-se os as modificações que a língua sofra do dia para a noite. + +Diga-meuma coisa. Acha que o crioulo deve ser ensinado nas escolas? + +claro, evidentemente. eu acho uma violência que as crianças vão para a escola aprender numa língua que não dominam, eu acho que isso assusta. isso assusta as crianças. + +E na alfabetização de adultos? + +essa é outra questão, essa é outra questão. eu acho que em Cabo Verde temos… temos uma grande percentagem daquilo que se chama analfabetismo de retorno, não é? as pessoas vão para a escola, aprendem o código, aprendem a ler, mas não sabem interpretar o que está atrás do que lêem. para quê é que serve? eu também uma vez aprendi a ler alemão, mas lia, se houvesse um alemão ao lado ele entendia, mas eu não entendia, eu aprendi o código. e em certa medida é o que acontece, mas não acontece só na alfabetização, acontece no liceu. eu, com o livro de 9homem ambiente, com uma linguagem extremamente simples, eu tinha que abrir aquilo e explicar parágrafo por parágrafo o que estava ali no terceiro ou quarto ano do liceu, primeiro, segundo ano, porque os alunos não entendiam. mandava, leia aquele paragrafo, ele não explicava. portanto em questão da alfabetização de adultos, essa percentagem da analfabetos que dão é muito superior a do analfabetismo real, porque as pessoas aprendem a conhecer as letras mas não sabem ler o que há atrás das letras, não sabemdescodificar a mensagem, então para quêé que serve? + +Acha então que o português em Cabo Verde deveria ficar reservado para certas pessoas,certos assuntos e certas circunstâncias? + +e... eu não diria isso. eu acho que o português devia ser ensinado numa etapa, numa etapa posterior. os alunos deviam ir para a escola, aprender o crioulo, dominar o crioulo e depois fazia-se a introdução, com metodologia da de língua segunda, não é? como se tem hoje em dia, de forma a que pudessem fazer uma boa aprendizagem do português, não é? e que ao fim, quando terminassem o liceu, tivessem condições de usar, de usar esta língua como um instrumento, não é? para a vida deles, para a vida profissional, quando forem à universidade para fazerem consultas, mesmo no liceu, porque nós, no liceu… eu tenho ainda memória clara disso, as pessoas estudam pelos apontamentos, e os apontamentos não são textos, são definições que os professores dão, que os alunos são obrigados a… que os alunos decoram, e depois vão ao teste, o professor pergunta. o que é a amplitude térmica? , é a diferença entre a temperatura máxima e e... , mas mesmo que não entendem, a maior parte deles, o aluno nem quer… a maior parte das vezes o aluno nem está preocupado em entender o que está aí, está preocupado em decorar o conteúdo. daí que… daí que o resultado do nosso ensino não seja o que deveria ser, na minha óptica. porque temos os alunos com 12º ano, mas que eles continuam, desculpe ignorantes, não é? quer dizer fazem o 12º ano mas … saem dali mas não sabem nada, não é? porque não sabem articular o conhecimento da escola com a vida, não conseguem aplicar porque… + +Tendo aprendido o português nas escolas, o português seria usado para quê? + +a, mas é que se ele, se ele aprende o crioulo e depois aprende bem o português, ele pode até usar o português para conversar. porque ele tem um domínio inteiro do que está a dizer, não é? ele vai usar o português no que ele bem entender, no que ele bem entender. mas eu… essencialmente, eu acredito que essencialmente que ele vai optar por usar o português como… para ler, para buscar informação, para estudar, naquilo que o crioulo não, para complementar -como complemento do crioulo, não é? é o que eu acredito. + +(?) + +não, não. neste momento é o que eu defendo, não é? a o que acredito é que há necessidade… porque vai acontecer. neste momento eu defendo isso também, mas estou a dizer… aí estou a fazer um pouco de futurologia. é o que vai acontecer se o crioulo for introduzido na escola. o português é útil sim, porque vai servir de complemento, de complemento do crioulo, não é? ele vai buscar no português o que ele não tem no crioulo, e com o tempo, com o desenvolvimento do crioulo, e com mais bibliografia, certamente ele vai diminuindo o que ele vai buscar, nessa função de complementaridade, esse peso complementar do português vai diminuir, mas isso é futurologia. + +Muito bem. Diga-me uma coisa. Já se referiu a isso, mas eu vou retomar a questão para falarmos um pouco mais. Qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? + +acho que exprime melhor não, acho que exprime a cultura de Cabo Verde é o crioulo. português não exprime a cultura de Cabo Verde. + +Fale-me disso. + +((risos)) é é..., aquela mágica, a tal magia que eu disse que havia no crioulo. nós nascemos crescemos numa língua. nós temos de admitir uma coisa - é só admitir que o português é a língua oficial, não é? mas é uma língua por decreto. o português não é língua dos cabo-verdianos. pode vir a ser um dia, não sei, mas neste momento não é língua dos cabo-verdianos. não sendo língua dos cabo-verdianos, não é? uma língua que eles dominam, que eles conhecem, que… eu não vejo como exprimir a cultura, não é? como exprimir a cultura numa língua que não domina, que não domina. acho que a vida decorre-se em crioulo - não é? acho que esta frase é do Jorge Amado, se não estou em erro quando ele esteve em Cabo Verde. a vida decorre-se em crioulo quer dizer todas as manifestações culturais decorrem em crioulo, não é? desde as coisas mais simples até às mais complexas como … não sei se queria mais alguma coisa? + +Literatura... Estou a pensar em todas as manifestações culturais, literatura, teatro… + +nós temos uma literatura em português, tudo bem. nós temos uma literatura em português. acho que temos bons escritores, não é? mas são escritores que tiveram uma formação excelente, não é? foi em português, na língua portuguesa. na altura só gente dominava a língua portuguesa, gente muito culta, não é? muito erudita, e que a partir daí conseguiu produzir uma literatura com sabor cabo-verdiano na língua portuguesa. mas eu penso que essa mesma literatura podia ser produzida numa outra língua, não é? desde que o o... autor dominasse bem, não é? tivesse um grande domínio dessa língua e da cultura cabo-verdiana claro. eu penso que são dois factores, não é? essenciais para que isso aconteça. é o domínio, conhecer ou fazer parte da cultura cabo- verdiana, e também ter um domínio, um bom domínio da outra língua, e penso aí, que aí as coisas já flúem melhor, mas quando falamos no povo, da vivência do dia a dia… + +Admite a possibilidade de a morna, funaná…? + +há mornas em português, há mornas em português. eu não vejo um funaná em português. morna é mais lento … e com habilidade. há mornas bonitas em português, 10Maria Bárbara tem uma parte em português, e quando eu oiço Maria Bárbara eu esqueço que é o português que está aí, está bem concebido, está muito bem concebido. mas também não é cantado por um português, é cantado por um cabo-verdiano daí que soa mesmo a morna. mas isso são quase excentricidades. + +De qualquer modo, o que é que acha dessa possibilidade que os cabo- verdianos … vão utilizando ora o crioulo ora o português? + +é..., olhe… eu acho que as coisas seriam interessantes se as coisas fossem…se houvesse aquela tal democracia, houvesse igualdade de circunstâncias. todos pudessem aprender o crioulo, todos pudessem aprender o português, e que fosse exprimido numa língua ou outra de forma livre, sem condicionalismos psicológicos ou normas sociais, não é? podia ser interessante, podia ser um fenómeno interessante, mas sem imposições. nestas circunstâncias eu acho que português… não sei… acho que não tem muita chance de sobrevivência. e daí o medo. + +Como assim? + +daí o medo. eu acho que se o crioulo ganhar estatuto social, e também… e se ganhar dinâmica nas escolas, tiver bibliografia, dificilmente os alunos vão escolher o português em detrimento do crioulo, porque o crioulo é mais fácil, têm… o domínio é maior, e… eu não sei se… não é para não assustar as pessoas… mas eu acho que o português vai recuar com… vai recuar naturalmente com o avanço do crioulo. + +Recuar em que sentido? + +vai perder… vai perder terreno… e vai deixar de ser tão… vai deixar de impor… vai perder aquela imposição, que podia ser natural, não é? as pessoas não vão escolher tanto o português como se pode pode pensar. eu duvido que os alunos prefiram ter aulas de matemática, de história, em português do que em crioulo, não é? seria preciso fazer um… ter um sistema de ensino muito bom em crioulo para que os alunos tivessem uma um bom conhecimento, uma boa aprendizagem do português, para que o português ganhasse espaço. acho que até… vou lhe dizer uma coisa, acho até que para que o português ganhe espaço, o espaço pretendido pelos defensores e cultores do português em Cabo Verde, eles deviam incentivar o ensino em crioulo, porque se não houver ensino em crioulo, se o cabo-verdiano não conseguir distinguir onde é que começa… onde é que termina o crioulo e onde é que começa o português, ele nunca vai dominar o português. e pior ele está a deixar de dominar o crioulo também. + +Há bocado já me falou disso e também de certo modo agora … Como é que acha que os cabo-verdianos falam português, bem, mal, muito bem, à maneira dos portugueses? + +os cabo-verdianos ((risos)) isto é assim…estou a rir porque eu abro a televisão e ouço o culto do sotaque lisboeta, que até um culto que eu digo ridículo porque… não por ser lisboeta, mas porque cria ruído na comunicação. e às vezes tenho dificuldade em entender. o a... o que ela queria dizer? qual é a palavra, não é? porque em Cabo Verde nós aprendemos português embora falemos muito pouco, nas aulas. acho que hoje os alunos estão mais abertos, com a televisão, com as rádios, então com as novelas brasileiras e outros programas em português, as pessoas vão ganhando fluência e capacidade de expressão em português, então os alunos já são mais desinibidos que no meu tempo. + +Falam mais português? + +acho que sim. acho que os alunos estão mais à vontade, estão mais à vontade, principalmente as turmas como A B C D que são onde estão as classes… filhos das pessoas mais favorecidas no bom sentido. gente que tem apoio em casa-aquela coisa, mas para mim… perdi-me … + +Estava afalar da maneira como os cabo-verdianos falam português. + +ah! tudo bem. então o que há? há aquele culto de sotaque lisboeta… não sei… que eu acho desnecessário, na minha opinião, não é? desnecessário porque só cria ruído na comunicação. eu acho que o cabo-verdiano tem um sotaque, normal, que é um sotaque derivado da sua língua, não é? fala crioulo, quem fala inglês ou francês é normal que transporte um sotaque, não há essa necessidade de cultivar o modo de falar do Brasil ou coiso, não porque, não quer dizer que eu esteja a dizer que haja um português de Cabo Verde, não, eu não acho isso, não -- agora o cabo-verdiano deve falar naturalmente, deve falar naturalmente o português. mas quem domina o português ainda é uma classe, uma quantidade ainda pequena, já maior mas pequena das pessoas, nós ouvimos na rádio na televisão, que são circunstâncias que temos… de que as pessoas fazem mais, tem maior uso do português, e como dizem, o português do cabo-verdiano está 11lebi lebi. + +Eu só quero verificar se percebi bem. Portanto, para além do sotaque deveriam falar com… segundo o padrão europeu, exceptuando o sotaque ou o português de Cabo Verde? + +não, não. eu acho que não há um português de Cabo Verde. eu acho que devem abandonar o culto a qualquer um sotaque. mas digo… eu quando falo português… falo português, eu não vou atrás de sotaque nenhum, eu vou mais ou menos por aquilo que está escrito, a forma que eu aprendi a ler, não é? e faço uma leitura mais ou menos de acordo com aquilo que eu entendo, não vou atrás de sotaque. eu tenho o meu sotaque. + +Então. Pondo de lado o sotaque (?) + +o sotaque acho que não é língua, é outra coisa. europeu, de Brasil, Angola, eu acho que o cabo-verdiano tem uma coisa interessante, tem dado a conhecer um pouco o português de Portugal – e também do Brasil. eu acho que acaba misturando um pouco, não é? fala mais para Portugal, não é? até porque o português de Portugal tem mais prestígio, está a ganhar neste momento em Cabo Verde o do Brasil, mas eu acho que quando falamos português metemos muita coisa do Brasil por causa das influências. + +Isso não seria uma forma própria de os cabo-verdianos falarem o português,portanto não seria assim o português de Cabo Verde? + +isso… isso pode vir a transformar num português de Cabo Verde. se amanhã vier a aparecer um português de Cabo Verde, acho que este português de Cabo Verde vai ter um componente… para além das influências do crioulo, não é? se nós assumirmos isso sem complexos, teria teria influências do Brasil e de Portugal. + +O que é que acha disso, dessapossibilidade? + +eu acho que as pessoas normalmente adoptam aquilo que… que lhes servem melhor, não é? eu penso que se surgir essa possibilidade é porque é a fórmula que serve melhor o cabo-verdiano para se exprimir, não é? porque vejamos uma coisa, o português de Portugal é difícil de pronunciar, o do Brasil tem uma forma mais fácil de exprimir, até mais parecida com o crioulo do que o português de Portugal, daí que talvez as pessoas recorram… + +Mas para si, essa maneira dos cabo-verdianos falarem o português, envolvendo uma mistura de Portugal com Brasil é bom, é mau,é desejável? + +Vamos ver … + +O que pensa disso? + +eu não estou preocupado com a língua portuguesa ((risos)) a sério, se é bom, se é mau. eu já disse, eu acho que nem é bom nem é mau. é a forma que encontraram, de acordo com a necessidade, é a fórmula que lhes servem melhor -- e se realmente o português é português no Brasil e é português em Portugal, então essa fórmula, não é? não vejo mal nenhum nessa fórmula, não vejo mal nenhum nessa fórmula. mas é, pronto, se vier a surgir um português em Cabo Verde, talvez seja isso, com a influencia dessas três… do crioulo, da variante de Brasil e de Portugal, não é? + +Eu não tenho mais questões. Mas se quiser acrescentar algum comentário, alguma questão que eu não tenha… + +não, só há uma coisa que eu queria dizer, não sei se interessa para o… para aquilo que quer… mas é o seguinte. há um fenómeno interessante que acontece em… interessante e desinteressante ao mesmo tempo, que acontece, que é o ensino, o ensino decorre numa língua, e a vida, o quotidiano decore noutra língua. e há uma tendência para quando o aluno sair do liceu ficar … deixar ficar o conteúdo, não é? juntamente com a língua. sai do liceu ou sai das aulas, sai das aulas e deixa o conteúdo juntamente com a língua, não é? isso é mau porque ele não consegue transpor cá, para a sociedade … para a sociedade… valor… certos valores e conhecimentos que serão extremamente úteis para o desenvolvimento social, e ele não consegue articular esses conhecimentos porque ele não assimila, na minha óptica ele não assimila nem a língua nem os conteúdos, por conseguinte nem os conteúdos transitam para a sociedade. só a partir de um determinado nível, não? é que isso começa a acontecer. isso explica muito coisa que não vou comentar, pelo menos por agora. + +Não. Esteja àvontade… + +Não quero comentar isso, isso é um assunto que a gente pode falar mais tarde. + +Estábem. Muito obrigada X, mais uma vez. 1Jornal mensal em crioulo de que foram editados 2 ou 3 números 2Professor do ensino secundário 3Reputado poeta cabo-verdiano com mais de 70 anos. 4Instituto Cabo-Verdiano do Livro e do Disco, já extinto 5Falecido professor do ensino secundário que escreveu vários artigos nos jornais sobre a LCV 6Parte central, histórica, da cidade da Praia. 7Nome genérico para as bebidas em LCV, usado, por exemplo, em “tomar um cleps”, ou seja, tomar um “drink”; posteriormente esta palavra foi transferida para a cerveja de preesão 8Linguista cabo-verdiana 9Disciplina curricular do Ensino Secundário 10Título de uma morna 11Tradução para português, bastante leve" +INF12.wav,"Dr. X, muito obrigada por ter podido participar comigo nesta conversa. A minha primeira questão tem a ver com o seguinte, quando aprendeu a falar, aprendeu o crioulo, o português, os dois? + +e... eu só comecei a ter contacto com o português, quando fui para a escola para a primeira classe. e eu tinha uma grande dificuldade, porque de uma maneira geral, a gente fala a língua da casa, a língua de brincadeira, e quando chega a escola já não sente à vontade nem para responder as coisas que sabe, nem para brincar, ou nem para comentar… falar qualquer coisa com a professora porque não domina o português. foi aí o meu primeiro contacto, na primeira classe. + +mas dantes, digamos, não tinha mesmo ouvido o português, em nenhuma circunstância? + +isso… nós…nós ouvíamos, porque… eu sou de uma geração em que as pessoas mais velhas, os funcionários falavam português. eu tinha vizinhos, tinha vizinhas que… pessoas com um certo estatuto, eu tinha um vizinho que falava português com os filhos, portanto, eu ouvia, mas responder… + +E na comunicaçãosocial…? + +na comunicação social… eu não me lembro, porque em casa nós não tínhamos rádio… + +Na igreja…? + +nessa altura eu não frequentava igreja, não tinha nenhum contacto, nenhum contacto com o português. + +E actualmente em casa, com os seus familiares, e com os seus amigos e colegas, utiliza o crioulo ou o português? + +eu acho que eu estou numa fase de bilinguismo, com a minha mulher… portanto com a minha actual família, mulher e filha que são portuguesas, e os familiares, eu falo português. com os meus filhos do primeiro casamento que são cabo-verdianos, eu falo o cabo-verdiano. com a diferença… com o mais velho, eu falo a variante de São Vicente, e com o outro eu falo a variante de Santiago, apesar de ambos serem de Santiago. não sei bem porquê, nem sei explicar, a partir de uma determinada altura é que eu comecei a tomar consciência de que eu faço essa diferença ao falar. com os colegas, normalmente eu falo… o… a língua cabo-verdiana. nas relações de trabalho falo o português, e para as pessoas que eu sei que normalmente falam português eu falo português, mas sem qualquer preocupação de que eu vou falar português com esta pessoa ou o cabo-verdiano . + +Diga-me, como considera ser a sua proficiência geral em português, em crioulo, em termos não só do falar, mas também do ler e escrever? + +hoje… eu acho que eu caminho para um bilinguismo quase perfeito. com toda a influência de de da minha família… e preocupei-me, sobretudo em tomar consciência de como… da gramática explicita da língua cabo-verdiana. vivendo fora, comparando sobretudo com o português e tomando consciência que muito do cabo-verdiano, é o português arcaico. e às vezes achava que… havia determinados vocábulos, que eu achava que eram essencialmente cabo-verdianos - confrontando com minha mulher, mas isso é português, fala-se nas beiras - portanto eu acho que eu estou nesta situação. + +Lê e escreve crioulo? + +sim, perfeitamente! perfeitamente! + +Como é que… em qual deles, em português ou em crioulo, acha que exprime melhor as suas ideias? + +eh... por causa da instrução toda feita em língua portuguesa, eu exprimo… quando tenho algum assunto para tratar, mais científico, expressar coisas que eu considero mais do fórum intelectual, é essencialmente em português. + +Portanto, depende do assunto…? + +sim, sim. + +O português ou o crioulo…? + +sim, sim. sim/ + +E como é que se sente quando fala o português e quando fala o crioulo? Mais ou menos à vontade, com mais ou menos preocupação de errar, ou não pensa…? + +não, não. não penso. sobretudo cá em Cabo Verde e pelas funções. eu fazia questão de em situações formais falar sempre em português, pelas funções. mas… eu… para as circunstancias, eu não tenho problemas em português ou crioulo. + +Eem crioulo, falar, ler ou escrever, qual é que se sente mais àvontade? + +eu sinto mais à vontade ao falar, porque a escrita ainda há essa questão que na minha cabeça não está resolvida, que é a grafia de… ou segundo o sistema português etimológico ou a proposta de alfabeto ALUPEC. nessa… eu tenho alguma resistência, mas eu acho que não é tanta dificuldade da escrita, é mais sociolinguístico, propriamente dito. porque eu tenho alguma alguma resistência nesse sentido, de… como dá algum trabalho, eu tenho que me concentrar mais, e por falta de prática, então não dou muita atenção, e então eu prefiro o português, e ao falar… e em relação à língua cabo-verdiana eu prefiro em termos da fala, do que propriamente a escrita. + +Consegueexplicitar assuas resistências ao ALUPEC ou…? + +sim. primeira coisa, fica um bocado difícil… a questão das regras. comecei por estudar o fonético-fonológico, agora… ainda não tenho consolidado a nova proposta que é a mistura das duas, e depois há a questão de EU ACHAR que, se nós temos, se a língua cabo-verdiana é uma língua neolatina, nós devíamos manter, em termos da própria história da língua, a evolução da língua - manter a nossa ligação com o etimológico. essa de… introdução de… portanto essa visão mais do fonético-fonológico, ou agora dessa proposta, e... eu acho que perde, essa proposta vem reconciliar um pouco… a actual, mas perde essa questão, porque eu preocupo-me com a história das palavras, querer perceber a etimologia… entender… deve ser também a deformação da formação. + +Entendo. Depois deste… Vou-lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversa, fora do seu círculo familiar, no exercício das suas diferentes actividades, e me definisse o perfil dessas pessoas, em termos de idade, sexo, grupo, extracto social… + +ah..., vou dar… primeiro… + +Diga-me se fala crioulo ou português com essas pessoas… + +só que eu tenho mais convivência fora do serviço, no serviço só falo português. fora… a família… a família… a minha irmã… sobrinhas…eu falo… + +Eu preferia fora do seu círculo familiar. + +a... fora do círculo familiar… os amigos cá de Praia já… os amigos da Praia são gente de há vários anos, e nós nos relacionamos sempre em crioulo de Santiago. e um grande amigo e defensor acérrimo da posição do crioulo é o X (INF 9). falamos bastante e falamos em crioulo de Santiago. ele deve estar na faixa dos 58 anos, é licenciado, investigador… nós conhecemos o X… este é uma das pessoas… + +Fala com ele em crioulo? + +em crioulo, de tudo, de tudo. desde as questões culturais… os livros, ele dá-me sempre os livros, eu tenho alguma, alguma falta de disposição para ler os livros dele, em termos da escrita, principalmente quando era só… era só… fonético-fonológico. há pessoas de outro relacionamento, do tempo de São Vicente… + +Com essa pessoa encontra-se em que circunstâncias? + +informais. normalmente é informais. ou passo no gabinete dele ou ele vai lá a minha casa com alguma regularidade. pessoas desse… desse nível que eu conheço, nós fomos colegas de estudo cá na Praia, eu falo razoavelmente bem o crioulo de Santiago. há pessoas que eu tenho amizade do tempo de São Vicente, também é gente com nível de formação superior e falo com essas pessoas crioulo de São Vicente. eu sei que faço essa divisão, se é gente de Santiago que eu tenho um relacionamento, eu só … eu falo o crioulo de Santiago -portanto a variante de Santiago… + +Sobre que assuntos? + +de tudo. de uma maneira geral eu não falo português. prontos, é esta que é a questão! de uma maneira geral não falo português. sobretudo porque… quando uma pessoa vive fora, tem essa necessidade de falar, eu falo pouco, porque em casa, com a minha família, que por acaso não esta cá agora, em casa com a minha família eu só falo português. portanto, saindo de casa, com as pessoas eu só falo o crioulo. em algumas circunstâncias, eu falo o português com pessoas que eu não conheço nas repartições, mas respondem-me sempre em crioulo, insisto um pouco, mas depois eu entro nisso e também falo o crioulo. + +Essas pessoas com quem… Para além das repartições e fora do seu círculo familiar, com que tipo de pessoas usa habitualmente o português? + +as pessoas mais velhas que eu tenho uma relação mais formal. por exemplo eu nunca falo, nunca digo nada ao X ((Inf. 7)) em crioulo. mas quando eu vou ao à biblioteca, mesmo para falar de livros e publicações, com o presidente, eu falo o crioulo, e a variante de São Vicente. já nós éramos amigos antes, temos essa relação da proximidade. as pessoas mais velhas que eu já sei que tradicionalmente falam português. há pessoas que às vezes, começamos… depende… as pessoas que normalmente têm a prática e falam português, o primeiro contacto é em português e depois passamos para o crioulo e depois eu vejo que a pessoa insiste em português e contínuo. + +Alguma razão para mudar de crioulo para português ou de português para crioulo, em função do assunto, chegada de alguém? + +chegada de alguém para poder acompanhar a conversa, porque eu noto que nós cabo-verdianos, fazemos um certo gueto em termos da nossa cultura e língua esquecendo que há outras pessoas que não falam o cabo-verdiano. depende do círculo, e então eu mudo de registo, se chega… e se eu estou a falar… se estamos a conversar de uma determinada coisa, chega uma pessoa, uma terceira pessoa que só fala português ou se é mesmo português, então eu mudo para o português. + +E em termos de uma autoridade, alguma entidade, distingue… leva a mudança do crioulo para o português ou vice-versa? + +a questão é a seguinte. as pessoas que estão nessas funções, ministros… que são gente conhecida, normalmente eu espero uma primeira reacção e como sou eu … quando sou eu a tomar a iniciativa, dependendo do relacionamento eu começo em português ou em cabo-verdiano, e eu espero ver a reacção da pessoa, e aí fica tacitamente definido qual é a língua em que vamos conversar ou que vamos tratar. se está na… em funções, está no gabinete, eu aí já me dirijo em português, ali é uma coisa mental, deve ser da questão da autoridade, da formalidade, e depois a gente fala… + +Fale-me desse relacionamento… disse que o relacionamento impõe que a conversa seja em português ou crioulo... + +por exemplo… com… nunca fui muito próximo, apesar de nos conhecermos, era uma situação um tanto ou quanto de uma certa hierarquia na igreja… a ministra de []. eu não falo com a ministra de [] em crioulo, por exemplo, não é? mas eu… eu só falo o crioulo com o ministro de [ ], mesmo quando é assunto de trabalho, só falamos crioulo porque nós vivemos juntos na mesma casa, temos um relacionamento de há muito tempo. então dependendo… + +Disse-me que fala crioulo de Santiago, o crioulo de barlavento, de São Vicente. Quando viaja para as outras ilhas como é que percebe… ou quando contacta com pessoas…? + +há uma coisa que é, se é para ilha de barlavento ou gente de barlavento eu uso o crioulo de São Vicente. se é para ilha de sotavento, gente de sotavento, eu uso o de Santiago. mas eu gosto muito de brincar, e às vezes as pessoas baralham porque eu misturo muito com… eu não faço muito bem a diferença entre Boavista e São Nicolau, então eu tenho alguma influência, eu falo alguma…eu falo o crioulo da Boavista um bocado, por brincadeira, e as pessoas acham piada e gostam. mas de uma maneira geral eu faço essa divisão por região. + +E como é que é a compreensão do crioulo de Santiago com pessoas das outras ilhas que não Santiago…? + +por exemplo do Maio, Fogo e Brava… eu não tenho tido problema nenhum, e também procuro adaptar-me por causa da vivência. tenho na família… tive… tive na família gente da Brava, a minha primeira mulher é de ascendência da Brava. procuro também falar, para as pessoas sentirem valorizadas e mais próximas falando as suas variantes, as pessoas apreciam, então eu faço, isso é uma coisa que procuro fazer mais conscientemente. + +Crioulo ou português… em função de assunto, faz alguma diferença? + +faz, faz. quando é um assunto mais elaborado, científico, que é mais académico – digamos assim, eu falo português em vez de crioulo, porque senão o meu crioulo fica um bocado tradução de … daquilo que penso em português. + +Porquê é que acha que isso acontece? + +eu acho que é o nível da escolaridade também, a prática também. não é… não é que os mesmos conceitos não possam ser passados em crioulo, em crioulo. eu tenho mais facilidade e não tenho feito esse esforço porque a pessoa com quem vou falar esse assunto percebe. então como já sei que há um entendimento, eu não faço nenhum esforço, mas se eu tiver de falar com as pessoas que têm outro nível, eu baixo o nível. então já não uso esta linguagem e já não há necessidade de usar o português. + +Dr X, vou retomar a questão do uso do crioulo e do português para precisar algumas questões. Já me disse, há bocado, que basicamente usa o crioulo, o português em alguns lugares, alguns contextos. Gostaria que especificasse um pouco mais detalhadamente… + +primeira coisa, só para questão da entrevista… que eu acho que não é preciso… mas só para questão da entrevista, eu sou de… o meu crioulo materno é de São Vivente, o meu pai é de Santiago, eu vivi cá e fiz alguns anos de escolaridade cá em Santiago, e vivi no Santiago, e no interior do Santiago, Santa Catarina e Tarrafal, depois é que eu vim para Praia, desde a altura da independência. portanto a esta altura se eu for contabilizar o dia-a-dia, eu falo mais o crioulo de Santiago que o crioulo de São Vicente. quando tenho necessidade de ter uma intervenção pública, como há tempos houve um programa que é feito em crioulo, eu fiz questão de falar o meu crioulo materno. o meu entrevistador, o 1F1, falava em crioulo de Santiago, e eu fiz questão de falar em crioulo de São Vicente. fazer questão porque se ele está a falar o crioulo dele eu não vou falar o crioulo dele, eu falo o meu crioulo, porque de facto o meu é este apesar de eu falar o outro. mas a pergunta era sobre…? + +Sobre conversar com a vizinhança, no mercado, lojas, repartições publicas, eventos oficiais… + +eventos oficiais …. + +Falantes de outras… + +eventos oficiais eu falo o português, eu falo o português. usei há tempos uma expressão, que fico escandalizado a... ver nos estabelecimentos de ensino, sobretudo de formação de professores, falar em língua cabo-verdiana. não, não, não consigo e não concebo fazer uma palestra para estudantes, onde há professores também, fazer isso em crioulo. o português está tão mal tratado e o domínio é tão deficiente, que eu acho que qualquer oportunidade que a gente tem de ajudar a consolidar… não há problemas em termos de língua cabo-verdiana, é uma questão de identidade usar isso, e fazemos questão. mas em termos de domínio… e de língua de escolaridade e para a continuação em termos de leitura e tudo isso… é tudo em português, então eu faço questão que seja… e não concebo isso. a minha relação com… com os estudantes, muitas vezes é porque é uma relação de hierarquia, então usa-se o português, mas não é isso, eu acho que a língua que deve ser utilizada é a língua da escolaridade, e se a língua da escolaridade é o português, então eu falo português, até porquê como eles têm poucas oportunidades de falar, no dia-a-dia, em casa, com os colegas, aquele espaço, eu considero que é um espaço da língua portuguesa. não um espaço da língua cabo-verdiana, o espaço da língua cabo-verdiana é capaz de ser noventa por cento, então aqueles dez fica reservado ao português para ajudar precisamente isso. em termos oficiais, normalmente eu faço… a não ser que venha haver… ou que haja alguma questão do nível das pessoas para alguma actividade. eu estou-me a lembrar… houve uma actividade comemorativa de aniversário da independência da Guiné-Bissau, eu fiz a apresentação que eu tinha que fazer, em nome da CPLP, em português. terminado isso nós falamos todo o tempo, eu a falar o crioulo do Santiago e eles a falar o crioulo de Guiné-Bissau --quando é questão oficial… eeu sinto mais à vontade também… há isso. + +E para rezar orar, namorar, exprimir os seus sentimentos… é em crioulo ou em português? + +bom, hoje em dia… eu tenho que confessar que eu não oro. mas a tradição da igreja, do nazareno, tudo isso, é o português. eventualmente eu penso em português, eu… quando é… não sei se é correcto… sonhar em português, mas tenho muita essa influência. mas em termos de amor, como a minha mulher é portuguesa… ((risos)) mas eu exprimo-me melhor em termos de sentimentos é em crioulo, é o afecto, a emoção. quando passa pelo intelecto pela razão é o português. agora com a minha mulher eu tenho de fazer este esforço, apesar dela perceber. hoje já… já usamos uma linguagem que é mista, estas questões mais afectivas ela pode não usar, mas eu uso, mais da emoção. + +Pense nesta última semana. Usou mais o crioulo ou mais o português? + +eu… mais o crioulo. o… é que.. a não ser que… é a situação normal usar mais o crioulo. a não ser que eu tenha actividades profissionais que me obriguem a isso, o que não foi o caso, mas de uma maneira geral… + +Porque é que acha que isso acontece, usar mais o crioulo que o português? + +a informalidade do relacionamento com as pessoas. penso que é sobretudo isto, a informalidade. ou o nível, que é… pessoas das lojas… mesmo das repartições porque eu acho que eles não dominam muito bem o português e por isso falam em crioulo. eu acho que é isso essencialmente. + +Alguma circunstância ou circunstâncias em que falou crioulo, mas teria preferido falar português ou vice-versa? + +só em circunstâncias de eu me dirigir a uma pessoa em crioulo e ele responder-me em português. + +Aí? + +aí há uma reacção. porque... eu esperava que era um tanto quanto informal por causa do relacionamento ou proximidade, que houvesse uma retribuição do mesmo nível, e acabo por sentir que é um nível superior. não é questão da língua, é porque o português é usado mesmo para mostrar isso, pôr distância, mostrar um domínio da superioridade, então nessa… + +Acha que o português é usado para exprimir superioridade? + +às vezes sim, com os funcionários, às vezes sim. não como regra, eu tenho consciência disso, eu usava… + +E no seu trabalho, é isso? + +sim. por exemplo, com o motorista, e a encarregada de limpeza, como eu sei que não dominam muito bem o português, às vezes começam em português e passam para o crioulo, com eles a regra é outra. portanto… com os outros funcionários, também tenho como chefe de secretaria uma antiga professora, velha guarda da administração pública, apesar do relacionamento próximo de amizade de há muitos anos, ela sempre fala português e eu sempre falo português. e no serviço, por causa destas funções também eu acho… a tendência da outra funcionaria é falar o crioulo, mas eu falo sempre o português. + +Onde é que habitualmente ouve o crioulo, para além da rua? Estou a pensar noutros eventos, noutros espaços que não seja a rua, mercado… Ouve o crioulo em outros espaços? + +fora disso… eh... estou-me a lembrar sobretudo na televisão… + +Crioulo… estou a falar do crioulo. + +sim, sim. na televisão, que tem dois programas em crioulo. por regra eu não estou em casa na hora da rádio, por regra não oiço rádio, só oiço noticiários. mas eu sei que há rádio em crioulo, mas eu não gosto, não é por ser em crioulo, eu não gosto pelo tipo de música--então… + +Rádio FM…? + +sim, sim. a Rádio Praia FM. então por acaso eu quando oiço… que é… passa muito na rádio em termos de crioulo e não oiço. mas não é qualquer resistência, é pelo tipo de música. e o noticiário eu oiço em português, que é a Rádio Nacional ou a Rádio Comercial. é nessas circunstâncias que essencialmente ouço… com amigos, colegas. o português é como… como eu disse. + +Que tipo de assuntos é que ouve a serem tratados no crioulo? + +normalmente não são assuntos considerados complexos, não são intelectuais. por exemplo, numa apresentação de um livro, só se o livro for em crioulo. mas mesmo sendo o livro em crioulo, o apresentador algumas vezes ou muitas vezes apresenta em português. só nessas circunstâncias. + +Há bocado disse-me que lia o crioulo. O que é que habitualmente lê em crioulo? + +não, não os artigos que saem nos jornais. há uma resistência, estou a dizer… + +Qual é o material de leitura que tem lido em crioulo? + +a poesia. porque não existe de facto em termos de livros publicados… e esses que existem, como têm essa mistura em termos da grafia, ou fonético fonológico ou ALUPEC, há uma resistência. eu tenho livros, mas não leio. mas como não há muito escrito em português, crioulo, só os que mais… sobretudo os que eu tenho necessidade em termos de trabalho, antes da independência etc., eu não tenho encontrado assim muito… por exemplo, a tradução que foi feito do evangelho de Lucas para o crioulo, o 2F2 participou, ofereceu-me um exemplar, eu não passei da primeira página, porque eu tenho de estar… exige-me mais esforço de concentração, só por isso. mas não é nenhum preconceito, é essa de de resistência, que eu tenho de ultrapassar, porque é preciso prática. + +Romances em crioulo… assim… tem lido alguma coisa? + +não. eu li na altura quando foi publicado, isto é, há 20 anos, o Oju D'Agu. eu não li por exemplo, o romance que é recente do Eutrópio Lima da Cruz. quando há livros escritos em crioulo eu compro, ponho lá, mais ou menos à espera de, algum dia que eu tiver tempo, calma, paciência para ler. + +Já leu alguma coisa em crioulo que gostaria de ter lido em português e vice-versa, escrito em português que teria preferido que fosse escrito em crioulo? + +assim não me lembro. quando há traduções, quando é apresentado… eu cheguei a fazer isso também… quando é apresentado originalmente em crioulo e traduzido para português eu acho que sempre… que perde. é extremamente difícil fazer essa essa mudança. se está escrito em crioulo, eu não tenho dificuldade para além dessa resistência, dificuldade de leitura, eu prefiro ser em cabo-verdiano que em português. porque deforma sempre a tradução… o tradutor… mas de uma maneira geral, não! eu preferia… ah!, por exemplo, quem escreve e publica em crioulo, eu não gostava de ver o que eles escrevem em português, eu não gostava, porque eu acho que… que… não é dizer que não dominam bem o português, mas eu acho que não têm a mesma facilidade e à vontade para fazer isso em português, e é por isso que fazem em crioulo. + +E o inverso, há alguma coisa em português… + +que eu gostava de ver em crioulo? + +Sim. + +o cabo-verdiano de uma maneira geral, por uma questão de identidade não se expressa… em português quando tem um instrumento do crioulo, mesmo mesmo gente como o X ((INF7), tivemos a conversar há dias, sobre a língua cabo-verdiana, a posição dele, que ele manifestou ao ministro da cultura, terminou em crioulo com uma expressão do Fogo. eu achei curioso, porque ele é um homem que… que eu saiba não fala crioulo, em nenhuma circunstância. mas ele usou isso, eu achei, com propriedade. fica completamente diferente, completamente diferente, e traduzido não dava! + +E os assuntos… que esse material que tem lido em crioulo trata, tipicamente…? + +não é nada científico, é essencialmente ou ficção ou poesia. + +Passando à escrita… já me disse que escreve em crioulo. O que é que escreve em crioulo, que tipos de texto escreve em…? + +não, é mais… é mais… hoje em dia usamos muito, em termos de MSN com os filhos. mas como também sei que eles dominam bem o português eu passo… mas é mais coisas curtas. a nossa amiga, 3F3, que domina muitíssimo bem e faz questão de falar e escrever bem o crioulo, mas também ela vive nos Estados Unidos, que é um outro meio, eu respondo-lhe em português porque eu estou mais à vontade, e é mais depressa. então a velocidade do dia-a-dia, exige que a pessoa domine bem a língua em que está a escrever para despachar em termos da mensagem, essa é a razão. mas na Internet… MSN… eu falo… e há uma situação curiosa, com o meu filho que teve menos escolaridade em português, nos Estados Unidos, eu também não escrevo em crioulo porque eu acho que para ele é tanto esforço ler em português como ler em crioulo, então para mim é mais cómodo. ele ele responde-me em inglês, isso é outra coisa, mas eu falo em português. eu uso muito pouco muito pouco a escrita em crioulo -é mais para situações pontuais, e curto! + +Certo. Existem textos que escreve em português, mas gostaria de ter à vontade e poder escrevê-los em crioulo? + +ainda não senti… não senti essa necessidade, porque… eh... não sou um escritor no sentido de escrever ficção ou escrever poesia. mas é sobretudo textos ou da área da da literatura ou alguma coisa em termos de da cultura, e eu faço isso em português. + +E não sente necessidade? + +não, não, não. e se houver necessidade de alguma coisa… que também penso que passa… o que eu escrevo não seria escrito por um português. a pessoa percebe que quem escreve isso… é um português que tem expressões ou construção que não é o português clássico, vamos dizer assim, isto percebe, se, -e eu faço isto, de uma certa forma consciente, de uma certa forma consciente. + +Qual é o tipo de escrita que adopta quando escreve o crioulo? + +não… crioulo eu não… de uma maneira geral não uso. eu tenho dificuldades em pensar em português, porque tenho influencia, e depois escrever isso em crioulo. eventualmente poderei é escrever em português e depois falar com base nesse texto em português, em crioulo, eventualmente isso é que poderá acontecer. mas há di… eu tomei consciência nesse programa, que eu falei, que eu disse que eu falei, quando me fui ouvir, o meu crioulo hoje está muito eruditizado, erudito, por causa da minha influência do uso do português, da escolaridade. uma amiga brasileira disse-me, eu não percebi muito bem tudo o que o entrevistador disse, mas eu percebi perfeitamente o que tu disseste - e eu disse, claro! para além de ser a variante de São Vicente, estava carregado de português, deu para perceber. eu tenho essa consciência. quando falo o crioulo de Santiago não tenho tanta mistura, tanta … mas como é crioulo de São Vicente, fica muito mais próximo, e o meu crioulo fica assim. + +Nesses momentos em que usa o crioulo na escrita sente alguma dificuldade? + +eu tenho sim, eu tenho porque como não tenho interiorizado as regras, há hesitações, mas eu tenho alguma dificuldade…também é uma razão porque não uso… + +Como é que escreve então…? + +procuro… procuro fazer o ALUPEC e uma mistura, portanto o etimológico mais … coiso… eu uso… que já não é o fonético-fonológico. mas eu procuro… eu fiz alguma traduções para o meu trabalho que estava em português para se poder perceber, mas está nessa do ALUPEC, mas é um … são coisas pontuais (?), quando houve necessidade de fazer tradução… do Fogo… por exemplo, o 4Kurkutisan, eu tinha pedido à 5F4 e ao próprio 6Dr. Teixeira de Sousa, porque são falantes nativos, e Dr. Teixeira de Sousa porque tinha sido o autor e fez-me essa essa tradução, vamos dizer assim, essa passagem para o português. eu não faço isso, eu… coisas pontuais, mas eu procuro seguir o ALUPEC (?), porque concilia as posições e dá alguma oportunidade em termos da compreensão, mas isso é só porque… como eu defendo a questão da identidade e eu acho que é uma coisa fundamental em termos da nossa identidade - quando tenho que fazer qualquer coisa… de apresentar… isso então apresento. mas não faço isso como uma coisa sistemática. + +Há bocado falamos da mudança do crioulo para português, e do português para o crioulo em função da chegada de uma pessoa por exemplo. E em função do assunto, a mudança de assunto implica…? + +eu não tenho consciência. o que eu acho é que pode é ficar num crioulo com muito mais termos em português… + +Conceitos…? + +conceitos… + +Quando está a abordar que tipo de assuntos? + +eu não queria dizer assuntos mais técnicos, de nível mais intelectual. com a as pessoas… começa a falar em crioulo e… porque também sei que a pessoa domina isso, então mantenho o registo de crioulo, mas é um crioulo muito… muito aportuguesado por causa dos termos, nesse sentido. + +Sim senhor. O que é que pensa do crioulo, o que é que acha do crioulo? + +é fundamental para o cabo-verdiano como a questão da nossa identidade. sem isso não seríamos o que nós somos, mas essa pergunta…? + +A relação que estabelece entre o ser cabo-verdiano e usar o crioulo. Gostaria que me falasse um pouquinho… + +eu falo do crioulo em termos de identidade, da mesma forma que também falo do português, como uma questão de identidade. sendo nós… + +Do crioulo e do português? + +do português. sendo nós… tendo nós uma cultura compósita de toda a influencia europeia, portuguesa e africana, e depois elaboramos a nossa cultura e a nossa língua, isto é nosso, tem as duas componentes. valorizar uma sem valorizar a outra, nós ficamos numa situação de desequilíbrio, precisamos ter isso, para termos um equilíbrio. o que tem havido, e que teve uma certa reacção, é… a língua cabo-verdiana resistiu até agora… por uma questão da nossa identidade, uma questão cultural, não é, não é um decreto que vai alterar isso, que vai preservar, o crioulo não está em perigo. eu penso que o que está de facto em perigo é o português, essa que é a questão. não é que não se deva valorizar, e em termos da escrita, a oficialização, já devia ser. mas ao mesmo tempo, valorizar o português, porque o português é que é a língua que nos pode pôr em comunicação com duzentos… incluindo os cabo-verdianos, duzentos e vinte milhões de habitantes, de falantes, vamos dizer assim, enquanto que a língua cabo-verdiana é mais interno, nosso, no sentido dos cabo-verdianos que estão c�� e da diáspora. eu entendo, por exemplo que os cabo-verdianos da segunda e terceira geração precisam da língua cabo-verdiana para se comunicar com outros cabo-verdianos. portanto, esta é a nossa língua, e o português também é nosso! é nossa língua! podemos hoje trabalhar isso, sobretudo porque nós somos ilhas, nós somos uma população reduzida, nós ainda não temos universidade, temos instituições superiores, mas não temos universidade, e muitos que estudam fora, quando chegam em Portugal, aonde temos o grosso de estudantes, ou no Brasil, têm dificuldade. mas isto já é falar com quem sabe melhor que eu, em termos da didáctica, em termos dos resultados a nível de ensino, o sucesso seria maior se dominassem o português, porque é preciso a língua, o domínio do português para as outras disciplinas, se você não compreender o texto, ou… que… a solicitação da pergunta, não consegue explicar isso em matemática, filosofia ou qualquer outra coisa, podes falar e enfim explicar em crioulo, mas isto é tudo feito em termos de pergunta de um texto, e a nossa comunicação no exterior. portanto, a minha posição é, o crioulo é nosso sim, vamos preservá-lo, vamos valorizá-lo cada vez mais, mas isso não quer dizer que vamos dar como adquirido o português, ou que é a língua do colonizador, já foi! nós somos todos condóminos hoje em dia em termos de português, portanto eu ponho isto no mesmo pé de igualdade, neste… + +E o crioulo, em si? + +não, eu estou a falar é da língua de Cabo Verde como o crioulo em si, que eu defendo, que isto é nosso, é nossa identidade, defender… defendendo também o português. + +E do crioulo enquanto código, enquanto sistema … há pessoas que acham que ele ainda não tem qualidade… + +ah! não, não, não é nesse sentido. tem havido estudos precisamente para provar… as pessoas, a maior parte das pessoas não tem consciência da gramática explícita da língua, (?) é uma língua que não tem gramática, se não tem gramática, não é língua. não é nesse sentido, eu sei que não é verdade, é preciso continuar a fazer isso. o que tem ficado… é que começou uma posição nacionalista, fechada, um tanto quanto chauvinista, posições radicais, e então há resistência hoje em termos de aceitar isso. e é um número muito reduzido de linguistas, e sobretudo que fazem investigação da língua africana. então é uma ou outra pessoa. [] e quando houver mais gente a estudar e outras pessoase tal - então eu acho que isto… com o tempo… é uma situação… e como mexe também com variantes, as pessoas ainda não perceberam que quando se fala do crioulo ou a língua cabo-verdiana não se está a falar das variantes em termos de socialização. eu estou (?), mas se eu sou do Barlavento fica este bairrismo de dizer, mas não vai ser o crioulo do Santiago, tem de ser o meu crioulo, ou ao contrário, com alguma resistência, é mais por causa disto. + +O que é que pensa desta questão das variantes? As pessoas discutem qual é o verdadeiro crioulo. O que éque pensa…? + +eu… eu acho que esta questão… os argumentos que são apresentados em termos de argumentos linguísticos são sobretudo argumentos políticos, são extra linguísticos, de que a maior parte, mais de metade da população reside no interior de Santiago, que o crioulo o crioulo do Santiago é mais próximo das línguas africanas, isto pode ser eventualmente linguístico, mas há questão de cada um querer usar a língua que o identifica, o que nos faz… nesta diversidade o que nos faz um povo único… portanto, nesta homogeneidade da cultura e da língua cabo-verdiana, nós temos essa… nossa diversidade das variantes. e dentro das variantes, o crioulo do interior de Santiago não é o crioulo da Praia, portanto há essas diferenças, é a mesma coisa em português. mas eu acho que esta é uma questão que não devia ser discutida, da variante. isto é uma coisa secundária, mas é a questão da língua em si, no todo, mas mistura-se o todo por estas partes que são a especificidade das variantes. se eu for a São Vicente numa função oficial e ter de falar o crioulo, é lógico que eu vou é falar o crioulo de são Vicente, porque eu falo o crioulo de São Vicente! mas se eu sou de Santiago, eu não vou macaquear o crioulo de São Vicente, fica horrível, ridículo! eu não consigo imaginar uma pessoa, um político, devo dizer que acontece mais com essas pessoas que são de Santiago e que estão em São Vicente, para agradar a... São Vicente vão querer falar São Vicente, e fala mal! fala crioulo de Santiago em São Vicente ou fala crioulo de São Vicente em Santiago, nós entendemo-nos. + +Voltando à questão de crioulo/identidade, admite a possibilidade de um cabo-verdiano não gostar do crioulo…? + +não! + +De um cabo-verdiano não usar o crioulo, de usar exclusivamente o português, ou usar mais o português? Como é que vê… + +o facto de ser cabo-verdiano… eu penso que… o cabo-verdiano… para o cabo-verdiano está implícito… tem (?) em termos da cultura. pode é não dominar porque já vai na segunda e terceira geração, mas… pelo menos em termos activo, mas passivo… porque o crioulo dentro de casa já vai ficando distante. mas esta é a coisa fundamental da cultura, senão… se se retirar isto, deixa de ser cabo-verdiano, é fundamental, é como a respiração… as outras coisas… eu posso gostar mais ou menos dos pratos regionais, mas os básicos todos nós temos, e todos nós apreciamos, é mais ou menos em termos da língua. + +Certo. O que é que acha, o que é que pensa desta situação actual, de nós podemos usar o crioulo e o português? + +eu acho que… cria situações complicadas nas repartições. não foi preciso e não é preciso haver um decreto para dizer que se deve usar o crioulo nas repartições, já se usa! agora oficializar e se dizer que se vai passar para a escrita, quando as pessoas já não falam… escrevem bem o português, e não aprenderam a escrever o crioulo. eu estou a imaginar uma situação, 7senhor ministro n sa ta scribe nhô pa N pidi nhô pa nhô autoriza-m pa N faze tal kuza, alguém do Fogo pega isto e dá um parecer, um terceiro oficial,  ami n ta konkonkorda Ku kel kuza ki fra-bu li di riba, vai para outra pessoa de São Vicente,  N ta absolutamente d’akordu, ministru pode desidi ke mim, es k’ê nha puzisão, isto pode vir a acontecer. mas eu estou a achar que isto complica, quando nós temos a língua que facilita que é a língua da escolaridade, que é a língua das repartições -pelo menos oficiais… + +Mas não percebi bem … + +eu tentei explicar, tentei pôr as diferentes variantes… uma pessoa lá de Santo Antão recebe este despacho, com estes diferentes pareceres, de Santiago, do Fogo e de São Vicente, fica baralhado! tem outra variante. então porque é que a gente vai complicar isto? posso… posso estar a ridicularizar, a exagerar em termos disso, a caricaturar, mas… mas é uma possibilidade. com a mobilidade que há em temos da nossa administração pública e das pessoas, isto pode acontecer! + +Como vê a questão… o desenho das alternativas… como é que vê o crioulo e o português no futuro? E para si, qual seria a alternativa linguística para Cabo Verde? + +desejável é caminhamos para lá, é um bilinguismo. esse é que é o desejável, caminhamos para lá. com… + +Quais seriam as funções do crioulo/português, os espaços do crioulo e do português? + +não, não na diglossia. de haver espaço e funções para uma língua ou para outra, que é muito o que vai acontecendo hoje, não. usar em pé de igualdade, numa circunstância ou outra. mas isto leva tempo, e não é decreto, etem que haver uma conjugação… + +Neste ideal, o crioulo seria utilizado também para escrever, por exemplo? + +sim. isto é o futuro, o futuro não imediato, com cálculos, dizer, nesta legislatura, na próxima legislatura, vamos fazer isto. as coisas vão acontecendo - precisamos de ter gente que estude, que seja introduzido… isso reforçando o português que é o imediato, o imediato é o português, eu acho que devemos caminhar, ou vamos caminhar no sentido, sem fazer futurologia, no sentido do bilinguismo. + +Acha que as duas línguas, se entendi bem, teriam as mesmas funções? + +sim, sim. esse é que seria… as mesmas funções e sem qualquer carga de que uma é mais importante que a outra. essa diferença de eu me dirigir a uma pessoa em crioulo e ele responder-me em português, por exemplo. ou eu a dirigir em português… dirijo em português, domina o português, responde em português. dirijo em crioulo, domina o crioulo, responde em crioulo. sem qualquer carga ou eventualmente ideológica… portanto, que possa existir. + +Acha que se poderia ensinar o crioulo nas escolas e continuar a ensinar em português? + +eh... sim, para crianças sobretudo, nos primeiros anos. eu acho que já se faz um bocado, a aproximação, se têm dificuldade passam para o crioulo. eu não sei se começam nos primeiros anos, mas eu tive dificuldade, quando acompanhei os meus filhos nos primeiros anos de escolaridade. falavam muito pouco na escola porque como não podiam falar ou estar à vontade em dominar o português, então preferiam não falar. eu experimentei falar o… em casa, o português, e eu vi que não dava, eu desisti, para podermos ficar à vontade. porque como não tem… não se fala português em casa, não se fala português na rua, é um choque começar, não só a falar em português mas logo a aprender em português. se bem que hoje em dia o jardim o jardim de infância já vai ajudar ensinar nessa aprendizagem, que tem as canções, as histórias e algumas coisas, mas eu acho que sim. + +Como é que vê… + +a preocupação maior para mim é a questão da escrita. a criança tem de aprender os dois códigos, agora eu não sei… não domino isto… não é minha área de especialidade. + +E na alfabetização de adultos? + +isso eu defendo que seja em crioulo. + +Porquê? + +precisamente, têm toda uma experiência, toda uma vivência, que não conseguem passar se for em em português. que seja em crioulo mas também em português. estou a ver em termos de prioridade, em termos de prioridade, e que aprendam. e esses já não têm problema no domínio do código que começa logo com a proposta que for oficial. + +Acha que o crioulo deve ser oficializado? + +sim, não tenho … no sentido de co-oficialização, sim. + +Para quê? + +é mais uma questão de estatuto. não é questão de uso, porque na prática o que acontece nas repartições é usado, porque está muito ligado… + +Na oralidade… + +na oralidade, eu ia dizer. o conceito de oficial está muito ligado à escrita, à formalização, porque na informalidade, na oralidade já é de facto. portanto é um reconhecer de facto o que já é visto, mas não o incentivo da escrita -- eu não me repugna que, por exemplo, o hino nacional tenha uma versão em crioulo e outra em português, nada. quer dizer é o cantar. e certas coisas destas. mas na constituição dá oportunidade para ver as duas, eu acho que sim, -- eu dei um exemplo, que de facto nós estamos a discutir tanta coisa, o hino nacional é em português… + +É. + +e nunca ninguém disse ah! então vamos ter o mesmo hino em crioulo, então, estou a pensar em termos de oficialização, essas coisas. + +Falamos de oficializar o crioulo. E porquê oficializar o crioulo? + +eu acho que… o que tem havido em termos políticos… nós somos um país independente há mais de 30 anos. nós usamos… nós temos duas línguas. essa unidade com essas duas componentes, oficializamos apenas uma, e valorizamos essa, não valorizamos a outra. para mim esta é que é a questão. é valorizar aquela outra que não está. mas não… não no sentido de dizer que é mais importante, porque eu acho que tem havido uma certa confusão, é dar essa ideia que o subvalorizado vai ficar sobrevalorizado, essa é que pode (?) não, vamos elevar ao nível do outro, mas o outro muito bem também. + +O outro…? + +muito bem! o outro é que é o português, muito bem também. eu acho que não só nas situações informais se fala cada vez menos o português porque é gente mais velha é que usa em situações informais, como nas situações formais se usa cada vez mal o português. mesmo gente formada, com formação superior - temos gente formada em muitos países, saíram de Cabo Verde com a escolaridade feita em português mas mau português, então fizeram a formação em outros países, outras línguas, e quando voltam é aquele português que… então também se sentem mais à vontade em falar em crioulo do que falar português. eu acho que muita gente que defende e que fala totalmente o crioulo é que não domina tão bem o português. essa pode ser forte, mas esta é uma opinião. + +Esta questão de…de como nós falamos o português. O que é que… o que pensa sobreisso? Como é que acha que os cabo-verdianos falam português, de um modo geral? + +quando eu falo num bom português eu… não falo em português padrão, pelo menos com as regras, o português gramatical, estas estruturas em termos de português que eu acho que se deve falar. mas vai havendo tendência, que eu acho muito bom, a regionalização, há realidades que não são as realidades da língua portuguesa originária, então introduzimos isso, que isto é que expressa. Angola faz isso, Moçambique faz isso, e nós já vamos percebendo isso. + +Mas em Angola eMoçambique também há regras…? + +sim, sim há regras diferentes, eles têm outras línguas, outros tipos de frases. + +Admite essa possibilidade para o português falado em Cabo Verde? + +o português de Cabo Verde? + +Sim. + +se nós prestarmos atenção, estivermos muito atentos, o nosso o nosso português não é o português de Portugal, não é o português do Brasil. + +E o que acha disso? + +eu acho… eu acho que se caminha para lá. que poderá vir a ser uma coisa… que é uma questão de identidade, que nos identifica dentro… a nossa diversidade, dentro dessa unidade da língua portuguesa. mas temos que… temos que conhecer bem as regras gramaticais. depois de conhecermos bem poderemos introduzir… e eu não estou a falar que pode haver… e que por causa do substrato… das línguas africanas que nós temos no crioulo, haver, ter interferências em termos de estruturas. + +Isso não aceita? + +não, pode ser. mas eu estou a falar sobretudo em termos de vocabulário -- por exemplo, os clíticos, os pronomes complementos, é uma luta perdida fazer segundo as regras gramaticais com as excepções antes do verbo, e a regra, depois do verbo, é uma luta perdida porque já… já no nosso substrato já não usamos muito isso, e também há a influência brasileira, que também que nós temos, que é um peso. portanto isso é um exemplo em termos de estrutura, mas em termos de vocabulário, é isso que eu estou a dizer, a pessoa… + +Mas quando diz que é uma luta perdida, está a lamentar ou aceita isto? + +não, não. eu aceito, não. é uma luta perdida no sentido de que… eu posso querer corrigir… a minha filha sim, que é portuguesa e que estuda lá, mas com os meus filhos eu não consegui fazer nada, porque é preciso dominar as regras. mas a minha filha ouve, ouve o que está bem e o que não está bem. é uma coisa diferente, porque ela não aprendeu o português não é? é a língua dela, não teve que aprender. mas os meus filhos tiveram que aprender, e como não aprenderam como deve ser, e não dominam todas as regras, não percebem se está certo se está errado, não ouvem, vamos dizer. mesmo eu… eu tenho que estar muito consciente na escrita, na escrita, porque eu sei quais são as regras que atraem para antes do verbo, no meio do verbo, sobretudo se é no meio do verbo que é a questão dos futuros. as pessoas não dominam, gente com formação superior (?). + +Uma última questão é, qual deles, o português ou o crioulo, acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? + +as duas ((risos)) não, eu brinquei. como o homem cabo-verdiano tem essas duas componentes, quer dizer… mas de facto a cultura cabo-verdiana é expressa em língua cabo-verdiana. eu brinquei a dizer as duas porque o português entra… mas essencialmente é isso… não consigo… para as outras pessoas poderem perceber, por exemplo, a nossa música, fez-se um esforço, e foi muito criticado na altura mas foi óptimo, a morna em português ou coisas dessas, mas é assim, é a língua cabo-verdiana, essa é que é a nossa, é nela que nós expressamos a nossa cultura, é nela que nós somos nós, portanto é isso. + +E na literatura escrita, culta… mas também estou a pensar no funaná, no batuque... como é que vê o crioulo, o português? + +literatura popular eu aceito a cabo-verdiana e eu acho que sim. mas a culta, eu acho que… eu não verei isso. é uma coisa que poderá vir a acontecer no futuro distante, a literatura culta, não vejo isso. para além de que uma edição em língua cabo-verdiana terá de ser muito reduzida, para nós, a edição portuguesa já é mil exemplares, fica cada vez mais caro. não, eu estou convencido que… + +Quer dizer que… é só por essa questão prática ou…? + +esta é uma questão, é uma questão prática. as pessoas que poderão escrever, fazer uma literatura culta em crioulo e que poderão ler essa literatura, são as pessoas que dominam dominam… perfeitamente o português. então essa questão prática acaba por ser importante. por exemplo, uma tese que é defendida … vamos ver um caso concreto, o Dr. Manuel Veiga defendeu a tese de doutoramento dele, sobre a língua cabo-verdiana, em francês, eu acho que ele não tem que traduzir isso para o português porque as pessoas que se interessam por isso e que queiram ler são pessoas que dominam o francês, fazer isso para o português não é para o grande público, é para um público restrito, é nesse aspecto que eu estou a dizer, acaba por ser a esse nível. + +Dr. X, eu não tenho mais questões, mas se o senhor quiser acrescentar algum comentário, algum aspecto que tem em mente e que eu não tenha tocado e que acha que seria… + +não, eu acho que fui exaustivo… + +Esteja à vontade. + +e são opiniões pessoais. algumas dessas questões eu tenho reflectido sobre elas, outras surgiram agora, mas eu assumo perfeitamente o que eu digo como posição pessoal. pode ser que daqui a alguns anos eu venha mudar de opinião, pode ser. + +Com certeza. + +mas neste momento é a minha convicção, isto que eu acabei de dizer. + +Então eu só tenho que agradecer, mais uma vez, a sua colaboração. + +Tudo bem. + +Obrigada. 1Poeta cabo-verdiano que escreve em LCV 2Parente do entrevistado 3Linguista cabo-verdiana 4Poesia popular típica da ilha do fogo, tipo cantiga de escárnio e maldizer 5Linguista cabo-verdiana 6Reputado escritor cabo-verdiano, já falecido 7Senhor Ministro, a finalidade desta é solicitara devida autorização para… Concordo com o que foi dito acima. Estou totalmente de acordo. À decisão do Ministro." +INF13.wav,"Dr. X, obrigada por ter acedido a ter esta conversa comigo. A primeira questão que eu gostaria de lhe colocar é a seguinte, quando aprendeu a falar, aprendeu o crioulo, o português, os dois? Antes de entrar para a escola, portanto. + +antes de entrar para a escola aprendi apenas o crioulo, na escola comecei a aprender o português. em casa os meus pais… a minha mãe falava o crioulo, o meu pai falava, pelo menos frequentemente, o português. falava crioulo mas falava também frequentemente português. de maneira que o português que ouvia em casa era mais do lado do meu pai, que me parece uma situação muito frequente. na rua sempre falei crioulo com os meus colegas e falava português com os professores, um português mais ou menos discursado para cumprir. + +Portanto se entendi bem, falar falava crioulo antes de entrar para a escola. + +sim. + +Mas já tinha contacto com o português através do seu pai. Só do seu pai ou ouvia o português de outras fontes? + +não. antes de entrar para a escola eu… não posso agora precisar se tinha contacto com o português através do meu pai porque falava sempre crioulo -- eu acho que o meu pai falava connosco nessa altura, com os filhos, sempre em crioulo também. depois de entrarmos para a escola, creio eu que um pouco como um projecto de nos ir habituando ao português, ele frequentemente falava connosco português. com as outras pessoas eu falava… acho eu, até entrar para o liceu salvo uma outra situação, aquelas situações formais que a gente achava que devia falar em português, eu falava em crioulo com os colegas, com toda a gente. eu tinha colegas metropolitanos na altura com quem naturalmente falava português, mas sempre com aquela preocupação de falar o português correcto, que me pesava sobre a língua, sobre a consciência de ter de falar o português correcto, e é isso, mas eu expressava-me em crioulo. + +E o seu contacto com o português antes de entrar para a escola? Ouvia o português? Se sim, de que fontes? + +eu antes de entrar para a escola acho que também que meu avô, com quem eu cresci até entrar para a escola, acho que o meu avô, que era de Santo Antão, falava de vez em quando o português também. mas não connosco, era mais… ele lia… lembro-me que ele lia um bocado e tal, uma e outra circunstância… ele tinha entonação de português interessante, assim muito declamada e tal, mais nas leituras, eu acho que era mais nas leituras, mas ele falava também no crioulo. + +E na rádio, na igreja? + +antes de entrar para a escola não me lembro de ouvir muito rádio. igreja… antes de entrar para a escola também não me lembro de ir à igreja. na igreja, de facto, protestante que eu frequentei durante já o tempo da escola, aí falava-se português, mas entre os colegas era sempre em crioulo, os pastores falavam português. + +E actualmente em casa, com os seus amigos e colegas mais próximos qual é que usa normalmente? + +quase sempre o crioulo, quase sempre. não só com os meus amigos mais próximos mas… acho que eu às vezes falo crioulo quando… em circunstâncias em que as pessoas esperam de mim português. é frequente eu quase que esforçar um bocadinho a barra, vá lá, para a conversa se travar em crioulo. talvez por eu ser advogado, há pessoas que acham que o meu estatuto de advogado devem falar comigo em português. e há outras circunstâncias, por exemplo, quando eu falo com alguém a nível do estado por exemplo, se começa a chegar no nível de director geral, sente-se que o director geral já quer - de um modo geral, falar é português. se for um ministro é português quase certo, salvo aquelas circunstâncias em que… digamos… que o ministro está descontraído, digamos assim, já ultrapassou… há um ou outro caso assim. mas quando falo sobre director geral, ministro, quer dizer, quanto mais se vai subindo na hierarquia do estado, mais dá impressão que é assim que as pessoas querem, falar em português e não em crioulo. quer dizer para dar um ar mais oficial, menos intimista à conversa. e especialmente nessas situações em que, de alguma forma, vão ter de decidir sobre uma questão que é pessoal, para obter distanciamento, eu sinto que nestas circunstâncias as pessoas falam… preferem português. e eu mesmo, para não dar impressão que eu quero qualquer aproximação, e quando o meu problema é pessoal em relação a essa identidade ou em relação ao estado, ou algo pessoal, eu falo português. + +Como é que considera a sua proficiência, o seu domínio geral do crioulo e do português? + +bom, no que respeita ao crioulo, o meu crioulo habitual é o crioulo da variante de barlavento ou de São Vicente. falo… se eu estiver num ambiente em que as pessoas estejam a falar o crioulo de Santo Antão, por exemplo, entendo bem. acho que falo com relativa à vontade, mas não tenho à vontade para falar. quer dizer eu poderei falar com à vontade quando falo, por exemplo - a imitar, em casa, e sinto que falo o crioulo de Santo Antão com à vontade mas não tenho à vontade para falar, porque é algo que é um pouco fictício em relação à minha espontaneidade que é o crioulo de São Vicente. também falo com relativa à vontade o crioulo de Santiago. se eu estiver a jogar futebol por exemplo, ou numa actividade desportiva com pessoas de Santiago etc., sem pensar no assunto, eu falo. e eu acho que há circunstancias em que nem sequer se nota… e há muita gente que fica a pensar que eu sou daqui de Santiago. mas naturalmente, normalmente falo no crioulo, na variante de São Vicente, e aí falo bem. + +E leitura e escrita em crioulo? + +leitura e escrita em crioulo…olha eu li, por exemplo, o livro Oju d´Agude Eugénio Veiga… + +Manuel. + +Manuel Veiga, perdão. e e adorei a leitura a leitura, digamos… estar a ler, de repente eu senti que estava a ler o crioulo aqui de Santiago, como se eu estivesse a ler português, quer dizer aquilo saiu-me como uma… já a partir da metade para o fim do livro, eu lia como se estivesse a ler um livro em português, e eu adorei aquela situação. quer dizer foi uma situação inédita para mim. de Santo Antão por exemplo, também ler os livros em crioulo de de Luís Romano, crioulo de Santo Antão. é um crioulo de Santo Antão puro, autêntico, digamos já com expressões muito fora da época, já muito antiquadas - mas aquela dinâmica própria do crioulo de Santo Antão, aquela imagética própria do Santo Antão está aí. e também adorei ler esse livro. os poemas por exemplo do Sérgio Frusoni que são escritos em crioulo de São Vicente, de… também… digamos é adorável lê-los, é adorável estar a ler esses poemas. há um estrato dos Lusíadas, não me lembro agora qual foi o autor, é escrito em crioulo também de Santo Antão. há uma passagem de Lusíadas em que… a parte em que os navegadores estão a chegar à ilha de Santiago… eu lembro de… digamos… de ler isso com a mesma entonação, eu gosto de ler Lusíadas, com a mesmo entonação, o mesmo ritmo, a mesma… sem perder absolutamente nada… como se eu estivesse a ler Lusíadas. e a minha expressividade em português, de como me expresso em português… + +E a escrita em crioulo? + +escrita…? + +Costuma escrever em crioulo? + +eu não costumo escrever em… quer dizer eu mesmo já escrevi já escrevi em crioulo, já escrevi poemas em crioulo. quer dizer poemas para mim, não tenho publicado. eu escrevi, por exemplo, um poema que é 1Regrese de Tanha que é… Tanha é uma pessoa que entra para a prostituição… tudo em crioulo, em crioulo de São Vicente. eu tenho escrito algumas coisas em crioulo de São Vicente, eu sinto que… digamos que me dá satisfação… dá-me satisfação, já escrevi em crioulo de São Vicente. já escrevi também em crioulo de Santiago, eu até tenho de cor algumas passagens do que eu escrevi e deu-me satisfação. senti que saiu com naturalidade. a verdade é que, por exemplo, o que eu escrevi em crioulo de São Vicente, não foi só aquele tema, é um poema, que não é apenas um tema de amor, letra para morna digamos assim. não é, embora seja um poema, embora não, é um poema, mas não ligado àquele sentimento puramente intimista, às vezes um bocadinho meio piegas para a morna, é um tema em que eu estou a dizer algo de… + +Diga-me uma coisa, em termos de leitura em crioulo, para além da poesia e romances escritos em crioulo que já leu, tem lido mais alguma coisa em crioulo? + +eh... não. há um dicionário, não é? mas isso não é leitura propriamente -- comunicações por exemplo, que alguém tenha comunicado comigo em crioulo, nunca. que eu tenha comunicado com alguém em crioulo também nunca. é apenas… em crioulo, o que já li, é de facto algumas coisas em prosa ou em poesia. + +Certo. E também em termos de escrever… poemas que tem escrito… não tem mais nenhuma experiência de escrita em crioulo? + +não, nunca… nunca escrevi nada em termos de prosa. é só alguns poemas, que escrevi em crioulo… + +Mesmo apontamentos que… toma notas…? + +não, porque eu não tenho destreza, eu não sei escrever, mesmos esses que eu escrevi, eu sinto que… eu não sei escrever, quer dizer, é uma questão de familiarização com o alfabeto, não é? + +Nesses casos como é que escreve? + +eu escrevo mais a escrita fonética, acho que é fonética, não é?... que é essa a expressão, não é o… + +Queria que me dissesse como é que escreve, quando escreve em crioulo. Como é que…? + +quando escrevo em crioulo, eu acompanho o som. por exemplo, eu… quando… fonético, por exemplo… não é o ALUPEC. eu não me familiarizei com… para isso é preciso habituar-se com a escrita mesmo. e também não tenho hábito mesmo de escrever em crioulo, quer dizer, em algumas circunstâncias, eu escrevi… + +Lembra-se das dificuldades que sentiu quando escreveu em crioulo? + +digamos… vinda a ideia… por exemplo… só um pequeno estrato, só para ver. eu tenho um poema que diz assim, 2Tanha, txam expresóbe um rezon. ke mágua na kurason N ta flo-be, bá mdjer, ba largóde na mund paquê vida n’e pa jente de nós rasa. bo sabé, Tanha, ke jente de nos kulidade, ke fome na bariga e ignorânsia na Kabesa, pa vivê ten ke dá sê korpu, e bo ten ke da-l kontente-- digamos, isso é um incentivo para alguém entrar na prostituição - por essas razões de (?)… e escrever este poema… claro que o poema é muito mais longo, está inserido dentro de uma peça de teatro que é… a peça que é  Regrese de Tanha. Tanha vai como prostituta e regressa já como todo um povo a regenerar-se. essa era a ideia do poema que deu origem a uma peça de teatro, mas aí para os idos para os idos de setenta e sete ou quê. e… de facto foi escrito praticamente… essa peça foi escrita também quase toda em crioulo. ainda há tempos escrevi uma outra peça também, que é Nôs realidadimas que eu nem publiquei, nem… mas que é… é também escrita em crioulo, que tem… que tem… que tem… enfim… uma série de alegorias em crioulo que é Nôs realidadi. que é alguém a falar da nossa realidade, e ao fim ao cabo com total desprezo por essa realidade, pela maneira como a elogia e como a trata. e nossa realidade está aí sempre a agradecer, é uma personagem no palco sempre a agradecer, é uma peça de teatro, mas que é praticamente escrita em crioulo, mas em crioulo e português. entra em determinados momentos o crioulo e em outros momentos português. e quando eu a posteriori, eu confesso que é mesmo a posteriori, fiz um exame disso, porquê é que tem parte em crioulo e parte em português, eu cheguei à conclusão, é a conclusão que eu chego, que eu mesmo estaria alienado. ou seja eu meti determinadas partes em português, terei metido, porque as pessoas exigiriam aquelas partes em português ou porque exigiria eu mesmo aquelas partes em português? e não… digamos… não obtive… nestas coisas, eu acho que é difícil nestas coisas obter-se a resposta clara. quando a gente pensa que a gente faz porque é assim, muitas vezes é porque é assim que os outros querem, é assim que nós queremos também instintivamente. mas… portanto, eu tenho dificuldades na escrita do crioulo, que às vezes são superados… as dificuldades acabam por ser superadas quando a gente tem um ímpeto para expressar, no sentido de expressar uma ideia. e praticamente nestas circunstâncias eu ligo pouca importância ao… pormenor como um… se a ideia me sai bem assim, às vezes até um próprio verbo por exemplo, uma expressão que… as pessoas gozam muito quando dizem… uma determinada pessoa disse, cabeu em vez de coube. para mim isto é muito pouco significante, porque cabeu até é mais simples, é mais directo. é evidente que há erros, eu não estou a dizer que esteja certo ou que esteja errado, a verdade é que… mais importante, digamos, é que as pessoas passem as suas mensagens de forma clara e inequívoca… depois… os pormenores de escrita, eu acho que são importantes porque atrapalham para quem vai ler a escrita depois, porque a escrita é diferente da mensagem oral, é preciso que de facto esteja aí muito claro, codificado, para se entender bem. mas eu estava no momento anterior, no momento em que eu estou-me a expressar, e digamos aquele pormenor não me não me atrapalha muito. mas eu sinto que não tenho domínio desta escrita, eu sinto que depois poderá ter dificuldade em alguém ir ler, mas como eu escrevo é para mim, são coisas que eu não tenho publicado, porque se eu tivesse publicado eu teria de actualizar de alguma forma, procurar alguém que me auxiliasse nomeadamente. mas como é para mim, ou às vezes é para dizer até verbalmente, e ao dizer as pessoas entendem perfeitamente a mensagem. agora ao escrever, eu acompanho o som da palavra, eu digo por exemplo, 3motxe, t-c-h, t-c-h, quando existe um carácterespecífico para explicitar este som no ALUPEC, não é? + +Segue o alfabeto português, ao fim ao cabo? + +sim, eu sigo o alfabeto português. + +E em termos de… qual é que sente, prefere… ou se sente mais à vontade a falar, ler ou escrever crioulo? + +falar, ler ou escrever… eu adoro ler crioulo mas depois de um determinado tempo, para eu me ambientar com a leitura porque quando começo eu tenho de… um pouco… soletrar, depois eu entro no ritmo de cruzeiro. a falar estou à vontade, a escrever é o que eu já disse. eu priorizo a minha… a expressão, eu ponho… ponho da maneira… mas eu tenho sempre algumas dificuldades porque mesmo assim para expressar eu acho que há sempre uma dificuldade em… em transferir da… do pensamento para a escrita. a escrita às vezes quebra um pouco a linha de… do pensamento, porque a escrita é mais lenta, e às vezes, quem é impaciente como é o meu caso, depois não consegue expressar na escrita o que pensou, quanto mais então se a escrita tiver algumas peias, eu gosto de expressar em crioulo… + +Em crioulo…? + +peias da escrita. eu gosto de me expressar em crioulo, mas a escrita… o facto de eu não escrever bem trava-me. e acho que trava também o próprio o desenvolvimento literário, o MEU desenvolvimento literário em crioulo. + +E em português? + +e em português? eu expresso-me em português, da seguinte maneira. esta que está aqui. mas eu lembro que em Santa Catarina eu fiz um… como advogado… + +Estou a falar no seu domínio, como é que é o seu domínio do português em termos de falar…? + +é isto que estou a dizer. em Santa Catarina, como advogado eu fiz uma intervenção, um belo dia, e depois um indivíduo veio, e tal, e disse-me sim senhor, eu gostei, nós de Santo Antão… e eu disse,  então…porquê Santo Antão?  ele disse não, o senhor andou a falar, eu ouvi, não é de Santo Antão?  ou seja, o senhor descobriu claramente que eu era de Santo Antão através do meu português. isso em relação à fonética- não é? acho que é isso. eu acho que… pronto… eu expresso-me à vontade em português, eu não tenho… já não estou naquela fase, de escolher as palavras e… e até porque também há certas preocupações que algumas pessoas têm que eu não tenho, de perfeccionismo. e... eu expresso-me da forma como eu souber e como me for saindo. qualquer pessoa a falar português ou o crioulo, a gente sempre detecta alguns erros. a pessoa não nota muitas vezes mas é extremamente difícil não… mesmo pessoas… portugueses com muita formação, a gente acaba por notar. até porque muitas vezes eu acho que pode haver, em certas circunstancias uma… vá lá, decalage entre a norma e aquilo que é a realidade, que acaba por impor-se. se a norma me diz que há um singular, como é que é? colectivo, não é? e depois eu devo pôr o verbo é no singular ou plural, mas depois… o quotidiano muitas vezes acaba por funcionar de forma completamente diferente à norma. como é? é todo o exército que tem de marcar passo de acordo com um soldado ou o soldado que tem de…? entre norma e a realidade acaba por… eu… eu não me preocupo muito com isso. eu acho que… eu consigo ordenar as minhas ideias em português, esforço-me também… tal como as ordeno em crioulo e… eventualmente… eu não sei, não sei se ousaria dizer isso. que em português, digamos, eu me obrigo… e aí já é um bocadinho de esforço consciente, a um raciocínio lógico, muito mais seguro do que em crioulo, talvez porque quando falo português, é em determinadas circunstancias como esta em que estou agora, e que quero expressar conteúdos que estão para além do quotidiano imediato em termos de conteúdo, para além de, como já referi há bocado, em termos de situações mais… até mais relacionadas às vezes, mas muito raramente, com as pessoas que exigem esse português. mas há situações… também porque naturalmente o mercado, entre aspas, do crioulo é muito mais reduzido que o mercado do português. quando digo o mercado… o mercado do crioulo é mais ou menos interno. às vezes a gente fala para… mesmo no interesse do país, no interesse nosso de ter uma audiência maior, e nessas circunstancias a gente expressa-se em português. e eu quando falo mercado, é mais ou menos isso que eu estou a… + +E a leitura escrita em português? + +se tenho leitura e escrita em português? + +Como avalia a sua proficiência em português, de um modo geral, leitura e escrita? + +acho que eu escrevo em português… tenho um problema que é sempre, como eu disse há bocado, transferir o que eu penso para a escrita, nunca me agrada o que eu escrevo e eu tenho sempre de voltar para trás, acho que isso é uma virtude ou defeito, talvez mais defeito que virtude. eu consigo expressar por escrito o que eu penso mas é sempre com algum esforço com algum esforço -- depois de escrever, eventualmente até se poderá pensar, ele expressou, se de uma forma tão… tão fácil, porque também, ser fácil, ser imediatamente compreendido pelas pessoas é uma grande preocupação minha, é uma preocupação que às vezes eu tenho impressão, que de vez em quando excede os limites do razoável, ou seja, mas para isso eu tenho de fazer um ENORme esforço. as pessoas lêem o que eu escrevo, e que eventualmente está simples, não imaginam o sacrifício que muitas vezes eu tive de fazer para pôr aquilo simples, para pôr aquilo directo, pensando num determinado público, portanto… ou seja… eu escrevo para o público presente, para as pessoas que estão aqui a ouvir-me. muitas vezes a o a linguagem cientifica… às vezes não se compadece com isso, não sei, duvido que seja assim, que não se compadeça com isso, mas pelo menos ouve-se muito dizer isso. + +Diga-me, como é que… quando é que se sente mais à vontade, quando fala ou escreve português, ou crioulo? + +digamos eu falo crioulo durante noventa e tal porcento do dia, naturalmente que a conversa que me sai em crioulo sai directamente sem qualquer interferência de inteligência, ou seja, num certo sentido. ao passo que aquilo que eu digo em português, apesar do que eu disse há bocado, não tem determinados tipos de preocupações, mas acaba por…acho é próprio da formalidade às vezes da situação, da pessoa… da preocupação de saber se a pessoa quer que eu… enfim, se não seria… às vezes falo português com o sentido que eu podia estar a falar crioulo, quer dizer eu estou a colocar… + +Fale-me disso… de algumas circunstâncias em que usou crioulo, querendo usar o português ou vice-versa? + +há uma ou outra circunstância. por exemplo na comunicação social eu já usei crioulo, numa circunstância em que eu achei que era preferível usar português. + +Porquê? + +porquê? bom, é extremamente complexo. eu vivo… a sociedade em que eu vivo é a sociedade praiense, o lugar para o qual eu contribuo para o bem e para o mal, é a cidade da Praia, eu sou um cidadão da Praia, entre aspas. mesmo que eu tenha nascido em Santo Antão, estudado em São Vicente, a verdade é que estou na Praia, há aqui tantos anos, é aqui que eu faço a minha vida, é o meu centro e há determinadas circunstâncias em que… se eu estiver a falar algo relativo à cidade da Praia, fica-me a impressão que é… pelo menos na circunstância… foi essa que eu falei no crioulo de São Vicente… e eu senti necessidade de mudar para o crioulo da Praia. eu não mudei porque pareceria fictício, e naquela altura eu ansiei pelo português, eu não sei se seria o momento ideal para fazer a fuga para o português e não me lembro agora se eu fiz a fuga ou não. essa é uma circunstância em que o português me surgiu um pouco como a tábua de salvação neutral nessa circunstância. + +E o contrário? + +o contrário? o contrário…é infinito o número de vezes em que eu já falei português quase que me violando. porque eu já falei português em muitas circunstâncias com pessoas que gatinham para encontrar uma palavra em português, para encontrar uma expressão em português, e esforçam-se para falar português comigo e eu falo crioulo, e as pessoas trazem novamente português. eu arranjo mil artifícios para levar a conversa para o crioulo e às vezes eu consigo e sinto que a pessoa se descontraiu, e agora consigo entender o que a pessoa queria dizer, essa é uma circunstancia. + +Circunstância de trabalho como advogado…? + +sim, circunstâncias de trabalho como advogado, e algumas outras circunstâncias, na rua e que a pessoa, em virtude de uma… uma ocorrência qualquer, ou porque estou… por exemplo, muito bem vestido, a pessoa dirige- se para mim a falar de determinado assunto, sabe também que eu sou advogado… quer dizer… cria um ambiente formal para falar comigo. e também a própria pessoa quer mostrar que não é qualquer um, ao fim ao cabo isto ainda está no espírito das pessoas, e começa a falar português, e muitas vezes é um assunto que eu gostaria de facto de conversar com a pessoa, e então aí eu torço para chegarmos ao crioulo. e às vezes aborrece, aborrece, mas eu compreendo porque eu também não posso dizer às pessoas,  não, fala crioulo -eu acho que não se deve. mas há outras circunstâncias em que também eu falo português…. a... com uma pessoa muito conhecida minha, agora… olha ontem por acaso aconteceu-me uma situação dessas, não vou dizer o nome como é óbvio, mas eu estava a falar com a pessoa em português, de repente olhava assim para ela… e depois lá saía a conversa da pessoa em português e tal, depois eu consegui, de repente, passar a conversa para o crioulo, porque eu já não suportava que eu estivesse a dialogar com a pessoa em português só porque a situação dela a nível do estado, digamos quase que requeria aquele formalismo. uma pessoa com quem eu dialogo no quotidiano… quando em circunstâncias normais, só em crioulo, não me lembro de ter falado com essa pessoa em português, e nós estivemos a falar português. digamos é uma conversa que… que… é como se houvesse um microfone na minha boca, a falar - e um microfone na boca dele, e nos dois ouvidos também… quer dizer… há qualquer coisa entre nós, que está instalada entre nós, um tradutor do português para o crioulo que não funciona, que não deixa o diálogo sair espontaneamente. essa pessoa domina e fala muito bem o português, normalmente, eu expresso-me bem em português, normalmente, mas naquela circunstância, uma quebra tremenda! e essa é uma das circunstâncias, entre várias outras do género. + +Eu acho que nos ficou para trás a questão de falar, ler e escrever em português ou crioulo. Em qual é que sente mais à vontade, com menos medo de errar? + +falando em crioulo, não tenho medo de errar nunca. porque dá a impressão que… digamos… que o crioulo não tem norma, nenhuma norma. uma norma não, não sei, há que ter uma norma com certeza, porque eu, para eu falar… quando digo que não tem norma, quer dizer, que não tem regras que eu conheça, fixas, exigíveis ou exigidas. a gente vai falando e as pessoas entendem muito bem. o problema é depois, como eu disse, se alguém de fora estuda o crioulo e depois quer ver… se estuda é porque também existe norma, existe uma forma concreta de falar e de compreender e de escrever. em relação ao crioulo… portanto a pergunta era…? + +Escrever em crioulo… se escreve melhor em português ou crioulo, se fala melhor…? + +eu escrevo melhor em português, eu leio melhor em português, eu falo melhor o crioulo, quando digo melhor, estou a referir-me à descontracção e à facilidade de expressão. é neste sentido que eu queria dizer. + +Exprime melhor as suas ideias de um modo geral em crioulo ou em português, ou exprimir melhor em português ou em crioulo depende de alguma coisa…? + +eu acho… + +Da pessoa com quem fala, do assunto ou da circunstância? + +esta pergunta é extremamente complexa e… e para dizer a verdade, respondê-la exigiria determinados conhecimentos, mas eu vou expor a minha ignorância. acho que há… há expressões a que nós nos habituamos com o português, há momentos emocionais, especialmente da expressão escrita, que é tida como mais nobre, tem que ser em português, digamos… nós não encontramos alguma tradução directa para o crioulo. eu não sei se vem da história da… dos estratos populacionais em Cabo Verde, o português e o crioulo - que vivências de cada um, que situações, e o que é que se pode… o que passa para o crioulo, cada vez é… é mais ténue essa diferença. mas há algumas expressões que saem mais facilmente, porque são expressões consagradas, a expressão 'amor'- em crioulo, eu oiço muito pouco, e sai… em crioulo é uma expressão que sai com… não sei… não sai espontânea. mas não só palavras, como outras, digamos, há qualquer hiato entre português e crioulo que eu não sei expressar bem, mas eu sinto que há um hiato, há uma zona que é um bocadinho reservada ao português, uma zona de expressão, e outra zona de expressão que é todo o nosso quotidiano, que é para o crioulo. só que quando nós queremos enxertar nesse crioulo que tem em si, digamos, todos os elementos de expressividade, queremos enxertar, e temos muitas vezes necessidade disso, um sentimento que é tipicamente expressado em português, não encontramos muitas vezes no crioulo esse… a tradução directa, e então é complicado. eu não sei… e também é complicado expressar isso, acho que não consegui explicar-me bem, mas a ideia é essa. + +Eu estava a querer saber, por exemplo, se dependendo do assunto, consegue… Imagine, por exemplo, um assunto de tipo familiar ou íntimo, não é? + +ah! exacto… + +Ou assunto técnico ou político… exprime melhor…. em função do assunto, exprime-se melhor em português ou crioulo? + +exactamente… + +se fala… exprime, se melhor em português ou em crioulo dependendo da pessoa… sei lá com um intimo, com uma pessoa da sua intimidade, um próximo… exprime-se melhor emcrioulo, já com uma autoridade…? + +já, agora… já talvez me sintonize mesmo até melhor. repare uma coisa, por exemplo, tecnicamente, linguagem técnica… + +Se depende do assunto, da pessoa, da circunstância…? + +eu falo à vontade, todas as questões da minha profissão em crioulo com as pessoas, eu explico tudo. é evidente quando eu estou a falar com alguém, e eu falo da usucapião, eu não traduzo a palavra, eu falo em crioulo e não traduzo usucapião, por exemplo. a palavra usucapião… não temos ou eu não conheço, eu não sei… eventualmente… digamos dentro da dinâmica própria do crioulo pode-se encontrar a forma de dizer usucapião em crioulo. e há outras expressões que eu vou dizendo… eu vou falando às pessoas usando essas expressões e explicando o seu conteúdo, porque também um português não sabe o que é a palavra usucapião, de um modo geral, a gente tem de explicar. mas eu uso esta palavra, que é tipicamente portuguesa, u-su-ca-pi-ão, e eu não digo usekapion, ou arranjo… não arranjo artificio para pôr em crioulo, eu uso esta palavra. e há uma série de outras palavras técnicas que eu uso, mas isto também acontece acho eu do… por exemplo, quem usa o computador fala do delete, parece que no Brasil usam deletar ou qualquer palavra assim. mas o inglês também impõe-se no plano técnico, já é um outro plano e dessa forma… e acho que Portugal reivindica um bocado ter-se essa expressão portuguesa, portanto ter as expressões portuguesas. aqui, em crioulo não há essa… aqui em Cabo Verde não há essa reivindicação, ainda, e o português impõe-se também nesse plano, isso que eu estava a dizer, por exemplo, o plano técnico, mas isso também não me impede, como eu disse, de falar com as pessoas em crioulo. mas se eu vou… agora… falar sobre o código penal, numa conferência com magistrados e com advogados etc., vai haver uma conferência já no próximo mês sobre o código penal e sobre uma séries de coisas, de certeza que as pessoas vão exigir e preferiam que eu falasse português, esta que é a grande verdade. porquê? porque vão considerar aí que vou ter de usar determinadas expressões técnicas em determinadas circunstâncias, e usar essas expressões num contexto de crioulo fica um bocadinho… como que um pé no mar outro na terra, não fica um discurso coerente, coeso, é essa a questão… + +Dr. X, eu vou pedir, lhe o seguinte, pense nas três pessoas com quem mais conversa, fora do seu círculo familiar, não é? e que me procurasse definir o perfil dessas pessoas em termos de idade, sexo, grupo, estrato social… se fala com essas pessoas em crioulo ou em português, sobre que assuntos e em que circunstâncias. As três pessoas com quem mais conversa, fora do seu círculo familiar. + +Preciso dizer o nome? + +Não, não. Nem a personalidade. Só o estrato social… + +uma já pensei, que é talvez a pessoa com quem mais eu converso fora do meu círculo familiar, que é dentro do meu círculo profissional. falamos exclusivamente em crioulo, os dois nunca falamos em português, em nenhuma circunstância. discutimos todas as questões técnicas, e temos o hábito de discutir questões técnicas, em crioulo, sem nenhuma dificuldade. a pessoa pertence a um estrato social, eu diria elevado, em termos culturais, de educação, em termos económicos, estrato médio, alto, digamos assim. é uma pessoa mais ou menos da minha idade e do sexo feminino, pronto, essa é uma pessoa, no plano profissional. + +Os vossos assuntos são estritamente profissionais ou também pessoais, íntimos…? + +também pessoais, políticos, profissionais, políticos e… e também assuntos pessoais, de trivialidades da vida quotidiana, trivialidades pessoais. portanto é a pessoa com quem, fora do meu círculo familiar, eu tenho de facto um convívio mais alargado. e aliás, nessas circunstâncias esta talvez seja portanto… a pessoa com quem… mas tenho mais pessoas dentro desse perfil, do sexo feminino, ou dentro do sexo masculino. eu usaria duas pessoas, mas esta é mais emblemática. fora do círculo estritamente profissional tenho, deixa ver… outra pessoa…outra pessoa (…) do sexo masculino, um pouco mais idosa do que eu, também de um nível cultural relativamente elevado pela sua formação pelo menos mas… com quem praticamente é sempre em crioulo que eu converso, mas é já sobretudo trivialidades, é do sexo masculino, e algumas questões de natureza política, e conversamos sempre, sempre em crioulo. deixa ver… mais uma pessoa… + +Mais uma pessoa, desculpe por insistir. + +uma pessoa com quem… + +E essa segunda pessoa, em que circunstâncias é que conversam? Não é no trabalho, portanto, é na rua? + +é, na rua, nos cafés, no desporto. e ainda uma terceira pessoa… também… portanto… dum nível cultural relativamente bem… bem elevado digamos, literário. e expressamo-nos indistintamente em crioulo e em português, mas mais frequentemente em português. eu sinto que é também… digamos… é uma forma normal dessa pessoa se expressar, ela expressa-se em crioulo de São Vicente e em português, mas tem mais hábito de se expressar em português. é mais… conversamos mais é sobre… portanto… questões nacionais, questões políticas, questões literárias. mas essa não é do quotidiano porque nem sequer vive aqui na cidade da Praia, quando falo… estou a falar num diálogo, no fundo mais intenso, embora não tão frequente, é do sexo masculino, e é mais velho do que eu. + +Consegue… ou pode fazer a distinção precisa do perfil das pessoas com quem normalmente fala o crioulo e com quem normalmente fala português? Se existe… se existe um perfil… estou a falar, em termos da sua proximidade com essas pessoas, e em termos do estatuto destas pessoas? + +não, eu… de um modo geral, eu falo crioulo para além daquelas situações que muita gente espera crioulo. quer dizer, aquelas situações em que algumas pessoas amigas com quem eu convivo esperam ouvir português, ouvem de mim crioulo, frequentemente. logo que eu sinto que eu estou a… de alguma forma, a violentar um bocadinho, passo para o português. a minha primeira abordagem das pessoas com quem eu cruzo, melhor, com as pessoas com quem eu convivo, converso, seja qual for a... posição, é em crioulo. por exemplo, eu dou um exemplo só, eu… a minha abordagem com o presidente da república é em crioulo, é uma pessoa que eu conheço, portanto… e quando falo com ele em português é já… digamos naquelas situações em que eu também não quero criar… porque há pessoas por perto, há uma forma de expressar e não se vai criar um maneirismo especial--mas eu falo com ele em português… + +Em crioulo? + +em crioulo, em crioulo. ao falar por exemplo há tempos, enquanto primeiro-ministro, falei com o primeiro-ministro José Maria Neves, eu comecei a falar português e depois a conversa estendeu-se um bocadinho e eu já estava no crioulo. portanto o meu círculo de conversas é fundamentalmente em crioulo, mas eu tenho de… + +Eu vou lhe colocar a questão… embora já me tenha falado um pouco sobre isso… mas quando fala o crioulo com pessoas de outras ilhas… já disse que usa o seu crioulo mas pode usar outros… como é que é a compreensão? Como é que isso se passa quando se dirige a pessoas de outras ilhas? Que crioulo é que usa e como é que se passa a compreensão? + +se eu falo com pessoas aqui de Santiago, de repente eu falo crioulo de Santiago, normal. e a compreensão é perfeita de um lado e de outro, não é? talvez também um pouco pela minha profissão, eu já ouvi em crioulo pessoas do interior, do mais longínquo, com aquelas expressões típicas e mais afastadas de português e... não tenho dificuldade nenhuma. + +E elas? + +e essas pessoas, quando eu falo com essas pessoas, também eu amaneiro um pouco o meu crioulo, que é o crioulo mais aqui da cidade da Praia -eu aproximo digamos, eu tenho instrumentos… + +Só para verificar se eu estou a perceber bem. Quando fala com pessoas daqui de Santiago, usa o crioulo de Santiago? + +uso o crioulo de Santiago. às vezes uso o crioulo de São Vicente, por exemplo, as pessoas que já me conhecem e que no meu quotidiano, sabem que eu falo crioulo de São Vicente, eu falo com elas… mas com uma pessoa de Santiago… por exemplo, eu entro num táxi, falo com o condutor, falo crioulo de Santiago de forma natural. eu vou jogar uma partida de futebol, as pessoas que estão a…eu falo o crioulo de Santiago, mas volta e meia lá sai crioulo de São Vicente. + +E quando usa o crioulo de barlavento com pessoas de sotavento, como é que é a compreensão? + +entendem perfeitamente, perfeitíssimamente. aqui em Santiago, hoje em dia, digamos, em Cabo Verde, eu acho que o crioulo já se entende por todo o lado. + +E quanto se desloca a outras ilhas? + +a outras ilhas… quando eu me desloco a São Vicente, eu falo crioulo de São Vicente, como é óbvio. + +Naturalmente. + +quando eu vou a Santo Antão, eu falo também o crioulo de São Vicente que é perfeitamente entendido em santo Antão. às vezes as pessoas de São Vicente não entendem bem o crioulo de Santiago, eu sei, mas isso já não é uma situação pessoal, porque eu falo em São Vicente o crioulo de São Vicente -- quando eu vou à ilha do Fogo… o crioulo do Fogo é um crioulo que tem duas… as pessoas entendem perfeitamente o crioulo de São Vicente, tem algumas semelhanças. tem muita semelhança com o crioulo da Praia, entendem tudo. + +Os dois? O de barlavento, São Vicente, Santiago e Fogo? + +os do Fogo entendem quer o crioulo de Santiago, quer o crioulo de São Vicente bem, é o que eu tenho… é que… me deslocado às ilhas, em todas as ilhas, eu tenho contactado pessoas, com a minha profissão é assim, na Brava a mesmíssima coisa, e não me apercebi de haver em Cabo Verde qualquer, mas qualquer problema de língua. como eu… como eu disse, e agora não é uma situação já pessoal, isto agora é uma avaliação, eu sei que muitas vezes as pessoas aqui de Santiago quando falam… se forem pessoas do interior, 4 dentu kaiku, dentu kai, ku, expressões assim, 5 na txada ta bai, 6  na txada kabesa, na achada da cabeça, expressões do género, que são expressões típicas do interior da ilha, ainda há pessoas de São Vicente por exemplo que não entendem bem, ou pessoas de outras ilhas, já pessoas daqui da capital, da Praia, já entendem, porque é uma mesma sonoridade, é uma questão muito habitual. mas afora estes aspectos daqui do interior de Santiago, algumas expressões, mas que são apenas expressões, porque a conversa geral… quer dizer, passando uns minutos da conversa acho que as pessoas vão entrando. portanto cá em Cabo Verde não há, a meu ver, eu não sinto, nenhum problema de comunicação entre comunidades, em virtude de língua, esse problema não existe. + +Já me falou disso, mas eu vou retomar ainda para aprofundar um pouco. Disse-me que na maior parte das vezes, das circunstâncias e com a maior parte das pessoas fala o crioulo. Eu vou lhe perguntar em que lugares e circunstâncias usa o português e com que pessoas? + +eu uso o português, para determinados conteúdos, às vezes há determinados conteúdos… eu uso o português, para determinadas situações, eu uso o português, para determinada pessoas. + +Fale-me de conteúdos. + +conteúdos. como eu disse, numa… se eu estiver numa palestra a falar de questões técnicas, expresso-me em português, porque é o que as pessoas esperam, a empatia está em português, deslocou-se para o português. eu também espero das pessoas assim. aí não é propriamente o ambiente, nem são as pessoas, é o conteúdo em si que… é o conteúdo, pelo menos naquelas circunstâncias, porque aquele mesmo conteúdo, se eu estiver a debater a dois, com um colega ou uma colega, e... eu posso discutir esse conteúdo também em crioulo, portanto há alguma influência do ambiente, mas eu diria… chamaria isso conteúdo. há determinadas circunstâncias e ambientes… há bocado eu disse que não é propriamente o ambiente, ambiente e pessoas misturam-se. às vezes, às vezes a mesma pessoa com quem eu falo habitualmente o crioulo, chega determinadas circunstâncias, determinado ambiente, e não é só o ambiente, também porque pode haver pessoas que não entendem… enquanto português toda a gente entende, pode haver pessoas que não entendem bem o crioulo, portanto se houver um português, um inglês, ou um francês, eu estou a excluí-los da conversa se eu falo crioulo, porque crioulo seguramente que não sabem, português ainda poderão saber, eu posso não saber falar francês, eles podem entender alguma coisa em português, mas em crioulo não, crioulo é completamente marginal em relação a isso. portanto essa situação… nessa situação, por exemplo, também eu acho que é… eu acho que se deve falar português, e se eu sei português, e eu falo português, é exactamente para me expressar e comunicar sem problemas, assim. e pessoas, pessoas é mais… digamos… quando eu sinto que a pessoa exige. ou às vezes também, eu desculpo-me dizendo que a pessoas exige, mas eu é que em relação a essa pessoa, não tenho o à vontade, e aí vem… renasce tudo, agora em relação a mim para falar crioulo nessas circunstâncias. eu não tenho o à vontade, eu mais facilmente desculpo-me dizendo que essa pessoa é que não tem à vontade para me ouvir em crioulo, eu é que não tenho à vontade, eu não sei qual é. mas há aí um problema qualquer que me parece nesta circunstância um pouco como uma disfunção. ou seja, o normal seria em relação a essa pessoa também eu falar port… em crioulo, porque esta circunstância não tem nada de especifico - nem em termos de ambiente, nem em termos de conteúdo, absolutamente nada que exige que eu me expresse em português. mas sou eu que (…) não querendo muitas vezes admitir que está em mim, não é? que eu aí… nesta circunstancia… quase que atribuo uma espécie de complexo, mas eu sei que essas coisas são complexas, e que têm a sua explicação e a sua justificação, histórica, muitas vezes psicológica, psicossocial e não sei quantos, mas eu atribuo à pessoa. + +Certo. E diga-me com que finalidade, usa o crioulo e o português. Estou a pensar em questões do tipo, expressar os seus sentimentos, rezar, orar, namorar…? + +bom, eu namoro ((risos)) + +Em crioulo. + +à crioula, digamos… + +argumentar… + +agora… em situações muito íntimas o português não sai. o português… digamos… há certas situações, imaginando as mais íntimas, o português surgiria quase como um humor descabido na circunstância. não faria sentido, desmotivaria (…) portanto essa é uma circunstância, circunstâncias mais intimas. mas a pergunta era… + +Argumentar…convencer alguém… + +para argumentar… convencer alguém… argumentar, eu sinto-me à vontade em argumentar em crioulo. mas eu reconheço também que há determinado tipo, que eu não sei explicitar neste momento exactamente qual argumentação, que me sai mais facilmente em português. talvez, por exemplo - quando tenha que usar digamos, a lógica aristotélica, que é a lógica da argumentação, eu começo com a palavra, lógica aristotélica, e já estou a falar português, lógica aristotélica já é português. e quando eu… digamos… organizo o meu raciocínio em termos lógico-aristotélico, digamos assim, eu posso perfeitamente expressar-me em crioulo. mas há alguns momentos, que eu não sei expressar agora, dizer agora, bom talvez não… não tenha palavras para dizer quais, mas eventualmente quando eu tenho de usar um um… demasiado conteúdo técnico, de palavras técnicas, sem tradução para o crioulo -- eu teria sempre de ficar a meter uma espécie de  aspas na minha conversa em crioulo. então é mais fácil eu colocar tudo em português. + +Na última semana, considerando a última semana, em termos profissionais, qual éque usou mais e ouviu mais, o crioulo ou português? + +bom, mesmo considerando esta conversa que está a ter lugar em português, eu acho que na última semana eu devo ter usado noventa por cento de crioulo, senão mais. acontece que por acaso, eu tenho estado uma boa parte do tempo em casa, tenho… dialoguei ontem um bocado em português, e... de um modo geral acho que noventa por cento, incluindo esta conversa, noventa, noventa e tal porcento, na última semana foi em crioulo. + +Já me falou um pouco disso, mas de qualquer modo vou retomar. Circunstancias em que está… a conversa está a decorrer em crioulo, mas muda- se para português, ou vice-versa. E a conversa está a decorrer em português e muda-se para o crioulo. O que faz… o que provoca esta mudança… da sua parte? + +quando eu estou a ouvir alguém? + +Muitas vezes obriga… pessoalmente, faz com que a conversa mude de uma língua para outra, não é? + +bom… não…. eu vejo por exemplo, às vezes as pessoas estão a falar comigo em português e... se o meu gesto… a minha… está descontraído a ouvir… mesmo a ouvir… e eu faço uma brincadeira, faço um gesto qualquer, de arremessar uma coisinha qualquer e tal, de repente a pessoa que está a expressar-se em em português, um pouco penosamente, de repente já está novamente em crioulo. e eu digo bom! óptimo! , outras vezes eu sinto que passou naturalmente. a pessoa esqueceu-se e passou. ainda há bocado, nós aqui nessa conversa, eu disse uma palavra em crioulo que passou despercebida, - quer dizer… estava a falar em português e de repente eu disse uma palavra totalmente em crioulo. agora já… neste momento eu já não me lembro qual a palavra, mas foi assim. e há circunstâncias que eu sinto que há… passa naturalmente, outras vezes passa também do crioulo para o português, essa é quando… é das circunstancias em que as pessoas querem dar um toque de autoridade por exemplo,  mas isto eu não admito, a...  isto eu não admito, pode ser também eseN ka ta admiti-l, mas muitas vezes quer-se vincar bem que a coisa é mesmo séria, então isso eu não admito sai em português de forma mais… então a pessoa passa muitas vezes, um estrato em português, e depois continua. + +Mas por exemplo a chegada de uma pessoa, de uma entidade, de uma autoridade leva a mudar do crioulo para o português ou do português para o crioulo? Ou mudança, por exemplo, de um assunto familiar ou mais íntimo para um assunto mais técnico, faria mudar… faz mudar de crioulo para português ou do português para o crioulo? + +não, se estão duas pessoas a conversar… estou a conversar com uma pessoa e depois chega alguém que é uma autoridade, qual é…? eventualmente de forma instintiva a... gente dirige-se para esta autoridade em português porque não é momento de discutir, se… se… se… vai aceitar português ou crioulo. instintivamente quase que sem pensar  ah... senhor ministro... o…a…! mas hoje em dia é cada vez mais recuado, quer dizer, tem que estar muito lá em cima, para acontecer isso, já com o director geral, digamos, a partir de determinados níveis para cima, praticamente. ou então… quando há pessoas… há pessoas que em si têm um ar mesmo de… digamos… querem dar um ar de rigor e de… e às vezes conseguem ligar isso a um rigor no seu trabalho, e quando falam só português… e aí naturalmente, e instintivamente também, a gente está na mesma onda de rigor. mas é essa ideia de rigor, talvez rigor porque o português é ligado a regras conhecidas, regras… também há isso… eu acho que há isso… esse ambiente… atira-se para esse ambiente, o português tem regras conhecidas, estabelecidas. tem escrita, formalizada, e se eu falo português, estou neste ambiente de rigor também. eu já… não na conversa que pode dar para um lado ou para o outro. há bocado eu disse que eu falo bem o crioulo, eu não sei… eu em crioulo eu falo à vontade… expresso-me à vontade… se falo bem, qual é a norma, qual é a regra? ao passo que em português há balizas, e aí a gente começa a pensar mais, prestar bem atenção, para expressar bem em português e tal, e já se está dentro do ambiente do rigor, da norma, e da regra. e quando eu estou a lidar com pessoas que têm a ver com a regra, com a norma, a lei, com a… imposição, digamos, aí, o português também acho que entra nesse ambiente de forma mais directa. o crioulo é para o discurso vulgar. se for o populista serve o crioulo, o português já não serve para o discurso populista por exemplo. o português é quando se quer o rigor, e é por isso que muitas vezes quando… se entra uma entidade, e quando se passa para uma situação mais formal, passa-se para o português, porque nós ligamos também o português à ideia de norma, à ideia de regra, à ideia de rigor, à ideia de uma escrita que tem de haver aquela concordância porque no crioulo a... concordância não existe, mas no inglês também não existe, por exemplo, o que não quer dizer que não haja norma. mas a verdade é que nós interpretamos isso não como o inglês que é assim, mas como o crioulo que não tem norma. na verdade eu entendo perfeitamente, toda a gente entende… e isso é suficiente… o que se diz, mas como não há normas e há outras circunstâncias em que eventualmente a norma faria… a norma não, não… não falaria da norma, é uma maneira de escrever, é uma… uma certa estandardização para se saber exactamente como é que são as coisas… para que haja uniformização, não falo já de norma talvez, mas da uniformização. a gente pode expressar-se de mil maneiras diferentes em crioulo e todas elas são entendidas. mesmo o crioulo de São Vicente, eu expresso-me de várias maneiras no crioulo de São Vicente, Ribeira bote, etc. e tal, e todas são entendidas. portanto todas têm de ter, acho eu, e aqui não estou a falar como técnico, portanto têm de ter uma norma subjacente que me leva ao entendimento - agora obviamente que se eu estivesse a falar crioulo, língua enquanto tal, língua enquanto tal, penso que tem de ter uma estandardização clara, mesmo que seja por variante, mas cada variante tem de ter a sua estandardização, clara e inequívoca. + +Diria que o crioulo não é uma língua? O que é que acha do crioulo? + +é… é uma afirmação complicada. como é que eu posso dizer que não é uma língua se… então eu não… eu não ando a falar todos os dias? se eu digo que noventa por cento da minha expressão é em crioulo, então não me expresso numa língua? agora lá os técnicos podem dizer, isto não é bem uma língua, isto é outra… bom… pode ser, porque… acho que é uma língua, mas todas as línguas têm… digamos… vão-se tornando mais… vão melhorando no sentido de… portanto avançar para a escrita, com uma escrita regulada, clara, seja para uma variante central ou para outras variantes. agora uma língua que me permite expressar todos os conteúdos que eu quiser verbalmente, com certeza que permite também por escrito. que é língua é. agora, qual é a sua projecção? eu acho que é língua, eu acho que é língua, mas não estou a falar no sentido técnico porque eu não gosto de entrar por áreas que eu não… eu estou a falar no sentido de… para mim língua é quando qualquer comunidade consegue expressar todos os conteúdos que quiser verbalmente, sempre poderá pôr por escrito, agora haverá aí a necessidade de… em termos da escrita, a necessidade de… mas já temos um alfabeto, há normas que têm de ser estudadas naturalmente e que… já tem algum estudo, há uma gramática, mas naturalmente também… o português… há pessoas que falam português mal, por isso é que existe gramática para… eu não saberei responder tecnicamente de uma forma… + +Não… é o que pensa, o que é que acha… + +eu sinto que… eu sinto que o crioulo é língua, com várias variantes naturalmente, o que complica e facilita ao mesmo tempo, não é? + +Como assim? + +porque… para a compreensão no exterior, porque hoje em dia também o mundo… o mundo é globalizado. o mundo é globalizado não significa que há chancepara todos e nem para todas as línguas, há línguas que dominam. assim como o mundo é globalizado, há um monopólio que domina o mundo todo, e o que é pequeno até tende a desaparecer, quer dizer esta é que é a grande verdade da globalização. e a língua está dentro de… digamos… há mercados culturais, mercados linguísticos, digamos assim… não… eu se escrever uma obra agora em crioulo, esse… isso… essa obra poderá ser lida aqui em Cabo Verde por alguns, poucos, lá fora praticamente não tem mercado, eventualmente nos Estados Unidos onde já existe algum estudo do crioulo entre a diáspora e tal, mas a verdade é essa. mas isso já não é um problema em sim, intrínseco da língua, esse já é um problema do mercado de língua, de… mas essas… eu acho que isso tudo acaba por relacionar-se, quer dizer, quando investimos na língua. nós precisamos… eu acho que quanto melhor eu me expressar em crioulo em termos de poder escrever… mas é uma realidade… que eu sinto que não é tão simples… eu sinto que… eu acho que expresso-me bem em crioulo a falar mas a escrever não, logo há uma parte de mim que falha, se aquilo que eu posso expressar verbalmente não consigo traduzi-lo de forma… por escrito. embora eu mantenha que eu consigo, só tenho problemas, de facto, mas como a escrita é exactamente isso, esses problemas atrapalham. enquanto eu estou concentrado, a saber como é que eu escrevo aqui… a ideia já se foi – o… a emoção também já se foi, agora estou concentrado nesta… portanto é preciso que haja uma linha directa entre o pensamento e a escrita, como me acontece com o português, mas também não é tão directa como isso! que eu tenho de pensar muito para escrever simples. mas isso já é uma outra exigência, escrever simples. + +Falando das variantes do crioulo, ou das várias maneiras de falar o crioulo, por exemplo, em São Vicente, Ribeira Bote, etc. Para si alguma destas variantes, alguma destas maneiras de falar é o verdadeiro crioulo? + +vamos lá ver, há um um novo… não se pode também… por exemplo quando eu penso no português, é evidente que o português de Bragança pode até nem ser bem entendido em Lisboa, o português de Algarve também tem .. mas o português não é o português de Bragança, não é o português do Algarve, claro que há um português… digamos… central ou estandardizado, portanto não vou considerar que é o crioulo de Ribeira Bote ou de Fundo Craquinha, etc. etc.. eventualmente tem-se procurado pelo menos um grande espaço, barlavento por exemplo, porque o próprio português de… mas mesmo assim não se consegue uniformização. por exemplo dentro do português de barlavento, eventualmente eu acho que … + +Crioulo. + +dentro do crioulo de barlavento, o crioulo de santo Antão estará aí, entretanto com um… uma tonalidade muito diferente de São Vicente. + +Estará aí, como? + +dentro dessa variante de barlavento, de uma variante única, eu sinto o crioulo de santo Antão dentro dessa variante, assim como o de São Vicente dentro de… uma mesma variante, estar em… numa mesma variante… + +Não percebo bem… está a propor a construção de uma variante de barlavento? + +não estou a propor, estou a dizer que eu sinto assim. porque… vamos supor, uma variante, de barlavento, não é possível por exemplo, a escrever as pessoas falarem numa língua, e escreverem noutra. quem falar o crioulo de São Vicente e escrever aquilo… a mesma língua que Manuel Veiga escreveu, estar a falar numa língua e a escrever noutra, é o que eu sinto. é completamente diferente, de facto, portanto quem fala o crioulo de São Vicente tem de escrever esse crioulo de São Vicente, tem de escrever o crioulo de barlavento. porque é que eu digo barlavento? é que também o crioulo de Santo Antão e de São Vicente, e de são Nicolau, têm semelhanças tais que podem facilmente, a meu ver, sem violentação da pessoa que se expressa no crioulo de São Vicente, escrever, e a pessoa que se expressa no crioulo de Santo Antão, escrever a mesma escrita, sem violentação. ou seja, que não há um corte significativo entre o que a pessoa expressa verbalmente e põe no papel, assim como também, quando se diz uma baca em Portugal e se põe vaca, não há um corte significativo. quer dizer… está a falar, fala de uma maneira, e escrever, há alguma diferença. mas já quando alguém fala o crioulo de São Vicente e vem escrever como o livro de Manuel Veiga por exemplo, que eu adorei, que é em crioulo de Santiago, aí já está um corte significativo, a meu ver, entre a expressão verbal e a escrita. + +Imagine uma criança que começa a escola, em São Vicente, e a meio de… da sua escola primária, por exemplo vem para Santiago, como é que ficaria? + +a criança começa… + +A escolarização em S. Vicente… portanto, está ali a aprender a ler e a escrever na variante de São Vicente, certo? + +mhm + +Depois tem de fazer a terceira e a quarta aqui em Santiago, como é que…? + +bom, esta questão está colocada a nível de um país, poderia responder com outra pergunta, começa em Inglaterra vai para Portugal depois. dir-me-ia - são dois países. eu falaria da globalização, que nós somos uma aldeia global -- mas, deixando essa retórica de globalização, de aldeia global, parece-me o seguinte. a criança está em São Vicente começa a aprender a variante de São Vicente ou de barlavento se for isso, não é? vem para Santiago, aprende a variante porque está em Santiago, e facilmente vai aprender a falar este crioulo de Santiago, e aprende a variante de Santiago também. + +A escrever? + +a escrever, e e e… porque é uma escrita… a criança até pode começar a falar rapidamente, assim como a criança vai aprender eventualmente inglês, só que não vai ser igual ao inglês, porquê? porque existe uma intercomunicabilidade entre as ilhas, NESTE MOMENTO, nesse momento, que já permite a compreensão fácil. mas dentro… da compreensão fácil à expressão fácil, à transição fácil da expressão para a escrita, de uma mesma pessoa que se expressa… que a sua oralidade é na variante de barlavento ou em crioulo de São Vicente, para vir expressar em crioulo de Santiago, aí sim, aí já há um corte! eu estou a dizer… repare numa coisa, a sua expressão quotidiana… está a escrever uma carta, por exemplo, a pessoa tem de ter instrumentos, se está a pensar… e se toda a sua estrutura é no crioulo de São Vicente ou de barlavento tem de ter instrumentos para escrever uma carta. se quer escrever isto em carta, mandar um bilhete a uma namorada, por exemplo tem de poder mandar, não faz sentido, N ta gosta di bô, alguém lá de São Vicente a mandar uma cartinha ou um bilhetinho para a namorada, N ta gosta di bô, N ta gostá d’bô. se estiver aqui em Santiago não empobrece nem atrapalha, só enriquece. tem de aprender esta variante aqui de Santiago porque também convive… há intercomunicabilidade grande, digamos, nós temos aqui… a nossa… este mundo pequeno também já é muito, há uma osmose grande já, que eventualmente no futuro não se sabe onde é que vai chegar, mas há aproximação, há muita aproximação mesmo a nível lexical, eu acho que… mas o estádio actual que eu sinto é isto, digamos, falando sem projectos, sem projectos apenas, o que eu sinto. + +Dr. X, e o português, oque é que pensa do português? + +eu penso o seguinte. vamos lá ver… nós somos fruto do português e de crioulo. alguns de nós somos mais descendentes de portugueses aqui de Cabo Verde, outros mais descendentes de africanos, outros já não sabem se são descendentes de quem, porque é todo uma mistura, uma osmose que se deu nestas ilhas. tudo que seja, a meu ver, afastar a história, e afastar aquilo que está no passado e que constitui o nosso presente, sem muitas vezes darmos por isso, é uma atitude teórica e que muitas vezes é quase ditatorial. quer dizer, eu acho que quem domina bem o português tem melhores instrumentos para o crioulo, quem domina bem o crioulo tem melhores instrumentos para o português. + +Como assim? + +quem domina qualquer língua, qualquer estrutura, quer em termos de expressão quer em termos de escrita, primeiro facilita o raciocínio porque nós raciocinamos é através da palavra. em parte, podemos… mas mesmo quando não a dizemos, em geral verbalizamos cá dento. a palavra condensa muita coisa, e um conjunto de palavras em escrita ou em expressão verbal, também nos ajuda a construir ideias porque sem elas não vamos a lado nenhum. portanto eu acho que o ser humano que conhecemos hoje em dia, avança, expressa-se e constrói-se por palavras, pronunciadas ou não, mas por palavras -- então eu acho que quem domina qualquer língua, as estruturas de gramática, mesmo instintivamente, não é que tenha de saber, necessariamente, complemento directo, aquilo, aqueloutro, e sabe expressar, tem facilidade com outras línguas, e o crioulo naturalmente. quem souber, quem não tiver esta frustração que eu tenho, de ter as dificuldades, depois na hora de escrever, estar ali a buscar palavrinhas que é um corte adicional às minhas ideias e que me desistimula, e eu ponho de lado. se eu pudesse escrever crioulo assim como escrevo o português, naturalmente que eu escreveria muito em crioulo porque eu tenho muitas ideias. é evidente que… porque nem tudo o que eu escrevo é para um mercado vasto, digamos internacional. eu escrevo para a minha comunicação também, e para as pessoas cá dentro etc.. agora o português tem o seu espaço, sem dúvida, quer em termos… portanto de… estritamente de formação psicológica. de respeito pela história que a gente não consegue desrespeitar mesmo que queira, a história… não sei se… não estou a dizer o conceito de história, oficial, eu estou a dizer, digamos, aquilo que somos, pronto! etimologicamente. se se quiser, quer em termos de conveniências globais. quer em em termos de conveniências globais… quer dizer, o boletim oficial por exemplo, deve-se… é uma pergunta. deve-se continuar em português ou deve-se passar para o crioulo? o nosso boletim oficial, não é? deve ser em crioulo ou em português? a pergunta é complicada, ou deve ter uma versão em português, uma versão em crioulo? que essa é a pior ideia que há, versão em português, versão em crioulo, ou bem se decide pôr em crioulo, ou fica em português. mas eu penso que o boletim oficial está bem em português, porque o crioulo não tem também ainda todos os… nós tínhamos que pôr muitas aspas, há bocado eu disse que... escrevendo o boletim oficial em crioulo, ainda não tem neste momento, todos os instrumentos necessários para que se tenha um boletim oficial em… está-se a falar de gasóleo, e todas estas expressões… já se tem muita coisa em inglês… nos boletins oficiais, consegue consultar, já se encontra muito inglês lançado aí, mas… e até chegar a pôr tudo em crioulo seria extremamente complicado para o entendimento, para além de que se tem depois as leis que se entrosam umas nas outras, há lei anteriores, com palavras em português com um conteúdo preciso que se tem de relacionar, que vêm desde antes da independência, leis que a todo o momento a gente cita, que se tem de relacionar com outras palavras idênticas cuja evolução científica vai num determinado sentido, queiramos ou não, neste aspecto o crioulo ainda não consegue reflectir esta complexidade. + +Certo. O que é que acha de se usar o crioulo e o português em Cabo Verde? E como é que vê a continuidade do crioulo e do português em Cabo Verde? + +eu acho que o crioulo vai continuar a existir e o português vai continuar a existir. são duas línguas que vão continuar a existir lado a lado. + +Para quê? + +Para quê? + +mhm mhm + +para a expressão quotidiana, para… o crioulo, portanto eu acho que é noventa porcento da expressão quotidiana de toda a gente que vive em Cabo Verde. e inclusive há muitos estrangeiros que acabam por…e isto é importante… a força centrípeta ou de atracão do crioulo como qualquer outra língua em qualquer meio em que se está, muitos estrangeiros chegam cá e começam a falar o crioulo em pouco tempo. portanto não é também nada intragável, não é um conjunto de sons sem articulação, é de facto uma língua, e que as pessoas entendem a sua dinâmica, a sua mensagem, a sua sonoridade, a sua fonética, tudo isso. portanto o crioulo, não há dúvida que… a meu ver não seria possível nenhum decreto evitar que o crioulo continuasse a progredir e a melhorar. depois, há determinados tipos de complexos que pouco a pouco vão desaparecendo. eu, por exemplo, como estudante, quando eu vinha passar férias, eu falava crioulo como um sinal de reivindicação de independência no fundo, digamos assim, muito resumidamente, reivindicação cultural, etc.. um estudante universitário a falar crioulo aqui em Cabo Verde, era o que acontecia na minha geração, todos nós vínhamos de férias e tal, falávamos aqui só crioulo, só um ou outro falava em português, e curiosamente era quase sempre a... sua identificação como o estrato… com um estrato que não pretenderia a independência, essa que é a grande verdade portanto. e é evidente que eu, como os da minha geração, nós mantemos… de alguma forma… por exemplo, não se liberta das ideias e dos sentimentos de forma tão fácil, mantemos um bocadinho isso, mantemos. eu acho que essa ideia também isso permanece, também que é uma reivindicação da independência. ora, eu estou a ligar o crioulo à independência, a minha identidade com o crioulo, mas então pergunta-se, então a minha identidade também não é português? sim, só que, a identidade que eu tenho como português, de alguma forma é uma identidade contraditória, é a identidade que recusa a minha identidade historicamente. quer dizer, o português enquanto imposição ao estrato. nós assumimos uma filosofia libertária no fundo, aliás hoje em dia, digamos todo mundo vai assumindo… quer dizer o homem tem tendência a assumir uma filosofia libertária, a filosofia que nos transforma em homens, e é por isso… não é que o português não esteja, está também, aqui, entre nós. + +Há quem ache que o português é um património nosso hoje em dia. + +eu acho que é um património nosso, eu acho que é um património nosso -- ou seja, por mais que, digamos… eu defendo as coisas num ponto de vista, digamos, sociológico, não de… num ponto de vista meramente político, de traçar imposições, de traçar normas que… que quase sempre têm um conteúdo político, e quase sempre um interesse por detrás. sociologicamente, eu acho que é quase… é impossível negar que o português é um património nosso, nós estamos aqui a falar há tanto tempo em português, eu eu acho que esta entrevista foi em português, porque há algumas dificuldades em relação ao crioulo, ou seja, não há dúvida de que o português tem um estatuto que já perdeu e outro que não pode perder… + +Também por uma questão prática… + +prática. mas o português tem um estatuto que não pode perder e tem outro que já perdeu, ou que vai perdendo. aquele estatuto, contra o qual nós reivindicávamos, a minha geração, aquilo vai-se perdendo a pouco a pouco, e praticamente hoje em dia, com a nova realidade que nós temos, em que Portugal… Cabo Verde tem relação com todo mundo, Portugal significa mais um parceiro, não é? agora sim, agora funciona o que existe em nós, e o que é que existe em nós? o português existe ou não em nós? existe. lá no campo… as pessoas que falam o crioulo mais arredado… mais afastado do português, encontra-se nessas pessoas um carinho pelo português, um… um… ou haverá uma parte que a gente poderá chamar complexo, mas usar estas expressões é complicado mas a verdade é que o português está dentro, de uma forma ou de outra, por uma razão ou por outra está, e se está, pertence à sua identidade. portanto, está um bocadinho no seu código, é diferente do inglês, é diferente do… não, o português está, e o português pertence à nossa identidade. o processo histórico trouxe-nos algumas coisas negativas contra o português, por tudo o que estar contra este português simbolizava em termos universais. + +Certo. + +mas que existe, existe, e que continua a existir, continua, e que é útil - é útil. e se nós vamos a Angola, a Moçambique, saindo de Cabo Verde, o que nós vamos ver é que o português é também um ponto de união, que esse é um outro aspecto, o português é ponto de união também. nós… o e o português de Cabo Verde… aliás não sei se devo falar do português de Cabo Verde, mas é um português sem aquele sotaque metropolitano, antigo. é um português que não é igual ao português cantado angolano, nem igual ao brasileiro, nem igual ao moçambicano. tem no fundo… tem um toque especial, que é um português seco sem… sem… sem especiais fonéticas ou especiais sonoridades, é um português quase que gramatical, eu acho que o cabo-verdiano preocupa-se com a gramática, porque também o cabo-verdiano é colocado numa posição em relação aos outros… às outras antigas colónias. Cabo Verde, digamos procura estar… também o seu processo é diferente… já no princípio do século Cabo Verde tinha muito mais devia existir muito mais gente instruída do que todas as colónias juntas, e a instrução processava-se em português, e o nosso processo libertário vem de gente que se aproximou dos portugueses, em termos de status social, em termos de… e não ao contrário, e não uma revolução proletária, não. é pessoas que se esforçaram em português - que reivindicaram um espaço ao lado dos portugueses, não inferior ao dos portugueses, mas por aquele lado. mas a nossa própria filosofia libertária é tributária de português, e... por exemplo, 7Osvaldo Alcântara com a sua poesia em português, é uma poesia libertária, para mim fortissimamente libertária, em português. o Jorge Barbosa, que hoje eu considero uma fortíssima poesia… para além de humanista, fortissimamente libertária, tudo isso. mas são pessoas que se expressavam em português e que a sua expressividade em português contribuiu para nós… dentro do nosso estilo libertário, contribuiu também, imenso. + +Dr. X, abordou várias questões e eu vou pedir-lhe desculpa, mas eu vou retomar muitas delas para aprofundar. Uma delas tem a ver exactamente com esta questão ser cabo-verdiano e usar crioulo, portanto a nossa identidade. Já se referiu a isto, mas eu vou lhe perguntar especificamente, admite a possibilidade de alguém ser cabo-verdiano e não gostar do crioulo, de usar exclusivamente o português, admite alguma circunstância em que o cabo-verdiano pode não usar o crioulo? + +quando estava a falar do… da minha vivência em casa, eu disse que o meu pai falava muitas vezes em português e nós encontramos isso em muitas famílias, e o cabo-verdiano… + +Gostaria que relacionasse isso também com a questão da identidade do cabo-verdianoque me referiu há bocado… + +mhm, o funcionário público... o funcionário público… nós encontramos muitas famílias em que a mãe exprime a autenticidade, exprime não, digamos, a conveniência, mas apenas em termos de autenticidade. e o pai exprime outras conveniências. e ao falar português com os filhos, primeiro vai… tem todo um projecto… naquele tempo o pai era funcionário público por exemplo, um funcionário público já era um estatuto de rigor, hoje em dia já não é, era um estatuto… a verdade é que era um estatuto, antes de mais, de rigor, e de cumprimento de normas, que era em português. e educavam os filhos… encontramos muitos pais que falavam com os filhos em português… dentro de do projecto de se singrar na estrutura colonial, e ser alguém. e é exactamente nesse processo, singrar na estrutura colonial, é a partir deste processo, aliás se lermos obras várias, de Teixeira de Sousa, e de outros, e... há uma obra extremamente interessantes que eu li, do Gomes dos Anjos, sociólogo, sobre esta… esta questão. nós… quer dizer, nós vemos que… vemos que é a partir daí que, de facto vai formar-se essa elite, e que essa elite começa a sentir que chega o português, o português tem todas as hipóteses, etc.. mas eles aprenderam o português, dominaram bem… sabem dominar as… as leis, os boletins oficiais, e na administração pública são grandes quadros, e não compreendem como é que chega aqui um português, um militar, muitas vezes não percebe absolutamentenada. portanto chegou aquela fase em que acontecia isso, e têm todo um estatuto de superioridade, e então, é na disputa do português, falar bem o português, de dominar bem as normas, e o rigor e as regras que são em português, é que os pais vão educando os filhos. o pai, porque a mãe de um modo geral era doméstica, educando os filhos a falar o português, e também a exigir rigor de normas, sentar-se à mesa àquela hora, tal, tal, tal, que de um modo geral é mais um rigor que vinha mais do lado dos pais do que das mães, do pai do que da mãe. eu acho que é daí, de facto, é de toda essa que nós temos… e daí depois vai surgir, vão surgir os literatos, Amílcar Cabral, como literato, tem poemas que eu considero lindos, bons, escritos de alto nível. Osvaldo Alcântara, enfim… mesmo antes dos claridosos - todo uma série de pessoas se expressavam em português, que eram portugueses até ao último que se pudesse imaginar, queriam mostrar-se até mais portugueses do que os da metrópole, mas que eram autenticamente reivindicadores, ao fim ao cabo, de um estatuto de identidade para Cabo Verde -- portanto, o estatuto de identidade para Cabo Verde, e os mais humanistas entre eles expressavam-se em crioulo, como é o caso de Eugénio Tavares, expressavam-se em português e em crioulo com a mesma facilidade, escreviam os seus artigos em português, expressavam-se em crioulo, e portanto… quer dizer… o português e o crioulo estiveram neste terreno, nesta trincheira de luta para a liberdade, e também o português esteve, esteve nessa trincheira, não é só o crioulo-não é só o crioulo. + +Certo. + +e então nós temos essa… eu digo… eu digo é que nós temos toda essa… essa amálgama conjunta dentro da nossa identidade, e mesmo o lado libertário utilizou as estruturas… utilizou essas estruturas do português, utilizou o crioulo - utilizou… nesta disputa que é, uma primeira fase, uma disputa entre elites e que depois vai… acho eu que… depois, digamos, vai transformar-se, esta filosofia, portanto, agora depois é luta da libertação, etc. etc.. a dizer que já não é uma disputa só entre elites, mas que acaba por ser, continua a ser também entre elites. Amílcar Cabral pertencia a uma elite, e aqueles que aqui de Cabo Verde estiveram na luta de certo modo, pertenciam a uma elite, no fundo, uma elite que se expressava em português, é por isso que eu digo… que eu sinto o português e o crioulo como a… se se proibisse o português em Cabo Verde, escrever o português, isso seria impossível. seria tão impossível como proibir o crioulo. bom, quase tão impossível como proibir o crioulo, porque, bom, o crioulo sai espontaneamente, as pessoas falariam aqui o crioulo, continuariam a expressar-se em crioulo, à vontade. mas no momento de… escrever uma carta - as pessoas sentiriam saudades de algumas expressões em português, sentiriam necessidade de se expressar em português se se impusesse que a expressão fosse em crioulo. isso, portanto, para dizer que o português e o crioulo… + +Admite, por exemplo, que haja um cabo-verdiano que não goste do crioulo ou um cabo-verdiano que se recuse a usar o crioulo? + +eh... sim… eu admito… que haja cabo-verdianos que se recusam a usar o crioulo. pode ser por habituação, por exemplo cabo-verdianos que… cabo- verdianos… encontra-se muito disso, muitos cabo-verdianos que falam só português, especialmente aqueles que viveram na imigração ou que foram quadros no mundo exterior, não é bem na imigração não, muitos… aqueles que foram quadros dentro… do âmbito colonial. habituaram-se a falar o português e eles, para si, porque de modo geral também foram bons quadros da administração colonial, eles ligam a ideia do português à ideia de rigor, são puristas do português, muito fortes, são muito críticos de todo o português mal falado, e acreditam que eles dominam o português, acreditam que dominam… acreditam que… é neste quadro. mas mesmo dessa gente é raríssimo aquele que não… que não… que não fale o crioulo. eu não sei se haverá um ou outro caso, de pessoas que só falam português, eu não sei quantas pessoas falam português em Cabo Verde, se só falam português, porque desdenham o crioulo -ou só falam português porque têm o hábito de falar. + +Acha que o crioulo deve ser ensinado nas escolas? + +sim. + +e usado na alfabetização de adultos? Fale-me disso. + +sim, eu acho que sim, eu acho que sim. eu sou defensor de se ensinar o crioulo nas escolas, é complicado dizer que… que se tem de ter calma em relação a isso, ou seja, calma no sentido de se discutir muito esta questão. porque a pior coisa que há é ter de imediato estar a fazer imposições em relação à língua, se há uma coisa que ninguém consegue impor é em relação à língua. a gente pode impor tudo, pode impor toda a espécie de ditadura, mas em relação à forma de a agente se expressar! na escola até se pode… por exemplo, vamos lá ver, de imediato… de imediato… de imediato pode-se começar… a questão é… de imediato, pode se começar na escola um programa de quê? de ensino de crioulo como língua quê? como língua… como mais uma disciplina, ensinar o crioulo como mais uma disciplina, eu acho muito bem ensinar o crioulo como uma disciplina. + +A ler, escrever, falar, ou…? + +ler, escrever, e falar. claro! se se ensina a escrever, tem-se que ensinar a ler, para que o aluno possa passar da sua expressão oral, para a expressão escrita, com à vontade. nunca esquecendo, por exemplo, volto a dizer, que se um aluno de São Vicente… ensinar um aluno de São Vicente a dizer, 8N Kre-bu txeu… até a expressão N Kre-bu txeu… provém da morna - e este é um factor aglutinante da coisa, é uma expressão que até cai bem, mas outras expressões do crioulo do Santiago… ou vice-versa, vir aqui, em Santa Catarina, 9a mose, bô sabê, e tal… aí não dá, porque há um corte demasiado forte, entre a expressão oral e a escrita, logo… logo… logo, aqui põe-se, primeiro, a solução dum problema, isto é um problema, sem dúvida, - é preciso que haja pessoas que saibam uma variante e outra variante, mas é preciso saber que variantes. e como, por exemplo, digamos, estas variante não podem ser também… digamos, tem de haver um estudo prévio sobre isso, se é o momento adequado? eu acho que quando se começa nunca é momento adequado, nunca. o momento adequa-se por se ter começado, o caminho faz- se andando, o importante… + +E na alfabetização de adultos? + +na alfabetização de adultos? eu acho que sim também. mas e..., eu na alfabetização de adultos talvez começasse a alfabetização de adultos em português, pelo seguinte, o adulto vai encontrar maior quantidade de material em português, com que possa lidar para além da escola. se a gente que vai fazer uma alfabetização de adultos, para que as aulas bastem por si, não é preciso lá fora, o professor fica contente, o estado fica contente, porque se alfabetizou alunos em crioulo, e o aluno fica analfabeto, porque aprendeu aquele conteúdo em crioulo e cá fora não tem instrumentos… não podemos também… é como eu digo, de facto eu acho que o caminho faz-se andando, nunca é momento adequado para começar, depois daqui a uns anos é que se vem dizer parabéns por se ter começado, mas mesmo assim tem-se que pensar na hora de começar, para não começar também mal. por exemplo, muitas vezes começa-se mal e depois de começar mal, desacredita-se o projecto e nunca mais. + +Acha que o crioulo deve ser oficializado? + +depende do que se entende por oficializar, eh... eu neste momento, esta palavra oficializar o crioulo… se me disser, ensinar nas escolas como disciplina -já me disse algo concreto. + +Quando diz, ensinar nas escolas como disciplina, está a pensar no ensino das outras disciplinas em que língua? + +eu estou a pensar no ensino das outras disciplinas em português. eu estou a falar de ensinar, numa primeira fase, ensinar o crioulo. depois vamos ver como é que é, se o crioulo escrito singra com a mesma performance do crioulo falado. eu não sei qual é o futuro ainda do crioulo escrito. como é que é aceite, como é que é dominado. há cartinhas escritas em crioulo, ou as cartas de amor do Luís Romano, por exemplo, são escritas em português, mas com um português que a gente lê e depois fica a perguntar se é português ou se é crioulo, que é aquela forma de amoldar o português com determinado sentimento e estrutura crioula. quando eu leio um poema de Corsino Fortes, em português, é um pouco como quando eu ouço a falar, eu sinto o crioulo aí, é a estrutura total do crioulo, mas é em português, escrita em português. mas é em crioulo, é crioulo puro, aquelas expressões duras, aquela forma é crioulo -- quando a gente entra naquele… na poesia de Corsino Fortes… eu, por exemplo, de uma determinada vez, a pensar nas pessoas escrevem em crioulo, pensei em Corsino Fortes, mas eu disse, espera, ele até é que me disse – não, ah! sim, é verdade! . ou seja, quer dizer que há um português com performance do crioulo muito forte, nestas cartinhas de amor de coiso… e o crioulo escrito vai ter a mesma performance que o crioulo falado? ou pelo contrário, vai ser uma coisa que as pessoas não… se em relação ao crioulo do Santiago digo que, pessoalmente, li  Oju d’Agu e gostei, porque eu já estava a ler como se estivesse a ler português, mas eu gostei só por isso, por estar a ler como se estivesse a ler português, mas Manuel Veiga é que escreveu, e outras pessoas escreveriam, teriam aquela… porque Cabo Verde não é só Manuel Veiga, e o quotidiano? e este, claro, é com tempo, com anos e anos de experiência, e portanto ensinar uma disciplina para este efeito, está bem – mas agora pôr a escrever textos de geografia, resposta de geografia em crioulo, na aula de geografia, eu não estaria de acordo. + +Porquê? + +umh? + +Porquê? + +essa aqui é que é a pergunta mais complicada. falar é fácil, mas justificar é mais complicado. porquê? porque é aventurar-se precipitadamente no desconhecido, ou seja, porque eu não sei ainda quais os problemas que isso possa trazer, porque sequer está ainda definido claramente, para as pessoas, como é que vai ser este crioulo a ensinar, e nós estamos a resolver vários problemas ao mesmo tempo e não resolvemos nenhum, eu acho que primeiro é começar, e depois… eu talvez se viesse pensar, encontraria vários problemas, mas acho que… começa-se com segurança, naquilo que é possível. + +Voltando à questão da oficialização do crioulo, tinha começado a dizer… o termo oficialização… a discutiressa questão… + +não, eu estava a dizer, depende do que se entenda por… se me falar da oficialização… em coisas concretas… a oficialização ao nível das línguas e os simpósios que se fazem, isso… são muito úteis para os linguistas, são muito úteis para… mas quem escreve no quotidiano não tem em conta isso. depois a gente pouco a pouco vai-se corrigindo, ah! não, isto agora, segundo o acordo ortográfico, faz-se assim, e a pouco e pouco as pessoas vão corrigindo isto, mas também se esses acordos ortográficos forem muito teóricos, muito fora da realidade, ninguém vai respeitar, e o acordo… depois virá um acordo a alterar o acordo. se me disser que oficialização é publicar nos boletins oficiais em crioulo, eu diria quenão estaria de acordo… + +Não. É tornar o crioulo uma língua oficial tal… Actualmente o português é a únicalíngua oficial em Cabo Verde. + +ou seja, as entidades possam se expressar em português ou em crioulo, indistintamente, em toda e qualquercircunstancia? + +Mas também poderia dizer que o crioulo ficaria para determinadas funções e circunstâncias e português para outras, dependeria dos termos… + +pois é, por isso é que eu digo, tudo dependo dos termos, quer dizer eu não sei exactamente do que é que… + +Mas, para si? Como é que vê…? + +eu… a medida que eu vejo neste momento, que eu vejo de útil no crioulo é continuar com estudos e ensinar nas escolas. saber exactamente como é, discutir inclusive com os alunos, para os alunos terem também a consciência do valor da língua e o que é língua, porque todos nós temos… há uma concepção errada entre nós sobre a ideia de língua, língua é aquilo que as pessoas estabeleceram lá nos simpósios etc.. se me… se me disserem que vão oficializar o crioulo no sentido de dizer, ser ensinado nas escolas, no sentido de se dever, ou ter de falar, e ter de usar em determinadas circunstâncias necessariamente, não concordo. em nenhuma circunstância se pode impor que se fale, porque o português… não se impôs que se falasse, português é uma imposição antiga, e não se deve… não é com duas ditaduras que se resolve uma ditadura, não. é aquela ditadura que vai-se desfazendo, o nascimento espontâneo, o crescimento, não só espontâneo, mas para o caso de uma ou outra… isto é um pouco como a questão das quotas, a questão das quotas… se eu concordo ou não com quotas, pronto, há argumentos vários… + +Vou pôr a questão um pouco ao contrário, acha que o português deve continuar a ser a únicalíngua oficial de Cabo Verde? + +vou pedir desculpas, de não poder responder, ou ter de fugir a esta questão, porque eu ainda não tenho o conteúdo, quer dizer, o conteúdo concreto, do que se quereria para uma oficialização do crioulo, porque para a oficialização do português… o português está oficializado independentemente do que esteja escrito. o português ocupa um espaço oficial, e agora qual é o espaço oficial que se quer que o Cabo Verde que o crioulo ocupe? o espaço oficial sociológico… + +O que é que acha… sendo oficializado, ele devia ser oficializado para quê? + +para o ensino nas escolas, por exemplo, e para ser aceite em qualquer circunstância, para se poder falar em qualquer circunstância. e escrever também? mas se ainda não fizemos o ensino da escrita! repare, esta parte, ser falado em qualquer circunstância, já existe, já se fala em todo e qualquer circunstância! eu, se quiser falar com o primeiro ministro em crioulo, ele de certeza que não me vai pedir para falar em português. se eu estiver a falar com um inglês, eu falo em português ou inglês, ou o inglês possível. escrever boletim oficial? mas isto já estamos no plano da escrita, é que quando a gente fala da língua, há língua falada e língua escrita, e a língua escrita, eu já disse que acho que se deve ensinar nas escolas, e a partir daí vamos ver! ou seja, vamos caminhar, não vamos impor… impor, porque tudo pode ser imposição, a democracia pode ser imposição, a liberdade pode ser imposição, a escrita pode ser imposição também. + +Dr. X, temos estado a falar de falar crioulo e português. E em relação ao ouvir, diga-me, muito rapidamente, quais são os contextos em que habitualmente ouve o crioulo e ouve o português. + +na rua ouço o crioulo, quando passa por mim uma pessoa e me cumprimenta, de um modo geral é em crioulo, raramente em português. na administração, digamos, que eu falo muito com… quando lido com a administração falo muito em crioulo, falo também em português. eu sinto que há pessoas digamos de um nível cultural mais baixo do que eu, digamos, com um estatuto, ou status, mais baixo, a quem eventualmente não se dá o atrevimento de falar o crioulo, em que se espera que fale português, digamos que há… há qualquer coisa que… agora, a norma de facto da minha relação é que eu ouço também… que me falam, falam também muito crioulo. + +E na comunicação social? Tem ouvido o crioulo na comunicação social? + +na comunicação social, há qualquer coisa que é interessante, na comunicação social aí é que se nota… de facto há coisas que parecem mesmo derivar de complexos. quer dizer, em determinadas circunstâncias, nós ouvimos discursos perfeitamente ridículos na comunicação social, em que com a mesma pessoa, falando com a mesma pessoa, o comunicador, a pessoa que está… o jornalista, fala crioulo, de repente passa para o português, para entonar uma determinada situação, aí é a mesma pessoa, o mesmo contexto. ou então, às vezes, nota-se que a pessoa quer uma (?) mensagem também mais impessoal. num dialogo com alguém, está cá no telefone e tal, e está a falar e tal, 10ma bô ka …,  não, mas isto agora nós temos que …, e isto, é bom esclarecer aos senhores ouvintes, e a pessoa passa logo para português. mas de um modo geral, a comunicação social também é em português, o noticiário é em português, e agora pergunta-me, e o noticiário podia ser no crioulo? eu acho que sim, perfeitamente, o noticiário em crioulo perfeitamente. só que também aqui se põe um problema, porque todos os problemas têm uma conotação politica, queira-se ou não, em que crioulo? seria no crioulo… no noticiário nacional… agora no noticiário nacional, aí é que está um espaço em que o português tem um bocadinho o papel de união, em que resolve este problema, portanto não há problema. pode-se se dar um noticiário em crioulo, na variante de Santiago por exemplo, seria o crioulo padrão eventualmente, não sei… ou com tendência para se padronizar, porque parece que os estudos indicam que… esta variante de Santiago é aquela que tem, digamos, mais… estrutura mais sólida em termos de identidade. mas isto já é outra questão que eu não toco nisto, não sei, mas progressivamente, poderia portanto chegar-se a uma situação dessas, mas de momento o noticiário, eu acho que é normal dar o noticiário em crioulo, mas digamos, ora em crioulo de… ora em crioulo variante de barlavento, ora variante de sotavento, por exemplo, seria uma forma de… em determinados dias usar uma variante, e em determinados dias outras variantes. seguramente toda a gente entenderia, mas isso exigiria de qualquer forma a descodificação das mensagens que eles recebem na rádio, recebem em português das agências que consultam, passar para o crioulo rapidamente, porque lá fora os mercados são de língua inglesa, portuguesa, etc., e o crioulo… + +Diga-me, independentemente de estudos, o que é que acha da oficialização de uma… da variante de Santiago ou da variante de São Vicente? Como é que sente esta questão? + +neste momento eu não vejo… como é que eu hei de dizer? haveria um pouco como uma imposição, sem alcance, e sem muito caminho para andar, oficialização de uma determinada variante… + +Porquê? + +primeiro, porque a palavra oficialização é vaga, inclui uma série de situações que implicaria, primeiro, quer dizer, nós estamos a… a vir de cima para baixo, pôr o chapéu e avançar depois, eu disse, primeiro ensinar o crioulo nas escolas, se isso ainda não existe. e se ainda não existe, nós vamos esperar a oficialização num sentido muito vago que cria confusão e que não se sabe exactamente o quê. e quando digo ensinar o crioulo na escola, também estou a referir às variantes, porque, como digo, impor a barlavento o crioulo de sotavento, ou… seria uma imposição sem caminho para andar, as pessoas que… dariam por não, eu acho que seria um corte muito violento, é assim que eu sinto, as pessoas não admitiriam. + +Diga-me uma coisa, qual é que acha crioulo ou português exprime melhor a cultura de Cabo Verde? + +o crioulo ou português, vamos lá ver… + +Mesmo na literatura… + +vamos lá ver… mesmo na literatura… + +Estou a pensar no teatro, mas também na morna, na funaná… + +nestas coisas a experiência pessoal conta muito. como eu disse, eu por exemplo, escrevi uma peça de teatro que é Nôs realidadi em crioulo, Nôs RealidaDI, crioulo de Santiago. senti essa peça… eu… falo crioulo de São Vicente, mas eu tenho um contexto muito especial, mas aí é que está, também eu já sou o produto de toda essa aglutinação, de toda essa osmose. eu escrevi em crioulo de Santiago, mas com extractos em português, ou seja, eu quis escrever ou saiu-me essa escrita. se… se eu puder dizer assim, com alguma espontaneidade, sem problemas de saber porque é que está a sair, ora em português, ora em crioulo, eu senti que saía mais autêntico assim, portanto português e crioulo. como eu tenho essa ideia de que a nossa identidade contém ambas as coisas, eu acho que uma grande parte da expressividade a grande parte é em crioulo porque como eu disse, acho que a maior parte das pessoas aqui em Cabo Verde, noventa por cento, é de expressão em crioulo, é o que me parece, mas o português interfere mesmo nessa… no nosso crioulo, o português interfere aí, mesmo expressando em crioulo, e há determinadas áreas em que o português quer entrar mesmo (?), um português amaneirado, etc., mas é quase em português. portanto eu acho que todas expressam a identidade - essas línguas… o português também contribui, expressa, historicamente contribui e actualmente, sociologicamente, psicologicamente também contribui -- o facto de nós não falarmos português no quotidiano, não significa necessariamente que nós não tivemos estruturas e que não tivemos até um certo tipo de emoções específicas ligadas ao português. + +Admite, por exemplo, morna, funaná, batuque, tudo em crioulo? + +a... em português, não é? + +Sim. É em português. + +não, repare. por exemplo o batuque, o batuque quase que o português truncaria o batuque. eu acho que o batuque nasce de um contexto de sobrevivência cultural, revolta, e o português é o símbolo de dominador, batuque não teria sentido nenhum em português. já a morna por exemplo, temos, Ó Mar Eterno, temos algumas mornas em português, Fernando Queijas, e essas mornas em português, acho que são sentidas, Maria Bárbara canta mais uma morna, acho que são sentidas como morna, ou seja, com o mesmo sentimento que o cabo-verdiano sente quando ouve a morna. ou seja, há mornas escritas em português, tudo em português, ou seja o próprio português dessas mornas é também um português… é o que eu digo também, esse português é muitas vezes, sem a gente saber, notar, já um português infiltrado, como Maria Bárbara canta mais uma morna, essa maneira de… de cantar e de dizer isso, já está… o Fernando Queijas, não é?, imbuído de um determinado tipo de sentimento também, então já na morna, eu admito que se possa. mas não há dúvida que as manifestações culturais em Cabo Verde, nós temos por exemplo, em Santo Antão ah... como é que se chama aquilo? aquele que vai… em francês, vel, vel, vel, não sei quantos, etc., é francês, mas é - digamos, adaptado ao contexto de Santo Antão, esse tipo de dança e de convívio, agora o crioulo expressa sem dúvida, em termos quantitativos e mesmo em termos de profundidade, mais facilmente, e, digamos, e mais intensamente, o sentimento popular, sem dúvida, o que estou a dizer é o contributo, o próprio português tem contributo, é isto que estou a dizer. + +E a literatura culta, por exemplo, em crioulo, romances, poesia, como é que vê? + +eu não vejo de maneira nenhu… de nenhuma maneira, porque eu não conheço. eu… eu… eu vejo… por exemplo, eu quando li o livro de Luís Romano, acho que é Lzimparim- também há Famintos-mas em crioulo de Santo Antão, eu vi que é um livro em que ele expõe situações muito típicas de Santo Antão, coisas que eu vivi, e que eu até… eu lembro-me, quando… achei que, bom, aquilo, aquelas situações assim reais, de vida, quer dizer, achei que situações reais tão concretas que eu vivi no interior, então tinham dignidade para livro? então fiquei até engrandecido por ter aquilo em livro. mas em termos de… mas não há muito mais do que isso, há pouca coisa. portanto nós não podemos… eu não posso avaliar aquilo que eu não conheço, de facto eu não conheço a literatura em crioulo, praticamente não há, não há. e não há hábitos de leitura em crioulo, eu não comento com as pessoas, as pessoas não me dizem, eu gostei, eu deixei de gostar, o fulano de tal… depois, a expressão por exemplo, em português, de vez em quando a gente diz, o Eça de Queirós - expressa-se assim, de uma determinada forma, ou então o português de Eça de Queirós… em português diz-se, Eça de Queirós… agora aqui em Cabo Verde nós não temos literatura em crioulo, e não temos sequer referências para dizer, olha, expressou-se assim, o fulano expressou-se dessa maneira, e é isto tudo que liga as pessoas a uma certa literatura. nós não temos… eu não posso dizer… não posso avaliar como mau ou bom, aquilo que eu não conheço, - agora, o que eu digo é que é possível, é possível, eu admito perfeitamente possível, e quando eu ligo… por exemplo, torno a pegar estes dois livros, um do crioulo de Santo Antão, outro do crioulo de São Vicente, e quando eu leio os poemas de… do de São Vicente, que eu disse há bocado, o italiano que eu já esqueci o nome… + +Sim, sim. Frusoni. + +Frusoni. eu sinto que eu consigo ligar com… depois de um esforço de leitura, e ultrapassado depois a fase de esforço, eu consigo ligar, um conjunto de sentimentos agradáveis e tal, avaliar se o livro é bom, se eu gostei da história, se… e viver determinados momentos de emoção, eu consigo isso numa literatura em crioulo. agora, como ela não existe ainda, é preciso ensinar nas escolas, é preciso tal, tal. tal, para se criar esse hábito, e para se criar… mas isto é… quer dizer, sem pressas e com pressa ao mesmo tempo. ou seja, sem pressas para impor qualquer coisa, mas com pressa para traçar o caminho, quer dizer, vamos ensinar, essas coisas, etc., e vai fluir naturalmente, sem que as pessoas… acho que há coisas que flúem naturalmente - é como a questão de quotas que para mim, eu digo, eu sou contra quotas, não… em uma ou outra circunstância, quota pode ser uma solução de força, que às vezes apetece mas a... digamos, o prisma de igualdade ou de… eu não sei se a expressão é essa, mas já se ouve falar de complexo de igualdade de maneira que é complicado, mas de humanidade na relação, alcança-se por outros caminhos mais profundos e mais de fundo, e não por impressões pontuais, de superfície. + +Há bocado falou-me do modo como os cabo-verdianos falam o português. O que pensa deste modo que…? + +sim, eu acho que o cabo-verdiano… que… fala o português que foi ensinado nas escolas. e portanto isso tem a sua influência na… em tentar seguir uma linha gramatical, não é? de um modo geral o cabo-verdiano… acho que fala português bem, em termos da pronúncia, o português do cabo-verdiano talvez seja mais vernáculo do que a maior parte do português que se fala em Portugal onde... eu não sei se chamarei a isso de distorções, mas os regionalismos são tantos e tão afastados que qualquer cabo-verdiano fala português mais próximo do português vernáculo do que um algarvio, do que um bragantino ou… tanta a gente aí de interior de Portugal. porque também Cabo Verde, digamos, é um meio pequeno em que sempre tudo foi ao mesmo tempo mais difícil e mais fácil, em Cabo Verde. mais difícil em alguns aspectos em virtude da pequenez, e de haver ilhas etc., mas tudo aquilo que se quiser fazer mesmo veicular, acaba por veicular-se da forma mais eficiente, não havendo resistências étnicas, não havendo resistências… talvez por ser… Cabo Verde sempre foi um meio muito aberto ao contacto com o mundo lá fora, talvez… Cabo Verde é aberto, o cabo-verdiano é aberto, o cabo-verdiano fala inglês, encontramos aqui gente que fala tantas línguas. porque temos mais gente lá fora do que cá. + +Mas o que é que acha dessa maneira específica, acha que é assim que os cabo-verdianos devem falar… acha que deveriam falar de outro modo? + +quer dizer, por exemplo, o brasileiro é um português específico, parece ter uma norma é um bocadinho diferente da norma específica (?). aqui em Cabo Verde acho que… digamos, a nossa norma… estou a usar uma expressão que não sei se é… assim pela rama, aproxima-se mais do português... + +Europeu? + +europeu, europeu, português de Portugal. ah... com… desde que se use, digamos, determinadas expressões, não no sentido apenas do exotismo, mas digamos… porque há uma adaptação do português ao crioulo no sentido apenas do exotismo, como quem oferece um produto exótico para o estrangeiro consumir. agora, só que actualmente, actualmente, o português já flui de facto de forma natural, quem fala o português fala de forma natural, sem a escrita do português, já não vejo aquela escrita com muito maneirismo como a tentar aproximar do… do crioulo, acho que isso… eu já não sei se é mesmo um esforço consciente. por exemplo, os claridosos, viu-se um bocadinho… um esforço consciente nesse sentido, que eu achei interessante. em 11Chiquinho é claríssimo isso, não é? é um esforço consciente conseguido sem finalidade exótica, eu acho que é um esforço conseguido, ou seja, dizendo, o português 12sima... da nossa maneira… + +Concorda com isso? Acha que deve ser isso? Deve ser essa a opção? + +português sim, mas à nossa maneira… acho que isso foi num determinado tempo, hoje vai-se esbatendo… + +Neste momento acha que deve ser à moda de Portugal? Incentivar o português falado em Portugal ou português do Brasil, ou há que cultivar esta…? + +eu... a resposta mais honesta seria que eu não sei responder a isto, eu não tenho uma resposta, que… eu acho que isso talvez atirasse para planos técnicos… + +Não. Trata-se do que pensa. Como é que sente…? + +eu sinto que… que… será preciso estabelecer um português de Cabo Verde, não? digamos estabelecer alguma… + +Não é estabelecer. É se sente que seestá a caminhar, neste sentido… + +de estabelecer um português para Cabo Verde? + +De construir… o que é que pensa disso? + +não, eu acho que não. eu acho que não se está a caminhar neste sentido, eu não vejo um caminhar neste sentido, bom, porque este caminhar seria um caminhar consciente, um caminhar de luta, um caminhar de luta politica e humana, que neste momento as preocupações são outras, e tirando estas preocupações, eu não vejo no português que se escreve aqui em Cabo Verde… + +Fala... + +e que se fala aqui em Cabo Verde, nenhuma preocupação especifica, consciente… e não… + +Não estou a falar em termos de preocupação, mas em termos daquilo que acontece efectivamente, o modo como os cabo-verdianos falam o português. + +é como eu digo, o modo como os cabo-verdianos falam o português parece-me que é… é o modo português falado em Portugal… e..., mas com… com mais preocupação gramatical, porque em Portugal sempre dizem, a mim me parece… + +E isto é uma questão natural… é normal que assim seja ou…? + +eu acho que no nosso percurso é normal que assim seja, porque, por exemplo, como digo, em português diz-se, a mim me parece que… esta perífrase ou como se diz, a entonação, a mim me parece que…, é um conjunto de coisas que aqui nós não usamos, em Cabo Verde nós não usamos, nós usamos o português seco, gramatical, seco, quer dizer, chegamos até lá, mais nada. agora, a partir deste português não conseguimos floreados, porque isso já são floreados, não conseguimos floreados à volta da língua, quem está tranquilo faz todo esse floreado, mas a estrutura gramatical que nós seguimos é idêntica à do português de Portugal, e eu não vejo nenhuma especificidade, e… eu não vejo, digamos, um português adaptado ao crioulo ou aproximado do crioulo, não é o que eu vejo, não é essa evolução que eu vejo, ou seja, não é a evolução posta no Chiquinho que eu vejo… + +Mas eu estou a falar disto que está a dizer… desta maneira como os cabo- verdianos falam o português… se acha que esse é que é o caminho, se sente que este é que é o caminho para o português em Cabo Verde, digamos que ele vai tomar este caminho ou se devemos… Acha que deveríamos, cultivar o falar à moda de Portugal? + +não, não. eu acho que o caminho é este, porque é este o caminho que se fez. quer dizer, e como esse caminho que se fez não é nenhum caminho negativo, onde não se deturpa absolutamente nada, é isto que eu estou a dizer, não se deturpa absolutamente nada, segue-se à risca a gramática portuguesa. só que é um caminho feito por pessoas que no seu quotidiano, como é o meu caso, falam noventa por cento em crioulo e depois vêm falar português, e no momento de falar português, por mais à vontade que eu tenha, os floreadozinhos ficam de lado, eu preocupo-me com o conteúdo, e o nosso português é feito neste sentido, e portanto, falar português correcto a... a que eu não ligo demasiadas emoções ao falar, as emoções eu deixo para quando estiver a falar em crioulo, portanto acaba por ter o seu campo específico, um campo não directamente emocional, quando eu falo em português, estou apenas a expressar conteúdos racionais, e portanto não há aqueles floreadozinhos, e mesmo quando eu me descontraio, eu começo a gozar, etc., então eu passo para o crioulo, onde estou mais à vontade. e eu não corro o risco de dizer cabeu em vez de coube e esta história toda, porque se for em Portugal, isto acontecer, passa. porque eles dizem isso como um erro natural já, onde isto acontece, acontece como um erro natural, e que ninguém está aqui preocupado com ele, aqui não, aqui um erro de português é grave, de maneira que eu tenho essa pressão sobre mim, portanto eu acho que o português, tal como está, tem um estatuto, relativamente até, se se quiser, acanhado neste aspecto, que é o estatuto que tem, porque o verdadeiro estatuto nobre é do crioulo. agora pergunto, então porquê é que o português ocupa o espaço nobre? mas é um espaço nobre?, porque é que é espaço nobre? espaço no boletim oficial? é que o português é enxuto e claro, e vai para o boletim oficial - e vai para estes espaços. porque queiramos ou não, a língua tem duas vertentes, a falada e a escrita, e nós não temos a vertente escrita do crioulo, agora vamos investir no crioulo escrito sem preocupações de impor absolutamente nada e de… porque também há nisso… o crioulo… há digamos, agora deixe-me sair deste plano específico mas que tem a ver, há muita demagogia em relação à língua, exactamente porque a língua é um ponto forte e porque noventa por cento falam crioulo, numa sociedade democrática não se pode esquecer o noventa por cento, e há que falar destes noventa por cento, e muitas vezes com um pendor… algo na voz. + +Dr. X, não tenho mais nenhuma questão, mas se tem algum comentário que queira acrescentar, alguma ideia que eu não tenha abordado mas que tenha na mente e que queira aflorar, esteja à vontade. + +((risos)) não, é tudo. + +Muito obrigada, então. 1Tradução para português, Regresso de Tanha (nome de uma mulher) 2Tradução para português, Tanha, deixa que te diga uma verdade, embora com mágoa no coração, vai mulher, sai para o mundo! Porque as pessoas da nossa raça, sabes Tanha, gente da nossa qualidade, com fome na barriga e ignorância na cabeça, para viver tem de oferecer o corpo, e fazê-lo com gosto! 3Tradução para português, macho 4Tradução para português, ideia formada, constituída, firme (tradução literal da expressão idiomática: dentro do cálculo) 5Tradução para português, indo com avanço (tradução literal da expressão idiomática, ir no meio da Achada) 6Tradução para português, no alto da cabeça (tradução literal da expressão idiomática, na achada da cabeça) 7Pseudónimo literário de Baltasar Lopes da Silva 8Tradução para português, Amo-te 9Tradução para português, Sabes, rapaz 10Tradução para português, Mas tu não… 11Da autoria de Baltasar Lopes da Silva, trata-se de um romance em português que é um ícone da literatura cabo-verdiana de 12Tradução para português, como, à moda de" +INF14.wav,"Dra. X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A primeira questão que eu gostaria de lhe colocar é a seguinte, antes de entrar para a escola, o que é que aprendeu a falar? O crioulo… o português… + +não, eu antes de entrar para a escola só falava crioulo em casa, comecei a falar português a partir do momento em que entrei na escola, na antiga escola primária, portanto da primeira à admissão, portanto a língua portuguesa como… mais com conversa com professores, essencialmente com professores. + +Mas tinha contactos com o português antes. Por que via? Na comunicação social, igreja… + +na altura… + +Outras pessoas… antes de entrar para a escola. + +antes de entrar para a escola, algumas pessoas. quer dizer, muito limitado, portanto, na altura, na Praia… na altura ainda não… não tínhamos televisão em Cabo Verde, portanto, essencialmente, provavelmente era rádio, portanto ouvia-se através de rádio ou com uma ou outra pessoa, o meu pai também de vez em quando falava português. portanto daí algum contacto, mas fora isso, muito pouco e algumas pessoas que falavam português. + +E actualmente, em casa com os seus familiares, com os seus amigos colegas mais próximos? + +com colegas mais… bom, depende. também em casa é crioulo. + +E os mais próximos, não tão próximos. + +em casa é crioulo. com colegas normalmente também, a não ser que sejam colegas com pouca ligação, com qual não tenha muita ligação, se houver um conhecimento no âmbito do trabalho então pode ter ficado aquele hábito, mas habitualmente com colegas... também se forem colegas cabo-verdianos, em crioulo. + +E com os amigos? + +também crioulo. + +Também em crioulo. Diga-me… + +excepcionalmente um ou outro, se for uma pessoa que habitualmente não fala crioulo, portanto em Cabo Verde o número dessas pessoas já é muito reduzido, com essas pessoas em português, mas é um número muito limitado. + +Como é que avalia a sua proficiência geral em português e em crioulo também? Estou a pensar em ler, falar, escrever. + +bom… eu… portanto… ler leio muito pouco em crioulo, tenho alguma dificuldade em ler um texto em crioulo, bom posso ler e acabar por perceber, mas levo mais tempo, por exemplo, a ler em crioulo do que a ler em português. falar sem problemas. mas penso que já é um crioulo urbano, com fortes… se calhar com muita influência urbana, citadina, mas pronto, falar- acho que não há problema . + +E escrever crioulo? + +escrever não, escrever também não escrevo – eu… o que eu penso, é que o meu crioulo é essencialmente umcrioulo falado. + +E o português? Falar, ler, escrever. + +portanto, escrever escrevo habitualmente em português. ler também leio muito, pronto, já é um hábito desde criança, jornais, revistas… eu, por norma, leio tudo o que me aparece à mão, romances, livros didácticos… portanto, ler leio muito. escrever também só escrevo em português. falar quando for necessário, em situações em que haja necessidade de utilizar a língua portuguesa, utilizo língua portuguesa. por exemplo dependendo do…da pessoa com que esteja a falar, pode ser em português ou em crioulo, mas pronto, aí não há problemas. + +Diga-me, gosta não gosta de falar crioulo prefere falar crioulo ou português. Já percebi que prefere ler em português e escrever em português. E em termos de falar? + +de falar… eu habitualmente falo em crioulo. não falo português em regra, a não ser em determinadas situações, numa situação de trabalho por exemplo, eu utilizo a língua portuguesa. bom, aqui eu excluo o trabalho político, se for o trabalho político até pode ser o crioulo mais vezes do que a língua portuguesa. + +Trabalho politico, como…? + +por exemplo… + +No terreno ou mesmo… + +bom, no terreno é essencialmente crioulo. se a gente for fazer alguma visita a algum bairro, aqui na Praia ou Santa Catarina, ou outro sítio qualquer é em crioulo -- mas também por exemplo, eu já fui []- tive de fazer alguns contactos, já na qualidade de 1Y, e aí, quando são contactos, por exemplo com militantes ou com pessoas do partido, também é em crioulo porque habitualmente as próprias reuniões partidárias são feitas, a maior parte das vezes em crioulo, a não ser que seja a apresentação de algum tema, aí vai-se para a língua portuguesa. mas há pessoas que mesmo a apresentar temas, têm aquilo em português, fazem a projecção, mas vão utilizando o crioulo, aí varia, depende das pessoas, mas se for a apresentação de algum tema, vai-se para a língua portuguesa. + +Mas a Dra. X, quando tem deapresentar um tema, como é que faz? + +não, eu vou para a língua portuguesa também. a não ser… por exemplo –aí há tempos, fomos para São Miguel, falar com as senhoras, portanto aí sim, aí o ambiente não justificava o uso da língua portuguesa, portanto aí é crioulo. portanto depende de… se fosse nesse caso, dependeria do nível das pessoas com as quais ia… o encontro se realizar. + +Nível de…? Social…? + +nível de formação inclusivamente. pronto, se for com pessoas de nível de escolaridade baixa, a gente quer atingir maior número de pessoas, usamos o crioulo - se for (?) de trabalho político… se for deste tipo de trabalho, mais crioulo. mas já se for, por exemplo, por exemplo na assembleia, geralmente não utilizo o crioulo, uso mais o português. há pessoas no parlamento que, por exemplo, nas sessões, umas falam mais em crioulo outras mais em português, mas no parlamento geralmente utilizo a língua portuguesa, crioulo se calhar tenho utilizado muito, muito pouco, muito poucas vezes. + +Acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? Ou depende? + +não sei, às vezes depende. mas penso que não tenho dificuldades em… mas agora se for algo escrito… como é escrito em português, se calhar vai dar mais tempo… tenho que estar a ler rapidamente e passar para o crioulo. mas pronto se for escrito em português para dizer em português, aí vai sem… sem problemas, quer dizer, não… dificilmente poderia haver. + +Há bocado, digamos, esteve a contar-me alguns contextos em que prefere ou usa, ou escolhe falar português ou crioulo, por exemplo, dependendo das pessoas. Fale-me um pouco desta questão que… estou a falar… é uma questão de exprimir melhor as suas…? + +às vezes… às… pode não ser bem uma questão de exprimir melhor, mas uma questão de ser mais… mais fácil para as pessoas com a qual… a quem a conversa é dirigida. às vezes o nível de escolaridade das pessoas, o tipo de encontro, às vezes até mesmo quando o nível é mais alto, em alguns encontros, às vezes é mais fácil, e como é mais utilizada a língua… portanto o crioulo do que o português, então a gente vai para ocrioulo. + +E como é que se sente quando fala o crioulo e fala o português? Sente-se intimidada, tem mais preocupação em não cometer erros, ou pensa mais na possibilidade de cometer erros, crioulo português…? + +bom … + +Mais à vontade, mais intimidada...? + +em crioulo nunca penso de… em cometer erros porque se calhar tomo… ((risos)) é uma língua que a gente está habituada, utiliza diariamente, geralmente não tem… não há este problema de cometer ou não erros. português… eu penso que -quando é falado eu… bom… geralmente eu tenho a preocupação de… tentar falar o mais correctamente possível. às vezes escapa, não é? às vezes a gente comete erros mas pronto, mas pronto, penso que quando é a falar, sem ter alguma coisa escrita, não é que hajaessa intimidação, mas depende… + +Monitoriza a sua fala? + +se calhar na seria bem monitorização, por exemplo vamos supor depende do… das situações. pronto… por exemplo, eu se estiver na assembleia, estiver a dizer alguma coisa em português… mas eu, por norma, gosto de fazer isso, anoto mais ou menos aquilo que quero dizer para depois falar, e tenho essa preocupação de tentar falar o mais correctamente possível. quando é por escrito também tenho alguma preocupação de ver se de facto estou a escrever correctamente, tentar ver… às vezes ficam algumas dúvidas, tentar esclarecer, porque eu geralmente não… eu, quando falo ou escrevo em português, mas mais quando escrevo, tenho sempre a preocupação de evitar que as coisas estejam mal, e tentar ver qual é a melhor forma, qual é a melhor maneira de dizer, há sempre essa preocupação. + +Dra. X vou lhe pedir que pense em três pessoas, nas três pessoas com quem mais interage fora do seu círculo familiar e que me procurasse definir o perfil dessas pessoas, não os seus nomes evidentemente, mas o perfil delas em termos de idade, sexo, naturalidade, estrato social. E que me dissesse se fala com elas em português ou em crioulo, que tipo de assunto, normalmente, e em que circunstâncias. Pode pensar em termos de pessoa um, pessoa dois, pessoa três. No exercício das suas diferentes actividades, funções… + +poderíamos ir para uma com mais cerca de 50 anos, quer sexo também? + +Se é feminino ou masculino. + +sexo masculino. mais? + +Grupo e estrato social… + +Classe media a...: + +Pessoa de origem urbana ou rural? + +origem urbana. + +Urbana. Cabo-verdiana? + +cabo-verdiana. + +Fala com ela crioulo ou português? + +crioulo. + +Normalmente, que tipos de assuntos? Familiares, íntimos, pessoais, de trabalho… + +assuntos políticos, essencialmente. a..., mais? + +em que lugares e circunstâncias é que interagem? + +pronto ah... tipo de…? + +Trabalho… casa… + +trabalho, trabalho, café ah... geralmente trabalho e café. por telefone, telemóvel habitualmente, e geralmente em crioulo. + +Em crioulo. A segunda pessoa? + +a segunda pessoa… com mais de 50 anos – homem… + +Homem. Grupo social… estrato social… + +também classe média, origem rural, mas há muito tempo na cidade. + +Essa pessoa um tem instrução superior,ou não? + +tem. esta também tem. está há muito tempo na cidade mas é de origem rural, estudou já com… se calhar com mais de trinta anos começou a estudar. é uma pessoa com quem eu gosto muito de falar, é uma pessoa que começou a estudar tarde, vê-se que é uma pessoa que fez um grande esforço para fazer uma licenciatura --está preocupada, quer fazer um mestrado, é uma pessoa muito interessada, é uma pessoa que gosta também da língua portuguesa, habitualmente… nós muitas vezes estamos a conversar… eu às vezes se tenho alguma coisa escrita, dou para ler, que ela dá opiniões, começa a discutir, se está bem escrito, se é assim não é assim, conversamos muito, é uma pessoa que diz habitualmente… a... eu, quando conversamos falamos de todos os assuntos, habitualmente é assuntos políticos, assuntos de gerais, sociais, assuntos variados. + +Pessoais também? + +Pessoais, por vezes. + +E fala em crioulo ou em português? + +também em crioulo. + +E em que contextos? + +habitualmente em casa. é uma pessoa que… frequenta a minha casa, conversamos muito, trocamos muitas impressões, e habitualmente falamos em crioulo. + +Certo. Pessoa três? + +bom… vamos para a pessoa três ((…)) bom também iria para uma pessoa com mais de cinquenta, sexo, feminino, formação superior. habitualmente conversamos sobre vários assuntos quando nos encontramos, mas agora já há algum tempo que a gente não se encontra, mas sempre que há algum assunto familiar que requeira alguma atenção… alguma questão… podemos entrar em contacto. mas também falamos em crioulo. + +Sobre que tipo de assuntos? + +vários. portanto, com esta também pode ser assuntos familiares, assuntos sociais, assuntos políticos. + +O estrato social dessa pessoa é? + +também é classe média, e é origem urbana. + +Origem urbana. Diga-me uma coisa, normalmente com que pessoas… qual é o perfil das pessoas com quem fala português e fala crioulo, nível de instrução, a... + +bom… varia um bocado… + +Pessoas mais conhecidas mais distantes, com quem mantém mais ou menos contacto, pessoas instruídas pessoas sem instrução, superiores hierárquicos, pessoas com quem tem o mesmo nível de hierarquia, …? + +sim… sim… varia um bocado. pronto, eu… por exemplo aí há uns tempos - trabalhei no ministério de educação, e nessa altura no trabalho essencialmente utilizávamos era língua portuguesa independentemente da… pelo menos com a maioria das pessoas com quem lidava no dia a dia com questões de trabalho, ou colegas… bom excluindo alguns colegas, mas com… com as pessoas que trabalhavam comigo, subordinados, geralmente era o crioulo. + +O crioulo? + +não, sim, língua portuguesa. com alguns colegas tinha assim mais ligação -aí utilizávamos o crioulo. + +Mas isso portanto, num …num encontro frente a frente ou mais público? + +com subordinados não, mesmo num encontro frente à frente. não eram pessoas com quem tinha conhecimento antes, portanto, a gente começou a conviver foi numa situação de trabalho, então na situação de trabalho utilizávamos essencialmente a língua portuguesa. alguns colegas utilizávamos ou a língua portuguesa ou o crioulo, dependendo do tipo de relacionamento. alguns colegas que já conhecia há muitos anos, trabalhávamos juntos, não sei que mais, aí a gente utilizava o crioulo, outros que habitualmente não utilizavam o crioulo, pessoas que não falavam o crioulo, falavam mais a língua portuguesa, utilizávamos a língua portuguesa. com superiores hierárquicos dependia um pouco da pessoa também, portanto, tratando-se, por exemplo, de um superior hierárquico que habitualmente utiliza a língua portuguesa, falávamos em português, superiores hierárquicos que normalmente em situação de trabalho utilizam o crioulo, utilizávamos crioulo. mas no… em situações de trabalho, portanto… deste género, mais institucionais, não trabalho político. mas por exemplo, a nível da escola por exemplo, também essencialmente a língua portuguesa, mas se pensar com colegas de escola, já… por exemplo, no liceu Domingos Ramos, aí, com colegas, a gente já falava essencialmente era crioulo e não a língua portuguesa. a não ser que fosse um colega que falasse português, se fosse um colega que habitualmente só falava crioulo, utilizava crioulo. agora com alunos utilizávamos também sempre a língua portuguesa. + +A língua portuguesa mesmo nos intervalos, na cantina? + +com colegas? + +Com alunos. + +com alunos geralmente a língua portuguesa. + +Alguma vez… quando foi professora…. Se ainda se lembra… alguma vez se dirigiu em crioulo aos seus alunos na sala de aula? + +não me lembro de ter utilizado o crioulo na sala de aula, habitualmente não utilizo o crioulo na sala de aula. utilizava geralmente a língua portuguesa. agora, só para vermos uma situação interessante. eu aí há alguns anos, no ministério da educação, estava a falar com alguns… jovens que tinham concluído o 12º ano e iam ao ministério à procura de vaga para leccionarem enquanto estavam à espera de uma formação… e alguns tinham alguma dificuldade em utilizar a língua portuguesa e muitas vezes diziam, não, vamos falar em crioulo, eu dizia,  não, vocês estão a candidatar-se para ser professores, então vamos é utilizar a língua portuguesa e não o crioulo-- eu habitualmente em situações de trabalho utilizo a língua portuguesa, eu… foi como disse há pouco, entretanto no trabalho… quando comecei a fazer um trabalho já mais político, aí o crioulo às vezes é mais utilizado do que a língua portuguesa. + +E os seus alunos dirigiam-se a si ou dirigiram-se a si alguma vez em crioulo? + +já. + +Já. Para quê, em que contexto? + +bom, às vezes dependia um pouco do relacionamento… + +Estou a falar da sala de aula… + +sim, na sala de aula utilizavam, mas pouco. mas às vezes dependia até do… do tipo de relacionamento que estabeleciam comigo. quando… e houve algumas situações, quando tinham comigo uma relação que já estava a ficar muito familiar utilizavam a...... + +O crioulo. + +começávamos a utilizar o crioulo. + +Na sala de aula? + +na sala de aula, mas poucas vezes. e se calhar eu até… não me lembro de ter utilizado, mas lembro-me de há uns tempos, um deles ter dito que eu utilizei, de modo que até é provável que nessas situações de uma relação já com alunos… que se aproximava de muita familiaridade, é muito provável que tanto eu como os alunos tenhamos utilizado o crioulo. + +Diga-me… não… antes… vou partir do princípio que fala o crioulo aqui de Santiago. + +sim, crioulo de Santiago. + +Só… ou? + +só . + +E quando se dirige a pessoas de outras ilhas, mais concretamente de barlavento, o que é que utiliza? + +varia. geralmente… há muitas pessoas que eu conheço de barlavento e que temos uma relação… também começou no trabalho, então aí às vezes é língua portuguesa. mas com pessoas de barlavento posso utilizar o crioulo, mas eu nunca faço o esforço para utilizar outro crioulo, inclusive porque não sei falar outro crioulo -então eu utilizo normalmente o crioulo de Santiago. + +Como é… o que se passa… como é a compreensão? + +eu penso que a compreensão é boa, porque eu também não tenho um crioulo que seja de difícil compreensão. às vezes as pessoas até podem dizer que não compreendem uma ou outra coisa, pedem para falar mais devagar, mas penso que dá para se ter uma boa conversação. + +Obrigada. Já me referiu alguns contextos e circunstâncias em que usa o crioulo e o português, mas gostaria ainda que me referisse a situações do tipo mercado, lojas, repartições públicas, locais de lazer… restaurantes, bancos… usa o crioulo ou o português? + +bom, no mercado, lojas, é habitualmente o crioulo. repartições depende, geralmente de… inclusive do próprio interlocutor, mas habitualmente, neste momento… + +Depende de quê? + +da pessoa com quem esteja a falar numa repartição. mas habitualmente neste… pelo menos nos últimos tempos, essencialmente também o crioulo, porque habitualmente são pessoas que entendem, portanto há… é fácil pôr qualquer questão em crioulo, habitualmente também repartições, em crioulo. + +Locais de culto religioso, associações, no seu partido já me referiu que usa… + +utilizo muito a língua… o crioulo. + +Locais de lazer… bom estou a pensar em festas discotecas etc. + +crioulo. + +Crioulo. Diga-me, qual deles crioulo ou português, usa para exprimir um sentimento, rezar, orar, namorar, quando está a falar de algo que a emociona ou irrita… Com essas finalidades, usa o crioulo ou o português? + +((risos)) bom, rezar habitualmente, bom… dependerá, se calhar, do tipo de oração. às vezes há… há um tipo de oração que utiliza… alguns… bom, aqueles termos próprios da oração, aí já está escrito, é assim, é assim, quase que… seria em português. mas pronto, quando a pessoa está a pensar, e está a pedir algo, e não sei quê, já não utiliza termos, aí é mais espontâneo, é crioulo. + +Convencer alguém de alguma coisa, quando está a argumentar… + +aí dependeria da pessoa portanto, e do contexto. pronto se for com uma pessoa que habitualmente fala em crioulo, utilizo o crioulo, se fosse uma pessoa com a qual falaria em português, seria em português. + +Falar duma questão que a irrita ou emociona? + +em crioulo habitualmente. mas eu penso que a utilização muitas vezes depende da pessoa com quem esteja a falar. se for com uma pessoa com quem habitualmente falo em crioulo, portanto seria sempre em crioulo. + +Diria que falar português ou o crioulo depende fundamentalmente da pessoa do assunto ou da circunstância? + +muitas vezes da pessoa. eu por exemplo, eu tenho um colega, em algumas situações estamos lado a lado, quando estamos lado a lado, como ele fala em português, então falo com ele em português, porque ele habitualmente fala em português, então conversamos em português. mas tenho outros que habitualmente falam crioulo, com estes falo crioulo. eu há tempos também reparei que com alguns antigos alunos a gente tem algum hábito… quer dizer ficou esse hábito de falar português, então continuamos a falar quando nos encontramos, agora, se calhar mais de vinte anos depois, a gente encontra-se e utiliza o português. com outros, houve alguma evolução, ficou alguma relação de amizade, alguma afectividade e a gente já utiliza, em muitas situações, o crioulo. + +Quanto às pessoas, dependerá estritamente do grau de instrução, do estrato social, da proximidade, do contacto, do estatuto da pessoa? + +depende. quer dizer, às vezes… às vezes há pessoas que estão habituadas a falar mais em português, habitualmente usam o português. então com essas pessoas (?) como elas falam em português a tendência é responder em português e falamos em português. com outras seria mais em crioulo, bom, eu… estou mais ou menos numa fase em que estou a utilizar até se calhar mais o crioulo do que o português, do que habitualmente aí há uns anos. + +Pense na última semana, na semana que terminou já. Acha que falou mais o crioulo ou o português? + +bom… nessa semana que terminou se calhar falei português muito poucas vezes porque foi uma semana com pouco de institucional. tive… portanto, saí de casa poucas vezes, não me encontrei com pessoas que utilizam muito o português, se calhar, não… não saberia nem dizer quantas vezes devo ter utilizado o português, na última semana foi essencialmente crioulo. + +Mas se for uma semana com muita actividade institucional? + +vamos supor, por exemplo, eu, quando venho para a assembleia, quando há sessões e faço alguma intervenção, aí essas intervenções são sempre em português. muito excepcionalmente, se calhar respondendo a alguma intervenção de um colega que também teria utilizado o crioulo, pode ser. mas eu habitualmente nas intervenções no parlamento não utilizo crioulo, faço sempre intervenções em português, mas há… como disse há pouco, se for o contacto com pessoas já no dia a dia, na rua, não sei quê, aí é tudo em crioulo. + +Diga-me eventualmente onde é que ouve o crioulo? Não falar, mas ouvir. Habitualmente onde é que ouve o crioulo? + +bom, em casa, na rua se estiver… bom… eu não vou a cafés muitas vezes, mas pronto, se a gente for a um café também ouve crioulo, aqui na assembleia também ouve-se muito porque o crioulo é muito, muito, muito utilizado. + +Em que contexto, fora das sessões? + +fora das sessões, as pessoas falam, a maior parte pelo menos, as pessoas falam entre si em crioulo. nas sessões umas fazem em português outras fazem em crioulo, aí as pessoas… e às vezes há pessoas que até começam em português e passam para o crioulo e depois passam para o português, fazem uso um pouco de indistinto das… das duas línguas. mas essencialmente, portanto, é portanto, em casa, na rua, em cafés, na igreja. agora, na igreja, também utiliza-se muito muito o crioulo, porque, por exemplo, os padres fazem… habitualmente nas missas fazem as orações em português, mas quando fazem a homilia, é em crioulo. a maior parte dos padres cabo-verdianos usam… fazem as homilias em crioulo. + +Comunicação social, costuma ouvir o crioulo? + +comunicação social em Cabo Verde…utiliza-se pouco o crioulo na comunicação social, portanto ouve-se muito pouco. tem um noticiário que habitualmente eu não oiço que é das dezanove horas, que é o noticiário em crioulo, mas eu oiço mais é a RCV, quer dizer… portanto, porque eu habitualmente rádio oiço é a rádio… portanto, é à uma hora, o jornal das treze… + +Que é em português. + +sim, que é em português. não oiço o das dezanove horas, a menos que esteja num carro e que esteja a rádio ligado para ouvir. depois se houver algum outro programa, tipo quarta à noite, ou sexta feira, há um programa na rádio que também é em português, são esses programas da rádio que eu oiço habitualmente. a televisão… é o jornal das vinte, é em português. depois, o que é que tem mais? tem…agora não há muitos debates, a maioria das vezes tem sido em português, em crioulo muito pouco, aliás a televisão de Cabo Verde utiliza pouco, pouco, pouco o crioulo. o Ti Ver também, eu tenho estado a ver mas é mais… são séries, pronto - mas acho que eu há dias vi sim um programa em crioulo, as pessoas estavam a falar crioulo, mas pronto depois é a RTP África ou a SIC, portanto aí é mais língua portuguesa. + +Diga-me uma coisa. Já se referiu a isso, mas só para precisar a questão da leitura. Habitualmente, já percebi, lê em português, mas também já leu alguma coisa em crioulo ocasionalmente ou tem alguma frequência de leitura em crioulo? + +não, eu, crioulo leio muito muito muito pouco. + +Ocasionalmente mesmo? + +ocasionalmente. + +E escrever também? + +escrever, muito muito raramente. quase que nunca escrevi. eu já vi que os jovens, por exemplo, as minhas filhas mandam mensagens de telemóvel, pela Internet, utilizam crioulo. mas eu habitualmente respondo em português, ou mando mensagens de telemóvel ou e-mail, mando tudo em português. + +Há bocado disse que os deputados começam a falar crioulo mas mudam para português ou vice-versa. Mas pessoalmente, para si, estando a falar crioulo o que é que a faria mudar para português? Estou a pensar em chegada de alguma pessoa, portanto, no contexto ou mudança de assunto. E o contrário, estando a falar português o que é que a faria mudar para o crioulo? + +bom… eu se… por exemplo, se estivesse a falar em português, pode chegar uma pessoa com a qual habitualmente utilizo o crioulo, aí seria um pouco complicado, porque falaria com a pessoa que chegou em crioulo e não em português -- portanto a chegada da pessoa levaria a essa mudança. o assunto talvez não, porque… a não ser que estivesse a falar com uma pessoa… mas eu habitualmente não faço muito essas mudanças a não ser que… estou a falar com uma pessoa, chega uma terceira, com essa falo crioulo, aí há tendência, porque às vezes… eu tenho reparado que com algumas pessoas não é fácil falar em português, para algumas pessoas também, algumas pessoas, pela proximidade e pelo hábito também de sempre falarmos o crioulo. por exemplo, se pensar em algumas pessoas com alguma relação de amizade muito estreita, com essas pessoas já não é fácil falar em português, aí é o crioulo. então com a chegada de alguma pessoa desse género tornaria difícil utilizar o português. + +E por causa do assunto? Estou a pensar, por exemplo, estando a falar com uma pessoa um assunto íntimo ou pessoal ou mais familiar, se passarem a falar de um assunto mais político ou social ou… + +não, aí seria sempre em… se a gente tivesse começado em crioulo seria sempre em crioulo, dificilmente faríamos essa mudança. + +E o contrário, de português para crioulo por causa do assunto? De um assunto mais sério para um mais familiar ou pessoal? + +eu vejo um pouco difícil assim, porque eu… utilizar uma língua ou não, para mim é mais em função da pessoa com quem eu esteja a falar. e às vezes, eu tenho notado que, com algumas pessoas… é difícil falar português com algumas pessoas. + +Gostaria que me indicasse três circunstâncias em que habitualmente fala crioulo ou que fala crioulo mas gostaria de falar português nestas circunstâncias ou ao contrário circunstância em que fala português, mas gostaria de falar crioulo nesta circunstância. + +não teria muitas… mas por exemplo, a..., às vezes, em termos de falar num comício, ou numa reunião com muitas pessoas, às vezes até poderia preferir falar em português em vez do crioulo porque o crioulo geralmente… pronto, num comício a gente não vai utilizar o português, é difícil, ou numa reunião com grande número de pessoas, reunião que não fosse, vá lá, uma coisa institucional, que saia do âmbito politico, uma reunião de âmbito político utilizaria o crioulo, mas em algumas situações, se calhar eu até preferi falar em português do que em crioulo. mas são situações em que… + +Porquê? + +quer dizer, para maior compreensão das pessoas, facilitar a proximidade, facilitar a comunicação. para ser melhor entendida a gente utiliza habitualmente o crioulo, seriam circunstâncias que também, por vezes poderia preferir ou não poderia preferir a língua portuguesa. + +Diga-me, o que é que pensa do crioulo? Há umas pessoas que acham que é uma língua, outras que é um dialecto, umas que tem gramática, outras que não tem gramática, umas que tem qualidade não tem qualidade. Pessoalmente, o que é que pensa? + +eu penso que é uma língua. em termos de gramática sei que há regras, há provavelmente. pessoalmente, eu também conheço… não conheço o suficiente das regras, mas tenho a pré disposição de aprender, pronto eu estaria sempre aberta a saber mais, a conhecer mais, a aprofundar, ler… se calhar seria uma questão de fazer alguma… pronto… tentar ler mais vezes, conhecer melhor as regras. + +Gostaria de aprender a ler e escrever em crioulo? + +não, à von… sem problemas. sem problemas, desde que tivesse… às vezes é uma questão de arranjar tempo e disponibilidade para aprofundar um pouco mais e perceber. ler e escrever, eu não teria preconceitos, por exemplo, em falar ou em escrever em crioulo. aí há uns tempos, por exemplo mandaram um e-mail, eu achei engraçado, até guardei, que era portanto crioulo de Santiago e vinha um teste para a gente fazer, eu depois posso até mostrar… havia uns termos… mas que são termos… no início falamos da influência urbana ou não, a gente fazia o teste no fim dão a resposta, então havia lá um comentário, não, a bô bô Kriolu é lébi, não sei quantos, porque são termos… eram termos... muitos que eu não conhecia. eu até achei engraçado, que um dia dei a um colega que é de Santa Catarina para fazer e um outro que é dos Órgãos, eles já conheciam muito mais os termos do que eu, são termos pouco utilizados, a... que eu de facto não conhecia, mas achei engraçado, eu de vez em quando… dei a outras pessoas para fazerem, que era interessante até para a gente ver o pouco que conhece do crioulo. eu tenho um dicionário, acho que é de Napoleão, sim do Napoleão, tenho um outro do Nicolas Quint, de vez em quando, talvez por curiosidade, passa umas pessoas, a gente quer ver um termo, lá vamos ver, pronto, mas há essa abertura também para saber um pouco mais. + +Crioulo lébi, crioulo mais fundo, crioulo de influência urbana. Para si, qual é o verdadeiro crioulo? + +eu penso que há toda a evolução, que a gente não teria de falar em… num verdadeiro crioulo, mas que há uma língua, com as suas influências, provavelmente algumas pessoas por terem… até pelo meio em que vivem, a... pelo meio em que vivem têm todas as condições de falar um… portanto, têm mais influencia, outras têm menos, mas que… é o mesmo que se passa também com a língua portuguesa. + +Como assim? + +por exemplo, para já mesmo a língua portuguesa, se a gente for ver, o português falado no Brasil ou o português falado em Portugal ou em regiões diferentes, há várias outras influências que a língua sofre, portanto eu veria o crioulo mais nesse sentido. + +Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e o crioulo? Admite alguma possibilidade, alguma circunstância em que um cabo-verdiano não goste ou não saiba o crioulo? + +eu penso que não há… bom… cabo-verdianos que não sabem crioulo existem -- há pessoas que viveram fora de Cabo Verde, não tiveram essa possibilidade, mas - vá lá, pelas ligações, culturalmente são cabo-verdianas. podem saber menos, mas penso que… quer dizer, não é obrigatório também ser cabo-verdiano e saber crioulo, há cabo-verdianos que podem não saber crioulo. mas penso que é um aspecto importante, da língua, inclusivamente a gente vê muitas situações… aí, eu lembro-me de há um ano, há uns dois anos ou quê, num desses encontros dos quadros cabo-verdianos da diáspora, que tínhamos cabo-verdianos por exemplo, provenientes de vários países, tinham… a língua comum acabava por ser o crioulo, porque uns falavam português, outros inglês, outros italiano, holandês etc., aí era… a união era através da do crioulo, aí a gente vê que, de facto, que é um aspecto… um aspecto importante. verificamos também que há pessoas que até estão longe há muito tempo, mas que continuam a falar crioulo, e têm toda a satisfação em falar quando tem essa oportunidade. há outras pelo contrário que evitam falar, mas aí também varia, depende das pessoas. + +E varia com quê, esse não gostar? + +eu não sei se seria não gostar, mas são, pronto, pessoas que já estão há muitos anos fora e que acabam por utilizar menos vezes. eu estou a lembrar-me de uma amiga que eu tenho, e que está há muitos anos fora, de vez em quando vem, e que há tempos contava que chegou a Cabo Verde, entretanto estava no mercado a falar português, as pessoas (?), e depois ela acabou por dizer que não, que utilizou o crioulo para mostrar que ela era uma pessoa dos Órgãos. acho que teria pedido torresmo no mercado, 2ah ! ê bo! portuguesa ta Kumê toresma! , então ela acabou por dizer, 3não, mi e lá di Órgãos, mas ela esta há mais de trinta anos fora de Cabo Verde, e vem de vez em quando, por períodos curtos, mas penso que, pronto - a língua seria uma união, e um elemento importante da identidade cabo-verdiana. + +E quanto ao português, estabelece esta mesma relação? + +que tipo de relação? de ser… + +De alguma representatividade do português ou alguma relação do português com a identidade cabo-verdiana. + +aí seria essencialmente mais para pessoas que sempre viveram em Cabo Verde-ou que saíram, mas que têm uma forte ligação com Portugal. se calhar para pessoas que tiveram uma vivência igual ao que eu tenho, o português tem essa representatividade, veria muito esta representatividade, mas… mas há outras, se calhar para essas não, porque, por exemplo, se pensar numa pessoa que saiu de Cabo Verde, depois emigrou para os Estados Unidos da América, e que não tem… deixou de ter contacto com a língua portuguesa, aí ficaria um pouco… + +Mas assim de um modo geral, pessoalmente, acha que o português representa alguma coisa no ser cabo-verdiano ou não estabelece…? Há bocado disse-me que o crioulo é um factoridentitário dos cabo-verdianos. + +sim, sim, sim. + +Em relação ao português, considera isto mesmo ou…? + +não, veria um pouco… quer dizer, seria uma situação um pouco diferente, veria um pouco a língua portuguesa também a fazer-nos esta ligação que nós temos com Portugal, com outros países africanos de língua portuguesa, veria mais a língua portuguesa nesse sentido. + +Percebi. O que é pensa desta situação que nós vivemos actualmente, de podermos usar o crioulo e o português. O que é que acha dessa situação? + +eu vejo com naturalidade essa possibilidade de se poder usar tanto a língua portuguesa como o crioulo, penso que entretanto há necessidade de… há pouco falávamos dessa preocupação com erros, eu, com o crioulo, nunca tive essa preocupação de ver se cometo erros ou não… aliás… mas, pronto, temos que ter um bom domínio das duas línguas, tanto da língua cabo-verdiana como da língua portuguesa. nós reparamos que agora, ultimamente, temos muitas situações em que de facto vemos que temos jovens já formados, temos jovens estudantes, com dificuldades na utilização da língua portuguesa, penso que se deve dar uma melhor atenção ao ensino da língua portuguesa, a... provavelmente os problemas que nós temos com a língua portuguesa é também porque falamos menos a língua portuguesa - portanto daí essas dificuldades que nós temos, aqui em Cabo Verde, com a utilização da língua portuguesa, portanto veria mais ou menos nesse aspecto. mas penso que nós temos é de criar condições para que de facto tenhamos um bom domínio tanto da língua portuguesa como da língua cabo-verdiana. + +E como é que… o que é que acha… acha que se deveria continuar o crioulo e o português em Cabo Verde? + +sim, eu penso que sim, e que… eu vejo um pouco… às vezes as pessoas, em algumas situações, perguntam, pode ser em crioulo? pode ser em português?  ou então há algumas reuniões onde chega e as pessoas perguntam qual a língua que nós vamos utilizar? eu penso que temos de ter situações em que as pessoas possam utilizar indistintamente a língua portuguesa ou a língua cabo-verdiana. + +Por uma escolha pessoal, ou…? + +sim, eu penso que sim, que se pode ter… dependendo da escolha pessoal. ainda há poucos dias, no parlamento, alguém disse, e lembro-me de o presidente ter dito, não, aqui as pessoas escolhe a língua com que querem expressar-se- portanto tem… há essa liberdade de se utilizar ou a língua portuguesa ou a língua cabo-verdiana. penso que sim. eu na educação… se falássemos já em termos de uma situação de sala de aula, penso que eu aí utilizaria mais a língua portuguesa. se calhar até pela necessidade de os alunos terem a… de se exprimirem em português, expressarem as suas ideias, porque inclusivamente, a... eu… esta parte institucional, se calhar vejo muito a língua portuguesa nessas situações institucionais, então em algumas dessas situações, se calhar ainda seria a língua portuguesa. + +Acha que o crioulo é mais adequado para determinadas circunstâncias e o português para outras? + +como? Contextos, circunstâncias… ah! provavelmente haveria essa questão, embora eu pense que não devemos ficar presos a essa questão de circunstâncias, então ir-se-ia mais para a situação de facto, de uma pessoa utilizar uma ou outra língua. mas também nós temos de ter em conta que há ambientes por exemplo, onde pode haver pessoas que não entendam o crioulo, e aí nós temos de criar um ambiente em que todos possam expressar, poderíamos perfeitamente utilizar a língua portuguesa. + +Mas, por exemplo, contextos mais formais, mais oficiais, acha… Qual deles acha que é mais adequado? + +bom, em contextos formais, oficiais, dependendo das situações, eu iria mais para a língua portuguesa, embora não excluísse de todo a utilização de… em situações formais, se utilizar o crioulo. eu já fui a encontros formais, eram com pessoas que entendiam o crioulo, todos, só pessoas cabo-verdianas, e que era um encontro formal, mas a língua utilizada foi o crioulo. + +Porquê a prioridade do português para contextos mais formais? + +não sei se teria… vá lá, alguma razão de ser, e se é justificável ou não. pessoalmente…? + +Pessoalmente, sim. + +Pessoalmente, vejo mais… + +O que é que sente? + +se calhar por sentir um pouco a língua portuguesa com mais formalidade, mais em situações de trabalho, e portanto, se calhar até pela própria profissão, sinto um pouco essa ligação… essa ligação língua portuguesa com formalidade, com trabalho. e vejo o crioulo mais com afectividade, com a proximidade, coisas do género. mas eu quando há proximidade, como disse há pouco, às vezes tenho amigos que só falam português, eu também falo português com eles, embora… embora elas entendam também, porque eu falo só em crioulo, elas falam em português, a gente conversamos. mas por norma, quando é assim, utilizamos a língua portuguesa. + +Nesse caso, continuando o português e o crioulo em Cabo Verde, o português seria usado para quê e o crioulo para quê, do seu ponto de vista? + +eu… portanto disse há pouco… portanto vejo na educação a utilização da língua portuguesa, portanto, nas escolas… + +Quando diz isso, está a…? + +eu não excluo que se utilize a… o… vá lá… crioulo em situação de sala de aula, até pode-se utilizar, inclusivamente eu já vi e há professores que já disseram isso, que em algumas situações tiveram de utilizar o crioulo para tornar a explicação mais fácil, se bem que nós temos também de criar uma situação de domínio da língua que o aluno perceba aquilo que se está a explicar, mesmo utilizando-se a língua portuguesa. portanto, eu, numa situação de sala de aula, veria bem… para mim seria a língua portuguesa não excluindo essa possibilidade, nem ser totalmente contra a utilização do crioulo. mas de qualquer forma advogaria sempre que se criassem situações em que os alunos nas escolas utilizassem a língua portuguesa, inclusivamente porque nós utilizamos o português poucas vezes. se deixarmos de utilizar na sala de aula, ainda reduzimos mais as oportunidades que os alunos teriam de utilizar a língua portuguesa, aí seria a língua portuguesa. em algumas situações oficiais dependendo da do grau, aí também veria a língua portuguesa, aliás, se nós repararmos bem… vamos supor, se estivéssemos algumas… em muitas cerimónias oficiais em Cabo Verde, utiliza-se a língua portuguesa, excepcionalmente às vezes o crioulo, o crioulo, mas em situações oficiais muitas vezes é… a língua portuguesa -- portanto eu veria muito para essas situações de formalidade a língua portuguesa, mas nunca excluindo também a possibilidade de se utilizar o crioulo. + +Quando fala na utilização do português, do crioulo, nas escolas, podemos dizer… já me disse que não é contra a utilização do crioulo nas escolas, na sala de aula, não de todo… mas pensa no crioulo, digamos, como uma disciplina que se ensina, como a língua em que se ensina as outras disciplinas…? + +não, eu não… eu não veria como língua em que se ensinaria outras disciplinas. por exemplo, eu penso que para ensinar geografia, físico-química, matemática, que deveríamos utilizar a língua portuguesa. + +Porquê? + +eu vejo mais até para facilitar a nossa comunicação com outras pessoas, nós não vamos fazer uma comunicação só entre cabo-verdianos, fazemos uma comunicação com outros povos e com países, pessoas que falam outras línguas, então seria uma possibilidade que temos… utilizando a língua portuguesa temos… alargamos o âmbito da das nossas relações, muito mais, de modo que eu veria muito essa utilização da língua portuguesa para ensinar outras disciplinas. poder-se-ia ter uma disciplina de crioulo, porque não? inclusivamente lá no início a gente falava no… do desconhecimento de regras. eu… por acaso… eu leio muito, mas habitualmente não tenho lido… não tenho lido… se calhar tenho essa falha… não tenho lido muito sobre o crioulo enquanto língua, se calhar tenho lido pouco, muito pouco mesmo, mas pronto, veria um pouco como disciplina. + +Ainda falando sobre, digamos, esta situação linguística, falar, ler, escrever, continuidade do crioulo e do português em Cabo Verde… falar, ler, escrever, como é que veria essa distribuição dessas funções, crioulo, português? + +o quê? em termos de utilizar uma ou outra…? não, eu vejo que… nós temos… como a gente dizia há pouco… portanto, penso que, pegando no crioulo, nós temos situações em que as pessoas falam… + +A minha pergunta é um pouco assim… Vou concretizar melhor, deveríamos continuar a ler e escrever em crioulo, português, e falar em crioulo ou deveria… prevê uma outra situação? + +ah! ok. eu penso que… ler, escrever em português… eu sou por essa opção -ler escrever… + +E falar…? + +falar, nas situações em que vimos que há esta necessidade, em que a pessoa opta por falar. mas, por isso é que há pouco a gente falava no crioulo como uma disciplina, também ler, escrever, falar, em crioulo. eu vejo que pode ser uma situação em que temos o domínio tanto escrito, falado, ou da capacidade de ler nas duas línguas. portanto podemos é criar essa situação em que de facto todo o cabo- verdiano, pelo menos os residentes aqui, teriam essa possibilidade de ler falar ou escrever, ou em português ou em crioulo. + +E o crioulo escrito seria usado para quê? + +bom… podemos ter jornais. aí há tempos… não me lembro do nome do jornal, distribuíam na rua, ou acho que vendiam, pelo menos eu vi um número ou dois, em crioulo. podemos ter jornais, há livros, portanto escritores que podiam escrever em crioulo também, mas aí limitaria também um pouco, teria de fazer tradução para pessoas que não entendessem o crioulo. mas veria um pouco nesta situação. aí há tempos uma pessoa estava a falar… estávamos a falar da oficialização do crioulo e houve uma pessoa até que disse, ah agora vamos ter boletins oficiais então em crioulo e em português, e provavelmente, não é? se a gente fosse para uma situação de oficialização, a gente até teria de ver em que é que consiste esta oficialização, mas pronto nós dizemos que de facto é uma língua oficial. + +O que é que pensa disso? Acha que o crioulo deve ser oficializado? Em que consistiria essa oficialização? + +não, eu penso que… que deve ser. a gente já tem isso inclusivamente na constituição, devem criar as condições, temos que trabalhar mais, trabalhar de facto para essa oficialização, não sou contra. agora, se calhar é algo que ainda não se reflectiu o suficiente, mas teríamos de reflectir um pouco, em quê é que de facto - consiste essa oficialização, só que nessa altura alguém dizia se calhar agora os boletins oficiais vão ser em português e crioulo ((risos)) provavelmente, não é? porque seria… portanto, nós teríamos uma língua oficial, porque neste momento temos uma situação em que a gente pergunta, é oficial? não é oficial? estamos numa situação em que nós utilizamos quando queremos, ninguém nos proíbe de utilizarmos em várias situações aqui em Cabo Verde, só a falarmos com pessoas que entendem, seria algo a aprofundar um pouco mais, essa questão da oficialização. + +Acha que há assuntos que são mais… é mais adequado serem tratados em português do que em crioulo? + +não, em termos de assuntos… bom provavelmente poderia haver um ou outro assunto, mas penso que… são as tais questões que nós vemos… se calhar algum assunto… se fossemos para uma palestra, alguns temas mais específicos, vamos supor, em áreas científicas, provavelmente. mas também podem ser feitas em crioulo, nada exclui, mas até chegamos a uma situação em que o próprio crioulo é um crioulo que tem muitos termos da língua portuguesa, é nessas situações, mas não… não excluoessa utilização. + +Para além do crioulo e do português, ou melhor ainda, como é que vê o desenho da situação linguística de Cabo Verde, futura? Crioulo, português como línguas oficiais mas outras línguas, só o português como língua oficial e o crioulo na situação em que está…como é que desenha… + +bom… eu, em termos de línguas oficiais seria português e o crioulo que a gente (?) vamos criar condições para oficializar o crioulo. para além disso, eu penso que é… neste momento todos têm mais ou menos essa posição, ou pelo menos a maior parte das pessoas tem essa posição, Cabo Verde… Cabo Verde também deve procurar que haja um domínio de outras línguas, particularmente da língua inglesa, ou francês. eu penso que isso é necessário, nós estamos num país que fala muito em turismo, há essa necessidade de facto de termos um maior domínio de língua inglesa e da língua francesa. se houver outras possibilidades, também, porque não? mas pelo menos mais essas duas línguas penso que seria óptimo para Cabo Verde. + +O que é que acha ser mais comum no mundo, saber apenas uma língua mais do que uma língua? O que acha das pessoas que sabem mais do que uma língua? + +eu penso que neste momento justifica-se que as pessoas saibam mais que uma língua. isto está claro! nós, por exemplo, com o português vemos que temos muita limitação porque também, por exemplo, se a gente for para encontros oficiais, aí de facto o português é pouco utilizado. por exemplo, nós vamos às reuniões aí em Abuja, do parlamento da 4CEDAO, só… portanto português é só Cabo Verde e Guiné-Bissau. mas inclusivamente a gente tem algumas situações interessantes, porque há alguns tradutores que vão de Cabo Verde para trabalhar na CEDEAO, há um senegalês, há pessoas também do Senegal que fazem tradução para português, e que também ficam preocupados quando mesmo cabo-verdianos… por exemplo, nós temos colegas que viveram nos Estados Unidos da América e que têm um bom domínio do inglês, mas que não gosta das pessoas que não utilizam português, porque senão ficam sem trabalho… + +Ah bom…! + +e então fazem uma pressão junto aos deputados para utilizarem prioritariamente na CEDAO a língua portuguesa, mesmo quando a pessoa… e nós temos estado um pouco a fazer esse… esse esforço, mesmo quando a pessoa viveu muitos anos em países francófonos ou anglófonos, mas para fazer intervenções em português, porque senão o português se calhar nem é ouvido na CEDAO, porque é só Cabo Verde e Guiné-Bissau, os outros ou são anglófonos ou francófonos. então ficaríamos muito limitados, mas penso que é sempre bom porque de qualquer maneira a gente tem uma situação em que as outras pessoas não falam o português, portanto quem fala português é que tem que ter esse domínio de uma terceira língua ainda, ou de uma segunda neste caso, para ter maior contacto com colegas nessas reuniões ou noutros encontros. quem fala da CEDAO fala de outros encontros internacionais onde de facto o português é menos utilizado, utiliza-se mais é inglês ou francês. e eu penso que neste momento é muito importante, então o domínio da língua inglesa é extremamente importante, facilita bastante. + +Há bocado falamos do crioulo nas escolas. E na alfabetização de adultos, acha que o crioulo poderia ou deveria ser utilizado na alfabetização de adultos? + +eu penso que sim, que é uma situação… aliás acho que já é utilizado, penso que se começa muitas vezes por se fazer essa primeira abordagem… quando são adultos já começa pelo… pelo crioulo. eu acho que é um situação que se deve manter, inclusive… tendo em conta inclusivamente muitas vezes a própria idade das pessoas, que são pessoas que não tiveram muito contacto com a língua portuguesa. e que se pode começar… provavelmente poder-se-ia pensar também se no ensino básico, no primeiro ano do ensino básico, não se começaria com o crioulo, para depois se começar a introduzir a língua portuguesa, à semelhança do que já faz na educação de adultos. + +Qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? Estou a pensar nas diferentes manifestações culturais, mesmo as mais populares, batuque, funaná, morna… mas também cinema, literatura, teatro… + +bom aí é mais o crioulo, particularmente se a gente for para a música. se a gente for para a música cabo-verdiana, o que vemos é que pelo menos músicas cabo- verdianas em português é… o número é extremamente limitado. + +Mas acha que faria sentido? + +eu penso que… não sei se a gente falaria em fazer sentido ou não. mas poderíamos dizer que se calhar as pessoas… as pessoas pela pela formação, pela vivência, a questão da afectividade que temos estado a falar, têm mais… estão mais preparadas e em melhor condições de comporem em crioulo do que em português. se formos ver, composições em português, cabo-verdianas, temos muito pouco, (?) do crioulo, se a gente for para música. a literatura aí a situação já é inversa, literatura temos muita literatura em… é utilizado o português, penso esse aí não há… não haveria grandes problemas. + +Mas o que é que acha, que a literatura escrita, ficção, poesia,… acha que ela deveria ser em crioulo em português? + +não, eu não falaria em dever ser em crioulo ou em português. mas eu penso que depende do escritor e das condições que ele tem de se expressar melhor, ou da inspiração que tiver, das condições que tiver para fazer em português ou em crioulo, - mas o que nós vemos também… como ainda se lê muito pouco em crioulo, se formos ver se calhar nem há muita saída neste momento de livros escritos em crioulo -e em português a gente tem mais saídas. + +Teatro, cinema… + +teatro eu vejo muito o crioulo, já no teatro. em cinema também veria muito o crioulo. + +Comunicação social… + +eu penso que a comunicação social até deve criar condições de maior utilização do crioulo, utiliza pouco. + +Há bocado falou-me da sua preocupação em falar um português correcto. O que é para si o português correcto? + +((risos)) bom eu sei que… a gente sabe que há regras, há regras gramaticais que devem ser respeitadas, há o termo mais adequado a utilizar, um pouco nessa preocupação. + +Como é que acha que os cabo-verdianos falam português? Como… há bocado se referiu a isso… em termos de português de Angola de Brasil de Portugal, não é? Português mais ou menos correcto, como é que acha de um modo geral os cabo- verdianos falam português? + +em termos de correcção? + +Em termos de correcção, sim, em termos de aproximação ou não ao português europeu… Acha que eles falam de uma forma própria, específica? + +a... depende, já tiveram situações em que tínhamos um português certo, que se aproximava mais da de… depende, se calhar essa aproximação dos europeus varia um pouco, nós temos… vemos que às vezes até depende da ilha de origem da pessoa - se é urbana ou se é rural, nós vemos muitas vezes, por exemplo, pessoas… se calhar às vezes até ao falar português consegueum pouco ver de que ilha a pessoa é, pelo menos se é barlavento ou sotavento, se calhar até conseguimos ver pela forma como fala português, nem sempre, mas em algumas situações sim, consegue-se, não é? + +mhm + +penso que o português que nós falamos é muito marcado pela nossa ilha de origem, pelo tipo de crioulo que falamos, nós vemos por exemplo que às vezes, em termos de utilização do i ou do e temos algumas dificuldades, a pronúncia do r é é… varia muito, nós vemos que pessoas que estudaram em Portugal, acabam por ter um português um pouco diferente dos que estudaram no Brasil, as pessoas que foram estudar em países de língua inglesa ou francesa, alguns acabam por ter um português também um pouco diferente, varia um pouco, penso que neste momento a gente tem uma situação até de grande variedade. + +Diria que temos um português cabo-verdiano, que o cabo-verdiano fala português a maneira dele? + +não sei se… diria… falaria de um português cabo-verdiano. talvez falasse de um português… porque… mesmo… eu vejo um pouco que mesmo em Cabo Verde, o português que nós falamos aqui em Cabo Verde, também tem… é… há uma grande diversidade, se é pessoa urbana ou rural, e a ilha dessa pessoa. + +O que pensa disso, se é bom, que deveria ser assim não deveria ser assim, como é que deveria ser…? + +não, eu penso que há algumas situações em que temos de nos esforçar para falar um pouco melhor, não é? por exemplo, quando nós temos algumas dificuldades em palavras, quando há um e a gente vê muitas vezes essa tendência do i ou e trocados, não sei quantos, aqui penso que a gente poderia fazer um pouco mais de esforço, mas às vezes também a gente comete erros e se não há ninguém para chamar a atenção, para avisar, para mostrar como é que é, então acaba-se por ficar com essas dificuldades. porque se a pessoa não procura por ela própria melhorar, aqui em Cabo Verde acaba-se por ter alguma dificuldade porque não há ninguém que chame a atenção, que diga ah não é assim, não sei que mais, vê-se que falta um pouco isso, mas eu penso que deveríamos um pouco… em algumas situações, melhorar o português que falamos. + +Melhorar significa falar mais próximo do português europeu? + +eu se calhar seja um pouco marcada por esse português europeu, mas pronto - eu vejo… e... utilizei… falei de falar correctamente… mas eu penso que a gente deveria ter melhor… maior... ter mais facilidade de expressão, ter melhor capacidade de comunicação, e por exemplo utilizar… às vezes a gente vê que nós temos alguma dificuldade, utilizar verbos da forma mais correcta. quando é conjuntivo, a gente não está a utilizar conjuntivo, estamos a utilizar outros tempos, penso um pouco… aprendermos isso um pouco mais. eu penso que se calhar, também nas escolas não se está a ensinar nessa via, não sei como é que está a ser o ensino da língua portuguesa, mas talvez haja um pouco essa dificuldade, aí há uns tempos por exemplo, eu estive a ver… há neste momento… a RTP África tem dois programas de… não sei se já viste alguma vez? + +Sim. Sim. + +sobre língua portuguesa, há um que é com o Diogo Infante, muito interessante, que é Tento na Língua, inclusive… por acaso ultimamente não tenho conseguido apanhar porque eu às vezes perco o… a hora do programa, e como eles não põem a hora também, neste momento nem sei a que horas é, mas é um programa muito interessante. inclusivamente houve um dia em que ele dedicou o programa ao português… a Cabo Verde. então foi para um local, devia ser uma associação ou quê, comeu cachupa, e lá foi utilizando algumas palavras, falou com umas pessoas e dizia… e utilizava alguns termos, em crioulo como é que é? em português como é que é? falava com a senhora, foi muito interessante. + +Já sei. + +e eu tinha visto por exemplo um outro em que era o português da Madeira, mas também em que se via… inclusivamente acabaram por mostrar, tal palavra em… na Madeira diz-se assim, em Portugal é assim, em Portugal quer dizer continente, no continente é assim. deram vários exemplos, inclusivamente uma frase inteira alguém não entendia nada, porque tem outros termos específicos. já foi uma comparação entre o português falado no Brasil e o português falado em… em Portugal. eu tenho estado a ver, pelo menos nos últimos dias vi um à noite, já não me estou a lembrar… acho que é Bom Português, há esse, Bom Português. há um outro programa também, que eu tenho estado a ver, também sobre a língua portuguesa, eu até penso que em Cabo Verde deveria haver coisas deste género. inclusivamente penso que deveria haver provavelmente uma colaboração entre a RTP África e a televisão de Cabo Verde, para passarem programas desse… desse género - porque mesmo o Brasil tem algo do género, eu até, já tive a oportunidade de ver a TV Globo, e a TV Globo tem um tipo de programa também, que pergunta às pessoas na rua, o que é que é mais correcto, é dizer isto ou isto? , eles perguntam a várias pessoas, e depois põem a forma mais correcta, tipo do Bom Português, penso que a gente até poderia ter programas desse… desse género. + +Dra. X, eu não tenho mais questões… + +não sei se fui útil + +Não, muito útil. Se tiver algum comentário às questões que tratamos, se quiser acrescentarmais alguma coisa que tenha querido dizer e que eu… + +não, penso que foi possível a gente falar um pouco sobre a questão do crioulo. aliás eu de facto uso, em termos de utilizar no dia a dia, como já disse, desde o início, é mais o crioulo, mas eu gosto de falar português quando for necessário, com pessoas com quem deva, deva… não é dever falar, mas com pessoas que ou só falam português ou não entendem o crioulo, então a gente utiliza o português, eu gosto. tenho um pouco a tendência de aprender e tentar saber um pouco mais das coisas, portanto um pouco esta abertura. agora – espero ter sido útil. + +Não, com certeza. Muito obrigada mais uma vez. 1Indicação de um alto cargo político. 2Tradução para português, Ah! Um português a comer torresmo! 3Tradução para português, Não, sou dos Órgãos! 4Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental" +INF15.wav,"Dra. X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A primeira questão que eu lhe queria colocar era a seguinte, antes de entrar para a escola aprendeu a falar o crioulo, o português os dois? + +aprendi a falar português ainda no pré-escolar, na escola dominicana, nazareno, igreja nazareno. + +Mas, em casa…? + +e também em casa. + +Também. Em casa apreendeu a falar só o português ou…? + +os dois. + +aprendeu a falar os dois? + +aprendi a falar os dois. + +E ouvia o crioulo onde, com quem? + +o crioulo com a empregada, e com a minha mãe também. + +E o português? + +o português ouvia mais da parte do meu pai, e dos professores com quem… + +Não. Antes de entrar para a escola… + +sim, sim, frequentei portanto a escola Dominica, pré-escolar … + +Aqui em Santiago? + +aqui em Santiago, na Praia. + +E ouvia o português aí? Que idade tinha nessa altura? Era… + +seis, tinha cinco seis anos. + +mas antes de entrar para a escola, essa escola dominicana, tinha aprendido…? + +também o português e o crioulo, em casa. + +E actualmente, em casa, com os seus familiares e os colegas e amigos mais próximos, usa oportuguês ou o crioulo? + +uso mais o crioulo, em casa mais o crioulo. + +Mais? Em casa, falar português ou crioulo depende de quê, do assunto …? + +muitas vezes do assunto, mas continuo usando mais o crioulo em casa. + +E que tipo de assunto é que em casa fala português e com quem? + +bom, em princípio falamos português quando é para explicar, digamos assim, como meio de… eu diria até de convencer qualquer coisa, quando se discute qualquer coisa. + +Em casa? + +em casa. + +Com os seus filhos…? + +com os filhos, com… às vezes uso o português para exprimir melhor, mas pronto, o corriqueiro é falar crioulo no dia a dia. + +Podia falar-me um pouco mais clara… especificamente disso, o português em casa com quem com que finalidades, o crioulo em casa com quem com que finalidades? + +por exemplo, usamos o português pronto, quando ele tem de apresentar algum trabalho-a gente discute em português. + +Quando o ajuda a fazer os trabalhos? + +quando o ajudo a fazer os trabalhos a gente discute em português e, por exemplo, quando ele pretende entender as coisas. + +O seu filho, está-me a falar do seu filho? + +sim, é com quem mais, portanto, falo o português em casa. + +E diga-me, como é que considera a sua … o seu domínio do português, de um modo geral, falar ler e escrever? E também no crioulo, falar, ler, escrever. Lê e escreve em crioulo? + +muito pouco, a escrita… bom, para mim crioulo é mais verbal, uso mais na comunicação. a escrita, embora acredite que se tentar consigo, mas como não há uma caligrafia, ou uma ortografia estabelecida, eu não… não utilizo crioulo. + +E ler, costuma ler alguma coisa em crioulo? Já leu, assim, ainda que esporadicamente? + +não, só se tiver alguma coisa escrita, assim um anúncio ou… mas procurar um livro em crioulo para ler, não. + +E escrever, nunca tentou escrever em crioulo? + +não. + +E falar? Fala o crioulo de que ilha? Desta ilha, de Santiago. Mas fala o crioulo demais alguma ilha? + +pouco. eu falo o crioulo de São Vicente mas só para me fazer entender, não é rotina. + +E para se fazer entender com que tipo de pessoas? + +pela profissão, a gente às vezes recebe pessoas doutra ilha, e tentamos comunicar nos outros crioulos, mas… + +Diga-me, aqui, quando atende os seus pacientes, usa o crioulo ou o português? + +normalmente crioulo, mas quando vem um paciente, portanto estrangeiro sobretudo quandoé um brasileiro, ou alemão, ou… aí usamos o português. + +Mas com os…as pacientes cabo-verdianas? + +cabo-verdianos, normalmente o crioulo. + +Normalmente o crioulo. E se forem pessoas de barlavento, aí usa…? + +uso às vezes o crioulo de barlavento. + +E se for de sotavento? + +não, sotavento. + +Disse-me que às vezes… Quando usa o crioulo de sotavento com pacientes de barlavento,como é que é a compreensão? + +dependendo, digamos, da escolaridade. porque se for uma doméstica, às vezes tenho mesmo que recorrer ao crioulo de barlavento para me fazer entender. + +Com todas as suas pacientes usa o crioulo ou em algumas circunstâncias o português, para além das estrangeiras, estou a falar das cabo-verdianas. + +às vezes, os cabo-verdianos, quando são técnicos superiores gostam… depende da introdução, se o paciente começar a consulta em português, a gente fala português. quando é técnico superior ou quadro, às vezes sim, usam o português na consulta. + +E já aí…? + +a consulta é feita em português. + +E em termos do português, prefere falar ler ou escrever? Qual é que sente mais à vontade, a falar, ler ou escrever o português? + +bom… a escrita eu acho que domino, e a falar também. a leitura ultimamente leio menos o português. + +Lê noutras línguas? + +sim. + +E como é que se sente quando fala português? Sente-se à vontade, fica preocupada com a forma como diz, tem medo… dúvidas, tem medo de errar ou nem por isso? + +nem por isso. + +Então sente-se à vontade. Dra. X, vou-lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar, e que me definisse o perfil dessas pessoas. Naturalmente que eu não quero a identidade delas, quero o perfil, em termos de idade, sexo, estrato social, que língua fala com essas pessoas, crioulo ou português? + +fora do círculo familiar? + +Fora do círculo familiar, no trabalho e outras actividades. + +portanto… + +Associações a que eventualmente pertence… + +sim, sim. associação, por exemplo, tenho… pertenço à associação A Ponte, que é dos doentes mentais, a gente tem reuniões periódicas, e aí falamos o português, portanto, habitualmente. + +Eu estou a pensar nas pessoas, exactamente com quem… digamos, são as pessoascom quem mais interage, com quem mais conversa… + +isso, portanto… + +Independente de onde é que elas estejam. + +a minha colega, digamos, de profissão, que é um técnico superior… + +Sexo feminino? + +sexo feminino. + +Idade, mais ou menos? + +cinquenta e dois cinquenta e dois. + +Com ela fala em crioulo…? + +falamos mais o crioulo. + +Sobre que tipos de assuntos? (…) Assuntos de trabalho, pessoais, íntimos, familiares, políticos … + +mais de trabalho. + +Mais de trabalho…? + +mais de trabalho. + +E em crioulo? + +em crioulo. + +Em alguma circunstância usou o português? + +muito raramente. + +Muito raramente. E a segunda pessoa? + +a segunda pessoa, digamos, seria vizinha. + +ViziNHA…? + +vizinha, também falamos pouco português, é mais crioulo, também é técnico superior. + +Tipo de assuntos? + +é mais social, aí já entra mais o social do que…. é vizinha, nós não temos muita coincidência no trabalho, émais social. + +Terceira pessoa? + +bom… terceira pessoa… ((risos)) + +Fala com…? + +sexo masculino, colega de trabalho, técnico superior. a gente fala um pouco pessoal e do trabalho. + +E é…? + +idade cinquenta e dois. + +Crioulo, português? + +mais crioulo. + +Mais crioulo? + +mais crioulo. + +Normalmente, qual é o perfil das pessoas, o tipo de pessoas com quem fala crioulo? Estou a pensar no tipo de contacto que tem com essas pessoas, mais familiar mais distanciado, se é um familiar, colega, desconhecido, superior hierárquico, uma autoridade…? + +contacto tem mais, digamos, social ou familiar. superior hierárquico muito pouco. + +Autoridades? + +autoridades… (…) + +Diga-me, aqui no trabalho, na relação com superiores hierárquicos, eventualmente, enfermeiros, com outros médicos, crioulo, português? + +superior hierárquico às vezes português, com colegas de trabalho continuamos falando crioulo. + +Em crioulo. Que tipo de assunto fala com os seus colegas de trabalho? È estritamente profissional ou também pessoal, social…? E há alguma mudança de crioulo para português quando mudam do tipo de assunto? + +às vezes quando é o social a gente utiliza o português. + +E…? + +no trabalho, nós acabamos sempre por fazer… bilinguismo, porque como a escrita é em português, somos obrigados a fazer a tradução, digamos, on line- embora… + +Com as enfermeiras usa o crioulo ou o português? + +não, também uso português porque dou aulas de formação. uso o português também, às vezes. + +Não nas aulas, estou a dizer nas relações aqui, de apoio, assistência, troca… + +nas relações é mais o crioulo. + +Mais o crioulo. Quando viaja para outras ilhas também muda? Barlavento … crioulo de Santiago, crioulo de barlavento, conforme a ilha a que se desloca, ou nem por isso? + +mais o barlavento, porque nas outras ilhas eu falo o crioulo da Praia. + +Mas quando vai a ilhas de barlavento… + +barlavento, Sal, Santo Antão, São Vicente. + +Já, em alguma circunstância, falou o crioulo de Santiago nessas ilhas? E como é que foi a compreensão? + +eu (?) restritiva, aí falo logo o crioulo de barlavento sabendo que… onde está… com pessoas do barlavento, então eu… + +Usa crioulo de São Vicente. Os lugares, os ambientes, as circunstâncias levam- na a usar o crioulo ou o português? Poderia falar-me um pouco disso? Estou a pensar em lugares como mercado, as lojas, repartições públicas, bares, restaurantes. + +em princípio, afora as repartições públicas, eu uso sempre o crioulo. + +Quando vai a uma repartição pública… + +numa repartição pública uso mais o português. + +Porquê? + +me parece um pouco força de hábito, sei lá, institucionalização, porque como vamos sempre tratar algum assunto, a gente utiliza mais o português. + +Há bocado disse-me que usa o português com o seu filho quando o quer convencer de alguma coisa. Mas quando quer, por exemplo, exprimir um sentimento, ou falar de algo que a emociona ou irrita, namorar… usa o crioulo? Rezar orar, usa o crioulo ou o português? + +o português. + +Português? + +para rezar ou quando algo me irrita ((risos)) é em português. + +Namorar? + +as duas coisas. + +Pense na última semana. Falou mais crioulo ou português? + +mais crioulo. + +Mais crioulo. E durante mais tempo seguido, crioulo ou português? + +também. + +Também o crioulo. O português? + +não, o crioulo. + +O crioulo. Em alguma situação já lhe aconteceu usar crioulo mas ter preferido usar português? Ou, ao contrário, usar português mas ter preferido usar crioulo naquela circunstância? Pensar, eu preferiria ter usado…ou ter este sentimento? + +não. + +E ouvir, habitualmente qual é que ouve mais, crioulo ou português? + +crioulo. + +Ouve portuguêsde onde, para além da rua, não…? + +rádio, e às vezes o telejornal. + +Português? + +português. + +E o crioulo? + +o crioulo em todo o lado, na rua, no convívio. + +E que tipo de assuntos ouve habitualmente as pessoas a falarem em português, as pessoas a falarem em crioulo? + +bom, português, normalmente a gente ouve menos. + +As pessoas… normalmente quando escuta as pessoas a falar o português e o crioulo, habitualmente qual é o tipo de assunto que é abordado numa e noutra? + +o português é mais, assim, social ou do trabalho, assuntos de trabalho ou social, se for académico também é em português. o crioulo é o dia a dia. + +Já me disse que não costuma ler e escrever em crioulo. Mas, estando numa determinada circunstância, num determinado ambiente, a falar crioulo, o que é que a faria mudar para português? Chegada de alguém, que tipo de pessoa? A mudança de assunto, de quetipo de assunto para que tipo de assunto? + +talvez as recomendações, sei lá, estamos numa discussão, discussão académica ou discussão laboral… + +Isto ocorre em? + +no ambiente de trabalho, mas quando chega a … + +Está a decorrer em crioulo? + +em crioulo. mas quando chega a recomendação, a gente troca para português. + +E porquê? + +continua sendo a forma, digamos, oficial. + +Porque vai ser escrito ou mesmo que não vá ser escrito, essa recomendação? + +eu acho que é uma forma mesmo, uma postura, as pessoas têm essa tendência quando é algo mais… digamos, mais oficial, e mais… + +Mais sério? + +mais sério, é em português. + +Em português. E ao contrário, estar a falar português e mudar para crioulo? + +às vezes acontece, sobretudo quando estamos com um paciente, temos … a apresentação de algum tema, o tema normalmente é feito em português. + +Exacto. + +mas para… pronto, responder as questões, as pessoas às vezes põem em crioulo. + +Em reuniões de médicos? + +reuniões de trabalho, ou mesmo na comunidade. as reuniões são feitas em português mas há… + +Só para perceber a distinção. Nas reuniões académicas, digamos, entre médicos como é que as coisas se passam? E na comunidade, com as mães aqui no PMI, como é que as coisas se passam? + +aqui, por exemplo, a gente faz a apresentação, breefing do tema, em português. + +Mesmo para… + +mesmo para médicos. + +Entre médicos ou entre… com as mães ou…? + +mesmo com os pacientes falamos o português, introduzimos o tema, e depois deixamos as pessoas à vontade. a grande maioria prefere colocar as questões em crioulo. e aí somos quase que obrigados a fazer a tradução e desenvolver o tema em crioulo, portanto, passamos da apresentação, para a discussão em crioulo. muitas das vezes, no final, as recomendações vêm de novo em português, porque as pessoas vão encontrar, ou vão ouvir os spots e os lemas todos em português. temos… quase que somos obrigados a pensar em, crioulo portanto, mas na comunidade, portanto académico, a gente prefere o português, as discussões a nível dos médicos, sobretudo de trabalho, é tudo em português. + +Aqui mesmo? + +mesmo aqui, quando fazemos congressos, reuniões de trabalho, é tudo em português. + +Mas aqui, digamos, no dia a dia, portanto, é crioulo. Dra. X, o que é que pensa do crioulo? Há pessoas que dizem que não é uma língua, que não tem gramática, é dialecto não é dialecto, tem qualidade não tem qualidade… a Dra. X, pessoalmente o que é que pensa disso? + +eu acho que é um dialecto, língua ainda não é. + +Porquê? + +porque… é assim, talvez por essa dificuldade em escrever, não há um alfabeto. + +Há um alfabeto oficial, o ALUPEC? + +oficial, ahé? + +mhm mhm + +mas pronto, não está tão divulgado, digamos assim. para mim ainda o crioulo não é língua. eu tenho sérias dificuldades de me expressar totalmente em crioulo, eu não encontro o termo, eu uso o português. e digamos, a matemática, as ciências, continua não havendo em crioulo. pode até ser que haja quem trabalhe bem em crioulo, mas eu ainda não me sinto à vontade. + +Que dificuldades é que sente? Já me disse as palavras… + +palavras. + +Técnicas, se percebi bem. Tem mais alguma dificuldade? + +e às vezes mesmo, digamos, a abordagem, a forma de se expressar, muitas das vezes faltam alguns encaixes, a gente fica mais à vontade no português. + +Exprime melhor as suas ideias emcrioulo ou em português? + +em português. + +Em qualquer circunstância, casa, trabalho? + +no trabalho mais o português. + +Exprime melhor… O que é que acha das pessoas que usam o crioulo, acha que… Recolocando a questão, acha que o crioulo é adequado, mais adequado, para certo tipo de pessoas e o português para um outro tipo de pessoas, o crioulo é adequado para um certo tipo de assuntos e o português para outros, para certos lugares… como é que vê essa questão? + +eu via essa questão mais em termos de lugares, acho que todos podem falar o crioulo, mas há lugares em que… + +Há quem entenda, por exemplo, que o crioulo é uma língua ou dialecto, seja o que for que as pessoas pensem, mais para as pessoas sem instrução, sem educação… + +não, eu não diria isso. eu acho que todos podemos falar o crioulo, até porque… é só ver quando se juntam dois ou quatro crioulos, é a língua que predomina, mesmo que haja estrangeiros no meio a gente fala em crioulo, até porque lá fora a gente encontra… e o crioulo predomina. mas há ambientes, por exemplo, exposições e reuniões, continua sendo… o português ainda prevalece. + +Mas porquê? + +me parece que fica mais sério, o clima dá uma sensação de autoridade, sei lá - oficial. porque exprimir completamente em crioulo… há sempre aquela tendência de banalização, eu continuo a defender isso, quando se exprime em crioulo, às vezes a gente envereda por caminhos, digamos, menos sérios do que se for em português. + +Mas a brincar ou…? + +não é só a brincar, o termo que utilizam, muitas vezes… é até às vezes ofensivo, e… quando é em português, pensa-se um pouco antes de dizer os termos -quando é em crioulo, tudo é permitido, a concordância… + +Em termos de relações humanas? + +isso, em termos de relações humanas e em termos de conteúdo também. tipo quando você diz algo em crioulo, muitas das vezes o conteúdo fica muito superficial, não vai à essência, se diz em português fica dito. + +Mas porquê que isso acontece? + +me parece que é de novo a questão de escrita, porque nós quando falamos, já estamos a pensar em colocar aquilo por escrito, ou deixar um registo, então as pessoas procuram as palavras e a forma de se expressar, por forma a ficar registado, quando é em crioulo há uma certa dificuldade, me parece isso. + +Há bocado disse-me que quando os cabo-verdianos se encontram falam crioulo naturalmente, instintivamente. Que relações estabelece entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo? + +eu acho que isso é uma bandeira, o cabo-verdiano se identifica com o crioulo - é cultural, é... étnico, digamos. o cabo-verdiano… até vemos isso na segunda, terceira geração, há sempre essa preocupação de aprender o crioulo, mesmo que não seja falar, masentender, portanto há… cria… + +Admite a possibilidade de um cabo-verdiano não gostar ou não saber o crioulo? + +não gostar, não diria. mas não saber, admito. + +Em que circunstâncias? + +portanto um cabo-verdiano que… não diria de raízes, mas pronto que não tem porquê falar crioulo. esta lá fora, é imigrante e para sobreviver… portanto foi para lá… e é casado ou vive com estrangeiros, não tem essa necessidade. + +Certo. E em relação ao português, ser cabo-verdiano e falar português, gostar de português? O que é que o português significa para…? + +eu acho que todo o cabo-verdiano sente que tem essa linha portuguesa, mas não… portanto… não sente… pronto… na obrigação de falar português. enquanto que o crioulo não, todo o cabo-verdiano sente obrigado, digamos, a falar crioulo, mas pode não falar português, mas se identifica com… lusofonia, o facto de ser cabo-verdiano. + +Diria que o português é uma língua, digamos, de identidade, tal como o crioulo ou vê alguma diferença? + +eu até, até ousaria dizer que sim. + +Em pé de igualdade? + +em pé de igualdade, embora… embora… quer dizer, a crioulidade é mais vinculativa, digamos. portanto, você pode não falar o português, mas fala crioulo sendo cabo-verdiano. + +Como é que vê a… digamos, a situação linguística de Cabo Verde no futuro? Acha que se deveria continuar a usar o crioulo e o português? Para quê, falar ler e escrever? + +eu acho que se deve investir um pouco mais no crioulo. + +Como assim? + +amadurecer… a escrita, sobretudo a escrita, porque vejo a nova geração, eles mandam e-mails, é tudo em crioulo, e já que estão mais familiarizados, digamos assim, com o crioulo. mas não descoro a hipótese ou… do português continuar a ser a nossa língua. + +E o português… Em termos de oficialização, crioulo, português, os dois? Como é que vê essa questão da oficializaç��o das línguas? + +aí, eu aposto num futuro breve, na oficialização dos dois. + +E nesse caso, para ler e escrever… estou a pensar nas três habilidades linguísticas, falar ler e escrever. Vê alguma distinção entre o crioulo e o português? Seriam usados em que domínios, em que circunstâncias? Há bocado disse-me, por exemplo, que acha que o português é mais adequado para circunstâncias mais sérias. Veria… como é que vê, digamos, esta engenharia? + +não, se o crioulo ganhar a dimensão de língua oficial, eu não vejo, nenhum inconveniente em, escrita, fala, e crioulo e português em pé de igualdade. mas para isso o crioulo tem que amadurecer. + +Com todas as pessoas, em todos os lugares e circunstâncias? + +sim, sim. o crioulo tem de amadurecer um pouco mais. + +Acha que se devia ensinar o crioulo nas escolas? + +também acho. + +Bom…duas questões, como uma disciplina, não é? Ensinar… os alunos terem aula do crioulo, para aprenderem a ler, escrever e falar crioulo, e ou o crioulo ser a língua de ensino, ensinar a matemática, ensinar geografia… Como vê a questão do português, desculpe, do crioulo, no ensino? + +acho que o crioulo ainda, para ensino não responde. + +E responderia se…? (…) No caso de haver desenvolvimento do crioulo, como é que veria…? + +isso ainda está muito longe. + +Não veria…? + +ainda não vejo muito bem. + +E na alfabetização de adultos, tem alguma percepção se o crioulo deveria ou poderia ser usado na alfabetização de adultos? + +eu continuo achando que tudo o que seja ensino, o crioulo ainda não… não amadureceu, não responde, mesmo na alfabetização. + +Qual é que, para si, exprime melhor a cultura de Cabo Verde, o crioulo ou o português? + +o crioulo, o crioulo exprime melhor a cultura. + +Admite a possibilidade de mornas, coladeiras, funaná, ser em português? + +((risos)) não sei… nunca pensei nisso. mas acho que… bom, ainda o crioulo na expressão artística, exprime melhor. + +E no teatro, cinema, literatura escrita, poesia e romance? + +aí já… o português aí já exprime. bom, cada um exprime como pode, mas o português pode muito bem exprimir a via artística em termos de romance e poesia, eu acho que o cabo-verdiano se exprime também em português. + +O que é que acha dessa situação que nós termos, de às vezes usarmos o crioulo, às vezes usarmos o português? O que é que acha dessa situação? + +bom… eu acho que às vezes… embora as pessoas, sobretudo as crianças quando aprendem, às vezes fazem alguma confusão, o facto de a gente ter essa… essas duas línguas. + +Confusão em termos de…? + +de se exprimirem, você… quando fala com uma criança que está a começar a apreender. + +Ok. E em termos de uso, acha que nós sabemos sempre com quem, onde e quando usar uma língua ou outra? É natural termos de usar essas duas… o crioulo e o português? Como é que vê esta circunstância, em termos de uso? + +eu acho que as pessoas distinguem, sim. + +Elas distinguem, sabem sempre quando…? + +acho que sim. + +Não têm embaraço. Há bocado falámos na oficialização do crioulo. No caso da oficialização do crioulo, não é? Qual o crioulo que seria oficializado? Para si existe algum crioulo que seja o crioulo verdadeiro, mais adequado para ser oficializado? + +é a tal história, continua a parecer que o crioulo da Praia é o crioulo, digamos, genuíno, e que daí tenha derivado os outros, mas há quem defenda também o crioulo de barlavento, por ser mais próximo do português. às vezes, aí fica um pouco… + +Mais genuíno porquê, o crioulo de Santiago? + +o crioulo de Santiago, me parece que, em todas as ilhas a gente sempre consegue encontrar algum termo que é crioulo de Santiago, com as nuances, de ilha para ilha, mas quer dizer, a construção… embora esteja a pensar agora no crioulo de Santo Antão que é completamente diferente, fica complicado realmente eleger um crioulo. eu continuo achando que a escrita devia ser, quer dizer o alfabeto… mas a escrita com as nuancesregionais, ou de cada ilha. + +De cada ilha? + +escolher um crioulo, continua sendo bem difícil. + +O que é que acha ser mais comum no mundo actual, ter apenas uma língua, ter, saber apenas uma língua ou mais que uma língua? + +mais do que uma língua, inclusive por exemplo, se a gente pegar aí, a Suiça - falam francês e inglês correctamente. eu acho que para além do crioulo, para nós -o que o futuro nos reserva é crioulo e português. + +O que é que pensa das pessoas que falam mais que uma língua? Acha que são mais inteligentes, têm mais possibilidades de avançar? + +não, têm mais possibilidades, ficam mais abertas. o facto de conhecer as línguas são uma abertura até para… para o aprendizado, se você só sabe uma língua -está limitado, está mais fechado. + +Como é que acha que os cabo-verdianos falam português? + +ainda falam mal o português, horroroso. me parece um pouco por termos essa mania ou esse hábito de falar o crioulo em tudo, e cada vez se utiliza mais o crioulo, agora se utiliza nos parlamentos, começa a se utilizar nas escolas, e então isso faz com que as pessoas falem mal o português, também a leitura, e escrevem um pouco. + +Para si, o que seria falar bem o português?Seria falar… diga, diga. + +não, talvez a expressão… quer dizer, no trabalho por exemplo, se as pessoas falassem mais o português no trabalho, se dirigissem umas às outras em português… + +E? + +e nas escolas. + +Não, estou a dizer em termos mais de língua. Falar bom português é falar que tipo de português, sei lá… português à moda do Brasil, à moda de Portugal, à moda de Cabo Verde, à maneira mesmo de Cabo Verde? É meter palavras do crioulo no português, é não produzir sons que confundem com sons do crioulo,.. Esse tipo de questões. + +bom, talvez seria falar o português de Portugal, falar o mais próximo desse português. porque eu vejo que agora se utiliza muito ou se confunde muito o português brasileiro das novelas, e pela influência. com o português de Portugal, primeiro. segundo, as terminologias, como temos o crioulo, há uma tendência a crioulizar o nosso português, isso se nota quando as pessoas falam, a concordância gramatical, a ordem, e às vezes até o termo, utilizam termos que, a rigor, não existe em português, mas pronto, pensa-se que está-se a falar o português. + +Acha que, digamos, essa maneira de falar pode-se pensar que seja um português de Cabo Verde, assim como existe o português do Brasil, por exemplo? + +acho que é o português mal falado. eu não… eu não diria que é o crioulo de Cabo Verde. mesmo o que se diz, o português do angolano, o português do são- tomense, eu acho que português é português de Portugal, e o português do Brasil, não vejo muito essas nuanceslusófonas, ou de PALOP. + +Dra. X, eu não tenho mais questões, mas se quiser acrescentar algum comentário, mais alguma coisa que ache que seja interessante, esteja à vontade. + +não, eu continuo admitindo que nós herdamos… essa herança… a língua é portuguesa, herdamos, e portanto faz parte, mesmo que se desenvolva o crioulo, o português se identifica com Cabo Verde. + +Está bom. Então, mais uma vez, muito obrigada." +INF16.wav,"Bom dia, professor X. + +de nada, não é? + +Que eu agradeço. A minha primeira pergunta é a seguinte, antes de entrar para a escola, portanto quando criança, aprendeu a falar primeiro o crioulo ou o português? + +primeiro o crioulo. + +E já tinha ouvido falar o português? + +claro, já tinha ouvido falar o português. normalmente costumava ouvir leitura das cartas que as minhas famílias escreviam para os meus pais, não é? e o meu pai sabia ler na altura e normalmente… normalmente, tinha hábito de ouvir português. tinha irmãos também em casa, que estudavam, não é? faziam leituras, o meu pai obrigava-os a fazerem leitura em casa, preparar a leitura em casa para apresentar em casa, não é? mais ou menos essa foi a primeira convivência que eu tive com a língua portuguesa. + +Comunicação social, rádio, igreja…? + +claro! também! a comunicação social também, o meu pai tinha um rádio… um receptor em casa, e também frequentava a igreja, nos Órgãos, antigamente, praticamente todo o mundo era religioso na altura, então a missa na altura era dada, por assim dizer, em língua portuguesa, os padres falavam sempre na língua portuguesa. daí que foi mais ou menos isso que me despertou pela língua portuguesa. + +E actualmente, em casa e com os seus amigos e colegas,qual é que fala? + +normalmente, em casa falo o português, e falo o crioulo. sim há colegas que… + +Em casa, com os familiares? + +em casa… normalmente eu moro… recentemente é que adquiri família, mas morava sozinho, nós… discutimos, não é? eu morava sozinho e tenho vários amigos, de acordo com o nível, há alguns que exigem mesmo falar português, para que possamos treinar mesmo a língua, porque convivo dentro de um meio de professores, amigos, principalmente de professores, que normalmente sentem essa necessidade de aperfeiçoar a língua portuguesa, e nós, falamos sobre isso, é mesmo de propósito, para que possamos treinar a língua. + +Então, com os familiares…? + +com os familiares normalmente é com a língua crioula. + +Pronto. Ecom os amigos…? + +sim. + +Falar crioulo ou o português depende de quê? + +depende normalmente do nível. + +Nível…? + +nível de escolaridade dos amigos. + +E… poderia ser mais claro? + +eu normalmente tenho uns amigos… os meus amigos são professores. e normalmente quando estamos a discutir qualquer assunto, falamos a língua portuguesa. + +Portanto, depende do assunto, falar português ou crioulo? + +sim, do assunto, depende mais do assunto. porque quando o assunto é mais académico sempre falamos a língua portuguesa, não é? quando o assunto é um assunto de convivência, assim de divertimento, falamos a língua crioula, normalmente. + +Está bom. Como é que avalia a sua competência geral em português e em crioulo? + +bom, em crioulo não tenho problemas, não é? tenho certeza. é a minha língua materna, não é? é a língua de berço. quanto à língua portuguesa, sinto que normalmente posso ter algumas dificuldades, porque às vezes uma pessoa possa estar distraída, pode entrar na sua língua materna, não é? por isso… quanto à sala de aula não sinto que tenho tanto problema assim, sim, como professor na sala de aula não tenho… + +E crioulo doutra… fala crioulo de outras ilhas? + +sim, falo crioulo das outras ilhas, porque eu estive dois anos na ilha do Sal, por estar no serviço militar, também estive dois anos e tal em São Vicente, não é? eu resido aqui na Praia, e nasci nos Órgãos, então o meu crioulo é assim um crioulo mais ou menos… já consigo entrelaçar as línguas. praticamente… + +Está bem. E qual é que gosta mais de falar, crioulo ou português? + +bom a principio gosto de falar mais a língua crioula, não é? é a minha língua, obviamente, não é? + +E escrever e ler? + +bom, escrever é em língua portuguesa. e ler também, eu gosto de ler livros em língua portuguesa. + +Prefere ler e escrever em português do que ler e escrever em crioulo!? + +sim. + +E o que é que… em qual delas exprime melhor as suas ideias, em português ou em crioulo? + +bom. depende, não é? depende. se eu estiver a falar com uma pessoa assim, de um nível… uma pessoa mais escolarizada, assim de um nível académico avançado... eu prefiro falar normalmente a língua portuguesa, prefiro falar na língua portuguesa. se for… + +Porquê? + +eu sinto que consigo transmitir mais ou menos a minha… assim, aquilo que eu quero dizer para uma pessoa na língua portuguesa se a pessoa tem nível muito elevado de conhecimento, e que consigo mais transmitir aquilo que eu pretendo dizer na língua portuguesa do que na língua crioula. porque às vezes, empregando a língua crioula, eu sinto que não estou a dizer aquilo que eu pretendo dizer para a pessoa. + +Então, fundamentalmente, depende da pessoa? + +da pessoa, do interlocutor. + +Ecomo é que se sente quando fala oportuguês e quando fala o crioulo? + +eu me sinto normal. + +Não tem…? + +depende do lugar, não é? há momentos que eu sinto que falando a língua crioula ou a língua… + +Sente-se à vontade, sente-se intimidado…? + +sim. há lugares que nós frequentamos que temos de falar a língua portuguesa, por exemplo. mas quando eu falo a língua portuguesa eu não sinto… me sinto intimidado, sinto normal. + +E crioulo, quando lê ou escreve crioulo? + +o crioulo… quanto à leitura da língua crioula, eu não consigo ler assim… de uma forma rápida a língua crioula como a língua portuguesa. é óbvio, não é? nós temos problemas aqui em Cabo Verde quanto a isso, não é? + +Está bom! + +eu acho. + +Senhor X, eu vou lhe pedir o seguinte, que pense no perfil das três pessoas com quem mais fala, com quem mais conversa. Estou a falar do perfil em termos de sexo, da idade dessas pessoas, se são de uma zona rural ou de uma zona urbana, o seu nível cultural, social…? + +bom, a primeira pessoa é o… + +Não. Não preciso do nome. Só do perfil… + +só o perfil, não é para dizer quem é a pessoa... + +Não é para dizer quem é a pessoa. Só o perfil dela. A idade… + +a pessoa com quem eu mais me comunico durante o dia, é uma pessoa que tem aproximadamente trinta anos. + +Sexo? + +sexo feminino. + +Grupo social? + +ela é professora, ela é licenciada em geografia, não é? ela morava no interior e agora vive aqui na Praia. + +Então ela é natural do interior e vive agora aqui na Praia. E a nacionalidade é qual? + +ela é cabo-verdiana. + +esta é a primeira pessoa? + +é a primeira pessoa. + +E a segunda? + +e quanto à segunda pessoa… é do sexo masculino, é do sexo masculino, tem 42 anos, 42 anos. ele é professor também, ele é professor. ele é formado na história, não é? veio também do interior, da Assomada e vive aqui na Praia há vários anos, vários anos. de nacionalidade cabo-verdiano. é isso, não é? + +Sim. Já me disse o sexo. Já me disse o grupo social… Vamos à terceira pessoa? + +e a terceira pessoa tem quase trinta e oito anos, não me lembro bem. ele mora aqui na Praia, ele é polícia, polícia de ordem pública. sexo masculino, veio do interior… + +Écabo-verdiano também? + +é cabo-verdiano. + +Agora diga-me, com qual é que fala com cada uma dessas pessoas, crioulo ou português? + +a primeira pessoa nós falamos normalmente a língua crioula… às vezes … + +Sobre que assuntos? + +assuntos íntimos, falamos na língua na língua crioula. mas há momentos que nós falamos a língua portuguesa. + +Que momentos? + +porque às vezes nós falamos de coisas… bem da escola, não é? assuntos académicos, temos a mesma profissão, não é? quando estamos entre… quando estamos a preparar a aula por assim dizer, falamos a língua portuguesa. + +E em que lugar e circunstâncias vocês costumam falar? + +normalmente é em minha casa, na minha casa. + +Pessoa dois? + +pessoa dois… falamos também português e crioulo, ele é professor, não é? então quando estamos a falar assuntos académicos, ou tudo a ver com a escola - com a aula, aqueles assuntos assim meio científico, nós falamos a língua portuguesa precisamente para treinarmos, não é? o objectivo é isto. e a terceira pessoa… + +E onde é que vocês se encontram, normalmente? + +encontramos num espaço dentro da minha casa, tenho um espaço com mesa, tem plantas, assim… e nós sentamos ali normalmente para conversarmos, não é? + +E a pessoa três? + +a pessoa 3 falamos normalmente a língua crioula, normalmente a língua crioula. + +Sobre que assuntos? + +qualquer assunto assim do dia a dia, mesmo assuntos que tem a ver com o trabalho falamos a língua crioula. + +E encontram-se em que circunstâncias? + +encontramos na minha casa, na casa dele, normalmente, somos muitos amigos. + +E diga-me uma coisa, com que tipode pessoas… há bocado disse-me que o crioulo ou o português depende muito do tipo de pessoas. Com que tipo de pessoas fala crioulo e com que tipo de pessoas fala o português? Estou a pensar em familiares, amigos, colegas…? + +falo português com a minha família, normalmente com a primeira pessoa que eu tinha dado dados, não é? falo português, falo crioulo com ela. + +Com os seus familiares já me disse que fala…? + +não. com os meus familiares, lá do interior, porque os meus pais vivem ainda no interior, lá eu tenho que falar em crioulo, sim o crioulo. porque a não ser outrora que o meu pai exigia que a gente lesse a língua portuguesa, mesmo a língua portuguesa, mas agora não. agora nós falamos totalmente em crioulo, em qualquer circunstância, juntamente com eles. + +E com os seus colegas? + +com os meus colegas, professores, normalmente, falamos português, falamos crioulo. há uns que não gostam. + +De? + +de falar português. quando nós estamos… assim… no meio… geralmente com outros professores, que não são professores da língua portuguesa - são professores de outras áreas, matemática, física, química, esses professores não gostam. dizem que não gostam de falar na língua portuguesa, porque não conseguem expressar bem na língua portuguesa, que nós professores da língua portuguesa temos hábito de falar português, não é? é mais ou menos isso. + +Diga-me, pessoas instruídas, sem instrução, opta por falar qual? + +quando uma pessoa é instruída, por assim dizer, tem um nível académico muito elevado, licenciatura ou mesmo bacharelato de professores… quando estamos… depende do lugar, não é? quando estamos estritamente sozinhos, estamos juntos, falamos a língua portuguesa, mas normalmente estamos num meio que há varias pessoas, então nós falamos a língua crioula, porque já sabe, somos cabo-verdianos, quem não falar a língua… porque… e nós fazemos bem… + +E com autoridades, superiores hierárquicos? + +normalmente, na escola às vezes falamos a língua portuguesa, às vezes falamos a língua crioula, com o director da escola, com o subdirector pedagógico… depende da circunstância. + +E com os pais com os alunos? + +sim, com pais… há pais que nós sentimos obrigados a falar a língua portuguesa. por exemplo nós, no primeiro contacto perguntamos à pessoa qual é a língua que a pessoa pretende falar, nesse primeiro contacto. se a pessoa pretende falar português connosco então aceito normal falar a língua portuguesa com a pessoa. mas normalmente eu tento… tenho de fazer um diagnóstico nas primeiras palavras… tenho que saber se na verdade o pai exige em português ou o pai exige em crioulo. + +E com os seus alunos, fora da sala de aula? + +fora da sala de aula, normalmente falamos a língua portuguesa, falamos a língua portuguesa. há alunos que não gostam, não é? mas fala comigo a língua crioula, mas minha gente, nós não temos problemas com a língua crioula, não temos?, então vamos treinar a língua portuguesa que temos mais problemas-é assim. + +E normalmente que tipo de assuntos é que fala com essas pessoas? Com os superiores, com os alunos fora da sala de aula? + +normalmente falamos de assuntos da sala de aula. com os meus alunos, normalmente na rua eu gosto de aproveitar um bocadinho de tempo para falarmos de assuntos que têm a ver com a escola. + +Por exemplo, disse-me que com a directora às vezes fala o crioulo, às vezes fala o português. Com que assuntos fala com ela em português e que assuntos fala com ela em crioulo? + +não, quando estamos a fazer um trabalho, um trabalho que tem a ver… um trabalho de escola por assim dizer, nós fazemos o trabalho na língua portuguesa. inclusive na coordenação, com a minha coordenadora, temos hábito de falar a língua portuguesa, várias vezes. + +Sempre? + +nem sempre, mas quando estamos a falar de assuntos que não têm praticamente a ver com a aula, com as aulas por assim dizer, então falamos a língua crioula, que é mais divertido, não é? ((risos) + +E quando viaja para outras ilhas? E quando está em outras ilhas, fala o crioulo de Santiago? + +eu… normalmente… quando… na ilha do Sal, eu tentei falar a língua… ocrioulo do Sal, para ter melhor… mais aceitação. + +Mas no início? + +no início, enfim, tive dificuldades, mas… + +Tinha quando falava o crioulo de Santiago? E qual era o nível de compreensão? + +eu acho que as pessoas na altura compreendiam, porque eu, devido que eu estou aqui na Praia desde onze de idade, então tenho um crioulo mais claro… assim… sinto que quando estou a falar rápido as pessoas não conseguem compreender de uma forma clara… assim… mas falo normalmente pausadamente para que essas pessoas podiam compreender. + +Há bocado disse que… falou-me que muitas vezes depende das circunstâncias… + +circunstâncias, sim. + +Poderia explicitar-me em que circunstancias, em que lugares fala crioulo ou português? + +eu diria que… + +estou a pensar em casa vizinhança, bares, lojas, etc. + +quando estamos num meio, não é? que temos… não há problema em falar a língua portuguesa. quer dizer há como se fosse uma marginalização. quando o meio é favorável, quando estou reunido com os meus amigos, não é? na minha casa, por exemplo, quando sabemos que estamos a falar a língua portuguesa, que ninguém interfere, falamos a língua portuguesa. mas quando sentimos que podemos ter interferências de outras pessoas, aí então falamos a língua crioula, usamos a língua crioula. também quando estamos mesmo a... quando vamos a um restaurante por assim dizer, falamos a língua crioula. + +E nasrepartições públicas? + +nas repartições publicas, eu gosto de falar a língua portuguesa, porque eu me lembro, num belo dia, eu fui ao registo civil, a senhora praticamente como que marginalizava as pessoas, quando a gente fala a língua portuguesa tem mais aceitação. + +Que quer dizer com isso que temos mais aceitação? + +eu não sei… o nível de atendimento varia, se nós falarmos um crioulo, lá do interior, muito fundo, com ar de gente que vem lá de longe, muitas vezes sentimos que as atenções divergem. quando falamos a língua portuguesa, entramos num lugar falamos a língua portuguesa, normalmente a pessoa com quem vamos falar…tenta… assim… + +E aqui no local de trabalho, na cantina, e trabalho das aulas? + +normalmente, na cantina… no intervalo… depende. quando estou a falar com os professores, mais ou menos com os meus alunos, com os meus alunos eu gosto de falar a língua portuguesa, sei, com os professores da língua portuguesa também. o professor da língua… costumamos falar normalmente a língua portuguesa, não é? há professores estrangeiros também, aqui, que gostam de falar a língua portuguesa para treinar, e temos vários professores estrangeiros aqui, eles não sabem falar a língua portuguesa bem, têm dificuldades, então, fala connosco língua portuguesa para treinar, e com os meus alunos também, o propósito… o meu propósito é treinar… é treinar. + +Diga-me uma coisa, com que finalidades usa o crioulo e o português? Estou a pensar em coisas como exprimir um sentimento, rezar ou orar, namorar… + +rezar, quando estou a rezar… + +falar de um assunto que o emociona ou quando pragueja, diz asneiras… + +sei, normalmente quando… quando estou a rezar… eu gosto de rezar também na língua portuguesa, assim que eu sei, não é? quando estou a falar com pessoas íntimas… namoradas… eu namoro na língua crioula, quando é crioula, não é? normalmente, também com os meus amigos, quando não estamos a falar… como eu tinha dito… quando estamos a falar assuntos… mas que não dá para pensar, divertidos, quando no entretenimento, quando estamos no entretenimento falamos a língua crioula, quando estamos já a falar de assuntos que não tem nada a ver com entretenimento, tem a ver com algo que PASSA de real, algo CIENTÍ- FICO, falamos a língua portuguesa, se estamos a falar de política… + +Estou a pensar em algo assim… nos objectivos, por exemplo, se pretende convencer alguém de alguma coisa quando diz asneiras ou está irritado… + +quer dizer… + +Falar de um assunto que o emociona. + +depende, depende da pessoa. + +Ah! Depende da pessoa?! + +depende da pessoa, se a pessoa é… tem um nível, conforme eu tinha dito, muito elevado, eu acho que mesmo que fosse asneiras, eu preferia utilizar língua… preferia usar língua portuguesa. + +Pense nessa… + +eu me lembro, eu me lembro… costumo ter complicações aqui, tive pequenos problemas com o próprio antigo director daqui. mas eu senti que na altura eu tinha que falar a língua portuguesa, sempre que falo com ele a língua crioulo não surtia… efeito. então quando estou a falar assuntos sérios, eu acho que devo falar a língua portuguesa. + +Porquê? + +exprimo… eu consigo dizer coisa com coisa em língua portuguesa, quando a pessoa tem um nível muito elevado, eu me lembro também no tribunal… testemunhei em tribunal, às vezes a gente fala… quem esta lá testemunha? faz uma declaração, então tive de falar a língua portuguesa, porque notei que o escrivão tinha de fazer a tradução quando a pessoa fala na língua crioula, então sinto-me melhor a falar a língua portuguesa. há meios, não é? lugares… + +Pense na última semana. A semana que já passou. Acha que falou mais crioulo, português? + +acho que falei mais crioulo, porque… + +Não considere sala de aula. + +sei. porque passei toda a semana passada, passei segunda a sábado… + +Hoje é sexta. + +não, a semana anterior… + +Ok. Está bom. + +a semana anterior, a semana anterior, passei lá no interior, juntamente com as pessoas do campo, passei… + +Ok. E esta semana aqui? + +está semana aqui já falei um pouco o português, falei um pouco, mas reduzidamente, é que eu… + +Continua a ser mais crioulo? + +sim mais crioulo, porque há assuntos… há assuntos de conversa, já são assuntos mais divertidos, quando assuntos são divertidos eu prefiro falar crioulo, para contar anedotas, não é? coisas do género, quando estamos… num meio assim de divertimento, prefiro falar a língua crioula, agora, sempre quando o assunto é sério, normalmente eu gosto de falar a língua portuguesa. + +Diga-me, durante… o crioulo ou português… durante mais horas seguidas, qual é que fala? + +mais crioulo, mais crioulo. + +Porque é que prefere assim ou porque é que acontece assim? + +são as pessoas com quem nós estamos em contacto, exige. temos que… nós não podemos fugir, quando entramos em contacto com uma pessoa que fala a língua crioula, por exemplo que não goste da língua portuguesa ou tem várias dificuldades em expressar a língua portuguesa, então sentimo-nos obrigado a falar com a pessoa a língua crioula, não é? é normal, eu acho que é mais isso mesmo. + +Diga-me, três circunstâncias em que normalmente fala só crioulo e três circunstâncias em que normalmente fala só português. + +quando estou juntamente com pessoas de camada mais baixa assim, na rua, não é? na rua, num bar por assim dizer, nós falamos, eu gosto de falar a língua crioula, não é? quando eu estou a falar também com crianças, não é? com crianças, assim, amigos, vizinhos eu gosto de falar crioulo. quando eu estou a falar com a pessoa… assim que tem a ver… com a situação… que dá para pensar, assim, mais elevado, ali eu falo português com a pessoa. mas depende -antes… depende da pessoa com quem estou a falar. + +Em algum momento falou crioulo e gostaria de ter podido falar o português - ou vice-versa falou português, mas querendo naquela circunstancia que fosse o crioulo? + +sim, às vezes. + +Pode falar-me disso? + +aqui em Cabo Verde normalmente acontece, há circunstâncias que nós… temos mais vontade de falar a língua portuguesa, mas que não dá para falar. por exemplo às vezes, nós… eu… se eu costumo falar com uma pessoa língua portuguesa,  fala crioulo! ah qual língua portuguesa! vamos falar a língua crioula! nós somos cabo-verdianos, quando é assim a gente é obrigado a falar a língua crioula, mas há… em que circunstância eu sinto vontade de falar a língua portuguesa? normalmente quando estou a enfrentar uma pessoa que sei que tem a capacidade intelectual mais elevada, assim que gosta de falar… eu sei que há pessoas que gostam de falar a língua portuguesa, então, com essas pessoas normalmente eu não vou introduzir a minha conversa na língua crioula, eu vou introduzir a minha conversa na língua portuguesa. com essas pessoas eu sinto que esperam mesmo, não é? que já sabem que eu sou professor de língua portuguesa, há pessoas que sabem que professores de português gostam de falar a língua portuguesa. + +De que tipo sãoestas pessoas? Qual é o perfil destas pessoas? + +normalmente são pessoas carecidas, são pessoas carecidas. há pais… há pais que falam a língua portuguesa e falam a língua crioula, mas como há pais que já sabem que o professor X ((o próprio)) é professor de língua portuguesa, então, automaticamente, falam com professor X ((o próprio)) na língua portuguesa. há alunos também, há alunos que já saíram do liceu, que entraram em contacto comigo, já sabem que eu gosto de falar o português, falam português, mas há alunos também que não gostam, professor agora vamos falar a língua crioula, não temos nada a ver com a língua portuguesa. + +Diga-me uma coisa. Alguma vez já usou o crioulo para se dirigir aos seus alunos na sala de aula? + +e..., eu costumo utilizar crioulo. em que circunstância? normalmente há alunos que não gostam de falar a língua portuguesa. quando um aluno fala a língua crioula, na sala de aula, há alunos que fazem troça, (?) por assim dizer. eu costumo utilizar a mesma linguagem do aluno que fala a língua crioula para fazer a tradução na língua portuguesa. normalmente utilizo o mesmo aluno, quando um aluno fala crioulo comigo, tudo bem, às vezes fica marginalizado perante a turma. então eu utilizo mais um aluno para traduzir a mesma frase na língua portuguesa, normalmente é assim. mas quando estou a falar dentro da sala de aula, normalmente não uso a língua portuguesa, não uso a língua crioula -somente a língua portuguesa, eu acho… + +Mesmo quando os alunos se dirigem… + +sim. + +em crioulo. + +só para fazer a tradução para a língua portuguesa, mas de resto não. + +Vamos pensar agora não na fala, mas no ouvir … + +no ouvir, sim. + +Onde é que, habitualmente… onde é que ouve o crioulo, onde é que ouve o português? + +eu, mais… + +E qual é que ouve mais, crioulo ou português? + +bom, normalmente, eu tenho hábito de ouvir a língua portuguesa nos meios de comunicação social, eu passo o dia inteiro com rádio, com televisão, em casa, para ver… divirto-me muito- ouvindo a língua portuguesa. normalmente na comunicaçãosocial, praticamente. + +E o crioulo? + +o crioulo na rua. + +Na rua? + +na rua sim. e conforme eu tinha dito, com a primeira pessoa que eu tinha dado identificação. com a primeira pessoa quando estamos a divertir, quando estamos lá numa boa, falamos na língua crioula. mas quando estamos a tratar de assuntos que têm a ver com assuntos académicos, falamos na língua portuguesa. mas estritamente quando estamos a falar assuntos académicos. + +Já ouviu o crioulo nalgum lugar em que, digamos, gostaria que naquele lugar tivesse ouvido o português, ou ao contrário? + +sim, sim. + +Pode falar-me disso? + +frequentemente, às vezes, costumamos estar aqui no meio de pessoas que… mesmo às vezes o chefe, costumam falar connosco na língua crioula e… eu… eu sinto assim… que devia falar a língua portuguesa. há momentos que… quando…às vezes também… também na assembleia nacional, eu costumo ouvir pessoas, deputados, que falam a língua crioula, não é? deputados que falam a língua portuguesa, eu acho que é… tendo em conta que temos a língua portuguesa, a língua oficial, nesses lugares toda a gente devia falar a língua portuguesa. + +E agora diga-me, a ler e escrever… Já me tinha falado disto. Costuma ler em crioulo… + +costumo ler em crioulo. + +O que? + +poemas. + +De escritores cabo-verdianos? + +deescritores cabo-verdianos sim, normalmente. + +Tem alguma dificuldade? + +sim, sinto mais dificuldade em ler em crioulo… + +O crioulo? + +o crioulo do que a língua portuguesa, o português. + +E escrever, costuma escrever em crioulo? + +costumo escrever, mas raramente, eu sinto dificuldade, eu costumo escrever poema, eu gosto de escrever poema, quando estou a fim, costumo escrever poema na língua crioula, mas sinto que na língua crioula eu não consigo expressar, não é? por escrito como na língua portuguesa. + +Quais as dificuldades que sente? + +tenho problemas, tenho problemas de 'n', temos problemas de… entonar… assim… para… são problemas que eu sinto no momento para escrever- - sinto que não consigo pôr correctamente, às vezes tenho que rever a situação para escrever melhor. + +Como… como é que…? Estudou alguma vez o crioulo? + +sim, sim estudei, sim. + +Estudou no…? + +no ISE, mas superficial, eu acho que superficial. + +Quando está a falar crioulo, o que é que o faz mudar para português, ou vice-versa, está a falar português, o que é que o faria mudar para o crioulo? + +costumo mudar sim. normalmente quando estou a falar a língua crioula com uma pessoa que eu sei que a pessoa está num nível assim… num nível de compreensão elevado, se sinto… quando sinto-me zangado com a pessoa, sinto raiva ou estou um bocadinho com raiva, eu costumo falar português automaticamente. + +Ah bom…! + +porque eu acho que muitas vezes na língua crioula, a gente… a pessoa… fica assim… será que a pessoa está me compreendendo bem? + +Portanto, imagine que está num lugar, numa circunstância, a falar crioulo. A chegada de alguma pessoa o faz mudar para o português? + +não, isso não. + +Se chega um superior hierárquico ou uma pessoa de grande instrução… + +normalmente… + +ou uma entidade? + +depende, depende da exigência. normalmente a gente sente de momento -- eu, se a falar com uma pessoa a língua crioula, eu acho que não devo mudar para a língua portuguesa, lá porque temos a pessoa presente, não é? é uma pessoa estranha, por exemplo, se a pessoa… a pessoa estranha que chega… que encontramos… fala português, então falo com a pessoa a língua… a língua portuguesa, posso ver então se… + +Como assim? + +se a pessoa ao princípio começa, ah, bom dia, não é? na língua portuguesa, então automaticamente eu sinto que tenho que corresponder a pessoa na língua portuguesa. mas a outra pessoa que eu tinha antes, não é? eu tenho que falar com a pessoa ou a língua portuguesa ou a língua crioula. agora depende do nível, se a pessoa não compreende a língua portuguesa, a língua crioula. muitas vezes… por exemplo, com os portugueses, eles gostam de falar a língua portuguesa, se a pessoa não compreende bem a língua crioula, então eu sinto obrigado a falar a língua portuguesa. agora temos outras circunstâncias, os outros… com pessoas estrangeiras, que fala a língua francesa que fala a língua crioula, mas não falam a língua portuguesa, por exemplo, nessa circunstância eu não… + +Eu não estou a falar no caso de pessoas que não percebem. Estou a falar no caso das pessoas que percebem o crioulo o português. Portanto, a chegada de alguma pessoa o faz mudar de assunto, faz mudar de língua? Ou muda de língua por causa do assunto? Por exemplo, está a falar de um assunto familiar, de repente passam a falar de outro assunto, em crioulo, muda para o português? + +não, isso agora, depende. depende do grau de afinidade com a pessoa que estamos a falar. porque, se estou a falar um assunto familiar com a pessoa, o assunto tem a ver com a nossa vida familiar, assim… eu acho que não devo mudar, não deva mudar, lá porque temos uma pessoa estranha. agora se na verdade eu sinto que a pessoa estranha, não é? exige em português, eu vou ver se a pessoa com que eu tinha antes, consegue ficar no meio da nossa conversa, então, naquela circunstância, não vou falar a língua portuguesa. se a pessoa admite que não tem, vou falar, mas caso contrário não posso. eu acho que não devo, não é? + +Diga-me uma coisa. O que é que pensa do crioulo e do português? + +bom, quanto à língua crioula… + +Há pessoas que acham que não é uma língua… + +é uma língua, eu acho que é uma língua, porque a gente compreende, não é? a gente consegue transmitir todas as informações necessárias, é uma língua. agora, o problema é quanto à escrita do crioulo, não é? eu acho que nós não temos, assim… uma escrita clara, uniformizada, eu acho assim. e quanto à língua portuguesa, nós temos uma supremacia em termos da língua portuguesa - pessoas que mostram claramente… como é a língua oficial, não é? que no fundo muda as pessoas. + +Qual é a relação que estabelece entre o português e o crioulo? + +há uma su… + +Estabelece uma relação de hierarquia? + +sim, eu acho que há alguma relação de hierarquia, estranho, por assim dizer. + +Estou a falar também das línguas em si. + +em si…? + +Ou seja, o português tem mais qualidade que o crioulo…? + +quer dizer, eu não acho que o português tem mais qualidade que o crioulo -- mas no fundo tem, porque há coisas que nós pretendemos falar, há assuntos que nós queremos falar que normalmente, faltamos… faltam palavras na língua crioula, não é?, nós, ao estudarmos a língua portuguesa, temos basicamente todos os manuais da língua portuguesa… nós aprendemos a língua portuguesa na escola, muitas vezes quando nós pretendemos expressar coisa com coisa, sentimos que devemos expressar na língua portuguesa, não é? mas há pessoas que não gostam de ir na mesma linha comigo, porque se fosse uma pessoa pouco escolarizada, por assim dizer, nunca admite isso. + +Há bocado disse que não há uma escrita uniformizada do crioulo. + +sim. + +Para si, existe algum crioulo que seja o verdadeiro crioulo? + +eu não acho que temos um verdadeiro crioulo, aqui, ou em são Vicente, em qualquer lugar, eu acho que temos um crioulo. agora há variantes, nós sentimos. mas que no fundo a gente … eu acho que… que há um crioulo. por exemplo, o crioulo de São Nicolau, eu acho que é um crioulo assim, perto da ilha de Santiago, perto de são Vicente. uma pessoa de Santiago comunica mais… com mais facilidade com uma pessoa de São Nicolau de que com uma pessoa de São Vicente, eu sinto isso. me lembro na tropa… quando estava a prestar serviço militar, normalmente nós reunimos em grupo – propositadamente - não é? há pessoas que não conseguem comunicar, por exemplo, quando nós pegamos um crioulo lá do fundo de Engenhos com o crioulo da Garça, de Santo Antão, é difícil, essas pessoas não conseguem comunicar rapidamente, é só comunicar devagarzinho, falando devagarzinho que eles conseguem comunicar. mas se fosse de uma forma rápida nunca que eles iriam comunicar, quer dizer, normalmente, mas com grande dificuldade. + +Diga-me uma coisa. Qual a relação que estabelece entre falar crioulo e ser cabo-verdiano? Admite a possibilidade de um cabo-verdiano não falar ou não gostar do crioulo? Acha que um cabo-verdiano pode gostar do português e falar o português? + +eu acho que um cabo-verdiano normalmente gosta da língua crioula, gosta da língua crioula. mas há circunstâncias que o cabo-verdiano, mesmo gostando da língua crioula, mas deve falar a língua portuguesa, não é? são circunstâncias que já tinha referido anteriormente. + +Que tipo de pessoas acha que falam o crioulo e que falam o português? + +normalmente, aqui em Cabo Verde, eu acho que todas as pessoas falam… todos os cabo-verdianos falam a língua crioula, não é? falam a língua crioula. mas nem todos os cabo-verdianos falam a língua portuguesa, conseguem ouvir a língua portuguesa, até compreender a língua portuguesa, mas falar a língua portuguesa, muita gente não consegue falar com uma certa perfeição, saber mesmo. há pessoas que não gostam de falar a língua portuguesa, eu me lembro, há alunos que, oh professor, eu não gosto da língua portuguesa. porque é que não gostas da língua portuguesa?  eu gosto da nossa língua crioula, mas tens hábito de ver telenovela, compreende a telenovela, e gosta da telenovela?, ent��o, normalmente nós temos telenovela na língua portuguesa, não é? há telenovelas portuguesas, telenovelas brasileiras, mas normalmente entendemos. então…, nessa circunstância eu acho que todos os cabo-verdianos gostam de ouvir português, não é? acho assim. + +Crioulo…? + +a língua crioula também, eu acho que todos os cabo-verdianos gostam do crioulo. + +O que é que acha disto, de se usar o crioulo e o português aqui em Cabo Verde? + +bom, eu acho que… normalmente… não é estranho utilizar a língua portuguesa aqui em Cabo Verde, qualquer pessoa pode utilizar a língua portuguesa aqui em Cabo Verde, não é? com mais perfeição, com menos perfeição, depende. + +Acha normal? Acha que…? + +acho que é normal. + +E acha que…? + +eu acho que é normal, e eu acho que… normal, e cada dia, eu acho que é ainda mais normal. porque temos a necessidade, temos a necessidade de… quando um individuo compreende bem a língua portuguesa, normalmente tem menos dificuldade, em todas as circunstâncias, eu acho. a não ser lá no interior - lá no campo a gente não sente a dificuldade, não sente tanta necessidade da língua portuguesa, mas aqui na cidade eu acho que toda a gente sente necessidade da língua portuguesa. nem em todas as circunstâncias, mas normalmente qualquer crioulo aqui da Praia, enfrenta… enfrenta lugares que precisa da língua portuguesa, agora não utiliza, porque não domina, assim, pode ser. + +Então, acha que se deveria continuar a usar o crioulo e o português em Cabo Verde? + +eu acho, sim. + +Porquê? + +porque acho que não podemos abrir mão da língua portuguesa, para pegarmos somente a língua crioula. acho que podemos ter as duas línguas, com o mesmo estatuto. por exemplo, eu acho que a língua crioula pode ser oficializada, e a língua portuguesa já é a língua oficial, não é?, não há problema -eu acho que não há problema. + +Ficariam as duas línguas? + +as duas línguas. + +E o crioulo…seriam usadas para quê, essas duas línguas, no seu entender? Falar, ler, escrever…? Em que circunstâncias? + +eu acho que… em qualquer circunstância. a gente pode estar a falar português, pode passar para o crioulo. + +Isso dependeria de quê? + +não, quando as duas línguas estiverem oficiais. + +Falar português ou crioulo, dependeria de quê? + +eu acho que depende de… eu acho que depende da pessoa. eu acho que depende da pessoa, que não podemos martirizar uma pessoa lá porque fala connosco a língua crioula ou lá porque fala connosco a língua portuguesa. + +E seriam usadas para quê essas duas línguas? + +normalmente. + +Normalmente? + +agora vamos ter outro problema, na sala de aula. + +Acha que se deveria ensinar o crioulo nas escolas? + +eu acho que sim. o crioulo. + +Porquê? + +porque… eu já tinha dito, eu sou cabo-verdiano, eu sou um crioulo, mas eu sinto… eu tenho dificuldade, mesmo quando pretendo escrever um poema na língua crioula, não é? eu acho que todos os alunos deveriam ter aula de crioulo. + +Porquê? + +para evitar esse problema. + +De compreensão? + +de compreensão, de poema, de escrever também, não é? na língua crioula, eu acho que é mais ou menos isso. + +Diga-me uma coisa. Como é que vê a então a situação? Se fosse você a decidir sobre esta questão da língua em Cabo Verde, como é que…? + +bom, aí… + +Qual é que seria a alternativa, digamos, linguística, para Cabo Verde? + +para Cabo Verde? bilinguismo. + +Ou seja? + +as duas línguas oficiais, a língua crioula e a língua portuguesa. + +Para falar, ler…? + +falar, ler, normal. eu acho que é normal isso, que não vamos ter nenhum problema. + +E no mundo em geral, o que é que acha que as pessoas… O que é que acha que é mais comum no mundo, que as pessoas sabem só uma língua ou mais que uma língua? + +eu acho que as pessoas devem saber mais do que uma língua, normalmente as pessoas devem falar mais do que uma língua. + +E com que pessoas acha que é adequado falar crioulo, e com que pessoas acha que é adequado falar português? + +bom, quando… pessoa assim… eu acho que quando nós estamos num meio… que as pessoas têm assim, um nível muito baixo de escolaridade, nós devemos falar com essas pessoas língua crioula. porquê? porque quando nós falamos assim, com a pessoa, a língua crioula, a língua de berço, lá do interior - fala assim, a pessoa sente assim mais à vontade, mais à vontade, consegue dizer tudo, não é? mas aqui na cidade não. nós… há momentos que temos de falar com a pessoa a língua portuguesa. + +Que assuntos acha que devem ser tratados na língua portuguesa e assuntos que devem ser tratados em crioulo? + +bom, eu acho que… académicos, não é? são assuntos que devem ser tratados na língua portuguesa, até agora. + +Porquê até agora? + +até agora porque temos manuais na língua portuguesa. nós temos… se temos vontade de ler um livro na língua crioula, não encontramos, não encontramos. temos os livros que estão em língua portuguesa, então como é que vamos fazer? necessariamente então, eu acho que assuntos académico, eles devem ser tratados na língua portuguesa, eu acho. por exemplo, aqui há professores que não gostam… + +E diga-me, há alguma circunstância em que acha que se devia falar só portuguêse outras circunstâncias em que acha que deveríamos falar só o crioulo? + +por exemplo, professor, eu acho que um professor normalmente, tendo a língua oficial portuguesa, deve falar com os alunos sempre a língua portuguesa -essa a minha opinião. + +Com os alunos? + +com os alunos. + +Pessoas. E circunstâncias? + +sim, lá fora, noutros lugares, por assim dizer, quando… + +Por exemplo, nas cerimonias oficiais…? + +nas cerimonias oficiais… + +Acha que se deve falar … que é adequado falar qual? + +eu acho que é adequado falar português. sim, eu acho que sim, eu acho que sim. + +Há bocado disse-me que acha que o crioulo devia ser oficializado. + +sim. + +E disse-me que era para usar em todas as circunstâncias. + +sim, quando estiver oficializado. + +Ah! Quando tiver oficializado, seria usado em que circunstâncias e com que pessoas? + +nas cerimonias oficias. + +O crioulo? + +o português, e uma pessoa, noutros lugares … + +Portanto, as duas seriam oficias, o crioulo e o português. E sendo oficiais, o português seria utilizado para quê e o crioulo para quê? + +sim, eu acho que… + +Para quê e com quem? + +as duas línguas podem ser oficializadas, normalmente. agora quando, por exemplo, um presidente da república, por exemplo, pretende fazer um discurso à nação, eu acho que esse discurso DEVE ser na língua portuguesa. se o presidente da república pretende falar nas campanhas, por exemplo, eu acho que ele pode falar a língua crioula. + +Mas porquê? + +oficialmente, eu acho que… porquê? porque há pessoas que sentem à vontade, não é? ouvir e falar a língua crioula, pessoas quando estão a falar… assim, pessoas de camadas mais baixas da sociedade… essas pessoas que pertencem à camada mais baixa na sociedade gostam de ouvir e falar o crioulo, sentem mais à vontade, não é? porque se nós estamos a falar com uma pessoa de camada mais baixa, utilizando a língua portuguesa, e essa pessoa não é escolarizada, a pessoa fica deprimida, fica (?) . + +E… acha que o crioulo poderia ser usado na alfabetização de adultos? + +e...:eu acho que sim. + +Porquê? + +para que eles possam ter a noção como se escreve o crioulo. acho que sim, porque normalmente falamos uma língua e… eu acho que nós devemos também escrever a nossa língua, não é? mas… + +A nossa língua é o crioulo? + +sim, a língua crioula, estamos a falar da nossa língua crioula, a língua materna, não é? porque sabemos que a nossa língua, de uma forma geral, a nossa língua materna é a língua crioula. isso não podemos fugir, não podemos fugir, em qualquer ilha… + +Diga. + +em qualquer ilha é a língua crioula, é a língua crioula a nossa língua materna. agora há pessoas que costumam ouvir a língua portuguesa desde o berço, aí eu entendo. mas normalmente, de porta para fora, qualquer crioulo… + +Diga-me uma coisa, qual, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a nossa cultura, a cultura de Cabo Verde? Sei lá… eu estou a pensar em mornas, coladeiras, batuque funaná, teatro, cinema, literatura… + +quanto à literatura, é um outro problema, não é? é um outro problema. mas as outras formas de manifestação cultural, por exemplo, eu acho que varia, - morna, eu acho que quando estamos a ouvir morna, nós sentimos que a morna deve ser cantada na língua crioula, ou não? + +mhm mhm + +batuque… assim também. mas quanto à literatura não. deve ser… é habito, não? nós temos hábito de ler assuntos de… mesmo assuntos que têm a ver com a nossa cultura, mas eu acho que gente sente. para mim, eu consigo entender melhor a escrita na língua portuguesa do que a escrita crioula. não consigo, tenho problemas mesmo. + +Como é que acha que os cabo-verdianos falam crioulo, bem, mal, à maneira deles? + +os cabo-verdianos falam, crioulo, assim, acho bem, bem sim. bem. agora temos um problema, podemos falar crioulo bem aqui na Praia, um bom crioulo por assim dizer, mas vamos para o interior encontramos um bom lá no interior… + +Queria dizer português… + +ah! português? + +Estou a falar de português. Como é que acha que os cabo-verdianos falam o português? + +mhm, o português. há cabo-verdianos que falam português. + +Bem ou mal? + +bem, há cabo-verdianos que falam o português bem, mas há também cabo-verdianos que não conseguem falar o português bem. acho que os cabo- verdianos que conseguem falar o português assim… melhor, por assim dizer, são os cabo-verdianos que leccionam, pelo menos eu acho que são os cabo- verdianos que leccionam. eu, normalmente, quando estou a ouvir discursos políticos, não é? discurso que tem a ver com política, por assim dizer, então eu faço assim como… uma avaliação da pessoa. eu penso assim – porque é que o senhor esta falando, assim um português carregado de erros? , penso que, no momento que a pessoa costuma dar aulas, por exemplo, toma um discurso para falar, eu costumo assistir a reunião de política lá nos Órgãos, há professores que normalmente, mesmo falando no meio daquela gente a língua portuguesa... mas há políticos que a área, da área de engenharia por assim dizer, eles não sentem à vontade, não sentem à vontade, começam na língua portuguesa, terminam na língua crioula, não é? então eu sinto que os cabo-verdianos que falam melhor língua portuguesa, eu acho que são os cabo-verdianos que leccionam, os professores. + +O que é para si falar bom português? + +falar um bem português para mim, para mim é muita coisa, não é? + +Diga, tem a ver com o vocabulário, tem a ver com produzir sons que nos confundem com o crioulo? + +eu acho que… + +tem aver com frases? + +eu acho que falar bom português muitas vezes tem a ver com som, quando uma pessoa fala assim, com um som muito claro, não é? eu sinto que a pessoa muitas vezes tem arte em falar a língua portuguesa, acho que domina a língua portuguesa. mas muitas vezes, há pessoas que utilizam um som claro, um som agradável, assim de ouvir, para se dizer, mas comete erros, não é? sabemos. então eu acho que não podemos tomar somente sons, mas também coordenação das palavras, eu acho que a coordenação das palavras… eu acho que… + +E usar palavras do crioulo quando se fala português? + +isso é frequente. + +E o que é que acha disso? + +é frequente. eu acho que… bom quando estamos a falar uma língua devemos falar essa língua, não é? ou falar uma língua ou falar outra língua. mas infelizmente acontece, acontece inconscientemente. às vezes a gente fala a língua portuguesa mas mete um bocadinho de crioulo no meio, há circunstâncias que as pessoas utilizam propositadamente, não é? fala a língua portuguesa mas mete um bocadinho da língua crioula às vezes para pôr… para divertir por assim dizer, ou para falar ao pé da letra, quando estamos a falar assuntos que têm a ver coma a nossa realidade cabo-verdiana falamos a língua portuguesa, mas há momentos que temos que dizer, que reproduzir a fala por exemplo da pessoa, por exemplo, então vamos dizer taxativamente na língua crioula, como nós tínhamos ouvido, eu acho que nestas circunstâncias, são normais. + +Senhor X, eu terminei. Esteja à vontade para acrescentar algum comentário, algo que queira dizer e que eu não tenha abordado e que acha interessante. Esteja à vontade se quiser acrescentar... + +eu não tenho muita coisa para acrescentar, mas eu queria focar quanto a oficialização da língua crioula. + +Diga. + +temos aqui polémica, não é? quanto à oficialização da língua crioula. ninguém sabe qual é o crioulo que deve ser oficializado. + +O que é que acha disso? + +eu acho que, pronto é um investimento, assim, muito duro para os cabo- verdianos. porque normalmente eu acho que deveria ser oficializado crioulo de barlavento e crioulo de sotavento, num primeiro passo por assim dizer, futuramente, as coisas podem mudar, as coisas podem mudar. mas agora eu acho que não podemos dizer, vamos oficializar o crioulo de Santiago, ou vamos oficializar o crioulo do Sal, ou de são Vicente, não é? devemos pôr… + +Porquê? + +eu acho que é mais difícil, eu acho que seria difícil mesmo, oficializar o crioulo de Santiago, e os outros, não é? eu acho que seria difícil mesmo. + +O que é que aconteceria? + +eu acho que, fazendo justiça, devíamos oficializar crioulo sim, mas temos padrão sotavento, padrão barlavento. + +Qual é que escolheria como padrão? Qual crioulo… + +eu acho que devia ser crioulo de barlavento e crioulo de sotavento – juntos. + +Ok. Os dois. + +reproduzir mais manuais… + +Mas de barlavento seria de que ilha, sotavento seria de que ilha? + +eu acho que de barlavento deveria ser de são Nicolau, bom não sei. + +E de sotavento? + +sotavento pode ser de Santiago. + +Porquê? + +bom… + +De são Nicolau já me explicou… + +sim… + +E de Santiago porquê? + +Santiago eu acho porque temos no Maio um crioulo perto de Santiago, as pessoas do Fogo, uma, falam crioulo do Fogo, mas conseguem rapidamente impregnar crioulo de Santiago, eu sinto isso. pelo menos na minha zona tenho pessoas do Fogo, mas já estão a falar crioulo de Santiago normal. + +Está bom. + +eu sinto que as pessoas de são Vicente, têm mais dificuldades em falar crioulo de Santiago, de que as pessoas do Fogo ou da Brava. era isso. + +Mais alguma coisa? + +não tenho nada para acrescentar. eu só gostaria que de momento que a senhora vai apresentar o...: + +O trabalho. + +o trabalho, eu estivesse presente. + +Ah! O senhor estará com certeza. Ok. Então muito obrigada, mais uma vez, por esta entrevista. + +que pode ser bem ou mal conseguido. bom… mas o crioulo é sempre bem conseguido. se for para alguém que não seja cabo-verdiano, então, quer dizer o português é mais acessível à comunicação das pessoas, porque é um… é mais do que o crioulo uma língua do mundo, é uma questão de acessibilidade. + +A minha última pergunta tem a ver com o seguinte, como é que acha que os cabo-verdianos falam o português, bem, muitobem, àmaneira deles?" +INF17–realizadanodia28.07.07–comaduraçãode1.16.55.wav,"Professor X, muito obrigada por ter-me dado esta entrevista que eu desde já volto a agradecer. A primeira questão é a seguinte, antes de entrar para a escola, quando aprendeu a falar, aprendeu a falar o crioulo, o português, os dois?" +INF17.wav,"aprendi a falar o crioulo, mas desde cedo tomei contacto com a língua portuguesa . + +Onde? + +na Boa Vista, porque a língua portuguesa era considerado uma língua chique, então as pessoas que se encontra… que se consideravam minimamente escolarizada tinham o prazer de falar a língua portuguesa, discutir a gramática e discutir os textos, e chegava a ser conversa de bares, debaixo da alfândega, aonde era… é… era zona de estacionamento e diversão, passatempo propriamente dito, da intelectualidade entre aspas da ilha, dos marinheiros reformados, pescadores já inactivos, marinheiros não activos, pescadores não activos, trabalhadores normal, toda a gente tinha de fazer isso… + +E ouvia então a língua portuguesa aí, nesse convívio, ou em outras circunstâncias? + +correntemente. + +Mas onde,por exemplo? + +em casa. + +Com os seus pais? + +com a minha avó mais precisamente, porque o meu pai praticamente não parava em casa, era um condutor. o meu tio F1, que era emigrante, circulou para o mundo todo, e era um… + +Então, se estou a perceber bem, em sua casa falava-se português correntemente? + +até porque a minha avó leccionava, não é? era das chamadas professoras particulares, e entrei em contacto cedo com o livro, comecei a ler antes, de começar… antes de entender, o que eu lia. eu já sabia ler, lia Eça de Queirós, Antero de Quental, Almeida Garrett, Camões, quer dizer, era tipo uma leitura robotizada, chamemos-lhe assim, porque eu não percebia nada do que andava a ler, e quando eu lia a minha avó ia escutando, porque a minha avó também era alfaiate, e nos períodos de festa ela tinha um problema de… talvez um princípio de cancro, que lhe veio causar a morte, e tinha dificuldade em dar a roda da máquina, e aos quatros anos eu era já um tipo de motor humano da máquina, e enquanto isso eu ia soletrando as letras, depois comecei a formar as palavras como deve ser, passei a ler correntemente, e só depois eu comecei a tentar entender os textos que eu lia. + +E actualmente, em casa, com a sua família, com os seus amigos e colegas, o que é que usa normalmente? + +bom em casa eu uso o crioulo, não é? uma mistura do crioulo de barlavento com o crioulo de Santiago, não é? na rua com os meus alunos a comunicação é sempre em português, porque devido ao facto de eu ter… de eu procurar criar na sala de aula um espaço de expressão da língua portuguesa, os meus alunos não sentem à vontade em falar crioulo comigo normalmente, então aí, troca de opiniões em português. na escola com os meus colegas eu falo o crioulo, mas com estranhos normalmente eu recebo e falo com eles em português. + +Estranhos quer dizer com os encarregados de educação? + +encarregados de educação, quaisquer outras pessoas que vão a escola por qualquer razão, tratar qualquer assunto, e que por ventura entrem em contacto comigo. + +Está bom. Neste momento, como é que avalia a sua proficiência geral em crioulo e em português? + +bom… neste momento eu falo mais crioulo do que português porque eu estou num período de férias. + +Não. Eu estou a dizer a sua competência em crioulo e em português. + +não tenho problema nenhum, em princípio não tenho problema nenhum. + +Falar, ler…? + +falar, reflectir. ler, escrever. + +Em português? + +em português ou crioulo para mim é a mesma coisa, porque é algo a que me… a que me habituei a realizar desde cedo . + +Falar, ler e escrever em crioulo ou em português. Qual é que prefere, qual é que gosta mais, falar crioulo ou português? Ler crioulo ou português? + +eu gosto das duas coisas, normalmente quando… à primeira eu costumo usar crioulo, até porque as pessoas com quem contacto sentem-se mais à vontade do que… assim. mas eu para escrever, para tomar os meus apontamentos… quer dizer, depende muito de..., do estado de espírito do momento, eu faço ou em crioulo ou em português. também depende do destino da escrita, se é para eu falar o crioulo, normalmente eu escrevo o crioulo, se é para eu falar em português, claro, eu escrevo em português, evito o trabalho de traduções desnecessárias . + +Acha que exprime… de um modo geral, exprime melhor as suas ideias em crioulo ouem português ou nos dois igualmente? + +nunca tive necessidade de procurar uma das línguas em especial para exprimir qualquer coisa, eu consigo sempre dizer aquilo que eu pretendo, quer em português quer em crioulo. + +Portanto,igualmente? + +sem problema. eu tenho um um… léxico… léxico variado nas duas línguas que me permitem sentir à vontade nelas. + +Equal é que sente mais à vontade,num deles ou os dois igualmente? + +sem problema, sem problema, sem problema. + +Diga-me,sente mais à vontade quando fala, lê ou escreve crioulo? + +bom, aqui vamos… nós estamos a entrar num campo um bocadinho mais complicado porque, como a escrita do crioulo não está oficialmente padronizado - as escritas em crioulo variam, e há pessoas que introduzem variantes ainda desnecessários que… não sei se eles pretendem complicar ou mostrar intelectualidade, ou se é outra coisa, ou se é por uma questão literária também. mas o que eu penso, o que eu sinto é que, há alguns escritos do crioulo em que me sinto à vontade, e há outros em que eu tenho de parar, ler primeiro, fazer uma leitura silenciosa primeiro, para ler depois em voz alta por causa da variação ortográfica. + +Isso na leitura. Ena escrita, escrever? + +a escrever… normalmente eu escrevo à minha maneira, não é? e não tenho problemas nenhum. como eu escrevo é para eu ler… quando eu escrevo para outra pessoa eu tenho a preocupação de escolher uma das escritas e utilizá-la - mas quando é para mim, eu escrevo à minha maneira, eu às vezes nem escrevo palavras completas-não é? + +Naturalmente que se sente à vontade quando fala o crioulo. Eo português? + +não tenho problema, não. eu nunca me senti acanhado em falar português, atéporque… + +Não tem medo de errar? + +não, nunca tive medo de errar. e esta é uma questão que eu tenho lutado com os meus alunos, porque um dos principais problemas que nós temos na aprendizagem da língua portuguesa é o receio que o aluno tem de errar. quer dizer, eu procuro fazer-lhes ver que o receio de errar é um entrave para a aprendizagem, e que eles quando sentirem na necessidade de errar, porque têm que errar, que devem errar para poderem ser corrigidos e aprenderem como é que é que devem dizer as coisas. + +Muito bem. Senhor X, eu vou-lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar. Que pense nestas pessoas. Não lhe estou a pedir nomes, mas vou lhe pedir o perfil dessas pessoas, em termos de idade, sexo, grupo, estrato social e nacionalidade. Pense nessas três pessoas e fale- me delas em termos do seu perfil. + +do meu ou delas? + +Do perfil delas. Decada uma delas, pessoa 1, pessoa 2 e pessoa 3. + +esta questão é um pouco difícil, porque eu sou uma pessoa extremamente aberta… + +Por isso é que é fácil((risos)) + +não, é difícil. eu falo com toda a gente, eu estou em todos os ambientes e de maneira que eu me sinto à vontade de falar com todas essas pessoas. só que aqui, em Santiago em particular, nota-se uma dificuldade porque as pessoas sem pensar que (?) num relacionamento com outras pessoas, que eles julgam que têm qualquer nível intelectual superior, e então tentam desnecessariamente menosprezar essa diferença para poderem impor, etc., e às vezes até eu chego a ter início de choque com algumas pessoas, e recuo. + +Então, pense assim. Nesses diferentes ambientes onde, digamos, circula, e penseassim em três pessoas. + +perfil de…? + +Idade, sexo, nível social cultural e nacionalidade. + +a nível de idade… + +Fale-me da pessoa 1, pessoa 2, pessoa3. + +a pessoa que eu normalmente faço questão de conversar com ela, é o senhor F2… + +Não preciso dos nomes… + +não interessa, não interessa. ex dirigente do Sporting, já é um senhor de oitenta e tal anos, tem deficiências motoras, tem dificuldade em exprimir o que pensa, já não está a conseguir enquadrar devidamente o raciocínio. eu... eu sinto que ele tem necessidade de conversar com alguém, e às vezes está sentado à porta da casa sozinho, não é? a acompanhar os movimentos, irritado com o comportamento das crianças, e procuro aproximar-me sempre que possível. + +Ecom essa pessoa, fala em crioulo ou em português? + +em crioulo, em crioulo. + +Sobre que assuntos? + +a gente fala de futebol, fala de educação… + +Problemas sociais? + +temas sociais, da escola, e quando falamos de temas sociais, o problema incide essencialmente sobre a questão da educação da juventude actual. educação, quer dizer, entre aspas. e aí ele às vezes… ele irrita-se, e tenho que estar a acalmar, oi… oiça, não se irrite, procure desligar. + +Está bom. Vamos ver então a pessoa 2. Outra pessoa. + +bom, outra pessoa que eu costumo contactar-me com ele também, é um senhor já dos seus 65 anos, ano é? é da Brava, mas vive em Santiago há muitos anos, tem muitos filhos, é uma pessoa que já trabalhou muito, tem uma vida estável digamos assim. e que eu vou procurar nas férias para jogarmos uril, e às vezes a gente passa HO...ras a falar, conversas sem nexo, ele diz uma, e eu digo-lhe outra… + +Em crioulo? + +em crioulo, ele faz a mistura do crioulo da Brava com o crioulo de Santiago, e eu faço a minha mistura com o crioulo de são Vicente com o crioulo da Boavista, e estamos aí, HO...ras. + +Mistura crioulo de S. Vicente com crioulo da Boavista? + +sim, eu misturo o crioulo de são Vicente com o crioulo da Boa Vista, porque quando fui para São Vicente, eu tinha 8 anos e meio, e eu n��o falava. durante o tempo que eu estive em São Vicente neguei falar o crioulo de São Vicente, porque havia uma questão de tentar impor as pessoas a falar o crioulo de São Vicente, eu não aceitei. vim para a Praia e as pessoas tentaram fazer o mesmo, naturalmente o crioulo de são Vicente surgiu misturado com o crioulo de Boavista, e deixei… fui… normalmente. + +Ea pessoa 3? + +a pessoa 3…(...) + +Essapessoa 2 é funcionária do Estado? + +não, ele é… foi um homem de múltiplos ofícios, a pessoa 1 é que foi funcionário da polícia marítima, sabe qual, não é? bom aqui é mais difícil, a pessoa com quem eu mais falo é com a minha mulher… + +Eu estava a pensar fora do seu círculo familiar. + +fora do meu círculo familiar, eu falo com os meus alunos… + +Na sala de aula? + +não, na rua. + +Na rua? + +na rua, às vezes vão ter comigo… + +Eem português, já me disse. + +sempre em português, põem-me problemas pessoais e às vezes costumam dizer, professor eu não consigo explicar tal assunto em português, e eu digo, diz em crioulo e depois vemos como é que se diz… como é que se poderia dizer em português, e eu faço este trabalho de apoiar linguisticamente, moralmente, não é? e isso acontece muitas vezes, com muita frequência. isso para diferentes faixas etárias. mas eu falo com muita gente, eu tenho dificuldade em definir com quem eu falo mais, porque eu levo uma vida muito, digamos assim, caseira e quando eu saio de casa, eu falo com toda a gente, estou com toda a gente, convivo com toda gente, não é? não tenho assim (…) + +Já me disse que fala crioulo e português. Eu gostaria de perceber com que tipo de pessoas fala crioulo e com que tipo de pessoas fala português. Se poder especificar um pouco mais… + +eu tenho, eu tenho um senhor que eu falo sempre português, porque ele veio de Angola ele fala sempre português e eu falo português com ele, ele é quase de família, mantemos o contacto frequente. com os meus alunos na sala de aula. portanto eu, se estou em qualquer fórum… + +Oficial? + +não, mesmo oficioso alguém faz questão de se expressar em português, ali… + +Autoridades, pessoas instruídas…? + +autoridades, exacto. pessoas instruídas não. há pessoas instruídas com quem eu falo crioulo, normal, portanto. já com quem eu nunca falo crioulo é com o Dr. X ((INF 7) e com o Sr. F1, F, com eles eu falo sempre português, porque eles não dão espaço para falar crioulo, não é? mas de uma regra geral eu falo crioulo, ou… depende. + +Depende de quê? + +do assunto, da motivação, da origem, do local, das companhias, depende-o português surge naturalmente, não é nada escolhido. + +Pode falar-me um pouco disso, dessas circunstâncias, desses momentos. Como é que é isso, de falar o português ou o crioulo? + +às vezes por exemplo, eu estou a falar com o 2Sr. F3, não me lembro do apelido dele, ele agora está de férias. + +X, eu acho. + +não sei. é uma pessoa amiga, ele e o meu pai trabalharam juntos, ele trabalhou na pesca, foi muitas vezes à Boavista, e eu na altura estava lá, a gente estabeleceu um contacto interessante, agora passamos a ser vizinhos, e a gente conversa todos os dias. e ele às vezes começa a falar crioulo depois passa para o português, é aquele hábito, não é? e eu vou lhe acompanhando conforme… como dizia a minha avó, conforme é o toque assim é o baile, a dança aliás, melhor dizendo. + +Mas acha que falar crioulo ou português depende da pessoa, do assunto, do momento, digamos, o que é que o motivamais a escolher uma ou outra? + +bom, nunca pensei nisso. + +Pense agora((risos)) + +enfim, eu nunca pensei nisso porque é algo que surge assim, espontaneamente e que… quer dizer… como eu já disse, à primeira. falar português não nasceu da minha formação, não é? quando eu me formei, quando eu iniciei a minha formação, eu já falava português, e nas mesmas circunstâncias que eu faço agora, porque quando eu iniciei a minha formação eu já era professor de português, então, quer dizer, de per si, o figurino não se alterou em nada. + +Diga-me uma coisa, quando viaja para outras ilhas, normalmente fala crioulo de que ilha? Já me disse,Boavista misturado com… + +se eu estou na Boavista eu falo de Boavista. se eu estou com as pessoas de Boavista eu falo Boavista, mas uma palavra ou outra de crioulo de são Vicente -isso chamei meu discurso… + +E quando vai para outras ilhas? + +quando eu vou para as outras ilhas normalmente eu faço umas mistura das duas línguas, não é? + +E como é, por exemplo, é essa compreensão? Por exemplo, aqui em Santiago? + +aqui em Santiagohá pessoas que não compreendem. + +Têm dificuldade em…? + +então eu explico no crioulo de Santiago. + +Então as pessoas que estão aqui em Santiago não compreendem o crioulo… De um modo geral, acha que se entendem que não se entendem, de um modo geral? + +quer dizer, vamos tentar situar as coisas no tempo. quando eu vim para Santiago- nos primórdios da independência, eu tinha dificuldades em comunicar- me com as pessoas de Santiago. bem, quando a rádio começou a emitir programas em crioulo, as pessoas de Santiago começaram a ouvir o crioulo das outras… as variantes das outras ilhas e então como as variantes ficaram-lhes no ouvido e começaram a interiorizar determinadas expressões e as entenderem, e inclusive alguns por as acharem chique, começaram a utilizar essas expressões chique, era assim. mas depois nós estamos numa situação de… bom, podemos chamar de diglossia, não é? geral das variantes do crioulo onde hoje a maior parte das pessoas de Santiago falam e entendem, inclusive o crioulo de Santiago… a não ser algumas palavras muito bem escolhidas, e o inverso também é verdadeiro, actualmente. é claro que há determinadas zonas de Santiago, que se forem para Santo Antão, ou se as pessoas de Santo Antão vierem para aqui, de determinadas zonas, eles vão continuar… eles vão continuar com determinadas dificuldades, mas isso é normal, porque são pessoas que não tiveram muitos contactos, que não saíram muito, e continuaram fechados no seu espaço linguístico, mas na… regra geral há uma abertura, há um contacto, há barcos, há aviões… eu penso que nós estamos a caminharmos rapidamente para uma… um resultante dessas variantes. é o que eu penso concretamente, mas nessas coisas, como é prematuro dizer qualquer coisa sem um trabalho sério, eu não faço afirmações, nem assumo essa posição, é uma ideia minha, muito empírica. + +Já falamos disso, mas eu gostaria que me dissesse um pouco mais. Lugares e circunstâncias em que usa o crioulo ou o português. Em casa já me disse que fala o crioulo, mas eu estou a pensar na vizinhança, mercado, lojas, repartições públicas… Também já me falou do local de trabalho… + +nas lojas, só se quem estiver a atender na loja for português, ou então se ele fizer questão de falar português. eu nunca parto do princípio… quer dizer, eu não inicio nunca o meu discurso em português, nas lojas, eu acho. + +Enas repartições públicas? + +nas repartições públicas sim, mas nem todos, nem com toda a gente. com as pessoas que eu tenho amizade, liberdade, contacto, a gente arranca a conversa com o crioulo e acabou-se a história, não e? bom, com quem eu falava sempre… + +Lugares de diversão. Por exemplo, restaurantes, bares, cinema, discotecas, reuniões…? + +difícil, difícil. o crioulo predomina no meu contacto com as pessoas. + +Reuniõesde associações e ou de grupos…? + +eu fui por exemplo, durante muitos anos, presidente de várias associações na Boavista, e nós utilizamos sempre o crioulinho de Boavista . + +Bom, agora diga-me, com que finalidades… as finalidades com que fala uma ou outra, por exemplo, estou a pensar em coisas como rezar, orar dar e pedir informações, quando… namorar, convencer alguém de alguma coisa, quando quer falar de um assunto que o emociona ou o irrita, quando pragueja ou diz asneiras… coisas desse tipo? + +interessante, que eu nunca tinha parado para pensar nisso. + +Mas…? + +quando eu rezava eu tinha duas posições, se eu estivesse na igreja… se eu estivesse a rezar em voz alta juntamente com outras pessoas, eu rezava em português, se eu estivesse a rezar sozinho de modo improvisado eu rezava sempre em crioulo. + +Muito bem… + +agora eu não rezo ((risos)) mas na altura era o que eu fazia. quanto a namorar, eu sou um indivíduo que prezo muito o facto de não ter nenhuma influência racista, não é? mas enfim, mas namorar eu fui racista, inconscientemente, eu sempre escolhia namoradas cabo-verdianas. + +Portanto, namorar é em crioulo. Mas quando está a falar de um assunto que o irrita ou que o emociona…? + +também continua, de vez em quando eu sou descontrolado, o crioulo é que flúi, não é? o português… eu sirvo-me do português para circunstâncias pontuais, de momentos que normalmente são-me impostos ou por razão de trabalhoou… não é? + +Então diga-me, por exemplo, três circunstâncias em que falou português mas gostaria de ter podidofalar o crioulo, e vice-versa? + +não. + +Não? + +nunca tive necessidade disso. mas sabe… quer dizer… quando uma pessoa fala numa língua e sente necessidade de expressar-se noutra, é porque essa pessoa não tem um domínio da língua, e não conseguiu envolver essa língua nas… nas suas emoções, nos seus sentimentos, nos seus pensamentos, e não consegue reflectir profundamente, pensar correctamente. e ele… chega uma altura que sente necessidade de voltar à língua materna para poder de facto, de uma forma poderosa, exprimir aquilo que realmente sente. mas comigo, como eu digo, desde criança quando comecei a ouvir o crioulo já ouvia o português em minha casa, não era dirigido para mim, mas era dirigido a outras pessoas, e então olha… e a minha avó tinha o bom ou o mau hábito de falar português sempre que as circunstâncias lhe favorecia para tal, e ela era vaidosa do domínio que tinha da língua portuguesa quer oral quer escrita e por… gostava de exibir-se -quer dizer era uma exibição sadia, não é? mas não deixava de ser. + +Já…alguma vez na sala de aula dirigiu-se aos seus alunos em crioulo? + +já me aconteceu. + +Porquêe para quê? + +já me aconteceu algumas vezes, estar embalado na conversa informal com os meus alunos, porque eu não considero, eu nunca fiz a sala de aula um espaço formal, algo formal exclusivo, porque eu penso que a..., o aluno para poder sentir-se à vontade no uso de qualquer língua, ele tem que ser capaz de se sentir descontraído, então às vezes a gente fica numa descontracção pa..., só para… e por duas vezes deixei escapar uma ou outra frase em crioulo, mas eu agarro-as imediatamente, quer dizer, deixando-as fluir eu estaria a ir contra a intenção real que eu pretendo na sala de aula, de fazer da sala de aula um espaço de expressão da língua portuguesa, porque o aluno não tem outro espaço onde de facto exprime em português. + +Está bem. Eos seus alunos, alguma vez dirigiram-sea si em crioulo? + +fazem isso frequentemente, tentam isso a todo o custo. fugir. + +Mas para quê que eles usam…? + +para qualquer coisa, para qualquer coisa, qualquer motivo para eles é válido para fugir da língua portuguesa que eles consideram, se me permitir a expressão, entre aspas, uma chatice. aliás, mas é que têm razão. 50% dos alunos vêm de escolas onde os professores, ao longo da escola primária praticamente falou o crioulo com eles. + +Ah é?! + +se normalmente temos… um bom aluno diz, professor eu não fui habituado a falar português, e eu o teu professor …?, falava crioulo, ensina-vos em crioulo? , sim ensina-nos em crioulo, há algum exagero nisso - mas há um bocadinho de verdade, porque eu já me aproximei de algumas escolas, no interior de Santiago, e não só, onde o professor está descontraidamente a leccionar em crioulo, aliás nós temos aqui em Santiago, e penso que nas outras ilhas porque ele não pode ser exclusivo em Santiago, professores no liceu que leccionam matemática, filosofia, geografia, história, em crioulo, e outras disciplinas de área cientifica em crioulo. só que uma das razões que tem levado o aluno ao insucesso escolar prende com esse facto, o aluno recebe a matéria em crioulo, e depois o teste é apresentado em português, ele não tem o domínio dos conceitos e por isso ele não consegue responder, realmente ele encontra-se perante um teste em português, ele não sabe o que está a ler, ele não entende, não compreende, não é? e..., depois, quer dizer, há aquele problema. se quiser… é pena, porque podia ter aproveitado o período dos exames, para tentar acompanhar alguns exames para ver como é que os alunos levantam questões que não têm razão de existir, está fora do nível deles, mas eles levantam essas questões, mas porquê? de tão habituados que estão em resolver testes em português sobre matérias que eles aprenderam na língua cabo- verdiana, e de não entenderem os enunciados, criaram o mau hábito de fazer perguntas desnecessárias, des-ne-ce-ssárias. + +Sim senhor. Agora eu vou lhe pedir que pense nesta semana que findou, e diga-me com que frequência ouviu o crioulo e o português ou falou o crioulo e o português. Ou seja, falou mais crioulo ou o português durante esta semana? + +durante esta semana… + +Esta que passou, que acabou de passar. + +durante esta semana… não me lembro de ter falado uma hora de português. + +Está bem. + +pode ser que tenha acontecido, não é? + +Sim. Mas não se lembra? + +porque como as aulas acabaram, os testes acabaram, não me lembro. + +Vamos pensar no ouvir. Habitualmente, em que contextos ouve o crioulo e ouve o português? + +eu oiço no noticiário… + +Oportuguês? + +o português, português e brasileiro. eu acompanho os programas quando estou em casa, e..., em crioulo sempre que a nossa televisão apresenta algum programa em crioulo, o que é muito difícil, não é? e na rua, estou praticamente em contacto diário e permanente, em casa com o crioulo. + +E diga-me, que assuntos ouve habitualmente em crioulo e em português? Assuntos íntimos, familiares, oficiais, políticos, sociais. Habitualmente qual é que ouve em português e qual é que ouve em crioulo? + +bom, isto vai depender, não é? da pessoa com quem estou a falar, do local e do tema, mas… + +De um modo assim, muito geral. + +de um modo muito geral, eu falo de tudo. + +Não, não. Ouve. Ouve. + +oiço de tudo, em crioulo. + +Em português? + +de tudo, efectivamente. + +Assuntos oficiais em crioulo…? + +tudo, tudo. + +Algum contexto, alguma circunstância em que ouve as pessoa a falar crioulo, mas preferiria que elas… ouvir português ou vice-versa, o português mas preferiria ouvir crioulo naquela circunstância? + +sim, há pessoas que quando falam português, criouloguês, ficam quase… quase que a gente não consegue compreender, porque nós ficamos numa situação de ambiguidade extrema, porque comem os acentos, 'mais'passou a ser advérbio e conjunção adversativa ao mesmo tempo, empregam o 'de' desnecessariamente, regra geral não há… há um problema grave de utilização das preposições e das formas verbais que acabam por tornar o discurso incoerente - quer dizer, não dá vontade, não dá muita vontade de ouvir as pessoas a falarem desta maneira, porque há aquela tendência, há aquele... hábito profissional de corrigir e há pessoas que eu não posso, que eu não devo, e eu fico na… + +Passando à leitura, costuma ler em crioulo e ou em português, ou as duas coisas? + +eu leio qualquer um, crioulo, português… + +Com que frequência lêemcrioulo e que material de leitura? + +tudo, porque eu às vezes… + +Oque é que acha, encontra escrito em crioulo? O que lê? + +bom, a linguística, a gramática, romances, poemas, alguns artigos, quer dizer, há uma variedade de documentação. + +Nesta última semana,leu em crioulo? + +não. + +Leu mais em crioulo ou português? + +não, nesta última semana não li, porque há uns meses… + +Ocrioulo ou…? + +há uns meses que eu praticamente reduzi a minha leitura na preparação das aulas, porque estou numa situação de mudança de casa e então os meus livros estão todos encaixotados, e inclusive a minha sala de trabalho neste momento está uma lixeira, é guerra com a minha mulher (?), mas a verdade é que eu normalmente leio muito, leio muito. + +Mas mais em crioulo ou em português? + +devido… a minha razão… à minha profissão, leio mais em português, porque eu tenho que preparar as aulas, eu tenho…mas eu leio muito o criouloguês também, porque eu corrijo os trabalhos dos alunos ((risos)) + +Ea escrever, escreve em crioulo, escreve em português, os dois? + +depende. + +Os dois? Diga-me o que é que escreve num, o que é que escreve noutro? + +inclusive para preparar as aulas, às vezes eu escrevo em crioulo e depois eu vou fazer a redacção em português, porque normalmente quando eu estou a preparar uma aula eu tomo os meus apontamentos e depois… + +Efaz isso em crioulo? + +e... depende do estado de espírito do momento. não há em mim uma intenção, quer dizer, a priori, de tal coisa tem que ser em português, tal coisa tem que ser em crioulo, não para mim. + +Então diga-me, assim, que tipos de textos escreve em crioulo e que escreve em português? Já me tinha dito que, por exemplo, os e-mails ora em português, ora em crioulo… + +sim, os e-mails. + +Mensagens de telemóvel, bilhetes, cartas…? + +engraçado, eu não faço esse tipo de mensagens. eu não envio mensagens por telemóvel, porque nunca tive paciência… apanhar o mecanismo de mensagem, porque faz-me perder muito tempo, e não tenho muita paciência para isso, e então sai-me mais prático telefonar e acabou-se a história, e por isso às vezes eu gasto um dinheirão em telefones, mas paciência. de maneira que… dizer assim quais são os textos que eu faço, difícil, difícil. como eu lhe disse é uma coisa arbitrária, espontânea, e que eu não registo. + +Ok. Como é que consegue escrever em crioulo? Segue o ALUPEC? Sei que estudou o crioulo no seu curso. Segue o ALUPEC? Como é que consegue escrever? + +olha, eu faço de todas as formas. é como eu lhe disse, eu não tenho… depende, vai depender da finalidade, não é? e..., espera lá! como é que se chama a escrita que a gente utilizava antigamente no crioulo, não é? + +Fonético-fonológica? + +não, tem outro nome. não me lembro agora… + +Etimológica? + +etimológica. regra geral eu utilizo mais a escrita etimológica quando eu escrevo e-mail, quando eu faço e-mail. o ALUPEC não é conhecido lá fora, a não ser por umas pessoas muito específicas, e mesmo em Cabo Verde não tem assim, não tem… o ALUPEC não tem assim ainda uma divulgação porque… como ainda não está oficializado, e vários alfabetos… + +Foi publicado no B. O. + +foi publicado no B. O., mas ainda não está divulgado, e vários outros andaram assim naquela fase do chove não molha, e as pessoas estão à espera que a coisa se estabilize então depois para… penso que se vai ser já devia estar . + +E que dificuldades é que tem quando escreve crioulo? + +quando eu escrevo o ALUPEC às vezes eu tenho de ir ver algum valor de algumas letras porque, por falta de hábito permanente, a gente esquece, e aí não há analogia com o português, com a fonética portuguesa. + +Diga-me, estando a falar crioulo, numa determinada circunstância, com um grupo de pessoas, o que é que o faz mudar para o português? Ou vice-versa, se está a falar português numa determinada circunstância, o que é que o faz mudar para o crioulo? + +intenção de gozo, por exemplo. + +Por exemplo,se estiver a falar… + +ou então se eu estiver a fazer uma citação. + +Portanto, estáa falar o quê? + +se eu estou a falar crioulo, eu faço uma citação em português com uma intenção, ou então quando essa intenção… pode ser… geralmente é lúdica, para gozar, porque… + +Para gozar, usa o português? + +não, que dizer, nós temos algumas expressões que no português tem um significado, e que no crioulo tem outro, e quando elas aparecem eu habitualmente costumo gozar com as pessoas- n��o é? + +Mas por exemplo, poderia estar a falar com uma pessoa em crioulo, chega uma pessoa, um superior hierárquico, uma identidade oficial, ou há uma mudança de assunto. Isto também o faz mudar para o português? + +se eu estiver a falar com aquela criança em crioulo, chega o presidente da república, eu falo é o crioulo, normalmente eu falo o crioulo. eu não tenho complexos nenhuns com o crioulo, com o português. para mim o crioulo e o português são duas línguas que têm o seu espaço, quando eu estiver no espaço específico de um eu o utilizo, quando eu estiver no espaço do outro, eu utilizo o outro, quando eu estou num espaço aonde eu posso utilizar qualquer um deles, vai depender do meu interlocutor, outras vezes do meu estado de espírito, mais nada. + +Oque é que pensa do crioulo e do português? + +Como? + +Há pessoas por exemplo que acham que o crioulo é um dialecto, há pessoas pelo contrário acham que é uma língua. O X, o que é que pensa? + +tenho obrigação de sentir que é uma língua, não é? + +Mas em relação, comparativamente ao português, o que é que acha do crioulo? + +enquanto língua? + +Língua. + +o crioulo está para o português assim como o português está para o latim, se o crioulo não é língua então o português também não é, então nós estamos todos a falar latim, que por sua vez fala uma outra língua, e assim sucessivamente. eu penso que… quer dizer… já é altura de pararmos com essa discussão de empurra, de jogo de empurra, que não nos leva a lado nenhum, e assumir as coisas como elas são. o crioulo é uma língua, tem capacidades suficientes para se exprimir como qualquer outra língua, e também talvez devido ao seu enriquecimento de (?) ter-se… consigo exprimir em crioulo com maior facilidade do que em outras línguas. nós vamos ter de parar de tentar subcatologar a nossa língua, não é? e... há uma necessidade de fazer uma divulgação ampla do crioulo, eu nunca, eu nunca pensei e quis pensar que o crioulo pudesse alguma vez na vida ser língua oficial aqui em Cabo Verde, porque nós temos a necessidade de contacto com o exterior, e se fecharmos na nossa língua crioula, reduzimos o nosso impacto no mundo. acho muito bem, quer dizer… CPLP, lusofonia e o mais fonias que quiserem, eu acho muito bem - porque abre-nos um leque de manobra maior, e eu acho muito bem que o português continue sendo uma língua de elite em Cabo Verde, mas eu também eu penso, que já é altura de nós pegarmos no nosso crioulo e introduzir o crioulo nas escolas como língua de ensino, porque aí nós íamos eliminar vários factores de inibição da aprendizagem, porque o aluno considera o português como uma língua cansativa desnecessária e dispensável, para além de que serve só para lhes complicar a vida. a partir do momento em que eles sentirem a necessidade de aprender o português, em pé de igualdade com a língua inglesa, não é?, por exemplo, inglês com informática, português para comunicação, não é? mas tendoa língua base que é a língua crioula, eu penso que vamos ganhar muito com isso em todos os aspectos. + +Deixa ver, verificar se percebi bem. Portanto, acha que tanto o crioulo como o português deviamser oficiais em Cabo Verde? + +temos espaço-têm espaço. + +Sendo as duas oficiais, elas seriam usadas para quê? Falou-me… disse que o português deveria continuar a serlíngua de elite. + +de contacto, de contacto, de contacto internacional. contacto internacional. + +Ok. Então, diga-me, se as duas fossem oficiais, elas seriam usadas para quê? Estou a pensarem falar,ler, escrever… + +comunicar. o crioulo servirá para a comunicação interna e para a instrução. e o português serviria para as relações internacionais com Angola, com Portugal, com Moçambique, com Guiné, com S. Tomé, com o Brasil e outras comunidades que falem português e que já são muitas, e que já é um leque enorme. porque nós teríamos aquilo que os chineses fazem, eles têm o chinês como a língua oficial, mas todo o mundo começa desde o jardim a aprender o inglês, que é a língua de comunicação internacional. e é isso que penso tendo em conta a nossa situação dentro do contexto africano, não é? + +Mas falou-me do inglês. Portanto, como é que desenha… como é que faz o desenho da situação linguística em Cabo Verde? Ocrioulo,o português… + +e o inglês. o inglês é uma língua necessária, nós não podemos… e o francês, nós não podemos fugir ao inglês e ao francês, ao francês porque é a língua da tecnologia, ao inglês e ao francês. nós estamos inseridos na 3CEDAO onde fala-se essencialmente o francês, quer queiramos… mesmo que a nossa inserção, possível inserção, como é que eu diria, baldio da comunidade europeia ((risos)) desculpe a expressão, antes, nós continuaremos de qualquer maneira, sendo CEDAO, CEDAO, isso é uma verdade. bom agora as coisas estão-se a complicar, o italiano já é uma língua de força em Cabo Verde, o espanhol também, quer dizer o cabo-verdiano… quer dizer a nossa educaç��o tem criado condições para transformar o cabo-verdiano em poliglota, nós somos forçados a ser poliglotasporque a própria história transformou-nos num… bolo de contacto internacional, nós não podemos fugir a isso, com mais ou menos… + +Falou-me do ensino do crioulo nas escolas. E na alfabetização de adultos, o que é que acha do uso do crioulo? + +olha, eu tenho um irmão que foi para a escola, ele não fez nada. adulto - já com trinta e tal anos, ele teve a necessidade de fazer a alfabetização, porque era… deixou de ser pescador, passou para guarda bancário e tinha de saber (?), ele rapidamente aprendeu o crioulo, e do crioulo houve uma transição rápida para o português. + +Ele foi alfabetizadoem crioulo? + +ele foi alfabetizado em crioulo, fez uma transição rápida para o português - ele hoje já escreve os seus bilhetinhos e tudo mais, tranquilamente, tranquilamente. coisas que muitos dos nossos alunos não fazem, porque eu chego... ó Deus!, isto faz-me mágoa, mas é verdade! nós chegamos a ter no decimo segundo ano, alunos que nunca se aprovaramna língua portuguesa. + +Há bocado disse-me que acha que o crioulo deve ser oficializado. E, neste caso,qual crioulo? + +bom. também é meter em polémicas ((risos)) eu vou lhe dizer uma coisa - eu penso que não estou habilitado a dar uma opinião objectiva sobre esta matéria -porque a oficialização de uma variante como a língua de um país… + +Mas eu estou a querer colocá-lo na perspectiva de falante, não é? Portanto é falante do crioulo, é cidadão deste país, o crioulo vai ser oficializado. Qual é o seu sentimento? + +eu estou numa situação privilegiada, para mim qualquer variante serve, porque… agora não, mas houve uma altura que eu tinha uma boa performance em todas as variantes de Cabo Verde, eu sou da ilha da Boavista que é (?) de sangue, convivi com pessoas de Santo Antão e de São Nicolau, Fogo e Brava, quando fui para S. Vicente estudar. bem, depois eu tive uma mulher que era da Brava, estabeleci contacto muito estreito com pessoas do Fogo, e eu trabalhei um ano na ilha do Maio, eu estou há 19 anos na Praia. que dizer, eu não estou na posição predilecta para fazer escolhas. para mim qualquer um serve. agora, eu poderia…poderia falar numa óptica geral da questão… + +É isso. Geral. + +despessoalizando a coisa, porque eu penso que cabe às entidades assumir uma atitude, e determinar o quê que vai determinar, é o núcleo populacional, é a força cultural, é o económico, é o religioso, qual? e definir. e então criar condições para partirmos para isso na 4diskontra, vai haver polémica? sim senhor -- houve em Portugal, houve em França, houve em Itália, ainda há em Espanha - porque não pode haver em Cabo Verde? anh? o importante é que a gente avance -- agora ficar parado, à espera que… desculpe a expressão mais uma vez, que a vaca tussa… desculpe lá, mas… + +Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar mais o português e o crioulo? Admite alguma circunstância em que um cabo-verdiano não goste do crioulo, ou não saiba falar crioulo? + +o cabo-verdiano, por natureza, não é que não goste do português, tem medo de falar o português porque na maior parte não sabe expressar-se devidamente em português, o cabo-verdiano tem a mania do perfeccionismo, o cabo-verdiano enquanto si, tem orgulho da sua língua cabo-verdiana, e falar crioulo é uma conquista, é um orgulho adquirido desde os anos 50, não é? porque eu… eu acompanhei atrajectória dos anos 60 já em São Vicente, o núcleo cultural era em são Vicente, indiscutivelmente, eu criança, um pouco maiorzinho que ele-eu já ouvia … esqueci o nome dele-o (…) + +Não percebi. + +o Erol Flyn cabo-verdiano, o (…) + +Não insista. + +mas é uma vergonha eu esquecer-me o nome dele, de são Nicolau, não é Baltazar (…) + +João Lopes? + +ele vivia em Moçambique. + +Mesquitela Lima? + +o autor de (…) + +Não tem problema. Daqui a pouco lembra-se. Continue… + +sim, ele utilizava o cabelo a Erol Flyn, o bigode a Erol Flyn, então nós tínhamos uma paixão louca por ele, e aonde ele estava, nós estávamos. e ouvíamos o que ele dizia, a gente não entendia muito bem, mas há uma coisa que ia… que nos apaixonava, saber que éramos cabo-verdianos com cabo- verdianos, nós tínhamos um… + +Continue. Continue. + +nós tínhamos um lugar no mundo. ter um lugar no mundo para nós era importante, nós não sabíamos porquê, mas sentíamos isso, e isso foi evoluindo no meu ego, foi evoluindo de tal modo que eu tinha o prazer de dizer, eu sou português, MAS cabo-verdiano-- e depois quer dizer, eu ouvia o 5Baltasar Lopes da Silva, menos, porque ele normalmente estava em local onde as crianças não entravam, só raras vezes é que eu tinha contacto com ele, eu falava muito com o Aurélio Gonçalves, o nosso querido Ti Roque, e..., mais pessoas da elite cabo-verdiana, que residia em São Vicente, a gente conversava, ouvia, quer dizer, a gente não conversava, ouvia-os falar, a conversar, e depois, quer dizer, quando começamos a crescer, começamos a criar as nossa pequenas tertúlias, não é? na Praça Nova, na praça do liceu, na escadinha, onde se misturavam… 6F4, F5, F6, F7 e companhia limitada – F8, que conversavam, e que discutiam. e eu era um menino de recado, e às vezes até ganhava umas apostas, porque eu era um aluno bastante razoável, e quando metiam discussões de escola, entrava geografia e história, um ou outro dizia alguma coisa errada e eu dizia, não, não é assim, é assim, e quando começava a discussão, vamos a uma aposta, eu não tinha dinheiro e o outro apostava por mim, e eu ganhava, isso é coisas mesmo do ambiente de São Vicente na na naqueletempo. + +Há alguma circunstânciaem que aceita, admite a possibilidade de um cabo- verdiano não saber crioulo, ou não gostar do crioulo,ou recusar falar crioulo? + +se me contarem eu irei escutar para ver, se me contarem eu irei escutar para ver, porque o crioulo é DE FACTO o bilhete de identidade de um cabo- verdiano. a meu ver, o nosso bilhete de identidade é a nossa língua, não interessa que ele seja de Djô de Txica, de Serra Malagueta ou de Ponta Chicharro -não interessa, o nosso crioulo é a nossa língua-- Gabriel Mariano, é ele. + +Ah! sei! Diga-me uma coisa, acha que há pessoas, lugares, circunstâncias, assuntos que são adequados, ou melhor, que o português é adequado para certas pessoas, certos assuntos, certas circunstancias, lugares e o crioulo para outros? Quais? Com que pessoas acha que se deve falar crioulo, com que pessoas acha que se deve falar português, sobre que assuntos? + +eu vou passar, eu vou passar, porque eu considero qualquer resposta a essa pergunta perigosa ou inexacta, porque eu não acredito que essa situação se ponha, não acredito. + +Portanto acha que qualquer é adequado para qualquer… + +oh, sim! + +O que é que acha disso, de nós termos essa possibilidade de usar o crioulo e o português, assim…para qualquer lugar ou circunstancia? Tem alguma dificuldade em escolher entre o português e o crioulo? + +eu vou responder esta pergunta com uma outra, porquê que o cicerone de são Vicente era um indivíduo 7bazofu? + +Eu não sei. + +dominava várias línguas. + +Ou seja? + +comunicava com muitas pessoas. + +Então acha que…? + +quanto maior for o leque de comunicação possível, mais em grande círculo nós nos sentimos. + +Pessoalmente sabe sempre que língua usar, com uma determinada pessoa, sobre um assunto ou uma circunstância, ou tem dificuldade em escolher? + +nunca parei para fazer isso. + +Mas nunca teve dificuldades? + +não. + +Ok. Qual deles, crioulo ou português, acha que deve ser usado… que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? Estou a pensar em mornas, coladeira e funaná, mas também estou a pensar no teatro, no cinema, jornalismo, rádio televisão,literatura escrita… + +isto é fácil. + +Diga. + +eu posso simplesmente utilizar a expressão 8sabe e exprimir muita coisa, exprimir os vários sentidos que esta expressão… as diferentes conotações que ela tem, no crioulo, na língua crioula. eu queria que isso… gostava de ver na língua portuguesa e talvez consiga. então, quer dizer eu penso que não é essencial esta expressão, que há outras, que pela facilidade com que se adaptam - e se conotam dentro de determinados contextos, são suficientes para dizerem que… a..., exprimir em crioulo é total para nós. mas se estivermos a exprimir em português, espero não ter fugido à sua pergunta, se nós não utilizamos estas palavrinhas, vamos procurar, rebuscar na língua portuguesa, a gente vai encontrar, de certeza, ou então simplesmente, entre aspas. + +Mas, por exemplo, mornas feitas em português, funanás em português, coladeirasem português também, cinema,teatro em crioulo? + +eu admito porque existe. + +Não, mas o que existe é um número reduzido. Estou a dizer, assim, tanto faz… + +Brada Maria não deixa de ser uma boa morna porque está escrito em português. + +50%/ 50% por exemplo, mornas em crioulo…? + +é claro que a beleza da língua cabo-verdiana sobrepõe-se à língua portuguesa, nós temos uma língua muito mais harmoniosa, mais adaptada à poesia do que a língua portuguesa, e depois a nossa própria modalidade de expressão é muito… mais bem concebida, e a diferença é aquilo que nos atrai no brasileiro, não é? que nós temos no nosso crioulo, que é o que a língua portuguesa corta, apesar de os espanhóis considerarem que a língua portuguesa é uma língua mais apropriada para o romantismo, mas o brasileiro e o cabo- verdiano conseguiramultrapassar a língua portuguesa, a meu ver. + +Em que aspecto? + +melodioso, e que… nós conseguimos, nós conseguimos rimas mais (?). + +Não pode ser um pouco mais concreto, por exemplo, teatro, cinema, literatura escrita…? + +aí nós vamos pôr duas situações. se nós fazemos teatro para nós, é a língua cabo-verdiana que expressa mais a nossa realidade autêntica, o português é um esforço que nós estamos a aplicar sobre a nossa cultura. + +E? + +eu vou ser atrevido se me permitir. + +Esteja àvontade. + +eu acho que nós temos um português de Cabo Verde, e que precisa ser (repescado?). + +Como assim? + +nós temos a nossa forma própria de falar português, forma essa que foi nascendo, desenvolvendo, foi amadurecendo no seio popular e que a nossa intelectualidade tem rejeitado cada vez mais. olhe, no dia que nós aceitarmos que há uma (posposição?) pronominal, a posição do verbo, é uma verdade do português cabo-verdiano, e outras circunstâncias que agora eu podia apresentar mas eu não vim preparado para isto de maneira que eu não vou… mas essa é mais frequente, nós vamos deixar de tentar imitar o português de Portugal, e tentar falar o nosso português, e aí será mais fácil nós conseguirmos corrigir as deficiências gramaticais e de pronúncia. aplicar uma variante gramatical dentro do português que existe em Cabo Verde, é uma verdade, é um facto. os alunos - nos trabalhos deles vêm reivindicando esta variante, eles só escrevem dentro daquela variante, eles reflectem naquela variante, ela que é verdadeira, ela que é nossa, a outra é importada. até quando nós vamos continuar a importar? eis a questão, pode não concordar comigo, mas sabe que eu estou a dizer uma grande verdade. + +Porque é que acha que eu…? + +eu não sei, as pessoas normalmente não querem aceitar isso. + +Esteja à vontade se quiser acrescentar mais alguma coisa que acha que eu não tenha abordado e que… sobre oqual tem pensado, seja algum comentário… + +em se tratando do problema crioulo/português, eu penso que torna-se necessário reforçar a institucionalização do crioulo nas escolas. porque nós assim iremos de facto eliminar vários factores que têm contribuído para o insucesso escolar dos alunos. a presença do inspector nas escolas, capaz, um trabalho condigno para ajudar os professores a fugirem desta tendência de leccionarnuma língua e avaliar noutra. outro aspecto que eu queria, era que nós - de facto, debruçássemos sobre a nossa variante do português e fazê-la emergir de facto, porque ela tem influência de todas as variantes do crioulo de Cabo Verde, nós temos um português de Santo Antão que é eterno e que não desaparece nunca mais, nós temos um português do Fogo que é eterno e que não desaparece nunca mais, nós temos um português da Brava, nós temos um português do Sal, tá tá tá… consoante a variante, nós temos um português a...: semelhante ou fruto da interferência desta variante na língua portuguesa. bom, nós podíamos tentar padronizar também esta variante, nalguns aspectos fundamentais da gramática e não só, para que ele possa fluir. eu penso que o nosso… mundo literário sairia a ganhar, penso que sim. porque se nós vermos como é que Manuel Lopes é feliz quando ele introduz as interferências de Santo Antão, como é que Baltazar introduz as interferências de são Nicolau e de são Vicente, não é? eu penso que em Santiago também podia-se fazer a mesma coisa - eu acredito que Germano ((Almeida)) poderia ter sentido melhor se ele se deixasse levar mais pelas influências do boavistense na língua portuguesa, que é algo que já está, que existe mesmo, de facto, de há longa data. quer dizer eu penso que nós podíamos conseguir muita coisa bonita. MAS eu continuo defendendo que já chegou a altura de nós darmos ao crioulo o seu espaço sem coarctar o espaço da língua portuguesa, porque o português é a língua que nós de facto precisamos para contactos internacionais e que a língua crioulo não vai poder substituir, não vejo como, porque uma língua é mais rica, é mais valiosa consoante o número de sujeitos falantes que ela tem, bom, é isso. + +Obrigada mais uma vez,senhor X,por esta entrevista. + +9es ka nada, es ka nada, na Boa Vista no ta dezê es ka nada. 1Pessoa com mais de 70 anos, reformado da administração pública onde exerceu altos cargos, desde aa administração colonial 2Também pessoa de estrato médio-alto, em situação idêntica 3Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental 4Tradução para português, descontraidamente 5Baltasar Lopes da Silva e Aurélio Gonçalves são escritores consagrados da literatura cabo-verdiana em língua portuguesa 6Trata-se de pessoas de algum modo públicas, da idade do entrevistado. 7Tradução para português, vaidoso 8Palavra muito difícil de traduzir, devido às suas várias conotações e acepções, sendo que algumas delas são, bom (tempo…); doce, saboroso (comida, bebida), agradável (pessoa, ambiente); 9Tradução para português, de nada, em Boa Vista dizemos “de nada”" +INF18.wav,"Sr. X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A primeira questão que eu colocaria é a seguinte, antes de entrar para a escola falava o crioulo, o português, qual deles? + +bom, se refere à escola básica…? + +Escola básica. + +falava o português, o crioulo. + +Quando aprendeu a falar, aprendeu o crioulo. + +o crioulo é a minha língua materna. + +Mas já tinha ouvido o português antes de entrar para a escola, tinha algum contacto…? + +suponho que não, suponho que não, porque na altura nem rádio havia aqui, - portanto a única língua que se falava no seio familiar, na comunidade, era o crioulo. + +Não tinha… nem com a comunicação social, a igreja? + +a igreja na altura, não. quer dizer, eu frequentava a igreja sim, mas a igreja não tinha assim muita influência em termos de português, porque ainda era no tempo que davam aquelas missas quase tudo em latim, não havia assim muita influência, não passei pelas catequeses, essas coisas todas. + +E actualmente em casa, com os seus amigos, com os seus familiares e amigos mais próximos, usa o crioulo ou o português? + +o crioulo. o português… agora, com pessoas… por exemplo, estamos agora neste momento, pessoa que conheço… quando se trata de colegas de profissão ou em reuniões assim de trabalho, falo português. + +Como é que considera a sua… o seu domínio do português e do crioulo? + +bom, certamente que o domínio do crioulo está em primeira…é o mais… é o que mais domino, não é? que é a língua materna, a língua que conheço melhor e que sinto melhor e… portanto… mas, eu considero que eu domino o português razoavelmente. + +Estou a pensar… fala o crioulo aqui de Santiago. E o domínio do crioulo de outras ilhas? + +compreendo, posso até simular, mas não é grande coisa. mas compreendo. + +Diga-me, falar, ler, escrever crioulo e português. Prefere falar crioulo, ler crioulo, escrever em crioulo, qual é que prefere? + +eu não sou muito bom em ler crioulo. confesso que ler eu tento, leio até algumas vezes porque gosto de estar em… eu adoro o crioulo. + +E escrever crioulo? + +se calhar até um dia vou fazer alguma coisa neste mundo. não sei… mas… confesso que ainda a escrita do crioulo não domino muito bem. + +Certo. E português, falar, ler, escrever? + +português eu… eu… eu procuro falar com…o melhor que puder e a escrita… a escritafaço sempre com mais cuidado. então acho que na escrita se calhar saio-me sempre melhor. + +Mas prefere falar, ler ou escrever português? + +olhe, depende das circunstâncias. eu gosto muito de ler. leio muito, já li muito. mas, não sei… não sei se prefiro. essas três… essas três… como é que eu digo? + +Capacidades? + +essas três capacidades, eu… não sei. eu acho que falo razoavelmente bem e escrevo também. acho que escrevo… + +E qual é que… como é… qual é que se sente mais à vontade, a falar crioulo ou português? Mais à vontade. + +claro que é… o crioulo. é materno, portanto, não há dúvida que… + +Acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? + +é… depende do que… com quem eu falo e depende do… portanto do… não diria até do assunto, ou até, não é? mas o objectivo da comunicação que quero fazer… porque há coisas que… por exemplo, se eu estiver numa… numa… num momento de usar a língua com a sua função lúdica, acho que o crioulo tem muito mais… por ser o crioulo, por ser cabo-verdiano acho que sabia muito melhor. conseguiria expressar muito melhor. mas, o expressar melhor depende também do receptor, não é? portanto, se a comunicação dá-se melhor ou não, portanto, se há melhor ou não recepção. mas eu… eu acho que depende… depende do objectivo da comunicação. + +Certo. Eu vou lhe pedir uma coisa. Que pense nas três pessoas com quem mais conversa, fora do seu círculo familiar, certo? E que me faça o perfil dessas pessoas. Não quero os nomes, só quero o perfil, em termos de idade, sexo, grupo, estrato social, se é do meio rural ou do meio urbano… Pode falar em termos de pessoa 1, pessoa 2, pessoa 3. + +o português? + +Não. As pessoas. + +o crioulo. falar o português… + +Não. Pense nas pessoas, depois diga-me se fala com elas… Faça-me o perfil delas e depois a língua que fala com elas. + +primeiro eu penso nos meus filhos. + +Não. Fora do seu círculo familiar. + +fora do meu círculo familiar. olhe, fora do meu círculo familiar são os meus alunos, com quem mais falo. amigos, tenho alguns amigos, mas são bem poucos, sou uma pessoa que não tem muitos amigos. e falo mais é com os meus alunos. e… em terceiro lugar, se calhar estão os meus colegas da… da mesma… + +Com os seus alunos fala? + +falo o português. + +Na sala de aula? + +Na sala de aula e forada sala. + +Fora da sala de aula. + +eu sou um professor assim marcado, um pouco marcado na minha escola, nas escolas que eu trabalho, porque, os alunos até costumam confundir-me. dizem-me que… este professor é angolano, ou é moçambicano, ou é de São Tomé -- parece que não fala crioulo, ou tem manias?  não, eu sou professor de português - tento ensinar o português e procuro falar sempre, testar os meus alunos, procurar sempre… procuro sempre dar oportunidade aos meus alunos para exercitar. por isso eu falo sempre português com os meus alunos. quer na aula, quer fora de aula. às vezes também eles estranham, mas já estão também habituados, mesmo quando me encontram fora da escola falam comigo, dirigem-se para mim em português. + +E depois? + +depois, eu posso citar os colegas de… os colegas de… (…) + +De profissão? + +de profissão. + +Comeles fala? + +com eles sempre que precisamos, portanto, discutir um assunto… há sempre aquela… aquele risco de estarmos a falar o português e às tantas entra o crioulo, não é? acontece sempre. mas, são as pessoas com quem mais eu… + +Com essas… com os seus colegas preferencialmente falam em? Não percebi se era o português. + +português. falamos em português várias vezes, sobretudo quando estamos em… em reuniões de trabalho. + +E fora das reuniões de trabalho? + +mas fora de… não, fora, conversamos em crioulo. + +Fora das reuniões de trabalho, então, também na escola? + +na escola, às vezes fora, fora de escola, conversamos em crioulo. o crioulo… eu não sei… quer dizer… eu tenho notado que mesmo entre os funcionários, entre os colegas, a tendência é para falar crioulo. + +Com os seus alunos, fora da sala de aula, que tipo de assuntos trata com eles? Em português, não é? + +olhe, os assuntos variam. depende do… depende do momento, do ambiente… do… enfim… daquilo que… enfim, vir à tona na conversa. + +Mas assuntos pessoais dos alunos ou só assuntos relacionados com a escola? + +pessoais. há casos de assuntos pessoais porque eu tenho essa… os alunos costumam-se dirigir muito a mim para colocar os seus problemas pessoais. + +E mesmo assim é em português? + +é em português, mesmo assim é em português. eu só costumo deixá-los falar o crioulo quando… porque há vezes em que estão em estado mesmo de… emocionam-se, e aí… e aí eu deixo-os falar em… em crioulo, mas eu respondo em português. portanto, já é um hábito. + +Um hábito. Portanto, disse-me que com os seus familiares, amigos mais próximos, colegas, falava crioulo. E com os seus alunos português. E com superiores hierárquicos, autoridades, entidades oficiais? + +aí uso sempre português. + +Sempre português. + +nunca… eu não sei se é… às vezes até costumo reflectir nisso… costumo pensar, será que há algum complexo nisso?! , não, da minha parte não sinto complexo nenhum. mas é já um hábito que eu tenho. se vou a um lugar, tenho que dirigir a alguém… sou assim, quer dizer, dirijo em português, nunca… + +Com, digamos, pessoas mais velhas, faz alguma distinção, português, crioulo? + +as pessoas mais velhas normalmente eu procuro… como é que se diz? aquela tentativa de adequar a linguagem. de… depende de pessoas mais velhas, porque há pessoas mais velhas que a gente pode logo… + +Do nível de instrução…? + +depende do nível de instrução. + +Pode concretizar um pouco? + +do conhecimento que tem da língua, do hábito que tem da utilização do português, ou não. quando é assim, se se trata de pessoas que estão por dentro da língua e que têm conhecimento da língua… + +Usa o? + +uso o português. + +O português. E, com essas pessoas… já me disse com os seus alunos, os seus colegas, com os superiores hierárquicos, autoridades… normalmente, que tipo de assuntos é que conversa com elas, assuntos oficiais, de trabalho…? + +assuntos oficiais, não oficiais, assuntos que… há… há pessoas com quem tenho motivos de conversa… às vezes falamos de coisas da vida, cultura geral, política… + +E este… quando é este tipo de assunto… por exemplo, há um tipo de assunto em que preferencialmente usa o crioulo e o português? + +há. + +Por exemplo? + +há casos. por exemplo, falando da política, normalmente falando da política há sempre aquela…como é que eu digo? + +Tendência? + +aquela… aquela animação, aquela euforia que às vezes, só a língua materna dá ((risos)) e muitas vezes juntamos as duas língua, usamos as duas línguas. + +Quando viaja para as outras ilhas ou fala com pessoas naturais, cabo-verdianas naturais de outras ilhas, usa o crioulo ou o português? + +o crioulo. + +E como é que…? + +dependendo da pessoa, conforme. se a pessoa tem… às vezes depende da língua que a pessoa escolher, mas… + +Como assim? + +há pessoas que, por dificuldade de usar, por exemplo o crioulo de Santiago podem dirigir em português, usar o português. se for assim… mas… com pessoas… normalmente com as pessoas menos letradas, pessoas com menos conhecimento da língua, a gente usa o crioulo, não é? + +E como é que… o que é que acontece? Compreendem-se, não se compreendem…? + +compreende-se. há uma ou outra expressão, por exemplo, que por vezes… mas, não há, não há dificuldade na comunicação com pessoas de outras ilhas. eu não tenho esta… + +Há bocado disse-me que falar crioulo ou português depende da finalidade. Eu gostaria que me explicitasse isso um pouco mais. + +depende, depende da finalidade. por exemplo… e da pessoa com quem se fala, não é? se vou falar com alguém que…um superior hierárquico ou com uma… uma pessoa com um determinado estatuto. + +Estatuto elevado? + +elevado. ou que tenha… que eu tenha certeza de que a pessoa domina a língua e que é possível se calhar, em português, portanto, falar com mais… como é que se diz? com mais requinte, com mais riqueza, com mais… então, usa-se o português. mesmo para… para dar mais nível à comunicação. mas, se se for… se se tratar também de uma situação formal, aí uso o português. mas, se tratar de uma situação informal e dependendo da pessoa, desde que não haja… não haja problemas ema pessoa comunicar em crioulo. + +É capaz de me dar alguns exemplos dessas circunstâncias, formais e não formais? + +por exemplo, eu costumo encontrar-me com o secretário de estado de educação que é… portanto, somos, relativamente amigos… e por vezes falamos crioulo. encontramos e começamos aí… mas, se o assunto for algo… algo que tem a ver com o trabalho, com a educação, com ensino, com aquilo que diz respeito à nossa profissão, e dependendo da forma como ele se dirige também – depende. por isso que eu digo, depende da escolha que se fizer no momento e, se calhar até do objectivo da conversa. + +Ainda um pouco nas circunstâncias. Há bocado disse nas repartições públicas, mas estou a pensar, por exemplo, na vizinhança, no mercado, nas lojas, bares, restaurantes, o que é que escolhe falar? + +é o crioulo. com o povo é o crioulo. não há… aí nunca… eu nunca chegaria ali num bairro, ou num bar, ou no mercado e dirigir a uma pessoa em português. não, nunca faria isso, mesmo porque seria… seria estranho, digamos assim. porque as pessoas, a nossa gente gosta de ser interpelada em crioulo, na língua que entende. agora, o português surge nas situações mais… digamos assim, com mais… + +Ainda na escola, por exemplo, na cantina, nos intervalos, com os alunos, fala crioulo, com os professores, com os colegas… + +não, com os alunos eu falo português. + +Ah! Desculpe. Português. Com os colegas nos intervalos? + +com os colegas eu posso… falo… + +O crioulo? + +há quem… eu… há uma professora por exemplo, lá na minha escola, que nunca falamos crioulo. nunca. seja onde estivermos, nunca falamos crioulo. + +Mas porquê? Por causa da idade? Por causa de…? + +eu não sei. talvez porque ela… ela é…de origem angolana, e tem o hábito de usar, de falar português. e eu, como sei também que ela é angolana, e… mas sei também que ela fala o crioulo, mas sempre falamos em português. + +Agora a questão das finalidades. Poderia especificar um pouco? Eu estou a pensar em coisas como, por exemplo, rezar, orar, namorar… + +não, não, não, não. + +Quando quer convencer alguém de alguma coisa, está na rua, pede uma informação… + +isso é aquilo que chamaria viver. viver em crioulo. a vida, eu vivo em crioulo, penso em crioulo, e aquilo que eu faço é em crioulo. agora, quando estou em situações específicas que pode exigir, ou que pode ser conveniente usar o português, eu uso português. + +Quer falar um pouco disso? Que situações é que exigem e é conveniente falar português? + +situações que exigem… por exemplo, suponhamos que eu vou a uma… eu posso encontrar-lhe numa festa, não é? encontramo-nos numa festa. encontramo- nos numa festa, eu sei que a senhora é uma pessoa culta, que entende da língua, que domina a… às vezes até por uma questão de… de… de… de… eu não digo treinar, mas é uma oportunidade para usar a língua, não é? e quando é assim, encontro com pessoa que eu sei que domina a língua, nós falamos. + +Esta semana que passou falou mais português ou crioulo? + +ah! isso agora! ((risos)) olhe, eu estou quase em férias se eu lhe dizer que falei mais português esta semana se calhar estaria a mentir. como eu já lhe disse eu falo mais português com os meus alunos. + +Certo. E durante mais tempo? Horas seguidas. Costuma falar mais o crioulo ou português? Não estou a pensar nas aulas, porque já me disse que fala português + +fora das aulas… fora das aulas falo mais crioulo do que português. + +E porque é que escolhe falar mais o crioulo? Porque é que acha que fala mais… usa mais o crioulo do que o português? + +não é o querer. não é querer. é uma questão de… primeiro… o crioulo é materno, é a língua materna, é a língua que quase… que todo o mundo entende. portanto, a maioria das pessoas com quem eu falo são pessoas que dominam bem o crioulo e que usam o crioulo no seu dia-a-dia. + +Já alguma vez usou o crioulo querendo usar o português naquela circunstância, ou o contrário, usou português mas querendo usar crioulo naquela circunstância? Pode falar-me disso? + +por exemplo em aulas. por exemplo em aulas. eu muitas vezes nas minhas aulas, quando por exemplo… eu, no ano passado, tive um aluno… uma aluna, que vinha totalmente bloqueada, não conseguia exprimir nada em português. eu quando descobri isso comecei, portanto, comecei a investigar a aluna, a criar motivos para conversarmos. mas vi que de nenhuma maneira ela se desbloqueava. então, eu tive que pedir à aluna que falasse em crioulo. mas mesmo assim ela não… eu tive que falar crioulo com ela, para ver se ela arrancava, não é? e ela lá conseguiu dizer alguma coisa e os colegas até disseram-me assim. não professor, ela não costuma falar português e não tem… tem vergonha de falar português, é por isso é que ela não fala. então eu usei, tive que usar o crioulo, para depois fazer com que a própria, portanto, dissesse a mesma coisa em, português. bom, não foi fácil. não foi fácil. portanto, eu normalmente não costumo usar o crioulo nas aulas. agora… + +Nunca se dirigiu… aconteceu dirigir-se a um aluno em crioulo, para além dessa circunstância? + +só quando… quando há por exemplo, às vezes há uma palavra que… estamos a discutir um texto, por exemplo, surge uma palavra em que, às vezes, a gente explica, explica, explica mas o aluno não entende. aí eu utilizo a expressão correspondente em crioulo. olha, em crioulo diz-se assim, é o que se diz em crioulo assim, é isso, em português quer dizer isto. + +E o contrário, os seus alunos dirigirem-se a si em crioulo? + +a... isso acontece. várias vezes. há alunos que sempre a gente tem que dizer - não, fala português, porque sempre querem é falar crioulo. há alunos que até dizem que, 1não, profesor, mim ka ta papia português, ami e kriolu. é preciso insistir para poderem… + +Falar? + +falar português. + +Já falamos um pouco disso, mas eu vou retomar para poder precisar melhor. A questão do ouvir. Habitualmente onde é que ouve português, onde é que ouve crioulo? + +não, o crioulo, todos os dias na comunidade estou ouvindo o crioulo. em casa, mesmo na escola, escuto o crioulo todos os dias. agora, o português, o português é em… na escola quando nas aulas, nas reuniões de trabalho, telejornal, falando com pessoas que… + +Há alguma circunstância onde habitualmente ouve só o crioulo, mas gostaria de ouvir o português, ou o contrário? Na aula já me falou disso, mas… + +olhe, eu… que eu gostaria talvez não, mas… eu, uma vez, por exemplo, ia a… das poucas vezes que ia à igreja, eu comigo mesmo muitas vezes dizia, mas porquê que essas missas que são dadas aí…?. isso já faz algum tempo, porque agora tenho notado que os padres têm estado a usar o crioulo na… nas suas sessões, sem problemas. e… mas isso era uma questão de querer ver o crioulo a ser usado para o povo, para aqueles que entendem o crioulo. + +Na missa, na…? + +na televisão também. na comunicação social, sobretudo na televisão e na rádio. há certos programas por exemplo, que dão em português, que eu muitas vezes pergunto, mas porquê que não falam em crioulo, se o povo entende?  + +Como por exemplo? + +por exemplo, há certas campanhas que fazem para… por exemplo, campanhas de educação, a higiene, em relação às questões do lixo, água, à violência doméstica e outras questões. muitas vezes estão falando para o povo, em vez de usarem o crioulo, usam o português. eu, quando é assim, costumo perguntar, mas porquê?!, porque é que não usam o crioulo?  + +Percebo. + +aí, eu sinto a vontadeque se falasse o crioulo em vez de português. + +E o contrário, o português em vez de crioulo? + +o português… bom, há vezes em que… por exemplo, muitas vezes nas nossas festas escolares… porque uma vez tinha… tinha… nas festas escolares, nas sessões que se fazem nas escolas, sessões culturais, sessões dos discursos, tudo o que se diz… num ambiente, digamos, num ambiente que eu considero…(…) + +Descontraído? + +um ambiente de intelectualidade, não é? eu acho que nesses ambientes deve- se falar o português. quer dizer… para dar mais… como é que eu diria? porque o crioulo ainda… apesar de eu ser defensor do crioulo, eu gosto do crioulo, amo o crioulo e… mas há… infelizmente ainda há coisas que nós temos que usar o português para podermos dar mais… pelo menos quando queremos dar mais intelectualidade àquilo que… sobretudo nas escolas. acho as festas escolares, hoje em dia, muito… muito banalizadas, com programas muito… como é que se diz? pouco… com pouco nível intelectual, não é?quer dizer… + +Mas porquê? Porque se usa crioulo nessas festas? + +não é porque se usa crioulo. mas é porque se dá mais… como é que eu explicaria isso? uso do crioulo também, não é? porque normalmente quando se usa o crioulo, quando nós pomos as crianças aí a usar o crioulo para fazer aquelas festas, aquelas cenas todas e usam o crioulo, não sei… eu considero que… aí eu sinto vontade, não sei se é porque no meu tempo fazia-se de uma formamais… e eu fiquei com esse hábito, mas eu sinto vontade que… que as crianças aí falem o português mesmo para… para aplicarem, para se ver quem aprendeu mais, quem aplicou mais - quem sabe usar melhor o português e… e depois fico com a sensação de que dá mais nível de intelectualidade nas coisas. + +Há bocado falou-me disso e volto a repor a questão. Já leu alguma coisa em crioulo? + +já, já li. + +O que é que já leu? + +por exemplo, eu li as pesquisas do Tomé Varela em relação ao batuque de Nha Nasia Gomi, acho que é mais sobre Nha Nasia Gomi, mas ele fala também de outras batucadeiras. eu já li alguma coisa do… do Spínola, em crioulo, e… quem mais li? acho que é por ai. eu não tenho muito…muito (…) + +Muito hábito de leitura? + +muita leitura do crioulo. + +Mas porquê? Sente alguma dificuldade? + +na leitura menos. menos do que na escrita. + +Não escreve em crioulo? + +eu escrevo. mas só que o que eu escrevo, quer dizer, pode fugir um pouco -às vezes, de… daquilo que é… + +Que dificuldades é que sente ao escrever? + +dificuldade na medida em que não tenho… não há… não há um padrão, assim, estandardizado já, e que… tenho sempre a sensação de que estou a escrever errado, estou a dizer qualquer coisa que não… + +Mas há o ALUPEC. + +há o ALUPEC, mas o ALUPEC ainda é… eu acho que ainda é muito inconsistente. + +Não usa o ALUPEC, então? + +eu uso. + +E domina a escrita? + +eu uso, mas não domino. não domino. + +Mas estudou o crioulo? + +estudei. + +Estudou no… na forma… no ISE, não é? + +estudei. estudei, e tive boas notas. eu até domino bem o crioulo, não é? + +Estou a dizer a escrita. + +sei muito bem as coisas do crioulo, mas a escrita é um bocadinho mais… a escrita… + +Mas quais as dificuldades que sente? Consegue indicar pelo menos três dificuldades na… + +Na escrita? + +Sim. Das mais importantes que sente. + +a escrita, a escrita do crioulo… há muita… como é que eu diria? as palavras que… os sons que usam… como é que se diz? porexemplo o 'dj'-o 'tchau', o… + +Englobam… + +esses sons que por vezes englobam três fonemas ou mais, não é? a questão dos acentos. a questão do… mesmo do… como é que eu diria? é assunto… isso já é assunto… por exemplo, 2'bo' ou 'nha', o 'nho', portanto, escrevemos… eu tenho notado muitos escritores, por exemplo, que escrevem o 'nha', assim, n, h, a. + +N, H, A . Sim. + +o 'nho'- N-H-O-só. há outros que dizem nhôfechado, nhô. + +Com acento circunflexo. + +com acento circunflexo. o uso do acento agudo, por exemplo. há casos de sílabas que são… na pronúncia nós dizemos o som aberto, não é? mas na escrita, por vezes, limitam apenas a usar o… a vogal, que fica normal, sem nenhuma acentuação. + +Como é que acha que essas dificuldades poderiam ser superadas? + +olhe, isto é algo que carece de um estudo muito cuidadoso e só com… com se calhar, a definição… a estandardização clara de uma escrita que deve-se tomar… deve-se estudar e deve-se usar. talvez com o estudo a gente vai… vamos chegar lá, um dia vamos acabar todos aprendendo a escrever o crioulo correctamente. + +Nesta última semana que passou, leu ou escreveu alguma coisa em crioulo? + +não, eu não li nada em crioulo. + +E escrever? + +nem escrever. + +Há algum tipo de texto que habitualmente escreve em crioulo? O que é que escreve em crioulo? + +não, normalmente eu não escrevo textos em crioulo. eu, sempre que tento escrever, procuro escrever sempre emcrioulo. + +Em crioulo? + +em português. eu tenho notado… eu tenho notado, por exemplo nos telemóveis, nas mensagens, muita gente, hoje em dia, está mandando mensagens em crioulo. eu ainda não apanhei esse hábito. + +Uma coisa. Imagine que está num lugar, numa circunstância a falar com uma pessoa em crioulo. O que é que o faria mudar para português? Há bocado falou-me disso, que às vezes falamos em crioulo e mudamos para português. O que é que o faz mudar do crioulo para português, ou doportuguês para crioulo? + +olhe, eu não sei bem o que é. eu não tenho essa consciência exacta do que é que pode fazer-me mudar, mas suponho que no meu… comigo, às vezes é a questão do hábito, do hábito. há coisas, há expressões, há formas… determinadas formas de dizer as coisas que muitas das vezes já tenho… já tenho na mente, com muito uso e já temos o hábito, e às vezes sai. espontaneamente sai. não sei porquê. com o crioulo se calhar já é mais… já é mais… é o hábito do crioulo mesmo, não é? acho que é a força da língua materna. + +E Portanto, se está a falar português muda para crioulo? + +às vezes sim. + +Mas, por exemplo, é chegada… + +uma coisa… + +Diga. + +uma coisa que tenha mais graça, sobretudo quando estamos no meio de colegas, de amigos, não é? ou então quando faço uma. + +Desculpe. Não percebi. Se está a falar com amigos e colegas em …? + +em português. + +Exacto. + +e surge uma expressão que em crioulo tenha mais… + +Expressividade? + +expressividade. então aí, uso o crioulo. ou então quando faço… muitas vezes quando faço… em vez de fazer o discurso indirecto, quero dizer que alguém disse… por exemplo, há bocado eu disse que os meus alunos muitas vezes diziam assim, eu estava a falar consigo português, não é? + +Ah! Ok. + +mas em vez de dizer assim, bom, a aluna me disse, não professor, ela não fala português porque tal, tal, tal , 3não profesor, e ten vergonha di fala…. às vezes para dar mais autenticidade, mais vida… eu não sei. não sei explicar. + +Quando está a falar crioulo com um colega e entretanto chega o director ou chega alguma autoridade do ministério de educação, isto fá-lo mudar para português? + +não porque… acho que não porque… dependendo… se eu estou a dirigir-me a alguém que… estou a falar com alguém, se chega alguém, uma autoridade… acho que isso não me faria mudar de… (…) + +Por exemplo, se está falar de um assunto trivial com um colega e depois mudam para um assunto que tem a ver com… técnico. Isto fá-lo mudar, por exemplo, do crioulo para português? + +depende, depende. depende da expressão, por exemplo, que se tiver que usar. há coisas que às vezes… há expressões que a gente usa… às vezes é mais conveniente usar em português. mesmo porque por vezes procuramos em crioulo a expressão, não encontramos. + +Certo. + +acontece. agora, existe aquela interferência do crioulo no português que às vezes a gente não sabe porquê. aquilo deve ser força mesmo da língua materna. + +Interferência como assim? + +às vezes estamos falando português e, de vez em quando, surge uma… dizemos qualquer coisa que não… fazemos como que… uma interrupção do português. + +Mas acha que isso acontece porquê? + +a única explicação que eu vejo é… às vezes… porque adoramos mais a expressão dita em crioulo do que em português, ou porque…(…) não sei. + +O que é pensa do crioulo? + +ah! o crioulo é uma língua fantástica. eu… apesar de estar no estádio em que está. mas eu, como crioulo, eu sempre adorei o crioulo e se fosse por mim mesmo, toda a comunicação social já estaria a dar os seus programas em crioulo, com excepção do jornal que não pode estar à vontade. + +Em que estádio é que está o crioulo para si? + +eu acho que está… já está…já está… já desabrochando, não é? mas tem ainda muito caminho para andar. + +Em que aspectos? + +sobretudo no aspecto teórico, porque o prático já temos. mas, o aspecto teórico, da ciência da língua, acho que há muita coisa por fazer, não é? e… nós cabo-verdianos, sobretudo no domínio da escrita, da história, não é? ainda há muito por fazer, sobre o crioulo. + +Há pessoas que acham que há um crioulo mais verdadeiro, mais puro do que outros. Tem alguma opinião a esse respeito? Para si existe o verdadeiro crioulo? + +olhe, eu acho que todo e qualquer crioulo de Cabo Verde é crioulo. é crioulo nas suas diferentes variantes. agora…(…) + +Alguma dessas variantes seria o verdadeiro crioulo para si? + +olha, isso é muito questionado. eu não… eu não diria… se nós formos ver o crioulo, o primeiro crioulo, nasceu em Santiago, isso não resta dúvida. é de Santiago que foi parar ao Fogo, depois do Fogo transformou-se, depois para as outras ilhas e assim sucessivamente. tudo bem. agora, será que é por isso que vamos considerar o crioulo de Santiago o melhor crioulo, ou o crioulo verdadeiro? não, porque… veja, dentro… aqui na ilha de Santiago, o crioulo fala-se… o crioulo… fala-se diferentes variantes do crioulo, aqui na Praia falamos um crioulo mais influenciado… mais… pelas línguas estrangeiras, vamos aí no… no… aqui perto, nesta zona… como é que chama? + +Fonton? + +Porto Mosquito, e essa zona de… já encontramos um crioulo um pouco mais… com outro sotaque. é de Santiago. vamos ao Tarrafal, ai à Ribeira das Pratas, um pouco mais além, encontramos um sotaque ligeiramente diferente, vamos nos Engenhos encontramos um sotaque diferente. quer dizer, então perguntamos, qual é? onde é que está o melhor crioulo, o crioulo verdadeiro? eu não sei… eu não… eu não ousaria dizer qual é o crioulo verdadeiro, qual é… eu acho que há diferentes variantes do crioulo. + +Há pessoas que… O que é que acha das pessoas que usam o crioulo, dos cabo- verdianos que só falam o crioulo… ou melhor, que tipo de pessoas acha que usam exclusivamente o crioulo, aqui em Cabo Verde? + +olhe, todo o povo iletrado, a massa camponesa sobretudo, mas… todo o povo que não tem o mínimo de instrução, com o mínimo de… usa o crioulo, não é? para eles não existe outra… (…) + +Mas acha que o crioulo só é adequado para esse tipo de pessoas? + +não, não é adequado só para esse tipo de pessoa. o crioulo é adequado para todas as classes sociais, em Cabo Verde. + +E o português? + +o português já é… já tem mais restrição. portanto, o português… usa português as pessoas que têm conhecimento do português, que andaram na escola, que estudaram e… mesmo as pessoas que estudaram, usam o português quando estão em situações que acham que devem usar português. + +Acha que existe alguma relação entre ser cabo-verdiano e gostar e usar o crioulo? Admite que algum… ou o inverso, admite alguma circunstância em que um cabo-verdiano não goste do crioulo, ou não saiba usar o crioulo? + +olhe, cabo-verdiano nato e que cresceu nessa realidade com toda essa caboverdianidade nossa, eu não acredito que nenhum cabo-verdiano não saiba falar crioulo. agora, existem cabo-verdianos… digo, alienados, não é? existem, infelizmente existem, que acham menosprezo falar crioulo. acham que seriam mais… pessoas mais consideradas, mais escutadas, mais bem tratadas, se falassem o português. mas, acho que isso é uma… é uma… um desvio de… sei lá, de consciência, de… infelizmente existem pessoas assim. agora menos, agora muito menos, porque eu acho que o cabo-verdiano já… já se conscientizou de que o crioulo é a nossa… não há como negar. + +O que é que acha disso, de nós podermos usar o crioulo e o português em Cabo Verde? + +não, isto é muito bom na medida em que nós que sabemos, já estudamos um pouco, sabemos que só com o crioulo ainda não vamos muito longe, não é? nós precisamos do português. + +Para? + +nós precisamos do português para… sim, há muita coisa. ainda, no domínio da escrita é o português que nos serve, ainda é. eu nem diria para as relações internacionais, não, porque hoje em dia os estrangeiros tentam adaptar-se ao crioulo, se calhar até melhor do que ao português, não é? eu acho até que gostam mais do crioulo do que do português. não sei se é porque ouvem mais crioulo quando chegam cá, mas o certo é que notamos que… eu costumo citar a… o exemplo dos professores do Corpo da Paz, não são só professores, profissionais do Corpo da Paz que vêm a Cabo Verde, depois de alguns anos, falam o crioulo lindamente. não… mesmo os portugueses, que às vezes têm a mania de que o crioulo é língua de… que não é língua, mas muitos portugueses que cá vêm, passam o tempo que passam cá, e vão dominando o crioulo. portanto, não é uma língua difícil de se entender, aprende-se facilmente e quando as pessoas dominam, acho até que usam com… com bom à vontade. pelo menos as pessoas que eu conheço, estrangeiros que… + +E para nós cabo-verdianos, o que é que acha disso, da gente poder usar o crioulo e o português? + +é bom, para nós é bom. dependendo daquilo que estamos a fazer… por exemplo, se estamos a tratar de assunto culturais, expressamente tradicionais, digamos assim, achava melhor em crioulo, sem dúvida, não é? seria escandaloso fazer um batuque em português, por exemplo. o cabo-verdiano não ia fazer um batuque em português. seria escândalo. mas, sabe bem o batuque em crioulo – não é? dá mais… tem mais… agora… + +O senhor X sabe sempre quando usar o crioulo e quando usar o português, ou tem dificuldades às vezes em escolher? Ou se não há problema nenhum, sabe sempre…? + +eu não tenho assim muitas dificuldades em passar do português para o crioulo - do crioulo para o português, dependendo da situação. como eu já lhe disse, não… não… essas situações não são assim bem definidas, mas… portanto… acontecem, no momento. + +Acha então que se deveria continuar a usar o crioulo e o português em Cabo Verde? + +eu acho que sim. nós devemos continuar a usar o português e o crioulo em Cabo Verde. + +Para quê? + +e acho que o português já não… jamais deixará de ser usado em Cabo Verde. + +Porquê? + +porque é uma língua que já tem… já tem uma história em Cabo Verde. e tem uma utilidade também, que seria difícil dispensar. é… primeiro porque ainda não temos… o nosso crioulo ainda não… falta-nos atingir aquele nível… como é que eu diria? ganhamos já o estatuto… aquele estatuto social, não é? digamos, a nível social, muita gente, a maioria do povo usa, assim, muito bem. mas… o estatuto cultural também, posso dizer que está bom. mas no domínio das ciências, da política, das relações externas, produção de documentos, a escrita, de um modo geral, ainda nós temos dificuldades. + +Então, mas usaria o crioulo para falar e o português para ler e escrever? + +não. eu acho que a nossa preocupação tem que ser desenvolver o português… o crioulo nas duas vertentes, escrita e… porque nós precisamos que o crioulo ganhe mais… seja mais valorizado digamos. ou seja, nos aspectos que ainda não atingiu aqueles patamares desejáveis, que atinja esses patamares desejáveis. que, talvez no futuro, cheguemos àquele patamar de dizer –bom, nós somos bilingues, em plena… na plenitude, usamos, o português, o crioulo, quando bem entendermos, sem ter em conta as circunstâncias, ah! aqui é melhor eu usar o português ou o crioulo! . não, portanto, para isso, teremos que fazer ainda muito, no domínio de estudos, de pesquisas, de… sei lá, criar as estruturas que possam permitir esse uso indiferenciado, não é? mas, acho que ainda não… + +Esta situação linguística que prevê para Cabo Verde, seria só com o crioulo e o português em igualdade de circunstância, ou tem outro desenho para a situação linguística de Cabo Verde? Ou seja, para si qual é que seria a situação linguística desejável para Cabo Verde? + +bom, Cabo Verde, cosmopolita que é, eu acho que tem que ter o domínio das línguas, pelo menos das línguas mais… mais usadas. + +Que seriam, no caso? + +não podemos deixar o português de fora, o inglês, o francês, pelo menos. o espanhol que… mas, eu acho que a preocupação… a questão que se põe, a preocupação maior que temos que ter, é fazer com que o crioulo atinja aquele nível que possa ser… como é que eu diria? que deixaria de sofrer o prejuízo, digamos assim, em termos de uso, em relação ao português. + +Percebo. E acha que o crioulo deve ser ensinado nas escolas? + +sim. no seu devido tempo, sim. no seu devido tempo, porque acho que ainda as coisas não estão preparadas para ensinar o crioulo nas escolas. + +O que é que seria necessário? + +por… a escrita. a escrita ainda… não está… não está… é preciso fazer-se mais ainda, para que se possa ensinar o crioulo nas escolas. pelo menos nas escolas… em todas as escolas… básicas. acho que ainda falta muito. é desejável que as nossas escolas passem a usar o crioulo nas aulas. é desejável. eu concordo com isso. mas, isso vai levar… + +O que é que está a faltar, para além da escrita? + +falta sobretudo a escrita e a definição de, que crioulo? qual o padrão a usar? sem isso… porque não iríamos usar… ensinar o crioulo nas suas diferentes variantes --tem que haver um padrão. + +Falamos da escola. E na alfabetização de adultos, acha que o crioulo deveria ou poderia ser utilizado? + +Deve ser utilizado. + +Porquê? + +na alfabetização de adulto eu acho que DE-VE ser utilizado o crioulo. creio que a alfabetização tem… tem características um pouco diferentes. e se temos que partir da realidade das pessoas, das suas necessidades, das suas vivências, então não podemos deixar o crioulo para trás. penso que no ensino de adultos, a alfabetização, dava mais jeito, ajudava mais… conseguiríamos, se calhar… como é que eu diria? conseguir apanhar mais o interesse das pessoas e assim poder enquadrá- las melhor na aprendizagem que… portanto, o crioulo seria… digamos que seria a língua auxiliar, não é? + +Há bocado falamos sobre se achava que havia pessoas com quem era adequado falar o crioulo e outras pessoas com quem o português seria mais adequado. Mas agora ponho-lhe a questão sobre assuntos e circunstâncias. Acha que há assuntos que devem ser abordados exclusivamente em… quer dizer… é mais adequado tratá-los em português ou em crioulo? E há circunstâncias em que acha que o português é mais adequado que o crioulo ou o crioulo é mais adequado que o português? + +por exemplo, hoje em dia, eu acho que as autoridades políticas já repararam isso. nós podemos usar, tanto em… em situações formais como informais, usar tanto o crioulo como o português. agora, existem situações, formais sobretudo, em que por exemplo, seja necessário firmar um documento, não é? aí já seria bom o uso do português. ou nas situações em que há pessoas que mal dominam, por exemplo, o crioulo e... aí sim, pode-se usar o português, que é a língua… já que todos entendemos, então não vale a pena ir para o crioulo. uma questão de conveniência na comunicação e a conveniência da produção de um documento, que possa resultar numa determinada conferência, numa determinada reunião, ou numa determinada… eu acho que é conveniente usar o português. + +Há bocado disse-me que não imagina um batuque em crioulo, não é? + +em português. + +Em português, sim. Em português. E outras manifestações culturais, morna, funaná, teatro,cinema, literatura escrita, digamos. + +isso pode ser nas duas línguas. + +O quê? + +morna, coladeira, teatro… agora, só que há uma coisa… o teatro… + +Acha que tanto o crioulo como o português servem bem para exprimir a cultura de Cabo Verde? + +exprimem, mas o crioulo seria muito mais expressivo. por exemplo, numa peça de teatro há coisas que… há expressões que o crioulo nos permite usar e acompanhado de gestos de movimentos que, se calhar em português… não sei… não conseguíramos fazer. + +Teatro em crioulo…? + +o teatro. + +E morna, coladeira, tanto faz? + +morna e coladeira acho que… morna e coladeira é coisa que pode-se fazer tanto no crioulo como em português. embora a coladeira… a morna mais… é um pouco maisadaptada, pode-se fazer melhor em português do que a coladeira. + +E a literatura escrita, poesia, romances…? + +literatura… literatura tem o problema da escrita que eu já disse. porque o problema da escrita ainda é… constitui um obstáculo a muita gente, e..., uma literatura em crioulo não deixa de ter o seu valor, não deixa de ter o seu… mas em termos de recepção acho que tem menos… tem menos acolhimento do que… + +Porque as pessoas não gostam de romances…? + +não é que não gostam, não estão habituados a ler crioulo. as pessoas não estão habituados a ler crioulo, então, dá muito mais maçada ler em crioulo do que ler em português. + +Ok. Acha que o crioulo deve ser oficializado? + +na sua devida altura sim. na sua devida altura… é o que eu digo, quando o crioulo ganhar o nível, aquele patamar em que podemos dizer assim, bom, agora já somos… somos bilingues e… podemos usar tanto o português como o crioulo, sem prejuízo nenhum. + +E para atingir esse patamar, o que é que seria preciso, no seu entender? + +bom, primeiro teríamos que estudar o crioulo por longos anos, não é? mesmo depois de encontrar este padrão, a escrita definida, é preciso longos anos de estudo do crioulo, escrita, oralidade… até que o crioulo passe a ser também uma língua intelectual, uma língua para qualquer assunto, para qualquer momento. + +Há bocado falou-me disso, mas se tivesse que escolher um crioulo para ser oficializado, escolheria qual? + +não, aí eu não…(…) + +Qual é que acha que deve ser? + +como eu disse, eu não ousaria, neste momento eu não ousaria escolher nenhum… nenhuma variante. eu sei que a variante do… de Santiago, está na base, - isto é certo. agora, se deve ter a variante de Santiago como padrão, acho que os estudos… (…) + +Dirão. + +dirão. + +Então acha que o português deve continuar a ser a única língua oficial? + +ainda, até este momento e acho que ainda por alguns anos vai continuar a ser - porque a língua oficial… dizer que uma língua é oficial não é só dizer. dizer a língua é oficial, dar tudo por legal, não. ela tem que funcionar de facto como língua oficial. + +E quando o crioulo atingisse esse tal patamar e fosse oficializado, como é que ficariam o crioulo e o português? + +o desejável é que ficassem em pé de igualdade. em termos de uso, não é? quer, em termos de estatuto, que ficassem em pé de igualdade. não haveria… não haveria… (…) + +Distinção? + +distinção, é. são duas línguas diferentes, mas que poderiam ser utilizadas em situações… nas mesmas situações sem nenhum tipo de complexo. + +Certo. Como é que acha que os cabo-verdianos falam o português, bem, mal…? + +razoavelmente bem. pelo menos pelo português que eu tenho observado, que eu conheço dos PALOP, eu acho que em Cabo Verde os intelectuais falam bem --eles usam bem o português. temos… há algumas… (…) + +Só os intelectuais? + +particularidades, sim. de vez em quando há aqueles… há algumas características muito específicas, mas eu acho que o cabo-verdiano… + +Essa características, como é que… qual seria a solução para elas? Devem ser… + +acho que são coisas que não têm solução mesmo. portanto, é uma questão… é adaptação mesmo da própria… do próprio português ao ambiente sociocultural cabo-verdiano. + +Então, está-me a dizer que acha que há uma maneira… um português próprio de Cabo Verde? + +équase isso. quase isso. + +Isso é bom? + +embora não seja muito, muito acentuado, mas é quase isso, porque há aquelas características que por mais que a gente faça reparo, tenta corrigir… tenta… mas são coisas que existem por simples facto do português estar num meio sociocultural que é cabo-verdiano. + +Mas acha que os cabo-verdianos devem falar assim esse português à maneira deles ou que devem falar outro português, o português europeu? + +eu acho feio imitar. as pessoas que simulam o sotaque lá, lisboeta ou aqueles sotaques que acham melhor, eu acho feio. eu acho que a língua deve ser usada naturalmente. quer dizer, a pessoa segundo o seu contexto cultural, social e o seu nível cultural use-o… procure usar com correcção a língua, sim, mas… (…) + +O que é um português correcto, para si? Falar um português correcto, não é? + +Falar o português correcto para mim não é falar o… + +Aqui em Cabo Verde, naturalmente… + +é falar de forma gramatical, não é? portanto, não atropelar a gramaticalidade - eu diria das frases. sotaque não… eu não dou assim muita importância ao sotaque --dou mais importância à estrutura, à concordância… (…) + +E som? Usar palavras do crioulo quando se fala português, por exemplo? + +há contextos em que até fica bem, não é? depende de como é usado. porque nós podemos usar o crioulo e intencionalmente, num contexto… num discurso em português, podemos usar o crioulo de forma correcta. + +E quanto à estrutura gramatical a seria mesmo… sem… + +não, não. em termos de o crioulo e português, não. estrutura é… + +E sons? Sons de por… de crioulo? + +mesmo som. mesmo som. (?) nós também há coisas que… porque há… eu acho que é diferente sim. é diferente. em termos de som, as duas línguas, é diferente, é. agora, isso não impede que tanto… sobretudo quando é o cabo- verdiano a falar o português que o… o ritmo, aquela sonoridade do crioulo interfira num ou noutro ponto… no discurso em português. + +Certo. Senhor X, eu não tenho mais questões. Mas se quiser tocar algum aspecto que ache relevante e que eu não tenha abordado, fazer algum comentário, esteja à vontade. + +olhe, eu não sei se… se o que eu disse ou que possa ter a dizer, não é? se é algo que possa lhe ser útil. porque pelo que eu estou compreendendo isso vai ser um trabalho de alto nível e requer, se calhar, opiniões muito… muito, se calhar até com mais níveis… + +Não. Não. + +mais nível. eu estou assim, apanhado de surpresa, não, não estou a dizer nada que seja algo… pronto, estou a dizer o que eu acho, assim de forma espontânea, e com toda a simplicidade, digamos, que me é característico. agora, o que é que poderia ter dito, não sei. não sei, em relação ao crioulo e o português, eu não tenho assim nada… + +Nada a acrescentar? + +se calhar a acrescentar. acho que eu estou com… o certo é que… o que eu posso dizer é que o cabo-verdiano é, de um modo geral, de todas as ilhas, sem excepção, nós nos sentimos melhor com o crioulo do que o português. isso é indiscutível. + +Sentimo-nos? + +melhor, com o nosso crioulo do que com o português. nós usamos o português. quando precisamos usar, usamos. ou quando… às vezes até há quem usa para mostrar que sabe… que conhece a língua ou que quer ser um pouco mais sofisticado ou mais… quando quer dizer algoque… para ser sentido, para ser… com uma vivência mais autêntica, acho que é o crioulo, para todo o mundo. não há excepção. + +Ok. E, mais uma vez muito obrigada por esta entrevista. + +de nada. só espero que alguma coisa que eu tenha dito seja útil. + +Vai ser com certeza. 1Tradução para português, Não, professor, não falo português. Só o crioulo. 2Tradução para português:o ‘tu’ ou ‘senhora’, o ‘senhor’ 3Tradução para português, Não, professor, ela tem é vergonha de falar." +INF19.wav,"Professora X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. Eu gostaria de começar por lhe colocar a seguinte questão, antes de entrar para a escola aprendeu a falar o crioulo ou o português? + +aprendi a falar primeiramente o crioulo, enquanto minha língua materna, - mas também aprendi a falar o português, em casa pouquíssimas vezes, mas na escola comecei a aprender português. em casa tive algum… algum contacto com a língua portuguesa uma vez que os meus pais viveram em Angola e já tinham um certo hábito de falar português, por isso… + +Mas aprendeu a falar português em casa,antes de entrar para a escola? + +sim, porque os meus pais sempre tiveram o cuidado, antes de entrarmos para a escola primária, dar-nos aqueles rudimentos, assim, corrigir-nos, assim aqueles erros… + +Mas falavam português em casa,com eles? + +não, crioulo-- algumas vezes. + +O seu contacto com o português antes de entrar para a escola, portanto, era com os seus pais? + +sim. + +E eles falavam entre si português? + +não, em crioulo. raras vezes falávamos em português. mas sempre tiveram aquela preocupação de quando estávamos a falar português corrigir os erros que cometíamos. + +E em que circunstâncias é que falava português, nessa altura? + +quando tínhamos uma pessoa que falava português. nesse contexto, assim uma hora ou outra a brincar, às vezes. + +Portanto eu estava a perguntar-lhe, para além desse contacto através dos seus pais, ouvia o português onde? Em que meios? Via rádio, televisão? + +via rádio, televisão, livros. sempre tive o hábito de leitura desde pequena-- os meus pais ofereciam-nos livros e… + +Liam para si? + +sim. + +E actualmente, em casa, com os seus amigos… Em casa com os seus familiares, e com os seus amigos e colegas mais próximos, qual é que fala normalmente, ocrioulo ou o português? + +predominantemente falo em crioulo. mas em contextos bastante formais é que costumo usar o português. + +Então vamos voltar a esta questão. Neste momento, qual é que considera ser o seu domínio do português e do crioulo? + +acho que tenho uma boa fluência de ambas as línguas, português e crioulo. + +Falar, ler, escrever? + +acho que sim. + +Fala crioulo, fala português. Escreve português… escreve português naturalmente. E crioulo, lê e escreve? + +crioulo, tenho mais dificuldade em escrever em crioulo. mas escrevo. só que quando escrevo em crioulo, tenho mais necessidade de concentrar-me, pensar antes de escrever, muito mais do que quando escrevo em português. já em português a minha escrita é mais automática, quase que automática. mas já em crioulo não-- exige mais cuidado, mais paragens ao longo da escrita. + +Qual é que prefere? Ler e escrever… Prefere ler e escrever em crioulo ou em português? + +prefiro as duas coisas… prefiro as duas coisas. mas confesso que ainda tenho algumas dificuldades em escrever em crioulo. + +E ler? + +ler nem tanto--ler nem tanto. + +De um modo geral, acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? + +em ambas as línguas. + +E com é que se sente quando fala português e crioulo? À vontade… + +sinto-me à vontade. + +Qualquer delas, crioulo e português? + +sim, quer em crioulo quer em português. + +Sente mais à vontade quando fala crioulo ou quando fala português? + +é claro que me sinto mais à vontade quando falo em crioulo. por ser a minha língua materna, a língua com a qual eu convivo diariamente… em todas as circunstâncias, sinto-me mais à vontade. mas não… em situações que tenha que usar também o português não me sinto inibida. + +Está bom. X, eu vou-lhe pedir que pense nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar. Pense nessas pessoas e no seu perfil. Não lhe estou a pedir nomes. No seu perfil em termos de idade, sexo, grupo, estrato social, se são cabo-verdianos ou não, se são pessoas da zona… da cidade ou do espaço rural e fale-me de cada uma delas. Pode pensar um bocadinho se quiser… + +Tenho que identificar esses três grupos? + +Não. Não. Não. Só o perfil. Eu não quero nomes. Portanto são as três pessoas com quem mais conversa, fora do seu… da sua… círculo familiar, não é? + +fora do meu círculo familiar posso identificar o grupo que faz parte do meu ambiente laboral. é um grupo com o qual eu tenho sempre uma relação formal, procuro sempre ter uma relação, além de formal, profissional. nesse grupo o contacto é feito em em língua portuguesa, e às vezes também em língua cabo-verdiana. + +Desse grupo, essa pessoa… há alguém com quem mais conversa nesse grupo de pessoas, seus colegas? + +há, há. há uma pessoa que já tem uma longa experiência na área do ensino, com quem muitas vezes… + +Sexo feminino, masculino? + +sexo masculino… + +E idade? + +já é uma pessoa que está quase a ir para casa. já está quase a reformar-se -- é uma pessoa que pela experiência, muitas vezes tento aproximar-me da pessoa para adquirir experiências, pedir sugestões, esclarecer dúvidas e… + +E com essa pessoa fala em crioulo ou em português? + +em crioulo ou em português. depende de contexto, da situação da comunicação, do conteúdo… + +Pode especificar um pouco mais? + +às vezes conversamos em crioulo. + +Sobre o quê? Em que circunstâncias? + +mesmo tratando de assunto profissional, quando quero esclarecer dúvidas -- mas tratando-se de uma situação concreta em que temos que, por exemplo perante um… um assunto que se relaciona com a língua portuguesa, por exemplo -já neste caso falamos em português. + +Portanto, se for uma discussão técnica… + +técnica, falamos em português. + +Falam em português. Vocês costumam conversar onde? Aqui, fora da escola… + +aqui, fora, mas mais vezes aqui na escola porque não temos muito contacto fora do ambiente laboral, conversamos mais aqui. + +Pode falar-me então dasegunda pessoa com quem mais conversa? + +acho que… eu sei… não sei, eu tenho poucos grupos além do meu grupo familiar e o meu grupo de… (…) + +Profissional? + +profissional. tenho um grupo de amigos, bastante restrito, que também falamos, basicamente… (…) + +Desses amigos pode escolher um? Aquele mais… com quem mais conversa? + +sim. + +Aquele ou aquela. + +sim, é uma amiga. falamos sobre assuntos relacionados com o trabalho -com a vida quotidiana, assuntos diversos. + +Pessoais, íntimos? + +pessoais e basicamente em crioulo-- aí já falamos em crioulo. + +E em que lugares, em que circunstâncias é que vocês se encontram? + +em ambientes informais basicamente. + +Está bom. Então essas duas pessoas são cabo-verdianas? + +são cabo-verdianas. + +Dá para falar da terceira pessoa? + +acho que não tem… assim… a terceira pessoa seria o meu grupo familiar… + +Está bom. + +e para ser sincera é o grupo com o qual eu tenho mais contacto. no grupo familiar discutimos assuntos, principalmente relacionados com a vida profissional, com a vida quotidiana, o que se passa no mundo. discutimos várias coisas, e em relação à situação do ensino em Cabo Verde, no meu grupo familiar discutimos isso sempre. + +Está bom. Agora diga-me, com que tipo de pessoas é que normalmente fala crioulo e com tipo de pessoas é que normalmente fala português? Já me disse com os familiares, amigos basicamente é crioulo. Com os colegas especificamente é português. E… estou a pensar em pessoas… pessoas que a conhecem que a abordam, autoridades, superiores hierárquicos… + +geralmente é… + +Pessoas que são instruídas, pessoas que não têm muita instrução. O que é que fala com elas? + +quando… quando dirijo-me por exemplo a uma instituição, ou tenho que dirigir-me a um dirigente ou uma pessoa, dirijo-me à pessoa primeiramente em crioulo. mas se à partida a pessoa responder em português, já continuo a conversa em português. vai depender de como a comunicação se efectivar, à primeira. então, a partir daí estabeleço comunicação em português ou em crioulo--vai depender. + +Por iniciativa sua? + +não sei. às vezes nós temos aquela impressão de, à partida, logo que aproximamos de uma pessoa, com essa pessoa vou falar português. ou com esta pessoa vou falar em crioulo. + +Mas, acerta sempre? + +às vezes sim. quase sempre, quase sempre. porque, não sei… às vezes também depende do nível da pessoa porque quando vamos ao encontro de uma pessoa penso que já conhecemos o perfil académico, profissional da pessoa e, tendo em conta esse perfil académico, social… + +Que tipo de perfil escolhe para falar português? + +((risos)) é complicado. geralmente as pessoas que… estão… por exemplo intelectuais. já com os intelectuais prefiro expressar-me em crioulo. não quero dizer que tenha… + +Em crioulo? + +em português. não quer dizer que tenha complexo ou sinto-me mais reduzida falando em crioulo, porque podemos começar a conversar em português e depois continuarmos em crioulo. porque como já disse a comunicação em crioulo ou em português depende de como a comunicação se efectivar e de… como…aopção dos dois elementos em comunicação. + +E assuntos? Que tipo de assuntos fala com essas pessoas em crioulo, em português? + +basicamente assuntos relacionados com a vida profissional, assuntos bastante complexos. + +Com esses intelectuais? + +sim. + +Assuntos profissionais? + +sim, ou que seja um assunto pontual do meu interesse ou do interesse da pessoa. + +E com os seus familiares, amigos fala em crioulo… + +com os meus familiares falo de tudo. falamos de tudo. assuntos diversos--sinto-me muito à vontade porque temos uma… + +Quando viaja para outras ilhas ou quando contacta com pessoas de outras ilhas, o que é que fala com elas? + +falo em crioulo. + +Crioulo de? + +evariante de Santiago. + +E como é… o que é que se passa, em termos de compreensão? + +às vezes há… não há intercompreensão. por exemplo, aconteceu-me no ISE, durante os anos que eu estive a estudar, tive colegas da ilha de Santo Antão e quase sempre havia momentos que tinha que parar para solicitar, se calhar, esclarecimento do que a pessoa dizia ou ela pedia-me para explicar o que é que eu dizia. + +E, nessas circunstâncias, alguma vez vocês se socorreram ao português? + +não, sempre procurávamos fazer com que a comunicação se estabelecesse de forma mais clara possível, em crioulo. fazíamos explicações, esclarecimentos, quando não entendíamos uma expressão ou outra. + +Há bocado disse-me que crioulo ou português muitas vezes depende do lugar e das circunstâncias. Podia ser um pouco mais específica e falar-me disso? + +penso que neste momento, em Cabo Verde, já podemos usar o crioulo em qualquer circunstância. só que ainda sinto que há grupos que ainda têm um pouco de complexo-de complexo quando usam o… a língua cabo-verdiana. + +Que grupos? + +principalmente grupos de intelectuais. ainda resistem estabelecer a comunicação em crioulo. principalmente o grupo de intelectuais. eu sinto que há um certo complexo. + +Em que circunstâncias é que acha que o crioulo está a ser usado agora e que antes não era usado? + +por exemplo no Parlamento. já é um grande avanço. nos fóruns, nos encontros de reflexão… + +A X usa o crioulo para falar em circunstâncias… em que circunstâncias? + +eu seria capaz de usar o crioulo, por exemplo no parlamento. ou num fórum, num workshop. como já disse, muitas vezes a opção vai depender de quem der o primeiro passo. + +Eu estou a pensar em lugares como… lugares e circunstâncias como lojas, mercados, repartições públicas. + +aí eu falo em… nesses lugares eu falo em crioulo. + +Repartições públicas? + +também. + +E aqui na escola? + +aqui, com os meus colegas, falo em crioulo. em outra… numa situação ou outra, falo em português, depende também da língua também que o colega ou a colega usa. porque temos também aqui colegas de nacionalidade portuguesa e muitas vezes com essas colegas ou esses colegas eu falo em português. + +E com o director da escola? + +com o director da escola eu também falo em crioulo. + +E com os seus alunos nos intervalos? + +com os meus alunos basicamente em português. nos intervalos também procuro falar com eles em português, mas também em crioulo. + +Falar com os alunos português ou crioulo, depende …? + +Na sala de aula nunca uso o crioulo. + +Nunca se dirigiu aos seus alunos em crioulo? + +a não ser em situações, assim, informais que tenha surgido… uma… + +Na aula? + +na aula. + +Podia especificar? + +por exemplo, quando eu trabalhei com o nono ano. o manual do nono ano, muitas vezes nós tínhamos momentos que tínhamos que tratar de aspectos relacionados com a língua cabo-verdiana. nesses momentos eu recorria-me à língua cabo-verdiana para fazer algumas explicações. ou até textos em língua cabo-verdiana. já tive até momentos que eu solicitei alunos que tivessem trabalho em língua cabo-verdiana e principalmente para ver, para tentar ver essa dificuldade que os alunos têm na escrita. + +Esses trabalhos eram sobre quê? Em língua cabo… + +Trabalhos livres, como elaboração de textos. + +Em língua cabo-verdiana? + +em língua cabo-verdiana--poemas, contos… + +Com que finalidade? Para? + +mais para ver o domínio que os alunos têm da língua cabo-verdiana e tentar também comparar com textos que escrevem em português. ver até que ponto dominam a língua portuguesa e a língua cabo-verdiana na escrita. + +E os seus alunos, já se dirigiram alguma vez a si em crioulo na sala de aula? + +na maioria das vezes. é uma grande dificuldade que temos em fazer com que os alunos na sala de aula comuniquem basicamente em língua cabo-verdiana, em língua portuguesa. acho que os alunos sentem-se mais à vontade expressando-se em crioulo. mas, uma vez que estamos numa aula de língua portuguesa, eu sempre procuro fazer com que eles vejam que estando numa aula de língua portuguesa têm que falar em língua portuguesa. havendo erros, procuramos corrigir. + +X, com que finalidades comunicativas usa o crioulo ou o português? Estou a pensar em finalidades como exprimir o sentimento, rezar, orar, namorar, quando está zangada, falar num assunto que a emociona, ou que a irrita. + +em todas essas situações eu seria capaz de utilizar a língua cabo-verdiana com muito à vontade. + +Mas habitualmente,qual é que usa? + +penso que em todas essas situações eu uso a língua cabo-verdiana. + +Pense na última… na semana que passou. Acha que falou mais o crioulo ou o português? + +na semana que passou falei mais o crioulo ((risos)) falei mais crioulo do que português. + +Durante mais tempo seguido? Durante mais horas seguidas falou crioulo ou português? + +crioulo também. + +E porquê? + +o contexto. primeiro porque neste momento já não estou a trabalhar com turmas--já não tenho turmas. + +Já começaram as férias. + +já começaram as férias e estou mais a… no meu grupo de colegas, amigos, grupo familiar. e aí, mesmo tratando-se de assunto laboral ou assunto familiar ou outro qualquer, falo em crioulo. + +Diga-me. Três circunstâncias em que normalmente escolhe falar crioulo e três circunstâncias em que escolhe falar português. + +acho que eu… falaria em crioulo em todas as circunstâncias. a não ser que estivesse numa circunstância em que o meu interlocutor não compreenda o crioulo. aí eu seria obrigada a falar em português. em inglês não porque não falo inglês nem francês. francês mais ou menos, mas procuro falar português caso o meu interlocutor não falar crioulo. mas, tendo um interlocutor que fale crioulo eu sentir-me-ia à vontade em usar a língua cabo-verdiana. + +E português? + +português também. também. aconteceria a mesma coisa se tivesse um interlocutor que também não compreendesse o português. + +Em alguma circunstância já falou crioulo, mas achando que deveria estar a falar português, naquela circunstância? Ou alguma circunstância em que habitualmente fala português, mas gostaria de falar crioulo? + +acho que sim. + +Pode especificar? + +acho que sim. não sei. a sensação que me fica é que há ainda um certo grupo que… sinto que quando falamos em português, parece que somos mais respeitados. + +Não prefere especificar? Que tipo de grupo? + +ou a pessoa fica com outra impressão de nós. não sei, principalmente em instituições, certas instituições, com um certo grupo de intelectuais. ainda sinto que quando falamos em português… em crioulo, não nos dão tanta importância como quando falamos em português. + +Porque é que acha que isso acontece? + +é o tal complexo que ainda existe. a não-aceitação da língua cabo- verdiana como uma língua que pode ser utilizada em todas as situações, em todos os contextos. há ainda uma certa reticência por parte de alguns grupos. embora esse complexo esteja a diminuir, a cada ano, a cada dia, mas ainda sentimos. esse grupo já é bastante restrito, se compararmos com anos anteriores -- se calhar daqui a anos não vamos ter nem sequer esse grupinho a perturbar ou a causar esse… a deixar essa impressão de que existe um certo complexo. + +Vamos pensar no ouvir. Onde é que habitualmente ouve crioulo e ouve português? + +ouço crioulo em todas as circunstâncias. na rua, na escola, em casa, no trabalho. + +E o português? + +o português, mais em ambientes formais. em instituições, lugares onde temos mesmo grupos que sentem-se obrigados a comunicar em em português. + +Normalmente que assuntos ouve em crioulo? + +todos os assuntos praticamente. da vida quotidiana ouço em crioulo. nos ambientes que eu costumo frequentar--todos os assuntos. + +E em português? + +em português, poucas vezes, ouço discussões em português. a não ser em grupos bastante específicos. sempre grupos bem identificados. por exemplo num café, muitas vezes grupos de amigos, de pessoas… e normalmente reparo que são grupos de profissionais ou pessoas que… que têm um certo estatuto. que têm um certo estatuto. + +E quanto à comunicação social? + +acho que na comunicação social também há predominância da língua portuguesa, ainda. no telejornal há predominância da língua portuguesa, embora, por exemplo nas rádios, nas estações radiofónicas já haja uma… mais abertura para a divulgação da língua cabo-verdiana. mas ainda na televisão essa divulgação está quase que nula. + +E ler X, costuma ler em crioulo? + +poucas vezes-- gosto, mas poucas vezes leio em crioulo. + +O que é que já leu ou costuma ler? + +costumo ler mais livros de autores como o Tomé Varela, o Dani Spínola, o Manuel Veiga--esses autores muitas vezes leio. + +E como é que consegue ler? Sem dificuldade, tem alguma dificuldade? + +depende de autor. por exemplo, o Tomé Varela acho que ele tem uma escrita um pouco diferente dos outros e tenho… + +Como assim? + +tenho mais dificuldades em ler livros do Tomé Varela do que… não sei, como se diz… ele tem um crioulo… parece-me que ele tem um crioulo… ele escreve um crioulo mais genuíno- mais profundo, o Tomé Varela. + +O que é um crioulo profundo? + +não sei. é como se diz, aqui na ilha de Santiago. ele ainda… notamos ainda aquele crioulo de fora, como se diz aqui em Santiago. já nos outros escritores notamos que o crioulo é mais leve, é mais leve. se calhar acompanha a própria dinâmica que o crioulo tem sofrido. penso que o Tomé Varela muitas vezes ele procura não… na sua escrita, ele não deixa transparecer essa… essa dinâmica que o crioulo… essa renovação da língua cabo-verdiana, se assim podemos dizer. + +Este crioulo levecaracteriza-se por o quê? + +eu, quando falo… não sei se a expressão leve é a expressão mais correcta -- linguisticamente, é claro que não. mas, se calhar é o crioulo dos nossos dias -- está sujeito a mutações, a renovações, devido a contacto com outras línguas, e neste caso é o crioulo que… já eu não seria capaz de falar o crioulo dos meus avós. é claro. a língua é viva, está em permanente evolução e temos que aceitar essa evolução, essa inovação que ocorre na língua. e penso que isso é normal. + +E escrever, escreve habitualmente em crioulo ou em português? + +poucas vezes, poucas vezes, uma hora ou outra. quando começo a escrever sinto muita dificuldade. confesso que ainda para começar a escrever em crioulo eu tenho que ter um longo período de treino, de assimilação principalmente do alfabeto. e ainda temos essa discórdia do alfabeto, essa… qual vai ser a variante que deverá ser adoptada para a escrita ou não. e penso que essa confusão ainda também… isso acaba também por gerar uma certa confusão, - é claro que ao escrever, claro, eu vou escrever na variante que eu falo. opto por escrever na variante que eu falo. mas mesmo escrevendo na variante que eu falo, eu sinto uma certa dificuldade. e acredito que outros que não tiveram por exemplo uma formação como eu tive, por exemplo em língua cabo-verdiana, linguística cabo-verdiana… já tenho algum conhecimento que me permite ter uma noção da escrita. como escrever em língua cabo-verdiana, mas outros que não tiveram, se calhar terão maiores dificuldades do que eu. + +Quais as principaisdificuldades que sente? + +muitas. por exemplo, eu ainda… é uma dificuldade que eu frequentemente tento interiorizar. é na hora de escrever o 'q' ou o 'k', por exemplo. é uma das dificuldades. dois 's' ou um 's', por exemplo. nessas horas eu tenho que parar um pouco para raciocinar e relembrar as coisas que aprendi e decidir como escrever. + +Na última semana ouviu mais crioulo ou português? + +mais crioulo. + +Mais crioulo, não é? + +mais crioulo. + +Imagine que está num lugar, numa circunstância, numa conversa com pessoas em crioulo. O que é que a faria mudar para português? Chegada de uma pessoa, mudança de assunto, …? + +podia ser a chegada de uma pessoa que… que chegasse e começasse a falar em português, por exemplo. aí, para fazer com que a pessoa se sinta também mais à vontade… + +Mudaria para português? + +mudaria para português. ou também, estando num grupo, se de repente um elemento optasse por mudar de crioulo para português, eu também, se calhar… (…) + +Acompanharia…? + +acompanharia a pessoa. + +E relativamente a assunto? Isto faz mudar de português para crioulo ou de crioulo para português? + +penso que não. + +Não? + +não. a não ser que… durante a conversa sobre um determinado assunto haja situações em que teria que usar termos que, por exemplo, não encontraria um vocábulo específico em em língua cabo-verdiana para expressar. ou não conseguiria expressar aquilo que eu queria em crioulo. mas penso que isso não acontece. penso que já em língua cabo-verdiana poderemos falar de todos os assuntos. + +E a falar português, o que é que a faria mudar para crioulo? + +acho que há expressões que dizendo em crioulo, mesmo estando a falar em português, há expressões que nós não deveríamos traduzir para português. devíamos usar em crioulo mesmo. por exemplo há dias estive a ver um inventário… + +Um? + +um inventário que fizeram, e estava ali uma referência bidão. a pessoa… bidon, que chamamos em… aquilo não caiu-me bem. eu disse, eu escreveria a palavra em crioulo. colocaria entre aspas por exemplo. mas aquela expressão, bidão, acho que não existe em português. e não soa bem mesmo. acho que há expressões que mesmo estando a falar em português temos que deixar em crioulo, como está. + +Mas mudar. Por exemplo, deixar de falar crioulo e passar a falar… Ou melhor, deixar de falar português e passar a falar crioulo, na mesma circunstância e com as mesmas pessoas. + +Desde que… desde que as pessoas que estivessem a comunicar comigo não tivessem dificuldade em compreender… + +Não mudaria? + +eu mudaria. acho que mudaria, de crioulo para… tendo iniciado a comunicação em crioulo… + +Não. Agora estou a falar de português. Estando a falar português, o que é que a faria mudar para o crioulo? Não usar expressões, mas mudar. Passar a falar crioulo. + +por de repente os elementos do grupo decidissem continuar a comunicação, por exemplo em crioulo. + +Para si o que é o crioulo? O que é que pensa do crioulo? + +penso… é uma língua que… primeiramente, a nossa língua materna, que nos identifica enquanto um povo, culturalmente. e como tal, deverá ser assumida como língua. não só como uma língua materna, mas já há… penso que o crioulo tem condições de ser também assumida como uma língua oficial. é claro que há ainda muita coisa a fazer… mas penso que o crioulo… + +Como, por exemplo? + +por exemplo em termos de formação de quadros que possam ensinar o crioulo, porque é claro que se queremos que o crioulo se torne numa língua como a língua portuguesa temos que preparar quadros que possam estar preparados para ensinar também a língua cabo-verdiana. aliás, há até quem defenda que inicialmente nós devemos começar… devemos ter o ensino em crioulo ou o ensino do crioulo. penso que as duas coisas. as duas coisas. é claro que tem que ser paulatinamente. não pode ser assim, de um momento para outro. mas penso que o crioulo já tem condições. + +O que… depende de quê? + +formação de quadros, decisões políticas bem definidas. + +Sobre o quê? + +sobre o estatuto que o crioulo deverá assumir em paridade, em relação à língua portuguesa, e a partir do momento que ela se torne uma língua oficial. e depois passar a ser implementada como uma língua de ensino. + +Há bocado disse-me se nós queremos que o crioulo seja uma língua como o português. O que é que isso quer dizer? O que é que quis dizer com isso? + +penso que já é… já é… e se calhar está a tornar-se numa língua mais assumida do que o próprio português. + +Como assim? + +porque antes havia algumas restrições. por exemplo, nas instituições nós não sentíamos à vontade em falar a língua cabo-verdiana, mas hoje não. hoje já não sentimos, nos círculos académicos por exemplo, já não há essa restrição. e pouco a pouco penso que os próprios falantes já estão a determinar que o crioulo é uma língua que pode ser usada em qualquer contexto. é uma língua que tem condições de ser falada, mas também de ser escrita. de ser usada em círculos académicos, em todos os contextos, em todas as situações. + +E do português, o que é que pensa? + +penso que o português, mesmo assumindo o crioulo como uma língua oficial, o português deverá continuar como uma língua que sempre existiu, porque também o português fez parte da nossa história. + +E qual seria o estatuto dessas duas línguas, o crioulo, o português? Como é que vê a situação linguística desejável para Cabo Verde? + +penso que… lidando com os alunos sinto que os alunos estão a dominar menos o português, pelo menos em termos de expressão oral e escrita, do que o crioulo. mas o crioulo ainda também vamos enfrentar dificuldades a nível da escrita--por isso é que temos que preparar. mas em termos de expressão, penso que já não temos muita dificuldade--não temos. + +Em termos de português. Há bocado falou-me de português, crioulo, crioulo fundo, crioulo leve. Para si qual é o verdadeiro crioulo? Se existe um verdadeiro crioulo… + +não sei se existe o verdadeiro crioulo. porque, a língua, como já disse, ela é viva, e necessariamente tem que passar por fases de renovação permanente, -e temos que aceitar essa renovação da língua. + +Certo. + +e…é claro que, havendo renovação permanente, vamos notar que há diferenças entre o crioulo fundo e o crioulo leve. e isso tem que ser aceite naturalmente. aliás, são os próprios falantes que acabam por determinar essa mudança-- e temos que aceitar. + +Estabelece alguma relação entre ser-se cabo-verdiano e usar o crioulo, ser- se cabo-verdiano e usar o português? Admite alguma circunstância em que um cabo-verdiano não goste ou não saiba usar crioulo e só goste e saiba usar português? + +acho que não. sendo cabo-verdiano acho que em nenhuma circunstância ele diria que não gosta de usar crioulo, enquanto sua língua materna. e uma coisa, eu tenho notado que um cabo-verdiano, a partir do momento que ele, passar a viver fora de Cabo Verde, acho que ele sente ainda mais apegado à sua língua do que estando em Cabo Verde. e quando, por exemplo, se comunica com os familiares que estão aqui, os próprios familiares, mesmo estando o outro elemento fora, acabam por descobrir, que se calhar também passou a gostar mais da sua língua. eu notei isso porque eu tenho irmãos que estão fora e, por exemplo, quando comunico-me através de uma carta com os meus irmãos, tinha por hábito escrever sempre em português. mas a partir de um determinado momento passamos a escrever as cartas em crioulo. + +Ah, bom?! + +e aquilo passou a dar-me mais gosto. e… só que tive… tenho sempre aquela dificuldade. por exemplo na internet, quando comunicamos, eles nunca escrevem em português quando comunicam-se comigo. eu sempre escrevo em português, por uma questão de rapidez. mas eles escrevem, e às vezes escrevem em crioulo muito mais rápido. é claro que quando escrevem, eu muitas vezes tenho aquela atenção de reparar que estão a escrever correctamente, - e essa preocupação muitas vezes como não consigo acompanhar muitas vezes digo, espera aí, deixa-me escrever em português porque escrevo mais rápido. mas sinto que sentem mais gosto em expressar-se em língua cabo-verdiana, quer através da oralidade, quer através da escrita. + +O que é que acha de se usar o crioulo e português em Cabo Verde? Desta situação. + +usar como? + +Nós temos… temos esta possibilidade de usar as duas línguas. + +de usar as duas línguas. + +O que é que pensa disso? + +penso que seria uma boa oportunidade. + +E tem sempre… a X pessoalmente sabe sempre quando usar o crioulo ou o português? Nunca… + +temos que ter essa separação mesmo, e fazer com que os alunos também vejam essa separação. por exemplo, acabei de dizer, estando numa aula de língua portuguesa, temos que fazer com que os nossos alunos vejam que estamos numa aula de língua portuguesa e têm que falar em português. estando numa aula de língua cabo-verdiana, estão numa aula de língua cabo-verdiana, devem falar em língua cabo-verdiana. fazer essa separação para também não haver essa confusão linguística, não é? agora, o que eu penso que nenhum professor de língua portuguesa ou língua cabo-verdiana, pode permitir é, estando numa aula de língua portuguesa permitir que os alunos se expressem em crioulo, falem em crioulo. + +Com que pessoas acha adequado que se use o crioulo e que se use o português? + +acho… dependendo do contexto em que se efectivar a comunicação. + +Então, que contextos são adequados para usar português e que contextos são adequados para se usar crioulo? + +Neste momento eu penso que, sinceramente, definir um contexto exacto que eu tenho que usar português… + +Não. É o que é que acha. O que é que acha? Acha que há contextos que são… e circunstâncias e lugares que são mais adequados… em que é mais adequado usar o português do que o crioulo, e vice-versa, usar o crioulo? + +não sei… acho que ainda em determinados ambientes, em determinadas instituições… acho que isso acabou por ser mais uma questão de hábito, porque… tínhamos aquele hábito de sempre dirigirmos a uma instituição usando a língua portuguesa--mas hoje já não. + +E pessoalmente o que é que a X pensa disso? + +penso que isso depende da forma como somos recebidos pela pessoa que nos recebe num determinado lugar. porque nem sempre… por exemplo, uma pessoa dirige-se a uma instituição ou a um local para falar com uma pessoa e pode não saber expressar-se em português, mas a pessoa que a recebe fala somente português, e aí a comunicação tem que se efectivar. muitas vezes não depende somente do contexto, mas também do nível académico da pessoa. + +O que é que acha ser mais comum no mundo de hoje, usar só uma língua ou mais do que uma, saber só uma língua ou mais do que uma? + +no mundo de hoje é comum mais do que uma língua. + +Se pudesse… se pudesse, digamos, desenhar a situação linguística ideal para Cabo Verde, como é que ela seria? Crioulo… português? + +neste momento…? + +Não. O futuro. Digamos, o ideal, asituação ideal para si, qual seria? + +seria uma situação em que teríamos as duas línguas, mas com a predominância da língua cabo-verdiana. + +O que é que significa esta predominância? + +se calhar a línguacabo-verdiana seria mais usada. + +Para? + +em todos os contextos, do que a língua portuguesa. + +Falar, ler? + +falar. mais falar do que escrever ou ler. + +Escrever ou ler seria? + +aí é que seria necessário uma aprendizagem. traçar uma política para o ensino da língua, para que as pessoas pudessem estar preparadas para ler e escrever em língua cabo-verdiana. + +Mas o que …? Acha que as pessoas deveriam… ou dever-se-ia continuar a falar em crioulo e ler e escrever em português? Falar o crioulo em todas as circunstâncias, mas ler e escrever em português, é isso? + +não. + +Não? Não percebi então. + +seria as duas coisas. falar e ler em português e também falar e ler em língua cabo-verdiana. + +Então usar o crioulo e o português na escrita e na oralidade dependeria de quê? + +da assunção da língua cabo-verdiana também como uma língua oficial e posteriormente a sua implementação como língua do ensino. + +Então as duas línguas seriam oficiais? + +oficiais. + +E elas seriam usadas para quê? + +para fins comuns. + +Em caso de oficialização do crioulo, qual é… que… o crioulo que acha que deveria ser oficializado? + +aí é que está… o grande dilema. eu sinceramente, não por ser de Santiago, eu acho que a variante que deveria ser adoptada deveria ser a de Santiago. + +Porquê? + +não sei. em termos de definição de um modelo para escrita, não sei. mas parece-me que as raízes do crioulo, sendo a história do crioulo, as raízes do crioulo têm mais a ver com o crioulo de Santiago. agora, na oralidade, aí seria à escolha dos falantes. + +Qual das duas línguas, crioulo ou português, acha que deve ser usado nas manifestações culturais? Morna, funaná, batuque, …? + +não percebi esta questão. + +Qual das línguas, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura cabo-verdiana? + +sinceramente, a língua cabo-verdiana. o crioulo. + +E qual deles acha que poderia ser usado no batuque, funaná, morna, coladeira? + +também a língua cabo-verdiana. + +Teatro? + +a língua cabo-verdiana. + +Cinema, literatura escrita? + +língua cabo-verdiana. literatura escrita isso podia ser quer em língua cabo-verdiana quer em língua portuguesa. + +E porquê língua cabo-verdiana? E porquê as duas? + +tratando-se da cultura cabo-verdiana porque… é a questão por exemplo da leitura, da leitura e da escrita que ainda está em causa. e aí, se calhar encontraríamos pessoas que teriam alguma dificuldade em ler e interpretar textos em língua cabo-verdiana. mas, é claro que tratando-se duma morna, se calhar nos toca mais ouvindo-a em língua cabo-verdiana do que em língua portuguesa. + +Como é que acha que os cabo-verdianos falam o português? + +se calhar, eu não diria que falam bem o português. + +Falam como,então? + +Hum? + +Como é que falam? + +têm um nível razoável--temos aliás, um nível razoável. + +O que é que chama um nível razoável? + +bom, pelo menos na oralidade. do que eu tenho visto e ouvido, através dos meios de comunicação social, através de conversas… não sei, penso que os cabo-verdianos cometem muitos erros, ao usarem a língua portuguesa. + +Que tipo de erros? + +erros de concordância… principalmente de concordância. principalmente de concordância. + +Como é que acha que eles deveriam… que nós deveríamos falar o português? + +não sei. penso que… não devemos falar o português como os portugueses, é claro. + +Ou seja? + +nós somos diferentes, tivemos uma história diferente, e penso que a forma como usamos a língua portuguesa tem um pouco a ver também com a própria… o próprio contexto em que nós aprendemos a língua ca… a língua portuguesa. e por isso não se pode exigir que os cabo-verdianos tenham a mesma fluência ao usarem a língua portuguesa que um português, por exemplo. porque o português, além de ser a sua língua materna, é também a sua língua oficial e nós não temos o português como língua materna. não é uma língua com a qual nós convivemos diariamente em todas as situações, apenas em situações pontuais. e é uma língua que… aprendemo-la em contextos formais. e é claro que quando aprendemos uma coisa em contextos formais é muito diferente de quando aprendemo-la num contexto informal. acho que aprendizagem informal dá mais gosto. a pessoa sente sempre mais à vontade. e é natural que os cabo- verdianos não falem correctamente a língua portuguesa. + +E o que é que acha disso? O que é que acha de… digamos, os cabo- verdianos falarem o português à maneira deles? O que é que pensa disso? + +à maneira deles também não acho correcto porque toda a língua tem a sua regra. temos que seguir as regras da língua e não podemos também violar as regras da língua. e por isso, muitas vezes depende também do nível académico da pessoa. mas o que tenho notado é que mesmo pessoas que já têm um certo nível académico cometem erros. + +Mas que tipo de erros é que acha aceitável, que já acha que não é tão aceitável? Há bocado disse-me que nós não podemos falar o português… Estou a querer entender um pouco melhor porque há bocado disse-me que nós não podemos falar como os portugueses. + +nem os… penso que nem os portugueses falam também correctamente a sua língua, porque eles também cometem erros. eles cometem erros. nem eles falam… + +Então o que é falar bom português? O que é falar bem o português? + +bom, penso que quando falar… + +O que é que seria… + +é respeitar primeiramente as regras da língua. + +Regras de que nível? De que… + +da gramática e… portanto, regras da língua. principalmente da gramática. regras da gramática. penso que aí nós não podemos violar. essas regras existem, têm que ser respeitadas. mas, uma pessoa que não tenha tido uma… um… uma aprendizagem, não tenha passado por exemplo por uma… situação formal de aprendizagem numa escola, penso que essa pessoa não conhece essas regras, não domina essas regras, e não dominando é natural que ela cometa certos erros. + +X, eu não tenho mais perguntas. Mas se tiver algum comentário, quiser acrescentar alguma coisa, esteja à vontade. Alguma coisa que ache importante e que eu não tenha abordado, algum comentário… + +agora não me ocorre. penso que já fizemos uma recorrência sobre os aspectos essenciais. agora, o que… acho bom que haja… haja estudos que tragam subsídios para que se possa estudar e traçar que política teremos… que política linguística teremos que adoptar para Cabo Verde, e como implementar a língua cabo-verdiana. porque eu sou a favor da implementação da língua cabo- verdiana, mas não deve ser também algo feito assim de um dia para o outro. têm que ser criadas as condições necessárias para tal e…defendo primeiramente… o primeiro passo seria a oficialização, e da oficialização agora teríamos que percorrer um outro caminho para que haja essa transição até que alcancemos a implementação plena da língua cabo-verdiana. e penso que os trabalhos que forem feitos nesse sentido trarão de certeza subsídios que poderão ser discutidos para que depois no futuro…que adoptem melhor política… não sei… para a oficialização e implementação da língua cabo-verdiana, sem contudo colocarmos em segundo plano a língua portuguesa. + +Ok. Então, mais uma vez, obrigada, X, pela sua entrevista. + +sempre às ordens." +INF20.wav,"Muito bom dia X. Muito obrigada por me ter concebido esta entrevista. Eu gostaria que me dissesse antes de entrar para a escola, tinha … falava português, o crioulo ou os dois? + +falava português, porque eu vivi em Angola, com a minha mãe, os meus familiares até os oito anos, que eu estive aqui em Cabo Verde… + +Veio para Cabo Verde aos 8 anos… e crioulo, já tinha ouvido ou não ouvia o crioulo? + +sim, o meu pai é cabo-verdiano, ouvia de vez em quando, porque meu pai gostava muito da língua portuguesa e ele falava connosco a língua portuguesa. + +Mas ouvia o crioulo de que… ouvia o crioulo? + +sim… + +Onde? Em que circunstância? + +em Angola? + +mhm mhm + +poucas circunstâncias. normalmente era o meu avô que é de Santo Antão - que várias vezes falava crioulo, ou o meu pai. mas na totalidade era a língua portuguesa. + +E em casa, com os seus amigos, actualmente…? Actualmente, não é? Em casa com os seus familiares, amigos mais próximos, o que é que fala? + +falo o crioulo, mas também falo a língua portuguesa com os meu filhos. tenho dois filhos, tem um que vai para escola este ano, então, no jardim, já entraram com a língua portuguesa, e tento ver as pequenas frases e corrigir… e com a minha filha que está na 5ª classe, o problema da mais velha, é que ela manifestou à professora, que é filha de uma professora de português, mas que ela não gosta da língua portuguesa, e então eu tento ver se consigo mudar. mas não sei se é porque ela gosta mais de matemática, mas ela mostra que não gosta muito da língua portuguesa, e sendo a língua portuguesa fundamental, então eu tento ver, se consigo criar aquele gosto. + +Como é que … E com os seus amigos? + +com os amigos, com os colegas da língua portuguesa, há situações que nós falamos português. na coordenação ou então na sala de professores, mas na maioria é o crioulo. + +E amigos de um modo geral, sem ser colegas professores? + +crioulo, crioulo. + +Como que acha que é a sua proficiência geral em português e em crioulo? Como é que avalia o seu domínio do português, o seu domínio do crioulo? + +eu acho que eu tenho domínio bom a nível da língua portuguesa, bom, e do crioulo acho que é suficiente, eu não sei se é o facto de ter os primeiros anos contacto primeiro com a língua portuguesa. segundo alguns amigos e familiares costumam dizer que… eu não sei falar o crioulo, porque há palavras que eu não digo correctamente. + +Há já quantos anos vive aqui? + +há 26 anos. não sei… há palavras que eles dizem que não é crioulo, e que eu uso a pronúncia que não é totalmente do crioulo, por exemplo eu tive um professor no curso que disse que ao dizer 'trinta e um'-que ele viu logo que eu não falava totalmente o crioulo porque trinta e um, uma pessoa que fala crioulo não diz trinta-e-um, diz trintium ou… eu acho que eu domino mais o português do que o crioulo. + +Fala o crioulo daqui deSantiago ou …? + +Santiago, Santiago-- não gosto muito do crioulo de barlavento. + +Não gosta…? + +eu gosto daqui de Santiago. + +então só fala o crioulo de Santiago? + +sim. só de Santiago. + +E falar, ler e escrever português…? Falar já me disse. Ler e escrever português? + +eu também… eu não tenho problemas, eu não tenho problemas. mesmo o meu passatempo preferido é a leitura, gosto muito de ler. e eu tenho… faz parte de mim, (?) das outras línguas, quer o francês quer o inglês, são línguas que frequentei a escolaridade, mas com um nível muito baixo. + +E o crioulo, ler e escrever o crioulo? + +eu acho que eu sou fraca, não domino. ler sim, ler, consigo ler com dificuldade, perceber. tivemos uma cadeira no ISE, cultura cabo-verdiana, mas a escrita para mim é difícil. + +Cultura cabo-verdiana? + +sim, língua cabo-verdiana, cultura não, língua cabo-verdiana, com a professora Adelaide. agora escrever eu acho que é difícil porque há aquele problema, tem que usar o 'c' tem que usar o ' k', onde é que é apóstrofe. eu acho que ao nível da escrita do crioulo eu acho que é difícil para mim. + +Diga-me, exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português ou igualmente nos dois? + +há momentos que eu consigo me exprimir melhor em português. por exemplo, eu às vezes fico a pensar com a minha pessoa, eu digo… muitas vezes eu penso em português. estou a pensar, faço as ideias em português, porque eu gosto de ter uma ideia e escrever, por exemplo, se tenho algo para fazer amanhã - ou se eu tenho um debate ou qualquer coisa, no dia anterior eu já tenho as minhas ideias e tento escrever, e isso eu faço em língua portuguesa. agora há sentimentos por exemplo, tristeza, isso eu já eu faço melhor em crioulo. + +Diria que exprimir melhor as suas ideias em português ou em crioulo depende da pessoa com quem está a falar, do assunto, das circunstancias…? + +da situação. + +Como assim da situação? + +por exemplo se eu estou a pensar em algo que é a nível da escola, a nível da coordenação, se é uma coisa que eu quero, por exemplo, expor ao meu grupo - porque eu sou a coordenadora, ao expor ao grupo eu penso em português, coloco tudo ali. mas tem algo em relação… por exemplo, os meus filhos, já eu tenho que descer aquele nível e com a língua crioulo, que é mais fácil para eles. + +E como é que se sente quando fala português? + +eu… ((risos)) + +Não está à vontade, tem algum receio? + +não, embora sabendo que a nível da língua portuguesa nós temos que estar sempre a pesquisar, a cultivar, porque há muitas regras, muitas vezes eu posso infringir alguma regra, mas eu gosto. eu gosto. + +E a falar crioulo, como é que se sente? Tem medo de errar, sente-se à vontade…? + +não. + +Como no português? + +estou à vontade, porque também o crioulo para mim eu falo é em casa, com os amigos e familiares, porque se eu estou aqui na escola eu prefiro a língua portuguesa. + +Mesmo com os colegas, nos intervalos…? + +embora… não sei se é complexo ou o quê que há a nível da língua portuguesa, porque há um grupo de professores da língua inglesa ou francesa a falar o francês ou o inglês ninguém acha aquilo diferente, mas quando há um grupo e estamos a falar português, já a pessoa acha que estamos a tentar ser diferentes. + +Diferentes como? + +eu não sei, eu acho que há um complexo… para mim eu acho que quando uma pessoa está a falar português a outra pessoa já pensa que a pessoa quer ser superior, mas acho que isto é próprio do cabo-verdiano, é só uma pessoa falar português. ah!, que a pessoa quer… quer-se mostrar, e geralmente nós falamos a língua portuguesa com os colegas mesmo da disciplina, com os outros. + +Eu vou-lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar, não é? No exercício das suas actividades, as três pessoas com quem mais conversa. Pensasse nessas pessoas em termos do seu perfil. Não quero nomes, não quero identificar as pessoas, mas eu gostaria de ter a idade, o sexo, o grupo social, não é? A nacionalidade, se é cabo-verdiano ou não. Vamos pensar nelas como pessoa um, pessoa dois, pessoa três… Diga, então pessoa um, idade, sexo… + +a pessoa 1, idade eu acho que… + +Mais ou menos… + +36, dois anos mais velha que eu, 36. é angolana, é minha colega de trabalho, é uma pessoa muito culta… + +Portanto, é professora aqui na escola também…? + +sim é uma professora aqui na escola. é muito culta, paciente, gosto muito de dialogar com ela. não sei, talvez porque ela é mulher de um pastor, tem todos os lados . + +Vocês falam em crioulo ou em português? + +falamos em crioulo e português. + +Vocês falam alguns assuntos em português e outros… que assuntos vocês falam em português e que assuntos vocês falam em crioulo? + +em português falamos mais sobre os assuntos académicos, da escola, ou sobre a disciplina, ou sobre algum um conteúdo, ou alguma dificuldade que… uma de nós temos a nível de qualquer… a nível de qualquer conteúdo a leccionar -- e crioulo falamos mais quando estamos a falar dos filhos, de como é que foi o dia de ontem--mas nós falamos mais a língua portuguesa. + +Vocês encontram-se aqui na escola, sempre, ou em outras circunstancias? + +em outras mas poucas, a maior parte é aqui na escola. + +Está bem… + +uma segunda pessoa, é a subdirectora pedagógica que trocamos ideias constantemente. eu acho que ela deve ter trinta e dois anos, é uma pessoa inteligente também, que dialogamos muito porque sabe acatar as ideias, e valorizar as ideias dos outros, falamos em crioulo sempre. falamos sempre em crioulo. + +E sempre aqui na escola…? + +sim, sempre aqui na escola. + +Ela é professora também? + +é professora mas não está a leccionar aqui na escola, e é de outra área, de geografia. + +E outra pessoa …? É cabo-verdiana? + +é cabo-verdiana. a outra pessoa tem uma média de trinta anos, é de língua portuguesa também, trabalha aqui de manhã, falamos em nível dos conteúdos de língua portuguesa, das dificuldades, sempre em português. assuntos fora da língua portuguesa, tratamos em crioulo, também é uma pessoa que tem sempre ideias, acho que é isso. + +Com que tipo de pessoas fala crioulo,normalmente? + +sempre? + +Sim. Já me disse que com os familiares… + +e os vizinhos, principalmente com aqueles que eu sei que têm um nível de escolaridade muito baixa, eu moro numa rua em que a média de escolaridade é fraca, então com os vizinhos, principalmente. com os familiares nem todos, porque tenho alguns familiares com… uma média de… duas professoras um advogado… já com eles eu falo a língua portuguesa, mas com os outros já eu falo -falo crioulo. + +Digamos… mesmo com os familiares, aqueles que são instruídos, usa a língua portuguesa? + +sim. Com os que têm uma escolaridade mais baixa…? já usamos o crioulo, mas não quer dizer que não usamos o crioulo mesmo com os escolarizados, estamos sempre ali, mas há sempre aquele momento que passamos para a língua crioula, enfim… + +E com autoridades, com superiores hierárquicos…? + +falo sempre português. + +Sempre português? + +sempre em português, porque eu sou a favor de as instituições, nós temos de ter um certo… embora muitas vezes por exemplo, há bocado fui para a Caixa Económica, eu dirigi a senhora em português, e ela respondeu-me em crioulo. + +E aí, passou a falar o quê? + +logo eu passei a falar o crioulo. sim, porque eu acho que ela devia responder-me em português, se ela está na recepção, e eu já falei a língua portuguesa, ela devia… + +E com pessoas das ilhas de barlavento, fala crioulo ou português? + +falo o crioulo. + +De? + +Santiago. + +E como é que é a compreensão? + +do crioulo deles? + +Como é que vocês se entendem. + +mesmo assim, eu com o meu, e eles ali… + +Entendem-se sem dificuldades, com alguma dificuldade? + +eu acho que sem alguma dificuldade. tenho aqui colegas que são de São Vicente, já trabalhamos há muitos anos e eu falo o crioulo daqui, e eles o dialecto de S. Vicente, mas não há problemas. + +E esses seus familiares com quem fala português, raramente… disse-me que também pode falar com eles em crioulo. Falar com eles crioulo ou português depende do quê? + +eu acho que éda situação. + +Como assim? + +por exemplo, se estamos a brincar, ou a contar uma anedota, ali passamos para o crioulo, acho que tem mais piada nisto. + +E português acontece …? + +a cumprimentar, a falar de um assunto ou a discutir um tema… + +Que tipo de assunto? Intimo, pessoal…? + +mais a nível da sociedade, do trabalho. + +Pode especificar um pouco mais esses lugares e circunstâncias? Falou-me de instituições, repartições públicas, por exemplo. Pode falar um pouco mais disso? Disse que na vizinhança usa crioulo. E em lojas, restaurantes, em locais de lazer, no mercado, aqui na escola, no gabinete da directora, nos intervalos, na cantina..? Portanto, esses… se usa o crioulo,o português…? + +por exemplo, na cantina, nós temos a cantina … a cantina é dos alunos, estou ali com uma colega, estamos a falar o crioulo, mas quando chega um aluno, passo logo para a língua portuguesa, porque eu falo com os alunos, quer dentro da sala, quer fora da sala, eu uso sempre o português. no gabinete com o director, ou com a subdirectora pedagógica, ou com um outro membro da direcção, eu uso sempre o crioulo. geralmente eles já começam a dirigir-se em crioulo passamos logo para o crioulo. nas instituições eu sempre, sempre chego lá com a língua portuguesa, e volto ao mesmo assunto, acho que há aquele complexo em relação a língua portuguesa, eu sinto a sensação que muita gente pensa que a pessoa é mais bem atendida quando usa a língua portuguesa do que quando usa o crioulo. + +Já teve essa experiência? + +eu já … não comigo exactamente. mas eu já vivi isso no hospital. eu estava à espera, então eu vi a médica ali a gritar, a gritar num senhor que tinha uma criança, mas quando eu entrei, eu entrei já com a língua portuguesa, e então não… não vi aquela situação que eu estava a ouvir. eu acho já que há um certo nível de respeito em relação… quando a pessoa se dirige em língua portuguesa. embora há… há instituições em que eu não acho correcto, por exemplo, no ministério de educação. um professor chega lá com a língua portuguesa, eu acho que somos mal recebidos com o crioulo, etc. etc.. eu acho que ali tinham de falar português, uma pessoa, se está numa instituição é porque tem um certo nível, por ter um certo grau de escolaridade, pelo menos não para dominar o português como um professor, como um… mas o mínimo. penso assim, dar uma informação, dar uma… como fazer um documento etc. mas eu acho que dirigem totalmente em crioulo. eu não sei se precisam de reciclagem ou de informação, o quê, mas eu acho há qualquer coisa que tem de se fazer a nível dessas instituições, não só a nível de educação, mas nas finanças, qualquer lugar. + +E nas lojas, mercado? + +no mercado público uso sempre o crioulo, porque eu penso… não sei, eu acho que a maior parte das pessoas que estão aí a vender têm um nível baixo de escolaridade, mesmo assim há pessoas que, como se diz, são freguesas, já eu brinco com elas, já brinco com elas, outras dirigem… sabem que eu sou professora, dirigem para mim em português, mal falado mas … e eu respondo sempre, a brincar corrijo a frase e respondo, mas frequente é o crioulo. + +E nas reuniões aqui na escola, reuniões de coordenação …? Eu acho que já me falou sobre isso… + +sim, reuniões nós fazemos em português, mas não impede uma anedota ou outra ali em crioulo. nas reuniões gerais, a direcção começa a reunião, a maior parte, já em crioulo. e só que eu reparo… e há colegas também que defendem isso, por exemplo, no conselho pedagógico tivemos uma reunião em que a direcção começou em crioulo e então uma colega, não é professora de português, de francês, ela disse que ela ia falar português, porque ela acha que seria melhor. mas eu acho que a direcção já… + +E a reunião decorreu em português? + +não, a intervenção dela foi em português. foi em português. + +ok. Para … com que finalidades usa o crioulo ou o português? Eu estou a pensar em coisas como exprimir um sentimento, rezar ou orar, dar ou pedir informações na rua, namorar, quando está a falar de um assunto que a emociona ou a irrita, usa o crioulo ou o português? + +o crioulo, eu uso o crioulo… por exemplo, com o meu marido não uso o crioulo. + +Ele é cabo-verdiano? + +eu não… eu não uso o português. ele tem um nível de escolaridade inferior ao meu, portanto quando eu uso o português, porque eu quero mostrar superior + +Ah, ok! + +ele já mostra uma barreira, raras vezes eu uso o português. por exemplo se estamos a ver o telejornal e aquele jornalista fica sempre a dar erros, então eu digo para ele, ele não devia falar assim, devia falar assim, e ele diz, ah tu gostas de corrigir, tens o mau hábito de estar sempre a corrigir, então com ele, porque ele já vê o português ali como algo que nos afasta, então com ele frequentemente eu uso o crioulo. mas expressar, por exemplo, a rezar, eu não consigo rezar em crioulo, eu não sei se é porque aprendi a rezar com base em documentos, em livros etc., mas eu sempre estou a rezar em português. + +Mesmo que esteja a usar as suas próprias palavras? + +há momentos por exemplo, momentos de muita tristeza, ali uma pessoa… a frase é curta, (?) eu expresso em crioulo, mas nos outros momentos eu acho que consigo expressar sempre em português. + +E quando está irritada ou está a falar de um assunto que a emociona, …? + +quando estou irritada, se é em casa ou com um familiar muito próximo, eu uso o crioulo. mas se é aqui na escola não, se é aqui na escola eu consigo mesmo mostrar a minha indignação ou satisfação usando a língua… a língua portuguesa. + +Diga-me uma coisa. Nesta última semana que passou, falou mais português ou falou mais crioulo? (…) De um modo geral. + +eu acho que é o crioulo. + +Mais o crioulo. E mais tempo seguido o português ou o crioulo? Durante mais horas seguidas. + +o crioulo. + +O crioulo. + +porque os meus filhos já estão de férias, e já posso passar a maior parte do tempo com eles, das onze… vinha trabalhar e ia para a casa às 11 até a noite, estava constantemente com eles, a brincar, para recuperar o muito tempo perdido, mais é o crioulo. + +Eu gostaria que me apontasse, assim, três circunstâncias onde normalmente fala o crioulo e três circunstâncias onde normalmente fala o português. + +na sala de aula, sempre em português. + +Nunca usou o crioulo para se dirigir aos seus alunos? + +não. + +E nunca nenhum dos seus alunos se dirigiu a si em crioulo? + +sim, estão sempre a… onde está… + +Porquê? Para quê é que os alunos… quando os seus alunos se dirigem a si em crioulo na sala de aula é para quê? + +desde o início eu crio regras, e uma das regras é falar em língua portuguesa, então quando estão a tentar falar em crioulo, eu digo, eu não estou a ver, eu não percebo. mas há aquele aqueles momentos que eu acho que é difícil para eles expressar-se… expressar em português, é quando estão zangados - quando um colega faz algo e querem contar, então se o professor quer que eles parem de falar é só dizer, falem a língua portuguesa, então quando há pequenas rixas entre colegas começam em língua portuguesa, mas no meio já eu digo, mas vai falar o quê, português ou o crioulo? , e voltam de novo a… não… com os meus alunos eu uso sempre a língua portuguesa. + +Vamos pensar nas diferentes capacidades, ouvir, falar… já falamos do falar… ouvir, ler e escrever. Habitualmente onde é que ouve o crioulo e o português? + +o português aqui na escola, na escola portanto. o crioulo, por exemplo -ouço na minha rua, na minha rua raras vezes podemos ouvir a língua portuguesa ou outra língua, ali o domínio é do crioulo. + +E na comunicação social costuma ouvir o quê? + +a língua portuguesa e o crioulo. mas por exemplo, a Praia FM, eu acho que… não sei, eu penso que tem totalmente o crioulo, que não há nenhum momento, não há nenhum programa, não há nada que valoriza a língua portuguesa ou que fala a língua portuguesa. + +E nas cerimónias oficiais e religiosas, normalmente o que é que ouve? + +misturam as duas línguas. há pessoas que falam em português mas a maioria fala em crioulo, mesmo os dirigentes… + +Nas cerimónias oficiais? + +sim. costumam falar. fazer os discursos em crioulo, mas eu penso também que isto tem a ver com a situação. por exemplo eu acho que, por exemplo, o primeiro ministro quando vai ali a uma zona do interior, eu acho que se ele usar a língua portuguesa a mensagem não passa, não passa da forma que ele queira. + +Normalmente, que assuntos ouve em crioulo? + +assuntos banais. por exemplo, na minha rua gostam muito de discutir política e futebol, e ali é só o domínio do crioulo. + +E em português, que tipo de assuntos é que ouve habitualmente em português? + +no parlamento… não me lembro de outros casos. + +Ler, costuma ler em crioulo? + +não, eu posso ler uma ou outra frase ali, mas por exemplo se eu tenho … há dias eu estava com um livro na mão, de cinquenta poetas africanos, (…) então eu estou a ler, leio em crioulo e já passo o poema para o português, é mais fácil também ler em português. + +E o que é que já leu em crioulo? Poesia? + +poesia. + +Habitualmente não lê o crioulo? + +não. + +Porquê? Não gosta, tem dificuldades…? + +porque tenho dificuldades, eu prefiro o português, assim eu leio e percebo logo. + +Que dificuldades é que tem, quando lê o crioulo? + +eu estou a ler, às vezes e eu acho que eu não percebo a frase, então eu tenho que voltar a ler, porque eu acho que há uma grande distância, essa é a minha opinião pessoal, há uma grande distância entre o falar e escrever o crioulo - eu acho que não fica com o mesmo peso. a nível da oralidade a expressão é diferente, é mais forte, e então eu não consigo ver tudo isso na escrita do crioulo. + +E costuma escrever em crioulo? Já escreveu alguma coisa? + +raras vezes. quando eu estava no ISE havia trabalhos que eu tinha de escrever mas (…) + +E não escreve porquê? Não gosta? Não consegue? + +eu acho que é as duas coisas, não é o não gostar na totalidade mas as dificuldades que eu enfrento… já prefiro refugiar-me na língua portuguesa. + +Há bocado disse-me que às vezes, na coordenação, estão em português depois mudam para o crioulo. Gostaria que me falasse um pouco disso. Digamos, estando a falar o português, o que a faz mudar para o crioulo? Estando a falar crioulo, o que a faz mudar para o português? A chegada de uma pessoa, a mudança de assunto…? + +não, eu acho que é a mudança de assunto. porque eu, geralmente quando estou na coordenação, há visita da directora pedagógica ou do grupo de apoio, ou de algum… este ano temos colegas que não são da nossa escola, vêm de outras escolas mas estavam aqui, mas depende da situação. quando estamos a falar da dos conteúdos nós usamos a língua portuguesa, então um colega quer dar uma anedota, passamos para o crioulo, mas quando eu quero voltar de novo eu digo, bom, chega, nós vamos parar, e passamos de novo para o português -e para continuar… + +Mas por exemplo com os seus familiares. Imagine que está com… a falar com esses familiares com quem fala em crioulo, chega um outro familiar… + +com ele falo o português… + +Com quem fala o português. Pode mudar para o português com a chegada de…? + +eu mudo constantemente, eu posso falar com essa pessoa mas ao mesmo tempo estou a falar em crioulo com… + +O português com uma e o crioulo com outra? + +sim, por exemplo, numa fala eu posso falar com aquela pessoa com quem estou a falar a língua portuguesa, mas quero dirigir a uma pessoa mais pequena, já dirijo em crioulo. depois passo para outra pessoa, passo de novo a falar a língua portuguesa, acho que eu não tenho problemas, enfim . + +O que é que a faz mudar, é a pessoa, é o assunto? Predominantemente. + +nesses casos é a pessoa, eu acho que é a pessoa. + +Ok. Que tipo de pessoas acha que é adequado falar o crioulo e com que tipo de pessoas que acha que é adequado falar português? + +o crioulo eu penso que é adequado falar com as pessoas que têm o nível de escolaridade fraco, para que haja a compreensão. com as crianças, mas nem em todas as situações, por exemplo eles têm a língua materna, dominam o crioulo, eu acho que há situações que nós temos de recorrer ao crioulo para que a mensagem passe correctamente, agora o português eu acho que deve ser frequente na escola e nas instituições. + +Então, acha que o português é adequado para as escolas e para as instituições? + +sim. + +E o crioulo? + +em casa, e na comunidade. + +Porquê? + +eu acho que tem a ver mesmo com o nível da escolaridade das pessoas. eu parto do princípio que numa escola ou numa instituição, a pessoa tem que ter um certo grau de escolaridade, o que não acontece na comunidade, na comunidade, com os velhos e crianças, e que têm um nível mais baixo. + +O que é que pensa do crioulo? (…) Há pessoas que acham que não é uma língua. Há outras pessoas que acham que é uma língua ainda não suficientemente desenvolvida etc. etc. etc. E a X, o que é que pensa do crioulo? + +eu gosto do crioulo. eu acho que é uma língua desenvolvida, não totalmente trabalhada, para se tornar … para se expandir a nível das escolas e as outras instituições. eu penso que é uma língua que já tem toda a sua autoridade ao nível da oralidade, mas que precisa ser trabalhada ao nível da escrita. para mim o crioulo é a língua dos sentimentos porque eu acho que o cabo-verdiano expressa bem oralmente usando o crioulo, mas não pode ser uma língua que nós podemos tornar uma língua oficial. + +Porquê? + +porque ainda não está trabalhada ao nível da escrita, o próprio cabo- verdiano não sabe, não estou a falar de todos, mas não sabe escrever, não sabe ler a sua própria língua, então isso eu acho que dificulta. + +Se eu entendi bem, põe como condição. Acha que o crioulo deve ser oficializado? + +acho que não, eu acho que não por causa… + +Nunca? + +se ganhar maturidade a nível da escrita, da leitura, eu acho que sim, mas antes eu acho que não. + +E do português? Para si existe um crioulo que seja o verdadeiro crioulo? + +Diz das ilhas? + +mhm mhm + +para mim é o de Santiago, foi o primeiro, foi o primeiro, e eu acho que é aquele que sofre menos, que sofreu menos transformações. por exemplo, eu quando estou a falar com uma pessoa do Fogo, eu fico com a sensação que eles abrem muito a boca, e o crioulo de Santiago não é assim. do Maio eu acho que tem de fechar a boca, não sei … do barlavento, eu acho que há omissão de vogais, então para mim o crioulo que deve ser usado em Cabo Verde é o crioulo de Santiago. + +Por ser mais perfeito? + +não, o que disse. mais antigo e mais perfeito. + +E que relações pode haver entre ser cabo-verdiano e o crioulo, ser cabo- verdiano e o português? Admite que um cabo-verdiano não goste de falar o crioulo ou não saiba falar crioulo? Ou admite que um cabo-verdiano use exclusivamente o português…? + +eu acho que há uma ligação intima entre o cabo-verdiano e crioulo, é cabo-verdiano tem que saber falar o crioulo. + +Em qualquer circunstância? + +sim, é uma das condições. ser cabo-verdiano para mim é saber falar crioulo. porque repare, há uma criança que está nos Estados Unidos, é filho de cabo-verdianos, ele é cabo-verdiano. eu não acho… eu acho que ele tinha que ter contacto com a raiz, tem que ter o contacto com o crioulo, embora há o contacto, mas eu acho fraco, eu acho que o domínio do crioulo é uma das características do cabo-verdiano. + +E o português? Saber português, usar português? + +o cabo-verdiano deve saber (levar?) mas não ter aquele domínio 100%, porque o português sempre é a língua do colono e sempre é… há um sempre (?) ali. + +mas o que é que acha dessa possibilidade que nós temos em Cabo Verde de usar o crioulo e o português? + +as duas línguas? + +mhm mhm + +eu acho correcto. o que eu não acho correcto é o cabo-verdiano passar a usar só a língua portuguesa, porque eu acho que deixa de ser cabo-verdiano se deixar de usar o crioulo, mas as duas línguas sim, e saber em que situação usar cada uma delas. + +Acha que o cabo-verdiano sabe sempre? A X sabe sempre quando usar uma ou outra? + +sim, sim. mas eu acho que a maioria não. por exemplo, é o caso das instituições, se uma pessoa está lá, devia saber que devia usar a língua portuguesa e não estar… não sei se não sabem ou que se querem aplicar porque eu penso também que o cabo-verdiano tem medo de errar. + +E o que é que acha ser mais no mundo de hoje, ter só uma língua ou ter mais que uma língua? + +mais de que uma. + +E como é que vê a alternativa linguística para Cabo Verde? Digamos escolheria que situação…? + +acho que há muito que fazer, eu acho que há muito que fazer. + +Ficaria só o português como língua oficial? + +sim, já é difícil para o cabo-verdiano… + +Então acha que o português devia ser a única língua oficial em Cabo Verde. + +sim. + +Nesse caso, o crioulo devia ser utilizado para quê? + +é a nossa língua materna, é a nossa língua de contacto, é a nossa língua de expressão, eu acho que as duas ficariam bem, sendo o português a língua oficial. + +E porquê? + +não sei… talvez porque foi o meu primeiro contacto com… eu aprendi em português… o crioulo foi só… eu passei a falar crioulo a partir dos 8 e 9 anos, mas foi difícil, há 26 anos, numa escola aqui de Cabo Verde, sozinha a falar português com os colegas aí…. + +E para ler e escrever? + +em língua portuguesa? + +Não. Estou a dizer em Cabo Verde. O português na sua opinião devia manter-se como uma única língua oficial. E a ler e a escrever, continuar-se-ia a ler e escrever em português? + +sim, em português. + +E a falar crioulo? + +sim. + +E o crioulo seria ensinado nas escolas? O que é que acha, do crioulo ser ensinado nas escolas…? + +eu acho que não é preciso. ou pode ser como uma disciplina, para mostrar as regras etc. mas toda a gente sabe falar o crioulo, eu penso que todos sabemos falar o crioulo. + +Mas todos os portugueses sabem falar o português e ensina-se o português nas escolas. + +são as regras, a maior parte é colocar cada coisa no seu lugar, mas eu acho que ensinar a falar o crioulo não, ter o crioulo como uma disciplina, porque uma pessoa que vem para a escola, um cabo-verdiano, para uma aula de crioulo - ele não (?) nada, ele já tem uma base, portanto eu acho que é uma pessoa orientá-la parafalar correctamente. + +E a ler e a escrever? + +aí seria um trabalho. + +Devia-se ensinar a ler e a escrever crioulo nas escolas, ou não? + +eu não sei, eu acho que não. + +Acha que não, porque? Consegue dizer o porquê? + +eu não sei, há aquela relação entre o crioulo e a língua de casa, para mim há aquela relação, há aquela relação que português é a língua da escola. + +Qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? + +o crioulo. + +E para ser usado assim na morna, funaná, batuque, literatura escrita, cinema, jornais, revistas… acha que deveria ser o crioulo ou o português? + +a nível da música, eu acho que é o crioulo. mas a nível da literatura eu preferia o português. + +Literatura escrita. E teatro, cinema? + +também em teatro eu acho que… em crioulo a mensagem passa melhor. porque se tens uma peça ou uma anedota em crioulo ao tentares transformá-la na língua portuguesa não fica com… com a mesma dose de cómico, então acho que ali devia ser o crioulo. + +E porque é que acha que na literatura seria mais adequado o português? + +a literatura escrita, deixe (…) + +Está bom. Enquanto pensa, diga-me… há bocado já abordou isso… Como é que acha que os cabo-verdianos falam português? Disse-me há bocado que eles não deviam falar 100% bem, não é? + +sim. + +Gostaria que me falasse um pouco disso. Como é que acha que eles falam o português? + +em nível da pronúncia…? + +Da pronúncia, da gramática, das palavras, dos sons, … ? + +sim, eu acho que o cabo-verdiano, ao falar português, a nível da gramática, um cabo-verdiano que teve uma escolaridade, usa correctamente a gramática. eu acho que a dificuldade maior é a nível da pronúncia. no ano passado eu fui para Angola, então eu falava e o meu irmão também foi daqui de Cabo Verde, quando eu estava a falar com um familiar meu, então eu ficava ali a escutar a diferença, era totalmente diferente a pronúncia, mas os dois estavam a falar em português, então eu ficava assim a pensar, mas quem que está a falar errado? , e, por exemplo os meus familiares em Angola têm a percepção de… que o cabo-verdiano fala mal o português, eu disse, não, o cabo-verdiano não fala mal o português, para nós também é o angolano que não sabe falar o português correctamente, ou o brasileiro que não respeita as regras, eu penso que o cabo-verdiano, a maior dificuldade mesmo é ao nível da pronúncia, por exemplo, eu estou constantemente a falar com os meus alunos, eles dizem enton, o som 'ão' colocam em crioulo. estou a corrigir um aluno aqui, chego na terceira carteira, repete o erro, eu já mandei repetir, várias vezes, mas passam para outra frase, já na terceira frase o aluno já dá… eu acho que a dificuldade maior é ao nível da pronúncia, porque eu penso que em Cabo Verde até respeitam, respeitam as regras. + +O que é para si… qual seria o português correcto para si ou falar bem português, o que é que seria? Falar como o português europeu, como um angolano...? + +eu preferiria o de Lisboa que é considerado norma. + +Acha que os cabo-verdianos deveriam falar assim? + +se é a nossa língua oficial, se nós estamos a estudar na escola, mas acho que é difícil para nós por causa do contacto constante com o crioulo. + +Qual é a solução, se é difícil? + +((risos)) um outro problema. por exemplo em relação ao crioulo … o que eu acho que é mais correcto para mim é o falado aqui em Cabo Verde e em Angola também, mas já no Brasil eu acho que é muita… a fuga é grande em relação àquele que é considerado norma de Lisboa. + +Então não acha, por exemplo, que os cabo-verdianos poderiam falar português à maneira deles? + +mas nós falamos à nossa maneira. + +Mas isto é errado, para si. + +sim porque a pronúncia não é correcta, e eu acho que isso é próprio do cabo-verdiano, porque eu quando estou a trabalhar com os meus alunos, as variações, eu digo, quando uma pessoa chega aqui, bate à porta, e ela cumprimenta, nem é preciso dizer que essa pessoa é brasileira, só pela frase que ela utiliza nós sabemos, se é angolana nós sabemos, se é um cabo-verdiano nós sabemos, eu acho que cada um já tem a sua característica própria que para mim essa pronúncia é errada em relação ao que todos esperamos. + +E de… se um cabo-verdiano constrói, assim, frases com estruturas que se confundem com o crioulo, o que é que acha disso? + +é errado. + +Há bocado ficamos com aquela questão da literatura escrita… + +sim, sim. + +O que é que acha, então? Já consegue responder porque se deve usar o português na literatura escrita? + +eu penso que é um arquivo. uma memória, que vamos ter ali, temos de usar a escrita, e não só, para além de… tornam-se memórias, nós temos que ter a literatura escrita para ter a base de documentos para trabalhar, eu acho nesse nível, mas a nível do teatro, do dia a dia, devemos usar é o crioulo. + +X, eu não tenho mais questões, mas se tiver algum comentário, alguma coisa que queira acrescentar eu agradecia. + +eu acho que é tudo. + +Então, mais uma vez, muito obrigada." +INF21.wav,"X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A primeira questão que eu queria colocar é a seguinte, antes de entrar para a escola, aprendeu o… tinha aprendido o português ou o crioulo? + +antes-tinha aprendido o crioulo. + +E tinha contactos com o português antes de entrar para escola? Ouvia o português, falava…? + +na rádio, na televisão. mas, no meu caso, eu nunca fui para o jardim, - eu entrei logo na primeira classe, eu tive contacto… assim… com a escrita e com falar português foi primeiramente na escola- na primeira classe. + +E diga-me, actualmente em casa com os seus familiares e com os seus amigos e colegas mais próximos, fala o português ou o crioulo? + +em casa, com os meus amigos eu falo, crioulo. mas, por exemplo, no liceu… no trabalho, quando eu estou a falar com um professor de inglês eu falo inglês, para tentar treinar, com o professor de francês eu falo francês. curiosamente com os professores de português eu falo crioulo. + +Está bom. Como é que acha que é a sua… o seu domínio do português e do crioulo? Como é que avalia, o seu domínio geral do português e do crioulo? + +eu acho que tenho bom nível de português. nível alto. tanto português como do crioulo, até porque eu escrevo muito em crioulo. escrevo muito. às vezes, se eu estou a escrever… por exemplo, há pessoas que me pedem para fazer poemas, acrónimos, eu… às vezes… se é uma pessoa culta, eu escrevo, usando o ALUPEC, dependendo do nível que tem. mas se for uma pessoa que não sabe ainda o que seja ALUPEC, eu escrevo aquele crioulo com aquele… a escrita que se usava antigamente. + +E falar, ler, escrever crioulo, português, qual é que faz melhor? + +eu faço… eu faço melhor em tudo. o crioulo eu leio e escrevo. às vezes até fico admirado como consigo ler crioulo, às vezes rapidamente. o meu único problema é o crioulo de Barlavento, que eu tenho dificuldades em ler, mas o crioulo de Sotavento eu consigo… tanto doMaio como de Santiago- consigo ler. + +E português, falar, ler, escrever? + +falar-ler, escrever não tenho problemas. eu domino-modéstia à parte. + +Falou-me de pessoas de Barlavento. Quando fala com pessoas de outras ilhas usa que crioulo? + +eu quando estou fora, estou lá… com eles, na sua ilha natal, eu tento, eu esforço-me sempre a falar o seu crioulo, para poderem me entender. inclusive, quando eu fui para São Vicente uma vez, tentei falar o crioulo de São Vicente com uma senhora, a senhora quase me deu bofetada porque pensou que eu estava a gozar com ela. estava a perguntar nome de zonas, ela disse que… parece… que eu sou… sou 1xuxanti, como no crioulo, não é? a gozar com ela porque… ela disse que se eu estou a falar São Vicente, é claro que eu conheço São Vicente. eu não conhecia, só estava a tentar falar para entender… para ela poder entender, mas, eu gosto… quando eu estou a falar com uma pessoa de Fogo, às vezes, fico a brincar. as pessoas dizem… uma vez uma aluna me disse que de tanto ficar a repetir as expressões da ilha do Fogo, agora, até já esqueci falar badiu. + +Então fala crioulo de que ilhas? + +eu… Maio… eu falo de Maio. com gente de Maio falo Maio, mas aqui na Praia falo sempre em badiu. às vezes até quando eu falo badiu, dizem que eu não sou de Maio-porque eu falo mais badiu do que Maio. + +E qual é a sua proficiência no crioulo doutra ilha… dessas outras ilhas, acha que é… O seu domínio desses crioulo? + +eu entendo. eu até esforço para entender, porque acho que é uma forma de eu me igualar a eles, para poder entender. porque se eu… se sou… a característica do badiu quando vai para Barlavento é falar só badiu. a gente de São Vicente, quando vem para Praia também fala só crioulo de Barlavento. mas eu tento esforçar-me a tentar falar mesma… o mesmo crioulo dessas ilhas, para poder ser entendido e também entender. assim vou aprender mais, mais vocabulário-- mais… as expressões que não conheço-assim fica mais fácil. + +E de um modo geral, acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? + +quando eu estou a falar, em crioulo eu expresso melhor. mas quando eu estou a escrever, eu expresso melhor em… em… em português. + +E como é que se sente quando fala crioulo e quando fala português, mais à vontade, tem menos medo de errar, não se preocupa, crioulo, português…? + +não, se for um espaço onde eu já for conhecido, por exemplo, com os amigos- assim, eu não tenho problemas. + +Com o crioulo ou português? De que está a falar? + +em português. + +Em português. + +mas se eu estou em meio de pessoas estranhas ou pessoas que não… tenho pouco contacto ou amizade assim, já vem aquele nervosismo, aquele medo de errar porque, acima de tudo sou professor, ainda por cima de português. então - qualquer erro… eu mesmo antes de falar, começo já a imaginar os possíveis erros que eu posso dar. mas, com a embalagem eu perco esse medo, esse receio. + +Há bocado… E crioulo? + +crioulo eu não tenho problemas. + +Há bocado disse-me que se sentia igualmente à vontade ao ler… falar, ler e escrever português. E crioulo? + +crioulo também eu não tenho problemas em falar. + +Falar não. X, eu vou lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversa, fora do seu círculo familiar. OK? Pense nessas pessoas. Eu não quero nomes, mas gostaria que me desse o perfil dessas pessoas, em termos de idade, sexo, grupo social, não é? E me dissesse o que é que fala com essas pessoas, crioulo ou português, e qual… quais os assuntos? Que tipo de assuntos, não é? + +a minha namorada. ela vai no primeiro ano de ISE. porque eu não sou daqui, tenho pouco contacto com as pessoas, mas como sou uma pessoa de Igreja, contacto com muitas pessoas. talvez pode ser considerada a minha melhor amiga e… + +Mas falam em crioulo ou em português? + +falamos em crioulo. inclusive ela é natural de Angola, mas tem muito tempo aqui-fala crioulo. outra pessoa, deixa ver, talvez um homem, mas… + +Portanto, do sexofeminino. Que idade ela tem? + +19 anos. + +Ela é estudante do ISE, não é? + +não. ela vai fazer teste este ano para entrar. + +E ela trabalha ou ainda não trabalha? + +hum, hum ((diz que não com a cabeça)) + +Que idade,mais ou menos, ela tem? + +19. + +19. Portanto, para além de assuntos pessoais, tratam outro tipo de assuntos, político, social? + +falamos de tudo. falamos assim… de familiar, falamos… assim… de coisas do dia-a-dia-do que acontece. + +E sempre em crioulo? + +sempre em crioulo. + +E encontram-se em todas as circunstâncias ou só em situações mais informais? + +praticamente em todas as circunstâncias. + +E mesmo nessas circunstâncias menos informais, usam o crioulo? + +não, sempre. sempre crioulo. + +E a segunda pessoa? + +a segunda pessoa… uma amiga, minha vizinha, mas mora mais afastado -- no fim do dia ela vem, nós conversamos, assim… se está a precisar de alguma coisa. falamos… muitas vezes nós falamos mais da minha namorada que é… ela tem um bocado de génio, não é? então, falamos disto, sobre… do seu futuro, que ela devia estudar… está a estudar, deixar de paródia, sempre a falar a conversar, e outras coisas. + +Que idade essa senhora tem? + +tem 20 anos. + +E é estudante, trabalha? + +já terminou. ela não sabe ainda o que é que vai fazer. + +Terminou o quê? + +o12º. + +Terminou o 12º. E é cabo-verdiana? + +énatural de Angola, mas… + +Essa segunda pessoa, também é natural de Angola? + +aham, mas acho que veio criança ainda para Cabo Verde, e sabe o crioulo. + +E falam crioulo ou português? + +eu falo com ela crioulo porque eu conheci ela a falar crioulo, nem… não sabia se ela era angolana. só depois que começamos a conversar, conversarmos -é que ela me… fiquei a saber que ela é natural de Angola. + +E só têm esses assuntos pessoais e íntimos ou abordam outros assuntos? + +pessoais. a maioria dos assuntos que tratamos… são problemas pessoais -- ela também… + +E a terceira pessoa? + +aterceira pessoa… numa lista, a terceira pessoa fica difícil encontrar. + +Ahé? + +a terceira pessoa… é que eu moro sozinho, não é? praticamente não tenho contacto com as pessoas. de manhã e de tarde estou na escola, de noite estou em casa sozinho. talvez… não estou a ver. são tantas pessoas que eu não sei quem é que vai ficar em terceira posição. eu não sei quem é que vou pôr aqui - em terceira posição. não estou a ver uma pessoa, talvez o meu vizinho… talvez o meu vizinho que é de Guiné-Bissau. ele é… até porque o meu vizinho… ele é curandeiro, as pessoas de Guiné têm essas manias de curandeiro, então, de vez em quando eu falo com ele, assim, mas é sempre conversas triviais. eu entro, falo com ele, depois, quando tiver tempo, também falo com ele, à noite, quando estiver assim, na varanda, ele também mora ao lado, ficamos a conversar, assim… inclusive, quando vem um amigo dele, ele explica o trabalho dele, porque ele nunca me explicou o trabalho… explica, mas, enfim, por alto, não é? fico com curiosidade, saber como é que ele faz aquelas coisas. mas como ele é da Guiné-Bissau, fala só crioulo, então, quando transmite, ele pede para explicar aquela palavra, se é assim que se diz, se não é assim que se diz. + +Ele fala… usa crioulo aqui de Santiago? + +fala crioulo de Santiago. + +Portanto, em casa com os seus amigos e os seus familiares usa o crioulo. Já me tinha começado a dizer que… com os seus colegas na escola… Poderia ser um pouco mais específico? Em que lugares e circunstâncias usa o crioulo e o português? + +crioulo em todas as situações. situações… no meio cabo-verdiano… uso o crioulo. português, utilizo por exemplo quando falo com os meus professores do ISE que falam sempre português. com os meus alunos, inclusive no trabalho eles zangam porque eu… se calhar de professor de português, sou único que fala português. inclusive até há professores que utilizam crioulo na aula e dizem que é mais fácil eles entenderem o crioulo… a matéria, do que em português. portanto, o professor de português, fala sempre português. o aluno cabo- verdiano tem essa tendência de não gostar muito de língua portuguesa. então, quando o professor de português fala português, acham que é uma forma de distanciar o aluno. então o aluno acha que o professor de português tem mania, como se diz, está armado em mais importante, não é? mas eu tento falar com os meus alunos mesmo no trabalho, na rua, até dizem que, professor só na escola - na rua não é professor. mas eu digo que não, é assim que tem que ser. há pessoas que me entendem, quando o aluno chama ó professor, eles dizem não - professor não, professor é na escola, aqui na…. mas eu sala de aula é sempre português-sempre português. + +Nunca se dirigiu aos seus alunos em crioulo na sala de aula? + +às vezes… há situações em que uma explicação ou… + +Para dar uma explicação? + +uma explicação no sentido de… uma expressão… assim… quer dizer, uma expressão para alunos que não estão a entender uma matéria, um conceito… ir ao crioulo para fazer-lhes entender, ou há uma situação engraçada na sala de aula, ou uma indisciplina, então, para o professor não perder tempo, então… assim um comentário, assim tipo uma anedota em crioulo só para os alunos… para a situação de indisciplina não passar despercebida ou contagiar a turma. então uma anedota-uma expressão em crioulo, assim… meio interessante. + +Portanto, se eu percebi bem, para dar uma explicação, fazer um comentário… + +sim comentário, no momento exacto, assim… com aquele sorriso… só para os alunos ficarem mais…assim… eles passarem a… + +E os seus alunos, já alguma vez se dirigiram a si em crioulo, na sala de aula? + +há alunos que… alunos que até agora… dirigem-se a mim em português. mas há alunos que descaradamente só crioulo-só crioulo. + +Mas porquê? Na sala de aula? + +inclusive na sala de aula-- na sala de aula eu aceito só português. + +Mas e os alunos, dirigem-se a si em crioulo na sala de aula? + +é que eu costumo… eu fiz uma metodologia, que é marcar mais ou menos na caderneta. então no final do trimestre eu digo. dou mais um valor quem fala português. às vezes tem alunos que têm dificuldades em falar português, não é? têm muita dificuldade, então, fazem esforço quando falam português comigo, inclusive os colegas ficam a troçar, a rir do seu português. eu digo não. por isso ele vai ter mais um valor na OEA, porque ele pelo menos tenta, não fala, mas tenta falar. então os outros acompanham, eu também falo português- então vão… + +E no mercado, nas lojas, nas repartições públicas, quando fala… está no gabinete do director, na cantina… + +É que eu faço uma brincadeira que é o seguinte, eu quando… + +nos bares, discotecas, portanto, nesses lugares… + +sempre é crioulo. mas, nas repartições eu tenho reparado o seguinte, como eu sei que se eu dirigir em crioulo não sou muito bem atendido… por exemplo no banco, no centro de telecomunicações, nas repartições, assim, nas secretarias, mesmo ao telefone, se eu falar em crioulo, normalmente sou mal atendido, não é? então, até às vezes quando vou ao banco, por exemplo, eu se eu dirigir em crioulo, normalmente não sou muito bem atendido. então faço questão de falar sempre em português. eu reparei, por exemplo quando eu telefono para Telecom, eu peço conta, do mês, se eu dirigir em crioulo levam mais tempo a dar-me a resposta. mas quando eu falar em português eu sou tratado de senhor. eu posso ser uma criança, mas eu sou tratado por senhor e não demoram muito a dar a conta. eu vou para o banco, por exemplo, se eu falar em português, me atendem rapidamente, mas se eu falar crioulo, às vezes fico aí parado, a funcionária levanta, vai tratar de outro assunto, depois volta. mas se eu… se eu chego lá e começo a falar em português a pessoa logo presta atenção e dá melhor apoio possível. é por isso que eu falo português nas repartições. + +Na sua escola, nos intervalos, já me disse. Na cantina por exemplo, quando fala com o director da escola,usa o crioulo ou o português? + +a directora… eu falo com ela sempre em… é que ela dirige sempre em português, não, em crioulo. então, não é necessário falar em português. inclusive eu falava sempre em português, mas depois eu vi que ela insiste em falar em crioulo- então eu falo com ela em crioulo. + +Portanto, já me disse que nos bares, discotecas, etc. fala… fala o crioulo. E usa o crioulo e o português para quê? Já me disse que com a sua namorada… Portanto, para namorar usa o crioulo. Mas quando quer convencer alguém de alguma coisa, exprimir um sentimento, rezar, orar, não sei… falar de algo que o emociona, quando diz asneiras, usa o crioulo ou o português? + +sempre em crioulo. mas, inclusive quando eu falo com pessoas por exemplo, de São Tomé, de Angola, eu falo sempre português. sei que eles entendem crioulo, às vezes querem até falar o crioulo para poderem treinar o crioulo- mas eu falo sempre com eles em português. + +Mas eu estou a perguntar a finalidade. Por exemplo, rezar, orar, exprimir um sentimento… + +rezar geralmente é… maior parte das vezes é em português. exprimir sentimento também é em crioulo. + +Exprimir um sentimento? + +é em crioulo, sim. + +E quando está… quando quer convencer alguém de alguma coisa? + +também é em crioulo. + +Pense na última semana. Nesta última semana, usou mais… falou mais crioulo ou português? + +mais crioulo. + +E durante mais horas seguidas, o crioulo ou português? + +crioulo. + +Agora vamos pensar no ouvir. Habitualmente,onde é que ouve o crioulo? + +em casa, na rua… no trabalho também oiço muito crioulo. nas reuniões de associações religiosas. na rua já disse, não é? + +Diga-me só uma coisa. Porque é que usa mais o crioulo do que o português? Porqueé que fala mais crioulo do que português + +porque geralmente eu contacto mais com pessoas que tendencialmente falam crioulo. então, esse hábito de falar sempre o crioulo… até porque se eu falar português já é visto com outros olhos. E qual é que ouve mais, o crioulo ou o português, ou os dois igualmente? quando estou em casa… eu moro sozinho, oiço mais o português. mas se eu sair de casa… porta fora... já… + +Em casa,sozinho, ouve o português,onde? + +sim. na rádio, na televisão. + +Mas, se sai para a rua? + +oiço sempre o crioulo. + +Ouve sempre o crioulo. Na última semana, ouviu mais crioulo ou português? + +em casa eu oiço sempre mais português. mas na rua sempre mais crioulo. + +Nas repartições ouve muito crioulo? + +muito, sim. até… por causa disso que expliquei… que quando eu quero ser bem atendido eu recorro a português para… sempre tenhobons resultados. + +Diga-me três contextos em que habitualmente ouve o crioulo, mas gostaria de ouvir o português, ou vice-versa, ouve o português, mas gostaria de ouvir o crioulo. + +por exemplo, nos intervalos. na escola, nos intervalos, gostaria de ouvir português, mas oiço mais crioulo. nas reuniões de coordenação de… com os professores de português, só crioulo. + +Ah bom! + +gostaria que fosse em português, mas é sempre em crioulo. e nas repartições também, gostaria que falassem sempre português. eu tenho experiência, quando falam português, o serviço é bem feito. + +E portanto acha… + +gostaria que fosse em português. + +Gostaria que fosse em português nas repartições? + +sim. + +Normalmente que assuntos ouve as pessoas a tratarem, a falarem em crioulo e em português? + +Na escola? + +Não, de um modo geral. + +que assuntos? assuntos pessoais, trabalho… + +Em português ou em crioulo, de trabalho? + +de trabalho, em crioulo, sim. + +Em crioulo. + +assuntos familiares. + +Assuntos sérios, oficiais, em crioulo ou em português? + +oficiais no sentido de Estado? + +Sim, sim, sim, sim. + +às vezes há em português, há em crioulo. + +Os dois, não é? + +inclusive os governantes às vezes dão entrevista em crioulo. + +Disse-me que lê crioulo. O que é que costuma ler em crioulo? + +eu costumo ler mais aquilo queeu escrevo. + +Ah! Ok. Portanto, o material de leitura do crioulo é aquilo que escreve? + +sim. também não há muitas publicações em crioulo. + +Diga-me três… alguns materiais que gostaria de poder ler em crioulo e que não lê? Porque não há ouporque…? + +já vi um livro, que é chamado… acho que é de Manuel Veiga, que é Oju D’Agu-- mas eu não tenho esse livro, eu gostaria de ter esse livro para ler. + +Já leu romances de escritores cabo-verdianos em crioulo, livros de recolha de tradição oral em crioulo? Já leu esse material, não? Livros de poesia? + +livros de poesia sim, letras de músicas. quando eu apanho um CD, por exemplo, e estou numa música… numa linda música, eu tento sempre ver… se for em crioulo, eu tento ver se na… na… na… naquelas folhas do CD, se há letras em crioulo para poder… ver se consigo entender, porque há expressões que utilizam… na música as sílabas juntam, a pessoa não entende qual é a le… qual é a palavra. gosto sempre de recorrer a isso, a folhetos para ver se consigo entender a letra… a letra da música. + +Diga-me uma coisa, disse-me que escreve… E em português, o que é que lê em português? + +leio de tudo-- manuais… + +Lê bastante? + +manuais, livros romances, livros técnicos. leio bastantes livros. costumo ler religiosos também, manuais de religião, de catecismo, eu sou catequista- então há vários livros que leio em português. + +E lê com que frequência? Bastante…? + +há períodos que leio bastante, há períodos que leio menos. quando tenho muito trabalho… até porque todos os meus trabalhos exigem leitura. quer como catequista, presidente de associação religiosa, como professor, como aluno. então exige sempre leitura, eu não posso estar sem leitura, porque eu estou sempre a precisar de leitura. qualquer coisa que eu faço é mesmo com a leitura. + +Como… Enquanto presidente dessa associação que referiu agora, usa mais o crioulo ou o português? + +já é… sempre em português… nas leituras é sempre em português, mas conversa, a explicação, é tudo em crioulo. + +Explicação de quê? De…? + +há uma parte que é leitura de um texto, depois da leitura tenho que explicar a leitura feita. + +A leitura é em português… + +leitura em português, explicação em crioulo. + +A explicação é em crioulo. E é reuniões com muita gente? + +sim, 10 ou 15 pessoas. + +E as pessoas que estão lá, falam consigo em crioulo? + +em crioulo sim. + +Portanto, estávamos a falar da escrita. Disse-me que escrevia em crioulo. O que é que costuma escrever em crioulo? + +poemas. + +Poemas? E escreve bastante, durante muito tempo? + +sim. há períodos em que eu escrevo muito. quando vou dormir a partir da meia-noite, custa a cama às vezes, eu tenho inspiração e começo a escrever. ou quando estou triste eu escrevo. + +Como é que escreve em crioulo? + +eu escrevo, eu utilizo… não sei… eu utilizo o ALUPEC geralmente, mas quando… há casos em que eu tenho que recorrer também aquela escrita que se utilizava antes, se uma pessoa for ler… + +Escrita… Que tipo de escrita concretamente? + +sem aquelas definições, de que não se deve utilizar 'ch', de que não se deve utilizar 'k'… + +O antigo alfabeto? + +sim. o antigo alfabeto, sim. então, quando há casos eu escrevo… + +Mas como é que… O alfabeto fonético-fonológico? + +por exemplo, não se deve, por exemplo… agora não escrevo 'tch', escrevo um 'x'. quer dizer, em vez de 'c', escrevo sempre 'k', em vez de 'qu' escrevo sempre 'k'. mas é… utilizo sempre. mas… há variações, não é? acho que nem todas as pessoas conhecem ainda essa história do ALUPEC- então, faço uma mistura. + +Mas aprendeu crioulo? Aprendeu a estudar… aprendeu crioulo… a escrever crioulo? + +eu, quando eu comecei a escrever em crioulo ainda nem… não tinha vindo para o ISE. escrevia assim, aquele crioulo… tipo um crioulo aportuguesado, não é? mas… agora não. agora quando eu escrevo crioulo é sempre crioulo… + +O que aprendeu no ISE, não é? + +sim. + +E tem… Que dificuldades é que sente quando escreve o crioulo? + +praticamente não tenho muitas dificuldades. não vejo dificuldades. + +De nenhum tipo? + +só que às vezes, há expressões que não sei como é que eu vou colocar. às vezes, se eu estou a pensar em português, encontro uma expressão, quero colocar essa expressão em crioulo, eu não encontro essa expressão em crioulo. + +O que é que faz nessas circunstâncias? + +Eu tento crioulizar, eu tento crioulizar esse português, assim para ficar mais… + +Diga-me, estando numa determinada circunstância a falar crioulo, o que é que o faz mudar para português? Ou, o contrário, numa dada circunstância a falar português, o que é que o faria mudar para o crioulo? + +por exemplo, se eu estou na… na aula, eu estou a falar português, quando acontece um caso de indisciplina, então, aquele momento em que os alunos já perdem a atenção, a concentração, então, tenho que dar volta por cima nesse caso de indisciplina, então eu tento utilizar tipo anedota, não é? para os alunos rir daquela situação para nós passarmos à frente. então, tento contar uma anedota em crioulo, assim, só para os alunos ficarem mais familiarizados com o crioulo- assim para desanuviar o ambiente e passar para…à frente. + +Mas por exemplo, imagine outras circunstâncias. Digamos, está a falar crioulo com alguém, chega uma autoridade, por exemplo, ou um superior hierárquico. Isso faria com que mudasse para o português? A chegada de alguém, de alguma pessoa, faria com que mudasse para o português? + +se a pessoa vier dirigir a mim em português, eu logo passo para português - mas se chegar e não… não me contactar, acho que continuo a falar mesmo crioulo. + +E o contrário? Chegada de alguma pessoa faria com que mudasse de… de português… de crioulo… de português para o crioulo? Imagine que está a falar português com uma pessoa, chega… chegadade alguém… + +se a pessoa for analfabeta e não entende português até… fico a explicar um para português, outro para crioulo. não tenho problema nisso. falo com os dois. nas duas línguas. + +E a mudança de assunto também poderia implicar a mudança de crioulo para português, ou português para crioulo? + +não. acho que não. + +Suponhamos que está a falar de um assunto familiar com alguém. De repente passam a abordar uma questão política ou social, isso faria com… ou uma questão técnica,como professor, isso faria com que mudasse para o português. + +acho que não. + +Não? + +não. até porque, mais propriamente nas coordenações, às vezes nós brigamos porque nós que somos professores de português nós tratamos assuntos de português sempre em crioulo. + +Diga-me uma coisa, habitualmente escreve… ou durante a última semana escreveu mais crioulo ou português? + +escrevi mais português. + +Eleu mais crioulo ou português? + +li mais português. + +leu mais português. O que é que acha do crioulo? O que é que pensa do crioulo? + +eu compartilho da opinião que se deve oficializar o crioulo. mas, não é já, porque ainda não estamos preparados para oficialização do crioulo. + +Como assim? + +porque esta questão de oficialização sempre há prós e contras, então, se deve é dar tempo. se diz dar tempo ao tempo. porque a oficialização de uma língua tem que ser uma coisa pensado a médio e longo prazo. porque não é chegar e implementar. porque há sempre resistentes, há barreiras que devem ser superadas para ser… + +Que barreiras acha que devem ser… que precisam de ser superadas? + +as questões regionais, por exemplo. por exemplo, eu acho que há pessoas que defendem que se deve oficializar o crioulo… que se está a oficializar o crioulo de Santiago, o badiu. quando se explica… uma pessoa de Sotavento, aliás de Barlavento, e se estiver a dar uma aula de crioulo, como é que vai explicar? vai em Barlavento, em crioulo de Barlavento, ou em crioulo de Sotavento? então, são estas questões que devemos aprimorar, não é? para assim -chegar num ponto em que… + +E o que é que acha? Qual, em caso de oficialização do crioulo, qual é que seria oficializado? + +geralmente deve ser oficializada… é a minha visão, não é? quando se oficializa uma língua, oficializa-se a língua da capital do país. porque no… é em capital que há maior aglomeração de todas as variantes, então é uma forma de apanhar todas as variantes numa só. sim porque vejo que quando se oficializa, como há várias variantes, então… + +Acha que a de Santiago, ou da Praia, melhor dito, engloba todos… todas as variantes? + +acho que… da Praia, porque é o único espaço em Cabo Verde em que se pode encontrar todas as variantes-- de pessoas de todas as ilhas. + +Masseria só a de Santiago… a da Praia, é que seria oficializada? + +é como… por exemplo, como em Portugal por exemplo. se nós repararmos há um… um português que se fala no Alentejo que é diferente do mirandês do… do… do Norte, de Açores, de Madeira. então… mas… o português que podemos dizer oficial é de Lisboa e Coimbra, não é? onde as pessoas falam um português já mais culto-- acho que… + +Diga-me, relativamente ainda ao crioulo, há pessoas que acham que o crioulo ainda não é uma língua, o que é que… qual é a sua opinião sobre o crioulo? + +não, o crioulo é uma língua. já passamos a fase de… as fases até chegarmos ao crioulo. toda a língua tem a sua evolução, não é? a língua não é… não é uma instrumento morto, não é? portanto, sofre evolução. nasce, evolui, expande. o crioulo sofreu essa… esse processo. o pidjin, depois proto-criuolo, até agora, até o crioulo. acho que com o tempo, se oficializarmos o crioulo- não é… não está mal. + +E para isso, o que é que tinha que ser feito, para se oficializar o crioulo? Para além de escolher uma das variantes? + +o trabalho é longo, mas não sei, assim especificamente o que é que deveria ser feito. mas só que acho que agora, neste momento, é muito apressado. + +Ok. E o crioulo que seria oficializado, quando fosse oficializado, seria oficializado para quê? Para que usos? + +uma forma de… por exemplo, nós… porque o crioulo é nossa língua, a língua faz parte da nossa cultura. então uma pessoa quando vem… se nós repararmos por exemplo, quando uma pessoa vai para um país, a primeira coisa que aprende é a língua, e a lei, não é? então, por exemplo, um chinês quando vem para Cabo Verde, por mais que não queira falar crioulo, ele tem que aprender crioulo que é para comunicar com os seus clientes. então se houver oficialização do crioulo, por exemplo pode haver um ensino do crioulo para os estrangeiros-- assim como uma pessoa quando vai… um jogadorvai para um país - que não sabe essa língua, o clube, a primeira coisa que faz é colocá-lo na escola a aprender a língua desse país onde ele está. assim como o crioulo, não é? porque uma pessoa quando vem para Cabo Verde, não sabe falar crioulo, todos os dias em contacto com pessoas que não sabem falar português, só sabem falar crioulo-então é uma forma de… de uma aproximação a essas pessoas. + +Portanto, o crioulo devia ser oficializado por causa dos estrangeiros? + +também. + +E seria usado só com os estrangeiros? + +não. essa é uma das razões--porque… há outras razões, porque… + +Quais? Pode… + +não estou a ver mais. acho que… assim, já que nós falamos crioulo, toda a gente entende o crioulo, era bom que nós oficializássemos o crioulo por forma a… porque, por exemplo, uma pessoa… a… enfim, temos… às vezes utilizamos… há expressões em crioulo, na literatura, e por exemplo, uma pessoa quando lê, um português ou um francês lê uma obra de um autor cabo- verdiano, e há expressões que estão em crioulo, se calhar nós não vamos… até podiam estar lá expressões em crioulo, mas na rodapé até podia dizer a tradução para- por exemplo, em francês. estão a traduzir a sua língua para… a sua obra para francês. acho que o crioulo devia estar lá, e na rodapé a tradução. uma forma de valorização da língua. + +E no caso…Ou quando o crioulo fosse… for oficializado, no seu entendimento,como é que ficaria o português? + +aí nós podíamos falar em… aí nós podíamos falar em… pode ser falado em estado de… podemos até passar para um estado de bilinguismo, não é? uma pessoa já escreve e fala crioulo, escreve e fala português, já podemos passar de… podemos passar de diglossia para bilinguismo. + +E nesse… As duas seriam oficiais, se eu percebo bem. E o português seria usado para quê e o crioulo para quê? O português seria adequado para que circunstâncias e para que pessoas e para que assuntos e o crioulo para que pessoas, circunstâncias e assuntos? + +o português seria mais para as relações internacionais, porque nós sabemos que o crioulo em si, ninguém vai-se interessar para esforçar para aprender o crioulo para quando vier para Cabo Verde para falar o crioulo. mas sabe-se que a língua portuguesa é língua internacional, não é? uma pessoa que fala português já a nível internacional, internacionalmente, pode ser compreendido, mas o crioulo… uma pessoa que fala crioulo jamais será compreendido. então é uma forma de valorizar a nossa língua, porque uma pessoa quando vem, sabe que tem que aprender o crioulo, porque é uma língua oficial assim como o português. + +Há bocado falou-me das variantes do crioulo. Para si existe um verdadeiro crioulo? Um crioulo que seja o crioulo verdadeiro? + +se existe? + +mhm mhm + +isto é difícil de dizer porque até há pessoas que acham que… por exemplo… se formos ver dizem crioulo de Santiago, crioulo de São Vicente. mas, por exemplo, o crioulo de Santiago, aquele crioulo vernáculo, aquele crioulo que chamamos crioulo puro, não é da Praia, é do interior de Santiago. então, aqui há uma contradição, porque o verdadeiro crioulo do badiu é aquele do interior de Santiago, que nós chamamos crioulo fundo. então, assim, acho que… + +Esse é que é o verdadeiro crioulo? + +do badiu, não é? esse é do interior de Santiago. mas nós sabemos que a língua sofre evoluções e na cidaDE, na cidade da Praia principalmente, em que há maior… como vou dizer? maior concentração de… + +De pessoas…? + +de pessoas. e as variantes acabam por juntarem, e esse crioulo de Santiago vai sofrendo evoluções. até porque uma pessoa do interior de Santiago que fala esse crioulo que nós chamamos crioulo fundo- quando vem para Praia… até eu tinha entrevistado um colega que o seu irmão deu-lhe lista de algumas palavras que ele devia aprender para quando for para a Praia, as expressões que ele utiliza que as pessoas nem entendem. então tem que… até ele trouxe, como um dicionário, para tentar falar o crioulo da cidade. há expressões, há palavras que dizem no interior que na Praia a gente não entende. então tem que sofrer essa evolução. é por isso que eu digo, na cidade da Praia, que há essa… esse aglomerado de pessoas… aglomerado de línguas. + +E acha que o crioulo é adequado para que tipo de pessoas? E o português seria… é adequadopara que tipo de pessoas? + +o português é mais para as situações formais, não é? nas conferências, nas reuniões, nos aspectos de… assim… em termos internacionais, projecção de Cabo Verde, não é? o português é mais aceitável. mas o crioulo, como eu disse - crioulo é uma língua que até ser… até ser oficializada ainda não chegou a esse patamar de… que nós podemos chamar de importante. quando é que se deve utilizar mais…? geralmente é mais no dia-a-dia, no quotidiano que se utiliza o crioulo--é uma forma das pessoas…enfim… estar mais à vontade. + +E diga-me, acha que há assuntos que devem ser tratados em crioulo e assuntos que devem ser tratados em português? + +eu acho que… sempre há… podemos chamar de distribuição. porque uma pessoa… um médico, quando fala com um paciente que não sabe falar português, o próprio nome da doença tem que ser levado ao… ser traduzido ao crioulo que essa pessoa entende, porque uma pessoa vai… assim, não sei como é que se diz… doença tem vários nomes, não é? mas uma pessoa… um médico, não vai dizer a um paciente que tem, por exemplo, enxaqueca, ainda mais uma pessoa que não sabe o que é enxaqueca, não entende, não é? mas se disser que tem dor de cabeça já é facilmente compreendido. então, é isso que eu digo, tem que haver essa tradução, não é? para uma forma mais simples, porque o nível de língua não é… não é muito elevado. então, se for uma pessoa culta pode dizer… usar expressões que… própria medicina- que em português a pessoa entende-- mas se for uma pessoa pouco culta não entende- tem que dizer… + +Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo e o português? Tipo por exemplo, admite que um cabo-verdiano não saiba ou não goste do crioulo, ou prefira usar exclusivamente o português? + +se bem percebi a pergunta, há pessoas que acham que… por exemplo, aquelas pessoas que defendiam que Cabo Verde não devia ser independente, que antes falavam português, então, se calhar não vêm com bons olhos a oficialização do crioulo. mas nós que viemos depois nós ficamos… sempre ficamos gratos se isso for possível. então a oficialização do crioulo é uma forma de valorizar a nossa cultura principalmente-porque falar de uma cultura sem falar da sua língua-acho que não é… + +Se entendo bem, acha que o cabo-verdiano que não goste de crioulo ou não fale crioulo não é patriota? É isso? + +não. ocabo-verdiano… + +Pode-se ser cabo-verdiano e não gostar de crioulo e não falar crioulo? + +acho que a língua é o traço, não é? da nossa identidade, porque eu não vejo… até por exemplo, há aqueles imigrantes, por exemplo, de segunda ou terceira geração, esforçam em falar crioulo, porque muitos desses imigrantes vêm para Cabo Verde e não sabem falar o crioulo, não é? até ficam com pena de não saber porque já estão num outro ambiente, falo de imigrantes dos Estados Unidos que falam inglês, na França, francês. então ficam com essa vontade de falar crioulo, sobretudo quando a gente vem, gostam de falar a língua dos avós- para ser melhor compreendidos. mas acho que até pode ser que nessa terceira geração de imigrantes já não se sentem cabo-verdianos, não é? mas nós sabemos que há comunidades em que a língua é preservada. + +E o português, estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar português? + +para quem está cá, sim. mas para quem vive… + +Ou seja, quem é cabo-verdiano tem que falar português? + +sim. pelo menos para… conhecer… saber uma língua internacional, não é? porque estar cá e não saber falar português e ir para Portugal, por exemplo, é… uma pessoa, se souber falar português, ainda que esteja fora de Cabo Verde - ainda é sempre alguma coisa que liga a Portugal, mas uma pessoa que não sabe falar o português e vai para Portugal, sente duplamente estrangeiro, não é? + +O que é que acha dessa situação, de nós em Cabo Verde podermos usar o crioulo e o português? Acha que é fácil, acha que é bom, que é normal? + +acho normal. é normal porque… até porque até pensamos que se nós ensinamos o crioulo e o português nos primeiros nos de escola o aluno não vai entender muito. eu acho que não porque até para a própria criança é mais fácil entender… aprender duas ou três línguas de que um adulto, não é? acho que não vai haver dificuldade… + +E no mundo em geral, acha que é mais comum saber só uma língua ou mais do que uma? + +com essa… como é que se diz? + +Globalização? + +globalização, não é? é sempre bom saber mais. saber mais… como se diz, saber não ocupa lugar. quanto mais línguas- melhor. mas… por exemplo uma pessoa pode saber falar todas as línguas, mas não saber falar inglês, não é? é como uma pessoa que tem muitos conhecimentos, mas não sabe usar computador. + +Então para si qual é que seria a alternativa linguística desejável para Cabo Verde? Continuar com o crioulo e o português? Para quê? + +não, devemos continuar com o nosso português… nós fomos colonizados pelos portugueses, devemos continuar… até porque o crioulo de Cabo Verde… tem a participação da língua portuguesa. então, também, o crioulo tem essa… acho que estou, não sei se estou errado, mas acho que 90% do léxico cabo- verdiano é do português. então, não podemos fugir a isso. então, o português… a língua portuguesa está intimamente ligada ao crioulo. nós não podemos, se oficializarmos o crioulo, deixar o português de lado, ou acharmos que o crioulo já não é língua… assim… há quem considere que já não é língua para ser oficializada, acho que não. acho que as duas línguas devem caminhar lado a lado- para o cabo-verdiano- lado a lado. + +Só as duas? + +oficialmente, sim. claro que se uma pessoa quiser aprender outra, já depende da opção da pessoa. + +E acha que se deveria ensinar o crioulo nas escolas? + +sim. + +Porquê? + +porque uma pessoa pode falar uma língua, mas tem que saber ler e escrever. porque uma pessoa… se souber escrever, souber falar, já é… uma pessoa já… como eu vou dizer? uma pessoa… enfim, uma pessoa… como dizer? capaz, não é? capaz, domina essa língua. uma pessoa que só fala, só fala, só fala, mas se lhe mandar ler o que está escrito não sabe ler, ou mandar escrever não sabe escrever… é fundamental aprender a ler e a escrever porque só assim uma pessoa fala melhor-- se é uma pessoa que sabe ler e escrever, fala melhor. + +Acha que o português é uma língua… é uma das nossas línguas, é uma língua nossa ao mesmo título que o crioulo? + +sim. porque acho que toda a história de Cabo Verde passa intimamente ligada à língua portuguesa, porque nós não podemos… é como… é como se nós desprezássemos os descobrimentos portugueses, porque os portugueses quando vieram para Cabo Verde uma das primeiras coisas que eles trouxeram foi língua, não é? então não podemos discordarmos disso. porque acho que a língua é… a língua acompanhou toda a evolução, toda a expansão, toda… todo o processo de descobrimento dos portugueses. então a língua… uma das primeiras coisas que os portugueses se calhar nos trouxe foi a língua. + +E na alfabetização de adultos, acha que se devia usar o crioulo ou o português? Ou os dois? + +dizem que… diz-se que… não sei se a expressão é crioulo ou quê. 2buru bedju ka ta prendi língua. os adultos já é mais difícil de aprender a ler e escrever o crioulo. leva mais tempo. já não têm aquela capacidade, aquela ânsia de aprender como uma criança--mas, deve-se tentar-- porquenão tentar? + +E qual deles, o crioulo ou o português, acha que deve ser usado nas manifestações culturais, incluindo a literatura? Estou a pensar no funaná, morna, batuque, teatro, cinema… + +como eu disse, a língua é traço cultural de um país. acho que nas manifestações culturais deve-se… deve-se utilizar o crioulo. + +Mesmo na literatura escrita, morna, digo, romances, poesia? + +escrever um romance em crioulo? pode ser, mas acho que já não é muito… assim… não sei… uma pessoa pode até ler aquela obra, mas se fosse em português a pessoa ia apegar mais ao livro. Acha? sim. mas se for mais… depois da oficialização, ter uma obra em crioulo - acho que isso não constitui novidade. mas neste momento… + +Neste momento? Mas porquê? Porque acha que as pessoas não gostam de romances em crioulo, ou porque é difícil ler o crioulo, porque o crioulo não é uma língua adequada para a literatura? Porquê? + +uma pessoa… como já não… não há essa oficialização do crioulo, a pessoa não se sente obrigada, não é? a ler um livro inteiro em crioulo, a pessoa não se sente atraída a ler uma obra inteira em crioulo. é a minha visão, não sei, - mas uma pessoa está sempre acostumada a ler jornais… + +Mas morna, batuque, funaná, acha que… + +em crioulo, sim. + +Teatro, cinema? + +tudo-- tudo em crioulo. acho que… + +Teatro, cinema? + +sim-- é uma forma também de valorizar a língua. + +E qual é que acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde, o crioulo ou o português? + +crioulo. + +Crioulo. Como é que acha que os cabo-verdianos falam o português? Bem, mal, à maneira deles, como os portugueses? + +neste caso já… como dizia a minha colega uma vez, uma pessoa do Fogo tem tendência a falar o português… assim, com um certo sotaque do crioulo de… do Fogo. uma pessoa de Santiago, principalmente do interior, mas aqui na Praia também há esses casos, em que se fala o português com um certo sotaque do badiu, crioulo de Santiago. Barlavento também tem essa tendência. em falar… + +E o que é que acha disso? + +acho que há essa influência mesmo do crioulo, mesmo na língua portuguesa. + +E o que é que acha dessa influência? É bom, é mau, é normal, é natural? Devia-se evitar e falar português com… + +devia-se evitar porque, uma pessoa do interior de Santiago a falar português e outra de… por exemplo do Fogo ou de Barlavento, não é? parece que há três português-- engraçado, não é? + +E como é que então acha que os cabo-verdianos deveriam falar português? + +devemos falar o português mais português possível, não é? + +E o que é esse português? Que seria esse português? É o português de Portugal? + +sim. talvez sim. + +Que português é esse? + +até… quando o cabo-verdiano fala português, nós notamos que este portuguêsjá não é português de Portugal, é um português cabo-verdiano. + +E acha isso bom, natural, normal que haja um português cabo-verdiano? + +sim. pode até ser uma forma de diferenciar, por exemplo, de um português falado na Guiné, em São Tomé. um angolano quando fala português vê-se logo que é angolano, pela forma de falar. + +Mas o que é que pensa disso? Acha que isso é que é normal, ou o normal seria… o normal, o desejável seria que nós falássemos como os portugueses da Europa, os europeus, portuguêseuropeu? + +falar o português europeu, não sei se isso seria a expressão mais adequada, mas é uma forma de ver que esse crioulo… esse português é um português que não é europeu, mas sim um português cabo-verdiano, de Cabo Verde. + +Portanto, é isso que acha que é desejável, que nós deveríamos falar à nossa maneira, um português à nossa maneira, à maneira dos cabo-verdianos? + +em princípio não devia ser à nossa maneira, mas uma forma de nós falarmos que diferencie de outro português. + +E quais… Em que é que consistiria esse português? Quais seriam as suas marcas? + +aquele… aquele tique, não é? crioulo. tique crioulo que se introduz no português. isso que diferencia, que… que… é uma marca desse português, chamado português cabo-verdiano. + +E isso é que acha que seria normal? Desejável? + +não é desejável, mas é o normal. + +Não é desejável, mas é o que acontece? + +éo que acontece. + +E o que é que seriadesejável? É isso que estou a tentar… + +é falar um português mais europeu. + +Portanto, para si quanto mais próximo do português europeu melhor? + +sim. + +Ok. Eu não tenho mais questões, mas se tiver algum comentário ou se quiser acrescentar alguma coisa que eu não tenha abordado, eu agradecia imenso. + +a professora abordou… abarcou todos os itens. não estou a ver assim… por hora não estou a ver, talvez… + +Ok. Então, muito obrigada, mais uma vez, pela sua entrevista. 1Tradução para português, trocista 2Tradução para português, Burro velho não aprende línguas" +INF22.wav,"X, muito obrigada por me ter dado esta entrevista. Eu gostaria de lhe perguntar, para começar, antes de entrar para a escola, o que é que aprendeu a falar, crioulo ou português? + +antes de entrar para a escola… da… para a primeira classe? + +sim. + +é o crioulo. eu falava o crioulo. + +Tinha contacto com o português? Já tinha ouvido o português? + +já tinha ouvido. a minha mãe é professora. é professora do ensino básico e por isso-ouvia portanto alguma coisa-de vez em quando. + +Mas em casa ela falava em português? + +não. talvez quando eu ia à escola onde ela trabalha… sei lá… + +E mais? Rádio? + +não-rádio não. + +Igreja? + +sim-na igreja-sim. na igreja eu ouvia o português. + +E hoje em dia, em casa, com os seus amigos mais próximos e também colegas,o que é que fala normalmente, o português ou o crioulo? + +em casa, com os amigos, falo crioulo. + +Em casa,com os familiares. + +sim-com os familiares falo crioulo. + +E com os seus amigos e colegas mais próximos. + +tudo em crioulo. + +Também em crioulo. + +tenho um tio que fala português e com ele eu falo português. ele já fala português desde… não sei… desde o início porque o pai dele, que era o meu avô - era professor e falava português em casa com os seus filhos. então, com esse meu tio eu falo português. + +E fala frequentemente com ele? + +não--de vez em quando. quando eu vou de férias, vou visitá-lo. + +Como é que acha que é o seu domínio, de um modo geral, a sua proficiência em português? Acha que fala bem o português? + +eu acho que eu falo… ((risos)) é razoável. não sei… eu escrevia… quando eu fui estudar em São Vicente, eu escrevia muitas cartas à minha mãe para dizer como é que estava, portanto eu habituei-me a escrever português. eu acho que não dou muitos erros em português. + +E no crioulo? + +no crioulo…crioulo… + +Falar, ler e escrever em crioulo. + +escrever em crioulo não. só um pouquinho. aprendi quando estava no curso-- aprendialguma coisa com o professorManuel Veiga. + +E ler? + +ler… a ler crioulo não sou lá muito… + +Boa leitora? + +sim. + +Diga-me, falar, ler e escrever, português ou crioulo, qual é que prefere? Falar crioulo ou… qual é que se sente mais à vontade, falar crioulo ou falar português? + +com os meus amigos e pessoas mais íntimas, eu acho que é em crioulo. mas com os meus alunos-por exemplo, eu não me sinto bem a falar crioulo. + +Com? + +com os meus alunos por exemplo, mesmo quando os encontro na rua, eu mesinto bem a falar em português. + +Porquê? + +não sei. porque me habituei a falar português com eles na sala de aula, por isso. + +Prefere ler em crioulo…crioulo ou português? Escrever crioulo ou português? + +prefiro o português. + +Ler e escrever prefere o português. E de um modo geral, exprime melhor as suas ideias em crioulo, em português ou nas duas igualmente? O que é que acha? + +oralmente, quer dizer? + +Sim. + +oralmente é em crioulo. + +E por escrito? + +Escrito em português. + +Como é que se sente quando fala português? Sente-se à vontade, tem medo de errar, não pensa que está a falar português? Como é que lida com isto? + +Quando estou a falar português? + +Sim. + +não-acho que não tenho muito medo. + +Não tem. Sente-se à vontade. E quando fala crioulo? + +agora, eu misturo os crioulos. às vezes tenho uma certa dificuldade. misturo o crioulo de Santo Antão-de São Vicente, de Santiago. + +Isto perturba? + +mhm-perturba. + +Eu vou-lhe pedir, portanto, as três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar. + +Três pessoas? + +As três pessoas com quem mais conversa, fora do seu círculo familiar. + +Pode ser vizinho? + +Vizinho, colega de trabalho, ou de alguma associação, ou de alguma organização em que está inscrita, ou qualquer coisa. Eu não quero os nomes, naturalmente, mas queria o perfil dessas pessoas em termos de idade, sexo, nacionalidade. Mais ou menos… + +fora do círculo familiar--há uma vizinha. + +Essa vizinha mais ou menos que idade tem? + +tem a mesma idade que eu. + +A mesma idade. E qual o assunto, os assuntos… que tipos de assuntos conversam, pessoais, íntimos, vida familiar? + +pessoais e íntimos. são assuntos pessoais e íntimos. + +Política? Falam de… + +não-política não. falamos sobre os nossos filhos. + +E normalmente falam em crioulo ou português? + +em crioulo. + +Em crioulo. Essa pessoa é cabo-verdiana? + +É cabo-verdiana. + +Qual é a profissão dela? + +não tem. + +É doméstica? + +é doméstica. sei lá. não trabalha porque tem uma pensão. o seu marido era holandês, recebe uma boa pensão, portanto, não tem necessidade de trabalhar. + +E a segunda pessoa? + +segunda pessoa… + +Colega. Algum colega com quem troca sempre ideias. + +uma amiga--uma amiga íntima também. + +Não é colega de trabalho? + +não é colega de trabalho. trabalha no Ministério de Defesa. mas conversamos às vezes quandovou à casa dela, e por telefone. + +Ela que idade tem? Mais ou menos. + +uns 45, por aí. + +E ela é…qual é a profissão dela? + +fez administração-qualquer coisa assim. + +Funcionária do Ministério de Defesa? + +Ministério de Defesa. + +Que tipo de assuntos vocês falam? + +assuntos também é pessoais. + +Pessoais…? + +sim pessoais. + +Efamiliares? + +sobre as nossas famílias. a minha mãe e a mãe dela, eram amigas, colegas, professoras. + +E falam em crioulo ou em português. + +em crioulo. + +Sempre em crioulo? + +sim-sempre em crioulo. + +Consegue falar numa terceira pessoa ou…? + +está difícil. anão ser o marido dela também, que é X. + +E falam em crioulo? + +também. + +Sobre que tipo de assuntos? + +Com ele falo assuntos familiares e falamos também da sua vida política porque ele é um membro lá de… + +E normalmente essas pessoas que são 1, 2, 3 vocês encontram-se em que circunstâncias? Nas vossas casas? + +nas nossas casas-às vezes… mais é nas nossas casas. + +E as pessoas com quem normalmente fala português, que tipo de pessoas são? Estou a pensar no vosso grau de intimidade ou no vosso nível de contacto, proximidade. São familiares, amigos, colegas? Com que tipo de pessoas? Superiores hierárquicos, autoridades? Com que tipo de pessoas fala normalmente o português? Com os seus alunos já me disse que fala português. + +com os meus alunos sim. eu falo com eles em português. também… tanto quanto… assim como… bom… superior hierárquico é… com o meu director, normalmente não falo muito. + +Quando fala com o director da sua escola, fala o quê, português, crioulo? + +com esse director eu falo crioulo. não tenho problema em falar com ele em crioulo--mas já houve um director em que eu já falava em português. + +Já houve directores com quem falava português? + +sim. este aqui, talvez porque nós éramos mais próximos. nós éramos colegas do mesmo ano do… do mesmo ano de português, por isso… do mesmo grupo, das mesmas disciplinas, por isso… e também quando vou a… vou a… quando tenho necessidade de me dirigir a um director de uma empresa ou uma instituição, por exemplo o Ministério de Educação, se eu for lá fazer alguma coisa, ou resolver algum assunto, eu vejo a posição da pessoa… + +Portanto falar crioulo ou português depende da posição da pessoa? + +sim. às vezes sim. muitas vezes respondo tendo em conta… como vou dizer… o cargo… portanto… que ocupa. às vezes o cargo que ocupa leva-nos a falar emportuguês. + +Quando viaja para as outras ilhas ou quando encontra pessoas… normalmente fala o crioulo? Aqui emSantiago, fala que crioulo? + +aqui, já disse, eu falo um crioulo misturado. uma mistura do… de crioulo de Santo Antão, São Vicente e Santiago. são as ilhas onde eu estive mais, onde eu… + +Mas fala sempre assim? Ou quando, por exemplo, vai a Santo Antão, o que é que fala? + +não. quando vou a Santo Antão falo… agora o crioulo de Santo Antão mais fluído. mas de vez em quando eu meto umas palavras do crioulo de Santiago. + +Geralmente quando fala com pessoas de outras ilhas, que crioulo é que fala? Fala o português ou…? + +não-não. falo o crioulo muitas vezes. mas como já eu disse, eu falo já com umas palavras do crioulo de Santiago. + +E como é que… o que é que acontece? As pessoas compreendem, têm dificuldades em compreender? + +não--compreendem. + +Quando veio para Santiago e falava crioulo de Santo Antão, como é que era? + +Eheh…há alguns anos. + +Há já alguns anos. + +há alguns anos. em noventa. bom, da minha parte eu é que não percebia muitas coisas-- não sei se os outrosme entendiam. + +Já me disse que falar crioulo ou português com as pessoas depende do seu cargo e da sua posição. E, digamos, os contextos em que escolhe falar crioulo e falar português? Vizinhança, mercado, lojas, lugares de diversão… + +a falar português? + +Sim. + +em muitos lugares eu não faloo português. + +Na escola por exemplo. Nas aulas fala português? + +sim-nas aulas falo sempre português. + +E nos intervalos, na cantina, com os colegas? + +com os colegas falo crioulo. + +E nas reuniões de coordenação? + +nas reuniões de coordenação, falamos também em crioulo. só que de vez em quando, dizemos umas coisinhas em português, mas mais é em crioulo. + +Já alguma vez usou crioulo na sala de aula para se dirigir aos seus alunos? + +raras vezes. não, se calhar nenhuma. não costumo utilizar o crioulo. não tenho hábito de meter o crioulo. + +E os seus alunos, já alguma vez se dirigiram a si em crioulo? + +sim. + +Para quê? + +eles falam sempre em… aliás eles não estão habituados muito a falar em português. por isso, quando precisam de alguma de alguma coisa falam sempre em crioulo--eu é que tenho que ficar a… + +E que tipo de coisa? + +para traduzir alguma coisa, para fazer uma queixa dum colega. mesmo, às vezes, para responder, mesmo para responder qualquer coisa que o professor pergunta-- eu é que tenho que ficar a controlar-dizer… + +Com muita frequência, isso acontece? + +sim, com muita frequência. tenho que dizer para falar português porque estão numa aula. + +Para quê é que usa o crioulo e o português? Estou a pensar em situações do tipo de dar ou pedir uma informação na rua, rezar ou orar, conforme… namorar, quando está zangada, quando diz asneiras, o que é que usa, o crioulo ou o português? + +conforme, às vezes… para rezar por exemplo, rezo em português. só de vez em quando é que rezo em crioulo. + +O que é que faz a diferença em crioulo ou em português? + +às vezes fica… as orações normalmente estão em português, aquelas que eu aprendi… + +Ah, ok!O que estáem português diz em português? + +sim. + +E quando é espontânea, não são as escritas? + +às vezes uso o crioulo, mas também o português. + +Mas também o português. + +sim-mas também o português. mesmo para dizer, ó Deus me ajuda é… + +É português? + +sim, português sim. + +E para namorar? Crioulo ou português? + +crioulo. + +E quando está assim a falar num dado tema que emociona? Se fica muito emocionada ou muito irritada, o que é que usa, o crioulo ou o português? + +crioulo. + +Crioulo. Diga-me uma coisa… Pense nesta última semana, esta semana que passou, acha que falou mais crioulo ou português? + +falei mais crioulo, acho que é crioulo. + +Durante mais tempo seguido, crioulo ou português? Mais horas seguidas. + +é crioulo. + +Crioulo. Diga-me três circunstâncias em que habitualmente fala crioulo, mas gostaria de falar português. Fala português, mas gostaria de falar crioulo. + +Três? + +Algumas circunstâncias. + +não…(…) + +Habitualmente ouve o crioulo ou o português? + +habitualmente oiço… + +Ouve assim mais o crioulo ou o português? + +no dia-a-dia? crioulo. + +O crioulo. E onde é que ouve o crioulo? + +onde? + +Rua…? + +sim-na rua--sei lá… ao redor de casa… + +Na vizinhança? + +na vizinhança. + +Porque é que acha que isso acontece, que ouve mais o crioulo do que o português. + +porque é a nossa língua materna. é a língua que nós aprendemos desde criança e por isso- estamos mais habituados a falar. + +Normalmente que assuntos ouve em crioulo? Ouve serem tratados em crioulo. + +portanto… + +Que tipos de assunto? Familiar, íntimo, social, político, desportivo, cultural? + +familiares. + +Em crioulo. E em português? + +em português? bom, a não ser que estás a… falar mesmo-não ouvir? + +Ouvir, ouvir as pessoas. Ouvir as pessoas a falar de um determinado assunto. + +Ouvir as pessoas? + +Sim. Não é… não é a X a falar. É quando ouve. + +éem crioulo. + +E em português, que tipo de assuntos ouve serem abordados em português? + +pode ser em relação à televisão? + +Por exemplo. Ouve português da televisão? + +sim, da televisão sim. no telejornal por exemplo. portanto, é sempre… em português. mas há, às vezes, pessoas que são entrevistadas e que falam em crioulo--mas é… + +E ler? Costuma ler em crioulo ou em português? Já tínhamos falado disso. + +ler é em português. + +Não costuma ler crioulo? + +sim. + +Já leu alguma coisa em crioulo? + +já li alguma coisa, mas quando estava no curso superior, nas aulas. + +Nas aulas. Era material das aulas? + +sim-era material das aulas. + +E escrever? Escreve em crioulo? + +não. + +Não costuma escrever. Porquê? Porque é que não lê nem escreve em crioulo? + +acho que ainda não temos bagagem para escrever ((risos)) para escrever precisava ainda uma ortografia- sei lá… + +Conhece o ALUPEC? + +isso é, já ouvi falar. mas não tenho… + +Não tem conhecimento. Portanto não tem o hábito de escrever nada em crioulo? + +não. + +Não. Diga-me uma coisa, estando a falar crioulo com alguém, em determinado contexto, o que é que a faria mudar para o português? Chegada de alguma pessoa, mudança de assunto? + +estando a falar com alguém em português? + +Sim. Em português. Imagine-se numa circunstância a falar com alguém em crioulo, não é? O que é que a faria mudar para português? Chegada de… + +sim-a chegada de uma pessoa. sim… + +Que tipo de pessoa? + +uma pessoa que eu soubesse que já fala português, portanto… fala português no seu dia-a-dia ou… sei lá…um… + +E se estivesse��� Diga. + +não sei... + +Imagine por exemplo que está a falar, em crioulo, um assunto familiar com um colega. De repente chega… e mudam de assunto, passam a discutir uma questão técnica do ensino de português. Isso faria com que mudasse para português? Mudariam para português por causa desse assunto? + +umaquestão de quê é que disse? + +Está a falar com um colega, um amigo ou um colega, um assunto pessoal ou familiar, não é? E de repente passam a falar de uma questão técnica relacionada com o ensino do português. Isso faria com que vocês mudassem do crioulo para português? + +podia ser. + +Acontece? Já aconteceu? + +já aconteceu. + +Ou está a falar com um colega, chega um superior hierárquico ou uma autoridade. Isso faria com que mudasse para português? + +sim, podia ser. + +Também acontece? Porque é que acha que acontece? + +não-eu ia dizer- isso mais ou menos às vezes… fica entre… + +Mas porque é que acha que isso acontece? + +às vezes um assunto… esse assunto mesmo leva-me a… o assunto, portanto, exige portanto o… não sei… leva-nos a falar português, para… + +Mas porquê? Porque é que o assunto leva a falar português? Acha que há assuntos que são próprios para serem tratados em português e assuntos… + +não--não sei… talvez é o…(…) + +O hábito? + +ohábito-pode ser. + +Ok. X, o que é que acha do crioulo? Há pessoas que acham que o crioulo não é uma língua, é um dialecto. Há outras que acham que é uma língua. A X o que é que acha do crioulo? + +bom, segundo aquilo que eu estudei, o crioulo é uma língua. mas… (…) + +Mas…? O que é que acha pessoalmente? Quais são os seus sentimentos? + +sentimento de ser uma língua, não muito. mas os especialistas é que devem dizer. mas eu gostaria… eu gostaria que… sei lá… melhor, vou dizer, não gostaria de ficar a falar na sala de aula com os meus alunos em crioulo. + +Não gostaria. Gostaria de continuar a… + +sim. + +E porquê? + +não sei… não… deve ser como eu disse ainda há pouco, o hábito, o hábito sempre de falar português. + +Mas o que é que acha? Acha que o crioulo não é uma língua? É uma língua? Ainda tem baixa qualidade ou não tem qualidade mesmo? O que é que acha? + +talvez seja…(…) + +Que é difícil? Que é fácil? O que é que acha do crioulo? + +não há…(…) + +Digamos… que não é uma língua adequada para todas as circunstâncias e para todas as pessoas. O que é que pensa do crioulo? + +sim. também não há uma estrutura simples, uniformizada, para se saber qual é o melhor crioulo, por exemplo, a ser utilizado. a melhor variante, melhor dizendo. + +Acha que há uma variante melhor do que as outras? + +melhor não sei. + +Qual é que seria? + +não sei ((risos)) + +Não sabe. Não tem ideia formada sobre isso? (…) Há bocado nós estávamos a falar disso. Acha que o crioulo é adequado para certas pessoas e o português para outras pessoas? + +não, não acho. não acho que seja a questão de adequar-se. é conforme -portanto-a formação da… a formação que tiver. + +Como assim? Quem tem mais formação fala o quê? + +quem tem mais formação, portanto, está mais apto a falar português. não é que seja… portanto… que seja adequado a ele e só ele, e não a outro… é que o outro tem talvez… o com menos nível de escolaridade, por exemplo, não está muito habituado a falar. + +E assuntos? Há assuntos que acha que devem ser tratados em crioulo e outros e outros que devem ser tratados em português? + +não. + +Acha que o crioulo é adequado para todos os assuntos? Pode-se tratar todos os assuntos em crioulo? + +bom-isso depende dada… enfim… situação-do lugar onde estiver. + +Fale-me um pouco disso. Que lugares acha que é bom falar português e é bom falar crioulo, é adequado falar português? + +bom-estávamos a falar dos assuntos, não é? + +Sim, digamos… + +então-portanto… (…) + +A X estava a dizer que depende do lugar… + +depende do assunto e do lugar-estava a dizer. + +Sim. + +por exemplo, um gabinete de ministro, quando uma pessoa vai lá tratar de um assunto de… sei lá…(…) + +Aí deve-se falar crioulo ou português? + +deve falar português. + +Nas repartições públicas de um modo geral, o que é que acha, deve-se falar crioulo ou português? + +nas repartições públicas deve-se… bom, não sei… isso que eu estou a dizer, eu, para mim, se eu… quando eu vou a… se eu tiver necessidade de ir a… ao gabinete da ministra de educação, por exemplo, eu vou falar em português. + +Mas porquê? Porque se sente melhor ou porque acha que se deve falar português aí? + +sim, talvez porque já eu… não sei, talvez eu me sinto melhor. aprendi também que… nós sempre aprendemos que quando vamos a esses lugares, portanto… + +Mas o que é que acha disso? De nós termos que falar o português em algumas circunstâncias e o crioulo noutras? O que é que pensa disso? Acha que é normal? Que é bom assim? O que é que pensa? + +ébom, acho que é bom. + +Então acha que o crioulo é adequado para certos lugares e circunstâncias e o português para outros?(…) + +em relação aos lugares… lugares eu acho que sim. que há lugares onde a gente, portanto… estamos habituados, não sei. para mim sinto que é um hábito… + +Que tipo de lugares? + +nos lugares que estava a dizer. portanto, no gabinete do ministro, por exemplo. do presidente de uma empresa, sei lá. se calhar não tenho muita intimidade com ele, portanto, se eu não tiver muita intimidade com ele eu falo em português com certeza. não vou ter muito à vontade, muita à vontade, para falar crioulo. é talvez o à vontade, não sei… porque já aprendi… já… portanto - que quando se dirige a uma… a uma entida… sei lá, a uma pessoa que ocupa um cargo superior, portanto, deve-se dirigir em português-acho que é isso. + +O que é que acha de… estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo? Por exemplo, admite que um cabo-verdiano não goste ou não saiba falar crioulo? Aceita isso? + +não. + +Que relação estabelece entre ser cabo-verdiano e… + +a não ser se for um cabo-verdiano que nasceu… mas também porque… pode ter nascido aqui, mas que viveu a maior parte do tempo fora. + +Só nessa circunstância? + +sim. + +E que não goste do crioulo? + +((risos)) que não goste do crioulo? + +Um cabo-verdiano que não goste do crioulo… que use só o português. + +eu tenho o meu tio-como eu lhe disse fala só português--ele desde… + +Mas acha isso normal, natural? + +não sei… cresceu também com o pai a falar português-que é o meu avô. + +Pronto. O que acha ser mais comum no mundo? Saber apenas uma língua ou mais do que uma língua? + +mais comum? + +Mais comum no mundo, hoje em dia. + +as pessoas querem aprender outras línguas, não é? + +Sim. E acha isso bom, natural? + +é bom. + +Diga-me uma coisa, acha que se devia continuar a utilizar o crioulo e o português em Cabo Verde? + +devia-se, sim. + +Para quê? Estou a pensar em ler, falar, ler, escrever, crioulo e português. Porquê as duas? Porquê crioulo e português? + +eu estava a pensar em… no… em utilizar, portanto, o português para… para… sei lá-instituições, estas coisas-- e o crioulo para falar, como nós… + +Em casa, com a família? + +sim. + +Acha que devia continuar assim? + +devia continuar assim. + +Então acha que se devia ensinar o crioulo nas escolas? + +crioulo podia-se ensinar, mas ensinar no ensino, no ensino superior, ensino superior. pelo menos em primeiro… em primeiro lugar, para completar o ensino superior-- como eu, aprendi alguma coisa. + +Mas para quê X? Porquê o português, o crioulo só para falar, em casa, e o português para ler e escrever,tudo? + +não sei. é que nós ficamos habituados. fomos habituados, portanto, com o português--desde então… + +Enão consegue ver as coisas doutra maneira, não é? Não consegue? + +não. não consigo ver. portanto, as pessoas, a ensinar em crioulo na sala de aula. às vezes critico, eu às vezes critico, por exemplo, quando eles dizem, professor tal- esse aluno…  + +Eu não estou… não estou a falar de… de falar crioulo numa aula de português. Estou a pensar em ensinar crioulo na escola, aprender crioulo na escola como disciplina. + +ah-como disciplina, sim. + +Ter uma…aprender o crioulo na escola, como se aprende o português. + +assim está bem. + +Acha que o crioulo deve ser ensinado na escola? + +pode, pode ser. pode ser ensinado, mas não para… como uma disciplina, como uma disciplina. não para se usar o crioulopara… por exemplo -para escrever, para fazer um teste, um teste de ciências por exemplo. um teste de geografia…é o que eu acho. + +E porquê? Porque é que acha que não devia ser assim? + +bom, porque nós já temos as duas línguas, não é? portanto, ficamos mais ricos com duas línguas em vez de ficar só com uma. em vez de, por exemplo, de vir pôr o crioulo como língua oficial e tirar o português, por exemplo. + +Qual é que acha que devia ser então? O crioulo não devia ser oficializado, devia ser oficializado, não acha que devia? + +não…(…) + +Portanto, acha que o crioulo não devia ser oficializado? Certo? + +oficializado… se for oficializado quer dizer que tem que se falar, tem que se escrever é o crioulo-- tinha que se escrever-não é? + +Não. O que é que acha? Deve-se… Acha que deve ou não deve ser oficializado e se for oficializado seria oficializado para quê? Qual é a sua opinião sobre isso? + +bom… aí… aí…(…) + +Devia… Então vou pôr a questão de outra maneira. Acha que só o português devia continuar como língua oficial, que a única língua oficial deve ser o português? + +eu acho. + +Que deve ser o português. Porquê? + +écomo eu disse-- já estou acostumada. + +Qual deles, crioulo ou português, acha que exprime melhor a cultura de Cabo-Verde? + +acultura é em crioulo. o crioulo exprime mais. + +Em que manifestações culturais? + +em áreas… por exemplo, no batuque, mesmo nas mornas e… portanto através da música-portanto. + +Cinema, teatro, literatura escrita, acha que deve sero crioulo ou português? + +bom… o teatro sim, podia ser em crioulo-dá mais… + +Dá mais? + +não sei--dá mais ênfase à nossa cultura- à língua. + +O teatro em crioulo. E a literatura escrita? + +a literatura, a literatura escrita… a literatura escrita também podia, mas… + +Estou a pensar poesia, prosa, ficção… Em crioulo ou em português? + +pode ser em… tanto pode ser em crioulo também, mas mais em português--nas duas línguas. + +Mais em crioulo ou em português? Acha que a produção deve ser a maior parte em crioulo ou a maior parte em português? + +não estava a pensar…(…) + +Em quantidade. + +estava a pensar é mais em… na poesia. poesia em crioulo, porque fica, não sei, acho que fica melhor. mas literatura, portanto em relação a romances e essas coisas-já em português. + +Em português. Ok. E como é que acha que os cabo-verdianos falam o português? Bem, mal, suficiente? + +suficiente. + +Porquê? Porquê suficiente? + +não falam… não falam, portanto, em todas as horas, portanto, falam só enquanto… + +Em termos de quantidade, não é? E em termos de qualidade, como é quer acha que eles falam português? + +em termos de qualidade… + +Falam bom português, não falam bom português? + +sim, eu sei. em termos de qualidade é conforme o nível académico da pessoa e… (…) + +Há pessoas… Diga. (…) Há pessoas que falam de um português de Cabo Verde. O que é que acha disso? Ou seja, um português à nossa maneira. O que é que acha disso? + +agora já andam a dizer que… portanto… deve-se falar o português de Cabo Verde… há português de Cabo Verde, há português de Guiné, não sei quantos, mas eu acho que devia haver um português, portanto, um português norma. + +Esse português norma qual seria? O português europeu? + +(…) talvez. + +Ou seja, nós deveríamos falar como? O português europeu? À moda dos brasileiros? À moda dos angolanos? Como é que acha que os cabo-verdianos deveriam falar português? + +acho que deviam falar português… norma-de Portugal. + +Português? + +de Portugal. + +Português de Portugal? + +sim. + +Porquê o português…? + +nós… não sei. parece que nós em Cabo Verde não temos um… não vejo que temos um português assim… nunca tivemos um português assim… dizer português cabo-verdiano. + +Acha que não? + +nós seguimos mais a… seguimos sempre mais a norma de Portugal. + +E o que é que acha disso? + +eu acho que é…que é bom, que é assim que deve ser. + +X não tenho mais perguntas. Mas se tiver algum comentário ao que foi dito e se quiser acrescentar alguma coisa,eu ficaria agradecida. (…) Não tem nenhum comentário? + +não. + +Então, muito obrigada, mais uma vez." +INF23.wav,"X, muito obrigada por ter aceite conceder-me esta entrevista. Uma primeira questão é, antes de entrar para a escola,aprendeu a falar o crioulo ou o português? + +aprendi a falar o crioulo. vim aprender a falar o português com a entrada exactamente na escola. + +Na escola? + +pois. + +Mas já tinha contacto com o português, antes…? + +não. + +Ouvia o português? + +não, não. + +Rádio, igreja… + +não, não ouvia. porque nós éramos… vivíamos… nós éramos… muito pobres, não tínhamos aquele… os instrumentos que agora temos. o meu pai tinha uma rádio, que ouvia o seu relato, era só isso mais ou menos que nós… + +Está bom. E actualmente, em casa com os seus familiares, amigos mais próximos, colegas, o que é que usa, o crioulo ou o português? + +uso o crioulo, mas agora… também… tenho uma… minha filha que é muito curiosa, gosta de falar português, que é a mais pequena. ela de vez em quando pede que falemos em português, para que ela possa treinar para poder falar na escola com os colegas. se calhar eu uso… já agora eu uso o português… uso o crioulo e uso também um bocadinho de português. e com alguns colegas, também dependendo do ambiente, se estivermos no trabalho, falamos o português, e se me encontrarem também a falar com os meus alunos, falamos em português. nestes contextos que nós falamos em português. + +Como é que avalia o seu domínio do português? + +não sei … + +Acha que fala bem…? + +se calhar dá para desenrascar. se calhar se eu tivesse… porque eu não tive um estudo… assim alinhado. eu estudei já depois de grande, porque eu era vendedeira, não sei se a professora se lembra, mas eu era vendedeira, vendia na porta do cinema. sempre, agora, gostei muito de ler, sempre gostei muito de ler, e lia muitos quadradinhos, lia Júlia, as Sabrinas. então isso se calhar despertou- meinteresse pelo estudo, e estudei já grande, aí eu tive aquela… + +Ok. E crioulo? + +falo bem acho, acho ((risos)) + +Crioulo doutra ilha, fala? + +não, não falo, mas entendo muito bem. não tenho problemas em entender, desde sempre. + +Ok. E gosta… Qual é que prefere, falarcrioulo, falar português? + +crioulo. sinto-me muito mais à vontade. agora, dependendo do contexto, dependendo com quem eu estiver a falar, eu falo conforme for a necessidade. mas��� quer dizer… eu gosto do português, gosto, isso eu gosto, sempre gostei. agora, eu sinto-me muito mais à vontade em falar crioulo, é a língua materna. + +Como é que se sente quando fala português? + +olha, se calhar eu não sinto… eu sinto à vontade. bom, dou erros e continuo. eu, se calhar… eu sinto-me à vontade em falar, não é que eu fale bem, porque não falo bem, isso tenho a certeza que não, mas eu sinto-me à vontade em falar. + +Ler e escrever, crioulo, português? + +isso, mais à vontade em escrever português. + +E a ler? + +também. aí… se calhar… quer dizer… eu leio muito mais rapidamente em português que em crioulo. não é que eu não goste de ler em crioulo, gosto, mas eu gosto muito mais... sinto-me muito mais à vontade a ler em português. se calhar é… + +E escrever? + +também. mesmo estando a escrever crioulo, sem sentir já meto lá o português. + +Exprime… Acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? + +depende do do contexto. se eu estiver a escrever, em português. mas se eu estiver a falar, em crioulo, os meus sentimentos saem muito mais… prefiro o crioulo a falar. mas agora para escrever, eu escrevo… se calhar porque escrevi muitos cadernos em português, costumo ter. + +X, eu vou lhe pedir que pense nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar e que me definisse o perfil dessas pessoas. Portanto, eu não quero nomes não é? O perfil dessas pessoas em termos de idade, sexo, grupo social… + +eu falo com… tenho a minha vizinha, que nós estamos sempre em contacto, ela tem 38 anos, é uma mulher, e quanto ao nível de escolaridade só tem 6ª classe. tenho uma… + +Qual é a profissão dela? + +é doméstica. tem uma que é professora… + +Esta vizinha, vocês falam em crioulo ou em português? + +falamos em crioulo. + +E sobre que assuntos? + +falamos… ((interrupção por alguém que entra na sala)) + +Eu estava a perguntar sobre que tipo de assuntos. + +falamos… se calhar… não, falamos de assuntos caseiros, domésticos, falamos sobre os filhos, e não mais do que isso. + +E em que circunstânciasé que falam? + +sentamos para fazer renda, professora. sentamos para fazer renda e aí então, falamos. + +Em sua casa, na casa dela? + +na minha casa, na casa dela, na rua, nas nossas ruas. sentamos e falamos de assuntos… assuntos… não diria banais, masassuntos familiares, pessoais… + +Familiares, pessoais. E a segunda pessoa? + +a segunda pessoa é uma vizinha minha também. essa agora é professora do ensino básico, também já há 19 anos, nós também… com ela falo de tudo, temos assuntos íntimos, e temos também assuntos de trabalho. não sei se a professora sabe, mas os professores quando se juntam, falam é dos alunos, portanto com ela nós falamos tanto do trabalho como também dos assuntos domésticos, e de fórum íntimo também. + +Questões políticas? + +questões políticas também falamos, com ela falamos de tudo. + +Já me disse a idade dela? + +ela fez 40 anos hoje ((risos)) fez 40 anos hoje, e dei-lhe parabéns antes de vir. + +Ela é professora? + +é professora do ensino básico. + +E vocês falam em crioulo ou em português? + +falamos em crioulo. + +Todos os assuntos? + +todos os assuntos, quer dizer, se eu for lhe encontrar na sala, se eu for até sala dela, como ela também é professora da minha filha, na sala de aula dela, nós falamos em português. + +Ah! + +se calhar… este impulso de professor. nós falamos até para os alunos verem não é? falamos em português, mas fora de sala, nós falamos sempre em crioulo, falamos só crioulo. + +E a terceira pessoa, X? + +a terceira pessoa… estava a pensar mesmo na… estava a pensar numa outra vizinha também, que é professora, e falamos de tudo. mas não falamos de politica --porque somos de partidos diferentes, nós falamos de tudo também, mas evitamos ter essas… + +A idade dela + +a idade dela… ela tem 45 anos. + +É professora primária? + +é professora primária também, já há um bom tempo também. + +Falam de tudo, menos de política…? + +falamos de tudo menos de politica, falamos de política mas não discutimos, falamos ao de leve para não entrarmos em choque. + +Claro. E com ela, fala em crioulo ou em português? + +falamos sempre em crioulo. + +Sempre em crioulo. Com que tipo de pessoas, normalmente, fala português e fala crioulo? + +com todosos meus professores. + +Fala em crioulo? + +falamos em português, até sinto-me mal em falar consigo em crioulo, eu falo português com os meus professores, e também com os meus colegas, na situação sala de aula, e na situação coordenação, na situação coordenação e também se eu for falar com o chefe, nesse caso com a chefe. se estiver alguém, falamos em português, mas se não estiver, eu falo crioulo. + +E com os seus alunos, na sala de aula? + +falamos em português, e eu tento falar com eles também na rua. + +Nunca se dirige aos seus alunos em…? + +não. + +Nunca se dirigiu aos seus alunos em crioulo? + +eu não diria nunca. a professora… eu sou… como sou cabo-verdiana, de vez em quando há coisas que eu digo melhor em crioulo, então, se calhar, de vez em quando eu meto aí os pés pelas mãos, de vez em quando. eu sei, porque de vez em quando dou erro, e quando dou erro eu repito, eu repito em português, e depois eu digo… exactamente por causa disso, ao explicar o meu erro, se calhar eu falo crioulo, mas eu evito falar crioulo com os meus alunos, para poderem praticar mesmo. + +Mas assim, dirigir-se a eles logo de início em português? + +não. não sinto… não me lembro. eu posso até ter feito, mas não me lembro. + +E ao contrário, os seus alunos dirigirem-se a si…? + +há aqueles que dirigem em português, e há aqueles que dirigem em crioulo. a maior parte dirigem a mim em crioulo. + +Em crioulo? + +sim. na sala de aula fazem tudo por tudo para… na sala de aula não. mas lá no pátio, sim. + +E fala com eles…? + +eu respondo em português, mesmo às vezes sendo um bocado… mas eu falo com eles em português. + +Há bocado disse-me… com superiores hierárquicos fala o português. Nível de instrução faz escolher português ou crioulo? + +não, isso não. + +A idade das pessoas? + +não creio que isso me influencia. + +Normalmente, que tipo de assuntos fala com os superiores hierárquicos, as autoridades? Assuntos oficiais certamente… + +se calhar são assuntos oficiais. + +Pode falar-me um pouco de das dos contextos em que usa crioulo e usa português? + +é como eu disse anteriormente, com os meus professores, com os meus professores, superiores hierárquicos, eu se calhar na situação… se calhar oficial, não é? oficial? + +Formal? + +formal. em situação formal, nós falamos… eu falo com eles todos em português. sei lá… se calhar sinto-me mais… se calhar é por respeito, se calhar eu começo português como respeito pelo meu superior. sem dar conta disso eu faço isso. eu falo… sinto-me mais… eu acho que se calhar estou a ser mais formal, não diria mais educada, não, porque isso não, mas eu diria sentir-me… eu sinto-me muito mais à vontade em falar com os professores em português. + +Na escola, no seu local de trabalho, já me disse. Nos intervalos, os alunos dirigem-se a si em crioulo e fala com eles em português. E os colegas? + +falamos em crioulo na maior parte das vezes. agora se eu estiver a falar… tanto eu como os meuscolegas… + +No trabalho. + +sim, mesmo também se nós estivermos a falar… por exemplo, se nós estivermos a falar… se eu estou a falar com o meu aluno, chega um colega de português, de português, porque os outros não, se chegar um colega de português junto… para falar comigo, fala comigo em português, porque estou a falar com um aluno em português. + +E com outros colegas, de outras disciplinas? + +não, porque não fazem questão também. + +Não como? + +não falam em português. eu não falo com eles em português, porque não sabem me responder em português. + +E nos locais de lazer, cinemas, discotecas, bares, restaurantes…? + +há um bom tempo que eu não vou ((risos)) eu falo crioulo. se eu encontrar com um professor falo com ele em português, se for os meus colegas falamos em crioulo. + +Repartições públicas, bancos hospitais…? + +dependendo da pessoa que for atendida à frente de mim. porque há pessoas que são muito abusadas. e se a gente dirigir em português, vem essa pessoa como… dependendo do atendimento da pessoa que me anteceder. + +Ah, bom…! + +ah pois! isso eu faço. + +Como é que é…? + +é assim. se chega uma pessoa… como é que eu digo isto? + +Ela fala em crioulo… + +essa pessoa fala em crioulo, e se ela for mal atendida, eu faço questão de falar português. isto se calhar… não sei se é complexo de superioridade ou inferioridade, não sei definir isso muito bem. mas se a pessoa falar em português é melhor atendida, então como isso funciona assim, de vez em quanto eu faço isso também para mostrar. quer dizer, há muita gente que me conhece vendendo na porta de cinema, então não reconhece em mim aquilo que eu sou hoje. por isso, de vez em quando, eu uso o português exactamente para mostrar que eu não parei ali, eu estudei, para mostrar mesmo. + +Ah! Com que finalidade usa o crioulo e usa o português? Eu estou a pensar em coisas como exprimir um sentimento, em rezar ou orar, falar de um assunto que a emociona, que a irrita, dizer asneiras, namorar …? + +isso tudo… quer dizer… isso tudo na língua de terra, professora, é muito mais gostoso ((risos)) agora rezar, se calhar, como nós todos sabemos, as rezas são todas em português, nós rezamos em português, agora exprimir sentimentos, se calhar exprimir sentimentos ((barulho da rua)) se calhar é melhor fechar a janela. tanto amorosos como outros tipos de sentimentos, na língua de terra faz-se melhor. + +Quandorezaem português,as orações escritas, mas quando não são…? + +quando eu peço, eu falo com Ele em crioulo. quando é para fazer pedidos, já é em crioulo. + +Pense nesta última semana. Acha que falou mais crioulo ou mais português? + +mais crioulo. + +Mais crioulo. E durante mais horas seguidas, mais horas no mesmo dia, crioulo ou português? + +crioulo, já para começar porque estou de férias. + +É capaz de me falar de três circunstâncias em que habitualmente fala crioulo e habitualmente fala português? + +crioulo, com os meus… com as minhas filhas, com as minhas vizinhas, se calhar com os meus amigos. e português, situação sala de aula, situação professor aluno, eu como aluna, e eu os meus superiores hierárquicos. + +E contextos, ambientes? + +Se calhar ambientes… ambientes formais para o português, e informais para o crioulo. + +Habitualmente, onde é que ouve o crioulo? Em que lugares, circunstâncias, contextos? + +nos lugares onde eu vou, os mercados, com os meus vizinhos, na vizinhança, nas lojas onde eu vou, se calhar… + +E sobre que assuntos? + +quer dizer… eu quando falo… se calhar quando falo… + +É ouvir. + +ouvir assuntos familiares, assuntos amorosos, sentimentais, e assuntos de negócios também, porque eu oiço isso também, nas lojas, assuntos de negócios. + +E português, que tipo de assuntos ouve em português? + +português, se calhar… + +Ouve português a partir de que fonte, onde? + +comunicação social, e nestas… nesses últimos dias… comunicação social, telejornal, esses programas que a televisão passa, porque não me lembro de ter estado em nenhum lugar que se fala português. + +Diga-me… É capaz de me dizer algumas circunstâncias em que ouve crioulo, mas gostaria de ouvir português naquela circunstância e vice-versa ouve português mas gostaria de ouvir o crioulo? (…) + +por incrível que pareça não estou a ver, não estou a ver, por isso… + +Costuma… Já leu alguma coisa em crioulo? O que é que leu, que tipo de material? + +eu gosto de dos… se calhar… dos livros de Spínola, dos livros também do senhor, o homem que estava doente aí nos Estados Unidos, ministro de cultura. e agora de vez em quando, estou também em contacto com poemas em crioulo, no jornal Artiletra, então eu gosto muito de ir ver, para poder também falar com os meus alunos e com as minhas filhas, mas eu não estou a ver se eu gostaria de ler estes poemas em português, não estou a ver. apanhei um ataque de tosse… + +Descontraia-se um bocadinho. + +não nem estou… estou bem, mas se calhar é… de vez em quando dá-me esse ataque. + +Portanto, estávamos a falar sobre leitura, ler em crioulo ou em português. E português, o que é que lê? + +agora estou a ler os livros que comprei há já um monte de anos, estou a ler também livros de.. + +Está a falar de romances, livro de trabalho? + +não, não. + +Poesia? + +agora estou a tentar acabar mesmo o… Có… Da Vinci. + +O Código Da Vinci. + +Código Da Vinci que eu aindanão terminei, o dono está a querer tomar o seu livro, e eu… + +Portanto é romance, de ficção. + +enfim… ficção, e estou a tentar também ler mais um livro de Dan Brown, neste também… + +Alguma coisa que lê… Já me disse que não gostaria de ler aqueles poemas em português, mas há alguma coisa que já leu em crioulo, mas gostaria de ler em português vice-versa, leu em português e gostaria de ter lido em crioulo? + +não, se calhar não gostaria. mas de vez em quando digo 1, keli go si era na kriolu e ta flaba midjor, de vez em quando eu vejo algumas frases que eu digo isso. mas agora aqueles que eu li não estou a ver, não gostaria de lê-los em crioulo. + +E escrever, costuma escrever em crioulo ou em português? + +escrevo em português. de vez em quando, escrevo em crioulo. + +O que é que escreve em crioulo? + +há dias eu deixei um recado à minha filha. e ela diz porque não escrevo em português, deixei uma folha de caderno em crioulo, e ela brigou comigo. + +Mas porquê? + +porque ela não entendeu, até eu fui apanhar aquele pedaço de jornal que me foi dado no bacharel para mostrar que em crioulo também se escreve, porque disse que não entendeu nada, e a mais pequena que leu, 2bu ka intendi ma bu ka krê- claro. + +Agora… portanto… Mas normalmente escreve mais em crioulo ou em português? + +escrevo mais em português, escrevo mais. + +Habitualmente escreve… habitualmente escreve em crioulo alguma coisa? + +não, não me lembro, não. + +Esporadicamente? + +esporadicamente. agora de vez em quando os meus alunos gostam de perguntar-me, como é que se escrevia tal coisa em crioulo, então eu escrevo para deixar lá com observação, para depois ver se esta correcto, isso eu faço de vez em quando. + +Como é que escreve em crioulo? + +escrevo utilizando o...: + +O ALUPEC? + +o APLUPEC, utilizando o ALUPEC. + +Estudou na disciplina de linguística cabo-verdiana? + +exactamente. então eu escrevo e consulto, exactamente para não estar a dar muitos erros. + +E tem… Que dificuldades sente quando escreve o crioulo? + +sinto que escrevo fluentemente em português, agora já em crioulo tenho que escrever e depois voltar para ver, porque meto sempre o português. se calhar a coisa sairia melhor em português, para passar para o crioulo. tenho de saber… tenho de ver no ALUPEC como é que é para poder escrever em condições, caso contrário escrevo… não escrevo muito bem. + +Quando está a falar crioulo… Imagine que está num determinado contexto a falar o crioulo, o que é que a faria mudar para português? Chegada de alguém, mudança de assunto? + +chegada de alguém. mudança de assunto não diria tanto, mas chegada de alguém, sim. + +Como assim? + +se eu estiver a falar por exemplo com o meu colega, e de repente entra um professor, dirige-me o professor logo em português, eu tenho… não sei se é respeito -não sei explicar muito bem o que é que é, mas eu não me sinto à vontade de dirigir- me ao meu professor em… mesmo os meus professores de Básico, e chamam-me a atenção quanto a isso, os meus professores do Básico, porque nós… nós antigamente não falávamos com o professor em crioulo. + +Certo. + +então eu fiquei com essa, não diria mania, mas é o hábito, eu falo mesmo com os meus professores do Básico em português. agora eles é que dizem… eles é que vão dizer agora se eu devo… dependendo da resposta que me derem, se responderem em crioulo, agora continuo, mas se não, eu falo em português mesmo. + +Chegada de um professor, de um …? + +superior hierárquico também, falo português com ele. eu digo superior hierárquico porquê? a directora da minha escola fala mais o português que o crioulo, então, com ela eu sinto… eu acho que devo falar o português, acho. devo falar o português, então falo português com a pessoa em português, mas de outra forma não via, a não ser que estaria a citar qualquer coisa de alguém, mas de outra forma não. + +E a falar português e mudar para o crioulo? + +se estiver a falar com um colega, um professor em crioulo, em português, para meter o crioulo, teria de chegar também alguém que… como uma das minhas vizinhas que lhe disse que não percebia muito bem o português, então eu dirigia-me a essa pessoa em crioulo. + +Alguma circunstância a faria mudar de português para crioulo ou de crioulo para português por causa do assunto? + +não estou a ver. + +Por exemplo, se está a falar sobre um problema pessoal ou de vida e de repente muda, começa a falar de assunto técnico, de ensino, muda para o português? Isso faria com que mudasse? + +dependendo da pessoa com quem estivesse a falar. caso a pessoa com que eu estiver a falar não… + +Nesta última semana que passou escreveuleu alguma coisa em crioulo? + +não. + +Escreveu alguma coisa em crioulo? + +escrevi, o tal… ((risos)) + +O tal recado. + +sim. + +Sim senhora. O que é que acha do crioulo? O que é que pensa sobre o crioulo? + +eu acho que o crioulo também deve ter o seu espaço, quer dizer… como… não sei se a professora está a perguntar-me da… sobre a sua oficialização, mas acho que… + +Também. Pronto. Estou a pensar assim, que há pessoas que acham que o crioulo não é uma língua, que é um dialecto, que não tem qualidade… esse tipo de… + +não. eu acho que o crioulo é uma língua que tem… com todos os seus parâmetros que tem, como qualquer língua. e por isso eu respeito muito também o crioulo, assim como respeito o português. + +O que é que acha do português? + +também respeito o português, também eu respeito muito porque tem tudo daquilo que uma língua deve ter, e é exactamente por isso que eu também respeito o crioulo como língua. respeito o crioulo como língua, e não como dialecto. e acho que deve ter… pronto… deve conquistar o seu espaço, assim como a língua portuguesa, eu penso que a língua crioula e a língua portuguesa que deviam estar ao mesmo nível, embora conhecendo a dificuldade do país, não é? porque isto se calhar devia ser feito desde a independência não é? respeito, mas acho que o crioulo também deve ter o seu espaço, deve ser oficializado deve ter… nós devemos ter também os documentos para… + +O que é que significa para si o crioulo e o português? + +já agora se calhar significam a mesma coisa, antes não diria tanto, mas agora eu digo que significam a mesma coisa, pronto. + +Como assim a mesma coisa? + +se calhar, eu... + +Como é que se sente em relação ao crioulo, como é que se sente em relação ao português? + +eu gosto muito do crioulo, como dizem as crianças, gosto muito do crioulo, - também gosto do português, gosto do português, e desde sempre gostei. se calhar foi por isso que estudei português, porque gosto mesmo do português. eu… + +Há bocado falou-me da oficialização do crioulo. O que é que acha, o crioulo devia ser oficializado? + +acho que sim. + +porquê? + +exactamente para ter o seu espaço como a língua portuguesa. exactamente por isso. porque eu… quer dizer já… eu tenho a dificuldade que tenho agora em falar… em falar português, em falar não, a escrever o crioulo, exactamente porque eu não não labutei com a língua crioula como labutei com a língua portuguesa. eu lia muito mesmo quando já tinha acabado a quarta classe, e depois da quarta classe parei durante muito tempo, então eu lia, lia muito, mas tudo que lia era em português. talvez se houvesse algum documento também em crioulo para ler, eu não teria a dificuldade que tenho agora em escrever no crioulo. + +Certo. E para quê é que o crioulo seria oficializado e como é que ficaria o português? + +ah não! tinham que andar orelha a orelha, tinham que ir… tanto o crioulo como a língua portuguesa tinham que ter os seusespaços próprios. + +Como assim? + +e por exemplo, agora vou falar com exemplo. os meus alunos, de vez em quando, dizem-me que há assuntos que se fossem em crioulo entenderiam melhor, então.. mas que não… isso não é muito possível porque nós não temos nada em crioulo, e eu estou de acordo. + +Não temos nada? + +não temos documentos de ensino. podem saber dizer mas não sabem escrever, porque não têm a lição em crioulo, e se calhar estou de acordo com eles. mas de acordo com a sua pergunta, eu não quero que o português saia da cena, isso não, nunca. eu queria que a língua crioula fosse oficializada exactamente para ir de encontro às necessidades. + +Então, como seria o desenho, o cenário linguístico? + +nós teríamos o português, teríamos as aulas de língua portuguesa, e falávamos o português nas disciplinas por exemplo como a matemática e por aí afora -- mas também teríamos a língua crioula e alguns documentos. também poderíamos… + +Documentos para a disciplina… a língua cabo-verdiana seria encarada como disciplina? + +exactamente. + +E não como língua de ensino das outras disciplina? + +eu não diria tanto, porque, caso contrário, o português seria já… cairia, não diria muito, mas se calhar começava a sair de cena. + +E, na comunicação social, falar, ler, escrever? + +podíamos fazer tudo, tanto em português como… dependendo da dependendo, secalhar, do gosto de cada qual. + +Portanto, falar ler ou escrever em crioulo ou português ficaria dependendo de da vontade de cada um? + +da pessoa, da vontade de cada um. mas era bom que soubéssemos as duas ao mesmo tempo--acho. + +Ok. Acha que o crioulo seria… é adequado para certas pessoas, para certos assuntos e para certas circunstâncias e o português para outros? Como é que vê essa distinção + +não. eu não pensei muito nisso, mas não acho que seja assim, pessoa a ver com língua e com… não. + +Como é que seria então? Todas…? + +sim, a pessoa é que escolheria aquilo que melhor… na altura decidiria qual era… + +Se o crioulo fosse oficializado ou em caso da oficialização do crioulo, qual seria o crioulo a oficializar? + +((risos)) tenho que ir agora para o banco da escola. + +A sua opinião pessoal… osentimento… É mais o que sente. + +não. é porque nós temos dois grupos de ilhas, então nesse caso teria que ter… teríamos que ter… teria que ser escolhido, escolher, escolhido? o crioulo de barlavento, o crioulo de sotavento, para um melhor entendimento. isso porquê? porque há quem diga que não entende bem esse falar, por exemplo, de Santo Antão --então, se não se entende muito bem, para barlavento era melhor escolher o de São Vicente, que é o mais, acho eu. mais simples. + +Maissimples? + +acho. e para barlavento teria de ser escolhido… para sotavento devia ser escolhido o de Santiago. + +O de Santiago? + +mas as duas seriam… + +E porquê? + +para facilitar também o entendimento. + +Porque é mais simples também? + +acho. não sei se é porque falo, se é porque sou daqui, mas… + +Mais simples, como assim? + +mais simples do que o do Fogo, por exemplo. + +Mas em termos de quê, mais simples? + +em termos de escrever, em termos de escrever acho que é mais simples, é normal que uma pessoa do Fogo também dissesse que do Fogo seria mais simples. + +Quando fala com pessoas do barlavento ou mesmo das outras ilhas de sotavento, fala o crioulo de Santiago? + +falo. + +Como é que é oentendimento? + +eu percebo muito bem essas pessoas. + +De barlavento? + +sim. + +E elas percebem-na? + +acho. nós conversamos sem problemas, é porque nós nos entendemos muito bem, EU A-CHO. + +Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e gostar do crioulo, usar o crioulo? Admite alguma circunstância que um cabo-verdiano não goste ou não saiba falar crioulo? + +não, acho que não. + +Para ser cabo-verdiano é preciso saber crioulo? + +não. + +Então, como é que é? + +isso agora teríamos que ir à diáspora, porque há muitos cabo-verdianos que vivem na diáspora que não sabem falar o crioulo. + +E continuam a ser cabo-verdianos? + +e continuam a ser cabo-verdianos. + +E em Cabo Verde? + +acho queaqui todo o mundo sabe falar, acho. + +E admite que um cabo-verdiano diga que não goste do crioulo? + +isso, já ouvi isso. + +Já? + +já. + +E aceita? + +não, eu não aceito. eu não aceito. tanto é que eu tenho uma colega, se calhar mora aqui em Palmarejo mesmo, ela fala com o seu filho sempre em português, então eu perguntei porquê que ela não fala com o filho em crioulo que… portanto é a língua de socialização, ela respondeu, ah! crioulo não é língua, e ela é uma professora. nós tivemos uma discussão muito pesada mesmo, portanto, ela sente complexo em falar em falar o crioulo. mas isso se calhar é muito individualizado, é muito particular dela, se além de nós… há mais pessoas que tenham… e mesmo assim não há um número que justifique eu estar a dizer que há pessoas que não queiram falar o crioulo, porque sentem inferiorizado com o crioulo. + +O que é que acha dessa situação de nós termos a possibilidade de usar o crioulo ou o português? + +quer dizer… eu acho que… nós utilizarmos o crioulo e o português? eu acho que nós temos que… principalmente quando eu falo, eu falo com… estou a pensar nos meus alunos, nós temos que estabelecer um parâmetro, porque caso contrário, não vamos ter nenhum aluno quase a falar o português. + +Como assim? + +porque eu trabalho numa zona muito pobre, a zona de Achada são Filipe, agora que está a ser… as pessoas aí põem os seus filhos mais… em outras escolas mesmo, porque acham que a escola ali é muito pobre, não conhecem… não conhecem a escola, porque se conhecessem não fariam isso. quer dizer… então há esses alunos que nós temos… a maior parte, se nós lhes largarmos a corda, eles não vão aprender português porque acham… primeiro dizem que os professores de português são chatos, se nós deixarmos… se nós deixarmos avançar para falarem português e crioulo, é claro que vão optar para o crioulo. é por isso que eu digo que o português e o crioulo devem andar de mãos dadas, mas não deixar mesmo escapar -temos de estabelecer parâmetros porque há que falar o português também, é a nossa língua oficial, é a língua que nós… mas eu acho que deve… e depois há muita coisa… + +O português deve continuar a ser língua oficial? + +eu acho que deve, deve, acho que deve. + +E o crioulo seria…? + +eu… o crioulo, acho que deve ganhar também seu espaço. + +A X sabe sempre quando usar o crioulo e quando usar o português ou alguma vez já teve problemas em…? + +quer dizer ((risos)) às vezes, começa-se a falar o português com uma pessoa que se pensa que se devia falar o português, e a pessoa responde em crioulo, e às vezes, torna-se constrangedor isso. + +Ah é? + +por isso às vezes é bom que… eu, muitas vezes, já deixo que essa pessoa fale primeiro, para ver o que é que a pessoa fala, para eu poder acompanhar. + +Está bom! E no mundo, o que é que acha que é mais comum, saber só uma língua,saber mais que uma língua? + +é lógico que temos que ter… temos que conhecer muitas línguas, no mundo… + +Nós, em Cabo Verde? + +nós também, porque a informática por exemplo utiliza o inglês, então nós temos que saber várias línguas. + +Em Cabo Verde quais… como é que seria, crioulo, português e outra ou outras línguas? + +o crioulo, o português, e outras línguas. + +Outras, quais seriam? + +inglês, francês, eu… quer dizer… penso assim, que devíamos coabitar essas línguas. + +Em relação às manifestações culturais, batuque, funaná, portanto, as canções das músicas, teatro, cinema, literatura escrita, crioulo ou português? + +tanto o crioulo como o português. + +Ah! Como assim? + +para o batuque, para o funaná, e para algumas peças teatrais, o crioulo transmite melhor aquilo que nós pensamos. agora, o português também transmite, mas não tanto como… dependendo da situação, e dependendo mesmo do contexto, do assunto que está a ser transmitido, por exemplo numa peça teatral. agora no batuque e no funaná tem que ser o crioulo ((risos)). + +E na literatura escrita, poesia, ficção…? + +na literatura escrita tanto crioulo como o português, tanto o crioulo como o português. porque há… + +Acha então que escritores e poetas podem…? + +podem utilizar as duas línguas, eu acho que sim, há sentimentos que transmitidos em crioulo saem-se melhor, não é? + +Então, qual acha que exprime melhor a nossa cultura, o crioulo ou o português? + +as duas. + +As duas, as duas línguas. + +as duas línguas. as duas línguas, porque a nossa cultura é transmitida através do batuque e do funaná, mas também através de literatura, de poemas. então… as duas línguas transmitem. + +Acha que o crioulo poderia ser usado na alfabetização de adultos? + +também. + +Porquê? + +também, porque os adultos estão mais em contacto com o crioulo, então, saber escrever em crioulo, acho que ajudaria um bocadinho, mas também não descurar o português. eu acho que as duas línguas devem ser ensinadas. + +X, como é que acha que os cabo-verdianos falam o português, bem, nem por isso? + +eu não pensei nisso, eu não pensei nem sequer… + +De um modo geral. + +cada um fala como fala, não é? por isso eu posso dizer que uma pessoa fala mal o crioulo, e também… + +Não. O português. O português. + +ah! o português não. há uma coisa que é assim, o pronunciar o português, cada um se calhar pronuncia de acordo com a sua origem, onde mora. agora para dizer… falar português, a classe social média alta, aquela classe que estuda, que está em contacto com os livros, falam, eu acho que falam bem o português. eu acho isto, comparando com os outros países do PALOP, eu faço essa comparação de vez em quando, agora a sociedade em si… + +Fale-me dessa comparação, como é que é, não me apercebi bem essa comparação com os outros PALOP. + +eu acho que nós, os cabo-verdianos, mesmo os que… mesmo os do interior - nós falamos… e já agora incluo-me também, nós falamos o português… e… mas se calhar, mesmo que não seja melhor do que os outros países do PALOP, mas o nosso soa melhor para o meu ouvido do que os outros países. por exemplo os são- tomenses e os angolanos por exemplo, falam muito aberto, abrem as palavras, e eu não… eu acho que os cabo-verdianos quanto a isso falam melhor mesmo. estou sempre a comparar, não sei se estou a fazer bem ou mal, mas estou sempre a comparar esse… a pronúncia. + +Mas é só uma questão de pronúncia? + +não, não é. porque às vezes você encontra uma pessoa que tenha muitos estudos, mesmo dizem-se doutor, e falam mal mesmo o português. mas os cabo- verdianos não, os cabo-verdianos quando primam para falar, falam. embora cada um de acordo com a sua classe social. + +O que é que chama de falar bom português? + +falar um bom português, um bom português ((risos)) + +É falar com palavras do crioulo, é falar sem sons que se confundem com o crioulo, sem…? + +sim. porque quando se fala o crioulo, fala-se o crioulo. mas quando falamos o português, devemos falar o português. + +Queria falar como quem, por exemplo? Como os portugueses, como os brasileiros, como os angolanos…? + +ah não! como os portugueses, como os portugueses. + +Então acha que os cabo-verdianos deveriam procurar falar português como os portugueses? + +não. não é que devam falar como os portugueses, mas é falar um português que não se confunde, por exemplo. + +Com? (…) Com o crioulo? + +com o crioulo. e falar um português… quando falamos português, falamos português. quando falamos crioulo, falamos o nosso crioulo. não devíamos era misturar, mas há quem misture, e eu não tiro-me também, porque eu também misturo. se calhar é a força do hábito, mas a... eu acho os cabo-verdianos, aqueles quefalam o português, falam bem, acho. + +Digamos que há… Podemos falar… Acha que podemos falar de um português de Cabo Verde? Acha isso aceitável? + +((risos)) eu não entendi esse caso. + +Ou seja, nós devíamos falar o português à nossa maneira? + +é que, se nós formos falar um português também à nossa maneira… imaginemos, por exemplo, uma pessoa da cidade da Praia, e uma pessoa de Santa Catarina a falar o português, se se falarmos um português cabo-verdiano, então não teríamos um português, não é? não estou a ver porque uma… por exemplo, as pronúncias por exemplo do do som são, do ão, coração, eu acho que isso não se deve misturar, eu não creio. se calhar é bom que nós continuemos a falar o português que eu aprendi, que a professora aprendeu. + +A norma europeia? + +sim, a norma europeia, a norma africana também ainda não acho que exista -- não existe, a norma africana não ((risos)) + +X, há bocado estávamos a falar do crioulo e da oficialização do crioulo. Para si existe um verdadeiro crioulo, o crioulo verdadeiro? + +daquilo que eu conheço… se calhar é… para mim se calhar é este o verdadeiro crioulo. + +Qual? + +não sei… o crioulo que nós falamos, mas agora… + +Nós, aqui em Santiago? + +não, estou a dizer, cada um de acordo com… + +Mas há algum que para si seja melhor do outro? O crioulo da Praia, o crioulo do interior…? + +eu acho que isso é… isto é discutível, não é? porque… para dizer que algo… se eu digo que o crioulo de Santiago é o melhor, é o verdadeiro crioulo, os de Santo Antão dizem isso mesmo. então, se calhar isso… é bom que se estude isso com muito cuidado, para poder definir… haver um… mas eu, puxando a brasa para minha sardinha, eu diria que… Santiago ((risos)) então, eu acho que isso deve ser bem estudado para não haja… para que não haja… não é confusão, mas para que não haja… + +Acha que isso pode dar confusão? + +não é dar confusão, mas é… se nós… se se oficializar, por exemplo, só o crioulo de Santiago, é claro que todos os alunos iriam aprender porque era ensinado na escola. mas um professor de Santo Antão não teria a mesma facilidade que um professor de Santiago por exemplo e vice-versa, então é bom que se… é bom que se que se pegue nisso para poder misturar… para poder sair uma coisa… + +Misturar o quê? + +misturar o barlavento e o sotavento para poder sair… mas é bom que se tenha… se calhar, como disse 3Manuel Varela, é bom que se tome um de barlavento e um de sotavento, para poder… + +Mas seria um de barlavento e um de sotavento ou seria uma média, uma mistura, como estava a dizer há bocado? + +se calhar tinha de ser… porque uma mistura não estou a ver como, o que eu disse é que tem de haver estudos, não estou a ver… era tomar um de barlavento, um de sotavento, e fazer com que todos nós aprendamos as duas variantes, acho que seria melhor. + +X, eu não tenho mais perguntas, mas se tiver algum comentário, alguma coisa que queira acrescentar eu agradecia muito. (…) Não tem nenhum comentário, nenhum ponto que achou que não falámos, mas que acha que seria interessante? + +não, não tenho. mas eu só diria, de acordo com… quer dizer… é bom, é muito bom que…com o estudo que a professora está a fazer, veja em todos… que a professora terá, se calhar, que pegar em todos os crioulos, mesmo-- trago aqui uma por exemplo, eu… devia por exemplo apanhar um leque de coisas que são ditas por exemplo na ilha do Fogo, era bom que se levasse em conta isso de regionalismo, embora eu saiba que é muito caro fazer isso, mas estou a pensar nisso para o futuro, eu compraria o livro ((risos)) + +Muito obrigada mais uma vez por me ter dado essa entrevista. + +Espero que tenha servido. 1Tradução para português, Isto, dito em crioulo, ficaria melhor 2Tradução para português, Não entendeste porque não quiseste. 3. Deve ter querido dizer Manuel Veiga" +INF24.wav,"Professor X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. Antes de mais eu gostaria de perguntar, antes de entrar para a escola, o que é que tinha aprendido a falar, o crioulo, o português, os dois? + +muito bom dia também, não é? devo cumprimentá-la, é um prazer estar aqui consigo, portanto, para esta entrevista. mas primeiramente devo dizer que desde criança falo o crioulo e a língua portuguesa. portanto em minha casa… a educação que nós recebemos, eu e os meus irmãos, era de que deveríamos falar tanto quanto possível a língua portuguesa, à parte naturalmente da nossa língua materna que é o crioulo. sinto-me bem hoje, não é? + +Portanto, antes de entrar para a escola já falavao português? + +sim-sim. já tinha alguma noção, digamos, pré requisitos, quando… + +Mas falava português…? + +sim falava. porque o nosso pai era uma pessoa muito… quer dizer… não digo académica, mas pronto, pautava-se um pouco por isso, escrevia razoavelmente bem, e fez com que nós de facto tivéssemos na nossa, na nossa agenda, digamos na nossa bagagem de educação, esse principio de falar o português. lembro-me perfeitamente de… eu, antes de ir para a escola, ele preparava-nos, não é? ensinava-nos algumas coisas, quando fui, por exemplo, para a 1ª classe, para a 1ª classe, eu já levava alguns conhecimentos, os pré requisitos, não é? que ele de facto nos transmitia, portanto tinha desde criança essa preocupação, e ele ensinou-nos, falava, e também fazia questão que nós falássemos um pouco em casa, a língua portuguesa. + +Portanto, falavam em casa… o português com o seu pai? + +sim-sim, de vez em quando, com o meu pai, com os meus irmãos… + +Com a mãe…? + +exactamente. a nossa mãe também, mas quem se preocupava mais com isso era o nosso pai-de modo que eu já dominava, a língua … + +E, para além disso, de falar em casa com o pai e a mãe, os irmãos, ouvia o português de outras fontes? + +bom… como sabe, naquela época, nasci na ilha do Sal, e havia de facto alguma influência de pessoas estrangeiras, particularmente os portugueses, os militares, não é? e então éramos confrontados com essa necessidade, não é? que tínhamos, de vez em quando, de falar o português, foi isso, portanto, foi na década… eu nasci, portanto em 53, está a ver? durante algum período houve, um período até de muita conturbação por parte dos militares, não é? de modo que nós tínhamos… até lembro-me que nós íamos à consulta, não é? por vezes no quartel, porque havia escassez de médicos, era no Sr. Dr. Ramiro, não é? e depois os militares, lembro-me do Dr. Rosário por exemplo, também que era um médico militar com quem a gente tinha de dialogar. + +E actualmente, em casa com os seus familiares, amigos, colegas, o que é que usa habitualmente, o crioulo ou o português? + +tanto um como outro, quer dizer… por exemplo, eu devo confessar-lhe, modéstia à parte, gosto da minha língua, materna, mas também tenho alguma, digamos alguma paixão pela língua portuguesa porque foi a nossa… digamos, a nossa língua, aliás administrativa, a nossa língua, digamos de comunicação escrita, com a qual temos que trabalhar no nosso labor como profissional, mas também apraz-me imenso a nossa língua. + +Falar então crioulo ou português com os amigos, familiares depende de quê? + +bom-falardepende, digamos da pessoa com a qual…. + +Em casa? + +em casa eu falo o crioulo, com os meus amigos falo crioulo também. mas sempre que alguém me aborde em português, lá vou eu responder-lhe da mesma forma. + +Habitualmente, com os familiares…? + +habitualmente com os familiares, com os meus familiares nem tanto, às vezes falamos português, não é? falamos a língua portuguesa. os meus filhos, por exemplo, eu procuro incutir-lhes essa preocupação, não é? de falarem o português, mas quando estamos assim num meio digamos, entre amigos, falamos o crioulo-outras vezes também abordamos a língua portuguesa, não é? + +Estar com os amigos e falar português depende de quê? + +bom, isto já depende, digamos do conhecimento da língua da pessoa, se a pessoa também se sente motivada para o fazer. mas se ela se expressar, se essa pessoa se expressar em português, a língua portuguesa, lá vamos nós também fazer o mesmo, se falar connosco a língua materna, faremos igualmente. + +Como é que avalia a sua proficiência geral em crioulo? + +bom… a minha… + +Estou a pensar em falar, mas também ler e escrever. + +exactamente… + +Em crioulo…? + +exactamente isso, eu falo a língua materna, o crioulo, com fluidez naturalmente, acho que isso acontece com todos os cabo-verdianos. mas já para escrever, não obstante os conhecimentos científicos que eu adquiri durante a minha formação, já não tenho essa fluidez. portanto, na escrita, portanto o mesmo já não acontece em relação à escrita. + +E ler? + +ler, leio também, mas com alguma dificuldade, alguma reserva, não é? + +Eo português? + +bom, já com o português não tenho essa dificuldade, eu penso que… sou muito comunicativo ou, vá lá, razoavelmente comunicativo, não tenho assim grandes problemas. mas escrevo também razoavelmente. falo com alguma fluidez, aliás as pessoas, já me disseram, inclusive durante o… dois estágios que eu fiz. portanto, quer do bacharelato quer da licenciatura, eu fui conotado como sendo uma pessoa que fala de facto com fluidez, a língua portuguesa. + +Prefere falar o crioulo ou o português? + +bom, acho que… tanto faz, não é? tanto faz. não tenho, digamos, problema nenhum-preferência, falar uma ou outra língua. + +Eler e escrever? + +bom… ler e escrever, já preferiria dizer a língua portuguesa, seria mais… teria mais à vontade para o fazer. + +Fala crioulo de que ilha? + +bom… o meu crioulo, o genuíno é do da ilha do Sal, mas eu não tenho problemas também em expressar-me no crioulo dosotavento. + +Concretamente, de que ilha? + +odo Santiago-ilha do Santiago. + +De um modo geral acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou emportuguês? + +não… não tenho problemas em exprimi-las, tanto numa como noutra. penso que não tenho esse problema, não se coloca esse problema em relação à minha pessoa. + +E como é que se sente quando fala português? + +sinto-me bem. gosto muito da língua portuguesa. tanto é que fiz a minha formação nessa área – não é? quer do bacharelato quer da licenciatura. desde os primórdios, desde a minha vida, digamos – a..., como profissional, da função publica, que eu fui, adorei sempre a língua portuguesa, portanto escrevia… portanto fazia… enfim, toda a minha correspondência, que fosse necessária na altura, e sentia-me me bem. hoje posso dizer que sinto-me bem, não me sinto arrependido em ter feito esta formação. + +Equando fala crioulo? + +bom, quando falo crioulo, já não posso afirmar categoricamente, aquilo que eu faço em relação à língua portuguesa, sinto-me bem também, não é? sinto- me bem-é a nossa língua materna-mas… + +Enão pode afirmar porquê? + +porque à vontade que me sinto com língua portuguesa, essa à vontade eu já não tenho com… na escrita, não é? na escrita, estou a falar da escrita, já não a tenho em relação à língua materna. + +Sente-se mais à vontade, portanto, quando fala crioulo? + +sim, o crioulo é a nossa língua. portanto é…digamos que é a língua de comunicação, de aproximação entre as pessoas, quer dizer, que são cabo- verdianos, não é? mesmo estando além das fronteiras, fora do país, a gente se encontra, e fala o crioulo, come uma cachupa, toca viola, sente-se portanto na terra, não é? portanto faz parte da nossa cultura. + +Professor X, eu vou-lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversa forado seu círculo familiar… + +e...: + +Só para pensar. Eu não quero nomes, mas eu gostaria que me desse o perfil dessas pessoas em termos de idade,de sexo, estrato social, nacionalidade... + +sim, bom, isso é complicado porque eu falo com muita gente, não é? assim de rompante… + +Veja se consegue seleccionar as três com quem mais fala. + +assim de rompante… + +Veja assim de diferentes tipos… + +bom, estou a pensar numa pessoa, já pensei numa. pertence uma camada… um senhor, portanto, tem… anda à volta… penso, de trinta anos, não faz parte da minha família, naturalmente, mas é a pessoa com quem… eu tenho, portanto, trabalhado, trabalha comigo. o grau académico, a nível académico-não é assim muito elevado … + +Ensino básico, ensino secundário? + +acho que é ensino básico, é motorista, portanto, trabalha comigo. a segunda pessoa… + +Com essa pessoa fala crioulo ou português? + +o crioulo, falo o crioulo naturalmente. porque são questões profissionais e eletem dificuldade em expressar-se em português. + +Portanto o tipo de assuntos que abordam é questões profissionais? + +sim, questões profissionais, questões profissionais. portanto relativamente ao carro, assim, como é que vão as coisas, as tarifas, essas coisas -e tal. + +Ok. + +deixe-me ver… uma segunda pessoa, bom são aqui colegas, professores -não é? já o nível académico-portanto, já é outro, não é? + +Élicenciado? + +sim, é licenciado. + +Cabo-verdiano? + +licenciada, cabo-verdiana, não é? é uma pessoa de facto muito culta não é? é dinâmica, dinâmica… + +Idade? + +idade… noutro dia ela esteve a dizer-me, portanto vinte e seis anos parece-me-se amemoria não me falha-26 anos. e tenho… + +E com essa pessoa, fala crioulo ou português? + +falamos as duas línguas, porque ela inclusive é formada em língua portuguesa também, falamos os dois idiomas. + +Falar crioulo ou portuguêscom ela depende de quê? + +para nós… depende da disposição, do assunto, não é? + +que tipo de assunto falam em crioulo? + +questões profissionais, questões também ligadas… questões particulares, falamos… + +As particulares falam em que língua? + +falamos em crioulo. + +Equestões profissionais? + +questões profissionais, muitas vezes, portanto, também em crioulo. uma vez ou outra falamos também em português. + +Efalam as questões pessoais em português? + +sim-quando estamos a brincar, às vezes, não é? a gente mete lá algumas coisas. porque essa pessoa também é muito divertida. + +De um modo geral, falam…? + +de um modo geral falamos mais a língua… o crioulo. + +Questões pessoais ou…? + +tanto profissionais, como pessoais. mas abordamos também… falamos a língua portuguesa. deixe-me ver… uma terceira pessoa, também daqui, portanto essa já é, tem um nível de bacharel, também uma senhora, falamos de varias questões, falamos, portanto, de questões profissionais, e questões particulares, e expressamos mais vezes em crioulo, quer em questões de carácter particular, quer em questões de carácter profissional. a idade… a idade, cinquenta e… não, não, não, quarenta e oito anos, tem mais ou menos 48 anos -e é uma pessoa também muito comunicativa-não é? + +Diga-me, qual é… com que tipo de pessoas, habitualmente fala o crioulo e fala o português? + +bom, a gente quando vai falar tem de ter em conta, digamos, o nível académico do nosso interlocutor. se eu sei que o meu interlocutor não tem, digamos, não tem arcaboiço, passe o termo, para me entender em português. naturalmente falarei em crioulo. + +Portanto, com pessoas instruídas…? + +exacto, com pessoas instruídas, eu falo a língua portuguesa, porque eu gosto. como eu já lhe disse gosto de… digamos, que são poucas as oportunidades que nós temos de nos expressarmos em língua portuguesa, aproveitamo-lasempre quando ela aparece, não é? + +Eos superiores hierárquicos, entidades…? + +sim, os superiores hierárquicos, se não tenho nenhuma familiaridade, lá vou eu a falar a língua portuguesa. bom também dependendo da forma como a pessoa se dirigir a mim. + +Como assim? + +se ela falar em língua portuguesa, vou responder em língua portuguesa, por uma forma questão até de ética-de educação- não é? + +E com os seus colegas,aqui, na escola? + +bom, com os colegas normalmente falamos o crioulo, normalmente falamos o crioulo. + +Mesmo nos intervalos …? + +se, uma ou outra vez, for abordado em português, como eu já disse, responderei também da mesma forma. + +Com essas pessoas, digamos, que fala crioulo ou português, qual é o papel do assunto? Ou, o assunto faz mudar para o crioulo ou português, superiores hierárquicos, familiares,colegas? + +o assunto normalmente é profissional, tratando-se de colegas, não é? mas uma ou outra vez, não é? podemos, muito particularmente, abordar uma questão de… de outro carácter. + +Disse-me que fala o crioulo aqui de Santiago e o crioulo da ilha do Sal. Escolhe um desses crioulos para falar com pessoas de barlavento, desotavento, ou usa-os indiferentemente? + +eu vou explicar-me melhor. quer dizer, eu senti muita necessidade, quando vim nos primórdios, para a ilha do Santiago, de tentar, no mínimo, dominar a língua, porque quando eu expressava na minha língua, que é o crioulo do Sal, às vezes as pessoas brincavam, e até troçavam, não me entendiam, porque naquelaaltura éramos poucos… + +Isso foi em que ano? + +isso foi em setenta e um, quando vim para a Praia, nos finais de setenta e um. então, mesmo no trabalho, eu tive algumas contendas com algumas pessoas, porque gozavam, não é? da nossa língua, não nos entendiam. outros até iam mais além, então eu disse, bom… é como a gente, quando vai lá para o estrangeiro-vai ao estrangeiro, a gente tem de aprender a língua… + +Portanto, na altura, a compreensão não era fácil? + +não era fácil. as pessoas troçavam. eu dizia 1besote, portanto a gente no Sal diz besote, 2boses como se diz em S. Vicente, quando dizia besote as pessoas gozavam, não é? então eu disse, bom… eu disse cá para os meus botões - eu vou tentar dominar essa língua. e de facto consegui dominá-la. hoje expresso-me razoavelmente bem no crioulo da ilha de Santiago, sem desprimor, naturalmente, para a minha língua, portanto, que é a língua da ilha do Sal, que eu gosto, eu gosto, não é? eu acho que é por essa razão que eu tentei aperfeiçoar-me no crioulo de Santiago. + +Ehoje em dia, como é que utiliza esses dois crioulos? + +quando falo com uma pessoa, por exemplo como a senhora, não é? que fala o crioulo do Sal, posso expressar-me também. se falar com uma pessoa da ilha do Santiago, falo também o crioulo de Santiago. portanto não tenho pejo nenhum em fazer… + +Depende da pessoa, portanto? + +exacto. + +E a questão dos contextos, em que contextos normalmente usa o crioulo e usa o português? + +bom, é claro que, eu utilizo a língua portuguesa quando… como eu disse… + +Em casatambém… + +em casa, às vezes… + +Na vizinhança, mercado lojas, repartições publicas, locais de lazer, qual deles? + +bom, sim, nas repartições, por uma questão de… digamos de ética, e dependendo da pessoa que nos vai atender, procuro sempre usar a língua portuguesa-não é? + +Quando diz a pessoa que atende, o que é que… quer ser mais específico? + +não, se a pessoa que me for atender, que está no guichet, eu vou ao guichet, a pessoa falar comigo em português, expresso em português, está a perceber? na vizinhança normalmente a gente fala é o crioulo, normalmente é o crioulo- porque é a nossa língua, sentimos mais à vontade em dominá-la, muitas vezes os nossos interlocutores não têm, digamos, esse domínio, domínio da língua portuguesa, portanto falam mais vezes o crioulo, então somosforçados… + +Mercado, lojas? + +nas lojas e nosmercados também é o crioulo. + +E locais de lazer, bares, discotecas, restaurantes…? + +bom, bares e discotecas, eu não sou muito, não é? não os frequento muito, por isso não posso dizer. + +Festas? + +nas festas-normalmente é o crioulo, quando estamos entre amigos. + +Reuniõesprofissionais? + +bom, nas reuniões profissionais, algumas vezes abordamos a língua portuguesa. + +Quer dizer que algumas vezes é em crioulo? + +sim. + +Efalar crioulo e português depende de quê? + +quando estamos entre nós, não é? por exemplo quando fazemos reuniões do concelho directivo nós nos expressamos na língua materna, na língua materna -- mas também falamos a língua portuguesa, quando temos, por exemplo, a presença de um terceiro, que não faz parte do grupo, vá lá, um funcionário do ministério, não é? se vier e se dirigir a nós em português, nós falaremos a língua portuguesa. + +E com que finalidades …? Estou a falar de objectivos comunicativos no crioulo e no português. Estou a pensar em coisas como exprimir sentimentos, rezar, orar, namorar, falar de assuntos que o emocionam, praguejar, dizer asneiras… quando estáirritado, exprimir a sua irritação…? + +mais vezes no crioulo, mais vezes no crioulo, mas outras vezes também em português, não é? + +Pode dizer quando acontece um ou outro? + +às vezes, quando a gente está irritada, há umas coisas que saem no crioulo, outras vezes saem em português, porque como eu disse no início, fizemos aquela educação caseira, em que também utilizamos o português, há algumas expressões que saem mesmo em português. eu por exemplo quando chego em casa, estou a brincar com os meus filhos, ou até o meu cão, muitas vezes eu faço-o em língua portuguesa, eu faço uso de algumas expressões que eu gosto, não é? + +Estasemana que passou, falou mais vezes crioulo ou português? + +olhe, eu falei muito mais vezes o crioulo, porque eu estava numa actividade, uma actividade com qual as pessoas falam mais o crioulo, não é? falei o francês também, fiz… vá lá… eu tive de trabalhar também, numa certa altura com um francês, transportei, falamos, conversamos em francês, mas falei muito mais em crioulo. + +E durante mais horas seguidas, o crioulo ou o português? + +o crioulo. + +E porquê? + +porque as pessoas falam mais, não é? é a língua mais utilizada no nosso círculo-no nosso meio. + +Existe alguma circunstância em que, normalmente, ou contexto, em que normalmente fala crioulo, mas que gostaria de estar a falar português, ou vice- versa? + +sim. dependendo do contexto, dependendo das circunstâncias, dependendo do nosso interlocutor, pelo menos no meio em que nós nos encontramos, nos encontrávamos, não é? mas eu… eu… eu adoro a minha língua, é o crioulo como disse, mas sempre que eu possa, eu falo o português também, porque gosto da língua portuguesatambém, desde sempre gostei. + +Considera o português como sua língua também? + +sim, uma segunda língua, sim. se me vierem perguntar, a seguir ao crioulo, qual seria a sua língua?  naturalmente, eu diria a língua portuguesa. depois, se calhar o inglês, não é? também gosto, não é? + +Já alguma vez usou o crioulo na sala de aula para se dirigir aos seus alunos? + +naturalmente que sim. quer dizer, quando o aluno tem alguma dificuldade, manifesta dificuldades na compreensão, digamos, dos conteúdos em língua portuguesa, lá vamos nós, quer dizer, tentar dissipar a dificuldade, usando esse meio. + +Portanto, para fazer explicações? + +para fazer explicações, orientar mesmo o aluno. porque às vezes eles têm dificuldades em se expressar, não é? na língua portuguesa, e utilizam mesmo o crioulo, então nós temos de… + +Com que frequência isso acontece? + +não, isso acontece várias vezes, até com os níveis mais baixos, quer dizer, no sétimo ano particularmente, isso acontece muito, não é? no primeiro ano do liceu. + +E o contrário, os seus alunos alguma vez se dirigiram a si em crioulo? + +sim, aconteceu, aconteceu, aconteceu no sétimo e no oitavo ano, há alunos que vão até o nono ano com muitas dificuldades, não é? no uso da língua portuguesa-não é? + +E dirigem-se a si…? + +sim, às vezes dirigem-se ao professor em crioulo. e a gente lá vai dizendo, olhe, procure falar a língua portuguesa, muito embora está-se por oficializar a utilização do crioulo na sala de aula. + +E eles utilizam… nesses casos utilizam o crioulo para quê? Responder às perguntas, dirigir-seespontaneamente ou para dizer alguma coisa ao professor? + +em todos os casos. fazem isso em todos os casos, quer dizer, às vezes espontaneamente, às vezes para formularem perguntas, outras vezes para responder as questões colocadas pelos professores, portanto isso acontece em qualquer circunstância. + +Vamos situar-nos no ouvir. Habitualmente, de onde é que ouve crioulo e o português? + +bom, hoje em dia ouve-se o crioulo e o português quase que de todos os lados-pelarádio, pela televisão, enfim… quer dizer… se calhar… + +Ouve o crioulo pela televisão? + +há programas, quer dizer, que se fazem, a rádio então, rádio utiliza muito mais o crioulo em relação à televisão, mas também na sociedade em geral… + +Há programas de televisão em crioulo,exclusivamente? + +sim. eu estou a lembrar-me de Há Mar, Há Terra, não se recorda? havia portanto, enfim, há outros programas ligados, portanto, ao campo, à agricultura, ao mar, para que as pessoas possam entender, se calhar, com mais facilidade em relação…querdizer, no crioulo. + +Na rádio,na televisão? + +sim, aí também, havia notícias, há algum tempo, notícias na rádio em crioulo, não é? pronto, rádio, televisão utiliza menos o crioulo, mas a rádio utiliza mais, penso eu, é a minha opinião. bom já não poderei falar da comunicação social, aí já não podemos integrar, portanto, os jornais, não é? naturalmente, mas a rádio penso que é o meio de comunicação social que mais utiliza o crioulo, a par da língua portuguesatambém, fala-se. + +Digamos, para além da comunicação social, ouve o português onde? + +bom, no trabalho, como eu disse, não é? às vezes falamos em português -- nas repartições, não é? nos tribunais, não é?, nos tribunais também se fala muito o português, quem vai lá assistir as audiências… na igreja, não é? também se aborda, há abordagens que se fazem em crioulo, mas muitas deles são feitas em português. portanto, enfim, penso que nos sítios… quer dizer, de um modo geral. + +De um modo geral, ouve mais o crioulo ou o português? + +não, eu ouço mais, ouço mais o crioulo. mas ouço também, eu ouço, eu tenho por exemplo-há os sítios que eu frequento… + +Ouve? + +a genteouve sempre a língua portuguesa. + +Como por exemplo? + +portanto, eu tenho a minha componente espiritual, a doutrina que eu acredito, eu e a minha família, e aí de facto falamos a língua portuguesa. é uma questão que eu já me ia esquecendo, eu, todos os dias, portanto, ouço a língua portuguesa, praticamente todos os dias por causa disso . + +Eler? Costuma ler em crioulo? + +muito pouco, infelizmente. + +Mas já leu alguma coisa em crioulo? + +sim, já li, tenho alguns livros, sempre que possa compro. + +Que tipos de livros já leu em crioulo? + +bom, temos o ALUPEC, não é? temos… portanto, toda a literatura, digamos, crioulo, escrita em crioulo. quando aparece um outro escritor que escreva, também em crioulo, lá vou eu comprar os meus livrinhos, não é? sempre que possa, enfim, quer dizer, é isso, resume-se a isso. + +E como é que se sente quando lê o crioulo? + +ah! já não me sinto tão à vontade como quando leio a língua portuguesa, naturalmente- eu jálhe tinha dito isto. + +E escrever? Costuma escrever em crioulo? + +também muito pouco, também muito pouco . + +Há alguma coisa que,assim, tenha escrito? + +tenho… tenho alguma dificuldade. eu escrevi quando andávamos a estudar-portanto, no bacharelato, na licenciatura. + +Diga-me uma coisa, estando a falar crioulo, numa determinada circunstância,com algumas pessoas, o que é que o faria mudar para o português? + +bom… + +A chegada de alguém, a mudança de assunto…? + +às vezes eu estou a falar o crioulo com as pessoas e sem querer, sem querer, já estou a meter aí expressões da língua portuguesa, não é? ou uma mudança brusca-vai depender também da forma como reagir o meu interlocutor, quer dizer, uma pessoa pode estar a falar comigo, e às tantas mudar também o discurso para português, então aí terei de fazer o mesmo, mas como eu disse há bocado, há sempre aquela tendência de a gente se situar um pouco na língua portuguesa, estamos habituados a ela desde os primórdios, quer dizer do nosso, da nossa vida profissional, e não há por onde fugir, não é? embora tenhamos a consciência plena de que falamos mais vezes o crioulo, mas também há, digamos, um espaço… + +Desculpe mas, quando está com os colegas a falar o crioulo, e entretanto chega um superior hierárquico ou uma autoridade, isto o faria mudar para o português? + +sim, por uma questão de princípio, de respeito de ética. quer dizer se nós estamos habituados a falar com aquela pessoa, e aquela pessoa intervir de facto na conversa, temos de o fazer. + +E, pelo contrário, por exemplo, se está a falar crioulo, a falar português, que tipo de pessoa que chegasse entretanto o faria mudar para o crioulo? + +uma pessoa que não entenda, o português. por uma questão de educação também, não é? nós não devemos nunca conversar num idioma, numa língua que saibamos, de antemão, que a pessoa que lá está, lá estiver, não compreenda-não compreenda- aí teríamos de mudar, certamente. + +Se, por exemplo, está a falar crioulo sobre um assunto pessoal ou familiar, e entretanto, muda para um assunto técnico relacionado com a sua profissão, ou um assunto oficial, isto faria com que mudassedo crioulo para o português? + +não. acho que… não necessariamente. porque se eu notar que a pessoa terá dificuldades em compreender-me na língua portuguesa, naturalmente eu terei que o fazer em crioulo, por uma questão de facilitar mesmo a comunicação, não é? + +Senhor X, diga-me uma coisa, o que é que pensa do crioulo? + +eu penso que é a nossa língua, não é? a nossa língua, é a nossa língua materna. mas deverá ser trabalhada, deverá ser, digamos, divulgada, não é? respeitada, não é? e que esteja também, digamos, lado a lado com a língua portuguesa. quer dizer, não podemos estar, digamos, sentir-nos digamos frustrados, não é? estarmos a falar, digamos a língua portuguesa, sem que tenhamos em conta a nossa língua materna. penso que há um projecto, não é? para se introduzir o crioulo nas escolas. + +Acha que o crioulo deve ser ensinado nas escolas? + +acho que sim, mas com a seguinte condição, que os professores, primeiramente, acima de tudo, tenham formação nessa base, para que também possam transmitir os conhecimentos científicos sobre as matérias aos discentes, os alunos-não é? mas não é trabalho… não é tarefa fácil. + +Mas quando diz que o crioulo deve ser ensinado nas escolas, está a dizer como disciplina …? + +estou a falar da escrita, fundamentalmente da forma como escrever, não é? + +E ter o crioulo, por exemplo, como língua de ensino, por exemplo da matemática, da física? + +bom. isso não será, penso eu, na minha perspectiva, fácil, não será fácil. a evolução do crioulo nas escolas não será tarefa fácil, será tarefa árdua, digamos assim. não vai ser fácil, mesmo com os professores, não é? mesmo para os professores, não é? agora como qualquer língua, qualquer idioma, se nós aprendemos a língua portuguesa, que não era nossa, penso que também estaremos, portanto, habilitados, não é? ou aptos a trabalhar para isso, para que possamos de facto abraçar a nossa língua, o crioulo, não é? a nossa língua materna. + +Há bocado disse-me que o crioulo precisa de ser trabalhado. Em que sentido? + +sim, porque de facto há poucas gramáticas, não é? há tempos eu estava a ouvir alguém a dizer isso, não é? os alunos sabiam aquilo que se fez relativamente ao ALUPEC, não é? o senhor Tomé Varela, o senhor Manuel da Veiga, pronto, e é isso. penso que deverá haver mais pessoas interessadas no estudo dessa língua, a levá-la, portanto, além fronteiras até, de uma forma… como literatura mesmo, como literatura mesmo, não é? e divulgá-la através dos meios de comunicação social, preparar pessoas para leccioná-la, enfim, criar todo um sistema de circuito, não é? como as outras línguas, não é? relativamente ao crioulo-valorizar… + +Acha que o crioulo é uma língua? + +não, quer dizer, não é uma língua-não é uma língua-mas deve… + +Então,não é uma língua? + +essencialmente não porque, terá de ter, portanto, os requisitos técnico, científico-não é? + +Para quê? + +trabalhados-para lá chegar, não é? + +Então,neste momento, o que é, para si, ainda? + +penso que é, digamos que é qualquer coisa que está… que deverá merecer a transformação, não é? foi por isso que eu disse que terá que ser trabalhado, não é? e divulgado, não é? + +Eo português? + +bom, o português já é uma língua, não é? + +Eo que é que significa para si? + +bom, é a nossa segunda língua, é a nossa língua administrativa, não é? com a qual nós nos comunicamos por escrito, não é? trabalhamos com ela na sala de aula, e não só, faz parte do nosso dia a dia, da nossa comunicação oral, não é? como nós, bem, dissemos no início. mas é essencialmente a nossa língua de comunicação escrita, não é? se eu pretendo fazer uma carta, vou fazê-la portanto na língua portuguesa-não vou fazê-la no crioulo, portanto a diferença reside aí. + +Mas porquê? Acha que é assim que deve ser ou há alguma razão para que isso aconteça? + +não, não é que eu ache que é assim que deva ser. o problema é, tendo em conta os condicionalismos, não é? estamos condicionados a isso, não é? na nossa língua… temos dificuldades em expressar no crioulo, não é? de modo que fá-lo-emos é na língua portuguesa, não é? portanto, é por essa razão, por isso é que o crioulo terá de… estou em crer que o crioulo chegará, portanto, a bom porto, e que venha a estar de facto… venha a estar de igual para igual com a língua portuguesa-portanto são votos que eu faço. + +Há bocado falou-me do crioulo genuíno. Para si, qual é o verdadeiro crioulo, ocrioulo genuíno? + +é complicado, eu quando me referi ao genuíno, eu estava a dizer… quer dizer o crioulo que eu vi… quer dizer que me viu nascer, lá na ilha do Sal, onde nasci, não é? não é que eu esteja a privilegiar o crioulo do Sal, em detrimento do crioulo da ilha de Santiago ou de qualquer ilha, eu quis, quando eu usei o termo - não é? era precisamente para fazer saber que, não é? o crioulo que eu me habituei desde criança, portanto, na ilha do Sal, eu até apresentei essa diferença -dos besot. + +Mas,para si, existe um verdadeiro crioulo? + +bom isso agora, são aspectos culturais, históricos que o dirão, quer dizer -quem estudou a história de Cabo Verde sabe. + +Mas diga a sua opinião, qual é…? + +não, penso que o crioulo aqui de Santiago é muito mais profundo, talvez por razões históricas que nós sabemos, do que os outros, das outras ilhas. não quero aprofundar muito isso, porque não sou historiador, são portanto questões que se colocam, quer dizer, eu não quero entrar na ceara alheia, não é? meter a foice na ceara alheia, como se costuma dizer, passe o termo. + +Diga-me uma coisa senhor X, estabelece alguma relação entre ser cabo- verdiano, e gostar e saber falar o crioulo? Admite alguma circunstância em que um cabo-verdiano não goste ou não saiba falar crioulo? + +bom isso de facto é um pouco complicado. há quem questione. portanto, um cabo-verdiano nunca deve perder a sua raiz, não é? a nossa língua faz parte da nossa cultura, assim como a nossa cachupa, o nosso violão, a nossa morna, a nossa coladeira. e eu entendo de facto, que o cabo-verdiano deva defender esses princípios, são princípios culturais, porque… nenhum cabo- verdiano deva de facto prescindir, mesmo lá aonde estivermos, mais longe, na China vá lá, não devemos de facto nunca esquecer o nosso crioulo, fundamentalmente o nosso crioulo. enfim, poderei não ter acesso a uma cachupa, não é? uma cachupada, não é? mas a minha língua, devo preservá-la sempre, faz parte da minha cultura, portanto, como a nossa moeda, enfim, a nossa cachupa, como já disse, as nossas músicas, a nossa bandeira, a nossa nacionalidade-não é? em suma, portanto, devemos preservá-la. + +Eo português? + +bom, o português, claro, já é um pouco contas de outro rosário, mas que também faz parte da nossa história, não é? já não faz da nossa cultura, faz, até que faz um pouco. não é? acho que faz, faz parte um pouco da nossa cultura - porque nós fomos, digamos, durante muitos anos, não é? colonizados, mas penso que todo o cabo-verdiano deverá ter em conta que a língua portuguesa é a nossa segunda língua, queiramos ou não queiramos. + +O que é que acha, dessa possibilidade que nós temos, em Cabo Verde, de usar o crioulo e o português, o que é que pensa desta situação? + +quer dizer, é bom de um lado, mas pode ser menos bom doutro, principalmente para as nossas crianças, quer dizer, principalmente aquelas que não têm acesso à língua portuguesa em casa, quando vêm para a escola, quer dizer, confrontam com a língua portuguesa, e claro, terão naturalmente mais dificuldades, em relação à criança que vive em casa, que domina o crioulo que é a sua língua materna, mas também fala o português de forma… com alguma fluidez, e aí é que eu encontro de facto… ou então um fulano qualquer que não estude, não é? que se vê diariamente confrontado… a falar o crioulo, não é? e depois depara-se com alguém com o qual queira falar a língua portuguesa, lá vai ter de facto imensas dificuldades, por isso que o problema se coloca nesse projecto. + +E em relação ao português, o que é bom, o aspecto positivo…? + +o aspecto positivo… bom, é que enquanto não tenhamos, a nossa língua - o crioulo, como disse, devidamente trabalhada, para podermos servir-nos dela de todas as formas, como fazemos com a língua portuguesa, temos de ter, de nos servir da língua portuguesa para fazer, digamos, aquilo que temos, digamos - aquilo que temos no dia a dia, por exemplo a comunicação escrita, na rádio. às vezes no parlamento, por exemplo, muitas vezes os deputados de facto são obrigados a expressar-se, na língua portuguesa, que é também a nossa língua oficial, não é? porque há gente que não entende crioulo, não é? portanto há essa necessidade. + +Então acha que se devia continuar a usar o crioulo e o português em Cabo Verde? Como é que vê a alternativa linguística desejável para Cabo Verde? + +não, eu vejo assim, nós vamos trabalhar o crioulo, mas não esquecendo a língua portuguesa, manter se calhar as duas, não é? teríamos essas duas possibilidades, se conseguirmos elevar… + +Qual delas seria a língua oficial? + +o tempo dirá, eu penso que aí o tempo dirá. se conseguirmos elevar o crioulo ao nível da língua portuguesa, no futuro, não vamos precisar o tempo, não sei quantos anos é que… quantas décadas é que serão precisas. mas se um dia conseguirmos elevar o crioulo, ao nível, académico, digamos assim, da língua portuguesa, acho que não haveria inconveniência nenhuma em manter essas duas línguas, só tínhamos a ganhar, não é? penso, na minha opinião, penso que talvez… + +Neste momento temos as duas. + +temos as duas. + +Então…? + +mas quando, quando soubermos dominar perfeitamente o crioulo, como dominamos agora a língua portuguesa, eu não sei se é viável pegar da língua portuguesa, e desculpe lá a expressão, e coloca-la no caixote de lixo. penso que não-porque ela faz parte da nossa cultura, a história diz isso. + +Certo. Diga-me uma coisa, acha que o crioulo deve ser oficializado? + +((risos)) esta é que é uma grande pergunta, não é? sim, a priori, diria sim, não é? agora temos é de ter a consciência, digamos, das nossas limitações e dos constrangimentos que iremos encontrar nesta caminhada, não é? nesta estrada longa, não é? que é, digamos, trabalhar, preparar o crioulo, para que de facto toda a gente tenha acesso, a uma forma, até académica, de língua. dominá-la convenientemente tanto do ponto de vista escrito como de… da leitura - não é? mas penso que sim, quer dizer, penso que sim, a resposta seria sim, tendo em conta, naturalmente, esses condicionalismos, essas dificuldades. + +Senhor X, eu quero perceber melhor uma coisa. Há bocado disse-me que o crioulo tem de estar ao nível do português ou que poderá ser trabalhado para ficar. Este nível quer dizer o quê, é a língua em si, é o uso,é o estatuto? + +penso que de todas as formas, de todas as formas. o estatuto, não é? fundamentalmente. o uso não é? também o uso, para que ela de facto tenha também o estatuto devido, é preciso que saibamos usá-la, utilizá-la, não é? que haja uma competência, digamos, linguística, de todos os falantes, e a tal performance, não é? de modo que… eu penso que… terá de preencher todos os requisitos, mas não podemos é dizer que vai ser daqui a 5 anos, ou 10 anos, ou anos-isso eu considero imprevisível, o tempo dirá. + +Em se mantendo o uso do português e o crioulo em Cabo Verde, o crioulo seria usado para quê, e o português para quê? + +bom… + +Estou a pensar no falar, ler escrever…? + +eu penso que a melhor resposta para isto, seria deixar que as pessoas… aliás que o tempo falasse por si. que dizer, digamos que os falantes agora queriam falar, iriam fazer… estando as duas ao mesmo nível, cada um faria a sua escolha, não é? em função das suas necessidades, e do contexto também. + +Acha que o crioulo é adequado para certo tipo de pessoas e o português para que tipode pessoas? + +estamos a falar de… o cabo-verdiano não é? + +Do cabo… Daqui, do que acontece aqui em Cabo Verde. + +bom, calculo que é do conhecimento de todos, que há gente que tem mais tendência para falar, mesmo sendo cabo-verdiano, tem mais tendência para falar o português de que falar o crioulo. mas o contrário também acontece, não é? o contrário também acontece, e se calhar acontece com maior incidência, há pessoas que adoram mais falar o crioulo do que o português, não é? mas há gente também que seja cabo-verdiana, mas que prefira muitas vezes falar o português, se calhar em detrimento do crioulo, não é? não sei, agora, as razões. + +Eu estava a pensar numa coisa do tipo, há quem ache, por exemplo, que o crioulo é mais adequado para falar com pessoas que não têm instrução, e o português parapessoas instruídas, por exemplo. + +sim, naturalmente, quando é… o que nós dissemos no início. quando vamos falar com o nosso interlocutor, e saibamos que ele de facto, não tem, digamos, conhecimento da língua, o uso dessa língua, não vamos forçá-lo por exemplo, sabendo de antemão que ele não vai poder responder, mas se eu vou falar com uma pessoa, que eu já sei de antemão que essa pessoa domina, a língua- falo em português-mas… + +E acha que é assim é que deve ser? + +não, não necessariamente. se a pessoa… se manifestar interesse em falar o crioulo comigo, eu falo também o crioulo com ela, não é? dependendo do contexto, dependendo das circunstâncias. quer dizer, se a pessoa se dirigir a mim, mesmo que eu saiba que ela sabe falar a língua portuguesa, mas se ela se dirigir a mim em crioulo, por uma questão de educação, eu vou também responder em crioulo-se fizer o contrário- farei o contrário-não é? + +Diga-me, e circunstâncias, há circunstâncias em que acha que é mais adequado falar o crioulo e circunstâncias em que é mais adequado falar o português? + +sim, naturalmente que há circunstâncias. por exemplo se eu vá falar com o primeiro ministro, não é? trata-se de uma personalidade com a qual, mesmo que nós tenhamos alguma relação de amizade, por uma questão formal, terei de falar, expressar-me em língua portuguesa quer dizer, que é a nossa língua, como disse, administrativa, não é?, mas sejamos amigos, se somos amigos, se formos amigos, e estivermos numa festa, e ele primeiro ministro, dirigir a mim em crioulo-eu fá-lo-ei também em crioulo. + +E assuntos, há assuntos que acha que são melhortratados…? + +bom, seja lá o que for. se for assuntos profissionais, e ele se dirigir a mim em crioulo, eu também responderei em crioulo. + +Qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? + +bom, acho que naturalmente é o crioulo, não é? não há dúvidas, quer dizer, o crioulo, está patente já no sangue, não é? do cabo-verdiano, aí não há dúvidas-não é? + +Estou a pensar em actividades ou manifestações culturais de tipo morna, batuque, funaná, teatro, cinema, literatura escrita… crioulo ou português, o que é que acha? + +não, não, da cultura cabo-verdiana, não há duvidas que é fundamentalmente, o crioulo, não é que não haja indícios também da língua portuguesa, mas o crioulo, está na tabanca, está nas mornas, está no batuque, está no funaná, enfim… é uma marca- é uma marca profunda da nossa cultura. + +Admitiria, estasmanifestações em português? Morna… + +bom… sim, até porque também já temos algumas mornas que são cantadasem português- não é? + +Funaná…? + +sim, pode haver. há alguns portugueses que já, enfim, já não digo plagiaram, mas que tiveram alguma convivência, enfim com alguns músicos nossos, estou a lembrar de alguns… daquele senhor, foge-me o nome, que era do Ribatejo, que era amigo do malogrado Ildo Lobo, que… ele uma vez esteve aqui em Cabo Verde, ele imitava o Ildo Lobo, e nós imitávamos algumas músicas dele, até punha uma boina, não sei se está a ver a pessoa? + +Não… + +o Ildo utilizava uma boina, uma boina preta, esse homem também utilizava uma boina preta, enfim, esteve aqui uma vez em Cabo Verde, portanto --está a ver? há essa correlação, na cultura, na música. + +Mas o que eu estou a querer esclarecer, é o seguinte, para si, morna, coladeira, batuque e funaná, tanto faz ser em português serem crioulo? + +não, para ter o sentido realmente, mesmo da nossa cultura, terá de ser forçosamente em crioulo. + +Eo teatro, cinema a literatura escrita? + +também-também, também-também-- acho que sim-mas… + +Também… não percebo… + +também terá de ser em crioulo. + +Mesmo aliteratura escrita…? + +sim, evidentemente. não é que não possa ser transportada também para a língua portuguesa-mas terá maior impacto se for…. + +Poesia, romance…? + +sim, o maior impacto será em crioulo. + +No caso do crioulo ser oficializado, qual crioulo acha que deveria ser? + +esta é que é uma grande questão. + +Há bocado falou-me do crioulo de Santiago… + +pois é! aí há variante de sotavento, variante de barlavento, isso agora, eu não sei, quer dizer, é muito complicado de responder, penso que merecerá um estudo profundo, não é? para ver qual das variantes poderá ser de facto aplicada… + +E segundo os critérios que pensa… para si quais são seriam os critérios a ter em contana escolha? + +bom, os estudos dirão, não é? falarão por si naturalmente. mas eu penso que a história mostra que o crioulo de Santiago, de sotavento, talvez seja mais profundo, não é? traga mais raízes, portanto, da nossa essência, da nossa cultura, enfim, da nossa razão de ser, do cabo-verdiano de hoje, não é? tendo em conta o passado, a escravatura, essas coisas todas. bom, eu não sou um especialista nessa matéria, penso que haverá gente melhor posicionada para se pronunciar sobre isso, não é? + +Mas neste momento, para si, o português deve continuar como a única língua oficial…? + +sim-não temos outra. + +Até que o crioulo se desenvolva? + +evidentemente até que o crioulo seja de facto… atinja de facto o estatuto desejado, não é? + +Há bocado, falamos do crioulo nas escolas e, na alfabetização de adultos, acha que o crioulo devia ser utilizado, ou poderia ser utilizado na alfabetização de adultos? + +bom, vai depender do que nós entendemos como alfabetização de adultos -- quer dizer se estamos a preparar um adulto para que de facto ele aprenda os meandros da vida portuguesa, penso que não fará sentido fazê-la de outra forma, senão em língua portuguesa. + +Porquê? + +porque a pessoa está sendo preparada para entrar na máquina administrativa, e a nossa língua administrativa é a língua portuguesa, penso que é analisando a questão neste prisma. + +Senhor X, como é que acha que os cabo-verdianos falam o português? Falam bomportuguês,razoável? + +os que estão cá? + +Sim. + +os residentes, penso que sim, que há um domínio bastante satisfatório da língua portuguesa. quer dizer… acho que se reparar, modéstia à parte, e sem intenção nenhuma de ferir ninguém, nem de escusar ninguém, mas se puser aqui um cabo-verdiano a falar a língua portuguesa, e colocar também ao lado, vá lá, um outro patrício, desta nossa África lusófona, vai ver que o cabo-verdiano não fica atrás, quer dizer, tem bom domínio, tem bom sotaque, se afigura mesmo melhor comunicador. + +Oque é para si falar bom português? + +aplicar as regras, ter uma boa dicção, falar com fluidez, não é? é dominar as regras gramáticas, quer dizer, ter sempre cuidado no emprego, não é? do… eu vejo que… uma coisa que eu estou sempre a reflectir-me sobre isso, muita gente quando utiliza o conjuntivo, aliás aplica o 'que', esquece que o 'que'pede conjuntivo, modéstia à parte, encontramos isso até em pessoas que muitas vezes não esperávamos. quer dizer, é preciso ter cuidado, isso é um dos grandes cuidados, quando aplicarmos a… também os advérbios de dúvida, devemos ter cuidado- eu entendo que quem domina minimamente a língua terá de preencher, digamos, essas lacunas. + +Admite a possibilidade de os cabo-verdianos falarem o português à maneira dos cabo-verdianos? + +acho que sim. quer dizer, o angolano também fala português à sua maneira, há um português angolano como sabe, não é? de modo que o cabo- verdiano também deverá ter a sua maneira, independentemente daquela maneira universal de se falar a língua portuguesa. + +Como é que vê essa maneira? + +bom, isto agora é um pouco complicado, porque a maneira, é a maneira de cada um. quer dizer aí nós não podemos assumi-la, mas pronto, se aparecer um português de cariz cabo-verdiano, como há um de Angola, há aquele sotaque -aquela coisa toda… + +Então, neste momento não existe, para si? + +não, não existe. + +E os cabo-verdianos falam…? + +nós falamos aquilo que devemos falar ou que saibamos falar, tendo em conta, tendo em conta o que aprendemos, não é? associado de certa forma àquilo que ouvimos. + +Acha que os cabo-verdianos seguem o português europeu? + +não, não é que sigam o português europeu, quer dizer, tentam aproximar-se do português europeu, mas não quer dizer… + +E acha que deve ser assim? + +não, não necessariamente, quer dizer, volto a dizer, o tempo dirá. não as pessoas… eu disse há bocado, quer dizer, falar o português, tem a ver com as expressões que eu fiz alusão, quer dizer, é o domínio da gramática, saber por que razão é que estamos a empregar esta ou aquela frase, essa expressão, falar, quer dizer, saber falar com fluidez, e haja boa dicção, enfim são esses aspectos é que se encontram. + +Eu não tenho mais questões, mas se quiser acrescentar algum comentário, alguma… algo que ache que não foi abordado, mas que ache relevante, esteja à vontade. + +muito bem, eu acho que fizemos uma abordagem, quer dizer, dentro das nossas limitações, não é?, não tenho, assim, digamos, muita coisa a acrescentar para além daquilo que eu já disse. gostei imenso, de facto, da forma como colocou as perguntas, portanto, digamos, do seu guião, do seu dialogo-só me resta desejar felicidades-não é? + +Obrigada. + +digamos, na sua tese de doutoramento, e penso que terá feito uma boa escolha, não é? portanto será um bom tema, de muito interesse, portanto, para Cabo Verde, muito particularmente para os cabo-verdianos que precisam saber muito sobre o crioulo, portanto, e a língua portuguesa, naturalmente, a correlação que as duas fazem, não é? que as duas fazem. mas fundamentalmente dizer que para que haja equilíbrio, o tão esperado equilíbrio, é necessário de facto que os especialistas trabalhem o crioulo, não é? da mesma forma que a língua portuguesa também fora trabalhada, para que ambos estejam digamos no futuro, no futuro próximo, de lado a lado na nossa sociedade. muito obrigado. + +Obrigada eu,mais uma vez. 2Idem" +INF25.wav,"X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista que agradeço, antes de mais. Gostaria que me dissesse, quando aprendeu a falar, antes de entrar para a escola, falava o crioulo ou o português? + +eu, portanto, falava crioulo. comecei em casa, portanto, com a minha família, aprendi praticamente a língua crioula. português, só depois de estar em contacto com o ensino básico mesmo. + +Mas não tinha qualquer contacto com o português ou já ouvia…? + +ouvia algumas palavras. + +De onde? + +portanto, bom, com familiares que vinham de Portugal, não é? portanto, irmãos da minha mãe que vinham de vez em quanto de férias, eu ouvia uma ou outras palavras, mas formar frases, ou mesmo, portanto, usar a língua portuguesa mesmo, construindo frases, assimde forma… correctas e completas não. + +Comunicação social, igreja…? + +também, exactamente, alguns contactos. + +E, actualmente, em casa, com os seus familiares, amigos, colegas…? + +falamos sim, sim… + +Colegas mais próximos? + +eu tenho mais contacto com a língua portuguesa mesmo é, digamos, na escola. mas saindo do recinto, com amigos, digamos, praticamente falo o crioulo. + +Na escola, com os colegas, fala português? + +com os meus amigos, colegas falo crioulo. mas com os meus alunos sempre português, mesmo fora da sala de aula, sempre português. + +Está bom. Como é que avalia a sua proficiência geral em português, o seu domínio do português? + +é assim, ainda considero, admito, que cometo alguns erros de concordância - se calhar prática da língua, quer dizer, digo que ainda não está muito fluente, não é? mas para o ensino, não é? tendo em conta o nível dos meus alunos, acho que tenho um bom nível. + +Falar, ler, escrever? + +falo-falo. + +Qual que… sente-se… gosta mais…? + +sinto-me muito mais à vontade, portanto, com a oralidade, e consigo me expor, falar assim, de forma aberta, sem problemas, consigo me expressar. mesmo, acho que… considero… admito que falo muito mais do que escrever. + +E leitura? + +leitura faço--gosto muito de ler, principalmente obras literárias. + +E o crioulo? + +crioulo ((risos)) + +Falar, ler, escrever… + +crioulo não, acho que não tenho muito hábito. houve altura portanto que eu tinha interesse de fazer qualquer trabalho, lembro-me, portanto, do tema que era, A interferência do crioulo na aprendizagem do português, eu estava a estudar na altura, e também, ah! e portanto, Os efeitos do contacto entre as duas línguas. porque eu tinha interesse nessa altura tive oportunidade de ler alguns textos em crioulo, mas não é fácil. também já tive uma cadeira que é Língua cabo-verdiana - tive oportunidade de estar mais em contacto com o crioulo. + +Mas não tem…? Prefere falar, ler ou escrever, português…? + +prefiro falar. até que eu sou da opinião de que há necessidade de haver mais obras literárias. já houve momentos que eu me interessei por essa área, para poder trabalhar, se calhar enveredar por esse caminho, ou escrever qualquer texto em crioulo, mas depois não fiz mais nada. mas eu gosto. + +Mas, prefere… digamos, em termos de português, prefere falar a ler e escrever? + +não, prefiro mesmo falar. + +E crioulo? + +crioulo, pronto já estou em contacto, é uma língua mais familiar. + +Mas prefere escrever, falar, ler? + +eu, se calhar prefiro as duas línguas, mas muito mais o português, porque eu sei que ganho muito mais com a língua portuguesa, tendo em conta os meus objectivos, mesmo fora do país. + +Não percebi. Prefere a língua portuguesa… como assim? + +prefiro, quer dizer, prefiro trabalhar muito mais a língua portuguesa, porque eu sei que de acordo com os meus objectivos… + +Estudarmais, não é? + +estudar mais, sim, se calhar ganho muito mais. + +Acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? + +ah! creio que em crioulo, acabo por expressar muito mais em crioulo. + +A falar. E a escrever? + +a falar. escrever, em português com certeza, porque não domino… + +E como é que se sente quando fala português? Sente-se a vontade…? + +sinto-me à vontade. + +Tem medo de errar, está atenta? + +é assim, se calhar depende da situação, com quem converso. se for na sala de aula, com os meus alunos, sinto-me muito à vontade. mas depende, se estou, portanto, a conversar assim, digamos, com pessoas idosas, pessoas assim com um grau de conhecimento muito mais elevado, se calhar fico um pouco nervosa, mas quando começo a falar, fico mais à vontade, e portanto… + +E quando fala crioulo? + +em crioulo? + +Como é que se sente? + +sinto à vontade também-- não, não há problemas. + +Domina o crioulo de Santiago, suponho. + +de Santiago. + +E crioulo de outras ilhas? + +doutras ilhas, portanto, Santo Antão que é mais difícil. mas de são Vicente eu consigo usar, portanto, consigo falar com mais facilidade. do Fogo também, o sotaque… + +Consegue falar… fala crioulo de…? + +sim, porque eu já fui a essas ilhas, portanto já fui à ilha do Fogo, ilha de são Vicente, portanto, tenho amigos, colegas de trabalho, etc. torna mais difícil comunicar com essaspessoas. + +Diga-me, sente-se mais à vontade quando fala crioulo ou português, lê crioulo ou português, escreve crioulo ou português? + +sim, sim. + +A falar, sente mais àvontade com…? + +sim, a falar sinto-me à vontade. + +Mais com o crioulo ou o português? + +((risos)) acho que com crioulo, não é? + +A ler e a escrever já sei. Já me disse com o português. + +sim, português. + +X, vou lhe pedir para pensar nas três pessoas, com quem mais conversa, fora seu círculo familiar, não é? E que me procurasse definir o perfil dessas pessoas em termos de idade, sexo, estrato social nacio… naturalidade. Não preciso dos nomes, portanto, é mesmo o perfil dessas pessoas. + +portanto, fora da… além dos familiares? + +Sim. Fora do círculo familiar. + +sim, normalmente converso com vizinhos, com colegas portanto de trabalho -são pessoas com quem me sinto… + +De entre os vizinhos,pode escolher aquele com quem mais conversa? + +portanto, tenho que dizer o sexo… + +Sexo, idade… + +tenho amigos, portanto, pessoas do sexo masculino, aqui do vizinho, há uma pessoa com quem converso muito, é uma pessoa amiga, não é? mas a idade… já estána fase adulta, digamos assim. + +Idade, mais ou menos? + +idade dos quarenta e tal, sim. + +E sexo? + +masculino. + +Masculino. E ela é natural de…? + +é um homem. é mesmo de Santiago, Cabo Verde. + +Encontram-se onde? + +aqui na minha casa, ou na casa dele, ou mesmo em convívios aqui mesmo na vizinhança. + +Certo. Efalam em crioulo ou em português? + +em crioulo. + +Que tipo de assuntos? + +portanto, assuntos se calhar familiares, coisas do dia a dia, questão de desporto, telejornal, assuntos de notícias, coisas do tipo. + +Assuntos assim mais oficiais, tipo política…? + +de vez em quando, um comentário. + +Mas sempre em crioulo? + +sempre em crioulo. + +Pode falar-me duma segunda pessoa? + +a segunda pessoa pode ser… portanto, tenho uma colega de trabalho, ela por acaso já trabalhou aqui, é portuguesa, já não vai trabalhar nos próximos anos – portanto, mas é uma pessoa com quem converso muito, é do sexo feminino (/risos)) + +Idade? + +está na… trinta… trinta e poucos, trinta e poucos, portanto, é uma pessoa humilde, muito profissional, se calhar é esta parte que me cativa mais. + +É portuguesa? + +portuguesa. + +Mas falavam em…? + +só português, ela não sabe, não fala. + +E encontram-se onde? + +na escola. + +Sempre na escola? + +naescola. + +Que tipo de assunto? + +vamos juntas, voltamos juntas, também falamos por telefone mesmo assuntos profissionais, a minha vida pessoal, eu desabafo com ela, pronto, coisas assim, há uma intimidade. + +Uma terceira pessoa? + +bem, fora da minha família? digamos, se calhar o namorado, não? ((risos)) + +Não, namorado é familiar. + +bom, amigos, eu tenho em todos os níveis, mas se calhar não há assim uma intimidade, de desabafo, de coisas íntimas, falamos de outros assuntos, não me recordo. + +Está bom… + +mas esses… com esses que são cabo-verdianos é usando a língua crioula. + +Certo. Normalmente, com que tipo de pessoas escolhe falar crioulo ou português? Familiares, amigos, colegas, superiores hierárquicos, autoridades, pessoas instruídas, sem instrução…? + +sim. + +Com que tipo de pessoas escolhe falar crioulo ou português? + +portanto, falo crioulo com amigos, mesmo colegas de trabalho, portanto se for à frente dos meus alunos, eu prefiro falar português, se calhar é porque o meu objectivo é fazer com que eles também gostem e usem essa língua, a língua portuguesa. crioulo, eu normalmente falo com os meus amigos, e mesmo com os meus familiares, mesmo com pessoas que já têm determinado cargo, estão nos seus postos de trabalho, mas temos uma intimidade, assim nós falamos crioulo, depende - não é? mas falo português, falo com falantes de português, pessoas que são falantes da língua portuguesa, ou então em situações formais, com pessoas desconhecidas, com quem estou a falar pela primeira vez. + +Está bom! E de que assuntos fala, normalmente, com essas pessoas? Por exemplo, disse-me pessoas… autoridades nos seus postos de trabalho, com pessoas estranhas, familiares… + +portanto, se tenho a intenção de fazer uma solicitação, um pedido, não de forma formal, assim… + +Oralmente? + +oralmente, falo crioulo, não é? tendo em conta que já nos conhecemos, posso telefonar, fazer um pedido, mesmo que seja assuntos de trabalho, várias vezes já tentei ter… se calhar para ter um trabalho extra, qualquer coisa assim, falo à vontade na língua crioula com essas pessoas, e também pessoas que têm cargo, mas que também são meus familiares, ou mesmo um cunhado, ou uma cunhada, já tenho uma certa intimidade, e eu falo crioulo. + +E se não for da sua intimidade? + +não, já falo português, porque assim… + +Quando viaja… Disse-me há bocado que fala crioulo de… + +De São Vicente. + +De Santiago, São Vicente, Fogo. Quando viaja para outras ilhas, não é? Por exemplo, ilhas de barlavento, fala que crioulo? + +falo crioulo. + +De São Vicente? Qual? + +com essas pessoas, às vezes mesmo brincando, eu tenho esse hábito. por exemplo eu já estive na ilha do Fogo, e a tendência, mesmo brincando, falo o crioulo da ilha da ilha do Fogo, e aqui também já falei muitas vezes, mesmo com o meu filho, porque o pai dele é da ilha do Fogo, então de vez em quando, brincando - eu falo crioulo de Fogo, São Vicente, portanto, tenho amigos que trabalham na TACV e falo crioulo… crioulo de são Vicente com eles. + +E como é que é a compreensão? + +não, com facilidade, não tenho… + +Compreende? + +sim, sim, sim. + +E as pessoas? + +mesmo eu, consigo falar sem problemas. + +Há bocado disse-me que falar crioulo ou português muitas vezes depende das circunstâncias. + +sim, sim. + +Importa-se de me falar um pouco disso? Os lugares e circunstâncias que usa o crioulo e oportuguês? + +quando, por exemplo, eu telefono, hoje mesmo de manhã eu liguei para a Telecom para saber a minha conta de telefone, eu não conheço a pessoa, então eu falei português. normalmente, quando faço esses telefonemas para sítios, mesmo para local informal, costumo me dirigir à pessoa, já falando em português, é sempre assim. + +Mercado, lojas…? + +mercado, normalmente, portanto, eu sinto que a língua que se usa é o crioulo. então uma ou outra expressão, assim olha, por favor, isso já sai em português, mas outras coisas acabo por falar crioulo com a pessoa. + +Nas repartições públicas…? + +não, nas repartições públicas… + +Assim, tipo hospital…? + +falo português. quando me dirijo às pessoas por exemplo, é a minha tendência, acho mesmo por questão de respeito, e... as primeiras palavras acabam por sair sempre em português, se calhar também do habito. + +Na escola, com os seus a… Na sala de aula, com os seus alunos, já me disse que fala português. E nos intervalos das…? + +com os alunos, nos intervalos continuo a falar português. agora, desafiando mesmo, tenho estado a despertar nos colegas que também… digo que há esta necessidade. + +Alguma vez usou o crioulo na sala de aula para se dirigir aos seus alunos? + +a... usando como recurso, digamos assim. porque trabalhando uma obra literária por exemplo, pode haver situações em que uma palavra, por exemplo, o aluno não entenda aquilo, temos que dar um exemplo, em crioulo diz-se assim. mesmo para explicar situações, quando há situações de interferência, construção de frase em que o aluno escreve, o aluno transfere aquela estrutura do crioulo para português, fica tal e qual crioulo, não é? então há necessidade de dar uma explicação ao aluno. mesmo para fazer… quando digo recurso, estou a falar duma palavra que é dita em crioulo, que aparece numa obra em crioulo, muitas vezes dizemos em português como é que se diz, ou então vice versa. + +E assim… para fazer uma explicação, manter um dialogo com o aluno…? + +não, tudo em crioulo não, nunca fiz. usando como recurso, mesmo para traduzir uma palavra, para dizer como é que se diz, em crioulo diz-se assim, para fazer com que o aluno compreenda. mas… + +E os seus alunos, dirigem-se…? + +sempre em português, sempre. desde o primeiro dia de aula que eu defino isso, fica claro, e nós falamos mesmo português, eu sei… é claro uma maioria tem dificuldades ((risos)) mas eu continuo a exigir. + +Certo. Diga-me uma coisa. Na escola ainda, mas não com os alunos, com colegas, funcionários, etc. director, etc. fala crioulo ou português? + +falo crioulo, falo crioulo, mesmo quando vou à direcção. eu acho que isso já esta imposta, não sei, é questão de hábito, mesmo a directora dirige-se para os professores em crioulo, a não ser em reuniões, quando temos conselhos pedagógicos, ou encontros com os coordenadores, aí falamos a língua portuguesa. + +Reuniões de coordenação? + +reuniões de coordenação também falamos português. mas agora numa situação informal, aí com a directora, falamos crioulo, eu falo crioulo. + +Pense na última semana, nesta semana que passou. Acha que falou mais crioulo ou português? + +não, mais crioulo. + +E durante mais tempo por dia, crioulo ou português? + +a... também crioulo. + +É capaz de me dizer três circunstâncias em que habitualmente fala crioulo, mas gostaria de falar português? E vice-versa, fala português mas gostaria de poder falar português nessa circunstância? + +a... é assim, acho que… já passei por esses momentos. quando eu estava, portanto, em Portugal, eu estava a defender um trabalho, lembro-me bem que é – análise morfo-sintáctica entre as duas línguas, estava a fazer apresentação daquele trabalho, então, houve um momento… os meus colegas colocavam-me DÚvidas, eles tinham aquela ficha, mas estavam a seguir a minha apresentação, mas houve um momento em que eles… eu sentia mesmo vontade de explicar aquilo em crioulo, porque se calhar explicando em crioulo, falando crioulo… mas eles não compreendiam, mas eu senti mesmo vontade de expressar, de explicar tudo aquilo mesmo a falar crioulo, mas não era possível porque não acompanhavam, mas nesse momento senti. às vezes na sala de aula também há situações em que, para que o aluno compreenda se calhar há necessidade. inclusive há colegas que já defenderam isso, defenderam, e dizem até que falam crioulo para fazer com que o aluno entenda -mas eu não… não…. não defendo a mesma opinião. + +Embora tenha sentido como que essa necessidade? + +ah sim! sim, sim. + +Vamos pensar no ouvir. Habitualmente onde é que ouve crioulo, onde é que ouve português? + +crioulo, na rua. portanto, nas paragens de autocarro, mesmo no cinema, praia de mar, esses sítios todos. mesmo aqui em casa, o crioulo… portanto… oiço o crioulo nas escolas, mas já nos intervalos, sala dos professores, basicamente. + +Sobre que tipos de assuntos é que ouve falar em crioulo, é que ouve as pessoas a falar em crioulo? + +assuntos… portanto… assuntos variados, é o desporto, portanto, mesmo um comentário, aquele noticiário, no telejornal, oiço… as pessoas fazem comentários falando crioulo, mesmo aqui em casa com os meus irmãos, portanto, falo crioulo, oiço crioulo, acho que oiço mais o crioulo do que o português. + +Alguma circunstância… ouve mais crioulo? + +oiço, a não ser que eu esteja a escutar a rádio, por exemplo, aí oiço português ou mesmo a seguir a RTP, não é? que eu… + +Não ouve crioulo na rádio, na televisão? + +não, na rádio sim, há aquele programa crioulo que é… + +O noticiário? + +noticiário, exactamente, noticiário. mas de vez em quando, DE VEZ em quando. mas falar, nos momentos que eu abro para ouvir, não é? o noticiário da uma, de manhã acordo, logo ligo a seguir o telejornal não é? não, sim, a RTP, oiço, sigo aquele programa Universidade Aberta, também fala-se português, quer dizer, nos restantes programas fala-se português, então estou mais em contacto… + +Na televisão portuguesa? + +portuguesa sim, RTP. + +E na televisão cabo-verdiana? + +à noite oiço é telejornal, depois do telejornal oiço a telenovela, assim, para distrair também é português, brasileiro, mas pronto. + +Na televisão cabo-verdiana ouve crioulo? + +crioulo, a não ser um ou outro comentário. quando há um programa, assim daqueles… mas eu acho que agora há mais programas em… portanto usa-se o português do que o crioulo, a não ser aquele programa de Matilde que… mas acho que já não há, já não se faz esse programa--sim. + +Bom. E ler? + +ler agora, em português. + +Só português? + +só português. mesmo porque, eu tenho aqui fichas, textos em crioulo, não é? mas tenho muitas fichas em crioulo, com textos mesmo, mas não tenho esse hábito, não me passa pela cabeça, vou apanhar esse texto em crioulo para ler- isso não, está fora de questão. + +Mas porquê? + +se calhar é porque… não sei, eu gostaria mesmo de fazer isso, mas a não ser que eu tenha uma necessidade, mas eu gosto de… se calhar mais tarde fazer algum trabalho em crioulo, e defendo que esta língua merece ser mais trabalhada, mais valorizada. + +E escrever, escreve? Costuma escrever em crioulo? + +não, dificilmente, difícil. por exemplo quando envio uma mensagem, por exemplo, por telemóvel, que eu faço sempre, mas em português, isso já sai, sai assim. + +Não costuma escreverem crioulo, portanto? + +não, costumo escrever, costumo escrever. mesmo tendo aquele ALUPEC em que vejo, portanto, a versão a parte fonética, mas aquilo não sai de uma forma prática. + +O que é que costuma escrever em crioulo, que tipo de textos? Bilhetes, cartas…? + +não, bilhetes não. + +O quê? + +não, quando eu… se começar a escrever, aquilo sai já naturalmente, e sai em português. + +Não percebi. Disse-me que escreve em crioulo. Então, o quê? + +não, estou a dizer, por exemplo, se escrevo uma ou outra coisa… + +Ah! Consegue escrever em crioulo? + +consigo escrever, mas quando penso escrever, sai naturalmente em português. a não ser quando… + +Uma ou outra vez que escreveu em crioulo, que dificuldades é que sentiu? + +dificuldades… é assim, aquela parte fonética, sentir o som, tenho que ver a grafia, será que é assim? - depois eu tenho que consultar para não trocar o fónico com outra consoante, é isso, mas já… + +X, quando está a falar crioulo, numa dada circunstância, o que é que a faria mudar para o português? Estou a pensar em chegada de alguém, mudança de assunto, por exemplo. + +sim, já me aconteceu. por exemplo, na escola, portanto, estava a conversar com uma colega, de trabalho… + +Em crioulo? + +em crioulo, exactamente. mesmo na sala dos professores, estava a conversar, então chegou uma aluna e disse, professora, eu precisava falar consigo - então eu mudei logo, porque falo sempre no português com os meus alunos, então obrigatoriamente mudei para português. + +E, por exemplo, se chega um superior hierárquico, uma autoridade? + +também, também, por uma questão de respeito, tratamento na terceira. + +Ah! Porquê respeito? Acha que…? + +se calhar é assim, se for um desconhecido, ou mesmo que seja uma pessoa com quem estou a manter contacto pela primeira vez, parece-me já uma situação mais formal, então eu já faço um tratamento na terceira, e mesmo português, na terceira. + +E vice-versa, está a falar português, o que é que a faz mudar para o crioulo? + +depende, uma pessoa… mesmo que seja uma colega de trabalho, não é? mudo imediatamente, estou mais à vontade e portanto… se calhar também depende… se a pessoa… se for uma pessoa que não tem hábito de falar português, ou mesmo não sabe mesmo o português, eu falo crioulo com a pessoa. + +E por causa do assunto? O assunto tem alguma influência nesta mudança de português para crioulo ou crioulo para português? Sei lá assunto íntimo, pessoal, familiar ou assunto mais oficial, mais sério. Isto tudo tem alguma influência na mudança de…? + +acho que também dependente da pessoa com quem falo. se estou a falar com… com uma pessoa, portanto, digamos assim, a conversa foi iniciada em português, portanto estando… estando a conversar com esta pessoa em português, e chegando mais uma ou outra que também fala, ou sente à vontade no assunto, também será melhor expressada, digamos assim, em português, eu prefiro continuar. mas se for uma pessoa que não entende, eu mudo para a língua crioula, para fazer com que essa pessoa entenda, mesmo que eu esteja a mudar ((risos)) de uma língua para outra, mas desde que haja compreensão, sim. + +Há bocado começou a dizer-me a sua opinião sobre o crioulo. O que é que pensa do crioulo, o que é que acha do crioulo? + +eu gosto… gosto do crioulo, e acho que e... o crioulo deve ser valorizado, não é? é uma língua que deve ser valorizada. e realmente… como eu estou em contacto com os meus alunos, eu sinto na pele, portanto, esta necessidade, porque os alunos escrevem com com muitos erros, erros de interferência, portanto, como eu disse há bocado, eles transferem aquela estrutura do crioulo para português, então se calhar é porque não conhecem bem a língua crioula, e não sabem escrever, e também não dominam o português, então eles preferem escrever o português como se fosse o crioulo. agora, sei que… pronto, é uma questão de tempo, não é? é uma questão de tempo, e uma questão de política de língua para ser adoptada, e leva muito tempo ainda, mas eu acho que devia ser valorizada. + +Mas porquê? Porquê leva tempo? Para quê esse tempo? + +tempo para que o aluno entenda as duas coisas. portanto, para ser como… há bem pouco tempo estavam, portanto, estavam a tentar lutar para que a língua seja oficializada, havendo, portanto, acontecendo isso, se calhar, ou passando a ser ensinada a língua crioula nas escolas, se calhar os alunos teriam oportunidade de ver as duas coisas de forma mais clara, mas isso leva tempo. + +Vamos lá ver. Acha que o crioulo deve ser oficializado? + +sim, sim, acho. porque e... estando oficializada, é como se estivesse também valorizada, é uma forma de ver a língua, como também, como a língua portuguesa, não é? + +Também? + +estando oficializada, ver esta língua como se fosse a língua portuguesa, é ver a língua crioula valorizada como se fosse a língua portuguesa também. quer dizer, passa a ser ensinada – então o aluno, desde muito pequeno, o aluno tem… tem… vê as duas coisas em pé de igualdade, pelo menos aqui, não é? + +No caso do crioulo ser oficializado, como é que ficaria o português? + +não, para mim o português mantinha, portanto o português fica como está, tem que ser língua… continua a ser língua oficial, língua de ensino, língua veicular - continua a ser a mesma coisa. mas o crioulo passa a ser conhecido, o aluno passa a conhecer as estruturas, passa a escrever, sabe, conhece as regras de escrita do crioulo, não é? + +Portanto, passaria a ser ensinado nas escolas como disciplina? + +nas escolas, como disciplina. + +E, por exemplo, ser língua de ensino de matemática, física…? + +não, língua de ensino o português. se calhar vendo o aluno, mais tarde ele tem de sair do país, tem de ir fazer seu curso, e ele não carrega consigo a língua crioula, não é? para ir estudar fora, então se calhar aqui, é como se estivesse a ver a língua crioula como um recurso mesmo à aprendizagem. + +Então, diga-me, portanto o crioulo e o português seriam as duas línguas oficiais? + +oficiais. + +E seriam usados para quê, com que funções? + +ah! o crioulo como, digamos, como uma disciplina em que o aluno aprende as regras de escrita do crioulo e… o que vai, portanto, lhe facilitar a compreensão do próprio português, porque ele já não confunde as duas coisas, vê as regras da escrita de cada uma das línguas, e o português continua no seu lugar, portanto, como uma língua oficial, língua de ensino, língua que é usada na sala de aula não é? + +E para escrever correntemente? + +o crioulo? + +Estou a perguntar, crioulo ou português? + +portanto, se ele aprende o crioulo, ele aprende a ler e aprende a escrever e… + +Mas, por exemplo, sei lá… estou a pensar em jornais, revistas, por exemplo… + +ah pois! não… + +Administração… veria o crioulo ou o português? + +aí pronto, aí se calhar, a pessoa vai adoptando. o português continua a ser utilizado nas situações formais, e pode haver colunas, digamos mesmo nos jornais, colunas, uma parte para o crioulo, e as notícias, portanto, podem ser divulgadas em português, não é? por uma questão de… de fazer com que a língua não perca, portanto, a sua identidade, o crioulo também, pode haver partes, momentos, ou mesmo uma notícia dita em português pode ser traduzida para o crioulo, não é? + +E por exemplo, se um cidadão se dirige a uma entidade pública por escrito, seriaem crioulo ou em português? + +pode continuar a ser em português, pode ser em português, mas por exemplo… + +Pode ser quer dizer que poderia também ser em crioulo ou deve ser em português? Ou tanto faz crioulo ou português? + +poderia… se calhar, isso tanto faz. porque estando numa equipa ou num grupo, se decidirem que a língua de comunicação, portanto, seja naquele momento o crioulo, tudo bem, falam o crioulo. + +Em caso de oficialização do crioulo, qual crioulo seria oficializado? + +eu… sinceramente, não sei. + +Para si, qual é o verdadeiro crioulo? + +como a minha… a minha língua é o crioulo de Santiago, estou mais à vontade, se calhar nesse sentido eu defendo que seja o crioulo de Santiago ((risos)) + +Por essa razão? + +por essa razão, enfim para me ser mais fácil a compreensão. mesmo a escrita, porque, das outras ilhas se calhar é mais difícil, mesmo a parte fonética, ou pronúncia, é mais difícil, teria que aprender muita coisa. + +Diga-me… digamos… como é que vê o desenho da situação linguística desejável para Cabo Verde? Só… crioulo e português já percebi. Só crioulo e português ou mais línguas? Como é que vê esse desenho? + +portanto… eu… estou a ver… não sei… não sei se entendi a pergunta, o desejo do próprio cabo-verdiano, como é que eu vejo neste momento a situação linguística em Cabo Verde, ou mesmo pensando numa situação futura? + +Numa situação futura. Digamos se pudesse dizer, em Cabo Verde vai passar a ser assim, crioulo, português… + +outras línguas. + +Só crioulo, só português, crioulo e português, crioulo, português e russo, como é que vê…? + +não, eu estou a ver o português, portanto, cada vez mais há uma tendência de valorizar muito mais o português, as pessoas aprenderem, 1ai se N pudeba, e mesmo penso que se está a fazer trabalho nesse sentido, do crioulo, do português, ser muito mais falado, e o português vai continuar a ocupar esse terreno, esse lugar, e cada vez mais vai-se trabalhar nesse sentido. agora o crioulo, ainda por muito tempo, estou a ver essa luta de oficialização, e continua a ser essa língua informal, essa língua de comunicação, mais usada, não é? nas situações informais, na rua. + +Mas o que é que pensa disso? Acha que deve continuar a ser assim, o que é que deve mudar, como? + +penso que tudo pode continuar, quer dizer, deve continuar. mas também tem que haver mais amor para a língua portuguesa, é preciso aprender mais, é preciso trabalhar mais porque senão… + +A língua portuguesa? + +a língua portuguesa. + +E o crioulo? + +e o crioulo, mesmo estando oficializado, mas é preciso fazer entender as pessoas, é… vai ser oficializada para ser valorizada, para a identi… fazer com que o povo seja identificado por essa língua, por esse elemento cultural, mas é uma disciplina, não é uma língua assim de comunicação. a não ser que as pessoas adoptem esse meio, a não ser que as pessoas queiram utilizar em situações, mesmo que sejam formais, mas que queiram utilizar o crioulo, mas que o português nunca perca o seu lugar de língua (?). + +Como é que seria a valorização do crioulo? Em que aspectos investiria mais concretamente? + +é portanto valorizar no sentido de dar voz, no sentido de ocupar um lugar, não é? que ainda não ocupa na escola, como uma disciplina, de aprender essas regras, de o cabo-verdiano mesmo saber, conhecer as regras de escrita da sua própria língua, não é só usá-la oralmente como nós usamos. eu estou a dizer uma palavra em crioulo, mas ao fim e ao cabo, não sei escrever esta palavra, então eu acho que por direito o cabo-verdiano deve saber escrever. imagina um estrangeiro pergunta, a palavra x como é que se escreve?  então, ele não sabe porque ele não conhece a parte de escrita, não conhece a grafia dessa palavra, daí que eu queria ver o crioulo, portanto a ser valorizado, não é? mas desde que o português não perca, as pessoas… eu acho que as pessoas temem que o crioulo venha a ser oficializado, e as pessoas esqueçam o português, e prefiram o crioulo porque é mais fácil, porque já sabemos falar. mas é preciso trabalhar nesse sentido, de modo que seja uma disciplina digamos assim, mas não uma língua que venha substituir o português. + +Há bocado falou-me da identidade do cabo-verdiano. Que relação estabelece entre o crioulo e ser cabo-verdiano? + +pronto, o crioulo, mesmo havendo essas variantes, mas é já… é uma língua - não é? uma língua com as suas características, então o cabo-verdiano é conhecido como cabo-verdiano por causa do seu próprio crioulo, não é? da sua língua. + +Admite por exemplo que um cabo-verdiano não goste ou não saiba falar crioulo? + +eu acho que todo o cabo-verdiano sabe, sabe falar crioulo, embora havendo - portanto aquela variedade toda, isto de o crioulo que dizemos o crioulo mais fundo - eu não… por exemplo, eu sei falar crioulo de Santiago, não domino o crioulo das outras ilhas muito bem, também mesmo aqui em Santiago não consigo falar crioulo por exemplo de Txon di Tanki-portanto da Assomada, das outras localidades. + +Mas esse crioulo fundo, esse crioulo aqui da Praia, qual é o verdadeiro crioulo? + +esse é que é o problema ((risos)) para dizer o verdadeiro, se calhar, digamos - se formos ver a origem ((risos))- é complicado, é complicado porque a língua está em constante transformação, então vemos a origem, nós sabemos portanto, o crioulo passou por fases, mas mesmo dizendo que agora estamos na sua fase propriamente ditacrioula, mas… verdadeiro é complicado. + +Estivemos a falar do crioulo… o que é que acha deste momento actual, em Cabo Verde, de nós podermos usar o crioulo e o português? O que é que acha dessa situação? + +de nós podermos utilizar as duas ao mesmo tempo? + +Sim. + +sim, acho que… portanto… + +É uma situação normal, natural, desejável…? + +sim, é, é normal. e é assim, eu acho que tem a ver com a preferência das pessoas, não é? porque já se fala as duas línguas, as pessoas vão falando, não há nada de obrigatório, então cada um opta pela língua que sabe mais. + +A X sabe sempre quando usar uma e usar outra? + +sim, sim eu sei. por exemplo eu estou com amigos, com pessoas com quem tenho uma relação íntima por exemplo, por exemplo uma situação, brincando -- muitas vezes já me ocorreu isso, estando aí na escola já falei por exemplo crioulo de São Vicente, só porque a pessoa com quem estou a conversar é da ilha de São Vicente, então os meus colegas dizem, ah! agora deste para falar crioulo de São Vicente! , hoje por exemplo, é crioulo do Fogo, mas se me apetecer falar o português, eu falo português. + +E como com que finalidades, normalmente, usa o crioulo e o português? Estou a pensar em coisas como namorar, pedir uma informação… + +sim, sim, exacto. + +rezar, orar, convencer alguém de algumacoisa, ou quando está irritada? + +exactamente, pois, portanto rezar já… se estou a ler, a fazer uma oração que já está escrita, uma coisa já fixa na língua, tudo bem, aí é decorado, é chegar e dizer. + +É português, não? + +português, como está na língua. mas se eu estou a falar, tendo em conta as minhas intenções, os meus pedidos, só falo crioulo. + +Fala crioulo. + +falo crioulo, também situações de namoro, normalmente falo português, existe situações que já falei em inglês por exemplo, escrevendo uma mensagem, escrevendo uma coisinha assim, simples. + +Disse-me namorar, com o seu namorado, português? + +nãoassim, não conversando, se pretendo mandar uma mensagem. + +Não pessoalmente? + +pessoalmente, crioulo. + +Quando está irritada ou fala…? + +quando estou irritada acho que falo crioulo, falo crioulo, não, falo crioulo mesmo. + +Bom e relativamente ao português, para si o que é que o português representa? + +para mim é uma língua muito interessante, uma língua portanto, outra vez, portanto tenho os meus objectivos com esta língua porque já é uma língua de comunicação, portanto já é uma língua veicular, eu preciso saber esta língua, eu preciso dominar mais, tenho os meus objectivos, de estudo. + +O que quer dizer com língua veicular? + +portanto, eu estou a dizer no sentido… quer dizer língua que é usada, língua que funciona, estando na escola é a língua de uso para ensinar as outras disciplinas, não é? logo tem que ser a língua de uso para funcionar para tudo, quer dizer que é… + +Estabelece alguma relação entre o português e a identidade do cabo-verdiano? + +português, a não ser a questão histórica que nós conhecemos, mas havendo portanto o português… a... porque há, nós sabemos, quer dizer, o nosso crioulo, a nossa língua crioula é já uma língua que tem aquela base lexical portuguesa, quer dizer que há, digamos, que há encontros ((risos)) encontros, palavras semelhantes, não é? mesmo a nível fonético. + +Para si, digamos. Para a sua… digamos assim, considera o português como uma das suas línguas, como a sua língua, na mesma… ao mesmo título que o crioulo, faz alguma diferença? + +tendo em conta que já não me identifico, não me consigo identificar como… quer dizer… a língua portuguesa é minha. como sendo aquela língua materna, a primeira, isso não, já não vejo as coisas desta forma. mas eu vejo, continuo a ver a língua portuguesa como a língua, portanto oficial, língua de aprendizagem, com quem ainda, com a qual vou continuar a manter as minhas relações porque vou continuar a estudar, preciso continuar a utilizar a língua portuguesa, etc., mas não uma questão de identidade. + +E no mundo de hoje, o que é que acha mais normal, mais comum, saber uma língua ou mais que uma língua? + +mais que uma língua. uma questão mesmo de necessidade, é mesmo… porque hoje em dia estamos… portanto, em contacto com povos, portanto pessoas de varias nacionalidades, não é? então há essa interacção entre pessoas, a necessidade mesmo de fazer amigos, às vezes há situações em que eu fico triste porque, por exemplo, não sei o espanhol, às vezes eu saio, por exemplo com a minha irmã que é medica, estudou em Cuba, então ela está a falar espanhol com os seus colegas, e eu fico lá fico a ouvir, com vontade, é uma língua bonita, não é? gosto daquela pronúncia, mas não consigo porque não sei espanhol, então é o francês e por aí em diante, outras línguas, então há mesmo essa necessidade. + +Diga-me uma coisa, X, acha… Com que tipo de pessoas acha adequado falar português e com que tipo de pessoas acha adequado falar o crioulo? + +bem, a primeira eu acho que, portanto, estando com um português, por uma questão de respeito pela língua, porque a pessoa não entende a nossa língua crioula, eu devo mesmo falar português, não é? + +Portanto, o português é adequado para pessoas que não percebem o crioulo? + +não percebem crioulo, não é? exactamente. também estando numa situação formal acho que devo falar o português, não é? situações formais. estando numa sala de aula também, tendo em conta que já é língua, como disse há bocado, veicular, língua de uso, não é? devo falar português, uma forma de valorizar esta língua, uma forma de fazer com que o aluno também use a língua, tenha… uma forma de despertar mais gosto, mais amor a esta língua. + +Diria então que o português é mais adequado a situações formais do que o crioulo? + +sim, quer dizer, é o que… já estou habituada a situações do tipo, vejo as coisas desta forma, portanto, embora… e... eu acabo por falar mesmo o crioulo, mesmo estando nessas situações, sinto-me mais à vontade, bom, como eu disse há bocado, se calhar por uma questão de respeito, sai mesmo o português. + +Mas acha que deve ser assim, que se deve continuar assim? + +não, não tem que ser assim, uma regra, não tem que ser uma regra, não tem de ser imposta. depende, se a pessoa… às vezes, à primeira, há quem diz, a pessoa com quem converso, mesmo sendo uma pessoa que desempenha um cargo, ou estando numa situação formal, diz, esteja à vontade, fala crioulo, ou mesmo se a pessoa iniciar a falar crioulo, já eu também falo. + +E assuntos, X. Acha que há assuntos que devem ser tratados só em português e assuntos que devem ser tratados só em crioulo? + +((risos)) não, acho que não. mesmo isso depende. + +Depende de? + +mesmo sendo… por exemplo se for uma notícia, agora estou a pensar é na notícia, sendo uma notícia, estamos a ler a notícia, estamos a fazer um comentário da notícia, acho que esse comentário podia ser tanto feito em crioulo como em português, não tem… agora depende da pessoa com quem eu estou a fazer esse comentário, não é? + +Portanto, o assunto, português ou crioulo…? + +tanto faz. + +Depende da pessoa? + +depende da pessoa. + +Diga-me uma coisa, qual deles o crioulo ou português, acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? + +a cultura? ((risos)) + +Estou a pensar nas manifestações culturais, por exemplo batuque, morna, funaná… + +não, isso agora, se calhar eu digo que é a língua crioula, acho que o crioulo -através do crioulo. + +Acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? + +sim, sim, acho que sim. + +Cinema, teatro… + +não, isso, cinema, teatro… + +Literatura? + +português, é já o português. + +Poesia, prosa? + +e..., eu… se calhar é porque já estou mais habituada a ler na língua portuguesa - se calhar defendo a língua portuguesa, mas também… havendo… se calhar também falta trabalhos em crioulo, trabalhos literários em crioulo, já não… não sei sinceramente, português mais, acho que através do português expressa-se melhor a cultura, mas em crioulo fica chata já a parte literária. + +E na alfabetização de adultos, acha que o crioulo deveria ser usado? + +a... na alfabetização de adultos, o português deve ser usado? + +O crioulo. + +o crioulo, se calhar na mesma óptica que eu disse há bocado, portanto, eles também, se calhar estando mais em contacto com o crioulo, para já estão mais em contacto com o crioulo, já conhecem porque falam, devem aprender também, devem aprender o crioulo, como se escreve o crioulo. + +Mas e o português? + +o português também. + +Então, devem ser alfabetizados nas duas línguas? + +as duas línguas, alfabetização em geral. + +Como é que acha que os cabo-verdianos falam o português? + +português? + +Bem, mal, à maneira deles? + +eu acho que os cabo-verdianos, é uma minoria… + +De um modo geral. + +acho que é uma minoria que tem um certo domínio. a maioria não, por causa da falta de prática, não há comunicação já em casa, que eu… como convivo com os alunos, com os pais dos alunos, quando eles vão à escola, então nós sentimos… sentimos isso, não há o uso da língua portuguesa, não há hábito mesmo de falar português. + +E então, falam mal, falam bem, falam à nossa maneira, o que é que pensa? + +eu acho que o português ainda não está bem falado, assim, pela maioria-- a... é uma minoria mesmo que fala, e fala bem, portanto, pessoas, digamos, com um nível de escolaridade alto, não é? professores e nem… até depende… mesmo os professores ainda têm… não falam bem o português. + +O que é, para si, falar bem, bom português? + +é saber, portanto, palavras, sem cometer erros. + +Que tipos de erros? + +erros de concordância, porque às vezes nós não sabemos, às vezes nós não sabemos, aqueles erros mesmo de competência, não sabemos. às vezes é um lapso - por exemplo, mas corrige-se logo. mas falar bem, é falar, portanto, sem cometer erros, é fazer concordância, é usar portanto vocabulários, não é? adequados, não é? fazer… haver uma certa coerência, uma coesão mesmo. + +Diga-me uma coisa. Por exemplo, falar português usando palavras do crioulo ou sons quese confundem com o crioulo, para si isso…? + +também isso considero incorrecto. + +Incorrecto? + +sim, por exemplo tenho colegas, por exemplo professores, que dizem em vez de coração, dizem 2korasonpor exemplo a... fazer então isso já é incorrecto. + +Fala-se, por exemplo, de português europeu, português do Brasil, português de Angola. Acha que os cabo-verdianos devem falar como? Como o português europeu, português brasileiro, português cabo-verdiano… o que é que acha? + +eu defendo sempre que nós aprendemos a língua portuguesa, a oficial, a língua padrão, não é? de acordo com a norma, eu acho que nós, os cabo-verdianos devemos continuar a aprender esta, não é? e continuar a falar mesmo esta língua, a europeia. + +Porquê? + +((risos)) nunca pensei nesse aspecto, mas tendo… uma questão de valorizar… uma questão de falar a língua… se calhar é a língua correcta, é a norma, é a que esta padronizada, então devemos continuar a seguir essa norma. agora falar as outras, se calhar em situações em que nos apetece, ou mesmo para mostrar que sabemos, ou mesmo para explicar, por exemplo há um conteúdo que se trabalha no 10º ano, que é, a variedade do português, o aluno fica a saber que existe essas variedades, tanto a nível fonético, semântico, etc. então aí podemos recorrer, fazer um levantamento dessas palavras, e trabalhar a fonética, o significado, mas não para usar. não posso estar a falar o português, por exemplo com os meus alunos, e estar a fazer uma pronúncia brasileira, porque senão faço passar algo que não é correcto, ele não deve aprender esse português como sendo o português padrão, tem que aprender o correcto, que já foi definido, que é o correcto mesmo, mas agora saber que existem as outras variedades. + +E admite, por exemplo, que exista ou venha a existir uma variedade cabo- verdiana do português? + +por exemplo que venha, e venha ser utilizada mesmo, seja imposta? eu acho que agora, na comunicação oral, isso já acontece. porque, por exemplo, nós falamos, na oralidade vamos admitir esses erros, ou então a pessoa usa uma palavra -por exemplo, já do crioulo. + +O que acha disso, dessa maneira de falar? + +((risos)) essa maneira… quer dizer, sabemos que na oralidade vai-se admitir - não é? mas eu prefiro… acho que as pessoas deviam é sempre fazer passar o correcto, porque as crianças aprendem, vão ouvindo, se calhar há quem fique com dúvida, há um estrangeiro que fica com dúvida, afinal, qual é o correcto?, então… + +X, não tenho mais perguntas, mas se tiver algum comentário, alguma questão que eu não abordei que ache relevante e que queira tocar, esteja à vontade. + +do crioulo, acho que não, por enquanto. + +Crioulo, português. + +por enquanto não. + +Então, mais uma vez, muito obrigada. + +Obrigada, eu. 1Tradução para português, Ah, se eu pudesse! 2Tradução para português, coração" +INF26.wav,"Professora X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A primeira pergunta que eu lhe quero colocar é a seguinte, antes de entrar para a escola, tinha aprendido o crioulo, o português, os dois? (…) Já sabia falar o crioulo, o português? + +Como, professora? + +Antes de entrar para a escola, como… criancinha. + +ainda só crioulo. + +Só crioulo? + +só crioulo. + +Só falava crioulo. Mas já tinha ouvido o português? + +já. + +E ouvia de onde? (…) Onde é que ouvia? + +eu… acompanhava os meus irmãos que iam para a escola, ouvia os professores a falar o português. + +Igreja, rádio..? + +na igreja, na missa ouvia o português. quando era criancinha, ainda não tinha o hábito de ouvir rádio, naquela altura... + +Portanto, só quando acompanhava os irmãos à escola… + +ou na missa. + +E hoje, em casa com os seus familiares? + +ainda continuamos a falar o crioulo lá em casa. + +falam crioulo. e com os seus amigos? + +com os meus amigos, quando começarem a falar em português, claro que temos de dialogar em português, mas caso contrário falamos em crioulo. + +E com os colegas de escola, os colegas de trabalho? + +normalmente falamos o crioulo, normalmente o crioulo. + +Diga-me, como é que avalia, como é que acha que é o seu domínio do português? Bom, muito bom, a falar, a ler, escrever? + +a ler, ler o português, eu considero muito bom porque procuro ler exactamente como está escrito. a falar, já não digo em termos de som, dado aquele hábito de falar mais o crioulo, mas procuro falar um português, posso garantir que é bom. + +E a escrever, como é que acha que escreve? + +a escrever, escrevo melhor do que falar. + +O português? + +melhor a escrita, sai sempre melhor. + +E o crioulo? + +falar, o crioulo. + +Falar, ler, escrever? + +falar o crioulo sim. mas ler já há alguma dificuldade, mais que ler o português, porque tenho mais o hábito de ler em português, escrever em português, -o crioulo é mais na oralidade. + +E diga-me, falar português falar, crioulo… Qual é que gosta mais, qual é que prefere, qual é que se sente mais à vontade? + +sinto-me à vontade em falar o crioulo. + +E gosta mais de falar português ou crioulo? + +gosto mais de falar o crioulo, porque consigo espelhar, exprimir, tudo aquilo que sinto. + +Acha que exprime melhor as suas ideias em…? + +em crioulo. + +Em crioulo. E a ler, melhor? + +a ler prefiro o português porque o crioulo não estou habituada a… a ver palavras em crioulo. leio, mas português com mais desembaraço, com mais facilidade. + +E a escrever, também…? + +a escrever é o português. + +Disse-me que fala… exprime melhor as suas ideias em crioulo do que em português. E como é que se sente quando fala o português? Sente-se intimidada, tem medo de errar ou está absolutamente à vontade? + +às vezes não estou assim muito à vontade, porque, de vez em quando, a gente pode errar, ou pode cometer erros. + +Mas fala com medo de errar ou…? + +falo, falo às vezes se sair qualquer coisa incorrecto, volto para trás, corrijo, e avanço para a frente. + +E sente sempre quando isso acontece? Dáconta? + +acho que dou conta. + +eu vou-lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversa fora da sua família, não é? As suas… pessoas da vizinhança, colegas… pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar. Eu não preciso de nomes, naturalmente, mas que me falasse dessas pessoas em termos da sua idade, sexo. o que é que elas fazem como actividade, se são cabo-verdianas ou não… + +as pessoas com quem mais falo… há uma mais ou menos da minha idade… + +Sexo feminino? + +sexo feminino. eu não sei… tenho intimidade mais com pessoas do sexo feminino de que com pessoas do sexo masculino. + +Certo. + +e há uma outra… + +Qual é a profissão dela, dessa pessoa? + +há uma que é professora. + +esta… que acabou de falar? + +essas são todas professoras. uma fizemos o curso, o primeiro curso… + +Uma de cada vez. Fale-me de uma de cada vez. Essa primeira pessoa que disse que é mais ou menos da sua idade… + +esta nós fizemos o curso e… ao mesmo tempo, antes tivemos habituadas a estudar… + +Bacharel? + +bacharel. estivemos a estudar disciplinas do curso complementar, a preparar para os exames, e mesmo nas actividades… + +Diga-me, esta pessoa, vocês encontram-se onde, em… no trabalho, em casa, na vizinhança…? + +no trabalho, às vezes nas reuniões do grupo que não têm nada a ver com… + +Que tipo de grupo? + +grupo… + +Grupo religioso? + +grupo religioso. e vou a casa dela, ela vai à minha casa, encontramos no caminho. + +Ela é professora também, do ensino secundário? + +ela é professora do ensino secundário. + +Vocês falam em crioulo ou português? + +só o crioulo. + +E que tipos de assuntos vocês falam? + +assuntos pessoais, assuntos íntimos, assuntos relacionados com o trabalho, vários assuntos. + +Assuntos da vida diária, da política? + +diária, politica muito pouco, mas… + +E quando vocês se encontram nas actividades do grupo religioso, vocês falam o quê, português, crioulo? + +sempre em crioulo. + +Sempre em crioulo? + +sempre crioulo. + +Segunda pessoa? + +segunda pessoa… se calhar esta a era a primeira, era a primeira, mas… + +Fala mais com esta que vai dizer agora? + +não mais. é assim, foi primeira, mas se calhar ficou um pouco mais afastada, ficou um pouco mais afastada. ela é mais velha do que mim, um pouco, um pouquinho, mas fizemos o primeiro curso, e… e no mesmo ano. e trabalhamos na mesma zona, íamos juntamente para o trabalho, voltamos juntamente, era ali no interior, no Rui Vaz, eu era a directora da escola onde eu trabalhava, ela também era directora da escola dela, vínhamos para Praia tratar de assuntos relacionados com o trabalho, o concelho naquela altura era concelho da Praia, vínhamos para a Praia tratar de assuntos relacionados com o trabalho, até ela dormia comigo em casa dos meus pais quando vínhamos à tardinha, só voltávamos de manhã para ir retomar o trabalho, e no domingo íamos à missa, eu ia para casa dela porque eu morava um pouco mais afastada… + +Eram vizinhas, portanto, também? + +não era assim bem bem vizinhas, não sei, não era assim muito distanciado, mas eu considero vizinhas pessoas que moram na mesma redondeza, podem sair até na rua, falar com a outra, sim, ela morava um pouco mais distante. só que eu saía da minha casa, passava por casa dela, e íamos juntas no caminho, voltávamos juntamente, e tínhamos uma grande relação, uma grande relação mesmo. + +Mas actualmente, não? + +ainda continuamos com aquela intimidade, mas só que dada a responsabilidade, ela com a sua família em casa, eu com a minha família, já… + +Com essa pessoa fala português ou crioulo? + +sempre crioulo. + +Sempre crioulo. Que tipo de assuntos? + +e... assuntos MUIto íntimos, muito íntimos, relacionado com o trabalho, relacionado também com a vida religiosa porque somos da mesma religião, também participamos em grupos religiosos, no mesmo grupo religioso, e falamos das nossas dificuldades, das nossas aventuras, dos nossas problemas, falamos de tudo. + +Está bom. E uma terceira pessoa, consegue dizer-me? + +uma terceira? actual? + +Actual. Uma terceira, mas actual, actualmente. + +actualmente. ela também é professora, mas é mais nova. a nossa amizade começou na preparação para exame para as disciplinas do… acho que é do ensino… do curso complementar, estávamos a estudar, encontrávamos de noite para estudar em locais, mesmo de dia para preparar o exame, ficamos com aquela amizade. depois ela fez… fez o bacharelato, também ela fez a formação em francês, fez a licenciatura também, agora está a dar aula, vamos fazer a caminhada juntamente, eu levanto-me normalmente às cinco horas, preparo-me, vou apanhá-la às cinco e meia, nós damos uma volta, duas, nós as duas, damos volta, conversamos durante o caminho, voltamos para casa, ela chega primeiro, depois… + +Continua. E vocês, falam em crioulo ou em português? + +crioulo, só crioulo. + +todo o tipo de assunto? + +todos os assuntos. + +Digamos sociais, da vida social, da política, religião…? + +social, política, religião, política, mesmo da vida íntima, tudo, só em crioulo. + +Normalmente, com que tipo de pessoas é que fala português? + +quando… por exemplo, na sala de aula, eu não consigo falar o crioulo com os alunos na sala de aula, mas desde o EBI, não me sinto bem a falar o crioulo com um aluno, com qualquer aluno na sala de aula. e mesmo no EBI, quando comecei a trabalhar, naquela altura era escola primária, mesmo na rua, eu falava com os meus alunos em português, mesmo no caminho, que eles encontravam no caminho, já fora do tempo de aulas, eu falava com os meus alunos em português, e obrigava eles a responder também em português. agora também no ensino secundário. na sala de aula, falo com os alunos… mas há alunos que são rebeldes! são teimosos! falam crioulo na mesma! mesmo comigo, mas eu exijo sempre, digo sempre que na sala de aula o nosso diálogo deve ser sempre em português, porque o crioulo, já sabem o crioulo, já dominam o crioulo, estão na escola para aprender, mesmo que for um bocadinho, de português. é falando que aprende a falar, portanto insisto com os meus alunos na turma para falarem em português, também se eu encontrar uma pessoa que não fala o crioulo, mesmo que fala crioulo, se falar comigo o português, a nossa conversa é em português, normalmente. + +E com superiores hierárquicos, autoridades fala o quê? + +o português, o português, às vezes há aqueles que podem optar por crioulo, falamos o crioulo. mas se começarem a falar o português, a nossa conversa vai ser em português. + +Portanto, digamos que crioulo fala com amigos, familiares… + +amigos, familiares… + +Colegas? + +colegas. + +E o português já com os alunos…? + +o português com os alunos, com pessoas que preferem o português, ou que falam exclusivamente o português. + +Com pessoas mais instruídas, fala o crioulo ou o português? + +isto depende, isto depende. há pessoas que optam pelo português, pronto, tenho que falar o português. se alguém falar comigo em português, pronto, tem que ser só no português. mas se falar comigo em crioulo… + +AX fala crioulo daqui de Santiago? + +crioulo de Santiago. + +Só? + +só, às vezes posso experimentar, ver qualquer coisa relacionado com o barlavento. mas… + +Quando fala com pessoas de barlavento, fala o crioulo de Santiago? + +eu falo crioulo de Santiago. + +Como é que é a compreensão? + +eu penso que… normalmente são pessoas que se calhar compreendem um bocadinho de crioulo de Santiago, mas às vezes uso alguns termos do crioulo deles para poderem… + +Mas porque não percebem, porque há dificuldade de compreensão? De um modo geral, como é a compreensão quando fala com pessoas de barlavento, usando crioulo de Santiago? + +eu penso que assim como não entendo exactamente aquilo que elas dizem no momento, isto é, às vezes é necessário repetir para eu poder compreender, da mesma maneira também as pessoas têm dificuldade em entender exactamente. + +E então usa o português? Alguma vez já usou, falou o português para falar com pessoas de barlavento, por exemplo? + +às vezes utilizo algumas palavras em português, mas não assim… + +Só palavras, não conversa mesmo. Com com pessoas de sotavento, usa o crioulo de Santiago? + +crioulo de Santiago. + +E como é que é a compreensão com essas pessoas? + +quando falo crioulo de Santiago? + +mhm mhm + +tudo fica claro. + +Compreendem? + +mesmo com aquelas pessoas que falam o crioulo profundo, há um crioulo profundo e há um crioulo… não sei se posso dizer quase aportuguesado, que usa muitos termos em português, não há dificuldade de compreensão. + +Mesmo que seja…? Não percebi bem. + +há pessoas que falam o crioulo profundo, usam por exemplo… + +E nesse caso compreende bem? + +eu compreendo. eu compreendo, mas eu não uso, só para não usar esse crioulo assim, porque eu considero que é um crioulo bastante atrasado em relação ao português. + +Diga-me uma coisa. Normalmente, escolhe falar o português ou crioulo em função de um assunto? Por exemplo, com os familiares fala crioulo. Mas que tipo de assunto fala com os seus familiares em crioulo? + +acho que qualquer assunto. + +Qualquer assunto. E com um superior hierárquico fala…? + +falo só português, porque eles também respondem em português, preferem português. + +Normalmente, que tipo de assuntos? + +normalmente é assunto relacionado com… como é que eu posso dizer? portanto, se vou ao ministério normalmente vou tratar de assuntos relacionados com o meu enquadramento, saber desta história, da situação, da carreira, a minha situação no ministério. + +Ok. E quanto aos lugares e contextos onde fala português e crioulo? Por exemplo, em casa, já me disse que é o crioulo, com… na vizinhança é o crioulo. Mas mercado, lojas, repartições públicas, lugares de lazer tipo restaurantes ou cinema, festas, o que é que usa o crioulo ou o português? + +normalmente quando vou a repartições públicas, se alguém que me está a atender-me prefere o crioulo, às vezes eu começo a falar, entendo que a pessoa está a falar o português, logo falamos português. + +Mas normalmente… quando está numa repartição, começa a falar o quê? + +às vezes eu começo por fazer uma introdução em português, mas se a pessoa responder em crioulo, vamos falar em crioulo. se me responder em português então falamos português. + +Na escola, nos intervalos… já me disse que com os alunos fala português sempre, mesmo nos intervalos, mas com os colegas, com o director da escola, coordenador, etc.? + +normalmente falamos o crioulo. + +Só o crioulo? + +normalmente falamos o crioulo. + +Nas associações, nos grupos religiosos de que participa, fala crioulo ou português? + +falamos crioulo. + +Falam em crioulo? + +falamos em crioulo. + +E cinemas, cafés,restaurantes…? + +normalmente é com os amigos-assim-falamos o crioulo. + +Crioulo, não é? + +a não ser que no meio haja alguma pessoa que não entende o crioulo, vamos falar o português. + +Alguma vez, na sala de aula, usou o crioulo para se dirigir aos seus alunos? + +há algumas situações em que já costumo usar o crioulo, um pouco. às vezes explico uma coisa em português, mas verifico que os alunos não querem entender, às vezes eu sinto um bocadinho de complexo ao transformar aquele assunto num bocadinho de crioulo para o aluno poder entender, olha, aquilo que estamos a dizer em português, em crioulo diz-se assim, assado, para ver se o aluno entende melhor. às vezes temos essa necessidade porque vejo que há muitos alunos que… apesar de tanta insistência, preferem falar o crioulo, às vezes eu finjo que não estou a entender, diga lá, mais uma vez, o que tu queres dizer? , não estou a compreender, e o aluno entende que não quero ouvir o crioulo, então tenta dizer o português. eu digo, devem falar o português, mesmo que mal falado, eu estou aqui para vos ajudar, a corrigir, a falar um português melhor. + +Mas diga-me uma coisa. Portanto, já usou o crioulo na sala de aula por sua iniciativa, para fazerexplicações, é isso? + +é sim, mas isto, raras vezes. + +Raras vezes? + +porque não me sinto bem na sala de aula em dirigir para um aluno em crioulo. + +Mas porquê, falar ou não…? + +porque depois que comecei a trabalhar, depois da formação, comecei a trabalhar sempre… eu ensino em português, procuro que os alunos dialoguem comigo em português, e não me sinto à vontade, acho que é um espaço que devemos dar prioridade ao português, não ao crioulo. + +Uma coisa, usa o crioulo para quê, com que objectivos? Estou a pensar em coisas como exprimir os sentimentos, rezar, dar ou pedir uma informação, manter um contacto, namorar, convencer alguém de alguma coisa, falar num assunto que a emociona, portanto, nisso. Com essas finalidades, usa o crioulo ou o português? + +ao rezar, normalmente nós aprendemos a rezar em português, e temos toda aquela história, tudo em português. + +Mas as orações já escritas ou mesmo que seja uma oração espontânea? + +às vezes, oração espontânea acabo por fazer em português. nem sempre, mas na maioria das vezes, sai em português. + +Certo. Namorar …? + +((risos)) namorar, se calhar às vezes pode vir uma ou outra palavra em português, se calhar para exibir, mas normalmente em crioulo. + +Em crioulo. + +em crioulo. + +E quando estáirritada ou emocionada? + +isso só se for na sala de aula com os alunos, para usar o português. se estiver em casa, logo faço em crioulo. + +Diga-me uma coisa. Pense nesta semana que já terminou, já passou. Falou mais crioulo ou português? + +ouvi mais o crioulo. + +Falar, falar. + +falei mais o crioulo. + +E durante mais horas seguidas, crioulo ou português? + +crioulo. + +Sempre crioulo. Porquê? + +porque as pessoas com quem falei e... preferiam o crioulo. são pessoas que muitas sabem o português, mas falam o crioulo. de vez em quando há alguma pessoa que eu encontro na rua, que tem aquela mania de falar o português. não sei se não conseguem exprimir em crioulo, falamos português. mas isso é muito pouco. + +Diga-me três contextos onde habitualmente fala o crioulo. + +crioulo? + +Casa? + +em casa. às vezes em grupos religiosos, normalmente, sou catequista, não sai tudo, tudoem crioulo, porque usamos textos bíblicos escritos em português. + +Mas quando estáa fazer a catequese às crianças, é em crioulo? + +a catequese, normalmente se utilizar uma passagem bíblica em português, às vezes acabamos por fa… comentar aquela passagem em crioulo. em crioulo porque mesmo as crianças sentem mais à vontade falando o crioulo. + +Claro. + +acabamos por falar o crioulo. + +Outra. + +mas as orações, as orações que nós aprendemos em português, sempre rezamos emportuguês, mesmo na catequese. + +Mais uma circunstância em que fala crioulo? Casa, já me disse, actividade religiosa… + +mesmo na rua. + +Rua? + +ao encontrar pessoas conhecidas, falamos. + +E o português? + +falamos em crioulo, só no caso daquelas pessoas que têm o hábito… porque algumas pessoas… não sei se viveram mais em países onde o crioulo é diferente do nosso crioulo, ou estão, estavam habituados a falar o português, preferem falar o português, encontramo-nos no caminho, falamos português. mas não uma conversa longa porque não são pessoas de tanta intimidade, mas aquilo que falamos é em português. + +E português, circunstância em que fala praticamente só português? Na sala de aula… + +por exemplo, na sala de aula, por exemplo em férias em Portugal, às vezes há situações que não nos permite falar o crioulo. + +Não. Estou a dizer aqui em Cabo Verde. + +ah! aqui em Cabo Verde. na sala de aula, o lugar onde o português domina -há mais hábito. + +Diga-me uma coisa. Em alguma circunstância falou crioulo, mas achando que devia estar a falar português, ou ao contrário, falou o português, achando que lá devia estar a falar crioulo? + +isto é quando… como eu disse, às vezes ao explicar um assunto aos alunos na sala de aula, acho que os alunos, pela expressão eu entendo que os alunos não estão a compreender. explico, explico, às tantas digo assim, agora vou dizer isso em crioulo para verem que não é assim coisa de outro mundo. + +Portanto, aqui falou crioulo mas querendo falar… + +sim. + +Mas acha que devia estar a falar português? + +eu acho que devia estar a falar o português, mas achei que era necessário e... para os alunos comparar aquilo que eu disse em português com aquilo que nós demos em crioulo, para poderem entender. + +E o contrário, falar português, achando que devia estar a falar crioulo, naquela circunstância? + +quando falo o português, é porque acho que de facto tem de ser português naquela circunstância. + +Naquela circunstância. Vamos pensar no ouvir. Crioulo. Onde é que ouve habitualmente o crioulo? + +em casa, ao andar na rua, nas nossas actividades religiosas, quando falamos o crioulo. + +Ouve mais o crioulo ou o português? + +mais, mais o crioulo. + +Mais o crioulo. + +a não ser na rádio. + +Rádio. Comunicação social de um modo geral…? + +rádio, normalmente. + +Crioulo ou português? + +mais o português. + +Mais o português. + +mas na televisão, estamos habituados a ouvir de tudo, mas se calhar há um predomínio do português. + +Para além de rádio, televisão, onde é que ouve… sala de aula, onde é que ouve o português? + +em Cabo Verde? + +Em Cabo Verde, sim. + +portanto há assembleias onde já participei em que a exposição, tudo é feito em português. + +Reuniões oficiais, digamos? + +relacionado com o português. + +Diga-me uma coisa, nas reuniões de coordenação, crioulo ou português? + +nas reuniões de coordenação falamos o português, e de vez em quando, há aquele hábito, aquele vício de falar o crioulo. + +Porquêvício? + +se calhar é porque conseguimos expressar-nos melhor, melhor em crioulo. + +E ler, costuma ler em crioulo? + +claro, costumo ler em crioulo. + +O que é que habitualmente lê em crioulo? + +às vezes há aquele livro de… acho que de Tomé Varela, aqueles livros assim escritos em crioulo, ou que têm tipo de poesia, coisas semelhantes, há pequenas histórias ou anedotas em crioulo. + +Romances, poesia…? + +poesia, mas romance em crioulo…! + +Nunca leu? Como é que… Mas lê frequentemente ou já leu? + +não, já li. + +Mas não lê frequentemente em crioulo? + +não, se calhar… + +Porquê? + +não encontro, se encontrar… + +E escrever, costuma escrever em crioulo? + +costumo escrever em crioulo. + +Habitualmente? + +não, não. + +Ou já escreveu em crioulo? + +já escrevi em crioulo, às vezes. + +Já escreveu em que circunstância? + +e…quer dizer quando… costumo mandar mensagens. + +Net, telemóvel…? + +telemóvel, para os meus filhos. em princípio eu estava habituada a dizer tudo em português, eles respondem-me em crioulo, às tantas passei a mandar essas mensagens em crioulo. + +Telemóvel e e-mail? + +telemóvel. + +E aqui escreve em português, sempre? E portanto, é só nessas circunstâncias que habitualmente escreve em crioulo? + +sim, sim. + +E escreve usando o ALUPEC ou… escreve… Como é que escreve? INFF26, eu procuro seguir um pouquinho daquilo que aprendi, aprendi. mas se calhar não… Durante o curso, não é? + +durante o curso, mas não com tanta rigorosidade, porque basta dar para entender, avançamos. + +Isto… sente alguma dificuldade em escrever o crioulo? + +sim, português para mim é mais fácil, o crioulo é mais… + +Que tipo de dificuldades é que sente quando escreve o crioulo? + +e… como é que eu digo? combinação de letras para formar sílabas. às vezes paro um pouco para pensar, como é que escreve tal som? que letras uso para escrever tal som?-às vezes. + +Mais alguma dificuldade? + +penso que não. + +Como é que é … Imagine que está a falar crioulo. Numa situação qualquer está a falar crioulo com umas pessoas, num contexto X. O é que é que a faria mudar para português? Deixar de falar crioulo e passar a falar português? + +a não ser dentro do contexto, estou-me me a recordar… qualquer mensagem pertinente em português, eu posso repetiraquela mensagem, mas às tantas… + +Portanto, para repetir uma coisa já dita. É isso? + +mhm mhm + +Mas por exemplo, imagine que está com uns colegas. Chega um superior hierárquico, uma autoridade. Está com as pessoas a falar crioulo, não é? Chega uma autoridade, um superior hierárquico. Isso faria com que mudasse para português? + +isso não aconteceu nunca, mas a sociedade, é muito capaz. + +Ok. Imagine que está com essas pessoas a falar em crioulo, sobre um assunto do dia a dia, um assunto trivial, digamos assim. Entretanto passam a falar de uma questão técnica do ensino do português ou uma questão oficial ou da escola. Isso faria com que mudasse para o português? + +penso que…(…) + +Por causa do assunto, por exemplo de um assunto comum, íntimo, pessoal, familiar para um assunto oficial? + +há casos em que há necessidade de passar para o português, há casos. + +Fale-me disso. Que casos em que… Quando é que isso acontece, mudar do crioulo para…? + +por exemplo, podemos estar a falar de um assunto, de repente… + +Tipo de assunto? + +e... assunto nas reuniões de coordenação, podemos recordar de… alguns pequenos textos escritos em português, há necessidade de repetir o texto, então repete-se o texto em português, repete-se o texto em português, porque traduzir o texto para repetir o texto já não faz sentido. + +Muito bem. Diga-me X, o que é que acha do crioulo, o que é que pensa sobre o crioulo, para si o que é o crioulo, como é que se sente em relação ao crioulo? + +falar, eu me sinto-me bem em relação ao crioulo, e depois como já ouvi dizer na possibilidade de oficializar o crioulo, eu penso sempre, felizmente, nessa altura eu já estarei fora do trabalho. + +Porquê? + +porque acho que vai ser muito difícil trabalhar o crioulo com os alunos, falar sim, mas quando chegamos no contexto da escrita, acho que vai ser uma miséria, o português é mais fácil. + +O português é mais fácil de escrever de que o crioulo? + +acho que é mais fácil, eu não sei se é porque eu aprendi desde o início a escrever em português. + +Ah! Mas acha ou não que se deve ensinar a ler e escrever o crioulo nas escolas? + +eu, da minha parte, francamente eu acho que deve-se ensinar… continuar a ensinar o português, acho. + +Então acha que não se devia ensinar o crioulo nas escolas? + +acho que não se devia. + +Porquê X? + +acho que vai ser mais difícil, pelo menos para os professores que já trabalharam vários anos ensinando em português, agora voltar para o crioulo vai ser muito difícil mesmo, talvez para um que tenha iniciado em crioulo, tudo seria diferente. + +Há bocado falava-me da oficialização do crioulo. Acha que o crioulo deve ser oficializado? + +eu, da minha parte… (…) + +Acha que não? + +acho que não. + +Porquê? + +acho que não, porque eu penso que… eu imagino um professor a trabalhar tudo, a ensinar tudo, a transmitir tudo em crioulo. até oralmente vamos, mas quando chegar na altura de escrever, penso que isso não vai sair bem, porque… + +Mas os professores não poderiam… ou a própria X, não gostaria de apreender a escrever em crioulo, a ler em crioulo? + +por acaso nas aulas que eu tive e... portanto, durante a formação, tivemos a oportunidade de falar o crioulo. até acho muito piada, num ambiente onde se fala normalmente, normalmente, o português, a gente começar a falar o crioulo, acho isso com muita piada, com muita piada. e aprendi, aprendi algo de novo no crioulo - tanto a escrever, a ler, mas eu prefiro, fazer tudo isso em português do que em crioulo. + +Diga-me uma coisa. Há pessoas que acham .. algumas pessoas dizem que o crioulo é uma língua, outras dizem que não é uma língua, é um dialecto; outras dizem que tem qualidade, outras dizem que não tem qualidade. A X o que é que pensa disso? + +em primeiro lugar eu penso que as pessoas que usam o crioulo, se calhar não aplicam nenhuma regra, não aplicam nenhuma regra. + +Mas é o crioulo que não tem regras ou as pessoas é que não usam regras? + +o crioulo tem regra, tem regra sim, mas a pessoa… as pessoas não conhecem as regras, não aplicam a regra. se utilizarem o crioulo sem utilizar a regra, eu acho que o crioulo não passa de um dialecto, e não pode ser uma língua, eu acho que só pode ser considerado uma língua, quando os… a gente aplica as regras. quando falamos o português procuramos aplicar a regra, a regra, para sair um português correcto, quando se fala português, tem regra, penso… isto é a minha opinião. + +O que é preciso para… Acha que o crioulo pode transformar-se numa língua? O que é que seria preciso? + +acho que é necessário ter o conhecimento das regras, do bem falar crioulo, para todos poderem falar um crioulo correctamente. + +Mas então o crioulo tem regras ou não? + +e... por aquilo que nós aprendemos durante aquele tempo de formação, há regra, há regra. + +Mas as pessoas não usam essas regras a falar? + +pessoas que usam o crioulo como linguagem materna, língua que aprenderam lá em casa com os pais, com os familiares, falam com os amigos, falam o crioulo de qualquer maneira, porque quando nós falamos o crioulo, eu não falo um crioulo puro, porque eu uso muitas palavras em português. + +Então, para si, qual seria o verdadeiro crioulo? De facto, o crioulo é qual? + +o verdadeiro crioulo eu acho que é aquele crioulo que é utilizado com aplicação, com respeito às regras do crioulo. + +Mas esse crioulo, por exemplo, não podia ser oficializado e ensinado nas escolas? + +até que pode ser, até que pode ser oficializado. mas para mim, mesmo, agora aprender aquele crioulo, como língua, eu acho que vai ser um pouco difícil, um pouco difícil. + +Bom. Mas pronto, sem ser só para si. De um modo geral, para os cabo- verdianos de um modo geral, os jovens, os menos jovens…? + +cada pessoa tem a sua opinião. os jovens, se calhar acham que escrever, estudar em crioulo, é mais fácil, porque acham que é aquele crioulo que usam no dia a dia. nós usarmos o crioulo como uma língua de facto, não é aquele que usamos no dia a dia, usamos de qualquer maneira, penso isso. + +Para si existe alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo? (…) Admite…? + +eu penso que… quando… por exemplo, já passei férias em lugares com vários amigos, ao ouvir uma pessoa falar o crioulo de Cabo Verde, logo sei que a pessoa é cabo-verdiana, eu identifico a pessoa pela língua que ela usa. eu nunca me lembro, por exemplo, de inglês eu entendo muito pouco para não dizer nada, para não dizer nada, se eu precisar de alguma informação, encontrei alguém no caminho e comecei a perguntar a alguém se falava o crioulo, começou a falar a sua língua, logo eu entendi que ele não entendia o crioulo, não entendia o crioulo, portanto quando uma pessoa fala o crioulo, logo, o crioulo de Cabo Verde, temos uma pessoa cabo-verdiana. + +E admite que algum cabo-verdiano possa não gostar do crioulo ou não saber crioulo? + +e... bom podem existir cabo-verdianos que não… não falam correctamente o crioulo, porque… pessoas que foram educadas desde o… portanto, da nascença, a ouvir o português dos pais, falam português, porque há pessoas… há cabo- verdianos, MUIto pouco, mas que falam o português. os pais falam com os filhos o português em casa, os filhos respondem em português, e já quando falam… e para falarem o crioulo, há uma mistura, e bem nítida, do crioulo com o português, não conseguem falar o crioulo que nós falamos, e já não falam também o português. + +E o português, o que é que acha do português, como é que considera o português? + +eu acho o português uma língua interessante. eu não sei se estou a dizer errado, mas uma língua se calhar civilizada, porque normalmente, mesmo as pessoas que usam crioulo, falam um pouquinho do português, quando falam o português usam uma certa… deixam transparecer uma certa civilização, e quando falam o crioulo se calhar estão mais disponíveis a a mostrar que não são assim tão bem educados. + +X, diria que o crioulo é para… mais para pessoas sem educação, sem instrução e o português mais para pessoas com educação, com instrução? + +não, não é isso, não é isso que eu quero dizer. se calhar quando disse isso há bocadinho, foi para dizer, em português… como não dominam o português, não conseguem mostrar a má educação falando o português. + +Ah, ok! + +falta expressão para mostrar a falta de educação em português. + +E relativamente ao português e ser cabo-verdiano? Há bocado disse que ouve uma pessoa a falar crioulo, identifica logo essa pessoa como cabo-verdiana, certo? E o português tem alguma relação com o ser cabo-verdiano? Admite… + +eu acho que tem relação com o ser cabo-verdiano. + +Como assim? + +porque apesar da nossa língua materna é o crioulo, mesmo aquelas crianças que não ouvem falar o português lá em casa, quando vão para a escola, ouvem o português. + +E então? + +apreendem o português, falam o português, apesar de existir uma diferença entre a pronúncia de um português e um cabo-verdiano, e um português mesmo. mas diferença na pronúncia, entendemos logo. + +A X diria que o português é uma língua nossa tanto como o crioulo, em igual pé…? + +não, eu acho que o crioulo é uma língua nossa mais do que o português, porque se fosse o português a língua nossa, nós usaríamos mais o português nos nossos contactos, na nossa comunidade. se agarramos no crioulo mais, é porque o crioulo é mais cabo-verdiano que o português. + +O que é que acha desta situação de nós usarmos o crioulo e o português em Cabo Verde? O que é que pensa desta situação? Acha que é normal, que é natural, traz problemas? + +eu acho que não traz problemas, eu acho que é normal. o crioulo em Cabo Verde se calhar é uma língua primeira. é uma língua primeira. o português apesar de ser a língua oficial para os cabo-verdianos, é uma língua segunda. + +Vê alguma utilidade, alguma vantagem nesta situação, nesta possibilidade de nós termos de usar o crioulo e o português? Há alguma vantagem nesta situação de nós podermos, de nós termos essa possibilidade de usar o crioulo ou português? Vê alguma vantagem nisso? + +eu acho que tem vantagem, porque muitas vezes falamos o português, como estamos mais habituados a falar o crioulo, às tantas faltam TERmos, faltam termos que se calhar, mesmo na conversa ou na escrita, nós abrimos aspas e usamos uma expressão em crioulo, eu acho que é bom, é bom. + +Para quê? Para quê é bom falar o crioulo e o português? + +para… tentar expressar ou esclarecer algo que pensamos que só com o português não fica bem explicado, não fica bem compreendido. + +Acha que saber português aumenta a formação da pessoa, abre mais possibilidades? + +aumenta, aumenta sim. + +Como assim? + +aumenta sim. o português, eu não considero como o inglês, porque o inglês é a língua mais falada que o português. mas às vezes, se estivermos em situação de comunicar com alguém que não entende nada de crioulo, podemos até usar um bocadinho de português, e sermos entendido por alguém. + +Diria que aumenta… digamos, o português permite-nos ser compreendidos por um maior número de pessoas? É isso? + +penso que sim, penso que sim. + +E no mundo de hoje, o que é que acha ser mais comum, saber só uma língua ou mais que uma língua? + +saber várias línguas. porque há necessidade em que, como a história de 1Nhô Puxim, estive a ouvir uma há bem pouco tempo, ou anedota, em que ele esteve na situação, à frente de alguém, que eles não se compreendiam por causa de língua, ele disse, 2e... algen ku língua dentu boka ka ta sirbi pa nada-- é bom saber várias línguas, porque nesta situação, quando alguém não entender o português, ou até não entender o crioulo, se souber outras línguas, nem vou para o inglês, se soubermos o português, o cabo-verdiano fala português, tem o português, até o espanhol, que às vezes tem alguma semelhança com o português, mas se a gente não tem o hábito de falar o espanhol, não compreende, não consegue dialogar com a pessoa que fala em espanhol, a não ser que sabe um bocadinho de português, porque os espanhóis entendem um bocadinho de português, entendem. + +Acha que se devia continuar a usar o crioulo e o português em Cabo Verde, ou só o crioulo só o português, crioulo, português e outras línguas, o que é que pensa disso? + +eu acho que é muito bom. + +Usar? + +parto do princípio que oralmente dominamos o crioulo, mas é bom usar outras línguas porque há momentos em que nós temos a necessidade de comunicar com pessoas, pessoas que não entendem, não entendem o crioulo, então se soubermos a língua que a pessoa compreende, usamos essa língua. + +Usaríamos o crioulo e o português em Cabo Verde para quê? Estou a pensar em falar, ler, escrever. + +o crioulo, para mim, é falado, na oralidade. o português tanto oralidade como a escrita. + +E em que circunstâncias, para que assuntos, o crioulo e o português? + +bem, o crioulo se calhar com pessoas amigas, para tratar de assuntos íntimos ou relacionadas com as actividades de diferentes grupos em que as pessoas participam, essas pessoas participam, se calhar, mas penso que nas repartições, para falar com autoridades, superiores, eu acho que deve ser português, já que é nossa língua oficial. + +E porquê? Porque é a nossa língua oficial? + +eu acho que é o mais correcto, seria o mais correcto. + +Acha que o português devia ser a única língua oficial? + +eu acho que é mais fácil ter uma língua que é oficial, porque se houver várias línguas oficiais, às vezes pode então haver algum problema. + +Se fosse a X a escolher, escolheria o português ou o crioulo? + +eu, nessa altura da minha idade, já andei com o português desde os sete anos até agora que estou prestes a completar cinquenta e dois anos de idade, eu optaria pelo português. + +Porquê X? + +porque em termos de leitura, de escrita, acho que já domino o português, já domino o português. agora, falando de crioulo, se o crioulo for oficializado, teria que estudar a sério de novo, para poder falar em português, aplicando as regras. + +O crioulo, portanto. + +ou seja o português, aplicando… ou seja, o crioulo aplicando as regras correctamente, do crioulo. + +Qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? + +o crioulo, o crioulo exprime melhor a cultura de Cabo Verde. + +Está a pensar em que manifestações culturais? Morna, batuque, funaná… + +morna, batuque, funaná, finason. as pessoas… os artistas… principalmente de batuque, de finason, usam o crioulo. e muitas vezes usam aquele crioulo profundo, eu… eu acho muita piada ao ouvir esse crioulo, porque nas conversas do dia a dia, com os meus amigos, nós não usamos esse crioulo profundo -ando a ouvir uma cantoria de uma casa, duma vizinha nossa, com essas pessoas ali de Santiago, usam aquele crioulo profundo que muitas vezes os meus filhos acham piada porque… + +E diga-me, teatro, cinema a... poesia, romances, contos, crioulo ou português? + +eu … às vezes quando oiço um poema em crioulo, eu mesma fico curiosa em apreciar a letra, em apreciar a letra. + +Mas oquê, gosta não gosta? Qual é a apreciação que faz? + +gosto de ouvir, gosto de ouvir. gosto de ouvir, até ler a letra se possível, para ver como é que essas pessoas escrevem. + +Então, para si, a poesia devia de ser em crioulo ou em português? + +há situações que ouvir em crioulo é bom. mas ter sempre… ter uso também… ter poesias em português. nós que trabalhamos a língua portuguesa, nós não ensinamos o crioulo às crianças, é o português, temos de conhecer e de dominar poesias em português. + +Não. Estou a dizer os escritores cabo-verdianos, os poetas cabo-verdianos. Acha que eles deviam escrever em… as suas poesias, os seus romances, os seus contos, em português ou em crioulo? + +eu penso que devem escrever em português, escrever em português, porque penso que até à presente data, o português é a língua oficial. + +Portanto, poesia em crioulo, romance em crioulo… + +eu posso dizer, existir uma ou outra poesia, um ou outro romance em crioulo, se calhar a gente lêcom prazer, como piada, como passatempo, mas… + +Ah, ok! Percebi. + +caso contrário… + +E teatro? + +teatro, às vezes quando ouvimos o teatro em crioulo, também é uma coisa que fica interessante, porque ouvimos poucas vezes, poucas vezes. como por exemplo, há aquele artista, como é que ele se chama? agora está nos Estados Unidos… + +Não me lembro do nome. + +a mulher, quando ele estava em Cabo Verde, era Pinotxa- e ele… + +Mas o teatro, acha que deve ser em português? + +acho, em português sim. de vez em quando ter um ou outro teatro em crioulo, também seria interessante, a gente varia, não ouve sempre a mesma coisa. + +Diga-me uma coisa. Na alfabetização de adultos, acha que eles deviam ser alfabetizados em português ou em crioulo? + +bom, não costumo trabalhar assim na alfabetização, mas eu acho que devem ser alfabetizados em português. + +Porquê? + +o crioulo é uma linguagem oral, da fala, mas o português ainda é a língua oficial, é a língua dos documentos. se forem alfabetizados em crioulo, como é que podem ler um documento em português? + +Como é que acha que os cabo-verdianos falam crioulo, bem, muito bem, nem por isso, à maneira deles? + +eu acho que cada zona fala o crioulo à sua maneira. + +Zona como? Ilha ou…? + +ilha, mesmo dentro de Santiago, por exemplo aqui na Praia, estamos quase a falar o português em crioulo, não é? mas vamos para o interior… + +estamos quase a falar…? + +o português em crioulo, quer dizer que usamos mais vocábulos do português do que vocábulos propriamente do crioulo. + +Isto quando falamos crioulo? + +quando falamos o crioulo aqui na Praia, mas se formos para o interior… + +E quando falamos português? E aqui na Praia como é que é quando se fala o português? + +eu acho que as pessoas que falam o português, normalmente são as pessoas que têm um domínio sobre o português. + +Então, falam bem o português? + +falam mais ou menos. não digo assim tão bem porque sempre que escutamos uma pessoa a falar o português, a pessoa está a ouvir, sentimos algumas falhas, algumas falhas. + +O que é, para si, falar bom português? + +falar bom português, é ter a consciência daquilo que nós dizemos, não dar assim tantos erros, portanto é expressar bem utilizando a regra, a regra do falar bem português, eu acho. + +Você quando fala português… Há bocado falou-me disso, sons do crioulo. Acha que isso…? + +e...: + +Há bocado disse-me, as pessoas falam português com sons do crioulo.  + +quer dizer, quando uma pessoa está a ouvir falar o português, entendemos pela fala, pela pronúncia, que a pessoa é cabo-verdiana. + +Isso é bom ou é mau? + +se calhar é bom, para identificar o cabo-verdiano. é diferente de ouvir uma pessoa que é mesmo de Portugal, que tem o hábito de falar o português, mesmo o português incorrecto, mesmo ali em Portugal, todos não falam o português correcto -mas aquela pronúncia é diferente. + +Há pessoas que acham que existe ou devia existir um português à moda de Cabo Verde, um português cabo-verdiano. O que é que acha disso? + +então não é o português. + +Ou qual…? + +português, ou é português ou não é português. + +Português, qual é que é o bom português para si? + +eu acho que o bom português é o português que usa as regras, as regras próprias do… + +Então falar bom português, seria falar como os portugueses em …na Europa? + +não digo como os portugueses em Europa, porque, eu não sei…há aquela musicalidade que usam ao falar o português, a musicalidade cabo-verdiana é diferente, mas há que respeitar as regras, portanto… + +Que tipo de regras? + +as regras… + +De? + +da gramática portuguesa, da gramática portuguesa. aplicar bem, mesmo com aquela musicalidade do cabo-verdiano, mas é um português claro, é um português correcto. + +X, eu não tenho mais questões, mas se tiver alguma coisa, algum comentário, algo que queira acrescentar, esteja à vontade. + +não, neste momento não tenho assim coisas novas, não estou inspirada para… ((risos)) + +Então, mais uma vez, muito obrigada por esta entrevista. 1Humorista cabo-verdiano que usa a LCV + +ele é de Santiago. então às vezes ele dizia coisas, eu achava estranho, então eu gozava com ele, e ele também, quando eu dizia, ele achava estranho, ele gozava comigo. + +Mas tinham problemas de compreensão?" +INF27.wav,"X, muito obrigada por me ter concebido esta entrevista. A minha primeira pergunta é a seguinte, antes de entrar para a escola, aprendeu a falar o crioulo ou o português? + +crioulo. + +Falava o crioulo. E tinha algum contacto com o português? + +não, nenhum . + +Não ouvia em casa, na igreja, rádio…? + +rádio sim, mas igreja, eu não frequentava igreja. e em casa, os meus pais também não falavam português, era sempre em crioulo. + +Portanto, o seu primeiro contacto com o português…? + +portanto português foi na escola, na primeira classe, a partir da primeira classe. + +Está bem. E actualmente, em casa, com os seus familiares, amigos mais próximos, colegas, fala crioulo ou português? + +em ambiente de escola, eu falo sempre português. mesmo com os meus alunos nos intervalos, ou na rua, eu faço questão sempre de falar português com eles. mas em casa, normalmente, não falo português. + +Com os colegas? + +com os colegas, em determinadas situações, nem sempre. + +O quê, crioulo? + +ah! sim, com colegas falamos mais crioulo. + +Portanto, em casa… + +em casa normalmente eu não falo português. + +Com amigos? + +com amigos assim, também chegados, tambémnão, só crioulo. + +Como é que avalia o seu domínio do português, falar, ler, escrever? + +eu penso que é razoável. + +Razoável como? + +((risos)) + +E em crioulo? + +em crioulo também, eu acho que falo razoavelmente bem o meu crioulo. + +Qual é o seu crioulo? + +o meu crioulo é de são Vicente, mas eu falo também crioulo de Santiago, presentemente falo só o crioulo de Santiago. + +Neste caso, como é que avalia a sua proficiência no crioulo de Santiago? + +eu acho que é bom. + +Quando fala com pessoas de barlavento, usa…? + +normalmente crioulo de são Vicente. + +E de sotavento? + +de sotavento, eu falo crioulo de sotavento. + +De Santiago? + +de Santiago. + +Quando veio para aqui teve problemas em ser compreendida, quando chegou? + +a... aqui na Praia não. portanto, por exemplo, eu ia ao mercado fazer compras, eu falava e as pessoas entendiam. mas em Santo Antão, quando eu conheci o meu marido, então passávamos a vida a gozar um com o outro, ele fazia troça do meu crioulo, eu fazia troça do crioulo dele… + +Ele é de que ilha? + +não, não, compreensão não. + +Prefere falar, ler, ou escrever português? Qual é que gosta mais? + +eu gosto de falar. + +Português? + +português. + +Ler e escrever? + +ler e escrever, também português. agora escrever, eu às vezes, se eu tenho que escrever alguma coisa que eu acho que é de responsabilidade. então eu fico muito preocupada, tenho que fazer muito cuidado. + +E em crioulo? + +em crioulo… + +Fala, lê, escreve? + +não, eu falo e leio. mas escrever, também não gosto muito, eu me lembro ainda até quando eu estava na formação de… para ser professora de português, tínhamos aulas de crioulo, então eu tinha muita dificuldade quando o professor fazia- nos ortografia, eu não gostava, porque ficava atrapalhada a ver se… + +Diga-me uma coisa, falar crioulo ou português, qual é que prefere? + +eu prefiro falar português. + +A falar crioulo? + +mhm mhm + +Mas em todas as circunstâncias gosta mais de falar português que crioulo? + +por exemplo, se eu estiver com pessoas, suponhamos em reuniões com encarregados de educação, eu prefiro falar português. + +Porquê? + +porque, como eu não sou de Santiago, às vezes pode sair alguma coisa que não seja exactamente como se diz aqui em Santiago, e também porque eu sinto-me mais à vontade em falar português. não sei se pelo hábito do trabalho, eu consigo ficar mais à vontade falando português. + +Mas isso em qualquer circunstância ou só em circunstâncias de trabalho? + +em trabalho, em reuniões com encarregados de educação. + +E noutras circunstâncias? + +noutras circunstâncias, eu falo português, prefiro falar português. + +Português? + +sim, situações de… por exemplo, se for uma reunião na escola, com coordenadores, com colegas, eu falo português. + +Portanto, em que circunstâncias é que fala português e em que circunstâncias é que fala crioulo? + +crioulo, falo em casa. + +Em casa. + +na rua, uma situação de festas, por exemplo. + +E o português? + +o português é sempre em situação de trabalho. por exemplo, se eu vou a uma repartição também. tratar de algum documento, eu falo sempre em português. + +Mesmo que as pessoas…? + +mesmo que se dirijam a mim em crioulo, eu falo português. + +Porquê? + +talvez por hábito. porque… eu não sei, por causa, se calhar do tempo colonial, eu vivi nessa altura, e era hábito quando a pessoa ia às repartições usar português, então fiquei, se calhar, com esse hábito. + +Está bom. E crioulo prefere falar, ler ou escrever? + +falar. + +Escrever e ler…? + +ler eu leio, embora quando tenho que ler alguma coisa em crioulo de Santiago, é um bocadinho mais complicado. + +Acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo, em português, nas duas? + +conforme as situações. conforme as situações. se for numa situação de trabalho eu falo em português, e eu não tenho problemas em expressar as minhas ideias. agora se for em casa, numa situação familiar ou num encontro de amigos, eu prefiro falar em crioulo. + +Então digamos que exprimir melhor as suas ideias em crioulo ou português, depende de quê? Da pessoa…? + +depende… também da pessoa, e da situação, e se calhar também do assunto. + +Pode ser um pouco mais específica? + +por exemplo, se eu estiver… anteontem por exemplo, encontrei-me com um aluno, ele pediu-me para lhe fazer um requerimento, que era para ele pedir uma vaga no liceu. mas quando ele se dirigiu a mim, ele falou comigo em crioulo, e eu também a princípio falei em crioulo, mas quando ele me pediu para fazer-lhe o requerimento, já para saber os dados, eu falei em português. + +E como é que se sente quando fala português, sente-se à vontade, sem medo de errar, não pensa nisso? + +na oralidade, eu… não penso, se calhar sai automaticamente, mas se eu estiver a escrever, eu tenho que ficar muito tempo a pensar para escrever – portanto…não cometer erros. + +E quando fala crioulo? + +crioulo não, é mais automático. + +Seja de barlavento, seja de são Vicente, seja de Santiago. + +sim, Santiago. agora, por exemplo, quando eu vou para São Vicente, eu faço sempre questão de falar em crioulo de são Vicente. mesmo com os meus pais, ou pessoas conhecidas, na rua, eu faço questão de falar em crioulo de são Vicente. + +E quando se dirige de um modo geral a pessoas de barlavento? + +normalmente em crioulo de São Vicente . + +X, eu vou pedir-lhe para pensar nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar e que me falasse do perfil dessas pessoas em termos de idade, sexo, estrato social, nacionalidade… + +três pessoas? + +Três pessoas. Não quero nomes, mas situações das pessoas, o seu perfil geral. + +mesmo que a nossa comunicação seja em crioulo? + +Em crioulo ou em português. Pense nas pessoas, prioritariamente, independentemente de… + +ok. + +Portanto, a primeira pessoa, idade, sexo, mais ou menos… + +idade, mais ou menos, portanto, a primeira pessoa deve ter mais ou menos a minha idade, cerca de cinquenta, deve estar quase a ter cinquenta, feminino. + +Ela trabalha? + +trabalha sim, também é professora. + +É professora. Tem formação superior? + +tem, tem. + +E é cabo-verdiana? + +cabo-verdiana. + +Vocês falam em crioulo ou em português? + +em crioulo. + +Em crioulo. Sobre que assuntos? + +diferentes assuntos. por exemplo, quando vou a casa dela falamos de tudo um pouco, mas sempre em crioulo. se estivermos a falar de alguma coisa, por exemplo, ligado à nossa profissão, falamos em português. + +Pode me falar… Encontram-se em casa dela e…? + +às vezes em minha casa, outras vezes em casa dela. + +No trabalho? + +trabalho não, trabalhamos em lugares diferentes. + +Segunda pessoa. Também qual é a idade, sexo…? + +é masculino, cinquenta e um anos, também é professor, e falamos às vezes em crioulo, ou em português, também dependendo daquilo que estivermos a tratar, -se for por exemplo assuntos de escola, em português, e em minha casa. + +Assuntos pessoais, íntimos, etc. familiares…? + +em crioulo, mas se por exemplo, se estivermos a tratar de aulas, ou a fazer uma exposição, ou a fazer um requerimento, aí falamos em crioulo, e ajudamo-nos mutuamente, quando ele tem dúvida me pergunta, quando eu também tenho pergunto. + +E aí é em português? + +em português. + +Terceira pessoa? + +ah...: + +Sexo, idade… + +é feminino, também deve ser mais ou menos da minha idade. + +Também é professora? + +a... também é professora, embora neste momento não esteja a exercer o cargo de professor. às vezes, quando são assuntos assim pessoais, eu falo com ela em crioulo e ela também fala comigo em crioulo, mas tratando de assuntos do trabalho, é sempre em português. + +Assuntos de trabalho quer dizer assuntosrelacionados com? + +relacionados com o ensino. + +Pode… Portanto, às vezes fala crioulo, às vezes fala português. Com que tipo de pessoas fala crioulo e com que tipo de pessoas fala português? Estou a pensar familiares, amigos, já me falou, colegas, mas autoridades, superiores hierárquicos, pessoas mais instruídas, menos instruídas? + +menos instruídas, normalmente é em crioulo. mas com pessoas, assim, com uma determinada instrução, eu falo português. + +Sempre? + +sempre, sim. e principalmente se eu estiver a tratar de algum assunto assim -oficial, que exige falar português. + +Com falantes de outras… Normalmente com falantes de outras línguas, pessoas que não sejam cabo-verdianas, fala português ou crioulo? + +posso exemplificar com familiares? + +Sim. + +eu, por exemplo, quando eu vou de férias para os Estados Unidos, eu…ok, entendo um pouco de inglês, eu não consigo falar grande coisa, e então o meu irmão - por exemplo, ele recomenda sempre aos meus sobrinhos para falarem comigo em crioulo, porque eu não sei falar inglês, e então falo sempre em crioulo de São Vicente com eles, porque eles nasceram nos Estados Unidos, não sabem falar português. + +Na escola fala…? + +português. + +Sempre com os alunos, com colegas, …. + +sim, com colegas… + +Com o director, funcionários, os contínuos…? + +com os funcionários, com os contínuos normalmente eu falo em crioulo, com os contínuos. + +Mas com os colegas? + +com colegas falo português. + +Mesmo nos intervalos, na can…? + +não, nos intervalos não, nos intervalos, na cantina, falamos sempre em crioulo. + +E com familiares também em crioulo, amigos crioulo? + +mhm mhm. + +Portanto, mercado, lojas…? + +sim. + +Crioulo? + +sim, em crioulo. só se eu for a alguma loja em que por exemplo, as pessoas falem português. por exemplo quando eu vou à padaria Pão Quente, lá são portugueses, praticamente é só português, quando me dirijo a eles falo em português. mas se forem os empregados cabo-verdianos, eu falo em crioulo. + +Na escola, na sala de aula, já alguma vez utilizou o crioulo para se dirigir aos seus alunos? + +não, nunca. mesmo que os alunos tenham dificuldades em compreender português, eu nunca falo crioulo com eles, nem para tentar explicar alguma coisa. eu faço questão sempre de falar em português, se é alguma matéria que é complicada - se eles não entenderem, eu procuro explicar de uma forma mais simples, para ver se eles chegam àquilo que eu pretendo. + +E eles já se dirigiram a si em português, na sala de aula? + +alguns, mas a maioria, principalmente os alunos do 7º ano de escolaridade, dirigem-se sempre em crioulo. + +Ah é? + +sempre em crioulo. + +Sempre? + +aqueles que têm mais dificuldades, que é a grande maioria, é sempre em crioulo. + +Como é que depois se passam as coisas? + +não, eu digo, tu estás na aula de português, tens de falar português. fala, - se errares, eu corrijo para poderes aprender, e aí eles falam. aqueles que têm mais receio, que são mais inibidos, porque às vezes os colegas podem gozar, eu digo, ninguém goza aqui, ninguém faz troça, porque se fizerem troça, eu ralho com eles, eles não podem fazer troça de ninguém. + +Ese encontra os seus alunos nos intervalos, na cantina? + +eu falo sempre em português. + +E com os colegas? + +com os meus colegas professores, se estivermos, por exemplo, numa situação de um aluno chegar para conversar connosco, para tratar de algum assunto, é sempre em português, mas se somos só colegas, estamos a lanchar, eu falo é sempre em crioulo. + +Nos restaurantes, bancos, locais de lazer? + +se as pessoas que atendem falam crioulo, normalmente eu falo crioulo. mas se forem pessoas que falam português, eu falo português. + +Com que finalidades usa o crioulo e o português? Estou a pensar em coisas como exprimir os sentimentos, rezar ou orar, quando está irritada, quando fala de um assunto que a emociona. + +também depende do local. por exemplo, eu, se estou na escola, se estou na sala de aula, se eu tenho que ralhar com algum aluno, ou chamar a atenção assim com mais força, para mostrar a imposição, eu falo em português. mas se for em casa é sempre em crioulo, porque em crioulo eu acho que sai melhor, aquilo que eu tenho que transmitir, não é? eu por exemplo, como sou racionalista cristão, quando eu faço a minha irradiação é sempre em português, mesmo em casa é em português que eu faço, e quando vou ao Centro também é em português que fazemos as irradiações. + +Sempre? + +sempre em português. + +E quando está assim, irritada, e pragueja ou diz asneiras? + +às vezes sai em crioulo, automaticamente, mesmo que a pessoa não queira, sai em crioulo, e normalmente sai-me em crioulo de São Vicente. + +X, fale-me assim de três circunstâncias onde habitualmente fala crioulo, mas gostaria de falar português e onde habitualmente fala português mas gostaria de poder falar crioulo em naquelas circunstâncias? + +por exemplo, se eu estou numa reunião de trabalho, às vezes dá-me vontade de falar em crioulo, porque penso que aquilo que eu tenho que transmitir sai-me melhor. e às vezes, se calhar com receio de me enganar, apesar de ter muitos anos de trabalho, mas como o português não é a minha língua materna, sempre a pessoa fica assim um pouco receosa, não é? para não dizer alguma asneira, porque às vezes - mesmo estando com atenção, pode sair alguma coisa em crioulo. eu me lembro, por exemplo quando eu estava a fazer o Magistério Primário, depois de uma aula, dei uma aula, e depois fomos para a aula de crítica e autocrítica, então saiu-me uma coisa em crioulo, era vassoura e eu disse 1basora. + +E falar português… e fala crioulo, mas gostaria de falar português naquela circunstância? + +portanto, disse uma situação…? + +Portanto, a situação que acabou de descrever é uma situação em que fala português… + +ah! mas eu gostaria de dizer em crioulo? + +Ao contrário. + +o contrario… não sei… portanto, falando em crioulo, não é? + +Falando em crioulo, mas gostaria de, naquela circunstância, falar em português? + +falar em português, eu acho que não, nunca aconteceu. + +Não? + +nunca me aconteceu. + +Vamos pensar no ouvir. Habitualmente onde é que ouve o crioulo e onde e que ouve o português? + +português, normalmente eu oiço no trabalho, oiço na televisão, e na rádio. + +Crioulo ou português? + +português, eu… portanto, no trabalho, televisão e rádio. e crioulo em casa - na rua, de vez em quando na televisão, quando aparecem programas feitos em crioulo. + +Ouve mais o crioulo ou mais o português? + +se calhar é mais ou menos igual. eu, por exemplo, faço questão sempre de ouvir os noticiários, e eu oiço de Cabo Verde… + +Na comunicação social ouve mais português? + +e eu oiço da nossa televisão, e gosto de ouvir de RTP-África. + +E fora da comunicação social, na via social? + +navida social, acho que muito pouco porque eu … + +Muito pouco..? + +eu oiço português pouco, porque eu também saio pouco de casa, eu não sou muito de sair, não é? eu vou ao meu trabalho, e uma vez ou outra, eu tenho saído… + +Geralmente que assuntos ouve serem tratados em crioulo e que assuntos ouve serem abordados em português? + +coisas do dia a dia, não matérias assim, especificas. + +Em crioulo ou em português? + +numa língua e noutra, e há poucos dias atrás, em Junho-Julho, eu quase todos os dias encontrava-me com um senhor, na Achada, na casa de uma amiga, que… esse senhor é português, então ele veio cá para fazer um trabalho, acho com Polícia Judiciária, então ele é mestre de (?) então ele ia lá trabalhar com essa senhora - então eu fui lá algumas vezes, e sempre eu falei com ele em português, às vezes mesmo falando com a dona da casa, a Y- eu falava em crioulo, mas quando eu tinha que falar com o Z, eu falava sempre em português com ele. + +Que tipo de assuntos normalmente ouve em português? Também todo o tipo de assuntos ou assuntos mais… de outro tipo, diferentes? + +bom, eu às vezes vejo programas de televisão em português… + +Não. Assim… fora da comunicação social. + +fora da comunicação social muito raras vezes. + +Português… mais sociais, sérios, crioulo mais íntimo, familiar…? + +mais crioulo, mais crioulo. português, mesmo só em situações de trabalho -situações oficiais. + +E..., em alguma circunstância ouviu as pessoas a falarem crioulo, mas gostaria que elas estivessem a falar português ou vice-versa? + +às vezes na comunicação social, por exemplo na Assembleia, quando as pessoas estão reunidas nas sessões parlamentares, eu gostaria muitas vezes de ouvir aquelaspessoas que falam em crioulo que falassem em português. + +Porquê? + +porque eu acho… não somos só nós a ouvir essas sessões, há outras pessoas também que se interessam e que querem saber desse assunto, não é? como é política… + +(?) + +sim, como é em crioulo, não percebem. + +E o contrário, as pessoas a falar português, ouve português, mas gostaria de estar a ouvir crioulo naquela circunstância? + +não, não. + +Não. Não lhe ocorre? E ler? Já me disse que tem alguma dificuldade em ler o crioulo. Lê habitualmente em crioulo ou já leu alguma coisa em crioulo? + +não, de vez em quando, eu às vezes leio. por exemplo, se no jornal houver algum artigo em crioulo, eu gosto de ler, já li livros de Tomé Varela, em crioulo. + +Mas digamos, diariamente, habitualmente, lê em crioulo? + +não. + +Tem dificuldade em ler em crioulo? + +mhm, principalmente se for crioulo de Santiago. + +Mas que tipo de dificuldade? + +e... às vezes, no primeiro contacto, eu não consigo entender por exemplo, aquela palavra, não é? então depois, com cuidado, lendo a frase outra vez, eu consigo perceber o que é que a palavra quer dizer. + +E escrever, costuma escrever em crioulo? + +não, nem um pouco. já tentei, já tentei escrever. + +Mas habitualmente não escreve em crioulo? + +não, habitualmente não. lembro-me de ter feito um trabalho em crioulo, quando eu estava na formação, no bacharel. + +Mas gostaria de aprender ou de puder ler em crioulo? + +não, eu gostaria. eu gostaria de poder escrever correntemente, como eu escrevo em português, com algum desembaraço. + +Porquê? + +para poder dominar as duas línguas, tanto na vertente escrita como na vertente oral . + +Que dificuldades… É capaz de me dizer que dificuldades sente quando escreve o crioulo ou como não costuma escrever…? + +eu, das vezes que eu já tentei escrever, às vezes fico com dificuldade em escrever determinadas palavras. deixe-me ver… há dias eu vi qualquer coisa escrita em crioulo, e então eu fiz um comentário… deixa ver se eu consigo recordar qual era a palavra (…) não me consigo lembrar da palavra, só que estava escrito de uma forma, e eu achava que assim não devia ser, daquela forma, porque podia confundir com português, porque às vezes acontece isso, em algumas palavras escritas em crioulo, e então o comentário que eu faço, assim a pessoa pensa que é português, por exemplo, se for um português que não conhece o crioulo, vai ler aquela palavra como se fosse uma palavra portuguesa, sim. + +E gostaria que isso não acontecesse? + +sim. + +Há bocado disse-me que quando está, por exemplo, com um colega a conversar em crioulo, e entretanto chega um aluno, muda para português. Gostaria que me falasse mais desse aspecto de mudar de crioulo para português ou de português para crioulo. Digamos a chegada de um aluno, está a falar crioulo, a chegada de um aluno faz mudar para português. A chegada de que outro tipo de pessoas pode fazer isso também? + +se for por exemplo uma pessoa que habitualmente, habitualmente fala em português, mudamos para português. e em relação a um aluno, é para que ele possa ouvir português, porque já sabemos que eles ouvem português, muitas vezes, só naqueles cinquenta minutos de aula . + +E se chega uma autoridade, um superior hierárquico? + +se for por exemplo a nossa directora, se estivermos a falar em crioulo continuamos a falar em crioulo, porque ela também fala em crioulo connosco. mas se for exemplo o primeiro ministro, ou a ministra da educação, eu acho que mudaríamos para português. + +E o assunto fá-la mudar de crioulo para português…? + +não, eu acho que não. + +Imagine que está a falar com um colega, um assunto trivial, de repente passam a falar de um assunto técnico, profissional, isto faria com que mudasse? + +não, às vezes discutimos mesmo em crioulo. + +Nas reuniões de coordenação? + +nas reuniões de coordenação, às vezes falamos crioulo, mesmo estando a discutir a programação. + +Às vezes, quer dizer que também acontece em português? + +mhm, sim. + +Mas acontece todo o tempo em português, passam para o crioulo? + +não, parte falamos em crioulo, parte falamos em português. quando estamos a definir os objectivos, por exemplo, fazemos sempre em português. na oralidade e na escrita. mas se estamos ainda, por exemplo, a escolher os conteúdos - a escolher um texto, falamos em crioulo. mas quando vamos para a preparação mesmo, discutimos em português. + +E o contrário, estando a falar português e mudar para crioulo? (…) Chegada de alguém, por exemplo. Esta a falar português. Que tipo de pessoa a faria mudar para crioulo? + +só se for uma pessoa muito familiar. + +Muito familiar. E assunto? + +assunto, se calhar mudaríamos de assunto. + +Como assim? Não estou a perceber. Está a falar de um assunto em… + +de trabalho… + +De trabalho, em português. E passa a falar um outro tipo de assunto. Isso faria com que mudasse para o crioulo? + +depende, se calhar da pessoa, dependendo da pessoa. + +O que é que pensa do crioulo? Uns acham que é língua outros acham que não… + +eu acho que é uma língua, bonita. agora eu tenho uma opinião pessoal, por exemplo, acerca da implementação do crioulo nas escolas. + +Diga. + +porque eu acho que é uma coisa que não se deve fazer da noite para o dia, porque é algo que implica muito material, não é? muito dinheiro, é muito investimento. e teria que se fazer uma preparação, preparar professores para fazer esse trabalho, eu por exemplo… eu pessoalmente, não me sinto preparada para ir ensinar crioulo na escola. + +Digamos, admite que se deve ensinar o crioulo nas escolas, mas…? + +sim, mas com o trabalho necessário que deve ser feito atempadamente. + +E esse trabalho seria nomeadamente o quê? + +preparação de professores, manuais, todo o material que seja necessário para se ensinar uma língua, não é? para português precisamos de gramáticas, dicionários, e livros. também para o crioulo eu penso que são os mesmos materiais. + +Mas o crioulo em si, digamos como um meio de comunicação. Acha que… Quer dizer, há muitas opiniões. Há pessoas que acham que não é uma língua, que é um dialecto, não tem regras, uns que ainda não é uma língua… O que é que a X pensa disso? + +eu acho que é língua, e que se for possível utilizarmos a nossa língua tanto na comunicação social como na escola, eu penso que seria normal. + +Na escola, seria como uma disciplina ou como língua de ensino? Ou seja, seria uma disciplina…? + +eu penso que como língua de ensino não, língua de ensino não. porque devemos pensar nos nossos alunos que vão estudar fora, embora nem sempre o país de acolhimento seja Portugal, não é? porque às vezes eles vão para França, podem ir para um país que fale inglês, mas a..., penso que se souberem, por exemplo, falar bem ou minimamente o português, eles têm menos dificuldades em continuar com a língua francesa ou a língua inglesa, não é? porque saindo para fora, para ir estudar, eles não irão encontrar crioulo em nenhuma parte do mundo, crioulo é só aqui. agora podia aparecer como uma disciplina curricular, não como língua de ensino. + +E na alfabetização de adultos, acha que se poderia ou se deveria usar o crioulo na alfabetização de adultos? + +numa primeira fase acho que sim. para as pessoas ficarem mais à vontade, não é? mas depois podia-se ensinar o português. + +Porquê? + +eu acho que é uma língua como qualquer outra língua, as pessoas acabam por aprender, e ficam em vantagem porque aprendem mais uma língua, para além do crioulo. + +E o português, o que é que pensa do português? + +Como língua, ou...: + +Vou reformular. Que relação estabelece entre ser cabo-verdiano e o crioulo? Admite, por exemplo, que haja pessoas que não gostem do crioulo ou cabo-verdianos que não saibam o crioulo, não gostem do crioulo? + +hápessoas que têm essa postura, não é? talvez pela educação que tiveram em casa, habituadas a falar português, e estando nisso há muito tempo, podem achar que, se calhar, não vale a pena saber falar o crioulo, não é? mas como cabo- verdianos que somos, eu penso que toda a gente deve ter orgulho em saber a sua língua, e utilizar a sua língua, não é? porque é a nossa língua materna, é a primeira que a pessoa aprende ao começar a falar, eu acho que toda a pessoa devia-se orgulhar disso. eu gosto, por exemplo, do crioulo e, por exemplo, quando eu vou ao estrangeiro de férias, é uma alegria quando nós encontramos um cabo-verdiano e que fala crioulo, nós sentimos como se estivéssemos em casa. + +E que sentimentos tem relativamente ao português? Esse mesmo tipo de sentimento? + +eu acho que sim, português faz parte da nossa cultura, é uma herança cultural. eu acho que como língua, é sempre bom saber mais que uma língua, não é? e eu já ouvi pessoas a reclamar, já ouvi alunos a reclamar, por exemplo, quando eles não dominam o português, não fazem também um esforço para aprender, eles ficam a reclamar, ah! português não é minha língua, porque é que eu tenho que aprender a utilizar o português?, não é? mas eu acho que não é por aí. + +X, acha que o português é sua línguaao mesmo título que o crioulo? + +sim, eu sinto, eu sinto que se calhar é minha segunda língua, não é? apesar de ser língua utilizada só em situação de trabalho, eu sinto em relação ao português como ao crioulo. + +O que é que acha desta situação de nós podermos, aqui em Cabo Verde, usar ora o crioulo ora o português? + +eu acho que é bom, a pessoa não fica presa a uma língua, e tem a liberdade de escolher conforme a situação, não é? + +Acha então que se deveria então, continuar a usar o português e o crioulo em Cabo Verde? + +eu acho que sim. + +Porquê? + +é uma riqueza. + +Riqueza em que sentido? + +é uma riqueza cultural, permite-nos estar em contacto com os outros países que também como nós utilizam o português, não é? ler os seus livros, conhecer a sua cultura, as tradições, música… + +E acha que o crioulo deve ser oficializado ou que o português deve continuar a ser a única língua oficial? + +eu acho que podiam ser as duas línguas. + +E em caso de serem as duas línguas, se continuarem as duas línguas, ambas oficiais, elas seriam utilizadas para quê? Estou a pensar em falar, ler, escrever… + +eu acho que sim, para estas duas situações, no trabalho, na comunicação social. e a pessoa ficaria com liberdade de escolher, não é? usar a língua que se calhar tem mais à vontade de utilizar. + +E o português seria adequado para determinadas pessoas e o crioulo para outras pessoas, o crioulo para determinados assuntos e circunstâncias, e o português para outras ou��? + +eu acho que não se devia fazer separação, eu acho que não, que ficava ao critério da pessoa. agora só que aquelas pessoas que, por exemplo, não têm instrução, teriam dificuldades em utilizar o português, e aí, se calhar seria mais fácil para este tipo de gente utilizar o crioulo, não é? + +Portanto, se eu entendo bem, tanto o crioulo como o português seriam utilizados em quaisquer circunstâncias. + +sim, eu acho que sim. + +E seria a pessoa…? + +seria a pessoa a escolher. + +Para além do crioulo e do português, dessa continuidade, vê outra… Digamos, qual é o desenho linguístico ideal para si em Cabo Verde? Há bocado falou-me do inglês, do francês… + +não, não como línguas aqui em Cabo Verde. eu não sei se, por exemplo, se a língua francesa ou a língua inglesa, algum dia poderão vir a ocupar o lugar que por exemplo o português tem. eu acho que não, apesar de serem línguas ensinadas nas escolas, mas penso que não chegará ao estatuto que o português tem. + +E qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? + +se calhar dependendo das situações, não é? por exemplo, eu acho que numa situação em que as pessoas estão a dançar o batuque ou a cantar o batuque, se calhar o crioulo exprime melhor do que o português. agora se for por exemplo um livro, eu acho que tanto uma coisa como outra. + +Teatro, cinema…? + +teatro e cinema também. + +Portanto crioulo ou português? Preferencial crioulo ou português? + +não para mim tanto faz, e a... nesta situação pontual, se calhar de batuque, funaná, Kolá S. Djon, morna, se calhar o crioulo expressa melhor o sentimento das pessoas. + +E comunicação social, jornais, revistas, português oucrioulo? + +na comunicação social já se faz um pouco crioulo, não é? mas mesmo fazendo só em português, eu penso que as pessoas não têm dificuldades em entender - porque mesmo uma pessoa que… em relação aos jornais se calhar não, mas na comunicação social, televisão e rádio, as pessoas entendem, pode escapar uma ou outra coisa, mas o essencial a pessoa acaba por entender. eu costumo dizer aos meus alunos que, há gente que não… nunca falou português, nunca aprendeu português, mas fala-se português junto dessas pessoas e elas entendem, conseguem perceber o que se diz, se calhar é algo que mostra a estrutura do crioulo e do português não são muito diferentes, não é? já que essas pessoas, mesmo sem saber falar português entendem na oralidade aquilo que se diz, porque ouvem o noticiário, por exemplo. lembro-me quando era criança, que havia um tipo de novela que era transmitido na rádio, na altura não havia televisão, então todas as pessoas corriam para casa daquelas que tinham um rádio para ir ouvir, mas era dito em português, e entendiam tudo, depois vinham contar em crioulo para quem não ouviu. + +Este uso que já se faz do crioulo na comunicação social, para si e bom é suficiente? O que é que acha disso? + +eu acho que se calhar ainda é pouco, porque há aquela franja da população que se calhar gostaria de ouvir mais em crioulo do que em português, principalmente as pessoas que não são escolarizadas. + +Há bocado disse-me que acha que o crioulo deve ser oficializado. Que crioulo, qual crioulo? + +bom se calhar eles têm de decidir qual, não é? por aquilo que eu tenho ouvido dizer, normalmente é escolhido pelo número de pessoas que falam essa variante, não é? se calhar é o crioulo de Santiago que devia ser escolhido porque é Santiago que tem mais gente, há mais gente a falar o crioulo de Santiago, se calhar escolher-se-ia o crioulo de Santiago. + +Para si existe um verdadeiro crioulo, o crioulo mais fundo ou mais leve como as pessoas dizem? Há algum crioulo que, para si, seja o verdadeiro crioulo? + +não acho que há um que seja o verdadeiro, não é? agora que há diferenças, não é? há algumas diferenças entre os crioulos, há. porque, por exemplo, uma pessoa que tem instrução, se calhar já não fala um crioulo tão puro como uma pessoa lá do interior, que não está em contacto com a língua portuguesa, não é? porque há determinadas coisas que se calhar uma pessoa lá do interior, de Engenho, diz que já aqui na cidade, já não é habitual a pessoa utilizar. + +Mas portanto…? + +eu acho que o crioulo é o mesmo, mas há pequenas diferenças, tendo em conta se calhar o meio rural e o meio urbano. + +Como é que acha que os cabo-verdianos falam português? Acha que falam bem, mal, razoável? + +há uma minoria que se calhar fala bem. agora a grande maioria fala português… muitos têm dificuldades. + +De um modo geral, acha que as pessoas falam bem, razoável? Para além dessas pessoas que têm dificuldades, por escolarização, não é? As pessoas escolarizadas que falam o português? + +mesmo as pessoas escolarizadas, o português deixa muito a desejar. + +Que tipo de erro acha que as pessoas cometem? + +eros de concordância, não é? utilização correcta de dos modos verbais… + +E como é que acha que os cabo-verdianos deveriam falar português? Estou a pensar em português europeu, português brasileiro, a... português de Cabo Verde, de Angola… Os cabo-verdianos como é que acha que deveriam falar português? + +se calhar português de Cabo Verde, ou o português europeu. + +Entre os dois, falar o português europeu ou haver um português de Cabo Verde, o que é que pensa dessa questão? + +se calhar o português europeu em determinadas situações, porque se for português de Cabo Verde, aquele que é exterior a esse crioulo, se calhar tem dificuldade em entender alguma coisa. + +Esse português de Cabo Verde… fala-me dele. O que é que está a chamar…? + +eu não sei… talvez determinadas expressões ou palavras que eram usadas só em crioulo, não é? e que às vezes as pessoas metem quando estão a falar português, e se calhar pelo hábito passa a fazer parte daquilo que podemos chamar crioulo de Cabo Verde. + +Mas por exemplo essas questões de concordância, uso dos modos verbais…? + +não, concordância e modo verbal… eu penso que já a gramática… há regras para isso, deve-se utilizar como as regras mandam, é a minha maneira de pensar. não podemos vir aqui arranjar uma coisa nossa, não é? se o nosso português vem do português europeu, eu penso que não devemos estar a deturpar aquilo que já existe. + +X, eu já não tenho mais questões, mas se tiver algum comentário, alguma coisa que queira acrescentar às suas respostas ou alguma coisa que eu não tenha abordado mas que ache pertinente, esteja à vontade. + +acho que não. + +Então, mais uma vez, muito obrigada. + +não tem que agradecer. 1Tradução para português, vassoura + +para implicar melhor o cabo-verdiano, se for em crioulo identifica-se logo, que se trata-se de um povo cabo-verdiano, de uma pessoa cabo-verdiana. + +Deixe-me ver se eu percebo bem, X. Acha que o crioulo exprime melhor a identidade de Cabo Verde. É, digamos… é a língua em que se exprime melhor … a que exprime melhor a cultura de Cabo Verde. Certo?" +INF28.wav,"X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A primeira pergunta que eu gostaria de lhe colocar é a seguinte, o que é que aprendeu a falar antes de entrar para a escola? Antes de entrar para a escola primária, tinha aprendido a falar o português ou crioulo? + +o crioulo, o crioulo. o crioulo de Cabo Verde, ilha de Santiago. + +O crioulo. Sim. Mas, com certeza que já tinha ouvido o português, ou não? Antes de entrar para a escola já tinha…? + +antes de entrar para a escola eu acho que não, porque os meus pais falavam crioulo em casa. depois… + +Fale o mais alto que puder, está bem? + +está. + +Os seus paisfalavam crioulo em casa… + +sim, puro crioulo. + +Igreja, rádio… + +é só na Igreja, igreja… normalmente naquele tempo, o padre era português, faziam homilia em português, então, é só na igreja, antes de ir para escola. + +Nem rádio, nem nada? + +não havia rádio. + +E actualmente em casa com os seus amigos, em casa com os seus familiares, com os seus amigos mais próximos, e colegas, fala crioulo ou português? + +normalmente em casa é sempre crioulo. + +Em casa é crioulo. + +a não ser que… se for lá alguma pessoa falar comigo português para responder também em português. + +Familiares, de um modo geral, é português? + +não, familiares é tudo crioulo. + +Crioulo. E com os amigos mais próximos…? + +também nós falamos crioulo. + +Com os colegas daescola, colegas de trabalho? + +tudo é… falamos em crioulo. + +Como é que avalia o seu domínio, de um modo geral, não é? O seu domínio do português. Falar, ler, escrever. Acha que fala bem, muito bem, suficiente? Lê bem, muito bem, suficiente? Escreve bem, muito bem…? + +((risos)) eu normalmente… acho que falo mais ou menos bem, e também leio bem, muita gente gosta da minha leitura, tenho hábito de fazer leituras na igreja, portanto, sou sempre escolhida para fazer essa leitura… acho que leio bem. + +E escrever? + +escrevo também, bem. + +Qual é que gosta mais, de falar, ler ou escrever português? + +eu gosto mais de escrever português, e ler também. + +E falar, prefere falar o quê? + +eu prefiro falar o crioulo. + +E ler e escrever, crioulo ou português? + +escrever português. + +Prefere ler e escrever em português? + +português, sim. + +Diga-me qual é que… escrever e ler crioulo. Acha que domina escrever e ler em crioulo? + +não, não domino. eu tenho dificuldades em… tanto em ler como em escrever crioulo. + +Sente dificuldades em ler e em escrever crioulo. De um modo geral, exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? + +acho que eu exprimo as minhas ideias melhor em…em crioulo. + +Em crioulo. + +estou mais habituada a falar em crioulo. eu exprimo melhor. mas se for para explicar uma coisa a uma certa pessoa, então eu exprimo melhor em português do que em crioulo. + +Que tipo de coisas é que exprime melhor em português do que em crioulo? + +por exemplo, coisas relacionadas com assuntos da escola, eu exprimo melhor… + +Do trabalho? + +do trabalho…eu exprimo melhor em português. + +Porquê é que acha que isso acontece? + +eu não sei, deve ser por causa do hábito de falar com os alunos sempre português, então eu tenho melhor aptidão em explicar essas coisas em português. + +Portanto, há assuntos… se eu estou a perceber bem, há assuntos que exprime melhor em português do que em crioulo? + +sim, há. por exemplo, assunto de trabalho, assunto de… conteúdos científicos. + +Exprime melhor em português? + +melhor em português. + +Como é que se sente quando fala português? Sente-se muito à vontade, mais ou menos, com medo de errar, não pensa nessa possibilidade…? + +eu sinto-me bem, só que às vezes, ao falar… eu encontro às vezes… sinto que falho às vezes, isso por causa da… do crioulo. às vezes eu sinto mesmo uma falha ao falar. + +E como é que se sente quando se dá conta dessas falhas? + +às vezes finjo despercebida para poder… ficar mais à vontade. + +E… sente-se mais à vontade quando fala crioulo, já me disse, não é? Mas quando lê e escreve é português. Já me falou disso também. X, vou lhe pedir para pensar nas três pessoas… em três pessoas com quem mais conversa, fora do seu círculo familiar, fora da sua família, não é? Vai pensar nessas três pessoas e dizer- me como é que essas pessoas são, o seu perfil. Não preciso dos nomes, da identidade das pessoas, em termos de idade, sexo, o que é que elas fazem como trabalho, não é? O que é que vocês conversam, se em crioulo se em português, esse tipo de coisas. Pode pensar um bocadinho depois a gente começa. (…) Pessoa 1, pessoa 2, pessoa 3. (…) Já pensou? Portanto, uma pessoa. (…) Um colega de trabalho, um vizinho ou uma amiga. (…) Três pessoas das… de entre as pessoas com quem mais conversa, com quem mais fala. (…) + +pensei. + +Pensou? Então vamos lá ver. A pessoa 1 é… sexo masculino ou feminino? + +feminino. + +Feminino. Mais ou menos que idade? + +cinquenta e quatro ano. + +Cinquenta e quatro anos. (…) Ela trabalha ainda ou…? + +não, ela não… trabalhava, mas já há muitos anos que não trabalha. + +Trabalhava na sua…? + +trabalhava… acho que em Casa Serbam. + +Era empregada comercial? + +sim. mas há muitos anos que não trabalha. + +Empregada comercial. Ela é do meio rural ou urbano? + +é do meio urbano. + +É cabo-verdiana? + +sim. + +Com essa pessoa a X fala em crioulo ou em português? + +não, não. nós… nós falamos em português, em crioulo. + +Em crioulo? + +sim. + +Que tipo de assuntos? Estou a pensar assuntos íntimos, mais pessoais, familiares, problemas da vida, problemas sociais, política… + +nós? em principio nós falamos problemas… de assunto familiares, pessoais, assuntos íntimos. + +Política? + +É uma pessoa que nós… não, independentemente de política. + +Falam de política ou não? + +às vezes sim, às vezes não. algumas vezes. + +Menos vezes? + +sim. + +E assuntos sociais, do dia-a-dia, que acontecem na cidade? + +sim, esses assuntos. + +E falam em crioulo ou em português? + +falamos em crioulo. + +Falam em crioulo. E onde é que vocês se encontram? + +nós moramos numa casa que fica mesmo pegada. + +É da vizinhança, portanto. + +sim, ela mora ao meu lado. + +Pessoa 2? + +pessoa 2 também é uma pessoa amiga, nós somos colegas de trabalho. + +Feminino ou masculino? + +é feminino. + +Idade? + +tem a minha idade, 52 anos. e… nós trabalhamos juntos, e… fizemos… ela fez o magistério antes de mim, mas no ano seguinte eu fiz. fizemos o bacharelato juntos e… depois trabalhamos também juntos, somos… somos todos de São Domingos, e somos amicíssimas. + +E portanto, vocês falam em crioulo ou português? + +falamos em crioulo. + +Que tipo de assunto? + +normalmente falamos de… são os assuntos de trabalho, assunto de família, assuntos pessoais, sociais… + +E tudo em crioulo? + +tudo em crioulo. + +E vocês encontram-se também na vizinhança? + +não. nós moramos um pouco afastado, mas… + +Convivem no trabalho? + +sim, e visitamos… visitamos uns aos outros. + +OK. E a terceira pessoa? + +terceira pessoa também é uma colega de trabalho, é também professora, mas professora do EBI, morávamos na mesma casa, ela no rés-do-chão e eu no primeiro andar, e… somos amigas desde há muitos anos, relacionamo-nos bem, e falamos diversos assuntos também. + +Familiares…? + +portanto, assuntos familiares, assunto pessoal, assuntos íntimos… + +Política…? + +assuntos sociais, política. + +E falam em português ou em crioulo? + +nós falamos em crioulo. + +Sempre em crioulo? + +sempre em crioulo. é nossa língua materna… + +E vocês encontram-se onde, em casa uma da outra, na…? + +nós encontramos em casa uma da outra. agora ela mora longe de mim, mas ela vem visitar-me, eu também vou visitá-la. somos mesmo amigas desde… + +Está bom. Obrigada. Diga-me uma coisa, normalmente em que… em que lugares usa crioulo… lugares e circunstâncias… usa o crioulo e usa o português? + +crioulo eu uso, posso dizer, em todos os lugares… onde me encontro. + +Estou a pensar… casa já me disse que em português… vizinhança, mercado, lojas, lugar de trabalho… + +em todos esses lugares eu falo crioulo. em casa, na rua, no mercado, nas lojas. a não ser que eu encontro com uma pessoa que falasse comigo português para também responder em português. só que no trabalho, com os alunos, normalmente eu falo sempre o português. + +Na sala de aula? + +na sala de aula e mesmo fora da sala de aula. algumas vezes falo com eles na rua o crioulo, mas normalmente tenho hábito de falar com os meus alunos sempre em português. + +E com os colegas professores? + +com os colegas professores normalmente nós falamos… como há alguns professores estrangeiros que falam português, nós falamos português, mas… + +Com os cabo-verdianos? + +na altura de falar com os cabo-verdianos, uso sempre o crioulo. + +Quando foi directora do liceu, no seu gabinete, falava com os professores e funcionários, crioulo ou português? + +sempre é… quando trabalhei como directora falava sempre com os meus professores em crioulo. + +Com os alunos, na sala de aula, crioulo. Nunca … alguma vez se dirigiu aos seus alunos em portu… em… desculpe. Alguma vez se dirigiu aos seus alunos em crioulo, na sala de aula? + +não, normalmente não. na sala de aula… + +Nunca aconteceu? + +estou habituada a falar português, então… + +E os seus alunos, dirigiram-se a si alguma vez? + +às vezes dirigem em crioulo, há sempre um. mas como professora de português eu tenho sempre hábito de exigir que eles falassem em português. + +Normalmente, eles dirigem-se a si em crioulo para quê? + +para perguntar alguma coisa ou para dizer alguma coisa, às vezes para fazer uma crítica contra o colega. mas eu chamo sempre atenção porque exijo sempre que falem em português na sala de aula. + +Para além dos alunos, com que outro tipo de pessoa é que fala o português? Familiares já sei que não. Amigos, colegas. Mas, por exemplo, superiores hierárquicos, autoridades, pessoas instruídas, pessoas sem instrução, fala com elas português ou crioulo? + +normalmente aos meus superiores hierárquicos eu dirijo-me para eles sempre em português. às vezes também há alguns professores que sempre nós tínhamos o hábito de falar o português, eu falo o português. + +Falar com esses professores em português ou em crioulo depende de quê? Do lugar onde se encontram, do assunto, ou não…? + +às vezes depende do lugar onde nos encontramos ou às vezes também do assunto. eu também tenho hábito de falar português às vezes quando vou tratar algum assunto numa repartição. para melhor ser atendida, eu dirijo-me às pessoas em português. às vezes, a pessoa é atendida com mais facilidade. + +Mas como é que isso acontece? Dirige-se sempre em português ao… à pessoa que está lá, ou ela fala em crioulo consigo…? + +fala em crioulo, mas eu dirijo sempre em português. depois de falar comigo em crioulo eu tenho que falar em crioulo, mas se me responder em português, eu continuo a falar em português. + +E nos locais, assim de divertimento, festas, restaurantes, cinema, crioulo ou português? + +nesses lugares é sempre o crioulo. + +Sempre crioulo. E nas cerimónias oficiais, nos locais de culto religioso…? + +normalmente isso depende de… do ambiente em que decorre o culto, por exemplo… portanto, se uma pessoa começar às vezes em português, às vezes a outra pessoa é obrigada também a dirigir-se em português. mas depende do início do… + +Fala crioulo aqui de Santiago, certo? + +sim. + +e quando fala com pessoas de outras ilhas, que não de Santiago, qual é o crioulo que utiliza? Como é que fala com essas pessoas? + +normalmente eu utilizo sempre… para falar com pessoas das outras ilhas eu utilizo o crioulo de Santiago. mas às vezes… algumas vezes custa-me a entender o crioulo das outras ilhas. por exemplo… + +Barlavento, Sotavento? + +às vezes Barlavento é mais fácil para mim. + +Barlavento? + +sotavento, sim. + +Sotavento. Sim + +Barlavento torna-se mais difícil. por exemplo eu tinha uma… uma aluna que estudava em minha casa. falava connosco, nós nos entendíamos muito bem… + +Ela falava crioulo de…? + +ela falava crioulo… ela é de Boa Vista, ela falava crioulo de Boa Vista. mas depois, com intervenção do nosso crioulo também… então nós entendíamos o que ela nos dizia. mas quando, por exemplo, ela falava com o pai ou com a mãe, nós não entendíamos o que é que… + +Não entendiam mesmo? + +raras vezes, para entendermos… + +Alguma vez por exemplo a falar com pessoas de Barlavento, para se fazer compreender, ou para que elas se fizessem compreender, usaram o português? Houve necessidade disso? Alguma vez aconteceu? + +não, normalmente quando é crioulo… + +Vai em crioulo mesmo? + +sim. + +Há assuntos que prefere falar em crioulo e assuntos que prefere falar em português? + +normalmente como falo crioulo, qualquer assunto eu prefiro sempre falar em crioulo. + +Sim senhora. Diga-me uma coisa. Normalmente, com que finalidades usa o crioulo e usa o português? Estou a pensar em coisas como orar, rezar, exprimir um sentimento, falar de assuntos que a emocionam, que a irritam… Nessas circunstâncias… para esses fins… namorar… para esses fins, usa o crioulo ou português? + +ocrioulo. + +Mesmo para rezar é em crioulo? + +a não ser que as orações se encontram no livro por exemplo, então eu leio aquelas orações como se encontram no livro, em português. mas, normalmente -para fazer as minhas preces, eu faço sempre em crioulo. + +Normalmente, fala mais em crioulo ou em português? + +falo mais em crioulo do que português. + +Nesta semana que passou, a última semana que passou, por exemplo, falou mais crioulo ou português? + +mais crioulo. + +E durante mais tempo seguido, crioulo ou português? + +é sempre em crioulo, crioulo mais do que português. português eu uso, na maioria de vezes, é sempre na escola e no trabalho. + +Portanto, português é quase sempre na escola, no trabalho, de resto é…? + +é crioulo. + +Crioulo. Sim. Para… mesmo quando se dirige a superiores hierárquicos, autoridades, aí fala…? + +não. quando dirijo a superiores hierárquicos ou então alguma… identidade-assim, eu dirijo-me em português. + +E nas repartições públicas também…? + +Sim. + +Portanto, é nessas circunstâncias que utiliza o português. Diga-me uma coisa. Alguma vez usou o português nalguma circunstância, mas sentiu vontade de falar crioulo naquela circunstância? Ou circunstância onde fala o português, mas pensa podia estar a falar crioulo, ou gostaria de estar a falar crioulo neste momento? + +não, normalmente quando começo a falar português com uma pessoa não sinto, assim, vontade de falar crioulo. + +E o contrário, estar a falar crioulo e vontade de… achar que naquela circunstância devia usar português? + +também acho que é a mesma coisa. estou a falar o crioulo, eu sinto-me à vontade em crioulo. + +Vamos pensar no ouvir. Habitualmente, onde é que ouve o crioulo? + +em casa, na rua, no mercado, nas lojas… + +Sobre que assuntos ouve as pessoas a falar em crioulo? + +assunto familiar, assuntos pessoais, brincadeiras… + +E português, onde é que ouve o português? + +português, às vezes… é sempre que aparecer um estrangeiro, ou então se for a uma repartição… ou … nesses lugares. + +Rádio, comunicação social, igreja, ouve o crioulo ou o português? + +não, normalmente na rádio nós ouvimos o crioulo, e ouvimos também o português. + +Mais crioulo ou mais português? + +Acho que nós ouvimos mais o português do que o crioulo. + +E na televisão? + +na televisão também. dão notícia sempre em português. + +Ouve bastante televisão e rádio em portuguêsou em crioulo? + +em português. + +Em português. E ler, costuma ler em crioulo ou em português? + +leio sempre em português. crioulo, leio muito mal. + +Já leu alguma coisa em crioulo? + +já li. + +Em que circunstância? O quê? + +e… às vezes… já costumo ler livros de… publicados por algumas pessoas amigas. costumo ler crioulo. mas normalmente, não gosto de ler crioulo. + +Não gosta de ler. Sente…? + +sinto dificuldade em ler o crioulo. tanto em ler, como em escrever. + +Então, não costuma escrever crioulo também? + +não, costumo escrever, mas tenho dificuldades. + +Quando diz que costuma escrever é assim, escreve alguma coisa, várias vezes, ou já escreveu em crioulo alguma coisa? + +não. é algumas vezes. por exemplo, a minha mãe há cerca de dez anos que é surda. então, muitas vezes para falar com ela eu escrevo. às vezes escrevo em português, mas escrevo várias vezes em crioulo. + +Hoje em dia? + +Sim. + +Ah bom! + +ela tem quarta classe antiga, então, sabe ler bem, sabe escrever, então entende tanto o crioulo como o português escrito. + +E ela consegue… entende bem o crioulo quando escreve? + +entende sim. + +Como é que faz para escrever o crioulo? + +com os conhecimentos que adquiri na formação então… + +Mas usa o ALUPEC, ou…? + +oALUPEC. + +Usa o ALUPEC. + +sim. + +E que dificuldades é que sente quando escrevecrioulo, se sente alguma? + +às vezes sinto dificuldades por exemplo no som de algumas letras. + +Imagine…vamos imaginar o seguinte, está numa situação a falar crioulo com umas pessoas, não é? O que é que a faria mudar, passar a falar português? (…) Estou a pensar no seguinte, por exemplo, imagine que está com amigos a falar crioulo. Chega uma autoridade ou um superior hierárquico, ou um aluno. Isso faria com que mudasse, passasse a falar português? + +em princípio sim. se eu estiver a falar crioulo com uma pessoa, chegar um superior hierárquico ou uma pessoa que eu tenho hábito sempre de falar com essa pessoa em português, então eu dirijo para essa pessoa em português. + +Porquê, X? + +isso é devido ao hábito adquirido anteriormente. + +E o contrário? Imagine que está a falar português, por exemplo com os alunos. Chega um colega, isso faria com que mudasse para crioulo? + +também. é a mesma coisa. eu mudo para crioulo. se a pessoa falar comigo em crioulo, também falo com ela em crioulo. + +Mas, por exemplo, em caso de mudança de assunto. Imagine que está a falar com uma pessoa um assunto pessoal, familiar. Entretanto passam a falar de um assunto de trabalho. Isso faria com que mudasse do crioulo para português? + +não, continuamos em crioulo. + +Então, mudar de português para crioulo depende de quê? + +depende de situação. + +Podia tentar definir-me isto um bocadinho melhor? + +eu acho que depende de uma situação pontual. como acabei de dizer, se chegar uma pessoa, um superior hierárquico, que eu tenho hábito de falar sempre com essa pessoa em português, e essa pessoa sempre dirige para mim em português, eu desligo do crioulo e passo para… logo para português. nessas circunstâncias que eu passo do crioulo para português. + +Então depende fundamentalmente da pessoa? + +sim. + +Ou do assunto? Ou do ambiente? + +eu acho que depende de todas essas coisas ((risos)) se calhar mais da pessoa e também do ambiente. às vezes podemos estar num ambiente que fala só português. + +Que tipo de ambiente é que normalmente se fala só o português? + +por exemplo, uma reunião. numa reunião, às vezes, o dirigente da reuniãofala português, então nós também somos obrigados a falar português. + +X, há quem ache que o crioulo não é uma língua, que é uma língua que ainda não tem gramática ou que é ainda um dialecto. A X, o que é que acha do crioulo? + +eu acho que o crioulo é uma língua, só que não está oficializado e por isso torna-se difícil a compreensão dessa língua. na… tanto na escrita como na oralidade. + +Como assim? + +por exemplo, ainda muitas pessoas, incluindo eu por exemplo, não… não conhecemos ainda bem as regras gramaticais que se utiliza no crioulo. apesar que temos dicionários, temos gramáticas, mas o crioulo ainda dificulta muito. + +E acha que o crioulo deve ser oficializado? + +oficializado não digo. porque passar do português para oficializar, por exemplo, o crioulo, para ficar a utilizar apenas o crioulo, não é? + +O que é que acha? Devia ser só o crioulo, o crioulo e o português…? + +eu acho que nós já estamos habituados tanto com o português, que se passarmos a utilizar só a língua crioula como a língua oficial, a experiência não vai… da língua vai ter fracasso. + +Mas então, o que é que acha? Tanto o crioulo como o português deviam ser oficiais? O português devia continuar como única língua oficial? O que é que acha? + +na minha maneira de ver, acho que o português deve continuar como a língua oficial. + +Única língua oficial? + +sim. + +Portanto, o crioulo não deve ser oficializado? + +acho que o crioulo deve ser introduzido nas escolas porque é a nossa língua materna, acho que nós devemos ter conhecimento dessa língua. devemos aprender essa língua, aprender as regras da escrita. + +Se o português deve continuar como a única língua oficial, o crioulo seria usado para quê, então? + +para melhor aprendizagem, para a comunicação, tanto oral como escrita. + +E na escrita seria usada em que circunstâncias? Nas repartições, seria o português que é a língua oficial. O crioulo seria usado para quê? + +acho que… por exemplo, sempre que uma pessoa precisar de utilizar o crioulo então, nessa circunstância, utiliza o crioulo. às vezes há pessoas… há escritores, por exemplo, que utilizam o crioulo para escrever os seus livros. então é nessas circunstâncias que acho que o crioulo deve ser aprendido na escola. + +Quando diz aprendido, não imagina… imagina por exemplo que o ensino seja feito em crioulo? Por exemplo, matemática, física, etc., tudo ensinado em crioulo? + +não, estou a… acho que tudo em crioulo fica mais… eu acho que… só que… deve ensinar a língua por exemplo, como se utiliza para o francês e o inglês. ((A entrevistada atende o telemóvel)) + +E do português, o que é que pensa do português? + +o português, eu acho que é uma língua que não é fácil, mas já estamos com certo hábito. já estamos habituados a falar, a escrever, a ouvir essa língua - por isso eu acho que deve continuar nas escolas. deve continuar como língua oficial. é a minha opinião pessoal. + +Claro, claro. É isso que… é isso mesmo que eu quero. + +o crioulo, eu acho que deve ser ensinado também para os alunos aprenderem a ler, a escrever, como se ensina na escola a língua francesa e a língua inglesa. + +Mas porquê? Porquê o português assim e o crioulo assim? + +não. eu acho que o crioulo… como é a nossa língua materna, nós falamos o crioulo. acho que devíamos também aprender a escrever, e aprender as regras, as normas. + +OK. Nós aprendíamos. E aprendíamos para quê? Para usar o crioulo onde, com que pessoas, para falar ou escrever sobre que assuntos? Ou seja, o português ficaria reservado para certas pessoas, para certos assuntos, para certas circunstâncias e o crioulo para outras. Quais? + +bom. eu na minha maneira de ver, eu estou, por exemplo… + +Como é que vê isto? + +estou a pensar. o ensino do crioulo torna-se muito difícil porque nós temos muitas variantes em crioulo. por exemplo, eu sou da ilha de Santiago, falo o crioulo. mas o crioulo por exemplo de Santa Catarina, já é diferente do crioulo de Praia. depois, nas ilhas também, o crioulo de… mesmo de barlavento… entre barlavento, o crioulo é diferente. por isso, acho que torna muito difícil… + +Qual seria então crioulo que se poderia ensinar nas escolas? + +isso agora, não pensei ainda. + +Não faz ideia? + +mas se calhar eu penso… tem-se que se ensinar o crioulo mais usado em barlavento e o crioulo mais usado em sotavento, os dois tipos de crioulo… + +Seria? Seria? Qual é o crioulo mais usado…? + +barlavento e sotavento. + +Qual é o mais usado em Barlavento e o mais usado em Sotavento? + +isso agora também, não tenho muito conhecimento disso. + +Diga-me uma coisa. O que é que representa o crioulo para si? Ou seja, qual é a relação que estabelece entra ser cabo-verdiano e o crioulo? Imagina um cabo- verdiano que não saiba falar crioulo ou não goste do crioulo? (…) + +bom, eu, para mim… nasci numa família que fala crioulo, aprendi a falar o crioulo, portanto, acho bem usar o crioulo. + +E o português? Há pessoas que acham que o português é uma língua nossa, ao mesmo nível que o crioulo. Há outras pessoas que acham que não, não é bem assim, apesar do português ser também nossa língua. A X o que é que pensa disso? + +eu por exemplo não considero português como nossa língua. eu estudei, aprendi que o português veio desde a… com a colonização, e por isso nós ficamos a utilizar… fomos colonizados, então ficamos a utilizar o português. eu não considero português a nossa língua, mas nós aprendemos na… é a nossa língua da escola, depois nós aprendemos e continuamos a falar o português, às vezes mais do quecrioulo. + +Mas acha que se devia continuar a usar…? Portanto, neste momento em Cabo Verde temos o crioulo e o português, não é? O que é que pensa desta situação, de nós podermos usar, ora o crioulo, ora o português? Acha que é uma situação natural? Que acontece sem problemas ou tem alguns problemas? + +falar o português e falar o crioulo? eu acho que não é nenhum mal. mas só que, o crioulo às vezes dificulta a aprendizagem do português. como estamos habituados a falar o crioulo, às vezes ao falar o português há interferências do crioulo no português. às vezes, mesmo ao falar, sentimos dificuldades por causa do crioulo. + +Então acha que se devia passar a usar só o português? + +não, acho que deve-se usar as duas línguas. + +Qual é a solução, então, para evitar esta interferência do crioulo no português? + +eu acho que… se calhar com a introdução da língua crioula nas escolas, vai melhorar o estudo do português, ou então… não sei. + +Se se continuar a usar o crioulo e o português em Cabo Verde, como acha que se deve, não é? O crioulo seria usado para quê, e o português para quê? + +o crioulo normalmente é utilizado na… + +Não é… não é o que acontece. É o que é que acha que devia acontecer. Portanto, acha que o crioulo deveria ser usado para quê, e o português para quê? Ou, acha que deve ser como está? + +eu acho que o crioulo, na escola deve ser usado como… + +Como disciplina? + +como disciplina, escrita e oral. mas como língua de comunicação, acho que deve continuar o português. + +De comunicação, na escola? + +na escola. e… porque eu vejo que há pessoas que estudam, e o crioulo não interfere na língua portuguesa. isso depende de pessoa para pessoa. + +Falar, ler, escrever. Nós devíamos passar a escrever o crioulo como usamos o português para escrever ou devemos continuar a usar o crioulo só para falar, e para ler e escrever, o português? O que é que acha disso? + +isso na escola? + +Não, de um modo geral. Na escola já acabou de me dizer. Agora estou a dizer de um modo geral, na vida social. + +eu acho que se deve continuar a utilizar o português para escrever, para ler e escrever. o crioulo dever ser aprendido para algumas situações. + +Como por exemplo? + +por exemplo, quando uma pessoa quiser dirigir-se a uma pessoa… a uma outra pessoa em crioulo, então essa pessoa já está habilitada para dirigir-se a essa pessoa em crioulo. tem conhecimento suficiente para dirigir-se correctamente em crioulo. porque às vezes nós não falamos o crioulo correctamente. + +Como é que vê a evolução da situação linguística de Cabo Verde? Para si qual seria o ideal, a situação ideal em Cabo Verde? + +eu acho que está-se a lutar para a oficialização do crioulo. mas, na minha maneira de ver, acho o crioulo um pouco difícil. + +Mas é uma língua difícil? + +sim, uma língua difícil de ler e escrever. não sei se é por causa do pouco conhecimento que ainda se tem sobre o crioulo ou… + +E, portanto, não se devia oficializar o crioulo. + +não se devia oficializar o crioulo. + +Qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? Estou a pensar em manifestações culturais. Morna, batuque, funaná, kolá SanJon, teatro, cinema, literatura escrita,poesia, romances, contos… + +eu acho que o crioulo identifica-se melhor com… os aspectos culturais do povo cabo-verdiano. tanto no batuque como no funaná, mesmo nas outras actividades, o crioulo identifica-se mais com o povo cabo-verdiano. + +E devia ser usado… quer dizer no teatro, cinema, acha que se devia usar o crioulo ou o português? + +no teatro, no cinema, nas comédias, nessas coisas, acho que o crioulo fica melhor para a identidade cabo-verdiana. + +E na literatura escrita, poesia, romances, contos, crioulo ou português? + +sim. + +Mas entretanto, acha que o crioulo não deve ser oficializado. Porquê? Porquê…? + +porque acho que dificulta a aprendizagem das outras disciplinas. porque normalmente as outras disciplinas utilizam a língua portuguesa… + +E não se poderia passar utilizar o crioulo nessas disciplinas? + +eu acho que nessa circunstância torna-se um pouco difícil. é a minha opinião pessoal. + +Porquê? Difícil porquê? + +porque o crioulo… acho que o crioulo não é fácil. não é assim muito fácil de aprender. por exemplo, uma pessoa que já estudou, já acabou de estudar, agora para voltar ao crioulo acho que… + +E os jovens? + +já para as crianças de que… entram na escola pela primeira vez, depois os jovens… acho que a aprendizagem torna-se mais… mais fácil. + +Diga-me uma coisa. Como é que acha que os cabo-verdianos falam o português? Falam bem, não muito bem, falam… o que é que acha? + +eu acho que os cabo-verdianos falam português… uns falam muitos bem, outros falam bem, há uns que falam de uma forma suficiente. + +Há quem ache que cada vez… os cabo-verdianos estão a falar o português à cabo-verdiana. Ou seja, que poderia… poderíamos ter um português de Cabo Verde. O que é que acha disso? Ou acha que nós deveríamos falar como o português … à moda dos portugueses daEuropa? O que é que acha? + +nesse caso eu acho que, se calhar, as duas coisas juntas. + +Como assim? + +por exemplo, nós… o português tem o seu… tem a sua maneira própria de falar que às vezes dificulta o cabo-verdiano, custa o cabo-verdiano falar. a maneira por exemplo de pronunciar uma palavra, o som que sai. acho que há uma certa diferença. mesmo por exemplo acontece com as pessoas que estão a viver em Portugal, às vezes, durante muitos anos, tentam imitar… há uns que conseguem, mas há outros que não conseguem. falam o português, mas um português crioulizado. + +E, como é então que nós deveríamos esforçar-nos por falar, todos os cabo- verdianos, de uma maneira geral? À moda de… O que é que acha? + +eu acho que… já temos um início com o português e devemos continuar… + +A falar…? + +sim. + +À moda de…? À maneira dos portugueses, de Portugal? + +sim. é com os portugueses que nós aprendemos, por isso acho que nós devemos continuar. + +X, não tenho mais… Ah! Eu tenho mais uma pergunta, que eu já tinha feito. A X acha que o português é mais adequado para que tipo de pessoas? Ou seja, há pessoas com quem se deve falar o português e há pessoas com quem se deve falar o crioulo? Que tipo de pessoas? + +eu acho que o português é mais adequado para as pessoas que têm mais escolaridade, pessoas mais cultas, assim. mas há pessoas que nós temos necessidade mesmo de falar o crioulo. + +Que tipo de pessoas? + +por exemplo, as pessoas que não são… as pessoas analfabetas, por exemplo. há necessidade defalar com essas pessoas em crioulo. + +E assuntos? Há assuntos que são melhor tratados em crioulo do que em português, ou melhor em português do que em crioulo? (…) + +não estou a perceber muito bem. + +Por exemplo, que tipo de…sei lá, um assunto familiar. É melhor falar sobre um assunto familiar em português do que em crioulo? Mas já um assunto técnico ou um assunto político, seria melhor tratá-lo em português? + +eu acho que assunto técnico, político e científico fica melhor em português. + +E o que é que fica melhor em crioulo, que tipo de assunto? + +assunto familiar, assuntos sociais … + +Porquê? + +porque a nossa família, acho que é uma família… temos a maioria das famílias que são poucos habilitadas, têm poucos anos de escolaridade, que esses assuntos familiares, assuntos sociais, fica melhor em crioulo. + +E lugares? E contextos? Há contextos onde é melhor usar o português do que o crioulo? Por exemplo, disse-me que usa… nas repartições públicas usa o português. Acha que nas repartições… o português é mais adequado às repartições do que o crioulo? + +não, acho que nas repartições, por exemplo, quando uma pessoa dirigir - a pessoa que trabalha nessa repartição, quando dirigir em português, então a pessoa é melhor atendida do que se dirigir em crioulo. sempre que uma pessoa… há mais atenção para uma pessoa que fala o português do que para uma pessoa que fala o crioulo. eu notei. + +Porque é que acha que isso acontece? + +porque eu já notei isso em várias circunstâncias. + +Já notou. Mas porque é que acha que as pessoas agem assim? Porque �� que acha que as pessoas dão mais atenção, tratam melhor quem fala português do que quem fala crioulo? + +eu acho que… se calhar porque a pessoa pensa que é uma pessoa mais culta, ou é uma pessoa mais inteligente, ou é… acha que é uma pessoa, assim, especial. então, por isso, atende com mais facilidade. + +E a X acha que o português é uma língua de pessoas mais inteligentes, mais cultas, mais especiais? Acha isso? + +não, não é isso. disse, assim é que eu pensei que as pessoas pensam. + +Mas e a X não pensa assim? Pessoalmente, pensa assim ou não? + +não… às vezes penso, mas às vezes também não. + +Fica na dúvida, não é? Ok. X, não tenho mais perguntas. Se quiser fazer algum comentário às suas respostas anteriores, ou se quiser acrescentar mais alguma coisa, esteja à vontade. Está bem? Tem mais alguma coisa que queira acrescentar? + +não, eu não tenho nada a acrescentar. + +Não? Pronto. Então, mais uma vez… + +espero que o trabalhoda professora Amália corra bem. + +Muito obrigada. + +e tenha sucesso. + +Muito obrigada. Também desejo a si tudo de bom. + +e espero também que as minhas opiniões sirvam de apoio para… + +Vão servir. Vão servir.Vão servir com certeza e muito obrigada." +INF29.wav,"Sr. Xmuito obrigada… + +vou fechar a porta… + +Muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A minha primeira questão é a seguinte, antes de entrar para a escola, já tinha aprendido o português, ou só ouvia? + +não, só crioulo. + +Mas já tinha ouvido o português? + +tinha, tinha porque na minha casa havia dois professores, um irmão meu e uma outra irmã, eram os dois professores, de maneira que, mais ou menos, já tinha ouvido o português, mas não no sentido de falar o português, mas ouvir já tinha ouvido. + +Ouvia-os a falar entre si ou de vez em quando falavam consigo português? Como é que é? + +não, entre si, entre si. + +Rádio, igreja…? + +também na igreja, não é? frequentava a igreja desde tenra idade, não é? a missa era sempre rezado, naquele tempo, em português. AM Ecomunicação social,rádio,ouvia? eu passei a ouvir a rádio com mais frequência a partir do… duma certa idade. + +Certo. E actualmente, em casa, com os seus amigos e colegas mais próximos, o que é que usa,o crioulo ou o português? + +com os meus amigos e os meus colegas mais próximos uso o crioulo, normalmente. de quando em vez, o português, quando os amigos também falam português, muitos não são de cá, falam normalmente português. + +Mas com amigos e colegas só se eles não são cabo-verdianos é que você fala português, é isso? + +exacto. + +E em casa..? + +em casa, eu… usamos mais o crioulo, não é? mas às vezes, tenho de falar o português com a minha filha que está a estudar para poder também… para poder apreender, mas, grosso modo, nósfalamos o crioulo. + +Digamos então, se eu percebi bem, em casa, português, é só com a sua filha, com esse objectivo, de aprendizagem? + +exacto. + +Certo. Como é que avalia a sua proficiência em crioulo e em português, falar,ler escrever… falar, ler,ler escrever? + +não estou a entender bem a… + +Portanto, o senhor tem domínio do crioulo e do português… + +ah!já percebi… + +Nas diferentes habilidades, ler,escrever, falar… + +ler, escrever a...: + +Falar. + +falar, falar, não é? também na vertente escrita. + +Falar… + +falar e escrever. ali tenho mais domínio. ler é uma questão profissional. + +Vamos lá ver. Falar, crioulo ou português? + +ahan + +Acha que domina mais o crioulo falado? Como é que domina o crioulo falado e o português falado? Como é que acha que? + +eu naturalmente tenho dominado mais o crioulo que é a minha língua materna, e o português por uma questão profissional. + +prefere falar crioulo ou falar português? + +eu…falo as duas línguas, não é? falo as duas línguas, mas a...: + +Qual é que gosta mais de falar? + +gostaria de falar mais o crioulo, não é? do que o português. + +Eler? + +bom… ler é uma questão de aprendizagem, não é? leio mais em português do que em crioulo. + +Elê melhor em crioulo ou em português? + +eu leio melhor curiosamente em português, não em crioulo. + +E escrever? + +também escrevomelhor em português. + +Escreve melhor em português. E acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? + +a... para certos casos… não que sejam ideias que requerem uma maior elaboração, eu utilizo o crioulo, acho que o crioulo é melhor. mas para certos casos, casos em que há maior elaboração mental, eu uso o português. + +Porque é que isso acontece? + +eu… talvez tenha a ver com a própria aprendizagem, nós aprendemos a pensar em certos aspectos, não é? a pensar mais em português, quando digo pensar, digo fazer determinadas operações mentais etc. etc., não é? de maneira que estou mais àvontade nesse aspecto. + +É de reflexão intelectual mesmo que me estáa falar? + +exacto, reflexão intelectual. + +Diga-me então, exprimir melhor as suas ideias depende de… em português ou em crioulo,depende da pessoa,do assunto,do lugar, da circunstância? + +exactamente, exactamente. + +Exactamente, pessoa, assunto, circunstância? + +exactamente, se eu estou aqui no liceu, por uma questão profissional e não só, porque a língua oficial de ensino é português, não é? passamos durante o dia ou grande parte do dia, maior parte do dia, a falar português. mas pronto, se estou lá fora com os amigos e não só, numa situação informal, utilizo o crioulo. quando faço reflexão profunda sobre um determinado assunto, escrever por exemplo, um artigo ou um poema, qualquer coisa, utilizo-me a língua portuguesa. + +Vamos lá ver uma coisa, aqui no liceu, com os seus colegas, aqui no liceu habitualmente qual a língua éque usa? + +nós, a... + +Não estou a falar das aulas. Estou a falar daqui, com os colegas, na sala dos professores,com a directora…? + +aqui há professores novos, e há professores com uma certa idade, estão cá há muito tempo. normalmente, por uma questão até de tradição, não é? nós falamos o português, normalmente com esses professores mais adultos, não é? que inclusivamente já foram professores nossos, entre nós ou então na camada em que há professores mais novos, não é? ouve-se mais o crioulo do que o português. + +E com a directora,com os contínuos,as empregadas de limpeza? + +com a nossa directora, e com os directores que têm passado por cá, temos procurado falar o português, mas também depende da directora, há directores que por vezes querem falar crioulo connosco, sentimos mais abertos a falar o crioulo, mas há uns que só usam também o português, ali falamos o português com eles. com os contínuos, grosso modo, a não ser em certas situações, nós falamos o crioulo. + +Em que situação é que falam português com os contínuos? + +a... numa situação… por exemplo de… eu, numa situação mais delicada, não é? se eu quero dar uma ordem, no sentido de… não é só de acatar, não é? eu por vezesutilizo mais o português do que o crioulo. + +Porque é que isso acontece? + +o português é uma língua de respeito, não é? é uma língua de respeito. eu sinto que a mesma ordem dada em português, a mesma ordem dada em crioulo, não é? pode não surtir o mesmo efeito. + +Certo. + +as pessoas obedecem mais, acatam mais, quando… quando damos uma ordem em português. + +E com os alunos? + +com os meus alunos, eu falo, por uma questão profissional, eu falo apenas língua portuguesa. + +Na sala de aula e forada sala? + +na sala de aula, mesmo no intervalo, aliás mesmo fora do liceu. é um processo de relação aluno…professor/aluno, então falamos sempre em português -mesmo fora do liceu. + +Na sala de aula,alguma vez se dirigiua algum aluno em crioulo? + +na sala de aula… não me lembro. + +Eo contrário,os seus alunos dirigirem-se a si em crioulo? + +em certas turmas sim, em certas turmas. + +Para quê é que eles utilizam o crioulo, em que circunstâncias? + +em certas turmas sim, alunos com mais problemas em termos de português, de falar português, então esses alunos por vezes utilizam o crioulo, utilizam o crioulo, não sei, profissionalmente, a nós não sai espontaneamente, o que é certo é que utilizam o crioulo nesse caso. + +Na sala de aula? + +na sala de aula, por vezeshá situações em que… + +Mas é para quê que eles utilizam o crioulo, para pedir alguma explicação, para…? + +por vezes falam espontaneamente, por vezes quando não conseguem dizer qualquer coisa em português, eles dizem em crioulo. + +Acha que é por não saberem…? + +eu penso que sim, eu penso que sim. + +Diga-me uma coisa, como é que se sente quando fala português e quando fala crioulo, mais ou menos à vontade, mais intimidado, com medo de errar ou nem pensa nisso? + +não, penso, penso sempre. sou muito sincero nisto, sinto-me mais á vontade quando falo o crioulo, não é? + +Porquê? + +é a língua materna, sai espontaneamente, mesmo sendo professor de língua portuguesa, não é? tenho certo cuidado em falar o português, para não errar (?). + +Ler e escrever,prefere português? + +naturalmente. + +Agora, diga uma coisa. Fala o crioulo de Santiago, naturalmente? + +eu falo o crioulo de Santiago que é a minha ilha, o meu dialecto. mas eu falo também vários outros dialectos, aliás quase todos. + +Mesmo de barlavento? + +mesmo de barlavento. + +Quais é que fala? + +por uma questão… é o dialecto mais conhecido entre nós, o crioulo de São Vicente tem mais peso, não é? tem mais peso, tem mais peso, não é? não sei se posso dizer mais peso social, temos por hábito falar, quando queremos comunicar com pessoa debarlavento. + +Então, usa o crioulo de Santiago com pessoas de sotavento, e usa crioulo de barlavento com pessoas de barlavento? + +exacto, mais ou menos isso. + +Equando usa o crioulo de Santiago com pessoas de barlavento, como é que é a compreensão? + +eu… acho que não há grandes problemas de incompreensão. a não ser em certos casos, certos casos, não é? + +Certos casos, como assim? + +em termos… termos… lexicais por exemplo. palavras que podem não ter o mesmo significado, ali tenho de recorrer ao vocabulário tanto do norte como do sul, mas acho que há uma compreensão razoável, MES-MO para casos de pessoas que sejam de Santo Antão, não é? a nossa tendência é dizer que o crioulo de Santo Antão é mais difícil, mesmo para esses casos, eu acho que há uma compreensão razoável-razoável. + +Professor x, eu vou-lhe pedir o seguinte, pense nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar. E eu gostaria que me definisse o perfil dessas pessoas, não quero nomes, naturalmente, mas quero o perfil, em termos de idade, sexo, grupo e estrato social e para me dizer o que é que fala com essas pessoas,habitualmente, crioulo ou português, sobre que assuntos e em que lugares e circunstancias. Portanto, vamos pensar na pessoa um, pessoa dois e pessoa três… + +vamos ver, eu falo…fora do meu círculo familiar, falo com a minha mãe… + +Também continua a ser do seu círculo familiar. + +sim, exacto. mas eu estava a pensar na família nuclear. tenho… há uma pessoa amiga com quem estou sempre a falar… + +Sexo feminino ou…? + +Masculino. + +Mais ou menos de que idade? + +tem mais ou menos quarenta anos, sim, gosta muito de falar crioulo, defende muito o crioulo, não é? e estamos constantemente a falar sobre temas que têm a ver com o crioulo, mas também a reflectir sobre certos temas mais complicados, mas em crioulo. + +Temas de politica,social, cultural, …? + +política, social, cultural, e outros, não é? + +Qual é a formação dessa pessoa, a sua profissão? + +essa pessoa tem… não tem o curso completo universitário, mas esteve lá durante três anos, tem quase o universitário completo. e é técnico… actualmente é técnico informático, não é? empresário também, tem uma empresa do ramo. + +Portanto, comessa pessoa fala em crioulo? + +falo-falo. + +Habitualmente? + +habitualmente, e mesmo por uma questão de..., de...: + +Mesmo de princípio? + +exacto, em principio, só falacrioulo. + +E, portanto, só falam em crioulo.Ok + +sim, sim. + +Eonde é que vocês se encontram? + +a... na minha casa, por vezes em casa dele, não é? algum bar, espaços culturais aqui da cidade, não é? + +Muito bem. E a segunda pessoa? + +bom, a segunda pessoa, fora do círculo familiar, não é? deixe-me ver… o problema… + +Aprimeira pessoa é cabo-verdiana? + +é cabo-verdiana, é cabo-verdiana. a segunda pessoa mais importante… bom (…) tenho também alguns colegas, dentro desses colegas, um desses colegas, tenho um que estamos constantemente a conversar. + +Idade,sexo? + +é também sexo masculino, não é? + +Idade? + +tem mais ou menos a minha idade. + +Éprofessor de formação também? + +também, professor de formação. + +Cabo-verdiano? + +cabo-verdiano. + +É aqui da Praia ou meio rural,meio urbano? + +éde meio rural, mas agora estáa viver aqui. + +Com essa pessoa, fala em crioulo ou em português? + +quase…nósfalamos por vezes em português, por vezes em crioulo. + +Pode especificar de que é que depende falar em português,onde…? + +nós somos… quando estamos a discutir um assunto, sobretudo em certos meios, mais académicos, quer aqui no liceu quer fora, falamos em português. + +Que tipos de assuntos? Sociais, políticos, pessoais, familiares? Que tipo de assuntos em português? + +e... assunto tem mais a ver com a literatura, assuntos da nossa vida profissional, da nossa vida profissional. + +Isso,só falam em português? + +também em crioulo, mas tudo depende. estamos a falar crioulo, e de repentea gente fala o português, depois voltamos ao crioulo, uma mistura. + +Ah! Ok. Certo. + +por vezes sem querer. + +Estábom. E vocês encontram-se onde? Aqui? + +aqui, em alguns cafés, por vezes em pequena paródia, não é? e discutimos, discutimos, por vezesem português, em crioulo. + +Não me lembro se me falou da idade dessa pessoa. + +tem mais ou menos a minha idade, tem 43 ou 44 anos. + +Mais ou menos, sim. E a terceira pessoa? + +a terceira pessoa com quem falo sempre, com quem falo sempre, é uma pessoa da minha zona-não é? minha zona. + +Seu vizinho? + +meu vizinho, tem um minimercado, tem um minimercado, vou lá fazer as compras, e aproveito também para falarmos de coisas, não é? não diria mais banais, coisas do quotidiano, não é? não tem nada a ver com a vida académica. + +Efalam em crioulo ou em português? + +só em crioulo. + +Só em crioulo? + +crioulo. + +Qual é a formação dela? + +a...: + +Mais ou menos. + +tem mais ou menos… não deve ter mais do que o liceu-incompleto. + +Muito obrigada. Já me falou um pouco disso, mas eu vou aprofundar. Já me disse que em casa praticamente não fala português, já me falou daqui da escola, mas e, digamos, no mercado, lojas que por acaso frequenta, nos locais de lazer, cafés, bar etc. discotecas, qual é que… normalmente, o crioulo ou português? + +uso… uso, não é? grosso modo… uso mais o crioulo do que o português - o português… depende também da do ambiente, e da própria… por vezes da própria pessoa que está à frente de uma determinada instituição. + +Como assim? + +por exemplo, se eu vou ao supermercado, e se a pessoa falar comigo, por razões diversas, o português, por uma questão até de educação, respondo em português, não é? mas pronto, se eu constatar que o ambiente é mesmo do crioulo, eu entro logo, falo crioulo, atépara estar mais à vontade. + +E nas repartições públicas? + +eu… + +Banco,hospital, serviços do estado… + +eu tenho… tenho… em certos serviços eu falo o português, falo o português. + +Porquê? + +atépara ser mais bem atendido. + +É?! + +por exemplo, eu… quando eu vou à administração central, o nosso ministério, já fiz essa experiencia, não é? eles não sabem que eu sou professor, mas eu identifico, mas eu vejo que quando falo crioulo com certos funcionários, sou… sou… não sou bem atendido, da mesma forma quando falo o português. então vou com espírito já preparado, não é? preparado para falar o português, então chego, boa tarde, e falo o português com eles, era isso, assim – assim, não é? e sou mais bem atendido, e uso essa estratégia também para ser mais bem atendido. + +Certo. Há bocado disse-me que fala português com a sua filha para, digamos, ajudar, colaborar na aprendizagem. E para outras finalidades como, por exemplo, exprimir um sentimento, rezar orar, dar ou pedir uma informação, namorar, falar de um assunto que emociona ou irrita, praguejar, dizer asneiras, … em crioulo ou o português? + +o crioulo, o crioulo. + +Rezar,orar,namorar…? + +exacto, o crioulo. + +Eo português, já me disse, para reflectir intelectualmente… + +sim, sim, sim, por exemplo, eu, quando vou à biblioteca, ou à feira do livro, compro livros em português, não é? tenho essa preocupação, mesmo sem querer, tenho que pensar… também não há muita oferta em crioulo, não é? quase não existe, isso para ajudá-la também a aprender mais o português, mais vocabulário, etc., mas por vezes até inconscientemente, inconscientemente . + +Na última semana, portanto, na semana que passou, falou mais crioulo ou português? + +na última semana, estou de ferias, falei muito mais crioulo, que português, muito mais crioulo. + +Todas as vezes que falou foi crioulo ou…? + +algumas vezes falei português, mas falei mais o crioulo. + +Edurante mais horas seguidas, o crioulo ou o português? + +é o crioulo. + +O crioulo. Porque é que issoaconteceu? + +um, porque eu estava de férias. e quando estou de férias, normalmente prefiro me libertar um pouco, não é? e então, eu tenho quase uma necessidade de falar crioulo com as pessoas, cumprimentar as pessoas, ouvir o crioulo para falar também, é um tipo de libertação de espírito, digamos assim. + +Certo. Alguma vez falou o crioulo em algum lugar, mas que gostaria de nesse lugar ou nessa circunstância ter falado o português, ou vice-versa falou português,desejando nessa circunstância falar crioulo? + +é... já aconteceu, já aconteceu comigo. ainda há dias, ainda há dias, eu não lembro bem do sítio, mas eu… + +Tipo de sitio,local de lazer, repartição pública, …? + +repartição pública, falei o crioulo com a pessoa, mas eu, ao mesmo tempo, eu achei que devia falar português, naquele contexto devia falar, pronto -também, às vezeso crioulo sai espontaneamente. + +Porque acha que o português é adequado para repartições públicas? + +é mais formal, até esta é língua, eu não diria a língua mais adequada, mas é a língua que se usa, que se usa nas repartições públicas, tanto mais que os documentos que lá estão são escritos, estão em português, não é? o processo todo, então eu quando estou nas repartições públicas e não só, eu tento, por hábito, falar o português, sobretudo se eu não conheço o meu interlocutor. + +Habitualmente, onde é que ouve o crioulo? (…) Casa, dos familiares,café vizinhança…e que mais? + +exacto. no autocarro, no autocarro fala-se habitualmente em crioulo. + +Palestras, comícios, comunicação social, …? + +nas campanhas políticas então… ((risos)) + +Na última semana, falou mais crioulo que português, já me disse. E durante mais horas seguidas crioulo ou português? + +crioulo-o crioulo. + +Que tipo de assuntos… quando ouve as pessoas a falarem em crioulo, que tipo de assuntos é que eles abordam, elas, assuntos tipo familiares, íntimo, social, problemas de vida,oficial, político, religioso…? + +depende de… depende mais da categoria das pessoas, não é? há pessoas que pertencem à camada mais baixa, normalmente o tema tem mais a ver com o quotidiano, com a vida deles, com os problemas sociais, etc. mas há pessoas já com… camada mais baixa, mais alta da sociedade, que usam o crioulo também, já com uma certa preocupação, de uma forma mais intelectual, já falam de certos temas, não é? que deviam ser também abordados, que nós abordamos normalmente em português. + +Mas tem ouvido esses assuntos também serem tratados em crioulo? + +em crioulo, também. + +Já me falou disso, digamos, já… se percebi bem, já leu alguma coisa em crioulo,esporadicamente, é isso? + +já, eu…não há muita produção em crioulo. eu já…normalmente leio as produções aqui, em crioulo. + +Aquelas que existem, já leu? + +aquelas que existem, mas pronto, acho que não é muito substancial, há uma pouca produção em crioulo mesmo. + +Leu alguma coisa em crioulo, na semana que passou? + +por acaso não li, não li. + +Não leu. + +passeia vida a ler emportuguês. + +Já leu algum material em crioulo, mas que gostaria que esse material tivesse sido escrito em português ou vice-versa algum material que já leu ou que lê habitualmente em português, mas que gostaria que esse material estivesse em crioulo? + +sim, certos… certos… certos assuntos. + +Como, por exemplo? + +determinados temas tratados mesmo a nível político, económico, nível político e não só, se fossem tratados, mesmo a nível da escrita, em crioulo… + +Está a falar de artigos de jornais? + +exacto, exacto. teria maior impacto, maior impacto. conheço o problema das pessoas também, saberem ler em crioulo, de todo o modo as pessoas fazem um esforço paraaprender. + +E como é que é a escrita em crioulo, costuma escrever em crioulo? + +de quando em vez, escrevo umas coisinhas. + +De que tipo? + +mais poemas, é mais poemas. já tentei escrever um artigo de fôlego, uma crónica, ou qualquer coisa em crioulo, mas é mais difícil, acho. + +Quais são as dificuldades que sente? + +exigem… esses géneros exigem maior elaboração intelectual, não é? talvez uma grande prática da escrita em crioulo, mas não tenho, não é? porque eu aprendi a escrever em português, não é? e o que tenho escrito, fi-lo em português, de maneira que sinto uma certa dificuldade, ao contrário de falar, de escrever o crioulo, mesmo o meu dialecto. + +Alguma dificuldade concreta, específica por causa do alfabeto ou…? + +a nível… não só por causa do ALUPEC, até porque eu digamos… que domino, mais ou menos. é essa pratica de escrita, que eu não tenho, quer dizer - sinto que falta-mequalquer coisa, talvez dever ser alfabetizado em crioulo, não fui, não sou, não fui, não é? + +Diga-me uma coisa, se está a falar crioulo, num determinado lugar, circunstância, com algumas pessoas, o que é que o faria mudar para português? Assunto, mudança de assunto,chegada de uma pessoa…? + +depende mais do interlocutor, não é? se sei que… + +Imagine que estácom uma pessoa a falar crioulo… + +sim, se sei que a pessoa entende o português, falo crioulo, por vezes mudo, falando de certos temas, posso tratá-lo em português, agora depende mais da pessoa + +Portanto, está a falar com uma pessoa em crioulo, havendo uma mudança de assunto, podem falar em português. Mudança de que assunto, para que assunto? + +normalmente de assunto… assuntos mais académicos, digamos assim. assuntos mais académicos, em que há… uma pessoa tem de… tem de… tem de ter um determinado vocabulário, até para expressar esse assunto. então, ali, eu terei que mudar quase que obrigatoriamente para o português, às vezes falo com palavras, mesmo em crioulo. + +Acha que…? Não percebi bem. Fala…? + +faltam-me palavras. + +Faltam palavras. + +faltampalavras, termos mais técnicos. + +E se chegar, assim, um superior hierárquico, uma pessoa mais instruída, mais educada…? + +atendência é falar a língua portuguesa. + +É mudar para o português. E o contrário, esta a falar português, o que é que o faria mudar para o crioulo em termos de assunto,pessoa…? + +se chegar uma pessoa que não entende bem o português, eu prefiro falar emcrioulo, por uma questão de comunicação. + +Equanto ao assunto? + +e... por vezes, até assunto, assunto, assuntos de carácter mais cientifico, assuntos que requerem uma certa elaboração mental, mas já trato desse assunto duma forma muito mais fácil, não é? tento falar duma forma muito mais fácil, mesmo em crioulo, para a pessoa poder entender. mas mesmo assim eu vejo que… por vezes não… não consigo dizer exactamente o que eu queria dizer quando falo de um determinado assunto. + +Certo. Obrigada. Há bocado disse-me que fala um dialecto do crioulo. Mas há quem pense que o crioulo é um dialecto. O X o que é que pensa disso, o que acha do crioulo? + +eu, por uma questão…uma questão de formação, não é? aliás eu aprendi muitas coisas de linguística com a senhora, eu acho o crioulo é uma língua. a língua cabo-verdiana, uma língua com os seus dialectos, como o português tem também os seus, e outras línguas, para mim é uma língua como qualquer outra. + +Para si… Falou-me dos dialectos do crioulo, para si algum deles seria o verdadeiro crioulo? + +linguisticamente, chamar, um dialecto do crioulo pode não ser muito exacto, muito exacto, não é? porque todos os dialectos são importantes dentro duma língua, agora, neste processo há que se fazer escolhas, e fazer escolhas é muito difícil, não é? e por vezes não depende apenas do dialecto em si, da língua em si. há vários factores que podem interferir nessa escolha, inclusive até o politico, não é? até o factor político. + +Como assim? + +mas eu não vejo nenhum dialecto como sendo o, digamos, o verdadeiro crioulo, o verdadeiro crioulo, mas há, digamos, dialectos força, dialectos que têm mais força. + +Quais seriam? + +no contexto nacional, aqui em Cabo Verde, sobretudo na parte sul do arquipélago, o dialecto de Santiago tem mais força, não é? por várias razões, históricas, sociológicas, cultural. talvez seja o que tenha mais força a nível nacional. agora a nível do norte, o crioulo curiosamente segue a nossa geografia - não é? o crioulo… acho que o crioulo de são Vicente, apesar de se formar, mais tarde tem mais peso a nível de barlavento. tanto mais que quase todas as pessoas de barlavento falam bem o crioulo de são Vicente. + +Há bocado disse-me que o crioulo, para si, é uma língua. E já me tinha dito que, por exemplo, nas repartições públicas, acha mais adequado falar o crioulo, o português. E já me tinha dito que, por vezes, quando tem de reflectir sobre alguma coisa prefere o português porque lhe falta alguma coisa em crioulo. Então vou pôr-lhe a seguinte questão, acha que o crioulo é uma língua que é adequada apenas para determinadas circunstâncias, por exemplo, usar em casa, na família, e que o crioulo é uma língua que não tem qualidade ou que ainda não tem qualidade,o que é que pensa dessas questões? + +eu acho que crioulo é uma língua, como já disse, como qualquer outra, não é? e pode vir a ter o estatuto que a língua portuguesa tem actualmente, e outras línguas que nós conhecemos. mas isso são questões históricas e também de tradição, não é? isso tem a ver com a história, a nossa própria história. o português foi sempre língua, digamos, a língua de dominação, de dominação, e consequentemente, mesmo depois da independência, herdamos essa língua como língua oficial, língua oficial, sem deixar de lado o nosso crioulo. mas o crioulo nunca teve, ao longo da nossa história, o prestígio que o português teve, não é? o português não é só língua de administração, como também é língua de ensino, está a ver? a língua de ensino tem, tem muita força, nesse aspecto. e as pessoas foram habituadas, ocrioulo como uma língua com menos prestígio. não é? menos prestígio, eu não diria, como o outro, língua de escravos, diria língua com menos prestígio. e isso entra na mentalidade das pessoas, acaba por ser também uma coisa cultural, língua… + +Mas, pessoalmente, o X, o que é que pensa disso? Também está de acordo que o crioulo não é uma língua de prestígio ou…? + +não tem, até esta data não tem, embora haja grupos de defensores do crioulo, ainda não tem o prestígio que o português tem, mesmo actualmente, isso quer dizer que, temos de fazer muitas coisas para que o crioulo atinja o estatuto, o prestígio que o português tem, não é? porque se não se investir muito a sério, não é? no estudo do crioulo, um estudo sistematizado do crioulo, não é? oficializando o crioulo no sentido da sua introdução na escola, porque na escola…eu aprendi o português na escola, não é? + +Certo. + +continuaremos a ter esse problema em Cabo Verde, porque nós também não vamos abrir mão da língua portuguesa, vamos fazer mais investimentos na língua portuguesa, ca-da VEZ MAIS, não é? então, se não se fizer isso, até fazer uma discriminação positiva relativamente ao crioulo, nós continuaremos a ter esse problema. um exemplo, um exemplo, por mais que se defenda o crioulo, por mais que haja corrente defensor do crioulo, os escritores continuam -grosso modo a escrever em português. + +Certo. + +está a ver? sobretudo géneros como o romance, o género mais difícil, o género mais difícil que existe, não é? mesmo a nível da produção poética, os poetas, os poetas cabo-verdianos, continuam, grosso modo, a escrever em português, está a ver? salvo… + +Mas diga-me, pessoalmente, pessoalmente, acha que o crioulo não é uma língua? O que é que pensa disso? Acha que o crioulo não é adequado para a literatura, por exemplo, pessoalmente? E também acha o crioulo uma língua que é mais adequada ou mais próxima das pessoas sem instrução? + +a... é pode ser uma língua adequada à literatura, na medida em que há pessoas que já fizeram essa experiencia, não é? já fizeram essa experiência. mas eu diria que a escrita tem uma tradição, não é? um professor dizia que um alfabeto não escreve, não escreve. temos que… ensinar o crioulo às pessoas, alfabetizar as pessoas em crioulo. se quiser, nós temos que ensinar o crioulo na escola, desde o jardim infantil, como se faz com o português, ou desde o 1EBI até à universidade, não é? para que as pessoas tenham o hábito da escrita em crioulo. como é que uma pessoa de repente escreve o crioulo, se nunca fez uma redacção em crioulo? ainda que fosse a redacção a vaca bebe água, não é? é essa tradição, tradição da escrita em crioulo é que falta. alguns escritores que eu conheço, fazem um esforço para escrever, mas só uma meia dúzia de pessoas! uma escrita maciça do… da língua crioula, mas eu diria até, diria até mais, não só em termos de literatura, em termos de ensaio, diversas áreas, não é? teria que passar necessariamente por isso, que é ensinar o crioulo nas escolas. teria que ser um processo longo, até as pessoas aprenderem a escrever, a escrever em crioulo. + +Diga-me uma coisa. Que relação é que estabelece entre ser cabo-verdiano e o crioulo e o português? + +ser cabo-verdiano e ser…? + +Crioulo + +e ser crioulo? + +Perdão. Usar o crioulo, saber o crioulo, gostar do crioulo e, ao contrário, não saber o crioulo, não gostar do crioulo e só gostar do português, usar o português? + +bom, ser cabo-verdiano e utilizar o crioulo, diria que é quase imperativo - não é? portanto, o crioulo, de certa forma espelha a nossa alma, nossa alma, não é? porque há certos aspectos profundos da nossa maneira de ser, da nossa alma, que só com o crioulo vêm à tona. dou um exemplo, a nossa música, salvo certas mornas em português, não é? eu não vejo nenhuma morna cantada em crioulo, nenhum funaná cantado em crioulo, em português aliás, e poucas… coladeiras cantadas, não conheço nenhuma cantada em português, está a ver? nesse aspecto, nesse aspecto diria que o crioulo, a nossa língua, é também a nossa alma. + +E o português não é uma das nossas línguas? O que é para si o português? + +eu… para mim é a minha segunda língua, a minha segunda língua. eu acho também que para nós todos, porque de todo modo… a... eu não diria que podemos passar sem a língua portuguesa, podemos até adoptar outra língua oficial, mas o português é mais do que uma língua estrangeira em Cabo Verde. há uns anos atrás eu defendia o contrário, achava que o português era uma língua estrangeira, mas eu, por uma questão profissional e não só, não é? também questão de reflectir mais sobre este assunto, eu acho que o português é também a nossa língua, a nossa segunda língua. nossa segunda língua, e deve coabitar aqui em Cabo Verde, ao lado do nosso crioulo. + +Admite alguma circunstância que um cabo-verdiano não saiba ou não goste do crioulo? + +não sei…não me lembro bem o nome de… + +Não. O que é que acha disso? + +quer dizer, pode haver casos, embora não possa ilustrar, não é? pode haver casos, pode haver cabo-verdianos que, por uma questão de educação, não é? porque foi educado, porque tiveram educação essencialmente em português e à portuguesa, em português e à portuguesa, por hábito continuam a falar o português, não é? e não gostam de falar, em nenhuma situação, a língua cabo- verdiana-mas são casos raros, esses, entre nós. + +O que é que acha disso, de nós, em Cabo Verde, podermos usar o crioulo e o português? (…) Acha que é útil, é necessário, que é natural, que sabe sempre… acha que sabemos sempre quando usar uma e outra língua…? + +as duas línguas, mas eu acho até que o ideal não é isso, já disse que é um processo que requer muitas coisas. o ideal seria que utilizássemos as duas línguas em pé de igualdade, não é? em qualquer situação de comunicação, mas pronto, como até ainda não se verificou isso, ao menos que o cabo-verdiano saiba, as situações concretas em que utilizar as duas línguas, mas o ideal seria que o cabo-verdiano utilizasse as duas línguas em pé de igualdade, em qualquer contexto comunicacional. + +Mas neste momento o que é que pensa da situaçãovigente? + +eu acho que, apesar de toda a defesa do crioulo, etc. etc., não é? ainda continuamos a utilizar o crioulo, salvo em certas situações, não é? em comunicação mais informal, mais informal. + +Diga-me uma coisa, e no mundo hoje, actual, o que acha mais comum, as pessoas saberem apenas uma língua ou mais que uma língua? O que é pensa das pessoas que sabem mais que uma língua? + +eu acho necessário, eu acho necessário. eu acho necessário as pessoas apreenderem várias línguas, várias línguas, não é? + +Para? + +para terem acesso ao saber, ao saber, não é? para comunicarem mais, não é? para poder fazer parte deste mundo que nós chamamos mundo globalizado - até uma aldeia global, é bom que as pessoas saibam várias línguas, e no nosso caso, é bom que os cabo-verdianos saibam não só o português e o crioulo, como também outras línguas- não é? + +Oportuguês tem esse papel? + +o português…? + +Nesse contexto, do mundo globalizado,para nós,naturalmente. + +para nós tem porque, digamos que, neste momento é, digamos que é, a nossa porta de saída para o exterior. mas não é por… em certos contextos temos de apreender outras línguas que não o português, quando, numa atmosfera a nível mundial, não se utiliza o português como língua de trabalho, o cabo- verdiano devia estar apto para apreender o francês, o inglês, outras línguas que a nível mundial se utiliza como línguade trabalho, por exemplo. + +Há bocado disse-me que acha que se devia continuar com o português em Cabo Verde. Continuar como? O crioulo e o português, qual deles, qual delas seria língua oficial? Usadas para quê? + +eu acho que se deve investir tanto no crioulo como no português. investir no crioulo de maneira a torná-la língua oficial também, mas isso requer muito estudo, não é? e eu quero crer, também financiamento, não é? mas deve- se fazer isso, ao menos pensar em fazer isso, de maneira que o crioulo tenha o estatuto de língua oficial, não é? ao lado da língua portuguesa, mas também investir na língua portuguesa, não é? investir na língua portuguesa para que o cabo-verdiano conheça, saiba bem e fale bem o crioulo, conheça e saiba bem a sua segunda língua, a língua portuguesa. + +E o crioulo, seria utilizado para quê, para que funções, em que circunstâncias? + +quando o crioulo se tornar uma língua oficial, para todas as funções, não é? para todas as circunstâncias mesmo as mais formais. mesmo as mais formais -não é? + +Para escrita e leitura seria o português ou o crioulo? + +quando chegarmos a esse patamar, o cabo-verdiano utilizará, tanto na escrita como na leitura, para qualquer situação comunicativa, o português e o crioulo, e o português, ou tem o poder de escolha, o poder de escolha, não é? o poder de escolha, utilizar tanto uma como outra língua, uma pessoa pode ter duas línguas-duas línguas. + +Há bocado falou-me disso, de se ensinar o crioulo nas escolas. Ensinar o crioulo nas escolas como uma disciplina ou o ensino, digamos a língua de ensino, seria o crioulo ou o português? + +diria o ensino no seu todo. agora, põe-se um problema, ter duas línguas no ensino. + +Não percebi. Seria em crioulo ou em português? + +eu diria… nós tivemos uma cadeira de língua portuguesa, isso é pouco. todo o ensino ser estruturado, para também ser administrado em crioulo, em crioulo. já agora em crioulo e em português. são duas línguas que adoptadas, poderão ter o mesmoestatuto. + +Por exemplo, o ensino da matemática, da física, seria em crioulo ou em português? + +pode-se, com estudo, com estudo. naturalmente não pode acontecer nem numa década, nem em duas, não é? leva um certo tempo. poder-se a vir a ensinar tanto a matemática, como a física, ciências naturais, em crioulo, em crioulo. + +Certo. Falou-me há bocado de alfabetização de adultos. Disse-me que as pessoas têm de ser alfabetizadas em crioulo. + +exacto, exacto. + +Para quê, porquê? Gostaria que falasse um pouco desse assunto. + +eu, quando disse alfabetizar as pessoas eu não falei inclusive só em termos adultos, eu disse alfabetizar o cabo-verdiano duma forma geral. eu, por exemplo, não sou alfabetizado em crioulo, falo crioulo, é a minha língua materna, não é? mas eu não… a minha língua escolar, foi sempre o português. + +Percebi. + +isso… é alfabetizar todo o mundo, todo o mundo em crioulo, e não ter esse problema. + +Já percebi. E na alfabetização de adultos, acha que se poderia ou se deveria usar o crioulo? + +eu acho… aliás já há uma experiência nesse sentido. parece que utilizam… não conheço bem o sistema que utilizam, as duas línguas. + +Oque é que acha disso? + +eu acho muito importante, muito importante. + +Porquê? + +porque não se deve, de repente, ensinar o português a um adulto, que nunca ouviu o português na sua vida, não é? ensinar qualquer coisa apenas em português. eu até diria mais, eu acho que se deve partir do crioulo, e só depois introduzir a língua portuguesa na alfabetização de adultos. isso poderá ter mais sucesso, mais impacto, em termos de aprendizagem. + +O que é que, pessoalmente, acha. Pensa que o crioulo é uma língua adequada apenas para certas pessoas, para certas circunstâncias, certos assuntos, quais? Não éo que acontece, é o que acha. + +bom, pessoalmente eu acho que o crioulo pode… pode também ser usado - não é? com mais esforço, com mais esforço, pode ser usado em outras situações mais formais. pode ser utilizado mesmo a nível cientifico, não é? etc. etc., só que, para que isso aconteça, é preciso que invistamos mais no crioulo, não é? façamos mais estudos do crioulo, porque até esta, digamos que não tem o background, não é? que lhe permite desempenhar esse papel. + +Certo. Já me falou disso, mas eu vou retomar a questão do crioulo, do português e das nossas manifestações culturais. Já me disse, morna, coladeira, batuque e funaná acha que o crioulo é mais adequado, mas estou a pensar também em teatro, cinema, literatura … Disse-me que na literatura as pessoas continuam a escrever em português. Mas o que é que acha, teatro, cinema, literatura, ficção, poesia…? + +já a nível da literatura, sobretudo da poesia, já há uma certa produção, não é? em crioulo, não é? falta é a produção a nível de ficção. + +Qual é que acha que devia ser usado,o crioulo ou o português? + +ali depende mais da escolha da pessoa que escreve, da pessoa que escreve - não é? agora, a minha opinião pessoal, eu acho que se deve utilizar as duas línguas, as duas línguas, e para que… uma questão de justiça também, não é? devemos passar a escrever mais em crioulo. + +Teatro,cinema…? + +teatro… cinema… bom, teatro temos alguma experiência, não é? com cinema já não temos muita experiência em crioulo. + +Mas o que é que acha? + +devíamos também investir, não é? claro. + +Qual deles é que acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde, o crioulo ou o português? + +inevitavelmente o crioulo, o crioulo. o crioulo exprime a nossa cultura. + +Eo português? + +o português também exprime a nossa cultura, mas não tanto como o crioulo. quando falo da cultura, falo de algo que vem do fundo da alma, não é? ali, o crioulo temmais peso. + +Já me disse que acha que o crioulo deve ser oficializado, não é? Nesse caso, qual crioulo e oficializado para quê,para que funções? + +bom, oficializar o crioulo para todas as funções, não é? naturalmente requer um estudo, um estudo apurado, muito apurado, não é? aturado e apurado sobre o crioulo. requer muitas… é um processo que tem o seu tempo, não é? e tem também as suas implicações. por exemplo, oficializar o crioulo não é só dizer oficializar o crioulo. há este problema de padronização do crioulo. não é só criar o ALUPEC, não é? as pessoas continuam a não escrever o crioulo segundo o ALUPEC, ou por não saberem, não é? ou porque gostam mais do alfabeto português. é padronizar o crioulo, é só padronizando o crioulo é que se deve oficializar o crioulo, aqui… não estou… quando falo da oficialização do crioulo, não falo da padronização do crioulo, está a ver? é uma coisa que deve vir antes, padronizar-se e depois oficializar-se. + +Primeiro padronizar e depois… + +exacto, agora nesta história de padronização, há que escolher, é uma escolha difícil, há que escolher um dialecto base do crioulo. + +Para si,se fosse o X a escolher, qual escolheria? + +eu escolheria … bom, eu até sou suspeito porque eu sou de Santiago, mas inevitavelmente que eu escolheria o dialecto de Santiago. + +Porquê? + +porque é o mais antigo, mais antigo, não é? diria mãe de todos os dialectos, não é? esta ilha tem quase a metade da população cabo-verdiana, é um dialecto que tem um peso cultural sofrível, dentro do contexto nacional, porque os outros não têm, e por uma outra razão também, pelo facto de acreditar que Cabo Verde está situado aqui em Santiago, sobretudo a cidade capital é Cabo Verde em miniatura, há uma confluência de vários dialectos, vários dialectos. nesse aspecto, eu… é uma questão de (?) é um dialecto que, eu não diria que sofreu menos influência, também sofreu, mas a nível da escrita, sobretudo a nível da escrita, é o dialecto que oferece mais possibilidades. + +Como assim? Porque mais possibilidades? + +e... em termos de… o dialecto de Santiago… sobretudo em termos lexicais -no dialecto de Santiago, por exemplo as palavras, conservaram as suas sílabas, não é?, é diferente do dialecto de barlavento, não é? as vogais, certas sílabas, não aparecem. aqui não, aqui salva-se… salvo raras excepções, as palavras permaneceram quase intactas, não é? em termos lexicais, não é? então é mais fácil fixar a escrita a partir do dialecto de Santiago, não é? do que, penso, a partir de outros dialectos. agora, esse dialecto poderá ter sido com mais contribuição dos outros dialectos. há uma proposta, inclusive do Dr. Veiga, que diz que se deve partir de dois dialectos força, Santiago e São Vicente, mas eu não concordo com essa proposta, senão nunca mais damos o passo necessário para padronizar a língua, está a ver? assim é como se houvesse dois crioulos em Cabo Verde, o crioulo de Sotavento e o crioulo de Barlavento. aliás há quem defenda isso, não é? que existem duas línguas em Cabo Verde, o que é muito complicado. + +Certo. Só… algo que ficou um bocadinho para trás. Quando se dirige a autoridades, superiores hierárquicos, usa o crioulo ou o português? Prefere usar o crioulo ou o português? + +eu utilizo o português. eu quando vou ao gabinete da directora, da minha directora, não utilizo… falo português. com ela, só falo o crioulo, se ela falar crioulo comigo. uma questão comunicacional inclusive, respondo em crioulo, mas como já sei que não… raras vezes falo crioulo, também por uma questão de estatuto aqui, não é? eu não falo com ela em crioulo. + +Estatuto como? + +não, como director, como chefe. e quando vou ao ministério, também faço a mesma coisa, a não ser que o meu chefe fale comigo em crioulo. + +Diga-me uma coisa, como é que acha que os cabo-verdianos falam português,bem, mal, àmaneira deles? + +isto ((risos)) é uma questão discutível, não é? mas eu… + +Há quem diga que falam muito mal o português. + +eu acho que o português falado aqui não é o mais desejável. + +Como assim? Qual é o problema? + +umdos problemas é exactamente no ensino, não é? + +Não, na maneira como as pessoas falam. + +ah! na maneira… + +Tipo, é o facto de que falam português com palavras em crioulo, frases que se parecemcom o crioulo, onde é que estáo problema? + +grosso modo, nós falamos o português aqui em Cabo Verde com uma forte influência, interferência do crioulo. + +Interferência a que nível? + +interferência a nível lexical, digamos, fonético-fonológico, não é? e interferência a nível, por vezes também a nível sintáctico. isso é mais grave, não é? ali é mais grave, porque trata-se de um desconhecimento também da sintaxe das duas línguas. agora eu acho que a interferência mais visível é a nível fonético-fonológico, a forma como produzimos ou como realizamos fonético- fonologicamente a língua portuguesa, não sei se isto é devido ao nosso aparelho fonador, não é? eu mesmo, que sou professor de língua portuguesa, tenho essas dificuldades. + +E o que é que acha? Acha que isso é natural, é indesejável, como é que achaque os cabo-verdianos deveriam falar o português? + +para mim, o ideal é que falassem o português razoavelmente, não é? + +O que é falar o portuguêsrazoavelmente? + +falar o português… não diria apenas com sotaque português, isso já é discutível, mas falar o português com menos erros possíveis, não é? + +Erros de que tipo? + +sobretudo erros sintácticos, não é? sobretudo erros sintácticos, e também tentar mesmo a nível fonético e fonológico, tentar pronunciar melhor as palavras da língua portuguesa. + +Melhor significa à moda do português de Portugal? + +eu... o mais aproximado da norma. + +E a norma é? + +no nosso caso, da norma europeia, eu acho que sim. + +E admite a possibilidade de haver uma norma cabo-verdiana do português? um português de Cabo Verde? + +este é assunto queandamos a discutir aqui no liceu, não é? há anose mais anos. + +E então,pessoalmente, o que é que acha? + +eu… sim, possivelmente poderá haver essa tendência, não é? de amanhã termos um português nosso, o tal português cabo-verdiano, açoriano, português angolano, moçambicano, brasileiro já há, mas… ainda não. o que se nota aqui entre nós, não é? são vários casos diferentes, talvez devido a uma aprendizagem da própria língua portuguesa. agora eu estou em crer que mais tarde ou mais cedo, ou talvez mais cedo que mais tarde, teremos o nosso português, um português tipicamente cabo-verdiano. + +E isso vai depender de quê? O que é necessário para passar a existir esse, digamos, português de Cabo Verde? + +esse português de Cabo Verde depende, depende não, está relacionado com com a nossa cultura, a nossa forma de ser, e também com o facto de termos - paralelamente a língua portuguesa, não é? o a nossa língua materna. esse português será um português com muito sabor crioulo, digamos assim, entre aspas, futuramente. + +Eu queria perceber o seguinte, acha que neste momento não temos um crioulo de Cabo Verde… oh! desculpe, um português de Cabo Verde, mas poderemos vir a ter. É isso? + +exacto. + +Eu só quero perceber porque é que hoje ainda não temos, mas podemos vir a ter? E o que é que acha dessa possibilidade, acha que é uma possibilidade inevitável que é natural ou seria desejável? + +seria… é quase inevitável, é quase inevitável, não é? o português não vai desaparecer. mesmo a nível da nossa política de ensino, a vontade é cada vez mais de reforçar a língua portuguesa, mesmo com a ajuda de Portugal, que não quer perder espaço fonético, não é? e é desejável, desejável porque, à semelhança de Angola, amanhã vamos ter um grupo, ou aliás uma larga camada social em Cabo Verde que já tem, está a ver? português como língua materna, não é? já não tem português apenas como língua segunda, cedo ou tarde teremos - teremos uma larga camada aqui em Cabo Verde com o português como língua materna. + +Mas porquê, acha que estáa desenhar-se essa tendência? + +já há, já há, já há certos casos. eu nunca fiz um estudo do género, também não… é um estudo mais da área da doutora, sociolinguística, não é? mas eu acho que em certas famílias, as famílias mais abastadas em Cabo Verde, em muitas dessas famílias, o português já não é uma língua segunda, é uma língua materna, língua materna, não é? as crianças aprendem desde a tenra idade a língua portuguesa, usam em pé de igualdade, e por vezes usam mais do que o crioulo. nessas famílias da alta burguesia falam mais português que o crioulo, por diversas razões, não é? + +Então,digamos, acha que esseportuguês de Cabo Verde nasceria daqui? + +naturalmente. + +Neste momento ainda não temos? + +ainda não, na minha opinião ainda não temos, ainda não temos. basta vermos aqui os alunos. vêem cá, durante… quase por imposição falam o português connosco, isso é uma imposição mesmo, não é? entre aspas, saindo das aulas, não é? passam logo para o crioulo, e durante o intervalo só falam o crioulo entre si, entre si. o que quer dizer que ainda não sentem, não têm o português como língua materna. mas amanhã, passarão a ter, e quando isso acontecer, não é? falarão naturalmente o portugu��s aqui, e quando saírem desse espaço, por exemplo na rua, no autocarro, em situações também informais, porque aqui em Cabo Verde ainda não (?) usar o português em situações informais e o crioulo em situações formais, há essa disparidade, e é isso que temos de ver, daqui… não sei o espaço de tempo, futuramente devemos ter o português cabo-verdiano, a semelhança de Angola e Moçambique porque em Angola, sobretudo nas cidades, agora têm o português como língua materna, o português angolano, não é? Moçambique também, não é? em São Tomé também - o que não se verifica aqui em Cabo Verde, e Guiné-Bissau, curiosamente o nosso país irmão tem esse problema de crioulo também, e não só crioulo e outras línguas também. + +Professor X não tenho mais questões, mas se tiver algum comentário, alguma coisa que eu não tenha… que ache relevante, algo que queira acrescentar… + +não sei, parece-me que disse tudo, disse mais ou menos o que tinha a dizer, duma forma concisa. o que eu quero reforçar nesse aspecto linguístico, isso me preocupa como professor, é reforçar o português, para que o português seja cada vez mais bem falado em Cabo Verde, e aprendido, não é? e deixar de muitas cantigas, muitas teorias a nível do crioulo, e passar à pratica, passar também através de um estudo mais aprofundado do crioulo, a introduzir o crioulo no ensino, mas não é a língua crioula, é uma disciplina de língua crioula, que o ensino também faz falta de ser ministrado em crioulo, desde o EBI até à universidade, ou às universidades, que já temos, hoje em dia, já temos três ou mais. + +Certo. + +isso é a minha preocupação. + +Então, mais uma vez muito obrigada. + +obrigada também por esta oportunidade, também de expressar, outro assunto- não é? + +Eu é que agradeço." \ No newline at end of file